Copyright © Roosevelt M. S. Cassorla Capa Capa e ilustrações:
Carlos Matuck Revi Re visã são: o:
Mansueto Bemardi
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Carlos Matuck Revi Re visã são: o:
Mansueto Bemardi José W. S. Moraes
edito di tora ra brasiliense brasiliense s .a. .a. 0 V 2 3 — r. general general jardim jard im,, 160 são paulo — brasil
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Mansueto Bemardi José W. S. Moraes
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ÍNDICE I ntr odução odu ção .................................................................... Tip os de d e s u i c í d i o ...... ......... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ... Sociedades suicidas....................................................... O que qu e é a m o r t e para o suici sui cida da
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A agressão gressão d o sui su i cida ci da e a p un i ç ão d o amb am b i en t e . . . Outros reflexos do ato suicida.................................... Exemplos de fantasias no indivíduo suicida ...........
Lu to, mela melancolia ncolia e s u ic ídi o ......................................... As r eaçõ eações es de d e a n i v e r s á r i o .................. ........................... .................. ................. ........ Sexualidade e fantasias suicidas................................. Menopausa nopausa e velhice co mo fatores con tr ib uin tes . . Os su ic ídios ídi os por p or f r a c a s s o ...... ......... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ..... .. Epidemiologia e intencionalidade dos atos suicidas Fator Fator es só cio-demográf ci o-demográf icos icos nos nos atos atos su i c i d as ...........
0 direit direito o ao ao su ic ídi o .................................................... Indi Ind i cações caç ões para l e i t u r a ....... ........... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ........ ....... ...... ...
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INTRODUÇÃO Se você que está iniciando a leitura deste livro alguma vez já pensou em suicídio, e está curioso em conhecer mais sobre o tema, espero que isso se torne realidade. Mas, já lhe adianto que, como você, a grande maioria das pessoas já j á t eve ev e ess sse e pen p enss amen am entt o alg al g u m a vez em sua vi d a. Se você que vai 1er este livro tem alguma pessoa próxima que tentou matar-se, ou se matou, saiba que o suicídio, em si, não é um ato que tenha qualquer componente heredi tário. No entanto, algumas vezes, o ato suicida deixa marcas mais ou menos profundas nos indivíduos que conviveram com o suicida, trazendo sofrimento e podendo, às vezes, levá-lo a pensar em repetir o ato. Se você que está lendo esta obra vem pensando em matar-se, espero que possa compreender algumas das moti vações de seus pensamentos. E perceba que, com auxílio profissional, poderá discernir melhor a força de fatores constitucionais, biológicos, psicológicos e sócio-culturais no
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seu sofrimento, que compreendidos poderão ser comba tidos com várias armas terapêuticas. Notará também que a maioria das pessoas que pensam em suicidar-se, talvez como você, está descrente e não consegue ver qualquer saída. E que essas saídas existem e serão encontradas, desde que você se permita ser ajudado. E se você que está me lendo nunca teve qualquer pensa mento ou experiência com suicídio, espero que eu possa também ajudá-lo a compreender algo sobre mecanismos mentais, que todos nós utilizamos, e como esses meca nismos interagem com fatores ambientais. Na verdade, a mente do suicida não é diferente da mente de qualquer pessoa: apenas alguns mecanismos se tornam mais intensos, ou interagem entre si de uma forma que causa sofrimento. Proponho-me, portanto, a discutir com o leitor algumas facetas dos atos suicidas. É um assunto complexo porque envolve a influ in fluência ência de inúmeros fatores: assim, o suicídio sui cídio pode ser abordado dos pontos de vista filosófico, socio lógico, antropológico, moral, religioso, biológico, bioquí mico, histórico, econômico, estatístico, legal, psicológico, psicanalítico etc. E todas essas visões se interpenetram. Face aos objetivos desta coleção serão apenas pinceladas várias dessas visões e, devido às minhas características pessoais, enfatizarei mais os aspectos psicanalíticos, em sua interação com o sócio-cultural, tornados compreensíveis para o leigo. No final do volume o leitor encontrará refe rências bibliográficas sobre o tema, comentadas, que poderão proporcionar-lhe um aprofundamento.
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TIPOS DE SUICÍDIO Suicídio é, traduzindo-se a palavra: morte de si mesmo. Esta definição parece suficiente, num primeiro momento. Mas, quando começamos a refletir sobre as maneiras e mecanismos como as pessoas podem matar-se ou contribuir para sua própria morte, percebemos que se trata de uma conceituaçâfo muito ampla, em que podemos incluir muitos atos e comportamentos que normalmente o leigo não ima gina que se trate de suicídios. Mas que o são, de alguma forma. Vamos a alguns exemplos: 1) Imaginemos um fu m ante inveterado, já com prob le ma« pulmonares e cardíacos, conseqüências do fumo, que ’.iibo que se não parar de fumar morrerá em pouco tempo. I i)uu não pára de fumar ou não consegue. Ë evidente que mlA contribuindo para sua própria morte. Aliás, isso ooorre com qualquer fumante. O mesmo vale para o alcoó-
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latra, o viciado em drogas e mesmo para quern insiste em ingerir alimentos que lhe farão mal. 2) Há pessoas que gostam de viver perigosamente. Na maioria das vezes não estão conscientes dos riscos que correm, ou mesmo que os conheçam, acreditam-se imunes a eles. Corredores de automóveis são um bom exemplo. 0 indivíduo que pratica a roleta russa está não só crendo magicamente - em sua invulnerabilidade, como está tam bém procurando a própria morte. Os praticantes da roleta paulista (dirigir velozmente em cruzamentos movimen tados, independente de o sinal estar verde ou vermelho) pro curam, além da própria morte, a morte dos outros: aqui fica claro que o ato é auto e também heteroagressivo, como ocorre em todos os suicídios (o que veremos melhor adiante). O policial e também o criminoso correm risco de vida, e sabem que sua chance de a perder é maior que a da população geral. E, muitas vezes, encontramos nessas pro fissões e atividades perigosas, indivíduos em que a procura da morte é bem evidente: com regularidade se acidentam ou se expõem desnecessariamente a situações de alto risco. São pessoas cujos conflitos exacerbam o instinto de morte, presente em todos nós. 3) O soldado voluntário, que se oferece para uma missão em que as chances de sobrevivência são pequenas, o bonzo budista ou o estudante checoslovaco que se imolam em protesto político, ou ainda o indivíduo que faz greve de fome por um ideal, constituem outro grupo de suicidas ou de indivíduos que correm risco de vida, aqui de uma forma geralmente altruísta. 4) Pessoas comuns, muitas vezes, em determinadas fases
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de suas vidas se açidentam com facilidade. Caem, são atro peladas, sofrem desastres automobilfsticos, acidentam-se mais no trabalho etc. Uma análise mais profunda demonstra a exacerbação, geralmente inconsciente, de seus instintos de morte. É interessante que comumente, numa determinadá sociedade, as taxas de morte por suicídio acom panham as de acidentes em suas oscilações. Isso ocorre não só porque muitos suicídios conscientes passam por aci dentes, mas porque as motivações inconscientes tendem a ser comuns nos dois grupos. 5) Pessoas levam formas de vida em que, por problemas psíquicos ou psicossociais, se sobrecarregam física e/ou emocionalmente. Vivem em tensão: as pessoas próximas, âs vezes, percebem e alertam: "você está se matando, precisa mudar de vida". Ë a percepção inconsciente que os outros têm dos componentes suicidas. Muitas dessas pessoas aca bam por encontrar resposta a esses componentes através do surgimento de doenças. Hoje sabemos que em todas as doenças, independente de causas externas, existe um componente emocional ligado a impulsos de autodestruição. A doença será a resultante da interação entre instintos de vida e de morte (estes exacerbados). Isso é mais evidente no caso de moléstias que se costuma chamar de psicosso máticas: a hipertensão arterial, o enfarte do miocárdio, a úlcera gastroduodenal, a retocolite ulcerativa, a asma brônqylca, mas o componente psicológico é também claro nas tlosnças infecciosas, no câncer e nas doenças auto-imunes. A nnorexia nervosa, moléstia de origem psicológica, em que li Indivíduo morre porque se recusa a comer, é um exemplo • Klremo de influência dos instintos de morte através de
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uma doença. Em resumo, as pessoas podem matar-se ou procurar a morte de uma forma consciente ou inconsciente. Na ver dade, existem em todos nós instintos de vida e instintos de morte: os primeiros levam a crescimento, desenvolvimento, reprodução, ampliação da vida, unindo a matéria viva em unidades maiores; já os instintos de morte, também pre sentes em todos os organismos vivos, lutam para fazê-los voltar a um estado de inércia. Os instintos de morte acabam por vencer, a nível individual, pois todos os seres vivos ter minam morrendo (se bem que a nível coletivo á vida con tinua, através dos descendentes). A vida, nas suas várias fases de desenvolvimento e involução, até a morte, é o resul tado da interação desses dois instintos. 0 próprio instinto de morte, mesmo lutando para levar o ser vivo ao estado inorgânico, também auxilia a vida, pois dele derivam forças destrutivas que se manifestam através da agressi vidade; essa agressividade permite ao indivíduo defender-se de forças externas e conquistar os recursos de seu ambiente. Ë como se o instinto de morte defendesse a pessoa da morte por causas externas e assim a obrigando a submeter-se só ao seu comando, que levará à morte natural. Mas, em situações de conflito, a força do instinto de morte se exacerba e mecanismos autodestrutivos entram em jogo, terminando por acelerar a morte: esta deixa de ser natural e passa a ser devida a doença, acidentes ou atos inconscientes ou cons cientes de aut o-exter m íni o. Além de o suicídio ser consciente ou inconsciente, pode mos utilizar outra classificação: suicídio total e suicídio parcial. No suicídio parcial o indivíduo mata uma parte de
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si mesmo. Pode ser consciente — por exem plo , as automutilações — mas, geralm ente, é inconsciente: as doenças, o não funcionamento ou o mau funcionamento de órgãos são suicídios parciais. A frigidez e a impotência sexual são exemplos claros em que uma parte do indivíduo está como que morta. Mas, sempre o que se mata é a satisfação, o prazer, a vida que provêm desses órgãos. Outras vezes, o suicídio parcial se manifesta através do prejuízo de funções mentais (sem repercussão orgânica clara), a pessoa não podendo aproveitar suas potencialidades emocionais: de amar, de trabalhar, de ser criativa. Quase sempre, o indi víduo não tem consciência de que suas potencialidades podem ir além do que ele se permite usar, de que parte delas está "suicidada", bloqueada" devido a conflitos emocionais. A interação entre fatores internos e externos existe sempre. Um ser humano pode não ter forças para enfrentar desafios e pressões externas, ou porque estas são muito intensas, ou porque suas forças internas estão prejudicadas, ou pela soma de ambos os fatores. Ë evidente que alguém corre maior risco de acidentar-se numa estrada mal sinali zada, ou de ficar tuberculoso se estiver desnutrido, ou «or assaltado numa fase de recessão e desemprego na sociedude: aqui a força de fato res extern os é evidente. Mas, motivações internas levarão muitas pessoas a redobrar os cuidados na estrada, por perceberem que está mal sinali zada. Esses mesmos fatores internos poderão fazer com que alguns desnutridos resistam ao bacilo da tuberculose e qua outras pessoas descubram como proteger-se melhor de um ««salto em potencial. Já outros indivíduos, com menos
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intensidade de instintos de vida, ou mais instintos de morte, poderão acidentar-se em ótimas estradas, ficar tubercu losos mesmo se bem nutridos, ou ser assaltados porque deixaram, por engano (isto é, inconscientemente), a porta de sua casa escancarada, "convidando" qualquer assaltante a e n t r a r ... Enfim , forças internas podem dimi nu ir ou aumentar a força de riscos externos. Adiante o leitor encontrará exemplos ilustrativos no relato de casos de conduta autodestrutiva.
SOCIEDADES SUICIDAS Antes de seguir adiante permitam -m e uma analogia entre o indivíduo e a sociedade. Trata-se apenas de um exercício, porque uma visão psicológica de algo tão complexo como uma sociedade será provavelmente parcial e deformada. Mas, as sociedades também nascem, crescem e se desen volvem, involuem e morrem. Centenas de civilizações mais ou menos desenvolvidas se extinguiram (como também ocorreu com milhares ou milhões de espécies vivas). Essas ■ociedades, quando se estuda sua história, chegaram geralmonte ao ápice, após o que entraram em decadência; e comumente o historiador identifica os fatores de involução dentro da própria sociedade, fatores esses que terminam por lovar ao auto-extermfnio ou à facilitação de conquistas por outros povos. Às vezes, o agente externo é irresistível e as força* internas têm pouca influência, como ocorreu com os índios de nosso continente frente à invasão européia. Mas, <|imndo se trata de civilizações de tecnologia equivalente, o
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componente autodestrutivo é evidente (e às vezes a tecno logia do vencedor é inferior), como ocorreu com as civili zações mesopotâmica, egípcia, grega e romana, apenas para citar as mais conhecidas. E, em nosso continente, provavel mente entre os incas e ma ias. Esses processos de vida e morte das civilizações levaram séculos. Mas, mesmo com o fator tempo sendo muito curto para uma avaliação, o mesmo poderá ser visto de alguma forma nas nações mais modernas, se bem que é pouco provável, por exemplo, que a decadência do império inglês possa ser tomada como decadência de uma civilização. O mais provável é que haja ocorrido uma nova forma de sobrevivência, de readaptação de ex-nações imperiais, que continuam imperando (agora unidas e mais fortes) de uma forma mais sutil e mais eficiente (através do domínio financeiro e científico, via bancos, multinacionais, FMI e toda a parafernália que o brasileiro já se acostumou a ver, chegando até a ameaças de invasão militar e corrupção de pessoas influentes nos países do minados ). A o nível de uma nação, como por ex em plo o Brasil, sujeito a forças externas, o componente autodestrutivo é também muito evidente. Em raríssimos momentos de sua história as pessoas que governaram este país quiseram perceber que o Brasil são os brasileiros. O extermínio de brasileiros (e o suicídio parcial do país) tem sido uma rotina. Esse suicídio se faz de várias formas: impedindo-se o nascimento de milhões de crianças (abortadas, natimortas); das que nascem, milhões morrem de fome ou são aniquiladas por doenças causadas pela miséria; das que sobrevivem, outros milhões morrem precocemente, na idade
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adulta e no auge de suas vidas, de condições resultantes do fato de a sociedade não lhes proporcionar condições de sobrevivência. Dos que restam, a maioria são "mortos em vida", indivíduos acuados, submissos, que muitas vezes só vegetam, sem instrução, sem oportunidades e que não têm como desenvolver suas potencialidades. Estes constituem a grande parte dos brasileiros que, a despeito disso, produzem as riquezas do país mas delas não podem usufruir. A mino ria dos brasileiros que pode ter consciência de alguma coisa 6 "suicidada" através de um sistema educativo aliénante, de uma rede de desinformação, de uma cultura consumista, de uma ode ao oportunismo e esperteza, ao "vencer" na vida medido pela aquisição de bens materiais supérfluos, de um estímulo à desonestidade e corrupção. Infelizmente vivemos num país em que o "jeitinho", misto de hipocrisia, chantagem, submissão e oportunismo (em que tudo fica como está) é uma instituição nacional. Um país em que os princípios predominantes são do tipo: "ou instauramos a moralidade ou no$. loc up letemo ^r to dos " , " aos amigos tu do, «os inimigos a lei",'-"a lei, ora, a lei", "a lei é como a virgem, existe para ser violada", em que existe uma lei dos ricos e outra dos pobres, a primeira podendo ser alterada uo«uisticamente quando convém aos poderosos, e em que os Jovens não acreditam em mais ninguém é um país semi"nuicidado". Mas, é muito difícil exterminar a vida (e até o Indivíduo suicida sabe como é difícil matar-se): existe imnpre a vida em potencial e possibilidades de um renasolm tnto, às vezes até das cinzas. E, muitas vezes essa vida, quanto mais inibida e restringida o foi em seu desenvolvlmanto, emerge com mais força e vitalidade.
