TRANSTORNOS
DO HUMOR
Transtornos do Humor Antonio Matos Fontana Antonio Fontana M. Cristina Cr istina P.S. Fontana Font ana
Conforme vimos no Cap. 9, aos médicos hipocráticos da Grécia antiga atribui-se a primeira classificação das doenças mentais que, em síntese, incluía: epilepsia, mania, melancolia e paranóia. E VOLUÇÃO DO C ONCEITO
A partir da observação e seguimento de diversos doentes mentais, Aretaeus (50-130 d.C.), natural da Capadócia, estabeleceu que os estados maníaco e melancólico podem ocorrer no mesmo indivíduo, existindo intervalos de normalidade entre as fases maníaca e melancólica. Foi ele o primeiro a descrever, em detalhes, a personalidade da pessoa antes de um quadro personalidad alidadee pré-psicót pré-psicótica ica). Além disso, mental (a chamada person verificou que nem todas as pessoas com doença mental apresentavam deterioração mental à evolução, fato só adequadamente valorizado no século XX (Alexander, Selesnick, 1968). Jean-Pierre Falret (1794-1870), após cuidadosas observações clínicas, chegou à mesma conclusão — pacientes melancólicos freqüentemente apresentam disposições alternadas de excitação maníaca; coube a seu filho, Jules Falret (discípulo de Esquirol), nomear tais manifestações psicopatológicas como la folie circulaire ou folie à forme alterne , em 1854. Jules Baillarger (1809-1890) denominou essa síndrome clínica de folie a double forme . Posteriormente, os pesquisadores alemães do século XIX chamariam tal condição de psicose maníaco-depressiva. A Emil Kraepelin (1856-1925), coube a distinção, com base no prognóstico, entre a dementia praecox e e a psicose maníaco-depressiva. Afirmava que um paciente pode se recuperar totalmente de psicose maníaco-depressiva, em que graves depressões se alternam com períodos de excitação maníaca assim como com períodos de relativa normalidade. Por outro lado, considerava que um paciente raramente se recupera de demência precoce — colocado tal rótulo, só restaria aguardar o destino final da deterioração (Kraepelin, 1962; Alexander, Selesnick, 1968; Pichot, 1983). As psicoses maníaco-depressivas, juntamente com as esquizofrenias, constituíam o chamado grupo das psicoses endógenas para a psiquiatria clássica. Com relação às psico© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
ses maníaco-depressivas ou psicoses afetivas, segundo a CID-9, 1975 (Tabela 10.1), consideram-se duas formas de apresentação: as mono- e as bipolares ou circulares. As formas monopolares depressivas, mais comuns, atingem a proporção de 66%. Em seguida, com 28%, vêm as formas bipolares maníaco-depressivas, alternando fases maníacas e depressivas, bastando apenas uma fase maníaca entre as depressivas ou uma fase depressiva entre as maníacas, para se considerar como forma bipolar ou circular. E, por fim, as monopolares de tipo maníaco com apenas 6%. Além das fases típicas de mania ou de depressão, podem surgir também fases mistas com sintomas de mania e melancolia combinados ou de outros tipos e os não-especificados (Teixeira Lima, 1981). As psicoses maníaco-depressivas ou doenças afetivas aparecem hoje sob a denominação de transtornos do humor (afetivos) na CID-10 (Tabela 10.2). Em termos conceituais, permanece como sendo fundamental a alteração do humor ou afeto geralmente para depressão (com ou sem ansiedade associada) ou elação (elevação, arrogância, altivez). Assim, anormal ou mórbio humor encontra-se polarizado de forma anormal da para tristeza/melancolia ou para exaltação/irritabilidade. Além da alteração do estado de humor, modifica-se também o nível da energia (ânimo) e do interesse. Deste modo, a alteração primária do humor, fazendo-se acompanhar de concomitante alteração do nível global de atividade, torna os demais sintomas secundários e compreensíveis. Em sua maioria, os transtornos do humor são recorrentes. O início dos episódios individuais relaciona-se, freqüentemente, a eventos ou situações estressantes. Os episódios ou fases podem apresentar remissão espontânea ou cronificar, se não tratados de forma adequada. Em geral, não causam prejuízo à integridade mental, podendo apresentar remissão completa. Analisando as duas classificações — CID-9, 1975 e CID-10, 1992 —, pode-se, desde logo, observar que ocorreu uma mudança substancial. Na atual (CID-10), não se transita do todo (psicose maníaco-depressiva) para as partes com fases típicas (monoou bipolares), mistas ou atípicas, como ocorria na anterior. Em virtude das características etiopatogênicas e evolutivas de cada subgrupo, bem como as conseqüentes possibilidades de intervenção terapêutica próprias, a nova classificação (CID-10), (CID- 10), além de extremamente ampliada, exibe evidente fragmentação.
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Tabela 10.1 Classificação das Psicoses Afetivas (296)1 Segundo a CID-9, 1975, em Vigor até 1991
296.2 296 .2 Psicose maníaco-depressiva circular circular,, fase maníaca maníaca (transtorno bipolar, fase maníaca)
F32 Episód Episódio io dep depres ressiv sivoo F32.00 Epis F32. Episódio ódio depre depressivo ssivo leve .000 Sem sinto .0 sintomas mas somá somático ticoss .011 Com sint .0 sintomas omas somá somático ticoss F32.11 Epis F32. Episódio ódio depres depressivo sivo moderad moderadoo .100 Sem sinto .1 sintomas mas somá somático ticoss .111 Com sint .1 sintomas omas somá somático ticoss F32.2 Episódio depressivo grave sem sem sintomas sintomas psicóticos psicóticos F32.3 Episódio depressivo grave com sintomas psicótico psicóticoss F32.88 Outro F32. Outross episódio episódioss depressivo depressivoss F32.99 Epis F32. Episódio ódio depressivo, depressivo, não-especi não-especificad ficadoo
296. 29 6.33 Psicose Psicose maníaco-depressiva maníaco-depressiva circular, circular, fase depressiva (transtorno bipolar, fase depressiva).
