III Encontro Nacional de História do Pensamento Pensamento Geográfico I Encontro Nacional de Geografia Histórica 5 a 10 de novembro de 2012
A ação do homem e a ciência do meio ambiente humano: A relevância do trabalho de Pierre George.1: Felipe de Souza Ramão2 IFF Cabo Frio
[email protected] Resumo: Diante de um quadro atual de negligência com a Geografia Clássica, a obra de Pierre George surge para questionar os reais motivos dessa omissão. O geógrafo francês, explorado pouco na Geografia brasileira, é praticante de uma Geografia calcada na ideia da ação do homem e sua relação com o espaço; evoca intensos e profícuos debates, conseguindo produzir uma análise condizente com a realidade espacial de intensas transformações do século XX; e, ainda adianta debates, produzindo análises no mínimo visionárias. Pretende-se analisar justamente o cerne dos principais trabalhos do autor, a relação da ação do homem com o meio ambiente, além de ressaltar a importância do estudo dos clássicos na Geografia, delineando a necessidade da expansão desses estudos. Palavras-chave: Pierre George, Ação do homem, espaço e meio ambiente. Introdução A Geografia das últimas décadas tem se destacado, (em um ritmo heterogêneo), pela abordagem de vários temas, ampliando, sobretudo, o que Yves Lacoste chamou de geograficidade (LACOSTE 2008). São novas abordagens referentes aos conceitos geográficos, envolvendo múltiplas escalas, olhares e atores, entre outros objetos que surgiram, foram aprofundados ou foram retomados. Mesmo com esse aparente avanço, sentido também na Geografia brasileira, alguns debates ainda são restritos, (tratando-se 1
Pierre George intitula a Geografia como a ciência do meio ambiente humano, uma forma de incluir o homem no meio ambiente, e, mostrar que o objeto obj eto da ciência é a relação das coletividades humanas com o seu envoltório espacial. (GEORGE 1973) A ação do d o homem faz referência ao livro de George (1971), com o mesmo título. 2 Graduado em Geografia – FERLAGOS – Cabo Frio. Especialista em Ensino de Geografia –UERJ FFP. Cursando Especialização em Educação Ambiental – IFF Cabo Frio. Professor Substituto do Curso de Licenciatura em Geografia – FERLAGOS – Cabo Frio. Professor da Escola Estadual Aspino Rocha , SEEDUC – Cabo Frio – RJ. Coordenador de Geografia da Rede Municipal de São Pedro da Aldeia – RJ. III Encontro Nacional de História do Pensamento Pensamento Geográfico I Encontro Nacional de Geografia Histórica 5 a 10 de novembro de 2012
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no âmbito nacional), o que é passível de uma grande reflexão, uma espécie de crítica da Geografia chamada de crítica3, que é feita por autores como Ruy Moreira (2006,2007), Gonçalves (1982), Paixão (1982), Kaercher (2007), entre outros, que questionam, inclusive, o sentido e a generalização na intitulação “Geografia Crítica”. Diante de alguns temas subestimados ou simplesmente ignorados pela Geografia brasileira atual, logo, pelos geógrafos brasileiros atuais, escolheu-se trabalhar com o geógrafo francês Pierre George, denominado como pertencente à Geografia Clássica. A compreensão da Geografia Clássica, principalmente a oriunda da França, é fundamental para compreender a Geografia brasileira das últimas décadas. Tem-se na ideia de Geografia Clássica, segundo Ruy Moreira: O período que começa, no final da segunda metade do século XIX (...) marcada pelo antagonismo da necessidade de fragmentar-se para estar em dia com a contemporaneidade do pensamento e da necessidade de recuperar a integralidade de visão do mundo que tinha antes. (MOREIRA 2008 p. 16) O mesmo autor mostra a relevância da Geografia francesa no Brasil, que vai além da leitura das obras: A matriz francesa é, no geral, a nossa matriz originária. Os primeiros geógrafos acadêmicos que aqui estiveram para fundar os cursos universitários em São Paulo (USP) e Rio de Janeiro (UDF), e assim formar e dar origem à nossa primeira geração universitária (SAMPAIO, 2000), entre os quais cite-se Pierre Monbeig, Pierre Deffontaines e Francis Ruellan, que são de extração francesa, e trazem para a nossa formação a Geografia de Vidal de La Blache, Brunhes e alguma coisa de Reclus, a que o tempo acrescenta Sorre, George e Tricart, além do norte-americano Hartshorne. (MOREIRA 2008 p.23)
