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AS NULIDADES NO PROCESSO PENAL E O PAPEL DO JUIZ Autor: Rafael Andrade Linke 1 Orientador: Fábio Alexandre Sombrio 2
RESUMO As nulidades são conceituadas pela doutrina como uma espécie de vício ou como a sanção que atinge um determinado ato processual, invalidando-o total ou parcialmente. A imperfeição do ato pode atingir um determinado grau de importância dentro do processo, gerando mais ou menos prejuízo. A doutrina classifica os atos eivados de vício como: ato inexistente; ato nulo e ato irregular. O juiz tem papel fundamental no decorrer do processo. É ele quem dá o impulso oficial e declara a nulidade dos atos viciados, analisando o grau de prejuízo. O magistrado deve agir respaldado na lei e nos princípios informadores, informadores, tais como o da causalidade e da instrumentalidade das formas.
Palavras chaves: Nulidades. Atos nulos. Atos inexistentes. Processo Processo penal. ABSTRACT Nullities are conceptualized by doctrine as a form of vicious or sanction that impacts a determined procedural procedural act, partially or totally totall y voiding it. The imperfection of the act can reach a determined degree of importance within the procedure, creating more or less damages. The doctrine classifies the vicious acts as: inexistent, null or irregular acts. The judge has a fundamental role along the procedure. He's the one to officially begin and declare the nullity of the vicious acts, analyzing the damage degree. The magistrate must act supported by law and informative principles, as circumstances and form instrumentality.
Key words: Nullities. Nulls acts. Inexistents acts. Criminal procedure.
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Apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no bolso. Servidor Público Municipal, estudante de Direito e concurseiro nas horas vagas. 2 Advogado. Graduado em Direito pela UNIFOZ de Foz do Iguaçu/PR (1998). Mestrado em Direito pela Universidade Ibirapuera (2011). Professor de Direito Processual Penal na UNIFOZ, CESUFOZ e Professor na Escola da Magistratura do Paraná.
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1. INTRODUÇÃO
Tema controverso perante a doutrina brasileira, as nulidades são capazes de render algumas páginas nos livros de Direito Processual Penal. Sendo assim, se faz necessário uma abordagem cautelosa, analisando o entendimento doutrinário e jurisprudencial, a fim de entender melhor a matéria. A doutrina majoritária entende que a nulidade é uma sanção aplicada a determinado ato praticado em contrário ao ordenamento legal, contudo, alguns doutrinadores entendem que a nulidade é o próprio vício que inquina o ato. Quanto à classificação não há muitas divergências, existindo assim, os atos nulos, inexistentes e irregulares. O ordenamento jurídico brasileiro adota um sistema misto em relação ao reconhecimento das nulidades dentro do processo. O texto da lei e o princípio da instrumentalidade das formas são aplicados juntamentena hora da declaração das nulidades. O juiz tem a função de declarar quais serão os atos eivados de vício, os quais, dependendo do grau de prejuízo serão totalmente ou parcialmente deletados da esfera jurídica que se procede. No nosso sistema o prejuízo para as partes é o causador da sanção de nulidade, sendo assim, o magistrado não poderá declarar nulo um ato que não obstar o direito da parte. Em alguns casos o prejuízo é presumido, uma vez que o ato praticado está em dissonância com normas de interesse público. Trata-se aqui, de normas constitucionais garantidoras de direito fundamentais, tais como, do devido processo legal.
2. CONCEITO DE NULIDADE
A doutrina conceitua as nulidades como espécie de vício ou como a sanção que atinge um determinado ato processual. Conforme conceito de Guilherme de Souza Nucci a nulidade “é o vício que contamina determinado ato processual, praticado sem
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observância da forma prevista em lei, podendo levar à sua inutilidade e consequente renovação.”3
Segundo Fernando Capez “nulidade é um vício processual decorrente da inobservância de exigências legais capaz de invalidar o processo no todo ou em parte.”4 Heráclito Mossin, por sua vez, define nulidade como sendo “ a falta de observância das fórmulas legais capaz de tornar sem eficácia um ou mais atos processuais, o processo ou a relação jurídico-processual.”5 Para Nestor Távora, “nulidade é a sanção estabelecida judicialmente ante a inobservância de norma processual que enseje prejuízo (real ou presumido) a direito das partes ou interessados no processo.” 6
Sendo assim, só haverá sanção se a
deficiência do ato acarretar prejuízo. No mesmo sentido, Paulo Rangel conceitua nulidade dizendo que: “não é o vício que inquina o ato, mas, sim, a sanção que se aplica ao ato viciado, em desconformidade com a lei. A nulidade é a conseqüência da prática do ato em desconformidade com a lei e não a desconformidade em si.”
