Na Casa de Meu Pai: a África na filosofia da cultura Kwame Anthony Appiah, Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. Augusto Drumond ³Na casa de meu pai...´, de Kwame Anthony Appiah, é um livro que deve ser lido por todos aqueles que discutem questões relativas à identidade e à cultura. Partindo de produções literárias, li terárias, artísticas e filosóficas africanas, e articulando-as com o pensamento ocidental, Appiah vai aos poucos mostrando os equívocos que a imposição de um tipo de ³universalismo´ ocidental criou. Isso sem desprezar a necessidade da racionalidade ao desenvolvimento humano, mas revelando o erro induzido de se considerar um pensamento local como universal, como o mundo ocidental faz crer. Segundo Appiah, esse pensamento norteou as mentes daqueles que pensaram um mundo africano africano para os africanos, inventaram uma uma África pós colonial, ³criaram´ uma raça e minimizaram as diferenças existentes na diversidade continental sub-saariana. O autor deixa muito claro que sua visão de mundo e sua crítica a um pensamento que domina, desde o século XIX, as transformações políticas e sociais são produtos do seu contexto. Criado com uma educação formal européia , dentro de uma família africana cristã, mas sem abrir mão de diversas ³tradições´ de sua terra natal, ele consegue nos mostrar como essas práticas, conflitantes aos olhos de qualquer ocidental, conseguem coexistir, lado a lado, na África. E sua história é igual à de muitas outras pessoas pes soas naquele continente. Dois exemplos de vida de seu pai, a quem o livro é dedicado, servem de cerne ao livro de Appiah: o pan africanismo sem racismo e o apego apeg o à multiplicidade identitária. identitária. É a partir desses exemplos, analis analis ados pelo autor, que podemos passar a pensar pe nsar um mundo sem conflitos identitários significativos e sem os pré-conceitos com os quais estamos acostumados. Esse livro é composto por nove capítulos escritos na forma de ensaios, todos intimamente interligados. Abordando questões que passam pela biologia, sociologia, teorias e críticas literárias, filosofia, antropologia e história, o autor procura desarticular os pensamentos que dominaram o século XX no que diz respeito à raça, ao negro, à África, à política e à modernidade. E isso tudo com uma linguagem acessível a todos. Aliás, Appiah mostra muito bem que raça não existe, que q ue é possível uma identidade africana fugindo dos alicerces conceituais ocidentais e que muitos daqueles que q ue um dia procuraram fugir desses conceitos acabaram reforçando-os. Os capítulos, que detalharemos no decorrer deste texto, podem ser divididos em quatro grupos a partir das preocupações centrais de cada ensaio. e nsaio. O primeiro grupo, formado pelos dois primeiros capítulos, procura mostrar o papel que a ideologia racial racial desempenhou no desenvolvimento do pan africanismo. O enfoque é dado aos intelectuais afro-americanos que, baseados nas idéias de negro e raça africana fundamentadas nos ideais
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biológicos e éticos da Europa e dos EUA do século XIX, foram responsáveis pela construção do discurso pan-africanista que dominou o século XX. Os principais intelectuais analisados aqui são Du Bois e Crummell. ³A invenção da África´ é o primeiro ensaio deste grupo. O centro da discussão aqui é a visão dos pais do pan-africanismo de que os povos da África devem ser pensados como sendo um único povo a ser concebido como uma unidade política natural. O cerne desse pensamento se encontra na existência da raça do negro. Appiah procura mostrar como o pensamento racialista do século XIX e a experiência da escravidão africana no novo mundo influenciaram Alexander Crummell, um dos pais do pan-africanismo. O racialismo, termo utilizado por Appiah, é uma das três doutrinas consideradas cruciais para se discutir o termo ³racismo´. As outras duas doutrinas são os racismos extrínseco e intrínseco. Segundo o autor, o racialismo é a visão de que existem características hereditárias, possuídas por membros de nossa espécie, que nos permitem dividi-los num pequeno conjunto de raças, de tal modo que todos os membros dessas raças compartilham entre si certos traços e tendências que eles não têm em comum com membros de nenhuma outra raça´ (Appiah, 1997, p.33). O racialismo é base das outras duas