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Talvez o leitor se pergunte por que eu estou falando em suicídio de um país, e não em assassinato. Éjjorque ele está sendo assassinado por uma parte dele mesmo, uma parte de uma sociedade mata as potencialidades de outra parte, e é o mesmo que ocorre no indivíduo suicida. Como veremos adiante, o suicida não está querendo necessariamente matar-se, mas matar uma parte de si mesmo. No entanto, isso é impossível, e ele, como que num engano, acaba matando-se e morrendo inteiro. Uma parte da sociedade que mata outra parte poderá terminar também por morrer Um preâmbulo disso já pode ser a onda de violência urbana, em qué"pessoas sem oportunidade, pela recessão e desem prego — semi-" suicidadas'' —, revidam violentando outras pessoas e temos uma espécie de guerra civil, em que uma parte da nação (e muitos inocentes, como em todas as guerras) é atacada pela outra parte. Tanto no indivíduo como na sociedade os impulsos destrutivos têm de ser neutralizados ou desviados para que não se tornem autodestrutivos. Outras vezes, a frus tração externa faz com que eles aumentem e se voltem contra a própria pessoa ou a própria sociedade. Assim, se não posso combater um inimigo externo porque ele é mais fo rt e, posso arranjar um inim igo interno — em termos indi viduais posso auto-agredir-me; em termos grupais, por exemplo, se não posso combater um grupo inimigo fascista, posso deslocar as energias para combater uma dissidência mais fraca de meu grupo antifascista (e auto-agrido meu grupo), se não posso brigar com meu patrão, posso agredir minha esposa e filhos, e se não posso agredir ninguém bato com a cabeça na parede, ou me mato. A agressividade, se
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------------------------------------------------------------------------------- ^ não neutralizada ou dirigida pelo instinto de vida, será insu portável e se manifestará ou para fora ou para dentro do indivfduo ou da sociedade. Às vezes, precisamos de um bode expiatório para poder colocá-la para fora: podem ser os judeus (inclusive, por tradição... ), os comunistas, os americanos, os hereges, os infiéis, os negros, os amarelos, os nordestinos, os paulistas, os corintianos ou os vascaínos. .. Podemos gritar contra eles, ou se os impulsos forem muito fortes (ou bem manipulados por alguém) podemos ter um pogrom, uma fogueira inq uisit orial ou um linchamento. Podemos também travar uma guerra: "retomar" as Malvinas ou olhar feio para algum país vizinho por causa de um rio ou um pedaço de terra. Numa guerra (civil ou externa) matamos, "suicidamos" parte de nossa juventude e da naçâo. Numa guerra mundial nos matamos to dos , exterm inamo s com artefatos nucleares toda a humanidade, a espécie humana se suicida e ainda acaba com muitas espécies vivas. Talvez ainda consigamos, dentro de algum tempo, acabar até com o planeta Terra. Estamos frente à possibilidade de um suicídio da huma nidade. O indivíduo suicida, ou se mata, ou (geralmente com ajuda profissional) se permite pensar e controlar seus impulsos, e assim se humaniza. A humanidade também, ou pensa e se humaniza, ou se exterminará. Lembro-me agora de uma anedota. Num Congresso Mun dial de Genética o presidente alerta que será anunciada uma descoberta que revolucionará a história da humanidade. Marca-se a hora para o anúncio, auditório lotado, jornais, televisfo, suspense . . . O presidente se levanta e, emocio nado, comunica que finalmente foi descoberto o elo per-
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dido, aquele elo tSo procurado pelos estudiosos da evo lução, o elo entre os macacos e o homem civilizado. E con tinua, com a voz embargada: "O elo perdido, somos NÓS." Esta anedota surgiu em minha cabeça porque, de repente, me percebi algo pessimista. 0 riso, o rir de si mesmo, é uma característica do ser humano e é uma arma muito forte, às vezes a única arma dos fracos, mas que pode atingir em cheio os fortes. Nada mais ridículo que ver a luta de americanos e russos para aumentar seus arma mentos, que já podem exterminar a humanidade dezenas de vezes. Para quê? Nâfo basta exterminar só uma? O homem, que pode pensar, pode criar, pode se enxergar, pode criticar e corrigir seus erros, pode também estar do lado da vida e pode comb ater to do esse potencial m o r tí fero. Creio que, se pode rir de si mesmo, é porque tem inte ligência suficiente para encontrar saídas. O mesmo ocorre com o indivíduo suicida: quando ele pode rir é porque já «itá se humanizando, podendo viver.
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O QUE É A MORTE PARA O SUICIDA Voltemos agora ao estudo do suicídio individual. O mais comum é que se considere como suicídio a morte que alguém provoca a si mesmo, de uma forma deliberada, intencional, isto é, os suicídios conscientes. Mas, uma questSo importante, que vale a pena discutir, é se o suicida consciente está realmente procurando a morte. A pergunta que se impõe é: o que é a morte? Será que é possível saber-se o que é a morte? Ou, o que realmente se quer quando se procura a morte? Existem alguns depoimentos de pessoas que teriam che gado próximos à morte, depoimentos em geral alentadores. Não está claro se o que elas contam é algo ou se são pro jeções de fantasias internas. E, mesmo assim, o seu relato é o do que ocorreria em face dos momentos próximos do fim , mas não da m or te em si. Existe uma necessidade natu ral nas pessoas a não só aceitarem esses depoimento s, mas
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até de colori-los de tintas mais maravilhosas ainda. Creio que isso ocorre como um mecanismo, às vezes desesperado, de tornar compreensível o incompreensível, o ignorado. % A» angústia do desconhecido, do incontrolável. é tão intensa que se não utilizamos mecanismos que nos consolem ou cme nos proporcionem a fantasia de controle, poderíamos até enlouquecer. Aliás, é interessante notar que a maioria dos seres h uma nos e na maior parte do tempo vive como se fosse imor tal. Existem (talvez, felizmente) mecanismos mentais que Impedem que tenhamos consciência permanente de nossa flnitude. Poucos homens percebem de uma forma cfara que existe a passagem do tempo e se permitem aproveitar melhor a vida, por isso, e quem sabe, podendo deixar de desgastar-se com pequenas coisas. Alguns tomam essa consciência apõs crises, doenças graves, proximidade da morte, guerras etc., que os fazem reavaliar a vida. Muitas vezes, a percepção da finitude permite que o indivíduo possa perder ou sacrificar algo (que então deixa de ter tanto valor) em função de interesses maiores, de sua família, wu grupo, ou de toda a sociedade. Em situações o sacri fício da própria vida pode ocorrer, e aqui temos alguns «tilcídios altruísticos. São clássicos os exemplos em que pali ou mães se sacrificam para salvar seus filhos, num proceiso altamente Complexo, com bases biológicos e psico lógicas profundas, permitindo a vida àqueles que viveram mmioi, num esforço de perpetuação da espécie. O heroísmo i|ue ocorre em situações de crise é uma constante em nossas populações marginalizadas, em que muitas vezes os pais ilalxam de comer para alimentar seus filhos. Notícia de
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jornal, de novembro de 1982, é bem ilustrativa: "Pelo menos 35 refugiados ruandenses, em sua maioria velhos e enfermos, cometeram suicídio coletivo em Uganda, tomando um carrapaticida, para que a escassa comida pudesse ser dada às crianças, disse ontem um funcionário da ONU''. Infelizmente, em quadros de melancolia, às vezes o sui cida em potencial imagina que com sua morte deixará de fazer sofrer a famflia ou pessoas próximas e acredita que cometerá um suicídio altruístico. Isso não é verdade, pois a análise cuidadosa demonstrará que esse é apenas um mecanismo, de auto-engano, para justificar o ato, que tem motivações muito mais profundas. Discutirei melhor a melancolia adiante, mas faço esta ressalva porque o^conceito do que seja altruístico deve ser da sociedade, e não do indivíduo (que muitas vezes, perturbado por seus conflitos, não tem condições de uma auto-avaliação de suas motivações). O exemplo dos velhos que se suicidam para permitir a vida aos mais jovens, que talvez seja também uma das motivações de suicídios de velhos entre os esquimós e certos grupos de índios, me leva a refletir sobre as dificul dades que muitas pessoas têm de dividir as benesses da vida com outras pessoas. Muitas vezes, para manter o poder, os velhos (não de idade, mas de espírito) se tornam avaros, desconfiados, autoritários e até desonestos, não medindo esforços e usando qualquer meio para não perder suas posições. Os outros, às vezes a geração mais jovem, que querem decidir o seu destino, pressionam para tal e têm de ser submetidos, dominados. Isto é visível em muitas
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famílias: e o resultado pode ser a sua dissolução, numa for ma de auto-extermínio. Pior ainda é quando ocorre em socie dades: o resultado é a repressão de todo um povo por um pe queno grupo de indivíduos que tem m edodedividir o poder. Se esse grupo, para manter-se no poder, foi obrigado a cometer falcatruas, a utilizar meios ilegítimos (às vezes Incluindo a tortura, a morte e o exílio dos adversários), a munter amordaçada toda uma população, o pavor de perder n (orça aumenta, por medo do revide. A cada sinal de vida a lapressão sobre a sociedade aumenta, e se não tiver a sorte do conseguir libertar-se permanece como que morta, melhor dizendo "suicidada", porque a morte veio de parte dela mnuma. Felizmente, mesmo que aparentemente morta (e às va/os ela se finge de morta, arma que muitos animais unam para confundir seus inimigos), sempre existe uma vido latente, subterrânea, que emergirá a qualquer momanto. Houve, inclusive, ocasiões em que grupos domi nados criaram novas sociedades, novas nações, novas rei iylflns (a vida surge, ressurge, e insiste em vencer a morte). Mns, retomemos o nosso problema de tentar compreenilnr o que seria morte. Se indagarmos a um grupo de pessoas Kibrfl o que elas acreditam que ocorra após a morte teremos impostas contaminadas por mecanismos emocionais, e nnmumente intelectualizadas. O que o indivíduo responderá |n>(ln sar o que ele deseja, ou uma teoria racional, mas raranmnte o que ele sente em nível mais profundo. Às vezes os wntlmentos mais profundos surgem: em muitos pacientes «in laiapia analítica a morte se apresenta como algo inexpritníval n apavorante —já em outros, mesmo que incompreen
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entrevistando jovens que tentaram matar-se, encontrei 1/3 para quem a morte significava trevas, sono sem fim. Ora, trevas e sono se contrapõem a luz e vigília — po rt anto , o conceito de morte é a negação de algo: só posso perceber as trevas ou o sono se vier a luz ou acordar. Na verdade, as idéias ou os sentimentos do nada após a morte, um nada que não se contrapõe a coisa alguma pois não existe conhe cimento (nem do algo, nem do nada), mal podem ser ima ginados, menos ainda descritos. Isso porque é uma experiên cia que nunca tivemos. E, se a tivemos, não foi uma expe riência, pois ocorreu antes de sermos, de ex is tir m o s ... Enfim, não podemos saber o que é a morte, porque não morremos. Podemos apenas supor algo, como uma nãovida, mas é uma suposição com bases muito limitadas^Em minh a investigação ou tro 1/3 dos jovens afirmava que não tinha condições de saber o que era a morte. Mas, nesses 2/3 (os que igualavam a morte a trevas e os que não arriscavam qualquer palpite), paradoxalmente, as prováveis fantasias inconscientes não eram de um nada pós-morte. Em quase todos se percebia, com nitidez, fantasias de vida pós-morte, como ocorre na maioria das pessoas. Na verdade, as respos tas obtidas nesses 2/3 eram afirmações de ordem racional, intelectual, e não afetiva. Apenas o 1/3 restante se permi tia afirmar que acreditava numa vida pós-morte. A necessidade de acredit ar numa vida pós-morte, que nos fará fugir do incompreensível do nada, foi provavelmente um dos fatores de origem das religiões. Praticamente todas se fundam na crença em uma vida, terrena ou extraterrena, que virá após a morte. A fé, a necessidade de crença mesmo sem provas, pode até ser uma das condições de sobrevi-
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vôncia do ser humano, evitando que caia em si e perceba tua insignificância. Não há condições de se saber se as pesioas que possuem essa fé estão utilizando mecanismos mentais mais ou menos adaptativos, em termos de manu tenção da saúde mental e da evolução da humanidade. Não tenho condições de fazer avaliações do ponto de vista teo lógico, mas numa visão psicológica, é possível que a noção do vida pós-morte seja a única saída para anular a angústia do defrontar-se com o nada. Para a criança a morte é algo reversível, assim como para O wlvagem. O crente também tem a mesma idéia, a reversi bilidade geralmente ocorrendo em outro mundo. Uma «rlança pequena acha que alguém morre porque foi morto por outra pessoa, e depois, porque estava doente (a doença 0 matou). Não existe a idéia de morte natural, de que as |ie»«oas morrem porque elas estão vivas. Para o selvagem a morte também é um acidente: alguém mata alguém, ou direiiimonte, ou através de influências ou feitiços; as doenças também são o resultádo de algo externo, causado por outra pe«ioa. Essa pessoa é um inimigo, muitas vezes de outra lilho ou grupo, com capacidade de feitiçaria. Outras vezes, « morte e doença não são tanto responsabilidade de pessoas me« »Im de entidades superiores, geralmente com caracte1III luas humanas, os deuses. Esses deuses devem ser aplaI mio* com sacrifícios e orações. Comumente, esses deuses -fln divididos em bons e maus, e assim vamos nos aproxi mando das concepções das grandes religiões, de céu e seus i»i|iiti«nniantes divinos e de inferno (e os representantes do maligno). O crente tampouco acredita na morte natural. A mm In e u doença são o resultado de castigos pela não
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obediência a preceitos da divindade ou a possessão por influências demoníacas. Ou, a morte ocorre porque a humanidade (não o homem individual) foi expulsa do paraíso, também por desobe diência. Os bons e justos serão premiados após a morte, os maus serão castigados. Mas, tanto no céu como no inferno, a Vida continua após a morte. As concepções de céu e inferno são variadas: para algumas religiões, no céu se encontram todos os prazeres terrenos e a vida é semelhante à da terra, mas sem sofrimento (como o Walhala dos vikings e o paraíso dos islamitas); em outras, como a cristã, o terreno se aproxima menos do celestial. Em algumas religiões a necessidade de crer em vida pós-morte leva à comunicaçcío com os mortos ou com seus espíritos, como ocorre em muitas sociedades primitivas e, modernamente, no espiritismo e suas variantes. Enfim, parece que o desejo de ressurreição é algo muito intenso e primitivo nos seres humanos, e as religiões prova velmente refletem essa necessidade. Creio que esse desejo existe na mente inclusive de pessoas não religiosas, mas que não se torna consciente, mascarado pelo intelectual. Daí não ficarmos surpresos quando um não crente se deses pera fr ente ao fim , desejando consolo ou até o engano com promessas de vida pós-morte. Ou, como veremos adiante, verificamos que a fantasia inconsciente do suicida, mesmo ateu ou racionalista, implica algo além da morte (não neces sariamente extraterreno). O leito r deve ter percebid o que, a despeito de respeitar (e até invejar) os crentes, sou da opin ião que a mort e é algo totalmente abstrato e incognoscível, e que as pessoas, inde
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pendentemente de fatores religiosos, comumente utilizam mocanismos para comb ater a angústia do incompreensível, e antro estes, um dos mais im port antes é a visâTo (consciente ou Inconsciente) de alguma espécie de vida pós-morte. Por lim mesmo, o suicida não procura a morte (porque não ial>o o que seja), mas sim está em busca de outra vida, fantasiada em sua mente. Essas fantasias comumente se aiitiontram em nível inconsciente e, portanto, só podemos ilauíobri-las por meios indiretos. A» proposições acima me levam a o utra idéia: existe uma Inilnpondência entre o desejo de morrer e o de matar-se. A linMoa que se mata não quer necessariamente morrer (pois nam «abe o que seja isso). A pessoa se mata porque deseja nulia forma de vida, fantasiada, na terra ou em outro mundo, mas na verdade, essa outra forma de vida está em •na monte. Nessa outra vida ela encontra amor ou proteção, «a vlngu dos inimigos, se pune por seus pecados, ou re-enMiitlia pessoas queridas. Tanto o desejo de matar-se não Iam lolação com o de morrer que muitas vezes a tentativa ila «iilcídio foi p u n i d a ... com a pena de m or te!, como , (Mil «Komplo, promulgou o imperador Adriano entre os Miitlui)» romanos. Uma anedota nos mostra uma pessoa que !• iu
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A AGRESSÃO DO SUICIDA E A PUNIÇÃO DO AMBIENTE Va|amos o que ocorreu em Mileto, na Grécia antiga, «•Vindo descrição do historiador Plutarco. Moças passam a *Mfoi<:ar-ie e logo se apresenta uma epidemia de suicídio na» |nvsn«. Nenhuma medida faz com que ela cesse, até que »IgnAm propõe que as moças sejam condenadas a terem seu HWtávni levado nu, em passeata, até o cem itério. Com essa MtNilliln h epidemia se extingue. Como explicar isso? É pos«iumI «|«i« at moças suicidas fantasiassem, como é comum, a mm A" d ó i vivos à sua morte — essa fantasia implica mais «hin qua morte: na verdade, a fantasia da morta é de que •la |imle "ver" a reaçSo dos vivos, pode "perceber" os •nmiiMinntoi de tristeza, remorso e culpa dos sobreviVatltM, üomo se ela estivesse viva. Em verdade, essa "visuali#* * ” prédomina e às vezes domina quase que totalmente h M.M fln do realidade da m ort e, de finitu d e. O suicida eli mina «un vida, paga com ela (mas nSo está totalmente cons1
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ciente disso) o prazer de tornar "r e a l" sua fantasia de vin gança, de causar sofrimento aos outros, mas nessa fantasia ele como que permanece vivo, No caso da epidemia de Mileto, a jovem que fantasia a reação dos outros à sua morte passa a visualizar também a reação a seu corpo nu, e o puder leva a uma vergonha que supera a necessidade de vingança. Esse prazer em imaginar como será a reação dos outros à própria morte é extremamente comum no ser humano, e se acentua em momentos de frustração, impotência e raiva Corresponde ao componente agressivo contra o ambiente, que leva à necessidade de vingança, a causar sofrimento nos outios, em revide por algo real ou suposto. No suicida esse mecanismo é intenso, em muitos casos. Nas A v en tu r as d e T o m S a w y e r , o autor. Mark Twain, nos descreve com perspicácia e humor, o prazer do herói (que todos acre ditam ter se afogado) assistindo escondido a suas próprias cerimónias fúnebres, divertindo-se com as reações das pes soas, que antes demonstravam irritação e raiva do menino e agora o elogiam e lamentam sua falta. . . Aliás, lembremonos que quase todas as pessoas são transformadas em " ó ti mas e maravilhosas" após a morte, como se os sobreviventes receassem uma vingança dos mortos, que agora não podem combater. Muitas vezes os elogios são proporcionais à culpa sentida por sentimentos negativos inconscientes em relação ao morto e pelo alívio proporcionado por sua morte. . . O suicídio do presidente Getúlio Vargas implica meca nismos similares. Não só ocorreu uma vingança frente a seus inimigos, que se sentiriam culpados e responsáveis.