F33 Transto ranstorno rno depress depressivo ivo recorrent recorrentee F33.0 Transtorno depressivo recorrente, episódio episódio atual atual leve
296. 29 6.00 Psicose maníaco-depressiva, maníaco-depressiva, tipo maníaco maníaco (psicose hipomaníaca; psicose maníaca; psicose ou reação maníaco-depressiva: hipomaníaca, maníaca; transtorno maníaco; hipomania SOE; mania monopolar SOE) 296.11 Psicose maníaco-depressiva, tipo depressivo (depressão: 296. endógena, monopolar, psicótica; melancolia involutiva; psicose depressiva; reação maníaco-depressiva, depressiva)
296. 29 6.44 Psicose maníaco-depressiva circular circular,, mista. 296.5 296 .5 Psicose maníaco-depressiva, tipo circular circular,, forma presente não-especificada F33.1
296.6 296 .6 Psicose maníaco-depres maníaco-depressiva, siva, outros outros tipos e os não-especificados (psicose maníaco-depressiva: tipo misto, SOE; reação ou síndrome maníaco-depressiva SOE) 296.8 Ou Outr tras as
F33.22 F33.
296.9 296 .9 Não-especificadas (psicose afetiva afetiva SOE, melancolia SOE)
F33.33 F33. Tabela 10.2 Classificação dos Transtornos do Humor (Afetivos) — (F30-F39) Segundo a CID-10
F33.44 F33. F33.8 F33.8 F33.9 F33 .9
F30 Episó Episódio dio man manía íaco co F30. F3 0.00 Hi Hipom poman ania ia F30.11 Mani F30. Maniaa sem sintomas sintomas psicóti psicóticos cos F30.22 Mani F30. Maniaa com sintomas sintomas psicóti psicóticos cos F30.8 F30 .8 Outr Outros os episódi episódios os maníacos maníacos F30.99 Epis F30. Episódio ódio maníaco, maníaco, não-especif não-especificado icado
F34 Trans ranstorn tornos os persistent persistentes es do humo humorr (afetivos) (afetivos) F34. F3 4.00 Cicl Cicloti otimia mia F34. F3 4.11 Di Dist stim imia ia F34.8 Outros transtornos transtornos persistentes do humor humor (afetivos) (afetivos) F34.9 Transtorno persistente do humor (afetivo), nãoespecificado
F31 Transt ranstorno orno afet afetivo ivo bipo bipolar lar F31.0 Transtorno afetivo afetivo bipolar bipolar,, episódio atual hipomaníaco F31.1 Transtorno afetivo afetivo bipolar bipolar, episódio atual atual maníaco sem sintomas psicóticos F31.2 Transtorno afetivo afetivo bipolar bipolar, episódio atual atual maníaco com sintomas psicóticos F31.3 Transtorno afetivo bipolar bipolar,, episódio atual depressivo leve ou moderado .300 Sem sinto .3 sintomas mas somá somático ticoss .311 Com sint .3 sintomas omas somát somáticos icos F31.4 Transtorno afetivo bipolar bipolar,, episódio atual depressivo grave sem sintomas psicóticos F31.5 Transtorno afetivo bipolar bipolar,, episódio atual depressivo grave com sintomas psicóticos F31.6 Transtorno afetivo afetivo bipolar bipolar, episódio atual atual misto F31.7 Transtorno afetivo afetivo bipolar bipolar,, atualmente em remissão F31.8 F31 .8 Outros transtornos afetivos bipolares F31.9 F31 .9 Transtorn ranstornoo afetivo bipolar, bipolar, não-especificado
F38 Outros Outros transtor transtornos nos do humor humor (afeti (afetivos) vos) F38.0 Outros transtornos transtornos únicos do humor humor (afetivos) (afetivos) .000 Epis .0 Episódio ódio afet afetivo ivo mist mistoo F38.1 Outros transtorno transtornoss recorrentes recorrentes do humor (afetivos) (afetivos) .100 Transto .1 Transtorno rno depressivo depressivo breve recorrente recorrente F38.88 Outros transtorn F38. transtornos os especificados especificados do humor humor (afetivos) F39 Transtorno do humor (afetivo) não-especificad não-especificadoo
De modo geral, os transtornos do humor constituem um grupo peculiar: cessado o episódio ou fase, o indivíduo retorna à sua normalidade, o que permite, em cada subgrupo ou, mais especificamente, em cada caso clínico, indispensável integração entre as abordagens psicofarmacoterapêutica e psicoterápica.
De acordo com a Classificação Estatística Internacional de Doenças, Lesões e Causas de Óbito (CID-9), baseada nas Recomendações da Nona Conferência de Revisão, 1975, adotada pela Vigésima Assembléia Assemb léia Mundial Mundial de Saúde (OMS). Traduzida Traduzida pelo pelo Centro Brasileiro Brasileiro de Classificação de Doenças da OMS. 1
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.00 Sem sinto .00 sintomas mas somá somático ticoss .011 Com sint .0 sintomas omas somá somático ticoss Transtorno depressivo recorrente, episódio atual moderado .100 Sem sinto .1 sintomas mas somá somático ticoss .11 Com sint sintomas omas somá somáticos ticos Transtornoo depressivo Transtorn depressivo recorrente, recorrente, episódio episódio atual atual grave sem sintomas psicóticos Transtornoo depressivo Transtorn depressivo recorrente, recorrente, episódio episódio atual atual grave com sintomas psicóticos Transtorno Transto rno depressivo depressivo recorrente, recorrente, atualmente atualmente em remissão Outros transtornos depressivos recorrentes Transtorno Transt orno depressivo depressivo recorrente, não-especifica não-especificado do
EPIDEMIOLOGIA
A prevalência dos transtornos depressivos na população geral, ao longo da vida, situa-se em torno de 15%; nas mulheres, pode chegar a 25% (Kaplan, Sadock, Grebb, 1997).