doutrinas. A principal diferença e ntre os racismos extrínseco e intrínseco é que o primeiro fundamenta a aversão racial sobre características objetáveis, obje táveis, enquanto o segundo se baseia na afirmação de que certo grupo é objetável. A noção de ³raça´ para os pais do pan-africanismo é muito mais sentida do que pensada. O fato é que Crummell não percebeu que a vida dos d os negros na África colonial não podia podia ser considerada igual à experiência dos negros afro americanos. E muito menos percebeu que o sentimento da ³africanidade´ teve princípios diferentes a partir da diferença entre a colonização britânica e francesa. A vida de Crummell se passou p assou numa sociedade segregacionista e racial dos EUA do século XIX enquanto que, na África, a participação da colonização européia foi mais superficial. Os conflitos vividos por Crummell e outros pensadores afro-americanos não foram, não tiveram o mesmo peso e jamais foram experienciados na maioria dos povos na África colonial. Não é difícil observar que a forma de colonização britânica e francesa tenha resultado no mesmo sentimento pan-africanista dos afro-americanos. Os africanos anglófonos aprenderam na Europa que tinham em comum a ³africanidade´ e importaram a noção de uma raça africana dos europeus. e uropeus. Na África francófona, a única forma dos africanos serem diferentes dos europeus era pertencendo a uma raça diferente. Foi o que aprenderam com os
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um povo estão ligadas ao ambiente em que vivem. De outro lado, l ado, há a visão teológica dos antigos antig os hebreus. Daí fica também evidente a influência do modelo teológico dos hebreus para Crummell. A língua do colonizador era ³uma providência divina´ que ajudaria a unir os povos cuja diversidade lingüística era um empecilho para a unidade africana. africana. Muito mais que isso, a língua também era o meio de cristianização e de civilização da África. E a concepção de civilização e de modernidade adotada por Crummell Crumm ell é a mesma dos ingleses e norte-americanos do século XIX. Mas a visão de Crummell sobre os africanos não foi compartilhada pelos africanos coloniais em pelo menos um ponto: eles e les poderiam ser unidos pela raça, mas determinadas tradições não poderiam ser desprezadas. A psicologia racial crummelliana levou ao pensamento da existência não só de uma forma de pensamento africano, mas também de um conteúdo caracteristicamente africano. E isso levou ao pensamento pe nsamento de que a África era também culturalmente homogênea. O segundo capítulo é ³Ilusões de raça´. No capítulo anterior, Crummell é dado como precursor da articulação intelectual do pan-africanismo, mas, como já dito antes, através de uma noção muito mais sentida do que pensada. É W. E. B. Du Bois quem lança as bases intelectuais e práticas do movimento. Por mais que Du Bois tentasse negar a constituição de raças através de definições do cientificismo do século XIX, os princípios utilizados para definir raça levavam à definição de raça biológica que ele negava. É claro que a definição biológica de raça era fruto das ciências no século XIX, e esta, resultado de uma época, assim como as pessoas também o são. Du Bois partia da convicção de que os homens se dividiam em raças, ainda que fosse difícil chegar a qualquer conclusão imediata sobre elas. Afirmava apenas que não eram as diferenças morfológicas que constituía m as raças, mas ³diferenças que, de maneira m aneira silenciosa mas definitiva, separaram os homens em grupos´ (ibidem, p.54). Mas a raça como biologicamente definida estava implícita na noção de ³sangue-comum´ adotada por ele e trazia à tona o sentimento da raça como c omo uma família, de Crummell. O que Du Bois tentou foi partir para uma concepção sócio-histórica de raça. A partir dessa concepção, ele tentou unir os africanos através do compartilhamento histórico e geográfico. E a aproximação ap roximação que ele obtém para unir a experiência dos afro-americanos afro -americanos com a dos africanos colonizados foi o que Appiah chamou de ³insígnia de insulto´, e não o insulto em si, já que a discriminação e a segregação a que os afro -americanos estavam sujeitos não correspondiam à experiência dos africanos. Ou seja, ³a história de cada um é a história das pessoas que viveram num mesmo lugar´ (ibidem, p.60). Não se pode esquecer que o desenvolvimento da concepção sócio-histórica de raça por Du Bois acabava levando novamente a sua
