Elsa Oliveira Dias
A teoria do amadurecimento de D. W. Winnieott
BI BLI OTECA TOMBO: DATA:
221223 26/04/2010
IMAGO
TítuloOriginal: A teoria do ama durecimento de D. W Winn icott Copyright©ElsaOliveiraDias,2003
Capa: ODesign
CIP-Brasil.Catalogaçâo-na-íonte SindicatoNacionaldosEditoresdeUvros,RJ D531t
Dias,El saOl iveira. AteoriadoamadurecimentodeD.W.Winnicott/ElsaOliveiraDias. — Rio da Janeiro: Imago, 2003. 344pp, IncluiBibliografia ISBN85-312-0885-8 1.Winnicott, D. W.(DonaldWoods), 1896-1371. 2.Psicologia infantil. 3. Psicopatologiainfantil .4. Psicologi a dodesenvolviment o. I.Titulo
03-1340.
CDD—1 55.4 CDU — 159.9227
Reservadostodos os direitos . Nenhu ma partedesta obra poderáserreproduz ida por fotocópi a, microfilme, processofoto- mecân íco ou elet rôni co sem permiss ão expressadaEditora.
2003 IMAGOEDITORA RuadaQuit anda, 52/8°andar — Cantro 20011- 030— RiodeJ aneiro-RJ Tel.:(21)2242-062 7— Fax: (21)222 4-8359 E-mail.
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E jh
m em ória de minlia time. I\ira meu.sfiUws.
Sumário
INTRODUÇÃO 1. 2. 3. 4.
.............................................................................................. 13
A teoria do amadur ecime nto pessoal na obr a tle Wiiinicoit ............ 13 A rel evânci a do estudo da teoria do am ad ur ecim ent o .....................19 lireve discussão das lei turíis div erge nte s .......................-......— 26 Explicitação du visão £cral da obra de Win ni co tt ...............................35 .
......
CAPÍTUL O f: W IN M U J T T li 0 DE BA TE COM AS ÁREAS AFI NS 1. Aspe ctos históricos da formação intelectual de W in n ic o tt .............. 55 2. O debute com a ped iatria .............................................................. ......í>0 3. Os limit es da psicolo gia aca tlém ien ................................................... (>5 4. O de bate com a psiquiatria e eoni a psiquiatri a in fa nt il ..................f»7 5. A discussão de Winnic ott com a teoria psic analít iea trad icio na l 75 ....
CAP ÍTULO II: A TEORIA 1) 0 AMADUREC IMENTO PESSOAL 1. O am adurecimen to como tendênci a ina ta à in te gr aç ão ..................93 2. 3. 4. 5. 6. 7. N. 9.
O am adu rec ime nto e o amb iente t ac ili ta do r.....................................9í> Características gerais d o proc esso de amad urecimen to pe sso al 97 A exist ência psi cosso mátic a: os on in. a psique e a m en te ..............103 As hereditariedades...................................................... ...................11 í> Integração pela experiência pe ssoa l ................................................. 122 O estado d e não-inte^ração d os estágios pr im itiv os ...................... 127 A relaç ão m ãe-beb e: a dependência absol uta .................................129 Carac teriza ção adicional do amb iente tacili tador : a mãe suficientemente boa e o pai do bebê ................................................133 10. Os conc eitos winnieottianos de e£o. si-mesm o e e u ...................... 142 .....
1 1. Al gurima as filosófi epístemoló ^icas d a ..............146 teo docaracterísticas amadurecimento pes cas soa le.................................... I 1.1. O aband ono do determinism o ca u sa i ..................................,..140 11.2. A iic£ ativ idn dc........................................................................... 150 12. A [in &ia jicin e as cate gor ias descritivas da teoria do ainailiirceiiiiL-iiti>............................................................ ..................1^-1
Si MAKIt I
CAP ÍTU LO Eli: OS E STÁGIOS PRIMI TIVOS: A DEPEN DÊNCIA ABSOLUTA 1. O est ági o pré-n.-ital: esp ont anei dad e e reativ id ad e..........................157 2. A exp eriê nci a do nas ci m en to ........................................... .................100 3. Primeiros momen tos de vida cxtra-uterinr ................... .................163 4. O está gio da primeir a mamad a teórica: a s tarefas fund amentais... 164 .
5. A criativ idad e o ri g in á ri a ......................................................- ............ 169 6. O s est ados exci tados e os estados tran qüilo s ..................................174 6.1. Os estados exc itad os ................................................................ i 74 6.2. Os est ado s tr an qü ilo s.......................... .................................... 190 7. As tarefas básicas ............................................................................... 196 7.1. A i nte gra ção n o tempo e no esp aç o......................................... 196 7.2. O alojamento da psique no corpo: personalização .................20>S 7.3. O iní cio do contato com a reali dade: as relações o b jet ais 213 7.4. A const itu içã o do si-me sm o prim ário ......................................217 ....
CAP ÍTULO IV: OS ESTÁGIOS DA DEPENDÊNCIA E 1. 2. 3. 4. 5. ().
7. S. 9. 10.
INDEPENDÊNCIA
RELATIVAS Estágio de desilusão, desmame e iníci o das funçõ es m en ta is 227 A tr an sic ion ali da dc ............................................................................ 232 O e stági o d o us o do ob je to ............................................................... 243 O e st ág io do E U S O U ......................................................................... 254 O est ág io do eo nc er n im en to ............................................................. 25S O es tá gio e d íp ie o ............................................................................... 272 A pu be rd ad e e a ad o le sc ê n ci a........................................................... 292 A ida de a d u lt a .....................................................................................294 A vol ta à o r ig e m ..................................................................................297 Hreve com para ção da teoria d o amadure cime nto pessoal com a .......
teoria do desenvolvimento das funções sexuais da psicanálise tradicional.......................................................................................... 300 C O N S ID E R A Ç Õ E S F IN A IS ......................................................................... 3 11 RE FE RÊ NC IAS B Ili L IO G R Á F IC A S ............................................................ 317 Í N D I C E ........................................................................................................329
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“Deixem o komem imperturbado, desde o berço. Não o expidsem do bulbo estreitamente unido do seu ser; não o expulsem da casa protetora de sua infância, Não façam de menos, paradeque ele não sinta vossa falta e, assim, vos separe si mesmo; não façam demais, para que ele não sinta a vossa violência ou a sua própria e, assim, vos separe de si mesmo. Em suma, deixem o homem saber só tardiamente que há seres humanos, que há alguma coisa, fora dele, pois só assim ele se tomará homem. O homem é um deus assim que se torna homem. E, sendo um deus, ele é bonito
HÕI/DERLIN
Introdução
1. A te or ia do ama durec imento pess oal na obra de W innicott Com base nas concepções de que todo indivíduo humano c dotado de uma tendência inata ao amadurecimento, e dc que não há nenhum aspecto, saudável ou doente, da existência luimana cujo sentido seja independente do momento do processo ao qual pertenee ou no qual teve srcem, Winnicott formulou uma teoriu do amadurecimento pessoal normal , considerada, por cie mesmo, co mo a “espinha dorsal” (buckb(me) do seu trabalho teórico e clínico.1 A ênfase dessa teoria recai sobro os estágios iniciais, pois é nesse períod o que estão sendo constituídas as bases da personalidade e da saúde psíquica. Iluminando o que se passa na peculiar relação bebê-mãe. Winnicott descreve as necessidades humanas fundamen tais — que. desde as etapas mais p rimitivas, perman ecem ao long o da vida até a morte do indivídu o — e as cond ições ambientais que favorecem a constituição paulatina da iden tidade unitária —• que to do bebô deve pode r alcança r — , incluída s aí a capaci dade de relacio nar-se com o mundo c com os objetos externos e de estabelecer rela cionamentos interpessoais. A teoria winnicottiana do amadurecimento conceitua e des creve as diferentes tarefas, conquistas e dificuldades que são ine rentes ao processo dc amadurecer em cada um dos estágios da
1 Al ém de afirmar, inúmeras vezes, ao longo dri sua obra, t]ne ;i teoria do amadurecimentoé central no seu pensamento. Winnicott usa
1.1
vida. Ela serve, portanto, dc guia prático para a compreensão dos fenômenos da saúde, assini como para a detecção precoce de difi culdades emocionais, podendo ser útil não só para psicanalistas e psieoterapeucas, mas também para mães e pais preocupados cm facilitar o amadurecimento pessoal de seus filhos, para os profis sionais cujo trabalho afeta, em algum nível, o desenvolvimento emocional dc bebês, crianças, adolescentes e adultos e, igual mente, para todos os que foram alertados para a necessidade dc se pensar em atividades e políticas de preven ção na área de saúde psíquica. Importante em si mesma, a teoria do amadurecimento c. além disso, o quadro teórico a partir do qual podem scr desenvol vidos vár ios as pectos do estudo da natureza humana — por exem plo, os que dizem respeito às realizações culturais e todo o domí nio da criatividade. Ela constitui, também — tanto na obra de 110 qual este livro se insere Winnicott como no projeto de estudo — , o f un da m en to te ór ic o so br e o qu al to rn a- se possív el ex pl ic it ar os conceitos relat ivos ao s distúrbio s psíquicos em g eral, devi do à ínt ima articu lação dess es distúrbios com os estágios do am adur e cimento.
Para situar a perspectiva a parti r da qual W innicott desenvolve a teoria do amadurecimento e a teoria dos distúrbios psíquicos, deve-se sublinhar que ele foi um pediatra que se tornou psicanalista cm virtude da convicção, confirmada em sua prática clínica, de que a maior parte problemas que levavam mães cextremamente bebês ao seu consultório era dos devida a dificuldades emocionais primitivas. Na evolução de seu pensamento, ele as configurará como dificuldades no estabelecim ento da relação entre a mãe c o bebê no pri me iro está gio da vida deste. Tendo se tornado psicanalista. Winnicott dedicou-se ao tratam ento e ao estudo das pato logias psicóticas; nunca, entretanto, abandonou a pediatria, No exercício paralelo de ambas as práticas clínicas, e na observ ação simultân ea de psicóticos e dc bebês com suas mães, pôde constatar que o amadurecimento emocional nos estágios iniciais da vida relaciona-se exatamente aos mesmos fenômenos que aparecem no estudo das várias formas de esquizofrenia adulta. Desse mudo. a investigação profunda dc um indivíduo de qualquer idade, cujo distúrbio c de tipo esquizofrênico, “transforma-se et n um estudo profundo do a madu recimen to inic ial deste indivíduo” (1953a, p. 379), No essencial, as dificuldades que 1-1
i.\t k ()) r :ç á o
equiparam bebês e psicóticos dizem respeito à constituição tio si-mcsino (stlf) como identidade unitária e ao contato com u reali dade. Nos bebês, cias se devem à sua extrema imaturidade; nos psicóticos, ao fato dc cies te*'em se extraviado em algum pomo do caminho que leva à maturidade. A teoria do amadurecimento pessoal é, portanto, o ponto nu clear do pensamento analítico dc Winnicott. A necessidade de uma tal teoria, assim como a conexão essencial que existe entre essa teoria e a dos distúrbios psíquic os, foram explicitad as pelo aut or em 1962, ano decisivo para o desenvolvimento de suas novas concep ções, quando afirma ljuc : [. .. ] precisa mos chegar a uma teor ia do amadurecimento nor ma! para po derm os ser capazes dc comp reen der as doenças e as v árias imaturidades, uma vez que não nos damos por satisfeitos a menos que possamos preveni -las e curá- las. Nã o aceitam os a esquizofrenia infantil mais do que aceitamos a poliousiclitc ou a condição da criança espásti ca. Tentamos prevenir e esperamos ser capazes dc conduzir ã cura onde quer que liaja anormalidade que signifique sofrimento para alguém (1965ve, p. 65).
Sendo o backgrtmnd teórico para a compreensão do distúrbio psíquico, a teoria do amadurecimento faz parte intrínseca da ação terapêutica; A única companhia que teulio, no explorar o território desconhe cid o de um novo caso. é a teoria qu e levo co m ig o c; qu e se tem tornado parte de mim, e em relação à qual não tenho sequer de pe nsa r de man eira de libe rad a (1 *>71 vc, p. 14).
A proposta deste livro c estudar c apresentar, dc forma unitária, o corpo conceituai da teoria winnicottiana do amadurecimento, explicitando seus pressupostos e procedendo à descrição organizada dos vários estágios desse processo, com suas respectivas tarefas e conquistas, Ta l co mo na obr a dc Winni cott, aqui tam bém serã o privi leg iado s os está gios iniciais. Isto sc deve ao fato dc que, para o autor, são as psicoses, e não as neuroses, o paradigma do adoecer humano Referidos às tarefas fundamentais do início da vida, os distúrbios psicótieos derivam do fracasso ambiental em favorecei' a resolução dessas tarefas, transformando-as em conquistas do amadurecimen to. O pensamento wimucottiaiio mostra, ainda, que é do estudo. 15
observação e tratamento das psicoses que advém a perspectiva que permite vislumbrar aspectos essenciais da existência humana, que são inacessíveis quando se estuda o indivíduo saudável e mesmo o neurótico. O desenvolvimento e a aplicação da teoria do amadurecimento na caracterização da teoria winnieottiana dos distúrbios psíquicos serão reali zados num segun do estudo (em fase de acabam ento) refe rido espec ialm ente às psicoses, fisse pro jeto mais geral, do qual este livro 6 o prim eiro passo, consistirá er n fazer uma apr esen taçã o unifi cada da teoria winnieottiana das psicoses esquizofrênicas, à luz da teoria do amad urecim ento pessoal, com ênfase nos estágios iniciais da vida. Embora, ao longo de toda a sua obra, Winnicott tenha sempre insistido no caráter central da teoria do amadurecimento, ele não chego u a fa zer dela ur na apresentação sistemática ou o rgani zada. O único livro que mais claramente oferece urna apresen tação glo bal do processo de amadu recim ento é Niuurtisti hnnum u (1988), que permaneceu inacabado. Com exceção deste, que foi concebido para ser uma obra. os livros de Winnicott são coletâ neas dc artigos av ulsos, escritos srcinalmente como conferên cias para diferentes platéias, de modo que nel es, sob perspecti vas div ersa s — já que Win nicott levava c m con ta a esp ecificidade do público — , são repetidas as mesmas teses principais, à l uz da s quais esse ou aquele aspecto pontua! da existência humana é analisado. Tudo isso torna difícil a apreensão da unidade de seu pensamento. O objetivo dest e livr o c o de in teg rar e apresen tar de maneira unitária e organizada os vários elemcnLos conceituais que perfazem a teori a do amadu recimen to. Par a tanto, f oi preciso agr up ar e com par ar tex tos o s mais dive rsos, uma ve z que o autor refere-se a um ou outro estágio, em partes variadas de sua obra, sem chegar a reuni-los num conjunto. Este estudo está baseado na leitura interna da totalidade da obra de Winnicott, dirigida para o tema proposto. Como qualquer outra leitura, a que será aqui praticada tem seus pressupostos. Os principais serão explicitados ainda nesta Introdução: outros se tor narão mais claros no decorrer da exposição. No essencial, usarei o princípio clássico da hermenêutica, segundo o qual cada parle de uma obra deve ser entendida à luz da totalidade dessa obra e, por 1<>
iMi«nu;ç\i i
outro lado, a estrutura desta deve ser reconstruída levando cm conta cada parte que lhe pertence.2No presente caso. não se trata dc ofereecr uma leitura exaustiva da obra de Winnicott como um todo. mas de reco nstruir a mais central dc suas seções — a teoria do amadurecimento. Aplicando o princípio metodológico da herme nêutica a es ta taref a particular, procederei dc modo a compre ender as afirm ações dc Winnicot t sobro o tema cm questão, à luz da totali dade de seu pensamento, Este , cm conseqüência, será iluminado, no seu todo, a part ir da teoria do amadurecim ento. O mesmo será fe ito, posteriormente, com a teoria das psicoses. listarão ainda sendo utilizados alguns princípios explicitados pelo próp rio Winnicott, um dos quais, por exemplo , aconselh a que a compreensão da psicanálise em geral, e da sua própria, seja obtida levando-se em conta o perc urso h istórico realiz ado na busca de solu ções para os problemas levantados. Esse é o motivo pelo qual, em assuntos dc psicanálise, [...| o leitor deve formar uma opinião pessoal dessas questões, depois de estudá-las tanto qua nto possível através do se u desen vol vimento histórico, que é a única forma de uma teoria, num dado momento de seu progresso, mostrar-se inteligível o interessante
(1988, p. 60). Unificando o princípio hermenêutico geral c esse conselho dc Winnicott, o trabalho terá, do ponto de vista metodológico, o caráter de unálise interna o histórica do texto. De acordo com esse proce dimen to, não tratarei dc jus tif ica r as teses de Winnicot t, não mais do que ele mesm o o fez. Também não farei um estudo comp ara tivo, a não ser para destacar a especificidade de alguns de seus pontos de vista. Isso será feito, sobretudo, com relação ao principal interlocutor de Winnicott, a psicanálise tradicional, mas sempre; a
2
O procedimento de leitura de ceNto iiqui esboçada é o método hermenêu o clássico, por i ntroduzido p or Sohleiermae na sua humanas leitura d:is eticreafirmado Dilthey para o estudo daslicr ciências enilixenturas, geral. Na primeira fase da obra de Iloidegger e ein (Jadanier, a hermenêutica c elevada à condição de procedimento descritivo por excelência. Sobre todas essas questõ es relatoras ao método, eí. lla as (leo rÈ Cíadantei (l 'J 7 6 ). em especial :i >:l m \ - : i o da J 1parte.
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partir de siuia próprias posições.' Não visarei a uma eompletude dessas comparações, limitando-me às questões relativas à teoria do amadurecimento. Tal empreendimento, mesmo dentro dos limites assinalados, tem suas dificuldades. Uma delas refere-se a lev;ir sempre em eonta a evolução de seu De um e deixando de histórica lado os textos dapensamento. década de 1930, em modo que elegeral, escreve com o pediatra, podc-sc dist ingu ir três fases na sua obra: a qu e vai dc 1940 até a publicaçã o, cm 1951, tio arti go seminal sob re os objeto s transieionais: a fase da década de 1950, cm que a decisão dc desen volver sua própria perspectiva teóriea fica mais explícita; c, final mente, a fase que começa da década de 1960, sobretudo cum a publicação do artigo “A integração do ego no dese nvolvi mento da criança", de 1962 (1965n), no qual ele introduz os conceitos cen trais de tendência inata ao amadurecimento e t!c objeto subjetivo.4 A evol uçã o de seu pensament o ser á considerad a — emb ora não de uma maneira sistemática, pois tal tarefa exigiria um outro estudo — , ape sar dc per ma ne ce r rest rita à ap res enta ção do tema central.
.1 Chamarei de tradicional a psicanálise representada por Preiul e Melanie Klein, cujas obras podem ser consideradas as matrizes desta disciplina. Ivssa nomeação deve-se ao próprio Winni cott. que se deteve, sobretu do. m> de ba te com estes autores, referindo-se às obras destes, em conju nto, com as ex pressões psicanálise "tradicional", "clássica" ou. ainda, “ortodoxa", Cf. Winni cott, 15>69i. p. 176; 1970b, p. 196. 4 Num texto de 19(>7. dis cor ren do sob re sua trajet ória teórica, Winnic ott diz que a sua visão, constituída ao longo das décadsa de 1920 e 1930, quando trabalh ou com o pediatra c deu início à sua formação psica nalítica. foi reformulada na década cie 1940, quando, afirma ele. “l-.-l comecei a ter a minha pró pria maneira dc especificar os estágios essenciais do de sen volvimento [...]" {1968a, p. 193). Hoje. contudo, a perspectiva histórica da totalidade dc sua obra permite afirmar que foi apenas a partir de 1960. ano do falecimento de M. Klein, que Winnicott sentiu-sc mais livre para expor dc forma clara c incisiva a nova orientação de seu pensamento. E certo que os textos da década de 1940 já introduzem uma eoneeituação própria, relativa a aspectos da natureza humana que não chegaram a ser considerados pela psicanálise tradicional. No entanto, seja porque suas idéias ainda não estavam bem estabelecidas, seja por motivos políticos, ou por ambos, ele as expressava de forma tímida, ou, como diz Jan Abram (1996, p. 1), "obliqu amen te", chegando algumas vezes a negar a srcinali dade que as caracterizava.
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INTRODUÇÃO
2. A rele v ância do es tudo du teo ria do amadurecimento Alem dc a teoria do amadurecimento constituir a contribuição ccntral de Winnicott à psicanálise, seu estudo se justifica pelo fato de a literatura secu ndária, até o presente momento, ter abordad o o tema sem , contudo, e xplorar plenam ente as conseqüências teóricas c clínicas que dele advêm. Ademais, apes ar de o au tor afirma r, sob re tudo a partir da década dc 1960, que essa teoria é o horizonte teórico necessário para a compreensão dos conceitos relativos aos distúrbios psíquicos e para a classificação dos mesmos, esse ponto não tem sido evidenciado pelos seus comentadores.5 ü mesmo ocorr o com as várias apresentações gerais da obra de Win nico tt.6 Na m aior parte destas , encontram -se interpret ações cuidadosas e densas de aspectos de sua obra, mas não a articulação interna dc seu pensamento como uni todo. de modo a explicitar a chave conceituai que lhe dá unidade e coerência. Também não é enfatizada a importância da teoria das psicoses (não explicitando a srcinalidade de sua aborda gem ao tema e o fato dc que. por meio do estu do das psicoses, se revelam os fundam entos da existência huma na) , nem a conexão intrínseca dessa teoria com a teoria do am ad ure cimento (não mencionando que esta última é o fundamento da concepção winnieottiana acerca da natureza e da etiologia das psicoses}. Como se trata de apresentações que. embora sucintas, pretendem uma visão geral do autor, torna-se incompreensível o fato de não ser mencionado o cerne dc seu pensamento. Consideremos alguns exemplos. Em Bowulary atui Space: Aí ; introihicticm to thc xvork o f D. VI' Winnicott (1 98 1),' uma das primei ras apresentações gerais da obra de Winnicott, os autores, Madeleinc Davis e David Wallbridgc, expõem os conceitos centrais do
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A única menção clara. do terceiros. a esse respeito, está na introduçã o à primeira parte dc Privação c delim/ücncia, escrita pelos organizadores da
olira: Clare Winnicott. Rny Slicphord e Matleleinc Davis ( l lJ84. p. 9). (> Mencionarei apenas as obras que visam apresenta r o pensamento de Wi nn i cott eoiuo uni todo e não os livros e artigos que se detém em uni ou outro aspecto de sua obra. 7 Traduzida para o português como Limite e esfmçti: unut introdução à obra tlc l> II'. I I > r t (19 8 2 ). 19
INTKO|lU,;.\<)
pensamento winnicottiano, mas estes não estão articulados em termos do processo de amadurecimento, ou seja, em função da tempo ralidade básica deste.s Não há referência ao fato de a teoria do amadurecimento ser o fundamento teórico necessário para a com preensão e para a classificação dos distúrbios psíquicos. Achei uma única referên cia à etiolo gia — que, por sin al, é a ú nica claramente explicitada por Winnicott — quando, descrevendo o fa lso si -mesmo, os autores dizem: !'A etiologia do falso si-mesmo 6 encontrada espe cialmente no fracasso da apresentação de objetos na etapa de dependência absoluta” (p. 65).'' Existe, contudo, uma passagem nessa obra, no item '* Adapta ção ã realidade com partilh ada”, em que os autores apresentam uma seqüência que pode sugerir ao leitor atento os vários estágios do amadurecimento, Uma apreciação crítica do mesmo teor caberia ao livro The Plcty and Work o f Winnicott (1990), dc Simon (írolnick, que. embora saliente o caráter desenvolvimentista da obra winnieottiana, não viment especifica a singula ridade do que W innicott entende por desenvol o, assim como não contempla as articulações internas essenciais com a teoria dos distúrbios psíquicos. Annc Cl anc ier e Jean ninc Kalmanovitch,10 no pre fácio ao Le pantcloxe c/c VV-mmooít (1984), afirmam que esse trabalho, tornado possível pela “colabora ção de uma equipe profundamen te winnieot tiana, mas muito objetiva (sic), retoma as noções extremamente
■S desenvolvimento Esta perspectiva da histór não aparece m mesmo eom referênc ia ao obr aica de Winnicott. N one item 2 do capítulo 1, “A evolução da teoria”, os autores, tendo já em mãos a maior parte do material que só viria a públi co mais tarde. referem-se apenas à evolução que vai do encant a mento dc Winnicott, ainda estudante, por Dnrwiri. ã sua descoberta da psicanálise; do seu fascínio por Kreud e. depois, por Melanic Klein à sua crítica da teoria klciniana da inveja. Não c feita nenhuma referência à progressiva formulação da teoria do amadurecimento, à lenta elaboração dos conceitos de objeto subjetivo, de si-mesmo, dc falso-si-mesmo, à nova maneira de formular os conceitos de objeto subjetivo e de objeto objetiva mente perc ebid o como ser e fazer, ás últimas descobertas s obre a deslruttvidaclc em termos do uso do objeto etc. 9 Usarei o neolog ismo “si-mesm o", como termo técnico, para trr.duzir o termo sei/’dc Win nic ott , O significado que lhe é dado pelo auto r será explici tado no decorrer deste estudo, 10 J. Kalmanovitoh foi a tradutora, para o francês, da obra dc WinnicottThe Maturaci omd Procc :sses tnul thc F iivil ituti ng E nvirmiineut. 20
srci nais desse psicanalista criativo (p. 13). O livro, com 250 páginas, dedica um capítulo de apenas oito páginas a um aspecto, sem dúvida central, da teoria das psic oses: o me do do colapso. Ncssc capítulo, en passant, há alusão às psicoses. Não há nenhuma men ção ao caráter central da teoria do am adurec iment o c à sua conexão com uma teoria dos distúrbios psíquicos. Isso não chega a surpre ender. uma vez que toda a interpretação do pensamento de Winni cott está calcada sobre a teoria psieanalítiea freudiana e, sobretudo, kleiniana. Claudc (lects publica, em 1981, o seu Ummcatt. A autora des creve com muita propriedade os conceitos winnicottianos, sobre tudo aqueles que marcaram a srcinalidade de Winnicott, por exem plo, as questões relativas à criatividade srcinária, ao brincar e aos fenômenos transicionais. Mas peto fato de não levar em conta a teoria global do amadurecimento, a autora apresenta os conceitos de forma isolada, como se eles fossem atemporais, ou seja, sem desdobrá-los nos vários significados que adquirem segundo o mo mento do amadurecimento. Com o, para Winni cott. a linguagem que serve para descrever um estágio torna-se urrada quando usada para outro estágio, já que as tarefas envolvidas são dc diferentes natu rezas, o uso indiscriminado dos termos favorece a impressão de que a teoria winnieottiana é incompreensível ou não tem consistência, Além da ausência de distinção entre os vários estágios, ocorrem, ainda, alguns deslizamentos para a teoria tradicional. O exemplo a seguir mostra ambas as coisas. Gcets inicia um item chamado “Da relação de objeto ao uso do objeto” com a seguinte frase: "A adaptação da criança ao real pode ser descrita como um longo caminho que vai da subjetividade à objetividade. A oposição eu/não-eu toma apoio sobre o fantasma de uma realidade interior localizada no corpo. [. .. ] a criança t em um 'den tro ’ onde cia pode acumular coisas, e sua crença se opera so bre o m odo de troca entre ela (a re ali dade interior) e o mundo (a realidade exterior). [...) Esta conquista progressiva da objetividade &favorecida }>el(is frustrações inevitáveis |...|” (p. 100; grifos meus). Ora, para Winnicott, em primeiro lugar, a criança, dc início, não sc adapta ao real; se ela o faz — e não ao real. mas ao ambien te — . isso pode ser o início da formação de um falso si-me smo patológico. N a normalidade, é o ambiente qae se tulafHn
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sentidos dc real. lim segundo lugar, tendo em vista que a autora anuncia estar se referindo à passagem do subjetivo ao objetivo — que é, como ela mesma eoncede, um “longo caminho” —•, é preciso discrim inar as várias etapas desse long o caminho. N o entanto, tematizando o início do processo, a autora não só vai direto ao fim (falando imediatamente da "oposição” entre eu e não-eu) como interpreta e usa termos alheios à Winnicott (para o autor, trata-se de separação entre o eu e o não-eu, e não dc oposiç ão). A autora fala também do dentro e fora da criança, sendo que, entretanto, Winni cott é inc isivo em afirm ar que, no co meç o do processo, o s sentidos das realidades interna c externa ainda não foram constituídos e o bebê vive num mundo subjetivo que não é dentro nem fora. Além disso, a separaçã o eu/não-eu não tem apoio em nenhum fantas ma e também não é favorecida por frustrações, mas é iniciada pela expe riência da destrutividade no aiiger, que cria a externalidade do niundo no estágio do uso do objeto. Adam Phillips, com seu livro Winnicott (1988), é, em grande parte, uma exceção nesse cenário, Enfatizando a srcinalidade da teoria winnieottiana do processo de amadurecimento e a diferença que a separa tanto da teoria freudiana do desenvolvimento das funções sexuais quanto das "posições” kleinianas, ele afirma que Winnicott não apenas introduz iu importantes inovações n a teoria e na prática psieanalíticas, como a sua teoria leva a “rupturas radicais em relação a Freud". O ponto principal dessa ruptura consiste em que Winnicott “faz derivar tudo. cm sua obra, inclusive uma teoria das srcens da objetividade científica e uma revisão da psicanálise, de seu paradigma do des envo lvimento da relação be bê -m ãe ” (Phil lips, 1988, p. 5). Phillips usa aqui o termo paradigma no sentido dc “ m ode lo” e não no sentido técnico de Kuhn (que designa, com esse termo, como veremos adiante, o problema e a solução exemplares que con gregam uma discipli na científi ca). Dc qualquer mod o, o que Phillips assinala é que Winnicott construiu uma teoria que não se limita a enriquecer a psicanálise com novas contribuições ao velho modelo, mas parte de um outr o ponto crucial para o estudo da natu humana, a do sab ambiente. er, a vulnerabilidade icial do beb e essas dep endente areza importância Segundo oincomentador, novas e proposições levam Winnicott a questões que nunca haviam sido formuladas pela teoria tradicional, como, por exemplo: o que nos faz se nli r vivos ou reais? (ef. Phillips, 1988, p. 5). O ra , m esmo esse T)
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comen tador, cuja obra , ato o momento, parece-me ser uni ;i das mais pertinentes exposições do pensamento dc Winnicott. afirma que a teoria do amadurecimento parece-lhe vaga c sem fundamentos seguros. Num trecho cm que salienta que, para Winnicott, "o conh e cimento psicanalítico estava militantemente usurpando o lugar da confiança daquilo que pergunta: chamava dc ‘processos essencialmente naturais’” ou (p. 98), Phillips o que, afinal, significam esses processos naturais? “Eles são simples ou complicados? O que nós precisamos saber sobre eles para a eles nos ajustarmos se, do ponto de vista dc Winnicott. ‘quando os pais têm sucesso como pais eles não sabem o que fizeram para terem tido sucesso’?” (p. 99). Por outro lado, continua Phillips, Winnicott foi construindo uma "com plexa e freqüentemente obscura formulação sobre os mais primi tivos estágios ‘naturais’ do desenvolvimento da criança que o envol veu nunia radical revisão dos tipos de teoria instintual nos quais a psicanál ise tem s e baseado " (p, 9 9). O fato é que, tendo vislumbrado a força teórica e a srcinalidade de Winnicott, nem o sentido do amadurecimento, nem o significado do que Winnicott entende por processos naturais, nem o estatuto da teoria do amadurecimento ficam claro s para um intérpre te agu do c omo Phillips. Talv ez por isso ele n ão tenha feito r eferência, nessa obra, à articulaçã o dos estágios do amadu recim ento com a teoria dos distúr bios psí quicos. U m outro exem plo nos vem de Mi ehaei Jaeobs cm seu livro D. W. Winnicott (1995). O autor constata o caráter central do conceito de desenvolvimento na obr a winnieottiana, apontan do-o como a marca da influência decisiva dc Darvvin em Winnicott, sem, contudo, assinalar as profundas diferenças — o fato de o amadurecimen to, em Winnicott, não ser rcdutível ao evolucionismo biológ ico — e o caráter essencial mente pessoal de que Winnicott dota o seu conceito de desenvolvi mento. Há dois capítulos nes se livro — “Maiores contr ibuições para a teoria” e “Crític as c refutações" — em que se poderia esperar que fosse mencionada a vineulação da teoria do amadurecimento com o estudo dos distúrbios psíquicos, mas isto não e leito. No último capí tulo, Jaeobs afirma que, em Winnicott, “há muito pouc o era termos de uma posi ção teórica mais consistente que possa ser debatida tal como, por exemplo, em Freud, a teoria dos instintos, o inconsciente, a eentralidade tia sexualidade”, mas concede entre parênteses: “(...) a não ser, talvez, sua teoria do desenvolvimento do si-m esmo ” (p. 99) . O que seria uma apresentação ila teoria du amadurecimento está contida 2,1
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num item denominado “13a dependência à independência” (p. 37). Xeste, desconsiderando o caráter específico do amadurecimento, ,facobs diz que. tendo se afastado da tripartida divisão da personalidade, Winnicott tem pouco a dizur sobre o desenvolvimento cm termos das fases oral, anal, fálíca etc.: ressalva ainda que. tal corno cm Kreud, “o esquema de Winnicott contem três categorias |s ic | (mais do q ue estágios, embora cies sejam similarmente progressivos): a depen dência absoluta, a relativa independência c a fase 'rum o à in dependên cia’” (p. 37). Ou seja, justapondo Winnicott a Kreud, Jacobs não conclui que haja diferenças entre as teorias, mas que o primeiro fica devendo ao segundo. Embora seja um dicionário e não uma apresentação da obra dc Winn icott, c abe aqui me ncion ar o livro de Jau Abr am , The Lungiuige o f Winni cott: a Ihc tiom try o/ W innicoü’ s íh se ofWords (1996). Abram eleyeu 22 itens considerados por ela como os principais temas do pensamento winnicottiano. Além dedo explicitar, cm winnicottiano, e<'da um dos itens escolhidos, a direção principal pensamento ela enumera uma lista dc conteúdos em que estão indicados os temas afins, tece seus próprios com entár ios c, como b em eabc a um dicionário desse tipo, apresenta extensas citações dos textos srci nais. A qualidade da análise conceituai dos vários temas é desigual: cm alguns, a auto ra se atém ao essenc ial do tema, preservando, com fidelidade, a posição teóriea de Winnicott. Em outros, a análise c vaga, perdendo-se em idéias secundárias. Apesar dc ter sido bastan te bem-sucedida na tarefa de estabelecer conexão entre os concei tos, o que com que seu por constituir espécie dc faz apresentação geraldicionário da obra acabe winnieottiana, o livrouma se ressente da falta de uma interpretação unitária do pensamento do autor. Isto fica claro sob retud o pelo fato dc a autora não ter con side rado, de forma consistente, a teoria do processo dc amadureci mento, tendo feito apenas algumas menções pontuais à conexão entre os estágios do amadurecimento e os distúrbios psíquicos. A falta dessa interpretação unitária aparece também na ausência de certos conceitos fundamentais na lista gem principal — por exem plo, a pró pria teori a do amadure cimen to, o objeto subjetivo, a elabo ração imaginativa, as agonias impensáveis, as psicoses, o complexo dc Edipo e a constituição da moralidade. As psicoses, por exemplo, não comparecem nos temas centrais, sendo consideradas dentro do tema “ambiente”, tendo a autora aí destacado a articulação desses
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distú rbios com o tracsisso ambienta l em prover o bebê , nus estágios iniciais, das condiçõe s satisfatórias que permitem a con tinuid ade do amadure cimento. Um a outra referência A etiologia das psi coses cneontra-sc 110 interior do item “tendência anti-social”." Refiro-me agora a Júlio de Mello Filho, com seu livro O Ser a n
Viver: uma Visão da Obra de Winnicott, dc 1989. Esse livro, que certamente marca o início dos estudos brasileiros sobre Winnicott, c também um a surpresa gratifioante no que se refer e ao principal: a leitura do pensamento winnicottiano, nele apresentada, c condu zida por uma apreciação destemida tia srcinalidade da teoria de WinnicotL — em bora nem sempre o autor tire dela tod as as suas implicações —- e denota um amplo conhecimento da mesma. No primeiro capítulo, “O homem, a vida e a obr a" , M ello Filh o faz. como ele mesmo diz, um "
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fizer:i anteriormente. Por fim, cie altera corretamente a menção de (Jrcen ao que seria uma teoria das pulsões. em Winnicott. propondo uma teoria winnieottiana dos impulsos (o termo usado por Winnicott é drives ). Apesar de Mello Filho salientar, aqui e ali, aspectos importantes da teoria do amadurecimento, esta figura apenas como uma posição teórica a ser descrita, sem que o amadurecimento enquanto tal seja propriamente levado cm conta. Por exemplo, no segundo capítulo, “O desenvolvimento humano e a situação analítica”, o au tor men ciona, sem distinguir o estágio em que se iniciam, “os tres processos principais que acompanham o desenvolvimento do bebê: integração, personalização e adaptação à realidade”. Pouco depois, sem falar de todo o processo e das várias conquistas que, a partir daí, são necessá rias para o alcance da integ ração numa unidade, diz: “Segu ndo Winn i cott, através da conjunção dos três processos descritos, |o be bê j com eça a distinguir um 'eu ' de uni ‘não-eu\ separados pe la pele, fun cionando como membrana limitadora” (p. 37; grifo meu).
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Brcvc discussão das leitura s diver ge ntes
A presente caracterização da teoria winnieottiana do amadureci mento oferece , em conseqüência do próprio tema e da s ua me todo logia, uma visão geral da obra de Winnicott que, embora não seja totalmente nova, difere bastante de algumas leituras existentes. Co mo são vários os modos pelos quais se lê c se avalia o pensame nto de Winnic ott qu anto ao alcance de sua contribuição para a psicaná lise, a questão aqui c a dc sab er cm que exatamente essa con tribui ção consiste. Há quem contestc scr Winnicott um pensador srcinal. Propo nentes de tal leitura negam que se possa falar numa “teoria” tipica mente winnieottiana sobre qualquer assunto significativo e, via de regra, assimilam as suas contribuições ao quadro tcórico da psicaná lise tradicional (Freud e Klein). Não faltam exemplos desse tipo de assimilação. Já no título do Capít ulo 2. “Lcn fant et ses fantasmes” ( do já mencio nado Le fxirailoxe d e Mn mc oíf, dc A. Clancier e J . Kalmanoviteb), 6 usado um conceito — fantasma — que pertence à teoria Uleiniana, sendo totalmente alheio a Winnicott. Nesse mesmo capítulo, descrevendo a unidade bebê-niáe, as autoras reproduzem as ilustra 2t,
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ções gráfieas que Winnicott faz do bebê como ser isolado, do movi mento do be be d esco brind o o ambiente e tc. 1-1A seguir, à guisa de legenda, dizem: “A emergência pulsional facilita o encontro com o mundo exterior. Se é o seio bom que faz o movimento para realizar a experiência, tudo irá bem, Se os dois não se encontram, haverá elivagem” (p. 46). Ou seja, tudo aqui c ldeiniano. O único elemento winnicottiano dessa frase é o movimento na direção de um encontro, mas, nicstno aí, a indicada direção do movimento está errad a.11 Um outr o bom ex emplo, na mesm a linha, é o artig o de Luiz Mever, de 1994. Requisitado pela revista Percurso para estimular uma re flexão sobre os motivos de um possível fracasso na formação analítica, o artigo analisa a famosa carta de Winnicott a Melanie Klein, de novembro de 1952. lissa carta, sob qualquer ângulo, é um alerta acerca do mal-estar e d o clima-paralis ante para a evolução do pensa mento psiearuilítieo, provenientes da intransigência, do sectarismo e do a buso de poder, via imposição de clichês e outro s tipos de con stran gimento do pensamento, por parte do grupo kleiniano da época. Meyer dispõe-se a considerar, da carta, "os conceitos especificamente winnieottianos", mas tão-somente para analisar qual é, exatamente, o teor da crítica que Winnicott dirige a Klein e, sobretudo, aos kleinianos. A par tir daí Mever opera, de form a hábil c sutil, um esvaziamento do pensamento do autor, um deslocamento dos conceitos winníeottianos para fora do âmbito da interrogação que llics deu srcem. Esse esvaziamento, e mesmo desfiguração, vai num crescendo até que, na
1.1 Cf. Winn icott, l lJ5fít>, p. .109. 14 Em Winnicott, q uand o os cuidad os são suficientemente bons, não c o seio que faz o movimento, impondo o contato, mas é o beb ê que. fazendo o gesto espontâneo, encontra-.se com o seio, criando-o. Os exemplos desse tipo de assimilnção, que nivela numa mesma linguage m e obseurecu a srcinalidade da proposta teórica wiimieouiana, se multiplicam. Nessa mesma obra. as autoras, numa total indiferença para a insistência de Wimvcott de que. no início da vida, a realidade é subjetiva e não interna, ehamam o próximo item tio capítulo 2 de ''Da realidade interior à realidade exterior”. Uma forma corrente de assiniilar Winnicott à teoria tradicional, sem enfrentar o questio namento decorrente dc suas novas concepções — isto é. co mo se se tratasse de mu mesmo horizonte teórico ou, como diz Loparie. de um mesmo para digma — c dizer que ele estaria complementan do uma única teoria analítica da qual Kreud teria descrito os casos mais evoluídos. M. Klein os distúrbios m:ús primitivos c Winnicott os ainda mais primitivos. Tentarei mostrar que essa Lese nácn: deknsãiel.
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última parte do texto, não resta mais nada dc Winnicott, apenas uma figura anônima c mimétiea proferindo as idéias kleinianas. A maioria dos comentadores, contudo, não hesita em conceder a Winnicott uma notável srcinalidade. Um exemplo de uma tal apreciação é dado por Clects (1981): "A posição de Winnicott 110 campo da psicanál ise contem porânea c srcinal |. .. ], sua o bra progressivamente se impôs pela novidade de sua linguagem e pela riqueza de suas perspectivas [. .. | ” (p. 15). O próp rio (írc en , no artigo já mencionado, “O conceito de fronteiriço” , diz que o “inimi tável estilo de Winnicott" c “sua srcinal eonecitualização não se prestam a uma fácil sumarização. A nitidez aparente dc Winnicott é desnorteadora e, com freqüência, lcem-sc autores inspirados por suas contribui ções que não fazem jus à sutil e rica complexidade de suas idéias” ((ireen, 1988, p. 74). Algun s intérpret es, embora reconheçam a srcinalida de tle Winn i cott, neg am qu e ele seja um pensa dor teórico, insistindo em dizer que a sua riqueza está justamente em não ser “teórico” ou “sistemático”. Entre os que parecem preferir essa leitura, encontra-se Pontalis. N uma entrevista a Anne (daneicr, o psicanalista francês afirma que |__] pode-se rctraçar o pensamento cie Freud. pode-se expor a teoria de Mclanic Klein, e pode-se ainda mais sistematizar a dc Laean. Tentar i sso c om W innicott será per der o melhor. Aquilo que me sensibilizou e a que perm aneç o sensív el é ao efeito W inn ico tt.15
Rugério Luz, apontand o para o fato de que o m odo dc teorizar de Winnicott pode induzir es se tipo d e abordagem , reconhece que esta conduz a um estreitamento da contribuição winnieottiana. Num artigo de 1989, Luz assinala de que modo o texto winnicottiano, |__] por aproximar-se da linguagem comum e por recusar uma sistematização douta, é visto, por vezes, apenas como a expressão dc int uições geniais, ligadas í t clínica, mus incapaz dc res pon der às exigências dc uma teoria do sujeito e de sua relação com a cultura (Luz, 1989, p. 26).
Nessa mesma linha, fala-sc ainda da importância de não imobilizar um pensamento rico e cm fluxo permanente. Claude Gects, por 15 Cí. entrevista de Pontalis a Ann e Claneier , m Anne tUancicr e .1. Kalinaimvitcli, 1MH4, p. 2]').
exemplo, alerta pani o risco dc “paralisar um pensamento que não cessa de movimentar-se, de fixar numa coneeitualização rígida, o que, de princípio, se dá a ver e a compreender como experiência clínica", risco este que seria particularmente temível no caso de Winnicott. Parte desse perig o consistiria na possibilidade de tran sformar o pensa mento de Winnicott, caso fosst' formulado como uma teoria, num dogma. Segundo Gcets, nada seria mais estranho à mentalidade do auto r do que “o dogmatis mo dc um sistema aplic ado sobre a realidade viva; destacada da experiência que a viu nascer, a teoria perde seu sentido e se transforma cm doutrina” (Gcets, 1981. p. 17). Algumas perguntas surgem a propósito desse legítimo temor: por que justa mente em Winnicott a clareza conceituai c a unidade e o rigor da teoria sc transformariam em dogma? Se qualquer obra, posta a públi co, está necessariamente à mercê da leitura que a encontra — o que eqüivale a dizer que o mu ndo subjetivo de c ada um sempre interfere na percepção da realidad e objetiva — , po r que entroniscar essa verdade estrutural c preconizar, exatamente cm Winnicott. essa leitura subje tiva? Como estabelecer verdadeiramente um diálogo com o autor se o que fazemos é usar o seu nom e e a sua lingu agem para travestir nossas velhas teorias? Ou ainda: que risco 6 maior? O de tentar entender exatamente o que Winnicott quis formular, c tantas vezes defendeu (que é, afinal, o que tentamos com os nossos pacientes), por meio do consagrado método de ler e comparar os seus textos, ou o de decretar que o seu pensamento deve ser deixado ao sabor dc todo e qualquer tipo de interpretação?1'1 Creio que é esse mesmo tipo de inquietação de Gcets que leva José Ottoni Outeiral, um dos mais ativos divulgadores da obra dc Win nicot t no Brasil, a afirm ar, na sua “Ap rese nta ção à ediç ão brasi-
16 Alguns oonientiidores de Winnicott, defendendo essa interpretação "livre” de seu pensam ento , ou seja. sem maio res cuidad os píint coiti <> qu e el e efeti vamente escreveu e defendeu, dizem-se apoiados numa afirmação de Masud Khan no prefáeio ao Da pedintriu ct psietmóiise. Referindo-se :m fato de jam ais ter uonhoeiilo algu ém que fosse, mimo Winnico tt o era, tão "inev ita velmente ele mesmo", Klian afirma que era isso que lhe permitia ser múltiplo e deixar que eada um “tivesse o seu próprio Winnicott". Ora, se isso m verdadeiro , além de ine vitável, com relação à pessoa du Winnicott, certa ment e n;io <■ é com relação à sua teoria. que ele emjsisteiitcinente defendi-ti a cada vcü que el;i foi alvo tle distorções, ('f.. entre outros exem plos, p. *M1: l l t.S7h, ca rt as iv* íiO. 74. N2, W e 125.
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Seira" dc Explorações psianurfíticas, que, para ler os trabalhos de Winnieott, “é necessário fazer como ele sugere para o Jogo de Ra biscos (SífUiggle Gome), com o leitor e o autor criando juntos uma "leitura pessoal’, um espaço transicional onde o leitor ‘descobrirá’, como um achado pessoal, o que D. W. W.nnieott escreveu” (Outciral, 1994, p. viii). É difícil concordar com esse método de leitura sugerido por Outeiral. Primeiro, pelas mesmas considerações aci ma, referidas a Geets; segundo, porque a construção de uma teoria ou a formulação de um conceito não é um gesto espontâneo (o que não os pr iva de criativi dade), como o que está req uerido no jo go do rabisco. Esto jo go é um método terap êutic o, uma modalidade de co municação interpessoal totalmente diversa do procedimento de construção de teorias, que consiste, como mostraremos, na elabo ração e no teste dc hipóteses, as quais caracterizam a atividade cien tífica de resolução dc problemas. Além disso, não me parece legí timo que o leitor se apropr ie das i déias de um autor sem reco nhece r os devidos créditos deste; não é justo que se faça um “achado pessoal" do que Winnicott escreveu antes de tentar saber o que, de fato. ele escreveu e esquecendo-se de que foi ele que escreveu. Isso significaria estabelecer uma relaçã o com a obra de Winn icott, torna da objeto subj etivo, o que. segund o o autor, configura uma “com uni cação sem saída", um mon ólogo ao invés de um diálogo; seria negar o fato de que Winnicott e sua obra pertencem à realidade externa, com a cjual cad a um de nós tem de se haver se quis er che gar à m aturi dade. G om o já foi mencionado, Winn icott aconselha, dc fat o, que “o leitor deve formar uma opinião pessoal dessas questões”, mas ape nas “depois dc est událas tanto quan to possív el ( ... ]" (198S, p . 60). Curiosamente, não é sempre essa a posição de Outeiral. Ao debruçar-se sobre o lema do pai no pensamento winnicottiano, ele conce de que “uma obra extensa e não sistematizada dificulta um estudo em profundidade de determinadas questões” (Outeiral. 1997, p. 91 ). Em outro texto — dizendo- se inspira do em Ilartman n, que escr eve: " [ . . . ) todo mundo se refere à minha obra, mas ninguém a lê” — Outeiral justifica, para o leit or, que o excesso de citações de Winnicott no seu artigo tem a função de “preservar o verdadeiro sentido de suas idéias e não [favorecer] uma interpretação pessoal delas" (Outeiral. 1991. p. 13.1, nota 1). Ao mesmo grupo de intérpretes pertencem todos aqueles que reconhecem ser Winnicott um grande clínico, mas insistem tio .10
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caráter apenas sugestivo de sua obra. apontando a sua preferência eni se expressar na linguagem cotidiana, e mesmo poética, como provada inexistência de uin interesse teórico. A tendência a considerar Winnicott unicamente da perspectiva do clínico genial ou do pens ador “livre” ou “poé tic o" ocorre, às vezes, p or motivos circunstanciais. Segundo Daniel Widlõeher. Winnicott veio contrabalançar, na Franga, “um formalismo um pouco intelectualista” , derivado dos trabalhos de Lacan, com aqueles trabalhos que. ao contrário, privilegiam a relaç ão terapêutica e o afeto .17 Tendo repr e sentado, na França, uma alternativa à hipersistcmatização de Laean, Winnicott serviu dc antídoto, 11a Inglaterra — não apenas no plano teórico, mas também no polítieo-institucional c no científico — , para o dogmatismo e o sectarismo do grupo kleiniano. Ilá ainda aqueles que. sem necessariamente negar a srcinali dade teórica, assinalam o caráter pouco científico e as fraquezas teóricas dos tex tos winnieot tianos. Gre en bcrg e M itohcl l, por exem plo, com entam que os temas centrais de Winnicott ‘'são geralm ente apresentados na forma de paradoxos evocativos que instigam diver tidamente o leitor, üs argumentos são mais discursivos do que firmemente arrazoados” (Greenbcrg e Mitchell, 1983, p. 189). Jacobs , por seu turno , certam ente a poiado na ausência dc uma interpretação unitária do pensamento winnicottiano, observa que, embora o nome dc Winnicott possa ser proverbial no campo dos acon selham e n tos, |.. .] suas idéias atrae m p ouco de bat e real oom as áreas afins. |... |Se o behaxiorismo continua a tnuar batalhas eom a psicanálise, Winnieott não atrai nenhu m togo específico. [.. . ] Deve hav er razões pelas quais há tão pouco exame crítico de sua obra completa, li possível, por exemplo, que a natureza dos seus escritos seja tal que o debate torna-se necessariamente limitado. Ele pode ter sido um escritor profícuo, iri as publ icou p ouco qu e possa ser apresentado como uma teoria compreensível. Não há esquema claro em Winnicott. com a possível exceção de Xo tuiv za Jiwtu tnu (Jacobs. 1995. p. 98).
Rvuroít, uma figura proeminente no MicUUe Group, lamenta a falta de uma teorização consistente na obra winnieottiana. líle
17 C.í. a entrevista ile 1). Widliiclicr !i Anne Ulriucier 1 í»Anne Claneier e •I. Kalinnuovitdi. PJ M .p 222. 31
iXTKiurçÁi) concede que a idéia de uma realidade transiclonal "é talvez a mais importante contribuição para a teoria psicanalítiea dos últimos trinta anos" (Rycroft. 1985, p. 1-I5), No entanto, também afirma que, “apesar do ocasi onal uso de nomes abstratos” ! !], as teses dc Winnicott são sempre (...] afirmações pessoais, demasiadamente idiossincráticas para serem prontamente assimiladas no corpo geral de alguma teoria científica. Ele freqüentemente soa como uma voz gritando 110 deserto, que c de fato inabitado, ou como um visionário disfarçado de pensador (Jbiil., p. 144).
Finalmente, há quem defenda a existência de uma srcinalidade profunda ern Winnicott no que sc refere à sua teoria. Dc forma ainda mais radicai do que Phillips, que, como vimos, reconhece o caráter dc ruptura do Lop pensamento relação à teoria tradi cional, Zeljko arie (1 99 de 7b )Winnicott afirma quecom a obra dc Winnicott intro duz, no qua dro da teoria psi eanalítiea, um novo paradigm a. A noção dc paradigma aí implicada é a dc Kulin. cm seu livro A estrutura das revoluções cient íficas (1 97 0) . Para Kuhn . uma disciplina cien tífica é definida por seus “ par ad igm as” , que são “as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas c soluções modclarcs para uma comunidade de prati cantes de uma ciência” (p. 13). “Um para digm a” c composto de do is tipos de para digm a: o p aradig ma 1, que é cons tituído pelos p ro blemas exemplares ou paradigmáticos c suas soluções igualmente modclarcs; e o paradigma II, também cham ado “matriz disciplinar” , que é composto pelas várias teorias que foram sendo formuladas para dar conta da resolução dos problemas exemplares. O paradig ma II contém, portanto, o conjunto dc hipóteses que serve de base teórica para a pesquisa normal, ou seja, para a resolução de proble mas cm curso. A pesquisa científica dedica- se a detec tar e a resolver novos problemas c. usualmente, o procedimento consiste cm for mular os novos problemas nos moldes do problema exemplar ou paradigmático, resolvendo-os à luz das soluções paradigmáticas, linquanto é capaz de abranger e solucionar a maior parte dos problemas emergentes, o paradigma (I e II) c mantido; mas, à medi da que surge um grande número dc problemas que resistem à reso lução segundo o paradigma estabeleci do — os chama dos problemas anôm alos — , inicia-se uma crise que, em geral, é vagarosam ente .V ’
INTRODUÇÃO
engendrada. Aos poucos, a pesquisa deixa de ser “normal" para tornar-se “revolucionária”, no sentido de que sou esforço agora é achar ou testar um novo paradigma capaz de resolver tanto os antigos como os novos e anômalos problemas. Segu ndo Loparie , é essa situação de mudança de paradig ma que caracteriza a obra winnieottiana no interior da psicanálise. Para a psicanálise tradicional, o proble ma e xem plar 6 o complexo de Édipo, e a sua solução paradigmática consiste na identificação do menino com o pai. o que significa a resolução da angústia de castração e o abandono da pretensão a ocupar o s eu lugar com o marido da mãe . O filósofo diz: "No lugar do problema do Édipo, que era o ponto de partida da psican álise tradiciona l, Winnicott coloca com o easo cen tral o bebê no colo da mãe" (Loparie. 1997b. p. 58). Esse é o novo problem a, anôm alo para a teoria psicanalíti ea tradicional e referido, não a questões do ordem pulsional relativas ao desejo incestuoso, mas àcontinua const ituiç ão do sent idodedealterar realidao de do si-mesmo e do mundo. Mas, Loparie, além problema exemplar, [,..| Winnicott modificou também a matriz disciplinar. Ele rejei tou ou modificou significati vamente o emp rego de conceit os fun damentais tais como sujeito, objeto, relação de objeto, pulsão (vontade, impulso), representação mental, mecanismo mental, força pulsional. No seu lugar e no da teoria do desenvolvimento sexual, cie colocou a teoria do amadurecimento humano, assim com o uma série de conceitos básicos nov os a serem usados, dora vante, no estudo de problemas novos e antigos (irlc.m).
A atribuição do estatuto de revolução paradigmática à obra psicanalítiea de Winnicott é uma tese polêmica de Loparie c, em torno dela. existe um debate em pauta. Roberto Clrana, por exem plo, na apre sen taç ão à ediç ão brasileir a, de 1997. dc Pensando sobre crianças (1996a), discorda do filósofo, dizendo ser essa “uma afir mação dificilmente sustentável". Primeiro , diz ele, pela “impropriedade da aplicação do método kuhniano às geistesunssenschften, c, .segundo, por Winnicott ter se declarado, muitas vezes, um psicana lista freudiano". O primeiro argumento de Grafia não e correto, já pelo fat o dc <> pr óp ri o Kreud ter dec lar ad o qu e a psica nális e não c
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embora u campo prceípuo ao qual Kuhn aplica a noção de para digm a seja o das ciências naturais (física , química, bio logia etc. ), ele sustenta que ela se aplica igualmente às ciência s so ciais e humanas, com uma diferença: nestas últimas, a situação deve ser dita pré-paradigmátiea. uma ve z que um parad igma I ainda não se estabeleceu de maneira unívoca e a pesquisa está buscando exatamente isso. Ora, no campo das ciências humanas, se há uma ciência cujo para digma tem se conservado unívoeo. é a psicanálise. Mas nicsmo que considerássemos a psicanálise como estando na situação pré-para importante ler Kuhn quando este diz que digmática. é |... ] os mem bros de tod as as comu nidad es científ icas, inclu indo as escolas do período ‘ 'pré-parad igmático ", compartilham os tipos d e elementos que rotulei coletivamente de “um paradigma". O que muda com a transição à maturidade não é a presença de um para digma , nuis a sua natureza (Kuhn, l ‘J70, p, 179).
De qualquer modo, a questão sobre o caráter da contribuição winnieottiana para a psicanálise é uma discussão fértil ainda em curso. O segundo argumento de Grana, acerca da filiação explícita de Winnicott à psicanálise freudiana, não convence porque, além de não resistir a uma análise das posições teóricas de Winnicott, como se verá neste estudo, refere-se a uma decl araç ão mais política do que teórica. À m edida qu e o seu pensament o evolui e Win nic ott sente-se livre para expressá-lo, o que se encontra é uma análise fortemente crítica das posiçõesa am de Preud dccorpo Mclanic Klein,dess sobretudo no para que sc refere á pretens plitudeedo teórico es autores a compreensã o dos distúrbios psíquicos cm geral. Isso não signi fica que ele deixe de ser psicanali sta, mas que, acreditando ser a ps icaná lise um campo de conhecimento que evolui, ele continue a sua tarefa de p esqui sador e vá mo dificando a teoria à luz de novas desco bertas, sendo, nisto sim. um seguidor de Preud. Rogério Luz é um outro comenta dor que, sem che gar a postular um novo paradigma cm Winnicott, aponta para a mudança radical que constitui a obr a winnieot tiana: Winnicott introduz na psicanálise não apenas um novo objeto, fenômeno ou atividade, mas provoca um rcarranjo de seu campo de problem as e, conseqüentemente, de seus conceitos ( Lu z. 1989, p. 32 ).
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4.
E x plicitação da visão ge ral da obra de W innicot t
Parto da convicção dc que a contribuição srcinal dc Winnicott ao pensamento psicanalítico reside em ter proposto uma teoria do ama durecimento pessoa! do ser humano c uma teoria dos distúrbios psíquicos, cm especial das psicoses, articuladas internamente e cone c tadas entre si. Compartilho, ainda, da posição daqueles que reco nhecem que uma série de conceitos de Winnicott ó radicalment e nova e extrapola as metapsicologias disponíveis, c mesmo a tradição filosó fica a que elas pertencem, anunciando, possivelmente, o surgimento dc um novo paradigma da psicanálise no seu todo. Não é meu propó sito aduzir as razões pelas quais aceito esse último ponto de vista. Vou limitai*-mc a destacar alguns aspectos do procedimento de Winnicott, nem sempre notados, que preparam o caminho para o tipo dc leitura aqui elaborada . Essas observações dizem respeito a formas de teorizar por c!e praticadas, cm particular. 1) a sua concepção da psicanálise e do trabalho científico: 2) o diálogo que mantém com diferentes áreas científicas; 3) a sua relação com a linguagem; 4) o uso que faz da poesia e das artes em geral; e, por fim. 5) o modo como se relaciona com áreas não-cicntífieas do saber, tais como a filosofia e a teologia (e a religião, de uni modo geral). Vejamos, inicialmente, aspectos da sua elaboração teórica e, em particular, da sua concepção do trabalho científico. Winnicott sempre insistiu no fato de que aquilo que escreve provém de seu próprio trabalho, e do quanto ele é incapaz dc inventariar uma herança, dc
a minha traba a partir de alhei “Nã o aé ass im queBonnard, mentelhar trabalha”, dizuma ele.concep Numa ção carta dca.1957 Augusta escreve; “Para mim, não há importância alguma cm saber se eu disse prime iro alguma coisa ou se ela já foi dita” (1 987b , p. 101). O u ainda: “Nã o me interessa ser srcinal nem citar outros autores ou pensadores (ne m sequer a Kreud)” (1968c, p. 152). É também notória, e inúmeras vezes afirmada, a necessidade dc usar sua própria linguagem para a elaboração de suas teorias ou, como ele diz, para formular "a última criatura dc sua mente” da forma mais pessoal. Isso se deve, sem dúvida, à invulgar liberdade dc pensamento que ele exerceu e da qual foi um defensor irrevogável. Seus contemporâneos são unânimes em afirmar a sua extraordinária capacidade de ser ele mesmo, a sua aversão a dogmas ou a qualquer constrangimento do pensamento .p>
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E, no entanto, é ele o autor quo, explicitando o paradoxo funda mental sobre o qual se apoia totl o o acesso à realidade — o bebê eria aquilo que e ncontra — . faz a cria tividade ser tributária da tradi ção: “Em nenhum campo cultural é possível ser srcinal, exceto com base na tradição” (1967b, p. 138). Quando estamos saudáveis, diz ele, só criamos aquilo que descobrimos, ou seja, aquilo que jâ está ali para ser encontrado. Mesmo nas artes, ‘ não se pode criar no vácuo, a não scr que sejamos solistas num hospício ou no asilo de nosso próprio autismo” (19N(>h, p. 42). Para ser criatk x) em arte, f i losofia ou ciência, é preciso, portanto, estudar o que já existe. A cria tividade consiste não em uma invenção autista, mas "em olhar tudo com o scfosse u primeira ve z" (1986h, p. 3 3; gritos me us). A src ina lidade de Winnicott não sai do nada. e o mesmo vale para a criativi dade científica; suas idéias se forjaram a partir da observação e no interior do de bate trava do com as áreas afins — a pedia tria, a psi qui atri a infantil e a medic ina psicos sorná tiea.20 Seu princ ipa l in ter locutor foi. no entanto, a psicanálise tradicional. Winnicott conside rou-se sempre um psicanalista, e reconheceu inúmeras vezes a sua dívida para com Freud e Klein. Esse reconhecimento está em pleno acordo com a sua concepção de criatividade. Ele diz: "Sou um produto da escola freudiana ou psicanalítiea. Isto não significa que eu aceite tudo o que Kreu d disse ou escreve u” (1965 t, p. 3 3 ). 31 Um dos aspectos que Winnicott mais valoriza na herança inte lectual dc Freud é o fato de a psicanálise consistir numa disciplina de caráter científico: A questão é que Freud deu início a uma abordagem científica do problema do desenvolvimento humano | _J; deu-nos um método
20 Enquanto psicanalista c pediatra. Winnicott entalndou longos deb ates com a psiquiatria médica, a pediatria e a psicologia acadêmica, disseminados ao longo dos seus trabalhos em torno de diversos temas, tais como a natureza humana, a relação entre a mente e o corpo, o crescimento humano e a questão da saúde e da doença. V;inos momentos desse deb ate constituir ão o assunto de uma análise pormeno rizada, no capítulo 1. 21 Dizer que Winn icott foi influenciado ou que partiu dessa ou daquela idéia não é o mesmo que afirmar, por exemplo, como o faz Adam Phillips, que “o seu trabalho não pode ser entendido sem referência a Klein” (Phillips. 1VNH. p. ) ou, como afirm a Luiz Mcyer: “Na venlade, c preciso pensar Winnicott it partir de Mclunie Klein” (Mever. 1W4, p. N 3 )
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para uso e desen volviment o que p odemos ap render o por meio do qual podemos checar as observações dos outros e contribuir com as nossas próprias (IVGõt. p. 33).
Alguns anos mais tarde, ele dirá: Freud deu-nos este método que podemos usar, e que não interessa para onde nos leve. o eerto é que nos leva a algo; trata-se de uma maneira objetiva d e examinar as coisas c está destinad o às pessoas capazes de abordar algo sem noções preconcebidas, o que. num eerto senti do, é o qu e f az a ciência (1989f, p. 437).
Winnicott não de ixa dúvid as quanto à sua opção pela abord agem científica no estudo do desenvolvimento humano. A psicologia, diz ele já em 1945, ” [. .. ) não reivindi ca prioridade em relação ao enten dimento da natureza humana, exceto num aspecto: na transfor mação desse estudo numa ciência” (1945b, p. 32). Tambcm na pri meira parte dc Natureza hunutiui encontra- se a formulação dc que o principal objetivo desse livro ó o tle “indicar gradualmente os cami nhos pelos quais se descobriu que o desenvolvimento emocional c complexo e, não obstante, capaz de ser pesquisado pelo método científico” (1988, p. 30; gritos meus). Mas sendo u m estudios o da natureza humana, conce bend o esta com o essencialmente temporal, e buscando descrever os est ágios do processo de ama durec imen to — que se ref ere ao que e estritamen te pessoa l no ser humano — , Winnico tt não pode. contudo, aceitar qu alqu er tipo de ciência e, certamente, não aceita a ciênci a natura l à qual Freud filiou a sua psicanálise. C) que Winnicott rejeita, nas ciências do home m, são as tentativas dc construir sistemas fechados ou de re duz ir a vida humana a entidad es físicas ou a categor ias quantificáveis. líle sabe que uma tal ciência sc equivoca no problema da natureza humana e tende a perder de vista o ser humano como um todo (1965vb, p, 136). Recusa, ainda, a pretensão a uma solução definitiva de problemas científicos. Manifesta urna indignação im par com a afirmação de Joan Rivière, na Introdução escrita por cia para o livro dc M. Klein , de que esta teria prod uzid o uma teoria inte grada que, embora ainda em esboço, “dá conta de todas as manifes tações psíquicas, normais c anormais, desde o nascimento até a morte, sem deixar nenhuma lacuna aberta nem fenômenos pen dentes" (19.H‘)xh, p. 319). Winnicott comenta: “A própria Mclanie 37
iNTitunrçÃo teria desautorizado esta frase se tivesse sido verdadeiramente uma c ie nt is ta ” (tc/em).22 Para ele, ex iste o perigo da ciência enquanto tal — quand o esta é construída sobre fundamentos que levam à objetificação do ser hum ano — c há o per igo da falsa ciência, ou , m elhor dizendo, da prática científica que é falsa porque, a o invés de dedic ar-se ao escl a recimento cada vez maior do seu ca mpo de estudos, pôe-se a serviço de ‘le ald ade s” e da manuten ção dc grup os dc poder. Mas tudo isso jus tam ent e legi tim a a necessid ade de nã o se abandonar a tarefa dc |...] transformar oestudo da natureza hum ana numaciência, num processo caracterizado pela observação tle fatos, pela criação de teoria c testagem dessa teoria, e pela modificação da teoria de acordo com a descoberta de novos fatos (1945h, p. 32). Nesta frase. Winnicott parece indicar a necessidade de se cons truir uma nova maneira dc fazer ciência, adaptada ao estudo da natureza humana, conservando, contudo, o essencial do espírito científico. Sua obra nos dá a amostra de como fazê-lo e, neste sentido, constitui um leg ado e uma respo nsabili dade. 2-1Mante ndo o que lhe parece fundamental da criação de Freud — o fato de que qualquer transformação dc urna pessoa se dá no interior de uma relaçã o humana — , Winnicott formula no vos problem as exemplares e põe os procedimentos dc observação e descrição a serviço dos
22 Cf, Winnicott, 1989xh. Nesse mesmo texto,Winnicott refere-sc no fato de que, muitas vezes, as discussões científicas e o avanço do conhecimento são impe didos não só polo nosso "temor à dúvida”, inas também pelo joio de “lealdades”, comuns a grupos com tendência ao sectarismo u que. mais preocu pados com o poder do que com uma verdadeira discussão das idéias, estafinam o pensamento o inibem :i livre expressão.Para esse ponto, et', também a carta de Winnicott a M. Klein, de novembro de 1952, em 19871), p. 30. 23 Inúmeras vezes em sua obra, Winnicott exorta os analistas para que conti nuem a pesquisar e a ampliar a compreensão dos fenômenos que podem afiora ser vistos à luz da teoria do amadurecimento. “O a nalista”, diz ele em 1967, "tem a grande responsabilidade de ensinar e dc desenvolver a teoria de acordo com aquilo que os pacientes, o tempo todo. tentam nos ensinar” (1996b, p. 217). A teoria, diz ele, c demasiadamente complexa e "há firandes lacunas em nossa compreen são” (1989vk, p. 94) . Diz. por exemplo, que “qualquer estudo que lance luz sobre a natureza do bebê ao tempo da primeira mamada c também ao tempo tio próprio nascimento será bemvindo” (1988, p. 172).
IXTKOWÇAU fenômenos que surgem nesse novo âmbito de interrogação. Como o rigor de « m a ciência co nsiste exatamente cm que sua me todologia e procedi mento s se adaptem ao seu objeto de es tudo, é dc esperítr que um:i ciência dedicada ao estudo da natureza hum ana seja regida por um outro critério de objetividade e rigor. A objetividade, nas ques tões humanas, não pode. dc modo algum, seguir o padrão de pesquisa das ciências físicas ou naturais: não se pode pensar o ser humano a partir das categorias formuladas para o estudo dos entes naturais e mensuráveis. O material de pesquisa dc uma ciência da natureza hu mana “é essencialmente o s er hum ano send o, sentindo, relacionando-se e contemplando" (1965vb, p. 137). Além disso, objetividade, nesse âmbito, diz Winnicott, "é um termo relativo porque aquilo que é objetivamente percebido c. por definição, até cert o ponto, subjeti vamente c onc ebi do” (197 lg , p. 9 6 ).24 O principal a ser preservado cons iste em que, na pesquisa cien tífica, |quando surge um vazio no conhecimento, o cientista não se desvia para uma explicação sobrenatural.[...J Para o cientista, todo vazio no entendimento oferece um desafio excitante. Assu me-se a ignorância e se delineia um programa dc pes quisa. |...) Para o cientista, formular questões é quase tudo. As respostas,
24 IS interessante o bservar ijuc a necessidade, tanto de uma nova ciência como Scini do rigor
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IXTKOIHTÁO quando ap a rt e m , apenas conduz em a outra s ques tões . A idé ia do conhecimento a caba do c o pesadelo (io cie ntista. Ele estreme ce só tle pensar numa coisa dessas. Comparem isso com a certeza que envolve a religião e verão como a eiêneia difere desta. A religião substitui a dúvida pela certeza. A eiencia suporia uma infinidade de dúvidas, e implica fé. Fé em quer Talvez em nada: apenas unia capacidade de ter fé (1986k, p. 10).
Em outro texto, ele enfatiza, ainda, que "a abordagem científica dos fenômenos nos permite ser ignorantes sem medo e, portanto, sem ter de inventar io do o tipo dc teorias fantásticas para expl icar as lacunas do conhec imen to” (1945h , p. 3 3). A psicanálise, contin ua, [. ,. ] consti tui um novo e excel ente instrument o, por meio du qua l os seres humanos podem estudar ;i si mesmos c sem relaciona mentos interpessoais, mas continua sendo um instrumento de pesquisa científica ou uma terapia, e nunca faz unia contribuição filos ófica direta ou um a contribuiç ão relig iosa {Ibicl
p. 37).
Num texto dc 1948, ao mencionar, historicamente, alguns dos desenvolvimentos teóricos que se seguiram ao trabalho pioneiro de Freud, ele afirma que agora [ __1 vem sendo elabor ada uma teor ia al tamente complexa d o desenvolvimento emocional do ser humano dc modo que, apesar de toda u nossa terrível c ao mesmo tempo excitante ignorância, contamos atualmente com hipóteses de trabalho muito úteis, hipóteses, c bom que se diga, que realmente funcionam, lixíste atualmente disponível material suficiente para que seja possível tentar formular idéias sobre os bebês, idéias que sejam impor tantes tanto para o psiquiatra quanto para o médico de crianças, e eu gostari a de ser uma das pessoas í l tentar fazê-l o (19 48 b, p. 234 ).
O método que Winnicott preconiza e, essencialmente, o de observ ar e registrar os fenômenos, ein detalhe, tentando novas hip ó teses, à luz da teoria do amadurecimento. Não devemos esquecer, diz cie, "o exemplo dado pelos grandes mestres da medicina clínica que adora vam obse rvar e registrar, e que v ivem na nossa mente c nas nossas afeiç ões por causa da sua crença no valor dos peque nos deta lhes, cuidadosamente observados e examinados” (1969Í, p. 220). A esse respeito, pode-se notar, por exemplo, que a sua louvada cap a cidade de observai e registrar o que acontecia no atendimento tle bebês c suas mães, e na relação clínica com adultos, estava nutrida 40 I
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por duas outras: a de estar em contato pessoal efetivo com o indi víduo do qual cuidava e a de poder ver fenômenos que só se tornam visíveis à luz da teoria do amad urec imen to. Pela própria naturez a do fenômeno que estudava, Winnieott estava convencido de que o contato pessoal, longe de contrariar a exigência de rigor e objetivi dade da observação, exatamente o possibilitava. Foram estas as peculiaridades que lhe permitiram descrever aspectos da natureza humana que nunca tinham sido “vistos" antes. Sem talvez entender a qualidade específica de observação clínica de Winnieott, mas atinando para o seu resultado, os organizadores do seu último livro, Pensando sobr e criança s (1 W 6 a ), afirmam, no P refác io, q ue (. .. ) uma ca racterística notável do trabalho de Wim iicoti íoi o seu grande poder de observação e descrição, de modo que aquilo que d e escr eve tem um ar de extraordinária familiaridade — se nt imo s (/itujâ sabíamos tujitiUt cjtie ele está dizendo meus}.-5
(1996a, p. XV. grifos
Um outro ponto, convergente com o que acabamos de delinear, di 7, respeito à relação stri gencris que Winnieott desenvolveu com a linguagem. Para explicitar os fenômenos que pretendia descrever, Winnieott valeu-se de urna linguagem calcada na linguagem co mum. No Prefácio ao livro Da pediatria à psicanálise (1958a), Masutl Khan afirma, não sem alguma ironia, que Winnieott falava; [...] escreveu simplicidade com o objetivo de relatar . N ão decomo convenc er oueom doutrinar. Fez do eseu modo de exp res sar-se uma linguagem tão própria do uso comum e da cultura mediana que todos sc iludiam acreditando sempre haver enten dido o que ele dizia (Khan, 197ÍÍ, p. 12).
Ao p roce der assim , W innieott muitas vezes introduziu conceitos que são centrais em sua teoria, sem demonstrar preocupação em defini-los, justificá-los ou fundamentá-los por meio de uma abstra ção conceituai. Assim acontece com "cur uin uity a/being” . "fueling oj'
25 Enfatizando o perfil de cientista de Winn ieott, os organizado res do livro /'oi.sntk/oNtilirv crianças negligenciaram o tato de que a ciência por cie valorizada não deve scr entendida nos termos das ciências positivistas ou naturalistas, mas deve ser adapiada :it> estudo tia natureza luuuana (ef. Ray Mliephvnl t:l
II
ixTKt mroÃo mtí”, "esseruúd uUmenesa", “muttudity " , “falling fo rc ve r" etc. Isto não implica qu e esses conc eitos careçam de sentido analisável , mas, antes, que o seu sentido tem dc ser derivado da situação concreta, do contexto em que aparecem. Este é, por exemplo, o caso da “mãe suficientemente boa” em que o “suficiente” não é cxplicitnvcl em regras de conduta e muito menos quantifieável. A propósito desse ponto, Winnicott é incisivo: o saber da mãe provém da sua capaci dade dc identificar-s e com o beb ê a partir d e sua própria experiênc ia de ter sido cuidada: esse saber não pode scr aprendido cm livros ou palestras; rcgrá-lo é o mesmo que destruí-lo, ou seja. é privá-lo do seu principal atributo, a pessoalidade c a espontaneidade da mãe. Definindo os seus conceitos pelo uso, o dizer de Winnicott 6 muito mais indicativo do que proposicional. Ele deixa que a palavra nos atinja ela mesma; se iss o não ocorre r, também não adianta explic ar. Trata-se mais de uma experiência de comunicação do que da produ
ção de uma significação ver bal desti nada a uma compreen são pur a mente intelectual. Ele diz, por exemplo, que: Podemos usar palavras como quisermos, especialmente palavras artificiais como contratransferência. Uma palavra como .sei/ natu ralmente expressa muito mais do que podemos expressar; ela nos usa e pode nos conduzir (J960a, p. 145). O fato d e o anali sta — tal como a mãe suficientemente boa — ser afetado pelo paciente é de tal modo intrínseco à relação que criar um conceito para falar para disso não parece-lhe totalmente artificial. Além disso, algumas vezes, deturpar o fenômeno a ser descrito, para não violá-l o e cobri-lo com uma falsa c apressa da luz, é preciso sustent ar um certo grau dc obsc uridade. Num trecho dc sua obra em que o conceito era particularmente difícil dc ser explici tado, Winnicott pondera que, “neste preciso ponto, é necessário admitir que a obscu ridade tem val or superior ao do falso esclareci mento” (1989vu, p. 186). üu ero , portanto, sugerir que a singularidade da linguagem dc Winnicott não se deve tão-somente à sua liberdade ou necessi dade de scr pessoal em tudo o que faz, mas, soube sse ele ou não, a uma necessidade tcórica e metodológica bem estabelecida, de corrente de sua nova perspectiva. A simplicidade por vezes poé tica da linguagem vvinnicottiana não é charme literário, nem c nela que reside a sua criatividade; é uma necessidade imposta pelo 12
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INTRODUÇÃO
fenôm eno que ele soube ver . Ao teorizar sobre as conquistas pe cu liare s aos estágios inici ais do processo dc amadu recim ento, W inn i cott reconh eceu que a l ingu agem disp oníve l no âm bito da psicaná lise. e mesmo das ciências humanas — e no m arco das filos ofias que as regem — , não é capaz de abordar, sem distorcer, a natureza espec ífica dos fenôme nos que prete ndia descrever, lini 1957, el e já dizia que |,..] uni escritor t ia naturez a humana precisa ser consta ntemen te leva do na di reção da linguage m simpl es, longe do jarg ão do p sicó logo. mesmo que tal jargão possa scr vali oso e m c ontribuições para revistas científicas (1957o, p. 100).
Tratando de questões relativas à experiência humana, c não a um aparelho psíquico, descrevendo relações entre pessoas, e não entre instâncias psíquicas, apontando para os detalhes da relação bebê-rnãe, na “magia da intimidade” que aí reina, Winnicott tinha de criar uma outra linguagem. Não se trata apenas de sua idiossin crasia, nern dc descu rar do rig or descritiv o. Trata-se de uma qu estão de extrema importância, a dc saber se a lingua gem metap sicológica c adequ ada para descrever a natureza üa experiência humana. A sua discussão com Freud e com a metapsicologia não é política; c meto dológica . No que se refere à psicanál ise freudiana, pode- se per ceber que Winnicott distingue duas teorias em Freud, uma empírica experieneial e outra especulativa. A elas correspondem dois tipos de linguagem, ou dc solução, como diz Freud: a descritiva, quando este fala da oralida de, da anal idade, dos interesses, da rivalidade do menin o em relação ao pa i etc. ; e a linguage m metapsicológica, pela qual conceitua c explica fenômenos por meio dc concepções abstra tas: pul sões dc vida c de morte, p roto fanta sias, libi do, cate xias et c.26 Winnicott parece aceitar muito bem a teoria descritiva de Freud, mas é explícita a sua profunda desconfiança com relação à metapsieologia. Numa carta a Anna Freud. mencionando a sua tendência a dizer as coisas cm sua própria linguagem ao invés dc usar os termos da metapsicologia, ele esereve: iii iu i análise eoneeituiil ilas furmas <.le teorizarão freudianas,ef. o exaustivo e esc lare ced or traliallio cie Leo pol do Kut^eneio, O méfrw/o expeciiItilivi) elíi breud, 2001
INTKlJlH.XIAU
Estou tentando descobrir por que c que' tenho umsi suspeita tão protunda para com esses termos. Será que é porque eles fornecem uma aparên cia de compreens ão onde tal compreensão não exi ste? Ou será que é por causa de algo dentro de mim? Pode ser, é claro, que sejam as duas coisas (1987b, p. 51).
Em 1966, numa palestra para a Sociedade Britânica dc Psicaná lise, II. ,1. Home del imi tou o tema do a rtigo qu e iria apr esen tar dizendo tratar-se de um texto filosófico que visava refletir sobre as seguintes questões : sobr e o que, exatamente, vers a a teoria psicana lítiea e que tipos de teorias podem validamente ser construídas sobre isso? Antecipando a conclusão, a saber, que a teoria psieanalítiea apresenta “sérias dificuldades lógicas”, que muitos de seus conceitos são "m al definido s” e muitos d c seus termos, usados re gu larmente para descrições clínicas, são "ambiguamente emprega dos” (p. 4 2) , Ho me afirm a que a motiv ação para e sse estudo veio- lhe dos vários encontros científicos com psicanalistas e du sua perplexi dade com relação à ineompreensibilidade dos artigo s clín icos, versa dos no que era freqüentemente chamado dc “linguagem técnica”, c ao que lhe parccia ser “uma ingenuidade filosófica desses artigos teóricos” (p. 42). Para ilustrar esse ponto, Home usou uma passa gem do livro dc Sandler, O conceito dc auperego, que diz: “As duas técnicas para restaurar o sentimento dc ser amado (para aumentar o nível das catexias libidtnais do si-m esmo ) Hom e comenta : “A primeira parte da sentença parece-me completamente compre ensível; a segunda parte é. crcio, inteiramente sem significado” (p. 42), Uma das conclusões a tirar do artigo de Home c a incapaci dade de a linguagem metapsicológiea, claramente metafísica, de dar conta do seu objeto de estudo, o sentido da expcrícncia huma na,27 Na conti nuaçã o, Ho me escreve que qu and o Winnic ott, cm 1954, quis apresentar as suas experiências clínicas dc regressão à dependência, as quais eertamente poderiam ser descritas pelo uso comum das palavras, como dc fato o foram, ele percebeu que elas não cabiam em nenhuma das duas categorias já consagradas. "Isto
27 Em uma passagem dos fomwiárirjs de Zollikem , Heido£|>er diz que “tudo princípio do iutrapsú|uien, a partir de uma consciência, 0 ubstrato, uma ccmsírução nãoidentíficávcl. As relações ambientais de um objeto não precisam de explicação, elas só precisam ser vistas" ( Hci dc &ie r. 1V.S7, p. 207). II
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significa”, afirma Home, “que, estritamente falando. cias não podem existir conio regressão se a teoria psicannlítica estiver aí concer nida” (p. 46). Ou seja, existem fen ôm enos human os cfiie não podem ser abran0dos pela teoria psicannlítica , urna vez ijite esta circunscreve seu saher nos limites da linguagem metapsicológica. Deste modo. stirhaviam em usarainda sua própria linguage m para fenô menos ao queinsi não sitio configurados pela descrever teoria tradicio nal, e ao afirmar, como fo i acima men cionado, que "um estudioso da natureza humana precisa ser levado 11a direção da linguagem sim ples”, Winnieott está, mesmo sem o saber, correspondendo a uma exigência imposta ao pensamento pelo próprio objeto de estudo.-* Cabe agora destacar a importância que Winnieott atribuía aos modos de experiência artística e ao poeta que existe em cada ser humano para a resolução da tarefa de compreender a natureza hu mana e seus problemas. Preservando sempre o valor dos procedi mentos científicos para a construção do conhecimento. Winnieott ja m ai s men ospr ezo u o fato de haver fen ôme nos qu e só pode m ser apreendidos pelo olhar e pelo dizer poéticos. Isto diz respeito, em particular, ao seu reconhecimento de uma verdade poética sobre o ser humano, verdade que, naturalmente, está incluída na sua teoria do a mad urec imen to pessoal ti o indivíduo. Refer indo-se à intimidade e à comunicação peculiar que se desenvolve no interior da unidade be bê -m ãe — centrai s para o trabalho cl ínico — , ele sus tenta q ue “seria uma pena dar exemplos, a menos que fosse para mostrar que ninguém, a não serde uminfinitas poeta, seria capaz (1970a. de dizerp.com palavras aquilo que pode variar maneiras” 75).-'
28 Embora não tenha chegado a exp licitar o que exatamente compreendia por isso, Winnieott sabe que a metapsicologia é metafísica. Kle diz: "Freud foi capaz de desenvolver a teoria em que se baseia a psicanálise, e a desenvolveu muito ao longo de suei vida. Essa teoria é geralmente chamada de meíapsicoíogia ( po r analogia com a me t afísica )" ( p. 1 0). 29 Ivone Acoioly Lins aponta a influência que poetas ingleses como Wordsworth e líe!it-s exerceram no pensamento de Winnieott. Numa passagem de seu artigo, Ivone escreve: "Através da noção de capacidade negativ a’. Keats enfatiza a capacidade para se permanecei1na incerteza, no mistério, na dúvida, Nem a •irritante busca para atingir os fatos nua razão de ser’, ou seja, setn a irritável fuga nos sistemas explicativos ou científicos. Winnieott pede que d paradoxo seja tolerado e respeitado ao invés de resolvido por proces sos intelectuais** (Lins, l‘W7, p. 21).
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Manifestando preocupação com a incessante erradicação da ver dade poética na civilização atual. Winnico tt mostra-se ciente do per igo que representa, para o homem, o domínio da técnica, cujo poder objctifieante varre todo o significado humano das coisas, do mundo e do próprio homem para fins de manipulação e controle. Em uni texto de 1969, "Aante pílulaa elembrança a Lua”, conta eerta noite a lua, es braveja de que. que observando há uma bandeira americana !n fincada. A idéia da exploração científica da Lua ohscureee todo o seu “brilho e esplendor, majestade e mistério” (1986i, p. 162). Diz ainda que “se pudermos voltar à poesia e recupcrarmo-nos do pouso ameri cano na Lua, antes que aconteça a mesma coisa com Vênus, pode remos sentir que a civilização ainda tem alguma esperança" (idein). No entanto, quando escreve. Winnicott não faz poesia: no máxi mo ele põe a verdade poética a serviço do conhecim ento. Mais ainda: em diferent es momentos da sua obra, Winnicott impôs clar as restri ções a um trabalho psicanalítieo edifieado exclusivamente sobre a verdade poética. Esta última pode, sem dúvida, oferecer satisfações profundas e, diz ele, quando uma velha verdade encontra uma nova expressão, existe a possibilidade de uma experiência criativa em termos de beleza. Con tudo , adverte, é muito d ifícil usar diretam ente a verdade poética, uma vez que se trata dc uma questão de senti mentos e nem todos sentem a mesma coisa em relação a um deter minado problema. Em um de seus mais famosos c importantes textos, “O medo do colapso", ele começa afirmando que, se há alguma verdade no que vai dizer nesse artigo, certamente os poetas do mundo já se terão ocupad o dela. No entanto , continua, |...] os clarões de imiglit com que a poesia nos brinda não nos absolve da fumosa tarefacie nosafastarmos, passo a passo, da ignorância na direção de nossa meia (l ‘J74, p. 70: £rifos meus). Para um estudioso da natureza humana, a meta é clara: trata-se de construir, “pedra sobre pedra”, como é próprio da ciência, “uma teoria do amadurecimento pessoal, melhor, mais exata e mais útil” (1984h, p, 50). O procedim ento científi co se define não por buscar “provar isso ou aquilo por meio dc estatísticas”, mas sim por “estar livre de conhecer antecipadamente (conhecer antecipadamente é íllgo que pertence à poesia)" (1996b, p. 206). Ivone Accioly Lias explicita muito bem este ponto ao salientar que. apesar dc mun evidente afinidade estética entre as idéias de Winnicott e o pctisalf.
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mont o dos poetas rom ânticos, “seria uin erro atribuir a novi dade dc suas eon eeitu açõe s apenas a essa afin idad e” (Lins, 1997, p. 22). Diferentem ente dos poet as, Winnicot t estav a convencido do quanto a tarefa científica é necessária e dolorosa c, prossegue Aecioly Lins. “em bora as suas pesqu isas foss em animadas pelo espírito poético, o tipo c o meio de investigação eram clínicos e científicos” (ú/em). Também c om relação á intui ção — cm geral, tão louvada n ele — , Win nic ot t assina la as restr ições, so br et udo cm suas aulas para alunos da área da saúde. Se a intuição, ' quando é verdadeira, pode ch ega r à verdade tota l num instante” , do mesmo m odo "a intuição errada leva ao erro”, ao passo que. numa ciência “a verdade total nunca é atingida” (1945h, p. 32). Deste modo, apesar de valori zarmos esse lampejo de verdade que a intuição pode proporcionar, precisamos sempre nos lembrar que “nossos sentimentos e imagi nação fugir ao c nos ética levar envolvida, a qualquercm lugar” p. 33).podem Além disso, há controle uma questão termos(iirid. de responsabilidad e profissi onal: O entendimento intuitivo da natureza humana muitas vezes se mostra pouco confiável como guia no campo mais geral da vida social. Ele poderia permitir a um médico entender brilhantemente um paciente que 6 ladrão, mas, a menos que a psicologia da delin qüência seja estudada com o um a ciênc ia, o entendimento intuitivo não impedirá os médicos, assim como outras pessoas, de dizerem e fazerem todo o tipo de coisas inúteis, quando tiverem de ser toma das decisões de modo prático , com o num tribu nal juvenil (ide m).
Winnicott não deixa dúvidas quanto à sua posição: numa pales tra para pediatras sobre a neurose infantil, após enumerar alguns métodos usados para o tratamento desta, diz que pode apenas “chamar a atenção para o fato dc que a intuição não é suficiente jHtru a prá tica da psicologia." Pouco depois, afirma que “com certeza existem os que não gostam da psicanálise, pelo fato de esta estudar a natureza humana de forma objetiva. Ela invade os domí nios antes reser vados à fé, à intuição e à em patia ” (I9 58 m , p. 4 2l j Por tudo isso, conclui que, [... |o que é im portante na ciência 6 a construção dc um caminho satisfatório para a verdade. K por isso que a formação científica é tão importante para todas as pessoas: isso permite que vocês e cu - 17
INT UÍ m cç Ã o
testemos satisfatoriamente os nossos pequenos fragmentos de mundo (1*34511, p. .12).
Em 1946, respon dendo a uma carta dc Ella Sharpe. Winnicott abor dou , urna vez mais, a relação nur e a psicanálise e a arte. lilc diz não estar certo do concor da r corri a tese dc Shar pe de que a psicanálise seja urna arte c afirma gostar mais do que ele entende ser o trabalho psicanalttico verdadeiro, pelo fato de que, na psicanálise, a arte ocupa menos espaço do que a técnica baseada cm considerações científicas, (of. 1987b, p, 9). Alg un s anos depois, cie irá declara r que a idéia da psicanálise como arte deve gradualmente ceder lugar a um estudo da adapta ção ambienta l relativa às regressões dos pacientes. Porém, assi nala, enquanto o estudo científico da tulapração ambiental ainda não estiver desenvolvido, talvez os analistas devam continuar a agir como artistas cm seu trabalho (1955d, p. 389). Contudo, mesmo que o analista possa scr um bom artista, “que paciente deseja scr o poema ou o quadro de outra pessoa?" ( idem ). É certo que a capacidade terapêutica do anal ista — cujo para digma é a mãe suficie ntement e boa — não repousa cm um saber puramen te intelectual, mas sobre tudo em sua sensibilidade pess oal e capacidade de se identificar com o paciente c compre ende r as suas necessidades. O analista, contudo, além de não ter, como a mãe, vinte e quatro horas por dia para estar com o bebê e conhecê-lo, não pode contar com o benefício natural da preocupação materna pri mária. Talvez ele consiga fazer melhor do que fez a própria mãe do paciente, mas é preciso alguma humildade para saber que [...| as toscas habilidades do psieoterapeutu, se o compararmos com a mãe real. faz eom que seja inconcebível — mes mo na tera pia mai s cuidadosamente contr olada — uma regressão à dependência vivida com satisfação (1988, p. 179).
