Cultura e participação nos anos 60 Heloísa Buarque de Hollanda e Marcos Augusto Gonçalves
Editora brasiliense 5ª edição Copyright © Heloísa Buarque de Hollanda Marcos Augusto Gonçalves Capa: 123 (antigo 27) Artistas Gráficos Revisão: José E. Andrade
Editora Brasiliense S.A. General Jardim, 160 01223-São Paulo- SP Fone (011) 231-1422
ÍNDICE Prólogo, 8 I, 12 II, 22 III, 31 Epílogo, 93 Indicações para leitura, 100
Sara (off): O que prova sua morte? Paulo Martins (erguendo a cabeça para o céu): A beleza... o triunfo da beleza e da justiça!... Travelling recua enquadrando Paulo Martins, de longe, cambaleante, metralhadora nas mãos enquanto Sara corre em sua direção. (Tiros de metralhadora m etralhadora off.) Paulo cai, levânta-se e... cai novamente. Este filme, segundo seu autor, não comporta a palavra FIM. Terra em Transe, Brasil 67, Glauber Rocha: a dialética trágica da palavra e da violência; o mito e a consciência; a crise de uma ilusão política. Quem é Paulo Martins? E a que Eldorado Pertence?
PRÓLOGO ...Houve um tempo, diz-nos Roberto Schwarz, em que o país estava irreconhecivelmente inteligente. "Política externa independente", "reformas estruturais", "libertação nacional", "combate ao imperialismo e ao latifúndio": um novo vocabulário — inegavelmente avançado para uma sociedade marcada pelo autoritarismo e pelo fantasma da imaturidade de seu povo — ganhava a cena, expressando expressando um momento momento de intensa movimentação na vida brasileira. Nas grandes cidades, cidades, o movimento movimento operário que crescia crescia desde os anos iniciais da década década de 50 levava adiante um vigoroso processo de lutas, expelindo velhos pelegos do Estado Novo e fortalecendo seus mecanismos de reivindicação econômica e pressão política. Articulando-se em pactos sindicais, os os trabalhadores urbanos urbanos pareciam dispostos a unificar unificar suas forças. Novas Novas organizações como a PUA e o CGT se afirmavam, provocando a desconfiança dos que te8▲ miam pelo rompimento dos limites institucionais da negociação salarial. No campo, o movimento movimento das Ligas Camponesas avançava, avançava, notadamente notadamente nos estados estados de Pernambuco Pernambuco e da Paraíba, alcançando repercussão por todo o país. Ampliava-se a sindicalização rural, e era criada em dezembro de 1963 a Confederação Nacional dos Trabalhadores Trabalhadores Agrícolas. O debate político nacional via brilhar brilhar um velho tabu: a Reforma Reforma Agrária. Também a classe média urbana, ainda que dividida pelo temor da subversão e da instabilidade econômica, comparecia com amplos setores ao movimento social. Estudantes e intelectuais assumiam posições favoráveis às reformas estruturais, desenvolvendo uma intensa atividade de militância política e cultural. A União Nacional dos Estudantes (UNE), em plena legalidade, com trânsito livre e franco acesso às instâncias legítimas do poder, discutia calorosamente as questões nacionais e as perspectivas de transformação que mobilizavam o país. Ligado à UNE, surgia no Rio de Janeiro, em 1961, o primeiro Centro Popular de Cultura, colocando na ordem do dia a definição de estratégias para a construção de uma cultura "nacional, popular e democrática". Atraindo jovens intelectuais, os CPCs — que aos poucos se organizavam por todo o país — tratavam de desenvolver uma atividade conscienti-zadora junto às classes populares. Um novo tipo de artista, "revolucionário e conseqüente", ganhava forma. Empolgados pelos ventos da efervescência política, política, os CPCs defendiam defendiam a opção pela "arte revo9▲ lucionária", definida como instrumento a serviço revolução r evolução social, que deveria abandonar a "ilusória liberdade abstratizada em telas e obras sem conteúdo", para voltar-se coletiva e didaticamente ao povo, restituindo-lhe "a consciência de si mesmo". m esmo". Trabalhando o contato direto com as massas, de onde extraiam seu maior interesse e vigor, encenavam peças em portas de fábricas, favelas e sindicatos; publicavam cadernos de poesia vendidos a preços populares e iniciavam a realização pioneira de filmes autofinanciados. De dezembro de 1961 a dezembro de 1962 o CPC do Rio produziria as peças Eles não usam black-tie e A Vez da Recusa; o filme Cinco
Vezes Favela, a coleção Cadernos do Povo e a série Violão de Rua. Promoveria ainda cursos de teatro, cinema, artes visuais e filosofia e a UNE-volante, uma excursão que por três meses percorreu todas as capitais do Brasil, para travar contato com bases universitárias, operárias e camponesas. A organização de um amplo movimento cultural didático-conscientizador didático-conscientizador tomava forma em toda uma série de grupos e pequenas instituições que surgiam vinculadas a governos estaduais, prefeituras ou geradas pelo movimento estudantil. estudantil. Em Pernambuco, Pernambuco, com o apoio do governo de Miguel Arraes, o Movimento de Cultura Popular (MPC) formava núcleos de alfabetização em favelas e bairros pobres. Um novo método, criado por Paulo Freire, causava impacto. Contra as infantilizantes "cartilhas" tradicionais, procurava-se colocar a palavra política no comando do processo de aprendizado aprendizado como forma de deflagrar 10 ▲ a tomada de consciência da situação social vivida pelas populações analfabetas e marginalizadas. marginalizadas. No campo político, a presença no poder de forças nacionalistas nacionalistas filiadas à tradição de Vargas Vargas e, nesse sentido, sensíveis às demandas populares, favorecia a emergência das esquerdas, notadamente do Partido Comunista que, na semilegalidade, desempenhava desempenhava um papel de crescente importância na articulação dos setores progressistas. Exercendo uma influência considerável no meio sindical, estudantil e intelectual, o PCB constituía-se numa peça estratégica do jogo de alianças do período Goulart. Sua proximidade em relação ao Estado e o acesso a alguns aparelhos de hegemonia permitiam que seu ideário ideário da revolução "democrática e antiimperialista" antiimperialista" circulasse abertamente abertamente no debate nacional. Brasil, primeiros anos da década de 60: talvez em poucos momentos da nossa história o que poderíamos chamar chamar de "forças progressistas" progressistas" tivessem se visto tão próximas do do poder político. 11 ▲ Início de março de 1964: Luiz Carlos Prestes, secretário-geral do PCB, declara numa estação de TV paulista que "não estamos no governo governo mas estamos no poder". Um mês depois, em Brasília, à revelia de qualquer otimismo, o General Humberto de Alencar Castello Branco assume a Presidência da República, declarando-se "síndico de uma massa falida". Nas ruas, não o movimento progressista, progressista, mas as "Marchas "Marchas da Família com Deus pela Liberdade". Liberdade". Vivendo as agruras da crise econômica, insatisfeita com a corrupção e a incompetência administrativa que grassavam na vida pública e assolada pelo fantasma da "bolchevização" do país — espalhafatosamente espalhafatosamente cultivado e alardeado alardeado pelas forças forças conser12 ▲ vadoras — a classe média "silenciosa" " silenciosa" manifestava-se: a Casa saía à Rua. Se o movimento militar viera colocar nos eixos um processo de modernização, seus efeitos ideológicos imediatos encenavam um espetáculo tragicômico de provincianismo. Repentinamente Repentinamente o "Brasil inteligente" aparecia tomado por um turbilhão de preciosidades do pensamento doméstico: o zelo cívicoreligioso a ver por todos os cantos a ameaça de padres comunistas e professores ateus; a vigilância moral contra o indecoroso comportamento comportamento "moderno" que, certamente incentivado por comunistas, corrompia a família; o ufanismo patriótico, lambuzado de céu anil e matas verdejantes — enfim, todo o repertório ideológico que a classe média, a caráter, prazerosamente é capaz de ostentar. Ê dessa época o antológico inventário FEBEAPÀ — Festival de besteira que assola o país — de Stanislaw Ponte Preta, documento raro do clima e dos ventos que nos assolaram depois do 1? de abril. Rememorando: "Foi então que estreou no Teatro Municipal de São Paulo a peça clássica Electra, tendo comparecido ao local alguns agentes do DOPS para prender Sófocles, autor da peça e acusado de
subversão, mas já falecido em 406 a.C." "Em Campos houve um fato espantoso: a Associação Comercial da cidade organizou um júri simbólico de Adolph Hitler, sob o patrocínio do Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito. Ao final do julgamento, Hitler foi absolvido." "A minissaia era lançada no Rio e execrada em 13 ▲ Belo Horizonte, onde o delegado de Costumes declarava aos jornais que prenderia o costureiro francês Pierre Cardin, caso aparecesse na capital mineira 'para dar espetáculos obscenos com seus vestidos decotados e saias curtas'. E acrescentava furioso: 'A tradição de moral e pudor dos mineiros será preservada sempre'. Toda essa cocoro-cada iria influenciar um deputado estadual de lá — Lourival Pereira da Silva — que fez discurso na câmara sobre o tema: 'Ninguém ' Ninguém levantará a saia da mulher mineira'." De uma hora para outra, o discurso progressista e revolucionário ficava emudecido pelo alarido conservador, pela voz da Ordem, da Moralidade, da Pátria, da Família, das Tradições-mais-carasao-nos-so-povo. ao-nos-so-povo. Surpresa e perplexidade tomavam conta de intelectuais e militantes. Passava-se da euforia à dúvida, da ofensiva ao recuo.
