AUTO DA COMPADECIDA
AUTOR Ariano Suassuna – João Pessoa (PB), 1927. É professor da Universidade Federal de Pernambuco e bacharel em Direito. Idealizador do Movimento Armorial que tem como objetivo criar uma arte erudita a partir da cultura popular do nordeste. Em 1989, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. •
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CARACTERÍSTICAS DO AUTO •
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Um AUTO é uma peça teatral – gênero dramático – marcado pela presença da alegoria (por exemplo, João Grilo é alegoria da astúcia; Padre João alegoria da avareza). Frequentemente, é de inspiração religiosa e moralizante. A estrutura é composta por diálogos e monólogos. Há influência dos Autos de Gil Vicente e também da tradição popular nordestina. A peça pode ser dividida em três atos: O enterro do cachorro, História do cavalo que defecava dinheiro e O castigo da soberba e A peleja da alma. Na montagem da peça, há um palhaço (que representa o próprio autor) que faz a apresentação da peça e dos atores: abre e fecha a peça e estimula o espírito crítico dos espectadores. O Palhaço faz o papel do Corifeu no teatro clássico e a sua intervenção corresponde à parábase da comédia clássica: trecho fora do enredo dramático em que as idéias e as intenções ficam claramente expressas. Segundo palavras do próprio texto a peça é sobre "o julgamento de alguns canalhas entre os quais um Padre, um Bispo para o exercício da moralidade". Assim começa a história de João Grilo e Chico, descritos pelo autor como personagens picarescos.
ENREDO •
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A história conta as aventuras de João Grilo e seu amigo Chicó. Este trabalha na padaria onde a patroa (Dora) vê a cachorrinha morrer. O Padre faz o enterro do animal em latim porque o bicho deixou um testamento com três contos para a Igreja. O Bispo concorda depois de saber que a cachorra deixou seis contos para a Diocese. Grilo pede emprego ao Major. Depois de acertar três charadas, o patrão ordena que o rapaz busque a filha Rosinha que chegou de viagem. Ela apaixona-se por Chicó e Grilo arma um plano para receber o dote da moça. Um duelo com Cabo 70 e Vicentão é marcado e Grilo engana a todos fazendo Chicó se passar por um homem valente. Grilo apresenta Chicó ao Major. Este fica convencido de que o rapaz é fazendeiro e doutor e pode se casar com Rosinha. Uma reforma da Igreja para celebrar o casamento é acertada. Como o ‘doutor’ Chicó está sem dinheiro, o Major empresta. O dinheiro é dado e dividido entre o Padre e o Bispo. Se Chicó não pagasse o empréstimo teria uma tira de couro arrancada das costas. Grilo forja a morte de Chicó com uma bexiga de sangue. O assassino será João Grilo vestido de cangaceiro. Mas há mesmo um ataque à cidade com os cangaceiros de Severino que resolve matar os dois amigos.
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Grilo oferece ao cangaceiro uma gaita com poder de ressuscitar os mortos e troca por sua vida e de Chicó. Severino é morto e, como a gaita não tem efeito, o comparsa do cangaceiro mata João Grilo. Chicó chora e retira o dinheiro que está em seu bolso, que havia roubado de Severino. As pessoas mortas encontram-se para esperar o seu destino. O Diabo aparece, mas um Cristo negro destrói o preconceito de todos. Os personagens estão prestes a ir para o inferno quando Grilo apela para Nossa Senhora. O padeiro e a esposa são absolvidos por terem se perdoado; o Padre e o Bispo também, por perdoarem o carrasco; Jesus livra Severino porque este não pensa em seus atos devido à morte dos pais. Nossa Senhora pede uma chance para Grilo e Jesus consente e ele volta da morte. Grilo acorda e pergunta pelo dinheiro e Chicó diz que prometeu o dinheiro para Nossa Senhora caso Grilo se salvasse. Paga-se a promessa. Chicó casa-se com Rosinha, mas o dinheiro do dote que estava num cofrinho de porquinha nada vale. O Major não pode tirar o couro de Chicó pois no contrato não havia a palavra sangue. Rosinha é deserdada. No final, os amigos vão pela estrada conversando sobre a riqueza e a pobreza e encontram o Cristo disfarçado de mendigo dividindo com Ele um pedaço de bolo.