Ao contrário , um período de regressão à depend ência exige que , durante um longo período, os analistas se mantenham nos limites estritos ditados pelo paciente e, durante todo esse período, “a ten são é trem enda ” (1987 b, p. 158). É pr eciso , por exemplo, estar pre parado para a circunstância que ocorre quando o paciento, regre din do à (.‘epen deneia, “en lou qu ece ” cada vez mais em bus ca da cura. Nesses casos, !'sc o analista entende o que está se passando, ele se capacita a tolerar as consideráveis tensões pertiucnics a esse tipo dc IS
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trabalho” (1989vk, p. 101). Desse modo, embora suja o paciente quem constantemente ensin a o ana lista —•que é capaz dc aprender — so bre suas p róp rias necessi dades , este, assinala Win nic ott , [...{ deveria conhecer teoricamente os aspectos referentes aos traços mais profundos o centrais da personalidade, pois, do con trário, não poderá reconhecer as novas exigências impostas à sua compreensão e técnica cfazer-lhes frente 19 ( 89vp. p. 134). Por tudo isso, em seu trabalho especializado, e sobretudo nos casos de pacientes cujas dificuldades são do tipo esquizofrênico, o analista precisa contar “com uma teoria operativa do amadureci mento emocional da personalidade” (1968c, p. 152), aprendendo a ver, escu tar e com preen der através dela. A teoria ", diz Winnicot t, “está s empre no budignmnd'' (1954d, p. 115), servindo para ilumi nar o fenômeno c nortear a imagin ação, a sensibilidade e a intui ção. A partir daí, é preciso continuar a desenvolver a teoria “para chegar a uma explicação teórica acurada c valiosa, sem a qual ficamos empacados” (1996c, p. 189). A teoria do amadurecimento não deve ser entendida como um instrumento meramente intelectual a ser aplicado em cada caso. Ao contrário, salientando o modo pelo qual ela participa da prática clínica, Winnicott afirma, como já foi mencionado, que sua única companhia, ao enfrentar o território desconhecido dc um novo caso clínico, é a teoria que leva consigo, e que, dc tal modo. foi sc tornando parte dele mesmo, que ele nem ao menos precisa pensar nela dc maneira deliberada. Rlc simplesmente vê através dela. Um pou co adiante, no mes mo texto. Win nico tt compara- se a urn violonce lista que, primeiro, trabalha a técnica e, depois, com eça realmente a tocar á músicu, usando a técnica, certament e (ef. 1971vc, p. 14). \’um artigo de 1950. Winn icot t manifesta a esperança de que os bebês, a quem as mães forneceram uma ap resen tação satisfatória da realidade externa, em pequenas doses c dc forma compreensível, venham a crescer e a “tornar-se capazes de uma abordagem cientí fica dos fenômenos”, chegando mesmo lici conduzir um método científico no estudo tios assuntos humanos” (1965t, p. 41). Essa tarefa c necessária porque [... | s e o i|u<.- é verdadeiro. Im m c natural na nature za h u m a n a e n o m m com os s eres humanos iau cresci mento deve es tar a sa lvo do l‘>
iNTkonryÀo esmagameiuo pela ciência, isto somente pode se efetivar pela extensão da investigação científica a todo o campo da natureza humana {w/em). Cm outro ponto a ser considerado refere-se ao fato de Winnicott, repetidas vezes, para esclarecer pontos que está tratando, remeter os seus leitores a teses filosóficas e teológicas, e mesmo a práticas religiosas c místicas. Alguns desses conceitos requerem, efetivamente, uma a proximaçã o com a filosofia, e muitos deles eons tituem tem as filosófico s fundamentais.*10Alg um as vezes, isso ocorre em meio a descrições que aparentam restringir*se ao mais simples 30 Tal conto no caso da ciência, não 6 qualq uer filosofia que dá conta das que s tões suscitadas pelo pensamento vvinnieottiano. O pensador que. no meu entender, mais favorece a compreensão da obra vvinnieottiana. e que pode oferecer base filosófica para alguns de seus conceitos fundamentais, é Martin Heideggei', s obretu do em sua primeira fase. a de Scr c tcm/w (1 97 4), Não c objetivo deste estudo explicitar possíveis aproximações entre o pensa mento de Winnieott e o de Ileidejíjíer, e muito menos aplicar llcidc£|*er a Winnieott. É difícil, no entanto, ao estudar Winnieott, não perceber resso nâncias licide&gerianas. A ontologia heidcggcilann da finitude estará, por tanto, como pano de fundo para o exame de alguns aspectos do pensamento de Winnieott que não têm como ser compreendidos pelas teorias tradiei > nais. sejam cias psieanalítieas ou filosóficas. Farei apenas alguma menção ocasional, aqui c ali. quando ela me parecer oportuna no sentido de favorecer o entendimento do conceito. Essa aproximação é de minha inteira responsa bilidade. tendo sido corroborada pelo filósofo /íeljko Ujparie. que rem, desde então, desenvolvendo uma série de trabalhos em torno dessaDepois fértil afinidade (ef. Loparic. 1995a: 19951»; 1998; 1999b; 1999c; c2()()l). de haver eoueebido essa vinculação, encontrei a mesma no livroÜC im fa n t à 1'átlultc (1979), do psiquiatra francês Cleorges Amado. Sua interpretação, contudo, tanto de Winnieott corno de Ileidetijíer, assim como da aproximação entre ambos, afasta-se de tal modo da minha que acabei por não me utilizar de sua obra no contexto do presente trabalho. Não há nenhuma evidência dc que Winnieott tenha jamais lido Heídegger. A única proximidade que sc pode tecer, altamente indireta, é a dc que Winnieott foi supervisor dc R. Laing. antes de este enveredar pela antipsiquiatria claramente influenciada por Sartre. Adam Phillips, biógrafo dc Winnieott e comentador de sua obra, afirma que o Mitldle Choup foi '‘obliquamente influenciado pelo existeneialismo”. sem dar maiores informações, mas tudo leva a ercr que esse existencialísmo refere-se ã corrente criada na França por Sartre. Também não há sinais de Sartre na obra de Winnieott e, de resto, Sartre não era segu idor de Heidegger, embora quisesse fazer crer que sim. Além disto, Heidcgger re cusou sempre o epíteto existeneialismo para a sua filosofia.
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cotidiano. Num certo momento, por exemplo, Winnicott está des crevendo o modo pelo qual o apoio de ego materno facil ita a org ani zação do ego do bebê. “Com o tempo”, diz ele, "o bebê torna-se capaz dc afirm ar a sua próp ria individualidade e até de ter um senso de identidade,” E um pouco adiante: “Isto c o começo dc tudo e confere significado a palavras muito simples, como .ser” (1987e, p. 9). Este c o trecho destacado por Loparie (1995b) no seu artigo “Winn icot t e o pensam ento pós-m etafísie o”. Sua leitura de filósofo o leva a perceber que, à [...) de repente, num contexto que parecia dizer respeito apenas maternagem, aparece o problema da identidade que consta entre os mais difíceis da filosofia. IL isso não é tudo. Surge também a idéia de que no dois-em-um da mãe e do bebê decidem-se questões de semântica. Não da semântica de mamilos e leite, nem mesmo
do seio bom ou mau, mas de uma semântica que a metapsicologia desconhece, a semântica de palavras simples, como a palnvTa “ser”. Tudo se passa como se até mesmo para um filósofo que pen sasse seriamente, isto 6, não academicamente, sobre o que quer dizer a palavra“ser”, o seu sentido srcinário se determinasse somente num retorno à simplicidade srcinária do ser humano, inicialmente oxperienciada na intimidade da relação entre mãe e bebê (Loparie, 1995b, p. 47). Tal como já foi visto no artigo de Home, a descrição do que se passa na inti midade da peculiar relaç ão b eb e-m áe não pode scr fe ita numa linguagem abstrata, construída para dar conta de sistemas. Winnic ott c onse gue cump rir a tarefa, nada fácil, de form ular coneeitualmente o seu tema sem que Isto se constitua “num agravo à deli cadeza do que é pré-verbal, não-verbalizado e não-verbalizável, ex ceto, talvez, na poesia” (1967e, p. 154). Todos os pontos destacados mereceriam análise detalhada, mas não é isto o que se pretende oferecer aqui; eles foram arrolados apenas para abrir o caminho e delinear o quadro da interpretação. A luz do exp osto, não podemos deixar de conside rar Winnicott com o um pensador científico. Não fosse essa a posição, isso nos levaria a uma co ntra dição explícita com o seu text o. Por outro lado, temos de reconhecer que a sua concepção de teorização científica nâo se enquadra sem mais na s concepções eom unicnte defendidas sobre o que seja o trabalho científico. Isto não deve ser entendido, como fazem as interpretações divergentes mencionadas, corno sinal dc 51
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desinteresse pela teorização científica, dc fraqueza teórica, de pen dor para o poético cte. Significa antes que, além dc suas outras contribuições temáticas, Winnicott introduziu propostas inovado ras no próprio modo de constituir o saber psieanalítieo. Talvez seja também por este motivo que alguns autores sustentam, como vi mos. que a sua obra constitui uma mud ança parad igmát ica na disci plina constituída por Freud, inclusive no que diz respeito à forma de teorizarão. A mudança dc paradigma implica, freqüentemente, a alteração tanto dos critérios dc cientificidade que definem uma discipli na científi ca como um corp o de saber, quan to do quadr o filo sófico no qual este se insere. E nesta direção que parece caminhar Rodman, na introdução ao livro cm que reúne a correspond ência dc Winnicott, quando escreve: Freud, o grande construtor de sistemas, provavelmente signifi cava menos para Winnicott do que Fre ud, o criador de um método para sond ar a ti lmn humana. Tem-s e a impres são de que W innico tt não tinha em mira a Verdade tom V maiúsculo, mas verdades em deslocamento, a verdade contida na interação contínua das pes soas. Ele parecia não precis ar do que Nictzsche chamava de ‘ con solo metafísico”, do tipo que se pode obter, por exemplo, num sistema filosófico convincente. No en tanto, essa característica de seu pensamento constituía um tipo de filosofia em si mesma (Rodman, 1987. p. XXV)-
Ncsse ponto, Rodman parece juntar-se a Loparie quando este afirma que a teo ria winnieottiana do amadurecim ento pessoal cons titui urna tentativa decidida de romper com a metafísica embutida na linguagem da metapsieologia freudiana e. por esta razão, no corpo central da psicanálise tradicional. Em resumo, sc Winnic ott não foi , certamente, um pensad or “sis temático”, ele não sc furtou ao esforço de articular internamente o seu pensamento. O que caracteriza o seu pensamento, além dc sua rejeiç ão total à nbjetificuçã o do ser hum ano , não é, em absoluto, a recusa de toda c qualquer teorização, mas a rejeição a teorias fechadas, definitivas e intjiumtianáveis. passíveis de serem tran sfor-
madas em dagmas,Winnicott É dessa aversão que decorro o seu tão propalado antidogmatismo. não permitiu que cm torno dele se formassem escolas, por entender que estas tendem ao proselitismo e a jogos políticos cin detrimento de uma reflexão calcada na expe riência. Ele temia, até, que certos termos de sua criação virassein 52
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slogans vazios, “co isas dc Win nic ot t” , aplic ações impessoais do su as descobertas conceituais som a participação da criatividadc do ana lista. Constata-se nele, ainda, uma profunda desconfiança para com as eonccitualizações abstratas, desvinculadas da experiência, que se afastam do compromisso com a verdade íntima da vida. Mas não se deve esqu ecer qu e a sua recusa dc sistemas fechados e abstrat os não o impediu dc busc ar cami nhos teóricos ori ginais, independentes dos dc Freud e dc M. Klein, recusando conceitos tradicionais que lhe pareciam inaceitáveis e delineando seu campo teórico com frontei ras conceituais bem definidas, e de incisivamente defendê-lo.
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CAPÍTULO I
WINNICOTT E O DEBATE COM AS ÁREAS AFINS
1. A spectos históricos d a for maçã o intele ctual dc W innie ott No exame da concepção winnicottiana de saúde e doença psíquicas em gera l, e das psicoses em parti cular, é importa nte destacar algun s aspectos da vida profissional e intelectual de Winnieott que influen ciaram fortemente suas posições teóricas. Igualmente útil será retomar o debate travado, implícita ou explicitamente, no interior de sua obra com as áreas afins: a pediatria, a psiquiatria, a psic olo gia acad êmi ca e a psicanálise trad icional, 1’ode-se p erc eb er o movi mento pelo qual, na evolução de seu pensamento, certos conceitos vão surgi ndo e se consolidando c omo respost as a concepções de sua época que ele julgava insuficientes e mesmo inaceitáveis. De início, serão abordadas as linhas gerais desse debate. litn várias oportunid ades, Wi nnieo tt refere-se à importância que a formação em medicina teve sobre o seu pensamento. Isto diz respeito, dc um lado, à óbvia vantagem dc possuir um saber médico que lhe permitia discriminar estados clínicos em que havia a pre Nciiçn de um fator físico atuante do qual derivavam sintomas ps icoló gicos secundários; ou quando a constatação da ausência de dis túrbio físico, numa criança doente, apontava para um distúrbio psicológico nesta, ou para uma depressão da mãe, manifesta na forma de uma preocupação excessiva com a criança. Mas, provavel mente, a sua dívida mais importante para com a formação e a ativi dade médicas foi a clareza sobre o que mio se devia pensar e o que tlüo se devia fazer no trato da saúde de uma pessoa. Tinido convivido 55
A TEORIA 1)0 .YllAI >!/líKU.\IKXTO Dli 1). W WIN NIC OTT
num meio dc pediatras e psiquiatras, Winnicott fez dc perto a expe riência da inadequação dc sc pensar a saúde c a doença em termos puríuncntc organicistas. Ele parece ter sido. muito cedo, desper tado para o fato de que a saúde, e mais do que a saúde, o sentir-se vivo, não pode resumir-se ao bom funcionamento dos órgãos c das funções, e que separar o físico do psíquico é um procedimento inte lectualmente possível, mas altamente artificial. A época de sua formação em medicina, em .1920, Winnicott já estava firmemente convencido da impossibilidade de se proceder a um diagnóstic o dos distúrbios pertinentes à pediatria sem incluir na consideração os aspect os psicológicos. Ainda estudante, deparou-se com uma obra sobre Freud, escrita pelo pastor suíço OsUar Pfiste r. c ficou encantado com a possibilidade aberta pela psicanálise de abo rdar não apen as a doença psíquica, mas os distúrbios somáti cos, dc um ponto de vista eminentemente psicológico. Numa carta de 1919 à sua irmã, Violet, descreve entusiasmado as suas descobertas acerca da teoria freudiana do psiquismo (1987b, p. 1). Em 1923, é admitido como médico assistente do Paddington Green Children’s Hospita l, posto em que se ma nteve durante quarenta a nos.1 Deci dido a incluir a psicanálise em sua formação, ele inicia, no mesmo ano de 1923. uma análise eorn James Straehey, que iria durar dez anos. Gradualmente, o atendimento clínico hospitalar foi evoluindo da pediatria para uma psiquiatria infantil de orientação analítica. Na prática pediátrica, exercida nos termos da psiquiatria in fantil, Winnicott pôde constatar que a maior parte dos problemas que levavam as mães com seus bebês e crianças ao consultório era devida a perturbações emocionais primitivas. Mais: deparou-se com o fato dc que, não só crianças, mas bebês fisicamente saudáveis podiam estar em ocionalmen te doentes já nas pri meiras semanas tia vida. lmpactou-o a precoeidade dos distúrbios c a importância dos
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Referindo-se ao seu trabal ho no Paddington Green Hospital, Winnic ott assi nala a feliz influência dc Guthric, médico pediatra que, embora não tenha realizado contribuições significativas no plano teórico, possibilitou um clicna especial para o exercício dc uma pediatria que não fosse meramente organicista e levasse em conta os fatores psicológicos. Mais tarde. Winnieott soube que sua indicação para substituir Guthric e dar seqüência ao trabalho de seu depurtainento deveu-se ao seu manifesto interesse pela psicologia.
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fatores psíquicos 110 surgimento deles; não tinlui clareza, no entan to, acerca da natureza desse psíquico e, ao aproximar-se da psicaná lise, buseou o campo por excelência para a sua investigação. De tato o encontrou, com a ressalva de que, muito em breve, veria que não concordava com o que a teoria tradicional estab elecida entendia por psíquico. A descoberta da existência desses distúrbios emocionais pre coce s influenciou dc maneira decisiv a a evolu ção de seu pensa men to analítico. Foi em função dessa descoberta que Winnicott jamais deixou-se convencer pela eentralidade do complexo de Édipo, pro posta pela psicanálise freudiana, Em 1967, numa palestra em que faz uma espécie de autobiografia intelectual para seus colegas analistas, ele relata: Quando tentei aprender o que havia para ser aprendido sobre a psicanálise, descobri que, naquela época, tudo nos cru ensinado em função do comp lexo de Édipo aos dois, três e quatro anos, e da reg ress ão com resp eito ao Édipo. Fo i muito aflit ivo, para mim, que havia estad o examinando bebes — e as mãe s com os bebês — por um longo tempo (já estava nisso há dez ou quinze anos), com provar que isso era assim, pois eu sabia que havia visto mna p orçã o dc bebês já começarem doentes c, nmitos deles, tornarem-se doentes muito cedo (19891'. p, 437).
Marcado por essa evidência, o esforço teórico de Winnicott cami nhou na direção dc explicitar o que se passa com um bebê no início mesmo da vida e qual é a naturez a específica da dificuldade com que os recém-nasc idos lidam ou que os aflige.2 Em 1935, por su gestão dc Straehev, procura Melanic Klein, que já era conhecida por seu inte resse pelas angústias mais primitivas da infância. Considerando da maior importância o estudo empreendido por Klein, Winnicott per seg ue a trilha abert a por ela c torna-se seu supervisionando, de 1935 a 1940 ou 41.1Percebeu logo que Klein sabia muito, e muito mais do que ele, sobre o tema e, mesmo em fases posteriores, quando se
Nessa mesma palestra de 1%7, Wirmioou recorda que, por volta de 1935, não ciieontrava nunlnim inte rlo cuto r para a sua questão s obre tli tiou Idades eiiiociiinais primitivas, a não ser que cias fossem interpretadas c omo regre s sões, e disse ter pensado: “Vou demonstrar que os bebês adoecem muito «.edo, v se a ivorin não aceita isso, ela vai ter de se adap ta r" ( iy .S9 f, |>. 438). í l.Winiik.oii, 1VS5<\ p. ^55
A TR OM A IX ) A.\ Ul)L: i
distanciou decisivamente da linha teórica kleiniana. afirmou sempre ter aprendido muito com ela. Havia, no entanto, desde o início, dife renças teóricas que foram se aclarando e aprofundando à medida que os elementos conceituais básicos da sua própria teoria ganhavam precisão, acabando por revelar que as respectivas teorias eram incom patíveis já nos fundamentos. Algumas dessas diserepâneias concei tuais serão abordadas posteriormente em maior detalhe. Or a, e x at am ent e nessa oc as ião ■ — es tamos no final da década dc 1930 — uma outra ex periên cia p rofissional veio a influir d e maneira determinante no encaminhamento teórico de seu pensamento. Du rante a Segunda Guerra. Winnieott foi nomeado psiquiatra con sultor do Plano de Evacuação Governamental de uma área de recep ção da Inglaterra e, segundo Clare Winnieott, que fazia parte de sua equipe como assistente social, o exercício dessa função teve um profundo efeito sobre ele. Winnieott teve de ver-se frente a frente, eni larga escala e de modo concentrado, com o desfazimento dos lares, com a desintegração maciça da vida familiar c pôde observar os efeitos, nas crianças e nos adolescentes, da separação e da perda. À s itua ção g loba l, acr escia o fato dc que as cria nças pelas quais W innie ott tor nava- se responsável eram ex atament e aquelas que, tendo já apresentado dificuldades cm seus próprios lares, antes da guerra, requeriam providências especiais e não podiam ser insta ladas, como estava previsto nos planos de evacuação, em lares comuns que as “adotariam”. Winnieott constatou ainda que, para essas crianças, a guerra era não apenas secundária como chegava a ser b enéfica: elas s e viam r emovidas d e uma s ituação intolerável em seus próprios lares, para a qual não encontravam saída, e eram postas em uma nova situação na qual poderiam, talvez, obter ajuda. Essa foi a experiência que propiciou a Winnieott material para a formulação de sua teoria sobre a delinqüência e os distúrbios de caráter, manifestações clínicas englobadas no que ele designou tendência an tis ocial. Foi também a partir daí que alguns aspectos teóricos peculiares de uma ainda incipiente teoria do amadureci mento pessoal foram sc delineando com maior clareza. Esses aspec tos dizem respeito à importância do ambiente na etiologia dos transtornos psíquicos. A té esse mome nto, os distúrbios dc caráter — a de linqüência , a violên cia juve nil — e ram visto s pela teor ia psicanalítica com o manifes tações da angústia ou da culpa resultantes da inevitável ambivalência •S.S
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WINNIC OT T E O WEIJ AT E (X IM A S AKIí.V S A FINS
inconsciente entre o ódio e o amor, do conflito que surge quando o desejo dc destruir se dirige exatamente à pessoa amada. Se a culpa não pode ser reparada ou sublimada, o indivíduo vê-se compelido a fazer algo (actírçg out) de modo a dar-lhe contorno concreto. A etiologia da delinqü ência consisti u, b asicamente, num co nflito intrapsíqu ico. Para W in nicott, de nov o. o dado da ex periência levava a direção de outra hipótese: a de que o fator ambientai era etiologicamente decisivo nessas questões. E essa já era, sem dúvida, uma tendência de seu pensamento. Isso fica claro, por exemplo, nos seus primeiros textos, da dccada dc 1930, em que estão descritos alguns casos pediátricos atendidos ainda na década dc 1920, c cm cuja elucidarão Winnicott começara já a usar a teoria psicanalítiea. Nesses artigos, embora aponte para os conflitos inconscientes que poderiam estar na srcem de certos distúrbios físicos, ele não abdica dc mostrar a importância do fator ambiental na etiologia do problema.4Em 1967, ao apresentar 11
aos seus colegas da Sociedade Britânica de Psicanálise uma retrospec tiva d e seu p ercurso inte lec tual. W innico tt refere- se à posição caracte rística da psicanálise tradicional de enfatizar os fatores internos c negligenciar os aspectos ambientais; diz que, durante dez ou quinze anos, os psicanalistas eram os únicos que aceitavam a existência de qualqu er coi sa que não foss e o ambiente c qu e, e nquanto todo mundo clamava que a delinqüência de um dado garoto devia-sc ao fato de o pai ser alcoólatra etc., os psicanalistas continuavam a atribuir os problemas à co nstituição e a pesqu isar os conflitos inter nos.5 Em
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Cf. 1 1 0 artig o "Notas sobre nor malida de e ans iedade " (1 V 31 p) o caso c ie V erônica, que co me çou a apresentar enure.se todas as noites depois que sua mãe se ause ntou por uni mês por ter sido inter nada , e o ca so de Grane is, qu e apresentava episódios de violência associados a uma depressão da mãe. 5 Cf. W innico tt, l ‘>89a . p. 4.VJ. W innicot t não estava inteira mente sozinho nessa p erspecti va. A lguns anos antes da guerra, um o utro psicanalista, J ohn Bowlby, trabalhando na Child Guidanee Clinic. pesquisara os antecedentes de crianças p erturbadas e, num escu do formal de 150 casos com problemas variados, ele havia estabelecido um vínculo direto entre roubo e privação, entendida esta, sobretudo, como a separação da mãe nos primeiros anos da infân cia. A mbos dirigir am uma ampla cam panha na I ng later ra no sentido d e alertar as autoridades da área de saúde para a gravidade dos problemas surgidos com a evacuação dc eríanças de Londres durante a Segunda (iucrra e para a necessidade de fornecer a elas condições de segurança emocional. 559
A TEOR IA DOA MAD irUEClME XTO DE 1 ). W, WLNXICOTT
várias ocasiões, Winnieott tentou conversar com M. Klein e com al guns kleinianos accrca do fator ambiental, o que cra recebido com total desinteresse quando não com suspeita. Blc dirá, um pouco mais tarde, que todos aqueles que se interessaram pelo cuidado com a criança correram o risco de serem considerados “traidores do pro cesso interno” (1965va. p. 116). Em 1945, quatro anos após ter deixado a supervisão com Klein, W innie ott es crev e o ar tig o ‘Des env olv im ent o e mocio nal pr im it iv o" e faz ali algumas afirmações que denotam ter ele resolvido seguir seu próprio caminho. Diz que, interessado desde sempre pelo paci ente infa ntil, h avia decidid o estudar a psi cose e que tem ag ora muit a coisa a acrescentar às teorias correntes e “pode ser que o presente texto venha a ser um ponto dc partida” (1945d, p. 219), ou seja, um início do desenvolvimento de sua própria teoria. Para expor sua contribuição, c preciso, no entanto, preparar o caminho, e ele o faz começando por “
2, O debate eom a pediatr ia Na década dc 1930. ao mesmo tempo em que sua formação psieanalíti ea prosseg ue, W innieott em penha- se em que os p ediatras abandonem certos procedimentos resultantes de uma formação mer ame nte or g anici sta e sc in teire m dos aspect os psicoló g icos na apreciação dos distúrbios infantis. Embora, em todo o curso de sua vida intelectual, a psicanálise tradicional tenha sido o principal inter loc utor de W innieo tt, ele jam ais dei x ou de diri gir- se ao s pedia tras — assim como aos obstetras, enfermeiras e berçaristas — no sessenciais entido dcnoalcuidado ertá - loscom para certas descobertas lhe pare ciam a infância c na implantaçãoque da saúde. Nessa cpoca, ele escreve, como pediatra para pediatras, vários artigos em que expõe as perturbações emocionais que podem estar na base de certos quadros clínicos comuns a infância e exorta os 60
WINN ICO T T K O I HvltAT K CO M A.S A K KA S AKJN.S
especialistas a estarem preparados para investigar as motivações psicológicas/' W innic o tt conhe cia os seus pos síveis le itores e ;is conc epções tradicionais dc doença e de saúde que vinham regendo as teorias e as práticas médicas desde o início da modernidade. Além de a pedia tria c a p s iqui atrdos ia infa ocu paremse, cada q ual, sem mai ores questionamentos, seusntil respectivos campos tradicionalmente separados, o corpo e a mente, havia também o fato tle ambas as áreas serem especializações recentes da medicina e da psiquiatria geral e estarem ainda em processo dc consolidar a sua especifici dad e. A lém disto, a medicina físic a havia s empre s e orie ntado para o estudo da entidade nosológica, não importando a idade em que esta sc dava . A pediat ria tor nou- se uma necess idade c con stitu iu- se co mo especialização cm meados do século XIX, quando ficou claro que existem estados mórbidos que são específicos a cada faixa etária e doenças tipicamente infantis. Mesmo quando as síndromes são co muns à infância c à adultcz, a idad e con fere- lhes u ma marca pec u liar, ta nto do ponto de vi sta d as circunstâncias e tioló g icas como no aspecto clínico. A pe diatr ia ateve- se, no e nta nto , aos aspe ctos físico e fis io lóg ic o do crescimento. O pediatra é um somatista cuja especialização se dá sobretudo cm termos da fisiologia. li muito difícil, diz Winnicott cm 195f>, achar um pediatra que não se restrinja ao aspecto físico. Sua formação o impele a estar atento, por exemplo, às deficiências mentais que às advêm da rubcolaortopédicas, contraída pela mãe no segundo san mês de gravidez, deformidades à incompatibilidade güínea entre mãe c bebe, aos danos causados às meninges ou ao cérebro por um parto demor ado etc. N a década d e 1950, m uita coisa j á hav ia se modif ica do na teor ia e na pr ática pe diátr ic as . Essas a lte rações. que incluem um incipiente interesse pelos aspectos psicoló gicos do desenvolvimento, devem-se, em parte, ao progresso da pesqu isa, ao s ane ame nto pú blico e à me lhora g eral da s condiçõ es dc vida, o que liberou os médicos da dedicação integral ao estudo c ao tratamento de doenças primárias. De fato, reconhece o autor, havia, até então, m uito trabalho e special izad o a ser realiz ado . E m meados do século XIX, relata cie, as coisas eram ainda piores, e a tarefa (> ('f. :is “Nulas sol ml i)onii:iliil:uÍL- u rmsiotliulc" (1931p) u “Agicação" (PXilg); -
uf- t.iniltójii W in aico it . IW íw i. capít ulos l.T, 14, 19, 20 , 21 u 22. 61
A T B O K IA 1)0 A MA Dr i< fi( : ti lK NT () D li IV W. W IX NICOT T
urge nte para toda a g eraçã o pion eira de p ediat ras , na Inglater ra, foi a de clas sificar adequadame nte as di fer entes doenças físic as pecu liares à infância c tentar erradicá-las: Naqueles dias não havia muito tempo ou espaço para
considera
ções nobre a saúda como tal, num para o estudo das dificuldades a que uma criança fisicamente saudável está sujeita pelo Jato cie crescer numa sociedade fo rm ada de seres humanos (1988, p. 27; grifos meus).
Nesta citação aparece um dos principais elementos da con cepção w innicott iana dc saú de e doenç a, tem a de sua d iscu ss ão com toda a á rea médica, do qu al deco rrem importantes posici onamentos teóricos: a idéia de que a saúde 6 um estado complexo, que tem suas próprias exigências c deve ser pensado em si mesmo. Tanto na pedia tria comodenadoença, psiquiatria, saúde é negativa, concebida, em ageral, como ausência e esta adefinição, parece Winnieott altamente insuficiente. A doença, por outro lado, é pensada como um mal a ser erradicado. No artigo “Notas sobre normalidade e an siedade”, Winnieott diz que, embora do ponto dc vista puramente físico qualquer desvio da saúde possa ser considerado anormal, “não é neces sar iamente verdad e que a diminuiç ão físic a da s aúde, devid a à pres são e à tensão emociona is, indique uma a nor malida de ” (19 3 lp, p. 57). Relatando o caso de um menino dc dois anos e meio que reagiu fortemente ao nascimento de um irmão, Winnieott afirma que, sc o bebê não tivesse nascido, a criança teria sido poupada, mas teria perdido uma experiência real numa idade apropriada. Uma tal ocorrência, diz cie, “justifica a afirmação de que, às vezes, pode ser mais normal para uma criança estar doente do que estar bem” ( ibíd ., p. 58). A cita ção de stacada ante r ior me nte , alé m de apo ntar para a necessidade dc sc considerar a saúde como um estado que tem seu próprio perfil, contém a afirmação que percorre todo o pensamento w innic ottia no e te m im pl ic açõe s ma io res do que pode pa recer à primeira vista, a saber, que, desde o início, a vida é difícil em si rnesrrui c a tarefa de viver, dc continuar vivo c amadurecer é uma batalha que sempre permanece. Por isso, é preciso estudar “as difi culdades a que a criança fisicamente saudável está sujeita pelo fato dc crescer numa sociedade formada dc seres humanos”. <>2
WINNICOT T E <) DliB A T K COM A h ÁRILVN A FINS
A lém dis so, embo r a a pe dia tr ia e a ps iquiatr ia infa ntil passem a levar em conta o as pecto p s icoló g ico d esses fenômenos c a especifi cidade deles segundo as etapas do desenvolvimento, tudo isso refe re-se à infância, a partir da criança que já fala, e não aos bebês. Em nenhuma das duas especialidades o bebê é visto como um ser hum an o capaz d e ter estados emocionais e de ser afetado pelo am bi ente. Ao nascer, ele é visto apenas como um W innic ott, organismo. ele mesmo, a despeito de ter observado os bebês adoecerem precocemente. admite ter levado muito tempo para ver neles um ser humano. Tornou-se capaz disso por meio de sua própria análise, afir ma ndo t er s ido e sse, n a verdade, o principa l res ultado de seus p rim ei ros cinco anos dc análise com Straehcy. Km 1957, o autor afirma ter constatado uma evolução, na atitude para com o bebê o a criança pequena, por par te dos es peciali s tas da sa úde. T alvez os pais, diz ele, há mais tempo do que os especialistas, tenham considerado o bebê como uma pessoa, vendo nele, às vezes, muito mais até do que ali estava — um homenzinho ou uma mulherzinha em potencial. Isto inicialme nte foi neg lige nciado e mesmo r ejeitado p ela ciênci a c, po r um longo tempo, as cri anç as foram con siderad as como seres muito pouco humanos, até que começassem a falar. Recentemente, entre ta nto. "descob riu- se que o s bebês são, de fato, h uma nos , embor a adequadamente infantis" (1957Í, p. 131). Para essa evolução, a contribuição da psicanálise foi decisiva. Por volta do final da Segunda Guerra, muitas pesquisas estavam sendo realizadas sobre o desenvolvimento emocional normal de bebês e de crianças de várias idades. Todo esse avanço, assinala W innic ott, deve- se a Freud, que demons tr ou, por meio da teoria c do tratamento dc distúrbios neuróticos, que o analista chega ate a criança existente no adulto. Winnicott afirma não ter jamais aban donado a pediatria por entender que. dela, faz parte intrínseca a psiquiatria infantil, dc orientação psicanalítiea (cf. 1988, p. 21). A f reqüe nt e as s im ilação que ele faz da ps iquiatr ia infantil com a psicanálise deve-se ao fato de a primeira ter encontrado seu maior impulso na segunda metade do século XX, em função tias pesquisas tle orientação psicanalítiea. Conv enc ido d c que a saú de p s íqu ica sc esta belece nos p rimórdios da infância e tle que, assim que nasce, o bebê é já um ser huma no, lançado co mo tod os nós na taref a de vi ver, W innico tt preoeupn-se em favorecer o trabalho daqueles que entram em contato
A T K OK IA 1K ) A M A DIK K U M K N T I ) DK I). W. WIXNKX ITT
com o lactente o que, cie algum modo, podem facilitar ou atrapalhar o processo dc amadurecimento. Por ocuparem um lugar privile giado na área medica, os pediatras são os únicos que, embora se especializem nessa ou naquela área, podem acompanhar os cami nhos do amadurecimento desde o início, quando as possibilidades do bebê são ainda me ra me nte pote nciais . N!o ex er cício de sua função, o pediatra está em condição dc detectar, se souber ver e estiver atento, não apenas uma neurose infantil incipiente, já insta lada, mas também uma tendência latente para a neurose, que pod erá vir a t ornar- se manifes ta em a lg um m om en to ti a vid a a dulta. E se isto é verdadeiro para a neurose, o é ainda mais para a psicose. A pr ev enção da doe nça que leva ao hos pital ps iqui átr ic o, diz W inn i co tt, "(•• ) está nas mãos do pedia tr a. E seg uro, por ém, af ir ma r que, eomumente, os pediatras não o sabem e que isto torna a vida deles um potioo mais fácil” (1958m, p. 418). Em geral, o pediatra falha em usar esse privilégio, porque não tem formação em psicologia, e acaba por dar orientações aos pais sem ter o necessário conhecimento acerca das dificuldades perti nentes ao desenvolv imento em ociona l.7Contudo, é muito difí cil qu e um pediatra, já posicionado em sua carreira c relativamente satis feito com seu instr umenta l or g anici sta, envered e pelo s caminhos de uma f or ma ção analítica. Um do s principais entraves para isso é que, quando se estuda psicologia, mesmo a de um bebê, esse estudo leva o especialista dc volta para si mesmo, como pessoa. Mas, diz Winni cott, não há atalhos e jamais haverá. Chegará o tempo cm que não será necessária nova expansão pediatria somática e os mais jovens pediatrasqualquer serão empurrados para da a psiquiatria infantil. “Eu espero por esse dia e o venho esperando ao longo de três décadas” (1988, p. 28). O perigo, contudo, [ ...] é que o lado d oloros o desse pro cesso seja evitado, num esforço para e neo ntra r atai lios; as teorias ser ão ref ormuladas, propondo que os distúrbios psiquiátricos não são produzidos por conflitos emocionais, mas pela hereditariedade, constituição, desequilíbrio hormo nal e ambientes br utais c in adequ ados. O fat o, porém, é que a vida c difícil em si mesma, e a psicologia refere-se aos problemas
7
W in n ic o t t a le r ta , in úm e r a s v ezes , pa r a o m o d o e o n ui (js m é d ic o s e e nf e r m e i ras atrapalham a m ãe sau dá vel — e nã o ajudam a mãe doente — a en te nder - se eom seu b ebê . U m ex emplo p ode se re neontr ado em W inni eol t, 1‘JfiSe.
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WIX NICOT T !• : O DKHAT K Cl ).\l AS ÃK KA S AK IXS
inerentes ao desenvolvimento individual e ao processo de sociali zação; mais ainda, na psicologia infantil temos de nos defrontar com a batalha em que nós próprios estivemos uma vez, ainda que. em geral, já a tenhamos esquecido, ou da qual jamais estivemos conscientes (ibid., p. 28). W innie ott não ape na s discorda das teoria s or g anicis tas (dese- quílíbrio h or mona l) e da psicolog ia acadêmi ca (ambientes brutais), mas repudia igualmente as teorias que concebem os distúrbios psíquicos em termos de constituição e hereditariedade. Neste últi mo caso, ele se dirige não só à psiquiatria mas, como veremos, também à psicanálise tradicional.
3. Os limite s da psicolog ia acadêm ica Na década de 1950, a nova geração de estudantes de medicina, na Inglaterra, reivindica conhecimentos de psicologia para fazer frente à tarefa para a qual estão cada vez mais alertados, ou seja, a estreita conexão do fator emocional com os distúrbios infantis. O que lhes é oferecido, no entanto, são conhecimentos dc psicologia acadêmica, c esta não tem respostas para o que se faz necessário, além de haver um perigo real de que aspectos superficiais da psicologia infantil sejam supervalorizados. Um deles refere-se a elementos destinados à com preensão de manifestações mentais que, embora psicológicas, perten cem de fato ao crescimento físico. Quando o psicólogo acadêmico es tuda, por exemplo, a idade cm que a criança consegue caminhar, ele não leva em conta o fato dc que uma criança pode ser levada a cami nhar mais cedo do que a média ou a atrasar-se nessa conquista cm função de fatores emocionais. O mesmo acontece com a pesquisa das aptidões, cm que, usando os testes de inteligência e a medição da capacidade intelectual baseada na qualidade do cérebro como órgão funcional, o psicólogo acadêmico isola todo e qualquer fator emo cional que possa interferir nos resultados “puros”. Ou seja, no exer cício dc suas funções, o jutiaólogo isola a psüflte paru estiuUcr a mente e o céicltro; mas, para Winnieott. lidar e conhecer o campo Intelectual náo é conhecer a “psique” da existência psicossomática.s N A <| iit‘st:i<) relativa à dis tinç ão entr e psique e mente se rá re toma da no ml<> 2. .Seção • ! ( lf. (;iiu!> êni W ii in iw H l. 1‘Jü ía e 1'ÍWi (pnr te 1).
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Mas o niíiior problema foi que. ao tentar explicitar o papel do ambiente na estruturação da personalidade da criança, a psicologia aca dêmica dis tor ceu todo o fenô meno, aten do- se à des cr içã o de situações brutais, de abandono efetivo e crueldade, configurando traumas que seriam então, por excelência, as causas dos distúrbios mentais, sem considerar a eontraparte, ou seja, a participação efe tiva e necessária do ambiente nu implantação da saúde. Ora, foi ex atamente c ontr a ess e tipo d e concepçã o re dutora e simpli sta , qu e toma o ser humano como produto do meio, que a psicanálise se insurgiu e, neste sentido, pondera o autor, não é de estranhar que os psicanalistas relutem em considerar o fator ambiental, visto que [...] aqueles que tentaram ignorar ou negar o significado das tensões intrapsíquieas ressaltaram principalmente o fator externo desfavor ável t om o causa da doença na psiqui atria infantil. Co ntudo, a psicanálise está agora bem estabelecida e podemos nos permitir examinar o fator externo tanto bom como mau (106.1a. p. 227),
lista citação 6 dc um tex to de 19 63, c fica claro que, ao re ferir- se à psicanálise em geral, Winnicott está. na verdade, falando dc sua própria contribuição, sabendo que cia está longe de ser aceita. Numa carta a um editor da New Socicty, cujo nome não foi revelado, ele escreve: Estremeço ante o perigo de que o meu trabalho seja tomado como uma tentativa de fazer a balança da argumentação pender para o lado ambiental, embora eu realmente seja de opinião que a psica nálise tem agora condições de dar importância plena aos fatores externos, tanto bons quanto maus e, especialmente, à parte de se mpenhad a pel a mãe no estág io bem inicial, quando o bebê ainda não separou o "eu ” do "não- eu" (10 87 b, p . 122).
X a obra w innieottia na , o conc eit o de ambiente, ou de fat or ex te r no, é ex tre mamente comp lex o, e. assim como sc const itui cm uma da s principais chaves para entender o seu pensamento, c também, sc mal- entendi do, uma d as maiores fontes d e equívocos. Q uando, ref erin do-se aos estágios iniciais, e levando em conta o que seria o ponto de vista do bebe, o autor fala de ambiente externo, este só c externo da pers pectiva do observ ador. \ 'o início da vida. « am biente é subjetivo e, neste se nti do, nã o c externo nem inter no Enquanto s ubjetivo, o am bi ente participa intrins ccam entc da cons tituiçã o do si - mesmo e nã o c, 66
W IN NICl >TT V. <) IHHUTK COM A S AHK. VS AFINS
meramente, uma influência extenui. É somente no decorrer do pro a criança poderá chegar ao sentido de cesso de amadurecimento que ex ternali dade. S ó então o ambiente será visto como ex terno e , mes mo assim, não inteiramente c nem sempre.
4. O debate com a ps iquiatr ia e com a psiquiat ria infantil A discus são de W innic ott com a ps iq uiatr ia g ir a em torno das concepçõ es de saú de c d oença, da dicot om ia c or po/ me nte e dc su as conse qüências para a teor ia c o tra balho clí nico, e ti a concepção d a et iolog ia do distúrbio ti a qual decorre a naturez a dos p roce dimentos e dos cuid ados dispens ados ao doente. A estes pontos acrescen ta- se um, relativo h psiquiatria infantil: a necessidade cie esta zelar pelo seu campo específico de pesquisa e não se deixar nortear pelos parâ metros da psiquiatria de adultos. A opo s ição me nte /co r po talv ez seja a mais antig a e po lêmic a das distinções a que o estudioso da saúde esta entregue e tem sido, igualmente, um tema dos mais renitentes para a filosofia. Basta lembrar, aqui, a serie infindável de discussões, tanto científicas como filosóficas, reacendidas no Ocidente pelo dualismo cartesiano e pela medicina fisiealista que tem, nele. o seu fundamento. Para a psiquiatria clássica, so bre tudo a p ré- psieanal ítiea, o s distú rbios psíquicos são interpretados como sintomas de processos patoló gicos do organismo, estando relacionados a uma disfunyão orgânica adquirida à transmissão hereditária. A psiquiatria, que se enten de como uma ciência da somatogênese do psíquico, vê o distúrbio psíquico como um “sintonia”. Essa psiquiatria c uma disciplina especializada da patologia clínica científica, disciplina fundada no cor po to mado como cam po e tiológic o.1' Mes mo quando a psiquiatria 0 11
pes arconcepção, de hav er etoque da permanece unia eorrcnce que af ir ativa ma ae fccundida heurís tica l> Adesta extremamente convicta dedcsuas hipóteses, seus próprios autores admitem que a derivação genética dos fenômenos psíquicos a partir das imites corporais resta cientificamente problemática. Kronfckl. por exemplo, afirma que se potlo constatar “que certas modi ficações psíq uicas dependem dc certas modifica ções físic as, mas não é possí vel ex plicá- las" (K ronícld, 1927. i n T ellon baeli, 1 7 0 . p. ,V)) (i7
A T K O RIA IX ) A MA I)l'K W:i.MK .V IX ) 1)K 1) W. W INN ICO T T
clássica adere a certas hipóteses psicogênieas, essa psieogênese continua a ser. na verdade, somatogênese, pois o c]ue c chamado de psíquico refere-se ao cérebro c ao tecido cerebral. Na psiquiatria médica, o conceito de mente, oposto ao de corpo, foi assimilado ao dc psique, sendo que, além disto, a entidade monte/psique foi lo calizada no cérebro. Quando um paciente, em função de problemas do amadurecimento, desenvolveu uma hipermentalização defensiva que o tortura c que aponta para um quadro esquizofrênico, o diag nóstico psiquiátrico supõe a existência de algo errado cm seu cérebro, uma vez q ue, no pensa mento méd ico- oientí fico. o cérebro foi igualado à mente. () tipo dc paciente mencionado sente a mente como uma inimiga, uma coisa que o persegue dentro do crânio. Com isto, [ ...) o cir urg ião que re aliza uma lobo tom ia p ré- fron tal p arece ria, í i primeira vista, estar atendendo à solicitação do seu paciente, ou seja. al ivia uilo- o dos problemas causados pela atividade menta l, tendo a me nte se tor nado inimig a do p siq ue- smu n (1 95 4a, p . 344 ).
Na concepção winnieottiana, a atividade mental, compulsiva ou não, nada tem a ver com o cérebro. Deste modo, não sc pode alegar, diz Winnicott, que o paciente é auxiliado pela lobotomia. cm razão do visível alívio de seus sofrimentos, uma vez que | ...] ess e al ivio nã o pode o correr t» vacuo; uma pessoa que sofre pode experimentar alívio, mas não me parece possível (a alguém que adote o meu ponto de vista) assumir a responsabilidade por transformar a pessoa que sofre em alguma outra coisa, num ser hum a no pare ia I que não sof re, ma s que ta mpo uco é a pessoa que foi trazida para tratamento (198S, p. 71).
Desde meados da década de 1940, Winnicott envolveu-se numa verdadeira campanha contra as terapias dc choque e, sobretudo, contra a prática da lobotomia, enviando cartas às autoridades da saúde, escrevendo artigos em revistas especializadas. Em 1967, envolvido ainda nessa luta. escreve que simplesmente desconside rará aq ueles es peci alistas qu e prete ndem f ornecer t ra tam ent o físi co para distúrbios psíquicos, uma vez que [ ... j não im por ta o qu e se saiba ou se desc ubra sobre a bioquímica ou a neuropatologia ou a farmacolog ia da esquizofrenia, o ce rto é que teremos ali os p acientes, pessoa s com o nó s, em cada caso com 6N
VVINNK
li O DK lU T li COM A S A K K A S .U IX S
uma história sobre o começo do transtorno e uma boa carga do eanseira e sofrimentos pessoais, o com um ambiento que é pura o simplesmente mau ou bom ou então gerador de coii I usíio num g rau que pode re sultar inclu siv e des conc er tante re te nr-. se u ele (196Ho. p. 2.14).
Outra objeção dc Winnieott à psiquiatria concerne ao fato de esta, assim como a área médica em geral, ver apenas a doença e não o indhíduo. Esta e uma longa tradição, e mesmo quando, sob a in fluência de Kraepelin, no final do século XIX e no início do XX, a psiquiatria clássica começa a admitir a heterogcncidadc da loucura c passa a distinguir e a dividir cm grupos as várias categorias de enfermidades mentais, ela o faz cm torno das enfermidades e não dos indiv íduos, em s uas relações e su a his tór ia .,u Não c , por ta nto, de es tranhar que a s aúde sej a um estado d esinteres sante para estudo e tenha uma definição meramente negativa. Deste modo, tudo o que interessa é a sintomatologia, e é em torno dela que se constroem as entidades nosográíieas. lí provável que, a partir de Kraepelin, a nova tarefa de observar, descrever e registrar os atos e os sintomas dos doentes para poder cquipará- los coin o r ótulo ou di ag nóstico f orne cido p ela classifi cação kraepeliana tenha despertado no especialista o desejo de saber o como e o porquê desses atos e sintomas, e que isto o tenha levado à exploração biográfica do paciente. O fato é que, num certo momento, esta acabou por tornar-se parte obrigatória da resenha psiquiátrica. Como uma biografia bem ordenada conduz ao início da vida do paciente, a psiquiatria do início do século XX começou, pela prim e ir a vez, a interessar- se pela inf ância, Tratava - se, n o enta nto, de um in teresse biog ráfico, retrospecti vo, sem o estabele cimento de urna relação direta entre os acontecimentos da infân cia e o indivíduo enfermo que ali se apresentava. A história do indi víduo não chegou a ser examinada do ângulo da natureza e do s ignificado dc su as ex periê nci as primit iva s. Que m rev olu cion a esse estado dc coisas e Freud. Exatamente por volta de 1890, ocasião em que a obra de Kraepelin é publicada em sua maior parte, a inci piente psicanálise freudiana começa a introduzir uma concepção 10 L. K aimcr. cr iador do ter mo ‘'autis mo ", diz que “a curiosidade psiquiá trica »iirii*ia-se às doenyjis meiiiai.s das pessoas mais do que às pessoas mental mente enfe rmas ” (K jiincr , p .101 <>')
A T K O K IA l>(» A MA lH ’RlX:i.\ IK.\ TO | »E I). W. W IN MO OT T
dinâmica em contraposição à psiquiatria estática ou nosográfiea da época anterior. Resgatando o sentido dos sintomas, a psicanálise abriu o campo para o estudo dos distúrbios psíquicos cia ind iv íduo s segundo sua história e, diferentemente do psiquiatra, catalogador de s intomas, o psicanalista torn ou- se um especiali sta na obte nção da hi stória dc vid a do paciente .’1 lista foi , para W innico tt, uma da s grandes contribuições da psicanálise à psiquiatria: a supressão da velha idéia das entidades nosológicas. As doenças mentais não podem ser con sideradas com o doen ças no mesmo s entid o em que o são a febre reumática ou o escorbuto; é falso rotular distúrbios psíquicos do modo que é característico à classificação na medicina física,’3 l ’ni outr o ponto diz r espeito não só ao debate, mas à luta dc W innic o tt para preservar a especif ic idade da ps iq uiatr ia in fantil . Esta só surgiu como um ramo de estudos especializados no início do século XX; até então, co m alg umas raras ex ceç ões, a psiquiatria via na criança — na que já falava — um adulto em miniatura e aplica va-lhe os mesmos critérios clínicos c psicopatológieos da psiquiatria
11 isto não se deve apenas íi 1' rcud, T ambém J asper s. um sua /'.síeojjfito /ogifi gerul. dizia que o tema fundamental da psiquiatria é u homem cuinu homem e que, "«> que acontece no homem produzido pela doença mental não se esgota uom as categorias da investigação científica. O homem. como criador dc ol>ra.s do espírito, como crente religioso, como scr cie ações morais, transcende o que se possa saber dele e conhecer dele em pesquisas empíricas . (...] O que há de mais próprio no co nhec iment o da psico patologia advem do trato com as pessoas. O que, então, se aprende depende do modo com que [o investigado r| se re laciona na respec tiva s ituação e da maneira com que colabora terapeuticamentc mi processo de encontro, esclarecendo, ao mesmo tempo, a si mesmo e ao outro” (Jaspers, 1979. pp. 20 c 35). 12 Muita cois a mudou desde ent ão na psiquiatr ia, c é provável que a psicanálise esteia colhendo os frutos de sua própria contribuição. A propósito da antiga questão de se sobrepor a doenya ao doente, llenri Aubin, psiquiatra do Hospital Solli cs- Poiit, es peciali sta da Or g aniz ação Mun dial da Saú de, afirma em seu livro, Leis ps.vc/lost.s dc ieníant, que "n oss o cuidado não será jam ais o de reves tir o paciente dc um rótulo, tle cl assific á- lo. de nos lança rmos num compratipo de estudo botânico, mas o de dar um primeiro passo para a
ensão de um caso c para ass umir a tarefu icrapètitica. Cr eio que é bem assim que se posiciona a jírande maioria dos médicos psiquiatras — a maioria silenciosa" (Aubin, 1975, p. 10). 70
WINNICOT T li O DEUAT li C OM AMA ltEA S AFINS
geral. Não havia lugar, por exemplo, para a concepção tle uma psicose infantil e muito menos para distúrbios dessa natureza em bebes. Nesse m om e nto, a psicose de adultos é definida pela d ege neresocueia dos processos mentais, e essa definição não podia apliear- sc às cér ia .1-1a psiqui atr ia do sécul o X IX — sob a influência O fato q nç ueas toda do desmembramento da noção de idiotismo de Pinei, na distinção idiotia- demência es tabelecida por Rs quirol e, ainda, pelo advento d a psieometria c sua prematura generalização para as insuficiências intelec tuais graves — vê a patolog ia me ntal da cr iança e, sobre tudo, aqueles distúrbios entendidos hoje como psicose infantil, sob a forma de dcfícicncia mental ou de distúrbios de caráter. Mesmo na segunda metade do século XIX, assinala Misès. toda referência à psico se infantil permanece inconteria cebídito v el o—famoso "lu foMoreau lie vhez du domaine tle 1’invoncevable", de1’cnfunt Tours est no seu tr ata do cl áss ico. L afoli e c hes les e nfimts (1SH8); a loucura na criança “não pode existir a não ser exccpcionalmentc. como fenô meno agudo transitório ou expressão de algum mal neurológico, co mo a epileps ia” ( Misès, 19 69 , p. 1 0 ).14 A in da no in íc io do s ceulo X X . quando S anc te de San et is (1 9 0 8 ) descreve os c asos mais p recoces a té ent ão enco ntra dos, ele cria uma entidade mórbida autônoma, a demência precoeí saU na, cuj as car ac terísticas são próximas da demência precoce adultos, configu rada por Kraepelin em 1899. Misès assinala que,decom relação a essa nova entidade nosográfica, freqüentemente se fez notar “como parecia artificial, na criança, um quadro clínico que, associando
1.1 Segundo alguns historiadores da psiquiatria da infância, o ponto mais longínquo um que se pode discernir, retroativamente, a primeira incursão no campo da psicose infantil foi o do chamado “selvagem d’Aveyron”. que parece ter sido "a primeira observação valiosa de uma criança psicótica” (Aubin, 1975, p. 13). Segundo Misès, essa observação e o ensaio de reedu cação do pequeno Vietor pelo l)r. Itard, médico de unia instituição de surdo s- mudos, impôs "a noção de distú rbios evolu tivos da pers onalid ade e suscitou, retroativ amente, a qu es tão da psic ose infantil c omo uma mani fes tação deficitária” (Misès, 1969, p. 10). 14 Cf. Misès. 1909, p. 11. Alguns historiadores da psiquiatria consideram um equívoco a freqüente atribuição dessa afirmação a Moreau de Tours. As pectos dessa polêmica, que fogem aos limites deste trabalho, podem ser eucoiil nulos em A uliin. 197 5, p. 12.
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A TK.OK1A 1 )0 A MA DCK K CIM K NT O l>li i> W. W IX X IO )J T
delírio, alucinações, eatatonia, seria um simples decalque da pato logia do adulto” (Misès, 1969, p. .11). Foi apenas muito lentamente que os distúrbios infantis pas saram a ter um lugar específico. Por volta de 1912. pesquisando crianças entre oito e trez e anos, Chas lin “ press enti u a sig nifi caçã o particular dc certas evoluções mórbidas nos retardados, nos epilép ticos, nas crianças turbulentas, das quais ele sc perguntava se não deve riam se r consid era das como hebefrê nicas” (Aubin, 19 75, p . 1 4). Mas foi com Blculer que surgiu uma noção de esquizofrenia sem a implicação, presente na de mência precoce dc K rae peli n, dc p erda da afetividade e de evolução fatal na direção da demência. Isto, diz A ub in . “abre as portas pa ra um a psicos e in f a ntil , cujo f utur o não c fatalme nte desesp erador ( iilem ). Co ntudo, mes mo te ndo a psiq uiatria infantil se ins tituí do como um campo específico de estudos, permaneceu a tendência a obser var e a compreender os distúrbios infantis, ou anteriores à puber dade, em conformidade com os parâmetros construídos para a psicopatologia dos adultos. No artigo "Psicose e cuidados mater nos” (1953a), Winnieott dá como exemplo desse fato o livro de M. Cre ak, Ptsychoses m Chihihaod , publicado cm 1951, Nele, o autor, sem se dar ao trabalho dc pesquisar as situações dc imaturidade infantil, descreve um quadro psicótico em que ocorre uma introversão organizada, com conseqüentes padrões bizarros de compor tamento e distúrbios físicos secundários; em seguida, aplica esse quadro a um tipo de criança que os especialistas da infância certa mente conhecem. Ora. argumenta Winnieott, desse modo seria possível aplicar, a inúmeras situações da infância, qualquer tipo de entidade nosológica adulta: estados melancólicos, psicoses maniaeo-depressivas, agitação hipomaníaca, estados confusionais etc. A pesar de todo o av anço da pesquisa ps ic analític a c da in f luê nc ia desta na psiquiatria geral, Winnieott constata, nesta, uma enorme resistência cm considerar, primeiro, a existência dc um distúrbio dc tipo esquizofrênico inteiramente psicológico, vale dizer, passível de prevenção c de cura; segundo, em ver a esquizofrenia como um distúrbio que sc estabelece na mais tenra infância, devendo o seu estudo, portanto, ser realizado no âmbito das categorias da psiquia tria infantil, psicana liti came ntc orientada p ela teori a do amadu re ci mento pessoal. Os psiquiatras continuavam, c continuam, avessos a um estudo que demonstre que a etiologia da enfermidade não é 72
WIX.VICOTT E O DliUATK COMAS ÃKftVi Al-INS totalmente dependente da herança, ainda que a hereditariedade e os fatores cons titu cionais possam fr eqü enteme nte ser imp ortante s. Ora, assinala Winnicott, mesmo no caso da paralisia geral progres siva, que é uma doença causada por urna perturbação orgânica do cérebro, c possível achar, na psicologia do paciente, “uma enfermi dade que pertence especificamente a esse paciente, à sua personali dad e e car áte r e cujos de talhes re lacio nam - se à his tória inic ial dele" (1989vk, p. 97). E essa convicção que leva Winnicott a afirmar que as doenças psú/uicas, às quais costuma scr atribuído um caráter hereditário ou constitucional, não são doenças no se ntido us ua l do termo. Esta hip ótes e e tioló g iea não c aceitá v el nem quando a co ns ti tuição é p ensada cm ter mos psicoló gicos , co mo c o caso d a ps icaná lise tradicional. A psicose não se define nem pela herança de algum
processo degenerat ivo fa m iliar nem ú fr uto de uma cons tituição des etjitilihrada das fo rça s pulsiontti s. A etiolog ia não é tão s imples; Para aqueles que estão mais interessados em doenças indivíduo do que o próprio distúrbio (cf. 1965n, p. 58). Quando o pxiqtii.it i a nào está atento a essa distinção, c algum distúrbio orgâ nico e detectado, todas as dificuldades do indivíduo são aí debitadas. 7,1
A T K OHIA 1)0 AMAIH. HICCI.MKNT O » K !). W. W INNICI I1T
tudo sc deve ao “quadro nosológieo” e nenhuma consideração c feita acerea do fator ambiental. Decorre daí — c esta é a pior das conseqüências — que a abordagem psicológica é abandonada em favor de uma abordagem bioquímica e neurológica. Ora. até com relação à tuberculose Winnieott diz que muita coisa se perdeu quando o trat am ento desta doença to rnou- se purame nte químico c se julg ou não ser mais necess ário o longo período d e cuidados espe ciais que eram humanamente dispensados ao paciente. Segundo o autor, contudo, a psiquiatria vinha, na cpoca, diferen ciando as duas classes de distúrbios, os quais, podendo apresentar sintomatologias semelhantes e confluentes, são, no entanto, radical ment e difere ntes na su a nat ure za.15 O que pode h aver , sim, é uma conjugação desses dois fatores, visto que uma mãe, capaz de scr sufi cientemente boa para um bebê fisicamente saudável, pode não su portar a tensão dc cuidar de um bebê com complicações cerebrais. Generalizando para toda a psicanálise o que. na verdade, é a perspectiva teórica de sua própria contribuição, Winnieott afirma que, de m odo g eral, a te ndência da psican álise é entender a esquizo frenia como uma reversão do processo de amadurecimento da primeira infância. Isto é, sc todo indivíduo é dotado de uma ten dência inata ao amadurecimento, a doença consiste no reverso dessa tendência, na sua paralisação, já à época cm que a depen dência absoluta era um fato. Ao invés de amadurecer, o bebê encrua. Sc essa p ers pectiva vier a sc r a mplame nte aceita, isso p oderia trazer [ _| a esquizofrenia para a esfera da luta humana universal e poderia afastá - la d a dime ns ão do p rocesso espec ífico de uma doença. O mundo médico precisa desse fragmento de sanidade, pois a s doenças que surge m da luta hum ana não deveriam ser ag ru padas junto com os distúrbios que são secundários a processos degenerativos (1965vb, p. 139).
15 Cf., por exemplo, a resenha de Winnieott (JLV63li) ao livro Chilcllwod Sciii• sofjhrenüi, dc Williani Goldíarb, cm Winnieott, 1996a, Capítulo 24. Nesses casos, pode scr necessário medicar o paciente para neutralizar os desequilí brios físieo- químicos iu ere iais do o rg anismo, mas a inda resta cuidar, pela psicoterapia, dos distúrbios que resultaram do fracasso ambiental cm favo recer os- processos de am adure cime nto, fracasso no qu al pode es tar im pli cada a dificuldade materna cm cuidar satisfatoriamente de uma criança com problemas físicos. 7-1
W INNICOT T l iU OKU ATI-; CO X I A S ÁltKA.S AI- IXS
W innic ott não de ix a lug ar a dúvidas: ele está inter ess ado em pessoas e não em coisas dotadas de propriedades e que carrvgam em si determinações intrínsecas; sua questão é o sofrimento o» o aprisionamento das pessoas pela sua incapacidade de viver, e não as entidades, mecanismos ou forças que operam dentro das pessoas, a despeito delas mesmas, c que podem ser estudadas ao modo dos entes naturais e quantifieáveis. É sempre possível esclarecer meca nismos de funcionamento da matéria viva, mas, ao fazê-lo, estare mos explicitando estruturas específicas dessa matéria, e isto não desvela de modo algum a essência da vida ela mesma.
5. A discuss ão de Winnico tt coi n a teoria psicanalítiea tradicional A pe sar de hav er sempre declarado que s ó sabia pe ns ar e escr ever a partir de sua própria experiência, e com sua própria linguagem, W innicott não sc abs te v e da discus são com seus conte mpo r âne os . A o contr ár io, espa lha dos em toda a sua obr a e em sua corres pon dência, enco ntram- se co me ntários e aprec iaçõ es sobre q uase tudo o que se escreveu em p s icaná lise, no seu tem po e antes del e. Dc J ung a Laean, de Anua Freud aos ldeinianos, entre os quais Meltzer, Esther B iek, Susan Isaa cs c J oa n Riviè re, dc Spitz a Er ick Er ickson, d e Il ari mann e outros autores da psicologia do ego, a Balint e Bovvlby, de V irg inia A x linc a Harold Se nr les, W innico tt de ba te u com qua se todos os autores que, a partir dc diferentes vertentes, buscavam ampliar o campo teórico da psicanálise. Seus principais interlocutores foram, contudo, Freud e Melanie Klein. Foi sobretudo à obra destes autores que Winnicott se referiu quando, ao formular suas idéias, tratou de distinguir a sua própria e srcinal contribuição. Por esta razão, é esse o debate que interessa aqui retomar. Mesmo porque, embora tenha havido desenvolvi mentos na teoria psicanalí tiea, e até no vas ver tent es (com o L acan), pode- se dizer que nen huma diver g ênci a ou alte ra ção sig nificativ a foi traçada com relação aos pressupostos teóricos básicos formulados por Freud que justificasse o que agora se justifica, a saber, a afir mação d e qu e a cont r ibuiçã o w inni eo ttiana se cons titui em um novo paradigma para a psicanálise. As modificações introduzidas por Klein (ou por Laean) não clicgnm a ser revolucionárias, no sentido 75
A TK.OU1A 1H) A MA I)I'I(IMll.M K X T O 1)K 0 W. V I X M U n T
específica de Thomas Kuhn, por não chegarem a alterar, como vimos na Introdução, o paradigma cdípieo que guia a pesquisa na teoria tradicional. Tal como outros analistas c comentadores dc Freud. também W innic o tt cons idera a ex is tência dc do is tipos diferent es dc tcorização na obra freudiana, e isto leva a que sua discussão com a psica nálise freudiana sc desenvolva em dois níveis interdependentes: o primeir o é relativo à meta psico log ia como su pra- estrutu ra teórica; o segundo diz respeito à psicologia dinâmica tle Freud, isto c, à teoria emp írieo- deseriti va qu e inte rpr eta os fenômenos clínicos indivi duais. Este segundo, mais pertinente ao tema que está sendo exami nado neste estudo, será detalhado à medida que for aparecendo. A bo rda rei aqui, s obr etudo, as diferenças e s tr utur ais , im po r ta nte s para caraterizar o quadro teórico em que este trabalho se insere. Para Wdas innico tt, a psicanál ise f da re udiana operou, sem dú v ida, uma superação hipóteses organicistas psiquiatria e das posições ambientalistas dos psicólogos acadêmicos, Foram os psicanalistas que chamaram a atenção para o conflito interno que está na base da psiconcurose e foi, sobretudo, sob a influência da psicanálise que a psiquiatr ia passou a consid erar , alem da s omatog ênese , a p sicogc nese dos fenômenos psíquicos. Afirmando sempre a sua filiação à psicanálise c o valor inestimável da contribuição dc Freud e de Melanie Klein para a compreensão dos distúrbios psíquicos, o que W innic ott ce r tame nte pr eza e m a ntém , da tr adição ps ic analítie a, c a concepção tle que as doenças psíquicas são fundamentalmente de srcem psicológica, e o fato dc a psicanálise, pela mão dc Freud, ter se constituído como um método de pesquisa e tratamento, orien tado pelo espírito científico, o que significa serem as teorias e as práticas permanentemente sujeitas a revisões. Por esta razão, e ex atamente no s entid o de faz er prog redir o conhec iment o psic analítico. W innicott não vê nenhum con tra- sens o em per manecer psica nalista ao mesmo tempo em que, apoiado na sua experiência para lela com bebês e com psicóticos, propõe um questionamento radical da sup ra- estr utura met apsie ológica fre udiana. Impos to p elos n ovos fenômenos clínicos, esse questionamento visa pôr em pauta diferen ças teóricas na concepção de doença e saúde psíquicas, fundadas, por sua vez, nas diferenças conceituais sobre psiquismo e natureza humana. 7í»
W IX M C O IT K O DIÍRAT I'. ('.(IM A h AK KA fc A FIX S
Um primeiro ponto, mais gorai, refere-se ao fato dc a psicanálise freudiana ter sido construída nos moldes de uma ciência natural e Freu d não ter jam ais abando nado a idéia d e as se ntar a s su as desco bertas na biologia, tendo mantido com esta ciência, em muitos aspectos da teoria, um vínculo estreito. Como bem observam Laplanche p. para 12ó). osão as funções biológicas que forneceme oPontalis modelo(1967, básico funcionamento do psiquismo primitivo, e isto se mostra, por exemplo, no modo como foi formu lada a progressão das zonas erógenas que marcam as fases da sexua lidade. A difíc il e complex a ar tic ulação e ntr e o cor po e o ps iq uis mo foi resolvida por Freud por meio do conceito de pulsões, entendidas como representantes psíquicos dc forças físicas, sendo o dualismo das forças pulsionais o qu e põe e m mar cha o ps iquis mo .1,1 Pel a própria definição dc pulsão, pode-se afirmar que a psicanálise freu diana permanece atada ao modelo físico do psiquismo, cujo concei to central é o de força. Embora os intérpretes de Freud divirjam quanto ao princípio que rege primordialmente a elaboração da metapsicologia freudiana, o fato é que toda a discussão permanece no âmbito das forças ou dos investimentos libidinais. Para Fulgencio, é o pont o de vis ta dinâmic o qu e prevalece como pr incípi o me to dológico central na elabor ação da meta psic olog ia;17 para S imank c, o ponto de vista econômico é o primordial, tendo o caráter de prin cíp io neces sário, embor a não s uficiente, para a ex plicaçã o fre udi ana do psiquismo; sobretudo em momentos dc impasse da teoria, diz S ima nk c, quando sc faz n eces sário refor mulá- la, Freud sc vale do critério quantitativo.JS Também Laplanche c Pontalis afirmam que
16 Pura um exame detalhado do conceito dc pulsão ( Trieb) na filosofia e na psicanálise, ef, Loparie, 1999a. 17 A análise de Fulgencio mostra as referencias textuais de Freud na defesa desse princípio, explicitando que essa perspectiva advem de suaformação corno homem de ciência, referida tanto a uma linha dc pesquisa, própria a alguns cientistas alemães, tais como Ilelmholtz. Brueke e Maeh. como à
forte influência kantiana que acentua a importância dessa perspectiva dinâ mica (eí. Pulgencio, 2001). IS S imankc a pon ta a seç ão IV d e “O inconsciente ” (Freu d, 1 915c, A li, vol . 14. p. 17ti) como uma das passagens da obra freudiana em que se explicita com mais clareza a prevalência do princípio econômico sobre o tópico c o dinâ mico (ef. Simankc. 1994, p. 171).
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iinti seria possível, para o pai da psicanálise, a descrição completa de mn processo psíquico sem a apreciação da economia dos investinuy ito s .19 W innicott mostra- se pe r feitament e eie nt e dos funda me nt os te ó ricos em que as idéias gerais da psicanálise freudiana se desen volvem: Freud aí lida eom a natureza humana em termos de ccimomút, simplificando deliberadamente o problema, com o propósito dc estabelecer uma formulação teórica, líxiste um determinismo implícito cm todo esse trabalho, a premissa de que a natureza humana pode ser examinada objetivamente e que podem ser a ela aplieadas as leis conhecidas em física (1958o, p. 20),’°
A lóm disto, tr ibutár io da tr adi ção filosófica ale mã do s éc ulo X IX e do desenvolvimento da neurofisiologia, Freud foi levado a cons truir um modelo de funcionamento mental nos moldes de uma máquina. Reconhecendo aí os limites dessa chave de compreensão da natureza humana, Masutl Khan afirma que | é prec iso admi ti r o ra to d e q ue o cl ima d a p esq uisa n eurol ó gica no final do século XIX induzia Freud a conceituar a psique humana e seu funcionamento nos moldes tia máquina; daí as suas t eor ias do apare lho p síquico, das catexias e ner g éticas e das es truturas intr aps íquicas por meio d as qu ais el e figur ou, di agra maticanieme, o ego, o id e o superego: e mais. o esquema topo g ráfico do conscie nte, do p ré- eonsei eme e do in consciente (Khan. 1078, p. .10).
Loparie a ponta para a perte nça da s noçõ es basilares da psicaná lise fr eud iana — mente e aparelh o psíqu ico — ao “ projeto de mecanização da imag em do mundo e d o ser h umano, que se iniciou eom a A ntig ui
19 Cf. L aplanehe e Pontal is. 19 67, p. 125. 20 Esta apreciação está inteiramente de aeordo eom lleidegger, que, tendo lido Freud por insistência de Modard Boss, viu que a psicanálise freudiana era a “transfe rência d a filosofi a neo kantiana para o ser human o". S ejíundoo filósofo, a teoria fr eudiana a poia- se, de um la do, nas ciências natur ais e. dc outro, na teoria kantiana da objetividade; baseia-se no postulado da “explicabilidade eorrente do ariímieo", sendo que este “não é tirado das próprias manifestações anímíeas. mas c um postulado da ciência natural moderna” (Hcidejjfícr. 1^87. p. 260). 78
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WINNICOT T K l) DKHA T K COM A.N A K LV S AKIN.s
dade grega e que foi explicitado em Nietzschc, como vontade de poder” (Loparie, 1997c, p. 99). Assinala, ainda, que “cm Freud, a men te serve-se de um instrumento [ Imtrument | ou aparelho \ Apfxmu\ para executar suas atuações ou performances [l^istungen]. A ment e dispõe ainda da energia chamada libido, que faz andar o aparelho”
(HxUl.,p. 9fl).
Em decorrência dessa posição teórica, as doenças, ta! como descritas em termos da metapsicologia freudiana, são distúrbios do funcionamento das forças num “aparelho” que. por psíquico que seja, pertence ao mesmo âmbito que os objetos das ciências físicas: é movido a forças e a mecanismos. Também a saúde só pode scr descrita cm termos metapsicológicos. Em “Análise terminávcl e interminável”, Freud diz que “a saúde, justamente, não se deixa descrever a não ser de maneira metapsicológica, em referência às relações de forças entre as instâncias do aparelho da alma que nós reconhecemos ou, sc preferirem, supomos, deduzimos” (Freud, 1937c. p. 228, nota 11). Partindo dc uma outra concepção, em que estão ausentes cate gorias abstratas, c que inclui a recusa de objctificar a vida, Winni cott não accita que o fundamento da natureza humana possa repou sar sobre o princípio determinista causai dc intensidades de forças pulsionais ou qualquer outr a entidade quantifieáv el Não são as forças pu lsiona is em co nflito que põ em a vid a em mov imento; o bebê vive p elo f ato de ‘estar vivo" e de ha ver a lg uém que re spon de s atisfa toriamente a este fato; ele amadurece por ser dotado de uma ten dência inata ao amadurecimento e pelo fato de haver alguém faci litando a realização desta tendência. Um psiquismo, cm que coabitem f antasias, mecanismos mentais , conteú dos re primi dos etc. , nã o é dado, mas adquirido; ele próprio é uma conquista do processo dc amadurecimento. “O psicanalista, mais do que qualquer outro tipo de observ ado r ate nto, enc ontra- se numa pos içã o qu e lhe pe rm ite afirmar, a partir de sua experiência clínica, que a vida psicológica de um indivíduo temAlém iníciodeexatamente no momento que ele nasce” (1987c,não p. 46). essa posição, avessa ao em conceito dc torças pulsionais, ser plenamente deduzível de seu pensamento como um todo, ela é claramente explicitada numa carta a Koger Money- Kirl e, em que W innico tt com enta ser uma pen a que M. K lei n tenha feito um es forço tã o g rande para conciliar sua opiniã o com as pulsões de vida c as dc mo r te , “que são talvez o únieq er ro tl e FYcu d" 79
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(1987b, p. 37). Igualmente, num outro artigo. “Eníoque pessoal da co ntr ibuição Ulc iniana” , após onu morar as "contr ibuições posi tivas" do Klein, ele alude às “contribuições duvidosas”, uma das quais é a “manutenção do uso da teoria do instinto dc vida c do instinto de morte” (1965va, p. 162). Com respeito ao quadro metafísico ern que Freud se move, pode-se distinguir dois aspectos da crítica dc Winnieott à psicaná lise freudiana. De um lado, o modo de teorização. Loparic, que tem cuidado exaustivamente do tema, mostra que as considerações de tipo mctapsicológico [...] vedam o acosso ou mesmo desfiguram momentos essen ciais do processo de amadurecimento da natureza humana. (...) Trata-se de opor o que se manifesta ao que meramente sc pensa, observações a construções, fenômenos a fieções, em resumo, a descrição à especulação inetapsieológica (Loparic, 1995b, p. 44).
O fato é qu e o proc esso qu e deriva d a te ndência ina ta ao am adu recimento não tem nada a ver com a biologia ou qualquer outro s ubs trato físic o: tem a ver com a natur eza hum ana e a capacid ade dc exis tir.- 1 Isto não s ignifi ca que o autor tenha descon siderad o o aspecto biológico. Ao contrário, ele o leva em conta como tal. sem tentar humanizá - lo, e é por isso que usa a p alavra “ins tintos ” 6 (iristiiict) c não o termo “pulsão”. Vias levar em conta algo que
21 Um exemplo desta posição pode ser encontrada no artigo “Preocupação mater na primária " (] 9S 8n), no qual, d e iní cio, Winni eot t resg ata alg umas das menções feitas à natureza da relação entre mãe e bebê na obra de outros psicanalistas . A lém de me ncionar os estudos de An na Freud . ele fala das expressões “equilíbrio homeostático’’ e ‘‘relacionamento simbiótieo”, de Margarec Mtihler (1952 e 1954), sobre as quais comenta: “Acredito que esses vários conceitos e noções deveriam ser reunidos num conjunto e que o estudo da mãe deveria ser trazido para fora do campo puramente biológico. O termo simbiose não nos leva além da comparação do relacionamento da mãe e tio bebê com outros exemplos da vida animal e vegetal — a interde pendência física . As palavras equilíbrio homeos tático t ambém ev itam certos aspectos mais sutis que surgem ao nosso olhar, quando observamos esse relacionamento com ;i atenção que lhe c devida" (1958n, p. 400), Ou seja. tanto o termo "simbiose" como a expressão “equilíbrio homeostático" não privilegiam a especificidade do relacionamento humano, podendo ser usa dos para bebês humanos ou felinos. SO
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condição, isto é, som o qual nenhuma relação humana podo scr realizada, não significa tomar a condição como causa ou funda mento. Para ele. d o ponto dc vi sta da inst intualidade, o scr hu ma no não é radicalmente diferente do animal; o que o diferencia 6 que todas as funções corpóreas. incluindo os instintos, passam pela via estritamente humana da oelaboração imaginativa.” Também o cérenão bro é a condição para funcionamento da psique, mas disto decorre que o psiquismo possa scr pensado a partir das categorias que regem o estudo do cérebro. l ’m outr o ponto de objeção de W innic ot t a Freud f oi este ter pensado qu e a sua teoria sobre a nature za e a dinâmica das neuroses pudesse ser a chave de compreensão para todos os distúrbios psí quicos. Mais ainda: que o estudo da neurose pudesse levar a uma compre ens ão prof unda sobre a nature za hu ma na Mesmo quando Freud , ao te nta r re sponder aos i mpass es te óricos colocados pela su a teoria do narcisismo, passa a se interessar pelas psicoses, as ques tões que ele formula derivam do mesmo campo configurado para a inteligibilidade das neuroses. Ora, para Winnicott, a afirmação de que mesmo uma criança saudável poderia ser inteiramente com preendida com base no estudo das neuroses e de suas srcens é ab surda (1988. p. 55). () argumento de Winnicott está tundado na convicção de que as bases da saúde psíquica se estabelecem no iní cio da vida, momento em que estão sendo constituídos os alicerces da personalidade. Por isso, para uma criança chegar a ter um dis túrbio dernais tipoprimitivos ne urótico, há qu econquistas se supor qu e elaque atravsãoess ou bem os estágios e realizou básicas con dição d e pos sibilid ade par a qu e possa, te ndo cheg ado a i ntegra r- se num a unidade e a s eparar o eu do n ão- eu. tornar- se, en tão, c apaz d e scr afetada pelo tipo de conflito que é inerente às relações triangu lares.21 Para o psicótico, a problemática interpessoal, contida no distúrbio neurótico, simplesmente não faz sentido e ele nem chega a
22 Um ex ame detalhad o da concepção w innicottiana da instin tual idri de huma na e da elabor ar ão imaginat iva das f unções corpó reas eneo ntra- se em Lopa rie. 2000b. 23 Para Winnicott, o termo "profundo", referido à fantasia inconsciente ou conteúdos reprimidos, não é sinônimo de “primitivo”, porque “um lacLcntc nece ssita tl e um certo jira n dc ama dure cime nto para torn ar- se £radntívamciK c capaz tle ser pro f undo ” ( 1^5f>i, p. 1(13). 81
A T ivOJ UA I )() ,\ MALH.'HKi;lMKNT<) UK l i ft' WINNICOT T
ser emocionalmente atingido por elíi.j4 Na ótica vvinnicottiíina, íi neurose, nesse sentido bem especifico, significa saúde, e c oste o sentido da afirmação dc que, se o desenvolvimento primitivo é perturbado, a criança não tem “saúde suficiente” para chegar a uma neurose (1988, p. 56). Todas essas questões relativas à constituição díts bases da persona lidade não podiam sequer ter sido formuladas no horizonte teórico da psicaná lise clássica. T endo fundado seu ca mpo de reflex ão na dinâmic a interna do psiquismo e tlíindo por suposto o sentimento de real e a capacidade para o estabelecimento de relações com a realidade ex terna, restava apenas analisar a qualidade pulsional das relações e não a sua existência c realidade, assim como a existência c a realidade do bebê e do mundo externo.35 Deste modo, quando o psicanalista tor na-se um especialista na obtenção tia história, ainda resta perguntar de tfite história ae trata e que alcance ela tem para a compreensão de fe nômenos, por ex emplo, ti o t ipo d as psico ses. A his tória, par a a psica nálise tradicional, é a do desenvolvimento das funções sexuais, tendo com o enre do bá sico o complex o de itdipo. Para Winnico tt, c ontudo, há
uttut pré- história na ifiutl o petpteno indivíduo, iju e já é um ser humano passível de ser tífetado pelo ambiente, ainda nüo chegou a s i; o bebe está apenas iniciando o processo de amadurecimento que leva à inte gração num cu unitário e, se o processo falhar, pode ocorrer dc esse beb ê jam ais chegar a ter um eu com uma história para co ntar. - 1’ Chegar a ter uma história depende de processos que não são do domínio da sexualidade e que a antecedem em muito, tais como, por
24 Com r elação, por ex emplo , no ciúme dos i rmãos que é atoíiliza do na situa ção analítica com o ódio por outros pacientes, Winnicott diz ijue aquelas pessoas que padecem dc uma problemática psicótica c regridem à depen dência "ou não têm objeção à presença de outros pacientes
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W IX N - ir ií T T B O U lil t A T E <: i >.M A h .U t K A S A f lX . s
exemplo, a constituição de uma memória pessoal relacionada a um processo de temporalização do bebe. A integração paulatina do bebê num tempo e num esp aço não tem co mo ser entend ida cm termo s de pulsóes . T empo e esp aço não sã o obj etos: tampo uco são metas ou forças. No entanto, sem tempo e espaço não há como encontrar objetos e. muito menos, como desejá-los. Disso deriva um outro aspecto, ainda mais específico, da dife íi teoria tradicional: pelo rença entre o pensamento de Winnieott e fato de est a última pen sar a saú de e a doença em termos das cate g o rias construídas para compreender as neuroses. íi doença só pode ser concebida na linha dos conflitos pulsionais, relacionados ao complexo edípieo, e, em decorrência, a saúde consiste no estado das defesas do ego. E a rigidez das defesas, que se erige contra as angús tias decorrentes do conflito pulsional, que constitui indício de doença. O indivíduo saudável é o que está relativamente livre de uma repressão maciça e da inibição dos impulsos instintuais. A pe sar de, para o autor, esses critério s pe rmanecer em válidos para os casos dc neurose, em que não haja dúvida quanto à inte gração da personalidade — o que não c fácil de ser rapidamente diag nos ticado — , eles não serve m para a compre ens ão dos ca sos cm que a per sonalidad e não cheg ou a constitu ir- se de for ma integ rada. Mesmo porque, após a formulação dc Winnieott sobre a formação defensiva do tipo falso si- mesni o —•na qual, por trás da s int om a to logia neurótica, existe uma psicose subjacente — é preciso fioar atento aos básicos personalidade, e estes nãodesão de cttrátcr ins aspectos tintiutl. Por todasdaestas razões, e dado o conhecimento que já se dispõe, não c mais aceitável continuar a avaliar a saúde em termos do que tradicionalmente sc chamam as posições do id, ou seja, da instint ualidad c. Üs pesqu isadores e an alistas precisam estar preparados para examinar o processo de estruturação da personali dad e desd e o in ício, E mbor a, ce rta me nte, seja mais fáci l descrever o amadurecimento segundo as linhas do funcionamento instintual do que cm termos do ego e de sua complexa evolução, não há mais como evitar a segunda alternativa (1971f, p. 21). Um aspecto dessa questão, relativa à estruturação do ego, pode ilustrar o modo como Winnieott faz prevalecerem as conquistas egóieas sobre as funções sexuais, e de que modo o desenvolvimento do ego c visto co mo co ndiçã o de possibilid ade para a vid a inst intual. Segundo o autor, a hipótese inicial da teoria psieanalítíea freudiana 8 .1
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relac ionava- se com o id , que es tá atuante desde o iní cio, e eom os mecanismos de defesa do ego, em especial a repressão. Os meca nismos eg óieos org anizam- se para evitar a ansiedade derivada d a perda d o objeto ou d as ten sões instíntu ais, sentid as já com o per ten centes ao eu. I sto, neces sa riame nte press upõe uma se paração do si- mesmo e uma e s tr utura ção d o ego, e, ta lvez, um e s quema eo rporal pessoal, o que significa que a criança alcançou um grau sofisti cado de amadurecimento, tendo já adquirido uma certa indepen dência e uma organização defensiva pessoal. Oca, do ponto dc vista da teoria w inni cottiana do amadurec imento, isto não pode muis ser presumido, e um aspecto central da discussão, que advém da obser vação das psicoses, consiste exatamente neste ponto: não é a tensão ins tintua l e a cons eqü ente f ormação d e de fesa s qu e força a es tr utu ração do ego, mas, exatamente ao contrário, 6 essa estruturação, facilitada pelas boas condições ambientais, que gera a ansiedade da tensão instintiva ou da perda do objeto, lí apenas à medida que os fenômenos instiutuais podem ser viveneiados, catalogados e inter pretados pelo funcionamento do ego que a ansiedade instintual pude fazer algum sentido. Não há id antes do ego. diz Winnicott, e é some nte a par tir desta p remiss a qu e um es tud o ex austivo do eg o se jus tif ica . X o m o m e nto e m que está se da nd o a cons tituição do si- mesm o. a an siedade não e ansiedade d e cas tra ção ou de sepa ração, mas, sim, angústia quanto à possibilidade de aniquilamento do si- mesmo incipi ente. Com relação a este ponto, W innic ot t cons i dera que M. Klein acrescentou muito à teoria freudiana. Pondo em pauta a infância mais pr imitiva, cia esclareceu a i nter- relaçã o entre as angústias primitivas e os mecanismos de defesa. Contudo, a premissa ldeiniana d e que as relaçõ es com objetos ex ternos já es tão estabelecidas assim que o bebê nasce é inteiramente inaceitável para Winnicott, por abortar, na raiz. qualquer possibilidade dc discussão sobre a srcem das psicoses.27 Uma das decor rências d essa posiçã o da teoria tr adicional é qu e, também nela, a saúde é pensada pelo negativo. Este ponto da objeçã o w innicottiana c ons titui um ponto ceg o na teoria p siea nalítiea, e foi clar ame nte f or mulado p elo au tor, na seg uinte afirm açã o: 27 M. K lein inicia o seu famoso n rcigo " X otas sobr e me canismos es quizóides" eom a se g uinte frase: "Ex pus v árias veze s <> meu poilto tle vista tle qu e as re lações tle obje to ex ist em tlestle o txiineçt) tia v ida" (K lein. p. 25 4)
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Partindo, como fazemos. das doenças psiconeurótieas. u ujin defe sas de ego relacionadas à angústia que surge da vida instintual. tendemos a pensar na saúde em termos do estado de defesas do ego. Dizemos que hst saúde quando essas defesas não são rígidas etc. Rara mente, porém, chegamos a» ponto e m que podei nus começar a descrever o que sc parece à vida. Isto eqüivale a dizer que ainda temos dc enf re ntar u ques tão d e saber sobre o que ve rsa a vida (1967b, p. 137).
A eone epy ão de s aúde como aus ênc ia de do enç a e, no caso, como ausência dc sintoma neurótico, desconsidera que o estado saudável deve ter uma qualidade própria, que não pode scr descrita apenas negativamente, e que h á uma “saúde’’ que é sintomática, construída defensivamente, estando carregada dc medo tias várias loucuras que atravessam a vida de qualquer pessoa. For isso, é de suma importância reconhecer abertamente, diz Winnieott, “que a uxusência de doe nça ps icone iirótica pode s er s aúde, mas nüo é v ida " (1967b, p. 137; grifo meu). O lugar desde o qual os psicanalistas pesquisam a experiência humana e, portanto, um lugar parcial, que elude questões primordiais da existência; este c o sentido da afir mação do autor, de que (...j os psicanalistas que enfatizaram corretamente a signifi cação da experiência instintual c das reações à frustração fa lh ara ni em enunciar oom a mesma clare za, ou convicçã o, a inte n sidade d essas ex periê nci as não- cuimi nantes que são chamadas de brincar. (19671>, p. 137).
A s aúde in clui a capa cidade de br incar, que é o pr otótipo do viver criativo; diz respeito á possibilidade de habitar o espaço potencial e entregar-se aí a uma experiência que está sustentada pela ilusão básica; refere-se igualmente à liberdade dc transitar pelos vários mundos que são criados no decorrer do amadurecimento, o que abarca a capacidade dc estabelecer relações com o mundo objetiva mente percebido sem muito sacrifício da espontaneidade pessoal. A o pe ns ar a s aúde c m ter mos de defesas de eg o, a teoria tr adicio nal desconsidera o fato de que há indivíduos que não chegam a esta belecer d efesas cg óicas porque não cheg ou a ser co ns tituído um eg o capaz d c defe nder- se. O problema , neste caso, reside nã o num a or g a nização rígida de defesas, mas numa falha ntt f ar mação das defesas de tipo eg óúo. As psi coses dize m res peit o “ não tan to às defesas orgaN5
JÉ.
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nizadas do indivíduo como à talha em alcançar a lorça do ego, ou integração da personalidade, que possibilita às defesas se forma rem” (19f)3e, p. 198). Ilá defesas, sim, nas psicoses — e, na verdade, as psicoses sã o, el as mesmas , org anizações defen sivas — . mas elas não sã o do tipo da repressão; nesta, o indiv ídu o, j á cons tituí do como identidade unitária e tendo rumaelati realidade interna estabele cida, pad ece dos conflitos vos à psíquica inst intualidade — já dotada de s ent ido pessoal e re lativa às re laçõ es inter pess oais — - e às r es triçõ es impostas pela censura. Nas psicoses, as defesas são de tal natureza que paralisam a tendência inata ao amadurecimento, impedindo u co ns tituição do si - mesm o. Por todas estas razõ es e, em part icular, porque a neurose deixou de ser. cm Winnicott. o paradigma das doenças psíquicas, a teoria do desenvolvimento das funções sexuais, que fundamenta a teoria das neuroses, deixou de ser a teoria por excelência da constituição do indivíduo.2* O debate dc Winnicott eom M, Klein repete os mesmos pontos acima mencionados, já que, ap esar de el a ter introduzido modifica ções importantes a teoria freudiana, relacionadas aos períodos mais primitivos da vida, não me parece haver, no campo dos funda mentos teóricos, nenhuma diferença significativa com rehição a Freud, Tendo se detido no exame das angústias primitivas, pre-edípieas, Klein nã o a lterou — ao contr ário, re ssaltou — o suposto caráter edípieo das mesmas, fazendo recuar o complexo de Edipo e resol ve ndo os imp asses teó ricos por meio d e cons truções abstr atas corn o as equações simbólicas. Entre as objeções dc Winnicott a M. Klein destaca m- se du as. de car áter geral. A prime ira vai contr a o recurso Uleiniano ao fator constitucional, eom as intensidades pulsionais determinando aspectos fundamentais d
omente desenvolvimento individual do bebêao humano em termos exclusiva intrapsíquieos, sem referência ambiente. Essas diferenças
2« Cf. Luparie. 1997a.
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nos pressupostos determinaram caminhos teóricos c clínicos radi calme nte di versos: enquanto W innicot t preo cupava- se com a descri ção das necessidades pessoais do lactcntc c dos vários tipos dc fra casso ambiental na resposta a essas necessidades, Mclanie Klein continuava a descrever os mecanismos mentais primitivos do bebê e a configurar os conflitos internos e fantasmáticos do psiquismo, num total desprezo pela realidade externa.^ Co m re lação à teor ia da p osição depressiva, W innico tt a conside rava como a mais valiosa contribuição de Klein para a psicanálise A preciava s obr etudo o fato de essa conquista ter sido concebida como uma aquisição do desenvolvimento normal, sendo sinal de saú de. Por este motivo, fez ressa lvas à de nom inaç ão “pos ição depres siva ”, que induz a se pensar em distúrbio quando sc trata de um g anho da m atur idade e da saú de. A o in corp orá - la à su a te oria do am adur ec ime nto, d enomi nand o- a dc conquista da capacidad e para a culpa e a responsabilidade es tág io do conccr nimento, Wi nnieott ass inala qu e a sua descr ição dessa conquista, f or mulada cm sua própria linguagem, c o resultado de seu próprio trabalho, estando ciente dc que Klein, certamente, discordaria de vários detalhes. A r ede s erição era necessária, c ontudo, tendo e m v is ta que a for mu lação klciniana da posição depressiva baseia-se numa concepção de agressividade incompatível com a dc Winnicott. Quando, em 1945, Klein formula a posição esquizoparanóide e, sobretudo, eom íi postulação da inveja inata, ficou claro, para o autor, que o quadro 11 0
te órico no qu al K lein se movia era - lhe inaceit áv el: o fator co ns titucio nal está presente eom plena força, dando explicações fáceis a mani festações que exigiriam um estudo minucioso dos infinitos e sutis m i gen eris do bebê com o ambiente detalhes contidos nas relações nos es tág ios inici ais. Com isso, a discussão de inúmeros problemas de alta comple xidade fica descartada, como, por exemplo, quando, a propósito das raízes da agressividade. Klein apela para um montante inato da pulsão de morte. Winnicott não pode aceitar nenhuma das teses, É a ela, sem dúvida, e aos klcinianos que ele sc refere quando fala dos pesquisadores que não conseguem conceber uni processo dc amadurecimento em que o bebê, já no início, é um ser
2'tCf. Winnicott,
eiipítuhi 53, parte
2.