O que fazer O fato de que os acontecimentos de março tenham surpreendido expressivos setores da intelectualidade e experimentado por parte das bases sociais que sustentavam o governo João Goulart uma frágil capacidade de resistência, constitui um sintoma importante im portante para a avaliação de certos'aspectos da vida política e cultural brasileira nos últimos anos. Afinal, a intervenção militar iria mostrar-se algo mais sério 14 ▲ do que um episódio aleatório e passageiro. A insus-peitada vocação à permanência do novo regime logo deixaria entrever a natureza profunda de suas determinações. Aquilo que a esquerda fora incapaz de levar em conta e que a deixava imersa em perplexidade, representava o início de uma nova fase na vida brasileira. A defasagem entre a expectativa da transformação t ransformação social e a realidade do desmoronamento do governo Goulart haveria de exigir o reconhecimento de que alguma coisa andara mal nos cálculos da revolução. A necessidade necessidade de localizar e "corrigir" os possíveis enganos de 64 marcaria fortemente os rumos que a militância política e cultural iria i ria tomar até o final da década. Em 1966, dizia um artigo assinado por Assis Tavares na Revista Civilização Brasileira — referencial obrigatório para o pensamento de esquerda no período 64-68: "A derrocada do governo Goulart foi fulminante. Quando se leva em conta que, à época do plebiscito sobre o parlamentarismo em fins de 1962, grande erá o apoio gozado gozado pelo governante deposto, fica-se sem entender como seu alicerce político deteriorou-se em tão pouco tempo, em em menos de 15 meses. A explicação explicação do fato é essencial essencial ao movimento movimento progressista brasileiro. Havendo perdido as posições que que ocupava, resta-lhe melancolicamente melancolicamente o papel de recolher as lições de uma fase em que se anunciava uma transformação qualitativa na sociedade brasileira." 15 ▲ Nesse mesmo ano, ano, surgia a primeira grande grande critica às origens origens do pensamento pensamento de esquerda esquerda no período pré-64: A Revolução Brasileira de Caio Prado Jr. O livro, hoje um "clássico" de nossa literatura política, procurava demonstrar a insuficiência e a inadequação dos esquemas de análise utilizados pelo Partido Comunista Brasileiro para explicar a dinâmica do processo social no Brasil. Esses esquemas, um tanto ortodoxos, tomavam por base o Programa da Internacional Comunista aprovado no VI Congresso Mundial realizado em Moscou, no ano de 1928. O documento, citado
por Caio Prado, estabelecia estabelecia duas categorias categorias de países países "atrasados": os os "coloniais e semicoloniais" semicoloniais" e os "dependentes", ambas englobando sociedades em que predominariam relações sociais da Idade Média Feudal ou o modo m odo asiático de produção. Nessas sociedades, onde a vida econômica estaria em mãos de grupos imperialistas, seria primordial a luta contra o feudalismo e as formas précapitalistas e pela "independência nacional". Transportando o modelo para o Brasil, caberia, segundo o nacionalismo do PCB, às "forças patrióticas e progressistas" organizar uma ampla aliança reunindo todos os setores em contradição com os interesses dos grandes centros e com estrutura "feudal" por eles assegurada. O operariado, o campesinato e a "burguesia nacional", interessada na industrialização e no progresso, deveriam realizar, para que se pudesse chegar ao socialismo, a etapa "democrático-burguesa" "democrático-burguesa" da revolução brasileira. brasil eira. 16 ▲ Á principal crítica dirigida por Caio Prado a essa perspectiva referia-se à impropriedade de se atribuir à sociedade brasileira o predomínio de uma estrutura agrária de tipo feudal e a existência de uma "burguesia nacional" progressista. Em relação às supostas estruturas feudais, argumentava que a produção da grande propriedade rural brasileira teria sido de início início realizada pelo braço braço escravo, mais mais tarde substituído pelo pelo trabalho assalariado. Não ocorreria, portanto, entre nós, a vigência das situações fundamentais a que faz referência a noção marxista de feudalismo. f eudalismo. Quanto à existência de uma "burguesia nacional progressista" — que se verificaria em países asiáticos, onde a penetração européia chocou-se com resistências culturais e com a iniciativa de um setor nacional de empreendedores — Caio Prado assinalava que no Brasil as investidas da expansão capitalista não teriam encontrado qualquer impedimento significativo por parte de uma classe dominante que cultivasse costumes e interesses econômicos "nacionais". Através da exportação de produtos do campo campo as burguesias rural e urbana teriam aqui aqui se desenvolvido desenvolvido sem antagonismos antagonismos radicais, provindo da própria agricultura os primeiros capitais para a industrialização. Ainda que aqui e ali tivessem suas divergências, constituíram uma burguesia até certo ponto homogênea, não fazendo sentido destacar em seu interior um setor agrário retrógrado e aliado ao imperialismo, em antagonismo a um setor urbano progressista e "patriótico". 17 ▲ Essas observações, ainda que sujeitas a criticas e discordâncias, tiveram inegavelmente o mérito dê abrir algumas vias para a revisão de certas posições que estavam na raiz do frustrado cálculo político da esquerda esquerda em 64. A ênfase ênfase na idéia de que que a principal contradição contradição a ser superada superada em nossa sociedade dava-se entre a "nação" e o "imperialismo americano" levava o PCB a compromissos e alianças que tinham como contrapartida uma sintomática desconsideração do jogo de forças interno. A valorização do papel "progressista" da burguesia nacional e das inclinações reformistas e nacionalistas do Estadojan-guista resultava na adoção de uma política de cúpula que não raramente privilegiava os acordos "por cima" em detrimento da mobilização e da organização das forças populares. Uma ilusão de poder que seria fatal: a destituição de João Goulart ocorre sem que, "surpreendentemente", o setor popular pudesse esboçar qualquer resistência organizada. Além das discussões mais específicas em torno da "teoria da revolução" do PCB — que dão origem a todo um processo de dissidências e rupturas no campo das esquerdas —, uma série de trabalhos em torno dos significados do golpe militar seria desenvolvida ainda na segunda metade da década e de forma marcante ao longo dos anos 70. Esses trabalhos, especialmente os estudos realizados em São Paulo sobre o populismo e as "situações de dependência" na América Latina, colocariam novas perspectivas para a interpretação das transformações vividas vividas pela sociedade sociedade brasileira. Em termos genéricos, 18 ▲ as causas dessas transformações passam a ser localizadas no processo de formação de um setor industrial "moderno" em nossa economia e nos tipos de alianças de classe internas e externas que aí
Print document têm lugar. Seguindo as sugestões dos sociólogos paulistas deveríamos, para compreender os to print this document from Scribd, you'll acontecimentos de 64, recuar Inaoorder período do pós-guerra — notadamente à década de 50 — quando a first need to download it. intensificação do processo de industrialização começa a se fazer através da crescente penetração em nossa economia de capitais externos pela via da associação com empresas nacionais. nacionais. A nível internacional esse movimento corresponde nova faseAnd do Print capitalismo monopolista, marcada Cancel a uma Download pela transferência para para certos países periféricos, como o Brasil, Brasil, de unidades industriais.
As transformações provocadas na estrutura do sistema produtivo, com a formação de setores modernos do ponto de vista da tecnologia e do significado econômico, trazem uma maior diversificação no campo da sociedade, obrigando a uma reorientação dos mecanismos de ajustamento entre os diversos grupos e classes. A dinâmica desse novo modelo de desenvolvimento resulta num aprofundamento da exclusão social, exigindo a contenção das reivindicações das massas e subordinando os grupos empresariais "tradicionais" à crescente monopolização da indústria. Nesse quadro, a situação do Governo Governo Goulart não poderia poderia ser mais grave: grave: pressionado pelo jogo de interesse das diversas classes e grupos, precisaria definir suas opções. O pacto interclasses, que até 19 ▲ então articulara a industrialização com a incorpor-ração das massas ao sistema político, através de mecanismos de controle e concessão, estava irremediavelmente condenado. Incapaz de resolver a crise, oscilando na tensão de pressões inconciliáveis, o governo trabalhista acabaria por ceder terreno à reorganização do Estado pelo caminho do regime militar. O golpe de 64 traz consigo a reord reorden enaç ação ão e o estre estreita itame ment ntoo dos dos laço laçoss de depe depend ndên ênci cia, a, a inte intens nsifi ifica caçã çãoo do proc proces esso so de modernização, a racionalização institucional e a regulação autoritária das relações entre as classes e grupos, colocando em vantagem os setores associados ao capital monopolista ou a eles vinculados. Nessa situação, a dinâmica da produção cultural dificilmente poderia ser avaliada senão em confronto com as questões de ordem propriamente política colocadas pelos movimentos sociais. O período populista-desenvolvimentista populista-desenvolvimentista (45-64) havia permitido que viesse à tona uma geração extremamente sensibilizada pelas questões do desenvolvimento e da emancipação nacional. Com o movimento de 64, interrompendo-se a deriva "progressista" por onde parecia ingressar o processo político brasileiro, é criada uma situação até certo ponto paradoxal: o país, encaminhado pelos trilhos modernos e selvagens da industrialização dependente, encontra suas elites cultas fortemente marcadas por uma disposição que, em sentido amplo, poderíamos dizer "de 20 ▲ esquerda". O campo intelectual poderá desempenhar então, nessas condições, ainda que de forma não homogênea, um papel de "foco de resistência" à implantação do projeto representado pelo movimento militar. 21 ▲
II Em dezembro de 1964 estreava no teatro do então Super-Shopping-Center da rua Siqueira Campos, em Copacabana, o musical Opinião. Dois compositores de origem popular, o carioca da zona norte Zé Kéti e o maranhens maranhensee João do Vale, subiam subiam ao palco, palco, em companhia companhia de Nara Leão, para dar início a uma bem-sucedida temporada que se tornaria um marco para a cultura pós-64. Tratava-se de uma primeira resposta ao golpe. Diziam os autores (Oduvaldo Vianna, Armando Costa e Paulo Pontes), no texto que apresenta a peça, que r. "música popular é tanto mais expressiva quanto mais se alia ao povo na captação de novos sentimentos e valores necessários para a evolução social, quando mantém vivas as tradições de unidade e integração nacionais". Ainda com um certo sabor CPC, temos aqui alguns pontos-chave do raciocínio cultural engajado que dá o tom nesse momento: a idéia de
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22 ▲
In order to print this document from Scribd, you'll que a arte é "tanto mais expressiva" maisit.tenha uma "opinião", ou seja, quanto mais se faça first needquanto to download
instrumento para a divulgação de conteúdos políticos; a idealização, um tanto problemática, de uma aliança do artista com o "povo", concebido como a fonte "autêntica" da cultura; e um certo nacionaCancel Download And Print lismo, explícito na referência de indisfarçável sotaque populista às "tradições de unidade e integração nacionais". Mas, em que pesem os limites dessas concepções, Opinião revelou-se um espetáculo extremamente oportuno. Reunindo um público jovem, o show parecia interpretar o sentimento de toda uma geração de intelectuais, artistas e estudantes naqueles dias em que a realidade do poder militar afigurava-se como um fantasma no imaginário da revolução brasileira. Para espantá-lo, surgia um novo imperativo: falar, cantar, manifestar. Tratava-se de expressar, contra o autoritarismo que subia ao poder, a determinação à denúncia e ao enfrentamento. "Mais que nunca, é preciso cantar", sugeria a voz de Nara Leão entoando a Marcha da Quarta-feira de Cinzas, nesse momento investida de todo um universo de alusões à esperança e à resistência. r esistência. Encenava-se um pouco da ilusão que restara do projeto político-cultural pré-64 e que a realidade não parecia disposta a permitir: a aliança do povo com o intelectual, o sonho da revolução nacional e popular. Enquanto acontecimento, Opinião trazia uma importante novidade. Ã diferença do teatro agitativo realizado pelo CPC na fase Goulart, que buscava o 23 ▲ povo em portas de de fábricas, favelas, etc, fazia-se agora agora contato com setores setores da própria classe classe média. A mobilização desse novo público, formado basicamente por estudantes e intelectuais, revelava os limites do novo quadro conjuntural e deixava entrever a formação de uma massa política que conheceria seu momento de radicalização nas passeatas de 67/68. Por hora, tomavam forma nos pontos de encontro — entre os quais Opinião era obrigatório — certos signos de uma "cultura do protesto". Nascia o design do novo revolucionário. Nara Leão, exmusa da "alienada" Bossa-Nova, agora musa do protesto, de punhos cerrados, atraía as atenções do estudante, do intelectual, do jovem contestador de esquerda. Uma platéia cujo figurino definia o clima da época: o uniforme e a camisa de corte militar, militar , as barbas à Fidel, a voga da cor caqui... Em meio ao canto de carcará, a voz de Nara denunciava: "Em 1950 havia dois milhões de nordestinos vivendo fora de seus estados natais; 10% da população do Ceará emigrou, 13% do Piauí, mais de 15% da Bahia". E Ferreira Gullar, grave, declamava em off a "mensagem" do hino camponês Guantanamera. O lavrador, a reforma agrária, a favela, os ventos da revolução cubana, a idéia da revolução no Brasil alimentavam a sympathia entre cantores e espectadores. O tom exortativo e mobilizante que envolvia a todos parecia promover antes a resposta emocionada e esperançosa do que a reflexão e o distanciamento crítico. Uma limitação, não há dúvida, mas que viria a se revelar, por outro lado, extrema24 ▲ mente eficaz enquanto tática de aglutinação e mesmo de conformação da "linguagem" política que passaria a ser desenvolvida desenvolvida nesta nesta segunda metade metade da década. década.
