CRIME ORGANIZADO E ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA DA PMSC
CRIME ORGANIZADO E A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA DA POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA
RAFAEL VICENTE 10
CRIME ORGANIZADO E ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA DA PMSC
VICENTE, Rafael. Crime Organizado e a Atividade de Inteligência da Polícia Militar de Santa Catarina. Florianópolis, 2017.
Edmund Burke
Florianópolis – SC 2017 11
CRIME ORGANIZADO E ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA DA PMSC
VICENTE, Rafael. Crime Organizado e a Atividade de Inteligência da Polícia Militar de Santa Catarina. Florianópolis, 2017.
Edmund Burke
Florianópolis – SC 2017 11
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Esta obra é dedicada ao Cabo PMSC Vinícius Alexandre Gonçalves morto em combate no dia 16/09/2017 na cidade de Florianópolis. “Combatiobomcombate,termineiacorrida,guardeiafé”.
(Timoteo4:7-8) 12
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Ordem Pública Ação Preventiva e Ação Repressiva A atividade de inteligência na PMSC
A presença do Crime Organizado no Brasil O terror do Novo Cangaço O Crime Organizado em Santa Catarina Itajaí na rota internacional do tráfico de drogas e a guerra do tráfico em Florianópolis Os primeiros roubos a bancos em Santa Catarina Facções criminosas em Santa Catarina
Evolução legislativa brasileira no combate ao Crime Organizado A Lei 12.850/2013 no enfrentamento ao Crime Organizado no Brasil Da investigação e dos meios de obtenção de prova – Lei 12.850/2013 Colaboração Premiada Ação controlada Infiltração de agentes Do acesso aos registros, dados cadastrais, documentos e informações
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De acordo com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC) a delinquência organizada gera um lucro anual aproximado de $870 milhões de dólares 1 no mundo, representando uma ameaça para a paz mundial e a segurança das comunidades. Ainda, de acordo com o UNODC, em seu Relatório Mundial sobre Drogas, cerca de 5% da população adulta, ou 250 milhões de pessoas entre 15 e 64 anos, usou droga pelo menos uma vez em 2014. O relatório também informa que o número de pessoas que apresentam transtornos relacionados ao consumo de drogas aumentou desproporcionalmente pela primeira vez em seis anos (UNODC, 2016)2. Várias são as definições sobre crime organizado, mas todas convergem em um item específico: o cometimento de atividades ilícitas. Como grande beneficiado pela globalização, o crime organizado evolui muito mais rápido do que as leis que deveriam tratar do assunto, sendo necessária uma mudança drástica no modo de atuação do Estado na repressão a estes grupos. Este novo modo de atuação do crime organizado exige uma posição dinâmica do Estado – deixando de lado o antigo modo burocrático e letárgico de ações meramente paliativas. São diversos os mecanismos legais que cada nação encontra na busca para a repressão qualificada à criminalidade organizada. De modo geral, grande parte das leis em vigência atualmente são originadas e padronizadas nos conceitos trazidos através da “Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional” conhecida como 3
“Convenção de Palermo” – firmado no ano de 2000.
Mais de 125 países participaram da Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional e creditaram seus esforços para melhorar o combate ao crime organizado, tornando-se um marco na luta contra o crime organizado transnacional. Observase ainda, que tal medida promovida pela ONU, teve como consequência o entendimento de 1
Disponível
em:
<
https://nacoesunidas.org/agencia/unodc/>. Acesso em 20 de maio de 2017. 2 Disponível em: < http://www.unodc.org/doc/wdr2016/WORLD_DRUG_REPORT_2016_web.pdf >. Acesso em 20 de maio de 2017. DECRETO Nº 5.015, DE 12 DE MARÇO DE 2004. . Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5015.htm>. Acessado em: 20/06/2017 14
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todos os países presentes que a cooperação internacional seria essencial na erradicação do crime organizado. No Brasil, a promulgação da Lei 12.850 no dia 02 de agosto de 2013 (Lei do Crime Organizado) surgiu para demonstrar a intenção do legislador brasileiro em alinhar-se aos melhores diplomas legais em vigor no mundo. Assim, foram definidos os conceitos de organização criminosa e explorados temas como a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado. Em Santa Catarina, a atividade de inteligência da PMSC no combate ao crime organizado segue o padrão de atuação nacional – tendo seu foco voltado para a repressão ao comércio de entorpecentes e armas, bem como na identificação de facções criminosas. Assim, busca-se nesta pesquisa explorar as ferramentas legais disponíveis aos agentes de inteligência da PMSC no combate ao crime organizado e, também, expor os resultados já alcançados nos tribunais catarinenses.
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Neste capítulo serão abordados os aspectos legais da atuação policial militar no contexto das normas do Estado Democrático de Direito em vigência no Brasil. Na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 144º foi definida a missão constitucional da polícia militar junto aos demais órgãos da segurança pública, de onde se originam as competências legais para a atividade policial.
MISSÃO CONSTITUCIONAL A CF/1988 limita o poder, organiza o Estado e prevê direitos e garantias fundamentais. Através do controle de constitucionalidade, permite declinar a aplicação de uma norma que esteja em confronto com texto constitucional. As normas jurídicas infraconstitucionais devem estar em concordância com a Constituição Federal, não podendo contrariar suas exigências formais, tampouco seu conteúdo. Pinto Ferreira define que Constituição é (2001, p. 09) :
Ela é a lei fundamental do Estado, ou, por outras palavras, a ordem jurídica fundamental do Estado. Essa ordem jurídica fundamental se baseia no ambiente histórico-social, econômico e cultural onde a Constituição mergulha as suas raízes. As Constituições são, assim, documentos que retratam a vida orgânica da sociedade, e nenhuma delas foge ao impacto das forças sociais e históricas que agem sobre a organização dos Estados.
A CF/1988 acolheu em seu primeiro artigo a concepção de Estado Democrático de Direito para vigorar em território brasileiro, onde se vive sob um regime de leis que regem para o bem estar social. Em seu artigo 144, inciso V, §5º define a missão constitucional da Polícia Militar:
Artigo 144 – A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I – polícia federal II – polícia rodoviária federal III – polícia ferroviária federal IV – polícias civis V – polícias militares e corpos de bombeiros militares §5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. (BRASIL, CF/1988, p.65) 16
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Como visto, a atuação da Polícia Militar é definida com base nos preceitos legais ditados pela Constituição da República Federativa do Brasil – CF/1988. No âmbito da Polícia Militar de Santa Catarina temos as competências trazidas pela Constituição Estadual de 1989 que define em seu Título V - artigo 107 como missão da Polícia Militar: Artigo 107 — [...] I - exercer a polícia ostensiva relacionada com: a) a preservação da ordem e da segurança pública; b) o radiopatrulhamento terrestre, aéreo, lacustre e fluvial; c) o patrulhamento rodoviário; d) a guarda e a fiscalização das florestas e dos mananciais; e) a guarda e a fiscalização do trânsito urbano; f) a Polícia Judiciária Militar, nos termos de lei federal; g) a proteção do meio ambiente; e h) a garantia do exercício do poder de polícia dos órgãos e entidades públicas, especialmente da área fazendária, sanitária, de proteção ambiental, de uso e ocupação do solo e de patrimônio cultural; II - cooperar com órgãos de defesa civil; e III - atuar preventivamente como força de dissuasão e repressivamente como de restauração da ordem pública. (SANTA CATARINA, 1989, p. 24)
Neste trilhar, a segurança pública assume papel fundamental na atividade policial. A análise do que seja segurança pública torna-se complexa, visto que está inserida em um amplo conjunto de fatores e variações sociais, econômicas e políticas. A Escola Superior de Guerra em seu Manual Básico (BRASIL, 2006, p. 58) ensina que “segurança é o sentimento de garantia necessária e indispensável a uma sociedade e a cada
um de seus integrantes, contra ameaças de qualq uer natureza”. A segurança pública presume a participação direta do Estado e da sociedade nos assuntos que possam interferir na convivência coletiva de seus membros.
ORDEM PÚBLICA Definir o conceito do que seja ordem pública é primordial para entender o funcionamento do sistema de segurança pública em nosso país. Ao longo do tempo, a doutrina apresentou vários termos para o conceito de ordem pública, sendo que alguns destes estendem sua abrangência, enquanto outros restringem. Não obstante, o Decreto Número 88.777, de 30 de setembro de 1983 que aprova o regulamento para as policias militares e corpos de bombeiros (R-200), traz em seu artigo 23º a definição para ordem pública: 17
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Ordem Pública - Conjunto de regras formais, que emanam do ordenamento jurídico da Nação, tendo por escopo regular as relações sociais de todos os níveis, do interesse público, estabelecendo um clima de convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo poder de polícia, e constituindo uma situação ou condição que conduza ao bem comum. (BRASIL, 1983)
O professor Hely Lopes Meirelles em sua obra intitulada Direito Administrativo da Ordem Pública (2012, p.156) indica que a delimitação para o conceito de ordem pública “é a
situação de tranquilidade e normalidade que o Estado assegura – ou deve assegurar – às instituições e a todos os membros da sociedade, consoante às normas jurídicas legalmente estabelecidas”.
Nos dias atuais, a ordem pública deixa de ser apenas um conceito teórico e assume relevante atribuição no contexto do interesse coletivo e dos direitos individuais, os quais são garantidos pelo ordenamento jurídico em vigor. A Carta Magna brasileira estabelece, em seu artigo 144, § 5 º, que são as Polícias Militares responsáveis pela preservação da ordem pública. A Polícia Militar tem a missão de prevenir, manter e restaurar a segurança e a ordem pública, protegendo o livre exercício dos direitos e liberdades e garantindo a segurança do cidadão. A preservação da ordem pública é definida como o exercício dinâmico do poder de polícia, no campo da segurança pública, manifestado por atuações predominantemente ostensivas, visando prevenir, dissuadir, coibir ou reprimir eventos que violem a ordem pública, assegurando ao cidadão o exercício dos direitos e garantias fundamentais (TEZA). A ordem pública é uma noção de valor que o Estado tem o dever de assegurar às instituições e todos os membros de sua sociedade, consoante às normas jurídicas legalmente estabelecidas. Está presente quando estão garantidos os direitos individuais, a estabilidade das instituições, o regular funcionamento dos serviços públicos e a moralidade pública. Na sequencia, será explorada a ordem pública através de seus aspectos constituídos pela segurança pública, tranquilidade pública e salubridade pública. (TEZA). O primeiro aspecto é a segurança pública que conforme preceitua Lazzarini (1999, p.81): É o estado antidelitual, que resulta da observância dos preceitos tutelados pelos códigos penais comuns e pela lei de contravenções penais, com ações de polícia repressiva ou preventiva típicas, afastando-se, assim, por meio de organizações próprias, de todo o perigo, ou de todo o mal que possa afetar a ordem pública em 18
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prejuízo da vida, da liberdade ou dos direitos de propriedade das pessoas, limitando as liberdades individuais, estabelecendo que a liberdade de cada pessoa, mesmo em fazer aquilo que a lei não lhe veda, não pode ir além da liberdade assegurada aos demais, ofendendo-a.
A seguir, surge a tranquilidade pública como segundo aspecto da ordem pública (LAZZARINI, 1999, p.21):
TRANQUILIDADE PÚBLICA - Exprime o estado de ânimo tranquilo, sossegado, sem preocupações nem incômodos, que traz às pessoas uma serenidade, ou uma paz de espírito. A tranquilidade pública, assim, revela a quietude, a ordem, o silêncio, a normalidade das coisas, que, como se faz lógico, não transmitem nem provocam sobressaltos, preocupações ou aborrecimentos, em razão dos quais se possa perturbar o sossego alheio. A tranquilidade, sem dúvida alguma, constitui direito inerente a toda pessoa, em virtude da qual está autorizada a impor que lhe respeitem o bem-estar, ou a comodidade do seu viver.
Ao fim, o terceiro e último aspecto é a salubridade pública, que designa também o estado de sanidade e de higiene de um lugar, em razão do qual se mostram propícias às condições de vida de seus habitantes.
AÇÃO PREVENTIVA E AÇÃO REPRESSIVA Inicialmente, à Polícia Militar cabe à ação preventiva do estado, porém, por vezes, não se consegue evitar o cometimento do delito, o que origina a quebra da ordem pública. Neste momento de estado delituoso, a Polícia Militar realizará atos de polícia repressiva para que se restaure a ordem pública novamente. Entende Moreira Neto que:
Se a prevenção falhar, entra em ação o mecanismo repressivo do Estado. A repressão policial, de que ora se tratará, poderá consistir ou na ação direta e imediata contra o individuo, dispersando multidões, dissolvendo aglomerações e prendendo em flagrante delito, o que se denomina de constrangimento de policia, ou na ação preparatória da repressão judiciária. (2005, p. 418)
Em artigo que discute a ação da Polícia Militar, Marlon Jorge Teza declara que a ordem pública é fator de interesse coletivo e será mantida com maior facilidade se a Polícia Militar
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exercer sua autoridade de polícia ostensiva, como participante ativa de todo o processo. Neste sentido (TEZA): Os aspectos constitucionais, legais e doutrinários levam a entender que às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública e que delas se espera, pois é de sua competência, não só ações de fiscalização (policiamento), mas também ações que comportem todas as fases do poder de polícia dando, por conseguinte, poderes para que participe do “antes” e do “depois” do policiamento
ostensivo.
Através de uma análise da legislação e de aspectos doutrinários, fica evidenciado a possibilidade de a Polícia Militar realizar atos de polícia repressiva no momento em que ocorrer o rompimento da ordem pública. Em relação a ações preventivas e repressivas, o Decreto-Lei n° 667 esclarece: Artigo 3º - Instituídas para a manutenção da ordem pública e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, compete às Polícias Militares, no âmbito de suas respectivas jurisdições: [...] b) atuar de maneira preventiva, como força de dissuasão, em locais ou áreas específicas, onde se presuma ser possível a perturbação da ordem; c) atuar de maneira repressiva, em caso de perturbação da ordem, precedendo o eventual emprego das Forças Armadas; (BRASIL, 1969, grifo nosso)
Infere-se, portanto, que a prevenção deve ser o primeiro objetivo da atividade policial militar, destinada a afastar qualquer tipo de atitude que possa ameaçar a continuidade da paz social. Quando do rompimento da ordem, o foco da Polícia Militar será em ações repressivas, através de seus policiais e equipamentos, visando restabelecer a ordem pública.
A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NA POLÍCIA MILITAR Atualmente, a sociedade brasileira enfrenta uma grave crise de temas relacionados à segurança pública. Assim, a atividade policial é peça fundamental para a resolução desses conflitos e na resolução de crimes, tendo os processos de atividade de inteligência pelos profissionais de segurança pública assumido papel preponderante como fonte de informação para o planejamento de ações coordenadas.
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Deste modo, tem-se a importância da atividade de inteligência na ação policial em busca da informação e na criação do conhecimento, tendo o uso de métodos específicos para sua produção e assessoramento dos gestores responsáveis (RIBEIRO, 2013). No Brasil, através da publicação da Lei 9.883 de 07 de dezembro de 1999, foi instituído o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) 4, que em seu artigo 1º, § 2º definiu o conceito de inteligência: Art. 1º, § 2º - [...] entende-se como inteligência a atividade que objetiva a obtenção, análise e disseminação de conhecimentos dentro e fora do território nacional sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado. (BRASIL, 1999)
A Inteligência de Segurança Pública está conceituada na Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública (DNISP), elaborada pelo Ministério da Justiça, sendo a atividade de inteligência de segurança pública assim definida: A atividade de Inteligência de Segurança Pública – ISP é o exercício permanente e sistemático de ações especializadas para identificar, avaliar e acompanhar ameaças reais ou potenciais na esfera de Segurança Pública, basicamente orientadas para produção e salvaguarda de conhecimentos necessários para subsidiar os governos na tomada de decisões, para o planejamento e execução de uma política de Segurança Pública e das ações para prever, prevenir, neutralizar e reprimir atos criminosos de qualquer natureza que atente à ordem pública, à incolumidade das pessoas e do patrimônio. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2014, p. 13).
A Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), através da sua Resolução nº 1 de 15 de julho de 2009, regulamentou o Subsistema de Inteligência de Segurança Pública (SISP), seguindo basicamente o mesmo conceito da atividade de inteligência já exposto na DNISP: § 4º Para os efeitos desta Resolução deverão ser considerados os seguintes conceitos: : é a atividade que objetiva a obtenção, análise e disseminação de conhecimentos, dentro e fora do território nacional, sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado;[...] : é a atividade permanente e sistemática via ações especializadas que visa identificar, acompanhar e avaliar ameaças reais ou potenciais sobre a segurança pública e produzir conhecimentos
Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9883.htm>. Acessado em 06/06/2017. 21
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e informações que subsidiem planejamento e execução de políticas de Segurança Pública, bem como ações para prevenir, neutralizar e reprimir atos criminosos de qualquer natureza, de forma integrada e em subsídio à investigação e à produção de conhecimentos; : é o conjunto de ações que empregam técnicas especiais de investigação, visando a confirmar evidências, indícios e a obter conhecimentos sobre a atuação criminosa dissimulada e complexa, bem como a identificação d e redes e organizações que atuem no crime, de forma a proporcionar um perfeito entendimento sobre a maneira de agir e operar, ramificações, tendências e alcance de condutas criminosas; (Resolução nº 1 de 15 de julho de 2009, grifo nosso)
Neste contexto, a atividade de inteligência pode ser entendida como uma série de ações técnico-especializadas, permanentemente exercida, com o objetivo de produzir conhecimentos de interesse de usuário específico e proteger conhecimentos sensíveis – pessoal, material, documentos, áreas e instalações –contra ações adversas de qualquer natureza (SIMOES FILHO, 2011). No âmbito da Polícia Militar de Santa Catarina, a atividade de inteligência foi oficialmente instituída através da publicação da Portaria nº 156 de 18 de abril de 2001, que criou o “Sistema de Inteligência de Segurança Pública da Polícia Militar de Santa Catarina”
(SIPOM), com a finalidade de integrar e otimizar as atividades de inteligência de segurança pública no âmbito da corporação. Neste cenário, de acordo com a Portaria nº 156/2001, o principal órgão de inteligência da PMSC é a Agência Central de Inteligência (ACI), sendo “órgão de planejamento, coordenação, fiscalização e controle – é a agência de cúpula do SIPOM e está diretamente subordinada ao Comandante G eral”. Na sequência da Portaria nº 156/2001, são tratados os integrantes do SIPOM e suas competências, cabendo a eles identificar, acompanhar e avaliar as ameaças reais ou potenciais à segurança pública, promover a coleta, busca e análise de dados e produzir conhecimentos que subsidiem decisões do Comandante Geral com a finalidade de reduzir o grau de incerteza sobre questões pertinentes à segurança pública. Atualmente, todas as unidades operacionais da PMSC possuem uma agência de inteligência em sua sede, reguladas tecnicamente pela Agência Central de Inteligência. Neste sentido, Marzo explica:
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Dentre as funções destaca-se o fato da agência de área manter a agência central diariamente atualizada das informações de segurança pública na área de competência para que a ACI possa construir e difundir o conhecimento ao comandante geral. [...] As agências de inteligência que compõem o SIPOM tem uma estrutura similar a Agência Central em menor proporção e mais voltada a operações de inteligência principalmente focadas em acompanhar e coletar informações decorrentes do atendimento de ocorrências pelas guarnições ostensivas e na produção de conhecimento com escopo de motivar ações de prevenção e repressão a crimes de tráfico de drogas e porte ilegal de armas, modalidades criminosas que estão diretamente ligadas a facções criminosas (MARZO,2014, p.38).