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capaz dc experiências c que a qualidade dessas experiências depend e do cneo ntro c om o am biente fa cili tador. Para o s p es qu i sadores qnc não levam cm conta o ambiente, o fenômeno de bebês muito difíceis c assustados, assim que nasccni, só pode ser explicado pelo fator constitucional; no caso. paranóide (1988. p. 172). l)a perspectiva winnicottiana, a argumentação ao longo desta linha d e ra cioc íni o d esc onsidera a pré- hi stóri a, a im a tur i dad e e o am biente inicia l do beb ê. Co mo , d esde o úter o, já ex iste ali um ser humano capaz de experiências, pode ocorrer dc ele ter sofrido várias interrupções da continuidade de ser, ainda na vida in tra- uterina ou durante o p rocesso d e nas cimento, 0 11 logo depois, e ter reagido a essas intrusões, o que o leva a um estado paranóide que, por precoce que seja, deve-se ao fator ambiental e não à herança constitucional. A lém dis s o, c m s ua pr át ic a c ie ntíf ic a , W in n ic o t t era into le rante c chegav a a scr impi edos o e om qualquer uni qu e tratasse ‘"a teoria psicanalítica como uma religião, ou uma concepção polí tica com tons religiosos ’ (Rodman, 1987, p. XXIV). Havia algo de dogmático, proselitista e mesmo religioso no que se poderia chamar dc movimento kleiniano que o desgostava particular mente. Em 1956. após ter ouvido u leitura do artigo dc M. Klein sobre a inveja, Winnicott a escreve Joan Kiviere, dizendo que “a única coisa que pode acontecer é que os que gostam de apoiar Melanie apresentem, como todos nós poderíamos fazer, material clínico ou citações da Bíblia que apóiem o seu tema” (1987b, p. 84). Um dos problemas dizia respeito à comunicação cientí fica, e sua queixa, várias vezes reiterada, consistia no fato de que o grupo kleiniano utilizava termos que deveriam ser descritivos, mas qu e acabav am por tor nar - se slogana par tidá rios , de u so obr i gatório. Numa carta a tíion, de 1955, ele escreve que | _| a Sociedade fica terrivelmente entediada com a insis tente propaganda de termos. Nos últimos seis incscs, as pala vras "identificação projetiva” foram usadas várias centenas de vezes. Naturalmente, estamos sob a ameaça dc, por alguns meses, a palavra "inveja" ser introduzida em toda a parte. (...) Há algo errado aqui, e creio c espero que você tome parte na tentativa qu e devemos empre ender — sc fo r o c aso d e a S ocie dade sobreviver — de deixar para irás essas tciidências desaS,N
W IN NI CÍ )TT K < > DICUATK CU.YI AS ÁKlvAS Al-INS
grogadoras que têm a natureza de uma propaganda dc cauções- tcina (1 9 fi7 b, p. 8] ) -10.
Não ap enas na postura do gr upo, também na conc eituar ão kl ciniana, Winnieott vislumbrava um viés religioso que tornava essa teoria, em a lguns as pectos, uma reaf irmaçã o do princípi o do pecado srcin al. - '1 lisse estado d e coi sas acabou por impor uma cert a polí tica sectária dentro da Sociedade Britânica de Psicanálise, tendo se tornado uni obstáculo à liberdade de pensamento e comunicação c ao p rog res so da c iência ps ieana lítiea.1 2 O debate com a psicanálise tradicional não termina aí; ao contrário, poderia ser objeto de todo um livro. Embora esse tema não caiba nos propósitos deste estudo, quero mencionar, em linhas ger ais, a apro x imação teórica d c Winnie ott com a escola p sic analítica denominada psicologia do ego. O que freqüentemente induz à idéia de que o seu pensamento pertence a essa vertente teórica é que a el e, dc fato, intere ss am alg umas das p roposiçõ es dessa cscola, em especial aquelas que acentuam a importância do ambiente na constituição do indivíduo. Isto não significa que a orientação geral da psicologia do ego americana possa scr-lhe aparentada. De llartmann, por exemplo, Winnieott aprecia o conceito dc “ambiente expectável médio”, que ele afirma tratar-se aproximada mente da mesma coisa que cie próprio chamou de “mãe devotada comum”. Também outros analistas utilizaram termos similares para descrever um ambiente cujas qualidades tornam efetivo o processo maturaeional da criança (1984c, p. 1S7), mas o conceito de Hart-
30 Com respeito ;i essa tendência, mídiátlea poderíamos dizer, Winnieott era ex tremame nte cau teloso. Ao propor termos para nomear alg uns fenô men os que puderam ser vistos à luz de sua teoria, ele o fazia com muito cuidado, temeroso dc que eles passassem a scr usados como clichês. como "coisas de W in nie o tt”. es vaziados do sentido ex pcr icneial que dever iam cont er. Por ex emplo, ao d is ting uir a “mã e- objeto ” tia “mã e- ambi ente” , ele alerta para que essas expressões não se tornem slogans vazios “e acabem por torn ar- se rígidos e obstrutores ' (196.1b. p. 107). 31 C't’. W in nieott, 19 71 g , p. 100. Winnie ott não está soz inho n essa apreciaçã o. T ambém Pontalis a fir ma que a teoria Idelniana da i nveja e da culpabilidade, at r ibuídas à mais pr imitiv a inf ância, ‘nada mais I as: do que dar unia tr ans cr ição p sieanalítiea a o mito d o pecado or ig inal” (Pontalis, 19 77, p. 118) 32 Cf. a carta dc Winnieott a M. Klein, de novembro de 1952, iit Winnieott, 19S7b.
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mann parece agradar cm especial a Winnicott por incluir o termo “expeetável", cujo sentido o aproxima da earactcrístiea central do ambiente suficientemente bom, que é a de ser confiável no sentido dc previsível. A de s pe it o dos diferentes f undame nt os teóric os cm que sc baseiam, algumas outras afinidades teóricas aproximam Winnicott da psicolog ia do ego. Uma delas consiste na idéi a de qu e n ão se pode derivar o ego do id, Segundo Hartmann, o desenvolvimento mental não 6 simplesmente o resultado da luta com os impulsos, com os objetos, com o superego etc. lí preciso supor que esse desenvolvi mento “c servido por aparelhos psíquicos que funcionam desde o início da vida” (Hartmann, 1958, p. 15). Trata-se, aqui, de “apare lhos de auton om ia pr imár ia” ou " apare lhos inatos do eg o”, q ue e staria m se desenvolvend o em funç ões — tai s co mo perc epç ão, compre ensão ob jetai, inteneion alid ade, pensamento, li ng uag em, memória, todos co mo potencialidades do org anismo — numa “ zona li vre de conflito”. A concepção dc aparelhos inatos dc ego é muito próxima do conceito de “núcleos dc ego’’, dc Glover, conceito que sugeriu a W innico tt o estado de não- inte g ração r ela tiv o aos es tág ios de de pe n dência absoluta. Contudo, apesar da afinidade na idéia geral, a teoria de Hartmann não faz a distinção, essencial paru o pensa mento winnicottiano, entre mental e psíquico, alem de estar basea da na idéia de apare lho, o qu e 6 inteirame nte es tranh o a W inni cott. A idéia dc Har tm ann, de que não se pode deriv ar o eg o do id, es tá relacionada a uma outra, a dc que. tal conta comodo cmacesso Winnicott, uma teoria dos instintos não é capaz de dar à realidade, A hipótes e de H a r tm a nn, contud o, in clui um conc eit o de ada pt ação que é definido como sendo, em primeiro lugar, uma relação recí proca entre organismo e meio. Ora, não requer muito esforço perceber que W innicot t não vc o bebê com o um org anismo e que, no iní cio, não sc p ode pensar cm re lação recíproca, uma v ez quero bebê ainda n ão é um a unidade capaz d e rela cionar- se, sendo ap enas uma parte da uni dade mãe- bebê ; a adaptação p rovém ex clu sivame nte da mãe. A lém dis so, ex is te concor dância ent r e os autores no que sc refere à autonomia do desenvolvimento das funções egóicas em relação às do id; Winnicott certamente aceita o sentido do conceito de Hartmann de que o ego sc desenvolve numa "zona livre dc co nflitos ”, u ma vez que, t am bém para cie, a es trutur ação do cjío não
WINX IUJ T T B O 1)EU,\ TE COM A SÁ HKA N A FINS
está sujeita à s vici ss itu dcs instintuais . Para 1lar tm ann , no entant o, a zona livre d e conf litos vinc ula- se com as te ndências herdad as, e n quanto , para W innico tt, depen de da q ualidade d os cuid ados a mbie n tais." As diferenças são substanciais e, se algumas modificações da teoriaas tra dicional,tleintroduz sicologia do ego, a finam- se com posições Winnicott,idas nãopela se ppude. por isso. assimilar W innic o tt à ps ic olog ia do eg o.
.1.1 Pura Masud K han, um cio entr e a obra dc W innic ot t e as pesqu isas dc llartniíimi sohrc essa esfera do ef>o livre dc conflitos (Khan. 1978, p. 19) está no conceito dc "período dc hesitação", descrito por Winnicott no seu artigo "Obse rv ação i lc lic lies o u ma situa ção padr oniza da" (19411)).
CAPÍTULO II
A TEORIA DO AMADURECIME NTO PESSOA L 1
1. O amadure cimento como tend ênci a inata à integração A teoria w innicottiana do amadur e cim e nto está f unda da sobre dua s concepções de base, ou, dizendo de outro modo, o processo de amadurecimento pessoal depende fundamentalmente de dois fato res : a tendência inata ao ama dure cime nto e a ex istênci a cont ínua d e um ambiente faeilitador. Comecemos pelo primeiro, Segundo Winnicott, todo ser humano é dotado de uma ten dência inata ao amadurecimento. Esta concepção baseia-se numa outra, a de que o homem é um ser essencialmente temporal. Um ser huma no , diz o autor, “é uma amostra- no- temp o [ túne- ,sampfc] da natureza humana” (1988, p. 29).- Todos os fenômenos humanos são um desdobramento temporal da natureza humana, de tal modo que eles não podem ser descritos, em nenhum nível, como algo substan cial, sob p ena de s e des virtuar a nature za fundam e ntal tio homem: a de ser um modo de temporalização. A teoria winnicottiana do ama durecimento pessoal é a explicitação temporal, na forma de estágios 1
Por suges tão de Z. Loparie. adota rei o ter mo "amadur ec imento'' para todas as menções ao mantratíorwl proccss ou de- velopmou pnx x ss. Consídero- o preferível a “ dese nv olv imento" ou “ • ma tur aç ão", pois estes ter mos c os tumam ser usados, em português, de forma Indiscriminada, para processos bioló gicos, sociológicos e até uconómieos. Além disto, a língua inglesa não tem, como o português, um verbo como " amadur ece r”, :| iie, a meu ver, g uarda o sentido eminentemente pessoal que Winnicott confere a esse processo, 2 As implicações do caráter temporal d a natureza humana são centrais ii" teoria das psicoses.
A T IÍOUIA l« > .U I.\ iir K K CIMK X T () l»E II W. W IX X IC OT T
ou etapas, das «irias tarefas que a tendência inata ao amadureci mento impõe ao indivíduo ao longo da vida. O que Winnicott entende por natureza humana? A natureza humana, que é "quase tudo o que possuímos” (1988, p. 21), consis te ess enci almen te numa tendência m ura à integ ração numa unidade ao longo de um processo dc amadurecimento. Sendo uma amostra temporal daao natureza humana, cadaou serseja. humano 6 dotado de umaá integ ra tendência atmulurecimenia, de uma tendência ção num tod o unitário. Esta é a sua mais importante herança. ”ü que o ind ivíduo h erda é u m processo dc ama dure cime nto” (1 97 4, p . 71; 1984h, p. 48). Cada indivíduo está destinado a amadurecer, ; e isto sig nifica: unificar- se e responder por um eu. E m f unção disto, o qu e falha no processo, e não c integrado por meio da experiência, não é simplesmente um nada, mas uma perturbação. A conc epç ão de que o amadur e cime nto 6 reg ido pela tendência íi integração numa unidade foi fruto de uma longa evolução do pensame de se W mpre innicott. Na dé d c 40 ,em já esta va es idéi a de q nto ue há um des envcada olv imento c urso, asstabelecid im co moa oa fato dc ex istirem dificu ldades que s ão rel ativas ao próp rio a ma dure cimento . Num tex to d e 195 9, en contra- se a afirmação d e que o pr in cipal da hereditariedade “é a tendência inerente do indivíduo a crescer, a se integrar, a se relacionar com objetos, a amadurecer” (1965H. p. 125); percebe-se que, neste momento, ainda á vaga a direção fundamental do amadurecimento como tendência à inte gração numa unidade. E num texto tardio, de 1968, que Winnicott escreve, com todas as letras, que "o estatlo
básica para u saúde desenvolvimento emocional deexis todo ser huvuavj" (1984h. p. 47;no grifo meu). Em 1969, ele reafirma “a tência de algo universal no amadu reci mento emocional do ind i vídu o, que é a tendência integ ra dor a que pod e cond uzi - lo a u m suitua dc unidade” (1989xa, p. 189; grifo meu),-1 3
Neste tex to, W innic ott ass inala i| uu essa tendência tl e seu pensa mento já estava presente, sem que ele se desse coma, em artigos de uma década atrás, ou seja, aproximadamente a partir do final da década de 1950 e início da de 1960. Ele cita, eomo exemplos, o título de seu livro. O ambientefaeilitadar e os processos tle JiJ Ofirraçã o, t: o ar tig o ‘‘Raízes d a a g re ss ão” (1 9 ó4 d) , inuiukio eomo n único c apítulo n ovo em^l criança a seu m undo, o publicado também e omo um adendo ao ar tig o dc 193 9, “A agressã o c suas raízes" , em JVivttçao e dclbu/üênciu. 94
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Não se deve atr ibuir um ca r áter es seneiali sta à tese wi nnieo ttiana de que í i natureza humana consiste numa tendência inata integração numa unidade. Não se trata de uma essência eterna, diz Loparic, (...|sim pois Winnieott entende evoluiu, as e om o os corpos humaque nos"ae natureza os seres hhumana uinai uxs ev olu íram, no curso de centenas de milhares de anos”. Ele não contesta a fUagênese da espéeie humana, ou seja, da própria tendência à inte gração, ainda que não tenha nada a dizer sobre este assunto. Mas, ao mesmo tempo, Winnieott observa que “há muito pouca evi dência de q ue a natureza humana se alterou no curto es paço reg is trado p clí i história". [ ...( O conce ito winni eoctiano d e natureza humana pode, portanto, ser entendido como designando a estru tur a fixa da n ossaon fo^é?)C ‘SL' ou, na ling uag e m menos biolog iza nte c mais característica de Winnieott, do nosso amadurecimento emocional ou pessoal, governado pela tendência inata à inte gração (Loparic, 2000b. p. .155).'1
Para chcgar a esta formulação final — a de que o estatuto unitário é a conquista básica para a saúde amadurecimento emocional dc todo scr humano —, Winnieott teve dc ultrapassar duas idéias estabelecidas pela psicanálise tradicional: primeiro, aquela que supõe, como já dadas, a constituição do eu primitivo e a capacidade dc c onta to co m a re alid ade; se g undo, a id éia d e qu e a di 11 0
visão, “dinâmica” essencial homem poderia scr descrita em termosa dc pulsões. Atento aosdobebês e aos psicóticos, Winnieott introduz uma fase inicial cm que ainda não há um eu constituído, mas um ser nã o- int eg rado qu e emerg e de um e stado dc solidã o essencial. Essa solidão, que será em parte ultrapassada, permanece ao longo da vida, no fundo de cada homem, Existe uma cisão essen cial, sim, mas ela não é relativa às pulsões; inerente à natureza humana, cia consiste na fenda entre a tendência a abrir-se para as relações com o outro c com o mundo e o isolamento primordial do ser hum an o.5 Um processo d c inte g ra ção b em- suced ido levará à coe x istência e a o tr ânsito , no ind ivíduo, entre esse s do is ex tremo s: a so lidão essencial, e a comunicação e o encontro com o outro e com a realidade externa. 4 5
O n trec hos citados de Winnie ott enco ntram- se em W innieo tt, l ‘Xi5 :i, p . N.S. Solire n cisão ess encial, cí. W innie ott . l'JN8 , Parte t, C apítulo ( >
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2. O amadure cimento e o ambiente fa eilitador A pe sar cie in ata, a tendência à inte g r ação não acontcce a utom a tic a mente, como se bastasse a mera passagem do tempo. Trata-se de urn a te ndênc ia e nã o de uma det er minação. Para que cia se realize, o
bebê depende fundamentalm ente da pres ença de um ambiente ftuxilitador que forneça cindados suficientemente bons. O fato da depen dência. que c absoluta nos estágios iniciais, é essencial na teoria w innic ottia na: "Os Inerente s humanos não pode m começar a ser, exceto sob certas condições” (1965n, p. 43). Nenhum bebê, nenhu ma c r iança , pode vir a tornar- se uma pess oa real, a não ser sob os
an da do s de um cunbiente que dá sustentação efa c ilita os processos de amadurecimento. Os bebês que não recebem esses cuidados sufi cientemente bons “não conseguem se realizar nem mesmo como bebês. não são suficientes” 84).humano Desde consiste o abso luto iní Os cio,genes a necessidad e fundame(1968d, ntal dop.ser em ser c em continuar a ser. Para o indivíduo, não só c necessário chegar ao começo, de modo a dar-se o engate na vida. como ta mb ém tem de man ter- se vivo pela vid a afora: “15 um es for ço cons tante ch eg ar ao p onto inicial e aí se ma nte r ” (1 9 6 5 j, p. 17 4). Ex is tem bebês fisicamente saudáveis que morrem porque não encon tram, desde o começo, uma base para scr. Ifá outros que não neces sar iamente morr em; eles são p ers uad idos "a alim ent ar- se c a viver ainda que n base para esse viver seja débi l ou me s mo a us ent e” (1988, p. 127). Isso tudo significa que tornar-se unido e real, e alcançar a identi dad e unit ár ia — que im plic a a se paração entre o eu e o não- cu, demar cando o f inal do s e stágios inici ais — , pode jama is v ir a ac on tecer. Para os psicóticos, cujos distúrbios derivam dos estágios mais primitivos da vida, é exatamente essa a conquista que não pôde ser realizada. Por esse motivo, suas dificuldades e problemas são especi almente aflitivos, pois unão fazem parte da vida, mas sim da luta para al cançar a vid a [ ...] ” (198 8, p. 100). Esses pacientes, que pair r ma ne nte me nte ma, e ntreproble o vi ver o nãnao verdade, vive r, forçam - nos encaramarpe esse tipo de proble ma eque, é pró prioa de todos os seres humanos c que se resume na seguinte questão: que sentido faz a vida e o que a faz digna de scr vividaV (1907b, p. 139). 9 (>
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O que está, p or tanto , em pauta no av uuhtre cimcnto pessoal, não «ão fun ções isol adas, sejam elas bioló g icas , menta is ou sex uais, m as o próprio viver humano, naquilo que este tem de estritamente pessoa l: o s entim ento de s er, de ser real. de ex isti r n um mund o real eo mo um s i- mesmo . Nada disto é dado p ela c once pçã o c pelo nas ci mento biológicos. Mesmo quando as estruturas biológicas e cere brais estão intactas, o ter nascido, simplesmente, não garante que sejam alcançados o sentimento de estar vivo, dc sentir-se real e dc poder fazer experiências sentidas eomo reais. Ao longo do amadure cimento, todas as dimensões humanas deverão ser gradualmente integradas ;i personalidade, mas sempre a partir do sentido pessoal da existência, sentido que. no início, é a mera continuidade de ser. A lém dis to, o impul s o para viver, manter- se viv o e amadur e cer não é descrito cm termos de forças: não é a libido que passa por dife rentes fases ou fixações objetais; é a natureza humana que se temporaliza, em virtude da sua tendência inata ao crescimento, ge rando , g ra dualmente, um si - me smo in teg rado, i nter nam ente e com o ambiente.
3.
Carac ter ísticas ger ais do processo de a m ad ureci m ento p essoa 1
O processo d e ama durec imento te m início c m alg um m ome nto apó s amorte concepção ao olongo daavida do cime indivíduo natural,e scontinua endo este último conte nto a até ser ain sua teg rado, a derradeira tarefa da saúde. () processo é desdobrado em “estágios” (sttyjes), ou etapas, que podem ser breve e genericamente enumerados como sc segue.'1Dos estágios primitivos, de dependência absoluta, fazem parte: 1) a solidão essenc ial, a ex periên cia do nas cimento e o est ág io da primeira ma ma da teórica. Dos estágios iniciais, dc dependência relativa, participam: 2) o estágio de desilusão c de início dos processos mentais; 3) o es tág io da transi eioriali dade; 4) o do u so do o bjeto; e 5 ) o es tágio do E t ’ SOU. Após isto, o bebê caminha "rumo à independência”: 6) estágio do eoncernimento. lím seguida, vêm os estágios de independência (i Os estágios ilu atnadurc cinicnto. com su as resp ectivas t arefas, serã o deta lhados nos ("..ipítulos III e IV. 97
A T K llK IA Dl >A.\ J.\ lH'KKCIMKXT O l « 1). W. W IX X IC OT T
relativa: 7) o estádio edípico; S) o de latência: 9) a adolescência; 10) o início da idade adulta; 11) a adultoz; e 12) a velhice e a morte. Na velhice, algo da dependência absoluta ou relativa retorna. Não se pode localizar eom precisão, mas apenas aproximada mente, as idades cronológicas a que esses estágios correspondem, e é por isso que se fala de estágios bem mais que de idades. Aos vários estágios competem tarefas e conquistas de diferentes naturezas, que são impostas ao indivíduo, no decorrer do amadurecimento, pela própria tendência inata à integração. Sc o bebê ó bem- suced ido em realizar a tarefa que compete à fase, este fato torna-se uma conquista do amadurecimento. A medida q ue o ama durec imento av ança, a s tare fas se eomplexificam, sendo que, se o indivíduo está saudável, ele pode envolver-se e lidar, naturalmente, com as que são específicas de sua faixa etária. Com o passar do tempo, gradualmente. (...) a criança se transforma no homem ou na mulher, nem cedo demais nem tarde demai s. A meia- idade elicg a na época cer ta, eom outras mudanças igualmente adequadas, e finalmente a velhice vem desacelerar os vários funcionamentos, até que a morte natural surge comn a derradeira marca da saúde (1988, p. 30). Nuina apreensão global, o amadurecimento pode ser descrito (journey) que parte da dependência absoluta. eomo uma jornada passa por um período dc dependência relativa, chega às etapas que estão no nano da independência , até chegar à independência rela tiva, que c o estado cm que o indivíduo saudável se mantém regular mente ao longo da vida. Note-se que os termos são relacionais, im plicando sempre a existência dc um outro ser humano. No início do processo, co ntudo, a “r ela ção" tem um car áter sm gene?- i.s, dev ido ao fato dc o bebê não ser ainda uma unidade. A unidade ó a dupla mãe- bebê, sendo q ue a mã e é sentida pelo laetente c om o parte dele, ou seja, como objeto subjetivo. As tarefas e conq uis tas essenciais do am adur e cim e nto ocor rem na eta pa mais pr imitiv a da v ida, durant e a qual o bebê vi ve em e stado dc dependência absoluta, e depois relativa, dos cuidados maternos. Isto decorre não apenas da prccocidade do momento, mas da natu reza das tarefas c conquistas que lhe são inerentes. Esses estágios primitivos podem, portanto, ser ditos fundamentais, no sentido literal dc que c nesse período que estão sendo constituídas as bases fundame ntais da e x istênci a, ou sej a, o s ali cerces da pers onali dade e <),S
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da saúde psíquica. Isto se dá por meio d:i resolução de três tarefas com as q uai s o bebê e ncon tra- se envolvi do: a integ ra ção n u te mpo e espaço, o alojamento gradual da psique corpo e o iníeio das relaçõ es objetais, ou seja, d o cont ato com a realidade. A me did a que essas tarefas estão sendo realizadas, existe uma quarta em anda 110
11 0
mento: o si - experiências mesm o está send o cons tituí do pela repetição contínua de pequenas de integração: gradualmente, o estado integrado torna-se cada vez mais estável, de tal modo que bebê ca minha na direção d e in tegra r- se em uma unidade.7 Pode-se, ainda, descrever o amadurecimento em termos do sen tido d e re alidad e que o indiv ídu o é capaz de criar e m cada e tapa e d a natureza da relação que ele estabelece com o ambiente num dado momento do amadurecimento. Inicialmente, o bebe vive num mun do subjetivamente concebido; passa, depois, para uma forma inter me diá ria de rea lid ade — a da transi cio na lid ade — a me io c am inho 0
entre o subjetivo e o objetivo; em seguida, caminha na direção de co ns tituir o eu , com o identidade integ ra da, separa do do não- eu, podendo, então, começar a perceber objetivamente o inundo exter no ou compartilhado. De iníeio. o relacionamento 6 com um objeto subjetivo, e é uma longa jornada daqui até o desenvolvimento e o estabelecimento da capacidade de se relacionar com um objeto que c percebido objetivamente, e que tem a possibilidade de ter uma existência separad a, uma ex istênci a ex terior a o controle o nipotente do indi víduo (1963c, p. 202). Caso sc possa dizer que o indivíduo humano tem um começo, este deve ser pensado como uma soma de eomeços (cí. 196Sg, p. 429). Na citação acima, a conquista do eu, como identidade, separado ti o nã o- eu, demarc a um c omeço do indi v ídu o — provavel me nte o princ ipal, em que ele s c torna capaz d e rel aci onar- se com a realidad e ex terna — , ma s tudo d epend e de ou tros iní cios a nte riores t er em sido bem- suced idos. A o talar d e saúde p síqui ca, W in nie o tt e s tá sc re f er indo, s obr e tud o, ao fato de um a cr iança ter resolvido as tarefas iniciais de maneira satisfatória e ter conse guido alcançar o estatuto unitário, que é a condição básica para que a independência relativa comece a se estabelecer. A partir 7 ( :f. o Ca pítul o HE. Scy ão 7.4. 99
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deste ponto, estando constituídos os alicerces, o indivíduo pode vir a sofrer de distúrbios psíquicos, mas não padece mais do risco dc t orn ar- se psicótico. A conquis ta da unidade num eu in te g r ado ocor re po r v olta de um a no ou um ano e meio, no es tág io denom inado, bem a propó sito, de EU SOU. ü cu qu e é alcançado é o próprio si- mesm o do início que, após ter se integrado, em vários níveis e aspectos ao longo dos estágios iniciais, sep aro u- se agor a da mã e. lísse es tatuto unitár io não é um todo coeso, sem fraturas ou isento de conflitos, mas um estado de integ ra ção espa ço- temp oral, em que " ex iste um eu ( simesmo) que contém tudo, ao invés de elementos dissociados, colo cad os em co mpar timentos , ou d isp ersos e aband onados” (1 97 lg , p. 98 ). Xes ta conquista en contra- se um aca bame nto c um começo, pois o estado de SOU, o sentimento dc ser real e de existir como identidade, “não constituem um fim em si mesmo, mas uma posição a partir a vida pode vivida” (1989xd, 332). Nãodasequal deve pensar noscr bebê, na sua “longap. viagem", como um carro que partisse dc um ponto preexistente e chegasse a outro igualmente preexistente. Não há um lugar já pronto do qual partir ou ao qual chegar — o da realidade objetivamente percebida — à espera dc ser descoberto. Tampouco há um caminho já determi nado. A des peito do s limit es c perig os dessas visualizaçõ es , o bebê ó , bem mais, como a própria estrada, que vai se construindo sem perder os trcchos anteriores. O indivíduo que amadurece vai consti tuindo o si- mesmo , co mo um ca minho.1 * Como a apresentação seqüencial dos estágios do amadureci mento9 c o próprio termo “estágio” podem induzir à idéia de etapas
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Em muita s r eligiõ es, es se tra ço tia vida huma na é ex presso pela met áfor a tio peregrino. No muro de um convento do século XIII, em Toledo, Espanha, lê-se: "Peregrino, no hay caminos, Imy tfuc canúnar".O eomp osi tor italia no conte mporâneo Luigi Nono (1924- 1990) usou esta fras e como título tle uma de suas composições tardias, dedicada ao diretor de cinema A. Tnrkovskv, na qual a música tem urna lentidão freqüentemente insustentável, quase subver siva. Heidegger caracteriza esse mesmo traço pelo termo "Wanderer"(viajan te, peregrino), emprestado do título dc um poema tle Ilõlderlin. E apenas no livro de W innico tt, qu e se encontr a uma apres entação se qüen cial dos estágios do amadurecimento; ao longo da obra winnicottiana. contudo, pode- se achar inú mer as afir maçõ es que perm ite m corr oborar essa ordenação. 100
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estanques, cada uma sucedendo à outra, c preciso salientar que, a despeito dc ser assim apresentado, o processo não á linear. Frimeiro, porque, na vida, os vários estágios, com suas respectivas tarefas, se superpõem parcialmente; segundo, porque, na concepção winni eottiana, amadurecimento não é sinônimo de progresso: amadu recer inclui a possibilidade dc regredir a cada vez que a vida exige descanso, cm momentos dc sobrecarga e tensão, ou para retomar pontos perdidos. Isto se deve ao fato de que nenhuma conquista fornece título dc garantia: tendo sido alcançada, pode ser perdida, outr a vez alc ança da e per dida d e nov o.10 Por isso , em uma pess oa de qualquer idade, pode-se encontrar todos os tipos de necessidades, das mais primitivas às mais tardias. Às pessoas não tem exatamente a sua idade; em alguma medida, “elas têm todas as idades, ou nenhuma” (1984c, p. 64). A in comple tude das conquis tas do a m a dur c c im c ntu é s obr etudo verdadeira com relação às tarefas do início da vida. Essas tarefas fundamentais jamais podem ser deixadas para trás, eomo comple tadas ou resolvidas; nunca se estabelecem eomo conquistas defini tivas, visto que | _| elas são o continuarão a ser as tarefas básicas
10 De qualqu er modo, é inteir ame nte difer ente fazer uma conqui st a e perdê- la de nunca tê-la alcançado. 11 Nesse se inaceitável, assenta um ados argumentos de M. Winnicott é recusar,ponta eomo teoria da invejacentrais Inata de Klein. para Não razoável atribuir ao Inetentu esse tipo dc afeto, na medida em que este supõe uma apreciação do objeto externo, num momento em que. dada a sua imaturidade, o bebê não está capaz nem ao menos de saber da existência tio objeto externo, quanto mais de seus atributos. O sentimento de inveja só pode ser atr ibuí do ao indiv íduo que já nlcançmi o se ntido da ex terualid ade. 101
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Ou seja, a resolução deus tarefas dc cada estágio depende dc ter havido sucesso na resolução das tarefas dos estágios anteriores. Se ocorre fracasso, novas tarefas vão surgindo, mas o indivíduo, não tendo feito a aquisição anterior, carece da maturidade necessária para fazer-lhes frente: ele pode até resolvê-las intelectualmente, mas em bases falsas eesnão farão parte seca elas do estarão seu si- apoiadas mesm o com o aquisiçõ pessoais. Co intrín m re lação à conquista pertinente ao estágio do eonccrnimento, por exemplo, W innie ott diz que (...) os estágios anteriores devem ter sido atravessados sem de masiados problemas, na vida real ou na análise, ou cm ambas, pa ra que a posição depress iva seja alc ançada. Paru alcançá- la, o be bê deve ter cons eguido estabelecer- se como pessoa inteir a, e relacionar- se com pessoas inteiras e nquanto pessoa inteir a (19 55 c. p. 357). Ou seja, para que uma criança possa assumir a responsabilidade para com a sua impulsividade instintual, é preciso, antes, que cia seja um eu, capaz de sentir-se concernido e preocupado com as conseqüências da instintualidade. Se isso não ocorre, ela não tem como conquistar a capacidade para a culpa; cia simplesmente vai em f rente sem ela, embora c om a pers onalid ade distorcida. 1 5 pro vável que as pessoas esquizóides — cujos problemas derivam de etapas muito primitivas, anteriores àquela em que já há maturidade suficiente para c onqui s tar a cap acid ade de culpa e r es pon sabilid ade — não façam nenhuma conquista significativa com relação ao eonccrnimento, e que, para cias, “a recriação mágica seja utilizada para preencher o vazio do que descrevemos com os termos ‘repa ra ção’ e ‘re s tituiçã o’" (1 95 5c, p p. 357- 5S). Quando há fracasso na conquista desta ou daquela etapa do amadurecime nto, um distú rbio emocional se estab elece. A nomnes u
do distúrbio está relacionada com o seu ponto de srcem na linha do 12 Neste mesmo texto, Winnieott apresenta, cm seiis próprios termos, o que considera ser a mais importante contribuição de M. Klein A psicanálise: a "posição depressiva”. Afirma, aí, t| ue ‘‘o termo ‘posição depressiva’ é um nome ruim para um processo normal, mas ninguém até agora encontrou outro melhor" (1955c, p. .158). A minha s uges tão é chamar este es tág io, e a conquista que lhe corresponde, dc “concernimentu". A esse respeito, ver a nota ,)() tio Capítulo IV deste livro. 102
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(inuulurecimento, isto é, com a nature za da tarefa com a (ftutl o bebê. ou a criança, estava envolvülo por ocasião do fracasso tardriental. A teoria do a madur e cim e nto c ons titui, po r tanto, o ho r izonte teórico necessário para a consideração c compreensão dos fenô menos humanos com que nos deparamos na clínica. Segundo essa teoria, qualquer fenômeno que queiramos considerar, na doença ou na saúde, só pode ser devidamente apreciado se levarmos em conta todo o processo de amadurecimento do indivíduo, desde os estágios mais primitivos, c se pudermos localizar o estágio em que o fenô idade emocionai meno teve srcem, isto é, se estivermos atentos à re lativ a ao fenôtneno ou distúrbio que se apresenta. Só assim pode remos compreender a “natureza” do problema com o qual o indi víduo está envolvido, proceder a uma classificação do distúrbio c fornecer cuidados específicos segundo a sua necessidade. E preciso “pensar sempre em termos do c isto indivíduo que determinar se desenvolve, significa retornar a épocas muito remotas c tentar o ponto de srcem” (1984c, p. 04). Isso significa que, num caso clínico particular, há sempre uma dificuldade que é dominante, c que está referida a uma tarefa mal resolvida em um determinado estágio, liste é o motivo pelo qual o diagnóstico 6 tão importante. Uma das maiores dificuldades da técnica analítica, diz Winnicott. é saber qual é a idade do paciente , num dado momento cia relação analítica, dc modo a podermos for ncccr c uid ado c oncer nente à necess idade especí fica qu e el e apr e senta c que varia segundo a idade emocional cm que sc encontra (1958f, p. 263; 1988. p. 179). X o que sc ref er e, e m pa r tic ular , aos estág ios inic ia is , st’ o be bê não resol ve a tarefa concernente ao estágio do amadurec imento em que se encontra, o que ocorre é uma interrupção do processo de am adur e cim en to pe ssoal. T \ ido o qu e sc cons trói a par tir daí fica disto rc ido na raiz, adqu ire car áter defen sivo e não te m valor pe ssoal para o indivíduo.
4. A ex istên cia psicoss omática: o soma, a psique e a mente W innic o tt dis ting ue a madur e cim e nto pessoal de cr es cim ento corpóreo. O prim eir o es tá rela cionado à s ex periências do viver que, faei103
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litadas pelo ambiento, permitem a constituição da personalidade unitá ria ; o seg und o dep end e, em g rande parte, d e fatores gc ncticos. Mas, mesmo neste último, o fator ambiental c decisivo, na medida que o cr es cimento físico p ode s er se riamente afe tado por p roblemas relat ivos ao ama durecimento. Sejasoqual forem o f eonta enômeno humanototalque sendo con c preci levar a pessoa e, estej nesta,a existem o siderado, sonm e a psique. A natureza humana, escreve o autor, “não é uma questão de mente c corpo, mas de psique c soma. inter- relaei ona dos” ( 19 88 . p. 44 ). A m ente “c ons titui unia ordem à p arte e d eve ser con siderada eomo um caso esp ecia l do funcioname nto do psiqu e- soma ” (1 9 88 , p. 29 ). E mbora haja di fer enças operaeionai s e ntre as funç ões psíqui cas e as funções corpórcas, psique e soma são, pela sua p rópria na tu reza, e devido à tendência à integração, intimamente interligados.
A ex istência hum ana é essencialmente psicossom áticu. É sempre possível, a um observador externo, distinguir o aspec to físico, o psíquico e o mental num ser humano, mas isto significa olhar, de um eerto ponto de vista, a pessoa total — psico; somática — , vis and o à consideração d e um dos e lementos. Essa distinção, contudo, c supérflua para aquele indivíduo cuja mãe cuidou dele como um todo, como uma e x istênci a pote ncialme nte p sic osso mãtica, nos estágios iniciais. Quando bem sustentado, um bebê 1... | não tem dc saber que é cons tituído de uma cole ção de partes separadas, ü bebê é uma barriga unida a um dorso, tem membros soltos e, particularmente, uma cabeça solta: todas essas partes são reunidas pela mãe que segura a criança e. ern suas mãos, elas sc tornam uma só (1V69£, p, 432). O som« é o corpo vi-vo, que vai sendo personalizado à medida que é etabonvek) t inugitu aiva inente jx ila psique. Esse corpo vivo é físico, sem dúvida, mas não meramente fisiológico ou anatômico; não, certamente, a máquina física, autônoma cm relação à psique, da qual sc ocupa a medicina clássica; portanto, não é um corpo que possa ser estudado por meio de cadáveres. C) corpo vivo c um aspecto do “estar vivo” do seindivíduo; da vitalidade como pessoa, fazem p arte intrín ca a res piraçã o, a tempedeste, rat ura, a inut ili dade. além da vitalidade dos tecidos, uma vez que, sendo o corpo vivo, "os tecidos estão vivos e fazem parte do animal corno um todo, sendo afetados pelos estados variáveis da psique daquele animal” UH
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(19 8 8 , p. 44; gr ifo m e u) .1-1 Ex istem situaçõ es de ang ústia em que o metabolismo da criança fica praticamente reduzido a zero, e, neste caso, “os machucados não saram simplesmente devido a uma falta geral de interesse por parte da criança, e dos tecidos, em viver” (1931p,p. 71). A ps ique abr ang e tudo o que, no in div íduo , não é som a, incluída aí a mente, entendida como um modo especializado do funciona mento psieossomátieo. A psique começa “como uma elaboração imaginativa das partes, sentimentos efimçôes somáticas, isto é, do estar vivo fisicamente \ physical afíuene.ssj” (1954a, p. 333).MSem jam ais perder essa função o iig ijiár ia , a psique se desenvolve, ao longo do amadurecimento, em funções cada vez mais avançadas, que incluem todas as operações mentais que podem ser abrangidas pensar, Mas a tarefa central da pelos vários significados da palavra psiq ue é a c ons tituiçã o paulatina da temporal idade humana , e,
13 Sobre o sentido d;t expressão “animal humnnu” cm Winnieott. ef. Loparic, 2000b. Ncssc artigo, explicitando uni aspecto da mudança paradigmática da teoria winnieottiana em relação à psicanálise tradicional. Loparic assi nala que, enquanto esta última negligenciou, e mesmo expurgou, o corpo em favor do desejo e de outras manifestações psíquicas, em Winnieott o corpo tornado soma é permanentemente levado em conta. "Freud", diz o filósofo, “ não esta va preocupado com a ex istência p sicos snmá tica, mas c om as lacunas na consciência, isto é. no psiquismo,[,..) O corpo entrava no máx imo c omo fonte físi ca da s pulsões, que eram v istas como seus repres en tantes psíqu icos” (íbid., p. 393). 14 Loparic esclarece no mesmo artigo anteriormente mencionado: "Essencial para Winnieott, o termo 'psique’ não é corrente na psicanálise tradicional, Esta prefere, para se referir ao mesmo domínio de fenômenos, os termos ‘alma’, ‘mente’, ‘aparelho psíquico’, ‘sujeito’, entre outros. Winnieott nunca explicitou as razões de sua escolha. Esta se deve, pelo menos parcialmente, à 'psyvhé' significa primeiramente vida, inclu etimologia, lim grego comum, sive vida animal, e só s ecundariamente alma imat eri al ou imort al, si- mesmo consciente ou pessoa enquanto centro de emoções, desejos e afetos. Seja como for. segundo Winnieott, a psique está no bebê, num certo sentido e g rau, desde o início da vida. (. .. | O uso w innieocti ano da palavr a psique’ não sugere nada que po ssa s er conectado com o espírito, entidade que, de acor do com a interpretação tradicional, possui a propriedade de poder existir inde pendente mente do corpo. Pela mesma razão, Winnieo tt ex cluí do seu v ocabu lário a palavra 'alma', a não ser para designar ‘uma propriedade da psique’, que também depende, em última instância, tio funcionamento cerebral, podendo ser sadia ou doente” (cf. Loparic, 2000b. p. 362.). 10 5
T KOK IA 1 )0 A.VIA DCRKCIMi iNTO DE L>. W. WINNI COT T
port íinto, do se ntido dc h ist ória, na vid a humana . A par tir da tem poralidadc primitiva do bebê, que c a do próprio eorpo. cabe à psique, no iní cio da vida , não apen as a elaborar ão imag inativ a das ex periê n cias eorp óreas de todos os ti pos, com o o ar ma ze nam ent o c a re uniã o das me mórias de ssas experiê nci as. A medida qu e o a madur ec iment o prossegue, estas vão se tornando cada vez mais sofisticadas, e a psique, gradualmente, vai interligando “as experiências passadas, as potencialidades, a consciência do momento presente e as expecta tivas do futuro” (1988, p. 37). É esta operação que fornece sentido ao se ntim e nto de si- mesm o, e justifica “a no ssa per cepção de qu e dentro daquele eorpo existe um indivíduo” ( ibid ., p. 46). A pr im eir a tarefa da psique c, como foi dito, a ela boração ima g ina tiva das funções eorpóreas. O corpo elaborado imaginativamente é o eorpo vivo de alguém que respira, se move, busca algo, mama, esper neia, chupa o polegar, descansa, é acalentado, trocado, envolvido pela água do banho etc , Seja o qu e for q ue esteja send o cx perienciad o — c tudo, no início, 6 cxperienciado no eorpo e por meio do eorpo — e.srú sendo personcdisiuio pela elaboração imaginativa. Como, desde o nas cimento, o bebê j á tem uma v ida que, embora r es trita, já é pessoal , qualquer experiência é vivida não como uma simples e anódina sensa ção física, mas eom um sentido.15 Ou seja, a exfxtríênciu direta cfite o bebêjitz do funcionam ento, das sensações e dos movimentos do corpo tem para ele um sentido, pelo fato de estar sendo imaginativamente elaborada. Apesar de esse sentido não poder ser diretamente obser vável, ele se tornará manifesto, posteriormente, no brincar c/ou nas situações clínicas de regressão à dependência. Essa “dação de sentido”,16 como diz Loparie — e este é ponto central para o entendimento do conceito de elaboração imaginativa — , 6 ante rior às operações me ntais de re prese ntação, v erba lização e sDnbolizíição , operaçõ es para as quais o bebê é ainda n m ito imaturo. Referi ndo- se ao fato de qu e uma das vá rias for mas di ’ integ ra ção, no
15 A me ra sensa ção física t orna- se ex periên cia p elo tato d e a elabora ção ima g i nativa forne lho euni ntido. da Emutilida 195 de 2, de resspond a alima dc MonevKirie,cerem qu estesef alava e dis endo ting uir idéi carta a de sen sação, Winnicott concorda, mas assinala que “preferiria estabelecer a dife rença entre idéias e experiência" (1987b, p. 35).
J (> Sobr e ;i ela boração imag inativ a como dação de se ntido, ef. Loparie. 2 000b, seção 7. 1()<>
A T E) JIUA IM) A MA DV K K CIMK NT O 1'BS SOA I.
scr humano c m desenvolviment o, é “um ar ranjo op eracional satisfa tório entre a psiq ue e o soma” , W innicott acrescent a: “Isso começa anteriormente à época cm que é necessário adicionar os conceitos de intelecto c verbalização" (197ld, p. 209). 1£cm v irtud e do conceito de elaboração imag inativ a que W innicot t pode fazer inúmeras afirmações, como, por exemplo, as que se se guem: a dc que “existem boas evidências de que os movimentos do corpo na v ida intra- uterina sü o significíit&vos [/irroe significance] , e é plausível que, dc um modo silencioso, a quietude vivenciada naquelc período também o seja” (19S8, p. 39; grifas meus). Ou que, quando o parto é realizado a termo, o bebe sente que “foi o seu próprio impulso que produziu as mudanças e a progressão física, cm geral começando pela cabeça, em direção a uma nova c desconhecida posição” (ibici. p. 1 66 ). Ele d iz ainda q ue “a ex periên cia d c alime ntação imaginativa ó muito mais ar.mla do que a experiência puramente física”, exigindo “algo mais do que dormir e ingerir leite, c algo mais do que obter a satisfa ção in stintiva de uma boa ref eiçã o” (1 99 3h, p . 2 1). S ão jus ta me nte as eoisas que um bebê faz enq uant o m am a, e qu e não são as qu e o fazem engord ar, que corr oboram o fato d c ele “estar se alime ntando e não apenas sendo alimentado, estar vivendo uma vida c não apenas re ag indo ao s e stímulos que lhe s ão oferec idos’' (idem). Sugar o polegar é também uma ação altamente elaborada para o bebê humano, pois significa “ter o controle do polegar, o qual representa todos os outros objetos que são, dessa maneira, reunidos c colocados cm contato com a boca etc.oetc." (1987b, natend tentativa bebê de localizar objeto (o seiop. 106); , o poconsiste, leg ar etcainda, .), man o- o ado meio c aminho entre o dentro e o fora, o que constitui "uma defesa contra a perda do objeto no mundo ex terno o u no inter ior do co rpo, isto c, con tra a perda de cont role s obre o objeto" (1 9 4 5 J , p. 2 32 ).17 Numa definição ainda vaga tia elaboração imaginativa, Winni co tt diz tra tar- se dc “uma forma rudimenta r do qu e mais tarde cha maremos de imaginação” (1993h, p. 2]). Nos textos mais antigos, ele usa, às vezes, o termo “fantasia” para referir-se ao que chamará, mais propriamente, de elaboração imaginativa. Contudo, deve-se salientar que essa “imaginação” que elabora as funções somáticas, desde a src em, c que c respon sável pela in ter- relaçã o mútua entre
17 ( X l lJf>7l>,
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psique e sotna, não ú ainda a fantasia , no sentido tradicional do termo, como veremos adiante. Numa carta de 1954 a Bettv Joscph, W innie ott es creve: “Estou te ntando cha mar a ate nção pa ra os está gios iniciais, inteiramente separados da fantasia” (1987b, p. 52). A s ub s tituição que W in nie ott opera da tr adic io nal conc epç ão da psiqu e —a mente entendid a no mesmo sentiddesta o de mente pormesmo uma psiq ue na qual é apenas um aspecto última—é do car áter que a s ubstituição qu e ele faz do conce ito d e “ fa ntas ia” p ara o de elaboração imaginativa, no que se refere aos estágios iniciais. A s razões são as s eg uintes : na teoria tr adicio na l, a f antas ia c um a função mental qu e sc d esdobra em mecanismos mentais, com o os de introjeção e de projeção, que já estão, segundo essa teoria, em pleno funcionamento desde o início da vida. Para Winnieott, contudo, a extrema imaturidade do bebê não permite que sc suponha uma operação tão sofisticada; ele pleiteia todo um período inicial em que o trabalho da psique, via elaboração imaginativa, leva a uma escfuemutizaçüo do corpo, ou seja, a uma apropriação pessoal do sentido da anatomia, das sensações, dos movimentos e do funcionamento eo rpórco em g era l, sem a p ar ticipaç ão d a m e nte .IS Na perspectiva de W in nie ott, a fantas ia , c omo ope ração me ntal que sc desenvolve no mundo interno já co nstituí do, pertcnce a uni momento posterior do amadurecimento, c não c, como a imaginação, uma elaboração direta do real, mas uma criação a partir da memória; requer, portanto, que uma certa temporalização já tenha sido estabelecida, o que ainda não ocorreu no início da vida,
18 Um ex emplo ilustrativ o de como a elabora ção imag inativa leva à esquen utização do cor po encontra- se no livro O beljé e a coordenação motora (1994), das especialistas em psioomotrieidade M. M. Béziers e Y. Hunsingcr, cuja proximidade com a teoria winnieottiana foi-me apontada por Maria Ernília Mendonça. No item “Troca de roupas", ns autoras dizem que, colocado sobre o tr oca dor, o ljcl) ê ir á pre ss ionar os p és contr a o cor po de que m o está trocando. Essa pressão com os pés é importante sob vários aspectos. Um deles consiste em que, "do ponto dc vista da estática do corpo, toda a extensão das suas costas estará assim apoiada no troendor. Ele se estira e abre a ar ticula ção dos quadris (ex tensão) e faz p res são com os pés. o q ue lhe dá a Kfuigcni do aiulircitumentoe prepara o 'endireitamento na posição em pé’” (op. cic., p. 49; j í ritos meus). Tudo leva a crer que essa "imagem" não é visual, co mo sc o bebê visse a si mesmo ent p é, Ela c, ame s, uma esquemat ização de com o c sen tir- se todo es tirado, er eto e apoiado sobre os p és. 10ÍS
A T EORIA IK ) AMAl>L 'KE lX\ Ji;XT
() 1‘K.NSOAt.
A ié m dis so, o pr ópr io ter mo “im a g ina ção ” pode induz ir à idéia errônea dc que, da elaboração imaginativa, participam imagens, o que faria dela um outro mecanismo mental. Um esclarecimento a este respeito está contido numa nota de rodapé cm que Winnicott explicita o seu uso do termo “fantasia", acentuando a peculiaridade desta quando referida aos estágios iniciais: Oco rre- mo qu e eu p ossa es tar usando a p alavra "fantas ia* dc uma mane ira que não ó fa miliar a alg uns de vo cês. N ão es tou talando d o fa ntas iar l/aiirus.vn vã I ou da f antas ia pr opos itada {cniuríved femtasy ] . mas sim pensando na totalidade da realidade psíquica ou pessoal da criança, ccrta parte dela consciente, mas a maior parte inconsciente, c, ainda, incluâulo aquilo epte não é verbatisada,
ttfigurudo (píctured), ou ouvido du maneira cstnuurcuUi. por ser primitivo e próximo das raízes Cfuase fisiológicas das cftttiis brota (]989vl, p. 56, n. 2; grifos meus).
É possível dizer que a função psíquica primária — a elaboração imag inativ a da s funçõ es cor pórcas , qu e inclui o qu e não c v erbalizado nem figurado , e que é próxima “das raízes fisiológicas das quais brota” — é a base necessária para que a fantasia, no sentido de mecanismo mental, possa vir a ser uma aquisição posterior no amadurecimento do indivíduo. Esse momento, a partir do qual o indivíduo torna-se capaz dc fantasiar, no sentido tradicional, está claramente indicado pelo autor: no estágio do uso do objeto, quando o bebe começa a des truir a mãe eo mo objeto s ubjetivo, para lanç á- la fora da á re a dc onipotência, isto c, na externalidade do mundo, se a mãe sobreviver, a criança encontrará “um novo significado para a palavra amor e uma nova coisa surgirá em sua vida: a fantasia” (1969b, p. 26).^ Deve-se, contudo, salientar que a elaboração imaginativa não desaparece com o advento da capacidade para a fantasia. Essa funçã o permanece c omo tal, ao lon g o da vid a, ao mesm o te mpo em que vai se tornando “infinitamente complexa", à medida que as funçõ es menta is s ão in cluíd as , e q ue o s pró prios cr es cimento e am a durecimento impõem novas tarefas, derivadas das transformações da anatomia e das novas formas de funcionamento, organização c sensibilização dos tecidos, dos órgãos c do cérebro. Num texto de 195&, Winnicott fornece uma lista, cronologicamente ordenada,
11>Cf tatTlhóm Winnicott, IlJ(M. p. 17-1 109
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segundo as sucessivas etapas do amadurecimento, das tarefas que competem à elaboração imaginativa, tornando claro que a função psíquica primária tem uina participação essencial nas principais conquistas do processo: 1) Simples elabor ação da função [ eor póre aj, 2) Separação ipação, ex periência c memória. .1) Ex periênciaem cmantec ter mos de memória da ex periência. 4) Localiza ção da fantasia dentro ou fora do si- mesmo. eom trocas e enriquecimento constantc de um pelo outro. 5) Cons tr ução de um mundo pessoa! ou in ter no, eom sen so de responsabilidade pelo que existe e se passa lá dentro. (>) Separação para fora da consciência daquilo que é incons cien te. O inconsciente inclui aspectos da psique tão primitivos que nunca se tornam conscientes, e também aspectos da psique ou do funcionamento mental que se tornam inacessíveis como defesa contra a ansiedade (eliamado dc inconsciente repri mido) (195íSj, p. IS). Elaboradas imaginativamente, desde o início da vida, todas as funções eorpóreas do bebê — motoras, sensoriais c instintuais — são, simultaneame nte, organizadas, isto c, articuladas c integradas pelo ‘‘func ionam en to do cg oí!. 0 re sultado é a “ex periên cia do eg o” , lí graças a essa função dc organização, da qual participa a elabo ração imaginativa das funções eorpóreas, que as experiências do id, isto é, instintuais, não são perdidas, mas reunidas em todos os seus aspectos, lí é por essa razão que Winnicott afirma que “não faz sentido usar a palavra id para fenômenos que não são registrados, catalogados, viveneiadose. finalmente, interpretados pelo funciona mento do e^o” (1965n, p. 55).2"
20 A lg umas vezes , eomo nesta citação, ao ref erir- se a qualquer um dos asp ecto s da \ ida ins tintua l. W innico tt usa u ter minolog ia clássica e fala n o “id” . Este uso tem uina função dc comunicação, e o sentido que ele confere a esses termos, em sua próp ria teoria, não c orre spon de ao sentido que lhes é d ado na teoria tradicional, regida por outros pressupostos teóricos. Aqui, por exem plo, o ■ ‘id " não é i ns tânc ia de apa relho ps íquico e não é co ns tit uído de pulsões. lí o nome gcml. já consagrado, paia a instintualidade humana: “A vida instintual deve ser considerada tanto em termos das funções eorpó reas como da elaboração imaginativ a dessas f unções. (Por mst mtual , quer- se significar o que Kreud chamou dc sexual. isto é, o conjunto dc excitações locais e ger ais qu e sãn um aspecto d a vid a animal; | ...| .)” ( 196511. p 1 1‘>.) I 10
A T KOR1A 1)0 A M A l) l-K li C! MR X "nj 1‘BS S OA I.
Por esse mesmo motivo, Winnieott pôde afirmar que. teorica mente e a norm alidade , o eg o do bobó é basea do num eg o eorpóreo. Contudo, o e£o só se desenvolve a partir do e£o eorpóreo se o bebê estiver recebendo cuidados maternos suficientemente bons. que favoreçam a tendência integrativa dc alojamento da psique corpo. Lembrando que também Freud, décadas atrás, já afirmara que o ego sc baseia num ego corporal, Winnieott comenta: "Mas ele apenas no estado de saúde, u si-mes poderia ter acrescentado que, mo conserva essa aparente identidade com o corpo o seu funciona mento” (19ft6d, p. 88). Para Winnieott, portanto, diferentemente dc Freud , a integ ra ção d a psiqu e no corpo nã o acontece aut om at ica mente, como um a priori inevitável do desenvolvimento, e requer a facilitarão do ambiente sustentador. Como este último é um ele mento imponderável, trata-se de uma conquista que pode ou não acontecer. Ne nhum do s co nceitos — conver são his térica c so mati11
110
zaçã o — apreend e a ques tão d a dificu ldade em es tabelece ra relaçã o psico s s omática c d a ameaça dc rompê- la. Mas a diferença entre Freud e Wrinnicott sobre essa questão não termina aí. Tendo concebido o corpo como o lugar de onde podem resultar as sensações tanto externas quanto internas, Freud pôde afirmar que “o ego é antes dc tudo um ego eorpóreo. sendo não a projeção de apenas uma entidade de superfície, mas, ele mesmo, w na superfície” (Freud, 1923b, pp. 27 c 28), Numa nota dc rodapé, acrescida exatamente a esta frase, na tradução inglesa do texto em que cia se encontra, O ego e o id, Freud esclarece ainda que o ego c, em última instância, “derivado das sensações corpórcas, principal me nte das que se or ig inam na s uper fície do corpo, (/ abc eo nsiderá-lo, então, como a projeção mental [ mental )nojec(ion\ tia super fíci e do corpo, além de repres entar | ...| a superfície d o ap are lho mental” ( idem , nota 16). Comentando esta nota. Loparic conclui: “Tal como o ego e o id, o ego corporal dc Freud, entidade especula tiva, relacionada à superfície ilo corpo, é essencialmente diferente do de Winnieott, baseado na elaboração imaginativa efetivamente experienciada do corpo inteiro" (Loparic, 20 00 b, p. 3 8 2 ).21 A tese dc W innie o tt dc que a e x is tência hum a na é ess enc ia l mente psicossomática não implica um monismo, que obsourecessc 2! Subrc o caráter especulativo da metapsicologia freudiana,
2001. I 1I
oi. Fulguiicio
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as cspeeificidadcs do senrui e da psique, assimilando um ao outro.-O que há, sim, c um dualismo, líle diz: “Existe o soma e a psique”; ou ainda: “Não existe identidade inerente entre eorpo e psique” (1988, p. 144). É preeiso distinguir estes dois âmbitos, inclusive para poder considerar que ambos são intimamente interligados c te ndem à integ ra ção. Do ponto de vista do indivíduo em desenvolvi mento, f... | o st- mesm o c o corpo não sã o inerentem ente sup erpostos, embora, para haver saúde, seja necessário que essa superposição se torne uni fato. cie modo a que o indivíduo venha u poder identifi car-se eom aquilo que, estritamente falando, não é o si- meumj (1988. p. 144; gritos meus).
Não se pode, contudo, dc modo algum, aproximar o dualismo w innieottia no , que te nde na tur alm ente à integ ração, da dicotomia cartesiana mente/corpo. Primeiro porque, nesta última, mente e corpo são entendidos como substâncias e não como aspectos do ser. Além disto, essas substâncias são de natureza inconciliável; entre ares cogitans c ares extensa não há associação ou integração possível. E este o sentido da afirmação de Winnicott dc que os termos mental e físico “não descrevem fenômenos opostos. Osotria e a psique é que são opostos” (1988, p. 29; grifos meus). Segundo porqu e a mente, na pers pectiva cartes iana, ass imila e domina toda a psique. Para Winnicott, entretanto, a psique está longe de res tringir-se ao funcionamento mental. Sobre a preservação winnicot tiana do dualismo, em outros termos que não os de Descartes, diz Loparie: No pensamento wimiieottiano. a diferença substancial entre a mente c o eorpo, introduzida por Descartes, não é negada em prol do redueiouismo, quer materialista, quer espiritualista; ela é substituída pela diferença operacional entre as funções eorpóreas e as funç ões psí qu icas. A nalog am ente , a problema cia união entre a mente e o eorpo é subs tituí do pelo problema ela integração das funções eorpóreas pelas funções psíquicas, sendo cada um
22 Se :i medicina, dur ante sécu los, considerou apenas o ui g ãnieo, a psican álise colaborou para uma perspectiva, lioje alastrada, em que tudo e posto na conta do psíquico, sem nenhuma consideração pela autonomia, inclusivc temporal, do corpo. 1 12
A T K OIU A D O A,\ L\ Hi:| { KCI,MKXT<» l'1'.S.SOA ] ,
desses dois grupos tle funções tratado eomo irredutível ao outro (Loparie, 2000b, p. 360. nota 20).w No ent ant o, como o corpo vi vo é, de qualque r modo, um el em en to do mundo externo, que tem seus próprios modos de crescimento c a sua próp ria te mpora lidade, é p re ciso d izer qu e s empre sobra alg o do corpo físico que não chega í i ser integrado e que, sobretudo quando se anuncia doente, revela sua autonomia c opacidade, algo que escapa à onipotência do indivíduo c que não pode ser inteira ment e a bra ng ido pelo tr abalho d a psique.3 4 Por isso. é sempre importante examinar “a mistura srcinal que o bebê faz entre o corpo propriamente dito e os sentimentos e idéias a respeito do corpo” (1988, p . 11 6). Se W innicott não preservasse a auto nom ia d o corpo, não poderia afirmar que "6 uma pena que pessoas saudáveis tenham de famintas viver emoucorpos deformados, doentes ou velhos, ou permanecer sofrer grande dor” (197 lf, p. 24). Onde entra a mente na existência psicossomática? A mente, diz Winnicott, “é algo bem distinto de psique” (1958j, p. 17); cia constitui “uma ordem à parte” (ef. 19S8, p. 29). Quando os cuidados ambientais favorecem a parceria psicossomática, a mente não existe como entidade separada, sendo apenas um modu c s j x í cia l do func iona me nto do pstiifiie- somti, uma especialização deste para as funções intelectuais, o seu “ponto culminante”, o seu “ornamento” (cf. 1988. p. 44). 23 Um dado interessante sobro a eterna discussão acerca das relações entre corpo e psiqu e (ou mente ) enco ntra- se no item “psicoses” d a Enciclopédia de Psicfiiharia do Editorial “El Ateneo”: o termo “psicose” foi usado, pela primeira vez. num sentido estritamente psiquiátrico, no século XIX, por Ernst v on Fe uehtersleliv n (1K06- 1N4N). decano da Fac uldade d e Medicina de Viena. “Ele utilizou os termos psicoses e psicopatia indistintamente paru sig nificar enfermidade mental, eomo co isa distinta de neurose', ou ‘ enfer midade dos nervos'. íjegundo 1'cuehterslcben. ti noção da enfermidade nõo tlürivu íi em da mente «em cü> corpo, mas sim (la relação detini eom o outro. C) importante 6 o inicrjogo entre ambas as instâncias e o modo eomo tal processo se config ura, se jfl eomo unidade ou com o dualidade cor po- alma ’. Este auto r limitou- se a d escrev er esta situaç ão e não pre tendeu perscru tií- la em su a 'comp lex idade re al'. ” C f Ke sni k, l')77, in Vidal ef a i (org.). 1977. p íi.V>; gr itais niclis . 2-1 Ne sses casos, em g era l, po de ocorr er dc a elabor ação imag inativ a fornecer um s eiilulo p crsi- fii lc io á dor o i i ao mal- estar. I 13
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As funções me ntais abr ang em os vários sig nificados da palavra pensar. Elas cxcrcem a função de comparar, categorizar e catalogar ev entos, a rma ze nar me mórias o classific á- las, fazer uso do tempo como uma medida, medir o espaço, relacionar causa e efeito, e fazer previsões (cf. 1958j, p. 18).25 Na saáde, a mente do bebê é impulsio nada a exercer suas funções especializadas, como um desenvolvi mento natural da crescente coesão psicossomática, a partir dos estágios em que a desadaptação da mãe se inicia, ou seja, quando a dependência passa de absoluta para relativa. Os processos intelec tuais vêm apar el har o b ebê a se h aver com as lacun as d;i adap tação, a compreender e antecipar as falhas ambientais, que pertencem a este período, e é isto que lhe permite prosseguir na direção da indepen dência. Esse desenvolvimento vem a seu tempo c, embora tenha uma função defensiva, esta não é patológica, por não se erigir como uma reação a invasões que ultrapassam a capacidade maturacional. No momento devido, em que as funções mentais têm iníeio, o bebê, cm virtude das repetidas experiências de cuidado adaptativo. já ‘‘sabe” dc muita coisa po r vitts não mentida. É absolutamente vital, para a saúde psíquica do pequeno indivíduo, que esse saber pré- eogni tivo j á esteja estabelecido no estágio em que os processos intelec tuais c omeçam e fetiv amente a trabalh ar; esse saber constitui uma base essencial para a existência. Ao longo da vida, sobretudo cm momentos cruciais, c a ele que o indivíduo recorre quando sc faz necess ário um r eas se g uramento do si- mesmo ou do inundo em qu e sc vive. A pesar de osobrecarregue tempo certoo bebê. par a oserinício de um funcio namento mental, que não o da passagem da depen dência absoluta para a relativa, e possível observar, já no início do processo dc amadurecimento, algumas funções mentais sendo usa das numa es pécie dc “o rde name nto prc- cognitivo do pensa mento incipiente” (1989s, p. 121), do qual ainda se sabe muito pouco, 1’ode- se falar, porta nto, numa “me nte rudim ent ar ”, pré- representacional, que ainda não está suficientemente madura para a percep ção.2'’ Esse tipo dc funcionamento mental rudimentar pertence a
25 Para n deta lhame nto t ias fu nções d o pen sar infantil, cf. W innie ott . 19íj9s. 26 Esse "rudimentar" nâii tem nada a ver uom a capacidade inenlal do lict>c, que pode vir a scr até excepcional, caso llic seja permitido desenvolver-se naturalmente. 114
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esse momento do amadurecimento; por ser natural e não impelido por pressão ou invasão, ele não sobrecarrega o bebê. Não devo scr contundido eom o fenômeno que consiste na mente do bebê ser prematuramente posta a funcionar, devido à necessidade defensiva dest e de pôr- se alerta, prev enind o as falh as que advêm, por ex emplo, da A mãe é ’'suficientemente sar instabilidade de regozi jar- ambiental. se eom a "inte lig que ênc ia ou “e sper teza boa, ” queape seu b ebê manifesta, leva sempre em conta a sua imaturidade emocional, de tal modo que ela não explora, antes do tempo, a capacidade que ele certamente tem de compreender e tolerar as falhas. Se a mãe aban dona sua função protetora c, desleixando a sua conduta adaptativa às necessidades do laetente, passa a contar com íi inteligência deste para falhar além do que 6 tolerável para um bebe particular, pode oeorrer um desenvolvimento prematuro do ego, que é patológico, como veremos, e, nestes casos, a mente torna-se uma entidade em si mesma. psújueSendo concebida como um modo de funcionamento do sama, e não como uma entidade em si mesma, a mente não está localizada no corpo. No pensamento popular, contudo, as pessoas tendem a localiza r a ati v idade menta l dentro da cab eça, ou m es mo fora dela, mas e m alg uma re laçã o especial co m a cabeça.- 27 W inn i cott afirma não saber responder por que a cabeça é u lugar dentro do qual os indivíduos tendem a localizar a mente, mas vê. nesta compree nsão comum , o fruto d e uma d as elaboraç ões imag inativas próprias da psique accrea do funcionamento somático. Talvez isto se deva, sugere ele, ao fato dc, tendo o bebê humano uma cabeça absurdamente grande, esta scr afetada e comprimida, durante o parto, exatamente quando a mente ainda rudimentar põc-sc a funcionar "furiosamente ativa”, catalogando e memorizando as inúmer as des continui dades que o p rocesso do nas cimento necess a riamente acarreta.-’* Ora. apesar de depender do funcionamento cerebral, a mente, em termos da existência psieossomática. não es tá neces sar iamente ligada ao corp o. Dam o- nos, 110 entanto, ao lux o “de fantasiar um local, que chamamos mente, ond e tr abalha o intelecto, e cada indivíduo localiza a mente em algum lugar, onde 27 Secundo Winnicott, isso constitui uma das importantes procedências da dor de oabeva como sintoma.
„ \N (II. W iuuicoll . l lJ5- ia. pp. -V.T7 c .Vífc. I 15
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ele sente um esforço muscular ou uma congestão vascular no momento em que tenta pensar" (1988, p. 71), Todos sabemos que, às vezes, a mente sabe dtis coisas desde as vísceras, e que ela está, sem dúvida, na ponta dos dedos do pianista virtuose no momento do concerto. 5.
As hereditariedad es
A palavra “he redita rie dade” 6 usada por W innicott em dois sentidos que devem ser rigorosamente distinguidos: primeiro, a tendência inata para o amadurec imento, qu e é. para ele, a principal hera nça do ser humano; segundo, a hereditariedade biológica. O meu objetivo, nesta seção, é examinar a sua posição quanto à participação da genética no processo de amadurecimento, na constituição do indi víduo ü na etiologia dos distúrbios psíquicos, e o modo como estes dois sentidos de hereditariedade se relacionam. Temos de um lado, portanto, a tendência inata à integração. Tendo afirmado, num texto de 1954, que há um impulso biológico por trás da progressão que está contida na tendência à integração (ef. 1955d, p. .177), Winnicott jamais chegou a elucidar sc, devido a essa participação da biologia, estamos autorizados a pensar cm graus variáveis de tendência à integração. É possível afirmar, contu do, que a tendência inata à integração não 6 reducívcl a nenhuma herança genética. Dc outro lado, temos os fatores hereditários ou cong ênitos org ânicos — lesões ou d oenç as adquiridas — -y que determinam certos distúrbios psicológicos ou tendências da perso nalidade: “Há genes cpie determinam padrões, e uma tendência herdada de crescer c dc alcançar a maturidade" (1969c, p. 188). Vai neste mesmo sentido a afirmação de que l’a herança dc traços dc personalidade c dc tendências para algum tipo de distúrbio psiquiá trico pertence ao soma, reccbcncfa assim a psicoterapia itlguns de
29 Aqui ô impor tante mencionar a distinçõo entre fato res herod i tários e cong ê nitos. A hereditariedade, em qualquer dos sentidos. diz respeito a fatores que existem antes da concepção. O termo “eon£ênito" refere-se a dois conjuntos de distúrbios: os que abrangem as doenças e deficiências que existiam antes do nascimento (durante a jíestayào) e os que derivam das seqüelas do parto (ef. 1988. p. .18).
1W.
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seus limites, dados pelo herdado ” (1988, p. 37; grifas meus). Há, portanto, que sc distinguir os />atIrõcs iétic;is. que determinam padrões anatômicos e biológicos, da tendência inata a crescer e amadurecer, que acontecerá, ou não, dentro desses ptulrões. natu ralmente. Isto não significa “negar a existência dc fatores hereditá rios, m as antes com plementá - los em certos aspectos impor ta nte s ” (1965n, p. 58). Utn exame apurado de qualquer distúrbio psíquico deve levar cm conta todos os fatores ambientais. Mas, em primeiro lugar, deve-se recordar que, de uma pers pectiva pura monte psicológic a, "os fa to res her dados s ão ambientais, cm seja, ex ternos « v ida e à ex periência da psiiftte indiüiiluul" (19S9vk, p. 97; grifus meus), As pessoas, cm geral, se surpreendem, diz o autor, quando ouvem dizer que as tendências hereditárias de um bebê são fatores externos a ele, mas cias s ão tão clara ment e ex ternas, ou alh eias ao b ebê, quanto o é, p or ex emplo, a cap acidade qu e a mãe tem de ser suficie nteme nte boa ou a te ndência dela a s e depr imir (cf. I9 6 8 d, p. S0n).- !UEles só far ão parte da personalidade do bebê se este se apropriar deles por meio da experiência. A lém disso, o que W innieott cons tata, a partir de sua ex pe riência clínica com psicóticos, é que, na maioria das vezes, o fator hereditário 6 inexistente ou irrelevante. Má casos de esquizofrenia, diz cie, em que “a tendência hereditária para a psicose e forte, enquanto cm outros não é significativa” (19651, p. 79), Num caso em que o fator hereditário é atuante, estaremos lidando com as complicações psicológicas secundárias decorrentes de um trans torno que e físico. Deve-se, contudo, distinguir esses transtornos psicológicos, dc base somática, dos distúrbios psíquicos, denomi nação reservada pelo autor para os distúrbios tio processo tle amadu recimento, que também podem se fazer presentes. O que precisa scr levado em conta é que. aos distúrbios somá ticos. com suas inevitáveis complicações psicológicas, podem ainda es tar a gre gados ■ — e no mais das vezes es tão — tr ans tor nos relativos ao processo de amadurecimento. Isto ocorre devido à dificuldade adicional dos pais em ex ercerem a su a funçã o c om uma cria nça cu jo -llí Um exemplo eloqüente de etmio unia erinnya com uma deformidade física licr uditárhi pode ; itin £ir o men tido de ser uni s i- mesmo n;iilio é of er ecido em
Wíimicotl, I'J71d. !>[>. 2O4-20 (j .
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desenvolv imento é custoso e obstac ulizado por problemas or^ânico- cerebrais. Desse modo, embora seja necessário considerar a participação da her editariedade físi ca, nã o é ca bível to má- la como fator dete rm i nante. Ao se estudar, por exemplo, o uso que um dado indivíduo faz de sua ou mente se. cmdeg sua eral,capacidade a testes rotineir os de gência, seja,, aprocedeuma avaliação intelectual, relaint eli tiva à qualidade do tecido cerebral e, portanto, basicamente heredi tária, Esses testes são úteis e necessários, mas, diz o autor, “não se deve utilizá - los para av aliar qualquer as pecto da per so nalidade ou d o amadurecimento emocional” (1988, p. 162). Essa questão, relativa à função intelectual, c um bom exemplo dc como incluir a hereditariedade orgânica na consideração do dist úrbio sem atrib uir- lhe s entid o e tiológieo ex clusivo: quando a capacidade intelectual é restrita, devido a um tecido cerebral £enctieamente maldotado, além da possível dificuldade dos pais acima mencionada, fica diminuída a capacidade que, em geral, o bebê tem de converter uma adaptação ambiental insatisfatória em uma adap tação ambiental suficientemente boa. Disto resulta que algumas psicoses são mais comuns cm deficientes mentais tio que na popu lação normal. Por outro lado, | ...] um tecido cerebral excepcionalmente bem- dotado capacita o bebê a absorver uma falha grave na adaptação à necessidade, inas, neste caso. pode ocorrer uma prostituição da atividade mental, a ponto dc encontrarmos clinicamente urna hipertrofia dos proces sos intelectuais associada a um colapso esquizofrênico potencial (1953a, p. 383) ,-11 A possibilida de dc déficit existe canto no caso dc um tecido cere bral maldotado (que c um caso de deficiência orgânica) como cm O que pesa são os cuidados tuktfnaum excepcionalmente dotado. tivos da mãe par a w n bebê singul ar, porque, mesmo quando a capa cidade cerebral do indivíduo é restrita (Q..I. 80, por exemplo), se existirem as condições especiais do ambiente faeilitador. esse indi víduo pode apresentar um amadurecimento emocional saudável e
.11 Esse quadro config ura uma tia s org anizaçõ es defensi vas de tipo es quizofr ê nico. em que está presente uma cisão denominada, por Winnicott. "inte lec to cin dido do psiqu e- soma’' imcllect). 118
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.12 Estados dc contusão mental e sérias dificuldades de aprendizagem foram quase sempre diagnosticados. no âmbito da psiquiatria, como deficiência mental. A parte os casos de lesão orgânica, tratii-se, segundo Winnicott, de distú rbios emocionais do proeesso d e ama durec imento relativos a falha s do ambiente no cuidado eom essas crianças. Cf., por exemplo, o caso tle A s hnm, Capitulo 25 (1 9 9 6c). de W in nic ott. 1996a. .VI Kssa categoria refere-se àquelas duen^as indiscutivelmente físicas, como. por exemplo, a poliouiieii te ou o eseorbuto. I l ‘->
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termos dc amadurecimento, sc o cérebro está danificado ou muti lado por alg uma le são ou doença f ísica. Supondo- se um c cre bro intaeto, não se pode aplicar à mente os mesmos conceitos que se atribuem ao soma ou à psique, isto c, não sc pode dizer da mente que ela, em si mesma, é saudável ou doente. O funcionamento men tal depende da qualidade do tecido cerebral, mas este só pode ser descrito cm termos de melhor ou p ior, dc maior ou menor quociente dc inteligência. Não há sentido, diz Winnicott, na expressão “saúde mental”, valendo o mesmo, obviamente, para a expressão “doença mental”, urna vez que “não há, dc fato, nenhum vínculo entre os conceitos de saúde e de intelecto. Na saúde, a mente funciona nos limites do tecido cerebral porque o desenvolvimento emocionai tio indivíduo é muisfutório” (] 9
3-i Ile m i Frédérie A miel. professor c ie filosofia e meinor ialista iio século X)X, famoso pelo seu Jrmmat intime, que eobre 25 anos tle sua vida o tem aproxi mada mente entorse mil páginas, escreveu em 6 de novembro d e IS7 7: “A in teligência de assimilarão antecipa quase sempre a experiência íntima e pessoal" (Amiel. 19.11. vol. 2. p. 203). 120
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O que está em questão, do ponto de vista do amadurecimento e dos distúrbios relativos ao amadurecimento, não é, portanto, a constituição física ou psíquiea. Um bebê “não c o que se pode postular pela avaliação do potencial desse bebê. Klc é um fenômeno comple xo que inclui o seu potencial e mais o seu meio ambiente” (1970b, p. 196 ). 1‘ora compre ender isto, b asta obser var um a cria nça de dois anos c perceber que ela já não é a mesma desde que nasceu um novo bebê na família. Em muitos casos, chega-se í i diagnosticar uma enfermidade que exige tratamento. No entanto, diz Winnieott, | ... | a existência tia enfermidade não deve obscurcecr o fato de que essa criança é, agora, uma criança com tun irmão ou irmã menor. Com o mesmo potencial, essa criança seria diferente, caso ela fosse a menor ou o filho único, ou se o novo bebê houvesse nascido e depois morrido (1970b, pp. 196 e 197). Seja qual for o potencial herdado, os cuidados ambientais que o lactcnte recebe fazem parte do processo de sua constituição como pessoa. Sc a adaptação às necessidades for suficientemente boa, há chance de o indivíduo desenvolver, próximo ao máximo, as suas potencialidades hereditárias; em alguns casos, será, talsez, preciso que o ambiente compense e equilibre, tanto quanto possível, as tendências do bebê à enfermidade ou, mesmo, seja capa/, de lidar com enfer midades já estabelec idas. Pela teoria w irmieottiana do amadur ec iment o pessoal , nada está determinado de antemão. Má apenas a virtualidade de uma tendên cia na direção da integração, que leva, na saúde, à constituição de uma identidade unitária e ao estabelecimento de relações com o mundo e os objetos externos. O indivíduo realizará — ou não — sua herança na direção da integração, (lepcnduiulo do que a contece rá no encontro com o ambiente facilitador. Mais: o modo como ele a reali zará — ou deixará de realizar — c totalmente indeterminado e depende dc elementos imponderáveis, como os cuidados ambien tais, c, cm grande parte, da sorte.*'5 A existência não está fundada cm nenhuma positividade prévia que carregue em si determinações
.15 1’odc- sc, port an to , dizer que W inn ie ot t e oneebe uma teoriri nã o- causal dos distúrbios psíquicos, u que será abordado a seguir, neste mesmo capítulo, K por e.stii razão que Loparie- (1995b) cliania o bebê winaienuiuno tle “aconK- cciitc", atr ibuunlo lhe o s entid o de ser qu e Ueideíyjc r dá ao Ihisein. 121
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causais, que o processo dc amadurecimento apenas levaria a termo. Não há forças dotadas dc metas que lhes seriam intrínsecas, nem, já no começo, um conflito pulsional que ponha a vida em movimento, independente do indivíduo ele mesmo e da circunstância em que ele está lançado. O que impulsiona o psiquismo c o próprio fato de o bebê estar vivo e de carregar em si a tendência inata à integração. A tendência integ radora c conce bida não eo mo o result ado de um trabalho do psiquismo, mas c, ela mesma, o fundamento para a emerg ência do psiqu ismo. 0 processo d e amadur ec imento c a ma ni festação do potencial criador da natureza humana. Ele só pode se dar num tempo e num espaço que lhe são próprios, e que não são o tempo c o espaço lineares dos processos naturais cm termos físicos c biológicos.
6.
Integ raçã o pela experiência pessoal
Uma tias teses básicas da teoria winnieottiana do amadurecimento pessoal é a d e que, para o indiv íduo cheg ar a sentir- se vivo e poder apropriar- se dc suas p ote ncialidades herdad as ou cong ênitas , todos os estados do ser precisam ser experierieiados; caso contrário, esses estados per manec em não- integ rados na pessoalidade. Isto sc refe re tanto a conformaçõ es físicas c t endê ncias da personalidad e qua nto a estados e fatos da vida: o nascimento, a continuidade dc ser, os estados de quietude ou dc excitação, os encontros c desencontros, a s olidã o tia p ré- depcndcncia , o estado dc amor fia do início, as ag o nias impensáveis etc. Winnicott rccusa a idéia de que sc possa consi derar elementos que pertenceriam ao indivíduo independentemen te da sua própria ex periência dei es. ^ O que Winnicott entende por “experiência”? O conceito não se encontra claramente definido em sua obra; c um desses conceitos cujo sentido deve tornar-se inteligível por si mesmo, a partir do uso que Winnicott faz dele ao longo da sua obra. Km primeiro lugar, o que c experiência varia conforme o momento do amadurecimento. Deve- se, por ta nto, difer enciar o s entido do ter mo “ ex periência ’1, 36 Este será, portanto, um tios aspectos centrais tio trabalho terapêutico: fornecer as condições p;ir;i que iiijuiUi que não foi cxperieneiatlo o seja, pela primeira vez. nas condições especiais do uetting iiiinlíiico.
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quando referido a estes estágios iniciais, daquele usado para quando alguma experiência do si-mesmo unitário e do mundo for alcançada, o que incluirá um início de integração no tempo e no espaço, assim corno o alo jame nto da p sique no corpo. Em se g undo lug ar, re unindo as inúmeras passagens acerca do tema, pode-se afirmar que “expe riência” e “sentimento de real” g of real ) estão mutuamente (feeUn, imbrieados: só aquilo que é dado na experiência 6 real para o indi víduo. Mas pode-se, igualmente, dizer que algo — um estado de ser, uma fantasia, um sonho ou um acontecimento — só é uma expe riência se for sentido como real. () “real” aí implicado não tem nada a ver eom a realidade externa, no sentido da realidade que é represcntá ve l, per ceptí v el, visuali zável e dizível. ü chama do “princípio d c realidade” de l<'reud — que, na redefinição de Winnicott, “ó o fato da existência do mundo, independentemente de o bebê tê-lo criado ou não” (198611, p. 32 ) — , é, par a W innic ot t, “o ar quiinimig o da espon taneidade, da criatividade e do sentido dc m d ” (1984Í, p. 241; grifo s meus). Um homem, de aproximadamente quarenta anos, que padece de uma descr ença qu e corr ói qualquer re alidad e, disse- me: “Fui s ocial i zado antes dc me tornar unia pessoa, Sei muito bem o que se espera dc mim c cumpro meus deveres com exatidão, mas nada, jamais, fez qualquer se ntid o. Nã o me s into real, não sinto o mundo ou os outros reais. Não tenho história, Não sei por que vivo ou continuo vivendo," Esse homem não tem problemas com o princípio dc realidade, mas padece da falta do sentimento de real. Uma das poucas referências ao caráter geral do que seja expe riência acha-se numa carta de 1952, a Monev-Kyrle: [...] a experiência é um trafegar constante na ilusão, uma repetida procura da interação entre a criatividade e aquilo que o mundo tem a oterceer. A experiência é uma conquista da maturidade do ego, para a c [ual o ambie nte fornece uni ing re diente ind ispen sável. Não é, de modo algum, alcançada sempre (1 9871 j , p. 38).
lí o ambiente que. no início da vida, propicia o ingrediente indis pensável para o estabelecimento da capacidade para a experiência, lísse ingrediente consiste na possibilidade tle o bebê habitar, duran te o tempo necessário, num mundo subjetivo, que é regido pela “ilusão tle onipotência”, sendo esta a única base sólida para a cren ça, q ue irá g ra dualme nte se estab elecer, na re alidade d o si- mesmo e 12.1
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tio mundo .17 Os limites do mundo s ubjetivo sí io traça dos pelo âmbito de onipo tênc ia do b ebê. T udo o que a í ocorre torna- se uma cxpericncia do lactente, pois, sendo pautado pelo ritmo do bebê e derivando do gesto espontâneo, acontece de tal forma que não ü rompe com o sentido pessoal da existência, que, nesse momento, é continuidade dc scr. A capacidade para a experiência está relacio nada, portanto, à espontaneidade, à criatividade srcinaria, à raiz do si- mesmo ver dadeiro, e m s uma, ao .ser. Res umindo, se g undo a concepyão w innicott iana, o bebê já c um ser human o desd e a vida in tra- uter ina, e i sto sc define pela sua capa cidade inata de fazer experiências. Apesar de inata, essa capacidade precisa ser exercida, tornada real e integrada à personalidade, c isto só se realiza se, no decorrer dos estágios iniciais, o bebê for provido de cuidados facilitadores, caso contrário a capacidade feneee ou paralisa. A capacidade para a experiência c, portanto, uma aquisição do amadurecimento, depende um elemento facilitação ambiental.que Deste modo,depode ocorrer imponderável: de ela não scra alcançada. Por isso, embora seja possível induzir um bebê a aliment ar- se e a dese mpenhar todos os processos corporais, ele não sente estas coisas como experiências , a menos que esta última se forme sobre uma quantidade de simplesmente se r que seja suficiente para constituir o eu que será, fina lment e, urna pessoa f l9W 7c, p. l>; gr ifos meus ).
Há pessoas que não encontraram, no início, uma base para ser, por não lhes ter sido permitida a ilusão de onipotência; nelas, o senti do de real c tão debilit ado que, não impor ta as vezes pelas qua is passam por determinadas situações, tudo sempre se desrealiza, c elas têm de voltar sempre a começar, como se nada tivesse aconte cido. Registram o fato, numa memória de arquivo, mas nada, nelas, foi afetado ou se modificou. Diz-se, cm geral, que essas pessoas não aprendem com a experiência, mas, talvez, seja ainda mais exato dizer que elas não são capazes de viver experiências: ao invés de estarem ali, no acontecimento presente, elas estão fora dc si, ocupadas em defender-se de alguma invasão, de algum tipo de aprisio» 37 Os conceitos de mundo subjetivo, área üe ilusão de onipotência e capaci dade para a ilusão, centrais no pensamento winnicottUino, serão tratados em detalhe no Capítulo III.
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ua ment o, prev enindo alg um mal- estar que p ossa advir; mdit o que ocorre, então, é externo a elas, tle niotlo que nada permanece. ü valor insubstituíve l da ex per iência parece te r sid o uma convic ção que permeou não só a teoria eomo a própria vida de Winnicott. Na proximidade da morte, tendo começado a escrever sua biografia, cujo título seria Not Less than Everythiiig,M W innicott escreve uma prece na qual pede a Deus para estar vivo 110 mome nto de sua morte , de modo a que t ambé m est a tosse uma e x per iênci a, a última.- 1*' Dessa mesma convicção deriva, provavelmente, a sua conhecida aversão a todo o tipo de construção teórica abstrata, desvinculada da experiência, li em função dessa aversão que o termo "experiên cia” não é definido, mas simplesmente usado, para que seja com preendido não pelo intelecto, meramente, mas por 11111outro tipo de precisão, a do contexto especificamente humano. Os conceitos devem at ingir o leitor no campo ex perien eial , pondo- o diretame nte 11a situação. Para assinalar que o cuidado materno se dá pela identifi cação da mãe com 0 bebê, c não por via de um ato mental delibe
rado, Winnicott diz: “Verificamos que ela não tem de fazer uma lista do que tem a fazer amanhã; ela sente o que é necessário no momen to” (1965ve. p. 68). Ou, ainda, tentando mostrar às mães que elas não devem ter a expectativa dc que os bebês sc põem a mamar assim que nascem: “Muitos bebês precisam de um período de tempo antes de começarem a buscar, c, quando encontram um objeto, nã o vão querer , neces sar iamente, tr ansfor má- lo num a r efei ção”ílá (196Sf, p. 56), conseqüências teóricas importantes derivadas das concep ções de experiência, da capacidade para ter experiências c do fato de o bebê ser já. desde o início, um ser humano capaz dc ter experiên cias. Certas dificuldades apresentadas por um determinado lactcntc — c omo uina ex pectativa de p er se guiçã o, por ex emplo — , ao invés dc serem atribuídas à hereditariedade, ou ao inconsciente da espé cie, podem perfeitamente estar relacionadas ao processo dc nasci mento, que foi excessivamente demorado, ou a outras experiências precoces de invasão ambiental, Os pesquisadores que, tão facil mente. atrihuem ao fator hereditário algumas manifestações primi tivas ile um bebê. não levam em c onta a sua pré- hist ória e o fa to de a -Vi TYat:t-se tle uni verso tinido ilo último “quarteto" cie T. S. líliot.
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dependência ser sig nificativa t ão log o algo corn o um estado de scr se inicia. E muito simples, diz Winnicott. afirmar que os bebes paranóides possuem uma tendência hereditária ou estão manifestando uni fator constitucional, mas o que a argumentação ao longo desta linha de raciocínio faz é desconsiderar e “empurrar para o lado os importantíssimos c interessantíssimos fenômenos do desenvolvi mento do indivíduo, e das memórias da experiência pessoal” (1988, p. 170). E verdade que, estando o corpo sempre incluído, o fator heredi tário biológico — sc é que se pode isolá-lo com clareza — está sempre present e: enquanto alg uns recém - nascidos ap re se ntam in tensa sensibilidade à claridade c necessitam da penumbra, há outros cuja sensibilidade é térmica, tátil ou auditiva. Alguns, de fato, assus tam-se muito com ruídos, enquanto outros simplesmente parecem não ouvir o barulho. Má bebês que se afetam extraordinariamente com a atmosfera emocional do ambiente; outros são mais isolados c meditativos. Má bebês muito rápidos, ou, talvez, mais sensíveis ao desconforto e à dor; assim que um impulso chega, eles já estão berrando. Há outros lentos, que necessitam dc tempo para que unia experiência sc realize c que sc ressentem muito se o ritmo ambien tal é apressado. Existem bebês cuja sensibilidade está mais igual mente distribuída; outros têm urna sensibilidade específica exacer bada. O fato é que existem bebês de todos os tipos c, provavelmente, uma sensibilidade acentuada predispõe tanto para unia capacidade específica extraordinária — responsável, às vezes, por uma geniali dade — quanto para uma doença: um bebê eom essa sensibilidade c altamente suscetível de ser atingido c traumatizado. Além disto, como já foi mencionado, há que se incluir, na consideração destes aspectos , a pré- história d o bebê e o fat o dc ele já ter tido inú mer as ex periênc ias durante a vida intra- uterina. E certo que uma criança muito sensível exigirá mais da mãe, mas quando se fala de adaptarão ativa pensa-se exatamente na capa cidade q ue leva a mãe a adaptar- se u uni cerro bebe, singular, c não em uma técnica dc criação dc bebês. Embora, como já se disse, a genética determine alguns padrões e características individuais — ser alto ou baixo, ter mais ou menos massa muscular, ter um melhor ou pior tecido cerebral, maio r ou menor v italidade, ou se nsibil idad e. — nad a disto é deter minante em termos d c amadurecimento. Q ua n do se atr ibui ã cons tituição certas caract erísticas ou distú rbios, não 120
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se presta a devid a ate nção à técnica adaptativa da m ãe .10 () mais importante de tudo é o bebê dispor dc uma mãe que se adapte a ele. e o acompanhe tal qual ele c c pode ser, em seu amadurecimento. Deve-se também incluir o fator sorte, contribuindo para que a mãe exerça bem a sua função: uma conjunção feliz, por exemplo, é o fato dc uma criança lenta ter uma mãe também lenta, e não uma que é demasiadamente rápida e que se aborrece ou perde a calma com a lentidão do bebê. O fato é que, se incluímos a participação essencial do ambiente na constituição do psiquismo humano — participação que é ante rior e condição de possibilidade para a constituição das relações objetais —, não há escapatória: temos de esmiuçar e levar em conta os detal hes s utilí ssimos da relação mã e- bebÔ nos es tágios mais primitivos. 7.