Questão de opinião Não apenas presente presente no Opinião, Opinião, a denúncia e a busca da mobilização do público público marcavam, de um modo geral, a disposição do ambiente cultural. Ainda na área teatral a peça Liberdade, Liberdade, realizada pelo Teatro de Arena, reunindo uma antologia de textos do pensamento político-liberal do ocidente, reafirmava, com grande sucesso de bilheteria, o prestígio da voz eloqüente e engajada. No
Print document cinema, o filme Opinião Pública de Arnaldo Jabor ia às ruas, numa forma que fazia lembrar o In order to print this document from Scribd, you'll cinema-verdade, para dar palavra à opinião do povo. Nas artes plásticas, em exposições como a first need to download it. Opinião 65 e Opinião 66 e a mostra da galeria G-4 (66), podia-se também notar a tendência a uma postura provocativa em relação ao público. público. O desejo de manifestar, a procura procura de espaços, espaços, a aglutinação, a mobilização: traços que distinguem o prestígio momentaneamen te tático do "gênero Cancel Download Andmomentaneamente Print público", da produção produção cultural que reúne reúne platéia e que permite deflagrar a expressão expressão coletiva. Mas se podemos dizer que o empenho pela mobilização é nesse momento o traço distintivo da produção cultural, isso não significa postular sua uniformidade. De maneiras diferentes, envolvendo 25 ▲ projetos diversos, imersa imersa numa clima de crescente debate, debate, a cultura trabalhava trabalhava a sensibilização sensibilização política de seus novos novos consumidores. consumidores. Se o engajamento engajamento exacerbado exacerbado e muitas vezes vezes ingênuo da produção influenciada influenciada pelo CPC fazia furor entre estudantes e intelectuais de esquerda, esquerda, outras tendências começavam a conquistar espaço, colocando questões que o raciocínio imediatamente preocupado com com a "conscientização" "conscientização" tendia a negligenciar. negligenciar.
A preocupação com a modernidade, que estivera presente nas teorízações e trabalhos t rabalhos das vanguardas dos anos 50, especialmente no movimento da poesia concreta, seria de certa forma retomada e redimen-sionada por alguns setores da produção artística. A tentativa de trabalhar novas linguagens dentro de projetos que levassem em conta a intervenção política marcaria a presença de novos interlocutores no debate cultural.
O happening das artes plásticas Nas exposições Opinião 65 e Opinião 66 e, de forma radical, nos trabalhos apresentados na galeria G-4, já são evidentes certas diferenças de concepçãq em relação ao projeto um tanto "conteudista" da arte revolucionária do período Goulart. A renovação formal ganha evidência, ao lado de uma valorização de temáticas vinculadas ao universo urbano: as mitologias da classe média conservadora, 26 ▲ a TV, o out'door, o futebol, a violência, etc, ou ainda certas questões ligadas ao imaginário da contestação da juventude em emergência na Europa e nos EUA. Dizia, na época, Antônio Dias: "os jovens são propósitos em andamento. E, se um jovem exerce o cinema ou a pintura, é quase inevitável que ele pense que através da denúncia conseguirá extirpar os males do mundo. Estou sempre pensando, por intermédio de meu trabalho, em levar as coisas para a frente, mas é preciso arma armarr um sist sistem emaa perm perman anen ente te de críti crítica ca cont contra ra um otim otimis ismo mo vulga vulgar. r. As cois coisas as mudam mudam constantemente e é preciso estar sempre atento, fazer as reformulações no momento exato". E, radical, Hélio Oiticica sentenciava: "chegou a hora da antiarte. Com as apropriações descobri a inutilidade da chamada elaboração da obra de arte". Utilizando informações contemporâneas, abertos à absorção de elementos das correntes culturais internacionais como o Pop norte-americano e de olho na tradição moderna das artes brasileiras, a produção plástica apresentava novidades. Experimento e intervenção: renovar a construção da obra de arte significava também propor uma nova nova rela relaçã çãoo com com o públ públic ico. o. Na expo exposi siçã çãoo da G-4, G-4, onde onde se reun reunia iam m traba trabalh lhos os de gran grande dess proporções, objetos e ambientes, ambientes, a invenção formal surgia como elemento elemento provocativo. Ao invés do encorajamento exaltado, a surpresa, o humor, a incitação. "Começou-se a criar — diz Rubem Gersh-man — uma série de ambientes que envolveriam e até mesmo agrediriam os espectadores. Era mais forma de conscientizar o espectador em relação à 27 ▲ proposta que a gente gente estava fazendo. fazendo. Então, na época, por exemplo, exemplo, o Vergara fez fez um furo na parede e botou um um cartaz pedindo aos expectadores expectadores que olhassem olhassem o que tinha nele. nele. E era um buraco buraco bem baixinho, a pessoa pessoa tinha que ficar de forma ridícula, meio ajoelhada, pra poder poder olhar no buraco. buraco.
Print document E lá, quando o sujeito olhava, estava escrito qualquer coisa como: ao invés do Sr. ficar nessa atitude In order to print this document from Scribd, you'll ridícula, olhando neste buraco, por que não toma uma atitude em relação às coisas que estão first need to download it. acontecendo em sua volta, etc. e tal." t al." A resposta do público foi surpreendente. Uma garagem reformada, a G-4 viu-se literalmente li teralmente invadida: "Apareceram naquela noite — Cancel conta aindaDownload R. Gershman quase dez mil pessoas, uma And — Print loucura, nunca tinha havido um interesse tão grande pela arte que se fazia na época".
A tendência para o aproveitamento do espaço, presente na construção de ambientes e no gigantismo de telas e cartazes, revelava a inquietação de um movimento que acabaria por romper os limites dos salões e galerias. Surgiriam os Happenings, onde o público era convidado a uma participação que envolvia o gesto, o movimento do corpo, a resposta sensível. No Rio de Janeiro, Rubens Gershman levava seus quadros para a Estação Central do Brasil — escolha sintomática se lembrarmos o investimento simbólico desse espaço que servira ao famoso discurso de João Goulart às vésperas do golpe militar. Buscava-se a rua, num mood que parecia preparar as manifestações da juventude estudantil. 28 ▲ Em 1967 era apresentada no MAM a exposição Nova Objetividade Brasileira, reunindo trabalhos de artistas do Rio de Janeiro e São Paulo. A mostra marcou um momento de "maturidade" " maturidade" e de confluência dos vários projetos de vanguarda das artes plásticas. Hélio Oiticica definia no catálogo da exp sição suas principais tendências: 1) Vontade construtiva construti va geral 2) Tendência para o objeto ao ser negado o quadro de cavalete 3) Participação corporal, tátil, visual, semân tica, etc, do espectador 4) Tomada de posição em relação a problemas políticos, sociais e éticos 5) Tendência a uma arte coletiva 6) Ressurgimento e reformulação do conceito de antiarte. Como se vê, o programa que reúne e representa a atuação do setor plástico marca nesse momento um avanço considerável na discussão do projeto da mili-tância cultural. A relativização da prioridade didática ou imediatamente conscientizadora insinua um movimento de readequação do trabalho intelectual — e de modo específico, do trabalho artístico — num momento em que se tornava tornava crítica crítica a relação relação produção produção cultural/militân cultural/militância cia política, política, tal como fora colocada colocada no período período Goulart. No clima de manifestação por onde enveredava o ambiente cultural, do qual a simples recorrência da palavra Opinião (Opinião 65, Opinião 66, Opinião Pública) poderia ser um sintoma definitivo, a intervenção de vanguarda passava 29 ▲ a ser aquela mais capacitada a fornecer respostas à crescente inadequação dos pressupostos que haviam norteado a prática cultural de artistas e intelectuais até 64. Dois movimentos talvez tenham conduzido com especial significação a "linha evolutiva" do processo cultural nesse nesse período: o Cinema Novo e o Tropicalismo. O primeiro, assumindo assumindo um papel papel de frente no campo da reflexão política e estética, expressaria de forma radical as ambigüidades que dilaceravam a prática política do intelectual em nossa história recente. O segundo, catalisando as inquietações e impasses da situação pós-64, iria fazê-las explodir num movimento de renovação da canção popular que "arrombaria a festa", abrindo novas possibilidades criativas para a produção cultural. 30 ▲
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III
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O cinema é a maior diversão
Cancel Print "(...) Onde houver um cineasta disposto a filmarDownload a verdade And e a enfrentar os padrões hipócritas e policialescos da censura intelectual, ai haverá um germe vivo do Cinema Novo. Onde houver um cineasta disposto a enfrentar o comercialismo, a exploração, a pornografia, o tecnicismo, ai haverá um germe do Cinema Novo. Onde houver um cineasta de qualquer idade ou de qualquer procedência, pronto pronto a pôr seu cinema cinema e sua profissão profissão a serviço das causas importantes importantes de seu tempo, tempo, aí haverá um germe do Cinema Novo" (Glauber Rocha, Uma Estética da Fome, 1965).
