Aplicação dos Métodos de “McCabe-Thiele” e de “Kremser” à Extração Sólido-Líquido
Luís M. H. Francisco, Nuno A. J. Graça Instituto Politécnico de Tomar, Campus da Quinta do Contador, Estrada da Serra, 2300-313 Tomar, Portugal Resumo
A extracção é uma operação unitária integrada no conjunto das operações baseadas baseadas na transferência de massa, sendo a operação de extração sólido-líquido (lixiviação ou lavagem) um processo multifásico conduzido em andares. É portanto possível aplicar os procedimentos gerais gerais usuais nos processos por andares de equilíbrio, como seja a abordagem gráfica de “McCabe-Thiele” e a equação de “Kremser”. Assim sendo, o objectivo deste artigo consiste em descrever e exemplificar a aplicação desses métodos á extracção sólido-líquido. Observou-se que a aplicação destes métodos é simples mas carece muitas vezes de hipóteses simplificativas. Palavras-chave: Extracção sólido-líquido, Lixiviação, Lixiviação, Lavagem, McCabe-Thiele,
Kremser Abstract
The extraction is a unitary operation included in a set of operations based on mass transfer. The solid-liquid extraction (leaching or washing) is a multiphase process conducted in stages. It is therefore possible to apply the usual general procedures in stages equilibrium processes, such as the graphical approach of "Mc Cabe-Thiele" and the equation of "Kremser". Thus, the goal of this article is to describe and illustrate the application of these methods to solid-liquid extraction. It was observed that the application of these methods is simple but many times require simplifying hypotheses h ypotheses.. Keywords: Solid-liquid extraction,
Leaching, Leaching, Washing, McCabe-Thiele, Kremser
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1. Introdução
Nos sistemas multifásicos duas ou mais fases caracterizam o processo em causa, que poderá envolver reacção ou não. Estes sistemas são comuns e importantes nas indústrias baseadas em processos químicos, bioquímicos ou biológicos (Pinho, 2014). Podem ser de diversos tipos consoante as fases em presença, sendo os sistemas sólidolíquido bastante comuns. Muitas das operações de separação são do tipo sólido-líquido, como é o caso da decantação, filtração e centrifugação, e em especial as operações de extracção. Na extracção sólido-líquido é utilizado um solvente para remover um, ou mais, constituinte solúvel inicialmente presente na fase sólida. Pode ser aplicada segundo dois objectivos diferentes, consoante se pretende purificar o constituinte solúvel, ou purificar o próprio sólido: o primeiro caso é usualmente designado por lixiviação, e o segundo por lavagem. Como exemplo de lixiviação tem-se a extracção de óleo a partir de sementes, e como exemplo de lavagem a remoção de impurezas presentes em sólidos obtidos por cristalização (Pinho, 2014). A extracção é portanto uma operação unitária integrada no conjunto das operações baseadas na transferência de massa. Dentro deste conjunto de operações a extracção é, à semelhança da destilação, uma das operações que costuma ser projectada com base no conceito de andar em equilíbrio (Ferreira, Bernardo, Ferreira, Carvalho, & Rasteiro, 2007). Os andares podem ser discretos, bem identificados no equipamento, como é o caso da destilação efectuada em colunas de pratos, ou na extracção conduzida em conjuntos misturador-separador; ou podem ser diferenciais, sem fronteira visível entre andares diferentes, como é o caso da destilação ou da extracção quando conduzidas em colunas de enchimento. Os processos multifásicos organizados em sistemas de andares podem ser classificados, quanto ao seu modo de funcionamento, em contínuos ou descontínuos. E quanto ao movimento relativo das duas fases, podem ser classificados em processos de correntes cruzadas (ou adição fresca de solvente), em co-corrente ou em contra corrente. Comum a todas as operações processadas em andares, é possível resolver os balanços de massa por métodos gráficos. À semelhança de existirem diferentes terminologias aplicáveis aos processos por andares em geral, e à operação de extracção sólido-líquido em particular, também existem diferentes metodologias gráficas (Pinho, 2014).
