,
-
_ .
fjiswire de la Magisrrarure !rançaise !rançaise des origines origines li nus jours, Paris. 1957; Grundriss der SlraIrechlsge SlraIrechlsgeschich schichle, le, Rüping, Rüping, Heirich, Heirich, Grundriss Munique, Munique, 1991; Saltelli, Saltelli, Carlo, La giurisprud giurisprudenza enza della Co"'le Suprema Suprema sul codice pena/e, pena/e, em i\linisrero 1940. di Gi1Ji.zja l! Gillstiúa. Gillstiúa. Cmiferenza Cmiferenza in tema di legislazion legislazionee fascista. fascista. Roma, 1940. cienci cia a euro europe pea a dei dei derech derecho o pena penall en la pp. 99 $S.; Schaffstein Schaffstein,, Friedrich, Friedrich, La cien época dei humanismo, humanismo, Madri, 1957; Schmidt, losjueces, em Schmidt, Eberhard, Eberhard, La ley y losjueces, Derecho injusto yderecho yderecho nulo, Madri, 1971; Schmitt, Radbruch-Sc Radbruch-Schmidt hmidt-- Welzel, Welzel, Derecho Schmitt, Überdie drei Artell des rechts~l!jssenschaft{ichen Denkens. Hamburg, 1934; Carl, Überdie 1934; do mesmo, Finzioni giuridiche 1991, pp . 65 SS. giuridiche.. em Diritto e cultltra, cultltra, Roma. 1991, Filosofia de! como si, Berlim, 1911); (reproduz (reproduz a recensão recensão à ohra de H. Vaihinger, Vaihinger, Filosofia Vergleichende Rechlslehre Rechlslehre,, Basiléia, 1961; Schubal Schmitzer, Schmitzer, I\dolf, I\dolf, Vergleichende Schubal1h, 1h, Manin, Manin, BinnenslraIrechlsdogmalik und ihre Grenzen, em ZStW, ZStW, 1988, p. 827; Schünemann Schünemann,, Bemu, Conside Consideracio raciones nes críticas críticas sob,e la situac situación ión espiritual espiritual de la Alfonso, Ensayo cienciajllrtdico-penaf a/emana, Bogotá, 1996; Serrano Maíllo, Alfonso, sobre el derecho penal como ciencia. Acerca de Sll constnicôón, Madri, 1999; Silva, José Afonso Afonso da, Curso Curso de Direito Direito Constitucio Constitucional nal Positivo, Positivo, S. Paulo, Paulo, ed. RT; RT; Silva Riestra. Juan. Evalución de la ensenanza deI derecho penal eu la Universidad de Buenos Buenos Aires, Aires, Bs. I\s., Aproxim ximació ación n aI I\s., 194 1943; 3; Silva Silva Sánche Sánchez, z, Jesus Jesus Maria, Maria, Apro Simo imon, n, Dietcr Dietcr,, Die derecJw penal contemporâneo, Barcelona, 1992; S Unabhiingig Unabhiingigkeil keil des Rjchlers, Rjchlers, Darmstadt, Darmstadt, 1975; Simon. Simon. Paul, The Senare:S rol in judicial appoimmencs, em ludicalllre. 70, 1986, pp. 56 ss.; ss.; Squella Squella,, Agustí Agustín n lhering y la lucha por e! dere derecho cho,, Valparaiso, (org.), lhering Valparaiso, 1977; Stephen Stephen.. James, James, A History oI lhe Criminal Law 01 England, New York, 188 1882; 2; Story, Story, José, José, Poder Judicial de los Estados Unidos de América, su imporullu:ia Y Qlribuciones, B s. As., As., 186 1863; 3; Sutton, Sutton, J. S., S., American Tavares, Juarez, Juarez, American Govel7lmem Govel7lmem,, London, 1982; Tavares, Sislemos Teorias Teorias do Delito, Delito, S. Paulo, Paulo, 198 1980, 0, ed. RT; Tobe; Tobe;;as ;as,, Jose Jose Ca~tan Ca~tan,, Las Sislemos luridi luridicos cos Conlem Conlempor poráne áneos os dei Mundo Mundo Occide Occidemal mal,, Madri, Madri, 1957, ed. Reus; Thon. A., Norma Norma gillridica gillridica e diritta diritta soggettivo, soggettivo, 1878; Tocora, Fernando, Concrol cuns titucional yderechos hll11WtlOS, Bogotá, 1993; Viehweg.ll1eodor, Tópica yfilosofia dei derecho, derecho, Barcelo Barcelona. na. 199 1997; 7; do mesm mesmo, o, Tópica Tópica e Juri Jurispm spmdên dência cia,, trad. trad. Tércio Tércio Dogmalik Sampai Sampaioo Ferraz Ferraz Jr., Jr., Brasíli Brasília, a, 197 1979. 9. cd. Imp. Imp. Nac_; Nac_; Welz Welzel, el, Hans, Hans, Zur Dogmalik Maurach, Karlsruhe, Karlsruhe, 1972, pp. 5 sS.; do mesmo, mesmo, Rechl jm SlraJi"echl, em Fesl.f Maurach, und Silllichkeil, Silllichkeil, em Fesl.f Schaffslein, Schaffslein, Gottingen, J 975; também Abhandlungen zum Slrafrechl ""d zur Rechlsphilosophie, Berlim, Berlim, 1975; Wilson, Wilson, O. M.,Digeslo de la ley parlamenraria parlamenraria,, trad. A. A. Belim, Belim, Buenos Buenos Aires, Aires, 1877 (prefácio (prefácio ele DominDominGrosse se Recht Rechtsd sden enke kerr der der deuls deulsch chen en go F. Sar Sarmi mien ento to); ); Wolt" Wolt",, Erik, Erik, Gros Geislesgeschichle, Tiibingen, Tiibingen, 1951; Wolkmer, Wolkmer, Antônio Carlos, Pluralismo Pluralismo Jurídico, dico, S. Paulo, Paulo, 199 1997, 7, ed. I\lfa I\lfa Ômega Ômega;; Yardle Yardley, y, D.C.M. D.C.M.,, inlroducli inlroduclion on to Brilish Brilish Consli Conslilllc lllc/on /onal al La IV, Lond busca a de las penas penas Londres res,, 199 1990; 0; Zaffaro Zaffaroni, ni, E. R., En busc perdidas, Bs. I\s., I\s., 199 1990. 0.
~ 8. l. Método
METODO METODOLOG LOGIA IA
JURÍDIC JURÍDICO-P O-PENA ENAL L
e dogmáticajllrídica
1. O direito penal é um saber jurídico; jurídico; método método significa caminho; ocami. alcançar um saber jurídico deve ser Jurídico. O método método jurídico jurídico é nho para alcançar jurídico deve fundam fundament entalm alment entee de interp interpreta retação ção da lei lei e esta esta se expr express essaa em palavr palavras as (lin(lin-
guagem guagem escrita escrita). ). Possui Possui um obje objetiv tivo o prátic prático o - que é orientar orientar as decisões jurisdicionais - e, portanto, alcança tal objetivo influenciado pela concepção geral acerca de tais decisõe decisões. s. Deriva Deriva daí que o método método sempre sempre esteja esteja condiciocondicionado pelo modelo de estado estado ao qual o saber saber jurídic jurídico o serve, ou seja, seja, sua escolha escolha é precedida precedida por uma decisão decisão política política fundamenta fundamental. l. Quando Quando o Poder Poder Judiciário Judiciário se limita a executar executar as leis, em função função de um ordename ordenamento nto disciplinar disciplinar da sociesociedade dade no marco marco de um estado estado vertic verticaliz alizado ado de forma forma militar, militar, é suficien suficiente te um saber saber jurídico jurídico baseado baseado na interpret interpretação ação puramente puramente gramatical gramatical (como a exegese exegese no estado estado bonapartist bonapartista), a), que faz da lei hierarquicamen hierarquicamente te inferior inferior uma espécie de fetiche'; quando quando o Poder Judiciário Judiciário constitui constitui um instrume instrumento nto nas mãos mãos de uma uma facção governante governante que não ubserva ubserva sequer suas próprias próprias decisôes decisôes prévias. prévias. não há método, método, c sim meras raciona racionalizaçõe lizaçõess jurídicas jurídicas da vontade arbitráriaomnírnoda do governo governo (estado (estado de pulícia); pulícia); se, entretanto, entretanto, o Poder Judiciário Judiciário se encarrega encarrega efetivament efetivamentee da produção produção racional racional de decisões, decisões, no quadro quadro de uma Constitui Constituição ção republicana republicana por cuja cuja supremacia supremacia lhe caiba velar, o método se orienta orienta na direção direção da construção construção de um sistem sistema a (estado (estado constitucio constitucional nal de direito). direito). Mesmo dentro dentro do modelo modelo napoleônic napoleônico, o, contudo. contudo. o recurso recurso à exegese é insuficiente, apresentando-se apenas apenas como o primeiro passo de uma interpretaç interpretação ão útil, fracassand fracassando o desde desde logo perante perante as leis gramaticalmente gramaticalmente equívocas equívocas ou contraditó contraditórias. rias. sem contar com o fato de que a linguage linguagem m jamais jamais é totalm totalment entee unívoc unívoca. a. Por isso, isso, é claro que que o direito direito não é objeto de interpretaçã interpretação o senão fnlto dela, ou seja, de uma variável variável que não depende depende apenas apenas da legislação legislação mas, sobretudo sobretudo,, da atividade atividade doutrinária doutrinária e jurispnldcncial2, que nunca nunca é asséptica asséptica ou inocente a respeito respeito do poder. poder.
2. Qual Qualque querr método método,, para para ser jurídic jurídico, o, requer requer uma anális análisee exegét exegética ica (e também também histórica histórica e genealógi genealógica) ca) da lei lei e uma posterio posteriorr construç construção ão explicativa. explicativa. Em suma, trata-se da necessida necessidade de de construir construir um sistema, isto é , de formar um conjunto conjunto organizado organizado que enlace enlace seus elementos. elementos. É, aproxima aproximadamen damente. te. o que se e.'(cgese. Coelho. Luiz Doracto. Pedro. El duecha y sw' sacerdotes, p. 4 3. 3. S o b r e a escola da e.'(cgese. Fernan Fernando. do. Lógica Lógica Jurídi Jurídica ca c lnlcrpr lnlcrprd:l d:lçào çào Guasli Guaslini. ni.