Os primeiros sinais do movimento que viria a ser conhecido como Cinema Novo brasileiro podem ser encontrados no período de passagem dos anos 50/60. Experimentava então o país um momento cru31 ▲ ciai de sua história recente. Superada a ditadura varguista, vivia-se uma conjuntura marcada pela articulação, nem sempre estável, da nova ordem democrática, onde a intensificação do processo de industrialização enchia de otimismo o imaginário das elites que anteviam a realização do sonho do desenvolvimento econômico. econômico. A idéia de um Brasil revigorado, avançando avançando rapidamente em direção ao estágio das nações mais desenvolvidas, ganhava aparência de realidade no projeto de construção de Brasília, na implantação da indústria automobilística e na ousadia dos planos governamentais que, segundo o slogan de JK, fariam-nos f ariam-nos caminhar cinqüenta anos em cinco. No campo da cultura cultura assistia-se a uma uma intensa produção produção ideológica vinculada vinculada à problemática problemática do desenvolvimento e do nacionalismo. Em 1955 era fundado o ISEB — Instituto Superior de Estudos Brasileiros —, reunindo intelectuais empenhados na interpretação do Brasil e na formação de uma "consciência nacional" capaz de agenciar, em sentido progressista, o amadurecimento econômico, social e político do país. No terreno da atividade artística, o ambiente de otimismo e de projeção de um salto bem-sucedido para o desenvolvimento desenvolvimento estimulava a prática de uma polêmica vanguarda literária — o movimento da poesia concreta — que se dedicava à experimentação de novas linguagens capazes de expressar as feições modernas que se afiguravam na sociedade brasileira. Abertos à absorção de informações da modernidade artística e da cultura urbana 32 ▲ industrial — os mass media, a propaganda, o cinema, etc. —, os poetas concretos pediam, sintomaticamente, "poemas à altura dos novos tempos, à altura dos objetos industriais racionalmente planejados e produzidos". Na música popular, os "novos tempos" assistiam ao surgimento da Bossa-Nova, onde a musicalidade brasileira era recriada com a assimilação de harmonias que, em sua originalidade, muito deviam às formas musicais àojazz e da melhor canção internacional. Na área teatral encenava-se o grande espetáculo, na linha tão t ão bem cuidada quanto comportada do Teatro Brasileiro de Comédia. Em contrapartida, surgiam novas experiências, como o Teatro de Arena e o Oficina que ao longo l ongo dos anos 60 desempenhariam desempenhariam um papel renovador e crítico no meio teatral. Passava-se, em suma, por um momento estimulante e propício à articulação de uma produção cultural brasileira, capaz de responder em suas diversas áreas ao projeto nacional de desenvolvimento. Filho da sociedade industrial, o cinema encontraria nesse período um ambiente certamente favorável ao seu florescimento. No início dos anos 50 surgia a Companhia Companhia Vera Cruz, propondo-se a enfrentar enfrentar o desafio de uma
Print document produção cinematográfica cinematográfica organizada em bases empresariais. empresariais. Uma tarefa árdua, árdua, que encontrava encontrava In order to print this document from Scribd, you'll pela frente um mercado mercado inteiramente controlado controlado por empresas estrangeiras, estrangeiras, tão poderosas poderosas que first need to download it. obtinham através de mecanismos institucionais uma remessa de 70% dos lucros l ucros advindos das exibições para seus países de Cancel
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33 ▲ origem. Um excelente negócio, a que certamente nãò interessaria o desenvolvimento de um núcleo de produção nacional. Para a Vera Cruz, tratava-se de romper o bloqueio do mercado através da realização de filmes de boa qualidade técnica, capazes de medir forças com o cinema estrangeiro, especialmente o norte-americano, que na ausência de uma produção local inscrevia-se no cotidiano do divertimento brasileiro como uma forma inteiramente familiar. No dizer de Paulo Emílio Salles Gomes, o cinema norte-americano em nossa sociedade havia adquirido "uma qualidade de coisa nossa, na linha de que nada nos é estrangeiro pois tudo o é". A estratégia da Vera Cruz ao procurar a medida técnica do filme norte-americano indicava uma opção a um só tempo econômica e estética. O domínio da técnica, se necessário e desejável para a formação de um cinema mais sólido no Brasil, tornava-se, contudo, na forma empresarial que o concebia, um exercício de pouca originalidade e de evidentes limitações no plano ideológico. Não deixaria, é verdade, a produção paulista de alcançar momentos de interesse, como O Cangaceiro, de Lima Barreto, e a procura, talvez tardia, da linhagem humorística. Mas a realidade do mercado acabaria afinal mostrando-se mais forte. Incapaz de controlar a comercialização de seus produtos — a distribuição ficava a cargo da Co Colu lumb mbia ia Pict Pictur ures es — e defr defron on-ta -tand ndoo-se se com com as insu insufic ficiê iênc ncia iass próp própria riass do está estági gioo de subdesenvolvimento vivido pelo cinema brasileiro, a Vera Cruz ver-se- :a, em 1957, obrigada a fechar suas portas. Deixava uma produção de 18 filmes e a per34 ▲ manente incerteza sobre as possibilidades econômicas e culturais do cinema no Brasil. Nessa mesma época, época, crescia entre setores da juventude juventude o interesse interesse pelo cinema. Os Os impasses enenfrentados pela nascente produção cinematográfica eram objeto de vivas discussões sintonizadas com as experiências do cinema de autor realizadas na Europa e animadas pelo desejo de se organizar um cinema capaz de se inscrever i nscrever de forma crítica no processo cultural brasileiro. Conta Glauber Rocha: "Em 1957^58, eu, Miguel Borges, Caca Die-gues, David Neves, Mário Carneiro, Paulo Saraceni, Leon Hirszman, Marcos Farias e Joaquim. Pedro (todos ( todos mal saídos da casa dos vinte) vi nte) nos reuníamos em bares de Copacabana e do Catete para discutir os problemas do cinema brasileiro. Havia uma revolução no teatro, o concretismo agitava a literatura e as artes plásticas, em arquitetura a cidade de Brasília evidenciava que a inteligência do país não encalhara. E o cinema? Vínhamos do fracasso de Ravina, de uma súbita interrupção de Nelson Pereira dos Santos, de um polêmico Walter Hugo Khoury e do fracasso da Vera Cruz e Cavalcante e sofríamos na carne a tirania da chanchada. (...) Mas o que queríamos? Tudo era confuso. Quando Miguel Borges fez um manifesto, disse que nós queríamos cinema-cinema. Paulo respondeu que aquilo era como a história do menino que pediu ao pai uma bola-bola e o pai ficou sem saber saber o que era. Deu em briga e o movimento movimento do cinemacinemacinema entrou pelos canos com muito romantismo." 35 ▲ Em 1959/60 Joaquim Pedro e Paulo César Sara-ceni realizariam Couro de Gato e Arraial do Cabo e a seguir embarcariam com Gustavo Dahl para a Europa. Glauber Rocha retornaria à Bahia e no Rio ficariam Leon Hirszman, Miguel Borgues e Marcos Farias. Em 1960 acontecia em São Paulo a I Convenção da Crítica Cinematográfica, com a presença, entre outros, de Paulo Emílio Salles, Orlando Senna, Plínio Aguiar, Paulo Perdigão e Carlos Diegues. Nos debates, as denúncias ao cinema colonizado e à dependência em relação aos grandes centro centross seriam seriam alimen alimentad tadas as pela pela exibiç exibição ão de Aruand Aruanda, a, um curtacurta-met metrag ragem em vindo vindo da Paraíb Paraíba, a, realizado em condições um tanto precárias. Sugerindo o caminho da produção não empresarial e da linguag linguagem em "de "desco scolon loni-z i-zada ada", ", Aruand Aruandaa em seu "primi "primitivi tivismo smo"" atuali atualiza zava va alguma algumass que questõ stões es fundamentais com que se defrontava o meio cinematográfico. Como organizar as bases para um
Print document cinema nacional independente? Que tipo de problemas deveriam preferencialmente ser tratados em In ordercomo to print document from Scribd, you'll filmes de países subdesenvolvidos o this nosso? first need to download it.
