A C O N S E L HA M E N T O R R E D E N T I V O
SUMARIO Uma palavra sobre o aconselhamento aconselhamento redentivo .........................
Psicologi Psic ologiaa e aconsel ac onselhamen hamento to cristã c ristão.... o.......... ............ ............ ............ ............ ............ ........ Terapia e redenção .................................................................... Perspectiv Persp ectivas as no acon aconselha selhamento mento ........... ..... ............ ............ ............ ............ ............ ............ ......
7 9 13 19
Inteiraçã Inte iraçãoo Afetos do coração ................................. ..................................................................... ....................................... ...
Afeições Afei ções ............ ...... ............ ............ ............ ........... ........... ............ ............ ............ ............ ............ ............ .......... .... Afetos Afet os tácito tá citoss ............ ...... ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ .......... Conhecimento pessoal ...........................................................
27 31 39 55
Fé ............................... .................................................................... ................................................................ ...........................
61
Esperança Esperança ............................... ................................................................... .................................................... ................
73
Amor .................................. ...................................................................... ......................................................... .....................
83 91
As moções dos afetos.................................. ................................................................... .................................
Interação Inte ração Movimentos Movimentos afetivos: habitação, imaginação, imaginação, operação operação ...............
95
Aspectos Aspe ctos indiv i ndividuai iduaiss e modais m odais dos movimento movi mentoss afetivos afet ivos ........ ...... .. Conhecimento revelado ..........................................................
100 105
Habitação ............................... ................................................................... .................................................... ................
109
Imaginação.............................. Imaginação.................................................................. .................................................... ................
115
Receptiv Rece ptivamente amente criativos criat ivos e ativament ati vamentee redentiv rede ntivos os ............ ...... ........... ..... Duas Dua s perspecti pe rspectivas vas básicas básic as diferent di ferentes es ............ ...... ............ ............ ............ ............ ........ A história hi stória do coração c oração ................. ........... ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ..........
117 121
Operação.................................. ..................................................................... ................................................... ................
133
A operaçã op eraçãoo do amor ................ .......... ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ........... ..... O aprendizado ........................................................................
135
Ato-estrutura Ato-estrutura do corpo ............................................................... ...............................................................
145
Interação Inte ração emocional emoci onal e expressã ex pressãoo comportame comp ortamental ntal ........... ..... ........... .....
145
Emoção ................................... ...................................................................... ................................................... ................ Comportamento Comportamento ................................... ....................................................................... ....................................... ...
151
127
137
1~-
A C O N S E L HA M E N T O R R E D E N T I V O
SUMARIO Uma palavra sobre o aconselhamento aconselhamento redentivo .........................
Psicologi Psic ologiaa e aconsel ac onselhamen hamento to cristã c ristão.... o.......... ............ ............ ............ ............ ............ ........ Terapia e redenção .................................................................... Perspectiv Persp ectivas as no acon aconselha selhamento mento ........... ..... ............ ............ ............ ............ ............ ............ ......
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Inteiraçã Inte iraçãoo Afetos do coração ................................. ..................................................................... ....................................... ...
Afeições Afei ções ............ ...... ............ ............ ............ ........... ........... ............ ............ ............ ............ ............ ............ .......... .... Afetos Afet os tácito tá citoss ............ ...... ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ .......... Conhecimento pessoal ...........................................................
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Fé ............................... .................................................................... ................................................................ ...........................
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Esperança Esperança ............................... ................................................................... .................................................... ................
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Amor .................................. ...................................................................... ......................................................... .....................
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As moções dos afetos.................................. ................................................................... .................................
Interação Inte ração Movimentos Movimentos afetivos: habitação, imaginação, imaginação, operação operação ...............
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Aspectos Aspe ctos indiv i ndividuai iduaiss e modais m odais dos movimento movi mentoss afetivos afet ivos ........ ...... .. Conhecimento revelado ..........................................................
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Habitação ............................... ................................................................... .................................................... ................
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Imaginação.............................. Imaginação.................................................................. .................................................... ................
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Receptiv Rece ptivamente amente criativos criat ivos e ativament ati vamentee redentiv rede ntivos os ............ ...... ........... ..... Duas Dua s perspecti pe rspectivas vas básicas básic as diferent di ferentes es ............ ...... ............ ............ ............ ............ ........ A história hi stória do coração c oração ................. ........... ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ..........
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Operação.................................. ..................................................................... ................................................... ................
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A operaçã op eraçãoo do amor ................ .......... ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ........... ..... O aprendizado ........................................................................
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Ato-estrutura Ato-estrutura do corpo ............................................................... ...............................................................
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Interação Inte ração emocional emoci onal e expressã ex pressãoo comportame comp ortamental ntal ........... ..... ........... .....
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Emoção ................................... ...................................................................... ................................................... ................ Comportamento Comportamento ................................... ....................................................................... ....................................... ...
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UMA PALAVRA SOBRE O A C O N S E H A M E N T O R E D E N T I V O O pastor da minha infância, de uma igrejâ de importância histórica, no interior do Estado de São Paulo, era, para mim, uma figura única:.grave, em quase todos os sentidos da palavra, amoroso — e distante. Depois, na pré-adolescência, não sei se devido ao meu próprio desenvolvimento, tive impressão diferente do meu próximo pastor. Magro, "comprido como poste de aveni av enida da", ", como co mo dis se o po poeta eta , desat des atav avaa a rir com co m um ris ri s o chia ch iado do e estendid est endidoo diante de qualquer piada. Ele mesmo contava o caso ocorrido numa colônia de fazenda de café onde tinha ido visitar uns crentes e evangelizar os vizinhos. Conhecido pelo café sem açúcar que ele tomava com gosto, era também conhecido pela delicadeza no trato. Quando, na primeira prim eira casa da fazenda, fazenda , a dona da casa ofereceuoferec eu-lhe lhe a típica típic a "xicrinha "xicr inha"" de café servido como se dizia, "açúcar com café", ele o experimentou e tremeu. "Está bem adoçado?", ela perguntou. "Está", respondeu ele sem mentir, mas também ta mbém sem dizer que preferia pr eferia sem s em açúcar. açúcar . Sem que ele percebesse, a dona da casa mandou que o filho, um menino esperto, fosse a cada casa da colônia e passasse o recado: "O pastor gosta de café bem doce". Há os mistérios da delicadeza! Ele acabou tomando mais de uma dezena de xícaras de açúcar com café. Ele contava também que, noutra ocasião, uma senhora o chamara à cozinha e lhe oferecera uma xícara de café, dizendo com ar de cumplicidade: "Tome este aqui; está doce. Eu não conto para ninguém". Assim é que eu via os pastores. Conhecia-os "de púlpito", "de cafezinho", "de oração" e, mais tarde, os conheci "de escritório", "administradores", "com perícia em crescimento de igreja", "mestre" e "conselheiro". O aconselhamento cristão não deveria ser considerado como uma especialidade separada do aspecto pastoral e da comunhão cristã na igreja. Para o pastor, as habilidades para o aconselhamento são tanto parte do preparo e da entrega de sermões quanto da prontidão para responder respon der aos seus ouvint es após a pós a mensagem. mensag em. É preciso prec iso que o past p astor or seja hábil hábi l intér int ér- prete da Palavra e hábil interprete de pessoas, se ele quiser ser efetivo no ministério. Fala-se Fala-s e muito em visitação. Os crentes querem a visita do pas tor – muitas muitas vezes, não importando o que ele faça lá; ou melhor, contanto que ele só faça o que os visitados acham que é papel do pastor: tomar cafezinho, jogar conversa fora, ler um texto da Bíblia e orar pedindo de Deus cura ou prosperidade; prosperidade; se ele exigir qualquer coisa mais, como maior ma ior freqüência e participação na obra, se mencionar arrependimento e perdão, então terá "começado a pregar". Os pastores enfatizam, sobretudo, a visitação, ou dão muitas explicações sobre porque não visitam, tratando o aconselhamento como "matéria" de escritório para a qual muitos alegam não estar preparados. Mas nem um nem outro tira proveito do aconselhamento ac onselhamento bíblico como um estilo de vida, como Paulo recomendou: "Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos cânticos espirituais, com gratidão, em vosso coração" (Cl 3.16).
Aconselhamento cristão Certamente, há lugar para o especialista, como em todas as outras áreas ministeriais. Contudo, em geral, o aconselha a conselhamento mento cristão deve ser visto visto como a habili habilidade dade relacional relacional de ajuda mútua para o conhecimento de Deus e do homem. Calvino, sob o título O conhecimento de nós mesmos conduz-nos a conhecer a Deus, disse que a soma de quase todo nosso conhecimento consta de duas partes: do conhecimento de Deus e do conhecimento de nós mesmos; e que "Como, porém, de muitos elos se entrelaçam, qual, entretanto, precede ao outro e ao outro origina, não é fácil discernir... Conseqüentemente, pelo pel o con conhec hecime imento nto de si [mesmo [me smo]] é cada ca da um não nã o apena ap enass agu aguilh ilhoa oado do a buscar bus car a Deus, Deus , mas até como que pela mão conduzido a achá-lo".'
PSICOLOGIA E ACONSELHAMENTO CRISTÃO
Muito se discute, também, sobre a relação entre aconselhamento e psicologia e entre aconselhamento e psicoterapia. A psicologia deveria ser considerada uma área de estudo do ser humano e, como tal, de caráter observatório. As observações feitas e as teorias propostas poderão ser tanto corretas como erradas, e deveriam ser apreciadas, como ocorre em todas as áreas do conhecimento, de modo crítico. M. E. Hahan diz que conhece poucos orientadores que estejam plenamente convencidos das distinções feitas entre aconselhamento e psicoterapia — que há semelhanças e diferenças.' Há os que separam, irreconciliavelmente, essas matérias; há aqueles que as consideram inter-relacionais; e há os que tentam integrá-las. O pensamento corrente é que, assim como há verdades em todas as áreas do conhecimento, nas ciências "exatas" e nas "humanas", por que não se receber a contribuição científica da psicologia? A questão não é difícil de ser respondida, mas é preciso ter cuidado na resposta, uma vez que a discussão já saiu do terreno da inquirição honesta para a luta emocional por causa do jogo de poder. Na verdade, engenheiros discordam entre si, físicos também, lingüistas, e especialmente, a psicologia se divide em psicologias — mas pretendendo que haja, em algum lugar, uma teoria unificada da psique que valide o "fato" da psicologia. Da forma como vemos, as observações da psicologia podem ajudar muito no preparo do conselheiro e na condução do processo de aconselhamento, conquanto seja resguardada a soberania da fé cristã revelada na Escritura como o elemento crítico da sua validade. O uso da Escritura como elemento crítico da validade das observações da psicologia e da correção de suas aplicações é uma questão ética. A Bíblia deverá ser usada de modo variado para que sua verdade singular e única revele os caminhos que deveremos seguir nos campos do conhecimento humano, discernindo entre os caminhos maus e o bom caminho ("... a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração. E não há criatura que não seja manifesta na sua presença; pelo cont rário, todas as coisas estão descobertas e patentes aos olhos daquele a quem temos de prestar contas", Hb 4.12,13), assim como entre caminhos bons e o caminho excelente (1Co 13). Na maioria das vezes, poderemos apelar para a Escritura como nosso guia,' isto é, quando a Palavra de Deus tiver algo definido a dizer sobre psicologia ou sobre o aconselhairiento como, por exemplo, sobre antropologia e sobre a natureza da solução do problema do homem. Algumas vezes não será tão fácil encontrar a resposta para certas questões porque a Bíblia não se referiu a elas com tanta clareza. Nesse caso, quando a Escritura não providenciar uma avaliação direta de uma questão, nós a usaremos como guardiã do processo crítico. Nesse caso, ela poderá não apenas conservar-nos nos caminhos da fé, mas advertir-nos dos maus caminhos, como quando, por exemplo, as psicologias concentram o diagnóstico e o prognóstico totalmente no ser hu mano. Outras vezes, a Bíblia não terá nenhuma indicaçã o a oferecer sobre determinadas questões. Nesse caso, nós usaremos a Bíblia como bússola, a qual indica a direção a seguir sem oferecer dados específicos senão um etos cristão em geral. Esse é o caso de descobertas científicas sobre as variáveis das influências físico-químicas no conjunto dos atos humanos, em relação aos quais teremos de considerar que Deus criou o corpo e a alma e forneceu diretrizes sobre a maneira de se lidar com eles. Em todos os casos, a Bíblia poderá ser usada como fonte de exemplos, os quais fornecem luz para o caminho. Naquelas áreas em que não houver textos bíblicos para definir concei tos, haverá sempre instrução para definir posições. Muitas novidades ocorreram no conhecimento da humanidade que constituíram mudanças no pensamento e no comportamento do indivíduo e da sociedade – as quais foram consideradas benéficas e necessárias pelos cristãos. Mas esses desenvolvimentos foram aceitos porque estavam de conformidade com a Palavra de Deus. Os profetas do Antigo Testamento e os apóstolos do Novo Testamento não deixaram para nós uma teoria específica da personalida de, mas, certamente, nos orientaram sobre os abusos contra a
honra de Deus como Criador e Senhor da nossa vida e os desrespeitos cometidos contra a pessoa humana, assim como nos orientaram quanto a uma visão adequada de Deus e da pessoa humana de modo que pudéssemos desenvolver nosso conhecimento e atuação na obediência a Deus e na ajuda ao próximo. "A fim de formar nosso julgamento moral em muitas situações, não bastará conhecer a Bíblia. Teremos de conhecer também a história na qual Deus Se revela ('revelação geral')."' Nós, contudo, certamente erraremos na "leitura" da história, o que torna necessária a hermenêutica da história feita por meio da hermenêutica bíblica ("Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra", 2Tm 3.16,17). Nem tudo o que é "evidente" aos olhos do mundo caído é evidente aos olhos da fé. Não é porque um pensamento foi abertamente aceito pela maioria que isso significa que ele seja verdadeiro, pois os efeitos poéticos do pecado não apenas prejudicaram o entendimento humano, mas tornaram o homem rebelde contra Deus e reverso em relação ao seu pensamento. Quando a Palavra de Deus diz algo sobre o ser humano e seu comportamento, ela é autoritária. Assim, como cristãos, temos de ter bem definido em nossa mente aquilo que cremos. Portanto, a Escritura retém sua função crítica. Ela poderá não nos dizer o que é bom numa situação específica, mas nos indicará sempre o caminho a seguir para encontrar uma resposta para a questão sobre o que é bom ou mau nessa situação. Quando aprendemos da psicologia, temos o direito de concordar com aquilo que homens de gênio, banhados pela graça comum de Deus, observaram. Mas temos o dever de fazê-lo criticamente à luz da Escritura, sabendo como redimir suas observações de modo teológico.
Perspectivas Como diz Vem S. Poythress em seu livro Symphonic Theology, os cientistas sociais usam perspectivas, ou modelos, na condução dos seus estudos. "Por exemplo", diz ele, "a psicologia tem sido dividida já por muito tempo em 'escolas', cada uma dominada por uma única perspectiva. Os psicólogos freudianos tentam explicar os seres humanos em termos de impu lsos biológicos. Os comportamentistas (behavioristas) tentam formar explicações usando sua analogia dominante de estímulo/resposta em animais. A aproximação humanista da teoria da personalidade tenta formular explicações com base na capacidade para solução de problemas e de atualização dos seres humanos". Poythress prossegue, dizendo que o uso de perspectivas tem, obviamente, seus perigos. Por isso é que as escolas de psicologia tendem ao reducionisi-no: o freudianismo é tentado a reduzir os seres humanos a animais controlados por impulsos biológicos. Os comportamentistas são tentados a reduzir os seres humanos a massas complexas de padrões de estímulo/resposta. Esse perigo existe sempre que as perspectivas incorporem pressuposições não-cristãs, as quais, subseqüentemente, condicionam a totalidade da investigação. "Por exemplo, os comportamentistas ou os teóricos da personalidade talvez presumam que a religião seja, meramente, um meio humano de se lidar com o cosmos, e que Deus poderia ser, efetivamente, eliminado dos seus estudos. Dificilmente os resulta dos de suas investigações confirmarão a presença de Deus.` Além disso, lidar com perspectivas na teologia poderá conduzir a um pluralismo, o qual tende a se afastar da teologia teocêntrica. O mundo de hoje está imerso nesse pluralismo. Especialmente, a mudança de perspectiva causada pelo pensamento pós-moderno trocou o foco de sua atenção para o aspecto da estética. O termo pós-moderno foi derivado de uma concepção artística arquitetõnica e aplicado à sociologia, sendo, depois, aplicado à análise da cultura. Jean François Lyotard definiu o pós-modernismo como a "incredulidade da meta-narrativa" – partir da descrença em relação à epistemologia e à centralidade metafísica, para uma opção pelo pluralismo de perspectivas. Ao criar a verdade por meio da construção da linguagem em função de propósitos particulares, colocamos o aspecto modal da estética no lugar, primeiramente, do aspecto pIstico e, depois, dos aspectos éticos e jurídicos.'
Proposta
David Powlison propõe sete compromissos, os quais possibilitam uma unificação do aconselhamento bíblico: (1) Deus é o centro do aconse lhamento; (2) um compromisso com Deus tem conseqüências epistemológicas; (3) o pecado, em todas as suas dimensões (motivo, comportamento, pessoal, contra outros, original e conseqüente) é o problema primário com o qual o conselheiro deve lidar; (4) o evangelho de Jesus Cristo é a resposta; (5) o processo de mudança deve objetivar a santificação progressiva; (6) as situações difíceis que as pessoas enfrentam não são causas fortuitas dos problemas da vida; (7) o aconselhamento é uma atividade fundamentalmente pastoral e deve ser baseada na igreja. Esses sete compromissos, diz ele, provêem uma infraestrutura dentro da qual diferenças secundárias como interpretação bíblica, compromisso teológico, ambiente e estilo de aconselhamento e personalidade poderão conviver construtivamente. "Mas há numerosos outros temas que requerem pensamento bíblico claro e compromisso firme: o lugar do passado, a visão bíblica da motivação humana, a relação do aconselhamento bíblico com a psicologia secular, o lugar do sofrimento, como aplicar os diversos aspectos da verdade bíblica e métodos de ministério bíblico aos diversos tipos de problemas etc. 117
Portanto, as teorias de aplicação das observações das psicologias, de modo geral, lidam com a natureza do homem, com suas motivações e seus comportamentos e com sua finalidade. Ora, esses são temas aos quais a Escritura se dirige de forma muito particular e que estão jungidos a uma formulação teológica. TERAPIA E REDENÇÃO Seguindo essa linha, como é o homem? Como é ele em sua presente situação? Qual é o problema básico do homem? Como ele pode ser ajudado? Todas essas questões devem ser precedidas de outra ainda mais básica, se é que queremos ter um modelo bíblico para o aconselhamento: Estamos falando sobre a questão evangélica ou sobre outras questões? Se a resposta é a questão evangélica, então temos de pensar em termos de valores evangélicos, isto é, de valores bíblicos. Isso fará a diferença entre as respostas redentiva e terapêutica à primeira questão. Por terapêutico, eu me refiro à aproximação ao ser humano e seus problemas para cura e solução (o que implica o modelo médico). Por redentivo (neologismo consagrado na teologia), entenda-se a ação do poder do evangelho que inclui: (1) o ambiente do homem – que é o próprio Deus soberano – e todo o seu propósito na Criação, Queda e Redenção assim como no destino final da humanidade; (2) toda a profundidade dos aspectos psicológicos, sociais, ecológicos e, principalmente, teológicos do ser humano; (3) a transformação de seres humanos à imagem de Cristo com base na sua obra redentiva com todas as suas conseqüências por meio do Espírito Santo, sua cura (psicológica, cultural – a totalidade do ser), isto é, a redenção dos problemas e o alcance dos propósitos de Deus. Ambos os termos, "terapia" e "redenção", têm boa conotação se usados em seu significado de cura e restauração. Há, contudo, uma tensão entre seus diferentes conteúdos na psicologia e na teologia. A questão vai além da mera preferência pessoal com respeito ao uso dos termos em relação à base e aos resultados dessa preferência. As diferentes psicologias presumem a cura do homem a partir de princípios seculares humanistas, das idéias da bondade completa do homem ou de sua maldade por definição ou, ainda, de sua neutralidade moral e da circunstância natural do
problema (psicológico, mental ou ambiental), oferecendo a possibilidade de solução dos problemas humanos à parte de Deus – seguindo um modelo médico do qual deriva a expressão "terapia". A teologia reformada "redenção" não apenas para fazer uso da linguagem teoló e m utiliza o termo tr ti gica, mas, primordialmente, porque a crença na depravação total do homem (veja Gn 2-3; Rm 1-3) coloca o problema do homem no âmbito dos aspectos moral e pístico (relativo à fé).' Desde o início, Deus revelou aos homens a existência de um princípio de antítese entre o bem e o mal. O bem era tudo o que Deus analogicamente criara; o mal, porém, não tinha existência em si mesmo, como coisa criada, sendo, na verdade, a quebra do bem com suas conseqüências.' Havendo "quebrado" o bem, o homem não alcançou uma síntese do bem e do mal, como o diabo prometera, mas, antes, perdeu sua comunhão original com Deus e o seu conhecimento, o que afetou todo o seu espectro de vida até a morte eterna. Uma tentativa terapêutica para se recuperar o ser humano da Queda sem a permissão de Deus, portanto, constitui rebelião contra Deus por parte de uma mente revertida e cujas perspectivas estão sempre de ponta-cabeça. Os resultados serão mais como os das famosas lobotomias frontais que encontraram solução para os problemas da agressividade por meio da transeção da parte afetiva do cérebro.10 Isso significa que não só o mal é retirado, mas ainda a possibilidade do bem — o que é o próprio mal. A tentativa de remover o mal à parte de Deus implica perda de vida, pois o mal é o bem quebrado. (Teria sido essa a razão pela qual Deus proibiu aos homens o acesso à ár vore da vida?) Somente uma aproximação redentiva pode oferecer uma boa terapia para o problema do homem — simplesmente porque uma aproximação redentiva procede de Deus (teologia) para alcançar o homem (psicologia, sociologia, ecologia), enquanto uma aproximação meramente terapêutica procede do homem e, não chegando a Deus, que é a Fonte da Vida, não pode alcançar o homem na sua totalidade nem em todas as suas necessidades. Em suma, quanto ao aconselhamento cristão, não me coloco totalmente contra o termo terapia, mas defendo que ele só tem significado quando encapsulado no termo redentivo. A diferença crucial entre a aproximação terapêutica e o aconselhamento redentivo está na antropologia que sustenta cada uma delas. O aconselhamento que se inicia no aspecto psicológico trabalha com observações científicas do ser humano, a partir de uma perspectiva humana, considerando o homem de modo uniforme, isto é, de que o homem é hoje como sempre foi. O aconselhamento cristão redentivo tem de trabalhar a partir de uma perspectiva teo-refer ente baseada na própria re velação de Deus sobr e si mesmo e sua obra. Essa é a única maneira de saber se algo realmente existe, o que é e como funciona. Assim, sabendo que Deus se revela ao homem, em geral por meio da natureza e da consciência e, especificamente na Palavra Escrita, a Bíblia, e na Palavra Viva, Cristo Jesus, podemos, pela graça, fazer a hermenêutica da hermenêutica de Deus para conhecer a nós mesmos como criaturas feitas à sua imagem. A iluminação espiritual que Deus nos provê pelo Espírito Santo permite-nos, ao menos, duas observações: Primeiro, não são duas disciplinas separadas – psicologia e aconselhamento bíblico – mas duas perspectivas a respeito do homem: a visão bíblica do homem dependente de Deus e a visão antibíblica do homem autônomo. O homem é uni ser religioso que vive no ambiente de Deus. Jay Edward Adams, comentando sobre a doutrina de Deus no Salmo 139, em relação ao aconselhamento, diz: "É verdadeiro que, neste salmo, o escritor é um dos filhos de Deus, mas o que ele diz é verdadeiro também para os não-cristãos (contudo, de um modo perturbador
em vez de um modo confortador): Deus é o Ambiente do homem. E aqueles que estão em desarmonia com Ele por causa do pecado, estão fora de sincronia com seu próprio ambiente. Ele nos cerca por trás, pelos lados, pela frente; nas trevas e na luz. Não há como escapar do Senhor. As árvores, o céu, a terra, nada é neutro; tudo é criação de Deus [cf. SI 8.1-9: tudo fala de Deus. Para aqueles que não têm ouvidos para ouvir, a existência da criação é um quebra-cabeça que não tem sentido.]."" Segundo, o conhecimento de Deus e da Escritura habilita o homem a apreciar ambas as perspectivas à luz da revelação e a resgatar o conhecimento humano. O homem é um ser analógico, receptivamente criativo e ativamente redentivo. 12 Método
Partindo do fato de que o aconselhamento bíblico é baseado na Bíblia e que a Bíblia julga todos os pensamentos e permite que a verdade seja reconhecida e aplicada, podemos dizer que o aconselhamento faz uso das observações da psicologia (como da sociologia, da ecologia, da história etc.). Fundado sobre uma estrutura trinitariana e na centralidade de Cristo, o aconselhamento bíblico resgata as observações das psicologias por meio de uma desconstrução em suas categorias seculares e uma seqüente reconstrução em suas devidas categorias bíblicas de pensamento. Van Til diz que conselheiros cristãos devem ter conhecimento de uma saudável aproximação psicológica do homem, mas que é preciso notar que, se o Cristianismo é verdadeiro, a melhor aproximação psicológica não será efetiva sem o poder do Espírito Santo. "Isso não significa, po rém, que não haja importância no conhecimento da psicologia. Significa, contudo, que o cristão deve conhecer a psicologia cristã e estar apto a distingui-la da psicologia nãocristã... Em primeiro lugar não podemos, como cristãos, permitir a presunção da independência metafísica da autoconsciência do homem em geral e da consciência religiosa em particular que subjaz a totalidade da psicologia da religião. Cremos na doutrina da Criação e isso torna o homem metafisicamente dependente de Deus. Em segundo lugar, não podemos, como cristãos, permitir a presunção da independência ética da autoconsciência do homem em geral e da consciência religiosa em particular. Cremos na doutrina do pecado e isso torna o homem eticamente separado de Deus e, ainda assim, dependente dele."" Questões básicas do aconselhamento O aconselhamento bíblico vai além das preocupações psicológicas à (1) transformação do coração humano por meio de Cristo para que a verdade, o amor e as boas obras de Deus tenham efeito completo visando à maturidade individual e coletiva e (2) ajuda para todos os homens a fim de que a verdade, o amor e as obras de Deus sejam conhecidos por todos. Assim, o aconselhamento bíblico se baseia na redenção consumada e aplicada` e, para que a proclamação da fé tenha efeito pleno, trabalha também com a redenção pregada, isto é, com os aspectos doutrinários e éticos da redenção.` As seguintes breves respostas às questões levantadas no início deverão nortear o nosso pensamento à medida que prosseguirmos neste estudo. (1) Quem é o homem? O homem é um ser criado por Deus de modo analógico, isto é, criado segundo a imagem de Deus. Deus é pessoal, trino, infinito e soberano, transcendente e imanente, justo e bom, e redentor; o homem é pessoal, um, finito e dependente, imanente e autotranscendente (até certo ponto), criado bom, mas caído, e redimível.11
Roger E Hurding, procurando construir uma perspectiva bíblica da nossa humanidade, destaca quatro aspectos que deveriam ser considerados em qualquer antropologia que pretenda ser bíblica: o ser humano tem supremo valor (em função de sua criação especial e de suas relações especiais), é uma unidade viva, sofre relacionamentos quebrados, e é restaurável." (2) Como é o homem? O homem apresenta uma dualidade ontológica, uma pluralidade funcional e uma unidade compreensiva. A Bíblia não divide o homem em partes como corpo, alma e espírito," ou mente, sentimentos e vontade. A pessoa é uma totalidade de corpo, alma, espírito, coração, etc. Quando alguém pergunta sobre a separação "pó ao pó" e "o Espírito a Deus", ela confirma que essa separação é o resultado do pecado – quando ocorre a separação sobrevém a morte, e a ressurreição é a reunião de corpo e alma. (3) Qual o presente estado do homem? O homem é hoje o mesmo homem criado por Deus, mas sua condição não é a mesma da criação. A Bíblia diz que ele está morto em seus pecados e que a vida que ele ainda tem é vivida num ambiente de morte, isto é, de rebelião contra Deus, seus pensamentos são reversos quanto a Deus e à Criação e ele experimenta uma inversão total dos sentidos quanto aos propósitos de Deus para si mesmo. (4) Qual o problema básico do homem? Quando conselheiros bíblicos dizem, em coro com a Escritura, que o problema básico do homem é o pecado, contra eles se levantam vozes dissonantes vindas de pontos diferentes. Há outros problemas, dizem, com um pouco de razão. Nem todos os problemas são conseqüências imediatas do pecado de alguém, mas certamente são conseqüências do pecado de Adão, quer perpetrado por um indivíduo contra ele, ou vindo de um mundo caído, permeando todos os seus problemas. Como o homem poderá ser ajudado? A redenção consumada pelo Senhor Jesus na cruz em favor de muitos supre a necessidade que todos temos de sua imagem, sua glória. A glória de Deus é demonstrada em graça àqueles que são chamados e em ira para com os réprobos. Desse modo, a ajuda é oferecida ao homem pela pregação do evangelho para que ele creia e se arrependa a fim de que seja salvo. A salvação tem di ferentes aspectos: a própria salvação (santificação pela justificação), crescimento na salvação (santificação progressiva baseada na justificação) e a salvação a ser revelada (glorificação). PERSPECTIVAS NO ACONSELHAMENTO
Tudo isso levanta uma questão: existe uma teoria unificada de aconselhamento cristão? A resposta correta dever ser um retumbante: Não! A única unidade que existe nessa área tem de continuar sendo o evangelho, como disse Paulo: "Rogo-vos, pois, eu, o prisioneiro no Senhor, que andeis de modo digno da vocação a que fostes chamados, com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor, esforçando-vos diligentemente por preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz; há somente um corpo e um Espírito, como também fostes chamados numa só esperança da vossa vocação; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age por meio de todos e está em todos. E a graça foi concedida a cada um de nós segundo a proporção do dom de Cristo" (Ef 4.1-7). Deve haver mais de uma teoria, pois a verdade bíblica é multiperspectiva e não há como se entender a multiforme sabedoria de Deus senão cercando as coisas temporais observadas com as lentes dos princípios por ele revelados. R. E Hurding escreveu que, no seu livro The Tree of Healing [A árvore da cura], ele tinha desenvolvido gradualmente uma teoria para avaliação das metodologias de aconselhamento. 11 Na verdade, tratou-se mais de uma teoria para estudar teorias de aconselhamento, pois que as teorias não diferem apenas em método. Teorias cristãs
de aconselhamento podem diferir entre si quanto ao método, mas não poderão ser incongruentes quanto ao conteúdo e suas conseqüências metodológicas e processológicas. Para que a nossa proposta seja entendida, será preciso compreender o uso de perspectivas na Bíblia e na teologia por meio de analogias e metáforas, de temas e de palavras. Vern S. Poythress escreveu que qualquer analogia é um tipo de perspectiva e que a Bíblia, usando analogias e metáforas, provê perspectivas sobre todos os tipos de assuntos dos quais ela trata. Contudo, diz ele ainda, uma simples analogia ou metáfora não formula um modelo científico sofisticado nem provê uma maneira consistente e pene trance de se olhar o mundo. Assim, devemos distinguir uma segunda maneira em que as pessoas usam perspectivas, isto é, "como uma maneira consistentemente desenvolvida de se atender a apresentações particulares de um objeto de estudo". Esse tipo de perspectiva é o usado pelos cientistas da psicologia, os quais formulam explicações sobre a natureza do homem, suas motivações e seus comportamentos e sua finalidade em termos dos seus paradigmas: impulso biológico, padrões de condicionamento, atualização, etc. A pergunta, aqui, é aquela à qual Poythress responde: "Teria, a Bíblia, modelos perpassantes, ou perspectivas, nesse sentido?" Nenhuma analogia conta a história toda, diz ele. "A Bíblia não usa uma única perspectiva dominante de maneira exclusiva." Muitas perspectivas são utilizadas de diferentes maneiras (observe o uso dos temas de luz, glória, amor, habitação e fé, na Escritura). Algumas das diferenças que existem nos diversos livros da Bíblia residem nas diferenças de uso das analogias. "Creio que, em princípio, todas essas diferenças sejam harmônicas (ainda que não possamos ver prontamente como se harmonizam). Sob a inspiração do Espírito Santo, [os autores] selecionaram aspectos diferentes para tratar e os trataram de modos diferentes, porque estavam focalizando ou enfatizando verdades diferentes ou diferentes aspectos da mesma verdade." A Bíblia usa muitas perspectivas para nos oferecer uma cosmovisão. "A Bíblia nos fornece uma visão de Deus, de nós mesmos e do mundo... Ela explica as origens e os propósitos das coisas, diz quem nós somos, fala-nos de como lidar com os nossos pecados, e mostra as nossas responsabilidades básicas em relação a Deus e ao nosso próximo."" As razões que Poythress apresenta para defender o valor de se expandir perspectivas para cobrir as áreas da nossa experiência são pertinentes: primeiro "muitos dos campos de estudo e áreas da vida que são, freqüentemente compartimentados na mente das pessoas, na verdade, deveriam estar juntos, especialmente no uso da Bíblia"; segundo, "os limites que colocamos entre esses compartimentos são, muitas vezes, arbitrários e artificiais; e terceiro, observando a totalidade da Bíblia ou de uma doutrina [ou das pessoas] de uma perspectiva, talvez notemos coisas que haviam escapado à nossa atenção'.'' Da mesma maneira, o uso de perspectivas em temas e palavras e a sua expansão para cobrir grandes campos de estudo e áreas da vida, é im portante para a formulação de modelos mais efetivos e adequados. Contudo, como Poythress coloca, há algumas restrições: primeiro, deveríamos estar conscientes de que nenhum sistema é maior do que a própria Bíblia; segundo, se usamos uma categoria para agrupar uma série de textos em nossa mente, deveríamos deixar no pano de fundo "as diferenças entre os textos e as ligação que alguns, mas não todos, possam ter com um grupo de categoria alter nativo".` Assim, Poythress ofer ece doze máximas de uma teologia sinfônica que poderão auxiliar nosso trabalho: (1) a linguagem não é transparente para o mundo; (2) nenhum termo na Bíblia é igual a um termo técnico na teologia sistemática [nem em qualquer modelo funcional em qualquer área da vida]; (3) termos técnicos na teologia sistemática [e em modelos funcionais] podem ser, quase sempre, definidos de mais de uma maneira. Todo termo técnico é seletivo nas apresentações que inclui; (4) os limites são indistintos; (5) nenhuma categoria ou sistema oferece a realidade última; (6) os diferentes escritores humanos da Bíblia apresentam diferentes perspectivas para
apoiar dadas doutrinas ou eventos; (7) as diferenças entre os escritos bíblicos por diferentes autores humanos são, também, diferenças divinas; (8) qualquer tema da Bíblia pode ser usado como tema organizado singular; (9) usamos diferentes temas não para tornar relativa a verdade, mas para atingir a verdade; (10) nós vemos aquilo que os nossos instrumentos nos habilitam a ver; (11) o erro é um parasita da verdade; (12) nos debates teológicos, deveríamos esva- ziar os pontos fortes dos oponentes. 21
Perspectiva redentiva A perspectiva deste modelo de aconselhamento redentivo não é, pois, a proposta de uma "escola" de aconselhamento cristão, mas, sim, uma aplicação ampla do evangelho ao aconselhamento. Noutro lugar, escrevi que aconselhamento é evangelização e evangelização é aconselhamento: "A proposta de um evangelismo aconselhador, e de um aconselhamento evangelizador, considera que a base de ambos é a redenção. Redenção da penalidade do pecado, para os incrédulos, e redenção do poder do pecado, para os crentes. O processo é o mesmo: relacionar-se com as pessoas de maneira verdadeira, amorosa e frutífera com vistas a glorificar ao Senhor pela manifestação de sua graça". O modelo de aconselhamento cristão redentivo opera com a pregação bíblica — da salvação pela graça mediante a fé, com a esperança da vida eterna agora e para sempre, e com o processo de salvação crescente até a maturidade do amor de Cristo (em toda a sua largura, altura, comprimento e profundidade) — "conduzindo pela mão" os ouvintes da maneira como a Escritura ensina: "Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina" (2Tm 4.2); "Mas o que profetiza fala aos homens, edificando, exortando e consolando (1 Co 14.3)"; e "Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, em vosso coração" (Cl 3.16).
As palavras fé, esperança e amor (1Co 13.13) serão usadas aqui com 21
diversos sentidos, mas sendo, cada uma, expandida para abranger as outras duas e para compreender a totalidade das experiências do ser humano em suas interações com Deus, consigo mesmo e com o próximo, e com o mundo. O comentário de William Law sobre 1 Coríntios 13.13 é interessante. Ele diz que Paulo usou o termo "permanência", em relação aos termos fé, esperança e amor, para ressaltar a qualidade dessas coisas "que não falham" em contraste com a temporalidade e falibilidade das demais coisas discutidas na epístola (lCo 3.8). A fatuidade do conhecimento parcial e a permanência do conhecimento da eternidade são, num sentido, opostos, mas a permanência desse trinômio excelente dá perenidade e valor ao conhecimento presente .21 A fé é a certeza de que a Palavra de Deus é realizadora; a esperança é a certeza de que a Palavra de Deus se realizará; e o amor, é a realização da Palavra de Deus.
Conteúdo Na primeira parte do livro, trataremos da questão das afeições do coração, isto é das motivações básicas do ser humano. Muito já se tem discutido sobre o que motiva o homem. Nós cremos que Deus é o motivo principa l do homem – contra ou a favor! Na segunda parte, tra tar emos da questão do conhecimento, de Deus e das coisas criadas, e
especialmente, do homem (de si mesmo e do outro). Na terceira parte, trataremos do aspecto emocional, não como uma parte do ser, mas como a expressão do homem interior no homem exterior em relação a Deus, ao próximo e às demais coisas criadas, por meio dos atos do corpo. Finalmente, na quarta parte, abordaremos alguns aspectos da dinâmica do aconselhamento cristão que fornecerão uma direção no processo desse aconselhamento.
INTEIRAÇÃO
Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o b ronze que soa ou como o címbalo que retine. Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a ciência; ainda que eu tenha tamanha fé, a ponto de transportar montes, se não tiver amor, nada serei. E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres e ainda que entregue o meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me aproveitará. O amor é paciente, é benigno; o amor não arde em ciúmes, não se iiftn, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não procura os seus interesses, nteresses, não se exaspera, não se ressente do mal; não se alegra tona injustiça, mas regozija-se com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais acaba; mas, havendo profecias, desaparecerão; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, passará; porque, em parte , conhe cemos e, em parte , prof etizamo s. Quando, porem, vier o que é pea feito, então, o que é em parte será aniquilado. Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, pensava como menino; quando cheguei a ser homem, desisti das coisas próprias de menino. Porque, agora, vemos como em espelh o, obscuramente; então, veremos face a face. Agora, conheço em parte; então, conhecerei como também sou conhecido. Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três; porém o maior destes é o amor.
1 Corínflos 13.1-13
A FET OS D O C OR A Ç ÃO
Motivação Os professores da pré-escola estavam preocupados com um comportamento específico de uma das aluninhas. — Vejam
estes desenhos — disse uma professora aos pais da menina — todos feitos com lápis preto. Nem um sequer colorido. Essa preferência me parece estranha. — Por que será? — a mãe perguntou. — Aqui em casa ela usa seus lápisde-cera e coloca muita cor nos seus desenhos. — já pensamos em tudo — a professora não pareceu ouvir a mãe. Consideramos todas as possibilidades, e a última, foi vir aqui para conversarmos. Finalmente, depois de mais conversa de direção única, sem ninguém ponderar o que o outro dizia, o pai interveio: Por que não perguntam a ela? Isso foi feito, e a descoberta, muito elucidativa. – É que eu sou a menor dentre as minhas coleguinhas, e quando eu consigo chegar à mesa, elas já levaram todos os lápis de cor. –
Elucidativo, digo, porque revela nossa dificuldade para estabelecer o interfere das coisas. Às vezes, nosso próprio motivo interfere na descoberta dos motivos dos outros e influencia tanto a observação quanto a análise. Outras vezes, somos superficiais demais ou queremos ver algo mais profundo em água rasa. O que motiva o ser humano? Atualização, sexualidade, amor, ira, poder, prazer, liberdade? A lista seria muito longa. Qualquer coisa poderá motivar o coração humano se este não for motivado unicamente por Deus. Por que a complexidade e quantidade de respostas? A resposta deveria ser outra pergunta: Quando? Quando, na história da humanidade, se pretende saber como o homem lidou com sua motivação? Motivador
É preciso que se estabeleça um "ponto de fuga" para a nossa perspectiva. Existe uma uniformidade histórica nas maneiras como o ser humano reage às suas motivações ou houve alguma quebra de continuidade importante que o tenha afetado a ponto de determinar um desvio angular do seu ponto de vista em relação aos motivos do seu coração? Cremos que o segundo ponto é verdadeiro. A história da humanidade não é uniforme. Houve uma quebra de continuidade e a possibilidade de um novo começo – fatos que terão de ser levados em conta se quisermos ter uma visão geral coerente da história do coração humano. Como John Frame argumenta quanto ao conhecimento do cristão e o do nãocristão, o conhecimento exposto na Escritura não envolve apenas o conhecimento fatual, mas é, também, um dom da graça redentiva de Deus, uma resposta pactuai obediente a Deus e uma relação amorosa com Deus. O não-cristão não tem esse conhecimento.
Evidentemente, diz ele, num sentido (ou sentidos) o não-crente conhece (ou sente) a Deus e noutro sentido (ou sentidos) ele não o conhece. Frame lembra que a Bíblia diz que a Revelação não produz impacto sobre o incrédulo (ainda que ele experimente a graça comum de Deus); o não-crente desejaria conhecer a Deus, mas não o fa z; ele conhece a Deus "psicologicamente" (se bem que reprima esse conhecimento); sua concordância com os crentes é apenas formal (ele diz as mes mas coisas, mas com diferentes sentidos); seu conhecimento é falsificado pelo seu contexto; seu conhecimento só existe quando ele não reflete sobre ele (pois, quando é confrontado por Deus, prefere negá-lo); ele não tem pressuposições suficientes para chegar ao conhecimento; seu conhecimento é intelectual e não "ético"; para ele, não existe Deus ou, se existe, é outro que não o Deus da Bíblia.' Categorias de pensamento bíblico
O cristão considera o ser humano segundo as categorias da Criação, da Queda e da Redenção: o homem foi criado com a motivação básica de adorar a Deus e cultuá-lo para sempre, como diz o Catecismo Maior (ver Is 43.7); decaído dessa vocação por causa do pecado, o homem continuou a ter em Deus a sua referência motivacional, mas, agora, contra ele, "porquanto, tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato" (Rin, 1.21); quando redimido, o homem, restaurado à imagem de Cristo, tem a sua motivação original restaurada pelo Espírito Santo: "Mas até hoje, quando é lido Moisés, o véu está posto sobre o coração deles. Quando, porém, algum deles se converte ao Senhor, o véu lhe é retirado. Ora, o Senhor é o Espírito; e, onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade. E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito" (2Co 3.18). Tal como no Livro I das suas Institutas, Calvino inicia o Livro II com a questão do conhecimento próprio e do conhecimento de Deus, dizendo que o conhecimento que o homem tem de si mesmo situa-se, em primeiro lugar, em que considerando o que nos foi outorgado na criação e a bondade de Deus em continuar a exercer graça para conosco, saibamos quão grande seria a excelência da nossa natureza, se tivéssemos permanecido íntegros, e quão faltos nos tornamos de dessa excelência.' Davi Charles Gomes diz que a oposição entre o pensamento do cristão e o do não-cristão não é, apenas, uma questão de princípios ou de pers pectivas, mas vai além disso. Revela a existência de "uma antítese contínua e um antagonismo entre cada aspecto dos sistemas construídos por eles. Pressuposições não são como teoremas ou hipóteses dos quais cada um assume um ponto de partida, mas que podem ser negadas ou aceitas. São, antes, como receptáculos que determinam quais as evidências que serão consideradas e como serão consideradas". Quando a psicologia secular, diz D. C. Gomes, inicia com a pressuposição de que o homem deve ser entendido como um ser contido em si mesmo, isto é, autônomo, todas as demais observações que se seguirem serão racionalizadas de maneira a defender a idéia. "A natureza antitética do cristão e do não-cristão... deriva-se dos motivos do coração...` Faremos bem em lembrar que o pensamento secular permeou quase que tão completamente o pensamento cristão moderno, que podemos dizer que tanto o cristão quanto o não-cristão podem partir de uma motivação autocentrada, se o cristão não for motivado por Cristo a pensar os pensamento de Deus por meio do ministério do Espírito Santo. A resposta à primeira pergunta, então, torna-se simples: o homem é motivado por Deus. A favor ou contra ele. Quando o não-cristão considera como básicas quaisquer outras motivações, ele, na verdade, elegeu ídolos substitutivos de Deus. O cristão deveria
considerar que todas as demais motivações são secundárias – e que só Deus é o motivador do ser. As demais motivações derivam-se dos afetos do coração. ídolos
David Powlison, falando da relação entre motivação individual e o condicionamento sociológico, diz que a Escritura fala muito sobre idolatria, mas que um texto em particular chama a sua atenção: "Filhinhos, guardai-vos dos ídolos" (1Jo 5.21). Como avaliar um texto como esse no final de um tratado de 105 versos sobre um relacionamento pessoal com Jesus?, ele pergunta. E responde: Um de dois motivadores controla a confiança do nosso coração e afeta o nosso comportamento, pensamento e sentimento. "No conceito bíblico", diz ele, "a questão da motivação é a questão do senhorio. Quem ou o que regula o meu comportamento, o Senhor ou um substituto?" Powlison diz também que o caráter interior da motivação é demonstrado na "concupiscência da carne" (Mo 2.16 — "porque tudo que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não procede do Pai, mas procede do mundo"), essa inércia egoísta que nos faz viver por "necessidades" e falsas esperanças, as quais afetam o nosso coração. O caráter externo da motivação é demonstrado na expressão "o mundo", figurando tudo o que modela, reforça e condiciona essa inércia instruindo-nos na mentira. Em contraste, "guardar-se dos ídolos" significa ver de todo coração a fé, a esperança e o amor de Deus.' Temos um só Criador e Senhor da nossa vida, o qual criou, mantém e exerce autoridade sobre todas as coisas pelo poder da sua palavra. Pela sua Palavra Escrita e Viva se revela e mantém comunhão conosco, como diz João: "O que era desde o princípio, o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos próprios olhos, o que contemplamos, e as nossas mãos apalparam, com respeito ao Verbo da vida (e a vida se manifestou, e nós a temos visto, e dela damos testemunho, e vo-la anunciamos, a vida eterna, a qual estava com o Pai e nos foi manifestada), o que temos visto e ouvido anunciamos também a vós outros, para que vós, igualmente, mant enhais comunhão conosco. Ora, a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo" (1Jo 1.1-3). Portanto, temos uma visão clara da motivação humana: pessoas (Deus ou ídolos) motivam pessoas e palavras (Escritura ou vozes) motivam pessoas. AFEIÇÕES
Usaremos o termo "afeições" (cujo sentido inclui relação e apego) de modo compreensivo para abranger todos os processos interiores do coração, e o termo "afetos" (cujo sentido porta a idéia do verbo afetar, isto é, daquilo que afeta) para descrever as moções primárias dessas mesmas afeições. Por que "afeições do ser" e "afetos do coração"? Pareceu-me que esses termos seriam adequados para manter a mesma qualidade do âmago do ser no processo subseqüente, mas diferenciando causas e decorrências. Do mesmo modo, usaremos o termo "afeitos" para descrever a dinâmica das conseqüências finalizadas no comportamento da pessoa. Conceito bíblico de afeições O conceito bíblico de afeições, na vida espiritual em geral e em particular na redenção, traz ao coração a idéia de união de pacto e de adoção. Diz respeito às coisas interiores que movem o ser, tal como no caso do profundo movimento de Deus na direção do seu povo:
"Não vos teve o Senhor afeição, nem vos escolheu porque fôsseis mais numerosos do que qualquer povo, pois éreis o menor de todos os povos, mas porque o Senhor vos amava e, para guardar o juramento que fizera a vossos pais, o Senhor vos tirou com mão poderosa e vos resgatou da casa da servidão, do poder de Faraó, rei do Egito" (Dt 7.7,8); ou no caso do movimento de Jônatas ao encontro de Davi: "Sucedeu que, acabando Davi de falar com Saul, a alma de Jônatas se ligou com a de Davi; e Jônatas o amou como à sua própria alma. Saul, naquele dia, o tomou e não lhe permit iu que tornasse para casa de seu pai. Jônatas e Davi fizeram aliança; porque Jônatas o amava como à sua própria alma" (1 Sm 18.1-3; cf. 19.1), ou no caso do movimento de um homem ao encontro de uma mulher: "Quando saíres à peleja contra os teus inimigos, e o Senhor, teu Deus, os entregar nas tuas mãos, e tu deles levares cativos, e vires entre eles uma mulher formosa, e te afeiçoares a ela, e a quiseres tomar por mulher, então, a levarás para casa, e ela rapará a cabeça, e cortará as unhas, e despirá o vestido do seu cativeiro, e ficará na tua casa, e chorará a seu pai e a sua mãe durante um mês. Depois disto, a tomarás; tu serás seu marido, e ela, tua mulher" (Dt 21.10-13). A Escritura fala sobre afeições como os mais profundos afetos do ser interior: "Tu, pois, ó Senhor dos Exércitos, que provas o justo e esquadrinhas os afetos e o coração" (Jr 20.12); "E o seu entranhável afeto cresce mais e mais para convosco, lembrando-se da obediência de todos vós, de como o recebestes com temor e tremor" (2Co 7.15; cf. 6.12).
Os termos A Bíblia usa muitas palavras diferentes, tanto no hebraico quanto no grego, para se referir àquilo que o conteúdo do termo português, derivado do latim, afeição, diz ao nosso coração. Em 1 Crônicas 29.3, Davi diz que ama a casa do Senhor (deliciar-se, ter prazer, amar, heb. ratsah). Em Lamentações 31, Jeremias diz que seus olhos haviam entristecido (afetar, heb. alai) seu coração. Paulo, em Gálatas 4.17, diz que certas pessoas queriam roubar-lhe o zelo (afeto, gr. zelos) dos gálatas; em Gálatas 5, Paulo usa o termo como paixão e, em Romanos 1.26, Colossenses 3.5 e Gálatas 5.24, como paixão e sentimento (gr. pathena, pathos); em 2 Coríntios 7.15, como movimento interior (gr. splangchan); em Colossenses 3, pensamento (gr. phroneo); em Romanos 1.31 e 2 Timóteo 3.3, laços de família (gr. astorgos); em Filipenses 2.1, laços de amizade (gr. philostorgos); em 1 Tessaloni censes 2.8, terno desejo (gr. himeiromao); em Filipenses 2.1, amizade, comunhão, sociabilidade, comunicação, distribuição, doação, cuidado (gr. koinonia). No português, o termo afeição porta o sentido de elemento básico da afetividade, de estado emocional ligado à realização de uma pulsão e de afeição como amizade, amor, inclinação, tendência, conexão, relacionamento pessoal, simpatia, sentimento, paixão e dedicação. A definição psicológica refere-se a um conjunto de fenômenos psíquicos manifestado como emoção, sentimento e paixão, seguido por impressão de dor ou prazer, satisfação ou insatisfação, prazer ou desprazer, felicidade ou infelici dade. Sigmund Freud (1856-1939), por exemplo, ilustrou seu ponto de vista sobre a sexualidade infantil com uma situação bíblica: "Um homem deixará seu pai e sua mãe – segundo o preceito bíblico – e se unirá à sua mulher; assim, afeição e sensualidade se associam..."' Aqui, o uso do termo é o mais próximo da totalidade do pensamento de Paulo em 2 Coríntios 6.11-13, onde o apóstolo diz:
Para vós outros, ó coríntios, abrem-se os nossos lábios, e alarga-se o nosso coração. Não tendes limites em nós; mas estais limitados em vossos próprios afetos. Ora, como justa retribuição (falo-vos como a filhos), dilatai-vos também vós (minha ênfase).
O termo coração (gr. kardia) na Escritura surge pleno de significado: está próximo aos termos pensamento, cognição, entendimento, vontade, discernimento, julgamento, propósito, afeição, amor, ódio, medo, felicidade, tristeza – coisas que podem, até mesmo, afetar o coração físico. Como lemos em Atos 2.26, uma citação das palavras de Davi mostra a estreita conexão entre o coração não-físico e o corpo: "Por isso, se alegrou o meu coração, e a minha líng ua exultou; além disto, também a minha própria carne repousará em esperança"; é assim, também, que Provérbios 4.20-23 fala sobre palavras e ensino guardados no coração, enfatizando que: "Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o coração, porque dele procedem as fontes da vida", pois, como diz o texto, isso é vida e é saúde para o corpo, assim como afeta diretamente o que dirige a boca, os olhos e os pés. De certa maneira, o termo neotestamentário afeição (gr. splagchanon, de rim) também vem pleno de significado de igual sentido, como ser interior, empatia, dar de si.' Assim, os "afetos do ser" serão tomados, aqui, como o conteúdo do substrato interior da pessoa. Nele habitam todas as forças que permeiam o ser em toda a sua extensão, da experiência à elaboração dos atos do corpo – de forma tão comum a todos nós e de forma tão singular para o indivíduo como são a concepção, a gestação, as dores, o parto e a criação de uma criança. É o que a pessoa é antes de sua própria descrição de si mesmo. Jonathan Edwards escreveu que: "Afeição é uma palavra que, em seu significado ordinário, parece ser mais extensa do que paixão, sendo usada para descrever todos os vigorosos e vívidos atos da vontade ou inclinação". Mas para nós, aqui, é até um pouco difer ent e do que J ona than Edwards disse sobre afeição: "Mas ainda assim não é o corpo, mas a mente apenas, que é o lugar apropriado das afeições".' Aqui, os afetos do coração significam os motivos básicos da totalidade da pessoa expressos nos atos do corpo. Joel R. Beeke diz que Calvino pensava que a alma consistisse de duas partes, intelecto e vontade (Institutas 1.15.7). Com respeito ao coração, ele diz, Calvino foi mais ambíguo, referindo-se a ele como mente ou intelecto, mas, mais freqüentemente, como vontade. Disse também que o verdadeiro conhecimento de fé controla não apenas o entendimento, mas permeia o coração por meio da aplicação do evangelho.' Nas Institutas, João Calvino, falando sobre arrependimento, diz: Moisés, em diversas ocasiões, quando queria mostrar como os israelitas deveriam se arrepender e tornar-se para o Senhor, disse que deveriam fazê-lo de todo coração e de toda alma (um modo de dizer freqüentemente usado pelos profetas) e, chamando isso de circuncisão do coração, aponta a afeição interna.` Em outro trabalho, D. C. Gomes, discutindo sobre a unidade orgânica de coração e mente, compara os pensamentos de João Calvino e de Jonathan Edwards. Primeiro, ele considera se Calvino e Edwards parecem separar coração e mente ou se estão, ambos, apenas descrevendo diferentes "movimentos" dentro do conjunto unificado da psicologia humana. Calvino, diz D. C. Gomes, fala de um "tipo" de conhecimento meramente especulativo. Nesse caso, sua discussão não está na questão desse conhecimento em oposição ao "conhecimento do coração", mas sim, entre o "falso conhecimento e o conhecimento verdadeiro que procede do conjunto unificado de um ser regenerado". Este último, "surge das próprias percepções de uma mente regenerada e tem suas raízes num coração regenerado" – capacitado, portanto, para produzir bons frutos. Assim também, em relação a Edwards, continua D. C. Gomes, há muitas passagens nas quais ele parece usar os termos "coração" e "mente" como coisas separadas, ou, pelo menos, parece falar de um "conhecimento da mente" e de "um conhecimento do coração" .... Mas Gomes conclui, tal como ocorre com Calvino, Edwards não faz distinção real entre mente e coração, mas diz, sim, que o não-regenerado não pode conhecer algo especulativamente sem que isso
tenha sido afetado pelo coração.`
Unidade orgânica e diversidade funcional Pretendemos olhar a questão de uma perspectiva que não seccione o ser humano, mas que nos permita entender sua unidade orgânica e sua diversidade funcional. Geralmente, a literatura sobre aconselhamento, cristã e não-cristã, apresenta modelos para descrever o ser humano que se caracterizam pela tríplice divisão: mente, emoção e volição. Apesar de essa perspectiva ser correta para o propósito do estudo da personalidade, creio que ela, como qualquer outra perspectiva semelhante (corpo, alma e espírito; id, ego e superego, etc.) concorre para a formação de uma idéia de partição do ser humano. Assim, procurando preservar a idéia da unicidade do ser, mesmo reconhecendo o perigo de recorrer nesse erro, gostaríamos de apresentar o referido conceito de afetos do coração não como uma opção às categorias de mente, emoção e volição, mas como uma maneira de considerá-las. Imagine que a maneira comum de se considerar o ser humano como tripartido (ou bipartido, como corpo e alma) seja como uma laranja aberta no sentido dos seus gomos. A organização dos gomos em conjuntos poderá se adaptar de maneiras diferentes às diversas teorias sobre a formação do ser. Nelas, porém, a interação das partes, a despeito das tentativas de unificação, torna-se mecânica, deformando cada parte em relação à sua função. No caso da divisão mentelemoçãolvolição, além da idéia do funcionamento estanque de cada parte, fica perdida a dinâmica do processo: todo pensamento é, primariamente, racional e, secundariamente, emocional e volitivo; toda emoção envolve mente e volição; e todo ato volitivo é iniciado numa crença e pressupõe uma operação (quer concluída numa ação quer permanecendo apenas planejada). No nosso caso, seria como se cortássemos uma laranja, primeiro, ao meio, e depois, prosseguíssemos cortando seções paralelas e ou longitudinais, a fim de preservar a idéia da unicidade do ser humano e da multiformidade dos seus movimentos internos e externos. A afeições do coração encapsulam a mente, a emoção e a volição, mas de maneira dinâmica. Desse modo, os processos do conhecimento e sua relação com as experiências interna e externa do indivíduo, serão considerados à luz da dinâmica e da fluidez características das coisas vivas. Seguindo essa linha, trataremos, basicamente, das motivações humanas, as quais são a matéria-prima do conteúdo pessoal do ser humano que direcionam os movimentos internos e externos do seu comportamento. São os aspectos primários que afetam o mais íntimo do ser, o "coração". Afeições conscientes e inconscientes
Da mesma maneira que Piaget não queria adotar nem criticar a teoria psicanalítica, e porque também não a endossamos em suas bases (em função da proposição da antropologia bíblica de um homem teo-referente e revelacionalmente conhecido), quero trazer à nossa atenção os termos consciente e inconsciente, que caracterizam o modelo psicanalítico, mas a partir de outros fundamentos e de uma perspectiva bíblica. Piaget escreve que a afetividade se caracteriza por composições energéticas com distribuições de cargas sobre um objeto segundo ligações positivas ou negativas, e que, pelo contrário, a estrutura cognitiva é o sistema de conexões que pode e deve utilizar, mas que isso não se reduz somente ao consciente; o inconsciente cognitivo consiste num conjunto de estruturas e funcionamentos os quais o indivíduo ignora, não obstante seja afetado por elas e que as conheça nos seus
resultados. Existem tomadas conscientes da ação e recalques do inconsciente nesse processo. Para ele, o senso comum forma uma idéia insuficiente e errônea da tomada de consciência moldando um "modo de ver" que projetaria esclarecimentos sobre a realidade, como um abajur aceso num quarto que modificasse a aparência delineada com luz e sombras sem, contudo, modificar as posições dos objetos no quarto. Ele prefere dizer que a consciência é mais do que isso, pois consiste em fazer passar alguns elementos de um plano inferior inconsciente a um plano superior consciente. Aí atuam a percepção do presente e suas reintegrações com memórias verdadeiras ou forjadas, juntamente com as intervenções de afetos de toda natureza.
