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OS. 11032 - D.122 English/17 - DFr.02 JURACI - 20.01.86
MAX LIMONAD
CINEMAX Cinema de Invenção Jairo Ferreira Co-edição: Embrafilme
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EX. TOMBO BC/~·?f1~q.., TOMBO IAI 351- 'I':;
Sumário
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Prefácio 9 A estética da luz 13
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N° CPD Capa e projeto gráfico: Walkyria Suleiman
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é o Experimental.
Projeto Estético 17
Retaguarda da vanguarda 25 Terremoto clandestino 31
1
II Revisão: Vivien Lando
Processo Histórico. Sintonia Existencial 39
Ozualdo Candeias, marginal entre marginais 47 'Rogério Sganzerla, ponto de partida avançado 59 "Carlão Reichenbach & utopia na Boca do Lixo 79 'Zé do Caixão & Mojica no jardim das delícias 95 Ebert, thriller na restinga da Marambaia 105 Julio Calasso Jr., magia & transgressão 111 João Callegaro, strip-tease da linguagem 121 JS Trevisan, catedral do hedonismo 131 'São Paulo Shimbun, resistência crítica 143
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Composição e impressão: Press Grafic Fotolitos: Binhos Fotolitos 1~edição: 1986 2000 exemplares
III Copirraite: Jairo Ferreira
Processo Dialético. Sintonia Intergalaxial
153
Glauber Rocha, plano seqüência 161 Zé Agripino de Paula, independência 169 Zé Celso na trilha da videologia abusona 177 Luiz Rosemberg Filho, transfiguração poética 189
Copirraite da presente edição: Editora Max Limonad Ltda R. Quintino Bocaiúva, 1914? s/41 São Paulo - SP
IV -
Processo Criativo. Sintonia Visionária 201
Julio Bressane, batuque dos astros 209 Walter Hugo Khouri, alternativo 229 Ivan Cardoso, neo-chanchada no horror 239 Andrea Tonacci o guaraná aos guaranis 249' Mario Peixoto, a música da luz 261 V Dedico este livro a meus pais A1fredão e Alzira & a meus irmãos A1fredo Jr. e Jane, que me aturaram durante os nove anos de gestação deste livro.
Processo Estético. Sintonia Experimental
Filmografia 285 Posfascio 301
275
Prefácio
Aqui está uma obra que enriquece a bibliografia sobre o cinema brasileiro pela sua originalidade e pela amplidão do seu tema. Há nela um percurso que abrange desde Glauber e outros nomes consagrados Khouri, Zé do Caixão até os quase desconhecidos ou vistos apenas por iniciados, como Ebert, Calasso, Trevisan e Agripino de Paula. Não se trata, portanto, de um livro sobre o underground, o marginal e o experimental, mas sim de outra coisa: uma avaliação e visão (ou sintonia, para usar a linguagem do autor) do todo a partir da margem e do experimental, selecionando os momentos de maior invenção e ousadia. Assim, os capítulos onde mais transparece a paixão e a cumplicidade são aqueles sobre os autores mais malditos e as obras mais transgressoras. A escolha de Ozualdo Candeias para abrir o elenco de realizadores é uma metáfora rica em sentidos: A Margem, porém etapa indispensável para quem quiser conhecer nosso cinema, na mesma medida que este filme é um documento obrigatório sobre como realmente é a vida na grande metrópole industrial. Jairo Ferreira vê o cinema como poeta e o descreve como arte onde o poético se realiza e se manifesta na sua plenitude. Sua carreira como crítico e realizador é marcada pela sintonia com os malditos, não só do cinema como da literatura (basta ver as referências e citações do seu O V am piro da Cinemateca), 9
com os hiper-rornânticos e ultra-vanguardistas. Daí sua seleção de obras e autores, privilegiando o que desafia as normas e convenções. Seria, no entanto, um equívoco supor que Jairo Ferreira esteja tratando apenas daquilo que é excêntrico, periférico e atípico; ou então, que sua leitura de nosso cinema, embora importante, seja específica e pessoal. Na verdade, ele examina o essencial, aquilo que fundamenta o cinema moderno e o constitui. É por isso que o livro abre com um resumo da história das vanguardas, que é também a verdadeira história da invenção no cinema: é dessas vanguardas que a produção destinada ao circuito comercial irá extrair seus melhores momentos de vigor e criatividade. Assim, o capítulo inicial mostra como os laboratórios experimentais, as bocas do lixo de diferentes épocas e lugares, fecundaram o que viria a seguir. Em acréscimo, podemos nos deter um pouco mais no ciclo underground americano dos anos 40, 50 e começo dos 60, de Kenneth Anger, Gregory Markopoulos, Lionel Rogosin, John Cassavetes, Jonas Mekas, Robert Frank e Andy \XTarhol. Com esses criadores, delineiam-se com maior clareza os contornos do alternativo, do diferente e antagônico com relação ao cinema industrial, no momento em que acaba de se consolidar uma indústria cultural que tem no cinema um dos seus principais produtos. Eles são o não-Hollywood e, conseqüentemente, o primado da realização do autor, em contraste com o esquema da produção industrial. Meio sumariamente, enquanto em Hollywood quem decide é o magnata empresarial ou a direção da corporação, no cinema experimental o sujeito do processo de criação é o próprio autor e realizador do filme. Acontece que semelhante quadro, que tem como paradigma o binômio Hollywood-Nova York, produção industrial vs. produção independente, cinema-indústria vs. cinema-de-autor, também serve como modelo para o estudo do cinema feito em outros lugares do mundo, principalmente no Brasil. Não é sem motivo que nosso Cinema Novo comparece como referência para o cinema contemporâneo alemão e outras cinematografias inovadoras. Ocorre que todo o cinema nacional, durante seu processo de afirmação e consolidação ao longo dos anos 60, depois do fracesso da tentativa de implantação de uma indústria como a Ver a Cruz, é um trabalho de autor, experimental e autoral, contrapondo-se à indústria cultural ao lutar por espaço no mercado dominado pelo capital monopolista.
Talvez o aparecimento de uma indústria cinematográfica brasileira, no mercado pós-Embrafilme, seja benéfico e necessário, ampliando o público e o mercado de trabalho. Mesmo assim, também não deixa de ser uma perversão, um desvio de uma vocação original. Ao tratar do que é marginal, Jairo Perreira também fala do que é autêntico enquanto manifestação de inventividade. Daí seu especial carinho pelo ciclo Boca do Lixo de fins dos anos 60 e início dos 70. Sua participação pessoal nesta reeiclagem não é uma circunstância, mas sim uma adesão pautada por princípios estéticos e ideológicos. E ao falar do cinema underground paulista desse período, ou então da saga delirante de Sganzerla e Bressane no fim dos anos 60 e começo dos 70, já estamos em plena cultura de resistência, num enclave de realização do autor e primado da experimentação no mercado que progressivamente vai sendo programado pelo critério de viabilidade econômica e rentabilidade do investimento. Mesmo tendo seus vencedores, como Carlos Reichenbach, que aos poucos consegue fazer-se reconhecer pela qualidade do seu estilo e sua original contribuição, a história desse período é também uma história de derrotas. Uma das grandes virtudes deste Cinema de Invenção é o resgate, através de uma crônica ao mesmo tempo minuciosa e apaixonada, destes meteóricos poetas do cinema que foram os autores de uma obra só, os radicais e ultra-experimentais, Dentro da ótica cine-poética de Jairo Ferreira, talvez nem sequer seja tão importante assim a produção de uma filmografia extensa e acabada a ser inscrita nos anais da história do cinema. Assim como para alguns dos avant-gardistas franceses, experimentalistãSSõvréti:cos e unrJ:er:grounds americanos, o importante não é a obra, mas-sim--; vida, o gesto de ousadia, ruptura e transgressão. - --O texto de Jairo Ferreira em diversos momentos está mais próximo da poesia que do ensaio. É o modo de escrever de um realizador cinematográfico: soma de fragmentos, estética da colagem, mais impressionista que discursivo, montagem de anotações, cartas, artigos já publicados e um longo diálogo com os autores estudados. Trata-se do estilo mais coerente com o propósito do livro: falar de obras cinematográficas e também dos seus realizadores; mostrar como, por trás desses filmes, há uma aventura, . um tipo todo especial de engajamento, de pessoas que acre da aram numa utopia e a viveram intensamente.
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Claudio W iller
A estética da luz
Moscou .Um astrônomo soviético, Boris Fesenko, acredita que aquilo que se julgava ser um ponto luminoso natural numa intensa e incandescente nebulosa, localizada a uma distância de anos-luz, seja em verdade uma espécie de farol gigante, com o qual uma civilização distante estaria procurando se comunicar com a Terra. Fesenko, em artigo publicado ontem nas Notícias Semanais de Moscou e resumido pela Reuters, afirma que a nebulosa NGC 6543 - nuvem gasosa de material planetário, com uma estrela no meio tinha seus componentes celestes demasiadamente emparelhados para que o fenômeno fosse considerado natural. Ou seja, ela emitia uma quantidade excepcional de luz. Folha de S. Paulo, 29/04/1984
Se o experimental no cinema brasileiro (ou não) foi uma questão fundamentalmente de estética e será basicamente uma questão de estética, então é uma questão essencialmente de estética. A música da estética. A luz da musica. A estética da luz. Cinema de invenção. Cinema: cinema. Cinema-cinema. A estética da música. A luz da estética. Cinema. O experimental: cinema universal. À luz de sua estética. Uma estética silenciosa porque musical. Uma estética musical porque silenciosa. Principalmente quando falada do início ao fim. Invenção de uma outra estética. Invenção da música de outra ordem. Cinematografia: invenção permanente. O experimental em nosso cinema (ou não): a música da luz. Janela da câmera: pauta do autor da composição iluminada. O autor da experimentação cinematográfica usa essa janela como pauta musical. Estética da luz: música do experimental. Supra-sumo do cinema de invenção. Não há essa de que um filme do experimental em qualquer latitude e em qualquer cinematografia nunca foi nem será ouvido: ele é ouvido. Ouça com olhos livres.
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Se a musica da luz foi vista e será vista, então é vista. Veja com ouvidos livres. O experimental em nosso cinema é a música da mente livre. A iluminação de um novo continente. A música de um novo ser &1 experimental cinematografia terrestre ou não. Estética visionária. Cinema: poema. Autor de cinema: poeta. Experimental: profeta. Experimental: antena. Cinema: a estética da luz.
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I - O QUE É O EXPERIMENTAL. PROJETO ESTÉTICO
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Procuro sempre a síntese: é um trabalho que me apaixona, pois devo ser sincero para com aquilo que sou, e não passo de um experimentador. A meus olhos, o único valor consiste em não ditar leis, mas ser um experimentador, experimentar é a única coisa que me entusiasma. Orson Welles
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Em êxtase - e por que não? - perante a função humana, dou este livro por iniciado e faço um tour de force para me concentrar principalmente num brilhante período contra/ cultural não muito recente - os chamados anos da utopia e da incerteza, 1967 a 1971 - do ocidente salutarmente em declínio, perpetrando com pena firme uma análise tão crítica quanto poética da matéria experimental em nossa cinematografia. Não resisto a um importante impulso e me situo diante do biscoito fino como Welles frente a catedral de Chartres no monumento gótico que é a obra anônima em F For Fake. O Experimental em Nosso Cinema seria antes um ensaio serial, paleolítico & atonal se não tratasse de luzes & sombras das cavernas intergalaxiais de uma nova mente & de suas novas irradiações poéticas, nem sempre agudas percepções de um novo continente musical mas com freqüência enfeitiçado por um cinema de outra des/ordem. Minha impressão é que tudo começou um pouco antes quando eu tinha lá os meus 3 anos de idade e fui levado por meus pais ao cinema pela primeira vez, com certeza em 1948. Não me consta que abri um berreiro na sala escura. Sorte: ironicamente o filme se chamava Não Adianta Chorar/1945, por sinal uma bela chanchada de Watson Macedo. 19
Ali por 1960 eu era um fanático freqüentador de cinema e assistia indiscriminadamente a tudo que passava. Só curtia atores: Burt Lancaster, Alan Ladd, Gary Cooper, Marlon Brando, Kirk ~ou?las. O ins~to do cinema tinha me mordido e já em 61 registrei e comentei nada menos que 415 filmes em meus diários de cinema. Em literatura era aficcionado de Henry Miller e mesmo assim me foi muito difícil exorcizar os fantasmas de Hol1ywood e encontrar uma trilha pessoal. Fui parar na Boca do Lixo, m~ arm7i .de uma espada e me tornei um não-designado mas aSSUml?O rmmstro da defesa e propaganda do experimental em nosso cinema. Ser didático sem ser didático. Evidentemente para discorrer sobre a estética do experimental em nosso cinema é preciso muito engenho e muita arte, pois as suas origens são absolutamente incertas. Melhor assim: quanto menos história, mais poesia. Em 1920, o cineasta soviético Kulechov fundou o chamado Laboratório Experimental, depois considerada a mais fecunda séria e limitada das escolas da época. Uma espécie de Boca do Lixo em Moscou com seus animadores culturais e maus alunos: Khokhlova, Obolensky, Komarov, Pudovkin, Barnett, Inkijinov. A Belai~ da época surgia com Dziga Vertov e seu duplo tKinoGlaz] Cine-Olbos: o profeta Glauber era Sua Majestade Eisenstein, o gênio total. N~m. capítulo de suas Reflexões de um Cineasta (Zahar/ 1969), intitulado Montagem 1938, Eisenstein refere-se ao realizador como um experimentador. Orson Wel1es não deixa por menos em sua magnífica entrevista a André Bazin (in FranceObservateur, 12 de Junho de 1958) e não por acaso um bom trecho foi eleito diretamente como epígrafe deste capítulo. . Pessoalmente até 1977 (quando crítico do jornal Folha de S. Paulo) relutei em usar o termo experimental, talo seu desgaste local, desde os anos 50 no mínimo, ao longo de sucessivas mostras e festivais auto-denominados de cinema-amador (com filmes em 8mm, 16mm e mais recentemente Super 8 e vídeo). Porém, como a invenção aqui em foco pouco tem aver com o farnigerad~ U~dergrou,!d .norte-americano, sendo a sua corruptela (udzgrudz) uma infeliz reação de Glauber a algo de novo que inclusive estava na genialidade de Terra em Transe resolvi adotar sistematicamente o termo experimental como o mais adequado à identificação de uma nova estética que começou a ser c~ltivad~ entre nós precisamente a partir de 1967. Justiça a Eisenstein, homenagem a Welles. Em todo o caso, o que mais
lamento é que Glauber tenha morrido antes de ver este livro publicado, porque certamente teríamos discussões homéricas em torno da questão Cinema Novo/Experimental. Uma genealogia do experimental se faz necessária e vou tomar de empréstimo os critérios do pesquisador norte-americano Sheldon Renan em The Underground Film/1968, todavia substituindo a expressão Auant-Garde por experimental. Uma certa confusão se estabeleceu porque Renan identifica o primeiro período do movimento experimental justamente quando eclodia a revolução surrealista na França. No catálogo Art in Cinema, publicado pelo Museu de Arte de San Francisco em 1947, resume Hans Richter: "Nos dez anos compreendidos entre 1921 e 1931 desenvolveu-se um movimento artístico independente na cinematografia. Esse movimento era chamado Auant-Garde ... Esse movimento de arte em filme foi paralelo a movimentos nas artes plásticas tais como o Expressionismo, o Futurismo, o Cubismo e o Dadaísmo. Foi não comercial, não representacional, mas internacional" . Evidentemente Georges Méliês (1861/1938) foi o primeiro grande artista do filme pessoal, sendo possível identificar seu filme de estréia - Une Partie de Cartes/1896 - como precurSOl: da revolução poética de Mallarmé - Un Coup de Dés/1897. Assim como Décio Pignatari fala do impreciso na linguagem poética, falo da conquista do impreciso no experimental. Quanto mais imprecisão, mais poesia cinematográfica. Mais experimental em nosso cinema. Primeiro tempo: o experimental na Europa começa genialmente na Alemanha com o expressionismo, deflagrando obrasprimas como O Gabinete do Doutor Caligari/1920, de Robert Wiene, Doutor Mabuse, o Jogador (Doktor Mabuse, der Spieler] 1922), de Fritz Lang (observem a constância partie j coupf spieler). Em França, o primeiro grande crítico de cinema, Louis Delluc, estréia com Le Film/1917-19, Jean Epstein se inicia com Pasteur/1922, Abel Gance plasma Napoléon/1925-27, René Clair brinca com Entr'acte/1924, Man Ray lança o dado dada Le Retour à Ia Raison/1923, Marcel Duchamp anagramatiza com Anemic Cinema/1926, o brasileiro Alberto Cavalcanti influencia muito com Rien que des Heures/1926, Germaine Dulac filma um roteiro de Antonin Artaud em La Coquille et le Clergyman/ 1928 e Luis Bufiuel (tendo Salvador Dali como co-roteirista) escandaliza a todos com os geniais Un Chien Andalou/1928 e
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,. L'Age d'Or/1930. A União Soviética revolucionava mais objetivamente com os filmes de Dziga Vertov (Kino Glaz/1924, Kino Pravda/Cinema Verdade/1922-25 e outras deflagrações dos Kinoks). e Serguei Eisenstein (A Greve/1924, O Encouraçado Potemkzn/1925, Outubro/1927, entre outras genialidades). Segundo tempo: o experimental na América do Sul, Sol, Som. Humberto Mauro (Tesouro Perdido/1927, Brasa Dormida/ 1928, Ganga Bruta/1933) é reconhecido por Glauber Rocha nos anos 60 como precursor da revolução do Cinema Novo (1962/1967) assim como Mario Peixoto (Limite/1930, na época elogiado por Eisenstein, Poudovkine, Mario de Andrade) o é nos anos 70 pela maioria de cineastas do experimental como um gênio do cine-sonho/arte pura/invenção total. O canadense Norman McLaren, grande homem de animação, não pode ser esquecido (filmes abstratos a partir de 1937) nem o documentarista inglês Edgar Anstey Grierson (Song 01 Ceylon/1934). O cinema norte-americano dos primórdios (Ince, Griffith, Sennett) era experimental mesmo em Hollywood. O chamado Cinema Noir (Lang, Wilder, Negulesco, Montgomery, Hawks, Huston e Siodmak, entre outros) também é uma prova disso, mas interessa lembrar aqui algo paralelo dos anos 40, os independentes pre· cursores do Underground: Meshes 01 the Alternoon/1943, de Maya Deren, Fireworks/1947, de Kenneth Anger, The Lead Shoes/1949, de Sidney Peterson. Terceiro tempo: o experimental na América do Norte recomeça com força total a partir de 1953 com os primeiros filmes de Jonas Mekas (autor do belíssimo livro Movie Journal The Rise of a New American Cinema/1972), Christopher MacLaine e Stan Brakhage. Lionel Rogosin esteve em S. Paulo em 1983 e, entre outros, mostrou On the Bowery/1956, um filme de dar cirrose até em abstêmios. Shadows/1958, primeiro e muito comentado filme de John Cassavetes, jamais foi exibido no Brasil. Na Inglaterra, surgia o chamado Free Cinema com obras de Karel Reisz e Tony Richardson (Momma Don't Allow/1956) e Lindsay Ander. son (Every Day Except Christmas/1957). Em 1960, Nova York, é fundado o The New American Cinema Group enquanto Jonas Mekas editava a revista Film Culture e ao mesmo tempo filmava Guns 01 tbe Trees/1960-61. O caldo engrossou e o movimento teve ampla repercussão internacional com os filmes de Andy Warhol, Gregory Markopoulos, Bruce Baillie, Stan VanDerBeek, Ed Emshwiller e toda uma galeria de mais de duzentos experimentadores. Não é conveniente deixar de incluir aqui a Nouvelle
Vague francesa (a partir de 1958 com filmes de Chabrol, Rohmer, Malle, Rivette, Truffaut, Godard e outros) porque esse movimento teve equivalência na cinematografia do mundo todo, embora só Jean-Luc Godard tenha se mantido fiel à experimentação. No Brasil, o Cinema Novo começava a revolucionar com filmes de Ruy Guerra (Os Cafajestes/1962 e Os Fuzis/1963), Nelson Pereira dos Santos (Vidas Secas/1963) e principalmente Glauber Rocha (Deus e o Diabo na Terra do Sol/1964, Terra em Transe/1967 e O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro/1969). Na Europa, surgia o chamado Novo Cinema Alemão (com filmes de Straub, Herzog, Fassbinder, Wenders, Syberberg, Schroeter, Kluge e outros), enquanto entre nós tinha início a explosão silenciosa do movimento experimental que dá corpo e alma a este livro.
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Retaguarda da vanguarda
Ouvi dizer já por duas vezes que O Guesa Errante será lido cinqüenta anos depois; entristeci - decepção de quem escreve cinqüenta anos antes. Sousândrade
o
experimental em nosso cinema se apóia na arte como tradição/tradução/transluciferação. Utiliza-se de todos os recursos existentes e os transfigura em novos signos em alta rotação estética: é um cinema interessado em novas formas para novas idéias, novos processos narrativos para novas percepções que conduzam ao inesperado, explorando novas áreas da consciência, revelando novos horizontes do im/provável. Em sua Estética/1954 (edição argentina), Max Bense situa o experimento em relação à crítica. Não farei tradução da tradução e o texto segue em portenho: La relación de Ia crítica con Ia obra de arte se estabelece en Ia primera fase de ésta, o sea, durante el nascimiento de Ia obra, en media del experimento. La obra de arte nace en principio como experimento y en él conserva aquélla firmemente Ia variación de Ias posibilidades que caracteriza su modo, y que el crítico conscientemente hace entrar en juego. Pero en Ia segunda fase, en el juicio, Ia crítica transpone Ia obra de arte a Ia condición de teoría pura, de estética, en Ia cuaI es menester considerar el experimento como terminado. De suerte que experimento, crítica y teoria son fases sucesivas que una obra de arte recorre durante el processo estético, en Ias proximidades dei ser, si es lícito que 10 diga así; o, para expressarlo con mayor precisión, experimento, crítica y teoria nos revelan, uno tras otro, ese 27
fascinante modo de ser de Ia obra de arte que solemos designar con el concepto, quizá un poco gastado y oscuro, de belleza. Para desespero geral, devo constatar que o nosso experimental praticamente substituiu a inexistente crítica pela autocrítica e sua teoria se configura na salutar prática do sem chute não há gol. A vanguarda aqui ainda está por ser inventada: temos apenas uma retaguarda da vanguarda, poderosas antenas do desejo, do nada fazendo tudo. Estudo, eis tudo. A retaguarda da vanguarda é contra todo e qualquer rótulo e propõe a abolição dos ciclos regionais como forma de limpar o terreno, preparando-o para o inominado, o não-identificado, a semente astral. Daí a consistência do experimental como projeto estético avançado onde se elimina o que não é para se vislumbrar o que será. Outro cinema, outra coisa. Independente até dos independentes, marginal entre marginais, rebelde entre rebeldes. Cinemagia, cineutopia/ cineatopia. Enquanto Abel Gance sacava que cinema é a música da luz, Jean Renoir afirmava ter a convicção de que o cinematógrafo é uma arte mais secreta do que as outras. Acredita-se que o cinema seja feito para os seis mil espectadores do Gaumont Palace; não é assim, na realidade ele é feito para três entre esses mil espectadores. Já Orson Welles diz que um filme não é realmente bom senão quando a câmera é um olho na cabeça do poeta. ( ... ) Tudo o que é vivo e, por conseqüência, tudo o que é comercialmente negociável - deriva da capacidade que a cãmera tem de ver. Não vê naturalmente em vez de um artista, vê com ele. A câmera é, nesses momentos, muito mais que um aparelho registrador, é uma via por onde chegam -as mensagens de um outro mundo, um mundo que não é o nosso e que nos introduz no seio do grande segredo. Sendo eclético sem ser eclético, o experimental é puro néctar, satori, Iluminação: aquisição de um novo ponto de vista. Mas se o cineasta pensa em ser experimental nem sempre está experimental: por isso nele importa menos o que expressa e mais como expressa. Welles: Um filme não é nunca um relatório sobre a vida. Um filme é um sonho. Um sonho pode ser vulgar} trivial e injorme; é talvez um pesadelo. Mas um sonho não é nunca uma mentira. O que chamo sintonia visionária, questão de honra na retaguarda, começa nas aproximações fantásticas: o expressionismo alemão e as sombras chinesas, a montagem sintético-ideogrâ-
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mica na estrutura dos Lusíadas de Camões, o paideuma poundiano nos filmes de alguns cineastas do nosso experimental, o cinema do teatro Nô, Borges dissecando A Máscara de Dimitrios/ o filme, a supergrua na construção das pirâmides egípcias, Bosch e Zé do Caixão, as baleias empalhadas e a lente cinemascope, Coppola resgatando a tela tridimensional do Napoleâo de Gance, cinema holográfico já na Grécia antiga. Hoje vou ao cinema me divertir com mais um espetáculo pirotécnico da série J ames Bond, como vibro com os filmes de Spielberg, Lucas. Sou fanático entusiasta de toda e qualquer parafernália em 70mm e som Dolby stereo. Só que ainda não vi nada que se aproximasse de 2001: a Space Odyssey /1968 de Kubrick. Isso porque aí não há apenas tecnologia, mas poesia. Vivemos hoje na segunda metade de um século de que nos recordaremos como do começo do fim ou do começo dos começos. Como da alvorada ou do crepúsculo. Um século celebrado pela conquista do espaço ou a conquista do homem, escrevia Welles em dezembro de 1952. Estamos saindo agora da câmera Super 8 para a videocâmera e há todo um público de consumidores em potencial achando que esse é o caminho. Pode ser. Mas o caminho não é um só. Méliês em 1902 não precisou de nenhuma lente panavision para realizar a sua antológica Viagem à Lua. E Welles garante que se o cinema não tivesse nunca sido amoldado pela poesia, teria permanecido como simples curiosidade mecânica e seria ocasionalmente exibido como uma baleia empalhada. Ainda no discurso de 1952 (A Juventude Decidirá) proclama nosso grande mentor: É demasiado tarde para os sistemas. ( ... )
Não vivemos à beira do abismo, mas no seu ponto mais profundo, e nenhuma crença ou uma filosofia pode tocar as almas que respiram ainda sob os escombros. ( ... )
Que é um sistema? O sistema segue as mensagens dos profetas, os exemplos dos santos, os ensinamentos dos legisladores, as descobertas dos filósofos e dos sábios. E é a ele que seguimos por nossa vez, em vez dos homens que lhe deram origem; nem isso: não seguimos um sistema, conformamo-nos com ele. ( ... )
Devemos
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procurar
não a força no comando ou a disciplina
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nas fileiras, mas o maior número possível de seres humanos. Defendamo-nos antes que qualquer defesa seja impossível, passemos à ofensiva antes de perdermos para sempre os únicos valores pelos quais vale a pena batermo-nos. E por que vale a pena batermo-nos? Uma bandeira? Uma classe? Uma idéia? Um sistema? Não, pelo homem, com a sua variedade e a sua complexidade, a sua ausência de limites. Não se trata de nihilismo nem de anarquia, mas de uma catolicídade de aproximação, uma integridade da pessoa humana. A. única coisa por que vale ainda a pena batermo-nos é a que é' quase impossível defender: o simples direito de escolha, o dever sagrado da iniciativa. Não é o peso da sabedoria humana que nos oprime, mas o dos sistemas. Devemos nos libertar dos sistemas e concentrar todos os nossos esforços. a estudar-Ihes a origens; a estudar a verdade e a beleza de onde os sistemas tiram a sua maligna eficácia. Não há que procurar uma forma qualquer de salvação. Há que despertar perante o fato de que tudo o que vale a pena nos espera ainda (La Démocratie Combattante, do livro Orson Welles, por Maurice Bessy, Editorial Presença, Lisboa/1965). Quanto ao cinema em geral, hoje, é um pouco como a ópera. A única diferença é que o cenário está iluminado com canhões de fulgurantes raios laser. Evoé Baco!
Terremoto clandestino
A SOL I
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d e é a pedra lapidada Haroldo de Campos
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Em janeiro de 1964, José Mojica Marins lançaria o extraordinário A Meia Noite Levarei Sua Alma em São Paulo/cine Art-Palácio e praticamente só seria valorizado pelo então enfant terrible de nossa crítica Rogério Sganzerla, que estrearia logo na direção com o curta-metragem Documentário/1966. O baiano Glauber Rocha terminava o genial Deus e o Diabo na Terra do Sol e viria a São Paulo logo após os acontecimentos militares de março/abril, presenciando a tumultuadíssima pré-estréia do filme no cine Windsor sem dizer palavra. O Cinema Noyo_ milhava nos horizontes experimentais corno o 1:l'eo-Realismo italiano nos anos 40. Quem não estivesse filiado a ele, era burro, medíocre ou marginal entre marginais, pois o Cineffiã J'fovo tamEem começou experimentalmente com Os Cafajestes/1962, a iás) jeto de extenuante análise crítica de Rogério Sganzerla jO Estado de São Paulo/janeiro de 1964). Antes que se estabelecesse uma ruptura definitiva com o Cinema Novo, criando-se o inominado experimental, pelo menos três jovens talentos de São Paulo tiveram oportunidade de manifestar e documentar as suas sintonias com aquele movimento: Andrea Tonacci, Carlos Reichenbach e Rogério Sganzerla. São depoimentos colhidos em 1966 para a publicação Gente Nova Nova Gente/1967 (Editora Expressão e Cultura, editoria de cinema a cargo do crítico e historiador Alex Viany). Os textos
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são aqui transcritos na, ín.tegra. ~~ra que o leitor/pesquisador/ cinéfilo forme a sua propna opinrao.
Rogério Sganzerla: Se faço cinema no Brasil, então faço Cinema Novo. É difícil defini-lo, claro. É uma igrejinha, mas também um movimento coletivo, talvez o mais importante da cultura brasileira nestes últimos vinte anos. Se existe algum lado negativo, então é o caráter subliterário e o despreparo de muitos diretores com pretensões estritamente intelectuais. Os filmes têm de ser políticos, mas podem sê-lo de outras maneiras, não somente como Rocha e Saraceni. Não se pode nem tentar imitá-Ios. É preciso que a turminha de hoje, mais nova, tente abrir os olhos e enveredar por outras saídas. São filmes fortes e pessoais demais para que sejam imitados. Nesse caminho, eles (Rocha e Saraceni) foram até as últimas conseqüências. Eu vou por outro caminho. Discordo de um cinema brasileiro estritamente crítico, realista (no sentido tradicional) e objetivo, embora respeite certas opiniões dos lukacsianos. Nossa realidade não admite cinismo, nem a constatação seca dos fatos. O cinema brasileiro é um processo naturalmente cruel: Godard e Rosi precisam ser destruídos urgentemente. É o novo Cinema Novo quem pede. (Grifes JF.) Naquele ano revolucionário, Zé Celso -resgata Oswald de Andrade com a extraordinária encenação de sua peça O Rei da Vela no teatro Oficina; Glauber avança o sinal vermelho do Cinema Novo com o retumbante desespero de Terra em Transe; o guerrilheiro Che Guevara é morto na Bolívia; Mojica Marins reafirma sua trilha pessoal com o irracionalismo poético de Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver (o gangrenado do Rei da Vela?, o de Che? ou o do Cinema Novo?) e Ozualdo Candeias lança o experimental na Boca do Lixo com o salutarmente bem recebido A Margem. Começava a fermentar um movimento de outra ordem em nosso cinema. Em 1968, Jimi Hendrix fazia manifestos alucinantes com sua guitarra da mente livre, a efervescente guerrilha urbana era logo massacrada pela repressão, a Poesia Concreta começava a se infiltrar na música popular via Tropicália (caegilgaltormu), Zé Celso carnavalizava a crueldade com Roda Viva e Rogério Sganzerla assombrava com seu filme atonal e paleolítico O Bandido da Luz Vermelha. A experimentação Boca do Lixo já tinha então o seu lance de olhos, seu Deus e o Diabo do asfalto, seu Cidadão Kane dos trópicos. Geograficamente a Boca do Lixo se situa no bairro de Santa Efigênia e foi assim batizada pela crônica policial devido ao tradicional bate-bolsa ao longo de umas vinte quadras entre as avenidas Rio Branco e Duque de Caxias. As prostitutas devem
Andrea Tonacci (estréia em 1966 com o curta-metragem Olho por Olho): Fazer cinema não quer dizer tomar posições que satisfaçam posições: quanto mais a gente conseguir separar nossa obra de nós, mais válida ela será, mais real, não sofrendo assim influências de problemas única e exclusivamente pessoais, Faço parte de um Cinema Novo porque descendo dele. O Cinema No~~ abriu ~ ,,-isão nacion~l das coisas, dos problemas políticos, SOCIaIS,economicos, sem sair do campo brasileiro. No Brasil, não estamos em condições de ser especialistas dentro do cinema. Tudo deve ser rápido, até o modo de ver e sentir: chegar à compreensão no momento da aceitação. É preciso antes aceitar, ou nunca se chegará à compreensão partindo de conceitos formados a ressalvas. Quem diz não compreender o Cinema Novo, não compreende mesmo, porque em verdade quer julgar e não compreender. No cinema, hoje, deve-se englobar, com a simplicidade das coisas, uma totalidade; não se pode mostrar ou falar de algo sem sentir que paralelamente estão acontecendo outras mil coisas. (O grifo é meu: JF.) Deve-se agir como um cérebro eletrônico, ou como um jornal, dizendo coisas simples com simplicidade, explicitamente, como resumo de toda complexidade mundial. Faz-se cinema dentro de uma realidade, como parte dela, usando-o como se usa um carro ou uma metralhadora. Se esse cinema, nestes termos (numa visão pessoal, global), subverter o mundo, então que o cinema seja uma arma revolucionária, que incomode meio mundo e provoque crises. Fala-se de cinema brasileiro (quando falo de cinema brasileiro, falo de Cinema Novo) e dos caminhos por ele abertos, mas por enquanto o nome Cinema Novo está muito mais ligado a pessoas do que a um movimento cinematográfico nacional. Não constitui uma igrejinha porque tudo que se faz aqui (criticamente jovem) é Novo. Fala-se de cinema brasileiro como fruto de uma cultura brasileira, mas somente agora é que se está criando essa cultura. Carlos Oscar Reichenbach Filho: Se, conforme David Neves, Cinema Novo é um estado revolucionário de espírito, creio que, no fundo, eu já poderia me considerar um elemento ligado ao movimento. Não pretendo cantar as vitórias já alcançadas: isso cheira a nostalgia. O importante, sim, é ver com olhos críticos o que já foi feito, e não parar nem retroceder. (Em grifo: JF.)
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ter chegado primeiro, mas os distribuidores de filmes estrangeiros aí se estabeleceram desde o começo do século por causa da proximidade com a ex-rodoviária e entroncamento ferroviário Estação da Luz/Sorocabana, espalhando latas de filmes e doenças venéreas pelo interior do Estado e outras capitais. No meu Balanço de J 967 (São Paulo Shimbun, 4/1/ 1968), incluí A Margem entre os melhores do ano, claro, mas sem dar maior ênfase ao surgimento da onda experimental, que teria impulso decisivo com O Bandido da Luz Vermelha. Para captar melhor o clima em que a coisa se deu são necessários alguns flashes nesta narrativa que não se conforma com a simples ilustração das aparências; hoje é prosa da bruma/pela bruma/para a bruma & amanhã talvez nem documento nem memória mas cinepoesia de uma época. 1. Sociedade Amigos da Cinemateca. l'Omega, rayon violet de Ses Yeux! E me lembro de alguns uivos do Rodo Metálico. Funcionava na rua 7 de Abril, no mesmo prédio em que Assis' Chateaubriand mantinha os jornais dos Diários Associados e o Museu de Arte de São Paulo. Comecei a freqüentar a SAC em fins de 63, ciclo Eisenstein. Tomava sempre um cafezinho em frente, no restaurante Costa do Sol, com a tchurma do GEF / Grupo de Estudos Fílmicos, que acabava de lançar o pioneiríssimo estudo O Filme Japonês. Sganzerla me seria apresentado pelo Zé Porquinho (apelido carinhoso que Biáfora deu a José Eduardo Marques de Oliveira, que trocou o épico pelo hípico) no calçadão da avenida Ipiranga, ali por 64. No Costa do Sol, conheci os críticos de plantão: Rubem Biáfora, José Júlio Spiewak, Maurício Rittner, Paulo Ramos, JC Ismael, Alfredo Sternheim; e cineastas como Luis Sérgio Person, Glauber Rocha, Ruy Guerra, Walter Hugo Khouri, Carlos Diegues. 2. Galeria Metrópole. Traguei um bom gole de veneno. Em 1966, eu coordenava o Cine Clube Dom Vital e o debate mais interessante foi sobre Menino de Engenho, com a presença de Walter Lima Jr. Me lembro que Sganzerla freqüentava os bares-chave (Arpege, Barba Azul, Pepe's) e me apresentou o crítico Francisco Luis de Almeida Salles, sempre o Presidente ... da amizade. Em 1967, montei o curta Opção, de Lívio Cintra, com fotografia de Andrea Tonacci. Logo estreei na direção com o curta Via Sacra, com fotografia de Carlão Reichenbach e em problemática associação com o poeta Orlando Parolini, que destruiria furiosamente os 40 minutos de copião (e os negativos) durante as paranóias de 68. A Galeria Metrópole vivia uma
efervescência gay antes que isso virasse moda, o poeta Roberto Piva era um mito desde 1963 (Paranóia), mesmo ano em que Jorge Mautner lavrou Kaos, enquanto José Agripino de Paula avançava (Panamérica/1967). 3. Rua do Triunfo. Em meados de 69, passamos a discutir cinema no restaurante Soberano. As vibrações eram as melhores possíveis. O sinistro AI-5 (dezembro 68) não nos assustou e enfrentamos os anos do horror com altas sintonias visionárias, vomitando Oswald de Andrade no tornozelo de Spengler e deglutindo as ótimas influências de Fuller, Godard, Welles, Hawkes, Ray, Antonioni. As presenças mais constantes eram Carlão, Antonio Lima, João Batista de Andrade, Ozu Candeias, JS Trevisan, Mareio Souza, João Callegaro, Ana Lúcia Franco, Sebastian, Julio Calasso Jr., Tereza Trautman, José Marreco, Rogério Sganzerla, Maurice Capovilla, Inácio Araújo, José Mojica Marins. Fui o único jornalista a fazer a crônica sistemática/ semanal desses encontros, tendo também exercido diversas funções nos filmes que todos estavam fazendo e depois contei com a colaboração de quase todos num sketch co-produzido por Mareio Souza/Ana Lucia Franco/ AP Galante, Mulher dá luz a Peixe. 4. Belair. Vento novo. Entre janeiro e março de 1970, Julio Bressane e Rogério Sganzerla fundaram a empresa Belair, realizando sete filmes de total invenção: Bressane filmou Barão Olavo, o Horrível, cinemascope misturando Walter Hugo Khouri com José Mojica Marins, Cuidado Madame!, um Pickup on South Street no Arpoador, e Família do Barulho, entre outras coisas uma reciclagem do ciclo do Recife; Sganzerla experimentou a lente-cinemascope-na-mão em Copacabana Mon Amour, sortilégio/profecia, se quiser, Carnaval na Lama/ex-Betty Bomba a Exibicionista, onde o filme se recusa a ser filme, e Sem Essa Aranha, aqui e agora o pior é o melhor, deflagrando uma das três melhores experiências mundiais na área do plano-seqüência. Consta que rodaram também um experimento a quatro mãos, A Miss e o Dinossauro. Ivan Cardoso, Luciano Figueiredo e Oscar Ramos podem falar muito dessa mitologia real.
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II - PROCESSO HISTóRICO. SINTONIA EXISTENCIAL
É preciso
desde já ver bem onde hoje .está o
cinema. André Bazin
E disse Deus: haja Luz. E houve luz. Estava inventado o cinema com Louis Lumiere. Louis: luz. Lumiêre: luz. Informação pura. A situação começou a se complicar quando a luz se tornou música do futuro ou novas percepções de Edgar Varese, Anton von Webern, Karlheinz Stockhausen, John Cage, Gilberto Mendes, Willy Corrêa de Oliveira. O Anjo Nasceu/1969 de Julio Bressane começa com uma ponta preta profundezas do abismo de dez minutos ao som experimental de Guilherme Vazo Naquele instante o filme era linguagem carregada de significado até o máximo grau possível. No experimental de nosso cinema importa mais o significante e menos o significado. Mais como diz e menos o que diz. Em A Significação no Cinema (Editora Perspectiva/1977), Christian Metz lembra que para quem estuda o cinema, a palavra expressão é preciosa demais (por oposição a significação) para que se lhe dê o sentido de significante pois isso levaria a uma colisão polissêmica bastante incômoda; na nossa perspectiva, expressão não designa portanto o significante, mas a relação entre um significante e um significado, quando esta relação é intrínseca. Seria até possível, no caso das semias 41
expressivas, falar em expressante e expressado, guardando significante e significado para as relações não-expressivas (significação propriamente dita). Mas hesitamos em abandonar termos tão consagrados, ligados desde Saussure a tantas análises capitais, como significante e significado. Em fins dos anos 60 era instigante a busca que Metz empreendia de uma semiologia do cinema, seguindo uma indicação de Roland Barthes sobre as grandes unidades significantes, mas esbarrando em chatíssimas análises que só demonstraram os limites de seu quadro geral da grande sintagmática da faixaimagem. O belga Jean-Claude Bernardet aplicou o método num filme como São Paulo S/ A (1958) de Luís Sérgio Person e se deu mal, só provocando bocejos em quem realmente gosta de cinema. Em meu filme O Insígne Ficante, Inácio Araújo observa que ele agora passou para a semiologia todos os cacoetes da sociologia ... Claro que há uma SINTAXE DO CINEMA, mas ainda está por fazer, pois os autores de gramáticas cinematográficas sempre enveredam por becos sem saída. O teórico moscovita Yuri Lotman (Estética e Semiótica do Cinema/ 1973) também não vai além do óbvio: A significação cinematográfica é uma significação expressa através dos meios da linguagem cinematográfica e impossível fora deles. A significação cinematográfica resulta de um encadeamento particular dos elementos semióticos, um encadeamento que é próprio do cinema. Se os sistemas analíticos não satisfazem, subsídios ao processo criativo é que não faltam. Nesse sentido a didática .poundiana continua insuperável, esclarecedora e reveladora. A questão na verdade é intersemiológica e os preceitos de Ezra Pound (ABC da Literatura, Cultrix/ 1977, tradução de Augusto de Campos) passam a ser um manual do autor experimental em nosso cinema. Basta entender cinema onde Pound escreve literatura e/ou poesia. Se nos dispusermos a ir em busca de elementos puros em literatura, acabaremos concluindo que ela tem sido criada pelas seguintes classes de pessoas: 1. Inventores. Homens que descobriram um novo processo ou cuja obra nos dá o primeiro exemplo conhecido de um processo. 2. Mestres. Homens que combinaram um certo número de tais processos e que os usaram tão bem ou melhor que os inventores. 42
3. Diluidores. Homens que vieram depois das duas primeiras espécies de escritor e não foram capazes de realizar tão bem o trabalho. 4. Bons escritores sem qualidades salientes. Homens que tiveram a sorte de nascer numa época em que a literatura de seu país está em boa ordem ou em que algum ramo particular da arte de escrever é saudável. Por exemplo, homens que escreveram sonetos no tempo de Dante, homens que escreveram poemas curtos no tempo de Shakespeare ou algumas décadas a seguir, ou que escreveram romances e contos, na França, depois que Flaubert lhes mostrou como fazê-lo.
5. Beletristas. Homens que realmente não inventaram que se ver, e autores ou da
nada, mas especializaram em uma parte particular da arte de escreque não podem ser considerados grandes homens ou que tentaram dar uma representação completa da vida sua época.
6. Lançadores de modas. Enquanto o leitor não conhecer as duas primeiras categorias, será incapaz de distinguir as árvores da floresta. Ele pode saber de que gosta. Ele pode ser um verdadeiro amador de livros, com uma grande biblioteca de volumes magnificamente impressos, nas mais caras e vistosas encadernações, mas nunca será capaz de ordenar o seu conhecimento ou de apreciar o valor de um livro em relação a outros, e se sentirá ainda mais confuso e menos capaz de formular um juízo sobre um livro cujo autor está rompendo com as convenções do que sobre um livro de oitenta ou cem anos atrás. Ele jamais compreenderá a razão pela qual um especialista se mostra irritado com ele ao vê-lo exibir pomposamente uma opinião de segunda ou terceira mão a propósito dos méritos do seu autor favorito. Até que vocês tenham feito a sua própria vistoria e o seu próprio exame detalhado, convém acautelar-se e evitar aceitar opiniões: 1. De homens que não tenham, eles mesmos, produzido obra importante. 2. De homens que não assumiram o risco de publicar os resultados de uma inspeção pessoal, ainda que a tenham feito seriamente. (
... )
I work in concentration. ( ... )
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A chave é a invenção, o primeiro ção encontrável.
caso ou primeira
ilustra-
( ... )
A incompetência se revela no uso de palavras demasiadas. O primeiro e o mais simples teste de um autor será verificar as palavras que não funcionam. ( ... )
Há três modalidades
de poesia:
1 - Melopéia. Aquela em que as palavras são impregnadas de uma propriedade musical (som, ritmo) que orienta o seu significado (Homero, Arnaut Daniel e os provençais). 2 - Fanopéia, Um lance de imagens sobre a imaginação visual (Rihaku, i. é, Li T'ai-Po e os chineses atingiram o máximo de fanopéia, devido talvez à natureza do ideograma). 3 - Logopéia. A dança do intelecto entre as palavras, que trabalha no domínio específico das manifestações verbais e não se pode conter em música ou em plástica (Propércio, Laforgue).
do pauleuma, ou seja: a ordenação do conhecimento de modo que o próximo homem (ou geração) possa achar, o mais rapidamente possível, a parte viva dele e gastar um mínimo de tempo com itens obsoletos. Sobre os críticos: Os melhores são os que efetivamente contribuem para melhorar a arte que criticam; a seguir, os melhores são os que focalizam a atenção no melhor que se escreve; e a vermina pestilente são aqueles que desviam a atenção dos melhores para os de 2.a classe ou para os seus próprios escritos críticos; Mr. Eliot provavelmente ocupa um alto lugar no primeiro desses três grupos. .. Em resumo: Um crítico vale, não pela excelência dos seus argumentos, mas pela qualidade de sua escolha. ( ... ) O mau crítico se identifica discutir o poeta e não o poema. (Augusto citada)
de Campos, As
Antenas
( ... )
A criação está presente em quase todas crítica que Pound admite como válidas: 1 - crítica pela discussão crições de procedimentos);
(das formulações
2 - crítica via tradução (a tradução criação e não mera transposição literal);
3 -
as categorias
como re-
crítica pelo exercício no estilo de uma época,'
4 - crítica via música (Pound efetivamente testou lavras de Cavalcanti e Villon em composições musicais);
5 -
de
gerais às des-
entendida
as pa-
crítica via poesia.
Para EP, duas são as funções básicas da crítica: 1 teoricamente, ela tenta preceder a composição, para servir de alça de mira, o que jamais acontece, pois a obra sempre acaba ultrapassando a formulação; não há caso de crítica dessa espécie que não tenha sido feita pelos próprios composi. tores; i. é, o homem que formula algum princípio teórico é o mesmo que produz a demonstração; 2 - seleção: a ordenação geral e a mondadura do que está sendo realizado; a eliminação de repetições; o estabelecimento
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facilmente
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de
quando Ezra
começa
Pound,
a
obra
Ozualdo Candeias, marginal entre marginais
Ultimamente me apaixonei pelas pesquisas lingüísticas sobre cinema. E naturalmente não poderia deixar de recorrer à semiologia: ciência para a qual os sistemas dos signos são infinitos, e não apenas lingüísticos. Cheguei à conclusão de que o cinema, reproduzindo-a, faz uma perfeita descrição serniológica da realidade. Portanto, a realidade é uma linguagem' É necessário fazer a semiologia da realidade, além daquela do cinema! Pier Paolo Pasolini
Numa pequena sala do Sindicato da Indústria Cinematográfica do Estado de São Paulo, então na rua jaceguai, assisti aos primeiros copiões d'A Margem e presenciei algumas rusgas de Candeias, sandálias havaianas ou não, com o montador Máximo Barro, "muito preocupado é com os escândalos amorosos de Hollywood". Candeias já tinha feito quase tudo sozinho: roteiro, produção, fotografia adicional e direção; não custava perder alguns dias na montagem e garantir a integridade do filme fotograma por fotograma. O crítico Rubem Biáfora também assistiu aos copiões, ficou muito bem impressionado e logo chamou Candeias de "Pasolini brasileiro" (O Estado de S. Paulo, 05/02/1967): "Em A Margem, que foi rodado em tempo e condições recordes, com orçamento baixíssimo e absoluta parcimônia de recursos técnicos, Candeias, numa intuição e numa simplicidade quase parecida à dos verdadeiros pintores ou artistas primitivos, procurou narrar duas histórias paralelas que não se entrosam, mas afinal dão sentido e unidade à ação fílmica. Para uma delas ele buscou uma inovação: a narração inteiramente em câmera subjetiva, processo que lhe pareceu inédito (e o diretor patrício, com toda a simplicidade, declara ignorar que, já em 1946, Robert Montgomery, com A Dama do Lago, havia feito um filme inteiro por esse sistema). Já na segunda, narrando uma história entre
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verista e simbólica, indiscutivelmente ligada ao mais genuíno primitivismo paulistano (no que a definção pode ter de compreensível) e debruçando-se sobre a existência dos vagabundos, mendigos, marginais e prostitutas das margens do rio Tietê, Candeias consegue apresentar uma obra com características tais que o tornam - a julgar pelos 50 por cento do copião que nos foi dado apreciar - uma espécie de Pasolini brasileiro, de Pasolini /' paulista". -<="' O marginal Ozualdo Candeias, um dos raros cineastas brasileiros a andar a pé por sua cidade, estava muito inquieto e preparou diversas sessões especiais antes do lançamento. Me lembro pelo menos de uma na Comissão de Cinema do Juizado de Menores, onde se falou em surrealismo e impressionismo, remetendo o barco da morte que aparece no filme (e que curio'samente lembra o barco de Mario Peixoto em Limite/30) à mitologia grega de Caronte. Candeias estava lisonjeado, mas reduziu as pretensas erudições ao arroz-com-feijão do dia-a-dia. Biáfora já tinha assistido ao filme inteiro e voltou à carga em sua seção dominical (17/02/1967): "Uma total surpresa. Uma obra difícil, mas sem dúvida este ano a melhor fita paulista e uma das duas ou três melhores fitas brasileiras do mesmo período, esta realização de Ozualdo R. Candeias. Estreante no longa-metragem, mas veterano nos documentários, filmlets e comerciais, Candeias apresenta uma obra singular, ao mesmo tempo realista, fantástica e poética. Uma parábola que lembra Aleluia, de King Vidor, Mais Próximo do Céu (The Green Pastures/36), de William Keighley, Uma Cabana no Céu, de Minnelli, O Pequeno Rincão de Deus, de Anthony Mann, Himlaspelet (O Caminho do Céu), de Sjoberg, além de, talvez, trazer muitos e maiores pontos de contato com o mundo de Accatone e Uccelacei e Uccellini, de Pasolini, que Candeias, sabidamente, não viu. E, no entanto, obra absolutamente pessoal, isenta de influências ou eitações à maneira de Godard ou Glauber Rocha (as influências perceptíveis seriam as do didatismo soviético dos anos 20 e 30), com a qual Candeias pode, sem desdouro, reivindicar para si o título de autêntico primitivo~~ E - outro ponto importante - trata-se de uma fita essencialmente brasileira, essencialmente paulista, ligadíssima a certo tipo de espírito e de mítica de uma parte da cidade, de sua gente ••. Talvez a mais brasileira de todas as pretendidas fitas brasileiras que o cinema brasileiro andou fazendo nestes últimos 17 anos de chauvinismo oportunista. Lindamente fotografada, dá ainda 50 ()/l1 lido
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rebelde da América (Arquivo JF/1977)
Os personagens dA Margem no barco do sonho (Still Ozualdo Candeias)
Zé-Zero: Operários em visão antipaternalista (Still Ozualdo Candeias)
uma grande oportunidade para a espontaneidade de Mario Benvennuti e constitui cartaz obrigatório da semana". O crítico Alex Viany também tentou descobrir influências: "Em atmosfera e intenções, o filme de Candeias lembra certas coisas da auant-garde francesa da década de 20; e seu lumpen-proletariat parece saído de certos filmes europeus e norte-americanos sobre a crise que marcou a segunda metade da década de 20 e a primeira de 30. Veio-me à cabeça, inclusive, um velho filme de Frank Borzage, A Man's Castle (Paraíso de um Homem), de 1933, em que Spencer Tracy e Loretta Young procuravam derrotar a miséria através do amor" (Viário de Notícias, 06/03/1968, A Eloqüência da Mudez). Já o crítico Jaime Rodrigues ficou na observação: "O clima de realismo, que se mescla com supra-realismo, longe de resultar numa incômoda ou incongruente mistura de formas de abordagem, é resolvido exemplarmente, pelo sólido fluxo narrativo, que se alterna, no crescendo da trama, num ou outro estilo, através de sutil mas poderosa enunciação do choque entre a sensibilidade do indivíduo diante da dureza do quadro social e as suas tentativas de superação de tal contexto problemático" (Correio da Manhã, 02/02/1968). Outra boa crítica é a de Antonio Moniz Viana: "Candeias surge como um cineasta de talento próprio, ainda que sejam discerníveis influências tão válidas quanto a de Jean_ 'ligQ_..(de L'Atalante) e, em tom menor, a de Fellini, um pouco o de La Strada. "p realizador, partindo do -plãõo realista mais brutal, às vezes necessariamente sórdido, não vacila em ascender de repente a um plano surrealista, no ritmo, nas feições e nas formas, ou mitológico, na substância dramática que, nessa altura, agita sucessivamente as implicações ,do-P1it~ Caronte e sua barca. O barqueiro é substituído aqui por uma mulher estranha e toda a miséria da coragem a enigmática mulher da seqüência inicial, de uma ou duas aparições intermediárias, e que ressurge no fim e na hora em que a narrativa muda de plano quase sem sobressalto. A barca volta para recolher os mortos: os quatro _mar?inais, tomando-a, se .libertam ou apenas ~e_evademj Nao ha outra porta para sair da margem: nem a da mendicância, nem a da prostituição nem há a disposição ou a possibilidade de integração na cidade tão próxima. m milagre cinematográfico de Ozualdo Candeias tão voluntário quanto a maioria dos milagres - consiste em dar a uma realidade social um revestimento mitológic0.J As condições de vida à margem 53
do Tietê estão na tela sem protesto e sem disfarce - um inferno na terra, antes de outro inferno, talvez menos insuportável, ao fim do Tietê, novo Aqueronte. Um mundo à parte, o da margem, porém visível, palpável, é onde desaguam fugitivos de circunstâncias várias e ex-representantes de' diversas classes. Um desses, vividos por Mario Benvennuti (sempre excelente ator e o único profissional em A Margem - o que não é exato, ao menos Bentinho já estava no meio há anos, grifo JF), porém de um nível sócio-econômico mais elevado, ainda insiste em usar gravata, cujo nó, que ele está sempre a consertar, na verdade o está sufocando, assim como o paletó o aperta - é um homem sufocado, esmagado, até uma corrida sem rumo, um lance de desespero (grifo JF) que precede a morte. Uma prostituta negra, interpretada por Valéria Vidal, assume uma presença gradativamente patética, até o momento em que morre, noiva e viúva na mesma decepção intolerável. Um louco, Bentinho, corre de um lado a outro, à procura de uma rosa par,a ele, também, a morte na linha férrea, momentos depois de abrir o caixão traz de volta à margem a moça (Lucy Rangel) que saíra para a prostituição e foi assassinada. Entre outros personagens, há um que se julga padre (Nelson Gaspari) e carrega um catálogo telefônico como se fosse a Bíblia (em Aopção as Rosas da Estrada/1980 eu faria idêntico papel, JF) que ele lê mais com a imaginação do que com a memória. Todo esse elenco atua dentro de uma linha de interpretação homogênea e, por todos os motivos, quase inédita no cinema nacional". (Correio da Manhã, 18/04/1968) Em que pese a excelência dos filmes que faria a seguir, destacando-se o bangue-bangue Meu Nome é Tonbo /1969, foi com o média-metragem Zé-zero /1974 que Candeias procurou novos caminhos. Sobre ele vale transcrever uma bela crônica de Paulo Emílio Salles Gomes. "A moça acena para o jovem caipira com as facilidades e prazeres da grande cidade. Ele se despede dos amigos e da família e parte. Na cidade brutal tudo é enlameado e sórdido: o trabalho, a morada, a comida e o sexo. Logo não terá condições de mandar dinheiro para a família. A única esperança é a loteria esportiva. A sorte o favorece mas quando volta para a casa a família está na cova. Pergunta o que vai fazer com todo aquele dinheiro e a garota propaganda da civilização (eufemismo para uma personagem chamada Fada Sá nota JF) lhe dá uma resposta chula.
