Elsa Oliveira Dias
A t e o r i a do a m a d u re c ime im e n to de D. W. Winnieott
BI BLI OTEC OTECA A TOMBO:
221223
DATA:
26/04/2010
IMAGO
dur ecime mento nto de D. W Winn icott TítuloOriginal: A teoria do ama dureci
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Capa: ODesign
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Dias Dias,El ,Elsa saOl Oliv ivei eira ra.. AteoriadoamadurecimentodeD.W.Winnicott/ElsaOliveiraDias. — Rio R io da Janeiro: Jane iro: Imago, Imag o, 2003. 344pp, IncluiBibliografia ISBN85-312-0885-8 1.Winnicott, D. W.(DonaldWoods), 1896-1371. 2.Psicologia infantil. infantil. 3. Psicopatologiainfantil.4. Psicopatologiainfantil.4. Psicologia Psicologia dodesenvolvimento. dodesenvolvimento. I.Titulo
03 -134 0.
C D D — 15 1 5 5. 4 CDU— CDU— 159.9 59.922 227 7
Reservadostodos os direitos direitos. . Nenhuma Nenhuma partedesta partedesta obra obra poderáserreproduzida poderáserreproduzida por fotocópi fotocópia, a, microfil microfilme, me, processofoto- mecâníco mecâníco ou eletrôni eletrônico co sem sem permiss permissão ão expressadaEditora.
2003 IMAGOEDITORA RuadaQuitanda, RuadaQuitanda, 52/8°andar 52/8°andar— — Cantro 20011-030— 20011-030— RiodeJ RiodeJane aneiro iro-RJ -RJ Tel.:(21)2242-062 Tel.:(21)2242-0627— 7— Fax: (21)2224-8359 (21)2224-8359 E-mail.
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m em ória de minlia time. ime. I\ira meu.s fiU ws.. meu.s fiUws
Sumário
INTRODUÇÃO ................................ ................................................ ................................ ................................ .............................. .............. 13 1. 2. 3. 4.
A teoria do amadur ecimento ecime nto pessoal na obra obr a tle tle Wiiinicoit ............ 13 A relevânci relevância a do do estudo da teoria do am adur ad urecim ecim ent o ..................... 19 lireve discussão das leitur leituríis íis div ergente erge ntess — 26 ................. ...... -...... — Explicitação du visão £cral da obra de Win nico ni co tt.................. tt .............................. .............3 .35 5 .
......
CAPÍTUL O f: W IN M U J T T li 0 DEBA DEBATE TE COM AS ÁREAS AFINS AFINS 1. Aspectos Aspe ctos históricos da formação intelectual de W in n ic o tt .... ...... .... .... .... .... ..55 55 2. O debute com a ped iatria................ iatria ................................ ................................ .............................. .............. ...... í>0 3. Os limites limites da psicolo gia acatlém aca tlém ien................. ien ................................ ................................ ................... .. (>5 (>5 4. O debate de bate com a psiquiatria e eoni a psiquiatria psiquiatria in fant fa nt il .................. f»7 f»7 5. A discussão de Winnicott Winnicott com a teoria psicanalít psicanalítiea iea trad icio nal na l 75 ....
CAP ÍTULO II: A TEORIA 1)0 1)0 AMADUREC IMENTO PESSOAL 1. O am adurecimen to como tendência tendência inata inata à in te gr aç ão .................. 93 2. O amadu am adu recime rec imento nto e o ambiente amb iente t acili ac ilita tado do r............ r................. ......... ......... ......... ......... .......9 ..9íí> 3. Características gerais do do processo processo de amad urecimen to pe sso al 97 4. A existência existência psicosso psicossomátic mática: a: os on in. a psique e a m ente en te .............. 10 103 3 5. As hereditariedades...................................................... ................... 11 í> 6. Integração pela experiência pessoa pe ssoa l ................................ ................................................ .................. 12 122 2 7. O estado de de não-inte^ração dos dos estágios prim pr im itiv os ................ ...... 127 N. A relação relação m ãe-beb e: a dependência absol uta ................................. 12 129 9 9. Caracteriza Carac terização ção adicional do ambiente amb iente tacilitador tacilitador:: a mãe mãe suficientemente boa e o pai do bebê ................................ ................................................ ................ 133 133 ...................... 14 10. Os conceitos conc eitos winnieottianos de e£o. e£o. si-mesm o e e u ...................... 142 2 1 1. Algu Al gum m as características filosóficas filosóficas e epístemoló ^icas da da teori teoria a do amadurecimento pes soa l .................................... ..............146 I 1.1. O aband ono do determinism o ca u sa i................................. .,..140 11.2. 11 .2. A iic£ativ iic£ atividn idndc............................... dc................................................. ................................. .......................... ........... 150 12. A [in&ia [in &iajicin jicin e as as categor cate gorias ias descritivas da teoria do ainailiirceiiiiL-iiti> ............................... ............................................... ............................. ............. .................. 1^-1 .....
Si MAKIt I
CAP ÍTU LO Eli: OS E STÁGIOS PRIMITIVOS: A DEPEN DÊNCIA ABSOLUTA 1. O estágio pré-n.-ital: espontaneidade e reativ idade..........................157 2. A experiência do nas cimen to............................................................100 3. Primeiros momen tos de vida cxtra-uterinr ................... .................163 4. O estágio da primeira mamada teórica: as tarefas fundamentais... 164 5. A criatividade ori gin ári a......................................................-............ 169 6. O s estados excitados e os estados tranqüilo s .................................. 174 6.1. Os estados exc itad os................................................................ i 74 6.2. Os estados tran qü ilos.......................... ................... ................. 190 7. As tarefas básicas............................................................................... 196 7.1. A integração no tempo e no espaço.........................................196 7.2. O alojamento da psique no corpo: personalização ................. 20>S 7.3. O início do contato com a realidade: as relações objet ais 213 7.4. A constituição do si-me sm o prim ário ......... .............................217 .
....
CAP ÍTULO IV: OS ESTÁGIOS DA DEPENDÊNCIA E INDEPENDÊNCIA RELATIVAS 1. Estágio de desilusão, desmame e início das funções m en tais 227 2. A transicion alidadc............................................................................ 232 3. O estágio do uso do ob je to ............................................................... 243 4. O estágio do EU S O U ......................................................................... 254 5. O estágio do eo ncernim ento ............................................................. 25S (). O estágio edíp ie o............................................................................... 272 7. A puberdade e a ad olesc ência........................................................... 292 S. A idade adult a..................................................................................... 294 9. A volta à orig em ..................................................................................297 10. Hreve com paração da teoria do amadurecimento pessoal com a teoria do desenvolvimento das funções sexuais da psicanálise tradicional.......................................................................................... 300 .......
CONSID ERAÇÕES FIN AIS ......................................................................... 3 11 REFERÊNCIAS BIliLIO GRÁFIC AS............................................................ 317 ÍN D IC E........................................................................................................ 329
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“Deixem o komem imperturbado, desde o berço. Não o expidsem do bulbo estreitamente unido do seu ser ; não o expulsem da casa protetora de sua infância, Não façam de menos, para que ele não sinta vossa falta e, assim, vos separe de si mesmo; não façam demais, para que ele não sinta a vossa violência ou a sua própria e, assim, vos separe de si mesmo. Em suma, deixem o homem saber só tardiamente que há seres humanos, que há alguma coisa, fora dele, pois só assim ele se tomará homem. O homem é um deus assim que se torna homem. E, sendo um deus, ele é bonito
HÕI/DERLIN
Introdução
1. A te oria do amadurec imento pess oal na obra de W innicott Com base nas concepções de que todo indivíduo humano c dotado de uma tendência inata ao amadurecimento, e dc que não há nenhum aspecto, saudável ou doente, da existência luimana cujo sentido seja independente do momento do processo ao qual pertenee ou no qual teve origem, Winnicott formulou uma teoriu do amadurecimento pessoal normal , considerada, por cie mesmo, co mo a “espinha dorsal” (buckb(me) do seu trabalho teórico e clínico.1 A ênfase dessa teoria recai sobro os estágios iniciais, pois é nesse período que estão sendo constituídas as bases da personalidade e da saúde psíquica. Iluminando o que se passa na peculiar relação bebê-mãe. Winnicott descreve as necessidades humanas fundamen tais — que. desde as etapas mais primitivas, permanecem ao longo da vida até a morte do indivíduo — e as condições ambientais que favorecem a constituição paulatina da identidade unitária —• que to do bebô deve poder alcançar — , incluídas aí a capacidade de relacio nar-se com o mundo c com os objetos externos e de estabelecer rela cionamentos interpessoais. A teoria winnicottiana do amadurecimento conceitua e des creve as diferentes tarefas, conquistas e dificuldades que são ine rentes ao processo dc amadurecer em cada um dos estágios da
1 Além de afirmar, inúmeras vezes, ao longo dri sua obra, t]ne ;i teoria do amadurecimento é central no seu pensamento. Winnicott usa
1.1
vida. Ela serve, portanto, dc guia prático para a compreensão dos fenômenos da saúde, assini como para a detecção precoce de difi culdades emocionais, podendo ser útil não só para psicanalistas e psieoterapeucas, mas também para mães e pais preocupados cm facilitar o amadurecimento pessoal de seus filhos, para os profis sionais cujo trabalho afeta, em algum nível, o desenvolvimento emocional dc bebês, crianças, adolescentes e adultos e, igual mente, para todos os que foram alertados para a necessidade dc se pensar em atividades e políticas de prevenção na área de saúde psíquica. Importante em si mesma, a teoria do amadurecimento c. além disso, o quadro teórico a partir do qual podem scr desenvol vidos vários aspectos do estudo da natureza humana — por exem plo, os que dizem respeito às realizações culturais e todo o domí nio da criatividade. Ela constitui, também — tanto na obra de Winnicott como no projeto de estudo 110 qual este livro se insere — , o fundamento teórico sobre o qual torna-se possível explicitar os conceitos relativos aos distúrbio s psíquicos em g eral, devido à íntima articu lação desses distúrbios com os estágios do am adure cimento. Para situar a perspectiva a partir da qual Winnicott desenvolve a teoria do amadurecimento e a teoria dos distúrbios psíquicos, deve-se sublinhar que ele foi um pediatra que se tornou psicanalista cm virtude da convicção, confirmada em sua prática clínica, de que a maior parte dos problemas que levavam mães c bebês ao seu consultório era devida a dificuldades emocionais extremamente primitivas. Na evolução de seu pensamento, ele as configurará como dificuldades no estabelecim ento da relação entre a mãe c o bebê no primeiro estágio da vida deste. Tendo se tornado psicanalista. Winnicott dedicou-se ao tratamento e ao estudo das patologias psicóticas; nunca, entretanto, abandonou a pediatria, No exercício paralelo de ambas as práticas clínicas, e na observação simultânea de psicóticos e dc bebês com suas mães, pôde constatar que o amadurecimento emocional nos estágios iniciais da vida relaciona-se exatamente aos mesmos fenômenos que aparecem no estudo das várias formas de esquizofrenia adulta. Desse mudo. a investigação profunda dc um indivíduo de qualquer idade, cujo distúrbio c de tipo esquizofrênico, “transforma-se etn um estudo profundo do amadurecimento inicial deste indivíduo” (1953a, p. 379), No essencial, as dificuldades que 1-1
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equiparam bebês e psicóticos dizem respeito à constituição tio si-mcsino (stlf) como identidade unitária e ao contato com u reali dade. Nos bebês, cias se devem à sua extrema imaturidade; nos psicóticos, ao fato dc cies te*'em se extraviado em algum pomo do caminho que leva à maturidade. A teoria do amadurecimento pessoal é, portanto, o ponto nu clear do pensamento analítico dc Winnicott. A necessidade de uma tal teoria, assim como a conexão essencial que existe entre essa teoria e a dos distúrbios psíquicos, foram explicitadas pelo autor em 1962, ano decisivo para o desenvolvimento de suas novas concep ções, quando afirma l j u c : [. .. ] precisamos chegar a uma teoria do amadurecimento norma! para po dermos ser capazes dc comp reender as doenças e as várias imaturidades, uma vez que não nos damos por satisfeitos a menos que possamos preveni-las e curá-las. Nã o aceitam os a esquizofrenia infantil mais do que aceitamos a poliousiclitc ou a condição da criança espástica. Tentamos prevenir e esperamos ser capazes dc conduzir ã cura onde quer que liaja anormalidade que signifique sofrimento para alguém (1965ve, p. 65).
Sendo o backgrtmnd teórico para a compreensão do distúrbio psíquico, a teoria do amadurecimento faz parte intrínseca da ação terapêutica; A única companhia que teulio, no explorar o território desconhe cido de um novo caso. é a teoria qu e levo co migo c; qu e se tem tornado parte de mim, e em relação à qual não tenho sequer de pensar de maneira deliberada (1 *>71 vc, p. 14).
A proposta deste livro c estudar c apresentar, dc forma unitária, o corpo conceituai da teoria winnicottiana do amadurecimento, explicitando seus pressupostos e procedendo à descrição organizada dos vários estágios desse processo, com suas respectivas tarefas e conquistas, Tal como na obra dc Winnicott, aqui também serão privi legiados os estágios iniciais. Isto sc deve ao fato dc que, para o autor, são as psicoses, e não as neuroses, o paradigma do adoecer humano Referidos às tarefas fundamentais do início da vida, os distúrbios psicótieos derivam do fracasso ambiental em favorecei' a resolução dessas tarefas, transformando-as em conquistas do amadurecimen to. O pensamento wimucottiaiio mostra, ainda, que é do e s t u d o . 15
observação e tratamento das psicoses que advém a perspectiva que permite vislumbrar aspectos essenciais da existência humana, que são inacessíveis quando se estuda o indivíduo saudável e mesmo o neurótico. O desenvolvimento e a aplicação da teoria do amadurecimento na caracterização da teoria winnieottiana dos distúrbios psíquicos serão realizados num segundo estudo (em fase de acabam ento) refe rido especialmente às psicoses, fisse projeto mais geral, do qual este livro 6 o primeiro passo, consistirá ern fazer uma apresentação unifi cada da teoria winnieottiana das psicoses esquizofrênicas, à luz da teoria do amadurecimento pessoal, com ênfase nos estágios iniciais da vida. Embora, ao longo de toda a sua obra, Winnicott tenha sempre insistido no caráter central da teoria do amadurecimento, ele não chego u a fazer dela urna apresentação sistemática ou o rgani zada. O único livro que mais claramente oferece urna apresen tação glo bal do processo de amadu recimento é Niuurtisti hnnum u (1988), que permaneceu inacabado. Com exceção deste, que foi concebido para ser uma obra. os livros de Winnicott são coletâ neas dc artigos av ulsos, escritos originalmente como conferên cias para diferentes platéias, de modo que neles, sob perspectivas diversas — já que Winnicott levava cm conta a esp ecificidade do público — , são repetidas as mesmas teses principais, à luz das quais esse ou aquele aspecto pontua! da existência humana é analisado. Tudo isso torna difícil a apreensão da unidade de seu pensamento. O objetivo deste livro c o de in tegrar e apresen tar de maneira unitária e organizada os vários elemcnLos conceituais que perfazem a teoria do amadu recimento. Para tanto, foi preciso agrupar e com parar textos os mais diversos, uma vez que o autor refere-se a um ou outro estágio, em partes variadas de sua obra, sem chegar a reuni-los num conjunto. Este estudo está baseado na leitura interna da totalidade da obra de Winnicott, dirigida para o tema proposto. Como qualquer outra leitura, a que será aqui praticada tem seus pressupostos. Os principais serão explicitados ainda nesta Introdução: outros se tor narão mais claros no decorrer da exposição. No essencial, usarei o princípio clássico da hermenêutica, segundo o qual cada parle de uma obra deve ser entendida à luz da totalidade dessa obra e, por 1<>
iMi«nu;ç\i i
outro lado, a estrutura desta deve ser reconstruída levando cm conta cada parte que lhe pertence.2No presente caso. não se trata dc ofereecr uma leitura exaustiva da obra de Winnicott como um todo. mas de reconstruir a mais central dc suas seções — a teoria do amadurecimento. Aplicando o princípio metodológico da herme nêutica a esta tarefa particular, procederei dc modo a compreender as afirmações dc Winnicott sobro o tema cm questão, à luz da totali dade de seu pensamento, Este, cm conseqüência, será iluminado, no seu todo, a partir da teoria do amadurecim ento. O mesmo será feito, posteriormente, com a teoria das psicoses. listarão ainda sendo utilizados alguns princípios explicitados pelo próprio Winnicott, um dos quais, por exemplo, aconselha que a compreensão da psicanálise em geral, e da sua própria, seja obtida levando-se em conta o percurso histórico realizado na busca de solu ções para os problemas levantados. Esse é o motivo pelo qual, em assuntos dc psicanálise, [...| o leitor deve formar uma opinião pessoal dessas questões, depois de estudá-las tanto qua nto possível através do seu desen vol vimento histórico, que é a única forma de uma teoria, num dado momento de seu progresso, mostrar-se inteligível o interessante
(1988, p. 60). Unificando o princípio hermenêutico geral c esse conselho dc Winnicott, o trabalho terá, do ponto de vista metodológico, o caráter de unálise interna o histórica do texto. De acordo com esse procedimento, não tratarei dc justificar as teses de Winnicott, não mais do que ele mesmo o fez. Também não farei um estudo compara tivo, a não ser para destacar a especificidade de alguns de seus pontos de vista. Isso será feito, sobretudo, com relação ao principal interlocutor de Winnicott, a psicanálise tradicional, mas sempre; a
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O procedimento de leitura de ceNto iiqui esboçada é o método hermenêu tico clássico, introduzido por Sohleiermaelicr na sua leitura d:is lixenturas, e reafirmado por Dilthey para o estudo das ciências humanas eni geral. Na primeira fase da obra de Iloidegger e ein (Jadanier, a hermenêutica c elevada à condição de procedimento descritivo por excelência. Sobre todas essas questões relatoras ao método, eí. llaas (leorÈ Cíadantei (l'J76). em especial :i >:l m \ - : i o da J 1parte.
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partir de siuia próprias posições.' Não visarei a uma eompletude dessas comparações, limitando-me às questões relativas à teoria do amadurecimento. Tal empreendimento, mesmo dentro dos limites assinalados, tem suas dificuldades. Uma delas refere-se a lev;ir sempre em eonta a evolução histórica de seu pensamento. De um modo geral, e deixando de lado os textos da década de 1930, em que ele escreve como pediatra, podc-sc distinguir três fases na sua obra: a que vai dc 1940 até a publicação, cm 1951, tio artigo seminal sobre os objetos transieionais: a fase da década de 1950, cm que a decisão dc desen volver sua própria perspectiva teóriea fica mais explícita; c, final mente, a fase que começa da década de 1960, sobretudo cum a publicação do artigo “A integração do ego no desenvolvimento da criança", de 1962 (1965n), no qual ele introduz os conceitos cen trais de tendência inata ao amadurecimento e t!c objeto subjetivo.4 A evolução de seu pensamento será considerada — embora não de uma maneira sistemática, pois tal tarefa exigiria um outro estudo — , apesar dc permanecer restrita à apresentação do tema central.
.1 Chamarei de tradicional a psicanálise representada por Preiul e Melanie Klein, cujas obras podem ser consideradas as matrizes desta disciplina. Ivssa nomeação deve-se ao próprio Winnicott. que se deteve, sobretudo. m> deba te com estes autores, referindo-se às obras destes, em conjunto, com as ex pressões psicanálise "tradicional", "clássica" ou. ainda, “ortodoxa", Cf. Winni cott, 15>69i. p. 176; 1970b, p. 196. 4 Num texto de 19(>7. discorrendo sobre sua trajetória teórica, Winnicott diz que a sua visão, constituída ao longo das décadsa de 1920 e 1930, quando trabalhou como pediatra c deu início à sua formação psicanalítica. foi reformulada na década cie 1940, quando, afirma ele. “l-.-l comecei a ter a minha própria maneira dc especificar os estágios essenciais do desen volvimento [...]" {1968a, p. 193). Hoje. contudo, a perspectiva histórica da totalidade dc sua obra permite afirmar que foi apenas a partir de 1960. ano do falecimento de M. Klein, que Winnicott sentiu-sc mais livre para expor dc forma clara c incisiva a nova orientação de seu pensamento. E certo que os textos da década de 1940 já introduzem uma eoneeituação própria, relativa a aspectos da natureza humana que não chegaram a ser considerados pela psicanálise tradicional. No entanto, seja porque suas idéias ainda não estavam bem estabelecidas, seja por motivos políticos, ou por ambos, ele as expressava de forma tímida, ou, como diz Jan Abram (1996, p. 1), "obliqu amente", chegando algumas vezes a negar a originali dade que as caracterizava.
1K
INTRODUÇÃO
2. A rele vância do es tudo du teoria do amadurecimento Alem dc a teoria do amadurecimento constituir a contribuição ccntral de Winnicott à psicanálise, seu estudo se justifica pelo fato de a literatura secundária, até o presente momento, ter abordado o tema sem, contudo, explorar plenamente as conseqüências teóricas c clínicas que dele advêm. Ademais, apesar de o autor afirmar, sobre tudo a partir da década dc 1960, que essa teoria é o horizonte teórico necessário para a compreensão dos conceitos relativos aos distúrbios psíquicos e para a classificação dos mesmos, esse ponto não tem sido evidenciado pelos seus comentadores.5 ü mesmo ocorro com as várias apresentações gerais da obra de Winnicott.6 Na maior parte destas, encontram-se interpretações cuidadosas e densas de aspectos de sua obra, mas não a articulação interna dc seu pensamento como uni todo. de modo a explicitar a chave conceituai que lhe dá unidade e coerência. Também não é enfatizada a importância da teoria das psicoses (não explicitando a originalidade de sua abordagem ao tema e o fato dc que. por meio do estudo das psicoses, se revelam os fundamentos da existência huma na) , nem a conexão intrínseca dessa teoria com a teoria do amadure cimento (não mencionando que esta última é o fundamento da concepção winnieottiana acerca da natureza e da etiologia das psicoses}. Como se trata de apresentações que. embora sucintas, pretendem uma visão geral do autor, torna-se incompreensível o fato de não ser mencionado o cerne dc seu pensamento. Consideremos alguns exemplos. Em Bowulary atui Space: Aí; introihicticm to thc xvork o f D. VI' Winnicott (1 98 1),' uma das primei ras apresentações gerais da obra de Winnicott, os autores, Madeleinc Davis e David Wallbridgc, expõem os conceitos centrais do
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A única menção clara. do terceiros. a esse respeito, está na introdução à primeira parte dc Privação c delim/ücncia, escrita pelos organizadores da olira: Clare Winnicott. Rny Slicphord e Matleleinc Davis ( l lJ84. p. 9). (> Mencionarei apenas as obras que visam apresentar o pensamento de Winni cott eoiuo uni todo e não os livros e artigos que se detém em uni ou outro aspecto de sua obra. 7 Traduzida para o português como Limite e esfmçti: unut introdução à obra tlc l> II'. I I > r t (1982). 19
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pensamento winnicottiano, mas estes não estão articulados em termos do processo de amadurecimento, ou seja, em função da temporalidade básica deste.s Não há referência ao fato de a teoria do amadurecimento ser o fundamento teórico necessário para a com preensão e para a classificação dos distúrbios psíquicos. Achei uma única referência à etiologia — que, por sinal, é a única claramente explicitada por Winnicott — quando, descrevendo o falso si-mesmo, os autores dizem: !'A etiologia do falso si-mesmo 6 encontrada espe cialmente no fracasso da apresentação de objetos na etapa de dependência absoluta” (p. 65).'' Existe, contudo, uma passagem nessa obra, no item '*Adaptação ã realidade compartilhada”, em que os autores apresentam uma seqüência que pode sugerir ao leitor atento os vários estágios do amadurecimento, Uma apreciação crítica do mesmo teor caberia ao livro The Plcty and Work o f Winni- cott (1990), dc Simon (írolnick, que. embora saliente o caráter desenvolvimentista da obra winnieottiana, não especifica a singula ridade do que Winnicott entende por desenvolvimento, assim como não contempla as articulações internas essenciais com a teoria dos distúrbios psíquicos. Annc Clancier e Jeanninc Kalmanovitch,10 no prefácio ao Le pantcloxe c/c VV-mmooít (1984), afirmam que esse trabalho, tornado possível pela “colaboração de uma equipe profundamente winnieot tiana, mas muito objetiva (sic), retoma as noções extremamente
■S Esta perspectiva histórica não aparece nem mesmo eom referência ao desenvolvimento da obra de Winnicott. N o item 2 do capítulo 1, “A evolução da teoria”, os autores, tendo já em mãos a maior parte do material que só viria a público mais tarde. referem-se apenas à evolução que vai do encanta mento dc Winnicott, ainda estudante, por Dnrwiri. ã sua descoberta da psicanálise; do seu fascínio por Kreud e. depois, por Melanic Klein à sua crítica da teoria klciniana da inveja. Não c feita nenhuma referência à progressiva formulação da teoria do amadurecimento, à lenta elaboração dos conceitos de objeto subjetivo, de si-mesmo, dc falso-si-mesmo, à nova maneira de formular os conceitos de objeto subjetivo e de objeto objetiva mente percebido como ser e fazer, ás últimas descobertas sobre a deslruttvidaclc em termos do uso do objeto etc. 9 Usarei o neologismo “si-mesmo", como termo técnico, para trr.duzir o termo sei/’dc Winnicott, O significado que lhe é dado pelo autor será explici tado no decorrer deste estudo, 10 J. Kalmanovitoh foi a tradutora, para o francês, da obra dc Winnicott The Maturaciomd Procc :sses tnul thc F iivilituting E nvirmiineut. 20
originais desse psicanalista criativo (p. 13). O livro, com 250 páginas, dedica um capítulo de apenas oito páginas a um aspecto, sem dúvida central, da teoria das psicoses: o medo do colapso. Ncssc capítulo, en passant, há alusão às psicoses. Não há nenhuma men ção ao caráter central da teoria do amadurecimento c à sua conexão com uma teoria dos distúrbios psíquicos. Isso não chega a surpre ender. uma vez que toda a interpretação do pensamento de Winni cott está calcada sobre a teoria psieanalítiea freudiana e, sobretudo, kleiniana. Claudc (lects publica, em 1981, o seu Ummcatt. A autora des creve com muita propriedade os conceitos winnicottianos, sobre tudo aqueles que marcaram a originalidade de Winnicott, por exem plo, as questões relativas à criatividade originária, ao brincar e aos fenômenos transicionais. Mas peto fato de não levar em conta a teoria global do amadurecimento, a autora apresenta os conceitos de forma isolada, como se eles fossem atemporais, ou seja, sem desdobrá-los nos vários significados que adquirem segundo o mo mento do amadurecimento. Como, para Winnicott. a linguagem que serve para descrever um estágio torna-se urrada quando usada para outro estágio, já que as tarefas envolvidas são dc diferentes natu rezas, o uso indiscriminado dos termos favorece a impressão de que a teoria winnieottiana é incompreensível ou não tem consistência, Além da ausência de distinção entre os vários estágios, ocorrem, ainda, alguns deslizamentos para a teoria tradicional. O exemplo a seguir mostra ambas as coisas. Gcets inicia um item chamado “Da relação de objeto ao uso do objeto” com a seguinte frase: "A adap- tação da criança ao real pode ser descrita como um longo caminho que vai da subjetividade à objetividade. A oposição eu/não-eu toma apoio sobre o fantasma de uma realidade interior localizada no corpo. [. .. ] a criança tem um 'den tro’ onde cia pode acumular coisas, e sua crença se opera sobre o modo de troca entre ela (a reali dade interior) e o mundo (a realidade exterior). [...) Esta conquista progressiva da objetividade &favorecida }>el(is frustrações inevitá- veis |...|” (p. 100; grifos meus). Ora, para Winnicott, em primeiro lugar, a criança, dc início, não sc adapta ao real; se ela o faz — e não ao real. mas ao ambiente — . isso pode ser o início da formação de um falso si-mesmo patológico. Na normalidade, é o ambiente qae se tulafHn
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sentidos dc real. lim segundo lugar, tendo em vista que a autora anuncia estar se referindo à passagem do subjetivo ao objetivo — que é, como ela mesma eoncede, um “longo caminho” —•, é preciso discriminar as várias etapas desse longo caminho. No entanto, tematizando o início do processo, a autora não só vai direto ao fim (falando imediatamente da "oposição” entre eu e não-eu) como interpreta e usa termos alheios à Winnicott (para o autor, trata-se de separação entre o eu e o não-eu, e não dc oposição). A autora fala também do dentro e fora da criança, sendo que, entretanto, Winni cott é incisivo em afirmar que, no começo do processo, os sentidos das realidades interna c externa ainda não foram constituídos e o bebê vive num mundo subjetivo que não é dentro nem fora. Além disso, a separação eu/não-eu não tem apoio em nenhum fantasma e também não é favorecida por frustrações, mas é iniciada pela expe riência da destrutividade no aiiger, que cria a externalidade do niundo no estágio do uso do objeto. Adam Phillips, com seu livro Winnicott (1988), é, em grande parte, uma exceção nesse cenário, Enfatizando a originalidade da teoria winnieottiana do processo de amadurecimento e a diferença que a separa tanto da teoria freudiana do desenvolvimento das funções sexuais quanto das "posições” kleinianas, ele afirma que Winnicott não apenas introduziu importantes inovações na teoria e na prática psieanalíticas, como a sua teoria leva a “rupturas radicais em relação a Freud". O ponto principal dessa ruptura consiste em que Winnicott “faz derivar tudo. cm sua obra, inclusive uma teoria das origens da objetividade científica e uma revisão da psicanálise, de seu paradigma do desenvolvimento da relação be bê -m ãe ” (Phil lips, 1988, p. 5). Phillips usa aqui o termo paradigma no sentido dc “ modelo” e não no sentido técnico de Kuhn (que designa, com esse termo, como veremos adiante, o problema e a solução exemplares que congregam uma disciplina científica). Dc qualquer modo, o que Phillips assinala é que Winnicott construiu uma teoria que não se limita a enriquecer a psicanálise com novas contribuições ao velho modelo, mas parte de um outro ponto crucial para o estudo da natu reza humana, a saber, a vulnerabilidade inicial do bebe dependente e a importância do ambiente. Segundo o comentador, essas novas proposições levam Winnicott a questões que nunca haviam sido formuladas pela teoria tradicional, como, por exemplo: o que nos faz senlir vivos ou reais? (ef. Phillips, 1988, p. 5). Ora, mesmo esse T)
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comentador, cuja obra, ato o momento, parece-me ser uni;i das mais pertinentes exposições do pensamento dc Winnicott. afirma que a teoria do amadurecimento parece-lhe vaga c sem fundamentos seguros. Num trecho cm que salienta que, para Winnicott, "o conhe cimento psicanalítico estava militantemente usurpando o lugar da confiança ou daquilo que chamava dc ‘processos essencialmente naturais’” (p. 98), Phillips pergunta: o que, afinal, significam esses processos naturais? “Eles são simples ou complicados? O que nós precisamos saber sobre eles para a eles nos ajustarmos se, do ponto de vista dc Winnicott. ‘quando os pais têm sucesso como pais eles não sabem o que fizeram para terem tido sucesso’?” (p. 99). Por outro lado, continua Phillips, Winnicott foi construindo uma "com plexa e freqüentemente obscura formulação sobre os mais primi tivos estágios ‘naturais’ do desenvolvimento da criança que o envol veu nunia radical revisão dos tipos de teoria instintual nos quais a psicanálise tem se baseado" (p, 99). O fato é que, tendo vislumbrado a força teórica e a originalidade de Winnicott, nem o sentido do amadurecimento, nem o significado do que Winnicott entende por processos naturais, nem o estatuto da teoria do amadurecimento ficam claros para um intérprete agudo como Phillips. Talvez por isso ele não tenha feito referência, nessa obra, à articulaçã o dos estágios do amadurecimento com a teoria dos distúrbios psíquicos. Um outro exemplo nos vem de Mi ehaei Jaeobs cm seu livro D. W. Winnicott (1995). O autor constata o caráter central do conceito de desenvolvimento na obra winnieottiana, apontando-o como a marca da influência decisiva dc Darvvin em Winnicott, sem, contudo, assinalar as profundas diferenças — o fato de o amadurecimento, em Winnicott, não ser rcdutível ao evolucionismo biológico — e o caráter essencial mente pessoal de que Winnicott dota o seu conceito de desenvolvi mento. Há dois capítulos nesse livro — “Maiores contribuições para a teoria” e “Críticas c refutações" — em que se poderia esperar que fosse mencionada a vineulação da teoria do amadurecimento com o estudo dos distúrbios psíquicos, mas isto não e leito. No último capí tulo, Jaeobs afirma que, em Winnicott, “há muito pouco era termos de uma posição teórica mais consistente que possa ser debatida tal como, por exemplo, em Freud, a teoria dos instintos, o inconsciente, a eentralidade tia sexualidade”, mas concede entre parênteses: “(...) a não ser, talvez, sua teoria do desenvolvimento do si-mesmo” (p. 99). O que seria uma apresentação ila teoria du amadurecimento está contida 2,1
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num item denominado “13a dependência à independência” (p. 37). Xeste, desconsiderando o caráter específico do amadurecimento, ,facobs diz que. tendo se afastado da tripartida divisão da personalidade, Winnicott tem pouco a dizur sobre o desenvolvimento cm termos das fases oral, anal, fálíca etc.: ressalva ainda que. tal corno cm Kreud, “o esquema de Winnicott contem três categorias |s ic | (mais do que estágios, embora cies sejam similarmente progressivos): a depen dência absoluta, a relativa independência c a fase 'rumo à independên cia’” (p. 37). Ou seja, justapondo Winnicott a Kreud, Jacobs não conclui que haja diferenças entre as teorias, mas que o primeiro fica devendo ao segundo. Embora seja um dicionário e não uma apresentação da obra dc Winnicott, cabe aqui mencionar o livro de Jau Abram, The Lungiuige o f Winnicott: a Ihc tiom try o/ W innicoü’s íh se ofWords (1996). Abram eleyeu 22 itens considerados por ela como os principais temas do pensamento winnicottiano. Além de explicitar, cm e<'da um dos itens escolhidos, a direção principal do pensamento winnicottiano, ela enumera uma lista dc conteúdos em que estão indicados os temas afins, tece seus próprios comentários c, como bem eabc a um dicionário desse tipo, apresenta extensas citações dos textos origi nais. A qualidade da análise conceituai dos vários temas é desigual: cm alguns, a autora se atém ao essencial do tema, preservando, com fidelidade, a posição teóriea de Winnicott. Em outros, a análise c vaga, perdendo-se em idéias secundárias. Apesar dc ter sido bastan te bem-sucedida na tarefa de estabelecer conexão entre os concei tos, o que faz com que seu dicionário acabe por constituir uma espécie dc apresentação geral da obra winnieottiana, o livro se ressente da falta de uma interpretação unitária do pensamento do autor. Isto fica claro sobretudo pelo fato dc a autora não ter conside rado, de forma consistente, a teoria do processo dc amadureci mento, tendo feito apenas algumas menções pontuais à conexão entre os estágios do amadurecimento e os distúrbios psíquicos. A falta dessa interpretação unitária aparece também na ausência de certos conceitos fundamentais na listagem principal — por exem plo, a própria teoria do amadurecimento, o objeto subjetivo, a elabo ração imaginativa, as agonias impensáveis, as psicoses, o complexo dc Edipo e a constituição da moralidade. As psicoses, por exemplo, não comparecem nos temas centrais, sendo consideradas dentro do tema “ambiente”, tendo a autora aí destacado a articulação desses
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distúrbios com o tracsisso ambiental em prover o bebê, nus estágios iniciais, das condições satisfatórias que permitem a continuidade do amadurecimento. Uma outra referência A etiologia das psicoses cneontra-sc 110 interior do item “tendência anti-social”." Refiro-me agora a Júlio de Mello Filho, com seu livro O Ser a n Viver: uma Visão da Obra de Winnicott, dc 1989. Esse livro, que certamente marca o início dos estudos brasileiros sobre Winnicott, c também uma surpresa gratifioante no que se refere ao principal: a leitura do pensamento winnicottiano, nele apresentada, c condu zida por uma apreciação destemida tia originalidade da teoria de WinnicotL — embora nem sempre o autor tire dela todas as suas implicações —- e denota um amplo conhecimento da mesma. No primeiro capítulo, “O homem, a vida e a obra", Mello Filho faz. como ele mesmo diz, um "
11 Para uma análise mais tleuilhada subi u o livro de Jan Abram, ef. as resenhas ik- Dias, 2001. 1 : Ho£nmoletz. 200J. 1.’ rara um comcnto sobre 11 cito dc se atribuir uma teoria das pulsões a Winiiicod. eí. Dias. 1 . .■>5
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fizer:i anteriormente. Por fim, cie altera corretamente a menção de (Jrcen ao que seria uma teoria das pulsões. em Winnicott. propondo uma teoria winnieottiana dos impulsos (o termo usado por Winnicott é drives ). Apesar de Mello Filho salientar, aqui e ali, aspectos importantes da teoria do amadurecimento, esta figura apenas como uma posição teórica a ser descrita, sem que o amadurecimento enquanto tal seja propriamente levado cm conta. Por exemplo, no segundo capítulo, “O desenvolvimento humano e a situação analítica”, o autor men ciona, sem distinguir o estágio em que se iniciam, “os tres processos principais que acompanham o desenvolvimento do bebê: integração, personalização e adaptação à realidade”. Pouco depois, sem falar de todo o processo e das várias conquistas que, a partir daí, são necessá rias para o alcance da integração numa unidade, diz: “Segundo Winni cott, através da conjunção dos três processos descritos, |o bebêj começa a distinguir um 'eu ' de uni ‘não-eu\ separados pela pele, fun cionando como membrana limitadora” (p. 37; grifo meu).
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Brcvc discussão das leitura s diver gentes
A presente caracterização da teoria winnieottiana do amadureci mento oferece, em conseqüência do próprio tema e da sua metodo logia, uma visão geral da obra de Winnicott que, embora não seja totalmente nova, difere bastante de algumas leituras existentes. Como são vários os modos pelos quais se lê c se avalia o pensamento de Winnicott quanto ao alcance de sua contribuição para a psicaná lise, a questão aqui c a dc saber cm que exatamente essa contribui ção consiste. Há quem contestc scr Winnicott um pensador original. Propo nentes de tal leitura negam que se possa falar numa “teoria” tipica mente winnieottiana sobre qualquer assunto significativo e, via de regra, assimilam as suas contribuições ao quadro tcórico da psicaná lise tradicional (Freud e Klein). Não faltam exemplos desse tipo de assimilação. Já no título do Capítulo 2. “Lcnfant et ses fantasmes” (do já mencionado Le fxirailoxe de Mnmcoíf, dc A. Clancier e J. Kalmanoviteb), 6 usado um conceito — fantasma — que pertence à teoria Uleiniana, sendo totalmente alheio a Winnicott. Nesse mesmo capítulo, descrevendo a unidade bebê-niáe, as autoras reproduzem as ilustra 2t,
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ções gráfieas que Winnicott faz do bebê como ser isolado, do movi mento do bebe descobrindo o ambiente etc.1-1A seguir, à guisa de legenda, dizem: “A emergência pulsional facilita o encontro com o mundo exterior. Se é o seio bom que faz o movimento para realizar a experiência, tudo irá bem, Se os dois não se encontram, haverá elivagem” (p. 46). Ou seja, tudo aqui c ldeiniano. O único elemento winnicottiano dessa frase é o movimento na direção de um encontro, mas, nicstno aí, a indicada direção do movimento está errada.11 Um outro bom exemplo, na mesma linha, é o artigo de Luiz Mever, de 1994. Requisitado pela revista Percurso para estimular uma re flexão sobre os motivos de um possível fracasso na formação analítica, o artigo analisa a famosa carta de Winnicott a Melanie Klein, de novembro de 1952. lissa carta, sob qualquer ângulo, é um alerta acerca do mal-estar e do clima-paralisante para a evolução do pensa mento psiearuilítieo, provenientes da intransigência, do sectarismo e do abuso de poder, via imposição de clichês e outros tipos de constran gimento do pensamento, por parte do grupo kleiniano da época. Meyer dispõe-se a considerar, da carta, "os conceitos especificamente winnieottianos", mas tão-somente para analisar qual é, exatamente, o teor da crítica que Winnicott dirige a Klein e, sobretudo, aos kleinianos. A partir daí Mever opera, de forma hábil c sutil, um esvaziamento do pensamento do autor, um deslocamento dos conceitos winníeottianos para fora do âmbito da interrogação que llics deu origem. Esse esvaziamento, e mesmo desfiguração, vai num crescendo até que, na
1.1 Cf. Winnicott, l lJ5fít>, p. .109. 14 Em Winnicott, quando os cuidados são suficientemente bons, não c o seio que faz o movimento, impondo o contato, mas é o bebê que. fazendo o gesto espontâneo, encontra-.se com o seio, criando-o. Os exemplos desse tipo de assimilnção, que nivela numa mesma linguagem e obseurecu a originalidade da proposta teórica wiimieouiana, se multiplicam. Nessa mesma obra. as autoras, numa total indiferença para a insistência de Wimvcott de que. no início da vida, a realidade é subjetiva e não interna, ehamam o próximo item tio capítulo 2 de ''Da realidade interior à realidade exterior”. Uma forma corrente de assiniilar Winnicott à teoria tradicional, sem enfrentar o questio namento decorrente dc suas novas concepções — isto é. como se se tratasse de mu mesmo horizonte teórico ou, como diz Loparie. de um mesmo para digma — c dizer que ele estaria complementando uma única teoria analítica da qual Kreud teria descrito os casos mais evoluídos. M. Klein os distúrbios m:ús primitivos c Winnicott os ainda mais primitivos. Tentarei mostrar que essa Lese nácn: deknsãiel.
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última parte do texto, não resta mais nada dc Winnicott, apenas uma figura anônima c mimétiea proferindo as idéias kleinianas. A maioria dos comentadores, contudo, não hesita em conceder a Winnicott uma notável originalidade. Um exemplo de uma tal apreciação é dado por Clects (1981): "A posição de Winnicott 110 campo da psicanálise contemporânea c original |. ..], sua o bra progressivamente se impôs pela novidade de sua linguagem e pela riqueza de suas perspectivas [. ..|” (p. 15). O próprio (írcen, no artigo já mencionado, “O conceito de fronteiriço”, diz que o “inimi tável estilo de Winnicott" c “sua original eonecitualização não se prestam a uma fácil sumarização. A nitidez aparente dc Winnicott é desnorteadora e, com freqüência, lcem-sc autores inspirados por suas contribuições que não fazem jus à sutil e rica complexidade de suas idéias” ((ireen, 1988, p. 74). Alguns intérpretes, embora reconheçam a originalidade tle Winni cott, negam que ele seja um pensador teórico, insistindo em dizer que a sua riqueza está justamente em não ser “teórico” ou “sistemático”. Entre os que parecem preferir essa leitura, encontra-se Pontalis. Numa entrevista a Anne (daneicr, o psicanalista francês afirma que | __ ] pode-se rctraçar o pensamento cie Freud. pode-se expor a teoria de Mclanic Klein, e pode-se ainda mais sistematizar a dc Laean. Tentar isso com W innicott será per der o melhor. Aquilo que me sensibilizou e a que perm aneço sensível é ao efeito W inn icott.15
Rugério Luz, apontando para o fato de que o modo dc teorizar de Winnicott pode induzir esse tipo de abordagem, reconhece que esta conduz a um estreitamento da contribuição winnieottiana. Num artigo de 1989, Luz assinala de que modo o texto winnicottiano, | __ ] por aproximar-se da linguagem comum e por recusar uma sistematização douta, é visto, por vezes, apenas como a expressão dc intuições geniais, ligadas ít clínica, mus incapaz dc res pon der às exigências dc uma teoria do sujeito e de sua relação com a cultura (Luz, 1989, p. 26).
Nessa mesma linha, fala-sc ainda da importância de não imobilizar um pensamento rico e cm fluxo permanente. Claude Gects, por 15 Cí. entrevista de Pontalis a Anne Claneier, m Anne tUancicr e .1. Kalinaimvitcli, 1MH4, p. 2 ] ' ) .
exemplo, alerta pani o risco dc “paralisar um pensamento que não cessa de movimentar-se, de fixar numa coneeitualização rígida, o que, de princípio, se dá a ver e a compreender como experiência clínica", risco este que seria particularmente temível no caso de Winnicott. Parte desse perigo consistiria na possibilidade de transformar o pensa mento de Winnicott, caso fosst' formulado como uma teoria, num dogma. Segundo Gcets, nada seria mais estranho à mentalidade do autor do que “o dogmatismo dc um sistema aplicado sobre a realidade viva; destacada da experiência que a viu nascer, a teoria perde seu sentido e se transforma cm doutrina” (Gcets, 1981. p. 17). Algumas perguntas surgem a propósito desse legítimo temor: por que justa mente em Winnicott a clareza conceituai c a unidade e o rigor da teoria sc transformariam em dogma? Se qualquer obra, posta a públi co, está necessariamente à mercê da leitura que a encontra — o que eqüivale a dizer que o mundo subjetivo de cada um sempre interfere na percepção da realidade objetiva — , por que entroniscar essa verdade estrutural c preconizar, exatamente cm Winnicott. essa leitura subje tiva? Como estabelecer verdadeiramente um diálogo com o autor se o que fazemos é usar o seu nome e a sua linguagem para travestir nossas velhas teorias? Ou ainda: que risco 6 maior? O de tentar entender exatamente o que Winnicott quis formular, c tantas vezes defendeu (que é, afinal, o que tentamos com os nossos pacientes), por meio do consagrado método de ler e comparar os seus textos, ou o de decretar que o seu pensamento deve ser deixado ao sabor dc todo e qualquer tipo de interpretação?1'1 Creio que é esse mesmo tipo de inquietação de Gcets que leva José Ottoni Outeiral, um dos mais ativos divulgadores da obra dc Winnicott no Brasil, a afirmar, na sua “Apresentação à edição brasi-
16 Alguns oonientiidores de Winnicott, defendendo essa interpretação "livre” de seu pensamento, ou seja. sem maiores cuidados píint coiti <>que ele efeti vamente escreveu e defendeu, dizem-se apoiados numa afirmação de Masud Khan no prefáeio ao Da pedintriu ct psietmóiise. Referindo-se :m fato de jam ais ter uonhoeiilo alguém que fosse, mimo Winnicott o era, tão "inevita velmente ele mesmo", Klian afirma que era isso que lhe permitia ser múltiplo e deixar que eada um “tivesse o seu próprio Winnicott". Ora, se isso m verdadeiro, além de inevitável, com relação à pessoa du Winnicott, certamente n;io <■ é com relação à sua teoria. que ele emjsisteiitcinente defendi-ti a cada vcü que el;i foi alvo tle distorções, ('f.. entre outros exem plos, p. *M1: l lt.S7h, cartas iv* íiO. 74. N2, W e 125.
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Seira" dc Explorações psianurfíticas, que, para ler os trabalhos de Winnieott, “é necessário fazer como ele sugere para o Jogo de Ra biscos (SífUiggle Gome), com o leitor e o autor criando juntos uma "leitura pessoal’, um espaço transicional onde o leitor ‘descobrirá’, como um achado pessoal, o que D. W. W.nnieott escreveu” (Outciral, 1994, p. viii). É difícil concordar com esse método de leitura sugerido por Outeiral. Primeiro, pelas mesmas considerações aci ma, referidas a Geets; segundo, porque a construção de uma teoria ou a formulação de um conceito não é um gesto espontâneo (o que não os priva de criatividade), como o que está requerido no jogo do rabisco. Esto jogo é um método terapêutico, uma modalidade de co municação interpessoal totalmente diversa do procedimento de construção de teorias, que consiste, como mostraremos, na elabo ração e no teste dc hipóteses, as quais caracterizam a atividade cien tífica de resolução dc problemas. Além disso, não me parece legí timo que o leitor se aproprie das idéias de um autor sem reconhecer os devidos créditos deste; não é justo que se faça um “achado pessoal" do que Winnicott escreveu antes de tentar saber o que, de fato. ele escreveu e esquecendo-se de que foi ele que escreveu. Isso significaria estabelecer uma relação com a obra de Winnicott, torna da objeto subjetivo, o que. segundo o autor, configura uma “comuni cação sem saída", um monólogo ao invés de um diálogo; seria negar o fato de que Winnicott e sua obra pertencem à realidade externa, com a cjual cada um de nós tem de se haver se quiser chegar à maturi dade. Gom o já foi mencionado, Winnicott aconselha, dc fato, que “o leitor deve formar uma opinião pessoal dessas questões”, mas ape nas “depois dc estudálas tanto quanto possível (... ]" (198S, p. 60). Curiosamente, não é sempre essa a posição de Outeiral. Ao debruçar-se sobre o lema do pai no pensamento winnicottiano, ele concede que “uma obra extensa e não sistematizada dificulta um estudo em profundidade de determinadas questões” (Outeiral. 1997, p. 91). Em outro texto — dizendo-se inspirado em Ilartmann, que escreve: " [...) todo mundo se refere à minha obra, mas ninguém a lê” — Outeiral justifica, para o leitor, que o excesso de citações de Winnicott no seu artigo tem a função de “preservar o verdadeiro sentido de suas idéias e não [favorecer] uma interpretação pessoal delas" (Outeiral. 1991. p. 13.1, nota 1). Ao mesmo grupo de intérpretes pertencem todos aqueles que reconhecem ser Winnicott um grande clínico, mas insistem tio .10
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caráter apenas sugestivo de sua obra. apontando a sua preferência eni se expressar na linguagem cotidiana, e mesmo poética, como provada inexistência de uin interesse teórico. A tendência a considerar Winnicott unicamente da perspectiva do clínico genial ou do pensador “livre” ou “poético" ocorre, às vezes, por motivos circunstanciais. Segundo Daniel Widlõeher. Winnicott veio contrabalançar, na Franga, “um formalismo um pouco intelectualista”, derivado dos trabalhos de Lacan, com aqueles trabalhos que. ao contrário, privilegiam a relação terapêutica e o afeto.17Tendo repre sentado, na França, uma alternativa à hipersistcmatização de Laean, Winnicott serviu dc antídoto, 11a Inglaterra — não apenas no plano teórico, mas também no polítieo-institucional c no científico — , para o dogmatismo e o sectarismo do grupo kleiniano. Ilá ainda aqueles que. sem necessariamente negar a originali dade teórica, assinalam o caráter pouco científico e as fraquezas teóricas dos textos winnieottianos. Greenbcrg e Mitohcll, por exem plo, comentam que os temas centrais de Winnicott ‘'são geralmente apresentados na forma de paradoxos evocativos que instigam diver tidamente o leitor, üs argumentos são mais discursivos do que firmemente arrazoados” (Greenbcrg e Mitchell, 1983, p. 189). Jacobs, por seu turno, certamente apoiado na ausência dc uma interpretação unitária do pensamento winnicottiano, observa que, embora o nome dc Winnicott possa ser proverbial no campo dos acon selhame n tos, |...] suas idéias atraem pouco debate real oom as áreas afins. |... |Se o behaxiorismo continua a tnuar batalhas eom a psicanálise, Winnieott não atrai nenhum togo específico. [... ] Deve haver razões pelas quais há tão pouco exame crítico de sua obra completa, li possível, por exemplo, que a natureza dos seus escritos seja tal que o debate torna-se necessariamente limitado. Ele pode ter sido um escritor profícuo, irias publicou pouco qu e possa ser apresentado como uma teoria compreensível. Não há esquema claro em Winnicott. com a possível exceção de Xo tuiv za Jiwtutnu (Jacobs. 1995. p. 98).
Rvuroít, uma figura proeminente no MicUUe Group, lamenta a falta de uma teorização consistente na obra winnieottiana. líle
17 C.í. a entrevista ile 1). Widliiclicr !i Anne Ulriucier í» 1 Anne Claneier e •I. Kalinnuovitdi. PJ M .p 222. 31
iXTKiurçÁi) concede que a idéia de uma realidade transiclonal "é talvez a mais importante contribuição para a teoria psicanalítiea dos últimos trinta anos" (Rycroft. 1985, p. 1-I5), No entanto, também afirma que, “apesar do ocasional uso de nomes abstratos” ! !], as teses dc Winnicott são sempre (...] afirmações pessoais, demasiadamente idiossincráticas para serem prontamente assimiladas no corpo geral de alguma teoria científica. Ele freqüentemente soa como uma voz gritando 1 1 0 deserto, que c de fato inabitado, ou como um visionário disfarçado de pensador (Jbiil., p. 144).
Finalmente, há quem defenda a existência de uma originalidade profunda ern Winnicott no que sc refere à sua teoria. Dc forma ainda mais radicai do que Phillips, que, como vimos, reconhece o caráter dc ruptura do pensamento de Winnicott com relação à teoria tradi cional, Zeljko Loparie (199 7b ) afirma que a obra dc Winnicott intro duz, no quadro da teoria psieanalítiea, um novo paradigm a. A noção dc paradigma aí implicada é a dc Kulin. cm seu livro A estrutura das revoluções científicas (197 0). Para Kuhn. uma disciplina científica é definida por seus “ paradigmas”, que são “as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas c soluções modclarcs para uma comunidade de prati cantes de uma ciência” (p. 13). “Um paradigma” c composto de dois tipos de paradigma: o paradigma 1, que é constituído pelos pro blemas exemplares ou paradigmáticos c suas soluções igualmente modclarcs; e o paradigma II, também chamado “matriz disciplinar”, que é composto pelas várias teorias que foram sendo formuladas para dar conta da resolução dos problemas exemplares. O paradig ma II contém, portanto, o conjunto dc hipóteses que serve de base teórica para a pesquisa normal, ou seja, para a resolução de proble mas cm curso. A pesquisa científica dedica-se a detectar e a resolver novos problemas c. usualmente, o procedimento consiste cm for mular os novos problemas nos moldes do problema exemplar ou paradigmático, resolvendo-os à luz das soluções paradigmáticas, linquanto é capaz de abranger e solucionar a maior parte dos problemas emergentes, o paradigma (I e II) c mantido; mas, à medi da que surge um grande número dc problemas que resistem à reso lução segundo o paradigma estabelecido — os chamados problemas anômalos — , inicia-se uma crise que, em geral, é vagarosamente .V ’
INTRODUÇÃO
engendrada. Aos poucos, a pesquisa deixa de ser “normal" para tornar-se “revolucionária”, no sentido de que sou esforço agora é achar ou testar um novo paradigma capaz de resolver tanto os antigos como os novos e anômalos problemas. Segundo Loparie, é essa situação de mudança de paradigma que caracteriza a obra winnieottiana no interior da psicanálise. Para a psicanálise tradicional, o problema exemplar 6 o complexo de Édipo, e a sua solução paradigmática consiste na identificação do menino com o pai. o que significa a resolução da angústia de castração e o abandono da pretensão a ocupar o seu lugar com o marido da mãe. O filósofo diz: "No lugar do problema do Édipo, que era o ponto de partida da psicanálise tradicional, Winnicott coloca com o easo cen tral o bebê no colo da mãe" (Loparie. 1997b. p. 58). Esse é o novo problema, anômalo para a teoria psicanalítiea tradicional e referido, não a questões do ordem pulsional relativas ao desejo incestuoso, mas à constituição do sentido de realidade do si-mesmo e do mundo. Mas, continua Loparie, além de alterar o problema exemplar, [,..| Winnicott modificou também a matriz disciplinar. Ele rejei tou ou modificou significativamente o emp rego de conceitos fun damentais tais como sujeito, objeto, relação de objeto, pulsão (vontade, impulso), representação mental, mecanismo mental, força pulsional. No seu lugar e no da teoria do desenvolvimento sexual, cie colocou a teoria do amadurecimento humano, assim com o uma série de conceitos básicos novos a serem usados, dora vante, no estudo de problemas novos e antigos (irlc.m).
A atribuição do estatuto de revolução paradigmática à obra psicanalítiea de Winnicott é uma tese polêmica de Loparie c, em torno dela. existe um debate em pauta. Roberto Clrana, por exem plo, na apresentação à edição brasileira, de 1997. dc Pensando sobre crianças (1996a), discorda do filósofo, dizendo ser essa “uma afir mação dificilmente sustentável". Primeiro, diz ele, pela “impropriedade da aplicação do método kuhniano às geistesunssenschften, c, .segundo, por Winnicott ter se declarado, muitas vezes, um psicana lista freudiano". O primeiro argumento de Grafia não e correto, já pelo fato dc <> próprio Kreud ter declarado que a psicanálise não c uma cicn .-ia do espírito, mas uma ciência natural.1S Além disto,
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embora u campo prceípuo ao qual Kuhn aplica a noção de para digma seja o das ciências naturais (física, química, biologia etc. ), ele sustenta que ela se aplica igualmente às ciência s sociais e humanas, com uma diferença: nestas últimas, a situação deve ser dita pré-paradigmátiea. uma vez que um paradigma I ainda não se estabeleceu de maneira unívoca e a pesquisa está buscando exatamente isso. Ora, no campo das ciências humanas, se há uma ciência cujo para digma tem se conservado unívoeo. é a psicanálise. Mas nicsmo que considerássemos a psicanálise como estando na situação pré-para d i g m á t i c a . é importante ler Kuhn quando este diz que |... ] os mem bros de todas as comu nidad es científicas, incluindo as escolas do período ‘'pré-parad igmático ", compartilham os tipos de elementos que rotulei coletivamente de “um paradigma". O que muda com a transição à maturidade não é a presença de um para digma, nuis a sua natureza (Kuhn, l ‘J70, p, 179).
De qualquer modo, a questão sobre o caráter da contribuição winnieottiana para a psicanálise é uma discussão fértil ainda em curso. O segundo argumento de Grana, acerca da filiação explícita de Winnicott à psicanálise freudiana, não convence porque, além de não resistir a uma análise das posições teóricas de Winnicott, como se verá neste estudo, refere-se a uma declaração mais política do que teórica. À medida que o seu pensamento evolui e Winnicott sente-se livre para expressá-lo, o que se encontra é uma análise fortemente crítica das posições de Preud e dc Mclanic Klein, sobretudo no que sc refere á pretensa amplitude do corpo teórico desses autores para a compreensão dos distúrbios psíquicos cm geral. Isso não significa que ele deixe de ser psicanalista, mas que, acreditando ser a psicaná lise um campo de conhecimento que evolui, ele continue a sua tarefa de pesquisador e vá modificando a teoria à luz de novas desco bertas, sendo, nisto sim. um seguidor de Preud. Rogério Luz é um outro comentador que, sem chegar a postular um novo paradigma cm Winnicott, aponta para a mudança radical que constitui a obra winnieottiana: Winnicott introduz na psicanálise não apenas um novo objeto, fenômeno ou atividade, mas provoca um rcarranjo de seu campo de problem as e, conseqüentemente, de seus conceitos ( Lu z. 1989, p. 32 ).
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Ex plicitação da visão ge ral da obra de W innicot t
Parto da convicção dc que a contribuição original dc Winnicott ao pensamento psicanalítico reside em ter proposto uma teoria do ama durecimento pessoa! do ser humano c uma teoria dos distúrbios psíquicos, cm especial das psicoses, articuladas internamente e conec tadas entre si. Compartilho, ainda, da posição daqueles que reco nhecem que uma série de conceitos de Winnicott ó radicalmente nova e extrapola as metapsicologias disponíveis, c mesmo a tradição filosó fica a que elas pertencem, anunciando, possivelmente, o surgimento dc um novo paradigma da psicanálise no seu todo. Não é meu propó sito aduzir as razões pelas quais aceito esse último ponto de vista. Vou limitai*-mc a destacar alguns aspectos do procedimento de Winnicott, nem sempre notados, que preparam o caminho para o tipo dc leitura aqui elaborada. Essas observações dizem respeito a formas de teorizar por c!e praticadas, cm particular. 1) a sua concepção da psicanálise e do trabalho científico: 2) o diálogo que mantém com diferentes áreas científicas; 3) a sua relação com a linguagem; 4) o uso que faz da poesia e das artes em geral; e, por fim. 5) o modo como se relaciona com áreas não-cicntífieas do saber, tais como a filosofia e a teologia (e a religião, de uni modo geral). Vejamos, inicialmente, aspectos da sua elaboração teórica e, em particular, da sua concepção do trabalho científico. Winnicott sempre insistiu no fato de que aquilo que escreve provém de seu próprio trabalho, e do quanto ele é incapaz dc inventariar uma herança, dc trabalhar a partir de uma concepção alheia. “Não é assim que a minha mente trabalha”, diz ele. Numa carta dc 1957 a Augusta Bonnard, escreve; “Para mim, não há importância alguma cm saber se eu disse primeiro alguma coisa ou se ela já foi dita” (1987b, p. 101). Ou ainda: “Não me interessa ser original nem citar outros autores ou pensadores (nem sequer a Kreud)” (1968c, p. 152). É também notória, e inúmeras vezes afirmada, a necessidade dc usar sua própria linguagem para a elaboração de suas teorias ou, como ele diz, para formular "a última criatura dc sua mente” da forma mais pessoal. Isso se deve, sem dúvida, à invulgar liberdade dc pensamento que ele exerceu e da qual foi um defensor irrevogável. Seus contemporâneos são unânimes em afirmar a sua extraordinária capacidade de ser ele mesmo, a sua aversão a dogmas ou a qualquer constrangimento do pensamento.p>
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E, no entanto, é ele o autor quo, explicitando o paradoxo funda mental sobre o qual se apoia totlo o acesso à realidade — o bebê eria aquilo que encontra — . faz a criatividade ser tributária da tradição: “Em nenhum campo cultural é possível ser original, exceto com base na tradição” (1967b, p. 138). Quando estamos saudáveis, diz ele, só criamos aquilo que descobrimos, ou seja, aquilo que jâ está ali para ser encontrado. Mesmo nas artes, ‘ não se pode criar no vácuo, a não scr que sejamos solistas num hospício ou no asilo de nosso próprio autismo” (19N(>h, p. 42). Para ser criatk x) em arte, f i - losofia ou ciência, é preciso, portanto, estudar o que já existe. A cria tividade consiste não em uma invenção autista, mas "em olhar tudo com o scfosse u primeira ve z" (1986h, p. 33; gritos meus). A origina lidade de Winnicott não sai do nada. e o mesmo vale para a criativi dade científica; suas idéias se forjaram a partir da observação e no interior do debate travado com as áreas afins — a pediatria, a psi quiatria infantil e a medicina psicossornátiea.20 Seu principal inter locutor foi. no entanto, a psicanálise tradicional. Winnicott conside rou-se sempre um psicanalista, e reconheceu inúmeras vezes a sua dívida para com Freud e Klein. Esse reconhecimento está em pleno acordo com a sua concepção de criatividade. Ele diz: "Sou um produto da escola freudiana ou psicanalítiea. Isto não significa que eu aceite tudo o que Kreud disse ou escreveu” (1965t, p. 3 3).31 Um dos aspectos que Winnicott mais valoriza na herança inte lectual dc Freud é o fato de a psicanálise consistir numa disciplina de caráter científico: A questão é que Freud deu início a uma abordagem científica do problema do desenvolvimento humano | _ J; deu-nos um método
20 Enquanto psicanalista c pediatra. Winnicott entalndou longos debates com a psiquiatria médica, a pediatria e a psicologia acadêmica, disseminados ao longo dos seus trabalhos em torno de diversos temas, tais como a natureza humana, a relação entre a mente e o corpo, o crescimento humano e a questão da saúde e da doença. V;inos momentos desse debate constituirão o assunto de uma análise pormenorizada, no capítulo 1. 21 Dizer que Winnicott foi influenciado ou que partiu dessa ou daquela idéia não é o mesmo que afirmar, por exemplo, como o faz Adam Phillips, que “o seu trabalho não pode ser entendido sem referência a Klein” (Phillips. 1VNH. p. ) ou, como afirma Luiz Mcyer: “Na venlade, c preciso pensar Winnicott it partir de Mclunie Klein” (Mever. 1W4, p. N 3 )
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para uso e desenvolvimento que p odemos ap render o por meio do qual podemos checar as observações dos outros e contribuir com as nossas próprias (IVGõt. p. 33).
Alguns anos mais tarde, ele dirá: Freud deu-nos este método que podemos usar, e que não interessa para onde nos leve. o eerto é que nos leva a algo; trata-se de uma maneira objetiva de examinar as coisas c está destinado às pessoas capazes de abordar algo sem noções preconcebidas, o que. num eerto sentido, é o qu e f az a ciência (1989f, p. 437).
Winnicott não deixa dúvidas quanto à sua opção pela abordagem científica no estudo do desenvolvimento humano. A psicologia, diz ele já em 1945, ” [. .. ) não reivindica prioridade em relação ao enten dimento da natureza humana, exceto num aspecto: na transfor mação desse estudo numa ciência” (1945b, p. 32). Tambcm na pri meira parte dc Natureza hunutiui encontra-se a formulação dc que o principal objetivo desse livro ó o tle “indicar gradualmente os cami nhos pelos quais se descobriu que o desenvolvimento emocional c complexo e, não obstante, capaz de ser pesquisado pelo método científico” (1988, p. 30; gritos meus). Mas sendo um estudioso da natureza humana, concebendo esta como essencialmente temporal, e buscando descrever os estágios do processo de amadurecimento — que se refere ao que e estritamente pessoal no ser humano — , Winnicott não pode. contudo, aceitar qualquer tipo de ciência e, certamente, não aceita a ciência natural à qual Freud filiou a sua psicanálise. C) que Winnicott rejeita, nas ciências do homem, são as tentativas dc construir sistemas fechados ou de reduzir a vida humana a entidades físicas ou a categorias quantificáveis. líle sabe que uma tal ciência sc equivoca no problema da natureza humana e tende a perder de vista o ser humano como um todo (1965vb, p, 136). Recusa, ainda, a pretensão a uma solução definitiva de problemas científicos. Manifesta urna indignação im par com a afirmação de Joan Rivière, na Introdução escrita por cia para o livro dc M. Klein, de que esta teria produzido uma teoria inte grada que, embora ainda em esboço, “dá conta de todas as manifes tações psíquicas, normais c anormais, desde o nascimento até a morte, sem deixar nenhuma lacuna aberta nem fenômenos pen dentes" (19.H‘)xh, p. 319). Winnicott comenta: “A própria Mclanie 37
iNTitunrçÃo teria desautorizado esta frase se tivesse sido verdadeiramente uma cientista” (tc/em).22 Para ele, existe o perigo da ciência enquanto tal — quando esta é construída sobre fundamentos que levam à objetificação do ser humano — c há o perigo da falsa ciência, ou, melhor dizendo, da prática científica que é falsa porque, ao invés de dedicar-se ao escla recimento cada vez maior do seu campo de estudos, pôe-se a serviço de ‘lealdades” e da manutenção dc grupos dc poder. Mas tudo isso justamente legitima a necessidade de não se abandonar a tarefa dc |...] transformar o estudo da natureza humana numa ciência, num processo caracterizado pela observação tle fatos, pela criação de teoria c testagem dessa teoria, e pela modificação da teoria de acordo com a descoberta de novos fatos (1945h, p. 32). Nesta frase. Winnicott parece indicar a necessidade de se cons truir uma nova maneira dc fazer ciência, adaptada ao estudo da natureza humana, conservando, contudo, o essencial do espírito científico. Sua obra nos dá a amostra de como fazê-lo e, neste sentido, constitui um legado e uma responsabilidade.2-1Mantendo o que lhe parece fundamental da criação de Freud — o fato de que qualquer transformação dc urna pessoa se dá no interior de uma relação humana — , Winnicott formula novos problemas exemplares e põe os procedimentos dc observação e descrição a serviço dos
22 Cf, Winnicott, 1989xh. Nesse mesmo texto, Winnicott refere-sc no fato de que, muitas vezes, as discussões científicas e o avanço do conhecimento são impe didos não só polo nosso "temor à dúvida”, inas também pelo joio de “lealdades”, comuns a grupos com tendência ao sectarismo u que. mais preocu pados com o poder do que com uma verdadeira discussão das idéias, estafinam o pensamento o inibem :i livre expressão. Para esse ponto, et', também a carta de Winnicott a M. Klein, de novembro de 1952, em 19871), p. 30. 23 Inúmeras vezes em sua obra, Winnicott exorta os analistas para que conti nuem a pesquisar e a ampliar a compreensão dos fenômenos que podem afiora ser vistos à luz da teoria do amadurecimento. “O analista”, diz ele em 1967, "tem a grande responsabilidade de ensinar e dc desenvolver a teoria de acordo com aquilo que os pacientes, o tempo todo. tentam nos ensinar” (1996b, p. 217). A teoria, diz ele, c demasiadamente complexa e "há firandes lacunas em nossa compreensão” (1989vk, p. 94). Diz. por exemplo, que “qualquer estudo que lance luz sobre a natureza do bebê ao tempo da primeira mamada c também ao tempo tio próprio nascimento será bemvindo” (1988, p. 172).
IXTKOWÇAU fenômenos que surgem nesse novo âmbito de interrogação. Como o rigor de « m a ciência consiste exatamente cm que sua metodologia e procedimentos se adaptem ao seu objeto de estudo, é dc esperítr que um:i ciência dedicada ao estudo da natureza hum ana seja regida por um outro critério de objetividade e rigor. A objetividade, nas ques tões humanas, não pode. dc modo algum, seguir o padrão de pesquisa das ciências físicas ou naturais: não se pode pensar o ser humano a partir das categorias formuladas para o estudo dos entes naturais e mensuráveis. O material de pesquisa dc uma ciência da natureza humana “é essencialmente o ser humano sendo, sentindo, relacionando-se e contemplando" (1965vb, p. 137). Além disso, objetividade, nesse âmbito, diz Winnicott, "é um termo relativo porque aquilo que é objetivamente percebido c. por definição, até certo ponto, subjetivamente concebido” (197 lg , p. 96).24 O principal a ser preservado consiste em que, na pesquisa cien tífica, |quando surge um vazio no conhecimento, o cientista não se desvia para uma explicação sobrenatural. [...J Para o cientista, todo vazio no entendimento oferece um desafio excitante. Assu me-se a ignorância e se delineia um programa dc pesquisa. |...) Para o cientista, formular questões é quase tudo. As respostas,
24 IS interessante observar ijuc a necessidade, tanto de uma nova ciência como do rigor que deve caracterizá-la. encontra paralelo em I leidcggcr. Nos Scini Tuírúui
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IXTKOIHTÁO quando ap a rt e m , apenas conduzem a outras questões. A idéia do conhecimento a caba do c o pesadelo (io cientista. Ele estreme ce só tle pensar numa coisa dessas. Comparem isso com a certeza que envolve a religião e verão como a eiêneia difere desta. A religião substitui a dúvida pela certeza. A eiencia suporia uma infinidade de dúvidas, e implica fé. Fé em quer Talvez em nada: apenas unia capacidade de ter fé (1986k, p. 10).
Em outro texto, ele enfatiza, ainda, que "a abordagem científica dos fenômenos nos permite ser ignorantes sem medo e, portanto, sem ter de inventar iodo o tipo dc teorias fantásticas para explicar as lacunas do conhecimento” (1945h, p. 33). A psicanálise, continua, [. ,. ] constitui um novo e excelente instrumento, por meio du qual os seres humanos podem estudar ;i si mesmos c sem relaciona mentos interpessoais, mas continua sendo um instrumento de pesquisa científica ou uma terapia, e nunca faz unia contribuição filosófica direta ou um a contribuiç ão religiosa { I b i c l p. 37).
Num texto dc 1948, ao mencionar, historicamente, alguns dos desenvolvimentos teóricos que se seguiram ao trabalho pioneiro de Freud, ele afirma que agora [ __ 1 vem sendo elaborada uma teoria altamente complexa do desenvolvimento emocional do ser humano dc modo que, apesar de toda u nossa terrível c ao mesmo tempo excitante ignorância, contamos atualmente com hipóteses de trabalho muito úteis, hipóteses, c bom que se diga, que realmente funcionam, lixíste atualmente disponível material suficiente para que seja possível tentar formular idéias sobre os bebês, idéias que sejam impor tantes tanto para o psiquiatra quanto para o médico de crianças, e eu gostaria de ser uma das pessoas íl tentar fazê-lo (1948b, p. 234 ).
O método que Winnicott preconiza e, essencialmente, o de observar e registrar os fenômenos, ein detalhe, tentando novas hipó teses, à luz da teoria do amadurecimento. Não devemos esquecer, diz cie, "o exemplo dado pelos grandes mestres da medicina clínica que adoravam observar e registrar, e que vivem na nossa mente c nas nossas afeições por causa da sua crença no valor dos pequenos deta lhes, cuidadosamente observados e examinados” (1969Í, p. 220). A esse respeito, pode-se notar, por exemplo, que a sua louvada capa cidade de observai e registrar o que acontecia no atendimento tle bebês c suas mães, e na relação clínica com adultos, estava nutrida 40 I
INTUimi/KÁO
por duas outras: a de estar em contato pessoal efetivo com o indi víduo do qual cuidava e a de poder ver fenômenos que só se tornam visíveis à luz da teoria do amadurecimento. Pela própria natureza do fenômeno que estudava, Winnieott estava convencido de que o contato pessoal, longe de contrariar a exigência de rigor e objetivi dade da observação, exatamente o possibilitava. Foram estas as peculiaridades que lhe permitiram descrever aspectos da natureza humana que nunca tinham sido “vistos" antes. Sem talvez entender a qualidade específica de observação clínica de Winnieott, mas atinando para o seu resultado, os organizadores do seu último livro, Pensando sobre criança s (1 W 6 a ), afirmam, no Prefácio, que (. .. ) uma característica notável do trabalho de Wim iicoti íoi o seu grande poder de observação e descrição, de modo que aquilo que d e escreve tem um ar de extraordinária familiaridade — s en tim os (/itujâ sabíamos tujitiUt cjtie ele está dizendo (1996a, p. XV. grifos meus}.-5
Um outro ponto, convergente com o que acabamos de delinear, di 7 , respeito à relação stri gencris que Winnieott desenvolveu com a linguagem. Para explicitar os fenômenos que pretendia descrever, Winnieott valeu-se de urna linguagem calcada na linguagem co mum. No Prefácio ao livro Da pediatria à psicanálise (1958a), Masutl Khan afirma, não sem alguma ironia, que Winnieott [...] escreveu como falava; eom simplicidade e com o objetivo de relatar. Não de convencer ou doutrinar. Fez do seu modo de exp res sar-se uma linguagem tão própria do uso comum e da cultura mediana que todos sc iludiam acreditando sempre haver enten dido o que ele dizia (Khan, 197ÍÍ, p. 12).
Ao proceder assim, Winnieott muitas vezes introduziu conceitos que são centrais em sua teoria, sem demonstrar preocupação em defini-los, justificá-los ou fundamentá-los por meio de uma abstra ção conceituai. Assim acontece com "curuinuity a/being”. "fueling oj'
25 Enfatizando o perfil de cientista de Winnieott, os organizadores do livro /'oi.sntk/o Ntilirv crianças negligenciaram o tato de que a ciência por cie valorizada não deve scr entendida nos termos das ciências positivistas ou naturalistas, mas deve ser adapiada :it> estudo tia natureza luuuana (ef. Ray Mliephvnl t:l
II
ixTKt mroÃo mtí”, "esseruúd uUmenesa", “muttudity " , “falling fo rc ve r" etc. Isto não implica que esses conceitos careçam de sentido analisável, mas, antes, que o seu sentido tem dc ser derivado da situação concreta, do contexto em que aparecem. Este é, por exemplo, o caso da “mãe suficientemente boa” em que o “suficiente” não é cxplicitnvcl em r e g r a s de conduta e muito menos quantifieável. A propósito desse ponto, Winnicott é incisivo: o saber da mãe provém da sua capaci dade dc identificar-se com o bebê a partir de sua própria experiência de ter sido cuidada: esse saber não pode scr aprendido cm livros ou palestras; rcgrá-lo é o mesmo que destruí-lo, ou seja. é privá-lo do seu principal atributo, a pessoalidade c a espontaneidade da mãe. Definindo os seus conceitos pelo uso, o dizer de Winnicott 6 muito mais indicativo do que proposicional. Ele deixa que a palavra nos atinja ela mesma; se isso não ocorrer, também não adianta explicar. Trata-se mais de uma experiência de comunicação do que da produ ção de uma significação verbal destinada a uma compreensão pura mente intelectual. Ele diz, por exemplo, que: Podemos usar palavras como quisermos, especialmente palavras artificiais como contratransferência. Uma palavra como .sei/ natu ralmente expressa muito mais do que podemos expressar; ela nos usa e pode nos conduzir (J960a, p. 145). O fato de o analista — tal como a mãe suficientemente boa — ser afetado pelo paciente é de tal modo intrínseco à relação que criar um conceito para falar disso parece-lhe totalmente artificial. Além disso, algumas vezes, para não deturpar o fenômeno a ser descrito, para não violá-lo e cobri-lo com uma falsa c apressada luz, é preciso sustentar um certo grau dc obscuridade. Num trecho dc sua obra em que o conceito era particularmente difícil dc ser explici tado, Winnicott pondera que, “neste preciso ponto, é necessário admitir que a obscuridade tem valor superior ao do falso esclareci mento” (1989vu, p. 186). üu ero , portanto, sugerir que a singularidade da linguagem dc Winnicott não se deve tão-somente à sua liberdade ou necessi dade de scr pessoal em tudo o que faz, mas, soubesse ele ou não, a uma necessidade tcórica e metodológica bem estabelecida, de corrente de sua nova perspectiva. A simplicidade por vezes poé tica da linguagem vvinnicottiana não é charme literário, nem c nela que reside a sua criatividade; é uma necessidade imposta pelo 12
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INTRODUÇÃO
fenômeno que ele soube ver. Ao teorizar sobre as conquistas pecu liares aos estágios iniciais do processo dc amadurecimento, W inn i cott reconheceu que a linguagem disponível no âmbito da psicaná lise. e mesmo das ciências humanas — e no marco das filosofias que as regem — , não é capaz de abordar, sem distorcer, a natureza específica dos fenômenos que pretendia descrever, lini 1957, ele já dizia que |,..] uni escritor tia natureza humana precisa ser consta ntemente levado na direção da linguage m simples, longe do jarg ão do p sicó logo. mesmo que tal jargão possa scr valioso em c ontribuições para revistas científicas (1957o, p. 100).
Tratando de questões relativas à experiência humana, c não a um aparelho psíquico, descrevendo relações entre pessoas, e não entre instâncias psíquicas, apontando para os detalhes da relação bebê-rnãe, na “magia da intimidade” que aí reina, Winnicott tinha de criar uma outra linguagem. Não se trata apenas de sua idiossin crasia, nern dc descurar do rigor descritivo. Trata-se de uma questão de extrema importância, a dc saber se a linguagem metapsicológica c adequada para descrever a natureza üa experiência humana. A sua discussão com Freud e com a metapsicologia não é política; c meto dológica. No que se refere à psicanálise freudiana, pode-se perceber que Winnicott distingue duas teorias em Freud, uma empírica experieneial e outra especulativa. A elas correspondem dois tipos de linguagem, ou dc solução, como diz Freud: a descritiva, quando este fala da oralidade, da anal idade, dos interesses, da rivalidade do menino em relação ao pai etc.; e a linguagem metapsicológica, pela qual conceitua c explica fenômenos por meio dc concepções abstra tas: pulsões dc vida c de morte, protofantasias, libido, catexias etc.26 Winnicott parece aceitar muito bem a teoria descritiva de Freud, mas é explícita a sua profunda desconfiança com relação à metapsieologia. Numa carta a Anna Freud. mencionando a sua tendência a dizer as coisas cm sua própria linguagem ao invés dc usar os termos da metapsicologia, ele esereve:
análise eoneeituiil ilas furmas <.le teorizarão freudianas, ef. o exaustivo e esclarecedor traliallio cie Leopoldo Kut^eneio, O méfrw/o expeciiItilivi) elíi breud, 2001 i i ii u i
INTKlJlH.XIAU
Estou tentando descobrir por que c que' tenho umsi suspeita tão protunda para com esses termos. Será que é porque eles fornecem uma aparên cia de compreens ão onde tal compreensão não existe? Ou será que é por causa de algo dentro de mim? Pode ser, é claro, que sejam as duas coisas (1987b, p. 51).
Em 1966, numa palestra para a Sociedade Britânica dc Psicaná lise, II. ,1. Home delimitou o tema do artigo que iria apresentar dizendo tratar-se de um texto filosófico que visava refletir sobre as seguintes questões: sobre o que, exatamente, versa a teoria psicana lítiea e que tipos de teorias podem validamente ser construídas sobre isso? Antecipando a conclusão, a saber, que a teoria psieanalítiea apresenta “sérias dificuldades lógicas”, que muitos de seus conceitos são "mal definidos” e muitos dc seus termos, usados regu larmente para descrições clínicas, são "ambiguamente emprega dos” (p. 4 2), Home afirma que a motivação para esse estudo veio-lhe dos vários encontros científicos com psicanalistas e du sua perplexi dade com relação à ineompreensibilidade dos artigo s clínicos, versa dos no que era freqüentemente chamado dc “linguagem técnica”, c ao que lhe parccia ser “uma ingenuidade filosófica desses artigos teóricos” (p. 42). Para ilustrar esse ponto, Home usou uma passa gem do livro dc Sandler, O conceito dc auperego, que diz: “As duas técnicas para restaurar o sentimento dc ser amado (para aumentar o nível das catexias libidtnais do si-mesmo) Home comenta: “A primeira parte da sentença parece-me completamente compre ensível; a segunda parte é. crcio, inteiramente sem significado” (p. 42), Uma das conclusões a tirar do artigo de Home c a incapaci dade de a linguagem metapsicológiea, claramente metafísica, de dar conta do seu objeto de estudo, o sentido da expcrícncia huma na,27 Na continuação, Home escreve que quando Winnicott, cm 1954, quis apresentar as suas experiências clínicas dc regressão à dependência, as quais eertamente poderiam ser descritas pelo uso comum das palavras, como dc fato o foram, ele percebeu que elas não cabiam em nenhuma das duas categorias já consagradas. "Isto
27 Em uma passagem dos fomwiárirjs de Zollikem , Heido£|>er diz que “tudo princípio do iutrapsú|uien, a partir de uma consciência, 0 ubstrato, uma ccmsírução nãoidentíficávcl. As relações ambientais de um objeto não precisam de explicação, elas só precisam ser vistas" (Hcidc&ier. 1V.S7, p. 207). II
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significa”, afirma Home, “que, estritamente falando. cias não podem existir conio regressão se a teoria psicannlítica estiver aí concer nida” (p. 46). Ou seja, existem fenômenos humanos cfiie não podem ser abran0dos pela teoria psicannlítica , urna vez ijite esta circuns- creve seu saher nos limites da linguagem metapsicológica. Deste modo. ao insistir em usar sua própria linguagem para descrever fenô menos que não haviam ainda sitio configurados pela teoria tradicio nal, e ao afirmar, como foi acima mencionado, que "um estudioso da natureza humana precisa ser levado 11a direção da linguagem sim ples”, Winnieott está, mesmo sem o saber, correspondendo a uma exigência imposta ao pensamento pelo próprio objeto de estudo.-* Cabe agora destacar a importância que Winnieott atribuía aos modos de experiência artística e ao poeta que existe em cada ser humano para a resolução da tarefa de compreender a natureza hu mana e seus problemas. Preservando sempre o valor dos procedi mentos científicos para a construção do conhecimento. Winnieott jamais menosprezou o fato de haver fenômenos que só podem ser apreendidos pelo olhar e pelo dizer poéticos. Isto diz respeito, em particular, ao seu reconhecimento de uma verdade poética sobre o ser humano, verdade que, naturalmente, está incluída na sua teoria do amadurecimento pessoal tio indivíduo. Referindo-se à intimidade e à comunicação peculiar que se desenvolve no interior da unidade be bê-m ãe — centrais para o trabalho clínico — , ele sustenta que “seria uma pena dar exemplos, a menos que fosse para mostrar que ninguém, a não ser um poeta, seria capaz de dizer com palavras aquilo que pode variar de infinitas maneiras” (1970a. p. 75).-'
28 Embora não tenha chegado a explicitar o que exatamente compreendia por
isso, Winnieott sabe que a metapsicologia é metafísica. Kle diz: "Freud foi capaz de desenvolver a teoria em que se baseia a psicanálise, e a desenvolveu muito ao longo de s u e i vida. Essa teoria é geralmente chamada de meíapsicoíogia (por analogia com a metafísica)" ( p. 10). 29 Ivone Acoioly Lins aponta a influência que poetas ingleses como Wordsworth e líe!it-s exerceram no pensamento de Winnieott. Numa passagem de seu artigo, Ivone escreve: "Através da noção de capacidade negativa’. Keats enfatiza a capacidade para se permanecei1na incerteza, no mistério, na dúvida, Nem a •irritante busca para atingir os fatos nua razão de ser’, ou seja, setn a irritável fuga nos sistemas explicativos ou científicos. Winnieott pede que d paradoxo seja tolerado e respeitado ao invés de resolvido por p r o c e s sos intelectuais** ( L i n s , l‘W7, p. 21).
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Manifestando preocupação com a incessante erradicação da ver dade poética na civilização atual. Winnicott mostra-se ciente do perigo que representa, para o homem, o domínio da técnica, cujo poder objctifieante varre todo o significado humano das coisas, do mundo e do próprio homem para fins de manipulação e controle. Em uni texto de 1969, "A pílula e a Lua”, conta que. observando eerta noite a lua, es braveja ante a lembrança de que há uma bandeira americana !n fincada. A idéia da exploração científica da Lua ohscureee todo o seu “brilho e esplendor, majestade e mistério” (1986i, p. 162). Diz ainda que “se pudermos voltar à poesia e recupcrarmo-nos do pouso ameri cano na Lua, antes que aconteça a mesma coisa com Vênus, pode remos sentir que a civilização ainda tem alguma esperança" (idein). No entanto, quando escreve. Winnicott não faz poesia: no máxi mo ele põe a verdade poética a serviço do conhecim ento. Mais ainda: em diferentes momentos da sua obra, Winnicott impôs claras restri ções a um trabalho psicanalítieo edifieado exclusivamente sobre a verdade poética. Esta última pode, sem dúvida, oferecer satisfações profundas e, diz ele, quando uma velha verdade encontra uma nova expressão, existe a possibilidade de uma experiência criativa em termos de beleza. Contudo, adverte, é muito difícil usar diretamente a verdade poética, uma vez que se trata dc uma questão de senti mentos e nem todos sentem a mesma coisa em relação a um deter minado problema. Em um de seus mais famosos c importantes textos, “O medo do colapso", ele começa afirmando que, se há alguma verdade no que vai dizer nesse artigo, certamente os poetas do mundo já se terão ocupado dela. No entanto, continua, |...] os clarões de imiglit com que a poesia nos brinda não nos absolve da fumosa tarefa cie nos afastarmos, passo a passo, da ignorância na direção de nossa meia ( l ‘J74, p. 70: £rifos meus). Para um estudioso da natureza humana, a meta é clara: trata-se de construir, “pedra sobre pedra”, como é próprio da ciência, “uma teoria do amadurecimento pessoal, melhor, mais exata e mais útil” (1984h, p, 50). O procedimento científico se define não por buscar “provar isso ou aquilo por meio dc estatísticas”, mas sim por “estar livre de conhecer antecipadamente (conhecer antecipadamente é íllgo que pertence à poesia)" (1996b, p. 206). Ivone Accioly Lias explicita muito bem este ponto ao salientar que. apesar dc mun evidente afinidade estética entre as idéias de Winnicott e o pctisalf.
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monto dos poetas românticos, “seria uin erro atribuir a novidade dc suas eoneeituações apenas a essa afinidade” (Lins, 1997, p. 22). Diferentemente dos poetas, Winnicott estava convencido do quanto a tarefa científica é necessária e dolorosa c, prossegue Aecioly Lins. “embora as suas pesquisas fossem animadas pelo espírito poético, o tipo c o meio de investigação eram clínicos e científicos” (ú/em). Também com relação á intuição — cm geral, tão louvada nele — , Winnicott assinala as restrições, sobretudo cm suas aulas para alunos da área da saúde. Se a intuição, ' quando é verdadeira, pode chegar à verdade total num instante” , do mesmo modo "a intuição errada leva ao erro”, ao passo que. numa ciência “a verdade total nunca é atingida” (1945h, p. 32). Deste modo, apesar de valori zarmos esse lampejo de verdade que a intuição pode proporcionar, precisamos sempre nos lembrar que “nossos sentimentos e imagi nação podem fugir ao controle c nos levar a qualquer lugar” (iirid. p. 33). Além disso, há uma questão ética envolvida, cm termos de responsabilidade profissional: O entendimento intuitivo da natureza humana muitas vezes se mostra pouco confiável como guia no campo mais geral da vida social. Ele poderia permitir a um médico entender brilhantemente um paciente que 6 ladrão, mas, a menos que a psicologia da delin qüência seja estudada com o uma ciência, o entendimento intuitivo não impedirá os médicos, assim como outras pessoas, de dizerem e fazerem todo o tipo de coisas inúteis, quando tiverem de ser toma das decisões de modo prático, com o num tribunal juvenil (idem).
Winnicott não deixa dúvidas quanto à sua posição: numa pales tra para pediatras sobre a neurose infantil, após enumerar alguns métodos usados para o tratamento desta, diz que pode apenas “chamar a atenção para o fato dc que a intuição não é suficiente jHtru a prá tica da psicologia." Pouco depois, afirma que “com certeza existem os que não gostam da psicanálise, pelo fato de esta estudar a natureza humana de forma objetiva. Ela invade os domí nios antes reservados à fé, à intuição e à empatia” (I958 m , p. 42l j Por tudo isso, conclui que, [... |o que é im portante na ciência 6 a construção dc um caminho satisfatório para a verdade. K por isso que a formação científica é tão importante para todas as pessoas: isso permite que vocês e cu - 17
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testemos satisfatoriamente os nossos pequenos fragmentos de mundo (1*34511, p. .12).
Em 1946, respondendo a uma carta dc Ella Sharpe. Winnicott abordou, urna vez mais, a relação nure a psicanálise e a arte. lilc diz não estar certo do concordar corri a tese dc Sharpe de que a psicanálise seja urna arte c afirma gostar mais do que ele entende ser o trabalho psicanalttico verdadeiro, pelo fato de que, na psicanálise, a arte ocupa menos espaço do que a técnica baseada cm considerações científicas, (of. 1987b, p, 9). Alguns anos depois, cie irá declarar que a idéia da psicanálise como arte deve gradualmente ceder lugar a um estudo da adaptação ambiental relativa às regressões dos pacientes. Porém, assi nala, enquanto o estudo científico da tulapração ambiental ainda não estiver desenvolvido, talvez os analistas devam continuar a agir como artistas cm seu trabalho (1955d, p. 389). Contudo, mesmo que o analista possa scr um bom artista, “que paciente deseja scr o poema ou o quadro de outra pessoa?" (idem ). É certo que a capacidade terapêutica do analista — cujo para digma é a mãe suficientemente boa — não repousa cm um saber puramente intelectual, mas sobretudo em sua sensibilidade pessoal e capacidade de se identificar com o paciente c compreender as suas necessidades. O analista, contudo, além de não ter, como a mãe, vinte e quatro horas por dia para estar com o bebê e conhecê-lo, não pode contar com o benefício natural da preocupação materna pri mária. Talvez ele consiga fazer melhor do que fez a própria mãe do paciente, mas é preciso alguma humildade para saber que [...| as toscas habilidades do psieoterapeutu, se o compararmos com a mãe real. faz eom que seja inconcebível — mes mo na terapia mais cuidadosamente controlada — uma regressão à dependência vivida com satisfação (1988, p. 179).