O inconsciente na Bíblia
A Bíblia diz algo a respeito do inconsciente? Moisés, no Salmo 90.8, diz: "Diante de ti puseste as nossas iniqüidades e, sob a luz do teu rosto, os nossos pecados ocultos" (hb. 'alam, segredo, coisa secreta, escondida). Estaria ele se referindo a pecados inconscientes? Certamente, ele o faz no Salmo 19.12: "Quem há que possa discernir as próprias faltas? Absolve-me das que me são ocultas (hb. cathar, escondido, secreto)". Paulo, escrevendo aos Romanos sobre o conhecimento tácito que os incrédulos têm da lei de Deus, diz: "Estes mostram a norma da lei gravada no seu coração, testemunhando-lhes também a consciência e os seus pensamentos, mutuamente acusando-se ou defendendo-se, no dia em que Deus. por meio de Cristo Jesus, julgar os segredos dos homens, de conformida de com o meu evangelho" (Rm 2.15,16) mostrando que há um testemunho consciente do coração com respeito à sua própria condição; escrevendo ao coríntios sobre a efetividade da profecia, ele diz: "tornam-se-lhe manifestos os segredos (gr. kruptos, secreto, escondido) do coração, e, assim, prostrando-se com a face em terra, adorará a Deus, testemunhando que Deus está, de fato, no meio de vós" (1Co 14.25), mostrando que há também segredos do coração a serem descobertos, os quais antes não eram manifestos. Além disso, a Escritura fala de segredos enganosos do coração, os quais poderão ser inconscientes: "Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto; quem o conhecerá? Eu, o Senhor, esquadrinho o coração, eu provo os pensamentos; e isto para dar a cada um segundo o seu proceder, segundo o fruto das suas ações" (Jr 17.9,10), e que deveriam ser descobertos: "Como águas profundas, são os propósitos do coração do homem, mas o homem de inteligência sabe descobri-]os" (Pv 20.5). Essas águas profundas do coração, como os mares e os grandes lagos, apresentam maior transparência e clareza na superfície, mas, à medida que se aprofunda nelas, se tornam mais escuras e opacas. Certamente, nas áreas da razão, da memória e da vontade, os aspectos mais profundos do coração estão sujeitos tanto às influências do físico (por exemplo, cérebro e neurossistema) quanto às do auto-engano. A fim de nos localizarmos quanto à perspectiva bíblica do inconsciente, teremos de lançar os olhos para o que já existe e que tem sido formador de nossa opinião (secularizada). Seria impossível aqui e até mesmo numa coleção de livros, esvaziarmos a questão. Assim, será melhor usar apenas algumas linhas para trazer à nossa lembrança as opiniões mais representativas, no meu entendimento. Freud observou nos seus pacientes que a "experiência passada", muitas vezes, se mantinha inacessível à memória consciente, e formulou, a partir daí, sua teoria do "consciente, pré-consciente e inconsciente", a qual permeou todo o seu trabalho. Jung, seu discípulo, derivou do inconsciente freudiano a sua teoria do "inconsciente coletivo", a qual também permeou sua obra. Adler e outros neofreudianos mudaram essa ênfase no passado e no inconsciente para uma ênfase no "aqui e agora". Frankl, no seu personalismo da psicologia existencial expandiu a ênfase no inconsciente por meio de uma
perspectiva da centralidade do elemento "espiritual" como cerne de uma estrutura de "consciente/ pré-consciente/inconsciente". No transpersonalismo de Abraham Maslow o inconsciente também desempenhou papel importante em relação à fusão do ego, id, superego e ego-ideal em termos de uma estrutura de consciên cia, pré-consciência e inconsciência. Na análise transacional, Thomas Harry, principalmente, levando em conta o trabalho de Adler e Sullivan, defende que as tensões de algumas das distorções do tema "eu estou ok, você está ok" residem no inconsciente. A terapia da Gestalt rejeita a idéia de que nossos "pontos cegos" e rigidez se encontrem num inconsciente inacessível, afirmando que eles são, de alguma maneira, conscientes. Esses pensamentos influenciaram sobremodo os diversos métodos integrativos de psicologia e o Cristianismo e, também o que temos por aí de "psicologia popular cristã", sob diversos nomes – "cura do passado", "cura interior", "cura de relacionamento". Nosso uso do termo inconsciente Quanto ao nosso enfoque, o inconsciente não é um "departamento" do ser, mas um estado do coração, quer afetado pela ato-estrutura do corpo (afetos tácitos, fraqueza) quer pelo auto-engano – o qual, se necessário for, poderá ser acessado, ainda que sob os efeitos noéticos do pecado, pela sabedoria humana, e de modo substancial e efetivo pelo cristão movido pelo Espírito Santo. Sobre isso a Escritura diz: "Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam. Mas Deus no-lo revelou pelo Espírito; porque o Espírito a todas as coisas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus. Porque qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o seu próprio espírito, que nele está? Assim, também as coisas de Deus, ninguém as conhece, senão o Espírito de Deus. Ora, nós não temos recebido o espírito do mundo, e sim o Espírito que vem de Deus, para que conheçamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente" (1Co 2.9-12).
AFETOS TÁCITOS Afetos e o objeto focal Tomei emprestada de Michael Polanyi a idéia de que o mundo externo repousa sobre bases metafísicas tacitamente aceitas." Isso concorda com o pensamento teísta bíblico de que o homem, criad o como parte integr al da natureza, é apto para reconhecer a realidade à qual pertence. 12 Sobretudo, tendo sido criado por Deus, o homem é dotado com a capacidade de percebê-lo por meio das coisas criadas – o que o torna indesculpável – e com a capacidade de receber, pelo Espírito de Deus, sua revelação especial – que o conscientiza de culpa sob a lei de Deus, sendo, porém, redimível por meio de Cristo. Como diz Paulo, A ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e perversão dos homens que detêm a verdade pela injustiça; porquanto o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são, por isso, indesculpáveis... Ora, sabemos que tudo o que a lei diz, aos que vivem na lei o diz para que se cale toda boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus, visto que ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado. Mas agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus testemunhada pela lei e pelos profetas; justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos [e sobre todos] os que crêem; porque não há distinção, pois todos pecaram e
carecem da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus, a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos; tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o justificados daquele que tem fé em Jesus" (Rm 1.18-20; 3.19-26; cf. caps. 1-3). Existe uma distinção entre a consciência do regenerado e a do não-regenerado, diz Van Til: "O crente vê na natureza que ela foi criada por Deus, que ela mostra a glória do Criador; o não-crente vê na natureza algo, total ou parcialmente, independente de Deus". Segundo ele, quando se estuda a natureza em relação à p ersonalidade humana, e esta é t razida a uma relação verdadeira com Deus, o significado da natureza surge em toda a sua expressão, pois "a natureza foi criada para o homem e o homem para Deus". Há uma conexão
entre a natureza e o homem, e o homem pode concluir [quer da graça quer] da ira de Deus exposta na natureza – e portanto, no corpo humano – que ele vive pela graça de Deus. E diz ainda: "Sobretudo, na atuação da sua consciência [percepção] a mente do homem é trazida ao mais imediato contato com a verdade sobre si mesmo. É isso que Calvino procura levantar quando diz que o homem tem um senso da deidade, e que aí reside a própria composição da religião. Calvino quer dizer que antes que derive qualquer conclusão autoconsciente, ele tem em si mesmo uma intuição da verdade. Teólogos têm falado disso como um conhecimento inato (insira) distinto de conhecimento adquirido"." O conhecimento tácito em Polanyi Polanyi propõe uma concepção da verdade conforme três fatos: (1) todo conhecimento pelo qual o homem ultrapassa os animais é adquir ido pelo uso da linguagem; (2) as operações da linguagem repousam, em última instância, em nossos poderes tácitos, os quais são contínuos aos dos animais; (3) esses atos de inteli gência inarticulados buscam satisfazer padrões auto-impostos e alcançam suas conclusões por meio do crédito em seus próprios sucessos. Ele diz mais: "Já relacionei esses deci sivos coeficientes tácitos de articulação aos três tipos básicos de aprendizado em animais; mas isso não se aplica à nossa participação pessoal intensiva na busca e na conquista de nosso conhecimento. A origem dessa lida intelectual que (de algum modo, paradoxalmente) tanto molda nosso entendimento quanto assente com sua veracidade, deve se basear num princípio ativo. Deriva-se, de fato, de nossa sensibilidade e atenção inatas, tal como já manifestadas nos animais inferiores em movimentos exploratórios e apetites instintivos, e em alguns níveis mais altos nos poderes da percepção". Polanyi diz que encontrou aí impulsos automotores e autogratificantes em relação ao propósito e à a tenção que antecipam o aprendizado em animais, as quais acionam o aprendizado. "Esses são os protótipos primordiais dos anseios intelectuais mais altos que tanto buscam satisfação na busca do conhecimento articulado quanto dá crédito a eles por seu mesmo ass entimento. " E conclui, dizendo que para se chegar a esses protótipos devemos ir das mais baixas para as mais altas formas de lida intelectual e, com isso, chegar à percepção, para, só depois, lidar com os impulsos subseqüentes. 14 Para se entender bem essa visão (e a totalidade da obra) de Polanyi e para se obter unia visão crítica cristã tanto teológica quanto filosófica da sua obra em relação ao nosso trabalho, é bom que se conheça o trabalho de Davi Charles Gomes. Ele diz que o problema com Polanyi é que ele apresenta o homem como o "ponto de Arquimedes", conforme seu "programa de auto-identificação". Assim, ele fica com a tarefa de mostrar "por que e como a idéia de um propósito transcendental completamente aberto e abstrato provê uma base suficiente para verdadeira esperança para a existência humana, uma justificação
para a direção da luta". Isso não será feito apenas pelo reconhecimento de que o homem tem uma aspiração eterna (embora Gomes concorde que ele tenha). Nem será por meio de, simplesmente, mostrar que o conhecimento humano procede de suas raízes fiduciárias e do fato de que o homem "sabe mais do que pode dizer"." A argumentação de Gomes é que a lógica da integração tácita, assim como a do significado emergente, reconhece que o conhecimento humano é sempre de para (por exemplo, do observador para o observado) e dessa maneira, a progressão do conhecimento não poderia ser antropocêntrica, pois falharia em estabelecer um referencial concreto para os parâmetros e estruturas necessários à integração, integração e interação significativas do próprio processo de para. "Portanto, de sua perspectiva exclusivamente antropocêntrica o homem é o único ponto de referência a posteriori para as integrações naturais, e o único ponto de referência a priori para as assim chamadas integrações transnaturais. A questão se torna, então, a seguinte: dada a breve existência do homem, e o fato de que o homem é um indivíduo consciente – e isso para Polanyi era muito importante – por que continuar ansiando em vão por aquilo que está na eternidade? Por que uma consumação inimaginável, indeterminaria e no processo de emergir, essa emergente noologia e as obrigações nela envolvidas, deveria ser uma fonte de esperança em que se acreditar e à qual se submeter?" –
–
Com os parâmetros da revelação geral e específica de Deus e na estrutura de Criação, Queda e Redenção, "não precisamos considerar a dimensão tácita de modo tão opaco", diz Gomes. A evocação de pressuposições básicas se toma a evocação das razões do coração (e dos afetos!).` Persiste o fato de que as raízes tácitas últimas das razões do coração (afetos) são não especificáveis, vistas da perspectiva da nossa subjetividade. "Nós as reconhecemos como os óculos naturais com os quais atentamos acriticamente a todo objeto focal de nosso conhecimento" e "a infra-estrutura cristã torna essas "crenças humanamente não especificáveis, mas tacitamente operativas, parte do que é dado a partir do lado de fora (cf. Jr 17.9,10; Hb 4.12). A revelação especial identifica os afetos tácitos do coração e suas atuações. "Oferece um novo par de óculos com os quais atentamos ao significado da existência criada e à nossa condição decaída e sua referência negativa ao caráter de Deus. A partir desses óculos revelacionais podemos, efetivamente, atentar aos nossos motivos básicos coram Deo (diante de Deus). Além disso, eles revelam Cristo como o ponto de Arquimedes por meio do qual as raízes religiosas da rebelião tácita do homem contra seu criador podem ser regeneradas e feitas coerentes, em princípio, com a interpretação pessoal e objetiva da realidade criada, feita pelo próprio Deus."
Vida humana
Neste presente estudo, a expressão afetos do coração será estendida para cobrir o conhecimento na totalidade da vida humana. Contudo, em primeiro lugar, temos de definir o que queremos dizer por "vida humana". Jay Edward Adams, diz que quando a Bíblia ensina que Adão foi feito "do pó da terra" (Gn 2.7) está atestando a natureza material do homem, desde o princípio em identificação, harmonia e continuidade com o mundo. "O homem é terreno, da terra", diz ele. O próprio nome Adão significa vermelho (barro) e se tornou a palavra hebraica genérica para homem." Mas, à parte dessa materialida de, sobre a qual discutiremos depois, a Bíblia também atesta que Deus soprou no homem o fôlego de vida, e ele se tornou "alma vivente" (Gn 2.7). Concluímos, assim, que a natureza do homem, como ele foi criado, é material/espiritual. Não duas criações. Não apenas matéria insuflada com fôlego de vida, mas matéria com vida interior autoconsciente. Calvino entende essa criação do homem quase do mesmo modo. Ele diz: "Com efeito, havemos [já] antes ensinado da Escritura que [a alma] é uma substância incorpórea. Deve-se
acrescentar que, embora não se cinja propriamente a um lugar, contudo, infundida no corpo, aí habita como em uma residência, não apenas de sorte que a todas as partes lhe anime, e os órgãos lhe renda aptos e prestantes às ações, mas ainda que mantenha o 1
primado no reger a vida a criatura humana' .21 Antropologia bíblica
Para melhor compreender como esses afetos tácitos envolvem a totalidade da personalidade humana é preciso que se tenha uma visão geral da antropologia bíblica. Herman Dooyeweerd desenvolveu um estudo (não publicado)''-' do qual podemos partir para uma visão acurada da antropologia bíblica. Seus pensamentos, em linhas gerais, poderiam ser assim resumidos: O homem é um ser religioso. Nosso pensamento moderno tenta manter uma visão secular do homem, a despeito de o desenvolvimento do pensamento antropológico ocidental não fugir à orientação de um ou mais de quatro motivos básicos religiosos: (1) o motivo grego da forma-matéria, (2) o motivo escriturístico da religião judaico-cristã da Criação-QuedaRedenção, (3) o motivo da síntese romântica da natureza-graça; e (4) o motivo humanista moderno da natureza e liberdade. Os motivos da forma-matéria, natureza-graça e naturezaliberdade são interiormente dialéticos (dualismo que se move para um ponto de síntese e portanto, oposto). Esse dualismo vem da fragmentação interior da idéia da origem de todas as coisas causada pelo direcionamento apóstata da origem da idéia, em que o autoconhecimento é completamente divorciado do conhecimento segundo Deus (coram Deo). O conceito dualista de corpo e alma deriva dessa fragmentação. Já o motivo da revelação divina – Criação, Queda e Redenção em Cristo – exclui qualquer dualismo tanto na auto-revelação de Deus como origem de todas as coisas, quanto na revelação do homem para si mesmo. Segundo Dooyeweerd, a antropologia bíblica apresenta uma série de distinções: Em primeiro lugar, o homem é um ser religioso, íntegro, interagente e inteirando-se. Sua unidade é descrita na Bíblia, de diferentes perspectivas, como homem interior/homem exterior (Ef 3.14-21), espírito (ou alma)/ corpo (ITs 5.27) coração/membros (Rm 6, 7) etc. Não há dualismo em qualquer das perspectivas. O homem foi criado íntegro e, ainda que tenha havido desintegração por causa da queda em pecado, ele é feito novo e íntegro em Jesus Cristo. A suposição de que o homem seja dual (mentealma-espírito pensante e corpo material) porque a alma se separa do corpo na morte, deve ser rebatida com o que a Palavra de Deus revela: quando há separação (produto do pecado) de alma e corpo, o corpo morre porque a unidade foi desfeita. Quando a Bíblia fala do homem como ser religioso (isto é, de uma perspectiva de unidade), usa freqüentemente a metáfora do coração. Isso porque sua idéia básica é a de que o corpo não é o invólucro da alma, mas, sim, a de que o corpo é a existência temporal da alma (e nisso, Dooyeweerd vai além de Calvino, definindo ainda mais a unidade do homem). Em segundo lugar, o homem é Teo-referente. As antropologias ditadas pelas filosofias seculares, orientadas por motivos básicos dialéticos, apresentam uma teoria metafísica da alma humana, vinda do acaso material e indo para um ponto de atração materialmente determinado. Nessas teorias, o homem não é um ser religioso, mas, sim, material; e a religião é apenas fruto da ignorância ou do uso errado de capacidades naturais de relacionamento em função da inclinação para o conhecimento. O verdadeiro conhecimento científico sobre o homem se mantém limitado à estrutura do corpo humano tomado no sentido da forma temporal da existência humana. O pensamento filosófico, entretanto, exige uma idéia da alma humana. A questão é: Como pode a existência temporal do homem ser teoricamente desmontada em seus diferentes aspectos e estruturas individuais, e ainda ser apreendida em sua unidade fundamental? A única resposta é: O homem é um ser religioso: criativamente
receptivo e ativamente redentivo Em terceiro lugar, o ser humano é singular e plural. Seu corpo não deve ser visto como um "corpo material objetivo" nem sua mente como "alma espiritual abstrata" , mas, sim, ambos devem ser vistos como uma singularidade: o corpo humano é o todo da existência temporal recebendo sua profundidade em virtude de sua concentração na alma. Este corpo presente se desintegrará, mas a alma se fará em outro corpo (celeste e, depois, eterno...) Estruturas individuais
L. Kalsbeek explica o pensamento de Dooyeweerd:" O corpo humano consiste de quatro estruturas de individualidade, das quais as inferiores estão morfologicamente contidas pelas superiores que, enquanto juntas, formam uma totalidade encapsulada. O critério para a distinção entre estruturas separadas é interno na sua natureza e pode, ainda, ser ligado com a forma corpórea externa: Qualificação físico-química. Essa primeira qualificação não pode ser chamada em si mesma de "estrutura corpórea". Só quando entrelaçada com as estruturas superiores é que ela adquire essa designação. No processo de desintegração (Queda) de nosso corpo na morte, as leis e estruturas de individualidade desse aspecto se manifestam. Qualificação vegetativa ou biótica. Aqui surgem as estruturas de células vivas e outras combinações biológicas. Esta estrutura, com sua esfera interna de soberania, governa o processo vegetativo do corpo enquanto ele permanece fora da ação das funções psíquicas ou outras funções últimas. Pertencem a essa qualificação o sistema nervoso e seus tecidos musculares, os ossos e as glândulas enervadas pelo sistema autônomo. Qualificação psíquica ou função do sentimento instintivo. Esta estrutura governa as funções psíquicas (sistema nervoso central [sensível], sentidos, cérebro, medula e sistema glandular, músculos [especialmente os estriados] enervados pelo sistema). Dentro de certos limites, essas funções se encontram fora do controle da vontade humana. Contudo, a estrutura seguinte, encapsulando as três anteriores, juntas formam um todo volitivo. Qualificação dos atos humanos ou ato-estrutura. Por "ato-estrutura" (moções, movimentos, atos) entende-se todas as ativida des que afloram da alma (ou espírito) que funcionam dentro da estrutura total encapsulada do corpo humano. Mediante essas atividades, sob a liderança de pontos de vista normativos, o homem se dirige intencionalmente a certos estados de coisas neste mundo ou no mundo da imaginação. Assim, relacionando esse estado de coisas intencional à sua própria qualidade de ser, o "eu", o homem promove seu ser interior. Quando pensamos nas três primeiras estruturas baixas (físico-química, biótica e psíquica) em seus princípios peculiares e típicos separadas de suas concepções com a última superior (ato-estrutura), não podemos pensar nelas como partes estruturais do corpo humano. Somente quando as três primeiras estruturas estiverem jungidas à quarta estrutura, poderão ser consideradas como partes essenciais do todo encapsulado chamado "corpo humano". Essas estruturas podem apresentar manifestações externas aparentemente separadas, mas, na verdade elas são interagentes (por exemplo, quando a emoção, ou a cognição, ou a volição, parecem dominar individualmente). É impossível se referir a qualquer parte do corpo humano como sede exclusiva de qualquer entrelaçamento de estruturas. O corpo humano e seus aspectos funcionam igualmente nas quatro estruturas. Modos fundamentais
A vida ativa do ser humano, ainda segundo Dooyeweerd, 23 compreende três modos fundamentais: conhecimento, imaginação e vontade. Não se pode separar esses modos como entidades isoladas porque eles estão essencialmente entrelaçados. É no caráter intencional dos "atos" que repousa a "interioridade" do ser. Essa atividade (desempenho) é que realiza a intenção do ato. Por meio desse desempenho, o ato cognitivo, o ato imaginativo e o ato volitivo se entrelaçam com o processo motivador da tomada de decisão, o qual é, por sua vez, traduzido em "obras". Assim, os princípios bíblicos teológicos apontam para uma visão singular/plural do homem, em vez de considerar os pontos de vista dominantes da chamada "psicologia do ato" e da fenomenologia (Hurssel, Sheller), que afirmam que esses atos são não-corpóreos em origem, mas "psiconômicos, experiências originárias do "eu" que, como centro da pessoa, vive puramente nesses atos. O ser humano é uma totalidade integral de corpo e alma que "atua" segundo leis determinadas dentro de um ambiente de possibilidades virtualmente ilimitadas. A ato-estrutura do seu corpo abrange todos os aspectos da realidade temporal. O ser humano total, com todos os seus aspectos (incluindo o aspecto físico-químico e o biótico) está em cada ato do conhecimento, da imaginação e da vontade. Deve-se observar que: (1) as chamadas associações do cérebro desempenham grande papel na ato-estrutura, sem que, contudo, seja colocada muita ênfase na "localização" ou centros de atividades cerebrais (uma vez que em casos de destruição desses centros provoca atividade nas áreas vizinhas que suprem o mesmo mister. Assim, idéias, moral e ética, responsabilidade etc., requerem a participação do homem total; em contraste, os aspectos sensoriais e os motores podem ser localizados (ainda que não, restritos). Corpo humano
É significante enfatizar que todo ato humano somente tem lugar no corpo humano, ainda que tenha origem na alma como o centro espiritual da existência da pessoa. É incorreto dizer que o espírito, ou alma, pensa, imagina ou quer, assim como seria incorreto dizer que o corpo pensa, imagina ou quer. O homem todo, como unia unidade integral de corpo e alma, desenvolve esses atos. Em outras palavras, esses atos não são nunca puramente espirituais ou corporais. Contrastando com o que foi dito acima, a atoestrutura é, em si mesma, não-diferenciada. Ela não se qualifica por qualquer aspecto modal em particular. Os atos humanos, em qualquer das três direções fundamentais, podem ser qualificados por qualquer dos aspectos modais. Esse caráter não-diferenciado dos atos humanos é, inseparavelmente, relacionado às suas funções como campo de expressão do espírito humano no sentido escriturístico, religioso. Uma vez que o espírito transcende toda estrutura temporal de vida, ele deve estar habilitado a expressar-se em todos os campos da realidade. O caráter espiritual do homem o diferencia dos animais, os quais não podem se relacionar espiritualmente, ou seja, com todos os aspectos da realidade. A despeito de ser não-diferenciada em relação aos demais aspectos modais da realidade, a ato-estrutura do homem é normativa. Ela se manifesta em harmonia com todas as ato funções concentradas no "eu" (o ponto de concentração da vida ativa do homem) e manifesta-se, após, em subordinação hierárquica do substrato inconsciente da vida ativa ao superestrato consciente. Quando a harmonia é quebrada, como no caso da esquizofrenia, aparecem sintomas de desintegração patológica. Nessas situações, os atos inconscientes quebram a subordinação hierárquica aos atos conscientes e desintegram o "eu" ou individualidade. Finalmente, radicais, como sexo (macho e fêmea), raça, etc.; e variáveis, como nacionalidade, cultura, orientação social, etc. Esses tipos formam o campo de investigação da "caracterologia" (estrutura da personalidade). Caráter é a expressão típica temporal da individualidade do espírito humano na ato-estrutura do corpo humano. Caráter como tipo de individualidade temporal deve ser distinguido de "coração" como centro espiritual da existência humana. Caráter, nesse sentido, não é de natureza espiritual, mas corpórea. Essa
natureza corpórea é evidente na natureza hereditária das disposições de caráter (nos seus aspectos primários, pois pode sofrer mudança). Essas disposições são transmitidas geneticamente. Essa transmissibilidade, contudo, só diz respeito a potencialidades e disposições; a hereditariedade de características adquiridas jamais foi demonstrada. O caráter humano é de natureza normativa. Os chamados "temperamentos", ou seja, as disposições bióticas do homem (especialmente as do sexo), e suas disposições fisicamente qualificadas são ligadas e entrelaçadas encapsuladamente com seu caráter. Natureza humana
Além das distinções descritas acima, há uma distinção marcante entre a criação do homem e a formação do homem. A criação do homem pertence ao tempo pístico (relativo à fé, Gn 1.27) e à formação temporal do homem pertence ao tempo físico (Gn 2.7). Os dias da criação devem ser entendidos em termos de tempo pístico, não em termos de tempo como rotação da terra; o segundo relato (Gn 2), sim, trata do processo de formação. O conceito evolucionista não reconhece as estruturas individuais porque as observa dentro do tempo físico e não na base da ordem de Deus na criação. Essa criação do homem (corpo e alma), a qual, pela Escritura, foi feita completa, desdobra-se criativamente por meio da geração. A geração do homem tem tanto o aspecto físico (corpóreo) quanto o aspecto espiritual (religioso). Com respeito ao aspecto corpóreo, a humanidade é gerada em tempo cósmico (de um só sangue – At 17.26). Com respeito ao aspecto religioso, somos "semente espiritual" de Adão e, como resultado de sua Queda, participamos de seu pecado. Por meio da regeneração pelo Espírito Santo essa descendência religiosa de Adão é interrompida. A regeneração pelo Espírito Santo tem, como condição, a descendência "natural" de Adão. O "homem natural" vem primeiro e, depois, o "homem espiritual" arraigado em Cristo. Segundo J. E. Adams, se quisermos saber o que significa a natureza humana teremos de atentar para o primeiro homem criado, Adão, tal como ela era originalmente. Contudo, a uniformidade de todas as coisas foi perdida quando Adão pecou, e assim, não mais podemos conhecer sua natureza original. Cristo, contudo, o segundo Adão, não conheceu pecado. Ele, sen do Deus, é verdadeiramente homem e, em sua carne, prefigura o que os salvos haverão de ser. Não podemos saber tudo o que ele pensa, mas o Espírito Santo nos dirige a toda verdade que ele fez e disse, de modo que o conheçamos substancialmente. "Se quisermos saber o que é o amor normal, teremos de olhar para Cristo e ouvi-lo. O mesmo é verdadeiro para qualquer rt outro comportamento, atitude ou uso da emoção.1114 Jesus Cristo é a revelação da plenitude Deus. João diz que ele era o Verbo e que o Verbo estava com Deus e que o Verbo era Deus: "Ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigênito, que está no seio do Pai, é quem o revelou" (Jo 1.18; ver 1-18). Desse modo, conhecer a Jesus Cristo é conhecer a Deus e ao homem. Sinclair 13. Ferguson, falando do Espírito de Deus em relação a Jesus Cristo, ressalta como o Senhor Jesus disse que enviaria "outro paracleto". O próprio Jesus era o "Paracleto" que enviaria "o Outro",' - segundo escreveu o apóstolo João. E João mesmo identificou essa relação como a de testemunho mútuo: o Filho testemunhou a respeito do Espírito e o Espírito testificaria sobre o Filho. "Esse relacionamento está implícito nas palavras de Paulo em Romanos 8.9,10, onde o Espírito e Cristo são virtualmente intercambiáveis apontando para sua equivalência econômica enquanto reconhece suas distinções pessoais", diz Ferguson. Salta aos olhos, continua ele, "que ele possuía, em sua natureza humana, profundo conhecimento de Deus, o que o revestiu o seu ensino de novidade, de autoridade e de senso de realidade". Ferguson diz ainda que "o fato de Jesus ser o homem do Espírito, não é meramente uma categorização teológica; é uma realidade de carne e sangue". E, no que é importante para o nosso estudo, Ferguson diz ainda: "Jesus 5
cresceu na sabedoria que vem do alto" (Tg 3.17), que ele era sábio e que ele revelava sua sabedoria por meio de sua vida saudável e dos atos feitos na humildade que procede dessa sabedoria.`
Unidade e centralidade dos afetos Escrevendo aos crentes de Filipo, Paulo os conclama à unidade em Cristo por meio de palavras que, claramente, mostram a centralidade dos afetos: "Se há, pois, alguma exortação em Cristo, alguma consolação de amor, alguma comunhão do Espírito, se há entranhados afetos e misericórdias, completai a minha alegria, de modo que penseis a mesma coisa, tenhais o mesmo amor, sejais unidos de alma, tendo o mesmo sentimento" (Fp 2.1). Aos coríntios, como já citamos, ele adverte sobre a causa da ausência dessa unidade: "Não tendes limites em nós; mas estais limitados em vossos próprios afetos" (2Co 6.12). O Espírito Santo falou por meio do mesmo apóstolo Paulo, em 1 coríntios, sobre as coisas mais excelentes, as quais eram vitais para os coríntios. Ele disse que, para se viver um Cristianismo verdadeiro, os poderes do conhecimento e da sabedoria (caps. 1, 2), o poder espiritual e a consagração (caps. 3, 4), a pureza e a disciplina (caps. 5-7) a religião e o culto (8-11), não bastavam os recursos da autoridade externa e do poder da linguagem (cap. 12). No capítulo 13, ele faz um resumo dessas coisas para, então, dizer que, ainda que elas fossem excelentes vias de acesso, não eram, contudo, a rota principal, a sobreexcelente: "Agora, pois, permanecem a fê, a esperança e o amor; estes três, porém, o maior deles é o amor" (I Co 13.13, cf. 1-13). É importante observar o sentido de alguns termos desse texto: "Agora, pois, permanecem (gr. nieno, habitar) a fé (gr. pistis, certeza, crença, convicção), a esperança (gr. elpis, antecipação, expectação), e o amor (gr. agape, afeição de bem-querer)". A ampliação desse versículo na The Amplified Bible 17 diz: "E assim, fé, esperança e amor habitam [fé, convicção e crença com respeito às relações de Deus com o homem e com as coisas divinas; esperança, expectação alegre e confiante na salvação eternal; amor, verdadeira afeição por Deus e pelo amor, fluindo do amor de Deus por nós], esses três, mas o maior é o amor" Seria como se Paulo estivesse dizendo: Se vocês querem viver o verdadeiro evangelho, deverão, sobretudo, habitar na fé que espera que as coisas sejam como Deus diz que são, e agir, coerentemente, em amor D. C. Gomes escreve também: Polanyi insistia que o paradigma Paulino, de fé, obras e esperança, é a "única concepção adequada" de conhecimento, e, em certo sentido, de ser. Entretanto, para Paulo sua fé tinha um objeto concreto e sua esperança se baseava em promessas de participação pessoal na "consumação inimaginável"... Mas o que restou para Polanyi como fé foi, simplesmente, uma esperança concebida como um "pressentimento jamais consumado" e uma vocação que é também um fado?
Expansão de termos Para nós, aqui, usaremos cada um dos termos – fé, esperança e amor – a partir de certos sentidos usados em algumas partes da Escritura e procuraremos expandi-]os para cobrir outros sentidos usados em outras partes da Escritura. O termo fé será utilizado, primariamente, para descrever uma crença do coração, como foi usado, por exemplo, por Paulo: "A minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de
poder, para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria humana, e sim no poder de Deus. Entretanto, expomos sabedoria entre os experimentados; não, porém, a sabedoria deste século, nem a dos poderosos desta época, que se reduzem a nada; mas falamos a sabedoria de Deus em mistério, outrora oculta, a qual Deus preordenou desde a eternidade para a nossa glória" (1Co 2.4-7); e por Tiago: "Toda boa dádiva e todo dom perfeito são lá do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não pode existir variação ou sombra de mudança. Pois, segundo o seu querer, ele nos gerou pela palavra da verdade, para que fôssemos como que primícias das suas criaturas" e "A sabedoria, porém, lá do alto é, primeiramente, pura; depois, pacífica, indulgente, tratável, plena de misericórdia e de bons frutos, imparcial, sem fingimento" (Tg 1.17,18; 3.17). O escritor de Hebreus define o termo acuradamente: "Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não vêem" (Hb 11.1), conforme veremos adiante. O termo esperança será utilizado, primariamente, para descrever uma expectativa do coração, da maneira como o salmista usou: "Descansa no Senhor e espera nele, não te irrites por causa do homem que prospera em seu caminho, por causa do que leva a cabo os seus maus desígnios" (SI 37.7). E o como o usou o mestre de Provérbios: "A esperança dos justos é alegria, mas a expectação dos perversos perecerá" (Pv 10.28) e "A esperança que se adia faz adoecer o coração, mas o desejo cumprido é árvore de vida" (Pv 13.12). Jeremias também usa o termo nesse sentido: "Minha alma, continuamente, os recorda e se abate dentro de mim. Quero trazer à memória o que me pode dar esperança. As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim" (Lm 3.20-22). E Paulo o corrobora: "... na esperança, fomos salvos. Ora, esperança que se vê não é esperança; pois o que alguém vê, como o espera?" (Rm 8.24); "Rogo-vos, pois, eu, o pri sioneiro no Senhor, que andeis de modo digno da vocação a que fostes chamados, com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor, esforçando-vos diligentemente por preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz; há somente um corpo e um Espírito, como também fostes chamados numa só esperança da vossa vocação; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age por meio de todos e está em todos" (Ef 4.1-6). O termo amor será utilizado para descrever, primariamente, uma disposição do coração para a ação, tal foi usado por João quando, por exemplo, ele escreveu: "Filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas de fato e de verdade" (Mo 3.18). "Porque este é o amor de Deus: que guardemos os seus mandamentos" (1Jo 5.3). "E o amor é este: que andemos segundo os seus mandamentos. Este mandamento, como ouvistes desde o princípio, é que andeis nesse amor" (2Jo 6). E Paulo também diz: "O amor não pratica o mal contra o próximo; de sorte que o cumprimento da lei é o amor" (Rm 13.10) e "a fé que atua pelo amor" (G15.6). "Todos os vossos atos sejam feitos com amor" (1Co 16.14). Símbolos
Na perspectiva que gostaríamos de apresentar, o homem interior é afetado pelo trinômio dinâmico da fé, da esperança e do amor e não por cada um deles isoladamente. Esses elementos do coração são integrantes e interativos e intencionais. Eles tendem a integrar as partes em uma totalidade significativa por meio de um processo em que o movimento no avanço do conhecimento orienta os demais movimentos para um conseqüente movimento proposital. Contudo, cada um desses afetos do coração, ou do homem interior – fé, esperança e amor – tem uma dinâmica específica. A fé tem um movimento para cima (para o transcendental), a esperança tem um movimento de fora para dentro (para o que é perceptível, sensorial), e o amor tem um movimento de dentro para fora (psicossocial).
Usaremos, como na figura da página seguinte e no decorrer do estudo, dois símbolos representando as idéias de moção de para, e movimentos de habitação. A moção de para indica que o conhecimento tem um aspecto subsidiário (de) e um aspecto focal (para). Um missionário aprendeu isso de modo inusitado. Elaborando o dicionário de uma certa língua indígena, ele recorreu à ajuda de um dos índios, o qual lhe identificava as palavras com os diversos conceitos e coisas. A certa altura do trabalho, ele ficou intrigado com o "fato" de que muitas coisas tinham o mesmo nome. Árvore, barco, lua, montanha, algumas pessoas a distância, etc. Até que descobriu que os índios daquele grupo não apontavam as coisas com o dedo, mas com o beiço. O nome "comum" àquelas coisas, era o nome dado ao dedo. Nesse caso, o dedo é o ponto focal subsidiário e as coisas, o ponto focal. Representaremos a moção de para com uma seta. O movimento de habitação, entendido como a crença básica dinamizada pelos afetos tácitos, será representada pela seta de retroalimentação (feedback loop). –
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Revelação de Deus de Si mesmo e da realidade criada Na figura acima, fé, esperança e amor são afetos criados por Deus na formação do ser humano que o capacita e habilita a contatar Deus, o mundo e as pessoas, respectivamente. A fé, a esperança é o amor são afetos que se inteiram numa unidade na qual cada um conserva seu significado individual e expande seu sentido para integrar os demais. A fé, a esperança e o amor interagem entre si por meio da dinâmica emocional. A fé é a crença na revelação especial do dom de Deus pelo qual o homem recebe a sua graça num movimento para lhe transmitir o reflexo da glória do seu caráter e pelo qual o homem responde à graça de Deus, segundo a vocação para "cultuá-lo e servi-lo". A esperança é a confiança de fé de que Deus é verdadeiro, e a expectação de fé de que a realidade percebida atua sob seu controle, autoridade e presença, respondendo ao homem segundo a bondade e a justiça de Deus. O amor e a operação emocional interior da fé segundo a esperança no sentido de atuar sobre a realidade criada segundo o mandato cultural de "cultivar e guardar", guardadas as variáveis históricas da Criação, da Queda e da Redenção. CONHECIMENTO PESSOAL Essas moções dos afetos compreendem o conhecimento. Se fosse possível definir o significado do aconselhamento (da própria vida!) num só termo, esse seria o termo conhecimento, essencial para o aconselhamento, como Jó disse: "Como sabes aconselhar ao que não tem sabedoria e revelar plenitude de verdadeiro conhecimento?" Qó 26.3). Um menino pequeno, desejoso de participar da conversa dos irmãos — inspirada pela mudança da família para a fazenda que iam conhecer — sobre "o que iriam ser quando crescer", disse, num só fôlego: "O que eu já sei basta para ensinar 'os caipiras — . Um irmão, hoje já falecido, certa vez se ergueu diante da congregação, numa reunião de estudo bíblico, para dizer: "Pastor, se somos responsáveis pelo que aprendemos, eu não quero aprender mais — o que eu sei dá para evangelizar as pessoas com as quais eu convivo". Tenho ouvido muitas e muitas vezes, coisas como essas. Pessoas que se orgulham de jamais terem lido um livro fora da sua própria área profissional, e outras que aprendem muito, sem jamais chegar ao conheciment o da verdade. Talvez seja por causa da preguiça mental, talvez por falta de instrução básica, mas certamente, por causa do pecado, pois o conhecimento é uma ordem divina.
Conhecimento de Deus Todo conhecimento pressupõe o conhecimento de Deus, pois aquele que nos criou análogos a ele, nos fez para que o glorificássemos (espelhássemos seu caráter) diz: "Não se glorie o sábio na sua sabedoria, nem o forte, na sua força, nem o rico, nas suas riquezas; mas o que se gloriar, glorie-se nisto: em me conhecer e saber que eu sou o Senhor e faço misericórdia, juízo e justiça na terra; porque destas coisas me agrado, diz o Senhor" (Jr 9.23,24). Tão logo Deus criou o homem e o colocou num ambiente aprazível, plantou, entre as tantas árvores do jardim, duas árvores especiais: a árvore da vida e a árvore do conhecimento do bem e do mal (cf. Gn 2.9), como pontos subsidiários apontando o ponto focal da graça de Deus em verdade, amor e justiça. O pecado de Adão e Eva corrompeu o conhecimento do bem (o qual, pela graça dele, lhes foi dado dominar), e lhes abriu as portas para o conhecimento do mal (o qual só Deus pode dominar). Por causa do pecado, até mesmo a graça da sabedoria e do conhecimento de Deus se tornou enfadonha para o homem (Ec 2.26). O salmista diz que os céus revelam a glória de Deus e o firmamento anuncia suas obras, sem linguagem, sem palavras, até os confins do mundo (SI 19.1-4), mas os homens aborreceram o conhecimento e não preferiram o temor do Senhor; por isso Deus lhes dá a comer um outro fruto, o fruto do seu próprio procedimento para que se fartem de conselhos seculares e de estultícia. Contudo, a graça de Deus permanece e ele ainda concede o seu conhecimento como uma habitação segura, para uns, e como casa de morte para outros – sua percepção da realidade criada e a sua impressão de bem-estar os levam à perdição (Pv 1.29-33). Todos os homens têm algum conhecimento de Deus, mas como não o glorificam como Deus e desprezam o seu conhecimento, o próprio Deus os entrega a uma disposição de coração reprovável e aos seus comportamentos inconvenientes (Rm 1.21,28). Todos são chamados para conhecer a Deus, revelado completamente em Jesus, mas a maioria o rejeita; alguns são especialmente chamados e o recebem (Jo 1. 1- 18), juntamente com um conhecimento verdadeiro e substancial da fé, da esperança e do amor (Ef 1.17-19). A estes, o mestre de Provérbios diz que aquele que aceita as suas pa lavras (fé) e guarda no coração os seus mandamentos (esperança) e inclina o coração ao entendimento (amor) – com a disposição de quem dá valor maior à inteligência e ao entendimento do que ao ouro ou à prata – esse conhecerá o Senhor e experimentará prazer no conhecimento (Pv 2. 1 - 10). Além disso, a Escritura também diz que o mesmo Deus que criou o mundo e que chamou a luz das trevas, ele mesmo, em Cristo, resplandece no nosso coração "para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Cristo" (2Co 4.6), o qual "sempre nos conduz em triunfo e, por meio de nós, manifesta em todo lugar a fragrância do seu conhecimento". De modo que, ainda que para os que não conhecem a Deus possa parecer que cheiremos à morte, tanto para eles quando para os que são salvos, "somos para com Deus o bom perfume de Cristo ... Para com estes, cheiro de morte para morte; para com aqueles, aroma de vida para vida" (cf. 2Co 2.14-17). Um dia, a terra se encherá do conhecimento do Senhor (Hc 2.14). Mas, enquanto o Senhor não vem ou nós não formos a ele, deveremos conhecer mais e prosseguir no conhecimento do Senhor – "como a alva, a sua vinda é certa; e ele descerá sobre nós como a chuva, como chuva serôdia que rega a terra" (Os 6.3) – com o objetivo de chegar à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho, até à sua varonilidade, à sua estatura. Assim, não seremos da estatura moral de meninos, agitados pelas vozes e artimanhas humanas que induzem ao erro, "Mas, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo" (Ef 4.13-15). Nesse sentido, Paulo pediu a Deus que os
filipenses pudessem aumentar seu amor em pleno conhecimento e percepção. Sua fé, sua esperança e seu amor consistiam em conhecer a Cristo Jesus, o Senhor, e em reconhecer que todas as coisas, sem Deus, seriam como refugo (Fp 3.8), não fosse o fato de que a sublimidade, o conhecimento, a profundidade da sabedoria e do conhecimento de Deus, pelo conhecimento da mente do Senhor, o levasse a querer conhecer todas as coisas: "Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!" (Rm 11.36; cf. 33-36). O conhecimento de Deus para o conhecimento de si mesmo e para o conhecimento da realidade criada por Deus, tanto de pessoas quanto de coisas, é esse bem indefinível que se chama vida, e que, para os salvos, é vida eterna (historicamente passada, presente e para sempre): "E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste" (Jo 17.3). John Frame considera a perspectiva existencial desse conhecimento como uma qualidade do teólogo. Não somente, digo, do teólogo acadêmico, mas do ser humano, religioso e receptivamente criativo/ativamente redentivo. Essa teologia, diz ele, é de natureza pessoal (1) como expressão e aplicação da fé, (2) como expressão de serviço como os ministérios da igreja ou do trabalho secular, (3) como expressão das pressuposições que há no homem interior, surgindo de diversas fontes, como razão. sensação, emoção, etc., (4) como expressão das influências sobre nossa leitura da hermenêutica de Deus (a Escritura como intérprete de si mesma como revelação escrita e da revelação natural) ou da hermenêutica dos homens (como interpretes de si mesmos e da natureza "autônoma"); e (5) como expressão da pessoalidade do conhecimento do Deus que se manifesta pelas obras de suas mãos, mas que só se revela na Palavra escrita e na Palavra viva em Cristo. O conhecimento de Deus, diz Frame, é coisa do coração, isto é, o âmago do ser, o próprio caráter da pessoa. O coração decaído por causa do pecado é completamente ignorante das coisas de Deus e, assim, o homem sem Deus pode conhecer alguma coisa, mas não pode conhecer seu Autor, seu significado, sua finalidade nem qual o poder que a mantém. Ao crente, o Espírito do Senhor dirige ao conhecimento de Deus e das coisas de Deus. O homem teólogo recebe esse conhecimento de Deus e o processa por meio de tudo o que ele mesmo é e de todas as capacidades dadas por Deus: intelecto, imaginação, vontade, sensação, dons e talentos naturais. Razão
A razão, diz Frame, tem sido usada para se referir à lógica, ao método do pensamento (como os "esquemas"), mas deveria ser definida como "a habilidade ou capacidade humana para formar julgamentos e inferências" e , num sentido normativo, como a habilidade ou capacidade de formular julgamentos e inferências corretos. Quanto à percepção e à experiência, ele diz que (1) ela não está somente relacionada à sensação obtida pelas operações dos órgãos do corpo, mas à operação do conhecimento ganho pelos processos sensoriais. Com respeito à experiência, ele diz que ela não depende só da percepção. De fato, a experiência envolve aspectos místicos (fé), morais (esperança) e éticos (amor) daquilo que é revelado, observado e analisado, com os quais o conhecimento obtido é julgado e passa a fazer parte da pessoa quer por aceitação quer por rejeição. Sobre as emoções, Frame discorre não em termos de definição, mas de inteiração com o intelecto, com as decisões, com o próprio conhecimento, com as perspectivas e em relação a Deus. A imaginação, diz ele, é a habilidade de pensar sobre as coisas que não são. "Podemos pensar sobre o passado, sobre o futuro, podemos criar estados de coisas, fantasiar, etc. A imaginação tem muito a ver com a criatividade, a arte, a estética. Para o homem sem
Deus, ela pode significar as inclinações do coração à rebelião, à prática do mal, mas para o crente, ela significa a formação de conceitos com base na fé em Deus e na esperança de que o mundo reaja da forma como ele revelou quanto à Criação, à Queda e à Redenção. Com respeito à vontade, Frame diz que ela é a capacidade de operar escolhas, compro missos e decisões. — Fazemos escolhas, baseados no conhecimento que temos ou nosso conhecimento surge da nossa escolha de fé?, ele pergunta. A resposta deverá ser: O crente deveria atuar com base no conhecimento de Deus revelado na Escritura e processado no seu conhecimento experimental; o não-crente, por não crer no conhecimento revelado, não pode evitar conhecer segundo suas escolhas de fé no que pensa de si mesmo e das coisas que vê às quais experimenta em separação e em inimizade contra Deus. Sobre os hábitos e habilidades, Frame diz que eles são produtos das escolhas que fazemos e às quais nos acostumamos para atuar sobre o mundo, se não houver interferência. E, finalmente, sobre a intuição, ele escreve que há coisas que sabemos sem saber como sabemos .29 De fato, sabemos mais do que pensamos saber. Isso, diz ele, é um mistério do conhecimento. O conhecimento de Deus é algo incompreensível, e por inferência, o conhecimento do homem e do mundo é impossível sem uma revelação de Deus. Podemos obter entendimento e compreensão do conhecimento por meio da revelação e, assim, ter certa intuição das coisas. Sem essa revelação, a fé terá de ser deslocada para a esperança e a esperança habitará naquilo que eu amo mais:
Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam; mas ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões não escavam, nem roubam; porque, onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração. São os olhos a lâmpada do corpo. Se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo será luminoso; se, porém, os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em trevas. Portanto, caso a luz que em ti há sejam trevas, que grandes trevas serão! Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro, ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas (Mt 6.19-24).
O termo O termo fé um dos mais abrangentes da Bíblia. A palavra fé, usada em Hebreus 11. 1, (gr. pistis, de peitho, incitar, persuadir), temo sentido de persuasão, crença, geralmente implicando conhecimento, assentimento e confiança, especialmente em relação ao evangelho de Cristo e às boas obras dele decorrentes (veja Ef 2.4-10 e Tiago). Quando Paulo escreve aos gálatas sobre a fé de Abraão (G13.5,6) mencionada em Gênesis 15.6, ele usa o termo grego pistis em junção com o termo pistheo (crer), sendo este último a sua versão do termo hebraico Uman (tomar firme, confirmar), para descrever um aspecto pactuai da fé: "Aquele, pois, que vos concede o Espírito e que opera milagres entre vós, porventura, o faz pelas obras da lei ou pela pregação da fé? É o caso de Abraão, que creu em Deus, e isso lhe foi imputado para justiça". Todos os sentidos do termo fé se aplicam à perspectiva de um aconselhamento redentivo. Seu significado no contexto da doutrina da salvação, porém, deve ser mais bem estudado a
fim de proporcionar mais compreensão ao nosso sentido específico.
Ordem da salvação A ordem da salvação (ordo salutis), como expõe J. Murray e segundo grande parte dos teólogos reformados, tem os seus elementos "na seguinte ordem: vocação, regeneração, fé, justificação e glorificação". As outras medidas, diz ele, podem ser, a partir daí, tomadas e postas no seu devido lugar. O aspecto interessante de sua posição é o que ele escreve depois: "O arrependimento é irmão gêmeo da fé – não podemos ima ginar um sem o outro, e assim o arrependimento está intimamente ligado à fé". E mais: ele diz que a conversão é outro nome dado ao arrependimento e à fé; diz que a adoção segue a justificação e que a santificação é um processo que começa na regeneração, encontra sua base na justificação e deriva a sua graça energizante da união com Cristo, a qual é produzida na vocação eficaz. Sobre fé e arrependimento, ele diz que um dos efeitos da regeneração é a fé. Seria o mesmo que dizer que a fé é um dos afetos dessa nova vida. Conquanto a regeneração seja um ato de Deus, a fé é um ato humano, prossegue Murray, dizendo: "é uma estranha mistura". Pela graça o homem é capacitado a crer e pela fé ele recebe a graça. "A fé... envolve a totalidade da alma num movimento de auto-rendição a Cristo para a salvação...", diz ele. Assim, a garantia da salvação não é a fé – como decisão ou convicção humana, mas a graça de Deus em Cristo Jesus e sua obra – não é a fé que salva, mas Cristo por meio da fé. A fé é a recepção permanente da graça de Deus em Cristo, efetuada pelo Espírito Santo no coração da pessoa.' A ordem da salvação adquire importância na doutrina da salvação e para o aconselhamento, não quando conseguimos ordenar seqüencialmente seus diversos elementos, irias, sim, quando a compreendemos de modo dinâmico, fluido como fez Hoekema.2 "Perkins usou o método de Beza para confortar pessoas que tinham falta de segurança [na sua salvação], mas também providenciou uma ordo salutis com a qual examinar a fé e a dúvida. Ele organizou percepções de pregadores puritanos... para explicar a conversão como 'uma progressão de estados interiores`.' Contudo, não será necessária uma organização rígida, uma vez que a nossa visão é a de colocar Cristo no centro da salvação, pela graça: a justificação e/ou a regeneração e/ou a fé, e/ou o arrependimento, e/ou a santificação, giram em torno dele, desse modo integrante e interagente. Dois elementos primários
Dois elementos se destacam nessa redenção pela graça e mediante a fé, os quais são primários em relação à totalidade da vida cristã e ao aconselhamento: justif icação e santificação. Esses dois termos são, muitas vezes, intercambiáveis, visto que a justificação é a imputação do nosso pecado sobre Cristo e a imputação a nós da sua justiça ou santidade, de modo imediato e permanente na realização da vida eterna; a santificação, por sua vez, é a perseverança do crente nessa justiça da vida eterna, de modo progressivo, aqui e agora. A justificação em Cristo traz consigo a remissão e o perdão dos pecados, e a habitação do Espírito Santo da promessa de poder, de santificação e de glorificação. Natureza da fé
Já quanto à natureza da fé, John Murray menciona três palavras-chave: conhecimento, convicção e confiança. "A fé não pode começar num vácuo de conhecimento." Temos de conhecer a Cristo e de crer, também, que ele é a verdade. E a convicção de fé que há aí
é mais do que simples assentimento: é a correspondência entre a verdade de Cristo e a realidade do homem. Assim, Murray prossegue, "a fé é o conhecimento passando para a convicção, e é a convicção passando para a confiança".' No seu comentário de Hebreus 11.1 ("Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não vêem"), Calvino diz que a fé da qual trata o autor da carta diz respeito à paciência necessária para a salvação. Ele não nos fala da totalidade da fé, diz Calvino, mas seleciona essa parte que se ajusta ao seu propósito. Chama a fé de hipótese, a substância de coisas que se esperam. Fala da mesma fé mencionada em Romanos 8.24: "Porque, na esperança, fomos salvos. Ora, esperança que se vê não é esperança; pois o que alguém vê, como o espera ?". Fé é a hipótese, a fundação, a plataforma para coisas que já temos, mas que ainda estão ausentes — e que estão além do nosso conhecimento. A segunda cláusula mantém a mesma visão, quando o autor de Hebreus chama a fé de evidência ou demonstração, pois uma demonstração faz aparecer ou serem percebidas pelos nossos sentidos. "Assim, essas duas coisas, ainda que aparentemente incoerentes, se harmonizam, pois o Espírito de Deus nos mostra coisas que nos estão escondidas, cu jo conhecimento não pode alcançar nossos sentidos." Temos a promessa da vida eterna pela ressurreição, mas ainda experimentamos a corrupção da morte; somos declarados justos, mas o pecado ainda está em nós; somos conclamados à alegria, ainda que no meio de muita miséria; é-nos prometida uma abundância de coisas boas, mas ainda sofremos sede e fome; há a promessa de pronto atendimento, mas Deus nos parece surdo aos nossos clamores. O que seria de nós se a fé não levasse nossa mente a emergir das trevas para a luz da palavra de Deus e do seu Espírito? E Calvino conclui: A fé é a substância de coisas que esperamos, que não se vêem, mas que nos são demonstradas.' Como é feita essa demonstração? Criado para viver no tempo em comunhão com Deus para conhecê-lo e desfrutar dele e de sua criação, o homem tem a eternidade impressa no coração: "Tudo fez Deus formoso no seu devido tempo; também pôs a eternidade no coração do homem, sem que este possa descobrir as obras que Deus fez desde o princípio até ao fim" (Ec 3.11). Essa experiência interior apresenta um movimento funcional para cima (para Deus) e um conseqüente movimento subsidiário para dentro (para o homem interior) e para fora (para o próximo e para o resto da criação). João escreve no seu evangelho: "E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste" (Jo 17.3) e "Quem beber desta água tornará a ter sede; aquele, porém, que beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede; pelo convário, a água que eu lhe der será nele uma fonte a jorrar para a vida eterna" (Jo 4.13,14). Isso significa que o ser humano é, por definição, um ser religioso e teo-referente.6 Essa afeição que liga o homem a Deus é a afei ção tácita que dá ao homem sua identidade' e seu significado (At 17.2429; Cl 1.15-19; Ef 2.10). Sem Deus por causa do pecado moral, ele é carente de finalidade e de propósito (Rm 3.23). Parodiando Agostinho, fomos criados por Deus e só nele encontramos nossa razão de ser. Não é por acaso que todos os que se dedicaram a estudar a fé referiram-se à união com Cristo como nossa finalidade e propósito. Richard F. Lovelace, falando sobre as precondições de um contínuo reavivamento espiritual, diz que os diversos elementos do nosso reavivamento espiritual são dimensões da nossa união com Cristo. Nossa primeira aproximação de Cristo e a força de nossa expressão da nova vida, diz ele, são dependentes de uma apreensão acurada do caráter de Deus e da nossa própria necessidade. A aceitação de Cristo e a apropriação de cada elemento da redenção estão condicionadas à consciência da santidade de Deus e à convicção da profundidade do nosso pecado. Como declara Calvino no grande capítulo de abertura de suas Institutas [1.1.1] , esses dois fatores são essenciais a esse grau de autoconhecimento que leva o homem a
inquirir a respeito de Cristo, e estes são profundamente inter-relacionados. Homens e mulheres não podem conhecer a si mesmos até que conheçam a realidade do Deus que os criou, e uma vez que conheçam o Deus santo, seus pecados pareceram tão graves que eles não descansarão até que tenham se apropriado completamente de Cristo.'