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A consequência de um ato imperfeito é a decretação de sua nulidade, para que assim possa ser sanado o prejuízo por ele causado. Nesse contexto, a nulidade é uma qualidade, um adjetivo de determinado ato praticado em desacordo com o estabelecido legalmente. Tourinho Filho diz que “ a
nulidade é a consequência da sanção de ineficácia
imposta em relação ao ato praticado com inobservância dos parâmetros normativos. É a decretação de ineficácia do ato atípico, imperf eito, defeituoso.” 8 Humberto Theodoro Júnior explica que entre o ordenamento jurídico e os atos processuais deve haver uma “relação de conformidade ”, ou seja, se a declaração de vontade estiver em harmonia com a lei, será válida, caso contrário, entrando em atrito com a lei, será inválida. Surge assim, o conceito do referido doutrinador sobre nulidade, conforme se vê: “A nulidade é, portanto, uma sanção que incide sobre a declaração de 3
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 2. ed. ver. atual. eampl. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2006. p. 777. 4 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 19. ed. São Paulo. Saraiva. 2012. p. 693. 5 MOSSIN, Heráclito Antônio. Nulidades no Direito Processual Penal. 3. ed. Barueri/SP. Manole. 2005. p. 61. 6 TÁVORA, Nestor. ARAÚJO, Fábio Roque. Código de Processo Penal para Concursos. 3. ed. Salvador. JusPODIVM, 2012. p. 671. 7 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 10. ed. Rio de Janeiro. Lumen Juris editora. 2005. p. 724 8 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. Vol3. 32. ed. rev. e atual. São Paulo. Saraiva. 2010. p. 136.
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vontade contrária a algum preceito do direito positivo. Essa sanção – privação de validade – admite, porém, graus de intensidade.”
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Eugênio Pacelli explica no que consiste o ato praticado pelo juiz, conforme segue: “A declaração de nulidade, seria, assim, a consequência jurídica da prática irregular de ato processual, seja pela não observância da forma prescrita em lei, seja pelo desvio de finalidade surgido com sua prática.”
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Na visão de Júlio Fabbrini Mirabete existe um duplo conceito a respeito de nulidade, a saber: Há, assim, na nulidade, duplo significado, dois aspectos: um para indicar o motivo que torna o ato imperfeito, outro para exprimir a consequência que deriva da imperfeição jurídica do ato ou sua invalidade jurídica. A nulidade, portanto, é, sob um aspecto, vício, sob outro, sanção, podendo ser definida como a inobservância de exigências legais ou uma falha ou imperfeição jurídica que invalida ou pode invalidar o ato processual ou todo o processo.11
Conforme extração dos entendimentos supracitados, a doutrina majoritária entende que a nulidade é a consequência da sanção aplicada ao ato processual praticado fora dos ditames legais estabelecidos e que visam dar ao processo, em seu inteiro teor, as formas adequadas para seu bom andamento, atendendo assim, princípios que asseguram às partes as garantias legais que tornam o processo um conjunto de atos emanados do Poder público, regido, principalmente pelos princípios da isonomia, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. Entretanto, nem sempre o processo é praticadoobedecendo integralmente os quesitos estabelecidos nas normas legais, sendo muitas vezes alcançado o resultado pretendido, sem resguardar os preceitos legais. Em matéria de interesse público não há juízo de discricionariedade quanto à decretação de nulidade, contudo, no que diz respeito à matéria de interesse exclusivo das partes, deverá ser demonstrado o prejuízo causado pelo ato praticado de forma inadequada.
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THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Teoria Geral do Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. Vol. I. 47. ed. Rio de Janeiro. Forense. 2007. p. 325. 10 OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 15. ed. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2011. p. 811. 11 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 14. ed. São Paulo. Atlas. 2003. p. 591 .
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3. CLASSIFICAÇÃO DAS NULIDADES
A imperfeição do ato pode atingir um determinado grau de importância dentro do processo, gerando mais ou menos prejuízo, afetando de forma mais ou menos gravosa o bom andamento da marcha processual. Dessa forma, a classificação da doutrina estabelece as formas como os atos que não observam os preceitos legais alcançam o status de ato imperfeito.A doutrina classifica-os como: ato inexistente; ato nulo e ato irregular. 3.1 ATO INEXISTENTE O ato inexistente não produz efeitos jurídicos no processo. É aquele que se afasta do modelo legal, impossibilitando que seja considerado como existente. Fisicamente ele existe, o que lhe falta é o poder de produzir efeitos válidos. Para Mirabete o ato inexistente é “aquele em que há falta de um elemento que o direito considera essencial, ou seja, em que ele existe de fato, mas, sem o elemento essencial, ele inexiste de jure.”
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Tourinho Filho entende que a categoria da inexistência do ato foge a toda previsão normativa, sendo apenas “ fruto de elaboração doutrinária e jurisprudencial ”, e esclarece que: Quando fala em inexistência do ato, a doutrina quer referir-se não à ausência material do ato, mas àquele ato que, embora tenha existência material, é totalmente desprovido de qualquer significado jurídico, equivalendo ao ato absolutamente nulo.13
De fato, o ato inexistente não poderá produzir efeitos, tendo em vista que lhe falta um pressuposto, uma fórmula essencial para sua validade, como por exemplo, um juiz imparcial para dar o impulso oficial ao processo. Falta-lhe, portanto, um elemento jurídico essencial para sua validade. São também chamados pela doutrina de: não atos. Segue abaixo o conceito estabelecido por Ada Pellegrini, Antônio Scarance e Gomes Filho: 12
MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit., p. 592. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op. cit., p. 130 e 131.