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afirmando que cada uma teria sua mensagem a dar para o mundo, e assim sendo, a raça negra também teria a sua. Acontece que qualquer definição de raça baseada b aseada na biologia já parte de um pressuposto errado. Hoje, todos sabemos que determinadas características humanas são definidas pela genética, mas sabe -se também que não se pode definir raças a partir dela. A diferença genética existente entre qualquer pessoa considerada ³racialmente pura´ na África África e qualquer pessoa ³pura ´ na Europa é percentualmente muito parecida com a diferença genética encontrada entre pessoas de mesma ³origem racial´. Essa diferença pode parecer maior ou menor dependendo da maneira com que os biólogos trabalhem com os números. Ou seja, as diferenças genéticas existentes entre habitantes de uma mesma população são as mesmas encontradas entre populações diferentes, e que não há diferenças marcantes a não ser aquelas referentes à morfologia. No final das contas, não há raças, não há nada que comprove que elas existam, nem há nada no mundo que se refira àquilo que chamamos de raça, como também não há nada no mundo idêntico ao que se espera que a raça faça para as pessoas. Olhando a história do mundo, podemos perceber que a única coisa que a raça trouxe para o homem foi muito sofrimento. Como o exemplo dado por Appiah, é só olhar os horrores que o nazismo trouxe para a humanidade e o resultado do segregacionismo segre gacionismo e da discriminação. O que o conceito de raça faz é biologizar aquilo aquilo que se refere à cultura e à ideologia. Os capítulos 3 e 4 fazem parte do segundo grupo e questionam como a tentativa de se criar, através da literatura, uma identidade africana enraizada nas tradições levou a minimizar a diversidade cultural e identitária na África e a censurar a relação dos intelectuais africanos com com a vida intelectual euroeuro americana. A análise é feita na exploração das idéias de críticos e teóricos literários. A figura central analisada aqui é o escritor nigeriano Wole Soyinka, no capítulo 4. ³Pendendo para o nativismo´ é o terceiro capítulo do livro e o primeiro ensaio desse segundo grupo. Nele, ao mostrar a relação entre os pares nação -raça e raça-literatura, Appiah nos detalha como as questões referentes à identidade estão presentes na literatura africana do século XX. E faz essa relação tratando o termo nação como intermediário para estabelecer a relação entre raça e literatura. A relação entre nação e raça é mais fácil de discernir. Os modernos Estados nacionais passaram a ser concebido dentro das definições raciais. Enquanto na Europa as comunidades giravam em torno da ascendência hereditária, nos EUA, a comunidade partia do princípio do livre -arbítrio, e o que fazia essa união era o ³amor fraterno´. A justificativa da hereditariedade, ou desse ³amor fraterno´, era a noção de que determinadas ações e gostos eram
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ao homem negro, estava delineada a visão da inferioridade inferioridade cultural das raças. É a partir da concepção da Sprachgeist, o ³espírito´ da língua, de Herder, que se estabelece a relação do nacionalismo moderno em torno da língua. A proposta de Herder de se ter a língua não ap ap enas como instrumento, mas como parte das artes e das ciências é que traz à tona a língua como mais do que um meio com o qual as pessoas se comunicam. O surgimento dos Estados alemão e italiano no século XIX está intimamente relacionado com a intenção herderiana de se criar Estados que compartilhassem a mesma nacionalidade, esta compreendida como nações que compartilham mesma língua e mesma literatura. Entretanto, aquilo que era considerado ³natureza humana´ acabou sendo relacionado cada vez mais com a biologia e a antropologia, ou seja, à raça, e acarretou uma superposição entre a noção herderiana e a concepção racial de nação. E daí surge a relação entre literatura e raça, tendo a nação como eixo de ligação. A importância que a literatura africana assume se deve ao fato de que, sistematicamente, com a visão de superioridade cultural dos d os brancos, os negros eram acusados de serem incapazes de contribuir para as artes e para as letras. A resposta veio