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No início do filme a garota propaganda é uma sereia trnsória - louquinha enfeitada com fitas de celulóide - cujo canto consiste num arsenal de periódicos: os jornais mais importantes do Rio e de São Paulo, as revistas sérias e as outras. A publicidade, os empregos, os crediários e as mulheres nuas. O caboclo ingênuo do começo de Zé-zero, com seu feixe de lenha no ombro, era, em última análise, feliz. A noção de que o dinheiro não traz felicidade se insinua e também a idéia de que a miséria rústica é afinal de contas preferível à ilusão urbana. Esses arquétipos tradicionais de certo anarquismo, de certa literatura e de um certo cinema são porém sufocados em Zé-zero pela mais crua desesperança. Depois do prólogo da sereia, a estória é desenvolvida de forma metódica e sem perda de tempo. Ultrapassados os umbrais da estação da Sorocabana a miséria se revela, o caipira pratica um pouco de mendicância mas é logo aliciado pela construção civil. Num fluir do quotidiano descrito com pontual repetição, são abertas duas ordens de parênteses, colunas mestras do âmago da fita: as cartas para a família e a satisfação sexual. O filme permite que o espectador leia, com dificuldade, o texto ditado pelo caipira e escrito por um companheiro semialfabetizado. Seguindo a trilha do bilhete afixado numa porta, o cinema moderno sobretudo Godard tem perseguido a expressividade das palavras manuscritas, mas eu só encontro uma equivalência para a potencialidade dramática das cartas de Zé-zero em algumas passagens do diário do padre de Bernanos e Bresson. A brecha emotiva é porém mais funda na fita brasileira porque nela individual e social são a mesma coisa. A quase insuportável gravidade de Zé-zero, porém, será imposta pelas seqüências de sexo. Em duas ocasiões o pobre herói se envolve com meretrizes da várzea, uma vez com dinheiro e a outra sem. O tratamento visual dado às duas passagens é semelhante, se bem que numa o negaceio é jogo e na outra, luta. A hostilidade final da prostituta que obteve algum dinheiro ilustra o conceito de que a natureza do sexo pago ou forçado é necessariamente a mesma. A variedade da expressão dramática é, porém, assegurada pela trilha sonora da segunda seqüência onde predomina o rosnar de cães enfurecidos. O mesmo tema sonoro já aparecera no dia do pagamento dos trabalhadores da construção e a associação não parece fortuita em Zé-zero. Ela exprime ao seu jeito a nostalgia anárquica por um passado mítico de relações harmoniosas e a aspiração utópica, no entender de mui-
tos, ao trabalho e ao amor livres da paga e da imposição. O tecido dessas alusões é porém tênue. Nessa fita qualquer esperança respira mal. As duas seqüências de sexo nos marcam de forma direta e impiedosa. Há algo de inadequado e irrisório no emprego das expressões meretriz, prostituta ou sua contração, a propósito dessas mocinhas paulistanas caçando a subsistência nos terrenos vagos do arrabalde. Ainda mal conhecemos as palavras novas criadas pelos usuários e usadas, praticantes de uma clandestinidade sexual ao léu e céu aberto. Algumas delas apontam confusamente na trilha sonora de Zé-zero, rica em criatividade e drama. O autor dessa obra, composta com um rebotalho de película, é Ozualdo Candeias. Responsável por numerosos filmes desde A Margem até A Herança, esse artista original e profundo foi de início muito festejado mas em seguida seus filmes foram sendo afastados dos espectadores. Ao que tudo indica Zé-zero ficará igualmente relegado ao ineditismo, o que é uma pena, inclusive porque a última fita de Candeias fulmina a chamada pornografia que anda preocupando tanta gente. É verdade que Zé-zero talvez fosse considerado por essa mesma gente um antídoto demasiado vigoroso." Independente em tudo e por tudo, Candeias confessa que nunca foi muito chegado ao cinema de um Glauber, Lima Barteto ou Humberto Mauro, além de fazer muitos reparos aos filmes de Sganzerla, Carlão e Mojica Marins. Nada disso tem importância, claro, e quem o conhece bem de perto sabe que não se trata exatamente de um megalômano e sim de uma personalidade rara, intransigente em seus métodos de trabalho e grande contador de casos. Quando toma uma boa cachaça, o que só acontece em ocasiões muito especiais, torna-se extremamente generoso com quase todos. Aos 64 anos de idade, o ex-motorista de caminhão nascido no interior de São Paulo continua realizando provocações como A Freira e a Tortura/1983 e freqüentando a Boca do Lixo com a mesma disposição que o fazia nos anos 60. Primeiro e último marginal, ou marginal entre marginais, Candeias é um monumento do experimental em nosso cinema.
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Fevereiro 85: tomando um chope ao cair da tarde com Carmelita & Plácido, vem à tona um antigo projeto de Candeias: o livro que ele preparou desde 1976 sobre a Boca do Lixo. Plácido de Campos me informa que Candeias acaba de gravar um amplo depoimento para o Museu da Imagem e do Som. Eu digo que isso é fundamental e que é necessário gravar também com todos os cineastas/capítulo do Cinema de Invenção. Mas aí a conversa se torna dispersiva, Plácido vê Candeias ainda ao lado de muitos cineastas da Boca do Lixo 69-85 & nisso não há contestação: em 1984, Candeias fez direção de fotografia & iluminação em filmes hard-core da Boca do Lixo, lance de sobrevivência & sem preconceito algum. Tudo bem. O trabalho técnico do profissional nada tem a ver com suas mais lídimas proposições (Carlão Reichenbach e Aloysio Raulino acabam de fotografar abacaxis de consumo respectivamente para profissionais como Jean Garret e Ody Fraga). Nada contra. Profissional é profissional. Fiz trilhas sonoras para filmes de consumo & não acho que isso me comprometa em nada. Ao contrário, significou coerência. Março 85: Pergunto a Candeias sobre um livro sobre ele. Mal estar. Alguém estaria preparando, mas Candeias descurte e quer fazer novas fotos. Pergunta como vai o meu livro e eu pergunto: e o seu? O livro do Candeias seria uma espécie de almanaque, contendo mil fotos da Boca do Lixo, sempre no estilo dele: se Jairo está com Carlão, então colocamos também um Carlos Coimbra; se numa esquina estão os jovens cineastas Conrado Sanchez e Carlos Shintomi, lá vem Candeias com um desconhecido a tiracolo "pra compor uma foto". Abril 85: Candeias insiste em me dizer que o melhor filme do Mojica Marins é O Estranho Mundo de Zé do Caixão. Me diz que os dois primeiros filmes do Mojica são "invenções" do Glauber (se refere a Lavarei - 64 e Encarnarei - 67) - silencia sobre Encarnação do Demônio, projeto mojical de 66 & nunca realizado). Digo que A Meia Noite Levarei Sua Alma é "invenção" de Rogério Sganzerla (verbalmente aos amigos desde janeiro 64 e, em documento, desde outubro 1967: jornal Artes, 1967, texto reproduzido integralmente no capítulo Mojica Marins deste meu livro, o que mais quer Candeias?). De certa forma, Candeias é um Bufiuel de nosso cinema.
Janeiro 85: é aprovado em concurso (Embrafilme/Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo) o projeto do novo filme de Candeias, As Belas da Billings. 57
Rogério Sganzerla, ponto de partida avançado
Até amanhã/Se Deus quiser Noel
I don't live today/Maybe
Rosa
tomorrow/Wait until tomorrow [imi Hendrix
Até loguinho! Welles
P
Bandido da Luz Vermelha (abril-maio de 1968), primeiro filme totalmente rodado no bairro mais perigoso de São Paulo, a Boca do Lixo, foi sonorizado num velho casarão da Odil Fono Brasil, então no Sumaré Quando o jovem diretor Rogério Sganzerla, muito seguro em seus 23 anos, chegava ao estúdio para comandar a gravação, o montador Silvio Renoldi já começava a rir. Estava sendo feita a locução radiofônica, com Hélio de Aguiar e Mara Duval, que recebiam instruções de Rogério para "carregar no tom debochado de narração policial sensacionalista". Silvio pedia para colocar um eco e se divertia: "Naquela tarde os discos voadores voltaram a invadir novamente, deixando no céu uma terrível luz a-ver-me-Ihaaaaada ... ". Qualquer semelhança com a gravação de A Guerra dos Mundos, Mercury Theatre on the Air, H. G. Wells/Orson W elles, 3O de ou tu bro de 1938, não era mera coincidência. Rogério dava corda nos bonecos e desaparecia. Só Silvio sabia que ele estava debaixo da mesa, rolando de rir com aquela pândega toda. Em outubro de 1968, Rogério divulgou uma espécie de manifesto, um texto fundamental sobre O Bandido da Luz ermelha. Sua transcrição vai aqui integralmente: \T Meu filme é um far-west sobre o Terceiro Mundo. Isto é, fusão e mixagem de vários gêneros pois para mim não existe
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separação de gênero. Então fiz um filme-soma; um [ar-ioest mas também musical, documentário, policial, comédia ou chanchada (não sei exatamente) e ficção-científica. Resumindo, do documentárío, a sinceridade (Rossellini): do policial, a violência (Fuller}; da comédia, o ritmo anárquico (Sennett, Keaton): do western, a simplificação brutal da narrativa (Hawks) assim como o amor pelos planos gerais e os grandes espaços (Mann). Poderia falar muito sobre a chanchada, que considero uma das nossas mais ricas tradições culturais, como também sobre o estilo radiofônico desse filme; o rádio brasileiro é outra tradição que não pode ser desconhecida, principalmente quando se tenta mergulhar nas origens e implicações do subdesenvolvimento. . Não tive nenhum pudor em realizar tal plano inclinado, tal diálogo ou situação cafajeste. Fiz questão, inclusive, de filmar como habitualmente não se deve filmar (grifo de RS); isto é, utilizando angulações preciosistas e de mau gosto, alterando a altura da câmera, cortando displicentemente, não enquadrando direitinho, sendo acadêmico quando me interessava. Nesse filme marginal há citações de Primo Carbonari e das peças dirigidas por José Celso Martinez (O Rei da Vela e Roda Viva), além de José Mojica Marins. Fiz um filme voluntariamente panfletário, poético, sensacionalista, selvagem, mal comportado, cinematográfico, sanguinário, pretensioso e revolucionário. Os personagens desse filme mágico e cafajeste são sublimes e boçais. Acima de tudo, a estupidez e a boçalidade são dados políticos, revelando as leis secretas da alma e do corpo explorado, desesperado, servil, colonial e subdesenvolvido. Meus personagens são, todos eles, inutilmente boçais, aliás como 80% do cinema brasileiro; desde a estupidez trágica do Corisco à cretinice do "Boca de Ouro", passando por Zé do Caixão e pelos atrasados pescadores de Barravento. Assim, o Bandido da Luz Vermelha é um personagem político na medida em que é um boçal ineficaz, um rebelde importante, um recalcado infeliz que não consegue canalizar suas energias vitais.p Em dezembro de 68, Carlão Reichenbach também lançaria seu primeiro longa-metragem, As Libertinas, mas parou com tudo naquele instante para escrever um longo texto em que deixa patente sua admiração pelo Bandido. O texto ficou inédito por um motivo ou outro e só agora vem à tona, integralmente: Nas declarações prestadas à imprensa, cineasta nascido das críticas badalativas e dos festivais amadores (autor de uma obraprima chamada Documentério, decisivo je m' accuse para a total
Jorge Loredo (Zé Bonitinho) em O Abismo
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,I" ~lI-1[lI1/.crlac Almeida
Salles, o presidente
(JF, Brasília/1978)
compreensão do Luz), Rogério Sganzerla pretendia deixar claro sua posição de marginalidade ao realizar o longa O Bandido da Luz Vermelha (ex-Mão Negra contra o Luz Vermelha e ex-Na
Boca da Noite). Exasperado, deixou escapar coisas como: trata-se de um faro este do Terceiro Mundo, pretendo fazer cinema como J ean Genet faz literatura, Caetano Veloso e Cozzella fazem música e José Celso faz teatro. lFJegou todos os cineastas paulistas, excetuando José Mojica Marins, embora respeite Roberto Santos. Demonstrou seu desprezo à Escola de Cinema de Nova York, ao expressionismo alemão e ao surrealismo caipira (como ele mesmo designa as elocubrações tipo Fellini). Não fez questão de demonstrar o quanto venera o cinema de Godard, Fuller, Glauber Rocha, Skolimowsky, Hawks, Welles e o carinho que tem pelo Cinema Novo .. 'J Com todo esse blá-blá-blá, nós que acompanhamos parte das filmagens, e quase toda a montagem (Callegaro e eu estávamos trabalhando em As Libertinas, na sala ao lado de onde se ia afigurando o Luz, nas mãos de Silvio Renoldi, sob as vistas cautelosas de Sganzerla, e volta e meia íamos bicar a montagem do filme), estávamos esperando qualquer coisa como uma biografia estilizada, com clima wellesiano, desenvolvimento godardiano, contemplações à moda de Hawks, numa cadência e peso soalidade típicas do estilo de Samuel Fuller. Tudo isso movido por uma beleza violenta, com muito das sinfonias glauberianas. Finalmente, visto o filme, saciada a curiosidade e expectativa, e, numa primeira visão crítica, vamos tentar separar o joio do trigo, das prerrogativas iniciais desse libelo desenfreado e apaixonante (embora às vezes nos contenhamos ante determinadas decepções, que são de questão mais pessoal, por isso menos importantes), sem favor nenhum o primeiro filme-para-ocinema feito no Brasil. Antes, porém, é de suma importância dedicar algumas palavras ao curta-rnetragern Ducumentário /1966, que foi o primeiro passo para a explosão do Luz.
convergindo única e exclusivamente para o cinema. Quem não gosta de cinema, jamais poderá entender Documentário. Filme profético, pois enquanto os personagens caminham para um cinema, falam da busca de um cinema total, já que um deles (dublado pelo autor) preconiza um filme melhor do que o que estamos vendo. Esse curta-metragem de poucos minutos, filmado em 16 milímetros, é o filme que nós gostariamos de ter feito, pois fala exatamente daquilo que nós mais gostamos, cinema. Documentário é, assim, o cartão de visita de Rogério Sganzerla. Já tendo mostrado o quanto está envolvido por aquilo de que mais gosta, pode-se dar ao luxo de realizar o seu primeiro filme de cinema, com mais de oitenta minutos e tudo. É assim que surge O Bandido da Luz Vermelha, filme que tentaremos encarar como obra.
Da obra de cinema: O Luz faz com que Rogério se aproxime de Glauber Rocha (seria ele um Glauber do asfalto?). O barroquismo do cineasta de Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) está contido ao longo de suas seqüências. Em Rogério, a multiplicidade de elementos a serem' decodificados está em cada plano. Por isso muitas pessoas, espectadores preguiçosos, irão se dar ao luxo de considerá-Io um filme completamente confuso. Ora, se riqueza ele informações novas for prosaicamente traduzida em caos, onde irá a arte que procura uma interrogação mais intensa no mundo moderno? O Luz não é um filme para ser visto uma só vez ou mesmo duas. Trata-se de uma visão ribombantemente espontânea do baixo mundo paulista e, como tal, pela aproximação que faz de nós, burgueses não conformados, com a também não conformada laia dos marginais (os conformados que se danem! ), não deverá ser encarado como mero espetáculo dominical. Tropicalista, no melhor sentido, diz tanta coisa que nos causa desespero. Cada fotograma, coisa raríssim a no cinema mundial, é tão importante quanto o outro; e por isso O Bandido deveria ser exibido na íntegra, mesmo que alcançasse nove horas de projeção, com claquetes e tudo. Sei de muita coisa que ficou na sala de montagem e que poderia ser de uma inestimável valia (aqui CR exagera: tenho a impressão que o
Dois rapazes, sem programa nenhum, na falta de mulheres, do que fazer, falam de cinema, alimentam-se de cinema e se voltam para o cinema. O mais importante no momento é o cinema .- e fim. Está aí o filme. É o cinema que nasce de seu estado mais puro, o cinema. A imagem, o som e o espetáculo
filme tem a duração exata, nenhum foto grama a menos nem a mais - nota JF). Uma tomada, por exemplo, apanhada ao acaso: o Luz assistindo Marrakesh. Travelling sobre a platéia:
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um casal se beija distante da tela, um mulato limpa o nariz, um rapaz paquera Paula Ramos, ela muda de lugar, o próprio Ro-
geno na primeira fileira assiste ao filme, olhos presos no écran, mas distante do espetáculo, ele pensa em cinema, assim como Antonio Lima se prende com intenso interesse ao que está assistindo, dever de crítico; e, à sua frente, Paulo Villaça, o Luz que mastigando como um animal uma indigesta espiga de milho cujas sobras cospe, assiste ao filme de binóculos. O filme é isso, o desespero em cada enquadramento. O desespero de ver cinema. Aliás o Luz não faz outra coisa nas horas de ócio a não ser ir ao cinema, bom esconderijo também. E então é na porta de um cinema que se inicia sua derrocada. Como o galã que está estampado no cine Oásis, o Luz se descobre, foto de primeira página em jornal sensacionalista em frente a uma banca.
Os personagens de cinema .. Paulo Víllaça é o Luz Vermelha que, com a organização terrorista Mão Negra e a Boca do Lixo, lidera o trio mais trágico do cinema nacional. Eles se confundem e se alimentam um do outro. Quando a cúpula menor da Mão Negra é abalada, o Luz se vê ameaçado. Fazendo parte, mesmo sem o saber, integrante da organização, o bandido sucumbe ante a pressão exercida de todos os lados, com o extermínio de JB, a priori cabeça da Mão Negra (importante notar a presença de um ator com sotaque italiano, Pagano Sobrinho,- no papel em questão). A Boca do Lixo, como elemento total, nada sofrerá com o fim dos demais, e, pelo contrário, continuará se alimentando de suas conseqüências, sobreviverá impassível, distante de seus primogênitos. Os personagens do filme. Antes de mais nada, ainda o Luz. Como num faroeste, é apresentado em sua infância, através de um pequeno prólogo, de caráter didático. Nascido em favela, sofre todo o aprendizado que lhe é impingido pelo meio. É a lei do cão, nascido entre os quadrinhos do Arqueiro Verde e balas de um "32". É a fumaça do disparo de uma arma que caminha pelo asfalto. O Luz jamais será um tímido Robin Hood dos pobres. Sua carreira está prenunciada pelo sangue que escorre das páginas de um exemplar do Cavaleiro Negro. Nascendo no lixo, sua ascenção é marcada pelo sinal do sangue. Luis Linhares é o delegado Cabeção, ocupado com a morte e sobrevivendo dela. Sua trilha é paralela à do Luz. Acabam morrendo juntos, abraçados, e não há nisso qualquer ilação homossexual. Um, preocupado em sobreviver, o outro em não morrer, hão de ter
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um fim digno, juntos, inseparáveis como filhos de Deus. O diretor não deixa por menos, presta-lhes uma homenagem à altura. Um toro fúnebre: o samba e o sangue. Pagano Sobrinho, JB da Silva, é o político corrupto, imenso e magistral em toda a sua opulenta carreira de representante popular. Considerado oficialmente o cabeça da Mão Negra, nada mais faz senão atender às exigências de tão alto encargo. Seu afilhado Lucho Gatica (magnificarnente vivido por Roberto Luna) é um misto de rufião bem comportado e puxa-saco desabusado. Artista nas horas vagas, nos oferece uma brilhante interpretação de Sabor a Mi, homenagem que presta, com muita razão, a seu padrinho artístico. A insinuante presença de Martin Bormann, o carrasco nazista que estaria vivendo na América Latina, evidencia os. anseias da orgaruzação Mão Negra. Não faltam ainda o melhor advogado do Brasil (claro, senão como haveria de ser?), urn guarda-costas ou mais e Chico Laço, o conhecido repórter de Itapecerica da Serra. Helena Ignez é a prostituta que nos auxilia a penetrar no íntimo do Luz. O intervalo numa odisséia sanguinária. O amor é na vida do marginal o momento de descuido que irá ocasionar uma ruptura na rotina de sangue. Todas as demais figuras são de brutal importância, mas há uma que deve ser sublinhada. É o disco voador que aparecerá, providencialmente, para desviar as atenções do significado da morte do Luz e do fim da organização Mão Negra na vida nacional. Ele é o presente de grego oferecido ao povo. Esqueçam o que acabou de
acontecer e prestem atenção nessa imensa Luz Vermelha bem maior que a outra. Eles estão chegando. O musical. O Luz é também um musical espetacularmente frustrado. É um pouco de outro filme que Rogério pretende fazer. Uma seleção muito a gosto do Telefone Pedindo Bis, programa radiofônico bem conhecido (na época JF). Toda a nossa tradição contida em uma mal comportada colagem de samba, tango, bolera, guarânia e baião. O tema maior é Vereda Tropical, ornamentando uma vitrola mágica de emoções, narrada em galopante ritmo de seriado, na voz radiofônica do diskjockey Hélio de Aguiar. Finalmente O Bandido da Luz Vermelha é o filme que deveria ser exibido no cine Arizona (poeira situado na Boca do Lixo - JF), pois você assiste a um documentário, vários trailers, um seriado empolgante,. um short e dois filmes: um sobre o
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-nascimento, paixao e morte de Luz Vermelha e outro sobre as aventuras e desventuras da misteriosa organização Mão Negra. Tudo isso e o 'céu também num filme só. Qualquer coisa de extraordinário e à parte no cinema nacional, que prenuncia uma obra única na seara cinematográfica. Cinema voltado para cinema. Como se nota pelo texto apaixonado, Carlão como crítico de cinema se revelaria um ótimo cineasta desde o quatro-estrelas-e-meia Lilian M/1975, e absurdamente só participaria de um festival de cinema (Gramado) em 1984 com o idem Extremos do Prazer. Já Sganzerla, jornalista, sempre soube promover muito bem os seus produtos e O Bandido recebeu o justo prêmio de melhor filme no Festival de Brasília/68. Em São Paulo, fui o primeiro a publicar a crítica-síntese que o filme pedia: Um dos filmes mais modernos do cinema brasileiro: O Bandido da Luz Vermelha. Rogério Sganzerla, seu diretor, é também seu melhor crítico até o momento: Meu filme é um far west sobre o Terceiro Mundo. Interessou-lhe menos a história do bandido e mais a do Bandido, meta-cinema. Menos a Boca do Lixo, contexto social do Luz, e mais São Paulo/cinema urbano. Uma nova Paulicéia Desvairada, integrada no Terceiro Mundo, América Latina em particular, essencialmente tropical e/ou tropicalista. Isto é, fusão e mixagem de vários gêneros. Fiz um filme-soma, um faroeste mas também musical, documentârio, policial, comédia (ou chanchada?) e ficção-científica. Uma explosão necessária. Luz Vermelha (Paulo Villaça), cafajeste lírico? Se não é anjo nem demônio, ou é um gênio ou uma besta. Parece que O Pedestre/1966 de Otoniel Santos Pereira iniciou a filmagem de painéis com noticiários luminosos entre nós. O cinema filma letras, a linguagem escrita faz cinema. Vocabulário & sintaxe. Pierrot le Fou & Jean Luc Godard. Ou seja, metalinguagem. Lunático causa explosão no Banco Latino. Uma persistente locução radiofônica organiza a mensagem sganzerlina. Fuzileiros navais no painel do Estadâo, jornal que o filme não identifica. Rogério não e;conde uma certa retórica barroco/bizarra, influência discursiva da qual ele não escapa in totum, mas predomina concretamente uma narrativa poética. Em Flaubert, da forma nasce a idéia. No Bandido, sob o signo de Welles, nasce um travelling verticalmente deflagrador: JB da Silva (Pagano Sobrinho) é um político carismático e avacalhante como Charles Foster Kane/ 68
político místico? Metacrítica: Orson Welles me ensinou a não separar a política do crime. Ambicionando demais, o diretor consegue muito. Fuzileiros navais invadem a Bahia para defender o Brasil. E a Terceira Guerra Mundial, como vai? Comunicação através da utilização de repertório já conhecido. Metacinema. Por isso o detetive se chama Tarzan (José Marinho) e Janete Jane/Helena Ignez (JJ vem de uma chanchada como o Brasil de Julio Bressane em O Monstro Caraiba/ 1976 vem do Homem do Sputnik/1959 de Carlos Manga JF /84) é a mulher do Luz. Filmei a vida do Bandido da Luz Vermelha como poderia ter contado os milagres de São João Batista, a juventude de Marx ou as aventuras de Chateaubriand. É um bom pretexto para refletir sobre o Brasil na década de 60. Tais sacações a nível estrutural fazem de Sganzerla, em seus 23 anos, um dos cineastas mais inteligentes do País. Welles irradiou a invasão da Terra pelos marcianos antes de fazer Cidadão Kane. Pânico. Rogério filma a invasão dos discos voadores em pleno Lixão enquanto Luz é baleado. Impacto. A linearidade é mantida basicamente na locução enquanto as imagens dão conta de acontecimentos simultâneos. O ritmo interno é evidentemente perfeito graças ao montador Silvio Renoldi que nunca se empenhou tanto na concatenação de fragmentos. Jean Luc Godard me ensinou a filmar tudo pela metade do preço. Maurício Gomes Leite: O Bandido está 20 anos na frente de qualquer filme brasileiro. Jairo Ferreira: Depois de Glauber Rocha, o cinema brasileiro entra numa nova etapa com Rogério Sganzerla. Imprensa/reportagem: um dos conteúdos do cinema. Porque o que eu queria mesmo era fazer um filme mágico e cafajeste, cujos personagens fossem sublimes e boçais, onde a estupidez revelasse as leis secretas da alma e do corpo subdesenvolvido. Ressalve-se, porém, que a essa revolução na estrutura narrativa não corresponde uma' carga política tão avançada (hoje acho que esse equilibrio é perfeito no filme JF /84). Quem tiver um sapato não sobra. .. Quando um cara não pode jazer nada ele avacalha. Por novos conteúdos do cinema: rádio/ televisão. Rogério Sganzerla estréia anarquicamente como Godard (A Bout de Souffle/Acossado/1960). E engolindo cru muitos diret res do primeiro escalão: Welles, Godard, Fuller, Glauber, Murnau, Mojica, Hawks. Um apetite antropofágico. A palavra 69
de ordem é: metacinema. Luz Vermelha morre como Pierrot le Fou: E naquela tarde os discos invadiram novamente, deixando nos céus uma terrível luz aVERMELHAaaaaaada. (São Paulo
Sbimbun,
11/12/1968).
A influência desse filme sobre meu trabalho ficava patente na tentativa de uma crítica inventiva, mas para se exorcizar totalmente teria que chegar até o meu primeiro longa-metragem, O Vampiro da Cinemateca/1977 que, entre muitas outras coisas, considero um Bandido em outras dimensões. Oswald de Andrade era o grande mentor cultural do momento e sobre isso registrei depoimento de Rogério em julho/1978, durante o 11.° Festival de Brasília/ & Mostra Horror Nacional, nüm 'documentário a quatro mãos (Horror Palace Hotel) em que Sganzerla diz a Rudá de Andrade que conheceu o Manifesto Antropófago de Oswald em 1961, quando morava em Joaçaba, sua cidade natal no far west de Santa Catarina. A coincidência de datas nunca me pareceu gratuita: Manifesto Antropófago/1928, War of tbe World/1938, Clube de Cinema de São Paulo e/ou Cinemateca Brasileira/1948, Bossa Nova/1958, Tropicália/1968: Bandido/ 1968. Horror Palace Hotel/1978. Não há dúvida: teremos novos marcos em 1988 e 1998, é uma questão de estirpe cultural que as gerações de 2008 e 2018 irão conferir. A aproximação Sganzerla/Godard tem ainda o lance Bandido/ La Cbinoise, este realizado em 67 e lançado em São Paulo em maio/68. Godard (God-Art) estilhaçando frases (os imperialistas / os imperialistas ainda/os imperialistas ainda estáo l os imperialistas ainda estão vivos e assim por diante) reinventava o poeta Stéphane Mallarmé de Um Lance de Dados/1897: UM LANCE DE DADOS/JAMAISIJAMAIS ABOLIRA/O ACASO. Uma aproximação que começou no prefácio de Mallarmé (Gostaria de que esta Nota não fosse lida ou que, apenas percorrida, fosse logo esquecida) e reverberou numa nota de Sganzerla aos Senhores Críticos: Definitivamente, queria esquecer O Bandido da Luz Vermelha de uma vez, já que foi feito para ser visto num poeira, esquecido ao fim da sessão, jogado no lixo enfim, ao invés de ser conservado na memória dos cineclubes e cinematecas. (Jornal do Brasil, maio/1969)
o Bandido
da Luz Vermelha: Paulo Villaça no papel-título (Still)
e perspectivas do passado (e do provincianismo, principalmente). Não dá pé escrever que Helena Ignez está genial, é uma personagem fatal., preciso repensar - no cinema e na crítica a nova dimensão do ator, da câmera, do diálogo; discutir as noções de belo, talentoso, sensível, etc. Pelo amor de Deus, senhores críticos, não publiquem o óbvio: que eu sou um talento influenciado por Welles e Godard. Falem da minha dívida a Mojica, que vocês detestam, por exemplo.
Preparando o terreno para o lançamento do filme no Rio, prosseguia Rogério (nota citada): Continuo esperando uma crítica inventiva, ao nível do provável e não da certeza idealista, das especulações sentimentais
É preciso, outro exemplo, dizer que com este filme o cinema moderno finalmente chega ao Brasil: que eu me recuso a fazer literatura na tela; que enfim surge um filme brasileiro ligado a Hawks e Godard e não a Visconti e Fellini (isto é fundamental). Reparem as inovações da banda sonora. Necessário dizer, também, que eu e alguns poucos estamos por dentro, ao contrário dos deslumbrados provincianos do cinema novo rico. Se tivesse que definir falaria de um cinema péssimo e livre, paleolftico e atonal, panfléBriõ e revisi~1ário' -:-_q1!L o--,Brasil atualmente merece~Repito isso tudo simp esmente porque não agüento mais o que vem sendo feito êlo cinema-nQvo~mo
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brasileiro (onde, amiúde, a "genialidade" amadorística ou rnimética pulula no vazio da eficácia), mas tomando-se em conta o cinema em geral, ao nível internacional. Por isso mesmo, como obra de invenção, de surpresa (o que seria do cinema sem a surpresa?), provoca também a incornpreensão, até o despeito. O novo é quase sempre e fatalmente polêmico em essência: basta lembrar as barbaridades que, aqui e no exterior, foram ditas, há pouco, sobre 2001: Uma Odisséia no Espaço, de Kubrick.
Exemplar
utilização
do plongée: Helena Ignez, Paga no Sobrinho
(Fotograma)
como espectador comum, agredido peja burrice institucionalizada. Outro dia, numa entrevista a O Cruzeiro, que ninguém leu, disse que o cinema não me interessa, mas a profecia. Com essa frase resumo o meu desprezo pelas pequenas sensibilidades, afirmando minha ruptura ao movimento de elite, aristocrático, paternalizante e acadêmico denominado cinema novo. Já fui crítico; e se deixei o jornal para realizar provocações anti-ocidentais não foi pata virar autor como Bergman ou Antonioni mas para, no máximo, ser um anônimo copy desk de Mack Sennett. Felizmente, o crítico José Lino Grunewald estava antenas bem ligadas e publicou uma crítica antológica:
com as
Radiotelecinejornal. O Bandido da Luz Vermelha. Godard e Oswald de Andrade, cultura e mass media, Chacrinha e Marshall McLuhan, invenção e antropofagia. A tribo em transe. O próprio cineasta, Rogério Sganzerla, informa que misturou tudo intencionalmente: o uiestern, a chanchada, o policial, o mau gosto, o bolero, o expressionismo, o deboche, o strip tease. Acima de tudo, e intensamente, o cinema.
~Rogério Sganzerla não só absorveu inúmeros contrários ou heterogêneos de fatores culturais ou extra ou anticulturais, como, .ao mesmo tempo, procurou inserir alguns elementos ou influências desfechadas pelas criações de vanguarda em outras áreas: da poesia, do teatro, do próprio cinema. E, aí, então, cria um cinema rítmico, de montagem, cuja estrutura exatamente referese àquela da comunicação de massa: rádio, jornal, cinejornal, televisão, anúncios luminosos, publicidade, tudo calcado pela tônica do sensacionalismo, utilizada como um recurso objetivo de enfoque das camadas da realidade política e cultural. O filme funciona como se fosse um painel móvel do comportamento genérico do bas-jond, do crime, da política; variando a ótica, da classe média, para a popular. Dentro disso, o leit-motív se constitui nas façanhas do bandido famoso, que sacudiu São Paulo, cuja mentalidade esquizofrênica era extrato de uma formação fatalmente deturpada: "Já que não podemos fazer nada, vamos avacalhar". Ou seja, "bagunçar o coreto" até as últimas conseqüências. Flashes, fatias de uma ação, quase nunca apresentada de modo completo A não-linearidade, porém, sem qualquer emprego ou concepção de flash-back, pois, este, por mais complexo e engenhoso que seja, reporta-se sempre, em última instância, à anedota, à lógica formal de uma manifestação conceitual. Em O Bandido da Luz 11ermelha encontramos aquele distanciamento objetivo do autor, proporcionando pela técnica do documentário, e onde inexiste qualquer orientação subjetiva do cineasta, a fim de dar um sentido ético à conjugação das seqüências, em suma, a formulação discursiva dentro da manga ou da cartola; i
O Bandido da Luz Vermelha projeta-se como um dos filmes de estrutura mais original entre os que apareceram ultimamente. E, isto, não apenas com relação ao modestíssimo C1D~ma
Existe apenas a opção inicial pela seleção dos elementos. E, aí mesmo, foi que se revelou a personalidade do autor, a sensibilidade em inovar, em usar o mau-gosto com bom-gosto. A começar pelos intérpretes: Paulo Villaça compõe, para o bandido, um tipo notável; Helena Ignez, como Janete Jane, impecável
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em todos os momentos; Luiz Linhares dá ao delegado um comportamento inesquecível; Pagano Sobrinho, como o político, leva às últimas conseqüências o aspecto primitivo e carnavalesco da conduta de muitos líderes populares; e, fabulosa, a caracterização de Roberto Luna, como Lucho Gatica. Em ambientes do gênero, só mesmo o cinema americano consegue gerar uma fauna idêntica. Restaria dizer que, apesar ser uma hommage às aberturas Souflle ou Pierrot le Fou, deu da última fita, foi deveras citado troca o enroscar-se nas bananas fios elétricos de Villaça. (Correio
de tudo, o filme não deixa de que o Godard, de A Bout de ao cinema, sendo que, através no final por Sganzerla, quando de dinamite de Belmondo pelos da Manhã, 13/05/1968)
Ao lado de uma pornochanchada visionária como A Mulher de Todos/69, O Bandido da Luz Vermelha teve a sua importância reconhecida unanimemente e foi um dos raros sucessos de público do experimental em nosso cinema. Rogério realizaria ainda três experiências que não tiveram carreira comercial devido ao clima de paranóia que começava a tomar conta do País: Carnaval na Lama/70, neochanchada eletrizante do começo ao fim; Sem Essa Aranha/70, nosso Under Capricorn às avessas, alucinante painel de um país que não estava no mapa; e Copacabana Mon Amour/70, experimentando a lente cinemascope na mão (o que Glauber Rocha também faria no monumental A Idade da Terra/80). São filmes/sismo de vibração muito acima da curva acústica da época: terremoto clandestino. Merecem evidentemente tantos estudos quanto O Bandido da Luz Vermelha. Rogério Sganzerla só voltaria Abismo, uma chanchada esotérica. lhante texto na revista Status:
Em termos de arte, lá fora também o quadro é sofrível ... ou lamentável. .. Por que o declínio de 60 a 1970? Simplesmente porque não se encontrou uma política de unificação do produtor independente ... Vide Orson Welles, que só agora volta a filmar; Godard, depois de um acidente automobilístico, e vários cineastas brasileiros afastados da competição... transformada num amontoado de pangarés (cinematográficos) fora ou sem nenhuma forma... o que, na verdade, diferencia e facilita o autor conseqüente que tiver um bom filme na mão - de saída, saindo na melhor. ./ Qualquer alteração o produtor independente ma brasileiro, desde os Mario Peixoto a Belair,
na lei da oferta e da procura prejudica - quem fez e sustentou o melho cineciclos regionais a Humbertc ~auro, de inclusive.
O pioneiro produtor independente desenvolveu um ofício de envergadura e uma arte popular ligada às nossas melhores tradições - como o samba, o rádio e o jeito de ser brasileiro. Por outro lado, a pornochanchada é um efeito, uma conseqüência, e não causa daquele momento em que o navio - ou a catedral - do cinema brasileiro foi para o fundo e os ratos - como sempre - subiram à tona, satisfeitíssimos. (grifo JF) Nessa hora preferi sair do cenário para não me confundir à mediocridade dominante. Fui ler os autores seiscentistas e literatura grega; pesquisei arqueologia fora e dentro do Brasil, familiarizei-me com grandes autores e personalidades nacionais do século passado e início deste, mergulhei fundo na obra de William Shakespeare.
à tona em 1977 com O Nessa época publicou bri-
Aprendi muito e hoje endosso um ideograma de pára-choque de caminhão: Sou grande porque respeito o pequeno. '. e gosto do que é bom.
Criativamente, o cinema brasileiro parou em 1970. De lá para cá sucede-se um vendaval de primarismo - um vôo rasante da cultura - excetuando alguns profissionais que se garantem, economicamente, via calculado conformismo.
De 1978 para cá, Sganzerla tem escrito notáveis crônicas no jornal Folha de S. Paulo, principalmente sobre seus três mentores prediletos: Noel Rosa/Jimi Hendrix/Orson Welles, Sintonia Experimental/Visionária/lntergalaxial.
O público prestigia o filme nacional - quando este chega às telas - e, apesar dos pesares, entre nós essa arte industrial resiste e evolui no campo econômico - o que, pelo menos, já é algo positivo ...
Quanto ao cinema & seu desejo, Rogério Sganzerla finaliza Nem Tudo é Verdade (ex-Welles no Brasil, iniciado em 1978): trata-se da mais completa reconstituição da tumultuada passagem de Welles pelo Brasil em 1942, quando rodou milhares de
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metros do projeto It's All True & não conseguiu me por motivos tão claros quanto obscuros ...
concluir o fil-
Outro grande projeto de Sganzerla é filmar a vida de Noel Rosa num autêntico lance de novos olhos, tendo para tanto servido como ensaio prévio o curta-metragem Noel por Noel/ 1979-82. "Só então penso em voltar a meus filmes pessoais e sempre comercializáveis", prenuncia Rogério Sganzerla, a meu ver o maior gênio do experimental em todos os tempos de nosso cinema.
Carlão Reichenbach & utopia na Boca do Lixo
Abril 85: Rogério Sganzerla continua finalizando a montagem de seu novo e tão aguardado longa-metragern/resgate Nem Tudo é Verdade, documentação & ficção em torno do filme inacabado de Orson Welles It's Ali True. Ao mesmo tempo, um grupo paulista de sganzerlinos dá por pronto um livro de estudos sobre a obra do gênio, com textos de seus mais dedicados exegetas, trechos dos roteiros de seus filmes, compilação de suas matérias, tudo ao que parece sob coordenação da sensibilidade do audaz cineasta Joel Yamaji. 5 de maio 85: domingo ensolarado, porém frio. Ontem Sganzerla aniversariou: 39; amanhã, Welles chega aos 70: está forte como um touro, quer filmar Rei Lear. A revista Filme Cultura n," 45 traz excelente matéria de Orlando Senna sobre Sganzerla (Nem) Tudo é Verdade Welles. Ontem, na Folha de S. Paulo, Ruy Castro dizia que o filme de Sganzerla recupera cenas de It's Ali True. Na citada Filme Cultura, Rogério afirma que não conseguiu nenhuma dessas cenas. Sintonias em rotação: Senna também é Taurus. Daí o título de sua matéria: Tourada Panamericana. Vênus que se cuide. Em F For Fake, Welles diz sobre a legendária irradiação dA Guerra dos Mundos: "Alguém, na América Latina, tentou repetir a experiência e se deu mal". Claro, Sganzerla nasceu 8 anos após aquele pânico (1938) e seus discos voadores só foram vistos em 1968 (O Bandido da Luz Vermelha). Numerologia poética. 10 de outubro 85: morre Orson Welles. Me senti como se tivesse perdido o pai. ]. F.
Um grande filme? Música: pelo cristal das almas que se entrechocam ou se procuram pela harmonia dos giros visuais, pela própria qualidade dos silêncios; pintura e escultura, pela composição; arquitetura, pela construção e ordenação; poesia, pelos eflúvios de sonho que se evolam da alma dos seres e das coisas, e dança, pelo ritmo interior que se transmite à alma e a faz libertar-se e enredar-se com os atores do drama. Abel Gance
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Linguagem analítico-instrumental (ou metalinguagem) que se auto/reflete em altos estudos (via velha e boa chanchada, desde já metacinema) a partir de uma deliberada deglutição antropofágica da linguagem-objeto original (estrangeira ou não), Audácia/episódio de Carlos Reichenbach foi realizado sob o impacto estrutural do Bandido da Luz Vermelha (onde a paródia é apenas um dos muitos dados em lance) e deve, isto é, merece ser situado como metacinema carregado de significante até o grau máximo possível no experimental da. Boca do Lixo/ 69, quando nada era impossível. Jimi Hendrix realmente já pintava como mentor no catac1isma de Sganzerla e, não por acaso, era o som dominante na ventania de Reichenbach. Como atuei em diversas funções (assistente de direção e produção, still, continuidade e ator), me considero co-autor do abacaxi e também seu melhor crítico: O negócio é fazer filmes péssimos. Um apanhado crítico da face oculta do cinema naciona -:-Filmes pessimos, mas necessarios. Chegou a hora de massacrar a visão euro eizante que impede -O cinema nacional de ser coara eve ser. Quando um' cara nao po-d-e-f.1zer nzrda,-já dizia PauloVillaça em O Bandido da Luz Vermelha, ele auacalba, anarquiza, e não podendo fazer filme-de-cinema faz filme-sobre-cinema. Trata-se de filmar--ª-partir da impossibilidade de filmar. É preciso muita audácia para 81
dar uma olhada em torno do cinema nacional. Olhar não para badalar os efeitos, mas para apontar os defeitos. Da câmera nasce a idéia. Paula Nelson (Maria Cristina Rocha), diretora de cinema no episódio ficcional de Carlos Reichenbach, é uma jovem revoltada contra o "academismo" em nosso cinema. Devemos jazer filmes a partir de um gibi do Cavaleiro Negro, proclama. Filme de cinema: conteúdo do cinema. Tudo fica claro quando a linguagem de cinema se volta sobre si mesma, autoquestiona-se. Como a câmera é uma extensão do olho do realizador, o ambiente em que foi filmado Audácia não podia ser outro: o próprio local das filmagens, revelando os bastidores. Os personagens são a ficha técnica explícita: o diretor/ a cineasta Paula Nelson, o produtor/um gangster, o assistente de direção/ um crítico de cinema, o operador de câmera/ele mesmo. Em suma: cinema dentro do cinema. O filme de sexo é uma questão de abertura de diafragma. Pela primeira vez, o cinema nacional se abre para o público, mostrando o produtor violentando as atrizes, o diretor quebrando o pau com o assistente, o maquiador desmunhecando, o câmera paquerando a continuista, o diretor de fotografia escondendo a garrafa de cachaça, a equipe assistindo ao copião no laboratório. Devemos fazer filmes a partir do fotograma selecionado. Samuel Fuller na boca de uma cineasta da Boca: Cinema é um campo de batalha: o amor, o ódio, a violência, a morte. (São Paulo Sbimbun, 31/07/1969) O sketch se abre de forma brilhante com Rogério Sganzerla falando de José Mojica Marins, visto através de godardiana grande angular e filosofando sobre lobos e cordeiros. .. Desde então importava muito mais como se filmava e pouco o que se filmava. Daí a resistência das cenas de ação: correrias de um Landru tropical, talentosos travellings no lago do Ibirapuera, histéricas brigas da diretora (ou diretriz) Paula Nelson com o galã joseph Den Grandonen (José Carlos Cardoso). No mais é a infâmia: o assistente de direção, Banana Macaco (Palito), pira de vez ao som de House Burning Down de Jimi Hendrix: "Vai, Paula, queima a cidade com a câmera!" ... O caso era de internação, claro. "Hoje gosto apenas de uma seqüência que filmei em homenagem a Samuel Fuller, cujos Shock Corrido r e Naked Kiss me ensinaram respectivamente a dialética do travelling e a violência dos primeiros planos à altura do pescoço. Sermos os industriais 82 'arlão dirigindo
O Último Fausto (JF)
Rosa Maria Pestana e Ênio Gonçalves em O Último Fausto (Still Conrado Sanchez)
da mrseria foi a única idéia que passou do filme", diria mais tarde Reichenbach (revista Filme Culturalti? 28 fevereiro/ 1978). Fui cúmplice de Carlão ainda em Corrida em Busca do Amor /1971, uma comédia anárquica e é claro que gosto do filme, mas creio que não vem ao caso incluí-lo aqui. O filme mais pessoal de Carlão talvez ainda seja o admirável Lilian M, Relatório Confidencial/ 1975, mas prefiro fazer uma elipse e reencontrar o mestre em outro momento luminoso: O Império do Desejo/1980', uma produção Antonio Polo Galante, o rei da pornochanchada na Boca do Lixo, porém um filme 100% de autoria do poeta Reichenbach: Sexta-feira, 17 de outubro de 1980. Acabei de sair do laboratório Revela e estou possuído pela magia de um filme raro, onde um visionário greco-Iautrernontiano (Orlando Parolini, extraordinário poeta que tem recusado sistematicamente publicar as suas obras) mata boçais e sócio-ideólogos a porretadas, pratica literalmente a antropofagia e se incendeia numa cabana de praia ao som da música de Jorge de Lima - Vim e irei como
uma profecia,
Lilian M - Relatório Confidencial: Lee e Célia Olga Benvenutti (Still Bill Zenha)
O que é isto? A depuração dos borrões que o experimental biscoito fino está levando para a sepultura? A caveira sobre a cabeça dos nossos mais brilhantes cineastas só conhecidos por eles mesmos? Ou será o Limite e a (i)limitação dos anos 80, súmula, divisão, inauguração-superação de fases como Cinema Novo, Experimental, Pornochanchada? O Império do Desejo, de Carlos Reichenbach, não me parece cinema utópico, mas atópico. Carlão é um herdeiro da melhor invenção e, agora, seu mais brilhante propulsor, homem do visionário olho no visar, gênio total do cinema comercial brasileiro Eu falava de Cinema Concreto há 15 anos como outros em Poesia Concreta, e só agora estou vendo a confluência, a poesia cinematográfica. Estamos estrando no império do Padre Vieira, criador da língua e da linguagem, eminência parda da Poesia Concreta (Décio Pignatari confessa que não leu Os Sermões). Vou diagnosticando o deslocamento utópico: a resposta, a dissecação e a solução do enigma são o mesmo enigma, uma fórmula dada pelo Carlão, mestre na arte de injetar poetas geniais (Fernando Pessoa, Henri Michaux, Jorge de Lima, Lovecraft) em repertórios aparentemente irrecuperáveis, como é o caso do pornochiqueiro, pior que apornochanchada e terrivel85
Audácia]: metacinema. Palito, Cristina, Sabrina (Still JF)
mente inferior à velha chanchada (que renasce feericamente nesse filme do Carlão). Em sete anos de plantão como crítico de cinema na Folha de S. Paulo, mente aberta à inovação, só assisti a dois filmes comparáveis ao atual, não por coincidência do mesmo autor: Lilian M (1975) e A Ilha dos Prazeres Proibidos (1979). O primeiro foi visto como "chanchada underground", o segundo, como mera pornochanchada (única exceção: José lnácio de Mello e Souza nesta mesma Filme Cultura, n.034). Os marcos no cinema de São Paulo eram O Grande Momento (1958), de Roberto Santos, Ravina (1959), de Rubem Biáfora e Flávio Tambellini, São Paulo S/A (1965), de Luis Sérgio Person, Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver (1967), de José Mojica Marins, O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Rogério Sganzerla, Orgia ou o Homem Que Deu Cria (1971), de João Silvério Trevisan. Seguiu-se um vendaval de prima ris mo e, em 1975, Carlão atacou com Lilian M. A modéstia não me impede de citar o meu próprio O Vampiro da Cinemateca (1977) como marco seguinte, pois é uma síntese dos títulos precedentes, reconhecida por cineastas como Rogério Sganzerla, Julio Bressane e o Carlão em questão. Roberto Santos, felizmente, renasceu com Os Amantes da Chuva (1978) e Carlão marca o gol atual com O Império
do Desejo. Sintonia experimental
e visionária. Isso é o que há 9l!!:e os realizadoresjios marcos citados., Assusta, às vezes, que, fora desse círculo criativo, nada acontença: A Ilha dos Prazeres Proibidos, por exemplo, não está entre os marcos, mas tem grande importância, exercício fulleriano que é, em plena fórmula de pornochanchada. As pessoas preguiçosas e sem imaginação jamais suspeitariam que existisse talento por trás de um título como esse. Poderão torcer o nariz novamente ao atual O Império do Desejo, título "imposto" pelo produtor Antonio Polo Galante, o Roger Corman de São Paulo. Mas o círculo não é fechado e isso ficou provado na matéria de José lnácio de Mello e Souza (citada), solitária descoberta do inquietante A Ilha... Ele terminava interrogando/ afirmando: Desnorteamento? Quem
scêne, iníra-cinema-de-autor, dardos à subcrítica (José Lino Grunewald, sobre A Ilha: "submetalinguagem". Ora, não seria melhor falar em maxilinguagem? Não dá pé pichar um filme que assimila perfeitamente o melhor de Samuel Fuller). O Império do Desejo é arquiartesanal, sufixos e suportes rumo à dosagem viável do comercial impregnado de invenção. Os grandes poetas à cabeceira do Carlão cairam no domínio público via écran: não é mais necessário colocar nos créditos as referências a Fernando Pessoa, Padre Vieira, William Blake, Jorge de Lima, mas se os espectadores ou críticos não (re)conhecem o texto. .. picharão Carlão sem saber que estão pichando os poetas em questão! Tal técnica, convenhamos, não é facilmente assimilável e nem sempre dá certo. Mais de um terço do texto dO Gigante da América de Julio Bressane, por exemplo, é puro Padre Vieira, nos diálogos e monólogos. Mas são trechos impopulares, enquanto em O Império do Desejo está o Vieira que o povão pode entender (Isso é o que ele diz, mas notai o que não diz). Claro: mesmo o impopular do Padre Vieira poderia funcionar para o grande público, dependendo de como estivesse colocado. Vieira, quem diria, tornou-se pau para toda obra: experimental ou pornochanchada, embora O Império não se filie a um gênero é ao mesmo tempo chanchada, aventura, policial, horror, melodrama. A fórmula pornô permeia toda a narrativa, mas nunca como concessão à bilheteria. O Império do Desejo ~ontra-ataca de seqüência para seqüência: ação, ação e mais ação é a lição de Fuller, e o filme é basicamente um musical. Muito mais que Antonio Calmon,
que pese os dois meses entre a filmagem (30 dias) e a primeira cópia. O que é o filme? Subversão da sintaxe, sunng em lugar de samba, transfiguração dos clichês, anti-roteiro, não-mise-en
Carlão faz filmes apenas para colocar música, exorcizar-se de toneladas de discos 78 RPM que herdou de seu pai e que ouviu durante toda a infanciadolescência. Por isso ao elaborar o "roteiro" colocou em cena uma vitrola antiga e fez de Peg O'My Heart, cantada por Joe Loss, o tema do filme, cinema que aspira a ser música. Fred Lowery, o maior assoviador do mundo, afIora como se tivesse saído de um continente perdido e, em plena praia de Ilha Comprida, um casal dubla I ndian Love Call na voz de Nelson Eddy. Não faltam músicas de AI Jolson e dezenas de temas românticos que não saem da cabeça do público, forma de cativá-lo, como se tudo funcionasse assim: gostaram dessa música? Pois bem: então agora tomem uma lição de Proudhon (" A propriedade é um roubo"). Gostam de H ouse Burning Down na guitarra lancinante de Jimi Hendrix? Então levem para casa um remake bachiano de uma das mais belas
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VIVer, verá. O Império do Desejo foi realizado no mesmo esquema de A Ilha dos Prazeres Proibidos, mas é infinitamente superior, em
sequencias dO Desprezo de Godard, no caso, a admirável cena de um manequim ensangüentado. Gostam do romantismo de L'm in the Mood For Lave? Então saibam do anarquismo de Jean Vigo em Zéro de Conduite, na seqüência em que o louco incendeia os bonecos (soldados escaldados). Preferem proselitismo político descarado? Então ouçam as regras da jornalista chinesa que se transformará em banquete antropofágico.