O pensamento do geógrafo Pierre George (1909 – 2006) admite uma variedade de interpretações, justamente pelo alcance de sua obra, que apresenta um teor quantitativo e qualitativo colossal, perpassando por temas que envolvem as questões urbanas, agrárias, demográficas, industriais, ambientais, metodológicas, entre outros. Logo, a escolha de analisar o autor não é fortuita, pois significa apontar um grande nome, assaz relevante para a Geografia brasileira, que é tratado ainda com um olhar de obliquidade, restrito no Brasil a alguns estudos e autores.
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Geografia Crítica passa a ser um termo reducionista do que foi o movimento de renovação brasileiro, do final da década de 70. III Encontro Nacional de História do Pensamento Geográfico I Encontro Nacional de Geografia Histórica 5 a 10 de novembro de 2012
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Uma das grandes dificuldades em se trabalhar com o geógrafo francês é exatamente sua pluralidade de temas e sua produção numerosa, o que obriga a se fazer um recorte temático, privilegiando, também, alguns livros. A preocupação central desse artigo será em analisar a relação da ação do homem com o meio ambiente, perante a perspectiva de quatro livros norteadores de Pierre George: A Geografia Ativa – (1968); A Ação do homem (1971); O Meio Ambiente (1973); e, Geografia Econômica (1970). Pretende-se buscar além do exame individual do livro uma análise comparativa, para buscar essa relação tratada por inúmeros geógrafos do movimento de renovação da Geografia, e, que já eram discutidas na Geografia Clássica. Além desse breve esforço, pretende-se inicialmente promover uma ligeira apresentação do geógrafo Pierre George, valorizando o seu papel em vários estudos geográficos, a necessidade de ampliar esforços para a compreensão de sua vasta obra e a possibilidade do uso dessa bibliografia na análise de questões atuais. Será perceptível a atualidade dos estudos e das análises de George, que pratica uma geografia renovada antes do movimento de renovação. Segundo Amélia Damiani: O trabalho de Pierre GEORGE é o deste anunciador de uma geografia crítica (DAMIANI 2009 p. 43) Portanto, tem-se como objetivos desse breve esforço: [I] Denunciar a omissão de alguns temas ou enfoques da Geografia atual, sobretudo, os geógrafos clássicos. [II] Apresentar a Geografia praticada por Pierre George e que apresenta grande relevância para diversos campos. [III] Compreender a relação da ação do homem com o meio ambiente em livros do autor. O contexto da produção de Pierre George
Pierre George é consideravelmente um autor de vanguarda, e, essa “Geografia visionária” impulsiona o pensamento acerca de vários temas tratados historicamente pela ciência geográfica, problematizando temas pertinentes de sua época e adiantando debates que serão popularizados décadas mais tardes. É o geógrafo que talvez mais tenha escrito entre os clássicos (Meynier, 1969; Claval,1974; Butti Buttimer,1980; Mendoza 1982; Andrade, 1987; e Moraes, 1981).” (MOREIRA 2008 p. 32) Em sua sistematização Moreira (2008) separa os geógrafos clássicos em grupos, desse modo, foram selecionados geógrafos como: Vidal de La Blache, Max Sorre, III Encontro Nacional de História do Pensamento Geográfico I Encontro Nacional de Geografia Histórica 5 a 10 de novembro de 2012
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Reclus, entre outros, e, dentro dessa perspectiva, o trabalho de Pierre George foi posicionado como um geógrafo de um terceiro grupo, junto com Tricart, que estariam justamente em uma fase conturbada de reflexos da Geografia dos grupos passados e concomitantemente uma emancipação de alguns princípios até então norteadores da Geografia. (MOREIRA 2008) Deste modo, George e Tricart são: Herdeiros de um mesmo passado e um e outro engajados nas ideias e nos problemas do seu tempo – ambos aderem ao marxismo e se filiam ao Partido Comunista Francês no pós guerra -, George e Tricart são intelectuais de um mundo fortemente transformado pela cultura científico-técnica (...) e um mundo de intensa mobilização política de parte de segmentos, povos e classes sociais que lutam para modificalo, refletindo em seu pensamento essa época. (MOREIRA 2008 p.32)