O estado de não -integra ção dos estág ios primitivos
Se todo o processo de amadurecimento caminha na direção da inte g ra ção, c m que est ado se enc ontr a o bebê ao i niciar- se este pro cesso? Winnieott postula que, no iníeio, e cm toda a extensão dos estágios primitivos, o bebê vive a maior parte do tempo num estado dc não- integ ração: Uma pequena quantidade de teoria é necessária se sc quer alcan çar o lugar onde as crianças habitam — uni lugar estranho — onde nudu foi ainciu separadocomo não-eu, onde, portanto, ainda iiáo het umeu. | .., | nenhuma mãe. nenhum objeto externo ao si- mesmo 40 A importância do ambiente para a formação da personalidade do indivíduo não é uma novidade. Já a publicação, em 1946, do livro de Anua Kreud, O ego e os mecanismos de itefesa (1968), provocou uma reavaliação do papel da mat er nidade e do cuid ado ambiental no des envolvimento p rimitiv o do laetente. T ambém o s tra balho s realizados por Doroty B urling ham e A nna Freud (19421, durante a guerra, resultaram no desenvolvimento do estudo acerca das con diçõ es ex ternas e se us efeitos. Antes da guer ra. J ohn Bowlb y estudou os antecedentes de crianças perturbadas e, num estudo formal de 150 crianças com vários tipos de problemas, descobriu um vínculo direto entre roubo e privação, estando esta relacionada em particular à separação da mãe nos primeiros anos da i nfància (cf. Bowlby, 1951: Winnieott, 195 Ia. P 176). 127
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é conhecido. í: mesmo esta afirmação c errada, porque» ainda não há um si- mesm o. Podo ser dito que o si- mesmo da criança . nesse primeiro está gio, â apenas potencial (iyí>5vf. p. ÒO).
Embora haja ali um bebê para o observador c para a mãe, ainda não há, para u bebê, nem ele mesmo, nem mãe. nem mundo. O bebê não é ainda uma inteira unidade; inúmeros aspectos, vão ser inte grados à pessoa queos ele será, estão aindaque deseoncetados. Não- incugr ado, o bebê es tá como que es palhado, “des org anizado, uma mer a coleção d c fe nômenos sensó rio- motores re unidos p elo suporte do ambiente" (1965s, p. 175). A não- integração, que vem acompanhada por uma não- eonsciêneia (1988, p. 136), não é um déficit, li o estado natural de extrema ima tur idade do bebê e sig nifica fal ta de re união num si- mesmo, f alta do integ ra ção no esp aço c n o te mpo, f alta d e integ ra ção psicos somá tica, enfim, falta de inteireza (ivholeness). () única temporalidade de que o bebê dispõe, no início, além do tempo biológico, é a sensação difusa de poder continuar a ser. A denominação negativa — não- integr ação — te m suas r azões de ser: refe re- se a um d. p. 165).
O ponto importante da teoria é o seguinte: c som ente a par tir da não- integr ação que as v árias fo rmas de integ ração p odem se produzir. Fosse a integração dada. c o scr humano não seria tal qual é. uma vez que, tanto a saúde quanto as dificuldades c os distúrbios que são próprios dos humanos são estados relativos ao I2 S
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sucesso ou ao fracasso das tarefas integrativas dos estágios ini ciais, enquanto conquistas do amadurecimento, Neste ponto, a posição de Winnicott apresenta uni avanço significativo sobre a teoria tradicional, concebida a partir das neuroses, que são distúr bios dentr o dc u ma personalidade já integr ada; esta teoria não tem como tematizar natureza particular conquistas fundantes, e, deste modo, anão permite avaliar dessas as conseqüências do fracasso nessas conquistas,■ *’ A partir da não- integração, pequenas ex periências de integ ração ocorrem nos estados dc excitação e, logo depois, o bebê retorna ao es tado nã o- integ rado, para descan sar. Aos p oucos, o estado d e int e g ra ção torna- se mais está vel e consis tente. Nunca s erá, contudo , um território seguro do qual o indivíduo tem o documento de proprie dade. Haverá sempre o risco de se perder, mas isto dependerá cada vez mais, n a sa úde, de situaçõ es de ex tr ema sobrecar ga . 0 indivíduo saudável não se preocupa o tempo todo com sua sobrevivência psíquica. 8.
A relação m ãe-b ebê : a dependência absoluta
Durante os estágios iniciais, o bebe vive a maior parte do tempo no es tado de não- integr ação, cm s ituação d e dependência abs oluta, o que só e possível graças à adaptação também absoluta da mãe. Ainda no c nos após o nascimento, a dependência c tãoútero extrema queprimeiros não ómeses possível pensarmos no novo indivíduo como sendo uma unidad e. “A unidade é o conj unto ambiente- indi v íduo, unidade da qual o bebê é apenas uma parte” (19SS, p. 15,1). É este o sentido da famosa afirmação de Winnicott dc que "diis thing such a hctby does noi exist". Sendo assim, não há como descrever um bebê, 41 li de notar que. em Winn ico tt, todas a s conq uis tas o capa cida des, isto é, tudo aquilo de que o indivíduo k c apr opria, prirte d e uma não- capaci dade. dc uma ausência, de um negativo cio qual algo surge. lixsa ncgiitividade. que está na srcem, nunca c inteiramente ultrapassada. Ela permanece como a mar ca da prec ariedade tl e todas as conquistas da vida . T udo o que p assa a ser pode, cm seguida, deixar de ser. Esta é uma das possíveis aproximações do pensa mento de W innico tt, sem qu e ele saib a, com a ontolog ia da í inJtudc dc M. Heid egg er. Este ponto será re tomado no final do Capítulo IV. na scyã o que se refere à morte eomo uma volta ao início. 120
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ou uma criança pequena, sem que se inclua, na descrição, os cuidados que ela está recebendo. É apenas gradualmente que os cui dados ambientais vão sendo incorporados como aspectos do si-mes mo do bebê. ao mesmo tempo em que o ambiente faeilitador vai se transformando em algo externo e separado dele (cf. 1987c, p. 47). O ambie nte — que, no início, c a mã e, ou melhor, os modos d e ser da mãe de/e,pode Não ser há, chamada aqui, dois indiví é parte bebê, iiidisiingiiívd duos,—mas umado relação sui gencris que daiscm-um..4O estado de dependência absoluta não esúí fundado apenas na fr ag ilidade d o bebê ou cm sua incapacidade de sobreviver s em ajud a; também não se refere ao que seria uma influência maciça do ambi ente que "produziria” o bebê, de si tabula ram. Não se trata, tampouco, de dependência afetiva, uma vez que o bebê não está sufi cientemente amadurecido para ter afetos. A dependência absoluta refere-se ao fato dc o bebê depender inteiramente da mãe para ser — do modo é, como inicial ser, nesse realizar a suacomo tendência inata pode ã integração cm momento uma unidade. O— relae para cionamento peculiar coin a mãe, na dependência absoluta dos está gios iniciais, fornece um padrão para as relações que o bebê venha a desenvolver com a realidade externa, lí no interior desse relaciona mento que está sendo construída a ilusão do contato com o mundo ex terno, a confiança dc que a comunica ção in ter - humana é possível e tle que a vida faz sentido. Apesar dc a palavra “dependência ” im plic ar a ex is tência dc um outro ser humano, esse outro não é ainda um objeto, no sentido clás sico termo, uma voz ou quedesejar o bebêobjetos. não temAamadurecimento sufici ente do para ter, perceber mãe não é um objeto externo, nem interno, porque o sentido da cxternahdade. assim co mo o dc mundo interno, ainda não foram constituídos. l)o ponto dc vista do bebê, “não há, nesse estágio tão primitivo, nenhum fator ex terno; a mãe é parte da criança” (1965n, p. 59). Apesar disto, os cui dados maternos participam intrin se camente da cons tituiçã o paula tina do si-mesmo, e o bebê c imediatamente afetado pelo tipo de cuidado que recebe.
42 Esta expressão foi proposta, pela primeira vez, por Z. Loparic. ('f. Uiparie. I*J97a. 130
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O conceito winnieottiano de “ambiente” inicial deve ser enten dido s eg undo seu s doi s aspecto s essenci ais: a) ele nã o é ex terno nem interno; b) ele é a instância que sustenta c responde à dependência: o bebê necessita totalmente dc um outro que ainda não é um outro, separado ou ex ter no a ele .1'1 Encontra- se, aqui. e mbutida a ideia, cujo e filosófico estíímesmo ainda por devidamente apre alcance ciado, depsicológico qu e a r ealidade do sie aser re alidad e do mundo são constituídas ao longo do processo de amadurecimento, no inrerior d a r elação mãe- itebê. A cons tituiçã o do eu. eoncomitan temente à constituição da realidade intrapsíquiea e da realidade externa, só se dá na r ela ção com o ou tr o; o si- mesmo do bebê emerg e, neces sar i amente , de dentr o da unidade beb ê- mãe. O "eu ”, como uma ide nti dade se parada do não- eu, é um ultr apas same nto da ident if ica ção primária que ocorre dentro da unidade fusional inicial, lí este o sentido da sig afirmação de Winnicott de que dc nte, I2U seja SOU ju n “[■■I não nifica nada , a não ser tpie otm,estatuto inicialme tamente com outro sei- humano tjue ainda não foi diferenciado" (1987c. p. 9; grifos meus). () âmbito onde sc dá o amadurecimento não é um es paço iritr apsíquico, mas inter- huinano, um entre a mãe e o bebê.44 Esse espaço é ainda p ré- pessoa l, pelo fato de não ha ver
43 A concepção tle um ambiente que, rui início, não c externo ao bebê, mas parte inteiramente srcinai, só emser relação à psicanálise tradi cional, del mase,a ôpsicologia em geral, só não podendo entendida em sua peeuli:iridade a partir da teoria do amadurecimento. Esta é a rauão para, quando sc tenta contrapor M. Klein a Winnicott pela polarização interno/externo, considerar a questão mal colocada o o debate infrutífero, visto que. qutmdo um e outro falam du ambiento, não ó à mesma coisa que elos estão ,se refe rindo. 44 Em alg umas p assagens d e sua obra. como na que se seg ue, Winnic ott afirma que, no momento inicial, o que encontramos c “uma total mistura [merj^n^] do indivíduo no ambiente, descrita pela expressão naroisismo primário" (1088, p. 177). Nesta mesma obra, ele esclarece o que entende por narcisismo primário: '‘O naroisismo primário, ou o estado cmteriur à aceita ção du que existe um meio ambiente, c o único estado a partir do qual o ambiente pode ser cria do" ( 19WiS, p. 15 1). Km ou ir o tex to, referin do- se à imat urida de c à dependência que caracterizam esse momento inicial, lê-se ainda o se guinte: “Nunca fiquei satisfeito com o emprego da palavra ‘narcisista' cm fora as tre conexão a isto, porque tudo conceito de narci,sismo deixa de mendas diferenças que resultam da atitude e tio comportamento geral da mãe " ( l ‘>72c, p. 1 4‘)). t.H
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ainda duas pessoas; onda um é parte tio outro, na unidade tio dois- em- urn. A pes ar dist o, deve- se as sinalar que. desde o abs oluto início, existe já um pequeno descolamento, uma pequena fenda entre eles, visto que, "mesmo no contato mais íntimo possível, haverá uma ausência tle contato, de modo que cada indivíduo manterá, essencialmente, um isolamento absoluto, permanente p. 1 78 ).4S Contudo, ao m es mo tempo mente e para sempre” (1988. que já existe, e sempre existirá, esse espaço — que separa mãe e bebê, e estará sempre isolando o indivíduo tio mundo externo — uirulu não existe enquanto tal; sua realização c uma conquista do amadurecimento, que só começará a se efetivar no estágio da transicionalidade.'" Pode-se encontrar, na biologia, algo análogo a esse isolamento fundamental: o “ovo” c um hóspede no corpo tia mãe, e não uma parte dela; durante a gravidez, ele ficou envolvido por um conjunto de substâncias, que se constituíram para a proteção dele,nasce, ao mesmo tempo que o “separavam” da mãe. Quando o bebê esse conjunto de substâncias c perdido; mas tanto ele como a mãe não perdem nada dc seu. Do ponto de vista da pessoa humana que está sendo cons tituída, esse ‘es paço” — que per mite o i solame nto básico — está lá desde sempre e para sempre; ao mesmo tempo ele irá tornar-se, no devido tempo, a primeira distância real entre a mãe e o bebê, uma distância que simultaneamente separa e une. A ana logia do “ovo” evoca, portanto, a solidão essencial — que é o estado srcinário no qual o bebê sc encontra no mais absoluto início, quando o ser emerg e do não- ser — , solidã o que s erá prese rv ada para se mpre , não impor ta quão comunicat iv o ou bcin- re laeionad o com a realidade externa o indivíduo se torne. K desse isolamento funda mental que irá emergir a ilusão básica de contato e, mais tarde, o espaço potencial; no devido tempo, esse espaço será preenchido pelos fenômenos e objetos transicionais que são, simultaneamente, parte do bebe e parte do ambiente.
45 Esse ponto da teoria será explieitailo 110 Capítulo IV, Seção l). 46 O estádio transieional e os fenômenos tia transicionalidado serão apresen tados 110 Capítulo IV. Seção 2. 1 32
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9.
Ca racteriza ção adicional do ambiente faeil itador : a mãe s ufic ien tem en te bo a e o p ai do b e b ê 1 *7
0 ambiente f aeilitador é . no i nício, a "mãe s uficientement e boa ”. A ex pressão ‘'suficie nteme nte boa” refere- se à mãe capaz de reco nhecer e atender à dependência do laetente, devido à sua identifi caç ão com ele, a qual per mitc- lhe saber qual 6 a necess idade do bebê. num dado mom ento , e res ponder a ela . Da bondade \ su/ictentc” faz parte a espontaneidade c a pessoalidade da mãe no seu cuida do com o bebê, além da sua capacidade dc ac re ditar que o b ebê é um processo de amadurecimento em curso c que, portanto, não é ela — seus cuidados ou o controle da situação — que dará vida ao bebê. A mãe apenas facilita um processo que pertence ao bebê. Ela é su/iciemememe boa porque atende, ao bebê. na medida exata das necessidades e não suas necessidades, como,ita poré da ex emplo, a d deste, e ser boa oudemui to próprias boa. () que <> bebê necess preocupação e dos cuidados efetivos de uma mãe real, que continua sendo consistcntementc ela mesma, falível porque humana, mas conf iáve l ex ata ment e por ser falív el.-11* Bem de início, a mãe suficientemente boa procede a uma adap tação absoluta c, um pouco mais tarde, a uma adaptação relativa às necessidades (needs) cio bebê. Winnieott insiste em que sc trata dc “adaptação à necessidade" e não de satisfação de desejos. Com isto. ele caracteriza claramente a especificidade dos estágios iniciais: o bebê não é ainda um indivíduo que tenha desejos, mas um ser imaturo em estado dc dependência absoluta. Com relação a esse período, uma fonte dc equívocos
47 Os psicanalistas dc orientação freudiana e klciniana têm dificuldade em aceitar a idéia dc que, nu inicio, n relação seja exclusiva com a mão, isto é. puramente dual. já que isto descarta a concepção do complexo cdípico co mo e struturante do ind ivíd uo. 48 A mãe suficientemente boa é o paradigma do analista ua clínica winnicottiana. üuurd ada s as difer enças, o qu e vale p ara a primeir a aplica- se ao segundo. No que sc refere à necessidade da mãe dc scr "muito boa’’, lembro- me dc um rapaz que havia sido s ufocado por essa necess idade de sua mãe. Ao entrar pela primeira vez na sala do meu consultório, disse: 'Tara que tantas almofadas? Vou ter dc usar todasV" 1.1.1
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[...j é ;l idcia (que alguns analistas têm) tle que o termo "adap tação As necessidades”, no tratamento dc pacientes fronteiriços c no cuidado do bebê, significa satisfazer os impulsos do id. Nesta situação não há a questão de satisfazer ou frustrar os impulsos do id. Há coisas mais importantes acontecendo, e estas são prover apoio aos processos do ego ( l ‘J 65vd, p. 217). Numa ca rta a Li li Pellcr, dc 19 66 , W innico tt rela ta que, te ndo saído da pediatria com a consciência alertada para a dependência infantil, achou exusperante que a única dependência que seus cole gas psicanalistas podiam considerar era a relativa às necessidades ínstintuais. li acrescenta: "E m tex tos m ais recentes, venho tenta ndo enumerar as angústias dc tipo psicótico que agrupo em torno da palavra ‘necessidade’. Elas não têm nada a ver com instintos [insftncf.s]” (1987b, p. 136). Em outro texto, afirma que. nos estágios iniciais mais primitivos, (...) ca palavra "necessidade” que tem importância, assim como a tem a palavra "moção” na área da satisfação do instinto. A palavra "desejo” está fora de lugar, já que corresponde a um grau de sofis ticação que não potle ser presumido neste estágio que estamos considerando” (19701), p. 199, nota 7). O ambiente se adapta “às necessidades que surgem do ser e dos processos de amadurecimento” (1965j, p. 167). Ou seja, é da neces sidade de continuar a ser que surgem todas as outras necessidades, sendo que todas cias prevalecem, e muito, sobre qualquer princípio do prazer. E por isso que o desenvolvimento da instintualidade humana e pensado, por Winnicott. dentro da linha mais abrangente do amadurecimento pessoal, A ada ptação abs oluta da mãe às neces sidades do bebê é tempo rária, mas, enquanto dura, implica um envolvimento total. Um bebê necessita nada menos que de uma pessoa total, ou seja, intei ra mente e ntreg ue ou devotada a e le, nem qu e s eja p or um pequeno período de tempo, a cada dia. Isto, em geral, é possível, porque, quando é saudável, a mãe entra num estado de "preocupação materna primária", que se inicia nos últimos meses da gravidez e que assim sc mantém por algum tempo após o parto. Trata-se dc uma condição psicológica muito especial, de sensibilidade aumen tada, que 1 34
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[...[ poderia ser comparada :i um estado du retruimeim» mi tle dissociação, ou a uma fuga, ou mesmo a um distúrbio num nível mais profundo, como, por exemplo, um episódio esquizóíilo, no qual um determinado aspecto da personalidade toma o poder temporariamente (195Nn, p. 401). É o bebê, e a totalidade dos cuidados com ele, que tomam conta da vid a da mãe. Em v irtude d este e stado, q ue implica uma reg ressão parcial, a mãe to rna- se capaz de id entifica r- se com o bebê e d e saber o que ele precisa. A o mes mo te mpo, cia co nserva o seu lug ar adulto, de modo que se encontra apta não apenas a compreender, mas a cuidar ef etiv amente do laetente, prov idenciand o as co isas de qu e ele necess ita. Rendo madur a, a mãe não fica na rei si ea mente fe rida por ver- se esv aziada d e s ua vida pess oal para dedicar- se à tar ef a dc cuida r do bebê. A mãe suficientemente boa c devotada ao bebê. O termo “devoção”, que inclui o envolvimento total da mãe e sua capacidade para cuidar da criança, nada tem a ver com sentimentalismo. Qual quer tipo de sentimentalismo, diz o autor, é pior que inútil, pois contém uma negação inconsciente do ódio e da agressividade, que são subjacentes a todo esforço construtivo, mesmo quando sc trata de criar um filho. Pensa-se com freqüência nos cuidados maternos çm termos de indulgência, mas o amor ou a bondade da màe suficientemente boa não é habitualmente indulgente. Se, devido a algum tipo de priva ção, o laetente apresentar um período especial de necessidade e a mãe for capaz de entender a necessidade que lhe é assim comuni cada, ela p oderá to rnar- se indu lg ente , e “mimá - lo", dura nte um ce rto tempo, mas essa indu lg ência é, na verda de, uma ter apia qu e se tornou necessária em virtude de algum fracasso do cuidado materno habitual. “A terapia fornecida pela mãe pode curar, mas isto não é amor materno” (1958c, p. 413). A adaptação da mãe ás neces sidades da cria nça não te m relação eom a sua inteligência, nem advêm do conhecimento que pode ser adquirido em livros ou em palestras. Seu saber é de tal natureza que a põe em condições de cuidar, com sucesso, do laetente, sem qual quer apreciação intelectual sobre o que está acontecendo, e sem a necessidade de compreender tudo. O que a orienta é a sua capaci dade dc id entificar- se com o bebê. Essa a ptidão vem da sua próp ria experiência de ter sido um bebê e de ter sido cuidada; ela guarda memórias corporais de conforto e segurança, além de experiências 135
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dc intimidade pessoal. Além disto, a mãe sabe das necessidades do bebe porque está viva e tem imaginação. Ela consegue esperar que o gesto espontâneo surja porque “sabe” dc muitas eoisas sutis, eomo, por exemplo, que, para ser transladado de um lugar para outro, um bebê precisa ser preparado e o moumento total requer tempo: ela sabe também que c mais importante respeitar a recusa do bebê dc mam ar do que torç á- lo, por disciplina ou p or temo r da des nutrição, não- idimenUtr constitui porque, em termos do amadurecimento, “o a base do alimentar" (196Sf, p. 55).4'J Embora a preocupação materna primária seja um estado que aclvém, naturalmente, eom a maternidade, existem mulheres que o temem e que resistem à regressão nele contida. Elas permanecem agarradas às suas ocupações adultas e não conseguem, ou não su port am, identific ar- se eom o b ebê. Esse tipo d c mãe tender á a cuidar do lacccnte por via mental; seus atos serão deliberados, regidos por regras intelectualmente estabelecidas. Talvez ela consiga provê-lo de algumas coisas básicas, mas não será capaz tia comunicação profunda e silenciosa que a intimidade traz. Ela cuidará dele “eomo se cuida dc bebês”, isto c, com um cuidado impessoal. Este é tipica men te o caso da mãe que /a s , mas que não é.5 " Os cuidados suf icie n temente bons de que um bebê necessita não são os arquitetados pelo pensamento, os deliberados, ou feitos maquinalmente; esses cuidados só podem ser fornecidos por um ser humano, a mãe ou substituta, que está viva e capaz de pôr-se na pele do bebê, ao mesmo tempo em que permanece sendo adulta e, continuamente, ela mes ma. É surpreendente como os bebes parecem vir dotados de um controle de qualidade da comunicação que se tenta estabelecer com eles. Quando a mãe, por sua identificação e preocupação eom o bebê, está atenta no sentido de prevenir e evitar a ocorrência de fatos imprevisíveis, que possam assustar ou mesmo traumatizar o
49 Este c m:iis um exemplo de eomo Winnicott parte tia ne^aiividade, do não- ser- ainda> para que qualquer conquista tenha s entido, lim nutras passa gens, as sinalando que o ú nic o comer real te m eom o base o não- oomer, W in ni cott diz que es te po nt o tr az urna for midáv el cont r ib uição para a questão da nnorexia. Cf., por exemplo, Winnicott. 1963d, p. 95, e lVfiSj, p. 166. 50 A dis tinção entre “se r” e “ fazer ", entr e o seio q ue "é" e o seio qu e “f az” , será melhor examinada no Capítulo lil, Se^ão 6. I,V>
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bebê, essa atenção não advém de uma deliberação intelectual, mas acontece quase sempre em seu corpo. Iílíi toda está atenta e isto se reflete em sua postura; seus movimentos, seu olhar estão dirigidos ao bebê c são, de modo natural, protetores. Mesmo que entregue ao envolvimento total, psicossomátieo, com o bebê, a mãe, cuja espontaneidade é preservada, é capaz cie scr eonsistentemente ela mesma. A partir daí, o que há para ser feito acontece naturalmente, porque “as crianças sempre tomam o me lhor dc nós mesmos”. Por isso, | — ] para sermos coerentes e, assim, previsíveis para os nossos filhos, devemos ser nós mesmos.Ec formos nós mesmos, os nossos rillios podem chegar a conhecer- nos. Se estivermos representando um papel, seremos certamente descobertos quando nos surpreen derem sem as nossas máscaras (1993b, p. 141). Com o tempo, e na medida da capacidade maturacional cres cente do bebê. a mãe suficientemente boa torna a adaptação cada vez menos absoluta e, deste modo, permite que ele, gradualmente, caminhe na direção da dependência relativa c, depois, rumo à inde pendência. Se a mãe é saudável, a desadaptação acontece de forma natural, por coincidir com um momento cm que ela já está cansada das exigências que a adaptação absoluta requer. Esta passagem é essencial para o amadurecimento do bebê; caso a mãe não seja capaz cie abdicar da adaptação absoluta, isto pode gerar sérias difi culdades para a criança. --Ao descrever us cuidados sitjiviautnnciuc bons da mãe dedicada comum, W innieott afasta q ualqu er idealizaçã o da figura mat er na ou pate rna.31 Nem os p ais são anjos alt ruísta s, nem o mundo que r odeia o bebê é uni paraíso. As crianças não tiram nenhum proveito da perfeição mecânica. Se fosse possível escolher, confessa o autor, ele preferiria mil vezes ter uma mãe capaz dc ter dúvidas sobre a sua 51 A poiado e es timulado por Isa Benu ie. durante a longa série de p alestr as ra diofônicas para a BBC, Winnioou conta ter sido ela quem "pingou a ex pres são iriãe suf icie nte me nte boa' de rude» aquil o a cujo re speito cu tinha talado até ent ão [ ,..| . Rssu frase tornou- se imedia tam e nte um varai p ara pendura r coisas e aju stou- se à m inha necessidade d e es capar à idealiza ção c também aos eventuais intentos de ensino c propaganda. Pude seguir adian te com uma descrição da puericultura tal como. espontânea c naturalmen te, é praticada por nula parle” (1993a, p. XIV).
1.37
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conduta, e de pensar que algumas coisas andam mal cm virtude dc algo que ela fez ou não fez, do que uma que tivesse a tendência “de ex plicar tudo por algo e x terno”, sem ass umir a r esponsabi lidad e por nada (et'. 1993d, p. 119). Alem disto, se a mãe é saudável, ela muitas vezes odiará seu bebe bem arues de este adíjuirir a capaci dade de udiá- la. Winnicott elenea as boas razões que ela tem para tanto: o bebê representou um perigo para seu corpo durante a gravidez e y parto; é uma interferência na sua vida privada; machuca o seu seio; ela tern de a má- lo com ex creções e t udo o mais, s endo que ele ainda se mostra desiludido eom ela; seu amor excitado 6 interesseiro; não faz nenhuma idéia do que ela faz ou sacrifica por ele etc. etc. A mãe, naturalmente, tem de tolerar seu próprio ódio, sem negá-lo para si mesma, mas também sem poder fazer nada com isso; ela não pod e manifestá- lo dire tam ent e s obre o beb e, a nã o ser por meio de canções ou de expressões malévolas que cia diz, cari nhosa ment e.52 Uma da s coisa s mais not áveis na mã e co mum é, precisamente, "a sua capacidade de se deixar ferir pelo bebê e dc odiá- lo sem sc vinga r da cr iança ” (1949f, p. 286). Má, ainda, uma outra questão; as mulheres que acabam de ter os seus bebês encontram- se, elas mesmas , neces sa riamente, em es tado de dependência. É possível dizer até que as mães são tão desampa radas em relação ao desamparo do bebê quanto cie próprio. Para desempenhar bem a sua tarefa, ela necessita sentir-se amada na sua relação com o pai da criança, e aceita nos círculos familiares assim como no s mais amp los , que cons tituem a soc iedade (ef. 19 58 j, p. 13).
52 Winnicott aponta, inúmeras vezes, para o perigo do sentimentalismo que, segundo ele, 6 a negação do ódio natural dos pais pelo fato de serem tão atingidos pelos filhos. Algumas canções de ninar são a expressão da neeessidade de eles ex pressar em o s eu ódio, ev itando se rum reta liadore s, o que seria, isto sim, insuportável para o bebê. Uma dessas canções diz; “Balance, bebê, no topo da árvore Quando o vento soprar, o berço vai balançar Quando o galho quebrar, o berço cairá E o bebê vai cair, corri berço e tudo." A lg umas das nossas canções vão também nessa dir eção: “Boi, boi, boi. Boi da cara preta, pega ess e menino| ... j.” 1 .™
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O papel do pai, neste momento, é de extrema importância, sobre tudo na função de proteção da mãe e provedor do lar. Adequada mente protegida pelo seu homem, a mãe é poupada de ter de oeupar- se eom as co isas do mundo ex terno, para poder p reocupar- se inteiramente com o interior do círculo formado por seus próprios braços, no centro qualajudar está o abebe. pai é, além disso, ment e necess áriodopara mãe Üa sentirse bem em extrema seu corpo e feliz em seu espírito. Como, às vezes, cm especial com relação ao prime iro filho, a mãe tend e a ex agerar no s cuid ados, quer endo ef eti v amente torn ar- se mágica, de modo a adiv inhar ante cipadamente as necessidades do lactcntc. o auxílio do pai “humaniza alguma coisa na mãe e leva para longe dela um elemento que, de outro modo, torna-se mágico c potente, estragando a atuação da mãe” (1961a. p. 91). A presença e a ajuda efetivas do pai do bebê trazem apoio mor al à mã e, c esteio para a ordem e se gurança q ue ela está impla n tando na vida da criança. Desde muito cedo, as crianças são sensí veis à atmosfera que se cria no lar e à estabilidade que sentem na relação dos pais, mesmo quando ainda não sabem que os pais existem eomo pessoas separadas dela, e entre si. No que se refere diretamente ao bebê, no entanto, o que é “paterno” chega necessariamente depois do que é “materno".53 O pai ainda não existe eomo pai, isto é, eomo o terceiro, uma vez que o bebe não sabe nem mesmo da existência da mãe e só entra em contato com os cuidados que lhe são oferecidos. Não tendo, ainda, nem mesmo uma relação dual, o bebê pode ter muito menos uma relação triádica. Mas o pai pode ser muito útil eomo duplicador dos
53 Encontra- se. à s vezes, uma crítica a W innico tt por ci e ter atr ibuí do uma re spons abilidade ex cessi va à mãe c por e ssa re sponsa bilid ade scr tão- somen te da mãe e não do [> ;ii . As fe ministas , e m g er al, não se conf or mam c om essas idéias. Elisabeth Badintcr. por exemplo, cita o conceito winnicottiano de mãe suficientemente boa eom extrema ironia e igual incompreensão (1980). Oeorre que Winnicott descreve e trata das necessidades do bebê, c não das teorias e/ou ideologias. Quanto ao fato de, com relação aos funda mentos da personalidade, a responsabilidade principal ser d;is mães. esse encargo não parece demasiado qiiundo se pensa que o período de adaptação absoluta é de alguns meses, dois, três ou quatro, e que o que a mãe está fazendo é evitar que o seu ftllm seja psicótico. Além disto, caso ela tenha podido regredir à condição natural da preocupação materna primária, isto não ser á tão- somente uma car g a, mas u ma neces sidade d a próp ria mãe. 139
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cuidados maternos e, neste papel, ele tem algo de seu n acrescentar ao bebê, como se verá adiante.54 Mesmo assim, não c bom que o pai entre um cena muito pre maturame nte. 0 bebê não está pre parado para as inevitáveis diferenças dos modos de manusear e segurar. Existem casos, contudo, em que os homens são mais maternos que suas mulheres, e há relatos clínicos em que a aptidão do pai para o cuidado matcrrio amenizou falhas ambientais, devidas a uma pato logia da mãe. e salvou a criança de distúrbios que poderiam ter sido ainda mais graves do que os que realmente advieram." Se, um pouco depois, o pai passa a participar direta c ativamente, mesmo que ainda na função materna, um certo elemento paterno aeaba se inser indo na co ns tituição do si- mesmo do bebê: da perspec tiva da criança, o pai é vivido “como um aspecto da mãe que é duro, severo, implacável, intransigente, indestrutível” (1986d, p. 104). Esse elemento colabora para o sentimento de segurança do lar e para o estabelecimento do significado do que seja família para uma criança particular (cf. ülem).íf' Naturalmente, a maneira como a criança usa ou não esse pai é determinada pelos modos dc scr deste. Num texto tardio, de 1969, discorrendo sobre a tendência inata à integ ra ção c so bre o simbolismo de sse es tatuto unit ário no rnonoteísmo, Winnieott acresce uutro elemento à participação paterna: independentemente de o pai haver ou não substituído a mãe, em algum momento ele aparece, para o bebê, como o primeiro vislum bre cie inteireza c totalidade peswxá, e, deste modo, c usado como padrão da sua própria integração. Se o pai não está presente, o bebê terá, de qualquer modo, de alcançar a integração, mas a conquista será muito mais árdua, a não ser que possa usar alguma outra re laçã o bas tante está vel com uma p esso a total (cf. 198 9x a, p. 188 ). A fig ura paterna torna- se sobretudo importante quando se che ga ao e st ágio em que o b ebê. ap ós tornar- se um eu unitár io, e st á às 54 Sabre esta contribuição do pai nos estágios iniciais, e sohre alguns acrés cimos teóricos a esta questão, eí. o Capítulo IV, Seção 5. 55 Cf. o c aso
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l i vida instintual. Nesta etapa do voltas eom a tarefa dg integrar amadurecimento — a do coneernimento57— a criança está conquis ta ndo a capacidade de as sumir a res ponsabilidade pela des tr a tividade que é inerente aos impulsos instintuais primitivos. Tendo começa do a a propriar- se dos impulsos como pert ence ntes ao si- mes mo, c ia se dá conta dos estr agos que sua imp ulsiv idade ins tintua l faz na mãe; passa, então, a contar com o pai — sua presença, firmeza, capacidade de intervir e pôr limites — para proteger a mãe de seus próprios impulsos. Se o pai não fizer a sua parte, a criança perderá a liberdade de se movimentar, de agir e ficar excitada, desenvolvendo um a utocontr ole que paralisa a es pontaneidade e inib e a instin tualidade em geral.5* A me dida que o bebê alcança mais matur idade , a dependência torna- se cada ve z meno r. Por adaptar- se co nti nuam ente ao processo de mutação e amadurecimento da criança, a mãe favorece a desadaptação gradual, e ela o faz falhando gradualmente na adaptação à neces sidade, de modo a ajudá- lo a separar- se dela e a permitir- lhe viver a dependência relativa, para que faça as passagens que levam à independência. A mãe, e depois o pai, e ainda mais tarde a família, a escola, os grupos sociais e círculos cada vez mais amplos passam a prover os cuidados relativos às necessidades cia nova fase que se inicia. O lugar parental implica resjionsabiliílade com os filh os . Cabe aos pais a manutenção da família e do lar, como o lugar de estabili
dade para o crescimento dos filhos, e eles ter?o de sobreviver às várias formas de destruição a qu'; seus filhos os expõem para pode re m cresc er. Isto ex ige alg umas abdicações , 15 possível que o s pais tenham sc mantido espontâneos e criativos, o que, naturalmente, é vital para eles como pessoas e, até certo ponto, para seus bebês. Quando existe uma criança, contudo, é preciso poder ceder o lugar. A espontaneidade da mãe é altame nte necessária ao bebê; ser eonsistentemente ela mesma é uma das fontes dc que o bebê neces sita para a aquisição da confiança. Mas a mãe adulta não expõe o bebê aos seus próprios impulsos. Além disto, existem crianças que 57 O cst:1”io
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se vêem obrigadas a viver numa atmosfera intensamente criativa, mas que per te nce aos p ais, ou à babá, e não à cr iança; “ (...] isso as sufoca e elas param dc ser; ou. então, desenvolvem alguma técnica de isolamento” (1986h, p. 41). O fato é que, para criar os filhos de modo a que eles possam viver num mundo de fatos reais, permane cendo , “ temos scr não-é criati aquieseentes e adaptativos [criativos ...) ” (tdem) . V ale de o mesmo, cl aro,vos, para o setttoig analítico. 10. Os conceitos win nic otd an os dc ego, si -mesmo e eu Co mo os ter mos “ eg o” , "si- mesmo" e “eu” fazem p art e do vo cabu lário básico da teoria do amadurecimento, c o significado deles está longe dc ser unívoeo — o que se comprova pela diversidade de sentidos cum que são investidos em diferentes teorias filosóficas, teoló g icas ou psicoló gicas — , convém ex plicitar o seu u so na obra de Winnicott, Km textos anteriores a 1962, Winnicott empregou, freqüente me nte , os ter mos “eg o” e “si- mesmo" de for ma indiscr iminada , o que induziu u imp recisões conceituais. Foi For dham, analist a jung uian o c seu amigo pessoal, quem o levou a reconhecer, provavelmente no início da década dc 1960. que ele “estava utilizando as palavras ‘si- mesmo’ e ‘eg o’ como se fossem sinônimos, o qu e elas obv iamente não s ão e não pode m ser um a vez que ‘si- mesmo’ é uma palavra c ‘eg o’ um termo que usamos por conveniência, com um significado sobre o qual nos pusemos de acordo” (1964h, p. 371). Winnicott deu-se conta de que os dois termos não eram do mesmo tipo semântico. “Ego” 6 um termo teórico, cujo significado está em aberto para scr conscnsualmente decidido num dado grupo de pesquisadores, en quanto a pala vra "si- mesmo” é um ter mo descritivo, da linguag em comum, que “naturalmente expressa muito mais do que podemos expressar: ela nos usa e pode nos conduzir” (1960a, p. 145). A mais clar a das af irmações do autor sobre o “eg o” encontra- se num de 1962: “Pode-se a palavra ego parafadescrever tenda, sob condições v or áve is,a a se parte texto da personalidade que usar integ rar numa unidade ’' (I965n, p. 55). O termo “ego" não é usado, como sc vc, para desig nar uma ins tância d o aparelho p síquico — já que Winnicott não trabalha eom o conceito heurístico de aparelho psíquico — , mas para nome ar o aspecto d a pers onalidade que tende 142
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ü integração. Não tem o mesmo sentido que na psicanálise tradicio nal: foi-lhe sugerido pela psicologia do ego e pelo conceito de núcleos do ego de lidward (ílover. Na teoria freudiana, ao menos em sua formulação inicial, o ego emerge do id, como uma transfor mação deste, operada no contato com o princípio de realidade, ü ego, diz Freud, é aquela parte do id que foi modificada pela influência direta do mundo externo,™ líni função deste ponto — questionável até mesmo para os freudianos, uma vez que fica difícil entender como uma dada estrutura pode dar srcem a outra de natureza totalmente diferente —, Winnieott acolheu com simpatia as modifica ções teóricas intr oduzidas por lí. (í lov er , apoiando- se na concepção deste acerca de núcleos ou estruturas primitivas e desor ganizadas do ego, para a formulação do estado primário de não-integ ração, cara cter ístico d os estágios iniciais do ama dure cime nto.l jI' líx einptos do uso d os conce itos de eg o e si- mesmo podem ajudar a esclarecer salienta que o significado de ambos. Num certo momento, o autor [...] o ego [do bcbôj é ao mesmo tempo fraco e ['orle. Tudo depen de da capacidade da mãe de dar suporte ac eg o C) eg o refor çado, e conseqüentemente forte, é capaz, muito cedo. de organizar defesa s e desenvolver padrões que wí ío pessoais [ ... | . A cr iança, cujo ego ó forte por caus a do apoio de ego da mcw, log o se torna elu mesma, real e verdadeiramente (1965ví, p. 29).
lim uutro texto, Winnieott afirma que o ego do bebe (...) é fraco ao extremo, se não existe um meio ambiente faeili tador. Mas, se a mãe fornece apoio ao ego e, se ela faz isto de modo suf iciente me nte bom, o ego do b ebê to rna- se m uito forte e p assa n possuir a sua própria organização (1989111, p. 81).
Note- se a dife rença e ntre os s entid os dc ‘‘eg o” e de “ si- mesmo” : a tendência inata ao amadurecimento depende do apoio que o am biente fornece. O apoio dc ego da mãe — ou o ego auxiliar da mãe,
lista concepção tem, naturalmente, conseqüências teóricas, uma das quais c o f ato de que a es tr utur ação do eg o est á rela cionada às vi eissi tiidcs pu lsioíuris. Sob re o come ntár io de W innie ot t a esta questão, c -í. Winnie ott . t OM h, p. 371. fi() íjf. Winnieott, lOí-Wj. p. 27. 1U
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como Winnicott diz cm outros textos — torna forte o ego do bebê e favorec e ex periê ncias integ rativas , co nduzindo a criança, mais facil mente , a possuir su a próp ria or g anização, a to rnar- se ela mesma, ist o é, a tornar- se um st- mesmo. Ou seja, o ego co nduz a tendê ncia integrativa na direção de um si- mesni>. O si- mesmo ó o re sultado d a tendência integrativa. mas é necessário que a tendência esteja operando. E por isso que Winnicott diz que “o ego se oferece para estudo muito antes de a palavra si-mesmo ter relevância” (1965n, p. 55). O te rmo si- mesmo, por su a vez, foi usado de duas maneira s dife rentes na evolução do pensamento winnicottiano. Na acepção eentral e mais g eral, si- mesmo refere- se ao estat uto unitár io alca nçado pelo indivíduo no estágio em que, se pudesse falar, o bebê diria EU SOU. Se toma rmos o ter mo neste sentido, o si- mesmo é o res ultado de um a série de conqu ist as do pro cesso de integ ra ção e só se estabe lece de um modo mais consistente no estágio em que o bebê alcança uma ident idade , um s i- mesmô unitá rio. Nessa alt ura , um bebê sadio, operando a partir do si-mesmo verdadeiro, já integrou, inclusive, co mo um as pecto d a sua per sonalidade, um falso si- mesmo ins tr u mental. que lhe possibilita lidar com as exigências sociais. Como sinônimo tio si-mesmo. neste mesmo sentido, Winnicott emprega ta mbé m o te rmo “eu ” (me ou /). O “ eu" é, por ta nto, o si- mesmo que sc separa da mãe, tendo também integrado o verdadeiro e o falso si- mesmo. Winnicott emprega, às vezes, o te rmo “si- mesmo" para referir- se ao es tatuto unitár io que é alcançado no estágio do EU SOU. Para esse si- mesmo, que já se separou da mãe, e já integ ro u o verdadeiro e o falso si-mesmo, ele tambórn usa o termo "eu”. Quando o termo “si- mesmo" e empre gado nesse sent ido da pers onalidade integ ra da, W innicott dirá que, antes dessa conquis ta, não há si- mesmo. Isto pode ser ilustrado por um trecho cm que, descrevendo as fases mais primitivas, ele afirma que "nenhuma mãe, nenhum objeto externo ao si- mesmo, é conhecido; e mes mo esta af ir mação e err ada, porque cmuLt não há um si- mesmo. Pode- se dizer que o si- mesmo da cr iança, neste estágio tão primitivo, ó apenas potencial” (19G5vf, p. 30). No entanto, em Natureza humana . cncontrain- se passag ens cm que ele usa o t er mo “s i- mesmo” para a resultado de (fiuiU/uer ex períênciu integrucrva momentânea, anterior ao alcance da integração unitária num eti Por ex emplo, ao menciona- ' o?, pequenos fomentos de integração. M- l
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nos estados excitados do estágio mais primitivo, ele diz que tanto a ex ig ência ins tin tual como o impuls o para nto de vista do indivíduo [,.,| (1 071d, p 210). ,í. B. Pontalis observou que, no meio psicanalítico franccs, os conceito s w innico ttia nos de ser ( bei?ig) e dc si- mesmo foram re ce bidos com hesitação e suspeita, em virtude de terem sido aproxi mados, e rr oneamente , da noção de si- mesmo de Gun tr ip. lis te, ligado a uma ecrta tradição da fcnomenologia, havia tentado intro duzir na psicaná lise, eom o c onceito de si- mesmo, a idéia de u m 145
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sujeito unificado c unifieante , que p ode reconhecer a si m es mo, que é unidade e continuidade, “suscetível de escapar, em seu ser, à irredutibil ida de cio co nfli to, à alter idadc d o incons ciente , à ineoneili abilidade das representações” (Pontalis, 1077, p. 161). Pontalis certa mente tem razão quando argumeita. contra Guntrip. que “três quartos de século de experiência analítica minam a ilusão do um sujeito monádico, de uma pessoa totalmente assegurada de se per te ncer ” (tc/em). Ora . é um equí voco empar elhar o si- mesmo de Guntrip com o de Winnieott: a noção winnieoitiana de tendência à integ ra ção num si- mesmo unitário não se refere ao ca mpo pu lsional, nem a conflitos inconscientes, que seriam por ela superados ou anulados; diz respeito, sim, a todos os âmbitos do indivíduo, às suas potencialidades — inconscientes, de início, mas não no sentido do reprimido: seu corpo, suas memórias corporais, sua temporalidade e es pacial idade, do iníc io s ubjetiv as e, dep ois, objetiv as, os es tados de quietude e d e ex citaçã o, a inst intualidade, a f antasia, a extern alidade do mundo ete. etc. etc. — , as quais, a par tir da nã o- integ ração, irão g ra dualmente integrar- se numa un idade, fazendo p arte da pessoa inteir a do ind ivídu o, liste es tatuto unitár io não se parece em nada com a eo esão sem fissu ras, nem ta mpouco com a autoper tença pre tendid a por G untrip. A o contrá rio, é ex atamente por in tegrar - se numa unidade, e passar a ter uma realidade psíquica interna, que o indivíduo poderá, então, padecer de conflitos inconscientes.
11. Alguinas características filosóficas c epistemológicas da teoria do amadurecimento pess oal 11 .1. O ab andon o do deter mini smo c ausai A questão central par a a compr eens ão e clas sificação dos distúrbios psíquicos é o estabelecimento da etiologia. termo que significa, etimologieainontc, teoria das causas. Este significado foi historica mente estabelecido a partir da concepção de ciência, baseada no princípio dc causalidade, e da visão determinista acerca tia natureza dos entes, que são objeto de estudo científico. Pelo que foi dito ante riorme nte, W inni eot t não com par tilha d essa con cepçã o de natu re za humana, nem defende uma ciência determinista. Ao descrever a 1 46
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srcem do scr humano, tle recorre a uma série de expressões que não admitem uma interpretação eausalista: a passagem do bebê potencial ao bebê real não pode ser entendida d'- modo causai. Não se trata dc uma atualização de propriedades determinadas que estariam já embutidas no indivíduo, e que se desenvolveriam e se mani fes tariam no decorre r do tempo. Para começar , não há ‘dete rmina ções’’ intrínsecas no bebe, sejam elas somáticas ou psíquicas, dom a única exceção da tendência à integração e da criatividadc srci nária, todas as características possíveis do bebe precisam ainda ser criadas. As determinações gencticas fornecem alguns limites orgâ nicos, mas não a orientação do que será a pessoa do indivíduo. O processo de surgimento de um indivíduo, como uma pessoa com identidade, não acontece automaticamente; depende fundamental mente de um fator interno, imponderável, que c a criatividade do bebe, c de outros fatores igualmente imponderáveis, tais como a sa úde psíquica d a mãe e a sorterem te. Kmurna 19 60, referin do- para se ao acon fato dc o s estágios do amadurecimento ecrta época tecer, qu e varia de criança para cr ianç a, W innic ot t afir ma que es sas datas, "ainda ifiie fossem conhecidas com antecipação, no caso de uma certa criança, não poderiam ser utilizadas para predizei- o ama dure cime nto real d a criança por causa do outro f ator, o cuid ado materno” (1960c, p. 43: grifos meus). Embora as características hereditárias do indivíduo forneçam um padrão e uma certa configuração de possibilidades e de limites, o homem não pode scr pensado como um produto predeterminado, seja p ela sua c ons tituição — bioló g ica ou psíqu ica — , seja pelo ambiente externo, que moldaria o indivíduo, como postulou a psico logia acadêmica. Uma vez iniciado o amadurecimento, o ser huma no está jogado na indeterminação dos encontros ou dos desencon tros que vierem a acontecer, e é desses fatores imponderáveis, que depende o modo como suas potencialidades irão se realizar, líste c o motivo pelo qual Loparie, aproximando a concepção de Winnicott da dc Hcid cgg er, vê , no amadur ec imento pesso al descr ito por W inni cot t, a “ae ontece ncialidade" do se r humano. Preservar esse sentido do amadurecimento necessidade rigor na diz terminologia teórica. Para sermos leva exatosà com relação adeWinnicott, Loparie, devemos evitar o uso dc termos que carregam conotações bioló gicas, tais como “process o” ou “m atur ação” , substitu indo- os, como temos feito, por “amadurecimento”: 147
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A o inv és do fala r c m “pr oces s o” que pr oduz ou do qual r e s ulta o ser humano, parece mais adequado dizer que a natureza humana "acontece”. Creio ser esclarecedo r, no prese nte conte x to, re corre r :i HeidcgjJcr, que diz que o ser humano não é. tal como unia coisa qualqu er, um mer octife . e sim um uccmtecente (ges/úcfutich).e que íi su.a existência tem o sentido de tuna aeonteoência (Ge&cheheti), a qual, por sua vez, é um modo de temporalização do ser humano (Loparie, 2000b, p. .157).
Por outro lado. mesmo dependendo fundamentalmente dos cui dados ambientais, c preciso dizer que o ambiente “não faz o bebê crescer nem determina o sentido do crescimento” (1963c. p. 2Ü1). Quando suficientemente bom. o ambiente não determina causalme nte o bebê; apenas for nece as co ndições fa cilita doras para o processo maturat iv o agir. Fr eqüentemente se pensa, afirma Win nieott, que fazemos os nossos filhos e lhes ensinamos tudo. Exata mente o oposto é a verdade, pois “não podemos nem mesmo ensiná-los a andar, embora a sua tendência inata para andar cm certa idade precise de nós como figuras dc apoio” (1987b, p. 162). O mesmo vale para o surgimento dos distúrbios psíquicos. E cer to que a saúde psíquica da criança não pode se estabelecer sem cuidados ambientais suficientemente bons. Mas assim como um mau ambiente não causa diretamente a estrutura da doença, tam bém uma experiência ambiental corretiva não cura diretamente a criança ou o paciente (1965b, p. 127). A doença neurótica, por exemplo, não é causada pelos pais. A o long o da obra winnie ottiana, eneuntrar- se- ão inúmeros ex em plos de não- causalidad e, N um tex to dedicado ao s pais, W innic ot t discorre s obre a re sponsa bilid ade de cada p essoa no qu e diz res peito à escolha do parceiro conjugal, em termos dc herança anatômica e fisiológica. Nesse texto, ele diz que. após o espermatozóide ter pene* trado o óvulo, as coisas começam a funcionar por si mesmas, e o que sc necessita é da guarida dos pais para a tendência inata ao amadu recimento do feto gerado. É de muita ajuda para os pais que eles saibam que não há nada a Jazei- para que o bebê se converta em criança, para que a criança cresça, para que a eriança em cresci mento seja boa ou asseada, que cresça generosa, e que a generosa criança saiba escolher com inteligência os presentes adequados para as pessoas adequadas. “Ninguém tem de fazer uma criança faminta, irada, feliz, triste, afetuosa, boa ou travessa:
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acontecem, e isso únulo” (1993b, p. 125: fritos meus). Xo entanto, há muitas coisas que podem ser feitas indiretamente: uma delas é que “a mãe, muitas vezes, impede a esquizofrenia por meio de um bom manejo comum" (1987b, p. 40). A or ig inação do ser humano, ou o seu amadurecime nto, não é, portanto, um aeonteeimento que possa ser visto como efeito de uma causa. O poder do qual surge o existir humano não 6 do tipo que produz efeitos, É antes um deixar que o cjue cm ida não é chegue ser, a que o que não está presente chegue à presença, que as possibilidades de ser venham à luz, la nçadas na inde te rminay ão da vida.1'1() car áter não- eausal da teoria w inni eot tia m revela- se, ainda, no fat o de não haver, a.despeito da impor tância atr ibuída aos cuidad os ambientais na constituição do indivíduo, nenhuma regra esti)ntlável que a mãe deva seguir, nem legislação alguma do comportamento materno que ga ranta às mã es ser em bem- sucedidas cm s ua taref a. Ao contr ário, qual quer dcdestruícomo deveria ser a “mãe boa” seria normatização o mes mo que la. O ‘'saber " dassuficientemente mães , que vem f uncio nando bem há milhares de anos. não admite scr categorizado ou ensi nado; é fruto de uma compreensão inteiramente pessoal que deve ser recriada com cada novo bebê, mesmo no caso de gêmeos. A qui pode surgir a pe rg unta sobre o g anho cog nitiv o — e. em decor rência, ter apêutico — ao se destaca r a não- eausalid ade da teoria w inni eot tiana, Uma res posta p ossível é a seg uinte: uma teoria não- causaí per mite pôr e m ev idência a ess encial pre car iedade da vida humana e seu caráter fundamenta lmente não- controlã vel. Para W innieott, 6 essencial reconhecer este fato, e permanece r próx imo de algo que pode scr chamado de “mistério” do ser humano, embora isto não deva nos levar para nenhum tipó de misticismo. Ao con trário, é exatamente devido à tarefa científica, ao rigor que a carac ter iza, pela obediência ao ca ráter es pecífico de seu objeto de es tudo, 61 W innie ott não é o único pensador n ;i área da teoria dos dist úrbio s psíqu icos a recusar :t concepção causai do homem. Tellciibach. psiquiatra influenciado pela fenomenologia, também aponta a diíerença entre a causalidade cm sentido estrito e ode“ter srcem”. Nné substituído sita interpretação tia ctiología da melan colia, o princípio causalidade pulo princípio de correlação, lilc iik íi uma ana lu^iíi para ex pressar a di f‘.;".hça. úf.íí S” afir mar, sustenta Tellenbaeh, que "as árvore* ííoreseem ponptea primavera chegou”. (kjnii» um relayiio a tudo o l | u i_' ft',icsee, a parti rde si mesmo, é preciso dizer: “As rírv oresf lorescem ;> o£s a p- imin- era elicj;(tu " (T eilenbach. 1*J79, p. 2 77 ). 1 19
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que a indeterminarão da vida deve ser preservada tal qual é. Não devemos — e este é um dos príncipios metodológicos da ciência do homem praticada por Winnicott — tentar tematizar o homem à cus ta de distorcer- lhe a natur ez a. Por isso , muita s veze s, c preciso admitir que “a obscuridade tem um valor superior à falsa claridade” (1989vu, 186). Parece ser exatamente este o na sentido da questão posta porp.Winnicott na carta, já mencionada Introdução, de 1954, a Anna Freud, quando, após expressar a sua profunda descon fiança com relação aos termos da metapsicologia, faz a pergunta: ■ ‘Ser á que c por que eles for nece m uma apar ência de compre ens ão onde tal compreensão não existe?” (1987b, p, 51), Uma conce pção não- causal d o amadur ec iment o huma no pod e se r con siderada re voluci onária não só p ara a psicaná lise, mas para a própria filosofia da ciência. Este c um dos pontos que distinguem, fundamentalmente, o pensamento winnicottiano da teoria do de senvolvimento libidinal de Freud c da teoria kleiniana, assim como de qualquer outra concepção fundada na noção dc forças, nas quais o desenvolvimento humano é entendido segundo as leis que regem os entes naturais. 11 .2. A negativid ade Na concepção winnicottiana dc scr humano, uma negatividade in trín seca perpassa toda a positivid ade da vida o mant em permanente a tensão entre scr e não-ser. O que o estudo de bebês e dc psicóticos revela, com toda a clareza, é o fato dc o ser humano estar, desde sempre, comprometido com o ser e com o não-ser. Dito dc outra maneira, todo poder scr parte do não-ser e ser nunca c completa mente dado ao scr h umano. É semp re uma co nquista precária e q ue. assim mesmo, nem sempre se realiza: "Há pessoas que passam toda a vida n ão se ndo, num esforço desesperad o para e ncontr ar a base dc ser” (1984b, p. 116). Por conceber assim a natureza humana, parece inteiramente arti ficial e desnecessário, a Winnicott, recorrer a construções especula tivas de tipo naturalista ou energética, como a da pulsão dc morte. O conceito de pulsão de morte ou de destruição entronisa o mal como w nti eiuictiule
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O que está na srcem cio homem não c uma positividade. O ser humano não é deduzível dos genes, nem é fruto de uma constituição dada. “Os genes não bastam”, diz Winnicott. Tampouco deriva do desejo da m ãe/*2A per gunta que ele mes mo se põe — “Qual é o estado do indivíduo quando o ser emerge do inter ior do não- ser? ” — res ponde: “No princípio, uma solidão O ser(19SH, humano, ainda, “emerge não dohá inorgânico, masessencial.” da solidão" p. diz 155). O "estado anterior ao da solidão é um estado de não-estar-vivo” (ibid., p. 15 4). E mer gindo do não- scr, ele é lançado na vida e não há nenhum fundamento discernívcl para o seu existir. A sua única determinação, es tr utura l e v azia de conteúd os, é o estar vivo e a tendência ao amadu recimento, à integração numa unidade. Mas essa tendência depende do que vier a acontecer, podendo, inclusive, fracassar, Além disto, a própria tendência à integração carrega cm si um “operador” negativo, devendo integrar sempre, também, o não-ser. que permanentemente atravessa c acompanha o seu desenrolar. A vida humana é concebida como um inter valo entre dois estados de n ão- estar- vivo; a base da na tu reza humana é um espaço entre o ser e o não-ser. O fato de a existência estar aberta, nos seus dois extremos, para o nada, fornece a matriz para todas as manifestações tia vida humana e para as suas possibili dades: ‘No ama dure cime nto do laete nte, viver se or ig ina e se estabe lece a partir do não-viver, e existir sc torna um acontecimento que substitui o não-viver, assim como a comunicação se srcina do silên cio” (1965j, p. 173). A saúde, em par ticular, pode scr vista como uma superação do es tado o rig inário de não- ser, e um le nto apropriar- se do se r, que pode, contudo, sempre escapar. Tal como para Heidegger, também para Winnicott a vida se dá eomo uma apropriação que aconteceu sobre o f undo d a neg atividade src inária. Qua nto à doença p síqu ica, à integração cujo protótipo é a psicose, ela acontece se a tendência tuío puder seguir o seu curso. Ou seja, a psicose decorre do fato de aquilo que deveria ter sido levado a termo, no início do processo de amadurecimento — a tcndcncia estrutura! do bebê à integração e à relação eom tudo o que é não-eu — não ter se dado. Isto quer
(• 2 É bast ant e fr eqüente , e deve ser conside ra do nor mal , diz o autor , que o filho seja resultado de nm pequeno acidente e “é uma atitude sentimental dar muitii importância ao fato de a criança ser concebida a partir de uni desejo cons ciente” ( l ‘AS7e , p, 44 ). 151
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dizer, secundo Winnicott, que íi positividade da vida precisa scr constituída dc modo a encobrir, sem negar, a negatividade da srcem. E sobre a negatividade srcinária que se tece a trama da presença, velando, assim, o abismo da ausência. Só assim, ser c presença podem acontecer: “E somente a partir da não existência que a existência pode começar" (1974, p. 76). Isso é verdadeiro para todas as conquistas que cabem no rótuío de saúde, como , por ex emplo, a capacidade de aümentar - sc e dc comunicar- se: O único comer real tem como base o não comer, lí a partir do não scr criativo, tle estar isolado, que a criação de objetos c do mundo passa a ter s ignificado. O prazer da com panhia s ó ex iste co rno um desenvolvimento a partir do isolamento essencial, o isolamento que reaparece quando o indivíduo morre (1984 b. p. 116).
l‘or fim, todas as conquistas são precárias, e mesmo o que foi atin gido pode vir a ser perdido. Esta c a razão pela qual o ‘espaço poten cial”, do brincar e da vida cultural, c identificado como o “lugar em que v ivem os” ( cf. 1 97 1g ). O br incar é a ex periên cia mesma da p reca riedade, da finitude, a área de ilusão que só vale por um tempo, que sc abre c sc fecha; é por isso que o brincar serve dc paradigma da vida criativa, a única “que vale a pena ser vivida”. A precariedade significa que pode sempre partir- se, ou não cheg ar ja mais a constituir- se o f io que ata o homem à vida c ao sentido da vida: O vínculo entre a vida criativa e a vida ela mesma pude ser feito, utilm e nte feito, e podem ser escudad as as razões tl e por que a \ itla criativa potlc ser perdida e por que o sentimento tio indivíduo de que a vid a é real e sig nificativa pod e desaparecer (19 71 g , p. 10 1).
Não há fundamentação possível para essa questão básica nas metapsieologias de que dispomos. A existência do indivíduo, sua capacidade de ser, não está em questão para a psicanálise tradicio nal. E a isto que se refere Pontalis (1977) quando afirma, no Prefácio à sua tradução francesa de Pktyin}$a nd Reatity: Mesmo se Winnicott recorre aos conceitos clássicos, percebe-se que eles não são. para ele, realmente adequados para aquilo que ele busca ilu minar, que a idéia mes ma d e inconsciente, im posta a Freud pelo funcionamento psieoneurótieo, não lhe parece capaz de signi ficar essa dimensão de ausência que ele reconhece como um vazio 152
A T K O K J A M ) A M A D U K t iC IM H N T lJ 1'K S K IJ A L
necessário para o sujeito. Avançarei dc bom grado que. sc a tópica fre udiana das instâncias e das locali dades psíqu icas es tá apta a confi g urar o conflito int ra- sub jeti vo, ci a só ap arece s ecundariamente em W innico tt | ...| . Todo a nossa co ncejtçào de realidade psíquica se encmutxi, jx >raí, modificada (i b i d p. 196: grifos meus).
A qui temos a razão pr incipal pela qual, desde muito cedo em sua carreira eomo psicanalista, Winnicott reconheceu o caráter inessen cial das neuroses, no que concerne a uma compreensão acerca da natureza humana, Nas neuroses, o eng ate 11a vida não está posto em questão. O não que concerne às neuroses c um não que sc dá no inte rior da vida, sendo parte da história do indivíduo. Nas psicoses, o não nega a própria possibilidade de ser; não faz parte, portanto, de uma história, porque esta só se constitui eom base no ser. As questões fundamentais, dc vida ou morte, que afligem os psicóticos, não têm, 110
nem ao menos, eomo ser formuladas tradicional:
quadro da metapsicologia
Raramente chegamos ao ponto em que podemos começar a des crever o que se p are ce à vida, « parte a doença ou a «us éncut desta . Isto eqüivale a dizer que ainda temos de enfrentar a questão dc saber sobre v que versa a vridn. Nossos pacientes psicóticos nos forçam a conceder atenção a essa espécie de problema básico (1967b, p. 1.17; grifos meus)>1
63 Também não há eomo paraé esta nas filosofias de cunho metafísico, eujo encontrar âmbito deapoio reflexão o serquestão como presença em sua plena positividade. Necessitamos aqui dc licidegger. Knrai/.adn «o não-ser, há uma cisão srcinária, essencial e inultrapassável no indivíduo. Em seu texto sobre a temporafidade ein Kreud e Ileidegger, diz Juliano Pessanha: “Irromper no mundo, ceder à tentação de existir, é cair no interior das cenas que distribuem a cada um 'nome', ‘realidade’, 'duração* ete. Essa entrada é um eorte; unia cisão entre a estranheza do exílio (das Unlieimliehe), o espaço da noite onde ainda não sou e o dia claro da história (da casa) qu e me tece e diz meu nom e" (19 92 , p. 82 ). A lcançar a vida, d otá- la de consistência e sentido, é urna conquista, é obra de uma negação, é o esque cimento, por pelatoda adesão à positividade do unindo, do vazio primordial que se esgueira a parte. O homem, “jogado nas possibilidades do mundo, já sc envolveu na tr ama das sig nif icações tendo conquis tado um ‘ser ’ e uma 'duração'. Mas esta conquista está sempre roída de fim e mareada pela impossibilidade. Perseverar na duração, zelar pela manutenção da grande fábrica do mundo, é esq uecer- se tio fim , é fug ir dando as costas ao g rande ex ílio " (tc/em). 15 3
A T 1 ÍO RIA IX ) A M A D tÍH ll C iM E N T O I>K 1) W . W IN N IU IT T
12. A linguagem e as categorias descritivas da teoria do amadurecimento Usualmente, Winnieott inicia a
descrição
do processo dc amadureci
mentopsicanálise pelos estágios mais adiantados, foram estudados pela tradicional para, em aqueles seguida,que apresentar os mais primitivos, “em direção ao desconhecido dos primeiros instantes cm que o termo ser humano pode ser aplicado ao feto no interior do úte ro” (1 988 , p, 5 2). 15o que fax. por ex emplo, em Nutitresa kinruinu. A es colha dessa ordem de apr esentação deve-se ao fato de ele saber que seus presumíveis leitores são. na sua grande maioria, psicanalistas habituados a pensar no indivíduo já constituído; afei tos, também, à linguagem da metapsicologia, que é referida não a uma "pessoa”, mas a um “aparelho psíquico”, composto de forças, intensidades dc forças c mecanismos mentais, c destinada à des crição dc conflitos e distúrbios pulsionais. Como, além disto, a sua concepção de natureza humana c dos estágios iniciais difere subst ancialmente da for mulada pela me tapsicologia e pela psicanálise tradicional em geral, Winnieott tem cuidados especiais com a linguagem na qual sc exprime ao abordar esse tema, justamente para dar conta da peculiaridade do que está acontecendo com o bebê no início da vida. Ele sublinha, repetidas vezes, que a descrição de cada estágio requer uni novo método de apresentação e uma linguagem específica (1988, pp. 126 c 147). A ling uag em usada par a a descr ição dos fenômenos humano s, diz ele, “cresce, por assim dizer, com o crescimento da criança” (1964g, p. 9), dc modo que aquela que é adequada para descrever as con (ibid., quistas de um estágio torna-se “errada” para outro estágio p. 52). Em particular, é errado descrever os estágios iniciais com os mesmos termos que são utilizados para a descrição da fase edípica — quando já sc supõ e tere m s ido alcançadas a identidade pessoal e a inteireza, e na qual já existe uma vida interna em que estão pre sent es os conflitos incon scientes res ultantes da vida i ns tintual e dos re lacionamentos interpessoai s. C omo foi mostr ado na Introdução, a insistência sobre a mudança dc linguagem está longe de scr um capricho ou uma idio ss incrasia. Ela re flete a s ex igênci as impostas à teo riz ação pelos pró prios fenômenos iniciais da vida h umana. Win nicott esforça-se cm comunicar, sem deturpação, o que sc dá, direta15-1
A T EUI<1 A 1 )0 A .V U D IR B C IM K X T O l'E S S l> A I.
menti;, na “magia da intimidade” entre o bebê e a mãe e entre o paciente c o analista na situação clínica. Ele sabe que, no campo experiencial, envolvendo bebês e psicóticos, a compreensão não acontece por via exclusivamente intelectual ou mental, mas exige um tipo de proximidade e de comunicação com o paciente, seme lhante ao contato entre a mãe e o bebê. A essa linguagem pertence, essencialmente, o silêncio, a comunicação prc-verbal e a pré-representaeional. Falando da comunicação entre a mãe c o bebê. Winni cott assinala que o leitor está sendo levado "para um lugar onde a verbalização perde todo c qualquer significado” (1968d, p. 81). O que f azer, e ntão, para r ela cionar tudo isto com a psicaná lise tradicional, cujos fundamentos clínicos se assentam no processo de inte rpr et ações verbai s de pens amentos e de idé ias ver bali zadas? (cf. ideiri). A te oria do amadur ecimento pessoal tio indiv íduo não só abre a questão da compreensão adequada dos estágios iniciais, para os quais torna-se necessário uma linguagem inteiramente nova, como impõe novas condições sobre a linguagem descritiva das fases poste riores. Embora a abordagem winnicottiana dos estágios mais avan çados guarde muito do que está já configurado pela literatura clás sica sobre os distúrbios neuróticos, Winnicott opera, de fato, uma redescrição dos fenômenos pertinentes ao estágio edípico e, conse qüentemente, da teoria das neuroses que Ibe corresponde. Essa redescrição, feita em seus próprios termos, a partir da teoria do ama dure nto, atornouse necessária digma quecime embasa totalidade dc sua teoria.em função do novo para
155
CAPÍTULO III
OS ESTÁGIOS PRIMITIVOS: A DEPENDÊN CIA ABSOLUTA
1.
O estág io pré-natal: espon taneida de c reatividad e1
Depois d e apres entar alguns aspec tos gerais da teoria do ama dure cimento, passo agora à des cr ição dos está/lios in ic ia is , começando, neste terceiro capítulo, pelos mais primitivos — a vida intrauterina, o nascimento, o período imediatamente após o nascimen to e o es tág io da primeir a m ama da teórica — , abrang endo todo o período em que o bebê vive cm situação de dependência absoluta da mãe. Quando começa o processo de amadurecimento? Em outras palavras, a partir dc que ponto da gestação é possível considerar que já ex iste ali um ser humano capaz de ter ex per iências ? Seg undo W innieott, não c possível, nem relevante, de terminar o ex ato mo mento em que o feto pode começar a ser considerado um ser humano passível de ser estudado do ponto de vista psicológico. Provavelmente, diz ele, “a única data segura é a da concepção” (1988, p. 47). O fato é que em algum momento, após a concepção, ocorre um “primeiro despertar”, a partir do qual passa a haver "um simples estado de ser, e uma consciência [mmreness) incipiente da conti nuidade do ser e da continuidade do existir no tempo” (.1988, |). 157). lí dif ícil, se não imposs ível , proceder a uma obse rv ação dire-
l
<)livro JVfiturvaa(umimiiiserá toma do com o base para a análise apres entad a ncslji sevão
157
A T Et>H1 A I H » A M A l)l 'R H ( UME NT t» I)K U VY. W IN\ IC(> T T
ta desse estado: “Ele pertence ao bebe o não ao observador” (1988, 6 p. 148).2 Tendo atingido o estado de ser, o que o bebê necessita continu ar a ser. Todas as suas outras necessidades advêm do fato dc o bebê ser e rer de continuar a ser. Ao longo da vida ate a morte, a continuidade dc ser permanecerá como o problema fundamental; .sua Apreservação à saúde.1 uma certaeqüivale alt ur a da g estação, os bebês come çam a mo v imen tar-se dentro do íitero. e c muito provável que as sensações tenham início nessa época. Evidências clínicas permitem presumir que, tanto a movimentação quanto a quietude, cxpcricnciadas na vida intra- uterin a, sã o significati v as para eles e, d e alg um modo, ficam registradas. Isto se deve também ao fato de o desenvolvimento cere bral ter atingido um determinado patamar, o que capacita o feto a reter memórias corporais. E provável, portanto, que, nessa ocasião, tenha início uma estocagein dc experiências e uma organização central destas, de tal modo que “as memórias corporais, que são pessoais, começam a juntar- se para for mar um novo ser humano ” (1988, p. 39; grifos meus). Isto significa que, “a partir de uma eerta data anterior ao nascimento, nada daquilo que um ser humano vivência é perdido” (1988, p. 147). Em termos do amadurecimento pessoal, a questão fundamental que se põe, já neste início, relaci ona- se com a oposição entre espontaneidad e e re atividade, oposição que estará presente, em crescente complexidade, ao longo da vida. Buscando a linguagem apropriada
2
Co m esta fr ii.se, W innic ot t ass inala <> fato d c ocorr ere m coisas essenciai s eom o bebe que são inacessíveis para o observador. Disto decorre que o estudo das patologias graves jy tipo esquiz of rênico, eujo po nt o de or ig em está nas fases mais primitivas, é sobretudo profícuo por meio da observação e do tratamento de crianças maiores ou de adultos que regridem à depen dência, e não por meio da observação de bebês. Ele diz: “A experiência levo u- me a v erificar que p aciente s dependentes ou em reg ress ão profunda podem ensinar mais ao analista sobre o início da infância do que se pode apreender da observação direta dos laetentes” (1965m, p. 129).
3 Adade propósito diz Lop ariefinitude. : “C omo em ge morrer. r, a dificul inte rna desta da vidqua estão, não advém da sua dolleid te r- eg quem as antes do ler- que- continimr- sendti. E daí. desse ter-que-ser. que surgem, s eg undo W innic ot t, todas as outras necessidad es humana s " (Loparie. 2000b, p. 359). I5 N
OS ICST AÍi lO S 1' KIM IT IV OK: A D KlMÍND ÊNClA A H S O U l.V
para descrever esse momento inicial, Winnieott recorre a uma analogia que lhe foi sugerida por uma paciente:4o bebê, ou o feto. é como uma bolha. Se a pressão externa está adaptada à pressão inter na, a bolha p ode s eg uir “ex istindo”. T rata ndo- se do beb ê hum a no, dizemos que ele continua “sendo”. Se, por outro lado, a pressão no exterior da bolha for maior ou menor do que aquela no seu inte rior, a bolha passará a reagir à intrusão (nnjringement) : ela se modi fica como reação a uma mudança no ambiente e não a partir de um impulso próprio. Para o ser humano, isto significa uma interrupção do ser, produzida pela reação à intrusão. Cessada a intrusão, a reação também desaparece, e pode haver, então, um restabeleci mento da continuidade de ser. A perg unta decisiva é: de onde parte o mov imento que gera o contato? O movimento deriva da necessidade decorrente do “estar vivo” do bebê ou é uma reação a uma mudança no ambiente, reação que inte rr ompe a continuidade de ser? No primeir o caso , o bebê está dormindo ou recolhido em quietude e a mãe preserva seu isola mento imperturbado, esperando o momento cm que ele faz de novo um mov imento, descobrindo ou tr a vez o ambiente. A mãe que acom panha, sem interferência, esse vaivém do bebê — da quietude ao mov ime nto e vi ce- versa — , a par tir da necess idade dele, es tabelece um certo padrão de relacionamento. Neste caso, as experiências, e as memórias corporais da experiência, são pessoais. No segundo caso, a iniciativa de ao movimento parte ambiente. Se este, repetidamente, se antecipa movimento do do bebê, estabeleee-se um padrão de relacionamento que pode ser chamado de intrusivo. Na vida intra- uterina, o bebê está m ais pr ote g ido dos mov imentos a mbienta is in vasivo s, eomo, por ex emplo, a s f lutu ações de ânimo de uma mãe instável. Mas mesmo as condições da vida intra- uterina estão lon ge dc scr idea is, como em g eral se p ensa.
1
A T E O K IA D< ) A M A I) ’UK (;IMKNT C) I JIC IJ. VV W INN ICO T T
p. 149 ). As invasõe s ambie ntais obrigam- no a re ag ir e, neste ca so, pode-se estabelecer um estado de alerta, prematuro, que não tem nada a ver eom a percepção dc alguma coisa, mas com um certo tônus dc vigilância, devido à virtualidade dc uma ameaça dc invasão (1974, p. 75). A oposição entre espontaneidade e reatividade mos tra que “a influência ambiental pode iniciar-se numa etapa muitís simo preeoee, determinando sc a pessoa, ao buscar a confirmação de que a vida vale a pena. irá à procura de experiências, ou se retrairá, fugindo do mundo” ( üievi ) . Tudo isto fica mais claro quando, após o nascimento, o bebê tem de se haver, mais diretamente, com os modos de ser da mãe e com os estados emocionais dela. Se esta e do tipo que age segundo a sua própria necessidade ou ansiedade, e não segundo as necessidades variáveis do bebê, ocorre uma intrusão e o bebê reage. A reação à invasão quebra a continuidade de ser do bebê, por não ter relação alguma eom o processo vital do próprio indivíduo: “A perturbação que for ça o bebê a re ag ir retira- o de um es tado de ‘se r’, list e es tado lincfuanto está de ‘ser’ só pode ser obtido sob certas condições, rea gindo, um bebê nüa está 'se iulo” ' (19581', p. 267; grifos meus). Se o contato é feito a partir do gesto espontâneo do bebê, o fato de ele estar vivo e a própria experiência são sentidos como reais, e o ac úmulo dessas ex periên cias pessoai s co meça a i ntegrar- se na p er sonalidade; quando, entretanto, a reação à intrusão subtrai algo da sensação de um viver verdadeiro, esta só pode ser recuperada por meio do retorno ao isolamento, à quietude. 2.
A experiênc ia do nascimento
Seja qual for o instante do “primeiro despertar”, o fato c que, em algum momento próximo ao nascimento, ocorre o “grande des pertar", quando “ o bebê sente-se pronto e alerta para o grande mergulho" (1968d, p. 81). A efetividade do grande despertar pode ser demonstrada pela diferença perceptível que existe entre um bebê que nasce p rem at ura me nte e ou tr o nasc ido pós- maduro. O pr i meiro ainda não está p ro nto para a vid a ex tra- uterin a, parec endo pouco capacitado para esta condição, enquanto o segundo dá mos tras dc ter permanecido tempo demais no útero, estando sujeito a 160
OSESTÁGIOS 1‘KIMITIVOS:AIMÍIMÍVDRXCIAABS<)H 'T A
uma espécie de “estado dc frustração” por ter sido mantido à espera depois de estar pronto.5 O processo de nascimento não é traumático em si mesmo; só o será em função de problemas que possam surgir durante o parto," O nasci mento é dito normal quando a reação às inevitáveis invasões da ocasião não excede aquilo para o qual o feto está preparado, lí claro que, mesmo quando tudo corre bem. o processo de nascimento provoca uma deseontinuidade, mas esta pode ser suportada, pois o bebê já fez, na vida intra- uterina, inúmeras ex periências dc interrupção da continuidade de sér, tendo acumulado não só memórias corporais, como, ate mesmo, organizado defesas contra possíveis traumas. A condição que carac te riza o parto normal c o bebê nascer no tempo certo, o do nascimento “a termo”, ou seja, após nove meses de vida intr a- uterina, prazo co m o qual a fisiologia e a psicolog ia estão dc acordo. Nos partos normais, a fisiologia coincide com “a prontidão do bebê para abandonar o útero”, de tal forma que eledec capaz dc sentir todo o processo como algo natural. O processo nascimento pode, contudo, ser traumático, c isto ocorrerá se, devi do a problemas no parto, houver atraso ou antecipação. São estas as condições — de caráter temporal — que caracterizam o parto anormal.7Dificuldades c acidentes desse tipo acontecem, c são trau5 W innic ot t usa, aqu i, a pala vr a "fr ust ra ção” no s entido comum, c não técnico, uma vez que, para ele. 'palavras como frustração começam a ter um s ig nifica do ap enas quando o bebê torn a- sc cap az dc ter, em sita mente, a noção d c que alg o era es perado , mas que a ex pectativa não sc rea lizou plena mente” [1987c, p. 46; grifos meus). Essa condição, obviamente, não pode ser afirmada nesse momento tão primitivo, sendo necessário um longo caminho de amadurecimento pura que a frustração possa existir, isto é, ser ex perienein dn enquanto ta!. 6 W innic ott e nfatiza a necess idad e de se difere nciar entr e ex periência de nascimento e trauma de nascimento (1958Í, p. 261). Tal como Preud, ele considera inteiramente improcedente a tese de Otto Rank, de que o nasci mento seria em si mesmo traumático por operar uma separação dramática da mãe. Ora , o recém- nascid o não iom mat urida de ne m mes mo para sentir-se lidado à mãe — ele sente, apenas, segurança e continuidade ou insegurança e descontinuidade — e não pode. portanto, experimentar nenhuma separação (1958Í, p. 255), 7 Cf. W inn ico tt , 19581’. () tra uma, neste ponto, é relativo ao parto l >ao nasci mento. Saliento o seu caráter temporal unia vez que este é, segundo Winni cott, o earáter específico dos traumas que estão na base das patologias psicóticas. À questão será desenvolvida num próximo livro sobre as psicoses esquizofrênicas na obra de Winnicott.
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A T EOK 1 A IX ) A M A DU R E C IM E N T O l)K l>. W . \ VL\ \ '1C( >TT
mátieos, em variáveis graus, segundo í i capacidade do bebê de su portar a intrusão, mas eles não precisam scr determinantes, a não ser quando ocorre lesão física. Afora os casos dc lesão tísica, que têm suas próprias conseqüências psicológicas, pode-se observar as dife renças que existem entre as necessidades dc um bebê nascido a termo daquelas do indivíduo cujo parto aífoique traumático por ter sido demorado ou prematuro. K exatamente a “adaptação à neces sidade”. por parte da mãe suficientemente boa, ganha relevo: eabc a ela ente nder e adaptar- se às diferenças do bebê sing ular. Quando t udo corre b em, o nasc imento con stitu i- se numa ex pe riência de grande valor para o futuro indivíduo, A prova disto está no prazer que quase todas as crianças, assim eomo alguns adultos, extraem das atividades c jogos que envolvem a dramatização de um ou outro aspecto do processo de nascimento. Por isso, se um bebê nasce de cesariana ou se nasce em estado de anestesia profunda — cm função dc a mãe ter sido anestesiada — ele terá perdido alguma coisa d c mui to import ante , poi s, no processo n or mal dc nascime nto, do ponto de vista do bebê, “foi o seu próprio impulso que produziu as mudanças e a progressão física, em geral começando pela cabeça, em direção a uma nova c desconhecida posição” (1988, p. 166). Ou seja, para o bebê, o nascimento aconteceu a partir do seu próprio impulso; foi ele, portanto, que fez acontecer seu próprio nasci mento. No entanto, não há razão para supervalorizar essa experiência, líla c uma entre uma série de fatores favoráveis ao desenvolvimento da confiança, da estabilidade, da segurança etc. Nos casos cm que tudo correu bem no processo de nascimento, 6 pouco provável que ela surja eomo um ponto importante na análise. É apenas quando as complicações do processo dc nascimento ultrapassam os limites que o bebê é capaz dc tolerar, isto é, quando ocorrem graus intoleráveis dc invasão c as conseqüentes reações, que ele sc torna traumático, podendo decorrer daí uma distorção grave, relacionada com um início forçado c prematuro do funcionamento mental. Quando isto acontece, a experiência será retomada inúmeras vezes na aná lise , o que é fr eqüente no tr at am en to dc psicóticos. *
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Sobre a ex periê ncia e o tra uma do nascimento, e so bre a impor tância d esta questão na análise de psicóticos, cf. Winnieott, 1958t\ 162
O S K ST ÁI1IOS !’K IM1T 1\ '( >S A DKCK XDK Ní HA A ÜSO I.I TA
3.
Prim eiro s mom entos tle vi da extra-uterina
Não c logo que nasce que um bebê precisa de alimento qu está completamente pronto para buscá-lo. O que ele certamente neces sita é d e um te mpo para recu perar- se das des ao continuidades inerentes ao processo de nascimento, e retornar sentimento deque sã o continuidade de ser. Isto o leva, no mais das vezes, a um estado de quietud e. A lem disto, o dese nvolvimento cerebral, conjug ado ao “grande despertar” e à experiência do nascimento, fazem com que o bebê esteja ocupado com sua nova condição, ao mesmo tempo cm que a mente primitiva está catalogando as impressões e a serie de pequenas reações às inevitáveis invasões da nova situação am biental. O r eccm- nascid o está , cm g eral, ex tre mamente susce tível a todas as sensações relativas ao tato, às condições dc temperatura, luz, textura etc., mas há, sobretudo, dois fatos novos com os quais ele tem dc lidar: o início da respiração e a primeira experiência com a ação da gr av idade. Su põe- se. f reqüente mente , que a ex periênci a inaugural de respirar seja traumática em si. Para Winnicott. no entanto, o que pode ser traumático não é o início da respiração, mas um atraso significativo desta, associado a um nascimento prolon gado. Quase sempre, o início da respiração ocorre sem maiores problemas e nã o cheg a a ser sig nificativo (tr aumátic o), a não scr p or inaugur ar a sensaçã o dc que algo entra c alg o sai. lím estágios poste riores, as dificuldades que envolvem a respiração, como a asma, es tarão v inculadas a essa primeira ex per iência, tor nada prot ótipo do “entra e sai”. Para os bebês que sofreram invasões excessivas, “o vaivém da respiração torna-se insuportável” pelo fato dc as sensa ções relacionadas à respiração, que são “intoleravelmente reais”, configurarem total falta de defesa e dc controle sobre o que se move para dentro para fora p. 183). Além respiração, o fato,einédito para(1988. o bebê, da ação dada gravidade, queexiste ainda não havia ent rado em cena n a vida intra- uterina. Ha bituado a scr contido cm toda a sua volta, o bebê sente-se, agora, após o nasci mento, “empurrado de baixo para cima”. Ocorre uma alteração, portanto, “da condição de ser amado por todos os lados para a con-
í linda
ir,3
A T IC O K IA IH ) A M A D r K K C IM K X T O IHC 1). W . W l .W I C O T T
dição cie ser ama do some nte de baix o par a cim a” (1 988, p. 151 ).1' Por isso, o cuidado materno de "segurar” o bebê, fisicamente, é não apenas o de sustentá - lo, mas o de envolvê- lo por todos os lados. A recuperação da continuidade de ser após o parto requer o reatamento de certas condições anteriores ao nascimento; na vida intrauterina, o bebê abdominais, estava habituado a sentir re spiração da amãe, os seus movimentos os ruídos do aseu corpo ou mudanças rítmicas de pressão, e é provável que ele precise retomar o contato com essas funções fisiológicas da mãe. Todas essas expe riências dão início à comunicação com a mãe, além de favorecer a constituição do tempo, um tempo que, necessariamente, é primiti vo, subjetiv o, pré- crono lógieo. Trat a- se de ex periên cias muit o sutis, diz Winnieott, que só o contato humano pode propiciar. A mãe que é capaz, desde o início, de identificar- se com o bebê, esperará ate que ele esteja pronto para o contato. Só assim este não será sentido eomo invasão e o bebê poderá recomeçar a ter impul sos, e até mesmo a procurar alimento. Se a mãe está muito ansiosa para ex ercer o seu papel dc provedora, ela nã o será capaz d e pe rmitir que o bebê, antes dc mamar, explore o seio com a boca ou as mãozi nhas, o u o prenda com as gengivas . Cada beb ê tem seu próp rio modo de fazer a aproximação com o seio, e a mãe sabe que c preciso tempo para compreender o jeito do seu bebê. O que ela necessita é “da chance de ser natural e de encontrar o seu caminho junto ao bebê” (1988, p. 125). São estes aspectos, que parecem simples, mas que envolvem questões altamente complexas, que caracterizam o caráter da dependência absoluta do lactente e a tarefa que compete à mãe. 4.
O estágio da prim eira ma ma da teóri ca: as tarefas fundamentais
Para evitar que se pense que a primeira mamada concreta é o grande momento inaugural da amamentação, Winnieott usa a expressão “prime ira ma mada te órica ”, referin do- se, com ela, à seqüência d as
9
Xote- se o significa do quo W innieo tt dá A palavra "amo r ”, nesse iníeio da vida. Ele a associa ao contato e aos cuidados físicos que são ;i úniea manifes tação de amor que o bebê é capaz de receber. 164
a s EST ÁG IOS PRIM IT IV OS: A DKIMÍ.VDKN CIA AHSO IA-T A
primeiras experiências concretas dc amamentação. O estádio que leva esse nome ocupa, aproximadamente, os três ou quatro primei ros meses de vida do laetentc. Nesse período, eomo o próprio nome diz, a atividade da amamentação está no centro, mas isto não signi fica que a alimentação, enquanto satisfação da fome, corresponda ao que é essencial. Tampouco significa que a oralidade. em termos do eontato libidinal, seja o traço principal a ser observado. Como a ênfase está no processo de amadurecimento pessoal, e não no desen volvimento das funções sexuais, o que está em pauta não é a configu ração das zonas erógenas iniciais ou a natureza da manifestação pulsional, mas o começo do eontato eom a realidade e o início da cons tituição d e um si- mesmo que irá gr adualmente integra r- se numa unidade. Instintualidade e erogeneidade pertencem e parti cipam do amadurecimento, mas não o constituem. Aludindo ao fato de a psicanálise tradicional ter se ocupado, quase inteiramente, das necessidades instintuais (o ego e o id), negligenciando as necessi dades do ser que amadurece, num sentido pessoal, Winnicott afir ma: ‘Es tamos mais in teres sado s na provisão ambie ntal que tor na todo o resto possível: isto é, estamos mais preocupados, aqui e agora, com a mãe segurando 0 bebê nos braços do que com a mãe alimentando o bebê” (1965s, p. 175), no sentido da satisfação instintual. Na teoria winnieottiana, a amamentação é a situação privile giada em que, quando tudo corre bem, começam a estabelecer- se os da qual a mãe é a primórdixjs da ralação com a realidade externa, primeira representante. O mais importante, aqui, éque a qualidade do contato humano, a realidade das experiências estão sendo providas ao bebê por meio do ato da amamentação: o encontro de algo que o bebê não sabe ser um objeto e o início de uma comuni cação muito peculiar com a mãe, irrepetível verbalmente, que é ta mbém o começo d a mutua lida de. 15 por isso que, | ... ] quando mãe c beb ê cheg am a um acordo na situação d e alim e n tação, estão lançadas as bases dc um relacionamento humano. E a partir daí que se estabelece o padrão de capacidade tia criança dc relacio nar- se com os ob jetos e com o m undo (1968 1', p. 5 5).