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Com relação aos pacientes de clínica geral, a incidência chega a 10%, podendo atingir 15% em enfermos internados por motivos médicos gerais. O transtorno afetivo bipolar apresenta prevalência de 1% ao longo da vida semelhante à da esquizofrenia. Apesar de menos comum, a evolução do transtorno afetivo bipolar também é menos favorável do que a que se observa nos transtornos depressivos recorrentes. Por outro lado, em virtude da grande produtividade de sintomas, a maioria dos pacientes com transtorno afetivo bipolar recebe atendimento médico e tratamento, o que não ocorre com os portadores de transtorno depressivo recorrente. Destes, apenas 50% chegam a receber tratamento médico específico, porque os sintomas de depressão são, com grande freqüência, indevidamente considerados apenas reações compreensíveis ao estresse, algo que se pode combater pela força de vontade ou decorrente da intenção de conseguir algum tipo de ganho secundário e assim por diante. Independentemente do país ou cultura, a prevalência do transtorno monopolar depressivo é pelo menos duas a três vezes maior no sexo feminino ( : :: 1: 2 a 3). Assim também, a distimia é mais comum em mulheres com menos de 64 anos do que em homens de qualquer idade (Kaplan, Sadock, Grebb, 1997). Os motivos para tais diferenças são desconhecidos. Supõe-se que sejam devidas a efeitos hormonais, predisposição genética ligada ao cromossomo X, maneira aprendida de lidar com a impotência, etc. Com relação ao transtorno afetivo bipolar, a incidência é a mesma nos dois sexos. De modo geral, o transtorno afetivo bipolar começa mais precocemente que o transtorno depressivo recorrente. O transtorno afetivo bipolar tem o seu início variando da infância (a partir dos 5 anos) ao climatério (até os 50 anos ou mesmo depois, em raros casos). Em termos médios, começa ao longo da segunda ou terceira décadas de vida. O transtorno depressivo recorrente geralmente surge mais tarde, a partir dos 35-40 anos de idade; em 50% dos pacientes, o início situa-se entre os 20 e 50 anos. Nenhuma diferença digna de nota observa-se quanto à raça ou à situação socioeconômica. Alguns pacientes com um padrão sazonal, comumente experimentam episódios depressivos em determinada época do ano, geralmente no inverno. Já os episódios maníacos ocorrem mais freqüentemente na primavera e verão. ETIOLOGIA E P ATOGÊNESE
A etiologia dos transtornos de humor é desconhecida. Presume-se que uma alteração primária seja a base causal desses transtornos. Didaticamente, podem-se separar os fatores patogenéticos em biológicos (genéticos, neuroquímicos) e psicossociais. F ATORES BIOLÓGICOS
Genética Na dependência do estudo realizado, a taxa de concordância para o transtorno afetivo bipolar em gêmeos monozigóticos varia de 33% a 90%. Para o transtorno depressivo recorrente a taxa de concordância em gêmeos monozigóticos é de aproximadamente 50%. Mesmo quando os gêmeos mo© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
DO HUMOR
nozigóticos são criados separadamente, observa-se concordância em mais de 60% dos casos de transtornos de humor. Por outro lado, as taxas de concordância em gêmeos dizigóticos variam de 5% a 25% para o transtorno afetivo bipolar e de 10% a 25% para o transtorno depressivo recorrente (Kaplan, Sadock, Grebb, 1997). Pode-se, portanto, concluir que ao ambiente cabe o papel de desencadear o processo, pois, caso contrário, a concordância seria de 100%. Daí admitir-se que os transtornos do humor são síndromes ou doenças de tipo multifatorial poligênico (Frota-Pessoa, 1991, 1993). Ou seja, poligenes que têm efeitos pequenos, mas cumulativos, interagem com os fatores ambientais na produção dos transtornos do humor. Por meio de técnicas de genética molecular, foi possível mapear três poligenes, um no cromossomo 11 e um em cada braço do cromossomo X (Goodwin, Jamison, 1990). Mais recentemente, as associações entre os transtornos do humor (principalmente o transtorno afetivo bipolar) e marcadores genéticos têm sido descritas para os cromossomos 5, 11 e X. O gene do receptor D1 localiza-se no cromossomo 5 e o gene para a tirosina hidroxilase (enzima que limita a síntese das catecolaminas) está localizado no cromossomo 11 (Kaplan, Sadock, Grebb, 1997). Além do mais, sabe-se que o componente genético para o transtorno afetivo bipolar é mais poderoso do que o responsável pela transmissão do transtorno depressivo recorrente. Quando um dos pais tem transtorno afetivo bipolar, existe 25% de possibilidade, para cada um dos filhos, de apresentar transtorno do humor; se ambos os pais têm transtorno afetivo bipolar, a chance de que cada um dos filhos tenha o mesmo problema é de 50% a 75%. Inversamente, cerca de 50% dos pacientes com transtorno afetivo bipolar têm, no mínimo, um dos pais com transtorno do humor. Por outro lado, em famílias de bipolares o número de unipolares é maior do que o de bipolares ; do mesmo modo, a possibilidade de ocorrer transtornos do humor é maior nos parentes de bipolares do que nos parentes de unipolares (Goodwin & Jamison, 1990).