O afeto da fé Esse afeto é a fé. O homem foi criado análogo a Deus,' isto é, à sua imagem, para refleti-lo em sua glória e, sem Deus por causa do pecado, não pode evitar a idolatria, ou seja, o reflexo tenebroso dos círculos de morte de sua própria carne, do mundo e do diabo. A idolatria é a substituição do verdadeiro objeto da fé por qualquer coisa que possa preencher seu vazio; algo que desculpe o coração de sua responsabilidade diante de Deus. Qualquer coisa que o ser humano creia, quer seja Deus quer seja nada, ele o faz pela fé. Assi m, o pont o de contato do cristã o com o anticristão está em Deus! O cristão obedece a Deus, o não-cristão reage contra ele. Ambos pela fé. Vern S. Poythress escreve sobre esse conhecimento humano analógico como se s egue: Finalmente, devemos observar que todo conhecimento humano, qualquer que seja, é analogicamente relacionado ao conhecimento de Deus. Somos feitos à imagem de Deus, o que implica que nosso conhecimento é uma imagem do conhecimento de Deus. Além disso, eu creio que todo aumento de conhecimento se utiliza, de uma forma ou outra, de analogia. Aprendemos por meio do relacionamento daquilo que é novo para nós com aquilo que é mais antigo. As leis gerais da gravitação são aprendidas por meio de sua relação com casos testes tais como maçãs caindo. O entendimento geral de células biológicas é auxiliado pelo uso de sua analogia com uma fábrica. O entendimento geral da experiência humana é alcançado por meio do movimento analógico a partir de nossa própria experiência para a história da experiência de outras pessoas. ' o (Ênfase minha.)
Revelação
A teologia diz que Deus se revela ao homem de duas maneiras: de modo geral e de modo específico. Cada um desses modos, por sua vez, apresenta dois aspectos. Primeiro, a) Deus se revela ao homem por meio da natureza e isso o torna indesculpável (Rm 1.20) e b) Deus se revela à consciência do homem, o que o faz atacar e defender-se em seu interior (Rm 2.15). Segundo, a) Deus se revela ao homem na Escritura, como padrão da sua perfeição confrontando o pecado humano, e isso o condena (Rm 3.19,20) e b) Deus se revela em Jesus Cristo para julgar o pecado e salvar os que são chamados pela sua graça (Rm 3.2126). A fé se caracteriza por receber a graça de Deus para conhecê-lo e confiar nele, ou pela autonomia e a conseqüente posição sob a ira de Deus. Desse modo, toda a humanidade vive pela fé – em Deus ou em ídolos. Sobre isso, D. Powlison escreve que motivos são aquelas coisas que nos movem, causam ou induzem à ação ("fonte" causal e "alvos télicos"). A maneira bíblica de se fazer observações no dia-a-dia, diz ele, descreve a impulsão e tração das motivações humanas como perspectivas complementares. As psicologias tendem a considerar como primários ora os impulsos ora os alvos. A Bíblia oferece uma categoria conceitua) fértil e flexível no tema da idolatria." É necessário que se diga que tanto crentes quanto incrédulos têm, naturalmente, certa aptidão inata para aprender a inventar, como diz Calvino: "Logo, estas evidências atestam claramente que é, de natureza, instilada no homem uma universal compreensão da razão". Calvino ainda diz que deveríamos considerar que tudo o que é digno de louvor vem de Deus, mesmo que nos envergonhemos do fato de que os homens naturais (sem Deus)
atribuam seus valores aos ídolos (religiosos ou seculares). E ele acrescenta: "Nem há por que alguém pergunte: Que tem a ver com o Espírito os ímpios, que de Deus alienados estão?" Deus preenche, aciona e vivifica todas as coisas pelo poder do mesmo Espírito, de modo que podemos fazer uso do conhecimento humano trazido pelo ministério dos ímpios nas ciências exatas e nas artes, não sendo injustos para com as dádivas de Deus, julgando as coisas da revelação geral de Deus à luz da revelação específica na Palavra e em Cristo Jesus.`'
Fé discursiva e fé intuitiva
Conforme a disposição da afeição da fé é que uma pessoa interpreta seu próprio interior e o mundo exterior. Já foi dito pelo historiador da ciência, Kuhn, e mais extensamente explicado por Polanyi, que os olhos do observador mudam o objeto observado por causa da aproximação paradigmática do conhecimento.` Assim, a verdadeira fé pode ver a realidade de Deus como ele quer ser visto à luz do seu propósito eterno (Ef 1-3), ao passo que a fé pecaminosa muda a realidade por meio de sua observação e constrói uma realidade-ídolo, a qual não pode jamais resistir à prova de levar seus pensamentos até às últimas conseqüências (Rm 1.18). O homem não pode exercitar seu afeto de fé a menos que seja ensinado pela graça de Deus. Essa graça é manifestada ao homem pela fé discursiva (isto é, o discurso tácito que a natureza faz acerca do seu Criador e seu propósito em tudo quanto existe) e reconhecida pela fé intuitiva (isto é, o conhecimento tácito que temos tanto por causa da imagem de Deus segundo a qual fomos criados, quanto por causa da nossa comum participação na obra criada).` Polanyi, introduzindo a idéia de processos tácitos, diz: Uma vez que a arte não pode ser definida com precisão, ela só pode ser transmitida por exemplos da prática que a incorpora. Aquele que deve aprender de um mestre por meio da observação, precisa confiar no seu exemplo. Precisa reconhecer como autorizadora a arte que deseja aprender assim como a autoridade daquele de quem se aprende. A menos que presuma que a substância e o método da ciência são fundamentalmente sãos, ele nunca desenvolverá um senso de valor científico e adquirirá a habilidade da indagação científica. Este é o meio de se adquirir conhecimento que os Pais da Igreja cristã descreveram como lides quaerens intellectum, "crer para conhecer".` Mais uma vez, D. C. Gomes lança luz sobre o pensamento de Polanyi em relação ao pensamento bíblico. Ele considera que a consciência ou estado atentivo pressuposicional é uma faca de dois gumes, "pois a tentativa de se expor o fato de que o conhecimento humano flui de compromissos de fé a-criticamente (e isso a partir raízes fiduciárias [isto é, de dependência de uma confiança – fel com que atentamos a todo objeto do qual estamos conscientes) nos faz enfrentar o problema final da razão em relação à qual esses compromissos se referem"." Noutras palavras: Como verificar a realida de verdadeira da observa ção? "Numa infraestrutura fiduciária bíblica, o problema é resolvido de maneira simples, mas sua resolução torna isso mais complexo do que Polanyi possa imaginar. Enquanto estabelecida no senso de deidade, no trabalho interior do Espírito Santo, na graça comum e na abrangente revelação geral de Deus, uma base para se pressupor algo como a idéia de Polanyi de 'coerência de todas as consciências na base da mesma tradição universal' envolve duas outras pressuposições que alteram radicalmente o sentido de universalidade."
Primeiro, diz D. C. Gomes, estabelece que a base da interpretação da raiz mais imanente do significado tácito não pode estar nem no objeto observado nem no seu ambiente. O ponto de referência a partir do qual poderemos interpretar esse conhecimento imanente tem de estar fora do próprio ser humano. "Isso é dado ao homem por Deus como revelação especial – a matriz interpretativa para o conhecimento de si mesmo e do mundo e do próprio Deus." Aqui, D. C. Gomes apela para Calvino: "Ademais, por isso que no conhecimento de Deus está posto o fim último da vida bem-aventurada, para que a ninguém cerrado fosse o acesso à felicidade, não só implantou [Deus] na mente humana essa semente de religião a que temos nos referido, mas ainda de tal modo se há revelado em toda a obra da criação do mundo, e cada dia meridianamente se manifesta, que não podem [eles] abrir os olhos sem serem forçados a contemplá-lo" (Institutas 11.6.1). "Segundo, estabelece que tanto as raízes externas do conhecimento, que representam a coerência da consciência humana sobre a mesma tradição universal, não são apenas dadas por Deus, ou derivadas transcendentalmente, como Polany1 diria, mas são, na verdade, negativamente, referentes a Deus. O ponto no qual a consciência de todo homem caído coere em relação a uma mesma tradição universal é o próprio fato de que o conhecimento que eles têm de Deus é um conhecimento rebelde e em busca de autonomia [cf. Rm 1.19-23,28].9,1
8
O apóstolo Paulo tinha um entendimento da fé cristã bíblica suficientemente inteirado para examinar a cultura secular de modo a responder às suas questões a fim de expor o evangelho aos gentios. Richard Lovelace diz que ele estava preparado para fazer uso da graça comum para descobrir as contradições do pensamento anticristão, pois ele diz: "Porque a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus" (I Co 3.19), advertindo, também quanto ao perigo que representavam: "Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo" (CI 2.8). Mas ele mesmo não descartou a possibilidade de se achar valor e beleza na cultura não-cristã, quando disse: "...tudo o que é verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é a mável, tudo o que é de boa fama, se alguma virtude h á e se algu m louvor existe, seja isso o que ocupe o vosso pensamento" (Fp 4.8).'9 Não haverá contradição entre esses pontos quando se compreender que a verdade de Deus é e será sempre a mesma para todos os homens; e que a diferença entre a cultura cristã e a anticristã reside na capacitação que o Espírito Santo confere ao salvo para interpretara verdade e na incapacidade do não-salvo de interpretar essa verdade. A cultura não-cristã procede de uma interpretação anticristã, contaminada pelo pecado. Como também disse Van Til, só há duas possibilidades: conhecer a verdade ou suprimi-la; e como ela é impossível de ser suprida, os anticristãos a viram de ponta-cabeça 20 — na verdade, o que eles têm é o negativo de uma foto de ponta-cabeça retratando a verdade. O trabalho do cristão, aqui, seria o de revelá-la e colocá-la de cabeça para cima. Moção da fé
Tudo isso visto, concluímos que, para o nosso aconselhamento redentivo, a fé é um dos afetos mais básicos do homem interior – afeto do coração – o qual lhe permite "reconhecer" aquilo que lhe é revelado. Por isso o autor de Hebreus pode dizer: "Pela fé, entendemos que foi o universo formado pela palavra de Deus, de maneira que o visível veio a existir das coisas que não aparecem" (Hb 11.3). Ao movimento subseqüente à fé – primariamente para cima, na direção do transcendental, e secundariamente, na direção do ser interior e na direção do próximo e das outras coisas – chamaremos de habitação. Habitação, como estudaremos mais tarde, é o encontro da fé intuitiva com a fé discursiva, no qual se formam as crenças básicas.
Será interessante considerar o que Jean Piaget diz sobre o desenvolvimento do neonatal e do infante. Ele diz que o período que se estende do berço à aquisição da linguagem é marcado por grande desenvolvimento da mente, cuja importância é, às vezes, desprezada porque não é acompanhada de palavras. "Esse desenvolvimento mental inicial, não obstante, determina o completo curso da evolução psicológica. De fato, não é nada mais do que a conquista por meio da percepção e do movimento da totalidade do pequeno universo que cerca a criança." No ponto de partida desse desenvolvimento, prossegue Piaget, o neonatal liga todas as coisas a si mesmo, especialmente, ao seu próprio corpo, formando sua inteligência e vida afetiva, até que, na terminação desse período, ele começa a se ver como um elemento ou entidade entre outros num universo que ele construía para si mesmo e o qual ele virá a experimentar como externo a si mesmo." Esta última idéia, a de experimentar um universo interior e o universo exterior é que chamamos de esperança, e que será objeto do nosso próximo estudo.
ESPERANÇA
O termo
A palavra esperança (gr. elpis) usada Paulo em 1 Coríntios 13.13, tem o sentido de esperar algo com a expectação de a obter. Noutras palavras, é a resposta ao estímulo da vida que alguém espera do mundo exterior com base na crença interior — a habitação da fé. Fé e esperança são termos encapsulados, os quais dificilmente poderiam ser separados. "Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam" (Hb 11.1). O substantivo elpis e o verbo elpizo têm ambos a idéia de esperar e incluem a esperança do objeto esperado. Os verbos hebraicos para "esperar" (qawah, estender-se em direção a, ansiar por; yahal, esperar, ansiar; hakah, esperar; e Babar, aguardar, esperar) e os substantivos tiqwah e bethah, têm relação com a idéia de confiança. Tanto no sentido religioso quanto no sentido secular, a idéia hebraica de esperança tem a conotação de "esperar", ficando em aberto "a pergunta quanto à certeza que apoia tal tentativa ser válida, com base objetiva, ou se baseia num julgamento subjetivo e errôneo".' Mandamento e promessa Para todos nós, a vida é uma promessa. Para os crentes, uma promessa de Deus, proposicional e verbalmente revelada; para os não-crentes é uma promessa romântica de algo indefinido. Como escreveu Herman Bavink, em primeiro lugar, a esperança está relacionada à essência do ser humano. Ele diz que muitos, hoje, crêem que o homem e o mundo, independentemente de sua origem e desenvolvimento, são e permanecerão sendo o que são hoje. É fato que a realidade permanece sendo a mesma, ele continua, quer formemos
uma idéia verdadeira quer falsa sobre isso. "Mas a idéia que temos da origem das coisas está inseparavelmente ligada à idéia que temos da essência das coisas." O homem e o mundo permanecerão o que são a despeito de nossa interpretação; "mas, para nós, eles se tornam diferentes, eles crescem ou decrescem em valor e significado segundo o que pensamos acerca de sua origem e como eles vieram a existir".' Adão e Eva – colocados por Deus num mundo especialmente preparado para eles e instruídos por Deus sobre seu próprio ser, o Arquétipo,' e acerca deles mesmos e da esfera biosocioambiental de sua existência – experimentaram a esperança de uma vida maravilhosa na dependência da comunhão com a única Fonte da vida e no usufruto dos prazeres de sua criação. Essa esperança, baseada na Palavra de Deus, era a força necessária que recebiam do controle, da presença e da autoridade de Deus (Gn 2.8-17; 3.8). A esperança de adorar a Deus e de guardar a sua lei. Depois da Queda (Gn 3) nossos primeiro pais experimentaram a dor – o desespero da autonomia, da descrença e da infidelidade, e a dor de existir destituídos de sua glória. Deus, contudo, em sua graça infindável, revestiu-os de nova esperança na promessa do Filho encarnado (Gn 3.15) e deu-lhes novos mandamentos (Hb 1.1-4) para que tivessem esperança a despeito da corrupção de todas as coisas. Quando Jó sofria aflições quase impossíveis de serem suportadas, Elifaz, o temanita, disse-lhe que ele mesmo, Jó, havia ensinado a muitos com seu temor a Deus, o qual era o objeto de sua fé, e que, agora que sofria, estava perdendo a esperança: "Porventura, não é o teu temor de Deus aquilo em que confias, e a tua esperança, a retidão dos teus caminhos?" (Jó 4.6). Claramente, o temor do Senhor, que é o princípio da sabedoria (Pv 1.7; 9.10), é uma expressão de fé, e perder essa visão da sabedoria de Deus faz o homem perder a esperança. Contudo, nem sempre a desesperança é demonstrada do mesmo modo. Às vezes, ela aparece sob a forma de completa prostração, outras vezes, ela se mostra na tentativa de se obter um outro fundamento para a fé. Há mais esperança para o primeiro do que para o segundo, como é dito: "Para aquele que está entre os vivos há esperança; porque mais vale um cão vivo do que um leão morto" (Ec 9.4) e "Tens visto a um homem que é sábio a seus próprios olhos? Maior esperança há no insensato do que nele" (Pv 26.12). A única maneira de se encontrar a esperança genuína é procurar no temor de Deus a quilo em que confiar, a esperança que não falha, a retidão dos caminhos. Romanos 5.1-4 é o texto mais adequado a essa compreensão: "Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo; por intermédio de quem obtivemos igualmente acesso, pela fé, a esta graça na qual estamos firmes; e gloriamonos na esperança da glória de Deus. E não somente isto, mas também nos gloriamos nas próprias tribulações, sabendo que a tribulação produz perseverança; e a perseverança, experiência; e a experiência, esperança". Calvino, no seu comentário de Romanos, escreve que o apóstolo Paulo começa aqui a ilustrar os efeitos do que ele disse antes sobre a justiça da fé. A fé nas obras foi abolida, "se a justiça for buscada nas obras", pois tais obras só nos causam inquietude e perturbam a nossa alma, uma vez que não possuem nada substancial em si mesmas. Entretanto, as obras nos dão calma e tranqüilidade quando já obtivemos a justiça da fé: temos paz com Deus. Essa paz significa tranqüilidade de consciência proveniente do sentimento de reconciliação com Deus por meio de Cristo. Por meio dele, unicamente, temos acesso, pela fé, à graça de Deus, na qual estamos firmes, diz Calvino; não significa uma persuasão para um só dia, mas tratase de algo imutável que toca o fundo do coração, de modo que perdura por toda a vida. Esperança de glória
Quanto a nos gloriarmos na esperança da glória de Deus, Calvino diz que a razão pela qual a esperança de uma vida futura existe é que nós esperamos no favor de Deus. "Ainda que
sejamos agora peregrinos na terra. nossa esperança escala aos céus." E isso subverte os dogmas sofistas que querem que os cristãos se satisfaçam com uma c onjectura moral como sua percepção do favor de Deus, e que ensinam que tudo é incerto quanto à final perseverança. "Mas, a não ser que haja certeza de conhecimento agora, e firme e indubitável persuasão quanto ao futuro, quem ousaria se gloriar?" Veja, então, como isso é importante para o aconselhamento redentivo. Paulo tinha uma visão da vida "realista com esperança" e, não, uma visão romântica ou desesperada. Calvino diz que os cristãos, a despeito de se gloriarem na glória de Deus, ainda vivem em condições de infelicidade até que se cumpra a promessa de glória final. Mas isso não é contraditório, pois as próprias tribulações pessoais e as perturbações que grassam no mundo servem para promover a esperança. Quando Paulo diz que os santos se gloriam nas próprias tribulações, não quer dizer que os santos não temam nem evitem adversidades, nem que eles não se perturbem quando ocorrem amarguras, mas que eles recebem apoio e fortalecimento do fato de que recebem tudo das mãos do Pai bondoso a quem glorificam. "Sempre que a salvação é promovida, não falta razão para se gloriar." Assim, somos instruídos sobre o propósito das tribulações: elas nos habituam à paciência. Há tempos em que isso é difícil, e que mesmo os santos podem ser tão afligidos que se deprimam e quase percam o fôlego, mas Calvino lembra o que o apóstolo Paulo escreveu em outro lugar: "Em tudo somos atribulados, porém não angustiados; perplexos, porém não desanimados; perseguidos, porém não desamparados; abatidos, porém não destruídos" (2Co 4.8) .4 O fato de a tribulação produzir perseverança não é um efeito natural, pois a humanidade sofre tribulação e isso faz com que muitos se revoltem contra Deus. Mas quando a mansidão interior e as consolações infundidas pelo Espírito tomam o lugar de nossa obstinação, então a tribulação gera perseverança. E a perseverança gera experiência. Paulo diz que essa experiência é aquela que o crente tem da segurança da proteção de Deus mesmo quando sua experiência presente exija que ele espere por essa promessa enquanto Deus o prova ou amadurece. Essa experiência gera a esperança. "Pois seria ingratidão de nossa parte não nos lembrarmos dos benefícios recebidos que confirmassem nossa esperança."
Moção da esperança As pessoas vivem pelo afeto da esperança que vem de Deus (mesmo aqueles que não o conhecem nem o recebem) e das coisas que Deus criou a fim de que os homens pudessem experimentar sua bondade. Os que recebem pela fé o cumprimento da promessa da graça de Deus na paz de Cristo e são, pelo Espírito Santo, habilitados a obedecer aos mandamentos de sua Palavra, são assegurados de suas promessas pela fé que não confunde (Rm 1.5). E porque essa esperança vem de Deus e das coisas criadas, e afeta o coração a partir do exterior, dizemos que ela tem um movimento funcional de fora para dentro. Essa é uma esperança que vem do Senhor e afeta o coração do homem tanto no sentido de movê-lo à adoração – com a conseqüente alegria da vida eterna, agora e para sempre – quanto no sentido da falsa esperança de que ele não exista, que move o homem a adorar e servir a criatura em vez de ao Criador – com o conseqüente prazer transitório no mundo caído até o cumprimento de seu julgamento. O termo fé, quando estendido de modo mais amplo, cobre o termo esperança. Contudo, ainda que encapsulados, esses termos não são sinônimos. A diferença entre fé e esperança, ou sua decorrência, pode ser vista na Confissão de fé de Westminster quando ela fala da certeza da graça e da salvação: "...os que verdadeiramente crêem no Senhor Jesus e o amam com sinceridade, procurando andar diante dele em toda a boa consciência, podem,
nesta vida, certificar-se de se acharem em estado de graça, e podem regozijar-se na esperança da glória de Deus, essa esperança que jamais os envergonhará"... "Esta certeza não é mera persuasão conjetura] e provável, fundada numa esperança falha, mas numa segurança infalível de fé, fundada na divina promessa de salvação"... "Esta segurança não pertence de tal modo à essência da fé, que um verdadeiro crente, antes de possuí-Ia, não tenha de esperar muito e lutar com muitas dificuldades; contudo, sendo pelo Espírito habilitado a conhecer as coisas que são livremente dadas por Deus, ele pode obtê-la sem revelação necessária, no devido uso dos meios ordinários"... "Os verdadeiros crentes podem ter, de diversas maneiras, a segurança de sua salvação abalada, diminuída e interrompida"... "contudo, eles não ficam inteiramente privados da vida da fé, daquele amor a Cristo e aos irmãos, daquela sinceridade de coração e da consciência do dever; daí, a certeza de salvação poderá, no tempo próprio, ser restaurada pela operação do Espírito, e por meio dessas bênçãos eles são suportados para não caírem em total desespero".' Podemos perder a esperança, mas não a fé. E a esperança pode ser renovada pelo Espírito de Deus que nos conduz a toda verdade por meio da Palavra, fundindo esperança e fé no nosso coração. Essa diferença entre os conceitos de fé e de esperança não dissocia os termos, antes, os torna mais próximos e compreensivos. A esperança é o anseio de que se cumpra aquilo que cremos. Se nossa fé estiver colocada na revelação es pecífica de Deus em Cristo na Palavra, então a esperança, além das profundezas do Espírito, nos permitirá entender a sua revelação geral na natureza. Todas as pessoas, crentes e não-crentes, vivem da esperança de que o mundo responda de acordo com sua fé, onde quer que ela se funde, em Deus ou em ídolos de substituição. Forma-se uma expectação – um termo relacionado a essa esperança e que desempenha um papel fundamental na elaboração do pensamento porque é baseado em proposições diretas, isto é, de fé. Wayne A. Mack alista alguns contrastes entre a falsa esperança e a verdadeira esperança. Diz ele que a falsa esperança se baseia: (1) em idéias humanas prazerosas e desejáveis misturadas a uma expectação do mal; (2) na negação da realidade; (3) no pensamento místico, mágico; (4) numa visão não-bíblica da oração; (5) numa interpretação imprópria da Escritura. A esperança verdadeira, por sua vez, ele prossegue: (1) se baseia numa bíblica expectação do bem segundo os graciosos mandamento e promessas de Deus – (Rm 4.18; cf. 2Pe 1.4); (2) é resultado da verdadeira salvação em Jesus Cristo – (1Pe 1.3; Cl 1.4,5; 1.25-27; Um 1.1); (3) é holística em termos do seu foco, isto é, vê o plano de Deus para a totalidade do universo incluindo o indivíduo, considerando o eterno e o temporal; (4) é realista – (Fp 1.1214; 1.19,20; 2.17; 2Tm 2.8-10); (5) deve ser renovada a cada dia – 2Co 4.16; (6) é inseparável, de um diligente e acurado estudo da Palavra de Deus – 51 130.5; (7) é decorrente conhecimento – (Rm 5.2,3).6 Wayne Mack cita o Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento: A esperança de fé, assim como a esperança secular, é uma expectativa pessoal concreta. A despeito do aspecto "ainda não" da realização da nossa salvação, olha para frente em confiança, embora não sem tensão. Yawheh, no entanto, por Quem a fé espera, não é como nós, os homens. Sendo que Ele conhece, promete e relata aquilo que está reservado para o futuro para o seu povo, a esperança obtém segurança sem paralelo no âmbito da revelação. A despeito de que tudo o que há no presente que anda contrário à promessa, aquele que espera confia em Deus que, por amor à Sua fidelidade, não decepcionará a esperança que despertou mediante a Sua Palavra (Is 8.17; Mq 7.7; SI 42.5 ).7 A esperança pode estar baseada na fé verdadeira ou na fé mentirosa, como diz Paulo aos romanos: "A ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e perversão dos
homens que detêm a verdade pela injustiça" (Rm 1.18). Quando ela se baseia na verdade, ela tem uma perspectiva de um realismo com esperança. Quando se baseia na mentira, forma uma ilusão. William Edgar escreve que "Somente após lidar honestamente com as distorções da religião produzidas pela crítica bíblica da idolatria e pelos ataques de pensadores ateus é que podemos encontrar a falsidade do próprio ateísmo". Edgar diz que os ateus se recusam a admitir que seus pressupostos também sejam religiosos, rotulando a religião de antropologia, ópio, ilusão ou terrorismo. "Que garantia temos de que os ateus não estejam alimentando uma ilusão?", ele pergunta. E prossegue, mencionando um trecho de O Futuro de uma Ilusão, de Sigmund Freud: "Mas moderarei o meu zelo e admitirei a possibilidade de que eu, também, esteja correndo atrás de uma ilusão"... "confiarei no deus da razão".' A que tipo de razão estaria Freud se referindo? Certamente, à posição de Feuerbach de que o homem projeta a natureza no mundo externo antes que a encontre em si mesmo. 9 Feuerbach, descendente dissidente intelectual de Hegel (representante da esquerda hegeliana) tentou substituir a "teologia" do mestre por uma antropologia que abriu as portas para a linha do desespero, na expressão de Francis A. Schaeffer. Ele pensava que a síntese poderia ser alcançaria pela razão. Schaeffer diz que até então havia uma esperança ainda que romântica subjacente, mas que a partir de Hegel dominou o desespero. "O que é esse desespero?", ele pergunta. "Ele surge do abandono da esperança de uma pergunta unificaria para o conhecimento e a vida."10 Isso não é tão "acadêmico" quanto parece, como diz Os Guinness: a psicologia moderna mostrou que, longe de ser absolutamente racional, o homem tem profundas motivações além dos seus poderes racionais, e que está apenas parcialmente cônscio delas." Seguindo essa linha, Freud opôs à tese fé em Deus, a antítese da fé na razão e proclamou a fé no homem autônomo, "não t endo esperança e sem Deus no mundo" (Ef 2.12). O homem sem Deus não tem ponto de referência fora de si e ele mesmo não é ponto de apoio suficiente para estabelecer seu próprio conhecimento. Ao movimento da esperança, primariamente, de fora para dentro, e secundariamente, para Deus e para o próximo, chamaremos de imaginação. Vivemos num ambiente ao mesmo tempo atraente e hostil, e essa tensão nos move a usar todos os recursos da percepção e da memória no vórtice da imaginação criativa a fim de encontrar segurança e significado. Romanos 5.5 diz: "Ora, a esperança não confunde, porque o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo, que nos foi outorgado". Essa é a esperança do pensamento cristão. Calvino diz que a esperança considera certa a salvação — e espera que ela avance gradual e certamente. Os males deste mundo não poderão nos fazer miseráveis porque serão nossas catapultas para a felicidade. Ainda que nos sintamos oprimidos e deprimidos, temos esperança porque o amor de Deus é derramado no nosso coração. Considerar as coisas do presente num ambiente independente e autônomo poderá levar o homem ao desespero, mas o amor de Deus derramado no nosso coração nos assegura que o Criador tem o mundo em suas mãos, e que ele já consumou seu plano redentor em Jesus Cristo, o qual habita em nós no Espírito de vida. AMOR
O amor de Deus, que a tudo permeia, é o afeto que Paulo considerou como o maior dos três afetos: um caminho sobremodo excelente (1Co 12.31; 13.13). É o mais facilmente identificado dos afetos do coração, pois nem mesmo a pessoa mais distante de Deus deixa de exercê-lo em alguma extensão. A razão pela qual o termo amoré relacionado apenas ao pensamento moderno de sentimento é que a humanidade caída — e até mesmo a humanidade redimida — esqueceu-se de sua fonte: o Deus que é amor.
O termo As palavras gregas mais usadas para "amor " (phileo, stergo, eros e agapê) têm distinções quase claras. Phileo, "considerar com atenção", geralmente, é usada para se descrever o amor fraterno, mas descreve também o amor entre pessoas quanto estas estão ligadas dentro ou fora da família; stergo, de uso menos freqüente, "sentir afeição", é usado, especialmente, para se referir ao amor entre pais e filhos ou entre o povo e seu líder; eros denota o amor entre homem e mulher, abrangendo anseio, anelo e desejo. Agape, que tem sido erroneamente designada para o amor divino, tem sido usada como alternativa para phileo e eros. Ela descreve uma iniciativa generosa de uma pessoa por amor à outra. Esse termo foi escolhido preferencialmente para traduzir a palavra hebraica aheb que pode se referir a coisas, mas que descreve o amor entre pessoas e o amor a Deus? Como dissemos anteriormente, os termos, no nosso trabalho, podem ser expandidos para abranger outros termos. Assim, o termo agape será expandido para abarcar os demais termos usados para denotar amor, principalmente onde seu sentido seja o de uma disposição para um movimento generoso na direção de outra pessoa, como está escrito em Gálatas 5.6: "a fé que atua pelo amor". Natureza do amor
O apóstolo João, que talvez t enha presenciado o caso relatado por Marcos quando uns dos discípulos disse a Jesus: "Mestre! Que pedras, que construções!" (Mc 13.1), usou a mesma forma para escrever em 1 João 3.1: "Vede que grande amor nos tem concedido o Pai, a ponto de sermos chamados filhos de Deus". Que amor maravilhoso! Não é natural daqui! Pois o próprio discípulo amado é quem escreve: "Amados, amemonos uns aos outros, porque o amor procede de Deus; e todo aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. Aquele que não ama não conhece a Deus, pois Deus é amor. Nisto se manifestou o amor de Deus em nós: em haver Deus enviado o seu Filho unigênito ao mundo, para vivermos por meio dele. Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou o seu Filho como propiciação pelos nossos pecados" (1Jo 4.7-10). Claramente, o amor procede de Deus, manifesta-se em dar (o Filho) e consiste em (Deus) amar primeiro. Paulo também reflete esse movimento de amor quando escreve: "...recordando-nos, diante do nosso Deus e Pai, da operosidade da vossa fé, da abnegação do vosso amor e da firmeza da vossa esperança em nosso Senhor Jesus Cristo" (lTs 1.3). E nesse texto, especialmente, aparece a interagência dos três afetos excelentes – a fé, a esperança e o amor – dos quais o maior é o amor. Por que maior? J. Douma, considera o Decálogo como uma instituição da categoria da Queda, uma vez que "pela lei vem o pleno conhecimento do pecado" (Rm 3.20). Inquirido sobre se os Dez Mandamentos já eram conhecidos no Éden mesmo que tacitamente, ele
respondeu dizendo que na categoria da criação seria mais correto pensar que houvesse um conhecimento tácito do resumo da lei dado por Jesus: o amor. Douma diz que o tema do Decálogo é o próprio Senhor Deus, e que o temor do Senhor é o cerne da questão. Assim, quando lemos os Dez Mandamentos em Deuteronômio 5 e, logo a seguir vemos as palavras de 6.2,5 – "...para que temas ao Senhor, teu Deus, e guardes todos os seus estatutos e mandamentos que eu te ordeno, tu, e teu filho, e o filho de teu filho, todos os dias da tua vida; e que teus dias sejam prolongados... Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força" – entendemos entendemos por que Jesus resumiu assim a lei, dizendo: "Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo" (Mt 22.37-39) .2
Mandamento
Amar ao Senhor significa escolhê-lo. Existe uma íntima relação entre escolher a Deus e amálo, diz Douma. "Entendemos mais clara e exatamente o que significa amar a Deus quando vemos o amor como uma escolha. Porque Yahveh é Deus, Israel e nós o devemos escolher. Amar significa firmar-se numa escolha." Assim, pelo menos duas escolhas estão envolvidas no amor. A primeira é a fidelidade ao pacto. O amor a Deus não pode ser compartilhado com os ídolos, pois como disse Jesus quanto a amar a Deus e ao dinheiro, "ninguém pode servir a dois senhores" (Mt 6.24). "Amar significa permanecer na escolha." A segunda escolha é a de guardar os mandamentos do Senhor.' Obediência e amor são termos correlates, como se vê no Shema (Dt 6) e até mesmo na relação de Cristo com sua igreja figurada na relação de autoridade entre os cônjuges, entre pais e filhos e entre patrões e empregados (Ef 5.21-6.4). A respeito dessas escolhas, Jesus disse: "Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu a mor; assim como também ta mbém eu tenho guardado os mandamentos man damentos de meu Pai e no seu amor permaneço" (Jo 15.10). E João prosseguiu daí, dizendo: "Aquele que diz: Eu o conheço e não guarda os seus mandamentos é mentiroso, e nele não está a verdade. Aquele, entretanto, que guarda a sua palavra, nele, verdadeiramente, tem sido aperfeiçoado o amor de Deus. Nisto sabemos que estamos nele: aquele que diz que permanece nele, esse deve também andar assim como ele andou" (1Jo 2.4-6). 2.4 -6). João diz mais: "Amados, não vos escrevo mandamento novo, senão mandamento antigo, o qual, desde o princípio, tivestes. Esse mandamento antigo é a palavra que ouvistes. Todavia, vos escrevo novo mandamento, aquilo que é verdadeiro nele e em vós, porque as trevas se vão dissipando, e a verdadeira luz já brilha. Aquele que diz estar na luz e odeia a seu irmão, até agora, está nas trevas. Aquele que ama a seu irmão permanece na luz, e nele não há nenhum tropeço. tr opeço. Aquele, porém, que odeia a seu s eu irmão está está nas trevas, trevas, e anda nas nas trevas, trevas, e não sabe para onde vai, porque as trevas lhe cegaram os olhos" (1Jo 2.7-11). Como a si mesmo
A injunção de amar o próximo como a nós mesmos decorre do amor a Deus. Temos de sair de nós mesmos para o encontro do outro da mesma maneira como temos de sair de nós mesmos para estar diante de Deus. E nesse ness e sentido, sent ido, o nosso noss o próximo próx imo não será ser á apenas apena s o nosso noss o vizinho amigo, mas até mesmo o nosso inimigo, como Jesus disse no Sermão da Montanha: "Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; para que vos torneis filhos do vosso Pai celeste, porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos just os e injust i njustos" os" (Mt 5.43-45). 5.43 -45). Segundo Segund o o Senhor Jesus Jesu s Cristo, Cri sto, os cristã cr istãos os têm t êm inimigos ini migos – e têm de amá-los. Amar significa, também, fazer o bem.
Quando Paulo quis convencer Filemom a amar a Onésimo, o escravo fugido, ele lhe escreveu: "...estando ciente do teu amor e da fé que tens para com o Senhor Jesus e todos os santos, para que a comunhão da tua fé se torne eficiente no pleno conhecimento de todo bem que há em nós, para com Cristo" Cri sto" (Fm 5,6). 5,6) . E fazer o bem a um inimigo inimi go significa signi ficará rá confrontá-lo, adverti-lo, pregar-lhe o evangelho e combatê-lo se necessário. Temos de amar a todos. Contudo, Douma faz uma boa observação sobre isso: nem todos são nossos próximos no mesmo sentido. O amor indiscriminado por todo mundo é um amor barato. "Ninguém é jamais tentado t entado a odiar um distante e desconhecido mexicano ou um oriental. Mas as coisas começam a ficar mais difíceis quando um mexicano ou um oriental é colocado no nosso caminho. Pois é quando eles se põem em nosso espaço que começamos a notar quão logo eles estarão em nosso caminho". Tal como na parábola do Bom Samaritano, somos chamados para amar a quem estiver no nosso caminho. "Não podemos amar bilhões de pessoas, mas temos um punhado de pessoa pes soa s qu quee Deus De us colo co loco couu em nosso caminho: membros da família, irmãos e irmãs da igreja, i greja, concidadãos e estrangeiros, amigos e inimigos. Ainda que não na prática, mas, certamente, em princípio, qualquer pessoa do mundo poderia pertencer a esse círculo." J. Douma faz uma interessante referência a Abraham Kuyper, dizendo que este rejeitou a noção de um amor universal pela humanidade. Deus colocou pessoas – incluindo nossos inimigos – em nosso caminho. "Essa pessoa não está aí por engano. Não é por acidente ou por descuido divino que uma pessoa o ameaça." Kuyper vai além para identificar a diferença entre a ética reformada e a ética pelagiana. O contraste pode ser resumido assim: "De nossa parte, nós deduzimos todo relacionamento a partir da regra soberana de Deus e, por isso, realizamos ou deixamos de realizar todas as coisas por causa da vontade vont ade de Deus", avaliando todas as coisas segundo os seus preceitos. "A ética pelagiana, por contraste, simplesmente vê as pessoas como indivíduos soberanos, sem qualquer poder maior que os mantenha juntos, não tendo, portanto, nenhum motivo para uma consciência moral – valores valores e inclinações morais – do do que uma vontade humana com soberania para escolher. Mas, precisamente no ponto de amar o inimigo, a ética pelagiana é fatalmente falha, porque esse sistema ético não pode, naturalmente, alçar-se alçar -se da plataforma plata forma de uma escolha soberana sobera na da vontade humana huma na para alcançar o pináculo de amar alguém que seja um inimigo .114 Amar o próximo como a si mesmo tem sido, muitas vezes, entendido como "amar a si mesmo para par a se pod poder er amar ama r o outro out ro". ". Essa, Ess a, contudo, cont udo, é uma má exegese. Nós já nos amamos o suficiente, como a Bíblia diz: "Assim também os maridos devem amar a sua mulher como ao próprio corpo. Quem ama a esposa a si mesmo se ama. Porque ninguém jamais odiou a própria carne; car ne; antes, a alimenta a limenta e dela cuida, como também ta mbém Cristo o faz com a igreja; igre ja; porque por que somos membros do seu corpo" (Ef 5.28-30). Não diz: "Quem a si mesmo se ama, ama a sua esposa". Amor, por sua natureza, é um movimento para fora, para o outro, cheio de humildade e generosidade, de abnegação, de preferência em honra em relação ao outro. Jesus exigiu que o amássemos negando-nos a nós mesmos: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me (Mt 16.24). Paulo instruiu os romanos: "Amai-vos cordialmente uns aos outros com amor fraternal, preferindo-vos em honra uns aos outros" (Rm 12.10). Deus é amor
Dan B. Allender & Tremper Longman III tecem diversos comentários esclarecedores sobre o amor: "O amor, ou mesmo a esperança do amor, conduz cada pessoa na batalha da vida". Eles
dizem que o amor ou a falta de amor que nos levam às crises existenciais nas quais chegamos a questionar o próprio desejo de viver. O desejo de amar e o de sermos amados são os pontos extremos de um dilema: somos suspeitosos e cínicos com respeito ao amor porque ele, freqüentemente, nos tem sido apresentado como sedutor e traidor. Mesmo assim, não deixamos de amar e de desejar o amor de alguém, esperando que na próxima experiência ele seja diferente. Falando de uma esposa e mãe que estava sofrendo as dores de um amor não correspondido e difícil de ser vivido, eles perguntam sobre o que se deveria dizer a ela a respeito do amor, a respeito da transformação que o amor provoca e do significado de se amar o próximo da da perspectiva de Deus. Eles prosseguem, dizendo que o amor é, sem sombra de dúvida a vocação mais alta do cristão. Somos chamados para amar cumprindo o pacto de comunhão com Deus guardando os seus mandamentos, os quais envolvem as alianças com o próximo. Eles perguntam: "O que é o amor? Qual Qu al a naturez na turezaa dessa d essa coisa que chama c hamamos mos a mor a que somos chamados a espelhar em nossos relacionamentos pessoais com outros e mesmo em nossa relação com Deus? E respondem: "Jesus indiretamente respondeu a essa questão do que é o amor referindo-se a si mesmo: 'Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros. Nisto conhecerão que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros'. O amor é descrito (1Co 13), ilustrado (o bom samaritano, Lc 10.25-37) e ordenado (Lc 6.27-36), mas jamais definido. O significado do amor é encontrado na pessoa de Jesus Cristo e encarnado com definição e significado na sua morte e ressurreição".' Deus é amor. Amor não é algo que ele tenha, porque ele é amor. É parte do seu caráter. Deus não é egoisticamente centrado em si mesmo. Seu amor é perfeito porque ele é três em um, Deus trino, indivisível, cujo amor não é dividido e é sempre direcionado às duas outras Pessoas. Da mesma maneira, o amor é parte do caráter do homem. É a operação daquilo que ele é coram Deo e coram omnibus. Deus requereu amor de Adão e Eva, assim como do seu povo, tanto tant o no Antigo como no Novo Testamento, Testa mento, porque por que ele quer que usufrua usuf ruamos, mos, particip par ticipemos emos e exerça exer çamos mos sua afeição afei ção de amor, isto é, que sejamos um assim como ele é um. Só então conheceremos a nós mesmos como ele planejou que fôssemos: quando descobrirmos a plenitude de Cristo em nós e nós nele. A afeição de amor é a expressão do ser de Deus no e pelo pel o ser humano a fim de que o gozo da sua glória seja completo no homem interior e em seus relacionamentos com o Criador e com sua criação. É o movimento para movimento para fora para a descoberta descoberta da realidade exterior. Moção do amor
O afeto do amor tem um movimento orientado para fora por causa de sua natureza graciosa. É dado sem que nada seja pedido em troca. A razão de ansiarmos por ser amados em vez de expressar amor é resultado da falta de esperança de que Deus existe e se toma respondedor dos que o buscam, como diz: "De fato, sem fé é impossível agradar a Deus, porquanto é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que se toma galardoados dos que o buscam" (Hb 11.6). Nós trocamos a dinâmica do amor por um movimento para movimento para dentro por dentro por causa da teomania a que fomos submetidos pelo pecado. O "amor", desse modo, torna-nos autocentrados e exigentes quanto ao suprimento das nossas próprias necessidades. Até mesmo – e principalmente, no caso do aconselhamento redentivo, no qual o conhecimento de Deus, de si e do outro desempenha papel importante – o o movimento do amor para a obediência, quer a Deus quer aos íd ol os, os , o a mor mo r ocup oc up a u m lu ga r mai ma i or : "No "N o qu e se refere às coisas sacrificadas a ídolos, reconhecemos que todos somos senhores do saber. O saber ensoberbece, mas o amor edifica. Se alguém julga saber alguma coisa, com efeito, não aprendeu ainda como convém saber. Mas, se alguém ama a Deus, esse é conhecido por ele" (1Co 8.1).
Ao movimento do amor orientado, primariamente, "para fora", e secundariamente, para cima e para dentro, chamaremos de operação, posto que o amor elabora obras que fecham o círculo da proposta divina para o homem criado à sua imagem. Noutras palavras, o movimento dinâmico do amor, assim como cada um dos demais afetos, influencia a orientação dos outros. O apóstolo Paulo deu graças a Deus quando ouviu falar da fé que os colossenses tinham em relação a Deus por causa da esperança evangélica e por causa do amor que tinham para com os santos, e pediu a Deus que lhes desse pleno conhecimento de sua vontade e toda sabedoria e todo entendimento espiritual "a fim de viverdes de modo digno do Senhor para o seu inteiro agrado, frutificando em toda boa obra e crescendo no conhecimento de Deus" (Cl 1.10).
AS MOÇÕES DOS AFETOS
As moções fluidas e inteirantes dos afetos da fé, da esperança e do amor são corroboradas por Paulo quando ele diz aos gálatas: "Porque nós, pelo Espírito, aguardamos a esperança da justiça que provém da fé. Porque, em Cristo Jesus, nem a circuncisão, nem a incircuncisão têm valor algum, mas a fé que atua pelo amor" (GI 5.5,6). Mesmo que apresentem três respectivas moções funcionais – para cima, para dentro e para fora – o coração as processa como um conjunto dinâmico. Jonathan Edwards diz que o amor e a alegria estão na base do exercício da religião como afeições básicas do ser: "Essas afeições não são mais do que os mais vigorosos e sensíveis exercícios da inclinação e da vontade da alma". Ele diz que Deus dotou a nossa alma de duas faculdades: a da percepção e da especulação, pelas quais ela "vê", discerne e julga as coisas – o que ele chama de entendimento. A outra vai além da percepção para a pulsão ou para a repulsão das coisas como ela as entende, ou para a indiferença, quando a alma parece não ser afetada pelas coisas como as entende, mas, de qualquer maneira, "gostando ou desgostando, satisfeita ou insatisfeita, aprovando ou rejeitando". Ainda que Edwards não descreva metodicamente essa dinâmica operacional, ele mostra que a percebe: "Essa faculdade é chamada por diversos nomes; algumas vezes é chamada de inclinação; e, como isso diz respeito às ações que são determinadas e governadas por ela, é também chamada de vontade; e a mente, com respeito aos exercícios dessa faculdade, é, geralmente, chamada de coração".' Recebendo da graça de Deus (comum e especialmente diferenciada), (1) a fé tácita (fé intuitiva), acionada do alto (fé discursiva), processa um movimento primário para cima e uma dupla motivação secundária: (M) uma busca interior por imanência e (I b) outra, exterior, por transcendência. Do mesmo modo, (2) a esperança tem um movimento primário para dentro e uma dupla motivação secundária: (2a) uma busca interior por conhecimento e, (2b) outra, exterior, por significado. Igualmente, (3) o amor tem um movimento primário para fora e uma dupla motivação secundária: (3a) interior, em busca de identidade e, (3b) outra, exterior, em busca de relacionamento .2 Um recém-nascido abre os olhos para um mundo totalmente novo. Tudo está além dele, "ali". Dentro dele há os afetos tácitos que compreendem o espírito humano em conexão com informações genéticas, com as quais ele buscará "solver o caso". Como poderá ele apreender o que quer que seja, se uma fé tácita, dada por Deus, não exercer um movimento para cima, para um significado externo para a significância interior? Portanto, assim é que João recebe
"luz" de Deus para ver a realidade ao seu redor. A revelação de Deus vem a ele em graça (aspecto pistico) e habilita-o a "conhecer". Reconhecerá ele, ou não, o chamado de Deus à verdade? Esse bebê tem um problema crônico: nasceu "ingênuo". Isso não quer dizer que ele tenha nascido inocente, mas que herdou a culpabilidade da raça assim como sua própria tendência para o pecado. Entretanto, porque ele não teve, ainda, tempo de corroborar o pecado de Adão, dizemos que ele tem uma "estultícia ingênua". Estultícia, aqui, significa um conhecimento subjetivo, sem referencial transcendente. Ele não tem, ainda, informações suficien tes nem tem palavras para descrever a experiência de observar o móbile suspenso acima do seu berço e deduzir sua natureza e seu propósito. Ele poderia descrever efetivamente a permanência do móbile, suas cores, suas formas e seus movimentos em associação com o abrir da porta e com a brisa que entra, — e essa seria a sua imaginação sábia. Mas, por outro lado, ele poderia concluir que a presença de sua mãe fosse a causa primária do movimento do móbile, e essa seria sua imaginação estulta. É assim que nós, vindo à luz, exercemos uma fé tácita, sem palavras, induzida pela luz da revelação de Deus, para concluir que ele é o Autor de toda essa estimula nte realidade, ou que nossos olhos abertos sejam seu autor. João, de agora em diante, "saberá" o que deve esperar da realidade exterior: ou um mundo diante de Deus ou um mundo autônomo. Essa esperança determinará seus relacionamentos com o mundo e com as pessoas, tanto sua biocosmovisão quanto sua epistemologia. Uma esperança afetiva que o orientará na expectação do bem e do mal segundo a luz de Deus ou nas trevas de sua verdade pessoal, privada, induzida pelo autoengano. Quando alguém entra no seu quart o e o móbile se move, João poderá concluir que mais uma vez ele foi tocado pelo vento, ou poderá concluir que um de seus pais esteja ali. As moções do coração, como um móbile movido por Deus e pela luz da sua revelação, num movimento de graça, nos induzem aos afetos da fé e da esperança e do amor. Essa graça, a qual é, também, o movimento de Deus na direção do homem a fim de transmitir sua glória para que o reflitamos, é por nós habitada (apreendida e comungada) pela fé, imaginada (assimilada e processada) pela esperança, e finalmente, operada pelo amor. Assim, seguindo uma conclusão sábia (coram Deo, diante de Deus) ou uma conclusão estulta (coram omnibus, diante do homem) é que cremos, construímos e exercitamos os afetos da fé, da esperança e do amor, o qual é a saída de dentro de nós mesmos revelando expressões emocionais e comportamentais por meio do corpo. Isso deveria ocorrer em relação ao conhecimento do outro (Deus primeiro, nosso próximo depois e, após, o mundo), mas, geralmente, ocorre em relação a ídolos e ao extravagante egoísmo da volta para nós mesmos. Essa será a matéria da qual trataremos a seguir.
INTERAÇÃO Por isso, também eu, tendo ouvido a fé que há entre vós no Senhor Jesus e o amor para com todos os santos, não cesso de dar graças por vós, fazendo menção de vós nas minhas orações, para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele, iluminados os olhos do vosso coração, Para saberdes qual é a esperança do seu chamamento, qual a riqueza da glória da sua herança nos santos e qual a suprema grandeza do seu poder para com os que cremos, segundo a eficácia da força do seu poder; o qual exerceu ele em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos e fazendo-o sentar à sua direita tios lugares celestiais, acima de todo principado, e potestade, e poder, e domínio, e de todo nome que se possa referir não só no presente século, mas também no vindouro. E pôs todas as coisas debaixo dos pés e, para ser o cabeça sobre todas as coisas, o deu à igreja, a qual é o seu corpo, a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas. Efésios 1.15-23 Por esta causa, me ponho de joelhos diante do Pai, de quem toma o nome toda ,familia, tanto no céu como sobre a terra, Para que, segundo a riqueza da sua glória, vos conceda que sejais fortalecidos com poder, mediante o seu Espírito no homem interior; e, assim, habite Cristo no vosso coração, pela fé, estando vós arraigados e alicerçados em amor; a fim de poderdes compreender, corar os s a nt os , qual é a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade e conhecer o amor de Cristo, que excede todo entendimento, para que sejais tomados de toda a plenitude de Deus. Efésios 3.14-19
MOVIMENTOS AFETIVOS: HABITAÇÃO, IMAGINAÇÃO E OPERAÇÃO Na última parte da 25 Epístola de Pedro, o apóstolo, preocupado com o dano que homens escarnecedores, os quais andam segundo seus próprios afetos, pudessem causar, procura despertar a mente dos cristãos com lembranças das palavras pregadas pelos profetas antigos e das palavras pre gadas pelos apóstolos sobre o mandamento do Senhor. Para o não-cristão, que habita na terra, todos os seus pressupostos são terrenos e temporais. Sem evidência "fatual" não pode haver crença, dizem. não O Senhor não prometeu que voltaria? Depois de tanto tempo, J a não é hora de perceber a mentira na qual os crentes estão vivendo? – alguns perguntavam maliciosamente. .1
Contudo, as dúvidas dos não-cristã os, caso queiramos habitar com eles, poderão causar danos severos a nós, cristãos, que já habitamos nos lugares celestiais, mas que também continuamos a viver na terra. Não se trata de não viver entre os homens, mas de habitar onde eles habitam.' Na verdade, eles não vivem pelas evidências, mas pela fé na sua própria imaginação. Nós sabemos que não existe "fato bruto", pois tudo é interpretativo. Ou interpretamos segundo a palavra de Deus ou interpretamos segundo nossos próprios pensamentos. E nossos pensamentos não são, de modo algum, insuspeitos, posto que o homem interior é comandado por afetos, e as afeições do homem sem Deus são viciadas pelo pecado e por causa dos efeitos poéticos do pecado, como já vimos (cf. Rm 1.1832). Quanto a nós, não deveríamos andar pelo que vemos, mas ver atra vés dos "óculos" da revelação de Deus e andar de modo digno de Cristo. A operação da mente humana funciona segundo sua consciência. A mente culpada acusa e se defende. A mente cristã crê que o que é visível é apenas aparente, temporal e parcial, e imagina a realidade perceptível segundo a realidade da palavra da vida eterna, plena de esperança. Por isso Pedro disse:
Porque, deliberadamente, esquecem que, de longo tempo, houve céus bem como terra, a qual surgiu da água e através da água pela palavra de Deus, pela qual veio a perecer o mundo daquele tempo, afogado em água. Ora, os céus que agora existem e a terra, pela mesma palavra, têm sido entesourados para fogo, estando reservados para o Dia do Juízo e destruição dos homens ímpios (2Pe 3.5-7).
A imaginação do crente não é "fechada", como dizem os que pensam "por si mesmos", nem sua fé é uma ilusão. Freud também operava por "revelação" – do cliente. Marx imaginou um mundo baseado na síntese hegeliana de um eterno círculo de teseantítese-síntese, ao qual, incongruentemente, ele propunha uma solução de continuidade no futuro inexorável da História – seu socialismo utópico. O pensamento cristão de História e de tempo é mais lato: o tempo não é um fato imutável, e a História pode ser operada – de acordo com a vontade de Deus. "Há, todavia, uma coisa, amados, que não deveis esquecer: que, para o Senhor, um dia é como mil anos, e mil anos, co mo um dia" (v. 8) – Pedro prossegue dizendo (e olhem que ele não conheceu Einstein!) – O Senhor virá!