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São atos processuais inexistentes aqueles aos quais falta, de forma absoluta, algum dos elementos exigidos pela lei; neles, o vício é de tal gravidade que sequer seria possível considerá-los como atos processuais; são, na verdade, não-atos, em relação aos quais não se cogita de invalidação, pois a inexistência constitui um problema que antecede a qualquer consideração sobre validade.14
3.2 ATO NULO O ato nulo produz efeitos até o momento que se diga o contrário. É o ato praticado com inobservância do modelo legal e que causa prejuízo às partes. Entretanto, poderá este ato ser considerado absolutamente ou relativamente nulo, a depender do seu alcance. 3.2.1 Nulidade absoluta Será considerado absolutamente nulo o ato, quando a inobservância do modelo legal alcançar o processo, como, por exemplo, o interrogatório do acusado sem presença de advogado na audiência. Contudo, para que seja considerado absolutamente nulo, é necessário o pronunciamento do magistrado reconhecendo-o nulo. Eugênio Pacel li destaca que “a expressão absoluto já é indicativa da diferença de grau quanto à medida da preocupação destinada a específicas violações às formas previstas em lei. E nem poderia ser diferente.” 15
Conforme explica Norberto Avena: “é vício que atinge normas de ordem pública, como tais consideradas aquelas que tutelam garantias ou matérias tratadas direta ou indiretamente pela Constituição Federal.” 16
Hidejalma Muccio entende que: “Quando a nódoa, o defeito, a mácula, em suma, a irregularidade é tamanha a ponto de não ser tolerada, de não admitir um equivalente, de não poder ser convalidada, ela se diz absoluta. ” 17 Heráclito Mossin destaca as características marcantes da nulidade absoluta, conforme segue: 14
GRINOVER, Ada Pellegrini. FERNANDES, Antônio Scarance. GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades no processo penal. 6. ed. rev., ampl. e atual., 4. tir. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 18. 15 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Op. cit., p. 815. 16 AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo Penal Esquematizado. 3. ed. São Paulo. Método. 2011. p. 944. 17 MUCCIO, Hidejalma. Curso de Processo Penal. 1. ed. v. 3. Jaú, SP. HM Editora. 2003. p. 436.
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A nulidade absoluta não se cura, e insanável. Uma vez verificada, gera como consequência a imprestabilidade do ato processual ou mesmo do processo ou da relação jurídico-processual. A característica marcante da nulidade absoluta e que pode ela ser alegada e declarada em qualquer fase do processo, mesmo quando a sentença penal condenatória tenha formalmente transitado em julgado, o que devera ser feito pelo mandamus of habeas corpus, cuja ação penal terá natureza constitutiva (art. 648, VI, do CPP). 18
Guilherme Nucci explica que nulidades absolutas são “aquelas que devem ser proclamadas pelo magistrado, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, porque produtoras de nítidas infrações ao interesse público na produção do devido processo legal.”
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Por ser de interesse público processual pode ser reconhecida de ofício pelo juiz. Não exige a demonstração do prejuízo, sendo de decorrência lógica da inobservância da norma, ou seja, o prejuízo é presumido. Ademais, não é passível de convalidação, isto é, não poderá ser aproveitado. Importante ressaltar que a nulidade absoluta não está sujeita à preclusão. Tourinho Filho explica que: “ o
ato absolutamente nulo, enquanto não for
reconhecido como tal, pelo Juiz, continua sendo, apenas, um ato atípico, um ato defeituoso.” 20
3.2.2 Nulidade relativa Quando o ato infringe formalidade estabelecida em norma jurídica infraconstitucional, em consonância com o interesse das partes, a nulidade será relativa.A arguição deve ser feita dentro do prazo estabelecido, sob pena de convalidação. A parte deve demonstrar o prejuízo no momento exato e oportuno, sob pena de preclusão. Conforme explicação de Fernando Capez , “o interesse, no entanto, é muito mais da parte do que deordem pública, e, por isso, a invalidação do ato fica condicionada à demonstraçãodo
efetivo
processualoportuno.”