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Hint, principalmente, o objetivo do suicídio foi a permailAiiolu de Vargas influenciando os sobreviventes, como numa vida pós-morte: "saio da vida para entrar na Histólll", tucreve em sua carta-testamento. Em sua fantasia, con tinuo vivo, talvez ainda-pais vivo que antes de seu suicídio. Homeu e Juíieta, da obra de Shakespeare, assim como lantofi Romeus e Julietas da vida real, se matam para vingartM (In sou ambiente (e, na obra, fica clara a ambivalência vlitn X morte, e como a morte no suicídio acaba ocorrendo HHiitnt vezes como um engano). Mas, talvez com mais inten«lilmln, matam-se para continuar juntos, para poderem himni »« num mundo fantasiado, de paz, certamente numa vliln pôn-morte. NnitHus exemplos verificamos que muitos suicidas não ilMmt|nm certamente a morte, mas sim uma nova vida, em t|Ue o pussoa se sinta querida, seja importante. O final fantailaili}, ie fosse possível é que aquelas pessoas de quem se liiiNUlno que veio o maltrato, se sintam culpadas e com tmnoiio; ontáo, o suicida como que ressuscitaria, todos se i I r m ulpariam e a vida continuaria, num final feliz. f avIdente que isso não vai ocorrer. Mas, poderia ser real ao trata de ameaças ou tentativas de suicídio, em t|tm n Indivíduo sobrevive. No entanto, geralmente a reação ili«mnblvnte ó bem mais complexa: em minha experiência, iHiMiimnto a tentativa de suicídio tem, em si, capacidade tin m o d ifie r muita coisa. O ambiente e a relação indivíiliiii ambiante estão comumente estruturados de forma tal i|hu o« maçfios serão apenas imediatas, em pouco tempo MtihMiiili) tudo ao esquema anterior. Pelo contrário, não iam li Hinltlonte reage também agressivamente ao ato agres-
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sivo de seu membro - a ameaça ou tentativa não só não levada a sério, como rejeita-se e castiga-se ainda mais pessoa. Em algumas ocasiões, no entanto, o sentimento d culpa é mobilizado intensamente, e o suicida em potência pode manipular e controlar os outros, ameaçando nova tenta tiva. Mas, é uma vitória de Pirro, pois apenas ocorreu um mudança de forças, uma troca de poder, com a estrutura ambiental continuando patógena para todos seus membros A agressão do suicida a seu ambiente manifesta-se tam bém no abandonar pessoas próximas e a própria sociedade Faz com que esta, também, se sinta responsável por não tei podido evitar o ato ou sofrimento que levou ao ato. Algumas vezes o suicida deixa bilhetes ou cartas com acu sações claras, ou mais comumente sutis (como por exemplo, perdoando ou desculpando alguém pelo mal que lhe fez, ou não condenando" ninguém). Ë uma agressão tão mais violenta porque os acusados não podem defender-se. A percepção da agressividade do suicida por parte da sociedade fez com que ela também reagisse agressivamente, através dos tempos, castigando o suicida (se bem que muitas vezes ocorria uma maior tolerância). Na antigüidade, em Tebas e Chipre, o morto era privado das honras fúnebres. Em Atenas, no século IV, cortava-se a mão do cadáver, que era enterrada distante, como que para privar o morto de uma vingança posterior. Em Roma, apenas os enforcados eram privados de sepultura. Os únicos suicídios realmente reprovados eram os dos militares e os dos condenados ou indiciados pela justiça. Na compra de um escravo, se este se matasse, ou tentasse suicídio, nos 6 meses seguintes à tran-' sação, a venda era anulada.
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Ainda em Roma, algumas tentativas de suicídio, princiimlmniite sangrentas, podiam ir à justiça, e se essa tentativa HUOrraiie no exército era punida com a morte. A pena, ti«m o suicídio proibido, era o confisco dos bens pelo Mtudo. (Em Roma percebemos, na realidade, uma certa «•ilMiãncla, a punição ocorrendo mais por razões de proih i . In du sociedade e do Estado.) fntra os wajagga, na África Oriental, o cadáver do nhifcodo era substituído por uma cabra, sacrificada com it intuito de tranqüilizar seu espírito, que, em caso contráII", oonvenceria outros a seguir seu exemplo. Na China nllu« flm guerras, um grupo de homens se matava no do batalha, antecedendo a luta, e imaginava-se que Him ulmos furiosas influiriam nefastamente sobre os ininilyni Em tribos ganenses, se um indivíduo se suicidava e h i I| m »h outro por sua morte, este também era obrigado a mui ui m. Entre os índios tin k lit a pessoa ofendida, incapaz »I* VIntim se, se suicida e então parentes e amigos devem wImu A I«. E, entre os chuvaches da Rûssia, era costume as Hmmh » onforcarem-se na porta da casa do inimigo. Em ffiUllii» urupos acreditava-se que a alma do suicida perseguia m titan«)! , e isso persistiu pelos tempos e continua no psii | i i l * M i n profundo das pessoas até hoje. N m UlntJti Média persiste o confisco de bens e o corpo ttii mili liI ii é degradado: é pendurado pelos pés, é queiHiHtlii, í «ntlado em tonéis e jogado em rios etc. Na InglaIIMa, «Imin um 1823, cadáveres de suicidas eram queim j hIi i i um «ncruzilhadas com estacas enfiadas no coração, Mt« Kvltm quo seus espíritos viessem incomodar os vivos. | t t l /iiil(|ue o corpo era punido no local do ato: se o sui-
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cidio fosse cometido com um punhal enfiava-se um pedaço de madeira na cabeça; se se tivesse afogado era enterrado na areia, próximo à água; se se havia precipitado num poço era sepultado com uma pedra na cabeça, uma sobre o corpo e outra num pé, para fixá-lo ao solo. A influência da Igreja era grande. Os suicidas eram pri vados de funerais religiosos e os autores de tentativas de suicídio eram excomungados. Na verdade, a Igreja primi tiva estimulava o suicídio através do martírio, que facili tava a entrada no reino dos céus. Apenas no século IV Sto. Agostinho sustenta que o auto-extermínio é uma perversão. Através dos concílios o direito canônico tende cada vez mais a reprimir o ato, e o suicida é considerado um discípulo de Judas, um traidor da humanidade. Poste riormente vê-se no ato uma vitória do diabo, em que o indivíduo duvida da misericórdia divina e vacila quanto à convicção de que será salvo. A repressão ao suicida tende a dim inuir a par tir dos séculos XV I e X V II , e a Revolução Francesa pr oíbe qu alquer ti p o de condenação — com o racionalism o a própria Igreja se torna mais tolerante e as punições reli giosas já não se aplicam a quem fez o ato num momento de loucura ou se arrepende frente à morte. Atualmente há uma tendência religiosa a compreender o suicida, mas não sem condenar o ato. Entre os judeus o suicídio também é condenado, e o corpo deve ser enterrado à parte, mas existem muitas justi ficativas que perdoam o ato, tais como tortura, recusar apostasia forçada, preservação de castidade, manutenção df honra etc.
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OUTROS REFLEXOS DO ATO SUICIDA A agressão ao am biente, um a das mot iv açõ es dos atos suicidas, e que mu itas vezes leva a revide da sociedade, explica não só a desimportância que muitas pessoas dão às tentativas de suicídio como ao, infelizmente não raro, des prezo das equipes de saúde, de pronto-socorro ao indivíduo que é trazido por ter tentado matar-se. Reflitamos: o objetivo da maioria das pessoas é viver, às vezes até, só sobreviver — o auto-extermínio passa a ser, então, uma transgressão, algo que choca com os objetivos de vida dos grupos humanos. O médico, a equipe de saúde foram treinados para salvar vidas, para enfrentar a morte, numa delegação da sociedade. Dessa forma, frente a alguém que o procura tentando preservar a vida, existe concordân cia de expectativas: ambos querem combater a morte. No entanto, quando o paciente tentou matar-se, destroem-se ou confundem-se, na equipe de saúde, as premissas de seu trei-
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-------------------------------------------------------------------------------namento. Agora ela terá de lidar com pessoas que estão (geralmente, em parte) do lado da morte, e que às vezes vêem o profissional como um inimigo. Por outro lado, os médicos clínicos, como a grande maioria dos indivíduos, só se permitem compreender as coisas se elas se encaixarem no pensamento racional, lógico. Existe uma grande dificuldade, em todos nós, em crermos que nossas moti vações e atitudes, quase sempre, não podem ser explicadas apenas pelo racional, e que existe uma vertente inconsciente, de extrema importância. Assim, com freqüência, o raciocínio dito lógico nos faz procurar e encontrar motivações para os atos suicidas, e geralmente essas motivações são julgadas insuficientes para justificá-las: o desprezo do indivíduo que praticou o ato suicida acaba sendo, por isso, o passo seguinte. É evidente que atrás dessas motivações aparentes (que, na verdade, são apenas a ponta de um iceberg, ou somente racionalizações usadas como tentativa de expli cação) existem conflitos, na maior parte, ou às vezes total mente inconscientes. O próprio paciente sabe muito pouco de seus conflitos: o que ele vai deixar transparecer a seus parentes, amigos e ao médico será apenas uma porção mínima do que realmente está ocorrendo (e às vezes até essa porção está deformada). Pior ainda, quase sempre o paciente acha que conhece suas motivações, mas na ver dade não sabe que não sabe o mais importante. Teremos então uma equipe de saúde que, na verdade, não tem condições de compreender o que está ocorrendo, face a seus desconhecimentos de psicologia profunda. (Felizmente, a psicanálise já se faz presente em muitas esco-
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las médicas e o interesse dos alunos tem aumentado.) Some-se a essa incompreensão dos motivos o compo
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las médicas e o interesse dos alunos tem aumentado.) Some-se a essa incompreensão dos motivos o compo nente manipulativo e agressivo de muitos atos suicidas, e teremos a explicação de porque encontramos atitudes de maltrato (muitas vezes inconsciente) do paciente, em muitos pronto-socorros, e também entre a população em geral. Fica difícil, para todos, ter a percepção de que exis tem outras facetas, mais inconscientes, atrás do ato suicida Tudo isso é mau para o médico, para o paciente e para aí pessoas próximas: a compreensão e a orientaçâTo que o ind> víduo , de certa fo rm a, está solic itando term inam por nã vir. Comumente, o paciente socorrido do ponto de vist orgânico é mandado de volta a seu ambiente, sem qualquei tipo de ajuda ou encaminhamento para profissionais da área mental e social. Eu próprio tive a chance de verificar, visi tando em seu domicílio indivíduos que haviam tentado suicídio, que mais da metade precisava de ajuda psicoló gica urgente, e os outros se beneficiariam também dela, mesmo sem urgência. Na verdade, o atendimento médico e social de nossas populações deixa muito a desejar. As explicações que dei acima sobre o comportamento das equipes de saúde frente ao ato suicida (que são também as da população em geral), devem ser complementadas pela quase inexistência de um sistema de ajuda psicológica e/ou psiquiátrica de urgência, no nosso meio. Dessa forma, os médicos mais esclarecidos tampouco têm para quem encaminhar os seus pacientes: as poucas entidades existentes estão sobrecarregadas, com pouco pessoal e não raro com profissionais que têm difi culdades de adaptar-se ás características culturais de nossas
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populações. Os pacientes, comumente com preconceitos frente a problemas da esfera psíquica e aos profissionais de saúde mental, náo entendem o que se lhes diz, o que se espera deles, e abandonam os tratamentos com freqüência. Muitas vezes, é verdade, isso ocorre devido à resistência e medo de perceberem seus mecanismos inconscientes, que os tevariam a mudanças em suas formas de viver, abandonando adrões que já conhecem (mesmo que sofridos). As ref lexões acima me levam a pensar ainda, se tudo so, todos esses sistemas de ajuda médica, psicológica e icial, que pouco funcionam em nosso meio, somados a )dos os agentes externos que provocam sofrimento nas essoas (fome, desemprego, falta de respeito humano, buroracia etc.) não fazem parte do componente suicida de ossa sociedade, sociedade essa que não tem condições, em interesse, de suprir de ajuda os seus membros, mesmo ue o pedido seja desesperado.
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EXEMPLOS DE FANTASIAS NO INDIVÍDUO SUICIDA Voltemos ainda, um pouco mais, sobre a incompreensão que o leigo tem das motivações inconscientes dos atos sui cidas. A primeira pergunta que nos fazemos, frente a um evento deste tipo, é: por que ele fez isso, qual o motivo? E as respostas logo surgem: porque brigou com a namorada, por problemas financeiros, porque fracassou na escola ou no trabalho. Essas sâb geralmente teorias, que o obser vador faz, a partir de indícios conscientes, racionais. Comumente esses motivos sSo apenas a gota d'âgua, o desencadeante último, o elo final de uma longa cadeia de eventos que interagiram entre si ou com componentes individuais, levando a conflitos, a rede de conflitos, e esses conflitos sempre remontam a conflitos mais primitivos, que se ori ginaram na infância. Como tudo isso permanece em nível inc onsciente, o paciente pouco sabe desses co nf li to s — ele apenas percebe algumas características dos desencadeantes
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C finais e um sofrimento intenso, que atribui a esses desencadeantes. Outras vezes, a pessoa não consegue discriminar qualquer motivação externa, só sente o sofrimento, intenso,
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C finais e um sofrimento intenso, que atribui a esses desencadeantes. Outras vezes, a pessoa não consegue discriminar qualquer motivação externa, só sente o sofrimento, intenso, sem explicação. Se tiver a felicidade de perceber isso e procurar ajuda, poderá defrontar-se com seus aspectos inconscientes, compreender-se melhor e encontrar saídas. Vamos a um exemplo (este, como todos os outros, foi baseado em casos reais, mas transposto de forma às pessoas não pod erem ser identificadas): Nair é uma moça de 24 anos que conheceu um rapaz, João, e está apaixonadíssima por ele. Mas, não tem certeza de ser correspondida. Usa todos os artifícios para manter o rapaz perto de si e se desespera só de pensar em perdê-lo. Sente-se insegura e passa a ter ciúmes dos amigos e das outras atividades de João — o namoro prossegue cont ur bado por cenas de ci ú mes, ameaças de separação e reconciliações. Mas, Nair sofre muito porque nunca está certa de ser amada. Um dia, João, cansado da insegurança e dos choros de Nair, resolve dei xá-la definitivamente. Ela não se conforma: segue-o, suplica, ameaça, tenta seduzi-lo, mas desta vez João, mesmo com pena dela, resolve não mais ceder. Nair chora dia e noite, não consegue dormir, trama formas de reconquistá-lo e vinganças se não conseguir, a imagem de João não saindo de sua cabeça. Emagrece, definha e perde o gosto pela vida. A idéia de suicídio começa a tomar forma em sua mente, no início insidiosamente e depois com mais fir meza. Visualiza João desesperado com sua morte, arrepen dido pelo que fez; ao mesmo tempo sente-se morta, como que descansando dos pensamentos e do sofrimento intenso. Acaba toman do dezenas de calmantes pensando em dormir
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e/ou em morrer, e a tentativa de suicídio está consumada. Poderá morrer ou recuperar-se, conforme as circunstâncias. A causa aparente da ten tat iva de suic ídio é a briga com João. Ora, muitas e muitas pessoas perderam o namorado, sofreram por isso, mas não chegaram a matar-se. A expli cação, portanto, não satisfaz — é apenas, como já assinalei, o desencadeante, a gota d'âgua. Se Nair se submeter a um tratamento psicanalítico veremos que ela não foi dese jada por seus pais, que comumente se sentiu aband onada, rejeitada e em vias de ser aniquilada face à insegurança do ambiente em que vivia. Isso a fez tornar-se insegura, não acreditar em si mesma, sentir-se má e desprezível e ter inveja dos outros, a quem atribuía a posse de tudo que era bom. Mas, tudo isso era predominantemente inconsciente. As manifest ações exter nas desses confli tos inconscientes apareciam na ligação muito intensa, e ao mesmo tempo frágil, que fazia com as pessoas e o sofrimento extremo pelo medo de perdê-las. Na verdade, reeditava situações que passara na infância. O episódio com João foi apenas o elo final de uma cadeia de conflitos, e a sua perda fez com que ela vivenciasse, inconscientemente, a situação de uma criança faminta, abandonada, que se sente presa de coisas terroríficas internas e tem de fugir delas. A morte é uma fuga, nem que não se saiba claramente para onde. Portanto, a tentativa de suicídio de Nair não teve como "causa" a briga com o namorado. Mesmo a rede de con fl it os descrita superfic ialmente acima nunca será com pleta, porque suas influências aparecem parcialmente na análise. A lém disso, fatores consti tucion ais, hereditário s, bioló gicos, culturais e sociais também influenciam de alguma
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fo rm a, maior ou menor , a feitu ra da rede co nf litu al. Neste exemplo «vemos também, com clareza, que o sui
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fo rm a, maior ou menor , a feitu ra da rede co nf litu al. Neste exemplo «vemos também, com clareza, que o sui cida não está necessariamente escolhendo a morte, mas sim uma outra maneira de viver. Mesmo numa análise sumá ria, verificamos que Nair fantasia uma vida melhor, amada por João ou vingando-se do Joio. A visualização da morte, em si, é precária. Mas, num estudo psicanalftico, veremos que as fantasias pós-morte de Nair são mais complexas. Existe uma fantasia de re encon tro com sua avó, que mo r reu quando ela tinha 4 anos, e que em seu inconsciente permaneceu como uma fonte importante de gratificações, que supr iam aquelas que a mãe não lhe fo rn ecia. 0 re-encontro com essa avó seria nalgum lugar imaginário, onde os mortos revivem. Mas, num nível ainda mais profundo, Nair via a morte como uma volta ao seio, ao útero materno, a um mundo paradisíaco, em que todas as necessidades estariam supridas, ou melhor ainda, em que não existiriam necessidades, e em que não haveria diferenciação entre ela e mãe, ambas se constituindo numa unidade. A morte seria como que um parto ao contrário. Aliás, era isso que Nair queria de João: uma mãe que se unisse, em simbiose, a ela, que não houvesse mais individualidade dessa mãe (e de João) e que só vivesse para a filha (ou namorada). Aliás, os co nceitos de paraíso, de céu, das religiões lembram muito esta idéia de vida intra-uterina, de ausência de necessidades e de felicidade total, no seio de Deus. O castigo dos pecadores é não poderem voltar a esse seio. As analogias de volta à mãe Terra devem se fundar no mesmo simbolismo. No caso de um bonzo budista que ateia fogo âs vestes em J
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------------------------------------------------------------------------------- ^ protesto contra uma guerra, ou do kamikase que jogava seu avião contra um navio americano, ou de um terrorista pales tino que explode com seu caminhão dentro de um quartel inimigo, é evidente que a morte, em si, tem pouco a ver com seus objetivos individuais. Existem duas fantasias (superpondo-se ou até mascarando outras mais profundas) : permanecer na terra, lembrado como herói, e, mais impor tante talvez, ter uma vida pós-morte —, reservada aos heróis, onde serão recompensados pelo sacrifício feito na terra. A idéia de uma vida pós-morte cheia de regalias leva ao fanatismo das guerras santas dos islamitas, dos xiitas, ainda agora, e que, para os ocidentais, são de difícil com preensão. Mas, não nos esqueçamos que há poucos séculos muitos cristãos fervorosos iam às cruzadas numa aquisição de indulgências, que permitissem sua entrada no paraíso, após a morte. As orações, as penitências e as flagelações ainda servem para tal e, por vezes, a bondade e o amor ao pr óxi m o têm de ser trabalhados, disciplinados e até fo r çados, devido ao terror das profundezas do inferno e ao desejo do prazer da companhia divina. Não deixa de ser, portanto, um compromisso para a obtenção de uma vida ideal pós-morte. (A análise acima decorre de uma visão psi cológica, e não de reflexões teológicas que não me sinto em condições de fazer. Mas, não é difícil perceber como a Igreja pós-Concílio Vaticano II tem, de certa forma, ten tado valorizar mais o ser humano na terra, proporcionando maior respeito a sua capacidade de reflexão, aproximando pessoas insatisfeitas de si mesmas e da religião. E, ao mesmo tempo, levando a confusão a quem estava preocupado em ser " b o m " apenas para poder chegar ao céu . . . )