O significante no lugar do significado. Em O Império do Desejo importa mais como o filme é feito e menos o que ele é, o que significa. Como Carlão se coloca em cada personagem, principalmente no pacifista (Roberto Miranda em seu melhor momento até agora - embora outros prefiram o nosso De Niro em Extremos do Prazer, JF / 84); como se livra dos fantasmas musicais; como faz a sua terapia sexual (humor cáustico em cima do Relatório Hite), crítica de cinema filmada e autocrítica cultural cristalina. Como trata os atores, ao contrário de Hitchcock (ator é gado): com paciência de Jó; como dá atenção ao mais (in)significante figurante. O clima afetivo entre técnicos e atores foi o melhor possível e isso pode-se sentir na alegria que o filme irradia do início ao fim. Alto astral na realização, alto astral no resultado. Produção B de talento transbordante, o cinema como emoção e a emoção como cinema vital, libertá rio na forma (por isso libertá rio nas idéias ventiladas que deflagra).
A utopia, seja ela o que tantos viram ou não no experimental brasileiro, simplesmente transfigurada em atopia, deslocamento da retina, de uma ótica cultural que imperou até antes dele. Coube a Carlão deslocar (atopisar) o experimental de seu terreno minado para a área de todos: não mais cinema de minoria, mas de memória da minoria como brinde à maioria. Maioridade de um tipo de cinema brasileiro? Superação dos borrões, inauguração de uma nova écriture que a massa come e que inquieta os cinéfílos? Quem está vivendo está vendo: a solução do enigma sempre esteve no enigma vi-vendo. (revista Filme Cultura, n." 38/39, 1981) Mestre da produção B (isto é, produção brasileira), Carlão já tem 20 anos de janela e só nos últimos começou a ser devidamente reconhecido fora de São Paulo, o que é comum no quintal do mundo. Quem melhor o situou até agora foi o crítico gaúcho Luiz César Cozzatti, a começar pelo box de sua matéria: Reichenbach, um Godard gaúcho: Como Tizuka Yamasaki, a diretora de Gaijin, Carlos Oscar Reichenbach Filho é gaúcho de Porto Alegre (14/06/ 1945). Com um ano de idade, transferiu-se com os pais para São Paulo. Começou a cursar Direito, mas sua vocação foi mais forte. Foi aluno de Luis Sérgio Person, Roberto Santos, Paulo Emílio Salles Gomes e Anatol Rosenfeld na Escola Superior de Cinema São Luiz. Seus colegas: Ana Carolina, João Callegaro, Mário Chaves e Carlos Ebert. Para inscrever no Festival JBMesbla, começou e não terminou Duas Cigarras. Com seu mestre Person, deixou inacabado o curta documental Esta Rua tão Augusta (concluído em 1969 - JF) e uma paródia de Godard: Pierrot Si Fu, mudo, 16mm (1967). Com Callegaro e o crítico Antonio Lima, iniciou o cinema marginal paulista em 1968, dirigindo o episódio Alice, de As Libertinas. Onze semanas de sucesso no Normandie. Era o Cinema da Boca do Lixo, muitas idéias, poucos recursos. Durou até 1971, quando a censura interditou Orgia ou O Homem que Deu Cria, de João Trevisan. Para sobreviver, Reichenbach virou iluminador dos filmes da Rua do Triunfo. Reinvestiu o dinheiro das Libertinas, rodou outro episódio com Antonio Lima, Audácia' (1969). Em 21 dias de 1972, terminou Corrida em Busca do Amor, calcado nas comédias infante-juvenis da American lnternational, mas com deliberada intenção de paródia e experimentação. Virou ator de raiva e curtição. Havia outro inacabado antes, Guatemala Ano Zero. Com o amigo e sócio lnácio Araújo, produziu
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O pretexto para tais vôos é bem simples. Terras griladas numa praia, uma viúva cuidando de seus direitos com a ajuda de um advogado abilolado (Benjamim Cattan em notória performance), um casal hippie que apenas quer "curtir uma boa" e dezenas de visitas que renovam a agilidade da narrativa de seqüência para seqüência. Todas elas são citações de outros filmes, nos travellings, contre-plongées wellesianos etc., nos diálogos e décor. A citação mais constante é de A Mulher de Todos, de Rogério Sganzerla que, curiosamente, ao assistir a um filme como A Ilha dos Prazeres Proibidos, encontrou-se com Antonio Polo Galante e bradou: "Eu é que fiz esse filme, não o Carlão. Esse filme é meu! ". A piada ilustra bem a situação limite da cri atividade brasileira: nos três primeiros planos de O Império do Desejo pode-se reconhecer Fuller, Welles e Godard, mas o autor em questão é Carlão, imitador que não se limita à imitação. A parábola está sempre presente, revelando um inventor, um cineasta que tem o seu universo próprio, não por coincidência muito próximo ao do próprio mito do cinema de invenção.
e dirigiu mais de 100 comerciais para cinema e TV. 1975 marca o primeiro grande momento de expressão pessoal: Lilian M, que o produtor da Boca subtitulou Confissões Amorosas. Nasce um autor. Mas a censura cortou 30 minutos. Seguiu-se Capuzes Negros, herança do amigo Mauro Chaves, onde aqui e ali apontavam farpas de observação social. 1978, outro grande momento: A Ilha dos Prazeres Proibidos, discussão ética e estética, valores e estilos. Começa o Cinema 'do Corpo, num filme sobre a utopia anarquista. Começa, também, a associação com Roberto Miranda, ator fetiche, alter ego e depois o anti-herói, que surge no curta Sangue Corsário. O Império do Desejo, filme predileto, anarquista, kropotkiano (título original: Anarquia Sexual esse título foi parar em pornochanchada de Antonio Meliande, com seleção musical minha, JF), misto de influências do cinema japonês, musical americano (na trilha sonora), tudo compondo uma poética defesa da liberdade sexual existencial. Outro grande momento de cinema puro é Amor, Palavra Prostituta, que a censura interditou durante três anos, para depois liberar com o corte de uma seqüência capital, na qual o desencantado protagonista lava com esponja o sangue que escorre da vagina da garota que praticara aborto. Nesse ínterim, Reichenbach voltou à carga em Paraíso Proibido, outro filme sobre a utopia. Finalmente, 1983, quinze milhões de cruzeiros e Extremos do Prazer, no qual Gramado resgatou sua dívida com essp. autor singular. Deixo correr também livremente Cozzatti, A existência em questão:
o texto propriamente
de
No período de pré-seleção para o Festival de Gramado, Extremos do Prazer era aguardado com certa expectativa. Todos estavam dispostos a não permitir que se repetisse o cochilo de não incluir Reichenbach entre os selecionados do Festival. Haja visto a não-inclusão, no ano anterior, do também notável Amor, Palavra Prostituta. O filme superou as expectativas e sua indicação foi o fruto de uma unanimidade cúmplice. Apesar das posteriores revelações de Murilo Salles (Nunca Fomos tão Felizes) e Prates Correa (Noites do Sertão), nenhum filme causou tanta perplexidade e entusiasmo. A sensação imediata frente ao originalíssimo relato de Reichenbach era tanto de espanto como de prazer absoluto. Prazer pelo resgate de uma linguagem transgressora dos cânones tradicionais do fazer cinema. Prazer pela reintrodução da discussão existencial a um 90
nível tão radical e provocativo quanto o de um Godard ou de um Rohmer. Tudo está por fazer e discutir nesse filme renovador e libertário. Daí porque o recurso a situações básicas da comédia erótica, dita pornochanchada, que é aliás como a propaganda tenta vender o filme. Que pouco ou nada tem a ver com o gênero, além das aparências oriundas da utilização dos mesmos atores e de um esquema de produção em tudo similar. Mas se o produto típico da Boca do Lixo paulista se limita a confirmar estereótipos e expectativas conservadoras, os filmes de Reichenbach - e este em particular - pelo contrário, tentam uma rediscussão, uma volta por cima, uma subversão do clichê. A situação deflagradora da ação já foi vista em vários filmes paulistas: um fim de semana no campo dando origem a encontros eróticos. Progressivamente começam a operar as diferenças. Luiz Antonio (Luiz Carlos Braga) é um intelectual cassado, viúvo de uma ativista política, que vive recluso na casa de campo que herdou com a sobrinha Natércia (Vanessa). Esta e seu marido convidam Marcela (Taya Fatoom) e Ricardo (Roberto Miranda) para passar o fim de semana com eles. A ação do filme é centrada no triângulo formado por Luiz Antonio, Marcela e Ricardo. A neurótica transa dos dois últimos reacende em Luiz Antonio a chama do desejo reprimido e a lembrança da esposa que retorna em seus delírios. A introdução de dois personagens - a filha de Luiz Antonio e seu amigo teatrólogo catalisará ainda mais os sentimento do trio. Não há soluções salvadoras, não há heróis vencedores. Como diz seu realizador no press-book, Extremos do Prazer é um drama existencial onde se discute alienação, sexo, convicções, psicanális~, marxismo, .liberdade e até .0 próprio filn;e qu~ está sendo realizado. Um filme que questiona tudo, ate a SI próprio. Que avança, célere, entre citações de Kierkegaard, Italo Svevo, Kropotkin, Camus, Henri Michaux, Claudio Willer, para falar de nossa perplexidade, de nosso desamparo, de nossa condição humana, tecida na eterna balança entre Eros e Tanatos. Como o Jogo da Amarelinha de Cortázar ou os filmes de Godardo Extremos do Prazer é um trabalho que admite varias leituras, todas enriquecedoras, e que permitem a cada nova visão descobrir um novo filme. (jornal Zero Hora, 03/04/1984) Em outra ótica, um filme como Extremos do Prazer teria lugar certo em 1969, não fosse o AI-5, mas isso já é matéria para sociólogos visionários.
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Existia o cineasta do corpo: As Libertinas, Desejo, Audácia, Capuzes Negros. Existia o cineasta da alma: Lilian M, Amor tituta, Sangue Corsário.
O Império
do
Palavra Pros-
Existia o cineasta do corpo e da alma: A Ilha dos Prazeres Proibidos, Paraíso Proibido, Extremos do Prazer. Agora existe o cineasta da súmula, transluciferação, viagem mefistofaustica no coração do homem brasileiro: cinema do terceiro milênio, generosamente driblando a chômage dos anos 80. 23 . 01 .85: Carlos Reichenbach, 39 anos o Carlão, que há dezoito anos agita o cinema paulista - está para experimentar nos próximos dias talvez a sua primeira consagração internacional. Convidado a participar do Festival de Rotterdam, na Holanda, de 25 de janeiro a 3 de fevereiro, a previsão de grande impacto foi dada pelo próprio Hubert Bals, o organizador do festival. Rotterdam sempre deu tratamento especial ao cinema brasileiro e este ano também foram convidados os cineastas Eduardo Coutinho e Nelson Pereira dos Santos. Mas para Carlão esta sua primeira apresentação internacional já tem sabor de consagração: o seu cinema, confessou-lhe Hubert Bals, foi o que mais o impressionou este ano, superando os quarenta filmes que ele viu do cinema independente de Nova York, antes de vir fazer sua seleção no Brasil. (Leon Cakoff in jornal Folha de S. Paulo)
importante canal de divulgação do cinema independente mundial, receberam aplausos de público, júri e crítica. (Âmbar de Barros Folha de S. Paulo)
* Uma dúzia de filmes de Nelson Pereira dos Santos (cobrindo o período 1955/84), um raro Carlos Diegues de 1977, o muito bom Cabra Marcado Pra Morrer (1984) de Eduardo Coutinho (prêmio de melhor filme no recente Festival do Rio): o Brasil estava muito bem representado em Rotterdam. Mas foram dois filmes de um cineasta de São Paulo, Carlos Oscar Reichenbach "filho" (Fils), que fizeram o acontecimento. Assim tem início a matéria do crítico francês Louis Skorecki no jornal Libération (11. 12. 1985). Ele destaca os méritos existenciais de Lilian M (1975) e Amor, Palavra Prostituta (1981), os filmes lá exibidos (com legendagem e cópias novas patrocinadas pela Embrafilme), deslumbra-se com a cinefilia de Carlão ("Reichenbach viu seus primeiros Ozu em 1960" ... ), manifesta sua estranheza diante da revelação algo tardia "desta misteriosa Escola de São Paulo" (Boca do Lixo, 1967-71) e arremata: Dizem loucuras de O Império do Desejo (1980), mas evidentemente é a obra inteira de Carlos Oscar Reichenbach (oito longas-metragens desde 1971 e numerosos curtas desde 1968) que é urgente, hoje, exibir na Europa. Para nosso conhecimento, claro, mas sobretudo para nosso prazer.
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'k
20.02.85: Os europeus acabam de descobrir uma coisa que muitos brasileiros não sabem: que São Paulo produz um cinema independente e da melhor qualidade. O interessante é que esta descoberta se dá através do contato com dois filmes de Carlos Reichenbach, legítimo representante de uma geração que entrou para o cinema profissional pela porta das produtoras da Boca do Lixo. A repercussão dos filmes de Reichenbach, exibidos no 14.0 Festival de Rotterdam, certame que sem caráter competi-: tivo foi realizado entre 25 de janeiro e 3 de fevereiro, é uma prova do vigor deste cinema, classificado como pornô tropical pelos europeus e que foge aos padrões do cinema comercial e do Cinema Novo. O inquieto Lilian M (1975) e o angustiado Amor, Palavra Prostituta (1981), os dois filmes do cineasta incluídos na mostra, considerada pelos críticos especializados como o mais·
E assim, enquanto Lilian M e Amor, Palavra Prostituta continuam sendo exibidos em mostras em Portugal Paris Alemanha (Gõettinger) e Londres (Pós-Novo, organização do ~rítico Simon Hartog); Carlão parte para a realização de um projetosúmula; a partir de abril 85: Filme Demência, inspirado no Fausto de Goethe, co-produção Embrafilme, agora com o coração mais que nunca no Brasil, mas com os olhos também no mercado externo.
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Zé do Caixão & Mojica no jardim das delícias
Sob minha axila esquerda, uma família de sapos estabeleceu residência e, quando um deles se remexe, provoca-me cócegas. Lautréamont
o
NATURAL É TÃO FALSO COMO O FALSO. SOMENTE O ARQUI-FALSO É REALMENTE REAL. Estou falando de José Mojica Marins (e eu estou falando de Rogério Sganzerla, a meu ver quem melhor viu Mojica Marins, JF), cineasta do excesso e do crime, que conseguiu fazer duas fitas de terror em São Paulo, criou um clube, uma' revista em quadrinhos, foi romancista, mágico e ator de fotonovelas. Dificilmente alguém no Brasil conseguirá o que ele está conseguindo longe de todos, sem cultura e sem dinheiro. Antigamente eu respeitava os cineastas brasileiros simplesmente porque conseguiam fazer seus filmes. Hoje eu reconheço os que fazem o seu cinema. À Meia Noite Levarei Sua Alma pertence à classe dos filmes especiais: não interessa se é bom ou ruim: o filme é forte. De boa fé, troco vinte anos de cinema paulista pelos vinte segundos em que Zé do Caixão, fugindo na floresta de papelão, perde a cartola, abre os braços, a capa e o peito: a quem pertence a terra? A Deus? Ao demônio? Ou aos espíritos desencarnados? Cada fotograma filmado por José Mojica Marins respira cinema e somente cinema. Tudo é inseguro, pode explodir a qualquer instante, a exasperação domina. Ele ameaça as relações normais entre os atores, entre a câmera e o décor, o diálogo e a realidade. Mojica nunca elege: o melhor ator, o melhor enqua-
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dramento, o melhor diálogo, o melhor momento de filmagem como os autores normais. Se fosse possível imaginar um filme invertido, em negativo - ou diferente como eu pedia no meu Dacumentário então seria Esta Naite Encarnarei na Teu Cadáver. Ainda não sei bem o que é, só sei que Mojica arrisca-se - como bem observou Carlos von Schmidt - entre o tudo e o nada. "Do nada faz tudo, ao contrário daqueles que em cinema têm tudo e não fazem nada!". Ele começou do nada, no Brás, e faz tudo - ao contrano da maioria, porque sendo simples e inculto não tem prevenções em filmar um sonho, um plano-seqüência de nove minutos ou misturar sadismo com piadinhas infames. Daí a mistura alucinante de todos mas todos mesmo - gêneros: em A Meia Noite Levarei Sua Alma as referências vão do capa-e-espada à science-iiction, passando pelo desenho animado e o circo. Divertindo ou apavorando, batendo ou apanhando, fazendo. sexo ou comendo pastel, Mojica promete filmes cada vez mais estranhos e fortes, cumprindo-os com a violência dos grandes solitários. Seu cinema vai por aí e ninguém sabe o que pode acontecer. Em Mojica, o esplendor e a miséria da mise-en-scêne brasileira. Para ser sincera ela deve se confessar espontânea e mentirosa. E tudo é uma mesma coisa ingênua e sanguinária. A Meia Naite Levarei Sua Alma é o filme da exasperação e da criminalidade. Nada mais comovente do que a tragédia que provoca gargalhadas. Carlos Diegues me disse que A Meia Naite Levarei Sua Alma era um filme de terror materialista. Zé do Caixão tem músculos e nervos como qualquer herói do faroeste; seus diálogos são de telenovela; o décor é pobre; a câmera não sai da altura do olho. Mas por que ele se comunica tanto com o público? Eu respondo - Mojica é um homem de espetáculos - coisa rara no atual cinema brasileiro - que possui a segreda da comunicação. Isso ninguém viu. Eu fui ao seu teste de atrizes na sinagoga abandonada do Brás. Vi Mojica bater e ser surrado, fazer uma mulher engolir baratas e beijar uma cobra. O canastrismo serve perfeitamente às suas intenções: dar o show, a espetáculo, mexer com a aventura. Quem é Mojica, afinal de contas? Um místico? Um enganador? Um nazista enrustido? Um narcisista talentoso? Um genial pobre de espírito? Um picareta? Um inculto? Na verda-
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Zé do Caixão: a encarnação do experimental (Arquivo JF/1967)
José Mojica Marins e Ozualdo Candeias (ao centro): Troféu Ribalta (JF/1972)
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Todos gostam de horror: Arnaldo Jabor, Walter Lima Jr., José Mojica Marins e Neville D'Almeida (Ivan Cardoso, Brasília/I978. Reprodução Cinemateca Brasileira)
de, é um homem diferente dos seus filmes. É claro, humilde, tratável - não ligando para nada. Sua originalidade não está nas unhas compridas ou no teste da jararaca: um repórter me disse que Mojica não faz cinema brasileiro, faz cinema do Brás. Seus atores são recrutados na multidão, geralmente office-boys, empregadas domésticas, marginais suburbanos. O Estúdio Mojica é uma sinagoga abandonada, que foi asilo e hoje é o Clube Mojica. . Se anteriormente eu detestava Fellini, depois de conhecer Mojica e de ir ao Festival de Marília começo a ter minhas dúvidas. Situando o cinema brasileiro ao nível do cinema brasileiro, Mojica surge como um dos nOSS03 paradoxos desses últimos anos. A um passo da demência e da genialidade, ele se defende de suas neuroses com filmes. Além de um personagem, Mojica descobriu um caminho; quanto mais realista a atmosfera em que emerge o absurdo, mais absurdo será o resultado. Como todos sabem, o cinema latino-americano tem que ser um cinema radicalmente voltado nesse sentido, aceitando-se enquanto miséria e o delírio provocado pela miséria. No final de contas, Mojica também é um desmis tificador. (Não preciso, nem quero, falar aqui em Murnau e Bufíuel. Não tenho nada com a literatura cinematográfica, não guardo arquivos em casa.) Poderia, por outro lado, dizer que Mojica tem um pouco daquilo que mais amo em Ray, Hawks, Welles, Fuller e certos Godards. Isso, a minha declaração de princípios: FINALMENTE: HA DUAS RAÇAS DE CINEASTAS, EM PRIMEIRO LUGAR, OS QUE CONSEGUEM ESFRIAR E AO MESMO TEMPO SUPER-EXCITAR A NARRATIVA E, DEPOIS, OS OUTROS. (jornal Artes, out-nov, 1967) Em outra oportunidade, a 24 quilates por segundo, Sganzerla escreveria ainda lapidarmente: Se fosse possível conceber um filme pejorativo por excelência, deformação e criação por vocação e natureza num desregramento sistemático de toda sintaxe tabu em negativo então seria À Meia Noite Levarei Sua Alma, ou Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver e o episódio Ideologia de Estranho Mundo de Zé do Caixão. (revista Status, 1977) Mojica Marins sempre alimentou a esperança de realizar um terceiro filme de horror, A Encarnação do Demônio, que completaria uma trilogia com A Meia-Noite e Esta Noite. A meu ver, a trilogia existe desde 1970, quando o gênio total realizou 101
Em O Despertar da Besta, que revi numa sexta-feira, 16 de abril de 1982, ao meio-dia na cabine da Líder, Sérgio Hingst surge na pele de um jurisconsulto que debate a questão das drogas com alguns jornalistas num programa sensacionalista de televisão. Os jornalistas são interpretados nada menos do que por Carlos Reichenbach, Maurice Capovilla, João Callegaro e eu. Continuei achando que se trata de um filme extraordinário, descida aos infernos e/ou paraísos da percepção, cinema do pico e de máximo pique, sugestão, clima, exemplar metacinema nai]. Mojica botou Ozualdo Candeias em cena, usando terno e gravata, sapatos e meias, mas a certa altura o realizador d'A Margem, inimigo do rigor, tira os sapatos e as meias e desce uma
longa escadaria, pisando no macio do fantástico mulherio mojicano. A música foi improvisada ao piano pelo montado r Robertinha Leme, mas Edgar Varese não faria melhor se tivesse sido contratado para fazer a trilha sonora. Sem dúvida é um dos pontos mais luminosos do experimental em nosso cinema e deveria ser vendido em vídeo para estar sempre ao alcance como manual de um cinema de novas percepções, terceiro olho, sexto sentido. "Quem sou eu, não interessa, como também não interessa quem é você, ou melhor, não interessa quem somos. Na realidade o que importa é saber o que somos. Não se dê ao trabalho de pensar porque a conclusão seria: a loucura. O final de tudo, para o início de nada. A coragem inicia onde o medo termina. O medo inicia onde a coragem termina. Mas será que existem a coragem e o medo? Coragem para quê? Medo do quê? De tudo? O que é tudo? Do nada? O que é nada? A existência, o que é a existência? A morte? O que é a morte? Não seria a morte o início da vida? Ou seria a vida o início da morte? Você não viu nada e quer ver tudo. Você viu tudo, mas não viu nada. Teme o que desconhece e enfrenta o que conhece. Por que teme o que desconhece e enfrenta o que conhece? Sua mente confusa não sabe o que procura. Porque o que procura confunde 'a sua mente. E nasce o terror. O terror da morte. O terror da dor. O terror do fantasma. O terror do outro mundo. Agora vê no terror que nada é terror, não existe o terror. No entanto o terror o aprisiona. O que é o terror? Ah! não aceita o terror porque o terror é você." O autor da filosofia de Zé do Caixão é José Mojica Marins, filho de espanhóis, "um diretor brasileiro cinematograficamente autóctone, talvez o único", conforme Gustavo Dahl, que também sintoniza com a maioria ao enfatizar a importância do tipo, pois "Zé do Caixão é um personagem que veio para ficar, tanto assim que parece ter existido desde sempre. Visão interiorana do demônio, cartola, cavanhaque, longas unhas, lúbrico, perverso, estamos diante de um diabo brasileiro, circense. Seu individualismo exacerbado, anárquico, é justa e compreensível reação ao processo de achatamento a que são submetidas as massas do continente latino-americano. Com suas componentes megalômanas e messiânicas, Zé do Caixão atende seguramente a um sentimento revanchista do lumpesinato contra a ordem estabe-
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Ritual dos Sádicos, que esperou 12 anos para ser liberado pela censura e, há mais de dois, aguarda lançamento comercial com o título mudado para O Despertar da Besta. Assistimos ao filme em memorável sessão especial na cabine da Polifilmes e Carlos Reichenbach foi o primeiro a mandar bala no Shimbun: Acabei de ver um filme em sua primeira cópia. O filme mais ribombante feito no Brasil até hoje. Ritual dos Sádicos, dirigido por um tarado mental, um gênio do escrotismo, o maior homem de cinema já surgido no hemisfério Sul, José Mojica Marins. O que o teatro moderno, preconizado por Artaud, o cinema subterrâneo, e os movimentos que se pretendem corajosos conseguiram no decorrer destes anos não chega nem a fazer sombra à importância deste filme único. Ou faremos filmes mais corajosos ou abandonaremos definitivamente o cinema! O homem é fulminante. Samuel Fuller, até agora o mais marginal cineasta independente do mundo, vai fazer pipi de tanto medo ao assistir a esta bomba atômica. Este filme representa o fim do cinema imbecil, cáustico, fajuto. Filme macho, pagão, desavergonhado. A tela narcotizada. Os gênios, virando bestas, hão de comer capim depois de assisti-Ia. Glauber não existe mais. Sganzerla, com o novo e corajosíssimo Betty Bomba a Exibicionista (Carnaval na Lama) (que já vi) vai voltar pro Jardim da Infância. Ritual dos Sádicos é o primeiro filme didático - próprio para exibições em hospícios, conventos, institutos vocacionais de clubes esportivos, festivais de primavera, etc. Olhem: o tarado me violentou, não vou escrever mais. Assistam ao filme, assim que a censura brindar o espectador brasileiro com um balde de bom gosto (se liberá-Ia). É uma daquelas coisas que aparecem na vida da gente uma só vez! (São Paulo Sbimbun, 19/03/1970) o
lecida. É através da manipulação de poderes sobrenaturais que ele se opõe a valores estabelecidos. Sua marginalidade é a mesma de Lampião ou de Cara-de-Cavalo e é vivida pelo povo como liberadora, da mesma forma que o banditismo e o corpo fechado do protagonista de Amuleto de Ogum". "Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver era um filme francamente fantástico. Paupérrimo, feito em estúdio, inteiramente artificial, o filme misturava uma população rural ao arsenal gótico do romance e do filme de terror. Tempestades em cemitérios, blasfêmias, mutilações, monstros, corcundas, candelabros, sortilégios, Mojica evoluía no terreno movediço do terror sem nenhum medo do ridículo e por aí atingia o sublime. A figuração, altamente subdesenvolvida, subnutrida e de má pele, estava por trás, criando o quadro de uma cidadezinha do interior paulista, devolvendo, pela familiaridade com a pobreza, o real ao fantástico. Pois como dizia sempre o velho André Breton, ideólogo do surrealismo, o que há de mais fantástico no fantástico é que tudo é real. (jornal Opinião, 07/02/1975) Por outro lado, o personagem de Zé do Caixão está seguramente para José Mojica Marins como Carlitos para Charles Chaplin ou Antonio das Mortes para Glauber Rocha. E não me parece necessário explicar, basta afirmar com todas as letras: Zé do Caixão é tranqüilamente o mais fascinante personagem jamais surgido em todo o cinema latino-americano, a encarnação do experimental em nosso cinema.
Ebert, thriller na restinga da Marambaia
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Janeiro 85: entre 20 projetos de longas aprovados em concurso da Secretaria da Cultura e Embrafilme, Encarnação do Demônio foi o 21." colocado, passou bem perto: que não seja para Mojica o que foi Rei Lear para Welles. Enquanto isso o gênio do Brás apela para filmes de sexo explícito, mas se redime preparando um livro de memórias.
A pintura é uma poesia que vemos em vez de sentir; e a poesia é uma pintura que sentimos em vez de ver. Leonardo da Vinci
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Allan Dwan (1885/1981, 250 filmes de um rolo em dois anos) disse a Peter Bogdanovich que saía de um filme de Griffith e tentava fazer o mesmo, John Ford era "aquele de óculos" como cavaleiro numa cena de Birth of a Nation/1915, Bufíuel era o claquetista de Jean Epstein em La Chute de Ia Maison Usher/1928, Eisenstein dormia com tudo sobre Griffith debaixo da cama, Welles assistiu a Stagecoach/39 no mínimo 50 vezes, Truffaut assistiu mais de 50 vezes a Cidadão Kane, a maioria dos cineastas do experimental em nosso cinema começou em filmes do Cinema Novo, João Callegaro foi motorista de Roberto Santos em O Homem Nu/68, Bressane assistiu 15 vezes a F For Fake, Julio Calasso Jr. era diretor de produção no Bandido da Luz Vermelha e fazia também o papel de uma bicha de cinema & seria o diretor de produção de República da Traição, tradição sganzerlina, árvore frondosa onde se abrigavam como gangsters Carlão Reichenbach, Antonio Lima, Ozualdo Candeias, Maurice Capovilla. Na sombra, como câmera, estava o autor em questão: Carlos Alberto Ebert, por aí começa a obscura peregrinação do realizador de República da Traição, talentoso exercício fulleriano cuja cópia única dorme nas catacumbas da censura brasileira há nada menos que 17 anos. Entre 1968 e 1971, cerca de 50 filmes brasileiros tiveram problemas com a Censura, enquanto outros 15 não constam dos 107
manuais porque sequer foram enviados para exame. Claro: sempre fui e sempre serei contra todo o tipo de censura, a pior em nosso caso é a econômica e assino em baixo de algumas palavras de Orson Welles: "Se alguma vez os produtores de cinema se organizarem para empreender uma séria oposição à censura, travarão um combate solitário. E fa-lo-ão contra forças poderosas pois o censor está protegido (ou, pelo menos, escondido) pela Igreja, pelo Estado e, pior que tudo o mais, pelo anonimato".
Antonio
Zózimo Bulbul em República da Traição (Fotograma)
Pedro: alucinação
viking (Fotograma)
Em 1969, quando ainda em montagem na velha Odil Fono Brasil, assisti a um rolo de República da Traição: um belo travelling acompanhando Zózimo Bulbul no interior de uma igreja, havia algo de House 01 Bamboo/1955, tipos e signos do bairro oriental de São Paulo, a Liberdade. Ebert me foi apresentado por Sganzerla na galeria Olido, quando O Bandido estava em cartaz. Nunca mais o reencontrei e, para reconstituir um pouco do clima da época, Julio Calasso me conseguiu localizar Claudio Polopoli, que praticamente se exilou em sua casa, aguardando a liberação do filme, "meu INPS". Polopoli é o roteirista e um dos co-produtores de Re.pública da Traição, junto a Anibal Massaini: "Tudo era diversão, cinema ainda era a maior diversão. Não se filmava nenhum plano sem discutir antes todas as suas implicações. O filme divertia antes a nós mesmos. Era uma curtição ... ". Dentes amarelados pela nicotina, continua o mesmo cinéfilo de 1966:
riso sarcástico,
Polopoli
"Não quero apressar nada: o filme foi um investimento, não só financeiro, mas um investimento visionário. A última que sei do Ebert é que ele virou fazendeiro, está no interior de Minas Gerais, tem um projeto de montar um bar que evidentemente será novo décor para os filmes dos amigos". Como O Pornágra]o, de Callegaro, República da Traição pertence a uma estirpe sganzerlina, aproveitando as sugestões jornalísticas, caso das manchetes de 69 que falavam das famosas areias monazíticas. "O que se cogitava na imprensa, nós descurtíamos no filme. Vera Barreto Leite faz o papel de Nadini Verner, mulher de Antonio Pedro, no papel de Lucas Verner, aparentemente um
Antonio
Pedra: cientista da Mararnbaia
(Fotograma)
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biólogo que pesquisa um manjado crustáceo, tatuí. O filme tem uma entidade viking, fantasiada, uma divisão entre passado e presente, lances de clube de escoteiro." República da Traição foi um tributo de Anibal Massaini ao experimental na Boca do Lixo, o que evidencia o seu alto padrão técnico-artístico: agora cabe a ele, ou a Oswaldinho, além de Ebert/Polopoli/Bulbul, recuperar os negativos e copiá-Ia ao menos em vídeo-cassete para fruição geral. Não se esqueçam: foi filmado na restinga da Marambaia, no Rio de Janeiro, bem próximo à mitológica Mangaratiba em que Mario Peixoto rodou/viveu Limite ...
Julio Calasso Jr., magia & transgressão
Reivindico, pois, os filmes fantasmagóricos, poéticos, no sentido denso da palavra, filmes psíquicos. Antonin Ebert fotografando um curta em 1965(Arquivo Carlão Reichenbach)
Artaud
A Boca do Lixo continuava sendo. A Boca do Lixo continuava. A Boca do Lixo. A Boca. Boca. A Boca. A Boca do Lixo. A Boca do Lixo continuava sendo a continuidade da luminosidade. Metáfora do Brasil: Cinema/São Paulo: seu motor: simultaneamente inferno/purgatório/paraíso do experimental continental, cenário de filmes tridimensionais em tela plana e a plena deriva. Transgredindo sempre, lá estavam Homero, Bosch, Baudelaire, Pound, Shakespeare, Goethe, Hendrix, Virgilio, Camões.j José Mojica Marins tinha ensinado: . a sina ensina: A Sina do Aventureiro, 1959, era um exemplo de experimentação solitária como toda experimentação que se preze. Antonio das Mortes, o grande personagem de Glauber Rocha, mantinha encontros secretos com o nosso Zé do Caixão. O melhor do experimental era privilégio: o lado esotérico do Cinema Novo, Graciliano Ramos/Leon Hirzsman, São Bernardo, câmera-caneta. A exasperação implodia, um novo e extraordinário filme psíquico estava sendo realizado por Julio Calasso Jr.: O Longo Caminho da Morte. Só seria lançado quatro anos depois, simpaticamente comentado por Polab Vartuck: Embora ainda não tenha logrado reunir num todo unitário a multiplicidade caótica de suas idéias, Julio Calasso Jr. já se revela, neste seu primeiro longa-metragem, possuidor de um imenso talento. Efetivamente, há momentos de incrível, força 113
poética e notável beleza plástica neste filme underground
(acho que seria melhor
paulista
dizer sempre: de São Paulo -
JF)
marcado pela influência mais inconsciente de Bufiuel. Realizado em 1971, antes, portanto, de São Bernardo, com o qual apresenta algumas semelhanças, também O Longo Caminho da Morte focaliza um personagem da decadência do café: o coronel Orestes (Othon Bastos), descendente dos Orestes, desbravadores do sertão. Mas neste filme simultaneamente realista e surrealista, político e irracional, introspectivo e delirante, a narrativa não flui de modo linear e coerente. A noção de tempo é propositadamente destruída, e as personagens não existem como unidades concretas, mas se confundem e entremesclam, como se não passassem de fragmentos de lembranças perdidas no tempo e no espaço. Orestes é ao mesmo tempo todos os Orestes: o avô, o pai e o filho, sem que ao espectador seja dada uma pista para distinguir um do outro. Suas sucessivas mortes, vistas pela perspectiva de Irene, Zina e Mariazinha - qual delas é a mulher, a mãe e a amante? - talvez não passem de projeções da mente das três mulheres do filme que, por sua vez, talvez existam apenas na mente de Orestes. (O Estado de S. Paulo, 19/09/ 1974) Quanto ao que acho, citando Antonio das Mortes/Zé do Caixão, via Homero, não é nenhuma brincadeira e Rubem Biáfora percebeu: Uma história de poder, de luta pelo poder, de perda do poder. Acronológica com um quê polêmico ou contestatório, de metempsicose, onde a ambição e as falências do protagonista são ou podem ter sido as do tataravô ou serão as de seu neto ou bisneto. Nessa odisséia de uma potestade telúrica, ou apenas latifundiária, acidentes e locais se interpõem, se mesclam, se repetem, ou antecipam numa solução ou numa ambição narrativa que dá ao filme seu mérito mas também seu hermetismo. Num diapasão de carisma narrativo, aliás não procurado para a formação do elenco. A fita teve problemas com a Censura e até agora só havia sido exibida (agosto de 71) numa sessão especial do Museu de Arte do Rio de Janeiro e (22 de setembro de 72) em pré-estréia no cine Belas Artes/sala Portinari. Atenção, exame e apoio se impõem. (O Estado de S. Paulo, 09/09/1974) Debussy dominante na mixagem poética (e não por acaso O Vampiro da Cinemateca teria O Martírio de São Sebastião na abertura e Julio Calasso Jr. num dos principais papéis): é 114 Nas Vertentes, Julio Calasso Jr. filme O Longo Caminho da Morte. Peter Overbeck, fotógrafo predileto (Marjorie Baum)
bom lembrar ou tra excelente linhagem fílmica: transfiguração do Vampyr/32 de Dreyer, sacaneação do Juramento de Obediência/64 de Tadashi Imai, assimilação de Accatone/61 de Pier Paolo Pasolini. Sempre um homem assistindo ao próprio enterro: sintonia visionária. Carlão Reichenbach dissecou o cadáver, digo, o filme, diretamente em sua moviola na Jota Filmes: o exame se destinava fins de 74 ao n." 2 da revista Cinegrafia, que não chegou a sair e agora parece que vai ao ar: "Em 1971, Julio Calasso Jr. queimava os costados no sol de Serra Negra, mais precisamente num lugar maravilhoso perto da cidade, chamado Vertentes. Da mesma geração de Sganzerla, Tonacci, Callegaro, Polopoli e Calasso viviam o mesmo momento de apreensão e desespero que explodia os nervos de todos nós. Sintomaticamente, o cinema. Realizar um filme era o ato redentor. Enquadrar o delírio, a meta. Muitos filmes passaram em telas impróprias. Enquanto se subvertia o espetáculo, em favor de uma terapia moral, interditavam-se filmes e mais filmes em nome da profilaxia política. Cada vez mais os filmes foram ficando legíveis, bem comportados, burgueses, paternos, saudáveis. Cada vez mais gente importante do meio foi se enfurnando em agências de publicidade, tevês educativas, artesanato bem remunerado, teatro de amenidades etc. Alguns foram fazer a América. Outros foram fazer terapia. Casos mais sérios exigiram hospitais e tratamentos espirituais. E, dessa fase depressiva, O Longo Caminho da Morte é o filme mais sintagmático. A magia, naquele momento, a mina.
metamorfose de Orestes. Metamorfose que se realiza de dentro para fora. As terras conquistadas através da força; os laços familiares, a estirpe condenada. Orestes é o pai, o avô, e o filho que não pode ter. Um Zé do Caixão do latifúndio, do poder. Suas ligações com a política redundam em enorme fracasso. O filme se abre com um geral da metrópole de São Paulo, e fecha em zoam para um lavador de carros. Seria um ex-ernpregado da fazenda que veio tentar conquistar a cidade? O painel se abre numa panorâmica de 360 graus no velório de Orestes. Apresentam-se os personagens, enquanto uma cova está sendo aberta na banda sonora. Orestes acompanha seu próprio enterro (cãmera no ponto de vista do morto - JF). OS espíritas e/ou espiritualistas costumam dizer que o morto demora a se convencer de seu falecimento. Sua estirpe, sua própria mortalha. Orestes está vivo em cada uma de suas fêmeas, em cada uma de suas vítimas e em cada um de seus carrascos. Sua morte é tão ambígua quanto sua moral. Suas relações sado-rnasoquistas com a amante Irene, sofridas com a esposa Maria, e inexpressivas com a terceira, não lhe dão o filho esperado. Sua prepotência, sua impotência. Os empregados que volta e meia estão indo embora para a cidade intensificam o seu holocausto.
Visto às pressas o filme é uma colagem de influências mal ordenadas. O objetivo aqui é justamente separar as intenções das interpretações pessoais. Longo Caminho é importante porque aplica as idéias do materialismo histórico muito antes que São Bernardo. É importante porque é tão incisivamente anárquico como O Bandido da Luz Vermelha, sem apelar para os efeitos fáceis. E é único porque subverte a coerência em favor da magia. A mina surgindo dos fantasmas de cada um. Tal como nos livros de Lucio Cardoso, a poeira da decadência e a podridão de amores excusos servem como pano de fundo para a metódica observação psicológica de personagens que o tempo esqueceu. De Lovecraft, Calasso apanhou o mistério, a desgraça e a perdição que vai aniquilando o personagem de Orestes. Sua linha dramática é descrita desordenadamente, fora do espaço mas dentro de um tempo imaginário. A montagem põe em discussão a
Importante: o cenarro, uma casa assassinada, maldita, assombrada. Maria, a mística, zumbi, preocupada com a alma de Deus. Orestes passeia com a amante pela fazenda, senhor da terra, ao som de Wagner. A música supre a falta de diálogo, na apologia do poder, na megalomania. Nesse momento, um plano fixo, longo, exaustivo. Uma confissão, no relato da morte do pai. A nostalgia da morte (um pouco como Miguel Metralha em O Pornógrafo de Callegaro, no caso com Tannhauser de Wagner - JF). O poder e seus pavores. A família condenada viva no último dos Orestes. Um imortal, infelizmente. Corte seco. Ele na cidade, no meio do povo. A estação. Me lembro dos melhores trechos de José Alcides Pinto, grande escritor que muitos leram com preguiça e descaso. Me lembro de Noite na T averna. Irene caminha entre as árvores da memória (via Resnais), enquanto um trecho de Nocturnes de Debussy serve de fundo a um monólogo amargo, onde se confessa um amor sem esperança. No plano-seqüência a câmera passeia pela casa, como se o espectador fizesse parte do ritual. Um ritual onde Orestes é o deus, ou o cordeiro a ser imolado. O fim e o início do calvário. Sua marca impressa em cada uma das pessoas, em cada
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o longo
Caminho
da Morte: Total densidade
poética (Still Marjorie
Baum)
espectador. Não é tristeza o que eu sinto, é um grande vazio, confessa Irene. A câmera: um dos fantasmas da casa enferma. Orestes, conseqüentemente, na trilha de políticos corruptos e demagogos de quinta categoria. Visões de Maria. Alucinações, pesadelos, ranger de dentes, avisos do céu. Fica patente a relação de respeito e. amor do casal, nascidos nos temores de cada um. O pavor da morte do latifundiário vivo nas visões da mulher. A mulher extravasando seus delírios nos lombos dos empregados, e o marido, seus temores de poder no dorso das amantes. Maria: Eu matei Orestes, antes que vocês acabassem com ele. Antes que vocês sugassem a última gota do seu sangue puro. Dissecando dialeticamente seus personagens, Calasso discute as relações mútuas indissolúveis. No misticismo de Maria e suas relações com a Igreja, nas ligações de Irene com a Quimbanda, e a Cabala particular de Orestes, a superestimação dos fenômenos da natureza na doutrina do meio. Água, Terra e Fogo. O Ternário. A decadência do café. Da fé. A ópera. La Bohême. Duzentos anos de martírio. Demonologia. Metempsicose. Uma oração sobre as imagens da matança. Missas de sétimo dia. Subsídios. Empréstimos. Matança. A nostalgia do latifúndio. Orestes ateia fogo à fazenda. O ato final, apocalíptico. Ele está ávido. Tomado". Como o filme não se ressarciu, Julio Calasso Jr. iria gerenciar uma lavanderia automática ou ernpresariar shows e peças
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João Callegaro, strip-tease da linguagem
A ordem é: ampliar
a área da consciência. Allen
Ginsberg
Em tudo por tudo & acima de tudo antes qu'eu esqueça, O Pornógrafo é um filme inconfundivelmente meu, da forma à idéia, da idéia às citações, das citações à estrutura narrativa, enfim, da concepção à realização. Na verdade só assino o roteiro, feito em parceria e não por acaso dirigido plenamente a meu gosto pelo talento de João Callegaro, enjant terrible nascido em Joaçaba/Santa Catarina, por acaso amigo de infância do barriga-verde Rogério Sganzerla, que gostava muito de colocar azeitona na boa empada alheia e afirmaria depois ser o autor do título ... Sem essa, Aranha: naquela época, 1970, urdimos inclusive uma hommage ao Bandido da Luz Vermelha, enquanto seu realizador procurava Jimi Hendrix na ilha de Wight ... Conheci Callegaro durante a montagem de seu episódio em As Libertinas/1968 e logo sintonizamos no que ele chamou de teoria do cinema cafajeste: Cinema Cafajeste é cinema de comunicação direta que aproveita a tradição de 50 anos de exibição de mau cinema americano, devidamente absorvidos pelo espectador e não se perde em pesquisas estetizantes, elocubrações intelectuais típicas de uma classe média. É a estética do teatro de revista, das conversas de salão de barbeiro, das revistas semi-pornográficas. É a linguagem do Notícias Populares e Luta Democrática. E preparem-se os adoradores de Godard, pois o cinema cafajeste já é 123
uma realidade. É o cinema de Rogério Sganzerla e Roberto Santos. Seu valor será contado em cifras, em semanas de exibição. Press-book do filme As Libertinas, setembro 1968. Na verdade, isso não era teoria, senão um ramal do manifesto de Sganzerla, do mesmo mês e ano (ver o capítulo Sganzerla). A diferença é que O Bandido da Luz Vermelha ficou duas semanas em cartaz no cine Marabá contra onze das Libertinas no cine Normandie. Patenteando sua admiração por Hitchcock, Callegaro rodou antes um curta em cima das fotos do livro de Truffaut sobre o o mestre da vertigem. Destaquei-o no Shimbun: No circuito dos curtas, um curto-circuito: O Suspense, de João Callegaro, que aplicou a redundância de Ana (seu episódio em As Libertinas) num jipe velho de guerra para andar nas bocas. Callegaro, anri-intelectual, verborrágico metacrítico (pichador de pichadores/compilador de compilações), empenha-se e/ou exercita-se excitando realidade/ilusão dos próprios filmes, o mito do cinema, o metacinema. Ver O Suspense não é como folhear a filmografia ilustrada de mestre Hitch: Liszt subindo na mixagem, há um grande momento de cinema, suspense-sobresuspense, portanto linguagem crítica. Me refiro ao final de O Homem que Sabia Demais, no teatro, em que o colega Callega desfecha uma dinâmica montagem: Silvio Renoldi na parada, ele que é o gênio na montagem do Bandido da Luz Vermelha. Cinema cafajeste? Deve ser isto: pichação de parede, table top na raça ou a parede rebocada de fotos truffautianas. O texto é didático, uma mancada, mas a estrutura geral é instigante: texto/imagem em desencontro, linearidades em desconexão, mas indissolúveis no conjunto criativo. A fé agora é no Pornógrafo, longa-metragem que Callegão (ou Caligari? ou Calígula?) vai filmar em janeiro. (21/11/1969) Escrevemos o roteiro do Pornógrafo em 15 dias fantásticos na Baixada no Glicério, em meu apartamento que poderia falar muito ... Ao fundo, a trilha sonora de A Embriaguez do Sucesso (Sweet Smell of Success/1957, Alexander Mackendrick), sweet & magic jazz que o compositor Elmer Bernstein jamais superou. Começamos por passar em revista os grandes filmes policiais, de Scarface/1930 de Hawks a O Massacre de Chicago (The Saint Valentine's Day Massacre/1967) de Corman, de Fúria Sanguinária (White Heat/1949) de Walsh a A Lei dos Marginais (Underworld USA/1960) de Fuller, de Inimigo Público (The Public Enemy/1931 de Wellman a Pacto de
Assassinato
ao som de Meu Nome é Gal (Fotograma)
124 João Callegaro:
E agora, qual é o lance? (JF, ltu/1969)
Stenio Garcia e Clarice Piovesan em O Pornógrafo: contre-plogée Wellesiano (Fotogramas)
Deglutição antropofágica do Cinema Noir (Fotograma)
Sangue (Double Indemnityj1945) de Wilder. Como somos da geração que nasceu em 1945 com a bomba atômica de Hiroshima, resolvemos nos concentrar nesse período noir, preparando um roteiro B para o fim do cinema branco e preto em 1970. Tínhamos naquele instante uma fixação em personagens que falam na primeira pessoa do singular. Eu era o gangsterpoeta e Callegaro o gangster da mise en scêne diabólica. Assim nascia o nosso personagem deflagrador, Miguel Metralha: gangster de São Paulo, boçal lírico, filho de emigrantes. Co-produzido por Galante, então associado a Alfredo Palácios, O Pornógrafo renderia o mesmo que O Bandido da Luz Vermelha, ou mais. Não importa. A repercussão crítica foi mínima e tenho em mãos a única matéria jornalística que nos gratificou: só poderia ser de Rubem Biáfora, grande pessoa humana, grande homem de cinema: "Por incrível que possa parecer, dado o seu deliberado, apregoado e evidente diapasão de marginalidade, provocação e cafajestismo, este O Pornógrafo (ainda hoje em exibição no Augustus) é um dos melhores filmes nacionais dos últimos tempos. (O grifo é meu, JF.) Pelo menos é um daqueles em que mais se sente o toque e o domínio de um diretor e, por isso mesmo, representa um significativo passo à frente na carreira de João Callegaro daquele último episódio do inútil e lamentável As Libertinas". O querido leitor deste livro deve saber que fui assistente de direção em O Quarto, de Biáfora, que tive com ele brigas homéricas e tudo salutarmente em torno do que seria o cinema, mistério ... "Mais do que nunca uma obra pautada pelo notório subterfúgio das citações e homenagens que os Cahiers du Cinema inventaram e os nossos cinerna-novistas - que dizem desfraldar a bandeira da descolonização cultural imediatamente imitaram - O Pornógrafo é uma fieira de glosas que a (felizmente) não muito extensa erudição cinematográfica de Callegaro faz a certos pretendidos chavões do cinema, a determinados supostos condicionamentos do público que freqüenta, entusiasmando-se com Cagney, G. Robinson, Bogart, estranhando Caligari e o Welles de A Dama de Shangai, ou dos rádio-ouvintes que há quarenta anos ainda se deixavam levar pelo fatalismo do tango ou, há vinte, pelo drama publicitário que Dalva de Oliveira extravasou em sua criação do Errei, Sim. A história gira em torno de Miguel Metralha, filho de imi-
127
grantes que, perdendo o emprego de redator numa muito r~les revista gastronômica, a fim de não morrer de fome, atrevidamente bate à porta de uma editora de revistinhas clandestinas, onde não só logo se entrosa e chega a chefe, como também se envolve na crise do negócio e encontra o fim que não esperava. O entrecho desenvolvido pelo diretor e pelo crítico Jairo Ferreira é insuficiente no que toca a uma diretriz de contornos mais definidos, a uma significação mais ampla. Mas o óbice talvez ocorra menos por falha de ambos que pelo tipo de opção (atender à voga modernosa) que fizeram, ou à qual as pressões do ambiente os levaram. Mas a inventiva e capaz direção, o brilhante senso de imagem, o tour de force que representa Callegaro ter rodado quase toda a sua fita em apenas um mês na rua do Triunfo, nas suas imediações e no próprio escritório da companhia co-produtora (a Servicine) e com um mínimo de recursos; a perfeita integração entre fotografia (de Oswaldo de Oliveira) e montagem (a cargo do excepcional Silvio Renoldi); e a ironia e adequação da seleção sonora (feita pelo próprio realizador) sobrelevam-se a quase tudo e tornam O Pornógrafo uma das realizações mais pessoais e talentosas aqui feitas nos últimos quatro anos. Sem desmerecer o episódio também marginal de Sebastião de Souza em Em Cada Coração um Punhal, depois de O Bandido da Luz Vermelha e do já menor A Mulher de Todos, de Sganzerla, eis aqui 'uma prova de como poderiam ser perigosos quaisquer cerceamentos, quaisquer preconceitos prévios em relação a uma criação artística, por motivos que não sejam os dessa criação em si mesma, de sua coerência em relação a ela própria".
perjormance
de Edgard Gurgel Aranha como o designer visionário Peter Aster, a minha própria sacada do livro elétrico, o travelling de motocicleta nos baixos da praça Roosevelt (nostalgia da morte ... ) ao som de Wagner /T annbáuser, um primeiro plano lateral de Sérgio Ricci a homenagear o melhor de Akim TamiroH, o carrão noir do Ser afim Soberano, mas principalmente o perfeito remake da melhor seqüência da Dama de Shangai com todos os estilhaços de espelhos anamórficos como Welles nos ensinou. Em suma: O Pornógrafo é um clássico da sintonia experimental na Boca do Lixo:
Estação da Luz depois da meia-noite Uma tragédia em cada rosto refletida Passam vidas pelas ruas, passam lágrimas No silêncio da cidade adormecida. Estação da Luz depois da meia-noite Em cada esquina uma sombra indefinida A chuva na calçada, o tempo frio E os meus olhos encontram os teus desconhecida (Estação da Luz, tango d~ Herivelto na antológica
Martins gravação de Nelson Gonçalves)
(O Estado de S. Paulo, 09/06/1971) Como O Bandido da Luz Vermelha,
O Pornograio é um filme talhado para a televisão ou no mínimo vídeo-cassete. Como Howard Hughes, o excêntrico e milionário produtor de Scarlace, Callegaro passaria o resto da vida assistindo-o em salas especiais, não só porque depois ficaria também milionário fazendo filmes publicitários da melhor estirpe, se é que essa área merece registro. Na verdade, há tempos vem ensaiando a volta à tona num segundo e sempre adiado longa-metragem .. Quanto a mim, continuo em êxtase perante a função humana, admirando sempre mais o exemplar uso· da gran~e angular em trauellings no escritório do -Galante, a extraordinána interpretação de Stenio Garcia (ao nível de Marlon Brando em O Selvagem / The Wild One, 1953, Lazlo Benedek), a deliciosa 128
129
e David
Nasser,
JS Trevisan, catedral do hedonismo
o
poeta se torna vidente por um longo, imenso e sistemático desregramento de todos os sentidos.