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prejuízo
e
à
arguição
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MOSSIN, Heráclito Antônio. Op. cit., p. 65. NUCCI, Guilherme de Souza. Op. cit., p. 777. 20 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op.cit. p. 135. 21 CAPEZ, Fernando. Op. cit. p. 694. 19
do
vício
no
momento
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A doutrina majoritária entende que a nulidade relativa não poderá ser decretada de ofício pelo juiz, entretanto, Eugênio Pacelli tem entendimento diferente. Segue abaixo sua linha de raciocínio: Embora reservada às partes a valoração dos efeitos decorrentes do vício do ato, não há como negar que, ao menos em algumas hipóteses, será possível o reconhecimento exofficio de nulidades relativas. O nosso Código de Processo Penal, por exemplo, permite o reconhecimento, pelo juiz, de sua incompetência relativa, o que implica a possibilidade de reconhecimento exofficio de nulidade relativa (art. 109, CPP).22
O art. 565 do Código processual penal destaca que: “Nenhuma das partes poderá argüir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente à formalidade cuja observância só à parte contrária interesse”. Sendo assim, as condições para arguir as nulidades são: que a parte que pretende arguir não tenha dado causa à nulidade; não tenha concorrido para a imperfeição do ato e por fim, tenha interesse legítimo na observância rejeitada, respeitando o princípio do interesse. 3.3 ATO IRREGULAR Fala-se em ato irregular quando, embora praticado com não observância dos preceitos legais, ele atinge o fim para qual se destina, não resultando prejuízo às partes ou ao próprio processo. Segundo Mirabete, “são vícios de forma que não afetam a validade dos atos; há violação da forma legal e não violação do fundo que a informa. É um defeito na estrutura do ato sem reflexos na sua eficácia. ” 23 Conforme explicam Alexandre Cebrian e VitorRios, “esse desatendimento à norma processual não tem o condão decausar a invalidade do ato e não influi no desenvolvimento do processo.” 24 No Código de Processo Civil encontra-se a norma que traduz a real ideia sobre os atos irregulares, vejamos o que diz o art. 244: “Quando a lei prescrever determinada
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OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Op. cit. p. 815. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Op. cit. p. 592. 24 REIS, Alexandre Cebrian Araújo. GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios. Processo Penal: procedimentos, nulidades e recursos. 13. ed. São Paulo. 2011 (Coleção sinopses jurídicas; v. 15 - t. I). p. 137. 23
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forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, Ihe alcançar a finalidade.”
O artigo supracitado tem relação direta com o princípio da instrumentalidade das formas, que prega o aproveitamento dos atos processuais. Nesse sentido, Humberto Theodoro Júnior explica que “o ato só se considera nulo e sem efeito se, além de inobservância da forma legal, não tiver alcançado a sua finalidade.”
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4. O FENÔMENO DA ATIPICIDADE CONSTITUCIONAL
Assim como nos caso de descumprimento do modelo legal, segundo Ada Pellegrini, Antônio Scarance e Gomes Filho, “a inobservância da norma constitucional acarreta a desconformidade com o modelo imposto pela Lei maior, ocasionando o fenômeno da atipicidade constitucional.” 26 Quando descumprida as regras do tipo imposto pela Constituição, a sanção de invalidade há de ser buscada na própria Carta magna ou no ordenamento jurídico como um todo. Em se tratando de desobediência a princípio ou norma constitucional com relevância processual, a sanção virá da própria Constituição ou do ordenamento processual.27 Embora visem aparentemente o interesse da parte, as garantias constitucionais processuais primam o interesse público na condução do processo, segundo o princípio do devido processo legal. Sendo assim, os atos praticados em desconformidade com normas ou princípio constitucional de garantia só poderá ser considerado juridicamente inexistente ou nulo, devendo ser decretada a nulidade de ofício pelo magistrado. 28
5. PRINCIPAIS PRINCÍPIOS INFORMADORES
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THEODORO JUNIOR, Humberto. Op. cit. p. 327. GRINOVER, Ada Pellegrini. et al. Op. cit. p.21. 27 Ibid., p. 21. 28 Ibid., p. 23. 26
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O instituto das nulidades rege-se por alguns princípios essenciais, dentre os quais destacam-se: 5.1 PRINCÍPIO DO PREJUÍZO Princípio informador do instituto das nulidades, com base nele, nenhum ato será declarado nulo se da sua inobservância não gerar prejuízo às partes. Conforme consta no art. 563 do Código de processo penal: “Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para acusação ou para defesa”.