George escreve desde a década de 30 até praticamente o fim da década de 90, com apenas a interrupção do período da Segunda Guerra Mundial. Logo, ele se esforça para analisar um século de permanências e transformações, em um movimento dialético, que irá se espacializar com diversas nuanças. As primeiras décadas do século XX podem significar uma paisagem estagnada na realidade europeia, em um contexto geral, e, de extrema mudança nos Estados Unidos e o início do processo de construção de espaços industriais nos países subdesenvolvidos. Esses ritmos distintos sofrerão abalos com a introdução de técnicas mais avançadas, com o processo de compressão do tempo e do espaço (HARVEY 1992), com as disputas de territórios, reconfigurações econômicas, etc. Com todas essas mudanças há obrigatoriamente uma necessidade de repensar as formas de apreensão do mundo, sobretudo, novos conceitos que expliquem a realidade espacial. A década de 1950 é extremamente turbulenta para os geógrafos, um período de reconsideração dos princípios da disciplina (MAROIS 2008); onde era preciso a observação dos fenômenos, que eram extremamente mutáveis, e, concomitantemente, avaliar o corpo conceitual da Geografia deste período (DAMIANI 2009); momento onde ocorre um rápido desenvolvimento do transporte, das comunicações e da transmissão de energia (MOREIRA 2007), “nesse quadro de realidade já não basta à teoria geográfica localizar, demarcar e mapear o espaço”.(MOREIRA 2007 p. 16)
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É preciso ir além dessas demarcações metodológicas, e, poucos geógrafos se deram conta desse momento, logo, não passaram a promover uma nova Geografia para acompanhar o novo mundo emergente. Moreira (2007) aponta que: De uma certa forma, essa dissintonia dos geógrafos com os acontecimentos vem da sua insistência em ver o mundo como localização e não como um sistema de distribuição das coisas, como já advertia Brunhes no começo do século XX. (...) A paisagem que então vê fala de um mundo ainda parecido com a cartografia de localizações tão precisas quanto fixas do período técnico da primeira revolução industrial. Por isso, na descrição que faz do arranjo do espaço, tão bem captado pelos livros da época, como os de George, as grandes arrumações do espaço aparecem como uma pesada roda em movimento. São lentas as suas reformulações. As áreas industriais e agrícolas são praticamente as mesmas das primeiras décadas do século. (MOREIRA 2007 p. 18)
Completando o raciocínio, Moreira afirma que: George é dos poucos que notam o movimento subterrâneo que aqui e ali vem à tona da paisagem para pôr em xeque a impressão cartográfica de um mundo sem mutações (GEORGE, 1968). Mas em sua maioria acostumados a lidar com teorias que falam de localizações fixas, os geógrafos acordam certa manhã e esfregam os olhos, surpresos com a agitação das paisagens em ininterrupto movimento. (MOREIRA 2007 p. 19)
Conseguindo perceber as mudanças do mundo e se esforçando para compreendêlas a partir da relação das coletividades humanas com o espaço, sobretudo, as distintas relações, portanto, as distintas produções do espaço, George se torna uma importante referência pelo anúncio dessa nova Geografia, que irá chamar, por exemplo, junto com Lacoste e outros autores, de Geografia Ativa (livro originalmente de 1964). Esse livro conta com um conjunto de artigos, de forma geral, tratam sobre a necessidade de uma Geografia voltada para o movimento, para a transformação e principalmente, no que se refere a Pierre George, para ação do homem e sua relação com o espaço, visto de uma forma ampla. Na primeira parte do livro, George é autor de um artigo intitulado: “Problemas, doutrina e método”, peremptoriamente, preocupado em posicionar a Geografia dentro do campo das ciências, estabelecendo um alicerce teórico e metodológico, buscando assim uma originalidade e uma série de relações com outros campos, cimentado pelo autor na ideia de ciência de síntese.