A mãe é, portanto, o primeir o "objeto” do bebê, com a seg uinte ressalva: no presente contexto, o termo “objeto”, assim como a expressão “relação objetai”, têm uma condição toda peculiar; não 195
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devem ser entendidos no sentido em que são usados tanto pela psicanílise tradicional quanto pela compreensão comum, que su põem haver, desde o início, a percepção de algo externo ao bebê, capacidade que. segundo Winnicott, não pode scr admitida nesse mome nto.111 No estágio da primeira mamada teórica, o bebê está envolvido com três tarefas (tusks): 1) a par tir do estado d e não- integr ação, a re alizaçã o das ex periên cias dc inte g ração no espaç o- tempo, ou seja, a temporalização e cspacialização do bebê ( integração ); 2) o aloja mento gradual da psique no corpo (per sonalizaçã o)- , 3) o início tias relações objetais, que culminará, mais tarde, na criação c no reco nhecimento da existência independente de objetos e de um mundo externo (realização). Winnicott refere-se a estas tarefas fundamen tais em inú me ras passag ens dc su a obra, ap res entando- as cm orden s variadas. Em Natnresa humana , afirma que não há uma seqüência óbvia que possa determinar a ordem da descrição. No entanto, no tex to de 190 2, “A inte g ra ção d o ego no d es envolvimento da cria nça” (1965n), em que são introduzidos aspectos centrais da teoria do amadurecimento, ele afirma que a principal tendência do processo de amadurecimento e a integração no tempo e no espaço, dando início à descrição por essa tarefa, seguida pela do alojamento da psique no eorpo e. por último, pela do início do contato com a reali dade. No artigo “O medo do colapso” (1974), é essa mesma ordem que preside a enumeração das tarefas: “Num tal ambiente, o indi víduo tem um amadurecimento que pode ser classificado como uma integração à qual se agreg a uma re sidência (ou relação p sieossomática) seguida da relação com o objeto” (1974, p. 72). lista é a ordem que será privilegiada nesta exposição. As três taref as básicas se inte rdepende m, e ne nhuma pode ser resolvida plenamente sem as outras. A sua discriminação tem a função de explicitar um certo grau de especificidade dessas con quistas fundamenta is. Qua ndo t udo corre bem, o b ebê defron ta- se eom essas tarefas de modo mais ou menos concomitante, visto que, para dar início a um sentido de real e poder habitar nurn mundo real, subjetivo deeinício, o bebê precisa estar sendo introduzido na ordem do tempo do espaço. A cspacialização se inicia pelo proces 10 Ex plicitarei adiante o se ntido eom q ue W innic ott usa o termo “obj eto " refe ri ndo-.se à mãe. lóí)
OS ES T ACIOH l 'IU.\ l!T I\ () S A DKIMi NDI ÍXCiA A J iSO U T A
so gradual dc alojamento da psique no corpo, tornando esse corpo, seguro nos braços da mãe, a primeira morada. Residindo no corpo, o bebe pode começar a ocupar espaço, a dar concrctude à presença, a ter distâncias c proximidades e a aceder ao caráter transitório daquilo que envelhece e morre. Espaço e tempo não são objetos a serem encontrados; são nade medida em quepara se articulam e consti tuem mundos, a condição possibilidade que algum objeto seja encontrado. As três conquistas básicas são os fundamentos de uma existência que. em função da tendência inata para o amadureci mento, c aminha na direção d a integ ra ção num s i- mesmo unitário. A me dida que essas taref as estão sendo realizadas, e as con quistas es tão sendo organizad as entre si pelo funcio name nto do ego , uma outra está se processando: a cons titu ição do si- mesmo como identidade. Esta quarta tarefa não é mencionada, junto às outras, por Winnieott, até meados da década de 1900. Ela só será explici tada em 1966, quando, ao dar acabamento à sua teoria do objeto subjetivo, Winnieott introduz o conceito de identificação primária: durante a experiência excitada da amamentação, o bebê torna- se o objeto , faze ndo as suas prime ira s ex per iências de ide ntida de ,11 Todas essas tarefas são de caráter fundamental e expressam as ne cessidad es básicas do bebê, qu e deriv am tia necess idade primor dial tle co ntinua r a ser. Ela s ter ão um cer to g rau de res olução concer nente a este estágio inicial: dessa resolução depende o estabelecimento das bases da personalidade e da saúde psíquicas. Elas permanecem, contudo, como tarefas que, embora sc complcxifiquem nos estágios subseqüentes, nunca serão completamente abandonada: s. Para que as tarefas básicas sejam resolvidas com sucesso, tor nando- se conqu istas do amadur ec imento, são necessário s cuidados maternos específicos: à integração no espaço e no tempo correspon de o segurar ou sustentar (hoUtiitg ); o alojamento da psique 110 cor po é fa cilitado pel o ma nejo (handling ) , que é um as pecto mais espe cífico do segurar, relativo ao s cuid ados f ísicos; o conta to com objetos é propiciado pela apresentação de objetos (object- prese nting ). Ao mesmo tempo que a mãe facilita, dc forma especializada, cada uma
11 O conceito dc identificação primária, que está na base da experiência de identidade primária, é explicitado por Winnieott por meio da distinção entre ser e fazer, um dos pontos mais complexos da teoria winnieottiaiia, que será abordado mais adiante. 167
A T E O K IA 1 )0 .V M A nf H E C IM K X T O D lí I). W . V IN W IC O T T
das tarefas do bebê, o conjunto dos cuidados maternos constitui o ambiente total , e o modo de ser da totalidade dos cuidados confi gura um mundo para o bebê. O primeiro mundo em que o bebê habita c necessariamente urn mundo subjetivo , cuja característica central é a de ser confiável. A confiabilidade ambiental significa, sobretudo, previsibilidade: a mãe evita que alguma coisa inespe rada surpreenda o bebê, interrompendo a sua continuidade de scr; a mãe é confiável quando, em meio ás necessidades sempre variá veis do bebê, que ora está tranqüilo ora excitado, mantém regulares, constantes e consistentes a si mesma e ao ambiente, de tal modo que, com o tempo, o bebê vai sendo temporalizado, tornan do-se, pela repetição das experiências, capaz de reconhecer coisas c de predizer acontecimentos. S aliento aqui a distinçã o que W innicott faz ent re mundo e o bje tos. Uma coisa é o mundo onde o bebê habita; outra são os objetos que podem ser encontrados (criados) no interior desse mundo. Para enc ontra r objetos, é preciso ex istir w n mundo , um contex to em que esses objetos poss am ser encontr ados. E da maior importância notar que, a lém de a mãe ser o objeto a ser encontr ado (mãe- objeto), el a é também, no início, o contexto, o ambiente em que o encontro com um objeto pod e acontecer (mãe- ambiente). Por mante r o ambiente constante, regular, simples, monótono, previsível e por permitir que cie crie o objeto que encontra, ela o prove da ilusão de onipotência que, como veremos, é a base da crença em... (believe in...). Não se trata, aqui, de uma crença nisso ou naquilo, mas da capacidade de “acreditar cm...”. Winnicott diz; “Eu me apego a essa frase feia, in completa, acreditar em...” (iy63d, p. S9). A frase tende a scr com pletada, com o tempo, pela crença de que o mundo é eneontrável c confiável, de que, em algum lugar, existe algo que faz sentido, ou alguém que compreende e responde à necessidade. O cuidado am biental mais importante a scr fornecido à criança, para que a capaci dade de “ac re ditar e m ... ” se estabeleça, é ela poder " viver, du rante o tempo adequado, num mundo subjetivo , no qual não se intromete o mundo da realidade externa” (19S9n, p. 220). O mundo que começa a ser constituído, dc início, é o mundo subjetivo , ou seja, uma ambiência confiável, ícita da totalidade dos cuidados maternos. K>.S
OS K ST ÁCIOS PRIM ITIV OS: A l)KI' líXl)È\ 'OIA AHSC)Lt?TA
5.
A criativi dade src iná ria
Para resolver as tarefas du estágio inicial, o bebê conta, da propria mente seu, eom a tendência inata ao amadurecimento e eom a criativiíkide srcinária. Mas o bebe não pode ir criando o mundo no vazio, apenas com seus próprios recursos; 6 preciso que hnja uma provisão suficientemente boa de cuidados para que ele possa realizar — tornar real — o seu potencial criativo. A criatividade c finita e, para permanecer viva, precisa ser exercida. O c onceito w inníeottiano de criatividad c or ig inária 6 inédito no âmbito da psicanálise. Alterando por completo a idéia de que o psiquismo é constituído, já de início, na base de mecanismos men tais de projeção e introjeção,12e, ainda, de que a criatividade huma na é tr ibutária das pulsões s ublimad as , W innico tt for mula a idéi a de uma criatividade psíquicadesde srcinária que “Cada é inerente à natureza humana e está presente o início: ser humano cria o mundo dc no vo e começa o seu tra balho n o mínim o tão cedo quanto o momento do seu nascimento e da primeira mamada teórica.” (1988, p. 130) É o bebê, diz Winnicott, “que cria o seio, a mãe e o mundo” (19S9xf, p. 341). Intimamente relacionada à espontanei dade básica — oposta à reativ idade — , a criativ idad e or ig inária part icipa da co ns tituição do qu e s erá o si- mesmo unitário, visto qu e “é so mente se ndo criativ o que o indivíduo descobre o eu ( si- mes mo)” (1971r, p. 80). T anto nesse mom ento inicial como cm qualquer fase poster ior, a criatividade diz respeito não a algum fazer ou produção srcinal ou artística, mas ao modo como o indivíduo sc relaciona eom o sentido de realidade que caracteriza um dado momento do amadureci mento; a isto se acresce, com o tempo, a capacidade de transitar pelos vários sentidos de realidade sem perder o contato com o seu
12 Resenhando o livro
Psydmamilytic Studics of the Personatiiy(1970). de
Fa irba im, t crteoria, itica oa íato dc c .stepsíquica nã o levaprimária r cm c onta criatividadc srcinária eW diz:innicot “Km sua criatividade não acons titui uma propriedade humana ; uma série infinita de introje ções e projeç ões forma a experiência psíquica do bebê. A teoria de Fairbairn se alinha aqui eom a que nos foi dada por Melanie Klein, que também não permite que nenhum tributo seja prestado à idéia de criatividade psíquiea primária” (cí. Winnicott, 1953i, p. 321). 169
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mundo pessoal e imaginativo. Ao longo da vida, e amadurecendo, o indivíduo saudável continuará a exercer a criatividade dc formas cada vez mais complexas, mas é sobre a criati v idade src iná ria que todo viver criativo pode ser construído: "A criatividade c a manu tenção. através da vid a, dc algo que pertence à ex per iência infantil: a capacidade de criar o mundo” (1986h, p. 32). Gomo todas as outras poteneialidades humanas, a criatividade srcinária que cria o mundo e os vários sentidos de real deve poder ser ex ercid a desde o come ço da vid a; caso contr ário, ela fe necerá e o indivíduo não se tornará capaz de dotar o mundo de significado pessoal. Para que o bebê possa exercê-la, inicialmente, c preciso que a apresentação de objetos seja feita de tal maneira que, ao mesmo tempo que o lactentc estabelece uma relação com esses objetos, ele é mantido na ilusão de onipotência, ou seja, ele cria o que necessita sem nenhuma consciência da ajuda que possibilita este feito. Veja mos como isto acontece, nos casos favoráveis. Por ocasião da primeira mamada teórica, sendo dotado da criati vidade or ig inária, e prov ido dos cuid ados necessá rios, o bebe já tem “uma c ontr ibuiçã o pessoa l a fazer”. A poiado numa tensão instintual (que ele ainda não tem como reconhecer que parte dclc mesmo), ele faz um movimento com a mão ou com a boca na direção de um suposto objeto (o bebê nem desconfia da existência de algo). Tratase de um “gesto espontâneo”, já que parte de uma necessidade “pessoal”, derivada do estar-vivo do bebê. Xessc momento, diz Winni cott, o bebê está pronto para ser criativo. O seu gesto espontâneo anuncia: estou precisando de..., estou buscando algo... e, nesse exato momento, a mãe facilitadora põe o seio em posição de ser encontrado, ou vira o bebê de lado, ou providencia as coisas necessá rias para deixá-lo mais confortável. Pode ocorrer, então, um senti mento que teria a seguinte formulação: era disso que eu precisava. Ele poderá completar a frase: “... uma mudança de posição, um peito, um mamilo etc.” (1988. p. 122). Quando a mãe responde de maneira adaptativa ao gesto espon tâneo, o bebê sente como se o mamilo c o leite fossem os resultados do seu próprio gesto: ele faz a experiência dc criar aquilo que encontra. A mãe sabe que aquilo que o bebê criou, de acordo com a necessidade dele, foi, na verdade, encontrado. Mas ela tem um 170
OS liSTA OlOK 1 'KIM IT IVOS: A U Kl'!v.\ l)ÊNCllA A BSOL UT A
compromisso com o bebe que consiste em jamais lhe perguntar sc eie encontrou ou criou o objeto. O paradoxo c inerente, diz Winni eott; não está aí para scr resolvido, mas para ser sustentado c supor tado. Por sua adaptação absoluta, a mãe realiza o que talvez seja a sua principal tarefa: introduzir o bebê na ilusão de que é ele quem cria o mundo de que necessita. Esta ilusão é necessária, pois “toda criança precisa tornar-se capaz de criar o mundo (a técnica adaptativa da mãe faz com que isto seja sentido eomo um fato); caso contrário o mundo não terá significado” (1984b, p. 116). Poder-se-ia pensar que, tal como na teoria tradicional, o bebê “aluc ina ” o objeto, mas tratan do- se do mome nto inicial, isto nã o pode ser afirmado, purque a alucinação só será possível quando, um pouco mais tarde, pela repetição da experiência, houver mate rial mnemônieo suficientemente bem instalado para ser usado na alucinação, ou seja, na criação, enriquecida agora com detalhes tirados das experiências. No iníeio, a condição do bebê é apenas a dc criar o objeto. O motivo é “a necessidade pessoal” (1988, p. 122). Vale a pena citar mais longamente o autor a propósito deste ponto; Imaginem um bebê que nunca tivesse sido amamentado. A fome surge e o bebê está pronto para imaginar algo; a partir da necessi dade, ele está pronto para criar unia fonte de satisfação, mas não existe experiência previa para mostrar ao bebê o que há para esperar. Se, nesse momento, a mãe coloca o seio no lugar onde o bebê está pronto para esperar algo, e se lhe for eoncedido tempo bastante para que ele sinta o que o eerea, com a boca e as mãos e, talvez, com um senso de olfato, o bebê “oria” justamente o que existe para scr encontrado. Finalmente, o bebê forma a ihisõo de que esse seio real é exatamente a coisa que f o i c riada pela necessi dade. peln voracidade e pelos primeiros impulsos de amor primi tivo. A visão, o olfato e o paladar ficam registrados em algum lugar e, após algum tempo, o bebê poderá estar criando algo semelhante ao próprio seio que a mãe tem para oferecer. Milhares de vezes, antes de desmamar, pode ser propiciada ao bebê essa peculiar introdução da realidade externa por uma única mulher, a mãe. Milh are s de vez es ex istiu o se ntime nto de que o qu e foi qu er ido foi criado c foi encontrado por estar lá. A partir daí se desenvolve a cre nça dc qu e o m undo pod e co nter o que c qu er ido e necessitad o, resultando na esperança do bebê de que existe uma relação viva entre a realidade interior e a exterior, entre a capacidade criadora, 171
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inata e primária e o mundo em geral, que é compartilhado por todos (1947b, p. 101; grifos meus). Propiciar ao bebê que cie possa criar aquilo que encontra é um cuidado de extrema delicadeza que não está contido em nenhum fazer específico da mãe, mas no “co mo ”, no modo c omo ela lhe apre senta as pequenas amostras de mundo que ele está apto a experieneiar no âmbito dc sua onipotência.13No que se refere à constituição da capacidade para as relações objetais, o bebê depende por inteiro do inodo como se lhe apresenta cada fragmento do mundo. São esses “modos de ser” dos cuidados, ou seja, é a totalidade dos cuidados que perfazem o mundo criado pela mãe, que estão atuali zando de um determinado jeito, ou impedindo, também de uma determinada maneira, a tendência de scr do bebê e sua integração gradual numa unidade, li preciso, em primeiro lugar, que o mundo lhe seja apresentado em pequenas doses, de forma compreensível, que faça sentido, ou seja, que não o surpreenda. Também é neces sário evitar coincidências que o sobrecarregam — não se muda o bebê de quarto no momento em que ele está eom catapora ou dor de ouvido — , para não abu sar da su a limita da comp re ensão . A lém disto, se ele está recolhido em isolamento ou quietude, a mãe entende que ele não está lá para ser encontrado ; abordá- lo, ness a ocasião, im pondo- lhe necess idades de fora, é inter ro mper sua co nti nuidade de ser naquele momento. Mesmo porque, quando a criativi dade do bebê está ausente, as amostras de mundo que a mãe apre senta não têm sentido. Por outro lado, se o bebê fizer o gesto e a mãe estiver ausente, distraída ou concentrada em si mesma, o gesto ficará parado no vazio, à espera de algo que não vem.14O resultado,
13 A palavra "onipotência”, usada para este estágio primitivo, descreve mn traço essencial da dependência e significa que « bebê não sabe nada acerca da existência de si mesmo ou do mundo externo. Não se deve confundir este significado específico da experiência de onipotência na área da ilusão, característico do mundo subjetivo, com o sentimento dc onipotência,rela tivo a um poder que desconhece limites e que justamente “pertence à deses perança em relação à dependência” (Winnicott, 1971h, p. 50). 14 Isto conf ig ura o tra uma do n ão- acontecid o, que será g uarda do, não n o inconsciente reprimido —- o que já suporia um alto £rau de amadureci mento, eom uma realidad e psíqu ica i nter na co ns tituída — . mas no i ncons ciente “não acontecido", qu e é a forma negativa do inconsciente src inário. 172
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cm qualquer desses casos, nã o é fr ustr ação — uma vez que a inda não há desejo, que é um sentimento altamente sofisticado próprio de um cu unitário — , mas qu ebra na co ntinuidade de scr (break do- icn). Se este é o padrão de atitude ambiental, pode ocorrer aniquilarão. O paradox o contido na ilusão de onip otênc ia consiste no fato dc que aquilo que o bebê criou foi, na verdade, encontrado por ele (do ponto de vista do observador) e já esLava lá antes de ele tê-lo criado. Mas. além disto, cuptilo que o bebê criou não é exatamente aquilo que a mãe ofereceu, do mesmo modo que.jcimaís encontramos na reali dade aquilo ifiie imaginamos. Esta disparidade jamais terá solução. É inerente à natureza humana c, ao longo da vida, teremos sempre de lida r co m e la .15 No enta nto , no início, o bebê não sab e de nada disto, e é imprescindível, não só para a sua saúde psíquica, mas para a riqueza de sua personalidade, que a mãe seja capaz de permitir que a ilusão se instale. Iniciar o bebê na capacidade dc se iludir é a tarefa essencial da mãe s uficiente mente boa. Ela o faz m antendo- o, dura n te o tempo adequado, num mundo subjetivo, presidido pela ilusão de onipotência: ela protege a sua continuidade dc ser, impedindo uma irrupção imprevisível, e incompreensível para o bebê, de um tipo dc realidade (externa para o observador), que não é compreen sível para o bebê neste momento primitivo. Pelos caminhos próprios do amadurecimento, o bebê terá, no seu devido tempo, de criar a ex te rnalidadc do inundo e de alca nçar a capacidade d e relac ionar- se 15 A questão tia ilusão — e, no início, tia ilusão dc onipotência — 0 um;i das co ntr ibuiçõ es básicas dc W innico tt ao tc rnsi tia con s tituição do si- mesmo e dos sentidos tle realidade. Trata-se de uma questão de alta complexidade, temática centra! na filosofia. No âmbito da psicanálise, Winnicott é um dos únicos pensadores a eonferir- lhe o devido po so e est atuto. No enta nto, essa contribuição, centnil paru a compreensão tle seu pensamento, foi alvo tle distorções e/ou assimilações indevidas à e pela tradição psicanalítiea. Michel .lacobs (1995), por exemplo, depois tle afirmar que Winnicott é, sem dúvida, um pensador srcinal, em primeiro lugar devido aos conceitos que são claramente de sua lavra, tais eomo os objetos transieionais e o jogo do rabisco [sic], assinala que há um segundo sentido em que Winnicott pode ser consider ado or ig inal: a ‘‘habilidade para adaptar , e fazê- los seu s. co ncei tos e aspectos da prática clínica que outros inventaram". Aqui. continua Jacobs, “podemos citar a mudança significativa que ele fez do conceito de ilusão de Sigmund Freud, que se tornou, em Winnicott, um meio de per ceber [sícj o presente mais do que, eomo em Freud, uma indicação do de sejo da criança” (Jacobs. 1995. p. 27).
173
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com a realidade externa, sem que isto represente ameaça para o si- mesmo pessoal: mas essa capacidade depende d e ele ter s ido cuidado de cal forma, no iníeio, que a apresentação inaugural do mundo que lhe foi feita não tenha implicado a perda da realidade do mundo subjetivo. Para a cr iança e om sorte , o mundo come ça a con duzir- se dc maneira tal que sc conjuga com sua imaginação e, assim, o mundo é entreteeido n.n própria contextura da imaginação, a vida íntima do bebê enriq uecen do- se e om o que é p er cebido 110 m undo externo (19 l9m, p. 81).
6.
Os estad os excitados e os estado s tran qü ilos
A nte s de ex aminar eada uma das tarefas fundame ntais , é precis o distinguir dois estados do bebê Os quedois se alternam mente: os entre excitados e os tranqüilos. estados, epermanente a delicada passagem de um para outro, são algo eom que o indivíduo terá de lidar ao longo da vida; o modo como ele o fará é determinado pela maneira eomo, eom a ajuda da mãe, isso é feito no iníeio. O que o bebê necessita, nesse ponto, segue os mesmos lineamentos já des critos na metáfora da bolha, anteriormente mencionada, e relacio na-se com a oposição entre espontaneidade e reatividade. Enquanto os estados tranqüilos são mais claramente a ocasião para as tarefas dc integração, no tempo e 110 espaço, e de alojamento da psique no corpo, os estados excitados são mais diretamente relacionados eom o início do estabelecimento do contato com a realidade — ao mamar e agarrar objetos —, além dc serem o momento privilegiado para observar as raízes da agressividade. 6.1 .
Os estados ex citad os
A emerg ência de um es tado ex citado, no bebê, pode ser as sim descrito: estando ele num estado tranqüilo, dormindo ou simples mente repousando, surge um impulso, apoiado, quase sempre, na crista de uma onda instintual. Desenvolve-se uma tensão que, rapi damente, se transfor ma numa urg ência; nela toma carona o i mpulso motor. O bebê c tomado por uma expectativa indeterminada, visto 171
OS KSTÁl a OS l>KIXIITIVO S: A DKPK XllKXCIA A liS ul.lT A
que ele não sabe nada acerca da sua necessidade ou do que pode ser esperado; na verdade, ele não sabe de sua própria existência, nem ta mpouco da ex istên cia de ob jetos, s ejam e les ex ternos ou internos. A ex pectativa, manifesta da por um gesto espontâneo, poderia scr assim explicitada: o bebê busca “encontrar algo cm algum lugar" (1988, p. 120). Os impulsos que levam o bebê à excitação provêm de duas fontes: a instintualidade e a motilidade. Tanto os impulsos instin tuais como os motores são manifestações do “estar vivo" do bebê. A ins tintualidade é o campo em que a sex ualidade ir á se desenvolver, como um aspecto importante do processo do amadurecimento pessoal. A impuls ividade ins tint ual do iní cio da vida, em que a sex ua lidade sc enraíza, c inerente uma destrutividade que constitui tam bém uma das raízes da agressividade. Outra raiz da agressividade encontra- se na motilidade. Embora estes d ois tip os dc imp ulsos — instintual c motor — tenham especificidade, c dc esperar, na saúde, que eles se juntem numa experiência global c, com o tempo, atuem de maneira integrada. líxaminemos, inicialmente, a raiz instintual do impulso e a exci tação que c dela derivada. Mas, antes, é importante explicitar o que W innicott entende por ins tintualidade e como ele vê a ins tintua li dade nas fases mais primitivas. W innicott usa o te rmo “ins tintual” par a referir- se ao conjunto de excitações locais e gerais que são, para ele, um aspecto da vida (drives) biológicos, animal. Os instintos são “poderosos impulsos que vêm e voltam na vida do bebê ou da criança, e que exigem ação" (1988, p. 57; gritos meus). Destaco três aspectos. Primeiro, como os instintos vêm e voltam, eles não constituem a vida do bebê, da criança ou do indivíduo adulto. Quando estes retornam a um estado tranqüilo, também os instintos repousam e, no entanto, a continuidade de ser prossegue. Segundo, no que se refere ao que c estritamente biológico, o modo como o instinto age sobre o scr humano não difere do modo como ele age sobre os animais. Km geral, a excitação instintual leva a criança ou o adulto, assim como qualquer outro animal, a uma expectativa de satisfação; derivam daí um impulso para agir c alcançar um ato eom clímax c um período dc p ós- clímax . C) que di fer e f undam enta lme nte no homem é que todas as funções eorpóreas, incluindo as instintuais, passam pela elaboração imaginativa, e é com o eorpo imaginativamente 175
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elaborado que o indivíduo se relaciona. Por isso, no sc falar do exci tação instintiva, é sempre necessário distinguir entre o corpo, ele mesmo, e as idéias e sentimentos que o indivíduo tem desse corpo. Desta perspectiva, também não há grande diferença entre os diver sos tipos de demanda instintiva. Não há nenhuma razão para classi ficar os instintos, nem para se decidir se há um único instinto, se eles são dois ou se existem vários. Em terceiro lugar, o que caracteriza os instintos é a exigência pura u ação. domo para Winnicott. no entanto, o centro da questão — mes mo tratand o- se de um impulso biológ ico — é o in divíduo c não uma pulsão; e eomo o significado da experiência instintuai varia conforme o estágio do amadurecimento, há que se levar em conta o grau de imaturidade do bebê: este não sabe nada sobre a necessi dade que o aflig e, nem que t ipo de ação seria eficaz par a aplacá- la; não sabe nem ao menos da existência dc objetos, quanto mais se
dado objetoé,é igualmente, o adequado uma ao tipo de necessidade o assola. Usar um objeto conquista, que só que poderá realizar-se no seu devido tempo. Deste modo, a ação exigida pelo impulso instintuai é, no início, apenas um gesto, que não tem meta certa, nem incide sobre um objeto em particular. Por isso, ao referir-se à instintualidade da fase mais primitiva, Winnicott não fala propria mente em instintos, mas em tensões ou excitações instintuais. Ele reserva o termo “instinto”, ou “vida instintuai”, para quando a instintualidade for integr ada e significada p elo indi víduo eomo algo que lhe concerne, vivida eomo uma experiência pessoal, eom todas as suas do conseqüências; estaNeste conquista só seo dará no estágio coLieernimento. momento, bebê mais estarátarde, também apto afazer algo, eom o objeto, de modo a tentar resolver a urgência instintuai. No iníeio, c ontudo, o b ebê é um ser imat uro , não- integ rado, qu e ainda não reside no corp o, e nã o tem ne nhum co nhec ime nto s obre o fato de que as tensões instintuais lhe dizem respeito. Essas tensões instintuais são tão “externas” a ele quanto o mundo, e isto 6 verda deiro também para a anatomia do corpo e as outras funções bioló gicas. Na verdade, não são nem mesmo externas, uma vez que o lactente ainda não tem o sentido do interno nem do externo. Isto não quer dizer que as tensões instintuais se reduzam í i meras sensa ções eorpóreas. Apesar de o lactente não ter ainda maturidade sufi ciente para d otá- las de s ignifica do nem para aprop riar se d elas eomo 17õ
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pertencentes à sua própria impulsividade instintual, cias são dota das de sentido por estarem sendo, permanentemente, elaboradas imaginativamente pela psique. No momento em que está faminto, o bebê é assolado por algo que o atinge, invade e ameaça — ter fome “6 eomo ter dentro de si um bando dc lobos” (1949k, p. 90) —, mas ele nã o sabe de on de vem o mal- estar, nem sabe dis tin g uir o d es con forto da fome daquele que lhe vem, por exemplo, de um trovão, de uma porta que bate ou de uma queda brusca de temperatura. Qua ndo a mãe, ide ntifica da com o b ebê, at ende- o pro ntame nte, o que cia evita não é ainda uma frustração, mas uma inter rupçã o da continuidade de slt, pois “as exigências instintuais podem ser fero zes e assustadoras e, a princípio, podem aparecer à criança como ameaças à sua ex istência” ( idem ). Quando o ambiente total propicia experiências globais, incluindo mutualidade c comunicação, e a mãe fornece apoio dc ego, todo o percurso deslanchado pela tensão instintual torna-se uma experiência que fortalece o ego e favorece a coesão psicossomática da criança. Sem esse apoio, as tensões instin tuais, ao invés de serem gradualmente integradas e pessoalizadas, permanecem externas e são sentidas como intrusões, podendo, ainda, tornar-se perseguidoras, chegando a estabelecer uma dispo sição paranóide.1'1 A medida que a integ ração vai se tornando mais consis te nte, <> bebê torna- se cad a vez m ais apto a re conhece r os imp ulsos ins tin tuais como um a specto do si- mesmo vivo, e não como ambie ntais . Quando esse desenvolvimento ocorrer, a satisfação instintual tornar-se-á um importante fortalecedor do si-mesmo. Mais tarde ainda, após ter alcançado a identidade unitária, a criança sentirá os ins tintos como seus; ficará assustada e preocupada com suas manifes tações e efeitos, tanto em si mesma eomo na mãe. Mas, por ora, ela ainda não sabe nada sobre isto.
líi Dependendo do seu momento de srcem, alguns casos de ne&ição ou inibição da fonte instintiv a podem ser ente ndidos não em termos de censu ra de conteúdos ! ades‘*j :'veis, mas d e um recuo eo mo r eaçã o à intrusão. A te n são instintual é intrusiva c interrompe a continuidade de ser se não houver facilitarão ativa por parte da mãe. Antes do alojamento da psique no corpo, o corpo é tão alheio ao bebê como as coisa s do mund o ex terno, de modo q ue as tensões instintuais são tão intrusivas quanto qualquer coisa imrusiva que venha do ambiente. 177
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No bebê, pode-se encontrar todo tipo dc excitação, local ou geral. Quando a excitação é generalizada, ela pode tanto estar contribuindo para uma experiência de integração quanto ser, ela mesma, resultante de uma maior integração dentro do percurso do amadurecimento. Se a excitação é local, deve-se levar em conta a função corporal que está envolvida, e que se torna alvo da elabo ração imaginativa. Algumas estruturas de excitação revelam-se do minantes nas sucessivas etapas do desenvolvimento da instintuali dade — pré- genital , f álica e g cnital — , tant o em te rmos das funç ões envolvidas como de acordo com a elaboração imaginativa dessas funções. A excitação tende a ocorrer nos termos do instinto domi nant e. Se g undo Winnicot t, a úni ca z ona d c ex citaçã o pré- geni tal claramente predominante, nos estágios primitivos, é a oral. Embora já se possa encontrar , no bebê, ex citações genitais localizadas, elas não podem ser diferenciadas como tais, uma vez que ainda não existem nem as funções eorpóreas especificas nem a fantasia tipica mente genital. Isto significa que, nesse momento, uma distinção entre os sexos é artificial e forçada. A diferença entre o masculino c o feminino só se tornará importante na fase do desenvolvimento sexual a que Freud denominou fálica. Esta fase é considerada por W innicott, na sua redescr ição do desenvolvimento sex ual como um aspecto do processo dc amadurecimento, a mais importante depois da oral, ocorrendo, na linha desse processo, durante o estágio do conc cr nimcnt o.17 Nos estágios iniciais, a excitação do instinto leva a criança a preparar-se para o clímax, para a satisfação da tensão instintual, sobretudo quando o apelo atinge o cume da exigência: Sc a satisfação c encontrada no momento culminante tia exi gência, surge a recompensa do prazer e, nimbem, o alívio tempo rário do instinto. A satisfação incompleta ou mal sincronizada acarreta alívio incompleto, além de impossibilitar um período de descanso muito necessário entre duas ondas de exigências (198S, p. 57).
Esta citação queinstintual, Winnicotto distingue prazer busca de satis fação. Movido pelamostra urgência que o indivíduo éa satisfação desta; mas é apenas quando a satisfação acontece no 17 Cf. o Capítulo IV, Seção a. 178
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inonicnt o c ulminante da ex igênci a, ou seja , quando a mã e está bem sincronizada com o bebê, que surge, então, “a recompensa do prazer”. Ora, cm termos da necessidade de continuar ;i ser, a satis fação não se resume ao aplacamento do instinto, mas requer que a experiência seja global, o que implica estar bem seguro, scr visto pela mãe. entrar em comunicação com ela, criar o objeto que encontr a e poder ex ercitar plenamente a inotilidade du rante a ex pe riência instintuai. A citação anterior propicia, ainda, uma conside ração sobre os d ois pré- requisitos para que s eja possível o p eríodo de descanso tão necessário entre duas ondas dc exigências: a primeira consiste cm que a criança faça boas experiências nos estados tran qüilos , que s erão d es critos a s eg uir, dc modo a nã o sentir- se, por ex emplo, al armad a com a au sên cia de e x c ita ção .A segun da con di ção é que a satisfação instintiva faça parte de uma experiência mais ampla, que inclui a comunicação c a mutualidade. Isto tudo nosboa. levaNos ao tema da capacidade de adaptação mãe suficientemente primórdios da psicanálise, assinalada o au tor, a adaptação materna significava apenas satisfazer as necessi dades instintuais do bebê sem levar em conta o contexto global de segurança c confiabilidade, no c a partir do qual os impulsos instin tivos, “tfucr satisfeitos ou fr ustr ados , tomam- se ex periê ncias do indivíduo ’’ (1965vd, p. 217; grifos meus), li clara, em Winnicott, a prevalência da realidade da experiência, enquanto tal, sobre o pra zer ou d esprazer qu e r es ultou d a mesma. Há que se gar antir pr ime i ro as condições para que a experiência seja real, por meio da pro visão ambiental que torna todo o resto possível, para, depois, à medida qu e o amadur ec imento prosseg ue, essa ex per iência vir a ser satisfatória ou frustrante. Winnicott. afirma que (...] com cuidado materno suficientcmentc bom, dc início, o bebê 1 tão está sujeito
IS Num textoansiedade, dc 1958. Winnicott a falta dcnatensão instintuai pode produzir mas, sc afirma há aque integração, personalidade, do sentido do tempo, isso capacita o bebê a esperar pelo retorno natural da exigência instintuai (ef. 195tijí, p. 33). Para maior desenvolvimento dessa questão, ef. Winnicott, 1958b e 1958j*. Ver também o caso descrito em Winnicott, 198f>a, além da introdução a esse livro por Masud Khan. 179
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por si mesmo. ao objeto (seio, mamadeira, leite ete.) (1965n. p. 58; grilos meus).
A surpreendente afir mação de que, com cuidados suficiente mente bons, o bebê não está "sujeito a sutis/ações ins tint uuis ”, signi fica que, desconectadn de uma experiência total, a satisfação instin tual pode constituir- se numa invasão tr aumática: E possí vel s atisfazer u m impuls o oral e, ao fazê - lo, ■ v iolar a função do c£o d a cr ianç a, ou do q ue será mais tarde zelos amente m ant ido como o si- mesmo , o cerne da pers onalid ade. U ma s atisfação a li mentar pode ser unia sedução e pode ser traumática se chega à cria nça s em o apoio do f uncio nam en to do ego (1 96 5 n. p. 5
Desta perspectiva, é fácil entender por que Winnieott não pode aceitar que se veja, na situação de amamentação, uma ligação libidinal eom o seio, ou uma busea dc satisfação relacionada a forças pulsionais. As necessidades do bebê não são ditadas pelo princípio do prazer, mas pela necessidade de ser, que inclui buscar c criar um objeto.211A satis fação d a te nsão ins tintua l é cer tame nte necessária, mas ela só se torna uma expetiêiida no interior de uma experiência global de encontro com a mãe. A psicanálise tradicional habitu ou- nos a pensar no bebê em ter mos de p ulsões orais , mas não 6 adequado, diz o autor, “referir-se à primeira mamada eomo uma
19 Note-se que esta citação oferece um bom exemplo do uso winnicottiano dos ter mos g o" olie“simesmo ". Uma fação o ral pode aoser tr aum ática se violar "a “e função ego", ou seja, atingirsatis a tendência do bebê amadureci mento. e. também, se violar “o i[ue será mais tarde zelosamente mantido como o si- mesmo”. islo é, o que já e st á integ ra do no bebê c existe e omo um si- mesmo incipiente. O trauma atinge a pessoa do 1>cbê. seja qual for o grau de inte gração existente, e atinge o processo de amadurecimento. 20 A idéia dc que o bebê não c movido preeipuamente pelo princípio dc prazer A les prazcr , mas pela bu sea do objet o, já havia sid o proposta por Pairbairn. Embora Fairbairn desenvolva esse ponto em uma direção diferente da de Winnieott, este afirma, num texto dc 1969: “Estou obviamente próximo da declaração dc Fairbairn, feita em 1944, de que a teoria psieanalítiea estava enfatizando a satisfação das moções a expensas do que Fairbairn chamo u busca do objet o’. Fairbairn est ava tra balhando, como eu agora, nos caminhos nos quais a teoria psieanalítiea precisava scr desenvolvida ou modi ficada caso o analista quisesse torn ar- se capaz de enfre ntar fe nômenos csquizõides no tratamento de pacientes” (1970b. p. 19S). IS O
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experiência instintual que acontece c termina, sem fazer referência alguma ao ser humano 110 interior do qual a excitação instintual está sc produzindo” (19S8, p. 1.13). E claro que o bebê precisa satisfazer a urg ência ins tintual , mas a qualidad e principal da s ex periên cias d a prime ir a mama da te óric a não se define p ela polar idade p razer/desprazer, c sim pela comunicação e intimidade que proporcionam e realizam, pela possibilidade de o bebê exercer a criatividade srci nária, mesmo porque “um objeto bom não é bom para o laetente a menos que seja criado por este” (1965j, p. 165). Além disto, quando a amamentação é entendida na chave do princípio do prazer, existe o risco real de se estabelecer um medo da satisfação, pois esta fica associada ao desaparecimento do objeto. Este risco pode ser evitado quando sc pensa, em te rmos de uma s ituação glob al: além do ob jeto, há toda uma ambiêneia na qual é possível deixar-se levar pelo im pulso excitado e à qual, depois, pode-se voltar para o repouso. A mãe, na sua função de ambie nte total, cont inua lá, independente mente da sua função de provedora dc alimento. Isto tudo dito, é quase supérfluo assinalar que Winnicott tam bém não pode aceitar que a alimentação seja entendida como um ato reflexo. A sua insistência neste ponto deve-se à sua proximidade eom a prática pediátrica comum. Ele não perde qualquer oportuni dade dc dirigir-se às enfermeiras, que, pensando estarem realizando bem o seu trabalho, pegam um bebê embrulhado num eueiro, eom as mãos presas, “e empurram a sua boca para o seio, declarando abertamente estarem decididas a fazê-lo mamar” (1988, p. 124). Ora, diz cic. a melhor maneira de inibir um bebê a mamar no seio é empurrar- lhe o seio boc a ade ntr o “ sem lh e dar a me nor chance de ele ser o criador do objeto que precisa ser encontrado” (idcin). W innicott não se cansa de adv ertir os especialis tas, cujo tr abalho os põe em contato direto com as parturientes c os bebês, de que sua principal tarefa é não interferir naquilo que a mãe, mesmo quando fragilizada, sabe fazer melhor que ninguém. A mãe que acaba de dar à luz pode estar fraca demais até para levantar o bebê do berço sem ajuda, mas continua a ser a única pessoa realmente indicada para adaptar- se às necess idades do lae te nte, “ necess idades si nalizadas de forma tal que exigem a sutileza do entendimento da mãe verda deira" (ibid. , p. 133). O que ela precisa c ser fisicamente ajudada pelos médicos e enfermeiras, mas não h;i qualquer razão para que 181
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esses profissionais tirem dela a tarefa que ela está capaz dc fazer me lhor que ning uém: inic iar a relação eom o seu bebê.31 A lém das tensões instintuais , a out ra fonte de impulsos par a os estados excitados é a inutilidade, que, na teoria winnieottiana, é uma das raízes da agressividade, A motilidade se expressa desde antes do nascimento, nas evoluções do feto e nos movimentos bruscos e vigorosos eom as pernas, o que leva algumas mães a dizerem que ele está dando pontapés. Depois de nascer, ao movi mentar- se c ex er citar a vitalidade do s músc ulos e tecidos, a cri ança dá de encontro com alguma coisa e, com isto, o meio ambiente é cons tantem ente descoberto e redescob erto. Descobrir o m eio a mbi ente, aqui, não quer dizer que o bebê comece a “perceber” a exis tência do ambiente e das coisas externas, mas que, aos poucos, por meio das experiências repetidas que ele faz de qualidades dc perma nência, consistência, texturas etc., começa a se acumular, nele, um crescente “conhecimento” nãoà mental, baseado na familiaridade, conhecimento que é anterior consciência pereeptiva do mundo externo. Km condiçõ es favorá veis, a motili dade funde- se à tens ão ins tin tuai e o bebê despende o máximo possível do seu impulso motor primitivo, ou erotismo muscular, nas experiências instintuais. Mes mo assim, resta sempre um excedente que tem a sua especificidade e precisa ser experienciado como tal. Para tanto, a motilidade precisa encontrar oposição, isto é, “necessita dc algo contra o qual fazer força, caso contrário permanecerá não experimentada, consti tuindo- se em uma ameaça ao b em- estar” (19 58 b, p. 2 98 ). Esta oposição, que põe em exercício sua força muscular, é necessária para dar realidade ao impulso. Os impulsos agressivos (lcia-se es pontâneos), afirma o autor, não produzem qualquer experiência satisfatória, -i menos que encontrem oposição (ef. ibid., p. 301). A lém dis to, o 'jue tr ansfor ma, g radua lme nte, a vitalidade do bebê cm ca pacidade >ara a agres são é o co nta to com u objeto que resiste
21 Winnicott cita Me ril Middleinore que, no livro TheA ursntí* Couple (1941), descreve o i menso juidado que te ve para não interfer ir ne ssa s ituação ex tre mamente delicada da mãe e do beliê no início do relacionamento. "Ela tom ou c uidad o” , d iv. W innic ot t. ” de não esperar su cessos ou temer f ra cassos, Provavelmen.e muito poucas pessoas apresentam as condições adequ adas para fazer e sse tip o dc ob serv ação da i ntim idade ” (1 98 8. p. 125). 1S2
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e se opõe; segundo Winnicott, o chamado "potencial agressivo” de um bebê depende da quantidade de oposição até então encontrada por ele.-3Aqui fica claro o fato de a necessidade do bebê, nos primei ros encontros, não ser apenas a de um objeto libidinal, mas a de um objeto externo e consistente: “E a impulsividade, e a agressão que se desenvolve a partir que de fazum comobjeto que oque bebê necessite(195Sb, de um objeto externo, e nãodela, apenas o satisfaça" p. 304). () problema, aqui, é o fornecimento da quantidade ade quada de oposição, porque um excesso de «posição inibe o impulso e impede que a motilida de se fusionc à ex periência instintual.- - 1 Se, durante os estados de excitação, a mãe permite que a vivaci dade do bebê se expresse conjuntamente pela voracidade instintual e pela livre movimentação que acompanha a excitação, a motilidade funde- se, aos poucos, à te nsão inst intua l; isto favorece a elabor ação imag inativ a das f unções eorpó reas e, conseqü ente mente, a taref a de alojamento da psique no corpo c facilitada. O sentido dc real, diz W innicott cm 1950, origina- sc especialmente das raízes motor as (e sensoriais correspondentes), e quando, nas experiências instin tuai s, há uma fraca i nfusão d o ele mento motor, estas não forta lecem o sentido de realidade ou de existir. Disto decorre, muitas vezes, que as experiências instintuais passem a ser evitadas, precisamente porque levam a pessoa a uma sensação de não existir. Como já vimos, quando o movimento parte do bebê, o contato com o meio ambie nte é uma ex periênci a do indivíd uo. Mas s t ié o meio que repetidamente tem a iniciativa, ao invés de uma série de experiências individuais, ocorre uma serie de reações a invasões. Neste caso, a motilidade acaba sendo experimentada apenas como uma reação à invasão. Se e este o padrão que vigora, começa a haver doença. Em maior ou menor grau, o indivíduo passa a precisar da 22 No belo livro Ü bebê e a coordenaçãomotora (1994), as especialistas uni psieomotricidadc M.-M. Béziers c Y. IlunzinjÇor afirmam que um dos cui dados para propiciar bem- estar e se g urança ao bebê, fa cilit ando sua coorde nação motor a, consis te em a mãe, :io manejá- lo ou dar- lhe de mamar , provi dencia r para que seus p és este jam apoiad os, podendo fazer pressão contra o braço da poltrona, as mãos ou o próprio corpo da mãe. 2.1 Às especial istas citadas na nota a nterior lembr am ao leito r que a vid a, para o bebê, é movimento, e que, desde o início, c preciso ter o cuidado dc “evitar qualquer entrave à expressão dc seu movimento” (Uézters e lhinzinticr, 1994, p. .12). IN3
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oposição, não para dar realidade ao seu gesto, mas eomo raiz do mov imento, e só é capa z de abrir c aminho até a impor tant e fonte da motilidade quando algo se lhe opõe. Num caso extremo, quando o impulso s ó é ex perimentad o como re ação à invasão, o eu não chega a se estabelecer, visto que, na ausência da impulsividade pessoal, as ex periênc ias primi tiva s de integ ra ção d o si- mesmo, próprias aos estados excitados, não ocorrem. Nesta situação, "o bebê vive porque foi atraído pela experiência erótica, mas, além da vida erótica, que nunca parece real. Iiá uma vida puramente reativa e agressiva, depend ente da ex periência d e opos ição” (1 95 8b, p . 30 3). lista s itua ção desfavorável pode estar na srcem dc uma das formas de dispo sição paranóide: o indivíduo está sempre procurando a perseguição que deflagrará o movimento, e só se sente real ao reagir a ela. Isto representa um modo falso de desenvolvimento e ele começa a neces sita r dc uma perse guiçã o co ntínua para sen tir- se vivo. Estas considerações conduzem à questão das raízes da agressivi dade.- 4 J á em 1939. no seu primeiro art igo dedicad o ao tema, W inni eott denomina a impulsividade “agressiva” que alguns bebês costu mam manifestar, tão logo são postos para mamar, de “voracidade te óri ca” , “amor- apetite prim ário ”, dizendo q ue ela c, ori g inalme nte , part e do apeti te , ex pressando- se no at o de comer, atira r- se c devorar. Trata-se, diz ele, dc uma impulsividade que pode parecer cruel, peri gosa, mas só o é por acaso (by chance ). A palavra “voracidade” {greed ), acr esce nta o autor, talvez e xpresse mel hor que qualquer outr a a idéia da fusã o src inal de amor e agres são (cf. 19 64 d, p. 9 2). Dc fato,
24 Winnieott dedicou muito dc seu esforço teórico à elucidação da agressivi dade o da destrutividade inerentes à natureza humana. K dc notar que os dois conceitos — agressividade c destrutividade — são necessários para distinguir duas modalidades de natureza radicalmente diferentes de “agressão". Isto ficará mais claro no decorrer do trabalho, sobretudo no Capítulo IV, nas seções re fer idas aos estágios do uso do objeto e ao do co ncernimento. lista questão atravessa toda a obra winnieottiana. e suas formula ções vão se modificando à medida que seu pensamento evolui. Muito tempo foi neces sário para qu e W innie ott chegasse a u ma f or mulação mais acabad a, o que só ocorreu, segundo ele mesmo, em um de seus últimos e mais impor tantes artigos , ”0 uso do objeto ”, de n ovembro d e 19 68. Km Xuture& t humanu. numa nota dc rodapé acrescentada em 1970, ele diz que a falta dc uma formulação satisfatória para as raízes da agressividade "foi a razão que me impediu dc publicar antes este livro" (198
OS ESTÁdlOS PRIMITIVOS: A DEPENDÊNCIA Ali.SOl.lTA
a tensão instintuai gera no bebe uma necessidade imperiosa, um estado de urgência que pede por alívio imediato. Com a participação da motilidade, pode haver, na situação de amamentação, uma ativi dade vigorosa da gengiva, que chega a machucar o seio e produzir raehaduras no mamilo. Não sc pode afirmar, contudo, que o bebê esteja tentando ferir, “porque ele ainda não está suficientemente amadurecido para que a agressividade possa já significar alguma coisa” (1969b, p. 26). O termo “agressividade” só faz sentido quando uma ação é movida por um propósito, uma intenção, e o bebê, nesta altura, ainda não está de posse de razões 011 inteneionalidade. Há muita confusão sobre este ponto, diz Winnicott. pelo fato de. freqüen temente, se usar o termo “agressão” quando o que sc quer dizer é espontaneidade. A agressividade c, no início, motilidade e parte do apetite, e esta manifestação decorre do estar-vivo do bebê. E igual mente do “estar-vivo” e da imaturidade absoluta do bebê — em parti cular no que diz respeito ao tempo, à incapacidade de esperar — que decorre a sua voracidad e. 0 que seria chamado dc agr ess ão c visto mais eomo “evidência de vida” (1965h, p. 117). O impulso faz parte da busca de alívio instintuai. O objetivo do bebê é “a satisfação, a paz do corpo e do espírito” (1964d, p. 92). No artigo “A agressividade em relação ao desenvolvimento emo cional” (1958b), Winnicott admite a existência dc uma destruição que é inerente ao impulso amoroso primitivo. Essa destrutividade não deve ser vista como manifestação de agressividade, visto que é apenas incidental, fazendo parte da busca de satisfação instintuai. E pre ciso estu dá- la comple tame nte à parte da r eação a gressiva qu e decorr e da fr ustr ação prov ocada pela n ão- satisf ação das necess i dades inst intuais ou fr ente ao princ ípio de r eali dade.- 5
25 Não ú difícil perc eber que i i conc epção d e W innic ot t sobre as raízes da ag res sividade está em franco desacordo com as teorias freudiana e kleiniana. Com relação í i Freud. o ponto de di.seordâneia central reside no lato de este conceber a agress ivid ade com o re ação às fr ustrações no contat o eom o pr in cípio de realidade, o que pressupõe uni alto íir;|L1 dc desenvolvimento do bebê, impossível de ser concebido nos momentos iniciais. Com relação a M. Klein, os motivos são bem conhecidos: para explicar ;i agressividade, sobr etudo n os estágios primiti vos , ela apel a para uma destr utividade cons ti tucional do indivíduo. Com relação a ambos, uma outra objeção: as duas teorias deixam de considerar a dependência do bebê e o fato dc que este reage ao tipo dc cuidados que recebe. IS 5
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Neste ponto da teoria, Winnicott introduz um conceito do amadurecimento, fundamental para a compreensão da agressivi dade c da destrutividade contidas na natureza humana: durante os estágios iniciais, o bebê, desconhecendo a existência tanto do si- mesmo quant o do ambient e, não tem nenhum tipo d e preocu pação ou eompadecimcnto com respeito às conseqüências de seu amo r ex citad o. O bebê é um si- mesmo primitiv o incomfxulecidu (primitive ruthless self). li conveniente dizer, portanto, afirma Win nicott, “que o impulso amoroso primitivo tem um aspeeto destru tivo, embora não haja na criança a intenção dc destruir, visto que esse impulso pertence a uma etapa anterior ao coneernimento” (1958b, p. 296). Este c um dos pontos em que se pode observar, com clareza, a diferença entre a concepção winnicottiana do amadurecimento pessoal e a teoria do desenvolvimento das funções sexuais. Para W innicott, o que amadur ece é o indivíduo na direção da integração, e não a libido em termos dc fases relacionadas a zonas erógenas. As manifesta ções ditas “agressivas” — o comer, o devorar, o mor der — não são decorrências sucessivas do desenvolvimento sexual, cuja progressão c determinada intrapsiquicamente, segundo o modelo biológico. Não se trata de dizer que a zona oral c inicialmente er ótica e, depoi s, s ádica ou destr utiva. E o bebê qu e, ama durece ndo, torna- se mais pote nte e integ ra do no corp o, neces sitando, cada vez mais, experimentar sua força e lidar com sua crescente capacidade de reconhecer aco ntec imentos e objetos. Como, dura nte os está gios iniciais, o bebê é incompadecido , ele cont inua a exercer sua impuls i vidade nos momentos de excitação, sem preocupação e cada vez com mais força e ousadia. Haverá um lo ng o ca minho a percor rer at é que o bebê, de i ncompadccido, torne-se gradualmente concernido e compadecido, ou seja, comece a sentir-se responsável pelos resultados da impulsivi dade instintual, na mãe e cm si mesmo. Mas isto tudo é um trabalho da integração crescente, uma conquista lenta que só poderá ser efetivamente elab orada no estágio d o coneer nimento, m ome nto em que a "agressividade” primitiva — que, na verdade, não c ainda agressividade, mas é a destrutividade ineidentai que faz parte do impulso amoroso primitivo — será integrada como parte do cu e terá, então, significado pessoal. Para tanto, uma outra conquista, que será descrita adiante, deverá, necessariamente, ter sitio rcali1Sí>
OS ESTÁ GIOS PRI MIT IVOS: A DEPEND ÊNC IA A HS OUT A
zada, mesmo que de forma incipiente: a integração num eu unitário, no es tágio do EU S OU, de modo que o beb ê torne- se capa z de r ela cio nar-se como uma pessoa inteira com uma mãe inteira, podendo, então, por ser um eu, sentir-se concernido e preocupado com os efeitos de seus próprios pensamentos e ações sobre ela. O exercício inconipadecido do impulso instintuai, alem de ser a mais primitiva das experiências de integração, é altamente gratificante para o beb ê. A maneir a eo mo ele é recebid o pela mã e interf ere de forma crucial na possibilidade e no modo como a agressividade em crescente desenvolvimento será ou não integrada à personali dade tota l. T ratando- se dos e stágios iniciais, o que não d eve ser esquecido é a situação de dependência. O bebê depende inteira mente do modo eomo a mãe receb e as man ife sta ções decorrentes do fa to de ele es tar vivo, te r neces sidades e de ocupá- la em todos os seus depende do modo co mo ela muito re spon de ao es pon tâneo.aspect Pode os; ocorrer de uma mãe, que cuida bem de ges um to bebê em estado tranqüilo, assustar-se e reagir a ele nos estados excitados. Ela pode apavorar-se ou adotar uma atitude moralista ou ser, talvez, do tipo que se ressente do ataque do bebê corno mais um dos ataques que a vida lhe reservou. As vezes, há, na reação da mãe, uma espécie de desaprovação ao que está vivo ou ao que parece agressivo exatamente por estar vivo. Pode também ocorrer de ela estar emo cionalmente enferma. Uma depressão materna, por exemplo, pode traumatizar o bebê dc forma especializada: cheio dc vitalidade, o bebê avança para o seio e é amortecido pelo contato com um objeto sem vida. Má também o caso da mãe que recua, apavorada com a dor ou com o que seria a “agressividade” do bebê; este, se for vigoroso c se estiv er f amint o, aferra- se ainda mais ao seio para segu rá- lo, detê- lo. Nestes caso s, r es tam ao beb ê alg umas alter nati v as, todas desfavoráveis: 1) esconder seus impulsos uma vez que o ambiente não toler a ou não aceita a “ag res são” ( es pontaneidade, vivacid ade) ; 2) inibir a impulsividade instintuai e desenvolver um autocontrole prematuro e defensivo; 3) cindir os impulsos, que ficam dissociados; e 4) desenvolver a tendência anti social. Se, ao invés de voracidade, aparece avidez (greediness), então já não se trata mais dc manifestação dc vitalidade. A avidez é uma espécie dc sofreguidão imperiosa, que vem acompanhada de sofri mento, e parece insaciável. Neste caso, é preciso supor que a criança está sofrendo algum grau dc privação (deprivution ). Este tipo de 1«S7
A T K OK IA l»C>A MA DUK RCL MENT O 0 1 .1) V WIN XI CO T ! '
privação dccorrc do fato dc alguma necessidade pessoal primordial não estar sendo reconhecida e suprida; em qualquer dc suas vari antes, a avidez significa a busca compulsiva de um cuidado especial, um cuidado que poderíamos chamar de uma “terapia” a ser forne cida pela mãe que causou a privação. Se a mãe puder reconhecer este s inal aqu e a cr ian çaque faz,lhe s em assustarse, e se estiv er dispos ta a satisfazer necessidade é assim comunicada, a compulsão desaparece na grande maioria dos casos (cf. 1958c, p. 133). Poden do apresenta r- se de var iados mod os, inclusiv e como inibição de apetite, sujeira (defeear c urinar abundantemente) ou destrutivi dade excessiva, essa avidez é já uma manifestação da tendência anti- socia l, é precu rs ora do furto. Ela p ode, ce rt ame nte, ser ate n dida e “curada” pela adaptação especial, terapêutica, da mãe, sobre tudo porqu e e sta, ao tolera r e comp re ender a comunicação, permite que o “ódio” do bebê se expresse num momento cm que o complexo de privação está ainda próximo da srcem. A priv ação que tr anspar ece na av idez, mesmo estando refer ida à amamentação, não diz respeito às necessidades instintuais, mas às necessidades do ego.20 Se a mãe está “ausente” ao dar de mamar ou se a am ame ntação é realizada de forma im pessoal, f alta ndo comuni cação, intimidade e inutualidade, as experiências instintuais tor nam-se enfadonhas e, neste caso, pode chegar a ser “um grande alívio chorar dc raiva e frustração, o que, de qualquer modo, c real c necessariamente envolve a personalidade toda” (1969b, p. 24). A lém da motilidade c da impuls iv idade ins tintual, W innieott identifica, ainda, uma terceira raiz da agressividade, que não chegou a ser percebida pela teoria tradicional devido ao fato de esta não ter considerado a situação dc dependência do bebê: consiste em que o potencial agressivo de certas crianças deriva das reações traumá ticas que foram neles provocadas pelas invasões ambientais. Os traumas derivados das falhas ambientais, as quais freqüentemente se devem ao estado emocional ou às anormalidades psiquiátricas da mãe,27 inibe m a espontaneidade do b ebê, im pedem- no de simp les mente ser. relaxar, viver experiências instintuais; deixam uma espé
26 Sobre esta questão, cf. Winnieott, 1965n, p. 55. e 1965r, p. 82. 27 O te ma do pad rão in vasivo e tra umático tio ambiente , deriv ado de anor mali dades psiquiátricas da mãe, será desenvolvido num uutro estudo que visa explicitar : l teoria winnicottiaiia das psicoses. 18 8
DIv I K.XD ÉXC IA A llSO U"! A
OH liST.V HOS PRIMITIVOS: A
cie dc sobressalto que fica nele incorporado. Aí embutida, existe uma raiva, que advem da perda do ser, resultante dessas experiên cias tr aumá tica s. Esse s entime nto dc ra iva, que não é instintual nem tampouco um desenvolvimento da motilidade na direção da agressi vidade, não pode, contudo, no momento srcinal, ser configurado e sentido como tal, devido à imaturidade do bebê, que inclui sua total inconsciência quanto à existência de um ambiente contra o qual deva in surgir- se.2fi Qua ndo o indivíduo, mais tarde, bu sca ajuda te ra pêutica e enco ntr a confia bilid ade — cm espec ial, n este caso, enco n tra um analis ta capaz dc sob rev iver ao qu e emerg e — , a raiva pod e come çar a m anifestar- se. lí ela. se manife star á, em especi al, por ocasião dc uina falha do analista, quando este, por reconhecer a própria falha, p ropiciar a sua atualiz ação na s ituaçã o anal ítica.- v lissa importante raiz da agressividade só ganhou precisão concei tuai na fase final do pensamento winnicottiano. Ela é apresentada com toda a clareza num trecho escrito em 1969, acrescentado à segunda versão, dc 1971, do artigo “Objetos transicionnis e fenô menos transicionais”. Neste adendo, Winnicott afirma que há 11111 momento, no início da vida, em que o bebê está elaborando a capaci dade de manter as pessoas vivas em sua realidade psíquica, no mundo subjetivo, c necessita da presença concreta da mãe para que a mem ória e a realidade da pres ença, en quant o tal , não s e esvaiam : A nt e s que ce r to lim ite seja atin g id o, a mãe a in da es tá viva: de pois de transposto esse limite, ela morreu. Entrenientcs, liá uni pre rapidamente perdida, ou ininca experi cioso momento dc raiva, mentada talvez, vias sempre potencial t trazendo consigo o medo da violê nci a (1953c, p. 39: grifos rneus).
A raiva 6 ‘‘perdida ou nunca experimentada” não cm função de uma censura superegóica, mas cm virtude de o bebê não ser ainda um eu. dc não ter conhecimento da existência do ambiente e dc o afeto não ter ainda nenhum sentido ou configuração para ele. A iden-
2N A existência dessa raiva não instintual, mas relacionada à perda do ser, veio - me co mo uma ev idên cia na prática clínica. G uiada por ess e fe nômeno, fui procurar, em Winnicott. alguma apreciação que lhe desse base. Corno em outros casos, achei afirmações de extremo interesse que estavam espar sas em sua obra. O que apresento c o resultado dessa pesquisa. J ‘> Sobre o u so ter apêutico da falh a do analista , uf. Dias. J 99 7. 189
A T E O R IA 1 )0 A M A D U R IX II M IO T O INC ! ). w
\v i \ n i co i t
tifie ação dessa impor ta nte raiz d a agr ess ividade levou o autor , que já discordava de Freud eom relação a esse ponto teórico, a declarar a insuficiência da teor ia f re udiana sobre a s raízes d a agr ess ividade. D e fato. para Freud. diferentemente de Winnicott, o amor primitivo excitado não é, em si mesmo, destrutivo, e a agressividade c desper tada, no indivíduo, pela raiva provocada pela frustração relativa ao princípio de realidade. Por desconsiderar a dependência, a teoria freudiana das raízes da agressividade, suscenta Winnicott, (...) revela-se falsa, pois deixa tle lado duas fontes vitalmente importantes da agressão: aquela inerente aos impulsos do amor primitivo (no estágio anterior ao da preocupação, independente das reações à frustração) e aquela pertencente à interrupção da continuidade de ser pela intrusão que obriga a reagir (1988, p. 155)
6.2.
Os estud os tr anqüilos
Como os estados tranqüilos do bebê não chegaram a scr conside rados pela teoria tradicional, Winnicott abre, eom a formulação teórica deste tema, um campo inusitado de reflexões para o estudo da natureza humana e dos distúrbios psíquicos. Onde e como está o bebê quando não está mamando ou buscando algo?, pergunta W innicott. Esta área de inv estig ação é valiosa; primeir o, por foca lizar a necessidade humana, que jamais se extingue na saúde, de abandonar momentaneamente o mundo, recolher-se em solidão, permanecendo em quietude no mundo subjetivo, ou protegido das pragmaticidades objetivas, no espaço potencial da arte c da cultura. Segundo, par mostrar, em particular nos estágios iniciais, que a realidade da experiência excitada, no encontro com o objeto, depen de de o impulso, que deu srcem à busca, ter partido de um estado de descanso no es tado de não- integ ração. Em te rce iro luga r, pelo fato de a diferença entre os estados excitados e os tranqüilos fornecer a base para a importante distinção entre dois âmbitos que. em geral, são confundidos: o mundo em que o bebê habita e os objetos que podem ser encontrados (criados) no interior desse mundo. A necessidade do bebê, nos estados tranqüilos da prime ir a mamada teórica, c ficar n o estado nã o- integr ado, no relax amento próprio de quem se sente bem sustentado. Ele se entrega à “contem 190
OS K ST ÁCI OK PRI MI T IVOS: A IJRPIÍ
XII ÊX CIA AU SO I. IT A
plação”, elaborando imaginativamente os estados fisiológicos da digestão, ou envolvido pelos ruídos, cheiros c movimentos do ambi ente. Se a mãe o tem no eolo, ele olha longamente para ela, que lhe fala ou canta uma canção, ou se recolhe em isolamento para um lugar ao qual ela não tem acesso, ou dorme. A mãe permanece lá, sustentando a situação no tempo, aguardando bebê retome uma bu sca qualquer : quand o ele d esperta e faz umque ge osto d e co mun i cação, l á está ela, ap resentan do- lhe um fr ag mento de mundo ou um manejo que confirma, para ele, que o mundo continua presente e vivo. E a repetição monótona e regular dessa experiência que vai criando no bebê a capacidade de confiar. Quando se estabelece essa crença — que poderia ser formulada do seguinte modo: “Assim que eu precisar, ela estará lá” —, o bebê passa, com muita facilidade, da experiência excitada para a tranqüila, e vice-versa. O acúmulo des sas ex periências torn a- se um p adr ão e for ma a base para as ex pecta tivas do bebê e para a capacidade de “acreditar em...”: A capa cidade que a mãe te m de ir ao e ncontr o das necessida des, cm constante processo d c muta ção e amadure cimento, deste beb ê permite que sua trajetória de vida seja relativamente contínua; permite- lhe, ta mbém , vivene iar situações de u ão- integ ração ou relaxadas, a partir da confiança que deposita na realidade do fato de o segurarem bem, juntamente eom fases reiteradas da inte gração. que faz parte da tendência inata ao crescimento. O bebê passa, então, eom muita facilidade, da integração ao conforto des aído padrão d a nã oiiUeg ração , e t»para a cúmulo dessas ex as periên torn co a- ntr se um e forma a base as expectativ do bebcias ê. Ele p assa a acre ditar na c onfiabilidade do s proc essos inter nos que levam A integração em uma unidade (19(í8d, p. 86).
O isolamento, no qual o bebê sc retira para descanso, não é defensivo; é o lugar natural de quietude ao qual ele, por sentir-se seg uro, sc entreg a, relax ado, não- integ rado, sem to mar ne nhum conhecimento do ambiente. É esta a matriz da capacidade da crian ça, e do adulto sadio, de retirar-se momentaneamente do mundo para descanso, assim como a base para a capacidade, a ser conquis tada um pouco mais tarde, de estar só na presença de alguém. Além disto, é somente a pa r tir do es tado de des cans o t/ite um impuls o (fiutltfuer pode ser sentido como real e pode tonua se. verdadeiramente, uma ex periê ncia y wssoa l. Se isto não oc orre , a outr a alter nativa, qu e não pode ser incluída na saúde, é a vida falsa, fundamentada em 191
A T K OR IA IX ) A MA Df RK CIM IiN T O l>K 1). W. WINX IOU T T
reações a estímulos externos. Há bebês aos quais nunca foi permi tido, mesmo nos primeiros tempos, ficar simplesmente deitados, entr eg ues às s uas divag a çõ es ou mesmo tacitur nos. Suas mães os fazem permanentemente saltitar ou sorrir, on qualquer outra eoisa que as tranqüilize, por indicar que e.es permanecem vivos. Esses bebês, diz W innic ot t, '‘perde m, ass im, mui to , e pode lugir- lhes a sensação d c que eles p róprios quer em viver” (1 94 9b, p. 28). Sc é dada à criança a possibilidade dc ir descobrindo a suíi própria vida pessoal, ela se torna capaz “de devanear, de estar num estado cm que não há orientação, de existir por um momento sem ser nem alguém que reage às contingências externas, nem uma pessoa ativa com uma direção de interesse ou movimento” (1958g, p. 36). Quando, ao invés de confiabilidade, há um padrão de invasões às quais o bebê tem dc reagir, o sentido de ser se perde c só pode ser recuperado por um retorno ao isolamento. Uma vez estabelecido esse estado de coisas, o isolamento já não beneficia o indivíduo, porque sc torna, cada vez mais, uma organização defensiva, e não mais uma possibilidade de descanso advinda da confiança. Se as in vasões forem excessivas, não haverá nem mesmo lugar dc descanso para a experiência individual; neste caso, estão ausentes as condi ções para que o indivíduo venha a to rnar- se uma unidade integ rada: O “indivíduo”, então, se desenvolve eomo uma extensão da easea. c não do eerne, c como uma extensão do melo ambiente invasor. O que resta de um e erne fic a oculto, sendo d ifícil a eli á- lo mes mo em uma análise muito profunda. O indivíduo, neste easo, só existe
enquamo não encontrada
(19581), p. 297: grifos meus).
Este ponto é essencial para o ente ndimento de certas patologias psicóticas, visto que, segundo o autor, “o material dos estados de não- ex citação es tá mai s próx imo de um e studo sobre a p sicose" (196 j t , p. 4 0). Uma inter pre tação p ossível para esta declaraçã o é a seguinte: a dificuldade básica nas psicoses é a do contato com a rea lidade, e isto está associado ao fracasso da tarefa de dar início às relações objetais, tarefa que é própria dos estados excitados. No entanto, para que o impulso c o encontro com o objeto sejam òentido re ais, recisame o que um eação stadoédae co r epouso. Ou seja,s ocomo re tomo a oé prelax ntopadartanãmo-dcintegr ndiç ão necessária para que o que quer que se dê nos estados excitados seja senti do como real e poss a fav ore cer a integ ração num si- mesmo 192
OS ESTÁCiIUS HtIMITIVOS: A OEIMÍXDBXCUAKSOLITA
também se ntido como rea l. Se o que se estabelece é uma impossibili dade de des canso, o g es to já es tar á alie nado na base.- 1" A qui entra o terceiro ponto me ncio na do acima. Como vimos, o bebê necessita que a mãe permaneça presente c consistentemente ela mesma, ao mesmo tempo que mantém regulares as caracterís
ticas do ambiente, segurando no tempo a passagem de um estado para outro . 12a mãe. diz W innico tt, que, pela su a capacidade de es tar preocupada eom a sua tarefa, “c capaz de fnrriecer um contex to para o início do relacionamento excitado” (1988, p. 120; grifos meus). A preocupação materna abre um contex to, um meio , onde um acon te cime nto pode se dar.31 Cons tit uído pela tota lidade dos cui dados maternos, esse lugar 6 o mundo em que o bebê pode habitar, o lugar para onde ele se retira para descanso, o pano de fundo para as expe riências excitadas. Nele ocorre um tipo de relacionamento entre o bebê e a mãe que é diferente do que se estabelece nos momentos de excitação com o objeto. A distinção entre mundo e objetos corres ponde, portanto, uma diferença entre dois tipos de cuidados mater nos, Para descrev er essa • ‘dua lid ade ”, W inn ic ot t dife renci a a “ mãeobj et o” , que é alvo dos impuls os ex citado s, da “ mãe- ambiente” , que fornece os cu idad os ambienta is totais, fazendo p er manecer estável c confiável o mundo do bebê.13
30 Este tema é du maior importância na configuração das patologias esquizóides. 31 No caso clínico apresentado no artigo “Kctraimento e regressão”, Winni cott aponta ao paciente, que sc rctr;ii c cochila durante a sessão, o frito de o seu retraimento scr, naquela horn. uma fu£a da dolorosa experiência de estar ex atament e e ntre o acordar e o dormir, ou entre tala r com o anali sta c retrai r- se. C) paciente diz ent ão que. embor a continuas s e estir ado nu divã, tivera a idéia tle estar encolhido. Foi quando Winnicott fez unia interpre tação que sc mostrou altamente significativa: “Ao falar do si mesmo como enco lhido e se movime ntando, voc ê está ao mes mo te mpo d ando a ente nder algo quo naturalmente não está descrevendo, por sc tratar dc algo que lhe escapa à consc iência; você d á a ente nder a ex istênci a de um me io.” () pacien te mostr ou ter c aptado a idéi a dc um me io que lhe fornecia holding, dizendo: "K c omo o ól eo no qual as rod as sc move m” (1 95 5c , p. 34 9 ). E este meio q ue pode ser chamado de colo da mãe. 32 A o prop or nomes — infie- objeto e mãe- ambiente — para disting uir doi s aspectos tio cuidado materno, Winnicott o faz com muita cautela, temendo que esses termos virem slogans vazios “e acabem por tornar-se rígidos c ''strutores'' (1963b. p. 107). m
A T E O R IA U O A M A DU R E C IM E N T O DE 1) \ V W IN NIC OT T
Essa distinção é importante em vários sentidos. Primeiro, parti examinar as implicações da dependência, tendo em mente ns inú meras atribuiç ões da mãe na sua condiçã o de faeilitador.1 dos processos matunitivos. Segundo, para configurar uma das dissocia* ções primári as do bebê que só será cur ad a” , ou seja, integ ra da na personalidade, no decorrer do amadurecimento. O bebê não sabe, de iníeio, que ele é o mesmo indivíduo que ora está tranqüilo, tendo seu mundo assegurado pela mãe, ora está excitado, agarrando vi vamente o seio; também não sabe que a mãe que se deixa sugar vo razmente é u mesma que cuida dele nos estados tranqüilos. A inte gração dos estados tranqüilos eom os excitados, concernentes ao mesmo bebê, e das “duas” mães numa única pessoa será uma con quista do am adur ec ime nto a ser rea lizada no es tágio do concerniTiiento. Todos esses elementos conceituais relativos à integração paula tina num a unidade sã o contr ibuiçõ es decisivas d a teo ria win nicottiana. Se, como na teoria tradicional, a constituição do eu e a capa cidade de percepção do objeto externo forem dadas por supostas, sc a mãe for considerada, desde o iníeio, um objeto externo — e mais, eomo objeto erótico —, então, não há lugar para se considerar a constituição da realidade, sendo que é exatamente a constituição do senso de realidade do mundo e do próprio indivíduo que pode fracassar no caso dos psicóticos. Para o lactente, cuja mãe deixou sempre em aberto o caminho de re torno aos es tados dc r epouso da não- integr ação e que pre servou imperturbados os seustorn momentos dc quietude, capacidade dc ausentarse c des cansar a- se uma fo nte dc ar iqueza pessoal, um lugar dc proteção para onde poderá sempre retornar, ao longo da vida, cada vez que sentir necessidade de repousar do inundo e desencarregar- se, por u m mom ent o, da tar efa de existir. Esse estado de ausência, desconexão ou isolamento “introspeetivo”. não c sinal doentio; ao contrário, “6 sinal de saúde que a criança seja capaz dc usar as relações nas quais tem a máxima confiança para, às vezes, desintegrar- se, desperson alizar- se e, ainda, por um mom ento , a ban donar o impulso quase fundamental de existir c sentir-se existente” (1071d, p. 203). Sc, ao invés desse padrão, os estados tranqüilos não tiverem seu próprio v alor po sitivo, não sendo mais do que o neg ativo dos estados excitados, é possível que se desenvolva, no indivíduo, uma grande m
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ansiedade eom relação à tranqüilidade e, eom o tempo, uma evitação permanente da quietude ou mesmo dos intervalos em que inex iste tens ão ou ex citaçã o. A a usência d e te nsão parece- lhe es tag nação, asse melhando- se à mort e. À me dida que a integ ração vai se tornando um pouco mais consiste a regr à nãoração, como prossegue, condiçã o enatural primitiva,nte, deixa de seressão possível. Se ointeg amadurecimento c dado um passo a mais em direção à independência, há a perda par a sempre da c apacidade de n ão- integ ração (ef. 1988, p. 139). Esta experiência poderá, talvez, ser refeita, mas muito raramente e em condições muito especiais: um indivíduo saudável pode ser capaz, por um momento, de perder todas as referências, entrando num estado dc alheamento do mundo só comparável àquele que os místicos busc am, liste es tado dc não- integ ra ção pode ta mbém vir a ocorrer nas condições especializadas, fornecidas pela psieoterapia, e mesmo pela fisioterapia.u Para o indivíduo que atingiu um certo
>13 Km seti livro Ginástica luilística: história e desenvolvimento (te um método de cuidados corporais (2000), Maria Emflia Mendonça — que Iniscou no pensamento d c Winnico tt um maior e ntendimento de c o tos f enômen os que ocorriam em sua elíniea — discorre sobre os detalhes sutis de sou método de cuidados corporais e reflete sobre a importância da relação profcssor- aluno. Diz te r s empre notado, n as nu las em g rupo. qu e nlguns alunos se “d es ligav am” da aula por alg uns momentos; talvez pelo silêncio ou , talvez, embalados pela voz do professor: esses alunos atingiam um estado de quietude, afasta ndo- se da ação o bjetiva que estava acontecendo . Intuitiv a mente, ela percebeu a importância de não interferir de maneira brusca nesses estados que. segundo ela, não eram manifestação de desinteresse, mas, ao contrário, de confiança. Depois de algum tempo, o aluno retorna ao presente, em geral c om uma sensaçã o ampliada de presença na sal a de au la. E somente a partir desse momento, observa a autora, que a aula, para esse aluno, pode de fato começar. “Para que o aluno se entregue a esse estado, é preciso confiar que alguém vá trazê-lo de volta, ou que esse alguém perma necerá presente na sua ‘ausência": quando o aluno voltar, terá alguém aqui- e- agora g ar antindo a continuidade do esp aço- tempo. ( ...) Km alguns casos, essa é n etapa mais importante da aula ou sessão, e procuro, inclusive, não fazer nada que perturbe o aluno ou que o afaste desse estado. Penso tratar-se de uma relação tle objeto subjetivo, eomo se diz na teoria winnieot tiana, pois. nesse momento, o aluno está se relacionando eom ris sensações corpor ais e o bem- estar d o ambie nte (o locai no qual s e encontr a, a minha presença, a voz, o toque) como se fossem uma coisa só" (Mendonça, 2000, p. 205). 195
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grau estável dc integração, contudo, o dcscanso ncccssário terá de realizar- se por outra s vias. mais complex as: saberá au sentar- se do mundo compartilhado, isolando- se, momenta neam ente , no mundo subjetivo, entregand o- se a uma atividade imag inativ a, à conce n tração lúdica ou artística, e mesmo ao trabalho criativo. A partir de um certo grau dc integ ração, o contrário desta não é mais a n ão- integ ração , mas um estado d e des integ ração “enlou quceedora”. Quando a pessoa do bebê começa a surgir, “o fracasso materno leva à desintegração em vez de levar a um retorno à não- integ ração” (19 58d, p. 1 65 ). No ent anto , como as passag ens são graduais, existe um estado intermediário no qual um bebê bem cuidado, e em pleno desenvolvimento, ainda pode relaxar na não-integração e tolerar, mas apenas tolerar, diz Winnicott, sentir-se “lo uco” n o estado não- integ rado ( ef. 19 88 , p. 138 ), Sc o ambiente , contudo, fracassa repetidamente em fornecer segurança ao bebê. para alem do limite de sua tolerância, a ameaça de desintegração torna-se permanente e o indivíduo passa a carregar consigo o senti mento de um perigo inominável que c preciso evitar a qualquer custo. Pode também ocorrer, em virtude de um sentimento retido de insegurança ambiental, de ele estabelecer uma forma exagerada de cuidado consigo mesmo, uma espécie de autopi cservação automá tica, que c uma defesa contra a desintegração que a falha ambiental, tornada potencial, ameaça provocar.-1'1 7. 7.1 .
A s tarefas básicas A integ ra ção no tempo e no espaç o
Na teoria do amadurecimento, o termo “integração” é usado tanto para designar a tendência inata ao amadurecimento, que leva ao estatuto unitário, como para as várias integrações parciais que vão ocorrendo gradualmente ao longo da jornada, a partir do estado dc não- integ ração . A tar efa de integ ração no tein jvi e tio espaço é a mais básica c fundamental das tarefas do amadurecimento. Com efeito, não há sentido de realidade possível — nem do corpo, nem do .14 O medo dn desintegração c um dos aspectos centrais das j>:itolo^i:is psieó tiens de tipo esquizofrênico.
( )S K ST A UIUS 1*KI.VIIT1Y< >S: A l)Kl'K.\ l>K.\ CIA A1! S( »LL"1'A
mundo, nem do si- mesmo — fora d e um es paço e de um tempo; não há indivíduo se não houver uma memória de si, aquilo que mantém a identidade em meio às transformações; não há encontro de ob jetos se não houver um rrmrulo onde os objetos possam ser encon trados e se não houver um ai- mesmv que possa enc ontrá- los. T odo o processo integ rat ivo tem sua base na t empor aliza ção c espacialização do bebê , que com eç am a realizar- se no iníci o da vid a. l ‘or isso, “a tendência principal do processo maturativo está contida nos vários sig nificad os da palavra ‘inte g ra ção’ . À inte g ra ção n o te mpo se acrescenta o que poderia ser denominado dc integração no espaço” (1965n, p. 58). T emporalizar e es paeializar o b ebê nã o sig nifica in scri - lo no tempo e no espaço do mundo externo, uma vez que ele íiinda não está suficientemente amadurecido para o sentido da externalidade. O r ecém- nascid o vive numa espécie d e contimmm, numa mera duração estendida. Apesar de algumas pequenas marcações do tempo, como a respiração da mãe c a alternância dos estados de movimento e de quietude terem sido já experimentadas na vida intra- uter ina, sua te mporalidade resumc- sc à sua continuidade de ser. Como o bebê habita, inicialmente, num mundo subjetivo, ini ciá-lo no sentido do tempo e do espaço significa cuidar de que o tempo e o espaço que regem esse mundo sejam também subjetivos. O primeiro sentido do tempo, 110 mundo subjetivo, é o da conti nuidade da presença, que se instaura pela experiência repetida da presença da mãe, da sua permanência, da continuidade dos cui dados que lhe apresentam continuamente o mundo. O bebê não sabe da existência permanente da mãe, mas sente os efeitos da presença c, vagarosamente, criando uma memória dessa presença, conta c om isso. Para pres ervar a co ntinuidade dc ser e mant er vivo o mundo subjetivo, o bebê precisa ser permanentemente assegurado pela presença que subsiste, pois [... | os impu lso s cr iati vos apa gam- se, n nãoser que sejam confron tad os com a re ali dade ex terna [ ex tern a para o ob serv ad or e ma té ria- prim a para o mund o subjetivo ] . Cada criança prec isa recriar o mundo, mas isto só é possível se, pouco a pouco, o mundo for sc tomando presente nos momentos de atividade criativa da criança. A cr ia nça es tende a m ão e lá e s tá o seio. e o seio c cr ia do (1 9 5 S j, P. 23). 1 97
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O bebê está consolidando o estado de ser que emergiu do não-ser. A negatividade da srcem está muito próxima, pronta para surgir em cada buraco dc ausência da mãe, que dure um tempo sufi cientemente longo para apagar a incipiente memória da expe riência, ainda sem consciência, da presença. À mãe que é capaz de identific ar- se com o bebê só sc ausenta dura nte o inter va lo de te mpo em que ele consegue guardar a memória da presença dela. () senti mento de que a mãe existe dura “x" minutos. Se a mãe ficar distante mais do que “x” minutos, a imagem de sua presença sc esmaece. O bebê fica aflito, mas se a mãe retorna em “x + y” minutos, a aflição é corrigida. Digamos que em “x + v” minutos a continuidade de ser do bebê não sc alterou, mas se a ausência da mãe dura “x + v + z” minutos, ele fica traumatizado e o retorno da mãe já não corrige o seu estado alterado. Se a memória da presença sc apaga, a sensação é dc aniquilamento, de loucura, “Loucura, aqui, significa simplesmente uma ruptura do que possa existir, na ocasião, como urna continuüUide pessoed c/e existência" (1967b, p. 136). Após recuperar- se do tr auma , o bebê te m de começar tudo de novo, permanentemente privado da raiz que poderia proporcionar conti nuidade com início pessoal. O início pessoal, ou seja, a base da exis tência, "implica o estabelecimento dc um sistema de memórias e uma organização de lembranças" ( idem ). O apagamento da memó ria da presença é um dos traumas específicos que aparecem na etio logia das patologias psicóticas: Trata-se de uma agonia impen sáve l.15 O que impede essa agonia — no caso, a de perder todo o sentido de real — é o fato de a mãe tecer permanentemente a pre senç a, apres entando continuame nte ela mesma c o mundo ao beb ê, em pequenas porções, no momento do gesto espontâneo. Desde o início do amadurecimento, com o bebê ainda no útero, as memó ria s corporais pe ssoais come çam a juntar- se para for mar um novo scr humano. Isto significa que fazer experiências e ter memórias dessas experiências é o que demarca o início do scr humano. Bem no começo, as memórias corporais são esparsas, mas. aos poucos, cias vão se reunindo e formando um estoque de expe riências. A par tir daí, as ex pectativas tornam- se cada vez mais conf i guradas. Sc o bebê sente ga ra ntida a co ntinuidade dc scr —ou seja, 35 A s agonias i mpensáveis cons tituem o conceito central tia s patolog ias psicó tica s na obra d e W innicot t. S erão estud adas em detalhe num próx imo li vro . m
OS KSTÁtHOS PRIMITIVOS: A DEPEXDKXCtA Ai!S<
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se não se vê impelido a desenvolver um estado de alerta eontra a potenc ial invasão am bie nta l — , ele está em condiçõ es dc viver, sem sobressalto, as inúmeras experiências que se repetem de acordo eom um certo padrão, Com o tempo, ele começa a ter um “conheci me nto " — dc si mes mo, do ambie nte e do que irá suced er — que não c menta l, mas b aseado na crescente fa miliaridade co m as sensaç ões corpórcas que são elaboradas imaginativamente e com o estado dc coisas que o rod eia. Ii este o fundame nto da temporaliza ção, inicia l mente subjetiva, do bebê: a partir das experiências do presente, ele começa a constituir um “passado", um “lugar” onde guardar expe riências, de onde pode antecipar o futuro, pelo fato de algumas coisas e acontecimentos terem se tornado previsíveis. Tem início uma história, lista é a base para o estabelecimento da capacidade para a experiência num sentido cada vez mais amplo, uma vez que uma experiência real “não é tanto um acontecimento singular quanto uma construção do evento a partir da memória’’ (1988, p. 120), Ao longo desse processo de temporalização srcinário, é a psique que está trabalhando na direção de ligar o passado já vivenciado, o presente e a expectativa de futuro uns aos outros, forne cendo o sentimento do eu e justificando a percepção de que dentro daquele corpo existe um indivíduo (cf. 1988, p. 46). Juntamente com a constituição do sentido de presença, começa a ocorrer um tipo especial de marcação do tempo que, na saúde, é necessariamente anterior ü percepção das cronologias. Essa mar cação é feita pelas vias naturais, especificamente humanas, de inti midade com o corpo da mã e — o r itm o re spira tório desta, as batidas do seu coraçã o; tam bém é reg ida pelos r itmos do corpo d o beb ê aos quais o ambiente sc adapta: a fome, a amamentação, a excreção, o sono, o despertar, os sons, a luz e os cheiros. A datação do tempo é operada, portanto, pelos cuidados maternos que, inicialmente, se ajustam ao ritmo do funcionamento fisiológico, que tem um tempo próprio, e pela elaboração imaginativa desse funcionamento e das sensações corpórcas. Fazendo assim, a mãe propicia que o bebê seja iniciado na periodicidade do tempo, tendo como matriz o seu próprio ritmo, o ritmo eorpóreo. Pela repetição da experiência, um sentido de “futuro” começa a scr constituído: o bebê começa a scr capaz de prev er o q ue v irá, a pa rtir de suas próprias necessid ades. tornadas reais pela resposta e atendimento maternos. Se a mãe impõe ao bebê um ritmo que lhe é externo — seja cronológico, seja 199
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se gundo a sua próp ria necessidad e c não a do b ebê — , a temporalidadc subjetiva c a coesão psicossomática ficam prejudicadas, sc não impedidas. Para que o tempo externo não interfira nos processos naturais da temporalização subjetiva, é preciso que o ritmo natural do bebê prevaleça. A alimentação deve ser dada “exatamente quan do o bebê a quer e acaba quando o bebê cessa dc a querer. Esta é a base”, diz Winnicott (1945c, p. 34). De início, a mãe obedece ao ritmo do bebê e, só gradualmente, vai ajustando esse ritmo a um intervalo regular que lhe pareça conveniente c adequado às necessi dades dele, embora contemplando também as suas próprias neces sidades de mulher e mãe. Somente assim um bebê pode. com o tempo, transigir com a mãe e chegar u um acordo com respeito à regularidade das mamadas. Pode ser que o bebê sc ajuste a esse intervalo e passe a ter fome, regularmente, a cada três horas, sentindo isto como sendo sua própria necessidade. E a esse tipo de “acordo” que Winnicott refere afirma que é da apenas nas etapas iniciais, quando se ainda nãoquando tem conhecimento depen dência e quando lhe é permitida uma relação criativa com o objeto, que o bebê pode aprender gradualmente a aquieseer “sem perder a dignidade” (1968d, p. 91). Ou seja, devido a sua criatividade srci nária, o bebê tem dignidade antes mesmo de ser um eu unitário. Entretanto, um intervalo dc espera demasiadamente longo leva à angústia; muitas vezes, “se o alimento demora mais do que ‘x’ minutos, quando ele ch eg a, s aciará a fome, mas nã o te rá mai s sig ni ficado para o bebê” (1984h, p. 46). O modo mais fácil de a mãe recu perar a confiança do bebê consiste c m volta r a amam entá- lo como e quando for exigido pelo bebê, por um período, voltando apenas gradualmente a tentar estabelecer uma regularidade. Muitas vezes, no entanto, a mãe que foi ensinada a treinar seu bebê para que adquira hábitos regulares, começando por uma alimentação regular a cada três horas, “sente-se realmente em pecado mortal se lhe disserem que amamente o seu bebê como uma cigana” (1945c, p. 34). A principal dificuldade de as mães sc permitirem seguir o ritmo dos bebês decorre dc que pesa sobre elas a responsabilidade de estar criando um filho, e elas aceitam prontamente as regras de marcação do tempo, os regulamentos c as prescrições médicas que tor nam a vida menos arriscada, aind a que um tant o mo nótona. Uma parte dessa dificuldade deve também ser atribuída à orientação pediátrica. Quando a relação entre mãe e bebê está se desenvol 200
OS ESTÁCIOS PRIMITIVOS; A DKPICXDIíXCIA AI5SOIATA
vendo naturalmente, diz Winnieott, técnicas, quantidades e horá rios podem ser deixados ao critério da natureza. Não há dúvida de que muitas dificuldades da adaptação materna es tão re lacion adas prec isamente ao tempo. Uma delas su rg e quando mãe e bebê não estabelecem ou perdem o contato devido à falta dc sincronização, já que alguns bebês são, por temperamento, mais lentos do que suas mães, c outros, mais rápidos. Pode ser particular me nte enf adonho para uma mãe r ápida adaptar- se a um bebê lento, mas também não c fácil se é o contrario que ocorre. De qualquer modo, é preciso que a mãe tenha tempo e gaste tempo na tarefa de cuidar do laetente. Quando suficientemente boa, ela sabe que, para tirá- lo do berço e removê- lo para alg um lugar, ele pre cisa ser p repa rado para o movimento: deve receber um aviso c ser levantado no mom ento certo, com as várias p artes do corpo segurad as em c onj un to. Alémlevantado disto, “o gesto co outro, ntinu atalvez c ter mina, pois opara bebêo está sendo de um começa, lado para do berço ombro da mãe” (1988, p. 137). Ou seja, a mãe facilita ao bebê ter experiências totais. Isto requer que ela tenha tempo suficiente para esperar ; 110 ritmo do bebê, que ele vá de uma ponta à outra da expe ri ência, qu e esta te nha c omeço, meio e fim.- 16 Quando e sta mos apressados ou preocupados, não podemos facilitar acontecimentos totais e o bebê fica mais pobre: Os acontecimentos totais habilitam os bebês a dominar o tempo. Eles não começam por saber de antemão que quando uma coisa está em marcha terá um fim. O meio das coisas só pode ser desfru tado ou, 1 1 0 pior dos casos, tolerado, se hou ve r um forte se ntido d e princípio e fim (1949c, p. 86).
O aspecto central dos cuidados adaptativos está relacionado ao tempo. Sua característica básica é a confiabilidade, e esta significa previsibilidade. Quando se diz que uma criança é bem cuidada, isto quer dizer que os seus pais a protegem de imprevistos, tle ser apa nhada de surpresa por algo que não espera nem pode esperar. As experiências regulares, repetidas milhares de vezes, fazem com que surja no laetente um sentido de previsibilidade. A medida que o unitário se constrói, com o cuidado ambiental sendo incorporado ■Vi l.'m ex emplo impo r ta nte sol ire a ex periência tot al, por oc asião das a tiv i dades dc ex creçã o do l aetente. encontra- se ein Winnie ott, 1949c. 201
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como uma qualidade que lhe é intrínseca, a integração se trans forma num estado cada vez mais consistente e o indivíduo começa a tornar- se cap az de cuidar d e si mes mo. Desta for ma, a d ependência diminui gradualmente. O desenvolvimento da autonomia da crian ça, com relação ao meio ambiente, está relacionado à capacidade crescente desta de fazer prognósticos (cí. 1987d, p. 95). Embora não seja propósito deste estudo chegar às implicações clínicas da teoria winnicottiana do amadurecimento e das psi coses, creio ser oportuno notar que essas questões muito básicas, relativas à constituição do tempo, servem para nortear o analista em s ua taref a te ra pêuti ca. O cuidado de sc pautar pela necessidad e do bebê, ou do paciente, e dc evitar acontecimentos abruptos põe em questão, por exemplo, o problema do término da sessão analí tica, que é import ante cm qualquer tipo d e caso, m as, em especi al, com pacientes cujo aspecto central da personalidade é psicótico. Seja qual for a problemática eom que lidamos, não sc pode ter minar a sessão repentinamente, contando com o fato de o paciente ter um lado adulto, e dc o horário ter sido combinado. Muitas vezes, em especial numa fase de regressão à dependência, a pessoa não está em contato eom o tempo objetivo, assim como não tem matur idade e mocional s uficiente para benefic iar- se com uma ma nifestação real de ódio do analista, importante em outros tipos de distúrbio, uma das quais consiste no encerramento da sessão na hora prevista.- '17É precis o ajudar o pacie nte, s inaliz ando c om a lg um movimento, algum gesto, que a sessão está por terminar. As vezes, como no caso dos bebês, alguns minutos a mais bastam para que o paciente valerá faça seu e seocasião apronteespecífica, para a saída. cuidado nãopróprio apenastérmino para essa mas Este tam bém para reassegurar o paciente de que cuidamos para que nada aconteça abruptamente. Mas também é possível que ele esteja efetivamente precisando dc mais tempo, de sessões mais longas; deve-se, então, alargar regularmente, por um certo período, o tempo da sessão, sabendo de antemão que o encerramento desta, mesmo quando alongada, irá requerer iguais cuidados, li só assim que, tal como o bebê, o paciente poderá, com o tempo, aquiescer ,Lsem perder a dignidade”.
37 Cf. Winníoott, 1949f. 202
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Entretanto, nem sempre o que um paciente precisa é de mais tempo; nem mesmo c eerto que será dc benefício, para ele, que o final da sessão dependa dc seu tempo subjetivo. Alguns estáo em terapia just ame nte para poderem c ons tituir um tempo su bjetivo; no momento srcinário, em que este deveria ter sido constituído, só havia caos no ambiente e esses indivíduos tiveram de agarrar-se rigi damente a um tempo objetivo — que lhes serve de referência, sem a qual se sentem imediatamente perdidos — para não sucumbirem a uma total desorganização da personalidade. Há pessoas que não tolerani qualquer situação cuja duração é indefinida. Tive um pa ciente extremamente prejudicado com relação a essas conquistas básicas referentes à temporalidade e à espacialidadc. Além dc ter nascido num ambiente instável c caótico, seu parto fora atrasado e, desde sempre, ele se sentia aprisionado em qualquer situação cujo final não estivesse rigorosamente previsto. Winnicott diz que entre as típicas características da verdadeira memória do nascimento está o sentimento tle estar nas garras de alguma coisa externa, que faz eom qu e o recém - nasci do sinta- se comple tame nte indefeso ou de samparado. Inerente a esse sentimento de desamparo “é a natureza intolerável de estar experimentando alguma coisa que não se sabe quando terminará” (1958f, p. 266). Acrescentado a isto, havia o fato dc esse paciente não ter tido nenhuma experiência de comunicação pessoal, e embora isto fosse o que mais necessitava, qualquer proxi midade era sentida como invasão potencial. No início da análise, o tempo da sessão chegava, às vezes, a scr demasiado, c ele se agar rava, rigidamente, ao horário previsto. Para esse paciente, u idéia dc uma sessão sem fim previsível ou que dependesse de um tempo subjetivo, que simplesmente não existia, era-lhe insuportável. Havia também um outro aspecto: sempre atento à única bússola que possuía, o seu relógio, ele sabia muito bem quando o tempo formal da sessão se esgotava, mas esperava que eu tomasse a iniciativa. Notei que, tanto para esse como para alguns outros pacientes, a capacidade do analista de encerrar a sessão dentro do combinado for nece se g urança — e aqui a ques tão não é o ódio — , visto qu e, encarrega r- se da taref a de to ma r conta do tempo sig nifica, para esse tipo dc pessoa, que o analista assumiu a posição daquele que cuida e que, por encarregar-se de manter em contato com a reali dade externa, libera o paciente para ir constituindo o seu mundo subjetivo.