Ao contrário, um período de regressão à dependência exige que, durante um longo período, os analistas se mantenham nos limites estritos ditados pelo paciente e, durante todo esse período, “a ten são é tremenda” (1987b, p. 158). É preciso, por exemplo, estar pre parado para a circunstância que ocorre quando o paciento, regre dindo à (.‘ependeneia, “enlouquece” cada vez mais em busca da cura. Nesses casos, !'sc o analista entende o que está se passando, ele se capacita a tolerar as consideráveis tensões pertiucnics a esse tipo dc IS
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trabalho” (1989vk, p. 101). Desse modo, embora suja o paciente quem constantemente ensina o analista —•que é capaz dc aprender — sobre suas próprias necessidades, este, assinala Winnicott, [...{ deveria conhecer teoricamente os aspectos referentes aos traços mais profundos o centrais da personalidade, pois, do con trário, não poderá reconhecer as novas exigências impostas à sua compreensão e técnica c fazer-lhes frente ( 1989vp. p. 134). Por tudo isso, em seu trabalho especializado, e sobretudo nos casos de pacientes cujas dificuldades são do tipo esquizofrênico, o analista precisa contar “com uma teoria operativa do amadureci mento emocional da personalidade” (1968c, p. 152), aprendendo a ver, escutar e compreender através dela. A teoria", diz Winnicott, “está sempre no budignmnd'' (1954d, p. 115), servindo para ilumi nar o fenômeno c nortear a imaginação, a sensibilidade e a intuição. A partir daí, é preciso continuar a desenvolver a teoria “para chegar a uma explicação teórica acurada c valiosa, sem a qual ficamos empacados” (1996c, p. 189). A teoria do amadurecimento não deve ser entendida como um instrumento meramente intelectual a ser aplicado em cada caso. Ao contrário, salientando o modo pelo qual ela participa da prática clínica, Winnicott afirma, como já foi mencionado, que sua única companhia, ao enfrentar o território desconhecido dc um novo caso clínico, é a teoria que leva consigo, e que, dc tal modo. foi sc tornando parte dele mesmo, que ele nem ao menos precisa pensar nela dc maneira deliberada. Rlc simplesmente vê através dela. Um pouco adiante, no mesmo texto. Winnicott compara-se a urn violonce lista que, primeiro, trabalha a técnica e, depois, começa realmente a tocar á músicu, usando a técnica, certamente (ef. 1971vc, p. 14). \’um artigo de 1950. Winnicott manifesta a esperança de que os bebês, a quem as mães forneceram uma apresentação satisfatória da realidade externa, em pequenas doses c dc forma compreensível, venham a crescer e a “tornar-se capazes de uma abordagem cientí fica dos fenômenos”, chegando mesmo lici conduzir um método científico no estudo tios assuntos humanos” (1965t, p. 41). Essa tarefa c necessária porque [... | seo i|u<.- é verdadeiro. Im mc natural na natureza h um an aen o m m com os seres humanos iau crescimento deve estar a salvo do l‘>
iNTkonryÀo esmagameiuo pela ciência, isto somente pode se efetivar pela extensão da investigação científica a todo o campo da natureza humana {w/em). Cm outro ponto a ser considerado refere-se ao fato de Winnicott, repetidas vezes, para esclarecer pontos que está tratando, remeter os seus leitores a teses filosóficas e teológicas, e mesmo a práticas religiosas c místicas. Alguns desses conceitos requerem, efetivamente, uma aproximação com a filosofia, e muitos deles eonstituem temas filosóficos fundamentais.*10Algumas vezes, isso ocorre em meio a descrições que aparentam restringir*se ao mais simples 30 Tal conto no caso da ciência, não 6 qualquer filosofia que dá conta das ques tões suscitadas pelo pensamento vvinnieottiano. O pensador que. no meu entender, mais favorece a compreensão da obra vvinnieottiana. e que pode oferecer base filosófica para alguns de seus conceitos fundamentais, é Martin Heideggei', sobretudo em sua primeira fase. a de Scr c tcm/w (1974), Não c objetivo deste estudo explicitar possíveis aproximações entre o pensa mento de Winnieott e o de Ileidejíjíer, e muito menos aplicar llcidc£|*er a Winnieott. É difícil, no entanto, ao estudar Winnieott, não perceber resso nâncias licide&gerianas. A ontologia heidcggcilann da finitude estará, por tanto, como pano de fundo para o exame de alguns aspectos do pensamento de Winnieott que não têm como ser compreendidos pelas teorias tradiei > nais. sejam cias psieanalítieas ou filosóficas. Farei apenas alguma menção ocasional, aqui c ali. quando ela me parecer oportuna no sentido de favorecer o entendimento do conceito. Essa aproximação é de minha inteira responsa bilidade. tendo sido corroborada pelo filósofo /íeljko Ujparie. que rem, desde então, desenvolvendo uma série de trabalhos em torno dessa fértil afinidade (ef. Loparic. 1995a: 19951»; 1998; 1999b; 1999c; c2()()l). Depois de haver eoueebido essa vinculação, encontrei a mesma no livro ÜC im fa n t à 1'átlultc (1979), do psiquiatra francês Cleorges Amado. Sua interpretação, contudo, tanto de Winnieott corno de Ileidetijíer, assim como da aproximação entre ambos, afasta-se de tal modo da minha que acabei por não me utilizar de sua obra no contexto do presente trabalho. Não há nenhuma evidência dc que Winnieott tenha jamais lido Heídegger. A única proximidade que sc pode tecer, altamente indireta, é a dc que Winnieott foi supervisor dc R. Laing. antes de este enveredar pela antipsiquiatria claramente influenciada por Sartre. Adam Phillips, biógrafo dc Winnieott e comentador de sua obra, afirma que o Mitldle Choup foi '‘obliquamente influenciado pelo existeneialismo”. sem dar maiores informações, mas tudo leva a ercr que esse existencialísmo refere-se ã corrente criada na França por Sartre. Também não há sinais de Sartre na obra de Winnieott e, de resto, Sartre não era seguidor de Heidegger, embora quisesse fazer crer que sim. Além disto, Heidcgger re cusou sempre o epíteto existeneialismo para a sua filosofia.
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cotidiano. Num certo momento, por exemplo, Winnicott está des crevendo o modo pelo qual o apoio de ego materno facilita a organi zação do ego do bebê. “Com o tempo”, diz ele, "o bebê torna-se capaz dc afirm ar a sua própria individualidade e até de ter um senso de identidade,” E um pouco adiante: “Isto c o começo dc tudo e confere significado a palavras muito simples, como .ser” (1987e, p. 9). Este c o trecho destacado por Loparie (1995b) no seu artigo “Winnicott e o pensamento pós-metafísieo”. Sua leitura de filósofo o leva a perceber que, [...) de repente, num contexto que parecia dizer respeito apenas à maternagem, aparece o problema da identidade que consta entre os mais difíceis da filosofia. IL isso não é tudo. Surge também a idéia de que no dois-em-um da mãe e do bebê decidem-se questões de semântica. Não da semântica de mamilos e leite, nem mesmo do seio bom ou mau, mas de uma semântica que a metapsicologia desconhece, a semântica de palavras simples, como a palnvTa “ser”. Tudo se passa como se até mesmo para um filósofo que pen sasse seriamente, isto 6, não academicamente, sobre o que quer dizer a palavra “ser”, o seu sentido originário se determinasse somente num retorno à simplicidade originária do ser humano, inicialmente oxperienciada na intimidade da relação entre mãe e bebê (Loparie, 1995b, p. 47). Tal como já foi visto no artigo de Home, a descrição do que se passa na intimidade da peculiar relação bebe-m áe não pode scr feita numa linguagem abstrata, construída para dar conta de sistemas. Winnicott consegue cumprir a tarefa, nada fácil, de formular coneeitualmente o seu tema sem que Isto se constitua “num agravo à deli cadeza do que é pré-verbal, não-verbalizado e não-verbalizável, ex ceto, talvez, na poesia” (1967e, p. 154). Todos os pontos destacados mereceriam análise detalhada, mas não é isto o que se pretende oferecer aqui; eles foram arrolados apenas para abrir o caminho e delinear o quadro da interpretação. A luz do exposto, não podemos deixar de considerar Winnicott como um pensador científico. Não fosse essa a posição, isso nos levaria a uma contradição explícita com o seu texto. Por outro lado, temos de reconhecer que a sua concepção de teorização científica nâo se enquadra sem mais nas concepções eomunicnte defendidas sobre o que seja o trabalho científico. Isto não deve ser entendido, como fazem as interpretações divergentes mencionadas, corno sinal dc 51
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desinteresse pela teorização científica, dc fraqueza teórica, de pen dor para o poético cte. Significa antes que, além dc suas outras contribuições temáticas, Winnicott introduziu propostas inovado ras no próprio modo de constituir o saber psieanalítieo. Talvez seja também por este motivo que alguns autores sustentam, como vi mos. que a sua obra constitui uma mudança paradigmática na disci plina constituída por Freud, inclusive no que diz respeito à forma de teorizarão. A mudança dc paradigma implica, freqüentemente, a alteração tanto dos critérios dc cientificidade que definem uma disciplina científica como um corpo de saber, quanto do quadro filo sófico no qual este se insere. E nesta direção que parece caminhar Rodman, na introdução ao livro cm que reúne a correspondência dc Winnicott, quando escreve: Freud, o grande construtor de sistemas, provavelmente signifi cava menos para Winnicott do que Freud, o criador de um método para sond ar a tilmn humana. Tem-se a impres são de que W innico tt não tinha em mira a Verdade tom V maiúsculo, mas verdades em deslocamento, a verdade contida na interação contínua das pes soas. Ele parecia não precis ar do que Nictzsche chamava de ‘ con solo metafísico”, do tipo que se pode obter, por exemplo, num sistema filosófico convincente. No en tanto, essa característica de seu pensamento constituía um tipo de filosofia em si mesma (Rodman, 1987. p. XXV)-
Ncsse ponto, Rodman parece juntar-se a Loparie quando este afirma que a teoria winnieottiana do amadurecim ento pessoal cons titui urna tentativa decidida de romper com a metafísica embutida na linguagem da metapsieologia freudiana e. por esta razão, no corpo central da psicanálise tradicional. Em resumo, sc Winnicott não foi, certamente, um pensador “sis temático”, ele não sc furtou ao esforço de articular internamente o seu pensamento. O que caracteriza o seu pensamento, além dc sua rejeição total à nbjetificução do ser hum ano , não é, em absoluto, a recusa de toda c qualquer teorização, mas a rejeição a teorias fechadas, definitivas e intjiumtianáveis. passíveis de serem transfor- madas em dagmas, É dessa aversão que decorro o seu tão propalado antidogmatismo. Winnicott não permitiu que cm torno dele se formassem escolas, por entender que estas tendem ao proselitismo e a jogos políticos cin detrimento de uma reflexão calcada na expe riência. Ele temia, até, que certos termos de sua criação virassein 52
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slogans vazios, “coisas dc Winnicott”, aplicações impessoais do suas descobertas conceituais som a participação da criatividadc do ana lista. Constata-se nele, ainda, uma profunda desconfiança para com as eonccitualizações abstratas, desvinculadas da experiência, que se afastam do compromisso com a verdade íntima da vida. Mas não se deve esquecer que a sua recusa dc sistemas fechados e abstratos não o impediu dc buscar caminhos teóricos originais, independentes dos dc Freud e dc M. Klein, recusando conceitos tradicionais que lhe pareciam inaceitáveis e delineando seu campo teórico com frontei ras conceituais bem definidas, e de incisivamente defendê-lo.
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CAPÍTULO I
WINNICOTT E O DEBATE COM AS ÁREAS AFINS
1. A spectos históricos da for mação intele ctual dc W innie ott No exame da concepção winnicottiana de saúde e doença psíquicas em geral, e das psicoses em particular, é importante destacar alguns aspectos da vida profissional e intelectual de Winnieott que influen ciaram fortemente suas posições teóricas. Igualmente útil será retomar o debate travado, implícita ou explicitamente, no interior de sua obra com as áreas afins: a pediatria, a psiquiatria, a psicologia acadêmica e a psicanálise tradicional, 1’ode-se perceber o movi mento pelo qual, na evolução de seu pensamento, certos conceitos vão surgindo e se consolidando como respostas a concepções de sua época que ele julgava insuficientes e mesmo inaceitáveis. De início, serão abordadas as linhas gerais desse debate. litn várias oportunidades, Winnieott refere-se à importância que a formação em medicina teve sobre o seu pensamento. Isto diz respeito, dc um lado, à óbvia vantagem dc possuir um saber médico que lhe permitia discriminar estados clínicos em que havia a pre Nciiçn de um fator físico atuante do qual derivavam sintomas psicoló gicos secundários; ou quando a constatação da ausência de dis túrbio físico, numa criança doente, apontava para um distúrbio psicológico nesta, ou para uma depressão da mãe, manifesta na forma de uma preocupação excessiva com a criança. Mas, provavel mente, a sua dívida mais importante para com a formação e a ativi dade médicas foi a clareza sobre o que mio se devia pensar e o que tlüo se devia fazer no trato da saúde de uma pessoa. Tinido convivido 55
A TEORIA 1)0 .YllAI>!/líKU.\IKXTO Dli 1). W WIN NIC OTT
num meio dc pediatras e psiquiatras, Winnicott fez dc perto a expe riência da inadequação dc sc pensar a saúde c a doença em termos puríuncntc organicistas. Ele parece ter sido. muito cedo, desper tado para o fato de que a saúde, e mais do que a saúde, o sentir-se vivo, não pode resumir-se ao bom funcionamento dos órgãos c das funções, e que separar o físico do psíquico é um procedimento inte lectualmente possível, mas altamente artificial. A época de sua formação em medicina, em .1920, Winnicott já estava firmemente convencido da impossibilidade de se proceder a um diagnóstico dos distúrbios pertinentes à pediatria sem incluir na consideração os aspectos psicológicos. Ainda estudante, deparou-se com uma obra sobre Freud, escrita pelo pastor suíço OsUar Pfister. c ficou encantado com a possibilidade aberta pela psicanálise de abordar não apenas a doença psíquica, mas os distúrbios somáticos, dc um ponto de vista eminentemente psicológico. Numa carta de 1919 à sua irmã, Violet, descreve entusiasmado as suas descobertas acerca da teoria freudiana do psiquismo (1987b, p. 1). Em 1923, é admitido como médico assistente do Paddington Green Children’s Hospital, posto em que se manteve durante quarenta a nos.1 Deci dido a incluir a psicanálise em sua formação, ele inicia, no mesmo ano de 1923. uma análise eorn James Straehey, que iria durar dez anos. Gradualmente, o atendimento clínico hospitalar foi evoluindo da pediatria para uma psiquiatria infantil de orientação analítica. Na prática pediátrica, exercida nos termos da psiquiatria in fantil, Winnicott pôde constatar que a maior parte dos problemas que levavam as mães com seus bebês e crianças ao consultório era devida a perturbações emocionais primitivas. Mais: deparou-se com o fato dc que, não só crianças, mas bebês fisicamente saudáveis podiam estar emocionalmente doentes já nas primeiras semanas tia vida. lmpactou-o a precoeidade dos distúrbios c a importância dos
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Referindo-se ao seu trabalho no Paddington Green Hospital, Winnicott assi nala a feliz influência dc Guthric, médico pediatra que, embora não tenha realizado contribuições significativas no plano teórico, possibilitou um clicna especial para o exercício dc uma pediatria que não fosse meramente organicista e levasse em conta os fatores psicológicos. Mais tarde. Winnieott soube que sua indicação para substituir Guthric e dar seqüência ao trabalho de seu depurtainento deveu-se ao seu manifesto interesse pela psicologia.
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fatores psíquicos 110 surgimento deles; não tinlui clareza, no entan to, acerca da natureza desse psíquico e, ao aproximar-se da psicaná lise, buseou o campo por excelência para a sua investigação. De tato o encontrou, com a ressalva de que, muito em breve, veria que não concordava com o que a teoria tradicional estab elecida entendia por psíquico. A descoberta da existência desses distúrbios emocionais pre coces influenciou dc maneira decisiva a evolução de seu pensamento analítico. Foi em função dessa descoberta que Winnicott jamais deixou-se convencer pela eentralidade do complexo de Édipo, pro posta pela psicanálise freudiana, Em 1967, numa palestra em que faz uma espécie de autobiografia intelectual para seus colegas analistas, ele relata: Quando tentei aprender o que havia para ser aprendido sobre a psicanálise, descobri que, naquela época, tudo nos cru ensinado em função do comp lexo de Édipo aos dois, três e quatro anos, e da regressão com respeito ao Édipo. Foi muito aflitivo, para mim, que havia estado examinando bebes — e as mães com os bebês — por um longo tempo (já estava nisso há dez ou quinze anos), com provar que isso era assim, pois eu sabia que havia visto mna porção dc bebês já começarem doentes c, nmitos deles, tornarem-se doentes muito cedo (19891'. p, 437).
Marcado por essa evidência, o esforço teórico de Winnicott cami nhou na direção dc explicitar o que se passa com um bebê no início mesmo da vida e qual é a natureza específica da dificuldade com que os recém-nascidos lidam ou que os aflige.2 Em 1935, por sugestão dc Straehev, procura Melanic Klein, que já era conhecida por seu inte resse pelas angústias mais primitivas da infância. Considerando da maior importância o estudo empreendido por Klein, Winnicott per segue a trilha aberta por ela c torna-se seu supervisionando, de 1935 a 1940 ou 41.1Percebeu logo que Klein sabia muito, e muito mais do que ele, sobre o tema e, mesmo em fases posteriores, quando se
Nessa mesma palestra de 1%7, Wirmioou recorda que, por volta de 1935, não ciieontrava nunlnim interlocutor para a sua questão sobre tli tiou Idades eiiiociiinais primitivas, a não ser que cias fossem interpretadas como regres sões, e disse ter pensado: “Vou demonstrar que os bebês adoecem muito «.edo, v se a ivorin não aceita isso, ela vai ter de se adaptar" (iy.S9f, |>. 438). í l.Winiik.oii, 1VS5<\ p. ^55
A TR OM A IX ) A.\Ul)L:i
distanciou decisivamente da linha teórica kleiniana. afirmou sempre ter aprendido muito com ela. Havia, no entanto, desde o início, dife renças teóricas que foram se aclarando e aprofundando à medida que os elementos conceituais básicos da sua própria teoria ganhavam precisão, acabando por revelar que as respectivas teorias eram incom patíveis já nos fundamentos. Algumas dessas diserepâneias concei tuais serão abordadas posteriormente em maior detalhe. Or a, e x at am ent e nessa oc as ião ■ — es tamos no final da década dc 1930 — uma outra ex periência profissional veio a influir de maneira determinante no encaminhamento teórico de seu pensamento. Du rante a Segunda Guerra. Winnieott foi nomeado psiquiatra con sultor do Plano de Evacuação Governamental de uma área de recep ção da Inglaterra e, segundo Clare Winnieott, que fazia parte de sua equipe como assistente social, o exercício dessa função teve um profundo efeito sobre ele. Winnieott teve de ver-se frente a frente, eni larga escala e de modo concentrado, com o desfazimento dos lares, com a desintegração maciça da vida familiar c pôde observar os efeitos, nas crianças e nos adolescentes, da separação e da perda. À s itua ção g loba l, acr escia o fato dc que as cria nças pelas quais W innie ott tor nava- se responsável eram ex atament e aquelas que, tendo já apresentado dificuldades cm seus próprios lares, antes da guerra, requeriam providências especiais e não podiam ser insta ladas, como estava previsto nos planos de evacuação, em lares comuns que as “adotariam”. Winnieott constatou ainda que, para essas crianças, a guerra era não apenas secundária como chegava a ser benéfica: elas se viam r emovidas de uma s ituação intolerável em seus próprios lares, para a qual não encontravam saída, e eram postas em uma nova situação na qual poderiam, talvez, obter ajuda. Essa foi a experiência que propiciou a Winnieott material para a formulação de sua teoria sobre a delinqüência e os distúrbios de caráter, manifestações clínicas englobadas no que ele designou tendência an tis ocial. Foi também a partir daí que alguns aspectos teóricos peculiares de uma ainda incipiente teoria do amadureci mento pessoal foram sc delineando com maior clareza. Esses aspec tos dizem respeito à importância do ambiente na etiologia dos transtornos psíquicos. A té esse mome nto, os distúrbios dc caráter — a de linqüência , a violência juve nil — e ram vistos pela teor ia psicanalítica com o manifes tações da angústia ou da culpa resultantes da inevitável ambivalência •S.S
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WINNIC OT T E O WEIJ AT E (X IM A S AKIí.V S A FINS
inconsciente entre o ódio e o amor, do conflito que surge quando o desejo dc destruir se dirige exatamente à pessoa amada. Se a culpa não pode ser reparada ou sublimada, o indivíduo vê-se compelido a fazer algo (actírçg out) de modo a dar-lhe contorno concreto. A etiologia da delinqüência consistiu, basicamente, num co nflito intrapsíquico. Para W in nicott, de nov o. o dado da ex periência levava a direção de outra hipótese: a de que o fator ambientai era etiologicamente decisivo nessas questões. E essa já era, sem dúvida, uma tendência de seu pensamento. Isso fica claro, por exemplo, nos seus primeiros textos, da dccada dc 1930, em que estão descritos alguns casos pediátricos atendidos ainda na década dc 1920, c cm cuja elucidarão Winnicott começara já a usar a teoria psicanalítiea. Nesses artigos, embora aponte para os conflitos inconscientes que poderiam estar na origem de certos distúrbios físicos, ele não abdica dc mostrar a importância do fator ambiental na etiologia do problema.4Em 1967, ao apresentar aos seus colegas da Sociedade Britânica de Psicanálise uma retrospec tiva de seu percurso inte lec tual. W innico tt refere- se à posição caracte rística da psicanálise tradicional de enfatizar os fatores internos c negligenciar os aspectos ambientais; diz que, durante dez ou quinze anos, os psicanalistas eram os únicos que aceitavam a existência de qualquer coisa que não fosse o ambiente c que, e nquanto todo mundo clamava que a delinqüência de um dado garoto devia-sc ao fato de o pai ser alcoólatra etc., os psicanalistas continuavam a atribuir os problemas à co nstituição e a pesquisar os conflitos inter nos.5 Em 11
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Cf. 1 1 0 ar tig o "Notas sobre nor malida de e ans iedade " (1 V 31 p) o caso cie V erônica, que co me çou a apresentar enure.se todas as noites depois que sua mãe se ause ntou por uni mês por ter sido inter nada , e o caso de Graneis, que apresentava episódios de violência associados a uma depressão da mãe. 5 Cf. W innico tt, l ‘>89a. p. 4.VJ. W innicot t não estava inteira mente sozinho nessa perspectiva. A lguns anos antes da guerra, um o utro psicanalista, J ohn Bowlby, trabalhando na Child Guidanee Clinic. pesquisara os antecedentes de crianças perturbadas e, num escudo formal de 150 casos com problemas variados, ele havia estabelecido um vínculo direto entre roubo e privação, entendida esta, sobretudo, como a separação da mãe nos primeiros anos da infância. A mbos dirigir am uma ampla cam panha na Ing later ra no sentido de alertar as autoridades da área de saúde para a gravidade dos problemas surgidos com a evacuação dc eríanças de Londres durante a Segunda (iucrra e para a necessidade de fornecer a elas condições de segurança emocional. 559
A TEOR IA DOA MAD irUEClME XTO DE 1). W, WLNXICOTT
várias ocasiões, Winnieott tentou conversar com M. Klein e com al guns kleinianos accrca do fator ambiental, o que cra recebido com total desinteresse quando não com suspeita. Blc dirá, um pouco mais tarde, que todos aqueles que se interessaram pelo cuidado com a criança correram o risco de serem considerados “traidores do pro cesso interno” (1965va. p. 116). Em 1945, quatro anos após ter deixado a supervisão com Klein, W innie ott es crev e o ar tig o ‘Des env olv iment o e mocio nal pr im it iv o" e faz ali algumas afirmações que denotam ter ele resolvido seguir seu próprio caminho. Diz que, interessado desde sempre pelo paci ente infa ntil, havia decidido estudar a psicose e que tem ag ora muit a coisa a acrescentar às teorias correntes e “pode ser que o presente texto venha a ser um ponto dc partida” (1945d, p. 219), ou seja, um início do desenvolvimento de sua própria teoria. Para expor sua contribuição, c preciso, no entanto, preparar o caminho, e ele o faz começando por “
2, O debate eom a pediatr ia Na década dc 1930. ao mesmo tempo em que sua formação psieanalítiea prosseg ue, W innieott empenha- se em que os pediatras abandonem certos procedimentos resultantes de uma formação mer ame nte or g anicista e sc inteire m dos aspectos psicológ icos na apreciação dos distúrbios infantis. Embora, em todo o curso de sua vida intelectual, a psicanálise tradicional tenha sido o principal inter loc utor de W innieo tt, ele jam ais deix ou de dirigir- se aos pedia tras — assim como aos obstetras, enfermeiras e berçaristas — no s entido dc alertá- los para certas descobertas que lhe pare ciam essenciais no cuidado com a infância c na implantação da saúde. Nessa cpoca, ele escreve, como pediatra para pediatras, vários artigos em que expõe as perturbações emocionais que podem estar na base de certos quadros clínicos comuns a infância e exorta os 60
WINN ICO T T K O I HvltAT K CO M A.S A KKA S AKJN.S
especialistas a estarem preparados para investigar as motivações psicológicas/' W innico tt conhe cia os seus pos síveis le itores e ;is conc epções tradicionais dc doença e de saúde que vinham regendo as teorias e as práticas médicas desde o início da modernidade. Além de a pedia tria c a ps iquiatr ia infa ntil ocuparem- se, cada qual, sem maiores questionamentos, dos seus respectivos campos tradicionalmente separados, o corpo e a mente, havia também o fato tle ambas as áreas serem especializações recentes da medicina e da psiquiatria geral e estarem ainda em processo dc consolidar a sua especifici dade. A lém disto, a medicina física havia s empre se orie ntado para o estudo da entidade nosológica, não importando a idade em que esta sc dava. A pediat ria tornou- se uma necess idade c constituiu- se co mo especialização cm meados do século XIX, quando ficou claro que existem estados mórbidos que são específicos a cada faixa etária e doenças tipicamente infantis. Mesmo quando as síndromes são co muns à infância c à adultcz, a idade confere- lhes uma marca pec u liar, ta nto do ponto de vista das circunstâncias e tiológ icas como no aspecto clínico. A pe diatr ia ateve- se, no e nta nto, aos aspectos físico e fis io lóg ic o do crescimento. O pediatra é um somatista cuja especialização se dá sobretudo cm termos da fisiologia. li muito difícil, diz Winnicott cm 195f>, achar um pediatra que não se restrinja ao aspecto físico. Sua formação o impele a estar atento, por exemplo, às deficiências mentais que advêm da rubcola contraída pela mãe no segundo mês de gravidez, às deformidades ortopédicas, à incompatibilidade san güínea entre mãe c bebe, aos danos causados às meninges ou ao cérebro por um parto demor ado etc. Na década de 1950, m uita coisa j á hav ia se modif icado na teoria e na pr ática pe diátric as . Essas alte rações. que incluem um incipiente interesse pelos aspectos psicoló gicos do desenvolvimento, devem-se, em parte, ao progresso da pesquisa, ao s ane ame nto público e à me lhora g eral das condições dc vida, o que liberou os médicos da dedicação integral ao estudo c ao tratamento de doenças primárias. De fato, reconhece o autor, havia, até então, m uito trabalho e specializado a ser realizado. E m meados do século XIX, relata cie, as coisas eram ainda piores, e a tarefa (> ('f. :is “Nulas sol ml i)onii:iliil:uÍL- u rmsiotliulc" (1931p) u “Agi cação" (PXilg); -
uf- t.iniltójii W in aico it . IW íw i. capít ulos l.T, 14, 19, 20 , 21 u 22. 61
A T B OK IA 1)0 A MA Dr i< fi( : ti lK NT () D li IV W. W IX NICOT T
urge nte para toda a g eração pioneira de pediatras , na Inglater ra, foi a de clas sificar adequadame nte as difer entes doenças físicas pecu liares à infância c tentar erradicá-las: Naqueles dias não havia muito tempo ou espaço para considera ções nobre a saúda como tal, num para o estudo das dificuldades a que uma criança fisicamente saudável está sujeita pelo Jato cie crescer numa sociedade fo rm ada de seres humanos (1988, p. 27; grifos meus).
Nesta citação aparece um dos principais elementos da con cepção w innicott iana dc saúde e doença, tem a de sua discuss ão com toda a área médica, do qual decorrem importantes posicionamentos teóricos: a idéia de que a saúde 6 um estado complexo, que tem suas próprias exigências c deve ser pensado em si mesmo. Tanto na pedia tria como na psiquiatria, a saúde é concebida, em geral, como ausência de doença, e esta definição, negativa, parece a Winnieott altamente insuficiente. A doença, por outro lado, é pensada como um mal a ser erradicado. No artigo “Notas sobre normalidade e an siedade”, Winnieott diz que, embora do ponto dc vista puramente físico qualquer desvio da saúde possa ser considerado anormal, “não é neces sar iamente verdade que a diminuiç ão física da s aúde, devida à pres são e à tensão emociona is, indique uma a nor malida de ” (19 3 lp, p. 57). Relatando o caso de um menino dc dois anos e meio que reagiu fortemente ao nascimento de um irmão, Winnieott afirma que, sc o bebê não tivesse nascido, a criança teria sido poupada, mas teria perdido uma experiência real numa idade apropriada. Uma tal ocorrência, diz cie, “justifica a afirmação de que, às vezes, pode ser mais normal para uma criança estar doente do que estar bem” ( ibíd ., p. 58). A cita ção de stacada ante r ior me nte , alé m de apo ntar para a necessidade dc sc considerar a saúde como um estado que tem seu próprio perfil, contém a afirmação que percorre todo o pensamento w innic ottia no e te m im pl ic açõe s ma io res do que pode pa recer à primeira vista, a saber, que, desde o início, a vida é difícil em si rnesrrui c a tarefa de viver, dc continuar vivo c amadurecer é uma batalha que sempre permanece. Por isso, é preciso estudar “as difi culdades a que a criança fisicamente saudável está sujeita pelo fato dc crescer numa sociedade formada dc seres humanos”. <>2
WINNICOT T E <) DliB A T K COM A h ÁRILVN A FINS
A lém dis so, embo r a a pe dia tr ia e a ps iquiatr ia infa ntil passem a levar em conta o as pecto ps icológ ico desses fenômenos c a especifi cidade deles segundo as etapas do desenvolvimento, tudo isso refe re-se à infância, a partir da criança que já fala, e não aos bebês. Em nenhuma das duas especialidades o bebê é visto como um ser hum an o capaz de ter estados emocionais e de ser afetado pelo am bi ente. Ao nascer, ele é visto apenas como um o r g a n i s m o . W innicott, ele mesmo, a despeito de ter observado os bebês adoecerem precocemente. admite ter levado muito tempo para ver neles um ser humano. Tornou-se capaz disso por meio de sua própria análise, afir ma ndo t er s ido esse, na verdade, o principa l res ultado de seus prim ei ros cinco anos dc análise com Straehcy. Km 1957, o autor afirma ter constatado uma evolução, na atitude para com o bebê o a criança pequena, por par te dos es pecialis tas da sa úde. T alvez os pais, diz ele, há mais tempo do que os especialistas, tenham considerado o bebê como uma pessoa, vendo nele, às vezes, muito mais até do que ali estava — um homenzinho ou uma mulherzinha em potencial. Isto inicialme nte foi neg lige nciado e mesmo r ejeitado pela ciência c, por um longo tempo, as crianças foram consideradas como seres muito pouco humanos, até que começassem a falar. Recentemente, entre ta nto. "descobriu- se que os bebês são, de fato, huma nos , embor a adequadamente infantis" (1957Í, p. 131). Para essa evolução, a contribuição da psicanálise foi decisiva. Por volta do final da Segunda Guerra, muitas pesquisas estavam sendo realizadas sobre o desenvolvimento emocional normal de bebês e de crianças de várias idades. Todo esse avanço, assinala W innicott, deve- se a Freud, que demons tr ou, por meio da teoria c do tratamento dc distúrbios neuróticos, que o analista chega ate a criança existente no adulto. Winnicott afirma não ter jamais aban donado a pediatria por entender que. dela, faz parte intrínseca a psiquiatria infantil, dc orientação psicanalítiea (cf. 1988, p. 21). A freqüe nt e as s im ilação que ele faz da ps iquiatr ia infantil com a psicanálise deve-se ao fato de a primeira ter encontrado seu maior impulso na segunda metade do século XX, em função tias pesquisas tle orientação psicanalítiea. Conv enc ido dc que a saúde ps íquica sc esta belece nos primórdios da infância e tle que, assim que nasce, o bebê é já um ser huma no, lançado co mo todos nós na taref a de viver, W innico tt preoeupn-se em favorecer o trabalho daqueles que entram em contato
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com o lactente o que, cie algum modo, podem facilitar ou atrapalhar o processo dc amadurecimento. Por ocuparem um lugar privile giado na área medica, os pediatras são os únicos que, embora se especializem nessa ou naquela área, podem acompanhar os cami nhos do amadurecimento desde o início, quando as possibilidades do bebê são ainda me ra me nte pote nciais . N!o ex er cício de sua função, o pediatra está em condição dc detectar, se souber ver e estiver atento, não apenas uma neurose infantil incipiente, já insta lada, mas também uma tendência latente para a neurose, que poderá vir a tornar- se manifes ta em a lg um m om en to tia vida a dulta. E se isto é verdadeiro para a neurose, o é ainda mais para a psicose. A pr ev enção da doe nça que leva ao hos pital ps iqui átr ic o, diz W inn i co tt, "(•• ) está nas mãos do pedia tr a. E seg uro, por ém, af ir ma r que, eomumente, os pediatras não o sabem e que isto torna a vida deles um potioo mais fácil” (1958m, p. 418). Em geral, o pediatra falha em usar esse privilégio, porque não tem formação em psicologia, e acaba por dar orientações aos pais sem ter o necessário conhecimento acerca das dificuldades perti nentes ao desenvolv imento em ociona l.7Contudo, é muito difícil que um pediatra, já posicionado em sua carreira c relativamente satis feito com seu instr umenta l or g anicista, enverede pelos caminhos de uma f or ma ção analítica. Um dos principais entraves para isso é que, quando se estuda psicologia, mesmo a de um bebê, esse estudo leva o especialista dc volta para si mesmo, como pessoa. Mas, diz Winni cott, não há atalhos e jamais haverá. Chegará o tempo cm que não será mais necessária qualquer nova expansão da pediatria somática e os jovens pediatras serão empurrados para a psiquiatria infantil. “Eu espero por esse dia e o venho esperando ao longo de três décadas” (1988, p. 28). O perigo, contudo, [ ...] é que o lado doloros o desse processo seja evitado, num esforço para e neo ntra r atai lios; as teorias ser ão ref ormuladas, propondo que os distúrbios psiquiátricos não são produzidos por conflitos emocionais, mas pela hereditariedade, constituição, desequilíbrio hormo nal e ambientes br utais c inadequados. O fato, porém, é que a vida c difícil em si mesma, e a psicologia refere-se aos problemas
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W in n ic o t t a le r ta , in úm e r a s v ezes , pa r a o m o d o e o n ui (js m édic o s e e nf e r m e i r a s a t r a p a l h a m a m ã e s a ud áv e l — e n ão a j u d a m a m ã e d o e n t e — a e nt ende r- s e e o m s e u be b ê. U m e x e m p l o po d e s e r e n e o n t r a d o e m W i n n ie o l t , 1‘JfiSe.
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inerentes ao desenvolvimento individual e ao processo de sociali zação; mais ainda, na psicologia infantil temos de nos defrontar com a batalha em que nós próprios estivemos uma vez, ainda que. em geral, já a tenhamos esquecido, ou da qual jamais estivemos conscientes (ibid., p. 28). W innie ott não apenas discorda das teoria s org anicis tas (dese- quílíbrio hor mona l) e da psicolog ia acadêmica (ambientes brutais), mas repudia igualmente as teorias que concebem os distúrbios psíquicos em termos de constituição e hereditariedade. Neste últi mo caso, ele se dirige não só à psiquiatria mas, como veremos, também à psicanálise tradicional.
3. Os limites da psicologia acadêmica Na década de 1950, a nova geração de estudantes de medicina, na Inglaterra, reivindica conhecimentos de psicologia para fazer frente à tarefa para a qual estão cada vez mais alertados, ou seja, a estreita conexão do fator emocional com os distúrbios infantis. O que lhes é oferecido, no entanto, são conhecimentos dc psicologia acadêmica, c esta não tem respostas para o que se faz necessário, além de haver um perigo real de que aspectos superficiais da psicologia infantil sejam supervalorizados. Um deles refere-se a elementos destinados à com preensão de manifestações mentais que, embora psicológicas, perten cem de fato ao crescimento físico. Quando o psicólogo acadêmico es tuda, por exemplo, a idade cm que a criança consegue caminhar, ele não leva em conta o fato dc que uma criança pode ser levada a cami nhar mais cedo do que a média ou a atrasar-se nessa conquista cm função de fatores emocionais. O mesmo acontece com a pesquisa das aptidões, cm que, usando os testes de inteligência e a medição da capacidade intelectual baseada na qualidade do cérebro como órgão funcional, o psicólogo acadêmico isola todo e qualquer fator emo cional que possa interferir nos resultados “puros”. Ou seja, no exer cício dc suas funções, o jutiaólogo isola a psüflte paru estiuUcr a mente e o céicltro; mas, para Winnieott. lidar e conhecer o campo Intelectual náo é conhecer a “psique” da existência psicossomática.s N A <| iit‘st:i<) relativa à dis tinç ão entr e psique e mente se rá re toma da no Cnpíml<>2. .Seção • ! ( lf. (;iiu!>êni W ii iniw H l. 1‘Jü ía e 1'ÍWi (pnr te 1).
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Mas o niíiior problema foi que. ao tentar explicitar o papel do ambiente na estruturação da personalidade da criança, a psicologia aca dêmica dis tor ceu todo o fenômeno, atendo- se à des cr ição de situações brutais, de abandono efetivo e crueldade, configurando traumas que seriam então, por excelência, as causas dos distúrbios mentais, sem considerar a eontraparte, ou seja, a participação efe tiva e necessária do ambiente nu implantação da saúde. Ora, foi ex atamente c ontr a esse tipo de concepção re dutora e simplista , que toma o ser humano como produto do meio, que a psicanálise se insurgiu e, neste sentido, pondera o autor, não é de estranhar que os psicanalistas relutem em considerar o fator ambiental, visto que [...] aqueles que tentaram ignorar ou negar o significado das tensões intrapsíquieas ressaltaram principalmente o fator externo desfavorável t om o causa da doença na psiquiatria infantil. Co ntudo, a psicanálise está agora bem estabelecida e podemos nos permitir examinar o fator externo tanto bom como mau (106.1a. p. 227),
lista citação 6 dc um tex to de 19 63, c fica claro que, ao referir- se à psicanálise em geral, Winnicott está. na verdade, falando dc sua própria contribuição, sabendo que cia está longe de ser aceita. Numa carta a um editor da New Socicty, cujo nome não foi revelado, ele escreve: Estremeço ante o perigo de que o meu trabalho seja tomado como uma tentativa de fazer a balança da argumentação pender para o lado ambiental, embora eu realmente seja de opinião que a psica nálise tem agora condições de dar importância plena aos fatores externos, tanto bons quanto maus e, especialmente, à parte de se mpenhada pela mãe no estág io bem inicial, quando o bebê ainda não separou o "eu ” do "não- eu" (10 87 b, p. 122).
X a obra w innieottia na , o conc eit o de ambiente, ou de fat or ex ter no, é ex tre mamente complex o, e. assim como sc const itui cm uma das principais chaves para entender o seu pensamento, c também, sc mal- entendido, uma das maiores fontes de equívocos. Q uando, ref erin do-se aos estágios iniciais, e levando em conta o que seria o ponto de vista do bebe, o autor fala de ambiente externo, este só c externo da pers pectiva do observ ador. \ 'o início da vida. « am biente é subjetivo e, neste se ntido, não c externo nem inter no Enquanto s ubjetivo, o am bi ente participa intrins ccam entc da cons tituição do si- mesmo e não c, 66
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meramente, uma influência extenui. É somente no decorrer do pro cesso de amadurecimento que a criança poderá chegar ao sentido de ex ternalidade. S ó então o ambiente será visto como ex terno e, mes mo assim, não inteiramente c nem sempre.
4. O debate com a psiquiatria e com a psiquiatria infantil A discus são de W innic ott com a ps iquiatr ia g ir a em torno das concepções de saúde c doença, da dicot om ia c or po/me nte e dc suas conse qüências para a teor ia c o tra balho clínico, e tia concepção da et iolog ia do distúrbio tia qual decorre a naturez a dos proce dimentos e dos cuidados dispens ados ao doente. A estes pontos acrescenta- se um, relativo h psiquiatria infantil: a necessidade cie esta zelar pelo seu campo específico de pesquisa e não se deixar nortear pelos parâ metros da psiquiatria de adultos. A opos ição me nte /co r po talv ez seja a mais antig a e po lêmic a das distinções a que o estudioso da saúde esta entregue e tem sido, igualmente, um tema dos mais renitentes para a filosofia. Basta lembrar, aqui, a serie infindável de discussões, tanto científicas como filosóficas, reacendidas no Ocidente pelo dualismo cartesiano e pela medicina fisiealista que tem, nele. o seu fundamento. Para a psiquiatria clássica, so bre tudo a pré- psieanalítiea, os distúrbios psíquicos são interpretados como sintomas de processos patoló gicos do organismo, estando relacionados a uma disfunyão orgânica adquirida à transmissão hereditária. A psiquiatria, que se enten de como uma ciência da somatogênese do psíquico, vê o distúrbio psíquico como um “sintonia”. Essa psiquiatria c uma disciplina especializada da patologia clínica científica, disciplina fundada no cor po to mado como cam po e tiológic o.1' Mes mo quando a psiquiatria 0 11
l> A pes ar de hav er to da unia eorrcnce que af ir ma a fccundida dc heurís tica desta concepção, e que permanece extremamente ativa e convicta de suas hipóteses, seus próprios autores admitem que a derivação genética dos fenômenos psíquicos a partir das imites corporais resta cientificamente problemática. Kronfckl. por exemplo, afirma que se potlo constatar “que certas modificações psíquicas dependem dc certas modifica ções físicas, mas não é possível ex plicá- las" (K ronícld, 1927. in T ellonbaeli, 1 7 0 . p. ,V)) (i7
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clássica adere a certas hipóteses psicogênieas, essa psieogênese continua a ser. na verdade, somatogênese, pois o c]ue c chamado de psíquico refere-se ao cérebro c ao tecido cerebral. Na psiquiatria médica, o conceito de mente, oposto ao de corpo, foi assimilado ao dc psique, sendo que, além disto, a entidade monte/psique foi lo calizada no cérebro. Quando um paciente, em função de problemas do amadurecimento, desenvolveu uma hipermentalização defensiva que o tortura c que aponta para um quadro esquizofrênico, o diag nóstico psiquiátrico supõe a existência de algo errado cm seu cérebro, uma vez que, no pensa mento médico- oientífico. o cérebro foi igualado à mente. () tipo dc paciente mencionado sente a mente como uma inimiga, uma coisa que o persegue dentro do crânio. Com isto, [ ...) o cir urg ião que re aliza uma lobo tom ia pré- frontal parece ria, íi primeira vista, estar atendendo à solicitação do seu paciente, ou seja. aliviauilo- o dos problemas causados pela atividade menta l, tendo a me nte se tor nado inimig a do psique- smun (1 95 4a, p. 344 ).
Na concepção winnieottiana, a atividade mental, compulsiva ou não, nada tem a ver com o cérebro. Deste modo, não sc pode alegar, diz Winnicott, que o paciente é auxiliado pela lobotomia. cm razão do visível alívio de seus sofrimentos, uma vez que | ...] esse alivio não pode ocorrer t» vacuo; uma pessoa que sofre pode experimentar alívio, mas não me parece possível (a alguém que adote o meu ponto de vista) assumir a responsabilidade por transformar a pessoa que sofre em alguma outra coisa, num ser hum a no pare ia I que não sof re, ma s que ta mpo uco é a pessoa que foi trazida para tratamento (198S, p. 71).
Desde meados da década de 1940, Winnicott envolveu-se numa verdadeira campanha contra as terapias dc choque e, sobretudo, contra a prática da lobotomia, enviando cartas às autoridades da saúde, escrevendo artigos em revistas especializadas. Em 1967, envolvido ainda nessa luta. escreve que simplesmente desconside rará aqueles es pecialistas que prete ndem f ornecer t ra tam ent o físico para distúrbios psíquicos, uma vez que [ ... j não im por ta o que se saiba ou se desc ubra sobre a bioquímica ou a neuropatologia ou a farmacolog ia da esquizofrenia, o ce rto é que teremos ali os pacientes, pessoas com o nós, em cada caso com 6N
VVINNK
li O DK lU T li COM A S A K K A S .U IX S
uma história sobre o começo do transtorno e uma boa carga do eanseira e sofrimentos pessoais, o com um ambiento que é pura o simplesmente mau ou bom ou então gerador de c o i i I u s í i o num g rau que pode re sultar inclusiv e des conc er tante re te nr-.se u ele (196Ho. p. 2.14).
Outra objeção dc Winnieott à psiquiatria concerne ao fato de esta, assim como a área médica em geral, ver apenas a doença e não o indhíduo. Esta e uma longa tradição, e mesmo quando, sob a in fluência de Kraepelin, no final do século XIX e no início do XX, a psiquiatria clássica começa a admitir a heterogcncidadc da loucura c passa a distinguir e a dividir cm grupos as várias categorias de enfermidades mentais, ela o faz cm torno das enfermidades e não dos indiv íduos, em s uas relações e sua his tór ia .,u Não c, por ta nto, de es tranhar que a s aúde seja um estado desinteres sante para estudo e tenha uma definição meramente negativa. Deste modo, tudo o que interessa é a sintomatologia, e é em torno dela que se constroem as entidades nosográíieas. lí provável que, a partir de Kraepelin, a nova tarefa de observar, descrever e registrar os atos e os sintomas dos doentes para poder cquipará- los coin o r ótulo ou diag nóstico f orne cido pela classifi cação kraepeliana tenha despertado no especialista o desejo de saber o como e o porquê desses atos e sintomas, e que isto o tenha levado à exploração biográfica do paciente. O fato é que, num certo momento, esta acabou por tornar-se parte obrigatória da resenha psiquiátrica. Como uma biografia bem ordenada conduz ao início da vida do paciente, a psiquiatria do início do século XX começou, pela prim e ir a vez, a interessar- se pela inf ância, Tratava- se, no enta nto, de um interesse biog ráfico, retrospectivo, sem o estabele cimento de urna relação direta entre os acontecimentos da infân cia e o indivíduo enfermo que ali se apresentava. A história do indi víduo não chegou a ser examinada do ângulo da natureza e do s ignificado dc suas ex periências primitiva s. Que m rev oluciona esse estado dc coisas e Freud. Exatamente por volta de 1890, ocasião em que a obra de Kraepelin é publicada em sua maior parte, a inci piente psicanálise freudiana começa a introduzir uma concepção 10 L. K aimcr. cr iador do ter mo ‘'autis mo ", diz que “a curiosidade psiquiátrica »iirii*ia-se às doenyjis meiiiai.s das pessoas mais do que às pessoas mental mente enfe rmas ” (K jiincr , p .101 <>')
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dinâmica em contraposição à psiquiatria estática ou nosográfiea da época anterior. Resgatando o sentido dos sintomas, a psicanálise abriu o campo para o estudo dos distúrbios psíquicos cia ind iv íduo s segundo sua história e, diferentemente do psiquiatra, catalogador de s intomas, o psicanalista tornou- se um especialista na obte nção da história dc vida do paciente .’1 lista foi, para W innico tt, uma das grandes contribuições da psicanálise à psiquiatria: a supressão da velha idéia das entidades nosológicas. As doenças mentais não podem ser consideradas com o doenças no mesmo s entido em que o são a febre reumática ou o escorbuto; é falso rotular distúrbios psíquicos do modo que é característico à classificação na medicina física,’3 l ’ni outr o ponto diz r espeito não só ao debate, mas à luta dc W innic o tt para preservar a especif icidade da ps iquiatr ia in fantil . Esta só surgiu como um ramo de estudos especializados no início do século XX; até então, co m alg umas raras ex ceções, a psiquiatria via na criança — na que já falava — um adulto em miniatura e aplica va-lhe os mesmos critérios clínicos c psicopatológieos da psiquiatria
11 isto não se deve apenas íi 1'rcud, T ambém J asper s. um sua /'.síeojjfito/ogifi gerul. dizia que o tema fundamental da psiquiatria é u homem cuinu homem e que, "«> que acontece no homem produzido pela doença mental não se esgota uom as categorias da investigação científica. O homem. como criador dc ol>ra.s do espírito, como crente religioso, como scr cie ações morais, transcende o que se possa saber dele e conhecer dele em pesquisas empíricas . (...] O que há de mais próprio no co nhec iment o da psicopatologia advem do trato com as pessoas. O que, então, se aprende depende do modo com que [o investigador| se re laciona na respectiva s ituação e da maneira com que colabora terapeuticamentc mi processo de encontro, esclarecendo, ao mesmo tempo, a si mesmo e ao outro” (Jaspers, 1979. pp. 20 c 35). 12 Muita cois a mudou desde ent ão na psiquiatr ia, c é provável que a psicanálise esteia colhendo os frutos de sua própria contribuição. A propósito da antiga questão de se sobrepor a doenya ao doente, llenri Aubin, psiquiatra do Hospital Sollics- Poiit, es pecialista da Or g aniz ação Mundial da Saúde, afirma em seu livro, Leis ps.vc/lost.s dc ieníant, que "noss o cuidado não será jam ais o de reves tir o paciente dc um rótulo, tle classificá- lo. de nos lança rmos num tipo de estudo botânico, mas o de dar um primeiro passo para a compraensão de um caso c para ass umir a tarefu icrapètitica. Cr eio que é bem assim que se posiciona a jírande maioria dos médicos psiquiatras — a maioria silenciosa" (Aubin, 1975, p. 10). 70
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geral. Não havia lugar, por exemplo, para a concepção tle uma psicose infantil e muito menos para distúrbios dessa natureza em bebes. Nesse m om e nto, a psicose de adultos é definida pela degeneresocueia dos processos mentais, e essa definição não podia apliear- sc às cr ia nç as .1-1 O fato é que toda a psiquiatr ia do século X IX — sob a influência do desmembramento da noção de idiotismo de Pinei, na distinção idiotia- demência es tabelecida por Rs quirol e, ainda, pelo advento da psieometria c sua prematura generalização para as insuficiências intelec tuais graves — vê a patolog ia me ntal da cr iança e, sobre tudo, aqueles distúrbios entendidos hoje como psicose infantil, sob a forma de dcfícicncia mental ou de distúrbios de caráter. Mesmo na segunda metade do século XIX, assinala Misès. toda referência à psicose infantil permanece inconcebív el — "lu fo lie vhez 1’cnfunt est du domaine tle 1’invoncevable", teria dito o famoso Moreau de Tours no seu tr ata do cláss ico. L a folie ches les enfimts (1SH8); a loucura na criança “não pode existir a não ser exccpcionalmentc. como fenô meno agudo transitório ou expressão de algum mal neurológico, co mo a epileps ia” (Misès, 19 69 , p. 1 0 ).14 A inda no in íc io do s ceulo X X . quando S anc te de San et is (1 9 08 ) descreve os casos mais precoces a té ent ão enco ntra dos, ele cria uma entidade mórbida autônoma, a demência precoeísaUna, cujas car ac terísticas são próximas da demência precoce de adultos, configu rada por Kraepelin em 1899. Misès assinala que, com relação a essa nova entidade nosográfica, freqüentemente se fez notar “como parecia artificial, na criança, um quadro clínico que, associando
1.1 Segundo alguns historiadores da psiquiatria da infância, o ponto mais longínquo um que se pode discernir, retroativamente, a primeira incursão no campo da psicose infantil foi o do chamado “selvagem d’Aveyron”. que parece ter sido "a primeira observação valiosa de uma criança psicótica” (Aubin, 1975, p. 13). Segundo Misès, essa observação e o ensaio de reedu cação do pequeno Vietor pelo l)r. Itard, médico de unia instituição de surdos- mudos, impôs "a noção de distúrbios evolutivos da pers onalidade e suscitou, retroativ amente, a ques tão da psicose infantil c omo uma manifes tação deficitária” (Misès, 1969, p. 10). 14 Cf. Misès. 1909, p. 11. Alguns historiadores da psiquiatria consideram um equívoco a freqüente atribuição dessa afirmação a Moreau de Tours. As pectos dessa polêmica, que fogem aos limites deste trabalho, podem ser eucoiil nulos em A uliin. 197 5, p. 12.
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delírio, alucinações, eatatonia, seria um simples decalque da pato logia do adulto” (Misès, 1969, p. .11). Foi apenas muito lentamente que os distúrbios infantis pas saram a ter um lugar específico. Por volta de 1912. pesquisando crianças entre oito e treze anos, Chas lin “ press entiu a sig nificação particular dc certas evoluções mórbidas nos retardados, nos epilép ticos, nas crianças turbulentas, das quais ele sc perguntava se não deve riam ser considera das como hebefrê nicas” (Aubin, 19 75, p. 1 4). Mas foi com Blculer que surgiu uma noção de esquizofrenia sem a implicação, presente na de mência precoce dc K rae pelin, dc perda da afetividade e de evolução fatal na direção da demência. Isto, diz A ub in . “abre as portas pa ra um a psicos e in fa ntil , cujo futur o não c fatalme nte desesperador (iilem ). Co ntudo, mes mo te ndo a psiquiatria infantil se ins tituído como um campo específico de estudos, permaneceu a tendência a obser var e a compreender os distúrbios infantis, ou anteriores à puber dade, em conformidade com os parâmetros construídos para a psicopatologia dos adultos. No artigo "Psicose e cuidados mater nos” (1953a), Winnieott dá como exemplo desse fato o livro de M. Cre ak, Ptsychoses m Chihihaod , publicado cm 1951, Nele, o autor, sem se dar ao trabalho dc pesquisar as situações dc imaturidade infantil, descreve um quadro psicótico em que ocorre uma introversão organizada, com conseqüentes padrões bizarros de compor tamento e distúrbios físicos secundários; em seguida, aplica esse quadro a um tipo de criança que os especialistas da infância certa mente conhecem. Ora. argumenta Winnieott, desse modo seria possível aplicar, a inúmeras situações da infância, qualquer tipo de entidade nosológica adulta: estados melancólicos, psicoses maniaeo-depressivas, agitação hipomaníaca, estados confusionais etc. A pesar de todo o av anço da pesquisa ps ic analític a c da in fluê ncia desta na psiquiatria geral, Winnieott constata, nesta, uma enorme resistência cm considerar, primeiro, a existência dc um distúrbio dc tipo esquizofrênico inteiramente psicológico, vale dizer, passível de prevenção c de cura; segundo, em ver a esquizofrenia como um distúrbio que sc estabelece na mais tenra infância, devendo o seu estudo, portanto, ser realizado no âmbito das categorias da psiquia tria infantil, psicana liticame ntc orientada pela teoria do amadure ci mento pessoal. Os psiquiatras continuavam, c continuam, avessos a um estudo que demonstre que a etiologia da enfermidade não é 72
WIX.VICOTT E O DliUATK COMAS ÃKftVi Al-INS totalmente dependente da herança, ainda que a hereditariedade e os fatores cons titucionais possam fr eqüenteme nte ser importante s. Ora, assinala Winnicott, mesmo no caso da paralisia geral progres siva, que é uma doença causada por urna perturbação orgânica do cérebro, c possível achar, na psicologia do paciente, “uma enfermi dade que pertence especificamente a esse paciente, à sua personali dade e car áte r e cujos de talhes re lacionam- se à his tória inic ial dele" (1989vk, p. 97). E essa convicção que leva Winnicott a afirmar que as doenças psú/uicas, às quais costuma scr atribuído um caráter hereditário ou constitucional, não são doenças no sentido usual do termo. Esta hipótes e e tiológ iea não c aceitáv el nem quando a co ns ti tuição é pensada cm ter mos psicológicos , co mo c o caso da ps icaná lise tradicional. A psicose não se define nem pela herança de algum
processo degenerativo fa m iliar nem ú fruto de uma constituição des etjitilihrada das força s pulsionttis. A etiolog ia não é tão s imples; Para aqueles que estão mais interessados em doenças indivíduo do que o próprio distúrbio (cf. 1965n, p. 58). Quando o pxiqtii.it i a nào está atento a essa distinção, c algum distúrbio orgâ nico e detectado, todas as dificuldades do indivíduo são aí debitadas. 7,1
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tudo sc deve ao “quadro nosológieo” e nenhuma consideração c feita acerea do fator ambiental. Decorre daí — c esta é a pior das conseqüências — que a abordagem psicológica é abandonada em favor de uma abordagem bioquímica e neurológica. Ora. até com relação à tuberculose Winnieott diz que muita coisa se perdeu quando o trat am ento desta doença tornou- se purame nte químico c se julg ou não ser mais necess ário o longo período de cuidados espe ciais que eram humanamente dispensados ao paciente. Segundo o autor, contudo, a psiquiatria vinha, na cpoca, diferen ciando as duas classes de distúrbios, os quais, podendo apresentar sintomatologias semelhantes e confluentes, são, no entanto, radical ment e difere ntes na sua nat ure za.15 O que pode haver, sim, é uma conjugação desses dois fatores, visto que uma mãe, capaz de scr sufi cientemente boa para um bebê fisicamente saudável, pode não su portar a tensão dc cuidar de um bebê com complicações cerebrais. Generalizando para toda a psicanálise o que. na verdade, é a perspectiva teórica de sua própria contribuição, Winnieott afirma que, de m odo g eral, a te ndência da psicanálise é entender a esquizo frenia como uma reversão do processo de amadurecimento da primeira infância. Isto é, sc todo indivíduo é dotado de uma ten dência inata ao amadurecimento, a doença consiste no reverso dessa tendência, na sua paralisação, já à época cm que a depen dência absoluta era um fato. Ao invés de amadurecer, o bebê encrua. Sc essa pers pectiva vier a scr a mplame nte aceita, isso poderia trazer [ _| a esquizofrenia para a esfera da luta humana universal e poderia afastá- la da dime ns ão do processo espec ífico de uma doença. O mundo médico precisa desse fragmento de sanidade, pois as doenças que surge m da luta hum ana não deveriam ser ag ru padas junto com os distúrbios que são secundários a processos degenerativos (1965vb, p. 139).
15 Cf., por exemplo, a resenha de Winnieott (JLV63li) ao livro Chilcllwod Sciii• sofjhrenüi, dc Williani Goldíarb, cm Winnieott, 1996a, Capítulo 24. Nesses casos, pode scr necessário medicar o paciente para neutralizar os desequilí brios físieo- químicos iuere iais do org anismo, mas a inda resta cuidar, pela psicoterapia, dos distúrbios que resultaram do fracasso ambiental cm favo recer os- processos de am adure cime nto, fracasso no qual pode es tar im pli cada a dificuldade materna cm cuidar satisfatoriamente de uma criança com problemas físicos. 7-1
W INNICOT T l iU OKU ATI-; CO X I A S ÁltKA.S AI- IXS
W innic ott não de ix a lug ar a dúvidas: ele está inter ess ado em pessoas e não em coisas dotadas de propriedades e que carrvgam em si determinações intrínsecas; sua questão é o sofrimento o» o aprisionamento das pessoas pela sua incapacidade de viver, e não as entidades, mecanismos ou forças que operam dentro das pessoas, a despeito delas mesmas, c que podem ser estudadas ao modo dos entes naturais e quantifieáveis. É sempre possível esclarecer meca nismos de funcionamento da matéria viva, mas, ao fazê-lo, estare mos explicitando estruturas específicas dessa matéria, e isto não desvela de modo algum a essência da vida ela mesma.
5. A discussão de Winnicott coin a teoria psicanalítiea tradicional A pesar de haver sempre declarado que s ó sabia pens ar e escr ever a partir de sua própria experiência, e com sua própria linguagem, W innicott não sc abs teve da discus são com seus contempo r âneos . A o contr ár io, espalhados em toda a sua obr a e em sua corres pon dência, encontram- se co me ntários e aprec iações sobre quase tudo o que se escreveu em ps icanálise, no seu tem po e antes dele. Dc J ung a Laean, de Anua Freud aos ldeinianos, entre os quais Meltzer, Esther B iek, Susan Isaacs c J oa n Rivière, dc Spitz a Er ick Er ickson, de Ilarimann e outros autores da psicologia do ego, a Balint e Bovvlby, de V irg inia A x linc a Harold Se nr les, W innico tt de ba teu com qua se todos os autores que, a partir dc diferentes vertentes, buscavam ampliar o campo teórico da psicanálise. Seus principais interlocutores foram, contudo, Freud e Melanie Klein. Foi sobretudo à obra destes autores que Winnicott se referiu quando, ao formular suas idéias, tratou de distinguir a sua própria e original contribuição. Por esta razão, é esse o debate que interessa aqui retomar. Mesmo porque, embora tenha havido desenvolvi mentos na teoria psicanalítiea, e até novas ver tentes (com o L acan), pode- se dizer que nen huma diver g ência ou alte ra ção sig nificativ a foi traçada com relação aos pressupostos teóricos básicos formulados por Freud que justificasse o que agora se justifica, a saber, a afir mação de que a cont r ibuição w innieo ttiana se cons titui em um novo paradigma para a psicanálise. As modificações introduzidas por Klein (ou por Laean) não clicgnm a ser revolucionárias, no sentido 75
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específica de Thomas Kuhn, por não chegarem a alterar, como vimos na Introdução, o paradigma cdípieo que guia a pesquisa na teoria tradicional. Tal como outros analistas c comentadores dc Freud. também W innic o tt cons idera a ex is tência dc do is tipos diferent es dc tcorização na obra freudiana, e isto leva a que sua discussão com a psica nálise freudiana sc desenvolva em dois níveis interdependentes: o primeir o é relativo à meta psico log ia como supra- estrutura teórica; o segundo diz respeito à psicologia dinâmica tle Freud, isto c, à teoria empírieo- deseritiva que inte rpr eta os fenômenos clínicos indivi duais. Este segundo, mais pertinente ao tema que está sendo exami nado neste estudo, será detalhado à medida que for aparecendo. A bo rda rei aqui, s obr etudo, as diferenças e s tr utur ais , im po r ta nte s para caraterizar o quadro teórico em que este trabalho se insere. Para W innico tt, a psicanálise f re udiana operou, sem dúv ida, uma superação das hipóteses organicistas da psiquiatria e das posições ambientalistas dos psicólogos acadêmicos, Foram os psicanalistas que chamaram a atenção para o conflito interno que está na base da psiconcurose e foi, sobretudo, sob a influência da psicanálise que a psiquiatr ia passou a considerar , alem da s omatog ênese , a psicogcnese dos fenômenos psíquicos. Afirmando sempre a sua filiação à psicanálise c o valor inestimável da contribuição dc Freud e de Melanie Klein para a compreensão dos distúrbios psíquicos, o que W innic ott ce r tame nte pr eza e m a ntém , da tr adição ps ic analítie a, c a concepção tle que as doenças psíquicas são fundamentalmente de origem psicológica, e o fato dc a psicanálise, pela mão dc Freud, ter se constituído como um método de pesquisa e tratamento, orien tado pelo espírito científico, o que significa serem as teorias e as práticas permanentemente sujeitas a revisões. Por esta razão, e ex atamente no s entido de fazer prog redir o conhec iment o psicanalítico. W innicott não vê nenhum contra- senso em per manecer psica nalista ao mesmo tempo em que, apoiado na sua experiência para lela com bebês e com psicóticos, propõe um questionamento radical da supra- estr utura met apsie ológica fre udiana. Impos to pelos novos fenômenos clínicos, esse questionamento visa pôr em pauta diferen ças teóricas na concepção de doença e saúde psíquicas, fundadas, por sua vez, nas diferenças conceituais sobre psiquismo e natureza humana. 7í»
W IX M C O IT K O DIÍRA T I'. ('.(IM A h AK KA fc A FIX S
Um primeiro ponto, mais gorai, refere-se ao fato dc a psicanálise freudiana ter sido construída nos moldes de uma ciência natural e Freud não ter jam ais abando nado a idéia de as se ntar as suas desco bertas na biologia, tendo mantido com esta ciência, em muitos aspectos da teoria, um vínculo estreito. Como bem observam Laplanche e Pontalis (1967, p. 12ó). são as funções biológicas que fornecem o modelo básico para o funcionamento do psiquismo primitivo, e isto se mostra, por exemplo, no modo como foi formu lada a progressão das zonas erógenas que marcam as fases da sexua lidade. A difíc il e complex a artic ulação entre o corpo e o ps iquis mo foi resolvida por Freud por meio do conceito de pulsões, entendidas como representantes psíquicos dc forças físicas, sendo o dualismo das forças pulsionais o que põe e m mar cha o ps iquis mo .1,1 Pela própria definição dc pulsão, pode-se afirmar que a psicanálise freu diana permanece atada ao modelo físico do psiquismo, cujo concei to central é o de força. Embora os intérpretes de Freud divirjam quanto ao princípio que rege primordialmente a elaboração da metapsicologia freudiana, o fato é que toda a discussão permanece no âmbito das forças ou dos investimentos libidinais. Para Fulgencio, é o pont o de vis ta dinâmic o que prevalece como pr incípio me to dológico central na elabor ação da meta psic olog ia;17 para S imank c, o ponto de vista econômico é o primordial, tendo o caráter de prin cípio neces sário, embor a não s uficiente, para a ex plicação fre udiana do psiquismo; sobretudo em momentos dc impasse da teoria, diz S ima nk c, quando sc faz neces sário refor mulá- la, Freud sc vale do critério quantitativo.JS Também Laplanche c Pontalis afirmam que
16 Pura um exame detalhado do conceito dc pulsão ( Trieb) na filosofia e na psicanálise, ef, Loparie, 1999a. 17 A análise de Fulgencio mostra as referencias textuais de Freud na defesa desse princípio, explicitando que essa perspectiva advem de sua formação corno homem de ciência, referida tanto a uma linha dc pesquisa, própria a alguns cientistas alemães, tais como Ilelmholtz. Brueke e Maeh. como à
forte influência kantiana que acentua a importância dessa perspectiva dinâ mica (eí. Pulgencio, 2001). IS S imankc a ponta a seção IV de “O inconsciente ” (Freud, 1 915c, A li, vol. 14. p. 17ti) como uma das passagens da obra freudiana em que se explicita com mais clareza a prevalência do princípio econômico sobre o tópico c o dinâ mico (ef. Simankc. 1994, p. 171).
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iinti seria possível, para o pai da psicanálise, a descrição completa de mn processo psíquico sem a apreciação da economia dos investinuy ito s .19 W innicott mostra- se pe r feitament e eie nt e dos funda me nt os teó ricos em que as idéias gerais da psicanálise freudiana se desen volvem: Freud aí lida eom a natureza humana em termos de ccimomút, simplificando deliberadamente o problema, com o propósito dc estabelecer uma formulação teórica, líxiste um determinismo implícito cm todo esse trabalho, a premissa de que a natureza humana pode ser examinada objetivamente e que podem ser a ela aplieadas as leis conhecidas em física (1958o, p. 20),’°
A lóm disto, tr ibutár io da tr adi ção filosófica ale mã do s éc ulo X IX e do desenvolvimento da neurofisiologia, Freud foi levado a cons truir um modelo de funcionamento mental nos moldes de uma máquina. Reconhecendo aí os limites dessa chave de compreensão da natureza humana, Masutl Khan afirma que | é pr e cis o a d m it ir o r ato de que o c li m a da pe s quis a ne u r o ló gica no final do século XIX induzia Freud a conceituar a psique humana e seu funcionamento nos moldes tia máquina; daí as suas teor ias do apare lho psíquico, das catexias e ner g éticas e das es truturas intr aps íquicas por meio das quais ele figur ou, diagramaticanieme, o ego, o id e o superego: e mais. o esquema topo g ráfico do conscie nte, do pré- eonseieme e do inconsciente (Khan. 1078, p. .10).
Loparie a ponta para a perte nça das noções basilares da psicanálise fr eudiana — mente e aparelho psíquico — ao “ projeto de mecanização da imag em do mundo e do ser humano, que se iniciou eom a A ntig ui
19 Cf. L aplanehe e Pontal is. 19 67, p. 125. 20 Esta apreciação está inteiramente de aeordo eom lleidegger, que, tendo lido Freud por insistência de Modard Boss, viu que a psicanálise freudiana era a “transfe rência da filosofia neo kantiana para o ser human o". S ejíundoo filósofo, a teoria fr eudiana apoia- se, de um la do, nas ciências natur ais e. dc outro, na teoria kantiana da objetividade; baseia-se no postulado da “explicabilidade eorrente do ariímieo", sendo que este “não é tirado das próprias manifestações anímíeas. mas c um postulado da ciência natural moderna” (Hcidejjfícr. 1^87. p. 260). 78
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WINNICOT T K l) DKHA T K COM A.N A KLV S AKIN.s
dade grega e que foi explicitado em Nietzschc, como vontade de poder” (Loparie, 1997c, p. 99). Assinala, ainda, que “cm Freud, a men te serve-se de um instrumento [Imtrument| ou aparelho \ Apfxmu\ para executar suas atuações ou performances [l^istungen]. A ment e dispõe ainda da energia chamada libido, que faz andar o aparelho” (HxUl., p. 9fl). Em decorrência dessa posição teórica, as doenças, ta! como descritas em termos da metapsicologia freudiana, são distúrbios do funcionamento das forças num “aparelho” que. por psíquico que seja, pertence ao mesmo âmbito que os objetos das ciências físicas: é movido a forças e a mecanismos. Também a saúde só pode scr descrita cm termos metapsicológicos. Em “Análise terminávcl e interminável”, Freud diz que “a saúde, justamente, não se deixa descrever a não ser de maneira metapsicológica, em referência às relações de forças entre as instâncias do aparelho da alma que nós reconhecemos ou, sc preferirem, supomos, deduzimos” (Freud, 1937c. p. 228, nota 11). Partindo dc uma outra concepção, em que estão ausentes cate gorias abstratas, c que inclui a recusa de objctificar a vida, Winni cott não accita que o fundamento da natureza humana possa repou sar sobre o princípio determinista causai dc intensidades de forças pulsionais ou qualquer outr a entidade quantifieáv el Não são as forças pulsiona is em co nflito que põem a vida em mov imento; o bebê vive pelo f ato de ‘estar vivo" e de haver a lg uém que re sponde s atisfa toriamente a este fato; ele amadurece por ser dotado de uma ten dência inata ao amadurecimento e pelo fato de haver alguém faci litando a realização desta tendência. Um psiquismo, cm que coabitem f antasias, mecanismos mentais , conteúdos re primidos etc., não é dado, mas adquirido; ele próprio é uma conquista do processo dc amadurecimento. “O psicanalista, mais do que qualquer outro tipo de observ ador ate nto, encontra- se numa pos ição que lhe pe rm ite afirmar, a partir de sua experiência clínica, que a vida psicológica de um indivíduo não tem início exatamente no momento em que ele nasce” (1987c, p. 46). Além de essa posição, avessa ao conceito dc torças pulsionais, ser plenamente deduzível de seu pensamento como um todo, ela é claramente explicitada numa carta a Koger Money- Kirle, em que W innico tt com enta ser uma pena que M. K lein tenha feito um es forço tão g rande para conciliar sua opinião com as pulsões de vida c as dc mo r te , “que são talvez o únieq er ro tle FYcud" 79
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(1987b, p. 37). Igualmente, num outro artigo. “Eníoque pessoal da co ntr ibuição Ulc iniana” , após onu morar as "contr ibuições posi tivas" do Klein, ele alude às “contribuições duvidosas”, uma das quais é a “manutenção do uso da teoria do instinto dc vida c do instinto de morte” (1965va, p. 162). Com respeito ao quadro metafísico ern que Freud se move, pode-se distinguir dois aspectos da crítica dc Winnieott à psicaná lise freudiana. De um lado, o modo de teorização. Loparic, que tem cuidado exaustivamente do tema, mostra que as considerações de tipo mctapsicológico [...] vedam o acosso ou mesmo desfiguram momentos essen ciais do processo de amadurecimento da natureza humana. (...) Trata-se de opor o que se manifesta ao que meramente sc pensa, observações a construções, fenômenos a fieções, em resumo, a descrição à especulação inetapsieológica (Loparic, 1995b, p. 44).
O fato é que o processo que deriva da te ndência ina ta ao am adu recimento não tem nada a ver com a biologia ou qualquer outro s ubs trato físico: tem a ver com a natur eza hum ana e a capacidade dc existir.- 1 Isto não s ignifica que o autor tenha desconsiderado o aspecto biológico. Ao contrário, ele o leva em conta como tal. sem tentar humanizá- lo, e é por isso que usa a palavra “ins tintos ” (iristiiict) c não o termo “pulsão”. Vias levar em conta algo que 6 21 Um exemplo desta posição pode ser encontrada no artigo “Preocupação mater na primária " (] 9S 8n), no qual, de início, Winnieot t resg ata alg umas das menções feitas à natureza da relação entre mãe e bebê na obra de outros psicanalistas . A lém de me ncionar os estudos de An na Freud. ele fala das expressões “equilíbrio homeostático’’ e ‘‘relacionamento simbiótieo”, de Margarec Mtihler (1952 e 1954), sobre as quais comenta: “Acredito que esses vários conceitos e noções deveriam ser reunidos num conjunto e que o estudo da mãe deveria ser trazido para fora do campo puramente biológico. O termo simbiose não nos leva além da comparação do relacionamento da mãe e tio bebê com outros exemplos da vida animal e vegetal — a interde pendência física. As palavras equilíbrio homeos tático t ambém ev itam certos aspectos mais sutis que surgem ao nosso olhar, quando observamos esse relacionamento com ;i atenção que lhe c devida" (1958n, p. 400), Ou seja. tanto o termo "simbiose" como a expressão “equilíbrio homeostático" não privilegiam a especificidade do relacionamento humano, podendo ser usa dos para bebês humanos ou felinos. SO
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condição, isto é, som o qual nenhuma relação humana podo scr realizada, não significa tomar a condição como causa ou funda mento. Para ele. do ponto dc vista da inst intualidade, o scr huma no não é radicalmente diferente do animal; o que o diferencia 6 que todas as funções corpóreas. incluindo os instintos, passam pela via estritamente humana da elaboração imaginativa.” Também o cére bro é a condição para o funcionamento da psique, mas disto não decorre que o psiquismo possa scr pensado a partir das categorias que regem o estudo do cérebro. l ’m outr o ponto de objeção de W innic ot t a Freud foi este ter pensado que a sua teoria sobre a nature za e a dinâmica das neuroses pudesse ser a chave de compreensão para todos os distúrbios psí quicos. Mais ainda: que o estudo da neurose pudesse levar a uma compre ens ão prof unda sobre a nature za huma na Mesmo quando Freud, ao te nta r re sponder aos impass es te óricos colocados pela sua teoria do narcisismo, passa a se interessar pelas psicoses, as ques tões que ele formula derivam do mesmo campo configurado para a inteligibilidade das neuroses. Ora, para Winnicott, a afirmação de que mesmo uma criança saudável poderia ser inteiramente com preendida com base no estudo das neuroses e de suas origens é ab surda (1988. p. 55). () argumento de Winnicott está tundado na convicção de que as bases da saúde psíquica se estabelecem no iní cio da vida, momento em que estão sendo constituídos os alicerces da personalidade. Por isso, para uma criança chegar a ter um dis túrbio de tipo ne urótico, há que se supor que ela atrav ess ou bem os estágios rnais primitivos e realizou conquistas básicas que são con dição de pos sibilidade par a que possa, te ndo cheg ado a integrar- se num a unidade e a s eparar o eu do não- eu. tornar- se, en tão, c apaz de scr afetada pelo tipo de conflito que é inerente às relações triangu lares.21 Para o psicótico, a problemática interpessoal, contida no distúrbio neurótico, simplesmente não faz sentido e ele nem chega a
22 Um ex ame detalhado da concepção w innicottiana da instintualidride huma na e da elabor ar ão imaginat iva das f unções corpóreas eneontra- se em Lopa rie. 2000b. 23 Para Winnicott, o termo "profundo", referido à fantasia inconsciente ou conteúdos reprimidos, não é sinônimo de “primitivo”, porque “um lacLcntc necessita tle um certo jira n dc ama dure cime nto para tornar- se £radntívamciK c capaz tle ser pro f undo ” ( 1^5f>i, p. 1(13). 81
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ser emocionalmente atingido por elíi.j4 Na ótica vvinnicottiíina, íi neurose, nesse sentido b e m especifico, significa saúde, e c oste o sentido da afirmação dc que, se o desenvolvimento primitivo é perturbado, a criança não tem “saúde suficiente” para chegar a uma neurose (1988, p. 56). Todas essas questões relativas à constituição díts bases da persona lidade não podiam sequer ter sido formuladas no horizonte teórico da psicanálise clássica. T endo fundado seu ca mpo de reflex ão na dinâmic a interna do psiquismo e tlíindo por suposto o sentimento de real e a capacidade para o estabelecimento de relações com a realidade ex terna, restava apenas analisar a qualidade pulsional das relações e não a sua existência c realidade, assim como a existência c a realidade do bebê e do mundo externo.35 Deste modo, quando o psicanalista tor na-se um especialista na obtenção tia história, ainda resta perguntar de tfite história ae trata e que alcance ela tem para a compreensão de fe nômenos, por ex emplo, tio t ipo das psicoses. A his tória, par a a psica nálise tradicional, é a do desenvolvimento das funções sexuais, tendo com o enre do básico o complex o de itdipo. Para Winnico tt, c ontudo, há
uttut pré- história na ifiutl o p e t p t e n o indivíduo, ijue já é um ser humano passível de ser tífetado pelo ambiente, ainda nüo chegou a s i; o bebe está apenas iniciando o processo de amadurecimento que leva à inte gração num cu unitário e, se o processo falhar, pode ocorrer dc esse bebê jam ais chegar a ter um eu com uma história para contar.- 1’ Chegar a ter uma história depende de processos que não são do domínio da sexualidade e que a antecedem em muito, tais como, por
24 Com r elação, por ex emplo, no ciúme dos irmãos que é atoíiliza do na situa ção analítica com o ódio por outros pacientes, Winnicott diz ijue aquelas pessoas que padecem dc uma problemática psicótica c regridem à depen dência "ou não têm objeção à presença de outros pacientes
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exemplo, a constituição de uma memória pessoal relacionada a um processo de temporalização do bebe. A integração paulatina do bebê num tempo e num espaço não tem co mo ser entendida cm termos de pulsóes. T empo e espaço não são objetos: tampouco são metas ou forças. No entanto, sem tempo e espaço não há como encontrar objetos e. muito menos, como desejá-los. Disso deriva um outro aspecto, ainda mais específico, da dife rença entre o pensamento de Winnieott e íi teoria tradicional: pelo fato de esta última pensar a saúde e a doença em termos das cate g o rias construídas para compreender as neuroses. íi doença só pode ser concebida na linha dos conflitos pulsionais, relacionados ao complexo edípieo, e, em decorrência, a saúde consiste no estado das defesas do ego. E a rigidez das defesas, que se erige contra as angús tias decorrentes do conflito pulsional, que constitui indício de doença. O indivíduo saudável é o que está relativamente livre de uma repressão maciça e da inibição dos impulsos instintuais. A pesar de, para o autor, esses critério s pe rmanecerem válidos para os casos dc neurose, em que não haja dúvida quanto à inte gração da personalidade — o que não c fácil de ser rapidamente diag nos ticado — , eles não serve m para a compre ens ão dos casos cm que a per sonalidade não cheg ou a constituir- se de for ma integ rada. Mesmo porque, após a formulação dc Winnieott sobre a formação defensiva do tipo falso si- mesnio —•na qual, por trás da s int om a to logia neurótica, existe uma psicose subjacente — é preciso fioar atento aos aspectos básicos da personalidade, e estes não são de cttrátcr ins tintiutl. Por todas estas razões, e dado o conhecimento de que já se dispõe, não c mais aceitável continuar a avaliar a saúde em termos do que tradicionalmente sc chamam as posições do id, ou seja, da instint ualidad c. Üs pesquisadores e analistas precisam estar preparados para examinar o processo de estruturação da personali dade desde o início, E mbor a, ce rta me nte, seja mais fácil descrever o amadurecimento segundo as linhas do funcionamento instintual do que cm termos do ego e de sua complexa evolução, não há mais como evitar a segunda alternativa (1971f, p. 21). Um aspecto dessa questão, relativa à estruturação do ego, pode ilustrar o modo como Winnieott faz prevalecerem as conquistas egóieas sobre as funções sexuais, e de que modo o desenvolvimento do ego c visto co mo co ndição de possibilidade para a vida inst intual. Segundo o autor, a hipótese inicial da teoria psieanalítíea freudiana 8 .1
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relacionava- se com o id, que es tá atuante desde o início, e eom os mecanismos de defesa do ego, em especial a repressão. Os meca nismos eg óieos org anizam- se para evitar a ansiedade derivada da perda do objeto ou das tensões instíntuais, sentidas já com o per ten centes ao eu. Isto, neces sa riame nte press upõe uma se paração do si- mesmo e uma e s tr utura ção do ego, e, talvez, um e s quema eorporal pessoal, o que significa que a criança alcançou um grau sofisti cado de amadurecimento, tendo já adquirido uma certa indepen dência e uma organização defensiva pessoal. Oca, do ponto dc vista da teoria w innicottiana do amadurec imento, isto não pode muis ser presumido, e um aspecto central da discussão, que advém da obser vação das psicoses, consiste exatamente neste ponto: não é a tensão ins tintua l e a cons eqüente f ormação de defesas que força a es tr utu ração do e g o , mas, exatamente ao contrário, 6 essa estruturação, facilitada pelas boas condições ambientais, que gera a ansiedade da tensão instintiva ou da perda do objeto, lí apenas à medida que os fenômenos instiutuais podem ser viveneiados, catalogados e inter pretados pelo funcionamento do ego que a ansiedade instintual pude fazer algum sentido. Não há id antes do ego. diz Winnicott, e é some nte a par tir desta premiss a que um es tudo ex austivo do eg o se jus tif ica. X o m om e nto em que está se da ndo a cons tituição do si- mesmo. a ansiedade não e ansiedade de cas tra ção ou de sepa ração, mas, sim, angústia quanto à possibilidade de aniquilamento do si- mesmo incipiente. Com relação a este ponto, W innic ot t cons i dera que M. Klein acrescentou muito à teoria freudiana. Pondo em pauta a infância mais pr imitiva, cia esclareceu a inter- relação entre as angústias primitivas e os mecanismos de defesa. Contudo, a premissa ldeiniana de que as relações com objetos ex ternos já es tão estabelecidas assim que o bebê nasce é inteiramente inaceitável para Winnicott, por abortar, na raiz. qualquer possibilidade dc discussão sobre a origem das psicoses.27 Uma das decor rências dessa posição da teoria tr adicional é que, também nela, a saúde é pensada pelo negativo. Este ponto da objeção w innicottiana c ons titui um ponto ceg o na teoria psieanalítiea, e foi clar ame nte f or mulado pelo autor, na seg uinte afirm ação: 27 M. K lein inicia o seu famoso nrcigo "X otas sobre me canismos es quizóides" eom a se g uinte frase: "Ex pus v árias vezes <> meu poilto tle vista tle que as relações tle objeto ex istem tlestle o txiineçt) tia v ida" (K lein. p. 25 4)
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Partindo, como fazemos. das doenças psiconeurótieas. u ujin defe sas de ego relacionadas à angústia que surge da vida instintual. tendemos a pensar na saúde em termos do estado de defesas do ego. Dizemos que hst saúde quando essas defesas não são rígidas etc. Rara mente, porém, chegamos a» ponto e m que podei nus começar a descrever o que sc parece à vida. Isto eqüivale a dizer que ainda temos dc enf re ntar u ques tão de saber sobre o que versa a vida (1967b, p. 137).
A eone epy ão de s aúde como aus ênc ia de do ença e, no caso, como ausência dc sintoma neurótico, desconsidera que o estado saudável deve ter uma qualidade própria, que não pode scr descrita apenas negativamente, e que h á uma “saúde’’ que é sintomática, construída defensivamente, estando carregada dc medo tias várias loucuras que atravessam a vida de qualquer pessoa. For isso, é de suma importância reconhecer abertamente, diz Winnieott, “que a
uxusência de doença psicone iirótica pode ser saúde, mas nüo é v ida" (1967b, p. 137; grifo meu). O lugar desde o qual os psicanalistas pesquisam a experiência humana e, portanto, um lugar parcial, que elude questões primordiais da existência; este c o sentido da afir mação do autor, de que (...j os psicanalistas que enfatizaram corretamente a signifi cação da experiência instintual c das reações à frustração fa lhara ni em enunciar oom a mesma clare za, ou convicção, a inte n sidade dessas ex periências não- cuiminantes que são chamadas de brincar. (19671>, p. 137).
A saúde in clui a capa cidade de br incar, que é o pr otótipo do viver criativo; diz respeito á possibilidade de habitar o espaço potencial e entregar-se aí a uma experiência que está sustentada pela ilusão básica; refere-se igualmente à liberdade dc transitar pelos vários mundos que são criados no decorrer do amadurecimento, o que abarca a capacidade dc estabelecer relações com o mundo objetiva mente percebido sem muito sacrifício da espontaneidade pessoal. A o pe nsar a s aúde cm termos de defesas de eg o, a teoria tr adicio nal desconsidera o fato de que há indivíduos que não chegam a esta belecer defesas cg óicas porque não cheg ou a ser co ns tituído um eg o capaz dc defender- se. O problema , neste caso, reside não num a or g a nização rígida de defesas, mas numa falha nt t f armação das defesas de tipo eg óúo. As psicoses dize m res peito “ não tan to às defesas orgaN5 JÉ
A T KOK IA l)(J AMAIH'«['X:j.\ lli.\ T<) 1>K 1) W WlXXHXrrf
nizadas do indivíduo como à talha em alcançar a lorça do ego, ou integração da personalidade, que possibilita às defesas se forma rem” (19f)3e, p. 198). Ilá defesas, sim, nas psicoses — e, na verdade, as psicoses são, elas mesmas , org anizações defensivas — . mas elas não são do tipo da repressão; nesta, o indiv íduo, j á cons tituído como identidade unitária e tendo uma realidade psíquica interna estabele cida, padece dos conflitos r elativos à inst intualidade — já dotada de s ent ido pessoal e re lativa às re lações inter pess oais —- e às r es trições impostas pela censura. Nas psicoses, as defesas são de tal natureza que paralisam a tendência inata ao amadurecimento, impedindo u co ns tituição do si- mesmo. Por todas estas razões e, em part icular, porque a neurose deixou de ser. cm Winnicott. o paradigma das doenças psíquicas, a teoria do desenvolvimento das funções sexuais, que fundamenta a teoria das neuroses, deixou de ser a teoria por excelência da constituição do indivíduo.2* O debate dc Winnicott eom M, Klein repete os mesmos pontos acima mencionados, já que, apesar de ela ter introduzido modifica ções importantes a teoria freudiana, relacionadas aos períodos mais primitivos da vida, não me parece haver, no campo dos funda mentos teóricos, nenhuma diferença significativa com rehição a Freud, Tendo se detido no exame das angústias primitivas, pre-edípieas, Klein não a lterou — ao contr ário, re ssaltou — o suposto caráter edípieo das mesmas, fazendo recuar o complexo de Edipo e resol ve ndo os impasses teóricos por meio de cons truções abstr atas corno as equações simbólicas. Entre as objeções dc Winnicott a M. Klein destacam- se duas. de car áter geral. A prime ira vai contr a o recurso Uleiniano ao fator constitucional, eom as intensidades pulsionais determinando aspectos fundamentais d
2« Cf. Luparie. 1997a.
V IN N IO >IY 10 O DKHA T lí U ).\ l A S ÁltK A S AK 1XS
nos pressupostos determinaram caminhos teóricos c clínicos radi calme nte diversos: enquanto W innicot t preocupava- se com a descri ção das necessidades pessoais do lactcntc c dos vários tipos dc fra casso ambiental na resposta a essas necessidades, Mclanie Klein continuava a descrever os mecanismos mentais primitivos do bebê e a configurar os conflitos internos e fantasmáticos do psiquismo, num total desprezo pela realidade externa.^ Co m re lação à teor ia da posição depressiva, W innico tt a conside rava como a mais valiosa contribuição de Klein para a psicanálise A preciava s obr etudo o f a t o de essa conquista ter sido concebida como uma aquisição do desenvolvimento normal, sendo sinal de saúde. Por este motivo, fez ressalvas à de nom inaç ão “pos ição depres siva ”, que induz a se pensar em distúrbio quando sc trata de um g anho da m atur idade e da saúde. A o incorporá- la à sua te oria do am adur ec ime nto, denominando- a dc conquista da capacidade para a culpa e a responsabilidade es tág io do conccr nimento, Winnieott ass inala que a sua descr ição dessa conquista, f or mulada cm sua própria linguagem, c o resultado de seu próprio trabalho, estando ciente dc que Klein, certamente, discordaria de vários detalhes. A r ede s erição era necessária, contudo, tendo e m v is ta que a for mu lação klciniana da posição depressiva baseia-se numa concepção de agressividade incompatível com a dc Winnicott. Quando, em 1945, Klein formula a posição esquizoparanóide e, sobretudo, eom íi postulação da inveja inata, ficou claro, para o autor, que o quadro te órico no qual K lein se movia era- lhe inaceitáv el: o fator co ns titucio nal está presente eom plena força, dando explicações fáceis a mani festações que exigiriam um estudo minucioso dos infinitos e sutis detalhes contidos nas relações m i generis do bebê com o ambiente nos es tág ios iniciais. Com isso, a discussão de inúmeros problemas de alta comple xidade fica descartada, como, por exemplo, quando, a propósito das raízes da agressividade. Klein apela para um montante inato da pulsão de morte. Winnicott não pode aceitar nenhuma das teses, É a ela, sem dúvida, e aos klcinianos que ele sc refere quando fala dos pesquisadores que não conseguem conceber uni processo dc amadurecimento em que o bebê, já no início, é um ser 11 0
2't Cf. Winnicott,
eiipítuhi 53, parte 2.
