Diagnóstico E Tratamento Dos Problemas De Aprendizagem (Sara Paín)
O processo de aprendizagem se inscreve na dinâmica da transmissão da cultura, que constitui a definição mais ampla da palavra educação. A partir desta li nha de pensamento, atribui-se à educação quatro funções interdependentes. São elas: a. Função mantenedora da educação: a continuidade da espécie humana ocorre através da aprendizagem de normas que regem a aç ão possível; b. Função socializadora da educação: o indivíduo como ser social, como parte do grupo quando se submete ao mesmo conjunto de normas; c. Função repressora da educação: instrumento de controle que tem por o bjetivo conservar e reproduzir as limitações que o poder destina a cada classe ou grupo social, segundo o seu papel socioeconômico. Não é reconhecida r econhecida como repressora na medida em que, através dela, o sujeito torna-se depositário de um conjunto de normas que passa a assumir como sendo sua própria ideologia; d. Função transformadora da educação: revelação, por parte de grupos, de formas peculiares de expressão revolucionária a partir de mobilizações primariamente emotivas advindas das contradições do sistema. Em resumo, em função do caráter complexo da função educativa, a aprendizagem se dá simultaneamente como instância alienante e como possibilidade libertadora. O alcance da psicologia é delimitado aos fatores que determinam o não-aprender no sujeito e pela significação que a atividade cognitiva tem para ele; desta forma a intervenção psicopedagógica volta-se para a descoberta da articulação que justifica o sintoma e também para a contrução das condições para que o sujeito possa situar-se num lugar tal que o comportamento patológico se torne dispensável. A aprendizagem é constituinte de um efeito e, neste âmbito, trata-se de uma articulação de esquemas dividida em 04 dimensões: 1. A dimensão biológica do processo de aprendizagem: dividida em três tipos de conhecimento, a saber, o das formas hereditárias programadas junto ao conteúdo informativo relacionado ao meio de atuação do indivíduo, o das formas lógico-matemáticas que se constroem progressivamente segundo os estádio de equilibração crescente e por coordenação progressiva das ações que se cumprem c umprem com os objetos, e o das formas adquiridas em função da experiência, que fornecem ao sujeito informação sobre o objeto e suas propriedades; 2. A dimensão cognitiva do processo de aprendizagem: diferenciada em três tipos, a saber, aquela na qual o sujeito adquire nova conduta baseada no ensaio e erro, a segunda baseada na experiência como função de confirmação ou correção das hipóteses (mecanismos de antecipação e retro-ação capazes de corrigir a aplicação do esquema e promover a acomodação necessária), e por último a aprendizagem estrutural, vinculada ao nascimento das estruturas lógicas do pensamento, através das quais é possível organizar uma realidade inteligível cada vez mais equilibrada; 3. A dimensão social do processo de aprendizagem: compreende todos os comportamentos dedicados à transmissão da cultura exercitando, assumindo e incorporando uma cultura particular;
4. O processo de aprendizagem como função do eu (yo): o ego como estrutura que tem por objetivo estabelecer contato entre a realidade psíquica e a realidade externa. Com relação às condições externas, é comum a criança com problema de aprendizagem apresentar algum déficit real do meio devido à confusão dos estímulos, à falta de ritmo ou à velocidade com que são brindados ou à pobreza ou carência dos mesmos e, em seu tratamento, se vê rapidamente favorecida mediante um material discriminado com clareza, fácil de manipular, diretamente associado à instrução de trabalho e de acordo com um ritmo apropriado para cada aquisição. As condições internas da aprendizagem fazem referência a três planos estreitamente interrelacionados. O primeiro é o corpo como infra-estrutura neurofisiológica ou organismo que favorece ou atrasa os processos cognitivos e queé mediador da ação. O segundo refere-se à condição cognitiva da aprendizagem, ou seja, à presença de estruturas capazes de organizar os estímulos do conhecimento. E por fim, o terceiro plano se refere às condições internas da aprendizagem que estão ligadas à dinâmica de comportamento. Podemos resumir a definição de ?co ndições externas? como aquelas que definem o campo do estímulo e ?condições internas? as que definem o sujeito. Ambas podem ser estudadas em seu aspecto dinâmico, como processos, e em seu aspecto estrutural como sistemas de forma que, a combinatória de tais condições nos leva a uma definição operacional da aprendizagem, pois determina as variáveis de sua ocorrência. O problema de aprendizagem pode ser co nsiderado como um sintoma, um sinal de descompensação. Assim, o seu diagnóstico está constituído pelo seu significado. Os fatores fundamentais a serem levados em consideração no diagnóstico de um problema de aprendizagem são: 1. Fatores orgânicos: integridade anatômica e de funcionamento dos órgãos, funcionamento glandular, alimentação e condições de abrigo e conforto entre outros fatores; 2. Fatores específicos: refere-se a certos tipos de transtornos na área de adequação perceptivo-motora, em especial aqueles que aparecem no nível da aprendizagem da linguagem, sua articulação e sua lecto-escrita, e se manifestam numa série de perturbações (ex-alteração da seqüência percebida; 3. Fatores psicógenos: problema da aprendizagem pode surgir como uma reação neurótica à interdição da satisfação, seja pelo afastamento da realidade e pela excessiva satisfação na fantasia, seja pela fixação com a parada de crescimento na criança; 4. Fatores ambientais: refere-se ao meio ambiente material do indivíduo, às possibilidades reais que o meio l he fornece, à quantidade, à qualidade, freqüência e abundância dos estímulos que constituem seu campo de aprendizagem habitual.