com os afro-americanos, nos EUA, que passaram a investir na produção literária. Como resultado surgiram duas linhas de pensamento ± de um lado, os que defendiam defendiam a inclusão de escritores escritores afro americanos nos cânones literários e, de outro, aqueles que defendiam esses textos com a possibilidade de serem estudados como cânones em si. A utilização das línguas dos colonizadores na constituição de uma literatura africana poderia indicar um contra-senso na relação entre nações e literaturas africanas. Mas, como diz Appiah, tanto as queixas quanto a defesa das línguas estrangeiras parecem mostrar a disputa entre um sentimentalismo herderiano das línguas e as tradições da África como essência, de um lado, e o positivismo das línguas e disciplinas européias de outro. O fato de que se escrever para os africanos africanos falando sobre as tradições africanas estava acima desta disputa. O nativismo surge como uma forma de se contrapor ao ³universalismo´ europeu. O problema que surgiu desse contraponto foi que, ao repudiar a dominação cultural do ocidente, ocidente, os nativistas acabaram reforçan do-o. Ao organizarem suas particularidades na cultura, concepção fruto da modernidade ocidental, os nativistas acabaram minimizando a diversidade d iversidade de tradições existentes na África. A contestação aos critérios ocidentais pelos nativistas é, portanto, realizada através do mesmo modo em que esses critérios foram estruturados. Aliás, a própria história da África, seus mitos e suas tradições podem ter sido muitas
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minimizar a diversidade do mundo africano sub-saariano. O autor toma o escrito nigeriano Wole Soyinka para mostrar sua hipótese. Apesar da utilização do idioma do colonizador e da educação formal no estilo europeu, Wole Soyinka escreve de maneira diferente da dos autores americanos e europeus. A base dessa diferença se deve ao projeto intelectual literário. Soyinka não escreve e nem poderia escrever com os mesmos propósitos de escritores ingleses contemporâneos. A principal diferença entre os escritores contemporâneos europeus e os modernos escritores africanos pode ser resumida numa frase: os autores europeus estão preocupados na busca do eu, enquanto a preocupação dos escritores africanos está na busca de uma cultura. Agora, o fato de a busca do eu ser um lugar-comum na crítica e teoria literária européia não significa que ela seja verdade. No mundo ocidental, a busca do eu é a busca da autenticidade. Essa busca pode ser considerada como uma fuga daquilo que a sociedade, a escola e o Estado fazem aos homens. A autenticidade, considerada como cerne da autoria criativa que se contraponha a uma cultura, não passaria de uma ficção, quando considerada a teia social que envolve o homem. A questão q uestão da autenticidade para o escritor africano não passa de uma curiosidade, já que o objetivo de sua literatura é outra. A questão é descobrir um papel para o público. Dado o contexto sócio-histórico, o pano de fundo social europeu, seus escritores sabem qual é o local do ³povo´ na sua literatura. Para os africanos, a situação parece ser mais um pouco mais complicada. O problema para os escritores africanos é que se parte de um pressuposto errado. Na busca de uma África a sobre qual escrever e de um público africano a quem escrever, essa mesma África como dada. Esse erro foi pressupor uma cultura africana enquanto dever-se-ia pressupor suas próprias tradições. Aqui se impõe um outro problema. As tradições tomadas como tipicamente africanas são uma reação direta às concepções européias europé ias do que é ser africano. Apesar da diversidade diversidade cultural e de tra dições na África, aos olhos do mundo, esses povos são todos vistos como africanos. As diferenças das colonizações britânica, francesa e portuguesa são desconsideradas, e os problemas internos e os objetivos são tomados como comuns. Os Estados pós-coloniais possuem situações e perspectivas pe rspectivas sóciohistóricas semelhantes como a colonização e alfabetização recente, a passagem de uma cultura oral para a cultura escrita e a transição das sociedades tradicionais para a modernidade. São esses os elementos eleme ntos de uma ³metafísica comunitária africana´. Enquanto na Europa a metafísica do ³eu´ se contrapõe ao ³nós´, uma