PERSONAGENS •
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Os personagens são alegóricos. Alegoria é a transformação de algo abstrato em concreto. É a materialização de aspectos morais, ideais ou ficcionais. São quinze personagens em cena mais o Palhaço. João Grilo está presente em todas as situações. É pálido, desnutrido e sabido. Trabalha na padaria e sente-se injustiçado por ser tratado pior do que um cachorro, especialmente quando ficou doente. Planeja vingar-se dos patrões, mas não tem alma ruim. No fim, perdoa o mal que lhe fizeram. João Grilo quer justiça e tem certeza que é um protegido da Compadecida. Recebe nova oportunidade de Manuel (Cristo) voltando à vida e à companhia de Chicó. Chicó é amigo de João Grilo e também cúmplice de suas malandragens. Conta mentiras que não prejudicam ninguém. Padre João, o Bispo e o Sacristão são alegorias da simonia (corrupção clerical). Encarnam o orgulho, a leviandade e a arrogância. Antonio Morais é uma alegoria da aristocracia de terras. Seu poder econômico o faz senhor dos políticos, padres e do povo. O padeiro e sua mulher representam a exploração que a burguesia impõe sobre os mais pobres. O casal estava junto apenas devido ao medo da solidão. Severino do Aracaju e o Cangaceiro. Severino zangou-se porque a polícia matou sua família. Suas ações, como a violência, são sempre justificadas. O Encourado e o Demônio julgam, aguardando seu benefício, isto é, o aumento da clientela do inferno. É importante verificar que representam, de alguma forma, um instrumento da Justiça, encarnado em Manuel (O Cristo). Manuel é o Cristo negro que julga os vícios humanos como a simonia, a preguiça, a arrogância e o preconceito.
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A Compadecida é Aquela que dá a João Grilo uma segunda oportunidade de vida. É a mediadora misericordiosa.
INTERTEXTUALIDADE •
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O autor inspirou-se nos cordéis do nordeste como ‘A Cantiga do Canário Pardo’ de onde retirou o nome – Compadecida. Faz releitura de textos bíblicos como a parábola do bom samaritano (João Grilo doente e maltratado); do Evangelho de São Mateus (os atores julgam-se indignos de representar Nossa Senhora e Manuel); a paródia do Juízo Final do Apocalipse. EXERCÍCIOS
1. (UFOP) A respeito do Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, é incorreto dizer
que: (A) incorporando romances e histórias populares do Nordeste brasileiro, é um texto cuja vinculação com os mistérios e moralidades medievais é bastante nítida. (B) tem fortes particularidades de um metateatro, principalmente na construção da personagem Palhaço. (C) apresenta uma longa rubrica inicial, com precisas indicações para o diretor, para o cenógrafo e para o sonoplasta. (D) desprezando a cultura religiosa das personagens que habitam seu cenário, tem um desfecho inverossímil e incompatível com o contexto que representa. (E) é um texto estruturado com excepcional dinamismo, dado que os diálogos são curtos e as ações muito rápidas. 2. (UFOP) Sobre a construção das personagens do Auto da Compadecida, de Ariano
Suassuna, é incorreto afirmar que: (A) João Grilo, como protagonista, é um herói no sentido mais clássico do termo, uma vez que combina peculiaridades do herói trágico (a grandeza, p. ex.) e do herói épico (a coragem, p. ex.). (B) o Diabo é uma alegoria que detém uma grande funcionalidade, contrastando vivamente com Manuel e com a Compadecida. (C) o Padeiro e sua mulher demonstram claramente que o sistema moral da sociedade está totalmente comprometido com o sistema econômico. (D) a Compadecida, justificando a metonímia com a qual é designada, apresenta-se como a maior e a melhor advogada de João Grilo. (E) o Padre e o Bispo são verdadeiras caricaturas dos maus sacerdotes, o que justifica os traços fortes com que são compostos. 3. (UEL) As questões de 03 a 05 referem-se ao texto abaixo.