Em 1961, Glauber Rocha de volta da Bahia montava Barravento com Nelson Pereira dos Santos, ambos de olho na técnica t écnica descontínua e fragmentária de Jean-Luc Godard. And Print Nessa mesma época, época, Couro de de Gato Cancel de Joaquim JoaquimDownload Pedro reunia-se a Um Favelado de Marcos Farias, Escola de Samba e Alegria de Viver de Carlos Diegues, Zé da Cachorra de Miguel Borges e Pedreira de 36 ▲ São Diogo de Leon Hirszman, para formar Cinco Vezes Favela, um filme patrocinado pelo CPC. Na Europa, Arraial do Cabo Cabo era premiado no no Festival de Santa Santa Margherita. Á geração de jovens cinéfilos que ao fim dos anos 50 reunia-se em bares e cineclubes partia para a prática. Convivendo Convivendo com as questões questões da "arte revolucionária" revolucionária" que começavam começavam a mobilizar a intelectualidade no início dos anos 60, em pouco viriam a se tornar os protagonistas de um movimento cinematográfico extremamente original e que teria repercussões significativas na vida cultural do país. Á idéia de um cinema nacional nacional feito segundo os modelos da indústria indústria cinematográfica nortenorteamericana e européia passaria a ceder terreno a uma nova perspectiva: a realização de filmes f ilmes "descolonizados", "descolonizados", vinculados criticamente à realidade do subdesenvolvimento, capazes de traduzir a especificidade da vivência histórica de um país do Terceiro Mundo. "Nossa geração — dizia Glauber — tem consciência: sabe o que deseja. Queremos fazer filmes antiindustriais; queremos fazer filmes de autor, quando o cineasta passa a ser um artista comprometido com os grandes problemas do seu tempo; queremos filmes de combate na hora do combate e filmes para construir no Brasil um patrimônio cultural." A idéia do cinema de autor, que surgira na França como uma forma de romper com os constrangimentos da grande produção, introduzindo a figura do idealizador do filme, dono de um "estilo" e de 37 ▲ uma problemática própria, surgia no Brasil com conotações fortemente políticas. "O cinema de autor é a revolução", diria Glauber Rocha. E a revolução no cinema brasileiro fazia-se contra o mimetismo dos filmes dominantes de origem estrangeira. Como notou Raquel Gerber, naquele momento, a uma "linguagem da dominação", tratava-se de opor uma "linguagem alternativa". Na diversidade das alternativas autorais, o Cinema Novo manifestaria uma mesma vontade de superar a indigê indigênc ncia ia crítica crítica do cinema cinema comerc comercial ial atrav através és da afirma afirmação ção de uma uma prática prática cinema cinematog tográf ráfica ica desmistificadora, engajada, de-flagradora. A pertinência da "política de autor", enquanto proposta de experimentação no campo da linguagem, despertaria, contudo, certas críticas. Em torno dessas questões surgiriam polêmicas com as áreas mais rígidas do CPC que, adotando a ótica da conscientização, conscientização, viam no cinema de autor a possibilidade de um um impedimento à comunicação comunicação imediata com o povo. Em 1962, 1962, nas páginas páginas do jornal O Metropolitano, da União União Metropolitana dos dos Estudantes, Carlos Carlos Diegues intervinha intervinha no debate referindo-se de modo extremamente crítico aos intelectuais do CPC: "O que esses intelectuais desejam é o bolero e o twist com letra da Internacional? (...) Para o intelectual realmente de esquerda, dois problemas se colocam juntos, um decorrendo do outro: por um lado a preocupação com uma arte que transforme; por outro a garantia de liberdade entre as alternativas que esta arte possa ter como expressão/comunicação expressão/comunicação (...) 38 ▲ Estamos preocupados em transformar consciências, não levá-las a uma forma de entorpecimento. Transformá-las profundamente» levá-las a novas formas de raciocínio (no caso do cinema até formas visuais de raciocínio) condizentes com sua situação de classes novas(...)." O Cinema Novo pedia, nas palavras de Caca, a compreensão da linguagem como lugar de exercício do poder: a superação da alienação e da dependência haveria de passar pela desconstrução das
Print document formas culturais dominantes e do "raciocínio" " raciocínio" ideológico por elas proposto. Longe de qualquer In order to print this document from Scribd, you'll formalismo, a questão da invenção e da experimentação no campo da linguagem cinematográfica first need to download it. integrava-se no projeto cinemanovista a uma problemática de ordem econômica, estética e política: resultava de uma opção pela produção não industrial, pela desmontagem dos padrões estéticoideológicos do filme estrangeiro e pela desmistificação da And imagem Cancel Download Printdominante da sociedade brasileira. Como dizia Glauber Glauber Rocha: "No Brasil o cinema novo é uma questão de verdade e não de fotografismo. Para nós a câmera é um olho sobre o mundo, o travelling é um instrumento de conhecimento, a montagem não é demagogia, mas pontuação do nosso ambicioso discurso sobre a realidade humana e social do Brasil." Em 196 1963/6 3/64, 4, o ambici ambicioso oso discur discurso so do inquie inquieto to cinem cinemaa brasil brasileir eiroo alcanç alcançari aria, a, de forma forma definitiva, sua inscrição no âmbito da melhor produção cultural do país. Com Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos — que realizara realizara o "clássico" Rio 40 Graus 39 ▲
(54) e Mandacaru Vermelho (61) — eDeus e o Diabo na Terra do Sol de Glauber Rocha, o cinema novo levava o filme brasileiro a um novo patamar dentro do quadro de nossa cultura. Em Vidas Secas, a retomada do romance social de Graciliano Ramos recuperava a atualidade política da temática nordestina, a discussão da miséria, da fome, da situação sit uação marginal vivida pelas populações excluídas excluídas pelo pacto pacto do desenvolvimento desenvolvimento econômico. Fixava-se a orientação orientação desmistificadora, o manejo do cinema como forma de conhecimento, a perspectiva descolonizadora que oferecia à sociedade brasileira o espelho áspero de seu miserabilismo cultural. No filme de Glauber, um um novo salto: a representação representação do povo abandona o diapasão naturalista e o olhar dominante que o fixa enquanto massa passiva, para rastrear suas manifestações simbólicas de violência e revolta. O misticismo e o cangaço — formas "primitivas" da rebeldia no universo popular nordestino — são levados no filme a um momento de desmistificação, onde o irracionalismo do Beato e do Cangaceiro dá lugar à possibilidade histórica da revolução social. O fio condutor desse processo de desvendamento é tecido pela trajetória do vaqueiro Manuel que se vê sem alternativas ante as injunções do poder coronelista e resolve partir com sua mulher em busca de novos caminhos. Num primeiro momento, Manuel irá juntar-se ao povo de Monte Santo, liderado pelo Beato Sebastião — uma personagem criada a partir da referência histórica de An40 ▲ tônio Conselheiro —; depois irá fazer parte do bando de Corisco, companheiro de Lampião, foragido da polícia e dos jagunços. Sebastião e Corisco, Deus e o Diabo, são os pólos de uma espécie de dialética da consciência alienada que será ultrapassada pela intervenção de Antônio das Mortes, uma síntese do tipo jagunço/matador, pago pelo poder local para eliminar o povo de Monte Santo e o bando de Corisco. Antônio expressa uma consciência contraditória: mata sabendo que o povo é iludido; foi condenado a esse destino e sente-se obrigado a cumpri-lo "sem pena e pensamento". No dizer de Glauber, Antônio das Mortes porta o "prenuncio de uma guerra, na qual ele tem que desaparecer". Uma guerra que é do homem: a sina de Antônio é promover a superação do maniqueísmo representado' pelo misticismo de Sebastião e pela rebeldia anarquista de Corisco, expres exp ressõe sõess de um ciclo ciclo "pré-p "pré-polí olí-tic -tico" o" da con consci sciênc ência ia pop popula ular, r, para para deflag deflagrar rar o'mome o'momento nto da experiência revolucionária. A profecia do Beato, colhida de Antônio Conselheiro — "O sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão" — pode então realizar-se pelos caminhos da história. Considerado por alguns hermético e anárquico, saudado por outros como obra-prima, Deus e o Diabo na Terra do Sol colocaria, inegavelmente, a- discussão e a prática cinematográfica no Brasil num estágio superior. Não se tratava apenas de saudar a presença no cinema de uma aguçada sensibilidade política voltada para a interpretação de um problema social brasileiro, mas o modo como essa "sensibili41 ▲ dade" aparecia ordenada e traduzida no campo da representação cinematográfica. cinematográfica. A violência imagís-tica inerente a cada plano, que se constitui quase como cenografia interna da imagem, i magem, o recurso à ale-gorização crítica, a função f unção opositiva do uso da música erudita ou de raízes folclóricas,
Print document a narrativa distanciada, e o tratamento explosivo do elemento verbal, que irrompe freqüentemente order to print this document from Scribd, you'll de forma autônoma no filme, Inpermitiram a Deus e o Diabo colocar em xeque a tradicional narrativa first need to download it. dramática do cinema "ideológico". Aqui, o engajamento ganha uma formulação complexa, rica, integral: não se trata de uma mera Cancelde vista Download And "lição" onde a postulação de um ponto favorável à Print transformação social seria por si só capa capazz de faze fazerr do film filmee um prod produt utoo cult cultur ural al supo supost stam amen ente te revo revolu luci cion onár ário io.. Se o term termoo "revolucionário" pode dizer alguma coisa sobre esse filme de Glauber Rocha, o faz na medida em que, dentro de um quadro específico do desenvolvimento do cinema brasileiro e do momento histórico que o conforma, Deus e o Diabo pôde expressar de forma original a possibilidade de uma ruptura ruptura a um só tempo política política e estética: estética: a superaçã superaçãoo das formas "primitivas" "primitivas" da revolta revolta popu popular lar que descortina o espaço para a revolução social e a atualização de uma linguagem cinematográfica que se destacava radicalmente do repertório formal trabalhado pela maior parte dos filmes brasileiros. De Aruanda a.Deus e o Diabo, em pouco tempo o Cinema Novo mudara a face de nossa produção 42 ▲
cinematográfica. A figura do cineasta revestira-se de legitimidade intelectual e sua produção participava de forma extremamente extremamente fecunda fecunda no encaminhamento encaminhamento da atividade cultural. As premiações obtidas em sucessivos sucessivos festivais internacionais internacionais contribuiriam para fortalecer fortalecer ainda mais o prestígio do movimento movimento que chegava em meados da década como um dos mais significativos significativos representantes da vontade transformadora que mobilizava a jovem intelectualidade naqueles anos de crases e radicalizações. Comentando na Revista Civilização Brasileira a escolha de Vidas Secas como melhor longa-metragem na V Rasegna dei Cinema Latinoamericano, realizada em Gênova no ano de 1965, Carlos Diegues referia-se ao significado da produção cinemanovista: "O cinema brasileiro deixou de ser uma crônica da sociedade brasileira, deixou de ser um estereótipo, um pastiche, e passou a adotar uma visão antropológica do homem brasileiro, da própria cultura brasileira." Na mesma Rasegna de Gênova, Glauber Rocha apresentaria a tese/ manifesto Uma Estética da Fome Fome,, faze fazend ndoo uma uma aval avalia iaçã çãoo do Cine Cinema ma No Novo vo e de seu seu proj projet etoo de inte interv rven ençã çãoo cult cultur ural al transfo transforma rmador dora. a. Defini Definindo ndo a "fome" "fome" como como o traço traço distin distintivo tivo da vivênc vivência ia social social dos países países periféricos e subdesenvolvidos subdesenvolvidos — vivência que pelo europeu era percebida como um "estranho surrealismo tropical" e que permanecia nesses países como algo incompreendido —, Glauber propunha uma "cultura "cultura da fome", que deveria atuar minando minando suas-próprias estruturas estruturas para se 43 ▲ superar qualitativamente. A originalidade do Cinema Novo diante do cinema mundial estaria exatamente no fato de representar essa "fome latina" e sua "mais nobre manifestação cultural": a violência. "Do Cinema Novo: uma estética da violência antes de ser primitiva é revolucionária, eis aí o ponto inicial para que o colonizador compreenda a existência do colonizado: somente conscientizando conscientizando sua possibilidade única, única, a violência, o colonizador pode compreender, pelo horror, a força da cultura cultura que ele explora. Enquanto não ergue as armas, o colonizado é um escravo: foi preciso um primeiro policial morto para que o francês percebesse percebesse um argelino. argelino. De uma moral: essa essa violência, contudo, contudo, não está incorporada ao ódio, como também t ambém não diríamos que está ligada ao velho humanismo colonizador. O amor que esta violência encerra é tão brutal quanto a própria violência, porque não é um amor de complacência, mas um amor de ação e transformação." tr ansformação." Menos de um ano após a queda do governo Goulart, Glauber reafirmava, de forma radical, o sentido revolucionário do Cinema Novo. Mas, se até 64 fora possível tecer contra o discurso da dominação um universo de novas repre-