J ean-Artbur
Rimbaud
A estrutura estética de um filme visceral como Orgia ou o Homem que deu Cria/1970 é simplesmente linear, mas representaria um verdadeiro empuxo na linguagem cinematográfica da época. Num lance hedônico/agônico, o jovem cineasta João Silvério Trevisan se expressaria melhor em literatura (Testamento de Jônatas deixado a Davi/1976, contos; As Incríveis Aventuras de El Condor/1979, romance juvenil; Em Nome do Desejo /1983'"', romance em homenagem à mística poética de San Juan de Ia Cruz; Vagas Notícias de Melinha Marchiotti/1984, super-romance, talvez seu Ulisses, e muitos outros projetos em andamen to). Fiz de tudo em Orgia: assistência de produção e direção, still, ator coadjuvante. Teria muito a contar sobre as filmagens, uma das mais heróicas da época, mas vou aqui abrir mão do lado memorialístico em favor da estética. Pulo direto: em 1971, o filme foi exibido na mostra Novos Rumos do Cinema Brasileiro, organizada por Cosme Alves Neto da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro: veio à tona um desesperante texto de Trevisan que passo a transcrever (depois será bom confrontá-Io com semelhante documento de Andrea Tonacci, que lá também faria uma exibição de seu extraordinário Bangue Bangue/1971): " Reeditado
em 1985 pela Editora
Max Limonad.
o
cinema só morreu pra quem um dia o colocou num pedestal como eu. Coisas de aprendiz de feiticeiro. O tiro saiu pela culatra, e eu acabei fazendo um filme. Meu espetáculo (meu universo ficcional) tá aí pra que os entendidos vejam. Se alguém quiser saber, eu ainda sou daqueles que fazem cinema pra falar do desespero que não entendo. Sou ainda mais retrógrado porque falo de um desespero com causa. Falo como um louco num hospício. Falo, quando ao meu redor a consciência expira orgasticamente e nossos olhos estão mortos. Acho que um homem tem não apenas o direito mas o dever de pensar. Acho que os modismos não conseguiram me convencer. E aproveito pra acusar minha geração que compra o inconformismo fabricado nas agências de publicidade e vendido nos supermercados como se tudo fosse muito bem. Saúdo a podridão daqueles que estão abrindo mão de tudo, em nome de sua tranqüilidade pessoal, num tempo onde a neurose em massa é inevitável. Saúdo os traidores (os da badalação intelectual), que vão pros festivais jogar cartas à beira da piscina, tomar sauna no hotel chic e receber aplausos enquanto vendem o folclore colorido. Saúdo as casas de teatro lotadas aplaudindo o inconformismo de Brecht, que botou aquele pensamento edificante pela boca de Galileu Galilei: Infeliz o país que tem necessidade de heróis. Os surdos não ouvem mas batem palmas. saem do lugar na base da porrada.
E os burros
só
Amo apaixonadamente meu filme. Não se trata de curtição. Amo simplesmente porque minha consciência tá lá em cada plano, e ele respira o meu tempo. Não obstante, cinema pra mim é um fato acidental e circunstancial. De resto, lamento que só o deserto não venho dizendo nada de novo. Os delícia.
românticos
A propósito,
estão
condenados,
você também
me ouça. Afinal,
e a civilização
é entendido?
~': ,':
134
eu
é uma
Orgia foi logo interditado pela Censura, mas a partir de 77 tem sido exibido em sessões especiais ao menos uma vez por ano. Já poderia ser liberado há muito, mas como outros filmes da época deixou de ter interesse comercial (inclusive porque foi rodado em branco e preto, aliás uma belíssima fotografia de Carlão Reichenbach). Em junho/1971, eu trabalhava como redator/editor na revista Etapas e publiquei extensa/intensa matéria sob o pretensioso título de Cinema Experimental, Industrial, Intergalaxial, da qual reproduzo trechos: O filme acompanha a trajetória de um grupo de personagens representativos ou não da chamada civilização brasileira ... rumo ao ignorado. Uma peregrinação rimbaudiana em direção ao desconhecido, uma devastação de nossas selvas poéticas. Sem motivo definido, um garotão caipira (Pedro Paulo Rangel) mata seu pai (Ozualdo Candeias) e sai andando a esmo pelas estradas de terra, encontrando pelo caminho outros personagens aparentemente desvinculados de uma realidade objetiva. O garotão, que nunca tinha sido outra coisa senão um burro de carga de sua família, funde a cuca e se torna um abobalhado ao encontrar outro andarilho (Fernando Benini). Juntos vão encontrando pelo caminho outros personagens-síntese: um padre, uma prostituta, um cego tocado r de gaita (Zé Fernandes), um cangaceiro grávido (Walter Marins), uma baiana travesti, uma dançarina de teatro de revista, um anjo caído numa árvore, entre outros. Vai se formando um grupo, uma espécie de comunidade, tribo à deriva. Estão todos caminhando para algum lugar. E mil e um incidentes vão acontecendo. Um dos personagens mais curiosos é um crioulão gordo e velho, sentado numa cadeira de rodas e se intitulando rei do Brasil... e o anjo é que empurra a sua cadeira. A essas alturas, do meio da mata virgem surgem dois índios que procuram o vale do Anhangabaú, Araraquara, Guaratinguetá. A comunidade andarilha aumenta: no total são quase trinta personagens. Quase ao final há um banquete dos mendigos em que tudo vai acontecendo numa grande liberação de todos os sentidos. Saciada a fome, eles seguem em direção à cifilização. Bem do alto de uma colina descortinam São Paulo no horizonte da poluição. Evidentemente dão um grande salto sobre o abismo. Caem num cemitério. Tem início um ritual selvagem durante o qual o cangaceiro grávido dá a luz uma criança. Os índios, como bons antropófagos, abafam o
135
P rsonagens de Orgia, antropofagia On the Road (Still JF)
primeiro choro do rebento e começam a dançar uma valsa tristíssima, numa desmunhecação que escandalizaria José de Alencar e a virilidade de seus índios ... ,',
Em 1973, Paulo Emílio Salles Gomes era professor de cinema na Escola de Comunicações Culturais da Universidade de São Paulo e publicou no Jornal da Tarde a crônica que transcrevo: "Estamos estudando na USP Orgia ou o Homem que deu Cria e há uma coisa que ninguém entende: por que esse filme pronto
há três anos ainda não foi liberado
pela Censura?
Não sabendo o que responder interroguei o autor, João Silvério Trevisan, e descobri que sua perplexidade é igual à nossa. Os produtores mandaram a fita para Brasília, exatamente como todos os outros fazem, mas para começo de conversa parece que a cópia andou se extraviando pelos serviços federais durante meses. Pelo jeito acabaram encontrando e aí escreveram um ofício a respeito para os responsáveis da obra. O papel levou quase um ano para chegar em São Paulo e não esclareceu nada.
Antonio
Vasconcelos,
ator único num filme singular (Still JF)
Eu li o curioso documento. O censor responsável pela tarefa é mais vago do que nós, cronistas cinematográficos, e isso na profissão deles é ainda mais grave do que na nossa. Há uns dez anos, quando tive alguns censores como alunos nos cursos de extensão da Universidade de Brasília eles não eram assim. Alguém lembrou que a Censura não aprecia títulos provocativos em filmes nacionais, mas isso era antigamente. A fita de Trevisan não contém, aliás, nenhuma orgia propriamente dita; muito menos, em todo caso, do que no cinema geral do nosso tempo. E quanto ao homem que deu cria, um cangaceiro, ele e o episódio não têm maior importância na economia dramática da obra. Tudo começa com as ações de uma espécie de play-boy do mundo ocidental, incomparavelmente mais rústico do que o de Synge. Diferentemente, porém, do que acontece com o Irlandês clássico, o personagem de Trevisan realiza plenamente seu intento, e depois de assassinado o pai parte para o mundo, liberado e sem importância. O filme não é a estória de ninguém. mas de um cortejo que se constitui paulatinamente nos campos 138 Jean-Claude
Bernardet:
a força ou a forca?
Intervalo
de filmagem:
JS Trevisan, Sérgio Couto (JF)
e se dirige para a grande cidade. A primeira pessoa que o jovem encontra é um fugitivo de penitenciária, mas o personagem seguinte, um intelectual, não será integrado no grupo em formação. Os livros - depois da utilização higiênica de algumas páginas são queimados e o leitor enforcado. Um travesti carrniranda, perseguido pelo ardor mas 'ulino em meio aos tufos de vegetação silvestre, é protegido e incorporado. Um anjo de asa quebrada conduz todos ao presidente, ou rei, ou ainda, quem sabe, um deus paralítico e tartamudeante. Um padre será sacrificado mas o coroinha recuperado. O universo não cessa de se enriquecer com índios, prostitutas, um artesão de bombas, o cangaceiro ... O cortejo caminha, festeja, progride mas, a partir do encontro com os primeiros arautos da grande cidade, a vitalidade declina. Contei um pouco a fita porque quase ninguém a conhece e para criar um terreno mínimo que autorize um comentário inicial, necessariamente sumário. Gostaria de escrever mais sobre essa fita. João Silvério Trevisan passou anos no seminário e outros tantos na Cinemateca e suas blasfêmias contra a religião e o Cinema Novo não são frívolas. Os teólogos e os exegetas reconhecerão nela alguém que se situa nos antípodas do pecado maior da indiferença. Tudo nele vem muito do fundo, às vezes com um ardor de lavas. . Numa primeira aproximação universitária procuramos distinguir as diferentes faces de Trevisan, a artística, a pessoal, a nacional, mas é difícil. O que deve à população primitiva anterior à invasão maiorquina, ou à terra sem pão de Bufiuel, a biografia, a visão brasileira, tudo se integra num pátio-de-milagres carnavalescos e cruel que percorre sem descanso uma paisagem medíocre e familiar. Muitos filmes recentes perseguem a tradição de nossa cultura popular urbana. Trevisan a levou para terras áridas e vibrantes, dando uma raiz nova para nosso rebolado, nossa pintura clássica, a nossa chanchada, nossas aspirações e nossa história. Eu falei aos alunos em cosmogonia brasileira, citei Macunaíma de Mario e por enquanto não abro mão". vc
* * Pátio-de-milagres carnavalescos, define Paulo Emílio. Poderia ter falado também em neo-chanchada ... da alma: o romance Em Nome do Desejo/83 seria nesse sentido um exorcismo 141 "'" plcn
If
ilmn em: Carlão Reichenbach,
JS Trevisan e eu (Percy)
poético chave na obra geral de Trevisan. A verdade é que ele terá- que fazer novos filmes, pois à maneira de Pasolini é um homem de literatura que tem no cinema o seu instrumento de profecia. Assim como perambulou por quase toda a América Latina, Europa e alguns Estados norte-americanos entre 1973 e 76, JS Trevisan passa agora uma temporada na Alemanha, acompanhado de sua fé identificada com desesperança, "uma coisa só", conforme um personagem de Stalker, o estranhíssimo filme de Andrei Tarkovsky. Na bagagem, muitos projetos, destacando-se um roteiro sobre o terremoto emocional & libertário Bakunin/ Netchaev e uma fulgurante adaptação do Bom Crioulo, de Adolfo Caminha. Mas o hedônico sabe que a obra de arte mais importante é a própria vida: que viva mil anos, ó agônico! Novembro 85: Já de volta visan trabalha em sua peça teatral na figura de Antonin Artaud & ao mesmo tempo em que conclui Max Limonad, 1986), um ensaio a vivência homossexual no Brasil atuais.
São Paulo Shimbun, resistência crítica
ao Brasil, João Silvério TreHeliogábalo & Eu, inspirada seu personagem Heliogábalo, Devassos no Paraíso (Editora histórico/antropológico sobre desde a Colônia até os dias
Tínhamos o teatro (Griffith), a poesia (Murnau), a pintura (Rossellini), a dança (Eisenstein) e a música (Renoir). Agora temos o cinema. E o cinema é Nicholas Ray. Escrever já era fazer cinema, porque entre escrever e filmar há uma diferença quantitativa, mas não qualitativa. [ean-Luc
142
Godard
Este capítulo não é exatamente uma seleção de textos que publiquei sempre às quintas-feiras num dos jornais da maior comunidade japonesa fora do Japão, o diário São Paulo Sbimbun, entre 1966 e 1972, graças ao apoio total de Mizumoto Kokuro, um de seus proprietários e então lançador de filmes japoneses do estúdio Nikkatsu numa sala que funcionava no bairro da Liberdade, Não se trata também de uma pequena antologia. Acho que o melhor é encarar a monstruosidade como tentativa de aplicação do paideuma poundiano (a ordenação do conhecimento de modo que o próximo homem (ou geração) possa achar, o mais rapidamente possível, a parte viva dele e gastar o mínimo de tempo com ítens obsoletos Pound teria colocado não só a crítica mas a arte de seu tempo em palpos-de-aranha & no Shimbum entrei-nessa-saindo-dessa). Estilhaços de uma verdadeira síntese ideogrâmica, não raro vista com outros olhos. Crítica criativa: crítica poética: crítica de invenção: sintonia experimental, visionária & intergalaxial em nosso cinema. Antes de qualquer coisa, As Cariocas é mais uma prova decisiva da maioridade do cinema nacional. Superados os problemas da etapa produção/direção surgem os obstáculos mais graves: distribuição/exibição. Quando essas duas conseguem
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Ex-crítico do Shimbun, Orlando P.arolini foi ator e co-autor do curta Via Sacra, que ele tratou de destruir fotograma por fotograma durante as paranóias de 68 (StiJl Selda VaJleda Costa/ I967)
Boca do lixo: Jairo Ferreira, Antonio Lima, João Callegaro, Carlos Reichenbach, Ozualdo Candeias, JS Trevisan, Renato Grecchi (Kinjô/1970)
estar em harmonia, o filme brasileiro se torna sério concorrente do filme estrangeiro. (27/10/66) Penetrar na obra de Shoei Imamura é investir em energia humana. (24/02/67) Em recente entrevista a uma revista européia, o ator Toshiro Mifune declara que o cinema japonês está à beira do suicídio. E acrescenta que a solução está nas empresas independentes. Assim, um dos grandes filmes aqui exibidos ano passado, As Quatro Faces do Medo/Kaidan/64 de Masaki Kobayashi, era uma produção independente distribuída pelo Toho. (06/04/67) O que importa, num sentido imediato, em Miyamoto Musashi, o extraordinário cíclico, é o caráter pacifista que lhe deu o genial Tomu Uchida. (18/05/67) Diretor abalizado, Luis Sérgio Person despojou O Caso dos Irmãos Naves de muitos erros típicos no cinema brasileiro. Fazer uma fita como essa é derrubar obstáculos. (15/06/67) Ninguém poderá negar que vivemos todos com a cabeça repleta de imagens e frases de toda espécie, captadas não somente pelos sentidos tradicionais, mas por um sexto ou sétimo sentido. (13/07/67) A propósito de Os Dez Aventureiros de Yasushi Kato o genial argentino Jorge Luis Borges deve ser colocado na ordem do dia. (05/10/67) O espírito da tragédia cabocla proveniente da música de Teixeirinha, eis o filme que bateu todos os recordes de bilheteria na história do cinema brasileiro: Coração de Luto. (07/12/67) O diretor japonês Shoei Imamura chegou a dividir o corpo humano em classes sociais: acima, a burguesia, e a plebe ignara na parte inferior. Nessa linguagem, As Libertinas é o cinema do umbigo, pois denuncia o cafonismo da classe média que, segundo Roberto Santos, vai ao litoral com o firme propósito de ter uma aventura sexual. (19/12/68) Maurício Gomes Leite, que começou como crítico nos anos 50, realizou A Vida Provisória como se estivesse escrevendo no Jornal do Brasil, e de fato continua aí, de óculos e fumando muito, como Godard. (04/09/69) O cinema-de-autor, nos moldes do Cinema Novo, acabou. Chegamos ao cinema impessoal, porém direcional. Cinema é direção, isto é, invenção, ilusão, magia. Chegamos ao tempo do cinema crítico - metacinema. (16/10/69) Viagem ao Fim do Mundo, de Fernando Campos, tem as ~ 147
Festival de Brasília: foram excluídos, entre outros, Barão Olauo, o Horrível, de Julio Bressane, Sangue Quente em Tarde Fria, de Fernando Campos, Jardim das Espumas, de Luiz Rosemberg Filho e Piranhas do Asfalto, de Neville D'Almeida.
maiores dicas do cinema brasileiro: Soy Loco Por Ti América e mísseis caindo ... Cuba é um câncer? O câncer é uma república independente dentro do organismo, mas qual o sentimento continental do corpo? (04/11/69) Gamal, o Delírio do Sexo: João Batista de Andrade fez o filme que estava como uma bomba dentro de sua cabeça prestes a explodir: brechtiano no método, é um filme pessoal a nível instintivo: o bicho parido é mesmo monstruoso. (19/03/70) A visão luckacsiana de JB de Andrade/Gamal redundou no irracionalismo fascistóide. Foi um dos primeiros sintomas da endemia cinematográfica nacional. (25/06/70) Metalinguagem é a consciência do beco sem saída, e o vigarista Polanski levou a melhor com Cul de Saco (06/08/70) O Cinema Boca do Lixo não é um movimento gregário, razão pela qual não tolera demagogias e/ou teorizações de porta de botequim. O Lixão é apenas um back-ground onde se reúnem os jovens cineastas de São Paulo, independentes ou marginais. Não começa coisa nenhuma onde terminou o Cinema Novo. É anti-ideológico, renega éticas e estéticas até então conhecidas e está explodindo como um fato nunca visto. (03/09/70) Jairo Ferreira, que no momento se encontra em Minas, trabalhando na produção de Schubert Magalhães O Homem do Corpo Fechado, dirigirá em Londres um documentário sobre Jimi Hendrix para a CBS, patrocinado por uma fábrica de tranqüilizantes. Mareio Souza, depois de rodar a super-produção Galuez, Imperador do Acre, irá para a Espanha dirigir a nova versão de Manon Lescau com Ornar Sharif. (Machado Penumbra, 01/10/70) Cinema é uma bandeira tremulante, um rio que corre manso lá na serra que ainda azul a no oriente (horizonte). Ninguém te segura, cinema barato, ninguém te segura! (João Batista de Andrade, 08/10/70) Volto a São Paulo e encontro meus colegas à beira da loucura. JB de Andrade, que terminou seu novo longa, Paulicéia Fantástica, atacou aqui com O Delírio da Boca, Carlão falava do desespero do cinema carioca, enquanto Mareio Souza reutilizou o pseudônimo Machado Penumbra, de Oswald de Andrade, anunciando que os cineastas da Boca deixavam o País. Foi depois da morte de Jimi Hendrix que eu fiquei sabendo que estava em Londres, dirigindo um documentário sobre o genial guitarrista! ... Aí fiquei sabendo que o cinema da Boca tinha acabado. (29/10/70)
Nada mais anti-crítico que fazer crítica aos críticos. Cansei de metacinema. (06/05/71) Pois é, tanto faz filmar como não filmar, importante é pensar, pensar hoje para explodir amanhã. (01/07/71) Louvado seja o santo profeta Luis Bufiuell (Márcia Souza, 09/09/71) A crítica antes de tudo. Uma crítica intergalaxial. Uma crítica que ninguém vai entender, mas que é. verdadeira. (14/10/71)
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Conclusão:
o único exemplo
de coragem
incluído na seleção, foi incompreenentre filmes insossos.
Caoeirinba, My Friend, de Álvaro Guimarães, dido
pelo público
por estar deslocado 17/12/70) Ator não olha no visor. Fede na frente da objetiva. E enche o saco nos bastidores. (18/02/71) A Herança é uma saborosa crônica de costumes rurais, com dados poéticos estranhos e dignos de estudos mais detalhados. O falecido cineminha político não tinha nada disso. Algo de novo está surgindo, e vem das entranhas de personagens como os de Candeias. Daqui a 20 anos saberemos o que é. (04/03/71) . Um continuista e/ou uma script-girl tem que saber tudo: o número da emulsão, a metragem do chassi, quantos metros de filme rodou em tal plano, qual a tomada que o laboratório deve copiar, o número da chapa ou página das folhas de continuidade, a direção em que os atores olham, se os atores saem do quadro pela esquerda ou direita, milimetragem de objetiva, abertura do diafragma, as distâncias que o foquista percorreu, se usou filtro ou não, se a maquiagem de ontem está igual a de hoje, se o sapato de ontem é igual ao de hoje, se o ator estava com óculos ou não, as posições iniciais e finais dos atores, as falas exatas conforme foram filmadas, ete. Para tanto deve usar uma máquina fotográfica tipo polaróide, um gravador mini-cassete para fazer som-guia, bem como ter noções de desenho para mapear o cenário e objetivos em geral. (18/03/71) Elyseu Visconti mostrou o seu Os Monstros de Babaloo aos comerciantes da Boca. Asco geral. Só Reichenbach gostou. (08/04/71) (Eu só iria ver e gostar em 78, Brasilia, mostra
(Carlão Reicbenbacb,
Horror Nacional -
JF)
Um curta-metragern dir-se-ia antológico: Bárbaro e Nosso, homenagem e curtição em torno de Oswald de Andrade. A realização é de Márcio Souza e Ana Lúcia Franco, que fuçaram o arquivo de Primo Carbonari procurando imagens adequadas para enriquecer a Paulicéia Desvairada. (04/11/71) Agora aprendemos a ler/ver, revelar/relevar, rever/reler com olhos livres. (06/01/72) Era preciso filmar como se fosse Poe escrevendo O Escaravelho de Ouro, CarroU Jaguadarte, Rimbaud Alquimia do Verbo, MaUarmé Lance de Dados, Oswald João Miramar, sim, era preciso filmar como Haroldo de Campos & os poetas concretos tecendo textos texteis, textítulos e textículos, Confúcio reduzindo três mil odes a trezentas, Charles Peirce serniotizando, Jakobson e a lingüística estrutural, e nem era preciso que Pedr' Alvares tivesse descoberto o Brasil. Bastava que Pelé tivesse inventado a bola. (13/01/72) Em seus estúdios da Moóca, Mojica Marins continua recebendo centenas de sapos, rãs e pererecas. Uma calamidade. Ele pede que ninguém envie mais batráquios e está construindo um viveiro em outro lugar, onde tratará adequadamente desses atores de sua super-produção Os Sapos. (20/01/72) Calma, senhores conteudistas, que guaraná ainda não é coca-cola na cloaca tupi-guarani. (27/02/72) E as araras retornavam à terra: Márcio Souza, Roberto Kahané, Djalma Batista, Antonio Calmon e Carlos Frederico, os intrépidos representantes do cinema amazonense que pastavam à margem nas grandes metrópoles poluídas. (Machado Penumbra, 03/02/72) Qualquer avanço será metavanguarda. (10/02/72) O Conformista, de Bertolucci: uma aula de cinema esteticamente político. (17/02/72) Atenção, senhoras e senhores, antropófagos de estruturas: saudações odontológicas! Dente por olho, olho por dente. Os Discos Voadores Estão Entre Nós é um filme de Berilo Faccio que irá abrir a cuca de muita gente no decorrer do ano. Pânico na província intergalaxial. A palavra lancinante: ideograma fílmico. O Cinema Abstrato (Cinema Novo/Experimental) vai ser engolido pelo Cinema Concreto que vem aí. Subverter estruturas é se tornar patológico, criar a partir do marco zero, reaglutinar os media em mosaico. Novas emulsões/ emoções elucidativas. Happening intergalaxial: psico-filmes magnéticos. A meta é a interpenetração dos veículos num interminável traveUingrua labi150
DIr. Re8ponsll.vel:
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19 de Março de 1970
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,. no. 1aco. '1nominada :U!). 41 obtlI. &SUl 'da \h&da. deUwperflcle JIleIra. IA ". v4zla.s lia do utlaa ", (areia. r praias) e de onda ;ar a crllot&
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rem. conaltUl um ponto ch •.ve. Cem &se obJetivo. uma cOmpaoIçlo de "bOnltel" é. bluIlcamente. dlv1~lda em 10 partes iguais. do !lI'1me1ro ao últ;.m., plano e ••••• parte3 "'0 "4II'upada.a em paslç6eB que permitam vlata próxima. m4ldia e cUatante. Por ezemplo. ••• montanhas constlt.uem um cenl\rlo distante. uma praia. uma v1eta 11. médIa dlatAncla. foDIbaa conatruida.o de "}gedotauchi ". Pw.. formar.,... nl\r1o pról<1mo. eepalha-ae a areia azul para representar a praia. &d1clon'ando-ee arei. br"",ca paza slmbollnr a crlata da onda que d~ H 8~ro~ A "bonkei", &0 contrâ.r1o da "1kebana". arte do arrU!J
Ia no Japão por Bunzo KIe em Tó1.0 HoepI!irJ )jeta4l> por 3). O re8' !1m Nagoya ,I a oportuo rerln!l., japonésa. .ora ta
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Inter.pretação pecuIlarm.ente JapolJfsa: Primeiro. o a.rq.utt.eto fe'lJ.st.roado. que pode exercer Iívremsnte essa IPl'Oflsslo. inclui um grande r.úmero de engenheíros eletrônicas. mecânicos e de estlllltura. que tomam parte no projeto de construção. Enquanto. nos EstlV C03 unidos. os engenheiros. em ccmparação com os arquítetoe contam aprcxímadaeiente na. proporção de' dez para um. no Ja{'ii.o. os enaenhelras Iícencíados por Lei sub.s>equente 11. Lei de AJo QUltetos. de ll1SO. tota1lzam escassamente um m1lhar. NAo se levando em conta os engenheiros IlCEIllCli!.do.sno aentldo nIpOn1co da .pala.vra. 1>r'QUltetoono lIIlnWo
DIr. Redator
Chefe:
.boID.' Alt~·~Crt 7o.eO Meio Alto NCrS 40.00 Altand. Min. NCrt 10.00
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O Tarado. Uma Explosão AA:allei de ver um filme. em sua 1·- cópia. no laboratório. O ~Ilme mais rlbombante feito DO Brasil até hcje , Ritual dos Sádl· dirigido por um tarado mental. um gênio do escrotísmo. o maior homem de cinema Já surgido no hemJs.férloo sul. José Mo~Jlca MarJ.".!!. O Q'Ue O teatro moderno preconízado por Ar~a.ud, o cinema. suoterrãneo, e os movímentes que se pretendem corajo!·C3 ccnseguíram no decorrer dêstes anos. não -chega. nem a fazer wmhra 11. ImportAncla dê!lte fllme único. Ou I aremos filmes mais corajosos OU Glbandonem05 defin1tívamente o cinema I O homem é fulminante. 6amuel FuIler. ·até l4Iora o mais marginal cineasta Ir,dependente do mundo, 'vai faiplpl de tanto m.ê:10 ao assístlr a esta bO'lllb& at6rn1<:a. l!:ste ~JJ.me representa o. fim do emema Imbecil. col.lIStlco. r•.juto. FIlme macbo, jlIIl4!ão. desa.vergonh9.do. A telé. narcot1zadA. 00 gênlos. virando be:sto.B. hão de comer capim. depoliS de 8S!lat1-1o. Oláuber não ex1S'te mais. Bganzsrta. com o nõvo e cora}06ko!lmo Be~ty Bomba .(que JI!. vi) vai voltar p'ro Jardim de InfAncia. 811••••1 d ••• Sid1e •• é o 1.· fUme dUátl::o - próprio para exibições em nospícíos. conventos. institutos vccactonals. casas de detenQã.o e de tolerância. restinhos privadas. diretorias de clubes espornvos. resttvaís de prtm •.vera..
c..
z,,",
.te. Olhem: o tarado me vIolento.u. não vou escrever maís. Assistam se. IlIme. a.sslm que a Olnsura trlndar O espectador braaileíro com um balde' de bOm gôsto (se Iíberã-Ia) . 1': uma daquelas coisas que aparecem na vida da gente urna só vezl csracs
OsCIlo\' Re'c'henbach
Filho
Um ate.9tado de óbito do Cioema N6vo. o 1.' lllme não-ídentíflcado. wn m..,Ltesl.o contra o fixo. o estl!.veL uma violentação do padronIZado: GamaL O Delírio
do Sno. A lnovaçAo sempre f •• tol'cer o nariz. Provoca um repúdlo ínsttntívo. só cUltl'Vado pelos condicionados (todo mundo é neurétíco: Quem ainda MO fundiu a cuca ou é uma besta ou um gênio). JoAo Batista de Andrade Mz o filme que estava como uma bomba dentro de sua cabeÇa preste> a ex;plodlr. f: o Qlle se pode cbamar estopím de alguma coisa. um antí-cínema. e talvez seja melhor nem falr.r em nõvo movimente. Revolud,;nârlo como Pl'O' duçAo (,foi filmado em U dias I) • tem uma II!bordagem caôttca da próprta desordem. não .esccndeado que 101 ímposstvel evitar o 'm1metísmo. E &final uorgan1za.r" o caos é coisa de estruturalistas imbecis. Brechtlano no método. Batista lêz um Ulme peasoal em nlvel instlntLvo: O bicho parido é mesmo monstruoso. Requintar o monstro 6 coisa que a.té o 00d..-d se recusou. A rnlIotérlll. que espirre em bruto na. cara da platéia.. Muito aberto. Gamal beira. a indellnli;ão. De fato. num pesar dêlo as coisas não são claraa. além do Dt!ede ser mestre n.o Jôgo das contradições. mas ninguém (nem êle) falou nisso: os 3 a.ná.rquJoos serla.m agentes da dlalétlca caotízada, ALl coísas não se ·modificam. passaan por uma. met.a.moriooe Que não se sabe aonde vai dar. se é que w.t d ar . As alegorias Jorram como numa alucinação. não foram poremeditadas. A bomba e"'i>lo:Uu. E~..';anão é a I.'. nem a. 2.·. e oUr tras virão - é u.tIIA neces&ldade vital. JAmo FEBBEIBA
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ríntico. Movimentação intra/extra sensonais variáveis. Rumo às estrelas, com muita pressa e sem nenhuma pausa. Está lançado o metaveículo, média-síntese, multidimensional. Eu, Marshall McGang, estou assumindo o lugar de Jairro Ferreira, que viajou rumo às estrelas fechadas em negativos hipersensíveis. Estaria ele pesquisando um cinema laserizado? Teria aderido ao ocultismo eletrônico? Ou será que foi vítima do esquadrão da morte? Parece que não é nada disso, informa Machado Penumbra, cineasta antropológico/fálico/fágico: o titular se recusou a embarcar num disco voador, afirmando que esse é um meio de transporte já superado, espécie de trenó espacial. De outro lado, o cineasta oculista/ocultista João Miraluar, muito ligado ao nosso antigo titular, foi obrigado a prestar depoimento à lnquisição: não sei de nada. Ainda estou catatônico. Vi o Jairo levitar de fome e meu tutu não conseguiu alcancá-lo. Estou sofrendo de afasia semântica. Os extra-telúricos me deixaram de cuca obnubilada. Miraluar disse ainda que uma amiga do Sr. Jairo Ferreira, conhecida como Ligéia de Andrade, está captando mensagem de um supertransmissor jupteriano a fim de comprovar a verossimilidade dos fatos. Ligéia é de opinião que os sinais captados devem ser acrescidos no livro Cinema de Boca em Boca, que o nosso metacrítico deixou pronto antes de se distanciar intergalaxialmente. (Marshall McGang, 24/02/72) E, assim, a coluna de cinema no Shimbun passou a ser assinada por meus três heterônimos: Marshall Mc Gang, Ligéia de Andrade e João Miraluar, que justamente encarnariam e seriam personagens em meu primeiro longa-metragem O Vampiro da Cinemateca, quatro anos depois.
Ill - PROCESSO DlALÉTlCO. SINTONlA lNTERGALAXlAL1'
I
~
É verdade que a câmera cinematográfica revelou novos mundos, até então escondidos de nós: como a alma dos objetos, o ritmo das multidões, a linguagem secreta das coisas mudas. Bela Balazs ,', Este tópico de Cinema de Invenção se completa com os tópicos PROCESSO CRIATIVO (pág. 201) e PROCESSO ESTÉTICO (pág. 275).
I
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Einbora a grande ['Age d'Or do experimental em nosso cinema bárbaro & nosso esteja nitidamente situada entre 1967 e 1971, há muitos filmes de sintonia visionária ao longo de todo esse misterioso processo histórico, às vezes antecipando (caso de Limite/1931)" às vezes extrapolando (caso de Tabu/1982, para citar apenas um bom exemplo) aquele período contracultural em que teve início uma verdadeira tomada de consciência crítica da experimentalidade & sua função ecológica no processo nem sempre dialético de invenção poética, de novas linguagens multi-pessoais & pluri-subjetivas. Já disse que muitos filmes do Cinema Novo (1962/1968) são também experimentais (por exemplo: toda a filmografia de Glauber Rocha), mas a recíproca não é verdadeira: a movimentação experimental (1967/1971, em bloco) nada tem a ver com Cinema Novo. Não se trata de discriminação e sim de seleção. Ao experimental interessa a invenção e não a diluição do cinema standard, acadêmico ou de fórmulas. Os realizadores que jogam nos dois times devem saber que neste livro meu desprezo é total por seus filmes standard. Me concentro nos pontos luminosos de suas obras, citando-os em ordem alfabética para facilitar a consulta, certo, Jean?
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NEVILLE D'ALMEIDA Grande experimentado r em Belo Horizonte com That Night on the Bowery/1965 e O Bem Aventurado /1966, mas só consegui assistir aos alucinantes filmes que realizou no Rio de Janeiro: Jardim de Guerra/1968 e Piranhas do Asfalto/1970. 1986: algo de Glauber em projeto, O Testamento da Rainha Louca. JOÃO BA TIST A DE ANDRADE Delicioso é seu sketch O Filho da TV em Em Cada Coração um Punhal/1969. Paulicéia Fantástica/1970 é delirante e ganhou o troféu Shimbun na época. 1983: A Próxima Vítima. 1985: Céu Aberto (sobre Tancredo Neves). 1986: O País dos Tenentes, projeto. JOAQUIM PEDRO DE ANDRADE - Seu documentário Improuisiert und Zielbewusst/1967 para a televisão alemã valeria só por uma seqüência mostrando Glauber dirigindo Terra em Transe/1967. Entre Macunaíma (1969) e O Homem do Pau Brasil (1981), isto é, Mario e Oswald de Andrade, fico com seu sketch de Contos Eróticos/1976. 1986: Casa Grande e Senzala, projeto. PEDRO (BR, 1979).
ANíSIO
-
Curtir
o curta
Conversas
Paralelas
HAROLDO MARINHO BARBOSA - Vida de Artista/ 1972 me pareceu rimbaudeano/ godardiano com belos travellings nos túneis cariocas. 1986: Clara, Ana e Lia. JOEL BARCELOS Extraordinário ator-persona, autor de muitas sintonias (Paraíso no Inferno/1978 se inspira em Rimbaud/Verlaine), animação cultural & ecológica. JOSÉ SETTE - Ao tempo de Bandalbeira Infernal (1978), ele se assinava José de Barros. Um Filme 100% Brasileiro me parece o melhor de 85, conseguindo equilibrar com propriedade Bressane, Sganzerla, Mojica e Glauber. Elogia-se muito também seu curta Um Sorriso, Por Favor - O Mundo Gráfico de Goeldi (1981). JOATAN Caruso/1984.
VILELA
BERBEL
-
Cinema
& charge:
Chico
Cârnera-estilo: Gamal/1969, Hitler 3.° Mundo/1968. 1986: A Igreja dos Oprimidos (projeto). MIGUEL BORGES Cinemarginalidade: Canalha em Crise/1963 e As Escandalosas/1970. FERNANDO CONI CAMPOS Grande experimentador da Boa Terra: Viagem ao Fim do Mundo/1969, Um Homem e sua Jaula/1970 e O Mágico e o Delegado/1983. MAURICE CAPOVILLA O Profeta da Fome (1969) vale como experimentação com a grande angular. GUSTAVO DAHL - Não vi o curta Em Busca do Ouro (1966), mas O Bravo Guerreiro (1968) tem muito de experimental no desespero poético. JOSÉ C. FERNANDES Cinema Nacional em Marcha (1984), curta sobre cinema em São Paulo (Cia. Maristela, anos 50). ANTONIO CARLOS FONTOURA Biscoitos finos: Copacabana me Engana (1968) e Rainha Diaba (1974). Espelho de Carne (1985). ANA LÚCIA FRANCO Admirável roteirista (desde 1967). Co-autora do roteiro Galoez, o Imperador do Acre (1969). Dirige belíssimos curtas: Peixes à Baila (1977), pequena obraprima poetizando com Guimarães Rosa em Ilha Bela; Raça (1981), Aventuras e Desventuras de um Ilustrador Português em Terra de Santa Cruz (1981). Projetos de longas-metragens: Dedicado a Você, Nossa Senhora Aparecida/o filme, etc. CARLOS FREDERICO - Excelente crítico do experimental com filmes dignos de nota: Possuída por Mil Demônios (1970), Lerfa Mu (1982). MAURíCIO GOMES LEITE Na época, um de meus críticos prediletos. Realizou o godardiano A Vida Provisória (1969). ÁLVARO GUIMARÃES (1970), mas Carlão Reichenbach
Não vi Caveirinha My Friend e JS Trevisan curtiram.
SÉRGIO BERNARDES FILHO Desesperato/1968 nunca foi lançado e chegou a ser remontado com o título de A Quem Interessar Possa.
ROBERTO KAHANÉ Um curta explosivo: A Coisa Mais Linda que Existe (1968). Também em Manaus, realizou o longa Como Cansa Ser Romano nos Trópicos (1970), muito comentado por Márcio Souza.
JORGE BODANZKY Agilíssimo câmera, mas de suas realizações só gosto de Iracema/1973 e Terceiro Milênio/1981.
IVENS YO KA WAMATA - jênio: topia. Realizou um kurta difícil d'esquecer:
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nypobrazylyko: orienAcorrentados (1964),
Julio Calasso Jr. co-roteyrista longa-rnetragem: roteyrália.
& ator
pryncipal.
Projetos
em
ARTHUR OMAR Triste Trópico (1974) é um filme teológico & cômico, tentativa de absorver Mojica, Sganzerla, Bressane. O Som ou Tratado de Harmonia (1984) faria com o
ouvido o que Bufíuel fez com o olho, é um curta genial na opinião de Carlão Reichenbach. 1985/86: Crime. GUARACY RODRIGUES Nosso Peter Lorre, atuante a(u)tor: quando veremos seus filmes pessoais OD/Ovel'dose e Kabul Goa? São Super 8 de 1974. Guará seria cinepoeta mesmo sem ter feito filmes. NEY COSTA SANTOS Curtapoema sobre o período em que Murilo Mendes viveu no Brasil: O Visionário (1983). OLNEY SÃO PAULO - Seu contundente Manhã Cinzenta (1967), média-metragem, teria que ser exibido como complemento de Hitler 3.° Mundo. Daí entenderíamos (talvez) melhor Gamal & Câncer. PAULO CESAR SARACENI Há Porto das Caixas (1963) e O Desafio (1965), mas acabei ficando com Amor, Carnaval e Sonhos (1972), alegre exorcismo pessoal. SERGIO SILVA - A Divina Pelotense (1983), média-metragem magnificamente fotografado em P /B por Tuio Becker, evidencia influências de Fassbinder, Schroeter, Pasolini e Jack Smith (Flaming Creatures, 1962-63), o mártir do Underground americano. MARCIO SOUZA - Seu curta-metragern Bárbaro e Nosso (1970) é uma das melhores homenagens a Oswald de Andrade. Está bem situado em meu curta O Ataque das Araras (1975). SEBASTIÃO DE SOUZA Transplante de Mãe, sketch de Em Cada Coração um Punhal (1969) é um afresco que até Biáfora admirou. JOSÉ UMBERTO O Anjo Negro (1972). Negritude poética em Salvador, BH. Animação cultural. GERALDO VELOSO Sintonia visceral com Perdidos e Malditos (1970/75). Vi em Belo Horizonte (1980) no l.0 Encontro de Cinema Independente. Depoimento em meu longa O Insigne Ficante. ZELITO VIANA - Gostei dOs Condenados (1973), baseado em Oswald de Andrade, como ele da minha revista Metacinema (1974). Avaeté, a Semente da Vingança (1985). EL YSEU VISCONTI CA VALLEIRO - É uma delícia seu Os Monstros de Babaloo (1970). Primorosa fotografia em branco e preto. Lindas estão Helena Ignez e Betty Faria. Filmei direto da tela em Horror Palace Hotel. Visconti é sempre um vulcão em atividade.
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SILVIO LANA O som de meu filme A Sagrada Família (1970) já faz parte da arqueologia brasileira, de uma era pop , de um som pop; é Woodstock, é uma viagem de ácido, toda a repressão e tudo o que era o Brasil naquela época (Jornal do Brasil, 20/05/1984, a Ricardo Largman). Lana é irmão de universo e está em meu O Insigne Ficante (1980). JOÃO LANARI - Exponenciais curtas Pós-Experimental: O Céu é o Limite (1980), Obscena (projeto 85, curta). Sintonia poética braziliense. WALTER LIMA JR. Afável ponte do Cinema Novo ao Experimental: A Lira do Delício (1977). O crítico Inácio Araújo vê muito cinema poético também no standard Inocência (1983). WATSON MACEDO Um dos grandes inventores da chanchada, gênero brasileiríssimo & fonte do experimental. Mestre desde Não Adianta Chorar (1945) e Carnaval no Fogo (1949), passando por outras experimentações de raro sabor & humor: É Fogo na Roupa (1952), Sinfonia Carioca (1956), etc .. ANA MARIA MAGALHÃES - Carismática atriz realiza o curta Assaltaram a Gramática (1984) com os belos poetas Francisco Alvim, Ana Cristina Cesar, Paulo Leminski, Waly Salomâo & Chacal. CARLOS MANGA - Mestre da chanchada, Pai de Santo do Experimental desde Dupla do Barulho (1953) a O Homem do Sputnik (1959), gênio da paródia com Nem Sansão Nem Dalila (1954) e Matar ou Correr (1955). PAULO BASTOS MARTINS - Poetapocalíptico de Cataguases, me disse que em 1963 já tinha começado o terremoto clandestino do Experimental com o seu profético O Anunciador ou o Homem das Tormentas (1970), ao que me lembre comentado por Paulo Emílio Salles Gomes no Jornal da Tarde (1973). Vale ser redescoberto. ANDRÉ
LUIS DE OLIVEIRA - Vibrei com Meteorango (1969), da Bahia para outros mundos.
Kid, Herói Intergalático
AFRÂNIO VITAL - Filmes de talento: Os Noivos, A Longa Noite do Prazer. Em 1983, O Jogo do Sexo confirma sua poética erótica. RUBENS XAVIER Turbulentos curtas em branco e preto: Sete Vidas (1979), Boca Aberta (1985). Alternativas: O Homem Descasado (1982) e Pé de Guerra (1984). E em breve. um longa deflagrador.
Glauber Rocha, plano seqüência
]OEL YAMA]I As Mesmas Perguntas (1981). Trilha pessoal. Revelação de um autor com Roma Amor (1979/1986 ... ), ousadia independente em planos-seqüência poéticos. Projeto aprovado: Caiundá (curta, 85); sketch para o longa Crônicas do Futuro (projeto 1986).
Nuestro Cine: Por que não lhe agrada Il Generale delta Rovere? Rossellini: É um filme construído, um filme profissional, e eu nunca faço filmes profissionais, mas filmes que poderíamos chamar experimentais. 160
Em julho/1978, o trabalho no jornal Folha de S. Paulo absorvia totalmente. Às vezes eu colaborava no Folhetim no caso, preparava um número especial com & sobre GlauRocha. A pergunta que o irritou & que não saiu publicada esta: Em agosto de 1975, você disse numa entrevista ao jornal alternativo Crítica que o Experimental tinha nascido em 1969 com seu filme Câncer. Certo? Em outro trecho havia uma informação conflitante: você diz que filmou em agosto de 1968. Gostaria que você esclarecesse um pouco essas datas, porque dou muita importância a uma delas: antes do AI-5 (decretado a 13 de dezembro de 1968), o clima era um; depois, outro. Antes, Jardim de Guerra de Neville d'Almeida; depois, janeiro/1970, a Belair de Julio Bressane & Rogério Sganzerla, para não lembrar a bad trip Gamal de João Batista de Andrade em 1969. Bem, que eu saiba o Experimental nasceu mesmo foi na Boca do Lixo em 1967 com A Margem de Ozualdo Candeias, solidificando-se com O Bandido da Luz Vermelha de Rogério Sganzerla, filmado em maio/68, e que teria ficado para o Experimental recente como Deus e o Diabo na Terra do Sol para o Cinema Novo. me que, ber era
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Na época, 68/69/70, você combateu muito o Experimental emergente & depois veio dizer que o tinha iniciado! Não te entendo. Outra coisa: por que você só admitiu a morte do Cinema Novo em 77 (revista Isto É, 11/05/1977) quando Rogério Sganzerla já tinha denunciado que o movimento havia degenerado, virado conservador e reacionário (O Pasquim/1969)? Já que Câncer não passou por aqui você poderia adiantar algo a respeito?
* A resposta de Glauber me cairia em mãos alguns dias depois. Uma resposta pessoal que me pareceu muito gratificante, mas também me valeria alguns problemas de consciência durante bom tempo. Só a faço pública quatro anos após a morte do grande inventor.
Prezado Jairo Ferreira Esta carta não é para ser publicada, não o conheço pessoalmente e sua curiosidade sobre o Kâncer tem efeito psicanalítico sobre mim, talvez meu kâncer, qualquer metáfora é referencial, ninguém escapa da cultura. Você pode ter uma fórmula para definir CInema novo ou experimental, estas cinefilias não me preocupam, o cinema é um ex-rnondo cane para mim. Você que é ótimo (o grifo é de Glauber - nota JF) deveria escrever sobre isto, uma análise dialética da matéria cinematográfica cinemanovista e experimentalista. .. de qualquer forma todos dois rios nascem de Glauber Rocha, antes ou depois do Kãncer. Entre cinema novo e experimental, entre eu, Rogério e julinho, ainda existe Helena Ignez. É uma revolução matriarcalista contra o que Helena pensava, hoje não pensa mais, que eu Significava: o Pc. Veja você! A dissidência subterrânea já foi revista criticamente, mesmo que os experimentais não gostem do Cinema Novo (isto não quer dizer Glauber Rocha, que... à maneira de Oswald de Andrade no Modernismo ... ). O expurgo da direita do Cinema Novo não quer dizer que todo o Movimento tenha degenerado em reformista liberal, entrado para Frente Nacional etc ...
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Mas a cnnca continua ignorante sobre os Fatos: Embrafilme, política, conflitos internos etc ... Eu saí disto. Quanto ao Kãncer, foi rodado em Agosto de 1968 e terminado em Janeiro de 1971 num lugar que prefiro não dizer. Foi lançado, em versão italiana sobreposta ao original brasileiro, pela TV Italiana, Setor Cinema Experimental, em 1972, com crítica ótima. Existe uma cópia em português com Claude Antoine em Paris e outra em Nova Yorque com Dan Tlabot. 16mm, branco & preto, uma hora e vinte, som direto com Antonio Pitanga, Hugo Carvana, Odete Lara, Rogério Duarte, Hélio Oiticica, Luiz Carlos Saldanha, enfim todos os Grandes Pais de Santo da Tropicália. .. isto foi antes de filmar O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, começado depois do Kãncer que não foi filmado em Agosto mas em Maio ou Junho. Caetano Veloso assistiu algumas filmagens e chegou a fazer a música original, com letra minha, também Gilberto Gil. Tem um trecho com Gato Barbieri. Kâncer foi uma produção do Beco da Fome. Quanto ao histórico da Boca do Lixo, não pretendo disputar lideranças, mas o Kâncer é a reação mais radical da época, inclusive politicamente, na cara, e não idealisticamente como se procede na contestação fenomenológica pequeno-burguesa. Você me emocionou porque escreveu que respira cinema por todos os poros. Neste País todo mundo tem mania de me provocar. Mesmo rransparecendo pureza de intenções nas tuas perguntas, não posso deixar de me sentir agredido, daí a resposta que você lerá demoera ticamen te. Sinto em você vibrações de grande cineasta. É preciso filmar pois talvez a você pertença a bandeira revolucionária. Esta carta nasce de uma intuição que descobre o cineasta debaixo da literatura. E você escreve com rara sinceridade. Um abraço, Glauber -k
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Câncer nada mais é que a confirmação de todas as sintonias deste livro. Experiment extraordinário na área do planoseqüência, como Hitchcock já havia feito em Young and Inno165
o
cent/1937, Under Capricorn/1949 ou The Rope/1948. alemão Jean-Marie Straub reinventou em outras dimensões: Crônica de Ana Madalena Bach /196 7, Rogério Sganzerla transfigurou tudo em Sem Essa, Aranha/1970. No verso do poster de Câncer, lindo encarte da revista Filme Cultura (n.? 43, 1984), o próprio Glauber afirma que "o filme não tem história. São três personagens dentro de uma ação violenta. O que estava buscando era fazer uma experiência de técnica, do problema da resistência de duração do plano cinematográfico. Nele se vê como a técnica intervém no processo cinematográfico" . Proponho que os cinéfilos assistam Câncer junto aos filmes de Hitch & Straub mais O Anjo Nasceu/1969 de Julio Bressane. (Outras considerações/confronto sobre Câncer estão no capítulo Julio Bressane)
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Abril 1985: Cinema de Invenção não foi pautado para falar das obras completas de Glauber Rocha, senão de Câncer, por ter sido filmado em 1968, mas não posso me furtar em situá-Ia na filmografia glauberiana, o que finalmente é possível a partir da publicação de duas cartas de Glauber (arnbas escritas em Paris, nos dias 2 e 28 de dezembro de 1980) dirigidas a Carlos Augusto Calil, então diretor técnico da Embrafilme. Na primeira, Glauber trata especificamente do livro Roteiros do T erce.yro Mundo (publicado em fevereiro 1985, edição Embrafilme/ Alhambra). Na segunda carta, o assunto é o programa de exibição, que Glauber estruturou em três grupos: a) Deus e o Diabo na Terra do Sol/Terra em Transe/O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro/Cabeças Cortadas/A Idade da Terra; b) Barravento/Câncer/O Leão de Sete Cabeças/História do Brasil/ Claro; c) O Patio/ Amazonas/ Maranhão/1968/DilJorjamado no Cinema. Desde março 85, todos esses filmes integram a mostra Glauber por Glauber, revivescência do gênio que criou o Cinema Novo e foi além do movimento num 'lance transexperimental único em nosso cinema.