A Doutrina Nacional de Inteligência, afirma que a inteligência policial deve atuar tanto preventivamente, buscando informações com o objetivo de antecipar situações futuras, com o objetivo de servir de base para elaboração, por partes dos órgãos competentes, dos planos e ações de prevenção de atividades e fatos delitivos que vulneram a segurança pública, ou ainda, repressivamente, atuando em prol da repressão e produzindo conhecimentos a fim de assessorar a investigação policial. (BRASIL, 2009). A produção de conhecimento possibilita disponibilizar privilegiadas e completas informações aos gestores de segurança pública para que melhor tomem suas decisões acerca da problemática que fere a ordem pública. Diante do exposto, nota-se que a Polícia Militar possui a missão constitucional de preservar a ordem pública em todas as suas formas possíveis de apresentação, tendo a atividade de inteligência uma vertente no enfrentamento ao crime especializado e estruturado, uma vez que seus efeitos de violência influenciam diretamente na paz social e na quebra da ordem pública.
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Neste capítulo, serão analisadas as origens do crime organizado no mundo e sua atuação nos dias atuais. Também será exposto o histórico e desenvolvimento do processo de organizações criminosas no Brasil e suas diferentes formas de apresentação.
ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO MUNDO E SUAS ORIGENS A criminalidade organizada tem sua evolução registrada a partir da Idade Média, sendo criminalizada somente após alguns séculos. Em suas origens, o crime organizado surge a partir da apatia estatal e dos poderes públicos nos antigos feudos. A definição de uma data exata de seu surgimento torna-se dificultosa, uma vez que o crime organizado nasceu em diferentes formas e com os mais diversos comportamentos. Porém, basicamente, seu surgimento está na formação de grupos para proteções individuais frente á ineficiência dos Estados e seus membros5. A criminalidade organizada é, indubitavelmente, uma fenomenologia muito antiga (NETO, 2012, p.55). Como dado comum, apresenta suas origens rurais, com o desiderato de proteger os camponeses das ilegalidades perpetradas pelos detentores do poder. Contudo, cabe salientar, que cada uma dessas organizações criminosas referidas possuem suas próprias características e desenvolvimento particularizado6. Assim, notou-se ao longo do tempo que, após serem formados, estes grupos iniciaram um processo de cobiça financeira e monopólio no controle de atividades econômicas. Para atingir tais objetivos, estes grupos transgrediam as leis locais e criavam seus próprios códigos de conduta.
Disponível em: . Acessado em: 15/06/2017 Disponível em: http://www.conpedi.org.br/publicacoes/02q8agmu/y6m3jjv1/1O3tQMAkGz369LD8.pdf>. 03/06/2017.
Acessado
< em 24
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Desse modo, surgidas inicialmente com o objetivo de proteção mútua e que, ao longo do tempo, adquiriram viés econômico e transgressor às normais estatais, as organizações criminosas ficaram enraizadas no desenvolvimento de várias regiões e até mesmo de alguns países. Conforme relatório específico da Organização das Nações Unidas sobre a criminalidade organizada, existem vários grupos no mundo inteiro que se associam para a prática direta dos mais diversos crimes: These strong men, and the organizations they build, constitute the hierarchical groups most commonly associated with “organized crime” in the public imagination. Concrete examples include the various mafia organizations in Italy; the American ethnic mafias (Italian, Irish, Jewish, Polish and others); the Yakuza of Japan; the Triads of Hong Kong and the Tongs of Chinatowns worldwide; the favela gangs of Brazil; some street gangs in the United States, Central America and the Cape Flats of 7 South Africa; and many others.
Assim, citam-se como as principais e mais antigas organizações criminosas no mundo: a máfia italiana, tríades chinesas e yakuza japonesa - as quais serão detalhadas a seguir (NETO, 2012, p.22). A máfia italiana é a mais famosa das organizações ocidentais no último século, tendo surgido na Idade Média, através de um grupo de trabalhadores que buscavam implementar uma política fundiária e a eliminação de barreiras que impossibilitavam a ascensão social da classe. A origem da expressão “máfia” também é controvertida:
Em 1868, no seu pequeno dicionário de palavras sicilianas, o filólogo Tarina define máfia com a significação de “esperteza”, “bravata”. Retrocedendo à invasão moura da parte ocidental da ilha da Sicília, em 827, o historiador Gaetano Falzone entende que o vocábulo máfia derivou da expressão “mahfal” que significa “reunião de muitas pessoas”, ou do termo “mahyas” que quer dizer “defender alguém de alguma coisa”. O lexicógrafo italiano Avolio conclui que a palavra máfia resultou do 8 vocábulo francês “meffler”, derivado de “maufe” (o deus do mal) .
Disponível em: Acessado em: 14/06/2017. Disponível em: Acessad o em 03/05/2017. 25
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Na Itália, estes grupos se comportaram ao longo do tempo como grandes famílias com juramentos e rituais de passagens próprios, tendo destaque para os grupos conhecidos como ‘’Cosa Nostra’’, ‘’Camorra’’ e “N’drangueta”. (SAVIANO,2015, p.36).
Com relação às tríades chinesas, tem-se que o nome tríade é dado ao conjunto de grupos presentes na sociedade chinesa – muitos destes denominados como secretos. Destaca-se que as tríades chinesas não são necessariamente sinônimos de máfia chinesa, sendo que apenas alguns destes grupos das tríades é que se dedicam ao cometimento de crimes: Um dos grandes problemas relacionados com as tríades é a abordagem genérica sobre o tema, como se as tríades fossem uma espécie de “máfia chinesa”, o que
incorre em dois erros. O primeiro, já citado, é generalizar qualquer grupo criminoso como se fosse tríade, apesar de as tríades serem um fenômeno específico da região do sul da China; esse erro é extensivamente repetido, principalmente, na literatura norte-americana. O segundo equí- voco é o de que as tríades, em si, são uma facção criminosa. Diferente disso, as tríades são sociedades secretas, com várias facções, nas quais parte de seus membros está relacionada com atividades ilí- citas, enquanto outra parte não, pois se trata muito mais de uma rede de contatos do que de uma organização apenas para fins criminosos. Essa rede de contatos acaba por incluir membros de gangues ou criminosos especializados, mas também empresários, políticos, artistas, atletas, acadêmicos, funcionários públicos etc., os quais, excluindo o fato de se conhecerem, não poderiam ser indiciados por atividade ilícita9.
Assim, nota-se que, a atuação mafiosa chinesa pauta-se na proteção de atividades legais – como comércios, lojas, e também atividades ilegais - como o tráfico de drogas, cumprindo o papel de poder paralelo e garantido segurança nestas ações. Ainda sobre as maiores organizações criminosas do último século, destaca-se a atuação da yakuza. Tida como a maior facção criminosa na história do Japão, tendo sua origem em meados do século XVII, nos antigos feudos japoneses onde dominavam o comércio de objetos, bem como os jogos de azar 10. O termo yakuza tem origem em um jogo de cartas conhecido no Japão como “Hanafuda”, derivando da junção de Ya -Ku-Za, que significa 8-9-3 (a pior sequência numérica
possível no jogo (Richards, 1998). Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v32n93/0102-6909-rbcsoc-3293092017.pdf. Acessado em: 14/06/2017. . Disponível em: http://www.rand.org/content/dam/rand/pubs/monographs/2009/RAND_MG742.pdf. Acessado em: 06/06/2017. 26
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Yakuza é o nome dado aos sindicatos do crime organizado no Japão, sendo difícil especificar quantos membros existem atualmente, os números podem variar muito. O que se pode constatar atualmente é que a yakuza domina as grandes metrópoles japonesas através do monopólio de atividades como segurança privada e pagamentos de taxas para a execução de serviços11. Os membros da yakuza são facilmente identificados por vários sinais, tendo destaque para suas tatuagens típicas e seus rituais macabros. Como exemplo, cita- se o “yubitsume” que consiste no ato do integrante da yakuza cortar parte dos seus dedos como sinal de reverência/lealdade aos demais integrantes ou como punição por uma violação aos códigos internos12. Yubitsume is the act of cutting off one’s little finger as a sign of apology or as a punishment for violating the yakuza code. The member must cut off his own finger without any help, so as to make it more difficult to perform, and thus straying from the path of the yakuza is less desirable. It is not only a one-time punishment; if the offending member does something worthy of punishment again, he must cut off the finger once again at the next joint. Yakuza members may seek medical assistance after the act, as it can lead to haemorrhaging or infections. In 1993, a survey found that 45 percent of modern yakuza had undergone the yubitsume punishment.13 Figura 1 – Yubtisume em membros da Yakuza.
Fonte:
Disponível em: . Acesso em:
14/06/2017. 11
Disponível em http://skemman.is/stream/get/1946/18070/42374/1/Kristinn_%C3%81rnason_-_Yakuza.pdf. Acessado em: 22/05/2017. 12 Disponível em: https://content.ucpress.edu/chapters/8278001.ch01.pdf. Acessado em: 11/06/2017. 13 http://skemman.is/stream/get/1946/18070/42374/1/Kristinn_%C3%81rnason_-_Yakuza.pdf 27
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Mais recentemente, principalmente a partir dos anos 90, o mundo conheceu os cartéis colombianos de tráfico de drogas – tendo como seu principal expoente o líder do “Cartel de Medelin”: Pablo Emilio Escobar Gaviria, morto em 1993 por um conjunto de forças
de seguranças colombianas e norte americanas. Sua morte foi o auge do que ficou conhecido como “Plano Colômbia” e “Guerra às Drogas” por parte dos Estados Unidos.
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Já nos anos 2000, os cartéis colombianos perderam força e o tráfico de drogas por parte dos cartéis mexicanos tomou conta do cenário da criminalidade organizada mundial. Atualmente, destacam-se “Los Zetas”, “Cartel do Golfo” e “Cartel de Sinaloa” , este último liderado por Joaquin Archivaldo Guzmán Loera, conhecido como “El Chapo” e tido como maior traficante de drogas em atividade nos dias de hoje 15. Atualmente, ele cumpre pena nos Estados Unidos16. Pela observação dos aspectos analisados, pode-se notar que, as maiores organizações criminosas do mundo surgiram a partir de pequenas comunidades que se agrupavam para proteção própria, sendo que posteriormente iniciaram um processo de monopólio do comércio local e transgressões de leis, de onde partiram para a prática de atividades ilegais até os dias atuais.
A PRESENÇA DO CRIME ORGANIZADO NO BRASIL A história do crime organizado no Brasil remonta ao período colonial, onde já eram constatados atos de corrupção entre comerciantes brasileiros e representantes do Estado – naquele caso, em sua grande maioria portugueses. Aqui já se pode notar uma das principais características do crime organizado contemporâneo: a simbiose criminosa entre grupos privados e poder público. 14
Disponível em:
http://www.humanas.ufpr.br/portal/conjunturaglobal/files/2016/02/1-Plano-Col%C3%B4mbiasecuritiza%C3%A7%C3%A3o-do-narcotr%C3%A1fico-pelos-Estados-Unidos-da-Am%C3%A9rica.pdf. Acessado em: 15/05/2017. 15 “ foi incluído na revista Forbes por quatro anos (2009-2013) como um dos homens mais ricos do mundo. Disponível em:< https://www.forbes.com/sites/doliaestevez/2013/03/05/mexican-drug-kingpin-elchapo-out-of-billionaire-ranks/#1d09230766fc>. Acessado em: 13/06/2017. 16 Disponível em: http://intranet.bibliotecasgc.bage.es/intranettmpl/prog/local_repository/documents/19073.pdf. Acessado em: 17/06/2017. 28
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Sobre a origem da corrupção no Brasil colonial, Luiz Alcione Gonçalves afirma que: A primeira fase é caracterizada por uma espécie de corrupção entre a Colônia e a Metrópole, ou seja, evidencia uma relação em que à colônia competia fornecer matérias-primas para o uso da Metrópole, sendo constantes e comuns os desvios na remessa de mercadorias, bem assim na arrecadação de impostos e tributos. Havia casos de cobradores de impostos reais que embolsavam esses valores arrecadados, ou, em outras hipóteses, procediam com tal desídia que davam lugar a uma acentuada e expressiva sonegação. Esse fato traz a evidência que o processo de colonização brasileira refletiu um processo de expropriação dos bens naturais do pais17.
Com o decorrer do tempo, o crime organizado foi se adaptando à realidade brasileira de cada época/governo e se norteando com base nas atividades que mais poderiam render lucros naquele momento, assim destacam-se as atividades ligadas ao jogo do bicho na década de 70 e 80 no estado do Rio de Janeiro: Até 1980, o jogo do bicho foi a atividade criminosa que mais aproximou-se de uma organização de tipo mafioso no Brasil. Ele existe desde o final do século XIX no Rio de Janeiro e sempre foi clandestino, mesmo quando os cassinos e casas de jogos eram legais, mas não constitui um crime no Código Penal brasileiro. É uma contravenção penal, para a qual as penas são mais leves. Começou como uma forma legal de arrecadação de dinheiro para o Jardim Zoológico e transformou-se, entre 1920 e 1950, no principal foco de violência no Rio de Janeiro, envolvendo disputas por territórios entre os “banqueiros” que dividiam a antiga capital federal entre si. O apostador escolhe entre 25 animais, cada um dos quais tem um grupo de números correspondente (unidade, dezena, centena e milhar). As apostas são feitas em um “ponto” (uma esquin a, uma banca de jornais, uma pequena mesa na calçada etc) 18 onde há uma “banca” .
Mesmo sendo uma atividade tida como ilegal, o jogo do bicho persiste ao longo de décadas no Brasil, sendo que frequentemente os contraventores contam com o auxílio de agentes públicos para a manutenção de seus serviços ilegais. Nesta sequência criminosa, juntamente com o surgimento do jogo do bicho como atividade ilegal e mecanismo de lucro do crime organizado, nascem os primeiros apontamentos de criminalidade organizada em estabelecimentos penais brasileiros. Os presídios do estado do Rio de Janeiro foram o cenário, onde os chamados presos políticos,
17
http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11810. 14/06/2017. 18
Disponível em: Acessado em: Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/rsocp/v19n40/03.pdf. Acessado em: 06/06/2017. 29
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assaltantes de bancos e primeiros líderes do tráfico de drogas cumpriam suas penas juntos e convivendo durante anos: As principais organizações criminosas do tráfico a varejo no Rio de Janeiro surgiram dentro do sistema penitenciário durante a ditadura militar. A partir de 1968, organizações de esquerda que resistiam à ditadura lançaram-se à luta armada e o assalto a bancos passou a ser uma das formas de arrecadação de recursos para a Revolução. O regime militar sancionou então a Lei de Segurança Nacional, em 1969, considerando comuns os crimes cometidos pelos militantes de esquerda. Assim, militantes políticos e assaltantes de bancos comuns conviveram, sob a mesma lei, até a sua revogação mais de dez anos depois 19.
Deste alinhamento criminoso/político, surgiu a primeira grande facção criminosa brasileira: o Comando Vermelho. O Comando Vermelho surgiu na década de 1980 nas penitenciárias do Rio de Janeiro, com o objetivo de controlar o tráfico de entorpecentes nos morros cariocas. Utiliza táticas de guerrilha urbana inspiradas em grupos de esquerda armada e aproveita da falta de atuação do Estado nas favelas cariocas para dominar aqueles espaços. (NETO, 2012, p. 54-55)
O Comando Vermelho tem como principal objetivo o domínio do tráfico de drogas na cidade do Rio de Janeiro, notando-se esta estratégia de ação até os diais atuais. Nas comunidades que têm a presença de integrantes do Comando Vermelho, comumente são vistas as siglas “CV” (Comando Vermelho) ou “CVRL” (Comando Vermelho Rogério
Lembruber) 20. O Comando Vermelho serviu de exemplo e de norte para a constituição de outras facções criminosas. Assim, o estado de São Paulo foi palco para o surgimento da maior facção criminosa já criada em estabelecimentos prisionais no Brasil: o Primeiro Comando da Capital (PCC). O berço da formação do PCC é a Casa de Custódia de Taubaté, no interior de São Paulo. A união dos primeiros membros da associação criminosa ocorre, literalmente, de maneira esportiva. O esporte, como não poderia deixar de ser, é o futebol, a grande paixão dos brasileiros. A partir da formação do time de futebol, os detentos
19
Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/rsocp/v19n40/03.pdf. Acessado em: 06/06/2017. 20 Abreviação de em homenagem ao suposto fundador da facção criminosa. Coisas do Crime: tráfico e roubos em favelas cariocas. Disponível em < http://www.neip.info/upd_blob/0001/1540.pdf >. Acessado em: 12/06/2017. 30
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ampliam seus horizontes, estreitam os laços que os uniam e criam o PCC, o maior grupo organizado do Estado de São Paulo21.
O PCC surgiu inicialmente com o propósito de organização interna dos presos em grupos que possuíam ideias similares e na busca de fortalecimento para seus pedidos junto aos administradores penais. Nos anos de 2001 e 2006, integrantes do PCC foram responsáveis por duas ondas de rebeliões em estabelecimentos penais do estado de São Paulo: Em 2001, o PCC adquiriu visibilidade pública ao promover uma megarrebelião que atingiu 29 unidades prisionais paulistas, maior rebelião do sistema prisional brasileiro até aquele momento. O grupo superou seus próprios recordes em 2006 ao protagonizar uma crise sem precedentes, no episódio que ficou conhecido como “ataques de maio de 2006”, no qual o PCC promoveu uma enorme demonstração de força dentro e fora do sistema carcerário, liderando rebeliões e motins em nada menos do que setenta unidades prisionais paulistas e promovendo centenas de 22 ataques aos órgãos de segurança pública e da sociedade civil .
O discurso político de gestão carcerária nada mais é do que um viés de fuga para que os integrantes do PCC possam se integrar e focar suas atividades em sequestros, roubos a bancos23 24 25 e tráfico de drogas. Concomitante a esse discurso de cunho político, desde o início o PCC passou a se engajar em atividades econômicas ilícitas. Inicialmente, a participação de seus membros concentrava-se em sequestros e nos assaltos a bancos e carros-fortes. Gradualmente, a organização passou a concentrar-se no tráfico de drogas, controlando esse comércio, primeiro dentro do sistema prisional e, em seguida, alcançando posição proeminente na distribuição para o varejo, não apenas no Estado de São Paulo, mas em várias outras unidades da federação. Atualmente, sabe-se que o tráfico de entorpecentes continua sendo o carro-chefe da organização, que ainda mantém participação direta ou indireta em roubos de grande porte (bancos, cargas, carros-fortes, joalherias)26. 21
Disponível em:Acessa do em:06/06/2017. 22 Disponível em: . Acessado em: 19/06/2017. 23 Disponível em: http://g1.globo.com/saopaulo/noticia/suspeito-de-mega-assalto-no-paraguai-integra-faccao-paulista-e-e-foragido-da-justica.ghtml. Acessado em: 09/06/2017. 24 Disponível em: < http://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2017/04/25/interna_nacional,864732/pcc-avanca-fronteira-eexplode-empresa-no-maior-roubo-da-historia-do-p.shtml. Acessado em: 11/06/2017. 25 Disponível em: < http://www.abc.com.py/edicion-impresa/judiciales-y-policiales/banda-de-asaltacajeros-opera-con-cuatrocelulas-en-el-pais-1360394.html>. Acessado em: 06/06/2017. 26 Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ts/v23n2/v23n2a09.pdf. Acessado em: 08/06/2017. 31
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Atualmente, o PCC possui forte presença em todos os estados brasileiros – onde são registrados conflitos com facções criminosas locais, que resultam diariamente na morte de vários criminosos, como é o caso da facção Família do Norte (FDN) no Amazonas 27. O PCC também está presente nas cadeias do Paraguai, onde está associado (porém com início de conflitos) ao Exército do Povo Paraguaio (EPP) 28, e em diversos outros países da América do Sul (Bolívia, Colômbia, etc). Normalmente, a presença do PCC nestes países andinos surge a partir da prisão de seus membros durante a transação de drogas naqueles locais, sendo que durante o cumprimento das respectivas penas, estes membros disseminam a ideologia do PCC aos demais presos.