Riccar Riccardo do _ Rebuff Rebuffa. a. Giorgi Giorgio. o.
das Leis. Leis. Rio, Rio, 1979. 1979. cd. Forense Forense.. pp. 88 s<;,. s<;,. na Introducciún
a Tarcll Tarcllo, o, Giovan Giovanni, ni,
p. 16.
faz desde que os glosadores
inauguraram
o saber jurídico-penal3
,
rccordando-
se como primeira definição jurídica do delito aquela formulada por Tibério 4 Deciano , e que se expressa com", metalinguagcm manifesta desde o século s XIX ;.com a chamada dogmática jurídica, consistente na decomposição do texto legal em elementos simples de conteúdo reconhecido (dogmas), com os •
quais, em seguida, se procede à construção de uma teoria interpretativa, deve corresponder a três regras básicas: a) completitude lógica, quer dizer, não seja interiormente contraditória. Esta regra será violada, por exemplo, uma teoria que considere uma mesma circunstância eximente e atenuante,
que que por sem
compatibilizar os critérios (sem distinguir os casos onde exime de pena e onde simplesmente a atenua). porque equivale a dizer que alguma coisa é c não é ao mesmo tempo: b) compatibilidade legal, ou seja, que não possa imotivadamente postular decisões contrárias à lei. Tal regra não deve ser entendida qual servilismo exegético para com a letra da lei penal subordinada: a construção deve considerar, antes de mais nada, a Constituição e o direito internacional dos Direitos Humanos; a compatibilização deve privilegiar a lei constitucional e internacional; c) harmoni£ljurídica, também chamada de lei da estéticajurfdi6
ca , segundo a qual a construção deve ser simétrica, não porém artiticiosa OLl amaneirada, c mostrar certa grâce c /li nalure/. Esta regra não se impõe tão absolutamente
quanto as duas anteriores,
mas sua observância
veniente. Uma teoria que admita faltar em um pressuposto em outro, e procure sair deste impasse inventando cada oportunidade, não respeita essa regra.
é altamente cun-
o que é necessário
equivalentes
eventuais em
3. Afirma-se que a dogmática jurídica "estabelece limites e constrói conceitos, possibilita lima aplicação do direito penal segura c previsível e subtrai essa aplicação da irracionalidadc, da arbi[rariedade e da improvisação"7. O certo, porém, é que não basta a previsibilidade das decis6es ncm a conslruçâo
conceitual para prover segurança jurídica, sem prejuízo de que muitas vezes a dogmática
4. Já se observou que o saber jurídico-penal (direito penal) tem por objeto a segurança jurídica (aqui entendida como a dos dircitos ou bens jurídicos de toda a população) ao propor üs agências jurídicas que operem otimizando scu exercício de poder para controlar, limitar e reduzir o poder das agências de criminalização primária e secullll~í.ria. Assim, tut.clará os bens jurídicos de (Od3 a população diante de UIIl poder que, de outro modo, seria ilimitado (na forma do estado de polícia) e acabaria no caos que o artigo 60, ~ 4°da Constituição da República quer evitar; deste [lOgulo, a segurança jurídica, mais que segurança por meio do direito, seria a segurança do próprio direitos. Esta percepção do direito penal se esquiva à crítica que considera que o projeto político e social da modernidade frustrou-se por não resolver o problema da violência, por identil1car o direito como racionalização da violência9, respondendo ao famoso paradoxo de Radbruch: ml0 um direito penal melhor. mas sim algo melhor que () lu . Um direito penal melhor é aquele que reduz o poder punitivo,
direito penal
abrindo assim espaço para modelos cficazes de solução de conflitos, quc serão sempre algo melhor que o poder punitivo. 5. Aquela função de prover segurança jurídica não se satisfaz com uma mera previsibilidade das decisües: segurallçajurídica não é segurança de resll posta . Tuuo uependerá de qual resposta segura se trate, pois o estado ele polícia costuma oferecer certa segurança de respostal2 , embora o positivo ncsses casos pode ser precisamente eludi-la. Não é tampouco sul1ciente a constrllO discurso jurídico garanta segurança jurídica. Uma
çâo conceilual para que construção
Rudolf von, L'esprit du Droit Romain, 1. m, p. 26 $S.; Pasini, Dino, Etl.l'ayo sobre lhering; Wolf. Erik, Grosse Rechlsdenker, p. 616 $S.; completa informaçãu em Agustín Squella (org.), lheri"g y la lucha por el derecho.
Jhering,
Cf. Girnhcrnat Ordcig. Enrique, em Problemas ac/uales de las Ciencias Penales y de la filosoFa dei DerecllO, p. 495 ss.
especulativa,
elaborada
em função de dados legais e da-
Radbruch. Gustav, llllrod/ICcicJlI, p. 39; contrapõe-se à lese que sustenta a proteção dos hens jurídicos assinalados pelo legislador, e ao conseqilentc debate com aqueles que postulam a tutela de valores étic(Hociais, que se resolvia pela visão dominante atribuindo uma suposta dupla função protetora (ussim, Wcsscls, p. 2; f••.tezger-Blei, pp. 116.7, I\tezger, Modeme Wege, p. 2t 5S.: llaulrI:J.lln, pr. 13-14: Bockelmann, p. 53 5S.: Mayer, p. 28 5S.). H., p. 20; Stratenwerl,
Seu Trac/ollu Criminalü (1590) dizia que "delito é () fato dito ou escrito de um homem, por dolo nu por culpa, proibido peia lei vigente sob ameaça de pena, que nenhuma justa causa pode escusar" Friedrich, La ciencia ellropea, p. 112). (d. Schaffstein,
L 'esprit du Droit Romai", 1. fIl, p. 69.
conceitual
dos da realidade selecionados para não desvirtuá-la, racionalizando deste modo qualquer exercício do poder punitivo. mas que omita ser guiada por um sentido político (que não se pergunte para que serve) não é capaz de prover segurança
A rigor. a modernidade jurídica começa no século XII, com a renovação do direito justiniâneo. cC Pereira dos Santos, Gérson, Do passado ao jutllro em direito penal, p. l7; Rüping, fi., Grulldriss, p. 33; Morillas Cueva, Lorenzo, MelOdología y cieflcia penal. p. 13; Piano Mooari. Vincenzo, Dogma/ica e illlerpre/al.iolle, p. 13; Legemlre, Pierre, em Derecho y psicoanálisi.~, p. 131 55.
Sobre ela, Jhering,
nem sequer tenha permitido tal previsibilidade.
Mcssner, Radbruch,
" "
Claudio,
em D[)Ut>, 1/94, p. 51 ss.
Gustav,
El lwmbrc
t'T1
el derecho, p. 69.
A respeito do conceito ohjetivo de segurança ~ do sentimento Carrara, Programma, n° 103; Carrnignani, EJemeflfQ, n° 124. Cf. L6pez
de Oilate,
Flavio,
La certeza
dei derecJlO, p. 16 J .
de segurança
jurídica,
jurídica. por mais previsíveis que sejam as decisões jurisdicionais que ela pro puser. A velha jurispntdência de conceitos seria o paradigma de semelhante construção e sua crítica não é novã'3 . Por outro lado, há também construções concel\uais autoritárias e totalitárias, feitas sob medida para estados de polícia, embora illgumas pareçam rudimentares, questionáveis portanto em sua consideração corno saber jurídico. 6. O objetivo atribuído ao saber jurídico-penal não é produto do método, mas sim pressuposto dele O método é o caminho e este se constrói para chegar a algum destino. O direito penal, neste sentido, é teleológico: trata-se de um saber com um destino político definido de antemão, que pode ser garantidor (limitador) ou autoritário (supressor de limites), funcional quanto ao estado de direito ou ao estado de polícia. A construção jurídico-penal não tem outro recurso senão escolher de uma maneira consciente seu objetivo, pois. em caso contrário. não sabe o que constrói, porque não esclarece previamente para que serve e. por conseguinte, ignora a que lugar conduz: o discurso penal lllllOritá. rio é irracional por seus objetivos, mas aquele que pretende ser politicamente neutro é irracional por seu método construtivo, sem preju{zo de que possa acabar /lOautoritarismo e ainda que mio ()Jaça. l4 •
7. Os objetivos políticos foram legislativamente Illoldados desde o século XIX: Feuerbach sustentava que o.direito penal- através dos tipos - tutelava direilOs subjetivos, em oposição ao bonapartismo, que lhe concedia a tutela do direito objelivo, entendido como vOJ1lade do estado, da lei ou - o que é pior - do legislador. A vontade do estado ali da lei é algo tão misterioso quanto seu esp(rjto; a do legislador pode ser entendid.l como uma ficção, como a dos projetislas ou a do legislador histórico. A primeira, por 1150 passar mesmo de ficção, não existe; os projetistas são tantos que é muito difícil averiguar qual foi sua vontade, se é que ela exjstiu~ a do legislador hislórico é reconhecível. às vezes, se foi expressa nos fundamentos dados (exposições de motivos). As exposições de motivos constilllCITlUIlldado histórico que não deve ser desprezado como parte da análise da lei, mas que não vincula o intérprete's .
I '
l ~
I'
A crítica originária tocou ao próprio Jhering, Der ZU'eck im Redu. Considera-se o antecedente da chamada "jurisprudência de iOlcrcsses" (cf. Recil5cn5 Siches, Luis. Panorama. p. 268 >S.). Sohn: a necessidade de um ponto de partida cxtralegal para iniciar a cadeia argumentativa. Bacigalupo. Enrique. em DDDP. n° 2, 1983, p. 259. Cf. infra, ~ 10, IV. Cf. Florez de Quinones. ~1.C.R., Valor yfunci6n de las exposici(Jnes de motivos en las nonnas jllridicas, Santiago de Compostela. 1972, ed. Un.S.Comp.
8. lf inevitável que o direito penal se assente sobre uma decisão prédogmática (ou pré-sistemática) para construir Os conceitos sistemáticos, de acordo com wn selllido (objeth'o político), não só como resultado de uma dedução, como também porque, empiricamentc, a própria história do direito penal demonstra que tanto se pode teorizar para preservar os espaços sociais de liberdade do estado de direito ou para reduzi-los - conforme o modelo do estado de polícia - quanto se pode construir conceitos de segurança cujo objeto cOITesponda aos direitos das pessoas ou à autoridade corp~rativa do estado, ou seja, para consolidar o estado de direito ou para destruí-lo. A/llllciolla/idade politica dos conceitos jurídicos é só um dado ôntico; o sistema pode assumi-la e expressála, tornando-a mamfesta, mas se não Ofizer a única coisa que consegue é deixá-la latellle.
9. Não é possível negar que há usos relativamente perversos do método dogmático. Sua aplicação estritamente linlitada às leis clássicas (completitude lógica c compatibilidade legal), a restrição de dados para interpretar, reduzindo-os aos normativos (dever ser), a refutação de dados do ser ou sua seleção arbitrária e a incorporação de dados do dever ser corno se procedessem da realidade (confusão dos planos normativo e ôntico) permitem construções especulativas conceituais que possibilitam a imposição de penas a fatos que não são ações nem são lesivos; que todo resultado seja considerado previsível; que de todo comportamento se deduza insurgência quanto a um valor jurídico; que todo vulnefÜvel seja tido como perigoso; que rodo dissidente seja considerado inimigo do estado ou da sociedade; que toda lesão seja vista como censurável; ou ainda que toda censura alcance a máxima entidade. 10. Todas essas racionalizações (falsas aparências de racionalidade) foram historicamente construídas em forma de sistema. Prova disso é que, sal vo uma minoria (u Kielerscllllle), os penalistas alemães restantes continuaram trabalhando com método dogmático sobre a legisração penal nacional-socialista'6• método também usado pelo fascismo que se colocou a serviço da segurança nacional em nosso continente'8 e que hoje, potencializando o estado de polícia, atende aos esforços de uma absolutização da chamada segurança cidadã com teorias de prevenção gcraL Tais racionalizações autoritárias legitimam o poder punitivo, começando por legitimar toda a criminalização primária de uma maneira acrítica. Para cumprir essa função política, seu ponto de partida teórico é uma confusão dos planos normativo e fático: o requisito republicano, segundo o qual o 17
I!>
n 11
•
v. Mezger. Edmund, em ZStW, 57, p. 675 ss. Saltelli, Carlo, em Conferenze in tema di legislaz;one fascista, p. 99 Bayardo Bengoa, Fernando. Dogmáticajurídico-peneI!.