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No decorrer do artigo, uma quantidade incrível de debates são travados, mostrando fundamentalmente: que a Geografia é uma ciência humana, que estuda o espaço, contudo, distinta de outras ciências humanas e de ciências que estudam o espaço. Possui uma relação íntima com a história, tem o fator do tempo como um recurso importante, principalmente, usando o método de se partir de condições do presente e posteriormente usando os fatos históricos como recurso. (GEORGE et. al., 1968) Na parte final do artigo, George destaca a ideia de situação como ponto eminente da análise geográfica. Assim, o autor aponta que: Uma situação é a resultante num dado momento – que é, por definição, o momento presente, em geografia – de um conjunto de ações que se contrariam, se moderam ou se reforçam e sofrem os efeitos de acelerações, de freios ou de inibição por parte dos elementos duráveis do meio e das sequelas das situações anteriores. Esta situação é fundamentalmente caracterizada pela totalidade dos dados e fatores específicos de uma porção do espaço que é, salvo nos casos – limites de margens inocupadas pelo homem, um espaço ordenado, uma herança, isto é, um espaço natural humanizado. A situação se define, antes de tudo, pela relatividade das relações entre as ações humanas e o meio. (GEORGE apud GEORGE et. al. 1968 p. 20-21)
George afirma justamente a importância da análise da relação entre as ações humanas e o meio como um tema central na Geografia, mostrando, sobretudo, o teor dialético dessa relação, e, da relação do espaço do presente com os objetos e características de espaços passados, chamados pelo autor de herança, e que será chamado por Milton Santos de “rugosidades” (SANTOS 1996), o que já é um empréstimo do termo do geógrafo clássico Jean Tricart, na sua análise geomorfológica. Moreira afirma que tendo em vista a iminência de um novo mundo, de transformações rápidas e processos avassaladores, sentiu-se a necessidade de impor novas análises. (MOREIRA 2007) (...) “Daí George propor o conceito de situação (GEORGE, 1973b)...”(MOREIRA 2007 p. 22) A influência de George nos diversos campos da Geografia
A partir desse sentido de Geografia e dos trabalhos que buscam a interpretação das transformações do mundo a partir de uma Geografia dinâmica, George produz III Encontro Nacional de História do Pensamento Geográfico I Encontro Nacional de Geografia Histórica 5 a 10 de novembro de 2012
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importantes livros que serão fundamentais nos estudos da população, nos estudos da urbanização, do pensamento geográfico, do meio ambiente, etc. O geógrafo canadense Claude Marois (2008) ressalta o valor dos estudos de população, no artigo – “Pierre George: un pionnier de la géographie de la population”, onde o George produz uma análise sobre a população que tem como princípios norteadores o comportamento das coletividades humanas e suas relações com o espaço, ressaltando os movimentos da população, a diversidade de ocupação, etc. Essa abordagem ultrapassa a ideia de apenas descrever ou quantificar a população, sem nenhum interesse na interpretação. Assim, Marois constrói um interessante quadro, com o fito de mostrar a evolução do tema Geografia da população nos estudos de Pierre George, destacando treze livros, entre 1951 e 2006. (MAROIS 2008) Amélia Damiani (2009) ressalta a importância de Pierre George para a Geografia Urbana, no artigo: A Urbanização crítica na metrópole de São Paulo a partir de fundamentos da Geografia Urbana. A autora salienta que: É extraordinário examinar o livro de Pierre GEORGE, Geografia Urbana, a luz da realidade da urbanização de nossos tempos. (...) O autor buscou dentro da Geografia uma concepção de totalidade dos processos geográficos, que atravessavam as cidades no mundo, nos anos 1960. O livro data de 1961. Contudo, já em 1952, ele escrevia sobre o tema, desse ponto de vista: o de uma geografia geral sobre o urbano no mundo, sugerindo tipos de cidades e os condicionantes de seu crescimento urbano, de sua repartição desigual no mundo, em estudos comparativos. (DAMIANI 2009 p. 39)