O DIAGNÓSTICO E O TRATAMENTO DE PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM EM QUESTÃO
THE DIAGNOSIS AND THE TREATMENT OF LEARNING PROBLEMS IN QUESTION Lúcia Gracia Ferreira
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RESENHA Sara Paín, autora desse livro, é psicóloga clínica, psicopedagoga, e ainda doutora em filosofia e em psicologia. Desenvolve trabalhos relacionados aos problemas de aprendizagem, além de participar de projetos de formação e de pesquisa na França, no Brasil e na Argentina sobre este assunto. Diagnóstico e Tratamento dos problemas de aprendizagem, é uma obra que relata experiências do trabalho psicopedagógico. Nesta obra escrita numa linguagem clara e objetiva, a autora evidencia a necessidade de alertar-nos como quão facilmente marginalizamos aqueles que fazem algo diferente da norma. A autora é conhecida tanto na área de Psicologia como na área ár ea de Educação, não somente pelos trabalhos que desenvolvem, que contribui muito para o crescimento dessas áreas, mas também pelas suas bibliografias. Sara Paín traz nesse livro novas contribuições para área da Psicopedagogia e áreas semelhantes. A obra tem um valor especial, mesmo tendo uma quantidade significativa de publicações voltadas para o campo da Psicopedagogia, nas quais são discutidas todo o processo de identificação e tratamento dos problemas de aprendizagem. Com extrema habilidade e competência, a autora dirige-se ao público múltiplo traçando um percurso envolvente alicerçado no caráter ideológico, teórico e de adequação técnica para a constituição do saber na área afim. Organizada em sete capítulos, o livro inicia-se com fundamentos históricos da aprendizagem, indo ate o fornecimento de orientações práticas concernentes aos procedimentos básicos da devolução diagnostica. No primeiro capítulo (Aprendizagem e Educação), Paín postula, inicialmente, os fundamentos teóricos do processo de aprendizagem e suas funções interdependentes, sendo que em função do caráter complexo na função educativa, à aprendizagem é vista, simultaneamente, como instância alienante e como possibilidade libertadora. Posteriormente, a autora fala da psicopedagogia, como técnica da condução do processo psicológico da aprendizagem, que tem a finalidade, com seu exercício, de cumprimento dos fins educativos. Alem de nos alertar da importante diferença que há entre a perspectiva psicopedagogica e a estritamente pedagógica, ela diferencia o especialista em Ciências da Educação, que preocupa em construir situações de ensino que possibilitem a aprendizagem, do psicólogo, que se interessa pelos fatores que determinam o não-aprender no sujeito e pela significação que a atividade cognitiva tem para ele. Embora, faca parte da psicopedagogia se preocupar com o fortalecimento dos processos sintético do ego e facilitação do desenvolvimento das funções cognitivas, Paín opta por uma psicopedagogia que permite ao sujeito que não aprende fazer-se cargo de sua
marginalização e aprender, a apartir da mesma, transformando-se para integrar-se na sociedade, mas dentro da perspectiva da necessidade de transformá-la. No segundo capitulo (Dimensões do processo de aprendizagem), é relatada vastidão do lugar do processo de aprendizagem, através da descrição de suas dimensões. Alem de nos fornecer a descrição dessas dimensões (biológicas, cognitiva, social), Paín relaciona o id, o ego e o superego com a aprendizagem, considerando que a mesma reúnem num só processo a educação e o pensamento, já que ambos se possibilitam, mutuamente, no cumprimento do princípio de realidade. Duas condições marcam a análise do terceiro capitulo (Condições internas e externas de aprendizagem), onde a autora nos fala que existem dois tipos de condições para a aprendizagem: as externas, que definem de finem o campo do estímulo, e as internas, que definem o sujeito, tanto uma quanto à outra podem ser estudadas em seu aspecto dinâmico, como processos, e em seu aspecto estrutural como sistemas. A combinatória da aprendizagem, pois determina as variáveis de sua ocorrência. O conceito de problema de aprendizagem e o histórico dos fatores fundamentais no diagnóstico do mesmo, é foco da discussão no quarto capitulo (O problema de aprendizagem: fatores). A autora sinaliza sua posição a respeito da definição do termo aprendizagem, no âmbito de sua perturbação, isto é, a patologia do mesmo. Paín traz ate nos, através deste livro, um