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------------------------------------------------------------------------------Noticia de julho de 1983 mostra a força da fé. Duas jovens são enforcad as, no I rã, sob acusação de per ten cerem ao grupo religioso bahai. Ambas faziam parte de um grupo de 10 mulheres bahais que seriam enforcadas; onze de seus correligionários do sexo masculino já haviam sido execu tados. O componente suicida e a força da fé ficam claros quando se assinala que: "embora fossem acusados de ser agentes sionistas, todos os condenados teriam recebido quatro oportunidades de se salvarem renegando sua religião. Todos se recusaram". (Na noticia percebemos também que o sionismo é o bode expiatório, o problema era a fé — talvez nem a fé em si —, o que representava questionamento aos poderosos.) Ora, se as religiões oferecem tanto após a morte, e se algumas vêem até a passagem na terra como um ritual de sacrifícios, por que então não acelerar a chegada aos céus, suicidando-se? Creio que por trás deste problema repousa o horror que as religiões, em geral, têm ao suicídio indivi dual (mas que p ode ser estim ulado em situações especiais, como guerras santas e cruzadas, com as bênçãos dos sacer dotes). Há quem diga que, se essa proibição não surgisse, não teríamos cristianismo, pois os primitivos cristãos se orgulhavam de sacrificar suas vidas pela fé. Como já vimos, o suicida é considerado um pecador pelas religiões modernas. Recentemente, tivemos um episódio heróico, de nossa história, a morte do jornalista Vladimir Herzog, por tor tura, e que os torturadores convencionaram que ele teria se suicidado. Pela tradição judaica ele não poderia ser enterrado no cemitério comum, mas a comunidade não
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o excluiu, não o considerou suicida. Ali ás, mesmo que ele se tivesse matado, creio que os teólogos t eriam de ser mais compr eensivos, porque o suicídio de um torturado tampouco é a procura da morte: é, sim, a fuga, a fuga desesperada de algo insuportável e, co mo vi mos, quand o se foge de algo, não im porta para onde se fu ja, o im po rt ante é livrar-se disso. O corpo e a mente chegam à exaustão total e nada mais importa, desde que o sofrimento cesse. O indivíduo, na verdade, não quer morrer — quer e precisa parar de sofrer. (Sobre os torturadores: estes sim, estão mortos como seres humanos, suicidaram sua condição humana e se trans formaram no que há de pior nos instintos. Não pense o leitor que o torturador, o inquisidor, o ditador ou até o insensível tecnocrata que com uma»assinatura faz morrer de fome milhões de pessoas tenham perdido toda sua capa cidade de pensar. Neste sentido continuam homens: mas, esse pensar está em parte suicidado tornando-os incapazes de perceber o mal que fazem a seus semelhantes, conta minados pelo ódio que dedicam a si mesmos e deslocado para os outros. A fraqueza dos instintos de vida e a força dos instintos de morte faz que se queimem milhares de hereges, se matem milhões de judeus, de ciganos, de russos brancos, de índios, de negros, ou se escravizem povos e nações. Para "salvar" ideologias, religiões ou bens mate riais o ser humano mata sua porção h um ana. . . ) Em julho de 83, Maria Maiolo, 16 anos, matou-se com um tiro, em Fabrízia, uma cidadezinha nas montanhas da Calábria, ao sul da Itália, porque não queria casar-se com um pretendente, escolhido por sua mãe. A notícia de jornal V»___________________________________________________________ /
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prossegue: “ Em pranto s, a mãe lamentava a sorte de Maria, pedindo-lhe perdão e acusando-se por ter querido que a filha escapasse, através de um casamento com um empre
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prossegue: “ Em pranto s, a mãe lamentava a sorte de Maria, pedindo-lhe perdão e acusando-se por ter querido que a filha escapasse, através de um casamento com um empre gado de uma empresa do Norte, do destino opressivo das mulheres pobres do sul do país." Em setembro de 1983, Gerson Mendes do Rosário, de 29 anos, suicidou-se em Osasco. Após beber descontroladamente, o operário, ao chegar em casa, despediu-se do filho, conversou com um dos irmãos, trancou-se no quarto e matou-se com um tiro disparado contra o rosto. Com seu irmão chorou muito, lamentando-se de estar desempregado e dizendo não mais suportar seu filho passando fome. Em janeiro de 83, duas mulheres chinesas suicidaram-se por envenenamento após terem sido surradas repetidas vezes por seus maridos, por terem dado à luz meninas em vez de meninos. Continua a notícia, transcrita dos jornais de Pequim, que esses foram "os mais recentes entre dezenas de casos semelhantes cau sados pelo severo controle de natalidade, agravado pela tradicional preferência por herdeiros do sexo masculino". Nos casos acima, retirados de jornais, não temos ele mentos para conhecer a rede causai. Mas, é evidente que os agentes externos funcionaram como torturadores, o indivíduo preferindo a morte (ou as fantasias envolvidas com ela) do que a tortura, que deve tê-los exaurido mental mente. Os "torturadores" não foram necessariamente a mãe de Maria, quem despediu Gerson do emprego, ou os maridos das chinesas, mas sim a própria sociedade, mediada por tecnocratas insensíveis que condenam as pessoas à opressão, a terem menos filhos e ao desemprego.
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LUTO, MELANCOLIA E SUICÍDIO Qual a relação entre doença mental e suicídio? Aproxi madamente 1/2 a 2/3 dos suicidas não apresentam mani festações de doenças mentais evidentes, segundo a clássica nomenclatura psiquiátrica. A verdade é que hoje, sem se desprezarem as doenças mentais tradicionais, se valorizam mais os conflitos psíquicos, existentes em todos nós (e que, entre os suicidas sâo mais acentuados) do que os quadros psiquiátricos estritos e delimitados. E, mesmo estes, sâo quase tod os o resultado da interação de co nflito s psíquicos com fatores biológicos e sócio-culturais. A maioria dos su icídios em pessoas com quadros mentais ocorre na melancolia e uma outra porção quando o indiví duo está frente à ameaça de desintegração psicótica. A psicose, a desintegração ps icótica é um quadro d ifíc il de descrever, pois tal como a morte, não é imaginável e só pode ser vivenciado por quem por ele passou. É bem ver-
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dade que todos nós vivemos alguns momentos psicóticos (na maioria das vezes sem ter muita consciência deles), mas
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dade que todos nós vivemos alguns momentos psicóticos (na maioria das vezes sem ter muita consciência deles), mas na ameaça de desintegraçãTo psicótica o indivíduo perde as referências, não sabe mais o que é, quem é e se sente como que em vias de aniquilamento. Geralmente ele combate essa angústia criando um mundo irreal, mas que, criação sua, é melhor que o nada (e aí surgem os delírios e aluci nações). Mas, no momento da ameaça de desintegração, a angústia é tão intensa que o suicídio passa a ser a fuga, às vezes a única visível. Novamente, o suicida não está procu rando a morte, mas está fugindo de algo aterrorizante. Assemelha-se ao torturad o, que também acaba caindo numa angústia psicótica, mas causada por agentes externos. Outras vezes, ainda em quadros psicóticos, o indivíduo sente-se perseguido por inimigos internos que projeta no meio externo. Essa perseguição, somada à ameaça de desin tegração, pode levar a atos autodestrutivos, aqui também procurando-se escapar do sofrimento e dos inimigos. Introduziremos o estudo da melancolia com uma visão do luto e depressão, quadros também ligados à autodes tru iç ão e que ajudam a compreender o melancólic o. „ A depressão, a tr is teza é a reação normal que tem os frente a uma perda. A perda pode ser a mais variada: pode mos perder um ente querido, que faleceu; podemos perder um amigò, que nos deixou ou nos decepciono u; podemos perder um emprego, uma oportunidade. A perda pode ser de um objeto, de um encontro, de um amor, ou de algo que não tínhamos, mas que desejávamos e agora sabemos que isso será impossível. Dizemos que nossa mente investe o objeto ou pessoa querida de certa importância, consti-
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\ tuindo-se uma ligação entre o eu e o outro. Quando ocorre a perda, principalmente se for brusca, essa ligação ou esse investi mento tem de se desfazer: isso trará so fr im ento ao indivíduo, que não sabe o que fazer com essa energia livre. É como se por muito tempo vivêssemos num mundo consti tuído de uma forma determinada e de repente ele mudasse, e ficamos desorientados. Ou, noutra analogia, é como se "caminhássemos" emocionalmente contando com determidadas estruturas, e se uma delas, mais ou menos impor tante, faltasse. O resultado será um desequilíbrio, uma ameaça de queda, até que possamos nos reequilibrar com as estruturas restantes, readaptá-las em seu funcionamento e/ou encontrar outras que substituam a perdida. Logo após a perda o m elhor é ficar parado, para não c ai r . . . É mais ou menos o que faz a nossa mente. Após a perda da pessoa querida ela precisa de algum tempo para poder acostumar-se, readaptar-se. Nesse período ocorre o que cha mamos de processo de luto. O objeto ou a pessoa perdida, que já não existe na realidade, toma conta da mente do indivíduo. Ë como se se relutasse em admitir a perda, ou como se a mente, num processo similar à inércia, se satis fizesse com reter aquilo que foi perdido dentro de si. O morto ou o perdido é lembrado, chega-se a conversar com ele, a brigar, a suplicar. Ele é tratado dentro da mente como se ainda, em parte, existisse. Aos poucos, porém (e é só o tempo que cura o luto), essa imagem, esses pensamentos vão se esvaindo, e o indivíduo (antes tristonho, arredio, voltado para dentro de si) passa, lentamente, a interessar-se pelo mundo, por outras pessoas, pela vida e após algumas semanas ou meses ele retoma sua vida normal. Poderá, às
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vezes, lembrar-se do que perdeu, entristecer-se, mas corn poucas dificu ldades poderá afastar esses pensamentos, ligando-se a coisas novas. É assim que ocorre o luto normal. Mas, mesmo o normal, e mais ainda, o patológico, podem passar por vicissitudes as mais variadas, que prolongarão o luto, o tornarão mais intenso ou sofrido, ou, em casos extremos levarão a quadros doentios, como a melancolia. A maioria dessas vicissitudes processa-se em nível inconsciente, isto é, o enlutado não sabe o que está realmente ocorrendo em sua mente. Uma dessas vicissitudes é a agressividade em relação à pessoa perdida. Vejamos, como exemplo, o luto pós-morte. É comum e normal que sintamos em relação às pessoas que ridas também sentimentos negativos: esses sentimentos às vezes aparecem conscientemente, mas são equilibrados pelos positivos, e na somatória geral podem até passar despercebidos. Em outras ocasiões, essa ambivalência, essa luta entre sentimentos positivos e negativos é bem clara. Não raro, atrás desses afetos podem existir desejos de morte inconscientes (e às vezes até conscientes) em relação à pes soa próxima, sentimentos esses que dão muita culpa e são, por isso mesmo, reprimidos. Quando ocorre a morte, às vezes, os sentimentos de culpa em relação ao morto emer gem: mas, comumente a pessoa não sabe precisamente porque se sente culpada e se pune. Em ocasiões acredita que a causa desses sentimentos culposos é não ter tratado melhor a pessoa em vida, não ter-lhe satisfeito alguns desejos, não tê-la compreendido etc. Isso é comum e nor mal. Outras vezes, aqui mais em nível inconsciente, e quando o morto foi um doente crônico ou que sofria V___________________________________________________________ J
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\ muito (e causava transtornos ao ambiente), o desejo de que a pessoa morresse logo para que parasse de sofrer (e causar sofrimento) pode também proporcionar remorso. Mas o mais sério é quando o sobrevivente (geralmente de forma inconsciente) passa a acreditar que o seu desejo de morte pode ter causado a morte do outro. Ë um pensamento mágico que persiste nas profundezas da mente das pessoas. Nas crianças isso é mais visível, e não raro elas se acham responsáveis pela morte, pelas doenças ou pela separação dos pais, principalmente se esses episódios ocorrem em fases do desenvolvimento infantil em que a agressividade natural das crianças frente aos pais (por exemplo, em períodos edípicos) está exacerbada (muitas dessas crianças, se não forem amadas, tenderão a se sentir más, culpadas, pelo resto da vida, punindo-se entïo e não podendo usufruir da vida. Outras vezes, os próprios pais, rejeitantes, que sentem a criança como uma carga, estimulam essa culpa e responsa bilidade nos filhos). Evidentemente, sentir-se responsável pela morte de alguém pode levar a sentimentos de culpa e necessidade de punição, por vezes intensos. (Aliás, nos rituais normais de luto, principalmente em algumas culturas, o enlutado se flagela, rasga suas vestes, cobre a cabeça de cinzas ou se castiga de formas as mais mascaradas — não é apenas uma demonstração de tristeza, é principalmente uma autopunição.) O luto então se complica, e a necessidade de castigo pode conduzir a idéias suicidas. Outras vezes tem-se raiva do morto porque.. . ele mor reu! Porque nos deixou sós, com problemas de solidão, financeiros etc. Nossa mente, novamente funcionando de
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forma arcaica, atribui a responsabilidade da morte ao pró prio morto. (É bem verdade que talvez essa mente arcaica tenha tido uma percepção sutil e rica: não é raro que o indi víduo tenha contribuído de alguma forma para sua pró pria morte, que seus instintos de morte tenham sido facilitados por seus próprios conflitos. Isso é mais evidente em pessoas que não dão atenção à sua saúde, não se tratam, em alcoólatras, em pessoas que se acidentam etc., e eviden temente no suicídio consciente, o caso extremo, e aqui é claro que um dos objetivos do morto foi realmente fazer o sobrevivente sofrer.) Freud assinalou que na melancolia a sombra do objeto cai sobre o ego, isto é, o sobrevivente se identifica com o morto. Não só com as facetas positivas (aliás, isso ocorre rnais no luto normal), mas também com as negativas, proje tadas. Poderemos ter, então, dentro da mente do indivíduo, identificados vivo e morto, uma entidade má, raivosa, resul tado dos sentimentos negativos, e a pessoa passa a sentir-se assim, dominada e culpada. Essa vivência pode ser muito intensa, muito persecutória, impedindo a vida do sobre vivente que se sente mau, com ódio e com muita culpa. A idéia de suicídio pode surgir como uma maneira de livrar-se dessa vivência, de matar esse objeto dentro de si. Esse processo é inconsciente e, na melancolia, comumente não existe uma perda real, visível ao observador. Trata-se quase sempre de perdas da infância precoce, que são revividas inconscientemente, a partir ou não de um desencadeantê externo. Fatores constitucionais e biológicos parece também predisporem a esse tipo de reação. Vejamos um exemplo: Joana nunca gostou de ter nascido mulher e
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C admirava a liberdade e iniciativa dos homens. Sequer admi tia querer casar-se ou ter filhos. Mas, sentia-se bem com seu namorado, que sabia que a amava, a despeito de muitas vezes ter vontade de largá-lo, para sentir-se mais livre. Sua vida sexual era satisfatória até que, "por engano", engra vidou. O namorado quis casar-se, mas ela o mandou embora' e mudou de cidade para que não mais a encontrasse. Tentou abortar com chás e remédios aconselhados por vizinhas, mas não teve coragem de procurar uma parteira, médico ou alguém que realmente fizesse o aborto. Chorou muito durante a gravidez e passou os 9 meses muito mal. Pensava e sonhava com a criança, mas comumente a desejava morta, que não nascesse. Cibele nasceu fraquinha, de um parto complicado, e não conseguia pegar no peito. Joana quis dar a criança, mas pouco antes da doação, "não sabe por que", arrependeu-se. Foi morar com uma amiga solteira que trabalhava à noite e se alternavam nos cuidados de Cibele. Esta vivia doente e chorava muito, não deixando que Joana descansasse e dormisse, após seu dia de trabalho atarefado; muitas vezes pensava, chorando, que não devia ter tido essa filha, que a devia ter abortado ou dado a alguém. Em momentos, perdia a cabeça, quando Cibele não parava de chorar, e lhe batia. Depois, mais calma, se arrependia, mas vivia em conflitos, desesperada. Uma noite Cibele, já com 4 meses, estava novamente febril e não parava de chorar. Joana, cansada, exasperou-se e deu-lhe uma surra. A criança se acalmou e dormiu. Na manhã seguinte a achou meio largada, mas, mesmo assim, foi trabalhar, porque já tinha várias faltas no serviço. À tarde a encontrou pior, e assustada a levou a um pronto-
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socorro. Lá foi diagnosticada uma septicemia e Cibele morreu horas após. O leitor não precisa condenar Joana. Ela mesmo se con denou —entrou num processo melancólico, parou de comer e de dormir, e só pensava na filha. Sentia-se má, horrorosa, "uma bruxa" e foi definhando aos poucos. Achava que seu crime era tamanho que devia morrer; pedia a morte e pen sava em matar-se. Joana estava se matando, não comendo e emagrecendo, e logo apareceu uma tuberculose. Foi levada à força ao médico, que a internou,e pude conhecê-la no hospital. Não queria ajuda e chegou a tentar jogar-se pela janela. Em Joana vemos a culpa pelo desejo de morte e, infe lizmente, em Cibele notamos a percepção de ser uma carga para a mãe e o seu suicídio inconsciente tentando agradar a mãe. Façamos uma pausa: as crianças percebem, e muito, quando são amadas e quando são uma carga, quando são rejeitadas. No segundo caso, em suas cabecinhas só pode passar algo que, por analogia com o pensamento adulto, deve ser: se quem eu mais amo, quem eu mais preciso, não me quer, é porque eu sou má. E, se eu sou má devo punir-me; a percepção dos desejos de morte por parte dos pais faz com que elas acabem adoecendo e morrendo, e às vezes tentando o sui cídio. Essas tentativas normalmente passam por acidentes, mas por vezes o ato suicida é bem claro. Em outras ocasiões, essas crianças crescem, melancólicas e perseguidas, e tendem a comportamentos autodestrutivos quando adul tos se não tiverem a sorte de usufruir de outras expe riências melhores em suas vidas. (É evidente que o leitor, V. _______________________________________________________
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------------------------------------------------------ --------------------------------------- \ que já percebeu a multicausalidade nos nossos mecanismos mentais, deve avaliar com cautela qualquer analogia que sinta entre os casos contados, de forma superficial, e expe riências pessoais. As experiências do leitor podem e devem ser peculiares a ele, e a ajuda de um profissional poderá esclarecê-las. Lembremo-nos que, infelizmente, a autopercepçâb de processos inconscientes não é comum, nem fácil.) Mas, conheçamos melhor Joana. Se ela teve desejos de morte em relação a Cibele, também queria que ela vivesse. Afinal, ela a gerou, não a abortou (e poderia tê-lo feito), nem a doou. Na verdade, a ambivalência entre os desejos de ter um filho e não ter era intensa. E isso é que causava conflitos e sofrimento. (Permitam-me um certo cinismo, simplista, é verdade. Se os desejos de não ter um filho fossem muito predominantes, talvez Joana nem engravi dasse, ou, se engravidasse, um aborto natural ou provo cado resolveria o problema, com um mínimo de sofri mento.) A melancolia, a culpa, a necessidade de punição eram conseqüência da ambivalência. Nas fantasias de suicídio de Joana encontrei muitos componentes: desejo de destruir seus impulsos assassinos, desejo de punição, desejo de destruir seus impulsos sexuais, sentidos como maus e cul posos e, . . . re encontro com Cibele. Aqui temos uma das fantasias mais comuns, não só nos suicidas e melancólicos, como também nas pessoas enlu tadas e em qualquer um que sofra uma perda. Existe uma fantasia de que, num outro lugar, em outro mundo, reecontraremos as pessoas mortas, queridas, e ali viveremos felizes.