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religiões ³tradicionais´ estão fundamentadas em uma visão racional da vida africana, e faz uma proposta de modernização para a África negra que difere da modernidade européia. Aqui, ele contrapõe a falsa idéia do universalismo da modernidade européia com o suposto provincianismo das tradições locais. O quinto capítulo, ³A etnofilosofia e seus críticos´, abre esse terceiro grupo. O enfoque deste é se os filósofos que compartilham um mesmo continente devem ser analisados em conjunto e quais os tipos de atividades que deveriam receber o rótulo de ³filosofia´. A situação dos intelectuais africanos é bem be m especial. De um lado, eles estão imersos, até certo ponto, nas culturas tradicionais locais, e de outro, eles foram criados intelectualmente dentro das tradições ocidentais. Os filósofos africanos têm ainda que fazer uma multiplicidade multiplicidade de escolhas. Primeiramente a escolha recai sobre desenvolver d esenvolver um pensamento baseado nas tradições da cultura oral africana, e isso isso a partir de questionamentos baseados em idéias ocidentais. Devem ter ainda que optar entre e ntre a diversidade de tradições filosóficas da Europa e dos EUA. O que foi dito acima não pode atrapalhar a visão do modo como a filosofia africana brota das próprias tradições locais. O fato é que até mesmo as as tradições filosóficas européias surgiram a partir de um determinado contexto que conseqüentemente levaram além das diferenças doutrinárias, mas também a diferenças de métodos e expressão. Há no mundo ocidental basicamente duas tradições: a ³continental´ originária orig inária a partir das discussões francesas e alemãs, e a ³analítica´ ³analítica´ de origem anglo -saxônica e norteamericana. A filosofia africana herdou a disputa dessas duas d uas tradições. Mas os estudiosos africanos estão preocupados em responder a duas questões centrais: se há algo característico na história, na cultura, nas línguas e tradições africanas, que poderia contribuir para a filosofia ocidental, e de que serve o ensino e a produção da filosofia ocidental na África. Esta última questão, que seria descartada numa discussão na Europa, tem outro peso na África. Em primeiro lugar, os departamentos nas universidades disputam o pouco da verba disponível e, em segundo lugar, a filosofia praticada nas
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A concepção de Wiredu é problemática em pelo menos um ponto. A natureza dos problemas determina os métodos a serem aplicados, e a filosofia africana não compartilha nem dos problemas nem dos métodos da filosofia ocidental. ocidental. A tentativa de criação de uma filosofia africana pode pode enveredar por uma perspectiva que outro escritor africano, af ricano, Paulin Hountondji, chamou de ³etnofilosofia´. Esta pode partir de dois pressupostos: o ³unanimismo´, que é a idéia de que haja um corpo central de idéias compartilhadas por todos os africanos, e um pressuposto avaliativo que afirma que se deve resgatar as tradições. Como a filosofia é um rótulo valoroso no ocidente, supor que para tudo que há no Ocidente deve ser encontrado algo semelhante na África é adotar uma posição comparativa, o que significa ver as tradições africanas dentro de ntro de um contexto europeu. E essa postura comparativa na África é reforçada dada a formação dos intelectuais africanos nas escolas ocidentais. O que Appiah procura mostrar é que não há como fugir do uso dessa formação ocidental na filosofia filosofia africana, mas mas deve -se procurar evitar projetar as idéias ocidentais junto com os métodos derivados do Ocidente no arcabouço conceitual local. Torna-se fundamental compreender a relação do pensamento africano com o pensamento do mundo ocidental. Não se pode esquecer que, como trocas culturais sempre ocorreram, ocorre ram, a etnofilosofia pode ser considerada um bom começo, mas ela ela deve desenvolver -se no sentido de poder intervir nas sociedades africanas. Em ³Velhos deuses, novos mundos´, Appiah considera as religiões ³tradicionais´ africanas para discutir o papel da razão na vida africana pré e pós-colonial e uma proposta de de modernização para a Áfric Áfric a. O principal questionamento pelo qual um intelectual africano passa é se a África deve tornar-se moderna e, se deve, como deve fazê-lo. O autor mostra que as técnicas que garantem sucessos práticos, tecnológicos, encontram-se praticamente ausentes na vida africana, mas não se deve confundir esse sucesso técnico com o abandono de determinadas práticas ³tradicionais´. A questão da modernidade é um pouco complexa para o africano. É que, enquanto para o europeu a modernidade é um fait accompli, accompli, pois ela é fr uto