Ruy Moreira mostra de forma profunda a importância de George na Geografia brasileira, incluindo-se no grupo de geógrafos influenciado pelo autor francês. Em certa medida, a quase totalidade dos renovadores da Geografia brasileira vem dessa tradição pierregeorgeana (francesa, seria melhor dizer, como o tricartiano Milton Santos). É georgiana a coletânea de Armando Corrêa da Silva, O espaço fora do lugar. Idem o texto O “econômico” na obra Geografia Econômica de Pierre George: elementos para uma discussão, de Ariovaldo Umbelino de Oliveira, texto de grande efeito entre os geógrafos do Rio de Janeiro. E é igualmente georgiana a terminologia que povoa muitos dos textos da renovação, como arranjo espacial e organização do espaço pelo homem. Meu texto A Geografia serve para desvendar máscaras sociais, de 1978, e em particular o capítulo 4 de O discurso do avesso, cuja a primeira edição é de 1987, que tinha por título Ideologia e política dos estudos da população (um texto escrito para ser III Encontro Nacional de História do Pensamento Geográfico I Encontro Nacional de Geografia Histórica 5 a 10 de novembro de 2012
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inicialmente uma crítica, na forma de uma aula dada no Projeto Ensino da Upege/AGB/Apeoesp, em fevereiro de 1980, à concepção georgeo-lacosteana de população e subdesenvolvimento), estão carregados dessa terminologia. (MOREIRA, 2007, p. 37)
Uma Geografia peremptoriamente do homem e da sua relação com o meio ambiente.
Umas das maiores características de Pierre George em toda a sua obra é privilegiar uma Geografia do homem, por conseguinte, esse homem não pode ser considerado um “homem atópico” (como sugere MOREIRA4 2006), já que em todo momento o homem está incorporado em um contexto espacial e temporal. Mesmo em alguns capítulos onde o autor trataria exclusivamente dos homens, como o capítulo 1 de Geografia Econômica, é notável a análise sobre a distribuição da população no globo, evocando as principais causas e consequências; do desenvolvimento do país onde essa população está “registrada”, etc. Deste modo: A Geografia poderia ser definida como o estudo da dinâmica do espaço humanizado. Continuamos presos à personalidade da Geografia como ciência humana, persuadidos de que a sua função própria, em relação à das ciências da terra, é considerar permanentemente os fenômenos que estuda em suas relações com a presença e a ação das coletividades humanas na superfície do globo. (GEORGE 1971 p. 5)
A ação do homem se dá de forma distinta no tempo e no espaço, por condições econômicas, políticas, etc. O autor parte de vários conceitos para a compreensão dessas nuanças, principalmente, através dos “quocientes” (GEORGE 1970) Os quocientes denotam a elasticidade das relações e dos resultados dessas relações entre o homem e o meio ambiente, o que facilmente é possível aproximar da ideia de densidade de Milton Santos (1996). Destarte, George aponta: Desigual eficácia produtiva da população. Os nove décimos da produção industrial do Globo provêm, hoje em dia, de um pequeno número de países que totalizam as rendas da indústria e de uma 4