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------------------------------------------------------------------------------- Esta fantasia se confunde com a de encontro ou reencontro com Deus, o paraíso, o seio ou o útero materno, como já assinalei. No fenômeno do s u t t e e na índia antiga (e até recente mente) isso é bem visível, em termos culturais: as viúvas são enterradas com seus maridos, e a vida continuará em outro lugar. Nas Novas Hébridas, quando morria uma criança, a mãe ou tia ou outra mulher devia morrer também para cuidá-la. No Japão, até o século X V III , os vassalos se suicidavam após a morte de seu líder, para acompanhá-lo. Entre os Gisu, de Uganda, as mães se suici davam após a morte de seus filhos. Nas Ilhas Salomão as esposas disputavam sobre qual teria a honra de ser enter rada com seu marido e chefe morto. Esse costume foi encontrado em várias culturas, como entre os antigos tráciose os Rusda Escandinávia. Em nossa sociedade isso não ocorre de forma tão evi dente, mas existem três formas mascaradas que têm as mesmas motivações: uma é o suicídio de pessoas enlutadas, melancólicas. Outra é o luto patológico, em que o sobre vivente não consegue "desligar-se" do morto e passa aviver só de recordações, às vezes mantendo hábitos e objetos como se o morto não estivesse ausente. Vive-se como que semimorto, longe do mundo e em "companhia" do morto. (Isto pode ocorrer, normalmente, no processo de luto, mas é patológico se persiste muitos meses após a perda.) A terceira, mais sub-reptícia, é a morte natural que ocorre pouco tempo após a perda de pessoas queridas — o indiví duo perde a vontade de viver e termina por morrer natural mente ou após uma doença. O povo, leigo mas sábio, diz V
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que a pessoa morreu, porque não tinha mais motivos para viver: a ciência oficial, que não compreende isso, atesta que
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que a pessoa morreu, porque não tinha mais motivos para viver: a ciência oficial, que não compreende isso, atesta que foi de pneumonia ou "parada cardíaca"! Na verdade, as taxas de mortalidade entre viúvos e viúvas, no primeiro ano após a morte do parceiro é maior do que seria esperado para a população geral. É evidente que o fator afetivo influi nessas mortes, e o reencontro com o parceiro é uma das motivações inconscientes. Aliás, o povo, e seus representantes verdadeiros, os poetas, sabem que se morre de desgosto, de amor, que o coração "partido" mata, que as pessoas "se roem" de inveja ou de remorso (e seus órgãos são roídos), que defi nham de tristeza e que a mágoa pode fazer perder a von tade de viver. O banzo, dos negros escravos, era a melan colia por perda de sua terra e liberdade, e levava ao sui cídio. Outra motivação é a culpa: por exemplo, em certos grupos africanos o indivíduo que transgredia um tabu sim plesmente se deitava e morria de morte "natural". Entre nossos índios tupinambás e em outros grupos a pessoa condenada pelo feiticeiro morria aterrorizada, também de forma natural. Nestes exemplos, assim como no v o d u , percebemos a força dos instintos de morte, em que meca nismos psíquicos levam a um suicídio inconsciente que parece uma morte natural. Mas, tanto o indivíduo que morrerá, como seus iguais, sabem o porquê da morte, e que não é natural. Em nossa cultura, o componente de culpa está presente em muitos suicídios. Vimos isso já no estudo da melancolia. O suicídio de Santos Dumont, em 1932, se bem que de multicausalidade complexa, teve como desencadeante a V_______________________________________________________ ^
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culpa ao ver seu invento usado para bombardear pessoas. Mesmo que nós percebamos que sua culpa era absurda, o evento deve ter reforçado outros conflitos inconscientes.
AS REAÇÕES DE ANIVERSÁRIO Um bom exemplo do poder de nossa mente e de nossos instintos de morte são as Reações de Aniversário, fenômeno reconhecido através da psicanálise, e que tenho estudado há alguns anos. Carlos teve seu segundo enfarte do miocárdio aos 42 anos, e já tivera um anterior aos 35. Seu car diologista percebera a influência do estado emocional na produção de suas doenças e já o enviara a um psiquiatra quando do primeiro enfarte, mas ele preferira não ir. Agora me procura, assustado, e me conta que seu pai morrera de enfarte, aos 42 anos. Durante o tratamento descobrimos que seus dois enfartes haviam ocorrido no mês de fevereiro, um no início do mês, não se lembra a data, e o outro no dia 11 de fevereiro, exatamente no dia do aniversário da morte de seu pai! Nas Reações de Aniversário a pessoa inconscientemente mobiliza, devido a identificações com figuras importantes do passado, os conflitos relativos ao
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--------------------------------------------------------------------------------------------- ^ processo de luto, no aniversário, ou próximo do aniver sário de morte dessas figuras. São miniprocessos melancó licos, com todas suas conseqüências, e que se processam em nível inconsciente. Outras vezes o fenômeno ocorre não num aniversário, mas quando se atinge a mesma idade da pessoa com quem ocorreu a identificação (no caso de Carlos houve coincidência de data e de idade, e também uma identificação com a doença do pai) ou ainda, quando os filhos atingem a mesma idade que se tinha quando o pai ou a mãe faleceram. Por exemplo, Neide entrou num processo depressivo intenso, sem saber o motivo, quando tinha 36 anos, e sua filha mais velha havia completado 8. Na investigação psicanalítica descobrimos que Neide perdera sua mãe quando tinha 8 anos de idade, e a mãe adoecera justamente no dia do aniversário de Neide. Esta identificou-se com a filha, e sua depressão começara com uma crise de choro, inexplicável, durante a festa do 89 ani versário da menina. Existem muitas facetas curiosas que surgem do estudo das Reações de Aniversário, Muitas doenças, crises e mortes repentinas têm a ver com esse fenômeno. Três dos quatro primeiros presidentes norte-americanos que morreram o fizeram num dia 4 de julho (dia da Independência), e destes, dois que haviam assinado a Declaração de Indepen dência o fizeram no 509 aniversário dela. Winston Churchill morreu exatamente no dia do aniversário da morte de seu pai, que tanto o influenciara. Tenho me interessado pela vida de Álvares de Azevedo, que morreu com 20 anos e 7 meses. O poeta adoeceu durante as férias do 49 para o 59 ano de seu curso de
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Direito e já pressentira a morte e o ano em que morreria. Nos 2 anos anteriores haviam falecido 2 colegas quinta nistas, tendo feito a oração fúnebre do segundo, e estava certo que os seguiria. O mais interessante é que, em sua mente, nunca conseguira libertar-se das lembranças e senti mentos relativos à morte de seu irmão menor, quando o poeta tinha 4 anos. Posso supor que, por identificação com o irmão morto , deve ter sido muito d ifícil para Álvares de Azevedo atingir o seu 59 ano de vida, como se devesse morrer junto com o irmão. Circunstâncias fazem com que morram "irmãos" de faculdade, que mobilizam seus con flitos, e, agora sim, não pode passar do 4P ano. (Ë evidente que estou lidando com hipóteses incomprováveis, mas que são baseadas em fatos analógicos descobertos com a ajuda do método psicanalítico.) A obra de Álvares de Azevedo tem muito a ver com sua percepção inconsciente de morte. Escreveu: Se eu morresse amanhã viria ao menos Fechar meus olhos minha triste irmã Minha mãe de saudades morreria Se eu morresse amanhã. .. O poeta mostra a reação dos outros à sua morte e a percepção de seu desejo de reencontrar a mãe após a morte. Infelizmente, a própria irmã o segue, dois anos após, triste com a perda do irmão. Suicídios intencionais também ocorrem como Reações de A niversário, o indivíduo na maioria das vezes não tendo consciência de seu conflito, mobilizado pelo calendário.
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A atriz Jean Seberg morreu por suicídio e tentava matar-se a cada aniversário do parto prematuro de sua filha. Jean
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A atriz Jean Seberg morreu por suicídio e tentava matar-se a cada aniversário do parto prematuro de sua filha. Jean perdeu a criança com 7 meses de gestação e o trabalho de parto foi desencadeado pela leitura de jornais, que noti ciavam que ela era amante de um dos líderes dos Panteras Negras. Soube-se depois que essas notícias haviam sido "plantadas" na imprensa pelo FBI, numa tentativa de arrui nar sua reputação. Juréia, uma conhecida minha, tentou matar-se num dia 2 de novembro, durante uma depressão aparentemente relacionada a seu abandono pelo marido, que a deixara dois meses antes. Descobrimos depois que nessa data, fazia 10 anos, se havia matado o seu namo rado da época. Aliás, o dia 2 de novembro. Finados, comumente implica recordações de mortos e mobilizações de conflitos por lutos mal resolvidos. Outras datas importantes que tenho notado que podem exacerbar conflitos são a SextaFeira Santà, em que, às vezes, pessoas religiosas se identi ficam com Cristo (ou com seus algozes). Conheci várias pessoas com o que poderia ser chamado síndrome de Cristo, que se deprimem e acreditam que morrerão aos 33 anos, como Jesus. No Natal muitos conflitos são mobilizados, relativos à concepção e nascimento, outros relativos à neces sidade de amor e ainda outros pela ausência de pessoas queridas, presentes em natais anteriores. Entre os judeus, Yom Kipur, o dia do perdão, pode inconscientemente desencadear necessidades de punição que levam a resul tados autodestrutivos intencionais ou semi-intencionais. Aliás, o próprio jejum a que os fiéis se submetem deve ter, em parte, esse simbolismo. V
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De qualquer forma, a existência dessas datas é positiva e importante, pois a sociedade facilita que conflitos e sentimentos reprimidos se tornem conscientes e assim eles podem ser melhor elaborados, ajudados pelo grupo social, religião, rituais e costumes. As cerimônias fúnebres, as missas anuais pelos mortos (assim como, evidentemente, as comemorações de alegrias) têm também essas funções psicológicas.
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SEXUALIDADE E FANTASIAS SUICIDAS Vimos, até aqui, muitos mecanismos e fantasias ligados aos atos suicidas. O leitor já percebeu que não existe o suicídio, mas sim pessoas que se suicidam ou tentam sui cídio, ou ainda, procuram a morte de formas mais sutis. Existirão, portanto, tantas fantasias ou tantos complexos de fantasias suicidas quanto de pessoas que assim agem ou pensam. Recordando, subjacente ao ato suicida existe a fantasia de outra vida, de um paraíso, de encontro com Deus, de outro mundo cheio de riquezas ou delícias, de reencontro com pessoas queridas que morreram, de volta ao seio ma terno. Acrescentamos depois o desejo de punição, de cas tigo, de destruir impulsos assassinos, de destruir impulsos sexuais culposos. E, vimos também o desejo de vingança, de proporcionar culpa, de causar sofrimento aos outros e à sociedade. Lembremos, ainda, que estas fantasias todas V_____________________________________________________________
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são, quase sempre, inconscientes. Prendamo-nos agora um pouco às fantasias relacionadas à sexualidade. O sexo, por aspectos psicológicos e sociais, é comumente sentido como algo que conduz a sentimentos de culpa, como algo mau, que deve ser controlado e repri mido. A culpabilidade da sexualidade está muito ligada a fatores resultantes das vicissitudes do desenvolvimento psicológico do ser humano principalmente na elaboração dos complexos edipianos, e essa culpabilidade é usada pela sociedade com finalidades variadas. A despeito da apa rente liberalização dos costumes (e muitas vezes, por causa dela) os conflitos na área sexual são comuns, e sua intensi dade e grau de resolução vão depender de cada indivíduo. Quando os impulsos sexuais são sentidos (consciente ou inconscientemente) como muito intensos ou perigosos a mente usa mecanismos para lidar com eles, mais ou menos adequados. O ideal seria que eles não fossem sen tidos como perigosos e que pudessem ser usados de uma maneira que proporcionassem satisfação ao indivídup e à sociedade, e que a energia da parte controlada pudesse ser deslocada para atividades criativas e para o trabalho. A civi lização, na verdade, teria origem na energia desses instintos sublimados. No entanto, principalmente na criança e com manifes tações intensas no adolescente, a sexualidade traz muitos conflitos (que persistirão ná vida adulta, se não resolvidos). A masturbação pode fazer o jovem sentir-se desprezível, humilhado, mau, doente, com sentimentos de culpa inten sos (e, isso ocorre também devido" a fantasias edípicas inconscientes). As sociedades sempre souberam como repri-
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mir suas juventudes (uma geração evitando ceder lugar â próxima) e aproveitam para tornar a masturbação ainda mais perturbadora. Infelizmente, ainda hoje, o leitor pode ir a qualquer livraria e comprar um texto sobre "edu cação" sexual em que estarão detalhados todos os male fícios da masturbação (já não se chega ao ponto de escrever que amolece o cérebro ou faz nascer pelos nas m ãos.. . mas se "demonstra" como o indivíduo ficará fraco e impotente, além de ser responsável por crimes que comete contra a natureza...). Bem, um adolescente que não elaborou adequadamente seus conflitos infantis quanto à sexualidade poderá sentir uma necessidade premente de punição e cas tigo, não só por sua masturbação, mas por suas fantasias sexuais. Estas podem ser conscientes e inconscientes e, não raro, fantasias edípicas, de relações sexuais com pai, mãe ou irmãos podem surgir em sonhos ou na consciência, exacer bando o sentimento de culpa do jovem. Um adolescente normal ultrapassa essas etapas com certa facilidade, mas um outro poderá cair no ascetismo (que implica suicídio parcial) ou até no suicídio propriamente dito. Em alguns casos encontramos mutilações genitais ou de órgãos com valor simbólico similar. Descreveu-se uma síndrome em ado lescentes que se enforcavam, geralmente vestidos de mulher, durante atos masturbatórios. Na realidade, pouco se sabe desses casos, mas em minha experiência notei que, às vezes, o jovem perturbado, num ato masoquista se pune e se fla gela por suas fantasias sexuais, e durante o êxtase, pode perder o controle. No filme Império dos Sentidos há um bom exemplo de como a anoxia cerebral (edaí o estrangu lamento) pode aumentar o prazer sexual, e isso talvez V _________________________________________________________ _ y
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-------------------------------------------------------------------------------^ explique, em parte, esses atos suicidas. São também comuns os pensamentos suicidas e âs vezes as tentativas em jovens (e mesmo em adultos) visando eli minar seu desejo sexual, suas fantasias ou até para destruir seu corpo, um corpo que ainda é desconhecido, mas traz tanto prazer e tanta culpa. Eduardo, com 14 anos, deu um tiro de revólver em sua têmpora, mas sobreviveu. 0 trata mento psicanalítico mostrou fantasias edípicas em relaçâb a sua mãe, que lhe davam um sentimento de culpa intenso, fantasias essas exacerbadas por uma mãe sedutora que inconscientemente estimulava as fantasias do filho e fanta sias homossexuais em relação ao pai (de quem tirou o revólver). O leitor talvez esteja surpreso e veja os exemplos acima como "perversões" raríssimas. Na verdade, muitas fantasias sexuais e agressivas são similares em todos os indivíduos, inclusive no próprio leitor. O que vai diferenciar uma pessoa de outra mais ou menos sadia serão a intensidade e os meca nismos envolvidos nos conflitos de que essas fantasias são resultantes.