Ah isso é comigo. Vou fazer um chamado especial, em verso. Garanto que ela vem, querem ver? (Recitando.) João Grilo:
Valha-me Nossa Senhora, Mãe de Deus de Nazaré! A vaca mansa dá leite, a braba dá quando quer. A mansa dá sossegada, a braba levanta o pé. Já fui barco, fui navio, mas hoje sou escaler. Já fui menino, fui homem, só me falta ser mulher. Encourado: Vá vendo a falta de respeito, viu? João Grilo: Falta de respeito nada, rapaz! Isso é o versinho de Canário Pardo que minha mãe cantava para eu dormir. Isso tem nada de falta de respeito! Já fui barco, fui navio, mas hoje sou escaler. Já fui menino, fui homem, só me falta ser mulher. Valha-me. Nossa Senhora, Mãe de Deus de Nazaré. Cena igual à da aparição de Nosso Senhor, e Nossa Senhora, A compadecida, entra. Encourado, com raiva surda: Lá vem a compadecida! Mulher em tudo se mete! João Grilo: Falta de respeito foi isso agora, viu? A senhora se zangou com o verso que
eu recitei? Não, João, porque eu iria me zangar? Aquele é o versinho que Canário Pardo escreveu para mim e que eu agradeço. Não deixa de ser uma oração, uma invocação. Tem umas graças, mas isso até a torna alegre e foi coisa de que eu sempre gostei. Quem gosta de tristeza é o diabo. João Grilo: É porque esse camarada aí, tudo o que se diz ele enrasca a gente, dizendo que é falta de respeito. A Compadecida: É máscara dele, João. Como todo fariseu, o diabo é muito apegado às formas exteriores. É um fariseu consumado. Encourado: Protesto. Manuel: Eu já sei que você protesta, mas não tenho o que fazer, meu velho. Discordar de minha mãe é que eu não vou. (...) Fonte: Auto da Compadecida. 15 ed. Rio de Janeiro: Agir, 1979. A Compadecida:
A obra “Auto da Compadecida” foi escrita para o teatro: a) Por João Cabral de Mello Neto e aborda temas recorrentes do Nordeste brasileiro. b) E seu autor, Ariano Suassuna, aborda o tema da seca que sempre marcou o Nordeste. c) Pelos autores do ciclo armorial, abordando temas religiosos e costumes populares. d) Por Ariano Suassuna, tendo como base romances e histórias populares do Nordeste brasileiro. e) Por João Cabral de Mello Neto e aborda temas religiosos divulgados pela literatura de cordel. 4. Ao humanizar personagens como Manuel e a Compadecida, o autor pretende:
a) Denunciar o lado negativo do clero, na religião católica. b) Exaltar o sentimento da justiça divina ao contemplar os simples de coração. c) Mostrar um sentimento religioso simples e humanizado, mais próximo do povo. d) Retratar o sentimento religioso do povo nordestino, numa visão iconoclasta. e) Fazer caricatura com as figuras de Cristo e de Nossa Senhora. 5. Com base no texto e nos seus conhecimentos sobre a obra, as personagens João Grilo
e Chicó identificam-se com:
a) Os bobos da corte da Idade Média. b) Os palhaços dos circos populares. c) As figuras de arlequim e pierrô da tradição romântica universal. d) Tipos humanos autenticamente brasileiros. e) Figuras lendárias da literatura popular nordestina, semelhantes a Lampião e Padre Cícero. Respostas 1–d 2–a 3–d 4–c 5–d