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O que faz com que os ocidentais chamem as sociedades africanas de tradicionais e de extremamente religiosas religiosas se deve ao fato de que os povos tradicionais são cerimoniosos e a religião também o é. Mas o que faz um ato se tornar um ato religioso é o que se acha que se obtém com ele, e não o ato em si. A questão que stão analisada por Appiah é que, nem sempre, aquilo que não é explicado racionalmente não significa que não seja racional, e nem mesmo que seja verdade. Partindo-se de pressupostos errados, pode-se chegar a conclusões racionais que não correspondam à verdade. Outro erro que os ocidentais incorrem aqui é considerar as religiões tradicionais africanas como simbólicas porque o cristianismo e o judaísmo, hoje, são considerados assim. Ao se perguntar não em que as pessoas que praticam as religiões tradicionais acreditam, mas como elas passaram a ter essas crenças, pode-se compreender que as religiões ³tradicionais´ não devem ser consideradas simbólicas. A análise do autor nos mostra que q ue há muitas semelhanças entre as ciências naturais modernas e as religiões tradicionais trad icionais.. Ele não quer afirmar que institucionalmente as religiões tradicionais e as ciências naturais sejam iguais, mas sim que o modo em que elas funcionam possuem a mesma lógica da ³explicação-previsão-controle´ adotada pelo racionalismo científico. científico. O que faz uma grande diferença entre o racionalismo racionalismo de tradição oral, na África, e de tradição escrita é que, nas sociedades ágrafas, a falta da escrita faz com que as explicações não possam ser questionadas, pois estão localizadas no tempo e no espaço. e spaço. A escrita abstrai e desloca as palavras p alavras no tempo e no espaço, o que não acontece com a oralidade. O fato é que a oralidade acaba se tornando conciliatória, em oposição ao pensamento antagonístico da escrita. Não se pode esquecer que a escrita foi fundamental para o desenvolvimento da ciência, mas não deve ser considerada con siderada a causa dela. Os últimos três capítulos discutem questões políticas e de identidade através do mercado artístico e literário, lite rário, o sentido do Estado Nacional africano, as formas de organização social que permitem pe rmitem a existência desse Estado ao mesmo tempo em que os enfraquecem se levada em conta a visão ocidental
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Appiah questiona, em seu exemplo sobre a exposição e xposição artística, um pressuposto equivocado de que um artista africano não pode falar sobre a arte africana por não conhecer outras formas de arte e por ser influenciado sobre sua própria visão estética. e stética. Aqui, ele destaca dois problemas. O primeiro é que, quando um artista africano assume sua nacionalidade, sua etnia, ele o faz por se reconhecer como como tal, e se reconhece como tal por saber que ele não pertence a outro grupo. Isso evidencia o fato de que ele possui conhecimentos sobre outras culturas e tradições. tradi ções. Em segundo lugar, todas as pessoas julgam uma obra de arte a partir de sua própria visão estética. O cerne desse problema é que, novamente, uma visão local é tomada como universal. A visão de mundo é culturalmente definida, e achar que a análise estética de uma de uma obra de arte africana por um crítico ocidental é isenta de pré-conceitos é não enxergar que essa visão não é universal, mas sim uma visão local. Contrapor essa visão é contrapor também a visão weberiana de modernidade, que é a visão da modernidade européia como universal. Há um outro ponto importante a se se destacar sobre a autenticidade da s origens das obras de arte. A arte africana é vista como sendo baúle, ioruba ou pertencente a qualquer outra etnia. Mas os próprios grupos étnicos hoje são produtos de articulações coloniais e pós-coloniais. Essa articulação produziu aquilo algo que pode ser denominado de neotradicional. Uma pista para se analisar o que é neotradicional é analisar o pós-modernismo. Apesar de haver uma diversidade d iversidade de noções sobre esse movimento, ele tem como ponto central contestar o modernismo. Com base nessa contestação, toda a produção contemporânea que se opõe ao modernismo pode ser tomada como pós-moderna. Seguindo essa linha de pensamento, o tradicional, ou pré-moderno, se opõe ao moderno, e toda produção ³tradicional´ contemporânea pode ser denominada neotradicional. A utilidade do neotradicional como modelo é que sua incorporação no mundo dos museus faz lembrar que na África [«] a distinção entre cultura e cultura de massa [«] corresponde