Figura 2 – Membros do EPP em área de selva Paraguaia – já são registrados conflitos de interesse entre EPP, PCC e CV pelo monopólio do tráfico de drogas na região de fronteira Brasil/Paraguai.
Fonte: Disponível em: http://www.bbc.com/mundo/noticias-america-latina-37226955>. Acesso em: 20/06/2017.
O TERROR DO NOVO CANGAÇO Sobre o surgimento do crime organizado no Brasil, já foram explorados nesta pesquisa a corrupção no período colonial, o jogo do bicho e o surgimento de facções criminosas voltadas ao tráfico de drogas. Por fim, destacaremos outro modo de ação de criminalidade
27
Disponível em: http://istoe.com.br/faccao-familiado-norte-fdn-mata-integrantes-do-pcc-no-amazonas/. Acessado em: 16/06/2017. 28 Disponível em: http://library.fes.de/pdf-files/bueros/la-seguridad/11154.pdf> Acessado em: 17/06/2017. 32
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organizada que nos últimos anos vêm aterrorizando pequenas cidades brasileiras: o Novo Cangaço. A expressão Novo Cangaço é utilizada para grupos criminosos que atuam em determinadas regiões do Brasil, normalmente pequenas cidades sem grandes presenças policiais, para o cometimento de roubos em estabelecimentos bancários, sendo que “são os
que provavelmente trazem mais prejuízos à sociedade, não apenas pelo modus operandi emprego de violência e armamento com alto poder de fogo - mas principalmente pelas consequências de sua relação com organizações criminosas vinculadas ao tráfico de 29
drogas” .
A origem do nome Novo Cangaço remonta ao movimento liderado por Virgulino Ferreira da Silva 30, o Lampião, que em meados do século XIX invadia e sitiava pequenas cidades, usando de extrema violência e saqueando comércios: No Brasil, a associação criminosa derivou do movimento conhecido como cangaço, cuja atuação deu-se no sertão do Nordeste, durante o século XIX, como uma maneira de lutar contra as atitudes de jagunços e capangas dos grandes fazendeiros, além de contestar o coronelismo. Personificados na figura de Virgulino Ferreira da Silva, o “Lampião” (1897 -1938), os cangaceiros tinham organização hierárquica e com o tempo passaram a atuar em várias frentes ao mesmo tempo, dedicando-se a saquear vilas, fazendas e pequenas cidades, extorquir dinheiro mediante ameaça de ataque e pilhagem ou sequestrar pessoas importantes e influentes para depois exigir resgates. Para tanto, relacionavam-se com fazendeiros e chefes políticos influentes e contavam com a colaboração de policiais corruptos, que lhes forneciam armas e munições (GONÇALEZ E BONAGURA, 2004, p. 03).
O termo cangaço é proveniente de canga, que é uma peça de madeira utilizada em pescoços de boi para transporte. Como os chamados cangaceiros tinham que carregar todos seus pertences junto ao corpo, surgiu esta denominação a partir dessa analogia. (OLIVEIRA, 2002, p. 27). O cometimento de roubos a bancos é apenas uma das faces de atuação do crime organizado, contudo, atualmente esta modalidade criminosa vem gerando enormes transtornos econômicos em todo o Brasil. Pode-se afirmar também que, no Novo Cangaço há
29
Disponível em:
. Acessado em: 14/06/2017. 30 Disponível em: Acessado em: 20/06/2017. 33
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a profissionalização e especialização dos agentes na prática da violência e de crimes contra instituições financeiras, geralmente participantes de alguma organização ou facção criminosa, os quais buscam tal modalidade com o fim de levantamento de recursos financeiros, em curto prazo, para financiamento do tráfico de drogas ou da própria organização criminosa a que pertencem. (BORGES, BRANDÃO, 2016, p.18). As estatísticas sobre roubos a bancos são variadas em cada estado brasileiro, já que em muitos locais estes crimes podem ser chamados por nomes variados como por exemplo, 31
“sapatinho” ou “vapor” .
Ainda assim, de acordo com a Confederação Nacional das Instituições Financeiras, em pesquisa do ano de 2015 32, os bancos investiram R$ 9 bilhões de reais na segurança das instalações, aparelhos e vigilância no ano de 2014. De acordo com pesquisa, esta quantia supera o lucro da Caixa Econômica Federal no mesmo período. Essa categoria de roubos a bancos - Novo Cangaço - vem causando terror nas pequenas cidades brasileiras, tendo intensas semelhanças com o antigo modo cangaceiro do bando de “Lampião”. Ataques em pequenas cidades, grupos fortemente armados, reféns e
desafio aos órgãos policiais são características que podem ser vistas entre estes grupos. Já naquela época, para combater esse novo fenômeno social, o Poder Público criou um grupo específico dentro dos órgãos de segurança no enfrentamento aos cangaceiros: eram as chamadas "volantes" 33. Nestas forças policiais, os seus integrantes faziam uso de técnicas especiais na caçada aos criminosos – como se disfarçar de cangaceiro para tentar descobrir seus esconderijos ou tentar identificar os “coiotes” , como eram chamadas as
pessoas que ajudavam os cangaceiros com fornecimento de logística. (BARBOSA, 2009).
31
Os assaltos no são aqueles que apresentam uma grande quantidade de homens e veículos, armamento pesado e abordagens robustas. Os assaltos no , por sua vez, baseiam-se em abordagens mais discretas ou silenciosas, como o sequestro de familiares de gerentes de bancos, por exemplo. Disponível em: http://www.aps.pt/vicongresso/pdfs/345.pdf. Acessado em: 05/06/2017. 32 Disponível em . Acessado em: 12/06/2017. 33 As volantes foram o embrião para a criação da Companhia Independente de Operações e Sobrevivência na Área de Caatinga (CIOSAC) – atualmente Batalhão Especializado de Policiamento no Interior (BEPI) da Polícia Militar do Estado de Pernambuco – criada oficialmente no ano de 1997 com o objetivo de combater a criminalidade no sertão pernambucano, principalmente os roubos a bancos. Disponível em: . Acessado em: 11/06/2017. 34
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Neste cenário de combate aos cangaceiros, na obra “ Operação anti-cangaço: as táticas e estratégias de combate ao banditismo de Virgulino Ferreira, Lampião” o autor destaca as
seguintes ações do poder público naquela época: Emprego de mãos armadas que não pertencem exclusivamente ao efetivo das Policias Militares dos diversos Estados cujo território era frequentado por cangaceiros. Ver-se-á que, desde muito cedo, as inimizades "nativas", as questões de honra e de ódios locais foram bastante capitalizados pelas autoridades competentes pela repressão. De outra parte, a possibilidade de perseguir um inimigo com o respaldo de uma farda e da legalidade foi igualmente capitalizada pelos inimigos de Lampião. Levando em conta que o cangaço de Lampião era um movimento de intensa mobilidade e que o grupo era detectado com dificuldade pelos perseguidores, os responsáveis pelo combate ao banditismo criaram o maior número possível de destacamentos policiais que pudessem dar apoio logístico às forças volantes. Como o apoio logístico dos cangaceiros vinha da população que, por diversos motivos, fornecia-lhes víveres, armas, munições, informações, etc., a principal e talvez mais eficaz tática de combate ao cangaço foi aquela que visou reprimir mais de perto e com mais energia, corno se dizia então, todos aqueles que eram ao menos suspeitos de dar qualquer apoio a bandidos. A policia classificava-os com o nome genérico de coiteiros. . Tendo em conta que os cangaceiros utilizavam as zonas fronteiriças dos Estados de modo a burlar a ação da policia em virtude da impenetrabilidade de uma Força na jurisdição de outra, os governos firmaram convênios que garantiam a permeabilidade das fronteiras no caso de perseguição a bandos. Levando em conta a extrema importância dos coiteiros como constituidores de pontos de apoio logístico, foi resolvido que as populações de áreas não urbanizadas seriam transferidas em massa para vilas e aldeias, onde poderiam ser vigiadas. Em consequência do seu esvaziamento, a caatinga seria inabitável para os cangaceiros. Neste mesmo sentido, alguns governos resolveram desarmar o sertão para que não houvessem armas em circulação que pudessem acabar em mãos cangaceiras. (VILELLA, 2009, p. 94-95)
Atualmente, também, já se fala em cangaço noturno, no que concerne à modalidade ligada à explosão de caixas eletrônicos, que geralmente ocorre durante a noite ou madrugada. A diferença principal está no uso de explosivos, pois quanto às demais ações desenvolvidas, existe bastante similaridade ao método utilizado pelo Novo Cangaço, já que também exige um planejamento prévio, associação de criminosos, emprego de armas de uso restrito e a contenção e perímetro de segurança em torno das bases policiais e do local alvo 35
CRIME ORGANIZADO E ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA DA PMSC
da ação. Além disso, qualquer popular que, por ventura, passe no momento da empreitada criminosa, também é tomado como refém, daí a denominação de cangaço noturno. (FRANÇA, 2016). Do exposto, percebe-se que o Novo Cangaço, dentro do contexto da criminalidade organizada, surgiu como uma forma para arrecadação de fundos financeiros para os grupos criminosos, tendo conexão direta no cometimento de outros crimes como a lavagem de dinheiro e tráfico de entorpecentes, fazendo com que estes grupos atuem como verdadeiras empresas do crime com diversas frentes de negócios manifestamente ilegais.
O CRIME ORGANIZADO EM SANTA CATARINA Seguindo a tendência brasileira, o crime organizado no estado de Santa Catarina surgiu com forte presença no tráfico de entorpecentes e nas facções criminosas. Historicamente, o comércio de drogas em Santa Catarina possui duas regiões de relevância, sendo as cidades de Itajaí e Florianópolis.
Itajaí na rota internacional do tráfico de drogas e a guerra do tráfico em Florianópolis A cidade de Itajaí, a partir das conexões diversas existentes através de sua zona portuária, despontou no território do tráfico de drogas no início dos anos 90, tendo sido nascedouro de grandes grupos criminosos que se associavam para a remessa de drogas para o exterior, bem como para a importação de entorpecentes e controle dos pontos de vendas de drogas no litoral norte catarinense 34.
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Relator Desembargador Rogério Lemos – 19/05/1992 – Itajaí. Disponível em: . Acessado em: 08/06/2017. 36
CRIME ORGANIZADO E ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA DA PMSC
Neste cenário, entre outros, cabe destaque para Jarvis Chimenes Pavão 35
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, que se
consolidou no mundo do crime a partir da região de Itajaí e Balneário Camboriú. Como exemplo, destacamos abaixo decisão judicial que tratou de sua transferência para estabelecimento prisional federal, onde se ressaltou sua liderança entre os demais integrantes e sua conexão criminal no Paraguai: A bem da verdade, constata-se que o apenado é considerado agente de alta periculosidade, possui uma condenação definitiva por crime de tráfico de entorpecentes que tramitou nesta comarca no ano de 1994 (autos nº 005.94.000211-0), além de haver informações nos autos de que responde a processo na por envolvimento com o narcotráfico, sendo que também em razão da longa pena que tem a cumprir, entendo que se torna extremamente necessário que, quando efetivada sua extradição pelas autoridades paraguaias, seja ele incluso em estabelecimento penal federal de segurança máxima.Note-se que o apenado foi condenado por crime de tráfico de entorpecentes, associação ao tráfico e lavagem de dinheiro, sendo que restou comprovado pelas provas colhidas nos autos que ele era o e chefiava a organização criminosa que distribuía e comercializava entorpecentes nesta cidade e em outras cidades do Estado de Santa Catarina (Processo Crime 00397650.2006.8.24.0005 - Comarcar de Balneário Camboriú, grifo nosso)
Figura 3 – Jarvis Chimenes Pavão.
Fonte: Disponível em: . Acessado em: 20/06/2017.
Já em Florianópolis, o tráfico de drogas surgiu nas comunidades do Maciço do Morro da Cruz – área central da capital catarinense. Por ser uma cidade turística que atrai visitantes 35
em . Acessado em 05/06/2017. 36 . Disponível em . Acessado em 08/05/2017. 37
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durante todos os períodos do ano, Florianópolis se apresentou como um terreno fértil e lucrativo para o crescimento de grupos ligados ao comércio de drogas. Porém, com estes grupos também surgiram os primeiros registros de confrontos armados entre comunidades rivais pela disputa do controle dos pontos de venda de drogas. Através de relatos policiais e notícias de jornais da época, nota-se que até o final dos anos 90, o tráfico de drogas em Florianópolis era dominado por Jair Vitório da Fonseca, o “Baga”. Conhecido por ser uma pessoa popular entre os moradores locais, “Baga” tinha fácil
acesso em todas as comunidades e realizava o comércio de entorpecentes na área central da capital catarinense. “Baga” era também diretor da Escola de Samba Embaixada Copa Lord – uma das mais populares da capital catarinense. Porém, em uma noite de agosto do ano 2000, “Baga” foi morto a tiros, enquanto fazia um lanche na Avenida Mauro Ramos – área central da capital, e essa soberania foi quebrada por uma aliança entre três novos criminosos: Sérgio de Souza – o “Neném da Costeira”, Rodrigo de Oliveira – o “Rodrigo da Pedra” e Denilson Alexandre da Silva. Surgia assim, a divisão e a guerra do tráfico em Florianópolis37 38 39. Nesse período, durante o auge da guerra do tráfico de drogas em Florianópolis, dois crimes tornaram-se marcantes até os dias atuais: o “Crime do Cadeado” 40 e o “Crime do 41
Microondas” .
37
A morte das quatro vítimas foi motivada por ordem do denunciado SÉRGIO DE SOUZA, vulgo" Neném da Costeira ", comandante do tráfico de tóxicos em Florianópolis. O quádruplo homicídio se deu por clara disputa de" ponto de droga ", uma vez que o denunciado" Neném da Costeira "ainda não tinha o controle de venda de tóxicos na localidade do Morro da Mariquinha, nesta Capital, evidenciando, portanto, o motivo torpe dos fatos. Apelação Criminal (Réu Preso) n. 2010.000582-9, da Capital Relator: Des. Alexandre d'Ivanenko. 38 Tribunal de Santa Catarina condena traficante por triplo homicídio Disponível em: . Acessado em: 08/06/2017. 39 Disponível em: . Acessado em: 16/06/2017. 40 Disponível em: . Acessado em: 08/06/2017. 41 em: . Acessado em: 14/06/2017. 38
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Figura 4 – Sérgio de Souza “Neném da Costeira” – ao lado imagem impressa em um carregamento de maconha apreendido na cidade de Florianópolis no ano de 2008, onde observa-se um neném sentado em várias notas de dinheiro com dois fuzis em suas mãos e ao fundo as iniciais NC.
Fonte: arquivo pessoal do autor.
O primeiro foi o homicídio de Marcelo Moraes, em 15 de junho de 2008 no sul da ilha de Florianópolis, no qual o autor do crime revelou que usou uma chave de fenda para fazer um buraco na boca da vítima e posteriormente colocar um cadeado – as chaves teriam sido jogadas no mar. Ponto importante de relatar-se é que dois dias antes, no dia 13 de junho de 2008, policiais militares apreenderam mais de 300 quilos de maconha - que seriam do bando de “Neném da Costeira” – tendo este sido o motivo da morte de Marcelo Moraes e a simbologia
do cadeado em sua boca, impondo medo e terror no moradores da comunidade. Figura 5 - Cadeado utilizado na morte de Marcelo Moraes e droga apreendida que teria resultado em sua morte dois dias após.
Fonte: ClicRBS. Disponível em: http://clicrbs.com.br/especial/sc/rbs30anos/19,0,2350507,Elucidado-crime-docadeado.html. Acessado em: 14/06/2017.
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Já o “Crime do Microondas” , ocorreu na comunidade do “Morro do Mocotó” , onde
Jonathan Robson da Silva foi morto em julho de 2006 após uma apreensão de dois quilos de cocaína realizada pela Polícia Militar – a morte teria sido uma forma de punição à vítima que não avisou aos criminosos sobre a chegada dos policiais militares na comunidade. Os detalhes foram narrados em denúncia do Ministério Público de Santa Catarina: O caso, que ficou conhecido na mídia como o "Crime do Micro-ondas", envolveu chefes e subalternos do tráfico de entorpecentes. Os réus resolveram aplicar um corretivo em "olheiros" que, por atuação displicente, permitiram a apreensão de drogas em operações policiais. Dois deles foram atraídos para a localidade conhecida como "Cabeça do Santo", nos altos do Mocotó, onde foram submetidos a sevícias e torturas. Jonathan teve seus braços amarrados e foi jogado em uma cisterna desativada do Hospital de Caridade ¿ hoje conhecida como "microondas". Bastante ferido, ele ainda teve fogo ateado ao corpo. Somente por laudos houve identificação. O outro aproveitou-se de um descuido dos algozes para empreender fuga, e tornou-se a principal testemunha do crime. (Autos n.º 023.07.002502-1 e 023.07.145122-9 – Comarca da Capital)
Assim, até os dias atuais permanecem as divisões nas comunidades de Florianópolis com a presença de diferentes facções criminosas em cada ponto de venda de drogas da capital.
Os primeiros roubos a bancos em Santa Catarina Outra face do crime organizado em Santa Catarina são os roubos a bancos e carrosfortes. No final da década de 90, foram registradas as primeiras ocorrências de roubo a banco em solo catarinense, tendo destaque para o bando liderado por Claudio Adriano Ribeiro – o 42 43
“Papagaio”
. Abaixo, destacam-se partes da Apelação Criminal 96.0001959-6 – Joaçaba,
onde constam detalhes da atuação de “Papagaio” durante roubo em estabelecimento
bancário no ano de 1995 no município de Vargem Bonita em Santa Catarina: Os denunciados, que há muito tempo estão associados em uma quadrilha para a prática de crimes, notadamente assaltos a bancos, tendo inclusive, já praticado 42
(Réu Preso) n. 2013.030289-4, de Brusque Relator: Desembargador Leopoldo Augusto
Bruggemann. 43
Disponível em . Acessado em: 11/06/2017. 40
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diversos assaltos a bancos neste Estado e no vizinho Estado do Rio Grande do Sul, no dia 31 de março de 1995, resolveram dar continuidade a atividade ilícita que costumeiramente realizam. Ao chegarem nas imediações do posto do BESC, os denunciados aguardaram na BR-153, na altura da empresa Celulose Irani, a passagem do carro forte que traria o numerário. Por volta das 11:00 horas, os denunciados Jair, Claison, Jones Machado, Cláudio Ribeiro e José Vidal rumaram com o veículo VW/Parati até o posto do BESC, ocasião em que, armados de pistolas, metralhadoras e escopetas, renderam os funcionários do posto e subtraíram os malotes contendo a quantia de R$ 89.000,00 (oitenta e nove mil reais). (Apelação Criminal 96.0001959-6 – Joaçaba)
Nessa época, “Papagaio” e seus compar sas foram apontados como a maior quadrilha
de roubos a bancos e carros-fortes em atuação em Santa Catarina, também faziam parte desse grupo, entre outros criminosos, Jonas Antônio Machado - o “Jonas Dedão”, Enio Antônio Elesbão44 (morto), Ivanhoe Saldanha Farjado – o “Veio” e Dércio Ribeiro dos Santos – 45
o “Teno” . Figura 6 - Claudio Adriano Ribeiro “Papagaio”.