Em excelente exposição dos problemas epistemológicos e metodológicos da Geografia, Ruy Moreira denuncia a Geografia N-H-E, praticada historicamente na ciência, onde o homem não apresenta um contexto espacial. III Encontro Nacional de História do Pensamento Geográfico I Encontro Nacional de Geografia Histórica 5 a 10 de novembro de 2012
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agricultura bem mais produtiva do que a dos países nãoindustrializados. Esses países possuem menos de um terço da população do Globo. O quociente técnico individual anual teórico da renda nacional acha-se compreendido entre 10.000 e mais de 500.000 francos. Dois terços da população mundial vivem em países de economia agrícola de baixa produtividade, onde aquele mesmo quociente varia entre 10.000 e 20.000 francos. (GEORGE 1970 p.34)
O autor ainda salienta a limitação dos dados e dos métodos de investigação (GEORGE 1970 p. 34), por conseguinte, os quocientes já denotam uma desigualdade do mundo. Contrariando a afirmação de Ariovaldo Umbelino de Oliveira, que aponta a inexistência no livro Geografia Econômica, de pobres nos países ricos e ricos nos países pobres, de processos desiguais, tendo a predileção pela unidade homogênea (OLIVEIRA 1982), encontra-se no mesmo livro analisado e em outros livros uma importância de demonstrar que os quocientes não possuem uma pretensão na escala do Estado ou de grupos de países com o nível de desenvolvimento semelhante. Abordando sobre a questão industrial, relevando a distribuição e a concentração das indústrias, George afirma que: Sob todas as formas, a concentração é mais ou menos rápida e variavelmente impulsionada de acordo com os países e, dentro de um mesmo país, segundo os ramos de indústrias. (GEORGE 1970 p.74) No livro a Ação do homem, George (1971), analisa a organização do espaço agrícola e a organização do espaço industrial, que são construções permanentes e resultados da ação do homem. É mostrado os contrastes da agricultura de subsistência e a imposição do modelo de agricultura comercial, evitando a analogia do espaço rural como atrasado, contando com a presença , inclusive, do novo homem no campo, o empresário agrícola, e, da tendência da constituição de bacias especializadas. (GEORGE 1971) O meio ambiente que inclui o homem e os múltiplos fatores.
A ação do homem interfere diretamente no meio ambiente, produzindo várias consequências, logo, é perceptível, que esse tema tão popular e importante atualmente é tratado por George nas décadas de 60 e 70, onde em geral, restritos grupos da Geografia o aprofundavam. No livro citado anteriormente, é visível que o meio ambiente é atingido de forma distinta no espaço agrário e no espaço industrial, todavia a lógica capitalista implantada III Encontro Nacional de História do Pensamento Geográfico I Encontro Nacional de Geografia Histórica 5 a 10 de novembro de 2012
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representa a mesma essência. O autor sinaliza que o espaço industrial aparece menos extenso do que o espaço agrícola, dando conta em caráter global de manchas isoladas e pontos aglomerados em alguns setores do globo. Novamente, o autor trabalha com a ideia dos quocientes individuais, nos países industrializados e no restante do mundo, contando também com os países que possuem um pequeno setor industrial. (GEORGE 1971) Portanto: A dominação da economia e das técnicas industriais é imperativa e universal. A indústria só se estabeleceu solidamente em 10% da superfície dos continentes, mas colocou o mundo inteiro em estado de mobilização para o seu uso. (GEORGE 1971 p. 100)