MENOPAUSA E VELHICE COMO FATORES CONTRIBUINTES A menopausa e a andropausa são fases da vida em que muitos conflitos são exacerbados. A maioria das pessoas utiliza mecanismos suficientes para que não ocorra sofri mento. Outras, no entanto, tendem a entrar em processos melancólicos: para alguns estudiosos as alterações hormo nais (principalmente na mulher) seriam fatores coadju vantes, mas fica claro, na maioria dos casos, que se super põe uma série de desencadeantes psicológicos externos. Um deles é o sentimento de fim da feminilidade, de que não se é mais mulher, porque se perdeu a capacidade de repro dução. Isto é comumente confundido, inconscientemente, com fim de atividade sexual, o que é um engano. De qual quer forma, a mulher (e mais raramente o homem) passa a sentir-se feia, não atraente, velha, deprimida, sem ânimo para viver. Outro fator desencadeante é que por essa época os filhos já estão crescidos e abandonam o lar. Principal-
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------------------------------------------------------------------------------- N mente para aquelas mulheres cujo objetivo na vida foi apenas cuidar dos filhos, sobra um vazio muito grande. Se
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------------------------------------------------------------------------------- N mente para aquelas mulheres cujo objetivo na vida foi apenas cuidar dos filhos, sobra um vazio muito grande. Se a mulher tem, em sua história passada, outras perdas que a predispõem à melancolia, com esses novos desencadeantes a doença pode manifestar-se, incluindo-se aí os atos suici das. Por exemplo: Irene tem 55 anos e me procurou melan cólica, com idéias suicidas intensas. Ela própria percebera que seus sintomas se iniciaram quando sua filha casou-se com um rapaz de quem Irene não gostava e mudou-se para outra cidade. Não tem mais vida sexual porque se "acha velha" e já atingiu a menopausa. Irene perdeu a mãe peque nina e a avó que cuidava dela também morreu anos após. Toda sua vida sentiu falta de carinho e descreve que sofria um "vazio" constante. Esse vazio foi preenchido só em parte por seu marido, mas cessou quando nasceu sua filha, a quem se dedicou de forma exagerada. Essa superproteção fez com que a filha, numa tentativa de libertação, se indis pusesse com ela e acabasse casando e indo morar longe. Em outras ocasiões, a laqueadura de trompas (ligação das tubas uterinas) com finalidade de esterilização, leva a fenô menos similares, se a mulher não estiver preparada psicolo gicamente. É como se ela, inconscientemente, matasse todos seus filhos em potencial e sua feminilidade. Já na velhice, proporcionalmente, ocorre o maior número de suicídios. Muitos dos fatores descritos acima se acentuam devido à solidão, à sensação de ser uma carga, à incompreensão dos mais jovens. Em nossa cultura, infeliz mente, o velho não é respeitado nem se aproveitam suas potencialidades e seu saber, e aqui percebemos claramente a interação de fatores sócio-culturais com os mentais.
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levando a processos melancólicos e suicídios. Existe ainda o fator biológico: do ponto de vista mental, em alguns indi víduos pode ocorrer regressão de funções, e do ponto de
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levando a processos melancólicos e suicídios. Existe ainda o fator biológico: do ponto de vista mental, em alguns indi víduos pode ocorrer regressão de funções, e do ponto de vista somático sâo mais comuns doenças graves ou crônicas, que, trazendo sofrimento, diminuem a vontade de viver (mais ainda, se o velho é considerado uma carga pela famí lia). Em alguns casos, quando a pessoa sabe que sofre de uma moléstia incurável, que só lhe trará sofrimento, ela pode praticar uma espécie de auto-eutanásia, que se chama suicídio racional. Isto é, o indivíduo se mata e seus argu mentos para tal são solidamente racionais. Mas, isso nem sempre ocorre, e há que diferenciar eventuais argumentos racionais de sua contaminação afetiva.
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OS SUICÍDIOS POR FRACASSO Outro bom exemplo da interação entre fatores sociais e individuais se dá nos chamados suicídios por "fracasso", suicídios esses que corresponderiam a metade dos ocor ridos nos países desenvolvidos. Creio que a tendência é a mesma em nosso meio, se bem que faltem estudos que dis criminem melhor a força de nossos fatores culturais. Quando se trata de pessoas de estratos sociais mais bai xos, os fracassos reais, de responsabilidade da sociedade (tais como o desemprego, as dificuldades financeiras, o des respeito com o ser humano, a submissão à burocracia, a falta de perspectivas) levam à desesperança, que se acen tuará se o indivíduo tiver as características que descreverei abaixo. Quando se trata de pessoas de estratos médios e altos, é muito provável que a competição desenfreada, a necessi dade de status e poder, a valorização das pessoas pelo que têm, o estímulo ao consumismo etc. façam com que elas
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-------------------------------------------------------------------------------passem a viver numa roda-viva, em que sempre querem mais e estão sempre se comparando com as outras. E esses valo res são estimulados pela nossa sociedade. Surgem então as tão conhecidas figuras do tipo "vencedor", isto é, aquele indivíduo ambicioso, com grande capacidade de trabalho e de adaptação às circunstâncias, e que usa qualquer meio, ético ou não, para adquirir mais poder, prestígio e dinheiro. (Muitas empresas estimulam a competição entre seus fun cionários, reproduzindo em grau menor o que ocorre na sociedade.) Dentro desses padrões culturais, o indivíduo deve ter o que se chama "coluna flexível", isto é, poder aceitar humi lhações, subornar, ceder interesseiramente, corromper e ser corrompido, conforme seus interesses momentâneos. Deve ser capaz de trair um eventual amigo, de ser desonesto e lidar à vontade com falcatruas. Enfim, deve ser esperto e safado, num padrão muito em voga ultimamente neste país. Nessa "selva", algumas pessoas com "colunas pouco flexíveis" tenderão ao fracasso. São pessoas que internalizam excessivamente determinadas normas culturais de seu ambiente (que contradizem, por exemplo, a desones tidade), têm grande sensibilidade ao fracasso, que é vivido com vergonha e desesperança, e são inábeis em mudar de metas e papéis. São indivíduos rígidos e ao mesmo tempo ambiciosos, características contraditórias para que se tor nem vencedores. Essas pessoas entram em depressão mas não têm cons ciência de seu estado e por isso raramente procuram ajuda profissional. Comumente se sentem responsáveis por seu fracasso. v_
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------------------------------------------------------------------------------(Um parêntesis para os "vencedores". Ë claro que nem todos o podem ser, e sempre corre-se o risco de que alguém supere o "vencedor", que passa então a derrotado. A guerra, a necessidade de superar o rival em prestígio e poder não tem razões reais (ambos têm prestígio, poder e dinheiro sobrando), mas sim bases emocionais inconscientes intensas: tem que se estar sempre "por cima". O desgaste da luta é grande e muitos desses indivíduos terminam com "estafas", " s t r e s s " , quando não enfarte do miocárdio e outras doenças autodestrutivas, psicossomáticas. Alguns "vencedores", quando atingem o auge, entram em depressão, a "depressão do sucesso", porque não havendo mais nada para conseguir, não há mais objetivos, e só sobram o tédio, monotonia e tristeza. E outros, ainda, entram em decadência, ou porque não conseguem mais acompanhar mudanças rápidas, devido à idade, ou pela entrada de novos competidores, jovens e vigorosos. Aca bam também com depressão por fracasso. O suicídio pode ser uma saída, se o fracasso é sentido corno humilhante, insuportável. Devemos lembrar, por outro lado, que esses indivíduos só viveram para sua ambição e trabalho, e seus laços familiares ou afetivos são muito frágeis. Quando fracassam se percebem sozinhos, pois suas "amizades", "mulheres", "badalações" e "nome em colunas sociais" eram apenas o resultado do aproveitamento do seu status por outras pessoas gananciosas. 0 leitor preste atenção em políticos ou pessoas que foram muito poderosas, quando perdem esse poder. Se corresponderem às características que descrevi acima, obser vará que envelhecem rapidamente, adoecem com facilidade V _______________________________________________________
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e morrem pouco depois. Ë como se não tivessem mais por que viver, suicidando-se inconscientemente. E, alguns, de forma intencional.
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EPIDEMIOLOGIA E INTENCIONALIDADE DOS ATOS SUICIDAS Passemos agora ao estudo das estatísticas dos atos sui cidas. É difícil precisar quantas pessoas se matam ou ten tam matar-se. O número de suicídios que consta das esta tísticas oficiais é extraído das causas de morte assinaladas nos atestados de óbito. Mas, esses atestados nem sempre são confiáveis: a família e a própria sociedade comumente pres sionam para que a causa seja falsificada. E isso ocorre inclu sive em países desenvolvidos. Além disso, uma grande proporção de suicídios é confun dida com acidentes — estudos norte-americanos sugerem que 1/4 dos acidentes autom obilísticos - teria alguma intenção de suicídio (e já se propôs o termo "autocídio" para esses casos), e que 50% dos suicídios reais seriam rotu lados como acidentes. Envenenamentos acidentais, princi palmente em crianças, e acidentes com tóxicos comumente
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são suicídios, na realidade. Existem ainda os homicídios precipitados pela vítima, em que o indivíduo provoca uma situação para ser assassinado, de uma forma suicida cons ciente ou semiconsciente. (Euclides da Cunha procurou a morte ao enfrentar o amante de sua esposa, que sabia ser exímio atirador, expondo-se, inclusive, demais no duelo. Há indícios de que o autor de Os Sertões tinha tendências melancólicas.) Outro fator complicador, nas estatísticas, é que não temos meios de verificar os suicídios inconscientes. E, aqui incluímos a grande maioria dos acidentes e doenças. Mesmo quando há fortes indícios de comportamento suicida, o caso não aparece nas estatísticas, como por exemplo: o diabético que se recusa a tomar medicamentos, ou se esquece deles, ou ainda toma errado, por "engano". Em seu atestado de óbito, como é atualmente preenchido, é impossível que conste como causa de morte o suicídio. A despeito dessas críticas às estatísticas oficiais, existe uma tendência em cada país ou região, às taxas permane cerem mais ou menos constantes ao longo do tempo. Por isso, podemos diferenciar grupos de países com taxas de suicídio altas, médias ou baixas. Os motivos que levam um país a pertencer a um ou outro grupo se reportam a com plexos fatores sócio-culturais (além de uma provável subestimação estatística em países com taxas baixas e maior fidedignidade dos dados em países mais desenvolvidos, com taxas altas). Mudanças de regime político parece que não modificam as taxas. Fases de depressão econômica as aumentam um pouco (como ocorreu na década de 30 nos EUA). E guerV
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Taxas de suicídio de alguns países Taxas altas (20-50 ób itos por
100000 habitantes) Hungria Dinamarca Checoslováquia Austria Japâb Suécia Fin lân d ia Cuba França A lem an h a
Taxas médias (10-20 ób itos por 100 000 habitantes) In glaterra A us trál ia Bélgica Canadá Estados Unidos Bulgária Uruguai Islândia Polônia Cingapura
Taxas pequenas (menos de 10 óbitos por 100 000 habitantes) México Itália Irlan da do No rte Grécia Tailân dia Noruega Espanha Países-Baixos Escócia Venezuela
ras fazèm as taxas declinarem — as explicações para este fato são variadas: creio que muitos suicidas potenciais aca bam por darem vazão a seus instintos na própria guerra, mor rendo entío por outras causas, ou é possível ainda que a desgraça comum faça com que as pessoas mobilizem seus ins tintos de vida. Em campos de concentração, emqueastaxas de suicídio são também estranhamente baixas, talvez ocorra o mesmo. O Brasil está incluído entre os países de taxas pequenas, em torno de 4 por 100 000 habitantes (3,97 em 1980), mas certamente estas taxas estão subestimadas. Proporcional mente, os suicidas tendem a ser os mais velhos, mas existe uma tendência a um aumento no número de jovens. Quanto
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(--------------------------------------------------------^ ao sexo, os suicídios ocorrem mais em homens, numa pro porção de 2 a 3 homens para cada mulher. Os métodos que as pessoas usam para matar-se têm também um componente cultural. Por exemplo, na Escan dinávia e Japão os homens preferem o enforcamento. No nosso meio (município de São Paulo) predomina a arma de fogo para os homens, seguida do enforcamento e precipi tação de lugares elevados, enquanto as mulheres preferem o envenenamento, seguido de precipitação de lugares altos. Quanto às tentativas de suicídio as estatísticas são ainda mais falhas. As oficiais não têm nenhum valor, pois são registrados apenas alguns casos que demandam inquérito policial e que são socorridos em hospitais públicos de gran des cidades. Por exemplo, a partir desses dados, no Brasil a taxa de tentativa de suicídio em 1980 seria de 8,84 e em Campinas de 29,13 por 100000 habitantes. No entanto pesquisando hospitais que socorreram os casos e visitando os indivíduos em seu domicílio, em Campinas, cheguei a taxas de 150 a 160 por 100 000 habitantes, o que equivale a 1,5 tentativas por 1 000 habitantes. Ou aproximadamente 1 000 tentativas de suicídio ao ano. Se as taxas forem seme lhantes em São Paulo, cidade com 8,5 milhões de habi tantes, em 1980, teríamos tid o 13 000 tentativas, o que corresponde a 36 por dia. São taxas altíssimas, indicando um problema de Saúde Pública, e são similares às dos poucos países desenvolvidos com taxas mais fidedignas. . _ A o contrário do que ocorre com as pessoas que come tem suicídio (principalmente homens e com taxas maiores em idades mais avançadas), a população que tenta suicídio e não morre é predominantemente jovem (75% são adoles-
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--------------------------------------------------------------------------------^ centes e adultos jovens) e há uma predominância de mulhe res — dados oficiais indicam a proporção de 2 a 3 mulheres para cada homem. Os métodos usados pelos indivíduos que tentam é diferente, predominando as substâncias quí micas (medicamentos, produtos de limpeza etc.). Esses dados nos mostram que, na verdade, suicídio e tentativa de suicídio são fenômenos que ocorrem em populações com características diferentes. E as moti vações psicológicas e sociais devem ter também diferenças. Ë realmente o que ocorre, a despeito de serem populações que se interpenetram em parte. Os suicidas que morrem geralmente usam métodos mais violentos, a intensidade e gravidade de seus conflitos é maior e verifica-se que têm • maiores dificuldades de contato social e são mais isolados. As pessoas que tentam suicídio e não morrem têm mais facilidade de contato humano e o ato suicida muitas vezes pode ser entendido como forma de comunicação com o ambiente, como um pedido de ajuda de pessoas que não se sentem compreendidas. As fantasias da população que tenta suicídio não devem ser muito diferentes do grupo que tem êxito em seu ato, mas há indícios de que no pri meiro caso a cobrança e a agressão ao ambiente estão mais conscientes. Na verdade, muitas vezes o indivíduo será incluído no grupo suicida ou no grupo dos que tentam e não morreram devido a circunstâncias fortuitas, como características ambientais que permitiram a descoberta do ato e facilidades e tipo de socorro médico. No entanto, verifica-se que com maior freqüência os suicidas se isolam de modo a seu ato não ser descoberto, enquanto que os que tentam e se salvam são menos cuidadosos no preparo V _ ___ _ _________________________________________________./
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,do ato. Estudando-se os casos com mais vagar, notamos que
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,do ato. Estudando-se os casos com mais vagar, notamos que os indivíduos que tentam (e não morrem) geralmente fazem o ato impulsivamente, sem muito preparo, e isto facilita o socorro, enquanto que os suicidas geralmente vêm rumi nando suas idéias já há algum tempo, e, quando o ato é executado ele já tem um certo grau de planejamento. Estas reflexões nos levam a outra questão: a intencio nalidade do ato suicida. Em outras palavras, quando a pessoa tenta matar-se, quanto de intenção de morrer existe? Creio que, sempre, o indivíduo está num conflito: deseja rer e viver ao mesmo tempo, e a intensidade desse ijo dependerá não só da pessoa, mas do momento. Essa intencionalidade pode ter algo a ver com a intensidade letal do método usado ou das precauções tomadas contra a descoberta, mas, em muitos casos, não encontrei essa rela ção: assim, pessoas com baixa intencionalidade usaram métodos altamente perigosos, às vezes por desinformação — (Maria foi salva por milagre, após diálise renal, por ter ingerido defensivos agrícolas,e me contou que, “ no fundo", só queria dar um susto no marido, com quem brigara; acre ditava que o produto só matava "bicho sem osso". Mas, um estudo mais aprofundado mostrou que, "mais no fundo", existiam impulsos suicidas também). Ou ainda, pessoas com alta intencionalidade correram pequeno risco de vida — (Marcelo tomou 40 comprimidos, misturando vários medi camentos que encontrou à mão, principalmente analgésicos e vitaminas e embebedou-se com gim e vodca — o quadro clínico era de intoxicação alcoólica, sem risco algum de vida. Mas, Marcelo estava melancólico, grave, e precisou de ajuda psiquiátrica intensiva para melhorar).