Eles deveriam aprender da História, pois como o mundo obteve toda essa "sabedoria secular"? Os homens de gênio da nossa história têm conhecido tanto, e feito tanto, e testemunhado tantas maravilhas da invenção humana, que jamais poderão alegar que não conheceram a glória de Deus. Conhecendo a verdade, imaginam meios de se regalar com elas acabando por negá-las em suas próprias mistificações. O resultado é que vivemos num mundo de adultério, de filhos e pais desafeiçoados, enganando e sendo enganados.
– As operações do coração deveriam mostrar o amor de Deus, mas mostram, somente, o resultado de suas imaginações – seria uma aplicação do que Pedro disse.
Além disso, Pedro continua dizendo que tais homens deveriam ser mais gratos, pois a demora do Senhor para cumprir sua promessa se deve à sua longanimidade, pois ele não quer que nenhum pereça "senão que todos cheguem ao arrependimento" (v. 8). O que esses homens sequer ima ginam é que, de fato, "Virá, entretanto, como ladrão, o Dia do Senhor, no qual os céus passarão com estrepitoso estrondo, e os elementos se desfarão abrasados; também a terra e as obras que nela existem serão atingidas" (v. 10). – E dá para acreditar? – poderiam ainda perguntar.
Vejam só quem pergunta! O mundo está preparado para se destruir. Os povos imaginam coisas vãs e alguns governantes da terra conspiram guerras, intentam a fabricação de armas de destruição em massa, enquanto outros dizem paz, paz, quando não há paz – falam de paz mas preferem a guerra – e ainda dizem: "Rompamos os seus laços e sacudamos de nós as suas algemas" (cf. S1 2.1-3). A imaginação dos homens sem Deus é vã, e é vã a imaginação daqueles que os seguem. O verdadeiro crente prossegue esperando pela terra onde habita a justiça, e sendo diligente na espera (gr. speudo, fortalecendo, desejando ardentemente) da vinda do Senhor. Os homens sem Deus, porque somente crêem no que vêem e ou têm uma expectativa romântica ou uma expectativa do mal quanto ao futuro, só não fazem pior porque não conseguem levar até as últimas conseqüências a troca que fizeram – da verdade pela mentira (Rm 1.18). Por causa da fé em que habitamos e da esperança que imaginamos, temos de operar de maneira diferente deles. Por essa razão, pois, amados, esperando estas coisas, empenhai-vos por serdes achados por ele em paz, sem mácula e irrepreensíveis, e tende por salvação a longanimidade de nosso Senhor... Vós, pois, amados, prevenidos como estais de antemão, acautelai-vos; não suceda que, arrastados pelo erro desses insubordinados, descaiais da vossa própria firmeza; antes, crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. A ele seja a glória, tanto agora como no dia eterno (vs. 14-18).
É fácil perceber como esses três dos afetos do coração – fé, esperança e amor , segundo nossa perspectiva, apresentam movimentos característicos – habitação, imaginação e operação. Esses movimentos associados aos afetos são, igualmente, integrantes e interativos. Dooyeweerd diz que, ainda que os tratemos como entidades isoladas, pois eles são partes de um só ser – a totalidade em que repousa a "interioridade" da pessoa – podemos atribuir a esses movimentos manifestações diferenciadas com respeito à intenção dos atos. O ato de –
habitar, o ato de imaginar (relacionado à natureza receptiva/criativa e à memória, mas não apenas) e o ato de operar estão envolvidos na motivação do processo dos afetos e resultam nas expressões emocionais e nos atos do corpo (ato-estrutura do corpo, comportamento, obras).'
ASPECTOS INDIVIDUAIS E MODAIS DOS MOVIMENTOS AFETIVOS Para estudar esses movimentos é preciso que se tenha uma visão da dualidade ontológica, da pluralidade funcional e da unidade compreensiva do ser humano, como dissemos no princípio. Faremos bem se resumirmos aqui algumas afirmações igualmente feitas: Havemos de lembrar que o homem é um ser religioso, uma personalidade analógica, receptivamente criativo e ativamente redentivo. Isso quer dizer que somos teo-referentes (existimos unicamente em referência a Deus), que somos criados à imagem de Deus para refletir seu caráter e que fazemos isso por meio de um comportamento santificado. Aplicando o pensamento do Dr. Dooyeweerd ao nosso estudo, destacamos cinco pontos mestres que norteiam o nosso pensamento. 1. Princípios bíblico-teológicos indicam que o ser humano é uma criatura singular e plural. Em vez de considerar os atos humanos do ponto de vista estritamente psicológico, e tentar dividir o homem em partes quase independentes (por exemplo, id, ego, superego; corpo alma e espírito etc.) como no caso do dualismo corpo e mente,' a Escritura mostra o ser humano em sua totalidade, cujos atos interiores se localizam no corpo como manifestação temporal da alma. Os seres humanos são, portanto, uma totalidade integral de corpo e alma, agindo segundo predeterminadas leis num ambiente de quase ilimitadas (de um ponto de vista humano) possibilidades. 2. A ato-estrutura do corpo abrange todos os aspectos da realidade temporal. Esta é o conjunto
dos afetos do coração em seus movimentos de habitação, imaginação e operação, que age, em suas finalizações, no corpo. Todo ato humano tem lugar no corpo humano, mesmo que em sua origem seja na alma como centro espiritual da existência da pessoa. Não podemos dizer que o corpo pensa, imagina e quer, assim como não podemos dizer que o espírito anda, imagina ou quer. A totalidade do ser humano, como uma unidade integral de corpo e alma, desenvolve esses atos. 3. A ato-estrutura é, em si mesma, não-diferenciada. Ela não se qualifica por nenhum aspecto em particular. Os atos humanos em qualquer de suas direções fundamentais – físico-químico, biótico e psíquico – podem ser qualificados por qualquer um dos movimentos afetivos: habitação, imaginação e operação. No sentido religioso bíblico, esse caráter não-diferenciado dos atos humanos é inseparavelmente conectado à sua função como campo de expressão do espírito humano. Uma vez que o espírito transcende todas as estruturas temporais da vida, ele tem de estar apto a expressar-se em todos os campos da realidade. 4. A ato-estrutura humana é normativa, a despeito de ser não-diferenciada ern relação aos aspectos da realidade, a saber, aritmético, espacial, cinemático, biótico, sensível (psíquico), lógico, analítico, histórico, lingual, social, econômico, estético, judicial, ético-moral e pístico (relativo à fé). Manifesta-se harmonicamente com todas as ato-funções concentradas no ser (o coração, a concentração da vida ativa do ser humano) e manifesta-se, depois, em subordinação hierárquica do substrato inconsciente da vida ativa (fé, esperança e amor) ao superestrato consciente (habitação, imaginação e operação). 5. Emoções ou sentimentos são os resultados da dinâmica dos afetos do homem interior (fé, esperança e amor) em seus movimentos de habitação, imaginação e operação, os quais são expressos por meio do corpo. Elas servem como elementos de avaliação e de homeostase do ato-processo e ajuda na decisão e no comportamento finais. As emoções ou sentimentos são importantes na totalidade do processo, pois, mais do que representarem "um
departamento" do homem interior, como o cognitivo e o volitivo, elas estão ligadas ao corpo e ao centro afetivo, permeando todos os aspectos do corpo e da alma, dos afetos da fé, da esperança e do amor às manifestações da habitação, da imaginação e da operação e até a finalização nos atos do corpo. Um bebê, no berço ainda, já tem uma forma organizacional de atividade mental afetiva, que abrange tanto a parte motora quanto a intelectual. Sem palavras com as quais possa elaborar sobre as suas percepções, ele as processa no conjunto mais geral das emoções (as quais são expressões dos ale tos em seus dados movimentos). Ele não tem, ainda, habilidades críticas para lidar com o conhecimento – nem poderia ter, por causa da estultícia ingênua que caracteriza, nessa idade, o ser humano decaído. Por isso, a partir de suas observações, ele poderá derivar fixações afetivas que o acompanharão por toda a vida. Quando ele vê um móbile sobre seu berço, o primeiro aspecto da realidade que ele experimenta é a visão de um "ovni" (aspecto aritmético, relativo aos cálculos; números, diferenciações e suas interações). Depois, ele percebe que o objeto tem uma projeção espacial (aspecto espacial, relativo às dimensões). Mais tarde descobre que o móbile tem movimentos (aspecto cinemático, relativo ao movimento; forças e direções). Daí apreende que o objeto é real como ele mesmo (aspectofisico, relativo à matéria). Uma análise mais próxima, feita quando já menino, entretanto, demonstra que não se trata de um objeto vivo como ele mesmo (aspecto biótico, relativo à vida, respiração, circulação, digestão, etc.), mas que precisa de uma ação externa que o mova. Há algo aí que mexe com o seu interior (aspecto sensível). A essa altura, ele começa a procurar razões e causas (aspecto analítico: relativo ao conhecimento dos detalhes). Sua mente, então se aplica, com mais afinco, a relacionar o tempo e os acontecimentos como, por exemplo, associando a entrada de pessoas no quarto e o movimento do móbile (aspecto histórico: relativo aos acontecimentos; implica a memória e sua conseqüente identidade cultural). Sua habilidade de comunicação se torna mais preocupada com abstrações (aspecto "lingual " [para diferenciar de lingüístico]; relativo à linguagem; comunicação por meio de símbolos descritivos), podendo perguntar e entender as respostas. Daqui por diante, ele começa a se descobrir igual e diferente das demais pessoas – papai e mamãe são pessoas diferentes e separadas do móbile, por exemplo; (aspecto social; relativo ao conjunto dos indivíduos, agrupamentos, coesões, associações; é quando a individuação saber-se como indivíduo – se opõe à separação ou individualismo).' Perguntas como: Quanto custa um móbile? Quanto vale?, crescem em importância (aspecto econômico: relativo aos valores materiais, convenções financeiras e comerciais). E à medida que amadurece, muda o foco de interesse: Eu gosto? É bonito? (aspecto estético: relativo à beleza; constatação do belo e capacidade criativa artística). Depois, se o amadurecimento prosseguir, ele apreciará o móbile considerando valores mais nobres, como as questões morais: De quem é? Posso dispor dele como quiser? (aspecto jurídico, relativo à moral; determinação de leis que controlam os deveres e direitos de relacionamentos e de atividades); e as questões da aplicação da verdade em amor no trato pessoal: O que significa o móbile para os meus pais? Como posso conservá-lo a fim de valorizar o presente recebido? (aspecto ético: relativo ao relacional; visão do outro quanto ao sere quanto às funções humanas). Assim, observando os aspectos modais mais primários da realidade na observação das coisas da vida, num crescendo até onde lhe permite o desenvolvimento fisico-mental próprio de cada idade, a pessoa conhece parte de si mesmo e parte do mundo ao seu redor.' No modo tácito, como temos visto, a fé é um afeto básico, inato, abrangente, que junto com seus pares, esperança e amor, formam o coração do ser humano. Como também já dissemos, a fé tem um movimento funcional primário para cima, respondente à graça de Deus, e uma dupla motivação secundária: uma interior em busca de imanência e uma externa em busca de transcendência. –
CONHECIMENTO REVELADO A fé expressa a si mesma no conhecimento, como vimos quando tratamos dos afetos tácitos, sob o subtítulo: Conhecimento Pessoal. Esse modo de manifestação da fé, o conhecimento,
também tem esse aspecto tácito. Isso significa que nós, seres humanos, somos dotados por Deus de uma revelação interior (fé intuitiva, relacionada ao aspecto modal sensível) que nos habilita a reconhecer a revelação que Deus faz de si mesmo e da sua obra (fé discursiva, relacionada ao aspecto modal pístico). Nesse sentido, habitação é um conhecimento a priori/a posteriori. É a posteriori porque é revelado (Dt 29.29) e, a priori, porque Deus nos chamou para o seu conhecimento, isto é, à pesquisa e à descoberta do que ele revela. E isso, para a re-criação e redenção das coisas. Mesmo que a Queda tenha desabilitado o homem para o reconhecimento da revelação de Deus e para o seu pleno entendimento, o Espírito Santo ilumina-o a fim de que veja sua própria condição e saiba algo sobre a Criação – e com respeito aos que são chamados para si, Deus acrescenta o conhecimento de Deus e da Criação à luz da Escritura (Ef 1.15-23). Dois sistemas, duas idéias Sobre isso, Van Til diz que o pensamento moderno fala do pensamento humano em termos de sistemas como conceitos ou ideais limitantes. O ideal é ainda o da completa compreensão do homem. O sistema que o cristão busca obter, por contraste, diz ele, deve ser visto como analógico, significando que Deus é o original e o homem, o derivativo. "Deus tem um sistema absolutamente autocontido em si mesmo. Aquilo que acontece na História acontece em concordância com esse sistema ou plano pelo qual ele governa o universo. O homem, como criatura, não pode ter uma réplica desse sistema de Deus. Ele não pode ter uma reprodução desse sistema. Ele deve, portanto, pensar os pensamentos de Deus segundo Deus; isso significa que ele deve, ao buscar a formação do seu próprio sistema, estar constantemente sujeito à autoridade do sistema de Deus na extensão que ele lhe é revelado.` Van Til diz ainda que é importante entender o significado da necessidade de o ser humano ser analogicamente autoconsciente. Os nãocristãos que apresentam sistemas também analógicos dizem que o homem não pode explicar a realidade em si mesma, projetando, assim, a idéia de um deus que o faça e tornando-se dependente desse deus. Isso não pode ser verdade, ele prossegue, pois o deus não-cristão só reflete a sua própria imagem desse Deus. É um Deus que não é autocontido. Desse modo, o homem é o original de Deus, o derivat ivo – o que é o oposto do que o cristão diz a respeito de o homem ser analógico. Van Til diz também que, sem Deus, e trocando a hermenêutica de Deus sobre a realidade pela sua própria interpr etação, o homem se tornou escravo do "falso ideal de conhecimento" e do "falso ideal de absoluta compreensão do conhecimento".' Contudo, o Espírito Santo ilumina aqueles que estão em trevas, convencendo-os da culpa do pecado, da justiça e do juízo (veja Jo 16.7-11), e ilumina o salvo para o conhecimento da glória de Deus na face de Cristo (2Co 4.6). De acordo com o apóstolo João, a Palavra de Deus, que é Luz e Vida, fez-se carne para iluminação de todo homem: daqueles que são capacitados a refletir o brilho de sua glória e daqueles que não o podem fazer (Jo 1.1-18). Essa Palavra, Luz e Vida de Deus, manifestação exata de sua glória e de sua graça, é a Fonte da luz de todo conhecimento que ilumina o coração do homem e torna viva a sua fé. Vocação para o conhecimento A Escritura põe o conhecimento como o ponto focal da existência – primeiro o conhecimento de Deus e, depois, o conhecimento de sua obra e seu propósito. Por ponto focal entende-se o objeto primário da atenção a que algo secundário focaliza. A criação de seres
humanos segundo a imagem de Deus chama o homem ao conhecimento. É um mandato à adoração e à guarda dos seus mandamentos e promessas, assim como um chamado à ciência (verdadeira) e ao domínio da criação (Gn 1.26,28-30; 2.19,20).
O termo A primeira menção do termo conhecimento no Antigo Testamento está em Gênesis 2.9, em que Deus é dito ter colocado árvores especiais no Jardim no Éden: a árvore do conhecimento do bem e do mal e a árvore da vida. O termo, cujo significado inclui inteligência, entendimento, sabedoria, perspicácia, percepção sensorial, insight (hb DaMh, de yâda, sinônimo de nakar [apreensão, reconhecimento, rejeição, escrutínio, observa ção, estudo, Jó 7.10; Rt 2.19.] e biyn [discernimento, atenção, observação, inteligência, percepção, instrução, ensino, Pv 28.5.]), é usado aqui com o sentido de consciência, causar conhecimento e conhecimento moral. A isso é que chamo de habitação. A Vulgata Latina traduz esse termo como scientia. Ele pode descrever tanto o conhecimento pessoal quanto o saber fazer ou discernir alguma coisa (Pv 24.5; Êx 31.3; SI 119.66.). A conotação de conhecer algo ou alguém, ou de se dar a conhecer, e a de revelação, podem ser vistas em Jó 38-42, onde os argumentos de Deus deixam clara a idéia do conhecimento de Deus como essencial ao conhecimento do mundo e do homem. Sua associação com a sabedoria do temor do Senhor contrasta com a estultícia do temor de homens (veja Pv 1.7; 9.10). O conhecimento do Santo (teo-referência) é sabedoria; o conhecimento segundo o próprio coração é auto-engano (teomania) (Jr 9.23,24). No Novo Testamento, a primeira menção do ter mo está em Mateus 1.25, significando relação sexual. Em Lucas 1.77 o termo é usado com o sentido de conhecimento experimental (gr. gnosis, de ginosko). Dá a idéia de conhecimento presente e fragmentário em contraste com o conhecimento claro e exato do termo usado em 2 Pedro 1.2,3,8 (gr. epignosos). O apóstolo Paulo usa freqüentemente este último sentido para descrever um conhecimento que tem grande participação do observador no objeto observado. Tem a idéia de conhecimento religioso e de um conhecimento que apela à t,' mpatia pessoal e que exerce influência no homem interior e em seus relacionamentos éticos (afeição, fé, conhecimento, comportamento [Ef 1.17; 4.13; Cl 1.9,10; 2.2; 1Tm 2.4; 2Tm 2.25; 3.7; Tt 1.1; Hb 10.26; 2Pe 2.20; Cl 2.20; 3.10; Fp 1.9.]). Em texto tais como Romanos 16.26 e Efésios 3.3,5, 10 (ver ainda Ef 6.19; Cl 1.27; Rm 9.22,23 e Jo 15.15; 17.26) o termo conhecimento (gr. gnorizo) é usado para transmitir as idéias de coisas divinamente ordenadas, da demonstração do poder de Deus e da obra de Deus revelada em Jesus Cristo. Em Atos 1.24 e 15.8 (gr. gnostes) o termo é usado como conhecimento de coração. Em Romanos 1.19 (gr. to gnoston) o termo significa o conhecimento de Deus, isto é, o conhecimento que o homem tem de Deus e, diante dele, de todas as coisas.
Cosmovisão A diferença que o conhecimento da fé teo-referente faz na epistemologia e c na biocosmovisão é determinantemente moral e ética. Escritura diz que sem fé é impossível agradara Deus, pois é necessário que aqueles que o buscam creiam que ele existe e que responde ao homem (Hb 11.6). O conhecimento de Deus e de sua obra e seu propósito (aspecto pístico) e o movimento efetivo da fé que se manifesta em conhecimento determinam uma direção
ética. Todos os atos humanos giram em tomo de um eixo ético/relacional cujo ponto de referência é Deus. Isso significa que todo conhecimento refere-se a Deus e tem um ou mais indivíduos entrelaçados num relacionamento ético. James W. Sire pergunta: "O que é uma cosmovisão"? E responde: "É a visão de universos moldados por palavras e conceitos que operam juntos para prover um sistema referencial para pensamentos e ações". "O que, então, é essa coisa chamada cosmovisã o que é tão importante a todos nós?", ele pergunta de novo. E novamente responde: "Essencialmente, uma cosmovisão é um conjunto de pressuposições (suposições que podem ser verdadeiras, parcialmente verdadeiras ou inteiramente falsas) que mantemos (cônscia ou subconscientemente, consistente ou inconsistente) sobre a composição do nosso mundo".' A despeito de suas diferenças de conseqüências drásticas a respeito do pensamento transcendental, Cornelius Van Til e Herman Dooyeweerd concordaram com a afirmação de que toda criação tem de ser vista como analógica, isto é, criada por Deus de conformidade consigo mesmo e trazendo sua glória nela impressa. O conhecimento que o homem tem de Deus e o conhecimento que o homem tem do homem são, de fato, e nessa ordem, a mesma coisa. Todas a obra de Deus foi planejada, o que implica que ele fez uma hermenêutica da criação antes de começar a criá-la. Hermenêutica da hermenêutica de Deus Os seres humanos, portanto, sendo analógicos, são seres religiosos – isto é, eles têm sua origem em Deus e só podem encontrar imanência e transcendência nele. O homem foi criado com a tendência e a habilidade de fazer a hermenêutica da hermenêutica de Deus – em geral, na natureza e, especificamente, na Palavra Escrita e na Palavra Viva. Ele tende a conhecer Deus, mesmo que em pecado ele demonstre isso por meio da rebelião contra esse conhecimento. Por isso caracterizamos o homem como um ser religioso, receptivamente criativo e ativamente redentivo. O coração humano é receptivo à graça de Deus (ou, para o não-salvo, "rejeita(tivo)") – a qual manifesta sua glória na natureza e na consciência humana, e na Escritura e em Jesus Cristo – agindo criativamente na busca do conhecimento. HAB ITAÇÃO Dois discípulos de João que um dia seguiram a Jesus, dos quais um era André, irmão de Pedro, perguntaram a Jesus: "Rabi (que quer dizer Mes tre), onde assistes [habitas]?", a que Jesus respondeu "Vinde e vede", e os conduziu ao lugar onde morava (Jo 1.35-40). O lugar de habitação de uma pessoa é elemento importante para a avaliação de sua própria identidade. É comum que as pessoas se identifiquem pela sua naturalidade, como nazareno, romano, etc., na Bíblia; e paulista, carioca, entre nós, assim como pela profissão (boieiro, latoeiro, advogado, engenheiro) ou pela condição (eremita, patrão). Mas nenhuma dessas designações distingue tanto a identidade da pessoa quanto o lugar de sua habitação. É o lugar onde conhecemos seus gostos e suas preferências, seus bens, seus relacionamentos pessoais mais próximos e seu descanso. A habitação é o lugar onde depositamos a nossa fé. Pela fé, Noé, divinamente instruído acerca de acontecimentos que ainda não se viam e sendo temente a Deus, aparelhou uma arca para a salvação de sua casa; pela qual condenou o mundo e se tornou herdeiro da justiça que vem da fé. Pela fé, Abraão, quando chamado, obedeceu, a fim de ir para um lugar que devia receber por herança; e partiu sem saber aonde ia. Pela fé, peregrinou na terra da promessa como em terra alheia, habi tando em ten das com Isaque e Jacó, herdeiros com ele da mesma promessa; porque aguardava a cidade que tem fundamentos, da qual Deus é o arquiteto e edificador... Todos estes morreram na fé, sem ter
obtido as promessas; vendo-as, porém, de longe, e saudando-as, e confessando que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra. Porque os que falam desse modo manifestam estar procurando uma pátria. E, se, na verdade, se lembrassem daquela de onde saíram, teriam oportunidade de voltar. Mas, agora, aspiram a uma pátria superior, isto é, celestial. Por isso, Deus não se envergonha deles, de ser chamado o seu Deus, porquanto lhes preparou uma cidade (Hb 11.7-10; 13-16).
O termo
O termo habitação, aqui, compreende toda aquela nuance do conhecimento. Ele é totalmente baseado na doutrina bíblica da revelação. Especialmente, ele se refere ao encontro da graça de Deus pela fé, ou à rebelião contra o conhecimento de Deus e o conseqüente encontro de sua ira, também pela fé (Rm 1.18). O termo habitação, entre muitos outros vocábulos diferentes e com diferentes conotações, é usado na Escritura também para descrever uma presença relacional: de Deus no meio do seu povo, dos homens na presença de Deus, da sabedoria com a prudência (hb. shaken, "fazer tabernáculo", Ex 25.8; SI 15.1; Pv 8.12), do marido com a esposa (hb. zabal Gn 30.3); de Deus em Cristo entre nós, da plenitude da Divindade em Cristo (gr. skenoo, Jo 1.14; Cl 1.19; 2.9); do Espírito Santo no crente, da Palavra em nós, e da fé no coração; (gr. enoikeo, Rm 8.11; C13.16; 2Tm 1.5); do amor e da verdade no coração (gr. histemi, Jo 8.44; gr. meno, 1 J 4.15,16; 2,10 2); também é usado para descrever a comunhão com Deus e com os irmãos em Cristo (gr. meno, Jo 14-16). Paulo usa o termo para se referir ao pecado, ao bem e sobre habitar na luz (Rm 7.17,18; 1Tm 6.16). Proclamação natural
O que há para ser "descoberto" atrai a mente à qual se revela. É como se a natureza clamasse para ser descoberta e interpretada "inflamando o cien tinta com desejo criativo e concedendo-lhe um conhecimento prévio dela mesma; guiando-o de indicação em indicação e de surpresa em surpresa".' Conforme o entendimento cristão, de fato, a natureza clama para ser descoberta e interpretada, pois ela revela a glória de Deus aos homens e aos homens foi feito o chamado para conhecê-la e interpretá-la segundo sua revelação: "Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos. Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite .... Admiráveis são os teus testemunhos; por isso, a minha alma os observa. A revelação das tuas palavras esclarece e dá entendimento aos simples. Abro a boca e aspiro, porque anelo os teus mandamentos" (SI 19.1,2 e 119.129-131). Graça
Habitação, pois, é o encontro do movimento da graça de Deus com a fé humana que produz o conhecimento da verdade revelada em Jesus Cristo. O prólogo do Evangelho de João é o texto bíblico em que isso aparece da maneira mais clara. Primeiro, ele apresenta os fatos da fé: "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez. A vida estava nele e a vida era a luz dos homens. A luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram contra ela". O Verbo que era Deus, distinto de Deus e em plena comunhão com ele, era, já no princípio dos tempos, eterno e efetivo como causa e meio da Criação, n'ele habitando a vida e a revelação.
Em segundo lugar, apresenta a revelação geral e específica: "Houve um homem enviado por Deus cujo nome era João. Este veio como testemunha para que testificasse a respeito da luz, a fim de todos virem a crer por intermédio dele. Ele não era a luz, mas veio para que testificasse da luz, a saber, a verdadeira luz, que, vinda ao mundo, ilumina a todo homem. O Verbo estava no mundo, o mundo foi feito por intermédio dele, mas o mundo não o conheceu. Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que crêem no seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do ho mem, mas de Deus" (Jo 1.6-13). A vida e a própria Criação refletem a presença e a comunhão de Deus de maneira que nem as trevas (Queda) podem escondê-la; além do reflexo da glória de Deus na natureza, há a pregação da Palavra de Deus testemunhando aos homens a respeito da revelação daquele que existia antes da criação do mundo, que criou o mundo e que o sustém, Cristo, ao qual o mundo em geral não o recebeu senão aqueles que, recebendo-o, foram adotados (outra idéia de habita ção) por Deus, por sua única e expressa vontade. Em terceiro lugar, apresenta a revelação pessoal: "E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai. João testemunha a respeito dele e exclama: Este é o de quem eu disse: o que vem depois de mim tem, contudo, a primazia, porquanto já existia antes de mim. Porque todos nós temos recebido da sua plenitude e graça sobre graça. Porque a lei foi dada por intermédio de Moisés; a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo. Ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigênito, que está no seio do Pai, é quem o revelou" (Jo 1.1-18). A construção do verso 14 parece irregular até que o vejamos como um arremate da idéia do verso 1: "No princípio era o Verbo... E o Verbo se fez carne... E o Verbo estava com Deus... E habitou entre nós cheio de graça e de verdade... E o Verbo era Deus... E vimos sua glória, glória como do unigênito do Pai". Como diz Brooke Fiss Westcott: "A encarnação pressupõe e interpreta a Criação e a história do homem, e da relação do homem com Deus".' Habitação, portanto, é o encontro do homem (fé intuitiva, incutida pela graça comum de Deus) com o conhecimento de Deus, sua Pessoa e seu propósito e com o conhecimento de sua obra, isto é, da criação e da criatura humana (fé discursiva, revelacional). Nesse aspecto, a habitação é tácita, inicialmente formada sem palavras e, então, verbalizadas como proposições de uma biocosmovisão.
Polanyi conclui que é impossível que a experiência objetiva leve a qualquer decisão entre uma interpretação mágica da vida diária e a naturalista, ou entre a interpretação cientifica da natureza e a teológica. Essa decisão só será encontrada num processo de arbítrio no qual as formas alternativas de satisfação mental sejam avaliadas e elaboradas. Há sempre um resíduo de julgamento pessoal nas decisões. Assim, as proposições habitam em conjecturas, em suposições, sejam elas científicas ou pessoais. As ciências se baseiam em dados coletados a partir da observação do universo de uma perspectiva já assumida "pela fé" e na análise desses dados segundo as mesmas pressuposições. Nenhum cientista se assenta frente à sua bancada e pensa: vou perguntar algo novo e descobrir alguma coisa nova; ele pressupõe que poderá reconhecer a resposta para a questão que, inteligent emente, formul ou. Por isso Polanyi diz: "Esse process o de conjectura, de suposição envolve a avaliação das habilidades próprias, mas não totalmente descobertas, de uma pessoa jovem, e de um material, ainda não-coletado ou mesmo não-observado, ao qual ela possa mais tarde, com sucesso, aplicar suas habilidades. Envolve o senso de dons escondidos na pessoa e em fatos escondidos na natureza, dos quais, em combinação, brotam
um dia idéias que a orientam à descoberta".' Ainda que não distinguisse uma revelação especial, Polanyi esclareceu sobre essa habitação em termos de humanidade. Ele argumenta que todo conhecimento é conhecimento pessoal — o que ele quer que seja entendido como participação por meio de uma habitação. Indo ainda mais fundo, ele diz que nosso conhecimento pessoal opera por uma expressão de nossa pessoa dentro de uma consciência subsidiária de particulares somada à nossa atenção a uma totalidade. Nenhuma ilustração poderá jamais alcançar todos as perspectivas daquilo que é figurado, como gostaríamos de proceder com o argumento de Polanyi, mas é possível que se tenha uma visão ampla para compreender o que ele diz. Um grupo de comentaristas esportivos discutia sobre as capacidades e habilidades de alguns atletas, quando um deles saiu com uma observação: dois dos maiores atletas mundiais, um futebolista brasileiro e um jogador de basquete e de beisebol, tinham ambos uma característica comum: além da acuidade da visão, os seus olhos estavam dispostos de maneira a permitir uma visão periférica maior do que o normal, o que lhes dava possibilidade de focalizar uma dada jogada e de, ao mesmo tempo, atentar ao que acontecia ao redor. Essa maneira de viver nas partes resulta na nossa avaliação crítica de sua coerência. Somente será possível avaliar outras pessoas, entendê-las como pessoas e fazer sentido do que elas dizem se habitarmos com elas, isto é, se avaliarmos seu ponto de vista identificando-nos com sua integração inteligente das partes. É assim que procedemos quando lemos um mapa, quando pregamos um prego ou andamos no escuro com a ajuda de uma bengala. Observamos a coerência de coisas vivas por meio da integração dos seus movimentos, assim como observamos as mudanças normais que ocorram em suas partes, dentro de nossa própria compreensão de suas funções. Polanyi prossegue, "Integramos mentalmente aquilo que outros seres vivos integram praticamente, como um jogador de xadrez ensaia o jogo de um mestre a fim de descobrir o que ele tem em mente. Compartilhamos o propósito de uma mente por meio da habitação nas suas ações. E assim, geralmente, nós também compartilhamos os propósitos ou funções de qualquer coisa viva por meio da habitação em seus movimentos em nossos esforços para entender seu significado".'
Uma pessoa, baseada nas observações de seu ser interior e do mundo exterior – percepção de si mesma e percepção da realidade criada – formulará proposições, umas verdadeiras e outras falsas, com as quais habitará. Estará recriando seu mundo interior e exterior para habitar nele. Ela passa, primeiro, por um estágio de desenvolvimento que poderíamos chamar de estultícia aprendida. Poderá, pela graça comum, aprender com sabedoria (isto é, o temor do Senhor, veja Pv 1.7). Nesse estágio é que ela estabelece os valores básicos da vida sobre os quais irá construir seu mundo. Por exemplo: Quem causa o movimento do móbile? Sem palavras, as imagens a ajudam a construir uma resposta: "Possivelmente minha mãe quando entra no quarto para me amamentar, ou meu pai quando vem brincar comigo". Sequer passa-lhe pela mente que o vento que entra a cada vez que a porta é aberta seja a causa do movimento do móbile, pois isso está distante dele – transcende à sua experiência ora centrada nela mesma. "Certamente, grande é o poder dos meus pais." Falta-lhe, além das habilidades que virão com o amadurecimento físico/mental, um referencial externo e uma revelação a fim de que ela possa concatenar as partes e compreender substancialmente a totalidade da realidade com a qual está em contato.
IMAGINAÇÃO
O Salmo 107 contém cinco situações descritivas dos processos humanos de se lidar com o tema da habitação. Cada uma delas começa com uma declaração de fé na bondade do Senhor. Mas não é assim que a imaginação humana começa sua caminhada para a habitação de Deus. "Digam-no os remidos do Senhor, os que ele resgatou da mão do inimigo". Desejando ando achar lugar em que habitassem, imaginaram que o encontrariam no deserto, e vagaram por ermos caminhos "sem achar cidade em que habitassem". Já estavam sedentos, famintos e de almas desfalecidas quando se lembraram da habitação no Senhor: "Então, na sua angústia, clamaram ao Senhor, e ele os livrou das suas tribulações. Conduziu-os pelo caminho direito, para que fossem à cidade em que habitassem" (vs. 2-7). Deus é bom! Digam-no os que estiveram assentados "nas trevas e nas sombras da morte, presos em aflição e em ferros, por se terem rebelado contra a palavra de Deus e haverem desprezado o conselho do Altíssimo, de modo que lhes abateu com trabalhos o coração — caíram, e não houve quem os socorresse". Quando clamaram ao Senhor, ele os libertou da habitação da servidão (vs. 10-13). Deus é bom! Digam-no os estultos, os quais imaginam coisas vãs para se estribar e, "por causa do seu caminho de transgressão e por causa das suas iniqüidades, serão afligidos". Passam a se aborrecer até daquilo que comem, tão insatisfeitos estão com a vida — e em última instância, com Deus. Quando, porém, lembram-se do Senhor, ele os livra da insatisfação mortal e, pela sua palavra, os sara (vs. 17-20). Deus é bom! Digam-no os viajantes e os comerciantes, os quais vêem as maravilhas de Deus nas águas que singram, ouvem sua voz no vento e na tempestade, mas imaginam que sua "habitação" esteja no poder das riquezas que mercadejam e acabam ébrios sem tino. Somente quando se lembram do Senhor é que têm suas tempestades acalmadas, experimentam a bonança e são levados a habitar em desejável porto seguro (vs. 2130). Deus é bom! Digam-no todo o povo e seus líderes, os que conheceram as agruras da vida, que viram rios sendo transformados em desertos e mananciais em terra seca, mas que viram, também, a ação do bondoso Deus que resgata os rios e as terras para aí os estabelecer. Deus lhes edifica uma cidade em que habitem, para que semeiem e colham; abençoa-os para que produzam muito e o seu gado aumente. Eles poderão vir a sofrer as adversidades que sobrevêm a todos os homens e a opressão que os homens exercem uns sobre os outros, mas Deus providencia uma "habitação" segura e próspera diante da qual se cala a boca dos ímpios e se toma evidente, para nós, a imaginação dos seus caminhos sem rumo (vs. 31-42). Quem é sábio atente à bondade do Senhor! (v. 43).
O termo
Tal como a fê se movimenta para habitação do conhecimento de Deus (Riu, 1. 19,20), assim também a esperança se movimenta para a imaginação da realidade. A Bíblia confirma isso por meio de Paulo quando ele diz aos romanos que "a esperança que se vê não é esperança" (Rm 8.24b). É sobre a fé que o apóstolo fala em Romanos 4.18 acerca da esperança de Abraão que o tornou pai de muitas nações: "Abraão, esperando contra a esperança, creu, para vir a ser pai de muitas nações, segundo lhe fora dito: Assim será a tua descendência". Em Gênesis 15.6, onde é dito que "Abraão creu no Senhor e isso lhe foi imputado para justiça", o verbo imputar (hb. chaâshab), significa "dizer como", "proferir julgamento" (veja Rm 4.3) e, também, "mediar" e "inventar", trazendo o sentido de usar a mente numa atividade criativa e no processo de idéias, como no caso da imaginação artística (veja Êx 31.4; 35.32,35) ou militar (Lv 25.27,50,52; 27.18,23). Outra palavra traduzida como imaginação em algumas versões da Bíblia traz o sentido de murmurar, planejar, unir-se em conluio, ruminar, vislumbre e insight (hb. hagah). É o termo usado no Salmo 1.2 como meditação e no Salmo 2.1 como imaginação. Na citação desde
último, em Atos 4.25, a palavra grega é meteleo, significando presumir, revolver na mente, imaginar. Em Provérbios 23.7, em que é dito que como o homem imagina no seu coração, assim ele é, a palavra usada significa dividir, discernir, abrir e, figuradamente, pensar avaliar, estimar (hb. sha'ar). O conceito geral é de um processo criativo do conhecimento no sentido de formação e planejamento, intenção (hb. yetzer, Gn 6.5; 8.21), pensamento elaborado (hb. nachshebeth, Pv 6.18), ou arrazoar (gr. dialogismos e logismos, Rm 1.21 e 1Co 10.5), ou mente (gr. dianoia, Lc 2.51).
RECEPTIVAMENTE CRIATIVOS E ATIVAMENTE REDENTIVOS Somos criados receptivamente criativos (habitação) e ativamente redentivos (imaginação). A Escritura revela que nós experimentamos o mundo a partir das afeições do coração – fé, esperança e amor e que essas afeições se expressam por meio da habitação no conhecimento, da imaginação desse mesmo conhecimento e da operação do conhecimento. Assim, a fé, que inclui crença s e valores, e a esperança, que inclui os modos formais para a solução de problemas, propõem-nos uma base paradigmática motivacional para os atos humanos. –
Esse ponto de partida paradigmático nos oferece uma definição da experiência humana quanto à elaboração do conhecimento. A principal motivação dos seres humanos reside no coração com seus afetos em relação a Deus, quer sob sua graça quer sob sua ira. Assim, a imaginação, vista biblicamente, é holística, molar (como oposto a molecular), objetiva/subjetiva, genética/tácita e socialmente condicionada, cognitiva, volitiva e emocional. Gestalt
Baseada nessa proposta, a abstração funcional da Gestalt nos ajuda na compreensão de como a imaginação processa a experiência do conhecimento. Polanyi sugeriu "que o processo da descoberta é paralelo ao reconhecimento de forma tal como analisado pela psicologia da Gestalt".' A teoria da Gestalt oferecerá um excelente ponto de partida para a compre ensão dos atos humanos, se adicionarmos a ela o entendimento da definição do homem religioso. Segundo Max Wertheimer (1880-1942), em estudos feitos em cooperação com Wolfgang Kõler (1887-1967) e Kurt Koffka (1886-1941), a experiência fenomenológica resulta numa experiência sensorial que não pode ser entendida pela análise dos componentes da experiência. Isso significa que a experiência fenomenológica é diferente da experiência das partes que a compõem. Gestalt é a palavra alemã para configuração ou reorganização, próxima do termo bíblico para imaginação. Isadore From e Michael Vincent Miller escrevem: "A filosofia fenomenológica, como a psicologia acadêmica da Gestalt de Wertheimer, Kõhler e Koffka, à qual se relaciona sob certos aspectos, ocupa-se principalmente de problemas de percepção e cognição".2 Certamente, não fechamos aqui com a totalidade da proposta da Gestalt, mas acolhemos alguns dos seus maravilhosos insights. Por exemplo, enquanto a Gestalt diz que nós experimentamos o mundo por meio de totalidades significantes, a Escritura diz que nós experimentamos o mundo ou diante de Deus ou contra ele. Nem nos referimos aqui à Gestalt-terapia na sua totalidade, pois, como terapia, ela se alinha com a psicoterapia freudiana quer seja como descendente quer seja como dissidente dela. Como dizem Isadore From e Michael Vincent Miller:
Todo método de psicoterapia pressupõe, quer o deixe explícito ou não, uma visão do desenvolvimento humano. Enquanto a psicanálise estimula o paciente a regredir e reintroduz a introjeção através da interpretação, uma abordagem muito diferente surge da alegação de Perls de que a capacidade de autodeterminação e de apoio a si próprio desenvolve-se cedo. Da maneira como se desenvolveu posteriormente, a Gestalt-terapia não jogou fora a interpretação – todos os terapeutas fazem interpretações – mas sim ofereceu também experimentos que capacitam os pacientes a descobrir por si próprios... Em outros aspectos, ego, ira e agressão [Perls] não se desviou muito do campo psicanalítico, particularmente num ponto fundamental: a despeito de sua crítica da ênfase de Freud no instinto sexual e sua referência à dialética hegeliana, Marx, para alguns poucos neo-hegelianos e nietzchenianos menores, psicólogos da Gestalt (não da Gestalt-terapia) e outros pensadores holistas, a Gestalt promoveu uma visão da natureza humana que ainda colocava o indivíduo encapsulado no seu centro... A Gestalt-terapia, levada a sério, não oferece uma cura para todos os problemas de que os seres humanos são vítimas pelo simples fato de herdar a condição humana. Não oferece nenhuma passagem de volta pelos portões do Éden. Mas, como outrora prometia a psicanálise, pode ajudar-nos a viver melhor num mundo decadente? Nessas declarações se percebe a diferença crucial entre a proposta da Gestalt-terapia e a nossa: nós cremos que Deus é o centro referencial de todas as coisas, que o homem é análogo a ele e dependente dele e que, sendo o homem decadente junto com o universo por causa do pecado, só a redenção em Cristo Jesus pode oferecer-lhe salvação, além de uma visão correta de Deus, do homem e do mundo. Uma pesquisa bíblica mostrará que a imaginação humana experiencia o conhecimento por meio de campos de referência e de perspectivas. Esses campos podem ser definidos como sistemas inter-relacionados em que qualquer parte influencia cada parte do todo. Qualquer coisa que ocorra com a pessoa reflete na totalidade do seu ser e dos seus relacionamentos. Assim, segundo a Gestalt, a mente humana elabora o conhecimento de modo holístico (em vez de atomístico, reducionista e elementar), molar (em vez de molecular), subjetivo (em vez de objetivo), ativo (em vez de empírico) e cognitivo (em vez de apenas comportamental). Se compararmos isso com o que diz Thomas Kuhn, historiador da ciência, e com alguns resgates das definições da Gestalt, teremos uma boa aproximação do pensamento bíblico sobre o funcionamento da imaginação. Kuhn diz que o conhecimento científico é altamente paradigmático — tanto como "inteiras constelações de crenças" quanto como "solução de problemas " que oferecem dados para novas pesquisas. Insights
Expressões como "perspectivas", "campos de visão", "pontos de vistas" se referem, quaisquer que sejam as aproximações, às diferenças naquilo que as pessoas vêem. Vem S. Poythress diz que essas diferenças são úteis. Claramente, a questão de perspectivas é importante para uma com preensão teológica do mundo e das pessoas. Duas pessoas poderão estar interessadas em diferentes coisas, e assim, notarão diferentes aspectos no mesmo objeto. No aconselhamento, pastores e conselheiros leigos encontram seus aconselhados lidando com problemas que envolvem perspectivas, e freqüentemente, eles mesmos, no ambiente do aconselhamento, têm de prestar atenção, simultaneamente, às informações comunicadas ver balmente e às aureolares (isto é, percebidas como uma auréola).' A pintura de Salvador Dali apresenta diversos exemplos de perspectivas, entre eles, por exemplo, o "Busto de Voltaire" ou "Freiras no Mercado".
Essas perspectivas, às vezes, aparecem como insights, palavra inglesa que porta o sentido de olhar profundamente dentro de uma matéria, situação ou pessoa para apreender a verdadeira natureza daquilo que é observado. Adams usa a palavra para significar, mais do que o entendimento dessa profundidade, a qual pode ou não estar presente, o entendimento daquilo que é verdadeiro e completo. Algumas vezes, ele diz, a palavra é usada com o sentido de "clarões" de compreensão. Ele prefere dizer que esses "clarões" correspondem a "fundos" de cenários aparentemente imperceptíveis, associando o termo insight aos termos bíblicos conhecimen to, sabedoria e entendimento, ou seja, conhecimento e interpretação adequados dos fatos de modo verdadeiro e completo.' O que chamamos aqui de imaginação é o processo pelo qual a afeição interior da fé (fé tácita) afeta o conhecimento do mundo exterior (habitação) e traduz isso em experiências afetivas de significância e de experiências conscientes dos atos humanos dentro de seu ambiente (diante de Deus ou autonomamente). A esperança, por sua vez, processa os dados do conhecimento por meio da imaginação desse mesmo ambiente, a fim de alcançar compreensão de imanência e de transcendência. A imaginação acomoda as experiências da vida ao paradigma da habitação de modo a proteger a fé e corroborara esperança. É claro que, se a fé habita na graça revelada de Deus, a esperança estará garantida por uma imaginação receptivamente criativa coram Deo. Se, contudo, a fé habita só na vastidão da presente realidade, então a esperança será frustrada, cedo ou tarde, por uma imaginação receptivamente criativa coram omnibus. "Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens" (1Co 15.19). Para a Gestalt, o aprendizado é um fenômeno cognitivo no qual o organismo "vem a ver" (insight) a solução depois de considerar um problema. De acordo com a Escritura, o aprendizado é uma resposta ao movimento gracioso de Deus (revelação) na direção do homem para manifestação da sua glória. A alma huma na foi, origina lmente, impregnada do conhecimento de Deus, da sua obra e do seu propósito. Há no coração humano um chamado para o conhecimento. Por isso é que dizemos que o aprendizado é, primariamente, uma experiência afetiva (fé, esperança e amor) e, secundariamente, cognitiva, imaginativa e operacional, emotivamente equilibrada. Assim, permanece a tese de que o homem é um ser religioso receptivamente criativo e ativamente redentivo.
DUAS PERSPECTIVAS BÁSICAS DIFERENTES Neste ponto, a diferença básica entre as duas perspectivas (diante de Deus e diante o homem) é mais evidente. Essas diferenças estão no coração, como diz Jeremias: "Bendito o homem que confia no Senhor e cuja esperança é o Senhor... Maldito o homem que confia no homem, faz da carne mortal o seu braço e aparta o seu coração do Senhor... Enganoso é o coração., mais do que todas as coisas e desesperadamente corrupto; quem o conhecerá?... Eu, o Senhor, provo o coração e esquadrinho os pensamentos..." (Jr 17.7,5,9). Deus conhece o coração do homem, sua mente, seu espírito, e, mesmo de modo enganoso, o homem pode conhecer seu próprio interior – entretanto, aqueles que são redimidos por Deus têm a mente de Cristo (1Co 2.10-16). A inclinação do coração influencia as perspectivas e a reorganização da realidade a fim de se desculpar das afeições básicas pecaminosas e seus conflitos manifestos por meio de acusações e de mecanismos de defesa em sua própria consciência (Rm 2.14,15). Vern S. Poythress diz que o que vemos e o que parecem ser os passos mais elementares do conhecimento, ou informação que provê a base para o conhecimento, são coisas que, até certo ponto, estão já organizadas e, desse modo, condicionadas pelo pano de fundo da nossa educação
e experiência.6 Kuhn,' diz Poytress, exemplifica isso em dois experimentos que demonstram que a pessoa submetida a certas perspectivas finda por acomodar sua percepção a uma dada coisa. Em outro lugar, Poythress também diz: Finalmente, observe que todo conhecimento humano, qualquer que seja, é analogicamente relacionado ao conhecimento de Deus. Somos criados à imagem de Deus, o que implica que nosso conhecimento é uma imagem do conhecimento de Deus. Além disso, eu diria que todo crescimento em conhecimento explora a analogia de uma forma ou de outra. Nós lemos relacionando o que é novo com o que é velho. As leis gerais da gravitação são aprendidas por meio do seu relacionamento analógico com casos de teste como uma maçã caindo. O entendimento geral de células biológicas é auxiliado pelo uso de analogia com uma fábrica. A compreensão geral da experiência humana é adquirida pela transposição analógica de nossa própria experiência para a história das experiências de outras pessoas. O uso de perspectivas é uma maneira de se tornar autoconsciente e decidido sobre o uso de analogias, e uma promessa de um modo sistemático de se avançar no conhecimento.' A Escritura diz que não devemos fixar nossos olhos naquilo que é aparente, mas naquilo que não se vê e que, contudo sabemos que existe por causa da luz de Deus (2Co 4.16-18), e diz também que temos de anda r pela fé e não pelo que vemos (2Co 5.7). Isso significa que as afeições do coração têm de focalizar o que é eterno a fim de que o conhecimento seja confiável e a esperança seja possível. Mesmo quando a Bíblia se refere à fé como esperança contra o impossível, ela o faz com respeito ao que parece impossível para o homem, mas que é possível para Deus (Lc 18.27). É na direção dessa possibilidade invisível de Deus que devemos tornar nossos olhos, certos de que aquele que fez a promessa é fiel à sua própria Palavra (Hb 11). Idolatria
É importante observar o que foi já dito sobre o entendimento da realidade: o homem natural, sem Deus, faz sua própria hermenêutica da realidade a partir de suas próprias perspectivas e percepções, enquanto o homem espiritual, redimido por Cristo, faz sua hermenêutica da realidade considerando a hermenêutica de Deus na sua revelação. Bronowski diz que a palavra "ima ginação" lembra outras palavras e expressões, como visão, visionário, imagens, mental, etc. Imaginação, diz ele, é um termo que deriva da criação de imagens na mente, relacionada com o "olho interior".' A Escritura, por sua vez, oferece uma figura da imaginação pecaminosa do ser humano: a idolatria. Ela está relacionada à premissa do homem criado à imagem de Deus e sua reversão pecaminosa aos ídolos de reposição imaginados pelo coração humano a fim de suprir sua necessidade da glória original de Deus. No areópago, Paulo disse aos atenienses: "Sendo, pois, geração de Deus, não devemos pensar que a divindade é semelhante ao ouro, à prata ou à pedra, trabalhados pela arte e imaginação do homem (At 17.29). E o Senhor disse a Gogue, por meio de Ezequiel: "Naquele dia, terás imaginações no teu coração e conceberás mau desígnio" (Ez 38.10); e a Israel: e "Ai dos filhos rebeldes, diz o Senhor, que executam planos que não procedem de mim e fazem aliança sem a minha aprovação, para acrescentarem pecado sobre pecado!" (Is 30.1). Uma das mais poderosas partes da revelação escrita de Deus ao homem, os Dez Mandamentos, reforça a idéia de idolatria como sendo o pecado básico (Êx 20.1-17). A exposição de Romanos 1.21-27 aponta a troca do ponto de referência feita pelo homem, de Deus para o homem e para a criação em geral, como o centro do problema humano. Idolatria é o pro cesso de imaginação humana em que (1) o conhecimento não-diferenciado e fragmentário da glória
de Deus e a consciência de sua ira na revelação geral e (2) a falta do conhecimento da revelação especial de Deus, levam o homem a imaginar ídolos transcendentes e imanentes ("ídolos do lar" e "ídolos do alto") a fim de mitigar a dor existencial e de responder às necessidades imediatas da vida. Há uma tendência humana imaginativa para reparar, recuperar, redimir coisas, para reorganizar a realidade que, sem o conhecimento de Deus, requer ídolos. Somos criados à imagem de Deus, isto é, para refletir sua glória, e, sem a habitação no seu conhecimento, habitamos com ídolos imaginários aos quais passamos a refletir (veja S1 115). Como Lucas cita as palavras de Paulo, em Atos 17.29: "Sendo, pois, geração de Deus, não devemos pensar que a divindade é semelhante ao ouro, à prata ou à pedra, trabalhados pela arte e imaginação dos homens".10
Auto-engano
D. C. Gomes trata do tema da idolatria apresentando uma visão teórica do auto-engano. Ele diz que o conceito do auto-engano é aparentemente contraditório, pois, se alguém que crê em algo, faz qualquer esforço para esconder algo de si mesmo requer um esforço consciente que apenas fará que aquilo que já é conhecido esteja mais presente. Um exemplo é este: como cumprir a ordem de não pensar num elefante branco se o simples esforço para cumpri-la significa desobedecê-la? Como pode alguém desempenhar dois papéis que se excluem mutuamente? Para resolver o paradoxo, Gomes oferece quatro passos. No primeiro, ele considera que crenças são, em última instância, compromissos de fé que operam como primeiros princípios e como princípios guias que, a despeito de serem conscientes ou inconscientes, são, não obstante, sempre voluntários e operativos. Assim, quer uma pessoa chegue a uma certa crença racional e conscientemente quer irracional e inconscientemente, o controle que ela tem sobre sua atenção às evidências permite que ela opere voluntariamente. No segundo passo, ele considera a racionalização que ocorre a fim de se proceder ao autoengano. Isso, ele diz, deve ser explicado em termos de motivação: Nós não iniciamos o processo de racionalização cegos às evidências que poderiam preven ir a aceitação da crença que sabemos que não podem ser verdadeiras. Antes, numa racionalidade mais 'curiosa e perversa', racionalizamos as evidências e as distorcemos para criar a aparência de racionalidade àquilo sobre o que começamos a nos auto-enganar. Esse processo de racionalização só pode ser explicado em termos de motivação. Temos de ter um motivo pessoal que nos leve a nos engajar nesse processo... Podemos ilustrar isso dizendo que um pecador tem de enganar a si mesmo quanto à sua autonomia ern relação a Deus, mesmo que acabe criando seus próprios ídolos, pois o que está em vista é sua própria imagem como aquele que, após comer da Árvore do Conhecimento, quer crer que o mundo e ele mesmo sejam auto-suficientes. Ele deve evitar a todo custo o reconhecimento de sua própria qualidade de criatura e de sua dependência; sua culpa moral e seu medo. A tentativa de reclamar autonomia e auto-suficiência é um poderoso motivador do auto-engano racionalizado daqueles que conhecem Deus e que não querem conhecê-lo."
No terceiro passo, ele diz que o entendimento de que, assim como crenças podem ser chamadas de voluntárias, também o próprio ato do auto-engano é, usualmente, intencional e voluntário. Uma pessoa não apenas escolhe, de certa forma, suas crenças, e racionaliza as evidências por causa de suas motivações, como também se engaja voluntariamente no processo de auto-engano a fim de esconder seus verdadeiros motivos e de preservar sua acalentada crença. Finalmente, no quarto passo, D. C. Gomes diz que é possível que o auto-engano
seja auto-acobertados. É possível que uma pessoa observe seu auto-engano e engane a si mesmo sobre seu próprio auto-engano e sobre os motivos por trás deles em função desses mesmos motivos. Assim, ele conclui: O auto-engano é uma racionaliza ção voluntariamente motivada , tanto um processo quanto um estado nos quais alguém mente a si mesmo a fim de preservar uma crença "abrigada" em face de uma incompatibilidade com algo que ele conhece, mas que não quer conhecer. 12
Um bebê, depois dos dois anos, começa a aprender coisas derivadas das suas primeiras experiências. Descobre que, mais do que apenas os produtores do movimento do seu móbile, seus pais são os provedores para as suas necessidades e os guardadores de seu bemestar. A idéia geral é excelente, ele imagina. A coisa toda funciona assim: ele percebe que, se está com fome, a barriguinha dói e que, quando a barriga dói e ele chora, a mamãe vem prontamente. Algumas vezes, a barriga continua a doer e ele chora mais forte; então vem o papai. Algumas vezes o desconforto está relacionado à fralda e, aí, então, ele não sabe quem é que vem. Isso só é ruim quando ele confunde dor de barriga de fome com dor de barriga de indigestão... O infante está envolvido na totalidade da experiência. O mundo é o seu quarto, com entradas e saídas para um mundo paralelo de outros quartos e, eventualmente, algumas ruas. Suas experiências físicas incluem fome, dor de barriga, fraldas sujas, balanços de colo, carinhos e brincadeiras de "gu-gus" e risos – e ele confia em seus pais para sua satisfação. Para fins de uso da ilustração, suponhamos que ele imagine assim: a continuidade das ocorrências indica que um choro curto traz leite, um choro mais longo traz troca de fraldas e um choro descontrolado significa um passeio ou uma repreensão. A proximidade do choro e da sua resposta o convencerá de que seus pais estão vivos exatamente para essas coisas. Ele descobre, também, que há uma certa inclusividade em todas as coisas tais como fome, dor, prazer, troca de fraldas, banhos, e mamãe e papai. Igualmente, papai e mamãe revelam certo padrão significativo nas intervenções assim como a corroboração de sua idéia de que todos os caminhos de fora para dentro têm um destino comum em seu berço.
É possível que as esperanças dessa criança correspondam à realidade? Ou será que aprendeu segundo a estultícia do seu coração a imaginar coisas vãs, deduzindo da aparência das coisas e dos fatos? A fim de não começar a imaginar segundo uma esperança falsa, a criança terá de ser, desde pequena, apresentada a um ambiente em que Deus está presente, isto é, um ambiente em que seus pais exibam a comunhão com Deus em vida e com palavras – para que ele tenha dados certos nos quais colocar a esperança da vida e para imaginar de modo receptivamente criativo. Quando corretamente baseada na fé verdadeira que habita na revelação de Deus, a esperança que excita a imaginação traduz-se em amor que, por sua vez, finaliza na operação de boas obras. Quando, porém, a fé habita no auto-engano do coração, a esperança é falsa e causa a imaginação de coisas vãs, o que, por sua vez destrói o amor e opera comportamentos distorcidos.