Print document sentações da realidade sócio-cultural brasileira, com a mudança do quadro político haveria uma to print this document frompara Scribd, you'll tendência do Cinema Novo In a order se voltar sobre si próprio repensar sua inscrição cultural e o sentido da prática política quefirst o produzira. As ambigüidades da expeneed to download it. 44 ▲
Download And Print riência social de um expressivo setorCancel da juventude que se havia colocado o empreendimento de uma revolução popular no Brasil faziam-se mais sensíveis com o malogro político de 64. O intelectual que se acreditara porta-voz no campo da cultura de um movimento social que nos levaria à libertação das amarras responsáveis pelo subdesenvolvimento, experimentava profundamente os conflitos de sua opção. A difícil convivência do trabalho intelectual e da prática política, da vivência de elite e do engajamento com o movimento popular, a velha e sempre presente questão do lugar social da intelligentsia — aguçada em nosso país pela evidência do subdesenvolvimento, iria constituir-se em matéria para o Cinema Novo que, na impossibilidade de atingir a identificação desejada com o organismo social brasileiro, iria permanecer até o fim, nos termos de Paulo Emílio, como "o termômetro fiel da juventude que aspirava ser a intérprete do ocupado". Em 1966, Paulo César Saraceni realizava O Desafio, um filme sobre os impasses que rondavam a esquerda após o movimento de abril. A surpresa, o vazio, o desalento, a crise dos que procuraram integrar-se a um processo revolucionário e que encontraram a violência inesperada de sua interrupção: uma tentativa de flagrar um momento da consciência do intelectual, demarcando as contradições e os limites de sua origem de classe e de seu universo ético e político. Em 1967, no mesmo filão da "crise de consciência", surgiria Terra em Transe de Glauber Rocha e 45 ▲ em 68 O Bravo Guerreiro de Gustavo Dahl. Num momento em que a manutenção da vitalidade política e cultural do país tornava-se um exercício praticamente circunscrito ao âmbito da classe média intelectual e estudantil — onde sé processava todo um emaranhado de revisões e autocríticas dentro de um clima de crescente radicalização — o Cinema Novo assumia um papel de vanguarda no plano da produção cultural, conduzindo uma reflexão extremamente representativa da ousada aventura política empreendida pela juventude ao longo dos anos 60. E aqui talvez devêssemos relativizar o certo consenso crítico que se criou a respeito do Cinema Novo, tomando-o como projeção de uma consciência pe-queno-burguesa pe-queno-burguesa sobre um universo de referência popular. É certo que que não não apen apenas as o Cine Cinema ma No Novo vo,, mas mas prat pratic icam amen ente te a tota totali lida dade de da prod produç ução ão cultu cultura rall dita dita "revolucionária" que se engendrou no Brasil nesse período vincula-se à emergência das classes médias e resulta de uma problemática perpassada por questões "pequeno-burguesas". Mas nos parece plausível considerar que o uso de um critério tão amplo pode nos levar, no limite, à invalidação de uma prática transformadora específica por parte do intelectual e do produtor de cultura. Estes ver-se-iam assim diante da única e dificilmente realizável perspectiva de serem portadores de uma idealizada "cultura popular" ou, em versão classista, de uma "cultura proletária". Se essa prática experimenta condicionamentos de classe, e mais, a conformação dos mecanismos institucionais/econômicos institucionais/econômicos que regem a produção e a 46 ▲ circulação dos produtos culturais no âmbito da sociedade, parece-nos parece-nos que a consciência e a experimentação desses limites podem assumir, em situações determinadas, um sentido crítico e renovador. No caso específico do Cinema Novo esse sentimento talvez resida menos em questões como a "justeza" dos termos de seu projeto revolucionário ou a opção pela temática do campo quando o "correto", pelo estágio de desenvolvimento desenvolvimento das forças produtivas no Brasil, seria tematizar a cidade e o operariado, do que na capacidade que o movimento pôde demonstrar, no interior de um quadro determinado de possibilidades políticas, de trabalhar radicalmente a zona de atrito que se delineia nas fronteiras da consciência política do intelectual e de sua efetiva e real inscrição no corpo social. Assim, com o Cinema Novo teríamos não uma simples projeção da mitologia pequeno-bur-guesa de esquerda num referente popular, mas uma problematização dessa consciência que se manifestaria, mais do que plano dos "conteúdos", pela sua própria formulação enquanto linguagem cinematográfica.
Print document Em Terra em Transe, possivelmente o filme que melhor tenha expressado a face "reflexiva" da In order to print this document from Scribd, you'll trajetória cinemanovista, o "termômetro da juventude", a que se referira Paulo Emílio, registrava a first need to download it. temperatura elevada das mobilizações estudantis, as influências da guinada à esquerda dos movimentos de libertação nacional e dos protestos da juventude em diversos países. Guiado por uma sensibilidade estética moderna, Cancel alegórica, profética, voltavaDownloadGlauber And Print 47 ▲ se para a reapresentação extraordinariamente crítica do Brasil populista e do modelo de intelectual revol revoluc ucio ioná nári rioo que que aí se dese desenh nhar ara. a. A valo valori riza zaçã ção, o, tão tão próp própri riaa dess dessee perío período do,, do pode poder r revolucionário da palavra seria confrontada no filme com a dura realidade das relações de poder, onde, à diferença do impulso intelectual, dificilmente os "poemas precedem os fuzis". A "esquerda literária" — como o diretor teatral José Celso Martinez iria mais tarde caracterizar a intelligentsia de início da década — aparece em Terra em Transe na figura de Paulo Martins, jornalista, poeta e militante que, dilacerado por sua experiência política e intelectual, conclui: "a política e a poesia são demais para um homem só". Comparando Antônio das Mortes e Paulo Martins, Glauber Rocha dizia em 1967: "Paulo Martins, como Antônio, é um cara que vai à direita e à esquerda, que tem má consciência dos problemas políticos e sociais. Encontramos nele uma revolução recorrendo às contradições, e disso ele morre. É aliás uma parábola sobre a política dos partidos comunistas na América Latina. Para mim, Paulo Martins representa, no fundo, um comunista típico da América Latina. Pertence ao Partido sem pertencer. Tem uma amante que é do Partido. Coloca-se a serviço do Partido quando este o pressiona, mas gosta também muito da burguesia a serviço da qual ele está. No fundo ele despreza o povo. Ele acredita na massa como um fenômeno espontâneo, mas acontece que a massa é complexa. A revolução não estoura quando ele o deseja e por isso ele assume 48 ▲ uma posição quixotesca. No fim da tragédia ele morre. Antônio é mais primitivo, recebe dinheiro do poder, deve matar os pobres, o beato e o cangaceiro e ele sabe que essas pessoas não são más porque são vítimas de um certo contexto social social do qual não têm consciência. consciência. Antônio é um um bárbaro, enquanto Paulo é intelectual."
Pela invenção e pela atualidade das questões que levantava, Terra em Transe iria constituir-se como o ponto alto do Cinema Novo após 64. As sugestões de um "texto" marcado pela informação moderna e pela vitalidade crítica repercutiriam profundamente no ambiente cultural, servindo de estímulo e ao mesmo tempo integrando o surto de revisões e de criação que em 1968 ganharia forma de movimento com o Tropicalismo. Sem dúvida, em meio à efervescência do período pré-68, o Cinema Novo colocou-se como a vanguarda estética e ideológica da produção cultural: pensando o cinema enquanto linguagem e forma de conhecimento da realidade brasileira e equacionando politicamente o campo das relações econômicas que determinam a produção cinematográfica, o movimento pôde definir um projeto político-cultural avançado, constituindo-se, como diria Paulo Emílio, "numa bandeira indiscutivelmente revolucionária que ainda não encontrou sua revolução". E o fato de não tê-la encontrado não seria desprezível. A acuidade crítico-teórica dos cineastas do Cinema Novo não deixaria passar em branco a discussão sobre suas dificuldades para consolidar uma produção cinematográfica na49 ▲ cional. Se a questão do alcance de público já havia dado motivos para discussão quando o movimento insinuava seus primeiros passos, ao findar da década, num momento em que o horizonte da revolução social tornava-se longínquo e quando o país assistia à emergência de uma cultura crescentemente articulada e comandada pelo mercado, a necessidade de construir caminhos capazes de dar conta das novas experiências conjunturais estaria presente como um problema para a inventividade cinemanovista. Em 1969, Macunaíma de Joaquim Pedro de Andrade marca um momento importante nessa trajetó trajetória ria.. Sem abando abandonar nar a preoc preocupa upação ção polític políticaa que que sempre sempre estev estevee prese presente nte na atuaçã atuaçãoo do movimento, Joaquim Pedro iria ao encontro de um alargamento das possibilidades de consumo
Print document cultural do filme brasileiro. Á sua releitura crítica da rapsódia de Mário de Andrade, tematizando a In order moderno, to print this document Scribd, necessidade de um herói brasileiro capaz de from superar o you'll individualismo de Macunaíma — uma discussão "elevada" no campo first needda to cultura download— it. surge num filme projetado por um raciocínio que considera como uma questão de importância política a participação do cinema brasileiro no circuito da cultura de massa. Afinado nesse sentido com o Tropicalismo, Joaquim diria que naquele momento procurar um tipo de purismo queAnd implicasse uma recusa ao "desafio do Cancel em cinema, Download Print consumo de massa", seria uma atitude reacionária: r eacionária: "A proposição de consumo de massa no Brasil é uma proposição moderna, é algo novo, que não existia antes. A grande audiência de TV entre nós é 50 ▲ certamente um fenômeno novo. Ê uma posição avançada para o cineasta tentar ocupar um lugar dentro desta situação nova."
O antigo problema do equacionamento equacionamento estético, ideológico e de mercado da produção cinematográfica voltava à cena, enfrentando as novas condições políticas e econômicas que se desenhavam no Brasil pós-68. Abria-se um novo momento para o processo cultural e nele o grupo do Cinema Novo iria experimentar uma série de contradições e descaminhos na tentativa de reorientar sua produção no terreno ardiloso de uma conjuntura marcada pelo enrijecimento da censura política e pelo acentuamento das exigências econômicas da produção cultural.