Trata-se da “ pas de
nullitésansgrief ” ,que consiste na falta de nulidade sem prejuízo. Entretanto, quando a inobservância das normas atinge ato essencial, a nulidade é absoluta, sendo assim, não há que se falar em pas de nullité sans grief. Quando o vício atinge normas de interesse público, o prejuízo é presumido, sendo a nulidade absoluta decretada pelo juiz. Fernando Capez entende que “atualmente, a tendência da jurisprudência é não se apegar a fórmulas sacramentais, deixando, portanto, de decretar a eiva quando o ato acaba atingindo a sua finalidade, sem causargravame para as par tes.” 29 Nesse sentido, a súmula 523 do STF, a saber: “ No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”. Nos ensinamentos de Magalhães Noronha encontramos explicação de como a demonstração deve ser feita, conforme segue: A demonstração do prejuízo faz-se pelo raciocínio ou pelos meios ordinários de prova. A demonstração por aquele dispensa estes, pois trata-se, então, de fato notório e evidente. Na maior parte das vezes é ele demonstrado por essa forma, isto é, pelo raciocínio. Quando assim não aconteça, incumbe ao prejudicado a demonstração do prejuízo, pelos meios usuais de prova: testemunhas, documentos, exames etc. 30
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CAPEZ, Fernando. Op. cit., p. 700. NORONHA, E. Magalhães. Curso de Direito Processual Penal. 26. ed. Atal. Por Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha. São Paulo. Saraiva. 1998. p. 440/441. 30
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Guilherme de Souza Nucci entende que nos últimos anos vem alterando-se a consideração de algumas falhas processuais como sendo absolutas ou relativas. No entendimento do doutrinador: A tendência, hoje, é estreitar o campo das absolutas e alargar o das relativas. Embora na situação geradora de uma nulidade absoluta continue a ser presumido o prejuízo, sem admitir prova em contrário, o que se vem fazendo é transferir determinadas situações processuais, antes tidas como de prejuízo nítido, para o campo dos atos processuais, cujo prejuízo fica sujeito à comprovação. Dessa forma, o conceito de nulidade absoluta fica inalterado. Muda-se, no entanto, a classificação do ato processual, transformando-o de absolutamente viciado em relativamente falho. 31 5.2 PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS O art. 566 do CPP destaca que: “ Não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa”.Sendo assim, não se declara a nulidade de um ato que não influenciou na causa. O art. 572, caput c/c inciso II reforça a ideia da convalidação dos atos irregulares que atingirem sua finalidade, vejamos: “Art. 572. As nulidades previstas no art. 564, Ill, d e e, segunda parte, g e h, e IV, considerar-se-ão sanadas:(...) II - se, praticado por outra forma, o ato tiver atingido o seu fim; (...)”
A respeito do tema, Fernando Capez destaca que: Segundo esse princípio, a forma não pode ser considerada um fim em si mesma, ou um obstáculo insuperável, pois o processo é apenas um meio para se conseguir solucionar conflitos de interesse, e não um complexo de formalidades sacramentais e inflexíveis.32 Nos Tribunais também há a consagração do princípio da instrumentalidade das formas. Abaixo a posição do STF: Ementa: PROCESSO PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ALEGAÇÃO DE NULIDADE 31
NUCCI, Guilherme de Souza. Op. cit., p. 779. CAPEZ, Fernando. Op. cit., p. 701.
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ADVINDA DA INTIMAÇÃO DO PACIENTE, COM 15 (QUINZE) DIAS DE ANTECEDÊNCIA, EM LUGAR DA CITAÇÃO, PARA A AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA. PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. ORDEM DENEGADA. 1. O processo penal rege-se pelo princípio da instrumentalidade das formas, do qual se extrai que as formas, ritos e procedimentos não encerram fins em si mesmos, mas meios de se garantir um processo justo e equânime, que confira efetividade aos postulados constitucionais da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal. [...]5. Ordem Denegada.(Grifo nosso) 33
5.3 PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE Conforme o art. 573, §1° do Código de processo penal, “a nulidade de um ato, uma vez declarada, causará a dos atos que dele diretamente dependam ou sejam conseqüência”.Deriva daí o princípio da causalidade. Segundo entendimento de Rogério Sanchez Cunha: É a chamada nulidade derivada, pela qual o que é nulo não pode gerar efeitos. Assim, por exemplo, a nulidade da citação, reconhecida pelo Tribunal, acarreta a nulidade de todos os demais atos subseqüentes, devendo toda instrução probatória ser renovada. Tal princípio, porém, deve ser interpretado com uma observação relevante: somente se anulam os atos seguintes quando eles dependerem diretamente do ato anulado.34
5.4. PRINCÍPIO DA CONVALIDAÇÃO Tal princípio se funda no art. 571 do CPP, que estabelece o momento adequado para que os atos imperfeitos, que geram nulidade relativa, sejam suscitados, sob pena de preclusão e de considerarem-se sanados, conforme estabelecido no art. 572 do referido diploma. A doutrina de Paulo Rangel define assim a situação: O princípio da convalidação deve ser visto em harmonia com os princípios da celeridade e da economia processual, pois o processo é procedere, caminhar, avançar, ir adiante, e não faria sentido declarar nulo todo o processo se a parte que tem interesse na alegação de 33
STF. 1ª T., HC 111.472/MG. Rel. Min. Luiz Fux. J. 25.06.2013, DJ 14.08.2013. CUNHA, Rogério Sanches et al. Processo Penal – Doutrina e Prática. Salvador/BA. Editora JusPODIVM. 2009. p. 189. 34
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nulidade não o fez, ou ainda, se o ato, mesmo atípico, atingiu o seu fim ou, por último, se a parte aceitou os efeitos do ato praticado em desconformidade com a lei. 35