A T K Ol tl A LH) A il A lM UE Cmi íX T C) 1)B I). W. W lX NiC Í )TT
capaz dc experiências c que a qualidade dessas experiências depende do cneo ntro c om o am biente fa cilitador. Para os pes qui sadores qnc não levam cm conta o ambiente, o fenômeno de bebês muito difíceis c assustados, assim que nasccni, só pode ser explicado pelo fator constitucional; no caso. paranóide (1988. p. 172). l)a perspectiva winnicottiana, a argumentação ao longo desta linha de ra cioc ínio desc onsidera a pré- história, a im a tur i dade e o am biente inicia l do bebê. Co mo , desde o úter o, já ex iste ali um ser humano capaz de experiências, pode ocorrer dc ele ter sofrido várias interrupções da continuidade de ser, ainda na vida intra- uterina ou durante o processo de nas cimento, 0 11 logo depois, e ter reagido a essas intrusões, o que o leva a um estado paranóide que, por precoce que seja, deve-se ao fator ambiental e não à herança constitucional. A lém dis s o, cm s ua pr át ic a c ie ntíf ic a , W in n ic o t t era into le rante c chegav a a scr impiedos o e om qualquer uni que tratasse ‘"a teoria psicanalítica como uma religião, ou uma concepção polí tica com tons religiosos ’ (Rodman, 1987, p. XXIV). Havia algo de dogmático, proselitista e mesmo religioso no que se poderia chamar dc movimento kleiniano que o desgostava particular mente. Em 1956. após ter ouvido u leitura do artigo dc M. Klein sobre a inveja, Winnicott a escreve Joan Kiviere, dizendo que “a única coisa que pode acontecer é que os que gostam de apoiar Melanie apresentem, como todos nós poderíamos fazer, material clínico ou citações da Bíblia que apóiem o seu tema” (1987b, p. 84). Um dos problemas dizia respeito à comunicação cientí fica, e sua queixa, várias vezes reiterada, consistia no fato de que o grupo kleiniano utilizava termos que deveriam ser descritivos, mas que acabav am por tornar- se slogana par tidários , de uso obr i gatório. Numa carta a tíion, de 1955, ele escreve que | _| a S o c i e d a d e f i c a t e r r i v e l m e n t e e n t e d i a d a c o m a i n s i s tente propaganda de termos. Nos últimos seis incscs, as pala vras "identificação projetiva” foram usadas várias centenas de vezes. Naturalmente, estamos sob a ameaça dc, por alguns meses, a palavra "inveja" ser introduzida em toda a parte. (...) Há algo errado aqui, e creio c espero que você tome parte na t e n t a t i v a q ue d e v e m o s e m p r e e n d e r — s c f or o ca s o de a S o c i e dade sobreviver — de deixar para irás essas tciidências desaS,N
W IN NI CÍ )TT K < > DICUATK CU.YI AS ÁKlvAS Al-INS
grogadoras que têm a natureza de uma propaganda dc cauções- tcina (1 9 fi7 b, p. 8] )-10.
Não apenas na postura do gr upo, também na conc eituar ão klciniana, Winnieott vislumbrava um viés religioso que tornava essa teoria, em a lguns as pectos, uma reaf irmação do princípio do pecado original.- '1 lisse estado de coisas acabou por impor uma cert a polí tica sectária dentro da Sociedade Britânica de Psicanálise, tendo se tornado uni obstáculo à liberdade de pensamento e comunicação c ao prog res so da c iência ps ieana lítiea.12 O debate com a psicanálise tradicional não termina aí; ao contrário, poderia ser objeto de todo um livro. Embora esse tema não caiba nos propósitos deste estudo, quero mencionar, em linhas ger ais, a apro x imação teórica dc Winnie ott com a escola psicanalítica denominada psicologia do ego. O que freqüentemente induz à idéia de que o seu pensamento pertence a essa vertente teórica é que a ele, dc fato, intere ss am alg umas das proposições dessa cscola, em especial aquelas que acentuam a importância do ambiente na constituição do indivíduo. Isto não significa que a orientação geral da psicologia do ego americana possa scr-lhe aparentada. De llartmann, por exemplo, Winnieott aprecia o conceito dc “ambiente expectável médio”, que ele afirma tratar-se aproximada mente da mesma coisa que cie próprio chamou de “mãe devotada comum”. Também outros analistas utilizaram termos similares para descrever um ambiente cujas qualidades tornam efetivo o processo maturaeional da criança (1984c, p. 1S7), mas o conceito de Hart-
30 Com respeito ;i essa tendência, mídiátlea poderíamos dizer, Winnieott era ex tremame nte cauteloso. Ao propor termos para nomear alg uns fenômenos que puderam ser vistos à luz de sua teoria, ele o fazia com muito cuidado, temeroso dc que eles passassem a scr usados como clichês. como "coisas de W in nie o tt”. es vaziados do sentido ex pcr icneial que dever iam cont er. Por ex emplo, ao dis ting uir a “mãe- objeto” tia “mãe- ambiente” , ele alerta para que essas expressões não se tornem slogans vazios “e acabem por tornar- se rígidos e obstrutores ' (196.1b. p. 107). 31 C't’. W innieott, 19 71 g , p. 100. Winnie ott não está soz inho nessa apreciação. T ambém Pontalis a fir ma que a teoria Idelniana da inveja e da culpabilidade, at r ibuídas à mais pr imitiv a inf ância, ‘nada mais Ias: do que dar unia tr ans cr ição psieanalítiea ao mito do pecado or ig inal” (Pontalis, 19 77, p. 118) 32 Cf. a carta dc Winnieott a M. Klein, de novembro de 1952, iit Winnieott, 19S7b.
A TK OH IA IX ) A.\IA l H' K lit ’J.\1IvNItJ Dl i I). W. WI.WVHXJTT
mann parece agradar cm especial a Winnicott por incluir o termo “expeetável", cujo sentido o aproxima da earactcrístiea central do ambiente suficientemente bom, que é a de ser confiável no sentido dc previsível. A de s pe it o dos diferentes f undame nt os teóric os cm que sc baseiam, algumas outras afinidades teóricas aproximam Winnicott da psicolog ia do ego. Uma delas consiste na idéia de que n ão se pode derivar o ego do id, Segundo Hartmann, o desenvolvimento mental não 6 simplesmente o resultado da luta com os impulsos, com os objetos, com o superego etc. lí preciso supor que esse desenvolvi mento “c servido por aparelhos psíquicos que funcionam desde o início da vida” (Hartmann, 1958, p. 15). Trata-se, aqui, de “apare lhos de auton om ia pr imár ia” ou "apare lhos inatos do eg o”, que estaria m se desenvolvendo em funções — tais co mo perc epção, compre ensão objetai, inteneionalidade, pensamento, ling uag em, memória, todos co mo potencialidades do org anismo — numa “ zona livre de conflito”. A concepção dc aparelhos inatos dc ego é muito próxima do conceito de “núcleos dc ego’’, dc Glover, conceito que sugeriu a W innico tt o estado de não- inte g ração r ela tiv o aos es tág ios de de pe n dência absoluta. Contudo, apesar da afinidade na idéia geral, a teoria de Hartmann não faz a distinção, essencial paru o pensa mento winnicottiano, entre mental e psíquico, alem de estar basea da na idéia de apare lho, o que 6 inteirame nte es tranho a W innicott. A idéia dc Har tmann, de que não se pode deriv ar o eg o do id, es tá relacionada a uma outra, a dc que. tal como cm Winnicott, uma teoria dos instintos não é capaz de dar conta do acesso à realidade, A hipótes e de H a r tma nn, contud o, in clui um conc eit o de ada pt ação que é definido como sendo, em primeiro lugar, uma relação recí proca entre organismo e meio. Ora, não requer muito esforço perceber que W innicot t não vc o bebê com o um org anismo e que, no início, não sc pode pensar cm re lação recíproca, uma v ez quero bebê ainda n ão é um a unidade capaz de relacionar- se, sendo apenas uma parte da unidade mãe- bebê; a adaptação provém ex clusivame nte da mãe. A lém dis so, ex is te concor dância ent r e os autores no que sc refere à autonomia do desenvolvimento das funções egóicas em relação às do id; Winnicott certamente aceita o sentido do conceito de Hartmann de que o ego sc desenvolve numa "zona livre dc co nflitos ”, uma vez que, t am bém para cie, a es trutur ação do c j í o não
WINXIUJT T B O 1)EU,\ TE COM A SÁ HKA N A FINS
está sujeita às viciss itudcs instintuais . Para 1lar tm ann , no entant o, a zona livre de conf litos vincula- se com as te ndências herdadas, e n quanto , para W innico tt, depende da qualidade dos cuidados a mbie n tais." As diferenças são substanciais e, se algumas modificações da teoria tra dicional, introduz idas pela psicologia do ego, afinam- se com as posições tle Winnicott, não se pude. por isso. assimilar W innic o tt à ps ic olog ia do eg o.
.1.1 Pura Masud K han, um cio entr e a obra dc W innic ot t e as pesquisas dc llartniíimi sohrc essa esfera do ef>o livre dc conflitos (Khan. 1978, p. 19) está no conceito dc "período dc hesitação", descrito por Winnicott no seu artigo "Obse rv ação ilc liclies o u ma situa ção padr oniza da" (19411)).
CAPÍTULO II
A TEORIA DO AMADURECIMENTO PESSOAL 1
1. O amadurecimento como tendência inata à integração A teoria w innicottiana do amadur e cime nto está f unda da sobre dua s concepções de base, ou, dizendo de outro modo, o processo de amadurecimento pessoal depende fundamentalmente de dois fato res: a tendência inata ao ama dure cime nto e a ex istência cont ínua de um ambiente faeilitador. Comecemos pelo primeiro, Segundo Winnicott, todo ser humano é dotado de uma ten dência inata ao amadurecimento. Esta concepção baseia-se numa outra, a de que o homem é um ser essencialmente temporal. Um ser huma no , diz o autor, “é uma amostra- no- tempo [ túne- ,sampfc] da natureza humana” (1988, p. 29).- Todos os fenômenos humanos são um desdobramento temporal da natureza humana, de tal modo que eles não podem ser descritos, em nenhum nível, como algo substan cial, sob pena de se des virtuar a nature za fundam e ntal tio homem: a de ser um modo de temporalização. A teoria winnicottiana do ama durecimento pessoal é a explicitação temporal, na forma de estágios 1
Por suges tão de Z. Loparie. adotarei o ter mo "amadur ec imento'' para todas as menções ao mantratíorwl proccss ou de- velopmou pnx x ss. Consídero- o preferível a “desenvolv imento" ou “• maturação", pois estes termos c os tumam ser usados, em português, de forma Indiscriminada, para processos bioló gicos, sociológicos e até uconómieos. Além disto, a língua inglesa não tem, como o português, um verbo como "amadur ece r”, :| iie, a meu ver, g uarda o sentido eminentemente pessoal que Winnicott confere a esse processo, 2 As implicações do caráter temporal da natureza humana são centrais ii" teoria das psicoses.
A T IÍOUIA l« > .U I.\ iir K K CIMK X T () l»E II W. W IX X IC OT T
ou etapas, das «irias tarefas que a tendência inata ao amadureci mento impõe ao indivíduo ao longo da vida. O que Winnicott entende por natureza humana? A natureza humana, que é "quase tudo o que possuímos” (1988, p. 21), consis te ess encialmente numa tendência mura à integ ração numa unidade ao longo de um processo dc amadurecimento. Sendo uma amostra temporal da natureza humana, cada ser humano 6 dotado de uma tendência ao atmulurecimenia, ou seja. de uma tendência á integra ção num todo unitário. Esta é a sua mais importante herança. ”ü que o indivíduo herda é um processo dc ama dure cime nto” (1 97 4, p. 71; 1984h, p. 48). Cada indivíduo está destinado a amadurecer,; e isto sig nifica: unificar- se e responder por um eu. E m f unção disto, o que falha no processo, e não c integrado por meio da experiência, não é simplesmente um nada, mas uma perturbação. A conc epção de que o amadur e cime nto 6 reg ido pela tendência íi integração numa unidade foi fruto de uma longa evolução do pensame nto de W innicott. Na década dc 40 , já estava es tabelecida a idéia de que há se mpre um des env olv imento em curso, ass im co mo o fato dc ex istirem dificuldades que s ão relativas ao próprio a ma dure cimento . Num tex to de 195 9, encontra- se a afirmação de que o pr in cipal da hereditariedade “é a tendência inerente do indivíduo a crescer, a se integrar, a se relacionar com objetos, a amadurecer” (1965H. p. 125); percebe-se que, neste momento, ainda á vaga a direção fundamental do amadurecimento como tendência à inte gração numa unidade. E num texto tardio, de 1968, que Winnicott escreve, com todas as letras, que "o estatlo
básica para u saúde no desenvolvimento emocional de todo ser huvuavj" (1984h. p. 47; grifo meu). Em 1969, ele reafirma “a exis tência de algo universal no amadureci mento emocional do ind i víduo, que é a tendência integ ra dor a que pode conduzi- lo a um suitua dc unidade” (1989xa, p. 189; grifo meu),-1 3
Neste tex to, W innic ott ass inala i| uu essa tendência tle seu pensa mento já estava presente, sem que ele se desse coma, em artigos de uma década atrás, ou seja, aproximadamente a partir do final da década de 1950 e início da de 1960. Ele cita, eomo exemplos, o título de seu livro. O ambientefaeilitadar e os processos tle JiJ Ofirração, t: o ar tig o ‘‘Raízes da a g re ss ão” (1 9 ó4 d) , inuiukio eomo n único c apítulo novo em^l criança a seu m undo, o publicado também e omo um adendo ao ar tig o dc 193 9, “A agressão c suas raízes", em JVivttçao e dclbu/üênciu. 94
à
A T10l.'K li( üMKNT t) l’K*SSt)Al.
Não se deve atr ibuir um ca r áter es seneialista à tese winnieottiana de que í i natureza humana consiste numa tendência inata à integração numa unidade. Não se trata de uma essência eterna, diz Loparic, (...| pois Winnieott entende que "a natureza humana evoluiu, as sim e om o os corpos huma nos e os seres huinaiuxs ev oluíram, no curso de centenas de milhares de anos”. Ele não contesta a fUagênese da espéeie humana, ou seja, da própria tendência à inte gração, ainda que não tenha nada a dizer sobre este assunto. Mas, ao mesmo tempo, Winnieott observa que “há muito pouca evi dência de que a natureza humana se alterou no curto es paço reg is trado pclíi história". [ ...( O conce ito winnieoctiano de natureza humana pode, portanto, ser entendido como designando a estru tur a fixa da nossaonfo^é?)C‘SL' ou, na ling uag e m menos biolog iza nte c mais característica de Winnieott, do nosso amadurecimento emocional ou pessoal, governado pela tendência inata à inte gração (Loparic, 2000b. p. .155).'1
Para chcgar a esta formulação final — a de que o estatuto unitário é a conquista básica para a saúde amadurecimento emocional dc todo scr humano —, Winnieott teve dc ultrapassar duas idéias estabelecidas pela psicanálise tradicional: primeiro, aquela que supõe, como já dadas, a constituição do eu primitivo e a capacidade dc c onta to co m a re alidade; se g undo, a idéia de que a di visão, a “dinâmica” essencial do homem poderia scr descrita em termos dc pulsões. Atento aos bebês e aos psicóticos, Winnieott introduz uma fase inicial cm que ainda não há um eu constituído, mas um ser não- integ rado que emerg e de um e stado dc solidão essencial. Essa solidão, que será em parte ultrapassada, permanece ao longo da vida, no fundo de cada homem, Existe uma cisão essen cial, sim, mas ela não é relativa às pulsões; inerente à natureza humana, cia consiste na fenda entre a tendência a abrir-se para as relações com o outro c com o mundo e o isolamento primordial do ser hum an o.5 Um processo dc inte g ra ção bem- sucedido levará à coe x istência e ao tr ânsito , no indivíduo, entre esses dois ex tremos: a so lidão essencial, e a comunicação e o encontro com o outro e com a realidade externa. 11 0
4 5
O n trec hos citados de Winnie ott encontram- se em W innieo tt, l ‘Xi5 :i, p. N.S. Solire n cisão ess encial, cí. W innie ott . l'JN8 , Parte t, Capítulo (>
1>S
A TTOK1A !)(> AM Al>rKl'X :iMliXT(> ÍMO l). W . A’!NN IC( )1T
2. O amadurecimento e o ambiente faeilitador A pe sar cie in ata, a tendência à inte g r ação não acontcce a utom a tic a mente, como se bastasse a mera passagem do tempo. Trata-se de urna te ndênc ia e não de uma det er minação. Para que cia se realize, o
bebê depende fundamentalmente da presença de um ambiente ftuxilitador que forneça cindados suficientemente bons. O fato da depen dência. que c absoluta nos estágios iniciais, é essencial na teoria w innic ottia na: "Os Inerente s humanos não pode m começar a ser, exceto sob certas condições” (1965n, p. 43). Nenhum bebê, nenhu ma c r iança , pode vir a tornar- se uma pess oa real, a não ser sob os
andado s de um cunbiente que dá sustentação efa c ilita os processos de amadurecimento. Os bebês que não recebem esses cuidados sufi cientemente bons “não conseguem se realizar nem mesmo como bebês. Os genes não são suficientes” (1968d, p. 84). Desde o abso luto início, a necessidade fundame ntal do ser humano consiste em ser c em continuar a ser. Para o indivíduo, não só c necessário chegar ao começo, de modo a dar-se o engate na vida. como ta mb ém tem de manter- se vivo pela vida afora: “15 um es for ço cons tante cheg ar ao ponto inicial e aí se ma nte r ” (1 9 6 5 j, p. 17 4). Ex is tem bebês fisicamente saudáveis que morrem porque não encon tram, desde o começo, uma base para scr. Ifá outros que não neces sar iamente morr em; eles são pers uadidos "a alimentar- se c a viver ainda que n base para esse viver seja débil ou me s mo a us ent e” (1988, p. 127). Isso tudo significa que tornar-se unido e real, e alcançar a identi dade unit ár ia — que im plic a a se paração entre o eu e o não- cu, demar cando o f inal dos e stágios iniciais — , pode jama is v ir a ac on tecer. Para os psicóticos, cujos distúrbios derivam dos estágios mais primitivos da vida, é exatamente essa a conquista que não pôde ser realizada. Por esse motivo, suas dificuldades e problemas são especi almente aflitivos, pois unão fazem parte da vida, mas sim da luta para alcançar a vida [ ...] ” (198 8, p. 100). Esses pacientes, que pair am pe r ma ne nte me nte e ntre o viver e o não viver, forçam- nos a encar ar esse tipo de proble ma, proble ma que, na verdade, é próprio de todos os seres humanos c que se resume na seguinte questão: que sentido faz a vida e o que a faz digna de scr vividaV (1907b, p. 139). 9 (>
a t k u k ia
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O que está, por tanto , em pauta no avuuhtrecimcnto pessoal, não «ão funções isoladas, sejam elas biológ icas , menta is ou sex uais, mas o próprio viver humano, naquilo que este tem de estritamente pessoal: o s entim ento de ser, de ser real. de ex istir n um mund o real eo mo um s i- mesmo. Nada disto é dado pela c once pção c pelo nas ci mento biológicos. Mesmo quando as estruturas biológicas e cere brais estão intactas, o ter nascido, simplesmente, não garante que sejam alcançados o sentimento de estar vivo, dc sentir-se real e dc poder fazer experiências sentidas eomo reais. Ao longo do amadure cimento, todas as dimensões humanas deverão ser gradualmente integradas ;i personalidade, mas sempre a partir do sentido pessoal da existência, sentido que. no início, é a mera continuidade de ser. A lém disto, o impul s o pa ra viver, manter- se viv o e amadur e cer não é descrito cm termos de forças: não é a libido que passa por dife rentes fases ou fixações objetais; é a natureza humana que se temporaliza, em virtude da sua tendência inata ao crescimento, ge rando, g ra dualmente, um si- mesmo integ rado, inter nam ente e com o ambiente.
3.
Características gerais do processo de a m ad ureci m ento p essoa 1
O processo de ama durec imento te m início cm alg um m ome nto após a concepção e continua ao longo da vida do indivíduo até a sua morte natural, s endo este o último a conte cime nto a ser integ rado, a derradeira tarefa da saúde. () processo é desdobrado em “estágios” (sttyjes), ou etapas, que podem ser breve e genericamente enumerados como sc segue.'1Dos estágios primitivos, de dependência absoluta, fazem parte: 1) a solidão essencial, a ex periência do nas cimento e o est ág io da primeira ma ma da teórica. Dos estágios iniciais, dc dependência relativa, participam: 2) o estágio de desilusão c de início dos processos mentais; 3) o es tág io da transi eiorialidade; 4) o do uso do objeto; e 5 ) o es tágio do E t ’ SOU. Após isto, o bebê caminha "rumo à independência”: 6) estágio do eoncernimento. lím seguida, vêm os estágios de independência (i Os estágios ilu atnadurc cinicnto. com suas respectivas tarefas, serão deta lhados nos ("..ipítulos III e IV. 97
A T K llK ll K IA Dl >A.\ J.\ J. \ lH'KKCIMKXT lH'KK CIMKXT O l « 1). 1). W. W IX X IC O T T
relativa: 7) o estádio edípico; S) o de latência: 9) a adolescência; 10) o início da idade adulta; 11) a adultoz; e 12) a velhice e a morte. Na velhice, algo da dependência absoluta ou relativa retorna. Não se pode localizar eom precisão, mas apenas aproximada mente, as idades cronológicas a que esses estágios correspondem, e é por isso que se fala de estágios bem mais que de idades. Aos vários estágios competem tarefas e conquistas de diferentes naturezas, que são impostas ao indivíduo, no decorrer do amadurecimento, pela própria tendência inata à integração. Sc o bebê ó bem- sucedid sucedidoo em realizar a tarefa que compete à fase, este fato torna-se uma conquista do amadurecimento. A medida qu que o ama durec imento av ança, ança, as as tare fas se eomplexificam, sendo que, se o indivíduo está saudável, ele pode envolver-se e lidar, naturalmente, com as que são específicas de sua faixa etária. Com o passar do tempo, gradualmente. (...) a criança se transforma no homem ou na mulher, nem cedo demais nem tarde demais. demais. A meia- idad idadee elicga elicg a na época época certa, cer ta, eom outras mudanças igualmente adequadas, e finalmente a velhice vem desacelerar os vários funcionamentos, até que a morte natural surge comn a derradeira marca da saúde (1988, p. 30). Nuina apreensão global, o amadurecimento pode ser descrito eomo uma jornada (journey) que parte da dependência absoluta. passa por um período dc dependência relativa, chega às etapas que estão no nano da independência , até chegar à independência rela tiva, que c o estado cm que o indivíduo saudável se mantém regular mente ao longo da vida. Note-se que os termos são relacionais, im plicando sempre a existência dc um outro ser humano. No início do processo, co ntudo, a “r ela ção" tem um car áter smgen smgene?e?- i.s, dev dev ido ido ao fato dc o bebê não ser ainda uma unidade. A unidade ó a dupla mãemãe- bebê, sendo que que a mãe mãe é sentida pelo laetente c om o parte dele, ou seja, como objeto subjetivo. As A s tar ta r e f as e c o nq uis ui s t a s e s s e ncia nc iais is do a m a d u r e c im e n t o o c o r r e m na eta pa mais pr imitiv a da v ida, durant e a qual o bebê vive vive em e stado dc dependência absoluta, e depois relativa, dos cuidados maternos. Isto decorre não apenas da prccocidade do momento, mas da natu reza das tarefas c conquistas que lhe são inerentes. Esses estágios primitivos podem, portanto, ser ditos fundamentais, no sentido literal dc que c nesse período que estão sendo constituídas as bases fundame ntais da e x istência, istência, ou seja, seja, os os alicerces alicerces da pers onalidade onalidade e <),S
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da saúde psíquica. Isto se dá por meio d:i resolução de três tarefas com as quai quaiss o bebê en encontracontra- se envolvido envolvido:: a integ ra ção nu nu te mpo e espaço, o alojamento gradual da psique corpo e o iníeio das relações relações objetais, ou seja, do do cont ato com a realidade. A me dida dida que que essas tarefas estão sendo realizadas, existe uma quarta em anda mento: o sisi- mesmo esmo está sendo sendo cons tituído tituído pela repetição contínua de pequenas experiências de integração: gradualmente, o estado integrado torna-se cada vez mais estável, de tal modo que bebê ca minha na direção de de integra integrarr- se em uma unidade.7 Pode-se, ainda, descrever o amadurecimento em termos do sen tido de de re alidade alidade que o indiv íduo íduo é capaz de criar e m cada e tapa e da da natureza da relação que ele estabelece com o ambiente num dado momento do amadurecimento. Inicialmente, o bebe vive num mun do subjetivamente concebido; passa, depois, para uma forma inter me diária diária de rea lidade lidade — a da transi cio na lidade lidade — a me io c am inho entre o subjetivo e o objetivo; em seguida, caminha na direção de co ns tituir o eu, eu, com o identidade integ ra da, separa do do nã não- eu, eu, podendo, então, começar a perceber objetivamente o inundo exter no ou compartilhado. 110
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De iníeio. o relacionamento 6 com um objeto subjetivo, e é uma longa jornada daqui até o desenvolvimento e o estabelecimento da capacidade de se relacionar com um objeto que c percebido objetivamente, e que tem a possibilidade de ter uma existência separada, separada, uma uma ex istência istência ex terior ao ao controle controle onipotente o nipotente do indi víduo (1963c, p. 202). Caso sc possa dizer que o indivíduo humano tem um começo, este deve ser pensado como uma soma de eomeços (cí. 196Sg, p. 429). Na citação acima, a conquista do eu, como identidade, separado tio tio nãonão- eu, eu, demarc a um c omeço do indiv indiv íduo íduo — provavel me nte o princ ipal, em que ele sc sc torna capaz de de relaci relacion onarar- se com a realidade realidade ex terna — , mas ma s tudo depend d ependee de outros ou tros inícios inícios a nte riores t er em sido bem- sucedid sucedidos. os. A o talar de de saúde psíqui psíquica, ca, W i n n i e o t t e s t á s c r e f e r i n d o , s o b r e t ud o , a o f a t o de u m a c r i a n ç a t e r resolvido as tarefas iniciais de maneira satisfatória e ter conse guido alcançar o estatuto unitário, que é a condição básica para que a independência relativa comece a se estabelecer. A partir 7
( :f. :f. o Ca pítul o HE HE. S cy ão 7.4. 99
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deste ponto, estando constituídos os alicerces, o indivíduo pode vir a sofrer de distúrbios psíquicos, mas não padece mais do risco dc torn tornarar- se psicótico. A c o n q uis ui s t a da unid un idaa d e n u m e u in t e g r a d o o c or r e po r v o lta lt a de um a no ou um ano e meio, no es tág tág io denom inado, bem a propósito, propósito, de EU SOU. ü cu que que é alcançado é o próprio próprio si- mesmo mesmo do do início que, após ter se integrado, em vários níveis e aspectos ao longo dos estágios iniciais, separo separou u- se agor a da mãe. mãe. lísse lísse es tatuto unitár io não é um todo coeso, sem fraturas ou isento de conflitos, mas um estado de integ ra ção espaçoespaço- temporal, temporal, em que "ex "ex iste um eu (s (simesmo) que contém tudo, ao invés de elementos dissociados, colo cados cados em co mpar timentos , ou disp dispersos ersos e abandonados” abandonados” (1 97 lg , p. 98 ). Xes ta conquista encon encontratra- se um aca bame nto c um começo, pois o estado de SOU, o sentimento dc ser real e de existir como identidade, “não constituem um fim em si mesmo, mas uma posição a partir da qual a vida pode scr vivida” (1989xd, p. 332). Não se deve pensar no bebê, na sua “longa viagem", como um carro que partisse dc um ponto preexistente e chegasse a outro igualmente preexistente. Não há um lugar já pronto do qual partir ou ao qual chegar — o da realidade objetivamente percebida — à espera dc ser descoberto. Tampouco há um caminho já determi nado. A des peito dos dos limit es c perig os dessas visualizações visualizações , o bebê ó, ó, bem mais, como a própria estrada, que vai se construindo sem perder os trcchos anteriores. O indivíduo que amadurece vai consti tuindo o si- mesmo, esmo, co mo um ca minho.1* Como a apresentação seqüencial dos estágios do amadureci mento9 c o próprio termo “estágio” podem induzir à idéia de etapas
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Em muita s r eligiões, eligiões, esse esse tra ço tia vida huma na é ex presso pela met áfor a tio tio peregrino. No muro de um convento do século XIII, em Toledo, Espanha, lê-se: "Peregrino, no hay caminos, Imy tfuc canúnar". O eomposi eomposi tor italia no conte mporâneo Luigi Nono (1924- 1990) usou esta frase frase como título tle uma de suas composições tardias, dedicada ao diretor de cinema A. Tnrkovskv, na qual a música tem urna lentidão freqüentemente insustentável, quase subver siva. Heidegger caracteriza esse mesmo traço pelo termo "Wanderer" (viajan te, peregrino), emprestado do título dc um poema tle Ilõlderlin. E apenas apenas no livro de W innico tt, que que se encontr a uma uma apres entação se qü qüen en cial dos estágios do amadurecimento; ao longo da obra winnicottiana. contudo, pode- se achar inúmer inúmer as afir mações mações que perm ite m corr oborar essa essa ordenação. 100
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estanques, cada uma sucedendo à outra, c preciso salientar que, a despeito dc ser assim apresentado, o processo não á linear. FrimeiFrimeiro, porque, na vida, os vários estágios, com suas respectivas tarefas, se superpõem parcialmente; segundo, porque, na concepção winni eottiana, amadurecimento não é sinônimo de progresso: amadu recer inclui a possibilidade dc regredir a cada vez que a vida exige descanso, cm momentos dc sobrecarga e tensão, ou para retomar pontos perdidos. Isto se deve ao fato de que nenhuma conquista fornece título dc garantia: tendo sido alcançada, pode ser perdida, outr a vez alc ança da e per dida de de nov o.10 o.10 Por isso, isso, em uma pess oa de qualquer idade, pode-se encontrar todos os tipos de necessidades, das mais primitivas às mais tardias. Às pessoas não tem exatamente a sua idade; em alguma medida, “elas têm todas as idades, ou nenhuma” (1984c, p. 64). A in c o m p l e t u d e das da s c o nq nqui uiss t a s d o a m a d u r c c i m c n t u é s o b r e t udo ud o verdadeira com relação às tarefas do início da vida. Essas tarefas fundamentais jamais podem ser deixadas para trás, eomo comple tadas ou resolvidas; nunca se estabelecem eomo conquistas defini tivas, visto que | _| elas são o continuarão a ser as tarefas básicas
10 De qualquer qualquer modo, é inteir ame nte difer ente fazer uma conquist conquist a e perd perdêê- la de nunca tê-la alcançado. 11 Nesse ponta se assenta um dos argumentos centrais de Winnicott para recusar, eomo inaceitável, a teoria da inveja Inata de M. Klein. Não é razoável atribuir ao Inetentu esse tipo dc afeto, na medida em que este supõe uma apreciação do objeto externo, num momento em que. dada a sua imaturidade, o bebê não está capaz nem ao menos de saber da existência tio objeto externo, quanto mais de seus atributos. O sentimento de inveja só pode pode ser atr ibuído ibuído ao indiv íduo íduo que já nlcançmi o se ntido da ex terualidade. terualidade. 101
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Ou seja, a r e s o l u ç ã o deus tarefas dc cada estágio depende dc ter havido sucesso na resolução das tarefas dos estágios anteriores. Se ocorre fracasso, novas tarefas vão surgindo, mas o indivíduo, não tendo feito a aquisição anterior, carece da maturidade necessária para fazer-lhes frente: ele pode até resolvê-las intelectualmente, mas elas estarão apoiadas em bases falsas e não farão parte intrín seca do seu si- mesmo mesmo com o aquisições aquisições pessoais. Co m re lação à conquista pertinente ao estágio do eonccrnimento, por exemplo, W i n n i e o t t diz di z que (...) os estágios anteriores devem ter sido atravessados sem de masiados problemas, na vida real ou na análise, ou cm ambas, pa ra que que a posição dep depress ressiva iva seja alcançada. alc ançada. Paru Paru alcanç alcançáá- la, o be bê deve deve ter conseg cons eguido uido estab estabelecerelecer- se como pessoa inteir a, e relacio relacionnar- se com pessoas pessoas inteiras inteiras e nquanto pessoa pessoa inteira inteir a (1955 (19 55c. c. p. 357). Ou seja, para que uma criança possa assumir a responsabilidade para com a sua impulsividade instintual, é preciso, antes, que cia seja um eu, capaz de sentir-se concernido e preocupado com as conseqüências da instintualidade. Se isso não ocorre, ela não tem como conquistar a capacidade para a culpa; cia simplesmente vai em f rente sem ela, embora c om a pers onalidade onalidade distorcida. 15 15 pro vável que as pessoas esquizóides — cujos problemas derivam de etapas muito primitivas, anteriores àquela em que já há maturidade suficiente para c onquis onquis tar a capacid capacidade ade de culpa e r es ponsabilid ponsabilidade ade — não façam nenhuma conquista significativa com relação ao eonccrnimento, e que, para cias, “a recriação mágica seja utilizada para preencher o vazio do que descrevemos com os termos ‘repa ra ção’ e ‘re s tituição’ tituição’"" (1 (1 95 5c, pp pp. 357- 5S). Quando há fracasso na conquista desta ou daquela etapa do amadurecime nto, um distúrbio distúrbio emocional se estabelece. estabelece. A nomnes u
do distúrbio está relacionada com o seu ponto de origem na linha do 12 Neste mesmo texto, Winnieott apresenta, cm seiis próprios termos, o que considera ser a mais importante contribuição de M. Klein A psicanálise: a "posição depressiva”. Afirma, aí, t| ue ‘‘o termo ‘posição depressiva’ é um nome ruim para um processo normal, mas ninguém até agora encontrou outro melhor" (1955c, p. .158). .158). A minha s uges tão é chamar este es tág tág io, e a conquista que lhe corresponde, dc “concernimentu". A esse respeito, ver a nota ,)() tio Capítulo IV deste livro. 102
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(inuulurecimento, isto é, com a nature za da tarefa com a (ftutl o bebê. ou a criança, estava envolvülo por ocasião do fracasso tardriental. A t e o r ia do a m a d u r e c i m e n t o c o n s t i t ui, ui , po r t a n t o , o ho r i z o n t e teórico necessário para a consideração c compreensão dos fenô menos humanos com que nos deparamos na clínica. Segundo essa teoria, qualquer fenômeno que queiramos considerar, na doença ou na saúde, só pode ser devidamente apreciado se levarmos em conta todo o processo de amadurecimento do indivíduo, desde os estágios mais primitivos, c se pudermos localizar o estágio em que o fenô meno teve origem, isto é, se estivermos atentos à idade emocionai re lativ lativ a ao fenôtneno fenôtneno ou distúrbio distúrbio que se apresenta. Só assim pode remos compreender a “natureza” do problema com o qual o indi víduo está envolvido, proceder a uma classificação do distúrbio c fornecer cuidados específicos segundo a sua necessidade. E preciso “pensar sempre em termos do indivíduo que se desenvolve, c isto significa retornar a épocas muito remotas c tentar determinar o ponto de origem” (1984c, p. 04). Isso significa que, num caso clínico particular, há sempre uma dificuldade que é dominante, c que está referida a uma tarefa mal resolvida em um determinado estágio, liste é o motivo pelo qual o diagnóstico 6 tão importante. Uma das maiores dificuldades da técnica analítica, diz Winnicott. é saber qual é a idade do paciente , num dado momento cia relação analítica, dc modo a podermos for ncccr c uidado uidado c oncer nente à necess necess idade idade específica específica que que ele ele apr e senta c que varia segundo a idade emocional cm que sc encontra (1958f, p. 263; 1988. p. 179). X o q ue sc r ef er e , e m pa r t ic ula ul a r , aos ao s e s t ágio ág ioss i n ic ia is , st’ o be bê nãoo resolve nã resolve a tarefa concernente ao estágio do amadurec imento em que se encontra, o que ocorre é uma interrupção do processo de am adur e cim en to pessoal. pessoal. T\ T\ ido o que que sc cons trói a par tir daí fica disto rc ido na raiz, adquire adquire car áter defensivo defensivo e não te m valor pessoal pessoal para o indivíduo.
4. A ex istência istência psicossom psicoss omáática: o s oma, a psique e a mente W i n n i c o t t d is t i n g ue a m a d ur e c i m e n t o pes pe s s oal oa l de c r e s c im e n t o corcorpóreo. póreo. O prim eir o es tá rela cionado às às ex periências do viver que, que, fae faei103
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litadas pelo ambiento, permitem a constituição da personalidade unitária ; o seg undo depende, em g rande parte, de fatores gc ncticos. Mas, mesmo neste último, o fator ambiental c decisivo, na medida que o cr es cimento físico pode s er se riamente afe tado por problemas relativos ao ama durecimento. Seja qual for o f enômeno humano que esteja sendo considerado, c preciso levar em eonta a pessoa total e, nesta, existem o sonm e a psique. A natureza humana, escreve o autor, “não é uma questão de mente c corpo, mas de psique c soma. inter- relaeionados” (19 88 . p. 44 ). A m ente “c ons titui unia ordem à parte e deve ser considerada eomo um caso especial do funcioname nto do psique- soma” (1 9 88 , p. 29 ). E mbora haja difer enças operaeionais e ntre as funções psíqui cas e as funções corpórcas, psique e soma são, pela sua própria na tu reza, e devido à tendência à integração, intimamente interligados.
A ex istência hum ana é essencialmente psicossom áticu. É sempre possível, a um observador externo, distinguir o aspec to físico, o psíquico e o mental num ser humano, mas isto significa olhar, de um eerto ponto de vista, a pessoa total — psico; somática — , vis ando à consideração de um dos e lementos. Essa distinção, contudo, c supérflua para aquele indivíduo cuja mãe cuidou dele como um todo, como uma e x istência pote ncialme nte psicossomãtica, nos estágios iniciais. Quando bem sustentado, um bebê 1... | não tem dc saber que é cons tituído de uma coleção de partes separadas, ü bebê é uma barriga unida a um dorso, tem membros soltos e, particularmente, uma cabeça solta: todas essas partes são reunidas pela mãe que segura a criança e. e r n suas mãos, elas sc tornam uma só (1V69£, p, 432). O som« é o corpo vi-vo, que vai sendo personalizado à medida que é etabonvek) t inugituaivainente jx ila psique. Esse corpo vivo é físico, sem dúvida, mas não meramente fisiológico ou anatômico; não, certamente, a máquina física, autônoma cm relação à psique, da qual sc ocupa a medicina clássica; portanto, não é um corpo que possa ser estudado por meio de cadáveres. C) corpo vivo c um aspecto do “estar vivo” do indivíduo; da vitalidade deste, como pessoa, fazem parte intrínse ca a res piração, a tempe rat ura, a inut ili dade. além da vitalidade dos tecidos, uma vez que, sendo o corpo vivo, "os tecidos estão vivos e fazem parte do animal corno um todo, sendo afetados pelos estados variáveis da psique daquele animal” UH
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(19 8 8 , p. 44; gr ifo m e u) .1-1 Ex istem situações de ang ústia em que o metabolismo da criança fica praticamente reduzido a zero, e, neste caso, “os machucados não saram simplesmente devido a uma falta geral de interesse por parte da criança, e dos tecidos, em viver” (1931p,p. 71). A ps ique abr ang e tudo o que, no indiv íduo , não é som a, incluída aí a mente, entendida como um modo especializado do funciona mento psieossomátieo. A psique começa “como uma elaboração imaginativa das partes, sentimentos efimçôes somáticas, isto é, do estar vivo fisicamente \ physical afíuene.ssj” (1954a, p. 333).MSem jam ais perder essa função o iig ijiária , a psique se desenvolve, ao longo do amadurecimento, em funções cada vez mais avançadas, que incluem todas as operações mentais que podem ser abrangidas pelos vários significados da palavra pensar, Mas a tarefa central da psique é a c ons tituição paulatina da temporal idade humana , e,
13 Sobre o sentido d;t expressão “animal humnnu” cm Winnieott. ef. Loparic, 2000b. Ncssc artigo, explicitando uni aspecto da mudança paradigmática da teoria winnieottiana em relação à psicanálise tradicional. Loparic assi nala que, enquanto esta última negligenciou, e mesmo expurgou, o corpo em favor do desejo e de outras manifestações psíquicas, em Winnieott o corpo tornado soma é permanentemente levado em conta. "Freud", diz o filósofo, “ não estava preocupado com a ex istência psicos snmática, mas c om as lacunas na consciência, isto é. no psiquismo,[,..) O corpo entrava no máx imo c omo fonte física das pulsões, que eram v istas como seus repres en tantes psíquicos” (íbid., p. 393). 14 Loparic esclarece no mesmo artigo anteriormente mencionado: "Essencial para Winnieott, o termo 'psique’ não é corrente na psicanálise tradicional, Esta prefere, para se referir ao mesmo domínio de fenômenos, os termos ‘alma’, ‘mente’, ‘aparelho psíquico’, ‘sujeito’, entre outros. Winnieott nunca explicitou as razões de sua escolha. Esta se deve, pelo menos parcialmente, à etimologia, lim grego comum, 'psyvhé' significa primeiramente vida, inclu sive vida animal, e só secundariamente alma imat eri al ou imort al, si- mesmo consciente ou pessoa enquanto centro de emoções, desejos e afetos. Seja como for. segundo Winnieott, a psique está no bebê, num certo sentido e grau, desde o início da vida. (. .. | O uso w innieoctiano da palavra psique’ não sugere nada que possa s er conectado com o espírito, entidade que, de acor do com a interpretação tradicional, possui a propriedade de poder existir inde pendente mente do corpo. Pela mesma razão, Winnieo tt ex cluí do seu v ocabu lário a palavra 'alma', a não ser para designar ‘uma propriedade da psique’, que também depende, em última instância, tio funcionamento cerebral, podendo ser sadia ou doente” (cf. Loparic, 2000b. p. 362.). 10 5
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port íinto, do se ntido dc hist ória, na vida humana . A par tir da temporalidadc primitiva do bebê, que c a do próprio eorpo. cabe à psique, no início da vida, não apenas a elaborar ão imag inativ a das ex periên cias eorpóreas de todos os tipos, com o o ar ma ze nam ent o c a re união das me mórias dessas experiências. A medida que o a madur ec iment o prossegue, estas vão se tornando cada vez mais sofisticadas, e a psique, gradualmente, vai interligando “as experiências passadas, as potencialidades, a consciência do momento presente e as expecta tivas do futuro” (1988, p. 37). É esta operação que fornece sentido ao se ntim e nto de si- mesmo, e justifica “a nossa per cepção de que dentro daquele eorpo existe um indivíduo” ( ibid ., p. 46). A pr im eir a tarefa da psique c, como foi dito, a ela boração ima g ina tiva das funções eorpóreas. O corpo elaborado imaginativamente é o eorpo vivo de alguém que respira, se move, busca algo, mama, esper neia, chupa o polegar, descansa, é acalentado, trocado, envolvido pela água do banho etc, Seja o que for que esteja sendo cx perienciado — c tudo, no início, 6 cxperienciado no eorpo e por meio do eorpo — e.srú sendo personcdisiuio pela elaboração imaginativa. Como, desde o nas cimento, o bebê j á tem uma v ida que, embora r es trita, já é pessoal, qualquer experiência é vivida não como uma simples e anódina sensa ção física, mas eom um sentido.15 Ou seja, a exfxtríênciu direta cfite o bebêjitz do funcionamento, das sensações e dos movimentos do corpo tem para ele um sentido, pelo fato de estar sendo imaginativamente elaborada. Apesar de esse sentido não poder ser diretamente obser vável, ele se tornará manifesto, posteriormente, no brincar c/ou nas situações clínicas de regressão à dependência. Essa “dação de sentido”,16 como diz Loparie — e este é ponto central para o entendimento do conceito de elaboração imaginativa — , 6 ante rior às operações mentais de represe ntação, v erbalização e sDnbolizíição , operações para as quais o bebê é ainda n m ito imaturo. Referindo- se ao fato de que uma das várias for mas di’ integ ra ção, no
15 A me ra sensa ção física torna- se ex periência pelo tato de a elabora ção ima g i nativa fornecer- lho uni se ntido. Em 195 2, res pondendo a lima carta dc Monev- Kirie, em que este f alava da utilida de de se dis ting uir a idéia de sen sação, Winnicott concorda, mas assinala q u e “preferiria estabelecer a dife rença entre idéias e experiência" (1987b, p. 35).
J (> Sobre ;i elaboração imag inativ a como dação de sentido, ef. Loparie. 2000b, seção 7. 1()<>
A T E) JIUA IM) A MA DV K K CIMK NT O 1'BS SOA I.
scr humano c m desenvolvimento, é “um ar ranjo operacional satisfa tório entre a psique e o soma” , W innicott acrescenta: “Isso começa anteriormente à época cm que é necessário adicionar os conceitos de intelecto c verbalização" (197ld, p. 209). 1£cm v irtude do conceito de elaboração imag inativ a que W innicot t pode fazer inúmeras afirmações, como, por exemplo, as que se se guem: a dc que “existem boas evidências de que os movimentos do corpo na v ida intra- uterina süo significíit&vos [/irroe significance] , e é plausível que, dc um modo silencioso, a quietude vivenciada naquelc período também o seja” (19S8, p. 39; grifas meus). Ou que, quando o parto é realizado a termo, o bebe sente que “foi o seu próprio impulso que produziu as mudanças e a progressão física, cm geral começando pela cabeça, em direção a uma nova c desconhecida posição” (ibici. p. 1 66 ). Ele diz ainda que “a ex periência dc alime ntação imaginativa ó muito mais ar.mla do que a experiência puramente física”, exigindo “algo mais do que dormir e ingerir leite, c algo mais do que obter a satisfa ção instintiva de uma boa ref eição” (1 99 3h, p. 2 1). S ão jus ta me nte as eoisas que um bebê faz enq uant o m am a, e que não são as que o fazem engordar, que corr oboram o fato dc ele “estar se alime ntando e não apenas sendo alimentado, estar vivendo uma vida c não apenas re ag indo aos estímulos que lhe s ão oferec idos’' (idem). Sugar o polegar é também uma ação altamente elaborada para o bebê humano, pois significa “ter o controle do polegar, o qual representa todos os outros objetos que são, dessa maneira, reunidos c colocados cm contato com a boca etc. etc." (1987b, p. 106); consiste, ainda, na tentativa do bebê de localizar o objeto (o seio, o poleg ar etc .), mantendo- o a meio c aminho entre o dentro e o fora, o que constitui "uma defesa contra a perda do objeto no mundo ex terno ou no inter ior do corpo, isto c, contra a perda de controle s obre o objeto" (1 9 4 5 J , p. 2 32 ).17 Numa definição ainda vaga tia elaboração imaginativa, Winni co tt diz tratar- se dc “uma forma rudimenta r do que mais tarde cha maremos de imaginação” (1993h, p. 2]). Nos textos mais antigos, ele usa, às vezes, o termo “fantasia” para referir-se ao que chamará, mais propriamente, de elaboração imaginativa. Contudo, deve-se salientar que essa “imaginação” que elabora as funções somáticas, desde a orig em, c que c responsável pela inter- relação mútua entre
17 ( X l lJf>7l>,
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psique e sotna, não ú ainda a fantasia , no sentido tradicional do termo, como veremos adiante. Numa carta de 1954 a Bettv Joscph, W innie ott es creve: “Estou te ntando cha mar a ate nção pa ra os está gios iniciais, inteiramente separados da fantasia” (1987b, p. 52). A s ub s tituição que W in nie ott opera da tr adic io nal conc epç ão da psique — entendida no mesmo sentido de mente — por uma psique na qual a mente é apenas um aspecto desta última é do mesmo car áter que a s ubstituição que ele faz do conce ito de “ fa ntas ia” para o de elaboração imaginativa, no que se refere aos estágios iniciais. A s razões são as s eg uintes : na teoria tr adicio na l, a f antas ia c um a função mental que sc desdobra em mecanismos mentais, com o os de introjeção e de projeção, que já estão, segundo essa teoria, em pleno funcionamento desde o início da vida. Para Winnieott, contudo, a extrema imaturidade do bebê não permite que sc suponha uma operação tão sofisticada; ele pleiteia todo um período inicial em que o trabalho da psique, via elaboração imaginativa, leva a uma escfuemutizaçüo do corpo, ou seja, a uma apropriação pessoal do sentido da anatomia, das sensações, dos movimentos e do funcionamento eo rpórco em g era l, sem a par ticipaç ão da m e nte .IS Na perspectiva de W in nie ott, a fantas ia , c omo ope ração me ntal que sc desenvolve no mundo interno já co nstituído, pertcnce a uni momento posterior do amadurecimento, c não c, como a imaginação, uma elaboração direta do real, mas uma criação a partir da memória; requer, portanto, que uma certa temporalização já tenha sido estabelecida, o que ainda não ocorreu no início da vida,
18 Um ex emplo ilustrativ o de como a elabora ção imag inativa leva à esquenutização do cor po encontra- se no livro O beljé e a coordenação motora (1994), das especialistas em psioomotrieidade M. M. Béziers e Y. Hunsingcr, cuja proximidade com a teoria winnieottiana foi-me apontada por Maria Ernília Mendonça. No item “Troca de roupas", ns autoras dizem que, colocado sobre o tr oca dor, o ljcl)ê ir á pre ss ionar os pés contr a o cor po de que m o está trocando. Essa pressão com os pés é importante sob vários aspectos. Um deles consiste em que, "do ponto dc vista da estática do corpo, toda a extensão das suas costas estará assim apoiada no troendor. Ele se estira e abre a ar ticula ção dos quadris (ex tensão) e faz pres são com os pés. o que lhe dá a Kfuigcni do aiulircitumento e prepara o 'endireitamento na posição em pé’” (op. cic., p. 4 9 ; j í ritos meus). Tudo leva a crer que essa "imagem" não é visual, co mo sc o bebê visse a si mesmo ent pé, Ela c, ame s, uma esquematização de com o c sentir- se todo es tirado, er eto e apoiado sobre os pés. 10ÍS
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A ié m dis so, o pr ópr io ter mo “im a g ina ção ” pode induzir à idéia errônea dc que, da elaboração imaginativa, participam imagens, o que faria dela um outro mecanismo mental. Um esclarecimento a este respeito está contido numa nota de rodapé cm que Winnicott explicita o seu uso do termo “fantasia", acentuando a peculiaridade desta quando referida aos estágios iniciais: Ocorre- mo que eu possa es tar usando a palavra "fantas ia* dc uma mane ira que não ó fa miliar a alg uns de vocês. N ão es tou talando do fa ntas iar l/aiirus.vnvã I ou da f antas ia pr opos itada {cniuríved femtasy ] . mas sim pensando na totalidade da realidade psíquica ou pessoal da criança, ccrta parte dela consciente, mas a maior parte inconsciente, c, ainda, incluâulo aquilo epte não é verbatisada,
ttfigurudo ( p í c t u r e d ) , ou ouvido du maneira cstnuurcuUi. por ser primitivo e próximo das raízes Cfuase fisiológicas das cftttiis brota (]989vl, p. 56, n. 2; grifos meus).
É possível dizer que a função psíquica primária — a elaboração imag inativ a das funções cor pórcas , que inclui o que não c v erbalizado nem figurado , e que é próxima “das raízes fisiológicas das quais brota” — é a base necessária para que a fantasia, no sentido de mecanismo mental, possa vir a ser uma aquisição posterior no amadurecimento do indivíduo. Esse momento, a partir do qual o indivíduo torna-se capaz dc fantasiar, no sentido tradicional, está claramente indicado pelo autor: no estágio do uso do objeto, quando o bebe começa a des truir a mãe eo mo objeto s ubjetivo, para lançá- la fora da áre a dc onipotência, isto c, na externalidade do mundo, se a mãe sobreviver, a criança encontrará “um novo significado para a palavra amor e uma nova coisa surgirá em sua vida: a fantasia” (1969b, p. 26).^ Deve-se, contudo, salientar que a elaboração imaginativa não desaparece com o advento da capacidade para a fantasia. Essa função permanece c omo tal, ao long o da vida, ao mesm o te mpo em que vai se tornando “infinitamente complexa", à medida que as funções menta is s ão incluídas , e que os próprios cr es cimento e am a durecimento impõem novas tarefas, derivadas das transformações da anatomia e das novas formas de funcionamento, organização c sensibilização dos tecidos, dos órgãos c do cérebro. Num texto de 195&, Winnicott fornece uma lista, cronologicamente ordenada,
11>Cf tatTlhóm Winnicott, I lJ(M . p. 17-1 109
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segundo as sucessivas etapas do amadurecimento, das tarefas que competem à elaboração imaginativa, tornando claro que a função psíquica primária tem uina participação essencial nas principais conquistas do processo: 1) 2) .1) 4)
Simples elaboração da função [ eorpóreaj, Separação em antecipação, experiência c memória. Ex periência cm ter mos de memória da ex periência. Localização da fantasia dentro ou fora do si- mesmo. eom trocas e enriquecimento constantc de um pelo outro. 5) Construção de um mundo pessoa! ou interno, eom senso de responsabilidade pelo que existe e se passa lá dentro. (>) Separação para fora da consciência daquilo que é inconscien te. O inconsciente inclui aspectos da psique tão primitivos que nunca se tornam conscientes, e também aspectos da psique ou do funcionamento mental que se tornam inacessíveis como defesa contra a ansiedade (eliamado dc inconsciente repri mido) (195íSj, p. IS).
Elaboradas imaginativamente, desde o início da vida, todas as funções eorpóreas do bebê — motoras, sensoriais c instintuais — são, simultaneame nte, organizadas, isto c, articuladas c integradas pelo ‘‘func ionam en to do cg oí!. 0 re sultado é a “ex periência do eg o” , lí graças a essa função dc organização, da qual participa a elabo ração imaginativa das funções eorpóreas, que as experiências do id, isto é, instintuais, não são perdidas, mas reunidas em todos os seus aspectos, lí é por essa razão que Winnicott afirma que “não faz sentido usar a palavra id para fenômenos que não são registrados, catalogados, viveneiadose. finalmente, interpretados pelo funciona mento do e^o” (1965n, p. 55).2"
20 A lg umas vezes, eomo nesta citação, ao referir- se a qualquer um dos aspectos da \ ida ins tintua l. W innico tt usa u ter minolog ia clássica e fala no “id” . Este uso tem uina função dc comunicação, e o sentido que ele confere a esses termos, em sua própria teoria, não corre sponde ao sentido que lhes é dado na teoria tradicional, regida por outros pressupostos teóricos. Aqui, por exem plo, o ■ ‘id " não é ins tância de aparelho ps íquico e não é cons tit uído de pulsões. lí o nome gcml. já consagrado, paia a instintualidade humana: “A vida instintual deve ser considerada tanto em termos das funções eorpó reas como da elaboração imaginativ a dessas f unções. (Por mst mtual , quer- se significar o que Kreud chamou dc sexual. isto é, o conjunto dc excitações locais e ger ais que sãn um aspecto da vida animal; | ...| .)” (196511. p 1 1‘>.) I 10
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Por esse mesmo motivo, Winnieott pôde afirmar que. teorica mente e a norm alidade , o eg o do bobó é basea do num eg o eorpóreo. Contudo, o e£o só se desenvolve a partir do e£o eorpóreo se o bebê estiver recebendo cuidados maternos suficientemente bons. que favoreçam a tendência integrativa dc alojamento da psique corpo. Lembrando que também Freud, décadas atrás, já afirmara que o ego sc baseia num ego corporal, Winnieott comenta: "Mas ele poderia ter acrescentado que, apenas no estado de saúde, u si-mes mo conserva essa aparente identidade com o corpo o seu funciona mento” (19ft6d, p. 88). Para Winnieott, portanto, diferentemente dc Freud, a integ ra ção da psique no corpo não acontece aut om at ica mente, como um a priori inevitável do desenvolvimento, e requer a facilitarão do ambiente sustentador. Como este último é um ele mento imponderável, trata-se de uma conquista que pode ou não acontecer. Ne nhum dos co nceitos — conver são his térica c somatização — apreende a ques tão da dificuldade em es tabelece ra relação psico s s omática c da ameaça dc rompê- la. Mas a diferença entre Freud e Wrinnicott sobre essa questão não termina aí. Tendo concebido o corpo como o lugar de onde podem resultar as sensações tanto externas quanto internas, Freud pôde afirmar que “o ego é antes dc tudo um ego eorpóreo. sendo não apenas uma entidade de superfície, mas, ele mesmo, a projeção de w na superfície” (Freud, 1923b, pp. 27 c 28), Numa nota dc rodapé, acrescida exatamente a esta frase, na tradução inglesa do texto em que cia se encontra, O ego e o id, Freud esclarece ainda que o ego c, em última instância, “derivado das sensações corpórcas, principal me nte das que se or ig inam na s uper fície do corpo, (/abc eonsiderá-lo, então, como a projeção mental [ mental )nojec(ion\ tia super fície do corpo, além de repres entar | ...| a superfície do apare lho mental” (idem , nota 16). Comentando esta nota. Loparic conclui: “Tal como o ego e o id, o ego corporal dc Freud, entidade especula tiva, relacionada à superfície ilo corpo, é essencialmente diferente do de Winnieott, baseado na elaboração imaginativa efetivamente experienciada do corpo inteiro" (Loparic, 20 00 b, p. 3 8 2 ).21 A tese dc W innie o tt dc que a ex is tência hum ana é ess enc ia l mente psicossomática não implica um monismo, que obsourecessc 11
110
2! Subrc o caráter especulativo da metapsicologia freudiana, oi. Fulguiicio
2001.
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as cspeeificidadcs do senrui e da psique, assimilando um ao outro.-O que há, sim, c um dualismo, líle diz: “Existe o soma e a psique”; ou ainda: “Não existe identidade inerente entre eorpo e psique” (1988, p. 144). É preeiso distinguir estes dois âmbitos, inclusive para poder considerar que ambos são intimamente interligados c te ndem à integ ra ção. Do ponto de vista do indivíduo em desenvolvi mento, f...| o st- mesmo c o corpo não são inerentem ente superpostos, embora, para haver saúde, seja necessário que essa superposição se torne uni fato. cie modo a que o indivíduo venha u poder identifi car-se eom aquilo que, estritamente falando, não é o si- meumj (1988. p. 144; gritos meus).
Não se pode, contudo, dc modo algum, aproximar o dualismo w innieottia no , que te nde na tur alm ente à integ ração, da dicotomia cartesiana mente/corpo. Primeiro porque, nesta última, mente e corpo são entendidos como substâncias e não como aspectos do ser. Além disto, essas substâncias são de natureza inconciliável; entre ares cogitans c ares extensa não há associação ou integração possível. E este o sentido da afirmação de Winnicott dc que os termos mental e físico “não descrevem fenômenos opostos. Osotria e a psique é que são opostos” (1988, p. 29; grifos meus). Segundo porque a mente, na pers pectiva cartes iana, ass imila e domina toda a psique. Para Winnicott, entretanto, a psique está longe de res tringir-se ao funcionamento mental. Sobre a preservação winnicot tiana do dualismo, em outros termos que não os de Descartes, diz Loparie: No pensamento wimiieottiano. a diferença substancial entre a mente c o eorpo, introduzida por Descartes, não é negada em prol do redueiouismo, quer materialista, quer espiritualista; ela é substituída pela diferença operacional entre as funções eorpóreas e as funções psíquicas. A nalog am ente , a problema cia união entre a mente e o eorpo é subs tituído pelo problema ela integração das funções eorpóreas pelas funções psíquicas, sendo cada um
22 Se :i medicina, dur ante séculos, considerou apenas o uig ãnieo, a psicanálise colaborou para uma perspectiva, lioje alastrada, em que tudo e posto na conta do psíquico, sem nenhuma consideração pela autonomia, inclusivc temporal, do corpo. 1 12
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desses dois grupos tle funções tratado eomo irredutível ao outro (Loparie, 2000b, p. 360. nota 20).w No entant o, como o corpo vivo é, de qualque r modo, um elemen to do mundo externo, que tem seus próprios modos de crescimento c a sua própria temporalidade, é preciso dizer que sempre sobra algo do corpo físico que não chega í i ser integrado e que, sobretudo quando se anuncia doente, revela sua autonomia c opacidade, algo que escapa à onipotência do indivíduo c que não pode ser inteira mente a brang ido pelo trabalho da psique.34 Por isso. é sempre importante examinar “a mistura original que o bebê faz entre o corpo propriamente dito e os sentimentos e idéias a respeito do corpo” (1988, p . 11 6). Se W innicott não preservasse a auto nom ia do corpo, não poderia afirmar que "6 uma pena que pessoas saudáveis tenham de viver em corpos deformados, doentes ou velhos, ou permanecer famintas ou sofrer grande dor” (197 lf, p. 24). Onde entra a mente na existência psicossomática? A mente, diz Winnicott, “é algo bem distinto de psique” (1958j, p. 17); cia constitui “uma ordem à parte” (ef. 19S8, p. 29). Quando os cuidados ambientais favorecem a parceria psicossomática, a mente não existe como entidade separada, sendo apenas um modu c s j x í cial do funcioname nto do pstiifiie- somti, uma especialização deste para as funções intelectuais, o seu “ponto culminante”, o seu “ornamento” (cf. 1988. p. 44).
23 Um dado interessante sobro a eterna discussão acerca das relações entre corpo e psique (ou mente ) encontra- se no item “psicoses” da Enciclopédia de Psicfiiharia do Editorial “El Ateneo”: o termo “psicose” foi usado, pela primeira vez. num sentido estritamente psiquiátrico, no século XIX, por Ernst v on Fe uehtersleliv n (1K06- 1N4N). decano da Fac uldade de Medicina de Viena. “Ele utilizou os termos psicoses e psicopatia indistintamente paru sig nificar enfermidade mental, eomo coisa distinta de neurose', ou ‘enfer midade dos nervos'. íjegundo 1'cuehterslcben. ti noção da enfermidade nõo tlürivu íi em da mente «em cü> corpo, mas sim (la relação de tini eom o outro. C) importante 6 o inicrjogo entre ambas as instâncias e o modo eomo tal processo se config ura, sejfl eomo unidade ou com o dualidade cor po- alma ’. Este auto r limitou- se a descrev er esta situaç ão e não pre tendeu perscrutií- la em sua 'complex idade re al'.” C f Ke snik, l')77, in Vidal ef a i (org.). 1977. p íi.V>; gr itais niclis . 2-1 Nesses casos, em g era l, pode ocorr er dc a elabor ação imag inativ a fornecer um s eiilulo pcrsi- fiilc io á dor o i i ao mal- estar. I 13
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As funções me ntais abrang em os vários sig nificados da palavra pensar. Elas cxcrcem a função de comparar, categorizar e catalogar eventos, armazenar memórias o classificá- las, fazer uso do tempo como uma medida, medir o espaço, relacionar causa e efeito, e fazer previsões (cf. 1958j, p. 18).25 Na saáde, a mente do bebê é impulsio nada a exercer suas funções especializadas, como um desenvolvi mento natural da crescente coesão psicossomática, a partir dos estágios em que a desadaptação da mãe se inicia, ou seja, quando a dependência passa de absoluta para relativa. Os processos intelec tuais vêm aparelhar o bebê a se haver com as lacunas d;i adaptação, a compreender e antecipar as falhas ambientais, que pertencem a este período, e é isto que lhe permite prosseguir na direção da indepen dência. Esse desenvolvimento vem a seu tempo c, embora tenha uma função defensiva, esta não é patológica, por não se erigir como uma reação a invasões que ultrapassam a capacidade maturacional. No momento devido, em que as funções mentais têm iníeio, o bebê, cm virtude das repetidas experiências de cuidado adaptativo. já ‘‘sabe” dc muita coisa por vitts não mentida. É absolutamente vital, para a saúde psíquica do pequeno indivíduo, que esse saber pré- eognitivo j á esteja estabelecido no estágio em que os processos intelectuais começam efetiv amente a trabalhar; esse saber constitui uma base essencial para a existência. Ao longo da vida, sobretudo cm momentos cruciais, c a ele que o indivíduo recorre quando sc faz necessário um r eas seguramento do si- mesmo ou do inundo em que sc vive. A pesar de o tempo certo para o início de um funcionamento mental, que não sobrecarregue o bebê. ser o da passagem da depen dência absoluta para a relativa, e possível observar, já no início do processo dc amadurecimento, algumas funções mentais sendo usa das numa espécie dc “orde name nto prc- cognitivo do pensamento incipiente” (1989s, p. 121), do qual ainda se sabe muito pouco, 1’ode-se falar, porta nto, numa “mente rudim entar ”, pré- representacional, que ainda não está suficientemente madura para a percep ção.2'’ Esse tipo dc funcionamento mental rudimentar pertence a
25 Para n deta lhame nto tias funções do pensar infantil, cf. W innie ott . 19íj9s. 26 Esse "rudimentar" nâii tem nada a ver uom a capacidade inenlal do lict>c, que pode vir a scr até excepcional, caso llic seja permitido desenvolver-se naturalmente. 114
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esse momento do amadurecimento; por ser natural e não impelido por pressão ou invasão, ele não sobrecarrega o bebê. Não devo scr contundido eom o fenômeno que consiste na mente do bebê ser prematuramente posta a funcionar, devido à necessidade defensiva deste de pôr- se alerta, prev enindo as falhas que advêm, por ex emplo, da instabilidade ambiental. A mãe que é suficientemente boa, ape sar de regozijar- se eom a "inte lig ênc ia’' ou “esper teza ” que seu bebê manifesta, leva sempre em conta a sua imaturidade emocional, de tal modo que ela não explora, antes do tempo, a capacidade que ele certamente tem de compreender e tolerar as falhas. Se a mãe aban dona sua função protetora c, desleixando a sua conduta adaptativa às necessidades do laetente, passa a contar com íi inteligência deste para falhar além do que 6 tolerável para um bebe particular, pode oeorrer um desenvolvimento prematuro do ego, que é patológico, como veremos, e, nestes casos, a mente torna-se uma entidade em si mesma. Sendo concebida como um modo de funcionamento do psújuesama, e não como uma entidade em si mesma, a mente não está localizada no corpo. No pensamento popular, contudo, as pessoas tendem a localiza r a ativ idade menta l dentro da cabeça, ou mes mo fora dela, mas e m alg uma re lação especial com a cabeça.- 27 W inn i cott afirma não saber responder por que a cabeça é u lugar dentro do qual os indivíduos tendem a localizar a mente, mas vê. nesta compree nsão comum , o fruto de uma das elaborações imag inativas próprias da psique accrea do funcionamento somático. Talvez isto se deva, sugere ele, ao fato dc, tendo o bebê humano uma cabeça absurdamente grande, esta scr afetada e comprimida, durante o parto, exatamente quando a mente ainda rudimentar põc-sc a funcionar "furiosamente ativa”, catalogando e memorizando as inúmer as des continuidades que o processo do nas cimento necess a riamente acarreta.-’* Ora. apesar de depender do funcionamento cerebral, a mente, em termos da existência psieossomática. não es tá neces sar iamente ligada ao corpo. Damo- nos, 110 entanto, ao lux o “de fantasiar um local, que chamamos mente, onde tr abalha o intelecto, e cada indivíduo localiza a mente em algum lugar, onde 27 Secundo Winnicott, isso constitui uma das importantes procedências da dor de oabeva como sintoma.
„ \N (II. W iuuicoll . l lJ5- ia. pp. -V.T7 c .Vífc. I 15
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ele sente um esforço muscular ou uma congestão vascular no momento em que tenta pensar" (1988, p. 71), Todos sabemos que, às vezes, a mente sabe dtis coisas desde as vísceras, e que ela está, sem dúvida, na ponta dos dedos do pianista virtuose no momento do concerto. 5.
As hereditariedad es
A palavra “he redita rie dade” 6 usada por W innicott em dois sentidos que devem ser rigorosamente distinguidos: primeiro, a tendência inata para o amadurec imento, que é. para ele, a principal hera nça do ser humano; segundo, a hereditariedade biológica. O meu objetivo, nesta seção, é examinar a sua posição quanto à participação da genética no processo de amadurecimento, na constituição do indi víduo ü na etiologia dos distúrbios psíquicos, e o modo como estes dois sentidos de hereditariedade se relacionam. Temos de um lado, portanto, a tendência inata à integração. Tendo afirmado, num texto de 1954, que há um impulso biológico por trás da progressão que está contida na tendência à integração (ef. 1955d, p. .177), Winnicott jamais chegou a elucidar sc, devido a essa participação da biologia, estamos autorizados a pensar cm graus variáveis de tendência à integração. É possível afirmar, contu do, que a tendência inata à integração não 6 reducívcl a nenhuma herança genética. Dc outro lado, temos os fatores hereditários ou cong ênitos org ânicos — lesões ou doenças adquiridas — -y que determinam certos distúrbios psicológicos ou tendências da perso nalidade: “Há genes cpie determinam padrões, e uma tendência herdada de crescer c dc alcançar a maturidade" (1969c, p. 188). Vai neste mesmo sentido a afirmação de que l’a herança dc traços dc personalidade c dc tendências para algum tipo de distúrbio psiquiá trico pertence ao soma, reccbcncfa assim a psicoterapia itlguns de
29 Aqui ô impor tante mencionar a distinçõo entre fatores herodi tários e cong ê nitos. A hereditariedade, em qualquer dos sentidos. diz respeito a fatores que existem antes da concepção. O termo “eon£ênito" refere-se a dois conjuntos de distúrbios: os que abrangem as doenças e deficiências que existiam antes do nascimento (durante a jíestayào) e os que derivam das seqüelas do parto (ef. 1988. p. .18).
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seus limites, dados pelo herdado ” (1988, p. 37; grifas meus). Há, portanto, que sc distinguir os />atIrõcs iétic;is . que determinam padrões anatômicos e biológicos, da tendência inata a crescer e amadurecer, que acontecerá, ou não, dentro desses ptulrões. natu ralmente. Isto não significa “negar a existência dc fatores hereditá rios, mas antes complementá- los em certos aspectos impor tante s ” (1965n, p. 58). Utn exame apurado de qualquer distúrbio psíquico deve levar cm conta todos os fatores ambientais. Mas, em primeiro lugar, deve-se recordar que, de uma perspectiva pura monte psicológica, "os fa to res herdados s ão ambientais, cm seja, ex ternos « v ida e à ex periência da psiiftte indiüiiluul" (19S9vk, p. 97; grifus meus), As pessoas, cm geral, se surpreendem, diz o autor, quando ouvem dizer que as tendências hereditárias de um bebê são fatores externos a ele, mas cias são tão clara mente ex ternas, ou alheias ao bebê, quanto o é, por ex emplo, a capacidade que a mãe tem de ser suficie nteme nte boa ou a te ndência dela a se depr imir (cf. I9 6 8 d, p. S0n).- !UEles só farão parte da personalidade do bebê se este se apropriar deles por meio da experiência. A lém disso, o que W innieott cons tata, a partir de sua ex pe riência clínica com psicóticos, é que, na maioria das vezes, o fator hereditário 6 inexistente ou irrelevante. Má casos de esquizofrenia, diz cie, em que “a tendência hereditária para a psicose e forte, enquanto cm outros não é significativa” (19651, p. 79), Num caso em que o fator hereditário é atuante, estaremos lidando com as complicações psicológicas secundárias decorrentes de um trans torno que e físico. Deve-se, contudo, distinguir esses transtornos psicológicos, dc base somática, dos distúrbios psíquicos, denomi nação reservada pelo autor para os distúrbios tio processo tle amadu recimento, que também podem se fazer presentes. O que precisa scr levado em conta é que. aos distúrbios somá ticos. com suas inevitáveis complicações psicológicas, podem ainda estar agregados ■ — e no mais das vezes estão — transtornos relativos ao processo de amadurecimento. Isto ocorre devido à dificuldade adicional dos pais em ex ercerem a sua função com uma criança cujo -llí Um exemplo eloqüente de etmio unia erinnya com uma deformidade física licr uditárhi pode ;itin £ir o mentido de ser uni s i- mesmo n;iilio é ofer ecido em
Wíimicotl, I'J71d. !>[>. 2O4-20( j .
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desenvolv imento é custoso e obstaculizado por problemas or^ânico- cerebrais. Desse modo, embora seja necessário considerar a participação da hereditariedade física, não é cabível tomá- la como fator dete rm i nante. Ao se estudar, por exemplo, o uso que um dado indivíduo faz de sua mente , procede- se. cm g eral, a testes rotineir os de inteli gência, ou seja, a uma avaliação de sua capacidade intelectual, rela tiva à qualidade do tecido cerebral e, portanto, basicamente heredi tária, Esses testes são úteis e necessários, mas, diz o autor, “não se deve utilizá- los para avaliar qualquer as pecto da personalidade ou do amadurecimento emocional” (1988, p. 162). Essa questão, relativa à função intelectual, c um bom exemplo dc como incluir a hereditariedade orgânica na consideração do distúrbio sem atribuir- lhe s entido e tiológieo exclusivo: quando a capacidade intelectual é restrita, devido a um tecido cerebral £enctieamente maldotado, além da possível dificuldade dos pais acima mencionada, fica diminuída a capacidade que, em geral, o bebê tem de converter uma adaptação ambiental insatisfatória em uma adap tação ambiental suficientemente boa. Disto resulta que algumas psicoses são mais comuns cm deficientes mentais tio que na popu lação normal. Por outro lado, | ...] um tecido cerebral ex cepcionalmente bem- dotado capacita o bebê a absorver uma falha grave na adaptação à necessidade, inas, neste caso. pode ocorrer uma prostituição da atividade mental, a ponto dc encontrarmos clinicamente urna hipertrofia dos proces sos intelectuais associada a um colapso esquizofrênico potencial (1953a, p. 383) ,-11 A possibilidade dc déficit existe canto no caso dc um tecido cere bral maldotado (que c um caso de deficiência orgânica) como cm um excepcionalmente dotado. O que pesa são os cuidados tuktfnativos da mãe par a w n bebê singular, porque, mesmo quando a capa cidade cerebral do indivíduo é restrita (Q..I. 80, por exemplo), se existirem as condições especiais do ambiente faeilitador. esse indi víduo pode apresentar um amadurecimento emocional saudável e
.11 Esse quadro config ura uma tias org anizações defensivas de tipo es quizofr ê nico. em que está presente uma cisão denominada, por Winnicott. "inte lec to cin dido do psique- soma’' imcllect). 118
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termos dc amadurecimento, sc o cérebro está danificado ou muti lado por alg uma lesão ou doença física. Supondo- se um ccrebro intaeto, não se pode aplicar à mente os mesmos conceitos que se atribuem ao soma ou à psique, isto c, não sc pode dizer da mente que ela, em si mesma, é saudável ou doente. O funcionamento men tal depende da qualidade do tecido cerebral, mas este só pode ser descrito cm termos de melhor ou pior, dc maior ou menor quociente dc inteligência. Não há sentido, diz Winnicott, na expressão “saúde mental”, valendo o mesmo, obviamente, para a expressão “doença mental”, urna vez que “não há, dc fato, nenhum vínculo entre os conceitos de saúde e de intelecto. Na saúde, a mente funciona nos limites do tecido cerebral porque o desenvolvimento emocionai tio indivíduo é muisfutório” (] 9
3-i Ile m i Frédérie A miel. professor cie filosofia e meinor ialista iio século X)X, famoso pelo seu Jrmmat intime, que eobre 25 anos tle sua vida o tem aproxi mada mente entorse mil páginas, escreveu em 6 de novembro de IS7 7: “A in teligência de assimilarão antecipa quase sempre a experiência íntima e pessoal" (Amiel. 19.11. vol. 2. p. 203). 120
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O que está em questão, do ponto de vista do amadurecimento e dos distúrbios relativos ao amadurecimento, não é, portanto, a constituição física ou psíquiea. Um bebê “não c o que se pode postular pela avaliação do potencial desse bebê. Klc é um fenômeno comple xo que inclui o seu potencial e mais o seu meio ambiente” (1970b, p. 196 ). 1‘ora compre ender isto, basta observar um a criança de dois anos c perceber que ela já não é a mesma desde que nasceu um novo bebê na família. Em muitos casos, chega-se í i diagnosticar uma enfermidade que exige tratamento. No entanto, diz Winnieott, | ... | a existência tia enfermidade não deve obscurcecr o fato de que essa criança é, agora, uma criança com tun irmão ou irmã menor. Com o mesmo potencial, essa criança seria diferente, caso ela fosse a menor ou o filho único, ou se o novo bebê houvesse nascido e depois morrido (1970b, pp. 196 e 197). Seja qual for o potencial herdado, os cuidados ambientais que o lactcnte recebe fazem parte do processo de sua constituição como pessoa. Sc a adaptação às necessidades for suficientemente boa, há chance de o indivíduo desenvolver, próximo ao máximo, as suas potencialidades hereditárias; em alguns casos, será, talsez, preciso que o ambiente compense e equilibre, tanto quanto possível, as tendências do bebê à enfermidade ou, mesmo, seja capa/, de lidar com enfer midades já estabelecidas. Pela teoria w irmieottiana do amadur ec imento pessoal, nada está determinado de antemão. Má apenas a virtualidade de uma tendên cia na direção da integração, que leva, na saúde, à constituição de uma identidade unitária e ao estabelecimento de relações com o mundo e os objetos externos. O indivíduo realizará — ou não — sua herança na direção da integração, (lepcnduiulo do que acontecerá no encontro com o ambiente facilitador. Mais: o modo como ele a reali zará — ou deixará de realizar — c totalmente indeterminado e depende dc elementos imponderáveis, como os cuidados ambien tais, c, cm grande parte, da sorte.*'5 A existência não está fundada cm nenhuma positividade prévia que carregue em si determinações
.15 1’odc- sc, port anto, dizer que W innie ot t eoneebe uma teoriri não- causal dos distúrbios psíquicos, u que será abordado a seguir, neste mesmo capítulo, K por e.stii razão que Loparie- (1995b) cliania o bebê winaienuiuno tle “aconK- cciitc", atr ibuunlo lhe o s entid o de ser que Ueideíyjc r dá ao Ihisein. 121
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causais, que o processo dc amadurecimento apenas levaria a termo. Não há forças dotadas dc metas que lhes seriam intrínsecas, nem, já no começo, um conflito pulsional que ponha a vida em movimento, independente do indivíduo ele mesmo e da circunstância em que ele está lançado. O que impulsiona o psiquismo c o próprio fato de o bebê estar vivo e de carregar em si a tendência inata à integração. A tendência integ radora c conce bida não eomo o result ado de um trabalho do psiquismo, mas c, ela mesma, o fundamento para a emerg ência do psiquismo. 0 processo de amadur ec imento c a ma ni festação do potencial criador da natureza humana. Ele só pode se dar num tempo e num espaço que lhe são próprios, e que não são o tempo c o espaço lineares dos processos naturais cm termos físicos c biológicos.
6.
Integ raçã o pela experiência pessoal
Uma tias teses básicas da teoria winnieottiana do amadurecimento pessoal é a de que, para o indiv íduo cheg ar a sentir- se vivo e poder apropriar- se dc suas potencialidades herdadas ou cong ênitas , todos os estados do ser precisam ser experierieiados; caso contrário, esses estados permanec em não- integ rados na pessoalidade. Isto sc refere tanto a conformações físicas c t endências da personalidade qua nto a estados e fatos da vida: o nascimento, a continuidade dc ser, os estados de quietude ou dc excitação, os encontros c desencontros, a solidão tia pré- depcndcncia, o estado dc amor fia do início, as ag o nias impensáveis etc. Winnicott rccusa a idéia de que sc possa consi derar elementos que pertenceriam ao indivíduo independentemen te da sua própria ex periência dei es. ^ O que Winnicott entende por “experiência”? O conceito não se encontra claramente definido em sua obra; c um desses conceitos cujo sentido deve tornar-se inteligível por si mesmo, a partir do uso que Winnicott faz dele ao longo da sua obra. Km primeiro lugar, o que c experiência varia conforme o momento do amadurecimento. Deve- se, porta nto, difer enciar o s entido do ter mo “ex periência’1, 36 Este será, portanto, um tios aspectos centrais tio trabalho terapêutico: fornecer as condições p;ir;i que iiijuiUi que não foi cxperieneiatlo o seja, pela primeira vez. nas condições especiais do uetting iiiinlíiico.
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quando referido a estes estágios iniciais, daquele usado para quando alguma experiência do si-mesmo unitário e do mundo for alcançada, o que incluirá um início de integração no tempo e no espaço, assim corno o alojame nto da psique no corpo. Em seg undo lugar, re unindo as inúmeras passagens acerca do tema, pode-se afirmar que “expe riência” e “sentimento de real” (feeUn,g of real) estão mutuamente imbrieados: só aquilo que é dado na experiência 6 real para o indi víduo. Mas pode-se, igualmente, dizer que algo — um estado de ser, uma fantasia, um sonho ou um acontecimento — só é uma expe riência se for sentido como real. () “real” aí implicado não tem nada a ver eom a realidade externa, no sentido da realidade que é represcntáve l, perceptível, visualizável e dizível. ü chama do “princípio dc realidade” de l<'reud — que, na redefinição de Winnicott, “ó o fato da existência do mundo, independentemente de o bebê tê-lo criado ou não” (198611, p. 32 ) — , é, para W innic ott, “o arquiinimig o da espon taneidade, da criatividade e do sentido dc m d ” (1984Í, p. 241; grifos meus). Um homem, de aproximadamente quarenta anos, que padece de uma descrença que corrói qualquer realidade, disse- me: “Fui sociali zado antes dc me tornar unia pessoa, Sei muito bem o que se espera dc mim c cumpro meus deveres com exatidão, mas nada, jamais, fez qualquer sentido. Não me sinto real, não sinto o mundo ou os outros reais. Não tenho história, Não sei por que vivo ou continuo vivendo," Esse homem não tem problemas com o princípio dc realidade, mas padece da falta do sentimento de real. Uma das poucas referências ao caráter geral do que seja expe riência acha-se numa carta de 1952, a Monev-Kyrle: [...] a experiência é um trafegar constante na ilusão, uma repetida procura da interação entre a criatividade e aquilo que o mundo tem a oterceer. A experiência é uma conquista da maturidade do ego, para a c[ual o ambie nte fornece uni ing re diente indispensável. Não é, de modo algum, alcançada sempre (1 9871 j , p. 38).
lí o ambiente que. no início da vida, propicia o ingrediente indis pensável para o estabelecimento da capacidade para a experiência, lísse ingrediente consiste na possibilidade tle o bebê habitar, duran te o tempo necessário, num mundo subjetivo, que é regido pela “ilusão tle onipotência”, sendo esta a única base sólida para a cren ça, que irá g ra dualmente se estabelecer, na re alidade do si- mesmo e 12.1
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tio mundo .17 Os limites do mundo s ubjetivo síio traçados pelo âmbito de onipotênc ia do bebê. T udo o que aí ocorre torna- se uma cxpericncia do lactente, pois, sendo pautado pelo ritmo do bebê e derivando do gesto espontâneo, acontece de tal forma que não rompe com o sentido pessoal da existência, que, nesse momento, é ü continuidade dc scr. A capacidade para a experiência está relacio nada, portanto, à espontaneidade, à criatividade originaria, à raiz do si- mesmo verdadeiro, em suma, ao .ser. Res umindo, se g undo a concepyão w innicott iana, o bebê já c um ser human o desde a vida intra- uterina, e isto sc define pela sua capa cidade inata de fazer experiências. Apesar de inata, essa capacidade precisa ser exercida, tornada real e integrada à personalidade, c isto só se realiza se, no decorrer dos estágios iniciais, o bebê for provido de cuidados facilitadores, caso contrário a capacidade feneee ou paralisa. A capacidade para a experiência c, portanto, uma aquisição do amadurecimento, que depende de um elemento imponderável: a facilitação ambiental. Deste modo, pode ocorrer de ela não scr alcançada. Por isso, embora seja possível induzir um bebê a alimentar- se e a dese mpenhar todos os processos corporais, ele não sente estas coisas como experiências , a menos que esta última se forme sobre uma quantidade de simplesmente ser que seja suficiente para constituir o eu que será, fina lment e, urna pessoa f l9W 7c, p. l>; gr ifos meus ).
Há pessoas que não encontraram, no início, uma base para ser, por não lhes ter sido permitida a ilusão de onipotência; nelas, o sentido de real c tão debilitado que, não impor ta as vezes pelas quais passam por determinadas situações, tudo sempre se desrealiza, c elas têm de voltar sempre a começar, como se nada tivesse aconte cido. Registram o fato, numa memória de arquivo, mas nada, nelas, foi afetado ou se modificou. Diz-se, cm geral, que essas pessoas não aprendem com a experiência, mas, talvez, seja ainda mais exato dizer que elas não são capazes de viver experiências: ao invés de estarem ali, no acontecimento presente, elas estão fora dc si, ocupadas em defender-se de alguma invasão, de algum tipo de aprisio» 37 Os conceitos de mundo subjetivo, área üe ilusão de onipotência e capaci dade para a ilusão, centrais no pensamento winnicottUino, serão tratados em detalhe no Capítulo III.
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ua mento, prev enindo alg um mal- estar que possa advir; mdit o que ocorre, então, é externo a elas, tle niotlo que nada permanece. ü valor insubstituíve l da ex per iência parece ter sido uma convic ção que permeou não só a teoria eomo a própria vida de Winnicott. Na proximidade da morte, tendo começado a escrever sua biografia, cujo título seria Not Less than Everythiiig,M W innicott escreve uma prece na qual pede a Deus para estar vivo 110 mome nto de sua morte , de modo a que também esta tosse uma ex per iência, a última.- 1*' Dessa mesma convicção deriva, provavelmente, a sua conhecida aversão a todo o tipo de construção teórica abstrata, desvinculada da experiência, li em função dessa aversão que o termo "experiên cia” não é definido, mas simplesmente usado, para que seja com preendido não pelo intelecto, meramente, mas por 11111 outro tipo de precisão, a do contexto especificamente humano. Os conceitos devem at ingir o leitor no campo ex perieneial, pondo- o diretame nte 11a situação. Para assinalar que o cuidado materno se dá pela identifi cação da mãe com 0 bebê, c não por via de um ato mental delibe rado, Winnicott diz: “Verificamos que ela não tem de fazer uma lista do que tem a fazer amanhã; ela sente o que é necessário no momen to” (1965ve. p. 68). Ou, ainda, tentando mostrar às mães que elas não devem ter a expectativa dc que os bebês sc põem a mamar assim que nascem: “Muitos bebês precisam de um período de tempo antes de começarem a buscar, c, quando encontram um objeto, não vão querer, neces sar iamente, transformá- lo numa refei ção” (196Sf, p. 56), ílá conseqüências teóricas importantes derivadas das concep ções de experiência, da capacidade para ter experiências c do fato de o bebê ser já. desde o início, um ser humano capaz dc ter experiên cias. Certas dificuldades apresentadas por um determinado lactcntc — como uina ex pectativa de perse guição, por ex emplo — , ao invés dc serem atribuídas à hereditariedade, ou ao inconsciente da espé cie, podem perfeitamente estar relacionadas ao processo dc nasci mento, que foi excessivamente demorado, ou a outras experiências precoces de invasão ambiental, Os pesquisadores que, tão facil mente. atrihuem ao fator hereditário algumas manifestações primi tivas ile um bebê. não levam em c onta a sua pré- história e o fato de a -Vi TYat:t-se tle uni verso tinido ilo último “quarteto" cie T. S. líliot.
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dependência ser sig nificativa tão log o algo corno um estado de scr se inicia. E muito simples, diz Winnicott. afirmar que os bebes paranóides possuem uma tendência hereditária ou estão manifestando uni fator constitucional, mas o que a argumentação ao longo desta linha de raciocínio faz é desconsiderar e “empurrar para o lado os importantíssimos c interessantíssimos fenômenos do desenvolvi mento do indivíduo, e das memórias da experiência pessoal” (1988, p. 170). E verdade que, estando o corpo sempre incluído, o fator heredi tário biológico — sc é que se pode isolá-lo com clareza — está sempre presente: enquanto alg uns recém- nascidos apresentam in tensa sensibilidade à claridade c necessitam da penumbra, há outros cuja sensibilidade é térmica, tátil ou auditiva. Alguns, de fato, assus tam-se muito com ruídos, enquanto outros simplesmente parecem não ouvir o barulho. Má bebês que se afetam extraordinariamente com a atmosfera emocional do ambiente; outros são mais isolados c meditativos. Má bebês muito rápidos, ou, talvez, mais sensíveis ao desconforto e à dor; assim que um impulso chega, eles já estão berrando. Há outros lentos, que necessitam dc tempo para que unia experiência sc realize c que sc ressentem muito se o ritmo ambien tal é apressado. Existem bebês cuja sensibilidade está mais igual mente distribuída; outros têm urna sensibilidade específica exacer bada. O fato é que existem bebês de todos os tipos c, provavelmente, uma sensibilidade acentuada predispõe tanto para unia capacidade específica extraordinária — responsável, às vezes, por uma geniali dade — quanto para uma doença: um bebê eom essa sensibilidade c altamente suscetível de ser atingido c traumatizado. Além disto, como já foi mencionado, há que se incluir, na consideração destes aspectos, a pré- história do bebê e o fat o dc ele já ter tido inúmer as ex periências durante a vida intra- uterina. E certo que uma criança muito sensível exigirá mais da mãe, mas quando se fala de adaptarão ativa pensa-se exatamente na capa cidade que leva a mãe a adaptar- se u uni cerro bebe, singular, c não em uma técnica dc criação dc bebês. Embora, como já se disse, a genética determine alguns padrões e características individuais — ser alto ou baixo, ter mais ou menos massa muscular, ter um melhor ou pior tecido cerebral, maio r ou menor v italidade, ou sensibilidade. — nada disto é deter minante em termos dc amadurecimento. Q ua n do se atribui ã constituição certas caract erísticas ou distúrbios, não 120
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se presta a devida atenção à técnica adaptativa da m ãe .10 () mais importante de tudo é o bebê dispor dc uma mãe que se adapte a ele. e o acompanhe tal qual ele c c pode ser, em seu amadurecimento. Deve-se também incluir o fator sorte, contribuindo para que a mãe exerça bem a sua função: uma conjunção feliz, por exemplo, é o fato dc uma criança lenta ter uma mãe também lenta, e não uma que é demasiadamente rápida e que se aborrece ou perde a calma com a lentidão do bebê. O fato é que, se incluímos a participação essencial do ambiente na constituição do psiquismo humano — participação que é ante rior e condição de possibilidade para a constituição das relações objetais —, não há escapatória: temos de esmiuçar e levar em conta os detalhes s utilíssimos da relação mãe- bebÔ nos estágios mais primitivos. 7.
O estado de não -integra ção dos estágios primitivos
Se todo o processo de amadurecimento caminha na direção da inte g ração, cm que estado se encontr a o bebê ao iniciar- se este pro cesso? Winnieott postula que, no iníeio, e cm toda a extensão dos estágios primitivos, o bebê vive a maior parte do tempo num estado dc não- integ ração: Uma pequena quantidade de teoria é necessária se sc quer alcan çar o lugar onde as crianças habitam — uni lugar estranho — onde nudu foi ainciu separado como não-eu, onde, portanto, ainda iiáo het um eu. | .., | nenhuma mãe. nenhum objeto externo ao si- mesmo 40 A importância do ambiente para a formação da personalidade do indivíduo não é uma novidade. Já a publicação, em 1946, do livro de Anua Kreud, O ego e os mecanismos de itefesa (1968), provocou uma reavaliação do papel da mat er nidade e do cuidado ambiental no des envolvimento primitiv o do laetente. T ambém os tra balhos realizados por Doroty B urling ham e A nna Freud (19421, durante a guerra, resultaram no desenvolvimento do estudo acerca das condições ex ternas e seus efeitos. Antes da guer ra. J ohn Bowlby estudou os antecedentes de crianças perturbadas e, num estudo formal de 150 crianças com vários tipos de problemas, descobriu um vínculo direto entre roubo e privação, estando esta relacionada em particular à separação da mãe nos primeiros anos da i nfància (cf. Bowlby, 1951: Winnieott, 195 Ia. P 176). 127
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é conhecido. í : mesmo esta afirmação c errada, porque» ainda não há um si- mesmo. Podo ser dito que o si- mesmo da criança . nesse primeiro estágio, â apenas potencial (iyí>5vf. p. ÒO).
Embora haja ali um bebê para o observador c para a mãe, ainda não há, para u bebê, nem ele mesmo, nem mãe. nem mundo. O bebê não é ainda uma unidade; os inúmeros aspectos, que vão ser inte grados à pessoa inteira que ele será, estão ainda deseoncetados. Não- incugrado, o bebê está como que es palhado, “desorg anizado, uma mera coleção dc fenômenos sensório- motores re unidos pelo suporte do ambiente" (1965s, p. 175). A não- integração, que vem acompanhada por uma não- eonsciêneia (1988, p. 136), não é um déficit, li o estado natural de extrema imatur idade do bebê e sig nifica falta de reunião num si- mesmo, falta do integ ra ção no espaço c no tempo, f alta de integ ra ção psicossomá tica, enfim, falta de inteireza (ivholeness). () única temporalidade de que o bebê dispõe, no início, além do tempo biológico, é a sensação difusa de poder continuar a ser. A denominação negativa — não- integr ação — tem suas razões de ser: refere- se a um d. p. 165).