Fonte: arquivo pessoal do autor.
O quadrilheiro “Teno” também já se destacava no mundo do crime em Santa Catarina
por seus roubos a bancos, tendo destaque para o roubo cometido no dia 28/05/2006 na cidade de Tijucas, onde durante a fuga três policiais foram baleados. Conforme autos do Processo Crime 0003865-60.2007.8.24.0125 da Comarca de Itapema, onde “Teno” foi condenado a 28 anos de reclusão: "Os denunciados, juntamente com outras pessoas, formavam uma quadrilha armada especializada em roubos na região do litoral norte de Santa Catarina. Em 28-
Disponível em: . Acessado em: 09/06/2017. 45 Disponível em: . Acessado em: 03/06/2017. 41
CRIME ORGANIZADO E ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA DA PMSC
5-2006, depois de praticarem um roubo, na cidade de Tijucas (fl.8), os denunciados, na companhia de seus comparsas até o momento não identificados,deslocaram-se pela BR 101 em direção ao norte do Estado de Santa Catarina, conduzindo os veículos Astra, de placas MCA-9544, de Balneário Camboriú, e Peugeot, de placas MDO-3477, de Tijucas-SC – veículo este subtraído no citado roubo. Na ocasião, policiais civis, militares e rodoviários federais, já cientes da ação da quadrilha, montaram um cerco no posto da Polícia Rodoviária Federal (PRF) localizado no município de Itapema.Momentos depois, por volta das 3 horas, já do dia 29-5-2006, quando os referidos veículos com os denunciados passavam em frente ao posto da PRF, nesta cidade, os policiais ordenaram aos condutores que parassem, sem sucesso, contudo. Ao notarem a presença dos policiais, os denunciados e seus comparsas – livre e conscientemente , com animus necandi – utilizando-se de um fuzil, de pistolas e de um revólver, alvejaram com tiros o policial rodoviário [...], o delegado de polícia civil [...] e o tenente da PM [...]. O crime em comento foi executado com vistas a assegurar a impunidade de crime anterior, já que os denunciados haviam a pouco realizado um assalto na Comarca de Tijucas e não queriam ser reconhecidos e presos.Também houve dissimulação no cometimento do delito, pois, após à ordem policial de parada, os denunciados e seus comparsas reduziram a velocidade dos veículos, dando a entender que acataram a ordem; e, no momento em que os policiais se aproximaram para a abordagem, foram eles recebidos à bala pelos meliantes, que em seguida empreenderam fuga.(Processo Crime 0003865-60.2007.8.24.0125 – Comarca de Itapema)
Este bando criminoso liderado por “Papagaio” é apontado como autor do maior roubo
a banco da história de Santa Catarina, que ocorreu no dia 21 de julho de 1997 em uma agência do Banco do Estado de Santa Catarina (BESC), localizado na cidade de Blumenau – onde teriam roubado mais de R$ 1 (um) milhão de reais. Na ocasião, o vigilante Valdecir Amaral foi atingido por dez disparos e morreu no mesmo dia. Durante a troca de tiros, “Papagaio” também foi baleado.
Os detalhes do crime podem ser observados abaixo, na Apelação Criminal 2001.000313-4 do Tribunal de Justiça de Santa Catarina: Os denunciados, com dois outros elementos não identificados, sendo um deles apenas conhecido como "Paulo Paulista", são integrantes de uma quadrilha, cuja especialidade é assaltos a bancos e roubo de veículos, sendo que tal quadrilha, provavelmente, conta com a participação de outros elementos. Assim, além da atividade permanente na prática de ilícitos, os denunciados, na companhia dos dois outros elementos, planejaram, com detalhes, assalto ao Banco do Estado de Santa Catarina, agência centro de Blumenau, localizado na rua XV de Novembro. Os denunciados ingressaram no Banco e, após verificarem que os seguranças haviam recebido o dinheiro das mãos do tesoureiro, acondicionado em malote, partiram para a ação, tendo o denunciado Cláudio sacado de uma pistola que portava e, com ela, avisou para o vigilante Silvanio Coelho que se tratava de um assalto, apanhando o malote com a quantia de R$ 950.000,00, além de um revólver calibre 38 que foi atirado ao chão, mandando, ainda, que o vigilante corresse, senão ia morrer. Com o denunciado estavam o co-denunciado e mais 42
CRIME ORGANIZADO E ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA DA PMSC
dois outros elementos não identificados (um deles, "Paulo Paulista"), fortemente armados, com pistolas semi-automáticas calibre 9 mm, que davam a necessária cobertura para o crime. No momento em que o denunciado Cláudio subtraiu o dinheiro, o vigilante Valdecir Amaral, que também fazia o transporte do numerário e estava dando cobertura aos demais vigilantes, percebeu que se tratava de um assalto, sacando seu revólver calibre 38, passando a efetuar disparos, em um total de quatro, que atingiram e lesionaram o denunciado Cláudio, que, imediatamente, foi ao solo. Nesse ínterim, um dos assaltantes, não identificado, de compleição física forte, cabelos pretos curtos e lisos e trajando um paletó de cor marrom, utilizando uma pistola, passou a efetuar disparos em direção ao vigilante, desencadeando verdadeira batalha, onde os denunciados e seus comparsas deflagraram vários tiros no interior do banco. Em razão dos disparos, o vigilante Valdecir foi atingido em diversas partes do corpo, resultando em um total de 10 (dez) orifícios de entrada de projéteis de arma de fogo, que resultaram em sua morte, conforme auto de exame cadavérico de fls. 25. Durante o tiroteio, os denunciados, também, balearam um cliente do banco, atingindo-o no pé, ocasionando lesões corporais. (Apelação Criminal 2001.000313-4 – TJSC)
Outro grupo ligado a roubos a bancos também aterrorizou várias cidades de Santa Catarina na década de 90. Este bando era liderado pelo gaúcho José Carlos dos Santos – o 46
“Seco” . Um dos primeiros crimes do bando ocorreu no dia 13/12/2004, quando explodiram
um carro-forte da empresa TGV, em plena BR 101, na localidade do Morro dos Cavalos – Palhoça – Santa Catarina47. Também nesse período, destacam-se as ações criminosas praticadas por Rogério Mattos da Luz – o “Batman” 48. No dia 26 de agosto de 2003, na Avenida Centenário – coração da cidade de Criciúma/SC, um roubo a banco marcou a história da cidade e terminou na morte de dois policiais militares. Era fim de tarde de uma terça-feira, quando por volta de 16h30, homens armados com fuzis chegaram em frente a uma agência do Unibanco e com uma marreta 46
A Gazeta do Sul e o Portal Gaz recontam a história do candelariense, que foi considerado o foragido número 1 do Estado, e liderou uma geração de assaltantes no ataque a bancos, carros-fortes e praças de pedágio, no início dos anos 2000. Disponível em: < http://gaz.com.br/conteudos/especial_seco/iframe.php. Acessado em 14/06/2017. 47 No assalto, quatro seguranças foram rendidos pela quadrilha, que arremessou um caminhão guincho contra o blindado. Armado de fuzis, o bando atirou contra o carro-forte, atingindo ainda um caminhão e um ônibus que passavam pelo local. O ônibus foi usado para bloquear a rodovia. Os bandidos usaram explosivos para explodir o carro forte e roubar os malotes. Na fuga, atearam fogo em um Marea Weekend e um Honda Civic, também usados no bloqueio, levando quase R$ 3 milhões. Apesar da violência, não houve feridos. Disponível em: . Acessado em: 08/06/2017. 48 Batman é apontado como integrante do bando que realizou a explosão de um carro forte na Serra Dona Francisca em Joinville/SC no ano de 2012. Também em dezembro de 2012, Batman teria participado da explosão de um carro forte da empresa Prosegur na Grande Curitiba Disponível em: . Acessado em: 08/06/2017. 43
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quebraram a porta de vidro da entrada principal do estabelecimento bancário. Na parte externa, outros integrantes do bando davam cobertura e realizavam a segurança de perímetro – as armas estavam escondidas em capas de violão. Naquele momento, ali próximo, uma guarnição da equipe de trânsito do 9º Batalhão de Polícia Militar realizava rondas quando foi informada da ocorrência e imediatamente foi até o local. Os policiais não tinha ideia do que estava para acontecer. Enquanto os criminosos no interior da agência faziam os clientes de reféns e saqueavam os cofres do banco, na parte de fora do banco uma tragédia estava em andamento. Ao chegar próximo ao estabelecimento bancário, a viatura Fiat Ducato, dirigida pelos policiais militares, foi covardemente cravejada de tiros efetuados pelos criminosos que estavam no canteiro central da avenida. O Soldado PM Sérgio Burati da Silva foi morto no local e o Soldado PM Joel Domingos, também atingido, entrou em óbito 14 dias após o crime. Seus nomes estão eternamente estampados na “Galeria de Heróis do 9º BPM”. Figura 7 – Galeria de heróis do 9º BPM – Criciúma/SC.
Fonte: arquivo pessoal do autor.
Na fuga, os criminosos utilizaram uma caminhonete para sair do local fazendo uso de reféns como proteção. Nos meses seguintes, os criminosos que participaram do crime foram identificados e presos.
44
CRIME ORGANIZADO E ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA DA PMSC
Figura 8 – Entrada dos criminosos no Unibanco – Criciúma/SC.
Fonte: arquivo pessoal do autor.
Já, mais recentemente, muitas cidades de Santa Catarina voltaram a ter seus bancos roubados por quadrilhas fortemente armadas que, normalmente, possuem origem no estado do Paraná. Assim, destacam-se os roubos registrados no Banco do Brasil das cidades de Santa Cecília em 01/08/201449, Timbó Grande em 30/06/2015 50, Praia Grande em 02/05/201651, Balneário Piçarras em 11/04/2016 (Caixa Econômica Federal)52 e Fraiburgo em 29/04/201753. No roubo registrado ao Banco do Brasil de Timbó Grande/SC em 30/06/2015, os criminosos fizeram uma ação típica de Novo Cangaço – com uso de reféns como escudos humanos, uso de armas com alto poder de fogo, caminhonetes para transporte, queima de veículos para impedir a ação policial, uniformes militares e terror na população local – como se pode ver nas imagens abaixo:
49
Disponível em:< http://dc.clicrbs.com.br/sc/noticias/noticia/2014/08/quadrilha-do-parana-e-suspeita-de-assaltar-banco-emsanta-cecilia-4569159.html>. Acessado em: 08/06/2017. 50 Disponível em:< http://dc.clicrbs.com.br/sc/noticias/noticia/2015/06/assalto-em-timbo-grande-refens-como-escudos-humanossao-raros-em-sc-4792182.html>. Acessado em 14/06/2017. 51 Disponível em:< http://www.grupocorreiodosul.com.br/jornal/assaltantes-do-bb-de-praia-grande-sao-presos/. Acessado em:01/06/2017. 52 . Disponível em:< http://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2016/04/criminosos-assaltam-banco-e-usam-clientes-comoescudo-humano-em-sc.html. Acessado em: 08/06/2017. 53 Disponível em:< http://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/criminososexplodem-agencias-bancarias-em-fraiburgo.ghtml.Acessado em: 12/06/2017. 45
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Figura 9 - Timbó Grande/SC - 30/06/2015 – Roubo ao Banco do Brasil. Reféns, armas com alto poder de fogo, caminhonetes, uniformes militares.
Fonte: arquivo pessoal do autor Figura 9 - Timbó Grande/SC - 30/06/2015 – Roubo ao Banco do Brasil. Reféns, armas com alto poder de fogo, caminhonetes, uniformes militares.
Fonte: arquivo pessoal do autor.
46
CRIME ORGANIZADO E ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA DA PMSC
Figura 9 B - Timbó Grande/SC - 30/06/2015 – Roubo ao Banco do Brasil. Reféns, armas com alto poder de fogo, caminhonetes, uniformes militares.
Fonte: arquivo pessoal do autor.
O uso de clientes das agências bancárias e moradores locais como escudos humanos é uma prática comum aos criminosos do Novo Cangaço. Figura 10 - Escudo Humano - Timbó Grande/SC - 30/06/2015 – Roubo ao Banco do Brasil
Fonte: arquivo pessoal do autor. 47
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Figura 11 - Escudo humano – Santa Cecília/SC - 01/08/2014 – Roubo ao Banco do Brasil.
Fonte: arquivo pessoal do autor.
No cangaço noturno, o escudo humano é prática menos comum, porém em determinadas situações já foram registrados casos em Santa Catarina, como no caso da explosão da agência do Banco do Brasil da cidade de Rio dos Cedros/SC, no dia 09 de maio de 2017. Na sequência de imagens abaixo, nota-se que, o escudo humano foi formado após a chegada de uma viatura da polícia militar, onde, a partir de então, os criminosos pararam um veículo que transportava trabalhadores para uma empresa e os utilizaram como escudo humano até a sua saída do local.
Figura 12 - Escudo humano – Rio dos Cedros/SC – 09/05/2017 – Roubo ao Banco do Brasil.
Fonte: arquivo pessoal do autor. 48
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Com a aproximação da viatura, os criminosos param um veículo que passava pelo l ocal e formam o escudo humano.
Figura 13 - Escudo humano – Rio dos Cedros/SC – 09/05/2017 – Roubo ao Banco do Brasil.
Fonte: arquivo pessoal do autor.
A mesma técnica de escudo humano foi registrada no roubo à Caixa Econômica Federal da cidade de Piçarras/SC, no dia 11 de abril de 2016.
Figura 14 - Escudo humano - Piçarras/SC – 11/04/2016 – Roubo Caixa Econômica Federal.
Fonte: arquivo pessoal do autor. 49
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Já no roubo em Fraiburgo/SC – 29/04/2017, pelo menos dez homens armados com fuzis e explosivos agiram na agência do Banco do Brasil daquela cidade. Na ocasião, as imagens das câmeras de segurança captaram a ação dos seguranças de perímetros, explosivitas e arrombadores. Figura 15 - Fraiburgo/SC – 29/04/2017 – Roubo ao Banco do Brasil – Explosivita e Arrombador.
Criminoso acoplando explosivo no terminal eletrônico
Arrombador prepara o terminal eletrônico para o explosivo ser acoplado Fonte: arquivo pessoal do autor. Figura 16 - Fraiburgo/SC – 29/04/2017 – Roubo ao Banco do Brasil – Seguranças de perímetro.
Na chegada ao banco, criminosos se distribuem ao redor da agência Fonte: arquivo pessoal do autor. 50
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Desta forma, nota-se que, os grupos criminosos que realizam os roubos em agências bancárias possuem alto grau de organização, com divisão de tarefas e funções previamente definidas. Assim, pode-se citar as principais funções e características destes criminosos.
Figura 17 – Funções do Novo Cangaço.
NOVO CANGAÇO – FUNÇÕES DOS CRIMINOSOS
EXPLOSIVISTA
ARROMBADOR
SEGURANÇA
PILOTO
Com apurado
Com uso de ferramentas, faz a preparação do cofre e caixas eletrônicos para a colocação dos explosivos.
Utilizando fuzis calibre 556mm e 762mm faz a segurança do local e de perímetro para os demais criminosos.
Possui habilidade na direção de carros e
conhecimento
técnico em explosivos, responsável pela detonação dos cofres e caixas eletrônicos.
conhecimento
das rotas de fuga.
RECONHECIMENTO
Em dias anteriores e horas antes da ação, faz reconhecimento da atividade policial no local.
LOG STICA
Auxilia em eventuais fugas e resgates após as explosões.
Fonte: elaborado pelo autor.
Figura 18 – Características do Novo Cangaço.
NOVO CANGAÇO – CARACTERÍSTICAS
Geralmente os criminosos atuam em bandos com cerca de 10 pessoas com funções previamente definidas.
Fazem uso de fuzis calibre 556mm e 762mm. Para carrosfortes podem usar calibre .50.
Trata-se de um crime de alta rentabilidade financeira, podendo ser roubados grandes valores.
Os veículos preferidos são caminhonetes – possuem
bom desempenho em área de mata e alta velocidade.
Os agentes também fazem uso de uniformes e táticas militares em suas empreitadas criminosas.
Além dos explosivos, utilizam imãs, miguelitos (fura pneus), marretas e outras ferramentas.
Fonte: elaborado pelo autor. 51
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Por fim, destacamos nesta pesquisa, a atuação dos grupos criminosos com origem na cidade de Joinville/SC e que, no início dos anos 2000, iniciaram com robustez diversas empreitadas criminosas no estado de Santa Catarina, vindo a se tornar referência em todos os estados do Brasil no crime de furto em caixa eletrônico com uso de maçarico. Em entrevista com um policial militar (que não será identificado por questões de sigilo/segurança), que atuou diretamente na região de Joinville por diversos anos, este relatou alguns detalhes sobre o fato da cidade de Joinville ser o nascedouro das principais quadrilhas do Brasil de furtos em caixas eletrônicos com uso de maçarico. Assim, foram destacados três pontos principais: por ser a maior cidade de Santa Catarina, por estar próximo de Curitiba e por ser sede de grandes empresas de funilaria (onde existe contato direto com peças utilizadas em caixas eletrônicos): Tendo como foco deestudos o Estado deSanta Catarina, não hácomo deixar de mencionararegiãodeJoinville,deondeconsiderávelnúmerodeagentesenvolvidos com essa prática criminosa advém. Historicamente, Joinville possui uma estreita relaçãocom“oscaixeiros”.Inicialmente,quandoosterminaisdeautoatendimento não dispunham de dispositivos de segurança mais elaborados, encontramos registrosdeaçõesemqueosmeliantesemgruposdedoisoutrêsseutilizavamde alavancaspararomperosterminaise retiraros numerários.Namedidaemqueos terminaisforamsendoreforçados,e queessapráticanãomaissetornavapossível, tambémosagentessemoldaram,passandoentãoparaautilizaçãodemaçaricos, serracopo,etc.Nestasfases,valeaquimencionarqueraramenteseregistravaouso dearmamentoparaapráticadocrime.Nafaseseguinte,iniciaramosregistrospara ousodeexplosivosearmamentosdegrossocalibre,tipofuzis,porém,aquiabrimos um parênteses para comentar algumas particularidades,conforme segue: Não há umelevadonúmeroderegistrosdeagentesquefaziamosfurtoscommaçaricoque passaram a utilizar-se de explosivos, sendo estes da região de Joinville. O que percebe-se,équeagrandemaioriadoscaixeirosdeJoinville,nãorarasvezes,pegam aviõesevãoparasasmaisvariadasregiõesdopaíspraticarocrime.Recentemente temos caixeiros presos em Goiás, no Rio de Janeiro, Piauí, Distrito Federal entre outros. Existem sim, registros de ações com explosivos e armamento de grosso calibre praticados por agentes de Joinville, que já há bastante tempo integram quadrilhascujaraizencontra-se naregiãoda grandeCuritiba.Emalguns casosaté temo registrodessesutilizando-se de maçarico, porém,como umacessório e não como ferramenta principal para a ação. Não há ainda um estudo elaborado para explicaressavinculaçãodeJoinvillecomoscaixeiros.Háinformaçõesdiversas,sendo quealgunscitamqueéporsera ,porestarmuito , porexemplo. Outracorrente,e esta predominante, defendea tese queos principais caixeiros (usode maçarico),são Joinvillensespelas , pois a mão de obra dessas empresas acabam aprendendo a manipular os materiais queos terminais de auto atendimento sãofeitos, além de aprender a cortar esses materiais, e quando saem das firmas, acabam ficando ociosose porvezes sãocooptadospelocrime. Independente desera primeiraou a segundateoriaamaiscabível,nãotemcomodeixardeafirmaranecessidadedese trabalharessaregiãoaníveldeEstadoeatéanívelnacional,poisédelaquevêm
52
CRIME ORGANIZADO E ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA DA PMSC
surgindo umelevadonúmero deagentes quedistribuemo problema para asmais variadas regiões de norte a sul do país. (Relato de policial militar colhido no dia 12/06/0017,grifonosso)
Desta maneira, pode-se perceber que, a região de Joinville é o principal local de onde surgiram os caixeiros especialistas com uso de maçaricos no Brasil, sendo comum nos dias atuais serem “contratados” para o cometime nto de crimes em outros estados do Brasil.