Posteriormente, o autor irá reafirmar: “O império da economia e da sociedade industriais sobre o espaço é total”. (GEORGE 1971 p. 138) A partir desse quadro, o autor entenderá os processos que se darão no meio ambiente, produzindo uma análise que irá privilegiar questões econômicas, políticas, espaciais, culturais, etc. Ou seja, George não é apenas um autor que aborda o tema meio ambiente em décadas onde o tema não era tão explorado pela Geografia, mas um autor que produz uma análise holística e, sobretudo, humana, do meio ambiente. No livro “O Meio Ambiente” (1973), o autor produz uma análise rica sobre o assunto, deixando claro inicialmente o seu afastamento da abordagem geral da biologia tradicional, que tem como predileção o enfoque da fauna e da flora, e, seu envolvimento com uma ideia de inclusão do homem no meio ambiente, que é vinculado ao espaço ocupado e não ocupado. (GEORGE 1973) A ação do homem não se daria apenas pela degradação do meio ambiente, justamente por ter como ponto de partida: [I] as múltiplas relações [II] o uso da técnica. Em relação as múltiplas relações, pode-se compreender que: O espaço percebido constituirá o meio ambiente? Sem dúvida, e podese dizer até que certamente, no plano psicológico. Contudo, o meio ambiente é algo mais ainda: é o resultado de um juízo de valor pronunciado sobre o espaço vivido. Neste juízo de valor o espaço assume uma nova dimensão, e ao solo, ocupado ou não ocupado, passam a integrar-se outros elementos que contribuem para lhe conferir uma certa “qualidade”: o ar, a água...aquilo que os homens transformaram. ( GEORGE 1973 p. 34)
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Assim: “Tudo passa ser ‘meio ambiente’, não só a feiura, a sujeira, o barulho, como também os estados psicofisiológicos possivelmente resultantes, tais como a fadiga ou a enfermidade.” (.GEORGE 1973 p.8) Parece que George pretende clarear que meio ambiente é a floresta, e, também, a cidade industrial, o que automaticamente amplia a ideia de meio ambiente e de conservação. Todavia, para George, conservar o meio ambiente parece algo deveras preocupante, quase irrealizável, tratando-se do “crescente predomínio do quadro construído, técnico, artificial, e destinado à produção pelo custo mais reduzido.”(GEORGE 1973 p.8) E, essa superestrutura tende a se consolidar, resistindo a qualquer tipo de questionamento, logo, “ parece muito mais cômodo retocar as superestruturas do que encarar uma remodelação das mesmas”. (GEORGE 1973 p.8) O autor parece prever concepções como o ecodesenvolvimento e desenvolvimento sustentável, que surgirão e se popularizarão posteriormente, e, apresentam a exata ideia de não questionar o modelo de desenvolvimento, oferecendo o caráter ilusório de “mudança”, discursos meramente estratégicos e ideológicos. Há outro raciocínio interessante produzido por George, que corresponde ao “novo consumo”, que emerge com a popularização do tema meio ambiente e da suposta preocupação em conservá-lo. Esse novo consumo, o consumo verde, esconde o teor mercadológico por detrás do discurso. Quase como um profeta, George afirma: E passar-se-á a agir contra os ataques mais perigosos à segurança do meio ambiente. Erguer-se-ão paladinos que hão de inventar maneiras de lutar contra as agressões do meio. Como resultado, talvez se verifique um agravamento dos encargos sociais, uma elevação do preço de custo de certos produtos, e com toda a certeza o enriquecimento de novas empresas responsáveis pela criação de meios de seguro. O meio ambiente passa a ser um mercado, o seguro de uma mercadoria. O saneamento, o embelezamento do quadro de vida são objeto de novas produções e fonte de novos lucros. (GEORGE 1973 p.9)
Abaixo se verá um esquema que foi produzido, tendo como base a análise de George (1973), analisando as consequências do novo consumo.