Igualmente, é de suma importância mencionar que o rol do art. 572, caput, do CPP é taxativo, numerus clausus, pois são hipóteses únicas. Assim sendo, as hipóteses de nulidades não elencadas no art. 572 poderão ser alegadas a qualquer momento, e conforme explica Magalhães Noronha: “ Não há preclusão para elas. Mesmo depois de transitada em julgado a sentença condenatória, o habeas corpus é remédio legal para decretar sua nulidade ou a do respectivo processo.” 36
Ainda sobre o tema, Tourinho Filho destaca que se as nulidades absolutas não forem arguidas no momento oportuno fixado no art. 571 (por economia processual), “nada impede que o seja
em qualquer outro momento, salvo se ficarem preclusas as
vias impugnativas e a decisão for absolutória. Entretanto, se condenatória, ainda será possível a arguição, seja por meio de revisão, seja pelo habeas corpus.”37
6. SISTEMA LEGAL ADOTADO NO BRASIL
A doutrina é divergente em relação ao sistema adotado no ordenamento jurídico brasileiro para o reconhecimento dos atos viciados. Parte majoritária entende que agrega o sistema da certeza legal e da instrumentalidade das formas. O sistema da certeza legal, segundo Paulo Rangel, É aquele em que o legislador, desconfiado do juiz, diz, expressamente, em quais casos haverá a aplicação da sanção de nulidade, não dando ao juiz discricionariedade para que possa perquirir se realmente o ato deva ser invalidado. Trata-se de um excessivo rigorismo formal. 38
Para Norberto Avena, nosso sistema é o da instrumentalidade das formas, onde: “o fim do ato deve prevalecer sobre a forma como ele é praticado. É o sistema adotado
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RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 15. ed. Rio de Janeiro. Lumen Juris Editora. 2008. p. 772. NORONHA, E. Magalhães. Op. cit., p. 449. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op. cit., p. 179. 38 RANGEL, Paulo. Op. cit., p. 773. 36
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no direito brasileiro, [...]. Destarte, se o ato, ainda que desobediente à forma legal, alcançar seu objetivo, poderá ser validado”.39 No mesmo sentido, Paulo Rangel entende que o sistema adotado é o da instrumentalidade das formas, contudo, admite que existem resquícios do sistema da certeza legal no Código de Processo Penal.
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Nestor Távora é um dos que inferem que o nosso sistema é o misto. Assim dispõe ele: “ Para nós, as hipóteses passíveis de nulidade não representam rol taxativo, mas exemplificativo. O CPP brasileiro adotou um sistema eclético (com características dos sistemas legal e judicial/instrumental).”
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7. O PAPEL DO JUIZ FRENTE ÀS NULIDADES
O juiz tem papel fundamental no decorrer do processo. É ele quem dá o impulso necessário para o andamento da causa, não importando qual a matéria. Como em todos os outros ramos do direito, o magistrado deve agir com imparcialidade, sendo que no âmbito do processo penal, deve julgar a causa buscando a verdade real. Dentre várias decisões que o juiz toma no decorrer do processo está a questão dos atos viciados, sejam por irregularidade, nulidade etc. Sendo assim, se faz necessário um profissional dotado de conhecimento suficiente para tomar as decisões cabíveis e aplicáveis caso a caso. Observe-se que conforme art. 251 do nosso diploma processual penal: “ Ao
juiz incumbirá prover à regularidade do processo e manter a ordem no
curso dos respectivos atos, podendo, para tal fim, requisitar a força pública ”. Contudo, embora detenha o poder de decisão da causa, o juiz poderá ser causador de atos viciados, irregulares ou nulos, tendo em vista que dele emanam várias manifestações dentro do processo. Ou ainda, nos casos em que for impedido ou suspeito e continuar decidindo no processo. Tourinho Filho destaca que:
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AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Op. cit., p. 942. RANGEL, Paulo. Op. cit., p. 774. 41 TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 6. ed. Salvador/BA. Editora JusPODIVM. 2011. p. 1027. 40
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Seja qual for a imperfeição do ato (nulidade absoluta, nulidade relativa ou simples irregularidade), deve o Juiz, dele tomando conhecimento, determinar as diligências necessárias, visando a afastar do processo as impurezas, escoimando-o, limpando-o, sanando-o. É dever de o magistrado prover à regularidade do processo, di-lo o art. 251 do estatuto processual penal, e, desse modo, seja qual for airregularidade encontrada, cumpre-lhe proclamá-la, tomando, de imediato, as providências necessárias para a eliminação do ato defeituoso, quer determinando sua renovação, quer a retificação, nos termos do art. 573 do CPP, sem olvidar o princípio da causalidade (art. 573 §§ 1° e 2°).42
Como se vê, o magistrado deverá agir respaldado no Código Processual e nos princípios informadores, já abordados, tais como o da causalidade, economia processual, instrumentalidade das formas, do prejuízo etc. Ao deparar-se com um ato processual eivado de vício, deverá o juiz analisar se esse ato gerou algum prejuízo às partes, lembrando que, tratando-se de norma garantidora prevista na Carta Magna, o prejuízo é presumido, tendo em vista que, tais normas são de interesse público referente ao processo, devendo o juiz declarar de ofício a nulidade absoluta, por outro lado, se uma das partes se sentir prejudicada, deverá suscitar a nulidade, cabendo ao juiz declará-la. Em alguns casos especiais, a sanabilidade do ato essencial tem previsão especial, como no caso do art. 568 do CPP, que trata da ilegitimidade do representante da parte, a qual poderá ser a todo tempo sanada, mediante ratificação dos atos processuais. Entretanto, caso não seja sanado o ato por uma das formas apontadas, caberá ao juiz determinar que o ato seja renovado, ou então, retificado.