Facções criminosas em Santa Catarina Paralelamente, nos presídios catarinenses, surgiam os primeiros sinais de organização de presos em grupos com ideologias e objetivos em comum. Assim, no ano de 2003, na ala de segurança máxima da Penitenciária de Florianópolis, e posteriormente, já no Complexo Penitenciário de São Pedro de Alcântara, surgiu a primeira facção criminosa criada nos presídios catarinenses: o Primeiro Grupo Catarinense (PGC), tendo como um de seus fundadores Nelson de Lima – o “Setenta”54. Tendo a mesma ideologia de facções de fora do Estado, usam um estatuto para regulamentar suas atividades de organização. Não há uma liderança única, existe um conselho dividido em primeiro e segundo ministério que centraliza as ações. Este conselho é formado pelos detentos fundadores e por antiguidade na facção, sendo que se o detento sair do sistema prisional é substituído, conforme se pode observar em sentença proferida no Poder Judiciário de Santa Catarina, que tratou sobre a atuação do PGC: A estrutura da organização, segundo o seu estatuto, é baseada em um "composto por 20 irmãos, ou seja, 10 do 1º vitalício e 10 do 2º rotativo. O 1º ministério não poderá ser substituído por outros irmãos, exercerá o cargo independente do lugar... o 2º ministério não é vitalício e funciona da seguinte forma: poderá ser substituído por um , ou um irmão capacitado. O 2º ministério tem como obrigação chegar no 1º ministério antes de tomar qualquer decisão que envolva a . Deverá fazer sintonia com o 1º ministério onde os irmãos estiverem". Segundo o documento firmado quando da constituição da organização e que é destinado a todos os seus integrantes, , dentre outras, 54
Nascido em Canoinhas, seu pai morreu (derrame) quando ele tinha dois anos de idade e sua mãe (câncer) aos seis anos, foi criado pela irmão mais velha. Na adolescência viveu em Caçador/SC onde trabalhou como representante em lojas de confecções, nesse período cometeu seu primeiro crime: um latrocínio em sua terra natal Canoinhas. A partir dai iniciou sua vida no mundo do crime com roubos no Brasil e Paraguai. 53
CRIME ORGANIZADO E ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA DA PMSC
finalidades, entre os integrantes da facção criminosa é estável e duradouro.( Autos n° 008.13.001206-5 – Comarca de Blumenau, grifo nosso)
Atualmente, o PGC é a facção criminosa com maior atuação em solo catarinense, possuindo intensa atividade no comércio de drogas e armas, sobretudo na região litorânea do estado. Na imagem abaixo, podemos ver o conjunto de prédios conhecido como “Carandiru” ,
na comunidade Chico Mendes em Florianópolis, e ao lado, o símbolo do PGC em carta apreendida em estabelecimento prisional. A imagem da estrela no símbolo do PGC é a mesma encontrada no pátio do “Carandiru” – historicamente principal reduto de membros do PGC
em Santa Catarina. Figura 19 – Conjunto de prédios “Carandiru” – Florianópolis/SC.
Fonte: arquivo pessoal do autor.
Contudo,é importante destacar o surgimento de novas facções em estabelecimentos penais catarinenses nos últimos anos, onde pode- se citar: “Serpente Negra”, “Comando Leal CL”, “Primeiro Comando da Oposição – PCO”, “País Livre – PL” e “Força Revol ucionária
Catarinense – FRC”55. Por fim, na região sul de Santa Catarina, observa-se o início de movimento de presos faccionados do Rio Grande do Sul, com destaque para a facção “Bala na 56
Cara” e “Os Manos” .
55
Informações obtidas em conversas com policiais e agentes penitenciários que não serão identificados por questões de sigilo/segurança. 56 Disponível em: . Acessado em 03/06/2017. 54
CRIME ORGANIZADO E ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA DA PMSC
Diante do exposto, nota-se que, o crime organizado em Santa Catarina enraizou-se através do tráfico de drogas e do estabelecimento de facções criminosas nos estabelecimentos penais, dominando o controle dos principais pontos de venda de drogas nas comunidades catarinenses. Como tendência criminosa, destaca-se que, atualmente Santa Catarina desponta no cenário nacional com uma forte tendência para a exportação de drogas para a Europa, através das zonas portuárias 5758, e como rota do tráfico internacional de drogas sintéticas59.
57
. Disponível em< http://dc.clicrbs.com.br/sc/noticias/noticia/2016/11/toneladas-de-cocaina-apreendidas-em-porto-de-santacatarina-alcancam-r-60-milhoes-8239015.html>. Acessado em 12/06/2017. 58 Disponível em:< http://dc.clicrbs.com.br/sc/noticias/noticia/2016/05/sc-esta-na-rota-do-trafico-de-grandes-cargas-de-cocainapelo-mar-5795852.html. Acessado em : 15/06/2017. 59 Autos do Processo 00154666320168240023 – Unidade de Apuração de Crimes Praticados por Organizações Criminosas/TJSC. 55
CRIME ORGANIZADO E ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA DA PMSC
Com o crescimento do crime organizado em todo o mundo e com suas formas de atuação cada vez mais variadas e sofisticadas, foram necessárias criações e adaptações de mecanismos legais que consigam enfrentar de modo eficaz e dinâmico o avanço destas modalidades criminosas.
A CONVENÇÃO DE PALERMO COMO MARCO LEGAL NO COMBATE AO CRIME ORGANIZADO Convenção de Palermo é o nome dado ao protocolo firmado na Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional – adotada em Assembleia da Organização das Nações Unidas em novembro de 2000 na cidade de Nova York – Estados Unidos (o protocolo inicial foi firmado em Palermo/Itália) 60. A escolha da cidade de Palermo para sede do encontro foi uma homenagem aos juízes Paolo Borsellino e Giovani Falcone 61, mortos em atentados a bombas naquela cidade no ano de 1992 - ambos foram precursores no combate à máfia italiana. Também foi em Palermo que foi realizado o “Maxiprocesso”
62 63
, como ficou conhecido o maior processo da história
no julgamento aos mafiosos italianos. No Brasil, a Convenção de Palermo foi promulgada quatro anos depois, em 12 de março de 2004, através do Decreto nº 5.015 64. As Nações Unidas assumiram papel importante no combate ao crime organizado, através de seu Escritório sobre Drogas e Crimes (UNODC) – ativo no Brasil desde 1991. Assim, 60
A presente Convenção será aberta à assinatura de todos os Estados entre 12 e 15 de Dezembro de 2000, em Palermo (Itália) e, seguidamente, na sede da Organização das Nações Unidas, em Nova Iorque, até 12 de Dezembro de 2002. 61 Disponível em: . Acessado em: 11/06/2017. 62 Maxiprocesso - Sentença de condenação. Disponível em: . Acessado em: 07/06/2017. 63 - Em fevereiro de 1986, Itália iniciava julgamento histórico da máfia siciliana. Disponível em: . Acessado em: 09/06/2017. 64 Disponível em: . Acessado em: 03/06/2017. 56
CRIME ORGANIZADO E ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA DA PMSC
o UNODC retrata a importância da Convenção de Palermo ao afirmar que representa um passo importante na luta contra o crime organizado transnacional e “significa o
reconhecimento por parte dos Estados-Membros da gravidade do problema, bem como a necessidade de promover e de reforçar a estreita cooperação internacional a fim de enfrentar 65
o crime organizado transnacional” (UNODC) .
A Convenção de Palermo surgiu como forma de padronização e criação de protocolos entre os países para o enfrentamento ao crime organizado, como nota-se abaixo: A Convenção é o ato normativo internacional, que prevê medidas e técnicas de investigação, visando à prevenção e o combate à criminalidade organizada, juntamente com outros três tratados internacionais aderidos pela ONU para, em conjunto com a Convenção, uniformizar o procedimento das autoridades responsáveis pela aplicação da lei, esses são chamados de Protocolos Adicionais. Na cidade de Palermo na Itália foram abertos para assinatura três instrumentos de forma conjunta com a Convenção sendo eles: Protocolo contra o Contrabando de Migrantes por Terra, Mar e Ar – Decreto 5.016/2004, Protocolo para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas especialmente Mulheres e Crianças – Decreto 5.017/2004, e em 2001 na cidade de Nova Iorque foi aberto para a assinatura o terceiro protocolo contra a Produção de Armas de Fogo, suas Partes e Componentes e Munição – Decreto 5.904166.
Com sua publicação, foram expostos conceitos como a cooperação jurídica internacional, técnicas especiais de investigação, ações conjuntas, entre outros. Em seu artigo 2, definiu-se o conceito para grupo criminoso:
"Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de , existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material. (grifo nosso)
Em seu artigo sexto, a criminalização da lavagem de dinheiro é debatida amplamente. É afirmado que cada Estado deverá adotar medidas legislativas ou outras que sejam necessárias para caracterizar como infração penal, quando praticada intencionalmente para a conversão ou transferência de bens, quando quem o faz tem conhecimento de que esses bens são produtos do crime, com o propósito de ocultar ou dissimular a origem ilícita dos
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Disponível em: <
https://www.unodc.org/lpo-brazil/pt/crime/marco-legal.html>. Acessado em: 16/06/2017. 66
Disponível em: http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/article/view/2850/2629. Acessado em: 20/06/2017. 57
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bens ou ajudar qualquer pessoa envolvida na prática da infração principal a furtar-se às consequências jurídicas dos seus atos. Ainda em seu artigo sexto, sobre a lavagem de dinheiro, é criminalizada a ocultação ou dissimulação da verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens ou direitos a eles relativos, sabendo o seu autor que os ditos bens são produtos do crime, bem como a aquisição, posse ou utilização de bens, sabendo aquele que os adquire, possui ou utiliza, no momento da recepção, que são produtos do crime. A Convenção de Palermo em seu artigo 10 trata da responsabilidade de pessoas jurídicas que participam de grupos criminosos. Assim, a responsabilidade das pessoas jurídicas poderá ser penal, civil ou administrativa, bem como não obstará à responsabilidade penal das pessoas físicas responsáveis que tenham cometido as infrações. Deste modo, tem-se que, a Convenção de Palermo surgiu como um protocolo de acordo global no combate à criminalidade organizada, criando mecanismos legais para a obstrução destas atividades ilegais em todos os países do mundo.
EVOLUÇÃO LEGISLATIVA BRASILEIRA NO COMBATE AO CRIME ORGANIZADO As normas legais no Brasil voltadas ao combate do crime organizado passaram por diversas fases, resultando na atual Lei 12.850/2013, que será debatida mais a frente nesta pesquisa. A primeira lei brasileira focada no enfrentamento ao crime organizado foi a Lei 9.034/1995, que tratava da “utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão 67
de ações praticadas por organizações criminosas” .
Revogada expressamente no artigo 26 da Lei 12.850/2013, a Lei 9.034/1995 não definiu o conceito formal de organização criminosa, porém, por outro lado, já eram abordados os conceitos de infiltração de agentes públicos, interceptações telefônicas, entre outros.
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Em 1997 é publicada a Lei 9.807 - “Lei de Proteção à Testemunha” - que estabeleceu normas para a organização e manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas, bem como proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial ou processo criminal 68. No ano de 1998, foi publicada a Lei nº 9.613 que ficou conhecida como “Lei de Lavagem de Dinheiro”, na qual buscou-se combater a ocultação de bens, direitos e valores
obtidos de forma ilegal 69. Já no ano de 2001, foi promulgada a Lei 10.217 que alterou artigos da Lei 9.034/1995 onde ficou exposto que “esta lei define e regula meios de prova e procedimentos
investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações de qualquer tipo” 70, contudo ainda o conceito de organização criminosa estava baseado no Código Penal Brasileiro através da tipificação do crime de associação criminosa 71. Neste ínterim, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a Recomendação nº 3/200672, onde recomendou a criação de varas criminais especializadas para processar e julgar delitos praticados por organizações criminosas. Segundo dados divulgados pelo CNJ até o ano de 2017, foram criadas 62 varas especializadas no processamento e julgamento desses delitos73. No ano de 2006, com a promulgação da Lei 11.343 (Lei de Drogas) 74, novamente surgiu um novo conflito na definição do que poderia ser tipificado como crime organizado,
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em: 19/06/2017. 70
Disponível em: . Acessado em: 14/06/2017. 71 Disponível em: . Acessado em:11/06/2017. 72 . Disponível em:< http://www.cnj.jus.br/busca-atosadm?documento=1223>. Acessado em: 14/06/2017. 73 Disponível em:< http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/84212-julgamento-de-crime-organizado-ja-segue-rito-proprio-na-maiorparte-do-pais>. Acessado em: 16/06/2017. 74 Disponível em: . Acessado em: 20/06/2017. 59
CRIME ORGANIZADO E ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA DA PMSC
uma vez que o artigo 35 desta lei trouxe a tipificação do crime de “associação para o tráfico de drogas”, conforme segue abaixo: Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei: Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa. Parágrafo único. Nas mesmas penas do caput deste artigo incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 desta Lei.
Ainda no tocante à evolução legislativa brasileira no enfrentamento ao crime organizado, cabe citar a promulgação da lei 12.694/2012 que, em linhas gerais, buscou conferir segurança para os atos praticados por magistrados em processos contra integrantes de organizações criminosas. Alguns pontos de destaque desta lei são: a possibilidade de julgamento colegiado em primeiro grau para os crimes praticados por organizações criminosas, possibilidade de confisco de bens ou valores, autorização de adoção de medidas de segurança para os prédios do Poder Judiciário, regularização à proteção pessoal ao magistrado, entre outros. Ponto importante da lei 12.694/2012 foi o fato de que, caso o juiz natural do processo entenda como cabível, será composto um órgão colegiado por três juízes para o julgamento da causa contra a organização criminosa onde “o colegiado será formado pelo juiz do processo e por dois outros juízes escolhidos por sorteio eletrônico dentre aqueles de competência criminal em exercício no primeiro gra u de jurisdição” (Lei 12.694/2012). Cabe destacar que a Lei 12.964/2012 instituiu no Brasil o órgão colegiado e não o 75
chamado “juiz sem rosto” para os julgamentos de processos envolvendo organizações
criminosas. Outra normativa legal no combate ao crime organizado no Brasil foi a promulgação da Lei 10.792/2003, que alterou o Código de Processo Penal e criou o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). Em seu artigo sexto, a nova lei dita que “o preso passa a ser analisado por
uma comissão técnica de classificação que elaborará o programa individualizador da pena privativa de liberdade adequada ao condenado ou ao preso provisório”.
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Se caracteriza por não revelar sua identidade civil. Juiz sem rosto é o juiz cujo nome não é divulgado, cujo rosto não é conhecido, cuja formação técnica é ignorada. Do juiz sem rosto nada se sabe, salvo que dizem que é juiz. GOMES, Luiz Flávio. Ministro Luiz Fux e o juiz sem rosto. 60
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Sobre o Regime Disciplinar Diferenciado e seu foco em integrantes de organizações criminosas, temos: Nesse regime o preso tem algumas restrições previstas na Lei n.o 10.792/2003, tendo a prática de fato prevista como crime doloso, constitui falta grave e, quando ocasione subversão da ordem ou disciplina interna, sujeita o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado. Este regime possui as seguintes características: duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada; recolhimento em cela individual, visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas; e o preso terá direito à saída da cela por 2 (duas) horas diárias para banho de sol. Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em Organizações Criminosas, quadrilha ou bando, assim previsto na Lei do Regime Disciplinar Diferenciado n.o 10.792/2003. (SILVA, 2014, p.22)
Assim, apesar da relativa evolução legislativa brasileira no decorrer dos anos, fazia-se necessária a criação de uma nova lei moderna que servisse de base para os encaminhamentos dados contra o crime organizado em solo brasileiro. Neste cenário, como veremos em seguida, a Lei 12.850/2013 despontou como grande marco legal no Brasil para o enfrentamento à criminalidade organizada.
A LEI 12.850/2013 NO ENFRENTAMENTO AO CRIME ORGANIZADO NO BRASIL Nesta dinâmica criminal, a publicação da Lei 12.850/2013 abarcou os conceitos globais trazidos na Convenção de Palermo, bem como os marcos legais já expostos nas leis anteriores publicadas no Brasil. Atualmente, é a principal lei utilizada no combate ao crime organizado em solo brasileiro. Com o advento da Lei 12.850/2013, o Brasil mostrou o esforço legal em punir os integrantes de organizações criminosas, tendo destaque para o estabelecimento formal do conceito de crime organizado em seu artigo 1º, § 1 o : Considera-se organização criminosa a associação de estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas
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sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. (grifo nosso)
Nota-se que, o conceito de organização criminosa trazido através da Lei 12.850/2013 não é o mesmo exposto na Convenção de Palermo – que tratou organização criminosa como grupo integrado por três ou mais pessoas. A definição do conceito de organização criminosa é de extrema importância para a composição do tipo penal, mas também para a expedição de medidas cautelares e para o uso das ferramentas de investigação cabíveis para o enfrentamento a esta à criminalidade organizada. É importante ressaltar, após a promulgação da Lei 12.850/2013, a diferença entre o crime organizado e possíveis delitos assemelhados, principalmente o crime de formação de bando ou quadrilha. Os bandos ou as quadrilhas são grupos criminosos que possuem um vínculo associativo estável, mas não são caracterizados por uma organização hierárquica com divisões claras de tarefas, são grupos mais simples e de execução operacional 76. Já os integrantes de uma organização criminosa possuem o atributo de se estruturarem de forma piramidal, isto é, existe uma divisão de tarefas dentro do grupo, no qual segue o alicerce empresarial. Conclui-se que há uma hierarquia entre os membros da organização, onde cada um está subordinado ao seu superior, até chegarmos ao mandante de todo o aparelho organizacional. Essa hierarquia permite um rígido controle nas divisões de funções (SILVA, 2014, p.14). Na Lei 12.850/2013 também foram definidas as penas aos integrantes de organização criminosa: o
Art. 2 Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa: Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas (Lei 12.850/2013).