O ponto importante da teoria é o seguinte: c somente a par tir da não- integr ação que as v árias fo rmas de integ ração podem se produzir. Fosse a integração dada. c o scr humano não seria tal qual é. uma vez que, tanto a saúde quanto as dificuldades c os distúrbios que são próprios dos humanos são estados relativos ao I2 S
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sucesso ou ao fracasso das tarefas integrativas dos estágios ini ciais, enquanto conquistas do amadurecimento, Neste ponto, a posição de Winnicott apresenta uni avanço significativo sobre a teoria tradicional, concebida a partir das neuroses, que são distúr bios dentr o dc uma personalidade já integr ada; esta teoria não tem como tematizar a natureza particular dessas conquistas fundantes, e, deste modo, não permite avaliar as conseqüências do fracasso nessas conquistas,■ *’ A partir da não- integração, pequenas ex per iências de integ ração ocorrem nos estados dc excitação e, logo depois, o bebê retorna ao estado não- integ rado, para descansar. Aos poucos, o estado de inte g ra ção torna- se mais estável e consistente. Nunca será, contudo , um território seguro do qual o indivíduo tem o documento de proprie dade. Haverá sempre o risco de se perder, mas isto dependerá cada vez mais, na saúde, de situações de ex trema sobrecar ga. 0 indivíduo saudável não se preocupa o tempo todo com sua sobrevivência psíquica. 8.
A relação m ãe-b ebê : a dependência absoluta
Durante os estágios iniciais, o bebe vive a maior parte do tempo no es tado de não- integr ação, cm situação de dependência absoluta, o que só e possível graças à adaptação também absoluta da mãe. Ainda no útero c nos primeiros meses após o nascimento, a dependência c tão extrema que não ó possível pensarmos no novo indivíduo como sendo uma unidade. “A unidade é o conjunto ambiente- indiv íduo, unidade da qual o bebê é apenas uma parte” (19SS, p. 15,1). É este o sentido da famosa afirmação de Winnicott dc que "diis thing such a hctby does noi exist". Sendo assim, não há como descrever um bebê, 41 li de notar que. em Winn ico tt, todas as conquis tas o capacidades, isto é, tudo aquilo de que o indivíduo k c apr opria, prirte de uma não- capacidade. dc uma ausência, de um negativo cio qual algo surge. lixsa ncgiitividade. que está na origem, nunca c inteiramente ultrapassada. Ela permanece como a mar ca da prec ariedade tle todas as conquistas da vida. T udo o que passa a ser pode, cm seguida, deixar de ser. Esta é uma das possíveis aproximações do pensa mento de W innico tt, sem que ele saiba, com a ontolog ia da íinJtudc dc M. Heidegg er. Este ponto será re tomado no final do Capítulo IV. na scyão que se refere à morte eomo uma volta ao início. 120
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ou uma criança pequena, sem que se inclua, na descrição, os cuidados que ela está recebendo. É apenas gradualmente que os cui dados ambientais vão sendo incorporados como aspectos do si-mes mo do bebê. ao mesmo tempo em que o ambiente faeilitador vai se transformando em algo externo e separado dele (cf. 1987c, p. 47). O ambiente — que, no início, c a mãe, ou melhor, os modos de ser da mãe — é parte do bebê, iiidisiingiiívd de/e, Não há, aqui, dois indiví duos, mas uma relação sui gencris que pode ser chamada daiscm- um..4O estado de dependência absoluta não esúí fundado apenas na frag ilidade do bebê ou cm sua incapacidade de sobreviver s em ajuda; também não se refere ao que seria uma influência maciça do ambi ente que "produziria” o bebê, de si tabula ram. Não se trata, tampouco, de dependência afetiva, uma vez que o bebê não está sufi cientemente amadurecido para ter afetos. A dependência absoluta refere-se ao fato dc o bebê depender inteiramente da mãe para ser — do modo como é, como pode ser, nesse momento inicial — e para realizar a sua tendência inata ã integração cm uma unidade. O rela cionamento peculiar coin a mãe, na dependência absoluta dos está gios iniciais, fornece um padrão para as relações que o bebê venha a desenvolver com a realidade externa, lí no interior desse relaciona mento que está sendo construída a ilusão do contato com o mundo ex terno, a confiança dc que a comunica ção inter- humana é possível e tle que a vida faz sentido. Apesar dc a palavra “dependência ” implicar a ex is tência dc um outro ser humano, esse outro não é ainda um objeto, no sentido clás sico do termo, uma voz que o bebê não tem amadurecimento sufici ente para ter, perceber ou desejar objetos. A mãe não é um objeto externo, nem interno, porque o sentido da cxternahdade. assim co mo o dc mundo interno, ainda não foram constituídos. l)o ponto dc vista do bebê, “não há, nesse estágio tão primitivo, nenhum fator ex terno; a mãe é parte da criança” (1965n, p. 59). Apesar disto, os cui dados maternos participam intrinse camente da cons tituição paula tina do si-mesmo, e o bebê c imediatamente afetado pelo tipo de cuidado que recebe.
42 Esta expressão foi proposta, pela primeira vez, por Z. Loparic. ('f. Uiparie. I*J97a. 130
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O conceito winnieottiano de “ambiente” inicial deve ser enten dido s eg undo seus dois aspectos essenciais: a) ele não é ex terno nem interno; b) ele é a instância que sustenta c responde à dependência: o bebê necessita totalmente dc um outro que ainda não é um outro, separado ou ex terno a ele .1'1 Encontra- se, aqui. e mbutida a ideia, cujo alcance psicológico e filosófico estíí ainda por ser devidamente apreciado, de que a realidade do si- mesmo e a realidade do mundo são constituídas ao longo do processo de amadurecimento, no inrerior da relação mãe- itebê. A cons tituição do eu. eoncomitan temente à constituição da realidade intrapsíquiea e da realidade externa, só se dá na relação com o outro; o si- mesmo do bebê emerg e, neces sari amente , de dentro da unidade bebê- mãe. O "eu”, como uma ide nti dade separada do não- eu, é um ultrapas samento da identificação primária que ocorre dentro da unidade fusional inicial, lí este o sentido da afirmação de Winnicott de que o estatuto dc I2U SOU “[■■I não significa nada, a não ser tpie tm, inicialmente, seja ju n tamente com outro sei- humano tjue ainda não foi diferenciado" (1987c. p. 9; grifos meus). () âmbito onde sc dá o amadurecimento não é um espaço iritr apsíquico, mas inter- huinano, um entre a mãe e o bebê.44 Esse espaço é ainda pré- pessoal, pelo fato de não haver
43 A concepção tle um ambiente que, rui início, não c externo ao bebê, mas parte dele, ô inteiramente originai, não só em relação à psicanálise tradi cional, mas a psicologia em geral, só podendo ser entendida em sua peeuli:iridade a partir da teoria do amadurecimento. Esta é a rauão para, quando sc tenta contrapor M. Klein a Winnicott pela polarização interno/externo, considerar a questão mal colocada o o debate infrutífero, visto que. qutmdo um e outro falam du ambiento, não ó à mesma coisa que elos estão ,se refe rindo. 44 Em alg umas passagens de sua obra. como na que se seg ue, Winnic ott afirma que, no momento inicial, o que encontramos c “uma total mistura [merj^n^] do indivíduo no ambiente, descrita pela expressão naroisismo primário" (1088, p. 177). Nesta mesma obra, ele esclarece o que entende por narcisismo primário: '‘O naroisismo primário, ou o estado cmteriur à aceita ção du que existe um meio ambiente, c o único estado a partir do qual o ambiente pode ser cria do" ( 19WiS, p. 15 1). Km ouir o tex to, referindo- se à imat urida de c à dependência que caracterizam esse momento inicial, lê-se ainda o se guinte: “Nunca fiquei satisfeito com o emprego da palavra ‘narcisista' cm conexão a isto, porque tudo conceito de narci,sismo deixa de fora as tre mendas diferenças que resultam da atitude e tio comportamento geral da mãe " ( l ‘>72c, p. 14‘)). t.H
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ainda duas pessoas; onda um é parte tio outro, na unidade tio dois- em- urn. A pesar disto, deve-se assinalar que. desde o abs oluto início, existe já um pequeno descolamento, uma pequena fenda entre eles, visto que, "mesmo no contato mais íntimo possível, haverá uma ausência tle contato, de modo que cada indivíduo manterá, essencialmente, um isolamento absoluto, permanente mente e para sempre” (1988. p. 178 ).4S Contudo, ao mes mo tempo que já existe, e sempre existirá, esse espaço — que separa mãe e bebê, e estará sempre isolando o indivíduo tio mundo externo — uirulu não existe enquanto tal; sua realização c uma conquista do amadurecimento, que só começará a se efetivar no estágio da transicionalidade.'" Pode-se encontrar, na biologia, algo análogo a esse isolamento fundamental: o “ovo” c um hóspede no corpo tia mãe, e não uma parte dela; durante a gravidez, ele ficou envolvido por um conjunto de substâncias, que se constituíram para a proteção dele, ao mesmo tempo que o “separavam” da mãe. Quando o bebê nasce, esse conjunto de substâncias c perdido; mas tanto ele como a mãe não perdem nada dc seu. Do ponto de vista da pessoa humana que está sendo cons tituída, esse ‘es paço” — que permite o isolamento básico — está lá desde sempre e para sempre; ao mesmo tempo ele irá tornar-se, no devido tempo, a primeira distância real entre a mãe e o bebê, uma distância que simultaneamente separa e une. A ana logia do “ovo” evoca, portanto, a solidão essencial — que é o estado originário no qual o bebê sc encontra no mais absoluto início, quando o ser emerg e do não- ser — , solidão que será preserv ada para sempre, não impor ta quão comunicat ivo ou bcin- relaeionado com a realidade externa o indivíduo se torne. K desse isolamento funda mental que irá emergir a ilusão básica de contato e, mais tarde, o espaço potencial; no devido tempo, esse espaço será preenchido pelos fenômenos e objetos transicionais que são, simultaneamente, parte do bebe e parte do ambiente.
45 Esse ponto da teoria será explieitailo 110 Capítulo IV, Seção l). 46 O estádio transieional e os fenômenos tia transicionalidado serão apresen tados 110 Capítulo IV. Seção 2. 1 32
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9.
Ca racteriza ção adicional do ambiente faeilitador: a mãe suficientem ente bo a e o pai do b ebê1 *7
0 ambiente f aeilitador é. no início, a "mãe s uficientemente boa ”. A ex pressão ‘'suficie nteme nte boa” refere- se à mãe capaz de reco nhecer e atender à dependência do laetente, devido à sua identifi cação com ele, a qual permitc- lhe saber qual 6 a necessidade do bebê. num dado momento , e res ponder a ela. Da bondade \ su/ictentc” faz parte a espontaneidade c a pessoalidade da mãe no seu cuidado com o bebê, além da sua capacidade dc acreditar que o bebê é um processo de amadurecimento em curso c que, portanto, não é ela — seus cuidados ou o controle da situação — que dará vida ao bebê. A mãe apenas facilita um processo que pertence ao bebê. Ela é su/iciemememe boa porque atende, ao bebê. na medida exata das necessidades deste, e não de suas próprias necessidades, como, por ex emplo, a de ser boa ou muito boa. () que <> bebê necessita é da preocupação e dos cuidados efetivos de uma mãe real, que continua sendo consistcntementc ela mesma, falível porque humana, mas confiável ex atamente por ser falív el.-11* Bem de início, a mãe suficientemente boa procede a uma adap tação absoluta c, um pouco mais tarde, a uma adaptação relativa às necessidades (needs) cio bebê. Winnieott insiste em que sc trata dc “adaptação à necessidade" e não de satisfação de desejos. Com isto. ele caracteriza claramente a especificidade dos estágios iniciais: o bebê não é ainda um indivíduo que tenha desejos, mas um ser imaturo em estado dc dependência absoluta. Com relação a esse período, uma fonte dc equívocos
47 Os psicanalistas dc orientação freudiana e klciniana têm dificuldade em aceitar a idéia dc que, nu inicio, n relação seja exclusiva com a mão, isto é. puramente dual. já que isto descarta a concepção do complexo cdípico co mo e struturante do indivíduo. 48 A mãe suficientemente boa é o paradigma do analista ua clínica winnicottiana. üuurd ada s as difer enças, o que vale para a primeir a aplica- se ao segundo. No que sc refere à necessidade da mãe dc scr "muito boa’’, lembro- me dc um rapaz que havia sido s ufocado por essa necess idade de sua mãe. Ao entrar pela primeira vez na sala do meu consultório, disse: 'Tara que tantas almofadas? Vou ter dc usar todasV" 1.1.1
,\ TO)RI.\ 1 )0j\ iLM)l'KE
[...j é ;l idcia (que alguns analistas têm) tle que o termo "adap tação As necessidades”, no tratamento dc pacientes fronteiriços c no cuidado do bebê, significa satisfazer os impulsos do id. Nesta situação não há a questão de satisfazer ou frustrar os impulsos do id. Há coisas mais importantes acontecendo, e estas são prover apoio aos processos do ego ( l ‘J 65vd, p. 217). Numa carta a Li li Pellcr, dc 19 66, W innico tt rela ta que, te ndo saído da pediatria com a consciência alertada para a dependência infantil, achou exusperante que a única dependência que seus cole gas psicanalistas podiam considerar era a relativa às necessidades ínstintuais. li acrescenta: "E m tex tos mais recentes, venho tenta ndo enumerar as angústias dc tipo psicótico que agrupo em torno da palavra ‘necessidade’. Elas não têm nada a ver com instintos [insftncf.s]” (1987b, p. 136). Em outro texto, afirma que. nos estágios iniciais mais primitivos, (...) ca palavra "necessidade” que tem importância, assim como a tem a palavra "moção” na área da satisfação do instinto. A palavra "desejo” está fora de lugar, já que corresponde a um grau de sofis ticação que não potle ser presumido neste estágio que estamos considerando” (19701), p. 199, nota 7). O ambiente se adapta “às necessidades que surgem do ser e dos processos de amadurecimento” (1965j, p. 167). Ou seja, é da neces sidade de continuar a ser que surgem todas as outras necessidades, sendo que todas cias prevalecem, e muito, sobre qualquer princípio do prazer. E por isso que o desenvolvimento da instintualidade humana e pensado, por Winnicott. dentro da linha mais abrangente do amadurecimento pessoal, A ada ptação abs oluta da mãe às neces sidades do bebê é tempo rária, mas, enquanto dura, implica um envolvimento total. Um bebê necessita nada menos que de uma pessoa total, ou seja, intei ra mente e ntreg ue ou devotada a ele, nem que s eja por um pequeno período de tempo, a cada dia. Isto, em geral, é possível, porque, quando é saudável, a mãe entra num estado de "preocupação materna primária", que se inicia nos últimos meses da gravidez e que assim sc mantém por algum tempo após o parto. Trata-se dc uma condição psicológica muito especial, de sensibilidade aumen tada, que 1 34
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[...[ poderia ser comparada :i um estado du retruimeim» mi tle dissociação, ou a uma fuga, ou mesmo a um distúrbio num nível mais profundo, como, por exemplo, um episódio esquizóíilo, no qual um determinado aspecto da personalidade toma o poder temporariamente (195Nn, p. 401). É o bebê, e a totalidade dos cuidados com ele, que tomam conta da vida da mãe. Em v irtude deste e stado, que implica uma reg ressão parcial, a mãe torna- se capaz de identificar- se com o bebê e de saber o que ele precisa. Ao mesmo te mpo, cia conserva o seu lugar adulto, de modo que se encontra apta não apenas a compreender, mas a cuidar ef etiv amente do laetente, providenciando as coisas de que ele necess ita. Rendo madura, a mãe não fica na rei si ea mente ferida por ver-se esv aziada de sua vida pessoal para dedicar- se à tarefa dc cuidar do bebê. A mãe suficientemente boa c devotada ao bebê. O termo “devoção”, que inclui o envolvimento total da mãe e sua capacidade para cuidar da criança, nada tem a ver com sentimentalismo. Qual quer tipo de sentimentalismo, diz o autor, é pior que inútil, pois contém uma negação inconsciente do ódio e da agressividade, que são subjacentes a todo esforço construtivo, mesmo quando sc trata de criar um filho. Pensa-se com freqüência nos cuidados maternos çm termos de indulgência, mas o amor ou a bondade da màe suficientemente boa não é habitualmente indulgente. Se, devido a algum tipo de priva ção, o laetente apresentar um período especial de necessidade e a mãe for capaz de entender a necessidade que lhe é assim comuni cada, ela poderá tornar- se indulg ente , e “mimá- lo", dura nte um certo tempo, mas essa indulg ência é, na verdade, uma terapia que se tornou necessária em virtude de algum fracasso do cuidado materno habitual. “A terapia fornecida pela mãe pode curar, mas isto não é amor materno” (1958c, p. 413). A adaptação da mãe ás neces sidades da criança não te m relação eom a sua inteligência, nem advêm do conhecimento que pode ser adquirido em livros ou em palestras. Seu saber é de tal natureza que a põe em condições de cuidar, com sucesso, do laetente, sem qual quer apreciação intelectual sobre o que está acontecendo, e sem a necessidade de compreender tudo. O que a orienta é a sua capaci dade dc identificar- se com o bebê. Essa aptidão vem da sua própria experiência de ter sido um bebê e de ter sido cuidada; ela guarda memórias corporais de conforto e segurança, além de experiências 135
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dc intimidade pessoal. Além disto, a mãe sabe das necessidades do bebe porque está viva e tem imaginação. Ela consegue esperar que o gesto espontâneo surja porque “sabe” dc muitas eoisas sutis, eomo, por exemplo, que, para ser transladado de um lugar para outro, um bebê precisa ser preparado e o moumento total requer tempo: ela sabe também que c mais importante respeitar a recusa do bebê dc mamar do que torçá- lo, por disciplina ou por temor da des nutrição, porque, em termos do amadurecimento, “o não- idimenUtr constitui a base do alimentar" (196Sf, p. 55).4'J Embora a preocupação materna primária seja um estado que aclvém, naturalmente, eom a maternidade, existem mulheres que o temem e que resistem à regressão nele contida. Elas permanecem agarradas às suas ocupações adultas e não conseguem, ou não su port am, identificar- se eom o bebê. Esse tipo dc mãe tender á a cuidar do lacccnte por via mental; seus atos serão deliberados, regidos por regras intelectualmente estabelecidas. Talvez ela consiga provê-lo de algumas coisas básicas, mas não será capaz tia comunicação profunda e silenciosa que a intimidade traz. Ela cuidará dele “eomo se cuida dc bebês”, isto c, com um cuidado impessoal. Este é tipica mente o caso da mãe que /a s , mas que não é.5" Os cuidados suf icien temente bons de que um bebê necessita não são os arquitetados pelo pensamento, os deliberados, ou feitos maquinalmente; esses cuidados só podem ser fornecidos por um ser humano, a mãe ou substituta, que está viva e capaz de pôr-se na pele do bebê, ao mesmo tempo em que permanece sendo adulta e, continuamente, ela mes ma. É surpreendente como os bebes parecem vir dotados de um controle de qualidade da comunicação que se tenta estabelecer com eles. Quando a mãe, por sua identificação e preocupação eom o bebê, está atenta no sentido de prevenir e evitar a ocorrência de fatos imprevisíveis, que possam assustar ou mesmo traumatizar o
49 Este c m:iis um exemplo de eomo Winnicott parte tia ne^aiividade, do não- ser- ainda> para que qualquer conquista tenha s entido, lim nutras passa gens, as sinalando que o únic o comer real te m eom o base o não- oomer, W innicott diz que este pont o tr az urna for midáv el cont rib uição para a questão da nnorexia. Cf., por exemplo, Winnicott. 1963d, p. 95, e lVfiSj, p. 166. 50 A dis tinção entre “se r” e “ fazer ", entr e o seio que "é" e o seio que “f az” , será melhor examinada no Capítulo lil, Se^ão 6. I,V>
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bebê, essa atenção não advém de uma deliberação intelectual, mas acontece quase sempre em seu corpo. Iílíi toda está atenta e isto se reflete em sua postura; seus movimentos, seu olhar estão dirigidos ao bebê c são, de modo natural, protetores. Mesmo que entregue ao envolvimento total, psicossomátieo, com o bebê, a mãe, cuja espontaneidade é preservada, é capaz cie scr eonsistentemente ela mesma. A partir daí, o que há para ser feito acontece naturalmente, porque “as crianças sempre tomam o me lhor dc nós mesmos”. Por isso, | —] para sermos coerentes e, assim, previsíveis para os nossos filhos, devemos ser nós mesmos. Ec formos nós mesmos, os nossos rillios podem chegar a conhecer- nos. Se estivermos representando um papel, seremos certamente descobertos quando nos surpreen derem sem as nossas máscaras (1993b, p. 141). Com o tempo, e na medida da capacidade maturacional cres cente do bebê. a mãe suficientemente boa torna a adaptação cada vez menos absoluta e, deste modo, permite que ele, gradualmente, caminhe na direção da dependência relativa c, depois, rumo à inde pendência. Se a mãe é saudável, a desadaptação acontece de forma natural, por coincidir com um momento cm que ela já está cansada das exigências que a adaptação absoluta requer. Esta passagem é essencial para o amadurecimento do bebê; caso a mãe não seja capaz cie abdicar da adaptação absoluta, isto pode gerar sérias difi culdades para a criança. --Ao descrever us cuidados sitjiviautnnciuc bons da mãe dedicada comum, W innieott afasta qualquer idealização da figura mat er na ou pate rna.31 Nem os pais são anjos altruísta s, nem o mundo que rodeia o bebê é uni paraíso. As crianças não tiram nenhum proveito da perfeição mecânica. Se fosse possível escolher, confessa o autor, ele preferiria mil vezes ter uma mãe capaz dc ter dúvidas sobre a sua 51 A poiado e es timulado por Isa Benuie. durante a longa série de palestr as ra diofônicas para a BBC, Winnioou conta ter sido ela quem "pingou a ex pres são iriãe suficie nte mente boa' de rude» aquil o a cujo re speito cu tinha talado até ent ão [ ,..| . Rssu frase tornou- se imedia tam e nte um varai para pendura r coisas e ajustou- se à m inha necessidade de es capar à idealiza ção c também aos eventuais intentos de ensino c propaganda. Pude seguir adian te com uma descrição da puericultura tal como. espontânea c naturalmen te, é praticada por nula parle” (1993a, p. XIV).
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conduta, e de pensar que algumas coisas andam mal cm virtude dc algo que ela fez ou não fez, do que uma que tivesse a tendência “de ex plicar tudo por algo e x terno”, sem ass umir a r esponsabilidade por nada (et'. 1993d, p. 119). Alem disto, se a mãe é saudável, ela muitas vezes odiará seu bebe bem arues de este adíjuirir a capaci dade de udiá- la. Winnicott elenea as boas razões que ela tem para tanto: o bebê representou um perigo para seu corpo durante a gravidez e y parto; é uma interferência na sua vida privada; machuca o seu seio; ela tern de amá- lo com ex creções e tudo o mais, s endo que ele ainda se mostra desiludido eom ela; seu amor excitado 6 interesseiro; não faz nenhuma idéia do que ela faz ou sacrifica por ele etc. etc. A mãe, naturalmente, tem de tolerar seu próprio ódio, sem negá-lo para si mesma, mas também sem poder fazer nada com isso; ela não pode manifestá- lo diretamente sobre o bebe, a não ser por meio de canções ou de expressões malévolas que cia diz, cari nhosamente.52 Uma das coisas mais notáveis na mãe co mum é, precisamente, "a sua capacidade de se deixar ferir pelo bebê e dc odiá- lo sem sc vingar da cr iança” ( 1 9 4 9 f , p. 286). Má, ainda, uma outra questão; as mulheres que acabam de ter os seus bebês encontram- se, elas mesmas, necessariamente, em es tado de dependência. É possível dizer até que as mães são tão desampa radas em relação ao desamparo do bebê quanto cie próprio. Para desempenhar bem a sua tarefa, ela necessita sentir-se amada na sua relação com o pai da criança, e aceita nos círculos familiares assim como nos mais amplos, que cons tituem a sociedade (ef. 19 58 j, p. 13).
52 Winnicott aponta, inúmeras vezes, para o perigo do sentimentalismo que, segundo ele, 6 a negação do ódio natural dos pais pelo fato de serem tão atingidos pelos filhos. Algumas canções de ninar são a expressão da neeessidade de eles ex pressar em o s eu ódio, ev itando se rum reta liadore s, o que seria, isto sim, insuportável para o bebê. Uma dessas canções diz; “Balance, bebê, no topo da árvore Quando o vento soprar, o berço vai balançar Quando o galho quebrar, o berço cairá E o bebê vai cair, corri berço e tudo." A lg umas das nossas canções vão também nessa dir eção: “Boi, boi, boi. Boi da cara preta, pega esse menino| ... j.” 1 .™
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O papel do pai, neste momento, é de extrema importância, sobre tudo na função de proteção da mãe e provedor do lar. Adequada mente protegida pelo seu homem, a mãe é poupada de ter de oeupar- se eom as coisas do mundo ex terno, para poder preocupar- se inteiramente com o interior do círculo formado por seus próprios braços, no centro do qual está o bebe. Ü pai é, além disso, extrema mente necess ário para ajudar a mãe a sentir- se bem em seu corpo e feliz em seu espírito. Como, às vezes, cm especial com relação ao primeiro filho, a mãe tende a ex agerar nos cuidados, querendo ef eti vamente tornar- se mágica, de modo a adivinhar ante cipadamente as necessidades do lactcntc. o auxílio do pai “humaniza alguma coisa na mãe e leva para longe dela um elemento que, de outro modo, torna-se mágico c potente, estragando a atuação da mãe” (1961a. p. 91). A presença e a ajuda efetivas do pai do bebê trazem apoio moral à mãe, c esteio para a ordem e se gurança que ela está impla n tando na vida da criança. Desde muito cedo, as crianças são sensí veis à atmosfera que se cria no lar e à estabilidade que sentem na relação dos pais, mesmo quando ainda não sabem que os pais existem eomo pessoas separadas dela, e entre si. No que se refere diretamente ao bebê, no entanto, o que é “paterno” chega necessariamente depois do que é “materno".53 O pai ainda não existe eomo pai, isto é, eomo o terceiro, uma vez que o bebe não sabe nem mesmo da existência da mãe e só entra em contato com os cuidados que lhe são oferecidos. Não tendo, ainda, nem mesmo uma relação dual, o bebê pode ter muito menos uma relação triádica. Mas o pai pode ser muito útil eomo duplicador dos
53 Encontra- se. às vezes, uma crítica a W innico tt por cie ter atr ibuído uma respons abilidade ex cessiva à mãe c por essa re sponsa bilidade scr tão- somen te da mãe e não do [>;ii . As feministas , e m g er al, não se conf or mam c om essas idéias. Elisabeth Badintcr. por exemplo, cita o conceito winnicottiano de mãe suficientemente boa eom extrema ironia e igual incompreensão (1980). Oeorre que Winnicott descreve e trata das necessidades do bebê, c não das teorias e/ou ideologias. Quanto ao fato de, com relação aos funda mentos da personalidade, a responsabilidade principal ser d;is mães. esse encargo não parece demasiado qiiundo se pensa que o período de adaptação absoluta é de alguns meses, dois, três ou quatro, e que o que a mãe está fazendo é evitar que o seu ftllm seja psicótico. Além disto, caso ela tenha podido regredir à condição natural da preocupação materna primária, isto n ã o ser á tão- somente uma car g a, mas uma neces sidade da própria mãe. 139
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cuidados maternos e, neste papel, ele tem algo de seu n acrescentar ao bebê, como se verá adiante.54 Mesmo assim, não c bom que o pai entre um cena muito pre maturame nte. 0 bebê não está preparado para as inevitáveis diferenças dos modos de manusear e segurar. Existem casos, contudo, em que os homens são mais maternos que suas mulheres, e há relatos clínicos em que a aptidão do pai para o cuidado matcrrio amenizou falhas ambientais, devidas a uma pato logia da mãe. e salvou a criança de distúrbios que poderiam ter sido ainda mais graves do que os que realmente advieram." Se, um pouco depois, o pai passa a participar direta c ativamente, mesmo que ainda na função materna, um certo elemento paterno aeaba se inser indo na constituição do si- mesmo do bebê: da perspec tiva da criança, o pai é vivido “como um aspecto da mãe que é duro, severo, implacável, intransigente, indestrutível” (1986d, p. 104). Esse elemento colabora para o sentimento de segurança do lar e para o estabelecimento do significado do que seja família para uma criança particular (cf. ülem).íf' Naturalmente, a maneira como a criança usa ou não esse pai é determinada pelos modos dc scr deste. Num texto tardio, de 1969, discorrendo sobre a tendência inata à integ ra ção c sobre o simbolismo desse es tatuto unit ário no rnonoteísmo, Winnieott acresce uutro elemento à participação paterna: independentemente de o pai haver ou não substituído a mãe, em algum momento ele aparece, para o bebê, como o primeiro vislum bre cie inteireza c totalidade peswxá, e, deste modo, c usado como padrão da sua própria integração. Se o pai não está presente, o bebê terá, de qualquer modo, de alcançar a integração, mas a conquista será muito mais árdua, a não ser que possa usar alguma outra re lação bas tante estável com uma pessoa total (cf. 1989x a, p. 188). A fig ura paterna torna- se sobretudo importante quando se che ga ao estágio em que o bebê. após tornar- se um eu unitár io, está às 54 Sabre esta contribuição do pai nos estágios iniciais, e sohre alguns acrés cimos teóricos a esta questão, eí. o Capítulo IV, Seção 5. 55 Cf. o caso
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voltas eom a tarefa dg integrar l i vida instintual. Nesta etapa do amadurecimento — a do coneernimento57— a criança está conquis tando a capacidade de assumir a res ponsabilidade pela destra tividade que é inerente aos impulsos instintuais primitivos. Tendo começado a apropriar- se dos impulsos como pertencentes ao si- mes mo, cia se dá conta dos estr agos que sua impulsividade ins tintua l faz na mãe; passa, então, a contar com o pai — sua presença, firmeza, capacidade de intervir e pôr limites — para proteger a mãe de seus próprios impulsos. Se o pai não fizer a sua parte, a criança perderá a liberdade de se movimentar, de agir e ficar excitada, desenvolvendo um autocontr ole que paralisa a espontaneidade e inibe a instintualidade em geral.5* A me dida que o bebê alcança mais matur idade , a dependência torna- se cada vez menor. Por adaptar- se co ntinuam ente ao processo de mutação e amadurecimento da criança, a mãe favorece a desadaptação gradual, e ela o faz falhando gradualmente na adaptação à neces sidade, de modo a ajudá- lo a separar- se dela e a permitir- lhe viver a dependência relativa, para que faça as passagens que levam à independência. A mãe, e depois o pai, e ainda mais tarde a família, a escola, os grupos sociais e círculos cada vez mais amplos passam a prover os cuidados relativos às necessidades cia nova fase que se inicia. O lugar parental implica resjionsabiliílade com os filhos. Cabe aos pais a manutenção da família e do lar, como o lugar de estabili dade para o crescimento dos filhos, e eles ter?o de sobreviver às várias formas de destruição a qu'; seus filhos os expõem para pode re m crescer. Isto exige alg umas abdicações, 15 possível que os pais tenham sc mantido espontâneos e criativos, o que, naturalmente, é vital para eles como pessoas e, até certo ponto, para seus bebês. Quando existe uma criança, contudo, é preciso poder ceder o lugar. A espontaneidade da mãe é altame nte necessária ao bebê; ser eonsistentemente ela mesma é uma das fontes dc que o bebê neces sita para a aquisição da confiança. Mas a mãe adulta não expõe o bebê aos seus próprios impulsos. Além disto, existem crianças que
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se vêem obrigadas a viver numa atmosfera intensamente criativa, mas que per tence aos pais, ou à babá, e não à criança; “ (...] isso as sufoca e elas param dc ser; ou. então, desenvolvem alguma técnica de isolamento” (1986h, p. 41). O fato é que, para criar os filhos de modo a que eles possam viver num mundo de fatos reais, permane cendo criativos, “temos de scr não- criativos, aquieseentes e adaptativos [ ...) ” (tdem). V ale o mesmo, é claro, para o setttoig analítico. 10. Os conceitos win nicotd an os dc ego, si-mesmo e eu Como os termos “ eg o” , "si- mesmo" e “eu” fazem parte do vocabu lário básico da teoria do amadurecimento, c o significado deles está longe dc ser unívoeo — o que se comprova pela diversidade de sentidos cum que são investidos em diferentes teorias filosóficas, teológ icas ou psicológicas — , convém ex plicitar o seu uso na obra de Winnicott, Km textos anteriores a 1962, Winnicott empregou, freqüente mente, os termos “eg o” e “si- mesmo" de forma indiscr iminada, o que induziu u imprecisões conceituais. Foi Fordham, analista jung uiano c seu amigo pessoal, quem o levou a reconhecer, provavelmente no início da década dc 1960. que ele “estava utilizando as palavras ‘si- mesmo’ e ‘eg o’ como se fossem sinônimos, o que elas obviamente não são e não podem ser um a vez que ‘si- mesmo’ é uma palavra c ‘eg o’ um termo que usamos por conveniência, com um significado sobre o qual nos pusemos de acordo” (1964h, p. 371). Winnicott deu-se conta de que os dois termos não eram do mesmo tipo semântico. “Ego” 6 um termo teórico, cujo significado está em aberto para scr conscnsualmente decidido num dado grupo de pesquisadores, en quanto a palavra "si- mesmo” é um ter mo descritivo, da linguag em comum, que “naturalmente expressa muito mais do que podemos expressar: ela nos usa e pode nos conduzir” (1960a, p. 145). A mais clar a das af irmações do autor sobre o “eg o” encontra- se num texto de 1962: “Pode-se usar a palavra ego para descrever a parte da personalidade que tenda, sob condições favoráve is, a se integ rar numa unidade ’' (I965n, p. 55). O termo “ego" não é usado, como sc vc, para desig nar uma instância do aparelho psíquico — já que Winnicott não trabalha eom o conceito heurístico de aparelho psíquico — , mas para nomear o aspecto da personalidade que tende 142
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ü integração. Não tem o mesmo sentido que na psicanálise tradicio nal: foi-lhe sugerido pela psicologia do ego e pelo conceito de núcleos do ego de lidward (ílover. Na teoria freudiana, ao menos em sua formulação inicial, o ego emerge do id, como uma transfor mação deste, operada no contato com o princípio de realidade, ü ego, diz Freud, é aquela parte do id que foi modificada pela influência direta do mundo externo,™ líni função deste ponto — questionável até mesmo para os freudianos, uma vez que fica difícil entender como uma dada estrutura pode dar origem a outra de natureza totalmente diferente —, Winnieott acolheu com simpatia as modificações teóricas intr oduzidas por lí. (ílover , apoiando- se na concepção deste acerca de núcleos ou estruturas primitivas e desor ganizadas do ego, para a formulação do estado primário de não-integ ração, cara cter ístico dos estágios iniciais do ama dure cime nto.ljI' líxeinptos do uso dos conceitos de eg o e si- mesmo podem ajudar a esclarecer o significado de ambos. Num certo momento, o autor salienta que [...] o ego [do bcbôj é ao mesmo tempo fraco e ['orle. Tudo depen de da capacidade da mãe de dar suporte ac eg o C) eg o refor çado, e conseqüentemente forte, é capaz, muito cedo. de organizar defesa s e desenvolver padrões que wíío pessoais [ ...| . A cr iança, cujo ego ó forte por causa do apoio de ego da mcw, log o se torna elu mesma, real e verdadeiramente (1965ví, p. 29).
lim uutro texto, Winnieott afirma que o ego do bebe (...) é fraco ao extremo, se não existe um meio ambiente faeili tador. Mas, se a mãe fornece apoio ao ego e, se ela faz isto de modo suf iciente me nte bom, o ego do bebê torna- se m uito forte e passa n possuir a sua própria organização (1989111, p. 81).
Note- se a diferença entre os s entidos dc ‘‘eg o” e de “si- mesmo” : a tendência inata ao amadurecimento depende do apoio que o am biente fornece. O apoio dc ego da mãe — ou o ego auxiliar da mãe,
lista concepção tem, naturalmente, conseqüências teóricas, uma das quais c o f ato de que a es tr utur ação do eg o est á rela cionada às vieissi tiidcs pulsioíuris. Sobre o come ntár io de W innie ot t a esta questão, c-í. Winnie ott . t OM h, p. 371. fi() íjf. Winnieott, lOí-Wj. p. 27. 1U
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como Winnicott diz cm outros textos — torna forte o ego do bebê e favorece experiências integrativas , conduzindo a criança, mais facil mente, a possuir sua própria or g anização, a tornar- se ela mesma, isto é, a tornar- se um st- mesmo. Ou seja, o ego conduz a tendência integrativa na direção de um si- mesni>. O si- mesmo ó o resultado da tendência integrativa. mas é necessário que a tendência esteja operando. E por isso que Winnicott diz que “o ego se oferece para estudo muito antes de a palavra si-mesmo ter relevância” (1965n, p. 55). O termo si- mesmo, por sua vez, foi usado de duas maneiras dife rentes na evolução do pensamento winnicottiano. Na acepção eentral e mais g eral, si- mesmo refere- se ao estat uto unitár io alcançado pelo indivíduo no estágio em que, se pudesse falar, o bebê diria EU SOU. Se toma rmos o ter mo neste sentido, o si- mesmo é o resultado de uma série de conquist as do processo de integ ração e só se estabe lece de um modo mais consistente no estágio em que o bebê alcança uma identidade, um si- mesmô unitário. Nessa altura, um bebê sadio, operando a partir do si-mesmo verdadeiro, já integrou, inclusive, como um aspecto da sua personalidade, um falso si- mesmo instr u mental. que lhe possibilita lidar com as exigências sociais. Como sinônimo tio si-mesmo. neste mesmo sentido, Winnicott emprega também o termo “eu” (me ou /). O “eu" é, portanto, o si- mesmo que sc separa da mãe, tendo também integrado o verdadeiro e o falso si- mesmo. Winnicott emprega, às vezes, o te rmo “si- mesmo" para referir- se ao estatuto unitário que é alcançado no estágio do EU SOU. Para esse si- mesmo, que já se separou da mãe, e já integ rou o verdadeiro e o falso si-mesmo, ele tambórn usa o termo "eu”. Quando o termo “si- mesmo" e empregado nesse sentido da pers onalidade integ rada, W innicott dirá que, antes dessa conquis ta, não há si- mesmo. Isto pode ser ilustrado por um trecho cm que, descrevendo as fases mais primitivas, ele afirma que "nenhuma mãe, nenhum objeto externo ao si- mesmo, é conhecido; e mesmo esta afirmação e errada, porque cmuLt não há um si- mesmo. Pode- se dizer que o si- mesmo da criança, neste estágio tão primitivo, ó apenas potencial” (19G5vf, p. 30). No entanto, em Natureza humana . cncontrain- se passagens cm que ele usa o termo “si- mesmo” para a resultado de (fiuiU/uer ex períênciu integrucrva momentânea, anterior ao alcance da integração unitária num eti Por exemplo, ao menciona- ' o?, pequenos f o m e n t o s de integração. M- l
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nos estados excitados do estágio mais primitivo, ele diz que tanto a ex igência instintual como o impuls o para nto de vista do indivíduo [,.,| (1 071d, p 210). ,í. B. Pontalis observou que, no meio psicanalítico franccs, os conceitos w innicottia nos de ser (bei?ig) e dc si- mesmo foram rece bidos com hesitação e suspeita, em virtude de terem sido aproxi mados, err oneamente , da noção de si- mesmo de Guntr ip. liste, ligado a uma ecrta tradição da fcnomenologia, havia tentado intro duzir na psicanálise, eom o conceito de si- mesmo, a idéia de um 145
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sujeito unificado c unifieante , que pode reconhecer a si mes mo, que é unidade e continuidade, “suscetível de escapar, em seu ser, à irredutibilidade cio conflito, à alteridadc do inconsciente , à ineoneiliabilidade das representações” (Pontalis, 1077, p. 161). Pontalis certa mente tem razão quando argumeita. contra Guntrip. que “três quartos de século de experiência analítica minam a ilusão do um sujeito monádico, de uma pessoa totalmente assegurada de se pertencer ” (tc/em). Ora . é um equívoco empar elhar o si- mesmo de Guntrip com o de Winnieott: a noção winnieoitiana de tendência à integ ração num si- mesmo unitário não se refere ao campo pulsional, nem a conflitos inconscientes, que seriam por ela superados ou anulados; diz respeito, sim, a todos os âmbitos do indivíduo, às suas potencialidades — inconscientes, de início, mas não no sentido do reprimido: seu corpo, suas memórias corporais, sua temporalidade e espacial idade, do iníc io subjetivas e, depois, objetivas, os es tados de quietude e de ex citação, a inst intualidade, a f antasia, a externalidade do mundo ete. etc. etc. — , as quais, a par tir da não- integração, irão g radualmente integrar- se numa unidade, fazendo parte da pessoa inteira do indivíduo, liste es tatuto unitário não se parece em nada com a eoesão sem fissuras, nem ta mpouco com a autoper tença pre tendida por G untrip. A o contrário, é ex atamente por integrar- se numa unidade, e passar a ter uma realidade psíquica interna, que o indivíduo poderá, então, padecer de conflitos inconscientes. 11. Alguinas características filosóficas c epistemológicas da teoria do amadurecimento pessoal 11 .1. O abandono do deter minismo causai A questão central par a a compr eens ão e clas sificação dos distúrbios psíquicos é o estabelecimento da etiologia. termo que significa, etimologieainontc, teoria das causas. Este significado foi historica mente estabelecido a partir da concepção de ciência, baseada no princípio dc causalidade, e da visão determinista acerca tia natureza dos entes, que são objeto de estudo científico. Pelo que foi dito ante riorme nte, W innieot t não com par tilha dessa concepção de nature za humana, nem defende uma ciência determinista. Ao descrever a 1 46
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origem do scr humano, tle recorre a uma série de expressões que não admitem uma interpretação eausalista: a passagem do bebê potencial ao bebê real não pode ser entendida d'- modo causai. Não se trata dc uma atualização de propriedades determinadas que estariam já embutidas no indivíduo, e que se desenvolveriam e se mani fes tariam no decorrer do tempo. Para começar , não há ‘dete rmina ções’’ intrínsecas no bebe, sejam elas somáticas ou psíquicas, dom a única exceção da tendência à integração e da criatividadc origi nária, todas as características possíveis do bebe precisam ainda ser criadas. As determinações gencticas fornecem alguns limites orgâ nicos, mas não a orientação do que será a pessoa do indivíduo. O processo de surgimento de um indivíduo, como uma pessoa com identidade, não acontece automaticamente; depende fundamental mente de um fator interno, imponderável, que c a criatividade do bebe, c de outros fatores igualmente imponderáveis, tais como a saúde psíquica da mãe e a sorte. Km 1960, referindo- se ao fato dc os estágios do amadurecimento terem urna ecrta época para acon tecer, que varia de criança para cr iança, Winnic ott afirma que essas datas, "ainda ifiie fossem conhecidas com antecipação, no caso de uma certa criança, não poderiam ser utilizadas para predizei- o ama durecime nto real da criança por causa do outro f ator, o cuidado materno” (1960c, p. 43: grifos meus). Embora as características hereditárias do indivíduo forneçam um padrão e uma certa configuração de possibilidades e de limites, o homem não pode scr pensado como um produto predeterminado, seja pela sua cons tituição — biológ ica ou psíquica — , seja pelo ambiente externo, que moldaria o indivíduo, como postulou a psico logia acadêmica. Uma vez iniciado o amadurecimento, o ser huma no está jogado na indeterminação dos encontros ou dos desencon tros que vierem a acontecer, e é desses fatores imponderáveis, que depende o modo como suas potencialidades irão se realizar, líste c o motivo pelo qual Loparie, aproximando a concepção de Winnicott da dc Hcidcgg er, vê, no amadur ec imento pessoal descr ito por W inni cott, a “ae ontece ncialidade" do ser humano. Preservar esse sentido do amadurecimento leva à necessidade de rigor na terminologia teórica. Para sermos exatos com relação a Winnicott, diz Loparie, devemos evitar o uso dc termos que carregam conotações bioló gicas, tais como “process o” ou “m atur ação”, substituindo- os, como temos feito, por “amadurecimento”: 147
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A o inv és do fala r c m “pr oces s o” que pr oduz ou do qual r e s ulta o ser humano, parece mais adequado dizer que a natureza humana "acontece”. Creio ser esclarecedor, no prese nte conte x to, re corre r :i HeidcgjJcr, que diz que o ser humano não é. tal como unia coisa qualquer, um mer octife . e sim um uccmtecente (ges/úcfutich). e que íi su.a existência tem o sentido de tuna aeonteoência (Ge&cheheti), a qual, por sua vez, é um modo de temporalização do ser humano (Loparie, 2000b, p. .157).
Por outro lado. mesmo dependendo fundamentalmente dos cui dados ambientais, c preciso dizer que o ambiente “não faz o bebê crescer nem determina o sentido do crescimento” (1963c. p. 2Ü1). Quando suficientemente bom. o ambiente não determina causalme nte o bebê; apenas fornece as condições facilita doras para o processo maturat ivo agir. Fr eqüentemente se pensa, afirma Winnieott, que fazemos os nossos filhos e lhes ensinamos tudo. Exata mente o oposto é a verdade, pois “não podemos nem mesmo ensiná-los a andar, embora a sua tendência inata para andar cm certa idade precise de nós como figuras dc apoio” (1987b, p. 162). O mesmo vale para o surgimento dos distúrbios psíquicos. E cer to que a saúde psíquica da criança não pode se estabelecer sem cuidados ambientais suficientemente bons. Mas assim como um mau ambiente não causa diretamente a estrutura da doença, tam bém uma experiência ambiental corretiva não cura diretamente a criança ou o paciente (1965b, p. 127). A doença neurótica, por exemplo, não é causada pelos pais. A o long o da obra winnie ottiana, eneuntrar- se- ão inúmeros ex em plos de não- causalidade, Num tex to dedicado aos pais, Winnic ot t discorre sobre a responsabilidade de cada pessoa no que diz res peito à escolha do parceiro conjugal, em termos dc herança anatômica e fisiológica. Nesse texto, ele diz que. após o espermatozóide ter pene* trado o óvulo, as coisas começam a funcionar por si mesmas, e o que sc necessita é da guarida dos pais para a tendência inata ao amadu recimento do feto gerado. É de muita ajuda para os pais que eles saibam que não há nada a Jazei- para que o bebê se converta em criança, para que a criança cresça, para que a eriança em cresci mento seja boa ou asseada, que cresça generosa, e que a generosa criança saiba escolher com inteligência os presentes adequados para as pessoas adequadas. “Ninguém tem de fazer uma criança faminta, irada, feliz, triste, afetuosa, boa ou travessa:
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acontecem, e isso únulo” (1993b, p. 125: fritos meus). Xo entanto, há muitas coisas que podem ser feitas indiretamente: uma delas é que “a mãe, muitas vezes, impede a esquizofrenia por meio de um bom manejo comum" (1987b, p. 40). A or ig inação do ser humano, ou o seu amadurecime nto, não é, portanto, um aeonteeimento que possa ser visto como efeito de uma causa. O poder do qual surge o existir humano não 6 do tipo que produz efeitos, É antes um deixar que o cjue cm ida não é chegue a ser, que o que não está presente chegue à presença, que as possibilidades de ser venham à luz, lançadas na indeterminay ão da vida.1'1() car áter não- eausal da teoria w innieottia m revela- se, ainda, no fato de não haver, a.despeito da importância atr ibuída aos cuidados ambientais na constituição do indivíduo, nenhuma regra esti)ntlável que a mãe deva seguir, nem legislação alguma do comportamento materno que ga ranta às mães serem bem- sucedidas cm sua tarefa. Ao contrário, qual quer normatização dc como deveria ser a “mãe suficientemente boa” seria o mes mo que destruí- la. O ‘'saber" das mães, que vem funcio nando bem há milhares de anos. não admite scr categorizado ou ensi nado; é fruto de uma compreensão inteiramente pessoal que deve ser recriada com cada novo bebê, mesmo no caso de gêmeos. A qui pode surgir a pe rg unta sobre o ganho cognitiv o — e. em decor rência, ter apêutico — ao se destacar a não- eausalidade da teoria w innieottiana, Uma res posta possível é a seg uinte: uma teoria não- causaí per mite pôr e m ev idência a essencial precariedade da vida humana e seu caráter fundamentalmente não- controlãvel. Para W innieott, 6 essencial reconhecer este fato, e permanece r próx imo de algo que pode scr chamado de “mistério” do ser humano, embora isto não deva nos levar para nenhum tipó de misticismo. Ao con trário, é exatamente devido à tarefa científica, ao rigor que a carac teriza, pela obediência ao ca ráter específico de seu objeto de estudo, 61 W innie ott não é o único pensador n;i área da teoria dos dist úrbio s psíquicos a recusar :t concepção causai do homem. Tellciibach. psiquiatra influenciado pela fenomenologia, também aponta a diíerença entre a causalidade cm sentido estrito e o “ter origem”. Nn sita interpretação tia ctiología da melan colia, o princípio de causalidade é substituído pulo princípio de correlação, lilc iik íi uma analu^iíi para ex pressar a di f‘.;".hça. úf.íí S” afirmar, sustenta Tellenbaeh, que "as árvore* ííoreseem ponpte a primavera chegou”. (kjnii» um relayiio a tudo o l | u i_' ft',icsee, a parti rde si mesmo, é preciso dizer: “As rírv oresf lorescem ;>o£s a p- imin- era elicj;(tu" (T eilenbach. 1*J79, p. 2 77 ). 1 19
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que a indeterminarão da vida deve ser preservada tal qual é. Não devemos — e este é um dos príncipios metodológicos da ciência do homem praticada por Winnicott — tentar tematizar o homem à custa de distorcer- lhe a natureza. Por isso, muitas vezes, c preciso admitir que “a obscuridade tem um valor superior à falsa claridade” (1989vu, p. 186). Parece ser exatamente este o sentido da questão posta por Winnicott na carta, já mencionada na Introdução, de 1954, a Anna Freud, quando, após expressar a sua profunda descon fiança com relação aos termos da metapsicologia, faz a pergunta: ■ ‘Será que c por que eles for nece m uma apar ência de compre ens ão onde tal compreensão não existe?” (1987b, p, 51), Uma conce pção não- causal do amadur ec imento huma no pode ser considerada re volucionária não só para a psicanálise, mas para a própria filosofia da ciência. Este c um dos pontos que distinguem, fundamentalmente, o pensamento winnicottiano da teoria do de senvolvimento libidinal de Freud c da teoria kleiniana, assim como de qualquer outra concepção fundada na noção dc forças, nas quais o desenvolvimento humano é entendido segundo as leis que regem os entes naturais. 11 .2. A negatividade Na concepção winnicottiana dc scr humano, uma negatividade in trínseca perpassa toda a positividade da vida o mant em permanente a tensão entre scr e não-ser. O que o estudo de bebês e dc psicóticos revela, com toda a clareza, é o fato dc o ser humano estar, desde sempre, comprometido com o ser e com o não-ser. Dito dc outra maneira, todo poder scr parte do não-ser e ser nunca c completa mente dado ao scr humano. É sempre uma conquista precária e que. assim mesmo, nem sempre se realiza: "Há pessoas que passam toda a vida não sendo, num esforço desesperado para e ncontrar a base dc ser” (1984b, p. 116). Por conceber assim a natureza humana, parece inteiramente arti ficial e desnecessário, a Winnicott, recorrer a construções especula tivas de tipo naturalista ou energética, como a da pulsão dc morte. O conceito de pulsão de morte ou de destruição entronisa o mal como w nti eiuictiule < j perante nela mentiut, negligenciando a implicação plena da dependência humana, absoluta ou não, e, portanto, do fator ambientai, que pode produzir estragos consideráveis. 150
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O que está na origem cio homem não c uma positividade. O ser humano não é deduzível dos genes, nem é fruto de uma constituição dada. “Os genes não bastam”, diz Winnicott. Tampouco deriva do desejo da mãe/*2A pergunta que ele mesmo se põe — “Qual é o estado do indivíduo quando o ser emerge do interior do não- ser?” — res ponde: “No princípio, há uma solidão essencial.” O ser humano, diz ainda, “emerge não do inorgânico, mas da solidão" (19SH, p. 155). O "estado anterior ao da solidão é um estado de não-estar-vivo” (ibid., p. 15 4). E mergindo do não- scr, ele é lançado na vida e não há nenhum fundamento discernívcl para o seu existir. A sua única determinação, estrutural e vazia de conteúdos, é o estar vivo e a tendência ao amadu recimento, à integração numa unidade. Mas essa tendência depende do que vier a acontecer, podendo, inclusive, fracassar, Além disto, a própria tendência à integração carrega cm si um “operador” negativo, devendo integrar sempre, também, o não-ser. que permanentemente atravessa c acompanha o seu desenrolar. A vida humana é concebida como um intervalo entre dois estados de não- estar- vivo; a base da na tu reza humana é um espaço entre o ser e o não-ser. O fato de a existência estar aberta, nos seus dois extremos, para o nada, fornece a matriz para todas as manifestações tia vida humana e para as suas possibili dades: ‘No amadurecimento do laetente, viver se origina e se estabe lece a partir do não-viver, e existir sc torna um acontecimento que substitui o não-viver, assim como a comunicação se origina do silên cio” (1965j, p. 173). A saúde, em par ticular, pode scr vista como uma superação do estado orig inário de não- ser, e um lento apropriar- se do ser, que pode, contudo, sempre escapar. Tal como para Heidegger, também para Winnicott a vida se dá eomo uma apropriação que aconteceu sobre o fundo da neg atividade orig inária. Qua nto à doença psíquica, cujo protótipo é a psicose, ela acontece se a tendência à integração tuío puder seguir o seu curso. Ou seja, a psicose decorre do fato de aquilo que deveria ter sido levado a termo, no início do processo de amadurecimento — a tcndcncia estrutura! do bebê à integração e à relação eom tudo o que é não-eu — não ter se dado. Isto quer
(• 2 É bast ante fr eqüente, e deve ser considerado nor mal , diz o autor , que o filho seja resultado de nm pequeno acidente e “é uma atitude sentimental dar muitii importância ao fato de a criança ser concebida a partir de uni desejo cons ciente” ( l ‘AS7e, p, 44 ). 151
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dizer, secundo Winnicott, que íi positividade da vida precisa scr constituída dc modo a encobrir, sem negar, a negatividade da origem. E sobre a negatividade originária que se tece a trama da presença, velando, assim, o abismo da ausência. Só assim, ser c presença podem acontecer: “E somente a partir da não existência que a existência pode começar" (1974, p. 76). Isso é verdadeiro para todas as conquistas que cabem no rótuío de saúde, como, por ex emplo, a capacidade de aümentar- sc e dc comunicar- se: O único comer real tem como base o não comer, lí a partir do não scr criativo, tle estar isolado, que a criação de objetos c do mundo passa a ter s ignificado. O prazer da com panhia s ó ex iste corno um desenvolvimento a partir do isolamento essencial, o isolamento que reaparece quando o indivíduo morre (1984 b. p. 116).
l‘or fim, todas as conquistas são precárias, e mesmo o que foi atin gido pode vir a ser perdido. Esta c a razão pela qual o ‘espaço poten cial”, do brincar e da vida cultural, c identificado como o “lugar em que vivemos” (cf. 1 97 1g ). O brincar é a ex periência mesma da preca riedade, da finitude, a área de ilusão que só vale por um tempo, que sc abre c sc fecha; é por isso que o brincar serve dc paradigma da vida criativa, a única “que vale a pena ser vivida”. A precariedade significa que pode sempre partir- se, ou não chegar jamais a constituir- se o fio que ata o homem à vida c ao sentido da vida: O vínculo entre a vida criativa e a vida ela mesma pude ser feito, utilm e nte feito, e podem ser escudadas as razões tle por que a \ itla criativa potlc ser perdida e por que o sentimento tio indivíduo de que a vida é real e sig nificativa pode desaparecer (19 71 g , p. 10 1).
Não há fundamentação possível para essa questão básica nas metapsieologias de que dispomos. A existência do indivíduo, sua capacidade de ser, não está em questão para a psicanálise tradicio nal. E a isto que se refere Pontalis (1977) quando afirma, no Prefácio à sua tradução francesa de Pktyin}$a nd Reatity: Mesmo se Winnicott recorre aos conceitos clássicos, percebe-se que eles não são. para ele, realmente adequados para aquilo que ele busca iluminar, que a idéia mes ma de inconsciente, im posta a Freud pelo funcionamento psieoneurótieo, não lhe parece capaz de signi ficar essa dimensão de ausência que ele reconhece como um vazio 152
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necessário para o sujeito. Avançarei dc bom grado que. sc a tópica fre udiana das instâncias e das localidades psíquicas es tá apta a confi g urar o conflito intra- subjetivo, cia só aparece s ecundariamente em W innico tt | ...| . Todo a nossa concejtçào de realidade psíquica se encmutxi, jx >raí, modificada (i b i d p. 196: grifos meus).
A qui temos a razão pr incipal pela qual, desde muito cedo em sua carreira eomo psicanalista, Winnicott reconheceu o caráter inessen cial das neuroses, no que concerne a uma compreensão acerca da natureza humana, Nas neuroses, o eng ate 11a vida não está posto em questão. O não que concerne às neuroses c um não que sc dá no inte rior da vida, sendo parte da história do indivíduo. Nas psicoses, o não nega a própria possibilidade de ser; não faz parte, portanto, de uma história, porque esta só se constitui eom base no ser. As questões fundamentais, dc vida ou morte, que afligem os psicóticos, não têm, nem ao menos, eomo ser formuladas 110 quadro da metapsicologia tradicional: Raramente chegamos ao ponto em que podemos começar a des crever o que se pare ce à vida, « parte a doença ou a «us éncut desta. Isto eqüivale a dizer que ainda temos de enfrentar a questão dc saber sobre v que versa a vridn. Nossos pacientes psicóticos nos forçam a conceder atenção a essa espécie de problema básico (1967b, p. 1.17; grifos meus)>1
63 Também não há eomo encontrar apoio para esta questão nas filosofias de cunho metafísico, eujo âmbito de reflexão é o ser como presença em sua plena positividade. Necessitamos aqui dc licidegger. Knrai/.adn «o não-ser, há uma cisão originária, essencial e inultrapassável no indivíduo. Em seu texto sobre a temporafidade ein Kreud e Ileidegger, diz Juliano Pessanha: “Irromper no mundo, ceder à tentação de existir, é cair no interior das cenas que distribuem a cada um 'nome', ‘realidade’, 'duração* ete. Essa entrada é um eorte; unia cisão entre a estranheza do exílio (das Unlieimliehe), o espaço da noite onde ainda não sou e o dia claro da história (da casa) que me tece e diz meu nom e" (19 92 , p. 82 ). A lcançar a vida, dotá- la de consistência e sentido, é urna conquista, é obra de uma negação, é o esque cimento, pela adesão à positividade do unindo, do vazio primordial que se esgueira por toda a parte. O homem, “jogado nas possibilidades do mundo, já sc envolveu na tr ama das sig nif icações tendo conquis tado um ‘ser ’ e uma 'duração'. Mas esta conquista está sempre roída de fim e mareada pela impossibilidade. Perseverar na duração, zelar pela manutenção da grande fábrica do mundo, é esquecer- se tio fim, é fug ir dando as costas ao g rande ex ílio" (tc/em). 15 3
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12. A linguagem e as categorias descritivas da teoria do amadurecimento Usualmente, Winnieott inicia a d e s c r i ç ã o do processo dc amadureci mento pelos estágios mais adiantados, aqueles que foram estudados pela psicanálise tradicional para, em seguida, apresentar os mais primitivos, “em direção ao desconhecido dos primeiros instantes cm que o termo ser humano pode ser aplicado ao feto no interior do útero” (1 988 , p, 5 2). 15o que fax. por ex emplo, em Nutitresa kinruinu. A es colha dessa ordem de apr esentação deve-se ao fato de ele saber que seus presumíveis leitores são. na sua grande maioria, psicanalistas habituados a pensar no indivíduo já constituído; afei tos, também, à linguagem da metapsicologia, que é referida não a uma "pessoa”, mas a um “aparelho psíquico”, composto de forças, intensidades dc forças c mecanismos mentais, c destinada à des crição dc conflitos e distúrbios pulsionais. Como, além disto, a sua concepção de natureza humana c dos estágios iniciais difere substancialmente da for mulada pela metapsicologia e pela psicanálise tradicional em geral, Winnieott tem cuidados especiais com a linguagem na qual sc exprime ao abordar esse tema, justamente para dar conta da peculiaridade do que está acontecendo com o bebê no início da vida. Ele sublinha, repetidas vezes, que a descrição de cada estágio requer uni novo método de apresentação e uma linguagem específica (1988, pp. 126 c 147). A ling uag em usada para a descr ição dos fenômenos humanos, diz ele, “cresce, por assim dizer, com o crescimento da criança” (1964g, p. 9), dc modo que aquela que é adequada para descrever as con quistas de um estágio torna-se “errada” para outro estágio (ibid., p. 52). Em particular, é errado descrever os estágios iniciais com os mesmos termos que são utilizados para a descrição da fase edípica — quando já sc supõe terem sido alcançadas a identidade pessoal e a inteireza, e na qual já existe uma vida interna em que estão pre sentes os conflitos inconscientes res ultantes da vida instintual e dos re lacionamentos interpessoais. Como foi mostr ado na Introdução, a insistência sobre a mudança dc linguagem está longe de scr um capricho ou uma idiossincrasia. Ela re flete as ex igências impostas à teorização pelos próprios fenômenos iniciais da vida humana. Winnicott esforça-se cm comunicar, sem deturpação, o que sc dá, direta15-1
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menti;, na “magia da intimidade” entre o bebê e a mãe e entre o paciente c o analista na situação clínica. Ele sabe que, no campo experiencial, envolvendo bebês e psicóticos, a compreensão não acontece por via exclusivamente intelectual ou mental, mas exige um tipo de proximidade e de comunicação com o paciente, seme lhante ao contato entre a mãe e o bebê. A essa linguagem pertence, essencialmente, o silêncio, a comunicação prc-verbal e a pré-representaeional. Falando da comunicação entre a mãe c o bebê. Winni cott assinala que o leitor está sendo levado "para um lugar onde a verbalização perde todo c qualquer significado” (1968d, p. 81). O que fazer, então, para r elacionar tudo isto com a psicanálise tradicional, cujos fundamentos clínicos se assentam no processo de inte rpr etações verbais de pens amentos e de idéias ver balizadas? (cf. ideiri). A te oria do amadur ecimento pessoal tio indiv íduo não só abre a questão da compreensão adequada dos estágios iniciais, para os quais torna-se necessário uma linguagem inteiramente nova, como impõe novas condições sobre a linguagem descritiva das fases poste riores. Embora a abordagem winnicottiana dos estágios mais avan çados guarde muito do que está já configurado pela literatura clás sica sobre os distúrbios neuróticos, Winnicott opera, de fato, uma redescrição dos fenômenos pertinentes ao estágio edípico e, conse qüentemente, da teoria das neuroses que Ibe corresponde. Essa redescrição, feita em seus próprios termos, a partir da teoria do amadurecime nto, tornou- se necessária em função do novo para digma que embasa a totalidade dc sua teoria.
155
CAPÍTULO III
OS ESTÁGIOS PRIMITIVOS: A DEPENDÊNCIA ABSOLUTA
1.
O estág io pré-natal: espontaneida de c reatividad e1
Depois de apres entar alguns aspectos gerais da teoria do ama dure cimento, passo agora à des crição dos está/lios iniciais , começando, neste terceiro capítulo, pelos mais primitivos — a vida intrauterina, o nascimento, o período imediatamente após o nascimen to e o es tág io da primeir a m ama da teórica — , abrang endo todo o período em que o bebê vive cm situação de dependência absoluta da mãe. Quando começa o processo de amadurecimento? Em outras palavras, a partir dc que ponto da gestação é possível considerar que já ex iste ali um ser humano capaz de ter ex per iências ? Seg undo W innieott, não c possível, nem relevante, de terminar o ex ato mo mento em que o feto pode começar a ser considerado um ser humano passível de ser estudado do ponto de vista psicológico. Provavelmente, diz ele, “a única data segura é a da concepção” (1988, p. 47). O fato é que em algum momento, após a concepção, ocorre um “primeiro despertar”, a partir do qual passa a haver "um simples estado de ser, e uma consciência [mmreness) incipiente da conti nuidade do ser e da continuidade do existir no tempo” (.1988, |). 157). lí difícil, se não imposs ível, proceder a uma observ ação dire-
l <) livro JVfiturvaa (umimiii será toma do com o base para a análise apres entada n c s l j i sevão
157
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ta desse estado: “Ele pertence ao bebe o não ao observador” (1988, p. 148).2 Tendo atingido o estado de ser, o que o bebê necessita 6 continuar a ser. Todas as suas outras necessidades advêm do fato dc o bebê ser e rer de continuar a ser. Ao longo da vida ate a morte, a continuidade dc ser permanecerá como o problema fundamental; .sua preservação eqüivale à saúde.1 A uma certa altur a da gestação, os bebês come çam a mov imen tar-se dentro do íitero. e c muito provável que as sensações tenham início nessa época. Evidências clínicas permitem presumir que, tanto a movimentação quanto a quietude, cxpcricnciadas na vida intra- uterina, são significativ as para eles e, de alg um modo, ficam registradas. Isto se deve também ao fato de o desenvolvimento cere bral ter atingido um determinado patamar, o que capacita o feto a reter memórias corporais. E provável, portanto, que, nessa ocasião, tenha início uma estocagein dc experiências e uma organização central destas, de tal modo que “as memórias corporais, que são pessoais, começam a juntar- se para for mar um novo ser humano ” (1988, p. 39; grifos meus). Isto significa que, “a partir de uma eerta data anterior ao nascimento, nada daquilo que um ser humano vivência é perdido” (1988, p. 147). Em termos do amadurecimento pessoal, a questão fundamental que se põe, já neste início, relaciona- se com a oposição entre espontaneidade e reatividade, oposição que estará presente, em crescente complexidade, ao longo da vida. Buscando a linguagem apropriada
2
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Co m esta frii.se, W innic ot t ass inala <> fato dc ocorr ere m coisas essenciais eom o bebe que são inacessíveis para o observador. Disto decorre que o estudo das patologias g r a v e s jy tipo esquiz of rênico, eujo po nt o de or ig em está nas fases mais primitivas, é sobretudo profícuo por meio da observação e do tratamento de crianças maiores ou de adultos que regridem à depen dência, e não por meio da observação de bebês. Ele diz: “A experiência levou- me a v erificar que paciente s dependentes ou em reg ress ão profunda podem ensinar mais ao analista sobre o início da infância do que se pode apreender da observação direta dos laetentes” (1965m, p. 129). A propósito desta questão, diz Loparie: “C omo em lleideg ge r, a dificul dade inte rna da vida não advém da sua finitude. do ter- que- morrer. mas antes do ler- que- continimr- sendti. E daí. desse ter-que-ser. que surgem, s eg undo W innic ot t, todas as outras necessidades humana s " (Loparie. 2000b, p. 359). I5 N
O S IC S T A Í il OS 1 'K I MIT IV O K : A DK l M Í N DÊ N C l A A H S O U l . V
para descrever esse momento inicial, Winnieott recorre a uma analogia que lhe foi sugerida por uma paciente:4o bebê, ou o feto. é como uma bolha. Se a pressão externa está adaptada à pressão inter na, a bolha pode seg uir “ex istindo”. T ratando- se do bebê huma no, dizemos que ele continua “sendo”. Se, por outro lado, a pressão no exterior da bolha for maior ou menor do que aquela no seu inte rior, a bolha passará a reagir à intrusão (nnjringement): ela se modi fica como reação a uma mudança no ambiente e não a partir de um impulso próprio. Para o ser humano, isto significa uma interrupção do ser, produzida pela reação à intrusão. Cessada a intrusão, a reação também desaparece, e pode haver, então, um restabeleci mento da continuidade de ser. A perg unta decisiva é: de onde parte o mov imento que gera o contato? O movimento deriva da necessidade decorrente do “estar vivo” do bebê ou é uma reação a uma mudança no ambiente, reação que inte rr ompe a continuidade de ser? No primeir o caso, o bebê está dormindo ou recolhido em quietude e a mãe preserva seu isola mento imperturbado, esperando o momento cm que ele faz de novo um mov imento, descobrindo outra vez o ambiente. A mãe que acom panha, sem interferência, esse vaivém do bebê — da quietude ao mov imento e vice-versa — , a par tir da necess idade dele, estabelece um certo padrão de relacionamento. Neste caso, as experiências, e as memórias corporais da experiência, são pessoais. No segundo caso, a iniciativa de movimento parte do ambiente. Se este, repetidamente, se antecipa ao movimento do bebê, estabeleee-se um padrão de relacionamento que pode ser chamado de intrusivo. Na vida intra- uterina, o bebê está mais proteg ido dos mov imentos a mbienta is invasivos, eomo, por ex emplo, as flutuações de ânimo de uma mãe instável. Mas mesmo as condições da vida intra- uterina estão longe dc scr ideais, como em g eral se pensa.
('f. W innie ot t. 1958f . p. 264 . I5<>
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A T E O K IA D< ) A M A I) ’UK (;IMKNT C) IJIC IJ. VV W INN ICO T T
p. 149 ). As invasões ambientais obrigam- no a reag ir e, neste caso, pode-se estabelecer um estado de alerta, prematuro, que não tem nada a ver eom a percepção dc alguma coisa, mas com um certo tônus dc vigilância, devido à virtualidade dc uma ameaça dc invasão (1974, p. 75). A oposição entre espontaneidade e reatividade mos tra que “a influência ambiental pode iniciar-se numa etapa muitís simo preeoee, determinando sc a pessoa, ao buscar a confirmação de que a vida vale a pena. irá à procura de experiências, ou se retrairá, fugindo do mundo” (üievi) . Tudo isto fica mais claro quando, após o nascimento, o bebê tem de se haver, mais diretamente, com os modos de ser da mãe e com os estados emocionais dela. Se esta e do tipo que age segundo a sua própria necessidade ou ansiedade, e não segundo as necessidades variáveis do bebê, ocorre uma intrusão e o bebê reage. A reação à invasão quebra a continuidade de ser do bebê, por não ter relação alguma eom o processo vital do próprio indivíduo: “A perturbação que for ça o bebê a reag ir retira- o de um es tado de ‘ser’, liste es tado de ‘ser’ só pode ser obtido sob certas condições, lincfuanto está reagindo, um bebê nüa está 'seiulo” ' (19581', p. 267; grifos meus). Se o contato é feito a partir do gesto espontâneo do bebê, o fato de ele estar vivo e a própria experiência são sentidos como reais, e o acúmulo dessas ex periências pessoais começa a integrar- se na per sonalidade; quando, entretanto, a reação à intrusão subtrai algo da sensação de um viver verdadeiro, esta só pode ser recuperada por meio do retorno ao isolamento, à quietude. 2.
A experiência do nascimento
Seja qual for o instante do “primeiro despertar”, o fato c que, em algum momento próximo ao nascimento, ocorre o “grande des pertar", quando “ o bebê sente-se pronto e alerta para o grande mergulho" (1968d, p. 81). A efetividade do grande despertar pode ser demonstrada pela diferença perceptível que existe entre um bebê que nasce prematura mente e outro nascido pós- maduro. O pr i meiro ainda não está pronto para a vida ex tra- uterina, parecendo pouco capacitado para esta condição, enquanto o segundo dá mos tras dc ter permanecido tempo demais no útero, estando sujeito a 160
OSESTÁGIOS 1‘KIMITIVOS: AIMÍIMÍVDRXCIAABS<)H 'T A
uma espécie de “estado dc frustração” por ter sido mantido à espera depois de estar pronto.5 O processo de nascimento não é traumático em si mesmo; só o será em função de problemas que possam surgir durante o parto," O nasci mento é dito normal quando a reação às inevitáveis invasões da ocasião não excede aquilo para o qual o feto está preparado, lí claro que, mesmo quando tudo corre bem. o processo de nascimento provoca uma deseontinuidade, mas esta pode ser suportada, pois o bebê já fez, na vida intra- uterina, inúmeras experiências dc interrupção da continuidade de sér, tendo acumulado não só memórias corporais, como, ate mesmo, organizado defesas contra possíveis traumas. A condição que carac te riza o parto normal c o bebê nascer no tempo certo, o do nascimento “a termo”, ou seja, após nove meses de vida intra- uterina, prazo com o qual a fisiologia e a psicologia estão dc acordo. Nos partos normais, a fisiologia coincide com “a prontidão do bebê para abandonar o útero”, de tal forma que ele c capaz dc sentir todo o processo como algo natural. O processo de nascimento pode, contudo, ser traumático, c isto ocorrerá se, devi do a problemas no parto, houver atraso ou antecipação. São estas as condições — de caráter temporal — que caracterizam o parto anormal.7Dificuldades c acidentes desse tipo acontecem, c são trau5
W innic ot t usa, aqui, a palavr a "fr ust ra ção” no s entido comum, c não técnico, uma vez que, para ele. 'palavras como frustração começam a ter um s ig nifica do apenas quando o bebê torna- sc capaz dc ter, em sita mente, a noção dc que alg o era es perado, mas que a ex pectativa não sc rea lizou plena mente” [1987c, p. 46; grifos meus). Essa condição, obviamente, não pode ser afirmada nesse momento tão primitivo, sendo necessário um longo caminho de amadurecimento pura que a frustração possa existir, isto é, ser ex perieneindn enquanto ta!. 6 W innic ott e nfatiza a necess idade de se difere nciar entr e ex periência de nascimento e trauma de nascimento (1958Í, p. 261). Tal como Preud, ele considera inteiramente improcedente a tese de Otto Rank, de que o nasci mento seria em si mesmo traumático por operar uma separação dramática da mãe. Ora , o recém- nascido não iom mat urida de ne m mes mo para sentir-se lidado à mãe — ele sente, apenas, segurança e continuidade ou insegurança e descontinuidade — e não pode. portanto, experimentar nenhuma separação (1958Í, p. 255), 7 Cf. W inn ico tt , 19581’. () tra uma, neste ponto, é relativo ao parto l >ao nasci mento. Saliento o seu caráter temporal unia vez que este é, segundo Winni cott, o earáter específico dos traumas que estão na base das patologias psicóticas. À questão será desenvolvida num próximo livro sobre as psicoses esquizofrênicas na obra de Winnicott.
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A T EOK 1 A IX ) A M A DU R E C IM E N T O l)K l>. W . \ VL\ \ '1C( >TT
mátieos, em variáveis graus, segundo í i capacidade do bebê de su portar a intrusão, mas eles não precisam scr determinantes, a não ser quando ocorre lesão física. Afora os casos dc lesão tísica, que têm suas próprias conseqüências psicológicas, pode-se observar as dife renças que existem entre as necessidades dc um bebê nascido a termo daquelas do indivíduo cujo parto foi traumático por ter sido demorado ou prematuro. K exatamente aí que a “adaptação à neces sidade”. por parte da mãe suficientemente boa, ganha relevo: eabc a ela ente nder e adaptar- se às diferenças do bebê sing ular. Quando t udo corre bem, o nasc imento constitui- se numa expe riência de grande valor para o futuro indivíduo, A prova disto está no prazer que quase todas as crianças, assim eomo alguns adultos, extraem das atividades c jogos que envolvem a dramatização de um ou outro aspecto do processo de nascimento. Por isso, se um bebê nasce de cesariana ou se nasce em estado de anestesia profunda — cm função dc a mãe ter sido anestesiada — ele terá perdido alguma coisa dc muito import ante , pois, no processo normal dc nascime nto, do ponto de vista do bebê, “foi o seu próprio impulso que produziu as mudanças e a progressão física, em geral começando pela cabeça, em direção a uma nova c desconhecida posição” (1988, p. 166). Ou seja, para o bebê, o nascimento aconteceu a partir do seu próprio impulso; foi ele, portanto, que fez acontecer seu próprio nasci mento. No entanto, não há razão para supervalorizar essa experiência, líla c uma entre uma série de fatores favoráveis ao desenvolvimento da confiança, da estabilidade, da segurança etc. Nos casos cm que tudo correu bem no processo de nascimento, 6 pouco provável que ela surja eomo um ponto importante na análise. É apenas quando as complicações do processo dc nascimento ultrapassam os limites que o bebê é capaz dc tolerar, isto é, quando ocorrem graus intoleráveis dc invasão c as conseqüentes reações, que ele sc torna traumático, podendo decorrer daí uma distorção grave, relacionada com um início forçado c prematuro do funcionamento mental. Quando isto acontece, a experiência será retomada inúmeras vezes na análise, o que é fr eqüente no tr atamento dc psicóticos. *
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Sobre a ex periência e o tra uma do nascimento, e sobre a impor tância desta questão na análise de psicóticos, cf. Winnieott, 1958t\ 162
O S K ST ÁI1IOS !’KI !’KIM1T1\ 1T1\ '( >S A DKCK XDK Ní HA A ÜSO I.I TA
3.
Prim eiros eiro s mom entos tle vida vida extra-uterina
Não c logo que nasce que um bebê precisa de alimento qu está completamente pronto para buscá-lo. O que ele certamente neces sita é de de um tempo te mpo para recup recuperar- se das das des continuidades que são são inerentes ao processo de nascimento, e retornar ao sentimento de continuidade de ser. Isto o leva, no mais das vezes, a um estado de quietude. quietude. A lem disto, o dese nvolvimento cerebral, conjug ado ao “grande despertar” e à experiência do nascimento, fazem com que o bebê esteja ocupado com sua nova condição, ao mesmo tempo cm que a mente primitiva está catalogando as impressões e a serie de pequenas reações às inevitáveis invasões da nova situação am biental. O r eccmeccm- nascido ascido está, está, cm g eral, ex tre mamente suscetí suscetível vel a todas as sensações relativas ao tato, às condições dc temperatura, luz, textura etc., mas há, sobretudo, dois fatos novos com os quais ele tem dc lidar: o início da respiração e a primeira experiência com a ação ação ddaa gr avid av idade. ade. Sup Supõe- se. f r eqüente eqüente mente, mente , que a ex periência periência inaugural de respirar seja traumática em si. Para Winnicott. no entanto, o que pode ser traumático não é o início da respiração, mas um atraso significativo desta, associado a um nascimento prolon gado. Quase sempre, o início da respiração ocorre sem maiores problemas e não não cheg chegaa a ser sig nificativo (tr aumátic o), a não não scr por por inaugur ar a sensação sensação dc dc que algo entra c alg o sai. sai. lím estágios poste riores, as dificuldades que envolvem a respiração, como a asma, es tarão v incul inculadas adas a essa primeira ex periên er iência, cia, tor nada prot ótipo do “entra e sai”. Para os bebês que sofreram invasões excessivas, “o vaivém da respiração torna-se insuportável” pelo fato dc as sensa ções relacionadas à respiração, que são “intoleravelmente reais”, configurarem total falta de defesa e dc controle sobre o que se move para dentro e para fora (1988. p. 183). Além da respiração, existe í linda l inda o fato, inédito para o bebê, da ação da gravidade, que ainda nãoo hav nã hav ia entr ent r ado em cena na na vida vida intra- uterina. Ha bituado a scr contido cm toda a sua volta, o bebê sente-se, agora, após o nasci mento, “empurrado de baixo para cima”. Ocorre uma alteração, portanto, “da condição de ser amado por todos os lados para a conir,3
A T IC O K IA IH ) A M A D r K K C IM K X T O IHC 1). W . W l . W I C O T T
dição ci cie ser amado ama do some nte de baix baixoo par paraa c ima” im a” (19 (1 9 8 8 , p. p. 1 5 1 ).1' Por isso, o cuidado materno de "segurar” o bebê, fisicamente, é não apenas o de sustentásustentá- lo, mas o de de envolvê envolvê-- lo por todos os lados. A r e cupe cu perr ação aç ão da c o ntin nt inuid uidaa de de ser se r após o par pa r to r e quer que r o reatamento de certas condições anteriores ao nascimento; na vida intraintra- uterina, o bebê estava habituado a sentir a respiração re spiração da mãe, mãe, os seus movimentos abdominais, os ruídos do seu corpo ou a mudanças rítmicas de pressão, e é provável que ele precise retomar o contato com essas funções fisiológicas da mãe. Todas essas expe riências dão início à comunicação com a mãe, além de favorecer a constituição do tempo, um tempo que, necessariamente, é primiti vo, vo, subjetiv subjetivo, o, pré- cronoló cronológieo. gieo. Trata Trata- se de experiên ex periências cias muit o sutis, diz Winnieott, que só o contato humano pode propiciar. A mãe que é capaz ca paz,, desde des de o iníc iní c io, io , de identificar identif icar-- s e com co m o bebê, esperará ate que ele esteja pronto para o contato. Só assim este não será sentido eomo invasão e o bebê poderá recomeçar a ter impul sos, e até mesmo a procurar alimento. Se a mãe está muito ansiosa para para ex ercer o seu papel papel dc provedora, ela não não será capaz de de per pe r mitir que o bebê, antes dc mamar, explore o seio com a boca ou as mãozi nhas, nhas, ou o u o prenda com as gengivas . Cada bebê bebê tem seu própr própr io modo de fazer a aproximação com o seio, e a mãe sabe que c preciso tempo para compreender o jeito do seu bebê. O que ela necessita é “da chance de ser natural e de encontrar o seu caminho junto ao bebê” (1988, p. 125). São estes aspectos, que parecem simples, mas que envolvem questões altamente complexas, que caracterizam o caráter da dependência absoluta do lactente e a tarefa que compete à mãe. 4.
O estágio da prim eira mama ma mada da teórica: teórica: as tarefas fundamentais
Para evitar que se pense que a primeira mamada concreta é o grande momento inaugural da amamentação, Winnieott usa a expressão “prime ira mamada ma mada te órica” órica ” , referind referindo- se, com ela, à s eqüência eqüência das das
9
XoteXote- se o significa do quo W innieo tt dá A palavra "amo r ”, nesse iníeio da vida. Ele a associa ao contato e aos cuidados físicos que são ;i úniea manifes tação de amor que o bebê é capaz de receber. 1 64
a s EST ÁG IOS PRIMI PRIMIT IV OS: A DKIM KIMÍ.VDKN Í.VDKNCI CIA A AHSOIA-T AHSOIA-T A
primeiras experiências concretas dc amamentação. O estádio que leva esse nome ocupa, aproximadamente, os três ou quatro primei ros meses de vida do laetentc. Nesse período, eomo o próprio nome diz, a atividade da amamentação está no centro, mas isto não signi fica que a alimentação, enquanto satisfação da fome, corresponda ao que é essencial. Tampouco significa que a oralidade. em termos do eontato libidinal, seja o traço principal a ser observado. Como a ênfase está no processo de amadurecimento pessoal, e não no desen volvimento das funções sexuais, o que está em pauta não é a configu ração das zonas erógenas iniciais ou a natureza da manifestação pulsional, mas o começo do eontato eom a realidade e o início da cons tituição de de um si- mesmo esmo qu que irá gr adualmente integra integrarr- se numa unidade. Instintualidade e erogeneidade pertencem e parti cipam do amadurecimento, mas não o constituem. Aludindo ao fato de a psicanálise tradicional ter se ocupado, quase inteiramente, das necessidades instintuais (o ego e o id), negligenciando as necessi dades do ser que amadurece, num sentido pessoal, Winnicott afir ma: ma: ‘Es tamos mais interes interes sados sados na provisão ambie ntal que tor na todo o resto possível: isto é, estamos mais preocupados, aqui e agora, com a mãe segurando 0 bebê nos braços do que com a mãe alimentando o bebê” (1965s, p. 175), no sentido da satisfação instintual. Na teoria winnieottiana, a amamentação é a situação privile giada em que, quando tudo corre bem, começam a estabelec estabelecerer- se os primórdixjs da ralação com a realidade externa, da qual a mãe é a primeira representante. O mais importante, aqui, é a qualidade do contato humano, a realidade das experiências que estão sendo providas ao bebê por meio do ato da amamentação: o encontro de algo que o bebê não sabe ser um objeto e o início de uma comuni cação muito peculiar com a mãe, irrepetível verbalmente, que é também ta mbém o começo da da mutua lidade. lida de. 15 por por isso que, que, | ... ] quando mãe c beb bebêê cheg am a um acordo na situação de de alim e n tação, estão lançadas as bases dc um relacionamento humano. E a partir daí que se estabelece o padrão de capacidade tia criança dc relacion relacionar- se com os objetos objetos e com o m undo (19681' 19681',, p. p. 5 5).
A mãe é, por po r t a nto nt o , o prim pr imee ir o "obj "o bjee t o ” do bebê, bebê , com co m a s e g uinte uin te ressalva: no presente contexto, o termo “objeto”, assim como a expressão “relação objetai”, têm uma condição toda peculiar; não 195
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devem ser entendidos no sentido em que são usados tanto pela psicanílise tradicional quanto pela compreensão comum, que su põem haver, desde o início, a percepção de algo externo ao bebê, capacidade que. segundo Winnicott, não pode scr admitida nesse m o m e n t o .111 No estágio da primeira mamada teórica, o bebê está envolvido com três tarefas (tusks): 1) a par par tir do estado de de nã nãoo- integr ação, ação, a re alização alização das ex periências periências dc integ inte g r ação no espaçoespaço- tempo, tempo, ou seja, a temporalização e cspacialização do bebê ( integração ); 2) o aloja mento gradual da psique no corpo (per (personalizaçã sonalização)o)- , 3) o início tias relações objetais, que culminará, mais tarde, na criação c no reco nhecimento da existência independente de objetos e de um mundo externo (realização). Winnicott refere-se a estas tarefas fundamen tais em inúme inúmerr as passag ens dc sua sua obra, apres apresent entan ando do-- as cm ordens ordens variadas. Em Natnresa humana , afirma que não há uma seqüência óbvia que possa determinar a ordem da descrição. No entanto, no texto tex to de de 1902, 190 2, “A inte g ra ção do do ego no des desenvolvimento envolvimento da cria nça” (1965n), em que são introduzidos aspectos centrais da teoria do amadurecimento, ele afirma que a principal tendência do processo de amadurecimento e a integração no tempo e no espaço, dando início à descrição por essa tarefa, seguida pela do alojamento da psique no eorpo e. por último, pela do início do contato com a reali dade. No artigo “O medo do colapso” (1974), é essa mesma ordem que preside a enumeração das tarefas: “Num tal ambiente, o indi víduo tem um amadurecimento que pode ser classificado como uma re s idência idência (ou relação psieo psieossom ssomááintegração à qual se agreg a uma res tica) seguida da relação com o objeto” (1974, p. 72). lista é a ordem que será privilegiada nesta exposição. As A s três tr ês tar ta r ef as básic bás icas as se inte in te r de depe pende nde m, e ne nhum nh umaa pode ser se r resolvida plenamente sem as outras. A sua discriminação tem a função de explicitar um certo grau de especificidade dessas con quistas quistas fundamentais. fundamenta is. Qua ndo tudo t udo corre bem, o bebê bebê defrontaefronta- se eom essas tarefas de modo mais ou menos concomitante, visto que, para dar início a um sentido de real e poder habitar nurn mundo real, subjetivo de início, o bebê precisa estar sendo introduzido na ordem do tempo e do espaço. A cspacialização se inicia pelo proces 10 Ex plicitarei plicitarei adiante o se ntido eom que que W innic ott usa o termo “obj eto " refe ri ndo-.se à mãe. lóí)
O S E S T A C I O H l'l'IU.\ l! TI TI\ ( )S )S A D K I M iN iN D IÍ IÍ X C i A A J i S O U T A
so gradual dc alojamento da psique no corpo, tornando esse corpo, seguro nos braços da mãe, a primeira morada. Residindo no corpo, o bebe pode começar a ocupar espaço, a dar concrctude à presença, a ter distâncias c proximidades e a aceder ao caráter transitório daquilo que envelhece e morre. Espaço e tempo não são objetos a serem encontrados; são na medida em que se articulam e consti tuem mundos, a condição de possibilidade para que algum objeto seja encontrado. As três conquistas básicas são os fundamentos de uma existência que. em função da tendência inata para o amadureci mento, c aminha na dir dir eção da da integ raçã ra çãoo num s i- mesmo esmo unitário. unitário. A me dida did a que essas ess as tar ta r ef as e s tão s e ndo r e aliz al izada adass , e as c o n quistas quistas estã es tãoo sendo organizadas organizadas entre si pelo funcio name nto do ego, ego, uma outra está se processando: a cons tituiçã tituiçãoo do si- mesmo mesmo como identidade. Esta quarta tarefa não é mencionada, junto às outras, por Winnieott, até meados da década de 1900. Ela só será explici tada em 1966, quando, ao dar acabamento à sua teoria do objeto subjetivo, Winnieott introduz o conceito de identificação primária: durante a experiência excitada da amamentação, o bebê torna torna-- se o ndoo as suas suas primeira prime irass ex periên er iências cias de ide ntidade ntida de,1 ,11 objeto , faze nd Todas essas tarefas são de caráter fundamental e expressam as ne cessidades cessidades bá básicas sicas do bebê, que que derivam deriv am tia necessid necess idade ade primor dial tle tle continua co ntinuarr a ser. ser. Elas Elas terã ter ão um cer to grau g rau de res oluçã oluçãoo concer concer nente a este estágio inicial: dessa resolução depende o estabelecimento das bases da personalidade e da saúde psíquicas. Elas permanecem, contudo, como tarefas que, embora sc complcxifiquem nos estágios subseqüentes, nunca serão completamente abandonada: s. Para que as tarefas básicas sejam resolvidas com sucesso, tor nand ando- se conquistas conquistas do amadur ec imento, são são necessários necessários cuidados cuidados maternos específicos: à integração no espaço e no tempo correspon de o segurar ou sustentar (hoUtiitg ); o alojamento da psique 110 cor po é facilitado fa cilitado pelo pelo manejo ma nejo (handling ) , que que é um as pecto mais espe cífico do segurar, relativo aos aos cuidados cuidados fí f ísicos; sicos; o contato conta to com objetos é propiciado pela apresentação de objetos (object(object- presenti prese nting ng ). Ao mesmo tempo que a mãe facilita, dc forma especializada, cada uma
11 O conceito dc identificação primária, que está na base da experiência de identidade primária, é explicitado por Winnieott por meio da distinção entre ser e fazer, um dos pontos mais complexos da teoria winnieottiaiia, que será abordado mais adiante. 167
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das tarefas do bebê, o conjunto dos cuidados maternos constitui o ambiente total , e o modo de ser da totalidade dos cuidados confi gura um mundo para o bebê. O primeiro mundo em que o bebê habita c necessariamente urn mundo subjetivo , cuja característica central é a de ser confiável. A confiabilidade ambiental significa, sobretudo, previsibilidade: a mãe evita que alguma coisa inespe rada surpreenda o bebê, interrompendo a sua continuidade de scr; a mãe é confiável quando, em meio ás necessidades sempre variá veis do bebê, que ora está tranqüilo ora excitado, mantém regulares, constantes e consistentes a si mesma e ao ambiente, de tal modo que, com o tempo, o bebê vai sendo temporalizado, tornan do-se, pela repetição das experiências, capaz de reconhecer coisas c de predizer acontecimentos. S aliento aqui a distinção distinção que que W innicott faz entre entre mundo e obje obje tos. Uma coisa é o mundo onde o bebê habita; outra são os objetos que podem ser encontrados (criados) no interior desse mundo. Para encontra enc ontra r objet objetos, os, é preciso ex istir w n mundo , um contex contex to em que que esses esses objet objetos os poss am ser encontr ados. E da maior importância notar que, que, a lém de a mãe mãe ser o objeto a ser encontr ado (mãe(mãe- objeto), ela ela é também, no início, o contexto, o ambiente em que o encontro com um objeto pode pode acontecer (mãe(mãe- ambiente). ambiente). Por mante r o ambiente constante, regular, simples, monótono, previsível e por permitir que cie crie o objeto que encontra, ela o prove da ilusão de onipotência que, como veremos, é a base da crença em... (believe in...). Não se trata, aqui, de uma crença nisso ou naquilo, mas da capacidade de “acreditar cm...”. Winnicott diz; “Eu me apego a essa frase feia, in completa, acreditar em...” (iy63d, p. S9). A frase tende a scr com pletada, com o tempo, pela crença de que o mundo é eneontrável c confiável, de que, em algum lugar, existe algo que faz sentido, ou alguém que compreende e responde à necessidade. O cuidado am biental mais importante a scr fornecido à criança, para que a capaci dade de de “acre “ac re ditar e m ... ” se estabeleça, é ela poder poder "viver, "viver, dur dur ante o tempo adequado, num mundo subjetivo , no qual não se intromete o mundo da realidade externa” (19S9n, p. 220). O mundo que começa a ser constituído, dc início, é o mundo subjetivo , ou seja, uma ambiência confiável, ícita da totalidade dos cuidados maternos. K>.S
OS K ST ÁCIOS PRIMITIV OS: A l)KI'líXl)È\ 'OIA AHSC)Lt?TA
5.