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Esquema 1 – O Novo consumo e suas consequências. Produzido pelo autor, tendo como base a análise de George (1973, p.8-9)
Segundo George, a partir dessa conjuntura é gerado um certo “maniqueísmo”, e uma imposição de valores dos “bons”, que compartilham desse novo consumo e dos “maus” que tornam o meio ambiente perigoso. (GEORGE 1973) Há uma grande estratégia em avaliar o meio ambiente pelo consumo do “verde”, pois se atribui a população pobre uma grande responsabilidade, pela impossibilidade do consumo em larga escala de produtos e serviços, invertendo assim a relação essencial de degradação, onde a população mais rica tem maior poder de consumo e de degradação, significando uma permanência do consumismo, não um questionamento do mesmo. Como sugerido pelo autor anteriormente – é a superestrutura que ganha retoques (GEORGE 1973). Não se questiona as causas dos grandes impactos e do cerne destrutivo da superestrutura, apenas há o estabelecimento de uma dada situação, e, traçam-se caminhos voltados a atender os interesses da classe dominante.
Considerações Finais
Mais do que um trabalho preocupado em apontar a relação da ação do homem com o meio ambiente, esse esforço se preocupa em continuar os questionamentos iniciados com o artigo recém apresentado no ENG (Encontro Nacional de Geógrafos – Belo Horizonte 2012), sobre o mesmo autor, onde também estava presente a III Encontro Nacional de História do Pensamento Geográfico I Encontro Nacional de Geografia Histórica 5 a 10 de novembro de 2012
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preocupação com a valorização e a retomada dos clássicos da Geografia, um esforço já consolidado, por exemplo, de Ruy Moreira, no caso, um trabalho mais extenso, consolidado e complexo, voltado para vários geógrafos clássicos. A obra de Pierre George é extremamente atual, como se viu no decorrer do artigo, passível de utilização em várias abordagens, e, de impressionante riqueza, ora assustadora, por estabelecer relações que serão popularizadas bem mais tarde na Geografia. O autor é chamado de pioneiro em vários debates por diferentes autores, no entanto, mas do que o pioneirismo, Pierre George pratica uma Geografia com um domínio amplo, talvez, o que se acha uma variedade de temas, significa uma leitura de que o espaço é multidimensional, e sua apreensão se deve a partir do olhar para o urbano, o rural, o industrial, para o meio ambiente, para a técnica, concomitantemente. Dessa forma, George anuncia que o meio ambiente, (tendo em vista a noção mostrada de meio ambiente), é o tema central da Geografia. Sendo possível afirmar que a Geografia é “a ciência do meio ambiente humano” (GEORGE 1973 p.9), tendo em vista o choque da afirmação, o autor questiona se o “objeto não é exatamente o estudo de todas as formas de relações recíprocas existentes entre as coletividades humanas e seu envoltório espacial concreto?” (GEORGE 1973 p.9) Há muitas análises, sobre a ação do homem no meio ambiente, omissas nesse artigo, mais uma vez, mostrando o volume de riqueza de cada livro de George. Tentouse mostrar as noções gerais e algumas análises pertinentes aos caminhos tomados pelos geógrafos atuais, que estudam a mesma relação. Cabe, novamente, esforços da Geografia atual, para resgatar autores pouco explorados, e de uma produção significativa, para, inclusive, ampliar a análise de meio ambiente atual, que requer um tratamento mais fundamentado. Referências Bibliográficas
DAMIANI, Amélia Luisa. A urbanização crítica na metrópole de São Paulo a partir de fundamentos da Geografia Urbana. Revista da ANPEGE, v. 5, 2009. GEORGE, P. O Meio Ambiente. Difusão Européia do livro – Saber Atual. São Paulo, 1973. ______ Ação do homem. Difusão Européia do livro – Saber Atual. São Paulo, 1971. ______ Geografia Ativa. Difusão Européia do livro – Saber Atual. São Paulo, 1968. III Encontro Nacional de História do Pensamento Geográfico I Encontro Nacional de Geografia Histórica 5 a 10 de novembro de 2012
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