A HISTÓRIA DO CORAÇÃO Este é o ponto em que deveríamos considerar a questão da validade, da importância e dos métodos de utilização do passado no aconselhamento cristão. Primeiro, há componentes físicos e mentais da memória a serem considerados. Segundo, não cremos que o passado seja a chave para a solução dos problemas da pessoa; nem cremos que os acontecimentos passados sejam determinantes do problema atual. Assim, a maneira de se aproximar das
memórias não é aquela da psicanálise nem mesmo aquela da "cura de memória s". Terceiro, cremos que a coleção das memórias sejam feitas, imaginativa e seletivamente, depois da ocorrência de situações e de experiências que ratificam a "habitação" em certas crenças (fé); e cremos que o arrependimento bíblico é a base para a mudança do objeto da fé dos ídolos para Deus (mudança de "habitação"), e até mesmo para a reconfiguração das próprias memórias ("imaginação") transformando o coração para um propósito novo e santo ("operação"). A memória é uma função do corpo e da mente, como veremos mais tarde quando tratarmos da ato-estrutura do corpo. Oliver Sacks diz que o comovente e atemorizante relato de Luis Bufluel sobre suas memórias levantou questões fundamentais. "Você teria de perder sua memória, mesmo que pequenas partes, para entender que a memória é que faz a nossa vida. Vida sem memória não é vida... Nossa memória é nossa coerência, nossa razão, nosso sentimento, e até mesmo nossa razão. Sem ela, nada somos ...... disse Bufluel. E Sacks se perguntou: "Que espécie de mundo, e que esp écie de 'eu', poderia ser preservado num homem que perdesse parte de sua memória e, com ela, seu passado, suas crenças, seus hábitos e laços que lhe dão segurança"." A Bíblia faz uso freqüente de relatos históricos para comunicar sua mensagem teórico prática. A vida de homens e de mulheres, desde os patriarcas, dos reis, dos profetas até as pessoas mais comuns dentre os povos é relatada para nossa instrução: "Lembrai-vos dos vossos guias, os quais vos pregaram a palavra de Deus; e, considerando atentamente o fim da sua vida, imitai a fé que tiveram" (Hb 13.7). A memória que se tem de alguém e a própria memória de alguém estão ligadas à identidade pessoal; após a batalha contra Amaleque, Deus ordenou a Moisés: "Escreve isto para memória num livro e repete-o a Josué; porque eu hei de riscar totalmente a memória de Amaleque de debaixo do céu" (Êx 17.9-14), como também disse Jó sobre o fim do perverso: "A sua memória desaparecerá da terra, e pelas praças não terá nome" (Jó 18.17); e Absalão não queria ser esquecido: "Filho nenhum tenho para conservar a memória do meu nome; e deu o seu próprio nome à coluna; pelo que até hoje se chama o Monumento de Absalão" (2Sm 18.18). A Bíblia trata também da memória da história pessoal. Jeremias se lamentava por causa de suas aflições, mas trazia à memória o que lhe pudesse recobrar a esperança no Senhor: "Então, disse eu: já pereceu a minha glória, como também a minha esperança no Senhor. Lembra-te da minha aflição e do meu pranto, do absinto e do veneno. Minha alma, continuamente, os recorda e se abate dentro de mim. Quero trazer à memória o que me pode dar esperança. As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim; renovam-se cada manhã. Grande é a tua fidelidade" (Lm 3.18-23). O Senhor providenciou uma oferta memorativa para casos específicos de pecado cu jo objetivo era trazer o pecado à memória: "porquanto é oferta de manjares de ciúmes, oferta memorativa, que traz a iniqüidade à memória" (Nm 5.15). E o autor de Hebreus recomenda a lembrança de experiências como estímulo à perseverança: "Lembrai-vos, porém, dos dias anteriores, em que, depois de iluminados, sustentastes grande luta e sofrimentos... Não abandoneis, portanto, a vossa confiança; ela tem grande galardão. Com efeito, tendes necessidade de perseverança, para que, havendo feito a vontade de Deus, alcanceis a promessa" (Hb 10.32,35,36).
A Ceia do Senhor é um ato memorial que requer uma ação memorativa, como diz Paulo fogo após instruir sobre a Ceia: "Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e, assim, coma do pão, e beba do cálice; pois quem come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe
juízo para si. Eis a razão por que há entre vós muitos fracos e doentes e não poucos que dormem. Porque, se nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados. Mas, quando julgados, somos disciplinados pelo Senhor, para não sermos condenados com o mundo" (1Co 11.28-32). O auto-exame não pode ser feito sem que se recobre a memória do que precisa ser julgado. A Ceia do Senhor tem se tornado apenas uma cerimônia da qual muitos participam por tradição ou por causa do efeito estético religioso e não usufruem do meio de graça que ela representa. Nela somos elevados a Deus pelo Espírito Santo por meio do sacrifício consumado de Cristo, de modo prático, pela aplicação desse sacrifício à purificação dos nossos pecados, a santificação de nossa vida. Por isso, não pode haver o costume perverso de não participar da Ceia "por causa do pecado". A Bíblia diz: examine-se e participe! A Ceia do Senhor é a data limite para a permanência no pecado. A partir daí, ou nos arrependemos e restauramos a comunhão, ou seremos julgados quer participemos da Ceia quer não. Arrependimento
Arrependimento é uma dessas palavras elásticas cuja expansão cobre os termos fé, esperança e amor. Cobre a fé no sentido de ser uma mudança, como o Senhor instou com a igreja de Éfeso, ordenando a João que escrevesse: "Lembra-te, pois, de onde caíste, arrependete e volta à prática das primeiras obras; e, se não, venho a ti e moverei do seu lugar o teu candeeiro, caso não te arrependas" (Ap 2.5) (gr. metanoeo, arrependimento com pesar acompanhado de uma mudança genuína de coração, após um conhecimento). Diz respeito à esperança no sentido do resultado esperado, como disse Paulo aos coríntios: "agora, me alegro não porque fostes contristados, mas porque fostes contristados para arrependimento; pois fostes contristados segundo Deus, para que, de nossa parte, nenhum dano sofrêsseis. Porque a tristeza segundo Deus produz arrependimento para a salvação, que a ninguém traz pesar; mas a tristeza do mundo produz morte" (2Co 7.91, 10) (gr. metanoia, mudança de mente do mal para o bem). E diz respeito ao amor no sentido de ter sido usado para uma exortação à vida relacional: "E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. Porque, pela graça que me foi dada, digo a cada um dentre vós que não pense de si mesmo além do que convém; antes, pense com moderação, segundo a medida da fé que Deus repartiu a cada um. Porque assim como num só corpo temos muitos membros, mas nem todos os membros têm a mesma função, assim também nós, conquanto muitos, somos um só corpo em Cristo e membros uns dos outros" (Rm 12.2,3) (gr. metamorphoo, processo de mudança). O hebraico traz uma perspectiva interessante que engloba muitos significados do arrependimento no termo conversão: "Assim diz o Senhor: Reprime a tua voz de choro e as lágrimas de teus olhos; porque há recompensa para as tuas obras, diz o Senhor, pois os teus filhos voltarão da terra do inimigo. Há esperança para o teu futuro, diz o Senhor, porque teus filhos voltarão para os seus territórios. Bem ouvi que Efraim se queixava, dizendo: Castigasteme, e fui castigado como novilho ainda não domado; converte-me, e serei convertido, porque tu és o Senhor, meu Deus. Na verdade, depois que me converti, arrependi-me; depois que fui instruído, bati no peito; fiquei envergonhado, confuso, porque levei o opróbrio da minha mocidade" (Jr 31.16-19) (hb. naacham, "respirar fundo", sentir arrependimento, ter compaixão). Velho homem, novo homem Um dos objetivos do uso da história do coração é trabalhar com o auto-engano do nosso coração: usamos de imaginação e de seletividade na coleção de nossas memórias a fim de nos
justificarmos quanto ao nosso comportamento. Escrevendo aos efésios, Paulo elabora um tratado sobre o plano de Deus para a igreja, estabelecendo a natureza e a finalidade do pacto eterno quanto à salvação (cap. 1), descrevendo as condições desse pacto de salvação nos seus aspectos individuais e corporativos (caps. 2,3) e orientando quanto ao desenvolvimento ético da salvação em santidade de vida (caps. 4-6). Ele diz que Deus nos deu vida quando estávamos mortos nos nossos delitos e pecados. Nesse tempo, podemos nos lembrar, andávamos "segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência... segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais" (2.1-3). Éramos, então, meninos "agitados de um lado para outro e levados ao redor por todo vento de doutrina, pela artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro" (4.14) e andávamos como "os gentios, na vaidade dos seus próprios pensamentos, obscurecidos de entendimento, alheios à vida de Deus por causa da ignorância em que vivem, pela dureza do seu coração, os quais, tendo-se tornado insensíveis, se entregaram à dissolução para, com avidez, cometerem toda sorte de impureza" (4.17-19). Mas agora, no presente, se fomos instruídos segundo a verdade (fé/ habitação) em Jesus, não podemos mais andar segundo o trato passado, (esperança/imaginação), mas temos de nos despojar do velho homem "que se corrompe segundo as concupiscências do engano" e nos revestir "do novo homem, criado segundo Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade" (4.20-24). Por isso temos de deixar a escravidão da mentira, incluindo a mentira que houver na imaginação de nossas memórias (memórias adaptadas, inventadas, emprestadas, etc.) e revestirmo-nos da verdade "porque somos membros uns dos outros" (v. 25). Por isso devemos nos irar – no sentido de nos sensibilizarmos em face da injustiça – sem deixar que a ira fira aos outros ou seja guardada como uma memória amarga nem dê ocasião para que o diabo realize seu intento por meio de nós (vs. 26,27). Por isso não devemos furtar, mas trabalhar com as próprias mãos para ter com o que nos sustentar e para acudir ao necessitado, isto é, trocar ingratidão por gratidão por meio de um espírito generoso (v. 28). Por isso devemos usar nossas palavras para edificar e para transmitir graça aos que nos ouvem (v. 29). Para isso, não podemos entristecer o Espírito de Deus que nos selou para a salvação (v. 30), pondo longe de nós toda amargura, e cólera, e ira, e gritaria, e blasfêmias, sendo benignos e compassivos, perdoando aos outros como fomos perdoados para a salvação. Essa deveria ser a aproximação do aconselhamento cristão quando ao lugar do passado e das memórias. OPERAÇÃO
Estávamos no meio de uma aula de epistemologia, estudando sobre como o pensamento cristão, diferente do pensamento filosófico, é, ao mesmo tempo, a priori e a posteriori. Um dos alunos comentou: —Professor, o senhor é muito teórico. — Você
é prático? — redargui, ao que ele respondeu:
— Essencialmente prático. — Então faça alguma coisa prática — pedi. O jovem levantou-se da cadeira, colocou a mão
sobre a cabeça, o braço em arco, rotou o corpo duas ou três vezes e depois se assentou. — O que você fez? — Girei em torno de mim! — Você pensou nisso antes de fazer? —Claro! — E pensou para explicar o que fez? —Sim! — Pois é — respondi — dois aspectos teóricos e um aspecto prático.
De fato, é impossível separar completamente a teoria da prática. Num instante estamos assentados e pensamos (com ou sem o uso de palavras): "Vou ficar em pé". Nesse momento houve uma operação em que teoria e prática foram avaliadas e planejadas. Às vezes isso ocorre num instante, noutras vezes, ocorre ao longo de uma vida – e em todos os momentos do intervalo. —
O termo A Bíblia usa o termo operação para denotar "trabalho", "realização", "desempenho", e "ato interior", "poder para uma ação externa", "planejamento", etc. Por exemplo, como usado por Tiago no verso: "Mas aquele que considera, atentamente, na lei perfeita, lei da liberdade, e nela persevera, não sendo ouvinte negligente, mas operoso praticante (gr. poietes, autor, produtor, feitor; e gr. ergo, trabalho, obra), esse será bem-aventurado no que realizar" (Tg 1.25); e no verso: "Vês como a fé operava (gr. ergon) juntamente com as suas obras; com efeito, foi pelas obras que a fé se consumou" (Tg 2.22). Ou como usado por Paulo: "Porque, quando vivíamos segundo a carne, as paixões pecaminosas postas em realce pela lei operavam (gr. energeo, ser ativo e enérgico, afetar) em nossos membros, a fim de frutificarem para a morte" (Rm 7.5); ou: "recordando-nos, diante do nosso Deus e Pai, da operosidade (gr. ergon, trabalho, desempenho) da vossa fé, da abnegação (gr. kopos, labor, trabalho) do vosso amor e da firmeza da vossa esperança em nosso Senhor Jesus Cristo" (ITs 1.3). E como usado pelo autor de Hebreus: "Ora, o Deus da paz, que tornou a trazer dentre os mortos a Jesus, nosso Senhor, o grande Pastor das ovelhas, pelo sangue da eterna aliança, vos aperfeiçoe em todo o bem, para cumprirdes a sua vontade, operando (gr. poeio, fazer, produzir, demonstrar) em vós o que é agradável diante dele, por Jesus Cristo, a quem seja a glória para todo o sempre. Amém!" (Hb 13.20,21) e: "Porque a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos (gr. ennoia, consideração, concepção) do coração" (Hb 4.12 – Veja também 1Co 12.6; Ef 3.6,7; 1 Ts 2.13; 2Ts 2.11.)
O mestre de Provérbios define mais esse tipo de operação nos textos: "O coração do homem pode fazer planos (hb. ma'arak, preparação, planos, arranjamentos), mas a resposta certa dos lábios vem do Senhor. Todos os caminhos do homem são puros aos seus olhos, mas o Senhor pesa o espírito" (Pv 16.1,2); "Muitos propósitos (hb. machashabah, intento, engenho) há no coração do homem, mas o desígnio do Senhor permanecerá" (Pv 19.21). "Como águas profundas, são o s propósitos (hb. etsah, conselho) do coração do homem, mas o homem de inteligência sabe descobri-los" (Pv 20.5).
O ato antes da ação
Quando Jesus disse: "Qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração, já adulterou com ela" (Mt 5.28), falava do ato da operação no coração antes da ação externa, do comportamento. No Sermão do Monte, ele disse que não deveríamos guardar tesouros na terra, mas no céu porque, onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração (veja Mt 6.19-21). Assim é que o ser humano, dirigido pela fé em coisas temporais, limita e distorce seu conhecimento da realidade e, em conseqüência, tem sua esperança frustrada. Ou ele pode dirigir sua fé para o que é eterno e, assim, alcançar e aumentar seu conhecimento da realidade. Como resultado, ele se encherá de esperança que vem do amor derramado pelo Espírito em seu coração (veja Rm 5.4,5), o que opera a sua vontade. A OPERAÇÃO DO AMOR
A afeição do amor é o eliciador da vontade. De acordo com o que alguém conhece, ou crê, e conforme ele espera e imagina, assim ele se atém com amor ao seu "tesouro" e desenvolve e opera sua vontade. Ele se afeiçoa ao seu tesouro no sentido de "cultivar e guardar" (Gn 2.15). Por essa razão a Escritura diz que o conhecimento por si só ensoberbece, "mas o amor edifica" (1 Co 8.1). Diz também que "o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males" (lTm 6.10). E, também, que, em Cristo, o que tem valor é "a fé que atua pelo amor" (G15.6). Na introdução ao livro Bold Love, Dan Allender diz que nós usamos demais a palavra amor, mas que pouco sabemos sobre ele. Amor, diz ele, como reflexo da glória de Deus, é a base do ser e a razão de ser do evangelho.' É dessa afeição do coração que Paulo diz ser maior do que a fé e a esperança (1Co 13.13). Creio que a razão por que o amor é mais excelente coisa do que a fé e a esperança é a de que ela que opera a dinâmica da fé/habitação e da esperança/imaginação. Vontade de Deus e operação humana
Certamente, Deus é soberano e nada nem ninguém foge ao exercício soberano de sua vontade, como diz Paulo: "...Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade" (Fp 2.13). E ele, em sua graça, faz isso em relação ao homem por meio da fé na qual o homem põe sua esperança, motivando o amor no seu coração para a operação do bem. O homem sem Deus – e os crentes que se colocam na posição deles por causa de sua descrença, rebelião, infidelidade ou indiferença – põe sua fé em ídolos de substituição nos quais confia o coração (amor ao mundo, ao dinheiro, às coisas da carne, etc.) para a operação do erro, cuja conseqüência são seus comportamentos aflitivos ou perversos. Operação humana
Amor é a afeição que se expressa na vontade que, finalmente, é efetivada nos atos do corpo. É a afeição do amor que dá o insight à vontade, isto é, a operação da habitação e da imaginação em atos do corpo. É a afeição do amor – aliada à fé/habitação centrada em Deus e à esperança/ imaginação guardada no Espírito – que opera o ato de dar de si, de dar-se a si mesmo, de doação e de adoção, de sair de dentro de si para o encontro do outro. Entretanto, quando Deus é posto de lado (onde?) e a fé e a esperança são depositadas em ídolos, a pessoa se torna reivindicativa, exigente, primariamente voltada para dentro exatamente o inverso do amor. –
Os atos humanos são operados pela afeição do amor do seguinte modo: (a) originam-se da fé (a.]) na habitação no conhecimento (b) cuja experiência gera a esperança, (M) que move a imaginação, (c) a qual, por sua vez, aciona o amor (c.1) que opera os atos do corpo. Não é possível, entretanto, separar essas afeições. Como o Dr. L. Kalsberg diz, a questão concernente à estrutura do ser humano, sua relação com sua origem divina e seu lugar no universo, promove uma totalidade encapsulada que reside no corpo humano. Essa proposição introduz uma nova expressão, isto é, a ato-estrutura do corpo humano. O exemplo que ele usa ilustra seu significado. Uma pessoa pode ficar parada por horas, pensando, sem realizar nenhum ato externo. Ela estará engajada em seus próprios pensamentos, nos quais a imaginação desempenha seu papel. Eventualmente, ela toma rá uma decisão da vontade para uma operação de alguma obra. "A estrutura dessa atividade interior, incluindo a decisão final da vontade, é chamada de ato-estrutura" (21.88).' Tal é a tecedura do conhecimento nos seus aspectos de habitação, imaginação e operação que movem cada ato no processo geral do trabalho do corpo.
O APRENDIZADO Em termos psicológicos, a operação a que me refiro está relacionada aos temas da lógica e do ensino e aprendizado. As diversas teorias do aprendizado conforme suas escolas de psicologia, não obstante, surgiram da reflexão epistemológica. Obviamente, os estudos tinham de partir de perguntas sobre o que é o conhecimento, sobre como podemos saber e sobre quais são as origens do conhecimento. O racionalismo de Platão (427-347 a.C.) enfatizava as atividades da mente para explicar a natureza do conhecimento, e o empirismo de Aristóteles (384-322 a.C.) enfatizava as experiências sensoriais como base do conhecimento. Para Platão, todo conhecimento é reminiscência de experiências que a alma teve antes do "céu além dos céus":3 cada objeto no mundo físico tem uma "idéia" abstrata correspondente. A despeito do misticismo da afirmação, pode-se vislumbrar o conteúdo do conhecimento "nato" de sua teoria. Para Aristóteles, a mente deveria ponderar sobre as impressões sensoriais obtidas dos universais (leis) independentemente de suas manifestações empíricas. Nenhuma escola de psicologia escapou à influência da filosofia, nem o estruturalismo nem o funcionalismo nem o comportamentismo (behaviorismo). Piaget, que jamais prestou um exame de psicologia, mas que, não obstante, fez-se psicólogo profissional e contribuiu enormemente para a construção de uma psicologia educacional,' escreveu na introdução do seu livro Epistemologia Genética, que "todo conhecimento comporta um aspecto de elaboração novo, e o grande problema da epistemologia é o de conciliar esta criação de movimentos com o duplo fato de que, no terreno formal, elas se acompanham de necessidades tão logo elaboradas e de que, no plano real, elas permitem (e são mesmo as únicas a permitir) a conquista da objetividade". O que Piaget se propôs nesse livro foi uma exposição de uma epistemologia que é naturalista sem ser positivista, que evidencia atividade do indivíduo sem ser idealista, e que se apóia no objeto sem deixar de pensar nos limites que os tornam independentes de nós. Para ele, o conhecimento resultaria de interações produzidas a meio caminho entre o objeto e suas origens e o sujeito consciente.' Filho de mãe crente e de pai descrente, Piaget conta que desde cedo sentiu o conflito entre ciência e religião. "Em um momento de entusiasmo, vizinho da alegria estática, apoderou-se de mim a certeza de que Deus era a vida!" Pensando em Deus de modo imanentista, ele acolheu o desejo de se dedicar à filosofia para defender a ciência e os valores
religiosos. Contudo, ouvindo as críticas contra Bergson, feitas pelo antigo teólogo e ex-pastor, o lógico Arnold Reymond, quase não resistiu à vontade de se tornar matemático. Ele encontrou a conciliação do dualismo bergsoniano, do vital e do matemático, com a filosofia e a lógica de Reymond, na noção de "forma" de Aristóteles "concebida como regendo o pensamento que correspondia exatamente às estruturas do organismo". Mais tarde, Piaget chegou a duas idéias centrais: a de que, para todo organismo que possui uma estrutura permanente – a qual pode se modificar sob a influência do meio, mas não destrói jamais enquanto estrutura de conjunto – "o conhecimento é sempre o de assimilação de um dado exterior às estruturas do sujeito"; e a de que os fatores normativos do pensamento correspondem biologicamente a uma necessidade de equilíbrio por auto-regulação.1 Contudo, o tipo de crença construtivista de Piaget jamais permitiu que ele considerasse a possibilidade de um conhecimento superior ao científico, quer filosófico' quer religioso.' A razão por que Piaget estava impedido de considerar adequadamente o aspecto religioso, no caso, é que ele, em seu imanentismo, não percebeu quatro coisas imprescindíveis: (1) o aspecto transcendente/imanente de Deus, o qual fez a hermenêutica prévia do que haveria de criar (Ef 3.11); (2) a sua revelação de modo geral na sua criação e de modo específico na sua palavra, a qual é a hermenêutica da hermenêutica de Deus; e (3) a criação analógica do homem como ser receptivamente criativo e ativamente redentivo, o qual foi, originalmente, capacitado para fazer a hermenêutica da Criação por meio da hermenêutica da Palavra; e (4) a queda do homem em pecado, a qual alterou sua capacidade e habilidade para reconhecer os três itens anteriores. Após a Queda, o homem se tornou incapaz de conhecer a Deus, e por decorrência, o significado último de sua criação, não obstante possa conhecer o que existe e que esteja ao seu alcance, ainda que de modo decaído e segundo suas conclusões reversas ao pensamento de Deus (Rm 1.19,20; 3.10-18). Na Redenção, o homem é habilitado pelo Espírito ao conhecimento de Deus e à crítica do conhecimento humano (1Co 2.4-11 e, especialmente, "para que o coração deles seja confortado e vinculado juntamente em amor, e eles tenham toda a riqueza da forte convicção do entendimento, para compreenderem plenamente o mistério de Deus, Cristo, em quem todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estão ocultos" — Cl 2.2,3). Não obstante, a graça comum de Deus permite a todos os homens alguns vislumbres da maravilha criada. Assim, mesmo que tenhamos de revelar a foto em negativo e virar de ponta-cabeça as observações que os homens fazem sobre as maravilhas de Deus, a fim de considerá-las segundo a Escritura, vale a pena considerá-las, vale a pena fazê-lo. Considerando a teoria da Gestalt, Piaget destacou dois princípios que considerou fundamentais. O primeiro é que todo processo que dependa da percepção ou da inteligência é caracterizado por um movimento para o equilíbrio. Na teoria da forma essa noção de equilíbrio tomou um significado preciso, trazendo à tona a noção de "efeitos de campo" no estudo das percepções, e o de re-equilibrações por etapas sucessivas e nos estudos dos atos de inteligência. O segundo princípio é o de que as formas de equilíbrio final desses processos de equilibração consistem em "estruturas" caracterizadas por "estruturas de organização" dependentes da totalidade e não das partes ou da soma das partes. Para Piaget, seu pensamento acrescenta à Gestalt uma lógica mais relativa e quantitativa. Operação segundo a Bíblia A "lógica" bíblica, para o nosso estudo sobre "operação", deverá ser a de que todo processo depende da Revelação de Deus e é "habitado", "imaginado" e "operado" pela percepção e inteligência. Nesse processo. o conhecimento humano é perspectivo, e por causa da condição humana decaída, precisa ser redimido pela graça de Deus por meio do exercício de uma féarrependida (crença em Deus e não crença na aparência dos "fatos", "visto que andamos
por fé e não pelo que vemos", 2Co 5.7). Os efeitos noéticos do pecado fazem a pessoa tender ao desequilíbrio e a ansiar por um possível equilíbrio, o qual só é completo na união com Cristo e com seu povo (como diz Paulo aos efésios, sobre a igreja, mas declarando um princípio geral: "Mas, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo, de quem todo o corpo, bem ajustado e consolidado pelo auxílio de toda junta, segundo a justa cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor", Ef 4.15,16). Quanto a essa lógica, refiro-me à operação mental (entenda-se a totalidade do processo féhabitação esperança- imaginação amor-operação) que deveria resultar na disposição da vontade para uma conclusão coerente. Polanyi lança luz sobre esse pensamento, dizendo que a relação entre as regras da lógica e o objeto de estudo da psicologia por ele descrita é a mesma observada entre os princípios operacionais das máquinas e os dos objetos de estudo da física e da química, "introduz uma segunda pessoa lutando para pensar corretamente, segundo as regras da lógica... quaisquer que sejam as regras de correção que uma pessoa tente seguir e estabelecer – sejam elas morais, estéticas ou legais – ela se compromete a um ideal; e, de novo, ela só pode fazer isso dentro de um meio que é cego a esse ideal. O ideal determina o padrão pelo qual uma pessoa assume responsabilidade; mas o meio cego ao ideal tanto garante a possibilidade da luta por esse ideal quanto limita a sua possibilidade. Isso determina sua vocação".' –
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Ensino e aprendizado Quanto ao ensino e aprendizado, também se observa um componente de movimento pessoal de dentro para fora na operação do conhecimento. Esse movimento é ético, social e subjetivo/objetivo, implicando a totalidade do processo do conhecimento envolvido na atoestrutura do corpo. É a totalidade do ser operando segundo a expressão do amor ou segundo a carência dele. É o ser agindo por expressão ou por necessidade. Polanyi também esclarece esse ponto: Tal é a relação conviva] que serve como canal de todas as observações psicológicas, e dentro da qual todos os termos da psicologia devem ser interpretados. É a mesma relação na qual temos observado o centro ativo e perceptivo dos animais e visto que, em termos de aprendizado, o compromisso do animal é totalmente dedicado a um esforço de inferência racional. É a mesma relação na qual assumimos interesse num ser humano por causa dele mesmo e avaliamos suas conquistas por meio de nossos próprios padrões. ...Essa convivência inclui um estágio além, quando essa pessoa sobe a uma posição acima de nós e há uma aceitação do julgamento de outros sobre nós.10 Criados por um Deus singular e plural, o ser humano foi criado com dimensões individuais interiores com o propósito de transcender essa individualidade e estabelecer "uniões" com Deus e com o próximo. A Queda resultou no desequilíbrio da separação e inimizade em relação a Deus e ao próximo, e seu equilíbrio só poderá ser restaurado pela união com Cristo, a qual inclui a comunhão do seu corpo, a igreja. O amor é a operação desse anseio, o qual pode assumir características pecaminosas individualistas e competitivas resultando em "obras más", ou características individuais e corporativas redimidas resultando em "boas obras". A operação do amor só pode existir quando a imaginação sobre quem nós somos derivar da esperança de que não estamos sós; esperança advinda da habitação com Aquele que é, por meio da fé no que ele diz que é.
Vontade Freqüentemente, ouvimos pessoas dizendo: "Eu não governo o meu coração" ou "quando o amor vem, ele nos assalta de pronto e não é possível resistir a ele". Essa "sabedoria" popular, ou, corretamente colocada, essa estultícia, é uma completa inversão dos componentes do processo da ato-estrutura. É uma inversão do processo do conhecimento quanto à fé/ habitação, esperança/imaginação e amor/operação. A fé habita no interior da pessoa, sua esperança imagina em vão segundo a aparência das coisas e seu amor opera obras mortas, isto é, sem dimensão eterna. É por causa dessa inversão que as coisas se tornam mais difíceis de ser vistas como são, como Allender & Longman 111 dizem: "Talento sem amor é enstir decedor; discernimento espiritual e poder sem amor ',',to 11111111111,1111Cs,; e s a c r i f í c i o d e p o s s e s o u c i o p r ó p r i o c o r p o s e t a é A vontade de uma pessoa é a pessoa, assim como a totalidade da unidade das, suas afeições cognitiva e emocional, concentrada no corpo. A vontade é a representação mental de um ato/prática em função das afeições básicas do coração, manifestada na habitação de um conhecimento e processada pela imaginação dentro de um ambiente moral." Na linguagem bíblica, o conceito de verdade inclui idéias de disposição de mente, pensamento, alma, espontânea ou compulsiva, e envolve propósito, finalidade, desejo, decisão, determinação, preferência, dever, força, necessidades fisiológicas, prazer, ira, medo, poder, etc.
Os termos No Antigo Testamento, as palavras relacionadas à vontade são usadas como descrição da alma (hb. Nephesh, SI 27.12; 41.9), pensamento (hb. reuthl, Ez 7.18), boa vontade (hb. ratson, SI 40.8), querer, dispor-se (hb. abah, Is 1.19), ter prazer, agradar-se (hb. chaphets, Pv 21.1), de boa vontade, negócios (hb. nadah, 1Cr 29.5), dar (hb. nathan, Jz 8.25). Sobre o termo usado como desejo, no Antigo Testamento, comentaremos mais tarde. Um dos termos usados com mais freqüência no Novo Testamento tem o sentido de querer (gr. thelo, Mt 26.15; Me 8.35; Jo 7.17; Rm 7.18). Em 1 Coríntios 1.10, Paulo usa o termo saber associado com nous, mente (gr. gnonie), significando mente com propósito, disposição mental; Lucas usa o termo com o significado de tornar-se ou dispor-se (gr. gnomai, At 20.16); e João usa o termo como decisão (gr. boule, gnome, Ap 17.17). Outro termo é usado por Lucas para falar a respeito do plano de Deus, o qual é usado também por Paulo para se referir à vontade de Deus (gr. boule, At 13.36; boulema, Rm 9.19). Paulo aplica ainda outro termo para se referir à preferência e a agradar-se (gr. kata hekouns, Fm 14; Rm 8.20; 1Co 9.17), assim como Pedro o faz em 1 Pedro 5.2 (gr. kekousios veja também Hb 10.26). Sobre o termo "desejo" no Novo Testamento, veremos mais tarde. Quando o apóstolo Paulo escreve sobre o caminho sobremodo excelente (1Co 13), ele fala sobre a vontade dominada pelo amor em áreas como comunicação e linguagem (v. 1), verdade, conhecimento e fé (v. 2), canela de e auto-entrega (v. 3) tanto em termos positivos (benignidade, regozijo coma verdade, proteção, confiança, esperança, perseverança, sofrimento, crença, força, etc.) quanto em termos negativos (não arde em ciúmes, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não busca os próprios interesses, não se exaspera, não se ressente do mal, não se alegra com a injustiça, etc.) (vs. 4-8). O verso 8 diz que o amor jamais acaba, porque é operado pela vontade. Na ausência do amor, a vontade é dominada pelo medo. Esse é o tema do "temor de Deus versus temor de homens". •
Livre-arbítrio
D. C. Gomes` menciona Calvino e Van Til a respeito do "livre-arbítrio" acrescentando que, na sua condição original, o ser humano foi dotado com razão, inteligência, prudência e juízo não apenas para governar a terra, mas também para ascender a Deus em eterno goz o. Dessa maneira, a escolha foi adicionada para direcionar seus apetites e para equilibrar suas emoções, sendo sua vontade relacionada à razão. Nesse estado de justiça, o homem tinha livre-arbítrio; se escolhesse, obteria vida eterna.` O homem era organicamente relacionado ao ambiente do mundo como profeta, sacerdote e rei sob a soberania de Deus no mundo criado. Como profeta ele deveria interpretar o mundo, como sacerdote ele deveria dedicar a Deus a contemplação do mundo e suas obras nele e, como rei, ele deveria governar o mundo para o seu Criador." Na Queda, entretanto, sua natureza caída o tomou um mau intérprete, dedicado ao mundo e tentando dominá-lo para si mesmo. Em sua falsa auto-suficiência e falsa autodeterminação, seus apetites se tornaram desordenados, sua mente se fez cega e seu coração, depravado." O homem perdeu seu senso de origem e de finalidade originais, e as qualidades com que foi dotado por seu Criador foram deformadas a ponto de ser-lhe impossível não só cumprir o propósito de Deus para a criação, como também conhecer esse propósito.` Van Til dM, que o cerne da questão está em que a criatura tem de estar sujeita ao seu Criador e refletir a sua imagem assim como a luz de seu conhecimento revelado, mas que ela, agora, está tentando ser a fonte de sua própria luz.` Temor do Senhor Na Bíblia, o temor do Senhor é o princípio do conhecimento e da sabedoria (Pv 1.7; 9.10), e o temor de homens é o princípio do engano e da estultícia (Pv 29.25; Rm 3.9-18). Se nossas afeições estiverem em Deus, nossa vontade decidirá temêlo (SI 86.11,12), pois no amor não existe medo, antes, o amor lança fora o medo (Mo 4.18). Se, contudo, nosso amor estiver em qualquer outro lugar, quer num ponto exterior quer num ponto interior, então medo e ira nos dominarão. Depois da Queda, Adão e Eva se envergonharam do próprio corpo e decidiram se esconder de Deus porque haviam torcido o amor e se deixado dominar pela culpa e pelo medo (Gn 3.7-10). Cairo adorou a Deus com o propósito de ser reconhecido e aceito pelas suas ofertas em vez de reconhecer sua condição caída diante de Deus e de adorá-lo em arrependimento e gratidão. Não operou um ato de amor, mas de amor por si mesmo. Por causa disso ele não foi aceito. Sua alma estava cheia de ira. A análise de Deus revela sua falta da afeição do amor operada por sua vontade (Gn 4.6,7). A vontade é uma operação do amor. Segundo aquilo que um homem ama será operada sua vontade diante de Deus ou diante dos homens. Esse é o aspecto conclusivo da definição proposta anteriormente: quando à habitação, o homem é um ser religioso; quanto à imaginação, é receptivamente criativo; e quanto à operação, é ativamente redentivo. Ele é referente a Deus, tende a recriar ou reorganizar as coisas criadas, e se inclina a consertar coisas quebradas. O bebê de nossas ilustrações, na pré-infância, já havia aprendido algo sobre a verdade e sobre seus embates. Sua fé básica continuava a colocá-lo no centro da existência e ele "sabia" que os pais existiam em função de suas necessidades. Ele espera sua chegada para ver o movimento do móbile de sua vida e imagina todas as maneiras de trazê-los para perto de si (tão certo é que seus pais o condicionam, quanto ele condiciona seus pais). Ele percebe amor e dedica amor de todo o seu coração. E esse amor opera sua vontade. Ele aprendeu o significado de "querer".
ATO-ESTRUTURA DO CORPO
INTERAÇÃO EMOCIONAL E EXPRESSÃO COMPORTAMENTAL
Certa ocasião, tendo sido convidado para apresentar o evangelho a um grupo de estudantes de medicina, enfrentei, durante toda a exposição, alguns olhares perceptivelmente animosos em relação ao tema de Deus e sua preeminência sobre a vida humana. No final da palestra, aberta a oportunidade para comentários e perguntas, um dos que haviam estado inquietos durante a sessão, fez esta declaração: "Sou professor desta casa, e eu e meus colegas já abrimos corpos vivos e mortos, mas jamais encontramos algo além do corpo a que pudéssemos chamar de vida". Sentindo-me quase incapaz de dizer qualquer coisa, lembro-me de ter orado, rapidamente, a Deus pedindo sabedoria, permiti apenas uma pequena pausa, e respondi: "De fato, eu não teria uma resposta; é mais provável que a resposta esteja mais no campo da medicina: porque, então, um corpo estaria vivo e o outro, morto?" Corpo, expressão da alma
É fácil saber que temos corpo e que estamos vivos como é fácil saber quando um corpo está morto. Dificil é definir a vida no corpo. Temos, até aqui, repetido a expressão ato-estrutura do corpo, definindo-a como a totalidades das experiências que finalizam nos atos corpóreos, sem, contudo, dar maior atenção aos atos do corpo. I lernian DooycWeerd colocou bem a questão do dualismo corpo/acorpo/alma, dizendo que o corpo é a expressão temporal da aInia.' Isso deslaz a dis L . i ncia tão grande entre o modelo médico e o modelo bíblico do aconselhainento. O aconselhamento cristão não pretende tratar do corpo segundo uni modelo médico, mas trata do ser humano reconhecendo que a totalidade do indivíduo se concentra no seu corpo. .lá vimos, na introdução deste trabalho, que a Bíblia fala sobre o corpo humano como tendo sido criado por Deus "do pó da terra", no qual ele soprou seu Espírito (Gn 2.7). O que mais diz a Bíblia sobre o corpo humano? Existe uma teologia do corpo? Uma leitura superficial pode fazer parecer que a Bíblia apóie o dualismo mente/corpo; às vezes, até uma divisão tríplice ou quádrupla. Jó, no seu sofrimento, disse sobre o homem: "Ele sente as dores apenas de seu próprio corpo, e só a seu respeito sofre a sua alma" (Jó 14.22); o mestre de Provérbios escreveu: "O espírito do homem é a lâmpada do Senhor, a qual esquadrinha todo o mais íntimo do corpo" (Pv 20.27); e Isaías profetizou: "Também consumirá a glória da sua floresta e do seu campo fértil, desde a alma até ao corpo; e será como quando um doente se definha" (Is 10.18). O apóstolo Paulo escreveu o texto bastante conhecido: "O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo; e o vosso espírito, alma e corpo sejam conservados íntegros e irrepreensíveis na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo" (M 5.23). O termo Uma leitura mais acurada, porém, mostrará que existem vários usos da palavra corpo e diversas figuras que envolvem esse termo. Por exemplo, quando Paulo diz: "Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus" (Rm 12. 1), estaria ele falando somente (Ia entrega do corpo, ou estaria falando do corpo como uma totalidade que inclui a mente? Também quando o Senhor Jesus disse: "...porque,
onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração. São os olhos a lâmpada do corpo (gr. soma, corpo morto ou vivo, de homens, animais ou estelares). Se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo será luminoso; se, porém, os teus olhos furem maus, todo o teu corpo estará , 1 em trevas. Portanto, caso a 1111, que e111 11 há sejam trevas, que grandes trevas serão!" (Mt 6.21-23), estaria ele filand do corpo corno entidade isolada dos olhos, ou do coração que se nianilesla w corpo e do qual os olhos são a janela para a percepção do A 1 1 1 ( 11 1 assim, alguém poderia argumentar que há textos nos quais corpo e alma 1a s:1,, ditos como passíveis de divisão, tal como nas palavras de Jesus: "N.-1() lei i 1; 11 , os que matam o corpo e não podem matara alma; temei, antes, aquele (lia-pode fazer perecer no inferno tanto a alma como o corpo" (Mt 10.28). ( )I i seria o caso de Jesus ter usado uma imagem inclusiva, como a usada 1m1 Paulo: "Porque assim como num só corpo temos muitos membros, mas 1ICM todos os membros têm a mesma função, assim também nós, conquanto iiiiii tos, somos um só corpo em Cristo e membros uns dos outros" (Rm 12.4,5)-, "Porque, assim como o corpo é um e tem muitos membros, e todos os 1111,111 bros, sendo muitos, constituem um só corpo, assim também com respeito à Cristo... para que não haja divisão no corpo; pelo contrário, cooperem os membros, com igual cuidado, em favor uns dos outros" (I Co 12.12,25). o
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Corpo e alma Poderia alguém perguntar mais: Paulo não aventou a possibilidade de separação da consciência e do corpo quando escreveu: "Conheço um homem em Cristo que, há catorze anos, foi arrebatado até ao terceiro céu (se no corpo ou fora do corpo, não sei, Deus o sabe) e sei que o tal homem (se no corpo ou fora do corpo, não sei, Deus o sabe) foi arrebatado ao paraíso e ouviu palavras, inefáveis, as quais não é lícito ao homem referir" (2Co 12.2-4)? A resposta deveria ser: Não teria ele usado o mesmo artifício de linguagem que usou em outro lugar: "Pois, embora ausente quanto ao corpo (gr. sarx, carne, parte mole do corpo), contudo, em espírito, estou convosco, alegrando-me e verificando a vossa boa ordem e a firmeza da vossa fé em Cristo" (Cl 2.5). O corpo e a alma não se separam senão na morte, como diz o salmista: "Sai-lhes o espírito, e eles tornam ao pó; nesse mesmo dia, perecem todos os seus desígnios" (SI 146.4)? Certamente, corpo e alma se separam na morte, mas não vivem como entidades separadas, pois a natureza da própria morte é essa separação, como Tiago escreveu: "Porque, assim cor]]() o corpo sem espírito é morto, assim também a fé sem obras é morta" (Tg 2.26). Nós não vivemos sem corpo. O Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento traz uni co mentário interessante sobre 1 Coríntios 15: "A vida humana é inconcebível sem o corpo. Assim, exclui-se qualquer divisão entre alma e corpo segundo a linhas da antropologia" (cf. também 1Co 5.1-10). Paulo, neste discurso sobre a ressurreição, coloca a contradição entre o corpo terrestre, ou "corpo físico" (v. 44, soma psychikon), e um "corpo espiritual" (soma pneumatikon). Essas são as duas possibilidades que existem para o homem. A primeira representa a sua existência terrena, e a última, sua vida depois da ressurreição... O corpo, no sentido de "eu", da "pessoa" sobreviverá à morte, pelo ato criador de Deus". Não vejo outro modo de colocar iss o senão transcrevendo o que a Escritura diz: s
Mas alguém dirá: Como ressuscitam os mortos? E em que corpo vêm? Insensato! O que semeias não nasce, se primeiro não morrer; e, quando semeias, não semeias o corpo que há de ser, mas o simples grão, como de trigo ou de qualquer outra semente. Mas Deus lhe dá corpo como lhe aprouve dar e a cada uma das sementes, o seu corpo apropriado. Nem toda carne é a mesma; porém uma é a carne dos homens, outra, a dos animais, outra, a das aves, e outra, a dos peixes. Também há corpos celestiais e corpos terrestres; e, sem dúvida, uma é a glória dos celestiais, e outra, a dos terrestres. Uma é a glória do sol,
outra, a glória da lua, e outra, a das estrelas; porque até entre estrela e estrela há diferenças de esplendor. Pois assim também é a ressurreição dos mortos. Semeia-se o corpo na corrupção, ressuscita na incorrupção. Semeia-se em desonra, ressuscita em glória. Semeia-se em fraqueza, ressuscita em poder. Semeia-se corpo natural, ressuscita corpo espiritual. Se há corpo natural, há também corpo espiritual... Porque é necessário que este corpo corruptível se revista da incorruptibilidade, e que o corpo mortal se revista da imortalidade. E, quando este corpo corruptível se revestir de incorruptibilidade, e o que é mortal se revestir de imortalidade, então, se cumprirá a palavra que está escrita: Tragada foi a morte pela vitória (1 Co 15.35-44,53,54). E quanto a nós, aqui e agora, desejamos a perfeição do nosso corpo: "E não somente ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo" (Rm 8.23). Enquanto aguardamos essa transformação, a Palavra insta conosco, dizendo: "Fugi da impureza. Qualquer outro pecado que uma pessoa cometer é fora do corpo; mas aquele que pratica a imoralidade peca contra o próprio corpo. Acaso, não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que está em vós, o qual tendes da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos? (1Co 6.18,19); e: "Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal, de maneira que obedeçais às suas paixões; nem ofereçais cada um os membros do seu corpo ao pecado, como instrumentos de iniqüidade; mas oferecei-vos a Deus, como ressurretos dentre os mortos, e os vossos membros, a Deus, como instrumentos de justiça" (Rm 6.12,13) ..."Porque importa que todos nós compareçamos perante o tribunal de Cristo, para que cada um receba segundo o bem ou o mal que tiver feito por meio do corpo" (2Co 5.10). Cérebro e corpo
Falando a respeito de cérebro e corpo, Jacob Bronowski, expoente da cultura judaica e filósofo natural, escreveu algo que se aplica, igualmente, à visão da singularidade da pessoa. Ele disse que a totalidade do ser humano não deve ser violada pela separação de cérebro e corpo. "Não existe um observador, pequeno que seja, que fique observando na câmara escura dentro da nossa cabeça". O que há de errado no dualismo cartesiano de mente e corpo?, ele pergunta. O erro é que, se imaginarmos o cérebro como sendo apenas um receptor e processador de informações que instrui os músculos do corpo, já falseamos todo o procedimento. "Assim que se separa o cérebro do músculo e se pergunta ao primeiro que ordem ele vai dar, adultera-se a natureza do cérebro." A totalidade mente-corpo forma uma unidade, portanto uma ação não é ação de um ou de outro, mas da totalidade da pessoa.' De uma perspectiva técnica, a mente se refere ao "eu", o indivíduo autoconsciente, racional, emocional e intencional que pode ser captado por um entendimento da anatomia ou fisiologia do cérebro (é interessante que, conquanto o coração seja, obviamente, tangível, o "eu" é fisicamente indefinível, o que quer dizer que não há base física ou neurológica para o que chamamos de coração), diz Edward T. Welch? Visão bíblica de corpo e cérebro Por isso, uma visão bíblica desse indivíduo autoconsciente, racional e intencional é único e deveria ser claramente distinguido na Escritura. Welch diz, também, que a teologia está repleta de aplicações também na área da teologia do corpo. VIC estabelece quatro princípios de orientação para a aproxiniaçao (LI questão mente-corpo, que esclarecem a aplicação do que tem()" exposto.
Primeiro, diz Welch, O cérebro não pode fazer unia pessoa pecar nem impedi-la mpedi-la de seguir a Jesus enifé e obediência. A Bíblia diz que mesmo que unia pessoa peque sem saber que está pecando, ela será responsabilii;i(l,i pela transgressão (Lv 5.17). Segundo, diz também que os requerimentos da lei estão escritos no coraç;io dos homens (Rm 2.15). Sobretudo, diz, com respeito aos mandamentos de Deus, que há um caminho pelo qual até o louco andará nele e não errará (1 s 35.8). A questão do pecado e da retidão é moral. Assim, quando alguém atribui a uma parte do corpo a culpa pelo pecado, está dizendo de si mesmo que é pessoa sem capacidade moral. Essa desculpa tiraria a esperança de alguém de se voltar para Cristo em busca de ajuda. Segundo, as habilidades pessoais capacidades e fraquezas cerebrais são singulares. Cada pessoa tem habilidades comuns a outras pessoas, mas, sobretudo, cada pessoa apresenta singularidades. Talvez alguém tenha menos habilidades, ou não se encaixe na média das habilidades comuns às pessoas, mas, se ele age, certamente poderá ser alcançado por outro ser agente. –
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Terceiro, problemas cerebrais podem expor problemas do coração. Geralmente, quando nosso corpo apresenta dificuldades, como cansaço, enfermidades, mal-funcionamento, tendemos a expor os problemas do nosso coração. Esses problemas podem e devem ser tratados. Ainda mais, um coração alcançado pelo evangelho é o mais poderoso auxiliar no tratamento de desordens físicas. Quarto, corações pecaminosos podem levar a doenças flsicas; corações justificados por Jesus podem gerar saúde. Aqui, sim, o aconselhamento redentivo se toma também terapêutico. A visão cristã dos problemas psicossomáticos tem muitas semelhanças com a visão secular, mas distinta em pontos diferentes e importantes. Nem sempre as enfermidades procedem de pecado. Tanto há enfermidades de origem espiritual quando há as que provêm da vida num mundo caído. O certo é que um coração justificado diante de Deus pode trazer cura para problemas de origem espiritual, como pode dar força e sabedoria para suportar ou vencer uma enfermidade de outras procedências.' A ato-estrutura do corpo, essa totalidade do indivíduo, é alcançada pelo aconselhamento cristão quer partindo do âmago do ser, o coração, quer partindo do comportamento, os atos do corpo. O que importa é que Deus seja visto como o centro da vida e o homem como o centro de seu propósito em Cristo Jesus. EMOÇÃO
O termo Emoção é uma palavra de origem francesa (émotion) que descreve o ato de um movimento moral. É usada também com o sentido de comoção. Neste trabalho, emoção é um movimento afetivo de equilíbrio ou desequilíbrio das afeições primárias da fé, esperança e amor, e integração dos movimentos afetivos secundários da habitação, imaginação e operação, e manifestada na ato-estrutura do corpo que compõe o indivíduo. A Bíblia não usa o termo emoção, mas seu significado é claro em todas as descrições dos movimentos interiores nos seus contatos exteriores. ( termo bíblico para emoção descreve um movimento visceral, gr. splagchnon, usado em 2 Corintios 6.12 como afeto, e se refere ao movimento da ato-estrutura do corpo no contacto com a realidade exterior (cf. Lc 1.78; 2('o 7.15; Fp 1.8; Cl 3.12; Fm 7,12,20; 1Jo 3.17). Ele traz a idéia do processo dinâmico por meio do qual a fé, a esperança e o amor, expressos na habitação do conhecimento, na imaginação e na operação da ato-estrutura do corpo, elaboram alvos, estratégias e desejos, os quais se realizam
nos comportamentos. Mesmo que a palavra emoção não seja vista na Escritura, no Antigo Testamento seu sentido existe em termos como madhabvah, "pensamentos das entranhas" e em diferentes expressões que descrevem o conteúdo de sentimentos. Israel sentiu medo no coração diante das repreensões de Deus (Dt 28.10-28); os filhos de Coré sentiram desfalecerlhes a alma (S142.6); Davi sentiu o coração ferido (SI 109.22) e Jeremias estava certo de que Deus conhecia e sondava o que ele sentia no coração (Jr 12.3). Os verbos usados com o sentido de movimento (hb. nathar, Jó 37. 1), experiência emocional (hb. ragaz, 2Sm 18.33), tremer (hb. raash, Jr 49.21; 50.46), também expressam sentimentos. Com o mesmo significado, o Novo Testamento usa termos tais como agitação, excitação (gr. kineo, At 21.30), inquietação, ansiedade (gr. saino, lTs 3.3), choque (gr. saleuo, At 2.25). Com o significado de sentimento, o Novo Testamento usa termos tais como paixão (gr. ómoipatheis, At 14.15; Tg 5.17), e mente com suas variações (gr. phroneo, Rm 12.16; Fp 2.2,5). Aproximações seculares
Emoções ou sentimentos são as manifestações mais evidentes dos processos do homem interior. Muito se tem feito no estudo delas, de diversos pontos de vista, em quase todas as psicologias. A teoria de James-Lange (William James e Carl Lange, c. 1890) diz que a experiência física vem antes da experiência interior. A teoria de Cannon-Bard (Walter Cannon e R Bard, c. 1927) se opôs a isso, dizendo que as mudanças físicas e emocionais ocorriam ao mesmo tempo (a teoria deles de que as emoções residiam no tálamo, no centro do cérebro, não foi comprovada). A teoria de jukebox (fonógrafo que funciona com a inserção de moedas; S. Schatcher, J. Singer; G. Mandler e outros; c. 1962), ou de fator duplo, demonstrou que um estímulo produtor de emoções tem dois efeitos: uma conscientização cognitiva do significado do estímulo e uma resposta fisiológica ao estímulo. A teoria do processo-oponente (R. L. Solomon e J. D. Corbit, c. 1973) diz que, quando um estímulo causa uma reação emocional, outra reação emocional oponente é eliciada (por exemplo, medo e alívio); a repetição da experiência emocional poderá promover a troca dessas emoções (por exemplo, medo por atenção e alívio por alegria).' De acordo com os modelos teóricos psicanalíticos (com variações), os problemas básicos da pessoa são mais ou menos estes: a inabilidade de confiar e o medo de amar e a baixa autoestima; a inabilidade de reconhecer e expressar sentimentos de hostilidade, ira, ódio e negação do poder como pessoa e a falta de sentimento de autonomia; a inabilidade de aceitar plenamente a própria sexualidade e os sentimentos sexuais, a dificuldade de aceitar-se como homem ou mulher e medo da sexualidade.' Conforme a psicologia individual, primeiro nós pensamos, depois agimos e, então, sentimos; para o adlerianismo, as emoções estão a serviço do process o cognitivo.1 Conforme o comportamentismo, se alguém muda o comportamento de alguém, estará mudando também seus sentimentos .4 Para os existencialistas, os sentimentos de liberdade e de ansiedade estão na base dos problemas da pessoa.' Do ponto de vista do aconselhamento centrado na pessoa, o cliente tem sentimentos básicos que devem ser experimentados na relação com o conselheiro (o que envolve crenças e atitudes) e responsavelmente assumidos diante da vida.' A Gestalt diz que as pessoas se inclinam a interromper o fluxo do presente; em vez de experimentarem seus sentimentos no aqui e agora, elas falam de seus sentimentos como se fossem separados da experiência presente; a chave da terapia é fazê-las experimentar seus próprios sentimentos "agora".' Perls, Hefferline e Goodman conceituam as emoções como "unificações ou tendências unificadoras, de certas tensões fisiológicas com situações ambientais favoráveis ou desfavoráveis, e, como tais, fornecem o conhecimento último indispensável (embora não adequado) dos objetos apropriados às necessidades, assim como o sentimento estético nos fornece o conhecimento último (adequado) de nossa sensibilidade e seus objetos".'
Aproximação cristã Uma visão integrada das emoções, das diferentes escolas terapêuticas – correndo o risco de perder as diferenças – propõe que os sentimentos devem ser Ide/IIi icados e e.XI)ressos e os, ini explorados.` ('reinos nisso, isso, rias (",i L bém que a emoção não deve ser vista como um conipartiniciflo da personalidade humana e que ela é, na verdade, a expressão da alo-estro Itira humana. Roger F. Hurding, comentando Jay Adams, a respeito ele crio çOes, diz que Adams parece rejeitar as emoções e os sentimentos em sua aproximação noutética (do gr. nous, mente – a aproximação direta, franca e amorosa derivada dos termos exortação, consolação e instrução). -FInão nega a existência de sentimentos, mas parece considerá-los completa mente como servos do comportamento. Declara que 'ninguém tem problemas emocionais; não há algo como um problema emocional... O problema é um problema comportamental'. Adams, é claro, está certo aqui. ainda que, na aproximação feita por um aconselhamento redentivo, prefiramos dizer que os comportamentos são servos das emoções. É fácil, para nós, rotularmos nosso dilema como 'emocional' para escapar da responsabilidade quanto ao nosso comportamento. Mas será que precisamos adotar uma declaração de 'este' ou 'aquele' na personalidade humana?"
A resposta à pergunta de Hurding deve ser esta: nossas emoções não compõem, simplesmente, uma parte da personalidade humana, mas está embutida em todo o processo da ato-estrutura do corpo, da totalidade do ser em seus processos interiores e em relação aos contatos com Deus, consigo mesmo e com o próximo, e com o mundo. É como se nossas emoções estivessem na totalidade e nas partes do ser assim como uma imagem num processo holográfico, em que cada parte contém a substância da totalidade. Emoções nos Salmos Na introdução do livro Cry of the Soul, Allender e Longman 111 dizem que: (1) as emoções não são amorais e expressam o trabalho interior da alma, sendo tão maculadas pelo pecado quanto qualquer outro aspecto da personalidade humana; (2) a razão de prestarmos atenção às emoções não é apenas para transformar emoções negativas e positivas, mas para ponderar sobre nossos relacionamentos com Deus e com o próximo e para nos aprofundarmos neles; (3) os Salmos oferecem orientação na peregrinação das emoções; e (4) todas as emoções, incluindo as mais negras, nos dão um vislumbre do caráter de Ucas. Para eles, as , emoções ligam nosso inundo interior ;10 inundo exterior. Elas abrem as portas à natureza da realidade corno 1111L1,11;1 gein da alma – às quais nós nos fazemos surdos pela negação, pela dito Içao ou pelo desânimo, a fim de manter controle sobre o nosso mundo interior. Em moção Allender e Longman III apontam também três movimentos – para cima, para dentro e para fora (contra, para longe e para perto de pessoas) – que refletem nossas emoções em relação a Deus: (1) quando pessoas se ino vem contra nós, sentimos isso como um ataque; (2) quando elas se 1110 vem para longe de nós, sentimos isso como abandono; e (3) quando elas se movem para perto de nós, sentimos isso como amor. No contexto de nosso mundo caído, a reação emocional é geralmente caracterizada pelos movimentos de lutar ou de fugir." Esses e outros movimentos estão relacionados à maneira pela qual nossas emoções se entretecem com nossos afetos e seus processos mentais. Quando temos uma visão bíblica da realidade, iluminada pelo Espírito Santo, estamos mais próximos do que deveríamos ser, com integridade, congruência e vulnerabilidade em nosso amor em relação a Deus e ao próximo. Entretanto, quando nossos olhos vêem através das lentes do pecado, a realidade é distorcida e nós reagimos por meios de mecanismos de defesa, criando personas, ou máscaras de nossa personalidade que nos ajudam a adorar nossos ídolos.