55.
legisladorde\'e ser racional, transmutll-sc naficção de que o legislador é racionall' ). Partindo dessa ficção, a doutrina penal se impõe como tarefa construir um sistema que legitima todas as crimin~lizações
primárias decididas em função de
políticit(; e maiorias conjunturais, sacrificando os dados da realidade que pel1ur bam ali obstaculizam sua elaboração. Deste modo, obteve-se um grau tão refinado de racionalização que é possível explicar, nos termos dessa sistemática perversa, qualquer decisão criminalizante, por mais absurda e arbitrária que seja20 . 11. O princípio republicano 21
nais
,
de governo impõe que seus atos sejam raeioM
mas ncm sempre eles são tudo o que de~'emser. A chave superadora
está
em construir um sistema no qual as decisiJes jurisdicionais sejam racionais, descarrando os atos legislativos, total ou parcialmente, quando sita irracionolüJlldefor irredwivel, isto é,formulando uma propOSladogmática que assegure ()avanço do principio republicano e não seu próprio definhamento.
riar, de modo que ele tende a ultrapassar o dique por transbordamento. Para evitar isso, deve o dique dar passagem a UfiUl quantidade controlada de poder punitivo. fazendo-o de modo seletivo,filtrando apenas a torrente menos irracional e reduzindo slIa turbulência, mediante um complicado sistema de comportas 'lue impeça a ruptura de qualquer lima delas e que, caso isto ocorra, disponha de outras que r~assegurem a contenção. O direito penal deve opor ao poder punitivo lima seletividade com sinal trocado, conligurando perante ele umacofllraMseletividade. A proposta de uma constante contrapuls50 jurídica ao poder punitivo do estado policial, como um unfinished, impurta atribuir al)juiz penal a função de um pcrM sonagcm trágico22 , cujas decisões nunca aparecerão como completamente satisfatórias, porque deve opor toda a sua resistência ao poder punitivo. O poder punitivo que ameaça transbordar do dique é aquele habilitado pelas leis com funções punitivas latentes ou eventuais. A respeito, porém, do poder punitivo que as leis penais manifestas habilitam, daquele que é menos irracional, não pode fecharlhe completamente a passagem, embora deva envidarcsforços para que seja aberM
12. A perversão na aplicação do método dogmático não é uma conseqiiência da construção conceitual de um sistema, mas sim do sentido com que se
ta só quando esliverem ultrapassadas as comportas dos sucessivos momentos processuais (ele as entreabre com o processo, as abre com a prisão preventiva,
constrói esse sistema (o para quê do mesmo), que fracassa quando ele é submetido ~ servidão de umei'lado legal de direito em lugar de convertê-lo em instruI mento de um estadu cunstitucional de direito. O estado legal de direito pode não ser autoritário, mas sempre corre o risco de sê-lo como conseqüência da
determina a quantidade que deixa passar com a sentença c controla a que passa durante a execução) e estiver legalmente comprovado que em todos eles ocorre um pressuposto onde a racionalidade do poder está menos comprometida.
legislativa, tendente a clamar por um sistema dogmático servil e incondicional que sacrifique a realidade pela pretensa vOllladedo legislador. A
2. Nesse percurso. as hidráulicas penal e processual penal devem coincidir, a fim de permitir que as comportas só possam ser ultrapassadas pelo poder
onipotência
sistem:uização não tem outro efeito senão cvitar contradições internas da teoria, transferindo para toda a construção um componente teórico, que sení autoritário ou limitador segundo a prévia função política atribuída ao sistema de COfllM preensão que se constrói (teleologia construtiva).
lI. Necessidade de construir
1lI1l
sistema
1. O direito penal deve programar o exercício do poder jurídico como um
punitivo que não apresentar sinais de irracionalidadc. Ao fim do percurso, chega-se à criminalizaçii.o secundária formal de lima pessoa, o que em termos jurídico-penais pressupõe duas grandes linhas de comportas seletiva.~';a) a impede a passagem do poder punitivo quando os presi'u{Jostos para requerê-lo li agência judicial não estão dados; b) a segunda indica o modo como a agência judicial deve responder a esse rcquerimenro. A primeira é chamada de teoria do delito, e a segunda de teoria da responsabilidade penal.
primeira
diqlteque contenha o estado de polícia, impedindo que afogue o estado de direito.
3. Não causa espécie o falo de que o direito penallcnha se detido para elaborar a teoria do delito de modo sumamente refinado, em especial quanto à
Entretanto, as águas do estado de polícia se encontram sempre em um nível supe-
aplicação do método dogmático,
19
Cf. Pereira de Andrade, Vem Regina, Dogmática e sistema penal, p. 66.
:{J
Cf. SchUnem3.nn. Bernd. Cnnsideraciones críticas. p. 51; Pereira de Andrade,
Vem Regina.
[)ogmática e sistema penal. ! I
pois esta, COlllO sistema de filtros que permite
formular a indagação acerca dos pressupostos de uma resposta da agênciajurídica habilitante do poder punitivo, constitui a mais importante concrcção da
Sobre níveis t: critérios de racionalidade (lingUística, jurídicoMformal, pragmática. de la raciollalidad; García, José F e r M tekolcígica, ética). Nozick. Robert, lA rzalUrale;:l1. nando. l.a raciollalidad en política y cn ciellcias sociales; Atienza, Manuel, Tras la justicia, p. 199 5S
função do direito penal a respeito do poder punitivo negativo ou repressivo, habilitado pelas leis penais manifestas. Neste capítulo a dogmática jurídico penal alcançou seu desenvolvimento mais sutil, supcnlimcnsionado às demais questões do direito penal. 11
Dreher, Eduard, em Fest. f Bockelmanll, p. 45.
em relação
-
4. Dentro do esquema tradicional de discursos legitimantes do poder puniti vO,pôs-se em discussdo necessidade de um sistema, com diversos argumentos e objetivos. Tendo em vista o deseH'Volvimento tão notório e desproporcionado da teor~ do delito, não é de se estranhar que nesse assunto se confundam as críticas ao próprio método e à dogmática com aquelas que se dirigem para algumas específicas construções da teoria do delito.
sllbjetivo, que
não é tão rudimentar quanto se pretendc:27 nem muito direrent~ dos do século passado europeu continellla! e daquele ainda hoje vigente na doulrina francesa. Teóricos e legisladores de tradição :mglo-saxônica foram inOuenciados por legisladores europeus continentais ,e as respectivas obras doutrinárüt'\ registram tal influência. As comparações doutrinárias não são raras nas últimas décadas2 Y , o que comprova a existência de um sistema, pois, de outro modo, seria impossível levá-Ias a cabo.
5. Hoje em dia tornaram-se históricas as críticas à construção do sistema de compreensão proveniente da t.:scola de Kiel, ou melhor, do nacional-socialismo penai ativo e militante, que defendia um delito entendido como toralidade, reduzindo o direito penal a pura decisão política. Estamos procurando demonstrar que a construção do sistema pressupõe uma decisão polÍlica pré-sistemática, ao contrário de urna construção tradicional que, às vezes, a esquece e considera possível construir um sistema que prescinda dessa decisão (como, por exemplo. a maior parte do neokantismo); a Kielerschule tentou o caminho exatamente inverso: resolveu ficar com a pura decisão polílica. É perfeitarnellle explicável: a decisão política irracional em favor do estado de pulícia <.ksiste dt: oferect:r à agência judicial um programa racional de decisões, não só desnecessário corno também incômodo e perturbador para o e stado de polícia!J.
8. OUlra venente crítica observa que a construção de um sistema pode prejudicar ajustiça quanto à solução de casos parriculares, redu7.iras possibilidades de solucionar problemas, chegar a decisões contdrias à política criminal incidir na aplicação de conceitos excessivamc:nle abstratos A rigor. esses defeitos não são atribuíveis à existência de um sistema. mas às características particulares de alguns sistemas. Merece especial menção a observação referente à política criminal: se, como tal, se entende a dificuldade para levar alguma função manifcsta da pena at~ suas últimas conseqüências, em um sistema quc o impede pela necessidade de não contradi7.eralgum dado legal o u interno, além de que, às vezes, isso possa ser uma vallta. gem e não um defeito (quando um limite impede a pretensão de impor tudo aquilo de que a aspirada prevenção necessitaria), nos casOScontrários se trata de um defeito também atribuível à construção do sistema e não f i sua mera existência. Se se constrói um sistema partindo de uma pretensa função positiva do poder punitivo. e a medida da pena que esta função indica não pode ser obtida porque a lei não o permite, deve optar-se entre considerar inconstitucional a lei ou metodologicamente incorreta a construção, por violar a regra da compatibilidade legal.
li
2M
a li
JO
6. Tão históricos quanto os esforços dos penalistas de Kiel são aqueles levados a cabo pelos jus-filósofos da escola egológica argentina~~•.os quais não ostentavam signo político manifesto, sendo duvidoso que, em alguns aspectos. correspondessem a essa corrente de uma maneira ortodoxa. No caso da cgologia, as tentativas de aplicar a teoria do direito em geral ao direito penal em particular não passaram de manifestações isoladas. Do mesmo modo, os escassos ensaios baseados no ncokantismo de Marburgo tampouco surtiram efeilo~j. 7. O entendimento do direito penal anglo-saxão (sobreludo britânico) conservaria mais atualidade, como urna prova empírica das possibilidades de funcionamento de uma agência judicial que oferece garantias. apesar de não dispor de um sistema teórico de direito penal e especialmente do delito2(,. Trata-se de um posicionamenlo pouco convincente. porquanto é basti:lOteclaro o fato de que ajurisprudência inglesa dispõe de um sistema estruturado na mens rea e no actus reus, quer dizer, de um sistema objetivo-
9. Outra objeção à sistematização do direito penal e especialmel1le do delito poderia provir da chamada tópica ou pensamento problemático, que remonta a Arislóteles, Cícero e Vico, e que consisle em argumentar favorável e contrariamente •. todas as possíveis soluções de cada caso em particular, até chegar a uma que suscite consenso geral como manifestação de vontade comum (tal como Viehweg propôs em famosa conferência de t 950)11. Além do fato de que o método traga poucas inovações, pois é a base de qualquer gênero de propostas conciliatórias. conhecidas em matéria de ofensas à honra há alguns séculos.l~, e de que < I solução por consenso seja i
. ,
11
cr. () desenvolvimento de Smith-lIogan; o conceito de merls rea em Cadoppi, Alberto .
historicamente, Prentiss Bishop,1ncl. New Commelltaries; Stcphcn, James Fitzjames, A history. ]~ Cf. Cudoppi, Alberto, em RIDPP, 3, 1992. ],. Por exemplo, Eser. Albin - F1cteher, George S., Rechtjertigung ulld Enrschuldigtmg. Roxin, p. 214. 'I Viehweg, Theodor, Tópica y filosofia. Cf. [Jmbém sua tese ele livre-docência em Munique, de 1953 (Vichweg, Theodor, Tópica e Jurisprudência, trad. Tércio Sampaio Perraz 1r.,Brasília, 1979. ed. Imp. Nac.) Albergati, Fabio, Del modo di ridj~rre li pace l'inimicirie private. Estralto dal Digesto;
H
Sobre o irracionalismo de Kiel, Morillas Cueva. Lorenzo, Metodología. p. 176. Landaburu, Laureano, El delito como estfllClUra; Atülión, Enrique R., UI escuela penal técnico-jurídica.