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O procedimento de “McCabe-Thiele” pode ser aplicado a destilações flash, destilações contínuas em contracorrente, destilações fraccionadas, absorção e extracção por solventes. Em todos estes casos a representação dos gráficos de “McCabe-Thiele” consiste na concentração de uma fase em função da concentração da outra fase. De modo a obter apenas uma curva de equilíbrio é necessário especificar variáveis suficientes para que reste só um grau de liberdade. No caso particular da extracção por solventes especifica-se que a pressão e temperatura são constantes e, caso haja vários solutos, considera-se que estes são independentes (Wankat, Separation Process Engineering, 2012). Para obter uma linha operatória recta para o componente mais volátil na destilação assume-se que fluxo molar constante é valido, o que significa que em cada secção os fluxos totais são constantes. Para a extracção é possível fazer esta suposição caso os sistemas sejam muito diluídos. Porém, para sistemas mais concentrados tem que se assumir que uma espécie química em cada fase não foi transferida para a outra fase; sendo o fluxo dessa espécie constante. De modo geral, considera-se que o total de fluxos é constante ou que os fluxos das espécies não transferidas são constantes (Wankat, Equilibrium Staged Operations, 1988). Estes pressupostos controlam as unidades de concentração utilizadas para traçar o diagrama “McCabe-Thiele”. Se o total dos fluxos é constante o balanço de massa de solutos é escrito em termos de fracções. Se os fluxos de espécies não transferidas são constantes, devem ser utilizadas unidades de razão. A linha operatória de “McCabe-Thiele” satisfaz o balanço de massa apenas para o componente ou soluto mais volátil. Se o total dos fluxos é constante, assume-se que o balanço de massa global é válido. Se os fluxos de espécies não transferidas são constantes, apenas os balanços para essas espécies são válidos. Em relação aos balanços de energia para a extracção, estes são válidos caso se considere a temperatura constante e calor (envolvido no contacto entre as duas fases) desprezável. Utiliza-se a equação de “Kremser” para absorção e extracção por solventes. Quando o total dos fluxos, pressão e temperatura são constantes podemos utilizar a equação de “Kremser”.
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2. Lavagem
A lavagem é quase idêntica à lixiviação, a principal diferença é que na lavagem o material inerte é o produto requerido, e o solvente utilizado é a água, que é barato e facilmente disponível. Várias situações de lavagem são encontradas e podem ser analisadas. Um exemplo a considerar é aquele em que um precipitado sólido, o produto, retém a água que também contém resíduos da solução inicial. Caso se proceda á secagem sem lavar, esses resíduos permanecem com o produto. A lavagem é projectada para removê-los (Earle, 2004). A lavagem é feita através da mistura de sólidos e líquido de lavagem (água) num misturador, sendo depois a mistura enviada para um decantador, onde os sólidos são normalmente removidos a partir do fundo deste (Figura 1A). A separação pode ser feita num único andar, em correntes cruzadas e em contracorrente (Figura 1B).
Figura 1 – Lavagem em contracorrente; (A) sistema de dois andares misturador-decantador, (B) sistema geral (Wankat, Separation Process Engineering, 2012).
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2.1. Aplicação do Método “McCabe-Thiele” á Lavagem
A condição de equilíbrio para a lavagem é que a concentração do soluto é o mesmo em ambas as correntes líquidas, fase leve (sigla O) e fase densa (sigla U). Em relação ao sólido, este altera os fluxos relativos mas não afecta as concentrações. Assim, a equação de equilíbrio é:
=
(1)
sendo que y = fracção de massa de solutos na fase leve e x = fracção de massa de solutos na fase densa. Para o envelope considerado na Figura 1B, é possível escrever o balanço de massa em estado estacionário: (2)
+ = +
sendo O j o fluxo mássico da corrente leve e U j o fluxo mássico da corrente densa que saem do andar j. Para encontrar a equação da linha operatória é necessário rearranjar a equação (2) de forma a isolar y j+1:
=
+ −
(3)
De modo a que esta equação corresponda a uma linha recta, os fluxos da corrente leve e da corrente pesada devem ser constantes. Para tal, assume-se que: 1. Não existem sólidos na fase leve e estes não se dissolvem, o que garante que o fluxo dos sólidos é constante; 2. A densidade dos sólidos secos e a densidade do fluido são constantes, o que implica que o soluto tem baixo efeito sobre a densidade do fluido ou que a solução é diluída; 3. A porosidade é constante. Caso todas as condições acima referidas sejam válidas, e portanto os fluxos sejam constantes, a equação (3) pode ser simplificada:
= + ( − )
(4)
As condições já mencionadas mostram que esta análise para a lavagem poderá ser inválida se o sólido não for todo arrastado, se por alguma razão a quantidade de líquido de lavagem sofrer alterações ou ainda se a densidade do fluido sofrer mudanças acentuadas (Wankat, Equilibrium Staged Operations, 1988). O diagrama de “McCabe-Thiele” pode então ser traçado, com se pode observar na Figura 2, e ser assim utilizado para encontrar o número de andares necessários.
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Figura 2 – Diagrama de “McCabe-Thiele” para a lavagem (Wankat, Separation Process Engineering, 2012).