A criatividade originária
Para resolver as tarefas du estágio inicial, o bebê conta, da propria mente seu, eom a tendência inata ao amadurecimento e eom a criativiíkide originária. Mas o bebe não pode ir criando o mundo no vazio, apenas com seus próprios recursos; 6 preciso que hnja uma provisão suficientemente boa de cuidados para que ele possa realizar — tornar real — o seu potencial criativo. A criatividade c finita e, para permanecer viva, precisa ser exercida. O c onceito w inníeottiano de criatividadc or ig inária 6 inédito no âmbito da psicanálise. Alterando por completo a idéia de que o psiquismo é constituído, já de início, na base de mecanismos men tais de projeção e introjeção,12e, ainda, de que a criatividade huma na é tr ibutária das pulsões s ublimadas , Winnico tt for mula a idéia de uma criatividade psíquica originária que é inerente à natureza humana e está presente desde o início: “Cada ser humano cria o mundo dc novo e começa o seu tra balho no mínim o tão cedo quanto o momento do seu nascimento e da primeira mamada teórica.” (1988, p. 130) É o bebê, diz Winnicott, “que cria o seio, a mãe e o mundo” (19S9xf, p. 341). Intimamente relacionada à espontanei dade básica — oposta à reativ idade — , a criativ idade or ig inária participa da co ns tituição do que será o si- mesmo unitário, visto que “é somente sendo criativ o que o indivíduo descobre o eu (si- mes mo)” (1971r, p. 80). T anto nesse momento inicial como cm qualquer fase poster ior, a criatividade diz respeito não a algum fazer ou produção original ou artística, mas ao modo como o indivíduo sc relaciona eom o sentido de realidade que caracteriza um dado momento do amadureci mento; a isto se acresce, com o tempo, a capacidade de transitar pelos vários sentidos de realidade sem perder o contato com o seu 12 Resenhando o livro Psydmamilytic Studics of the Personatiiy (1970). de Fa irba im, W innicot t cr itica o íato dc c.s te não levar cm c onta a criatividadc originária e diz: “Km sua teoria, a criatividade psíquica primária não cons titui uma propriedade humana ; uma série infinita de introje ções e projeções forma a experiência psíquica do bebê. A teoria de Fairbairn se alinha aqui eom a que nos foi dada por Melanie Klein, que também não permite que nenhum tributo seja prestado à idéia de criatividade psíquiea primária” (cí. Winnicott, 1953i, p. 321). 169
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mundo pessoal e imaginativo. Ao longo da vida, e amadurecendo, o indivíduo saudável continuará a exercer a criatividade dc formas cada vez mais complexas, mas é sobre a criativ idade orig inária que todo viver criativo pode ser construído: "A criatividade c a manu tenção. através da vida, dc algo que pertence à ex periência infantil: a capacidade de criar o mundo” (1986h, p. 32). Gomo todas as outras poteneialidades humanas, a criatividade originária que cria o mundo e os vários sentidos de real deve poder ser ex ercida desde o começo da vida; caso contr ário, ela fe necerá e o indivíduo não se tornará capaz de dotar o mundo de significado pessoal. Para que o bebê possa exercê-la, inicialmente, c preciso que a apresentação de objetos seja feita de tal maneira que, ao mesmo tempo que o lactentc estabelece uma relação com esses objetos, ele é mantido na ilusão de onipotência, ou seja, ele cria o que necessita sem nenhuma consciência da ajuda que possibilita este feito. Veja mos como isto acontece, nos casos favoráveis. Por ocasião da primeira mamada teórica, sendo dotado da criati vidade or ig inária, e prov ido dos cuidados necessários, o bebe já tem “uma c ontr ibuição pessoal a fazer”. A poiado numa tensão instintual (que ele ainda não tem como reconhecer que parte dclc mesmo), ele faz um movimento com a mão ou com a boca na direção de um suposto objeto (o bebê nem desconfia da existência de algo). Tratase de um “gesto espontâneo”, já que parte de uma necessidade “pessoal”, derivada do estar-vivo do bebê. Xessc momento, diz Winni cott, o bebê está pronto para ser criativo. O seu gesto espontâneo anuncia: estou precisando de..., estou buscando algo... e, nesse exato momento, a mãe facilitadora põe o seio em posição de ser encontrado, ou vira o bebê de lado, ou providencia as coisas necessá rias para deixá-lo mais confortável. Pode ocorrer, então, um senti mento que teria a seguinte formulação: era disso que eu precisava. Ele poderá completar a frase: “... uma mudança de posição, um peito, um mamilo etc.” (1988. p. 122). Quando a mãe responde de maneira adaptativa ao gesto espon tâneo, o bebê sente como se o mamilo c o leite fossem os resultados do seu próprio gesto: ele faz a experiência dc criar aquilo que encontra. A mãe sabe que aquilo que o bebê criou, de acordo com a necessidade dele, foi, na verdade, encontrado. Mas ela tem um 170
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compromisso com o bebe que consiste em jamais lhe perguntar sc eie encontrou ou criou o objeto. O paradoxo c inerente, diz Winni eott; não está aí para scr resolvido, mas para ser sustentado c supor tado. Por sua adaptação absoluta, a mãe realiza o que talvez seja a sua principal tarefa: introduzir o bebê na ilusão de que é ele quem cria o mundo de que necessita. Esta ilusão é necessária, pois “toda criança precisa tornar-se capaz de criar o mundo (a técnica adaptativa da mãe faz com que isto seja sentido eomo um fato); caso contrário o mundo não terá significado” (1984b, p. 116). Poder-se-ia pensar que, tal como na teoria tradicional, o bebê “aluc ina ” o objeto, mas tratando- se do mome nto inicial, isto não pode ser afirmado, purque a alucinação só será possível quando, um pouco mais tarde, pela repetição da experiência, houver mate rial mnemônieo suficientemente bem instalado para ser usado na alucinação, ou seja, na criação, enriquecida agora com detalhes tirados das experiências. No iníeio, a condição do bebê é apenas a dc criar o objeto. O motivo é “a necessidade pessoal” (1988, p. 122). Vale a pena citar mais longamente o autor a propósito deste ponto; Imaginem um bebê que nunca tivesse sido amamentado. A fome surge e o bebê está pronto para imaginar algo; a partir da necessi dade, ele está pronto para criar unia fonte de satisfação, mas não existe experiência previa para mostrar ao bebê o que há para esperar. Se, nesse momento, a mãe coloca o seio no lugar onde o bebê está pronto para esperar algo, e se lhe for eoncedido tempo bastante para que ele sinta o que o eerea, com a boca e as mãos e, talvez, com um senso de olfato, o bebê “oria” justamente o que existe para scr encontrado. Finalmente, o bebê forma a ihisõo de que esse seio real é exatamente a coisa que fo i criada pela necessi dade. peln voracidade e pelos primeiros impulsos de amor primi tivo. A visão, o olfato e o paladar ficam registrados em algum lugar e, após algum tempo, o bebê poderá estar criando algo semelhante ao próprio seio que a mãe tem para oferecer. Milhares de vezes, antes de desmamar, pode ser propiciada ao bebê essa peculiar introdução da realidade externa por uma única mulher, a mãe. Milhare s de vezes ex istiu o se ntime nto de que o que foi quer ido foi criado c foi encontrado por estar lá. A partir daí se desenvolve a cre nça dc que o m undo pode co nter o que c quer ido e necessitado, resultando na esperança do bebê de que existe uma relação viva entre a realidade interior e a exterior, entre a capacidade criadora, 171
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inata e primária e o mundo em geral, que é compartilhado por todos (1947b, p. 101; grifos meus). Propiciar ao bebê que cie possa criar aquilo que encontra é um cuidado de extrema delicadeza que não está contido em nenhum fazer específico da mãe, mas no “co mo”, no modo c omo ela lhe apre senta as pequenas amostras de mundo que ele está apto a experieneiar no âmbito dc sua onipotência.13No que se refere à constituição da capacidade para as relações objetais, o bebê depende por inteiro do inodo como se lhe apresenta cada fragmento do mundo. São esses “modos de ser” dos cuidados, ou seja, é a totalidade dos cuidados que perfazem o mundo criado pela mãe, que estão atuali zando de um determinado jeito, ou impedindo, também de uma determinada maneira, a tendência de scr do bebê e sua integração gradual numa unidade, li preciso, em primeiro lugar, que o mundo lhe seja apresentado em pequenas doses, de forma compreensível, que faça sentido, ou seja, que não o surpreenda. Também é neces sário evitar coincidências que o sobrecarregam — não se muda o bebê de quarto no momento em que ele está eom catapora ou dor de ouvido — , para não abusar da sua limita da compre ensão. A lém disto, se ele está recolhido em isolamento ou quietude, a mãe entende que ele não está lá para ser encontrado ; abordá- lo, nessa ocasião, impondo- lhe necessidades de fora, é inter romper sua co nti nuidade de ser naquele momento. Mesmo porque, quando a criativi dade do bebê está ausente, as amostras de mundo que a mãe apre senta não têm sentido. Por outro lado, se o bebê fizer o gesto e a mãe estiver ausente, distraída ou concentrada em si mesma, o gesto ficará parado no vazio, à espera de algo que não vem.14O resultado,
13 A palavra "onipotência”, usada para este estágio primitivo, descreve mn traço essencial da dependência e significa que « bebê não sabe nada acerca da existência de si mesmo ou do mundo externo. Não se deve confundir este significado específico da experiência de onipotência na área da ilusão, característico do mundo subjetivo, com o sentimento dc onipotência, rela tivo a um poder que desconhece limites e que justamente “pertence à deses perança em relação à dependência” (Winnicott, 1971h, p. 50). 14 Isto conf ig ura o tra uma do não- acontecido, que será g uarda do, não no inconsciente reprimido —- o que já suporia um alto £rau de amadureci mento, eom uma realidade psíquica inter na co ns tituída — . mas no incons ciente “não acontecido", que é a forma negativa do inconsciente orig inário. 172
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cm qualquer desses casos, não é frustr ação — uma vez que ainda não há desejo, que é um sentimento altamente sofisticado próprio de um cu unitário — , mas quebra na continuidade de scr (breakdo- icn). Se este é o padrão de atitude ambiental, pode ocorrer aniquilarão. O paradoxo contido na ilusão de onipotência consiste no fato dc que aquilo que o bebê criou foi, na verdade, encontrado por ele (do ponto de vista do observador) e já esLava lá antes de ele tê-lo criado. Mas. além disto, cuptilo que o bebê criou não é exatamente aquilo que a mãe ofereceu, do mesmo modo que.jcimaís encontramos na reali dade aquilo ifiie imaginamos. Esta disparidade jamais terá solução. É inerente à natureza humana c, ao longo da vida, teremos sempre de lidar com e la.15 No entanto, no início, o bebê não sabe de nada disto, e é imprescindível, não só para a sua saúde psíquica, mas para a riqueza de sua personalidade, que a mãe seja capaz de permitir que a ilusão se instale. Iniciar o bebê na capacidade dc se iludir é a tarefa essencial da mãe s uficientemente boa. Ela o faz mantendo- o, dura n te o tempo adequado, num mundo subjetivo, presidido pela ilusão de onipotência: ela protege a sua continuidade dc ser, impedindo uma irrupção imprevisível, e incompreensível para o bebê, de um tipo dc realidade (externa para o observador), que não é compreen sível para o bebê neste momento primitivo. Pelos caminhos próprios do amadurecimento, o bebê terá, no seu devido tempo, de criar a ex ternalidadc do inundo e de alcançar a capacidade de relacionar- se 15 A questão tia ilusão — e, no início, tia ilusão dc onipotência — 0 um;i das co ntr ibuições básicas dc W innico tt ao tcrnsi tia con s tituição do si- mesmo e dos sentidos tle realidade. Trata-se de uma questão de alta complexidade, temática centra! na filosofia. No âmbito da psicanálise, Winnicott é um dos únicos pensadores a eonferir- lhe o devido poso e est atuto. No enta nto, essa contribuição, centnil paru a compreensão tle seu pensamento, foi alvo tle distorções e/ou assimilações indevidas à e pela tradição psicanalítiea. Michel .lacobs (1995), por exemplo, depois tle afirmar que Winnicott é, sem dúvida, um pensador original, em primeiro lugar devido aos conceitos que são claramente de sua lavra, tais eomo os objetos transieionais e o jogo do rabisco [sic], assinala que há um segundo sentido em que Winnicott pode ser consider ado or ig inal: a ‘‘habilidade para adaptar , e fazê- los seus. co ncei tos e aspectos da prática clínica que outros inventaram". Aqui. continua Jacobs, “podemos citar a mudança significativa que ele fez do conceito de ilusão de Sigmund Freud, que se tornou, em Winnicott, um meio de per ceber [sícj o presente mais do que, eomo em Freud, uma indicação do de sejo da criança” (Jacobs. 1995. p. 27).
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com a realidade externa, sem que isto represente ameaça para o si- mesmo pessoal: mas essa capacidade depende de ele ter s ido cuidado de cal forma, no iníeio, que a apresentação inaugural do mundo que lhe foi feita não tenha implicado a perda da realidade do mundo subjetivo. Para a cr iança e om sorte , o mundo come ça a conduzir- se dc maneira tal que sc conjuga com sua imaginação e, assim, o mundo é entreteeido n.n própria contextura da imaginação, a vida íntima do bebê enriquecendo- se e om o que é per cebido 110 m undo externo (19 l9m, p. 81).
6.
Os estad os excitados e os estados tran qüilos
A nte s de ex aminar eada uma das tarefas fundame ntais , é precis o distinguir entre dois estados do bebê que se alternam permanente mente: os excitados e os tranqüilos. Os dois estados, e a delicada passagem de um para outro, são algo eom que o indivíduo terá de lidar ao longo da vida; o modo como ele o fará é determinado pela maneira eomo, eom a ajuda da mãe, isso é feito no iníeio. O que o bebê necessita, nesse ponto, segue os mesmos lineamentos já des critos na metáfora da bolha, anteriormente mencionada, e relacio na-se com a oposição entre espontaneidade e reatividade. Enquanto os estados tranqüilos são mais claramente a ocasião para as tarefas dc integração, no tempo e 110 espaço, e de alojamento da psique no corpo, os estados excitados são mais diretamente relacionados eom o início do estabelecimento do contato com a realidade — ao mamar e agarrar objetos —, além dc serem o momento privilegiado para observar as raízes da agressividade. 6.1 .
Os estados ex citados
A emerg ência de um es tado ex citado, no bebê, pode ser as sim descrito: estando ele num estado tranqüilo, dormindo ou simples mente repousando, surge um impulso, apoiado, quase sempre, na crista de uma onda instintual. Desenvolve-se uma tensão que, rapi damente, se transfor ma numa urg ência; nela toma carona o impulso motor. O bebê c tomado por uma expectativa indeterminada, visto 171
OS KSTÁl a OS l>KIXIITIVOS: A DKPK XllKXCIA A liS ul.lT A
que ele não sabe nada acerca da sua necessidade ou do que pode ser esperado; na verdade, ele não sabe de sua própria existência, nem tampouco da ex istência de objetos, s ejam eles ex ternos ou internos. A ex pectativa, manifesta da por um gesto espontâneo, poderia scr assim explicitada: o bebê busca “encontrar algo cm algum lugar" (1988, p. 120). Os impulsos que levam o bebê à excitação provêm de duas fontes: a instintualidade e a motilidade. Tanto os impulsos instin tuais como os motores são manifestações do “estar vivo" do bebê. A ins tintualidade é o campo em que a sex ualidade ir á se desenvolver, como um aspecto importante do processo do amadurecimento pessoal. A impulsividade ins tintual do início da vida, em que a sex ua lidade sc enraíza, c inerente uma destrutividade que constitui tam bém uma das raízes da agressividade. Outra raiz da agressividade encontra- se na motilidade. Embora estes dois tipos dc impulsos — instintual c motor — tenham especificidade, c dc esperar, na saúde, que eles se juntem numa experiência global c, com o tempo, atuem de maneira integrada. líxaminemos, inicialmente, a raiz instintual do impulso e a exci tação que c dela derivada. Mas, antes, é importante explicitar o que W innicott entende por instintualidade e como ele vê a ins tintuali dade nas fases mais primitivas. W innicott usa o te rmo “ins tintual” par a referir- se ao conjunto de excitações locais e gerais que são, para ele, um aspecto da vida animal. Os instintos são “poderosos impulsos (drives) biológicos, que vêm e voltam na vida do bebê ou da criança, e que exigem ação" (1988, p. 57; gritos meus). Destaco três aspectos. Primeiro, como os instintos vêm e voltam, eles não constituem a vida do bebê, da criança ou do indivíduo adulto. Quando estes retornam a um estado tranqüilo, também os instintos repousam e, no entanto, a continuidade de ser prossegue. Segundo, no que se refere ao que c estritamente biológico, o modo como o instinto age sobre o scr humano não difere do modo como ele age sobre os animais. Km geral, a excitação instintual leva a criança ou o adulto, assim como qualquer outro animal, a uma expectativa de satisfação; derivam daí um impulso para agir c alcançar um ato eom clímax c um período dc pós- clímax . C) que difere f undamenta lme nte no homem é que todas as funções eorpóreas, incluindo as instintuais, passam pela elaboração imaginativa, e é com o eorpo imaginativamente 175
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elaborado que o indivíduo se relaciona. Por isso, no sc falar do exci tação instintiva, é sempre necessário distinguir entre o corpo, ele mesmo, e as idéias e sentimentos que o indivíduo tem desse corpo. Desta perspectiva, também não há grande diferença entre os diver sos tipos de demanda instintiva. Não há nenhuma razão para classi ficar os instintos, nem para se decidir se há um único instinto, se eles são dois ou se existem vários. Em terceiro lugar, o que caracteriza os instintos é a exigência pura u ação. domo para Winnicott. no entanto, o centro da questão — mesmo tratando- se de um impulso biológ ico — é o indivíduo c não uma pulsão; e eomo o significado da experiência instintuai varia conforme o estágio do amadurecimento, há que se levar em conta o grau de imaturidade do bebê: este não sabe nada sobre a necessi dade que o aflig e, nem que tipo de ação seria eficaz para aplacá- la; não sabe nem ao menos da existência dc objetos, quanto mais se dado objeto é o adequado ao tipo de necessidade que o assola. Usar um objeto é, igualmente, uma conquista, que só poderá realizar-se no seu devido tempo. Deste modo, a ação exigida pelo impulso instintuai é, no início, apenas um gesto, que não tem meta certa, nem incide sobre um objeto em particular. Por isso, ao referir-se à instintualidade da fase mais primitiva, Winnicott não fala propria mente em instintos, mas em tensões ou excitações instintuais. Ele reserva o termo “instinto”, ou “vida instintuai”, para quando a instintualidade for integr ada e significada pelo indivíduo eomo algo que lhe concerne, vivida eomo uma experiência pessoal, eom todas as suas conseqüências; esta conquista só se dará mais tarde, no estágio do coLieernimento. Neste momento, o bebê estará também apto afazer algo, eom o objeto, de modo a tentar resolver a urgência instintuai. No iníeio, c ontudo, o bebê é um ser imaturo, não- integrado, que ainda não reside no corpo, e não tem ne nhum conhecimento s obre o fato de que as tensões instintuais lhe dizem respeito. Essas tensões instintuais são tão “externas” a ele quanto o mundo, e isto 6 verda deiro também para a anatomia do corpo e as outras funções bioló gicas. Na verdade, não são nem mesmo externas, uma vez que o lactente ainda não tem o sentido do interno nem do externo. Isto não quer dizer que as tensões instintuais se reduzam í i meras sensa ções eorpóreas. Apesar de o lactente não ter ainda maturidade sufi ciente para dotá- las de significa do nem para apropriar se delas eomo 17õ
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pertencentes à sua própria impulsividade instintual, cias são dota das de sentido por estarem sendo, permanentemente, elaboradas imaginativamente pela psique. No momento em que está faminto, o bebê é assolado por algo que o atinge, invade e ameaça — ter fome “6 eomo ter dentro de si um bando dc lobos” (1949k, p. 90) —, mas ele não sabe de onde vem o mal- estar, nem sabe dis ting uir o des con forto da fome daquele que lhe vem, por exemplo, de um trovão, de uma porta que bate ou de uma queda brusca de temperatura. Quando a mãe, ide ntifica da com o bebê, atende- o pro ntamente, o que cia evita não é ainda uma frustração, mas uma inter rupção da continuidade de slt, pois “as exigências instintuais podem ser fero zes e assustadoras e, a princípio, podem aparecer à criança como ameaças à sua ex istência” (idem ). Quando o ambiente total propicia experiências globais, incluindo mutualidade c comunicação, e a mãe fornece apoio dc ego, todo o percurso deslanchado pela tensão instintual torna-se uma experiência que fortalece o ego e favorece a coesão psicossomática da criança. Sem esse apoio, as tensões instin tuais, ao invés de serem gradualmente integradas e pessoalizadas, permanecem externas e são sentidas como intrusões, podendo, ainda, tornar-se perseguidoras, chegando a estabelecer uma dispo sição paranóide.1'1 A medida que a integ ração vai se tornando mais consis te nte, <> bebê torna- se cada vez mais apto a re conhecer os impulsos ins tin tuais como um aspecto do si- mesmo vivo, e não como ambie ntais . Quando esse desenvolvimento ocorrer, a satisfação instintual tornar-se-á um importante fortalecedor do si-mesmo. Mais tarde ainda, após ter alcançado a identidade unitária, a criança sentirá os ins tintos como seus; ficará assustada e preocupada com suas manifes tações e efeitos, tanto em si mesma eomo na mãe. Mas, por ora, ela ainda não sabe nada sobre isto.
líi Dependendo do seu momento de origem, alguns casos de ne&ição ou inibição da fonte instintiv a podem ser ente ndidos não em termos de censura de conteúdos ! ades‘*j:'veis, mas de um recuo eo mo r eação à intrusão. A te n são instintual é intrusiva c interrompe a continuidade de ser se não houver facilitarão ativa por parte da mãe. Antes do alojamento da psique no corpo, o corpo é tão alheio ao bebê como as coisas do mund o ex terno, de modo que as tensões instintuais são tão intrusivas quanto qualquer coisa imrusiva que venha do ambiente. 177
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No bebê, pode-se encontrar todo tipo dc excitação, local ou geral. Quando a excitação é generalizada, ela pode tanto estar contribuindo para uma experiência de integração quanto ser, ela mesma, resultante de uma maior integração dentro do percurso do amadurecimento. Se a excitação é local, deve-se levar em conta a função corporal que está envolvida, e que se torna alvo da elabo ração imaginativa. Algumas estruturas de excitação revelam-se do minantes nas sucessivas etapas do desenvolvimento da instintuali dade — pré- genital, fálica e g cnital — , tanto em te rmos das funções envolvidas como de acordo com a elaboração imaginativa dessas funções. A excitação tende a ocorrer nos termos do instinto domi nante. Se g undo Winnicott, a única zona dc ex citação pré- genital claramente predominante, nos estágios primitivos, é a oral. Embora já se possa encontrar , no bebê, ex citações genitais localizadas, elas não podem ser diferenciadas como tais, uma vez que ainda não existem nem as funções eorpóreas especificas nem a fantasia tipica mente genital. Isto significa que, nesse momento, uma distinção entre os sexos é artificial e forçada. A diferença entre o masculino c o feminino só se tornará importante na fase do desenvolvimento sexual a que Freud denominou fálica. Esta fase é considerada por W innicott, na sua redescr ição do desenvolvimento sex ual como um aspecto do processo dc amadurecimento, a mais importante depois da oral, ocorrendo, na linha desse processo, durante o estágio do conc cr nimcnt o.17 Nos estágios iniciais, a excitação do instinto leva a criança a preparar-se para o clímax, para a satisfação da tensão instintual, sobretudo quando o apelo atinge o cume da exigência: Sc a satisfação c encontrada no momento culminante tia exi gência, surge a recompensa do prazer e, nimbem, o alívio tempo rário do instinto. A satisfação incompleta ou mal sincronizada acarreta alívio incompleto, além de impossibilitar um período de descanso muito necessário entre duas ondas de exigências (198S, p. 57).
Esta citação mostra que Winnicott distingue prazer de satis fação. Movido pela urgência instintual, o que o indivíduo busca é a satisfação desta; mas é apenas quando a satisfação acontece no 17 Cf. o Capítulo IV, Seção a. 1 78
os
g s t ã o i o j í p r i m i t i v o s ; a d k i -k ^ d k n c i a a i i s d m t a
inonicnt o culminante da ex igência, ou seja, quando a mãe está bem sincronizada com o bebê, que surge, então, “a recompensa do prazer”. Ora, cm termos da necessidade de continuar ;i ser, a satis fação não se resume ao aplacamento do instinto, mas requer que a experiência seja global, o que implica estar bem seguro, scr visto pela mãe. entrar em comunicação com ela, criar o objeto que encontr a e poder ex ercitar plenamente a inotilidade durante a expe riência instintuai. A citação anterior propicia, ainda, uma conside ração sobre os dois pré- requisitos para que seja possível o período de descanso tão necessário entre duas ondas dc exigências: a primeira consiste cm que a criança faça boas experiências nos estados tran qüilos, que serão descritos a s eguir, dc modo a não sentir- se, por ex emplo, alarmada com a ausência de e x c ita ção .A segunda condi ção é que a satisfação instintiva faça parte de uma experiência mais ampla, que inclui a comunicação c a mutualidade. Isto tudo nos leva ao tema da capacidade de adaptação da mãe suficientemente boa. Nos primórdios da psicanálise, assinala o au tor, a adaptação materna significava apenas satisfazer as necessi dades instintuais do bebê sem levar em conta o contexto global de segurança c confiabilidade, no c a partir do qual os impulsos instin tivos, “tfucr satisfeitos ou fr ustr ados , tomam- se ex periências do indivíduo ’’ (1965vd, p. 217; grifos meus), li clara, em Winnicott, a prevalência da realidade da experiência, enquanto tal, sobre o pra zer ou desprazer que r es ultou da mesma. Há que se gar antir pr imei ro as condições para que a experiência seja real, por meio da pro visão ambiental que torna todo o resto possível, para, depois, à medida que o amadurec imento prosseg ue, essa ex periência vir a ser satisfatória ou frustrante. Winnicott. afirma que (...] com cuidado materno suficientcmentc bom, dc início, o bebê 1 tão está sujeito a, além da introdução a esse livro por Masud Khan. 179
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por si mesmo. ao objeto (seio, mamadeira, leite ete.) (1965n. p. 58; grilos meus).
A surpreendente afir mação de que, com cuidados suficiente mente bons, o bebê não está "sujeito a sutis/ações ins tintuuis ”, signi fica que, desconectadn de uma experiência total, a satisfação instin tual pode constituir- se numa invasão tr aumática: v iolar a função E possível s atisfazer u m impuls o oral e, ao fazê- lo, ■ do c£o da cr iança, ou do que será mais tarde zelos amente m ant ido como o si- mesmo, o cerne da pers onalidade. U ma s atisfação a li mentar pode ser unia sedução e pode ser traumática se chega à cria nça s em o apoio do f uncio nam en to do ego (1 96 5 n. p. 5
Desta perspectiva, é fácil entender por que Winnieott não pode aceitar que se veja, na situação de amamentação, uma ligação libidinal eom o seio, ou uma busea dc satisfação relacionada a forças pulsionais. As necessidades do bebê não são ditadas pelo princípio do prazer, mas pela necessidade de ser, que inclui buscar c criar um objeto.211A satis fação da te nsão ins tintual é cer tame nte necessária, mas ela só se torna uma expetiêiida no interior de uma experiência global de encontro com a mãe. A psicanálise tradicional habitu ou- nos a pensar no bebê em ter mos de pulsões orais, mas não 6 adequado, diz o autor, “referir-se à primeira mamada eomo uma
19 Note-se que esta citação oferece um bom exemplo do uso winnicottiano dos ter mos “e g o" o “si- mesmo". Uma satis fação oral pode ser tr aum ática se violar "a função lie ego", ou seja, atingir a tendência do bebê ao amadureci mento. e. também, se violar “o i[ue será mais tarde zelosamente mantido como o si- mesmo”. islo é, o que já e st á integ ra do no bebê c existe e omo um si- mesmo incipiente. O trauma atinge a pessoa do 1>cbê. seja qual for o grau de inte gração existente, e atinge o processo de amadurecimento. 20 A idéia dc que o bebê não c movido preeipuamente pelo princípio dc prazer A les prazcr , mas pela busea do objet o, já havia sido proposta por Pairbairn. Embora Fairbairn desenvolva esse ponto em uma direção diferente da de Winnieott, este afirma, num texto dc 1969: “Estou obviamente próximo da declaração dc Fairbairn, feita em 1944, de que a teoria psieanalítiea estava enfatizando a satisfação das moções a expensas do que Fairbairn chamo u busca do objet o’. Fairbairn estava tra balhando, como eu agora, nos caminhos nos quais a teoria psieanalítiea precisava scr desenvolvida ou modificada caso o analista quisesse tornar- se capaz de enfre ntar fe nômenos csquizõides no tratamento de pacientes” (1970b. p. 19S). IS O
O S IO T Á O IO S P RIM IT IV O S : A D E P E N DÊ N C IA A H S O U T A
experiência instintual que acontece c termina, sem fazer referência alguma ao ser humano 110 interior do qual a excitação instintual está sc produzindo” (19S8, p. 1.13). E claro que o bebê precisa satisfazer a urg ência instintual, mas a qualidade principal das ex periências da prime ira mama da te órica não se define pela polaridade prazer/desprazer, c sim pela comunicação e intimidade que proporcionam e realizam, pela possibilidade de o bebê exercer a criatividade origi nária, mesmo porque “um objeto bom não é bom para o laetente a menos que seja criado por este” (1965j, p. 165). Além disto, quando a amamentação é entendida na chave do princípio do prazer, existe o risco real de se estabelecer um medo da satisfação, pois esta fica associada ao desaparecimento do objeto. Este risco pode ser evitado quando sc pensa, em te rmos de uma s ituação global: além do objeto, há toda uma ambiêneia na qual é possível deixar-se levar pelo im pulso excitado e à qual, depois, pode-se voltar para o repouso. A mãe, na sua função de ambie nte total, cont inua lá, independente mente da sua função de provedora dc alimento. Isto tudo dito, é quase supérfluo assinalar que Winnicott tam bém não pode aceitar que a alimentação seja entendida como um ato reflexo. A sua insistência neste ponto deve-se à sua proximidade eom a prática pediátrica comum. Ele não perde qualquer oportuni dade dc dirigir-se às enfermeiras, que, pensando estarem realizando bem o seu trabalho, pegam um bebê embrulhado num eueiro, eom as mãos presas, “e empurram a sua boca para o seio, declarando abertamente estarem decididas a fazê-lo mamar” (1988, p. 124). Ora, diz cic. a melhor maneira de inibir um bebê a mamar no seio é empurrar- lhe o seio boca ade ntr o “sem lhe dar a me nor chance de ele ser o criador do objeto que precisa ser encontrado” (idcin). W innicott não se cansa de adv ertir os especialis tas, cujo tr abalho os põe em contato direto com as parturientes c os bebês, de que sua principal tarefa é não interferir naquilo que a mãe, mesmo quando fragilizada, sabe fazer melhor que ninguém. A mãe que acaba de dar à luz pode estar fraca demais até para levantar o bebê do berço sem ajuda, mas continua a ser a única pessoa realmente indicada para adaptar- se às necess idades do lae tente, “ necessidades sinalizadas de forma tal que exigem a sutileza do entendimento da mãe verda d e i r a " (ibid. , p. 133). O que ela precisa c ser fisicamente ajudada pelos médicos e enfermeiras, mas não h;i qualquer razão para que 181
A T K OR 1 A IX ) A M A I) i: H K C IM E N T () l)L i I). W . V i.V X iC OT T
esses profissionais tirem dela a tarefa que ela está capaz dc fazer melhor que ning uém: iniciar a relação eom o seu bebê.31 A lém das tensões instintuais , a outra fonte de impulsos par a os estados excitados é a inutilidade, que, na teoria winnieottiana, é uma das raízes da agressividade, A motilidade se expressa desde antes do nascimento, nas evoluções do feto e nos movimentos bruscos e vigorosos eom as pernas, o que leva algumas mães a dizerem que ele está dando pontapés. Depois de nascer, ao movi mentar- se c ex ercitar a vitalidade dos músculos e tecidos, a criança dá de encontro com alguma coisa e, com isto, o meio ambiente é cons tantemente descoberto e redescoberto. Descobrir o meio ambi ente, aqui, não quer dizer que o bebê comece a “perceber” a exis tência do ambiente e das coisas externas, mas que, aos poucos, por meio das experiências repetidas que ele faz de qualidades dc perma nência, consistência, texturas etc., começa a se acumular, nele, um crescente “conhecimento” não mental, baseado na familiaridade, conhecimento que é anterior à consciência pereeptiva do mundo externo. Km condições favoráveis, a motilidade funde- se à tensão ins tin tuai e o bebê despende o máximo possível do seu impulso motor primitivo, ou erotismo muscular, nas experiências instintuais. Mes mo assim, resta sempre um excedente que tem a sua especificidade e precisa ser experienciado como tal. Para tanto, a motilidade precisa encontrar oposição, isto é, “necessita dc algo contra o qual fazer força, caso contrário permanecerá não experimentada, consti tuindo- se em uma ameaça ao bem- estar” (19 58 b, p. 2 98 ). Esta oposição, que põe em exercício sua força muscular, é necessária para dar realidade ao impulso. Os impulsos agressivos (lcia-se es pontâneos), afirma o autor, não produzem qualquer experiência satisfatória, -i menos que encontrem oposição (ef. ibid., p. 301). A lém dis to, o 'jue tr ansfor ma, g radua lme nte, a vitalidade do bebê cm capacidade >ara a agressão é o contato com u objeto que resiste
21 Winnicott cita Me ril Middleinore que, no livro The A ursntí* Couple (1941), descreve o imenso juidado que teve para não interfer ir nessa s ituação ex tre mamente delicada da mãe e do beliê no início do relacionamento. "Ela tom ou c uidad o” , d iv. W innic ot t. ” de não esperar sucessos ou temer f ra cassos, Provavelmen.e muito poucas pessoas apresentam as condições adequadas para fazer esse tipo dc observ ação da intim idade ” (1 98 8. p. 125). 1S2
OS KST.UiKXS LnUMlTIVOS: A I)l'.rUNl)KN'<:iA A1SSOLÜTA
e se opõe; segundo Winnicott, o chamado "potencial agressivo” de um bebê depende da quantidade de oposição até então encontrada por ele.-3Aqui fica claro o fato de a necessidade do bebê, nos primei ros encontros, não ser apenas a de um objeto libidinal, mas a de um objeto externo e consistente: “E a impulsividade, e a agressão que se desenvolve a partir dela, que faz com que o bebê necessite de um objeto externo, e não apenas de um objeto que o satisfaça" (195Sb, p. 304). () problema, aqui, é o fornecimento da quantidade ade quada de oposição, porque um excesso de «posição inibe o impulso e impede que a motilida de se fusionc à ex periência instintual.- - 1 Se, durante os estados de excitação, a mãe permite que a vivaci dade do bebê se expresse conjuntamente pela voracidade instintual e pela livre movimentação que acompanha a excitação, a motilidade funde- se, aos poucos, à tensão instintual; isto favorece a elabor ação imag inativ a das funções eorpóreas e, conseqüente mente, a tarefa de alojamento da psique no corpo c facilitada. O sentido dc real, diz W innicott cm 1950, origina- sc especialmente das raízes motor as (e sensoriais correspondentes), e quando, nas experiências instin tuais, há uma fraca infusão do ele mento motor, estas não fortalecem o sentido de realidade ou de existir. Disto decorre, muitas vezes, que as experiências instintuais passem a ser evitadas, precisamente porque levam a pessoa a uma sensação de não existir. Como já vimos, quando o movimento parte do bebê, o contato com o meio ambie nte é uma ex periência do indivíduo. Mas s t ié o meio que repetidamente tem a iniciativa, ao invés de uma série de experiências individuais, ocorre uma serie de reações a invasões. Neste caso, a motilidade acaba sendo experimentada apenas como uma reação à invasão. Se e este o padrão que vigora, começa a haver doença. Em maior ou menor grau, o indivíduo passa a precisar da 22 No belo livro Ü bebê e a coordenação motora (1994), as especialistas uni psieomotricidadc M.-M. Béziers c Y. IlunzinjÇor afirmam que um dos cui dados para propiciar bem- estar e se g urança ao bebê, fa cilit ando sua coorde nação motor a, consis te em a mãe, :io manejá- lo ou dar- lhe de mamar , provi dencia r para que seus pés este jam apoiados, podendo fazer pressão contra o braço da poltrona, as mãos ou o próprio corpo da mãe. 2.1 Às especialistas citadas na nota a nterior lembr am ao leito r que a vida, para o bebê, é movimento, e que, desde o início, c preciso ter o cuidado dc “evitar qualquer entrave à expressão dc seu movimento” (Uézters e lhinzinticr, 1994, p. .12). IN3
A T EORIA 1 )0 A .\ IA IH'Rlv<:iMKXT l) 1)K I). \V WIX NIGOT T
oposição, não para dar realidade ao seu gesto, mas eomo raiz do mov imento, e só é capaz de abrir c aminho até a impor tant e fonte da motilidade quando algo se lhe opõe. Num caso extremo, quando o impulso s ó é ex perimentado como re ação à invasão, o eu não chega a se estabelecer, visto que, na ausência da impulsividade pessoal, as ex periências primitivas de integ ração do si- mesmo, próprias aos estados excitados, não ocorrem. Nesta situação, "o bebê vive porque foi atraído pela experiência erótica, mas, além da vida erótica, que nunca parece real. Iiá uma vida puramente reativa e agressiva, dependente da ex periência de opos ição” (1 95 8b, p. 30 3). lista s itua ção desfavorável pode estar na origem dc uma das formas de dispo sição paranóide: o indivíduo está sempre procurando a perseguição que deflagrará o movimento, e só se sente real ao reagir a ela. Isto representa um modo falso de desenvolvimento e ele começa a neces sita r dc uma perse guição co ntínua para sentir- se vivo. Estas considerações conduzem à questão das raízes da agressivi dade.- 4 J á em 1939. no seu primeiro art igo dedicado ao tema, Winni eott denomina a impulsividade “agressiva” que alguns bebês costu mam manifestar, tão logo são postos para mamar, de “voracidade teórica” , “amor- apetite primário”, dizendo que ela c, originalmente, parte do apetite, expressando- se no ato de comer, atirar- se c devorar. Trata-se, diz ele, dc uma impulsividade que pode parecer cruel, peri gosa, mas só o é por acaso (by chance ). A palavra “voracidade” {greed), acr escenta o autor, talvez expresse melhor que qualquer outr a a idéia da fusão orig inal de amor e agressão (cf. 1964d, p. 9 2). Dc fato,
24 Winnieott dedicou muito dc seu esforço teórico à elucidação da agressivi dade o da destrutividade inerentes à natureza humana. K dc notar que os dois conceitos — agressividade c destrutividade — são necessários para distinguir duas modalidades de natureza radicalmente diferentes de “agressão". Isto ficará mais claro no decorrer do trabalho, sobretudo no Capítulo IV, nas seções re fer idas aos estágios do uso do objeto e ao do concernimento. lista questão atravessa toda a obra winnieottiana. e suas formula ções vão se modificando à medida que seu pensamento evolui. Muito tempo foi neces sário para que W innie ott chegasse a uma f or mulação mais acabada, o que só ocorreu, segundo ele mesmo, em um de seus últimos e mais impor tantes artigos , ”0 uso do objeto ”, de novembro de 19 68. Km Xuture&t humanu. numa nota dc rodapé acrescentada em 1970, ele diz que a falta dc uma formulação satisfatória para as raízes da agressividade "foi a razão que me impediu dc publicar antes este livro" (198
OS ESTÁdlOS PRIMITIVOS: A DEPENDÊNCIA Ali.SOl.lTA
a tensão instintuai gera no bebe uma necessidade imperiosa, um estado de urgência que pede por alívio imediato. Com a participação da motilidade, pode haver, na situação de amamentação, uma ativi dade vigorosa da gengiva, que chega a machucar o seio e produzir raehaduras no mamilo. Não sc pode afirmar, contudo, que o bebê esteja tentando ferir, “porque ele ainda não está suficientemente amadurecido para que a agressividade possa já significar alguma coisa” (1969b, p. 26). O termo “agressividade” só faz sentido quando uma ação é movida por um propósito, uma intenção, e o bebê, nesta altura, ainda não está de posse de razões 011 inteneionalidade. Há muita confusão sobre este ponto, diz Winnicott. pelo fato de. freqüen temente, se usar o termo “agressão” quando o que sc quer dizer é espontaneidade. A agressividade c, no início, motilidade e parte do apetite, e esta manifestação decorre do estar-vivo do bebê. E igual mente do “estar-vivo” e da imaturidade absoluta do bebê — em parti cular no que diz respeito ao tempo, à incapacidade de esperar — que decorre a sua voracidade. 0 que seria chamado dc agressão c visto mais eomo “evidência de vida” (1965h, p. 117). O impulso faz parte da busca de alívio instintuai. O objetivo do bebê é “a satisfação, a paz do corpo e do espírito” (1964d, p. 92). No artigo “A agressividade em relação ao desenvolvimento emo cional” (1958b), Winnicott admite a existência dc uma destruição que é inerente ao impulso amoroso primitivo. Essa destrutividade não deve ser vista como manifestação de agressividade, visto que é apenas incidental, fazendo parte da busca de satisfação instintuai. E preciso estudá- la completame nte à parte da r eação agressiva que decorre da frustr ação provocada pela não- satisfação das necessi dades inst intuais ou fr ente ao princípio de realidade.- 5
25 Não ú difícil perc eber que ii concepção de W innic ott sobre as raízes da agres sividade está em franco desacordo com as teorias freudiana e kleiniana. Com relação í i Freud. o ponto de di.seordâneia central reside no lato de este conceber a agress ividade com o re ação às fr ustrações no contat o eom o pr in cípio de realidade, o que pressupõe uni alto íir;|L1 dc desenvolvimento do bebê, impossível de ser concebido nos momentos iniciais. Com relação a M. Klein, os motivos são bem conhecidos: para explicar ;i agressividade, sobr etudo nos estágios primitivos , ela apela para uma destr utividade cons ti tucional do indivíduo. Com relação a ambos, uma outra objeção: as duas teorias deixam de considerar a dependência do bebê e o fato dc que este reage ao tipo dc cuidados que recebe. IS 5
A T K OK IA 1 )0 A MA DU U K C IM K X T O O E I). W W IN NIC OT T
Neste ponto da teoria, Winnicott introduz um conceito do amadurecimento, fundamental para a compreensão da agressivi dade c da destrutividade contidas na natureza humana: durante os estágios iniciais, o bebê, desconhecendo a existência tanto do si- mesmo quanto do ambient e, não tem nenhum tipo de preocu pação ou eompadecimcnto com respeito às conseqüências de seu amor ex citado. O bebê é um si- mesmo primitiv o incomfxulecidu (primitive ruthless self). li conveniente dizer, portanto, afirma Win nicott, “que o impulso amoroso primitivo tem um aspeeto destru tivo, embora não haja na criança a intenção dc destruir, visto que esse impulso pertence a uma etapa anterior ao coneernimento” (1958b, p. 296). Este c um dos pontos em que se pode observar, com clareza, a diferença entre a concepção winnicottiana do amadurecimento pessoal e a teoria do desenvolvimento das funções sexuais. Para W innicott, o que amadurece é o indivíduo na direção da integração, e não a libido em termos dc fases relacionadas a zonas erógenas. As manifestações ditas “agressivas” — o comer, o devorar, o mor der — não são decorrências sucessivas do desenvolvimento sexual, cuja progressão c determinada intrapsiquicamente, segundo o modelo biológico. Não se trata de dizer que a zona oral c inicialmente er ótica e, depois, s ádica ou destrutiva. E o bebê que, ama durece ndo, torna- se mais pote nte e integ rado no corpo, neces sitando, cada vez mais, experimentar sua força e lidar com sua crescente capacidade de reconhecer aco ntecimentos e objetos. Como, dura nte os estágios iniciais, o bebê é incompadecido, ele cont inua a exercer sua impuls i vidade nos momentos de excitação, sem preocupação e cada vez com mais força e ousadia. Haverá um longo caminho a percorrer até que o bebê, de incompadccido, torne-se gradualmente concernido e compadecido, ou seja, comece a sentir-se responsável pelos resultados da impulsivi dade instintual, na mãe e cm si mesmo. Mas isto tudo é um trabalho da integração crescente, uma conquista lenta que só poderá ser efetivamente elaborada no estágio do coneer nimento, m ome nto em que a "agressividade” primitiva — que, na verdade, não c ainda agressividade, mas é a destrutividade ineidentai que faz parte do impulso amoroso primitivo — será integrada como parte do cu e terá, então, significado pessoal. Para tanto, uma outra conquista, que será descrita adiante, deverá, necessariamente, ter sitio rcali1Sí>
OS ESTÁ GIOS PRIMIT IVOS: A DEPENDÊNCIA A HS OUT A
zada, mesmo que de forma incipiente: a integração num eu unitário, no estágio do EU SOU, de modo que o bebê torne- se capaz de relacio nar-se como uma pessoa inteira com uma mãe inteira, podendo, então, por ser um eu, sentir-se concernido e preocupado com os efeitos de seus próprios pensamentos e ações sobre ela. O exercício inconipadecido do impulso instintuai, alem de ser a mais primitiva das experiências de integração, é altamente gratificante para o bebê. A maneir a eomo ele é recebido pela mãe interf ere de forma crucial na possibilidade e no modo como a agressividade em crescente desenvolvimento será ou não integrada à personali dade tota l. T ratando- se dos estágios iniciais, o que não deve ser esquecido é a situação de dependência. O bebê depende inteira mente do modo eomo a mãe recebe as manifestações decorrentes do fato de ele estar vivo, ter necessidades e de ocupá- la em todos os seus aspectos; depende do modo como ela re sponde ao ges to es pon tâneo. Pode ocorrer de uma mãe, que cuida muito bem de um bebê em estado tranqüilo, assustar-se e reagir a ele nos estados excitados. Ela pode apavorar-se ou adotar uma atitude moralista ou ser, talvez, do tipo que se ressente do ataque do bebê corno mais um dos ataques que a vida lhe reservou. As vezes, há, na reação da mãe, uma espécie de desaprovação ao que está vivo ou ao que parece agressivo exatamente por estar vivo. Pode também ocorrer de ela estar emo cionalmente enferma. Uma depressão materna, por exemplo, pode traumatizar o bebê dc forma especializada: cheio dc vitalidade, o bebê avança para o seio e é amortecido pelo contato com um objeto sem vida. Má também o caso da mãe que recua, apavorada com a dor ou com o que seria a “agressividade” do bebê; este, se for vigoroso c se estiver faminto, aferra- se ainda mais ao seio para segurá- lo, detê- lo. Nestes casos, res tam ao bebê alg umas alter nativ as, todas desfavoráveis: 1) esconder seus impulsos uma vez que o ambiente não toler a ou não aceita a “ag res são” (es pontaneidade, vivacidade); 2) inibir a impulsividade instintuai e desenvolver um autocontrole prematuro e defensivo; 3) cindir os impulsos, que ficam dissociados; e 4) desenvolver a tendência anti social. Se, ao invés de voracidade, aparece avidez (greediness), então já não se trata mais dc manifestação dc vitalidade. A avidez é uma espécie dc sofreguidão imperiosa, que vem acompanhada de sofri mento, e parece insaciável. Neste caso, é preciso supor que a criança está sofrendo algum grau dc privação (deprivution). Este tipo de 1«S7
A T K OK IA l»C>A MA DUK RCL MENT O 0 1 .1) V WIN XI CO T ! '
privação dccorrc do fato dc alguma necessidade pessoal primordial não estar sendo reconhecida e suprida; em qualquer dc suas vari antes, a avidez significa a busca compulsiva de um cuidado especial, um cuidado que poderíamos chamar de uma “terapia” a ser forne cida pela mãe que causou a privação. Se a mãe puder reconhecer este s inal que a criança faz, sem assustar- se, e se estiver disposta a satisfazer a necessidade que lhe é assim comunicada, a compulsão desaparece na grande maioria dos casos (cf. 1958c, p. 133). Poden do apresentar- se de var iados modos, inclusiv e como inibição de apetite, sujeira (defeear c urinar abundantemente) ou destrutivi dade excessiva, essa avidez é já uma manifestação da tendência anti- social, é precursora do furto. Ela pode, certamente, ser ate n dida e “curada” pela adaptação especial, terapêutica, da mãe, sobre tudo porque esta, ao tolera r e compreender a comunicação, permite que o “ódio” do bebê se expresse num momento cm que o complexo de privação está ainda próximo da origem. A priv ação que tr ansparece na av idez, mesmo estando refer ida à amamentação, não diz respeito às necessidades instintuais, mas às necessidades do ego.20 Se a mãe está “ausente” ao dar de mamar ou se a amame ntação é realizada de forma impessoal, f altando comuni cação, intimidade e inutualidade, as experiências instintuais tor nam-se enfadonhas e, neste caso, pode chegar a ser “um grande alívio chorar dc raiva e frustração, o que, de qualquer modo, c real c necessariamente envolve a personalidade toda” (1969b, p. 24). A lém da motilidade c da impuls iv idade ins tintual, W innieott identifica, ainda, uma terceira raiz da agressividade, que não chegou a ser percebida pela teoria tradicional devido ao fato de esta não ter considerado a situação dc dependência do bebê: consiste em que o potencial agressivo de certas crianças deriva das reações traumá ticas que foram neles provocadas pelas invasões ambientais. Os traumas derivados das falhas ambientais, as quais freqüentemente se devem ao estado emocional ou às anormalidades psiquiátricas da mãe,27 inibem a espontaneidade do bebê, impedem- no de simples mente ser. relaxar, viver experiências instintuais; deixam uma espé
26 Sobre esta questão, cf. Winnieott, 1965n, p. 55. e 1965r, p. 82. 27 O te ma do padrão invasivo e tra umático tio ambiente , deriv ado de anor mali dades psiquiátricas da mãe, será desenvolvido num uutro estudo que visa explicitar : l teoria winnicottiaiia das psicoses. 18 8
OH liST.V HOS PRIMITIVOS: A DIv I K.XDÉXCIA A llSO U"! A
cie dc sobressalto que fica nele incorporado. Aí embutida, existe uma raiva, que advem da perda do ser, resultante dessas experiên cias tr aumáticas . Esse s entime nto dc raiva, que não é instintual nem tampouco um desenvolvimento da motilidade na direção da agressi vidade, não pode, contudo, no momento original, ser configurado e sentido como tal, devido à imaturidade do bebê, que inclui sua total inconsciência quanto à existência de um ambiente contra o qual deva insurgir- se.2fi Qua ndo o indivíduo, mais tarde, busca ajuda te ra pêutica e enco ntra confiabilidade — cm especial, neste caso, enco n tra um analis ta capaz dc sobreviver ao que emerg e — , a raiva pode começar a manifestar- se. lí ela. se manifestará, em especial, por ocasião dc uina falha do analista, quando este, por reconhecer a própria falha, propiciar a sua atualiz ação na s ituação analítica.- v lissa importante raiz da agressividade só ganhou precisão concei tuai na fase final do pensamento winnicottiano. Ela é apresentada com toda a clareza num trecho escrito em 1969, acrescentado à segunda versão, dc 1971, do artigo “Objetos transicionnis e fenô menos transicionais”. Neste adendo, Winnicott afirma que há 11111 momento, no início da vida, em que o bebê está elaborando a capaci dade de manter as pessoas vivas em sua realidade psíquica, no mundo subjetivo, c necessita da presença concreta da mãe para que a memória e a realidade da presença, enquanto tal, não se esvaiam: A nt e s que ce r to lim ite seja atin g id o, a mãe a in da está viva: de pois de transposto esse limite, ela morreu. Entrenientcs, liá uni pre cioso momento dc raiva, rapidamente perdida, ou ininca experi mentada talvez, vias sempre potencial t trazendo consigo o medo da violência (1953c, p. 39: grifos rneus).
A raiva 6 ‘‘perdida ou nunca experimentada” não cm função de uma censura superegóica, mas cm virtude de o bebê não ser ainda um eu. dc não ter conhecimento da existência do ambiente e dc o afeto não ter ainda nenhum sentido ou configuração para ele. A iden-
2N A existência dessa raiva não instintual, mas relacionada à perda do ser, veio- me co mo uma ev idência na prática clínica. G uiada por esse fe nômeno, fui procurar, em Winnicott. alguma apreciação que lhe desse base. Corno em outros casos, achei afirmações de extremo interesse que estavam espar sas em sua obra. O que apresento c o resultado dessa pesquisa. J ‘> Sobre o uso ter apêutico da falha do analista , uf. Dias. J 99 7. 189
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tifieação dessa impor tante raiz da agressividade levou o autor , que já discordava de Freud eom relação a esse ponto teórico, a declarar a insuficiência da teoria fre udiana sobre as raízes da agressividade. De fato. para Freud. diferentemente de Winnicott, o amor primitivo excitado não é, em si mesmo, destrutivo, e a agressividade c desper tada, no indivíduo, pela raiva provocada pela frustração relativa ao princípio de realidade. Por desconsiderar a dependência, a teoria freudiana das raízes da agressividade, suscenta Winnicott, (...) revela-se falsa, pois deixa tle lado duas fontes vitalmente importantes da agressão: aquela inerente aos impulsos do amor primitivo (no estágio anterior ao da preocupação, independente das reações à frustração) e aquela pertencente à interrupção da continuidade de ser pela intrusão que obriga a reagir (1988, p. 155)
6.2.
Os estudos tr anqüilos
Como os estados tranqüilos do bebê não chegaram a scr conside rados pela teoria tradicional, Winnicott abre, eom a formulação teórica deste tema, um campo inusitado de reflexões para o estudo da natureza humana e dos distúrbios psíquicos. Onde e como está o bebê quando não está mamando ou buscando algo?, pergunta W innicott. Esta área de inv estigação é valiosa; primeir o, por foca lizar a necessidade humana, que jamais se extingue na saúde, de abandonar momentaneamente o mundo, recolher-se em solidão, permanecendo em quietude no mundo subjetivo, ou protegido das pragmaticidades objetivas, no espaço potencial da arte c da cultura. Segundo, par mostrar, em particular nos estágios iniciais, que a realidade da experiência excitada, no encontro com o objeto, depen de de o impulso, que deu origem à busca, ter partido de um estado de descanso no estado de não- integração. Em terceiro lugar, pelo fato de a diferença entre os estados excitados e os tranqüilos fornecer a base para a importante distinção entre dois âmbitos que. em geral, são confundidos: o mundo em que o bebê habita e os objetos que podem ser encontrados (criados) no interior desse mundo. A necessidade do bebê, nos estados tranqüilos da prime ir a mamada teórica, c ficar no estado não- integrado, no relax amento próprio de quem se sente bem sustentado. Ele se entrega à “contem 190
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plação”, elaborando imaginativamente os estados fisiológicos da digestão, ou envolvido pelos ruídos, cheiros c movimentos do ambi ente. Se a mãe o tem no eolo, ele olha longamente para ela, que lhe fala ou canta uma canção, ou se recolhe em isolamento para um lugar ao qual ela não tem acesso, ou dorme. A mãe permanece lá, sustentando a situação no tempo, aguardando que o bebê retome uma busca qualquer: quando ele desperta e faz um ge sto de co mun i cação, lá está ela, apresentando- lhe um fr ag mento de mundo ou um manejo que confirma, para ele, que o mundo continua presente e vivo. E a repetição monótona e regular dessa experiência que vai criando no bebê a capacidade de confiar. Quando se estabelece essa crença — que poderia ser formulada do seguinte modo: “Assim que eu precisar, ela estará lá” —, o bebê passa, com muita facilidade, da experiência excitada para a tranqüila, e vice-versa. O acúmulo des sas ex periências torna- se um padrão e for ma a base para as ex pecta tivas do bebê e para a capacidade de “acreditar em...”: A capa cidade que a mãe te m de ir ao e ncontr o das necessida des, cm constante processo dc muta ção e amadure cimento, deste bebê permite que sua trajetória de vida seja relativamente contínua; permite- lhe, ta mbém , viveneiar situações de uão- integ ração ou relaxadas, a partir da confiança que deposita na realidade do fato de o segurarem bem, juntamente eom fases reiteradas da inte gração. que faz parte da tendência inata ao crescimento. O bebê passa, então, eom muita facilidade, da integração ao conforto des co ntr aído da não- iiUeg ração, e t» a cúmulo dessas ex periências torna- se um padrão e forma a base para as expectativ as do bebê. Ele passa a acre ditar na c onfiabilidade dos processos inter nos que levam A integração em uma unidade (19(í8d, p. 86).
O isolamento, no qual o bebê sc retira para descanso, não é defensivo; é o lugar natural de quietude ao qual ele, por sentir-se seg uro, sc entreg a, relax ado, não- integ rado, sem tomar ne nhum conhecimento do ambiente. É esta a matriz da capacidade da crian ça, e do adulto sadio, de retirar-se momentaneamente do mundo para descanso, assim como a base para a capacidade, a ser conquis tada um pouco mais tarde, de estar só na presença de alguém. Além disto, é somente a pa r tir do es tado de des canso t/ite um impuls o (fiutltfuer pode ser sentido como real e pode tonua se. verdadeiramente, uma ex periência ywssoal. Se isto não ocorre, a outr a alter nativa, que não pode ser incluída na saúde, é a vida falsa, fundamentada em 191
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reações a estímulos externos. Há bebês aos quais nunca foi permi tido, mesmo nos primeiros tempos, ficar simplesmente deitados, entreg ues às suas divag a ções ou mesmo tacitur nos. Suas mães os fazem permanentemente saltitar ou sorrir, on qualquer outra eoisa que as tranqüilize, por indicar que e.es permanecem vivos. Esses bebês, diz W innic ott, '‘perdem, assim, muito, e pode lugir- lhes a sensação dc que eles próprios querem viver” (1 949b, p. 28). Sc é dada à criança a possibilidade dc ir descobrindo a suíi própria vida pessoal, ela se torna capaz “de devanear, de estar num estado cm que não há orientação, de existir por um momento sem ser nem alguém que reage às contingências externas, nem uma pessoa ativa com uma direção de interesse ou movimento” (1958g, p. 36). Quando, ao invés de confiabilidade, há um padrão de invasões às quais o bebê tem dc reagir, o sentido de ser se perde c só pode ser recuperado por um retorno ao isolamento. Uma vez estabelecido esse estado de coisas, o isolamento já não beneficia o indivíduo, porque sc torna, cada vez mais, uma organização defensiva, e não mais uma possibilidade de descanso advinda da confiança. Se as in vasões forem excessivas, não haverá nem mesmo lugar dc descanso para a experiência individual; neste caso, estão ausentes as condi ções para que o indivíduo venha a tornar- se uma unidade integ rada: O “indivíduo”, então, se desenvolve eomo uma extensão da easea. c não do eerne, c como uma extensão do melo ambiente invasor. O que resta de um e erne fica oculto, sendo difícil aeliá- lo mes mo em uma análise muito profunda. O indivíduo, neste easo, só existe enquamo não encontrada (19581), p. 297: grifos meus).
Este ponto é essencial para o ente ndimento de certas patologias psicóticas, visto que, segundo o autor, “o material dos estados de não- ex citação está mais próx imo de um e studo sobre a psicose" (196 j t , p. 4 0). Uma inter pre tação possível para esta declaração é a seguinte: a dificuldade básica nas psicoses é a do contato com a rea lidade, e isto está associado ao fracasso da tarefa de dar início às relações objetais, tarefa que é própria dos estados excitados. No entanto, para que o impulso c o encontro com o objeto sejam òentidos como reais, é preciso que partam dc um estado de repouso. Ou seja, o re tomo a o relax ame nto da não- integr ação é a co ndição necessária para que o que quer que se dê nos estados excitados seja sentido como real e poss a fav ore cer a integ ração num si- mesmo 192
OS ESTÁCiIUS HtIMITIVOS: A OEIMÍXDBXCUAKSOLITA
também sentido como rea l. Se o que se estabelece é uma impossibili dade de descanso, o g es to já es tará alie nado na base.- 1" A qui entra o terceir o ponto me ncio na do acima. Como vimos, o bebê necessita que a mãe permaneça presente c consistentemente ela mesma, ao mesmo tempo que mantém regulares as caracterís ticas do ambiente, segurando no tempo a passagem de um estado para outro. 12a mãe. diz W innico tt, que, pela sua capacidade de estar preocupada eom a sua tarefa, “c capaz de fnrriecer um contex to para o início do relacionamento excitado” (1988, p. 120; grifos meus). A preocupação materna abre um contex to, um meio , onde um acon tecime nto pode se dar.31 Cons tituído pela tota lidade dos cuidados maternos, esse lugar 6 o mundo em que o bebê pode habitar, o lugar para onde ele se retira para descanso, o pano de fundo para as expe riências excitadas. Nele ocorre um tipo de relacionamento entre o bebê e a mãe que é diferente do que se estabelece nos momentos de excitação com o objeto. A distinção entre mundo e objetos corres ponde, portanto, uma diferença entre dois tipos de cuidados mater nos, Para descrever essa • ‘dualidade”, W innicott dife rencia a “ mãeobjeto” , que é alvo dos impuls os ex citados, da “mãe- ambiente” , que fornece os cuidados ambienta is totais, fazendo per manecer estável c confiável o mundo do bebê.13
30 Este tema é du maior importância na configuração das patologias esquizóides. 31 No caso clínico apresentado no artigo “Kctraimento e regressão”, Winni cott aponta ao paciente, que sc rctr;ii c cochila durante a sessão, o frito de o seu retraimento scr, naquela horn. uma fu£a da dolorosa experiência de estar ex atamente e ntre o acordar e o dormir, ou entre talar com o analista c retrair- se. C) paciente diz ent ão que. embor a continuas se estir ado nu divã, tivera a idéia tle estar encolhido. Foi quando Winnicott fez unia interpre tação que sc mostrou altamente significativa: “Ao falar do si mesmo como enco lhido e se movime ntando, você está ao mes mo te mpo dando a ente nder algo quo naturalmente não está descrevendo, por sc tratar dc algo que lhe escapa à consc iência; você dá a ente nder a ex istência de um me io.” () pacien te mostr ou ter c aptado a idéia dc um me io que lhe fornecia holding, dizendo: "K c omo o óleo no qual as rodas sc move m” (1 95 5c , p. 34 9 ). E este meio que pode ser chamado de colo da mãe. 32 A o propor nomes — infie- objeto e mãe- ambiente — para disting uir dois aspectos tio cuidado materno, Winnicott o faz com muita cautela, temendo que esses termos virem slogans vazios “e acabem por tornar-se rígidos c ''strutores'' (1963b. p. 107). m
A T E O R IA U O A MA DU RE CIM E N T O DE 1) \ V W IN NIC OT T
Essa distinção é importante em vários sentidos. Primeiro, parti examinar as implicações da dependência, tendo em mente ns inú meras atribuições da mãe na sua condição de faeilitador.1 dos processos matunitivos. Segundo, para configurar uma das dissocia* ções primárias do bebê que só será cur ada” , ou seja, integ rada na personalidade, no decorrer do amadurecimento. O bebê não sabe, de iníeio, que ele é o mesmo indivíduo que ora está tranqüilo, tendo seu mundo assegurado pela mãe, ora está excitado, agarrando vi vamente o seio; também não sabe que a mãe que se deixa sugar vo razmente é u mesma que cuida dele nos estados tranqüilos. A inte gração dos estados tranqüilos eom os excitados, concernentes ao mesmo bebê, e das “duas” mães numa única pessoa será uma con quista do amadurec imento a ser realizada no es tágio do concerniTiiento. Todos esses elementos conceituais relativos à integração paula tina num a unidade são contr ibuições decisivas da teoria winnicottiana. Se, como na teoria tradicional, a constituição do eu e a capa cidade de percepção do objeto externo forem dadas por supostas, sc a mãe for considerada, desde o iníeio, um objeto externo — e mais, eomo objeto erótico —, então, não há lugar para se considerar a constituição da realidade, sendo que é exatamente a constituição do senso de realidade do mundo e do próprio indivíduo que pode fracassar no caso dos psicóticos. Para o lactente, cuja mãe deixou sempre em aberto o caminho de retorno aos estados dc repouso da não- integr ação e que pre servou imperturbados os seus momentos dc quietude, a capacidade dc ausentar- se c descansar torna- se uma fonte dc r iqueza pessoal, um lugar dc proteção para onde poderá sempre retornar, ao longo da vida, cada vez que sentir necessidade de repousar do inundo e desencarregar- se, por um momento, da tarefa de existir. Esse estado de ausência, desconexão ou isolamento “introspeetivo”. não c sinal doentio; ao contrário, “6 sinal de saúde que a criança seja capaz dc usar as relações nas quais tem a máxima confiança para, às vezes, desintegrar- se, despersonalizar- se e, ainda, por um mom ento, aban donar o impulso quase fundamental de existir c sentir-se existente” (1071d, p. 203). Sc, ao invés desse padrão, os estados tranqüilos não tiverem seu próprio v alor positivo, não sendo mais do que o negativo dos estados excitados, é possível que se desenvolva, no indivíduo, uma grande m
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ansiedade eom relação à tranqüilidade e, eom o tempo, uma evitação permanente da quietude ou mesmo dos intervalos em que inex iste tensão ou ex citação. A ausência de tensão parece- lhe es tag nação, assemelhando- se à morte. À me dida que a integ ração vai se tornando um pouco mais consiste nte, a regressão à não- integração, como condição natural primitiva, deixa de ser possível. Se o amadurecimento prossegue, e c dado um passo a mais em direção à independência, há a perda par a sempre da c apacidade de não- integ ração (ef. 1988, p. 139). Esta experiência poderá, talvez, ser refeita, mas muito raramente e em condições muito especiais: um indivíduo saudável pode ser capaz, por um momento, de perder todas as referências, entrando num estado dc alheamento do mundo só comparável àquele que os místicos buscam, liste estado dc não- integração pode também vir a ocorrer nas condições especializadas, fornecidas pela psieoterapia, e mesmo pela fisioterapia.u Para o indivíduo que atingiu um certo >13 Km seti livro Ginástica luilística: história e desenvolvimento (te um método de cuidados corporais (2000), Maria Emflia Mendonça — que Iniscou no pensamento dc Winnico tt um maior e ntendimento de c o tos f enômenos que ocorriam em sua elíniea — discorre sobre os detalhes sutis de sou método de cuidados corporais e reflete sobre a importância da relação profcssor- aluno. Diz te r s empre notado, nas nulas em g rupo. que nlguns alunos se “desligav am” da aula por alg uns momentos; talvez pelo silêncio ou, talvez, embalados pela voz do professor: esses alunos atingiam um estado de quietude, afastando- se da ação objetiva que estava acontecendo. Intuitiv a mente, ela percebeu a importância de não interferir de maneira brusca nesses estados que. segundo ela, não eram manifestação de desinteresse, mas, ao contrário, de confiança. Depois de algum tempo, o aluno retorna ao presente, em geral c om uma sensação ampliada de presença na sala de aula. E somente a partir desse momento, observa a autora, que a aula, para esse aluno, pode de fato começar. “Para que o aluno se entregue a esse estado, é preciso confiar que alguém vá trazê-lo de volta, ou que esse alguém perma necerá presente na sua ‘ausência": quando o aluno voltar, terá alguém aqui- e- agora g ar antindo a continuidade do espaço- tempo. ( ...) Km alguns casos, essa é n etapa mais importante da aula ou sessão, e procuro, inclusive, não fazer nada que perturbe o aluno ou que o afaste desse estado. Penso tratar-se de uma relação tle objeto subjetivo, eomo se diz na teoria winnieot tiana, pois. nesse momento, o aluno está se relacionando eom ris sensações corpor ais e o bem- estar do ambie nte (o locai no qual se encontr a, a minha presença, a voz, o toque) como se fossem uma coisa só" (Mendonça, 2000, p. 205). 195
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grau estável dc integração, contudo, o dcscanso ncccssário terá de realizar- se por outra s vias. mais complex as: saberá ausentar- se do mundo compartilhado, isolando- se, momenta neamente , no mundo subjetivo, entregando- se a uma atividade imaginativ a, à conce n tração lúdica ou artística, e mesmo ao trabalho criativo. A partir de um certo grau dc integ ração, o contrário desta não é mais a não- integ ração, mas um estado de des integ ração “enlouquceedora”. Quando a pessoa do bebê começa a surgir, “o fracasso materno leva à desintegração em vez de levar a um retorno à não- integ ração” (19 58d, p. 165 ). No entanto, como as passagens são graduais, existe um estado intermediário no qual um bebê bem cuidado, e em pleno desenvolvimento, ainda pode relaxar na não-integração e tolerar, mas apenas tolerar, diz Winnicott, sentir-se “louco” no estado não- integrado (ef. 19 88 , p. 138 ), Sc o ambiente , contudo, fracassa repetidamente em fornecer segurança ao bebê. para alem do limite de sua tolerância, a ameaça de desintegração torna-se permanente e o indivíduo passa a carregar consigo o senti mento de um perigo inominável que c preciso evitar a qualquer custo. Pode também ocorrer, em virtude de um sentimento retido de insegurança ambiental, de ele estabelecer uma forma exagerada de cuidado consigo mesmo, uma espécie de autopi cservação automá tica, que c uma defesa contra a desintegração que a falha ambiental, tornada potencial, ameaça provocar.-1'1 7. 7.1 .
As tarefas básicas A integ ra ção no tempo e no espaço
Na teoria do amadurecimento, o termo “integração” é usado tanto para designar a tendência inata ao amadurecimento, que leva ao estatuto unitário, como para as várias integrações parciais que vão ocorrendo gradualmente ao longo da jornada, a partir do estado dc não- integ ração. A tarefa de integ ração no teinjvi e tio espaço é a mais básica c fundamental das tarefas do amadurecimento. Com efeito, não há sentido de realidade possível — nem do corpo, nem do .14 O medo dn desintegração c um dos aspectos centrais das j>:itolo^i:is psieó tiens de tipo esquizofrênico.
( )S K ST A UIUS 1*KI.VIIT1Y< >S: A l)Kl'K.\ l>K.\ CIA A1! S( »LL"1'A
mundo, nem do si- mesmo — fora de um es paço e de um tempo; não há indivíduo se não houver uma memória de si, aquilo que mantém a identidade em meio às transformações; não há encontro de ob jetos se não houver um rrmrulo onde os objetos possam ser encon trados e se não houver um ai- mesmv que possa encontrá- los. T odo o processo integ rativo tem sua base na t emporalização c espacialização do bebê, que começam a realizar- se no início da vida. l ‘or isso, “a tendência principal do processo maturativo está contida nos vários sig nificados da palavra ‘integ ra ção’. À integ ra ção no te mpo se acrescenta o que poderia ser denominado dc integração no espaço” (1965n, p. 58). T emporalizar e es paeializar o bebê não sig nifica inscri- lo no tempo e no espaço do mundo externo, uma vez que ele íiinda não está suficientemente amadurecido para o sentido da externalidade. O r ecém- nascido vive numa espécie de contimmm, numa mera duração estendida. Apesar de algumas pequenas marcações do tempo, como a respiração da mãe c a alternância dos estados de movimento e de quietude terem sido já experimentadas na vida intra- uter ina, sua te mporalidade resumc- sc à sua continuidade de ser. Como o bebê habita, inicialmente, num mundo subjetivo, ini ciá-lo no sentido do tempo e do espaço significa cuidar de que o tempo e o espaço que regem esse mundo sejam também subjetivos. O primeiro sentido do tempo, 110 mundo subjetivo, é o da conti nuidade da presença, que se instaura pela experiência repetida da presença da mãe, da sua permanência, da continuidade dos cui dados que lhe apresentam continuamente o mundo. O bebê não sabe da existência permanente da mãe, mas sente os efeitos da presença c, vagarosamente, criando uma memória dessa presença, conta com isso. Para preservar a co ntinuidade dc ser e mant er vivo o mundo subjetivo, o bebê precisa ser permanentemente assegurado pela presença que subsiste, pois [... | os impulso s cr iativos apagam- se, n não ser que sejam confron tados com a re alidade ex terna [ ex terna para o observ ador e ma té ria- prima para o mund o subjetivo ] . Cada criança prec isa recriar o mundo, mas isto só é possível se, pouco a pouco, o mundo for sc tomando presente nos momentos de atividade criativa da criança. A cria nça estende a m ão e lá e s tá o seio. e o seio c cria do (1 9 5 S j, P. 23). 197
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O bebê está consolidando o estado de ser que emergiu do não-ser. A negatividade da origem está muito próxima, pronta para surgir em cada buraco dc ausência da mãe, que dure um tempo sufi cientemente longo para apagar a incipiente memória da expe riência, ainda sem consciência, da presença. À mãe que é capaz de identificar- se com o bebê só sc ausenta dura nte o inter valo de te mpo em que ele consegue guardar a memória da presença dela. () senti mento de que a mãe existe dura “x" minutos. Se a mãe ficar distante mais do que “x” minutos, a imagem de sua presença sc esmaece. O bebê fica aflito, mas se a mãe retorna em “x + y” minutos, a aflição é corrigida. Digamos que em “x + v” minutos a continuidade de ser do bebê não sc alterou, mas se a ausência da mãe dura “x + v + z” minutos, ele fica traumatizado e o retorno da mãe já não corrige o seu estado alterado. Se a memória da presença sc apaga, a sensação é dc aniquilamento, de loucura, “Loucura, aqui, significa simplesmente uma ruptura do que possa existir, na ocasião, como urna continuüUide pessoed c/e existência" (1967b, p. 136). Após recuperar- se do trauma, o bebê te m de começar tudo de novo, permanentemente privado da raiz que poderia proporcionar conti nuidade com início pessoal. O início pessoal, ou seja, a base da exis tência, "implica o estabelecimento dc um sistema de memórias e uma organização de lembranças" (idem ). O apagamento da memó ria da presença é um dos traumas específicos que aparecem na etio logia das patologias psicóticas: Trata-se de uma agonia impen sáve l.15 O que impede essa agonia — no caso, a de perder todo o sentido de real — é o fato de a mãe tecer permanentemente a pre sença, apres entando continuame nte ela mesma c o mundo ao bebê, em pequenas porções, no momento do gesto espontâneo. Desde o início do amadurecimento, com o bebê ainda no útero, as memórias corporais pessoais começam a juntar- se para for mar um novo scr humano. Isto significa que fazer experiências e ter memórias dessas experiências é o que demarca o início do scr humano. Bem no começo, as memórias corporais são esparsas, mas. aos poucos, cias vão se reunindo e formando um estoque de expe riências. A partir daí, as ex pectativas tornam- se cada vez mais confi guradas. Sc o bebê sente gara ntida a continuidade dc scr —ou seja, 35 A s agonias impensáveis cons tituem o conceito central tias patolog ias psicó ticas na obra de W innicot t. S erão estudadas em detalhe num próx imo livro. m
OS KSTÁtHOS PRIMITIVOS: A DEPEXDKXCtA Ai!S< ) U T
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se não se vê impelido a desenvolver um estado de alerta eontra a potencial invasão ambiental — , ele está em condições dc viver, sem sobressalto, as inúmeras experiências que se repetem de acordo eom um certo padrão, Com o tempo, ele começa a ter um “conheci mento " — dc si mesmo, do ambiente e do que irá suceder — que não c menta l, mas baseado na crescente familiaridade co m as sensações corpórcas que são elaboradas imaginativamente e com o estado dc coisas que o rodeia. Ii este o fundame nto da temporalização, inicia l mente subjetiva, do bebê: a partir das experiências do presente, ele começa a constituir um “passado", um “lugar” onde guardar expe riências, de onde pode antecipar o futuro, pelo fato de algumas coisas e acontecimentos terem se tornado previsíveis. Tem início uma história, lista é a base para o estabelecimento da capacidade para a experiência num sentido cada vez mais amplo, uma vez que uma experiência real “não é tanto um acontecimento singular quanto uma construção do evento a partir da memória’’ (1988, p. 120), Ao longo desse processo de temporalização originário, é a psique que está trabalhando na direção de ligar o passado já vivenciado, o presente e a expectativa de futuro uns aos outros, forne cendo o sentimento do eu e justificando a percepção de que dentro daquele corpo existe um indivíduo (cf. 1988, p. 46). Juntamente com a constituição do sentido de presença, começa a ocorrer um tipo especial de marcação do tempo que, na saúde, é necessariamente anterior ü percepção das cronologias. Essa mar cação é feita pelas vias naturais, especificamente humanas, de inti midade com o corpo da mãe — o r itmo re spiratório desta, as batidas do seu coração; tam bém é reg ida pelos r itmos do corpo do bebê aos quais o ambiente sc adapta: a fome, a amamentação, a excreção, o sono, o despertar, os sons, a luz e os cheiros. A datação do tempo é operada, portanto, pelos cuidados maternos que, inicialmente, se ajustam ao ritmo do funcionamento fisiológico, que tem um tempo próprio, e pela elaboração imaginativa desse funcionamento e das sensações corpórcas. Fazendo assim, a mãe propicia que o bebê seja iniciado na periodicidade do tempo, tendo como matriz o seu próprio ritmo, o ritmo eorpóreo. Pela repetição da experiência, um sentido de “futuro” começa a scr constituído: o bebê começa a scr capaz de prev er o que v irá, a pa rtir de suas próprias necessidades. tornadas reais pela resposta e atendimento maternos. Se a mãe impõe ao bebê um ritmo que lhe é externo — seja cronológico, seja 199
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segundo a sua própria necessidade c não a do bebê — , a temporalidadc subjetiva c a coesão psicossomática ficam prejudicadas, sc não impedidas. Para que o tempo externo não interfira nos processos naturais da temporalização subjetiva, é preciso que o ritmo natural do bebê prevaleça. A alimentação deve ser dada “exatamente quan do o bebê a quer e acaba quando o bebê cessa dc a querer. Esta é a base”, diz Winnicott (1945c, p. 34). De início, a mãe obedece ao ritmo do bebê e, só gradualmente, vai ajustando esse ritmo a um intervalo regular que lhe pareça conveniente c adequado às necessi dades dele, embora contemplando também as suas próprias neces sidades de mulher e mãe. Somente assim um bebê pode. com o tempo, transigir com a mãe e chegar u um acordo com respeito à regularidade das mamadas. Pode ser que o bebê sc ajuste a esse intervalo e passe a ter fome, regularmente, a cada três horas, sentindo isto como sendo sua própria necessidade. E a esse tipo de “acordo” que Winnicott se refere quando afirma que é apenas nas etapas iniciais, quando ainda não tem conhecimento da depen dência e quando lhe é permitida uma relação criativa com o objeto, que o bebê pode aprender gradualmente a aquieseer “sem perder a dignidade” (1968d, p. 91). Ou seja, devido a sua criatividade origi nária, o bebê tem dignidade antes mesmo de ser um eu unitário. Entretanto, um intervalo dc espera demasiadamente longo leva à angústia; muitas vezes, “se o alimento demora mais do que ‘x’ minutos, quando ele cheg a, saciará a fome, mas não terá mais sig ni ficado para o bebê” (1984h, p. 46). O modo mais fácil de a mãe recu perar a confiança do bebê consiste c m voltar a amamentá- lo como e quando for exigido pelo bebê, por um período, voltando apenas gradualmente a tentar estabelecer uma regularidade. Muitas vezes, no entanto, a mãe que foi ensinada a treinar seu bebê para que adquira hábitos regulares, começando por uma alimentação regular a cada três horas, “sente-se realmente em pecado mortal se lhe disserem que amamente o seu bebê como uma cigana” (1945c, p. 34). A principal dificuldade de as mães sc permitirem seguir o ritmo dos bebês decorre dc que pesa sobre elas a responsabilidade de estar criando um filho, e elas aceitam prontamente as regras de marcação do tempo, os regulamentos c as prescrições médicas que tornam a vida menos arriscada, ainda que um tanto monótona. Uma parte dessa dificuldade deve também ser atribuída à orientação pediátrica. Quando a relação entre mãe e bebê está se desenvol 200
OS ESTÁCIOS PRIMITIVOS; A DKPICXDIíXCIA AI5SOIATA
vendo naturalmente, diz Winnieott, técnicas, quantidades e horá rios podem ser deixados ao critério da natureza. Não há dúvida de que muitas dificuldades da adaptação materna estão re lacionadas prec isamente ao tempo. Uma delas surge quando mãe e bebê não estabelecem ou perdem o contato devido à falta dc sincronização, já que alguns bebês são, por temperamento, mais lentos do que suas mães, c outros, mais rápidos. Pode ser particular mente enfadonho para uma mãe rápida adaptar- se a um bebê lento, mas também não c fácil se é o contrario que ocorre. De qualquer modo, é preciso que a mãe tenha tempo e gaste tempo na tarefa de cuidar do laetente. Quando suficientemente boa, ela sabe que, para tirá- lo do berço e removê- lo para alg um lugar, ele precisa ser prepa rado para o movimento: deve receber um aviso c ser levantado no momento certo, com as várias partes do corpo seguradas em c onj un to. Além disto, “o gesto começa, continua c ter mina, pois o bebê está sendo levantado de um lado para outro, talvez do berço para o ombro da mãe” (1988, p. 137). Ou seja, a mãe facilita ao bebê ter experiências totais. Isto requer que ela tenha tempo suficiente para esperar ; 110 ritmo do bebê, que ele vá de uma ponta à outra da expe riência, que esta te nha começo, meio e fim.-16 Quando e stamos apressados ou preocupados, não podemos facilitar acontecimentos totais e o bebê fica mais pobre: Os acontecimentos totais habilitam os bebês a dominar o tempo. Eles não começam por saber de antemão que quando uma coisa está em marcha terá um fim. O meio das coisas só pode ser desfru tado ou, 1 1 0 pior dos casos, tolerado, se houve r um forte se ntido de princípio e fim (1949c, p. 86).
O aspecto central dos cuidados adaptativos está relacionado ao tempo. Sua característica básica é a confiabilidade, e esta significa previsibilidade. Quando se diz que uma criança é bem cuidada, isto quer dizer que os seus pais a protegem de imprevistos, tle ser apa nhada de surpresa por algo que não espera nem pode esperar. As experiências regulares, repetidas milhares de vezes, fazem com que surja no laetente um sentido de previsibilidade. A medida que o unitário se constrói, com o cuidado ambiental sendo incorporado ■Vi l.'m ex emplo impo rtante sol ire a ex periência tot al, por oc asião das a tiv i dades dc ex creção do laetente. encontra- se ein Winnie ott, 1949c. 201
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como uma qualidade que lhe é intrínseca, a integração se trans forma num estado cada vez mais consistente e o indivíduo começa a tornar- se capaz de cuidar de si mes mo. Desta forma, a dependência diminui gradualmente. O desenvolvimento da autonomia da crian ça, com relação ao meio ambiente, está relacionado à capacidade crescente desta de fazer prognósticos (cí. 1987d, p. 95). Embora não seja propósito deste estudo chegar às implicações clínicas da teoria winnicottiana do amadurecimento e das psi coses, creio ser oportuno notar que essas questões muito básicas, relativas à constituição do tempo, servem para nortear o analista em s ua taref a te ra pêutica. O cuidado de sc pautar pela necessidade do bebê, ou do paciente, e dc evitar acontecimentos abruptos põe em questão, por exemplo, o problema do término da sessão analí tica, que é import ante cm qualquer tipo de caso, mas, em especial, com pacientes cujo aspecto central da personalidade é psicótico. Seja qual for a problemática eom que lidamos, não sc pode ter minar a sessão repentinamente, contando com o fato de o paciente ter um lado adulto, e dc o horário ter sido combinado. Muitas vezes, em especial numa fase de regressão à dependência, a pessoa não está em contato eom o tempo objetivo, assim como não tem matur idade e mocional s uficiente para beneficiar- se com uma ma nifestação real de ódio do analista, importante em outros tipos de distúrbio, uma das quais consiste no encerramento da sessão na hora prevista.- '17É preciso ajudar o paciente, s inaliz ando com a lg um movimento, algum gesto, que a sessão está por terminar. As vezes, como no caso dos bebês, alguns minutos a mais bastam para que o paciente faça seu próprio término e se apronte para a saída. Este cuidado valerá não apenas para essa ocasião específica, mas tam bém para reassegurar o paciente de que cuidamos para que nada aconteça abruptamente. Mas também é possível que ele esteja efetivamente precisando dc mais tempo, de sessões mais longas; deve-se, então, alargar regularmente, por um certo período, o tempo da sessão, sabendo de antemão que o encerramento desta, mesmo quando alongada, irá requerer iguais cuidados, li só assim que, tal como o bebê, o paciente poderá, com o tempo, aquiescer ,Lsem perder a dignidade”.