H
~ó
v .. por ex., Klcin Quintana. Julio. EnsC/yo de una 1f!oría jurídic a dei dereclio penal. Nino. Carlos $., Consideraciones sobre la dogmática; do mesmo. Algunos modelos
metodológicos
de ciencia jurídit.:a.
,
_ ,O !
.'1~
tradicional em muitas culturas pré-hispânicas de nosso continente, é natural que o âmbito onde a tópica tenha sido discutida mais amplamente seja o do direito civil, por se tratar de um insumo retórico para à solução conciliatória de conflitos. Sua aplica~ ção aó'{lireito penal33 só é imaginável à medida que sejam adotados mecanismos de diversion34 , nos quais os conflitos saiam do direito penal para serem resolvidos por via conciliatória, mas enquanto tais conflitos se mantiverem dentro do modelo punitivo lama-se impossível, porquanto a intervenção penal é incompatível com a conci~ liação, por tcr suprimido a vítima: não há qualquer possibilidade de consenso quando uma das partes fica excluída do modelo e passa a ser substituída pelo poder, que assume seu papel através de uma ficção. As objeções que foram formuladas à construção de um sistema em direito penal e à dogmática jurídico-penal em particular, especialmente no âmbiw da teoria do delito. têm considerável consistência e não podem ser ignoradas, até porque a sistematiza~'ão não cumpriu suas promessas35• Em boa medida, pode-se mesmo afir10.
mar que o empenho sistemático facilitou a racionalização do poder punitivo c não questionou sua função, bem como que a pluralidade de teorias pennitiu sustentar soluções díspares e. portanto, proceder de modo arbitrário. Cabe imputar ao empenho sistemático alguns equívocos, principalmente pelo mito do legislador racional, instrumento teórico que lhe subtraiu [orça crítica3ó ; a pretendida assepsia ideológica de algumas construções ignorou que a ideologia é parte inevitável do discurso jurídic037 ; certo uso do método propiciou comparações com a geomerria e a teologial~; freqüentemente incidiu.se num excesso de nonnativismo39 com formulações exclusivamente abstratas40, o que por vezes lcvou.o a encerrar.se numa "jaula de Paraday'''Il; a deficiência na integração dos postulados dos direitos humanos.J2. que ex ige uma séria Em sentido crítico c reivindicando a necessidade do sistema. Gimbernal Onleig, Enrique, COIlCeplU y método. p. 105. .\~ Sobre este conceito. Kury, Helmut.Luchenmüller. Hedwig, Diversioll; cf. RIDP. v. 54, 1983, n O 3-4. .1 ~ Cf. Pereira de Andrade, Verti Regina, op. cit. l(' Sobre este miro, Nino, Carlos S,mtiago, COl1sideraciones sobre ia dogmática jurídica.
renovação clílica13; e, por fim. o empenho sistemático cos£Umaesquecl:r-se de que a interpretação judicial das leis é um alOde compreensão de textos, e por is:-;oman.:ado também pelas limitações. preconceitos, subjetivismos, rotinas e espontaneidade das demais formas de compreensão4 .1 • 11. Tais objeções propõem duas questões: a) a metodologia que permitill a legitimação do poder punitivo será lÍtill}{lralimitá-lo, fIO momento de efetuar sua deslegitimaçc70 como base de /Im direito penal moderador e redutor dele? b) É possível construir um sistema a partir da des/egitifflaçâo do poder punitivo? Cabe urna resposta afirmativa às duas perguntas. Respondcr ncgativ
política (sendo, por dcfini.
ção, arbitrário - sua (mica coerência se dá através da vontade do poder, cuja expressão mais elevada é o Führerprinzip)45, Illas não a tolera o estado de direito, que impõe aos juízes decisões racionais. A circunstância de que o sistema deva ser construído completando-se logicamente a partir de uma função Illode. mdora não lhe tira o caráter de sistema: as contradições com soluções obtidas por um sistema que apenas se constrói em busca de completitude lógica (supostamente livre de qualquer funcionalidade política) serão inevitáveis e dificultarão a discussão e comunicação entre teorias, mas este é o conhecido problema da incomensurabilidade, dilema próprio da epistemologia penal cm particular 46.
geral c não do direito
.1.1
Kennedy, Duncall, Libertad y restricción enio decisiónjudicial; sobrc os difcrentes concei~ [OS da ideologia e sua história, Eagleton, Terry. Ideolog[a. . l ~Gardella, luan Carlos, em Encidopedia Jurídica Omeba, p. 230; Cerroni. Umberto, Metndología y ciencia social. p. 112. Afirma-se que a idéia de sistema, estreitamente vinculada à questão da certeza da fé no debate teológico, leria passado, no início do século XVII, da astronomia e da teoria musical à teologia, à filosofia e à jurisprudência (Luhmann, Niklas. Sistema Giuridico e Dogmafica Gillridica, trad. A. rcbbrajo, Bolonha, 1978. ed. 11Mulino, p. 35). .1~ Küpper, Gcorg, Grenzen, p. 202; Creus, Carlos, em NDP, nO 1997/B, p. 609 S5. 40 Novoa Monrcal, Eduardo, La evolución deI derecho penal, p. 46; do mesmo; em DP, 1982, l7
p. 567 ss.
Schubanh, Manin, em ZStW. 1998, p. 827. 4~ Carvalho, Sala de. em DS-CDS, n° 4, 1997, p. 69
12. O desenvolvimento conceitual do direito penal- em particular, o rere. rente à teoria do delito - constitui um esforço de raciocínio e pesquisa muito peculiar dentro do campo jurídico. Quase todas as possibilidades sistemáticas de construção, com díspares fundamentos tilosóficos, de teoria do conhccimcn. to e de metas políticas foram exploradas. Refutar essa experiência e esse treinamento seculares, na tarefa de construir um direito penal exclusivamente redutor do exercício do poder punitivo, seria mergulhar no eonsabido absurdo de pretender descobrir
.J.l
44
5S.
46
Fernández Curr:lsquilla, Juan. em Actuaiidad
e levaria a uma série de desatinos
Penal, n° 2, [995, p. 6955. deI duecho penal de ho)', p. 42. Seu enunciado em frank. Hans, Im Angesicht des Galgens, p. 466; do mesmo. Rechtsgnlfldlegung de.~ naziollal.mzialistischen Führerstaafes, pp. 11 e 39. Fcycrabend. Paul K., Diálogo sobre el mêtodo.
Ü
~ l
o que todos conhecem
Hasscmcr. Winfricd. Crítica
intuicionistas isolados e, sobretudo, inidôneos para a função prática do direito penal (orientar as agências jurídicas do sistema penal). O direito penal se dissolveria numa crítica política sem serrlido prático'H. No fundo. seu resultado seria a extrema legiti"mante através da neutralização da critica discursiva: radicalízação política do discurso anula seus efeitos críticos. pois produz um imobilismo impotente por incapacidade de mudar tudo a partir de uma prévia redução a nada. Certamente isto não significa que haja um único sistema ou
constmção válidoS48 • pois o saber jurídico. que nesse aspecto não se distingue dos demais saberes, sempre admite a elaboração de um sistema livre de contra49 dições, embora incompatível com outro que tampouco as contcnha . 13. Para um direito penal entendido como filtro redutor da irraeionalidade e da violência do poder punitivo. as comportas do dique penal que contiverem as águas desse poder devem fazê-lo com inteligência. Descartado o impedimento da passagem de toda a água (que levaria o dique à estagnação ou à ruptura), ele não poderá permitir a passagem de qualquer água nem de qualquer forma: sua quantidade, qualidade ~ forma de passar devem ser cuidadosamente predeterminadas. Se o poder punitivo é uma força irracional e o direito penal deve dar passagem somente àquela parte dela que menos comprometa a racionalidade do estado de direito, a seleção penal deve ser racional, para compensar - até onde puder - a violência seletiva irracional da torrente punitiva. Duas seleções irracionais resultariam, pelo menos, numa soma de irracional idades, sem prejuízo de sua eventual potenciação. As comportas não podem opcrar esta seleção inteligente se não se combinarem em forma de sistema, aqui entendido - ante a equivocidade do vocábulo - em seu significado kantiano: "a unidade de diversos conhecimentos, segundo uma idéia ", de modo que, a priori, se conheça o âmbito de seus componentes e os lugares das partes50.
H
H 4 ~
50
O ensaio mais refinado para resolvê-lo a partir da teoria política é o uso altcrnativo do direito; cf. Barcdlona. Pielro - Cotturri, Giuseppe. El estado y los juristas; também Andrés Ibaõcz. Pcrfccto, PoUrica y jus/ida e/l el eJwdo capitalista. No Brasil, numa clave insligante de pluralismo jurídico. cf. Bucno de Carvalho, Amilton, Direilo Allernativo em Movimento, Niterói, 1997. ed. Luam; do mesmo (dir.) Revista de Direito Alternati..... o. S. Paulo. 1992, ed. Acadêmica. Cf. ainda Arruda Jr., Edmundo L., Introdução à Sociologia Jurídica Altcm:lliva. S. Paulo. 1993. ed. Acadêmica; Wolkmer. Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico, S. Paulo, 1997, ed. Alfa Ômega. Cf. 1\..lunoz.Conde. Francisco. em Re~'.Penal. n" 5. 2000, p. 44 Cf. Price. H. H., Tmlh al!d Corregibility, p. 1955. Kant. Kritik der reineI! Vcrmmft, 11,696. 55.