2.2. Aplicação da Equação de “Kremser” á Lavagem
Tendo em conta o que foi exposto no ponto anterior, também a equação de “Kremser” pode ser aplicada á lavagem em contra contracorrente sem serem necessárias suposições adicionais. Considerando como exemplo, um sistema em contracorrente constituído por 4 andares, em que o fluxo da corrente densa é 3 kg líquido/kg de sólidos secos, o líquido de lavagem é água pura sendo o fluxo da corrente leve 8kg água de lavagem/kg de sólidos secos, e se pretende calcular o rendimento de remoção do soluto, devem ser seguidos os seguintes passos: A. O rendimento de remoção é definido por 1-x out/xin. B. Considerando uma base de cálculo de 1 kg de sólidos secos/h, então O = 8 kg/h e U=3 kg/h. C. Utilizar uma das variações da equação de “Kremser” em termos de x: ∗ ∗
/
= (/)
(5)
D. Substituir os valores na equação (5): O equilíbrio é y = x (equação 1), portanto m = 1; Uma vez que a água de lavagem entra pura, y N+1 = 0, e portanto x N* = y N+1/m = 0. 1−8/3 = = 0.01245 1 − (8/3)
e = 1 − = 0.98755
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E. Verificar esta solução através do diagrama de “Mc-Cabe-Thiele”, sendo que, uma vez que o valor desejado para x N é conhecido, a verificação pode ser feita sem ser por tentativa e erro. 3. Aplicação do Método “McCabe-Thiele” á Lixiviação
A lixiviação é um processo em que um soluto solúvel é removido a partir de uma matriz sólida, utilizando um solvente para dissolver o soluto. Esta operação unitária é uma das mais antigas na indústria química (Treybal, 1981). Um exemplo de lixiviação, presente no quotidiano, é a preparação de chá a partir de folhas de chá. A mistura complexa de produtos químicos que dão ao chá o seu odor, sabor, e efeitos fisiológicos são lixiviados a partir dos sólidos com água quente (Wankat, Equilibrium Staged Operations, 1988). Na lixiviação, ao contrário do que foi admitido no ponto 2.1. para a lavagem, a equação de equilíbrio não é geralmente y = x, e os caudais de sólidos totais geralmente não são constantes. Uma análise rigorosa da lixiviação requer que as variações nos caudais sejam tidas em conta. Todavia, apresenta-se de seguida um caso simples, no qual o gráfico de “McCabe-Thiele” ou a equação de “Kremser” modificada podem ser usados. Considerando um sistema (idealizado) de lixiviação em contracorrente (Figura 3A), deverão ser válidas as seguintes hipóteses: 1. O sistema é isotérmico; 2. O sistema é isobárico; 3. Não há solvente dissolvido no sólido; 4. Não há solvente arrastado com o sólido; 5. Existe uma matriz sólida insolúvel; 6. O calor de mistura do soluto no solvente é desprezável; 7. Os andares são andares de equilíbrio; 8. Não há sólido na fase/corrente leve.
.
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Figura 3 – Lixiviação em contracorrente; (A) Sistema em cascata, (B) Diagrama de “McCabe-Thiele” (Wankat, Separation Process Engineering, 2012).
Com estas hipóteses o balanço de energia é automaticamente satisfeito. Uma linha operatória recta é facilmente derivada usando o balanço de massa para envelope considerado na Figura 3A.
=
. =
; = ó ú ú ; . = ó ℎ ℎ
(6) A linha operatória vem:
=
. .
+ −
. .
(7) Esta equação (7) corresponde a uma recta, como se pode observar na Figura 3B. A curva de equilíbrio corresponde ao equilíbrio do soluto entre o solvente e as fases sólidas. Os dados de equilíbrio devem ser obtidos experimentalmente. Se a linha de equilíbrio for recta, a equação de “Kremser” pode ser aplicada.
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4. Conclusão
Os métodos gráficos apresentam-se como uma alternativa aos métodos analíticos e numéricos para calcular balanços de massa relativos a operações processadas em andares. Um exemplo dessas operações é a extracção sólido-líquido (lavagem e lixiviação), sendo a aplicação dos métodos de “McCabe-Thiele” e de “Kremser” a esta operação unitária relativamente simples. Contudo, a sua aplicação exige que sejam assumidas várias hipóteses de modo a simplificar os casos em estudo, o que faz com que caso essas hipóteses não se verifiquem a análise feita através destes métodos seja inválida. 5. Referências Bibliográficas
Earle, R. (2004). Contact Equilibrium Process - Applications: Extraction and Washing . Obtido em 2 de Junho de 2015, de Unit Operations in Food Processing: http://www.nzifst.org.nz/unitoperations/conteqseparation9.htm Ferreira, A., Bernardo, F. P., Ferreira, L., Carvalho, M. d., & Rasteiro, M. d. (2007). Extracção. Obtido em 2 de Junho de 2015, de Portal Laboratórios Virtuais de Processos Químicos: http://labvirtual.eq.uc.pt/siteJoomla/index.php?option=com_content&task=view&id=34 &Itemid=147 Pinho, H. (Fevereiro de 2014). Processos Químicos: Apontamentos Teóricos. Obtido em 9 de Março de 2015, de Sistema de E-learning do IPT: http://www.elearning.ipt.pt/file.php/151/Teoria_de_PQ_2014_v7.pdf Treybal, R. E. (1981). Leaching (chapter 13) in Mass-Transfer Operations. McGrawHill. Wankat, P. C. (1988). Extending McCabe-Thiele Analysis and the Kremser Equation to Other Separations (chapter 17) in Equilibrium Staged Operations. New Jersey: Prentice Hall. Wankat, P. C. (2012). Washing, Leaching and Supercritical Extraction (chapter 14) in Separation Process Engineering (3ª Edição ed.). New Jersey: Prentice Hall.
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