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construiu Estados em que não havia a preocupação com a formação formação de mão de-obra qualificada, geração de riquezas e modernização. O único objetivo desses estados coloniais era investir o menos possível e obter o máximo de rendimento. Os africanos herdaram essa estrutura, que se mostrou insuficiente para se atingir os objetivos obje tivos que se atribuíam aos Estados modernos: criação de infra-estrutura, alfabetização, geração de mão-de-obra qualificada. Outro problema enfrentado pelos novos Estados foi qu e as elites locais ± provenientes de uma tradição em que q ue elas ditavam as normas, julgavam, ou seja, detinham as decisões locais ± não se adaptaram ao poder centralizador dos Estados. A centralização deslocava o controle dos cidadãos de algo que eles conheciam para algo que eles ele s não conheciam. Esse modelo se mostrou inadequado para as estruturas sociais da África. O resultado foi que, cada vez mais, a estrutura ³tribal´ manteve seu poder, as instituições privadas, filantrópicas, religiosas, religiosas, etc., ocuparam cada vez mais o espaço do Estado. O mais importante é que a ocupação desse espaço foi também aceita pelo Estado. A conseqüência é que q ue o Estado tem aprendido com isso e se transformado para se adequar à sua realidade social. O Estado se transformou muito mais num facilitador das ações do que no centralizador das decisões. A verdade é que, ao contrário do que se imagina, o ³tribalismo´, longe de constituir um obstáculo ao governo, é o que possibilita qualquer forma de governo. O controle que as organizações sociais detinham sobre suas vidas mostrou também um aspecto interessante. E, assim, a democracia fazia muito mais falta ao Estado, à política, do que ao dia a dia das pessoas. É que, mais do que uma questão parlamentar, parlamentar, a democracia implica implica no desenvolvimen to de mecanismos que permitam que os governos g overnos sejam limitados pelos seus governados. E essa alteração dos Estados na n a África parece mostrar justamente isso. No último ensaio, ³Identidades africanas´, Appiah procura examinar uma questão mais geral das identidades, o poder dessas identidades, as possibilidades políticas e a participação da vida intelectual na vida política.
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de uma metafísica compartilhada. Os capítulos anteriores mostram a falsidade dessas pressuposições. Sabe-se que toda identidade é construída construída e é histórica. Sabe-se também que o mundo inteiro tem pressuposições ³falsas´ com as quais se constrói as identidades, sejam elas históricas, biológicas, religiosas, filosóficas ou literárias. Acontece que, na visão de Appiah, o combate ao racismo e outras falsidades não pode ser feito através de sua negação. Como diz o autor, parafraseando Todorov, a existência do racismo não requer a existência das raças. Na verdade, apesar de as identidades serem construídas com base em pressupostos equivocados, as pessoas são reais, re ais, assim como as nações também são, apesar de as tradições serem inventadas. A noção de identidade só funciona se ela for vista como real. E, para tal, ela se fundamenta em mitos. O que parece é que o pan-africanismo e a solidariedade negra podem trazer resultados políticos reais, mas o pan-africanismo pan -africanismo não funciona sem suas mistificações. E é impossível construir alianças sem os mitos e as mistificações. Appiah procura destacar o modo como o pan-africanismo e a solidariedade negra podem trazer bons resultados sem os malefícios do racismo. Uma identidade africana deve ser feita sem descartar, no momento, mome nto, as noções de raça, história e metafísica, mas reconhecendo que elas não
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