panorama retrospectivo-histórico dos fatores que podem desencadear um problema de aprendizagem: fatores orgânicos, chamando-nos a atenção da desestruturação da estrutura cognitiva por causa do corpo; fatores específicos, onde são enfatizados os transtornos que aparecem na linguagem; fatores psicógenos, marcada pela diferenciação dos termos inibição e sintoma; e os fatores ambientais, como as possibilidades reais que o meio oferece. Com relação aos problemas de aprendizagem, o conceito do termo, ponto já dito pela autora, é bom deixar claro que os mesmos não podem ser considerados como “erros”, opinião de Freud, porque são perturbações produzidas durante a aquisição e não nos mecanismos de conservações é disponibilidade. Sendo, assim, com exceção das rupturas muito precisas, a significação do problema de aprendizagem não deve ser procurada com conteúdo do material sobre o qual se opera, mas, preferencialmente, sobre a operação como tal. O quinto capítulo (Diagnóstico do problema de aprendizagem), é composto por sete momentos do diagnóstico – motivo da consulta, história vital’hora de jogo, provas psicométricas, provas projetivas, provas específicas e análise do ambiente – que procuram obter todos os dados necessários necess ários para pa ra compreender c ompreender o significado, a causacao e a modalidade de perturbação que em cada caso motiva a demanda assistencial. O primeiro momento é a chave para compreensão diagnóstica do sintoma; os três momentos seguintes buscam conhecer o sujeito, tais atividades fornecem informações sobre os esquemas que organizam e integram o conhecimento num nível representativo; os dois últimos momentos tratam de desvendar quais são as partes do sujeito depositados nos objetos que aparecem como suportes da identificação, e buscam fazer a análise dos ambientes onde o paciente vive. Paín apresenta neste capitulo o tema do diagnóstico.
No capítulo seis (Diagnóstico e orientação terapêutica), a autora toca em três questões extremamente relevantes, onde a mesma apresenta “a hipótese diagnóstica”, “a devolução diagnóstica” e “o tratamento e contrato”, que buscam avaliar o peso de cada fator na ocorrência do transtorno da aprendizagem. A tarefa psicopedagógica começa, justamente aqui, na medida em que se trata de ensinar o diagnóstico, no sentido de tomar consciência da situação de providenciar sua transformação. A autora reivindica, no quinto e sexto capítulo, um psicodiagnóstico abrangente, incluindo o viés do próprio diagnóstico, pervertido este pela ideologia do “saber” dominante, que aparecendo como saber, nada mais é do que um poder cheio de manchas e embustes. Estes capítulos contribuem muito para verificação de como, freqüentemente, a diferença de oligrofenia e oligotimia, passam em brancas nuvens perante os olhos e inteligência de muitos psicólogos, psiquiatras, pedagogos, professores, e principalmente, perante os olhos dos professores universitários. No último capítulo (Tratamento), Paín prende-nos na espera de mais material sobre a técnica de tratamento. O tratamento psicopedagógico tem por objetivo, a desaparecimento do sintoma e a possibilidade do sujeito aprender normalmente. A autora relata que para cumprir objetivos e garantir a conservação do enquadre, é necessária a aplicação de certas técnicas (organização prévia da tarefa, graduação, autoavaliação, historicidade, informação, indicação) que atuarão como instrumentos de transformação. Ao meu ver, a obra aqui resenhada representa uma grande contribuição para as áreas da Psicopedagogia, da Psicologia e da Educação, sendo uma referência, pois consegue tratar de questões relacionadas a essas três áreas. Sara Paín faz a relação entre a psicanálise, a teoria piagetiana e o materialismo histórico, colaborando para as tarefas realizadas em crianças que com problemas na aprendizagem. Por isso, é importantíssima a tomada de consciência por parte dos profissionais que trabalham com a aprendizagem, no que diz respeito às dificuldades de tratamento psicopedagógico. Além do mais, é indispensável aprender com as experiências para que o outro possa crescer através delas, o que aumenta ainda mais o valor de obras como esta, que articula os saberes da psicologia e da pedagogia, possibilitando um entendimento do tratamento transformador. Lembremos que dessa articulação surgiu a psicopedagogia, e se esta existe é porque a pedagogia é falha e não dá conta da demanda.