IIl. Sistemas classijicatórios e teleológicos, legitimantes e poder político e jurídico
dogmáticas
I. Os sistemas de compreensão elaborados pelo direito penal podem ser , segundo sua elaboração pressuponha uma funcionalidade política e social ou se limite a simplesmente organizar, classificar e hierarquizar elementos ou componentesS2 • Neste último caso, omitem toda referência ao objeto que o saber penal busca, ou o subestimam, com o que sua função fica latente. Embora a opção por um ou 'o utro caminho pertença aos teóricos, nem por isso se deve pensar que a aceitação de um ali de outro critério depende apenas de uma decisão tc'ó rica desvinculada do poder. A esse respeito nenhuma teoria conspirat6ria é verdadeira, sendo incabível imaginar que a dou. trina se elabore diretamente por incumbência do poder. O êxito político de uma sistematização (sua influência sobre as agências jurídicas) depende do poder, porque o saber jurídico é aplicado, ou seja, é um saber posto a serviço das agências jurídicas e estas preferem os sistemas de compreensão que sejam mais úteis para seu próprio exercício, o que, por sua vez, depende da estrutura de poder da agência jurídica e do estado. Os teóricos podem afastar-se dessas ne. cessidaues, mas suas construções não terão êxito político - pelo menos imediato _ porquanto as agências não as assumirão por resultarem disfuncionais para o modelo decisório que a estrutura de poder na qual estão inseridas lhes impõe. Na história do saber penal podem ser encontradas construções teóricas marginais, algumas citadas como raridades, embora fossem inteligentes e de maior valor científico que outras, mas que não exerceram influência alguma sobre as agências jurídicas, em viI1ude de não servirem ao exercício de poder na ocasião. Outras vão adquirir importância em uma etapa histórica posterior à sua formu-. lação: Beccaria c suas traduções não influíram sobre os tribunais, mas sim sobre os políticos de seu tempo, pois a doutrina que as agências jurídicas daque. le momento absorviam era a dos comentaristas das leis vigentes; Dorado r-.1ontero não influiu tampouco sobre os juízes etc. Em geral. as que obtêm êxito - inclusive político - conseguem isso através das agências ideológicas reprodutoras, nas quais são treinados os futuros operadores das jurídicas. teleológicos ou classijicatórios S I
2. Ensaiar um sistema de compreensão do direito penal para um estado constitucional de direito não é a mesma coisa que ensaiá. lo para um estado legal de direito. O segundo tenuerá a ser classificatório. porque suas agências
judiciais requerem organização que lhes permita resolver os casos sem deixar de fora a racionalização dc toda e qualquer lei penal. Elas não enfrentam o 51 5~
Cf. Jt:scheck.Wcigcnd, p. 204; Jakohs, p. 15S, nota 14. Assinalando sua origem nos p~lOdcctis(as. Rivacoba y Rivacoba. Manuel de. em I3FD, UNED. n° 13. Madri, 1998.
problema da constilUcionalidade das leis penais, porque não têm poder de decisão sobre o assunto. Este foi o quadro de poder condicionante da dogmática jurídico-penal européia. que não t,nha experiência amadurecida de controle de conslollucionalidadc até o fim da II Guerra Mundial. •
3. O elaborado sistema de compreensão do direito penal alemão se iniciou no século XIX, a cargo de doutnnadores (como Binding, !>.1erkele os hegelianos) que se esquivavam do problema da constitucionalidade e ilegitimidade das leis penais, pois partiam do pressuposto de um estauo racional (~egislador racional) e não suspeitavam da subsistência de um estado de polícia sob múltiplas rnáscaras5J. Seria natural que cnvidassem esforços para o aperfeiçoamento dos requisitos de operatividade de um poder que consideravam substancialmente racionaL O desenvolvimcnto de sistemas teóricos ncssas bases foi estimulado porque cumpria uma clara função pragm{itica, como classificar elementos e oferecer um método de análise, o que facilitava tanto o ensino do direito (treinamento de futuros burocratas) quanto a atividade judicial nos casos concretos (exercício do poder decisório). Essa função pragmática (ensino e decisão) potcncializou o desenvolvimento le6rico do delito quando a tarefa judicial foi encomendada a agências jurídicas burocratizadas e verticalizauas, às quais se chegava após um longo treinamento acadêmico e que eram próprias de um estado legal de direito. H
4. O privilégio da função pragmática do direito penal favoreceu a tcodência aos sistemas c1assificatórios, especialmente em teoria do delito55 • os quais procuraram preferentemente a distinção e organização de características e elementos. sem contudo derivar sua sistemática de uma função política do direito penal Oll de uma teoria da pena que a ela obedecesse, salvo quanto à ficção do legislador racional, do qual obviamente jamais proviria qualquer arbitrariedade. Por isso, pôde ser mantida uma vaga (eoria dissuasória da pena, com com ponentes ou limites rctributivos, somente para sustentar a função motivadora das normas e o car:íter tutelar do direito penal como verdade dogmática56 . 5. É compreensível que essa sistemática tenha sido mais ou menos adotada em toda a Europa continental ou que outras similares se tenham desenvolvido, ainda que cum menor perfeição e refinamento, em virtude das mais modestas exigências das respectivas burocracias judiciais. Na realidade, o lIlodelo buro-
crático de agência judicial. convertido em uma pirâmide em cuja cüspidc UIll tribunal de cassação unificador de jurisprudência exercia um poder interno homogeneizante, começa na Prússia57 , mas depois se estende à França napolcônica e dali a toda a Europa. O mudelo napoleônico de poder judicial, COmo burocracia hierarquizada, piramidal c com carreira análoga à militar, é frulo da Revolução Francesa que, por desconfiança de que os tribunais do ancien régime recuperassem poder s, olllOrgou ao tribunal de cassação instrtlmentos de controle para evitar que os juízes se distanciassem das leis promulgadas pelo parlamento. Este foi o mais acabado modelo de estallo legal de direito. no qual os juízes não dispõem de nenhuma faculdade de controle constituciunal da própria 59 lei . Esgotada a utopia de juízes eleitos c leigos, qlll: aplicam códigos tão claros que dispensam conhecimentos jUIídicos especiais, característica elaprimeira etapa daquela revolução60, Napoleão manteve o controle dos juízes pelo soberano (já não mais () parlamento) através de um tribullal de cassação corno chefatura hierárquica de uma forte burocracia piramidal de funcionários imensamente adestrados na docilidade reprodutora dos critérios judicantes superiores61 . Esses juízes europeus e seus tribunais superiores precisavam de sistemas classificatórios, que lhes permitissem ordenar os critérios recebidos de seus su periores e ordenadamente enunciar os seus próprios critérios. A isso se deve o êxito político desse gênero de elaborações, que entrou em crise juntamente com o modelo de agências judiciais às quais se adequava, tendo em vista que tais hurocracias judiciais desempenharam um detes{ável papel político nos mais variados auturitarismos europeus de entreguerras62. 6. O estado constitucional de direito europeu é recente, pois o controle da constitucionalidade das leis só se desenvolveu a partir do pós-guerra (na Alemanha, Itália, Áustria, Suíça, Espanha, Grécia, Portugal), tendo em vista que os raros ensaios anteriores nesse sentido haviam fracassado juntamente com os sistemas políticos que os estabeleceram (na Áustria, Checoslováquia c na então 57
H
59 (,(J
Cf. Schmidt, Eberhard. Lu lI!)' Y los jlleces. p. 36. Cf. Simon, Dieter, Die Ullabhtingigkeit des RiclIlCTS. pp, 41-48; ROllSSelCI,Marcel, Hístoire de la Magistrature. ~s Como tal pode considerar-se o sistema de Lis7.t.Deling, cf. Rox.in, loco cit.: cf. Tavares, Juarez. Teorias do Delito, S. Paulo, 1980, ed. RT, pp 1755. ~" Cf. infra, 9. I.
$1
61
$~
< '> 2
ª
Cf. Picardi, Nicola. em 11l.Hicia y cle!wrrollo democrlÍtico ell ItaUa y Amtfrica Latilla. p. 279 SS. Sobre a arbitrariedade dos juízes do antigo regime e a reação gerada. Azevedo de, Plaulo Faraco. Aplicação do direiro, p. 113. Accattatis, Vincenzo. em Questiolle Giwaizia. 4, 1989. p. Iss. A rigor. nenhum juiz assume ser apenas a boca da lei; cf. Bachoff. Olto,lue'ces y cOfwilllcfán, p.23. Sobre as const=qüências políticas desla estrutura. Masson. Gérard. Lesjuges etle pOlH'oir. Cf. Hannover, Heinrich - Hannovcr. Elisabeth. Politische 1llSliz /918-/933; Guarnieri. Carla. Magistratura e politica ill /talia. p. 87; Papa. Emília R., em Questione Giusrjzia. 1987, p. 705 ss.; Cano Bueso, luan, l.a po/itica judicial dei régime'n de Franco (1936. /945); Baslida. Francisco 1., lueces y franquismo; Grame, James A. C.. El cotllrol jurisdiccional de la constitucionalidad de las leyes; Tocora. Fernando. Contml comtilll. ciollol y Verechos Humanos.