Habitação da emoção Tudo isso é entretecido e interativo, mas, dependendo do tipo de movimento, há a predominância de um ou de outro aspecto. Assim, em princípio, a dinâmica da emoção da habitação num dado conhecimento e do processo da imaginação, gera alvos; da habitação com a operação, gera estratégias; e da imaginação e da operação, gera desejos. Em geral, o que ocorre é um efeito defeedback que opera dinamicamente – sendo as emoções o vórtice das afeições – as expressões e manifestações da alma em comportamentos nos atos do corpo. A emoçao é que articula a Imbilaçá(~ das Inoçoes da Ir, da esperança e do amor, no,, inovinien(os, de habitação, ele 1111agiliaça() e (11, operação. (Lembre-se de que estamos utilizando o termo habitação para significar o ponto focal da pessoa. Assim, quando alguém faz sua fé habitar na revelaçao de Deus, ele encontrou sua verdadeira habitação. Quando emocionaliiiç,ii(c desequilibrado, esse alguém poderá habitar, inadequadamente, qualquer dos dois outros movimentos. Habitando o movimento da imaginaçao, parecerá sofrer de ilusões; habitando o movimento da operação, parecerá sofrer de obsessão.) Pele da alma Como já foi dito, as emoções são a linguagem da alma. Elas fazem a hermenêutica do contato do mundo interior com o mundo exterior e declaram suas conclusões em atos do corpo. Como linguagem, as emoções apresentam dois aspectos segundo os quais elas interpretam e exprimem essas conclusões: por meio de figuras ou de metáforas." Por figura ou indicação e simbolização deve-se entender a percepção diferenciada da realidade segundo o princípio da analogia, pelo qual a integração dessa realidade é feita com base na revelação de Deus. Por metáfora deve-se entender a percepção não-diferenciada da realidade segundo a qual a integração dessa mesma realidade é autocentrada e toma o valor da causa pelo efeito. Resumindo, a emoção está para a fé/habitação, para a esperança/imaginação e para o amor/operação, assim como os sentidos estão para o corpo e, seguindo a figura, a manifestação dos seus movimentos interiores se faz nos membros do corpo, no comportamento. No vórtice das emoções se fabricam os objetivos, as estratégias e os desejos motivadores secundários dos comportamentos.
COMPORTAMENTO
Os termos É importante, também, considerar que a Bíblia usa termos como "corpo" e "membros", assim como órgãos do corpo, para se referir ao comportamento, tal como na carta de Tiago:
"Ora, a língua é fogo; é mundo de iniqüidade; a língua está situada entre os membros de nosso corpo, e contamina o corpo inteiro, e não só põe em chamas toda a carreira da existência humana, como também é posta ela mesma em chamas pelo inferno(Tg 3.6) e em Provérbios: "Filho meu, atenta para as minhas palavras; aos meus ensinamentos inclina os ouvidos. Não os deixes apartar-se dos teus olhos; guarda-os no mais íntimo do teu coração. Porque são vida para quem os acha e saúde, para o seu corpo. Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o coração, porque dele procedem as fontes da vida. Desvia de ti a falsidade da boca e afasta de ti a perversidade dos lábios. Os teus olhos olhem direito, e as tuas pálpebras, diretamente diante de ti. Pondera a vereda de teus pés, e todos os teus caminhos sejam retos" (Pv 4.20-20). Quando) Pedro instruiu as mulheres es a serem e111 submissas aos seus llizill ficai ido a des i ncunibência de sua própria missão ssão — de modo geral, a m issão bíblica de produzir relacionamentos ei (Gn 2.18, hb. `asah 'e,(,i; "auxiliadora que lhe seja idônea", ajudante, realizadora, executante, m; inienedora, produtora, modelo ["ao seu lado como que à sua frente"]) e de mae ( Ufin 2.15, gr. teknogonia, criação de filhos) — ele se referiu ao im)cedílinento ou comportamento como a estratégia para se atingir esse ol)Ictivo: "Mulheres, sede vós, igualmente, submissas a vosso próprio marido, para que, se ele ainda não obedece à palavra, seja ganho, sem palavra alguma, por meio do procedimento (gr. anastrophe, maneira de \ ida, conduta) de sua esposa ao observar o vosso honesto comportamento (un(isIrophe) cheio de temor. Não seja o adorno da esposa o que é exterior, C01110 frisado de cabelos, adereços de ouro, aparato de vestuário; seja, porém, o homem interior do coração, unido ao incorruptível trajo de um espírito manso e tranqüilo, que é de grande valor diante de Deus" (lPe 3. 1 ). Do mesmo modo, o mestre de Provérbios disse aos pais que "criassem tini gosto na criança" no caminho que deveriam andar, referindo-se ao Comportamento: "Ensina a criança no caminho (hb. derek, direção, maneira, hábito) em que deve andar (hb. peh, boca, órgão da fala), e, ainda quando for velho, não se desviará dele" (Pv 22.6). O comportamento fecha o círculo dinâmico da ato-estrutura do corpo assim como os frutos fecham o círculo produtivo da árvore, como disse Tiago: "... pode a figueira produzir azeitonas, ou a videira, figos?" (Tg 3.12). São frutos de justiça ou de injustiça, na linguagem de Paulo: "Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal, de maneira que obedeçais às suas paixões; nem ofereçais cada um os membros do seu corpo ao pecado, como instrumentos de iniqüidade; mas oferecei-vos a Deus, como ressurretos dentre os mortos, e os vossos membros, a Deus, como instrumentos de justiça... Falo como homem, por causa da fraqueza da vossa carne. Assim como oferecestes os vossos membros para a escravidão da impureza e da maldade para a maldade, assim oferecei, agora, os vossos membros para servirem à justiça para a santificação" (Rm 6.12,13,19). Esses frutos de justiça ou de injustiça são gerados no homem interior, na dinâmica do trinômio fé/esperança/amor; dependendo de onde seja posta a referência dos seus movimentos de habitação/imaginação/operação, se em Deus ou se nos ídolos, tais frutos comportamentais se provarão inconseqüentes e transitórios ou conseqüentes e eternos, como disse Paulo: "Mas, segundo a tua dureza e coração impenitente, acumulas contra ti,
ira para o (lia da ira e da revelação do justo juízo de Deus, que retribuirá 1 etri 1 -à a cada um segundo o seu procedimento: a vida eterna aos que, perseverando em fazer o bem, procuram glória, honra e incorruptibilidade; mas ira e indignação aos facciosos, que desobedecem à verdade e obedecem à injustiça" (Rm 2.5-7); e como corroborou Pedro: "Por isso, cingindo o vosso entendimento [fé/habitação, esperança/motivação, amor/opcração], sede sóbrios e esperai inteiramente na graça que vos está sendo trazida na revelação de Jesus Cristo. Como filhos da obediência, não vos amoldeis às paixões [desejos/sentimentos] que tínheis anteriormente na vossa ignorância; pelo contrário, segundo é santo aquele que vos mesmo
chamou, tornai-vos santos também vós mesmos em todo o vosso procedimento, porque escrito está: Sede santos, porque eu sou santo. Ora, se invocais como Pai aquele que, sem acepção de pessoas, julga segundo as obras de cada um, portai-vos com temor durante o tempo da vossa peregrinação, sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram, mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo, conhecido, com efeito, antes da fundação do mundo, porém manifestado no fim dos tempos, por amor de vós que, por meio dele, tendes fé em Deus, o qual o ressuscitou dentre os mortos e lhe deu glória, de sorte que a vossa fé e esperança estejam em Deus. Tendo purificado a vossa alma, pela vossa obediência à verdade, tendo em vista o amor fraternal não fingido, amai-vos, de coração, uns aos outros ardentemente, pois fostes regenerados não de semente corruptível, mas de incorruptível, mediante a palavra de Deus, a qual vive e é permanente" (1Pe 1.13-23).
Comportamento santo O comportamento que reflete o amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos é o comportamento santo. Infelizmente, a santidade, hoje, tem sido tratada por muitos como um entusiasmo (no sentido antigo de exaltação ou arrebatamento sob inspiração divina, estados esses provocados pela presença de "deus" dentro da pessoa) ou como fonte de lucro, mas não como procedimento ético, o que significa idolatria: "e andai em amor, como também Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nós, como oferta e sacrifício a Deus, em aroma suave. Mas a impudicícia e toda sorte de impurezas ou cobiça nem sequer se nomeiem entre vos, comi convéns a santos; ne11 1,011V1,is;iÇao Iolpe, nem palavras vas ou chocarrices, coisas essas, inconvenientes; antes, pelo contrário, ações de graças. Sabei, pois, isto: nenhum incontinente, ou impuro, ou avarento, que é idólatra, tem herança no reino de Cristo e de Deus" (Ef 5.2-5). A Palavra de Deus nos propõe um alto ideal comportamental, atingível ainda que difícil e, às vezes, muito doloroso. Mas ele não só é possível quanto tema promessa da sua concretização: "Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus" (Fp 1.6). Muitos experimentaram sofrimentos até que sangnissem na sua luta contra o pecado porque desejavam esse comportainento,santo. A parte inicial da nossa vocação é exatamente essa luta, para a qual temos a promessa do poder do Espírito: "Rogo-vos, pois, eu, o prisioneiro no Senhor, que andeis de modo digno da vocação a que fostes chamados, com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor, esforçando-vos diligentemente por preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz; há somente um corpo e tini Espírito, como também fostes chamados numa só esperança da vossa vocação" (Ef 4.1-4). Mas esse poder do Espírito não é entusiástico nem tema promessa de sucesso terreno; antes ele exige um comportamento santo: "Digo, porém: andai no Espírito e jamais satisfareis à concupiscência da carne. Porque a carne milita contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne, porque são opostos entre si; para que não façais o que, porventura, seja do vosso querer" (GI 5.16,17). Devemos nos lembrar de onde viemos e para onde vamos – e como e porque andamos para a salvação eterna e não para a eterna perdição – para que entendamos o propósito do bom comportamento. O comportamento santo não pode jamais ser legalista, pois o legalismo (ser lei para si mesmo, ter autojustiça) é um auto-engano, a forma mais enganosa de idolatria. Ele não pode ser um fim em si mesmo. A finalidade do comportamento santo é as boas obras. Deus nos criou e à igreja para as boas obras: "Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, nos quais andastes outrora, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência; entre os quais também todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos, por nat ureza, filhos da ira, como também os demais. Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou, e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo, – pela graça sois salvos – e, juntamente com ele, nos ressuscitou, e nos fez assentar nos lugares
celestiais ein Cristo Jesus; para inostrar, nos si ru los vindouros, a suprema riqueza da sua graça, em bondade para conosco, em Cristo Jesus. Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto nao vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie. ningué feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais I)cus de antemão preparou para que andássemos nelas" (Ef 2.1-10; ver TI 2. 1, 1). Carne versus Espírito A luta para fazer prevalecer as obras do Espírito sobre as obras- da carne é desconcertante. Ela pertence ao tema dos reformadores da condi ção "já, mas ainda não" da plenitude da fé, da firmeza da esperança lia Promessa e do pleno cumprimento da excelência do amor, quando confie teremos como também somos conhecidos. Muito se tem discutido sobre o texto de Romanos 7, no qual Paulo trata da impossibilidade de o homem I i nãoregenerado viver a vida santa e da dificuldade que o crente tem de produzir um comportamento santo rico das boas obras que Deus preparou para que ele andasse nelas. Paulo diz que a lei de Deus expõe o pecado do homem e o condena, mas que ela mesma não é pecado. Quando não havia pecado, imperava o princípio da fé em Deus, da esperança na sua Palavra e do amor a Deus e aos homens, mas vindo o pecado, sobreveio a lei como providência da graça de Deus para que, mesmo mortos e incapacitados de conhecer a Deus e a sua revelação natural, conhecêssemos nossa infeliz condição. Quando conhecemos a lei, a revelação especial de Deus, somos condenados por causa do pecado, e morremos; mas quando conhecemos a graça, sua revelação especial em Cristo Jesus, somos salvos e vivificados a fim de que frutifiquemos para Deus. Antes, vivíamos segundo as paixões da carne (desejos/comportamentos) e isso era realçado pela lei. Agora, porém, redimidos, devemos viver em novidade de vida. Ora, "a lei é santa; e o mandamento, santo, e justo, e bom". O problema é que tendo sido salvos pela obra consumada de Cristo, somos ainda carnais (gr. sarkikos) e isso irá durar até que sejamos, um dia, revestidos de eternidade. Ante a compreensão dessa realidade, Paulo diz: "... nem mesmo compreendo o meu próprio modo de agir, pois não faço o que prefiro, e sim o que detesto. Ora, se faço o que não quero, consinto com a lei, que é boa. Neste caso, quem faz isto já não sou eu, mas o pecado que habita em mim. Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bera nenhum, pois o querer o bem está em mim; não, porém, o efetuá-lo. Porque não.faço o bem que prefiro, mas o mal que não quero, esse faço. Mas, se eu faço o que nau quero, .Vi não sou eu quem o 1;11, e si m o pecado que habita em mim. 1,1,111ao, ao querer fazer o bem, encontroa lei de que o mal reside em m]]. lIorque, no tocante ao homem interior, tenho prazer na lei de Deus; mas vejo, nos meus membros, outra lei que, guerreando contra a lei da minha mente, me faz prisioneiro da lei do pecado que está nos meus membros. Desventurado homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte? Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor. De maneira que eu, de mim mesmo, com a mente, sou escravo da lei de Deus, mas, segundo a carne, da lei do pecado" (Rm 7.15-25).
Visão secular A psicologia secular apresenta grande diversidade no trato do comportamento. Certamente, coletar compreensões interessantes sobre como uma pessoa é e por que age como age, localizar causas e conseqüências, e expressar sentimentos nunca será suficiente para a mudança que qualquer escola de pensamento proponha. A psicanálise de Freud, a psicologia individual/social de Adler, o comportamentismo de Skinner, a terapia da realidade de Ellis ou qualquer terapia emotivo-racional e análise transacional ou as demais escolas de pensamento psicológico, podem até apresentar observações preciosas, mas todas, por natureza (por considerar o homem autônomo existindo num mundo sem muita influência de Deus, ou sem Deus) só podem esperar mudanças parciais no ser humano, como disse o poeta popular: "deixei crescer minha barba, mudei de fisionomia, mas dentro do meu peito não mudava o que eu queria".
Visão bíblica A Bíblia fala da transformação da mente: "Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não vos conformeis com este século, mas transformaivos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. Porque, pela graça que me foi dada, digo a cada um dentre vós que não pense de si mesmo além do que convém; antes, pense com moderação, segundo a medida da fé que Deus repartiu a cada um" (Rm 12.1-3); fala da transformação da emoção: "Se, pelo contrário, tendes em vosso coração inveja amargurada e sentimento faccioso, nem vos glorieis disso, nem mintais contra a verdade. Esta não é a sabedoria que desce lá do alto; ames, e leriena, animal e demoníaca. Pois, onde lia IMIC 1 há confusão e toda espécie de coisas ruins. A sabedoria, porém, lá do alto é, primeiramente, pura-, depois, pacífica, 111 dulgente, tratável, plena de misericórdia e de bons frutos, imparcial, lenifingimento" (Tg 3.14-17); fala da transformação da vontade: "para (11IC, no tempo que vos resta na carne, já não vivais de acordo com as dos homens, mas segundo a vontade de Deus. Porque basta o tempo de corrido para terdes executado a vontade dos gentios, tendo andado em dissoluções, concupiscências, borracheiras, orgias, bebedices e em deles táveis idolatrias" (1Pe 4.2,3). E fala da transformação do comportainenio: "pelo contrário, segundo é santo aquele que vos chamou, tornai-vos san tos também vós mesmos em todo o vosso procedimento"; e: "fostes res gatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram" ( 11 Y 1. 15,18). Fala, porém, de tudo isso referindo-se a uma transformação da totalidade da pessoa e da totalidade da vida: "Porque Deus, que disse: Das trevas resplandecerá a luz, ele mesmo resplandeceu em nosso cora ção, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Cristo" (2Co 4.6); "E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito" (2Co 3.18); "...aproximemo-nos, com sincero coração, em plena certeza de fé, tendo o coração purificado de má consciência e lavado o corpo com água pura" (Hb 10.22). "... a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração" (Hb 4.12).
Mudança de comportamento A transformação do comportamento é uma mudança de comportamento, mas é mais do que isso; é a transformação de – para, como das trevas para a luz: "O julgamento é este: que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz; porque as suas obras eram más. Pois todo aquele que pratica o mal aborrece a luz e não se chega para a luz, a fim de não serem argüidas as suas obras. Quem pratica a verdade aproxima-se da luz, a fim de que as suas obras sejam manifestas, porque feitas em Deus" (Jo 3.19-21); da morte para a vida: "Em verdade, em verdade vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida" (Jo 5.24); dos ídolos para Deus: "deixando os ídolos, vos convertestes a Deus, para servirdes o Deus vivo e verdadeiro" (lTs 1.9). Aquele que tem essa transformação é feito filho de Deus: "Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que crêem no seu nome" (Jo 1.12); é feito irmão dos irmãos: "Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos" (Rm 8.29); "Por esta causa, me ponho de joe lhos diante do Pai, de quem toma o nome toda família, tanto no céu como sobre a terra, para que, segundo a riqueza da sua glória, vos conceda que sejais fortalecidos com poder, mediante o seu Espírito
no homem interior" (Ef 3.14-16); é feito servo de Deus e dos irmãos: "Agora, porém, libertados do pecado, transformados em servos de Deus, tendes o vosso fruto para a santificação e, por fim, a vida eterna" (Rm 6.22); "sujeitando-vos uns aos outros no temor de Cristo" (Ef 5.21).
Corpo e coração Mas não deveriam, os problemas comportamentais causados pelo corpo ou pelo "coração", ser tratados diferencialmente? Welch diz que as categorias bíblicas do coração e do corpo podem ser postas a funcionar de diversas maneiras, e que nós podemos distingui-Ias entre pecado e enfermidade. Comportamentos que não se coadunam com os mandamentos e promessas da Palavra de Deus ou que transgridam princípios bíblicos procedem do coração e são pecaminosos. Comportamentos que sejam, mais acuradamente, chamados de fraquezas, procedem do corpo e são enfermidades ou sofrimentos. Estes também podem significar pecados, mas deve haver cuidado nessa ligação? Talvez o conselheiro, não sendo médico, não possa tratar dos problemas do corpo. Conduto, ele poderá sempre tratar dos afetos do coração quando à enfermidade, até que o comportando em relação a ela esteja em conformidade com a vontade de Deus, como Paulo disse: "Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito" (Rm 8.28).
Uma das maiores experiências teórico-práticas que tive sobre mudança de comportamento ocorreu durante o meu período de estudos no CCEF2 numa palestra sobre modificação de comportamento de ex-homossexuais. O professor convidado, Jack Miller, tomou sua Bíblia, e disse: "O caminho mais curto para se chegar aonde queremos é 'a lavagem de água pela Palavra', mais especificamente, na Epístola aos Gálatas". A indagação surpresa que muitos de nós experimentamos foi respondida quando ele prosseguiu: "Como disse Paulo em outro lugar (Rm 1.18-32), Deus criou o homem à sua imagem, e a rejeição de Deus significa a rejeição da maneira como ele nos criou, o que, em última instância, leva-nos a 'assumir a lei em nossas próprias mãos' determinando quem nós queremos ser: isso se chama legalismo". Sem dúvida, o comportamento do homem natural é determinado por um senso de injustiça que, como disse Paulo, substitui a verdade pela mentira, resultando na corrupção dos costumes. Os crentes, mesmo que experimentem a novidade de vida, o fazem ainda num mundo e numa carne que gemem e aspiram por redenção. A redenção, é claro, a presente realidade do crente, mas num processo em que o "já, mas ainda não" tem de ser considerado. Já fomos libertados do poder do pecado, estamos sendo libertados da influência do pecado e seremos da presença do pecado.
Libertação
Como Paulo diz: "Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais, de novo, a jugo de escravidão" (G15.1). Esse verso nos leva aos Dez Mandamentos, cuja introdução revela o Deus da nossa criação como o Deus da nossa
libertação. O raciocínio de Paulo é o de que a lei maior de Deus foi quebrada no Éden e que, desde então, nós procura mos nos justificar por nossa própria lei comandando nossa fé, nossa esperança e nosso amor. Mas, diz ele, quem rejeita a lei de Deus rejeita qualquer lei, incluindo a própria, desligando-se de Cristo, de si mesmo e do próximo. Contudo, Paulo prossegue dizendo: "...nós, pelo Espírito, aguarda mos a esperança da justiça que provém da fé. Porque, em Cristo Jesus, nem a circuncisão, nem a incircuncisão [nenhuma lei] têm valor algum, mas a fé que atua pelo amor"... "Porque vós, irmãos, fostes chamados à liberdade; porém não useis da liberdade para dar ocasião à carne; sede, antes, servos uns dos outros, pelo amor" .... "andai no Espírito e jamais satisfareis à concupiscência da carne. Porque a carne milita contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne, porque são opostos entre si; para que não façais o que, porventura, seja do vosso querer. Mas, se sois guiados pelo Espírito, não estais sob a lei" (5.5,6,13,16,17,18). Deixado à vontade das emoções, todo comportamento tem uma tendência carnal: "prostituição, impureza, lascívia, idolatria, feitiçarias, inimizades, porfias, ciúmes, iras, discórdias, dissensões, facções, invejas, bebedices, glutonarias e coisas semelhantes" (GI 5.19-21) — a qual impede o comportamento santo, fruto da vida no Espírito: "amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio" (5.22,23). Os que crucificaram sua carne com seu desejos e paixões, deveriam, também, andar no Espírito. Descritivamente, os afetos básicos do coração (fé, esperança e amor) são processados em termos fisicos e espirituais por meio dos movimentos secundários do coração (respectivamente, habitação, imaginação e operação), cuja dinâmica emocional gera os comportamentos. A pessoa receptivamente criada (fé/habitação) e ativamente redentiva (esperança/imaginação) manifesta um ato religioso (amor/operação). Funcionalmente, o s U ê s afetos no colaçao motivadores dinâmicos do ser humano Ir. esperança e amor, se movimentam no sentido do conhecimento(11 , I)cir, e de si mesmo (habitação), da compreensão da realidade por ele 1.1 la(la para o homem (imaginação), e do relacionamento com Deus, com o 1)ioxil])() e com a realidade criada (operação). O equilíbrio e o desequilíbrio dinâmica formam emoções que resultam nos atos do corpo e nos como Lamentos. A maneira como isso se organiza e funciona pode ser descrita assim: dos movimentos da habitação e da imaginação nascem os ol)Ici i vos; dos movimentos da habitação/imaginação e da operação, aniadm(- cem as escolhas de estratégias por meio das quais se atinge os ditos ()1))(, tivos; e dos movimentos de habitação/imaginação/operação, frutificam 0 desejos – esses desejos são os controladores das emoções, as quais regro duzem a ato-estrutura do corpo (coração, corpo e 11
atos) nas ações e iio•, comportamentos. Poderíamos dizer que, de modo prático, a pessoa esta
belece os objetivos, planeja as estratégias e molda os desejos.
INTEGRAÇÃO Se há, pois, alguma exortação em Cristo, alguma consolação de amor, alguma comunhão do Espírito, se há entranhados afetos e misericórdias, completai a minha alegria, de modo que penseis a mesma coisa. Nada façais por partidarismo ou vanglória, mas por humildade, considerando cada um os outros superiores a si mesmo. Não tenha cada um em vista o que é propriamente seu, senão também cada qual o que é dos outros. Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz. Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai. Assim, pois, amados meus, como sempre obedecestes, não só na minha presença, porém, muito mais agora, na minha ausência, desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade. Filipenses 2.1-13 Visto como, pelo seu divino poder, nos têm sido doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade, pelo conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude, pelas quais nos têm sido doadas as suas preciosas e mui grandes promessas, para que por elas vos torneis co-participantes da natureza divina, livrando-vos da corrupção das paixões que há no mundo, por isso mesmo, vós, reunindo toda a vossa diligência, associai com a vossa fé a virtude; com a virtude, o conhecimento; com o conhecimento, o domínio próprio; com o domínio próprio, a perseverança; com a perseverança, a piedade; com a piedade, a fraternidade; com a fraternidade, o amor. Porque estas coisas, existindo em vós e em vós aumentando, fazem com que não sejais nem inativos, nem infrutuosos no pleno conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo. Pois aquele a quem estas coisas não estão presentes é cego, vendo só o que está perto, esquecido da purificação dos seus pecados de outrora. Por isso, irmãos, procurai, com diligência cada vez maior, confirmar a vossa vocação e eleição; porquanto, procedendo assim, não tropeçareis em tempo algum. 2 Pedro 1.3-10
OBJETIVOS José' veio a mim trazido por sua irmã, a qual o havia enganado a fim de conseguir seu intento. "A única maneira de trazê-lo era dizendo que viríamos para uma colônia de férias", ela disse. Deixei que um pequeno silêncio frisasse o que eu iria dizer: "Você já pensou nele como uma pessoa inteira?" Seu olhar disse que não; não havia pensado nisso nem havia entendido a pergunta. "Você acha que seu irmão, por ser viciado em drogas, é uma pessoa inerte, sem crenças nem expectativas, uma pessoa passiva, sem planos, e uma pessoa sem preferências?". Dessa vez ela entendeu e indagou com a frase feita: "O que mais eu poderia fazer?" "Dizer a verdade", respondi. Meu ponto aqui é que nós tendemos a julgar as pessoas em função dos nossos objetivos, sem avaliar os objetivos dos outros. Procedemos sem levar em contra que as pessoas pensam, como se fossem personagens de histórias em quadrinhos que só adquirem expressão quando sob nossa observação e que deixam de atuar quando fechamos a revista. Assim é que algumas pessoas sempre explicam o humor de uma piada; elas não crêem que as pessoas pensem. José iria descobrir a mentira tão l o g o c h e g a s s e a o n o s s o 1 ( ) Ç . ; 1 1 s e r i a m í r u s l r a d a s n o p r a melro encontro. Sua li-nia Ililha seus ob elivos:.los é 1 1 1 1 1 1 . 1 outi , os -, e lie ithuin cios dois, daquela maneira, si, encaixava nos meus objetivos. 1 1,, elmo j
que redimimos a situação, falando a verdade sobre a realidade da situada() e sobre nosso interesse genuíno em ajudá-lo.
Valores morais, éticos e písti cos A verdade, em si mesma, não teria sido razão suficiente para mudar w. objetivos e expectativas nem para a irmã de José nem para ele mesmo Era preciso haver um significado e uma segurança pessoal envolvidos ali Sem um sentido ético, até a verdade moral se torna insuficiente. E sem uma pessoalidade não há motivos éticos. E sem um sentido pistico, não 11;1 razão para motivos morais e éticos. Deus é o sentido moral e ético da existência, como disse Jesus: "Eu sou o caminho, e a verdade, e a viela; ninguém vem ao Pai senão por mim" (Jo 14.6).
Pessoas são criaturas de Deus que portam a sua imagem: seu valor pessoal não reside nelas mesmas, mas em Deus. São pessoas criadas para se relacionar com ele de maneira graciosa, e se não o fazem por causa do pecado, isso não anula a justiça de Deus nem mesmo na demonstração (li, sua ira; são pessoas criadas com propósito e com finalidade. A esse respeito, Paulo, escrevendo aos romanos, pergunta se, porventura, acusaremos Deus de injustiça. A resposta é pronta: "De modo nenhum!" Deus diz que tem compaixão de quem lhe aprouve ter, e assim, não depende de quem corre, mas de Deus usar sua misericórdia – Ele tem misericórdia ou endurece com quem lhe apraz. Alguém poderia até dizer que, se é esse o caso, não existe culpa pessoal para aquele que o rejeita, pois ninguém pode resistir à sua vontade. A esse, Paulo pergunta: Quem é suficiente para discutir com Deus? "Ou não tem o oleiro direito sobre a massa, para do mesmo barro fazer um vaso para honra e outro, para desonra? Que diremos, pois, se Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita longanimidade os vasos de ira, preparados para a perdição, a fim de que também desse a conhecer as riquezas da sua glória em vasos de misericórdia, que para glória preparou de antemão, os quais somos nós, a quem também chamou, não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios?" (Rm 9.14-24). Desse modo, quer a finalidade da pessoa seja a redenção quer seja a perdição, permanece o propósito de que ela é criada para a justa manifestação gloriosa da graça ou da ira de Deus. Essa pessoa tem seus próprios objetivos em relação ao propósito de Deus e à sua finalidade eterna. 0 termo Muitos termos e expressões são usados no Antigo e no Novo Teslaincii to para designar objetivo: no
texto acima, quando Paulo diz: para o alvo", a palavra usada é skopos (gr. uma marca buscada, un) obie tivo em vista). E a Timóteo, ele escreve: "Nenhum soldado em serviço se envolve em negócios desta vida, porque o seu objetivo (gr. hino, a fim dc que) é satisfazer àquele que o arregimentou" (2Tm 2.4). E o mestre dc Provérbios diz: "A sabedoria é o alvo (hb. paniyn, à frente, diante de, face) do inteligente, mas os olhos do insensato vagam pelas extreinidad(, da terra" (Pv 17.24). Portanto, um objetivo, no sentido usado em nosso trabalho, é uni alvo escolhido pelo movimento racional-emotivo interativo da félhabilação (- da esperança/imaginação. Em relação à fé/habitação, o objetivo é um foco de luz revelador de Deus ou de ídolos: "São os olhos a lâmpada (k) corpo. Se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo será luminoso-, se, porém, os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em trevas. Iloi tanto, caso a luz que em ti há sejam trevas, que grandes trevas serão!- I M 1 6.22,23). Em relação à esperança-imaginação, o objetivo é uma visão91, ral da realidade à luz desse foco.
Polanyi e Prosch abrem as portas para a compreensão desta questão. Eles dizem que há dois aspectos diferentes de consciência de uma di(li realidade: a consciência focal e a subsidiária. Quando se usa um martele) para pregar um prego, presta-se atenção a ambos, mas de maneiras diferentes, eles dizem. Observa-se o efeito das pancadas sobre o prego enquanto se segura o cabo do martelo. O sentimento não é o de que o cabo do martelo exerceu impacto em minha mão, mas o de que a cabeça do martelo bateu na cabeça do prego.' Segundo eles, o estabelecimento de objetivos é decorrente de uma escolha entre esses dois aspectos da cons, ciência, focal e subsidiário. Essa distinção de Polanyi entre consciência ~ "focal" e "subsidiária", diz D. C. Gomes, provou-se interessante e frutífera l_; porque usa os termos de maneira plástica o bastante para cobrir um largo espectro de combinações dos movimentos de para (por exemplo, da fé na Palavra de Deus para minha esperança pessoal) e para mudar o modo como alguém vê tanto as partes quanto a totalidade compreensiva. Todo ato epistêmico é um empreendimento que envolve diversas indeterminações de modo que a possibilidade de erro estará sempre presente. Contudo, não se pode reduzir todo conhecimento à subjetividade', pois o homem age segundo a luz de uma revelação divina – acatando-a ou rejeitando-a, como disse João: "a saber, a verdadeira luz, que, vinda ao mundo, ilumina a todo homem. O Verbo estava no mundo, o mundo foi feito por intermédio dele, mas o mundo não o conheceu. Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que crêem no seu nome" (Jo 1.912; veja Rm 1.18-32). A escolha do objetivo é sempre feita dentro de um contexto espiritual-moral – isto é, diante de Deus ou diante do homem. –
Responsabilidade humana O fato de que o homem é criado por Deus torna-o responsável diante do seu Criador. Sobretudo, o fato de que o homem foi criado com propósito e finalidade na dependência Daquele que é a fonte de sua vida, respiração, ambiente e luz do seu conhecimento e sua concentração última torna-o responsável diante dos planos de Deus. O contato adequado do homem com a realidade depende de um contato com Deus, pois, como diz o apóstolo Paulo: "O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, sendo ele Senhor dos céus e da terra, não habita em santuários feitos por mãos humanas. Nem é servido por mãos humanas, como se de alguma coisa precisasse; pois ele mesmo é quem a todos dá vida, respiração e tudo mais; de um só fez toda a raça humana para habitar sobre toda a terra, havendo fixado previamente os limites de sua habitação; para buscarem a Deus se, porventura, tateando, o puderem achar, bem que não está distante de nenhum de nós; pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos..." (At 17.24-28.)
Por causa do pecado, o homem trocou a verdade de Deus por sua própria "verdade" (estultícia e injustiça), recebendo em retomo a manifestação da ira de Deus. A partir daí, o homem começa a estabelecer objetivos temporais e móveis em vez de focalizar esses objetivos em Deus e na vida eterna. É bom que façamos aqui um outro comentário acerca de Romanos 1.16-20. O evangelho não era motivo de vergonha para o apóstolo Paulo porque significava para ele o poder de Deus para a salvação, visto que se baseava na fé. Sua esperança de que a verdade de Deus fosse a realidade da vida ficava patente por causa do chamado da palavra de Deus à qual ele havia atendido e por causa da verdade aparente para todo homem, mesmo que os homens sem Cristo a vissem como que o negativo de uma fotografia refletida de cabeça de ponta-cabeça num espelho embaçado. Conforme o testemunho do próprio Paulo, desde os seus primeiros dias ele habitou num profundo senso de autojustiça, o qual lhe foi passado pela religião dos seus pais, como disse: "...se qualquer outro pensa que pode confiar na carne, eu ainda mais: circuncidado ao oitavo dia, da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus" (Fp 14,5). Em sua imaginação ele via essa justiça totalmente cumprida na excelência da lei, o que moldou quem ele haveria de ser, sentir e fazer: "quanto à lei, fariseu, quanto ao zelo, perseguidor da igreja; quanto à justiça que há na lei, irrepreensível" (vs. 5,6). Contudo, quando a caminho de Damasco para dar cabo aos intentos maus do seu coração, Paulo teve a visão mais preciosa de toda a sua vida. Algo que mudou o lugar de sua habitação. Ao ouvir a voz do Senhor dizer: "Saulo, Saulo, por que me persegues?" e "Eu sou Jesus a quem tu persegues" (At 9. 1 -8), ele percebeu a vaidade de sua imaginação: colocando a , fé do seu coração, idolatramente, na justiça da lei, e portanto, nas obras da carne, ou justiça própria, ele havia transportado sua esperança da glória de Israel para a sua própria glória. O objetivo de sua vida se tornou perseguir a igreja do Deus que deu a lei e que chamou Israel. A transformação do seu coração foi radical, mudando o movimento da fé em relação ao seu objeto. Ele adquiriu uma nova visão das coisas de Deus e do mundo: "São israelitas. Pertence-lhes a adoção e também a glória, as alianças, a legislação, o culto e as promessas; deles são os patriarcas, e também deles descende o Cristo, segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito para todo o sempre. Amém!" (Rm 9.4,5). Antes ele habitava na justiça da lei e imaginava que, perseguindo a igreja, estivesse servindo a Deus. Depois, ele passou a habitar na justiça da graça de Deus mediante a fé – "Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego; visto que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: O justo viverá por fé" (Rm 1.16,17) e a imaginar como seria servir a Deus e não aos homens: "Porventura, procuro eu, agora, o favor dos homens ou o de Deus? Ou procuro agradar a homens? Se agradasse ainda a homens, não seria servo de Cristo. Faço-vos, porém, saber, irmãos, que o evangelho por mim anunciado não é segundo o homem, porque eu não o recebi, nem o aprendi de homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo" (GI 1. 10- 12). Isso mudou, também, o seu amor em relação a Deus e aos homens: o perseguidor se deixou perseguir por amor do evangelho de Cristo e até ;1 !a SIM se e a %L deixar gastar por a i nor dos escolhidos. Os objetivos de Paulo se tornaiai claros e consumidores "Mas longe esléja de mil]] gloriar-me, senao na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim, e eu, para o mundo" (GI 6.14). –
I
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Finalidade Finalidade é um dos pontos marcantes da psicologia adleriana. Rudolph R. Dreikurs, discorrendo sobre isso, diz que somente a atitude de uma pessoa em face de um problema social não pode ser a determinante do desenvolvimento do seu caráter, mas que há, também forças inatas que governam o seu comportamento, de modo que podemos esperar apenas certas modificações de personalidade em
resposta ao condicionamento ambiental. Contudo, a atitude que alguém adota em relação ao seu ambiente ainda na primeira infância terá grande influência no seu pensamento teleológico, isto é nos objetivos de vida ou alvos pessoais. Para Alfred Adler, todos os seres vivos têm objetivos, alvos, e é-nos impossível entender atos e comportamentos a menos que conheçamos os alvos da pessoa. Por que uma pessoa age de certa maneira? Cria-se que as impressões eram transmitidas ao corpo por meios dos órgãos sensoriais, e depois, indiretamente, por processo ou reflexo cerebral, a ação era liberada. Freud foi o primeiro a descartar a idéia da origem fisiológica da ação, substituindo-a por uma origem psicológica, mas ele estava sendo enganado pela lei da causalidade ao buscar no passado a explicação para o comportamento humano; Adler disse que a motivação de toda ação humana está no objeto, alvo ou finalidade da ação.
Cremos sim, que o objetivo, como finalidade, desempenha papel primário da determinação do estilo e das ações de uma pessoa. Não cremos, contudo, que seja uma finalidade apenas horizontal, quer dizer, individual, social. A finalidade da fé é primariamente vertical, um movimento para cima, para o transcendental a fim de encontrar significado para o imanente e para o relacional. A finalidade da esperança é o retorno desse movimento vertical para o encontro do movimento horizontal da segurança naquilo que é imanente e que é relacional. Assim, a pessoa olha primeiro para cima, segundo sua fé, e habita ou na presença do Senhor ou na rebelião que move a sua fuga dele para os ídolos de reposição; então, segundo sua esperança em Deus ou no ídolo que o substitua, imagina o bem ou o mal que lhe reserve a realidade; daí, desses primeiros movimentos, a pessoa deriva seu objetivo e seu estilo de vida.
Ambiente Deus é o ambiente do honen. 0 crente considera a sua revelaça(), quem Deus é e qual é o seu propósito, a fim de autenticar sua exlsl•ii(-i;i nos planos de Deus: "Agrada-te do Senhor, e ele satisfará os desejos () teu coração. Entrega o teu caminho ao Senh or, confia nele, e o mais ele fará" (S137.4,5). O incrédulo, por sua vez, formula seus próprios
vos que autentiquem sua existência e supram suas necessidades: (1) afiro para crer — transcendente o suficiente para cuidar das coisas fora do Co[ 1 trole humano e imanente bastante para não fugir ao seu controle — que o proteja de Deus e (2) um sistema de valores e de motivação pelo qual sobreviva no ambiente falsificado de seu mundo percebido. O Catecismo Maior de Westminster pergunta: "Qual o principal e mais alto fim do homem?" E responde: "O principal e mais alto fim do homem é glorificara Deus e gozá-lo para sempre" (PR 1). Vêm do apóstolo Paulo duas das mais bem colocadas declarações que nos levam a crer nessa finalidade. Ele diz: "Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!" (Rm 11.36); e: "... quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a g lê) ria de Deus" (1 Co 10.31).
Glorificação de Deus Gloriar-se em Deus vai além da noção atual de "dar glórias" e "louvar", entendida apenas como cultuar com hinos e orações calorosas conhecidas como "de poder". Glorificar a Deus se refere à criação do homem à imagem do Criador e à vocação graciosa de espelhá-lo; e gozá-lo se refere à satisfação grata de ser como ele é, isto é, santo: "Sede santos...- Van Til diz que, falando de modo mais técnico, essa é uma discussão sobre o conceito de ética cristã, cujas questões recaem em três divisões: Qual o objetivo que deveriam ter os atos do cristão? Qual o padrão que deveria nortear suas ações? Qual o motivo que impele o homem ao seu objetivo? A boa teologia responde a essas questões com a proposta do summum bonum acima mencionado, isto é, glorificar a Deus e gozá~lo para semp re. À pri meira questão, ela responde dizendo que os atos do cristão deveriam buscar a realização do reino de Deus e a sua justiça. À segunda questão, ela responde dizendo que para alcançar esse objetivo ele deve se pautar pela revelação da Escritura. E, à terceira questão, ela responde dizendo que a observância exterior do padrão cristão é insuficien te, sendo necessário que
o motivo dos atos e ações provenham de fé, a qual só pode ser dada por Deus. Em tudo isso,
subjaz a pressuposição da trindade ontológica, da criação causal, da revelação direta na natureza e na Escritura e do conhecimento experimental da regeneração.' Para Barth, diz Van Til, o alvo da ética reside no mundo que está por vir e não é alcançável no presente, pois a Bíblia não contém nenhuma revelação direta para ação nem para crença. Assim, a visão de Barth summum bonum do homem é a de que seu alvo estará sempre no mundo por vir, seguindo o seguinte raciocínio: nós não buscamos a Deus nem a Cristo nem ao evangelho, mas, antes, somos buscados para uma esperança escatológica, isto é, o reino de Deus. Assim, deveríamos colocar nosso alvo ético no reino de Deus, no porvir. Seu pensamento parece piedoso, mas há aqui uma negação do poder de Deus, pois quando o evangelho do reino nos alcança, recebemos o dom da ética, o qual é chamado de dom da graça. E esse dom da graça deveria ser recebido com gratidão, a qual é a súmula da obediência que agrada a Deus. Barth, não crendo numa revelação direta que deva ser obedecida, diz que não há quem seja grato e livre, pois isso seria concordar com a doutrina agostiniana da analogia entis; a relação de Deus com o homem não pode ser baseada num dom original de qualquer qualidade no homem. Portanto, a imagem de Deus pela qual podemos ser e agir como Deus é algo escatológico.5
Gratidão
A gratidão, certamente, está no cerne da questão ética, mas, em nossa opinião, designa uma qualidade emocional (sobre o que voltaremos a discutir) madura e equilibrada manifestada no relacionamento biblicamente correto do homem com Deus. Certamente, a graça de Deus é o ponto de partida desse relacionamento. E essa graça, que engloba o favor imerecido, é o movimento de Deus na direção do homem que ele criou à sua imagem, a fim de transmitir-lhe o brilho do seu caráter, como está escrito: "Porque Deus, que disse: Das trevas resplandecerá a luz, ele mesmo resplandeceu em nosso coração, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Cristo. Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós" (2Co 4.6). Gratidão é uma expressão emocional respondente à graça de Deus, exercitada pela fé na habitação da palavra de Cristo em nosso coração, pela qual temos a esperança de um relacionamento com Deus e com os irmãos, como também está escrito: "Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, em vosso coração" (C13.16). Nosso objetivo maior, portanto, deveria ser o de glorificar a Deus e gozá-lo agora e para sempre. Um objetivo cujo alvo está no porvir, sim, mas cuja mira está no presente. A única maneira de se atingir o alvo é mediante o assestamento adequado da mira. Se o nosso objetivo futuro não determinar os nossos alvos presentes – se a nossa redenção futura não determinar a redenção do nosso estilo de vida presente – falharemos quanto ao propósito da santificação. Isso é o que Paulo escreveu aos filipenses: "Mas o que, para mim, era lucro, isto considerei perda por causa de Cristo. Sim, deveras considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; por amor do qual perdi todas as coisas e as considero como refugo, para ganhar a Cristo e ser achado nele, não tendo justiça própria, que procede de lei, senão a que é mediante a fé em Cristo, a justiça que procede de Deus, baseada na fé; para o conhecer, e o poder da sua ressurreição, e a comunhão dos seus sofrimentos, conformando-me com ele na sua morte; para, de algum modo, alcançar a ressurreição dentre os mortos" (Fp 3.7-11).
Objetivos adequados
Um bom objetivo para o ser humano é aquele que é marcado por expressão e não por necessidade, e cuja realização é possível e está ao alcance, sob controle. "Por expressão" significa que o objetivo surge da resposta de fé do coração humano ao movimento da graça de Deus para revelação de sua glória, e "por necessidade", queremos significar a mudança do foco principal da glória de Deus para o foco subsidiário da nossa própria glória entendida como o suprimento do que julgamos ser nossa necessidade. Desse modo, qual seria um bom objetivo? Felicidade? Ela não está sob controle. Riquezas? São coisas que as traças e a ferrugem corroem e os ladrões roubam (Mt 6.19). Casamento? Depende do outro. Perfeição? Uma só falha e já não é possível mantê-la. O que, então? A resposta é: os objetivos a serem estabelecidos são propostos por Deus em seus graciosos mandamentos e promessas; todos os objetivos não-controláveis pelo ser humano são postos para frustração. O entendimento do termo "objetivo" como usado aqui deve ficar claro a fim de que todo o processo também fique claro. Primeiro, uma diferenciação: objetivo, em relação a Deus, significa seu propósito; em relação ao homem, significa o anseio prioritário. Quando a Palavra de Deus diz: "Agrada-te do Senhor e ele satisfará os desejos do teu coração. Entrega o teu caminho ao Senhor, confia nele, e o mais ele fará" (S137.4,5), está fazendo exatamente esta distinção: agrade-se do objetivo (propósito e caminho) do Senhor e ele satisfará os objetivos (anseios) do seu coração.
No texto de Filipenses 3.12-14 Paulo fez uma diferenciação. Ele não julgava que já tivesse recebido nem obtido a perfeição. Quem deveria ter o objetivo da perfeição do homem? Certamente, não o apóstolo Paulo. Só Deus é perfeito e só ele pode ter o objetivo possível e manipulável de tornar o homem perfeito pelo "dom da graça". De outro modo, qual teria sido a necessidade de Cristo ter morrido por nós? De quem viria a vocação? De quem o prêmio? Certamente, de Deus em Cristo. O que é possível para Deus, isto é, tomar Paulo perfeito em Cristo (cf. v. 12), é impossível para Paulo. Qual, então, o objetivo de Paulo? Certamente, esquecer-se das coisas que ficam e prosseguir para o alvo, obediente à vocação, com fidelidade (cf. v. 13). O objetivo de Deus para a nossa vida deveria ser o nosso maior desejo, mas somente poderá ser o seu objetivo. A isso chamaremos de finalidade. Fomos criados por Deus, pela graça, e nossa finalidade é a de responder em fé à sua atração e chamado. Nossa esperança realista consiste em imaginar a revelação de Deus pensar os pensamentos de Deus na sua Palavra a fim de o conhecer e à sua imaginação criadora de modo receptivamente criativo e ativamente redentivo. –
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A longa lista dos heróis da fé está repleta de exemplo de homens e mulheres que habitaram na fé cristã e imaginaram a vida segundo a esperança evangélica. Seus atos e ações presentes, sábios e responsáveis, foram motivados pelo objetivo que tiveram. Jay Edward Adams diz: "Na verdade, as narrativas sintetizadas em Hebreus 11 deixam claro que os santos notáveis ali mencionados obtiveram todos o poder de agir de maneira significativa no presente, exatamente porque se tinham volvido para o futuro. O princípio bíblico é que somente a perspectiva a longo termo é capaz de fundir os propósitos e alvos em curto prazo, perfazendo um padrão total cheio de significação. Deus é o Alfa e o Ômega, e Jesus Cristo, seu Filho, é aquele que é o mesmo ontem, hoje e eternamente".' A FÉ/ESPERANÇA DE ABRAÃ O: I M AGI NAND O O M EDO
Na verdade, não deveríamos ter outro objetivo senão aquele ao qual fomos chamados. O relato do chamado de Abraão, em Gênesis 12.1-8, não nos diz como Deus se revelou ao "pai da fé". Nós, que hoje temos a Palavra escrita, ainda nos apanhamos pensando como sugeriu o diabo a Eva: "É assim que Deus disse?" (Gn 3.1), ou: "Será que ele disse?" O que temos por certo é que a Escritura diz que, diante do mando de Deus: "Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei ...... Abraão partiu "como lhe ordenara o Senhor". O escritor de Hebreus diz que Abraão, quando chamado, obedeceu "a fim de ir para um lugar que devia receber por herança" sem saber para onde ia, e que peregrinou pela terra da promessa, "habitando em tendas", porque havia colocado sua esperança numa cidade cujos fundamentos tinham sido postos por Deus (Hb 11.10). A fé de Abraão não se originava da experiência existencial apreendida da comunhão com Deus, mas da graça manifestada na revelação de si mesmo e da sua vocação. Era a fé evangélica (GI 18,9). O chamado de Deus para ser uma bênção lhe era o próprio significado da vida, isto é, glorificar a Deus e gozá-lo no seu presente e no porvir — o seu objetivo focal, primário. O mandamento para abençoar toda a terra era o seu "para onde" — seu objetivo subsidiário (veja Hb 6.13-16). Deus lhe falou. Deus o chamou. Abraão, por sua vez, habitou com Deus e respondeu com fé à manifestação da graça. Sobre esse fundamento transcendental e teleológico (do alto e para o futuro) ele depositou sua esperança, e imaginou que valeria a pena habitar em tendas como peregrino em terra alheia. Quando já em seu movimento de fé/habitação em Deus e em Sua palavra, e de esperança/imaginação em relação à realidade presente, chegou Abraão à terra de Canaã (hb. kanaan, comércio, negócio), ao lugar chamado Siquém (hb. Shekem, harmonia, aprovação, concordância), ao carvalho de Moré (hb. Moreh, arqueiro, instrução). Sem querer dar valor absoluto aos significados dos nomes dos lugares, esses descrevem bem o propósito de Deus para Abraão em relação ao curto e ao longo prazo: realizar na terra os seus negócios em plena harmonia com sua palavra e com sua suficiente aprovação, não perdendo de vista a herança eterna. Entre Ai, a casa da ruína e Betel, habitação do Senhor, o próprio Senhor lhe apareceu e assegurou a promessa — e Abraão habitou com ele e o adorou. O relato continua, dizendo que Abraão seguiu dali para o sul, motivado pela fome que havia na terra, e chegou até o Egito. O relato não diz que ele tenha se desviado do alvo focal de sua vocação quando desceu para o Egito, mas a sua experiência ali mostra que ele não cumpriu as intenções do alvo subsidiário. Conto a vocação de ahrnçoar os outro", decorre da vocação para ser unia bênção, podenios, deduzir que isso tenha ocorrido. Abraão poderia ter ficado na terra dos seus pais, caso não tivesse recebido a ordem divina. Contudo, uma vez que foi tirado das trevas da descrença e que teve os olhos abertos para a luz do seu caminho, deveria ter permanecido nele. Deveria ser peregrino e forasteiro da terra, habitando em tendas temporais para cumprir a vontade do Senhor de refletir sua imagem, mas na certeza de já habitar na morada eterna da imagem de Deus, para a qual foi redimido por meio da promessa do seu descendente, Cristo. Calvino, no seu comentário da Epístola aos Hebreus, diz que não podemos duvidar que houvesse uma razão competente para que Abraão saísse do lugar onde o Senhor e ele haviam feito um pacto de habitação. Certamente, esse pacto dizia respeito à sua vocação de habitar no Senhor de ser peregrino e forasteiro na terra de sua andança. Na terra, como diz Paulo, nós "não temos morada certa" (lCo 4.11). Onde quer que fosse, Abraão deveria exercitar seu culto interior e exterior ao Deus que o havia elegido, espelhando ao mundo a glória do Senhor. Havia fome na terra, e Abraão seguiu para cumprir sua responsabilidade de trabalhar e de sustentar os seus. Assim, a razão principal de Abraão não ter sido uma bênção no lugar para onde foi, não é que saísse de um dado lugar, mas, sim, que deixasse o foco principal da fé/esperança, imaginando temores de homens em vez de confiar na segurança do Senhor.' O problema é que ele mudou sua fé/esperança da pessoa de Deus para a segurança de uma meia-mentira. Mas será que existe uma meia-verdade? Uma folha de papel rasgado não se desdobra em duas folhas, mas são duas partes rasgadas. A habitação no temor de Deus foi trocada pela habitação no temor de homens. A adoração de Deus foi substituída pela fé no ídolo da mentira. Abraão imaginou que a aparência formosa de sua meia-irmã e esposa ser-lhe-ia uma ameaça em face do possível interesse dos egípcios, e teve temores de morte e de ciúme. Quando viu que sua imaginação "se cumpria", trocou a segurança da esperança realista no Senhor pela esperança romântica numa mentira. Sua imaginação estava errada, como mostra o desfecho da história, quando o faraó o repreende, dizendo que quase fora induzido ao pecado por aquele que deveria ser uma bênção.
Abraão estabeleceu seus próprios objetivos a fim de suprir suas necessidades de transcendência e imanência, e de conhecimento e significado, por meio de controle ("mentirei"), por meio de autoridade ("minta em meu favor"), e por meio de presença ("para que não me matem e deixem-lhe com vida"). Fazendo isso, ele não amou nem a Deus nem ao próximo (sua mulher e faraó). Deus, porém, é aquele que está no controle, que tem autoridade e que está presente. A substituição que fazemos se chama
idolatria. Se agirmos assim, cada vez que seu alvo não for alcançado, por quaisquer razões, sofreremos ansiedades. Se, contudo, nossa fé habitar no conhecimento de que o controle não está nas nossas mãos, mas nas mãos Deus; se em nossa esperança imaginarmos que a autoridade de Deus é justa e benéfica, então nosso objetivo será estabelecido por expressão e não por necessidade. Observe que não se trata de necessidades reais, pois destas Deus promete cuidar. Jesus disse que Deus valoriza a vida sobre os alimentos e as vestes. A aves e as plantas são cuidadas pela providência divina tanto quanto ao sustento quanto à beleza da vida. Não é o trabalho humano que gera segurança, mas a graça de Deus provendo força e generosidade. Na verdade, diz Jesus, o alvo focal do homem sem Deus é a sobrevivência, e o alvo subsidiário, seu próprio trabalho, conforme ele imagina em seus vãos pensamentos. Mas o homem de Deus age em fé/esperança, sabedor que é de que Deus conhece tudo, até suas necessidades, e imagina que irá suprir cada uma delas quando elas forem reais. O seu alvo focal é buscar, primeiramente, o reino de Deus e a sua justiça, certo de que as demais coisas lhe serão acrescentadas. Assim como para Abraão os dias guardavam os seus cuidados, e ele não deveria ter-se preocupado com o mal, exceto em não praticálo, assim é conosco. Não deveríamos reagir temendo os homens nem o amanhã, mas agir de modo a agradara Deus (Mt 5.25-34).
Aqui é que entra em cena a gratidão. Ficamos ansiosos quando suspeitamos da bondade de Deus em agir a cada dia segundo sua fidelidade e, por isso, ficamos ansiosos. A ingratidão é um derivativo emocional do senso de injustiça. Pode ser até que, no caso de Abraão, ela tenha surgido da ira (um sentimento de que alguma injustiça tenha sido cometida) por causa da fome que grassou a terra e que o afligiu. Porque creu no seu coração (fé) que Deus não lhe seria bom, nutriu a expectativa do mal (esperança) e criou uma situação que justificasse a mentira (imaginação). Esse desequilíbrio da fé/esperança que provoca uma falsa percepção da realidade é um movimento emocional. Jesus, falando aos discípulos sobre os fariseus e a questão do sábado, diz: "Amai, porém, os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai, sem esperar nenhuma paga; será grande o vosso galardão, e sereis filhos do Altíssimo. Pois ele é benigno até para com os ingratos e maus (Lc 6.35). E Paulo escreveu a Timóteo: "...pois os homens serão egoístas, avarentos, jactanciosos, arrogantes, blasfemadores, desobe dientes aos pais, ingratos, irreverentes, desafeiçoados, implacáveis, caluniadores, sem domínio de si, cruéis, inimigos do bem, traidores, atrevidos, enfatuados, mais amigos dos prazeres que amigos de Deus" (2Tm 3.2-4). E AGORA, JOSÉ? José, a personagem mencionada no início do capítulo, ficou hospedada em nossa casa por um bom período a fim de ser aconselhado. Conversamos sobre sua situação, a qual não poderia ser mais sofrida. Estava envolvido com o consumo de drogas, tendo já arruinado todos os relacionamentos pessoais. Não queria parar. Nem tentar. Nada significava para ele a destruição do seu próprio corpo, da sua mente, da família, das amizades. Nem tinha perspectiva de melhora de vida, estudo, emprego, etc. Em poucas palavras, não havia nenhuma motivação. Quando percebi isso, perguntei-lhe, cuidando de explicar o motivo honesto e amoroso da questão: – José, se nada existe que lhe seja importante senão os falsos instantes de "prazer" que as
drogas parecem oferecer – até essas já estavam se tornando, para ele, em fontes de frustração – para que aceitar a permanência num lugar, aparentemente, sem qualquer esperança para você? – Sua Sua honestidade – , ele murmurou. Ali estava algo importante: um indício para par a se chegar à sua motivação, motivação, ao seu objetivo, e um ponto de apoio no processo de aconselhamento. – Você parece frustrado com a falta de honestidade das pessoas...