Neuroquímica — aminas biogênicas A hipótese mais atual estabelece que os transtornos do humor estão associados com uma desregulação heterogênea das aminas biogênicas. As teorias monoaminérgicas integradas propõem que os três sistemas monoaminérgicos — serotoninérgico, noradrenérgico e dopaminérgico — estão envolvidos: a alteração de um deles afeta imediatamente o funcionamento dos demais (Rodríguez Echandía, 1995). Vários estudos apontam diversas anormalidades nos metabólitos das aminas biogênicas, como ácido 5-hidroxiindolacético (5-HIAA), ácido homovanílico (HVA) e 3-metóxi-4-hidroxifenilglicol (MHPG), no sangue, urina e liquor de pacientes com transtornos do humor (Kaplan, Sadock, Grebb, 1997). Noradrenalina e serotonina são os dois neurotransmissores mais implicados na fisiopatologia dos transtornos do humor. Além da noradrenalina, serotonina e dopamina, tudo indica que a desregulagem da acetilcolina também está associada aos transtornos do humor. O sistema noradrenérgico possui um papel evidente na depressão: há correlação direta entre a regulagem para bai xo dos receptores β-adrenérgicos e a resposta clínica aos antidepressivos. Os receptores pré-sinápticos α2-adrenérgicos também estão implicados na depressão: a ativação des-
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ses receptores leva a uma redução da quantidade de noradrenalina liberada. Os receptores pré-sinápticos α2-adrenérgicos localizam-se igualmente nos neurônios serotoninérgicos e controlam a quantidade de serotonina liberada. Drogas antidepressivas basicamente noradrenérgicas e clinicamente efetivas, como a desipramina, por exemplo, confirmam a participação da noradrenalina na fisiopatologia dos sintomas depressivos. Entretanto, é pouco provável que uma disfunção no sistema adrenérgico seja a única causa da depressão (Guimarães, 1997). A serotonina passou a ser considerada o neurotransmissor de amina biogênica mais associado à depressão em virtude da ação antidepressiva efetiva exercida pelos inibidores seletivos de recaptação da serotonina (ISRSs) , como, por exemplo, a fluoxetina. Sabe-se, por outro lado, que a depleção de serotonina pode provocar a depressão. Alguns pacientes suicidas têm baixas concentrações de metabólitos de serotonina no LCR e reduzidas concentrações de sítios plaquetários de captação de serotonina, quantificadas por meio da ligação da imipramina às plaquetas (Kaplan, Sadock, Grebb, 1997). Com relação à dopamina, os dados indicam possível diminuição dopaminérgica na depressão e aumento na mania. Teorias atuais relacionando dopamina e depressão estabelecem que o trato mesolímbico pode estar disfuncional e que o receptor de dopamina do tipo 1 (D1) talvez se encontre hipoativo na depressão.
Alterações neuroanatômicas A clínica e as pesquisas biológicas apontam para a hipótese de que os transtornos do humor relacionam-se a uma patologia do sistema límbico, gânglios basais e hipotálamo. Distúrbios neurológicos dos gânglios da base e sistema límbico (sobretudo lesões irritativas do hemisfério não-dominante) costumam se apresentar com sintomas depressivos. Há estreita relação entre os gânglios basais e o sistema límbico, supondo que este desempenhe um papel central na produção das emoções. Por outro lado, a postura curvada, a lentidão motora e o discreto comprometimento cognitivo encontradiços nos deprimidos assemelham-se às conseqüências decorrentes de perturbações dos gânglios da base, como na doença de Parkinson e outras demências subcorticais. Uma possível disfunção hipotalâmica seria a causa dos transtornos do sono, apetite e comportamento sexual, além das alterações dos ritmos endócrinos, imunobiológicos e cronobiológicos que podem ser verificados, com freqüência, nos transtornos do humor. F ATORES P SICOSSOCIAIS
Em seu trabalho Luto e melancolia, datado de 1917, Freud (1974) estabelece um paralelo entre o afeto normal do luto ou depressão psicogênica, ou depressão reativa, e a melancolia ou depressão patológica . De modo geral, nas duas condições encontram-se os mesmos fatores ambientais. O luto é a reação que se segue à perda de um ente querido ou de algo que ocupava o lugar dele, a terra natal, a liberdade, o ideal de alguém, etc. Entretanto, em algumas pessoas, os mesmos fatores produzem melancolia em vez de luto — nesses casos, suspeita-se que possuam uma disposição patológica. Tanto no luto como na melancolia, diversos fenômenos são comuns às duas condições, tais como desânimo profun© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
damente penoso, interrupção do interesse pelo mundo externo, perda da capacidade de amar, bem como inibição com relação às atividades em geral. Na melancolia, além desses fenômenos encontra-se diminuição dos sentimentos de autoestima, gerando auto-recriminação, autodesvalorização e culpa, que podem levar ao delírio de autopunição. Assim, no luto o mundo externo é sentido como empobrecido e vazio, enquanto que na melancolia é o próprio eu que assim se apresenta. Por mais graves que sejam, as manifestações do luto resultam compreensíveis, ao passo que vários manifestações encontradiças na melancolia (em especial, a perturbação da auto-estima) escapam à compreensão imediata, podendo ser até incompreensíveis (ou simplesmente explicáveis nos casos muito graves). Vejamos como se processa o trabalho do luto. O teste da realidade revela que o objeto amado não existe mais e passa a exigir que toda a libido se desligue dele. Tal exigência desencadeia uma oposição compreensível, geralmente tão intensa, de modo a promover um desvio da realidade, com um apego ainda maior ao objeto. Porém, prevalecendo o respeito pela realidade, ainda que lentamente e com grande gasto de tempo e energia, vai-se dando o desligamento do objeto perdido. Uma a uma, todas as lembranças e expectativas isoladas são evocadas e superdimensionadas para, em seguida, ocorrer o gradual desligamento da libido vinculada ao objeto. Esse penoso desprazer ocorre a cada passamento, a cada velório, em todas as situações de perda , comumente sem nos darmos conta desses vários momentos. De qualquer forma, assim que o trabalho de luto está concluído, o ego mostra-se outra vez livre e desinibido para novos investimentos libidinais. Com relação à melancolia, um trabalho semelhante ao do luto pode ser identificado em vários casos. Assim, a melancolia também pode ser decorrente da perda de um objeto amado, assim como desaparece após algum tempo, sem deixar vestígios de grandes alterações. Porém, o melancólico não consegue ver com clareza o que foi perdido. Comumente, sabe quem ele perdeu, mas desconhece o que perdeu nesse objeto. Em vários pacientes, devido a uma evidente desconsideração ou desapontamento proveniente da pessoa amada, a relação objetal foi destruída. A perda do objeto amado criou condições para que a ambivalência, geralmente presente nas relações amorosas, se revelasse francamente efetiva. O conflito decorrente da ambivalência, que pode surgir mais de vivências reais ou mais de fatores constitucionais, mostra-se relevante entre as pré-condições da melancolia. De qualquer forma, a libido livre não pôde ser deslocada para outro objeto, tendo voltado para o próprio ego. Ali serviu para estabelecer uma identificação do eu com o objeto abandonado, até há pouco amado e agora odiado. Ou, como diz Freud (1974), “a sombra do objeto caiu sobre o ego”, podendo este ser julgado pelo superego como se fosse o próprio objeto abandonado (p. 281). Assim, uma perda objetal transforma-se numa perda do eu e o conflito entre o eu e a pessoa amada, num conflito entre um superego severo e a parte do ego alterada pela identificação. As críticas impiedosas do superego à fração do ego identificada com o objeto amado e odiado são sentidas como uma profunda perda de auto-estima, seguida de auto-reprovação e culpa. A melancolia relaciona-se, de certo modo, com uma perda objetal retirada da consciência, enquanto no luto nada existe no inconsciente em relação à perda. Em 1923, Freud (1976) distinguiu dois grandes tipos de vivência psíquica nas melancolias:
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1. melancolias associadas a um conflito do ego com o superego e suas proibições, podendo, em caso de desobediência , ocorrer a perda do vínculo amoroso com as figuras parentais. Nesse caso, o sentimento de culpa aparece como traço dominante; 2. melancolias em que predominam os sentimentos de vergonha e de inferioridade como efeitos da comparação do ego com um ideal de ego exigente. Melanie Klein (1981), em dois artigos datados de 1934 2 e 19403 , introduziu o conceito de posição depressiva infantil, mostrando a conexão entre esta posição e os estados maníaco-depressivos, conforme vimos no Cap. 5. Freud (1974) descobrira o elo que existe entre o luto (decorrente da perda de um objeto externo) e a melancolia, em que um relacionamento anormal e persecutório com um objeto interno ocorre em virtude da ambivalência. Klein (1940) estabeleceu que a melancolia tende mais para o ódio do que para o amor, e o luto tende mais para o amor que para o ódio. Segundo ela, os estados maníaco-depressivos constituem o reflexo de uma falha em estabelecer bons objetos internos . Assim, as pessoas melancólicas nunca superaram a posição depressiva infantil, conforme deveria ter ocorrido, ao se encerrar a primeira infância. Em termos práticos, o trabalho normal da posição depressiva é o trabalho do luto. Quando mais tarde na vida o pesar é experienciado, esse trabalho do luto primordial é revivido. Concluído o estado de luto, o indivíduo não apenas reinternaliza a pessoa que acabou de perder como também reintegra os objetos bons, ou seja, os pais amados , reinstalando-se a harmonia interior e o sentimento de segurança. Nesse sentido, os melancólicos estão sempre preocupados porque, como conseqüência da própria avidez ou destrutividade, talvez possam ter destruído os objetos bons amados dentro de si mesmos. Como conseqüência, sentem-se perseguidos pelos objetos maus odiados que permaneceram. Instala-se, portanto, um sofrimento motivado por duas causas complementares: o sentimento de perseguição pelos objetos maus odiados e o padecimento pela perda dos objetos bons amados. E mais, os melancólicos podem se sentir desvalorizados e desprezíveis, por achar que, em virtude de suas próprias fantasias e impulsos destrutivos, transformaram seus pais amados internos em perseguidores. Freud (1974), em Luto e melancolia (1917), já havia observado que, em termos de conteúdo, a melancolia e a mania em nada diferem. Os dois transtornos lutam com o mesmo complexo, mas na melancolia o ego sucumbe a ele e na mania consegue dominá-lo ou, até, colocá-lo de lado. Assim, se na melancolia o ego está impotente ante a onipotência do superego, na mania o ego recobrou a onipotência, triunfando sobre o superego ou unindo-se a ele e participando do poder. Mais tarde, em o Ego e o id (1923) Freud (1976) irá considerar a mania uma defesa contra a melancolia . Um enorme aumento da auto-estima constitui o centro de todos os fenômenos maníacos. O ego encerrou o seu conflito
Melanie Klein (1934). Uma contribuição à psicogênese dos estados maníaco-depressivos. In: Klein M. Contribuições à psicanálise, 1981, pp. 355-389. Melanie Klein (1940). O luto e suas relações com os estado maníacodepressivos. In: Klein M. Contribuições à psicanálise, 1981, pp. 391 424. 2
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com a sombra do objeto perdido, liberou-se da pressão do superego e de modo triunfal comemora o acontecimento. Entretanto, o exagero de todas as manifestações maníacas não corresponde a uma liberdade verdadeira. A mania não constitui uma liberação autêntica em relação à melancolia, mas uma negação espasmódica de dependência (Fenichel, 1981). A relação maníaca com objetos caracteriza-se por uma tríade de sentimentos : controle, triunfo e desprezo (Segal, 1975). Tais sentimentos relacionam-se diretamente com sentimentos depressivos, para valorizar e depender do objeto, assim como o medo de perda e culpa, ao mesmo tempo que se mostram defensivos contra ele. Por meio do controle, nega-se a dependência. Aparentemente, não se depende de um objeto que está sob controle e, por outro lado, pode-se contar com ele em qualquer tempo. O triunfo está ligado à onipotência e resulta de dois fenômenos importantes. O primeiro diz respeito ao ataque primário feito ao objeto na posição depressiva. A derrota do ob jeto gera sentimento de triunfo, tanto mais intenso quanto maior tenha sido a participação da inveja . O segundo decorre do afastamento dos sentimentos depressivos. Para isso, surge o desprezo pelo objeto, negando o seu valor e eliminando a possibilidade de valorizá-lo, ao mesmo tempo que age também como defesa contra a experiência de perda e culpa — se o objeto não tem valor, pode-se eliminá-lo sem sentimento de culpa, o que ocorre através de reiterados ataques. A compreensão dos episódios maníacos ou hipomaníacos é de suma importância em clínica, pois, como mecanismo defensivo do eu pode coexistir com os mais diferentes determinantes biológicos ou psicossociais. Em síntese, pode-se concluir que, independentemente das necessárias e indispensáveis explicações bioquímicas, os pacientes vivenciam a depressão patológica, ou melancolia, como grave perturbação da auto-estima, que tem como base relações interpessoais altamente insatisfatórias. São relações infantis internalizadas, extremamente perturbadas, que se reativam posteriormente, quando se iniciam os transtornos do humor (afetivos). QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO
Mania O paciente em quadro maníaco pode apresentar um estado de humor predominantemente alegre e contagiante, geralmente com tendências e atitudes otimistas. Com freqüência, porém, a alegria dá lugar ao mau humor , predispondo-o a conflitos com o meio, às vezes muito graves. Nesses casos, ao lado da perturbação do humor, verifica-se um estado de exaltação, excitação, irritabilidade ou hiperatividade, como se pela doença houvesse ocorrido a liberação da esfera dos impulsos. O paciente possui um comportamento desinibido, praticamente sem autocrítica, com aparência extravagante ou, mesmo, descuidada. As roupas geralmente são de cores berrantes, porta ou enfeita-se com objetos bizarros sem qualquer preocupação com a harmonia do conjunto. As mulheres usam maquiagem e penteados exagerados, assim como roupas indecorosas que contrastam com a sua maneira habitual de se vestir. Mostram-se preservados o estado da consciência, a orientação, inteligência e memória. Dados recentes e lembranças do passado vêm à mente de modo simultâneo e com extrema rapidez, caracterizando a chamada hipermnésia.