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Hélio Oiticica e Glauber Rocha: sintonia experimental (Ivan Cardoso/1979)
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Trecho final da carta de Glauber a Jairo Ferreira
Zé Agripino de Paula, independência
Ou é o escudo dourado dos germanos, ou a escuridão do bolchevismo asiático. Adol!
Hitler
guns botões e o Frankenstein se animará. Sai pela cidade como se fosse uma múmia. Plano geral de um barco na areia, sem mar ou rio. Cerca de dez pessoas estão remando. O barco não sai do lugar. Ao fundo, carros passando numa avenida. E as pessoas saltam do barco como sapos, caindo na areia. Estranhos ruídos na banda sonora. Tulio de Lemos, quase dois metros de altura, surge na pele de um executivo de televisão. Programa tipo Mundo Cão. Desfile de anões. Tulio fala inconscientemente pelos cotovelos de um encontro que teve com Getúlio. Sai agitadamente do estúdio com uma anã de meio metro grudada no seu pé. Jô Soares surge na pele de um samurai. Travellings na favela entre crianças famintas. Órgão bachiano em alguma fuga. Eugenio Kusnet surge na pele de um magistrado, falando em "decapitar Madame Vida", jovem sensualíssima, nua. O samurai senta numa cadeira de barbeiro, mas ninguém ousará cortar os seus cabelos à altura da cintura. Elemento insólito inserido em cenas cotidianas. Tortura a um doente numa cama de hospital. Rápido flash de um monstro, o mutante (de novo, Jô Soares) . O samurai volta à favela, distribuindo legumes. Música de Spetacle: Os Dez Mandamentos. Ruth Escobar surge na pele de uma madame que procura um estudante, talvez seu filho. Cães latindo. Guitarra espanhola no estilo Manitas de Plata. Olé! Dois nazi num banheiro, chacina. Ruth se dirige ao Senhor da Guerra no Departamento de Torturaso Hitler (José Ramalho?) a atende gentilmente e promete tomar providências. Ela fecha a porta. Hitler se pergunta: Será que ela é comunista? Jimi Hendrix na trilha. O samurai mata um oficial nazi. Em outro beco um estudante é castrado. Hair & blood. Há um trecho da banda sonora correndo do fim para o início, mas se identifica a mesma música espanhola de seqüência anterior. (Bodanzky me diz que foi um erro de copiagem no laboratório & que Agripino o assumiu criativamente JF.) O mutante de isopor, charuto na boca, dialoga e joga cartas com Tulio de Lemos. Mais parece um encontro ameno de King Kong com Frankenstein. Enquanto isso ... o samurai dá um show na avo São João, debaixo do Minhocão. Ele ameaça um haraquiri, encena uma auto172
o mutante
de isopor se prepara para atacar. Ou ser atacado?
(Still Ruth Toledo)
decapitação. Dezenas de transeuntes se assustam, alguns se divertem. Percussão. Anã volta à cena. Olé! Um casal jovem fala em cogumelos. Nus num rio, ela é carregada nas costas. Atravessam. Nazi persegue o samurai na rua, entre pedestres, muitas crianças. Liquidado, o samurai é colocado num carrinho de pedreiro, coberto com jornais. Música hindu. O magis trado (Eugenio Kusnet ) & seus pergaminhos com a ordem do dia: Depois de passar pelo departamento de torturas, você descobriu a verdade e agora vai ser condecorado. Primeiríssimo plano. À esquerda, tevê transmite um programa indefinido; à direita, o samurai arranha o plástico, vocifera contra as imagens, quer comê-Ias. Pratica haraquiri, A tela escurece, longa ponta preta. Na banda sonora, irritantes toques de campainha teatral.
.~ Hitler (ao fundo) e o magistrado
(Eugênio Kusnet) (Still Ruth Toledo)
A narrativa não é linear, mas integrada por blocos, como se depreende da descrição acima. Não cheguei a assistí-lo na época, tal a clandestinidade em que foi realizado, em sucessivos dias de semana e com mínimos recursos de produção. Uma das filmagens ocorria no dia 13 de dezembro de 1968. Só em abril/1970 registrei-o no Shimbun com o título provisório de O Esgoto. Sem dúvida um dos filmes mais corajosos do experimental em nosso cinema, Hitler )0 Mundo nunca foi exibido publicamente até o momento em que escrevo (21/07/1984)(1). Entretanto, não é um filme militante: é um filme poeticamente político. José Agripino de Paula não é apenas um grande cineasta: é um dos maiores artistas independentes de que tenho notícia: genial escritor (Lugar Público /1965, editora Civilização Brasileira, nunca reeditado; Panamérica/1967, editora Tridente, idem), notável homem de teatro (Rito do Amor Selvagem/1969). Tive com ele um único encontro em Salvador/1978, durante a Jornada do Curta-Metragem. Queimado. de sol, longa barba, cabelos à altura da cintura. Me senti diante dele como um guri ante o guru. Voz macia, papo lúcido, saudou a minha iniciativa de escrever um livro sobre cinema independente e logo me forneceu a sua filmografia completa: curtas em Super 8 (Mãe de
o samurai
(Jô Soares) se exorciza em público (Still Ruth Toledo)
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Santo Djatassi/1974, Fetichismo do Sul do Dahomey/1974), um média-metragem Timbuctu e Mopti/1974, na Jornada foi exibido um belo curta, Céu sobre Água/1978, todos ao que parece em parceria com sua mulher Maristher. Numa carta de 20 de setembro/1978, ele me enviou as fotos que ilustram o capítulo e um texto onde fala - via recorte do The Village VOICE, March 8, 1973 de outros filmes que rodou na África: Dogon Hunting, Evil Disease, Kids, Voodoo, Grandmother, Djatassi: ... Infelizmente estes filmes se perderam, Dogon e Kids. Dogon é um povo que vive perto do Sahara no Mali. É um Super 8 que mostra uma cerimônia tipo Omulu no Brasil. É os orixás da doença que apareciam cobertos de folhas (transcrição sem correções - Nota JF). Este filme os negros de Nova York gostaram pela beleza da dança e das máscaras. É que eles estavam mais habituados a ver filmes da África sobre problemas sociais sem beleza. O Kids era um filme de 3 crianças brincando numa praia. Como as crianças eram muito incríveis o filme ficou muito bonito. Se perderam porque os filmes foram deixados para ampliar para 16mm no Hollywood Valley Laboratories e não pagamos as contas, ( ... ). Já escrevi faz anos e recebi a notícia de que o laboratório trocou de dono umas 5 ou 6 vezes. Provavelmente os filmes foram leiloados. Morando então em Mar Grande/Bahia, Zé Agripino falava ainda em novos projetos, um deles o de fazer um documentário sobre Artes Marciais no Brasil ... De lá pra cá, nunca mais vi esse autor mais que maldito, embora saiba que está novamente residindo em São Paulo. Quando nos reencontraremos, caro Agripa?
Zé Celso na trilha da videologia abusona
(1) - Hitler 3." Mundo foi finalmente exibido em 2 de setembro de 1984, no Centro Cultural São Paulo, dentro de uma ampla mostra de cinema alternativo, com a sala totalmente latada. A cópia está depositada na Cinernateca Brasileira, Estação Conceição Aconselho ir de Metrô. Saindo da Praça da Sé são apenas 25 minutos em que você (Qual seu nome? ) poderá ir lendo este livro (JF, Revisão em Iguape/SP, 27.11. 85).
O cinema é sob,renatural por essência. " Vejo o que não é; e eu o vejo, este irreal, especificamente. Jean Epstein
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Devidamente situado como manifesto do teatro Oficina de quase 20 anos atrás, O Rei da Vela/ a peça está para o moderno teatro brasileiro como Terra em Transe (ambos do mesmo ano: 1967) para o cinema então dito tricontinental. Zé Celso chegou mesmo a dedicar uma das encenações ao filme de Glauber Rocha, que passaria o resto da vida deblaterando contra o subseqüente comportamento do extravagante teatrólogo. Naquela época ainda havia uma certa coerência nas aproximações culturais, embora esses dois marcos cravados fossem imediatamente seguidos pelo delírio dantesco de José Mojica Marins: seu Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver /196 7 pode tranqüilamente ser colocado em discussão como o filme que subverteu o Cinema Novo. A Margem, de Ozualdo Candeias/1967, assinala apenas o início do cinema independente na Boca do Lixo. A aproximação Terra em Transe/O Rei da Vela seria hoje até dogmática. Ambos beiravam o desespero, território que nunca fez a cabeça da ala mais conservadora do movimento cinematográfico que paradoxalmente chegava ao fim da linha com um filme fulgurante (a rigor, o Cinema Novo só revolucionou entre 62 e 67 - mas a Europa, por exemplo, ainda não sabe disso até hoje, nota JF). 179
Já a aproximação Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver/ Terra em Transe surgia como uma insensatez, quando seria apenas visionária. E da mesma forma a aproximação Mojica/Zé Celso dava samba: Esta Noite Encarnarei no Cadáver Gangrenado do Rei da Vela. Parceria Zé Celso/Zé do Caixão. Quem assistiu à peça na época lembra-se bem do telão final que exclamava: Somos como vós mesmos, um imenso cadáver gangrenado! . A época, atonal e paleolítica, exigia um crítico desafinado (Torquato Neto seria uma alternativa, mas já em 70/71/72). Zé Celso em texto sempre foi desatinado e, de passagem, intolerante com a crítica. (Ele nunca imaginou que a verdadeira crítica é criativa também.) Em seu manifesto ele diz que" o problema era o do aqui e agora. E o aqui e agora foi encontrado em 1933 nO Rei da V ela de Oswald de Andrade". Levantava a seguir três interrogações, sendo mais válida a primeira: Senilidade mental .nossa? Modernidade absoluta de Oswald? Ou, pior, estagnação da realidade nacional? O Rei da Vela/o filme poderia ser a essência da peça, recheada do que houve no Brasil de 67 pra cá. Era essa a expectativa desde 1971, quando teve início a "novela" O Rei da V ela/o filme. Por isso o resultado parece tão decepcionante. O recheio passou a ser a limitação metalingüística do que houve internamente no teatro Oficina: reaglutinações energéticas, congratulações diluídas, pequenas sensibilidades. Apesar disso termina sendo um dos filmes mais importantes do cinema brasileiro neste início de década. Uma importância pelo avesso. Recusando-se a admitir a importância do da (r) do crítico representado por Esta Noite Encarnarei, clarividente subinconsciente do Brasil de 68 a 74, isto ainda minimizando, Zé Celso, nos três últimos anos da montagem do filme, iria se influenciar de novo por Glauber (A Idade da Terra/1980) e, pela prime~ra vez, por Joaquim Pedro de Andrade (O Homem do Pau Brasil] 1981). Aliás a volubilidade de Zé é uma constante. Basta exumar o que ele escrevia sobre o texto dO Rei da Vela em seu manifesto (O Rei da Vela/o livro, Difusão Européia do Livro/1967): Eu havia lido o texto há alguns anos e ele permanecera mudo para mim. Me irritava mesmo. Me parecia modernoso e futuristóide. Mas mudou o Natal e mudei eu. De repente, depois de toda a festividade pré e pós golpe esgotar as possibilidades de cantar a nossa terra, uma leitura do texto em voz alta para um grupo de pessoas fez saltar todo o percurso de Oswald na
sua tentativa de tornar obra de arte toda a sua consciência possível de seu tempo. Lentíssimo processo de sacação? Falta de convicção Exorcização primal? Ou uma novela repentista nas selvas da cidade? A descoberta do vídeo é a grande novidade dO Rei da V ela/ o filme. O vídeo está para esse filme como a mo viola para F for Fake (1975) de Orson Welles. Qualquer metáfora é referência. Welles usa a moviola genialmente. Zé Celso é um aprendiz de vídeo. E aqui é necessário voltar às origens críticas mais lúcidas, identificando culturalmente o grande encenador, para alguns o maior homem de teatro do Brasil em todos os tempos ... Glauber Rocha em seu livro capital (Revolução do Cinema Novo, edição Alhambra/Embrafilme, 1981): Eis um personagem complexo, teatrólogo e cineasta, duas performances, que o Gênio executa segundo as leis da oferta e da procura no mercado cultural da classe média esqyzofrenyka. ( ... ) Não se produz filme como peças e Zé não é um profissional de cinema, é um grande teatrólogo. ( ... ) Zé veio do interior paulista e possui desejo incontrolável de poder global. Criativamente, vídeo em cinema parece ter parado no extraordinário Numéro Deux (1975) de Godard. Aí há envolvimento do vídeo com a estrutura narrativa do filme. Já O Rei da Vela/ o filme, como também O Homem do Pau Brasil, está mais para o programa Fantástico, o Show da Vida que para Mocidade Independente (experiência muito criativa de Nelson Motta, TV Bandeirantes/1981). Isso porque é uma híbrida mistura de telefilme sem pé nem cabeça (deslinearizando Q já deslinearizado, isto é, o original de Oswald) com interminável telenovela da aldeia, ou melhor, terreiro, usina global, usona ... O carnaval na seqüência final dO Homem do Paul Brasil é o mesmo do Show da Vida que, sintomaticamente, lembra o carnaval de Zé Celso nO Rei da Vela/a peça & mesmo em Roda Viva (1968), perrnissividades conforme as platéias/audiências, claro. O filme de Joaquim Pedro, revolucionando em direção ao passadismo discursivo, meio século após o poema telegráfico, mostrando ainda o braseiro quando já estamos no tempo do forno de microondas, à primeira vista não poderia influenciar jamais O Rei da V ela/ o filme. Mas se a peça avançava Oswald, o filme o retrocede. Zé Celso é um especialista em festividades, euforias, pirotecnias. Uma resposta discreta, intensa e talentos a viria
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a seguir no cristalino cinepoema Tabu (1982), masterpiece de Julio Bressane, recolocando a questão em suas órbitas. Mas se Joaquim Pedro por vezes embarca em equívocos para em seguida acertar na mosca (caso do cítrico/crítico episódio da melancia em Contos Eróticos /1976), o teimoso Zé Celso persiste em patacoadas:
RIANCA ... NUNC~. UNtA VERÁS E UM AIZ
OMO EST
A TV cumpre melhor e com mais qualidade seu papel de programas para a classe média. O teatro não anda porque insiste em fazer o mesmo. ( ... ) Acusam-nos de só termos projetos que nunca acontecem. Realmente, os nossos projetos não estão acontecendo em escala industrial, de massa. Mas eu os considero as coisas mais importantes que já fizemos. É a sociedade que não tem condições de assumi-los, porque está fechada. Sou um homem de teatro que não faz teatro há dez anos. Mas foi realizada alguma coisa de importância capital nesses últimos anos? (O Estado de S. Paulo, 6 fev. 83). Um estilhaço de Glauber (livro citado) é suficiente para rechaçar tais subterfúgios: ... estando o Pater Paulo Emílio Salles Gomes morto e a mãe Viva em cujas tetas querem mamar Zé Celso e seus companheiros ... O Rei da Vela/o filme: 11 anos em realização, 1971/1982. E sem resultar em grande épico nem em grande hípico. São duas horas e 40 minutos de copião, pré-experirnentalisrno, prolegômenos demais, posfácios além das medidas - e onde foi parar a substância? Sumiu ... Numa sessão especial com sala lotada, no Museu da Imagem e do Som, São Paulo, uma vela acesa foi colocada no tablado, no centro da tela. Pira piramidal brasileira para um filme dada nada pirante. Já a vela da época/67 era gigantesca e altamente fálica, precursora do superfalo dA Laranja Mecânica/71, Lisztomania] 75, O Gigante da América/80. Praticamente tudo o que foi inserido na estrutura narrativa do filme é incipiente e excipiente. A peça foi reencenada para fins de filmagens em 1974. Pessoalmente não reconheço quase nada - re/criativamente - da força que pairava no ar/montagem de 67. Aquela extraordinária dramaturgia se dispersou, problema in/ solúvel do teatro (só o texto resiste). Um filme, quando insigne, fica. Quem revê Terra em Transe logo se sente viajando nos dias de 1967, com ou sem o olhar de 182
Esther Góes: divina (Fotograma)
J
hoje. Nesse sentido, a reconstituição, ainda que bem filmada e com excelente som direto, interfere irritantemente na original e intransferível memória cultural. Por essas e outras não era possível ter grandes expectativas em relação aO Rei da Vela/o filme: tinha 90% de possibilidades de resultar em diluição. Na melhor das hipóteses, aliás, seria como o caso daquele fulano que ficou 20 anos sem visitar a sua cidade natal e que, ao retornar, teve a desagradável sensação de encontrar asfalto numa rua que era de paralelepípedos. Asfalto é melhor, claro, mas só tombando uma cidade se preserva a memória e se cria uma tradição. A encenação de 67 é tradição. Será cedo ainda para se afirmar que o filme não ficará? A questão é de invenção: cravou no ato, acertou - não cravou, dançou. Uma das cenas mais brilhantes da peça/67 era a do palco rotativo em que o usurário Abelardo, vestido como' domador de feras, chicoteava o cliente devedor. No filme essa invenção vira excipiente, alinhavada por inúteis fogos de artifício vídeo (i) lógicos. O Rei da Vela/o filme, visto por quem assistiu a peça, é uma obra que se esquece de um dia para o outro. Musical B da Hollywood do Bixiga. O que se vê ali é pouco milho para muitas galinhas. Voam penas para todos os lados. Zé Celso, além de não ser homem de cinema, não é ator nem autor: metteur en scêne (área de criatividade apoiada em originais alheios) também não é há mais de dez anos. Dramaturgo nunca foi. Como Rogério Sganzerla (autor de três grandes marcos: O Bandido da Luz Vermelha/68, A Mulher de Todos/69 e Sem Essa, Aranha/70), Zé Celso simplesmente teria parado no tempo. Aquelas experiências de documentários em Portugal e Moçambigue em 1974 (O Parto e 25) são tão precárias como O Abismo/78 e alguns curtas-metragens (Noel por Noel e Brasil/82) que seriam recusados pelo júri de seleção nos festivais JB/Mesbla de 1966. Pitangueira não dá manga. Outra retumbante prova da inaptidão de Zé Celso para o cinema é Prata Palomares (1970), que chegou a causar repúdio no festival de Gramado/79. Zé tem certeza de que é gênio? Então teria a obrigação de não omitir as suas bad trips, reciclar os erros e transfigurá-los em acertos. A estrutura narrativa do filme em questão lhe dava essa possibilidade. Mas a chance foi perdida. 184
Sem fazer cinema no Brasil desde 68, Glauber retomaria o pique a mil por hora com A Idade da Terra/80, invenção ao nível da linguagem (Antonioni sacou isso) e não contestação fenomenológica pequeno-burguesa travestida em projeto messiânico (em A Caminho das indias/82, de Augusto Sevá e Isa Castro, Zé uma vez mais esvaziou o antigo carisma). Zé excelso achou que assimilaria o tom épico dA Idade da Terra. Caiu do cavalo. Quando as aberturas começaram, Zé se fez colonizar tardiamente pelos agonizantes de 1968, sem descobrir que MAIO FRANCP,S foi provocado pelo Pentágono visando desarticular o poder nacional e para-socialista de De Gaulle, daí a supressão de Godard por Cohn Bendit. (Revolução ... ) Não sendo poeta, o encenador trocou os pés pelas mãos na fase mais eufórica das aberturas. Diante da má impressão deixada por Prata Palomares no festival de Gramado/79, subiu de repente ao tablado do cinema, confundindo-o talvez com palco de teatro, e tentou puxar um ridículo coro em cima de um dos mais belos poemas de Rimbaud, Vogais. Ora: Oswald de Andrade aceitava ser visto como palhaço da burguesia nos anos 30. Nos 70/80 é a pequena-burguesia que não deglute o chumbo grosso. Zé Celso saiu de Gramado a toque de caixa. para não ser agredido fisicamente. Será que aprendeu que cinema não é teatro? E que seu grande cinema ficou no teatro de 67? O que faz dO Rei da Vela/o filme um trabalho anódino, insosso e claudicante é a constante escamoteação dos fatos que poderiam enriquecer a sua ambiciosa estrutura narrativa. Na meia hora final, o filme parece já ter terminado há muito e/ou nem ter começado. Seria um caos pelo caos! Sobram citações de obras e autores, mas sempre em baixa freqüência. Parece estar faz~ndo da in/ cultura brasileira dos últimos 15 anos um show business caboclo. Todos estão ali inventariados, mas sem invenção, como se o Zé dissesse: Olha, você também está nesse filme, viu? Vimos. E daí? Estamos no elenco all stars, mas sem dizer palavra. Eis a configuração final dos estilhaços de amenidades a que o filme nos reduz: um sutil trabalho de censura do Zé em cima de todas as áreas culturais do País. Tombado pelo Condephaat desde dezembro/82, o teatro ( agora) Uzyna terá todas as condições de se retratar. Glauber 18-5
morreu convicto de que Zé não explicaria a sua fantasmagoria Petit-bourgeoise, projetada na grave acusação (Jornal do Brasil, 2 de agosto de 1980, citado por Glauber) de que o Estado Democrático substituiu a Censura pela Cultura. E Zé equivocou-se de novo quando, durante o velório de Glauber, encenou outro capítulo de sua interminável novela: a explicação não teria que ser dada pessoalmente a Glauber nem vivo nem morto. .. Não é também uma satisfação que possa ser dada em entrevistas a jornais ou revistas. Ela teria que vir através de novas obras, invenções, novas peças, novos lances artísticos à altura dO Rei da Vela / a encenação de 67 ...•. Resta a Zé Celso, que tem apenas 49 anos de idade - está bem vivo, acordado e de pé - sacar que o campo está aberto para a saúde da cultura e não para o poder egoísta do espaço esquizofrênico.
Da vida ao meio da jornada, tendo perdido o caminho verdadeiro, Zé achou-se embrenhado em selva escura. Falta-lhe assimilar todo o cinema inventiva de 67 para cá, destacando-se o inferno colorido de Zé do Caixão... É apenas uma sugestão para que Zé Celso possa ascender ao alto vôo de seu projeto há tanto acalentado: uma encenação criativa que faça dO Homem e o Cavalo, de Oswald de Andrade, nos anos 80 o que foi para o teatro O Rei da Vela nos anos 60. (revista Filme Cultura, n." 43, janeiro-abril, 1984, Embrafilme)
grande público, com resultados estimulantes e entusiasmantes ... Outro crítico, da mesma geração de Jairo - Inácio Araújo, na Folha de 26.5.84 - diz o contrário: "Sganzerla está à frente de seu tempo" ... Qual a conclusão? Vale a pena ver os doeumentários (curtas-metragens) inéditos no Rio na bitola original de 35mm - Brasil e Noel por Noel, para se informar de que o processo histórico não é linear, mas cíclico ... Estar à frente ou atrás não é ser testemunha de seu tempo? (revista Filme Cultura, n." 44, abril-agosto, 1984, Embrafilme) Novembro
85: estou seriamente
17 dezembro 1985: Zé Celso realiza uma transleitura dramática da peça que Oswald de Andrade escreveu em 1934, O Homem. e o Cavalo. Impacto absoluto na província intergalaxial, o Teatro Sérgio Cardoso delirando com mais de mil pessoas entr'atores tomados. Liguei a Zé Celso no dia seguinte, cumprimentando-o pela bravura. Ele me disse que o momento é de DESVUDUZAÇÁO: "Agora é a vez de mostrar o fim da Guerra nas Estrelas. As Bacantes libertando Dionísio preso. Os coros cantando pro século XX a mensagem UZYNA UZONA da loucura humana, como força motriz futurista, presentista. O mundo está todo para ser tomado, bebido, saudado. O mito do teatro bárbaro-tecnológico". Genial, Zé Celso! Agora o campo está aberto para a saúde do espaço videoteatral! Vá em frente, Dionísio liberto!
José Celso Martinez Correa fez ouvidos moucos a esta crítica desmistificadora, enquanto Rogério Sganzerla se indignou: Com relação ao comentário
adicional de Jairo Ferreira sobre cuja melhor contribuição foi o excelente material histórico sobre Glauber, Cavalcanti e Lima Barreto (sobre quem muito escrevi, quando estavam entre nós, a partir de 1978 na Folha de S. Paulo) - devo esclarecer que não é verdade, mas inexato e contraproducente, acrescentar que eu, como José Celso, "teria parado no tempo" (nas suas palavras) pois, em primeiro lugar, é sempre criativo e necessário ver e ouvir o discurso oswaldiano projetado para o
Rei da Vela, no último número desta revista -
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inclinado a rever O Rei da
Vela/o filme com outros olhos.
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Luiz Rosemberg Filho, transfiguração poética
É por isso que se pode associar à música um poema como canto, uma encenação intuitiva como pantomima, ou ambos como ópera. Nietzscbe
Eu gosto é de Ravel, Mozart, Schoenberg, Satie, Bach, Artigo, Villa-Lobos, Caetano, Gil. Na Literatura Kafka, Shakespeare, Brecht. Na Poesia Baudeláire, Rimbaud, Pound, Mário Faustino, Eliot. . Na Pintura Bosch, Brueghel, Picasso. Na Filosofia Benjamin, Barthes, Sade, Bataille, Gramsci, Sartre, Camus ... No Cinema Godard, Welles, Pasolini, Straub, Losey, Visconti, Resnais, Bergrnan , '.' . Esses todos, mais Oswald, Bufiuel, Eisenstein representam a nata do meu prazer. Ou do meu sentIdo do prazer. Aliás fui outro dia ver o último filme do Bergman, Fanny e Alexander, e amei. Um cinema elegante, magistral, vivo, contemporâneo. Um cinema feito para a alma, para os olhos. Eu adorei. Voltarei para ver mais vezes. (Junho/1984) O tema cinema independente é muito delicado pois vai de um estado de revolta primitiva (Bressane, l'ganzerla, Neville) a uma tomada de posição política [Tonacci, Eu, Zé Celso, Ommar). Um livro como o seu (ainda não sei qual será a sua abordagem) deverá ser amplo, complexo e ao mesmo tempo radical. Marginal é um termo do gangsterismo oficial. Marginal é a mãe! Quanto ao A$suntina me permito discordar do Bernardet. Não acho que 191
o Jardim das Espumas seja o meu melhor trabalho. Sou uma pessoa muito crítica com o meu próprio trabalho, mas acho que desde o Jardim até o A$suntina o meu passo se tornou mais maduro, mais conseqüente. Não consigo separar o Jardim de Imagens/1973, A$suntina e agora o Crônica de um Industrial. Formam no todo um corpo de prazer, de luta e de transformação. (Abril/ 1977)
* São trechos de minha correspondência visionária, volumosa e generosa com Luiz Rosemberg Filho. A idéia aqui seria reduzir confucianamente 30 mil estilhaços a 300. Crônica de um Industrial, como se sabe, quase representou o Brasil em Cannes ... mas a censura não deixou. Eu não quero gastar mais nenhuma linha deste livro com esse tipo de problema & por isso fiz minhas as palavras de Welles sobre censura (vide capítulo Ebert). Na seqüência, trechos de um belo texto de Rosemberg sobre Crônica, sem dúvida um filme importante e que se completa com O Jardim e Imagens: É difícil refletir sobre nós mesmos. E termos uma conclusão correta e sobretudo honesta. Por motivos tão extremamente diversos, a desonestidade, nos julgamentos, nos leva a mentir so~re ~ós mesmos. Num mundo de ilusórias aberturas para a realização, o que nos resta apenas é a idealização sobre a pessoa mesma .... ,?e fala aqu~lo que os o~tros gostam de ouvir. As palavras, as idéias, os sentimentos, hoje;' são como pequenos e vazios símbolos de uma ausência total - não de comunicação - mas de sentido para a existência. Talvez por isso, quem sabe?, tudo se reduz a ilusões.
( ... ) Quero acreditar naquilo que acredito. Quero acreditar que nada daquilo que é considerado justo, certo e verdadeiro é justo certo e verdadeiro. (...) , Quero principalmente manter os olhos abertos. Eu não estou atrás das certezas, eu procuro as dúvidas, as impossibilidades, essa espécie de luta corporal conosco mesmo. ( ... ) Em termos de vida, o assunto desta tomada de consciência é o conflito existente entre ciência e política. Meus personagens optam pela morte, mais especificamente o suicídio de uma velha
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consciência, de traumas, medos, angústia, impotência: a solidão como pontuação trágica de cada gesto. ( ... ) Como vocês irão notar, o problema colocado talvez seja mais moral que político. O fato político surgiria como resultante dos impasses morais do industrial. ( ... ) ( ... ) E, o que mais dizer, vamos assistir ao filme? Só quero acrescentar que nesse filme cada personagem vive o seu corpo de uma maneira primitiva - numa busca desesperada do prazer.
Rio, Abril/1983 Jairo, como é difícil nos fazermos entender!!! Como é difícil suportar a Lógica!!! Fomos e somos amigos no silêncio & nas imagens. Ao longo de nossas vidas, temos passado por muitos maus momentos. E resistimos. Resistimos pelo prazer, pela luta, pelo Cinema. Claro que ninguém é perfeito. Mas é preciso RESISTIR. . E na resistência está o novo. A modernidade. E me creia Jairo, essa não é a perspectiva do Cinema "Novo" & menos ainda a dos chamados Independentes. Claro que acho os independentes mais próximos da Modernidade que as "manifestações" caquéticas do cinema "novo". É que de novo só tem o nome. A nova resistência implica em modificações táticas. Nesse aspecto é preciso entender a volta de Tonacci ao cinema, este seu livro que acho mais dedicado a Rogério e Julinho (Rô se refere a uma versão antiga que leu - N. do A.), bem como sacar melhor os meus últimos filmes ... Afetuosamente, Rô. Por fim passei para o vídeo. Estou acabando um programa de ficção, de uns 40 minutos, sobre Lewis Carroll e Oswald de Andrade. Chamar-se-á Alice. Está ficando um primor poético. (Dezembro/1983) País-cinema, sobre a morte de Glauber Rocha: Constato o horror dessa morte, mas não entrego o barco. É preciso olhar adiante. Se Glauber era o coração, nós somos o sangue ainda quente que pulsa a 24 quadros por segundo. Os demais órgãos ainda funcionam. Não dá para ter um coração igual a Glauber, mas é preciso continuar a luta. ( ... ) Glauber concluiu o seu livro Revolução do Cinema Novo falando da minha pessoa. Do meu difícil processo de trabalho. Brigávamos e desbrigávamos de 193
maneira sempre polêmica, afetuosa. Não éramos amigos, mas aliados contra o conformismo reinante. ( ... ) (Jornal do Brasil, 07/09/1981, carta de Luiz Rosemberg Filho) Sobre O Santo e a Vedete: O cinema só se tornará poético se a poesia estiver dentro de você, atuando, viva, fecunda. O resto é embromação verbal. Santo é resultado de muitos casamentos, de muitas paixões, de muitos sonhos. É um flerte aberto com BB, ou seja, Bufiuel e Brecht. ( ... ) E veja: o filme é também um reflexo do nosso cinema. Os personagens idiotas e burros são também os nossos cineastas. É o cinema em ritmo de opereta. (AbriljI982) Tuas cartas uma vez mais chegam como bombas. Implosões no reino da informação. Não sei o que dizer. É tanta angústia ao lado de tanta vontade de viver que eu (me desculpe) não sei apontar caminhos. Mostrei tua carta ao Tonacci aqui no Rio e ele ficou profundamente tocado com as tuas palavras afetuosas. Me creia Jairo: é o que vale. (Julho/1982) JF (trecho): Recebi sua resposta a minha chuva de cartas e ainda estou relendo, relendo também as minhas que você chamou "irnplosões no reino da informação". Sabe como é, essas cartas primeiro emocionam, a gente fica sem saber o que dizer, depois vai relendo e sacando, é material de reflexão, sem dúvida. Mas escrevo numa urgência, lembrando sua curiosidade cada vez maior sobre o meu livro, por que não sai logo, o que falta pra sair. ( ... ) (Julho/1982) Sabe o que eu estou querendo filmar? Uma ópera de Verdi. Nos últimos três anos é só o que venho estudando: a ópera. Leio, ouço, penso. .. Não te direi qual das óperas eu quero filmar, mas é o que eu quero fazer. E por que não? Algo a ser feito entre Wagner, Verdi, Schoenberg... Um filme que misture música, gestos, ballet, sonhos, traumas e algumas teorias de Artaud sobre o teatro e a peste. É por aí caro Jairo. ( ... ) (Setembro/1982) ( ... ), que se abr~ espaço às produções independentes. Ou redes cobrimos a alegria do viver-cinema ou vamos acabar crucificados como Glauber. ( ... ) E como o cinema novo não se renovou, tem ódio da criação. Mas se existe espaço para o ódio do velho-cinema-novo, o que reivindicamos é apenas o direito à criação, ao trabalho, à maturidade. Que nossos filmes-poema tenham os mesmos direitos, sem que tenhamos que sofrer permanentemente. ( ... ) (Maio/1983) 194
Nelson Dantas em A$suntina das Amérikas (Colagem Luiz Rosemberg Filho)
( ... ) Eu não sou autor de um só filme. Eu batalho desde 1960. Vinte e quatro anos de luta (Balada da Página 3, América do Sexo, O Jardim das Espumas, Imagens, A$suntina das Amérikas, Crônica de um Indâstrial, O Santo e a Vedete, Alice, Vídeotrip) sem o menor apoio logístico. Isso me faz desacreditar das pessoas, jairo. ( ... ) (Maio/1984) ( ... ) Assim fico com Alice com 30 minutos e o Vídeotrip com 40, quer dizer, um longa em dois episódios num total de 1: 10. Posso te garantir ao menos um bom resultado. É genial trabalhar com o Grey que nesse vídeo é o ator principal. Eu sempre pensei em fazer isso, mas os produtores sempre barravamo Agora está feito e o resultado é ótimo. O Grey dá um show de bola. Faz o papel de um produtor de cinema ... entre Galante e. .. Vendo você vai logo descobrir. Agora é tentar acabar ambos. Alice é mais experimental. Mais livre. É um trabalho muito curioso. Foi ótimo chegar ao Vídeo. Quero ir mais fundo. Arriscar mais. Muito mais. Eu só posso te garantir não duas obrasprimas, mas dois trabalhos feitos com sonhos, luta, suor... E o resultado, até agora, vinga. Tão logo eu tenha os trabalhos prontos, corro pra São Paulo. Eu acho que vai ser bom pra cabeça de vocês. Ao menos é um trabalho independente de tudo e de todos. O pessoal que trabalhou comigo é primoroso. Todos. E 195
pessoas Bonitas por dentro e por fora. Você vai comprovar no seu devido tempo. ( ... ) (Julho/1984) Fizemos um novo Vídeo para juntar com Alice e formarmos um programa de oitenta minutos. Quarenta minutos para cada vídeo. Este novo é uma ficção sobre o cinema brasileiro. Algo (felizmente) nada simpático a nada. Grey (que é um gênio) é um produtor de pornô que resolve investir num filme moderno dirigido pela Pagu, sobre a Semana de 22. ( ... ) Não são vídeos feitos em VHS mas em U-Matie. Quero dizer. com isso que foram feitos para a TV. ( ... ) Amei fazer esses trabalhos. O Vídeotrip deverá ter uma segunda parte. Na primeira (que está rodada) falo da solidão, da burocracia, da produção. Na segunda: da distribuição, da exibição, da TV. Felizmente chego ao vídeo. Se o que estou fazendo é ou não televisão, isso pouco me importa. Eu acho que é. ( ... ) (Julho/1984)
* Em início de agosto 84, enviei a Rosemberg fotocópia do presente capítulo e, em troca, recebi o seu Manifesto Pau do Brasil. Trechos: O que caracteriza hoje todas as nossas posições não é mais a Poesia de quem cria mas o Horror de uma conjuntura minada em todas as suas bases de resistência. E ainda assim sonhamos. Como são ainda sonhos: CONVERSAS NO MARANHÃO, ALICE, ADYOS GENERAL, VÍDEOTRIP, CABRA MARCADO PARA MORRER, MEMORIAS DO CARCERE, CINEMA DE INVENÇÃO ... Teu texto sobre o meu Universo é um pouco ou talvez muito uma colagem de idéias, sonhos, reflexões ... Se não somos perfeitos, ao menos somos generosos. E na generosidade está o cinema de Idéias. Não me refiro ao cinema dos produtores. Ao cinema-cartão de crédito. Ao velho-cinema-novo. Me refiro à poesia de Bazin, à poética de Godard, à turbulência de Orson Welles, ao humor de Pasolini, ao estilo de Bufiuel , .. Dou graças a Deus por não pertencer a nenhuma panela. Estou livre para sonhar com um verdadeiro cinema de Idéias. Idéias que se misturam à mobilização, à Paixão, à ideologia, ao saber, à maturidade. .. Por que não misturar Oswald de Andrade com Lewis Carroll? Glauber com W. Benjamim? Brecht com Godard? Wagner com BUÍÍuel?? ? (Já não foi feito caro J
Crônica de um Industrial: cenas de filmagem (Still Cesar Elias)
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Rô? Un Chien Andalou ou l'Age D'or? - Nota JF). Quem são os homens que proíbem? Que Continente é este que vive da proibição, da promiscuidade política, da perversão ideológca, da vergonha cultural??? Somos sensíveis à VIDA, não ao ufanismo de gabinete. Por favor nos deixem VIVER, SONHAR, talvez. . . CONQUISTAR A PAIXÃO. O capítulo terminaria por aqui, mas resolvo mandar nova carta a Rosemberg, falando da passagem de Jorge Luis Borges por São Paulo, 13 de agosto: Se eu tivesse que escolher um escritor entre os meus prediletos, ficaria com Jorge Luis Borges, não só porque ele nasceu num dia 24 de Agosto - como eu. Cinema de Invenção está finalmente pronto e eu penso que ficou lapidar ... Na verdade, não quero falar do livro: é o melhor presente que me dou ao completar 39 anos. Não pude estar pessoalmente com Borges, mas estou galvanizado pelo seu olhar (sem ironia: semi-cego, nada serni-ótico, vê por dentro) muito além de visionário. Seria o nosso Shakespeare latino-americano, mas é bem mais: o tempo dirá. Nenhum homem sabe quem é isso não é dele, mas é mais que dele (não resisto a algumas frases pronunciadas em Sampa, Folha de S. Paulo, 14/08/1984): A memória é a busca de identidade. Da mesma forma com que a poesia sai da poesia, a literatura sai da arte. Sei que devo muito a bons autores, sobretudo aos bons autores que não conheço. Autores que já são parte da linguagem. A máxima ambição de um escritor é de que seu nome seja esquecido, e algumas de suas frases permaneçam como parte de um idioma. ( ... ) A literatura é parte da realidade, e não menos real que o sonho dos homens e que a escrita dos sonhos. Quando durmo, tenho sonhos luminosos e coloridos. Quando acordo, volto à penumbra da realidade. Eu aspirava ser um homem secreto: estou assombrado com a notoriedade. Tudo é passageiro. O importante é o fato estético e não as opiniões do escritor que são efêmeras. Toda a nossa história está povoada de sonhos. O nazismo, o comunismo e a democracia não passam de sonhos sonhados por seus ideólogos. Isso aí, caro Rô. De resto, quero te falar de duas novas amizades: Ariel De Bigault e Catherine Arnaud, de Paris, que 198
passaram uma semana vendo nossos filmes na Embrafilme/São Paulo: em três dias, assistiram mais de dez filmes! Entre eles, Zé-zero, Meu Nome é Tonbo, Aopção as Rosas da Estrada & A Margem (todos do Candeias), Bangue Bangue (Tonacci), Lilian !'vI, Amor Palavra Prostituta & O Império do Desejo (CarIão), Orgia ou o Homem que deu Cria (Trevisan: Catheri~e achou une provocation. .. Disse que não se impressiona mais com esse lance desde que viu Salo do Pasolini: ela talvez não tenha levado em conta que o filme de Tre é de 70, o de Pasô é 75 ... ). Mas foi um grande prazer ciceronear essas francesas: eu e Carlão as levamos a bons restaurantes, ficamos enfim atualizados com o cinema europeu: Ariel é mais elétrica, Catherine mais reflexiva. Eu disse a elas que é a primeira vez que pessoas do velho continente dedicam interesse criativo sobre o nosso cinema pós-pós, isto é, pós-Cinema Novo. Ah, claro, deu tempo de mostrar a elas também O Vampiro da Cinemateca. Nesse dia, só ficou a Catherine, pois Ariel subiu à cabine para ver Compasso de Espera (elas querem fazer inclusive uma mostra lá fora sobre a negritude). Então fiquei com a Catherine, que não fala quase nada de português (ao contrário de Ariel, que viveu um bom tempo em Portugal: Catherine não entendia quase nada do Vampiro da Cinemateca & eu tentava explicar: na verdade, você sabe, meus filmes são mais textuais que visuais). Pai uma semana de grande prazer: bateu a sintonia independente de uma forma generosa, delicada, abrangente: elas garantem que ainda este ano haverá matéria about. .. adivinhe onde? Nos Cahiers du Cinema! . O contato se deve muito a João Carlos Rodrigues, que por incrível que pareça não vi mais desde aquele dia em que estivemos juntos na praia em Ipanema... faz mais de um ano, quase dois! Tá lembrado? A gente caminhava pela rua Vinicius de Moraes quando encontramos, num fantástico acaso, o meu irmão Alfredo Ferreira Junior!!! Pois é, caro Rô: o importante agora é a gente se ver de novo: eu já não consigo falar de tantas emoções só no papel. Sonhemos ao vivo! Novembro 85: Rosemberg passa uma temporada em Paris e continua me enviando pelo menos uma carta por semana e belíssimos postais., Diz que levou seu último vídeo, O Vampiro (1985), para passar para película e prepara o roteiro de seu sketch para Crônicas d~ Futuro, cujos .~JUtros dois episódios serão dirigidos por Andrea Tonacci e Joel Yarnaji.
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IV -
PROCESSO CRIATIVO. SINTONIA VISIONÁRIA
Essa música da luz tem sido e será sempre a essência do cinema. Walter
Ana Maria Miranda em Crônica de um Industrial
(Still Cesar Elias)
Ruttmann
Cinema: Kínema. Sétima Síntese das Artes. Nascendo no fim da Super Era de Peixes, antecipa o Terceiro, Quarto Milênio: Super Era de Aquarius. Paz. Não mais o negócio e sim o Ócio. Cinema: Luz. Não só do Homem Cômico, mas do Homem Cósmico. O Bandido da Luz Vermelha: um filme de 3968, realizado com dois séculos de antecedência. Sintonia visionária e intergalaxial. Cinema: Arte Adolescente, Abrangente, Ascendente. "À medida que o cinema se expande, à medida que começa a admitir espetáculos de luzes e de sombras, sua história começa a incluir técnicas pré-fílmicas. Essas técnicas retroagem às peças de sombras da Ásia, à possível utilização de jogo de luzes pelos sacerdotes da antiga Grécia, e talvez à época em que o homem pré-histórico fazia um jogo com as suas próprias sombras, quando, pela primeira vez, desenvolveu reações estéticas com relação à luz em si." (Renan) Não há meio termo: ou o cineasta tem talento ou não tem. O VAMPIRO DA CINEMATECA: Se quem tem, tem é porque quem tem, tem; se quem não tem, não tem é porque quem não tem, não tem ... 203
AMILAR ALVES - Me consta que João da Mata/1923, Campinas, é o primeiro longa-metragem brasileiro. OLÍVIO TA VARES DE ARAÚJO - Curtas de alto nível: Farnese (73), Profissão Travesti (82). Outubro (85/86, projeto). AGNALDO (SIRI) AZEVEDO Curtas da Boa Terra: Boca do Inferno (75) sobre Gregório de Matos (Emanuel Cavalcanti, vibração total). Memória de Deus e do Diabo em Monte Santo e Cocorobó (84). BRUNO BARRETO - Roberto Piva assistiu 9 (nove) vezes o seu Amor Bandido. LIMA BARRETO O Cangaceiro (1953), genial nordestern. LUIZ DE BARROS Artesão de chanchadas consideráveis: Samba em Berlim (1943), Aguenta Firme, Isidoro (1951), Trabalhou Bem, Genival (1955). OSMAR DE BARROS FILHO Adiós General (84), longa deflagrador. DJALMA LIMONGI BATISTA Nosso Visconti: Um. Clássico Dois em Casa Nenhum Jogo Fora (1968), Porta do Céu (73). Longas: Asa Branca, Um Sonho Brasileiro (1981), Brasa Adormecida (86). Projeto: Rio Máximo Amazonas. MOI SÉS BAUMST~IN - Agilíssimos Super 8: Em Busca do Ouro (80), Um Trilogia Grotesca (81), Pesquisa de Opinião Pública (vídeo 85). SÉRGIO BIANCHI Curtas premiados (Mato Eles/83, Divina Previdência/84), longa irregular (Maldita Coincidência/ 81), longa muito promissor (Romance, 85/86). CHICO BOTELHO - A Longa Viagem (84, média-metragern). Longa que redes cobre a megalópole:Cidade Oculta (85/86). GIBA ASSIS BRASIL Longa feito em Super 8 como se fosse 35: Deu Pra Ti Anos 70 (1981). Vice-versa Verdes Anos (1984). Renovação no Rio Grande do Sul. Ver Nelson Nardotti. MANFREDO CALDAS - Cinema Paraibano: Vinte Anos (1983), com depoimento de Linduarte Noronha (seu curta· Aruanda/1960 é antológico). ANTONIO CALMON "Não faço filmes para cinematecas ": Capitão Bandeira contra o Dr. Moura Brasil (70), Paranóia (76), O Bom Marido (78), memorável artesanália.
CLAUDINE PERINA CAMARGO Mestre do Super 8 em Curitiba, me convidou pra conhecer seu laboratório & não pude: Era uma Vez (1979). JUNIOR CARONE Só (1981). Ripa na chulipa. & não é só. LUIZ CASTELLINI Empenhado artesão de roteiros pessoais: Reencarnação do Sexo (81), Instinto (83). Bons projetos pela proa. CARLO CIRENZA - Sganzerlino: Tun(o)el (86). Futuro. FLAVIO MOREIRA DA COSTA - Sketch em América do Sexo (71). CLAUDIO CUNHA - Excelente artesão: Snulf Vítimas do Prazer (77). SILVIO DA-RIN - O Príncipe do Fogo (84), curta sobre a loucura de Febrônio, lndio do Brasil, também revivido nUm Filme 100% Braiileiro. Projeto de longa (85): A Igreja da Libertação .: FLAVIO DEL CARLO Prodígio em animação: Paulidia (78), O Grotão (81), Tzubra Tzuma (82), Um Minuto para Meia-Noite (84). JOHN DOO - Elegante China na Boca do Lixo: Ninfas Diabólicas (78). Ambicioso projeto com roteiro de Ana Lúcia Franco: A Mulher e o Cisne (85/86) título provisório. ABOUTBOL ELLIOT Sganzerlinos projetos em andamento. LAURO ESCOREL FILHO Otimo documento sobre anarquismo: Libertários (76). Sonho Sem Fim (86), longa inclusive sobre cinema no Sul. BERILO FACCIO Os Discos Voadores Estão Entre Nós (1972), longa a ser descoberto. Teria sido nosso ET antes do ET ... PEDRO FARKAS Tem Coca-Cola no Vatapá (76). Agora um de nossos melhores diretores de fotografia. ARON FELDMAN Cinepoeta primitivo de Santo André, "continuador de Mauro e Candeias", segundo Victor de Almeida. Extensão da Boca do Lixo no ABC com filmes a partir de 66/67: O Mundo de Anônimo Júnior (longa estranhíssimo), A Febre Nossa de Cada Dia, O Pacote, Mangue Vezes Metro, Já não se Fazem Almas como Antigamente etc. MOACYR FENELON Coisas Nossas (1930), Esta é Fina (1947), Dominó Negro/1949 (em restauração pela Cinemateca Brasileira/SP).
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Julio Bressane: tudo o que faço em cinema é no sentido de ter e dar prazer. Cinema: Arte do' Prazer. Cinema é o Seu Desejo, caro Leitor/Eleitor. Pequena galeria de talentos em rotação:
ROLF LUNA FONSECA - Dez Jingles para Oswald de (73). OLGA FUTEMA - Nossa Kynuyo Tanaka dos curtas Retratos de Hideko (81) e Ria Sa Hai Ia.' (85/86). JEAN GARRETT (Tre'strelas & meia): A Mulher que Inventou o Amor (1980), roteiro de JS Trevisan. "Fiz um filme para ilustrar o seu roteiro, queria um roteiro para ilustrar o meu filme" (Garrett). ARNALDO JABOR Toda Nudez Será Castigada (73), O Casamento (76), Eu Te Amo (80), Eu Sei que Vou te Amar (85). Grande cinema. ANDRÉ KLOTZEL - Bom curta: Gaviões (81). Premiadíssimo longa (3 estrelas - JF) de estréia: A Marvada Carne (85). ANÉLIO LATINI FILHO - Sinfonia Amazônica (1953), nossa primeira animação de longo fôlego. EDUARDO LEONE Feérico curta: A Morte da Strip-teaser (68). Tese/romance: Retrato Não-Terminado (85/86). RUBENS LUCHETTI - Dileto colaborador (ghost-writer) nos roteiros & textos de José Mojica Marins. FRANCISCO MAGALDI - Kyneazta em ponto de bala: sketch em Made in Brazil (83). Curta elogiado: Do Outro Lado da Lua (85). Muitos projetos em 86, incluindo longas. fCARO MARTINS O Olho Mágico do Amor (82), Onda Nova (83), Estrela Nua (84). Khouryano. Ver José Antonio Garcia. JORGE MAUTNER O Demiurgo (1972). Experimentália do Kaos. SEBASTIÃO MILLARÉ - Bons textos sobre a Boca do Lixo no Jornal Artes (1970/71). índio antropófago & gay em Orgia de JS Trevisan. YPPE NAKASHIMA Nosso 2.0 longa de animação:
Andrade
MIGUEL ONIGA A Vingança do Além. Curta. Remember 1.° Encontro Nacional de Cinema Independente, Belo Horizonte/1980. HERMANO PENNA - Sargento Getúlio (1978/83): me lembra O Louco do Cati (1942) de Dyonélio Machado. Projeto
86: Fronteira Oeste. OTONIEL
SANTOS PEREIRA
mem Aranha contra o Dr. Octopus/73.
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O Pedestre/66, O HoDeclaração/75. Teria se
Editora) já se iniciando em vídeo. EDGAR NA VARRO FILHO - Gênio: O Rei do Cagaço/ 77 (depoimento em meu longa O Insigne Ficante), Alice/78, Exposed/78. Curta 35 premaido em Brasília 85: Porta de Fogo. Longas em projeto.
afastado do cinema devido a enxurrada de prêmios que seus filmes ganharam. LUIZ ALBERTO PEREIRA (Gal) - Jânio a 24 Quadros (ver ensaio JF in revista Filme Cultura n." 41/42) 82/83. Projeto 86: Aonde Vamos. LUIZ SÉRGIO PERSON Grandes filmes: São Paulo S/ A (1965), O Caso dos Irmãos Naves (1967), sketch alusivo a Che Guevara em Trilogia do Terror (1968). Carlão Reichenbach lhe dedica Filmedemência ou O Último Fausto, título provisório/86. GUILHERME DE ALMEIDA PRADO - Jovem talento emergente de Sampa: As Taras de Todos Nós (81), A Flor do Desejo (84). Projeto 86: A Dama do Cine Shangay (belo título). Precisamos novos Pornógrafos. ALOYSIO RAULINO Raro talento em documentários (anos 70, plena resistência). Seu longa Noites Paraguaias (82) me sensibiliza por ser um escracho. Ainda não vi o curta Inuentário da Rapina (85), mas já gostei. Muitos projetos pela retaguarda. .. da vanguarda. REGINA RHEDA - Transfiguração do filmusical: Fuzarca no Paraíso (82), Folguedos no firmamento (85). Masterpieces. Projeto de longa 86: O Dia em que a Terra Rebolou. JOÃO CARLOS RODRIGUES Sublime vídeotapa: Punk Molotov (84). Sintonia Poética não tem fronteira: aqui & agora é lá (também). SÉRGIO SANTEIRO - O Guesa (1970), curta sobre o poeta Sousândrade. Me lembro de sessão especial aos Irmãos Campos & D. Pignatari, na Sociedade Amigos da Cinemateca. Memorável papo no restaurante Riviera/Sampa. NELSON PEREIRA DOS SANTOS - João Luiz Vieira interpretou o que eu achava & não expressava: Fome de Amor (1968) é que é o melhor deste grande cineasta mais famoso por Rio 40 Graus (1955), Boca de Ouro (62), Vidas Secas (63), Memórias do Cárcere (84). O importante é rever.
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Piconzé
(72).