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Outra questão a ser observada pelo magistrado é a possível contaminação de outros atos do processo por conta de nulidade declarada. Caberá a ele estender a sanção de nulidade a todos os atos dependentes do viciado (art. 573, § 2º do CPP). No campo das nulidades que derivam do próprio julgador, conforme declarado no art. 564 do CPP, a incompetência gera nulidade do processo. A incompetência territorial gera nulidade relativa, sendo assim, os atos instrutórios (expedição de mandados de intimação, data para audiência etc.) poderão ser aproveitados pelo juízo competente, o que não acontece com os atos decisórios, que serão anulados e devem ser refeitos. Assim dispõe o art. 567 do CPP : “ A incompetência do juízo anula somente os
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TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op. cit., p. 181. Ibid. p. 183.
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atos decisórios, devendo o processo, quando for declarada a nulidade, ser remetido ao juiz competente”. Uma interpretação gramatical do artigo supracitadonos leva a crer que em todos os casos de incompetência do magistrado, poderão os atos instrutórios ser aproveitados. Contudo, em face do princípio constitucional do juiz natural, elencado no art. 5º inciso LIII, que diz: “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”, nem mesmo será possível o aproveitamento dos atos instrutórios do processo em se tratando de incompetência absoluta. Nesse sentido, Guilherme de Souza Nucci, conforme segue: [...] somente em casos de competência relativa (territorial), pode-se aproveitar os atos instrutórios, anulando-se os decisórios. Noutras situações, tratando-se de incompetência absoluta, em razão da matéria ou da prerrogativa de foro, é fundamental renovar toda a instrução.44 Assim também é o recente entendimento no STF. Vejamos: EMENTA: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS.RATIFICAÇÃO DA DENÚNCIA E DE ATOS INSTRUTÓRIOS PELO JUÍZO COMPETENTE. NULIDADE DO PROCESSO. INEXISTÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. MATÉRIAS NÃO LEVANTADAS NA CORTE A QUO. INDEVIDA SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA, E, NESSA PARTE, DENEGADA. I - No processo penal não há que se cogitar de nulidade, se o vício alegado não causou nenhum prejuízo ao réu. II Com a super venient e alteração de com petênci a do juízo, épossível a r ati ficação da denúncia pelo M inisté r io Público e dos atos in str utór ios pelo m agistrado competente. III - Alegações não
apreciadas nas instâncias inferiores impedem o seu conhecimento em sede originária pelo Supremo Tribunal Federal, sob pena de indevida supressão de instância. IV - Ordem parcialmente conhecida, e nessa parte denegada. 45(Gr if o nosso)
Com entendimento diverso, Renato Brasileiro de Lima: A questão, a nosso ver, está a merecer nova reflexão por parte dajurisprudência a partir da inserção do princípio da identidade física do juiz no processo penal - vide nova redação dada ao art. 399, § 2a, do CPP, por força da lei n. 11.719/2008 (o juiz, que presidiu a instrução deverá proferir a sentença). Ora, se doravante o juiz que 44
NUCCI, Guilherme de Souza. Op. cit., p. 785. STF.1ª T., HC 98.373/SP. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. J. 06.04.2010, DJ 23.04.2010.