Nas sessõ ses sões es que se seguir seg uiram am amb os descob des cobri rimos mos qua quanta nta motiva mot iva ção çã o pode existir, até mesmo para os que tentam ser indiferentes às pessoas e à realidade. Sua irmã o amava, estava certo disso. Mas não queria que esse amor o prendesse, "para não sofrer mais uma vez". Ainda que o pai e a mãe também o amassem, havia muita insinceridade e egoísmo nesse tipo de amor. "Pessoas machucam", ele disse. A certa altura do aconselhamento, ele deixou que eu visse um pouco do seu coração: – Fico triste quando penso de terei de ir embora qualquer dia desses. – Fico Fico também, José
– respondi respondi
com uma entonação que era um convite para uma explicação. – Será Será que isso é verdadeiro?
A dor que José sentia dentro de si era como a dor causada pela pele "arranhada arranhada até o sangue". Conversamos sobre essa dor que não o abandonava. A insensibilidade causada pelas drogas só lhe trazia a expectativa dos momentos de sobriedade – ou ou de abstinência – cheios cheios de tristeza e de desesperança, característicos da depressão. – Qual
a dor maior que você já sofreu na vida? O que você não gostaria de experimentar de novo? Ele demorou um pouco para responder. "Tinha de pensar." Mas quando respondeu, pareceu que urna luz havia surgido nas trevas treva s da dor. – Foi Foi
o dia em que briguei com o meu pai. Eu estava "meio chumbado" expressão para descrever a experiência com drogas – e e tentei sair de casa... Bati a porta, e escutei um som de coisa se quebrando e, imediatamente, um miado estridente. Eu tinha arrebentado a cabeça do meu gato. Ele estava ali, no chão, com a cabeça aberta. Tentei cuidar dele... passei remédio... mas ele morreu. –
A maior dor: um gato. Que ironia!, pensei. Mas não haveria de ser um gato. Era uma imagem, uma informação à qual nem ele mesmo tinha acesso, mas que me abria as portas para entender a sua dor. Uma manhã, quando juntos estudávamos o Evangelho de João, José fez uma daquelas pausas que revelam um insight, e disse: – Eu Eu
não posso crer que Jesus seja Deus. Talvez ele nem tenha existido. Por que eu creria que ele é o Filho de Deus se a própria Bíblia diz que Deus o entregou à morte? Na seqüênc seqü ência ia do estudo, estu do, mostre most reii ao José Jos é que era exatame exat amente nte ali al i que estava esta va o significado de tudo. Que nada havia de mais pessoalmente amoroso do que Deus entregar seu próprio Filho para morrer em nosso lugar, a fim de que vivêssemos. Especialmente
porque porqu e Deus Pai e o Filho Fil ho são uma só pessoa p essoa com o Espírito, e que, assim, Deus era o justo juiz, o advogado advogad o e o que sofr ia a justiça just iça por causa caus a do culpad culp ado. o. Jesus Jes us era Deu Deus, s, por isso poderi pode riaa pagar p agar o alto a lto preço pr eço da nossa noss a redençã red ençã o. E era homem, home m, e por isso iss o poder p oderia ia se ofer ecer como pagamento dos nossos pecados. O único que poderia viver após esse sacrifício! E ressuscitaria para viver conosco, para habitar conosco! Nesse Ness e mesmo mes mo dia, dia , José Jos é con conto touu alguma al guma s coisas coi sas de sua vida. vida . Co Conto ntouu como co mo o pai, pa i, bêbad bêb ado, o, entro ent rouu uma vez em casa, ca sa, grita gr itando ndo com co m a espos es posaa – dizendo: dizendo: "Olha que eu não estou em mim. mim. Estou bêbado. bêbado. Pensa Pensa que sou sou fraco? fra co? Quando Qu ando bebo viro homem!" – e e como ele havia ficado encolhido num canto da casa. Contou, também, como, após incidente com o pai e o acidente com o gato, ele tinha saído de casa, disposto a "entrar nas drogas". E, entre outras coisas mais, contou ainda como os "amigos" que tinham facilitado a sua viagem no mundo do vício, se tornaram seus perseguidores, em busca de mais dinheiro ou de mais "mercado" para o seu negócio sujo. Noutra oportunidad oport unidade, e, ainda estudando estuda ndo o Evangelh Eva ngelhoo de João, paramos par amos para conversar sobre o dito de Jesus: "Ninguém pode servir a dois senhores". Conversamos sobre o senhorio de Deus e o senhorio das drogas. – É uma questão de se colocar coloca r a fé em Deus ou nas drogas; dr ogas; de se s e esper esperar ar em em De Deus us ou ou
nas drogas – eu eu disse, ao que ele responde r espondeu: u: – O mundo não é assim como você pensa. Eu ainda acho que o amor de Deus foi uma experiência horrível para Jesus, e que a vida é desse jeito: quem ama sofre, quem não ama a ma sofre. A gente gente tem de de faze fazerr a própri própriaa vida vida querendo estar perto de pessoas, pes soas, mas sa bendo que elas, mais cedo ou mais mais tarde, tarde, trairão você. você. Naqueles dias chegamos chegamos a algumas conclusões. José – os os muitos josés dentro de todos nós – havia chegado c hegado a um ponto crucial: c rucial: seu objetivo obj etivo de vida vida (de buscar buscar autenticaç autenticação ão para si mesmo mesmo em qualquer referencial externo) era boicotado pela sua própria autonomia (amar a si mesmo antes de todas as coisas). Sem fé em Deus e sem lugar onde fazer habitar seu coração; sem esperança num mundo de miséria e imaginando ingratidão e medo, ele só poderia ter um objetivo: fugir para um mundo onde a realidade não fosse enfrentada. "Não há honestidade", ele dizia, em vez de dizer: "Deus é a verdade honesta"; "o amor machuca" em vez de dizer: "o amor sofre pelo próximo com Deus Pai sofreu pelo Filho e como o Filho sofreu por nós". Mas ele queria ser feliz... Resumindo, aquilo que uma pessoa crê em seu coração (fé/habitação), processado pela experiência (esperança/imaginação), estabelece objetivos para a sua vida. Uma vez estabelecidos os alvos, os movimentos do coração (emoção) organizam estratégias com a finalidade de atingi-los. Elas podem ser entendidas como a parte funcional e semântica da dinâmica emocional, como justificação e descrição práticas da teoria.
ESTRATÉGIAS
José e eu dispusemos juntos de muitas boas horas. Pouco a pouco ele foi descrevendo como tinha percebido o mundo como um sistema egocêntrico e imaginado que ele existisse para satisfazer suas próprias necessidades. Se, numa integração metafórica, o alvo de José tivesse sido, realmente, o de autenticar a própria vida sem um padrão externo e "ser feliz" amando a si mesmo, ele deveria ter estabelecido uma justificativa para isso. Algo como, por exemplo: "Meus pais teriam de ter cuidado da minha felicidade, portanto, ser feliz deveria ser minha minha prioridade", e a fim de ser feliz, feliz, eu tenho de . O que quer que preencha a lacuna descreveria sua estratégia. A história do seu coração (a história imaginada) logo exibiria padrões que evidenciariam esses esses detalhes. Naquele dia em que conversamos sobre sua história, José falou sobre s obre a lembra le mbrança nça mais antiga que tinha da vida: era uma imagem tênue de um lugar branco diluído numa névoa e sua mãe o entregara a uma pessoa que, a seguir, o levara para longe dela. Uma vez, quando falou com mãe sobre isso, ela esclareceu que talvez ele se lembrasse da ocasião em que foi operado das amígdalas; ela o havia levado para o hospital e entregue ao pessoal médico. Coisa rápida, ela disse; "e depois da operação, nós lhe trouxemos sorvete, que você tomou com gosto". Entre tantas lembranças que José guardava, algumas delas começaram a delinear um padrão. Houve aquela vez em que ele saiu escondido com a bicicleta da irmã e sofreu um acidente. Numa curva feita em muita velocidade, escorregou no pedrisco do asfalto seminovo. A perna "ficou ralada e cheia de pedrinhas". No hospital, ele contou, a enfermeira lavou sua perna e tirou cada pedrinha pedr inha com co m o auxí au xíli lioo de uma um a pinça pi nça sem se m se imp orta or tarr mui to com co m sua su a dor, dor , mas depois, deu-lhe um sedativo forte para que ele "se sentisse bem". Depois, vieram o caso do pai bêbado, do acidente com o gato, e então, o encontro encontro com c om as drogas. droga s. Já tinha visto seus colegas de escola "puxarem um baseado". Até então, não havia se decidido entre a curiosidade e o medo. Tantas histórias contadas: o rapaz que se drogou e foi violentado, a menina que "pegou" AIDS por meio de uma seringa infectada, e o filho do açougueiro que morreu de uma overdose. Mas naquele dia, algo mudou. "Joguei tudo para par a o ar", ar" , ele e le disse, diss e, "ne "nem m Deus D eus pod poderia eria ter -me segura seg urado. do. Já que não tinha nada nada a perder perder e queria mesmo uma vingança, roubei uma 'nota' do meu pai, fui à praça onde o pessoal ficava, e comprei um 'negócio'."
Daí para frente, é fácil de se imaginar. O desequilíbrio emocional de José era formado pela crença básica errada a respeito do significado da vida (autonomia), pela conseqüente expectativa do que o mundo lhe reservava (dor) e pela resultante operação de um plano "redentor" (alívio). Quando as tentações da carne, do mundo e do diabo o atingiram exatamente em sua fraqueza, ele não hesitou em seguir o caminho mais fácil, isto é, a tendência para o desequilíbrio.
Mapas mentais
As estratégias são organizadas pela integração emocional da afeição da fé/habitação processada pela esperança/imaginação e da afeição do amor/operação, como um mapa de um tesouro escondido. Isso quer dizer que: (1) uma vez estabelecidas crenças básicas (habitação) e recriada sobre elas uma perspectiva da realidade (imaginação) — a pessoa, num processo analógico ou metafórico, estabelece alvos para suprir sua necessidade de imanência/ transcendência e de conhecimento/significado; (2) esses alvos são emocionalmente reintegrados e estabelecidos como afeições subsidiárias de fé e esperança; (3) a próxima integração, dessa nova crença básica com a afeição do amor/operação, organiza estratégias, num processo também analógico ou metafórico, para suprir a necessidade de relacionamento e de identidade.
Se nossa habitação estiver em Deus e em sua justiça, nossas necessidades deverão ser, simplesmente, confiadas a ele, que já as conhece todas, como Jesus disse: "Não andeis, pois, a indagar o que haveis de comer ou beber e não vos entregueis a inquietações. Porque os gentios de todo o mundo é que procuram estas coisas; mas vosso Pai sabe que necessitais delas. Buscai, antes de tudo, o seu reino, e estas coisas vos serão acrescentadas. Não temais, ó pequenino rebanho; porque vosso Pai se agradou em dar-vos o seu reino. Vendei os vossos bens e dai esmola; fazei para vós outros bolsas que não desgastem, tesouro inextinguível nos céus, aonde não chega o ladrão, nem a traça consome, porque, onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração" (Lc 12.29-33). A estratégia divina para o crente é sempre a obediência aos seus graciosos mandamentos e promessas. Por causa do pecado, porém, o homem centrado em si mesmo, cujo alvo primário é sempre o da autonomia, escolhe obedecer a outros senhores, ou seja, ídolos e vozes fabricados pela sua imaginação. Em sua estultícia, o homem centrado em si mesmo estabelece estratégias que o protejam do senhorio de Deus e que satisfaçam às suas necessidades percebidas. Tendo elegido para si mesmo alvos desti nados à frustração, o homem centrado em si mesmo justifica e descreve esses alvos por meio de estratégias idólatras. Powlison diz que todo homem é motivado pelo seu mestre ou senhor. Um motivo, diz ele, é tudo o que nos move, causa ou induz à ação. Motivos são a "fonte" causal da vida, os alvos télicos da vida. "A maneira bíblica de se fazer observações no dia-a-dia é confortavelmente descrita como o impulso e a tração das motivações humanas como perspectivas comp lementares. As psicologias tendem a colocar seu peso ora nos im pulsos ora nos alvos." A idolatria, diz ele, é "uma categoria conceitua) fértil e flexível" diferente das abstrações e de explicações não-bíblicas. "A noção da motivação apreende o impulso interior e a orientação por meio de alvos da natureza humana em seus fatores mais importantes e atribulados. Todas as psicologias lutam com estes assuntos. Mas nenhuma tem os recursos conceituais adequados para dar um sentido à conexão entre comportamento responsável, um ambiente social formador e um coração auto-enganoso e determinador da vida." Esses ídolos asseguram o crente da possibilidade de manipulação e da maneabilidade dos seus alvos. São suas estratégias. E uma vez que elas estejam estabelecidas, ele se torna convencido de sua falsa realidade e se utiliza delas para cultuar as falsas promessas dos seus ídolos. "Os ídolos definem bons e maus caminhos de maneira contrária às definições de Deus. Estabelecem um lugar de controle preso à terra: em objetos (por exemplo, um desejo incontrolado por dinheiro), em outras pessoas ("preciso agradar meu pai, que é um crítico") ou em mim mesmo (uma busca autoconfiante de meus alvos pessoais). Esses falsos deuses criam falsas leis, falsas definições de sucesso ou de fracasso, de valores e de estigmas.' A partir do convencimento dessas leis e falsas definições estratégicas, e da sua utilização, são criados os desejos do coração (a respeito dos quais trataremos a seguir), que dirigem os atos do corpo. A pessoa se torna ávida por suprir aquilo que sente ser sua necessidade e,
assim, motiva seu comportamento. Calvino, nas Institutas, escrevendo sobre o décimo mandamento ("Não cobiçarás"), diz que o propósito desse mandamento é estabelecer que deveríamos nos alijar de todo desejo contrário ao amor, uma vez que Deus quer que a nossa alma seja possuída pelo afeto do amor. Do mesmo modo que o Senhor ordenou que a nossa vontade, os nossos esforços e as nossas ações sejam presididos pela norma do amor, assim também ordena que do mesmo modo sejam dirigidos os nossos pensamentos, os quais incitam a mente à ira, ao ódio, à fornicação, à rapina e à mentira.' J. Douma, também escrevendo sobre o décimo mandamento, comenta que Calvino e outros distinguiram entre plano e desejo. Ele diz: "Alguém pode acolher desejos que se consolidem num plano... O homem cobiçoso desenvolve planos para realizar seu desejo". O que esses teólogos querem dizer é que o desejo da cobiça faz o coração engendrar planos de estratégias enganosas com vistas a obter o objeto do seu desejo.'
Estratégias e desejos À primeira vista pode parecer que haja discordância entre o ponto de vista dele e a nossa perspectiva sobre a preeminência dos objetivos sobre as estratégias e destas sobre os desejos. Na verdade, a perspectiva de Calvino e de outros é congruente com a forma como expomos. Quando Calvino fala de pensamento, de planos e de vontade, está se referindo às moções dos afetos do coração e seus movimentos subseqüentes – para nós, fé/habitação, esperança/imaginação e amor/operação – e quando aplica isso ao décimo mandamento, está se referindo à parte prática do nosso modelo: "O homem cobiçoso" [objetivo; por exemplo, ser como Deus, Gn 3.5a] "desenvolve planos" [estratégias; por exemplo: conhecimento do bem e do mal, Gn 3.5b] "para realizar seu desejo" [desejo; exemplo: comer do fruto proibido, Gn 5.6]. A diferença, como dissemos no início deste trabalho, é de perspectiva – a laranja foi cortada num sentido diferente. Onde Calvino diz que a vontade concorre automaticamente com o desejo, nós diríamos que a vontade, como movimento da afeição do amor, opera (operação) objetivos que requerem estratégias que formam desejos (hábitos carnais). Isso tudo fica claro quando nos lembramos que, por causa do pecado, tendemos a trocar a nossa habitação com Deus pelos nossos próprios objetivos, a trocar a Palavra do Senhor pelas nossas próprias estratégias, e o desejo pela comunhão eterna pelos prazeres temporais. Dessa maneira, os desejos passam a tomar o lugar de Deus em nossa vida, o que significa idolatria. Por isso se diz que o décimo mandamento resume a transgressão dos nove anteriores, especialmente do primeiro. J. Douma cita a tradução mais acusada do décimo mandamento, sugerida por J. P. Lettinga: "Não colocarás teu(s) desejo(s) sobre a casa do teu vizinho, sua esposa, etc.", porque, ele diz, colocar os desejos sobre algo envolve a formação de um plano. Certamente! Quando chega ao ponto de ser dominada pelo desejo, a pessoa já substituiu sua habitação com Deus, no coração, pelos seus próprios desejos, segundo sua imaginação, e já operou planos mentais que mudaram seus objetivos de vida, e providenciou novas estratégias, as quais, frustra das imediatamente em médio ou longo prazo, reforçam e geram mais desejos. Essa é a dinâmica da escravidão do pecado: o círculo vicioso de endurecimento do coração. Os exemplos mencionados por Douma também podem ser vistos de outra perspectiva. O caso de Acã, por exemplo. Douma diz que, após a queda de Jericó, Acã colocou seu desejo sobre um manto e uns objetos de ouro e de prata, e os levou. Contudo, antes que seu desejo determinasse a estratégia de esconder esse material, (1) Acã havia violado a aliança do Senhor Qs 7.11) deixando a habitação da fé em Deus – o qual havia proibido qualquer saque de guerra – para habitar na tenda do seu próprio entendimento; (2) na sua imaginação, deixou que aumentasse sua autonomia ao mesmo tempo em que diminuía o poder do Senhor, crendo que poder ia fugir à vista dele; só e autônomo, colocou sua esperança em si mesmo e nas
coisas terrenas; (3) a mudança do objeto de seu amor, de Deus para si mesmo, operou o "amor ao dinheiro"; em seu coração havia a operação de planos indefinidos, ou até mesmo, de sonhos bem elaborados, os quais estavam bem no limite entre o homem interior e o homem exterior; ele era um acidente esperando para acontecer. Qual, então, era a dinâmica do seu coração? Simplesmente, Acã trocou o objetivo de glorificar a Deus, o que o fez estulto; estabeleceu estratégias de auto-engano para sua própria glorificação; e acabou desejando obedecer ao que supunha agora serem as suas necessidades em vez de depender de Deus. A emoção gerada por toda essa atividade interior deu à luz o pecado O texto de Tiago expressa bem essa idéia: "Ao contrário, cada um é tentado pela sua própria cobiça quando esta o atrai e seduz. Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte" (Tg 1. 14,15). A cobiça é a entronização final dos desejos no lugar da habitação de Deus (lembre-se do que o diabo pensou! – Is 14.14); a concepção do pecado vem da tentação do próprio coração, do mundo ou do diabo trabalhados na imaginação; e "dar a luz ao pecado" significa operá-lo na mente, pecar no coração. Deixada por conta da emoção e não do Espírito Santo, a ato-estrutura do corpo (homem interior e exterior, corpo e alma, todas as forças) consuma o comportamento pecaminoso. Não foi isso o que Acã fez? Esse processo inflama o desejo do coração.
DESEJOS Como foi que José adquiriu o vício das drogas? Desejos são hábitos do coração. São desejos do coração motivados segundo as estratégias organizadas para se atingir os alvos da vida. Podemos bem imaginar como uma pessoa criada para relacionamentos — para habitar com Deus em fé (para cima), para imaginar segundo a expectativa do bem (de fora para dentro) e para planejar em amor (de dentro para fora) — se sente quanto à sua própria "autonomia". Na solidão que deve ter dominado o coração de José, tudo o que ele desejava na vida era preencher o vazio de significado. Para ele, não vindo, esse significado, de Deus nem das pessoas, imaginou que pudesse obtê-lo do mundo material, como Paulo descreveu aos romanos: "...porquanto, tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato. Inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos e mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis. Por isso, Deus entregou tais homens à imundícia, pelas concupiscências de seu próprio coração, para desonrarem o seu corpo entre si; pois eles mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura em lugar do Criador, o qual é bendito eternamente. Amém!" (Rm 1.21-25). O termo Nós usamos o termo desejo, aqui, com o sentido de solicitação, ânsia, inclinação e motivação do ser para finalizar a experiência do coração nos atos do corpo. O termo desejo, no Antigo Testamento, entre muitos outros significados, traz o sentido do querer da mente ou da alma (hb. avvak, Dt 18.6; 1 Sm 23.20) de pedir (hb. niishalah, SI 37.4), de deleite (hb. chephets, Is 53.10); de atração relacional (hb. teshuqak, Gn 3.16; Ct 7.10), de anseio (hb. taavah, SI 10.3,17), de aceitação, prazer (hb. ratson, 2Cr 15.15; SI 145.19). No Novo Testamento, o termo desejo traz também, entre outros, os sentidos de deleite (gr. eudokia, Rm 10. 1), de anseio (gr. epipothesis, 2Co 7.7; epipothia, Rm 15.23); de querer (gr. thelema, Ef 2.3). Especialmente, o décimo mandamento fala do desejo como cobiça: (hb. chamad, desejar, ter prazer, Êx 20.17).
Bons e maus desejos Esses desejos tanto podem ser legítimos e louváveis quanto pecaminosos. A Escritura deixa ver a íntima relação entre desejos maus ou desordenados e o termo carne, da mesma maneira que permite a visão da relação próxima entre desejos sadios e o termo espiritual (veja, por exemplo, GI 5 e Rm 7). Assim como um objetivo errado pode assumir força de fé e esperança nos modos da habitação e da imaginação, e assim como estratégias baseadas nesses alvos podem assumir força de fé e amor nos modos da habitação e da operação, assim também os desejos assumem a força da imaginação e da operação. Não podemos condenar todo desejo, como disse Douma: "Essa não é a mensagem bíblica, nem mesmo a de Mateus 6, onde somos advertidos contra a preocupação com o que haveremos de comer, beber e vestir no dia seguinte. De fato, podemos desejar o suprimento de nossas necessidades diárias de modo que nos esqueçamos de algo ainda mais importante: `buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas' (Mt 6.33). Em outras palavras, certas prioridades na vida facilmente nos desviam do rumo se nos tornamos muito preocupados com o comer, o beber e o vestir ... Nossos desejos 'naturais' não são pecaminosos". Podemos desejar muitas coisas boas, como casar, ter filhos, melhorar de posição, a presença do Senhor, etc. Há pecados, porém, mesmo que inconscientes, sobre os quais permanece a nossa culpa. Essa culpa não reside no desejo, mas no plano que o desejo arquiteta no nosso coração. Douma diz também que: "Alguns desejos pecaminosos brotam do espírito humano pondo a pessoa em moção sem conduzi-Ia à ação externa ... No tribunal da opinião humana, isso é chamado de 'pensamentos inocentes' ou 'fantasias', mas esses pensamentos não são inocentes diante de Deus". 1 Quando escrevi, no meu livro Coração e Sexualidade que a "polução noturna" (sonho molhado) é uma atividade natural do corpo e do coração" e: "É bom ressaltar que, como todo bem pode ser corrompido e se tornar um mal, a bênção da expressão dessa sexualidade pode se transformar em maldição",'não explicites que a ocorrência de "fantasias" nos sonhos que provocam excitações sexuais poderão estar revelando desejos escondidos do coração. Nesse caso, esse também é um desejo que gera pecado. Vale a pena, aqui, repetir aqui, com respeito aos desejos, o que foi dito quanto aos alvos e estratégias: há uma distinção entre objetivos e dese jos. Objetivos adequados são marcados por "expressão" e não por "necessidade". Quando assestados "por expressão", seguem os objetivos de Deus; quando postos por "necessidade" permanecem como desejos que assumem força de objetivos. Quando isso ocorre, em vez de obedecer aos reclamos dos alvos de Deus, a pessoa vive pelos desejos do seu coração. Aí, então, é preciso entregar-se aos caminhos do Senhor (alvos) e esperar nele para a satisfação dos nossos desejos: "Agrada-te do Senhor, e ele satisfará os desejos do teu coração. Entrega o teu caminho ao Senhor, confia nele, e o mais ele fará" (SI 37.4,5). Todos os propósitos do Senhor são benéficos para conosco e todas as suas palavras visam ao nosso bem. A proposta bíblica para a maturidade espiritual (por espiritual, quero dizer o controle espiritual sobre a totalidade do ser) que promove equilíbrio emocional é a de que o homem tenha os objetivos de glorificar a Deus e de gozá-lo agora e sempre, que ele use as estratégias bíblicas (mandamentos e promessas) para atingir esse objetivo, e que ele deseje de todo coração a comunhão com Deus. O Senhor ordenou aos israelitas que fizessem borlas e as atassem com um cordão azul aos cantos de suas vestes: "E as borlas estarão ali para que, vendo-as, vos lembreis de todos os mandamentos do Senhor e os cumprais; não seguireis os desejos do vosso coração, nem os dos vossos olhos, após os quais andais adulterando (Nm 15.39). Em Deuteronômio ele disse: "...para que temas ao Senhor, teu Deus, e guardes todos os seus estatutos e mandamentos que eu te ordeno... Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força" (Dt 6.2,5). Certamente, o homem sempre acaba obtendo aquilo que deseja, mas aquilo que ele deseja nem sempre é segundo o bom propósito de Deus, e portanto, sujeito à decepção, ao auto-
engano, ao engano do mundo e ao engano do diabo: "De onde procedem guerras e contendas que há entre vós? De onde, senão dos prazeres que militam na vossa carne?" (Tg 4.1); "O preguiçoso deseja e nada tem, mas a alma dos diligentes se farta... A alma do perverso deseja o mal; nem o seu vizinho recebe dele compaixão... A esperança que se adia faz adoecer o coração, mas o desejo cumprido é árvore de vida... O desejo que se cumpre agrada a alma, mas apartar-se do mal é abominável para os insensatos" (Pv 13.4; 21.10; 13.12,19); "...porque tudo que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não procede do Pai, mas procede do mundo. Ora, o mundo passa, bem como a sua concupiscência; aquele, porém, que faz a vontade de Deus permanece eternamente" (I Jo 2.16,17). "Porque assim diz o Senhor dos Exércitos, o Deus de Israel: Não vos enganem os vossos profetas que estão no meio de vós, nem os vossos adivinhos, nem deis ouvidos aos vossos sonhadores, que sempre sonham segundo o vosso desejo; porque falsamente vos profetizam eles em meu nome; eu não os enviei, diz o Senhor" (Jr 29.8,9); "Vós sois do diabo, que é vosso pai, e quereis satisfazer-lhe os desejos. Ele foi homicida desde o princípio e jamais se firmou na verdade, porque nele não há verdade. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira" (Jo 8.44).
Inversão do auto-engano: habitação nos desejos O auto-engano ocupa lugar central em relação aos desejos porque no coração é que acolhe a tentação do mundo e do diabo, e ali é operado o pecado. De modo geral, aqui para nós, o auto-engano é o círculo vicioso do processo de manipulação consciente ou inconsciente da ato-estrutura do corpo – do homem interior (afetos, movimentos afetivos e emoção) e exterior (emoções e comportamentos) – para realizar propósitos egoístas do coração (objetivos), com vistas à autopreservação ou à agressão (estratégias), cuja dinâmica retroalimenta o desejo. Foi o caso da racionalização no Éden. Eva atuou de modo autônomo e desobedeceu a Deus, e logo o desejo mexeu com sua fé e ela habitou com a palavra da serpente: "É assim que Deus disse...T' No começo, Eva ainda tinha uma esperança de que o mundo fosse como Deus tinha falado, e então, criou na sua imaginação um modo de se proteger, reforçando a proibição de comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, dizendo: "...disse Deus: Dele não correreis, nem tocareis nele, para que não morrais". O diabo, por sua vez, aproveitando a brecha, insuflou a dúvida no coração de Eva quando ao motivo de Deus. Foi aí, então, que o amor de Eva mudou de Deus, primariamente, e de Adão, secundariamente, e ela procedeu à operação interior do ato: "Vendo a mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos e árvore desejável para dar entendimento, tomou-lhe do fruto". Seus afetos tácitos em moção realizaram-se na execução do ato: "...tomou-lhe do fruto e comeu e deu também ao marido, e ele comeu" (Gn 3.1-5). Mais tarde, quando buscados por Deus, Adão e Eva "esconderam-se da presença do Senhor" (onde?). Uma vez frustrados nesse intento, Adão, que também havia abandonado a palavra de Deus e o temor do Senhor, alegou sentimentos de vergonha quanto à própria nudez e medo de Deus. Quando, enfim, confrontados com a própria racionalização, passaram a se defender e a acusar um ao outro, e a Deus: "a mulher", "a serpente", "Tu me deste". D. C. Gomes escreve sobre o conceito paulino de auto-engano, dizendo que o relacionamento entre a confiança na carne e a sabedoria do mundo é a condição para o auto-engano, sendo sempre um relacionamento de estultícia (Gl 6.3; 1Co 3.18, gr. phrenapatao, enganar a mente; 1Co 1.20; 3.9); de saber ensoberbecido (1Co 8.2); e de negação do próprio auto-engano (1Co 1.18-25). Para Paulo, a visão mal construída do mundo e do homem leva ao auto-engano caracterizado (1) pela recusa de se reconhecer a auto-revelação de Deus, (2) pela troca da verdade de Deus pela mentira, (3) pela mente entenebrecida, e (4) pela crença de que a estultícia seja sabedoria .3 João tam bém diz que aquele que disser que não tem pecado, estará enganando a
si mesmo (Ho 1.8). E Jesus mandou escrever aos laodicences que eles se julgavam autônomos sem sequer saber que eram pobres, cegos e nus (Ap 3.14-17). OS DESEJOS DE JACÓ
O relato da história de Jacó revela que ele e le seguiu os objetivos errados de seu avô Abraão Abraão e de seu pai, Isaque, e não os objetivos posteriormente derivados da fé-arrependida que habitou e da esperança/imaginação que o conduziram no final da vida (veja Hb 12.1-3 e 13.7,8). A estultícia de Jacó o fez crer que ninguém faria por ele o que ele precisava para ser um homem bem sucedid suc edidoo – ele teria de ser autônomo se quisesse ser ou realizar alguma coisa. Isso gerou nele um desejo incontrolável que o afastou da fé, roubou-lhe a esperança e o dispôs para o pecado. Isaque havia intercedido diante do Senhor por sua mulher, Rebeca, a qual era estéril, e Deus atendeu às suas orações. Rebeca concebeu gêmeos, e estes lutavam no seu ventre. Não há distúrbios e apreensões em toda gravidez? E não é isso parte da realidade do mundo decaído? Mas ela não compreendeu que as maldições do pecado representavam uma manifestação da graça de Deus, advertindo o ser humano de que, por causa do pecado, houve uma quebra de uniformidade em toda a natureza. O embate cósmico entre as hostes de Deus e seu inimigo, o diabo, a "antiga serpente", envolve agora a humanidade e sua geração. Além disso, o pecado transferiu o objeto do desejo humano de comunhão, do Criador para a criatura (Gn 3.16b) e a mulher, criada para refletir a beleza da verdade e do amor dos relacionamentos, passou a sofrer as dores próprias da gravidez e do parto (Gn 3.16a) no desencargo dessa missão; da mesma maneira, o senso de liderança do homem se transformou em desejo de poder, e o desequilíbrio da natureza passou a ser sua dor e frustração (Gn 3.16-19): ambos são parte da lei natural – a qual deveria convencer o coração humano da sua indesculpabilidade (Rm 1.20b). Contudo, Rebeca cedeu ao sofrimento e fez a pergunta de quem põe em dúvida o significado da vida: "Se é assim, por que vivo eu? E consultou ao Senhor". O Senhor lhe respondeu, dizendo que os seus filhos representavam duas nações que exercitariam o desejo de poder e que um serviria ao outro. Ora, assim como o nascimento de Isaque fora objeto de profecia divina (Gn 17.21) e figura da reden re dençã çãoo (Gn 22), 22) , assim ass im també ta mbém m Rebeca Reb eca teria ter ia entendido a profecia que o Senhor também lhe fizera: "o mais velho servirá ao mais moço" (Gn 25.23). Sua crença, porém, estava errada: a promessa do Senhor é que ele cumpriria o que promet eu, não que ela teria de operar oper ar a profecia. profec ia. Assim como a história de seu pai se desenvolveu dentro do cenário da redenção, assim a profecia sobre Jacó se cumpriria num processo de redenção. Assim, Assim, uma crença errada moveu o coração de Rebeca para uma esperança apenas desejada, e sua imaginação tomou conta do processo. Quando ocorreu o nascimento dos gêmeos, Jacó e Esaú, sua esperança começou a ser frustrada. Esaú nasceu primeiro, pri meiro, e até aí, tudo corria cor ria segundo segund o ela imaginava imagi nava.. E Jacó nasceu depois, segurando pela p ela mão o calcanhar do irmão. Certamente, as profecias a respeito do avô, do pai e do neto eram faladas em família. Quem não comentaria tais maravilhas? O coração de Rebeca deve ter se enchido de orgulho! Porém, no desenvolvimento dos meninos, Rebeca começou a perceber que Esaú era quem sobressaia nas coisas de poder e de sucesso, e que Jacó era mais pacato, mais caseiro. Um dia, voltando da caça, Esaú viu seu irmão na cozinha, preparando um cozido. Ele jamais perderia essa oportunidade. Quem perderia? perderia? Fosse eu, teria dito: "Ei, Jacó, quer trocar de lugar comigo? Dou o que sou (o primogênito) por esse prato de cozido (um segundo lugar). Como diz a Escritura, "Tens visto um homem precipitado nas suas palavras? Maior esperança há para o insensato insensato do que para ele (Pv 29.20)". Jacó aceitou. a ceitou. Deus ouviu, e não houve possibilidade de arrependimento para o profano Esaú (Gn 25.27-34; Hb 12.16). O relato conta que o pai de Jacó, Isaque, desobedeceu à ordem de Deus de não descer ao Egito, e indo lá, seguiu os erros de seu próprio pai, Abraão. Sem dúvida, Jacó guardava essas coisas no coração, pois lhe diziam também respeito, uma vez que a profecia se referia à
descendência de Abraão e de Isaque, especialmente quanto a si mesmo. Em todas as coisas Deus foi fiel ao seu pacto, e havendo arrependimento da parte de Isaque, ele promoveu seu sucesso. Entretanto, Isaque se uniu uniu a duas outras mulheres, mulheres, as quais se tornaram motivo de amargura para Isaque e para Rebeca (Gn 26). Portanto, foi num clima de crenças falsas e de desobediência, de frustração e de amargura que Jacó cresceu e viveu. A continuação da história mostra que, adulto já, ainda tinha um relacionamento de cumplicidade com a mãe e de desprezo pela honra paterna, que parece omisso na primeira parte da história; e que sua rivalidade com seu irmão apenas crescera com o tempo. Quando Jacó estava velho e pronto para morrer, chamou seu filho mais velho, Esaú, e lhe pediu que uma caça lhe fosse f osse preparada e servida antes de abençoá-lo. Rebeca ouviu isso, e tirando do fundo do coração as crenças falsas e as esperanças imaginárias, deixou que o afeto do amor se transformasse em cobiça. Foi ao seu filho Jacó, um homem de meia-idade, e lhe propôs enganar o pai. Jacó temeu que o pai descobrisse e que o amaldi çoasse em vez de o abençoar, mas a mãe o encorajou: "Caia sobre mim essa maldição". O convite, certamente, caiu em terreno fértil. Jacó ouviu a voz de sua mãe e se fez passar pelo seu irmão diante do pai cego e moribun moribundo. do. Como operou em seu coração cora ção o engano, assim o fez. Mentiu ao a o pai sobre sua própria identidade, ignorando a promessa do Senhor sobre a segurança da bênção, preferindo a bênção roubada ao irmão. Ele jamais poderia se esquecer de tão grande expectativa: o orvalho do céu, a fartura da terra, a submissão dos povos, dos irmãos e da mãe! Era o céu! Nem quando a farsa foi desfeita, desfez-se o seu objetivo de ser o primeiro e o mais poderoso nem sua estratégia estratégia de enganar e conquistar conquistar o seu seu direito! Contudo, a ausência do temor do Senhor significa o temor de homens. Como Esaú passa pa ssass ssee a odiar odi ar Jacó Ja có e a plan pl aneja eja r a sua morte mor te,, Ja có t eve ev e medo, medo , e ainda ai nda sob os conse c onselho lhoss da mãe e sob a graciosa bênção do seu pai, como a de Abraão, fugiu para a casa de seu tio Labão, o qual morava em Harã, onde habitara seu avô antes de ser chamado por Deus (Gn 27). Deus era para ele algo distante, transcendente, e Jacó era um homem prático, com os pés na terra. Mas, a caminho de Harã, passou na noite num lugar qualquer, tomando uma pedra como travesseiro, e sonhou: "Eis posta na terra uma escada cujo topo atingia o céu; e os anjos de Deus subiam e desciam por ela. Perto dele estava o Senhor". Ali a presença do Senhor, ali a bênção, ali o cumprimento da promessa, ali o orvalho que não seca, ali o objetivo! Mas Jacó não queria subir a escada da fé para habitar com o Senhor; não teve temor do Senhor, mas teve medo medo de habitar com ele. ele. Sua esperança ainda estava na jornada que empreendia e imaginou que aquele lugar era temível. Pronto, seu coração operou segundo cria e imaginava. Ainda era homem religioso aos seus próprios olhos, e por isso, tomou a pedra que lhe servira de travesseiro e fez dela um altar, sem pensar na desobediência flagrante. A palavra de Deus não era um motivo suficiente para mudar seu rumo, conforme ditava sua experiência. Preferia ter a bênção de Deus para prosseguir segundo as suas estratégias. Certamente a bênção era um desejo maior do que o próprio Abençoados. Não é raro ra ro que qu e uma u ma pessoa p essoa rejeit re jeitee a Palavra Pal avra do Senhor S enhor,, subst s ubstitui ituindo ndo-a -a por um u m voto pessoal. p essoal. Votos são bons quando a pessoa obedece a Deus, mas quando o substituem, é idolatria. Seu voto nem mesmo foi o de uma dedicação ao Senhor. Saiu repleto de condicionais: se Deus for comigo... se me guardar... se me der pão e roupa... se me der retorno pacífico... então ele será meu Deus e, então, considerarei a coluna que erigi como casa do Senhor. Quanta arrogância! Não satisfeito ainda com seu trunfo na barganha, Jacó resolveu jogar mais alto: "certamente eu te darei o dízimo" (Gn 28). Ele estava completamente dominado pelo desejo de segurança exatamente porque fugia do Senhor. A caminho da terra do povo do Oriente, Jacó achou um poço no campo, coberto por uma pedra, junto ao qual os pastores aguardavam a guardavam que os rebanhos reba nhos se ajuntas aju ntassem sem para par a lhes dar de beber. beb er. Ali ele el e con conhec heceu eu Raquel, Raq uel, sua prima, num encontro emocionado. O encontro com Labão, seu tio, foi também inspirados. Jacó contou-lhe as suas experiências de viagem e foi recebido por Labão como sua própria carne e sangue. Logo o tio lhe ofereceu emprego, e como
Jacó não demorasse em se afeiçoar a Raquel, ele fez o que mais sabia fazer, e propôs um negócio: queria a filha pelo serviço prestado. Trabalharia sete anos pela mão de Raquel. Mas aquele que põe o seu desejo em transações viciadas deveria cuidar para não transacionar com outro com desejo semelhante. Labão tinha duas filhas, Raquel e Lia, esta última com os olhos baços. Findado o prazo acordado, Labão lhe deu Lia no lugar de Raquel. Enganado, Jacó pediu pedi u explicações, e as teve, bem a gosto da sua própria experiência emocional: é uma questão de raiz, não se pode dar a mais nova antes da primogênita. Como acontece conosco quando somos tocados na raiz do nosso problema, Jacó se aquietou e se dispôs trabalhar mais sete anos pela mão de Raquel. Novamente, aqui, se repetiu o drama do avô e do pai: duas mulheres; e Lia era fecunda e Raquel era estéril. Jacó, que tinha desejos de significado e de segurança — de bênção aparente, de orvalho, de paz — encontrou encontrou duas mulheres plenas de desejos insatisfeitos. Uma desejosa de ser querida e com possibilidade de trocar filhos pelo sentimento de ser amada; a outra, ainda que amada, desejosa de filhos até a morte. Uma, disposta a ser proxeneta para garantir seu desejo de felicidade; outra, disposta a entregar o amor do marido marido em troca de umas raízes usadas em feitiçaria como afrodisíaco, por causa do desejo de ter filhos. Seu relacionamento com Labão começou com uma negociata, se processou em negociatas e findou em negociata. Jacó já tinha recebido seus salários, direitos trabalhistas e fundo de garantia no valor total de duas mulheres, incursões nas camas de escravas, filhos, etc.; agora, o relato trata de outro acordo salarial de parceria: separam em grupos os rebanhos do tio, e cabras malhadas e salpicadas e ovelhas negras seriam como salário para Jacó. Qualquer mistura de animais seria considerado furto. Ah!, o desejo de Jacó. Certamente, não furtaria. Jacó, o enganador por identidade, engendrou um plano para aumentar suas posses. Fez que as ovelhas e cabras concebessem em frente de varas escorchadas o que provocava o parto de ovelhas e cabras manchadas. Jacó manipulou até mesmo as variáveis do arranjo, selecionando as ovelhas e cabras, conseguindo assim ficar com rebanhos mais fortes do que os de Labão. Fato? O fato é que Jacó creu que Deus o havia abençoado com bens terrenos e pôs sua esperança nas riquezas, acabando por amar mais as coisas do que as pessoas; assim, habitou na ilusão do seu próprio poder de negociar, imaginou que possibilidades e oportunidades fossem a alma do negócio, e acabou operando enganos. Seu objetivo: levar a melhor; sua estratégia: o que quer que fosse que não pudesse ser provado como crime, mesmo que fosse imoral e antiético; seu desejo: sempre mais. Mais orvalho, mais terras, mais paz com a vida – sem sem a paz de Deus, sem a paz com Deus (Gn 30). Mas nada há escondido que não seja descoberto, ao menos aos olhos daquele que a tudo vê e daqueles a quem ele quiser revelar. Os filhos de Labão começaram a especular sobre a origem da riqueza de Jacó e este próprio percebeu que Labão não lhe era mais favorável. Então, chamou suas esposas e se justificou, dizendo que o pai delas o havia enganado, mudado diversas diversa s vezes o seu salário, salár io, mas que Deus D eus não havia permitido per mitido que lhe fizesse fizesse mal: "Assim, Deus tomou o gado de vosso pai e mo deu a mim. Pois, chegado o tempo em que o rebanho concebia, levantei os olhos e vi em sonhos que os machos que cobriam as ovelhas eram listados, salpicados e malhados. E o Anjo de Deus me disse em sonho: Jacó! Eu respondi: Eis-me aqui! Ele continuou: Levanta agora os olhos e vê que todos os machos que cobrem o rebanho são listados, salpicados e malhados, porque vejo tudo o que Labão te está fazendo. Eu sou o Deus de Betel, onde ungiste uma coluna, onde me fizeste um voto; levanta-te agora, sai desta terra e volta para a terra de tua parentela" (Gn 31.9-13). Depois disso, mais uma vez, Jacó fugiu e levou consigo tudo o que possuía, incluindo as esposas que também fugiram, levando ídolos do lar roubados a seu pai. Labão logo o interceptou. Declaroulhe que Deus o havia instruído para não fazer mal a ele, mas também censurou a Jacó por abandoná-lo tão covardemente, acusando-o de haver roubado os ídolos do lar. Jacó não queria ser chamado de ladrão; velhaco, astucioso sim, sim, mas ladrão... ladrã o... (Gn 31). Pouco antes de se encontrar com Esaú, Jacó temeu seu irmão e orou ao Senhor. Clamou usando o seu pacto com Abraão e com Isaque, e lembrando o Senhor de que ele mesmo o havia mandado retornar à sua terra; declarou-se indigno, mas logo exibiu o que considerava
ser a aprovação de Deus. Saíra só e voltava rico – com que enganos! Voltava com dois bandos – bígamo! E pediu a Deus que o livrasse das mãos de Esaú – sem se dar conta de que ele enganara seu irmão. Seu objetivo persistia sendo a obtenção da paz caracterizada pelo conforto e pela abastança; sua estraté gia, a de barganhar a vida; e seu desejo, uma identidade que ele julgava ter sido roubada na infância. Quem haveria de tê-lo roubado? Deus, o qual fez a promessa? Sua mãe, seu irmão, Labão? Naquela mesma noite, uma pessoa lutou com ele no vau do Jaboque, até o romper do dia. Como Jacó persistisse em desejar a promessa sem ter de obedecer ao mandamento, a pessoa o feriu na coxa, e depois, mostrou sua vontade de se retirar. Jacó, porém, pediu mais uma vez a bênção, e em resposta, a pessoa perguntou pelo seu nome. Jacó!, ele disse. E talvez fosse essa toda a razão da luta. Jacó, o enganador, tinha de enfrentar sua própria identidade a fim de receber uma nova. Tinha de experimentar a própria fraqueza. Tinha de conhecer a prevalência do Senhor sobre todas as coisas (Gn 32). Quando Jacó, finalmente, encontrou Esaú, descobriu que não precisava ter fugido: "Então, Esaú correu-lhe ao encontro e o abraçou; arrojouse-lhe ao pescoço e o beijou; e choraram" (Gn 33.4). DESEJOS E COMPORTAMENTOS
Como José poderia ser ajudado? As últimas sessões foram despendidas na aplicação da redenção de Cristo à situação em que ele se encontrava. Primeiro, revisamos cuidadosamente o que tínhamos visto e gastamos tempo na aplicação que o próprio José fazia à sua vida, passado, presente e futuro. Muitos insights surgiram à medida que ele fazia essas aplicações. Pedi até que ele escrevesse um resumo da teoria aprendida. Na minha opiniã o, uma vez que não há prática sem teoria e não há teoria sem prática, nós também devemos manter no coração o pensamento bíblico sobre quem somos e sentimos, pois esse é o nosso comporta mento revelador do nosso caráter. Douma diz que os desejos passionais se agitam furiosamente em algum lugar entre a "inclinação" e a "ação", sem jamais atingir seu objetivo. A boca fala do que está cheio o coração (Lc 6.45)4 e nossos comportamentos revelam o que somos: "Até a criança se dá a conhecer pelas suas ações" (Pv 20.11). Douma, citando Popma5 escreve também que se poderia dizer que a totalidade do corpo de uma pessoa reflete o seu interior. "O amor ao dinheiro irradia dos olhos, eleva a pulsação, excita a mente e comprime os nervos. Os olhos têm sido chama dos, corretamente, de espelho da alma, e pode-se ler, geralmente, na face de alguém, aquilo que lhe vai no coração. Quando a face do ser resplende, isso significa vida (Pv 16.15); mas um semblante descaído trai um estado de espírito diferente (Gn 4.5; Et 7.6).' A teoria é a mãe da prática assim como a prática gera teoria. Do mesmo modo que os objetivos de José formam assestados pela integração do afeto da fé num movimento de habitação e o afeto da esperança num movimento de imaginação, e as suas estratégias foram decorrentes da interação da fé/habitação e do afeto do amor num movimento de operação, os seus desejos decorrem da inteiração do afeto do amor/operação com o afeto da esperança/imaginação. Sua emoção era a pele interior da alma assim como o seu corpo era a pele exterior da totalidade do ser. Seus desejos foram interiormente motivados pela busca de identidade e exteriormente condicionados pela busca de relacionamentos. Tanto pela inclinação da natureza decaída (herdada de Adão) quanto pela nutrição do pecado (culpa pessoal), os desejos do seu coração se tornaram mais e mais desordenados em função da sua emoção (experiência de desequilíbrio e equilíbrios da ato-estrutura do corpo). Seus desejos se transformam em necessidades aparentes, fome daquilo que ele considerava primordial para a vida. Ele não conseguia viver sem as drogas porque tinha fome e sede insaciáveis de paliativos interiores.
A maioria das psicologias coloca a satisfação dessas necessidades como ponto focal da ajuda no aconselhamento. A esse respeito, Edward T. Welch pede que consideremos a questão mais de perto: "Isto expressa uma suposição assumida por muitos escritores cristãos como parte de uma teologia mal-examinada. E soa como se estivesse certo. Eu tenho confessado já que tenho necessidades sentidas e vazias quando não sou amado da maneira como desejaria – ou da forma como 'preciso'. Mas, só porque eu sinto uma ,necessidade' de ser amado, isso não significa que esse desejo é realmente uma 'necessidade dada por Deus', uma 'necessidade legítima', ou uma 'necessidade primai'. Talvez aquilo que estou chamando de 'necessidade' seja, na verdade, desapontamento ou dor, ou talvez, uma exigência minha, ou desejo incontrolado. Há, sim, certas necessidades que provêm de Deus, mas seria necessário um pouco mais de investigação bíblica para deteitLúná-las" .7 Welch dedica um capítulo todo ao reconhecimento de nossas verdadeiras necessidades. Realmente precisamos do amor do Deus trino. Ele é amor, e seu amor é, ao mesmo tempo, completo, inteiro e indivisível, e dirigido a cada Pessoa da Trindade. A santidade de Deus é expressa em bondade, isto é, amor e justiça. Disso necessitamos – e só nos satisfazemos no amor de Deus demonstrado e provado em Jesus Cristo e sua obra. Nós precisamos de quem Deus é: o Senhor de toda a glória, o Redentor que se fez servo, o Pai, o Amigo, o Filho, o Pastor, o Médico, o Criador que confere nosso significado, o Controlador, o Presente, a Autoridade. Nós precisamos do conhecimento de Deus. A Escritura deixa claro que somos pessoas necessitadas: criados com necessidades biológicas. Precisamos de comida e proteção contra o mau tempo. Precisamos de Deus e, secundariamente, de outras pessoas. 2. Somos pecadores e temos necessidades espirituais. À parte da obra redentora e mantenedora de Cristo, estamos espiritualmente mortos. Precisamos de Jesus. Precisamos aprender de seu imenso amor e sermos exortados quando nos afastamos dele. 3. Somos criados como pessoas com habilidades e dons limitados. Todos os dons de Deus não podem ser contidos numa só pessoa. Assim, precisamos de outras pessoas a fim de cumprir os propósitos de Deus para refletir de modo mais acurado a sua glória ilimitada.' 1. Fomos
José estava dominado por emoções diversas que insuflavam seus desejos e controlavam seus comportamentos. Sentia-se só e sem referencial interior suficiente para dar significado à sua própria vida, pois conhecia o seu pecado, ao menos por meio de um sentimento de culpa. Um referencial externo de significado, com valor suficiente para estabelecer sua identidade, não poderia ser achado em Deus sem que isso aumentasse seu sentimento de culpa e diminuísse seu valor intrínseco – exatamente como no Éden, após o pecado. "Não era mesmo uma injustiça? Eu não pedi para nascer!" Quanta injustiça! "Ira justa" – como diria Caim. Além disso, vivia num mundo caído cujo curso é descendente, no qual, se algo errado pode acontecer, acontecerá sem uma intervenção externa. "Mas existe essa intervenção externa?" José vivia a experiência do desespero causado pela frustração de uma esperança romântica: desejava derivar segurança do amor por si mesmo. Mas o amor, por definição, é um movimento para fora – para cima (Deus) e para o lado (o próximo). O amor a Deus já inclui o amor por si mesmo assim como a boa pintura e o artista são igualmente belos. Numa palavra, o verdadeiro amor de alguém por si mesmo é: gratidão. Só Deus, o Autor, assegura a realidade da verdade sobre quem somos e a beleza do amor correspondido – como em Cristo! TRÊS DESEJOS: ADÃO E EVA, CAIM E CRISTO Adão e Eva – autonomia e desobediência
No Éden, Adão e Eva experimentaram o verdadeiro significado da vida e a verdadeira segurança do amor. Quem eram? Adão teve o seu nome dado por Deus. O nome Adão (hb. 'adam, homem) deriva da mesma palavra para se descrever o enrubescimento da face. Ele fora criado por Deus, moldado do barro da terra (vermelha?) e pertencia à natureza da própria Criação; depois, recebera o fôlego da boca do próprio Deus, cujo poder de criar a vida uniu a matéria do seu corpo ao espírito – por isso se diz que a vida está no sangue, pois ele transporta o oxigênio do ar que respiramos para todas as partes do corpo. Eva (hb. chavvah, vivente, causado pelo termo viver, declarar, demonstrar) teve o seu nome escolhido por Adão. Ela era semelhante a Adão, e em tudo correspondente, física e espiritualmente. Ambos encontravam no Senhor o seu referencial de significado, no reconhecimento do controle, da autoridade e da presença de Deus. O mundo real no qual viviam era real por ter sido criado por Deus e por permanecer inexoravelmente sob seu controle – desde a terra e os grandes astros do céu, até as tempestades e os mínimos fios de cabelo na sua cabeça (At 17.24-26). O senhorio de Deus sobre sua vida lhe era patente, simboliza da pela "árvore do conhecimento do bem e do mal", a qual lhes proporcionava uma visão epistemológica moral e ética do relacionamento entre a criação e o Criador. O bem existia em antítese ao mal (o bem quebrado) que resultaria da quebra da única realidade com esperança: Deus é o ambiente do homem. Eles experimentavam o amor de Deus na doce comunhão que permeava o mundo com a presença de Deus manifesta de modo transcendente em poder e imanente em seu cuidado; e experimentavam seu amor na comunhão pessoal, como quando diz que Deus andava no jardim na viração do dia, e os chamava pelo nome. Tudo isso, até o dia em que, tentados exteriormente pelo diabo e interiormente pela carne, colocaram seu desejo no "fruto proibido" da percepção de um mundo autônomo. Seus olhos se abriram e eles adquiriram uma perspectiva errada de Deus, um Deus mau por lhes negar algo desejável; adquiriram uma visão de um mundo cujo ambiente lhes provocava a expectativa do mal; e adquiriram um autoconceito errado, um sentimento de solidão e de medo – eles perderam a vida, conquanto a desejassem, agora, com as ânsias de um peixe fora d'água! Essa paixão, prontamente, os dominou, e eles fugiram da presença do Senhor. O comportamento conseqüente foi a experiência da "vida fora do Éden", com dores de falta de significado (objetivo), com frustrações na luta pela sobrevivência (estratégias) e com ansiedades em relação aos relacionamentos pessoais (desejos). Contudo, Deus continuou habitando os céus e a terra e deu-lhes a esperança por meio da promessa da redenção no descendente da mulher (Gn 3.15) para que o amor não se lhes esvaísse. Caim – auto-suficiência e ira
Seus primeiros descendentes exemplificaram a nova realidade. Certamente, como é nossa experiência familiar, os pais de Abel e de Caim teriam lhes falado da maravilha do mundo no Paraíso e das coisas que tinham acontecido. Principalmente, o que realmente importava: Deus e sua palavra sobre a Criação, sobre a Queda e sobre a Redenção. Abel e Caim sabiam do significado do culto a Deus e a forma de prestá-lo. Um, aproximou-se de Deus em fé, e habitou com ele. Conhecedor da realidade gigantesca da santidade de Deus e da enormidade de sua própria culpa, Abel depositou sua esperança no amor de Deus e imaginou, segundo a promessa, que um Deus bom aceitaria um sacrifício vicário, provido por Deus; assim, dispôs a adorar a Deus por meio da obediência que procede do amor. No entanto, não foi assim com o seu irmão. Caim desejou o mesmo que seus pais desejaram logo antes do pecado. Desejou fazer valer o direito de controlar a própria vida, de exigir a presença poderosa de Deus para abençoá-lo e de exercer autoridade sobre a terra e as obras de suas mãos. Veio a Deus com os frutos da terra, como se dissesse: "Vê como sou bom? Venci a maldição da terra e produzi o que agora tenho para mostrar". Mas Deus não se agradou da sua oferta. Caim irou-se profundamente, e se deixou dominar pelo desejo da inveja a ponto de matar o seu irmão. Quando Deus, bondoso, ainda o buscou, falou-lhe do sentimento de
injustiça que o amargurava provocado pelos desejos do coração: "se procederes bem, não é certo que serás aceito?" Deus falava a respeito do comportamento que é a finalização do ser na atoestrutura do corpo. Jesus – submissão e vida Jesus, o novo Adão, a imagem perfeita de Deus e sua revelação, Deus conosco, é o desejo do coração do Pai: "Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo" (Mt 3.17). Seu desejo e o do Pai é a redenção do homem da escravidão dos desejos, como escreveu Paulo a Timóteo: "...diante de Deus, nosso Salvador, o qual deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade (1Tm 2.3,4) e como disse Jesus aos judeus que o queriam pôr à prova: "Vós sois do diabo, que é vosso pai, e quereis satisfazer-lhe os desejos" (Jo 8.44). Paulo, escrevendo aos Efésios, resumiu a obra de Jesus Cristo. Ele nos deu vida quando estávamos mortos como Adão e Eva, nos nosso delitos e pecados. Como Caim, andávamos segundo o curso deste mundo sob o senhorio do diabo e escravizados à desobediência, inclinados pelos desejos da carne, e éramos filhos da ira – tanto por estarmos sob ajusta ira de Deus quanto por operarmos pelas injustiças de nossa ira. Mas Deus, misericordioso, considerou sua promessa de redenção pela obra vicária de Jesus Cristo, e nos fez assentar com ele nos lugares celestiais. Ele nos redimiu – pela graça mediante a fé – a fim de que, refeitos segundo a imagem do Novo Homem o glorificássemos em nosso comportamento cheio de "boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas" (ver Ef 2.1-10; 4.1; 5.1). A experiência terrena de Jesus estabelece a experiência interior do nosso comportamento. Ela é resumida por João, no seu evangelho, quando ele diz que Jesus veio do Pai, entrou no mundo, deixou o mundo e foi para o Pai (Jo 16.28). (1) Jesus encarnou a natureza divina e a natureza humana, conforme Deus prometeu a Adão e Eva (Gn 3.15), sempre referindo todo o seu desejo à pessoa do Pai, onde está sua habitação, deleitando-se no temor do Senhor (Is 11.3) em quem temos de colocar a nossa fé. Daí o gozo de um novo desejo: "Bemaventurado o homem que não anda no conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores. Antes, o seu prazer está na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e de noite" (SI 1.1,2). (2) No mundo, sua vida foi pautada por um grande desejo em relação àqueles pelos quais morreu e ressuscitou, para que nosso comportamento fosse pautado não pelas nossas obras, mas pela dele. Assim, sabendo que fomos resgatados de nosso fútil procedimento não por ouro ou prata, mas pelo seu sangue, deveríamos andar com temor no tempo da nossa peregrinação. Aquele que foi conhecido antes dos tempos e nos foi manifestado em morte e ressurreição é nossa fé e esperança para que nossa imaginação esteja funda da em Deus e na sua Palavra, a qual é viva e permanente (1Pe 1.17-23). (3) Ao deixar o mundo, Jesus, mais uma vez, falou do seu amor e do desejo de comungar com os homens, dizendo que desejava ardentemente comer a Páscoa com os seus discípulos, antes do seu sofrimento (Lc 22.15). Paulo, ao comentar a Ceia, fez a aplicação dessa ordenança redentiva. Quando participamos da Ceia, lembramos o amor que Abel anteviu, manifestado na morte e na ressurreição de Cristo. Mas a Ceia não pode ser um ato externo, como foi o de Caim, indigno e gerador de doenças e morte. Tem de operar como operou em Abel, precedido de auto-exame; e deve operar com tal discernimento do corpo de Cristo que perdure após a Comunhão, na comunhão que espera uns pelos outros (lCo 11.26-34) Finalmente, (4) ao ir para o Pai, Jesus nos levou consigo "para os lugares celestiais" para que o nosso comportamento seja aquele de quem tem, ainda, os pés na terra, mas cuja cabeça está nos céus — isto é, para que nosso comportamento seja motivado por uma emoção caracterizada pelo equilíbrio adequado dos nossos objetivos, estratégias e desejos segundo os objetivos, estratégias e desejos de Cristo. Quanto a isso, Paulo diz aos romanos que eles deveriam ter o mesmo sentimento que houve em Jesus, trocando o orgulho pela condescendência, a estultícia pela sabedoria, o mal pelo bem, preservando a paz com os
homens sem permitir que isso interrompa a paz com Deus, entregando a Deus os nossos direitos e expandindo o amor até os inimigos, como Cristo fez por nós. Só assim, diferente de Adão e Eva no Éden, e de Caim, fora do Éden, adoraremos a Deus pela sua vitória contra o mal (Rm 12.16-21). CONVERSÃO
A conversão de José foi a chave para a compreensão de tudo o que havíamos visto e ouvido até ali. Ele entendeu o que João queria dizer na introdução da sua primeira epístola. — Tudo o que tinha visto até agora sobre religião e sobre os "crentes" parece que
desligava meu desejo de ouvir mais ou de ver alguma coisa. Agora estou vendo as coisas diferentes. Olhando para o homem a fim de ver a Deus, a gente só vê trevas; mas olhando do ponto de vista de Deus para ver o homem, isso esclarece tudo! — O que é que você vê? — O que estou lendo: que Jesus é a vida eterna.