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------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ ^ Portanto, em minha experiência, a maneira como o indi víduo tenta matar-se ou as precauções que toma para não ser (ou ser) socorrido nem sempre têm relação com a inten sidade do desejo de morrer. E, mesmo que o desejo de morrer não seja acentuado, o ato suicida é uma mensagem, um pedido que o indivíduo faz á sua família e á sociedade, para que seja ajudado. Como vimos atrás, esse pedido muitas vezes tem também características agressivas, e por isso mesmo, comumente ele não é atendido, as pessoas (e até as equipes de saúde) menosprezando o ato e o indivíduo que o praticou, que estaria "querendo chamar a atenção". Isso ocorre também pela necessidade de negar a potencia lidade suicida, que na verdade existe até nos casos mais leves. E, mesmo que o indivíduo esteja querendo "chamar a atenção" temos de perguntar-nos por que precisa chamar a atenção, o que significa esse "chamar a atenção" e por que usa essa forma de chamar a atenção. Quase sempre encon traremos conflitos mais ou menos intensos e dificuldades de compreensão e comunicação com o ambiente. Essas pessoas e suas famílias devem ser orientadas e tratadas, inclusive para que o ato não se repita. Aliás, o risco de sui cídio com sucesso no futuro é maior em pessoas que ten tam antes (a despeito de grande parte dos suicidas mor rer na primeira tentativa). A maioria das pessoas que se mata ou tenta matar-se comunica esse desejo, de alguma forma, a seu ambiente, que raramente o percebe: frases como "não tenho mais gosto pela vida", "preferia morrer a continuar assim", "o que vai ser de vocês se eu morrer", ou avisos mais diretos são comuns. Grande parte pa rte de desses indi in diví vídu duos os procura pro cura ajuda
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médica (no clinico geral) ou religiosa, e trabalhos em países desenvolvidos mostram que as pessoas chegam ao médico com queixas vagas, na esfera somática, que são tratadas com vitaminas ou outras drogas inócuas, ou então pedem-se exames que não vão mostrar qualquer alteração. Infelizmente, os clínicos raramente conseguem diagnosticar processos depressivos ou perceber o valor de conflitos psico lógicos. O cliente quase nunca fala que está pensando em suicídio, mas se o clínico perguntar, o paciente se desinibe e acaba contando. Mesmo profissionais da área de saúde mental, despreparados, às vezes não percebem a possibi lidade e não perguntam. Na verdade, tanto médicos, como religiosos, assistentes sociais, enfermeiros, juizes, policiais, professores e quaisquer profissionais que lidem com pes soas devem ser treinados a valorizar os aspectos mentais. É uma pena que, por tradição, em nosso meio, esses profis sionais sejam levados a compreender aspectos biológicos e sociais, mas quase nunca os psicológicos (e, quando existe algum treinamento nesta área, é superficial e baseado em manifestações externas do comportamento, e não na visua lização da vida intrapsíquica). A tentativa de suicídio comumente é repetida se a socie dade não ajuda o indivíduo. Dados de trabalhos estrangeiros mostram que haveria uma nova tentativa em 15% dos casos num nu m p e río rí o d o de 12 mese meses, s, e que chegaria a 25% em 3 anos. A possibilidade de repetição é maior nos jovens (1/3 a 1/2). Os indivíduos que tentam suicídio correm maior risco de morrer por suicídio; em estudos de seguimento, verifica-se que 1,4 a 13% dos indivíduos que tentaram se suicidaram entre 1 e 12 12 anos anos após após.. Em geral, geral, seg seguin uindodo-se se tentadore tent adoress V
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por períodos inferiores a 5 anos, 5% ou menos se matarn, e se o seguimento é mais prolongado a proporção chega a 10%. E a chance de suicídio aumenta quando há mais de uma tentativa anterior. Em Campinas, entrevistando jovens normais, em seus domicílios, encontrei que 12% já haviam tentado suicídio e outros 12% já haviam pensado seriamente em fazê-lo. Mais da metade desses jovens não foi socorrida em hospi tais, face à pouca gravidade médica. Esses dados confirmam que a idéia suicida é comum nos adolescentes, e é possível que sirva também como uma forma de compreender e ela borar as idéias sobre a morte, que o jovem agora tem de enfrentar, pois até então ela era vaga. Nesse contexto, as idéias suicidas, se forem superadas naturalmente, poderiam fazer parte da normalidade da adolescência. Mas enquanto essas idéias persistirem, e mais ainda, se se chegar ao ato suicida, é importante que se faça uma avaliação do estado emocional do jovem. Uma pergunta que se impõe é por que os suicidas são predominantemente homens e os que tentam e não morrem são, em geral, mulheres jovens. Existem algumas tentativas de explicação: 1) os homens usam meios violentos; 2) as mulheres, em nossa cultura, são encorajadas a não expres sarem sarem a sua agressividade agressividade — e os impuls imp ulsos os repressados repressados podem irromper, com mais facilidade, num ato auto-agressivo; 3) existe uma maior ma ior coação coação da socied sociedade ade contra co ntra dete d eterr minados aspectos na mulher: por exemplo, rotula-se mais facilmente uma moça de promíscua do que um homem, ou, condena-se mais uma moça que brigue ou desobedaça seus pais do que um rapaz na mesma situação. De uma forma
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—--------------------------------------------------------------------------geral, a mulher sofreria mais as sanções da sociedade, o que acarretaria mais culpa e necessidade de castigo, às vezes autocastigo. Na verdade, essa necessidade de puniçâío tem origens mais precoces, como introjeçâío de normas culturais, e facilita os conflitos intrapsíquicos; 4) no homem a tenta tiva de suicídio é, com maior probabilidade, estigmatizada como um ato de fraqueza e covardia, o que desencorajaria seu uso quando o desejo de morte não é muito forte —esse mesmo ato é visto com mais tolerância, se feito por uma mulher; 5) traços histéricos, que facilitam a dramatização de situações, sâo mais comuns no sexo feminino, em nossa cultura. E o ato suicida pode, às vezes, ser interpre tado dessa forma. Na verdade, todas essas tentativas de explicação sâo parciais, deixam muito a desejar, e algumas sáfo discutíveis. Em meus estudos tenho encontrado outras características: as moças que tentam suicídio sâo, em geral, muito depen dentes e necessitam desesperadamente de alguém que as guie e apóie. Este apoio é procurado, quase sempre, em pes soas do sexo masculino, namorados ou maridos, a quem se submetem emocional e socialmente e de quem dependem de forma quase infantil. A ameaça de perda (real ou imagi nária) do parceiro faz com que elas se sintam aniquiladas, desesperadas, como se perdessem uma parte de si mesmas (como uma criança que perde a mãe e ficará faminta) —as tentativas de suicídio (que às vezes dâo certo) sâo o resul tado de fantasias de reconquista, de agressão ao parceiro, de reencontro com pessoas mortas queridas, e principalmente de um retorno a uma vida intra-uterina, a um seio materno. Fatores sócio-culturais. e psicológicos estâo envolvidos nessa V
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estruturação de personalidade, entre eles uma dificuldade das mães em proporcionarem uma maior autonomia a seus bebês do sexo feminino, mas faltam trabalhos que compro vem minhas hipóteses com mais força. Um estudo mais aprofundado das características dessas moças será publicado posteriormente, no livro Jovens brasileiros que tentam s u i c í d i o , a sair brevemente.
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FATORES SÓCIO-DEMOGRÁFICOS NOS ATOS SUICIDAS 0 leitor já deve ter percebido como é difícil com preender globalmente os atos autodestrutivos. São dezenas ou centenas de variáveis que se interpenetram e interferem umas com as outras e, em cada indivíduo de maneiras dife rentes. Não podemos, portanto, explicar os atos a partir de variáveis isoladas: ninguém se mata só porque brigou com o marido, ou perdeu o emprego. Estes fatos contri buem, mas são o elo final de uma longa rede de fenômenos e têm uma importância limitada. Estudos mostrando asso ciações estatísticas entre atos suicidas e variáveis sociais e demográficas são comuns dentro da sociologia e da psico logia social e, além de serem curiosos, podem nos sugerir pistas importantes. Mas, não devem ser muito valorizados, pois a rede causal é sempre bem mais complexa. Por exem plo, quanto à religião, há indícios de que católicos se matam menos que protestantes, devido às características das duas
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religiões. É muito possível que isso ocorra, mas não há estu dos que mostrem a real influência da religiosidade. Em jovens que tentaram suicídio verifiquei que, comparados com grupos controle, os suicidas tendiam a não ter reli gião ou não a praticavam. Mas, é possível que eles não lhe dessem importância por outros fatores, alguns sendo os mesmos que os levaram a ter características de persona lidade facilitadoras de suas tentativas de suicídio. Quanto ao nível sócio-econômico, os trabalhos são con trovertidos. Há quem acredite que a pobreza protege contra o suicídio e há quem pense o inverso. Em Campinas, estu dando tentativas socorridas em hospitais, encontrei que elas se distribuíam proporcionalmente pelos vários estratos econômicos, se bem que é possível que os dados estejam subestimados para os estratos altos (que não procuram hospitais públicos) e talvez também para os mais baixos (pela inacessibilidade de atenção médica). Em épocas de depressão econômica tende a aumentar o número de suicídios entre os adultos, suicídios intencionais e subintencionais. Em nosso meio, ultimamente e devido à recessão econômica, tenho encontrado cada vez mais, nas classes 'humildes, a desestruturação familiar: o homem subempregado ou desempregado não consegue mais sustentar sua família, deprime-se, às vezes se torna alcoólatra, abandona o lar, torna-se mais vulnerável a doenças e acidentes, e outras vezes tenta suicídio intencionalmente. A desagre gação familiar na infância predispõe a uma maior inci dência de problemas emocionais na criança e no futuro adulto. Muitos suicidas provêm de lares desagregados. A pobreza facilita a desagregação, mas ela pode ser
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suprida pelo amor que comumente os pobres têm por seus filhos. A riqueza não impede a desagregação, aqui por outras causas, e amor e bens materiais não têm necessa riamente relação. Médicos e dentistas têm maior chance de suicídio. Jorna listas também, assim como outras profissões, dependendo de cada país. É possível que a facilidade de acesso a mé todos letais seja um fator, nos profissionais de saúde. O tipo de vida com chances maiores de tensão emocional pode estar associado, mas temos de lembrar que geral mente quem escolhe estas profissões já tem características especiais (rigidez, exigências de perfeição etc.). Artistas ou outras pessoas com traços de personalidade que exigem muita aprovação e reconhecimento vindos de fora podem deprimir-se com o fracasso e a decadência, optando pela morte. Modernamente, o uso de drogas, mais intenso em determinados meios, tem facilitado ás mortes "aciden tais" ou os suicídios conseqüentes a doses elevadas. Estudos epidemiológicos mostram que as zonas das xidades onde predominam os suicídios são aquelas de transição, de maior desorganização social, com maior pro miscuidade, geralmente cortiços, pensões e hotéis baratos, e onde há maiores taxas de alcoolismo, toxicomania, delin qüência e grande mobilidade populacional. Não creio que o local de moradia seja um fator causai, mas que pessoas com características autodestrutivas, exacerbadas por fato res sociais, acabam por concentrar-se nessas áreas. Lem bremos que alcoolismo, toxicomania e delinqüência são também comportamentos autodestrutivos. (íris tentou matar-se misturando cocaína, álcool e medicamentos. ' ---------------------------------------------------------------------------------------------- '
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-------------------------------------------------------------------------------Vive na zona de prostituição de Campinas e é sua segunda tentativa de suicídio. Mostra já sinais de compro metimento mental. Abandonou a família porque engra vidou e fo i aliciada para a zona, onde se sente “ ótim a" porque recebe o amor da "tia " (a dona do prostíbulo) que "cuida dela quando fica doente" e de namorados eventuais. Não tem consciência ou lembrança de sua tentativa, a des peito de suas colegas me contarem que ultimamente tem chorado muito, fala em morrer e anda muito "esquisita", íris provavelmente já tinha problemas mentais sérios, que não foram tratados, e graças a sua tentativa de suicídio conseguiu ajuda psiquiátrica, mesmo que tardia.) Quanto ao estado civil, as estatísticas mostram que as pessoas casadas têm menos probabilidade de suicidar-se. Em solteiros, viúvos e separados a chance aumenta. Acredito ser mais provável que pessoas com tendências autodestrutivas sofram mais conflitos e, por isso, tenham dificuldade de encontrar companheiro; por outro lado, o casamento pode proteger contra essas tendências (por mais apoio, presença de filhos, menor chance de solidão etc.). Já entre os jovens, adolescentes casados tendem mais ao suicídio. Em muitos casos verifiquei que esses casamentos eram efetuados seguindo-se a gravidez indesejada, num casal imaturo, des preparado para a responsabilidade. Outras vezes a união era uma tentativa de encontrar um apoio (que acaba por ser insuficiente) devido a necessidades inconscientes conflitivas. Duas anedotas demonstram relações inconscientes entre suicídios e a proteção ou os conflitos do amor e casa mento: V
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1) Quatro amigos meus de infância se suicidaram. Um deles porque sua mulher morreu." E os outros?" Justamente pelo contrário." 2) As estatísticas provam que o matrimônio é um remédio contra o suicídio." Sim, e as estatísticas tam bém provam que o suicídio é um remédio contra o matri mônio . . . "
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Quanto a migrações, as taxas de suicídio são maiores em imigrantes e refugiados,'"mas principalmente naqueles de pior condição econômica. Parece que, entre os migran tes, o grupo mais exposto é o de pessoas que foram obri gadas a partir. Os que partem por sua vontade tendem mais a preservar sua cultura. Mas, sempre há necessidade de adaptação a novas situações e obrigações, que podem constituir-se em fatores desencadeantes de episódios melancólicos, em pessoas predispostas. (Nicanor veio d.o Nordeste e conseguiu adquirir um sítio no interior de São Paulo. Sentia saudades da sua terra, mas tinha muitos amigos e achava-se feliz. Aos poucos percebeu que não con seguia manter o sítio e o vendeu a latifundiários que plan tavam só cana-de-açúcar e acabaram com as propriedades de subsistência. Era o "milagre" do álcool... Ele, como muitos outros, transformou-se em bóia-fria, até que resol veu mudar-se para a cidade. Conseguiu emprego numa fábrica, mas sentia-se extremamente ansioso, fechado entre paredes, e tendo de cumprir horários rígidos — tinha saudades da liberdade do campo, que logo se transformou em saudade doentia do Nordeste. A volta para sua terra passou a ser uma obsessão. Nicanor começou a ter dificul-
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-------------------------------------------------------------------------------- \ dades para engolir, o médico da fábrica suspeitou de sua ori gem emocional e o encaminhou para fnim — já se encon trava emagrecido e melancólico, num processo autodestru^ tivo de suicídio inconsciente.) Porém, tive oportunidade de verificar, em alguns casos, que as migrações eram não causa, mas conseqüência de conflitos emocionais que faziam o indivíduo procurar, no meio externo, satisfação para necessidades conflitivas internas. (Marília deixou sua família, no interior, porque "não agüentava" os valores de seus pais, e foi para São Paulo. Lá não se adaptou ao trabalho e mudou-se para o Rio, onde teve problemas na Faculdade e brigou com seu namorado — desiludida, voltou a São Paulo, onde passou a viver com Mário. Mas, logo teve atritos com ele e veio morar com a tia em Campinas. Tentou suicídio porque a tia "não a entende" e a critica demais. Marília tem conflitos intensos e precisa mergulhar dentro de si, para conhecer-se. Suas procuras e fugas de um lugar para outro não mais adiantam e ela tentou escapar, na tentativa de suicídio, para "outro mundo", mais tranqüilo e menos frustrante.) Quanto à influência da escola nos atos suicidas, isso é evidente em alguns países, como Alemanha e Japão, em que o fracasso escolar é visto como algo vergonhoso. A inci dência de suicídios e tentativas é alarmante em fases de resultados de exames e mudanças de grau (como o vesti bular). Existe também maior incidência de suicídios nas universidades tradicionais (Oxford, Cambridge, Harvard) e, se as exigências acadêmicas têm algo a ver, é provável tam bém que os critérios muito elevados de seleção facilitem a entrada de pessoas com problemas emocionais, que tentam
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suprir no estudo suas dificuldades afetivas. Talvez o mesmo
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suprir no estudo suas dificuldades afetivas. Talvez o mesmo ocorra com muitos profissionais de sucesso científico, mas com pobre vida afetiva, e que são mais predispostos a crises emocionais. Quanto à cor, estudos norte-americanos mostram maio res taxas de suicídio em negros e portorriquenhos. Mas, os autores, em geral, acreditam que isso se deva mais a fatores de desorganização social, de que eles são vítimas, que a fatores étnicos. Há quem postule que grupos minoritários podem ter menor auto-estima, e pelo fato de serem discri minados, um maior ódio reprimido. Em nosso meio não existem trabalhos fidedignos avaliando este fator. Não creio que a cor em si seja importante, mas sim fatores associados, como a desagregação familiar. Nos imigrantes japoneses mais velhos, devido a fatores culturais, a incidência de sui cídio é maior que na população geral. A relação dos atos suicidas com o uso do álcool é bem evidente. 0 alcoolismo já é uma morte crônica e entre os alcoólatras, 12 a 21% acabam por suicidar-se. intencional mente. Ë comum também o indivíduo usar álcool ou estar alcoolizado durante o ato suicida (mesmo não sendo alcoó latra) — em jovens que tentaram suicídio, de Campinas, 25% haviam usado álcool concomitantemente. 0 mesmo deve ocorrer com o uso de drogas, mas aqui ók dados são de mais difícil obtenção. Dados de São Paulo e que colhi em Campinas mostraram que os suicidas preferem matar-se às segundas-feiras, talvez porque os conflitos tornem difícil iniciar uma nova semana. Já as tentativas predominam aos sábados, pois é aí no final da semana que ocorrem atritos com pessoas emocionalV.