37 Cf. Winníoott, 1949f. 202
OS K ST Â tilUS 1’IU.MtT IVUS: A I)K1'EN'I)KNC1A A HSOI.VT A
Entretanto, nem sempre o que um paciente precisa é de mais tempo; nem mesmo c eerto que será dc benefício, para ele, que o final da sessão dependa dc seu tempo subjetivo. Alguns estáo em terapia just ame nte para poderem c ons tituir um tempo subjetivo; no momento originário, em que este deveria ter sido constituído, só havia caos no ambiente e esses indivíduos tiveram de agarrar-se rigi damente a um tempo objetivo — que lhes serve de referência, sem a qual se sentem imediatamente perdidos — para não sucumbirem a uma total desorganização da personalidade. Há pessoas que não tolerani qualquer situação cuja duração é indefinida. Tive um pa ciente extremamente prejudicado com relação a essas conquistas básicas referentes à temporalidade e à espacialidadc. Além dc ter nascido num ambiente instável c caótico, seu parto fora atrasado e, desde sempre, ele se sentia aprisionado em qualquer situação cujo final não estivesse rigorosamente previsto. Winnicott diz que entre as típicas características da verdadeira memória do nascimento está o sentimento tle estar nas garras de alguma coisa externa, que faz eom que o recém- nascido sinta- se completame nte indefeso ou de samparado. Inerente a esse sentimento de desamparo “é a natureza intolerável de estar experimentando alguma coisa que não se sabe quando terminará” (1958f, p. 266). Acrescentado a isto, havia o fato dc esse paciente não ter tido nenhuma experiência de comunicação pessoal, e embora isto fosse o que mais necessitava, qualquer proxi midade era sentida como invasão potencial. No início da análise, o tempo da sessão chegava, às vezes, a scr demasiado, c ele se agar rava, rigidamente, ao horário previsto. Para esse paciente, u idéia dc uma sessão sem fim previsível ou que dependesse de um tempo subjetivo, que simplesmente não existia, era-lhe insuportável. Havia também um outro aspecto: sempre atento à única bússola que possuía, o seu relógio, ele sabia muito bem quando o tempo formal da sessão se esgotava, mas esperava que eu tomasse a iniciativa. Notei que, tanto para esse como para alguns outros pacientes, a capacidade do analista de encerrar a sessão dentro do combinado fornece se g urança — e aqui a questão não é o ódio — , visto que, encarregar- se da taref a de toma r conta do tempo sig nifica, para esse tipo dc pessoa, que o analista assumiu a posição daquele que cuida e que, por encarregar-se de manter em contato com a reali dade externa, libera o paciente para ir constituindo o seu mundo subjetivo. 20.1
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Uma das características nas organizações defensivas de tipo psicótico é a impossibilidade que o indivíduo apresenta de “ter tempo”, de poder “contar com o tempo”, de permitir um tempo para o desenvolvimento de um acontecimento ou de uma expe riência. Diante de um fato inesperado, o desespero ou a ausência de recursos se instala imediatamente. A impressão que se tem é que esse indivíduo caminha sempre nu beira de um abismo. O tempo subjetivo não se constituiu c, portanto, também não se deu o desen volvimento posterior de um tempo interno, que permita um parên tese para a reflexão, que o capacite a não ser arrastado pela solici tação ex terna. Esta falta de tempo manifesta- se dc inúmer os modos. Um paciente adulto relata o modo como se alimenta: ele não faz uma refeição, mas engole a comida. O sentimento 6 de estar exposto a unia urgência à qual precisa rapidamente dar um fim, porque toda a comida vai acabar antes dc ele saciar a fome. No decorrer da análise, revela-se que, para a sua mãe, amamentar ou, mesmo mais tarde, dar de comer aos filhos era uma tarefa árdua, da qual deveria livrar-se o quanto antes. Enquanto cie mamava, cia não estava ali, estava já na outr a coisa que teria de fazer, quere ndo desveneilhar- se logo daquilo. Um outro exemplo é o de uma moça cujo mundo subjetivo era rico e cheio de preciosos detalhes, com um tempo pessoal muito peculiar, inteiramente incompatível com o tempo externo que era sentido como intolerável e opressor. 151a tivera um início bastante bom, no qual pudera se entregar à vida imaginativa. Num certo mo mento a mãe ficou viúva e, sobrecarregada pelas obrigações cotidia nas, que incluíam a manutenção financeira da casa e da vida cm geral, nunca mais conseguiu adaptar-se ao ritmo de sua pequena filha, apressando- a cons tante mente. A paciente tornou- se ex celente profissional em sua área, para a qual se exigia criatividadc e imagi nação, mas não conseguia entregar seus trabalhos sem sentir-se subjugada pelos prazos, nem conseguia chegar a tempo cm seus compromissos. A “obediência” ao tempo compartilhado era, para ela, uma submissão intolerável, que a afrontava. S imultane ame nte à aquisição do sentido do te mpo, está se reali zando a esjKicialvsaçãx) do bebê, estando as duas conquistas intima mente imbricadas. Trata-se dc possibilitar ao bebê a aquisição gra dual do sentimento, que está longe de poder ser dado por suposto ou automaticamente adquirido, dc ter um lug ar cm que possa habitar. 201
OS KNTÁliH>S PRIMIT IVOS: A DKIMÍXWCXCIA A HS OU T A
onde possa "sentir- se em casa” , um lugar para onde possa voltar para descansar e cpie seja “uma posição básica a partir da qual operar ” (1 98 6h, p. 31 0). O s entido de habitar constrói- se em muitos níveis, mas, em primeiro lugar, é preciso que o bebê habite no seu próprio corpo. Não é à toa que a segunda tarefa básica é chamada dc “res idência” ou “mor ada da psique no cor po”.1'’ Se ndo o seu próprio corpo a primeira morada, é preciso acrescentar que esse corpo não está solto no espaço, mas está sendo seguro e reunido nos braços da mãe, ou aconchegado no berço; o colo da mãe c os detalhes do ambi ente — indisting uíveis , no início, do próprio bebê — , são partes constituintes dessa morada e da experiência inaugural de habitar. Sc for deixado longo tempo sem ser sustentado, o bebê perde o contato com seu próprio corpo, que fica desrcalizado, e é isto que caracteriza os estados de despersonalização que estão na base dos distúrbios psicossomáticos. Tempo c espaço estão de tal modo articulados que existem fatores temporais a serem resguardados para que a habitação do bebê seja consistente e confiável; uma delas é a regularidade e previ sibilidade das condições a mbienta is Não é aconselhável, por ex em plo, que o berço seja continuamente mudado de lugar, pois o bebê está se habituando a encontrar, numa certa posição, o raio tle luz que entra pela janela e faz um risco luminoso na parede do quarto. A demais , o lug ar do bebê deve ser simples, preser vado dc confusão, de balbúrdia e dc excessos: na pequena “clausura” aberta c mantida pela mãe, fragmentos dc mundo são apresentados ao lactente, dc forma compreensível c em pequenas doses. Além disto, quando a mãe se detém, sem pressa e atenciosamente, nos detalhes que o bebê apresenta, ela está possibilitando a este criar e habitar um nicho, que é feito de tempo e de concentração, no interior do qual alguma coisa, que pertence ao aqui e agora, pode ser experieneiada. Isto tem implicações importantes para a. prática clínica, cm especial com pacientes regredidos à dependência. Winnicott diz, por exem plo, que “um dos princípios mais importantes da tccnica psieanalítiea é o de que o contexto é fornecido, a fim de que o paciente possa lidar eom uma coisa de cada vez”, pois “dois ou mais fatores ao mesmo tempo geram confusão” (1958f, p. 275). .W () tema tia residência no corpo será desenvolvido a seguir, quando for desc rita a taref a i| uc lhe é específica: a do aloja me nto da psique no corpo. 205
A T io nu iA [ K) a
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() pequeno círculo protegido pela atenção paciente da rnãe está constituindo a base da capacidade de, mais tarde, o indivíduo poder habitar no incomensurávcl mundo da realidade externa, sem perder o sentido de estíir em casa. Quando a segurança do pequeno mundo se instala, o bebê que amadurece “fica exultante por encontrar a mãe por trás do seio ou da mamadeira, e descobrir o quarto por trás da mãe e o mundo para além do quarto" (1957n, p. 23). A totalidade dos cuidados maternos possibilita ao laetente viver num mundo subjetivo, povoado pela vida imag inativa , relativa ao funcionamento eorpóreo e à atmosfera ambiental, cuja principal característica c ele estar protegido da invasão de qualquer amostra da realidade exter na. liste é o primeiro mundo em que o laetente habita, e será, ao longo da vida, seu principal refúgio para descanso. A mãe caótica altera, s eg uidamente, não apenas o clima emocional, c omo ta mbém as condições ambientais concretas do bebê, de modo que este não tem como construir o “hábito”, a familiaridade e o sentimento de segurança que caracterizam o sentir-se em casa. Ao invés de concen tração, haverá dispersão e confusão. Pior: irá pairar sempre, sobre o bebê, a ameaça de que algo incompreensível pode irromper e arras tar tudo. Note-se que a palavra “invasão”, usada para designar o caráter g eral da falha do ambiente , g uarda um sentido espacial. A in vasão do território “sagrado” abre, repentinamente, a cortina do claustro e o faz vislumbrar, prematuramente, a imensidão dc fora. Uma caract erística do es tado de pânico é o pavor dc lugares abertos, enormes, sem contorno e o sentimento de perder todas as referên cias. Em vários momentos de seu diário, Renée, a garota esquizofrê nica tratada por M. A. Sechehave, fala de seu sentimento de i r r e a l i dade: ela se via numa “imensidão sem limites” ou “o casarão da escola tornava- se ime ns o” ou “a rua tornava- se inf inita ”.-™A o co n trário disto, Forrcst Gump levava sua “casa” consigo para onde quer que fosse.40 Mais tarde, após ter vivido tempo s uficiente no mundo s ubjetivo, o bebê irá habitar no espaço potencial, cuja área será preenchida inicialmente pelos fenômenos transicionais e, aos poucos, sucessiva mente, pelo brincar, pelas atividades culturais e artísticas, ou seja. 39 Cf. Seelielisive, 198N. respuetivíimeine as pp. 121. 122 o 125. 40 Forrcst G ump é o nome do personagem e o título do filme do diretor Kohert Zemeckis (EUA, 1994). 20f>
U S K S T Á C IO S 1 'ltlMlT IV O K : A D m í X D K N C l A A U S O I X T A
por tudo o que está livre do julgamento regido pela objetividade. Quando há saúde, diz Winnicott, esse é o l u g a r cm que vivemos, Uma das características do brincar e das atividades pertinentes ao espaço potencial é esse estado de alheamento — que só pode ocorrer se houve incorporação do sentimento de segurança, de que ex iste alg uém cuidando da permanência das coisas lá fora — , que é matriz da concentração na criança maior e no adulto. Se essas primeiras experiências de habitação são garantidas pelo cuidado suficientemente bom, o indivíduo chegará ao mundo externo tendo consigo a matriz que lhe permitirá — a despeito do que objetiva mente é imenso, inabarcável e inóspito — criar um nicho onde sinta- se em casa. Assim como a integ ração no tempo e no espaço c a mais básica das tarefas, também o cuidado materno específico que lhe corres ponde é o protótipo de todos os cuidados maternos suficientemente bons: o segurar (holding). Esse segurar, que é simples e se refere ao manuseio do bebê e a todos os cuidados físicos relativos ao seu bem- estar, vai aos poucos se ampliando à medida que o bebe cresce e que o seu mundo vai se tor nando mais complex o. Estendendo- se para os cuidados em geral, incluindo a atmosfera de calma e regula ridade do ambiente que a mãe c capaz dc manter, o “segurar" amplia- sc para um “suste ntar a situação no te mpo” (holding a situation ). que é uma disponibilidade tranqüila que permanece, que se estende demoradamente no tempo e não exige (fite nada aconteça; apenas aguarda os movimentos do bebê e o acompanha em suas inúmeras idas c vindas. Quando este está desperto, lá está a mãe oferecendo as amostras do mundo segundo a necessidade que ele manifesta e ela compreende: uma mamada, um manuseio, um ba nho, uma cantiga, ou, simplesmente, ficarem juntos se olhando. Quem cuida da regularidade e da vivacidade do lugar, e segura a si tuação no tempo, é a mãe suficientemente boa e, como ela, o ana lista ou o te rapeuta.41
• i 1 Referindo- se aos c uidados com o pacie nte que r eg ride à depe ndência, W in nic ott diz que esse “segurar , tal como a tarefa da mãe no cuida do do laetente, reconhece taeitamente a tendência do paciente [e do bebe) a se desintegrar, a cessar de existir, a cair para sempre” (l*)65vd, p. 217). Daí a necessidade de manter a presença o íl vivacidade do mundo. 207
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Em função desses cuidados, fica favorecida a ocorrência de ex pe riências m uito básicas, pré- repres cntaeionais, que cons titue m o início da familiaridade do bebê eom certos aspectos da ambicncia, e que devem, na saúde, anteceder a percepção desses mesmos fenô menos. Pelo fato de a mãe manter a regularidade, a simplicidade e a monotonia do ambiente e dos cuidados, os acontecimentos se repetem e o bebê começa a ser capaz dc algumas previsões: se há esse cheiro ou aquele ruído, então tal coisa irá acontecer. C) bebê está sendo cemporalizado, está adquirindo um sentido de futuro, num sentido subjetivo; isto aumenta a sua capacidade dc esperar. A integ ração num si- mesmo nunca 6 completa, nem aparentada a um estado unívoeo ou fechado em si mesmo; ao contrário, c justa mente a integ ra ção paula tina, na globalidade espaço- tempo, o que permite a experiência da incompletudc. Quando o bebê sc inteira no tempo, e começa a scr datado, a ter presente, passado c futuro, ele passa a existir à maneira da finitude, da essencial incompletudc humana: ao mesmo tempo em que é algo, desse ser algo participa, necessar iamente, ser ta mbém, ao mesmo tempo, um já- nuo (passa do) e um ainda- não (f uturo). Por não tere m sido teinpora lizados no se ntido subjetivo, os psicóticos padecem ex atamente de imediatieidade e, simultaneamente, de infinitude. 7.2.
O aloja mento da psique no corpo: pers onalização
Para a tarefa dc alojamento (diuelling) da psique no corpo, Winnicott usa também o termo “personalização”. Esta denominação deve-se ao fato de a palavra “despersonalização” ser o termo já consagrado, na psiquiatria de adultos, para os vários estados clínicos cm que o pacien te se queixa de não ter relação com o próprio corpo ou de sentir que o seu corpo, ou parte deste, não lhe pertence etc. (ef. 1988, p. 145). A taref a dc aloja me nto da psique no corpo só faz sentido se acei tarmos a idéia dc que, dc início, corpo e psique ainda não sc reuniram e só sc constituirão como uma unidade se tudo correr bem no processo de amadurecimento. Be m no início, soma c psique estão indiferenciados. Aos poucos, ocorre a diferenciação, ao mesmo tempo que a tendência à integ ração age no sentido de reuni- los numa unidade. Essa parceria psicossomática, contudo, não está garantida nem pode ser dada como certa. Não se pode ter como evidente que, em todos os casos, a psique e o soma do b e b ê c h e g a r ã o 208
(>SRSTAÍÍIOS l>KIMlTIVON: Al)KI']'.\ l)KX(:i.\ AltSIHAT.V a operar como uma unidade, de tal modo que o bebê viva em seu corpo e que este funcione em conformidade com o usufruto que o bebê faz dele. Trata-se de uma conquista que pode — 011 não — ser alcançada e que, tendo sido alcançada, pode scr perdida, mesmo na saúde. A coesão psicossomática é uma realização, e não tem eomo estabelecer- se, a não ser que haja a par ticipa ção ativa de um ser huma no que segure o bebê e cuide dele, reunindo- o nos braços e 110 olhar. Um bebê que não é reunido pela mãe sente- se espalhado; “ Em psicologia, c preciso dizer que o bebê se desmancha em pedaços a não ser que alguém o mantenha inteiro” (1988, p. 137).42 Muito do que sc refere à tarefa de personalização já foi explici tado na seção sobre os estados ex citados e tr anqüilos . Sentindo- se bem seguro e reunido no corpo, sobretudo durante as experiências ex citadas, o laetente entrega- se confianteme nte aos cuidados da mãe e, nessas condições, a psique pode realizar o seu trabalho de elaboração imaginativa das funções c sensações corpórcas. Aos poucos, o corpo torna- se soma e vai sendo estabelecida uma íntima conexão de complexidade crescente entre soma c psique, tornando real o caráter potencialmente psieossomátíeo da existência. A psi que passa a habitar 110 corpo, tornando- o sua morada. A conquista gradua] da residência no corpo es tá, portanto, inti mamente relacionada com o processo de espacialização do bebê Durante todo o tempo em que a coesão psicossomática está cm via de realização, os braços da mãe e o corpo do bebê são uma e a mesma coisa, dc modo que se pode dizer que a primeira morada do bebê é o próprio coipo do laetente no colo da mãe. O cuidado materno correspondente a essa tarefa de alojamento da psique no corpo 6 o manejo (luindling ). () manejar faz parte tio segurar total (holding), mas refere-se especificamente ao segurar físico. No seg urar- manejar devem estar incluídas todas as ex periên cias sensórias necessárias: scr envolvido, por todos os lados, num 42 As já citadas M ,-M. Béziers e Y. Iluns ing er cor roboram este ponto c mostr am que a posição de “bem- estar” , para o bebê. é aquela em que ele está re unido, "enrolado”. Quando se sente bem seguro, o bebê vai naturalmente para essa posição de “reagrupado sobre si mesmo”. Em condições patológicas ou “se o bebê está sofr endo de algum mal- estar, não ocorrer á o enr olainc mo ao ser toma do nos bravos. A o contr ário", afir mam as autoras, “o que iremos observar é a posição inversa, 'em extensão’: cabeça e braços atirados para trás. o dorso arqueado e os músc ulos tens ores endurecidos" (oj >. oit.. p. 20). 2(Y>
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abraço vivo, que tein temperatura e ritmo c que faz o bebê sentir tanto o eorpo da mãe c omo o seu próprio eorpo; s er aconcheg ado no berço de modo a permanecer tocado pelas mantas c almofadas e não solto no espaço; as inúmeras sensações táteis ao ser manejado de todas as formas, banhado, acariciada , afagado, cheirado etc, dife renças sutis e graduadas de luminosidade, textura e temperatura; a oposição necessária para o bebê exercitar a motilidade; a resposta ativa e concreta para os estados excitados, tanto no que se refere à busca de algo quanto à satisfação instintual e motora. Todas estas experiências permitem ao bebê habitar, mesmo que momentanea mente, no eorpo, favorecendo a associação psieossomátiea e contri buindo para o sentido de “real” — de realidade do si- mesmo — oposto a “irreal”: o fato dc estar vivo e existir vai ganhando consis tência, peso, gravidade. Pela conexão crescente que se estabelece entre psique e soma, qualquer que seja a experiência que o laetente viva. o funcionamento do corpo e as sensações eorpóreas vão junto, igualmente afetados. () segurar desajeitado ou hesitante atua con tra a reunião psieossomátiea, impede o desenvolvimento do tônus muscular e da “coordenação” e vai contra a capacidade da criança de usufruir da experiência cio funcionamento corporal e dc ser. Quando há segurança, duas coisas estão ocorrendo: ao mesmo tempo em que facilita a tendência geral à integração, em especial a residência da psique 110 corpo, a mãe fornece as condições para o re tor no ao descanso relax ado do estado de não- integração. Na etapa inicial, o amor da mãe é expresso pelo cuidado físico, que, af inal, c o que o bebê necessita c o que es tá capaz de integ rar no mundo s ubjetivo. S eg urar bem o laetente, e manejá- lo, é uma f orma de amar e, possivelmente, “a única forma pela qual a mãe pode de monstrar ao laetente o seu amor” (1960c, p. 48). A insistência neste ponto vem a propósito de dcsmistificar a intensa rede de meca nismos mentais e afetos de que a psicanálise tradicional dotou o bebê na relação deste com o seio. Mesmo quando se refere a etapas mais tardias do amadurecimento, Winnicott afirma que as crianças “precisam mais dos pais do que dc serem amadas [isto é, mais de cuidados efetivos do que de emoc ionalidade] ; precis am de algo que persista, mesmo quando forem odiadas ou sintam ódio” (1961b, p. 59). A mãe, embora esteja cuidando do corpo, sabe que há uma pessoa nesse corpo. 151a cuida do bem- estar físico, mas de tal for ma que ela se dirige à passou total do bebê, que ele ainda não c, mas que será. 15 ela que r eúne o bebê não só nos braços, mas em sua co n 210
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cepção dc bebê como ser humano total. Ilá mães. no entanto, cons tata Winnic ott, que, embor a tenham boas condições naturais para <> cuidado físico dos bebês, parecem ignorar que há um ser humano alojado nesse corpo que banham e alimentam. Sc este é o caso, o bebê não pode integrar- se numa unidade c estão dadas as condições para uma cisão psicossomática. Q uando o cuidado mater no favorece a coesão psicossomática, o eu pessoal é sentido eomo estando contido nos contornos dados pelo limite da pele. Por volta dos seis meses, um bebê já usa o círculo ou a esfera como um diagrama do si- mesmo. () bebê habitua- se a ocupar espaço, a ter pre sença visível, a ser visto e reconhecido. Sem isto, ele nunca alcança a realidade do si- mesmo, nem um conta to efetivo com a realidade ex terna; nunca chega a perceber claramente o que vem de dentro e o que vem de fora. No entanto, mesmo na saúde, a coesão psicossomática não pode ser dada por estabelecida, e, não apenas no começo, mas ao longo da vida, mostra sua precariedade nas situações de cansaço e nas passagens entre a vigília e o sono. Os bebês são altamente sensíveis para diferenças no modo de segurá- los. liste é um dos principais motivos pelos quais Winnico tt insiste em que os cuidados suficientemente bons devem ser forneci dos pela mesma pessoa. Quando são várias as pessoas a segurar o bebê — pai, tias, babás — , este é submetido a variadas técnicas, perdendo, ao menos em parte, a familiaridade que funda a previsibi lidade. Mesmo quando é só a mãe qtie cuida do bebê, ele é sensível às mudanças nos estados dc ânimo desta, que, naturalmente, repercu tem no corpo. Winnicott constatou que, nas incursões aéreas duran te a guerra, os bebês não ficavam com medo das bombas que caíam, mas eram imediatamente afetados se sua mãe entrava cm pânico. Desde que a mãe poupe o bebê dc arroubos ditados por instabili dade emocional, é bom para ele sentir seus vários estados dc ânimo, significando que ela está viva e é afetada pelos acontecimentos. 10 bom que a mãe seja tr anspare nte e não opaca. No melhor dos casos, a mãe opaca leva a uma necessidade infindável de desmontar todos os brinquedos e máquinas para ver corno funcionam. Uma paciente minha relata que a sua mãe tivera sempre uma expressão inalterável, eternamente plácida; jamais se irritava ou manifestava qualque r outro tipo de emoção. Lembra- se de, muito menina, es preitar o rosto da mãe tentando desesperadamente saber o que acontecia ali dentro. Por essa época, sentia-se inteiramente perdida c foi tomada pelo temor dc que a sua mãe morresse repentinamente; 211
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pensava. então, mas sem coragem de pedir, que seria bom se a mãe lhe deixasse uma lista completa de tuda o que ela devia e podia fazer, e tudo o que não podia, Essa moça desenvolveu uma alta sensi bilidade e um sentido de ameaça para qualquer tipo de alteração na fisionomia das pessoas 011 nas circunstâncias. A lém dis to, os bebês sentem a diferença entre um seg urar tenso, desconfortável para a mãe, e um segurar relaxado, que pertence naturalmente à sua tarefa e que não lhe custa. A mesma paciente acima me ncionada disse- me, cer ta vez, que tinha, ag ora, a cons ciên cia de jamais , em toda a sua vida, ter sentado eom o bumbum inteiro onde quer que fosse; a mãe não tolerava contato físico, c ela, desde muito pequena, sentira sempre estar pesando 11a mãe, e isto era de masiadamente penoso, llm momentos de angústia, ela ia ao banhei ro cheirar a toalha de banho que a mãe usara, e isto a acalmava. Da sensibilidade dos bebês eom relação aos estados de ânimo maternos surge a questão da consistência da mãe, da sua capacidade de ser ela mesma. O bebê sente a difer ença entre gestos estudados, em que a alma não comparece, e outros espontâneos, indicando que a mãe está realmente ali: ela toda e não só a sua mente. Ocorre, muitas vezes, dc a mãe padecer de ansiedade ou de controle exagerado por temor de deixar o bebê cair, ou ter a pele quente e batimentos car díacos acelerados pela ang ústia e, nestes casos, o bebê não pode dar-se ao luxo dc relaxar. () relaxamento só acontece por pura exaustão. Quando, depois da experiência de integração, o retomo ao descanso é sistematicamente dificultado, a situação pode tornar-se mais grave do que em geral se pensa, já que c só a par tir do estado não- integr ado que a ex periência de integ ração pode ser sentida como real. Se a mãe reco nhece suas próprias dificuldades e quer cuidadosamente preservar o bebê, coloca- o no berço, que é uma alternativa muito bem- vinda, ou pede ajuda de uma boa babá. Na verdade, o bebê precisa de ambas as experiências. Mesmo as mães que sentem segurança e prazer cm segurar seu bebê poderão ter muito sono em algum momento, ou talvez um período de depressão. Se forem suficientemente boas, elas colocarão seu bebês no berço porque sabem “que o estado de sono lência em que se encontram não é suficientemente vital para manter ativa a idéia que o bebê tem de um espaço circundante” (1957m, p. 17). No entanto, quando o ato de segurar o bebê é adequado, este adquire confiança, v oltando à não- integ ração oufiianto está sendo seguro. Esta é, segundo Winnicott, a experiência mais cnriqucccdora. 212
OS KSTÁC.IOS PRIMITIVOS: A IIKIMv NDI í X CIA A BSOL UT A
7.3.
O início do co ntato com a realidade: as relações objeta is
No começo da vida, o bebê não te m maturidade suficiente para saber tia existência da realidade externa, para perceber os objetos que a ela perte ncem, e muito menos para relacionar- se efe tivamente com eles. lile ainda não desenvolveu o sentido da externalidade, nem a capacidade da percepção que é característica das relações com objetos percebidos objetivamente. Separar o si-mesmo dos objetos — que c uma conquista muito sofisticada e depende de outras, ante riores — só se iniciará mais tarde, a partir do estádio do uso tio objeto, quando o próprio bebê criar o sentido de realidade que c próprio à externalidade. Depois disto ele terá ainda de completar a conquista, separando o si- mesmo do ambiente total, o que só ocor rerá no estágio do EU S O U " A ssim que nasce, o bebê não te m nem o sentido da ex ternali dade nem qualquer outro sentido de realidade. Para que al£um sentido de realidade se inicie, é necessário que lhe seja propiciado o único que lhe é possível nesse ponto do amadurecimento; a realiíkule do mundo subjetivo. Sem o estabelecimento da realidade subjetiva não há como prosseguir nas conquistas graduais do ama durecimento, que incluem o se ntido de real próprio à transicionalidade, para chegar, depois, ao sentido da realidade externa, compar tilhada. Conforme mostrou Loparic (1995a), aos distintos sentidos de realidade correspondem diferentes “mundos”, que diferem entre si segundo um espaço e um tempo que lhe são próprios, lim cada um desses mundos podem ser encontrados objetos cujo modo tle pre sença (ou de “realidade”) difere dos outros cm termos espaço-temporais; o modo tle presença do objeto subjetivo, por ex emplo, não c o mesmo do dos objetos transicionais, e é radicalmente diferente do dos objetos objetivamente percebidos, pertencentes à realidade externa.44A relação do indivíduo humano eom objetos subjetivos se 43 Sobre ;i dis tinção entr e separar objetos u separar o ambient e do si- mesmo, cf. Winnieott, 1964c, p. 56. 44 Um aspecto essencial da questão relativa ao acesso íi realidade, para W inn i eott, é não existir um únieo sentido de realidade, mas vários. O amadureci me nto hum ano pode ser vis to eomo o processo por me io do qual vão se cons tituindo os vários sentidos tle realidade eom seus diferentes tipos de objeto, paralelamente á constituição de várias possibilidades de relação de objeto do indivíduo humano. Na psicanálise tradicional, só faá um sentido dc reali dade. Para um desenvolvimento desta questão, cf. Loparic, 1995a. 21,1
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caracteriza por cxcluir qualquer separação entre sujeito e objeto, já que esse sentido de realidade “é anterior ;'i ação c à representação, condições da vida sob a égide do princípio de realidade, entenda- se: da realidade externa que caracteriza os objetos do mundo externo” (Loparie, 1995a, p. 52). E importante assinalar, ainda, que a reali dade do mundo subjetivo não só não deixa nada a dever, em termos de sentimento de real, à realidade do mundo objetivo que virá depois, eomo, em ecrtos casos, continuará a ser, vida afora, sempre mais real do que a própria realidade objetiva.45 A caracte rística principa l dos objetos subjetivos é a de eles serem confiáveis.4'' C) caráter da confiabilidade já foi explicitado ao serem examinados os estados excitados do bebê: refere-se ao fato de a mãe suficientemente boa propiciar ao bebe a experiência de criar aquilo que encontr a, assim como dc protegê- lo dc qualquer irr upção de algo imprevisível que possa interromper sua continuidade de ser. Encontrar- se com um objeto subjetivo significa, port anto, que o bebê encontr a — isto ê, cria — o que necessita 110 momento em que necessita. O objeto chega ao bebê no momento exato em que a ne cessidade aponta, e e do ta manho ex ato da sua possibilidade dc rece bê- lo e assimilá- lo como jxirte dele nw/ttele preciso instante. Os objetos subjetivos “ ex istem como pres enças imediatas , incondicionadas” (Loparie, 1995a, p. 54). São dc tal natureza que o bebê não é afrontado com algo tpie ele não pode abarcar na experiência; eles não surpreendem o bebê, não causam sobressaltos, isto c, não são extemporâneos 110 sentido de imprev isíveis. íSua for ma dc presença é tal que não denuncia o caráter externo dc sua existência e, deste
45 Isto é ve rdadeiro s obre tudo no ei uso das patolog ias esquizóides. 46 A l ]11 i c preciso assinalar que a expressão “objeto subjetivo” não é das mais felizes. Km primeiro lug ar, porque o ter mo “objeto", pela sua própria e timo logia, leva a pensar em objeto da percepção (ob-jcvtwn). o que não é exata mente o easo 110 momento. lSrn segundo lugar, porque o termo “subjetivo" induz facilmente a se pensar na polaridade sujeito/objeto, que pertence a uma determinada linhagem do pensamento ocidental, na qual o sujeito é, sobretudo, um ser pensante, dotado de consciência e preenchido de repre sentações e de afetos. Além de o pensamento dc Winnicott não pertencer a essa linhagem, o bebê, nesse momento do amadurecimento, não é um sujeito consciente de si c não te m ainda objetos da re prese ntarão mental. preciso, portanto, ter presente o sentido específico que Winnicott atribui a expressão “subjetivo” 110 interior dc sua teoria. 21 4
OS RST Á OIOS 1’KiMITIV OS: A DHPlíX] HiNCIA AHS()I,LT.\
modo, não extrapolam o âmbito da experiência subjetiva do bebê. Por tudo isto, o objeto subjetivo é confiável e, neste sentido, real. () início da relação objetai — com objetos subjetivos —- acon tece nos momentos de excitação do bebê. O cuidado materno es pecífico para essa tarefa é a apresentação de objetos (object- prasentitig). Mas o bebê só cria a partir daquilo que encontra. Para que o mundo subjetivo se mantenha vivo e o laetente continue a criar os objetos dc que necessita, é preciso que alguérn sc dê ao trabalho dc continuamente apresentar amostras do mundo ao bebê, de forma compreensiva e adequada à capacidade maturaciona! tio momento. Uma apresentação de objetos insuficiente bloqueia o caminho da cr iança na direção de sentir- se real e de relacionar- se com o mundo real de objetos e fenômenos (cf. 1965vf, p. 31). Há ambientes que simplesmente deixam o bebe largado aos seus pró prios recursos e que não lhe fornecem material para criação: Sc aquilo que está sendo eriado precisa ser realizado concretainente, alguém tem de estar lá. Se ninguém estiver lá para lazer isso, então, mim extremo, a criança fica autista — criativa no espaço — e tediosamente submissa em seus relacionamentos (esquizofrenia infantil) (19S6h, p. 3‘J). O sentido dc real da realidade subjetiva, que será o fundamento de todos os outros, se assenta, como já dito, sobre a confiabilidade (rdüdnlity) .41 li esta que constitui propriamente o mundo subjetivo c é apenas por habitar num m undo subjetivo que o bebê pode encon trar objetos subjetivos. Nesse mundo, o bebê faz a ex periência dc um
47 W innicott usa o rermo relüibility, que sig nifica “ poder contar co m” . V em do verbo to lie, “deita r ”. Para poder deitar , uncostar- sc, largar- se, sem te mor dc que caia ou afunde, é preciso algo suficientemente consistente, estável e previsível. Real c, portanto, aquilo eom que se pode contar sem ter de, a eada vez, ser assegurado. Kcal é fundamento. E de notar que esse funda mento não 6 dado. mas constituído, no decorrer do amadurecimento, e mais, constituído na indeterminnção do encontro. A quebra da confiabili dade, nos estágios iniciais , constitui- se numa ex periência tra umática e resulta cm dis túrbios de tipo es quizofrênico. Na classificação w innicott iana dos traumas, segundo o momento do amadurecimento, a quebra lia confia bilidade ó descrita como o primeiro sentido dc trauma. Cf. Winnicott, 19fi9d, p. 113. Sobre a confiabilidade ambienta l par ticipando da cons titui ção do si- mesmo, cf. Dias, 1999a.
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controle total sobre os objetos. Trata-se, portanto, de uni mundo mágico, onde as exigências do mundo objetivo ainda não fizeram a sua inscrição. O seio aparece quando a lome aponta, c desaparece quando a tensão cessa. A a daptação absoluta da mãe mant ém o bebê na área da ilusão de onipotência, sendo aí -— e apenas aí — que ele pode começar a ser. Manter a ilusão de onipotência e preservar o mundo subjetivo implica evitar que 0 bebê seja surpreendido eom um sentido de reali dade para o qual ainda não está preparado. He a mãe insiste cm amamentar o bebê ou cm excitá-lo quando ele já se retirou para descanso, e se, ao invés de corresponder ao gesto do bebê. ela o subs titui por seu próprio gesto, a existência de algo fora dc âmbito de onipotência do laetente aparece antes que ele esteja preparado para tal realidade. Aí acontece uma intrusão. Mas isto não significa que o bebê esteja percebendo o objeto que o afronta; ele não o percebe porque não é capaz de percepção. Sente, no entanto, a presença de algo estranho e incompreensível, que lhe cai em cima, por assim dizer, e que ele não pode abarcar no âmbito da sua experiência. A seu tempo, o bebê terá de aceitar o fato da ex istência ex terna do mundo, sobre a qual não terá controle, mas, se lhe é propiciado, nesse primeiro momento, uma relação criativa, subjetiva, com o mun do, ele, gradualmente, sc tornará capaz de se sujeitar à evidência dessa outra realidade “sem perder a dignidade” (cf. 1968d, p. 91). Segundo Winnieott, é inteiramente errado pensar que o sentido de realidade de uma criança depende da insistência da mãe quanto à natureza externa e objetiva das coisas do mundo. K somente a partir da ilusão que se pode esperar que, aos poucos, a criança tornc- se capaz de aceitar a existência independente do mundo externo c de assimilar as desilusões: “A adaptação ao princípio de realidade deriva, espontaneamente, da experiência de onipotência dentro da área que faz parte do relacionamento com objetos subjetivos” (19 65 j, p. 164). Quando a ilusão é bem instalada, surge, gradualmente, “a com preensão intelectual do fato de que a ex istência do mundo c anter ior à do indivíduo, mas o sentimento de que o mundo foi criado pessoal mente não desaparece” (1988, p. 131). Winnieott fala de eoinpreen são intelectual. Isto significa que, após instalada a capacidade para a ilusão, a criança vem a saber, eom o tempo, da existência separada da realidade externa, compreendendo agora que o inundo sempre esteve aí, independente do indivíduo. No entanto, o sentimento dc 216
OS HSTÁdlOS PRIMITIVOS: A DEPKNDKNCIA ABSOIJLTA
que o mundo c criado e continuará a sor criado pessoalmente não desaparece. Se o indivíduo permanece vivo, a sua raiz pessoal conti nua fincada no mundo imaginativo, e é somente a partir daí que a aceitação do mundo externo não eqüivale à aniquilarão. A o long o da vida, o proble ma central de relação com a realidade permanece o mesmo: o mundo objetivamente real. compartilhado, tcin muito a oferecer, desde que a sua aceitação não signifique a perda da realidade do mundo pessoal imag inativ o (cf. 194 9m, p. 78). T odo cuidado c pouco quando o que es tá cm questão é a preservação dos laços que unem a realidade externa à realidade subjetiva. Se uma criança maior, de três ou quatro anos, que vive simultanea mente no mundo compartilhado e em seu próprio mundo imagina tivo, nos disser que quer voar, não devemos fazer abater sobre ela o peso da realidade objetiva, respondendo que as crianças não voam. A o contrário, dev emos pegá- la e fazê- la girar, bem alto, pela sala, dc modo que cia sinta realmente que está voando como um pássaro. Logo a criança descobrirá que não pode voar por meios mágicos. Provavelmente, em sonhos, o flutuar mágico pelos ares seja retido até eerto ponto ou, pelo menos, haverá um sonho em que ela dará passos dc sete léguas. | ...j Por volta dos dez anos, essa criança estará praticando o salto em distância e o salto em altura, tentando saltar mais longe e mais alto que outras. Salvo os sonhos, isto c tudo o que restará das sensações tremendamente profundas associadas à idéia dc voar que sc formou aos três anos dc idade”, (idem) 7.4.
A cons tituição do si- mesmo primário
As consider ações da seção anterior referem- se ao início do acesso aos sentidos de realidade (através da realidade do mundo subjetivo) e às relações objetais com objetos subjetivos. Mas, segundo Winnicott, o bebê ainda não existe eomo indivíduo unitário, como um eu. Quem é, portanto, que, estando num mundo, encontra- se eom objetos? O si- mesmo unitário é resultado da tendência integrativa e alcan ça um es tado mais consistente c estável no es tágio em que o indivíduo, se pudesse falar, diria: EU SOU. Sabemos, no entanto, que a inte gração não se dá dc uma só vez, nem de uma vez por todas. A par tir do estado de não- integração, ocorrem breves momentos ou períodos dc integração, e só gradualmente o estado geral de integração sc estabe lece de maneira estável. Esses momentos de vivacidade e excitação são precedidos de “uma convergência aglutinadora do si-mesmo eomo um 2 17
A T f c i m i A ] K)A.\ IAl)L'KIÍ<:iMi;XT () l )K 1), W. W INXICOT T
todo" (1988, p. 137): essa ex periência de estar reunido num si- mesmo unitário, mesmo que momentaneamente, é sentida eomo real. O en contro eom o objeto “realiza” o estar vivo e a necessidade não apenas no sentido da satisfação, mas no de tom ur reais a própria necessidade, o impulso, o gesto que sai em “busca de. . e o algo que c encontrado. “O que o si- mesmo imaturo de um bebê muito pequeno sente como real é essa manifestação do si mesmo” (1993H, p. 25). Um pouco depois de te rminada a mamada, o si- mesmo do bebê se desmancha c este retorna, em descanso, para o estado não- integrado. Numa formulação mais tardia dessa mesma questão (197Iva), W innieott dirá que as ex per iências de inte g ração, que ocor rem na primeira mamada teórica, são as primeiras c inaugurais experiên cias dc si mesmo, de ser como identidade. Isto é, ao encontrar- se com o objeto subjetivo, o bebê fax unia experiência dc identificação primária eom o objeto, ou seja, o bebê torna- se o objeto: ele é o seio. Isto const itui uma ex periência de ser que tem um novo sentido para além daquele da continuidade dc scr: o de ser como identidade. W innieott de no mina “e le me nto feminino pur o” a essa ex per iência de ser, que está presente em homens e mulheres. Enquanto o ele mento feminino puro diz respeito a scr, o “elemento masculino puro” relaciona se eom o ja ze r. Esta distinção entre ser c fazer é uma nova maneira de formular a diferença entre objeto subjetivo e objeto objetivamente percebido: Nessa capacidade de relação do elemento feminino puro com o “seio” há unia aplicação prática da idéia dc objeto subjetivo, e essa ex periência pavimenta o cam inho para o objeto subjetivo — isto é, a idéia de ter um si- mesmo e o s en time nto [feelintf] de realidade que nasce da sensação de possuir urna identidade (1971va, p. MO).4"
48 Num tex to de 1968- 69, que é uma resposta aos come ntários s obre o seu artigo de 1966, “Elementos masculino e feminino puro cindidos que se encontram em homens e mulheres”, Winnieott afirma que, em função do trabalho clínico descr ito neste art igo, ele se viu em condições de comparar ser unmf aze r. 'No ex tremo”, diz ele. "descobri que estava ex aminando um conflito essencial tios seres humanos, que deve acontecer numa época muito primitiva: o que ex iste entre ser u objeto, que tam bém te m a proprie dade de ser, e. em contraste com isto, uma confrontação eom o objeto que implica atividade e relação de objeto baseada cm instinto ou miiyão. Isto resultou scr uma nova formulação do que antes tentei descrever eomo objeto s ubjetivo e objeto objetiv amente pe rc ebido” ( I97 2e . p. 1-I')) 21 8
OS K ST Á CIOS PRIMIT IVOS A 1)E]>IÍXI)Ê\ ’<:IA A HS OU.T A
ü que nos interessa, aqui, é a relação entre a constituição do si- mesmo imeial e a ex periência do "elemento fe minino puro”. Winni cott diz: “Quando o elemento feminino do bebe encontra o seio, o que foi encontrado foi o si- mesmo” (1971va, p. 142). Ser e a mais simples de todas as experiências e, talvez por isso, a mais difícil de ser conce bida por meio da reflexão. Além de scr a mais simples, ela c também a mais importante de todas as experiências, a base para todas as que lhe são subseqüentes, incluindo as experiências posteriores de identifi cação. Por isso, “por complexa que resulte a psicologia do sentido do si- mesmo e do estabelecimento da identidade, à medida que o bebê cresce, ne nhum sentido do si- mesmo emerge senão sobre a base da relação com o sentido de SER (sense ofbcing)" (1971va, p. 140). Como Winnicott usa o termo “seio”, como veremos, para desig nar a totalidade dos cuidados maternos, deve-se dizer que, na expe riência primária de integração, o bebê torna-se idêntico aos cuida dos que recebe: ele é esses cuidados. Melhor dizendo: o bebê torna-se a confiabilidade desses cuidados. Embora essa questão da identidade chegue à sua formulação acabada só no texto dc 1966, já em 19 63 W innico tt escreve que, estando o bebê fundido com a mãe, não te ndo ainda s eparado o “e u” do “não- eu”, “tudo o que é adaptativo ou “bom” no ambiente está construído no armazém de expe riências do laetente como se fosse uma qualidade do si- mesmo, indistinguível, de início (pelo laetente), do funcionamento sadio do próprio laetente” (1963d, p. 91). E esse sentido de scr que faz o bebê sentir-se não apenas real, como também integrado numa identidade incipiente, que c o simesmo primário. Mas, para tanto, é fundamental que o impulso tenha eme rg ido dc um estado de repouso, na não- integr ação, e que o movimento tenha partido do bebê e não do ambiente. Mais ainda: é preciso que o bebê se encontre eom um seio que “é”, isto é, eom o seio de uma mãe eom capacidade de ser, e não eom um seio que “faz”. O seio que “faz” é um seio de “elemento masculino puro” c não é satisfatório para a ex periência inicial de identidade.4'-’Durante
4‘) Na proposição winnicottiana, ‘‘ser” e “fazer" são ituas formas dc relação objetai, cuja diferença deve ser entendida a partir da linha do amadureci mento. Enquanto a primeira está baseada na necessidade de ser, ;i secunda já supõe a separação entre eu c não- eu, e está bas eada nos impulsos instintuais. Kmii questão será examinada no Capítulo IV, Seção 6. 219
A TE OR IA 1)() AM Alll 'KP.C.IMKXTí) 1)H 1). VY V IX N IC O T T
o tempo ein que bobe e mãe são uma unidade, se a mãe possui um seio que é, então o bebê também pode ser. A adaptação da mãe perm ite ao bebê, ao eriar o seio, criar a si-mesmo eo m o a lguém que 6 . Se a mãe é incapaz de dar essa contribuição, o bebê tem dc se desenvolver sem 11 capacidade de ser, o j eom uma capacidade m uti lada de ser. Neste caso, “ao invés de ‘ser eomo’, o bebê tem de ‘fazer eo m o ’ ” (197 1va, p. 1 4 1). 50 Se a mãe c do tipo que faz, e impõ e ao bebê o seu modo de funcionamento, se ela o J a u m a m a r , ao invés de d e i x á-U ) ser, m a m a n d o (tornando-se, assim, momentaneamente o seio), ocorre um alerta e uma reação. A reação quebra a continui dade dc scr e exace rba a cisão entre esp ontaneida de e rea tividade ou submissão. Caso seja este o padrão do amb iente, o bebê não deixa dc construir uma identidade, mas esta será falsa, artificial, pois será edifieada defensivamente, visando pro tege r o si-mesmo verdad eiro e espon tâneo; este é isolado para não scr trauma tizado. Mas quando a espontaneidade é isolada e, deste modo, privada das oportunidades dc experiências reais, o s i -m e s m o v er d a d e i r o n ão p o d a t o r n a r -s e u n i a r ea l i d a d e v i v a . Sem o lastro do scr, a identidade falsa deve permanentemente fazer algo, buscando interminável c inutilmente achar o scr no fazer. Dois outros pontos devem ser aqui destacados. Primeiro, não sc deve entender a distinção entre ser, e fazer em termos de ativo e passivo. A base dc tudo c scr, e a dicotomia entre ativo e passivo só faz sentido com relação ao fazer, que só deve vir sobre e a partir do ser. lim segundo lugar, é preciso ter em mente que o sentido dc “ser o objeto subjetivo", da identidade primária, é anterior à idéia do ser-eom-algo ou alguém. Duas pessoas separadas, diz Win nicott, podem s e n t i r que são uma, mas, na questão que estã sendo examinada, “o bebê e o objeto s ão um” (1971va, p. 140). Neste último caso, não há, portanto, propriam ente uma relação de objeto, mas uma relação de “ ser” . A relação eom objetos — cuja base é t e r s i d o o o b j et o — existirá mais tarde, se tudo correr bem, e sc o bebê puder, no devido tempo, criar a externalidade do mundo e vir a relacionar-sc com objetos percebidos
50 Este ponto tem importantes implicações para ;i compreensão de defesas psicóticas e para o trabalho clínico com pacientes esquizofrênicos que regridem à dependência e cujo problema central reside numa ausência da experiência de scr, que foi substituída por uma organização defensiva apo iada nurti/acx-r. So br e esta qu estã o, ef. Dias, 1Vr>5.
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objetivamente. Para haver uma relação ó pre ciso haver dois indivíduos. O que há, aqui, é uma curiosa relação que não se pode, em rigor, chamar de relação, porque não há, ainda, dois, mas d o i s - e m - u m . liste c o motivo pelo qual, já tendo formulado aversão final de sua teoria da identidade primária, Winnieott afirma que “é axiomátieo que não exista nenhuma relação com uni ob jeto su bjetivo” (1989n, p. 221 ). Com relação ao termo “seio”, Winnieott o emprega num sentido diferente daquele em que c usado na psicanálise tradicional, sobre tudo a klciniana: “A ling uagem relativa ao 'seio ' c puro jargão ” , diz ele (1969i, p. 176). Induz a pensar que o bebê possa entrar cm contato com um objeto que, mesmo entendid o eom o parcial, lhe e externo (do ponto de vista do próprio bebê), uma vez que ele ainda não constituiu o sentido de externo nem o de interno, A palavra "seio” não se refere, portanto, a nenhum objeto, externo ou interno. E não só porque ali ainda não há um indivíduo capaz de perceber objetos, mas também pelo fato de que, da perspectiva do bebê, nenhum objeto está desta cado do ambiente total. Levan do cm conta a totalidade de seu pensam ento, é possível dizer que o term o “ seio ” , cm Winn ieott, tem dois sentidos fundamentais. Num prim eiro sentido, o seio 6 um o b jet o s u b j e t i v o ; c o prime iro obje to subjetivo com o qual o bebê sc encontra, no plano das r el a ções o bj e t a i s , cujo caráter especial acabou de ser mencionado. A mãe que está ali, disponível, como seio, 6 a mãe-objeto, isto c, a mãe que é alvo do amor excitado do bebê, e que fornece o seio de tal m odo que p erm ite a este fazer a experiência de criar o objeto. Mas a experiência da relação objetai, no sentido es pecificam ente winn ieottiano, só é possível sobre o fundo de um mundo subjetivo permanentemente assegurado pela confiabilidade materna. Num segundo sentido, “seio” c o nome que Winnieott dá à t o t a l i d a d e d o s a n d a d o s que a mãe-ambiente dispensa ao bebê, totalidade que inclui os cuidados relativos às três tarefas.51
51 N!o artigo “Ob jet os transieion ais e lenônieiios transieio nais” . rcteriiido-se à repetida criação, pelo bebê, do seio da mãe eomo um “ fenômen o subjetivo", W innieott introduz uma nota em q ue diz que, no termo "s eio ”, está incluída “cala íi téeniea da maternagem. Quando se diz que o primeiro objeto 6 o seio, a palavra seio' ú utilizada, acredito, para representar tanto a téeniea da materníiítem quan to o seio físico” (1 9 5 3e, p. 26 ). Em o utro artigo , ele diz que já deixou bem elaro “que a palavra s e i o c a idéia de amamentação abrandem toda uma téeniea de ser mãe de um be bê ” (1969 b, p. 21). li assi nala, ainda, em outro texto: *() objeto p ard al ú um o bjeto total do ponto de vista do bebê” (I989xe, p. .‘529).
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Tendo em vista que a característica central dos cuidados é a co nfia bili dade, quando o bebê encontra o seio ele se encontra não com os cuidados, eles mesmos, mas eom o m u d a d e .sc r desses cuidados, ou seja, com a confiabilidade ambiental. Isto é, ele encontra o o b j e t o s u b j e t i v o (seio-objeto) num m u r n l o st d r j i t i v o que é feito da totalidade de cuidados (seio-ambiente). Estamos agora em condições de dar acabamento tanto ao con ceito de objeto subjetivo com o ao significado pleno da dependência. Um objeto c subjetivo quando, no encon tro eom o ob jeto — apresen tado pela mãe de tal modo que não se destaca dele, sendo externo apenas para o observador — , esse ob jeto é criado pelo bebê, send o que, ao mesmo tempo em que cria o objeto, ele cria a si mesmo, como identidade, tornando-se, nessa experiência de identificação primária, o próprio objeto. Exatamente nesse ponto, aparece com clareza o caráter profun do da dependência. Por via dos cuidados que ofe rec e, a mãe prov ê o bebê em três aspectos fundamentais. Prim ei ro, preservando a área de ilusão de on ipotê ncia , ela, enqu anto mãeambiente, abre e mantém um m u n d o (espaço e tempo) subjetivo confiável, onde poderá ac ontec er um encon tro com o objeto, e para onde o bebê pode voltar para descansar. Segundo, ela possibilita ao bebê alcançar o si-mesmo, favorecendo uma experiência de i d e n t i d a d e em que ele se torna o objeto . Ou seja, a mãe facilita a con stitu i ção do “quem” encontra objetos. Por último, é ela mesma o objeto (subjetivo) — o seio, o calor, o leite etc. — que é encontrado (mãeob jet o) .52 A mãe faz tudo isto devido a sua identificação com o bebê; por saber aceitar e dispor-se a responder à imaturidade e dependência deste. O seu conhecimento acerca das necessidades do bebê não é intelectual, assim como os cuidados não são propriamente delibe rados. Se ela é suficientemente boa, sua compreensão vem "de um nível mais profundo, e não necessariam ente daquela parte da mente
52 Às falhas maternas só se tornam traumáticas quando instituem um padrão dc fracasso. N o qu e se refere a esse padrão, a m ãe pode fracassar na totali dade do s cuidad os, q ue incluem esses três mo dos de favoreci meti to, ou pode falhar de forma mais específica, sendo capaz de fornecer um certo aspecto do cuidado, mas falhando em outro. Sem considerar outros fatores que p o d e m e n t r a r e m jo g o — c o m o a pr e se n ç a c u id a d os a d e u m a t ia o u b a b á — . pode-se dizer qu e as dificuldades ou distúrbios do indivíduo terão configu ra ções diversas segu nd o a natureza do fracasso materno.
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on de há palavras para tud o” (19 68 f, p. 53) Sua com un icar ão com o bebe, que sc dá a partir dc unia sintonia profunda, é silenciosa: “ As principais coisas que uma mãe faz com o bebê não podem ser feitas por meio dc palavras” (iíiem ). Win nic ott afirma: “Atos dc confiabili dade humana estabelecem uma comunicação muito antes que o discurso signifique a lgo — o m odo co m o a mãe olha quando se dirig e à criança, o tom e o som da voz, tudo isto é comu nicad o m uito antes que se compreenda o discurso" (1968b, p. 115). A mãe p ode, ou não, falar com o bebê, mas não é esta a questão principal, porque, quando se trata da comunicação humana, “a lin gua gem não tem impo rtância ” (1968d, p. 84). O que imp orta é que, p o r m ei o d a ex p e r i ên c i a d e c u i d a d o s ef e t i v os , a mãe esteja sempre dizendo ao bebê que ela é confiável, não por ser uma máquina, mas por saber, a cada momento, o que ele necessita. O bebê, diz Winnieott, "n ão ouve ou registra a c o m u n i c a ção , n u m a p e n a s o s ef e i t o s d a c o n f i a b i l i d a d e " (i b i d . , p. 87; grifos meus). E ou bem a comunicação é silenciosa e a confiabilidade está garantida, ou bem c traumática, produzindo a experiência dc uma agonia impensável ou primitiva (cf . 1970b, p. 2 0 1 ).SJ Se a mãe tem necessid ade de dem on stra r e garantir o rec onh ecim ento do bebê quanto à sua con fiabilidade, cia falhará exatamente aí, pois estará impondo a ele a sua existência externa e apelando para uma compreensão para a qual ele não tem, ainda, nenhuma m aturidade. N este caso, falta a essa mãe con fiança suficiente no amadurecimento cm curso do bebê. Um aspecto essencial dessa comunicação silenciosa, no inte rior da estranha forma de “ re laç ão ” que provê ao bebê a iden tidad e primária, e o olh ar da m ãe.w Muitas vezes, enqua nto mama, o bebê passa a olhar cm volta, e é provável que ele olhe, não para o seio, mas para o rosto da mãe. O que vê o bebê quando olha para o rosto da mãe? Vê, afirma W inn icott, ele mesmo; não com o i n u íg e m , uma vez que ainda não c capaz de ter percepção. C) que transparece no olhar da mãe c a sua própria visão do bebê e da satisfação que ali está contida. Em outros termos, a mãe está olhando para o bebê e seu rosto e olha r re flete m o que ela vê, ou seja, a s u a v i s ão d o b e b ê.
53 Sobre as agonias impensáveis, central para a compreensão das patologias psicóticas, cf. Winnicott, 1974: I989vk e 1968d. () tema sorá exam inado em detalhe num outro estudo meu, em fase dc acabamento. 5-1 Cf. W in ni co tt, 1967c.
22,1
A TKOK IA 1M> AM An ntE CI M KX TO Dli 1). \Y. WIN NICO TT
■Scr vis to p elo olha r cin mãe c uma das bases fund am entais do sen ti mento de existir: “Quando olho, sou visto; logo existo” (1967o, p. 157). Ilá, no entanto, o caso do bebê cuja mãe tem um olhar opaco, estando a mãe retida ern seu próprio interior; neste easo, não é o bebê que está ali refletido, mas o próprio humor dela, ou, pior ainda, a rig ide z de suas defesas. Em tal caso, o que o be bê vê? Ilá bebês, diz o autor, que já se habituaram a não receber de volta aquilo que estão buscando. Eles olham e não veem a si mesmos, isto tem conseqüências: Primeiro, sua própria capacidade criativa eomeçri a atrufiar-se ) . . . ] . D e p o i s , o b e b ê s c a c o s t u m a A id é ia d e q u e , q u a n d o o l h a , o qu e é visto c o rosto da mão. O rosto da m ãe, portanto, não é um espelho. Assim, a p e r c e p ção t o m a o l u g a r d a u f )(i r c e f )ção ( 1 9 6 7 c . p. 154).
A palavra “ apere epção " c usada, por Winnicott, co m o opo sto de “percepção”. Refere-se ao olhar criativo, próprio do mundo subje tivo. lístá ligada à palavra “c ria r” , no sen tido dc “ trazer a exis tência", ao fato dc alguém ser capaz de continuar a “v er tudo com o se fosse pela primeira vez” (1986b, p. .33). Quando há saúde, essa capacidade de olhar criativ am ente o mun do não desaparece. Mesmo mais tarde, quando o indivíduo for capaz de relaeionar-sc com o mun do dos obje tos pe rcebidos objet ivam ente , esse olhar nunca será inteiramente submetido, como a percepção o é, por definição, aos contornos objetivos da realidade externa. Se o olhar da rnãc não ref lete o bebê, mas o que este vê é o p rópr io rosto da mãe, então um dado da realidade externa viola a legítima experiência de onipo tência do bebê. Quando a mãe prot ege a área de ilusão dc onipotê ncia, ao mesmo tem po em que apresenta, em pequenas doses, o mun do ao bebê, este faz, continuamente, a experiência de criar o mundo e u si mesmo e de ter um lugar no qual habitar. Deste modo, a mãe fornece a sua pessoa como material a partir do qual a criança cria, dc modo que, por fim, a mãe subjetiva c bem parecida com a mãe objetivamente percebida. Para Winnicott, C o m o p a s s a r d o t e m p o , ü in d i v í d u o t o m a - s e c a p a z d e d i s p e n s a r a presença real da mãe ou a figura materna. Islo tem sido denomi n a d o c m t e r m o s d o e s t a b e l e c im e n t o d e u ni ‘' m e i o i n t e r n o " (i m e r
OS ESTiVJIOH (•KIllJTIYO S: A OH VKN DKX í.lA AliSC )L l'T A
níf/eíiínVwJifHOif). li mais primitivo do <]mc '
o
fenômeno que merece
o t e r m o d c “ m ã e i n t r o j e t a d a " ( 1 9 5 b g p . . 16 ).53
Estabelecer um “meio interno” não significa i n i r o j c t u r imagos ou funções maternas. O bebê não é unia tlinâiniea à procura tle uni conteúdo, não sc relaciona ainda com objetos, nem possui dentro c fora para que um mecanismo como introjeção faça sentido. Quando se tem em co nta a criatividade originária, não é preciso po slular que o ser humano, na forma dc um be bê, passa a scr um indivíduo, e a ter um mun do, apenas porqu e é capaz dc projeta r aquilo que foi an te riormente introjetado; ou seja, dc “excretar o que foi ingerido” (1988 , p. 130). A partir da concep ção winnieottian a de scr humano, não c difícil entender por que a vida psíquica do homem não pode scr entendida nos termos dc uma simbología corpórea. li não há co m o con ciliar os con ceitos de criatividade, dc um lado. c os dc intro jc ção e projeção, dc outro. O autor faz questão de enfatizar que “ os con ceitos dc criatividade primária e dc originalidade absoluta [estão] cm contraposição ao da projeção de objetos e fenômenos previa m ente introjetados (digeridos e re processa d o s )” (1988, p. 132).
55 Nota-se nesta eitayão a distinção, enfatizada por W innic ott, entre "am bie n tjne não é nen hu m olijeto, mas os m o te interno” {i v t er n a l u n v i r o n m c n t ) — dos de .ser confiáveis (o u não ) tia mãe e do am biente total — e a expressão ldeiniana “ mãe introjetatla”, que sup õe um dentro, send o a mãe um o bjeto interno. Salientando a diferença entre a sua teoria e a de M. Klein, Winnieott diz que a expressão “objeto inter no" é um conc eito mental (ef. 1953c, p. 24). Diz, ainda: “A ‘mãe boa’ e a ‘mãe- in í V do jarg ão Uleiniano são objetos internos e nada têm a ver eom m ulheres reais” (19S 7d , p. 31).
2o 55
C A P Í T U L O IV
OS ESTÁGIOS DA DEPENDÊNCIA E INDEPENDÊNCIA RELATIVAS
1.
Estágio tlc desilusão, ilcsm ame e iníeio das funções mentais
Os estágios em que o bebê, gradualmente, passa da dependência absoluta à dependência relativa da mãe fazem ainda parte das etapas iniciais do amadurecimento; sendo anteriores à estrutu ração do cu co m o uma unidade, se houver um padrão de falhas do ambiente, ainda há risco de psicose. Durante esse período, as tarefas de integração no tempo c no espaço, de alojamento da psique no corpo c de con tato com a realidade, paralelas à co ns titu i ção do si-mesmo primário, que tiveram iníeio no estágio da pri meira m amada teórica, prosseguem na linha do amadu recimento, exigindo novas resoluções que se constituem cm novas tarefas. Ao longo da vida, essas tarefas colocarão o indivíduo luimano diante de novos desafios a serem enfrentados e vividos. A descrição, aqui efetuada, não se estenderá às feiçõe s que esses desafios tom am em etapas mais avançadas da vida, limitando-se aos aspectos r efer en tes aos estágios iniciais. O que caracteriza este estágio em que a desilusão se inicia, assim como os subseqüentes, à diferença dos descritos no capítulo anterior, é o fato de que tem início uma desadaptação gradual da
A TKOKiA 1)0 AMADrKKCI.MKNTd l)K 1). W. WIXXICOTT
mãe com relação íls necessidades do bebê. 8c c saudável, a mãe emerge naturalmente tio estado de "preocupação materna primá ria” , cansada já do estr eita m en to dc seu mundo e da extrem a exi gência que n dependência absoluta do bebê requer. Passam a ocor rer pequenas falhas, que, por se daicm na medida da maturidade crescente do bebê, pertencem, ainda, à pauta da adaptação, isto coincide com a necessidade do bebê de dar prosseguimento ao amadurecimento, ou seja, a desadaptação da mãe c imprescindível para o in ício do rom pim ento da unidade indiferenciada m ãe-bebê, de mod o a pôr em marcha o lon go e vagaroso processo de separação que levará o pequeno indivíduo à integração cm um eu unitário c separado, capaz dc estabelecer relações corri o não-cu ou o mundo externo. A desadaptação da mãe dá início ao processo de desilusão do bebê. Mas a desilusão, com as aquisições que lhe são próprias, só p o d e a c o n t e c er s ob r e u m a b e m f u n d a d a c a p a c k k u i e p a r u a i l u são .
Freqü entem ente se pensa que, nn teoria winnieottiana, tal com o no senso comum, a desilusão c um processo meramente negativo, dc quebra da ilusão, mas isto não c inteiramente correto. Segundo o autor, o que o bebê deixa para trás, ao amadurecer, n ão ú a i l u são b ás i c a , que permanecerá se houver saúde, mas a ilusão d e o n i p o t ên ci a . C om o tempo , surgirá, na criança, a compreen são de que não é ela que cria, efetivam ente , o mundo; dc que a existência do m undo c anterior c independente dela. Ela saberá que o mundo sempre esteve ali e ali continuará a estar após a sua mo rte. Contudo, o s e n t i m e n t o dc que o mundo foi criado pessoalmente, e pode continuar a ser criado, não desaparece. A despeito da compreensão intelectual, o indivíduo retém a capacidade para a ilusão, exercendo natural mente a criatividade que c, como já vimos, “a manutenção, através da vida, de algo que per ten ce à experiência infan til: a capacidad e dc criar o inundo” (19
OS BSTÁCIO H DA D KPK MJ ÈXC IA K IN'i)KI’ |-;X'])l:;,\ClA K ELA TIYAS
pode não estar ao alcance da sua consciência;1sc for assim, cia não estará cm condições dc cumprir o papel que lhe compete rio pro cesso de desilusão, do qual o desm ame é urn aspec to. Além de poder odiar a sobrec arga que o bebê representa, é preciso também que cia esteja em co ndiçõ es de en frentar a ira ou o ódio do bebê, provocada pela desadaptação. Dito dc outr o m odo, “ a mãe sã ou norma l c capaz dc suscitar a ambivalência na relação com o objeto c de poder utilizá-la apropriadamente” (19S9d, p. 114). Nas palavras de Edna Vilctc, a mãe deve poder { . . . ) r e c o n h e c e r e s u p o r t a r o ó d i o d a c r ia n ç a , b e m c o m o a c e i ta r que se torne para ela a mãe ruim, durante certo tempo. Aceitar significa sobreviver eomo a mãe forte, que c capaz dc cuidar sem t e r m a i s o s re c u r s o s d e o n i p o t ê n c i a c o m q u e c i a a t é e n t ã o i n ve s tida pela criança (Vilete, 2000, p. 158).
E durante esse período que o funcionamento mental e os pro cessos intelectuais com eçam a ser exercidos em sua especificidade, ajudando o bebe a lidar com a lacuna existente entre a adaptação completa c a incompleta. São as falhas do cuidado materno que impulsionam o uso da mente; é p or m eio da incipiente compreensão intelectual que as falhas do meio ambiente começam a scr levadas cm couta, tornando-se compreensíveis, toleráveis e mesmo previsí veis (cf. 1953a, p. 383). Se tudo correu bern até então e o bebê foi
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Se a mã e é saudável, e consegu e manter-se consc iente de seus sentimen tos, da certamente odiará circunstancialmente o bebê e. eomo vimos no Capí tulo II, fará algo eom isto. eomo esbravejar baixinho, sem, contudo, se vingar dele. Toda uma outra eoisa 6 o ódio i n c o n s c i e n t e da mãe, do qual é preciso distinguir duas situaçõe s diferentes, que afetam o bebê de man eiras distintas: se a mãe 0 ou está deprimida, ela não tem, em geral, acesso eonseiente ao seu ódio, por tem er este sentimen to, que a poria em co ntato eom a sua destrutividade. Xeste easo, o ódio inconsciente po de, ocasionalme nte, recair sobre o beb ê. mas a questão não é ele, e sim a destrutividade da mãe, a qual, não tendo se apropriado desse aspecto da personalidade, deve manté-lo afastado. Pode existir, contudo, um ódio inconsciente da mãe pelo beb ê, que não está refcridn a uma de pressão da mãe, m as ao p r ó p r i o f a t o d c o b e b êe x i s t i r , à interferência que ele causa em sua vida. liste ódio inconsc i
ente leva a formações reativas maciças, constituindo, segundo Winnicott, uma das bases para o estabelecimento de uma patologia autístiea na criança.
A THORIA IX ) AMADCR iiCIMI-.XTO i)K l>. \Y. W1X XIU )TT
poupado, pela adaptação suficientemente boa, de uni funciona m ent o m enlnl pre coc e, defensivo, e le ja está capaz, a essa altura, de usar um tipo dc saber q r t t n ão ém e n t a l , mas advindo da c r e s c e n t e f a m i l i a r i d a d e com as sensações do corpo e eom as coisas do ambi ente. Ele já reconhece, num plano p*é-intelectual, ritmos, sons, cheiros, climas em ocionais c já está de posse de um certo esquema “ se... e n tã o” prc -rcprcs entae iuna l.’ Quan do há saúde, é sobre essa base de uma co m pre ens ão nâo-meiital que o funcionam cri Lo intele c tual começa a operar, sem ser uma defesa patológica que visa o controle dc intrusões potenciais. A partir desse momento, o bebê começa a usar o seu intelecto para .saber que os ruídos na cozinha indicam que a comida está prestos a aparecer. O esquema “se... então” torna-se mais apurado e já pode ser propriamente pensado; ao invés dc, simplesmente, ficar excitado e impaciente com os ruídos, cie usa esses novos recursos para poder esperar. Ademais, nesta fase de desadaptaçãu. há um primeiro vislumbre da depen dência; o lacte nte com eça a saber, em n u a m e n t e , que a mãe é neces sária, Isto o deixa muito exposto, naturalmente, e todo cuidado é pouco para não ferir a dignidade do bebê. Existem duas atitudes gerais do ambiente que são especial mente importantes na facilitação da tendência natural do indivíduo ao amadurecimento. Elas devem estar presentes cm todos os está gios, os anteriores e os subseqüentes a este, mas são de especial importân cia neste m om ent o em que o bebê está na passagem para a dependência relativa: de uni lado, a existência continuada das condi-
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Cre io qu e é ;i esse fenôm eno de um saber pré-representaeional e, sem dúvi da. pré-linjjüíscioo, que Gilberto Safra cham a a atençã o no seu artigo “A vas soura e o divã” (19V6). Saíra aproxima esse fenômeno do conceito de “.símbolos apresentativos” de Suzanne Lnngcr. que o cria para distinguir entre um a sem ântica da sensorinlidade e um a semântica das formas discu r sivas. Como Suzmmc Lan;j;er pertence a unia linha de pensamento que, ju n ta m e n te c om Cass ir er, abord a os fe nôm enos hum anos do ponto de vi sta de uma filosofia da representação, c reio que seria mais útil aproxioiã-los do que Ileide££ er cha m a '‘pré-eom preen são” . É nesta última direção que vai W innicott q uand o descreve a natureza prê-verbal, pré-simbólica e pré-representacional, nã o só ti a com unicaçã o entre m ãe e bebê, eom o d o crescente conhecimento não-mental que este adquire em função das experiências repetidas de confiabilidade ambiental. Cf. Winnicott. 196iSd; ef., também, neste estudo, o Capítulo 111. Keção 7.1.
2.10
OS KHTÁlilOS DA I)Kl'K.\l)É.\(;iA E INDKHCXIMÍNCIA UKL\TIV.-VS
çõ es ])íir;i :i do pendên cia cm alto grau, que pod e volta r, cireuns tancialm cnte, a ser necessária; de outro, a provisão dc opo rtunid ade para que o indivíduo, gra dua lmen te, se separe da mãe e se ligue à fam ília, e da fam ília à unidade social mais próxima a esta, c assim po r diante, em círculos cada vez mais amplos. Neste ú ltimo sentido, o am or da mãe, ou do terapeuta, significa não apenas atendimento às necessi dades da dependência, mas a concessão, na época adequada, da oportunidade que permite à criança, ou ao paciente, passar da de pendência para a autonomia. A medida que crescem e amadurecem, os lactcntes adquirem uma capacidade cada vez ma ior de sinalizar as suas necessidades; existem mães, contudo, que, por terem se tornado excessivamente boas c treinadas na técnica de euidá-fos, nem sem pre prestam atenção aos inúmeros sinais de comu nicação, con tinuan do a adivinhar e a satisfazer as suas necessidades co m o se eles estivessem ainda misturados com o ambiente. Deste modo, muitas vezes, [...) :i mãe, por ser aparentemente uma l>oa mãe, tnz pior do que castrar o lactcntc; este último é deixado com duas alternativas: ou ficar em permanente estado de regressão, c continuar misturado com a mãe, ou então encenar uma rejeição completa da mãe, mesmo uma mãe aparentemente boa ( 1960c, p. 50). Por outro lado, o processo dc separação deve ser gradual. A crian ça precisa libertar-se dos braços c do co lo da mãe, “ mas não ir para o espaço; ela tem dc ir para uma área maior dc controle; algo que simbolize o colo que deixou” (I965p. p. 110). lísse movimento de sair e libertar-se, que terá início efetivo no estágio da transicionalidade, permanecerá verdadeiro ao longo dn vida. A vida, diz
A Tl-:< IKIA 1)0 AM.\IH'KH(UMICXTO 1)K li. W. W IW K X V IT
ou em sonhos (cf. 1965p. p, 108). Essas imaturidadcs indicam saú de, sendo os “ resíduos daqueles estados sadios de de pendê ncia que caracterizam as fases iniciais tio crescimento" (1954b, p. 205). Os indivíduos sadios estão dc posse dessa capacidade porque a matriz lhes foi dada, nos estágios iniciais, pela experiência dos inúmeros retornos à não-integração e, neste período que ora descrevo, pela capacidade dc a mãe pe rm itir ao bebê retornar à dependência c ao inundo subjetivp, sempre que isto se fizer necessário.
2.
A transicionalidad c
A descrição dos fenômenos da transicionalidadc foi, sem dúvida, a con tribuiçã o mais prontam ente aceita e difundida de Winn icott. Foi por ela que ele sc tornou co nh ecido e consagrado e. durante m uito tempo, urna grand e parte dos artigos e com entários á obra winn icot tiana dedicou-se sobretudo a esse tema. A incontestável originali dade do fenôm eno — nunca antes conccitualizado pela psicanálise tradicional - fez eom que ele fosse facilm en te acoplado ao eorpo teó rico já instituído, sem m aiores questionam entos acerca da pe rti nência conceituai dessa assimilação. Além dc, nas análises tio terna, seu lugar específico no processo de amadurecimento ter sido des considerado, a aparente simplicidade do fenômeno prestou-se a tais vulgarizações que obrigaram Winnicott a reeditar, em B r i n c a r e r e a l i d a d e , uma versão ligeiramente modificada do artigo original “Objetos trnnsicionais e fenômenos transieionais", cm que tenta co rrig ir algumas distorções dc interpretação. Assinala, por exem plo, que o que o interessa “ não é tanto o ob jeto utilizado qua nto a utili zação do objeto” (cf. 197lvb, p. 10). Ou seja, o importante, para o conhecimento psicanalítieo, não é a descrição dc novos objetos (internos, externos, bizarros, p et i t a etc.), mas dos modos dc ser c relacionar-se do scr humano. Da perspectiva da totalidade da obra winnicottiana, os fenô menos da transicionalidadc são fundamentais para o amadureci m en to humano, pois inauguram u ma das etapas — e uma das conquistas — do am adurecimento, levando o indivíduo a um novo sen tido dc realidade, que, na saúde, irá instaurar uma área espe cífi ca de experiência. A capacidade para o que é esp ec ífico da transieionalidadc, con tudo , depe nde do sucesso na resoluçã o tias tarefas dos 232
OS lüNTÁCÜO» |)A DELnCXDÊXClA E IXDKfEXDÊNCiA KKLVI IVAS
estágios anteriores, pois as experiências que se dão na área transicional — e o novo sentido de rea lidade que delas advérn — têm, neces sariamente, suas raízes fincadas no mundo subjetivo do bebê. lí a realidade fundada e experieneiada no mu ndo subjetivo deste que dá fundamento a esse sentido transicional de realidade. Se o sentido subjetivo do real não foi constitu ído, os fenô men os da transicionalidade não terão significado c seus benefícios não poderão ser usu fruídos. Um bebê a quem não foi fo rnecid o um sentido de segurança, incorporado como uma crença, não pode “ausentar-se”, distraído eom o objeto transicional; ao contrário, consegue apenas ficar alerta, prevenindo possíveis invasões. Os fenôm enos transicionais não perte nce m à linha instintual do am adur ecimen to; e les estão na linha direta da realização da tarefa, iniciada na primeira m amada teórica, do estabelecime nto de con ta to com a realidade externa, b em no início, a tarefa dc con tato com a realidade é favorecida polo fato de a mãe apresentar o mundo ao bebê de tal maneira que este, a princípio, não tem de saber que o ob jeto foi encon trado ao invés de ter sido criado por ele. Ele com eça, portanto, a relacionar-se eom a realidade — externa do pon to de vista do o bservad or — por via da criatividade c não da submissão. Num m omen to posterior tio amadurecimento — 11 0 estágio do líl* SOU — , ele terá de sc haver com o fato da existência separada dc» mundo, e o grande desafio será relacionar-se com a objetividade do mundo externo da realidade externa, sem perda da espontaneidade pessoal e da criatividade originária. Os fenômenos transicionais estão exatamente no m eio do caminho — com o uma passagem intermediária e faeilitadora — dessa “ longa jorna da” que vai da realidade subjetivamente con cebida á realidade o bjetivamen te per eeb ida.1 A “ terceira área da expe riência” deverá, portanto, ser
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Segun do a teoria tio ama durecimen to, habitar num mund o .subjetivo e rela cionar-se com objetos subjetivos são pré-requisitos para a conq uista tia 1 rausicionnlidadc, passagem i n t e r t i i e d i ár i »para a relayão eom o mu udo com par tilhado e cuiii objeto s objetivamente perceb idos. O '., por exemplo, o artigo em que, enumerando as tarefas que presidem o início da vida, Winnicott refere-se “aos passos iniciais do bebê nas relações objetais, q u e I c vt m i
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grifo
TK OKI A 1M) A \ U I) l'K K C IM K .V n > l)E 1). W. W IX X IC O T T
preservada cm qualquer etapa do amadurecimento c em qualquer seto r da vida — para que a realidade, extern a, nua e crua. tenha significado pessoal. Com o tempo, ela deverá, também, poder ser exercida no terreno que lhe é próprio, í>s artes e a cultura em geral. Contudo, mesmo quando o indivíduo já acedeu ao mundo c om parti lhado, e m esm o quando, por talento, torna-se capaz de criação artís tica, a criatividade continua sendo, em primeiro lugar, um fenô men o da vida; ela diz re sp eito ao m odo com o a pessoa torna-se capaz de se relacionar eom a realidade externa, sem p e n l a d o sen t i d o p e s s o a l d u e x i s t ên c i a .
Os fenômenos transicionais emergem da área da ilusão de onip otên cia, no in terio r da qual foi construída a realidad e do mundo subjetivo. Quando com eçam ‘a ocorrer, por volta dos oit o ou dez meses, o proces so de desilusão já se iniciou. Sã o eles qu e dão co nt i nuidade à ilusão, com m odifica çõe s graduais na onip otênc ia. C arac terizam-se pelo apego ao objeto transieional e constituem o início da capacidade de simbolização; desenvolvem-se, depois, na capaci dade de brincar e se estendem, à medida que o amadurecimento prossegue, por todo o espaço cultural. Os objetos transicionais, c depois o brincar, são os precursores da capacidade d o a dulto de usar o ca m po da cultura, da religião , da arte, para o ne cessário e salutar descanso da eterna tarefa de separar os fatos da fantasia. Mas o que está no início de tudo é a ilusão, pois u criança precisa começar vivendo “ num niundo subjetivo cm que é a criadora dc todas as coisas” (1986li, p. 11). domo surgem os objetos transicionais e dc que modo eles faci litam a passagem para a realidade dos objetos objetivam ente perce bidos? É fato observável que, pouco tempo após o nascimento, os bebês costumam chupar os dedos e os punhos, adotar alguma técnica de mexer no rosto ou murmurar algum som. listas ativi dades, habitualmente vistas eomo um exercício auto-erótieo oral, são já, em parte, transicionais, sendo precursoras da posterior adoção de um objeto de predileção do bebê — o ursinho dc pelúcia, a ponta do cobertor, uma fralda. Para que o sentido pré-transiciona! dessas atividades sc explicite c pre ciso pod er ver, nesses fenôm enos primitivos, mais do que excitação e satisfação oral; c preciso reco nh ecer o impulso do bebê para ch ega r a um objeto , a capa cidade dc criar, inventar, originar um objeto, a sua crescente possibilidade 2.11
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para reconhecer um objeto não-cu, o início de um tipo afetuoso de relação dc objeto etc. (1953c, p. 14).1 Na etapa que lhe é própria — devido íi matu ridade cresc ente do bebê, durante a desadaptação da mãe — , aco ntec e en tão esse fen ô meno, que não tinha ainda sido focalizado pela pesquisa analítica, mas que havia sido notado pelas mães: o apego do bebê a certos objetos, q ue ele, po r assim dizer, ele go .5 Investidos de urna impor tância toda especial, os objetos transioioiiais são tratados, pelo bebê, com imenso carinho, mas, também, com brutalidade, o que requer que sejam duráveis. líles se tornam, durante um bom tempo, indispensáveis, insubstituíveis, sobretudo em m omen tos de tensão, inquietação ou angústia, como, por exemplo, na passagem da vigília para o sono ou nos momentos de ausência prolongada da mãe. A mãe sabe que o ob jeto não pod e ser substituído, nem por um equi valen te, qu e não deve ser lavado, po r mais sujo que es teja — o que introdu ziria uma ruptura na continuidad e da experiência do bebê — c que ela terá de levá-lo junto caso a família viaje. Se essa expe riência for permitida ao bebê, o objeto, com o tempo, será “não tanto esquecido, mas relegado ao limbo. (...) Perde o significado, e isso se deve ao fato dc os fenômenos transieionais tornarem-se
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Num texto dc 1945, cm que W inn icott está esboç and o ;is idéias sobre os fenôm enos transieionais, qu e aca barã o por vir à luz em 19 5], ck- alude .i prática universal de chupar o polegar ou a chupeta supondo que todos concordem que o dedo é sugado não apenas por prazer, mas como consolo. No desenvolvimento do toma, e ntima formularão ainda rudimentar do mesmo, diz não ter dúvidas de que esses fenômenos, tais como a sucção normal dos dedos, “consistem numa tentativa de localizar o objeto (o seio etc .), mau tendo -o a meio cam inho entre o dentro e o fora. Trata-se de uma defesa con tra a perda do objeto no m und o externo ou no interior do corpo, isto é, contra a perda de controle sobre o objeto" (iy45d, p. 2.12). Este “a m eio cam inho entre o dentro c o fora ” é um ' entre” , é o que virá a ser cham ado, cm 1951, de espaço potencial. Um a alusão a esses objetos já tinha sido feita na literatura analítica, por M. W ulfí. em termos de objetos-fetiebe. 1’ara Win nico tt, essa abord age m c insatisfatória e luva a equívocos. Prime iro, por não ace itar que esses objetos tenham primariamente o caráter de fctiehcs, a não ser na patologia; segundo, por não concordar com a interpretarão tradicional do fctiche, seguida por WuitT. que transforma um fenômeno que c universal, a atribui rã o ilc pênis à m ãe. em p atologia. Para uma discussão minuciosa do tema, cf. (lurfinUel. í)., I ' ) ') (,
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difusos, espalhando-se por todo o território intermediário entro a ‘ realidade psíquica interna’ e ‘o mundo exte rno ’ l ... |” (1953c, p. 19). No período dc adaptação absoluta da mãe, a apresentação de objetos — isto é, o fornecim ento dc matéria-prima para a criação dos obje tos subjetivos — era feita de tal m odo que a realidade externa do objeto não afrontava a realidade do mundo subjetivo. A natureza da relação objetai cra de identificação primária eom o objeto; o bebe é o objeto. A medida que a integração torna-se mais consistente, o amadurecimento exige que, vagarosamente, algo do mundo externo sc imiscua na área dc onipotência do lactente. Scr capaz de adotar um ob jeto transiçional já anuncia que esse processo está cm curso e, a partir daí, algumas mudanças se insinuam. Ocorre uma pequena quebra na onipotência. Com o objeto transicional, algumas características da realidade externa começam a introduzir-se na experiência: o objeto transiçional se adapta, mas não de modo absoluto como a mãe. Dc s c r o o bje to, o bebê passa a possuir o ob jeto e, p or m eio dessa posse, ele posterga o abandono do controle mágico sobre o mundo, prolongando, por algum tempo, a onipotência originalmente satisfeita pela adaptação realizada pela mãe (cf. 19f>8, p. 126). Durante a fase cm que a transieionalidade reina, ele abandonará o contro le onipo tente, m ágico, característico da relação com os objetos subjetivos, assumindo, aos poucos, o controle via manipulação, o que envolve o prazer do exercício muscular e da coordenação. Um pouco mais tarde ainda, outra conqu ista será feita, qua ndo cie já puder saber que ura cer to ob jeto lhe foi oferta do e puder dize r “ tá” , “ reconhecen do assim a limitação de controle mágico c sua dependência da boa vontade das pessoas existentes no mundo externo” ( i b i d . , p. 127). Muitas outras aquisições estão sendo feitas ao tempo em que o bebê utiliza objetos transicionais; algumas delas mostram a íntima conexão do funcionamento corporal com o amadurecimento pes soal. Paralelamente ao desenvolvim ento da coordenação, oco rre um gradual enriquecimento da sensibilidade corpórca, com o aguçamento dos sentidos e correspondente elaboração imaginativa das experiências sensoriais. O olfato, por exemplo, atinge um auge que talvez nunca mais sc rep ita nesse grau, a não ser cm ep isódios psicó ticos; a textura e a tem peratura, a secura c a umidade, têm um signi ficado tremendo; o paladar torna-se muito mais apurado c, dc maneira fre qüente, se observa a baba esc orren do da boca. I? possível
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ainda observar, nessa fase, o início da capacidade de sentimentos afetuosos. Tudo isto nos faz lembrar, observa jocosamente Winni cott, o leão ern sua jaula, com ternos sentimentos do carinho cm relação ao osso que log o será destruído. No início da passagem da adaptação absoluta para a adaptação relativa, os objetos transicionais exercem a indispensável função de amparo, p or substituírem a mãe que se desadapta c desilude o bebê. A transicionalidadc marca o início da desmistura, da quebra da unidade mãe-bebô. O laetente. que é um criador de mundos, cria a primeira região, a primeira distância, a área inaugural dc separação en tre e le e a mãe: o espaço pote ncial.6 Gradualm ente, do d o i s -e m - u m da unidade fusional vão em erg ir dois indivíduos, o que per m itirá que co m ece a sc esta belec er o que sc chama, propriamen te, rela cio namento, sendo que as bases para esse relacionamento foram dadas pela experiência s u i g e n e r i s com o objeto subjetivo.7Exatamente no espaço dc separação entre mãe e bebê, entra o objeto transicional, que é, ao mesmo tempo, separação e símbolo da união com o que está sendo separado; ele representa a mãe ou o seio, ou até o si-mesmo da criança, tal como está nesse momento do amadureci mento, A a tividade simbólica, que aqui tem in ício, traz uma am pli tude'eno rm e à experiência uma vez que "o sím bolo de união prop or ciona um alcance mais amplo à experiência humana do que a própria união” (1986d, p. 106). C reio ser esse o sent ido da polem ica afirmação de Winnicott de que, eom o tempo, o objeto transicional chega a tornar-se tão ou mais imprescindível que a própria mãe. Pode oc orr er de o mesm o obje to co nc ret o — o urso, a fralda, o pa nin h o— , que é de início subjetivo, passar a ser transicional. Não sc trata, port anto, de um cer to ob jeto ser subjetivo e outro, transicional. O que se altera nã o é o ob jeto , mas o s en t i d o d c r ea l i d a d e deste, c é a isto que W inn icott se refere quando diz que esse fenôm eno nos
6 7
C o m » vimos, no Capítula III, esse espaço já existe, potencialm ente, a partir tio Isolam ento fund ame ntal d o indivíduo. Gi',, ainda, o Ca pítu lo II, Seçík) 8. Deve-se destacar aqui que, neste mom ento, ainda não sc pod e usar a expressão “objeto interno". Ü bebê ainda não tem um “interior" onde gu ard ar imafiens, um território onde sc trava a luta entre o que é con stru tivo e destrutivo na natureza humana. Kssa luta. eom seus objetos intemos, só poderá scr travada após o bebê atingir o estatuto unitário do E U S O U e começar a sentir-se concernido por seus impulsos destrutivos. Cf. Winni cott, 19S6d, p. 105.
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A TKOKIA 1)0 AM.M lCRKC IMliXTl) DK I). W. W IN XIU )'JT
perm ite observar algo sobre a n a t u r e za d o o bj et a (1953c, p. 14). ou seja, sobro a mudança na natureza da relação objetai dentro do processo de amadurecimento. Mesmo porque “não é o objeto, natu ralmente, que é transiçional. Ele representa a transição do bebê do um estado em que este está misturado com a mãe para um estado cm que está em relação com cia, eomo algo externo c separado” ( i f r i d . , p. 30). Para que essa transição aconteça, para que a transieioiuilidade sc configure enquanto tal, c preciso que o bebê esteja criando um novo espaço, um novo “ mun do” . O que o am adu recimen to promove é a capacidade inerente a todo scr humano de criar mundos e tran sitar entre eles. Neste momento, está sendo criado o espaço poten cial, a terceira área de experiência, o lugar em que, sc form os saudá veis, poderemos viver (1971g, p. 145), temporariamente poupados tia tarefa de separar os fatos tia fantasia. Se o bebê tiver as con diç ões am bientais satisfatórias que lhe possibilitem criar esse novo mundo — no qual pe rm anece preservada a co ntin uidade da ilusão básica — , esta área ficará disponível para a criaçã o e o exe rcíc io da capacidade de s im bolizar e dc brincar, ampliando-se, no d ec orr er da vida, para a arte e a cultura cm geral. Tudo o que se dá posteriormente no espaço potenc ial guarda as características dos fenômenos transicio nais originais: não está dentro nem fora; não pertence nem à reali dade psíquica interna nem à realidade extern a e comp artilhada ; não é delírio nem objetividade . For isso, os objeto s e fenô m eno s transi cionais iniciam os seres humanos naqu ilo que será sem pre tia maior importância para cies, "uma área neutra de experiência que não será contestada” (1953c, p. 27). Mas onde está esse espaço? De que natureza á esse espaço e o brincar? Em um ar tigo sobre os vários sentidos de realidade na obra de Winnicott, Loparie diz que [... ] mais primitivo do quo o uso e a representação, embora poste rior á experiência tle* eontato, e o brincar. Esse tipo de acesso à realidade é um modo tle ser do lactente que só pode realizar-se no espaço próprio, chamado potencial, lvsse espaço difere tio da representação por um traço essencial: ele não c exterior, interno ou externo, mas um componente do ser do bebê. O iactcntc não está “no" espaço potencial, no sentido em que se diz q u e uma árvore está no jardim, ele d esse espaço (Loparie. 1995.1. p. 53). 23H
OS EHT.V 1I< )S ]i\ IV,;i>|^xnKXC[A K IXDKnOÍUÍÍXtXV KKLVTIVAS
O bebê, portanto, ufio transita dc um objeto a outro, mas dc um mundo a outro. Melhor: sendo ele mesm o esse espaço, deve-se dizer que ole transita, neie mesmo, de um a outro sentido de realidade, como modos de seu ser, podendo habitar nos vários mundos por etc criados, mundos em que novos objetos po dem aparecer. Mas o bebê só podo operar essa conquista so tiver habitado durante o tempo suficiente e continuan do a habitar num mundo subjetivo, cuja reali dade não c posta cm dúvida: O n d e h á c o n f i an ç a e f id e d i g n i d a d e , h;í t a m b c n i u m e s p a ç o p o t e n cial, esp aço qu e p ode tornar-se um a área infinita de sepa ração, e o b e b e , a c r i a n ç a , o a d o l e s c e n t e e o a d u l t o p o d e m p r e e n c h ê - la c r i a t i v a m e n t e c o m o b r i n c a r q u e . c o m o t e m p o , s e tr a n s f o r m a n a f r u iç ã o da heran ça cultura!. A caracte rística especial desse lugar, em qu e a brinc ade ira c a experiência eultura! tem u m a posição, está cm que el e d e p e n d e , p a r a a t tt ui ex i s t ên c i a , d e ex p e r i ên c i a s d a -v i ver , ?i«o d e t e m l êt i c i a s h er d i t d u s (197 lg , p. 150).
A passagem do m undo subjetivo, que nunca se perde, ao inundo transicional, só sc dá 11 0 tempo, e requer tempo para estabelecer-se como conquista. Mesmo tendo sido iniciados o processo de sepa ração e a atividade simbólica, isto não garante t]ue a imagem e o sign ificad o do ob jeto transicional se mantenham vivos, a não ser que o cuidado materno concreto permaneça sustentando a continui dade do processo. Ou seja, o bebê pode utiliza r o obje to tran sicional para fazer as vezes da mãe. e n q u a n t o o o b jet o s u b j e t i v o e st á v i v o , é r e a l , su f i c i e n t e m e n t e b o m e n ão m u i t o p e r s e c u t ór ío . Por seu lado, esse ob jeto sub jetivo depend e, qua nto às suas qualidades e vigên cia, da existência, vitalidade e comportamento do objeto externo, ou seja, dos cuidados concretos da mãe real: O f ra c a s s o d e s te [ d o o b j e t o e x t e r n o | , c m a l g u m a l u n ç ã o e s s en c ia l, leva indiretamente à morte ou a uma qualidade perseoutória do objeto interno. Após a persistência da inadequação ilo objeto e x t e r n o , 0 ob jeto interno deixa d e ter sentido para □ bcbO e, então — e s o m e n te e n t ã o — . o o b je t o tran sic io n al ta m b é m fi c a sein sentido (1953c, p. 24).