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Jurisprudência nacional - RT 655/319: No crime de formação de quadrilha ou bando pouco importa que seus componentes não se conheçam reciprocamente, que haja um chefe ou líder, que todos atuem em cada ação delituosa ou que cada uma desempenhe uma tarefa específica. O que importa verdadeiramente é o propósito deliberado de participação ou contribuição, de forma estável e permanente, para o êxito das ações do grupo. 62
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Outras condutas diversas também foram tipificadas na nova lei, como o cidadão que procura embaraçar a atividade de investigação, o aumento de pena para integrante que faz uso de arma de fogo e agravante de pena aos líderes da organização criminosa: o
§ 1 Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa. § 2 o As penas aumentam-se até a metade se na atuação da organização criminosa houver emprego de arma de fogo. § 3o A pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução. (Lei 12.850/2013).
Ainda sobre os agravantes da pena, destacam-se: § 4o A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços): I - se há participação de criança ou adolescente; II - se há concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de infração penal; III - se o produto ou proveito da infração penal destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior; IV - se a organização criminosa mantém conexão com outras organizações criminosas independentes; V - se as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade da organização. (Lei 12.850/2013).
O legislador bem observou que historicamente as organizações criminosas se estabeleceram no serviço estatal e que, frequentemente, para o sucesso de suas empreitadas criminosas, faz-se necessário algum tipo de participação de agente público. Assim, a participação de funcionário público em organização criminosa também é foco do texto da Lei 12.850/2013: § 5 o Se houver indícios suficientes de que o funcionário público integra organização criminosa, poderá o juiz determinar seu afastamento cautelar do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à investigação ou instrução processual. § 6o A condenação com trânsito em julgado acarretará ao funcionário público a perda do cargo, função, emprego ou mandato eletivo e a interdição para o exercício de função ou cargo público pelo prazo de 8 o (oito) anos subsequentes ao cumprimento da pena. § 7 Se houver indícios de participação de policial nos crimes de que trata esta Lei, a Corregedoria de Polícia instaurará inquérito policial e comunicará ao Ministério Público, que designará membro para acompanhar o feito até a sua conclusão. (Lei 12.850/2013).
Neste viés, as organizações criminosas caracterizam-se pela prática de atividades ilícitas/clandestinas, tendo uma hierarquia organizacional com divisão de tarefas e expectativa de lucro, podendo ocorrer uma simbiose criminal com agentes estatais. 63
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Da investigação e dos meios de obtenção de prova – Lei 12.850/2013 Como ferramentas investigativas, a Lei 2.850/2013 trouxe em seu texto alguns conceitos que já faziam parte do ordenamento jurídico brasileiro, bem como novas possibilidades de ação aos órgãos policiais como meios de obtenção de prova: Art. 3o . I - colaboração premiada; II - captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos; III - ação controlada; IV - acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou comerciais; V interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da legislação específica; VI - afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da legislação específica; VII - infiltração, por policiais, em atividade de investigação, na forma do art. 11; VIII - cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais na busca de provas e informações de interesse da investigação ou da instrução criminal. (Lei 12.850/2013).
Colaboração Premiada O instituto da colaboração premiada ,previsto na Lei 12.850/2013 77, tem como objetivo possibilitar, às partes envolvidas no processo, acordos que busquem a identificação de toda a pirâmide criminal e seus agentes envolvidos no cometimento de crimes. Assim, Mauro Viveiros78 define colaboração premiada como: O acordo de colaboração premiada é um ato jurídico da maior relevância, por meio do qual um possível criminoso se dispõe a fornecer informações às autoridades encarregadas de investigar e promover a ação penal pública em crimes graves, em troca de benefícios pessoais de caráter penal.
Deste modo, o Estado pode oferecer benefícios ao integrante que confessar a prática de um crime, delatar a participação de outros integrantes ou auxiliar na recuperação de 77
Há atualmente, uma série de diplomas legais que cuidam, mesmo que de forma sutil, do instituto, como a Lei do Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) em seu art. 8º, parágrafo único; Lei do Crime Organizado (Lei 9.304/95) em seu art. 6º; o próprio Código Penal brasileiro quando trata do crime de Extorsão mediante sequestro (art. 159, § 4º); Lei de Lavagem de Capitais (Lei 9.613/98) em seu art. 1º e 5º; Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas (Lei 9.807/99) nos art. 40, na Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) no art. 32,§ 2º e a recente lei de combate ao Crime organizado (Lei 12850/13). 78 Disponível em: . Acessado em: 11/06/2017. 64
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pessoas (sequestro), bens e valores adquiridos ilegalmente pela organização criminosa. Destaca-se que, a colaboração premiada deve ser um ato voluntário e espontâneo do réu (investigado), porém deverá resultar em um ganho efetivo ao processo com a produção de resultados factíveis – a colaboração sem produção de resultado não poderá ser alvo de prêmio legal ao suposto colaborador. Em seu artigo 4o da Lei 12.850/2013, são trazidas as expectativas legais para a efetivação do acordo de colaboração premiada: Art. 4o O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados: I - a e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; II - a hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; IV - a total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; V - a de eventual vítima com a sua integridade física preservada. (Lei 12.850/2013, grifo nosso)
O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, sendo que após a realização deste, o respectivo termo, será remetido ao juiz para homologação, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença de seu defensor. O juiz poderá recusar homologação que não atender aos requisitos legais ou adequá-la ao caso concreto. Ainda de acordo com o estabelecido na colaboração premiada, o colaborador abrirá mão do direito ao silêncio e de não produzir prova contra si mesmo. Outro ponto é que nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador. A colaboração premiada permite ao colaborador usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica, como ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados, ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes e cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados. Por fim, cabe destacar que a colaboração premiada é diferente do acordo de
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leniência, uma vez que este segundo é realizado inicialmente no âmbito administrativo e tem como foco a ordem econômica e fiscal 79.
Ação controlada A ação controlada consiste no retardamento da intervenção policial relativa à ação praticada por organização criminosa, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações. O uso da ação controlada será previamente comunicado ao juiz competente que, se for o caso, estabelecerá os seus limites e comunicará ao Ministério Público. Destaca-se que a ação controlada não pode ser entendida como um mero flagrante postergado, uma vez que seu uso como instrumento investigativo é muito mais amplo na busca da identificação de toda a hierarquia criminosa. Não se trata apenas do flagrante ou de se retardar o flagrante. São hipóteses de não se prender em flagrante, não se cumprir mandado de prisão preventiva, não se cumprir mandado de prisão temporária, não se cumprir ordens de sequestro e apreensão de bens. A ação controlada é algo mais amplo do que o simples flagrante prorrogado. (GOMES e SILVA,2015, p. 379)
Ainda sobre a ação controlada, seu uso nos casos de crimes de tráfico de drogas também está previsto na Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas)80 sendo chamada de entrega vigiada. Por fim, também existe previsão legal do uso da ação controlada nos crimes de lavagem de dinheiro, onde “a ordem de prisão de pessoas ou as medidas assecuratórias de
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. Disponível em:< http://www.cade.gov.br/acesso-ainformacao/publicacoes-institucionais/documentos-da-antiga-lei/cartilha_leniencia.pdf>. Acessado em: 12/06/2017. 80 Assim como na ação controlada, a ação vigiada permite ao agente de segurança que ao perceber o cometimento do crime de tráfico de drogas, consiga acompanhar os criminosos sem que seja necessária sua atuação naquele momento através de prisões ou abordagens. A entrega vigiada dos crimes previstos da na Lei 11.343/06. Rafael Vicente. Disponível em: . Acessado em: 15/06/2017. 66
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bens, direitos ou valores poderão ser suspensas pelo juiz, ouvido o Ministério Público, quando 81
a sua execução imediata puder comprometer as investigações” .
Infiltração de agentes Outro instrumento investigativo exposto na Lei 12.850/2013 é a infiltração de agentes públicos em organização criminosa. Nestes termos, a infiltração poderá ser autorizada pelo prazo de até seis meses, sem prejuízo de eventuais renovações, desde que comprovada sua necessidade. O autor Marcelo Batlouni Mendroni, conceitua a infiltração de agentes: Consiste basicamente em permitir a um agente da Polícia ou de serviço de inteligência infiltrar-se no seio da Organização Criminosa, passando a integrá-la como se criminoso fosse, - na verdade como se um novo integrante fosse. Agindo assim, penetrando no organismo e participando das atividades diárias, das conversas, problemas e decisões, como também por vezes de situações concretas, ele passa a ter condições de melhor compreendê-la para melhor combatê-la através do repasse das informações às autoridades82.
Destaca-se que o agente que não guardar, em sua atuação, a devida proporcionalidade com a finalidade da investigação, responderá pelos excessos praticados. A lei também ressalta que não é punível, no âmbito da infiltração, a prática de crime pelo agente infiltrado no curso da investigação, quando inexigível conduta diversa. O uso da infiltração pode ser necessária, quando, para o êxito de uma investigação, seja indispensável a presença de um agente público dentro do grupo criminoso. Este agente público deverá se aproximar dos criminosos de modo dissimulado, sem que sua identidade real seja exposta em momento algum, tendo como missão principal obter informações que dificilmente seriam trazidas ao processo sem o uso da infiltração. Apesar de ser uma valiosa ferramenta de investigação, o uso da infiltração deve ser feito com cautela, uma vez que aquele agente público infiltrado deverá tomar todos os 81
Disponível em: . Acessado
em: 18/06/2017. 82 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Disponível em: . Acessado em: 14/06/2017. 67
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cuidados necessários para que sua identidade não seja descoberta em momento algum. Além de ser um trabalho meticuloso, o uso da infiltração (caso o agente seja descoberto) poderá colocá-lo em sério risco de vida, devendo, portando, como regra geral, ser utilizada somente após exauridas as demais ferramentas de investigação aos grupos criminosos.
Do acesso aos registros, dados cadastrais, documentos e informações Em seus artigos 15, 16 e 17 a Lei 12.850/2013 dispõe sobre o acesso aos registros, dados cadastrais, documentos e informações de pessoas investigadas. Assim, o agente público responsável pela investigação terá acesso, independentemente de autorização judicial, aos dados cadastrais do investigado que informem a qualificação pessoal, a filiação e o endereço mantidos pela Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito. Importante ressaltar que as empresas mencionadas na lei têm o dever legal de prestar as informações, constituindo ilícito penal o desatendimento da requisição de informações (reclusão de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e multa – artigo 21 da Lei 12.850/2013). Durante o acompanhamento das atividades das organizações criminosas, comumente, os atos preparatórios para o crime são combinados através do uso de telefones. Assim, a no tocante à disponibilização de informações sobre operadoras de telefonia, além do exposto na lei 12.850/2013, deve-se observar o que dispõe a lei 9.296/1996 (Lei de Interceptação Telefônica)83.
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Disponível em: .
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Neste capítulo, serão abordados temas inerentes à atividade de inteligência realizada pela Polícia Militar de Santa Catarina no combate ao crime organizado no estado catarinense, bem como o entendimento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina frente aos processos originados em prisões realizadas pela PMSC.
JURISPRUDÊNCIA Dos julgados analisados, nota-se que a atividade de inteligência da Polícia Militar de Santa Catarina no combate ao crime organizado está em consonância com o entendimento do Tribunal de Justiça/SC. Foram analisados processos em primeiro grau de diversas comarcas do estado de Santa Catarina, bem como os processos já em grau de recurso do TJSC – todos com origem em prisões realizadas pela Polícia Militar de Santa Catarina de integrantes de organizações criminosas. Ainda no caminho da Lei 12.850/2013 e suas ferramentas investigativas para o eficaz enfrentamento ao crime organizado, o autor analisou a corrente jurisprudencial do TJSC no tocante à concessão de medidas cautelares solicitadas pela Polícia Militar de Santa Catarina para o combate à criminalidade organizada. Para uma melhor exposição dos assuntos abordados, as jurisprudências foram divididas do seguinte modo: crime organizado (tráfico de drogas e facções criminosas) e medidas cautelares (prisão preventiva, busca e apreensão, interceptação telefônica). Mesmo já sendo pacífico e unânime as decisões nos tribunais catarinenses, importante fortalecer a legalidade destas ações da Polícia Militar de Santa Catarina na repressão ao crime organizado. Deste modo, destacamos a Ação Penal n. 002474459.2014.8.24.0023 - Unidade de Apuração de Crimes Praticados por Organizações Criminosas do Tribunal de Justiça de Santa Catarina – 2014.
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A referida ação foi iniciada a partir de relatório da PMSC que apontava para a existência de organização criminosa presente em comunidade da cidade de Florianópolis. Desta feita, o citado relatório foi encaminhado ao Ministério Público de Santa Catarina, sendo solicitadas 16 (dezesseis) prisões preventivas ao Poder Judiciário, abaixo segue relato do membro do Ministério Público da fundamentação de seu pedido de prisão preventiva: A organização criminosa do Comando do Morro do Horácio (conforme fotografias acostada no relatório policial que fazem referência a sigla CMH) mantém a associação de mais de quatro pessoas, estruturalmente ordenada, com divisão de tarefas e com o objetivo de obtenção direta e indireta, de vantagem pecuniária, mediante a prática de tráfico de drogas, roubos e furtos, cujas penas máximas são superiores a 4 (quatro) anos. [...] Percebe-se, ainda, que o Comando do Morro do Horácio, CMH mantém conexão com o Primeiro Grupo da Capital, PGC. [...]
(Ação Penal n. 0024744-59.2014.8.24.0023 - Unidade de Apuração de Crimes Praticados por Organizações Criminosas – TJSC – 23º Promotoria de Justiça, grifo nosso)
Neste cenário, as prisões preventivas foram expedidas pelo Poder Judiciário e devidamente cumpridas pela Polícia Militar. Após encerramento da instrução processual, restaram os dezesseis réus condenados (organização criminosa, tráfico de drogas e associação para o tráfico) com penas somadas a mais de 162 anos de prisão: Para melhor compreensão do processo, e que culminou no oferecimento da denúncia contra os ora acusados.[...] Constatou-se que na região monitorada havia se formado um grupo criminoso intitulado "CMH", que segundo a polícia significa "Comando do Morro do Horácio", o qual teria ligações com o Primeiro Grupo Catarinense (PGC). Além do tráfico de drogas (atividade principal), referido grupo seria o responsável por diversos crimes patrimoniais, principalmente roubos em bairros da região central de Florianópolis. Inclusive haviam formado o "Bonde do 157", "espalhandomedoeviolência" pela cidade, segundo consta no relatório. [...] Igualmente, a preliminar de na decisão de pp. 1053/1065. Em reforço, destaco que a interpretação do art. 144, §§ 4º e 5º da Constituição Federal não tem, no entender deste Juízo, o caráter restritivo que lhe quer emprestar as defesas.[...] Assim, não vejo motivo para deslegitimar a atuação da Polícia Militar no caso vertente, razão por que mantenho a decisão pela qual restou afastada esta preliminar, considerando válida a prova produzida e as provas daí advindas. Incidem na espécie, também, as causas de aumento descritas na denúncia. A prova produzida dá conta de que a organização tinha a participação de adolescentes (já reconhecida no delito de associação para o tráfico de drogas e nos roubos praticados na região central de Florianópolis), bem como ligação com outra organização criminosa, no caso o Primeiro Grupo Catarinense (PGC). (Juiz de Direito Marcelo Volpato de Souza –
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CRIME ORGANIZADO E ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA DA PMSC
Unidade de Apuração de Crimes Praticados por Organizações Criminosas – TJSC, grifo nosso)
Na sequência, temos outras jurisprudências dos tribunais catarinenses sobre as ações da Polícia Militar de Santa Catarina no enfrentamento à criminalidade organizada:
Ressalta-se que , de modo a constituir afronta à Constituição Federal pela alegada usurpação da competência da Polícia Judiciária.[...] Como visto, a incumbência da polícia judiciária e da apuração de infrações penais à Polícia Civil não retira da Polícia Militar o exercício da investigação, visando materializar elementos relacionados ao fato criminoso e a sua autoria. Aliás, constitui prerrogativa constitucional da Polícia Militar a preservação da ordem pública, de modo que , ou até mesmo para ensejar a prisão preventiva daquele que, em tese, afronta a sociedade com sua conduta delitiva. A segurança pública como direito fundamental, nos termos do art. 5º, caput , da CF/88, não deve comportar a interpretação restritiva a ponto de retirar da Polícia Militar os meios de garantia da segurança coletiva, compreendida como um dos deveres do Estado. (Habeas Corpus (criminal) n. 4012049-06.2016.8.24.0000, da Capital - Relator: Des. Carlos Alberto Civinski, grifo nosso)
Trata-se de requerimento de Interceptação Telefônica formulado pelo Ministério Público a fim de instruir procedimento investigatório instaurado para a apuração da prática de eventuais crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e associação para o tráfico. [...] No caso em apreço, A necessidade de se dar uma proteção social ampla, associada às informações contidas no pedido de encaminhamento – que reputo, para efeitos de investigação criminal, indício razoável da existência dos crimes aqui narrados - são motivos suficientes para que se determine a quebra do sigilo dos ramais telefônicos dos terminais no requerimento. (Juiz de Direito Rafael Bruning – Processo Crime 00154666320168240023 - Unidade de Apuração de Crimes Praticados por Organizações Criminosas – TJSC, grifo nosso)
Não fossem tais razões o bastante para rechaçar a pretensão sob exame, vale registrar que, dado que ao oferecimento da denúncia, podendo o dominus litis valer-se de elementos informativos de outros instrumentos de investigação preliminar, inclusive da própria delatio criminis simples e a inqualificada ou, eventualmente, da delatio criminis postulatória, quaisquer nulidades observadas no curso das investigações preliminares não possuem o condão de macular a ação penal dele decorrente. (Habeas Corpus (criminal) n. 4012049-06.2016.8.24.0000, da Capital - Relator: Des. Carlos Alberto Civinski, grifo nosso)
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CRIME ORGANIZADO E ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA DA PMSC
Por essas razões, não há como dar guarida à pretensão da impetrante, uma vez que o Ministério Público, titular da ação penal pública, ofereceu denúncia em desfavor do paciente pela prática do crime previsto no art. 2º da Lei 12.850/2013, , a qual, por sua vez, aparelhou parte dos trabalhos investigativos mediante o compartilhamento de provas produzidas pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO). (Habeas Corpus (criminal) n. 401204906.2016.8.24.0000, da Capital Relator: Des. Carlos Alberto Civinski, grifo nosso)
Antes de tratar do mérito, pende a análise da preliminar arguida, qual seja, ilegalidade das gravações das atividades tidas como criminosas, realizadas feitas pela polícia militar. De pronto anoto que , eis que não há óbice legal a respeito e a jurisprudência é unânime quanto a possibilidade, nestes casos, de ambas as polícias fazerem investigação. (Juiz de Direito Francisco Delpizzo Miranda – Comarca da Capital - Processo Crime: 0068605-66.2012.8.24.0023 – Réu Condenado: seis anos de reclusão, grifo nosso)
Um dos argumentos defensivos é de que à polícia militar é atribuído o patrulhamento ostensivo e que ao proceder investigação estaria usurpando as funções da polícia judiciária, entretanto, esta tese não encontra respaldo na legislação vigente e . (Juiz de Direito Francisco Delpizzo Miranda – Comarca da Capital - Processo Crime: 023.11.055786-0, grifo nosso).