República Espanhola)" no período de entre-guerras, a começar pela Áustria, na OktoberverJass,mg de 1921, por inspiração de Kelsen. A novidade conduziu a que se discuta, até hoje. se a ftlnção das cortes constitucionais européias é polít,-ca ou judicial64 • A tradicional oposição entre O controle centralizado (modelo austríaco). no qual o tribunal invalida a norma legal inconstitucional erga amnes. e o cOlllrole difuso (modelo 1l011e-americano), no qual o tribunal invalida a norma legal inconstitucional no caso concreto. restou superada no Brasil, a partir da Constituição da República de 1988, por um amplo mecanismo de controle misto, no qual convivem o controle centralizado (através da ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal) e o controle difuso (através da argüição de inconstitucionalidade da norma legal aplicável ao caso concrelO, que pode ser formulada perante qualquer juiz ou tribunal)6s . O surgimento do controle da constitucionalidade das leis, visto pelo prisma das leis penais, gerou conscqüências importantes, particularmente na Itália, onde a crítica constitucional à lei tem sido muito vecmente. porém só recentemente a doutrina brasileira passou a incorporar tal crítica66, antes impedida pela forte influência da sistematização proveniente do estado legal de direito europeu. 7. A doutrina inglesa teve um desenvolvimento diverso, pois seu êxito social dependeu de outra história de poder e de outra estrutura e proveniência h.l M
Cf. Capelletti. p. 70 SS.; Mirkinc-Guetzévitch. Boris. Las rlllevas constituciones deI mt/fldo: Fix Zamudio, Iléctor. Los tribullales constituci01lale.\' y los derechos humanos. Ferrajoli, Luigi, Derechos y garantias, p. 27, rrisa que na atualidade to"daa teoria política e jurídica se interroga acerca da conciliação da supremacia constitucional e do princípio democrático, com atenção no controle constitucional judicial. Sobre isso também Ferreres ComelJas, Víctor, .lI/súcia constitucional y democracia; Gargarella. Roberto. La justicia jrent£' al xobiemo; Hlibcrlc, Pctcr, ilerme1lêutica constitucional; Moreso. José Juan, Úl indeterminació1l dd derecho y la interpretaciôll de la constitución. p. 233 Nino, Carlos S, Fundamentos de derccho constitucional, p. 673 ss. Antes da proclamação da República, seria impensável um controle da eonstitucionalidad~ das leis, de vez que "3 sanção imperial cxpungia-as de qualquer vício"(Jacques, Paulino, Curso de Direito COllstituciollal, Rio, 1962, ed. Forense, p. 174). A primeira Constitui. ção republicana admitia o controle de leis estaduais, e foi a lei nO 221, de 1894, que autorizou abstivcsscm~se os tribunais de aplicar leis "manifestamente inconstitucionais". A partir da Constituição de 1934 roi o princípio expressamente reconhecido. Cf. Silva, José Aronsu da, Curso de Direito Constitucional Positivo, S. Paulo. ed. RT, pp. 49 ss: Hastas, Celso Ribeiro, Curso de Direito Constitucional, 5_ Paulo, 1989, ed. Saraiva. pp. 32355; r-.loro, Sérgio Fcrnando, Legislação Suspeita'! Curitiba. 1998. ed. Juruá: ampla notícia bibliográfica em Barroso. Luís Roberto, Con~li[uição da República Federativa do Brasil Anotada, S. Paulo, 1998, ed. Saraiva, p. 216. Cr. Luisi. Luiz. Os Princípios ConstilUcionais Penais, P. Alegre, 1991, ed. Fabris; Cemicchiaro, I.uiz Vicente - Costa Jr., Paulo Jose, Direito Pena na Constituição, S. Paulo, 1990. ed. RT; Shccaira, Sérgio Salomão - Corrêa Júnior, Alceu, Pena e Constituição, S. Paulo, 1995. cd. RT; Ribeiro Lopes. Maurício Antõnio, Teoria Constitucional do Direilo Penal, S. Paulo. 2000. cd. RT. 55.:
h ~
66
das agências jurídicas. Na Grã-Bretanha, o saber acadêmico tem reduzida in~ fluência sobre o exercício do poder das agências jurídicas. Isto se deve ao fato de que, há séculos, as nobrezas locais foram submetidas ao poder central da monarquia e, depois, iniciou-se uma longa disputa entre o poder real e o do parlamento. Nessa contenda, o parlamento se declarou onipotente ao ponto de, revelando seus próprios preconceitos de gênero, ter Lord Holt dito que ele "poderia fazer até coisas que fossem algo ridículo: poderia fazer com que Malta estivesse na Europa, poderia fazer de uma mulher conegedora ou juíza de paz. contudo não poderia mudar as leis da natureza, como fazer de uma mulher um homem ou de um homem uma mulher. O tribunal supremo integrou-se à câmara alta e os advogados se incumbiram da formação dos candidatos ajuízes, que o pmlcr político deve escolher entre aqueles treinados e habilitados pelas corporações de advogados, razão pela qual estes últimos sempre se opuseram à formação de uma burocracia judicial61 . Devido a essa dinâmica do poder, o sistema do saber penal inglês com êxito político possui características rudimentares, de vez que, baseado na prática jurisprudencial, não admite o exercício de um poder acadêmico forte, tendo em vista que osjuízes são mais adestrados nos escritórios de advocacia do que nas universidades_ 8. Essa tradição um tanto rudimentar foi útil aos Estados Unidos, que jamais a abandonaram, porque quando substituíram o sistema inglês por outro, no qual os juízes controlavam os legisladores (exatamente de modo inverso ao francês revolucionário e ao napoleônico), as forças políticas não permitiram tampouco que os juízes fossem recrutados por uma burocracia corporativista, mas cuidaram ciosamente de sua designação através de critérios partidários6!. 9. Entre nós, até o advento da Constituição da República de 1988, adotouse o modelo proveniente dos Estados Unidos, no qual os juízes exercem um controle de constitucionalidade difuso, de acordo com a Carla de Virgínia, que, no pólo oposto à Revolução Francesa, criou um poder judicial com capacidade de controle sobre o legislativo69 e um poder judicial recrutado partidariamente, Em que pese a óbvia influência da doutrina constitucional norte-americana so bre nossos professores na matéria, nossa doutrina penal foi importada da Euro-
h!
6lI
Ml
Cf. Birch, Anthony H., British System ofGovernmetlt: Yardlcy, D.C.M., Inlrotiuctiofl to British COllstiwtionaI Law, p. 61 ss.; Hartley, T . e . - Griffith. J.A.G.,Govemmellt and Law, p. 174 SS.; em especial, Griffith, J.A.G.,Gilldici e politica in Inghilterra. Para a declaração de Lord lIoll. Wilson. O. M., D., Digesro de la le)' parlamentMia, p. 19.5. Cf. Chase, Harold \V.. Federal Judges: theappoiming process: Simon, Paul. cmJudicafljre. 70, 1986, p. 55; Morenilla Rodríguez, 10sé Maria, La orgalliz.ilción de los tribunales; Sutton, 1.5 .. ,\merican Government, p. 135 ss. Davis, M.I-I., em The Journal ofComparative Law. 1987, p. 559 55.
pa continental,
onde o controle de constitucionalidade era desconhecido nem se propunha a legalidade da lei, mas havia apenas uma sistematização classificatória organizadora de elOO1entos que facilitassem o ensino c as decisões. i?or conseguinte, entre nós, as fontes da doutrina penal provêm das elaborações c1assificatórias próprias dos estados legais de direito e foram inseridas em um saber jurídico para agências que, constitucionalmente, corresponderiarn a um estado constitucional de direito. Tal fenômeno se explica em grande parte pela peculiar disparidade entre o modelo de estado constitucionalmente programado e o realizado, de fato, durante todo latino-americanas.
°
período das repúblicas
olig::írquicas
evitar a decisão política anterior à construção do sistema implica ensaiar lima sistemática que, de qualquer maneira, terá uma função política, ainda que latente: o resultado não pode ser outro senão () aumento dos riscos de maiores incoerências ideológicas e de prestação inconsciente de serviços políticos aberrantes. 12. A doutrina classificatória, que pretende legitimar toda a legislação penal a partir da ficção da racionalidadc imanente ao legislador. lambém tem limites que a cultura lhe impõe: era própria do século XIX c começo do XX.l:'om códigos mais ou menos estáveis e reduzida legislação penal eXlrav.agante, mas quando () legislador
10. Posteriormente, nosso continente sofreu diferentes formas de autoritarismo político, que frontalmente mantiveram separados o estado real c o
incorre em uma descodific~lÇão enorme c contraditória - como acontece na atualidadt: - a falsidade da ficção é evidente e ninguém se atreve a propô~la seriamcnte. Eis o efeito das elaborações legislativas conjunturais, que dificultam sucessivamente a larefa codificadora e interpretativa. A pretensão de criar corpos legisl:llivos completos
estado programado nos lcxtus fundamentais. No discurso penal foram recepcionados sistemas de compreensão provenientes de países europeus submetidos a
e não-contraditórios - o anelo do movimento codificador do século X IX - entra em choque com o protagonisl11o p.:ulamcntar qUl: im::rernenta as contradições c lacunas
longas ditaduras, nas quais a doutrina se adequava aos controles sobre a vicia acadêmica e às necessidades das burocracias judiciais que se refugiavam no culto à lei, como UllllllCio de defender-se das arbitrariedades ainda piores que podiam advir de qualquer tentativa de separar-se dela e sob o risco de que se pudesse perder, inclusive, a mera segurança da resposta. Isso obteve êxito social e político cm nosso continente, dominado por inúmeras formas de autoritarismo
legislativas e banaliz~i a legislação penal. Traia-se de um epifenômeno (lIcgativo) de outro (positivo). que é o protagonismo parlamentar na democracia representativa. Daí, a máxima importância de um sistema teleológico orientado para a redução e contenção do poder punitivo ~ para a decidida assunção do controle de constitucionalidade das leis penais, como um meio de neutralizar o epifenômeno negativo e reforçar o fenômeno positivo.
que proporcionavam, ainda, menores garantias do que os estados legais de direito dos países europeus. Tanto ali quanto aqui, o discurso c1assificatório serviu, às vezes, de defesa mínima contra a arbitrariedade. Apesar desses eventuais efeitos posilivos, não se pode ignorar a respectiva pobreza ideológica c sua
13. Quanto à preferência dos estados policiais por uma metodologia irracional e a refutação de qualquer dogmálica, é ulTlaqu~stão d~ grau. Ao tempo cm que, na Itália fascista, tolerava-se U ITI tecnicismo jurídico não apenas desvinculado, mas qua.
funcionalidade
se inimigo da filosotia7U • o nazismo rejcitava o mesmo ensaio desenvolvido por Ileck 11
para um modelo de estado que não é o constitucional.
11. É possível argumentar que os sistemas teleológicos (que assumem uma função política expressa) podem ser elaborados também para servir a agências de estados autoritários. A isso cabe responder com três argumentos: a) é vcrdade que os estados policiais podem assumir ~iscursos penais com sistemática teleológica, mas não é menos verdadeiro o fato de ser mais funcional para eles não se valerem de qualquer ~istema, porque desse modo podem exercer mais amplamente seu arbítrio. A lógica de poder do estado policial é escassamente compatível com uma tcolcologia sistemática; por conseguinle, 1I0S estados de poUcia os sistemas de compreensc7o teleológicos sãu comillge1ltes, enquantu nos estados constitucionais de direito slio
da filosofia. Em 1935 foi convocado o famoso acampamento de Kitzeberg, reunindo os jovens do partido nazista. quase todos professores em Kiel, de onde originou-se a Kielerscllllle, cujos expoentes fomm Georg Dahm (reitor de Kiel entre 1935 c 1937) e Friedrich Schaffstein em direito (len,,\, Karl Lan::nzem tilosolia jurídica e leoria do estado, E. R. Huber em direilo constilucional e Michaclis, Siebert c \Vicacker em direito civil. Uinder, Larcnz, ForsthofT e Sieberl dirigiram ataques 70
necessários: h) a correção de um sistema de compreensão não depende de que seja ele
meramente teleológico, mas sim de qual a função que lhe é atribuída em sua teleologia: da circunstância de que alguns estados policiais possam, funcionalmente. optar por objetivos sistemáticos irracionais nlio se deve deduzir a conveniência de suprimir ou evitar os objetivos, mas sim a de estabelecer objetivos racionais,' c) a pretensão de
,
visando uma construção metodológica neutra para chegar a urna ciência jurídica livre
"
à
pretensão de
V. o tecnicismo jurídico de Anuro Rocco, em RDPP, 1910, p. 497 5S.; sobre iSlO, De Marsico. Alfredo. Pe"alisti ita/iani, p. 63 5S.; Maggiorc, Giuscppe, ArtllrtJ Uocco y eI método técnico.juridico; Manz.ini. Vinccnw. Tratado, I. p. 11; ilaratta a1riblll ri Antolisci a reação realista frente a esta corrente (Baralla. Ales5andro, em RlfU, 1~72. p. 49). embora a reação tclcológica próxima ao realismo de Welzel tenha correspondido li £11,:[[iol (cf. Morillas Cueva, Lorenzo. Metod%gía, pp. 179 e 187); cf. Marioi, Gaetano, Gillseppe Hettiol. Dirilto penalc come filosofia. Sobre realismo e idealismo jurídicos. desde outra perspectiva. Ross. Alf. Sobre el derecho y la justicia. p. 63 ss. Heek. Philipp. 8egrifjbi/dung Ulld Interessejurisprudenl..