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mente importantes, levando a atos impulsivos. Os horários sâfo variáveis: encontrei maior incidência entre fim de tarde e início de madrugada, com outro pico na hora do almoço, tanto entre suicidas como entre pessoas que tentaram matar-se. Parece serem as horas em que o indi víduo não tem outras atividades, facilitando a solidão no suicida e os problemas de relacionamento nos jovens que tentam suicídio. Não encontrei relação estatística entre a incidência de atos suicidas e meses do ano, em nosso meio.
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O DIREITO AO SUICÍDIO Agora um último problema, para terminar este livro. O direito ao suicídio, é uma discussão antiga em que se têm digladiado muitas escolas filosóficas. Sou da opinião de que na grande maioria das vezes o indivíduo, que açredita estar efetuando o ato por seu livre-arbítrio, está enganado. Quase sempre, essa pessoa está sob a influência de conflitos inconscientes, que descobertos, fazem com que ele encontre outras saídas. Eu, como todos os profissionais da área de saúde mental, tenho dezenas de experiências com pessoas que queriam matar-se, que me viam como inimigo, e que depois me demonstraram sua gratidão pela ajuda prestada, que evitou sua morte. Outros casos são de avaliação mais difícil, quando implicam atos de fundo ético, como por exemplo greves de fome com finalidade política ou a autoeutanásia. Mas, mesmo aqui, o autoconhecimento deverá ser útil, ainda que não impeça o ato. Recentemente, Guillon e Le Bonniec publicaram na
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. França o livro S u i c i d e : m o d e d ' e m p l o i , em que ensinam-se maneiras para o indivíduo matar-se. Creio que a liberdade de publicar-se qualquer coisa é um direito do ser humano, mas sou de opinião que a sociedade deve também proteger seus membros que estão sofrendo, e por isso mais vulne ráveis ao ato suicida. O livro é interessante, mas creio que pode fazer mal a pessoas que estão predispostas ao ato; em minha opinião ele deveria ser publicado com um adendo das autoridades de Saúde Pública, dando outra visão e oferecendo também o auxílio da comunidade.
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INDICAÇÕES PARA LEITURA A liter atu r a sobre s u ic íd io é gig antesca — at é 19 71 ex is tiam 5 300 trabalho s pub licados, e calculo que hoje esse núm ero deve, pelo menos, ter tr ip lic ado . A maior ia das obras é euro péia ou no rte-americ ana, e sem tradu ção brasileira. Os textos indicados a seguir foram consultados, entre outros, na elaboração deste volume. Existem apenas quatro livros em português, três em edições brasileiras e um em ediçãb portuguesa: — O suicídio, de Émile Dürkheim, da Zahar (e da Presença em Portugal). Ë um clássico da literatura sociológica, em que o autor propõe determinantes sociais como explicaçâb para as taxas de suicídio, em especial o grau de integração das sociedades. Foi escrito em 1897. Abriu o campo para pesquisas objetivas e, a des peito de ser criticado por sociólogos modernos, é uma leitura valiosa. Como o autor era sociólogo e a psicanálise ainda engati nhava, este ú ltim o t ip o d e abordagem inexiste. — Eros X Tânatos. O hom em con tra si mesmo, de Karl Menninger, da Ibrasa. O autor é um conhecido psicanalista norte-americano, e leva até as últim as conseqüências os con ceitos freud ianos de in stin tos de vida (Eros) e de morte (Tânatos), mostrando de forma clara
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sua interação nas condutas autodestrutivas. A despeito de ser um
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sua interação nas condutas autodestrutivas. A despeito de ser um livro cscrito por um especialista é compreensível até para aqueles nâfci familiarizados com a psicanálise, e de leitura agradável face ao grande número de exemplos. Depressão e suicídio, de Luiz Miller de Paiva, da Editora Imago. O autor é um renomado professor e psicanalista paulista e sua obra é a única editada de auto r bras ileiro. Sâó abordados aspectos epidemiológicos, bioquímicos e psicanalfticos. Estes dois últimos sáo estudados exaustivamente, mas o texto é de compreen são limitada para o nâb especialista. — Suicídio e tentativa de suicídio, de Erwin Stengel, das Publi I cações Dom Quixote, de Lisboa. O original americano, de fácil acesso (Suicide & Attem pte d Suicide ) é da Penguin Books. O autor é um dos p rincipais estudiosos do assunto, e apresenta de form a did á tica aspectos epidemiológicos, sociológicos, psicológicos e psiquiá tric os . ë uma obra das mais valiosas e consegue, em poucas páginas, dar uma visão ampla das facetas estudadas. Dentro de pouco tempo espero que saia publicado um outro livro de minha autoria: Jovens brasileiros que tentam suicídio. Ë baseado em uma pesquisa que fiz entrevistando 50 adolescentes que tentaram matar-se e comparando-os com 50 jovens normais e outros 50 com problemas psiquiátricos. Numa abordagem epidemiológica e utiliza nd o teorias psicanalfticas procuro chegar a uma pro vável história natural do evento, analisando fatores intrapsíquicos e sócio-culturais. Reviso também a literatura existente e as teorias anteriores. Recomendo ainda um romance: As menina s, de Lygia Fagundes Telles. Este livro (como outros da autora) é um maravilhoso mergu lho no mundo da adolescente. Ana Clara, uma das meninas, ter mina se matando, e a análise psicológica da escritora coincide com aquilo que vemos na clinica. Mas, a artista consegue expressar tudo isso de uma forma muito mais viva e emocionante, e acompanhá-la é fascinante. Ainda em português, o estudioso poderá encontrar algumas teses, mimeografadas, que abordam diferentes aspectos do sui cídio, e que podem ser encontradas em bibliotecas de Faculdades
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de Medicina ou pedindo-se diretamente aos autores: Comportamentos suicidas em uma unidade psiquiátrica de
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de Medicina ou pedindo-se diretamente aos autores: — Comportamentos suicidas em uma unidade psiquiátrica de um hospital universitário, de Othon Bastos Filho, 1974. O autor é professor nas Faculdades de Medicina do Recife. Suicídio: aspectos sociais, clínicos e psicodinâmicos, de Gerson Antonio Vansan, 1981. O autor é professor no Departa mento de Neuropsiquiatria da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, USP. - O gosto autodestrutivo, de Fábio Herrmann, 1976. O autor é psicanalista e reside em São Paulo. — Subsídios para a profilaxia do suicídio através da educação, de Valy Giordano, 1982. A autora é psicóloga, professora da PUC-SP. - Jovens que tentam suicídio, 1981, de minha autoria. Entre os livros estrangeiros recomendo: - Farberow, N. L. & Shneidman, E. S. The cry for help, Nova Iorque, M cG raw -Hill, 1965 (existe traduça~o em castelhano). — Garma, A. Sadismo y masoquismo en la conducta humana, Buenos Aires, Nova, 1952 (o capi'tulo de suici'dio também se encon tra em: Abadi, M. e t al. La fascinación de la m uer te, Paidós, 1973). - G uidon, C. & Le Bonniec, Y. Suicide, mode d'emploi histoire, technique, actualité, Paris, Ed. Alain Moreau, 1982. — Haim, A. Les suicides d'adolescents, Paris, Payot, 1969. - Perlin, S. (ed.). A handbook fo r the stud y o f su icide, Nova Iorque, Oxford Univ. Press, 1975. — Wekstein, L. Handbook o f suicidology, Nova torque, Brunner-Mazel, 1979.
Caro leitor: As opiniões expressas neste livro são as do autor, po de m não ser as suas. Caso vo cê a ch e q ue va le a p en a escrever um outro livro sobre o mesmo tem a nós estamos dispostos a estudar sua publicação com o mesmo título com o "seg un da visão".
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Biografia Meu nom e com pleto é Roosevelt Moisés Smeke Casso ria. Nasci em Temuco, terra de Gabriela Mistral e Pablo Neruda, no Chile. Aos 8 anos de idade já estava em São Paulo, e desde então sou brasi leiro de verdade, e naturalizado. Aos 23, a Escola Paulista de Medi cina me diplomou como médico, um ótimo técnico em diagnóstico e tratamento de doenças. Mas, que não sabia quase nada sobre doentes. No ano seguinte já era professor de Medicina Preventiva, na UNICAMP e lá, e depois pós-graduando da Faculdade de Saúde Pública da USP, me tomei um razoável técnico sanitarista e espe cialista em Medicina Social. Mas, continuava sabendo muito pouco sobre as pessoas. Fui um dos implantadores do Programa de Comu nidade da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, em Paulínia, e primeiro chefe de seu Centro de Saúde-Escola. Lá tomei contato íntimo com tecnocratas e burocratas e passei alguns anos fazendo relatórios. . . Por essa época percebi que já me haviam tor nado também um tecnocrata. . . Graças à psicanálise comecei a compreender um pouco o ser humano e que era bem diferente do que os tecnocratas queriam (inclusive os cientistas...). Passei a tentar aplicar esse conheci mento não só à psiquiatria e medicina, mas também aos trabalhos de comunidade e ao ensino médico. Já especialista em psiquiatria transferi-me para o Departamento de Psicologia Médica e Psiquia tria da UNICAMP, onde hoje coordeno o setor de Medicina Psicos somática. Graças a trabalhar na Universidade em tempo parcial (mesmo favoravel ao tempo integral, para quem goste, e numa Universidade que lhe dê condições de trabalho) livrei-me de muita papelada, e tenho tido tempo suficiente paia pesquisar nas áreas de Medicina Psicossomática, Psicologia e Psiquiatria Social, e Sui cídio, aprofundar minha formação em psicanálise, atender pacientes, ser professor do curso de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da PUC-Campinas, lecionar em Cursos de Especialização em terapias de base analítica, tentar ser um pai e companheiro razoável, e procurar denunciar iradamente tudo aquilo que nos desumaniza.
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COLEÇÃO PRIMEIROS PASSOS 1 - Socialismo Arnaldo Spindel 2 - Comunismo Arnaldo Spindel
Comissões de Fábrica R. Antu nes/A. Nogueira 48 - Geografia
Evaldo Vieira 91 • Universidade Luiz E. W. Wanderley 92 - Ques
COLEÇÃO PRIMEIROS PASSOS 1 - Socialismo Arnaldo Spindel 2 - Comunismo Arnaldo Spindel 3 - Sindicalismo Ricardo C. Antu nes 4 - Capitalismo A. Mendes Catani 5 - A na rq ui sm o Caio Túlio Costa 6 - Liberdade Caio Prado Jr. 7 ■ Racismo J, Ruflno dos Santos 8 - Indústria Cultural Tei•xeira Coelho 9 - Cinema J. Clau de Bernardot 10 - Teatro Fernan do Peixoto 11 - Energia Nuclear J. Goldemborg 12 - Utopia Tei xeira Coelho 13 - Idoologia Mnrilena Chuui 14 - Subdesenvolvi mento H. Gonzalez. 15 - Jornalis mo Clóvla Ronsl 10 ■ A rq uit et ura Carlos A. C. Lemos 17 - História Vavy Pacheco Borges 18 - Ques tão Agrária Joart G. du Silva 19 Cpmunldado Ec. du Base Frei BtJSto 20 - EducnçAo Curlos R. Branií^o 21 - Burocracia F. C. Prestes Motln 22 - Ditaduras Arnaldo Splndol 23 - Dialótlca Leandro Kondor 24 - Poder Gé rard Lebrun 25 - Rovoluçfto Florestan Fernanden 20 - Multina cionais Bernardo Kuclnakl 27 Marketing Ralmar Richer» 28 Empregos o 8nlárlos P. R. de Souza 29 - Intaloctuals llorácio Gonzalez 30 - Rocusstto Paulo Sandronl 31 - Roligltto Rubem Alves 32 - Igroja P. Evarlsto, Car deal Arns 33 - Reforma Agrária J. Eli Veiga 34 - Stalinlsmo J. Paulo Netto 35 - Imperialismo A. Mendes Cntnnl 36 - Cultura Popular A. Augusto Arantes 37 Filosofia Calo Prudo Jr. 38 - M é todo Paulo Frelro C. R. Brandão 39 - Psicologia Social S. T. Mau rer Lane 40 - Trotskismo J. Ro berto Campos 41 - Islamismo Jamil A. Haddad 42 - Violência Urbana Régis de Morais 43 - Poe sia Marginal Glauco Mattoso 44 Feminismo B. M. Alves/J. Pitanguy 45 - A s tr onom ia Rodolpho • Caniato 46 - A r te Jorge Coll 47 -
Comissões de Fábrica R. Antu nes/A. Nogueira 48 - Geografia Ruy Moreira 49 - Direitos da Pessoa Dalmo de Abreu Dallari 50 - Família Danda Prado 51 - Pa trimônio Histórico Carlos A. C. Lemos 52 - Psiquiatria Alterna tiva Alan Indio Serrano -S3 - Lite ratura Marisa Lajolo 54 - Política Wolfgang Leo Maar 55 - Espiri t i s m o Roque Jacintho 56 - Po der Legislativo Nelson Saldanha 57 - Sociologia Carlos B. Mar tins 58 - Direito Internacional J. Monserrat Filho 59 - Teoria Otavlano Pereira 60 - Folclore Car los Rodrigues Brandão 61 - Exis tencialismo João da Penha 62 Direito Roberto Lyra Filho 63 Poesia Fernando Paixão 64 • Ca pital Ladislau Dowbor 65 - MaisValia Paulo Sandroni 66 - Recur sos Humanos Flávio de Toledo 67 - Comunicação Juan Díaz Bordenave 68 - Rock Paulo Chacon 69 - Pastoral João Batista Libanio 70 - Contabilidade Roque Ja cintho 71 - Capital Internacional Rabah Benakouche 72 - Positivis m o João Ribeiro Jr. 73 - Loucura João A. Frayze-Pereira 74 - Lei tura Maria Helena Martins 75 Questão Palestina Helena Salem 76 - Punk Antonio Bivar 77 - Pro paganda Ideológica Nelson Jahr Garcia 78 - Magia João Ribeiro Jr. 79 - Educação Física Vitor Ma rinho de O liveira 80 - Música J. Jota de Moraes 81 - Homos sexualidade Peter Fry/Eduard MacRae 82 - Fotografia Cláudio A. Kubrusly 83 - Política Nuclear Ricardo Arnt 84 - Medicina Al ternativa Alan índio Serrano 85 Violência Nilo Odalia 86 - Psica nálise Fabio Hermann 87 - Parla mentarismo Ruben Cesar Keinert 88 - Amor Betty Milan 89 - Pes soas Deficientes João B. Cintra Ribas 90 - Desobediência Civil
Evaldo Vieira 91 • Universidade Luiz E. W. Wanderley 92 - Ques tão da Moradia Luiz C. Q. Ribeiro/Robert M. Pechman 93 - Jazz Roberto Muggiati 94 - Biblioteca Luiz Milanesi 95 - Participação Juan E. Diaz Bordenave 96 - Ca poeira Almir das Areias 97 - Um banda Patrícia Birman 98 Litera tura Popular Joseph M. Luyten 99 - Papel Otávio Roth 100 Contracultura Carlos A. M. Pe reira 101 - Comunicação Rural Juan E. D. Bordenave 102 - Fome Ricardo Abramovay 103 - Semió tica Lúcia Santaella 104 Partici pação Política Dalmo de Abreu Dallari 105 - Justiça Júlio César Tadeu Barbosa 106 - Astrologia Juan A. C. Müller/Léa M. P. M ülle r 107 - Política Cultural Martin Cezar Feijó 108 - Comu nidades Alternativas Carlos A. P. Tavares 109 - Romance Po licial Sandra Lúcia Reimão 110 - Cultura José Luiz dos Santos 111 - Serviço Social Ana Maria Ramos Estevão 112 - Taylorismo Luzia Margareth Rago/Eduardo F. P. Moreira 113 - Budismo An tonio Carlos Rocha 114 - Teatro Nó Darci Yasuco Kusano 115 Realidade João-Francisco Duar te Jr. 116 - Ecologia Antônio Lago/José Augusto Pádua 117 Neologismo Nelly Carvalho 118 - Medicina Preventiva Kurt Kloetzel 119 - Nordeste Brasilei ro Carlos Garcia 120 • Naciona lidade Guillermo Raúl Ruben 121 - Tortura Glauco Mattoso 122 - Parapsicologia Osmard An drade Faria 123 - Mercadoria Li liana R. Petrilli Segnini 124 Etnocentrismo Everardo P. Gui marães .Rocha 125 . Medicina Popular Elda Rizzo de Oliveira 126 - A b ort o Danda Prado 127 Suicídio Roosevelt M. S. Cassorla.
A SAIR: A ngús ti a André Gaiarsa Arq ueo logia Ulpiano B. Menezes A uto nomia Operária Lúcia Bruno Can domblé Leni Myra Silverstein Carnaval Roberto da Matta Ciber nética Jocelyn Bennaton Comu nicação não-verbal Monica Rec tor Corpo Ana Verônica Maut
ner Democracia Ruben Cesar Keinert Economia Política L. G. de Mello Belluzzo Erotismo Lú cia Castello Branco Esperanto Isabel Santiago Filatelia Raymundo Galvão de Queiroz Física Ernest Hamburger História em Quadrinhos Sônia Luyten Judaís
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