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De modo geral, o maníaco não se julga doente. Pelo contrário, diz que nunca se sentiu tão bem em sua vida, como quando apresenta um desses episódios durante os quais, geralmente, superestima delirantemente seus reais méritos. Mas, em alguns casos as idéias dos maníacos não são persistentes e carecem de convicção, dando ao observador a impressão de que são mais fanfarrões do que propriamente delirantes. Com grande freqüência, o pensamento apresenta um curso acelerado com a sensação subjetiva de aumento do fluxo ideativo. O paciente exibe grande disposição para falar ( logorragia), escrever e agir, de maneira geral, com decisões fáceis e rápidas. Entretanto, é dispersivo e facilmente muda de rumo. A fuga de idéias é uma das manifestações típicas de tal estado. Quanto ao conteúdo , o pensamento exibe idéias de grandeza, poder, riqueza, superinteligência, etc. A liberação dos impulsos, aliada à ausência de autocrítica, pode levar o paciente à prática de atos contrários aos seus próprios interesses, como gastos impensados e exagerados ( prodigalidade ), especulações ousadas, casamentos (e separações) precipitados ou, mesmo, conflitos mais ou menos sérios com o meio ambiente. Por tais motivos, a hospitalização do maníaco muitas vezes se impõe (Teixeira Lima, 1981). Apesar da hiperatividade e de pouco dormir , os maníacos sentem-se bem e não se queixam de cansaço. A grande excitação e exagerada atividade física continuadas resultam, às vezes, em agressão ou violência. Ao lado disso, o descuido com a alimentação, ingestão de líquidos e higiene pessoal pode ocasionar graves estados de desidratação, processos infecciosos, etc. Os quadros clínicos mais típicos e exuberantes ocorrem geralmente em pícnicos.
Tabela 10.3 Diretrizes Diagnósticas para Hipomania (F30.0) Segundo a CID-10
• Quadro clínico caracterizado por um grau mais leve de mania que dura pelo menos quatro dias consecutivos • Anormalidades persistentes e marcantes do humor não acompanhadas por alucinações e/ou delírios ou por perturbações graves no trabalho ou no convívio social
DIAGNÓSTICO D IFERENCIAL
Em termos diagnósticos, a hipomania (F30.0) situa-se entre a ciclotimia (F34.0), quanto à elação leve, e a mania (F30.1 e F30.2). Deve-se, também, estabelecer diferenciação com quadros hipomaníacos associados a hipertireoidismo, anorexia nervosa, estados iniciais de depressão ansiosa (em especial, a melancolia involutiva que ocorre no final da meia-idade), transtornos obsessivos graves, etc. A hipomania (F30.0) pode ocorrer como fase inicial ou final de um quadro de mania (F30.1 e F30.2) — nesse caso, a sua codificação em separado não é recomendável.
Mania sem sintomas psicóticos (F30.1) Corresponde ao quadro típico de mania com o humor desproporcionalmente elevado, desde uma jovialidade despreocupada a uma excitação quase incontrolável, conforme já descrevemos. Na Tabela 10.4, resumem-se as diretrizes diagnósticas.
Mania com sintomas psicóticos (F30.2) Episódio Maníaco A CID-10 reconhece três graus de gravidade em relação episódio maníaco (F30): hipomania, mania sem sintomas ao psicóticos e mania com sintomas psicóticos. Todas as subdivisões desta categoria só devem ser usadas para um episódio único de mania . A ocorrência pelo menos de um episódio afetivo prévio ou subseqüente depressivo, maníaco ou hipomaníaco obriga a que o transtorno seja codificado em transtorno afetivo bipolar (F31.–).
Hipomania (F30.0)
Neste caso, o quadro clínico é o de uma mania típica (F30.1) à qual se somam sintomas psicóticos. A exagerada auto-estima e idéias grandiosas podem evoluir para delírios de grandeza . Em outros casos, a exagerada auto-estima, adicionada à irritabilidade e desconfiança, produzem delírios de perseguição . Nas formas graves, os delírios de grandeza ou religiosos de identidade ou papéis podem-se mostrar altamente exacerbados; além disso, a fuga de idéias e a pressão para falar podem tornar incompreensível a expressão do paciente. A extremada atividade física e excitação resultam, às vezes, em agressão ou violência ( furor maníaco). O total descuido quanto a si próprio costuma
Hipomania é o nome que se dá aos casos leves de mania. O quadro clínico caracteriza-se por elevação leve e persistente do humor, aumento de energia e atividade e, geralmente, sentimentos marcantes de bem-estar e de eficiência física e mental. Sociabilidade aumentada, loquacidade, excessiva familiaridade, aumento da energia sexual e redução da necessidade de sono estão geralmente presentes. A concentração e atenção quase sempre encontram-se comprometidas ainda que levemente. Com freqüência, surge interesse em aventuras e atividades totalmente novas. Na maioria dos casos, sob a forma de gastos excessivos leves, a prodigalidade está presente. Na Tabela 10.3, resumem-se as diretrizes diagnósticas segundo a CID-10. © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
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Tabela 10.4 Diretrizes Diagnósticas para Mania (F30.1) Segundo a CID-10
• Elevação do humor que se faz acompanhar por aumento de energia e diversos sintomas, tais como pressão para falar, redução da necessidade de sono, idéias de grandeza, otimismo exagerado • O episódio deve durar no mínimo uma semana e ser suficientemente grave para comprometer o ritmo normal de trabalho e atividades sociais de modo mais ou menos completo
TRANSTORNOS
conduzir a perigosos estados de desidratação e autonegligência . Os delírios e/ou alucinações podem ser congruentes ou incongruentes com o humor. Conceituam-se como incongruentes os delírios e/ou alucinações afetivamente neutros, que não têm qualquer significação emocional especial para o paciente. As diretrizes diagnósticas encontramse na Tabela 10.5.