LUIZ NAZÁRIO Jovem independentes. O Cinema Industrial
za dos Monstros/83;
crítico
& ensaísta
(edições
Americano/82, Da NatureDe Caligari a Lili Marlene/83 - Global
RUY SANTOS - O Homem e o Limite (75), inolvidável curta sobre Mario Peixoto. TÂNIA SAVIETO - Cinefilia/cinofilia: O Melhor Amigo do Homem (82), bom curta. Projeto (Ionga-rnetragem): Bianca (86). ARY SEVERO - Um Julio Bressane do Ciclo de Recife. Aitaré na Praia (1927) seria Pick-up on South Street (Fuller, 1952) antes do Anjo do Mal (Helena Ignez) de Cuidado Madame! (70). JOSÉ RUBENS SIQUEIRA Amor e Medo (1974). Painel jovem. MAURíCIO DE SOUZA - Nosso 3.° longa-metragem de animação: As Aventuras da Turma da Mônica (1982); o 4.°: A Princesa e o Robô (83). SÉRGIO TOLEDO Estória de Vera (85/86). Nada mais experimental do que uma-queda-para-o-alto-astral: o desafio é equacionar o lance em termos de estrutura narrativa (de minoria) para espetáculo (de maioria). RUY VEZZARO - Kynopoeta de Kurityba (Paraná, 1979, Festival Super 8): Vitrines (filmalucinante), Aluminosa, Espera do Apocalipse (chave concreta de muitas sintonias - apenas rememorando em novembro 85). & Rui tem novos projetos. BERNARDO VOROBOV - Ovo de Codorna (73), Boca do Lixo (71), curtas; mas o melhor é um filme inacabado (1972) com Julio Calasso Jr. no papel principal & fotografia/iluminação de Ozualdo Candeias. HAMILTON ZINI JR. Lindanimação (short-feature): Zabumba (84). Em andamento (sincopado): O Filme do Masp (86). ALEX VIANY Gostaria de rever Sol Sobre a Lama (1963) ao lado dO Túmulo do Sol (Taiyo no Hakaba/1960) de Nagisa Oshima.
Julio Bressane, batuque dos astros
Os erros e as ignorâncias é certo que são muitos mais que as ciências porque para saber e acertar não há mais que um caminho e para errar infinitos. Vieira
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Silêncio piramidal,
ouça:
a ciência aperfeiçoa a sua visão do mundo, a arte aperfeiçoa você. Fernando
Ninguém João Ninguém São João Ninguém
o hieróglifo inter-Ninguém diz: viver é viver sem viver em si. finíssimo o mister VIVER. viver não basta. a cabeça do mundo tem que olhar para a caveira do mundo. a cabeça sobre a caveira. a caveira é maior. tanto melhor menos vaidade mais desengano ... esferas; semi-esferas; geomancia e geometria escandinavo-cabocla longas lápides ebúrneas... inscrições... o que dizem aquelas letras? o que cobrem aquelas pedras? as letras dizem pó. e as pedras cobrem o pó. é tudo que ali há e o nada que havemos de nos tornar: tudo PO (trecho do Sermão do Monstro Caraiba. Julio Bressane. Correio Braziliense, 24.05.1980) 211
AO VERME QUE PRIMEIRO ROEU AS FRIAS CARNES DO MEU CADAVER DEDICO COMO SAUDOSA LEMBRANÇA ESTAS anotações em guardanapo: sinais da águia no corpo: signagem da água no copo. belair a cores na boca cinzenta. atualidealização transdialética de julinho: não (só) sermões / sertões, Padre Vieira/Euclides da Cunha, mas Vieira/Machado de Assis: memórias póstumas de (Brás Cubas) um ex-estrangulador de loiras. começando pelo fim & voltando às origens ou a uma das entradas no labirinto poético em que se constitui o multicinepoético de um autor épico via (não só) Alvaro de Campos, Ricardo Reis ou Alberto Caieiro, Fernão Vulcão nos fogs londrinos: Hélio: Estamos aqui outra vez no Cbelsea: hoje é dia 28 de maio de 1971, meio-dia. ( ... ) Ontem, nós vimos dois filmes de Julinho Bressane: um foi Matou a Família e Foi ao Cinema, que já foi exibido no Brasil; o outro, Família do Barulho (que acho que já foi exibido na Cinemateca); e um outro ainda, que você viu e eu não, que é o Memórias de um Estrangulador de Loiras, o primeiro filme dele na Inglaterra. Ontem nós falamos sobre isso no carro, mas infelizmente eu não gravei. Haroldo: ( ... ) O que é muito interessante no filme é que é uma espécie de musical que não tem música, é um estudo em cor do cabelo das louras, que são sempre as mesmas, estranguladas em ritmo de balé por um mesmo sujeito, o Guará, um misto de Lewgoy e Aznavour. ( ... ) É uma espécie de Nosferatu tropical com bigodes de barbeiro, com bigodes de opereta. Em vez de ser um Nosferatu sombrio, do expressionismo alemão, é uma espécie de neovampiro tropical, tropicalesco, untado de cor de abóbora, laranja, com calças vermelhas e, ao mesmo tempo, com bigodes napolitanos. Um personagem que poderia ter saído dõSerafim Ponte Grande. Assim como a Gertrude Stein em sua prosa repetia sempre as mesmas palavras, Julio mantém a mesma cor,do começo ao fim: o filme tem um extraordinário humor. No final, o que está sendo estrangulado no filme, pelo estrangulador de loiras, é a retórica verbal do cinema. Na realidade, é 212
um filme cuja motivação final é o cinema, mas não tratado de um ponto de vista intelectualizado, e sim de ,:m modo direto: como se fosse uma tomada de posse, com as maos, da moela do cinema, estrangulando-o no ato. Isto o Julinho faz de~de ~ c03traponto da cor, do laranja ao loiro dos cabelos, ~a iluminação radical, da repetição até a exaustão das mesmas coisas. Tem um momento em que ele focaliza durante certo tempo ;tm .ra!? de banheiro, um ralo de cobre, que ao mesmo tempo da a idéia de um sol dourado e de uma garganta que deixa escorrer água e que é sufocada. Ele consegue fazer um ve~dadeiro ideo?ra~a visual só com imagens, sem nenhuma necessidade de explicação discur'siva. Isto não precisaria ser traduzido, PO!s também não ~ uma volta ao cinema mudo: é uma não necessidade da verbalidade, pois o visual é eloqüente por si mesmo. Hélio: Em Matou a Família, que é bem anterior, isto já se dá: quando as pessoas estão falan~o e não sai a voz, o silêncio tem a mesma importância que a coisa falada, no que tem uma relação com a coisa do John Cage usar o silêncio, co~o. algo elementar, que nada tem de cinema mudo, de ser a ausencia do som. (Heliotapes: Hélio Oiticica/Haroldo de Campos: originalmente publicado no jornal alternativo Flor do Mal, 1971, reproduzido no Folhetim N.? 382)
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Julio me diria mais tarde que Memórias de um Estrangr:uma ampla mostra ?e filmes sobre estranguladores que viu em Londres: transfigurou assim 70 anos de clichês num verdadeiro paideuma. Não é seu filme-síntese mas uma de suas obras-primas ao lado de O Anl0
lador de Loiras foi concebido durante
Nasceu Ma/ou a Família e Foi ao Cinema, Família do Barulho, Crazy Love, O Rei do Baralho e Tabu, o que só faz aumentar a importância deflagradora de suas o~tras doze ou quatorze experimentações em dezessete anos de cinema. A revista Cine Olho (N.o 5/6, 1979) fez um bom. apanha~o da obra de Julio Bressane, na verdade uma peq:l~na introdução aos seus filmes que aguardam um livro sistemático. Enquanto isso não acontece, alguns estilhaços preenchem a lacuna. Co~e.ço por João Silvério Trevisan (Naturezas Mortas de Um Diãrio: Julio Bressane Is Alive) sobre O Anjo Nasceu: 213
São Paulo, 5 de maio de 1978 O Anjo Nasceu é um filme maldito, niilista, suicida e estraçal~ador. Me deu ~or de estômago. Me fez achar que o direito esta ~rrado. Inclusive por ser repulsivo, repugnante. Nunca amei um fII~e com tanto desprezo. Nostalgia também. Senti nele a nostalgia do que eu gostaria de ter sido: um subversivo um rebelde total, um bandido e santo. Eu mesmo, aquele que nunca chegara a nascer, apesar dos ensaios, anseias, tentativas, gravidezes (e ~b?~to.s tantos). É um filme feito por uma bicha enrustida s~nslblhsslma, que bate nos outros e, com isso, se bate, se cast~ga. E goza. Há uma confissão de culpa total - o inferno católico ?e se sentir mau, a autocondenação. Um espetáculo sadornasoqUl~ta per~eitamente público. E o público apanha. Mas bate tambem. O filme tem a coragem de ser perfeitamente iconoclasta mal-educad~ e pervers~ até a indignidade. É raro ver algo qu~ possa ser tao digno. Tao solidamente suicida. Tenho vontade de dar medo aos outros. Provocar, com o medo. Minha literatura par~ce car~cer de terrorismo, de desprezo, de negações e brutificaçoes. Deixe sangrar. Ah, adolescência que parece tentadoramente 5lue~er ;o~tar. Acena para mim. Passada a limpo talvez. Não mais dlcoton:lca. Um anjo pagão quer nascer agora. Sempre. (Saudades de ~lmbaud, Dylan irado, Torquato Neto. Saudade de todas as bichas debochadas, doridas. Saudade de homens lindos. S~udade do. meu .sexo, diluído aqui nesses lugares onde esteve, vlbran,te e .lmpaclente.) Meu sexo é minha maneira de pensar. E v~ce.' JulIo ~ressane, que já foi o homem mais lindo do cinema br~sIlelro, voce não passa de um grande e autêntico filho-da-puta Esp_ero te encontr~r tinindo de gozo em algum lugar sórdido: e.nt~o a g~n:e continuara o meu papo. Lá eu conheço. Minha ficção esta Ia. . (Fiquei mais. de uma ~ora dentro do carro, praticamente gntando l~ra o jairo, numa implosão pra fora. O filme colocou um demO~I? dentro de mim. Teve o efeito deflagrador de uma dose de ácido. Não tenho que explicar nada.) , A seqüência do c~samento no parque, em O Anjo Nas lu, e a do nasc~:nento do cinema. Parece algo filmado pela ingel1lrtdade de Lur~llere. Os atores ?lham a câmera que os olha intrigada e pouc.o a ~ontad:. A norva tem um ar inofensivo e perfeitamente imbecil naquele seu vestido de cauda quase infinita. O noivo lembra um monstrinho de subúrbio. Crianças correm pelo parque, para fora do quadro, e isso tem magia. Num plano geral, 214
árvores e personagens projetam longas sombras sobre o chão em declive, quase não se sabe o que são as sombras, o que são os objetos e as pessoas. Expressionismo de Lumiere, quadro composto de puro contraste de luz. A inventividade das raízes, ali presentes, me comoveu no mais profundo. Filme selvagem, de demônios angelicais, que te olham docemente antes de te assaltarem ou que nem sabem se vão te assaltar ou te chupar. A seqüência é um poema dedicado ao cinematógrafo redescoberto. Tudo já estava lá, no princípio: o olho da câmera não é senão o olho de uma câmera. E por ele se recria o mundo. Chega de mistificações. Um pinto é um pinto. Gozo é gozo. É cinema.
São Paulo, 1.0 de abril de 1979 Visões maravilhosas dos filmes de Julio Bressane. Um bebê com jeito de mono olha para a câmera durante longos minutos, sorri para os lados, ameaça chorar, ri de novo, vira-se, procura um robô experimentado diante da câmera em Memórias de um Estrangulador de Loiras. Marchinhas de carnaval antigo fazem contraponto à crueldade escrachada e irônica. Pedaços imprestáveis de filmes, pontas, trechos velados, pequenos takes sem função aparente, juntados quase epicamente ao som de uma remexida canção nordestina, gente fazendo pose, com a candidez do cine. matógrafo Lumiere. (O mais comovente, sei lá por que, são três minúsculos planos tortos de um gato preto, poesia do sublíminar, do sub.) E uma emoção sem tamanho, quase às lágrimas, ante essa eternamente adolescente (ou infantil) descoberta/invenção do cinema - Crazy Loue.
São Paulo, 6 de abril de 1979 Revi Matou a Família e Foi ao Cinema -
após quase dez anos. Vi nele elementos biográficos de minha própria geração e, senão auto-biográficos meus, pelo menos traços que me são muito familiares. O filme é ingênuo, diante do que Bressane fez depois. É de uma ironia aristotélica, bem-comportado, fantasticamente contido e medroso; tem até continuidade. Pensei se não teria sido lamentável o fato de que, naquela época, eu só ter conseguido ver esse filme e não O Anjo Nasceu - que é a verdadeira explosão de invenção do Bressane (só visto por mim no ano passado, pela primeira vez). De perturbador, no Matou a Família, e de transgressor das regras há sobretudo o final: as duas amantes se dão tiros, enquan-
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Helena Ignez em Família do Barulho
to riem; matam-se por amor, mas ludicamente, endiabradamente, sobre os cadáveres das duas (Márcia Rodrigues e Renata Sorrah), uma canção de amor do Roberto Carlos; no último plano (a cabeça e mãos imóveis de Renata) o disco enrosca nas palavras finais que são repetidas interminavelmente. Maravilha! Será que eu teria sido o mesmo, se tivesse visto mais Bressane na vida? Ainda dá tempo de fazer sempre o errado - o errado é que está certo. Por outro lado, devo ser suficientemente honesto comigo mesmo para admitir que minha vida tem sido, de um modo ou de outro, uma vida errada, o que não carrega nenhum prazer estético. E isso, modestamente, me alegra. Eu tenho vivido o que Bressane põe no celulóide. Somos duas faces da mesma moeda. Dois jeitos de errar. Só que, na vida, o errado tem seu preço. Eu sei muito bem. Por isso deliro o quanto posso. Afinal, mereço.
Transgressão do Limite
(]F, Cine-Olho):
Rogério Sganzerla, José Mojica Marins, Jul~o Bressane, lvan Cardoso: gigantes e rebeldes da Américas (Eduardo Viveiros, RIO/1978)
cine-poetas,
gênios,
Nos filmes de Julio Bressane, o espectador pensa estar vendo cinema, mas isso é uma ilusão: está ouvindo música. O' ideal de toda forma de arte é ser música. Arrancar leite de pedra é isso: fazer o que não foi feito, extrair o possível do impossível. Transação altamente visionária e interserniótica: literatura na imagem, cor nos ruídos, o som do cinema mudo. O Rei do Baralho. Por isso ouvir os filmes de Bressane é mais importante que vê-Ias. Qualidade sonora das imagens, visualização musical ou musicalidade visual: os filmes de Julio Bressane dispensam totalmente os ruídos incidentais, ambientais ou de sala. Num super 8 que rodou nas ruínas mexicanas, 1974, sem título, Julio arranca som de pedras mitológicas: o microfone é esfregado sobre as inscrições ... Ênfase maior no significante, não no significado. O importante é o como, não o que. Como foi feito Memórias de um Estrangulador de Loiras/1971, quando Hitch faria Frenzy um ano após (1972): viu em Londres uma mostra semiótica de filmes de estranguladores, como poderia ter visto no Brasil uma mostra de filmes sobre os crimes da mala, se aqui tivesse restado cópias. Revisão, balanço & subversão dos clichês. Por isso o filme é uma síntese ideogrâmica, paideuma, condensare: cem horas
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Tabu: Colé (Oswald de Andrade), José Lew~oy ,eJoão do ~iu), Caetano Babo), Arnaldo Brandão (Chico Alves) (Still Lita Cerqueira)
Veloso (Larnartme
de clichês em 70 minutos de superinvenção poética entre Pound, Cage & Oswald de Andrade. Montagem no quadro & não mais no corre (Crazy Lave é nesse sentido uma extensão). Cuidado Madame/1970 (Brega Cbic de Eduardo Dusek 14 anos antes) não é Jóia, é Qualquer Coisa. Não é por menos que, !aria T ~~u justamente com Caetano: a câmera dançando entr arvores ja es~ava como borrão em outro super 8 que julio bressane rodou ali por 1975, dançando com a câmera amarrada na cintura e voltada para as copas de muitas árvores nunca tomadas como se fossem a floresta. Qualquer coisa de Caetano é que é jóia. Filmado em 16mm com uma Éclair (a câmera de experiments como CÂNCER & SEM ESSA ARANHA) como se filmaria em Super 8, menor o formato, mais azilidade técnica instigando novas programações poéticas. Relação'" intersemiótica de b~tolas: um 16 que é Super 8, como em Salve Quem Puder/ A Vtda (1980) Godard assimila ao inverso o search que só o vídeo oferece, com o requinte de que o melhor do· vídeo é d~purado na trucagem que (só: por enquanto) o cinema aperfeiçoou. Preenche~do. espaço em. longas caminhadas (contraponto: travellmgs V1suaIS numa direção, travellings sonoros em outra: algo mais do que Hélio Oiticica sacou em relação a Matou a Família: não é que a voz não saia, ela sai mas é colocada em outro segmento da anti-narrativa), como Machado de Assis preenchia páginas e páginas falando de seu vazio. zen zangado: zen-ga-khouri: quanto mais vazio, mais rico: homenagem a Pepe Escobar via mega-star Ryuichi Sakamoto, o ator de Merry Cbristmas, Mr. Lauirence, de Nagisa Oshima, que nos visita agora em setembro (1984): Oshima tem tudo a ver com essa experimentação: seus filmes Túmulo do Sol & Juventude Desenfreada (1959/69), na Liberdade, cine Nippon, eram pura Sintonia Visionária & o primeiro citado influenciou totalmente (até) o Alex Viany de Sol Sobre a Lama). Crazy Lave/o filme de Julio Bressane. Não confundir com a bela canção de Paul Anka (1960 ... 61). Um filme de cinema investigação sobre o olho & o olhar. Operação de catarata no olho da linguagem do cinema. Olhar incomum em ângulo inaudito. Assisti a esse filme em casa de Ivan Cardoso, 16mm & Julio repetiu a minha impressão: este filme sobre a retina me tirou da rotina. Interpenetração olho/visar da câmera. Transfiguração de fronteiras. Uma constante no cinema de Julinho. Em Agonia, entr'outros lances de olhos um remake de Limite (a rigor: no balneário Cidade Maravilhosa, hoje tão deteriorada 220
urbanamente quanto São Paulo, o cinema vai (só. só? só!) de Mario Peixoto a Julio Bressane), Joel Barcelos olha a lente da câmera bem de perto, averigua: de fato seu olho se reflete na superfície cristalina da objetiva, sai de foco e entra em foco, mas há um ruído de rádio portátil totalmente fora de sintonia. Humor sempre pelo avesso (certo): estar fora/ estar dentro. Família do Barulho re ... vê: inclusive o importante Ciclo do Recife (Aitaré da Praia/1925-27: Gentil Roiz/ Ary Severo: tão estranha associação quanto Belair de Bressane/Sganzerla): sempre independente. Entrementes, minha dedicatória total é a TORQUATO NETO: Um plano é um plano e Guará é o ator: Família do Barulho é que é o filme. Enquetes e panorâmicas recortam a família no álbum da família em transas - com um corte/seta/plano de retorno para revisão imediata da questão - odaliscas no Catumbi bicha do mangue - gangster de araque - atriz Helena Ignez aponta com o dedo o caminho do banheiro no guichê do aeroporto quantas vezes adeus, amor - o ditetor afasta-se do tripé sem câmera armado abandonado na lama de lagoa e ronda. Cada plano existe só e depois que não acaba. Toda situação é autônoma montagem somaseqüente de planos. A FAMíLIA DO BARULHO, de Julio Bressane, primeiro grande filme de Julio Bressane previsto previsível no caos do cinema do Barão Olavo (breve em exibição por aí), fim de um período neste início, claro. Feito no Brasil, Rio, em 1970, está para JB como um momento completo de soluções de suas primeiras principais preocupações e buscas de um cinema concreto brasileiro. O teatro de revista, a televisão, o deboche, a paródia, o BRASISPERO (Waly), os atores. Aproveitamento geral do material filmado igual a conseqüente desmistificação de conceitos tradicionais borocochôs de plano, montagem ritmo (LíNGUA) e outras mumunhas mais da chamada & idolatrada linguagem do cinema. (Chamada LINGUAGEM sendo utilizada como LíNGUA. Língua de Welles, de Rocha, de Visconti, etc., inclusive: língua brasileira. Pois: Cinema Novo, Brasil, 1972, igual ao que se vê: manutenção passiva da língua brasileira do cinema: repertório de informações cristalizadas: passividades etc ... ) A Família do Barulho: utilização eficaz (inovadora) da LINGUAGEM do cinema. Montagem absolutamente não discursiva.
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Um plano é um plano. Guará, Helena, Otelo, Kleber, Poty: preferência nacional. Unidade total a partir do aproveitamento malandro do indivíduo; ator sob/sobre o personagem. Nada de cinema experimental, como queremos & outros: cinema DE INVENÇÃO. Originalidade para o mundo. Do lado de fora do concurso etário quem é mais brasileiro por aqui? Exibido um dia desses na Cinemateca do MAM, Família do Barulho continuará inédito para o grande público do cinema por aqui, mas um dia passa. Lembrar bem: pronto há já dois anos. Destino de quem tem a coragem de Inventar, sempre. Uma produção BELAIR. BREVE.
* Rodado nos estúdios da Cinédia, O Rei do Baralho (1973) é outra obra-prima que permanece inédita. Talvez a melhor homenagem de Julio Bressane ao grande Grande Otelo, pai de santo do cinema brasileiramente brasileiro. O preto no branco em affaire com uma loira oxigenada, Marta Anderson: Eu vou te levar ao alto da minha torre e você ua: ver estrelas.' (Eu não falo em corda em casa de enforçado ... ). A magia do jogo de cartas entre baforadas de charuto. Todos os lances de mãos nas cartas: magia dos signos da chanchada. Idílio aparentemente mudo, pois se não sai a voz ao menos se vê como os lábios se movimentam. Tradução musical: Ela disse-me assim ... na voz de Jamelão. Não poderia haver melhor transfiguração. Passeios de Grande Otelo, paletó branco, entre rochas e ondas que se quebram na praia. Planos gerais. Tudo mudo. Primeiríssimo primeiro plano da grande cabeça de Grande Otelo: trucagem da cabeça girando de 5 em 5 fotogramas. Filme de cabeça negra. Ritual afro-carioca & um preto Chevrolet Belair nas sete curvas do Sétimo Céu, cenário predileto de Julio Bressane: em Agol1ia tem, em Viola Chinesa tem, nO Gigante da América também tem. Viola Chinesa é aliás um documentá rio dos encontros de Julio com Otelo, como Cinema Inocente (1980) é seu encontro documental com o montador Radar (Leovigildo Cordeiro). . O Rei do Baralho: metachanchada, paródia da paródia: Jogo de espelhos levado às últimas conseqüências (Ivan Cardoso
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filmando as filmagens em Super 8: Alô Alô Cinédia: como nO Monstro Caraíba nasce Aventura nos Mares do Sul: como nO Gigante da América nasce História do Olho, já em 16mm). Ou o cara tem ou não tem. Utilização eficaz (inovadora) das pontas que apontam novos signos. Um filme que parece é sonho: se você não acorda e anota, escapa. Já O Monstro Caraíba (1975) é um filme-safari sobre um gigante (Carlos Imperial) caça-signos na areia: é bom que decifre logo, pois a maré não perdoa, apaga & o aventureiro pode ficar sem pistas. (((revi Câncer, definitivamente um filme menor do grande Glauber: ele sabia muito bem disso... Certo que Julio não o viu na época: apenas se inspirou nos dois personagens, o bandido negro (Pitanga) e o bandido branco (Hugo Carvana): provocador, Julio chamou o mesmo Carvana e, como não queria Pitanga, optou por Milton Gonçalves: de resto, O Anjo Nasceu transfigura esses dois personagens e vai muito além de Câncer: não apenas testa a resistência do plano-seqüência, como o satura. Em Cara a Cara/1968, já havia influência de Terra em Transe, mas todas as dívidas foram saldadas: em A Idade da Terra, Glauber cita - também sem ter visto - até o péssimo Copacabana Mon Amour, aliás utilizando a lente cinemascope na mão de forma muito mais criativa que Sganzerla. Pra mim essa polêmica toda está encerrada: só lamento que tenha faltado generosidade entre as partes: são todos geniais inventores, deveriam reconhecer as influências mútuas & deixar de mistificação. Julinho também se inspirou no meu Vampiro da Cinemateca ao filmar Cinema Inocente /1980 e eu estou bem quieto aqui no meu canto: os cinéfilos terão oportunidade de rever todos esses filmes numa mostra-confronto & como bons interlocutores saberão distinguir o valor estético de cada um. Mas não resisto a uma nota sobre Copacabana: não inventou nada: cinemascope no Brasil começa com A Sina do Aventureiro/1957 de José Mojica Marins, passa pela Igluscope de Roberto Pires em Redenção/ 19)9 & culmina com A Idade da Terra/1980 de Glauber. Alguns gênios do cinema também fizeram filmes execráveis: dizem horrores de O Estranho (The Stranger/1946) de Welles, eu detestei Uma Mulher Casada (Une Femme Mariée/1964) de Godard, o sketch A Rainha do Fliperama de Reichenbach é pior do que o pior Ody Fraga, pra ficar só em 3 exemplos pautei o livro todo pelo prazer & não pela irritação. .. Conheço ótimos Super 8 sem título de Bressane, mas não um filme Belair
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chamado Barão OI.:lvO o Horrível, também rodado em cinemascope, branco e preto, que seria uma mistura nada fina de Khouri com Mojica ... : mas quem teve a coragem de equacionar tal dialética? Julinho, pois é. Pitangueira (às vezes) não dá mangajj) Pitangueira
nunca deu manga.
Julinho
com a palavra:
Parece mas não é Quem és, de onde vens, oh traço estranho!?
.
Privilégio quirográfico: Jasper Johns e seus grandes quadros (com tela feita de jornal) onde escritura a mão sobre escritura a mão se superpõem, lima sobre a outra, até a ilegibilidade, a emoção do traço, o traço como pura emoção, tal como a voz, a escrita a mão como linguagem onde tudo está contido. Ver, outro exemplo, o trabalho de D. Pignatari psicografando O. de Andrade onde evidencia-se o procedimento do traço-rabisco como linguagem autônoma, e, ainda exemplar, os manuscritos do Ulisses de J. Joyce onde o texto escrito a mão muitas vezes assume uma expressão própria - para além do que diz e para além de como diz - tal sua tensão (de )formação. Os sinais, os traços, os rabiscos de Go-Arnaldo são superfície e nada dos caligramas nada da escritura poética chinesa ou japonesa nada da poesia dos pavões persas nada dos códigos mexicanos ou hieróglifos egípcios. .. mas sem ser e mesmo às vezes, sem parecer, estas bandeiras quirogrãficas se relacionam com esta tradição de alguma maneira. De que maneira? Na superfície, no que parecem com aquilo e é neste parecer e é neste sugerir que a coisa surge e cria seu espaço, seu lugar, não é aquilo mas faz-se parecer: semelhança sem semelhança. ( ... ) A grossura da época crucificou o grande Bernardo da Silva Ramos com argumento de que os gregos jamais vieram ao Brasil: e tinham razão, jamais vieram e jamais virão ... (
...
verbal em função do poema visual))
)
(Folhetim,
que outros façam. de forma multipessoal & plurissubjetiva. o importante no GANCE não é (só) Napoléon/1925-1927, mas A Roda (La Roue/1921-1924) & mais importante que A Roda é um filme sobre como esse filme foi feito: (JF: pelo que Julio me conta, um metajilmestilo - invenção & não macaquear na linha Ivan Cardoso Alô Alô Cinédia/paródia dO Rei do Baralho, com'outros da dupla de (não) muito barulho ). Gance, maior gigante francês de todos os tempos. Ao lado de Griffith Naissance d'une Nation/The Birth 01 a Nation/O Nascimento de uma Nação/1913-15 & do austríaco Erich Von Stroheim de Greed/1924, Ouro e Maldição trilha inutilm(ente) perseguida por JB in O Gigante da América/1980 que a meu ver é genialidade de fotogramas: a câmera programada: invenção em escadarias: Jece Valadão sobe, a câmera sobe, ele cai (não importa a queda: iria quebrar o nariz como num filme de Polansky, Chinatown /7 4: sintonia espectral 333 não 444 via Spetacle), Potemkin na cabeça poética do fotograma como ideologia. Ao mesmo nível poético, mas agora com câmera programada entre a altura dos pés e a dos ombros, geniotravelling segue O Gigante à Deriva pelo Rio Pré-Histórico. Viagem via inscrições pelo Brasil mitológico: República da Tra(d)ição: em O Monstro Caraiba, o personagem principal se chama Brasil (Carlos Imperial) e é apunhalado à traição. Câmera do solo ao sol. Sem falar de uma homenagem ao grande Carlos Manga: em O Homem do Sputnik/1959, Brasil é um personagem que vive dormindo numa mesa de repartição pública, no que é sempre sacudido aos berros de cc Acorda, Brasil!", como Grey ao final dO Monstro, isto é, Bernardo da Silva Ramos (INSCRIÇÕES E TRADIÇÕES) entr'outras pistas (Nunes Pereira, As Tartarugas da Amazonia; Quatro Mil Venenos, Barbosa Rodrigues, Porandubas AM) falsas ... Tradição a criar do ideograma de casco de tartaruga à síntese. Sempre dispensando a retórica
07/08/83)
*
*
*
Agonia, novo Aqueronte,
feriado no abismo: (ao som de Noel ou The Lotus Pool/The Newman/B. Herrmann)
Egyptian,
A.
((anotações em guardanapo: quero parar 4 anos pra rever a prosa: só aos 40 começarei realmente. sou imaturo pra querer levar os SERMÕES à tela. Pra mim aqueles 15 volumes são um só. tudo que fiz em cinema é lixo: o lance é outro: (fazer)
Cabelo cortado rente, um ramo de alecrim por trás da orelha, camisa amarela de cetim brilhante, ele está ao volante de
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seu carro quando passa por uma mulher, que caminha pela beira de uma estrada. Um assassino e uma vidente se encontram em uma estrada deserta. Lábios fortemente pintados, vestido estampado de saia larga como num filme de Jean Grémillon e sapatos vermelhos combinando com a cor do batom, ela chama sua atenção. Ele lhe oferece uma carona, os dois se encaram em silêncio durante alguns momentos. Até que ela pergunta: - Como é seu nome? - Antena. - Antena? Por que Antena? Foi um pai-de-santo que me batizou. - Eu sou a Eva, sabia? A Eva! Quer que eu fique com você? - Você não vai me agüentar, eu sou muito estranho. E os dois começam um insólito caso de amor, um amor marginal, onde o tédio, muitas vezes, cede lugar à tragédia, criando a agonia de um feriado passado no abismo. (Agonia significa originariamente lutador que luta no limite de suas forças) Personagens à procura: avançam, sobem demais, acima do Sétimo Céu. Mas cinema é ilusão: eles não saem dopOllto de partida, ou melhor, AQUI SE INTERROMPE... ESTE FILME NÃO TEM FIM. SÓ INíCIO E MEIO. O MEIO É O FIM. Trucagem nada truculenta: a tela verticalmente bipartida: à esquerda, Joel Barcelos corre numa direção; à direita, n'outra. Ele está só numa estrada de asfalto. Remember plano final dO ANJO NASCEU? 69/77: Julio se aperfeiçoa. Rádio fora de sintonia. Lamentações brasílicas de um esqueleto para outro. OBSESSONHOS. Oriente/Ocidente num mes. mo quadro: estética do desespero.
Tabu, o filme, é o divertimento de alguém (ninguém) que cuidou falsear e complicar histórias. .. às vezes alheias. .. um filme é a projeção de uma idéia em audiovisual, através da emoção. .. a relação entre o Tabu, de Murnau, e o cinema brasileiro existe e na melhor tradição do cinema brasileiro que é o Major
Reis (o documentarista de Rondon e dos rituais Bororos ) e profunda também é a relação Bora-Bora Brasil, entre outras Bora Bora é um Canudos insular. " A visão do paraíso no Tabu, de Murnau, é o nosso Brasil século XVI pra trás, o Rio de Janeiro é um antigo santuário, pequeno rincão de Deus, cidade pagã, pré-história à beira-mar, lustram naquela cidade (boca desdentada) sinais de um ex-éden. Tarefa ínclita e sublime a reconstrução do paganismo carioca, o Rio dos megalitos míticos do perro de! infierno e [anural! Pristinos totens e tudo tabu ... bem, e os deuses? Os deuses se vão. .. tabu deixou o Rio? Se deixou não foi um deixar deixando, que isto não poderia ser, foi um deixar retendo, um deixar conservando, um deixar sem deixar ... ( ... ) Grandes poetas? Há grandes poetas fora do silêncio de seus próprios corações? Um FILMEPOEMA é uma festa do intelecto e poesia é um chegar ao estado de invenção permanente ... Tenho prazer, e tudo que faço é no sentido de me divertir de ter e dar prazer, de relacionar-ideogramizar este material: aparências e superfície de imagens. Já se disse que o trabalho intelectual é humorístico e em alguns o humorismo é involuntário e em outros é deliberado e consentido ... mas deixemos o vago ... vago. Os deuses antigos não definiam o que criavam, daí sua superioridade ... sempre esta coisa simples - o SONHO. E sonho verdadeiro é incoerência, raridade, falta de propósito ... O Rio, quem conhece chora, quem conhece mais ri! Rio do Eu, Rio do Cão, Tabu ... (JULIO BRESSANE - press-book Embrafilme) Embora ao som de Lamartine, Tabu é também Noel: Quem nasce lá na Vila/Nem sequer vacila/Em abraçar o samba/Que faz dançar os galhos do arvoredo (seqüências de início e fim n. JF)/E faz a luz nascer mais cedo ( ... ). Filme de Nouveau Regard? Pelas árvores, do figurativo ao abstrato. José Mario Ortiz Ramos: ( ... ) Não veremos cinema como linguagem clássica, ilusória, e no limite nem mesmo cinema enquanto sucessão de imagens, mas sim uma interpenetraçào de múltiplas formas de expressão artística via cinema. (Grande, Zé Mario: sacou em cima - o grifo é meu, JF) Agora sim, o filme pode começar. ( ... ) Bressane ( ... ) em TABU parece tentar efetuar uma primeira mudança de rota, abandonando os antigos traços de aniquilação e dor, resquícios da estraçalhante virada dos anos 60.
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* -;, * TABU
(1982)
Saudades do Céu
Para este Bressane alegre, que segue mastigando e triturando múltiplas influências, incomodando dentro de um cinema marcado pela mesmice, nada melhor que versos de Lamartine: Babo. .. zeira: Vou cantar a noite inteira/ Rancheira, Rancbeira/Vou dançar pela fonética/Estética, Estética. (in FOLHETIM, 10/04/1983) Também Stella Senra observa essa função musical do cinema bressaniano: Em Tabu se reverencia a música. Mas em vez de apenas acompanhar as imagens, perfurada na banda sonora, chegando-nos pelos ouvidos, a música transpôs o seu próprio limite e se instalou na imagem. Em Tabu a música é imagem, numa completude que já anunciavam os filmes anteriores de Bressane, onde o trabalho com o movimento chegava a um grau de refinamento raro. (in FOLHETIM cit.) Exatamente: a música é imagem. E A IMAGEM É MÚSICA. Cinema de Julio Bressane: cinema superior. Batuque dos deuses. .. Batuque dos astros.
Walter Ruga Khouri, alternativo
A Astronomia é uma ciência de observação, porque não se concebe um astrônomo agindo sobre os astros; enquanto que a Química é uma ciência de experimentação, pois o químico age sobre a natureza e a modifica. Émile Zola
o Anjo
Nasceu: Hugo Carvana e Milton Gonçalves (Fotograma)
Criativamente, não é difícil discernir duas vertentes na obra ,poética de Walter Hugo Khouri: em seus filmes standard, as preocupações nem sempre letárgicas em torno da condição humana - sintonia existencial (predomínio do conflito sexo/amor: angústia); nos filmes alternativos, as preocupações talvez cosmogônicas ao redor da mesma condição terráquea sintonia experimental e/ ou visionária (predomínio de sugestões avançadas, liberação astral, cinema da mente livre). Identificação de um filme criativo: 'Amor Voraz surge desde logo como um dos pontos luminosos na recente trajetória de Khouri, mas para analisã-lo à altura é necessário fazer um bom travelling ou uma panorâmica de 360 graus ao longo de seus 34 anos de cinema. As novas gerações de cinéfilos não conhecem O Gigante de Pedra (1951-53) (aliás fiquei sabendo que o filme já não existe: as cópias e negativos se perderam e tudo que resta dele é um trailer na Cinemateca Brasileira), que Khouri realizou aos 21 anos de idade, mas aqui basta lembrar que seu título influenciou Julio Bressane (O Monstro Caraíba/1975, O Gigante da América/1980). A situação básica dos personagens de Amor Voraz tem por sua vez algumas semelhanças com O Anjo Nasceu/1969: a diferença é que o anjo de Bressane invade uma casa de mulheres 231
vorazes para violentar e matar, enquanto o mutante de Khouri fica (até) com medo das mulheres (Ele não fará mal nenhum a nós: nós é que podemos fazer mal a ele - esclarece a sensitiva Ana/Vera Fischer). O Estranho Encontro (1958) não está exatamente na linha alternativa de Khouri, mas há nele um elemento de horror: a perna mecânica do personagem de Luigi Picchi. E da mesma forma, o consultório dentário de Prisioneiro do Sexo (1979) tem uma cadeira em que o algoz (Serafim Gonzalez) executa sensual e sadicamente uma paciente (Aldine Müller), como se fosse um Dr. Caligari Erótico, declarada homenagem de Khouri ao expressionismo de Robert Wiene (O Gabinete do Dr. Caligari/1920). É certo que Khouri nunca seria alternativo a ponto de exercitar o horror explícito, mas a observação serve como alerta: mesmo nos filmes de sua sintonia apenas existencial há dados da sintonia experimental ou visionária (que tem no gênero horror o seu profeta) e, no caso de Amor Voraz, ver-se-á como a sintonia intergalaxial não é um delírio, mas uma realidade também de carne e osso. Fronteiras do Inferno (1959) e Na Garganta do Diabo (1960) são títulos signiíicantes por si só: diabo/inferno, o mal, o horror invisível ou que não transparece no lado galã de Hélio Souto, menos ainda nas deusas (Aurora Duarte, Odete Lara), e mais em Sérgio Hingst (seu lado Peter Lorre dos trópicos). Esses dois filmes seriam pontos de intermediação na dramaturgia de Khouri, então em impasse como o próprio cinema da época: fim do ciclo Vera Cruz, agonia da chanchada, primórdios do Cinema Novo. A linha existencial começa a amadurecer com A Ilha (1963) e logra sua primeira obra-prima com Noite Vazia (1964), apesar das restrições de alguns observadores radicais: Khouri se revelava um mestre na direção de atrizes, os primeiros planos de Odete Lara e Norma Bengell ficaram nas antologias, nenhum outro filme capta tão bem a poesia especial das madrugadas de São Paulo, mas essa é uma dramaturgia da petrificação, o esvaziamento puro e simples da emoção do olhar (desencanto altamente funcional em termos visuais). E seria isso mesmo que Khouri iria transfigurar em sua obra-prima alternativa, As Filhas do Fogo (1978), onde a letargia das personagens atua criticamente como chave multi-pessoal/pluri-subjetiva: as belas panteras (Paola Morra e Rosina Malbouisson) que passeiam por um Brasil misterioso (admirável aproveitamento plástico de uma
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Vera Fischer em Amor Voraz: sintonia da luz (Still Amaral)
Amor Voraz: Vera Fischer e Marcelo Picchi (Still color Amara!. Reprodução
JF)
estranha vegetação da cidade de Gramado/RS) talvez fossem reencarnações, gélidos fantasmas sensuais ao gosto de Sheridan Le Fanu - e por isso alguém (a personagem magnificamente vivida por Karin Rodrigues) vivia gravando vozes... de pessoas que já morreram (e não sabem ... ). Khouri continua intimista em seu sketch de As Cariocas (1966), mas causa novo impacto alternativo com o inquietante O Corpo Ardente (1966), cinema da anima lida de na alma. Seu tributo à contestação seria As Amorosas (1968), travelling vertical & ascendente numa árvore rara, onde Anecy Rocha conseqüentemente esfria a anatematização. Sucedem-se três filmes standard: Palácio dos Anjos (1970), As Deusas (1972) e O último Êxtase (1973), talvez três passos atrás e um adiante, o novo alternativo O Anjo da Noite (1974), mas a sintonia existencial vive em crise (como tudo) e gera impasses como O Desejo (1976) e Paixão e Somb.ras (1977). A superação dessa fase se dá com um mergulho nas profundezas do abismo: As Filhas do Fogo (1978), irmão de universo dos mundos paralelos ou não de Amor Voraz, valendo transcrever algumas declarações esclarecedoras que o cineasta me deu na época (Jornal Folha de S. Paulo, 05/03/1979): O 'meu fascínio pelo clima fantástico, pelo irreal, pelo estranho e pelo insólito vem desde as minhas leituras de infância e continuou pela adolescência e pela idade adulta, ali já abrangendo todos os domínios da arte: literatura, artes plásticas em geral e, naturalmente, cinema. ( ... ) O fantástico e o sobrenatural passaram a ser encarados sob novas formas, as pesquisas ampliaram-se, gente considerada séria passou a se interessar por esses assuntos, mas a Poesia essencial, a magia e o [risson que envolvem todos esses fenômenos continuaram a prevalecer sobre tudo. Em Amor Voraz, uma jovem sensitiva e de mente livre, Ana (Vera Fischer, aqui como a nossa Greta Garbo), enfrenta o ceticismo de sua governanta, Sílvia (Márcia Rodrigues) que grava o seu depoimento (e agora não se trata mais de vozes do Além ... ) fundamental sobre o mutante (Marcelo Picchi em extraordinária interpretação) que pinta num misterioso casarão à beira de uma represa envolvida por densa vegetação poética: Ele veio como se fosse o astronauta, arriscando a própria vida. Sem saber como vai ser sua volta. O planeta dele teve que ser evacuado, por estar no fim. Vai se congelar definitivamente tornando-se inabitável dentro de algumas centenas de anos ...
acabando ... gélido ... angustiado. Há milhares de anos que eles estão tentando sair de lá. Ele não é o único que está aqui - e não é só na Terra que eles estão tentando. Eles estão procurando pontos vivos, em outros sistemas planetários, para salvar quem for possível. Mas eles tentam isso por meios diferentes do que a gente pensa, ouve falar ou vê na televisão: naves espaciais, discos. .. essas bobagens. Eles. utilizam a própria luz. E alguns já estiveram na Terra antes de qualquer civilização. Nós estáv~mos começando e eles já estavam acabando. Eles só podem sair com suas mentes, deixando os corpos lá ... e sobreviv~ndo em novos corpos. Já enviaram muitos, mas poucos consegutrarn sobreviver. Só alguns voltaram com os dados que interessam ... para começar um dia o abandono total. Mesmo n~sse inst.ante, milhares deles estão germinando nas águas de muitos locais da Terra ... Eles ficam anos viajando através da luz, inconscientes. E depois um dia nascem de novo dentro da água de .algum lu.gar, sem saber o que vão encontrar em corpos novos e irnj'perfeitos. Eles precisam ir todos os dias ao mesmo lugar, à mesma hora, para poder receber energia e instruções - e enviar informações. Mas eles viveram há milênios em angústia e desespero. Eles falam muito nisso. Não conseguem mais suportar o peso de viver, essa angústia permanente. Mas mesmo assim eles não querem acabar: querem continuar em algum outro lugar, começar tudo de novo ... Após esse verdadeiro manifesto poético de Sintonia lntergalaxial, a terráquea Sílvia comenta com um quê de inveja: - E você pode me explicar por que eles escolheram logo um planeta de merda como a Terra pra começar de novo? Em matéria de angústia, ninguém vai ganhar da gente. Pelo menos de mim, não -. Ao que Ana dá frase final da seqüência: - Pelo jeito, a angústia não tem limites nem medida ... Pelo menos ninguém quer acabar. A mente quer continuar. Tentando - e conseguindo - se comunicar com o mutante que não fala (mas se expressa muito bem não-verbalmente), não come, não vê televisão, mas faz amor cosmicamente, a personagem de Vera Fischer se apaixona e declara: - Quanto tempo você vai ficar desintegrado no espaço ... Quando você chegar lá, eu já vou estar morta há muitos anos. Se você me deixar aqui eu nunca mais vou te ver. E vou morrer sabendo que você existe. E está perdido na luz. Eu passei a vida esperando. E agora eu sei que chegou o que eu sempre desejei.
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Você é Deus que veio ao meu encontro. O Meu Deus que chegou. Captando mentalmente as mensagens do homem que veio através da luz, Ana anota num papel o seu pedido de execução de uma fórmula química. Dirige-se a um laboratório especializado onde fica sabendo que o pedido é muito avançado para o atual estágio científico terráqueo: - Tem coisas aqui que só se conhece teoricamente! Não se poderia achar, mas eu quero saber quem fez essa fórmula -, é o que ouve da química. Assim, Ana se desespera e volta ao mutante: - Você precisa pedir uma nova fórmula pra eles, hoje. Pede uma coisa mais simples. É impossível fazer aquela fórmula. Você está sofrendo, não é? Impossível fazer alguma coisa. Não posso te ver assim. O que o mutante teria pedido à jovem sensitiva como condição sine qua non para continuar na Terra? Eis a metafísica da Sintoma Intergalaxial. E, no entanto, para o avançado ser da luz talvez fosse algo muito simples. Filme de science-fiction sem efeitos especiais ou visuais, Amor Voraz é um raro exemplar da inesgotável força do cinema como veículo de sugestões poéticas. Cinema de invenção. Só com muito talento é possível conseguir a densidade que Khouri atinge aqui com recursos mínimos: uma casa à beira de um lago, poucos atores, equipe reduzida, extraindo pura magia a partir da paisagem, muito também devido à extraordinária luminosidade da fotografia de Antonio Meliande, à música altamente funcional de Rogério Duprat, à precisa montagem de Eder Mazini. Embora não seja um filme hermético, sendo perfeitamente acessível ao grande público, Amor Voraz não é uma dessas produduções que se entende definitivamente numa única visão. Ele deixa muitas sugestões no ar, pontos de reflexão sobre a condição terráquea: um filme de transição astral Super Era Peixes/ Aquário? Homem espacial ou homem aquático? Ou apenas a poesia da luz que nasce de uma sintonia experimental, visionária, intergalaxial? Pessoalmente ficaria com a última interrogação e com a certeza de que a chave para a compreensão de Amor Voraz não está só nele, mas em outros filmes de Khouri, principalmente os standard: o executivo (voz e vulto de Roberto Maya numa experimentação de câmera subjetiva) de Eros, o Deus do Amor (1981) se relaciona com nada menos de 19 mulheres das mais belas e não encontra uma resposta satisfatória para as suas in236
Paola Morra e Selma Egrei em As Filhas do Fogo: mundos paralelos
Julio Bressane e Walter Hugo Khouri: sintonia poética (JF, Brasília/1978. Arquivo Cinemateca Brasileira)
quietações, como também acontece eIlbAmor Estranho Amor (1982) ou Convite ao Prazer (1981). Mergulhos/viagens na infância ou no futuro: Khouri procura ampliar a área humana ou não de uma nova consciência por meio de um certo desregramento de alguns caminhos. Quando se pensava que ele já estivesse fazendo uma súmula de sua obra (tive essa impressão em relação a Eros), como parece estar acontecendo com Antonioni, Bergman, Godard ou Fuller, ou ainda o nosso Carlão Reichenbach de Extremos do Prazer /1983, o inquieto poeta de São Paulo acena com esse alto vôo intergala xi ai que é Amor Voraz, indicação de que sua obra ainda tem muito" campo a explorar. Como mise en scêne, As Filhas do Fogo continua sendo a sua máxima experiment in terror, ou sojt-borror, mas Amor Voraz é um novo marco em sua obra inclusive por dispensar quase totalmente as cenas de sexo (implícito, claro) das quais Khouri nunca abriu mão. Atitude corajosa num momento em que - no Brasil - qualquer filme com um mínimo de criatividade é uma ilha rodeada de filmes bard-core por todos os lados. Haverá novos pontos tão luminosos na seqüência de sua obra em processo? Certamente é o que gostaríamos de esperar entusiasticamente, mas sem angústia... (in revista Filme Cultura, n." 45, publicação da Embrafilme, texto revisto pelo A).