MPB em alto e bom som "Toda aquela coisa de tropicália se formulou dentro de mim no dia em que eu vi Terra em Transe" (Caetano Veloso). Comentando em 1967 a participação de dois jovens compositores baianos no III Festival de Música Popular Brasileira, Augusto de Campos chamava a atenção para o fato de que tanto a letra de Gilberto Gil para Domingo no Parque quanto a de Caetano Veloso para Alegria. Alegria tinham características cinematográficas. cinematográficas. Algum tempo depois, Caetano Veloso diria em entrevista ao Jornal Bon-dinho que Glauber Rocha e Jean-Luc Godard o teriam influenciado mais do que os Beatles e Bob 51 ▲ Dylan. De fato, é significativa a influência da informação cinemanovista na estética tropicalista. O corte, a justaposição, o uso do fragmento e do flash-back, a narrativa onírica, presentes presentes na produção produção cinematográfica, pareciam atrair a atenção nãa apenas do "grupo baiano", mas de expressivos setores da juventude interessados pela cultura. No fascínio pelo cinema, cinema, a presença presença de uma disposição disposição moderna, de de um olhar atento à informação nova. Traços de uma geração que surgia na esteira da crise de 64 e que procuraria dar um passo à frente em relação aos pressupostos da produção cultural nacionalista e engajada. "Sei que a arte que eu faço agora não pode pertencer verdadeiramente ao povo. Sei também que a Arte não salva nada nem ninguém, mas que é uma de nossas faces", diria em 1966, Caetano Veloso. Uma concepção bastante diversa daquelas que na fase Goulart povoavam manifestos e discussões, quando se pretendia estar elaborando um projeto cultural capaz de decidir um processo de transformação da estrutura social. Essa distância que os tropicalistas irão experimentar em relação ao projeto revolucionário pré-64 estará implicada com uma revisão do nacionalismo e da idealização populista da "pureza" popular, em favor da idéia de uma cultura brasileira "moderna", capaz de
Print document elaborar criticamente a diversidade das informações — inclusive as de origem internacional — In order to print this document from Scribd, you'll atualizadas pela nova dinâmica da dependência. first need to download it.
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"Os acarajés eram feitos pegando feijão fradinho, tirando toda casca, botando de molho e rolando Cancel Download And aPrint ele numa pedra especial pra fazer acarajé, a mesma pedra que se usa na África. São duas, quer dizer: uma grande e baixa e uma outra que você esfrega o feijão. Hoje em dia, di a, muita gente bota no liqüidificador. Não sai a mesma coisa. Agora, você não pode exigir que aquelas pessoas passem o dia inteiro pra fazer cinco acarajés, e morrer de fome, somente porque é mais bonito e culturalmente mais puro" (Caetano Veloso, entrevista ao jornal Bondinho).
Retomando a "linha evolutiva" Em meados da década, o panorama crítico e criativo da música popular era dominado pela presença de uma forte corrente nacionalista e engajada que, com o declínio da Bossa-Nova e a subida ao poder das forças conservadoras, conservadoras, encontrava um terreno terreno propício para se desenvolver, especialmente especialmente entre o público estudantil, avesso às formas f ormas culturais que pudessem ser relacionadas a uma indesejável "invasão cultural imperialista". Músicas empenhadas, de temática insistentemente nordestina, mais preocupadas com o "conteúdo" do que com a renovação formal. Essa espécie de protest song nacional nacional contava com com o apoio de um considerável considerável setor setor da crítica que tratava de zelar pela "autenticidade de de nossas raízes" raízes" e pela adequação adequação das mensagens mensagens propostas propostas pelas canções. canções. Talvez o maior mérito dessa 53 ▲ tendência residisse na readequação semântica da canção brasileira, já que, como notara Augusto de Campos, não era mais possível agüentar as "diluições" " diluições" da Idade de Ouro da Bossa-Nova onde a "redundância tinha o nome de dor, amor, flor". Ainda numa perspectiva nacionalista, uma variante da crítica, representada basicamente pelo trabalho do estudioso José Ramos Tinhorão, assumia posições ainda mais "ortodoxas", defendendo defendendo a tradição tradição musical popular popular — o samba, o frevo, frevo, o choro, etc. — contra os músicos de classe média, tidos como desvirtuadores dos ritmos e harmonias "autênticos", mesmo que politicamente bem-intencionados. Protesto e nacionalismo faziam, portanto, o coro da MPB. A desafiná-lo, além da inquietante presença de um movimento de música jovem, assemelhada ao rock e às canções ligeiras da juventude inglesa e norte-americana — o "iê-iê-iê" —, a atuação de uma geração de novos compositores compositores que procuravam uma intervenção intervenção recnadora recnadora na música popular. popular. Entre eles o "grupo "grupo baiano", que em 67/68 fundaria e declararia extinto o movimento tropicalista. Contra o marasmo do cancioneiro empenhado e o velho purismo nacionalista, os jovens baianos propunham o interess prospectivo, a necessidade, como diria Caetano Veloso, à Revista Civilização Brasileira, de retomar r etomar a "linha evolutiva" da MPB: "Só a retomada da linha evolutiva pode nos dar uma organicidade para selecionar e ter um julgamento de criação. Dizer que samba só se faz com frigideira, tamborim e um violão sem sétimas e nonas 54 ▲ não resolve o problema. Paulinho da Viola me falou há alguns dias da sua necessidade de incluir contrabaixo e bateria em seus discos. Tenho certeza que se puder levar essa necessidade ao fato, ele terá contrabaixo e fará samba. Aliás, João Gilberto para mim é exatamente o momento em que isto aconteceu: a informação da modernidade musical utilizada na recriação, na renovação, no dar um passo à frente da música popular brasileira. Creio mesmo que a retomada da tradição da música popular brasileira deverá ser ser feita na medida em que João Gilberto fez. fez. Apesar de artistas como Edu Lobo, Chico Buarque, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Maria da Graça (que pouca gente conhece)
Print document sugerirem esta retomada, em nenhum deles ela chega a ser inteira, integral." int egral."
In order to print this document from Scribd, you'll e first levar adiante o ponto need to download it. de encontro da musicalidade
A idéia de retomar brasileira com a modernidade musical assumia naquele momento um caráter provocativo e renovador. Não por acaso, a intervenção de Caetano encontraria o apoio e a simpatia de uma área da crítica ligada ao Download And Print movimento das vanguardas poéticasCancel dos anos 50. Comentando a "boa palavra" do jovem baiano à Revista Civilizaçjão Brasileira, Augusto de Campos dizia, ainda em 1966: "Dificilmente se poderia fazer crítica e autocrítica mais esclarecida e radical do que esta do jovem compositor baiano. Não se trata de nenhuma 'volta a João Gilberto', de nenhum 'saudosismo', mas da tomada de consciência e da apropriação da autêntica antitradição revolucionária da música popular brasi55 ▲ leira combatida e sabotada desde o início pelos verdadeiros 'saudosistas', por aqueles que pregam explícita ou implicitamente a interrupção da linha evolutiva da música popular e o seu retorno a etapas anteriores à da Bossa Nova, na expectativa de uma vaga e ambígua 'reconciliação com as formas mais tradicionais da música brasileira'. (...) Enquanto se depreciam e se hostilizam os autores da revolução da nossa música popular, em prol de tradicionalismos e 'primitivismos' infringidos por uma nebulosa má consciência, cantores de massa, como Roberto Carlos, vão incorporando ao seu estilo interpretativo e ao seu repertório de sucessos, sem nenhuma inibi-ção, algumas das lições e dos achados da Bossa Nova." A defesa de um cantor de iê-iê-iê, uma forma musical tida como nefasta pelos setores nacionalistas, que a identificavam ao domínio cultural impe-rialista, reafirmava a simpatia pela apropriação das formas culturais geradas no circuito internacional da comunicação de massa. A intuição da irreversibili-dade da modernização levava o projeto representado pelos baianos a um ponto avançado na discussão da MPB. Atentos às novidades que integravam "de dentro" a cultura brasileira às correntes culturais de tipo urbano-industrial dos países centrais, ficavam melhor equipados para uma intervenção crítica no circuito de produção e consumo cultural que se estruturava no Brasil. Um circuito que, no caso da MPB, começava a construir seu star system com a divulgação da "ima56 ▲ gem" de novos cantores e compositores — alguns já "ídolos" como os da Jovem Guarda — através do rádio, da indústria do disco, dos programas musicais de televisão — como o Fino da Bossa e Esta noite se improvisa, para citar os de maior sucesso — e, de forma entusiástica, através dos Festivais de Música Popular. Promovidos por estações de TV, os Festivais tornavam-se aos poucos um novo espaço de aglutinação e manifestação coletiva. As canções, colocadas em competição, atraíam um grande público que se manifestava sob a forma de verdadeiras "torcidas", procurando interferir com vaias e aplausos na escolha das composições vencedoras. A presença em massa da juventude estudantil, que assumia um papel de crescente importância na contestação ao regime de 64, envolvia as apresentações num ambiente de acalorada participação, onde se tornar adepto desta ou daquela música assumia muitas vezes ares de opinião política. Oferecendo prêmios e uma boa estrutura de divulgação, os Festivais atraíam novos cantores e compositores. Edu Lobo, Geraldo Vandré, Elis Regina, Chico Buarque de Holanda, Baden Powel, Vera Brasil, Caetano Veloso, Gilberto Gil tornavam-se nomes familiares a um grande público, abrindo novas possibilidades de consumo para a canção popular brasileira. Era 1967, ano de intensa i ntensa mobilização estudantil e, como vimos, de novidades no campo cultural, realizava-se em São Paulo o III Festival da Música Popular Brasileira, patrocinado pela TV Record, com apoio do Governo e do Estado. Extremamente 57 ▲
Print document movimentado, o Festival da Record ofereceria movimentos raros de exaltação. As vaias, que se order to print this document from Scribd, you'll haviam hav iam tornad tornadoo rotine rotineira iras, s, Inprovoc pro vocari ariam am fatos fatos inusita inusitados dos,, como como aquel aquele, e, já qua quase se anedót anedótico ico,, first need to download it. envolvendo o respeitável compositor Sérgio Ricardo que, enfurecido com a desconsideração de que fora alvo sua música Beto Bom de Bola, acabaria por despedaçar seu violão, atirando-o contra a platéia. "Vocês venceram. Isto é Brasil. é país subdesenvolvido. subdesenv olvido. Vocês são uns animais!", Cancel Isto Download And Print exclamaria, a seguir, o revoltado compositor. Quanto às canções, em sua maior parte reafirmavam o prestígio da temática social, trabalhando com referências às dificuldades colocadas pela nova situação política, tanto ao nível da expressão do intelectual, quanto em relação ao cotidiano das classes populares, representadas representadas por marias, motoristas de caminhões e violeiros.