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Uma das características nas organizações defensivas de tipo psicótico é a impossibilidade que o indivíduo apresenta de “ter tempo”, de poder “contar com o tempo”, de permitir um tempo para o desenvolvimento de um acontecimento ou de uma expe riência. Diante de um fato inesperado, o desespero ou a ausência de recursos se instala imediatamente. A impressão que se tem é que esse indivíduo caminha sempre nu beira de um abismo. O tempo subjetivo não se constituiu c, portanto, também não se deu o desen volvimento posterior de um tempo interno, que permita um parên tese para a reflexão, que o capacite a não ser arrastado pela solici ta ção ex terna. Est a falta de te mpo manifesta- se dc inúmer os modos. Um paciente adulto relata o modo como se alimenta: ele não faz uma refeição, mas engole a comida. O sentimento 6 de estar exposto a unia urgência à qual precisa rapidamente dar um fim, porque toda a comida vai acabar antes dc ele saciar a fome. No decorrer da análise, revela-se que, para a sua mãe, amamentar ou, mesmo mais tarde, dar de comer aos filhos era uma tarefa árdua, da qual deveria livrar-se o quanto antes. Enquanto cie mamava, cia não estava ali, estava já na outr a c oisa qu e ter ia de fazer, q uere ndo desven eilhar- se logo daquilo. Um outro exemplo é o de uma moça cujo mundo subjetivo era rico e cheio de preciosos detalhes, com um tempo pessoal muito peculiar, inteiramente incompatível com o tempo externo que era sentido como intolerável e opressor. 151a tivera um início bastante bom, no qual pudera se entregar à vida imaginativa. Num certo mo mento a mãe ficou viúva e, sobrecarregada obrigações cotidia nas, que incluíam a manutenção financeirapelas da casa e da vida cm geral, nunca mais conseguiu adaptar-se ao ritmo de sua pequena filh a, ap ressan do- a cons tante mente. A paciente torn ou- se ex celen te profissional em sua área, para a qual se exigia criatividadc e imagi nação, mas não conseguia entregar seus trabalhos sem sentir-se subjugada pelos prazos, nem conseguia chegar a tempo cm seus compromissos. A “obediência” ao tempo compartilhado era, para ela, uma submissão intolerável, que a afrontava. S imultane ame nte à aquisiçã o do sentido d o te mpo, está se reali zando a esjKicialvsaçãx) do bebê, estando as duas conquistas intima mente imbricadas. Trata-se dc possibilitar ao bebê a aquisição gra dual do sentimento, que está longe de poder ser dado por suposto ou automaticamente adquirido, dc ter um lug ar cm que possa habitar. 201
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onde possa "sentir- se em casa ” , um lug ar para onde p ossa voltar para descansar e cpie seja “uma posição básica a partir da qual operar ” (1 98 6h, p . 31 0). O s entido d e habitar constrói- se em muitos níveis, mas, em primeiro lugar, é preciso que o bebê habite no seu próprio corpo. Não é à toa que a segunda tarefa básica é chamada dc “r es idência” ou “mor ada da psique n o c or po” .1'’ Se ndo o seu próprio corpo a primeira morada, é preciso acrescentar que esse corpo não está solto no espaço, mas está sendo seguro e reunido nos braços da mãe, ou aconchegado no berço; o colo da mãe c os detalhes do ambi ente — indisting uíveis , no in ício, do pró prio bebê — , são partes constituintes dessa morada e da experiência inaugural de habitar. Sc for deixado longo tempo sem ser sustentado, o bebê perde o contato com seu próprio corpo, que fica desrcalizado, e é isto que caracteriza os estados de despersonalização que estão na base dos distúrbios psicossomáticos. Tempo c espaço estão de tal modo articulados que existem fatores temporais a serem resguardados para que a habitação do bebê seja consistente e confiável; uma delas é a regularidade e previ sibilidad e das cond ições a mbienta is Não é acon selhá ve l, por ex em plo, que o berço seja continuamente mudado de lugar, pois o bebê está se habituando a encontrar, numa certa posição, o raio tle luz que entra pela janela e faz um risco luminoso na parede do quarto. A demais , o lug ar do bebê deve ser simples, preser vado dc confusão, de balbúrdia e dc excessos: na pequena “clausura” aberta c mantida pela mãe, fragmentos dc mundo são apresentados ao lactente, dc forma compreensível c em pequenas doses. Além disto, quando a mãe se detém, sem pressa e atenciosamente, nos detalhes que o bebê apresenta, ela está possibilitando a este criar e habitar um nicho, que é feito de tempo e de concentração, no interior do qual alguma coisa, que pertence ao aqui e agora, pode ser experieneiada. Isto tem implicações importantes para a. prática clínica, cm especial com pacientes regredidos à dependência. Winnicott diz, por exem plo, que “um d os princípios mais im por ta nte s da tccnica psieanalítiea o de que contexto é fornecido, a fim“dois de que paciente possa lidaré eom umaocoisa de cada vez”, pois ouo mais fatores ao mesmo tempo geram confusão” (1958f, p. 275). .W () tema tia residência no corpo será desenvolvido a seguir, quando for desc rita a taref a i| uc lhe é específi ca: a do aloja me nto da psiqu e no corpo. 205
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() pequeno círculo protegido pela atenção paciente da rnãe está constituindo a base da capacidade de, mais tarde, o indivíduo poder habitar no incomensurávcl mundo da realidade externa, sem perder o sentido de estíir em casa. Quando a segurança do pequeno mundo se instala, o bebê que amadurece “fica exultante por encontrar a mãe por trás do seio ou da mamadeira, e descobrir o quarto por trás da mãe e o mundo para além do quarto" (1957n, p. 23). A totalidade dos cuidados maternos possibilita ao laetente viver num mundo subjetivo, povoad o pela vid a imag inativa , relativa ao funcionamento eorpóreo e à atmosfera ambiental, cuja principal característica c ele estar protegido da invasão de qualquer amostra da realidade exter na. liste é o primeiro mundo em que o laetente habita, e será, ao longo da vida, seu principal refúgio para descanso. A mãe caótica altera, s eg uidamente, nã o apenas o clima emocional, c omo ta mbém as condições ambientais concretas do bebê, de modo que este não tem como construir o “hábito”, a familiaridade e o sentimento de segurança que caracterizam o sentir-se em casa. Ao invés de concen tração, haverá dispersão e confusão. Pior: irá pairar sempre, sobre o bebê, a ameaça de que algo incompreensível pode irromper e arras tar tudo. Note-se que a palavra “invasão”, usada para designar o caráter g eral da falha do ambi ente , g uarda um sentido espacial. A in vasão do território “sagrado” abre, repentinamente, a cortina do claustro e o faz vislumbrar, prematuramente, a imensidão dc fora. Uma ca ract er ística do es tado de pânico é o pavor dc lu gares aberto s, enormes, sem contorno e o sentimento de perder todas as referên cias. Em vários momentos de seu diário, Renée, a garota esquizofrê irreali nica tratada por M. A. Sechehave, fala de seu sentimento de dade: ela se via numa “imensidão sem limites” ou “o casarão da escola t ornava- se ime ns o” ou “a rua tornava- se inf ini ta ”.-™A o co n trário disto, Forrcst Gump levava sua “casa” consigo para onde quer que fosse.40 Mais tarde, ap ós ter vivido tempo s ufic iente no mundo s ubjetivo, o bebê irá habitar no espaço potencial, cuja área será preenchida inicialmente pelos fenômenos transicionais e, aos poucos, sucessiva mente, pelo brincar, pelas atividades culturais e artísticas, ou seja.
39 Cf. Seelielisive, 198N. respuetivíimeine as pp. 121. 122 o 125. 40 Forrcst G ump é o nome do personagem e o título do filme do diretor Kohert Zemeckis (EUA, 1994). 20f>
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por tudo o que está livre do julgamento regido pela objetividade. lugar cm que vivemos, Quando há saúde, diz Winnicott, esse é o Uma das características do brincar e das atividades pertinentes ao espaço potencial é esse estado de alheamento — que só pode ocorrer se houve incorporação do sentimento de segurança, de que ex iste alg c uidando na da pcriança erm anência sas lá fora — , que é matriz da uém concentração maior das e nocoiadulto. Se essas primeiras experiências de habitação são garantidas pelo cuidado suficientemente bom, o indivíduo chegará ao mundo externo tendo consigo a matriz que lhe permitirá — a despeito do que objetiva mente é imenso, inabarcável e inóspito — criar um nicho onde sinta- se em casa. A ssim como a integ ração no tempo e no espaço c a mais básica das tarefas, também o cuidado materno específico que lhe corres ponde é o protótipo de todos os cuidados maternos suficientemente bons: o segurar (holding). Esse segurar, que é simples e se refere ao manuseio do bebê e a todos os cuidados físicos relativos ao seu bem- estar, vai aos p oucos se am plia ndo à me dida que o b ebe cresce e que o seu mundo v ai se tor nando mais complex o. Esten dendo- se para os cuidados em geral, incluindo a atmosfera de calma e regula ridade do ambiente que a mãe c capaz dc manter, o “segurar" amplia- sc para um “suste ntar a situaçã o no te mpo ” (holding a situation ). que é uma disponibilidade tranqüila que permanece, que se estende demoradamente no tempo e não exige (fite nada aconteça; apenas aguarda os movimentos do bebê e o acompanha em suas inúmeras idas c vindas. Quando este está desperto, lá está a mãe oferecendo as amostras do mundo segundo a necessidade que ele manifesta e ela compreende: uma mamada, um manuseio, um ba nho, uma cantiga, ou, simplesmente, ficarem juntos se olhando. Quem cuida da regularidade e da vivacidade do lugar, e segura a si tuação no tempo, é a mãe suficientemente boa e, como ela, o ana lista ou o te rapeuta .41
• i 1 Referin do- se aos c uidados com o pacie nte que r eg ride à depe ndência , W in nic ott diz que esse “s egurar , ta l como a tarefa da mãe no cuida do do laetente, reconhece taeitamente a tendência do paciente [e do bebe) a se desintegrar, a cessar de existir, a cair para sempre” (l*)65vd, p. 217). Daí a necessidade de manter a presença o íl vivacidade do mundo. 207
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Em função d esses cuid ados, fica f avorecida a ocorr ência de ex pe riências m uito bá sicas, pré- repres cntaeion ais, q ue cons titue m o início da familiaridade do bebê eom certos aspectos da ambicncia, e que devem, na saúde, anteceder a percepção desses mesmos fenô menos. Pelo fato de a mãe manter a regularidade, a simplicidade e a monotonia do ambiente e dos cuidados, os acontecimentos se repetem e o bebê começa a ser capaz dc algumas previsões: se há esse cheiro ou aquele ruído, então tal coisa irá acontecer. C) bebê está sendo cemporalizado, está adquirindo um sentido de futuro, num sentido subjetivo; isto aumenta a sua capacidade dc esperar. A integ ração num si- mesmo nunc a 6 completa, nem aparentada a um estado unívoeo ou fechado em si mesmo; ao contrário, c justa mente a inte g ra ção paula tina , na g lobalidade espaç o- tempo, o que permite a experiência da incompletudc. Quando o bebê sc inteira no tempo, e começa a scr datado, a ter presente, passado c futuro, ele passa a existir à maneira essencial incompletudc humana: ao mesmo tempo da em finitude, que éda algo, desse ser algo participa, necessar iamen te, ser ta mbém, ao mesmo temp o, um j á- nuo (passa do) e um ain da- não (f uturo) . Por n ão tere m sido teinpora lizados no se ntido subjetivo, o s psicó ticos padecem e x atamente de imediatieidade e, simultaneamente, de infinitude. 7.2.
O aloja mento da psiqu e no corp o: pers onalização
Para a tarefa dc alojamento
(diuelling) da psique no corpo, Winnicott
usa também o termo “personalização”. Esta denominação deve-se ao fato de a palavra “despersonalização” ser o termo já consagrado, na psiquiatria de adultos, para os vários estados clínicos cm que o pacien te se queixa de não ter relação com o próprio corpo ou de sentir que o seu corpo, ou parte deste, não lhe pertence etc. (ef. 1988, p. 145). A taref a dc alo ja me nto da psique no corpo só faz sentido se ac ei tarmos a idéia dc que, dc início, corpo e psique ainda não sc reuniram e só sc constituirão como uma unidade se tud o corr er bem no processo de amadurecimento. Be m no in ício, s oma c psique estão indiferenciados. Aos poucos, ocorre a diferenciação, ao mesmo te mpo que a te ndência à integ ração age no sentido d e reuni- los numa unidade. Essa parceria psicossomática, contudo, não está garantida nem pode ser dada como certa. Não se pode ter como evidente que, em todos os casos, a psique e o soma do bebê cheg arão 208
(>SRSTAÍÍIOS l>K IMlTIVO N: Al)KI']'.\l)KX(:i.\ AltSIHAT.V a operar como uma unidade, de tal modo que o bebê viva em seu corpo e que este funcione em conformidade com o usufruto que o bebê faz dele. Trata-se de uma conquista que pode — 011 não — ser alcançada e que, tendo sido alcançada, pode scr perdida, mesmo na saúde. A coesão psicossomática é uma realização, e não tem eomo estabelecer- se, a nã o ser qu e haj a a par ticipa ção ati va de um ser huma no que se gure o bebê e cuide dele, r eunindo- o nos braços e 110 olhar. Um bebê que não é reunido pela mã e sente- se espalh ado; “ Em psicologia, c preciso dizer que o bebê se desmancha em pedaços a não ser que alguém o mantenha inteiro” (1988, p. 137).42 Muito do que sc refere à tarefa de personalização já foi explici tado na seçã o sobre o s estados ex citado s e tr anqüilos . Sentin do- se bem seguro e reunido no corpo, sobretudo durante as experiências ex citad as, o lae tente en trega- se confiant eme nte aos cu idad os da mãe e, nessas condições, a psique pode realizar o seu trabalho de elaboração imaginativa das funções c sensações corpórcas. Aos poucos , o cor po torna- se soma e vai sendo estabelecida uma íntima conexão de complexidade crescente entre soma c psique, tornando real o caráter potencialmente psieossomátíeo da existência. A psi que passa a habitar 110 corpo, tornan do- o sua mora da. A conquista gradua] da residência no corpo es tá, portanto, inti mamente relacionada com o processo de espacialização do bebê Durante todo o tempo em que a coesão psicossomática está cm via de realização, os braços da mãe e o corpo do bebê são uma e a mesma coisa, dc modo que se pode dizer que a primeira morada do bebê é o próprio coipo do laetente no colo da mãe. O cuidado materno correspondente a essa tarefa de alojamento da psique no corpo 6 o manejo ( luindling ). () manejar faz parte tio segurar total (holding), mas refere-se especificamente ao segurar físico . No seg urar - manejar dev em estar incluí das todas as ex periên cias sensórias necessárias: scr envolvido, por todos os lados, num 42 As já c itadas M ,-M. B éziers e Y. Iluns ing er cor robor am este ponto c mostr am que a posição d e “bem- estar” , para o bebê. é aqu ela em que ele está re unido, "enrolado”. Quando se sente bem seguro, o bebê vai naturalmente para essa posição de “reagrupado sobre si mesmo”. Em condições patológicas ou “se o bebê está sofr endo de algum ma l- estar, não ocorrer á o enr olainc mo ao ser toma do nos b ravos. A o contr ário", afir mam as au toras, “o que iremos o bservar é a posição inversa, 'em extensão’: cabeça e braços atirados para trás. o dorso arquea do e os músc ulos tens ores endureci dos" (oj >. oit..p. 20). 2(Y>
A T K OK IA IX ) A M A lH K K C IM Iv X T O D IÍ I) W . W IX X i m T T
abraço vivo, que tein temperatura e ritmo c que faz o bebê sentir ta nto o eorpo d a mãe c omo o s eu próprio eorp o; s er aconch eg ado no berço de modo a permanecer tocado pelas mantas c almofadas e não solto no espaço; as inúmeras sensações táteis ao ser manejado de todas as formas, banhado, acariciada , afagado, cheirado etc, dife renças sutis e graduadas de luminosidade, textura e temperatura; a oposição necessária para o bebê exercitar a motilidade; a resposta ativa e concreta para os estados excitados, tanto no que se refere à busca de algo quanto à satisfação instintual e motora. Todas estas experiências permitem ao bebê habitar, mesmo que momentanea mente, no eorpo, favorecendo a associação psieossomátiea e contri buindo para o se ntido de “real” — de realidade do si - mesmo — oposto a “irreal”: o fato dc estar vivo e existir vai ganhando consis tência, peso, gravidade. Pela conexão crescente que se estabelece entre psique e soma, qualquer que seja a experiência que o laetente viva. o funcionamento do corpo e as sensações eorpóreas vão junto, igualmente afetados. () segurar desajeitado ou hesitante atua con tra a reunião psieossomátiea, impede o desenvolvimento do tônus muscular e da “coordenação” e vai contra a capacidade da criança de usufruir da experiência cio funcionamento corporal e dc ser. Quando há segurança, duas coisas estão ocorrendo: ao mesmo tempo em que facilita a tendência geral à integração, em especial a residência da psique 110 corpo, a mãe fornece as condições para o re tor no ao descanso relax ado do es tado de não- integra ção. Na etapa inicial, o amor da mãe é expresso pelo cuid ado físico, que, af inal, c o que o beb ê necess ita c o que es tá capaz de integ ra r no mundo s ubjetivo. S eg urar b em o laetente, e manejá- lo, é uma f orma de amar e, possivelmente, “a única forma pela qual a mãe pode de monstrar ao laetente o seu amor” (1960c, p. 48). A insistência neste ponto vem a propósito de dcsmistificar a intensa rede de meca nismos mentais e afetos de que a psicanálise tradicional dotou o bebê na relação deste com o seio. Mesmo quando se refere a etapas mais tardias do amadurecimento, Winnicott afirma que as crianças “precisam mais dos pais do que dc serem amadas [isto é, mais de cuidados efetivos do que de emoc ionali dade ] ; precis am de algo que persista, mesmo quando forem odiadas ou sintam ódio” (1961b, p. 59). A mãe, embora esteja cuidando do corpo, sabe que há uma pessoa nesse cor po. 151a cuid a do bem- est ar físi co, mas de t al for ma que ela se dirige à passou total do bebê, que ele ainda não c, mas que ser á. 15 ela que r eúne o bebê não só nos bra ços , mas em s ua co n 210
( >S EST ÁG IO S PUI Ml T lVt) K: A NKMÍNDft XClA
A ISS o U T A
cepção dc bebê como ser humano total. Ilá mães. no entanto, cons tat a W innic ot t, que, embor a t enha m boas condiçõ es naturais para <> cuidado físico dos bebês, parecem ignorar que há um ser humano alojado nesse corpo que banham e alimentam. Sc este é o caso, o bebê não pod e integrar- se n uma unidade c estão d adas as condiçõ es para uma cisão psicoss omática. Q uando o cuidado mater no favorece a coesão psicossomática, o eu pessoal é sentido eomo estando contido nos contornos dados pelo limite da pele. Por volta dos seis meses, um bebê já usa o círculo ou a esfera como um diagrama do si- mesmo. () bebê hab itua- se a oc upar es paço, a ter pre se nça visível , a ser visto e reconhecido. Sem isto, ele nunca alcança a realidade do si- mesmo, nem um conta to efetivo com a realidad e ex terna; nun ca chega a perceber claramente o que vem de dentro e o que vem de fora. No entanto, mesmo na saúde, a coesão psicossomática não pode ser dada por estabelecida, e, não apenas no começo, mas ao longo da vida, mostra sua precariedade nas situações de cansaço e nas passagens entre a vigília e o sono. Os bebês são altamente sensíveis para diferenças no modo de segurá- los. lis te é um dos principais motivos pelos quais Win nico tt insiste em que os cuidados suficientemente bons devem ser forneci dos pela mesma pessoa. Quando são várias as pessoas a segurar o bebê — pai, tias, babá s — , este é submet ido a variad as técnicas , perdendo, ao menos em parte, a familiaridade que funda a previsibi lidade. Mesmo quando é só a mãe qtie cuida do bebê, ele é sensível às mudanças nos estados dc ânimo desta, que, naturalmente, repercu tem no corpo. Winnicott constatou que, nas incursões aéreas duran te a guerra, os bebês não ficavam com medo das bombas que caíam, mas eram imediatamente afetados se sua mãe entrava cm pânico. Desde que a mãe poupe o bebê dc arroubos ditados por instabili dade emocional, é bom para ele sentir seus vários estados dc ânimo, significando que ela está viva e é afetada pelos acontecimentos. 10 bom que a mã e s eja tr ans pare nte e nã o opaca. No me lhor dos casos, a mãe opaca leva a uma necessidade infindável de desmontar todos os brinquedos e máquinas para ver corno funcionam. Uma paciente minha relata que a sua mãe tivera sempre uma expressão inalterável, eternamente plácida; jamais se irritava ou manifestava qualque r outro tipo de emoçã o. Lembra- se de, muito menina, es preitar o rosto da mãe tentando desesperadamente saber o que acontecia ali dentro. Por essa época, sentia-se inteiramente perdida c foi tomada pelo temor dc que a sua mãe morresse repentinamente; 211
A T E O R IA 1 )0 A MA I> UK E('IME NT C) DK 1). W . W IN W IC O T T
pensava. então, mas sem coragem de pedir, que seria bom se a mãe lhe deixasse uma lista completa de tuda o que ela devia e podia fazer, e tudo o que não podia, Essa moça desenvolveu uma alta sensi bilidade e um sentido de ameaça para qualquer tipo de alteração na fisionomia das pessoas 011 nas circunstâncias. A lém dis to, os bebês sentem a diferença entre um seg urar tenso, desconfortável para a mãe, e um segurar relaxado, que pertence naturalmente à sua tarefa e que não lhe custa. A mesma paciente acima me nciona da disse- me, cer ta vez, que tinha, ag ora, a cons ciên cia de jam ais , em toda a sua vida, ter se ntado eom o bumb um inteiro onde quer que fosse; a mãe não tolerava contato físico, c ela, desde muito pequena, sentira sempre estar pesando 11a mãe, e isto era de masiadamente penoso, llm momentos de angústia, ela ia ao banhei ro cheirar a toalha de banho que a mãe usara, e isto a acalmava. Da sensibilidade dos bebês eom relação aos estados de ânimo maternos surge a questão da consistência da mãe, da sua capacidade de ser ela mesma. O bebê sente a d ifer ença entr e g estos es tudados, em que a alma não comparece, e outros espontâneos, indicando que a mãe está realmente ali: ela toda e não só a sua mente. Ocorre, muitas vezes, dc a mãe padecer de ansiedade ou de controle exagerado por temor de deixar o bebê cair, ou ter a pele quente e batimentos car díacos aceler ados pela ang ústia e, nestes caso s, o bebê não pode dar- se ao luxo dc relaxar. () relaxamento só acontece por pura exaustão. Quando, depois da experiência de integração, o retomo ao descanso é sistematicamente dificultado, a situação pode tornar-se mais grave do que em ger al se pensa, já que c só a par tir do estado não- integr ado que a ex per iência de inte g ra ção pode ser sentida como real. Se a mãe reco nhece suas próprias dificuldades e quer cuidadosamente preservar o bebê, coloca- o no berço, que é uma alter nativa mui to bem- vinda, ou pede ajuda de uma boa babá. Na verdade, o bebê precisa de ambas as experiências. Mesmo as mães que sentem segurança e prazer cm segurar seu bebê poderão ter muito sono em algum momento, ou talvez um período de depressão. Se forem suficientemente boas, elas colocarão seu bebês no berço porque sabem “que o estado de sono lência em que se encontram não é suficientemente vital para manter ativa a idéia que o bebê tem de um espaço circundante” (1957m, p. 17). Noconfiança, entanto, quando o ato de segurar o bebêoufiianto é adequado, este adquire v oltando à nãointeg ração está sendo seguro. Esta é, segundo Winnicott, a experiência mais cnriqucccdora. 212
OS KSTÁC.IOS PRIMITIVOS: A IIKIM
7.3.
v NDI í X CIA
A B SOL UT A
O início do co nta to com a rea lid ade: a s relaçõ es objeta is
No começo da vida, o bebê não te m ma turidade suficiente para saber tia existência da realidade externa, para perceber os objetos que a ela perte ncem, e muit o menos para rela cionar- se efe tiva mente com eles. lile ainda não desenvolveu o sentido da externalidade, nem a capacidade da percepção que é característica das relações com objetos percebidos objetivamente. Separar o si-mesmo dos objetos — que c uma conquista muito sofisticada e depende de outras, ante riores — só se iniciará mais tarde, a partir do estádio do uso tio objeto, quando o próprio bebê criar o sentido de realidade que c próprio à externalidade. Depois disto ele terá ainda de completar a conquista, separando o si- mesmo do ambie nte tota l, o que só o cor rerá no está gio d o EU S O U " nasce,outro o bebê não de te mrealidade. nem o sentido da al£um ex ternali dadeA ssim nem que qualquer sentido Para que sentido de realidade se inicie, é necessário que lhe seja propiciado o único que lhe é possível nesse ponto do amadurecimento; a realiíkule do mundo subjetivo. Sem o estabelecimento da realidade subjetiva não há como prosseguir nas conquistas graduais do ama dure cime nto, que incluem o se ntid o de rea l próp rio à tran sicio nalidade, para chegar, depois, ao sentido da realidade externa, compar tilhada. Conforme mostrou Loparic (1995a), aos distintos sentidos de realidade correspondem diferentes “mundos”, que diferem entre si segundo um espaço e um tempo que lhe são próprios, lim cada um desses mundos podem ser encontrados objetos cujo modo tle pre sença (ou de “realidade”) difere dos outros cm termos espaço-temporais; o modo tle p res ença do objeto subjetivo, por e x emplo, não c o mesmo do dos objetos transicionais, e é radicalmente diferente do dos objetos objetivamente percebidos, pertencentes à realidade externa.44A relação do indivíduo humano eom objetos subjetivos se
43 Sobre ;i dis tinção entr e separar objetos u separar o ambient e do si- mesmo, cf. Winnieott, 1964c, p. 56. 44 Um aspecto essencia l da questão relativa ao ac esso íi re alid ade, para W inn i eott, é não existir um únieo sentido de realidade, mas vários. O amadureci me nto hum an o pode ser vis to eomo o p rocesso por me io do qu al v ão se cons tituindo os vários sentidos tle realidade eom seus diferentes tipos de objeto, paralelamente á constituição de várias possibilidades de relação de objeto do indivíduo humano. Na psicanálise tradicional, só faá um sentido dc reali dade. Para um desenvolvimento desta questão, cf. Loparic, 1995a.
21,1
A T B UK IA IK ) A.\ !AIH’ UK ('IMI'N'T (> 1)K 1) W . W IX N U X H T
caracteriza por cxcluir qualquer separação entre sujeito e objeto, já que esse sentido de realidade “é anterior ;'i ação c à representação, condições da vida sob a ég ide do p rincípio de r ealidade, enten da- se: da realidade externa que caracteriza os objetos do mundo externo” (Loparie, 1995a, p. 52). E importante assinalar, ainda, que a reali dade do mundo subjetivo não só não deixa nada a dever, em termos de sentimento de real, à realidade do mundo objetivo que virá depois, eomo, em ecrtos casos, continuará a ser, vida afora, sempre mais real do que a própria realidade objetiva.45 A caracte rística principa l dos objetos subjetivos é a de eles serem confiáveis.4'' C) caráter da confiabilidade já foi explicitado ao serem examinados os estados excitados do bebê: refere-se ao fato de a mãe suficientemente boa propiciar ao bebe a experiência de criar aquilo qu e e ncontr a, as sim como d c protegê- lo dc qualquer irr upção de algo imprevisível que possa interromper sua continuidade de ser. Encontrar- se com um obje to sub jetiv o sig nifica, port anto , que o bebê encontr a — isto ê, cria — o qu e necessita 110 momento em que necessita. O objeto chega ao bebê no momento exato em que a ne cess idade aponta, e e do ta ma nho ex ato da sua possibilid ade dc r ece bê- lo e ass imilá- lo como jxirte dele nw/ttele preciso instante. Os objetos sub jetivos “ ex istem como p res enças imediatas , incondicionadas” (Loparie, 1995a, p. 54). São dc tal natureza que o bebê não é afrontado com algo tpie ele não pode abarcar na experiência; eles não surpreendem o bebê, não causam sobressaltos, isto c, não são extemporâneos 110 s enti do de imprev isíveis. íSua for ma dc pre se nça é tal que não denuncia o caráter externo dc sua existência e, deste
45 Isto é ve rdadeiro s obre tudo no ei uso das patolog ias esquizó ides. 46 A l ]11i c preciso assinalar que a expressão “objeto subjetivo” não é das mais feli zes. Km primeiro lug ar, porque o ter mo “objeto", p ela sua p rópria e timo logia, leva a pensar em objeto da percepção (ob-jcvtwn). o que não é exata mente o easo 110 momento. lSrn segundo lugar, porque o termo “subjetivo" induz facilmente a se pensar na polaridade sujeito/objeto, que pertence a uma determinada linhagem do pensamento ocidental, na qual o sujeito é, sobretudo, um ser pensante, dotado de consciência e preenchido de repre sentações e de afetos. Além de o pensamento dc Winnicott não pertencer a essa linhagem, o bebê, nesse momento do amadurecimento, não é um sujeito consciente de si c nã o te m ainda obj etos da re prese ntarão mental. preciso, portanto, ter presente o sentido específico que Winnicott atribui a expressão “subjetivo” 110 interior dc sua teoria. 214
OS RST Á OIO S 1’KiMITIV OS: A DHPlí X] HiN CIA AHS( )I,LT.\
modo, não extrapolam o âmbito da experiência subjetiva do bebê. Por tudo isto, o objeto subjetivo é confiável e, neste sentido, real. () início da relação objetai — com objetos subjetivos —- acon tece nos momentos de excitação do bebê. O cuidado materno es pecífico para essa tarefa é a apresentação de objetos (object- prasentitig). Mas o bebê só cria a partir daquilo que encontra. Para que o mundo subjetivo se mantenha vivo e o laetente continue a criar os objetos dc que necessita, é preciso que alguérn sc dê ao trabalho dc continuamente apresentar amostras do mundo ao bebê, de forma compreensiva e adequada à capacidade maturaciona! tio momento. Uma apresentação de objetos insuficiente bloqueia o ca minho da cr iança na direção de se ntir- se rea l e de relac ionar- se com o mundo real de objetos e fenômenos (cf. 1965vf, p. 31). Há ambientes que simplesmente deixam o bebe largado aos seus pró
prios recursos e que não lhe fornecem material para criação: Sc aquilo que está sendo eriado precisa ser realizado concretainente, alguém tem de estar lá. Se ninguém estiver lá paralazer isso, então, mim extremo, a criança fica autista — criativa no espaço — e tediosamente submissa em seus relacionamentos (esquizofrenia infantil) (19S6h, p. 3‘J). O sentido dc real da realidade subjetiva, que será o fundamento de todos os outros, se assenta, como já dito, sobre a confiabilidade estaarque constitui o mundo .41 lihabit c(rdüdnlity) é apenas por num m undopropriamente subjetiv o que o bebê subjetivo pode enc on tra r objetos subjetivos . Nesse mundo, o bebê faz a ex periência dc um
47 W innicott us a o rermo relüibility, que sig nifica “ poder contar co m” . V em do verbo to lie, “dei ta r ”. Para p oder deitar , uncostar- sc, la rgar- se, sem te mor dc que caia ou afunde, é preciso algo suficientemente consistente, estável e previsível. Real c, portanto, aquilo eom que se pode contar sem ter de, a eada vez, ser assegurado. Kcal é fundamento. E de notar que esse funda mento não 6 dado. mas constituído, no decorrer do amadurecimento, e mais, constituído na indeterminnção do encontro. A quebra da confiabili dade, n os estágios iniciais , consti tui- se numa ex periên cia tra umática e resulta cm dis túrbios de tipo es quizofrênico. N a classificaçã o w innicott iana dos traumas, segundo o momento do amadurecimento, a quebra lia confia bilidade ó descrita como o primeiro sentido dc trauma. Cf. Winnicott, 19fi9d , p. 113. Sob re a confiabilid ade ambienta l par ticipando d a cons titui ção do si- mesmo, cf. D ias, 19 99a.
A T K OK IA IU J A.MAIK'Kli<.;i.\ llv.\ "l'() l)K D. \ Y W IX M C O T f
controle total sobre os objetos. Trata-se, portanto, de uni mundo mágico, onde as exigências do mundo objetivo ainda não fizeram a sua inscrição. O seio aparece quando a lome aponta, c desaparece quando a te nsão cessa. A a daptaçã o abs oluta da mãe m ant ém o bebê na área da ilus ão de o nipo tê nc ia, sendo aí -— e apenas aí — que ele pode começar a ser. Manter a ilusão de onipotência e preservar o mundo subjetivo implica evitar que 0 bebê seja surpreendido eom um sentido de reali dade para o qual ainda não está preparado. He a mãe insiste cm amamentar o bebê ou cm excitá-lo quando ele já se retirou para descanso, e se, ao invés de corresponder ao gesto do bebê. ela o subs titui por seu próprio gesto, a existência de algo fora dc âmbito de onipotência do laetente aparece antes que ele esteja preparado para tal realidade. Aí acontece uma intrusão. Mas isto não significa que o bebê esteja percebendo o objeto que o afronta; ele não o percebe porque não é capaz de percepção. Sente, no entanto, a presença de algo estranho e incompreensível, que lhe cai em cima, por assim dizer, e que ele não pode abarcar no âmbito da sua experiência. A seu tempo, o bebê terá de aceitar o fato da ex istência ex terna do mundo, sobre a qual não terá controle, mas, se lhe é propiciado, nesse primeiro momento, uma relação criativa, subjetiva, com o mun do, ele, gradualmente, sc tornará capaz de se sujeitar à evidência dessa outra realidade “sem perder a dignidade” (cf. 1968d, p. 91). Segundo Winnieott, é inteiramente errado pensar que o sentido de realidade de uma criança depende da insistência da mãe quanto à natureza externa e objetiva das coisas do mundo. K somente a partir da ilusão que se pode es perar que, aos p oucos, a cr iança tornc- se capaz de aceitar a existência independente do mundo externo c de assimilar as desilusões: “A adaptação ao princípio de realidade deriva, espontaneamente, da experiência de onipotência dentro da área que faz parte d o re lacioname nto com objetos su bjetivos” (19 65 j, p. 164). Quando a ilusão é bem instalada, surge, gradualmente, “a com pree nsão in te lec tual do fato de que a ex istência d o mundo c anter ior à do indivíduo, mas o sentimento de que o mundo foi criado pessoal mente não desaparece” (1988, p. 131). Winnieott fala de eoinpreen são intelectual. Isto significa que, após instalada a capacidade para a ilusão, a criança vem a saber, eom o tempo, da existência separada da realidade externa, compreendendo agora que o inundo sempre esteve aí, independente do indivíduo. No entanto, o sentimento dc 216
OS HSTÁdlOS PRIMITIVOS: A DEPKNDKNCIA ABSOIJLTA
que o mundo c criado e continuará a sor criado pessoalmente não desaparece. Se o indivíduo permanece vivo, a sua raiz pessoal conti nua fincada no mundo imaginativo, e é somente a partir daí que a aceitação do mundo externo não eqüivale à aniquilarão. A o long o da vida, o proble ma ce ntral de relação com a realidade permanece o mesmo: o mundo objetivamente real. compartilhado, tcin muito a oferecer, desde que a sua aceitação não signifique a perda d a realidad e do mundo p essoal imag inativ o (cf. 194 9m, p. 78). T odo cuidado c pouco quando o que es tá cm questão é a p res erv ação dos laços que unem a realidade externa à realidade subjetiva. Se uma criança maior, de três ou quatro anos, que vive simultanea mente no mundo compartilhado e em seu próprio mundo imagina tivo, nos disser que quer voar, não devemos fazer abater sobre ela o peso da realidade objetiva, respondendo que as crianças não voam. A o contrário, dev emos pegá- la e fazê- la girar, bem alto, pela sala, dc modo que cia sinta realmente que está voando como um pássaro. Log o a cr iança descobr irá que nã o pode voar p or meios mági cos . Provavelmente, em sonhos, o flutuar mágico pelos ares seja retido até eerto ponto ou, pelo menos, haverá um sonho em que ela dará passos d c sete léguas. | ...j Por volta d os dez anos, e ssa cr iança estará praticando o salto em distância e o salto em altura, tentando saltar mais longe e mais alto que outras. Salvo os sonhos, isto c tudo o que restará das sensações tremendamente profundas associadas à idéia dc voar que sc formou aos três anos dc idade”, (idem) 7.4.
A cons tituiçã o do si- mesm o primário
As consider ações da seção a nterior referem- se ao início do acesso aos sentidos de realidade (através da realidade do mundo subjetivo) e às relações objetais com objetos subjetivos. Mas, segundo Winnicott, o bebê ainda não existe eomo indivíduo unitário, como um eu. Quem é, port anto, que, e sta ndo num mundo, encontra- se eom ob jetos? O si- mesmo unitár io é re sultado da t endência integ ra tiv a e alcan ça um es tado mais cons istente c estável no es tágio em que o indi víduo, se pudesse falar, diria: EU SOU. Sabemos, no entanto, que a inte gração não se dá dc uma só vez, nem de uma vez por todas. A par tir d o estado de não- integ ração, ocorrem breves momentos ou períodos dc integração, e só gradualmente o estado geral de integração sc estabe lece de maneira estável. Esses momentos de vivacidade e excitação são precedidos de “uma convergência aglutinadora do si-mesmo eomo um 2 17
A TfcimiA
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todo " (1 98 8, p. 137): essa ex periência de estar r eunido num si- mesmo unitário, mesmo que momentaneamente, é sentida eomo real. O en contro eom o objeto “realiza” o estar vivo e a necessidade não apenas no sentido da satisfação, mas no de tom ur reai s a própria necessidade, o impulso, o gesto q ue sai em “b usca de. . e o algo q ue c encontrado. “O que o si- mesmo imat uro de um beb ê muito pequeno sente como real é essa manifestação do si mesmo” (1993H, p. 25). Um pouco depois de te rminada a ma mada , o si- mesmo do bebê se des mancha c este re tor na, em descanso, para o estado não- integrado. Numa formulação mais tardia dessa mesma questão (197Iva), W innieott dirá que as ex per iências de inte g ração, que ocor rem na experiên primeira mamada teórica, são as primeiras c inaugurais cias dc si mesmo, de ser como identidade. Isto é, ao encontrar- se identificação com o objeto subjetivo, o bebê fax unia experiência dc primária eom o objeto, ou seja, o bebê torna- se o objeto: ele é o seio. Isto const itui uma ex periênc ia de ser que tem um novo sentido para de ser como identidade. além daquele da continuidade dc scr: o W innieott de no mina “e le me nto feminino pur o” a essa ex per iência de ser, que está presente em homens e mulheres. Enquanto o ele scr, o “elemento masculino mento feminino puro diz respeito a puro” relaciona se eom o ja ze r. Esta distinção entre ser c fazer é uma nova maneira de formular a diferença entre objeto subjetivo e objeto objetivamente percebido: Nessa capacidade de relação do elemento feminino puro com o “seio” há unia aplicação prática da idéia dc objeto subjetivo, e essa ex periên cia pavimenta o cam inho para o objeto sub jetivo — isto é, a idéia d e ter um si- mesm o e o s en time nto [feelintf] de realidade que nasce da sensação de possuir urna identidade (1971va, p. MO).4"
48 Num tex to de 1968- 69, qu e é uma resposta ao s come ntários s obre o seu artigo de 1966, “Elementos masculino e feminino puro cindidos que se encontram em homens e mulheres”, Winnieott afirma que, em função do trabalho clínico descr ito neste art igo, ele se viu em condi ções de comp arar ser u nmf aze r. 'No ex tremo”, d iz ele. " descobri qu e estava ex aminand o um conflito essencial tios seres humanos, que deve acontecer numa época muito primi tiva: o que ex iste entre ser u obj eto, que tam bém te m a proprie dade de ser, e. em contraste com isto, uma confrontação eom o objeto que implica atividade e relação de objeto baseada cm instinto ou miiyão. Isto resultou scr uma nova formulação do que antes tentei descrever eomo objeto s ubjetivo e objeto objetiv amente pe rc ebido” ( I97 2e . p. 1-I')) 218
OS K ST Á CIOS PRIMI T IVOS A 1)E]>IÍXI)Ê\ ’<:IA A HS OU.T A
ü que nos interessa, aqui, é a relação entre a constituição do si- mesmo imeial e a ex periên cia do "element o fe minino pu ro” . Winni cott diz: “Quando o elemento feminino do bebe encontra o seio, o que foi enc ontr ado foi o si- mesmo” (1971 va, p. 142 ). Ser e a mais simples de todas as experiências e, talvez por isso, a mais difícil de ser conce bida por meio da reflexão. Além de scr a mais simples, ela c também a mais importante de todas as experiências, a base para todas as que lhe são subseqüentes, incluindo as experiências posteriores de identifi cação. Por isso, “por complexa que resulte a psicologia do sentido do si- mesmo e do est abele cimento da identidade, à medida que o bebê cresce, ne nhum sentido do si- mesmo emerg e s enão sobre a base da relação com o sentido de SER (sense ofbcing)" (1971va, p. 140). Como Winnicott usa o termo “seio”, como veremos, para desig nar a totalidade dos cuidados maternos, deve-se dizer que, na expe riência primária de integração, o bebê torna-se idêntico aos cuida dos que recebe: ele é esses cuidados. Melhor dizendo: o bebê torna-se a confiabilidade desses cuidados. Embora essa questão da identidade chegue à sua formulação acabada só no texto dc 1966, já em 19 63 W innico tt escreve qu e, e stando o bebê f undid o com a mãe, não te ndo ainda s eparado o “e u” do “ não- eu”, “ tudo o qu e é adaptativo ou “bom” no ambiente está construído no armazém de expe riências do laete nte c omo se fo sse uma qualidade do si- mesmo, indistinguível, de início (pelo laetente), do funcionamento sadio do próprio laetente” (1963d, p. 91). E esse sentido de scr que faz o bebê sentir-se não apenas real, como também integrado numa identidade incipiente, que c o simesmo primário. Mas, para tanto, é fundamental que o impulso te nha eme rg ido dc um e stado d e r epouso, na não- integr ação, e que o movimento tenha partido do bebê e não do ambiente. Mais ainda: é preciso que o bebê se encontre eom um seio que “é”, isto é, eom o seio de uma mãe eom capacidade de ser, e não eom um seio que “faz”. O seio que “faz” é um seio de “elemento masculino puro” c não é sat is fa tório para a ex per iência inic ial de ide ntida de.4'-’Dur ant e 4‘) Na proposição winnicottiana, ‘‘ser” e “fazer" são ituas formas dc relação objetai, cuja diferença deve ser entendida a partir da linha do amadureci mento. Enquanto a primeira está baseada na necessidade de ser, ;i secunda já supõe a separação entre eu c não- eu, e está bas eada nos impulsos instintuais. Kmii questão será examinada no Capítulo IV, Seção 6. 219
A TE OR IA 1)() AM Alll 'KP.C.IMKXTí) 1 )H 1). VY V IX N IC O T T
o tempo ein que bobe e mãe são uma unidade, se a mãe possui um seio que é, então o bebê também pode ser. A adaptação da mãe perm ite ao bebê, ao eriar o sei o, criar a si-mesmo eo m o a lguém que 6 . Se a mãe é incapaz de dar essa contribuição, o bebê tem dc se desenvolver sem 11 capaci dade de ser, o j eom uma capaci dade m uti lada de ser. Neste caso, “ao invés de ‘ser eomo’, o bebê tem de ‘fazer eo m o ’ ” (197 1va, p. 1 4 1). 50 Se a mãe c do tipo que faz, e impõ e ao bebê o seu modo de funcionamento, se ela o J a u m am ar , ao invés de d ei x á-U) ser, mamando (tornando-se, assim, momentaneamente o seio), ocorre um alerta e uma reação. A reação quebra a continui dade dc scr e exace rba a cisão entre esp ontaneida de e rea tividade ou submissão . Caso seja este o padrão do amb iente, o bebê não dei xa dc construir uma identidade, mas esta será falsa, artificial, pois será edifieada defensivamente, visando pro tege r o si-mes mo verdad eiro e espon tâneo; este é isolado para não scr trauma tizado. Mas quando a espontaneidade é isolada e, deste modo, privada das oportunidades dc experiências reais, o si- m es m o ve rd a d eiro não po da tor na r- se unia r ealidade viva. Sem o lastro do scr, a identidade falsa deve permanentemente fazer algo, buscando interminável c inutilmente achar o scr no fazer. Dois outros pontos devem ser aqui destacados. Primeiro, não sc deve entender a distinção entre ser, e fazer em termos de ativo e passivo. A base dc tudo c scr, e a dicotomia entre ativo e passivo só faz sen tido c om relaçã o ao fazer , que só deve vi r sobre e a par tir do ser. lim segundo lugar, é preciso ter em mente que o sentido dc “ser o objeto subjetivo", da identidade primária, é anterior à idéia do ser-eom-algo ou alguém. Duas pessoas se paradas, di z Win nicott, pod em sentir que são uma, mas, na questão que estã sendo examinada, “o bebê e o objeto s ão um” (1971va, p. 140). Neste último caso, não há, portanto, propriam ente uma relação de objeto, mas uma relação de “ ser” . A relação eom objetos — cuja base é ter sid o o obje to — existirá mais tarde, se tudo correr bem, e sc o bebê puder, no devido tempo, criar a externalidade do mundo e vir a relacionar-sc com objetos percebidos
50 Este ponto tem importantes implicações para ;i compreensão de defesas psicóticas e para o trabalho clínico com pacientes esquizofrênicos que regridem à dependência e cujo problema central reside numa ausência da experiência de scr, que foi substituída por uma organização defensiva apo iada nurti/a cx-r . So br e esta qu estã o, ef. Dias, 1Vr>5.
OS ES TÁO iOS PR IMIT IVOS : A 1>KJHiX I>KN
objetiv ame nte. Para haver uma relação ó pre ciso haver dois indivíduos. O que há, aqui, é uma curiosa relação que não se pode, em rigor, cham ar de relação , po rque não há, ainda, dois, mas dois-em-um. liste c o motivo pelo qual, já tendo formulado aversão final de sua teoria da identidade primária, Winnieott afirma que “é axiomátieo que não exista nenhuma relaçã o com uni ob jeto su bjetivo” (1989n, p. 221 ). Com relação ao termo “seio”, Winnieott o emprega num sentido diferente daquele em que c usado na psicanálise tradicional, sobre tudo a klcinia na: “A ling uag em relativa a o 'seio ' c puro ja rg ão ” , diz ele (1969i, p. 176). Induz a pensar que o bebê possa entrar cm contato com um objeto que, mesmo entendid o eom o parci al, lhe e externo (do ponto de vista do próprio bebê), uma vez que ele ainda não constituiu o sentido de externo nem o de interno, A palavra "seio” não se refere, portanto, a nenhum objeto, externo ou interno. E não só porque ali ainda não há um indivíduo capaz de perceber objetos, mas também pelo fato de que, da perspectiva do bebê, nenhum objeto está desta cado do ambiente total. Levan do cm conta a totalidad e de seu pensam ento, é poss ível dizer que o term o “ seio ” , cm Winn ieott, tem doi s senti dos fun dame ntais. Num prim eiro sentido, o seio 6 um obj eto subjet ivo ; c o prime iro obje to subjetivo com o qual o bebê sc encontra, no plano das r el a ções o bj e tais , cujo caráter especial acabou de ser mencionado. A mãe que está ali, disponível, como seio, 6 a mãe-objeto, isto c, a mãe que é alvo do amo r excitado do bebê, e que fornece o seio de t al m odo qu e p erm ite a este fazer a experiê ncia d e criar o obje to. Mas a experiênc ia da relação objetai, no sentido es pecificam ente winn ieotti ano, só é poss ível sobre o fundo de um mundo subjetivo permanentemente assegurado pela confiabilidade materna. Num segundo sentido, “seio” c o nome que Winnieott dá à to tali dade dos an d a d os que a mãe-ambiente dispensa ao bebê, tota lida de que inclui os cuidados rela tivos às três tarefas .51
51 N!o artigo “Ob jet os transieion ais e lenônieiios transieio nais” . rcteriiido-s e à repetida criação, pelo bebê, do seio d a mãe eomo um “ fenômen o subjetivo", W innieott introduz uma nota em q ue di z que, no termo "s
eio ”, est á incluí da
“cala íi téeniea da maternagem. Quando se diz que o primeiro objeto 6 o seio, a palavra seio' ú utilizada, acredito, para representar tanto a téeniea da materníi ítem quan to o se io físico” (1 9 5 3e, p. 26 ). Em o utro artigo , ele diz que já deixou bem elaro “que a palavra seio c a idéia de amamentação abrandem toda uma téeni ea de ser mãe de um be bê ” ( 1969 b, p. 21). li assi nala , ai nda, em outro text o: *() objeto p ard al ú um o bjeto tot al do ponto de vista do bebê” (I989xe, p. .‘529).
ATEUKIA LK> AMAI>i:KKCIMÊNTO DK D. W. WINNICOTT
Te ndo em vista que a característica central dos cuidados é a co nfia bili dade, quando o bebê encontra o seio ele se encontra não com os cuidados, eles mesmos, mas eom o muda de .sc r desses cuidados, ou seja, com a confiabilidade ambiental. Isto é, ele encontra o objeto subjetivo (seio-objeto) num mu rn lo stdr jitivo que é feito da totalidade de cuidados (seio-ambiente). Estamos agora em condições de dar acabamento tanto ao con ceito de objeto subjetivo com o ao significado ple no da dep endência. Um objeto c subjeti vo qua ndo, no encon tro eom o ob jeto — apresen tado pela mãe de tal modo que não se destaca dele, sendo externo apena s par a o observador — , esse ob jeto é criado pelo bebê, send o que, ao mesmo tempo em que cria o objeto, ele cria a si mesmo, como identidade, tornando-se, nessa experiência de identificação primária, o próprio objeto. Exatamente nesse ponto, aparece com clareza o caráter profun do da dependência. Por via dos cuidados que ofe rec e, a mãe prov ê o bebê em três aspectos fundamentai s. Prim ei ro, preservando a ár ea de ilusão d e on ipotê ncia , ela, enqu anto mãeambiente, abre e mantém um mundo (espaço e tempo) subjetivo confiável , onde poderá ac ontec er um encon tro com o objeto, e para onde o bebê pode voltar para descansar. Segundo, ela possibilita ao bebê alcançar o si-mesmo, favorecendo uma experiência de identi dade em que ele se torna o objeto . Ou se ja, a mãe facilita a con stitu i ção do “quem” encontra objetos. Por último, é ela mesma o objeto (subjetivo) — o sei o, o cal or, o leite etc. — que é encontrado (mãeob jet o) .52 A mãe faz tudo isto devido a sua identificação com o bebê; por saber aceitar e dispor-se a responder à imaturidade e dependência deste. O seu conhecimento acerca das necessidades do bebê não é intelectual, assim como os cuidados não são propriamente delibe rados. Se ela é suficientemente boa, sua compreensão vem "de um nível mais profundo, e não necessariam ente daquela parte da mente
52 Às falhas maternas só se tornam traumáticas quando instituem um padrão dc fra casso. N o qu e se refere a e sse padrão, a m ãe pode fracassar na totali dade do s cuidad os, q ue incluem esses três mo dos de favorec i me ti to, ou pode fal har de forma mais especí fica, sendo capaz de fornecer um certo aspecto do cuidado, mas falhando em outro. Sem considerar outros fatores que podem entrar em j og o — como a p res ença cui dado sa de uma ti a ou babá — . pode-se dizer qu e as dif iculdades ou distúrbios do indivíduo terão configu ra ções dive rsa s segu nd o a natureza do fraca sso materno.
OS lüST.ÁC ilOS PRIM ITIVOS : A i>KI' KXI)KX< ',IA A U S O U T A
on de há palav ras para tud o” (19 68 f, p. 53) Sua com un icar ão com o bebe, que sc dá a partir dc unia sintonia profunda, é silenciosa: “ As principais coisas que uma mãe faz com o bebê não podem ser feitas por meio dc pa lavras” (iíiem ). Win nic ott af irma: “Atos dc confiabili dade humana estabelecem uma comunicação muito antes que o discurs o signifique a lgo — o m odo co m o a mãe o lha quando s e dirig e à criança, o tom e o s om da voz, tudo isto é comu nicad o m uito antes que se compreenda o discurso" (1968b, p. 115). A mãe p ode, ou não, falar com o bebê, mas não é esta a questão principal, porque, quando se trata da comunicação humana, “a lin gua gem não t em impo rtância ” (1968d, p . 84). O que i mp orta é que, p or m eio da experi ênci a de cuid a d os e fe ti vo s, a mãe esteja sempre dizendo ao bebê que ela é confiável, não por ser uma máquina, mas por saber, a cada momento, o que ele necessita. O bebê, diz Winnieott, "n ão ouve ou registr a a com u n i ca ção, nu m ap ena s os e feitos da confia bilid ad e " ( ibid ., p. 87; grifos meus). E ou bem a comunicação é silenciosa e a confiabilidade está garantida, ou bem c traumática, produzindo a experiência dc uma agonia impensável ou primitiva (cf . 1970b, p . 2 0 1 ).SJ Se a mã e tem necessid ade de dem on stra r e garantir o rec onh ecim ento do bebê quanto à sua con fiabilidade, ci a falhará exatamente aí, pois estará impondo a ele a sua existência externa e apelando para uma compreensão para a qual ele não tem, ainda, nenhuma m aturidade. N este caso, falta a essa mãe con fiança suficiente no amadurecimento cm curso do bebê. Um aspecto essencial dessa comunicação silenciosa, no inte rior da estr anha forma de “ re laç ão ” que provê ao bebê a iden tidad e primária, e o olh ar da m ãe.w Muitas vezes, enqua nto mama, o bebê passa a olhar cm volta, e é provável que ele olhe, não para o seio, mas para o rosto da mãe. O que vê o bebê quando olha para o rosto da mãe? Vê, afi rma W inn icott, ele mesmo; não com o i n u ígem , uma vez que ainda não c capaz de ter percepção. C) que transparece no olhar da mãe c a sua própria visão do bebê e da satisfação que ali está contida. Em outros termos, a mãe está olhando para o bebê e seu rosto e olha r re flete m o que ela v ê, ou se ja, a su a vi são d o bebê.
53 Sobre as agonias impensáveis, central para a compreensão das patologias 1968d. () tema sor á exam inado em psicóticas, cf. Winnicott, 1974: I989vk e detalhe num outro estudo meu, em fase dc acabamento. 5-1 Cf. W in ni co tt, 1967c.
22,1
A TKOK IA 1M> AM An ntE CI M KX TO Dli 1). \Y. WIN NICO TT
■Scr vis to p elo olha r cin mãe c uma das b ases fund am ent ais do s en ti mento de existir: “Quando olho, sou visto; logo existo” (1967o, p. 157). Ilá, no entanto, o caso do bebê cuja mãe tem um olhar opaco, estando a mãe retida ern seu próprio interior; neste easo, não é o bebê que está ali refletido, mas o próprio humor dela, ou, pior ainda, a rig ide z de sua s defesas. Em tal caso, o que o be bê vê? Ilá bebês, diz o autor, que já se habituaram a não receber de volta aquilo que estão buscando. Eles olham e não veem a si mesmos, isto tem conseqüências: Primeiro, sua própria capacidade criativa eomeçri a atrufiar-se )... ]. Depois, o beb ê sc acostuma A i déi a de que, quan do olha, o qu e é vi st o c o rosto da mão. O espelho. Assim, a
rosto d a m ãe, portanto,
não é um
p er cep ção t om a o l ug ar d a u f) (ir cef) ção
(1967c.
p. 154).
A pala vra “ apere epção " c usada, por Winnicott, co m o opo sto de “percepção”. Refere-se ao olhar criativo, próprio do mundo subje tivo. lístá li gada à p alavra “c ria r” , no sen tido dc “ trazer a exis tência", ao fato dc alguém ser capaz de conti nuar a “v er tudo com o se fosse pela primeira vez” (1986b, p. .33). Quando há saúde, essa capacidade de olhar criativ am ente o mun do não desaparece. Mesmo mais tarde, quando o indivíduo for capaz de relaeionar-sc com o mun do dos obje tos pe rcebidos objet ivam ente , ess e olhar nunca será inteiramente submetido, como a percepção o é, por definição, aos contornos objetivos da realidade externa. Se o olhar da rnãc não ref lete o bebê, mas o que este vê é o p rópr io rosto da mãe, então um dado da realidade externa viola a legítima experiência de onipo tência do bebê. Quando a mã e prot eg e a área de i lusão d c onipotê ncia, ao mesmo tem po em que apresenta, em pequenas doses , o mun do ao beb ê, este faz, continuamente, a experiência de criar o mundo e u si mesmo e de ter um lugar no qual habitar. Deste modo, a mãe fornece a sua pessoa como material a partir do qual a criança cria, dc modo que, por fim, a mãe subjetiva c bem parecida com a mãe objetivamente percebida. Para Winnicott, Com o passar do tem po, ü i ndivíduo toma-se capaz de dispensar a presença real da mãe ou a figura materna. Islo tem sido denomi nado cm
termos do estabeleci
m ento de un i ‘ 'meio intern
o"
(im er
OS ESTi VJIO H (•KIllJTIYO S: A OH VKN DKX í.lA AliSC )L l'T A
níf/eíiínVwJifHOif). li mais primitivo do o termo dc “m
ãe introjetada" (1
<]mc' o fenômeno que merece
9 5 b g p. .1 6) . 53
Estabelecer um “meio interno” não significa inirojctur imagos ou funções maternas. O bebê não é unia tlinâiniea à procura tle uni conteúdo, não sc relaciona ainda com objetos, nem possui dentro c fora para que um mecanismo como introjeção faça sentido. Quando se tem em co nta a criatividade srcinária, não é preciso po slular q ue o ser hu mano, na form a dc um be bê, pas sa a scr um indivíduo, e a ter um mun do, a penas porqu e é capaz dc projeta r aquilo que f oi an te riormente introjetado; ou seja, dc “excretar o que foi ingerido” (1988 , p. 130). A partir d a concep ção winnieottian a de scr humano, não c difícil entender por que a vida psíquica do homem não pode scr entendida nos termos dc uma simbología corpórea. li não há co m o con ciliar os con ceito s de criatividade, dc um lad o. c os dc introjc ção e projeção, dc outro. O autor faz questão de enfatizar que “ os con ceitos dc criatividade primária e dc srcinalidade abso luta [estão ] cm contraposição ao da projeção de objetos e fenômenos previa m en te introjetados (dige ridos e re processa do s )” (1988 , p. 132).
55 Nota-se nesta eitayão a distinção, enfat izada por W innic ott, entr e "am bie n te interno” {ivte rna l un vironmcnt ) — tjne não é nen hu m olij eto, mas os m o dos de .s er confiá veis (o u não ) ti a mãe e do am biente tot al — e a expressão ldeini ana “ mãe introj etatl a”, que sup õe um dentro, send o a mãe um o bjeto interno. Salientando a diferença entre a sua teoria e a de M. Klein, Winnieott diz que a expressão “objet o inter no" é um conc eito mental (ef. 1953c, p. 24). Diz, ainda: “A ‘mãe boa’ e a ‘mãein íV do jarg ão Ulei niano são objetos internos e na da têm a ver eom m ulheres reais” (19S 7d , p . 31).
2o 55
CAPÍTU
LO I V
OS ESTÁGIOS DA DEPENDÊNCIA E INDEPENDÊNCIA RELATIVAS
1.
Es tág io tlc desi lusão , ilcsm am e e iníeio das funções mentais
Os estágios em que o bebê, gradualmente, passa da dependência absoluta à dependência relativa da mãe fazem ainda parte das etapas iniciais do amadurecimento; sendo anteriores à estrutu ração do cu co m o uma uni dade, se houver u m padrão de fal has do ambiente, ainda há risco de psicose. Durante esse período, as tarefas de integração no tempo c no espaço, de alojamento da psique no corpo c de con tato com a realidade, paralelas à co ns titu i ção do si-mesmo primário, que tiveram iníeio no estágio da pri meira m amada teórica, prosseguem na linha do amadu recimento, exigindo novas resoluções que se constituem cm novas tarefas. Ao longo da vida, essas tarefas colocarão o indivíduo luimano diante de novos desafios a serem enfrentados e vividos. A descrição, aqui efetuada, não s e estenderá às feiçõe s que esse s desafios tom am em etapas mais avanç adas da vida, limitando-se aos aspectos r efer en tes aos estágios iniciais. O que caracteriza este estágio em que a desilusão se inicia, assim como os subseqüentes, à diferença dos descritos no capítulo anterior, é o fato de que tem início uma desadaptação gradual da
A TKOKiA 1)0 AMADrKKCI.MKNTd l)K 1). W. WIXXICOTT
mãe com relação íls necessidades do bebê. 8c c saudável, a mãe emerge naturalmente tio estado de "preocupação materna primá ria” , cansada já do estr eita m en to dc s eu mundo e da extrem a exi gência que n dependência absoluta do bebê requer. Passam a ocor rer pequenas falhas, que, por se daicm na medida da maturidade crescente do bebê, pertencem, ainda, à pauta da adaptação, isto coincide com a necessidade do bebê de dar prosseguimento ao amadurecimento, ou seja, a desadaptação da mãe c imprescindível para o in ício do rom pim ento da uni dade indiferenci ada m ãe-bebê, de mod o a pôr em marcha o l on go e vagaroso processo de separação que levará o pequeno indivíduo à integração cm um eu unitário c separado, capaz dc estabelecer relações corri o não-cu ou o mundo externo. A desadaptação da mãe dá início ao processo de desilusão do bebê. Mas a desilusão, com as aquisições que lhe são próprias, só pode acont
e ce r so bre u m a be m fund ada capackk
uie par
u a ilus ão .
Freqü entem ente se pe nsa que, n n teoria winnieottiana, tal com o no senso comum, a desilusão c um processo meramente negativo, dc quebra da ilusão, mas isto não c inteiramente correto. Segundo o autor, o que o bebê deixa para trás, ao amadurecer, n ão ú a i l u são bási ca , que permanecerá se houver saúde, mas a ilusão de oni po t ên ci a . C om o tempo , surgi rá, na crianç a, a compreen são de que não é ela que cria, efetivam ente , o mundo; dc que a existência do m undo c anterior c independente dela. Ela saberá que o mundo sempre este ve ali e ali contin uar á a esta r após a sua mo rte. Co ntu do, o senti mento dc que o mundo foi criado pessoalmente, e pode continuar a ser criado, não desaparece. A despeito da compreensão intelectual, o indivíduo retém a capacidade para a ilusão, exercendo natural mente a criatividade que c, como já vimos, “a manutenção, através da vida, de algo que per ten ce à experiência infan til: a capacidad e dc criar o inundo” (19
OS BSTÁCIO H DA D KPK MJ ÈXC IA K IN'i) KI’ |-;X'])l:;,\Cl A K ELA TIYAS
pode não estar ao alcance da sua consciência;1sc for assim, cia não estará cm condições dc cumprir o papel que lhe compete rio pro cesso de desi lusã o, do qual o desm ame éurn aspec to. Além de poder odiar a sobrec arga qu e o bebê representa, é preciso também
que ci a
esteja em co ndiçõ es de en frentar a i ra ou o ódio do bebê, provocada pela desadaptação. Dito dc outr o m odo, “ a mãe sã ou norma l c capaz dc suscitar a ambivalência na relação com o objeto c de poder utilizá-la apropriadamente” (19S9d, p. 114). Nas palavras de Edna Vilctc, a mãe deve poder {...)
reconhecer e suportar o
ódio da cri
ança, bem
com o aceit ar
que se torne para ela a mãe ruim, durante certo tempo. Aceitar significa sobreviver eomo a mãe forte, que c capaz dc cuidar sem ter mais os r
ecursos de onipotênc
ia com que cia
até então inv
es
tida pela criança (Vilete, 2000, p. 158).
E durante esse período que o funcionamento mental e os pro cessos intelectuais com eçam a ser exercidos em su a especificidade, ajudando o bebe a lidar com a lacuna existente entre a adaptação completa c a incompleta. São as falhas do cuidado materno que impulsi onam o uso da mente; é p or m eio da incipiente compreensão intelectual que as falhas do meio ambiente começam a scr levadas cm couta, tornando-se compreensíveis, toleráveis e mesmo previsí veis (cf. 1953a, p. 383). Se tudo correu bern até então e o bebê foi
1
Se a mã e é saudável, e consegu e manter-se consc iente de seus sentimen tos, da certamente odiará circunstancialmente o bebê e. eomo vimos no Capí tulo II, fará algo eom isto. eomo esbravejar baixinho, sem, contudo, se vingar dele. Toda uma outra eoisa 6 o ódio
inconsciente
da mãe, do qual é
preciso distinguir duas situaçõe s diferentes, que afetam o bebê de man eiras distintas: se a mãe 0 ou está deprimida, ela não tem, em geral, acesso eonseiente ao s eu ódio, por tem er este senti men to, que a poria em co ntato eom a sua destrutividade. Xeste easo, o ódio inconsciente po de, ocasionalme nte, recair sobre o beb ê. mas a questão não é ele, e s im a destrutivi dade da mãe, a qual, não tendo se apropriado desse aspecto da personalidade, deve manté-lo afastado. Pode existir, contudo, um ódio inconsciente da mãe pelo beb ê, que não est á refcridn a uma de pressão da mãe, m as ao próprio o bebê exi st ir , à interferência que
fat o dc
ele causa em sua vida . liste ódio inconsc ente leva a formações reativas maciças, constituindo, segundo Winnicott, uma das bases para o estabelecimento de uma patologia autístiea na criança.
i
A THORIA IX ) AMADCR iiCI MI-.XTO i)K
l>. \Y. W1X XIU )TT
poupado, pela adaptação suficientemente boa, de uni funciona m ent o m enlnl pre coc e, defensivo, e le ja está capaz, a essa altura, de usar um tipo dc saber qrtt n ão ém en t a l , mas advindo da crescente com as sensações do corpo e eom as coisas do ambi familiaridade ente. Ele já reconhece, num plano p*é-intelectual, ritmos, sons, cheiros, climas em ocionais c já está de pos se de um certo esquema “ se... e n tã o” prc -rcprcs entae iuna l.’ Quan do há saúde, é sobre e ssa base de uma co m pre ens ão nâo-meiital que o funcionam cri Lo intele c tual começa a operar, sem ser uma defesa patológica que visa o controle dc intrusões potenciais. A partir desse momento, o bebê começa a usar o seu intelecto para .saber que os ruídos na cozinha indicam que a comida está prestos a aparecer. O esquema “se... então” torna-se mais apurado e já pode ser propriamente pensado; ao invés dc, simplesmente, ficar excitado e impaciente com os ruídos, cie usa esses novos recursos para poder esperar. Ademais, nesta fase de desadaptaçãu. há um primeiro vislumbre da depen dência; o lacte nte com eça a s aber , em nuamente, que a mãe é neces sária, Isto o deixa muito exposto, naturalmente, e todo cuidado é pouco para não ferir a dignidade do bebê. Existem duas atitudes gerais do ambiente que são especial mente importantes na facilitação da tendência natural do indivíduo ao amadurecimento. Elas devem estar presentes cm todos os está gios, os anteriores e os subseqüentes a este, mas são de especial importân cia neste m om ent o em que o bebê está na pass agem pa ra a dependência relativa: de uni lado, a existência continuada das condi-
2
Cre io qu e é ;i esse fenôm eno de um saber pré-representaeional e, sem
dúvi
da. pré-l inj jüí sci oo, que Gilberto Safra cham a a atençã o no seu artigo “A vas soura e o divã” (19V6). Saíra aproxima esse fenômeno do conceito de “.símbolos apresentativos” de Suzanne Lnngcr. que o cria para distinguir entre um a sem ântica da sensor inlidade e um a semântica das formas discu sivas. Como Suzmmc Lan;j;er pertence a unia linha de pensamento que,
r
ju n t a m e n t e c o m C a ss ir e r, a b o rd a os fe n ô m e n o s h u m a n o s d o p o n to d e vi st a de uma fil osofi a da representação, c reio que seria mais útil aproxioiã-los do que Ileide££ er cha m a '‘ pré-eom preen são” . É nes ta última direção que v ai W innicott q uand o descreve a naturez a prê-verbal , pré-simbólica e pré-repr esentacional, nã o só t ia com unicaçã o entre m ãe e bebê, eom o d o crescente conhecimento não-mental que este adquire em função das experiências repetidas de confiabilidade ambiental. Cf. Winnicott. 196iSd; ef., também, neste estudo, o
Capítulo
111. Keção 7.1.
2.10
OS KHTÁlilOS DA I)Kl'K.\l)É.\(;iA E INDKHCXIMÍNCIA UKL\TIV.-VS
çõ es ])íi r;i :i do pen dên cia cm alto grau, que pod e volta r, cireuns tancialm cnte, a ser necess ária; de outro, a provisão dc opo rtunid ade para que o indiví duo, gra dua lmen te, se separe d a mãe e se ligue à fam ília, e da fam ília à unidade social mais próxima a esta, c assi m po r diante, em círculos cad a vez mais ampl os. Neste ú lti mo sentido, o am or da mãe, ou do terapeuta, significa não apenas atendimento às necessi dades da dependência, mas a concessão, na época adequada, da oportunidade que permite à criança, ou ao paciente, passar da de pendência para a autonomia. A medida que crescem e amadurecem, os lactcntes adquirem uma capacidade cada vez ma ior de si naliz ar as suas necessidades; existem mães, contudo, que, por terem se tornado excessivamente boas c treinadas na técnica de euidá-fos, nem sem pre prestam atenção aos inúmeros sin ais de comu nicação, con tinuan do a adivinhar e a satisfazer as s uas necessidades co m o se eles estivessem ainda misturados com o ambiente. Deste modo, muitas vezes, [...) :i mãe, por ser aparentemente uma l>oa mãe, tnz pior do que castrar o lactcntc; este último é deixado com duas alternativas: ou ficar em permanente estado de regressão, c continuar misturado com a mãe, ou então encenar uma rejeição completa da mãe, mesmo uma mãe aparentemente boa ( 1960c, p. 50). Por outro lado, o processo dc separação deve ser grad ual. A crian ça precisa li bertar-se dos braços c do co lo da mãe, “ mas não i r para o espaço; ela tem dc ir para uma área maior dc controle; algo que simbolize o colo que deixou” (I965p. p. 110). lísse movimento de sair e libertar-se, que terá início efetivo no estágio da transicionalidade, permanecerá verdadeiro ao longo dn vida. A vida, diz
pos sib ilida
de de r etom o, rw ce s sü k tde que
2.11
A Tl-:< IKIA 1)0 AM.\IH'KH(UMICXTO 1)K li. W. W
IW K X V IT
ou em sonhos (cf. 1965p. p, 108). Essas imaturidadcs indicam saú de, sendo os “ resíduos daqueles est ados sadios de de pendê ncia que caracterizam as fases iniciais tio crescimento" (1954b, p. 205). Os indivíduos sadios estão dc posse dessa capacidade porque a matriz lhes foi dada, nos estágios iniciais, pela experiência dos inúmeros retornos à não-integração e, neste período que ora descrevo, pela capacidade dc a mã e pe rm itir ao bebê retornar à dependência c ao inundo subjetivp, sempre que isto se fizer necessário.
2.
A transicionalidad c
A descrição dos fenômenos da transicionalidadc foi, sem dúvida, a con tribuiçã o mais prontam ente aceita e dif undida de Winn icott. Fo i por e la que ele s c tornou co nh ecido e consagrado e. durant e m uito tempo, urna grand e parte dos artigos e com entários á ob ra winn icot tiana dedicou-se sobretudo a esse tema. A incontestável srcinali dade do fenôm eno — nunca antes conccitualizado pela psi canál ise tradicional - fez eom que ele fosse facilm en te acoplado ao eorpo teó rico já instituído, se m m aiores questionam entos acerca d a pe rti nência conceituai dessa assimilação. Além dc, nas análises tio terna, seu lugar específico no processo de amadurecimento ter sido des considerado, a aparente simplicidade do fenômeno prestou-se a tais vulgarizações que obrigaram Winnicott a reeditar, em e Brincar , uma versão ligeiramente modificada do artigo srcinal “Objetos trnnsicionais e fenômenos transieionais", cm que tenta co rrig ir algumas distorções dc interpretação. Assi nala , por exem plo, que o que o inter essa “ não é tanto o ob jeto utiliz ado qua nto a utili zação do objeto” (cf. 197lvb, p. 10). Ou seja, o importante, para o conhecimento psicanalítieo, não é a descrição dc novos objetos (internos, externos, bizarros, pe tit a etc.), mas dos modos dc ser c relacionar-se do scr humano.
realidade
Da perspectiva da totalidade da obra winnicottiana, os fenô menos da transicionalidadc são fundamentais para o amadureci m en to humano, pois inauguram u ma das etapas — e uma da s conquistas — do am adurecimento, levando o indiví duo a um novo sen tido dc realidade, que, na saúde, ir á instaurar uma área espe cífi ca de experiência. A capacidade para o que é esp ec ífico da transie ionalidadc, con tudo , depe nde do sucesso na resoluçã o tias tarefas do s 232
OS lüNTÁCÜO» |)A DELnCXDÊXClA E IXDKfEXDÊNCiA KKLVI IVAS
estágios anteriores, pois as experiências que se dão na área transicional — e o novo sentido de rea lidade que dela s advérn — têm, neces sariamente, suas raízes fincadas no mundo subjetivo do bebê. lí a realidade fundada e experieneiada no mu ndo subjetivo deste que dá fundamento a esse sentido transicional de realidade. Se o sentido subjetivo do real não foi constitu ído, os fenô men os da transi cionali dade não terão significado c seus benefícios não poderão ser usu fruídos. Um bebê a quem não foi fo rnecid o um sentido de seguranç a, incorporado como uma crença, não pode “ausentar-se”, distraído eom o objeto transicional; ao contrário, consegue apenas ficar alerta, prevenindo possíveis invasões. Os fenôm enos transicionais não perte nce m à linha insti ntual do am adur ecimen to; e les estão na l inha direta da realização da tare fa, iniciada na pri meira m amada teórica, do estabelecime nto de con ta to com a realidade ext erna, b em no início, a tarefa dc con tato com a realidade é favorecida polo fato de a mãe apresentar o mundo ao bebê de tal maneira que este, a princípio, não tem de saber que o ob jeto foi encon trado ao invés de ter sido cri ado por el e. Ele com eça, portanto, a rel acionar -se eom a realidade — externa do pon to de vista do o bservad or — por via da criati vidade c não da su bmissão. Num m omen to posterior tio amadurecimento — 11 0 estágio do líl* SOU — , ele terá de sc haver com o fato da existência separa da dc» mundo, e o grande desafio será relacionar-se com a objetividade do mundo externo da realidade externa, sem perda da espontaneidade pessoal e da criatividade srcinária. Os fenômenos transicionais estão exatamente no m eio do caminho — com o uma pass agem intermediária e faeili tadora — dessa “ longa jorna da” que vai da reali dade subjetivamente con cebida á reali dade o bjetivamen te per eeb ida.1 A “ terceira ár ea da expe riência” deve rá, port anto, s er
3
Segun do a teoria tio ama durecimen to, habitar num mund o .s ub je ti vo e rela cionar-se com objetos subjeti vos são pré-re quisitos para a conq uista ti a 1rausici onnlidadc, passagem int erti iediá ri »para a rel ayão e om o mu udo com par tilhado e cui ii objeto s objetivamente perceb idos. O '., por exemplo, o artigo em que, enumerando as tarefas que presidem o início da vida, Winnicott refere-se “aos passos iniciais do bebê nas relações objetais, qu e Icv tm i
de ado tar objetos simbólicos e à existê
ncia de uma
área. e ntre o
beb ê e as pessoa s, na qual o brincar é significati vo" ( l () l)6c. p. meu).
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grifo
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preservada cm qualquer etapa do amadurecimento c em qualquer seto r da vi da — para que a realidade, extern a, nua e crua. tenha significado pessoal. Com o tempo, ela deverá, também, poder ser exercida no terreno que lhe é próprio, í>s artes e a cultura em geral. Contudo, mesmo quando o indiví duo já acede u ao mundo c om parti lhado, e m esm o quando, por talento, torna-se capaz de criação artís tica, a criatividade continua sendo, em primeiro lugar, um fenô men o da vida; ela diz re sp eito ao m odo com o a pessoa tor na-se capaz de se relacionar eom a realidade externa, sem penl a d o s e ntido pessoal
d u existê ncia .
Os fenômenos transicionais emergem da área da ilusão de onip otên cia, no in terio r da qual foi const ruída a realidad e do mundo subjet ivo. Quando com eçam ‘ a ocor rer, por volt a dos oit o ou dez meses, o proces so de desilusão já se inici ou. Sã o eles qu e dão co nt i nuidade à ilusão , com m odifica çõe s graduai s na onip otênc ia. C arac terizam-se pelo apego ao objeto transieional e constituem o início da capacidade de simbolização; desenvolvem-se, depois, na capaci dade de brincar e se estendem, à medida que o amadurecimento prossegue, por todo o espaço cultural. Os objetos transicionais, c depois o brincar , são os precursores da capacidade d o a dulto de usar o ca m po da cult ura, da religião , da arte, para o ne cessário e salutar descanso da eterna tarefa de separar os fatos da fantasia. Mas o que está no início de tudo é a ilusão, pois u criança precisa começar vivendo “ num niundo subjetivo cm que é a criadora dc todas as coisas” (1986li, p. 11). domo surgem os objetos transicionais e dc que modo eles faci litam a pass agem para a realidade dos objetos objetivam ente perce bidos? É fato observável que, pouco tempo após o nascimento, os bebês costumam chupar os dedos e os punhos, adotar alguma técnica de mexer no rosto ou murmurar algum som. listas ativi dades, habitualmente vistas eomo um exercício auto-erótieo oral, são já, em parte, transicionais, sendo precursoras da posterior adoção de um objeto de predileção do bebê — o ursi nho dc pel úcia, a ponta do cobertor, uma fralda. Para que o sentido pré-transiciona! dessas atividades sc explicite c pre ciso pod er ve r, nesses fenôm enos primitivos, mais do que excitação e satisfação oral; c preciso reco nh ecer o impulso do bebê para ch ega r a um objeto , a capa cidade dc criar, inventar, srcinar um objeto, a sua crescente possibilidade 2.11
«IS RST.ÚiliW HA 1)E1'K\1>Í,X<:1A
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KVD IÍ XC U KKI ATI VAS
para reconhecer um objeto não-cu, o início de um tipo afetuoso de relação dc objeto etc. (1953c, p. 14).1 Na etapa q ue lhe é própria — devido íi matu ridade cresc ente do bebê, durante a desadaptaçã o da mã e — , aco ntec e en tão ess e fen ô meno, que não tinha ainda sido focalizado pela pesquisa analítica, mas que havia sido notado pelas mães: o apego do bebê a certos obje tos, q ue ele, po r assim dizer, ele go .5 Investidos de ur na im po r tância toda especial, os objetos transioioiiais são tratados, pelo bebê, com imenso carinho, mas, também, com brutalidade, o que requer que sejam duráveis. líles se tornam, durante um bom tempo, indispensá veis, i nsubsti tuív eis, sobretudo em m omen tos de tensão, inquietação ou angústia, como, por exemplo, na passagem da vigília para o sono ou nos momentos de ausência prolongada da mãe. A mãe s abe que o ob jeto não pod e ser substi tuído , nem por um equi valen te, qu e não deve ser lava do, po r mais s ujo que es teja — o que introdu ziria uma rupt ura n a continuidad e da experiência do bebê — c que ela terá de levá-lo junto caso a família viaje. Se essa expe riência for permitida ao bebê, o objeto, com o tempo, será “não tanto esquecido, mas relegado ao limbo. (...) Perde o significado, e isso se deve ao fato dc os fenômenos transieionais tornarem-se
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Num texto dc 19 45, cm que W inn icott es tá esboç and o ;is idéias sobre os fenôm enos transieionai s, qu e aca barã o por vi r à l uz em 19 5], ck - alude . i prática universal de chupar o polegar ou a chupeta supondo que todos concordem que o dedo é sugado não apenas por prazer, mas como consol o. No desenvolvimento do toma, e ntima formularão ainda rudimentar do mesmo, diz não ter dúvidas de que esses fenômenos, tais como a sucção normal dos dedos, “consistem numa tentativa de localizar o objeto (o seio etc .), mau tendo -o a meio cam inho entre o dentro e o for a. Trata-se de uma defesa con tra a perda do objeto no m und o externo ou no interior do corpo, isto é, contra a perda de controle sobre o objeto" (iy45d, p. 2.12). Este “a m eio cam inho entre o dentro c o fora ” é um ' entre” , é o que vi rá a se r cham ado, cm 1951 , de espaço potencia l.
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Um a alusão a esses objetos já tinha sido feita na literatura analít ica, por M. W ulfí. em termos de objetos-feti ebe. 1’ara Win nico tt, es sa abord age m c insatisfatória e l uva a equívocos. Prime iro, por não ace itar que esses objetos tenham primariamente o caráter de fctiehcs, a não ser na patologia; segundo, por não concordar com a interpretarão tradicional do fctiche, seguida por WuitT. que transforma um fenômeno que c universal, a atribui rã o ilc pê nis à m ãe. em p atologia. I ')' )( , cf. (lurfinUel. í).,
Para uma discussão minuciosa do
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tema,
A T1 CUKIA [ ) ( I A.MA1 H KKU MK XTt I lili I)
W. W1NNK ,(I|T
difusos, espalhando-se por todo o território intermediário entro a ‘ realidade ps íquica interna’ e ‘o mundo exte rno ’ l ... |” (1953c, p. 19). No período dc adaptação absoluta da mãe, a apresentação de objetos — isto é , o fornecim ento dc matéria-pri ma para a criação dos obje tos subjetivos — era feita de ta l m odo que a realidade externa do objeto não afrontava a realidade do mundo subjetivo. A natureza da relação objetai cra de identificação primária eom o objeto; o bebe éo objeto. A medida que a integração torna-se mais consistente, o amadurecimento exige que, vagarosamente, algo do mundo externo sc imiscua na área dc onipotência do lactente. Scr capaz de adotar um ob jeto transiçional já anuncia que ess e processo está cm curso e, a partir daí, algumas mudanças se insinuam. Ocorre uma pequena quebra na onipotência. Com o objeto transicional, algumas características da realidade externa começam a introduzir-se na experiência: o objeto transiçional se adapta, mas s c r o o bje to, o bebê passa a não de modo absoluto como a mãe. Dc possuir o ob jeto e, p or m eio des sa posse, ele posterga o abandono do controle mágico sobre o mundo, prolongando, por algum tempo, a onipotência srcinalmente satisfeita pela adaptação realizada pela mãe (cf. 19f>8, p. 126). Durante a fase cm que a transieionalidade reina, ele aban donar á o contro le onipo tente, m ágico, característico da relação com os objetos subjetivos, assumindo, aos poucos, o controle via manipulação, o que envolve o prazer do exercício muscular e da coordenação. Um pouco mais tarde ainda, outra conqu ista se rá feita, qua ndo cie já puder sabe r que u ra cer to ob jeto lhe foi ofertamágico do e puder r “ tá” , “ reconhecen do assim a li mitação de controle c suadize dependência da boa vontade das pessoas existentes no mundo externo” (ibid. , p. 127). Muitas outras aquisições estão sendo feitas ao tempo em que o bebê utiliza objetos transicionais; algumas delas mostram a íntima conexão do funcionamento corporal com o amadurecimento pes soal. Paralel amente ao desenvolvim ento da coordenação, oco rre um gradual enriquecimento da sensibilidade corpórca, com o aguçamento dos sentidos e correspondente elaboração imaginativa das experiências sensoriais. O olfato, por exemplo, atinge um auge que talvez nunca mais s c rep ita nesse grau, a nã o ser cm ep isódios psicó ticos; a textura e a tem perat ura, a secura c a umida de, tê m um sig n i ficado tremendo; o paladar torna-se muito mais apurado c, dc ma neira fre qüe nte, se observa a baba esc orr en do da boca. I? possível
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ainda observar, nessa fase, o início da capacidade de sentimentos afetuosos. Tudo isto nos faz lembrar, observa jocosamente Winni cott, o leão ern sua jaula, com ternos sentimentos do carinho cm relação ao osso que log o será destr uído. No início da passagem da adaptação absoluta para a adaptação relativa, os objetos transicionais exercem a indispensável função de amparo, p or substituírem a mãe que se desadapta c desilude o bebê. A transicionalidadc marca o início da desmistura, da quebra da unidade mãe-bebô. O laetente. que é um criador de mundos, cria a primeira região, a primeira distância, a área inaugural dc separação en tre e le e a mãe: o espaço pote ncial.6 Gradualm ente, do d ois- em u m da unidade fusi onal vão em erg ir dois indiví duos, o que per m itirá que co m ece a sc esta belec er o que sc chama, propriamen te, rela cio namento, sendo que as bases para esse relacionamento foram dadas pela experiência suigeneris com o objeto subjetivo. 7Exatamente no espaço dc separação entre mãe e bebê, entra o objeto transicional, que é, ao mesmo tempo, separação e símbolo da união com o que está sendo separado; ele representa a mãe ou o seio, ou até o si-mesmo da criança, tal como está nesse momento do amadureci mento, A a tivi dade simbólica, que aqui tem in ício, traz um a am pli tude'eno rm e à experiência uma v ez que "o sím bolo de união prop or ciona um alcance mais amplo à experiência humana do que a própria união” (1986d, p. 106) . C reio ser es se o sent ido da polem ica afirmação de Winnicott de que, eom o tempo, o objeto transicional chega a tornar-se tão ou mais imprescindível que a própria mãe. Pode oc orr er de o mesm o obje to co nc ret o — o urs o, a fralda, o pa nin h o— , que é de início subjet ivo, pa ssar a ser transic ional. Não sc trata , port anto , de um cer to ob jeto ser subjetivo e outro, transi cional. O que se altera nã o é o ob jeto , mas o se nt ido dc re alida de deste, c é a isto que W inn icott se refere quando diz que esse fenôm eno nos
6 7
C o m » vimos, no Capítula II I, esse espaço já exi ste , potencialm ente, a partir tio I solam ento fund ame ntal d o indivíduo. Gi ',, ainda, o Ca pítu lo II , Seçík) 8 . Deve-se destacar aqui que, neste mom ento, ainda não sc pod e usar a expressão “objeto interno". Ü bebê ainda não tem um “interior" onde gu ard ar imafi ens, um território onde sc trav a a luta entre o que é con stru tivo e destrutivo na natureza humana. Kssa luta. eom seus objetos intemos, só poderá scr tr ava da após o bebê atingi r o est atuto unitár io do E U S O U e começar a sentir-se concernido por seus impulsos destrutivos. Cf. Winni cott, 19S6d, p. 105.
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A TKOKIA 1)0 AM.M
lCRKC IMliXTl) D K I). W. W IN XIU )' JT
perm ite observ ar algo sobre a na tu r ez a d o ob je ta (1953c, p. 14). ou seja, sobro a mudança na natureza da relação objetai dentro do processo de amadurecimento. Mesmo porque “não é o objeto, natu ralmente, que é transiçional. Ele representa a transição do bebê do um estado em que este está misturado com a mãe para um estado cm que está em relação com cia, eomo algo externo c separado” (ifrid., p. 30). Para que essa transição aconteça, para que a transieioiuilidade sc configure enquanto tal, c preciso que o bebê esteja criando um novo espaço, um novo “ mun do” . O que o am adu recimen to promove é a capacidade inerente a todo scr humano de criar mundos e tran sitar entre eles. Neste momento, está sendo criado o espaço poten cial , a terceira área de experiência, o lugar em que, sc form os saudá veis, poderemos viver (1971g, p. 145), temporariamente poupados tia tarefa de sepa rar os fatos ti a fantasia. Se o be bê tiver as con diç ões am bientais satisfatóri as que lhe possibilitem criar esse novo mundo — no qual pe rm anece preservada a co ntin uidade da ilusão básica — , esta área ficará disponível para a criaçã o e o exe rcíc io da capacidade de s im bolizar e dc brincar, ampliando-se , no d ec orr er da vi da, par a a arte e a cultura cm geral. Tudo o que se dá posteriormente no espaço potenc ial guarda a s características dos fenômenos transicio nais srcinais: não está dentro nem fora; não pertence nem à reali dade psíquica interna nem à realidade extern a e comp artilhada ; não é delírio nem objetividade . For isso, o s objeto s e fenô m eno s transi cionais iniciam os seres humanos naqu ilo que será sem pre ti a maior importância para cies, "uma área neutra de experiência que não será contestada” (1953c, p. 27). Mas onde está esse espaço? De que natureza á esse espaço e o brincar? Em um ar tigo sobre os vári os sentidos de realidade na obr a de Winnicott, Loparie diz que [... ] mais primitivo do quo o uso e a representação, embora poste rior á experiência tle* eontato, e o brincar. Esse tipo de acesso à realidade é um modo tle ser do lactente que só pode realizar-se no espaço próprio,porchamado espaço difere interno tio da representação um traçopotencial, essencial:lvsse ele não c exterior, ou externo, mas um componente do ser do bebê. O iactcntc não está “no" espaço potencial, no sentido em que se diz que uma árvore está no jardim, ele d esse espaço (Loparie. 1995.1. p. 53). 23H
OS EHT.V 1I< )S ]i\ IV,;i>|^xnKXC[A K IXDKnOÍUÍÍXtXV KKLVTIVAS
O bebê, portanto, ufio transita dc um objeto a outro, mas dc um mundo a outro. Melhor: sendo ele mesm o esse e spaço, deve- se dizer que ole transita, neie mesmo, de um a outro sentido de realidade, como modos de seu ser, podendo habitar nos vários mundos por etc criados, mundos em que novos objetos po dem apare cer. Mas o bebê só podo operar essa conquista so tiver habitado durante o tempo suficiente e continuan do a habitar n um mundo subjetivo, c uja re ali dade não c posta cm dúvida: O nd e há confia nça e fi dedignidade, h
;í tambcni um
espaço
poten
cia l, esp aço qu e p ode tornar- se um a área infi nita de sepa ração, e o bebe, a criança, o vam ente com
adolescente e o adu
o brincar que. com o
lto podem
preenchê-l
tempo, se t ransforma na frui
da heran ça cultura! . A caracte rísti ca especial desse lugar, brinc ade ira c a experiência
a criati
eultura!
ção
em qu e a
tem u m a posição, e stá cm que
ele d epen d e, pa r a a tt tu i e xi stên cia , d e e xp eri ên cia s da - viv er,
?i«o d e
teml êticia s h erd itd us (197 lg , p. 150).
A passagem do m undo subjet ivo, que nunca se perde, ao inundo transicional, só sc dá 11 0 tempo, e requer tempo para estabelecer-se como conquista. Mesmo tendo sido iniciados o processo de sepa ração e a atividade simbólica, isto não garante t]ue a imagem e o sign ificad o do ob jet o transicional se mantenham vivos, a não ser que o cuidado materno concreto permaneça sustentando a continui dade do processo. Ou seja, o bebê pode utiliza r o obje to tran sicional a n t o o obj eto subjetivo es tá vi vo , é para as vezes mãe. e nenqu real, s fazer u fi cient ement da e bom ão m ui t o persecu t ór ío. Por seu lado, esse ob jeto sub jetivo depend e, qua nto às suas qualidades e vigên cia, da existência, vitalidade e comportamento do objeto externo, ou seja, dos cuidados concretos da mãe real: O fr acasso dest
e [do ob jeto externo|,
cm algum a lunção esse
nci al ,
leva indiretamente à morte ou a uma qualidade perseoutória do objeto interno. Após a persistência da inadequação ilo objeto externo,
0 ob jeto interno deixa d
e te r sentido para □
bc bO e, então
— e s o m e n t e e n t ã o — . o o b j e t o t r a n s ic i o n a l t a m b é m fi c a s e in sentido (1953c, p. 24).