----Heck no sentido de uma ciência jurídica livre de filosofian. O normativismo vazio e formal foi varrido por um direita natural degradado e torpe, cujo máximo corifeu foi
condicionam-se reciprocamente. Não é estática nem bucólica essa construção, mas si rn permanentemente dinâmica, tensa c contraditória.
CarJ Schmitt: o pensamento jurídico Jlolkisch considera a lei sobretudo como jonna
não iSQiada,e sim no contexto de u~a ordem cujo pensamento básico é slIpralegal. pois su~ essência tem raízes costume e na concepção jurídica do povo 7J
110
•
IV. A sistemática teleológica do direito penal limitador 1. Não é possível prescindir-se de um sistema conceitual na elaboração de um direito penal que almeje cumprir alguma função dentro de um modelo de estado de direito, por ser inadmissível que a irracional idade seja fonte de um saber que aspira a uma função racional. O sistema demanda uma decisão polí-
tica prévia que lhe permita sua c01lstrução teleológica baseada em uma função manifesta,
porque, do contrário, seria igualmente
irracional
(um caminho
sem
objetivo), violeotaria a realidade (ao pretender que seus conceitos não tenham função política, apenas porque não a expressam) c, além do mais, seria politicamente negativo (pretenderia servir para qualquer objetivo, incluindo os do estado de polícia). Mesmo porém com todas essas precauções não se garante um sistema teleológico racional, pois tudo dependerá do contcúdo da meociooada decisão, isto é, da função manifesta que lhe seja atribuída. No estado constitucional de direito o objetivo do direito penal deve ser a segurança jurídica, ameaçada pelo exercício ilimitado do poder punitivo. Segumnçajurídica é a segurança dos bens jurídicos de toda a população. São bens jurídicos aqueles que possibi-
3. O poder do estado de polícia (poder punitivo) jamais será erradicado 1 pelo direito penal: a discussão entre abolicionistas e minimalistas-l diz respeito a mudelos diversos de sociedade e de estado cuja realização dependerá de outros fatores, mas nunca do poder do discurso jurídico-penal, que não pode determinar semelhantes mudanças radicais. Conseqüentemente, o que corresponde ao direito penal, como saber aplicado ao vigente" modelo de poder do estado de direito, o qual se acha em tensão constante com o estado de polícia, é tãosomente propor sistemas decisórios
para essa realidade de poder.
4, O requisito fundamental u o sistema, para o cumprimento
de tal função,
deve ser o respeito à regra da compatibilidade legal, como lei básica construti7 j va, proveniente dos primórdios de explicitação da dogmáticajurídica . O objetivo do sistema requer que a regra da compatibilidade legal seja observada priorizando as leis de máxima hierarquia (as constitucionais e intemacionais?6. Embora isso pareça óbvio, não o será quando considerarmos que os operadores das agências juridicas c das reprodutoras discursivas foram treinados a partir de teorias oriundas de países que não conheciam
essa hierarquia
legal.
5. Quando os penalistas liberais do século XIX tinham de criar suas teorias. iam
litam ao ser humano sua realização como pessoa, ou seja, sua existência como coexistência, o espaço de liberdade social no qual pode escolher c realizar sua própria escolha. O direito penal deve construir um sistema que permita às agênci-
em busca da filosofia ou da razão como fonte do direito, pois não dispunham de leis positivas sobre a<; quais assentar suas construções (daí os inumeráveis equívocos do chamado direito natllralliberal). Basta observar as disposições das leis fundamentais daquele século para comprovar a pobreza de seuS princípios77• Hoje em dia. contudo, tais princípios estão positivados nacionalmente nas constituições e internacionalmente
as jurídicas um exercício racional de seu poder para conter o poder punitivo, o qual, estruturalmente, tende para um exercício ilimitado e arrasador de todo espaço social. Tal objetivo, que representa a decisão política anterior à construção do sistema, deve reger completamente sua elaboração e sua efic.ícia contentara de-
dogm:í.tica,que em momento algum podia significar a submissão do discurso à servidão de um legislador onipotente, agora inverteu seu signo e implica a limitação do poder do legislador conjuntural em função du estabelecido pelo legislador constitucional e inter-
penderá do cumprimento
naciomtl.
de vários requisitos metodológicos.
2. O sistema deve, adequadamente,
levar em conta o objeti vo prático do
saber jurídico-penal (oferecer paradigmas decisórios para as agências jurídicas) no sentido político de potcncialização de seu próprio poder controlador, de contenção do poder punitivo, de reforço do estado de direito e de redução do estado de polícia. Nesse sentido, o método (caminho) e o objetivo (meta)
(regional e universalmente)
TI
Rüthers, Bernd. E"lartetes Redu. Recluslehren utld Kronjl/rislen im Driuen Reich. Schrrutt, ear1. Über die drei Anen des rechlswissenschajtlichen Dl'nkens: Rüthcrs, Bernd, op. cit., p . 27.
porquanto a segunda lei da
6. O sistema do direito penal será um meio ou ferramenta a ser empregado contra um poder que pressionará, de vez que, estruturalmente, está condiciona.
H
11
busca de /cu penas perdidas, p. 32 5S. e 68 SS. L'csprit du LJroit Romain, 1. m, p. 61. garantia.'i. p. 26. Cf. Ferrajoli. Luigi. Derechos :~' Cf. Darestc. ER., Les cOrlsrirwions madernes; a Constituição do impêrio alemão de 1871 Cf. bibliografia citada em
H
£11
Jhering.
1 ~
n
no direito internacional,
(L I, p. 151 ss.); a lei constitucional austríaca de 1867 (1. I. p. 391 sS.); o estalUto funda. mental italiano de: 1848 (t. I. p . 599 55.).
do a expandir-se de modo ilimitado. Suafimção há de ser sempre de contradição: por conseguinte, sua cOlIstruçliodeve ser dialética. O estado de polícia deve ser cOntido e reduzido por etapas; a partir de cada preten'são de abertura do exercício do poder punitivo, o direito penal deve oporlhe uma resistência. Da pretensão e de sua resistência resultará uma síntese à qual, por sua vez, o direito penal deve opor uma nova resistência. O discurso de contenção deve sempre antecipar-se ao exercício de poder das agências jurídicas, de modo que estas permanentemente contem com um novo elemento de resistência
para alcançar urna nova síntese menos habilitante
quanto ao poder
punitivo. Assim, o direit o penal deve exercer seu poder discursivo I
I I I
I I
levando em
limitadores do poder punitivo não sào estáticos. mas sim deformulaçdo e realização progressiva. consideração
que os princÍpios
7. A deslegitimução tio poder punitivo -mediante uma teoria negativa OLI agnóstica da pena, bem como mediante a comprovação empírica ou fática de que sua forma de exercício sempre implica um certo grau de violação dos principias constilUcionais e internacionais - leva à consideração de que o poder punitivo é sempre exercido de modo irracional. A racionalidade contentara do direito penal reside em saber estabelecer intensidades de irracional idade, para habilitar discursivamente a passagem da menor quantidade possível de poder puniti vo, extraído dentre suas manifestações com o menor nível de ilTacionalidade.
I
O discurso que promove tal contenção pode ser formulado de duas maneiras: a) em termos puramente políticos e assistemáticos ou conjunturais (como o uso alternativo do direitof!<, com o conseqüente risco de que o próprio discurso redutor, em certa conjuntura, ofereça argumentos para a irracionalidade gros-
I
seira constante do item seguinte; b) ou como um discurso sistemático elaborado clemodo progressivo e redutor. Esta última opção requer cancelas teóricas su-
I
I
I I1
Ij
,) 1
cessivas, em cada uma das quais o discurso habilite o trânsito de menor poder punitivo e de menor intensidade irracional, ou seja, de maior respeito aos princípios constitucionais e internacionais limitadores. Tal progressão redutora não pode ficar exposta às conjunturas do poder, porque em um estado totalitário o discurso penal pareceria correto se se limitasse a impedir a tortura e habilitasse o restante do poder punitivo. Ao contrârio, a progressão redutora deve ser
racional e irnpulsionar a própria consciênciajurfdica universal, baseando-se no mais redutor dos direitos penais comparáveis para expandi-la, Essa racionalidade redutora, que permite ao discurso fugir da conjunturalização fática, a qual, com facilidade, se converte em racionalização, é alcançada por meio de sua dialética interna, como única introdução discursiva da polarização entre
1
direito penal e poder punitivo
8, A constante tensão com o inevitável estado de polícia impõe cssa construção dialética e, portanto, dinâmica, como condição de eficácia do direito penal, entendido como instrumento para o aperfciçoamcnlO do estado de direito, que alcança sua maior força C0ll10 estado constitucional de direito (quando supera o precário estado legal de direito, que não o preserva uas maiorias políticas conjunturais) e que. por conseguinte, requer ullla fortc justiça constitucional: wn
sistema de compreensão do direi/() pellal que cumprir tais requisitos representa um indispensável apêndice do direito cUlIst;wciunal. 9. Contra um sistema elaborado na medida da l'ullçàu atribuída milita a corrcllte que nega que os juízes possam exercer esse controle, seguindo as test:s de Curl Schmiu ao tempo de Weirnar 7'), baseadas no fato de que os juízes não têm origcm democrática nem treinamento político. A origem democrática dos juízes é um dado conjuntural e rnodificável, mas muito mais importante do que a origem é a natureza da função: uma função é democrática - qualquer que seja a origem do funcionário que a desempenha - quando se torna indispensável à sustentação da democracia. E, nesse caso, ela o é, pois tem a incumbência de nada menos do que a preservação dos direitos das minorias (com o que é preservado O das maiorias para mudar de opinião). Por isso, as decisões dos juízes não devem sempre coincidir com a vontade das maiorias llU conjunturais , ao contrário do que preconizava o pensamcnto v01kisch, curiosamente revitalizado neste aspecto pela demagogia penal dos úlitmos anos. Quanto à afirmação de que os operadores judiciais carecem de treinamento político, ela é falsa: os juízes integram um poder do estado e não hú poder estiJtal que não scja político (o inverso implica confundir político com partidário). É possível que Schmitl, ao rd"crir-se a uma magistratura burocnílica, sem poder de controle de constitucionalidade _ considerada quase um ramo a mais da administração, dentro de um esquema de divisão de funções e não dc poderes - pudesse valer-se desse argumenlo, com mais razão do que outros, mas ante uma magistralura constitucionalmentc encarregada de julgar a racionalidade das leis em função de um sistema de controle difuso, tal argumenlo carece de sentido. Pelo mesmo trajeto deslocam-se aqucles que argulllent3m que os operadores das agências judiciais usurpariam o poder dos legisladores rcprcsenrantes do povo: nada autoriza os legisladores a usurparem o poder dos constituintes nem o da consciência jurídica universal. Em último e degr
dura dos jllÍzes, ameaçando com algo que nunca existiu e que somente é invocado 79
I
!lO 7~
Barcellona, Pietro, L'usu alternativo
deI diriuo.