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presidir a instrução deve proferir a sentença, como se pode, então, admitir que a prova colhida perante juízo incompetente seja reaproveitada perante seu juízo, natural? A nosso juízo, portanto, uma vez reconhecida aincompetência absoluta ou relativa, há de ser reconhecida a nulidade dos atos probatórios, renovando-se a instrução perante o juiz natural da causa, em fiel observância ao princípio da identidade física do juiz.46
Paulo Rangel também entende que todos os atos do processo devem ser anulados. Segue a posição do doutrinador a respeito do art. 567 do CPP: [...], a lei ordinária manda anular somente os atos decisórios, enquanto a Constituição diz que não se pode ser processado nem sentenciado senão pela autoridade competente. Pensamos que há flagrante contrariedade da lei ordinária com a Constituição, que se resolve pela revogação daquela. Desta forma, o art. 567, para nós, está totalmente revogado, não se admitindo mais, por exemplo, juiz incompetente receber a denúncia e ficar a frente do processo com a consequência de se anular somente os atos decisórios. Todos os atos do processo devem ser anulados desde o seu nascedouro. 47
Ante o exposto, é possível verificar que o juiz tem papel importante frente às possíveis sanções de nulidade no processo, seja julgando ou ensejando-as. Entretanto, o art. 564, I do CPP, ainda destaca como formadores de nulidade a suspeição e o suborno do juiz. Nestor Távora destaca que “ao se fazer menção à expressão “suspeição ou suborno do juiz”, deve-se
interpretar o dispositivo de forma extensiva, de modo a
abranger, também, o impedimento, vício mais grave que a suspeição .” 48 Tourinho filho também explica o motivoda interpretação extensiva do art. 564, I, a saber: “O
art. 564 não se refere ao impedimento. Mas evidente que, havendo-o, a
nulidade será tão intensa que os atos praticados são como se não existissem, uma vez que o impedimento (CPP, art. 252) priva o Juiz de sua função jurisdicional. ”49 As causas de impedimento estão elencadas no art. 252 e as de suspeição no art. 254 do Código processual penal. Se houver suspeição do juiz, cabe às partes argui-la, sob pena de aceitação do magistrado. Poderá também, o próprio juiz, declarar-se suspeito, nos termos do art. 97 do CPP. Se julgada procedente a suspeição do juiz, os atos por ele praticados serão declarados nulos, devendo ser refeitos (art. 101 do CPP). 46
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. vol.I. Niterói/RJ. Impetus. 2011. p. 447. RANGEL, Paulo. Op. cit., p. 775. 48 TÁVORA, Nestor. Op. cit., p. 675. 49 TOURINHO FILHO, Fernando a Costa. Op. cit., p. 144. 47
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O art. 564 fala ainda em nulidade nos casos de suborno do julgador. São os casos em que o magistrado recebe vantagem para julgar a causa conforme estabelecido por terceiros. Conforme explicação de Magalhães Noronha: Suborno é expressão que abrange a corrupção passiva (Cód. Penal, art. 317), e a prevaricação (art. 319 do Cód. Penal). A primeira é o comércio ignóbil da função [...]. Prevaricação é a infidelidade ao dever de ofício, à função exercida. É o não cumprimento das obrigações que lhe são inerentes, movido o agente por interesse ou sentimentos próprios.50
Destarte, ainda é possível incluir na lista citada pelo autor supramencionado, os crimes de corrupção ativa (art. 333 do CP) e concussão (art. 316 do CP). 51 São hipóteses em que não há que se falar em aproveitamento dos atos praticados pelo magistrado corrompido, tendo em vista que, restou-se fulminada a imparcialidade exigida.
8. CONCLUSÃO
Dentre várias formas de garantir a “pureza” e legalidade do processo, destaca-se
a observância na prática dos atos que impulsionam a ação penal na busca da verdade dos fatos. Os princípios constitucionais não podem e não devem ser aniquilados por atos viciados que fogem à regra do devido processo legal. Contudo, há de se observar que sem prejuízo não existe afronta a direitos e garantias, embora tal prejuízo seja presumido em relação às normas constitucionais, tendo em vista que, afetam preceitos de interesse público e garantidores de direitos fundamentais, e estes, são irrenunciáveis. A adoção do sistema misto, que reúne o sistema da certeza legal e o da instrumentalidade das formas, visa estabelecer um equilíbrio entre o que diz a letra da lei e o interesse público. Sendo assim, se apreciada a irregularidade de um determinado ato processual, nem por isso serão inválidos seus efeitos, uma vez que alcançou o fim pretendido. Tutela-se, assim, o processo em si e o trabalho a ele dispensado pelo Estado. Trata-se, também, de economia processual.
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NORONHA, E. Magalhães. Op. cit., p. 443. CAPEZ, Fernando. Op. cit., p. 708.
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Coube à doutrina apreciar o instituto da nulidade, conceituando-o e inserindo-o como uma consequência, uma sanção ao ato praticado em desconformidade com o modelo legal e que traz prejuízo às partes ou ao processo em si. Cabe ao juiz declarar a nulidade, assim como, incumbe a ele apreciar até que ponto os atos falsificados influenciarão nos demais que dele dependerem ou forem consequência. Compete ao magistrado dar andamento ao processo, elucidando os pontos que possam interromper o bom andamento da causa. Cabe às partes, também, proceder de forma a não beneficiar-se da própria malícia, provocando um prejuízo para assim aproveitar-se. Por todo o exposto é possível estabelecer alguns pontos relevantes em relação às nulidades, quais sejam: conforme entendimento majoritário, nulidade é a sanção aplicada ao ato imperfeito; nenhuma nulidade será declarada sem que haja prejuízo às partes ou ao próprio processo; em se tratando de normas constitucionais de interesse público e garantidoras de direitos fundamentais o prejuízo é presumido; as nulidades relativas estão sujeitas à preclusão, o que não ocorre com as absolutas; o sistema adotado no nosso ordenamento jurídico é o misto (sistema da certeza legal e da instrumentalidade das formas); no caso de incompetência territorial (relativa) os atos instrutórios poderão ser aproveitados pelo juízo competente, embora ainda haja discordância doutrinária; a suspeição do magistrado deve ser argüida pelas partes, sob pena de aceitação tácita, caso o próprio julgador não o faça.
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REFERÊNCIAS
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