Antes de prosseguir, quero esclarecer o uso, nesta última cita ção, da expressão “ objeto inter no ” . Na época em q ue este artigo foi escrito (1951), Winnieott não havia ainda formulado o conceito dc obje to subjetivo, o que só será fe ito cm 1962. ICmbora o tex to tenha 239
A TEO RIA 1)0 AM AnriíECIM
IC.VIO IMí I
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sido revis ado par a n edição dc 1971, e ele não tenha feit o alte raçõ es nesse ponto, entendo que “objeto interno’’, aí, refere-se a ''objeto subjetivo". Os argumentos são os seguintes; primeiro, da perspec tiva da teor ia do amad urecimento, só se pode falar de ob jeto interno se estivermos nos referind o a um m oi.iento do am adu recim ento em que j á há um mundo ou realidade interna, e essa conqu ista só ocorr e após o alcan ce da identida de unitária no es tág io d o 10U SOU , sendo que a transicionali dadc c anterior a este úl timo. Km 1963 (1 96 5j), referindo-se às m ais primitivas versões daq uilo que Klein den ominou de “ inter no ” , W inn icott diz que, quando est amos no s referindo ao iníc io da vid a, |...] a palavra interno nfio pode ser usada no sentido dc Klein, uma vez que o laetente ainda não estabeleceu propriamente os limites do ego e ainda não se tornou mestre tios mecanismos mentais de projeção e introjeção. NesAe estágio primitivo, “interno'' só significa pessoal, e pessoal pelo fato de o indivíduo scr uma pessoa com um si-mesmo no processo dc ser desenvolvido (]9 o5j, j>p. 168-69). Winnicott mantem a expressão “objeto interno”, em segundo lugar, para acentuar o ponto que verdadeiramente lhe interessa, a saber, que “o objeto transicional não éw n objeto i n cen w (que é um con ceito m en ta l)” ; não tem, portanto, vid a própr ia e depende, p ara a sua sobrevivência, da relação, da comunicação, enfim, da manu tenç ão da continuidad e dos cui dados ambientai s. Segundo a teoria winnicottiana, a constituição do mundo interno supõe que tenha ocorrido a separação eu/não-cti, c a existência dc um sistema de fantasias, acrescido tle tudo o que resulta do inconsciente repri mido; a partir do momento em que o inundo interno já existe, as experiên cias reais, satisfatórias e insatisf atórias — c isto se refe re à realidade da experiência global e não apena s ao princípio do prazer — , levam respectivam ente à existên cia dc coisas sentidas com o boas ou eom o más, na realida de intern a da c riança. ISmbora os objet os e conflitos do mundo interno sejam influenciados pelos relaciona me ntos que oc orr em na vida real, a vida interna tetn um a certa a uto nomia que per mite exami ná-l a com o algo em si mesmo. Nada dist o já se estabelec eu na fase da tra ns iciona lid ad c. Devc-se, portanto, assinalar que a realidade e o caráter simbó lico do objeto transicional dependem da vivacidade e da confiabili dade do ob jeto su bjetivo que, por su a vez, depen de tia perman ência c 210
O S ESTÁtaoS DA 1)EI’KN'1)KXC]A K IXDKIMCtf ÜÈNCIA R IX AT IVA S
da vitalida de cio ob jeto externo . A perda c io ob jeto subjetivo é “ uma grande catástrofe", algo que pertence à ordem de coisas que são chamadas , na teoria winn ieottian a, ago nias impensáve is. Se a crian ça “ perd e” a m ãe, dur ante um período demasiadamente lon go, “ o ob je to subjetivo m o rre” e a ca pacidad e sim bólica do ob je to transi eional se esvai. Por isso, apes ar da imp ortâ ncia do ca ráte r sim bó lico do objeto transiçional, Winnicott faz notar que, no início, o impor tante não é tanto o seu valor simbólico, mas a &rua real id ad e. O que acontece se um padrão de falhas ambientais se estabe lece, nessa fase, e o bebê começa a perder a confiança? Quando a privação não ó demasiada, pode-se ter o uso comp ulsivo da chupeta, que é uma comu nicaçã o do m esm o ripo que a avidez. Sc a privação é grave e prolongada, o bebê perde a capacidade de chupar. Nesse estágio, em que o bebê só recen tem ente com eço u a diferenci ar-se d a mãe, a perda não é apenas do objeto, mas de parto de si mesmo, co m o da boc a, po r exemplo. Alem dist o, a própri a capacidade lúdic a — chup ar a po nta do co ber to r, brinca r co m a bo ca ou co m os punhos, fazer eosquinhas no nariz — perd e o significad o.* Se o bebê perde o o bjet o transiçi onal, que est á apoiado nos subjeti vos corres pondentes, ele perde, ao mesmo tempo, a boca e o seio, a criativi dade e o caminho para a percepção objetiva. O eontato com a realidade depende fundamentalmente da cria tividade, sem a qual nenhuma realidade, nem m esm o a extern a — e, talvez, sobretudo, não a externa — pode ser a lcançad a ou ter sign ifi cado. A realidade que aqui está concernida não é a do princípio de realidade, tal como postulado por Freud, mas a do sentimento de real que está fundado n a ilusão. 15 som ent e por m eio desse senti m ento d e real que se ch ega ao sen tido d a realidade extern a.7 Ora, '‘o ob jeto transiçional é uma d as fontes que torna m possível <>c on tato en tre a psique e a realid ad e” (1965 s, p. 176). Perd er o ob jeto transicional, pelo fracasso da mãe em fazer permanecer vivo o mundo subjetivo, resulta em descren ça e desesperança quanto à c apacidade de relacionar-se com objetos: o interesse pelo objeto esmaece c o beb ê não sabe nada sobre o que aconteceu . Só sente qu e perdeu algo H ')
Cf. W innic ott l
2
11
es toda
A TKO lilA I K I AM Ai)l'|:.KCIM !;.\T() 1 )K lí VV VVSWK :<>IT
de muito importanle, que algo morreu, apesar de esse algo poder estar ali. destituído agora de significado.,!) A criatividade está, portanto, a serv iço do contato com a reali dade; relaciona-se an estar vivo e a sentir -se real, à man eira pela qual o indivíduo permite à realidade aparecer, pela qual recepciona os acon tecim entos, ou sej a, a o mod o com o qualquer pes soa — bebê, criança, adulto ou velho — olha p ara algo ou realiza alguma coisa. Para esta criatividade não é necessário nenhum talento especial. A criatividade é, além disto, srcinária e não uma sublimação do con flit o p ulsional.' 1 O espaço potencial — com o terce ira ár ea da experiênci a — man tém aberta a perm anente tensão, intransponível, entre o criar e o descobrir. Há uma excitação que é própria dos fenômenos da transieionalidade c do brincar, mas ela não é de caráter instinuial; referese, precipuamcnte, à organização do ego, tratando-se, aqui. de uma [... [ parte do ego qu e não é corporal, que não está f undada no Lw/K-nânciati padrão de / 'w i i r i o n a v i d i t o corporal, mas nas corpo
10 O medo de p erder : i capacidade de relaeionar-se
com objetos, cujo
pon to de
srcem pode ser localizado na perda do objeto subjetivo, c uma das expe riências traumáticas —
uma agon ia impensável
— qu e estão na l ia su das
patologias psicóticas. 11 () conceito wimiieottiano de cri ativi dade não 6 fácil de ser apre end ido, tal vez eiti virtude de o termo ter sido banalizado pela mídia, por ser usualmente referido à cria ção artística ou, ainda, pelo lato de a psicanálise
ente ndê -lo no
sentido da sublimarão . O próprio Pontal is, que te z questã o de crit icar, em vári os arti gos, o s m al-entendidos provocados pe la srci nalidade d eW inn ieott, responde do seguinte modo a uma pergunta de Ann c Claue ier ( JV N- l) sobre a noção dc criatividade cm Winnicott: “Não gosto dessa palavra, nem, sobre tudo, da sua prom oção íí U m t ca . Fazer acreditar a cad a um que ele tem em si um tesour o c um a mentir a. Dizer com o W iuu ieoU . mesum com hum or, que se )HkIc ser tão criativo cozinhando ovos quanto Sehumann compondo uma son ata , vo cê n ão a cha isto abusivo V” ((. 'lan cie r, 1 ‘Jff-I. p. 2 i ')). P ontalis parece não ter entendido exatamente o conceito vviimicottiann dc criatividade, pois o senti mento de poder criar e de esta r criando — inti mam ente relaci onado en iti a espontaneidad e — indep ende do p rodu to cri ado. A criativi dade est á relacionada com os fenôme nos da v ida , com a realidade da experiência, e não com a criação meramente ousada ou com a criação artística; dcvc-sc reco nhccer a criatividade, diz Wiimieoli, ‘'não tanto pela srcinalidade da pro duçã o, m as pelo senso indi vidual da realida de da experiê ncia” (J9 S8 , p. 131). Cf., tam bém , neste m esm o text o, a p. 129).
OS KS TA CIO S l>.\ l)l-.]'KXl)K.\Ct.\ 10l.\l»Kl'KN 'l >RN(;i.\ K Kl- VII VA S
rais. Tais experiências são jiróprins
da relação
d c objeto do tipo
não orgi ástieo, o u d » que pod e ser c ham ado de capacidade t ciona m ento do ego [ego -reluteducss
le rel a
| (19671) . p. 140 ; grifo m eu ).
O brincar é excitante nele mesmo e. sobretudo, pela precarie dade que lhe é inerente. Seu território 6 o interjogo enire a reali dade psíquica pessoal e a experiência dc controle de objetos reais. Pela espontaneidade, pelo que tem tle informe, pela ausência de regras — que faz Winnico tt insisti r na diferença en tre o jog a r e o brincar — , o brincar propicia uma experiência (imitada da em er gência de algo amedrontador porque imprevisível, lí fácil ver o quanto, em função do novo paradigma em que sc move, o autor difere da teoria kleiniana. Nesta, a importância da brincadeira resi de não nela mesma, mas no fato dc que, por meio dela, os fantasmas inconscientes e recalcados vêm à luz; a brincadeira tem, portanto, para essa autora, a função dc descarga masturbatória, de controle da angústia ou tle cumprimento do desejo. Na teoria winnicottiana, ao con trár io, a imp ortân cia do brincar não está no con teú do , mas iu> brincar, ele mesmo, no tipo de concentração que o caracteriza, no fato de a criança ser capaz dc “perder-se", ali, mergulhada num estado de quase alheamento, aparentado à concentração das crian ças mais velhas ou dos adultos.
3.
O estágio do uso do objeto
( ) tema relativo ao desenvolvimen to da capacidade dc us ar objetos é inteiramente srcinal na literatura psieanalítica. Falou-se muito da relação de objeto, caleada em mecanismos tle projeção e iutrojeção, mas a capacida de d e luu iri an o bj e to e os requisitos necessários para tal não chegara m a ser c onsiderados. A form ulaçã o dessa conquista deriva naturalmente tia teoria do amadurecimento, sendo conside rada, pelo autor, como um dos pontos mais complexos e difíceis de seu pensamento. Qualquer consideração acerca da capacidade tle usar objetos requer que se parta tia concepção de que, no início, essa capacidade não existe. Na linha do amadurecimento, esta conquista, do mesmo modo que a transicionalidadc, dá continuidade àquela, iniciada no estágio da primeira mamada teórica, relativa ao estabelecimento tle relações eom a realidade externa, mas 6 apenas neste estágio que os
2 Id
A T1ÍOK1A IX ) AM Al)UU «:lNnO NT< ) DK l> . W. WfNNHJOTT
objeto s pod em com eça r a scr percebid os c usados co m o externos. Par a tanto, 6 preciso que a mãe tenha sido capaz, desde o início, de apre sentar o mundo ao bebe de fo rma com preensível e em pequenas doses, de tal mod o que este teve a oportunidade, pela identificaç ão primária, de .ser o objeto (subjetivo). Depois, já no período de desadaptação, a realidade “ mista” dos objeto s trans icionais — parte do bebê c parte do mundo — leva o lactente a possuir o objeto. Durante a fase transicional, ele continua a viver num mundo subjetivo, mas a onipotência que caracteriza a ilusão básica 6 abalada e alguns pequenos aspectos de realidade externa se imiscuem na experiência. A p artir dc um certo mo men to, esses dois sentidos de realidade já não bastam e a tendência ao ama durecimento empurra o bebê na direção de um outro sentido de realidade: o da realidade externa c compartilhada, em que ele poderá usar os objetos vistos , agora, da perspectiva da objetividade. Mesmo durante os estágios primitivos, vivendo num mundo total mente subjetivo, o bebê está sendo provido de experiências de con tatos com objetos que, chegando a ele ao modo tle objetos subjetivos, são pequenas amostras da realidade externa (do ponto de vista do observador). As experiências repetidas eom esses objetos, além de passarem a fazer parte do bebê, pela identificação primária, vão, gradu almente, tornando o o bje to significativo, apesar dc ele ainda n ão saber da existência separada de ste. 1- Isto aparecerá, eom toda a clareza, por ocasião d a eleição o do apego p elo o bjeto transiçional . Até chegar a este ponto, estamos ainda no campo do que se chama “ relação de ob jet o” , embora, nesta f ase, a express ão seja imprecisa, dado que, com os objetos subjeti vos, não h á propriam ente relaçã o por ainda não haver dois entes. Daqui cm diante, o bebê poderá, se tudo correr bem, passar da r d a çu a para o uso d o abje to. Para que isto ocor ra, será nec essário haver um a mudança, pa ra o bebê, na “ natureza do ob jet o” , isto é, uma mudança no sentido de realidade desse obj eto, o que implica a criação de um outro mundo que não o subjetivo ou o espaço potencial. Segundo Winnicott, essa mudança constitui uma das mais difíceis e importantes conquistas do amadurecimento, além dc. quand o falha, ser “ um dos mais cansat ivos de todo s os prim itivos fracassos que nos chcgam para posterior reparo” (1969i, p. 175).
12 Sabe-se que un i m omentos dc dor ou angústia o bebê só ace ita o colo da m;V e sabe discriminar es.se colo de todos os outros, inclusive o do i>;ti, nicsmn quando este exerce de maneira freqüente a função maternn.
211
os
i úst áui os d a
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Qual é o ponto, exatamente, para o qual Winnicott chama a atenção quando distingue “relação de objeto” do “uso do objeto”? Em termos do processo de amadurecimento, a relação de objeto c anterior, e a base, para o desenvolvimento da capacidade de usar objetos. Enquanto a r eUtç úo d e objet o c um tipo de experiência que perm ite pensar o i ndiví duo eom o uni ser i solado — vive ndo num mundo que é um feixe de pro jeçõ es13e com unicando -se com objet os subjet ivos dentro do âm bito da ilusão de on ipotên cia — , o nso d o objeto só pode ser descrit o leva ndo-se em con ta a reali dade ex terna e independente do objeto. Como a psicanálise preferiu sempre elimi nar todos os fatores ambientais, a não ser quando podia conside rá-los em term os de m ecanismos p rojetivos, é m uit o mais fác il, pa ra os analistas, examinar a “relação tle objeto” do que o “uso do o b je to ". C ontu do, ao exam inar o uso, não h á saída: o anali sta “ tem de levar em consideração a natur eza do ob jeto, não com o projeção, mas como coisa em si mesma” (1969i, p. 173). Essa mud ança n o se nt id o de re al id ad e d o o bje to — da re laç ão ao uso do ob jet o — não se dá pela mera passagem do t emp o. Para usar de usar objeto s, um objet o, o beb ê precis a desen volver a capaciilade o que im plica com eçar a considerar o ob jeto uma “ cois a cm si mes m a” , externa e separada dele, n a sua propriedade de ter estado sem pre ali e de continuar ali, independentemente do bebê e, portanto, fora de seu controle onipotente. Para que o objeto possa ser usado, “ deve necessariamente se r real, no sentido de fazei parte d a realida de compartilhada, c não u m feixe de projeç ões ” (icfem). D este modo, (... 1entre a relação c
o uso exi ste
a col oca ção d o obje to, f x l o su je i
t o , )x i r a / o r u ci a ár e a d e s e u c o n t r o l e o n i p o t e n t e , ist o é. a pe rcep ção
que o sujeito tem c
io objeto eo m o fenôm eno externo e não eom
o en
tidade projetiva; na verdade, o reconhecimento do objeto eomo en tidad e de pró prio direi to (19f >9i , p . 17 4; grifo m eu).
1.1 Qu and o.se refe re aos estágios iniciai s, W inn icott usa, mu itas vezes, o termo “projeção ’' para designar a criação, pel o bebe, do o bjeto ou do mundo. Num texto d e 1960, po r exemplo, ele diz que o be bê só p ode rec eber o que vem do mundo externo se essas coisas estiverem incluídas “na onipotência do laetente e sentidas eom o pro jeçõe s”. Neste po nto, acresce a seguinte nota de rodapé: “Estou usando aqui o termo ‘pro jeçõ es’ em u m sentido descr iti vo e dinâmico e não no seu sentido melapxieológieo eompleto" (1960c, p. 46, nota 12).
■\T KOllIA l « ) AM A|il' KKC IMKX T() D K 1». \V W IXX ICO IT
Note-se, pela citação, que é o lactente que confere :m objeto o o faz expulsando o objeto caráter dc externo. Ele (subjetivo) para fora do âmbito da onipotência: algo (alguém) que faz parte do si-mesmo 0 11 do inundo subjetivo ó destacado, expulso para fora, para ser examinado e/ou atacado. Essa operação de expulsão do obje to, com o não ma is perten cend o ao mundo subjetivo, é deno m i nada, por Winn icott, d est r u i ção do objeto. O o bjet o qu e éd est r u íd o p elo bebê éo objet o s u bjet i vo. Melhor dizendo: é o caráter subjetivo do objeto que está sendo destruído. A destrutividade aí implicada não ó de caráter instintuai — embora tenha um apoio na s expe riên cias da impulsividade instintuai primitiva, que, neste momento, aind a não foi integrada c om o parte ti o si-mesmo — . c tampou co deriva da raiva advinda das frustrações. Trata-se cie uma destruti vidade se m raiva, referida à necessidade, própria ao amadureci mento, de o indivíduo começar a habitar num mundo que não é sua projeção, e no qual existem objetos que, tendo existência pró pria, podem ser u sados. Se a eapaeidade de relação e com unica ção do pequeno indivíduo fica restrita á comunicação com objetos subjetivos, que foi imprescindível nos estágios de dependência absolut a, isto se tor na, com o amad urecim ento, um beco sem saída (cf. 19G5j, p. 167). Qual c a maneira pela qual se manifesta a destrutividade que leva à eapaeidade dc usar objetos? De muitas formas que vêm, natu ralm ente, mistura das com agressiv idades de o utra natureza, com o a instintuai. () bebê, que a esta altura está fisicamente mais forte, começa, por exemplo, a chutar a mãe ou a morder efetivamente o seio; ou esmera-se em desgastá-lo; ou ainda a recusá-lo, observando a reação da mãe; ou simp lesme nte, deixando de necessitar d ele .14 Seja qual for a maneira pela qual um ee rto bebê põe-se a destruir o
14 Referin do-se r i este tem a, num texto escrito em
1W> 3, ant erior , portan to, à
sua formulação cabal da questão, em 1969, Winnieott afirma, aludindo cio trabalho clínico, i|ue há um estado intermediário no amadurecimento normal, ua passagem entre o subjet ivo o o objetivamente percebid o, em que "a experiê ncia mais importante do paciente eom relação a o ob jeto bom ou potencialmente satisfatório é a recusa do mesmo. A recusa é parte do pro cess o de criação do m esm o" (196 5], p. 165). Acrescento: criação do mesmo enquanto realidade externa, na medida cm que esse tipo de agressão poi recusa e as idéias ligadas a ela "Mo vam ao p rocesso d c colo car o o bjet o sepa ratlo do si-mesmo"
(Uk m ).
2lfi
OS l!iSTÁ(!I< >S l>.\ lll-:i'K\l)ÉX<;l.\ IÍ1XIJE1‘KX1>KXCL\ KKI.ATIVAS
ob jeto — que é , ainda, subjetivo — , o que caracteriza o fenôm eno é que, não estando faminto nem raivoso, o bebe p r ecisa d es en t ír o objeto. Ou seja, existe um im pu lso re al dc d es ím ir , que precisa ser experimentado. A tese de W innieott é, portan to, a de que existe uma destruição que é ante rior ao func ionam ento do princ ípio dc real idade, dest rui ção que desempenha ttin pap el na c r ia ção d a r eal id ad e, com o bebê colocando o objeto fora do si-mesmo, ou seja, tora do mundo subje tivo. O que o indivíduo está criando, neste estádio, não 6 propria mente um objeto, mas um novo sentido de realidade, o da externalidade. “ lí o im pulso destrut ivo que cria a qualidade da ext ern alid ad e” (1969 i, p. 176). A preme neia destruti va tem , portan to, uma função positiv a vital, a d c ob jeti va r o ob je to .15 Não sc cheg ará a par te alguma no estudo da agressão sc a pensarmos como estando irrevogavehnente vinculada ao ciúme, à inveja, à raiva pela frustração ou ao funcionamento instintual denominado, habitualmente, de sádi co, Para o autor, a agressividade e a destrutivnladc humanas são fe nôm eno s relac iona dos à ques tão da co nst itu içã o da rea lida de .11' Km 1970, ele escreve que “ o mais bá sico c o conc eito de agressão co m o parte do exercício
15 Objetivar, aqui, é torna r o objeto objetivo, cneoutrável na realidade oxtema. Objetivar deve ser distinguido de objetitiear, que é o que fax a teoria para enqua drar o ob jeto numa catego ria repr esc ntáv el. 16 Sobre a a gressividade e a destrutividade em Win nieott, u i . Dias, 2000. 17 A destrutividade que eria o sentido da externalidade é, segundo o próprio autor, um d os seus conceitos mais difí ceis . Após a leitura do artigo sob re o uso do objeto, na Socieda de Psieanalít iea de Nova York, em 1968. inúm eras críticas foram
feit as ao seu trab alho. M ais tarde, ele f ez com entá rios a e ssas
críti cas e dist o resultaram algu ns adend os que foram ret inid os no C apítulo 34 de l i xp l orn vãcs pai canal it ivas. O tenta certamente provocou perplexi dad e nos m eios an alíticos: se, na p sicanálise tra di cio na l, a real i da de é d ada e não criada no decorre r do processo dc am adu recim ento; se a des Lniti vidade está sempre relacionada à inveja ou ao sadismo, ou, ainda, à raiva derivada tia frustrarão , que vem exatamen te do princípio de realidade, qu e dest ruti vidatle e essa que é não instintual e sem nthxã Itt lí este o sentido da afir ma ção de q ue não se pode de screver o uso do ob jeto sem cons iderar a natureza do ob
jeto, no caso, a exte
rna.
— 17
A TKO KIA 1)0 AM AIH'KK( Il MK.VTl ) DE 1 ). W. WIN NICO TT
con texto , não retaliar, não mu clar dc atitude, p erm ane cer oonfi avelmentc o m esmo. A pa lavra “ destruição” , afi rma Winn icott, é neces sária não tanto por ca usa do impulso do bebê a destru ir, “ mas devid o à suscetibil idade d o objeto a não sobreviver, o que tam bém significa mudança de qualidade, de atitude” (1969i, p. 176). O impulso do bebê dc destruir é real, e ele preeisa experimen tá-lo, mas só poderá fazê-lo sc houver segurança, isto é, sc não houver o risco de o objeto sucumbir. Caso o objeto sobreviva, o impulso sc transforma na de usar o objeto que sobreviveu. Ao mesmo tempo que capacidade libera o bebê para continuar a exercer o impulso destrutivo, que é real, a sobrevivência do objeto libera-o para destruir objetos na fantasia inconsciente. Melhor dizendo: a sobrevivência do objeto cond uz ao uso do ob jeto , c o uso leva à sepa ração de dois fen ôme nos: a destruiçã o na f antasi a incon sciente e a coloc açã o do ob jeto tora da área de projeções . Win nic ott ilus tra com o se pas sari am as c oisas e o que diria o be bê para o ob jeto na circunstância da destr uição. “ li u te destruí'',
c o objeto co ntinu a al i rece ben do u com un icação.
Daí por diante, o sujeito diz vência à des
: “Eu te des truí. Eu te am
truição q ue te f iz sofrer confere
para mim. Enquanto estou tc destruindo na fa
o. Tua sobrevi
valor à tua exi
stência,
amand o, es tou perma nentem ente te
ntasi a (inco nsc iente )’ 1(196 9), p . 174).
Note-se que 6 som ente a partir d esse mom ento que tem início a fantasia para o ind ivídu o,19na med ida em que aqui se dá a separação entre fato (a sobrevivência do objeto) e fantasia (a destruição do obje to na fant asia incon scien te). Após esta aquisição do aniadu rccimen to, o o bje to su bjetivo e stará sempre sendo destruído na fant asia inconsciente. Esta conquista — que inclui a criaçã o do sentido da realidade externa e o alcance das capacidades para usar o objeto c para a fantas ia inconsciente — , é tão im portante para o amadurecimento,
IV Em bora, cm
textos anteriores, a pala
vra ‘ fantasia” comp areça, algum as
vezes, como sinônimo de elaboração imaginativa, ocorrendo, portanto, desde o início da vida, deve-se notar que, secundo o Winnicott dos últimos cser ito s, a fant asi a — enquanto algo que pertence ao mundo interno — com eça, para o indiví duo, qua ndo este atinge a conquista do uso do objeto, ou seja, quando alcança o sentido da realidade externa. Cf. Winnicott. 1969i, em especial a p. 174.
’ IS
só
OS ES TÁl ;i u s L>A l)K i’ ENI)KX CL\ E [N]>ICI>EN1)Ê\C1A KK IA TIY A S
c cão difícil de scr eoneeitualmente descrita, que vale a pena, antes dc prosseguir , exam inar al gumas diferenças e acréscim os que foram sendo feitos à teoria, à medida que o pensamento de Winnicott evol uiu. Mesm o antes de 1968 , quando ele cheg a à form ularão mais acabada sobre ess e tipo de agressivid ade — com o destrutividade que leva à criação da externalidade e à capacidade de usar objetos — , W in n ic ott já dizia que a agressividad e humana “ está se m pre ligada ao estab elec ime nto de um a distinção entr e o que é e u e o que e não-eu” (1964d, p. 98). Nesse texto dc 1964, ele ainda relacionava a agressividade ao impulso instintuai primitivo, e não fazia refe rência ao valor da sobrevivência do objeto. A agressividade é exer cida pela criança, dizia ele, na forma de uma destruição mágica, da mesm a nat ureza, portanto, emb ora no sentido contrário, da criação mágica. Po r essa mágica infantil , o mundo pode ser aniquilado nu m abrir e fechar de olhos, e recriado por m eio de um novo ol har. A des truição primitiva ou mágien de todos os objetos é necessária para que o objet o deixe de ser part e do “ eu” para ser “ não-e u", ''d eix e de se r fen ôm eno subj e ti vo pa ra pa ss a r a se r ob je tivam
e nt e perce
bid o”
(1964d, p. 102; grifos meus). Dando-se tempo ao processo maturacional, a criança "tornar-se-á capaz de ser destrutiva c dc odiar, agredir e gritar, ao invés de apenas aniquilar magicamente o mun do” ( ü l et n ). Nesta for mulação, o início da c onquist a acon tece com a cri ança operando uma destruição m ágica — não e feti va, portanto — que, com o tempo, e pe lo desenvolvimento da c apaci dade de aceitar que o ódio e o amor convivem, na natureza humana, transforma-se na possib ilidade real d e agressão . Desta m aneira, afirm a o autor, “ a a gr essã o concr eta ó u m a r eal i za ção p osit i va . Em com paraçã o com a destruição mágica, as idéias e os comportamento agressivos adqui rem valor positivo e o ódio eonverte-se num sinal de civilização" (id em ).
O que é novo, na formulação de 1968, c que essa conquista se inicia com um i m /n i íso r eal para destruir. Ou seja, o bebê, que é ainda ineompadeeido, já está dotado dc uma nova potência muscu lar e de maior coordenação motora, e precisa, para prosseguir no am adurec imen to, expulsar os obje tos subjetivos p ara fora do âm bito da on ipot ên cia. lJara tanto, ele m orde e fetiv am en te a mãe, atira com força os objetos e já está capaz dc tratar eom brutalidade o ohjeio transiçional. Tudo isto, ao que a mãe deve poder sobreviver, vem acompanhado da idéia, ainda sem culpa, de ter destruído o objeiu.
2'1‘J
A TKO KIA lX)A M M )l'Ht:C IM K NT
Se o objeto sobrevive — o que signifi ca que tem existê ncia indepen den te — , o bebe descobre que pode continu ar a destruir os objetos, agora na fantasia inconsciente, porque o objeto, que ele necessita usar, permanece incólume. Pode, portanto, scr usado. C) pressuposto que está na base da concepção da destrutividade que cria a externalidade “vai di reto à b ase da existência c constitui o aspecto mais fundamental do relacionamento com objetos [exter n o s] ” . C) axioma 6 , postu la o autor: " ( . .. ] o qu e ébo m es tá sem p r e send o d es tr u íd o” (19fi(>j, pp. 206 e 207). Q.ual 6 o sentido, em ter mos do processo de amadurecimento, da necessidade de destruir o que c bomV Uma resposta a essa pergunta, diz Winnicott, deverá apon tar para as quali da des reais (aut uai qual iti e s) da coisa boa, ou seja, para o fato dc que a coisa boa pode sobreviver e m fu n çüo de suas pr ópr ia s ( pial idu dcs reais . Ou seja, o objeto sobrevive por si mesmo e não por estar sendo protegido da destruição pelo bebê. Pois após ter so brevivido à destruição, a coisa bo a será amada, valor i zada c quase adorada d e uma nova maneira. Isto, diz o autor , “ adveio do teste de ter sido usada de forma ineompadeeida e de ter sido o obje to, não pro teg ido por nó s, de no ssos mais primitivos impulsos e idéias” { l ‘AS6j, p. 206 ). Sc o be bê precisar prote ger o objeto, devi do à fragilidade deste, ele não fará a experiência necessária de des truição, e não chegará à relacio nar-se com o ob jet o extern o real, não poderá usá-lo, nem amá- lo, nem odi á-lo . Sen do in icialm ente re lativo à mãe, isto servirá tamb ém para o pai, numa etapa posterior, e, mai s tarde. para todo s os objet os amad os ou val oriza dos .20 Pela teoria do amadurecimento, a capacidade para o amor só surge após a destruição, a sobrevivência do objeto e o advento da capacidade de destruir na fantasia inconsc iente. E verdade que Winn i cott também fala em amor primitivo, referindo-se aos estados exci tados do bebê, carregados de tensão instintual, mas este "amor” é feit o dc ne cessidade, e nada sabe sobre a existência extern a do outro. O am or ao objet o que sobrevive à destruição c Ioda uma outra coisa; trata-se agora do sentim ento de um eu — que, embora incipiente, é inte iro c separa do — dirigid o para u m outro , c om o pess oa inteir a
20 Em meio aos relaci onamentos, na idade adulta, a destruição du objeto. em seu caráter subj eti vo, toi nu o formato de um repentino estranham ento eom relação a alguém
que é tão próximo
. íntimo e familiar que
em si m esmo — ot n alguns cas os, nunca fora
250
v ím
já não era visi o
o •— em sua cxi erioridade
lA K IXUIÍ I>I ÍXIl KN< : i,\ K K L U IV .V Í
c separada. C) pré -req uis ito para esse am or é <> mesm o que para o ex erc íci o da gen italid ad e que se quer madura, e que não é ape nas um exercício solitário; também nesta é preciso que o objeto seja perce bido eom o externo e separ ado do indi víduo. Ou seja, também o amor c constituído no interior do proc esso de amadurecimen to.-1 Disto se segue que tanto a realidade objetiva quanto o amor dependem de haver sempre a destruição, lista torna-se o pano de fundo inconsciente para o amor a um objeto real, situado fora da área do controle onipotente do sujeito. Para mostrar o caráter fundamental dessa destrutividade que cria a extemalidade, levando à conquista da relação eom a realidade externa. Winnicott reflete sobre o lugar que a Monarqui a ocupa, para os ingleses, d izen do que, |.. . | a sobrevivência da
co isa (aq ui, da M on arq uia) a cor na va ii osa e
capacita pessoas de todos os tipos e idades a perceberem que a vontade de d estruir não tem nada a ver com ra iv a — tem a ver eom am or primit ivo, e com a destru ição qu e oco rre ri a f antasi a inc on s ciente. ou no sonho pesso
al qu e perten ce ao dormir. É
na realidade
psíquica inter na p essoal que a cois a c destruída. Na vida a sobrevivência do o bjeto tra z um sens o de alí vi o e um dc confiança. Agora fica claro que é pruprieikul
desperta, novo senso
d ev id o às sna s pr ópr ia s
es que as coisas podem sobreviver, apesar de uossos
sonhos, apesar do pano de fundo de destruição em nossa fantasia incon sciente. O m un do com eça a exi sti r. ago ra, por s i próprio, torna-se um lugar on de vi ve r; não um luga r par a tem er ou ao qual déra m os nos subm eter, ou no qual fi cam os per didos; tam um lugar onde li dar apenas com os sonhos ou com fantasia {l%S6j, p. 208).
bém não
a i ndu lgência à
A capacidade para o uso do objeto, que inclui a destruição do me sm o enqu anto sub jetivo, é, talvez, a mais dif ícil e penosa conquis ta do amadurecimento. Sc a mão sucumbe à destruição, a criança não tem como operar essa passagem. Sc cia sobrevive, ajudando criança nas dificuldades específicas à fase, esta terá o tempo neces sário para adquirir todas as formas dc lidar com o choque de reco nhecer a existência dc um mundo situado fora dc seu controle.
21 Po r i sso 6 tão imp ortante s aber d etectar, na cl inic a, a idade emocional em i|ue o ind ivíduo se en co nt ra, lima vez q ue, no en .su da.s pess oas cjlic reg ride m à dep end ênc ia, é prec iso ter presen te o tat o de que, para elas, mu a palavra “amor” ainda não faz nenhum sentido.
251
itas vezes,
íi
A T KOK IA I X) AM AM KK UM EN TO DE 1 ). W. WINXJUITT
A passagem do subjetivo ao objetivo acontece, em geral, por grada ções sutis que acompanham as mudanças próprias ao desenvolvi mento, mas, sem a participação da mãe, essas mudanças ocorrem bruscam ente e de maneir a imprevisí vel para a criança (ef. ]9 M d , p. 102); ao inv és dc ser ela que cria a externalid ade do mundo, esta irro m pe em seu inundo. Por i sso, enquanto se d á o process o de objetrvação da realidade, a mãe suficientemente boa poupará a criança dc mudanças externas. Assim p roteg ida, e la estará livre pa ra brincar de modo a experimentar tudo o que se encontra em sua realidade psíquica pessoa l, tanto a destrutividade corno o amor; ela sonhará e , nos sonhos, haverá destru ição e assassinat o, c esta atividade onírica , que c acompanhada dc a lgum grau dc excitação corpórea , será um a experiência concreta e não apenas um exercício intelectual. A des trutividade tem, portanto, um valor positivo, que é o fato paradoxal de estar relacionada ã criação da exter nalidade do mundo. Alg o, no entanto, sc perde; algum objeto subjetivo tem dc ser sacrificado enquanto subjetivo, embora seu significado subjetivo não desapa reça. Mas para quem teve a sorte dc ter pod ido cria r uni mund o sub je tivo rico, haverá sempr e uni man an cial de ob je to s subjetivos passí veis de serem destruídos cm favor da realidade compartilhada que enriquece a experiência. Para ilustrar o que ocorre quando a criança não pode fazer a experiência de destruição, Winnieott recorre ao relato de Jung, sobre sua prime ira infância, em um livro auto biog ráfic o.2- Tudo leva a crcr, sustenta o aut or, que Jung não teve nenhum c on tat o com sua destrutividade básica. Aos quatro anos, já havia sc instalado um quadro d c esqu izofrenia infanti l: em torno de un ia ci são pato lógica entre o falso e o verdadeiro si-mesmo, foi construída uma organi zação defensiva contra o perigo da desintegração da personalidade falsamente integrada, Na base dessa cisão, havia urn fator externo precoce, a depressão de sua mãe, compensada, ao que tudo indica, pela atitude materna do pai. Aos três anos, Jung sofreu um colapso psicó tico rela cionad o com a separação d os pa is. Mas o pon to salien tado por Winnieott advém do relato dc Jung sobre seu modo de brincar; suas brincadeiras consistiam cm construção e destruição concretas constantes, a construção dc um edifício sendo sempre seguida por uni terremoto que o destruía. O que não aparece no
22 Cf. . Ju ng. 1903. Cf., tí imbém, a resenha deste l
252
ivro , por Winnieott
( IWt lli).
o s rcs TÁr .ioí; d a d ií i *h x i >í ;.\<:i a r i nd i í p knd kxc i a k i -:i .ativas
material ó a destruição imaginativa seguida dc um sentim en to dc culpa e, logo, dc construção. Ou seja. Jung não se descreve brin cando construtivamente em relação com h a ver d es tr u íd o na fan tasia inconsciente, lí compreensível que assim fosse, observa W inn ieott, pois dc fato, é m uito d ifícil para u ma crian ça chefiar à destrutividade pr imitiva s e ela é cuidada po r uma mãe clinicam en te de pr im ida .2,1T en do sid o esta a sua circu nstâ ncia, Jung passou toda a
vi da buscando
um lugar para gu
arda r sua real i
dade psíquica interna, por mais que esta fosse, em verdade, uma tarefa impossível. Aos quatro anos adotou a complexa teoria do subterrâ neo do sonho
[... ]. Baixou ;i o subterrân
vi da s ubj eti va. A o mesm o tem po, tornou-se um
eo e encon trou r i
a p ess oa retraí da, o
que o tez pensar , errone am ente , trat ar-s e de um a dep ressão clínica
(19641i. p . 369). Ou seja, a questão para Jung não cra depressão relativa à culpa 0 1 1 à responsabilidade pela agressividade contida na impulsividade instintual, característica do estágio do eoncernimciito, como vere mos adiante. Tratava-se de uma questão mais primitiva e básica: o ponto dc srcem tias dificuldades de .Jung está localizado, em ter mos do amadurecimento, na incapacidade para a d es t r u t ivi íUul e qu e cr ia a ext enu di tUtã e c que, corre ia tivamente, constitui o si-mesmo como um eu separado do não-cu. A capacidade para esta destruição depende da segurança de que o objeto sobreviverá. Jung não podia destruir a mãe na fantasia, expulsá-la de seu controle onipotente para constituí-la como pessoa separada, na exterioridade, porque esta não tinha condições de sobreviver. Desta dificuldade resulta, certamente, um distúrbio depressivo, cuja natureza, contudo, não está rel acionada à prob lemá tica própria ao estág io do ooncernimento, estando vinculada à desesperança, típica das personalidades do tipo falso si-mesmo, em alcançar uma realidade pessoal que lhe per mita esta be lece r relações reai s com o inundo e os objeto s exte rnos. Apesar de ter mostrado a necessidade da destruição do objeto bom, para dar prossegu imen to ao processo que leva à capacidade dc estabelecer relações com a realidade objetivamente percebida, Win-
23 Cf. Winnieott. J964h, p. 370. Para estas afirmações, Winnieott baseou-se tanilicm no livro do Fordliam .sobre a obra dc Jung. Cf. M. Fordham. 1962, (•oiifcrüiicift n" 11*).
25.1
A TK OIUA IM) AM M H !KKC I.M£M t> 1)K l>. W . Wl XX ICt >'JT
ma men te variáve l nesta idade; não só dc crianç a para criança, co mo na mesma cr iança cm m omentos dif erent es. Pode perfeitame nte ocorrer, a uma criança saudáv el, dc a psique perder o co nt at o eom o corp o, e há circunstâncias em que não é nad a fácil rceupcrá-lo. Sc ela for acordada e tirada do berço num momento em uuc está mergulhada num sono profundo, isto virá acompan hado de sobressalto e pânico por causa da mudança repentina da posição do eorpo num momento em que a psique estava ausente dela . Al ém das que stões que en volvem o dia-a-dia da criança d e um ano, há aquelas relacionadas com o próprio alcance da integração. O mo mento em que tem in ício um sentido de integraçã o é muito difícil e de extrema vulnerabilidade. (> bebê passa a ver o inundo e a si mesmo a partir de uma nova posição, o eu. A ousadia de ser um si-mesmo, que tem agora fronteiras demarcando um território, pertence necessaria mente o repúdio do não-eu. A integração do si-mesmo constitui, portanto, um ato de hostilidade para eom o não-eu e traz consigo íi expectativa dc um ataque. O novo indivíduo sente-se “infinitamente exposto” c só poderá fazer frente e suportar os percalços dessa conquista se tiver l,os braços de alguém envolvendo-o nessa ocasião" (1965 s, p. 175). E esse o sentido da afirmação de que |...] as mais agressivas e. por isso, mais perigosas palavras do mundo são encontradas nu afirmação líl’ SOU. Contudo, é preciso admitir que só aqueles que alcançaram o estágio de fazer esta afir mação é que estão realmente qualificados para serem membros adultos da sociedade (1986d, p. 110). As experiência s relacionadas à conquista da identidad e unitária produzem, por algum tempo, um estado que poderia ser chamado de paranóide e que constitui uma das raízes da tendência à para nóia .3^ Nes ta situação, a pro teç ão fo rnecid a pela mãe e im pres cin dível , “p or posie iona r-sc entre o indiví duo integrado e o mundo exte rior muito pouc o bem-vind o” (19&8, p. 141). ( ) es tado paranó ide.
26 Um pouco d epois desta a fi mutç íi o, Winnicott acrescenta — refe rindo- se, sem dúvida, à hipótese kleiniana da disposição paranóide inata: tendência pnrnnóide ‘‘muito precoce, mas não inata ou verdadeiramente constitucional” (198&, p. 145). É preciso também notar que a tendência a sentir-se perse guido, relaci onada à conquista da unida de num KU S O I', é intei ramente dife rente da disposição paranóide advinda dc uni padrão dc invasões ambientais ou daquela cuja srcem é a descoberta da destrui ividade pessoal.
25b
OS KSTA OIOS l).\ ÍJ KPKXDH. VCIA K INlíli PK NH ÉN CIA UKJ. ATI VAS
referido a essa conquista c menor quando a integração está ocor rendo na época srcinal, própria à conquista, e pote ncia lme nte maior quando o indivíduo alcança a integração numa cpoca tardia, eomo, por exemplo, no caso do paciente adulto que está refazendo, cm análise, o caminho do amadurecimento. Além disto, como depende tanto dos cuidados ambientais eo m o dos fatores pessoais — o padr ão de impulsividade pessoal, dc motilidade, sensibilidade, inteligência etc. — , a integraç ão pode scr favoreci da m ais por mn do que por outro dos fatores envolvidos. Nos extremos, a expectativa de perse guição c mais freqüente se a inte graçã o se real iza apo iada , sobretudo, nos fatores pessoais. Quando o bebê se integra basicamente em função dos cuidados ambientais, de tal modo que se poderia dizer que o si-mesmo foi como que impelido a aglutinar-se. pode ocorrer uma relativa ausência da expectativa de perseguição e, no contrário da alternat iva an terio r, há aqui a bas e para a ingen uidade, para uma incapacidade de esperar a perseguição e para uma quase irrevogável depen dênc ia da boa provi são ambiental (1988 , p. 141) . Para expressar esta situação precária do EU SOU reeém-integrado, W in nico tt alude à figura do I lumpty- Dumpty, o persona gem baixi nho e redondo de uma tradicional canção ingl esa, a personificação dc um ovo que cai de um muro e se espatifa. () muro em que IlumptyDumptv e stá precariam ente em poleirad o. diz Winn icott, 6 a mãe que deixou de oferecer-lhe o colo. A criança precisa dc tempo para que essa fase de passagem seja explorada por completo. Ela avança em certas direç ões mas, muitas vezes, precisa retornar c reg red ir a situa çõ es que par ecia m ultra passadas. E ne cess ário dar-lhe a chan ce de experimentar vários tipos de relações objetais num mesmo dia e, às vezes, ao mesmo tempo. Uma criança pode estar brincando, entretida, eom a ti a ou com o cachorro, ao mesm o tem po que tem algumas percepções objetivas e faz descobertas criativas. No momento se guint e. cia sc mi stura de novo com o b erço, ou com a mãe, ou com os odores familiares, c sc instala outra vez num ambiente subjetivo. Ao longo da vida, são esses padrões familiares da criança, os do mundo subjetivo, mais do que qualquer outra coisa, que a abastecem para todos os outros tipo s de relação co m a real idade, dc ta l m odo que. “ao descobrir o mundo, a criança sempre realiza uma viagem dc vol ta — e esta viagem faz sentid o para ela ” (1986d, p. 106). Avançar na direção do futuro c da independência é, ao mesmo tem po, uma “ viagem de volta ” , mn ret orn o às srcens. Na saúde , não 257
A TEO KIA IK ) A\L\ 1H' KK< :IMK XT () DK l > W. W INN ICt V IT
importa o grau dc objetividade que o indivíduo tcnlia sido capaz de alcançar, o mundo subjetivo continua a ser a fonte de riqueza pessoal e d o singularidade inalienável . Apesa r de subjetivo e objet ivo ja m ais co in cid irem , ép ossí vel nu tn ter a be r ta s its pon t es qu e p erm i tem o tr ânsit o e nt re os vá r i os se n ti d os de realid ad e. O adulto maduro é capaz de objetividade, sem perder o conta to com o mundo im ag ina tivo pessoal , líle t'az concessões à socieda de p or m eio de um falso si-mesmo instrumental sem perder o fio que o ligíi a si mesmo, isto é, sem perda da espontaneidade c da criatividade srcinárias. As taref as do amad urecime nto pros seguem. A conquista do esta tuto do 1ÍU SOU ainda não faz do bebê uma pessoa inteira (wholc person). 151a é, co ntu do , a pla taf orma, a po siç ão a pa rtir da qual a vida pode ser vivida. Mais pontualmente, é a condição de possibili dade para o próximo estágio, o do coneernimento, em que o bebê começa a sentir-se concernido pela sua impulsividade instintual e preocupa do com os resul tados do i mpulso amoroso p rim itivo em si mesmo e no outro.
5.
O está gio do co nee rnim ent o27
Tendo alcançado, cm algu m grau , o es ta tu to de um eu unitário, a criança está agora em condições de realizar a tarefa de integração tia vida insL intual. Quando es ta integra ção for rea lizada dc maneira
27 Ao redesorever,
em sua pr
ópria
ling uage m.
esta conquista tio amadureci
mento, com base na "posição depressiva’' du VI. Klein, Winnieott fala na conquista tia capacidade para n ctniccni pelos bebês. Ü termo é de difícil tradução, conforme salienta Dnvy L, 15oj*(imoletz. na siu> cuidadosa nota N aturez a hum ana. Bogomoletz introdutória ã tiíidução cie assinala ainda, com razão, que o termo 'preocu pação ”, utili zado por vári os tradutores, não cobre intei ramente as acepções doco nee ni. Para evi tar o uso sistemático dc termos ingleses, optei por Lrnduzi-ln por um ncolü jj is mo. o “concernimo n to” . derivado do verbo concern ir, que existe na língua po rtugue sa. K verdade que “con cern ir” — “dizer respei to, te r rel ação, referi r-se”, segu ndo o An rél i o — também não alcança o sent ido dc "eoncu rn”. tio preocup ação dirigi da ao outr o que o conccni encerra. Quero sugerir, contudo, que. sc tomado como um neologismo. criado exclusivamente para designar o conceim vvinmeottiano e, pela similaridade com o termo inglês, o ternu» 'coneemr mento" tem a possibilidade dc, pela familiaridade do uso. ir adquirindo n sentido tpic tem no srcinal.
25S
OS KSTÁlílOS i)A IW
EX D ÈX O tA E I Xlí KPUXDÍiX»
IA Ul il.AT l\ AS
(zc/iole inais consistente, a criança sc tornará uma pessoa inteira persfjn), capaz dc relacionar-se cum pessoas inteir as. N o in ício desta etapa, os impulsos — ate en tão ex terno s à pessoa do b ebê c invasivos, sc ele não for ajudado a haver-se com eles — passam a ser in te grados, a ter sentido e a scr avaliados cm suas conseqüências. Dc
incompadecido (nitldesa), o bebê passa a sentir-se concernido pela impulsividade que o domina nos momentos de excitação, como sc dissesse: “ Isto c co m igo , me diz resp eito, c d a minh a alçada ” ; torna-sc também preocupado, pois começa a perceber que essa impulsividade ating e e pode fe rir o ou tro; dá- se conta, po rtan to, que é ele mesmo que, de própr io pun ho, fa z “ bura cos no corp o cheio dc riquezas da mãe". As ansiedades desse período são dc extrema complexidade, pelo fato de o coneernimento dizer respeito não apenas aos efeitos da impulsividade voraz com relação ao objeto tio 11 0 si-mesmo, da amor excitado, mas também às conseqüências, experiência dc excitação (198
.V m m iA DO A M A IJU í» IIMK NT O I >K ll.W
WIXXIt lOTT
Até íiqui já ocorreu uni enorm e crescim ento: da unidad e nuiebebê para íi re laçã o de um eu eom um níio-cu extern o e separado; da pré-ambivalêneia para a ambivalência, tia dissociação primária entro os estados tranqüilos e excitados para uma discriminação entre estes dois estados e uma integraçãi- tle ambos no si-mesmo. Mas mesmo agora o bebê só pode ainda relacionar-se eom um outro: a mãe. Tod a a elaboração da capacidade para o eou eernim ento, culpa o responsabilidade pelos estragos provocados pela impulsividade instintuai ocorre num piano exclusivamente dual, na relação do bebê eo m a mãe, a qual só vaga rosam ente torna-sc um a única pess oa para a criança. A tarefa de integrar a instintualidade. com toda a agressividade que lhe é inerente, requer tempo e um ambiente pessoal contínuo; na ausência da compreensão do que está se passando c tle um eerto tipo dc cuidados essa conquista não pode ser realizada. í) argu men to de Win nicott é o seguinte; o bebê humano não tem co ndições de suportar o peso da culpa e do medo resultantes do reconheci mento pleno de que as idéias e atos “agressivos”, contidos no im pulso amoroso prim itivo c incompadceido, estão dirigidos à mesma pessoa que cuida dele c de quem cie continua a depender de forma relati va, d om o tudo isto sc p assa na relação dual , e c elabora do eom res peito à mãe, a criança tem tle sc haver sozinha, por assim dizer , com essas questões, uma vez que cia “ ainda não progrediu o bastan te para fazer uso da idéia de um pai interventor, o que tornaria as idéias instintuais seguras” (1‘ASH, p. 90). A tendência da criança que começa a deparar-se com o fato dc que a agressividade faz parte de su a naturez a é pro jetar ess a agressi vidade para fora, para o mundo, ficando este povoado de ameaças; um sentimento dc medo, vago, mágico e espalhado por toda a parte se estabelecerá, lí a disponibilidade receptiva c protetora da mãe que neutraliz a o cará ter retaliató rio e m ágico desse s medos: Qjiando cada bebê começa
íi
coletar uma vasta experiência tle
continuar seiulo, à sua doce maneira, e a sentir que existe mu si -mesmo —
um si -mesm o que po tl en í ser i ndependente da m
é encão que os medo
ãe —
s com eçam a dom inar a cena. lí ss es m edos são
de natureza primitiva c baseiam-se na expectativa da criança de cruéis retaliações. A criança fica excitada, com impulsos ;i£rcssivos ou destrutivos que se manifestam por meio de gritos e desejos t le morder, e , im ediatamente, o m und o p arece repleto de
260
o s EST Át m s n.\ 1)KI*kx dk xc:l\ k
bocas m ordentes, garras e d
imíki*i :\i>i ;.x c ia íu- :i ,. vrn. vs
entes hosti s e toda a sorte de ameaças.
Assim, o mundo infantil seria nm lugar aterrador se não fosse o papel protetor da m
ãe que, de
um m odo geral,
cncohre ess
es
medos enormes que pertencem à experiência inicial da vida du bebê. A m ãe (e não estou esquece
nd o o pa i) al tera a qu alidade dos
m edos d n cri ança pequen a por ser um ser hum ano. Gradualm ente, ela é r econh ecida, pela criança, cont o um sc r hum ano. Assi m , ao in vé s dc um m un do de retali m ãe que com
ações m ágicas, a criança adqu
preend e e que reage aos i
mãe pod e scr fer ida e f icar zangada. Q
ire uma
m puls os da cri ança. Mas a ua nd o d igo as coi sas des te
m odo, v ocês podem percebe r imediatam
ente que f az uma en orm e
diferença, para a criança, se as forças retaliatórúis forem humani zadas (199.1c, p. 122).
A resolução desta crucial dificuldade que consiste cm aceitar que a destrutividade pessoalda e convive eom de o amor, depende do desenvolvimento, na écriança, capacidade fazer reparações, ou remendos, c oino p refere dizer o a utor. A criança tem a nece ssi dad e prem ente de saber que o estrago pode ser consertado e repa rado, que o buraco pode ser remendado, que mesmo as idéias ou ações destrutivas podem ser equilibradas por algumas dádivas. Só assim ela s e sentirá livre e segura para con tinu ar a ex erc er a i m pu l sividade que lhe pertence. Mas essa capacidade só será desenvol vida j , , . ] s e a m ã e sus ce itra
a sm u t ção no tem po c so br evi ve,
dia após
dia , dc m odo que o bebê te m tempo para organi zar as num erosas conseqüências imaginativas da experiência instintiva c resgatar algo que sej a sentido eom
o “ bom ”, que apoia, que é acei
táve l, que
não macluica, e com isto pode reparar imaginativamente o dano causad o à mãe (198 8, p. 90; grif o m eu ).
O elemento essencial, aqui, é a presença contínua da mãe, a sua sobrevivência, durante todo o período em que o bebê ou a criança está integrando a agressividade que faz parte da sua natureza. Primeiro, por segurar a situação no tempo: a mãe permanece ali, viva e disponível, isto c. acessível, tanto fisicamente quanto no sentido de não estar preocupada com outra coisa durante o inter valo de tempo necessário entre o ataque agressivo do bebê, o adven to da culpa e o ges to d e reparação ou remendo. Segundo, pelo seu valor dc sobrev ivência, o que s ign ifica não retaliar, não mudar de atitude, não recuar sentindo-se pessoalmente ofendida pelo que J í.l
A TKOKI A IX) AM AW ItKCIMKNTO l)
K I ! W. W IXX lUíT T
seria 11111 canibalismo do bebê, não adotar urna atitude moralista, visando educá-lo ou treiná-lo, logo cedo. para a civilidade. Sobre viver não é ficar indiferente 01 1 imune ao que se passa; não significa permissividade. A criança sabe, agora, que está machucando ou ferindo quando está excitada; ela sabe e precisa que a mãe também saiba, lista não fin ge que “ não foi nada” ; não se faz dc m árti r que suporta o ataque porque, afinal, esse é o seu lugar de mãe. Xão. Sc cia está v iva, ela sente e se defende : sem tensã o, sem tem ores acerca da natureza cruel do filho, sem reatualizar ali velhas histórias de violência sofridas. Sobreviver significa, portanto, que a mãe não suporta desiste de exercer o seu papel no processo de desilusão: ela ,scr od ia d a .' 1*
O fato é que a criança necessita exercer sua impulsividade e se depara com o m edo de que os estragos sejam irreversí veis. Quan do a mãe fornece a oportunida de par a que o “ círculo ben ign o’' — o machucar-e-remendar (hurting-marule-good) — se repita inú mera s vezes, o bebe passa, gradualmente, a acreditar na possibilidade de reparação, no es forço construtivo, e sendo-lhe dada s boas cond ições de suportar a culpa, torna-se mais livre para o amor instintuai. “A conseqüência do fortalecim ento, dia ap ós dia, do círculo be nigno é a de que o bebê torna-se capaz de tolerar o buraco (resultado do amor instintuai). Aqui estará, então, a srcem do sentimento de culpa. lista é a única culpa verdadeira, visto que a culpa implantada é falsa para o eu” (1955c, p. 365). Se, eomo no caso de uma insti tuição, são muitas c alternadas as pessoas a cuidar do bebê, este perde a oportunidade da repar ação — que preci sa ser f eita eom relação à mesma pessoa que foi ferida — e o círculo be nig no não pode ser constituído. Também não há lugar para esse desenvolvi mento acontecer quando, mesmo tratando-se da mãe, o cuidado c impessoal e mecânico. 15durante a conquista da capacidade para o conce rnim en to que a temp oralização do bebê se estabelece de forma mais cons iste nte. Sua nova consciência acerca dos estragos que produz, nos momen tos de excitação, é retroativa além de projetar-se no futuro: ele não apenas sabe que 6 ele m esmo que , agora, n a excitação do mo men to, suga, devora, gasta, em suma, faz estragos na mãe, como sabe que
28 So bre o v alor da sob reviv ênc ia da inac e tio anali sta, et
202
Dias. 21JII2.
os kstâcios üa1)i;i'í;ndk\(;ia iíindki-kndkncia ukl\tiva.s .sempre osfez, c mais, que cont in u a r á a fa zê-l os. Não hã remédio, o impulso para viver implica agarrar, usar e devorar tudo o que é necessário para continuar vivo. Se, pela crescente confiança no ato reparador, a criança sente -se livre para ex erc er a sua impulsividade c, algum tem po apó s, tendo sentido culpa, vem fazer o gesto — um sorriso, um pequeno carinho, por exem plo — , sinali zando qtie remendou o corpo da mãe, então o trabalho do dia sc completa. Quando o círc ulo benign o cabe inteiro num só dia, “ os instintos de amanhã podem ser aguardados com um medo limitado. A cada dia basta o seu fardo” (198S’, p. 91). A conquista da capacidade para o coneernimcnto vem acompanhada, portanto, de um sentido mais acabado do tempo, pois c nesse momento que passado, presente e futuro s c articulam (ef. ibid., p. 52 ). A inte graç ão, no nível da p essoa inteir a, sign ifica respo nsabil idade, consciência, “ um con junto dc mem órias e a junç ão do passa do, presente c futuro dentro de um relacion am ento. Assi m, el a praticamen te significa o co m eç o de uma psicologia humana” (ibid.. p. 140). Note-se que uma vida psíquica, habitada por conflitos in ternos, só tem iníeio nesse momento: a criança tem, agora, um dentro e uni fora; um mundo interno pessoal e complexo, com fant asias e ansiedades em op osiçã o ao m undo extern o. A vi da que se p assa no mundo inter no , ao m odo de uma novel a, com históri as c personagens, é dotada de uma tal autonomia que a crescente complexidade e riqueza desse mundo interno pode ser objeto de consideração em si mesmo; transcorre, aí, uma terrível disputa entre as tendências destrutivas e construtivas da personalidade, além de um tipo especial de ansiedade, o sentimento de culpa, derivado d a idéia d e que o impuls o destrutivo em erge exatam ente ú "b om ” e stá quando o amor está atuando. Desse modo, o que constantemente ameaçado pelo que é “mau”.-' Ura, é essa ansie
29 Bom e mau estão entre aspas porque, embora pertençam ao uso comum, seu .significado, na literatura psicannlítica, 0 via de re^rn interpretado a partir da teoria Ulciniana. Creio ser também esln a razão de, num texto sobre a posição depress iva, Winnieott aduzir um a nota de rodap é referente a esses termos, em que diz: "As palavras bom e mau são beranças de um passado longínquo: são também úteis para descrever os extremos do que qua lquer beb ê sente ocorrer dentro de s
i m esmo — quer se trat e de to rç as ,
objetos, son s ou eliei ros. N ão me refi ro aqui ao use desta s palavras por pais babás q ue pretendem im por ; io bebê u ma m oralidade" ( JVM8, p. V I).
JO .Í
e
A T Kl )R IA IX >A.\L M)C Klil’.IMIÍN'T (> 1)K |). W. W INM K :i >TT
dade que, cm condições favoráveis. leva a criança ao comporta m ento con struti vo ou ativamen te amoroso, res susci tando o obje to e reparando o que foi danificado, lí ela que. mais tarde, estará na base dc toda iniciativa pessoal ou trabalho construtivo. A tare fa da mãe suficientemente boa c permanecer ali, disponível para r econh ece r e rece ber o g est. o r es t au ra dor . A capacidade tle repa ração de um bebê é muito limitada e cie depende dc que alguém recon heça a s ua “ dád iva sim bó lica", lí dcsesper adnr. para a crian ça, dar -se con ta do dano e “ não haver ninguém que receba o pre sente ou reconheça o seu esforço para reparar” (195Sb. p. 358). Neste caso, a transf ormação do i ncom pad ccim ento cm eoneernim ento c cul pa se deslaz, c a agressividade reap arece às vezes im placável. A tolerân cia da cri ança par a com seus próp rios impulsos destru tivos, tolerância constituída pela experiência dc sobrevivência da mão, resulta na capacidade do desfrutar das idéias (mesmo as destrutiva s) c da s excitaçõ es corporais que lhe são corresp ond entes. Tal des envo lv im en to dá espa ço “ para a ex periência de concernim en to que é , em última análise, a base de tudo aquilo que fo r cons trutivo" (1984c, p. 68). Sem a destrutividade, diz WinnieotL, não há amor verdadeiro. For 11111 long o perí odo de tempo, (...) a criança pequena precisa de alguém que seja não apenas amado, mas que se disponha a aceitar a potência (não importa se sc trata de um menino 011 de uma menina) em termos de resti tuição e reparação. Dito de outro modo, a criança pequena em função tia culpa derivada das experiências instintuais, porque é deste modo que se cresce. Aqui, existe dependência em alto grau, não se tratando, porém, da dependência absoluta das fases iniciais (1955c, p. 367; grilo meu).
pr ecisa t er
N'a teoria winnieottiana, c assim que sc constitui o fundamcnio dc uma moralidade ]j ea s o u l , que não c imposta dc fora nem eusi nada, que não é simplesmente intelectual c aprendida, mas que emerge naturalmente a partir da experiência da “bondade srci nária” , ou soj a, da con fiabilidad e amb iental, li essa exp eriência qm-, dando sustentação ao crescimento pessoal, leva à consciência d.i existência d o ou tro c à capacidad e para a iden tificaç ão cruzada, que 261
OK ESTÁtSKXS DA 1)KI'KM)K,NCIA K I\1)K1*EN1)IÍNC]A RFJ-VTIVAS
c uni pôr-sc no lugar d o outro.-10Conviver c om a con struç ão c dest rui ção inerentes à natureza humana é, também, o fundamento para a capacidade de brincar e, mais tarde, de trabalhar c encontrar satis fação e realização no trabalho, li igualmente cm relação a essa conq uista que, quando há fracasso, surgem os distúrb ios que podem ser reunidos peio nome de depressão, dc um certo tipo de paranóia e, às vez es , de ten dê nc ia a nti-s ocia l.11 li dc notar que, em Winnicott, a moralidade sc constitui num contexto não-edípieo, não estando referida à lei ou à interdição; o que lhe c essencial não está definido cm termos dc adequação ou transgressão — a não ser secundariam ente, para o indivíduo já s o cializado — , mas em ter mo s do cuidado cm p ermitir, à cria nça, scr si-mesma, dc cal modo que também cia adquire a capacidade dc deixar ser o ou tro eo m o um si mesmo. A m oralidad e c dita i nata, por W inn icott, no sen tido dc que existe, cm cada indiv íduo, a tendência a desenvolver um sentimento dc responsabilidade pelos seus atos, mas esta conquista ainda deverá ser integrada à personalidade por
.10 N ão ca be, nos limites deste estudo, deter-m e no conceito winnicottiano de '‘identificação cruzad a", q ue é a redescrição winnicottiana ti os mecan ismos dc projeção c imrojcção. Trata-se ,gros so modn , da capacidade de p ôr-se no lugar do outro, "du penetrar, por meio da imaginação, e ainda assim de m odo preciso, un s pensam entos, nos sentimentos e nas esperanças de outra pessoa, e também de permitir que outra pessoa faça o mesmo consigo” (iOMOl, p. 91). líssa capacidade, que é um sinal du saúde, pertence a um estágio bastante adiantado do amadurecimento, mas sua base é estabele cida na experiência srcinária de alguém ter s e identific ado com su as neces sidades, incomunicáveis a nível verbal. 31 A abo rdag em w innicot tia na sobre a conquista da
capacidade par
a o con eer
nimento baseia-sc, em grande parte, na teoria kleiniana da posição depres siva, considerada, peto autor, a grande contribuição de M. Klein para o pensam ento psic anal íti co. Algum as dif erenç as, no entant o, devem ser apo n tadas. Winnicott não pode concordar, por exemplo, eom a concepção de agressividade que está e nvolvi da no fenômen o, nem eom a precoc idade eom que, segundo W. Klein, estas conquistas ocorreriam; tampouco eom as pré-eondições ou eom o que ge ra a "d epr essã o”: ele não po de ver o Kdípo no ataque que o bebê faz ao seio materno. Além disto, para ele, a expressão “posição depressiva” não é inteiramente adequada uma vez que, apesar de Klein ter descrito o fenômeno como uma conquista do amadurecimento normal, a sua designação leva a pensar que os bebês normais entram, ao atingir esse est ágio, num estado clínico de depressão.
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A Tl íOK lA IX) AMAD URKCIMKN
TO )» K I) W. W IXNICOT
T
via tia experiência pessoal. (Jomo cm todos os outros aspectos da natureza humana, a tendência só sc realiza sc o ambiente favore cê-la , propician do ao b ebê, dc iníeio, a experiê ncia dc bondade ori gi nári a, de ser alvo de com preen são, com pad ecin icnto e respe ito.32 A elaboração da capacidade para o concernimento tem uma longa duração, li difícil determinar uma data dc começo, a não ser pelo requisito dc já haver uma certa integração num eu, que irá assumir a culpa. Em função disto, Winnieott não concorda um que sc possa fazer recuar — com o o fez Me lanic K lein em sua teo ria da ‘"posição depressiva” — a tarefa e as conquistas desse estág io para os primeiros dias, semanas ou meses dc vida, uma vez que o alcance dessa capacidade requer, antes, “o desenvolvimento dc um sentido dc tempo, dc uma apreciação da diferença entre fato e fantasia c, sobretudo, do fato da integração do indivíduo” (1955c, p. 370). Com o, no entanto, entre a condição dc incom padeeido, do início, e a posterior capacidade dc sentir-se concernido c responsável há todo um período cm que essa capacidade está cm processo dc estabeleci mento, é possível encontrar sinais esparsos dc culpa por volta dos seis mese s-1-1ou ante s de um ano. C om re sp ei to à taref a es pe cí fic a ao estágio, co ntudo, o processo atinge o cume da elaboração po r vol ta dos dois anos e meio, embora jamais sc estabeleça de maneira consisten te antes dos cinco. Naturalmente, as dif iculdades do início são diferentes das que aparecem no final do estágio. Uma des sas difer enças consiste cm que, cm algum m om ento a partir da. segunda metade da elaboração do concemimcnto, o pai entra em cena como pai, isto é. como o terceiro, c sua existência e presença reais tornam-se de extrema importância. No início do amadurecimento, o pai existia apenas como uma duplicação do papel materno. Como já vimos, mesmo nesse papel algo dele foi acrescentado, algo “ duro, implacável, intran sigente” , que foi vive m
32 Pt in i um a análise m ais detalhad a da srcem e da natureza t ia m ora lidad e cm Winnieott, ef. Loparic, 2000a. 33 Se, devi do a condições dc insegurança ambiental,
oco rrer u surgime nto de
um eu precoce, imaturo portanto, para estados de consciência c "per cepção” de objetos externos, esse ‘'eu precoce” terá uma “consciência” (cKiwcne.síi) prematura da sua existência, dependência e impulsividade, podendo ser, então, assolado por uma eulpa e uma responsabilidade c|uc. devido à i m aturidade básica, não têm eorno ser integradas à personali A culpa, nestes casos, é
devastadora.
2(,(,
dade.
OS KXTÂCIOS l)A l)EJ'liNDÈX<:i.\ li I.\DKI'KNDf;.\Cl.\ RKUVflVAS
ciado pelo bebê eomo um aspecto da mãe. A medida que a crimina acede à existência separada e externa da mãe, ess e a specto sc dife rencia e passa a pertencer ao pai, que sc torna, então, significativo como homem, '‘transformando-se num scr humano, alguém que pode scr temido, odiado, amado, respeitado” (1986d, p. 104). Ao per ceb er o p ai co m o terceiro, visl umbrando a existência do triân gu lo familiar, a crianç a com eça a perceber, ou a imaginar, a re lação ex citan te que existe en tre os pai s, c isto ó essencial para a es tabilidade do indivíduo por permitir que comece a existir o sonho dc tomar o lugar de um dos pais. Num certo momento, opera-se uma alte raç ão em s ua per cep ção do triângulo: é ela que é a terceira, li a esta descoberta — a perc epçã o do triângulo com a criança 110 vért ice — que Win nic ott denom ina “ cena pri mári a".-54 Sc a criança está sadia, ela é capaz tle lidar com a raiva que provém desta nova con sciên cia, e aproveitá- la pa ra a masturbação, assum indo a respon sabilidade pelas fantasias conscientes c inconscientes que a acom panham. A capacidade de lidar com os sentimentos gerados pela cena primária leva ao estabelecimento de urna outra conquista de extre ma importância: a capacidade de ficar só. Na literatura psicanalí tiea, cncontram-se inúmeros estudos sobre o medo de estar só, ou sob re o des ejo de estar só, ma s pouco se falou acerca da eapaeidade de estar só . limbora só se estabeleça de m aneir a consiste nte após a ex per iên cia da cena prim ária, '5 essa capacidad e tem na base, ne ces sariamente, "a experiência tle ter ficado só, quando ainda lactente ou criança pequena, na presença da mãe" (195Sé, p . 32). Isto é, quando ainda bem pequeno, antes de saber da existência do ambi ente, o bebê pôde ficar só, em quietude ou encostado na solidão essencial, devido à confiança na presença contínua da mãe e na continuidade dos cuidados: “À medida que o tempo passa, o indi víduo incorpora o ego auxiliar da mãe e, desta maneira, torna-se capaz de ficar só sem o apoio con tínu o da mãe o u de um sím bolo da mãe’’ ( ibid ., p. 34).
34 l’a r; i W inn icott, se um a criança c exposta à vi
são i! a relação
sexual entre
os pais, que é o que ela menos necessita emocionalmente em relação a eles, ocorrerá uma tensão máxima, que pode ser traumática (cf. Winnieott, p. 77). 35 ( lí. W innicott, lV5 íi£, p . 33.
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A cri ança começa, ag ora, « co ntar com o pai para fazer a sua parte, que consiste em proteger a mãe dos ataques da própria cri ança nos mo men tos do impulso excitado, li aq ui que o elem en to intr an sig en te e inde stru tível do pai ajuda a crianç a a liberar- se par a a vida instintua l e suas conseq üên cias. A pre sença de um pai fo rte, interventor, que fornece esse tipo de segurança, torna as idéias e ações instintuais mais seguras, perm itindo à criança cor rer o risco dc movimentar-se, agir e se excitar, já que o pai está por perto, preparado para remendar os estragos 01 1 para impedir, com sua força, que el es aconteç am (1989 vt, p . 184 ). O pai t orna- se o apoio necessá rio pa ra a busc a de satisfação insti ntual sem m uito pe rigo. Sc esse tipo dc auxílio não puder scr fornecido, devido à ausência do pai, ou a uma depressão da mãe, a criança se tornará inibida e perderá a capacidade para o amor excitado. Terá ele adotar, prceoeemente, um autocontrole dos impulsos antes de estar em condi ções de fazê-lo sobre a base de uma força paterna que seria, gra dualmente, incorporada eomo sua. Xestes casos, ocorre inibição da espontaneidade c do impuls o, alem de um perman ente tem or de que algum aspecto da destrutividade fuja ao controle. () resultado pode scr uma depressão ou uma das formas da tendência anti social. Alem disto, sem essa experiência de contar eom o pai para por limites no impulso instintual, a criança fica incapacitada para, um pouco mais tarde, no estágio edípico, rivalizar com o pai, fazendo a experiência de um con fronto que c a ltamente necessár io para o seu amadurecimento. A necessidade da criança, específica para esta etapa, de contar disponibilidade c sobrevivência da mãeda e com a é firmeza docom pai.a Isto fica sobretudo claro no estudo tendê ncia anti-soci al, quan do se nota que há doi s tipos dc privação (
OS KSTÁCIOS i).\ 1)EI'KX1)ÉNC!A Si I.VDEPKXIIKXCIA KHI-ATIV.\S
traição. O que nos chama a atenção nestes casos, diz o autor, "é a necessidade aguda que a criança tem de uni pai rigoroso, severo, que proteja a mãe quando esta c encontrada. (.) pai rigoroso, que a criança evoca, pode ser também amoroso, mas deve ser, antes de tudo, severo e fo rte ” (19 46b , p. 12 2).v> Durante todo o estágio do eoncernimcnto, enquanto a criança está tentando lidar com a agressividade contida na vida instintiva, a instintualidade está sendo integrada juntamente com um cres cen te sen tido da s partes do corpo, fortale cen do a perso nalização e a espaciali zação. li aproxim adam ente neste mo m ento que surg e um aspecto marcante do desenvolvimento sexual. As excitações estão ficando cada vez mais localizadas. Tanto a ereção fálioa quanto a excitação do clitóris com eçam a ter import ância própri a. Ate então estas excitaç ões podiam oco rrer, mas não tinham o caráter sexual e dc gênero que agora adquirem; estavam. antes, associadas com a excitação da alimentação ou da idéia da alimentação e, um pouco depois, com as atividades excretórias. Nessas fases pre-genitais. como já foi assinalado anteriormente, embora houvesse, no bebê, todo o tipo dc excitação, inclusive as de caráter genital, ainda não havia amadurecimento suficiente para a elaboração imaginativa da função genital. Em al gum m om ento durante a elaboraçã o do estágio do conccrnimento, provavelmente por volta dos dois anos a criança inicia o que W inn ieo tt nome ia fas e cxibicion ista ou d c ostentação, a mesma que Freud denominou dc fase fálica. Este é o momento, em termos do processo d e amadu recimento — e do desenvolvi men to da identi dade dc gên ero e da sexual idade com o aspectos tl esse pr ocesso — . cm que a distinção entre meninos e meninas começa a ter signifi cado. O traço central da fase cxibicionista, ou fáliea, relaeiona-sc com a qualidade que o órgão masculino tem de ser óbvio, ao contrário da qualidade do órgão feminino de ser escondido. O genital masculino c, portanto, central e vistoso, com suas ereções c sensibili zações peri ódicas, enquanto o genital feminino “é um fen ô men o n ega tivo” . A existência dessa etapa “ marca o divi sor de águas entre o bebê do sexo masculino daquele do sexo feminino” (198N,
3 f> A dist inçã o en tre os tioi s tipo s de pri vação é de extrei ]i;i impu rtãneia consideração diagnostica e 110 tratamento tios vários; tipos de tendém-ia anti-social.
i i ;i
A TEOK 1A IK ) AM Al H 'RK C [ilE N T() 1) K I >. VV W INNK iO IT
p. 5 9 ). 17 Na parte in icial des sa fase, a ere ção é o elem en to m ais importante. Tanto a ereção quanto a sensibilização clitoriana sur gem em relação direta com urna pessoa ativamente amada, ou por meio tle idéias de rivalidade tendo como pano de fundo a pessoa amada. Um pouco mais tarde, na secunda fase falien, haverá "um objetivo mais declarado de penetrar e engravidar e, aqui, a pessoa real é o provável ob jeto de am or” (1988, p. 62). Sen do a experiência excitada um dos modos pelos quais a criança habita seu próprio corpo e sc relaciona eom os outros, as crianças que experimentam ereções ou contrações vaginais na relação com outras pessoas, ou com o funcionamento do corpo, estão numa posição diferente, e mais saudável, do que os meninos e meninas que não vivenciam essas experiências integrativa» (1986g, p. 145). A partir da fa se fáli ca, jun tam en te com a distinç ão tio s gêneros, deve-se ainda considerar o fato tia bisscMialidadc: existe sempre um men ino den tro da menina , e uma meni na den tro do men ino, c isto c sobretudo inegável no caso das meninas. Neste momento surge a evidência de que os meninos têm algo q ue as meninas não têm; além da ereção, eles podem, por exemplo, urinar de um modo que as meninas não podem. Em graus variados, cias podem sentir-se infe riores ou mutiladas e, nesse caso, “a inveja tio pênis c um fato” (ibicl ., p. 145). O trauma que isto po de represent ar, contu do, afirma Winnicott, é variável, e depende muito dc fatores externos, tais co m o a atitu de c as exp ectativa s dos pais, a natureza e a posiçã o tios irmãos na família ctc. O fenômeno freqüente dc delírio das meninas de que ex istiu n elas um pênis que já não exist e, ou um q ue vai ainda sc desenvolver; o delírio dos meninos de que as meninas têm um pênis, visando ev itar a angústia de castração; em suma, a ne gaç ão da diferença entre scr macho e ser fêmea, durante o estágio fálieo, é, para o autor, um fenômeno universal que pertence a essa etapa, requerendo, aliás, para ser alcançado enquanto tal, muito cresci m ento saudável. Se o i ndivíduo car rega ônus de estágio s anter iores.
37 li importante mencionar em que momento e em que sentido, paru Winnioott, a distinção du gênero turna-se signifientivri. para salientar diferenç-ns conceituais, eom relação à psicanálise fivudiann, em especial no que diz respeito à teoria das psicoses. Com respeito ã diferença enlre os gêneros, et-. Kreud, 1925j. Com respeito à teoria freudiana das psicoses, cf. Kreud, 1924, 1924c e I925h.
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iíkiativas
essas coisas podem , sem duvida, ger ar distúrbios psíquicos dc varia dos gra us dc gravidade, tais com o perver sões ou organ izaçõe s sadomasoquist as. ^ De qua lquer modo , as experiências relativas à dife rença dc gênero, características dessa fase, são complexas, e as dificuldades ap arecem cant o na saúd e com o na doença. A diferença é que, quando há um distúrbio, a fantasia ou o brincar, que pode riam ajudar na auto-expressão c na integração desses aspectos na estrutura da personalidade, ficam impedidos devido à repressão, que é um sofisticado m ecanismo dc defesa , próprio de quem já tem vida interna c con flitos insti ntuais ligado s às relações interpessoais. Mas as dificuldades da fase fálica só assumem importância exage rada para aquel es que ehega m nela tend o já sofrido privações an te rio res , de ou tra na tur eza .,19 O exame das tarefas deste estágio, à luz do amadurecimento pessoal, e de especial importância para se poder relativizar a gravi dade das dificuldades pertinentes ao período, suposta na teoria tradicional, lí provável que Freud tenha assentado a srcem das psicoses na ameaça de castração, que pertence a esse período, devido ao fato de que, em sua teoria, não ha via lu gar par a a consid e ração dos estágios anteriores, nos quais está se processando a cons tituiçã o da reali dade. Para dar con ta das psi coses, entendidas po r ele com o perd a de realidade ou perturbação no ví nculo com a realid ade, supondo que esta estava estabelecida, ele elegeu a realidade da castraç ão eo m o o parad igma da realidade a ser evitada.4 "
38 As perversões podem ser vi sta s, por exemplo, eom o um a “ tent ati va elabo rada de fazer eom que alguma união sexual aconteça, apesar do delírio de que a men ina t em um p ênis" ( l ‘AS 6g, p. 146) . Neste m esmo delír io gen erali zado, lauto nos i iomens eom o na s m ulheres, de qu e !i á uni pênis n a m ulher, Winn icott enco ntra um a das raí zes do feminis mo. Num pólo, diz cie , ‘ e xis te o protesto feminino contra uma sociedade dominada pela ostentação da fase fálica masculina; no outro, existe a negação feminina de sua injerierri ilntí c m a l m nn ti ce rt tt jtt se do ilese nvolvinK -nt o f ísi co " (19,S6g, p. i 47; grifo meu). 39 Freud insisti u até o ti m da vi da na i m portân cia ti o efeito do trau m a de infe rioridade das m ulhe res, derivado da fase fálica {cf . F reud. l con ferên cia de Freud. 1933 a). .Segundo Winn icott, essa i nsistência er ;i comp reensível , pois f oi na negação da falt a de pêni s nas m enin as— negação que vi sa va ev itar a angústia de castração — que e le assentou a etiologia das psicoses. 10 Cf. Freud. 1924, 1924c e 1925h.
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A TEO RIA 1)0 AM AltCk fô IIMl íNTO 1 >K R W. W IXN It» )'IT
6.
O estágio cdípico
Sc a criança atinge verdadeiramente a capacidade dc vivcnciar as ansiedades da situação edípiea, isto significa que ela alcançou a identidade unitária. Firmemente integiada c tendo se tornado uma pessoa inteira, pela integração dos instintos e pela assunção da responsabilidade so bre os efe itos da impulsividade instintual, podese di ze r q ue a crianç a não está mais sujeita a o risc o de psicose.*11 Ria tem agora saúde psíquica suficiente para fazer a experiência tias difi culdades in eren tes à vida instintual no quadro d as relações tria ngu la res e interpessoais. Opond o-se clara e exp licita me nte a teoria kleiniana, Winnieott afirma que só faz sentido falar de relações triangulares ou dc comp lexo de lidípo quando re ferido à p essoa intei ra: Não posso ver nenhum valor na utilização do termo “complexo de Edipo” quando um ou mais de um dos t rês que formam o triângulo é um objeto parcial. No complexo de lidipo, ao menos do meu ponto de vista, cada um dos componentes do triângulo é uma pessoa inteira, não apenas para o observador, mas espeeiahnenco para a criança (1988, p. 67). As difi culdades pertinentes ao estág io cdíp ico não s ão resultado dc falhas ou dc negligencia ambientais, embora estas possam com plicar a resolução própria à fase, mas dificuldades próprias à vida e As relações interpessoais, não podendo ser prevenidas por cuidado adequado. N este pe ríod o da vi da, mesm o a mais saud ável d as crian ças pode apresentar vários sintomas neuróticos: sendo vitalmente ativa, mostra-se dc repente pálida e murcha; é doce c carinhosa poden do, no enta nto, ter ataques repentinos de raiva e ser cru el com
41 li el:iro que. mesmo tendo tido um bom começo, o.s indivíduos, mais tar de, se forem expostos a situações traum áticas, para além dc sua capa cidade de tolerá-las no momento, ou que duram um lempo demasiada mente longo p;u'a o que são capazes de suportar, podem chegar a de senvol ver uma psic ose. Winn ieott menciona, po neir os, vít imas de perseguição pol
r exemplo, o caso de prisio
íti ca e ruo l etc. (19 7 li;, p, W ) . I) e qual
quer modo. essa psicose será diferente daquela que sc instala nos estágios mais primitivos, em função de falhas ambientais traumáticas. Mesmo por que uma coisa é não ter alcançado uma conquista do amadurecimento c outra coisa é perdê-la.
(JS lúS TÁd lUS 1X\ l)B l‘t:.VI)ÉX(:iA
li IM )lil’E\l)K\'CIA Kl
iLATIVAS
um animal ou qualquer outra coisa; tem pesadelos e escorraça a mãe que vem consolá-la; c muito ousada e, ao mesmo tempo, manifesta medos de todos os tipos; volta c meia suspeita da comida que lhe servem, recusando-se a comer em casa, sendo que devora qualquer coisa na c asa da a vó ou do vizinh o. E xiste, ag ora, um mitrulo úircrno, no qual sc desenvolve toda uma vida de fantasias e de sentimentos, intensos e violentos; nas brincadeiras, os instintos e as excitações corporais estão presentes, e ocorrem identificações com qualquer um dos pais. Misturados aos afetos recém-integrados e tornados significa tivos. o que est á prioritar iam ente cm cena são os momen tos dc exc i tação claramente determinados pela instintualidade; muito do que oco rre e nt re uma excitaç ão e outra refere-se ou à prep aração para a satisfação do instinto ou à tentativa dc mantê-lo sob controle ou. ainda, à tarefa de mantê-lo vivo, dc modo indireto, por meio tio brincar, da masturbaçüo saudável (não compulsiva) ou da dramati zação de uma fantasia (1988, p. 72). Quando há saúde, a criança está num estado agudo dc atração pelo pai do sexo oposto, com tensões a respeito da figura parcntal do mesmo sexo, em função da amb ivalência — ou seja, do amor c do ód io coex istindo . Cirande parte da sua vida emocional permanece inconsciente e, mesmo no mais satisfatório dos ambientes, a criança tem impulsos, idéias, famasias e sonhos, nos quais se desenrola o intolerável conflito entre o amor e o ódio, entre o desejo tle preservar e o de destruir e, de um modo mais complexo, entre as posições heterossexual e homossexual relativas à s ide ntific açõ es com os pais .12 Tudo isto indica que a criança est á viva e elabo rand o as dificuldad es in eren tes à vida. (losti min ocorrer, contudo — por exemplo, pelo nascimento de um outro beb ê — , de a criança pre cisar reg red ir a padrões já ultra passa dos e, m esmo, à depe ndên cia. Sc teve mn b om in ício e a perso nalidade está estruturada, ela não perde nada tle suas conquistas anteriores. Pode até exibir um comportamento regredido, mas trata-se aí dc defesas contra a angústia que advém do conflito instintual. A princ ipal dessas defesas é a repress ão, uma ve z que, agor a, já foi desenvolvido utn tipo especial tle inconsciente: o òi c o i i s d e n r c
-12 Noie-se que para referir-se às iileiuifieaçftes c|uo ms crianças fazem uoin o prou ciiitor c io mesm o sexo, W iimieo ti usa o lerm o "li iui iuSNexi iar’ .
27.Í
AT KO KlA t«> AMAlH'UKt:i
Mlí» \Tt) D U l>. W. W IX X IQ jTT
M anter os conteúdos reprimidos sob con trole requer um imenso dispendio de energia. pela tendência de o reprimido reapa rec er em sonh os, em fantasias ou, ai nda, proje tado so bre fenôm enos exteriores. Um resultado particular da repressão é a inibição dos instintos: ocorre perda dc parte do impulso instintivo na relação eorn objetos, c isto pode redundar num sério empobrecimento de experiência vital da criança (19S9vl, p. 56). Se uma c riança, reag indo à chegada de um irmãozinho , perde as características fálieas e genitais próprias tias fantasias c do brincar excitado, chegando a perder, inclusive, as conquistas da integração, co m o a coesã o psieossomática e a capacidade par a re lações objetais, en tã o já não se trata de neurose e um a obser vaç ão acurada revelará que o amadurecimento da criança foi anteriormente forçado cm algum sentido, Lendo deixado imaturidades importantes que agora se revelam po r in eio de uma reg ressã o.4-1I lá casos em que a criança
reprimido.
não chega anum nenhum complexo foi paralisado estágio anterior,dedcEdipo; motloseu queamadurecimento “o relacionamento trian gula r verdad eiro c su a carga, máxima nunca se tornam um a con tecimento" (1963c, p. 198). Embora não seja freqüente, c possível ainda achar casos mistos, nos quais ocorrc uma mistura de normali dade, c m term os de ela poder experienciar o comp lexo de lidipo, ao mesmo tempo que existe uma psicose, no sentido dc uma imaturi dade que ficou restrita a um aspecto particular (id em ). Após a percepção do triângulo familiar, a criança começa a ter problemas de lealdade. Ela ainda 6 inexperiente nos afetos, sobre tudo os que envolvem o relacionamento a três, e precisa de uma situação em que p ossa enc ontr ar tolerância em relaçã o ao que pode parecer deslealdade, mas c, apenas, uma experimentação que faz parte tio seu desenvolvimento (I986d, p. 1GS). líla começa, por exemplo, a estabelecer um relacionamento com o pai e, ao fazê-lo, ganha uma nova pe rspectiva; pass a a ver as coisas do pon to de vista paterno e desenvolve, com isto. uma nova atitude com relação à mãe; A criança mio somente pode ver a mãe tle modo mais objetivo, a partir t le onde o pai está,
mas tam bém desenvolv e um a relação
43 Um exemplo notável desse estado de coisas encontra-se em WiunieoK, 1977.
.27!
de
OS IÍSTÁCDOS DA lilílMvXDKXlIIA K INDKPIvNDÜXCIA RKLVnV.VS
tipo amoroso com o pai que ttmilre ódio e temor em relação à mãe. li perigoso voltar à mãe a partir dessa posição. No entanto, houv e a lgo qu e se con struiu grad ualm ente . e a crianç a vo lt a à m ãe: nesta reorientação familiar, ela vê o pai de modo objetivo e seus sentimentos contêm ódio e medo
(ibid., p. 109).
Se o pai não assegura essa outra perspectiva à criança, ela terá de se haver sozinha eom a necessidade de ata.star-sc tia mãe; terá dc exercer autocontrole e muita dificuldade para elaborar a situação edípica. Um exemplo ilustrativo desta situação encontra-se numa anota ção c línica tle W innic ott {1 lÀS9vp) acerca de um pa ciente cujos problemas, no momento descrito da análise, estavam relacio nados à sua identida de sexua l, que hav ia sido extr em am ent e d ificul tada, não apenas devido ao tipo de relação que a mãe estabelecera com ele, no estágio inicial, mas também à ausência de um pai efetivo que fizesse ;t sua parte. Além da dificuldade mencionada, o toud que resultou das relações primárias para esse rapaz foi uma i n exper iên cia com rela ção a u m a cen a f i OMç ãoju n t o ao fxti — isto é , podendo ver a mãe da perspectiva do pai. .Va análise, isto sc mostra va peki sua impossibilidade dc pôr e usar o analista nessa posição. ( lomo veremos, ess e imp edim ento most rou-se especialm ente agudo no que se refere à questão edípica. No trecho que interessa a esse ponto, Winnicott relata: |
[ a ses são t oda f oi uma conf usão e nenhuma de
minhas inter pre
tações se n iu para nada. O pacien te est ava exasperado. O que, final mente, te z lhe algum bem fo i a minha interpretação de que, em bora a anális e prosseguisse em torno do relacionam ento eom sua es pos a, aqui e ago ra, não imp orta o que tive ss e si do em outros tem pos. e! e estava elaborando a sua exasperação em relação à sua mãe e sua absoluta desesperança em tratar eom ela 1...]. Kle sentiu que eu realm ente hav ia tocado na si tuação, quan do lhe di sse que seu rela cionamento em sua easa era tão semelhante ao relacionamento eom sua m ãe po r não exi stir hom em e, portanto, ele não podia vir mim porque não adianta,
n ão exist e ho m em a (fi tem vã : Pur a ele ,
es ta va fo r a de ques tão qu e h ou ves se um pai so bre cu pi ul es se senta
r pe tm olhar
a
a m ãe
jos joe lh os se
( 1‘XS'Ap , p. M G ).