Antes de prosseguir, quero esclarecer o uso, nesta última cita ção, da expressão “ objeto inter no ” . Na época em q ue este artigo foi escrito (1951), Winnieott não havia ainda formulado o conceito dc objeto subjetivo, o que só será feito cm 1962. ICmbora o texto tenha 239
A T E O R I A 1 ) 0 A M A n r i í E C I M I C . V I O I M í I) . W . W I. Y XK : (Y\'f
sido revisado para n edição dc 1971, e ele não tenha feit o alte raçõ es nesse ponto, entendo que “objeto interno’’, aí, refere-se a ''objeto subjetivo". Os argumentos são os seguintes; primeiro, da perspec tiva da teoria do amad urecimento, só se pode falar de ob jeto interno se estivermos nos referind o a um m oi.iento do am adu recim ento em que já há um mundo ou realidade interna, e essa conqu ista só ocorr e após o alcan ce da identida de unitária no es tág io d o 10U SOU , sendo que a transicionalidadc c anterior a este último. Km 1963 (1 96 5j), referindo-se às mais primitivas versões daq uilo que Klein den ominou de “ inter no ” , W inn icott diz que, quando estamos nos referindo ao iníc io da vida, |...] a palavra interno nfio pode ser usada no sentido dc Klein, uma vez que o laetente ainda não estabeleceu propriamente os limites do ego e ainda não se tornou mestre tios mecanismos mentais de projeção e introjeção. NesAe estágio primitivo, “interno'' só significa pessoal, e pessoal pelo fato de o indivíduo scr uma pessoa com um si-mesmo no processo dc ser desenvolvido (]9 o5j, j>p. 168-69). Winnicott mantem a expressão “objeto interno”, em segundo lugar, para acentuar o ponto que verdadeiramente lhe interessa, a saber, que “o objeto transicional n ão éw n o b j e t o i n c e n w (que é um con ceito m en ta l)” ; não tem, portanto, vida própria e depende, para a sua sobrevivência, da relação, da comunicação, enfim, da manu tenç ão da continuidad e dos cuidados ambientais. Segundo a teoria winnicottiana, a constituição do mundo interno supõe que tenha ocorrido a separação eu/não-cti, c a existência dc um sistema de fantasias, acrescido tle tudo o que resulta do inconsciente repri mido; a partir do momento em que o inundo interno já existe, as experiên cias reais, satisfatórias e insatisfatórias — c isto se refe re à realidade da experiência global e não apenas ao princípio do prazer — , levam respectivam ente à existên cia dc coisas sentidas com o boas ou eom o más, na realida de intern a da criança. ISmbora os objet os e conflitos do mundo interno sejam influenciados pelos relaciona me ntos que oc orr em na vida real, a vida interna tetn uma certa a uto nomia que per mite examiná-la com o algo em si mesmo. Nada disto já se estabelec eu na fase da tra ns iciona lidad c. Devc-se, portanto, assinalar que a realidade e o caráter simbó lico do objeto transicional dependem da vivacidade e da confiabili dade do ob jeto su bjetivo que, por sua vez, depen de tia perman ência c 210
O S ESTÁtaoS DA 1)EI’KN'1)KXC]A K IXDKIMCtf ÜÈNCIA R IX AT IVA S
da vitalida de cio ob jeto externo . A perda cio ob jeto subjetivo é “ uma grande catástrofe", algo que pertence à ordem de coisas que são chamadas, na teoria winn ieottian a, ago nias impensáveis. Se a crian ça “ perd e” a mãe, durante um período demasiadamente longo, “ o ob je to subjetivo m orre” e a ca pacidad e sim bólica do ob je to transi eional se esvai. Por isso, apesar da imp ortâ ncia do ca ráte r sim bólico do objeto transiçional, Winnicott faz notar que, no início, o impor tante não é tanto o seu valor simbólico, mas a &r u a r e a l i d a d e. O que acontece se um padrão de falhas ambientais se estabe lece, nessa fase, e o bebê começa a perder a confiança? Quando a privação não ó demasiada, pode-se ter o uso comp ulsivo da chupeta, que é uma comu nicaçã o do m esm o ripo que a avidez. Sc a privação é grave e prolongada, o bebê perde a capacidade de chupar. Nesse estágio, em que o bebê só recen tem ente com eço u a diferenciar-se da mãe, a perda não é apenas do objeto, mas de parto de si mesmo, co m o da boca, po r exemplo. Alem disto, a própria capacidade lúdica — chup ar a po nta do co ber tor, brinca r co m a boca ou co m os punhos, fazer eosquinhas no nariz — perd e o significad o.* Se o bebê perde o o bjet o transiçional, que está apoiado nos subjetivos corres pondentes, ele perde, ao mesmo tempo, a boca e o seio, a criativi dade e o caminho para a percepção objetiva. O eontato com a realidade depende fundamentalmente da cria tividade, sem a qual nenhuma realidade, nem m esm o a extern a — e, talvez, sobretudo, não a externa — pode ser alcançada ou ter sign ifi cado. A realidade que aqui está concernida não é a do princípio de realidade, tal como postulado por Freud, mas a do sentimento de real que está fundado na ilusão. 15 som ent e por m eio desse senti m ento d e real que se ch ega ao sen tido da realidade extern a.7 Ora, '‘o ob jeto transiçional é uma das fontes que torna m possível <>con tato en tre a psique e a realid ade” (1965 s, p. 176). Perd er o ob jeto transicional, pelo fracasso da mãe em fazer permanecer vivo o mundo subjetivo, resulta em descren ça e desesperança quanto à capacidade de relacionar-se com objetos: o interesse pelo objeto esmaece c o beb ê não sabe nada sobre o que aconteceu . Só sente qu e perdeu algo
H Cf. W innic ott l
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11
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de muito importanle, que algo morreu, apesar de esse algo poder estar ali. destituído agora de significado.,!) A criatividade está, portanto, a serv iço do contato com a reali dade; relaciona-se an estar vivo e a sentir-se real, à man eira pela qual o indivíduo permite à realidade aparecer, pela qual recepciona os acon tecim entos, ou seja, ao mod o com o qualquer pessoa — bebê, criança, adulto ou velho — olha para algo ou realiza alguma coisa. Para esta criatividade não é necessário nenhum talento especial. A criatividade é, além disto, originária e não uma sublimação do con flito p ulsional.'1 O espaço potencial — com o terceira área da experiência — man tém aberta a perm anente tensão, intransponível, entre o criar e o descobrir. Há uma excitação que é própria dos fenômenos da transieionalidade c do brincar, mas ela não é de caráter instinuial; referese, precipuamcnte, à organização do ego, tratando-se, aqui. de uma [ . . . [ p a r t e d o e g o q u e n ã o é c o r p o r a l , q u e n ã o e s t á fu n d a d a n o p a d r ã o d e / 'w i i r i o n a v i d i t o corporal, mas nas L w / K - n â n c i a t i c o r p o
10 O medo de p erder :i capacidade de relaeionar-se com objetos, cujo pon to de origem pode ser localizado na perda do objeto subjetivo, c uma das expe riências traumáticas — uma agon ia impensável — qu e estão na liasu das patologias psicóticas. 11 () conceito wimiieottiano de criatividade não 6 fácil de ser apre end ido, talvez eiti virtude de o termo ter sido banalizado pela mídia, por ser usualmente referido à cria ção artística ou, ainda, pelo lato de a psicanálise ente ndê -lo no sentido da sublimarão . O próprio Pontalis, que tez questã o de criticar, em vários artigos, os m al-entendidos provocados pela originalidade d eW inn ieott, responde do seguinte modo a uma pergunta de Ann c Claue ier ( JVN-l) sobre a noção dc criatividade cm Winnicott: “Não gosto dessa palavra, nem, sobre tudo, da sua prom oção íí U m t ca . Fazer acreditar a cad a um que ele tem em si um tesouro c um a mentira. Dizer com o W iuu ieoU . mesum com hum or, que se )HkIc ser tão criativo cozinhando ovos quanto Sehumann compondo uma son ata , vo cê n ão a cha isto abusivo V” ((. 'lan cie r, 1 ‘Jff-I. p. 2 i ')). P ontalis parece não ter entendido exatamente o conceito vviimicottiann dc criatividade, pois o sentimento de poder criar e de estar criando — intimam ente relacionado eniti a espontaneidad e — indep ende do p rodu to criado. A criatividade está relacionada com os fenôme nos da vida, com a realidade da experiência, e não com a criação meramente ousada ou com a criação artística; dcvc-sc reco nhccer a criatividade, diz Wiimieoli, ‘'não tanto pela originalidade da pro duçã o, m as pelo senso individual da realida de da experiê ncia” (J9 S8 , p. 131). Cf., tam bém , neste m esm o texto, a p. 129).
OS KS TA CIO S l>.\ l)l-.]'KXl)K.\Ct.\ 10l.\l»Kl'KN 'l >RN(;i.\ K Kl- VII VA S
rais. Tais experiências são jiróprins da relação d c objeto do tipo n ã o o r g iá s t i e o , ou d » q u e p o d e s e r ch a m a d o d e c a p a c i d a d e tle r e la c i o n am e n t o d o e g o [ e g o - r e l u t e d u c s s | (19671). p. 140; grifo m eu ).
O brincar é excitante nele mesmo e. sobretudo, pela precarie dade que lhe é inerente. Seu território 6 o interjogo enire a reali dade psíquica pessoal e a experiência dc controle de objetos reais. Pela espontaneidade, pelo que tem tle informe, pela ausência de regras — que faz Winnico tt insistir na diferença en tre o jog a r e o brincar — , o brincar propicia uma experiência (imitada da em er gência de algo amedrontador porque imprevisível, lí fácil ver o quanto, em função do novo paradigma em que sc move, o autor difere da teoria kleiniana. Nesta, a importância da brincadeira resi de não nela mesma, mas no fato dc que, por meio dela, os fantasmas inconscientes e recalcados vêm à luz; a brincadeira tem, portanto, para essa autora, a função dc descarga masturbatória, de controle da angústia ou tle cumprimento do desejo. Na teoria winnicottiana, ao con trário, a imp ortância do brincar não está no conteúdo, mas iu> brincar, ele mesmo, no tipo de concentração que o caracteriza, no fato de a criança ser capaz dc “perder-se", ali, mergulhada num estado de quase alheamento, aparentado à concentração das crian ças mais velhas ou dos adultos.
3.
O estágio do uso do objeto
( ) tema relativo ao desenvolvimen to da capacidade dc usar objetos é inteiramente original na literatura psieanalítica. Falou-se muito da relação de objeto, caleada em mecanismos tle projeção e iutrojeção, mas a capacida de d e l u u i r i a n o b je t o e os requisitos necessários para tal não chegara m a ser considerados. A form ulaçã o dessa conquista deriva naturalmente tia teoria do amadurecimento, sendo conside rada, pelo autor, como um dos pontos mais complexos e difíceis de seu pensamento. Qualquer consideração acerca da capacidade tle usar objetos requer que se parta tia concepção de que, no início, essa capacidade não existe. Na linha do amadurecimento, esta conquista, do mesmo modo que a transicionalidadc, dá continuidade àquela, iniciada no estágio da primeira mamada teórica, relativa ao estabelecimento tle relações eom a realidade externa, mas 6 apenas neste estágio que os
2 Id
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objeto s pod em com eça r a scr percebid os c usados co m o externos. Para tanto, 6 preciso que a mãe tenha sido capaz, desde o início, de apre sentar o mundo ao bebe de fo rma com preensível e em pequenas doses, de tal mod o que este teve a oportunidade, pela identificaç ão primária, de .ser o objeto (subjetivo). Depois, já no período de desadaptação, a realidade “ mista” dos objeto s transicionais — parte do bebê c parte do mundo — leva o lactente a p o s s u i r o objeto. Durante a fase transicional, ele continua a viver num mundo subjetivo, mas a onipotência que caracteriza a ilusão básica 6 abalada e alguns pequenos aspectos de realidade externa se imiscuem na experiência. A p artir dc um certo momen to, esses dois sentidos de realidade já não bastam e a tendência ao ama durecimento empurra o bebê na direção de um outro sentido de realidade: o da realidade externa c compartilhada, em que ele poderá usar os objetos vistos, agora, da perspectiva da objetividade. Mesmo durante os estágios primitivos, vivendo num mundo total mente subjetivo, o bebê está sendo provido de experiências de con tatos com objetos que, chegando a ele ao modo tle objetos subjetivos, são pequenas amostras da realidade externa (do ponto de vista do observador). As experiências repetidas eom esses objetos, além de passarem a fazer parte do bebê, pela identificação primária, vão, gradualmente, tornando o o bje to significativo, apesar dc ele ainda não saber da existência separada de ste.1- Isto aparecerá, eom toda a clareza, por ocasião da eleição o do apego p elo objeto transiçional. Até chegar a este ponto, estamos ainda no campo do que se chama “ relação de ob jeto” , embora, nesta fase, a expressão seja imprecisa, dado que, com os objetos subjetivos, não há propriam ente relaçã o por ainda não haver dois entes. Daqui cm diante, o bebê poderá, se tudo correr bem, passar d a r d a çu a para o u s o d o a b j et o . Para que isto ocorra, será necessário haver uma mudança, para o bebê, na “ natureza do ob jet o” , isto é, uma mudança no sentido de realidade desse objeto, o que implica a criação de um outro mundo que não o subjetivo ou o espaço potencial. Segundo Winnicott, essa mudança constitui uma das mais difíceis e importantes conquistas do amadurecimento, além dc. quand o falha, ser “ um dos mais cansativos de todo s os primitivos fracassos que nos chcgam para posterior reparo” (1969i, p. 175).
12 Sabe-se que uni m omentos dc dor ou angústia o bebê só aceita o colo da m;V e sabe discriminar es.se colo de todos os outros, inclusive o do i>;ti, nicsmn quando este exerce de maneira freqüente a função maternn.
211
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Qual é o ponto, exatamente, para o qual Winnicott chama a atenção quando distingue “relação de objeto” do “uso do objeto”? Em termos do processo de amadurecimento, a relação de objeto c anterior, e a base, para o desenvolvimento da capacidade de usar objetos. Enquanto a r e U t çúo d e o b j e t o c um tipo de experiência que perm ite pensar o indivíduo eom o uni ser isolado — vivendo num mundo que é um feixe de pro jeçõ es13 e com unicando -se com objet os subjetivos dentro do âm bito da ilusão de on ipotên cia — , o nso d o o b j e t o só pode ser descrit o levando-se em con ta a realidade ex terna e independente do objeto. Como a psicanálise preferiu sempre elimi nar todos os fatores ambientais, a não ser quando podia conside rá-los em term os de m ecanismos p rojetivos, é m uit o mais fácil, para os analistas, examinar a “relação tle objeto” do que o “uso do objeto ". C ontudo, ao exam inar o uso, não há saída: o analista “ tem de levar em consideração a natureza do ob jeto, não com o projeção, mas como coisa em si mesma” (1969i, p. 173). Essa mudança n o s en t i d o d e r ea l i d a d e d o o b j et o — da relação ao uso do ob jet o — não se dá pela mera passagem do t emp o. Para usar usar objeto s, um objet o, o beb ê precisa desen volver a c a p a c i i l a d e de o que im plica com eçar a considerar o ob jeto uma “ coisa cm si mes ma” , externa e separada dele, na sua propriedade de ter estado sem pre ali e de continuar ali, independentemente do bebê e, portanto, fora de seu controle onipotente. Para que o objeto possa ser usado, “ deve necessariamente ser real, no sentido de fazei parte da realida de compartilhada, c não um feixe de projeç ões ” (icfem). D este modo, ( . . . 1 e n t r e a r e l a ç ã o c o u s o e x is t e a c o l o c a ção d o o b j et o , f x l o s u j ei t o , )x i r a / o r u ci a ár e a d e s e u c o n t r o l e o n i p o t e n t e , isto é. a pe rcep ção
que o sujeito tem cio objeto eo m o fenôm eno externo e não eom o en tidade projetiva; na verdade, o reconhecimento do objeto eomo en tidad e de pró prio direito (19f>9i, p. 174; grifo m eu).
1.1 Qu and o.se refe re aos estágios iniciais, W inn icott usa, mu itas vezes, o termo “projeção ’' para designar a criação, pelo bebe, do o bjeto ou do mundo. Num texto de 1960, po r exemplo, ele diz que o be bê só p ode rec eber o que vem do mundo externo se essas coisas estiverem incluídas “na onipotência do laetente e sentidas eom o pro jeçõe s”. Neste po nto, acresce a seguinte nota de rodapé: “Estou usando aqui o termo ‘pro jeçõ es’ em u m sentido descritivo e dinâmico e não no seu sentido melapxieológieo eompleto" (1960c, p. 46, nota 12).
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Note-se, pela citação, que é o lactente que confere :m objeto o caráter dc externo. Ele o faz expulsando o o b j e t o (subjetivo) para fora do âmbito da onipotência: algo (alguém) que faz parte do si-mesmo 0 11 do inundo subjetivo ó destacado, expulso para fora, para ser examinado e/ou atacado. Essa operação de expulsão do obje to, com o não mais perten cend o ao mundo subjetivo, é deno m i nada, por Winn icott, d e s t r u i ção do objeto. O o b j e t o q u e éd e s t r u íd o p e l o b e b ê éo o b j e t o s u b j e t i v o . Melhor dizendo: é o caráter subjetivo do objeto q u e está sendo destruído. A destrutividade aí implicada não ó de caráter instintuai — embora tenha um apoio nas expe riên cias da impulsividade instintuai primitiva, que, neste momento, ainda não foi integrada c om o parte tio si-mesmo — . c tampou co deriva da raiva advinda das frustrações. Trata-se cie uma destruti vidade s e m r a i v a , referida à necessidade, própria ao amadureci mento, de o indivíduo começar a habitar num mundo que não é sua projeção, e no qual existem objetos que, tendo existência pró pria, podem ser usados. Se a eapaeidade de relação e com unica ção do pequeno indivíduo fica restrita á comunicação com objetos subjetivos, que foi imprescindível nos estágios de dependência absoluta, isto se torna, com o amad urecim ento, um beco sem saída (cf. 19G5j, p. 167). Qual c a maneira pela qual se manifesta a destrutividade que leva à eapaeidade dc usar objetos? De muitas formas que vêm, natu ralm ente, misturadas com agressividades de outra natureza, com o a instintuai. () bebê, que a esta altura está fisicamente mais forte, começa, por exemplo, a chutar a mãe ou a morder efetivamente o seio; ou esmera-se em desgastá-lo; ou ainda a recusá-lo, observando a reação da mãe; ou simp lesme nte, deixando de necessitar d ele .14 Seja qual for a maneira pela qual um ee rto bebê põe-se a destruir o
14 Referin do-se ri este tem a, num texto escrito em 1W>3, ant erior , portan to, à sua formulação cabal da questão, em 1969, Winnieott afirma, aludindo cio trabalho clínico, i|ue há um estado intermediário no amadurecimento normal, ua passagem entre o subjetivo o o objetivamente percebid o, em que "a experiência mais importante do paciente eom relação ao ob jeto bom ou potencialmente satisfatório é a recusa do mesmo. A recusa é parte do pro cesso de criação do m esm o" (196 5], p. 165). Acrescento: criação do mesmo enquanto realidade externa, na medida cm que esse tipo de agressão poi recusa e as idéias ligadas a ela "Movam ao p rocesso d c colo car o o bjet o sepa ratlo do si-mesmo" (U k m ).
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ob jeto — que é, ainda, subjetivo — , o que caracteriza o fenôm eno é que, não estando faminto nem raivoso, o bebe p r e c i s a d e sen t ír o objeto. Ou seja, existe um i m p u l s o r e a l d c d e sím i r , que precisa ser experimentado. A tese de W innieott é, portan to, a de que existe uma destruição que é ante rior ao func ionam ento do princ ípio dc realidade, destrui ção que d e s e m p e n h a tt i n p a p el n a c r i a ção d a r ea l i d a d e, com o bebê colocando o objeto fora do si-mesmo, ou seja, tora do mundo subje tivo. O que o indivíduo está criando, neste estádio, não 6 propria mente um objeto, mas um novo sentido de realidade, o da externalidade. “ lí o im pulso destrut ivo que cria a qualidade da extern alidade” (1969 i, p. 176). A preme neia destrutiva tem , portan to, uma função positiva vital, a dc objetivar o ob jeto .15 Não sc chegará a parte alguma no estudo da agressão sc a pensarmos como estando irrevogavehnente vinculada ao ciúme, à inveja, à raiva pela frustração ou ao funcionamento instintual denominado, habitualmente, de sádi co, Para o autor, a agressividade e a destrutivnladc humanas são fe nôm enos relacionados à questão da constitu içã o da rea lidade.11' Km 1970, ele escreve que “ o mais básico c o conc eito de agressão co m o parte do exercício
15 Objetivar, aqui, é torna r o objeto objetivo, cneoutrável na realidade oxtema. Objetivar deve ser distinguido de objetitiear, que é o que fax a teoria para enqua drar o ob jeto numa catego ria represcntável. 16 Sobre a agressividade e a destrutividade em Win nieott, u i . Dias, 2000. 17 A destrutividade que eria o sentido da externalidade é, segundo o próprio autor, um d os seus conceitos mais difíceis. Após a leitura do artigo sob re o uso do objeto, na Socieda de Psieanalítiea de Nova York, em 1968. inúm eras críticas foram feitas ao seu trab alho. M ais tarde, ele fez com entá rios a essas críticas e disto resultaram algu ns adend os que foram retinidos no C apítulo 34 de l i xp l orn vãcs pai canal it ivas. O tenta certamente provocou perplexi dad e nos m eios an alíticos: se, na p sicanálise tradi cio na l, a reali da de é d ada e não criada no decorre r do processo dc am adu recim ento; se a desLnitividade está sempre relacionada à inveja ou ao sadismo, ou, ainda, à raiva derivada tia frustrarão , que vem exatamen te do princípio de realidade, qu e destrutividatle e essa que é não instintual e sem n t h x ã Itt lí este o sentido da afirma ção de q ue não se pode de screver o uso do ob jeto sem cons iderar a natureza do ob jeto, no caso, a externa.
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con texto , não retaliar, não muclar dc atitude, p erm ane cer oonfiavelmentc o m esmo. A palavra “ destruição” , afirma Winn icott, é neces sária não tanto por causa do impulso do bebê a destru ir, “ mas devid o à suscetibilidade d o objeto a não sobreviver, o que tam bém significa mudança de qualidade, de atitude” (1969i, p. 176). O impulso do bebê dc destruir é real, e ele preeisa experimen tá-lo, mas só poderá fazê-lo sc houver segurança, isto é, sc não houver o risco de o objeto sucumbir. C a s o o o b j e t o s o b r e v i v a , o impulso sc transforma na c a p a c i d a d e de usar o objeto que sobreviveu. Ao mesmo tempo que libera o bebê para continuar a exercer o impulso destrutivo, que é real, a sobrevivência do objeto libera-o para destruir objetos na fantasia inconsciente. Melhor dizendo: a sobrevivência do objeto cond uz ao uso do ob jeto , c o uso leva à sepa ração de dois fen ôme nos: a destruiçã o na fantasia incon sciente e a coloc açã o do ob jeto tora da área de projeções . Win nic ott ilustra com o se passariam as coisas e o que diria o be bê para o ob jeto na circunstância da destruição. “ liu te destruí'', c o objeto co ntinu a ali rece ben do u com un icação. Daí por diante, o sujeito diz: “Eu te destruí. Eu te am o. Tua sobrevi vência à des truição q ue te fiz sofrer confere valor à tua existência, p a r a m i m . E n q u a n t o e s t o u t c a m a n d o , e st o u p e r m a n e n t e m e n t e t e d e s t r u i n d o n a f an t a s ia ( i n c o n s c i e n t e ) ’1 ( 1 9 6 9 ) , p. 1 7 4 ) .
Note-se que 6 som ente a partir desse mom ento que tem início a fantasia para o ind ivídu o,19na med ida em que aqui se dá a separação entre fato (a sobrevivência do objeto) e fantasia (a destruição do obje to na fantasia incon scien te). Após esta aquisição do aniadurccimen to, o o bje to su bjetivo estará sempre sendo destruído na fantasia inconsciente. Esta conquista — que inclui a criaçã o do sentido da realidade externa e o alcance das capacidades para usar o objeto c para a fantasia inconsciente — , é tão im portante para o amadurecimento,
IV Em bora, cm textos anteriores, a palavra ‘ fantasia” comp areça, algum as vezes, como sinônimo de elaboração imaginativa, ocorrendo, portanto, desde o início da vida, deve-se notar que, secundo o Winnicott dos últimos cseritos, a fantasia — enquanto algo que pertence ao mundo interno — só com eça, para o indivíduo, qua ndo este atinge a conquista do uso do objeto, ou seja, quando alcança o sentido da realidade externa. Cf. Winnicott. 1969i, em especial a p. 174.
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c cão difícil de scr eoneeitualmente descrita, que vale a pena, antes dc prosseguir, exam inar algumas diferenças e acréscim os que foram sendo feitos à teoria, à medida que o pensamento de Winnicott evoluiu. Mesm o antes de 1968, quando ele cheg a à form ularão mais acabada sobre esse tipo de agressividade — com o destrutividade que leva à criação da externalidade e à capacidade de usar objetos — , W in nic ott já dizia que a agressividade humana “ está se m pre ligada ao estab elec ime nto de uma distinção entr e o que é eu e o que e não-eu” (1964d, p. 98). Nesse texto dc 1964, ele ainda relacionava a agressividade ao impulso instintuai primitivo, e não fazia refe rência ao valor da sobrevivência do objeto. A agressividade é exer cida pela criança, dizia ele, na forma de uma destruição mágica, da mesm a natureza, portanto, emb ora no sentido contrário, da criação mágica. Po r essa mágica infantil, o mundo pode ser aniquilado num abrir e fechar de olhos, e recriado por m eio de um novo olhar. A des truição primitiva ou mágien de todos os objetos é necessária para que o objet o deixe de ser parte do “ eu” para ser “ não-eu", ''d e i x e d e s er f e n ôm e n o s u b j e t i v o p a r a p a s s a r a s er o bj et i v a m en t e p e r c e b i d o ”
(1964d, p. 102; grifos meus). Dando-se tempo ao processo maturacional, a criança "tornar-se-á capaz de ser destrutiva c dc odiar, agredir e gritar, ao invés de apenas aniquilar magicamente o mun do” ü ( l et n ). Nesta formulação, o início da conquista acon tece com a criança operando uma destruição m ágica — não efetiva, portanto — que, com o tempo, e pe lo desenvolvimento da capacidade de aceitar que o ódio e o amor convivem, na natureza humana, transforma-se na possibilidade real d e agressão. Desta maneira, afirm a o autor, “ a a g r e s s ão c o n c r e t a ó u m a r e a l i z a ção p o s i t i v a . Em com paraçã o com a destruição mágica, as idéias e os comportamento agressivos adqui rem valor positivo e o ódio eonverte-se num sinal de civilização" (i d e m ).
O que é novo, na formulação de 1968, c que essa conquista se inicia com um i m / n i ís o r ea l para destruir. Ou seja, o bebê, que é ainda ineompadeeido, já está dotado dc uma nova potência muscu lar e de maior coordenação motora, e precisa, para prosseguir no am adurec imen to, expulsar os obje tos subjetivos para fora do âm bito da onipotência. lJara tanto, ele m orde e fetivam en te a mãe, atira com força os objetos e já está capaz dc tratar eom brutalidade o ohjeio transiçional. Tudo isto, ao que a mãe deve poder sobreviver, vem acompanhado da idéia, ainda sem culpa, de ter destruído o objeiu.
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Se o objeto sobrevive — o que significa que tem existência indepen den te — , o bebe descobre que pode continu ar a destruir os objetos, agora na fantasia inconsciente, porque o objeto, que ele necessita usar, permanece incólume. Pode, portanto, scr usado. C) pressuposto que está na base da concepção da destrutividade que cria a externalidade “vai di reto à base da existência c constitui o aspecto mais fundamental do relacionamento com objetos [exter n o s] ” . C) axioma 6, postula o autor: " ( . .. ] o q u e éb o m e st á s e m p r e s e n d o d e st r u íd o ” (19fi(>j, pp. 206 e 207). Q.ual 6 o sentido, em ter mos do processo de amadurecimento, da necessidade de destruir o que c bomV Uma resposta a essa pergunta, diz Winnicott, deverá apon tar para as q u a l i d a d e s r e a i s (a u t u a i q u a l i t i es ) da coisa boa, ou seja, para o fato dc que a coisa boa p o d e s o b r e v i v e r e m f u n çü o d e suas p r óp r i a s (p i a l i d u d c s r e a i s . Ou seja, o objeto sobrevive por si mesmo e não por estar sendo protegido da destruição pelo bebê. Pois após ter so brevivido à destruição, a coisa bo a será amada, valor i zada c quase adorada de uma nova maneira. Isto, diz o autor, “ adveio do teste de ter sido usada de forma ineompadeeida e de ter sido o obje to, não pro teg ido por nós, de nossos mais primitivos impulsos e idéias” { l ‘AS6j, p. 206 ). Sc o bebê precisar prote ger o objeto, devido à fragilidade deste, ele não fará a experiência necessária de des truição, e não chegará à relacionar-se com o ob jet o extern o real, não poderá usá-lo, nem amá-lo, nem odiá-lo. Sen do in icialm ente re lativo à mãe, isto servirá tamb ém para o pai, numa etapa posterior, e, mais tarde. para todo s os objet os amad os ou valoriza dos.20 Pela teoria do amadurecimento, a capacidade para o amor só surge após a destruição, a sobrevivência do objeto e o advento da capacidade de destruir na fantasia inconsc iente. E verdade que Winn i cott também fala em amor primitivo, referindo-se aos estados exci tados do bebê, carregados de tensão instintual, mas este "amor” é feit o dc ne cessidade, e nada sabe sobre a existência extern a do outro. O am or ao objet o que sobrevive à destruição c Ioda uma outra coisa; trata-se agora do sentim ento de um eu — que, embora incipiente, é inte iro c separado — dirigid o para um outro, c om o pessoa inteira
20 Em meio aos relacionamentos, na idade adulta, a destruição du objeto. em seu caráter subjetivo, toinu o formato de um repentino estranham ento eom relação a alguém que é tão próximo . íntimo e familiar que já não era visio em si m esmo — otn alguns casos, nunca fora
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o •— em sua cxierioridade
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c separada. C) pré-requisito para esse amor é <> mesm o que para o exerc ício da genitalid ade que se quer madura, e que não é apenas um exercício solitário; também nesta é preciso que o objeto seja perce bido eom o externo e separado do indivíduo. Ou seja, também o amor c constituído no interior do processo de amadurecimen to.-1 Disto se segue que tanto a realidade objetiva quanto o amor dependem de haver sempre a destruição, lista torna-se o pano de fundo inconsciente para o amor a um objeto real, situado fora da área do controle onipotente do sujeito. Para mostrar o caráter fundamental dessa destrutividade que cria a extemalidade, levando à conquista da relação eom a realidade externa. Winnicott reflete sobre o lugar que a Monarquia ocupa, para os ingleses, d izen do que, |... | a sobrevivência da co isa (aq ui, da M on arq uia) a corna vaiiosa e capacita pessoas de todos os tipos e idades a perceberem que a vontade de d estruir não tem nada a ver com raiva — tem a ver eom am or primitivo, e com a destru ição qu e oco rre ria fantasia inc on s ciente. ou no sonho pesso al qu e perten ce ao dormir. É na realidade psíquica interna p essoal que a coisa c destruída. Na vida desperta, a sobrevivência do o bjeto traz um sens o de alívio e um n o v o senso d c c o n f i a n ç a . A g o r a f i c a c l a r o q u e é d e v i d o às s n a s p r óp r i a s pruprieikule s que as coisas podem sobreviver, apesar de uossos
sonhos, apesar do pano de fundo de destruição em nossa fantasia incon sciente. O m un do com eça a existir. ago ra, por si próprio, torna-se um lugar on de viver; não um luga r para tem er ou ao qual d é r a m o s n o s s u b m e t e r , o u n o q u a l f ic a m o s p e rd i d o s ; t a m b é m n ã o u m l u g a r o n d e l id a r a p e n a s c o m o s s o n h o s o u c o m a in d u l g ê n c i a à fantasia {l%S6j, p. 208).
A capacidade para o uso do objeto, que inclui a destruição do me sm o enqu anto sub jetivo, é, talvez, a mais difícil e penosa conquis ta do amadurecimento. Sc a mão sucumbe à destruição, a criança não tem como operar essa passagem. Sc cia sobrevive, ajudando íi criança nas dificuldades específicas à fase, esta terá o tempo neces sário para adquirir todas as formas dc lidar com o choque de reco nhecer a existência dc um mundo situado fora dc seu controle.
21 Po r isso 6 tão imp ortante s aber d etectar, na clinica, a idade emocional em i|ue o ind ivíduo se en co nt ra, lima vez q ue, no en.su da.s pess oas cjlic reg ride m à dep end ênc ia, é prec iso ter presen te o tato de que, para elas, mu itas vezes, a palavra “amor” ainda não faz nenhum sentido.
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A TK O KI A IX ) A M A M K K U M E N T O D E 1). W . W I N X J U I T T
A passagem do subjetivo ao objetivo acontece, em geral, por grada ções sutis que acompanham as mudanças próprias ao desenvolvi mento, mas, sem a participação da mãe, essas mudanças ocorrem bruscam ente e de maneira imprevisível para a criança (ef. ]9 M d , p. 102); ao invés dc ser ela que cria a externalid ade do mundo, esta irro m pe em seu inundo. Por isso, enquanto se dá o process o de objetrvação da realidade, a mãe suficientemente boa poupará a criança dc mudanças externas. Assim p roteg ida, e la estará livre para brincar de modo a experimentar tudo o que se encontra em sua realidade psíquica pessoal, tanto a destrutividade corno o amor; ela sonhará e, nos sonhos, haverá destru ição e assassinato, c esta atividade onírica , que c acompanhada dc a lgum grau dc excitação corpórea , será uma experiência concreta e não apenas um exercício intelectual. A des trutividade tem, portanto, um valor positivo, que é o fato paradoxal de estar relacionada ã criação da externalidade do mundo. Alg o, no entanto, sc perde; algum objeto subjetivo tem dc ser sacrificado enquanto subjetivo, embora seu significado subjetivo não desapa reça. Mas para quem teve a sorte dc ter pod ido cria r uni mund o sub je tivo rico, haverá sempr e uni manancial de ob je to s subjetivos passí veis de serem destruídos cm favor da realidade compartilhada que enriquece a experiência. Para ilustrar o que ocorre quando a criança não pode fazer a experiência de destruição, Winnieott recorre ao relato de Jung, sobre sua prime ira infância, em um livro auto biog ráfic o.2- T u d o leva a crcr, sustenta o autor, que Jung não teve nenhum c on tat o com sua destrutividade básica. Aos quatro anos, já havia sc instalado um quadro dc esqu izofrenia infantil: em torno de unia cisão pato lógica entre o falso e o verdadeiro si-mesmo, foi construída uma organi zação defensiva contra o perigo da desintegração da personalidade falsamente integrada, Na base dessa cisão, havia urn fator externo precoce, a depressão de sua mãe, compensada, ao que tudo indica, pela atitude materna do pai. Aos três anos, Jung sofreu um colapso psicó tico rela cionad o com a separação dos pais. Mas o pon to salien tado por Winnieott advém do relato dc Jung sobre seu modo de brincar; suas brincadeiras consistiam cm construção e destruição concretas constantes, a construção dc um edifício sendo sempre seguida por uni terremoto que o destruía. O que não aparece no
22 Cf. .Jung. 1903. Cf., tíimbém, a resenha deste livro, por Winnieott ( IWt lli).
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o s rcsTÁr.ioí; d a d i íi *h x i >í ;.\<:i a r in d i í p k n d k x c i a k i -:i .a t i v a s
material ó a destruição imaginativa seguida dc um sentim en to dc culpa e, logo, dc construção. Ou seja. Jung não se descreve brin cando construtivamente em relação com h a v e r d e st r u íd o na fan tasia inconsciente, lí compreensível que assim fosse, observa W inn ieott, pois dc fato, é m uito d ifícil para uma crian ça chefiar à destrutividade pr imitiva se ela é cuidada po r uma mãe clinicam en te deprim ida .2,1T en do sid o esta a sua circu nstância, J u n g p a s s o u t o d a a v id a b u s c a n d o u m l u g a r p a r a g u a r d a r s u a r e a li dade psíquica interna, por mais que esta fosse, em verdade, uma tarefa impossível. Aos quatro anos adotou a complexa teoria do s u b t e r r â n e o d o s o n h o [ . . . ] . B a i x o u ; io s u b t e r r â n e o e e n c o n t r o u ri v id a su b je t iv a . A o m e s m o t e m p o , t o r n o u - s e u m a p e s so a r e t r a íd a , o que o tez pensar, errone am ente , tratar-se de um a dep ressão clínica
(19641i. p. 369). Ou seja, a questão para Jung não cra depressão relativa à culpa 0 1 1 à responsabilidade pela agressividade contida na impulsividade instintual, característica do estágio do eoncernimciito, como vere mos adiante. Tratava-se de uma questão mais primitiva e básica: o ponto dc origem tias dificuldades de .Jung está localizado, em ter mos do amadurecimento, na incapacidade para a d e st r u t i v i íU u l e q u e c r i a a e x t e n u d i t U t ãe c que, corre ia tivamente, constitui o si-mesmo como um eu separado do não-cu. A capacidade para esta destruição depende da segurança de que o objeto sobreviverá. Jung não podia destruir a mãe na fantasia, expulsá-la de seu controle onipotente para constituí-la como pessoa separada, na exterioridade, porque esta não tinha condições de sobreviver. Desta dificuldade resulta, certamente, um distúrbio depressivo, cuja natureza, contudo, não está relacionada à prob lemá tica própria ao estág io do ooncernimento, estando vinculada à desesperança, típica das personalidades do tipo falso si-mesmo, em alcançar uma realidade pessoal que lhe per mita esta be lece r relações reais com o inundo e os objeto s externos. Apesar de ter mostrado a necessidade da destruição do objeto bom, para dar prossegu imen to ao processo que leva à capacidade dc estabelecer relações com a realidade objetivamente percebida, Win-
23 Cf. Winnieott. J964h, p. 370. Para estas afirmações, Winnieott baseou-se tanilicm no livro do Fordliam .sobre a obra dc Jung. Cf. M. Fordham. 1962, (•oiifcrüiicift n" 11*).
25.1
A TK OIUA IM) AM M H !KKC I.M£M t> 1)K l>. W . Wl XX ICt >'J >'JT T
ma mente mamen te variável variável nesta idade; não só dc criança crianç a para criança, co m o na mesma criança criança cm m omentos diferent diferentes. es. Pode perfeitame nte ocorrer, a um uma criança saudável, saudável, dc a psique perder o co ntat nt ato o eom o corpo, corp o, e há circunstâncias em que não é nada nada fácil rceupcrá-lo. Sc ela for acordada e tirada do berço num momento em uuc está mergulhada num sono profundo, isto virá acompanhado acompan hado de sobressalto e pânico por causa da mudança repentina da posição do eorpo num momento em que a psique estava ausente dela. dela. Além Al ém das questões que stões que en volvem o dia-a-d dia-a-dia ia da da criança de d e um ano, há aquelas relacionadas com o próprio alcance da integração. O mo mento em que tem in ício um sentido de integraçã o é muito difícil e de extrema vulnerabilidade. (> bebê passa a ver o inundo e a si mesmo a partir de uma nova posição, o eu. A ousadia de ser um si-mesmo, que tem agora fronteiras demarcando um território, pertence necessaria mente o repúdio do não-eu. A integração do si-mesmo constitui, portanto, um ato de hostilidade para eom o não-eu e traz consigo íi expectativa dc um ataque. O novo indivíduo sente-se “infinitamente exposto” c só poderá fazer frente e suportar os percalços dessa conquista se tiver l,os braços de alguém envolvendo-o nessa ocasião" (1965s, (1965 s, p. p. 175). E esse esse o sentido da afirmação de que |...] as mais agressivas e. por isso, mais perigosas palavras do mundo mundo são encontradas encontradas nu nu afirmação l í l ’ SOU. Contudo, é preciso admitir que só aqueles que alcançaram alcançaram o estágio de fazer esta afir mação é que estão realmente qualificados para serem membros adultos da sociedade socie dade (1986d (19 86d,, p. p. 110). 110). As experiência s relacionadas à conquista da identidad e unitária produzem, por algum tempo, um estado que poderia ser chamado de paranóide e que constitui uma das raízes da tendência à para nóia.3 nóia .3^ ^ Nesta Nes ta situação, a pro teç ão fo rnecid a pela mãe e im prescin pres cin dível, dível, “p or posieiona posieionar-s r-scc entre o indivíduo indivíduo integrado e o mundo exte rior muito pouc o bem-vind o” (19&8, p. 141). ( ) es tado paranóide. paranóide.
26 Um pouco d epois desta afi afi mutçíi mutçíio, o, Winnicott acrescenta — referindoreferindo-se, se, sem dúvida, à hipótese kleiniana da disposição paranóide inata: tendência pnrnnóide ‘‘muito precoce, mas não inata ou verdadeiramente constitucional” (198&, p. 145). É preciso também notar que a tendência a sentir-se perse guido, relacionada relacionada à conquista da unidade unidade num KU S O I', é inteiramente inteiramente dife rente da disposição paranóide advinda dc uni padrão dc invasões ambientais ou daquela cuja origem é a descoberta da destrui ividade pessoal.
25b 25 b
O S K S T A O I O S l ).). \ Í JK JK P K X D H .V .V C I A K I N l í l iP iP K N H É N C I A U K J .A .A T IV IV A S
referido a essa conquista c menor quando a integração está ocor rendo na época original, própria à conquista, e pote ncia lme nte maior quando o indivíduo alcança a integração numa cpoca tardia, eomo, por exemplo, no caso do paciente adulto que está refazendo, cm análise, o caminho do amadurecimento. Além disto, como depende tanto dos cuidados ambientais eom eo m o dos fatores pess pessoa oais is — o padrão padrão de impulsividade pessoal, dc motilidade, sensibilidade, inteligência etc. — , a integraç ão pode scr favorecida favorecida mais m ais por mn do que por outro dos fatores envolvidos. Nos extremos, a expectativa de perse guição c mais freqüente se a inte gração graçã o se realiza realiza apoiada apoiada,, sobretudo, nos fatores pessoais. Quando o bebê se integra basicamente em função dos cuidados ambientais, de tal modo que se poderia dizer que o si-mesmo foi como que impelido a aglutinar-se. pode ocorrer uma relativa ausência da expectativa de perseguição e, no contrário da alternativa alternat iva anterio an terior, r, há aqui aqui a base base para para a ingen uidade, para uma incapacidade de esperar a perseguição e para uma quase irrevogável depen dênc ia da boa provisão provisão ambiental (1988, (1988 , p. p. 141). 141). Para expressar esta situação precária do EU SOU reeém-integrado, W inn in n ico tt alude à figura do I lumpty-Dumpty, lumpty-Dumpty, o persona gem baixi nho e redondo de uma tradicional canção inglesa, inglesa, a personificação dc um ovo que cai de um muro e se espatifa. () muro em que IlumptyDumptv est está á precariam ente em poleirad o. diz Winn icott, 6 a mãe que deixou de oferecer-lhe o colo. A criança precisa dc tempo para que essa fase de passagem seja explorada por completo. Ela avança em certas direç ões ma mas, s, muitas vezes, precisa retornar c reg red ir a situa ções çõ es que parecia par eciam m ultra pa passa ssada das. s. E necess ne cessário ário dar-lhe dar-lhe a chance chan ce de experimentar vários tipos de relações objetais num mesmo dia e, às vezes, ao mesmo tempo. Uma criança pode estar brincando, entretida, tida, eom a tia tia ou com o cachorro, ao mesm o tem po que tem algumas percepções objetivas e faz descobertas criativas. No momento se guinte. guint e. cia sc mistura mistura de novo com o berço, b erço, ou com a mãe, ou com os odores familiares, c sc instala outra vez num ambiente subjetivo. Ao longo da vida, são esses padrões familiares da criança, os do mundo subjetivo, mais do que qualquer outra coisa, que a abastecem para todos os outros tipos tipos de relação co m a realidade, realidade, dc tal tal m odo que. “ ao descobrir o mundo, a criança sempre realiza uma viagem dc volta volta — e esta esta viagem faz sentid o para para ela ” (1986d, p. 106). Avançar na direção do futuro c da independência é, ao mesmo tem po, uma “ viagem de volta ” , mn retorn ret orn o às às origens. Na saúde, saúde, não não 257
A TEO KIA IK ) A\L\ A\L\1H' 1H'KK< KK< :IMK XT () DK l> l> W. W INN ICt VIT VIT
importa o grau dc objetividade que o indivíduo tcnlia sido capaz de alcançar, o mundo subjetivo continua a ser a fonte de riqueza pessoal e do do singularidade inalienável. inalienável. Apesa r de subjetivo e objet ivo ja m a is co in c id ire ir e m , ép o s s ív e l n u t n t e r a b er er t a s i t s p o n t e s q u e p e r m i t e m o t r â n s i t o en e n t r e o s v ár ár i o s s en e n t i d o s d e r e a l i d a d e . O adulto maduro é capaz de objetividade, sem perder o conta to com o mundo im ag ina tivo pessoal, pessoal, líle t't'az concessões à socieda de p or m eio de um falso si-mesmo instrumental sem perder o fio que o ligíi a si mesmo, isto é, sem perda da espontaneidade c da criatividade originárias. As tarefas tarefas do amad urecime nto prosseguem. prosseguem. A conquista do esta tuto do 1ÍU SOU ainda não faz do bebê uma pessoa inteira ( w h o l c p e r s o n ) . 15 151a é, co ntu do, do , a plataf pla tafor orm m a, a posiç po sição ão a part pa rtir ir da qual a vida pode ser vivida. Mais pontualmente, é a condição de possibili dade para o próximo estágio, o do coneernimento, em que o bebê começa a sentir-se concernido pela sua impulsividade instintual e preocupa do com os resultados resultados do impulso impulso amoroso p rim itivo em si mesmo e no outro.
5.
O está gio do conee co neernim rnim ento2 ent o27
Tend Te ndo o alca al canç nçad ado, o, c m algu al gu m grau gr au , o es ta tu to de um eu u nitá ni tário rio,, a criança está agora em condições de realizar a tarefa de integração tia tia vida vida insLin insLintua tual. l. Quando es ta integra ção for rea lizada dc maneira
em . esta conquista tio amadureci 27 Ao redesorever, e m s u a p r ó p r i a l i n g u a g em
mento, com base na "posição depressiva’' du VI. Klein, Winnieott fala na conquista tia capacidade para n ctniccni pelos bebês. Ü termo é de difícil tradução, conforme salienta Dnvy L, 15oj*(imoletz. na siu> cuidadosa nota z a h u m a n a . B o g o m o l e t z assinala ainda, introdutória ã tiíidução cie N a t u r e za com razão, que o termo 'preocu pação ”, utilizado utilizado por vários vários tradutores, não cobre inteiramente inteiramente as acepções doco nee ni. Para evitar evitar o uso sistemático dc termos ingleses, optei por Lrnduzi-ln por um ncolüjj ncolüjjis ismo. mo. o “concernimo n to” . derivado do verbo concern ir, que existe na língua po rtugue sa. K verdade que “con cern ir” — “dizer respeito, respeito, ter ter relação, relação, referir-se”, referir-se”, segu ndo o An rél i o — também não alcança o sentido sentido dc "eoncu rn”. tio preocup ação dirigida dirigida a o o u t ro ro q u e o c o n c c n i encerra. Quero sugerir, contudo, que. sc tomado como um neologismo. criado exclusivamente para designar o conceim vvinmeottiano e, pela similaridade com o termo inglês, o ternu» 'coneemr mento" tem a possibilidade dc, pela familiaridade do uso. ir adquirindo n sentido tpic tem no original.
25S
OS KSTÁlílOS i)A IW EX D ÈX O tA E IXlí IXlíKPUXDÍiX» KPUXDÍiX» IA Ulil Ulil.AT .ATl\ l\ AS
inais consistente, a criança sc tornará uma pessoa inteira ( z c / i o l e p e r s f j n ) , capaz dc relacionar-se cum pessoas inteiras. inteiras. N o in ício desta etapa, os impulsos — ate en tão externo ex ternoss à pessoa do b ebê c inv invaasivos, sivos, sc ele não for ajudado a haver-se haver-se com eles — passam passam a ser inte in te grados, a ter sentido e a scr avaliados cm suas conseqüências. Dc incompadecido ( n i t l d e s a ) , o bebê passa a sentir-se c o n c e r n i d o pela impulsividade que o domina nos momentos de excitação, como sc disse dissess sse: e: “ Isto c co m igo , me diz resp eito, c da da minha minha alçada ” ; torna-sc também p r e o c u p a d o , pois começa a perceber que essa impulsividade ating e e pode fe rir o ou tro; dá-se dá-se conta, po rtan to, que é ele mesmo que, de própr io punho, punho, faz faz “ buracos buracos no corp o cheio dc riquezas da mãe". As ansiedades desse período são dc extrema complexidade, pelo fato de o coneernimento dizer respeito não apenas aos efeitos da impulsividade voraz com relação ao objeto tio amor excitado, mas também às conseqüências, 11 0 si-mesmo, da experiência dc excitação (198
. V m m i A D O A M A I J U í » I IM IM KN KN TO TO I >K l l . W W I X X I tl tl O T T
Até íiqui íiqui já ocorreu uni uni enorm e crescim ento: da unidade unidade nuiebebê para para íi re laçã o de um eu eom um níio-cu níio-cu extern o e separado; da pré-ambivalêneia para a ambivalência, tia dissociação primária entro os estados tranqüilos e excitados para uma discriminação entre estes dois estados e uma integraçãi- tle ambos no si-mesmo. Mas mesmo agora o bebê só pode ainda relacionar-se eom um outro: a mãe. Toda Toda a elaboração elaboração da capacidade para para o eou eernim ento, culpa o responsabilidade pelos estragos provocados pela impulsividade instintuai ocorre num piano exclusivamente dual, na relação do bebê eo m a mãe, a qual qual só vaga rosam ente torna-sc uma uma única pessoa pessoa para a criança. A tarefa de integrar a instintualidade. com toda a agressividade que lhe é inerente, requer tempo e um ambiente pessoal contínuo; na ausência da compreensão do que está se passando c tle um eerto tipo dc cuidados essa conquista não pode ser realizada. í) argu men to de Win nicott é o seguinte; o bebê humano não não tem co ndições de suportar o peso da culpa e do medo resultantes do reconheci mento pleno de que as idéias e atos “agressivos”, contidos no im pulso pulso amoroso prim itivo c incompadceido, estão dirigidos à mesma pessoa que cuida dele c de quem cie continua a depender de forma relativa, relativa, d om o tudo isto sc pas passa sa na na relação dual, dual, e c elabora do eom res peito à mãe, a criança tem tle tle sc haver sozinha, por assim dizer, dizer, com essas essas questões, uma uma vez que cia “ ainda ainda não progrediu o bastan te para fazer uso da idéia de um pai interventor, o que tornaria as idéias instintuais seguras” (1‘ASH, p. 90). A tendência da criança que começa a deparar-se com o fato dc que a agressividade faz parte de sua sua natureza natureza é pro jetar essa essa agressi vidade para fora, para o mundo, ficando este povoado de ameaças; um sentimento dc medo, vago, mágico e espalhado por toda a parte se estabelecerá, lí a disponibilidade receptiva c protetora da mãe que neutraliza neutraliza o cará ter retaliató rio e m ágico desses desses medos: Q j i a n d o c a d a b e b ê c o m e ç a íi coletar uma vasta experiência tle continuar seiulo, à sua doce maneira, e a sentir que existe mu s ii - m e s m o — u m s ii - m e s m o q u e p ot o t le le ní n í s e r in in d e p e n d e n t e d a m ã e — é e n c ã o q u e o s m e d o s c o m e ç a m a d o m i n a r a c e n a . l ís ís se se s m e d o s s ã o de natureza primitiva c baseiam-se na expectativa da criança de cruéis retaliações. A criança fica excitada, com impulsos ;i£rcssivos ou destrutivos que se manifestam por meio de gritos e d e s e j o s tl tle m o r d e r , e, e, i m e d i a t a m e n t e , o m u n d o p a r e c e r e p l e t o d e
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o s E S TÁ TÁ t m s n.\ 1) K I * k x d k x c : l \ k i m í k i * i: i : \ i > i; i ;. x c i a í u -: -: i, i, .v .v r n .v .v s
b o c a s m o r d e n t e s , g a r r a s e d e n t e s h o s t is is e t o d a a s o r t e d e a m e a ç a s . Assim, o mundo infantil seria nm lugar aterrador se não fosse o p a p e l p r o t e t o r d a m ã e q u e , d e u m m o d o g e r a l , c n c o h r e e s se se s medos enormes que pertencem à experiência inicial da vida du b e b ê . A m ã e ( e n ã o e s t o u e s q u e c e n d o o p a i ) a lt lt e r a a q u a l i d a d e d o s m e d o s dn dn c r ia ia n ç a p e q u e n a p o r s e r u m s e r h u m a n o . G r a d u a l m e n t e , e l a é re re c o n h e c i d a , p e l a c r i a n ç a , c o n to t o u m s c r h u m a n o . A s s im im , a o i nv nv és és d c u m m u n d o d e r e t a l ia ia ç õ e s m á g i c a s , a c r i a n ç a a d q u i r e u m a m ã e q u e c o m p r e e n d e e q u e r e a g e a o s im i m p u l so s o s d a c r ia ia n ç a . M a s a m ã e p o d e s c r f e ri ri d a e fi f i c a r z a n g a d a . Q u a n d o d i g o a s c o is is a s d e st st e m o d o , vo v o c ê s p o d e m p e r c e b e r i m e d i a t a m e n t e q u e fa fa z u m a e n o r m e diferença, para a criança, se as forças retaliatórúis forem humani zadas (199.1c, p. 122).
A resolução desta crucial dificuldade que consiste cm aceitar que a destrutividade é pessoal e convive eom o amor, depende do desenvolvimento, na criança, da capacidade de fazer reparações, ou remendos, c oino p refere dizer o aut autor or.. A criança tem a nece ssi dade dade prem ente de saber que o estrago pode ser consertado e repa rado, que o buraco pode ser remendado, que mesmo as idéias ou ações destrutivas podem ser equilibradas por algumas dádivas. Só assim assim ela se se sentirá livre e segura para con tinu ar a ex erc er a im im pu l sividade que lhe pertence. Mas essa capacidade só será desenvol vida j , , . ] s e a m ã e s u s c ei ei t r a a s m u t ção n o t e m p o c s o b r e v i v e , dia após d i a, a , d c m o d o q u e o b e b ê t em em t e m p o p a r a o r g a n iz iz a r a s n u m e r o s a s conseqüências imaginativas da experiência instintiva c resgatar a l g o q u e s e ja j a s e n t i d o e o m o “ b o m ” , q u e a p o i a , q u e é a c e it i t á v el el , q u e não macluica, e com isto pode reparar imaginativamente o dano c a u s a d o à m ã e ( 1 9 8 8 , p . 9 0 ; g r i fo fo m e u ) .
O elemento essencial, aqui, é a presença contínua da mãe, a sua sobrevivência, durante todo o período em que o bebê ou a criança está integrando a agressividade que faz parte da sua natureza. Primeiro, por segurar a situação no tempo: a mãe permanece ali, viva e disponível, isto c. acessível, tanto fisicamente quanto no sentido de não estar preocupada com outra coisa durante o inter valo de tempo necessário entre o ataque agressivo do bebê, o adven to da culpa e o ges to d e reparação ou remendo. Segundo, pelo seu seu valor dc sobrev ivência, o que s ign ifica não retaliar, não mudar de atitude, não recuar sentindo-se pessoalmente ofendida pelo que Jí J í . l
A T K O K IA I X ) A M A W I t K C I M K N T O l )K I! W . W I X X l U í T T
seria 11111 canibalismo do bebê, não adotar urna atitude moralista, visando educá-lo ou treiná-lo, logo cedo. para a civilidade. Sobre viver não é ficar indiferente 01 1 imune ao que se passa; não significa permissividade. A criança sabe, agora, que está machucando ou ferindo quando está excitada; ela sabe e precisa que a mãe também saiba, lista não finge que “ não foi nada” ; não se faz dc m ártir que suporta o ataque porque, afinal, esse é o seu lugar de mãe. Xão. Sc cia está viva, ela sente e se defende : sem tensão, sem tem ores acerca da natureza cruel do filho, sem reatualizar ali velhas histórias de violência sofridas. Sobreviver significa, portanto, que a mãe não desiste de exercer o seu papel no processo de desilusão: ela s u p o r t a ,sc r o d i a d a . '1*
O fato é que a criança necessita exercer sua impulsividade e se depara com o m edo de que os estragos sejam irreversíveis. Quan do a mãe fornece a oportunida de para que o “ círculo ben ign o’' — o machucar-e-remendar ( h u r t i n g - m a r u l e - g o o d ) — se repita inúmeras vezes, o bebe passa, gradualmente, a acreditar na possibilidade de reparação, no es forço construtivo, e sendo-lhe dadas boas cond ições de suportar a culpa, torna-se mais livre para o amor instintuai. “A conseqüência do fortalecim ento, dia após dia, do círculo be nigno é a de que o bebê torna-se capaz de tolerar o buraco (resultado do amor instintuai). Aqui estará, então, a origem do sentimento de c u l p a . lista é a única culpa verdadeira, visto que a culpa implantada é falsa para o eu” (1955c, p. 365). Se, eomo no caso de uma insti tuição, são muitas c alternadas as pessoas a cuidar do bebê, este perde a oportunidade da reparação — que precisa ser feita eom relação à mesma pessoa que foi ferida — e o círculo be nig no não pode ser constituído. Também não há lugar para esse desenvolvi mento acontecer quando, mesmo tratando-se da mãe, o cuidado c impessoal e mecânico. 15durante a conquista da capacidade para o conce rnim en to que a temp oralização do bebê se estabelece de forma mais consistente. Sua nova consciência acerca dos estragos que produz, nos momen tos de excitação, é retroativa além de projetar-se no futuro: ele não apenas sabe que 6 ele m esmo que, agora, na excitação do mo men to, suga, devora, gasta, em suma, faz estragos na mãe, como sabe que
28 So bre o v alor da sob reviv ênc ia da inac e tio analista, et Dias. 21JII2.
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os kstâcios üa 1)i;i'í;ndk\(;ia iíindki-kndkncia ukl\tiva.s .sempre o s f e z , c mais, que c o n t i n u a r á a f a z ê-l o s . Não hã remédio, o impulso para viver implica agarrar, usar e devorar tudo o que é necessário para continuar vivo. Se, pela crescente confiança no ato reparador, a criança sente-se livre para ex erc er a sua impulsividade c, algum tem po após, tendo sentido culpa, vem fazer o gesto — um sorriso, um pequeno carinho, por exem plo — , sinalizando qtie remendou o corpo da mãe, então o trabalho do dia sc completa. Quando o círc ulo benign o cabe inteiro num só dia, “ os instintos de amanhã podem ser aguardados com um medo limitado. A cada dia basta o seu fardo” ( 1 9 8 S ’ , p. 9 1 ) . A conquista da capacidade para o coneernimcnto vem acompanhada, portanto, de um sentido mais acabado do tempo, pois c nesse momento que passado, presente e futuro sc articulam (ef. i b i d . , p. 52 ). A inte graç ão, no nível da pessoa inteira, sign ifica responsabilidade, consciência, “ um con junto dc mem órias e a junç ão do passado, presente c futuro dentro de um relacion am ento. Assim, ela praticamen te significa o co m eç o de uma psicologia humana” ( i b i d . . p. 140). Note-se que uma vida psíquica, habitada por conflitos in ternos, só tem iníeio nesse momento: a criança tem, agora, um dentro e uni fora; um mundo interno pessoal e complexo, com fantasias e ansiedades em op osiçã o ao m undo extern o. A vida que se passa no mundo inter no , ao m odo de uma novela, com histórias c personagens, é dotada de uma tal autonomia que a crescente complexidade e riqueza desse mundo interno pode ser objeto de consideração em si mesmo; transcorre, aí, uma terrível disputa entre as tendências destrutivas e construtivas da personalidade, além de um tipo especial de ansiedade, o sentimento de culpa, derivado da idéia de que o impulso destrutivo em erge exatam ente quando o amor está atuando. Desse modo, o que ú "b om ” está constantemente ameaçado pelo que é “mau”.-' Ura, é essa ansie
29 Bom e mau estão entre aspas porque, embora pertençam ao uso comum, seu .significado, na literatura psicannlítica, 0 via de re^rn interpretado a partir da teoria Ulciniana. Creio ser também esln a razão de, num texto sobre a posição depressiva, Winnieott aduzir um a nota de rodap é referente a esses termos, em que diz: "As palavras bom e mau são beranças de um passado longínquo: são também úteis para descrever os extremos do que qua lquer beb ê sente ocorrer dentro de si m esmo — quer se trate de torças, objetos, son s ou elieiros. N ão me refiro aqui ao use destas palavras por pais e babás q ue pretendem im por ;io bebê u ma m oralidade" ( JVM8, p. V I).
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A T Kl )R IA IX >A.\L M)C Klil’.IMIÍN'T (> 1)K |). W. W INM K :i >TT
dade que, cm condições favoráveis. leva a criança ao comporta m ento con strutivo ou ativamen te amoroso, ressuscitando o obje to e reparando o que foi danificado, lí ela que. mais tarde, estará na base dc toda iniciativa pessoal ou trabalho construtivo. A tare fa da mãe suficientemente boa c permanecer ali, disponível para r e c o n h e c er e r e c e b e r o g est . o r e st a u r a d o r . A capacidade tle repa ração de um bebê é muito limitada e cie depende dc que alguém recon heça a sua “ dádiva sim bó lica", lí dcsesperadnr. para a crian ça, dar-se con ta do dano e “ não haver ninguém que receba o pre sente ou reconheça o seu esforço para reparar” (195Sb. p. 358). Neste caso, a transformação do incom pad ccim ento cm eoneernim ento c culpa se deslaz, c a agressividade reap arece às vezes im placável. A tolerân cia da criança para com seus próp rios impulsos destru tivos, tolerância constituída pela experiência dc sobrevivência da mão, resulta na capacidade do desfrutar das idéias (mesmo as destrutiva s) c das excitaçõ es corporais que lhe são corresp ond entes. Tal desenvo lvim en to dá espa ço “ para a ex periência de concernim en to que é, em última análise, a base de tudo aquilo que fo r cons trutivo" (1984c, p. 68). Sem a destrutividade, diz WinnieotL, não há amor verdadeiro. For 11111 long o período de tempo, (...) a criança pequena precisa de alguém que seja não apenas amado, mas que se disponha a aceitar a potência (não importa se sc trata de um menino 011 de uma menina) em termos de resti tuição e reparação. Dito de outro modo, a criança pequena p r ec i s a t e r
OK ESTÁtSKXS DA 1)KI'KM)K,NCIA K I\1)K1*EN1)IÍNC]A RFJ-VTIVAS
c uni pôr-sc no lugar do outro.-10Conviver com a construç ão c destrui ção inerentes à natureza humana é, também, o fundamento para a capacidade de brincar e, mais tarde, de trabalhar c encontrar satis fação e realização no trabalho, li igualmente cm relação a essa conquista que, quando há fracasso, surgem os distúrb ios que podem ser reunidos peio nome de depressão, dc um certo tipo de paranóia e, às vezes, de tendência anti-socia l.11 li dc notar que, em Winnicott, a moralidade sc constitui num contexto não-edípieo, não estando referida à lei ou à interdição; o que lhe c essencial não está definido cm termos dc adequação ou transgressão — a não ser secundariam ente, para o indivíduo já s o cializado — , mas em ter mo s do cuidado cm p ermitir, à criança, scr si-mesma, dc cal modo que também cia adquire a capacidade dc deixar ser o ou tro eo m o um si mesmo. A m oralidad e c dita inata, por W inn icott, no sen tido dc que existe, cm cada indivíduo, a tendência a desenvolver um sentimento dc responsabilidade pelos seus atos, mas esta conquista ainda deverá ser integrada à personalidade por
.10 N ão ca be, nos limites deste estudo, deter-m e no conceito winnicottiano de '‘identificação cruzad a", q ue é a redescrição winnicottiana tios mecan ismos dc projeção c imrojcção. Trata-se , g r o s s o m o d n , da capacidade de p ôr-se no lugar do outro, "du penetrar, por meio da imaginação, e ainda assim de m odo preciso, uns pensam entos, nos sentimentos e nas esperanças de outra pessoa, e também de permitir que outra pessoa faça o mesmo consigo” (iOMOl, p. 91). líssa capacidade, que é um sinal du saúde, pertence a um estágio bastante adiantado do amadurecimento, mas sua base é estabele cida na experiência originária de alguém ter se identificado com su as neces sidades, incomunicáveis a nível verbal. 31 A abo rdag em w innicottiana sobre a conquista da capacidade para o con eer nimento baseia-sc, em grande parte, na teoria kleiniana da posição depres siva, considerada, peto autor, a grande contribuição de M. Klein para o pensam ento psicanalítico. Algum as diferenças, no entanto, devem ser apo n tadas. Winnicott não pode concordar, por exemplo, eom a concepção de agressividade que está envolvida no fenômen o, nem eom a precoc idade eom que, segundo W. Klein, estas conquistas ocorreriam; tampouco eom as pré-eondições ou eom o que ge ra a "d epr essã o”: ele não po de ver o Kdípo no ataque que o bebê faz ao seio materno. Além disto, para ele, a expressão “posição depressiva” não é inteiramente adequada uma vez que, apesar de Klein ter descrito o fenômeno como uma conquista do amadurecimento normal, a sua designação leva a pensar que os bebês normais entram, ao atingir esse estágio, num estado clínico de depressão.
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A T lí O K l A I X ) A M A D U R K C I M K N T O ) »K I ) W . W I X N I C O T T
via tia experiência pessoal. (Jomo cm todos os outros aspectos da natureza humana, a tendência só sc realiza sc o ambiente favore cê-la, propician do ao bebê, dc iníeio, a experiê ncia dc bondade ori gi nária, de ser alvo de com preen são, com pad ecin icnto e respe ito.32 A elaboração da capacidade para o concernimento tem uma longa duração, li difícil determinar uma data dc começo, a não ser pelo requisito dc já haver uma certa integração num eu, que irá assumir a culpa. Em função disto, Winnieott não concorda um que sc possa fazer recuar — com o o fez Me lanic K lein em sua teo ria da ‘"posição depressiva” — a tarefa e as conquistas desse estág io para os primeiros dias, semanas ou meses dc vida, uma vez que o alcance dessa capacidade requer, antes, “o desenvolvimento dc um sentido dc tempo, dc uma apreciação da diferença entre fato e fantasia c, sobretudo, do fato da integração do indivíduo” (1955c, p. 370). Com o, no entanto, entre a condição dc incom padeeido, do início, e a posterior capacidade dc sentir-se concernido c responsável há todo um período cm que essa capacidade está cm processo dc estabeleci mento, é possível encontrar sinais esparsos dc culpa por volta dos seis meses-1-1ou ante s de um ano. C om resp eito à tarefa es pe cífica ao estágio, co ntudo, o processo atinge o cume da elaboração po r volta dos dois anos e meio, embora jamais sc estabeleça de maneira consisten te antes dos cinco. Naturalmente, as dificuldades do início são diferentes das que aparecem no final do estágio. Uma dessas diferenças consiste cm que, cm algum m om ento a partir da. segunda metade da elaboração do concemimcnto, o pai entra em cena como pai, isto é. como o terceiro, c sua existência e presença reais tornam-se de extrema importância. No início do amadurecimento, o pai existia apenas como uma duplicação do papel materno. Como já vimos, mesmo nesse papel algo dele foi acrescentado, algo “ duro, implacável, intran sigente” , que foi vivem
32 Ptini um a análise m ais detalhad a da origem e da natureza tia m ora lidad e cm Winnieott, ef. Loparic, 2000a. 33 Se, devido a condições dc insegurança ambiental, oco rrer u surgime nto de um eu precoce, imaturo portanto, para estados de consciência c "per cepção” de objetos externos, esse ‘'eu precoce” terá uma “consciência” (cKiwcne.síi) prematura da sua existência, dependência e impulsividade, podendo ser, então, assolado por uma eulpa e uma responsabilidade c|uc. devido à im aturidade básica, não têm eorno ser integradas à personalidade. A culpa, nestes casos, é devastadora.
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OS KXTÂCIOS l)A l)EJ'liNDÈX<:i.\ li I.\DKI'KNDf;.\Cl.\ RKUVflVAS
ciado pelo bebê eomo um aspecto da mãe. A medida que a crimina acede à existência separada e externa da mãe, esse a specto sc dife rencia e passa a pertencer ao pai, que sc torna, então, significativo como homem, '‘transformando-se num scr humano, alguém que pode scr temido, odiado, amado, respeitado” (1986d, p. 104). Ao per ceb er o pai co m o terceiro, vislumbrando a existência do triân gu lo familiar, a crianç a com eça a perceber, ou a imaginar, a re lação ex citan te que existe en tre os pais, c isto ó essencial para a es tabilidade do indivíduo por permitir que comece a existir o sonho dc tomar o lugar de um dos pais. Num certo momento, opera-se uma alte raç ão em sua percep ção do triângulo: é ela que é a terceira, li a esta descoberta — a perc epçã o do triângulo com a criança 110 vért ice — que Win nic ott denom ina “ cena primária".-54 Sc a criança está sadia, ela é capaz tle lidar com a raiva que provém desta nova con sciên cia, e aproveitá-la para a masturbação, assum indo a respon sabilidade pelas fantasias conscientes c inconscientes que a acom panham. A capacidade de lidar com os sentimentos gerados pela cena primária leva ao estabelecimento de urna outra conquista de extre ma importância: a capacidade de ficar só. Na literatura psicanalí tiea, cncontram-se inúmeros estudos sobre o medo de estar só, ou sobre o des ejo de estar só, mas pouco se falou acerca da eapaeidade de estar só. limbora só se estabeleça de m aneira consiste nte a p ó s a ex per iên cia da cena prim ária, '5 essa capacidad e tem na base, ne ces sariamente, "a experiência tle ter ficado só, quando ainda lactente ou criança pequena, na presença da mãe" (195Sé, p. 32). Isto é, quando ainda bem pequeno, antes de saber da existência do ambi ente, o bebê pôde ficar só, em quietude ou encostado na solidão essencial, devido à confiança na presença contínua da mãe e na continuidade dos cuidados: “À medida que o tempo passa, o indi víduo incorpora o ego auxiliar da mãe e, desta maneira, torna-se capaz de ficar só sem o apoio con tínu o da mãe ou de um sím bolo da mãe’’ ( i b i d ., p. 34).
34 l’ar;i W inn icott, se um a criança c exposta à visão i!a relação sexual entre os pais, que é o que ela menos necessita emocionalmente em relação a eles, ocorrerá uma tensão máxima, que pode ser traumática (cf. Winnieott, p. 77). 35 ( lí. W innicott, lV5 íi£, p. 33.
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A TKO KIA 1K) AM AD UK IiCIMK XTO DK l>. W. VVINXKXXIT
A criança começa, agora, « c o n t a r c o m o p a i para fazer a sua parte, que consiste em proteger a mãe dos ataques da própria criança nos mo men tos do impulso excitado, li aqui que o elem en to intr an sig en te e inde stru tível do pai ajuda a crianç a a liberar-se para a vida instintua l e suas conseq üên cias. A pre sença de um pai fo rte, interventor, que fornece esse tipo de segurança, torna as idéias e ações instintuais mais seguras, perm itindo à criança cor rer o risco dc movimentar-se, agir e se excitar, já que o pai está por perto, preparado para remendar os estragos 01 1 para impedir, com sua força, que eles aconteç am (1989 vt, p. 184 ). O pai torna-se o apoio necessá rio para a busca de satisfação instintual sem m uito pe rigo. Sc esse tipo dc auxílio não puder scr fornecido, devido à ausência do pai, ou a uma depressão da mãe, a criança se tornará inibida e perderá a capacidade para o amor excitado. Terá ele adotar, prceoeemente, um autocontrole dos impulsos antes de estar em condi ções de fazê-lo sobre a base de uma força paterna que seria, gra dualmente, incorporada eomo sua. Xestes casos, ocorre inibição da espontaneidade c do impulso, alem de um perman ente tem or de que algum aspecto da destrutividade fuja ao controle. () resultado pode scr uma depressão ou uma das formas da tendência anti social. Alem disto, sem essa experiência de contar eom o pai para por limites no impulso instintual, a criança fica incapacitada para, um pouco mais tarde, no estágio edípico, rivalizar com o pai, fazendo a experiência de um con fronto que c a ltamente necessário para o seu amadurecimento. A necessidade da criança, específica para esta etapa, é de contar com a disponibilidade c sobrevivência da mãe e com a firmeza do pai. Isto fica sobretudo claro no estudo da tendê ncia anti-social, quan do se nota que há dois tipos dc privação (
OS KSTÁCIOS i).\ 1)EI'KX1)ÉNC!A Si I.VDEPKXIIKXCIA KHI-ATIV.\S
traição. O que nos chama a atenção nestes casos, diz o autor, "é a necessidade aguda que a criança tem de uni pai rigoroso, severo, que proteja a mãe quando esta c encontrada. (.) pai rigoroso, que a criança evoca, pode ser também amoroso, mas deve ser, antes de tudo, severo e fo rte ” (19 46b , p. 12 2).v> Durante todo o estágio do eoncernimcnto, enquanto a criança está tentando lidar com a agressividade contida na vida instintiva, a instintualidade está sendo integrada juntamente com um cres cen te sen tido das partes do corpo, fortale cen do a perso nalização e a espacialização. li aproxim adam ente neste mo m ento que surge um aspecto marcante do desenvolvimento sexual. As excitações estão ficando cada vez mais localizadas. Tanto a ereção fálioa quanto a excitação do clitóris com eçam a ter importância própria. Ate então estas excitaç ões podiam oco rrer, mas não tinham o caráter sexual e dc gênero que agora adquirem; estavam. antes, associadas com a excitação da alimentação ou da idéia da alimentação e, um pouco depois, com as atividades excretórias. Nessas fases pre-genitais. como já foi assinalado anteriormente, embora houvesse, no bebê, todo o tipo dc excitação, inclusive as de caráter genital, ainda não havia amadurecimento suficiente para a elaboração imaginativa da função genital. Em algum m om ento durante a elaboraçã o do estágio do conccrnimento, provavelmente por volta dos dois anos a criança inicia o que W inn ieo tt nome ia fase cxibicion ista ou dc ostentação, a mesma que Freud denominou dc fase fálica. Este é o momento, em termos do processo de amadu recimento — e do desenvolvimen to da identi dade dc gên ero e da sexualidade com o aspectos tlesse processo — . cm que a distinção entre meninos e meninas começa a ter signifi cado. O traço central da fase cxibicionista, ou fáliea, relaeiona-sc com a qualidade que o órgão masculino tem de ser óbvio, ao contrário da qualidade do órgão feminino de ser escondido. O genital masculino c, portanto, central e vistoso, com suas ereções c sensibilizações periódicas, enquanto o genital feminino “é um fen ô men o n ega tivo” . A existência dessa etapa “ marca o divisor de águas entre o bebê do sexo masculino daquele do sexo feminino” (198N,
3 f> A dist inçã o en tre os tiois tipo s de privação é de extrei]i;i impu rtãneia
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consideração diagnostica e 110 tratamento tios vários; tipos de tendém-ia anti-social.
A TEOK1A IK ) AM Al H 'RK C [ilE N T() 1)K I >. VV W INNK iO IT
p. 5 9 ). 17 Na parte inicial dessa fase, a ereção é o elem en to mais importante. Tanto a ereção quanto a sensibilização clitoriana sur gem em relação direta com urna pessoa ativamente amada, ou por meio tle idéias de rivalidade tendo como pano de fundo a pessoa amada. Um pouco mais tarde, na secunda fase falien, haverá "um objetivo mais declarado de penetrar e engravidar e, aqui, a pessoa real é o provável ob jeto de am or” (1988, p. 62). Sen do a experiência excitada um dos modos pelos quais a criança habita seu próprio corpo e sc relaciona eom os outros, as crianças que experimentam ereções ou contrações vaginais na relação com outras pessoas, ou com o funcionamento do corpo, estão numa posição diferente, e mais saudável, do que os meninos e meninas que não vivenciam essas experiências integrativa» (1986g, p. 145). A partir da fase fálica, jun tam en te com a distinç ão tios gêneros, deve-se ainda considerar o fato tia bisscMialidadc: existe sempre um men ino den tro da menina, e uma menina den tro do men ino, c isto c sobretudo inegável no caso das meninas. Neste momento surge a evidência de que os meninos têm algo q ue as meninas não têm; além da ereção, eles podem, por exemplo, urinar de um modo que as meninas não podem. Em graus variados, cias podem sentir-se infe riores ou mutiladas e, nesse caso, “a inveja tio pênis c um fato” ( i b i c l ., p. 145). O trauma que isto po de representar, contu do, afirma Winnicott, é variável, e depende muito dc fatores externos, tais co m o a atitu de c as expectativa s dos pais, a natureza e a posiçã o tios irmãos na família ctc. O fenômeno freqüente dc delírio das meninas de que ex istiu nelas um pênis que já não existe, ou um q ue vai ainda sc desenvolver; o delírio dos meninos de que as meninas têm um pênis, visando ev itar a angústia de castração; em suma, a negação da diferença entre scr macho e ser fêmea, durante o estágio fálieo, é, para o autor, um fenômeno universal que pertence a essa etapa, requerendo, aliás, para ser alcançado enquanto tal, muito cresci m ento saudável. Se o indivíduo car rega ônus de estágio s anter iores.
37 li importante mencionar em que momento e em que sentido, paru Winnioott, a distinção du gênero turna-se signifientivri. para salientar diferenç-ns conceituais, eom relação à psicanálise fivudiann, em especial no que diz respeito à teoria das psicoses. Com respeito ã diferença enlre os gêneros, et-. Kreud, 1925j. Com respeito à teoria freudiana das psicoses, cf. Kreud, 1924, 1924c e I925h.
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a s lís T u ü a s i u i >kl h -:x i ) K \ ( : i a r i .v i u í p k x d k .v c i a i í k i a t i v a s
essas coisas podem , sem duvida, ger ar distúrbios psíquicos dc varia dos graus dc gravidade, tais com o perver sões ou organ izaçõe s sadomasoquistas. ^ De qua lquer modo , as experiências relativas à dife rença dc gênero, características dessa fase, são complexas, e as dificuldades ap arecem canto na saúde com o na doença. A diferença é que, quando há um distúrbio, a fantasia ou o brincar, que pode riam ajudar na auto-expressão c na integração desses aspectos na estrutura da personalidade, ficam impedidos devido à repressão, que é um sofisticado m ecanismo dc defesa, próprio de quem já tem vida interna c con flitos instintuais ligado s às relações interpessoais. Mas as dificuldades da fase fálica só assumem importância exage rada para aqueles que ehega m nela tend o já sofrido privações an te riores, de outra na tureza.,19 O exame das tarefas deste estágio, à luz do amadurecimento pessoal, e de especial importância para se poder relativizar a gravi dade das dificuldades pertinentes ao período, suposta na teoria tradicional, lí provável que Freud tenha assentado a origem das psicoses na ameaça de castração, que pertence a esse período, devido ao fato de que, em sua teoria, não havia lu gar para a consid e ração dos estágios anteriores, nos quais está se processando a cons tituiçã o da realidade. Para dar con ta das psicoses, entendidas po r ele com o perda de realidade ou perturbação no vínculo com a realidade, supondo que esta estava estabelecida, ele elegeu a realidade da castraç ão eo m o o parad igma da realidade a ser evitada.4"
38 As perversões podem ser vistas, por exemplo, eom o um a “ tentativa elabo rada de fazer eom que alguma união sexual aconteça, apesar do delírio de que a men ina tem um p ênis" ( l ‘AS6g, p. 146). Neste m esmo delírio gen erali zado, lauto nos iiomens eom o n as m u l h e r e s , de qu e !iá uni pênis na m ulher, Winn icott enco ntra um a das raízes do feminismo. Num pólo, diz cie, ‘ existe o protesto feminino contra uma sociedade dominada pela ostentação da fase fálica masculina; no outro, existe a negação feminina de sua injerierri i l n t íc m a l m n n t i c er t t t j t t s e d o i l e s en v o l v i n K -n t o f ís i c o " (19,S6g, p. i 47; grifo meu). 39 Freud insistiu até o tim da vida na im portân cia tio efeito do trau m a de infe rioridade das m ulhe res, derivado da fase fálica {cf . F reud. l con ferên cia de Freud. 1933 a). .Segundo Winn icott, essa insistência er;i comp reensível, pois foi na negação da falta de pênis nas m enin as— negação que visava evitar a angústia de castração — que e le assentou a etiologia das psicoses. 10 Cf. Freud. 1924, 1924c e 1925h.
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6.
O estágio cdípico
Sc a criança atinge verdadeiramente a capacidade dc vivcnciar as ansiedades da situação edípiea, isto significa que ela alcançou a identidade unitária. Firmemente integiada c tendo se tornado uma pessoa inteira, pela integração dos instintos e pela assunção da responsabilidade so bre os efe itos da impulsividade instintual, podese dizer que a crianç a não está mais sujeita a o risco de psicose.*11 Ria tem agora saúde psíquica suficiente para fazer a experiência tias difi culdades in erentes à vida instintual no quadro das relações tria ngula res e interpessoais. Opond o-se clara e exp licitame nte a teoria kleiniana, Winnieott afirma que só faz sentido falar de relações triangulares ou dc comp lexo de lidípo quando re ferido à pessoa inteira: Não posso ver nenhum valor na utilização do termo “complexo de Edipo” quando um ou mais de um dos t rês que formam o triângulo é um objeto parcial. No complexo de lidipo, ao menos do meu ponto de vista, cada um dos componentes do triângulo é uma pessoa inteira, não apenas para o observador, mas espeeiahnenco para a criança (1988, p. 67). As dificuldades pertinentes ao estág io cdíp ico não são resultado dc falhas ou dc negligencia ambientais, embora estas possam com plicar a resolução própria à fase, mas dificuldades próprias à vida e As relações interpessoais, não podendo ser prevenidas por cuidado adequado. N este pe ríod o da vida, mesm o a mais saudável das crian ças pode apresentar vários sintomas neuróticos: sendo vitalmente ativa, mostra-se dc repente pálida e murcha; é doce c carinhosa poden do, no enta nto, ter ataques repentinos de raiva e ser cru el com
41 li el:iro que. mesmo tendo tido um bom começo, o.s indivíduos, mais tarde, se forem expostos a situações traum áticas, para além dc sua capa cidade de tolerá-las no momento, ou que duram um lempo demasiada m e n t e l o n g o p;u'a o que são capazes de suportar, podem chegar a de senvolver uma psicose. Winn ieott menciona, po r exemplo, o caso de prisio neiros, vítimas de perseguição política eruol etc. (19 7 li;, p, W ) . I)e qual quer modo. essa psicose será diferente daquela que sc instala nos estágios mais primitivos, em função de falhas ambientais traumáticas. Mesmo por que uma coisa é não ter alcançado uma conquista do amadurecimento c outra coisa é perdê-la.
(JS lúS TÁd lUS 1X\ l)B l‘t:.VI)ÉX(:iA li IM )lil’E\l)K\'CIA KliLATIVAS
um animal ou qualquer outra coisa; tem pesadelos e escorraça a mãe que vem consolá-la; c muito ousada e, ao mesmo tempo, manifesta medos de todos os tipos; volta c meia suspeita da comida que lhe servem, recusando-se a comer em casa, sendo que devora qualquer coisa na casa da avó ou do vizinho. Existe, agora, um m i t r u l o úircrno, no qual sc desenvolve toda uma vida de fantasias e de sentimentos, intensos e violentos; nas brincadeiras, os instintos e as excitações corporais estão presentes, e ocorrem identificações com qualquer um dos pais. Misturados aos afetos recém-integrados e tornados significa tivos. o que está prioritar iam ente cm cena são os momen tos dc exc i tação claramente determinados pela instintualidade; muito do que oco rre e ntre uma excitaç ão e outra refere-se ou à prep aração para a satisfação do instinto ou à tentativa dc mantê-lo sob controle ou. ainda, à tarefa de mantê-lo vivo, dc modo indireto, por meio tio brincar, da masturbaçüo saudável (não compulsiva) ou da dramati zação de uma fantasia (1988, p. 72). Quando há saúde, a criança está num estado agudo dc atração pelo pai do sexo oposto, com tensões a respeito da figura parcntal do mesmo sexo, em função da ambivalência — ou seja, do amor c do ód io coex istindo . Cirande parte da sua vida emocional permanece inconsciente e, mesmo no mais satisfatório dos ambientes, a criança tem impulsos, idéias, famasias e sonhos, nos quais se desenrola o intolerável conflito entre o amor e o ódio, entre o desejo tle preservar e o de destruir e, de um modo mais complexo, entre as posições heterossexual e homossexual relativas às ide ntific açõ es com os pais.12 Tudo isto indica que a criança está viva e elabo rand o as dificuldad es in eren tes à vida. (lostimin ocorrer, contudo — por exemplo, pelo nascimento de um outro beb ê — , de a criança pre cisar reg red ir a padrões já ultra passados e, m esmo, à depe ndên cia. Sc teve mn b om in ício e a perso nalidade está estruturada, ela não perde nada tle suas conquistas anteriores. Pode até exibir um comportamento regredido, mas trata-se aí dc defesas contra a angústia que advém do conflito instintual. A princ ipal dessas defesas é a repressão, uma ve z que, agor a, já foi desenvolvido utn tipo especial tle inconsciente: o òi c o i i s d e n r c
-12 Noie-se que para referir-se às iileiuifieaçftes c|uo ms crianças fazem uoin o prou ciiitor cio mesm o sexo, W iimieo ti usa o lerm o "liiuiiuSNexiiar’.
27.Í
AT KO KlA t«> AMAlH'UKt:iMlí»\Tt) DU l>. W. W IX X IQ jTT
r e p r i m i d o . M anter os conteúdos reprimidos sob con trole requer um
imenso dispendio de energia. pela tendência de o reprimido reapa rec er em sonhos, em fantasias ou, ainda, proje tado so bre fenôm enos exteriores. Um resultado particular da repressão é a inibição dos instintos: ocorre perda dc parte do impulso instintivo na relação eorn objetos, c isto pode redundar num sério empobrecimento de experiência vital da criança (19S9vl, p. 56). Se uma criança, reag indo à chegada de um irmãozinho , perde as características fálieas e genitais próprias tias fantasias c do brincar excitado, chegando a perder, inclusive, as conquistas da integração, co m o a coesã o psieossomática e a capacidade para re lações objetais, en tão já não se trata de neurose e uma obser vação acurada revelará que o amadurecimento da criança foi anteriormente forçado cm algum sentido, Lendo deixado imaturidades importantes que agora se revelam po r in eio de uma reg ressão.4-1 Ilá casos em que a criança não chega a nenhum complexo de Edipo; seu amadurecimento foi paralisado num estágio anterior, dc motlo que “o relacionamento triangular verdadeiro c sua carga, máxima nunca se tornam um acon tecimento" (1963c, p. 198). Embora não seja freqüente, c possível ainda achar casos mistos, nos quais ocorrc uma mistura de normali dade, cm term os de ela poder experienciar o comp lexo de lidipo, ao mesmo tempo que existe uma psicose, no sentido dc uma imaturi dade que ficou restrita a um aspecto particular (i d e m ). Após a percepção do triângulo familiar, a criança começa a ter problemas de l e a l d a d e . Ela ainda 6 inexperiente nos afetos, sobre tudo os que envolvem o relacionamento a três, e precisa de uma situação em que possa enc ontr ar tolerância em relaçã o ao que pode parecer deslealdade, mas c, apenas, uma experimentação que faz parte tio seu desenvolvimento (I986d, p. 1GS). líla começa, por exemplo, a estabelecer um relacionamento com o pai e, ao fazê-lo, ganha uma nova perspectiva; passa a ver as coisas do pon to de vista paterno e desenvolve, com isto. uma nova atitude com relação à mãe; A criança mio somente pode ver a mãe tle modo mais objetivo, a p a r t i r tle o n d e o p a i e s t á , m a s t a m b é m d e s e n v o l ve u m a r e l a ç ã o d e
43 Um exemplo notável desse estado de coisas encontra-se em WiunieoK, 1977.
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OS IÍSTÁCDOS DA lilílMvXDKXlIIA K INDKPIvNDÜXCIA RKLVnV.VS
tipo amoroso com o pai que ttmilre ódio e temor em relação à mãe. li perigoso voltar à mãe a partir dessa posição. No entanto, houve a lgo qu e se con struiu grad ualm ente . e a crianç a volta à m ãe: nesta reorientação familiar, ela vê o pai de modo objetivo e seus s e n t i m e n t o s c o n t ê m ó d i o e m e d o (ibid., p. 109).
Se o pai não assegura essa outra perspectiva à criança, ela terá de se haver sozinha eom a necessidade de ata.star-sc tia mãe; terá dc exercer autocontrole e muita dificuldade para elaborar a situação edípica. Um exemplo ilustrativo desta situação encontra-se numa anota ção c línica tle W innic ott {1 lÀS9vp) acerca de um pa ciente cujos problemas, no momento descrito da análise, estavam relacio nados à sua identida de sexual, que havia sido extr em am ent e d ificul tada, não apenas devido ao tipo de relação que a mãe estabelecera com ele, no estágio inicial, mas também à ausência de um pai efetivo que fizesse ;t sua parte. Além da dificuldade mencionada, o que resultou das relações primárias para esse rapaz foi uma t o u d i n e x p e r i ên c i a c o m r e l a ção a u m a c e n a f i O M ção j u n t o a o f x t i — isto é, podendo ver a mãe da perspectiva do pai. .Va análise, isto sc mostra va peki sua impossibilidade dc pôr e usar o analista nessa posição. ( lomo veremos, esse imp edim ento mostrou-se especialm ente agudo no que se refere à questão edípica. No trecho que interessa a esse ponto, Winnicott relata: |
[ a s e ss ã o to d a fo i u m a c o n fu s ã o e n e n h u m a d e m i n h a s i n t e rp r e
tações se n iu para nada. O pacien te estava exasperado. O que, final mente, tez lhe algum bem foi a minha interpretação de que, em bora a análise prosseguisse em torno do relacionam ento eom sua esposa, aqui e ago ra, não imp orta o que tivesse sido em outros tem pos. e!e estava elaborando a sua exasperação em relação à sua mãe e sua absoluta desesperança em tratar eom ela 1...]. Kle sentiu que eu realm ente havia tocado na situação, quan do lhe disse que seu rela cionamento em sua easa era tão semelhante ao relacionamento eom sua m ãe po r não existir hom em e, portanto, ele não podia vir a mim porque não adianta, n ão e x i s t e h o m e m a (f i t e m v ã: P u r a el e, e st a v a f o r a d e q u e st ão q u e h o u v e s s e u m p a i s o b r e c u j o s j o el h o s s e p i u l e ss e s e n t a r p et m o l h a r a m ãe ( 1‘XS'Ap, p. M G ).
Esse vaivém da criança precisa acontecer na relação pai-mãe, embora não sc restrinja necessariamente a ela: pode também ser feita indo até a babá e voltando para a mãe, indo até a avó. a tia ou a irmã mais velha. Dentro da família, essas possibilidades podem scr
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experieneiadas. e a criança, aos poucos, podo ir sc reconciliando com os medos que estão associados a elas. lisscs medos incluem a instintualidade, e a criança pode apreciar as excitações referentes a esses conflitos desde que cias sejam permitidas, contidas pelos adultos e possam scr elaboradas nas brincadeiras. Talvez, diz Winnicott, “o trem end o interesse que o brincar de papai e mamãe exerce sobre as crianças derive de uma ampliação gradual da vivcncia de exp erim enta r algumas deslcalda dcs” (1 986 d, p. 108). Que papel cumpre o ambiente neste estágio? Quanto mais se avança no amadurecimento, meno r é a importância do am biente cm termos da estruturação da personalidade. Mas ele continua a scr importante de outra maneira: a criança necessita de um ambiente doméstico estável, no qual se sinta segura, para poder brincar e sonhar, para elaborar sua vida interna eonvulsionada pela coexis tência do amor c do ódio, sem ter dc sc preocupar com a estabili dade do lar. Para tanto, c preciso uma estrutura familiar que se mantenha sólida e sobreviva aos permanentes testes que a turbu lência interna acarreta, li no interior da família que a criança pode avançar, passo a passo, do relacionamcnio entre três pessoas para outros círculos mais e mais complexos. Contudo, pontua o autor, “c o triângulo simples que apresenta as dificuldades c também toda a riqueza da experiência humana" (1988, p. 57). A natureza c o comportamento dos pais, o lugar da criança dentro da família, além de outros fatores, afetam o quadro clássico que sc conhece com o com plex o dc lidipo. Se, por exem plo, o pai está pres ente à mesa no m om en to do café da manhã, a criança se sentirá segura para sonhar que ele será atropelado por um automóvel ou que oc orr e um assalto e o marido tle uma m ulher leva um tiro. Mas se o pai estiver ausente, o sonho resultará aterrador e gerará senti mentos de culpa ou um estado depressivo (19S9vl, p. 56). Ilá uma enorme diferença na natureza das dificuldades de uma criança conforme a história do seu amadurecimento e o tipo de problema que te m a enfr enta r nesse mom ento. Uma coisa é o pai scr fraco ou incap az dc fazer a sua parte; outra coisa é a família desm oronar por desavença ou mesmo separação dos pais. Quando a família mos tra-se sólida c perdurávcl, cia funciona como um quadro dc referên cias que dá à criança o sen tim en to dc que c segu ro ter sen time ntos e até atos agressivos. Isto lhe permite 270
OS HNTAOiOS U.\ l)Kl‘lvXl)KXi:lA K IMlKIMÍNilKNOlA KELATIV.Vi
[...] explorar rudemente atividades destrutivas que sc rclacionam ao movimento em geral e, mais especificamente’, à destrui ção relacionada à fantasia que sc acumula em torno do ódio. Nesse caminho (por causa da segurança ambiental, da mãe sendo apoiada pelo pai etc.) a criança torna-se capaz de fazer uma coisa muito complexa, a saber, integrar seus impulsos destrutivos com os amorosos, c o resultado, quando ludo corre bem, é que a criança reconhece a realidade das i d éia s destrutivas que são inerentes, na vida, ao viver e ao amor. c encontra modos de proteger, de si mesma, pessoas e objetos valorizados. [...] Para adquirir isso em seu amadurecimento, a criança r e t / u ei : d e m o d o a b s o l u t o , u n i a m b i e n t e q u e s ej a i n d e st r u t ív el c m c er t o s a s p e c t o s e s s e n c i a i s (19(>Se,
p. 74).
Quando ocorre privação, por exemplo, cm termos de rompi me nto d o lar, aeon tece algo m uito sério na organização psíquica tia criança, lila sc torna insegura quanto As suas idéias e impulsos agressivos. Imediatamente [,.. |a criança assum e o con trole que aca bou de ser perdido, identi ficando-se com o novo quadro de referencias familiar. Kesultado: perde sua própria impulsividade e espontan eidade. O nível de an siedade é tão alto que o ato de experimentar, que poderia Íazê-Ia chegar a um acordo com a própria agressividade, torna-se impos sível ( i d v t n ) .