Tabela 10.5 Diretrizes Diagnósticas para Mania com Sintomas Psicóticos (F30.2) Segundo a CID-10
• Quadro clínico de mania típica (F30.1) • Sintomas psicóticos adicionados — delírios de grandeza, delírios de perseguição; fuga de idéias e pressão para falar, tornando incompreensível a expressão do paciente; furor maníaco em alguns casos; delírios e/ou alucinações congruentes ou incongruentes com o humor
Diagnóstico Diferencial O diagnóstico diferencial deve ser estabelecido sobretudo com a esquizofrenia. Quando o indivíduo é visto no pico da doença, pode ser extremamente difícil estabelecer a diferenciação. No caso do enfermo apresentar delírios e/ou alucinações humor-incongruentes , deve-se pensar na possibilidade de se tratar de um transtorno esquizoafetivo (F25.–). Quando o quadro maníaco decorre de transtorno cerebral que pode ser demonstrado (por meio de investigações físicas e laboratoriais apropriadas) ou presumido (com base em informação adequada de história), deve ser codificado em F06.3 — transtornos orgânicos do humor (afetivos).
Depressão O paciente em quadro depressivo apresenta um humor triste que nos casos acentuados transparece tanto na mímica como na sua atitude geral. Às vezes, não chega a ser tristeza propriamente, mas apenas um apagamento ou ausência de ressonância ante os estímulos comuns da vida. De modo geral, o paciente tem consciência de seu estado e sofre com isso, como se estivesse próxima a sua destruição. Alguns estranham o próprio corpo e/ou o mundo circundante (Teixeira Lima, 1981). À inspeção, parece que o deprimido está cansado e preocupado. Seu sorriso, quando o esboça, é apagado, inexpressivo, a meio pau (como costumamos dizer, por compará-lo com a posição da bandeira hasteada nos dias de luto oficial). A linguagem torna-se um tanto monótona, monocórdica ou, mesmo, sussurrada. A fácies do deprimido é de tristeza, e alguns exibem a chamada prega de Veraguth. O aspecto geral é o de uma pessoa envelhecida. Com os ombros caídos e encurvados para a frente, a marcha geralmente é lenta, arrastada e insegura. A depressão caracteriza-se por lentificação dos processos psíquicos. Além de triste, o humor pode se mostrar irritável , exteriorizando-se por sentimentos de angústia, ansiedade, medo, insegurança, incapacidade parcial ou total de sentir alegria ou prazer ( anedonia). A redução da © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
DO HUMOR
energia aparece como desânimo e cansaço fácil. A fadiga, aliada à lentificação psicomotora, falta de vontade e apatia, produz redução dos movimentos, propensão a permanecer deitado e ao isolamento. Nos casos de acentuada inibição, o quadro adquire as características do estupor , em que estão ausentes tanto a movimentação espontânea como a provocada. Em outros casos, pode-se ter inquietação ou agitação psicomotora, quando a ansiedade é muito grande. A capacidade de crítica do estado mórbido geralmente mostra-se conservada exceto nos casos mais graves, quando, seja pelo estado profundamente depressivo, seja por uma disposição delirante, a autopercepção fica parcial ou totalmente obliterada ou falseada. O pensamento habitualmente apresenta curso lentificado, sendo escasso o fluxo ideativo. A dificuldade de pensar torna geralmente o raciocínio pouco claro. Em termos de conteúdo há predomínio de pensamentos de cunho depressivo, de culpa e auto-recriminação, pecado, ruína, inferioridade, inutilidade, de falta de sentido da vida ou morte. Em muitos casos, as idéias de suicídio estão presentes e sempre devem ser levadas em conta (a depressão é a causa mais freqüente de suicídio ). Todos esses maus pensamentos ocorrem sob a forma de ruminações, idéias depressivas mórbidas e recorrentes tomando conta do pensamento de modo prevalente, durante a maior parte do dia. Um presente péssimo é povoado de maus acontecimentos do passado, e o futuro caracteriza-se pela ausência de planos e perspectivas. Em suma, o deprimido perde a esperança. Até os mínimos problemas reais são superdimensionados, assumindo proporções insuportáveis, o que, ao lado de medos irracionais acentuados pelas indecisão e insegurança, tornam a vida do deprimido um verdadeiro inferno. A capacidade de concentração encontra-se reduzida, o que se revela quando o deprimido se dedica a leituras ou assiste à TV. Sem poder prestar atenção, as informações não são fixadas. Isto, somado ao desinteresse e ao baixo fluxo ideativo, levam o deprimido a se queixar de esquecimento. Os pacientes gravemente deprimidos podem apresentar sintomas psicóticos, tais como alucinações auditivas, cenestésicas e delírio secundário (de ruína, pecado, etc.) ou de autoreferência. O delírio melancólico mais característico ocorre na chamada síndrome de Cotard , em que o enfermo chega a negar a existência de seus órgãos internos, julgando que estão apodrecidos ou, mesmo, sentindo que seu corpo está mudando de forma ou se deteriorando. Nos casos em que ocorre o predomínio dos fatores orgânicos predisposicionais ou inatos, como nas depressões patológicas ou melancólicas, observam-se a falta de motivação para o transtorno e, de modo mais ou menos evidente, as oscilações a que o quadro está sujeito ao longo do dia, sendo, em geral, mais acentuado pela manhã do que no período da tarde: é o que se chama de variação diurna. Ao acordar pela manhã, sentindo-se péssimo, o deprimido pensa: “Meu Deus, mais um dia!”. Muitos permanecem deitados durante todo o período matutino, levantando-se a altas horas do dia para almoçar ou jantar. À tarde e sobretudo à noite, apresentam sensível melhora, buscando fazer alguma coisa útil, assistir à TV, etc. É algo paradoxal, tanto para o enfermo como para seus familiares, e motivo de críticas ou, mesmo, de suspeita, que a sua doença não passe de um embuste. Em outros casos, o que se tem é a presença de características opostas, o que se chama de depressão atípica. Nela, podem-se ter o humor reativo a estímulos e inserção dos sintomas vegetati-