Esse vaivém da criança precisa acontecer na relação pai-mãe, embora não sc restrinja necessariamente a ela: pode também ser feita indo até a babá e voltando para a mãe, indo até a avó. a tia ou a irmã mais velha. Dentro da família, essas possibilidades podem scr
A TRtm i.\ 1 )1* AM AI)fRliC:iNIK NTO l)E 1 ). W. WIX N IU JT T
experieneiadas. e a criança, aos poucos, podo ir sc reconciliando com os medos que estão associados a elas. lisscs medos incluem a instintualidade, e a criança pode apreciar as excitações referentes a esses conflitos desde que cias sejam permitidas, contidas pelos adultos e possam scr elaboradas nas brincadeiras. Talvez, diz Winnicott, “o trem end o inter esse que o brincar d e papai e mamãe exerce sobre as crianças derive de uma ampliação gradual da vivcncia de exp erim enta r algumas deslcalda dcs” (1 986 d, p. 108). Que papel cumpre o ambiente neste estágio? Quanto mais se avança no amadurecimento, meno r é a importância do am biente cm termos da estruturação da personalidade. Mas ele continua a scr importante de outra maneira: a criança necessita de um ambiente doméstico estável, no qual se sinta segura, para poder brincar e sonhar, para elaborar sua vida interna eonvulsionada pela coexis tência do amor c do ódio, sem ter dc sc preocupar com a estabili dade do lar. Para tanto, c preciso uma estrutura familiar que se mantenha sólida e sobreviva aos permanentes testes que a turbu lência interna acarreta, li no interior da família que a criança pode avançar, passo a passo, do relacionamcnio entre três pessoas para outros círculos mais e mais complexos. Contudo, pontua o autor, “c o triângulo simples que apresenta as dificuldades c também toda a riqueza da experiência humana" (1988, p. 57). A natureza c o comportamento dos pais, o lugar da criança dentro da família, além de outros fatores, afetam o quadro clássico que s c conhece com o com plex o dc lidi po. Se, por exem plo, o pa i est á pres ente à mesa no m om en to do café da ma nhã, a criança se sentirá segura para sonhar que ele será atropelado por um automóvel ou que oc orr e um assalto e o marido tle uma m ulher leva u m tiro. Mas se o pai estiver ausente, o sonho resultará aterrador e gerará senti mentos de culpa ou um estado depressivo (19S9vl, p. 56). Ilá uma enorme diferença na natureza das dificuldades de uma criança conforme a história do seu amadurecimento e o tipo de problema que te m a enfr enta r nesse mom ento. Uma coi sa é o pa i scr fraco o u incap az dc fazer a sua parte; outra coisa é a famíli a desm oronar por desavença ou mesmo separação dos pais. Quando a família mos tra-se sólida c perdurávcl, cia funciona como um quadro dc referên cias que dá à criança o sen tim en to dc que c segu ro ter sen time ntos e até atos agressivos. Isto lhe permite 270
OS HNTAOiOS U.\ l)Kl‘lvXl)KXi:lA K IMlKIMÍNilKNOlA KELATIV.Vi
[...] explorar rudemente atividades destrutivas que sc rclacionam ao movimento em geral e, mais especificamente’, à destrui ção relacionada à fantasia que sc acumula em torno do ódio. Nesse caminho (por causa da segurança ambiental , da mãe sendo apoiada pelo pai etc.) a criança torna-se capaz de fazer uma coisa muito complexa, a saber, integrar seus impulsos destrutivos com os amorosos, c o resultado, quando ludo corre bem, é que a criança reconhece a realidade das idé i a s destrutivas que são c encontra modos de inerentes, na vida, ao viver e ao amor. proteger, de si mesma, pessoas e objetos valorizados. [...] Para adquirir isso em seu amadurecimento, a criança re t/ue i: de m od o absolu
to, uni a
essenciais
m bient
e que se ja in d es tr ut íve l cm
ce rt os asp ectos
(19(>Se, p. 74).
Quando ocorre privação, por exemplo, cm termos de rompi me nto d o lar, aeon tece algo m uito sério na organização psíquica t ia criança, lila sc torna insegura quanto As suas idéias e impulsos agressivos. Imediatamente [,.. |a criança assum e o con trole que aca bou de ser perdido, identi ficando-se com o novo quadro de referencias familiar. Kesultado: perde sua própria impulsivi dade e espontan eidade. O ní ve l de an siedade é tão alto que o ato de experimentar, que poderia Íazê-Ia chegar a um acordo com a própria agressividade, torna-se impos sível (idvtn).
Cada vez mais temos
de nos haver com o fa to dc qu e os la res se
desf azem com maior facil idade do que ao tempo em que W innieott formulava sua teoria. Apesar disto, a teoria do amadurecimento pessoal continua a ser essencial para os pa is que, em bora desfaçam sua vida conjugal, querem preservar íi estabilidade e o desenvolvi mento emocional de seus filhos. Não é líquido e eerto que os filhos sofram mais pela separação concreta, geográfica, dos pais, do que quando estes pernumeeem sob o mesmo teto, sem uma relação afetiva ou uma comunicação real. Como os pais têm todo o direito de buscar o que sent em ser m elho r para si mesmos, c im porta nte, de qualqu er m odo, que cada um contin ue a fazer a sua parte no que se refere ao seu papel ju nt o à cr iança. Talv ez seja preeiso fo rnec er uma presença ainda maior e não descorar dos cuidados e da orientação que os filhos necessitam. li igualmente vital que estes recebam alguma explicação, acessível à sua maturidade, sobre o que aecm-
TKO ltLS IX ! .\,\i,\l)l RK CIM KN TO Ulv 1). 'V W IX N IC O TT
teceu, e que os pais , uüo im po rta o grau dc d ec ep çã o ou tle r aivei que guardem, não se ponham a denegrir a imagem parental do outro. A vida sexual da criança chega agora à primazia da genitalidade, Quando esta c alcançada, a f anta sia já está enriqu ecida eom os at os típicos, masculino e feminino, de penetrar c ser penetrada ou de fecun dar e ser fecu ndada (1 C)S8 , p. 59). O fato importante continua a ser a ereção como parte dc um relacionamento, mas. agora, esta vem associada à idéia de provocar mudanças irreversíveis no corpo da pessoa amada.'11 A criança está cap az de exp eriê ncia s sexuai s genicais, eom todas as fantasias e excitações que n acompanham , e isto configura uma nova potência, embora a imaturidade física a obrigue a adiar até a puberdade a capacidade de proceder ao ato gcnital que leva potencialmente à proeriação. Quando, bem mais tarde, a puberdade advier, trazendo um outro patamar dc potência, as experiênc ias e fantasi as infanti s que tiverem sido realizadas nest a fase serão de grande ajuda para essa nova condição. Qualquer estudo acerca da insti ntuali dade — que exige ação, isto é, um faze r — , sob retu do no que diz res peito à f ase gcn ital. é mais adequad o para a des crição do mascu lino do que do fe m in ino .15 Do lado masculino, é possível fazer uma distinção acurada entre a fantasia da experiência fálica e a da experiência geniial, tanto no menino quanto no menino-dentro-da-menina. linquauto. na fase fálica, o desempenho do menino está tle acordo com a sua fantasia, na fase gcnital o desempenho mostra-se deficiente em relação à fantasia; esta defasagem põe em questão a potência do menino c isto terá, eomo veremos, um significado na situação edípiea, tal como Winnicott a redesereve. Além disto, diferentemente da mcui-
44 A psicanálise tradicional ocupou-se, sobretudo, da satisfação tio desejo e não da capacidade c tio ato fienitais propriamente ditos. Xfio chegou a desenvolver as questões pertinentes ao corpo propriamente dito. Pelo mesmo motivo. ;i questão da genitalidadc inicial acaba sendo ligada às conseq üências q ue deriv am da interdição de tocar no Iruto proibid o, e nã o. eomo em Winnicott, ao medo de provocar mudanças irrever sív eis no corpo tio outro. I*ara Winnicott, a questão de amar ú pessoal e leva em conta a elaboração imaginativa do resultado do impulso no corpo da pessoa amada. 45 Esta questão se tornará mais cl ara na obra winnieottiana, numa foi mulaçao posterior, de J96(i, em que a identidade sexual c pensada, por Winnicott. em termos não instintua is. com o veremos adiante .
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OS K STÁ CiO S 1).\ UKP KXliK XCIA lí IVI> |\l*KXl>KXt:'A KIí I.VUV AS
na, o m enino está “ co m pl eto ” na fase fál ica. enquanto, na la se geuital, ele depende du fêm eu pur a se co m pletar . Mesmo não sendo tão evidente quanto a masculina, a genitalidade feminin a não pode ser defi nida apen as em term os negativos: a mulher não é uni macho castrado. A inveja do pênis, viveneiada na fase fálica. não necessariamente se estabelece como determinante da sexualidade feminina, a não ser que já haja um componente masculino cindido, na menina, deslanchado anteriormente. Quan do, mima m ulh er adul ta, es se ele m en to m asculino puro cin did o1'1foi potencializado por uma experiência penosa de inveja do pênis, na fase exibieionista, estabelece-se uma organização defensiva que pode ser arregimentada e posta a serviço do aspecto ideológico de uma luta s ocial, com o o m ovime nto femini sta. Um exem plo sign ifi cativo desta situação encontra-se numa carta da psicanalista c lingüista búlgara Júlia Kristcva à ensaísta francesa Catherinc Ulém en t.47 líse rita num m om en to em qu e internava seu filho para uma intervenção cirúrgica num hospital dc Paris, Júlia cscrcve a Oatherinc dize nd o que uma frase pop ular não lh e saía do espírito: “ Nada c mais sagrado para uma mulher do que a vida dc seu filho.” Após comentar que essa frase constitui uma dessas evidências banais da sabedoria popular, que sc impõem desde sempre, e que poderiam prestar-se ao escárnio do tipo "que pena que as mulheres só saibam ater-se às crian ças” , cia cscrcve: O grande pediatra sutil que foi o psicanalista inglês Winnicott tem uma idéia delicada, que me agrada, a respeito do elo primordial da mãe com seu filho como decorrente do "ser” , e que se distingue do “ fazer” , que só advirta mais tarde, com a pulsão, i> desejo o os atos. Pensei, eomo você, que a "serenidade do .ser”, eom que Ileidegger sonhava, se enraíza talvez nessas regiões da experiência, se qui sermos ver essas coisas de um prisma antropológico. K fn c.scá si m pl esmen t e aí, a mãe, com uma parte dela que já c mn outro. [...[ Não é que ela não "íaça” nada, mas a avidez da ação está suspensa por tuna ternura eficaz. Sedução, aieto, pulsão, desejo — os trunfos da amante que ela foi, há apenas nove meses, não foram
46 Os eonceitos winnieottianos de "elemento feminino puro" e "elemento masculino pu ro ” serão ex plicitados a seguir, nest e mesmo capí tulo . 4 7 Esta carta consta do livro O fe minino e o sagrado (1998). que reúne a correspondência mantida por Júlia Kristeva e Catherinc Clémcnc. entre novembro de 1996 u setembro de 1997.
27 9
A TI-.< )!«.■', 1)1) AMAIJl UK( MMK.Ytt ) I íl-1 ! >. \Y \VI.\NI« X H T
destruídos, mas modificados, “inibidos em relação ao fim" (como dizem minhas colegas psicanalistas que leram seu Freud). Eu des con fio dessa suspei ta inibi ção, prefiro íalar de espera. A serenidad e do amo r tnaierno é um Eros di fere nte, um desejo de espe ra. (...) É exatamente na aurora desse elo da mãe com seu filho que se produ z uma alquim ia miraculosa: o ob jeto ’’ de satisfaç ão erótica, q u eé o pai ( ou algum a relação, prof iss ão, gratificação ...) é substi tuído suavemente por "outro'’ amado e somente rimado. () amorternura toma o lugar do amor erótico: o "objeto’' da satisfação se transforma em "outro" para cuidar, cultivar (Clcment e Kristeva, 2001, |>|>. 73-4).
Apesa r dc at raves sada pela perspectiva psican alítica tradiciona l, a citação acima mostra que a Kristeva-mãc compreende bem o caráter distintivo do amor materno, c a distinção entre “ser" c “ fazer ” , proposta por W innieott, além dc traçar uma interessante ligação com a questão da serenidade, do segundo lleidcggcr, reme tendo-a a essa peculiar região da experiência humana. Contudo, esse amo r matern o sereno, tipicamen te feminino, que nada tem dc fálico, mas que é constituído pela identificação com a sua própria 111âc e com a linhagem dc m ulheres, pa rece en gasgá-la, pois , um pouco adiante na carta, ela mesma afirma que [ __ |é aqui que me afasto desse bom Winnieott, Embora essa sere nidade do ser m ãe-b eb ê me seduza, só acredito em parte. C ) n a reisismo feminino exige, esse "ouiro eu" da criança é, de qualquer forma, um
“eu -eu” : a mãe jam ais dei xa de ter a tendênc ia de
eng lobar o q uerido outro, de se pro jet ar, de aç ambarcar, de dom nar, de sufocar. [...] Além disto, a mãe continua a ser uma mulher,
i
com seus desej os e seu "fa ze r" erótico e prof issional, e essa tensão tia existência (ess a bissexu alidade, se você prefe rir) não cessa de s e imiscuir
na serenidad e de seu elo eom
conflituoso, pesado
a criança.
Klo qu ente,
com todos os barulh os ti o mundo. Feli zmente!
Sem essa parte pulsaute, ativa, fáliea do amor materno, de onde vir ia o apelo da lingua gem , o é l a n da extirpação. essa ereção (sim, digo a palavra c a sub linho ) que lhes permitem m anter- se cm pé. a mãe e o bebê. e transcender para terceiros?"
(ibi d , p. 75).
Esta citação mostra não apenas uma reafirmação vigorosa da feminilidade constituída na linha masculina da inveja do pênis, como também uma desconfiança sobre a possibilidade tle uma 2 NO
OS ESTÂU IOS 1)A I)i: i‘liNl)KN CL\ E
KKl.ATIVA.S
mulher entregar- sc inteiram ente à maternidade, m esmo que por um período e, além disto, ser capaz de deixar a criança ser. Para W inn icott, contud o, a elab ora ção imag inai i\‘:i das funções gen itais m ostra que n gen italid íide reúne em si íuuiio d o que é pré-genital, e isto c mais verdadeiro para o lado feminino da natu reza humana. Existe uma fantasia e uma sexualidade femininas bási cas que têm sua src em na mais remo ta infância, funda da sobre a iden tificaç ão da menina com o lado fem inino da natureza human a: identificação com a mãe c, através dela, com a linhagem das mu lheres. Isto significa que os elementos pertencentes à menina têm mais participação na categoria do que os elementos do malhar menino na categoria homem. As fantasias relacionadas à genilali dade com pleta — o ser penetrada, a gravidez, o amam entar etc. que ain da são concret am entc longínquos, aparecem associadas, cm jo go s c nos sonhos, à ca pa cidad e da menina de iden tificar-se com a mãe e com a mulher. As idéias acerca da genitalidade, na menina, [...] alcançam sua expressão máxima por meio da identificação com a mãe ou com meninas mais velhas, que seriam capazes dc ter experiências e de conceber. O brincar da menina, na medida em que ela é verd adeiram ente fcm vmu t, c do tipo que mostra uma tendência à maternidade [...] (198K, p, 64; grifo meu). A identificação da menina eom o que sc poderia chamar uina “ linhagem fem inina” é um te ma rec orren te na obra dc Winn icott. Segundo ele, mesmo que se possa constatar, já no início, que a vagina de uma bebezinha fica ativa c excitável por ocasião da amamentação c das experiências anais, na verdade, "o funciona mento gcnital feminino verdadeiro tende a permanecer oculto ou até mesmo secreto” (1988, p. 64). Quando, mais tarde, o erotismo genital sc exacerba c aparece, por exemplo, numa masturbação compulsiva, normalmente “a fantasia c da ordem de recolher, do
4S A posição de Kristevn está em estreita consonância eom n cie Laean. Seg un do o psicanalista lYa ncés, a mãe nunca que r o bebê, ele mesmo; o que a satisfaz, no bebê, 6 o que ele representa, o fato. Para a mãe, diz Latan, “a criança está longe de ser apenas a criança, pois elu é também o talo (Lacan, 1994. p. 57). Em outra passagem, ele diz que “se a mulher encon tra, no bebê, uma satisfação, é precisamente na medida em que ela encon tra, nele, nlgunui coisa que acalma, nela, mais ou menos bem, sua necessi dade de falo {.. |" (ibid.. p. 70). 2.SI
A TE O lílA IX ) AMAU rKKÍ .IMKXIXJ l)lí D \V WJNNiCO IT
guardar segredo, do escond er” (úl em ). P or isso, qualquer de scrição aeerea da sexualidade feminina deve incluir as fantasias que a menina tem a respeito do interior dela mesma e da mãe. Diferente mente dos meninos, a menina é, muito eedo e ao longo da vida, levada a pensar e a sentir o interior du eorpo. A capacidade para guardar um segredo, por exemplo, é uma característica que per tence tipicamente ao lado feminino da natureza humana; sc uma menina não sabe guardar segredo, ela não poderá ficar grávida. l)o lado masculino, a tendência c lutar e enfiar coisas cm buracos. Se o menino não puder desenvolver esse aspecto agressivo de sua nature za, não poderá, mais tarde, deliberada men te, engra vidar uma mulher. A tese central de Winnicott quanto a cada mulher pertencer, desde sempre, à linhagem dc mulheres consiste em que, ao con trário do homem, que c uno e torna-se cada vez mais unificado, a mulher é sempre um trio. lí css'e trio que costuma ser representado na consagrada figuração, na pintura, das Três Graças, lixistem sem pre três mulh eres em cada mulher: a bebê men ina, a mulher-mãe e a mãe da mãe (19S6g, p. 150). Ou, em outra formulação: uma bebezinha, uma noiva de véu e grinalda c uma mulh er idosa (1 98 8, p. 65 , nota). São sempre as três, desde o início: quando a mãe cuida da bebezinha. ela o faz segun do os cuid ados que recebeu, ou sej a, com a mão da sua própria mãe, de modo que algo da avó passa a fazer parte da menina; quando, um pouco mais tarde, esta brinca c o faz, cm geral, cuidando de uma boneca, arrumando uma casinha, cozi nhando etc., aí está a própria mãe e a avó. Na adolescência e na ju ve ntu de, a m ulher desabroeha eom o fêm ea e, n esta, há um b ocado da menininha dengosa c frágil, assim como da sedutora que atrai o mach o, ta nto para a sexualidade co m o para t orná-la mãe. N a mulher idosa, enquanto a fêmea fenece, instala-se cada vez mais a bebeziuba, requerendo cuidados dos filhos já crescidos, além dc conti nuar a ser a mãe que cuida, agora, dos netos. Não importa se tem b ebês ou não , uma m ulher est á presente ness a série infinita, ela é bebe, mãe e avó [...). Isto a capacita a ser bastante enganadora. Pode ser aquela eoisinba doce paru agarrar seu marido, tornando-se uma csposa-mulher dominadora, e de pois uma graciosa avó . E tudo ;i mesm a coisa, porqu e ela já c om eça sendo tr ês , enquanto o homem começa eom um impulso tremendo para ser um só. Um c um, e completamente só, e o scr;i cada vez ma is (198 6/5, p. 150).
282
OS
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I)K1'KN1i Í:\CI.\ !•; !\I)K1'E.\I>K\CIA |IKI_VIIVAN
i)c qu alquer mod o, no qu e se refere à constituirão d:i identidade sexual, é preciso considerar ainda a bissexualidade, especialmente no âm bito da fanta sia e no que se refe re à capa cidade par a a ide nt ifi cação com qualquer um dos progenitures. Deixando tle lado outros aspectos que podem intervir, no caso particular, o principal fator a determinar essa identidade é o sexo tia pessoa pela qual a criança 011 seja, entre 0 desmame e o está apaixonada na idade crítica, (>(>). Emb ora seja ma is fácil e conv e período de latcncia (cf. 1988, p. niente, para o indivíduo, que ele sc desenvolva Jc modo p redom in an temente congruente com as características de sua constituição físi ca, “ a sociedade Lem muito a ganhar tolerando canto a homosse 110 desenvolvimento emo xualidade quanto a heterossexualidade cional das criança s” (id t t m ). Se o de senvolvimen to da perso nalidade do men ino v ai bem em outros aspect os, um a forte identificaçã o d ele com a mãe, e inclusive um comportamento efeminado, podem ter valor para a exploração de inúmeras potencialidades. Nas meninas, uma certa mas culinidad e c não ape nas tolerada co m o até espe rada e valorizada. Xo am adu recime nto em ocion al e insti ntual sa udável, além des sas identificações, as meni nas pa ssam efetivam ente por um m om en to em que se sentem interiorizadas por não terem pênis, de modo que o macho-dentro-da-femea está sempre presente, e c sempre importante, embora não seja necessariamente determinante. A in veja do pêni s não pode ser ignorada co m o fon te de mo tivações pod e rosas na menina e nxi mulher, e isto fica claro, sobretudo, na análise de neuroses cm mulheres, Por ou tro lado, a fem inilida de no menino, tanto quanto a sua masculinidade, c fundamental, embora seja variável em função de algumas características hereditárias, das influên cias am bientais, das ide ntif icaç õe s com os pais e dos padrões culturais mais amplos. Xo que se refere à identificação do menino com a mãe, c necessário distingu ir entre a s ua capacidade de id en ti ficar-se com a mulher, em termos da gcnitalidade feminina desta, e sua identificação com cia em seu papel de mãe. lista última é mais aceita pela cul tura, c men os prob lemática para a genitalida de mas culina do menino, pois está mais relacionada ao tipo dc fantasia do que à loca lizaçã o e à e laboração imaginativa dc funções corporais. Mas, 110 que se refere às meninas, mesmo quando desenvolvem sua fem inilidad e inclu indo a lgo da inveja do pênis — que pe rten ce à verte nte masc ulina de desenvolvim ento d a identidade se xual — , a 283
corre ção do “d ef ei to ’' não sc dá, com o cm Kreud, lend o um lillio d u pai, niíis pelo recon heci metiLo da dependên cia d o outro. W iun icod dcscrcvc a seqüência pela qual, cm condições normais, a inveja tio pênis c supe rada. Para defrontar-se cuni a supe rioridad e do m enino, a menina imagina que vai lhe crescer um pênis. Depois, pensa que já teve um, que lh e foi tinid o eom o castigo pela excitação. Xa seqüên cia, vem a idéia de que, já que não n tem, pode então usar um pênis por procuração, ou seja, algum macho pode agir por ela. Ela diria: "V ou deixar o macho me usar," Des te modo, o defe ito s erá corrig ido, mas ela terá de reconhecer que tle pe m lc do m ach o parit e star completa, lí desta forma, diz Winnicott, que a menina descobre o seu “genital verdadeiro" {1988, p. 63). Note-se qu e, enquanto o "gen ital verdadeiro” rem ete à fêmea — à noiva de vé u e grin ald a, do t rio de mu lhere s — , na linha estrita da elaboração que pertence à fase fálica do desenvolvimento sexual, a verdadeir a feminilidade, incl uída a genitalidad e, p ertence à linha do amadurecimento pessoal e, necessariamente, reúne a mulher-teinea com a mãe pote ncial, po r via da iden tificação da menina com a mãe e a linhagem de mulheres. Isto significa que, embora o macho-dentro-da-fêmea esteja sem pre p resente, e a inveja d o pênis seja um fato num dado momento do desenvolvimento da sexualidade, esse tipo de resoluç ão não dá con ta da ver dadeira sexualidade fem inina e. se a iden tidad e sexual da mulh er for co nsLruída sobre a pro ble m ática da inveja do pênis, o caminho será precário. A constituição da identidade sexual e as diferenças sexuais são elabor adas, por W innico tt. de ntro de um a teoria da sexua lidade que pertence à teoria da instintualidade, que faz parte, por sua vez, do proc esso dc ama durecim ento. Numa etapa mais tardi a de seu pensa mento, mais precisamente em 1966, e impulsionado pelo trabalho clínico , o auto r foi levad o a pe rceb er uma ou tra faceta da bissexua lidade e a formular os conceitos dc “elemento feminino puro” e “ elem ento masculi no puro” , ambos pre sen tes cm meni nos e meni nas, homen s e mu lhere s.4*' En ten do que o te rm o “ pu ros ” visa exata-
47 Esta nova formu lação já foi explicitad a no Capí tulo III deste estu do por ser :i mais acabada. também no que diü respeito íi questãu em pauta naijuele momento, a constituição da identidade enquanto tal; aqui, ela vem a propósito tle esclarecer melhor a questão da bissexualidítde, ein termos não sexuais.
284
monte significar tjnt-, embora estejam rclei idos .1 hi.s.s<-xualid.idc pres ente nu indivíduo h um an o
A TBO lilA IK ) AMAIH'RICt :i.\l £XTO Dli l) W. WLVNICOTT
C) insight que levou Winnieott a esse novo patamar de compre ensão teórica — pela constataç ão do fenôm eno que consiste n a presença, tanto num homem como numa mulher, de um elemento feminino ou masculino puro, do outro sexo que não o biológico, cindido da personalidade total — veio-lhe por ocasião da a nálise d c um homem dc meia-idade, casado, com família, e bem-sucedido em sua profissão (pa cien te FM ).50 Esse hom em já havia feito, anter iorm ente, uma longa análise na linha tradicional, e continuava buscando ajuda, pois sentia qu e alg o de muito impor tante não havia sido atingido. Num momento anterior à etapa, na análise, que lhe permitiu formular a questão em termos de elemento feminino puro cindido. Winnieott sabia já, pelas freqüentes fantasias compulsivas do paciente, de ser uma mulher, que seria necessário fazer uma exploração completa do que seria o si-mesm o fem inino q ue o habitava. A anál ise desse pacien te havia também exigid o, ante riorm ente , a regressão a um estado em que “ não Imvia nada 110 centro” (ef. 19S9vc, p. 42). Nessa ocasião, revelou-se que toda a sua vida havia sido construída na forma de reações a invasões que eíe, por assim dizer, colecionava, pois esse era o modo como conseguia sentir-se ativo e potente em várias áreas e níveis. Na regressão, teve de pôr muita coisa dc lado, inclusive a sua potência, pois esta acabou por mostrar-se inteiramente reativa. Após ter alcan çado e se mantido, durante algumas sessões, com o um nada — único estado tolerável por ter reconhecido que era o único real em sua vida — , o pa ciente co meçou a revelar-se de maneira positiva. Ao final dc uma sessão, cm que o tema ente foi exaustivamente dato sensaç ão de estar apertadam enro lado entre elaborado, as pernas efalou do efei disto em seus órgãos genitais e em sua capacidade de urinar, lím virtude do material de que já dispunha, Winnieott permitiu-se inter pretar que, provavelmente, quando bebe, a mãe arrumara-lhe as fraldas da maneira q ue seria apropriada para uma menina: o resultado disto fora, talvez, que ele nunca tivera a liberdade para urinar como um menino, e apontou-lhe que teria sido muito dife ren te se ele tivesse nascido numa caba na tia floresta e vivesse livrem ent e na selva. O pa cien te captou im ediat am ente o sen tido do que ser ia urina r livremente . Numa sessão posterior, o paciente disse ser essa a primeira vez, tio que
50 1’ara p ode rm os nos ref erir aos casos clínicos c ie Win nieot t sem ter de a ea dn vez descrevê-los, vou usar uma sigla pela qual se possa reconhecê-los, Kste easo será batizado de KM, por ser o exemplo elínieo ilustrativo do lexlo sobre elementos feminino e nuisuuliiio puros.
2,Ní>
OS K-S rÁ CI O S DA [»K I*liNl)jí.\ Cli\ E IN'l)KI’ lí\'l))i.\(.:L\ UlvI- ATIVAS
se recorda, cm que sentiu o pênis co mo sendo seu. “ Pareceu-lhe” , dix Winnicott, “eomo se isto fosse o início de sua potência, que nunca tivera, embora na realidade possua urna família” (ibid, p. 43). O mo do co m o o caso e voluiu, e a maneira que Winn icott aeliou de lidar eom a transferência, permitiu-lhe formular um novo aspecto do mesmo problema: a menma-dentro-do-meninn, ou o si-mesmo femi ele m ento fe nt in ino pu ro nino, neste liomcm, podia scr visto como um elem ent o que. em bora fizes se parte da s ua identidad e sexual, cüulitlo, não era propriamente sexual, e que havia sitio dissociado da personali dade numa época muito primitiva. Essa condição, assinala
A T1ÍOKIA IK ) AAIADrRKCLMUN TO 1)K 1). W WIXXU :c m '
(sabendo ser hom em ): sou uma garot a. N ão sou louco as sim. Mas você o disse e talou para ambas as partes do mim” (ül cm ). Num caso como este, é preciso que o analista seja capaz de acompanhar, tolerar e mesmo de propiciar, ao paciente, a experiêneia cabal d a iden tificaçã o deliran ie. “ Poder-se-ia dize r” , afirma W innieott, “ que o paciente est ava em bus ca do tipo certo dc aruilistu louco e, a fim de atender às suas necessidades, tive dc assumir esse papel” (ibiil., p. 148). Com respeito a esta nova compreensão, ele assinala que não havia, ah, |.. . |nenh um conce ito nov o. nenh um novo princípio da técnica. N a realidade, cu e o me u pacien te já havíamos percorrid o esse terreno antes. Contudo, tínhamos aqui algo novo. novo cm minha própria atitude e novo uni sua capacidade de fazer uso do meu trabalho ituerpreuitivo. [...] Dcscohri-me com um novo fio para uma velha urnm (ibid., pp. 136-37).
Voltando às questõe s mai s gerais pertinen tes ao estág io edípieo, deve-se dizer que, embora a criança esteja capaz de fazer experiên cias genitais, ela precisa esperar até a puberdade para te r a cap aci dade de rea lizar s ua fant asia, o que sign ifica que “ na fase gen ital, o eg o infantil é capaz d e lidar com uma trem enda quantidade de frus traçã o” (198 8, p . 62). O ponto central aq ui — e este 6 um dos aspectos que presidem a redeserição dc Winnieott com relação aos temas do litlipo c cia angústia de castra ção — é que a crian ça tem dc s c ha ve r com a impotência. Isto leva a que, desse ponto de vista, a presença de um pai interventor traz um grande alívio; o m e do à castr a ção p elo genit or r iva l t om a -sc imia alternat para a a go nia da im potê ncia " (198S, p, 62).
iva be m -vind a
Presumindo-se um bom começo, pode-se examinar as várias defesas usadas pela criança para lidar com as ansiedades proveni ente s tio com plex o de lidipo. Na relação triangular, ela " é apanhad a pe lo in stin to e p elo amor. lOsse am or envolve mudanças no co rp o c é violento. Um amor que leva ao ódio. A criança odeia a terceira pessoa” (19S8, p. 72). O menino pode estar enamorado da mãe e, como já vimos, a existência do pai interventor traz alívio para a agonia da im pot ên cia real. Mas este é apenas um lado da história. l)e outro, ele vive o doloroso conflito da ambivalência em que sc percebe odiando, desejando castrar ou matar o pai, e temendo a represália, cm termos do medo de castração do pai que ama e em quem confia, por estar apaixonado pela esposa deste . 2 SN
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Se ;i criança c saudável c os fundamentos do lar são sólidos, a ansiedade que advem desta situação pode ser tolerada, e cia acaba sem pre por recupe rar-se dos m om ento s de tensão insti ntiva elev ada. ( ) fat o c que o ódio pode agora aparecer livremen te, poi s “ ( ... |o que ó odiado 6 uma pessoa que pode sc defender e que, na verdade, já ó ninada” : c alguém “ {. .. ] capaz de sob revi ver, castigar e perd oar" (1988, p. 72). Sc for essa a experiência, devido ao pai fazer a sua part o, este começa , ent ão, a ser utili zado eo m o “ protótipo da cons ciên cia” . Incorporando o p ai que conhece, o m enino chega com ele a um acordo: dc um lado, perde algo de sua capacidade potencial instintiva, abdicando dc uma parte tio que vinha reivindicando: dc outro, desloca o objeto de amor para uma irmã, tia, babá, enfim, alguém monos envolvido com o pai. No melhor dos casos. |... | u menino estabelece um pacto homossexual eom o pai. dc modo que sua própria potência não é mais apenas dele. e sim uma íio-üfíexp r essão
51 Ü artigo tle Ricardo Kodulfo é. srcinalmente, unia conferência pronun ciada no IV Colóquio Winnicott. promovido pela ÍHHI-.N]’, em l‘W . e ainda uiio foi publicado. 2N<>
A TK< JRIA IX >AilA D C KK t XUKN Tl 11)K 11. W. W lXX IC t HT
hostilidade, íi raiva , e sem elhan te confusão, res ultante d o uso desses termos eomo se fossem sinônimos, levou a não poucas conseqüên cias para o trabalho analítico. Com demasiada rapidez, tomou-se a rivalidade dc um menino eom o pai como ódio parricida, sem sc colocar maiores problemas no que se refere aos matizes diferenciais {nem aoum fato que se .só põe. em condições de patologia severa e específica, m dcenino literalmente , a od iar o pai) (Rodolf o. 1 W ) . p . J) .
llá casos cm que as dificuldades da fase ctlípica advem já do estágio do concern imen to, com a criança tendo precisado ini bir o s seus impulsos instintuais por não con tar com a presença ativa de um pai que protegesse a mãe da impulsividade infantil. Foi este o caso do pa ciente B, protagoni sta do I í vt o Hol d in g c in ter pr eta ção (1986a). Sua problemática central, no segundo período de análise, estava rel acionada à problemática do estág io do conce rnim ento (cf. 198 6a. ]>. 2 1), além dc o paciente apresentar uma c isão da mente cm relação ao psiquc-.síHHíí. As conquistas referentes à capacidade para o concernimcnto haviam sido dificultadas não apenas pela relação difícil que for a estabelecida com a mãe, ma s também cm virtude do fato de seu pai ter sido mais materno do que paterno, não tendo conse guido fazer a sua parte quando o menino precisou que ele a exer cess e.52 Num ce rto m om ento em que <>pac iente B divaga int elec tua l mente sobre a proibição do incesto, Winnicott lhe diz: “Você está usando a proibição, pela sociedade, tio incesto entre mãe e filho, porque n ão consegue encont ra r o /tomem t/i/efi car áo u r e voc êe s u a m ãe. Isto significa que o seu pai não cumpriu a sua parte aí c você,
52 Este paciente c. stcvc cm tratamento por dois períodos, dos quais Winnic ott fez rel atos dc ses sões c algum as anotações clínicas Do primeiro período de análise, temos apenas a intro duçã o às s uas anotações clínicas, inseridas por Khan na Introdução ao livro llotdiwj c m tcr jtr etu çâo (1986a). Do segundo período, existem dois grupos de anotações: o primeiro data de l'J54 (l*JS5e) c é composto tle anotações que sc referem a seis episódios du análise: o se Holding e mferpnetiiçtm, que abrange seis gundo c o que compõe o livro meses tio segundo período da análise. Referindo-se ao primeiro período dc análise, Winnicott diz que o rapaz, na época “um caso tle esquizoitlia". o procurara dizendo que “não conseguia falar livremente e manter conversas info rmais , não tinh a imaginação ou capacidade para jogos, e q ue não con se guia fazer um gesto espontâneo , nem f icar excit ado " { 1980a, p. 22).
200
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portanto, não tem ódio nem medo cio homem, c está de volta à sua ariti^a posição: ser frustrado pela m ãe 011 desenvolver uma inibição interna" (1986a, p. 92). Numa outrn ocasião, referindo-se a uni sonho, o paciente diz: "Resumindo, meu problema é como encon trar uma luta que nunca houve. Xo sonho, a luta era o que estava faltando.” Winnieott responde: “Voeê não conseguiu o alívio que a situação triangular traz quando a criança está em confronto com o pai; o alívio de não t er tle l utar so zin ho co m a m ãe ” (?'/>/l\er uma inibiçã o geral. Voeê não poderia se ntir do r por um pa i que voc ê nunca ‘matou’” (ibid., p. 87: gritos meus). A te nsão inst intual, característica desse período, atin ge o auge em algum m om en to entre os três e os cinco ou seis anos, quando, então, é resolvida ou a rquivada, també m c m con seqüên cia do fen ôme no endoerlnológico de suspensão da tensão instintual na fase dc latcneia. Durante esse período, quando saudável, a criança faz todo o tipo de exp eriê nc ia nas brincadeiras, sonhos e fanta sias, ext raindo pr ove ito da identificação com os pais e outros adultos. As experiências pré-genitais c genitais imaturas, que estão ao seu al cance, incluem o corp o c os prazeres corporais que não dependem da ajuda de outras pessoas. Sc há suporte familiar e confiável, se alguém permanece presente, 291
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ma nten do a calma. a criança co me ça a dar-se conta dc que a passagem do te mp o — algu mas h oras 011 , talvez, minu tos — traz o alívio para praticamente tudo, por intolerável que pareça. A sexualidade infantil, diz Winnicott. é algo bem real. Pode estar ou não madura à época cm que as transformaçõe s da latência ap-tr ecem trazend o alívio. Se a se xualidade está imatura, perturbada ou inibida ao fina! desse primeiro período de relacionamentos interpessoais, assim ela ressurgirá, ima tura ou inibida, na puberdade (1988. p. 75).
7.
A pu berd ad e e a adolcsecneia
Se, à época da puberdade, a sexualidade não estiver madura, o indi víduo não estará capaz de enfrentar as importantes e difíceis mudan ças físicas as sociadas a essa fase e ao próp rio am adu recim ento pessoal que eelode na adolescência. Mesmo para a criança saudável, não Ilá eomo escapar das ansiedades decorrentes dessa passagem, mas o modo como o indivíduo lidará com elas depende essencialmente tio padrão que foi estabe lecido an teriormen te, na infância. A criança que foi bem cuidada está habilitada, até certo ponto, a tolerar os senti mentos novos e as estranhe/.as advindas de mudanças corporais que são independentes de sua pessoa, assim como a evitar, recusar 011 defender-se das situações que envolvam ansiedade intolerável. Desse padrão adquirido, que c em grande parte inconsciente, participam também os resíduos dc alguns dos inevitáveis fracassos dos primeiros tempos. Por outro lado, 6 grande o auxílio que o indivíduo aufere quando a puberdade fornece um potencial para a potência masculina, e sen equiva lente nas meninas, 011 seja, quando a geuitalidade plena já sc tornou uma característica, por ter sido alcançada 11a realidade do brincar durante a idade que precedeu o período de latência. No entanto, uos púberos não se enganam com a idéia de que os impulsos instintivos sejam tudo, e, de fato, eles estão csseneialmeiuc preocu pados com ser, com estar em algum lugar, com sentir-se reais e adquirir algum grau de constância objetai” (1971Í, p. 20). Nada, contudo, assegura ausência de problemas: Não há cura para a puberdade ou para a adolescênc ia, e a única coisa a fazer c dar te m po ao tempo e sobreviver à turbulência que poderá, inclusive, ser tanlo maior quanto melhor tiver sido o começo, uma vez que o sentido de liberdade c tle riqueza pessoais não tornam as coisas mais simples. J ‘ >2
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Ma puberdade, às importantes alterações devidas :u> cresci m ento físic o e ao desen volvim ento da sexualidade, acrescenta-se a cap acid ad e física para a expe riênc ia ge nita l c para matar tl e verdade (cf. 1965ve, p. 66 ). Ou seja , sur ge uma potên cia nova e assustador a, uma vez que aquilo que pe rtenc ia ao dom ínio ti a fantasi a pode ago ra tornar-se realidade concreta: o poder de destruir, e até de matar, a possibilidade dc prostituir-se, engravidar, enlouquecer com drogas, suicidar-se. Uni outro pon to a mencionar — c nisto a psicol ogia do adoles cente pode ajudar muito a entender a natureza do sofrimento psicó tic o — são as angústias típicas da adolescência, que repetem as dos estágios primitivos: o adolescente é, tal como o bebê, essencialmente isolado, lí, tal como 110 bebê, é apenas a partir desse isolamento que cie pode se lançar e \ir a estabelecer alguma relação sentida como real. O fenômeno dos grupos na adolescência é o tle uma coleção de indivíduos isolados que tentam formar um agregado em torno de algum inte resse ou preocup ação comu m, estando o s i-mesmo pes soal recuado e protegido. () isolamento está também associado a um traço da sexualidade, mais pre cisam ente tia indefin ição sexual: o menin o ou menina não sabe ainda, a não ser que padrões ambientais forcem a defin ição , sc será heterossexual ou homossexual. I lá um lon go pe río do dc inc erte za durante o qual , em geral, o cor re uma ativi dade ma sturbatória irrefreável, que deve ser entendida não tanto co m o uma atividade sexual, mas co m o uma manei ra de livnir -sti d o se xo. O m esmo pode s e dar co m as experiê ncias heterossexuais ou homossexuais que, lon ge tle constituírem uma forma de união entre seres humanos completos, consistem bem mais numa descarga de tensão. Quando há imaturi dade na vida instintual, existe o risco tle doença 11a personalidade, 110 caráter ou no comportamento. Xeste caso. é preciso lembrar que o sexo pode operar como 11 ma ./hnção p(trcüd, de tal modo que, ainda que o exercício da sexualidade /x o v ç í i estar funcionando bem, a potência tio rapaz 011 da moça pode acabar depauperando o indivíduo, ao invés de enriquecê-lo (1971 f, p. 21). O que aponta p ara o fato dc que o ad olescente repete os padr ões tios estágios primitivos é que cie padece do sentimento tle irreali dade, e sua principal luta diz respeito a sentir-se real. lixiste, nele, uma m orali dade rígida, não em term os do que foi socialmen te esta belec ido com o born e mau — exatam ente o que ele des preza e contra o que se rebe la — , mas em term os do que é sentido co m o real !
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o do que é sentido como falso: o adolescente não aceita lalsas solu
ções. () pior l!c tudo, o insuportável, é a traição a si mesmo. Tal com o o psicótico , o ado lescen te não pode transigir. Uma curta aqui escência, que é própria da saúde e necessária para a convivência, torna-se uma ame aça dc ex tinç ão } essoal (196 2a, p. 1 60 ). Esse período é particularmente difícil para o indivíduo, que, não tendo tido um bom início, carrega consigo a ameaça da desintegração, porque íi adolescência arrasta-o para perto do colapso. Para o indi vídu o que, ao contrário, teve um bo m com eço, o tempo se encarrega de muitas coisas, caso o ambiente familiar sobreviva e permaneça confiável. l.)e qualquer modo, durante toda a adolescência, haverá certamente problemas agudos de manejo e necessidade de suporte firme e confiabil idade, uma ve z que cr escer significa ocupar o lugar do genitor: “Na fantasia inconsciente, crescer é inerentemente um ato agressivo . [. .. ] Se a criança tem de se tornar ad ulta, en tão essa transform ação se fa rá sobr e o cadáve r de um ad ulto ” (19 69a , p. 195).
8.
A idade adulta
Tendo passado relativam ente incólume pela adolescência, 6 possível discriminar ao menos três tarefas que, imbrieadas uma na outra, esperam o indivíduo na vida adulta. Mesmo para quem teve um bom com eço, a prim eira tarefa ó a de continu ar amadurecendo c manter -se vivo, mesmo na velhice, até a morte. Isto depende, naturalmente, da preservação da criatividade srcinária, da eapaeidade de deixar-se ating ir pe los acon tecim ento s e de continua r a sc surpreender. 5,1 Ao
53 Para tanto, é preciso preservar a sensibilidad e. Winnicott conta q ue. guan do trabalhava como médico pediatra, no ambulatório do Paddin^tou Grcen Hospital, foi promovido à tarefa dc cuidar dos leitos, c isto significava staniK. Diz ele que. sem saber muito bem por que, recusou. Conseguiu permissão para fazer uso dos leitos quando necessário, mas passou os inter nados para o seu assistente. Sou be, cm segu ida, por q ue estava fazendo is so: "O sofrimento de bobes c crianças pequenas numa ala do hospital, mesmo cm um m uito bom, 6 alg o terríve l, líntrar na enfermar ia me pertu rba muito. Se eu ino tornar um médico de pacientes intentados, terei de desenvolver a eapaeidade de não me deixar perturbar pelo sofrimento de crianças, do contrário não serei um médico eficiente. Portanto, vou n»e concentrar cm meu trabalho do ambulatório e em não me tornar insensível com a finali dade de scr eficiente" (1987b, p. 146).
294
Oh ESTAI HOS DA Di;i’K.\DKN<:iA li IN1)ICI,I'-X1)I:,.V(;]A )Utl„\TIV.V>
mesmo tempo, se pôde fazer a experiência de onipotência 110 m o mento apropriado, o indivíduo, com a maturidade, desiste dc scr o volante e adota :i posição mais confortável de ser unia peça 11.1 cii.hunagem, mesmo porque, a essa altura, não será o lugar que ocupa na sociedade que lhe dirá quem elo é. Mas sc cie não começou a vida fazendo essa pequena experiência dc ser onipotente, ele pode im nar-se alguém que precisa exacerbar a onipotência, a criatividade e o controle; algo assim como “tentar vender ações indesejáveis de uma companhia inexistente” (1986h, p. 39). O adulto maduro, ao vou trário, c capaz dc objetivida de sem pe rder o con tat o com a riqueza do mun do subjetivo; pode fazer conce ssões sem sentir-se roubado em sua espontaneidade. A saúde está re lacionada co m a condescend ência e a impostura, e quando o amadurecimento transcorre favoravelmente, “o indivíduo torna-sc capaz de enganar, mentir, negociar, aceitar o conflito como um fato e abandonar as idéias extremas de perfeição do seu oposto, que tornam a vida intolerável. O compromisso não eé uma característica dos insanos" (1988, p. 160). A segunda tarefa consiste na aceitação da impotên cia e da imp er feição. A s pessoas, diz o autor, tôin de aceitar o que são e aceitar a história de seu amadureci m ento pesso al, juntam ente com as inf luê nci ii s e ati tudes am bien tais l ocais; e las têm tle cont inu ar v iva s, c vivendo, tent ar se re lac io nar eom a sociedade de modo a haver contribuição nos dois sentidos ( l l.W6£, p. 147) .
Ter dc encarar im perfeições d o eu c do mundo, ta! com o são, acar reta, muitas vezes, fases de depressão. Mas quando não é mutiladora, ou ligada a distúrbios psicóticos, a depressão é um estado de espírito próprio das pessoas verdadeiramente responsáveis, das que realmente têm valor, lilas se deprimem ju stam ente porque são cap azes de ver e aceitar a precariedade da condição humana e o fato de que o mundo jam ais é tal qual o imaginam os; também por perceberem , claramente, que a sua capacidade dc amar e de construir coexiste com o seu próprio ódio, maldade e destrutividade. Nestes termos, a depressão é inerente à vida e à maturidade. Isto pode ser terrível, mas não scr capaz de duvidar ou de s ofrer perturbaçõe s é uma con dição ainda pi or. O s ent ime nto de dúvida está mu ito próx imo do se u antôn imo, que é a crença, c do sentimento dc que há coisas que vale a pena preservar (1965 o, p. 6«S). Muito provavelmente, o so frim ento maior do univers o hum ano c o s ofrim ento das pessoas norm ais ou saudáv eis ou maduras: 295
A TK IJR IA 11<) AM A l) fR W 3 \ IK M X > 1HÍ li. W. W IX X IC O T T
"In felize s somos você o tu que. u ni certa fase, estamos con scient es da falta daquilo que é essencial ao ser humano. c]iie é muito mais impor tante tio que comer ou do que a sobrevivência física” (1986h, p. 35). Tudo isto está vinculado à terceira e. talvez, mais im portan te e difícil das tarefas da idade adulta: a dc poder envelhecer e morrer. Neste ponto, aparece de forma cabal o fato de que a integrarão não pode jamais ser alcançada por completo. (.) que falta, sempre, ao home m, é o seu pró prio fim. Em outu bro dc 1970, pouc o antes de sua mor te em jan eiro de 1971, falando pa ra uma associação de assisten tes sociais para crianças desaju stadas, Win ni co tt fala de um tipo dc cre sci me nto que é "para m en or” : “ Se eu tiver urna vida razoavelmen te longa, espero encolher e tornar-me suficientemente pequeno para passar pelo estreito buraco chamado morte” (19H4g. p. 225). Mas aprender a m orrer só é possí vel par a alguém q ue vive u e teve experiê n cias. K só c possível ter vivido e permanecer vivo tendo alcançado o estado unitário quu permite dizer EU ISOl'. Apenas a partir desta con diçã o c poss ível tanto vi ver eom o morrer. Não h á m orte, diz Wiimieott, exceto considerando-se urna totalidade (198-lh, p. 4S). Quando há um sentido de inteireza na integração pessoal, islo traz consigo |...] a possibilidade e re alm en te <í ceifes * c da m orte , e, com a acei tação da marte advem um grande- alívio, alívio tio medo das alter nat iva s. tai s co m o a desinte gração mi os fantasmas — ou soja, a sobrevivência du fenômenos uspíritas, para depois da morte da parceria psicossomática (ibid.. p. 'I S ) 51.
Temível é a m orte interna. Mesmo quando sadio, ningu ém está a salvo de pe rder aqu ilo que o liga à v ida e ao sen tido da v ida. A pergunta sempre p erman ece: “ For que a vida criati va po de scr perdid a e por que o sentimento do indivíduo dc que a vida é real e significativa pode desaparecer?” (19 7 Ig, p. 101). Agrad ecen do a uma de suas pacientes n expressão “ morte fenom êniea” . W innico tt afir ma que muitos ho mens e mulh eres passa m a vida se pergunta ndo se, par a cies. o suicídio seria a solução; ou s eja, ent rega rem o corp o a uma mo rte que já sobre veio à psique" (1974, p. 74).
54 W inn icot t n ão teve filhos e, no fi nnl da vida. sabendo-se j;í m uito d oe nt e e dispo ndo d e m uito poueu tcrnpo, e le escrev eu i|uc “ |...| é d ifíeil para im i honrem morrer quando não teve um filho para matá-lo na fantasia e puder sobr eviver a ele, prop orcion and o assim a única con iiiiuuü idc que us lunuen.s conhecem" (ef. (ilarc Winnicott. JV8S. p. .1)
29í,
BI'I:XJ)KX( !IA Ji IMJKIMíNDÈXCIA I4KI ATIV.VS
9.
A volta à srcem
C) processo dc amadurecimento começa com o "primeiro desper tar” . Agora podemos per gunt ar: onde c eom o ele termi na? lírn S utiirvs a I mm inut. W innicott tenta jun tar es ses dois m o mentos extremos do existir humano. Referindo-se ao início do am adu recimento, ele perg unta: “ Qua l é o est ado do indiv íduo quando o scr em erge do inte rior do não- ser ? Qual o estado funda mental ao qual todo ser humano, não importa u sua idade ou as experiências pessoais, teria de retornar sc desejasse começar tudo de n ovo ?’1A sua resposta c tão simples qua nto inesp erad a: se f os se r e com eça r , o in d ivíd u o teria d essencial.
e r etor n a r u o es ta d o de solid ão
Pois, no início, diz Winnicott, há uma solidão essencial
(198H, p. 153). Ta lvez devamos ente nder qu e a vida humana se constitua numa tentativa dc esquecer essa solidão. Tentativa sempre frustrada, já que a solidão essenc ial perma nece vid a afora co m o o fundo oculto, intocável e indizível, sombra do nada, inscrita no seio mesmo da srce m , c eom a qual “ não há nenhuma comun icação com o inund o não-eu, em nenhum sentido” (I965j, p. 172). Winnicott não se cansa de enfatizar a necessidade que temos [... | tle recon hec er e sse aspecto da norm alidade: o eu central que não se comunica, para sempre iuuiiie ao princípio de realidade, para sem pre si lenci oso. Aí a com unicação é não-vc rbal : é eom o a mú sica das esferas, abs olutam ent e pessoal. Pertence ao estar v ivo . li, normalmente, c daí que se srcina a comunicação (1965j, p. 174).
Afirmação surpreendente, que npontn para uma dimensão tle isolamento, inatingível par a qualquer aco ntec im ento mundan o, ine rente, 110 entanto, ao estar vivo. Winnicott diz ainda que, [...| eom ex ceçã o cio próp rio início, não ha verá jam ais um a rep ro dução exata dessa solidão fundamental c inerente. Apesar disto, pclíi vida afora do indivíduo, continua a haver uma solidão funda men tal, i neren te e i nalterável, ao lado da qual co ntinu a existi ndo a inconsciência sobre as condições indispensáveis a este estado de solidão (1988, p. 154).
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TEORIA IXI AMAWKBta.UKMX) 1)K l>. W. WIXNIUWT
C) que pode m os com pre en der daí? A fras e “ |...) com exc eçã o do próprio iníeio [...]” remete à afirmação dc que “no iníeio, há uma solidão essen cial” . A solidão ess encial do iníeio ser á. portanto , ultra passada, transpo sta, em alg um sentido, uma vez que “ não haver á ja mais uma re pr odu çã o exata dessa s oiidão fundamental e inere n te”. No entanto, ao mesmo tempo em que o estado dc solidão ine rente se altera, algo dele permanece c co nti nua a h a ve r u m a s olidã o fundamental. Trata-se, portanto, de uma cisão, uma cisão básica, que está na raiz mesma da existência humana e que permanece "incurável": enquanto algo se mantém como um fundo intocável, eternamente solitário, uma outra parte do indivíduo c lançada na luz do mundo, para que possa nele habitar, para que a vida, que inclui viver na proxim idade das coisas e co m -ou ut ro , possa se insta u rar e a contecer. O indivíduo só “ sabe” dc sua solidão essencial quando, pela exper iência d o "pr im eiro d esper tar” , a vida se imiscui na extrem a quietude do iníci o: “A ex periência do prim eiro despertar dá ao i ndi víduo a idéia de que existe uni estado de não-estar-vivo cheio de paz, que poderia ser pacificamente alcançado por meio de uma regressão ex trem a” (1988 , p. 154). E embora o bebê, ou o feto, não tenha nenhuma capacidade para se preo cup ar com a mo rte, ' de ve existir em qualqu er bebê a c apacidade de sent ir-se conc ern ido pela solidão d a pré-depen deneia, já que est a foi de fato experim enta da" (ibid., 155). O que tudo isto tem a ver com o momento final do processo de amadurecimento? Dc novo uma resposta surpreendente: o mesmo que o estado inicia l. “ Mu ito do qu e é dito e sentido acerca d a m orte refere-se, na verdade, ao e s ta do a nterior ao es tar vi vo [ídiwne.ss), no qual o estar so zinho é um fato e a depen dência ainda se encontra mu ito longe dc ser descoberta" (uletn, grifo meu). Winnieott identifica o final do processo de amadurecimento com o momento inicial, Com isso, o amadurecimento no seu todo fica caracterizado co m o um proces so de retor no à srcem , com o um movimento circular que volta ao lugar dc onde começou. Ele não deixa dú vidas: o estado ante rior ao da solidão essencial é um estado de não-estar-vivo. É para es te esta do, q ue T. S. Elio t ehar nou “ pura simplicidade, custando nada menos que tudo”, que o indivíduo humano necessariamente retorna. A vida humana consiste, portan to, num interva lo entre dois estados de n ão-estar-vivo; “ O p rim eiro 298
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E LV n iiPE X n K » :I A KKIATI V.VS
dos dois, a partir do qua! emerge o estar-vivo, dá colorido às idéias que as pessoas cost um am ter sobre a segunda mo rte (lyS S , p . 154).S5
[ sccouí
/ <ítót
Segunda morteV A primeira está antes do iníeio, do onde o ser em er ge do n ão-ser u. a pa rtir daí. to do o p cru urso é um ca minh ar na direç ão da segu nda. Ilá um nada antes do eorneeo e um nada depois do fim. A vida s e cons titui do inter valo e nt re esses dois nad as. Mas a vida não reina, plena, como um acontecimento imune a esses dois nadas. Eles a atravessam dc ponta a ponta. E por essa vineulação fundamental, que “o prazer da companhia só existe como um am adurecim ento a partir do isolamento essenci al, o isolam ento que p. 116). reaparece quando o indivíduo morre” (1984b, Na m orte , que é o grande retorn o. n solidão essencial se fechará sobre si mesma, completando o ciclo da vida. Enquanto o indivíduo estiver vivo, ela permanecerá como o fundo, como a reserva iueonfigurávol que entrega o homem à tarefa de existir como história inédit a e pess oal, sem apoio em nenhuma determinação, sustent ado tão-somente na ilusão de poder criar. Permanecerá também coino matriz de todas as possibilidades de retorno, de recuo do indivíduo que, quando é saudável, sente necessidade de descansar da tarefa de existir c de ter de, permanentemente, separar a fantasia da reali dade, o subjetivo do ob jetiva m en te percebido . A solidão essencial é a única verdadeira e desconhccidamcnte almejada quietude, a que mais se aproxima da con diç ão de pura sim plicidad e que custa nad a menos Na que aba tudo. interna tio caderno em cjuc Winnieott começou a escre ver sua autobiografia, cujo título seria Nad u m e n os (fuc tudo, encon tra-se um fragmento dos Qua tr o ifiiurtcto s, de T. 8. Eliot:-'" O que chamamos começo é freqüentemente o fim li chegar a um fim é cheg ar a um com eço O fi m é tl e ontle com eçam os.
55 Na edição brasileir a deste texto, a express ão “segun da m orte ", t io ori ginal "aecund ilcc til t", não aparece, tendo a frase sido assi m traduzida: "A vida de uma pessoa consiste num intervalo entre dois estados de não-estar-vivo. O primeiro dos dois. a partir do qual emerge o estar-vivo, dá colorido ás idéias que as pessoas cos tum am ter sob re o se gu nd o" (ef . LMiStS, p. 15-Jj. 56 T. S . Eli üt, m o , pp. 144 e 14 5.
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10. Breve comparação da teoria do amadurecimento pessoal com a teoria do desenvolvimento das funções sexuais da psicanálise tradicional Elaborada a partir c ia exp eriênc ia tio autor com bebês c psic ótico s, a psicanáüsc w innicottiana é baseada na teoria cio amadurecimento pessoal, que dá destaque especial às tarefas primitivas de cousLimição do si-mesmo e de acesso aos sentidos dc realidade. O que está aqui cm pauta é o bebê no colo da mãe. A psicanálise tradicional, desenvolvi da a partir do estud o c do tratam ento das neuros es, ba seia-se na teoria do desenvolvimento da sexualidade, em termos das relações dc objeto guiadas pelo princípio do prazer, que privilegia o 11a cama da m:1e.ST lintre estes complexo de Edipo, ou seja. a criança dois quadros teóricos da psicanálise existem diferenças fundamen tais. No que se refere aos pressupostos teó ricos , algum as dessas di fe rença s já foram mencionadas 110 final do (Capítulo 1. Aq ui, ress alta rei alguns pontos diferenciais entre a teoria winnicottiana do amadure cimento pessoal e a teoria tradicional do desenvolvimento das fun ções sexuais. Segundo Winnicott, a teoria do desenvolvimento das funções sexu ais desconsidera as etapas inici ais do a mad urecim ento, pres su pondo, como ciadas, certas aquisições relativas à estruturação da personali dade; a cons tituição da real idade do si-mesmo c do mundo externo, Essas conquistas iniciais não podem, dc modo algum, ser dadas por supostas, nem podem scr vistas como uma decorrência automática do crescimento. K a experiência de lidar com essas tarefas do amadurecimento e o sucesso na resolução delas que cons titui os fundamentos da saúde psíquica. A psicose consiste exata mente no fracasso cm realizá-las e, neste caso, não haverá nem ao menos um indivíduo que, respondendo por um eu, possa enredar-se em conflitos intrapsíquicos, chegando a padecer das vieissitudes próprias da vida instintual e das relações interpessoais. Uma outra distinção entre o paradigma maturacional dc Winni cott c o paradigma edípico da psicanálise tradicional reside cm que,
57 O "bebê 110 colo du niiie” c a "‘criança na cama da mão” são expressões criadas po rZ . L oparie paru definir, respeeiivameute, os exemplares para dig mát icos da teoria vinn ieo ttia na e da freu diana (e í. L oparie , 19*>7;i|
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US KST.ÚaoS DA DliriiNDÉXUlA K l.\lil-;i'i:\l)í-,M :1A l«KI..\Tl\.VS
na base da compreensão freudiana {las neuroses está o conflito psí quico cujo fundamento teórico é a dualidade pulsional. Kreud não podia mod ificar este con ce ito sob p ena de pôr a perder tod o o ed ifício teórico d a p sic a n á lise .P ar a Winn icott, no entanto, q ue sc move cm outro horizonte teórico, nãoc necessário conceber forças pulsionais em co nflito para pôr a vida em m ovim ento e dar sust entação teórica às dificuldades, impasses e distúrbios, mesmo os mais primitivos. () que impulsiona a vida c o psiquismo c o próprio fato de o bebê estar vivo e carregar em si a tendência inata à integração; é desta ejuc deco rrem as taref as e as necessidades vita is. Te r que con tinua r a scr e amad urec er põe já o indivíduo fre nte a desafios e dificuldades suficientes, tendo em vista, sobretudo, sua situação de dependência extrema dos cuidados ambientais que podem, human amen te, fal har a qualquer momento. Não é necessário, portanto, postular conflitos instintuais c afetivos para explicar as angústias primitivas do bebê. A teoria freudiana concebe o desenvolvimento cm termos do desenvolvimento d a s f u n ções sexiu tia . Isto deriva da tese central de Kreud de que as neuroses são distúrbios, relativos a um conflito sexual. O tema central do con flito c o com plexo de Edipo, e é no in terio r da resolução do com plex o que sc dá a constituição do sujei to. Mesmo quando Kreud, ao tentar responder aos impasses teóricos colocados pela sua teoria do nareisismo, passa a sc interessar pelas psicoses, as questões que ele formula derivam do mesmo campo configurado para a inteligibilidade das neuroses. A insuficiência tle sua teoria das psicoses já está instalada nos pressupostos: não tendo como admitir mu domínio de problemas que escape ao conflito pulsional, Freud precisa encaixar, nesse domínio, as patologias psi cóticas. Segundo W innico tt, entretanto, o ama durecimento não diz respeito a funções isoladas, mas exatamente à integração numa inteireza e à tendência dc existir como uma unidade. Embora o amadurecimento pessoal inclua a integração gradual tia instintuali dade e o des env olvim ento da sexualidade, não c nesse do m ín io que o indivíduo sc constitui, Existem pessoas que, tendo tido seu amadu recim en to in terrom pido cm fases primiti vas, jam ais alcanç am maiu-
5H Cf. Kulgcncio. 20 0 ], Parte II I, Ca pítulo 2 , item A , so bre a dua lidade pulsioiial enquanto fundament o do ponto de vista dinínnieii, que, para Freud. ilisi im;u,. a psicanálise de outras psicologia s (ver, também. Kreud. 1 ') l/ím. p. 2 11). Km,i perspectiva também foi tratada em Simanquc. 1 W I. Capítulo 3 .
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ridade suficiente para padecer dos problemas inerentes à situação edípica. Pela teoria winnicottiana, é preciso haver antes um indi víduo para que algo eomo a sexualidade humana possa acontecer. listas são algum as das razões p ara Win ni co tt afirm ar que , em bo ra seja muito mais fácil descrever os processos maturacionais em relação às funções instintuais, do que cm termos do ego e dc sua complexa evolução, não há mais eomo evitar a segunda alternativa (l*->71f, p. 21). l*ode-se ilustrar o modo eomo. na teoria do amadure cimento pessoal, Winnicott faz prevalecerem as conquistas do ego sobre as funções sexuais, c de que modo essas conquistas são vistas como condição dc possibilidade para a vida instintual. Retomando um aspecto do desenvolvimento da instintualidade dentro do pro cesso de ama durecim ento — a progres são d a dom inàneia inst inti va, dc acordo com as funções env olvidas e com a elaboração imaginativa dessas f unções — , W inn icott enum era as fases prc-gen ital, fálica e gcnital eomo sendo as únicas importantes a serem consideradas; para cie, a subdivisão das fases, proposta por K. Abr aha m — oral e ró tica e oral sádica ; anal er ótic a c anal sádic a etc. — , tem a lgo de essencialm ente insatisfatóri o, já que consiste na aplicação, ao s está dios primitivos, do modelo de progressão que vai do pré-genital ao gen ital e im plica olhar o la eten te a pa rtir do que já sabem os sobre a crian ça que anda ao invé s dc olhar para o bebê cm sua imaturidad e. Mas o ponto central da objeção dc Winnicott consiste no seguinte: não é a fanta sia da ati vidade oral que é, do início, e ró tica — ou sej a, não sádic a, pré-ambi vale nte — c só depo is sádi ca, destrutiva c am bi valente. K o heb êipte , an uu h t rece nd o, t ri m af onr iu -se da in cu m pcu k A instauração da ambivalência está relacio cido em compculccúlo. nada com mudanças maturacionais do si-mesmo e não com o desenvolvimento das funções instintuais. Seja qual for a fase do processo, o caráter de amadurecimento pessoal permanece. \’o estág io cdípieo , por exemplo, a v ida inst intual acresc ida da chegada à genitalidade farão com que a sexualidade ganhe proeminência. lista posição, contudo, não c estruturai, mas característica desse estágio. Os distúrbios neuróticos são, tal como l*Ycud os descreveu, de caráter sexual, mas por estar às voltas com a questão edípica e assolado pelas turbulências instintuais que a acompanham, o indi víduo não sc torna um scr em ine nt em en te instintual ou sexu al. Suas questões, enquanto pessoa, continuam ein pauta, e tanto quanto antes, a sexualidade não o define nem o constitui. \a situaçao ulí .102
OS KSTÁCIOH 1),\ l)KI'KNI)KXt:i.\ K INDIiHiXDKXl ILA RKLVTIVA.S
nica, o tera peu ta prec isa contin ua r a ma nter, pai a si mesm o, a questão dc saber se já existe ali alguém, um eu. que está lá par a ser en con tra do , que sc si nta vivo e capaz de dar signific ad o à vida insti n tual e à sexualidade, ou se, independentemente do conteúdo com que o indivíduo reveste a s ua imatu ridade — uma falsa novela fa mi liar, por exem plo — , é preciso estar atento às condições q ue faci litem a constituição tio si-mesmo primário. Diferentemente da psicanálise tradicional, as conquistas do amadurecimento não ocorrem automaticamente. O bebê humano depende, até para chegar a ser um bebê, da presença concreta o contínua dc 11111 ambiente faeilitador. ü processo, no início, não é intrapsíquico, mas interpessoal, embora, no início, num sentido muito peculiar. A dinâmica do amadurecimento, por se dar numa relação dc dependên cia abs oluta do bebê eom relação ao ambiente, não re sul ta exc lusiv amente, nem mesm o principalmente, dc fatores internos ou constitucionais, mas da faeilitação ambiental. Além disto, a relação primária eom a mãe-ambiente não é, dc início, objetai. O bebê ainda não é uni eu unitário, que já tenha uni mundo interno, no interior do qual estaria ocorrendo o conflito entre objetos internos bons e maus; ele tampouco sabe da existência de um mund o ex tern o ou de objeto s externos. Bem no início, a “ rela çã o" com a mãe não c nem m esmo dual . tendo de ser descrit a com o uma unidade bebe-mãe, de dois-cm-um. lí no interior dessa relação .siageneris, cuja realidade é subjeti va, que se dá o i níe io do co nta to com a realidade externa, que o bebê não sabe ser externa. Não sendo nem mesmo dual, a relação c muito menos triangular. Também não se pode dizer que c erótica, pois o bebê não c regido pelo princípio tio prazer, mas pel a nece ssidad e de ser , de sentir -se real c dc ch eg ar a exis tir num mundo real. Par a tanto, o que cie ne cessita é da conf iab i lidade da mãe, da comunicação pessoa! com ela, da intimidade, da oportunidade de criar o mundo. Com relação às raízes da agressividade, é fácil perceber o desa cor do de Win nie ott co m relaçã o ii teoria freud iana. Par a o Freud tia primeira tópica, a agressividade humana tem início como reação às frustr ações no con tato com o p rincípio de real idade. Est a teoria, 11a visão de Win nieo tt, não dá conta dessa s raí zes, 11111a vez que “a raiva contra a frust ração não surg e su ficienteme nte c ed o" ( ] 9S.S, p. 99n). Ou seja, o bebê não está sufic iente m en te am adurec ido nem pa ra ter desejos, nem para ser frustrado, e tampouco para sentir raiva de 30.1
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alguma coisa que lhe seja externa, uma voz que ainda iiílo tom o sentido da externalidíide. Fxatamente por não ter examinado as questões que re gem as etapas inici ais do amad urecimen to, a te oria freudiana desconsidera duas importantes raízes da agressividade: a destrutivi dade que é inerente ao impulso insti ntuai prim itivo — já em 1939, W inn icott dizia que o bebê morde quando est á excitado e não quando está frustrado (1957 d, p. 92) — c a reação à s invasõe s ambientais que interrompem a continuidade dc ser. Para Kreud, os mecanismos mentais de projeção c introjeção estão ativos- desde o início e são eles que movem o psiquismo. Para Winnicott, as bases da saúde psíquica não repousam sobre meca nismos mentais, nem as tarefas iniciais e as suas soluções são refe ridas à mente ou a proces sos mentais. Ilá muitas conqu istas a serem feitas antes que estes entrem em ação. Ao con trário, se os proce ssos menta is fore m levados a funcionar proo ocem ente , antes que alguma integ raçã o psicoss om ática se estabeleça e antes que algum “ saber7’ — dc ca rá te r ox porienc ial e não m en ta l — se co nstitua, isto terá caráter defensivo patológico e levará ao estabelecimento de um distúrbio de tipo esquizofrênic o. Além disto, os mecanismos mentais são concebidos, pela teoria tradicional, segundo uni modelo corpóreo de incorporação c excre ção. A concepção winnieottiana da criatividade primária exclui a idéia de um psiquismo humano construído na base dc projeção dc objetos previamente introjetados, ou seja, digeridos, reproeessados e expelidos. l'ni elemento teórico importante no fundamento desta diferença consiste em que, para Freud e, de forma exacerbada, para Melauie Klei n, o juízo de atribuição (bom e mau) precede o dc e xis Lust-Ich, tência. Por isso, a constituição do o eu-prazer srcinário, pode ser pensada em termos dc projeção do que é mau (desprazoroso) e intro jeção do que é bom (pra zeros o), o q ue significa também que já haveria um de nt ro e um fora antes de haver u m indivíduo . Em Winnicott, a existência, o sentido (subjetivo) de real, necessaria men te antece de qualquer ju ízo do atribuiç ão, o qual su põe a per cepção da existência do objeto. Além disto, no início, o “bom" e o “mau” estão articulados exatamente com a existência, ou não, dc algo real, no sentido subjetivo, líoa é a experiência que é real. mesmo quando for frustrante; má é a experiência falsa, em que algu parece acontecer mas não acontece. .10 1
OS IÚSTAGIUS DA t)!Cl,K.\!)K.\ClA K IMJIilMí-VDKNCIA UIÍLVIIVAS
W innieott também não pode acei tar o recurso à filogenética do tjaal Froud se vale quando, ao descobrir o engano dc sua primeira teoria da sedução, deve dar conta da eficácia das íanLasias de sedução. A partir daí são introduzidas, na teoria, as protofantasias ( Urp h a n t a íii en ) que consistem cm estruturas lantasmátieas típicas — ce na origin ária, ca stra ção, sedu çã o — que or gan izariam a vida psíqu ica sejam quais forem as experiên cias pessoais dos in diví duos. Freud as legitima pelo argumento de que elas constituem um patri m ônio transmitido filogeneticam ente. Para Winnieott, só ent ra em consideração, como pertencente ao indivíduo, aquilo de que ele faz a experiência; caso contrário, permanece externo, alheio a ele. Por último, para a psi canálise tradicion al, a cultura, a so cia bili dade, a moral e a arte são produtos derivados, via subiiinação, do conflito pulsional. Elas têm, como base, as pulsõos, isto ó, os ins tintos transformados. Para Winnieott, contudo, os instintos são instintos, impulsos biológicos, c nisto não há diferença entre ho mens e animais, a não ser pelo fato dc, no ser hum ano, to do o fun cionamento corporeo scr elaborado imaginativamente, o que não acontece nem no mais interessante dos animais. Alem disto, se o indivíduo começa introjetando objetos para depois projetá-los, co m o quer a teoria trad icional, então ele é feito de mundo e não h á nenh um lugar par a a criatividade o riginári a. Toda criatividad e — incluída aí a criação artística cm gera l — 6 entendida em termos de sublirnação da libido, Este c o motivo pelo qual o fenômeno da transieionalidade não ti nha com o ser pensado no int erior da psica nálise tr adicional. Em Winn ieott, o indivíduo nã o c criativo porque sublima; ele ó cria tivo po rque é humano. A criatividade é srcinária c diz resp eito à capacidade que to do ser humano tem dc criar o mun do novamente. Este ponto pod e ser ilustrado pel a diferença 11a abordagem, em Freud e Winnieott, da produção artística, e da arte, em geral. Segundo o último, as tentativas de analisar a obra de arte, empre endidas pela psicanálise freudiana, dc de vista essencial. Pode-se relacionar a obra dos artisLasperdem com fatos suaoinfância, ou vincular temas de sua obra com suas inclinações sexuai s, com o foi feito, por exemplo, eom Leonardo da Vinei. Mas esses estudos, além de irritarem os artistas e as pessoas criativas em geral, con torn am a questã o central da c riatividade , dando a impressã o de que é possível explicar e determinar as razões pelas quais uma AOS
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certa possua c capaz cio realização artística. A questão que move W inn icott, neste ponto, fiea ai nda mai s clar a se e xaminam os a dife rença entre o seu conceito dc brincadeira e o do Melanie Klein. Qu ando esta observa a brinca deira das crianças, a perg un ta que ela sc faz ó a seguinte: quais são os fantasmas expressos pela brinca deira? I'ara ela, o brincar põe de manifesto as inibições, além de operar vãrias /unçõe.s: realização de desejos, domínio da angústia, descarga masturbatória etc. Klein não se interessa pela brinca deira nela mesma, mas tão-somente pelo u s o simbólico que a criança faz do brincar; ou seja, os fins a que a brincadeira se presta são mais importantes do que o próprio brincar. Para Winnicott, esta perspectiva não apenas desconsidera o essencial do brincar, co m o põe a perd er algo do seu significado clínico: o brincar é tera pêutico, não por exprimir conflitos inconscientes, mas em si mes mo, Muitos por ser dos umapontos forma natural da vida e da criatividadc. acima mencionados dizem respeito tanto a Freud quanto a M elanie Klein. Com resp eito a Klein, mais esp ec ifica mente, as diferenças são, de um lado, mais complexas e, de outro, mais simples. Mais complexas porque, buscando ambos respostas para o mesmo período primitivo, a linha diferencial 6 mais delicada. Mais simples porque os fundamentos da teoria Idcinkma são tão claramente an tagônicos ao s de W innicott que , do certo modo, c fáci l traçar-lhes as fronteiras. Limito-me aqui a destacar as seguintes dif ere nça s:5'1 1) Para explicar certos fenômenos primitivos (eomo uma para nóia prec oc e), M. Klei n apela para o fator con stitucional e. deste modo põe fim a qua lquer discussão aeerea do papel do ambiente. Ou sej a, cia desconsidera o fato da depend ência e a n atureza dos cuidados que o bebê está recebendo. O ra, se acei tamo s a sit uação inicial dc dependência absoluta, um fenômeno do tipo da para nóia precoce não preeisa ser atribuído à hereditaridade; não é preciso supor a exi stê ncia de uma entidade do mal ope rand o do forma isolada; podemos ver, nele, uma reação do bebê a um pad rão de intrusões am bientais, ou a algum tipo de falha que l ev a à privação.
59 Um detalh ame nto das diferenças entre Win nico tt e Kl ein encon tra-se nos segu intes textos de Win nico tt: 19 65va, 1 989x1', 19S 9xji, l9 S 9 x li e e m í '/S.S, Parle 2, Capítulo 1.
3(Jf.
OS RHT.VÍIUS |).\ Dlíre.NUKXClA li IXDBWÍXDf^CIA KELATIYA.S
2) Para Klein, o que se passa com o bebê é iutrapsíquico; ela não le va em conta a exp eriênc ia i nterpessoal real — que se d á no plano su bjetiv o— , a não ser em termos de f ant as ia, 3) A teoria kleiniana dá por eerto que o bebê é capaz de estabe lece r. logo no início d a vi da, rclayõcs com o bje tos cxienuis. Como, para Winnicott, essa capacidade c uma conquista do amadureci mento, e exatam ente aquela cu jo fracasso result a em psicose, ist o significa, tia perspectiva tio autor, que os pressupostos kleinianos eliminam, de princípio, qualquer possibilidade de uma conside ração efetiva, por parte da teoria kleiniana, sobre os estágios iniciais do amadurecimento e, em conseqüência, sobre as psi coses, cm especial as de cará ter esquizofrênico. 4) Segundo Klein, essas relações primárias de objeto são ainda eom ob jetos parciais, mas, para ela, o sujeito da relaçã o está l á; há uma unida de inic ial du m em e que pode ser ativamente cindida pela ação destrutiva da pulsão dc morte. Isto altera toda a perspectiva da pesquisa sobre os estágios aceitável po r W inn ico tt,6*1
inici ais que poderia ser considerada
5) Ao descrever os fenômenos dos estágios primitivos como précdípicos. Klein pretende elucidar as psicoses fazendo recuar os mesm os elemen tos presentes na teor ia das neuroses: el a postula o édipo p recoce e introduz na relação dual bebê /seio o pênis do pai . reeonfigurantlo o triângulo. Para Winnicott, o qu e oeorr e nos está gios primitivos não & prc-edípieo, mas não-edípico; as tarefas de
íiO Tentando, por vários meios, dialogar eom os kleinianos. Winnicott escreve numa carta, dc 1956. a .loan Kiv ière: "Me u problem a, quando co m eç oa fala r eom Mclanic a respeito t le sua formulação sobre a primeira infância, c que me sinto eo mo se estiv esse falando d e eores com u m daltônic o. li Ia simple s mente diz que não se esqueceu da mãe e da parte que eompece à mãe, embora, na verdade, eu ache que ela não dá indíeio algum de ter comp reen dido a parte que a mãe desempenha bem no início” (19.S7b, p. f»-l). Nesta mesma carta, comentando sobre o ensaiu “Um estudo da inveja e da gratidão”, apresentado por Klein à Sociedade Britânica dc Psicanálise (cf. Klein, I9.S4). ele discrim ina três diferen tes temas contidos no ensaio, e diz que, no que sc refere "] ...| à tentativa [tle Klein] dc formular a psico logia da infância mais inicial ela prestou um gran de desserviço a si mesma ao fazer uma formulação que é liem fácil de ser completamente destruída (a inveja inata) e que pode facilmente deter o estudo do desenvol vimento da estabilidade do e£o e as pesquisas que estão corrend o cm várias parte s do m undo sobre o tratamento da psicose” (ibUi.. p. 6>,T).
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constituição de si-mesmo c do aoesso à realidade não estão relacio nadas a questões puIsionais. mas ít necessidade do bebê de conti nuara existir, e se dão numplano exclusivamente dual. Além disto, para Winnicott, não se pode falar de lidipo a não ser com relação a pessoas inteiras c tle modo algum com relação a objetos parciais. 6) O tipo de perturbação que Melanie Klein estuda, relativo ã posição depressiva, diz respeito ao manejo do desmame que. segundo Winnicott, acontece aproximadamente entre os nove c os dezoito meses. Mas, para este,a nt es d o d exm a m e, há a tft wstão m ai s am pl a da des i lu são, li a mãe que desempenha o papel dc desi ludir o bebê. Mas isto só pode ser realizado com base mima etapa anterior em que a mãe, cm função dc sua adaptação especial, prove o bebe da ilusão da onipotência, li apenas sobre a ilusão que a desi lusão pode acontecer. “O desmame”, diz Winnicott, “implica [ter luividoj uma ama mentação hem-sueedida, c a desilusão, uma provisão bem-sucedida de oportunidade para a ilusão” (1953a, p. 307). As falhas relativas ao desmame não podem dar conta dos fenômenos esquizofrênicos que estão relacionados a est ágios mais prim itivos e cujas taref as são de natureza primordialmente diferente daquelas que pertencem a esse mo m ento tio amadu recimento. Se se quer che ga r às psicos es de tipo esqu izofrênico, é imprescindível refer ir-se aos estágios cm que a depend ência é abso luta: Para fazer progresso na direção dc uma teoria operacional das psicoses, os analistas devem abandonar totalmente :i idéia tle ver a esquizofrenia e a paranóia em termos dc regressão no complexo tle lidipo. A etiologia desses transtornos leva-nos,me-vituvclHwntti, aos estágios que precedem os relacionamentos de três corpos. O corolário estranho c que existe, na raiz da psicose, um fator externo, li difícil, para os analistas, admitir isto. após todo o trabalho que tiveram chamando a atenção para os fatores internos, ao examinarem a etiologia da psiconeurose (]9!S9xa, p. 191). 7) Segundo Winnicott, a morte não tem sentido até o alcance tia capacidade para odiar, o que implica percelxM' o outro eomo pessoa humana completa; além dc outros, esse é um dos motivos pelos quais a chamada pulsão dc morte, ou de destruição, c inaceitável na descrição da base da destrutividade. iS) Para Klein, o psiquismo 6 construído segundo os modelos corpóreos de incorporação e expulsão: introjeção c projeção. Isi o supõe 30N
OS K ST.Ú ilOS DA I H íri íX D KM ilA K INUKrKNHKX » :i,\ UK1„VI IV.\S
um dentro c um fora já constituídos, o que, para Winnieott. não c possível ao hübô em estado de não-imegrayào. Sumariamente, são estas as razões tle Winnieott afirmar que a teoria do desenvolvimento libidinal não d á conta d e com preen der c em preender o tratamen do tiponão de distúr bio que atinge psicó ticos. Em decorrência, ela to também pode compreender os os pro blemas básicos da natureza humana revelados pela psicose.
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Considerações Finais
C) objetivo deste livro foi apresentar, de maneira articulada e unifi cada, os pressupostos conceituais da teoria tio amadurecimento, descrevendo os vários estágios do processo eom suas diferentes tarefas e conquistas. O tema foi motivado, em primeiro lugar, pela posição central qu e essa teoria ocupa n o opus winn ieottiano. Era segundo l ugar, por ela constituir o ho rizon te te óric o necessári o a partir do qual se pode exp licitar a teoria winnieuttiana dos dist úrbios psíquicos, o que será fe ito num próx im o livro, que tratará, em especial, das psicoses . Km terceiro lugar, pela constatação de que, como a obra de Winnieott não foi alvo, até h oje e até ond e sei, de uma anális e que explicitass e a sua unidade interna, era preciso salientar o lugar central da teoria do amadurecimento e seu estatuto de quadro referencial para o estudo dos fenômenos humanos, mostrando não apenas as articula ções con ceituais d esse pensamento como um tod o, com o as im por tantes decorrências teóricas e clínicas que advêm da conexão entre os estágios do amadurecimento e os vários tipos dc distúrbios psíqui cos. Em qua rto luga r, a mo tivação para este estudo veio do rec on he cimento da riqueza, relevância c eficiência da contribuição winnieottiana para a tarefa terapêutica, que transparece nos casos e ilustrações clínicas do autor, e que se confirma tanto cm minha própria experiência como na de outros analistas que sc deixam orientar por essa perspectiva. realização do plano da tarefa presente pesquisa, tal como foi de conce bida,A revelou-se, logo, uma bastante solitária. Além ter encontrado pouco apoio bibliográfico na literatura secundária, foi preciso en fren tar vár ias dificuldades deri vadas do fato dc (»s elem en tos con ceitua is e descritivos, em que estã o expostos os pressupos tos 311
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básicos (.Ia teoria tio amadurecimento o ;i caracterização tios vários estádios, encontrarem-se espalhados por toda a obra tle Winnicott. Com a apli cação do princípio m etod ológ ico de ler a s partes a partir do todo e de entender o todo a partir tias partes, totla a obra de Winnicott foi cuidadosamente mobilizada em torno do tema do amadurecimento, sobre o fundo da questão das psicoses, isto é, dos problemas relativos à continuidade ou não tio processo de amadure cimento e do sucesso ou fracasso na constituição da identidade unit ária. Ten do ainda leva do em conta a sugestão do próp rio autor de ler de um ponto de vista histórico tanto a psicanálise em geral eomo a sua obra, fez-se necessário acompanhar a evolução tle cada con ceito, liste aspe cto ti a pe squisa permitiu-i ne, sim ultaneamente, apreender os notáveis progressos que aconteceram ao longo tia carreira científica tle Winnicott, em particidar na década de 1960. A esta última tarefa, que permeou todo o trabalho, foi dado um particular destaque no Capítulo I. Para abrir e sustentar o caminho da pesquisa, foi necessário, ainda, levar cm conta objeções a este tipo de projeto, o que signi ficou qu estiona r algumas idéias já e stabe lecidas sobre o nosso autor. Destaco tluas: primeiro, a de que uma organização conceituai da obra de Winnicott estaria em contradição eom o espírito do autor, cuja assistematiciclade ou pretensa falta de unidade teórica consti tuiria a principal car acte rística a scr preserva da; segund o, a de que a articulação do pensamento de Winnicott e a demonstração de sua unidade matariam a poesia que lhe é intrínseca. Embora considere leg ítim o o te m or no qual, em part e, es sas objeções se basei am — o de criar u ma ortodoxia, enrijecendo o pensamento do autor — , creio ter podido mostrar que a solução para evitar o perigo advem, exatam ente, d o estudo cuidadoso e ordena do de su a teoria, já que o Winnicott teórico soube resguardar, cm suas concepções, as várias dimensões do humano, pondo em relevo, e a salvo, ou seja, sem mistificações, os vários e diferentes aspectos da existência humana, inclusive a criatividade, onde quer que esta possa ser exercida, a pa rtir ti a tradiç ão. NTo q ue se refe re ao ri sco de a niq uila ção da poesi a, parto ti a posição de que o aspe cto po ético da obra de W inni cott deve-se não à sua assistematieitlade, mas ao fato tle cie ter sabido preservar, pelo uso de diferentes linguagens, apropriadas a catla estágio do amadurecimento, a natureza específica tios fenô menos humanos; foi exatamente assim que cie procedeu quando .112
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iluminou o caráter poético c quase intlizível tios fenômenos que caracteriza m as etap as inici ais — co m o a deli cadeza da relação e da comunicação pré-vcrbal entre mãe e bebê no momento inicial da vida deste — deserevendo-as n uma lin gu agem que não fere a sua na tureza es senci al, que c, afinal, com o faz o poeta. Contu do, a com ple xidade e a articulação interna das te ses winnicottianas demonstram com clareza que a escrita dc Win nieo tt. seja a dirigida às mães s eja a destinada aos psicanal istas e ao púb lico cien tífic o em geral, lon ge de restringir-se a evocações poéticas oferece um corpo impressionante de con ceitos que, m esmo não c onstituindo uni “ sist ema” fechad o, podeni, legitimam ente, ser caracteri zados com o “ teórico s1’ — esta tu to que Winn ieott, ele m esmo, reservou p ara a sua contribuição. Cre io, portan to, p oder a firmar que os principais desaf ios à tare fa a que me propus foram superados. A luz da análi se histórico-hcrmcncutica, foi possível reconstituir o tema central da psicanálise winnieottiana: a teoria do amadurecimento pessoal. Mostrei, cm resumo, que a teoria do amadurecimento: a) baseia-sc num conjunto tle pressupostos c tle idéias recorrentes na obra de Winnieott que, com a evolução de seu pensamento, foram sendo dotadas de profundidade e coesão oad:i vez maior: b) está fundada, ein particular, numa teoria da natureza humana caracterizada como um modo de temporalização que, em eatla estágio, configura uma certa forma de integração d;i pessoa humana; c) e o horizonte a partir do qual podem ser avaliados os fenômenos psíquicos da saúde e da doença em geral: d) pressupõe algumas tuscs tle ordem filosófica não comumcntc encontradas nas teorias das ciências humanas ein gorai. A caracterização da teoria do amadurecimento, levada a efeito neste livro, mostra ainda que , para expor a sua perspectiva teó rica e os novos fenômenos iluminados por sua teoria, Winnieott aban donou as abstrações ou especulações de caráter metafísico. Na descrição das várias etapas do amadurecimento ele, sempre que possível, usou termos da linguagem comum, vinculados à expe riência qu e está sendo vivi da, alçados, algumas vezes, à ca teg or ia dc termos técnicos. Assinalou, ao longo da obra. que os termos que .113
iXINSinliKAÇC)KS KlNAJS
servem para a descrição de um estágio tornam-se errados na descri ção de outros. Alem dc ter demonstrado, dessa maneira, a amplitude da contri buição dc Win nico tt, enum erei, ai nda, na últ ima seção do Capítulo IV, algumas diferenças básicas entre a teoria winnicottiana do ama durecimento c a teoria psieanalítiea tradicional, referida ao desen volvimento das funções sexuais, lista comparação foi feita não ape nas para ressaltar a novidade das concepções winnieottianas, como para pôr em pauta uma outra questão, a saber, a dc decidir sobre a exata natureza da mutação provocada, pela obra dc Winnicott, na teoria psieanalítiea. Essencialmente epistcmológica, esta última questão, embora tenha permeado todo o estudo, foi apenas indica da, mas não desenvolvida, por se situar fora do âmbito tio presente trabalho. Sendo a teori a do amadurecimento o horizonte teórico a parti r do qual se pode explicitar a natureza dos diferentes distúrbios psíquicos, o estudo desta teoria permite vislumbrar o que será expli citad o em de talh e no meu próx imo trabal ho. Pode-se já adiant ar, cm largos traços, que, segundo Winnicott, as /xsicoses estão relacio nadas ao fracasso ambiental na faeilitação das conquistas dos está gios inici ais — que começam em algum m om ento da vida int ra-ut erina e vão ate o estágio do EU SOU. Se o ambiente falha, repetidas vezes — ao m odo de um padrão estabelec ido — , cm se adaptar à s necessidades do bebê durante a etapa dc dependência absoluta, e mesm o relat iva, o process o de amadu recimento pessoal é interr om pido (nesse m om ento p rim itivo e m que estão sen do constituídos o s alicerces da personalidade), dando srce m a um distúrbio psicóti co. Natu ralmen te, have rá dif erentes tipos de distúrbio ps icótico segun do a etapa, dentro dos estágios inici ais, cm que o bebê for traumati zado pelas falha s am bientais. Se tudo corre bem até a conquista da identidade unitár ia (nesse marco do am adurecimento que é o estág io do EU SOU ), a cri ança, que tem agora en tre um e dois a nos, terá, então, de defr ontar -se eom a integração da impulsividade instintual no estágio do eoncernimento. Se o ambiente não favorecer essa conquista, haverá o risco de d epr essã o, cuja problemática central consiste na dificuldade de aceita r e integ rar a dest rutividade que p erten ce à nature za humana c que aparece, justamente, cm relação ao objeto amado. .11-1
(:< JNS11)KK.\C,:ÚKS KlXA IS
Xos casos favoráveis, cm que também essa conquista é realizada, a criança, ti a qual s c p ode diz er que sedim entou as bases tia persona lidade (sendo, neste sentido, inteira e saudável), passará a estar ás voltas eom as ansiedades decorrentes das relações interpessoais — agora pos síveis devi do á maturi dade alcan çada — ; em especial, com a situaçã o em que o com plexo ctlípieo pode ser efetivam ente ex peri mentado, ou seja, entre pessoas inteiras. Tudo isto mobiliza ansie dades relativas à instintualidade, aos afetos e à fantasia que está oco rren do na real idade psíqui ca interna. Aqui, o favo reci m ento do ambiente não tem a mesma importância que tinha nos estágios anicriores, embora deva manter-se estável o suficiente para que o peq ue no indivíduo poss a lidar eom sua prob lem ática pessoal interna e não sucumbir numa neurose. Psicose, depressão e neurose são as principais categorias diag nosticas da classificação winnieottiana tios distúrbios psíquicos, cujas diferentes naturezas são definidas em termos tle suas etiologias, ou seja, tio seu ponto de srcem na linha do amadurecimento — se gu ndo a tarefa eo m a qual o be bê estava en vo lvido por oc as ião do trauma —- e tia natureza deste. Além dos distúrbios m enciona dos, c.\i«t.ein tr ês ou tros que não co nstituem cate goria s diagn osticas cm si mesmas, apresentando-se sempre acopladas às anteriores. São eles: a tendência anti social, os transtornos psicossomáticos e as paranóias. Também estes distúrbios são caracterizados segundo o ponto tle srcem; os dois últimos têm múltiplas significações que variam segundo este mesmo critcrio. Winnicott sempre salientou a existência, de lacunas em sua compreensão do processo dc amadurecimento, sobretudo 110 que se ref ere aos estágio s iniciais, i ncen tivand o os ana listas a observarem e desc revere m suas exp eriênc ias analíticas, a fim de d esenvo lver c ada vez mais a teoria. Além disto, há muito ainda a fazer para compre ender o que Winnicott já obteve eomo resultado de seu estudo e teorização. Também a presen te exposição est á long e de ser com ple ta na análise do que já existe. Cada aspecto descrito cm uma seção poderia constituir, em si mesmo, um tema para pesquisas futuras. Isto é verdadeiro tanto para os estágios iniciais eomo para todos os estágios posteriore s. Vários pontos relativos ao tema principal aqui exposto foram tão-somente esboçados e exigiriam, igualmente, tratamento suple mentar. O principal deles é a relevância dos resultados aqui obtido s .115
<;t >xs n j k k a c / j k s f i xa i s
para a clínica psicanalítica. Com efeito, o presente trabalho só encontrará o seu pleno sentido psieanalítico no momento em que forem explicitadas as implicações clínicas que advêm dessa nova compreensão acerca dos estágios primitivos do amadurecimento e do papel do ambiente na facilitaçâo da tendência inata ao amadure cimento, o que significa, na etapa inicial, a participação dos cuida dos ambientais na constituição do si-mesmo e da identidade pes soal. Isto implicará uma nova visão do que c a tarefa terapêutica à luz da teoria winnicottinna da natureza humana e dos percalços da sua tem poralização cir cular.
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