A grande novidade ficaria por conta de duas músicas que acabariam transformando-se em objeto de desavenças e polêmicas: Domingo no Parque, de Gilberto Gil e Alegria Alegria, de Caetano Veloso. Acompanhados por conjuntos com base de rock e iê-iê-iê — os Mutates e os Beat-Boys —, Gil e Caetano traziam um modo original de compor, de organizar arranjos e de cantar. Na canção de Caetano, a novidade novidade de uma letra construída a partir partir de referências ao cotidiano cotidiano da cultura urbana, montando uma espécie de painel do fragmentário mundo das bancas de revista, das fotos e nomes, das espaçonaves e guerrilhas, iluminado pelo brasileiríssimo sol de quase dezembro: 58 ▲
ALEGRIA ALEGRIA caminhando contra o vento sem lenço sem documento no sol de quase dezembro o sol se reparte r eparte em crimes espaçonaves guerrilhas em cardinales bonitas em caras de presidentes em grandes beijos de amor em dentes pernas bandeiras bomba e brigitte brigitt e bardot o sol nas bancas de revista me enche de alegria e preguiça quem lê tanta notícia eu vou ela pensa em casamento e eu nunca mais fui à escola sem lenço sem documento eu vou eu tomo uma coca-cola ela pensa em casamento uma canção me consola eu vou por entre fotos e nomes nomes sem livros e sem sem fuzil sem fome sem sem telefone no coração coração do brasil ela nem sabe até pensei em cantar na televisão o sol é tão bonito eu vou por entre fotos e nomes nomes os olhos cheios cheios de cores o peito cheio de amores vãos eu vou por que não? por que não? sem lenço sem documento nada no bolso ou nas mãos. eu quero seguir vivendo amor eu vou por que não? por que não? Notem-se, além da referência às mitologias da comunicação comunicação de massa, a crítica musical, explícita na na bem-humorada alusão alusão à "canção que consola" 59 ▲ quando a MPB procurava desenvolver uma retórica da revolta — e a crítica comportamental, influenciada pela atitude hippie de quem vai pelas ruas sem lenço e sem documento, nada no bolso ou nas mãos. Certas problemáticas localizadas — a família, o casamento, a roupa, o corpo, o amor, etc. — passavam a ser valorizadas e em certo sentido "politizadas" pela intervenção do grupo
Print document baiano, numa tentativa de recolocar o repertório de preocupações preocupações tidas como legítimas ou In order to print this document from Scribd, you'll prioritárias pelo pensamento pensamento de esquerda. esquerda. Por que não? first need to download it.
Em termos do debate musical, Alegria, Alegria parecia assumir um papel semelhante àquele desempenhado por Desafinado, como expressão de uma tomada de posição crítica em face dos Cancel Download Print rumos da MPB. Se a canção de Newton Mendonça e Tom And Jo-bim assumira na incrível interpretação de João Gilberto o caráter de um "manifesto sentimental" da Bossa Nova — que com seus acordes dissonantes parecia "desafinada" aos ouvidos afeitos às harmonias tradicionais — da mesma forma Aleg Alegri ria, a, Aleg Alegria ria,, ao retom retomar ar a linh linhaa evol evolut utiv ivaa de João João Gilb Gilber erto to,, "des "desaf afin inav ava" a" com com nova novass informações a redundância da MPB de protesto. Na mesma direção, direção, Domingo no Parque Parque de Gilberto Gil investia investia na reformulação das das linguagens da da canção popular. Uma nova sensibilidade, moderna e brasileira, desenhava-se no arranjo extremamente criativo que mesclava elementos extraídos da tradição popular, da cultura "culta" e do que havia de mais avançado na técnica da música internacional. 60 ▲ Diria Gil que sua música e a de Caetano Veloso poderiam ser chamadas de pop: "música pop é a música que consegue se comunicar de maneira tão t ão simples como um cartaz de rua, um outdoor, um sinal de trânsito, uma história em quadrinhos". "A importância do olho na comunicação mais rápida: desde os anúncios luminosos até as histórias em quadrinhos", dissera Oswald de Andrade em 1922.
O teatro pede passagem "Eu sou o Rei da Vela de Oswald de Andrade, montado pelo grupo Oficina" (Caetano Veloso, 1967). No mesmo ano em que Caetano e Gil movimentavam a MPB com Domingo no Parque e Alegria Alegria, o grupo Oficina, Of icina, tendo à frente José Celso Martinez, encenava em São Paulo O Rei da Vela, de Oswald de Andrade. Rompendo com as linguagens do teatro tradicional, o Oficina procurava desenvolver nesse momento uma linha de "provocação cruel e total", buscando a mobiliz mobilizaçã açãoo do púb públic licoo atrav através és da instig instigaçã açãoo agres agressiv siva. a. A violên violência cia e a agres agressiv sivida idade de que caracterizavam certas experiências do teatro de vanguarda na Europa traziam para o teatro brasileiro brasi leiro a postura antiacadêmica da arte moderna, onde os padrões do "bom comportamento" e do "bom gosto" cedem lugar a uma arte "suja", interessada na investigação de novas formas, nem sempre aco61 ▲ lhidas pela cultura oficial como "dignas" da obra de arte. Á técnica da agressão, seja através de personagens que representam o público (como em Marat-Sade), seja de modo direto (como nos trabalhos do alemão Peter Handke), surgia no Oficina investida de um sentido político específico, ligado à situação geral do país e ao papel que a produção cultural deveria aí desempenhar. Segundo José José Cels Celso, o, no Bras Brasil il póspós-64 64 tant tantoo o públ públic icoo cons conser erva vado dorr quan quanto to aque aquele le que que seria seria "mai "maiss progressista" pareciam envolvidos em certas mistificações. O primeiro, a "burra e provinciana burguesia paulista", desejava encontrar no teatro a imagem ilusória de uma grande burguesia: "Esta classe, que tem em Primo Carbonari seu mais fiel retratista, ainda espera que a mistifiquem, criando sub-literatos e dignas antígones, ou fresquís-simas mulheres de branco ao lado de homens de smokings, assexuados e de belas vozes empostadas, tomando chá ou guaraná nas garrafas de uísque estrangeiro e soltando leves plumas, falando o que esta burguesia julga ser o bom gosto". O
Print document segundo, o público de esquerda, entregava-se à justificativa de colocar como vítima, emocionada ou order to print this document from Scribd, you'll gozadora, das pedras do seu Incaminho: os militares, os americanos, o burguês reacionário. "Estas first need to download it. figuras estão impedindo sua realização e participação mais profunda no processo brasileiro e ao teatro se vai para rir ri r ou chorar por causa delas: 'Nós somos o bem e nada temos com isso'. Ou então esta justificativa partirá para o historicismo: 'Esta situaçãoAnd medíocre Cancel Download Print de hoje é um momento de um processo'. (...) Esta ideologia
62 ▲ pode ainda se beneficiar com a imagem mística do homem brasileiro 'sempre de pé', 'o sertanejo antes de tudo é um forte', o 'carcará que pega mata e come'. E não se dá uma transformação social." Caberia, então, ao teatro, nessas condições, recusar o papel de promover ilusões e catarses. O público deveria ver roubada de si a possibilidade de pacificar, ainda que "revolucionariamente", sua consciência. "O teatro — dizia José Celso — tem hoje a necessidade de desmistificar, colocar este público no seu estado original, cara a cara com sua miséria, a miséria de seu pequeno privilégio feito às custas de tantas concessões, de tantos oportunismos, de tanta castração e recalque e de toda a miséria de um povo. O importante é colocar este público em termos de nudez absoluta, sem defesa, incitá-lo à iniciativa, à criação de um caminho novo, inédito, fora de todos os oportunismos até então estabelecidos — batizados ou não como marxistas. (...) Não se trata mais de proselitismo, mas de provocação. Cada vez mais essa classe média que devora sabonetes e novelas estará mais petrificada e no teatro ela tem que degelar, na base da porrada. (...) O sentido da eficácia do teatro hoje é o sentido da guerrilha teatral." A diferença, portanto, das propostas do teatro político, representado pelo trabalho do Arena e do Oficina, que sugeria a identificação palco/platéia, o teatro de José Celso tentava estabelecer uma experiência de choque com o espectador, onde a divisão e a crise faziam parte da realização de seu projeto. Não 63 ▲ por acaso as suas performances — O Rei da Vela, Roda Viva, Galileu Galilei e Gradas Senor — seriam cercadas de debates e escândalos. O sentido anárquico que o Oficina imprimia em suas atuações despertaria a reação da direita, que em 1968, através do CCC (Comando de Caça aos Comunista Comunistas), s), invadiria o teatro onde se apresent apresentava ava a peça Roda Viva para destruir os cenários cenários e espancar os atores. A montagem de O Rei da Vela em 1967 marca essa "virada" libertária na trajetória do grupo que traz para o teatro brasileiro um movimento de extraordinária criação. O desejo de romper com o repertório político da época, "com todo um caminho da cultura brasileira diretamente comprometida com o Estado Novo e com os desenvolvimentismos posteriores", levaria o Oficina ao encontro de Oswald de Andrade: "Fomos encontrar no Oswald dos anos de 33, anterior a toda baboseira de ufanismo do Estado Novo, de todo desenvolvimentismo, das crenças na burguesia progressista, nas tragédias da aristocracia decadente — enfim, de toda mistificação que o chamado povo brasileiro (classe média prá cima) inventou para para fugir ao olhar detalhado, detalhado, cara a cara, cara, com a cara deste deste país parado. parado. O Rei da Vela, escrito antes de tudo isso, não embarcava em nenhuma dessas canoas furadas. Uma visão generosa, furiosa, anar-quizante, revolucionária, que via a burguesia à sua maneira." Em termos teatrais, a recriação do texto de Oswald resgatava o registro da liberdade e da moder64 ▲ nidade, um tanto esquecidos num momento em que a fixação na "mensagem" e no conteúdo dominavam a cena cultural. Com O Rei da Vela, o Oficina aproximava-se das sugestões do cinema de Glauber Rocha, especialmente de Terra em Transe, da renovação conduzida na MPB pelo grupo