Ivan Cardoso, neo-chanchada no horror
E embora a luz, por entre a tempestade e a noite, assim tremesse, tão distante, que poderia haver de mais brilhante no claro sol da estrela da Verdade? Poe
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Se Rogério Sganzerla se diz herdeiro direto de Glauber Rocha (o que me parece ter sido necessário antes que alguns aventureiros lançassem mão), temos de eleger Ivan Cardoso. após a revelação do inusitado O Segredo da Múmia/1982, herdeiro do primeiro na tradição de um cinema de invenção, dos enfeitiçados pelo filme, tensão estrutural! tesão experimental, estirpe/astral! família, desde Afonso Segreto, passando pela independência de Mario Peixoto, Humberto Mauro, Watson Macedo, Carlos Manga, Walter Hugo Khouri, José MojicaMarins, Carlos Reichenbach, Julio Bressane, Andrea Tonacci entre outros visionários/ irmãos de Universo. São Paulo, quinta-feira, 25 de fevereiro de 1982, Mostra Perspectivas do Cinema Brasileiro, no Museu de Arte de São Paulo. - Não se trata de um filme de mimeografia, mas de mumiografia -, saca logo o poeta Augusto de Campos. Bem por aí em muitas: a múmia é vista em diversas camadas que não se repetem - um cinema de grafismo, écriture, ideograma. Contra a cópia mimeográfica, a invenção mumiográfica. O Segredo da Múmia não é apenas uma tentativa de decifração de hieróglifos egípcios, mas dos meandros da linguagem áudio-visual: os compositores Bernard Herrrnann, Alfred New. man, Miklos Rozsa e Henry Mancini a nosso inteiro dispor. 241
E isso numa movimentação experimental que sempre impregnou a procedução (processo de produção) e o produssumo (produção de consumo) inter-brasílicos desde 1967 até hoje & talvez sempre. Lance só melhor conscientizado porque incrementado a partir do Bandido da Luz Vermelha, a inirnitável imitação genial. Por aí uma quase tese que lancei durante uma entrevista com Paulo Cesar Saraceni: O Cinema Novo tem muito de experimental, mas o Experimental não tem nada de Cinema Novo (Folha de S. Paulo, 19/1/1979). O longa-metragem de Ivan Cardoso, amante do cinema e que faz cinema com amor, não é outra coisa: é cinema, fotograma por fotograma, plano por plano, seqüência por seqüência. Tudo através do cinema, respiração no corte, pelo cinema, para o cinema. Será isso que incomoda tanto? Ora, os incomodados que mudem o registro: filmem através do visor e não de viseiras. Pois - nas relações estruturais entre os filmes dessa mesma escola sem professores nem discípulos - importa ser intenso e não extenso, isto é, sintético-ideogrâmico e não discursivo-ideológico. Não é por menos que Julio Bressane fala numa ideologia do fotograma ... E Orson Welles como sempre capta tudo que paira no ar: Gostaria de filmar uma história política, sem mensagens ideológicas (o que é uma definição estética de um cinema político mesmo - grifo JF) apenas para expor os vícios e as virtudes da condição humana. Eis um gol mágico, sem chute: a múmia em questão pode ser o político biônico que dormiu séculos e séculos nas catacumbas, esperando ver a luz no fim do túnel... ignorando que abertura vem do latim apertura... Eis como um personagem de tal necrose vê o Brasil: através de bandalheiras infernais, bancarrotas retumbantes: através das bandagens, em planos-diversão, o ponto de vista da múmia ... vadia: mumiambígua, no que dá a tortura, tontura, passo-síncope ... - As pessoas que sonham de dia descobrem coisas que escapam às que sonham somente à noite -, POEtiza o cientista magnificamente interpretado por Wilson Grey. Em outro momento, reprisando José Lewgoy em O Gigante da A~érica, ele garante com conseqüência: é preciso experimentar. Só. E então experimentemos o inexperimentado: coloque-se, por exemplo, uma múmia no lugar de um bandido ou de uma mulher de alguns, absorva-se e atue-se sobre tudo o que acontece de
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() Segredo da Múmia: Wilson Grey (cientista)
e Felipe Falcão (criado) (Still Eduardo
Viveiros)
Simone Carvalho, uma dAs Sete Vampiras (Still A. Salgado)
importante ou não no Brasil/isto é no mundo (seleção, condensare, paideuma), o antigo Egito & Poesia de Mu, Egito/neto da América & o cinema e/ou a sintonia experimental entre nós nos últimos 16 anos, cultural/gutural, cósmico/comicamente - por aí teremos uma síntese de outra ordem, provável painel pinel de muitos séculos e não apenas de uma década ou duas. . . o elo perdido (e aqui encontrado?) de antiqüíssima linguagem ideogrâmica que era o cinema das cavernas, o cinema atonal & paleolítico. Nesse aspecto extenso no tempo, O Segredo da Múmia é realmente epsteiniano (o cinema é sobrenatural por essência ... ) e talvez mais abrangente que O Bandido da Luz Vermelha, mas as proporções não são tão (i/des)limitadas: este continua sendo mais intenso no espaço, dado seu nervosismo atomizante. O lance de Ivan, seu segredo, é o passo sincopado da múmia tranqüila, tornando o incomunicável (múmia no Brasil? múmia no motel?) plenamente comunicável às platéias de maioria. Loampirismo, já escrevia o poeta Haroldo de Campos (Correio da Manhã, 14/8/1972) ... Cinema de energia das formas, sempre cósmico/comicamente, O Segredo da Múmia seria também serial tragichanchada, pira piramidal Maia, desmumificação/desmitificação, lance altamente crítico em relação a toda uma estagnação dos clichês pornoboca ou pornochic. Com uma estrutura narrativa facilmente assimilável por qualquer espectador, o filme é cinema da forma agitando fórmulas, o Egito que Hollywood não mostrou, reciclagem/transfiguração de clichês de spetacle num filme de baixo custo, um susto no cinemão. Não lhe falta o alto vôo cultural nem os ingredientes de aventura, violência e erotismo. Tudo num reencontro da inteligência com a bilheteria. E nem poderia ser diferente: a coisa começou modestamente em Super 8, lá por 1971, deixando alguns exemplares antológicos (Nosferatu no Brasil, Sentença de Deus, Amor e Tara, Alô Alô Cinédia, Aventura nos Mares do Sul, Chuva de Brotos - multiparódias das metaparódias de Julio Bressane), passando a curtas-metragens em 16/35mm do melhor naipe (O Universo de Mo;ica Marins, Dr. Dyonélio, HO, História de um Olho). Entre aqueles Super 8, não se pode esquecer A Múmia Volta a Atacar, embrião da atual Múmia de Mu, uma súmula da brilhante soma de experimentações, talvez seu melhor trabalho em concepção e acabamento técnico. Sempre a serviço da rei
245 Wilson Grey, Felipe Falcão, Julio Medaglia: talentos em rotação (Still)
Note-se que I van Cardoso encontrou a entonação certa para cada um deles, a originalidade na maneira de falar. Colé está genial: Melhor que eu só dois eu. Odaliscas altamente sensuais, Tania Bôscoli à frente, egípcios impagáveis (Anselmo Vasconcelos, Hélio Oiticica, Ruban Barra), ótimos Paulo Cesar Pereio, Jardel Filho, José Mojica Marins, Julio Medaglia. Em suma: Ivan Cardoso está num ponto de partida avançado para o cinema dos anos 80, um pouco pra lá de Bagdá; filmou no Cairo sem sair do Rio de Janeiro ... porque sabe que cinema é um sonho, pode ser até um pesadelo, mas nunca uma mentira. (Texto de Jairo Ferreira, originalmente publicado no press-book da distribuidora do filme, Embrafilme, 1982, revisto pelo Auto/' em Julho/1984) Um dos melhores - senão o melhor - fotógrafos de still que conheço, I van Cardoso é a amabilidade em pessoa & especialista em marketing. Demorou 5 anos para chegar à primeira cópia do filme & em seguida cuidou pessoalmente da divulgação do produto, passeando com uma múmia ao vivo durante a campanha de lançamento nas principais capitais do País. Levou o filme aos festivais internacionais de cinema fantástico e retornou
triunfante com páginas e mais páginas dedicadas ao filme em jornais e revistas européias. Para que não prevaleçam apenas as minhas opiniões, cito trechos: Talvez seja difícil encontrar um filme fantástico realizado com um amor tão grande pelo gênero como este. Por essa razão, é uma obra rara o bastante para ser destacada: O Segredo da Múmia é, antes de tudo, um trabalho feito por um grande e generoso coração de cinéfilo. (Gilbert Verschooten, editor da revista belga FANTOOM) Saborosa paródia da série B hollywoodiana, homenagem irreverente porém autêntica aos célebres clássicos da Universal dos anos 30, O Segredo da Múmia inscreve as gags à Ia Mack Sennett com a maior eficácia no universo fílmico cortante do impressionante realizador brasileiro (o de José Mojica Marins). Uma verdadeira história em quadrinhos cinematográfica, construída sobre um registro de deliberado mau gosto, O Segredo provoca liberação e uma divertida nostalgia. Um novo e talentoso diretor brasileiro acaba de nascer. (Alain Scholocoff, editor da revista ÉCRAN FANT ASTI QUE, Paris) O Segredo da Múmia, além de ser um pastiche, é também quase um manifesto de cinema. tCarlos Santos Fontella, ABC ESPET ACULOS, Madri) Se fazer um bom filme fantástico já é difícil, uma paródia do gênero é ainda mais. Ivan Cardoso realizou um pastiche de todos os clichês que povoam o gênero, com o amor e o entusiasmo de um autêntico amador. (Jean Claude Bernardo, HERETIe, CINEMA DE L'IMAGINAIRE, Paris) O realizador brasileiro I van Cardoso trouxe o seu primeiro filme ao Festival de Madrid e logo recebeu o Prêmio da Crítica. Embora tais galardões não signifiquem o mesmo para todas as pessoas, o menos que se pode dizer deste filme é que foi feito com amor apaixonado pelos filmes e pelo cinema. As relíquias da Universal, RKO e Hammer Films tiveram em Ivan Cardoso um inovador poético e bem-humorado de algumas cenas dos clássicos do cinema fantástico. O Segredo da Múmia é também um mosaico em preto e branco ou a cores, tão depressa docum~ntal como de ficção, correndo da farsa para o drama, tudo à mistura com o calor tropical e non-sense tipicamente brasileiro. iBeatriz Pacheco Pereira, Revista Cinema Novo, Lisboa) Geralmente me recuso a referenciar crítica de cinema no Brasil. .. vagamente sem acusá-Ia de nada: essa talvez seja a pior das acusações. Nesse sentido destaco a sensibilidade de Nel-
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crraçao de uma linguagem cinematográfica sintético-ideogrâmica onde invariavelmente é do signo que nasce a idéia. É o caso da utilização de antigos cinejornais aqui, começando por noticiar o trabalho de um cientista brasileiro no Cairo e, no embalo, aproveitando para fazer uma saborosa crônica dos anos 50, com o poeta Manuel Bandeira condecorando a então Miss Brasil 1954, Marta Rocha. Assim vai se formando um mosaico em que a ficção se confunde (e dá consistência) com o documental, culminando comicamente com a visita de um ministro brasileiro ao sarcófago da múmia de Runamb. O acerto maior, sua originalidade, é o tom encontrado, mistura fina: neo-chanchada no horror, não escapando à sina do aventureiro: a sina ensina: o horror-faz-me-rir. Mas como existe aí um requinte que o mestre não ensinou, Walter Hugo Khouri chegou a observar que "Ivan é o que Mojica quer ser e não é" ... Impossível deixar de comentar o extraordinário trabalho de atores. Desde o expressionismo alemão, de fato, não surge um ator tão expressivo como Felipe Falcão, o abilolado assistente do cientista. Ao lado de uma Regina Casé fantasticamente brejeira, ele dá um banho de interpretação, enquanto ela lhe dá um banho de língua na reluzente careca. .
son Hoineff: "Num país que ignora o mercado alternativo, como o nosso, pensar sobre o veículo é atrevimento cultural. Aí desperta essa múmia, apaixonada e impertinente, que sai de seu túmulo milenar no Egito para interromper carícias em motéis da Baixada. Para perplexidade geral, ela vem disputar seu espaço numa selva meticulosamente patrulhada pelos ignóbeis senhores da verdade". Os filmes mais importantes de todo o cinema raramente são sacados por gente de cinema, não é vero Gilberto Vasconcelos? O Segredo da Múmia é um filme de terror mas vai além do esquema dos filmes de terror, um filme épico com corrida de cavalo e angulação de história em quadrinhos. (Folha de S. Paulo) , No momento, Ivan Cardoso mixa um sketch (Os Primos, título provisório) produzido por Anibal Massaini e já prepara o designer de um renascer do horror nos trópicos - As Sete Vampiras (título provisório, estréia prevista para 1986).
Andrea Tonacci,
O
guaraná aos guaranis
A missão do gemo - e o homem não é nada se não for gênio - é manter vivo o milagre, viver sempre no milagre e torná-Io a cada dia mais milagroso, não jurar fidelidade a nada - apenas viver milagrosamente, pensar milagrosamente e morrer milagrosamente. Henry Ivan & ivamps: da fórmula à forma (Eduardo Viveiros)
\
Miller
,
Quando iniciou sua formação, Andrea Tonacci provocou muita perplexidade. Seu talento era evidente, ele tentava ser acadêmico mas não conseguia. Os filmes que apresentava nos concursos amadores eram bem feitos, requintados, repletos de fórmulas estéticas e destituídos de vida. Essa foi pelo menos a impressão que guardei. Depois de um intervalo cuja natureza ignoro, Tonacci realizou uma espécie de documentário reconstituído e satírico sobre o discurso de um homem público pronunciado numa situação de crise: Blá-Blá-Blá (1968). A personagem emana de uma terra em transe e não seria de espantar que essa ficção acabasse adquirindo um valor de documento histórico a respeito da debilidade do poder civil brasileiro. A temática de Blá-Blá-Blá é porém mais ampla e ultrapassa o tempo em que a fita foi produzida. Num país sem crise e sem poder civil, a eloqüência ingênua e delirante que o filme satiriza continua triunfante. Basta ler os jornais: ... arma psicológica. .. sutil e mascarada, de difícil identificação. .. o inimigo é indefinido e mimetista... se traves te de padre ou de professor, de aluno ou de camponês, de defensor da democracia ou de intelectual avançado ... farda ou traje civil ... - Eis em plena {orça o universo brenhoso do Blá-Blá-Blá. . Esse Bangue-Bangue de Andrea Tonacci, que a Sociedade Amigos da Cinemateca projetou na semana passada, está pronto 251
há três anos. Desta vez a barreira não foi a Censura mas o comércio cinematográfico. Trata-se de um filme que provavelmente não interessará em igual medida a todos os públicos, mas é ao mesmo tempo evidente que existem em São Paulo milhares de espectadores à espreita da oportunidade de assistir uma obra nacional desse gênero. Na sessão especial da SAC, a sala Mario de Andrade, superlotada, foi constrangida a recusar espectadores. Tive o prazer de identificar alguns alunos de cinema da USP, Salma, Adilson e Alain, pelo menos além de jovens professores de teoria literária e comunicações. A liberdade godardiana pode ser meira lição de Bangue Bangue. Muito bou confusamente tolhido ao se lançar tura mas isso não sucedeu com Tonacci. trói a gratuidade e a desordem acabam duas características.
liberadora: essa é a prijovem de toda parte acana prática da desenvolA eficácia com que consexcluindo do filme essas
A ausência de uma armação dramática racionalmente contínua torna o espectador muito exigente quanto à coesão interna dos episódios que se sucedem, e dentro desses, quanto a cada pormenor visual ou sonoro. O personagem principal de Bangue Bangue mantém prolongados diálogos ocasionais com um chofer de táxi ou com um bêbado e uma moça num bar. Como essas seqüências não derivam e não levam propriamente a nada é em si mesmas que acabam nos interessando intensamente: cada instante de fala, gesto, ruído e ambiente adquire uma responsabilidade dramática decisiva. O estilo em que tudo é tratado se situa aparentemente no mais corriqueiro naturalismo, que engloba a própria cârnera, mas a repetição visual das seqüências - integral ou parcial - com pequenas variantes apenas na trilha sonora, ajudam a revelar a carga ritual que possuem.
Andrea Tonacci e Luiz Rosemberg Filho: grande amizade (JF/Outubro, 1982)
As outras partes de Bangue Bangue são fortemente estilizadas, mágicas mesmo e emergem delas situações e personagens marcantes: a toilette do homem-macaco, a gorda gulosa ou o cego irrequieto que pontua sua presença dando tiros a esmo. A vocação profunda de Tonacci parece ser o mistério da realidade, mas ele circula à vontade entre diferentes pólos e estilos narrativos. É preciso sublinhar o talento todo especial com que filma automóveis, de dentro ou de fora, parados e em movimento. É escandaloso que Bangue Bangue ainda não tenha sido programado comercialmente por um de nossos cinemas de arte.
252 Bangue Bangue: os bandidos se empanturram no barco pantagruélico (Fotograma)
Isso do ponto de vista do público. No que se refere a Andrea Tonacci pessoalmente, eu imagino como deve estar prejudicando sua carreira de cineasta a imobilidade do filme durante três anos.
A bela crônica que elegi como abertura do capítulo é evidentemente de autoria do nosso querido Paulo Emílio Salles Gomes e foi publicada no Jornal da Tarde (21/04/1973). Também presente a essa sessão de Bangue Bangue na SAC, fiquei extasiado diante do talento superior de Andrea Tonacci. O filme me parecia - e ainda me parece - um esplendor da forma, um vulcão de criatividade, da primeira seqüência (extraordinário travelling com câmera baixa à altura do chão acompanhando Paulo Cesar Pereio pelas ruas centrais de Belo Horizonte, o brilho da imagem à altura exata da mágica bateria de In-A-Gadda-Da-Vida, Iron Butterfly/1968) à última (a meu ver, uma das três melhores movimentações de grua da História do Cinema). Na verdade, Bangue Bangue é um filme que mereceria um livro inteiro, fotograma por fotograma, como Deus e o Diabo na Terra do Solou O Bandido da Luz Vermelha. Na época de seu lançamento comercial, no cine Marachá, fiquei desesperado por estar sem veículo para analisá-Io e me limitei a assistí-lo cinco ou seis vezes. Mas o colega Nelson Alfredo Aguillar mandou ver um ensaio importante do qual passo a transcrever trechos (Suplemento Literário do jornal O Estado de S. Paulo, 20/05/1973), lembrando a epígrafe de Guimarães Rosa (Não dar espelhos aos macacos) e fazendo apenas um reparo: é muito concentrado sobre certa teoria da representatividade, quando todo o experimental é não-representacional por excelência: A câmera dentro do filme. Ela aparece como objeto, comparece. Ao mesmo tempo, é agente, realiza a película. Neste sentido, eis o tema central do longa-metragem em questão: o cinema. A rede de lugares-comuns, a chave para falar de todas as coisas sem nelas pensar (Merleau-Ponty) pode deturpar as afirmações anteriores, mediante o emprego de colocações dualísticas: Bangue Bangue é, então, uma paródia? Cinema de arte criticando o cinema comercial? O que se escamoteia atrás destas insinuações é a trama de compromissos que mantém tanto o cinema comercial quanto o cinema de arte. A nosso ver, o primeiro (a oposição comer-
cial/ artístico tende a se diluir durante a análise) está amarrado à noção de representação, ou seja, da arte como imitação da natureza. Na leitura que Jacques Derrida propõe de Antonin Artaud, o limite da representação é circunscrito: ... um autorcriador que, ausente e distante, armado de um texto, vigia, reúne e comanda o tempo ou o sentido da representação, deixando esta representá-Ia no que se chama o conteúdo dos seus pensamentos, das suas intenções, das suas idéias. Representar por representantes, diretores ou atores, intérpretes subjugados que representam personagens que, em primeiro lugar pelo que dizem, representam mais ou menos diretamente o pensamento do criador, escravo interpretando, executando fielmente os desígnios providenciais do senhor. Que aliás - e é a regra irônica da estrutura representativa que organiza todas estas relações - nada cria, apenas se dá a ilusão da criação, pois unicamente transcreve e dá a ler um texto cuja natureza é necessariamente representativa, mantendo com o que se chama o real, uma relação imitativa e reprodutiva. Finalmente um público passivo, sentado, um público de espectadores, de consumidores, de usufruidores como Nietzsche e Artaud - assistindo a um espetáculo sem verdadeiro volume nem profundidade, exposto, oferecido ao seu olhar de curiosos (A Escritura e a Diferença, Editora Perspectiva, São Paulo, 1971, pág. 154). O cinema anti-representativo sacrifica qualquer expectativa, exige a liberação da percepção, a fim desta moldar o material artístico, criar nova montagem, habitar ou co-habitar o solo do diretor. Ele propõe o espectador como co-diretor, co-piloto do trauelling, assessor da grua, mestre da panorâmica, numa palavra, propõe o ativismo. O único compromisso- que este cinema mantém é o mesmo que nos mantém no mundo (I n der Welt Sein): a pre sentação. Bangue Bangue apresenta o cinema também através da câmera dentro do filme. Mas onde se dá essa reflexibilidade, essa ubiqüidade do lá e do aqui (o filme engolindo até seu pressuposto, a filmadora), o que quer dizer este tipo de filme/cinema que filma até sua origem? Em vários momentos, a imagem da câmera transparece refletida pelo espelho ou projetada pela sombra. Se a câmera for uma extensão do olho e do movimento, amplificação do visual e do cinético, portanto, técnica corporal e se ela participar do filme, nós também estaremos nele (o grifo é do Autor), sem distância. Daí, a impossibilidade de um enredo acabado, isto é, um rótulo fixo. Como a realidade, Bangue Bangue é polissêrnico
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também. Existe a personagem principal no filme, interpretada por Luis Sérgio Pereio (erro de imprensa talvez seja tradição planetária: no caso, é Paulo Cesar ... - N. JF) existe seu círculo, sua situação, seus objetos. Mas o filme não possui enredo. O enredo seria um constrangimento de um processo form~l do passado. Ele aparece em Bangue Bangue, mas como um objeto absurdo entre outros absurdos, não é mais a maneira privilegiada de um. filme se processar: a tal ponto que, quando uma personagem sal de sua função, dirigindo-se diretamente ao espectador para narrar o filme através das velhas modalidades da fabulação, recebe de pronto um pastelão da direção. Nem na metalinguagem a coerência começo/meio/fim sobrevive. (
...
)
A ação começa antes dos genéricos. O ator principal toma um taxi, ou melhor, é quase atropelado por um. O modelo do automóvel é Chevrolet Belair ... (
...
)
Passemos a outra estrela da constelação cinemática de Bangue Bangue: desta vez, a personagem principal entra num bar e se senta ao lado de um bêbado. O veículo do diálogo é o porre. Em primeiro lugar, o bêbado questiona a mediação da bebida consumidor. ( ... ) Há a conversa mediada por um terceiro espectador: a câmera que se reflete no espelho ( ... ) E nesse clima, em outro momento, a animalidade latente da principal personagem se fiscaliza: é a cena do homem-macaco se barbeando e cantando a valsa Eu Sonhei que tu Estavas Tão Linda, de Lamartine Babo, no espelho do banheiro. No fundo do espelho ou no reflexo dos óculos rayban do macaco, a câmera. ( ... )
°
Com seu peculiar estilo de análise, o crítico José Carlos Avellar abriu grande espaço no Jornal do Brasil (14/09/1973): Um dos quadros de Bangue Bangue mostra um homem e uma mulher que conversam na mesa de um bar. O diálogo é apenas parcialmente ouvido pelo espectador, aqui e ali ruídos cobrem as falas. Não importa muito, a conversa tem um tom corriqueiro e, como em todos os outros momentos do filme, importa mais o jeito de se comportar dos atores que as coisas que eles dizem ou fazem. ( ... ) O homem no balcão nota que uma mulher sentada numa
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mesa proxirna o observa, e se desloca para a mesa dela, com a garrafa de cerveja e dois copos na mão. O diálogo é banal. Ele di~ simplesmente oi. Ela responde Oi, tá bom? Ele protesta, afirmando que o tá bom foi demais e resolve recomeçar tudo de novo. E então se repete o oi e a resposta dela. ( ... ) Quase ao final um dos bandidos, o que aparece vestido de mulher, resume toda a história do filme numa frase curta numa fala igualmente interrompida para que ele continue comendo, o que faz sem parar: Era uma vez três bandidos muito maus. Dizia-se que um deles era a mãe dos outros, mas nada se sabia ao certo. Roubavam tudo, matavam tudo, comiam tudo, mas isto também não se sabia ao certo! ( ... ) Os quadros se tocam muito ligeiramente, um não prossegue no outro, quase todos terminam em um fade a imagem escurece pouco a pouco - ou então se fecham em círculo em tomo da área central, e depois desaparecem. ( ... ) . Cada uma das livres ações dos personagens parece ter sido CUIdadosamente elaborada. Diante da câmera, as situações se desenvolvem como se tudo fosse inteiramente improvisado, como se não fizesse muita diferença a movimentação do ator. ( ... ) Mas em verdade o que verdadeiramente importa em Bangue Bangue é a estrutura dramática nova que ele propõe, onde não cabem o tradicional personagem de cinema, nem mesmo os estilos de trabalho do ator. ( ... ) No final, a gargalhada da faixa sonora salta para o centro da tela e passa a ser também imagem.
Especialista e pioneiro em vídeo no Brasil, Andrea Tonacci tem sobrevi.vido exclusivamente de seu trabalho independente, sempre realizando curtas e médias-metragens de altíssima qualidad: (alguns: Traineira, Arrastão, At Any Time, A Transformaçao Permanente do Tabu em Totem, Milton Nascimento, o Kera, I ~terprete Mais, Ganhe Mais este um longametragem a ser VIsto urgentemente).
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Desde 1982, Tonacci vem trabalhando sistematicamente numa epopéia indianista em todas as bitolas, incluindo vídeo. Cheguei a assistir trechos e só posso adiantar que é um epICO poético à altura dos projetos It's All True/1942 de Orson Welles ou do Que Viva México original de Eisenstein. Sinto grande dificuldade em comentar os trabalhos mais recentes de Tonacci, questão de admiração e identificação poética, inclusive porque somos da mesma signagem astral. Em 1984, Andrea Tonacci concluiu um novo longa-metragem, Conversas no Maranhão, cujo texto de apresentação transcrevo na íntegra: Embora se trate de um trabalho em que o olho, através da câmera, mais que mostrar procura ver a relação cósmica vital no universo Canela, existe neste trabalho a intenção objetiva de realizar a pedido da comunidade, um documen tário / documento de reivindicação de seu direito à terra dirigido às autoridades de Brasília. Este pedido parcial verbalizado, contido no som cuja audição clara permite o entendimento das motivações do conflito e a localização territorial do espaço físico de ocupação tradicional do grupo, fica dificultado pela ausência de legendas traduzindo o que é dito em Gê e em Português em algumas seqüências. Contudo, seu sentido amplo é claramente expresso, visível e sensível através da imagem que permite uma visão isenta de nostalgia exótica e que não transforma os índios em meros objetos, nem o filme em simples documento político-ideológico. Eles estão aí como indivíduos, íntegros, portadores de um Conhecimento e vivência de uma Totalidade cujo sentido, em nossa formação cultural massificada já nos escapa, e que as imagens recuperam, permitindo-nos sua visão.
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Conversas seria apenas a ponta do iceberg no projeto indianista em processo, que por sua vez é muito mais que. uma retomada da obra pioneira do Major Luiz Thomas Reis. Janeiro 85: Debaixo da Arvore é inscrito em concurso de longas da Secretaria da Cultura de São Paulo e Embrafilme. Novembro 85: Tonacci prepara o roteiro de seu sketch para Crônicas do Futuro, que terá outros dois episódios a cargo de Luiz Rosemberg Filho e Joel Yamaji. Estilhaço de um dos travellings mais inventivos de nosso cinema
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Mario Peixoto, a música da luz
o
cinema, arquitetura em movimento, logra despertar sensações musicais que se solidarizam no espaço, por meio de sensações visuais que se solidarizam no tempo. Na verdade, é uma música que nos toca por intermédio da vista. Elie
Faure
Finalmente vi Limite, lendário filme de Mario Peixoto realizado em 1929/30 - e sinto que Paulo Emílio Salles Gomes não esteja vivo para comandar os debates que se travam entre Kyneastas&Krytykos sobre a especificidade criativa da Sétima Syntezy das Artys. No meu livro Revisão Crítica do Cinema Brasileiro (1963) julguei Limite produto de intelectual burguês decadente: hoje penso a mesma coisa, compreendendo a dialética revolucionária gerada pelo sistema reacionário: A decadência é bela! - fala o ator Carmelo Bene no meu filme Claro (Roma, 1974) tese confirmada pelo Kyneazta Rainer Fassbinder no Festival de Cannes 78: Nosso Zystem se desintegra em cotes, sons, com grande beleza et. .. parfois... dignidade ... ( ... ) Limite é um filmazcendente dum intelectual decadente. Metafyzyk, monta o Realyzmo à Abaztraxão ou como disse Mario Pedrosa na saída da Sala FUNARTE, para cuja inauguração se projetou o filme (O Rio continua deliciosa província) : -v-rÉ obra na qual a Forina supera o Conceyto! Kynema itz SonimagejMONTAGE: Mario Peixoto aos 19-20 anos realiza tudaquilo que os Kyneaztas desejam: Fluz263
Limite é um filme fundamentalmente brasileiro: nestas cercas de pau-o-pique; nessas tronqueiras; neste capinzal ventado; nessa praia; nesses alagados; nesses árvores retorcidos, nessas palmeiras descabeladas pelo vento. São infinitamente brasileiras as janelas, as portas, as paredes. O musgo, a estrada, as fachadas, o beco, as faces no cinema, as perspectivas das praias, os pescadores ..~... / que consertam as suas redes," . as proas oscilantes das canoas, as pessoas que passam. Tudo é puro Brasil - Mangaratiba, brejo, lodo, praia, mata. Estasruínas, de vegetação pendente, estes muros manchados, este céu branco, este cemitério lodoso é BrasiI. Os personagens se incorporam à paisagem e, através dela, se exprimem.
6/
Taciana Rei e a câmera ao nível do mar
Saulo Pereira de Mello, Rio, 1981
Imag-AZÃ - criar Emoção (comunication ... ) através montage de celulas vizuayz (o filme é do tempo mudo e se faz mal acompanhar por arranjos de Saty, Debôzy, Extravynk e Betove). EMOÇÃO DE QUE AÇÃO? - num Barko três personagens: Mario filmonta fragmentos destas vidas e os FIC(KRY) CIONA: a decadência dos personagens é ressuscitada, ezplendor formal! Limite próximo a Faulkner: TEMPO FORA DO TEMPO: EZPAZEZTETYKONZTYTUCYONAL Arte, Pratyka proibida. Mario Peixoto, como nosso genial Lima Barreto, não conseguiu fazer outro filme, o Brazyl é impiedoso com seus filhos santos, vivemos condenados pela teologia luzytana. Kynema Brazyleyro está dando dinheiro? Os filmes são piores que os filmes dos anos 60. Por isto Limite é revolucionariaula de Montage pra tantos Kyneaztas incompetentes. Porque nossos filmes são Literários e Teatrais. Pornográficos, não pelo sexo, mas pelo MAU GOZT: os Kyneaztas são ideologicamente pre-Romanezcux, daí a permanente burrice do Realyzm (e das Krytykas censórias). (Folha de 5. Paulo, Glauber Rocha)
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A data correta dá realização de Limite até hoje não foi devidamente esclarecida, mas o extraordinário livro de Saulo Pereira de Mello (Limite, 1979, Edição FUNARTE) atesta que o filme foi lançado no Brasil em 1930, em sessão especial no também lendário Chaplin Club. Rodado a 16 QPS, seria exibido em Londres em 1931, valendo sempre lembrar a imensa repercussão que obteve.
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narrativa de câmera sul-americana... Strand, London/T he T atler Magazine,
(Marble October
Arch Pavillion, 1931, London).
Erich Pommer ... Um jovem brasileiro - que se expressa em cinema com a mesma profundidade de ~m experimentado técnico. Entretanto, a sua arte extravasa mais arroubos de ousada poesia à qual a câmera expressa todo um ineditismo de raro e mais alto senso estético ... (VUE, Paris, Novembre de 1931). V seoolod Poudovkine ... É senhor do ritmo e da câmera tanto quanto a pintura dos seus shots sul-americanos. Eu o chamaria de extensão de uma mentalidade nova, porém já mestra ... (Tbe Spbere, London, 1931). Edward Tisse ... Não se há de estranhar o domínio de tal filme. Visualizando-o de qualquer ângulo qualquer shot - todo ele brota como se oriundo de um estranho sonho. Um sonho, confesso, cujo retorno desejaria e trazendo a sua mensagem sempre renovada. .. (T he T atler Magazine, October 1931, London).
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Eu só assistma Limite em 1981, no Museu da Imagem e do Som, São Paulo. Imediatamente o situei ao lado dos filmes que mais gosto: Deus e o Diabo na Terra do 50l/1963, O Bandido da Luz Vermelha/1968, Cidadão Kane/1941, O Encouraçado Potemkin/1925. É um filme de cinegrafia, como já detectava Otávio de Faria em artigo publicado em 1931: Em Limite, os recursos de que o realizador dispôs interessam muito pouco, porque é o filme como resultado, como obra total, que absorve todo o interesse. Não precisa de atenuantes e materialmente não deixa perceber que foi realizado no Brasil, graças à habilidade técnica do camera-man EDGARD BRASIL.
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5erguei M. Eisenstein ... A mensagem de cinema, da América do Sul, daqui a vinte anos, eu estou certo, será tão nova, tão cheia de poesia e cinema estrutural, como o que assisti hoje. Jamais segui a um fio tão próximo ao genial como o dessa
Limite/1930, exemplar assirnilador de descobertas, é o procedimento deglutidor coisa nossa inocente e explorador - conhecimento é posse - que coloca a câmera na mão (perturbador a posição de câmera que desafia a lógica e o bom-senso) na
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altura do chão e segue andando (olho-quase-livre, combinação de rigor e arbitrariedade) para criar, no melhor da Teoria do Acaso, o enquadramento novo, a nova jaula, com uma delicadeza, movimento e musicalidade de. poesia total sem precedentes em qualquer cinema. Chegamos à pintura aí. Chegamos aí à música. Toda uma tradição (alguns: Marcel L'Herbier iEldorado, Rose France, Feu Mathias Pascal), René Clair (Paris qui Dort ou Le Rayon Invisible, Entr'acte), Germaine Dulac (A Sorridente Madame Beudet), Louis Delluc iSitence, Febre, Festa Espanhola), Jean Grémillon (Gardiens de Phares), Alberto Cavalcanti (La Petite Lili) , Abel Gance (A Roda, Napoléon) e o que havia de novo no novo cinema russo: roteiros e textos do jovem poeta futurista Maiakóvski. Para você, leitor, fazer uma pequena idéia do cuidado com a signagem de cinema naquela época: foi o poeta Assiéiev quem criou os importantes letreiros-fala do Potemkin; Marcel Duchamp, Erik Satie, Man Ray e Francis Picabia colaboradores de Entr'acte, entr'outros. Luis Bufiuel foi o claquetista de Jean Epstein ... de sutileza e descoberta! Contudo, esta linhagem de signos cinematográficos aos olhos e nas mãos da dupla Mario Peixoto-Edgard Brasil, é matéria extremamente flexível, que se amolda livremente ao sabor de sua imaginação e suas intenções. Mais: Peixoto-Brasil servem-se de alguns filmes para tirar deles o que de fato esses filmes não têm, por exemplo: toda a movimentação e posicionamento de câmera e sua distância dos atores e dos objetos não têm semelhantes no cinema da época, no anterior e no posterior.
Afastam-se ambos.
Aproximam-se,
param um
Saem de quadro.
diante do outro.
II pés/? fOI
S pés/3 foi
CORTE
39 I'USÃO
o infinito LONGO lO pés
I
130 Como filmar 5 Limites por ano e não um a cada cinquenta Pereira de Mello)
anos? (Do livro de Saulo
A tradição francesa e americana empalidecem com o desprendimento de Limite. Sua nervura e sua fervura, made in Mangaratiba, transforma o panorama: extrai do quase nada, quase tudo! Sombras, Telhados, Algemas, Barcos do Sonho, Limite ... (Julio Bressane, Folhetim, 13/05/1984).
*
13 foI
entre eles (falam),
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Em 1983, a Embrafilme editou um roteiro/argumento que Mario Peixoto escreveu em 1950 e que no momento está em fase de filmagens: A Alma, Segundo Salustre. A repercussão do livro e do retorno concreto do mitológico cineasta à restinga da Marambaia (onde - não por acaso - Carlos Alberto Ebert
268 Olga Breno: transfiguração Embrafilme)
de uma imagem vista na Inglaterra
(Fotograma/poster
rodou o seu até hoje não visto República da Traição/1969) foram imensas e o jornal Folha de S. Paulo (28 de dezembro de 1983) foi o primeiro a sair com esc1arecedora entrevista (ao repórter Leão P. Serva em edição de Matinas Suzuki Jr. com assessoria de Claudio Pinto, da Embrafilme) da qual transcrevo alguns trechos: Eu sou um camarada que não sente a passagem do tempo. Para mim é como se ele não existisse. Então eu me sinto desligado de todas essas coisas, desligado de Limite. Eu sinto que o filme não foi feito por mim; eu mudei muito desde que o fiz. Além disso, há mais de trinta anos eu vi' o filme pela última vez e desde então sinto uma angústia profunda porque sua cópia está truncada, faltam cerca de 30 minutos, além da cena final que muda completamente o sentido do filme. Quando ficou pronta essa cópia restaurada, em 1979, o Roberto Parreira, então presidente da Embrafilme (Mario Peixoto se confundiu um pouco aqui: na época, Parreira era diretor-executivo da FUNARTE· só em 1982 seria diretor-geral da Embrafilme - nota JF) veio especialmente a Angra dos Reis para me buscar, e eu disse a ele: não quero ir, porque o filme está truncado. As pessoas acreditam no filme porque o vêem como ele está. Eu só vou assistí-lo quando a Embrafilme ou qualquer outro órgão público se dispuzer a refazer as cenas que faltam. Como são partes que não têm personagens seria muito fácil. Eu falei com o Saulo Pereira de Mello (autor da restauração da cópia), mas ele se nega a refazer as cenas. Seria como você querer colocar os braços na Vênus de Milo é o que ele me respondeu.
sentando as diversas tentativas para cada cena. Na época, embora todo truncado, o filme ganhou o prêmio Mario de Andrade. Eu tenho uma carta do Mario para Manuel Bandeira em que o poeta dizia: Meu caro Manuel, só pelo título o filme já mereceria ser premiado. Desde então, nesses últimos 40 anos eu fiz uns 5 ou 6 projetos de cenários que estão todos com o Saulo para publicação. (
...
)
Eu nasci na Bélgica, onde meu pai trabalhava, e vim para o Brasil com 5 anos. Depois, aos 9 anos voltei à Inglaterra para estudar e lá fiquei até os 20 anos. Eu vinha sempre ao Brasil para visitar meu pai mas tinha que ir à Inglaterra pois havia provas de três em três ~meses ( ... ). Numa dessas visitas ao Brasil é que eu fiz Limite e o montei numa outra. E o filme começa com uma imagem que eu vi na Inglaterra. Eu estava saindo do hotel e vi um mar cintilante, que ofuscava um pouco os olhos, e vi uma figura que eu não lembro se era homem ou mulher, que estava algemada. Aquilo se fixou em minha mente, era uma cena que contei pro meu pai. Quando fizemos o filme então eu o abria com essa imagem. Todas as etapas de crillção, todas as idéias que foram sendo montadas em Limite estão contadas no meu romance O Inútil de Cada Um, de seis volumes (o primeiro tomo saiu em junho/1984, editora Record - JF) ( ... ) Ali eu descrevo tudo, sem dizer o nome Limite.
Eu fiz um segundo longa-metragem, logo após a filmagem de Limite, que se chamou Onde a Terra Acaba, durante o ano de 1934. Nós o rodamos em Mangaratiba e em torno da Ilha Grande, exatamente onde agora faremos Salustre. ( ... ) Naquela época eu tinha apenas 15 anos e, por algumas divergências com a equipe, chefiada por Carmem Santos, acabei interrompendo as filmagens. Eu tenho essa culpa. .. coisas da mocidade. Para esse filme Edgar Brazil fez fotografias muito mais legais que para Limite. Ele havia se desenvolvido muito. Anos depois eu voltei a encontrar a Carmem, ficamos muito amigos, e ela me deu os trechos que havíamos filmado, que agora estão de posse da Embrafilme. Como eram poucos trechos filmados, eu e Edgar fizemos um filme de estudo sobre Onde aTerra Acaba, apre-
( ... ) Em uma dessas férias no Brasil, em 1933, eu estava em um barco, contornando a Ilha Grande, onde tinha ido buscar alguns elementos para a filmagem de Onde aTerra Acaba, e como eu achava que jamais voltaria lá, quis conhecer a ilha. Então eu vi uma casa abandonada, completamente em ruínas. Quando eu vi a casa tive aquela sensação de quem tocou um fio descapado; choque puro. Paramos e eu pude vê-Ia de perto. Quando cheguei em casa comentei com meu pai. No meu aniversário seguinte, meu pai me deu o dinheiro necessário para comprar aquela casa. Nos três primeiros anos eu ainda morava na Inglaterra, então deixei um caseiro lá. Quando voltei ao Brasil, tratei de estudar as escrituras e a história da casa. Foi quando descobri que ela tinha sido construída no século 17, e então passei a me dedicar inteiramente daquele sítio, até que tive que vendê-lo em 1976. (Mario se refere ao mitológico Sítio do Morcego em Angra dos Reis, onde viveu mais de 30 anos - nota JF).
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( ... )
( ... ) Quando me perguntam sobre cinema eu costumo dizer que o Sítio do Morcego foi muito mais importante para mim do que Limite, do que Salustre e todos os outros. ( ... ) (
...
)
E quando é que você
uai se reconciliar
com seu primeiro
filme?
Para mim seria uma angústia muito grande assistir a uma obra como Limite truncada .. Eu não aturo vê-lo assim como está. Então eu espero que um dia, ao menos a cena final possa ser recomposta, pois o filme acaba antes do que deveria. Na seqüência final, em que a mulher está boiando sobre uma tábua da canoa, a cópia que está passando por aí acaba quando a câmera focaliza um bando de urubus que sai voando, depois focaliza o mar, e acaba. .. nesse momento, havia uma seqüência em que ela olhava um relógio, que aparece sempre no filme, mas nunca com o mostrador, quer dizer, jamais se pode ver o tempo passando, apenas se vê que é um relógio..Quando a personagem via o relógio, ela esticava a mão para alcançá-Io e ele resvalava, caía no mar. Com um efeito de vidros, Edgard Brazil tinha conseguido acompanhar o relógio atravessando as algas até se alojar no fundo do mar, com o mostrador sempre para baixo. Isso mostrava que o tempo não existe, que ele só é sentido pelo homem, seu criador. Toda essa seqüência final, importantíssima para o sentido do filme foi truncada e já não existe mais.
*
*
*
Em minha mentalidade de cinéfilo, muitas sintonias vêm à tona: o relógio sem ponteiros de Morangos Silvestres (Smulstronstallet/1957) de Ingmar Bergman, um relógio de pulso ao sabor da maré em T he Big Red One de Samuel Fuller. .. e o "tempo fora do tempo" de Faulkner ao qual se refere Glauber Rocha.
dia a figura de Walter Hugo Khouri que, realizando cinco filmes, dos quais O Estranho Encontro é uma manifestação de talento jovem e promissor (seu segundo trabalho) - ainda se debate com problemas nebulosos que o impedem de definir suas idéias. Lembro en passant que Khouri sempre roda seus filmes em mitológicos casarões, outra sintonia com Mario Peixoto. Acho particularmente significativo que todas essas aproximações comecem a acontecer justamente em .1984: nem eu nem Khouri conhecemos Mario Peixoto pessoalmente. .. por enquanto. O jornal O Globo (15/01/1984) estampou num domingo importante matéria de Helena Salem que esclarece também a minha preferência por um filme standard de Khouri: (Noite Vazia/1964):
Foi há cerca de cinco ou seis anos que .Maric Peixoto voltou a pensar em filmar Salustre, estimulado por seu amigo e cineasta - Ruy Collet Solberg, 44 anos (autor de O Homem do Morcego, sobre Mario). Como Peixoto, Ruy viveu um temno em Ilha Comprida, no litoral de Angra dos Reis - a amizade veio daí e do interesse maior pelo cinema. A princípio, Mario chegou a pensar em Walter Hugo Khouri (é apaixonado por Noite Vazia, de Khouri) ou Arnaldo Jabor para dirigi-lo ,("Jabor seria capaz de fazer o filme, já o vi fazer coisas muito bonitas "). Chegou inclusive a propor ao cineasta, que recusou: - O Jabor vibrou quando leu Salustre, mas não quis fazer o filme. Disse que era um filme de autor. (. . .)". Num encontro com Arnaldo Jabor, abril ou maio de 1983, ele me confidenciou que o roteiro ou argumento ou texto do Salustre é uma obra-prima em si, exclui praticamente o filme, que seria outra coisa. De uma forma ou de outra, gostaria de transcrever aqui trechos de Jabor no intróito da belíssima edição citada de Salustre:
Se evoluísse, fazendo mais filmes, possivelmente seria um cineasta da envergadura de um Ingmar Bergman; ou então um autor de dramalhões. Como Mario Peixoto, encontramos hoje em
Antes, antes da palavra vêm os olhos, antes da voz vêm os silenciosos olhos da criança. Mario Peixoto vê o mundo antes da palavra e não é à-toa que o cinema mudo veio antes do falado. O olho não nomeia; só a palavra delimita o mundo em partes escuras e iluminadas. Mario Peixoto não fala; ele olha do fundo de Um berço, do alto de um, farol, de dentro de um lago, de fora da janela como sua mariposa se debate, querendo entrar
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Aliás, Glauber em sua Revisão Crítica, no capítulo sobre Mario Peixoto lembrou bem de uma aproximação (sintonia visionária) entre o gênio em questão e Walter Hugo Khouri, passando justamente por Bergman:
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na vida. ( ... ). O Brasil, vemos o Brasil em vôo de pássaro em queda, pousando nos cardos onde borboletas agonizam, em seios onde a água queima, nas longas barbas das árvores que se fecham e abrem como velhos pesadelos, canoas que flutuam no ar, sol se estilhançando nas marés, areias em vertigem pelos corpos que rodam, gaivotas que circulam em torno de hastes de luz ( ... ). Forma é sonho grego. E Mario é pré-helênico ( ... ) ... Mario, só, andando dos 17 aos 62 anos, magro, em beira de canoas. ( ... ) Salustre: não conheço projeto mais arrojado, não conheço melhor meditação sobre a nossa fome eterna, não conheço olhos mais puros, não conheço mais profundo estudo e prova de que o Inconsciente humano está gravado na matéria mesma do mundo, que desejo e natureza são iguais, que nós somos onda, somos ave, areia, fogo, água, sol, nós somos tudo ( ... ) .
v-
PROCESSO ESTÉTICO. SINTONIA EXPERIMENTAL
•.. •..
•..
Cinemagia, cineutopia: cinema/sonho. Abel Gance nos deu a mais bela definição de Cinema: A Música da Luz. Mario Peixoto nos deu seu mais belo filme. Limite: a estética cintilantemente iluminada. 1984/85:
Mario
Peixoto
ensaia retornar
ao cinema
com A
Alma
Segundo Salustre.
No final compreendemos que os fragmentos não estão governados por uma secreta unidade: o enfadonho Charles Foster Kane é um simulacro, um caos de aparências. (Corolário possível, já previsto por David Hume, por Ernst Mach e por nosso Macedonio Fernández: nenhuma homem sabe quem é, nenhum homem é alguém). Num dos contos de Chesterton - The Head of Caesar -, o herói observa que nada é tão aterrador como um labirinto sem centro. O filme é exatamente esse labirinto. Jorge Luis Borges
Edgar Brazil e Mario Peixoto durante as filmagens de Limite (Embrafilme)
Paulo Emílio
Salles Gomes.
As pessoas que melhor têm compreendido o papel das cinematecas não são necessariamente as ligadas ao mundo cinematográfico, e sim as que têm uma visão cultural ampla. (1957) Se há mais de quatrocentos e cinqüenta anos já existisse o cinema, a viagem de Pedro Alvares Cabral poderia ter sido objeto de um documentário de grande interesse para nós, porém seria pouco provável que a partir de 1530 ainda existisse alguma cópia conservada do filme. Não sei que interesse terão para os brasileiros do ano 2357 a imagem e a voz de Getúlio Vargas prestando juramentos a Constituições, as passeatas de Plínio Salgado, os comícios de Luis Carlos Prestes, as vistas do Rio, de São Paulo ou da Central do Brasil, o Cangaceiro de Lima Barreto. Mas a perspectiva para quem se ocupa da conservação de filmes é assegurar sua preservação para a posteridade. (1957) Carlos Augusto Calil: Passadas as experiências dos anos 50 e 60, em que as soluções propostas foram consideradas ineficientes - o processo de recuperação das matrizes e a transferência do filme para vídeoteipe estamos hoje convencidos de que a conservação dos registros animados por um tempo superior a um século se dará pela transferência das imagens para um material que não lembra
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Fin-du-siécle, primórdios do cinema laser na era do lazer. Anficinema. Nova Grécia Antiga, tecnopop, eletrônica. Substituição gradativa da película perfurada pelo tape tridimensional de
alta definição. Cinema sem tela. Cinema sinal, cinema satélite. Uma única cópia sendo transmitida em todo o globo terrestre, extensiva às plataformas espaciais dos últimos sobreviventes da espécie. Só o experimental nos une. Antropofagicamente. Ecologicamente. Poeticamente. O cinema americano tem informado (Star Wars, Zardoz, Wargames, O Império Contra-ataca). E Paul Virilio vem esclarecendo (Guerra Pura, Guerre et Cinema 1 Logistique de Ia Perception, 84, indicações para leitura). Independente ou não, pouco importa no momento, a utopia do cinema pessoal é uma atopia. De Mélies (Viagem a Lua/ 1902!) a Kubrick (2001: Uma Odisséia no Espaço/1968 ano em que a Super Era de Peixes começou a dar espaço à pacificação de Aquarius), chegando ao atual God(Art/aud: Artaud/ Rimbaud)frey Reggio desse monumento ecológico que é KOYAANISQATSI, novo ícone da experimentália que arrebata multidões. Terei mais a dizer? Então que seja isto: o século 21 confirmará a superioridade de nosso cinema holográfico, caso os filmes brasileiros que procurei valorizar neste livro sejam refeitos tridimensionalmente. Mas confesso que antes de amar o cinema amo a vida, troco toda a tecnologia desta (in )civilização pela vida simples na Ilha do Cardoso e encerro o tópico com a resposta/ poema do cineasta paulista Roberto Santos a uma pergunta (Como será o Cinema no futuro?) final (saiu num tablóide do SESC/SP, agosto 85): O CINEMA AINDA NÃO NASCEU. É MUITO NOVINHO, ESTÁ DANDO SEUS PRIMEIROS PASSOS. NO FUTURO, CADA UM PODERÁ LEVAR SEU PROJETORZINHO, COMO SE CARREGA HOJE UM RADINHO DE PILHA, E VAI VER SEU FILME NUM BANCO DE JARDIM. MAS SERÁ TAMBÉM PROJETADO NO ESPAÇO, PARA MILHARES DE PESSOAS. PARA ISSO JÁ EXISTE O RAIO LASER ... Em 1969, o genial Wesley Duke Lee começa a experimentar nos EUA o Kanhão de Raios Laser para introduzir (em definitivo) a Super-Era de Aquarius nos céus de Sampa, verde pirotecnia em Campos de Jordão & não mera improvisação como Augusto de Campos teria feito na praça Roosevelt em 1983. Novas dimensões da Poesia e da Invenção Permanente: Sintonia da Luz, Sintonia da Velocidade, Sintonia Visionária,
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absolutamente uma fita. Sofisticada tecnologia foi desenvolvida no sentido de gravar as imagens e sons em microssulcos de um disco de metal ou vidro, os quais são lidos por um raio Iaser. A recuperação do registro se dá em vídeo; o processo chamado vídeo-disco. Apesar de tecnicamente maduro, a sua aplicação não será imediata porque não foram resolvidas de modo satisfatório as questões referentes à viabilidade econômica do projeto. De qualquer modo a nossa responsabilidade está em garantir a salvaguarda do patrimônio cinematográfico até - pelo menos - a virada do século. Acreditamos que, até essa data, os problemas de conservação tenham simplificado e a manutenção dos registros possa ser obtida de maneira definitiva. tCinemateca Imaginária, Cinema & Memória, 1981, edição Embrafilme)
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* * Com o Expanded Cinema continua a haver uma progressão rumo à complexidade no filme. Os materiais empregados se multiplicam rapidamente, e atualmente incluem coisas como vídeo-tape e computadores. A medida que os materiais aumentam em diversidade, o âmbito do cinema aumenta. Com a adição de neto light media, como a televisão, as formas se multiplicam. O filme é apenas uma forma de cinema, e possivelmente não será a forma predominante por muito tempo. A medida que se desenvolvem meios mais eficientes e sensíveis de controlar a luz, o próprio filme poderá desaparecer. Tem havido uma progressão rumo à complexidade. E tem havido uma progressão rumo à simplificação. Pode-se despender mais para fazer um filme. Pode-se gastar menos. Atribui-se a Jean Cocteau a afirmação de que o filme não se tornará uma arte até que seus materiais sejam tão baratos como o lápis e o papel. Esse ponto está se aproximando incessantemente. A medida que ele se aproxima, a liberdade aumenta, e o filme de arte pessoal se torna mais vital. (Sheldon Renan, 1967)
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Sintonia Experimental, Sintonia Intergalaxial. Sintonia das Sintonias. Retomando de minha primeira viagem inter-orbital, após curtir música peruana na Estação Brasil do Novo Homem da Nova Humaniddae (do Ócio & não do Negócio - como diria o Presidente Francisco Luiz de Almeida Salles), entreguei a meu Editor Moisés Limonad o painel de talentos que se segue: ~~NO CESAR ABREU O Incrível Senhor Blois (84), magn~fIc~ curta a curtir: Arkadin, desenhos em dorso de pulgas guerrilheiras (trabalhos do visionário Oscar Blois). Magia 3 dominó. ROBERTO AGUILLAR - Astro da Performance! Antropophajya. HAMYLTON DE ALMEIDA - Admirável crítico de cinema em Vitória do Espírito Santo. Faz também vídeos marginais. SUZANA AMARAL - A Hora da Estrela (85): equilíbrio entre a metafísica e a sociologia. Belo filme. HECTOR BABENCO - O cinema é antes internacional: O Beijo da Mulher Aranha (85). O Rei da Noite (75) Lúcio Flávio (78~ e Pixote (80) também são muito bons, impossível negar. Projeto: Galoez Imperador do Acre. SíLVIO BACK Cinema Ecológico: a sombra do helicóptero em Sete Quedas (curta, 79). A Guerra dos Pelados (71): nosso Incrível Exército Brancaleone. Aleluia, Gretchen (76): fundamental sobre nazismo no Brasil. Em montagem: La Guerra del Paraguay (86). LUIS CARLOS BARRETO Talvez o maior homem (pro.duto~) de cinema do Hemisfério Sul, nosso Irving Thalberg. Karismaticarnente. WILSON BARROS - Curtas que já anunciavam a Síntese: Tigresa (78), Disaster Movie (79), Verão & Diversões Solitárias (83). Projeto (long-feature/86): Anjos da Noite. NORMA BENGELL Deusatriz (desde Os Cafajestes/ 62 de Ruy Guerra). Vem realizando vídeos: p. ex., Maria Gladys, uma Atriz Brasileira (82). ABRAÃO BENJAMIN Célebre mascate que filmou o cangaceiro Lampião (& seu Bando) em 1936: cenas reproduzidas em Memórias do Cangaço (episódio de Paulo Gil Soares para Brasil Verdade/I965). ABRÃO BERMAN Criador do fundamental Festival Super 8, Sampa/Brasil, 1972/1983. De lá pra cá: vídeo/Vida.