— Que vida é essa?
— Não a que eu levava. A vida que conhece a Deus, que tem comunhão com Deus.
— Você quer ter comunhão com Deus?
— Eu tenho! Claro que tenho! Pois não estou entendendo o que ele diz? Veja minha
alegria!
— É isso mesmo, José. Mas não é só isso. Quando Deus faz uma aliança de redenção
conosco, ele permanece fiel ao pacto, não importando quão infiéis nós sejamos. Mas, então, ele terá de nos tratar com dureza para que a disciplina seja completa e para que o nosso bem se realize. — Sei disso. Nem quero voltar para a escuridão de onde saí. Quero a luz de Deus! Oramos juntos, pedindo a Deus o cumprimento de sua promessa da iluminação do Espírito, e meditamos muitas outras vezes sobre esse texto de João, o qual ajudei José a decorar: Ora, a mensagem que, da parte dele, temos ouvido e vos anunciamos é esta: que Deus é luz, e não há nele treva nenhuma. Se dissermos que mantemos comunhão com ele e andarmos nas trevas, mentimos e não praticamos a verdade. Se, porém, andarmos na luz, como ele está na luz, mantemos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho, nos pur ifica de todo pecado. Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós. Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e just o para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça. Se dissermos que não temos cometido pecado, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está em nós (1Jo 1.5-10; ver 1.I-10).
Em 1 João, o apóstolo relaciona desejos à crença básica e à operação do amor: "...a palavra de Deus permanec e em vós, e tendes vencido o Maligno. Não ameis o mundo nem as coisas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele; porque tudo o que há no mundo a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não procede do Pai, mas do mundo. Ora, o mundo passa, bem como a sua concupiscência; aquele, porém, que faz a vontade do Pai, perma nece para sempr e" (2.14 -17). Certamente, temos aqui uma clara divisão entre o desejo de obediência ao Pai e o desejo de obediência ao próprio coração e às demais coisas criadas. Havia chegado, então, a hora de ajudar José a andar na vida cristã. Uma vez entendida e
compreendida a teoria, era preciso que José se exercitasse na vida cristã. A transformação do homem interior, concomitantemente com a modificação do comportamento, é parte da poderosa dinâmica do Espírito. Ninguém pode transformar a si mesmo assim como ninguém pode se suspender apenas puxando os cordões dos próprios sapatos. Nem pode um ser humano ajudar outro num processo tão complexo e intenso que envolve o espírito humano, porque ninguém conhece o coração humano senão o Espírito de Deus: "Porque qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o seu próprio espírito, que nele está? Assim, também as coisas de Deus, ninguém as conhece, senão o Espírito de Deus" (1Co 2.11). MUDANÇA EMOCIONAL De onde?
O primeiro aspecto a ser tratado na implementação de um novo comportamento na vida de José compreendia o entendimento do processo geral do aconselhamento. Onde começamos? Existiram hierarquias de influência ou de relacionamentos significantes com os quais lidamos logo de início? Elas eram os fatores mais importantes? À medida que José respondia a essas perguntas, consideramos que talvez as experiências dolorosas e os relacionamentos familiares tivessem, de fato, desempenhado papel significante no desenrolar dos seus problemas, mas que não se localizavam no cerne do problema. A Bíblia, como disse Powlison, não tem qualquer preferência quando à abordagem inicial do aconselhamento, embora as diversas escolas de psicologia tenham suas preferências. Teoricamente, podemos começar por qualquer relacionamento, situação, atitude, crença ou sentimento, e acabar lidando com as mesmas questões.' Foi importante observar os padrões que surgiram nos relatos, nos posicionamentos, nas queixas, nos comentários sobre os estudos bíblicos, e explorar os aspectos "sociológicos" e "psicológicos" da vida de José, os quais se refletiam nos seus comportamentos. Quais os comportamentos problemáticos que mais evidenciavam esses padrões? Quais desejos os motivavam? Quais as estratégias usadas? Com quais objetivos? Como operava seu amor? Como ele imaginava a vida? Quais as crenças básicas nas quais habitava? Assim como a vida não se processa "em prateleiras", nada, nas sessões de aconselhamento, foi tratado de modo muito formal e em compartimen tos estanques, e especialmente nessa fase, as entrevistas se processaram de forma fluida, normal. À medida que José expunha seu entendimento dos padrões e das conexões bíblicas, ele era levado a considerar como a sua vida tinha sido vivida correndo atrás de ídolos e como deveria ser diante de Deus. Como também disse Powlison, se quisermos ajudar pessoas a olhar para Deus, devemos ajudá-las a descobrir quais são os ídolos e quais são as vozes que chamam a sua atenção. "Essas forças não desculpam nosso pecado. Mas nutrem, canalizam e exacerbam nossa pecaminosidade." O arrependimento consciente floresce quando o aconselhado percebe tanto as próprias distorções quando as distorções impingidas pelos outros. 110 mais importante era que José tivesse consciência de que com esse modelo de aconselhamento redentivo, o conselheiro visa ao caráter do aconselhado antes que a solução do seu problema. A mudança de caráter segundo Deus em sua Palavra – em fé e arrependimento, na esperança santificadora e no amor obediente – tem a promessa da vitória (Rm 5.1-20, especialmente o v. 17; 1Jo 5.1-5).
Para onde? O segundo passo, foi a conscientização da sua própria conversão. De onde, já tínhamos visto. Agora, para onde, José? No prólogo do Decálogo, Deus se apresenta como Libertador, e estabelece o primeiro princípio libertador: "Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tirei da terra
do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses diante de mim" (Êx 20.2,3). Deus havia libertado os israelitas de sua escravidão, para que o glorificassem e gozassem de sua glória imediata e eternamente, quer no deserto quer na Terra Prometida quer nos céus. O apóstolo Paulo, escrevendo aos gálatas, expôs isso de modo claro (Gl 5-6). O essencial era permanecer na liberdade e não se submeter de novo à escravidão. José, mais que ninguém, sabia o que significava viver sob a escravidão de ídolos, pois havia colocado neles sua fé, sua esperança e seu amor. "Do modo que eu vivia – ele disse – acreditava nas drogas para me libertar da dor de viver, esperava que elas mudassem a minha visão do mundo e o próprio mundo, e amei a cada momento mesmo sabendo da destruição que ela me causava." O ídolo, também, tinha criado suas leis para que José as seguisse; leis de "circuncisão", as quais tinham o objetivo de o separar de Deus, da família, do próximo e de toda a realidade criada – a lei da autonomia. Ele "via" isso? Não haveria mudança se essas leis continuassem a reger seu coração e seu corpo. Se ele não se deixasse circuncidar para Cristo, separar-se para ele em quem estão firmados os laços da comunhão com Deus e com o próximo; se ele não se submetesse a Deus, em comunhão com ele em oração e em obediência à sua palavra, continuaria retornando à escravidão das drogas e perpetuando o círculo vicioso do pecado, perseguindo os objetivos idólatras, arquitetando estratégias de cultos ("curtição", como dizem) e aumentando seu desejo pela fuga e pela solidão. Sua liberdade dependia de permanecer em Cristo como Cristo prometera permanecer nele (Jo 15). Viver na graça significava habitar a nova fé, imaginar segundo uma nova esperança e operar conforme um novo amor, porque, como diz Pedro: "estas coisas, existindo em vós e em vós aumentando, fazem com que não sejais nem inativos, nem infrutuosos no pleno conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo. Pois aquele em quem estas coisas não estão presentes é cego, vendo só o que está perto, esquecido da purificação dos seus pecados de outrora. Por isso, irmãos, procurai, com diligência cada vez maior, confirma r a voss a voca çã o e el eiçã o; porquanto, procedendo assim, nã o tropeçareis em tempo algum" (2Pe 1.8-10).
Uma nova disposição
Uma mudança emocional não significa mudança de sentimentos aparentes, mas de toda a ato-estrutura, da inteiração das moções dos afetos (fé, esperança e amor), da integração dos movimentos subseqüentes (habitação, imaginação e operação) e da interação da dinâmica dos efeitos (relocação dos objetivos, reorganização das estratégias e re-habituação dos desejos). José estava disposto a não alimentar qualquer outra emoção que não fosse o equilíbrio de viver para esse novo objetivo, olhando firmemente para Cristo, o autor e consumados da nossa fé? Estava disposto a se submeter à estratégia do Senhor, buscando de coração manter, sempre que possível, a paz com todos, a qual procede da santificação (veja Hb 12.2-17)? Sim, José estava disposto, ele queria! Então, era preciso que ele se afastasse de tudo o que o incitava à rebeldia – más companhias, más conversações, maus costumes – e que nas horas de maior tensão, usasse a liberdade, não para dar lugar à carne, mas para dar lugar à lei do amor: amar a Deus acima de tudo e amar ao próximo como seu igual. Talvez esta questão tenha sido a que tomou mais do nosso tempo. Sem essa troca de emoção, tudo o mais que tivesse de ser tratado seria inútil. Teria havido uma mudança de posição que não teria mudado o ponto focal da matéria e, assim, o que quer que fosse visto cairia num velho modo de sentir. Obras da carne e fruto do Espírito
Repetindo, essa mudança emocional não é no sentido de mudar um compartimento da pessoa, mas de uma orquestração geral da fé num movimento inato para a habitação, da
esperança num movimento receptivo da imaginação e do amor num movimento operacional. Ela é de caráter espiritual e físico e só poderá sofrer mudanças verdadeiras se movidas pelo Espírito, como prossegue Paulo, dizendo aos gálatas: "Digo, porém: andai no Espírito e jamais satisfareis à concupiscência da carne. Porque a carne milita contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne, porque são opostos entre si; para que não façais o que, porventura, seja do vosso querer. Mas, se sois guiados pelo Espírito, não estais sob a lei" (Gl 5.16-18).
Estaria José se apropriando dessas coisas? De que obras da carne nós estávamos falando? Ele poderia descrever a própria experiência em termos das definições de Paulo: "Ora, as obras da carne são conhecidas e são: prostituição, impureza, lascívia, idolatria, feitiçarias, inimizades, porfias, ciúmes, iras, discórdias, dissensões, facções, invejas, bebedices, glutonarias e coisas semelhantes a estas, a respeito das quais eu vos declaro, como já, outrora, vos preveni, que não herdarão o reino de Deus os que tais coisas praticam" (Gl 5.19-21)? E estaria ele se apropriando da promessa da ação do Espírito? José, especialmente, se deliciou com a explicação de que Paulo chama essas emoções pecaminosas de "obras da carne", e chama as obras provocadas pelo Espírito de "fruto do Espírito": aquelas como resultados comportamentais do esforço próprio para se alcançar objetivos errados, com estratégias erradas, localizado nos "desejos da carne"; e este, como fruto da ação sobrenatural do Espírito aplicando à vida presente a redenção de Cristo para que os desejos sejam espirituais: "amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio" (Gl 5.22,23). Contra essa coisas não há lei porque a lei condena à morte, mas os que estão em Cristo já crucificaram a carne e seus desejos, mas estão ressurretos em Cristo para a obra do Espírito.
COMPORTAMENTO
Será importante manter em mente que as emoções, definidas como expressões da atoestrutura do corpo, se manifestam nos comportamentos externos. Assim como em todo o processo do aconselhamento, a utilização dos diversos elementos — fé/habitação + esperança/imaginação = objetivos, objetivos + amor/operação = estratégias, e objetivos + estratégias = desejos — não é feita passo a passo, sucessivamente, mas organizada pela emoção de modo integrante, interagente e circular, isto é, num processo de retroalimentação (feedback) positivo ou negativo. Soube que havia chegado o momento de atacar o problema do comportamento externo quando José perguntou: — Como posso deixar as drogas para
servir a Cristo?
— Leia isto — respondi, apontando para um texto na Bíblia aberta à sua frente.
O apóstolo Pedro — que conhecia experimentalmente o que significava a dor de negar a Cristo — escreveu sobre o aspecto prático da fé-arre pendida ditando nova esperança e fidelidade de imaginação para a operação em amor de uma novidade de vida. Ele disse: "Despojando-vos, portanto, de toda maldade e dolo, de hipocrisias e invejas e de toda sorte de maledicências, desejai ardentemente, como crianças recém-nascidas, o genuíno leite espiritual, para que, por
ele, vos seja dado crescimento para salvação" (1Pe 2.12). Há, claramente, aí, um despojamento dos desejos do velho homem e um revestimento do desejo do novo homem, que requerem muita dedicação, dependência e esforço. Essa era a resposta para a pergunta de José: Como? A mudança de comportamento, ainda que não seja o ponto central do aconselhamento redentivo, é, não obstante, o ponto de finalidade, uma vez que cremos que toda ação humana se concentra na ato-estrutura do corpo. Toda mudança chamada na Bíblia de "conversão" se revela real quando muda o comportamento interior e exterior. E essa mudança só se realiza na glorificação de Deus na nossa vida. Somos criados por Deus, nosso modelo, do qual decaímos, e só podemos retornara esse modelo sendo santos como Deus é santo. Por isso Paulo diz aos efésios que eles deveriam ser imitadores de Cristo, andando em amor como ele andou e se entregou como oferta de aroma suave. Para isso, não poderia haver em seu coração nenhuma impureza ou cobiça nem em palavras nem em ação – somente ações de graças – pois só assim experimentariam o que é viver o reino de Deus. Teriam de cuidar, também, que não fossem enganados pelas palavras vãs de outras pessoas desobedientes a Deus e levados a participar das suas obras, lembrando os resultados anteriormente colhidos. A luz de Deus certamente ilumina o caminho do homem de Deus, mas também revela tanto sua fraqueza quanto as dificuldades do caminho. A luz que ilumina a bondade, a justiça e a verdade, também reprova a maldade, a injustiça e a mentira. Portanto, diz Paulo: "vede prudentemente como andais... remindo o tempo, porque os dias são maus" (Ef 5.15,16 – ver 1.21). No restante do texto, visto da perspectiva dos afetos do coração, Paulo diz que: (1) não devemos ser insensatos, mas procurar compreender a vontade do Senhor (5.17, fé/habitação) e (2) não devemos nos embriagar com vinho, mas encher-nos do Espírito (5.18, esperança/imaginação), (3) num relacionamento de louvor, de gratidão e de submissão no temor de Cristo (5.19-2la, amor/operação). Esses afetos do coração, quando retirados de Deus e colocados nos ídolos, alteram o equilíbrio emocional da dinâmica interior da pessoa, do modo Paulo havia escrito pouco antes: (a) torna a pessoa obscurecida de entendimento e a faz andar na vaidade dos próprios pensamentos (Ef 4.17b18a, objetivos); (b) leva-a a planejar a vida de modo alheio à vontade de Deus e com o coração endurecido para com ele (Ef 4.18b, estratégias) e, insensível ao pensamento de Deus, move-a entregar-se aos próprios desejos (Ef 4.19, desejos). EQUILIBRAÇÃO, MODELAÇÃO E HABITUAÇÃO
Como José poderia modificar o seu comportamento? Muitas pessoas, quando pensam em modificação de comportamento, logo imaginam idéias como, por exemplo, de recompensa e castigo, como o ER de Skinner, ou de atualização, como é o caso de Rogers. Alguns até aceitam o conhecimento como orientador do comportamento. Um número menor ainda admite o conhecimento revelado como seu ponto de partida Só os cristãos, entretanto, aceitam o conhecimento de Deus, verbal e proposicionalmente revelado, como autoridade de fé e prática (aliás, a única). Quando falamos, aqui, de modificação de comportamento, queremos dizer a transformação comportamental causada pela transformação do homem interior e conseqüente no comportamento, o qual, por sua vez, exerce um efeito de retroalimentação na ato-estrutura do corpo. O comportamento deveria ser uma conduta responsável, responsiva e voluntária – responsável em termos da ação obediente em relação à vontade de Deus, responsiva no sentido da conduta santa em resposta à graça de Deus, e voluntária quanto à apropriação do comportamento como parte do caráter da pessoa. A resposta à pergunta de José estava bem à mão. Escrevendo a Timóteo a respeito de um comportamento piedoso, o apóstolo Paulo diz: "Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste e
de que foste inteirado, sabendo de quem o aprendeste. E que, desde a infância, sabes as sagradas letras, que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus. Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra" (2Tm 3.14-17). Primeiro, há a questão da permanência, da habitação. O ser humano apresenta uma incongruência comportamental que seria engraçada se não fosse trágica: uma tendência para o desequilíbrio, por causa da sua natureza pecaminosa, e uma vocação para o equilíbrio, por causa da sua criação à imagem de Deus. Permanência, perseverança, coerência, genuinidade, são alguns dos termos envolvidos no significado desse equilíbrio. Muitos, dizia Paulo no texto imediatamente anterior, eram desequilibrados. Aprendiam sempre sem nunca chegar ao conhecimento da verdade e, por isso, o comportamento deles era resistente. A corrupção mental e a reprovação quanto à fé os tornava insensatos, exibindo comportamentos pecaminosos. Eram "egoístas, avarentos, jactanciosos, arrogantes, blasfemadores, desobedientes aos pais, ingratos, irreverentes, desafeiçoados, implacáveis, caluniadores, sem domínio de si, cruéis, inimigos do bem, traidores, atrevidos, enfatuados, mais amigos dos prazeres que amigos de Deus, tendo forma de piedade, negando-lhe, entretanto, o poder" (2Tm 3.2-5). Segundo, comportamentos são aprendidos por observação e imitação, Assim como o comportamento de José havia sido aprendido por observação, tanto imitando quanto reagindo às pessoas significativas de sua vida, assim Timóteo também o havia aprendido da fé que habitou em sua mãe e em sua avó (cf. 2Tm 1.5). Timóteo também havia recebido o ensino de Paulo e visto a conformidade do seu comportamento com o seu propósito de fé, e a sua longanimidade, s eu a mor e sua perseverança; como ele havia procedido sob perseguição e sofrimento, que é quando a genuinidade do comportamento se evidencia. Terceiro, o comportamento bíblico, santo, que é a apresentação do nosso corpo por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, é aquele que pratica a teoria aprendida. A Palavra de Deus que é útil para o ensino, repreende, corrige e educa na justiça para que "o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra" (2Tm 3.17). Essa foi a resposta que José pedia. Como mudar o comportamento? Exercitando o equilíbrio, modelando comportamentos adequados e processando uma re-habituação. EQUILIBRAÇÃO: MUDANDO OS OBJETIVOS
A primeira fase da equilibração é o a utoconceito. O homem foi criado à imagem de Deus e só encontra equilíbrio nessa relação. Desde que Adão perdeu seu referencial em Deus, o homem tornou-se incapaz de se localizar na natureza e em relação ao próximo. Em Romanos 1.18-32, Paulo diz que essa perda do referencial divino não é metafísica, mas moral. O desconhecimento de Deus é inimizade contra o Criador que manifesta seu conhecimento, mas cuja glória não é refletida pelo homem. Conhecem a Deus mas não o glorificam (que desequilíbrio, que inconsistência!). E por não serem responsáveis (obedientes) nem serem responsivos (gratos), são entregues por Deus a uma disposição mental reprovável e voluntária ao pecado da qual procedem seus comportamentos. Quando Paulo começa a discorrer sobre a transformação do crente, em Romanos 12.1-3, ele oferece o primeiro "como" da mudança: "Porque, pela graça que me foi dada, digo a cada um dentre vós que não pense de si mesmo além do que convém; antes, pense com moderação, segundo a medida da fé que Deus repartiu a cada um" (v. 3). A reação de José a esse texto foi interessante. – Como você se descreveria, José?
– Eu tenho raiva de mim!
– Você poderia ler para mim esse verso de Romanos 1.18? – É, estou sob a ira de Deus. – Estava, José. Estava. Leia o que está escrito em Romanos 5.1-5.
A leitura de José foi pausada, como que entremearia de respostas que ele deveria absorver cuidadosamente. – O que – Que
você entendeu dessa leitura? não estou mais debaixo da ira de Deus. Mas eu não entendo o que a ira de Deus tem a ver com a raiva que sinto de mim mesmo. – Ah! José! Se Cristo morreu por nós e pela sua justiça temos paz com Deus, temos de, pela fé, habitar na sua graça. Isso deve basea r nossa esperança e mudar nossa imaginação acerca de tudo, até de nós mesmos. É o amor de Deus que o Espírito derrama no nosso coração que opera em nós a transformação necessária. Necessária? Sim, porque você tem razão de não gostar de você mesmo em vista do que você foi, e de não gostar de algumas coisas que você ainda é, mas o José que Deus criou e que redimiu, esse tem agora o valor que Deus lhe atribui. Ninguém tem valor próprio como se fosse alguma coisa em si mesmo. Mas Deus é o seu valor! – É, Cristo morreu por mim, e como diz ai, dificilmente alguém morreria por um justo,
quanto mais por um injusto. Mas ele morreu por mim. Eu deveria mesmo ser mais grato. – Pense nisto: Paulo está dizendo que "Logo, muito mais agora, sendo justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos da ira. Porque, se nós, quando inimigos, fomos reconciliados com Deus mediante a morte do seu Filho, muito mais, estando já reconciliados, seremos salvos pela sua vida" (Rm 5.9,10).
Poucos de nós entendemos toda a complexidade das expressões "muito mais agora" e desse "muito mais seremos" usadas por Paulo nesse versículo, mas o próprio apóstolo as aplica depois, no capítulo 8. Já não há, para nós que estamos em Cristo, nenhuma condenação. Não estamos sujeitos à condenação da lei de Deus nem da nossa lei – que em si mesma representa idolatria. Era-nos impossível ser o que Deus quer que sejamos, segundo sua lei, pois a lei é justa, santa e boa, e nós éramos injustos, transgressores e maus. A nossa própria lei e nossa consciência também testemunhavam contra nós tornando-nos acusadores e defensivos. Mas a promulgação da justificação em Cristo, pela graça media nte a fé, fez surgir uma nova lei, a lei do Espírito, segundo a qual temos a certeza de agradar a Deus. O Espírito Santo que habita em nós produziu, produz e ainda produzirá transformações redentivas, ainda "muito mais" do que jamais poderemos imaginar. Cristo em nós, é graça sobre graça! Por isso, Paulo começou o verso, dizendo: "Porque, pela graça que me foi dada, digo a cada um dentre vós que não pense de si mesmo além do que convém..." (Rm 12.3). Não se trata de alguém não pensar em si mesmo. Antes, deve pensar muito em si mesmo – mas diante do Senhor! Não pensar de si mesmo além do que convém. Nem aquém. Mas pensar com equilíbrio "segundo a medida da fé que Deus repartiu a cada um". E qual é essa medida da fé? Não é a mesma proporção do dom de Cristo, a medida da estatura a medida da estatura da plenitude de Cristo, de Efésios 4.7,13? Nossos comportamentos são o que somos, como disse o mestre de Provérbios: "Até a criança se dá a conhecer pelas suas ações, se o que faz é puro e reto" (Pv 20.11). Assim, o autoconceito de José influenciava a sua percepção de Deus, de si, do próximo e das coisas, influenciando seus comportamentos – e influenciando o processo de mudança de comportamento. Um autoconceito coram Deo (diante de Deus) ou teo-referente, como oposto ao conceito egoísta, idólatra, poderá determinar uma verdadeira mudança de comportamento interior e exterior.
Powlison diz que os ídolos nunca são solitários. O orgulho, ou "brincar de Deus", gera ira, manipulação, compulsão de controlar as pessoas e circunstâncias e rebeldia contra as autoridade, os pais ou a "burguesia". O temor de homens, ou "transformar os outros em deuses" gera preocupação, ansiedade, senso de inferioridade/superioridade, comportamento de camaleão. Tudo junto, gera o comportamento relaxado ou perfeccionista.' A segunda fase da equilibração é substituição do medo de homens pelo temor de Deus, e o medo de amar pelo amor de Deus. Paulo escreveu a Timóteo: "Porque Deus não nos tem dado espírito de covardia, mas de poder, de amor e de moderação" (2Tm 1.7). Nenhum outro escrito fala tão completamente a respeito disso do que a Primeira Epístola de João. Ele diz que o comportamento coerente com o caminho da luz só pode ser vivido se estivermos em comunhão com Deus e com os irmãos, em Cristo, pelo Espírito. Para que essa comunhão seja mantida, diz João, é preciso permanecer na Palavra da verdade e em oração em amor. O mandamento de Deus é luz que ilumina o caminho e que mostra o desvio do coração. É certo que haverá desvios, e quando houver, a confissão de pecados e a certeza do perdão serão os atos r edentivos da aplicação da redenção de Cristo aos relacionamentos de amor. Sem essa purificação – pela confissão, pelo perdão e pela lavagem de água pela palavra – impedimos nosso coração de crer nos mandamentos e promessas do Senhor e somos impedidos de experimentar o amor a Deus e aos homens. Além disso, haverá o desequilíbrio dos afetos, e ninguém que não permaneça nos seus mandamentos poderá ser aperfeiçoado no seu comportamento. Quem não ama a Deus e ao próximo, passa a temê-los. Não no sentido de honrar, acatar, e amar, próprios do temor do Senhor, mas no sentido de se ressentir, de invejar, de fugir da presença e de afrontar com comportamentos desafiantes. Essas coisas não vêm de Deus, mas do maligno. A concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida são coisas do mundo manipuladas pelo diabo que visam elicitar comportamentos desequilibrados que comprometam a verdade. Mas para os que permanecem no equilíbrio da fé, da esperança e do amor, a unção do alto traz a promessa da vida eterna, a qual permanece em nós. Da fé, porque cremos que somos filhos de Deus; da esperança, porque somos por ele purificados; e do amor, porque o amor lança fora todo medo. Aquele que permanece no Senhor não tem medo de não pecar, pois sabe que os mandamentos do Senhor são mais ricos e doces do que as falsas promessas do pecado. O seu comportamento será por "expressão" e não "por necessidade". Como Paulo também disse: "Seja a vossa moderação conhecida de todos os homens. Perto está o Senhor. Não andeis ansiosos de coisa alguma; em tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de graças" (Fp 4.5,6).
– José, vamos fazer uma lista de
coisas que devem ser mudadas no seu comportamento, as quais você tem medo de mudar, e uma lista das respectivas mudanças que Deus propõe, com suas conseqüentes promessas. Que tal três colunas... MODELAÇÃO: MUDANDO AS ESTRATÉGIAS
Como implementar as mudanças? José tinha, agora, bem fundado em sua mente, um ponto de apoio: Deus e sua Palavra, e a prática da verdade em amor: "Mas, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo, de quem todo o corpo, bem ajustado e consolidado pelo auxílio de toda junta, segundo a justa cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor" (Ef 4.15,16). Faltava-lhe um referencial visível. Com toda a honra devida aos pais, os filhos sabem que os pais são de carne e sangue, pertencentes a uma humanidade decaída, e que eles têm as mesmas limitações e necessidades espirituais e físicas que todos temos. A Palavra diz que fomos resgatados de um procedimento fútil herdado dos nossos pais (1Pe 1.18), não necessariamente porque eles tenham nos ensinado isso, se bem que muitas vezes isso seja verdadeiro, mas sempre porque, sob nossa inteira responsabilidade, imaginamos isso. Em nossa estultícia,
aprendemos, da observação do comportamento dos nossos pais, "inverdades" com as quais "habitamos em fé". Quando bebês, somos, muitas vezes, manipulados pelos nossos pais quer seja para mamar quer seja para dormir, etc., e acabamos aprendendo estratégias de manipulação para não dormir, para mamar, etc. Por exemplo, da experiência de t er recebido um sorvete após a extração das amígdalas, seguidas de experiências de excesso de recompensa (obviamente geradas por um senso de culpa) após certas disciplinas, e de demonstrações de afeto em casos e acidentes ou outros sofrimentos, José poderia ter deduzido que o sofrimento fosse um modo de se obter amor. Isso poderia ter preparado o seu coração para derivar compensação das dores que as drogas lhe causavam. O mesmo ocorre em relação aos nossos irmãos e amigos. Os namorados vivem plenos de manipulações, desde as mais inocentes formas de conseguir carinho ("se você me ama"), até as mais defraudadoras incitações à intimidade exagerada ("prove seu amor"). Somos criados à imagem de Deus, e isso faz de nós imagineiros naturais. Se não refletimos a imagem de Deus, refletimos as imagens dos inumeráveis ídolos de substituição que nos cercam – a criação toda, como disse Paulo: "porquanto, tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças... pois eles mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura em lugar do Criador" (Rm 1.21,25). O problema, portanto, não é imitar, mas imitar o que se apõe à imagem de Deus. Quando Paulo disse aos efésios que eles deveriam ser imitadores de Cristo, ele forneceu o único modelo adequado para o nosso comportamento. Mesmo o seu próprio modelo deveria ser imitado de forma seletiva. "Não que eu o tenha já recebido ou tenha já obtido a perfeição; mas prossigo para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus", disse ele, mas "prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus". Todos que temos essa perfeição em Cristo, deveriam ter esse mesmo sentimento. Assim, "sede imitadores meus e observai os que andam segundo o modelo que tendes em nós" (Fp 3.17). Por isso ele diz também que a palavra é fiel e digna de toda aceitação e que ele ("eu", disse ele; eu digo: "eu") era o principal dos pecadores, mas por isso mesmo lhe foi dada a misericórdia de evidenciar Jesus Cristo e de servir de modelo de pecador arrependido e transformado para outros que viessem a crer (1Tm 1.15). Tiago também se referiu ao modelo dos profetas no sofrimento e na paciência, os quais falaram em nome do Senhor (Tg 5.10). A mudança de modelos, dos modelos idólatras para o Modelo original, é uma forma de aprendizado. Paulo Freire propôs um modelo de aprendizado que tem sido difundido pelo mundo: o aprendizado formal (por exemplo, em classe), o modelo informal (por exemplo, o peripatético) e o não-formal (na experiência cotidiana; por exemplo: só aprendemos realmente o que significa a placa de advertência "preferencial", quando, num cruzamento, um caminhão cede direito a um pequeno "fusca"). Modelação é isso: um Modelo formal em Cristo, na Palavra; um modelo informal no estudo diário da Palavra e em oração; e um modelo não-formal na experiência comum na igreja e da igreja no mundo. Um modelo para aprender. O que escrevi em outro lugar sobre a Grande Comissão (Mt 28.18-20), reproduz essa idéia: Jesus é o Modelo, só ele tem toda autoridade nos céus e na terra, e ele nos enviou sob sua autoridade para apresentarmos o modelo formal do evangelho para todas as nações, para vivenciar informalmente esse modelo no seu corpo, a Igreja, e para inculcar não-formalmente nos salvos a prática dos seus mandamentos. No aconselhamento, como em todos os relacionamentos pessoais, o microcosmo modela o macrocosmo, isto é, a experiência do relacionamento intra-aconselhamento reflete, ou deveria refletir, a vida comum. Assim, José e eu já estávamos mantendo uma relação baseada na relação proposta por Cristo. No Sermão do Monte (Mt 5.1-11), Jesus introduziu o seu sermão com o
mais belo, moral e ético manifesto comportamental da fé. — O que você entende da leitura do terceiro versículo? — perguntei. — Ahn... que os tolos e pobres seriam salvos? — ele respondeu em
tom de pergunta como
quem não sabia ao certo. – – – – –
O que você acha que significa ser pobre de espírito? Estulto? – ele tinha gostado da palavra quando a estudamos logo no começo. Mas um estulto seria um bem-aventurado? Realmente, não. O que seria, então?
Finalmente, tudo bem lido, bem interpretado, bem conversado, chegamos a um ponto: estávamos treinando ali para exercitar sempre o modelo de Cristo, a alegria da nossa salvação. Aplicando: bem-aventurados (gr. makarios, abençoados, felizes, espiritualmente prósperos) os que não têm objetivos próprios em relação à justiça, porque terão parte no reino dos céus; os que são sensíveis ao problema causados pelos falsos objetivos assestados pela injustiça, porque serão consolados; os que com boa disposição perseveram nas estratégias justas do Senhor, porque herdarão a terra; aqueles cujos desejos são postos na justiça do Senhor, porque serão satisfeitos; os que se condoem com a situação do próximo, porque serão consolados; os que se lavam na Palavra e confessam seus pecados, porque verão a Deus; os que procuram acertar as situações, porque serão chamados filhos de Deus; os que se dispõem a enfrentar oposição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus (Mt 5.3-11). Resumindo, bem-aventurados somos por sermos de Cristo, e o seremos se não vivermos mais para nós mesmos, mas para cumprir a vocação de viver na terra uma vida de força e qualidade que modele ao mundo a luz de Deus. – José, vamos fazer uma lista de injustiças que você acha que cometeu, outra de injustiças
que você acha que cometeram contra você, e outra com o que Deus quer que façamos com elas. Que tal três colunas? HABITUAÇÃO: MUDANDO OS DESEJOS
Aqui é o ponto em que a maioria dos conselheiros tem mais dificuldades; é o ponto em que a maioria dos aconselhados fica sem saber ao certo para onde ir. A habituação é o fechamento do aconselhamento, quando a prática da teoria requer mais tanto do conselheiro quanto do aconselhado. É a hora de proceder à re-habitação da fé, aplicá-la à re-imaginação da esperança; e fazê-la funcional na re-operação do amor. Talvez não haja outro conselheiro mais apto e mais hábil na manipulação do método do que Jay Edward Adams. Creio que será saudável, para nós, usarmos seu caso para introduzir nossa idéia de habituação. Muitos profissionais da área de saúde e até da área pastoral o tem como pessoa rígida, ríspida e quase intratável, muitos dos quais evidenciaram essas mesmas características ao falar dele. Poucos o conhecem, alguns só de ler seus primeiros livros, alguns de vista, mas já com reservas. Muitos desses rea giram à sua posição exatamente por que já habitavam conceitos diferentes, já imaginavam estruturas com as quais se sentiam confortáveis e acusavam ou se defendiam na própria consciência, mais por causa dos seus desejos do que por outras razões. Nesse clima, é impossível ser humilde no julgamento, chorar com as imperfeições de J. Adams, perseverar em considerá-lo como irmão e acadêmico, e confiar na sua honestidade e sinceridade para com Deus. Seria preciso ser, realmente, piedoso, confessar o pecado do preconceito e da maledicência e aprender a perdoar naquilo em que ele mesmo tenha pecado ou extrapolado, buscando-o ou àqueles a quem se falou dele de modo pouco amoroso,
com a disposição de enfrentar as oposições, não para "mudar de idéia", mas de atitude. Em outro lugar eu escrevi que Jay Adams, cujo nome tem sido exaltado por uns e execrado por outros, foi responsável pelo levantamento da questão do aconselhamento cristão na igreja moderna. Temos de reconhecer que Adams é homem de excelente cultura nas áreas da teologia, da exegese e da hermenêutica, da comunicação e da psicologia, reconhecido nos meios evangélico e secular como teólogo e psicólogo (prêmio Lily Fellowship, com O. Hobart Mowrer). Especialmente, é um pastor de almas no sentido bíblico da expressão, que exibe a bondade e a firmeza que Jesus requer dos seus servos. David Powlison diz que J. Adams é um homem com um mapa de aconselhamento como os mapas do século 16, muito preciso nos traços gerais, mas com alguns "sinais de mares desconhecidos" (ainda que os conhecesse, não foi seu objetivo discutir sobre eles) e de advertências sobre possibilidades de tormentas, fortes correntes marítimas ou sobre a existências de monstros... As psicologias modernas têm mapas detalhados (você poderia achar neles até a sua cidadezinha natal), mas parecendo que alguém recortou o mapa na forma de um quebra-cabeça e o colou todo errado. A proposta de J. Adams, diz ele, é reconstruir o mapa das psicologias modernas sobre o gabarito da Palavra de Deus.' Para J. Adams, a primeira proposta para o aconselhamento cristão é afetar o caráter e mudar o comportamento da pessoa; a segunda, é o pro cesso de convencimento, confrontação e consolação na Palavra; e a terceira é a motivação por amor para o bem do cliente e para a glória de Deus. A mudança de vista proposta é a mesma já mencionada, do despojamento e do revestimento de que Paulo fala em Efésios 4.20-24: aprender a instrução de Cristo pelo despojamento do velho homem e pelo revestimento de Cristo. Ele diz que há elementos definíveis envolvidos nessa mudança, e que nenhum deles pode ser visto como um passo isola do ou numa sucessão, mas são introduzidos no processo geral do aconselhamento. Devemos manter em mente que as práticas habituais tornaram-se uma "segunda natureza" do cliente, o que quer dizer que ele se sente à vontade com seu velho hábito, que reage automaticamente a determinados estímulos (situações, pessoas, sentimentos), e que faz isso sem pensar, automaticamente.' Como Powlison colocou,4 a pessoa que atende às vozes dos seus ídolos, já se habituou aos seus comandos, e assim, reage imediatamente, nos seus "membros", segundo sua habituação; quando surge a conseqüência ela experimenta frustração, em curto ou longo prazo, e reforça ou troca seu ídolos, fazendo girar o círculo vicioso de pecado. Como mudar? A mudança exige uma conversão. O caminho natural é: "ídolos e vozes" --), "membros" --> "experiência", e deve ser mudado para a ordem inversa (conversão) em: "Deus e sua Palavra" — ) "experiência" --> "membros". Na seqüência do texto de Paulo sobre o despojamento e o revestimento (Ef 4.22-24), ele diz que os hábitos antigos corrompem o ser "segundo as concupiscências do engano", e que isso deverá ser substituído pela renovação do espírito do entendimento (ato-estrutura do corpo) com comportamentos procedentes da verdade. Foi assim que continuei a proceder com José: — Vejamos
o texto de Efésios 4.25: "Por isso, deixando a mentira, fale cada um a verdade com o seu próximo, porque somos membros uns dos outros." O que é que deve ser despojado, em primeiro lugar? — A mentira — ele reconheceu. Você se lembra que sua irmã mentiu para trazê-lo aqui? Você mesmo contou aqui sobre as muitas mentiras que usou para esconder seus comportamentos errados, especialmente para
conseguir meios para comprar drogas. Você, também, mentiu diversas vezes durante as nossas conversas sobre situações e sentimentos que você havia experimentado. De fato, você não mentiu só para os outros, mas tem mentido para si mesmo ao longo de muito tempo. Vamos rever algumas dessas coisas... Após algum tempo – pois toma tempo falar sobre as feridas da alma tendo que convencer, confrontar, consolar na Palavra – fomos para a segunda parte do texto. – E o que diz o texto sobre com o que devemos nos revestir?
– Da verdade – ele reconheceu mais uma vez. – E o que isso quer dizer, além do que já sabemos, isto é, que Jesus é a verdade? – Que eu devo falar a verdade...? – Isso!
Jesus não é só a verdade. Ele é o caminho. E a vida. A verdade só é coerente quando andamos nela como nosso único caminho de vida. A razão pela qual você passou a vida interia, desde menino até agora, mentindo a si mesmo sobre o que é a vida, e mentindo aos outros sobre a sua vida, é que, como você não tinha fé em Deus nem habitava nele, não poderia ter esperado do mundo senão a mentira que havia nele, e assim, imaginou a fim de sobreviver nele. Isso tanto era natural de sua parte quanto era antinatural em relação à vida verdadeira. Mas, agora, você tem uma nova natureza em Cristo, e o Espírito Santo derrama amor no seu coração para que você opere suas emoções de modo diferente, isto é, falando a verdade. Assim, qual o motivo de amor que o Espírito propõe? Veja o restante do texto. – Somos membros uns dos outros. O que tem a ver o sermos membros uns dos outros com essa questão? Amor não é um movimento para fora, para o outro, José? A motivação da verdade é o amor. O apóstolo João disse que deveríamos amar uns aos outros porque o amor procede de Deus, e qual é amor, e aquele que ama reflete seu conhecimento porque habita nele. Seu amor se manifestou em haver Deus enviado seu Filho para que vivêssemos por meio dele. E esse amor consiste, não em que nós o amamos, mas em que ele nos amou primeiro. Assim, precisamos amar primeiro os outros sem mesmo desejarmos ser amados. Ainda que ser amado seja lícito e bom, não deveria ser nossa motivação primária, pois o amor a si mesmo é falsa sabedoria, é estultícia que ensoberbece – mas o amor edifica, como disse Paulo em 1 Coríntios 8.1. E João ainda diz que ninguém jamais viu a Deus, mas se nós amarmos uns aos outros experimentaremos o amor de Deus e aperfeiçoaremos nosso comportamento. – Entendi. Quando eu falo a verdade com meu próximo, já estou fazendo bem a mim mesmo, porque sou membro dele e o que um membro faz afeta os outros; mas a minha motivação deve ser ainda maior: devo falar a verdade para que ele seja glorificado em mim! – José, façamos três colunas... Não basta saber o certo para se agir certo. É preciso um convencimento do Espírito a respeito do motivo certo. Nosso comportamento é emocional. Isso que dizer, não que nossos comportamentos sejam todos desequilibrados, mas que seu equilíbrio ou desequilíbrio é provocado pelos movimentos emocionais no trato ato-estrutural do corpo (é bom que se repita: fé/habitação + esperança/imaginação = objetivos, objetivos + amor/operação = estratégias, e objetivos + estratégias = desejos). Por isso, a utilização de três colunas é uma forma visual de estabelecer os três elementos da mudança: o que tirar, o que pôr, e a motivação básica (Palavra de Deus ou vozes de ídolos, temor de Deus ou de homens, obras da carne ou fruto do Espírito, raízes terrenas ou bênçãos do alto?).
Paulo prossegue, em Efésios 4.26-32, dizendo que (a) deveríamos nos despojar da ira pecaminosa' e (b) revestirmo-nos de uma pronta atitude pacificadora (veja, por exemplo, a disciplina dinâmica em Mateus 18.15), (e) para não dar ocasião ao diabo (refletir o diabo no comportamento, e não Deus). No verso 28, ele diz: (a) despojar-se do hábito de furtar, (b) revestir-se do hábito de trabalhar "com as próprias mãos", (3) para desenvolver graça para com o próximo (e gratidão em relação a Deus: só aprende gratidão, aquele que desenvolve graça). Nos versos 29-30, (1) excluir as más conversações e (2) substituí-Ias por conversas edificantes e oportunas a fim de transmitir graça aos que ouvem (glorificando assim a Deus) (3) para não perder a motivação geral da vida cristã por meio de entríste cer o Espírito Santo, o selo de nossa redenção. E nos versos 31,32, (1) tirar tudo o que perturba os relacionamentos pessoais e (2) ser benigno, compassivo e perdoados (3) seguindo o modelo de Cristo. Por que dissemos que a re-habituação é o ponto em que a maioria dos conselheiros tem mais dificuldades? Que é o ponto em que a maioria dos aconselhados fica sem sabe r a o certo para onde ir? Porque, como diz Ferguson, "a vida no Espírito não é ainda vivida no contexto da ordem final após a ressurreição. Ao contrário, a vida kata pneunia é vivida na presente ordem. Mesmo a vida em Cristo, vivida no Espírito, tem como seu contexto a existência física e mental que é dominada pela carne". 6 Há sempre um conflito entre o desejo do conselheiro de "amarraras pontas" do aconselhamento e a tendência para finalizar "logo' o caso; e há uma tensão entre o desejo do aconselhado de permanecer no desequilíbrio da carne e o novo desejo de se equilibrar segundo o modelo, como disse Paulo:
Se há, pois, alguma exortação em Cristo, alguma consolação de amor, alguma comunhão do Espírito, se há entranhados afetos e misericórdias, completai a minha alegria, de modo que penseis a mesma coisa, tenhais o mesmo amor, sejais unidos de alma, tendo o mesmo sentimento. Nada façais por partidarismo ou vanglória, mas por humildade, considerando cada um os outros superiores a si mesmo. Não tenha cada um em vista o que é propriamente seu, senão também cada qual o que é dos outros. Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz. Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai (Fp 2.1-11).
O CASO DO REI DAVI
Natã, provavelmente, já havia pensa do no seu nome em relação ao serviço que prestava ao Senhor. Nathan (hb. Ele [Deus] deu), por duas vezes havia sido encarrega do
de dar a conhecer a vontade do Senhor a Davi. A primeira vez, foi quando Davi expressou o desejo de construir um templo para o culto ao Senhor. A segunda, foi quando ele teve de confrontar Davi com seu pecado. No primeiro caso (cf. 2Sm 7 e 1Cr 17), Davi, que habitava em casa própria, uma casa de cedro, sentiu que faria bem se construísse uma casa para o Senhor. Então, ele disse a Natã: — Eis
que moro em casa de cedros, mas a arca da Aliança do Senhor se acha numa tenda. --Faze t udo quant o está no teu cor ação, porque Deus é contigo Natã disse a Davi. Mas o Senhor deu outra palavra a Natã. — Tu
não edificarás casa para minha habitação; porque em casa nenhuma habitei, desde o dia que fiz subir a Israel até ao dia de hoje; mas tenho andado de tenda em tenda, de tabernáculo em tabernáculo... Tomei-te da malhada e de d etrás das ovelhas, para que fosses príncipe sobre o meu povo de Israel.... Prepararei lugar para o meu povo de Israel e o plantarei para que habite no seu lugar e não mais seja perturbado... e também te fiz saber que o Senhor te edificaria uma casa.
Poderia, Natã, ter dito coisa mais interessante do que essa? – ... e também te fiz saber que 0 SENHOR te edificaria unia casa.
No final, Natã ainda disse a Davi que o Senhor havia dado uma promessa: – Há
de ser que, quando teus dias se cumprirem, e tiveres de ir para junto de teus pais, então, farei levantar depois de ti o teu descendente, que será dos teus filhos, e estabelecerei o seu reino. Esse me edificará casa; e eu estabelecerei o seu trono para sempre. Eu lhe serei por pai, e ele me será por filho; a minha misericórdia não apartarei dele, como a retirei daquele que foi antes de ti. Mas o confirmarei na minha casa e no meu reino para sempre, e o seu trono será estabelecido para sempre (lCr 17.11-14). Ah! que lembrança amarga aquela para Davi! Contudo, ele acatou a vontade do Senhor e parece que seu ânimo não se apagou. Não se sabe ao certo, mas parece que Natã o inspirou a compor um hino de louvor para ser cantado na adoração no templo (cf. 1Cr 29). Nem por isso Davi deixou de lembrar o outro encontro com Natã, mais grave, mais dolorido (cf. 2Sm 12). Sobretudo, a aproximação de Natã, o conselheiro, sob a ordem de Deus. Aquela parábola jamais lhe saiu da cabeça: – Havia
numa cidade dois homens, um rico e outro pobre. Tinha o rico ovelhas e gado grande número; mas o pobre não tinha coisa nenhuma, senão uma cordeirinha que comprara e criara, e que em sua casa crescera, junto cone filhos; comia do seu bocado e do seu cop o bebia; dormia nos seus braços, e a tinha como filha. Vindo um viajante ao homem rico, não quis este tomar das suas ovelhas e do gado para dar de comer ao viajante que viera a ele; mas tomou a cordeirinha do homem pobre e a preparou para o homem que lhe havia chegado (2Sm 12.1-4). em
Davi havia se enchido de ira contra Natã. Sabia o que tinha feito (cf. 2Sm 11). E sabia sobre o que Natã tinha falado. Era tempo de guerra, e ainda que ele mesmo devesse ter liderado seu exército numa campanha que seu exército enfrentava, tinha ficado em casa – cansado de
guerra (cf. 2Sm 12.1-15) habitando no ócio, e dormindo até tarde. Numa dessas tardes, como se não quisesse fazer mais nada – "como é bom ser rei!", poderia ter pensado) foi passear no terraço da casa. De lá, viu uma mulher tomando banho. Não desviou os olhos dela. Naquele momento, sua fé no Senhor passou para um plano secundário, e ele creu que o que viu então fosse um bem mais precioso. Uma esperança nova revigorou seu coração entediado. Nem voltou a mente para a habitação do Senhor, tão cantada nos seus salmos, nem atentou aos mandamentos do Senhor acerca da nudez alheia. Observou-a o bastante para ver que ela era linda! Certamente, aquela imagem ficou enroscada em sua mente e sua imaginação deve ter-se deixado levar por onde ninguém sabe. Foi fácil confundir aquilo que sentiu com o sentimento do verdadeiro amor. E esse amor às avessas logo começou a operar, isto é, a conceber a idéia de conhecê-la. Por isso mandou perguntar quem era ela. Se foi amor à primeira vista, foi também uma operação repentina. Imediatamente, ele estabeleceu um objetivo: Bate-Seba dominava seu coração e era preciso que seu domínio fosse completo. Uma necessidade que ele julgou ser premente. A estratégia conseqüente não foi somente indigna de um rei, mas do próprio suposto amor: ele sequer foi buscá-la pessoalmente, cortejá-la, conquistá-la. Com poder real mandou que mensageiros a trouxessem. Ela, súdita da própria fraqueza e do poder real, e ele, súdito de um desejo incontrolável, característico da necessidade dos preguiçosos descontentes. Desejo que não respeitou uma mulher casada nem seu lugar-tenente, Urias. E ele habitou o próprio desejo quando habitou com ela – eles mantiveram uma relação sexual ilícita. É isso que acontece quando afê de uma pessoa é desviada da habitação com Deus para habitar nos próprios desejos. A habitação no desejo – "porque tudo que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não procede do Pai, mas procede do mundo" (1Jo 2.16) – se torna um senhor poderoso que não respeita os afetos nobres do coração, e os corrompe. Troca a esperança realista, mesmo que lhe pareça irônica, por uma esperança romântica, produto da própria imaginação. Esse desejo entra na imaginação para construir sua própria habitação – falsa, porém feita de fatos visíveis e palpáveis de uma realidade decaída. E esses fatos açulam ainda mais o desejo quando, em nome do amor, as pessoas operam o engano – e o auto-engano. A estultícia humana deriva daí seus objetivos. Geralmente, objetivos que se propõem a suprir uma suposta necessidade. É como se alguém tivesse dito: "Deus não me deu. Eu preciso dela. Eu a terei". Daí às estratégias, como se diz, é um pulo. Estratégias não são coisa de momento; são ações previamente conce bidas e elaboradas de acordo com os objetivos que se pretende alcançar, e só então colocadas em prática de acordo com as circunstâncias. Mas quando não se habita no Senhor e na sua Palavra, nem se imagina segundo a habitação do Espírito, o vazio deixado para a operação da carne só pode oferecer objetivos falsos e estratégias destinadas à frustração. No homem sem fé em Deus, sem esperança neste mundo e sem amor de verdade, essa frustração só acende mais o fogo dos desejos (Quando se atende às vozes dos ídolos e, imediatamente se as opera nos membros, o próximo passo será a experiência de frustração seguida de um esforço maior para demonstrar consagração aos mesmos ou a outros ídolos — D. Powlison). Não foi isso o que aconteceu com Davi, depois do pecado, quando, para encobri-lo, planejou a morte de Urias? É o circulo vicioso do pecado! Naquele dia, Natã confrontou Davi, e disse: — Tu és o homem. Assim diz o Senhor, Deus de Israel: Eu te ungi rei sobre Israel... dei-te a
casa de teu senhor e as mulheres de teu senhor em teus braços e também te dei a casa de Israel e de Judá; e, se isto fora pouco, eu teria acrescentado tais e tais coisas. Por que, pois, desprezaste a palavra do Senhor, fazendo o que era mal perante ele? A Urias, o heteu, feriste à espada; e a sua mulher tomaste por mulher, depois de o matar com a espada dos filhos de Amom. Agora, pois, não se apartará a espada jamais da tua casa, porquanto me desprezaste e tomaste a mulher de Urias, o heteu, para ser tua mulher (2Sm 12.7-10).