Cada vez mais temos de nos haver com o fa to dc qu e os lares se desfazem com maior facilidade do que ao tempo em que W innieott formulava sua teoria. Apesar disto, a teoria do amadurecimento pessoal continua a ser essencial para os pais que, em bora desfaçam sua vida conjugal, querem preservar íi estabilidade e o desenvolvi mento emocional de seus filhos. Não é líquido e eerto que os filhos sofram mais pela separação concreta, geográfica, dos pais, do que quando estes pernumeeem sob o mesmo teto, sem uma relação afetiva ou uma comunicação real. Como os pais têm todo o direito de buscar o que sent em ser m elho r para si mesmos, c im porta nte, de qualqu er m odo, que cada um contin ue a fazer a sua parte no que se refere ao seu papel ju nt o à criança. Talvez seja preeiso fo rnec er uma presença ainda maior e não d e s c o r a r dos cuidados e da orientação que os filhos necessitam. li igualmente vital que estes recebam alguma explicação, acessível à sua maturidade, sobre o que aecm-
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teceu, e que os pais, uüo im po rta o grau dc d ec ep çã o ou tle raivei que guardem, não se ponham a denegrir a imagem parental do outro. A vida sexual da criança chega agora à primazia da genitalidade, Quando esta c alcançada, a fantasia já está enriqu ecida eom os atos típicos, masculino e feminino, de penetrar c ser penetrada ou de fecun dar e ser fecundada (1 C )S8 , p. 59). O fato importante continua a ser a ereção como parte dc um relacionamento, mas. agora, esta vem associada à idéia de provocar mudanças irreversíveis no corpo da pessoa amada.'11 A criança está cap az de exp eriência s sexuais genicais, eom todas as fantasias e excitações que n acompanham , e isto configura uma nova potência, embora a imaturidade física a obrigue a adiar até a puberdade a capacidade de proceder ao ato gcnital que leva potencialmente à proeriação. Quando, bem mais tarde, a puberdade advier, trazendo um outro patamar dc potência, as experiênc ias e fantasias infantis que tiverem sido realizadas nesta fase serão de grande ajuda para essa nova condição. Qualquer estudo acerca da instintualidade — que exige ação, isto é, um faze r — , sob retu do no que diz res peito à fase gcn ital. é mais adequad o para a des crição do mascu lino do que do fe m in ino .15 Do lado masculino, é possível fazer uma distinção acurada entre a fantasia da experiência fálica e a da experiência geniial, tanto no menino quanto no menino-dentro-da-menina. linquauto. na fase fálica, o desempenho do menino está tle acordo com a sua fantasia, na fase gcnital o desempenho mostra-se deficiente em relação à fantasia; esta defasagem põe em questão a potência do menino c isto terá, eomo veremos, um significado na situação edípiea, tal como Winnicott a redesereve. Além disto, diferentemente da mcui-
44 A psicanálise tradicional ocupou-se, sobretudo, da satisfação tio desejo e não da capacidade c tio ato fienitais propriamente ditos. Xfio chegou a desenvolver as questões pertinentes ao corpo propriamente dito. Pelo mesmo motivo. ;i questão da genitalidadc inicial acaba sendo ligada às conseq üências q ue derivam da interdição de tocar no Iruto proibid o, e não. eomo em Winnicott, ao medo de provocar mudanças irreversíveis no corpo tio outro. I*ara Winnicott, a questão de amar ú pessoal e leva em conta a elaboração imaginativa do resultado do impulso no corpo da pessoa amada. 45 Esta questão se tornará mais clara na obra winnieottiana, numa foi mulaçao posterior, de J96(i, em que a identidade sexual c pensada, por Winnicott. em termos não instintuais. com o veremos adiante.
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OS K STÁ CiO S 1).\ UKP KXliK XCIA lí IVI>|\l*KXl>KXt:'A KIí I.VUV AS
na, o m enino está “ co m pl eto ” na fase fálica. enquanto, na lase geuital, ele d e p e n d e d u f êm e u p u r a s e c om p l e t a r . Mesmo não sendo tão evidente quanto a masculina, a genitalidade feminin a não pode ser definida apenas em term os negativos: a mulher não é uni macho castrado. A inveja do pênis, viveneiada na fase fálica. não necessariamente se estabelece como determinante da sexualidade feminina, a não ser que já haja um componente masculino cindido, na menina, deslanchado anteriormente. Quan do, mima m ulher adulta, esse ele m en to m asculino puro cin did o1'1foi potencializado por uma experiência penosa de inveja do pênis, na fase exibieionista, estabelece-se uma organização defensiva que pode ser arregimentada e posta a serviço do aspecto ideológico de uma luta social, com o o m ovime nto feminista. Um exem plo sign ifi cativo desta situação encontra-se numa carta da psicanalista c lingüista búlgara Júlia Kristcva à ensaísta francesa Catherinc Ulém ent.47 líserita num m om en to em qu e internava seu filho para uma intervenção cirúrgica num hospital dc Paris, Júlia cscrcve a Oatherinc dize nd o que uma frase popular não lhe saía do espírito: “ Nada c mais sagrado para uma mulher do que a vida dc seu filho.” Após comentar que essa frase constitui uma dessas evidências banais da sabedoria popular, que sc impõem desde sempre, e que poderiam prestar-se ao escárnio do tipo "que pena que as mulheres só saibam ater-se às crianças” , cia cscrcve: O grande pediatra sutil que foi o psicanalista inglês Winnicott tem uma idéia delicada, que me agrada, a respeito do elo primordial da mãe com seu filho como decorrente do "ser” , e que se distingue do “ fazer” , que só advirta mais tarde, com a pulsão, i>desejo o os atos. Pensei, eomo você, que a "serenidade do .ser”, eom que Ileidegger sonhava, se enraíza talvez nessas regiões da experiência, se qui sermos ver essas coisas de um prisma antropológico. K fn c.scá si m pl esmen t e aí, a mãe, com uma parte dela que já c mn outro. [...[ Não é que ela não "íaça” nada, mas a avidez da ação está suspensa por tuna ternura eficaz. Sedução, aieto, pulsão, desejo — os trunfos da amante que ela foi, há apenas nove meses, não foram
46 Os eonceitos winnieottianos de "elemento feminino puro" e "elemento masculino pu ro ” serão explicitados a seguir, neste mesmo capítulo. 4 7 Esta carta consta do livro O f em i n i n o e o s a g r a d o (1998). que reúne a correspondência mantida por Júlia Kristeva e Catherinc Clémcnc. entre novembro de 1996 u setembro de 1997.
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destruídos, mas modificados, “inibidos em relação ao fim" (como dizem minhas colegas psicanalistas que leram seu Freud). Eu des con fio dessa suspeita inibição, prefiro íalar de espera. A serenidad e do amo r tnaierno é um Eros diferente, um desejo de espera. (...) É exatamente na aurora desse elo da mãe com seu filho que se produ z uma alquim ia miraculosa: o ob jeto ’’ de satisfação erótica, q u eé o pai (ou algum a relação, profissão, gratificação ...) é substi tuído suavemente por "outro'’ amado e somente rimado. () amorternura toma o lugar do amor erótico: o "objeto’' da satisfação se transforma em "outro" para cuidar, cultivar (Clcment e Kristeva, 2001, |>|>. 73-4).
Apesa r dc atravessada pela perspectiva psican alítica tradiciona l, a citação acima mostra que a Kristeva-mãc compreende bem o caráter distintivo do amor materno, c a distinção entre “ser" c “ fazer ” , proposta por W innieott, além dc traçar uma interessante ligação com a questão da serenidade, do segundo lleidcggcr, reme tendo-a a essa peculiar região da experiência humana. Contudo, esse amo r matern o sereno, tipicamen te feminino, que nada tem dc fálico, mas que é constituído pela identificação com a sua própria 111 âc e com a linhagem dc m ulheres, pa rece en gasgá-la, pois, um pouco adiante na carta, ela mesma afirma que [ __ | é aqui que me afasto desse bom Winnieott, Embora essa sere nidade do ser m ãe-b eb ê me seduza, só acredito em parte. C) na reisismo feminino exige, esse "ouiro eu" da criança é, de qualquer forma, um “eu -eu” : a mãe jam ais deixa de ter a tendênc ia de eng lobar o q uerido outro, de se projetar, de açambarcar, de dom i nar, de sufocar. [...] Além disto, a mãe continua a ser uma mulher, com seus desejos e seu "fa ze r" erótico e profissional, e essa tensão tia existência (ess a bissexu alidade, se você prefe rir) não cessa de se imiscuir na serenidad e de seu elo eom a criança. Klo qu ente, conflituoso, pesado com todos os barulh os tio mundo. Felizmente! Sem essa parte pulsaute, ativa, fáliea do amor materno, de onde l a n da extirpação. essa ereção (sim, viria o apelo da lingua gem , o é digo a palavra c a sub linho ) que lhes permitem m anter-se cm pé. a mãe e o bebê. e transcender para terceiros?" (i b i d , p. 75).
Esta citação mostra não apenas uma reafirmação vigorosa da feminilidade constituída na linha masculina da inveja do pênis, como também uma desconfiança sobre a possibilidade tle uma 2 NO
OS ESTÂU IOS 1)A I)i: i‘liNl)KN CL\ E
KKl.ATIVA.S
mulher entregar-sc inteiram ente à maternidade, m esmo que por um período e, além disto, ser capaz de deixar a criança ser. Para W inn icott, contud o, a elab ora ção imag inai i\‘:i das funções gen itais m ostra que n gen italid íide reúne em si íuuiio d o que é pré-genital, e isto c mais verdadeiro para o lado feminino da natu reza humana. Existe uma fantasia e uma sexualidade femininas básicas que têm sua orig em na mais remo ta infância, fundada sobre a iden tificaç ão da menina com o lado fem inino da natureza humana: identificação com a mãe c, através dela, com a linhagem das mu lheres. Isto significa que os elementos pertencentes à menina têm mais participação na categoria m a l h a r do que os elementos do menino na categoria h o m e m . As fantasias relacionadas à genilali dade com pleta — o ser penetrada, a gravidez, o amam entar etc. que ainda são concret am entc longínquos, aparecem associadas, cm jo go s c nos sonhos, à ca pa cidad e da menina de iden tificar-se com a mãe e com a mulher. As idéias acerca da genitalidade, na menina, [...] alcançam sua expressão máxima por meio da identificação com a mãe ou com meninas mais velhas, que seriam capazes dc ter experiências e de conceber. O brincar da menina, na medida em que ela é ver d a d e i r a m en t e f c m v m u t , c do tipo que mostra uma tendência à maternidade [...] (198K, p, 64; grifo meu). A identificação da menina eom o que sc poderia chamar uina “ linhagem fem inina” é um tema rec orren te na obra dc Winn icott. Segundo ele, mesmo que se possa constatar, já no início, que a vagina de uma bebezinha fica ativa c excitável por ocasião da amamentação c das experiências anais, na verdade, "o funciona mento gcnital feminino verdadeiro tende a permanecer oculto ou até mesmo secreto” (1988, p. 64). Quando, mais tarde, o erotismo genital sc exacerba c aparece, por exemplo, numa masturbação compulsiva, normalmente “a fantasia c da ordem de recolher, do
4S A posição de Kristevn está em estreita consonância eom n cie Laean. Seg un do o psicanalista lYancés, a mãe nunca que r o bebê, ele mesmo; o que a satisfaz, no bebê, 6 o que ele representa, o fato. Para a mãe, diz Latan, “a criança está longe de ser apenas a criança, pois elu é também o talo (Lacan, 1994. p. 57). Em outra passagem, ele diz que “se a mulher encon tra, no bebê, uma satisfação, é precisamente na medida em que ela encon tra, nele, nlgunui coisa que acalma, nela, mais ou menos bem, sua necessi dade de falo {.. |" (ibid.. p. 70). 2.SI
A TE O lílA IX ) AMAU rKKÍ .IMKXIXJ l)lí D \V WJNNiCO IT
guardar segredo, do escond er” (ú l e m ). Po r isso, qualquer de scrição aeerea da sexualidade feminina deve incluir as fantasias que a menina tem a respeito do interior dela mesma e da mãe. Diferente mente dos meninos, a menina é, muito eedo e ao longo da vida, levada a pensar e a sentir o interior du eorpo. A capacidade para guardar um segredo, por exemplo, é uma característica que per tence tipicamente ao lado feminino da natureza humana; sc uma menina não sabe guardar segredo, ela não poderá ficar grávida. l)o lado masculino, a tendência c lutar e enfiar coisas cm buracos. Se o menino não puder desenvolver esse aspecto agressivo de sua nature za, não poderá, mais tarde, deliberada men te, engra vidar uma mulher. A tese central de Winnicott quanto a cada mulher pertencer, desde sempre, à linhagem dc mulheres consiste em que, ao con trário do homem, que c uno e torna-se cada vez mais unificado, a mulher é sempre um trio. lí css'e trio que costuma ser representado na consagrada figuração, na pintura, das Três Graças, lixistem sem pre três mulh eres em cada mulher: a bebê men ina, a mulher-mãe e a mãe da mãe (19S6g, p. 150). Ou, em outra formulação: uma bebezinha, uma noiva de véu e grinalda c uma mulh er idosa (1 98 8, p. 65, nota). São sempre as três, desde o início: quando a mãe cuida da bebezinha. ela o faz segun do os cuidados que recebeu, ou seja, com a mão da sua própria mãe, de modo que algo da avó passa a fazer parte da menina; quando, um pouco mais tarde, esta brinca c o faz, cm geral, cuidando de uma boneca, arrumando uma casinha, cozi nhando etc., aí está a própria mãe e a avó. Na adolescência e na juve ntu de, a mulher desabroeha eom o fêmea e , nesta, há um b ocado da menininha dengosa c frágil, assim como da sedutora que atrai o mach o, ta nto para a sexualidade co m o para torná-la mãe. Na mulher idosa, enquanto a fêmea fenece, instala-se cada vez mais a bebeziuba, requerendo cuidados dos filhos já crescidos, além dc conti nuar a ser a mãe que cuida, agora, dos netos. Não importa se tem b ebês ou não, uma m ulher está presente nessa série infinita, ela é bebe, mãe e avó [...). Isto a capacita a ser bastante enganadora. Pode ser aquela eoisinba doce paru agarrar seu marido, tornando-se uma csposa-mulher dominadora, e de pois uma g r a c i o s a avó. E tudo ;i mesm a coisa, porqu e ela já c om eça sendo três, enquanto o homem começa eom um impulso tremendo para ser um só. Um c um, e completamente só, e o scr;i cada vez mais (1986/5, p. 150).
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líSrAlJIOS
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i)c qu alquer mod o, no que se refere à constituirão d:i identidade sexual, é preciso considerar ainda a bissexualidade, especialmente no âm bito da fantasia e no que se refe re à capa cidade para a ide ntifi cação com qualquer um dos progenitures. Deixando tle lado outros aspectos que podem intervir, no caso particular, o principal fator a determinar essa identidade é o sexo tia pessoa pela qual a criança está apaixonada na idade crítica, 011 seja, entre 0 desmame e o período de latcncia (cf. 1988, p. (>(>). Embora seja mais fácil e conv e niente, para o indivíduo, que ele sc d e s e n v o l v a Jc modo p redom in an temente congruente com as características de sua constituição física, “ a sociedade Lem muito a ganhar tolerando canto a homosse xualidade quanto a heterossexualidade 110 desenvolvimento emo cional das criança s” (i d t t m ). Se o de senvolvimen to da personalidade do men ino vai bem em outros aspectos, uma forte identificaçã o d ele com a mãe, e inclusive um comportamento efeminado, podem ter valor para a exploração de inúmeras potencialidades. Nas meninas, uma certa mas culinidad e c não apenas tolerada co m o até esperada e valorizada. Xo am adu recime nto em ocion al e instintual saudável, além des sas identificações, as meninas passam efetivam ente por um m om en to em que se sentem interiorizadas por não terem pênis, de modo que o macho-dentro-da-femea está sempre presente, e c sempre importante, embora não seja necessariamente determinante. A in veja do pênis não pode ser ignorada co m o fon te de mo tivações pod e rosas na menina e nxi mulher, e isto fica claro, sobretudo, na análise de neuroses cm mulheres, Por ou tro lado, a fem inilida de no menino, tanto quanto a sua masculinidade, c fundamental, embora seja variável em função de algumas características hereditárias, das influên cias ambientais, das ide ntificaç ões com os pais e dos padrões culturais mais amplos. Xo que se refere à identificação do menino com a mãe, c necessário distingu ir entre a sua capacidade de id en ti ficar-se com a mulher, em termos da gcnitalidade feminina desta, e sua identificação com cia em seu papel de mãe. lista última é mais aceita pela cultura, c men os prob lemática para a genitalida de mas culina do menino, pois está mais relacionada ao tipo dc fantasia do que à loca lizaçã o e à elaboração imaginativa dc funções corporais. Mas, 110 que se refere às meninas, mesmo quando desenvolvem sua fem inilidad e inclu indo a lgo da inveja do pênis — que pe rten ce à verte nte masculina de desenvolvim ento da identidade sexual — , a 283
corre ção do “d ef ei to ’' não sc dá dá,, com o cm Kr Kreu eud, d, lend o um lillio du du pai, pai, niíis niíis pelo recon heci metiLo da dependên cia d o outro. W iun icod dcscrcvc a seqüência pela qual, cm condições normais, a inveja tio pênis c superada. superada. Para Para defrontar-se cuni a supe rioridad e do m enino, a menina imagina que vai lhe crescer um pênis. Depois, pensa que já teve teve um, que lhe lhe foi tinid o eom o castigo pela pela excitação. Xa seqüên cia, vem a idéia de que, já que não n tem, pode então usar um pênis por procuração, ou seja, algum macho pode agir por ela. Ela diria: "V ou deixar o macho me usar," Deste Deste modo, o defe ito será será corrig ido, mas ela terá de reconhecer que t l e p em e m l c d o m a c h o p a r i t es es t a r c o m p l e t a , lí desta forma, diz Winnicott, que a menina descobre o seu “genital verdadeiro" {1988, p. 63). Note-se que, que, enquanto o "gen ital verdadeiro” rem ete à fêmea — à noiva de véu véu e grin ald a, do t rio de mu lhere s — , na linha linha estrita da elaboração que pertence à fase fálica do desenvolvimento sexual, a verdadeira verdadeira feminilidade, incluída incluída a genitalidad e, p ertence à linha do amadurecimento pessoal e, necessariamente, reúne a mulher-teinea com a mãe pote ncial, po r via via da iden tificação da menina com a mãe e a linhagem de mulheres. Isto significa que, embora o macho-dentro-da-fêmea esteja sem pre p resente, e a inveja d o pênis seja um fato num dado momento do desenvolvimento da sexualidade, esse tipo de resoluç ão não dá con ta da verdadeira verdadeira sexualidade fem inina e. se a iden tidad e sexua sexuall da mulh er for consLr consLruída uída sobre a pro ble m ática da inveja do pênis, o caminho será precário. A constituição da identidade sexual e as diferenças sexuais são elaboradas, elaboradas, por W innico tt. de ntro de um a teoria da sexualidade sexualidade que pertence à teoria da instintualidade, que faz parte, por sua vez, do proc esso dc ama durecim ento. Numa etapa mais tardia tardia de seu pensa mento, mais precisamente em 1966, e impulsionado pelo trabalho clínico , o auto r foi levad o a pe rceb er uma ou tra faceta da bissexua bissexuali li-dade e a formular os conceitos dc “elemento feminino puro” e “ elem ento masculino masculino puro” , ambos presen presentes tes cm meninos meninos e meni nas, nas, homen s e mu lhere s.4* s.4*' En Enten tendo do que o te rm o “ pu ros” ros ” visa visa exataexata-
47 Esta nova formu lação já foi explicitad a no Capí tulo III III deste estu do por ser :i mais acabada. também no que diü respeito íi questãu em pauta naijuele momento, a constituição da identidade enquanto tal; aqui, ela vem a propósito tle esclarecer melhor a questão da bissexualidítde, ein termos não sexuais.
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monte significar tjnt-, e m b o r a estejam rclei i d o s .1 hi.s.s<-xualid.idc pres ente nu indivíduo h u m a n o
A TBO lilA IK ) AMAIH'RICt:i AMAIH'RICt:i.\l .\l£XTO £XTO Dli l) W. WLVNICOTT
C) i n s i g h t que levou Winnieott a esse novo patamar de compre ensão teórica — pela pela constatação constataç ão do fenôm eno que consiste na na presença, tanto num homem como numa mulher, de um elemento feminino ou masculino puro, do outro sexo que não o biológico, cindido da personalidade total — veio-lhe veio-lhe por ocasião da análise análise dc dc um homem dc meia-idade, casado, com família, e bem-sucedido em sua profissão profissão (pa cien te FM ).50 Esse Esse hom em já havia feito, anteriorm anter iormente, ente, uma longa análise na linha tradicional, e continuava buscando ajuda, pois pois sentia que que alg o de muito importante impor tante não hav havia sido atingido. Num momento anterior à etapa, na análise, que lhe permitiu formular a questão em termos de elemento feminino puro cindido. Winnieott sabia já, pelas freqüentes fantasias compulsivas do paciente, de ser uma mulher, que seria necessário fazer uma exploração completa do que seria o si-mesmo si-mesm o fem inino que q ue o habitava. habitava. A análise análise desse pacien te havi havia a também exigido, exigid o, anteriorm ante riorm ente, ente , a regressão a um estado em que “ não Imvia Imvia nada nada 110 centro” (ef. 19S9vc, p. 42). Nessa ocasião, revelou-se que toda a sua vida havia sido construída na forma de reações a invasões que eíe, por assim dizer, colecionava, pois esse era o modo como conseguia sentir-se ativo e potente em várias áreas e níveis. Na regressão, teve de pôr muita coisa dc lado, inclusive a sua potência, pois esta acabou por mostrar-se inteiramente reativa. Após ter alcan çado e se mantido, durante algumas sessõe sessões, s, com o um nada nada — único estado tolerável por ter reconhecido que era o único real em sua vida — , o pa paci cien ente te co m eçou eç ou a revelar-se revela r-se de ma manei neira ra positiva. positiv a. A o final dc uma sessão, cm que o tema foi exaustivamente elaborado, falou da sensação sensação de estar apertadam ente enrolado enro lado entre as perna pernass e do efei to disto em seus órgãos genitais e em sua capacidade de urinar, lím virtude do material de que já dispunha, Winnieott permitiu-se inter pretar que, provavelmente, quando bebe, a mãe arrumara-lhe as fraldas fraldas da maneira q ue seria apropriada para uma menina: o resultado disto fora, talvez, que ele nunca tivera a liberdade para urinar como um menino, e apontou-lhe que teria teria sido muito dife ren te se ele tivess tivessee nascido numa cabana cabana tia tia floresta e vivesse livrem ente ent e na selv selva. a. O pa cien te captou im ediat am ente o sen tido do que seria seria urinar urinar livremente. livremente. Numa sessão posterior, o paciente disse ser essa a primeira vez, tio que
50 1’ara pode p ode rm os nos ref erir aos casos clínicos ci cie Win nieott nieot t sem ter de a eadn eadn vez descrevê-los, vou usar uma sigla pela qual se possa reconhecê-los, Kste easo será batizado de KM, por ser o exemplo elínieo ilustrativo do lexlo sobre elementos feminino e nuisuuliiio puros.
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OS KK-S rÁ CI O S DA [»K I*liNl)jí.\ Cli\ E IN'l)KI’ lí\'l))i.\(.:L\ lí\'l))i.\(.:L\ UlvI-ATIVAS UlvI-ATIVAS
se recorda, cm que sentiu o pênis como co mo sendo seu seu.. “ Pareceu-lhe” , dix Winnicott, “eomo se isto fosse o início de sua potência, que nunca tivera, embora na realidade possua urna família” ( i b i d , p. 43). O modo mo do com co m o o caso evolui evoluiu, u, e a maneira que W innicott inn icott aeliou aeliou de lidar eom a transferência, permitiu-lhe formular um novo aspecto do mesmo problema: a menma-dentro-do-meninn, ou o si-mesmo femi nino, neste liomcm, podia scr visto como um e l em e m e n t o f en en t i n i n o p u r o fizesse parte da sua sua identidad e sexu sexual, al, c ü u l i t l o , elem ent o que. em bora fizesse não era propriamente sexual, e que havia sitio dissociado da personali dade numa época muito primitiva. Essa condição, assinala
A T1ÍOKIA IK ) AAIADrRKCLMUN TO 1)K 1)K 1). W WIXXU :c m '
(sabendo ser hom em ): sou uma garota. garota. N ão sou sou louco assim assim.. Mas Mas você o disse e talou para ambas as partes do mim” (ü l c m ). Num caso como este, é preciso que o analista seja capaz de acompanhar, tolerar e mesmo de propiciar, ao paciente, a experiêneia cabal da da iden tificaçã o deliran ie. “ Pode Poderr-sese-ia ia dize r” , afirma W innieott, “ que o paciente estava estava em busca busca do tipo certo dc a r u i l i s t u l o u c o e, e, a fim de atender às suas necessidades, tive dc assumir esse papel” ( i b i i l . , p. 148). Com respeito a esta nova compreensão, ele assinala que não havia, ah, |... ... |nenh um conce ito novo. novo. nenh um novo princípio da técnica. N a realidade, cu e o me u pacien te já havíamos percorrid o esse terreno antes. Contudo, tínhamos aqui algo novo. novo cm minha própria atitude e novo uni sua capacidade de fazer uso do meu trabalho ituerpreuitivo. [...] Dcscohri-me com um novo fio para uma velha urnm ( i b i d . , pp. 136-37).
Voltando às questõe s mais mais gerais pertinen tes ao estág io edípieo, deve-se dizer que, embora a criança esteja capaz de fazer experiên cias cias genitais, ela precisa esperar até a puberdade pa para ra te r a cap aci dade de rea lizar sua sua fantasia, fantasia, o que sign ifica que “ na fase gen ital, o eg o infantil é capaz de de lidar com uma trem enda quantidade de frus frus traçã o” (198 8, p. p. 62). O ponto central aqui aqui — e este este 6 um dos aspectos que presidem a redeserição dc Winnieott com relação aos temas do litlipo c cia angústia de castra ção — é que a crian ça t e m d c s c h a v er e r c o m a impotência. Isto leva a que, desse ponto de vista, a presença de um pai interventor traz um grande alívio; o m e d o à c a s t r a ção p e l o g e n i t o r r i v a l t o m a -s c imia a l t e r n a t i v a b em e m -v i n d a p a r a a a g o n i a d a i m p o t ên c i a " (198S, p, 62). Presumindo-se um bom começo, pode-se examinar as várias defesas usadas pela criança para lidar com as ansiedades proveni ente s tio tio com plex o de lidipo. Na relação triangular, ela " é apanhada apanhada pe lo in stin to e p elo amor. lOsse am or envolve mudanças no co rp o c é violento. Um amor que leva ao ódio. A criança odeia a terceira pessoa” (19S8, p. 72). O menino pode estar enamorado da mãe e, como já vimos, a existência do pai interventor traz alívio para a agonia da im potên pot ência cia real. Mas este é apenas um lado da história. l)e outro, ele vive o doloroso conflito da ambivalência em que sc percebe odiando, desejando castrar ou matar o pai, e temendo a represália, cm termos do medo de castração do pai que ama e em quem confia, por estar apaixonado pela esposa deste. deste. 2 SN
o s KS T.u iioíi i>.\ ni:rK.\i)i:.\ci.\ ni:rK.\i)i:.\ci.\ k í n i h í i ,k n 1)i í .nc i a u k i .a t i v a s
Se ;i criança c saudável c os fundamentos do lar são sólidos, a ansiedade que advem desta situação pode ser tolerada, e cia acaba sem pre por recuperar recuperar-se -se dos m om ento s de tensão instintiva instintiva elevada. elevada. ( ) fato fato c que o ódio pode agora aparecer livremen te, pois pois “ (... (... |o que ó odiado 6 uma pessoa que pode sc defender e que, na verdade, já ó ninada” ninada” : c alguém “ {. .. ] capaz de sobrevi sobreviver, ver, castigar e perd oar" (1988, p. 72). Sc for essa a experiência, devido ao pai fazer a sua parto, parto, este começa , então, então, a ser utilizado utilizado eo m o “ protótipo da cons ciên cia” . Incorporando o pai pai que conhece, o m enino chega com ele a um acordo: dc um lado, perde algo de sua capacidade potencial instintiva, abdicando dc uma parte tio que vinha reivindicando: dc outro, desloca o objeto de amor para uma irmã, tia, babá, enfim, alguém monos envolvido com o pai. No melhor dos casos. |... | u menino menino estabele esta belece ce um pacto homossex homossexual ual eom eo m o pai. dc modo que sua própria potência não é mais apenas dele. e sim uma íio-üfí exp r essão
51 Ü artigo artig o tle Ricardo Kodulfo Kodulfo é. originalment origi nalmente, e, unia nia conferência pronun pronun ciada ciada no IV Colóquio Winnicott. Winnico tt. promovido pela ÍHH ÍHHI-.N I-.N]’]’,, em l ‘ W . e aind ainda a uiio foi publicado. 2N<>
A TK< JRIA IX >AilA D C KK t XUKN Tl 11)K 11. W. W lXX IC t HT
hostilidade, íi raiva, e sem elhan te confusão, res ultante d o uso desses termos eomo se fossem sinônimos, levou a não poucas conseqüên cias para o trabalho analítico. Com demasiada rapidez, tomou-se a rivalidade dc um menino eom o pai como ódio parricida, sem sc colocar maiores problemas no que se refere aos matizes diferenciais {nem ao fato dc que .só em condições de patologia severa e específica, um m enino se põe. literalmente , a od iar o pai) (Rodolfo. 1W ) . p. J).
llá casos cm que as dificuldades da fase ctlípica advem já do estágio do concern imen to, com a criança tendo precisado inibir os seus impulsos instintuais por não con tar com a presença ativa de um pai que protegesse a mãe da impulsividade infantil. Foi este o caso do pa ciente B, protagonista do I í v t o H o l d i n g c i n t e r p r e t a ção (1986a). Sua problemática central, no segundo período de análise, estava relacionada à problemática do estág io do conce rnim ento (cf. 1986a. ]>. 2 1), além dc o paciente apresentar uma cisão da mente cm relação ao psiquc-.síHHíí. As conquistas referentes à capacidade para o concernimcnto haviam sido dificultadas não apenas pela relação difícil que fora estabelecida com a mãe, mas também cm virtude do fato de seu pai ter sido mais materno do que paterno, não tendo conse guido fazer a sua parte quando o menino precisou que ele a exer cesse.52 Num ce rto m om ento em que <>pac iente B divaga intelec tua l mente sobre a proibição do incesto, Winnicott lhe diz: “Você está usando a proibição, pela sociedade, tio incesto entre mãe e filho, porque n ão c o n s e g u e e n c o n t r a r o /tomem t/i/e f i c a r á o u r e v o c ê e su a m ãe. Isto significa que o seu pai não cumpriu a sua parte aí c você,
52 Este paciente c.stcvc cm tratamento por dois períodos, dos quais Winnic ott fez relatos dc sessões c algum as anotações clínicas Do primeiro período de análise, temos apenas a intro duçã o às suas anotações clínicas, inseridas por Khan na Introdução ao livro l l o t d i w j c m t c r j t r e t u çâ o (1986a). Do segundo período, existem dois grupos de anotações: o primeiro data de l'J54 (l*JS5e) c é composto tle anotações que sc referem a seis episódios du análise: o se gundo c o que compõe o livro H o l d i n g e mferpnetiiçtm, que abrange seis meses tio segundo período da análise. Referindo-se ao primeiro período dc análise, Winnicott diz que o rapaz, na época “um caso tle esquizoitlia". o procurara dizendo que “não conseguia falar livremente e manter conversas informais, não tinha imaginação ou capacidade para jogos, e q ue não con se guia fazer um gesto espontâneo , nem ficar excit ado " { 1980a, p. 22).
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portanto, não tem ódio nem medo cio homem, c está de volta à sua ariti^a posição: ser frustrado pela m ãe 011 desenvolver uma inibição interna" (1986a, p. 92). Numa outrn ocasião, referindo-se a uni sonho, o paciente diz: "Resumindo, meu problema é como encon trar uma luta que nunca houve. Xo sonho, a luta era o que estava faltando.” Winnieott responde: “Voeê não conseguiu o alívio que a situação triangular traz quando a criança está em confronto com o pai; o alívio de não ter tle lutar sozin ho co m a m ãe ” (?'/>/l\er uma inibiçã o geral. Voeê não poderia se ntir do r por um pai que você nunca ‘matou’” ( i b i d . , p. 87: gritos meus). A tensão instintual, característica desse período, atin ge o auge em algum m om ento entre os três e os cinco ou seis anos, quando, então, é resolvida ou arquivada, também cm conseqüên cia do fen ômeno endoerlnológico de suspensão da tensão instintual na fase dc latcneia. Durante esse período, quando saudável, a criança faz todo o tipo de experiência nas brincadeiras, sonhos e fantasias, ext raindo proveito da identificação com os pais e outros adultos. As experiências pré-genitais c genitais imaturas, que estão ao seu alcance, incluem o corpo c os prazeres corporais que não dependem da ajuda de outras pessoas. Sc há suporte familiar e confiável, se alguém permanece presente, 291
A TKOKIA !)(> AÍIA I)I.KI; í :IMKNT() d e |). w . w i x x i c o t t
mantendo a calma. a criança começa a dar-se conta dc que a passagem do te mp o — algumas horas 011, talvez, minutos — traz o alívio para praticamente tudo, por intolerável que pareça. A sexualidade infantil, diz Winnicott. é algo bem real. Pode estar ou não madura à época cm que as transformaçõe s da latência ap-trecem trazendo alívio. Se a se xualidade está imatura, perturbada ou inibida ao fina! desse primeiro período de relacionamentos interpessoais, assim ela ressurgirá, ima tura ou inibida, na puberdade (1988. p. 75).
7.
A puberd ade e a adolcsecneia
Se, à época da puberdade, a sexualidade não estiver madura, o indi víduo não estará capaz de enfrentar as importantes e difíceis mudan ças físicas associadas a essa fase e ao próp rio am adu recim ento pessoal que eelode na adolescência. Mesmo para a criança saudável, não Ilá eomo escapar das ansiedades decorrentes dessa passagem, mas o modo como o indivíduo lidará com elas depende essencialmente tio padrão que foi estabe lecido an teriormen te, na infância. A criança que foi bem cuidada está habilitada, até certo ponto, a tolerar os senti mentos novos e as estranhe/.as advindas de mudanças corporais que são independentes de sua pessoa, assim como a evitar, recusar 011 defender-se das situações que envolvam ansiedade intolerável. Desse padrão adquirido, que c em grande parte inconsciente, participam também os resíduos dc alguns dos inevitáveis fracassos dos primeiros tempos. Por outro lado, 6 grande o auxílio que o indivíduo aufere quando a puberdade fornece um potencial para a potência masculina, e sen equiva lente nas meninas, 011 seja, quando a geuitalidade plena já sc tornou uma característica, por ter sido alcançada 11a realidade do brincar durante a idade que precedeu o período de latência. No entanto, uos púberos não se enganam com a idéia de que os impulsos instintivos sejam tudo, e, de fato, eles estão csseneialmeiuc preocu pados com ser, com estar em algum lugar, com sentir-se reais e adquirir algum grau de constância objetai” (1971Í, p. 20). Nada, contudo, assegura ausência de problemas: Não há cura para a puberdade ou para a adolescência, e a única coisa a fazer c dar tempo ao tempo e sobreviver à turbulência que poderá, inclusive, ser tanlo maior quanto melhor tiver sido o começo, uma vez que o sentido de liberdade c tle riqueza pessoais não tornam as coisas mais simples. J ‘ >2
OS KSTÁüli >S 1).\ l>Kri-,\[)í.N( .l.\ K IM>KI'KNI)KN< :l.\ ISKI..VI l\AS
Ma puberdade, às importantes alterações devidas :u> cresci m ento físic o e ao desen volvim ento da sexualidade, acrescenta-se a capacid ade física para a experiênc ia genita l c para matar tle verdade (cf. 1965ve, p. 66 ). Ou seja, surge uma potên cia nova e assustadora, uma vez que aquilo que pe rtencia ao dom ínio tia fantasia pode ago ra tornar-se realidade concreta: o poder de destruir, e até de matar, a possibilidade dc prostituir-se, engravidar, enlouquecer com drogas, suicidar-se. Uni outro ponto a mencionar — c nisto a psicologia do adoles cente pode ajudar muito a entender a natureza do sofrimento psicó tico — são as angústias típicas da adolescência, que repetem as dos estágios primitivos: o adolescente é, tal como o bebê, essencialmente isolado, lí, tal como 110 bebê, é apenas a partir desse isolamento que cie pode se lançar e \ir a estabelecer alguma relação sentida como real. O fenômeno dos grupos na adolescência é o tle uma coleção de indivíduos isolados que tentam formar um agregado em torno de algum interesse ou preocupação comum, estando o si-mesmo pessoal recuado e protegido. () isolamento está também associado a um traço da sexualidade, mais precisam ente tia indefinição sexual: o menino ou menina não sabe ainda, a não ser que padrões ambientais forcem a definição, sc será heterossexual ou homossexual. I lá um lon go período dc inc erteza durante o qual, em geral, ocorre uma atividade masturbatória irrefreável, que deve ser entendida não tanto co m o uma atividade sexual, mas com o uma maneira de l i v n i r -s t i d o s ex o . O m esmo pode se dar com as experiências heterossexuais ou homossexuais que, longe tle constituírem uma forma de união entre seres humanos completos, consistem bem mais numa descarga de tensão. Quando há imaturi dade na vida instintual, existe o risco tle doença 11a personalidade, 110 caráter ou no comportamento. Xeste caso. é preciso lembrar que o sexo pode operar como 11 ma ./hnção p ( t r c ü d , de tal modo que, ainda que o exercício da sexualidade /x o v ç í i estar funcionando bem, a potência tio rapaz 011 da moça pode acabar depauperando o indivíduo, ao invés de enriquecê-lo (1971 f, p. 21). O que aponta para o fato dc que o ad olescente repete os padrões tios estágios primitivos é que cie padece do sentimento tle irreali dade, e sua principal luta diz respeito a sentir-se real. lixiste, nele, uma m oralidade rígida, não em term os do que foi socialmen te esta belec ido com o born e mau — exatam ente o que ele despreza e contra o que se rebela — , mas em term os do que é sentido co m o real !
AT KO RIA IH> AM.UHKK CIMivNTU ])E 1). W. W INM CO IT
o do que é sentido como falso: o adolescente não aceita lalsas solu
ções. () pior l!c tudo, o insuportável, é a traição a si mesmo. Tal com o o psicótico , o ado lescen te não pode transigir. Uma curta aqui escência, que é própria da saúde e necessária para a convivência, torna-se uma ame aça dc ex tinç ão } essoal (1962a, p. 1 60 ). Esse período é particularmente difícil para o indivíduo, que, não tendo tido um bom início, carrega consigo a ameaça da desintegração, porque íi adolescência arrasta-o para perto do colapso. Para o indi víduo que, ao contrário, teve um bom com eço, o tempo se encarrega de muitas coisas, caso o ambiente familiar sobreviva e permaneça confiável. l.)e qualquer modo, durante toda a adolescência, haverá certamente problemas agudos de manejo e necessidade de suporte firme e confiabilidade, uma vez que cr escer significa ocupar o lugar do genitor: “Na fantasia inconsciente, crescer é inerentemente um ato agressivo. [...] Se a criança tem de se tornar adulta, en tão essa transform ação se fará sobre o cadáver de um adulto ” (19 69a, p. 195).
8.
A idade adulta
Tendo passado relativam ente incólume pela adolescência, 6 possível discriminar ao menos três tarefas que, imbrieadas uma na outra, esperam o indivíduo na vida adulta. Mesmo para quem teve um bom com eço, a prim eira tarefa ó a de continu ar amadurecendo c manter-se vivo, mesmo na velhice, até a morte. Isto depende, naturalmente, da preservação da criatividade originária, da eapaeidade de deixar-se atingir pelos acon tecim entos e de continuar a sc surpreender.5,1 Ao
53 Para tanto, é preciso preservar a sensibilidade. Winnicott conta q ue. guan do trabalhava como médico pediatra, no ambulatório do Paddin^tou Grcen Hospital, foi promovido à tarefa dc cuidar dos leitos, c isto significava s t a n i K . Diz ele que. sem saber muito bem por que, recusou. Conseguiu permissão para fazer uso dos leitos quando necessário, mas passou os inter nados para o seu assistente. Sou be, cm segu ida, por q ue estava fazendo isso: "O sofrimento de bobes c crianças pequenas numa ala do hospital, mesmo cm um muito bom, 6 algo terrível, líntrar na enfermar ia me pertu rba muito. Se eu ino tornar um médico de pacientes intentados, terei de desenvolver a eapaeidade de não me deixar perturbar pelo sofrimento de crianças, do contrário não serei um médico eficiente. Portanto, vou n»e concentrar cm meu trabalho do ambulatório e em não me tornar insensível com a finali dade de scr eficiente" (1987b, p. 146). 294
Oh ESTAI HOS DA Di;i’K.\DKN<:iA li IN1)ICI,I'-X1)I:,.V(;]A )Utl„\TIV.V>
mesmo tempo, se pôde fazer a experiência de onipotência 110 m o mento apropriado, o indivíduo, com a maturidade, desiste dc scr o volante e adota :i posição mais confortável de ser unia peça 11.1 cii.hunagem, mesmo porque, a essa altura, não será o lugar que ocupa na sociedade que lhe dirá quem elo é. Mas sc cie não começou a vida fazendo essa pequena experiência dc ser onipotente, ele pode im nar-se alguém que precisa exacerbar a onipotência, a criatividade e o controle; algo assim como “tentar vender ações indesejáveis de uma companhia inexistente” (1986h, p. 39). O adulto maduro, ao vou trário, c capaz dc objetividade sem perder o con tato com a riqueza do mundo subjetivo; pode fazer concessões sem sentir-se roubado em sua espontaneidade. A saúde está relacionada co m a condescendência e a impostura, e quando o amadurecimento transcorre favoravelmente, “o indivíduo torna-sc capaz de enganar, mentir, negociar, aceitar o conflito como um fato e abandonar as idéias extremas de perfeição e do seu oposto, que tornam a vida intolerável. O compromisso não é uma característica dos insanos" (1988, p. 160). A segunda tarefa consiste na aceitação da impotência e da imper feição. A s pessoas, diz o autor, tôin de aceitar o que são e aceitar a história de seu amadureci m ento pessoal, juntam ente com as influênciiis e atitudes am bien tais locais; e las têm tle cont inu ar vivas, c vivendo, tent ar se re lac io nar eom a sociedade de modo a haver contribuição nos dois sentidos ( l l.W6£, p. 147).
Ter dc encarar im perfeições d o eu c do mundo, ta! com o são, acar reta, muitas vezes, fases de depressão. Mas quando não é mutiladora, ou ligada a distúrbios psicóticos, a depressão é um estado de espírito próprio das pessoas verdadeiramente responsáveis, das que realmente têm valor, lilas se deprimem justam ente porque são capazes de ver e aceitar a precariedade da condição humana e o fato de que o mundo jam ais é tal qual o imaginamos; também por perceberem , claramente, que a sua capacidade dc amar e de construir coexiste com o seu próprio ódio, maldade e destrutividade. Nestes termos, a depressão é inerente à vida e à maturidade. Isto pode ser terrível, mas não scr capaz de duvidar ou de sofrer perturbações é uma con dição ainda pior. O sentimento de dúvida está muito próximo do seu antônimo, que é a crença, c do sentimento dc que há coisas que vale a pena preservar (1965o, p. 6«S). Muito provavelmente, o so frimento maior do universo humano c o sofrim ento das pessoas normais ou saudáv eis ou maduras: 295
A TKIJR IA 11<) AM A l) fR W 3 \ IK M X > 1HÍ li. W. W IX X IC O T T
"In felize s somos você o tu que. uni certa fase, estamos con scientes da falta daquilo que é essencial ao ser humano. c]iie é muito mais impor tante tio que comer ou do que a sobrevivência física” (1986h, p. 35). Tudo isto está vinculado à terceira e. talvez, mais importan te e difícil das tarefas da idade adulta: a dc poder envelhecer e morrer. Neste ponto, aparece de forma cabal o fato de que a integrarão não pode jamais ser alcançada por completo. (.) que falta, sempre, ao homem, é o seu próprio fim. Em outubro dc 1970, pouco antes de sua morte em jan eiro de 1971, falando para uma associação de assistentes sociais para crianças desajustadas, Winnicott fala de um tipo dc cresci me nto que é "para m enor” : “ Se eu tiver urna vida razoavelmen te longa, espero encolher e tornar-me suficientemente pequeno para passar pelo estreito buraco chamado morte” (19H4g. p. 225). Mas aprender a m orrer só é possível para alguém q ue viveu e teve experiên cias. K só c possível ter vivido e permanecer vivo tendo alcançado o estado unitário quu permite dizer EU ISOl'. Apenas a partir desta condição c possível tanto viver eom o morrer. Não há m orte, diz Wiimieott, exceto considerando-se urna totalidade (198-lh, p. 4S). Quando há um sentido de inteireza na integração pessoal, islo traz consigo |...] a p o s s i b i l i d a d e e re alm en te <í ceifes * c d a m o r t e , e, com a acei tação da marte advem um grande- alívio, alívio tio medo das alter nativas. tais co m o a desinte gração mi os fantasmas — ou soja, a sobrevivência du fenômenos uspíritas, para depois da morte da parceria psicossomática ( i b i d . . p. 'I S )51.
Temível é a m orte interna. Mesmo quando sadio, ninguém está a salvo de perder aquilo que o liga à vida e ao sen tido da vida. A pergunta sempre p erman ece: “ For que a vida criativa pode scr perdida e por que o sentimento do indivíduo dc que a vida é real e significativa pode desaparecer?” (197 Ig, p. 101). Agrad ecen do a uma de suas pacientes n expressão “ morte fenom êniea” . W innico tt afirma que muitos ho mens e mulh eres passam a vida se perguntando se, para cies. o suicídio seria a solução; ou seja, entrega rem o corp o a uma mo rte que já sobre veio à psique" (1974, p. 74).
54 W inn icot t n ão teve filhos e, no finnl da vida. sabendo-se j;í m uito d oe nt e e dispo ndo d e m uito poueu tcrnpo, e le escrev eu i|uc “ |...| é d ifíeil para imi honrem morrer quando não teve um filho para matá-lo na fantasia e puder sobr eviver a ele, prop orcion and o assim a única con iiiiuuü idc que us lunuen.s conhecem" (ef. (ilarc Winnicott. JV8S. p. .1)
29í,
BI'I:XJ)KX( !IA Ji IMJKIMíNDÈXCIA I4KI ATIV.VS
9.
A volta à origem
C) processo dc amadurecimento começa com o "primeiro desper tar” . Agora podemos perguntar: onde c eom o ele termina? lírn S u t i i r v s a I m m i n u t . W innicott tenta jun tar esses dois m o mentos extremos do existir humano. Referindo-se ao início do am adu recimento, ele pergunta: “ Qual é o estado do indivíduo quando o scr em erge do inte rior do não-ser? Qual o estado funda mental ao qual todo ser humano, não importa u sua idade ou as experiências pessoais, teria de retornar sc desejasse começar tudo de n ovo ?’1A sua resposta c tão simples qua nto inesp erad a: se f o s s e r e c o m eça r , o i n d i v íd u o t e r i a d e r e t o r n a r u o e st a d o d e s o l i d ão e s s e n c i a l . Pois, no início, diz Winnicott, há uma solidão essencial
(198H, p. 153). Ta lvez devamos ente nder qu e a vida humana se constitua numa tentativa dc esquecer essa solidão. Tentativa sempre frustrada, já que a solidão essencial perma nece vida afora co m o o fundo oculto, intocável e indizível, sombra do nada, inscrita no seio mesmo da orige m , c eom a qual “ não há nenhuma comun icação com o inundo não-eu, em nenhum sentido” (I965j, p. 172). Winnicott não se cansa de enfatizar a necessidade que temos [... | tle recon hec er esse aspecto da norm alidade: o eu central que não se comunica, para sempre iuuiiie ao princípio de realidade, para sem pre silencioso. Aí a com unicação é não-vcrbal: é eom o a mú sica das esferas, abs olutam ent e pessoal. Pertence ao estar vivo. li, normalmente, c daí que se origina a comunicação (1965j, p. 174).
Afirmação surpreendente, que npontn para uma dimensão tle isolamento, inatingível para qualquer aco ntec im ento mundano, ine rente, 110 entanto, ao estar vivo. Winnicott diz ainda que, [...| eom ex ceçã o cio próp rio início, não haverá jam ais um a rep ro dução exata dessa solidão fundamental c inerente. Apesar disto, pclíi vida afora do indivíduo, continua a haver uma solidão funda men tal, ineren te e inalterável, ao lado da qual co ntinu a existindo a inconsciência sobre as condições indispensáveis a este estado de solidão (1988, p. 154).
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TEORIA IXI AMAWKBta.UKMX) 1)K l>. W. WIXNIUWT
C) que pode m os com pre en der daí? A frase “ |...) com exc eçã o do próprio iníeio [...]” remete à afirmação dc que “no iníeio, há uma solidão essen cial” . A solidão essencial do iníeio será. portanto , ultra passada, transposta, em alg um sentido, uma vez que “ não haverá ja mais uma re pr odu çã o exata dessa s oiidão fundamental e inere n te”. No entanto, ao mesmo tempo em que o estado dc solidão ine rente se altera, a l g o d e l e permanece c c on t i n u a a h a v er u m a s o l i d ão f u n d a m e n t a l . Trata-se, portanto, de uma cisão, uma cisão básica, que está na raiz mesma da existência humana e que permanece "incurável": enquanto algo se mantém como um fundo intocável, eternamente solitário, uma outra parte do indivíduo c lançada na luz do mundo, para que possa nele habitar, para que a vida, que inclui viver na proxim idade das coisas e com -ou utro, possa se instau rar e a contecer. O indivíduo só “ sabe” dc sua solidão essencial quando, pela exper iência d o "pr im eiro d esper tar” , a vida se imiscui na extrem a quietude do início: “A ex periência do prim eiro despertar dá ao indi víduo a idéia de que existe uni estado de não-estar-vivo cheio de paz, que poderia ser pacificamente alcançado por meio de uma regressão ex trem a” (1988 , p. 154). E embora o bebê, ou o feto, não tenha nenhuma capacidade para se preo cup ar com a mo rte, ' deve existir em qualqu er bebê a capacidade de sentir-se conc ern ido pela solidão da pré-depen deneia, já que esta foi de fato experim enta da" ( i b i d . , 155). O que tudo isto tem a ver com o momento final do processo de amadurecimento? Dc novo uma resposta surpreendente: o mesmo que o estado inicial. “ Mu ito do que é dito e sentido acerca da m orte refere-se, na verdade, ao e s t a d o a n t e r i o r a o e st a r v i v o [ídiwne.ss), no qual o estar so zinho é um fato e a depen dência ainda se encontra mu ito longe dc ser descoberta" ( u l e t n , grifo meu). Winnieott identifica o final do processo de amadurecimento com o momento inicial, Com isso, o amadurecimento no seu todo fica caracterizado co m o um processo de retor no à origem , com o um movimento c i r c u l a r que volta ao lugar dc onde começou. Ele não deixa dúvidas: o estado ante rior ao da solidão essencial é um estado de não-estar-vivo. É para este esta do, que T. S. Elio t eharnou “ pura simplicidade, custando nada menos que tudo”, que o indivíduo humano necessariamente retorna. A vida humana consiste, portan to, num interva lo entre dois estados de não-estar-vivo; “ O p rim eiro 298
OS KSTÃl 1IOS l>A I)KI'BNl»ÉNtX\ E LV n iiPE X n K » :IA KKIATIV.VS
dos dois, a partir do qua! emerge o estar-vivo, dá colorido às idéias que as pessoas costum am ter sobre a segunda mo rte [ s c c o u í / <ítót
Segunda morteV A primeira está antes do iníeio, do onde o ser em er ge do não-ser u. a pa rtir daí. todo o p cru urso é um caminhar na direç ão da segunda. Ilá um nada antes do eorneeo e um nada depois do fim. A vida se cons titui do intervalo e ntre esses dois nadas. Mas a vida não reina, plena, como um acontecimento imune a esses dois nadas. Eles a atravessam dc ponta a ponta. E por essa vineulação fundamental, que “o prazer da companhia só existe como um am adurecim ento a partir do isolamento essencial, o isolam ento que reaparece quando o indivíduo morre” (1984b, p. 116). Na m orte , que é o grande retorn o. n solidão essencial se fechará sobre si mesma, completando o ciclo da vida. Enquanto o indivíduo estiver vivo, ela permanecerá como o fundo, como a reserva iueonfigurávol que entrega o homem à tarefa de existir como história inédita e pessoal, sem apoio em nenhuma determinação, sustentado tão-somente na ilusão de poder criar. Permanecerá também coino matriz de todas as possibilidades de retorno, de recuo do indivíduo que, quando é saudável, sente necessidade de descansar da tarefa de existir c de ter de, permanentemente, separar a fantasia da reali dade, o subjetivo do ob jetiva m en te percebido . A solidão essencial é a única verdadeira e desconhccidamcnte almejada quietude, a que mais se aproxima da con diç ão de pura sim plicidad e que custa nada menos que tudo. Na aba interna tio caderno em cjuc Winnieott começou a escre ver sua autobiografia, cujo título seria N a d u m e n o s (f u c t u d o , encon tra-se um fragmento dos Q u a t r o i f i i u r t c t os, de T. 8. Eliot:-'" O que chamamos começo é freqüentemente o fim li chegar a um fim é cheg ar a um com eço O fim é tle ontle com eçam os.
55 Na edição brasileira deste texto, a expressão “segun da m orte ", tio original "aecund ilcctil t ", não aparece, tendo a frase sido assim traduzida: "A vida de uma pessoa consiste num intervalo entre dois estados de não-estar-vivo. O primeiro dos dois. a partir do qual emerge o estar-vivo, dá colorido ás idéias que as pessoas cos tum am ter sob re o se gu nd o" (ef . LMiStS, p. 15-Jj. 56 T. S. Eliüt, m o , pp. 144 e 145.
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10. Breve comparação da teoria do amadurecimento pessoal com a teoria do desenvolvimento das funções sexuais da psicanálise tradicional Elaborada a partir cia exp eriênc ia tio autor com bebês c psic óticos, a psicanáüsc w innicottiana é baseada na teoria cio amadurecimento pessoal, que dá destaque especial às tarefas primitivas de cousLimição do si-mesmo e de acesso aos sentidos dc realidade. O que está aqui cm pauta é o bebê no colo da mãe. A psicanálise tradicional, desenvolvida a partir do estud o c do tratam ento das neuroses, ba seia-se na teoria do desenvolvimento da sexualidade, em termos das relações dc objeto guiadas pelo princípio do prazer, que privilegia o complexo de Edipo, ou seja. a criança 11a cama da m:1e.ST lintre estes dois quadros teóricos da psicanálise existem diferenças fundamen tais. No que se refere aos pressupostos teó ricos, algum as dessas dife renças já foram mencionadas 110 final do (Capítulo 1. Aqui, ressaltarei alguns pontos diferenciais entre a teoria winnicottiana do amadure cimento pessoal e a teoria tradicional do desenvolvimento das fun ções sexuais. Segundo Winnicott, a teoria do desenvolvimento das funções sexuais desconsidera as etapas iniciais do a mad urecim ento, pressu pondo, como ciadas, certas aquisições relativas à estruturação da personalidade; a cons tituição da realidade do si-mesmo c do mundo externo, Essas conquistas iniciais não podem, dc modo algum, ser dadas por supostas, nem podem scr vistas como uma decorrência automática do crescimento. K a experiência de lidar com essas tarefas do amadurecimento e o sucesso na resolução delas que cons titui os fundamentos da saúde psíquica. A psicose consiste exata mente no fracasso cm realizá-las e, neste caso, não haverá nem ao menos um indivíduo que, respondendo por um eu, possa enredar-se em conflitos intrapsíquicos, chegando a padecer das vieissitudes próprias da vida instintual e das relações interpessoais. Uma outra distinção entre o paradigma maturacional dc Winni cott c o paradigma edípico da psicanálise tradicional reside cm que,
57 O "bebê 110 colo du niiie” c a "‘criança na cama da mão” são expressões criadas po rZ . L oparie paru definir, respeeiivameute, os exemplares para dig mát icos da teoria vinn ieo ttia na e da freu diana (e í. L oparie , 19*>7;i|
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na base da compreensão freudiana {las neuroses está o conflito psí quico cujo fundamento teórico é a dualidade pulsional. Kreud não podia modificar este con ceito sob pena de pôr a perder tod o o ed ifício teórico da p sic a n á lise .P ar a Winn icott, no entanto, que sc move cm outro horizonte teórico, nãoc necessário conceber forças pulsionais em co nflito para pôr a vida em m ovim ento e dar sustentação teórica às dificuldades, impasses e distúrbios, mesmo os mais primitivos. () que impulsiona a vida c o psiquismo c o próprio fato de o bebê estar vivo e carregar em si a tendência inata à integração; é desta ejuc decorrem as tarefas e as necessidades vitais. Te r que con tinuar a scr e amad urec er põe já o indivíduo fre nte a desafios e dificuldades suficientes, tendo em vista, sobretudo, sua situação de dependência extrema dos cuidados ambientais que podem, humanamente, falhar a qualquer momento. Não é necessário, portanto, postular conflitos instintuais c afetivos para explicar as angústias primitivas do bebê. A teoria freudiana concebe o desenvolvimento cm termos do desenvolvimento d a s f u n çõe s sex i u t i a . Isto deriva da tese central de Kreud de que as neuroses são distúrbios, relativos a um conflito sexual. O tema central do con flito c o com plexo de Edipo, e é no in terio r da resolução do com plex o que sc dá a constituição do sujeito. Mesmo quando Kreud, ao tentar responder aos impasses teóricos colocados pela sua teoria do nareisismo, passa a sc interessar pelas psicoses, as questões que ele formula derivam do mesmo campo configurado para a inteligibilidade das neuroses. A insuficiência tle sua teoria das psicoses já está instalada nos pressupostos: não tendo como admitir mu domínio de problemas que escape ao conflito pulsional, Freud precisa encaixar, nesse domínio, as patologias psi cóticas. Segundo W innico tt, entretanto, o ama durecimento não diz respeito a funções isoladas, mas exatamente à integração numa inteireza e à tendência dc existir como uma unidade. Embora o amadurecimento pessoal inclua a integração gradual tia instintuali dade e o desenv olvim ento da sexualidade, não c nesse do m ínio que o indivíduo sc constitui, Existem pessoas que, tendo tido seu amadu recim en to in terrom pido cm fases primitivas, jam ais alcançam maiu-
5H Cf. Kulgcncio. 20 0], Parte III, Capítulo 2, item A , sobre a dua lidade pulsioiial enquanto fundamento do ponto de vista dinínnieii, que, para Freud. ilisi im;u,. a psicanálise de outras psicologias (ver, também. Kreud. 1') l/ím. p. 2 11). Km,i perspectiva também foi tratada em Simanquc. 1 W I. Capítulo 3.
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ridade suficiente para padecer dos problemas inerentes à situação edípica. Pela teoria winnicottiana, é preciso haver antes um indi víduo para que algo eomo a sexualidade humana possa acontecer. listas são algum as das razões para Win ni co tt afirm ar que, em bo ra seja muito mais fácil descrever os processos maturacionais em relação às funções instintuais, do que cm termos do ego e dc sua complexa evolução, não há mais eomo evitar a segunda alternativa (l*->71f, p. 21). l*ode-se ilustrar o modo eomo. na teoria do amadure cimento pessoal, Winnicott faz prevalecerem as conquistas do ego sobre as funções sexuais, c de que modo essas conquistas são vistas como condição dc possibilidade para a vida instintual. Retomando um aspecto do desenvolvimento da instintualidade dentro do pro cesso de ama durecim ento — a progressão da dom inàneia instintiva, dc acordo com as funções envolvidas e com a elaboração imaginativa dessas funções — , W inn icott enum era as fases prc-gen ital, fálica e gcnital eomo sendo as únicas importantes a serem consideradas; para cie, a subdivisão das fases, proposta por K. Abraha m — oral e ró tica e oral sádica; anal er ótic a c anal sádica etc. — , tem a lgo de essencialm ente insatisfatório, já que consiste na aplicação, aos está dios primitivos, do modelo de progressão que vai do pré-genital ao gen ital e im plica olhar o la eten te a pa rtir do que já sabem os sobre a crian ça que anda ao invés dc olhar para o bebê cm sua imaturidad e. Mas o ponto central da objeção dc Winnicott consiste no seguinte: não é a fantasia da atividade oral que é, do início, e ró tica — ou seja, não sádica, pré-ambi vale nte — c só depo is sádica, destrutiva c am bi valente. K o h e bê i p t e, a n u u h t r e c en d o , t r i m a f o n r i u -s e d a i n c u m p c u k c i d o em c o m p c u l c c ú l o . A instauração da ambivalência está relacio nada com mudanças maturacionais do si-mesmo e não com o desenvolvimento das funções instintuais. Seja qual for a fase do processo, o caráter de amadurecimento pessoal permanece. \’o estág io cdípieo , por exemplo, a vida instintual acrescida da chegada à genitalidade farão com que a sexualidade ganhe proeminência. lista posição, contudo, não c estruturai, mas característica desse estágio. Os distúrbios neuróticos são, tal como l*Ycud os descreveu, de caráter sexual, mas por estar às voltas com a questão edípica e assolado pelas turbulências instintuais que a acompanham, o indi víduo não sc torna um scr em ine nt em en te instintual ou sexual. Suas questões, enquanto pessoa, continuam ein pauta, e tanto quanto antes, a sexualidade não o define nem o constitui. \a situaçao ulí .102
OS KSTÁCIOH 1),\ l)KI'KNI)KXt:i.\ K INDIiHiXDKXl ILA RKLVTIVA.S
nica, o tera peu ta precisa contin ua r a manter, pai a si mesm o, a questão dc saber se já existe ali alguém, um eu. que está lá para ser en con trado, que sc sinta vivo e capaz de dar signific ad o à vida instin tual e à sexualidade, ou se, independentemente do conteúdo com que o indivíduo reveste a sua imatu ridade — uma falsa novela fa mi liar, por exem plo — , é preciso estar atento às condições q ue faci litem a constituição tio si-mesmo primário. Diferentemente da psicanálise tradicional, as conquistas do amadurecimento não ocorrem automaticamente. O bebê humano depende, até para chegar a ser um bebê, da presença concreta o contínua dc 11111 ambiente faeilitador. ü processo, no início, não é intrapsíquico, mas interpessoal, embora, no início, num sentido muito peculiar. A dinâmica do amadurecimento, por se dar numa relação dc dependên cia absoluta do bebê eom relação ao ambiente, não resulta exclusivamente, nem mesm o principalmente, dc fatores internos ou constitucionais, mas da faeilitação ambiental. Além disto, a relação primária eom a mãe-ambiente não é, dc início, objetai. O bebê ainda não é uni eu unitário, que já tenha uni mundo interno, no interior do qual estaria ocorrendo o conflito entre objetos internos bons e maus; ele tampouco sabe da existência de um mund o ex tern o ou de objeto s externos. Bem no início, a “ rela çã o" com a mãe não c nem m esmo dual. tendo de ser descrita com o uma unidade bebe-mãe, de dois-cm-um. lí no interior dessa relação .siageneris, cuja realidade é subjetiva, que se dá o iníe io do co nta to com a realidade externa, que o bebê não sabe ser externa. Não sendo nem mesmo dual, a relação c muito menos triangular. Também não se pode dizer que c erótica, pois o bebê não c regido pelo princípio tio prazer, mas pela necessidad e de ser, de sentir-se real c dc ch eg ar a existir num mundo real. Para tanto, o que cie ne cessita é da confiab i lidade da mãe, da comunicação pessoa! com ela, da intimidade, da oportunidade de criar o mundo. Com relação às raízes da agressividade, é fácil perceber o desa cor do de Win nie ott co m relaçã o ii teoria freudiana. Para o Freud tia primeira tópica, a agressividade humana tem início como reação às frustrações no con tato com o p rincípio de realidade. Esta teoria, 11a visão de Win nieo tt, não dá conta dessas raízes, 11111a vez que “a raiva contra a frustração não surge su ficienteme nte c ed o" ( ] 9S.S, p. 99n). Ou seja, o bebê não está sufic iente m en te am adurec ido nem para ter desejos, nem para ser frustrado, e tampouco para sentir raiva de 30.1
A TliO K lA lK).\M,MH KK (:r.\Ilí.\T()l)K I) \V WINN ICUT I
alguma coisa que lhe seja externa, uma voz que ainda iiílo tom o sentido da externalidíide. Fxatamente por não ter examinado as questões que re gem as etapas iniciais do amad urecimen to, a teoria freudiana desconsidera duas importantes raízes da agressividade: a destrutividade que é inerente ao impulso instintuai prim itivo — já em 1939, W inn icott dizia que o bebê morde quando está excitado e não quando está frustrado (1957 d, p. 92) — c a reação às invasões ambientais que interrompem a continuidade dc ser. Para Kreud, os mecanismos mentais de projeção c introjeção estão ativos- desde o início e são eles que movem o psiquismo. Para Winnicott, as bases da saúde psíquica não repousam sobre meca nismos mentais, nem as tarefas iniciais e as suas soluções são refe ridas à mente ou a processos mentais. Ilá muitas conqu istas a serem feitas antes que estes entrem em ação. Ao con trário, se os processos menta is fore m levados a funcionar proo ocem ente , antes que alguma integ raçã o psicoss om ática se estabeleça e antes que algum “ saber7’ — dc ca ráte r ox porienc ial e não m en tal — se co nstitua, isto terá caráter defensivo patológico e levará ao estabelecimento de um distúrbio de tipo esquizofrênico. Além disto, os mecanismos mentais são concebidos, pela teoria tradicional, segundo uni modelo corpóreo de incorporação c excre ção. A concepção winnieottiana da criatividade primária exclui a idéia de um psiquismo humano construído na base dc projeção dc objetos previamente introjetados, ou seja, digeridos, reproeessados e expelidos. l'ni elemento teórico importante no fundamento desta diferença consiste em que, para Freud e, de forma exacerbada, para Melauie Klein, o juízo de atribuição (bom e mau) precede o dc exis tência. Por isso, a constituição do L u s t - I c h , o eu-prazer originário, pode ser pensada em termos dc projeção do que é mau (desprazoroso) e intro jeção do que é bom (pra zeros o), o que significa também que já haveria um de ntro e um fora antes de haver um indivíduo . Em Winnicott, a existência, o sentido (subjetivo) de real, necessaria men te antece de qualquer ju ízo do atribuição, o qual supõe a per cepção da existência do objeto. Além disto, no início, o “bom" e o “mau” estão articulados exatamente com a existência, ou não, dc algo real, no sentido subjetivo, líoa é a experiência que é real. mesmo quando for frustrante; má é a experiência falsa, em que algu parece acontecer mas não acontece. .10 1
OS IÚSTAGIUS DA t)!Cl,K.\!)K.\ClA K IMJIilMí-VDKNCIA UIÍLVIIVAS
W innieott também não pode aceitar o recurso à filogenética do tjaal Froud se vale quando, ao descobrir o engano dc sua primeira teoria da sedução, deve dar conta da eficácia das íanLasias de sedução. A partir daí são introduzidas, na teoria, as protofantasias ( U r p h a n t a íii e n ) que consistem cm estruturas lantasmátieas típicas — ce na origin ária, ca stração, sedu çã o — que organ izariam a vida psíqu ica sejam quais forem as experiên cias pessoais dos indivíduos. Freud as legitima pelo argumento de que elas constituem um patri m ônio transmitido filogeneticam ente. Para Winnieott, só entra em consideração, como pertencente ao indivíduo, aquilo de que ele faz a experiência; caso contrário, permanece externo, alheio a ele. Por último, para a psicanálise tradicion al, a cultura, a so cia bili dade, a moral e a arte são produtos derivados, via subiiinação, do conflito pulsional. Elas têm, como base, as pulsõos, isto ó, os ins tintos transformados. Para Winnieott, contudo, os instintos são instintos, impulsos biológicos, c nisto não há diferença entre ho mens e animais, a não ser pelo fato dc, no ser hum ano, to do o fun cionamento corporeo scr elaborado imaginativamente, o que não acontece nem no mais interessante dos animais. Alem disto, se o indivíduo começa introjetando objetos para depois projetá-los, co m o quer a teoria trad icional, então ele é feito de mundo e não há nenhum lugar para a criatividade o riginária. Toda criatividad e — incluída aí a criação artística cm gera l — 6 entendida em termos de sublirnação da libido, Este c o motivo pelo qual o fenômeno da transieionalidade não tinha com o ser pensado no int erior da psica nálise tradicional. Em Winn ieott, o indivíduo não c criativo porque sublima; ele ó cria tivo po rque é humano. A criatividade é originária c diz resp eito à capacidade que to do ser humano tem dc criar o mun do novamente. Este ponto pod e ser ilustrado pela diferença 11a abordagem, em Freud e Winnieott, da produção artística, e da arte, em geral. Segundo o último, as tentativas de analisar a obra de arte, empre endidas pela psicanálise freudiana, perdem dc vista o essencial. Pode-se relacionar a obra dos artisLas com fatos de sua infância, ou vincular temas de sua obra com suas inclinações sexuais, com o foi feito, por exemplo, eom Leonardo da Vinei. Mas esses estudos, além de irritarem os artistas e as pessoas criativas em geral, con torn am a questã o central da criatividade , dando a impressã o de que é possível explicar e determinar as razões pelas quais uma AOS
A TK DlílA IHJ AMADU KIÍCIMKNTO l)li I) W. WIX XICO TT
certa possua c capaz cio realização artística. A questão que move W inn icott, neste ponto, fiea ainda mais clara se examinam os a dife rença entre o seu conceito dc brincadeira e o do Melanie Klein. Qu ando esta observa a brinca deira das crianças, a perg un ta que ela sc faz ó a seguinte: quais são os fantasmas expressos pela brinca deira? I'ara ela, o brincar põe de manifesto as inibições, além de operar vãrias /unçõe.s: realização de desejos, domínio da angústia, descarga masturbatória etc. Klein não se interessa pela brinca deira nela mesma, mas tão-somente pelo u s o simbólico que a criança faz do brincar; ou seja, os fins a que a brincadeira se presta são mais importantes do que o próprio brincar. Para Winnicott, esta perspectiva não apenas desconsidera o essencial do brincar, co m o põe a perd er algo do seu significado clínico: o brincar é tera pêutico, não por exprimir conflitos inconscientes, mas em si mes mo, por ser uma forma natural da vida e da criatividadc. Muitos dos pontos acima mencionados dizem respeito tanto a Freud quanto a Melanie Klein. Com resp eito a Klein, mais esp ec ifica mente, as diferenças são, de um lado, mais complexas e, de outro, mais simples. Mais complexas porque, buscando ambos respostas para o mesmo período primitivo, a linha diferencial 6 mais delicada. Mais simples porque os fundamentos da teoria Idcinkma são tão claramente an tagônicos aos de W innicott que, do certo modo, c fácil traçar-lhes as fronteiras. Limito-me aqui a destacar as seguintes difere nça s:5'1 1) Para explicar certos fenômenos primitivos (eomo uma para nóia prec oc e), M. Klein apela para o fator con stitucional e. deste modo põe fim a qua lquer discussão aeerea do papel do ambiente. Ou seja, cia desconsidera o fato da depend ência e a n atureza dos cuidados que o bebê está recebendo. O ra, se aceitamo s a situação inicial dc dependência absoluta, um fenômeno do tipo da para nóia precoce não preeisa ser atribuído à hereditaridade; não é preciso supor a existência de uma entidade do mal ope rand o do forma isolada; podemos ver, nele, uma reação do bebê a um pad rão de intrusões am bientais, ou a algum tipo de falha que leva à privação.
59 Um detalh ame nto das diferenças entre Win nico tt e Klein encon tra-se nos seguintes textos de Win nico tt: 1965va, 1989x1', 19S9xji, l9 S 9 x li ee m í '/S.S, Parle 2, Capítulo 1.
3(Jf.
OS RHT.VÍIUS |).\ Dlíre.NUKXClA li IXDBWÍXDf^CIA KELATIYA.S
2) Para Klein, o que se passa com o bebê é iutrapsíquico; ela não leva em conta a exp eriênc ia interpessoal real — que se dá no plano su bjetiv o— , a não ser em termos de fantasia, 3) A teoria kleiniana dá por eerto que o bebê é capaz de estabe lecer. logo no início da vida, rclayõcs com o bje tos c x i e n u i s . Como, para Winnicott, essa capacidade c uma conquista do amadureci mento, e exatam ente aquela cu jo fracasso resulta em psicose, isto significa, tia perspectiva tio autor, que os pressupostos kleinianos eliminam, de princípio, qualquer possibilidade de uma conside ração efetiva, por parte da teoria kleiniana, sobre os estágios iniciais do amadurecimento e, em conseqüência, sobre as psi coses, cm especial as de cará ter esquizofrênico. 4) Segundo Klein, essas relações primárias de objeto são ainda eom ob jetos parciais, mas, para ela, o sujeito da relaçã o está lá; há uma u n i d a d e i n i ci a l d u m e m e que pode ser ativamente cindida pela ação destrutiva da pulsão dc morte. Isto altera toda a perspectiva da pesquisa sobre os estágios iniciais que poderia ser considerada aceitável po r W inn ico tt,6*1 5) Ao descrever os fenômenos dos estágios primitivos como précdípicos. Klein pretende elucidar as psicoses fazendo recuar os mesm os elemen tos presentes na teoria das neuroses: ela postula o édipo p recoce e introduz na relação dual bebê /seio o pênis do pai. reeonfigurantlo o triângulo. Para Winnicott, o qu e oeorr e nos está gios primitivos não & prc-edípieo, mas não-edípico; as tarefas de
íiO Tentando, por vários meios, dialogar eom os kleinianos. Winnicott escreve numa carta, dc 1956. a .loan Kivière: "Me u problem a, quando co m eç oa falar eom Mclanic a respeito tle sua formulação sobre a primeira infância, c que me sinto eo mo se estivesse falando d e eores com u m daltônic o. li Ia simples mente diz que não se esqueceu da mãe e da parte que eompece à mãe, embora, na verdade, eu ache que ela não dá indíeio algum de ter comp reen dido a parte que a mãe desempenha bem no início” (19.S7b, p. f»-l). Nesta mesma carta, comentando sobre o ensaiu “Um estudo da inveja e da gratidão”, apresentado por Klein à Sociedade Britânica dc Psicanálise (cf. Klein, I9.S4). ele discrim ina três diferentes temas contidos no ensaio, e diz que, no que sc refere "] ...| à tentativa [tle Klein] dc formular a psico logia da infância mais inicial ela prestou um gran de desserviço a si mesma ao fazer uma formulação que é liem fácil de ser completamente destruída (a inveja inata) e que pode facilmente deter o estudo do desenvol vimento da estabilidade do e£o e as pesquisas que estão corrend o cm várias partes do m undo sobre o tratamento da psicose” ( i b U i . . p. 6>,T).
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,\ TKOKIA 1)0 A.MAl>fKi;CLM!-;XTO l)K 1). W. WIN.YIUITT
constituição de si-mesmo c do aoesso à realidade não estão relacio nadas a questões puIsionais. mas ít necessidade do bebê de conti nuara existir, e se dão num plano exclusivamente dual. Além disto, para Winnicott, não se pode falar de lidipo a não ser com relação a pessoas inteiras c tle modo algum com relação a objetos parciais. 6) O tipo de perturbação que Melanie Klein estuda, relativo ã posição depressiva, diz respeito ao manejo do desmame que. segundo Winnicott, acontece aproximadamente entre os nove c os dezoito meses. Mas, para este, a nt es d o d exm a m e, há a tft wstão m a i s a m p l a d a d e si l u s ão , li a mãe que desempenha o papel dc desi ludir o bebê. Mas isto só pode ser realizado com base mima etapa anterior em que a mãe, cm função dc sua adaptação especial, prove o bebe da ilusão da onipotência, li apenas sobre a ilusão que a desi lusão pode acontecer. “O desmame”, diz Winnicott, “implica [ter luividoj uma ama mentação hem-sueedida, c a desilusão, uma provisão bem-sucedida de oportunidade para a ilusão” (1953a, p. 307). As falhas relativas ao desmame não podem dar conta dos fenômenos esquizofrênicos que estão relacionados a estágios mais prim itivos e cujas tarefas são de natureza primordialmente diferente daquelas que pertencem a esse mo m ento tio amadu recimento. Se se quer che ga r às psicoses de tipo esqu izofrênico, é imprescindível referir-se aos estágios cm que a depend ência é absoluta: Para fazer progresso na direção dc uma teoria operacional das psicoses, os analistas devem abandonar totalmente :i idéia tle ver a esquizofrenia e a paranóia em termos dc regressão no complexo tle lidipo. A etiologia desses transtornos leva-nos, me-vituvclHwntti, aos estágios que precedem os relacionamentos de três corpos. O corolário estranho c que existe, na raiz da psicose, um fator externo, li difícil, para os analistas, admitir isto. após todo o trabalho que tiveram chamando a atenção para os fatores internos, ao examinarem a etiologia da psiconeurose (]9!S9xa, p. 191). 7) Segundo Winnicott, a morte não tem sentido até o alcance tia capacidade para odiar, o que implica percelxM' o outro eomo pessoa humana completa; além dc outros, esse é um dos motivos pelos quais a chamada pulsão dc morte, ou de destruição, c inaceitável na descrição da base da destrutividade. iS) Para Klein, o psiquismo 6 construído segundo os modelos corpóreos de incorporação e expulsão: introjeção c projeção. Isi o supõe 30N
OS KST.ÚilOS DA I H íriíX D KMilA K INUKrKNHKX» :i,\ UK1„VI IV.\S
um dentro c um fora já constituídos, o que, para Winnieott. não c possível ao hübô em estado de não-imegrayào. Sumariamente, são estas as razões tle Winnieott afirmar que a teoria do desenvolvimento libidinal não d á conta de com preen der c em preender o tratamen to do tipo de distúrbio que atinge os psicó ticos. Em decorrência, ela também não pode compreender os pro blemas básicos da natureza humana revelados pela psicose.
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Considerações Finais
C) objetivo deste livro foi apresentar, de maneira articulada e unifi cada, os pressupostos conceituais da teoria tio amadurecimento, descrevendo os vários estágios do processo eom suas diferentes tarefas e conquistas. O tema foi motivado, em primeiro lugar, pela posição central qu e essa teoria ocupa n o opus winn ieottiano. Era segundo lugar, por ela constituir o ho rizon te te óric o necessário a partir do qual se pode exp licitar a teoria winnieuttiana dos distúrbios psíquicos, o que será fe ito num próx im o livro, que tratará, em especial, das psicoses. Km terceiro lugar, pela constatação de que, como a obra de Winnieott não foi alvo, até h oje e até ond e sei, de uma análise que explicitass e a sua unidade interna, era preciso salientar o lugar central da teoria do amadurecimento e seu estatuto de quadro referencial para o estudo dos fenômenos humanos, mostrando não apenas as articula ções con ceituais desse pensamento como um todo, com o as im por tantes decorrências teóricas e clínicas que advêm da conexão entre os estágios do amadurecimento e os vários tipos dc distúrbios psíqui cos. Em qua rto lugar, a mo tivação para este estudo veio do rec on he cimento da riqueza, relevância c eficiência da contribuição winnieottiana para a tarefa terapêutica, que transparece nos casos e ilustrações clínicas do autor, e que se confirma tanto cm minha própria experiência como na de outros analistas que sc deixam orientar por essa perspectiva. A realização do plano da presente pesquisa, tal como foi conce bida, revelou-se, logo, uma tarefa bastante solitária. Além de ter encontrado pouco apoio bibliográfico na literatura secundária, foi preciso en fren tar várias dificuldades derivadas do fato dc (»s elem en tos con ceitua is e descritivos, em que estã o expostos os pressupostos 311
IX>NS11MvKA(/)KS U NA IS
básicos (.Ia teoria tio amadurecimento o ;i caracterização tios vários estádios, encontrarem-se espalhados por toda a obra tle Winnicott. Com a aplicação do princípio m etod ológ ico de ler as partes a partir do todo e de entender o todo a partir tias partes, totla a obra de Winnicott foi cuidadosamente mobilizada em torno do tema do amadurecimento, sobre o fundo da questão das psicoses, isto é, dos problemas relativos à continuidade ou não tio processo de amadure cimento e do sucesso ou fracasso na constituição da identidade unitária. Ten do ainda levado em conta a sugestão do próp rio autor de ler de um ponto de vista histórico tanto a psicanálise em geral eomo a sua obra, fez-se necessário acompanhar a evolução tle cada con ceito, liste aspe cto tia pesquisa permitiu-ine, sim ultaneamente, apreender os notáveis progressos que aconteceram ao longo tia carreira científica tle Winnicott, em particidar na década de 1960. A esta última tarefa, que permeou todo o trabalho, foi dado um particular destaque no Capítulo I. Para abrir e sustentar o caminho da pesquisa, foi necessário, ainda, levar cm conta objeções a este tipo de projeto, o que signi ficou qu estiona r algumas idéias já e stabe lecidas sobre o nosso autor. Destaco tluas: primeiro, a de que uma organização conceituai da obra de Winnicott estaria em contradição eom o espírito do autor, cuja assistematiciclade ou pretensa falta de unidade teórica consti tuiria a principal car acte rística a scr preservada; segund o, a de que a articulação do pensamento de Winnicott e a demonstração de sua unidade matariam a poesia que lhe é intrínseca. Embora considere leg ítim o o te m or no qual, em parte, essas objeções se baseiam — o de criar uma ortodoxia, enrijecendo o pensamento do autor — , creio ter podido mostrar que a solução para evitar o perigo advem, exatam ente, d o estudo cuidadoso e ordena do de sua teoria, já que o Winnicott teórico soube resguardar, cm suas concepções, as várias dimensões do humano, pondo em relevo, e a salvo, ou seja, sem mistificações, os vários e diferentes aspectos da existência humana, inclusive a criatividade, onde quer que esta possa ser exercida, a partir tia tradição. NTo que se refe re ao risco de aniq uila ção da poesia, parto tia posição de que o aspe cto po ético da obra de W inni cott deve-se não à sua assistematieitlade, mas ao fato tle cie ter sabido preservar, pelo uso de diferentes linguagens, apropriadas a catla estágio do amadurecimento, a natureza específica tios fenô menos humanos; foi exatamente assim que cie procedeu quando .112
t X>.\SU(KIUÇÓKS FINAIS
iluminou o caráter poético c quase intlizível tios fenômenos que caracteriza m as etapas iniciais — co m o a delicadeza da relação e da comunicação pré-vcrbal entre mãe e bebê no momento inicial da vida deste — deserevendo-as numa lin guagem que não fere a sua na tureza essencial, que c, afinal, com o faz o poeta. Contu do, a com ple xidade e a articulação interna das teses winnicottianas demonstram com clareza que a escrita dc Win nieo tt. seja a dirigida às mães seja a destinada aos psicanalistas e ao púb lico cien tífic o em geral, lon ge de restringir-se a evocações poéticas oferece um corpo impressionante de con ceitos que, m esmo não constituindo uni “ sistema” fechado, podeni, legitimam ente, ser caracterizados com o “ teórico s1’ — esta tuto que Winn ieott, ele m esmo, reservou para a sua contribuição. Cre io, portan to, p oder a firmar que os principais desafios à tare fa a que me propus foram superados. A luz da análise histórico-hcrmcncutica, foi possível reconstituir o tema central da psicanálise winnieottiana: a teoria do amadurecimento pessoal. Mostrei, cm resumo, que a teoria do amadurecimento: a) baseia-sc num conjunto tle pressupostos c tle idéias recorrentes na obra de Winnieott que, com a evolução de seu pensamento, foram sendo dotadas de profundidade e coesão oad:i vez maior: b) está fundada, ein particular, numa teoria da natureza humana caracterizada como um modo de temporalização que, em eatla estágio, configura uma certa forma de integração d;i pessoa humana; c) e o horizonte a partir do qual podem ser avaliados os fenômenos psíquicos da saúde e da doença em geral: d) pressupõe algumas tuscs tle ordem filosófica não comumcntc encontradas nas teorias das ciências humanas ein gorai. A caracterização da teoria do amadurecimento, levada a efeito neste livro, mostra ainda que, para expor a sua perspectiva teó rica e os novos fenômenos iluminados por sua teoria, Winnieott aban donou as abstrações ou especulações de caráter metafísico. Na descrição das várias etapas do amadurecimento ele, sempre que possível, usou termos da linguagem comum, vinculados à expe riência qu e está sendo vivida, alçados, algumas vezes, à categ oria dc termos técnicos. Assinalou, ao longo da obra. que os termos que .113
iXINSinliKAÇC)KS KlNAJS
servem para a descrição de um estágio tornam-se errados na descri ção de outros. Alem dc ter demonstrado, dessa maneira, a amplitude da contri buição dc Win nico tt, enum erei, ainda, na última seção do Capítulo IV, algumas diferenças básicas entre a teoria winnicottiana do ama durecimento c a teoria psieanalítiea tradicional, referida ao desen volvimento das funções sexuais, lista comparação foi feita não ape nas para ressaltar a novidade das concepções winnieottianas, como para pôr em pauta uma outra questão, a saber, a dc decidir sobre a exata natureza da mutação provocada, pela obra dc Winnicott, na teoria psieanalítiea. Essencialmente epistcmológica, esta última questão, embora tenha permeado todo o estudo, foi apenas indica da, mas não desenvolvida, por se situar fora do âmbito tio presente trabalho. Sendo a teoria do amadurecimento o horizonte teórico a partir do qual se pode explicitar a natureza dos diferentes distúrbios psíquicos, o estudo desta teoria permite vislumbrar o que será expli citad o em de talh e no meu próx imo trabalho. Pode-se já adiantar, cm largos traços, que, segundo Winnicott, as /xsicoses estão relacio nadas ao fracasso ambiental na faeilitação das conquistas dos está gios iniciais — que começam em algum m om ento da vida intra-uterina e vão ate o estágio do EU SOU. Se o ambiente falha, repetidas vezes — ao m odo de um padrão estabelec ido — , cm se adaptar às necessidades do bebê durante a etapa dc dependência absoluta, e mesm o relativa, o processo de amadu recimento pessoal é interr om pido (nesse m om ento p rim itivo em que estão sendo constituídos os alicerces da personalidade), dando orige m a um distúrbio psicótico. Natu ralmen te, haverá diferentes tipos de distúrbio ps icótico segun do a etapa, dentro dos estágios iniciais, cm que o bebê for traumati zado pelas falhas am bientais. Se tudo corre bem até a conquista da identidade unitária (nesse marco do am adurecimento que é o estág io do EU SOU ), a criança, que tem agora en tre um e dois anos, terá, então, de defrontar-se eom a integração da impulsividade instintual no estágio do eoncernimento. Se o ambiente não favorecer essa conquista, haverá o risco de d e p r e s s ão , cuja problemática central consiste na dificuldade de aceita r e integ rar a destrutividade que p erten ce à natureza humana c que aparece, justamente, cm relação ao objeto amado. .11-1
(:< JNS11)KK.\C,:ÚKS KlXA IS
Xos casos favoráveis, cm que também essa conquista é realizada, a criança, tia qual sc p ode diz er que sedim entou as bases tia persona lidade (sendo, neste sentido, inteira e saudável), passará a estar ás voltas eom as ansiedades decorrentes das relações interpessoais — agora possíveis devido á maturidade alcan çada — ; em especial, com a situação em que o com plexo ctlípieo pode ser efetivam ente ex peri mentado, ou seja, entre pessoas inteiras. Tudo isto mobiliza ansie dades relativas à instintualidade, aos afetos e à fantasia que está oco rren do na realidade psíquica interna. Aqui, o favoreci m ento do ambiente não tem a mesma importância que tinha nos estágios anicriores, embora deva manter-se estável o suficiente para que o peq ue no indivíduo possa lidar eom sua prob lem ática pessoal interna e não sucumbir numa n e u r o s e . Psicose, depressão e neurose são as principais categorias diag nosticas da classificação winnieottiana tios distúrbios psíquicos, cujas diferentes naturezas são definidas em termos tle suas etiologias, ou seja, tio seu ponto de origem na linha do amadurecimento — se gu ndo a tarefa eo m a qual o be bê estava en vo lvido por oc as ião do trauma —- e tia natureza deste. Além dos distúrbios m enciona dos, c.\i«t.ein três ou tros que não co nstituem cate goria s diagn osticas cm si mesmas, apresentando-se sempre acopladas às anteriores. São eles: a tendência anti social, os transtornos psicossomáticos e as paranóias. Também estes distúrbios são caracterizados segundo o ponto tle origem; os dois últimos têm múltiplas significações que variam segundo este mesmo critcrio. Winnicott sempre salientou a existência, de lacunas em sua compreensão do processo dc amadurecimento, sobretudo 110 que se ref ere aos estágio s iniciais, incen tivand o os analistas a observarem e desc revere m suas exp eriênc ias analíticas, a fim de d esenvo lver cada vez mais a teoria. Além disto, há muito ainda a fazer para compre ender o que Winnicott já obteve eomo resultado de seu estudo e teorização. Também a presen te exposição está long e de ser com ple ta na análise do que já existe. Cada aspecto descrito cm uma seção poderia constituir, em si mesmo, um tema para pesquisas futuras. Isto é verdadeiro tanto para os estágios iniciais eomo para todos os estágios posteriores. Vários pontos relativos ao tema principal aqui exposto foram tão-somente esboçados e exigiriam, igualmente, tratamento suple mentar. O principal deles é a relevância dos resultados aqui obtido s .115
<;t >xs n j k k a c / j k s f i x a i s
para a clínica psicanalítica. Com efeito, o presente trabalho só encontrará o seu pleno sentido psieanalítico no momento em que forem explicitadas as implicações clínicas que advêm dessa nova compreensão acerca dos estágios primitivos do amadurecimento e do papel do ambiente na facilitaçâo da tendência inata ao amadure cimento, o que significa, na etapa inicial, a participação dos cuida dos ambientais na constituição do si-mesmo e da identidade pes soal. Isto implicará uma nova visão do que c a tarefa terapêutica à luz da teoria winnicottinna da natureza humana e dos percalços da sua tem poralização circular.
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A citaç ão das obras dc Win nic ott, inclusive as nuc sc encontram no co rp o do tex to, segue a bib liog rafia c om pilad a pelo 1’ruf. e l)r, Knud Mjiilinand, do D eparta m ento de P sicologia da U niversidade de Copenhaguc, cujo cr itér io é o ano da primeira pub licação do artigo ou do livro do autor. N'o corpo do texto, após a menção do ano de publi cação, cito a página cm que a citação pode scr encontrada nas edições brasileiras. A bibliografia feita pelo Prof. e Dr. Hjulmand foi reproduzida cm N u t w v s d I l u m i u u i — Revista Intern aciona l tle Filo sofia c Práticas Psieoterápieas, vol. 1, n" 2, 1W9. Consta, também, no seguinte endereço da Internet: uwv.ele.unicamp.br/grupofpp. Abram. J i i n (1996). T h e L a n g i u i f i e o f W i n n i v a U: .A d i c t U m a r y o f \ Vi m i i c o u 's u s e t > / t r o n t s , Londres: Karnac Bks. Amado, (ieorjje (1979). L)e 1 ’ e r i f a n t tit 1 ’ c u l u l t c . Paris: Press líniwrsitaire.s tle Krance. Atniel, Hcuri Frcdcriu (1931). J t t w u a l In t i ma . 2 vols. Paris: Librairic Stoclt. Araújo. Conceição A. S. (2002). “Contribuições tle 1). W. Winnicott para a ctio-
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