RUBEM BIAFORA Ravina (1958), O Quarto (1967/ 68), A Casa das Tentações (1975). Genial decano de nossa pobre crítica. IVO BRANCO - Bons curtas: Belmonte (81), Eb, Pagu, Eh.' (82), Strip-Tease (85). CARLOS AUGUSTO CALIL - Belos curtas: Acaba de Chegar ao Brasil o Bello Poeta Francez Blaise Cendrars (71), Simitério de Adão e Eva (75). Consultor Eleito d'O Cinema de Invenção JF. PRIMO CARBONARI - "Amplavisão": jóias entre lixo. ANA CAROLINA - Adoro a l ."metade de Mar de Rosas (77). Das Tripas Coração (81): Filme Paixão. Projeto 85/86: Sonho de Valsa. ISA CASTRO - A Caminho das Índia (78/81, co-direção Augusto Sevá). Solo: vídeo deflagração: Independência é Morte (85). ERMETES CIOCHETTl Terra (62, curta dovjenkiano), A Caminho de Orion (média-metragem ermético). Remember: Cine Clube do Centro Dom Vital, brochura O Filme Japonês (1963). ROGÉRIO CORREA Tem Coca-Cola no Vatapá/76 (co-direção: Pedro Farkas). Bom curta de ficção: Negra Noite (85). Projeto de longa: O Médico Monstro. RICARDO DIAS (Curta exemplar): Paulo Emílio (1981): "Vamos ser claros: não se trata de defender o cinema brasileiro, mas de atacar o cinema estrangeiro". CARLOS DIEGUES - A Grande Cidade (1965) é o nosso Roma, Città Aperta (1944/46), com a vérité de Jean Rouch. Gosto um pouco também de Chuvas de Verão (77) & mesmo de Xica da Silva (76). De uma forma ou de outra, Cacá é melhor em textos translúcidos. RUBENS EWALD FILHO - Nosso Cesar Romero. MIGUEL FARIA JR.Pecado Mortal (1970). Memorável. ROBERTO FARIAS - Antológico filme-policial-brasileiro: Assalto ao Trem Pagador (1962). THOMAZ FARKAS - Hermeto, Campeão (1982). Muito bom curta. JAIRO FERRE IRA - Curtas: O Guru e os Guris/1973 (sobre o cineclubista de Santos Maurice Legeard): O Ataque das Araras/75 (viagem ao Amazonas: Márcio Souza Guia, João Callegaro = Interventor, Galileu Garcia = Cara de
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Sintonia Experimental, Sintonia Intergalaxial. Sintonia das Sintonias. Retornando de minha primeira viagem inter-orbital, após curtir música peruana na Estação Brasil do Novo Homem da Nova Humaniddae (do Ócio & não do Negócio - como diria o Presidente Francisco Luiz de Almeida Salles), entreguei a meu Editor Moisés Limonad o painel de talentos que se segue: NUNO CESAR ABREU O Incrível Senhor Blois (84) magn~fic~ curta a curtir: Arkadin, desenhos em dorso de pulgas g~er:tlhelras (trabalhos do visionário Oscar Blois). Magia 3 donuno. ROBERTO AGUILLAR - Astro da Performance! Antropophajya. HAMYLTON DE ALMEIDA Admirável crítico de cinema em Vitória do Espírito Santo. Faz também vídeos marginais. SUZANA AMARAL - A Hora da Estrela (85): equilíbrio entre a metafísica e a sociologia. Belo filme. HECTOR BABENCO - O cinema é antes internacional: O ,B.eijo da Mulher Aranha (85). O Rei da Noite (75), Lúcio Fláoio (78) e Pixote (80) também são muito bons, impossível negar. Projeto: Galoez Imperador do Acre. SíLVIO BACK Cinema Ecológico: a sombra do helicóptero em Sete Quedas (curta, 79). A Guerra dos Pelados (71): nosso Incrível Exército Brancaleone. Aleluia, Gretchen (76): fundamental sobre nazismo no Brasil. Em montagem: La Guerra del Paraguay (86). LUIS CARLOS BAR RETO Talvez o maior homem (produtor) de cinema do Hemisfério Sul, nosso Irving Thalberg. Karismaticamente. WILSON BARROS - Curtas que já anunciavam a Síntese: Tigresa (78), Disaster Movie (79), Verão & Diversões Solitárias (83). Projeto (long-feature /86): Anjos da Noite. NORMA BENGELL Deusatriz (desde Os Cafajestes/ 62 de Ruy Guerra). Vem realizando vídeos: p. ex., Maria Gladys, uma Atriz Brasileira (82). ABRAÁO BENJAMIN Célebre mascate que filmou o cangaceiro Lampião (& seu Bando) em 1936: cenas reproduzidas em Memórias do Cangaço (episódio de Paulo Gil Soares para Brasil Verdade /1965). ABRÁO BERMAN Criador do fundamental Festival Super 8, Sampa/Brasil, 1972/1983. De lá pra cá: vídeo/Vida.
RUBEM BIAFORA - Ravina (1958), O Quarto (1967/ 68), A Casa das Tentações (1975). Genial decano de nossa pobre crítica. IVO BRANCO - Bons curtas: Belmonte (81), Eb, Pagu, Eh! (82), Strip-Tease (85). CARLOS AUGUSTO CALIL - Belos curtas: Acaba de Chegar ao Brasil o Bello Poeta Francez Blaise Cendrars (71), a pagina Simitério de Adãorepetido e Eva (75). Consultor Eleito d'O Cinema de Invenção JF. PRIMO CARBONARI - "Amplavisão ": jóias entre lixo. ANA CAROLINA - Adoro a L" metade de Mar de Rosas (77). Das Tripas Coração (81): Filme Paixão. Projeto 85/86: Sonho de Valsa. ISA CASTRO - A Caminho das lndia (78/81, co-direção Augusto Sevá). Solo: vídeo deflagração: Independência é Morte (85). ERMETES CIOCHETTI Terra (62, curta dovjenkiano), A Caminho de Orion (média-rnetragem ermético). Remember: Cine Clube do Centro Dom Vital, brochura O Filme Japonês (1963). ROGÉRIO CORREA Tem Coca-Cola no Vatapá/76 (co-direção: Pedro Farkas). Bom curta de ficção: Negra Noite (85). Projeto de longa: O Médico Monstro. RI CARDO DIAS (Curta exemplar): Paulo Emílio (1981): "Vamos ser claros: não se trata de defender o cinema brasileiro, mas de atacar o cinema estrangeiro". CARLOS DIEGUES - A Grande Cidade (1965) é o nosso Roma, Città Aperta (1944/46), com a vérité de Jean Rouch. Gosto um pouco também de Chuvas de Verão (77) & mesmo de Xica da Silva (76). De uma forma ou de outra, Cacá é melhor em textos translúcidos. RUBENS EW ALD FILHO - Nosso Cesar Romero. MIGUEL FARIA JR. Pecado Mortal (1970). Memorável. ROBERTO FARIAS - Antológico filme-policial-brasileiro: Assalto ao Trem Pagador (1962). THOMAZ FARKAS - Hermeto, Campeão (1982). Muito bom curta. JAIRO FERRE IRA - Curtas: O Guru e os Guris/1973 (sobre o cineclubista de Santos Maurice Legeard): O Ataque das Araras /7 5 (viagem ao Amazonas: Márcio Souza = Guia, João Callegaro Interventor, Galileu Garcia Cara de
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Fogo/1958); Ecos Caóticos (São Luiz do Maranhão/75, sobre o poeta Sousândrade lendo Torquato Neto); Antes que Eu me Esqueça/77 (registro do lançamento do livro homônimo do poeta Roberto Bicelli, recitais de Claudio Willer, Roberto Piva, Edu, Nando Ramos, juan Hernandez); média-metragem: Horror Palace Hotel/Brasília, 78: Rudá de Andrade, Elyseu Visconti, Francisco Luiz de Almeida Salles, entr'outros; Nem Verdade Nem Mentira/79, curta-súrnula sobre imprensa (rodado na redação do jornal Folha de S. Paulo, Fake antes da fase susukial; longas: O Vampiro da Cinemateca/75-77, O Insigne Picante (1978/ 1980), [airomiragem (iniciado em outubro 85).
SCHUBERT MAGALHÃES O Homem do Corpo Fechado (1971). FAUZI MANSUR - A Noite do Desejo (1974). OTÁVIO GABUS MENES - Mulher (1932). Lindo filme. ROBERTO MILLER Antológicas animações (caso o criador brasileiro não fosse o nosso Norman McLaren): Sons Abstratos/1958, O Atomo Brincalhão (1967). 1986: biscoito finíssimo em Planeta Terra.
SUZANA MORAES - Vinicius de Moraes, um Rapaz de Família (1984). Cenas sobre o fundamental cinepoeta Vinicius de Moraes, feitas pela filha & mostrando depoimentos de T rn jobim, Ferreira Gullar, Oscar Nierneyer, Caetano Veloso. NELSON NARDOTTI Deu Pra Ti Anos 70 (1981), Verdes Anos (84). Ver Giba Assis Brasil. . TRIGUEIRINHO NETO Bahia de Todos os Santos (1961). DAVID NEVES 1970: Memória de Helena, Lúcia McCartney, filmes altamente poéticos. Em montagem 86: Fulaninha. DENOY DE OLIVEIRA Experimental nO Bahiano Fantasma, o poster. OSWALDO DE OLIVEIRA - Sertão em Festa (71), mas o melhor é essa mistura grossa de Experimental com domínio Artesanal: Cangaceiro Sem Deus (1969). CARLOS PEDREGAL O Quinto Poder (1964). Subliminar. ADALBERTO PENNA FILHO - O Diabo Tem Mil Chifres (1970). ST~NIO PEREIRA Kurtição (1970), excelente 2. LRosemberg. ANTONIO JESUS PFEIL - Porto Alegre, Adeus! (1979). Grande pesquisador de nosso cinema cone Sul, marginália. LUIS OTÁVIO PIMENTEL Fonogramas à Oswald de Andrade (1974). ROBERTO PIRES - Inventor entre nós da lente cinemascope (Redenção/1959). Agilidade 1962: A Grande Feira e Tocaia no Asfalto. CARLOS ALBERTO PRATES CORREA - Crioulo Doido (1972), Perdida (76), Cabaré Mineiro (80), Noites do Sertão (83). MAJOR LUIZ THOMAZ REIS Cinegrafista do Coronel Rondon: Os Sertões de Mato Grosso (1912), Inspecção no Nordeste (1922), Ronuro, Selvas do Xingu (1924), entr'outras maravilhas antropo(i)lógicas. WALTER LUíS ROGÉRIO O Noivo da Morte (73), A Voz do Brasil (80). Rara sensibilidade. Projeto 86 (longa): O Beijo. MURILO SALLES - Nunca Fomos Tão Felizes (1984). Posso me equivocar mas o prefiro como fotógrafo (Tabu, de J. Bressane).
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ALAIN FRESNOT Considerável curta: Nitrato (75). Longa independente (16mm): Trem Fantasma (1977). Projeto: O Exército Encantado. RAQUEL GERBER - Ori, épico em processo há 9 anos. Sai em 86. OSWALD HAFENRICHTER - Legendário montador da Cia. Vera Cruz em São Bernardo do Campo/Sampa. Teremos novos Haf! MARIA RITA KEHL Ecos Urbanos (1982): Kynerna da Vila Madalena, brilhe! (Arrigo Barnabé, como é?; Tetê Espíndola, Premeditando o Breque, Língua de Trapo & outros Grupos Kryativos - o Gordo, d'A Lira Paulistana não pode ser esquecido. Co-direção (BIG) Nilson Villas Boas (O Que Move/85, seu bom curta, mas que nos mova mais paixão.) CLÁUDIO KHANS Jenjyz?, Átila: adoro seu doeuphilmentário O Sonho não Acabou (1979). $antos & [ezus, Metalúrgicos (1983) também é seríssimo, mas gostaria de ver um longa seu na linha brazilianístika ... breve! ROSE LACRETA - Intrigante longa: Encarnaçáo (1976). MARCOS MAGALHÃES Renovação da animação: Meow (81), Animando (83), Planeta Terra (86).
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OSVALDO SAMPAIO - A Estrada (1956): antecede On the Road de Jack Kerouac. Carlão Reichenbach explicitaria. ROBERTO SANTOS Plácido de Campos acha que O Grande Momento (1958) rejuvenesce a cada ano. Prefiro Os Amantes da Chuva (1980) como manifesto pessoal do Roberto. Acho que Vozes do Medo (70) foi um equívoco geral. & talvez sem dúvida A Hora e Vez de Augusto Matraga/1966 seja uma obra-prima de vibração plano-a-plano. Projeto em andamento: Miguilin. Rosa perplexa de Minas. At Sampa. VIRGfLIO & SERGIPE Atual-Idade da Terra/1980, Jornada do Guido Araújo em Salvador. Promessa: Antropofagia Erótica (16mm). AUGUSTO SEVA - A Caminho das 1ndias/78, Real Desejo/86. INIMÁ SIMOES - O Imaginário da Boca (1981) é um belo tratado, mas prefiro vê-lo filmando (Mostrando Tudo/ 1983) . RUY SOLBERG - O Homem do Morcego/1979: cintilante curta sobre a mitologia em torno de Mario Peixoto ekólogo. ANTONIO FERREIRA DE SOUZA: Curta A Boca do Cinema Paulista (fotografia: Ozu Candeias). 82. Longa pessoal: Avesso do Avesso/86. CARLOS ROBERTO DE SOUZA - Drama Caipira Dedicado a Caio Scheyb (1971). Monographia impessoal: A Fascinante Aventura do Cinema Brasileiro (Edição Cinemateca Brasileira, 1981). PAULO THIAGO - A Batalha de Guararapes (1977). TIZUKA YAMASAKI Gaijin, Caminhos da Liberdade (1980).
Filmografia
+
Utopia
hoje, amanhã
Evidência.
William
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Blake
Principais abreviaturas: D. R. -
Direção Argumento Roteiro
P. -
Produção
F. -
Fotografia
A. -
Mont. M. -
Montagem
Música
Elenco Distr. - Distribuição
E. -
A Meia Noite Levarei a Sua Alma (1964) - D., A., R.: José Mojica Marins. P.: Ibéria Filmes (Manoel Augusto Sobrado Pereira). Preparação da produção: Ozualdo Candeias. F.: Giorgio Attili. Mont.: Luiz Elias. Seleção musical: Salatiel Coelho. E.: José Mojica Marins, Antonio Fracari, Nivaldo Lima, Nádia TeU, Nina Monte, Tina Wohlers, Roque Rodrigues. O Abismo (1977) - D., A., R., P., Mont.: Rogério Sganzerla. F.: Renato Laclete. M.: Jimi Hendrix. E.: Norma Ben-
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gell, José Mojica Marins, Wilson Grey, Jorge Loredo, Edson Machado, Mario Thomar. P. Assoe.: Norma Bengel. Distr.: Embrafilme. Alice (1984) D., A., R, P.: Luiz Rosemberg Filho. Imagens (vídeo): Renaud Leenhardt. E.: Mara Aché, Cristiane Couto, Felipe Falcão - Tico. Os Amantes da Chuva (1979) - D.: Roberto Santos. A.: Carlos Queiroz Telles. R.: Carlos Queiroz Telles, Roberto Santos, Francisco Ramalho Jr. F.: Zetas Malzoni. Mont.: Eduardo Leone. M.: Caribé da Rocha. E.: Bete Mendes, Helber Rangel, David José, Zanoni Ferrite, Beatriz Segall, Lilian Lemmertz, Líbero Ripoli Filho, Xandó Batista. Amor, Carnaval e Sonhos (1972) - D., A., R.: Paulo Cesar Saraceni. F.: Marco Botino. Mont.: Ricardo Miranda. E.: Arduino Colassanti, Ana Maria Miranda, Leila Diniz, Hugo Carvana, Paulo Cesar Saraceni. Amor Voraz (1984) - D., A., R: Walter Hugo Khouri. F.: Antonio Meliande. Mont.: Eder Mazini. M.: Rogério Duprat. E.: Ver a Fischer, Marcelo Picchi, Márcia Rodrigues, Bianca Byington, Cornélia Herr. Co-P., Distr.: Embrafilme. O Anjo Nasceu (1969) - D., A., R.: Julio Bressane. P.: Belair Filmes. F.: Thiago Veloso. Mont.: Mair Tavares. M.: Guilherme Vazo E.: Norma Bengell, Hugo Carvana, Milton Gonçalves, Carlos Guimas, Maria Gladys, Neville D'Almeida. O Anunciador - O Homem das Tormentas (1970) - D., A., R: Paulo Bastos Martins. F.: Mário Simões. Mont.: Paulo Martins e Mário Simões. M.: Carlos Moura e Alfredo Condé. E.: Carlos Moura, Klelma Soares, Paulo Martins, Mário Simões, Josélia Mendes, Mário César, Zélia Oliveira. P.: Agedor Produtora de Filmes Ltda. Assim Era a Atlantida (1975) - D.: Carlos Manga. A., R: Carlos Manga e Silvio de Abreu. Mont.: Waldemar Noya. M.: Lyrio Panicali e Leo Peracchi. E.: Adelaide Chiozzo, Anselmo Duarte, Cyll Farney, Eliana, Fada Santoro, Grande Otelo, José Lewgoy., A$suntina das Amérikas (1976) \-- D., A., R., P.: Luiz Rosemberg Filho. F.: Renaud Leenhardt. M.: Cecilia Conde (em destaque, I'm Singin' in the Rain). Mont.: Severino Dadá. E.: Analu Prestes, Nelson Dantas, Ivan Pontes, Reya Silva, Xuxa Lopes, Ana Ladeira, Sergio Pizzoli. Distr.: Embrafilme. Audácia (1969) - D., A., R., P., F.: Carlos Reichenbach, episódio A Badaladíssima dos Trópicos contra os Picaretas do
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Sexo . Homens-equipe (segundo os créditos): Enzo 1I1t111111 jairo Ferreira. Mont.: Jovita Pereira Dias. M.: Jimi 11111.11 E.: Maria Cristina Rocha, Sabrina, Palito, Cléo Ventur I, 111 Carlos Cardoso.
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O Bandido da Luz Vermelha (1968) - D., A., R, P., II ção musical: Rogério Sganzerla. P. e associados: José da o t I Cordeiro, José Alberto Reis, Paulo Villaça e Flávio Sganz rln, Diretor de produção: Julio Calasso Jr. F.: Peter Overbcck. Mont.: Silvio Renoldi. E.: Paulo Villaça, Helena Ignez, Luiz Linhares, Pagano Sobrinho, Roberto Luna, José Marinho, Renato Consorte, Ezequiel Neves, Sérgio Mamberti, Antonio Lima, Maurice Capovilla, Ozualdo Candeias, Carlos Reichenbach, Lola Brah, Sérgio Hingst, Paula Ramos. Bangue Bangue (1971) - D .. A, R, P.: Andrea Tonacci. F.: Thiago Veloso. Mont.: Roman Stulback. M.: Henry Mancini (Hatari), André Previn, Gene Krupa, Aaron Copland, Blood Sweat & Tears. E.: Paulo Cesar Pereio, Abrão Farc, Ezequias Marques, José Aurélia Vieira, Jura Otero. Blá Blá Blá (1968) - D., A., R. (seleção musical: Aaron Copland, entr'outros): Andrea Tonacci. F.: João Carlos Horta. Mont.: Geraldo Veloso. E.: Paulo Gracindo, Irma Alvarez, Nelson Xavier, Marcelo Picchi, Bagu, Kiko. O Bravo Guerreiro (1968) - D., A.: Gustavo Dah1. R: Gustavo Dabl, Roberto Marinho de Azevedo Neto. F.: Afonso Beato. Mont.: Eduardo EscoreI. E_: Paulo Cesar Pereio, Maria Lúcia Dahl, Mario Lago, Cesar Ladeira, Paulo Porto, Italo Rossi, Isabella, Josef Guerreiro, Angelito Melo, Hugo Carvana, Cecil Thiré, Paulo Gracindo. Caçada Sangrenta (1974) - D., A, R.: Ozualdo Candeias. P.: Dacar. F.: Virgilio Roveda. Mont.: Luiz Elias. M.: Ronaldo Lark. E.: David Cardoso, Marlene França, Walter Por tela, F~tima Antunes, Heitor Gaiotti, Renato Petri, Leon Cakoff. Câncer (1968/1972) D., A., R: Glauber Rocha. F.: Luis Carlos Saldanha. Som direto: José Antonio Ventura. Mont.: Tineca e Mireta. M.: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gato Barbieri. E.: Odete Lara, Hugo Carvana, Antonio Pitanga, Rogério Duarte, Hélio Oiticica, Eduardo Coutinho, José Medeiros. Distr.: Embrafilme. Carnaval na Lama (1970) -
D., A., R.: Rogério Sganzerla. Maria ReHic Hoc Sunt.
P.: Belair Filmes. E.: Helena Ignez, Jorge Mautner, gina, Chico, conjunto
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A Casa das Tentações (1973/75) - D., A., R.: Rubem Biáfora. F.: Claudio Portioli. Mont.: Sílvio Renoldi e Ana Lúcia Franco. M.: Damiano Cozzela. E.: Flavio Porto, Elisabeth Gasper, Pedro Stepanenko, Araçari de Oliveira, Cavagnole Neto, Marilena Ansaldi, Francisco Curcio, Betina Viany, Paulo Hesse, Áurea Campos, Anselmo Duarte. P.:Data. Caveira My Friend (1970) - D., A., R.: Alvaro Guimarães. P.: Joaquim Guimarães/Otlando Senna. F.: Sergio Maciel. Mont.: (Sampa): Glauco Mirko Laurelli. M.: Novos Baianos. E.: Nonatho Freire, Sonia Dias, Manoel Costa Jr. (Caveirinha), Nilda Spencer, Conceição Senna, Gessy Gesse. Conversas no Maranhão (1984) - D., P., F., Câmera: Andrea Tonacci. Som direto: Walter Luis Rogégio. Assistência Antropológica: Gilberto Azanha, Maria Elisa Ladeira. Mont.: Bruno de André. Copacabana me Engana (1968) - D., R.: Antonio Carlos Fontoura. A.: Antonio Carlos Fontoura, Leopoldo Serran, Armando Costa. F.: Afonso Beato. Mont.: Mario Carneiro. E.: Odete Lara, Carlos Mossy, Claudio Marzo, Paulo Gracindo, Joel Barcelos, Maria Gladys, José Medeiros, Emmanuel Cavalcanti, Luiz Marinho. Copacabana Mon Amour (1970) - D., A., R.: Rogério Sganzerla. F.: Renato Laclete. Mont.: Mair Tavares. M.: Gilgerto Gil e Rogério Sganzerla. E.: Helena Ignez, Otoniel Serra, Paulo Villaça, Lilian Lemmertz, Guará, Joãozinho da Goméia. Crazy Lave (1971) - D., A., R.: Julio Bressane. F.: Laurie Gane. E.: Guaracy Rodrigues, Julio Bressane, Joca, Monica. Crônica de um Industrial (1978) - D., A., R.: Luiz Rosemberg Filho. F.: Antonio Luis Soares. Mont.: Ricardo Miranda. M.: Wagner (Tristão e Isolda). E.: Renato Coutinho, Ana Maria Miranda, Eduardo Machado, Kátia Grumber, Adriana de Figueiredo, Wilson Grey. Distr.: Embrafilme. Das Tripas Coração (1982) - D., A., R.: Ana Carolina. P.: Ueze Zahran, Jacques Eluf, Anibal Massaini e Embrafilme. F.: Antonio Luiz Mendes Soares. Edição Final: Roberto Gervitz e Sergio Toledo. M.: Paulo Herculano. E.: Dina Sfat, Antonio Fagundes, Ney Latorraca, Miriam Muniz, Álvaro Freire, Christiane Torlone, Nair Bello, Celia Helena, Cristina Pereira, Maria do Carmo Sodré, Isa Kopelman. Distr.: Embrafilme. O Despertar da Besta (ex-Ritual dos Sádicos, 1970) - D., A., R., P., intérprete: José Mojica Marins. F.: Giorgio Attili. Mont., M. adicional: Roberto Leme. E.: Sérgio Hingst, Ozual-
do Candeias, João Callegaro, Maurice Capovilla, Jairo Ferreira, Carlos Reichenbach. As Escandalosas (1970) - D.: Miguel Borges. A., R.: Élio Vieira de Araujo. F.: Afonso Beato. Mont.: Raul Isac de Araujo. M.: Élio Vieira de Araujo, Raul Araujo. E.: Olívia Pineschi, Ivan Cândido, Edson Silva, Andrius, Dinorah Brillanti, Tuska, José Marinho. Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver (1966) - D., A., R., intérprete: José Mojica Marins. F.: Giorgio Attili. Mont.: Luiz Elias. M. (seleção): Edgar Varese, entr'outros. E.: Tina Wohlers, Antonio Fracari, Nadia Freitas, Nina Monti, Tânia Mendonça, Palito, Paul a Ramos, José Vedovato. P.: M. Augusto Pereira. O Estranho Mundo de Zé do Caixão (1968) - D., A.: José Mojica Marins. R.: Rubens Luchetti. F.: Giorgio Attili. Mont.: Eduardo Lorente. E.: 1: Luis Sérgio Person, Vany Miller, Rosalvo Caçador, Mario Lima, Paul a Ramos; 2: lris Bruzzi, Jorge Michel, Ana Maria, Arnaldo Brasil; 3: José Mojica Marins, Oswaldo de Souza, Jean Silva (Jean Garrett), Palito, Nelita Aparecida. Extremos do Prazer (1984) - D., A., R., F., seleção musical (destacando-se Revolution 1, The Beatles): Carlos Reichenbach. P.: Embrapi. Mont.: Eder Mazini. E.: Luiz Carlos Braga, Taya Fatoom, Roberto Miranda, Vanessa, Eudes Carvalho, Rosa Maria Pestana, Rubens Pignatari, Sandra Grafi. Família do Barulho (1970) - D., A., R., seleção musical: Julio Bressane. F.: Renato Laclete. Mont.: Mair Tavares. E.: Helena Ignez, Guará Rodrigues, Kleber Santos, Maria Gladys, Grande Otelo, Poty. P.: Belair Filmes. Fantasticon - Os Deuses do Sexo (1970) - D.: Tereza Trautman (1), José Marreco (2/3). A.: Tereza Trautman (1), José Marreco (2/3). R.: Tereza Trautman (1), José Marreco (2/3). F.: Antonio Meliande. E.: 1: Gilberto Seródio, Tereza Trautman; 2: José Marreco, Denise Correa; 3: Filomena, Garabede, Wellington, Gilberto, Luigi. As Filhas do Fogo (1978) - D., A., R.: Walter Hugo Khouri. P.: Lynxfilm. F.: Geraldo Gabriel. Mont.: João Ramiro Mello. M.: Rogério Duprat. E.: Paola Morra, Karin Rodrigues, Rosina Malbouisson, Serafim Gonzales, Selma Egrei. Distr.: Embrafilme. Filme Demência (1985) - D., A., R.: Carlos Reichenbach. Co-R.: Inácio Araújo. F.: José Roberto Eliezer. Mont.: Eder
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Mazini. M.: Manoel Paiva e Luis Chagas. E.: Enio Gonçalves, Emilio Di Biasi, lmara Reis, Fernando Benini, Liana Duval, Benjamim Cattan, Jairo Ferreira, Rosa Maria Pestana, ~~tia Lopes, Alvamar Taddei, Julio Calasso Jr., Orlando Parolini, Roberto Miranda Benê Silva, Renato Master, Wilson Sampson, John Doo N~llo Di Rossi, Norberto Fayon. P.: Eder Mazini, Anibal Massaini Neto, Carlos Reichenbach, Embrafilme (também
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Distr.). Um Filme 100% Brazileiro (1985) - D., A. (baseado em Blaise Cendrars), R.: José Sette. P.: Grupo Novo de Cinema e Embrafilme. F.: José de Barros (José Sette). Mont.: José Tavares de Barros e Amauri Alves. M.: Luiz Eça. E.: Paulo Cesar Pereio, Odete Lara, Maria Gladys, Guará Rodrigues, Savero Roppa, Luiza Clotilde, Wilson Grey, Kimura Schettino, Jesus Pingo. Distr.: Embrafilme. Fome de Amor (1968) - D.: Nelson Pereira dos Santos. A.: Guilherme Figueiredo. R.: Nelson Pereira dos Santos, Luis Carlos Ripper. F.: Dib Lufti. Mont.: Rafael Justo Valverde. M.: Guilherme Magalhães. E.: Leila Diniz, Arduino Colassanti, Irene Stefania, Paulo Porto, Manfredo Colassanti, Lia Rossi, Olga Danitch. A Freira e a Tortura (1984) - D., A., R., F.: Ozualdo Candeias. P.: David Cardoso. Da peça O Milagre da Cela, de Jorge de Andrade. Mont.: Jair Duarte. E.: David Cardoso, Vera Gimenez, Cláudia de Alencar, Sérgio Hingst, Edio Smanio, Wilson Sampson, Ligia de Paula. Gamal (1969) - D., A., R.: João Batista de Andrade. P.: Tecla Filmes. F.: Jorge Bodanzky. Mont.: Glauco Mirko Laurelli. M.: lvan Mariotti, Judimar Ribeiro. Continuidade: Jairo Ferreira. E.: Joana Fomn, Paulo Cesar Pereio, Lorival Pariz, Fernando Peixoto. Samuel Costa, Janira Santiago. O Gigante da América (1980) D., A., R., P.: Julio Bressane. F.: Renato Laclete. Mont.: Radar. M.: Bernard Herrmann. E.: Jece Valadão, Rogéria, José Lewgoy, Wilson Grey, Colé, Marta Anderson, Tania Bôscoli, Décio Pignatari, José Lino Grunewald, Maria Gladys. Distr.: Embrafilme. Hitler 3.° Mundo (1968) - D., A., R.: José Agripino de Paula. F.: Jorge Bodanzky, Mont.: Rudá de Andrade. M.: Caetano Veloso entr'outros. E.: José Ramalho, Eugênio Kusnet, Ruth Escob~r, je Soares, Tulio de Lemos, Fernando Benini. Um Homem e sua Jaula (1968) - D.: Fernando Coni Campos, Paulo Gil Soares. A.: Carlos Heitor Cony (Matéria de 292
Memória).
R.: Paulo Gil Soares, Fernando Coni Campos. F.: Leonardo Bartucci. Mont.: Alberto Salvá. E.: Hugo Carvana, Helena Ignez, Esmeralda Barros, Talula Campos, Luiz Carlos Miele, Joel Barcelos. O Império do Desejo (1980) D., A., R., F., sele~ão musical (Peg O'MyHeart, Indian Lave CaU, House Burmng Down, etc.): Carlos Reichenbach. P.: Antonio Polo Galante. Mont.: Gilberto Wagner. E.: Roberto Miranda, Benjamim Cattan, Márcia Fraga, Meiry Vieira, Orlando Parolini, Aldine Müller, Martha Anderson, Genésio Carvalho, Maristela Moreno, Cavagnoli Neto, Misaki Tanaka. . Jardim das Espumas (1970) - D., A., R.: Luiz Rosemberg Filho. P.: Sonia de Andrade, Marianita de Avellar Fernandes. F.: Renaud Leenhardt. Mont.: Suely Richers. M.: Chopin. Som direto: Walter Goulart. E.: Ecchio, Reis, Grécia Venicoli, Fabiola Fracarolli, Labanca, Alvim Barbosa. Lilian M - Relatório Confidencial (1975) - D., A., R., P., F., seleção musical (Rachmaninov, Chuck Berry, Charles Aznavour): Carlos Reichenbach. Mont.: lnácio Araújo. E.: Celia Olga Benvenutti, Bejamim Cattan, Sérgio Hingst, .Maracy Mel~o, Edward Freund, Walter Marins, Caçador Guerreiro, Paolo P1Cchi, José Julio Spiewak. Limite (1931) - D., A., R., P., Mont.: Mario Peixoto. F., Câmera: Edgar Brazil. Assistente de realização: Rui Costa. Trilha musical de Brutus Pedreira: Satie, Debussy, Borodin, Ravel, Stravinsky, César Franck, Prokofieff. E.: Olga Breno, Taciana Rei, Brutus Pedreira, Mario Peixoto, Edgar Brazil. Distr.: Embrafilme. A Lira do Delírio (1977) - D., A., R.: Walter Lima Jr. P.: R. F. Farias, Walter Lima Jr. e Embrafilme. F.: Dib Lufti. Mont.: Mair Tavares. M.: Paulo Moura. E.: Anecy Rocha, Claudio Marzo, Paulo Cesar Pereio, Antonio Pedro, Tonico Pereira, Rosita Thomaz Lopes e Jamelão. Distr.: Embrafilme. O Longo Caminho da Morte (1971) D., A., R., P.: Julio Calasso Jr. Co-R.: Claudio Polopoli. F.: Peter Overbeck. Mont.: Jovita Pereira Dias, Julio Calasso Jr. M.: Debussy, Jimi Hendrix. E.: Othon Bastos, Assunta Perez, Rosangela Pinheiro, Cecilia Thumin, Dionísio Azevedo, Benê Silva, Gésio Amadeu, Vicente Pellegrino. Mangue Bangue (1971) - D., A., R.: Neville D'Almeida. F.: Pedro Moraes. Mont.: Geraldo Veloso. E.: Paulo Villaça, Maria Gladys, Érico de Freitas, Maria Regina, Neville D'Almeida.
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Mar de Rosas (1977) D., A., R.: Ana Carolina. F.: Lauro EscoreI. Mont.: Vera Freire. M.: Paulo Herculano. E.: Norma Bengell, Hugo Carvana, Cristina Pereira, Miriam Muniz, Otávio Augusto, Ary Fontoura. Distr.: Embrafilme. A Margem (1967) - D., A., R., P., Mont.: Ozualdo Candeias. F.: Belarmino Mancini. M.: Luiz Chaves. E.: Mario Benvenutti, Valéria Vidal, Lucy Rangel, Bentinho, Telé, Karé, PauIa Ramos, Ana F. Mendonça, Nelson Gaspari, Virgilio Sampaio, Dantas Filho. Matou a Família e Foi ao Cinema (1970 - D., A., R., P.: Julio Bressane. F.: Thiago Veloso. Mont.: Mair Tavares. M.: Roberto Carlos, entr'outros. E.: Márcia Rodrigues, Renata Sorrah, Antero de Oliveira, Vanda Lacerda, Paulo Padilha, Rodolfo Arena. Distr.: Embrafilme. Memória de Helena (1969) - D., A., R. (com Paulo Emílio Salles Gomes): David E. Neves. F.: David Drew Zingg. Mont.: João Ramiro Mello. M.: Brahms, Beethoven, Grieg, Haendel, E.: Rosa Maria Penna, Adriana Prieto, Arduino Colassanti, Joel Barcelos, Áurea Campos, Humberto Mauro, Mair Tavares. Memórias de um Estrangulador de Loiras (1972 - D., A., R.: Julio Bressane. F.: Laurie Gane. E.: Guaracy Rodrigues. Meteorango Kid, Herói Intergalático (1969) - D., A., R.: André Luiz de Oliveira. Poster: Rogério Duarte. Mont.: Mareio Cury. M.: Caetano Veloso. E.: Lula Martins, Sonia Dias, Milton Gaúcho, Nilda Spencer, Marta Mansinho, Alberto Viana, Mane Caveira. Meu Nome é Tonho (1969) - D., A., R.: Ozualdo Candeias. P.: M. Augusto de Cervantes, Nilze de Lima. F.: Peter Overbeck. Mont.: Luis Elias. M.: Paulinho Nogueira. E.: Jorge Karan, Bibi Vogel, Nivaldo Lima, Edio Smanio, Walter Portela, Toni Card, Vera França. Os Monstros de Babaloo (1970) - A., R., D., P., seleção musical (com Edison Machado): Elyseu Visconti Cavalleiro. F.: Renato Laclete. Mont.: Geraldo Veloso. E.: Ilza Carla, Zezé Macedo, Helena Ignez, Badu, Tania Cher, Betty Faria, Jacaré. A Mulher de Todos (1969) - D., R., P.: Rogério Sganzerla. A.: Egydio Eccio. P.: Antonio Polo Galante, Alfredo Palácios. F.: Peter Overbeck. Mont.: Franklin Pereira. Seleção musical (Prokofieff de Ivan o Terrível, Jailhouse Rock, entr'outros): Ana Carolina. E.: Helena Ignez, Stenio Garcia, Paulo Villaça, . Antonio Pitanga, Renato Correa de Castro, Telma Reston,
Abrão Farc, Silvio de Campos Filho, José Carlos Cardoso Antonio Moreiras, Rogério Sganzerla, José Agripino de Paula. ' Nem Tudo é Verdade (1978/1985) - D., A., R.: Rogério Sganzerla. F.: José Medeiros, entr'outros. Mont.: Severino Dadá. E. (ficcional): Arrigo Barnabé (Orson Welles), Helena Ignez (Matilde), Grande Otelo (depoimento). E. (documental, via cinejornais): Getúlio Vargas, Gustavo Capanema, Anselmo Duarte, Carlos Drumond de Andrade, Francisco Alves Haroldo Barbosa Heitor dos Prazeres, Bidê, Marçal, Grande Gtelo, Jacaré, Os~ wald de Andrade, Mesquitinha, Alex Viany, John Ford Peri Ribeiro, Clementina de Jesus, entr'outros. Co-P. e Distr.; Embrafilme. Nenê Bandalho (1970) - D., A., R.: Emílio Fontana. F.: Pio Zamuner. Mont.: Luiz Elias. Seleção musical: Salatiel Coelho. E.: Rodrigo Santiago, Lêda Vilela, Sandro Poloni Miriam Muniz, ,Maria do Carmo Bauer, Jairo Salvini, Fernand~ Benincasas, Jo Soares. A Noite do Desejo (1972) - D., A. (com J. D'Avila), R.: Fauzi Mansur. F.: Ozualdo Candeias. Mont.: Inácio Araújo. Seleção musical: Jairo Ferreira. E.: Roberto Bolant, Ney Latorraca, Marlene França, Betina Viany, Selme Egrei Francisco Cúrcio, Gracinda Fernandes. ' Orgia ou O Homem que deu Cria (1970) - D., A., R., P.: João Silvério Trevisan. P. (assoc.): Renato Grecchi, Luis Sérgio Person. F.: Carlos Reichenbach. Mont.: João Batista de Andrade. M.: Ibanez (canções originais), música peruana ria abertura, Que Será Será (remake). Assistentes de direção: Tania Savieto, Jairo Ferreira (também still, assistente de produção, som-guia & ator co-adjuvante). Diretor de produção: Percival Gomes de Oliveira. E_: Pedro Paulo Rangel, Fernando Benini, Ozualdo Candeias, Sérgio Couto, Marcelino Buru, José Fernandez, Neusa Mollon, Janira Santiago, Walter Marins, José Gaspar, Fernando Benincasa, Eudes Carvalho, Sebastião Millaré, Antonio Vasconcelos, Zenaider Rios, Mario Alves. A Ovelha Negra - Despedida de Solteiro (1974) - D., A., R.: Haroldo Marinho Barbosa. F.: Antonio Penido. Mont.: Gilberto Santeiro. M.: Sidney Miller, Haroldo Marinho Barbosa. E.: Joel Barcelos, Marcia Rodrigues, Ana Maria Miranda Nelson Xavier, Tite de Lemos. '
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Paulicéia Fantástica (1970) - D.: João Batista de Andrade. F.: Aloysio Raulino. Narração: Lucila Ribeiro, Paulo Cesar
Pereio, Etty Fraser. Seleção musical: João Silvério Trevisan. E.: Lenoir Bittencourt. Documentário (cinema paulista, 1903/1935) intercalado com cenas ficcionais. Pecado Mortal (1970) - D., A., R.: Miguel Faria Jr. P.: Gustavo Dahl. F.: João Carlos Horta. Mont.: Mair Tavares. E.: Fernanda Montenegro, José Lewgoy, Anecy Rocha, Suzana Moraes, Rejane Medeiros, Ivan Pontes, Marina Montini. Pedra Diabo Ama Rosa Meia-Noite (1970) - D.: Miguel Faria Jr. A. e R.: Miguel Faria Jr. e Armando Costa. P.: R. F. Farias Ltda./Miguel Faria Jr./lpanema Filmes Ltda. F.: Mario Carneiro. Mont.: Gustavo Dahl. E.: Paulo Cesar Pereio, Suzana Moraes, Hugo Carvana, Mario Lago, Wilson Grey, Gracinda Freire. Perdida (1975) - D., A., R.: Carlos Alberto Prates Correia. F.: José Antonio Ventura. Mont.: Carlos Brajsblat. M.: Tavinho Moura. E.: Maria Silvia, Helber Rangel, Alvaro Freire, Thelma Reston, Wilson Grey, Luiz Rosemberg Filho. Distr.: Embrafilme. Perdidos e Malditos (1970) - D., A., R., Mont.: Geraldo Veloso. F.: João Carlos Horta e Antonio Penido. M.: Miles Davis (Miles runs to V oodoo). E.: Paulo Villaça, Maria Esmeralda, Dina Sfat, Selma Caronezzi, Geraldo Veloso (também P.). Piranhas do Asfalto (1970) - D., A., R., (seleção musical, incluindo seqüências de I van o Terrível, Prokofiev /Eisenstein): Neville D'Almeida. F.: Edison Santos. Mont.: Geraldo Veloso. E.: Betty Faria, Maria Gladys, Rejane Medeiros, Maria do Rosário Nascimento e Silva, Billie Davis, Carlos Figueiredo, Guará, Neville. O Pornógrafo (1970) - D., A., R., P., seleção musical (Wagner, Abertura 2001, Jorge Ben): João Callegaro. A., R., participação especial (Fumeta): Jairo Ferreira. P.: Antonio Polo Galante, Alfredo Palácios. F.: Oswaldo de Oliveira. Mont.: Silvio Renoldi. E.: Stenio Garcia, Edgard Gurgel Aranha, Liana Duval, Sérgio Hingst, Francisco Di Franco, Julia Miranda, Vera Sampaio, Ednardo Pinheiro, Sabrina, Clarisse Piovesan, Carlos Reichenbach, Rosangela Maldonado, Oswaldo Sampaio, Antonio Lima, José Julio Spiewk, Bentinho, Sérgio Ricci, Serafim Soberano, Antonio Moreiras. O Quarto (1967/68) - D., A., R.: Rubem Biáfora. F.: Rudolf Icsey. Assistentes de direção: Pedro Carlos Rovai, Jairo Ferreira. Mont.: Máximo Barros. M.: Zimbo Trio. E.: Sergio
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Hingst, Giedre Valeika, Amiris Veronese, Berta Zemel, Glaucia Rothier, Luiz Sergio Person, Pedro Paulo Hatheyer. A Rainha Diaba (1973) - D., A. (com Plínio Marcos), R.: Antonio Carlos Fontoura. P.: R. F. Farias Ltda. F.: José Medeiros. Mont.: Raphael Justo Valverde. M.: Guilherme Vazo E.: Milton Gonçalves, Odete Lara, Stepan Nercessian, Nelson Xavier, lara Cortes, Wilson Grey, Edgar Gurgel Aranha, Lutero Luiz. Redenção (1959) - D.: Roberto Pires. A., R.: Roberto Pires e Oscar Santana (também F.). E.: Braga Neto, Geraldo Del Rey, Eloíse Cardoso, Nilton Gaúcho, Fred Junior. O Rei da Vela (1982) - D.: José Celso Martinez Correa, Noilton Nunes. A.: Oswald de Andrade, Zé Celso, Noilton Nunes, Carlos Alberto Ebert. R.: Zé Celso, Noilton, Ebert. F., Câmera: Ebert, Rogério Noel, entr'outros. Cenografia e figurinos: Helio Eichbauer. Mont.: Noilton, Nazareth Ohana. M.: Edgar Ferreira, Surubim, Caetano Veloso, entr'outros. Som: Riva, Roberto Leite. E.: Renato Borghi, José Wilker, Esther Góes, Henriqueta Brieba, Carlos Gregório, Claudio Mac Dowell, Tessy Callado, entr'outros. P.: 5.° Tempo Produções Artísticas e Culturais Ltda. Distr.: Embrafilme. República da Traição (1969) - D., A., R., P., F.: Carlos Alberto Ebert. A., R., P.: Claudio Polopoli. Diretor de produção: Julio Calasso Jr. P. (assoc.): Anibal Massaini Neto. E.: Vera Barreto Leite, Zózimo Bulbul, Antonio Pedro. Distr.: Cinedistri. São Paulo S/A (1965) - D., A., R.: Luis Sérgio Person. F.; Ricardo Aronovich. Mont.: Glauco Mirko Laurelli. M.: Claudio Petraglia. E.: Walmor Chagas, Eva Wilma, Otelo Zeloni, Ana Esmeralda, Darlene Glória. O Segredo da Múmia (1982) - D., A., P.: Ivan Cardoso. Co-A.: Eduardo Viveiros (também still). Produção executiva: Zelito Viana. F.: Renato Lacleti, Cesar Elias, João Carlos Horta. Mont.: Ricardo Miranda, Cris Altan, Gilberto Santeiro. Trilha musical (destacando-se O Egípcio/1954 de Alfred Newman): Julio Medaglia, Gilberto Santeiro. E.: Anselmo Vasconcellos, Wilson Grey, Clarice Piovesan, Tania Bôscoli, Felipe Falcão, Regina Casé, Julio Medaglia, Carlos Wilson, Maria Zilda, Colé, Claudio Marzo, Nina de Padua, Rubem Barra, Dora Pellegrino, Silvana Rodriguez, Carine Cooper, Sandro Solviati, Radar, [ane 297
Silk, José Mojica Marins, Paulo Cesar Pereio, Joel Barcelos, Jardel Filho. Distr.: Embrafilme. Sem Essa Aranha (1970) D., A., R., Mont.: Rogério Sganzerla. P.: Belair Filmes. F.: Edison Batista. M.: Luis Gonzaga. E.: Jorge Loredo, Helena Ignez, Maria Gladys, Luis Gonzaga. A Sina do Aventureiro (1959) - D., A., R.: José Mojica Marins. F.: Honório Marin. M.: Eni Balu. E.: Acacio de Lima, Shirley Alves, Augusto Pereira. Tabu (1982) - D., A., R., P.: Julio Bressane. F.: Murilo Salles. Mont.: Leovigildo Cordeiro (Radar). Figurinos: Vera Barreto Leite. Cenografia: Luciano Figueiredo. M.: Lamartine Babo, Caetano Veloso, Bernard Herrmann. E.: Caetano Veloso, José Lewgoy, Colé, Claudia O'Reilly, Norma Bengell, Daniela Monteiro, Mario Gomes, Sonia Dias, Dedé Veloso. Distr.: Embrafilme. Trilogia do Terror (1968) - D.: José Mojica Marins (1), Ozualdo Candeias (2), Luiz Sergio Person (3). A.: José Mojica Marins. R.: José Mojica Marins (1), Ozualdo Candeias (2), Luiz Sergio Person (3). F.: Giorgio Attili (1), Peter Overbeck (2), Oswaldo de Oliveira (3). M.: Rogério Duprat, Damiano Cozzella. E.: 1 - Vany Miller, Mario Lima, Ingrid Holt, Nelson Gaspari; 2 - Lucy Rangel, Regina Célia, Alex Ronay, Durvalino. de Souza, José Julio Spiewak, Tarzan; 3 - Lima Duarte, Cacilda Lanuza, Waldir Guedes, Lenoir Bittencourt. Triste Trópico (1973) D., A., R.: Arthur Ornar. P.: Melopéia Cinematográfica. F.: Iso Milman e José Carlos Avellar. Mont.: Ricardo Miranda. M.: Cirilo Gonot. O Vampiro da Cinemateca (1977) D., A .. R., P., F., Mont., seleção musical (Debussy, Satie, Ketelbey, Little Richard, Mahler, Bartok, Lupicino Rodrigues, Bernard Herrmann, Roberto Carlos, Prokofieff, entr'outros), ator principal, Distr.: Jairo Ferreira. Seqüências de Citizen Kane/1941, Dr. Phibes Rises Again/1972, Underworld USA/1960, Heltzapoppin/1941, Taxi Driver/1975, O Rei do Baralho/1973, The Passenger/1975, O Homem e a Câmera/1928, Escape to Witch Mountain/1976, O Triunfo da Vontade/1934, Esta Noite Encarnarei no Teu Cadâver/1966. E.: Julio Calasso Jr., Luiz Alberto Fiori, Carlão Reichenbach, Ligia Reichenbach, Orlando Parolini, Guilherme Vaz, Jards Macalé, José Mojica Marins, Ednardo D'Ávila, Paulo Egidio Martins, Olavo Setubal, Edison Calgaro, Sidney Estevan, José Farias.
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Viagem ao Fim do Mundo (1968) - D., A., R.: Fernando Coni Campos. F.: José Medeiros, Oswaldo de Oliveira. M.: Caetano Veloso. E.: Karin Rodrigues, Annik Malvil, Talula Campos, Jofre Soares, Fabio Porchat, Ver a Viana, José Marinho, Walter Foster. P.: Talula Abramo Campos/Massao Ohno. A Vida Provisória (1969) - D., A., R.: Maurício Gomes Leite. F.: Fernando Duarte. Mont.: Gianni Amico. M.: Prokofiev, Edu Lobo & Capinam, Padre José Maurício, Villa-Lobos, Bach. E.: Paulo José, Dina Sfat, José Lewgoy, Joana Fomm, Mario Lago, Márcia Rodrigues, Hugo Carvana, Paulo Cesar Pereio, José Marinho, Milton de Souza, Pereira Gullar, Carlos Heitor Cony, Geraldo Veloso, Guará Rodrigues. Zé-zero (1974) - D., A., R., P., F., câmera e letra da música principal (Vidal França): Ozualdo Candeias. Mont.: Luis Elias. E.: Milton Pereira, Isabel Antinópolis, Maria Gizelia, Palmira Balhina de Almeida, Maria das Dores Oliveira, Maria Nina Ferraz, Carlos Biondi, Arnaldo Galvão.
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Deus Pã não morreu. Boca do Lixo. Cinema em parnco. Gibi dos anos 40: aventura, irracionalismo & iniciação sexual. Magia negra. Garotos da avenida Ipiranga: nima. Boca do Lixo.
heróis anonimos de uma época ano-
Destroyed Works de Lamantia antecipando foglio de Sanguineti.
em 15 anos Straccia-
Cinema Boca do Lixo: combinações de um único kaleidoscópio selvagem. Eros & Thanatos. Tragédia & chanchada. Poesia & deboche. Comédia & melodrama. Amor & Humor. Zé Celso discípulo de Dionísio, encenando o Apocalipse com dois anões vestidos de Tarzan dançando tango numa ogiva nuclear. Reichenbach & Jairo festejando o sol na Ilha Comprida, nossa Big Sur tropical. Paisagem pós-Nuclear. Mangue. Mangue. Mangue. Flores do mangue (Vinicius). Flowers for Hitler (Leonard Cohen). Fleurs Du Mal. Flores carnívoras & o maravilhoso brinquedo do rock. Universo punk estuprando vanguardinhas de colégio de freira. Anarquia & te(n)são: João Silvério Trevisan & Jairo: de que pássaro é esse filme? Medo total no Oriente. A mídia & 303
o díóxido de carbono fazem funcionar a Máquina. Garotos do Espaço Silencioso. Madame Satã. O Vampiro da Cinemateca. A dança da droga & a conexão Azul. Libido. Pânico. Silêncio. Boca dó Lixo. Boca para urrar no Subterrâneo um ódio total. Renata Falzoni me telefona. Manifestação dia 15 contra o loteamento da juréia. Thanatocracia. Sucatutopia. "Progressistas" no Poder. RoRo, Godard, Cazuza, Bertolucci, Tavinho Paes - censurados. Os governos passam; a polícia fica. Os verdadeiros fascistas são os anti-fascistas (Pasolini).
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Eu, Bicelli & Jairo na errancia no Varela. pontuais pássaros de verão que partiram.
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O livro de cabeceira dos anos 60 foi a Teoria Psica~alítica das Neuroses de Otto Fenichel. O livro de cabeceira dos anos 80 é População Recursos Meio Ambiente de Paul Ehrlich. Dada-Odisséia. Artaud, Corrado Silva & Wayne Shorter. Poeta animal nômade, Sindicato da Natureza. Edison Calgaro & Jairo: da Nai:f Cinefilia em Vila Carrão, serpenteando com Julio Calasso Jr., aos ovnis do Planalto via fazenda em Anápolis. Não seremos nós a colocar a última pá de concreto nos muros da. prisão. Tudo aquilo que vocês chamam 'de história não é senão o nosso plano de fuga da civilização de vocês, 202382 - ALMOX. CENTRAL
Vão pro diabo que os carregue. Eu vou pra praia, Roberto
Piva
Ilha Comprida/Jguape Janeiro 1986 Hora Cósmica do Galo
Aqui está uma obra gue enriqu~c~ a bibliogr: fia sobre o Cinema brasileiro pela sua originalidade e pela emplidão do seu tema. Há nela um percurso que abrange desde Glauber & outros nomes consagrados - Candeias, Sganzerla, Carlão, Zé do Ca~o, Bressane, Zé Celso, Peixot<;>- ate os quase desconheCidos ou vistos ape: nas por iniciados: Ebert, Calasso, Ze Agripino. Não se trata, portanto, de um livro sobre o underground, o marginal e o experimen~al, :nas sif!1 outra coisa! uma avahaçao e isso (ou sintonia, para usar a linguagem:do autor) do todo a partir da margem e do experimental, selecionando os m?mentos de maior invenção e ousadia. O texto de Jairo Ferreíra em diversos momentos está mai~ próximo da poesia que do ensaio. E o modo de escrever de um realizador cinematográfico: soma de fragmentos, estética da colagem, mais impressionista que discursivo, ontagem de anotações, cartas, artigos já publicados e um longo diálogo com os autores estudados. Trata-se do estilo mais coerente com o propósito do üvro.. falar de obras cinematográficas e também dos seus reelízedores. mostrar como, por trás desses filmes, ~á . uma aventura, um tipo todo especíeí de eQgajamento, de p~ssoas que acreditaram numa utopia e a viveram intensamente. Claudio Willer
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~rocuro sempre a síntese: é um trabalho que m apaixona, pois devo ser sincero para com aquilo que G>tJ, e não passo de um experimentador. h. meu olhos, o único valor consiste em não ditar leis,mas ser um experimentador, experimentar é a única coisa que me entusiasma. Um filme não é nunca um relatório sobre a vida. Um filme é um sonho. Um sonho pode ser vulgar, trivial e informe; é talvez um pesadelo. Mas um sonho não é nunca urna mentira. Um filnle r:lãoé realmente bom senão quando a cêmera é um olho na cêseça do poeta. (...) Tudo o q « é vivo deriva da capacidade que a câmera tem de ver. Não vê naturalmente em vez de um artista, vê com ele. A cêmera é, nesses momentos, muitó mais que um aparelho registrador, é uma via por onde chegam as mensagens de um outro mundo, um mundo que não é o nosso e que nos intr duz no seio do grande segre o.
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JAIRO FERREIRA •
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