A prefacial arguida pela defesa técnica dos acusados, de que a filmagem realizada pela autoridade policial é prova ilícita e, por isso, deve ser desconsiderada, não merece ser acolhida. Dito isto, no caso concreto verifico que a suposta prova ilícita seria o CD acostado à fl. 96, o qual contém imagens em que aparece o local e as imediações de onde seria praticado o comércio de drogas. Por outro lado, . (Juiz de Direito Marcelo Carlin – Comarca da Capital - Processo Crime: 023.12.006682-6 – Réu Condenado: seis anos e dez meses de reclusão, grifo nosso)
Pacífica também é a e vergastadas pela defesa sob a alegação de que elas são desprovidas de autorização do juízo, pois não há exigência legal de chancela judicial para a sua realização. (Juiz de Direito Francisco Delpizzo Miranda – Comarca da Capital - Processo Crime: 0068605-66.2012.8.24.0023 – Réu Condenado: seis anos de reclusão, grifo nosso)
O que se tem é o exercício de uma atividade altamente organizada, com emprego de logística suficiente para identificação, inclusive, dos pontos de partida das investigações por (presença de "olheiros" com binóculos – fl. 108), situação esta que a sociedade não suporta mais, exigindo uma atitude efetivamente concreta para que se possa desmantelar tais organizações reconhecidamente criminosas. (Juiz de Direito Francisco Delpizzo Miranda – Comarca da Capital Processo Crime: 0068605-66.2012.8.24.0023 – Réu Condenado: seis anos de reclusão, grifo nosso) 72
CRIME ORGANIZADO E ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA DA PMSC
Antes de tratar do mérito, pende a análise da preliminar arguida, qual seja, ilegalidade da investigação e das gravações das atividades tidas como criminosas, realizadas pela polícia militar. De pronto anoto que , eis que não há óbice legal a respeito e a jurisprudência é unânime quanto a possibilidade, nestes casos, de ambas as polícias fazerem investigação.[...] Pacífica também é a licitude das filmagens produzidas pela polícia militar, pois não há exigência legal de chancela judicial para a sua realização. Além disso, a captação das imagens, por serem realizadas em local aberto e não atingirem quaisquer direitos de personalidade do acusado e das demais aparições, não representam qualquer ilegalidade. (Juiz de Direito Francisco Delpizzo Miranda – Comarca da Capital - Processo Crime: 000404229.2013.8.24.0023- Réu condenado: seis anos de reclusão, grifo nosso)
A defesa sustenta nulidade da prova por ter a Polícia Militar usurpado as atribuições constitucionais conferidas à Polícia Civil. Sem razão. No caso concreto, a defesa se insurge contra o fato de policiais militares terem realizado campana nas proximidades da residência do acusado, o que deveria ter sido atividade executada por policiais civis. Não se nega que as atribuições de cada uma daquelas instituições estejam bem definidas no texto constitucional, especialmente no art. 144, §§ 4º e 5º, da Constituição da República. Contudo, embora o legislador constituinte tenha atribuído à Polícia Militar a função ostensiva e à Polícia Civil as funções judiciária e repressiva, tal circunstância não impede, sobretudo porque o próprio texto legal não faz ressalva acerca de eventual exclusividade, a atuação integrada de tais instituições (TJSC, Apelação Criminal (Réu Preso) n. 2014.006131-7, de Itajaí, rel. Des. Roberto Lucas Pacheco, j. 05/06/2014). Além disso, o serviço de campana – técnica ordinariamente aplicada pelos agentes de segurança – não pode ser taxado como decorrente exclusivamente de atividade de policiamento judiciário. O monitoramento clandestino inloco – como é o caso da campana – é prática que também envolve o policiamento ostensivo, uma vez que os agentes policiais, em muitos dos casos, não podem prontamente intervir na ação criminosa, devendo esperar a melhor oportunidade para se agir. Na hipótese, foi isso que ocorreu. Os policiais militares receberam denúncias de que havia tráfico de drogas na residência do acusado, de modo que realizaram o monitoramento do local e, diante da confirmação do ilícito, efetuaram a prisão. Não houve, portanto, usurpação de atribuições, tampouco violação às regras constitucionais, até mesmo porque, como visto, a realização de campanas não pode ser tida como atividade exclusiva da Polícia Civil. (Apelação n. 0001698-59.2015.8.24.0038 - Relator: Desembargador Leopoldo Augusto Bruggemann)
Do mesmo modo, da prova obtida através de filmagens realizadas por policiais militares na via pública. Ora, a filmagem nessa circunstância, durante uma operação corriqueira de policiamento ostensivo, dispensa autorização judicial e oitiva do Ministério Público, não causando qualquer mácula à intimidade, vida privada ou imagem do acusado. (Apelação Criminal (Réu Preso) n. 2010.013239-1, Des. Rui Fortes, grifo nosso)
Como visto, a atividade de inteligência da Polícia Militar de Santa Catarina está em perfeita conexão ao regulado e julgado nos tribunais catarinenses, como bem ressaltado na 73
CRIME ORGANIZADO E ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA DA PMSC
ação 023.11.055786-0 da Comarca da Capital, onde o magistrado destacou “não há que se falar em usurpação das funções da polícia judiciária pelos policiais militares, eis que não há óbice legal a respeito e a jurisprudência é unânime quanto a possibilidade, nestes casos, de ambas as polícias fazerem investigação”.
Assim, iniciaremos com o entendimento do TJSC no tocante à atividade de inteligência da Polícia Militar de Santa Catarina na repressão ao crime organizado, tráfico de drogas e facções criminosas.
HABEAS CORPUS.
(ART. 2º DA LEI 12.850/2013. REQUERIDO O TRANCAMENTO. ALEGAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DA POLÍCIA MILITAR PARA A INVESTIGAÇÃO QUE SERVIU DE BASE PARA A DENÚNCIA. NÃO ACOLHIMENTO. (BATALHÃO DE OPERAÇÕES POLICIAIS ESPECIAIS) ALIADA AO COMPARTILHAMENTO DE PROVAS PRODUZIDAS PELO GRUPO DE ATUAÇÃO ESPECIAL DE COMBATE AO CRIME ORGANIZADO (GAECO). AUTORIDADE POLICIAL QUE DETÉM A PRERROGATIVA DE PRESERVAR A ORDEM PÚBLICA. OBSERVÂNCIA DO ART. 144, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. TRABALHO INVESTIGATIVO QUE NÃO COMPETE EXCLUSIVAMENTE À POLÍCIA CIVIL. AÇÃO PENAL DEFLAGRADA COM BASE EM ELEMENTOS, EM PRINCÍPIO, VÁLIDOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. PREQUESTIONAMENTO. DESNECESSIDADE. MATÉRIA SUFICIENTEMENTE ENFRENTADA. - "A Constituição da República diferencia as funções de polícia judiciária e de polícia investigativa, sendo que apenas a primeira foi conferida com exclusividade à polícia federal e à polícia civil, evidenciando a legalidade de investigações realizadas pela polícia militar e da busca e apreensão por aquela corporação realizada, mediante ordem judicial" (STJ, HC 339.572/SC, Sexta Turma, Relª. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 02/02/2016, v. u.). - Parecer da PGJ pelo conhecimento da ação e pela denegação da ordem. - Ordem denegada. (Habeas Corpus (criminal) n. 4012049-06.2016.8.24.0000, da Capital Relator: Des. Carlos Alberto Civinski, grifo nosso)
Compulsando os autos, constata-se que a preliminar invocada não merece prosperar, haja vista que as provas restaram colhidas em plena conformidade com o regramento especial da lei que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD (Lei 11.343/06), conhecida como Lei de Drogas, não se tratando da hipótese de flagrante preparado, e sim, , que recebe denúncias anônimas e deve verificar a respeito de sua veracidade, como no caso dos autos, em que ocorreu a apreensão dos entorpecentes, consoante informado aos policiais, que lograram evitar que a acusada embarcasse rumo a Fortaleza, destino das drogas. Muito pelo contrário, a ação dos milicianos, conforme extraído dos depoimentos das testemunhas inquiridas na instrução, em especial dos Policiais Militares, desenvolveu-se a partir de informações provenientes de que repassaram os dados da acusada, por meio do serviço de inteligência, aos milicianos que efetuaram a sua prisão em flagrante. (Juíza de Direito Denise Helena Schild de 74
CRIME ORGANIZADO E ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA DA PMSC
Oliveira – Comarca da Capital - Processo Crime: 0019409-88.2016.8.24.0023 – Réu condenado: sete anos de reclusão, grifo nosso) Ainda em sede preliminar, os acusados pleitearam o reconhecimento da nulidade dos elementos informativos produzidos pela Polícia Militar no Auto de Prisão em Flagrante, ao argumento de que a condução investigativa é de competência exclusiva da Polícia Judiciária. Contudo, também não prospera tal argumento, uma vez que
(ver Apelação Criminal n. 2015.035392-1, Itajaí, rel. Des. Roberto Lucas Pacheco, j. 10-12-2015 e Apelação Criminal n. 2012.074437-4, Capital, rel. Des. Paulo Roberto Sartorato, j. em 30.7.2013). (Juíza de Direito Tânia Regina Vieira Luiz – Processo Crime: 000866020.2015.8.24.0064 - Comarca de São José, grifo nosso).
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO (ARTIGOS 33, CAPUT , E 35, AMBOS DA LEI N. 11.343/06). REJEIÇÃO DA DENÚNCIA POR NULIDADE DA INVESTIGAÇÃO POLICIAL E POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA O EXERCÍCIO DA AÇÃO PENAL (ART. 395, III, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL). IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL. NULIDADE INEXISTENTE. . TEXTO CONSTITUCIONAL QUE NÃO ESTABELECE QUALQUER EXCLUSIVIDADE NO QUE TANGE À POLÍCIA CIVIL. PROTEÇÃO, APRIORI , À SEGURANÇA PÚBLICA. JUSTA CAUSA PARA O EXERCÍCIO DA AÇÃO PENAL CONFIGURADA. EXISTÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS INDICIÁRIAS A DAR SUPORTE À ACUSAÇÃO. PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA QUE SE IMPÕE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Mostra-se válida a investigação realizada pelo serviço de inteligência da polícia militar, esta que tem por função precípua zelar pela segurança pública. Ademais, "[...] a circunstânciade incumbir precipuamente à polícia civil a atividadeinvestigativanãosignificaquemilicianosestejamimpedidosdeagiraose defrontaremcomsituaçãoquesugereapráticadedelito.Afinal,cabe-lhes,porforça do comando imperativo de norma constitucional, velar pela ordem pública, combatendo e prevenindo o cometimento de crimes ". (TJSC - Habeas Corpus n.
2012.042790-4, de Rio do Sul, Rela. Desa. Marli Mosimann Vargas, j. em 23/07/2012). (Recurso Criminal n. 2013.038279-9, da Capital Relator: Des. Paulo Roberto Sartorato, grifo nosso)
Certo é, a propósito, que o art. 144, § 5°, da Carta Magna dispõe que "às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública", de modo que, por encontrar-se mais próxima dos cidadãos, esta passa a ser a responsável por receber denúncias informais de moradores da comunidade, denúncias que motivam o monitoramento e as rondas rotineiras nos chamados "pontos de venda de drogas", atribuição que, repita-se, é da polícia militar. É de se salientar, nesse particular, que "[...] a circunstância de incumbir precipuamente à polícia civil a atividade investigativa não significa que milicianos estejam impedidos de agir ao se defrontarem com situação que sugere a prática de delito. Afinal, cabelhes, por força do comando imperativo de norma constitucional, velar pela ordem pública, combatendo e prevenindo o cometimento de crimes". (TJSC - Habeas Corpus n. 2012.042790-4, de Rio do Sul, Rela. Desa. Marli Mosimann Vargas, j. em 23/07/2012). Portanto, a despeito do alegado no decisum recorrido, 75
CRIME ORGANIZADO E ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA DA PMSC
mormente porque a função precípua dos milicianos é a de zelar pela segurança pública, inexistindo, assim, qualquer nulidade na realização das diligências realizadas com o fim de angariar elementos para amparar posteriores imputações delitivas. , pois, além de os elementos colhidos serem suficientes a comprovar a justa causa para a deflagração da ação penal, o Código de Processo Penal não exige que o Ministério Público se valha dele para oferecer a denúncia, uma vez que este pode utilizar das provas que estiverem ao seu dispor para se convencer da existência da autoria e da materialidade dos delitos - conforme ocorrera na hipótese em tela. Desta feita, vê-se que a a amparar a exordial, de modo que não pode ser considerada como anômala e, consequentemente, nula. O monitoramento realizado pelos policiais, a abordagem dos usuários e a confirmação que estes adquiriram os estupefacientes de alguns dos denunciados, a apreensão das drogas, as fotografias em anexo aos autos, também são indícios aptos a demonstrar que os denunciados supostamente possuíam um esquema organizado do comércio ilícito de entorpecentes no Morro do Horácio. (Recurso Criminal n. 2013.038279-9, da Capital Relator: Des. Paulo Roberto Sartorato, grifo nosso) Antes de tratar do mérito das imputações e mesmo que não apresentadas como prefaciais, analiso as teses levantadas pelas defesas de nulidade da investigação e de ilegalidade das gravações das atividades criminosas dos acusados, ambas feitas pela polícia militar. Um dos argumentos defensivos é de que à polícia militar é atribuído o patrulhamento ostensivo e que ao proceder investigação estaria usurpando as funções da polícia judiciária, entretanto, esta tese não encontra respaldo na legislação vigente e . Pacífica também é a licitude das filmagens produzidas pela polícia militar e vergastadas pelas defesas sob a alegação de que elas são desprovidas de autorização judicial, pois não há exigência legal de chancela judicial para as sua realização. Além disso, a captação das imagens, por serem realizadas em local aberto e não atingirem qualquer direito de personalidade dos acusados, não apresentam qualquer ilegalidade. (Juiz de Direito Francisco Delpizzo Miranda – Comarca da Capital – Processo Crime: 023.11.055786-0, grifo nosso)
No caso em tela, verifica-se que há indícios fortíssimos que sustentam as acusações feitas contra os acusados/recorridos, refletidos especialmente nas campanas promovidas pelo batalhão de inteligência da polícia militar, nas denúncias anônimas da comunidade e nos termos circunstanciados, os quais contêm boletins de ocorrência, laudos periciais de identificação de substâncias entorpecentes, relatos dos usuários presos em posse de estupefacientes, termos de apreensão e termo de reconhecimento de pessoa. Nesse contexto, seria o denunciado Rodrigo de Oliveira, vulgo "Rodrigo da Pedra", conhecido pela reiterada prática de tráfico de entorpecentes, além de integrante da facção criminosa que assombra os cárceres do nosso Estado denominada "PGC - Primeiro Grupo Catarinense", o responsável pela gerência da organização criminosa.
À vista de tais razões, a fim de evitar a reiteração criminosa e eventual fuga dos acusados, bem como para salvaguardar a ordem social e de 76
CRIME ORGANIZADO E ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA DA PMSC
garantir a ordem pública, assim como a credibilidade da Justiça, além da conveniência da instrução criminal e a aplicação da lei penal, mostra-se imperiosa a decretação da prisão preventiva, porquanto plenamente preenchidas as exigências legais da referida medida, tornando-se, no caso, necessária. (Recurso Criminal n. 2013.012078-0, da Capital Relator: Des. Paulo Roberto Sartorato, grifo nosso)
APELAÇÕES CRIMINAIS. PRELIMINAR DE NULIDADE DA INVESTIGAÇÃO PROMOVIDA PELA POLÍCIA MILITAR, AO ARGUMENTO DE QUE ESTA TERIA USURPADO COMPETÊNCIA DA POLÍCIA CIVIL. SEGURANÇA PÚBLICA QUE É O BEM MAIOR A SER TUTELADO, ALÉM DE QUE POSSÍVEIS NULIDADES DA INVESTIGAÇÃO NÃO TEM O CONDÃO DE MACULAR A FASE JUDICIAL, PORQUANTO O INQUÉRITO É PEÇA MERAMENTE INFORMATIVA. EIVA AFASTADA. (Apelação Criminal (Réu Preso) n. 2009.012833-6, de Itajaí Relator: Des. Alexandre d'Ivanenko, grifo nosso) HABEASCORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO TEMPORÁRIA.