(ou, o que é a mesma coisa: estado de direito e
estado de polícia).
Sobre este período de Carl Sehmiu: Bendersky, Joseph W., Carl Schmiu, teorico dei Reich: a resposta de fIans Kclscn neste debate:iQuién debe ser el defensor de la Constitución? Cf. Slory,losé, Poder Judicial de los Estados Unidos de América, p. 9 S5.; González Caldcrón. Juan A., Lajunciónjudicial en la constirución aJgentina, p. 52.
quando o poder jurídico mais além do pennitido
v.
o sistema
perturba outras agências e lhes dificulta
expandir
abarca também algumas
seu poder
ria das estruturas
,
pela lei supremaS! .
derarem
ser jus-naturalismo
um jus-naturalismo
e o respeito ao mundo (die Welt)
tendências
lógico-objetivas
ser o direito.
que o legislador e. por conseguinte.
são produzidos em um mundo físico c em uma realidade social protagonizada pela interação de pessoas dotadas de um psiquismo que dispõe de suas respec-
cia legislativa,
tivas estruturas, e que tudo isso é real, ôntico, existe no mundo dessa maneira e não de outra'g2. Por isso, o sistema deve admitir que, quando o legislador se
poder~9 .
refere a algum dado do mundo, não pode inventá-lo,
sentido,
.
uma tentativa
de contenção
da potência
o que deve onde essa legislativa,
o seja por
razões físicas ou sociais: em qualquer caso não pode ser considerado juridicamente possível, sob pena de incorrer em um autismo discursivo ou em uma ataviada ficção. Não é surpreendente que, a partir do autoritarismo, sejam defendidas as ficções jurídicas". Um direito penal como discurso, que aspire a alguma eficácia, em qualquer sentido que seja, não pode esquivar-se a um alto
vinculado
ao mu~do
É verdade
O finalismo
quando
mencionar
qualquer
deverá respeitar a ordem do mundo, sob pena de ineficálógico-objetivas
a idéia de pessoa, caso que redundará
O abandono
arençâo'l().
esteja
salvo quando violentar estruturas
aquela que instaura
mas sim deve respeitar
Pouco importa que o impossível
Por isso. falou-se de estabelecer
própria do período de horror do pós-guerra. A teoria das estruturas lógico-objetivas
elaborado pelo direito penal de conten-
conceito
sua onticidade
ao legislador.
o que não é direito. Todo o movimento
mas sim delimitar
pretende
elementarmente
exceto para aqueles que consi-
limitação
dessa teoria8S• que não pretendia
negativo
ção, limitador ou liberal, deve reconhecer que os conflitos para os quais projeta decisões e as conseqüências da criminalização, cujo avanço propõe habilitar,
83
Não se pode afirmar que a teo-
qualquer
teoria se acha inscrita constitui
I. Todo sistema de compreensão
jus-naturalistas1l7 • seja jus-naturalista,
dessa
teoria pela doutrina
que não existe um conceito
posterior
fundamentais,
corno
num puro exercício
de
a \Velzel deve chamar
a
ôntico de ação humana e que, nesse
incorreu em um excesso de onticidade91
~
no entanto, em lugar de
corrigir tal excessO e ampliar o critério de respeito às estruturJ..'i do mundo, expandindoo na direção
dos demais aspectos do sistema. optou-se
por arquivá-lo.
A dúvida. que
não é possível dissipar, pelo menos no momento, é se o discurso não lerá percebido que essa expansão pria totalidade,
colocava em crise não apenas a estrutura teórica do delito, mas sua própal1icularmenre
quando fosse imposto o respeito às estruturas
do mun-
do na teoria das penas.
grau de integração com as ciências sociaiss.s . 4. O re.~l}eito às estnlturas 2. Este debate que, há algumas décadas, se centrava no conceito de ação e se estendia no máximo até a restante teoria do delito, deve abarcar agora lodo o sistema do direito penal. Sem prejuízo de voltar a desenvolver alguns de seus aspectos na teoria do delito, em razão de ser a sede teórica de suas conseqüências mais debatidas, é necessário antecipar aqui a perspectiva metodológica ;
I
geral válida para todo o sistema de compreensão 3. A chamada teoria das estruturas
I I i
i
I
pós-guerra, conjunto
~.
!
que tentava conter a on ipotência de teonas à procura desse objetivo
coisa que a construção de um sistema que não expressa sua funcionalidade consegue omitir é aquela funcionalidade manifesta, sem, contudo, lograr supri-
do direito penal. ll6
ou lógico-objetivas
legislativa
c, por conseguinte,
foi fruto do integrou
u
que: apela para a natureza das coisas e
Sustentado na França para opor-se ao conlrole de constitucionalidade
(Lambert, Edouard,
Le gOllvemement dex jllges). foi utilizado nos Estados Unidos na década seguinle. 8l
81
I
! !
lógico-reais
Sol
8S
&li
Sobre a incotporação dos dados sociais. Bustos R:nnin:z, £1poder penal dei estado, !lom. a Ui/de Kaufmann, p. 133; Silva Sánchez. Jesús.María. Aproximación. p. 334. Todo conccilo normalivo requer uma mínima plau5ibilidade empírica (cf. Fianuaca. Giovanni. em DDDP, 1987. 2, p. 243 55.). Schmiu. Carl. cm Diriuo e Cultura. Roma. J 991. p. 65 ss.. afirmava que a validade das ficçiks depende de sua utilidade; Rayardo nt=ngoa. femando. Dogmática juddico penal, p. 28. Fiandaca. Giovanni, em DDDP, 1987,2. p. 243 S5. Welzel, Hans. Abhandilmgen; Radbruch. Gustav, em Rechrsphilo.wphie.
reais do mundo é um(l condiçc1o de qualquer
direito que pretenda ter alguma eficácia. A primeira estrutura real que o sistema de compreensão do direito penal deve respeitar é a incorporação do dado ôntico de que seus conceitos são sempre funcionais: a funcionalidade política dos conceitos jurídicos não é uma opção, ou seja, algo que pode, ou não, ser escolhido, mas sim tais conceitos são politicamente sempre funcionais. A única
31 Sobr~ ~Sle paTlOr
bibliografico di Filosofia dei Diritla, p. 227 SS.; do mesmo, em Die omoiogische Hegriindung des Recltts; também em Fest. f Erik W o if. p. 137 ss.: em ARSP. 1968. L1V-3. p . 325; em AnnaUi deUa Facoltã Giuridica, Università degli Sludi di Camerino, p. 39 S5.; Garz.6n Valdez. Ernesto, Derecho y "natllrale:,ll de las cosas "; Recasens Siches. Luis, Experiencia jurídica. naturaleza de la cosa y lógica ..raumable". aR Engisch. Karl. ,\uf der SI/che nach der Gerechtigkeit. 1971, p. 240; um século antes. Tobias B
mir a latente. Para cumprir a função manifesta atribuída, a primeira coisa que o sistema de compreensão do direito penal deve respeitar são os dados da realidade social em relação ao exercício""tlo poder punitivo: no que tange a este, não podc\)perar com dados sociais falsos, porque ao romper ou sonegar as estruturas da realidade do mundo não chegará a cumprir a função atribuída, mas qualquer outra. Ninguém pode mudar algo sem respeitar sua estrutura real. Em nível individual, uma ruptura com as estruturas da realidade do mundo é um fenômeno patológico grave. Embora conceitos individuais não possam ser livremente transferidos para f1mbitos coletivos, é bem provável que, nesse sentido, pelo menos, eles exponham um indício de situação crítica. 5. Quando a função política se evidencia e impõe a construção dialética de um discurso que responda ~llcnsão permanente na qual essa função deverá ser realizada, em luta constante contra o poder do estado de polícia, tal falO estará fornecendo um indicador fundamental que deve operar como viga-mestra de sua mClOdologia: (l absoluta proihiçl1o de incorporar dados falsos sobre o exercício de poder que deve ser reduzido. Tais dados são justamente aqueles provindos de disciplinas que operam com a verificação Toda estratégia se preocupa, antes de mais nada, em obter o maior volume possível de informações a respeito da força que deverá enfrentar c scu êxito, em grande parte, dependení do realismo com que incorpore e processe tudo isso. 92
•
S
9.
CARACTERÍSTICAS
E FONTES
DO DIREITO PENAL l. Caráter público e sua pretensajragmentaçüo sancionadora 1. O direito penal, como componente do saberjurídico, participa de todas as características gerais do direito. A pretensão de uma substância empírica e diferenciada pertence a Seu momento de maior degradação tcôrica'JJ c não deve ser confundida com a caracterização diferencial, que é pnlpria de cada saber jurídico c fundadora de sua autonomia. A circunstância de tcr como funçno limitar o exercício de um poder pode apenas dotá-lo de algumas particulmidades. O poder que deve limitar é o punitivo, implementado por autoridade pública, seja quando as próprias agências executivas ou administrativas do estado diretamente o exerçam, seja quando tais agências outorguem proteção pliblica àquelas instâncias privadas que o exercem. O saber do direito penal abarca esses atos verticais do poder para programar, de modo sistemático, as decisões dos operadores das agências jurídicas no sentido de aparar sua intensidade e extensão, eliminando ou evitando os de maior irracional idade. 2. Ainda que a classificação básica dos ramos do direito em público c privado seja hoje criticada e questionada, caso seja ela aceita em termos aproximados aos tradicionais94 não poderá haver qualquer dúvida acerca de que o direito penal é um ramo do direito público" e, a partir de nossa perspectiva, esse caráter se reforça, desde que possa ele ser considerado um apêndice do direito constitucional e neste encontrar seus primeiros e mais importantes fundamentos. Não constituem objeção válida isoladas concessões à vontade das vítimas, que não passam de limites elementaríssimos aos extremos mais gros. se iras do confisco do conflito.
!
l-
I
I
I
I
3. Sustentou-se que o direito penal tem caráter repressh'o96, o que. do ponto de vista de um direito penal regulador do poder punitivo, permitiu, tem-
li f
9.1
') .l 1/'
91>
Não faltam J.lllOrcs que negam inclusive a univer:-;afidade das proposições de lOdas as ciências sociais. Cuu!son. Margarct - Riddcll, David. Ifltroduçâo, p. 11.
Cf. infra. S 22. Sobre < l crítica à dassificação tradicional, Maicr, Julio. Derecho Procesal, p. 127. Sobre ()car<Ílerpúblico do direito penal, Feuerbach, Lehrbuch, ~ I: 'numann, Karl August. H(l1ldbucll. p. 7: Baucr. Amon, Lehrbuch. p. L Em senlido contrário manifestou-se Gallus Alons Klcinschrod. Systematische Entwicklung. pp. 217~8. Assim. Gallas. Wilhelm. Griinden llnd Grenl.en der Strafbarkeit. Elimoiogicamc:ntc pro. vém do radical ghend-, que se encontra em prender; preso, prisão. apreender. como tam. bém em depredar e presa (Robert.s-Pastor, Diccionario etimol6gico, p. 63).