REVOGAÇÃO DA MEDIDA PARA DOIS DOS PACIENTES. PERDA SUPERVENIENTE DO OBJETO. WRIT PREJUDICADO. INCONSTITUCIONALIDADE DA PRISÃO TEMPORÁRIA E AUSÊNCIA DE PROVAS PARA MOTIVAR A SEGREGAÇÃO CAUTELAR. CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS DA LEI N. 7.960/1989. NECESSIDADE DA MEDIDA PARA VIABILIZAR A COLETA DE PROVAS. TESE DE NULIDADE DA INVESTIGAÇÃO REALIZADA PELA POLÍCIA MILITAR. INVESTIGAÇÃO CONDUZIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. POLÍCIA MILITAR INTEGRANTE DO GRUPO DE ATUAÇÃO ESPECIAL DE COMBATE AO CRIME ORGANIZADO. NULIDADE INEXISTENTE. ORDEM DENEGADA. Habeas Corpus n. 2015.028208-6, de Santo Amaro da Imperatriz Relator: Des. Substituto José Everaldo Silva, grifo nosso)
Na sequência, seguem decisões do Tribunal de Justiça de Santa Catarina no tocante às medidas cautelares (prisão preventiva, busca e apreensão, interceptação telefônica) de ações originadas através da PMSC:
. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA SUA FINALIDADE; POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO E DE MUNIÇÃO DE USO RESTRITO; E DE DESOBEDIÊNCIA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA DA ACUSAÇÃO. RECURSOS DE TODOS OS ACUSADOS E DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 1. PRELIMINARES. 1.1. NULIDADE DA INVESTIGAÇÃO PROMOVIDA POR INTEGRANTES DA POLÍCIA MILITAR. AFRONTA AO DISPOSTO NO ART. 144, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INOCORRÊNCIA. 1.2. NULIDADE DO MONITORAMENTO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES QUE O AUTORIZOU. MEDIDA QUE ATENTOU À EXCEPCIONALIDADE DO ART. 5º, INC. XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ÀS EXIGÊNCIAS DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL ESPECÍFICA (LEI 9.296/96). NULIDADE POR DERIVAÇÃO. TEORIA DA ÁRVORE DOS FRUTOS ENVENENADOS. EIVA RECHAÇADA. 1.3. VÍCIOS NA DEGRAVAÇÃO DOS DIÁLOGOS MONITORADOS. MÁCULA INEXISTENTE. DIPLOMA NORMATIVO, ADEMAIS, QUE NÃO EXIGE A DEGRAVAÇÃO POR PERITO OFICIAL NEM OBRIGA A REDUÇÃO A TERMO DE TODO O CONTEÚDO DAS CONVERSAS INTERCEPTADAS. 1.1. “A interpretação do artigo 6.º da Lei n.º 9.296/96 não pode ser
demasiadamente estrita, sob pena de degenerar em ineficácia, entendendo-se, 77
CRIME ORGANIZADO E ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA DA PMSC
assim, que a condução dos trabalhos de interceptação telefônica por órgão da Polícia Militar - Agência de Inteligência - não implica ilegitimidade na execução da medida constritiva”. “Não obstante a estruturação das polícias com a atribuição de
especialidades para cada órgão, nos termos do artigo 144 da Constituição Federal, a segurança pública é dever do Estado e responsabilidade de todos, exercida para a preservação da ordem pública, escopo comum a todos os entes policiais" (STJ, HC 328.915, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, j. 20.8.15). "Dos citados preceitos legais não se tem como extrair que a autoridade policial dos quadros da Polícia Civil é a única autorizada a proceder às interceptações telefônicas, até mesmo porque o legislador não teria como antever, diante das diferentes realidades encontradas nas unidades da Federação, quais órgãos ou unidades administrativas teriam a estrutura necessária, ou mesmo as maiores e melhores condições para proceder à medida" (STJ, RHC 28281, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 1.3.13). (Apelação Criminal (Réu Preso) n. 2015.017385-9, de Rio do Sul Relator: Des. Sérgio Rizelo, grifo nosso)
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, DA LEI N. 11.343/06). INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. SUPOSTA NULIDADE DA INVESTIGAÇÃO, HAJA VISTA SER REALIZADA PELA POLÍCIA MILITAR. ATO REQUERIDO E DEFERIDO POR AUTORIDADE JUDICIAL COMPETENTE, APÓS REGULAR OITIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO VERIFICADO. ORDEM DENEGADA. "[...] 1. , se a investigação é fundamentada em ordem judicial emanada de Juiz competente, inclusive a pedido do Ministério Público. [...]" (TJSC, Habeas Corpus n.º 2012.073751-3, Rel. Des. Paulo Roberto Sartorato, grifo nosso)
. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA A SAÚDE PÚBLICA. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO (ARTS. 33 E 35 DA LEI N. 11.343/2006). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSOS DEFENSIVOS. PRELIMINARES. PRETENDIDA DECRETAÇÃO DA NULIDADE DO PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO PORQUE REALIZADO PELA POLÍCIA MILITAR. NÃO ACOLHIMENTO. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA QUE CONFERE À POLÍCIA CIVIL A TAREFA DE INVESTIGAÇÃO, SEM CONTUDO, RESERVAR-LHE EXCLUSIVIDADE. FIM CONSTITUCIONAL DE QUE AS FORÇAS DO PODER PÚBLICO ESTEJAM UNIDAS EM FAVOR DA SEGURANÇA PÚBLICA. MEDIDA DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA, ADEMAIS, DEFERIDA POR AUTORIDADE JUDICIAL COMPETENTE, PRECEDIDO DE PLEITO MINISTERIAL. TESE AFASTADA. (Apelação Criminal (Réu Preso) n. 2015.049198-4, de Rio do Sul Relator: Des. Leopoldo Augusto Bruggemann, grifo nosso)
. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO. ENVOLVIMENTO DE MENOR. LEI N. 11.343/06, ARTS. 33, CAPUT , E 35, CAPUT , C/C ART. 40, VI. QUADRILHA. CÓDIGO PENAL, ART. 288, CAPUT . CONDENAÇÃO. RECURSOS DEFENSIVOS. PRELIMINAR. NULIDADE DO PROCESSO. INVESTIGAÇÃO. POLÍCIA MILITAR. VALIDADE. Não há falar em irregularidade ou ilegalidade da prisão em flagrante ou das interceptações telefônicas unicamente pelo fato de terem sido realizadas pela polícia militar. [...]O caso em análise enquadra-se na hipótese em comento. As investigações das condutas delituosas imputadas aos apelantes e aos demais denunciados tiveram início com o encaminhamento ao Ministério Público, pelo comandante do Batalhão de Policiamento de Choque da Polícia Militar, de relatório das atividades realizadas 78
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pela agência de inteligência daquela unidade policial. Delas constava o resultado de interceptação telefônica judicialmente autorizada. (Apelação Criminal (Réu Preso) n. 2012.070948-0, de Biguaçu Relator: Des. Roberto Lucas Pacheco, grifo nosso)
. Portanto, a análise dos atos investigativos que desencadearam na quebra do sigilo telefônico do paciente permite a compreensão de que o pedido fora formulado pelo Ministério Público, que encampou o ofício remetido pela Polícia Militar, revelando-se como a autoridade competente diante do teor do art. 3º, inc. II, da Lei nº 9.296/1996. Assim sendo, também não houve ofensa ao art. 4º do Decreto Estadual nº 660/2007. O pedido não seria nulo se formulado pela Polícia Militar, a qual, segundo precedente desta Corte, pode realizar atos de investigação criminal.[...] Como o próprio impetrante declina em seu arrazoado, a questão atinente à viabilidade de a Polícia Militar realizar interceptações constitui tema por vezes polêmico, sendo válido o posicionamento prevalente da Corte segundo o qual "não há ilegalidade na realização de interceptação telefônica pela Polícia Militar, se a investigação é fundamentada em ordem judicial emanada de juiz competente" (Apelação Criminal n. 2011.096502-3, de Rio do Sul, rel. Des. Roberto Lucas Pacheco, j. 03/05/2012) (Habeas Corpus n. 2013.039592-3, de Rio do Sul Relator: Des. Rodrigo Collaço, grifo nosso)
. PRELIMINARES DE NULIDADE. ESCUTA TELEFÔNICA EFETUADA PELA POLÍCIA MILITAR, MEDIANTE DEFERIMENTO JUDICIAL. AUSÊNCIA DE ÓBICE LEGAL. ATIVIDADE QUE SE INSERE NO "MUNUS" DE ZELAR PELA ORDEM E SEGURANÇA PÚBLICAS. COMPETÊNCIA, ADEMAIS, QUE NÃO É VEDADA PELA LEI N. 9.296/96, CUJO RITO FOI OBSERVADO. ALEGADO CUMPRIMENTO DO MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO FORA DO PRAZO ESTIPULADO. IMPROCEDÊNCIA. ORDEM COMPROVADAMENTE CUMPRIDA NO DIA SEGUINTE À EXPEDIÇÃO. AUTORIZAÇÃO QUE, ALIÁS, NÃO É EXIGIDA DIANTE DA OCORRÊNCIA DE DELITOS PERMANENTES. EIVAS AFASTADAS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PRÁTICA DELINEADA NO PROCESSO. MATERIALIDADE TECNICAMENTE ATESTADA. PORCIONAMENTO DAS DROGAS, ALIADO À APREENSÃO DE BALANÇA DE PRECISÃO, E INÚMEROS OBJETOS, EM QUANTIDADE E VALOR INCOMPATÍVEL COM A SITUAÇÃO FINANCEIRA DECLARADA PELO RÉU, QUE PATENTEIA A MERCANCIA ESPÚRIA PRATICADA PELO COMPANHEIRO VARÃO. IMPUTAÇÃO, ENTRETANTO, QUE NÃO ENCONTRA SUFICIENTE RESPALDO PARA CONDENAR A RECORRIDA. DOSIMETRIA. APLICAÇÃO DO REDUTOR PREVISTO PELO § 4º DO ART. 33 DA LEI DE DROGAS. IMPOSSIBILIDADE. ATIVIDADE PIONEIRA QUE NÃO SE REVELA NO PROCESSADO. DENÚNCIAS ANÔNIMAS E DIÁLOGOS INTERCEPTADOS QUE PATENTEIAM A CONTUMÁCIA E AFASTAM A BENESSE.SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL POR RESTRITIVAS DE DIREITOS OU "SURSIS". IMPOSSIBILIDADE. VEDAÇÃO EXPRESSA NO ART. 44, "CAPUT", DA LEI N. 11.343/2006 RECURSOS NÃO PROVIDOS. Insurge-se o apenado Rafael Martins dos Santos quanto à regularidade da interceptação telefônica, ao argumento de que a polícia militar não detinha competência para tanto, sendo o "munus" restrito à polícia judiciária. Entretanto, na tônica do que assentou o nobre parecerista, cuja manifestação serve de embasamento para afastar a insurgência, . Dessarte, e tendo em mente que foram observados os ditames da Lei n. 9.296/96, que regulamenta a interceptação telefônica, e que tal diploma não faz qualquer restrição à presença da polícia militar na condução dos procedimentos correlatos, é
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de se afastar a alegada eiva. (Apelação Criminal (Réu Preso) n. 2010.047422-0, de Itapoá Relator: Des. Irineu João da Silva, grifo nosso)
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA A SAÚDE PÚBLICA. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO (ARTS. 33 E 35 DA LEI 11.343/06). POLICIAIS MILITARES QUE, APÓS 30 DIAS DE CAMPANA E EM CUMPRIMENTO DE MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO, ENCONTRARAM NA RESIDÊNCIA DOS AGENTES, 16,75G DE "MACONHA" E 14,97G DE "COCAÍNA", ALÉM DE 02 (DOIS) VASOS COM PÉS DE "MACONHA" PLANTADOS, BALANÇA DE PRECISÃO E NUMERÁRIO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSOS DE DEFESA. PEDIDOS DE ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE TRÁFICO. IMPOSSIBILIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS MILITARES FIRMES E COERENTES. (Apelação n. 0147049-15.2014.8.24.0033 - Relator: Desembargador Ernani Guetten de Almeida, grifo nosso)
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DE TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33 DA LEI N. 11.343/2006) E RECEPTAÇÃO DOLOSA (ART. 180 DO CP). PRELIMINARES. NULIDADE DA BUSCA E APREENSÃO, POR TER SIDO REQUERIDA E REALIZADA POR POLICIAIS MILITARES. RECHAÇADA. ATUAÇÃO DA POLÍCIA MILITAR VIÁVEL. PRECEDENTES DESTA CORTE. [...]Como bem salientou a Procuradoria-Geral de Justiça, "a atual jurisprudência entende não haver ilegalidades na requisição e cumprimento de mandados de busca e apreensão pela Polícia Militar, já que a esta corporação é incumbida de garantir a segurança pública, competência apta a fundamentar a requisição de mandado de busca e apreensão ocorrida". (Apelação Criminal n. 2011.096310-8, de São José Relator: Des. Alexandre d'Ivanenko, grifo nosso)
No caso trazido à baila os agentes foram identificados pelas interceptações e pelas diligencias policiais com alguma espécie de vínculo ao grupo criminoso "Comando da Novo Horizonte – Camikaze". A existência de razoáveis indícios de que nos endereços descritos pela autoridade policial se encontrarão valiosos elementos de prova, em especial, armas, drogas e documentos comprobatórios da associação criminosa, denotam a necessidade da realização da medida de busca e apreensão. (Autos n° 0901300-98.2016.8.24.0023 Unidade de Apuração de Crimes Praticados por Organizações Criminosas – TJSC, grifo nosso)
HABEASCORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO (ARTS. 33, CAPUT , E 35, CAPUT , DA LEI N.
11.343/2006). PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PRISÃO PREVENTIVA E INDEFERIMENTO DE SUA REVOGAÇÃO. AVENTADA A INCONSTITUCIONALIDADE DO MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO EFETIVADO PELA POLÍCIA MILITAR, QUE CULMINOU COM A PRISÃO DO PACIENTE. NÃO ACOLHIMENTO. VALIDADE DOS ATOS INVESTIGATÓRIOS REALIZADOS PELA POLÍCIA MILITAR POR NÃO SE TRATAR DE ATRIBUIÇÃO EXCLUSIVA DA POLÍCIA CIVIL. FUNÇÕES DE POLÍCIA INVESTIGATIVA E NÃO JUDICIÁRIA, DIFERENCIADAS PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. [...]De plano, rechaça-se a suscitada nulidade das investigações realizadas pela Polícia Militar, inclusive no tocante ao cumprimento do mandado de busca e apreensão requerido pela instituição, uma vez que a própria Constituição da República diferencia as 80
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funções de polícia investigativa (CF, art. 144, § 1.º, I e II) das funções de polícia judiciária (CF, art. 144, § 1.º, IV), conferindo à polícia civil a exclusividade do exercício desta, que, por sua vez, não se confunde com a primeira, cuja finalidade precípua é a colheita de elementos informativos quanto à autoria e à materialidade das infrações penais cometidas. Desta forma, conquanto o art. 4º do Código de Processo Penal disponha que "A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria", essa terminologia não foi repetida pela Constituição da República, que, como se disse, trouxe distinção entre as polícias. A propósito, de acordo com o § 4º do art. 144 da Constituição da República, "às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares". Destarte, percebe-se que as funções de polícia judiciária foram conferidas com exclusividade à polícia civil, enquanto as atribuições investigatórias poderão ser exercidas por outras autoridades administrativas, "a quem por lei seja cometida a mesma função", consoante expressamente dispõe o parágrafo único do art. 4º do Código de Processo Penal. Nesse sentido, "apesar de estarem estabelecidas as atribuições de cada um deles, esta demarcação não se presta a afastá-los de sua função maior: o combate ao crime. Não há impedimento para a atuação paralela de múltiplos órgãos no sentido de preservar a ordem pública e investigar delitos, desde que respeitadas as imposições legais" (Apelação Criminal n. 2014.020420-9, de Joinville, rel. Des. Sérgio Rizelo, j. 08/07/2014). (Habeas Corpus n. 2015.026392-1, de Itapema - Relator: Des. Leopoldo Augusto Bruggemann, grifo nosso)
No caso, esse lastro resta presente no procedimento investigatório pelo qual foram apuradas as condutas delituosas, mais especificamente nas conversas monitoradas durante as interceptações telefônicas autorizadas por este Juízo (p. ex: conversas transcritas às pp. 51/72) e nas campanas realizadas pelos policiais do BOPE. São indícios suficientes de autoria (tal qual assentado na decisão em que decretada a prisão cautelar dos Acusados, cujos fundamentos ficam aqui fazendo parte integrante) que, portanto, autorizam a deflagração da ação penal. Não obstante, o argumento da Defesa para a ausência de justa causa é o fato da investigação ter sido conduzida pela Polícia Militar, o que macularia todo o procedimento. Sem razão, contudo. A interpretação do art. 144, §§ 4º e 5º da Constituição Federal não tem, no entender deste Juízo, o caráter restritivo que lhe quer emprestar a Defesa. (Autos n. 0901300-98.2016.8.24.0023 Unidade de Apuração de Crimes Praticados por Organizações Criminosas – TJSC, grifo nosso)
APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ART. 33, CAPUT , C/C ART. 40, INC. VI, AMBOS DA LEI 11.343/2006. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DE AMBOS OS RÉUS. 1. PRELIMINAR DE NULIDADE DA INVESTIGAÇÃO REALIZADA PELA POLÍCIA MILITAR. NÃO ACOLHIMENTO. INVESTIGAÇÃO QUE NÃO É EXCLUSIVIDADE DAS POLÍCIAS JUDICIÁRIAS (CIVIL E FEDERAL). ENTENDIMENTO PRECONIZADO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E POR ESTA EGRÉGIA CORTE. "A Constituição da República diferencia as funções de polícia judiciária e de polícia investigativa, sendo que apenas a primeira foi conferida com exclusividade à polícia federal e à polícia civil, evidenciando a legalidade de investigações realizadas pela polícia militar e da busca e apreensão por aquela 81
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corporação realizada, mediante ordem judicial." (Apelação n. 000025151.2016.8.24.0054, de Rio do Sul - Relatora: Desembargadora Cinthia Beatriz da S. Bittencourt Schaefer, grifo nosso)
Relatou o Ministério Público que, com base no Relatório Técnico Operacional 002/BOPE/2016, restou confirmada a existência de uma organização criminosa estabelecida na Comunidade Novo Horizonte, denominada "Comando Novo Horizonte – Camikaze - CNH-CZ". Ainda com base nas referido relatório investigativo, averiguou-se que o objetivo principal da referida organização é o tráfico de drogas, não se furtando entretanto, do cometimento de outros crimes, direta ou indiretamente associados ao tráfico de drogas, tais como porte ilegal de armas de fogo, corrupção de menores e outros. No caso em apreço, a prova da materialidade e os indícios suficientes de autoria dos ilícitos de tráfico de drogas, associação para o tráfico e porte ilegal de armas de fogo encontram-se evidenciados pelos elementos acostados aos autos, em especial pelas informações contidas no Relatório Técnico Operacional 002/BOPE/2016. Observa-se que a Polícia Militar efetuou vários acompanhamentos fotográficos que denotam a prática de tráfico de drogas, inclusive com a identificação dos investigados. Ademais, cabe aqui a preservação da ordem pública, e, como corolário, da incolumidade das pessoas e do patrimônio, objeto da própria segurança pública. (Ação Penal n. ° 090130098.2016.8.24.0023- Unidade de Apuração de Crimes Praticados por Organizações Criminosas, grifo nosso)
Desta maneira, pode-se observar que a atividade de inteligência da Polícia Militar de Santa Catarina segue o alinhamento jurisprudencial do TJSC, onde foram vistos estudos de caso que resultaram na condenação de grupos criminosos, bem como na concessão de medidas cautelares às seções de inteligência da PMSC no enfrentamento ao crime organizado.
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A criminalidade organizada está presente na evolução da era moderna. Estes grupos criminosos surgiram, fortaleceram-se e cada vez mais estão enraizados em nossa sociedade contemporânea. O mercado do crime organizado é altamente lucrativo, como visto nesta pesquisa, o tráfico de drogas movimenta cifras bilionárias em todo o mundo. Outros mercados, como a venda de armas e a venda de segurança privada – como no caso das tríades chinesas, também são áreas exploradas abertamente pelos criminosos. O crime organizado atualmente é um fenômeno transnacional, sua atuação envolve pessoas de diferentes nacionalidades e grupos de diferentes países, justamente para dificultar a ação dos órgãos de segurança. É preciso uma união de esforços em todas as esferas governamentais para que o crime organizado seja atacado de modo qualificado em todas as suas áreas de atuação. Outro ponto que destacamos, é a importância de se conhecer o passado para a criação de estratégias futuras no combate ao crime organizado. Como exemplo, citamos as ações do Poder Público nos anos de 1930 na repressão aos cangaceiros. Muitas das ações feitas naquela época podem ser facilmente trazidas e utilizadas nos dias de hoje para o enfrentamento aos roubos a bancos do Novo Cangaço. Também ressalta-se o esforço do legislador brasileiro em criar mecanismos legais voltados ao crime organizado, todos em alinhamento à Convenção de Palermo e aos melhores diplomas legais atualmente no mundo. O foco na punição de agentes públicos envolvidos com o crime organizado é uma estratégia de ação adequada para o enfraquecimento enfraquecimento destes grupos, uma vez que podemos ver que frequentemente estes grupos necessitam de uma simbiose criminal com o poder estatal para o prosseguimento de suas empreitadas criminosas. Sem a participação do agente público, debilita-se uma das principais vias de desenvolvimento do crime organizado. No tocante ao combate ao crime organizado realizado pela Polícia Militar de Santa Catarina, podemos observar que os resultados estão sendo alcançados através das condenações nos tribunais catarinenses. Destaca-se a análise jurisprudencial realizada em que vimos o entendimento pacífico e unânime do Tribunal de Justiça de Santa Catarina no 83
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tocante aos processos criminais originados em ações relatórios da PMSC, bem como a concessão de medidas cautelares aos policiais militares. Por fim, entende-se que o crime organizado deve ser visto como uma empresa. O estado deve atacar o que gera lucro aos criminosos e não deixar que se expandam, sem poder financeiro estes grupos perdem espaço e seu poder de influência na sociedade. As ações destes grupos criminosos causam medo e tornam comunidades locais reféns do próprio silêncio – o crime organizado não pode ser romantizado como nas telas do cinema, o poderoso chefão da vida real é um criminoso que mata e destrói famílias.
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