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vos com hipersonia, aumento do apetite e do peso, como pode-se apresentar depressão com angústia, fobias e dificuldade para conciliar o sono. A chamada depressão sazonal caracteriza-se por episódios depressivos com sintomas atípicos (hiperfagia, ganho de peso, hipersonia, letargia, isolamento), ocorrendo em determinados períodos do ano, mais freqüentemente no inverno. Na prática diária, inicialmente toma-se como base dois referenciais clínicos opostos: depressão patológica ou melancolia e depressão psicogênica ou reativa. Do ponto de vista somático, além do aspecto geral de uma pessoa envelhecida, os deprimidos queixam-se de diminuição da libido, insônia, inapetência ou aumento do apetite, obstipação, perda ou aumento do peso, cansaço, cefaléia, dor nos membros, lombalgia, dor pré-cordial, abdominal, eructações, bola na garganta, falta de ar, etc. Em alguns, ocorre um predomínio da sintomatologia física, dificultando o diagnóstico de depressão. Nesses casos tem-se a chamada depressão mascarada, na qual a evolução do quadro depressivo é avaliada pela evolução dos sintomas físicos, quando o tratamento é instituído. As queixas somáticas ocorrem aproximadamente em 50% dos pacientes deprimidos. Os sintomas somáticos mais importantes são diminuição da libido, redução ou aumento do peso, redução ou aumento do apetite e insônia. Esta última pode ser inicial, intermediária ou terminal. A insônia inicial ocorre quando há predomínio da ansiedade, e a terminal é típica das depressões patológicas. De modo geral, os deprimidos acordam quebrados, cansados, queixando-se de que o sono não foi repousante. Alguns poucos podem apresentar hipersonia, o que também não lhes confere qualquer vantagem quanto ao ânimo. Assim como acontece com a mania, os quadros depressivos mais típicos e exuberantes são encontrados em pícnicos, geralmente. A CID-10 reconhece algumas formas de apresentação principais para as depressões, conforme veremos a seguir.
As diferenças individuais mostram-se marcantes em termos clínicos. Na adolescência, são comuns as apresentações atípicas. Em alguns pacientes, ansiedade, angústia e agitação motora são mais evidentes em certos momentos do que a depressão. Irritabilidade, consumo abusivo de álcool, comportamento histriônico, exacerbação de sintomas fóbicos, obsessivos ou hipocondríacos preexistentes podem mascarar a mudança de humor. Em termos práticos, considera-se que a síndrome somática está presente, quando pelo menos quatro dos seguintes sintomas somáticos estão definitivamente presentes: — perda de interesse ou prazer em atividades normalmente agradáveis; — ausência de reatividade emocional a ambientes e eventos habitualmente prazerosos; — acordar pela manhã duas ou mais horas antes do horário habitual; — depressão pior pela manhã; — retardo ou agitação psicomotora definitiva, percebida ou relatada por outras pessoas; — marcante perda do apetite; — perda de peso (5% ou mais do peso corporal do mês anterior); — marcante perda da libido. As categorias de episódios depressivos, leve, moderado e grave, descritas a seguir devem ser usadas somente para o primeiro (ou único ) episódio depressivo. Os episódios depressivos posteriores devem ser classificados sob uma das subdivisões de transtorno depressivo recorrente (F33). Incluem-se os episódios únicos de reação depressiva, depressão maior (sem sintomas psicóticos) e depressão psicogênica ou depressão reativa. EPISÓDIO DEPRESSIVO LEVE (F32.0)
Episódio depressivo (F32) Nos episódios depressivos típicos, o paciente apresenta humor deprimido, perda de interesse e de prazer, bem como energia reduzida, dando como resultado fatigabilidade aumentada e atividade diminuída . Após esforços mesmo muito leves, comumente sobrevém o cansaço. Além disso, a CID-10 aponta outros sintomas comuns: — concentração e atenção reduzidas; — auto-estima e autoconfiança diminuídas; — idéias de culpa e de inutilidade mesmo nos episódios leves; — visões desoladas e pessimistas em relação ao futuro; — idéias ou atos autolesivos ou suicídio; — sono perturbado; — diminuição do apetite. O humor deprimido exibe pequena variação de dia para dia, não sendo responsivo às circunstâncias, embora possa apresentar a característica variação diurna ao longo do dia. © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
Tabela 10.6 Diretrizes Diagnósticas da CID-10 para F32.0
Para um diagnóstico definitivo: a) humor deprimido, perda de interesse e de prazer, fatigabilidade aumentada; ou b) dois dos três sintomas citados no item a mais pelo menos dois dos outros sintomas comuns listados na parte geral referente ao episódio depressivo (F32); c) todos os sintomas estão presentes em grau leve; d) o episódio completo deve durar cerca de duas semanas no mínimo; e) apesar da angústia decorrente dos sintomas e certa dificuldade no desempenho do trabalho do dia-a-dia e atividades sociais, o indivíduo geralmente não interrompe as suas funções. *Um episódio depressivo leve pode cursar sem a presença da síndrome somática (F32.00) ou com presença da síndrome somática (F32.01).
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TRANSTORNOS
DO HUMOR
EPISÓDIO DEPRESSIVO GRAVE COM SINTOMAS PSICÓTICOS (F32.3)
Episódio Depressivo Moderado (F32.1)
Tabela 10.7 Diretrizes Diagnósticas da CID-10 para F32.1
Tabela 10.9 Diretrizes Diagnósticas da CID-10 para F32.3
Para um diagnóstico definitivo:
Para um diagnóstico definitivo:
a) humor deprimido, perda de interesse e de prazer, fatigabilidade aumentada; ou
a) a presença de um episódio depressivo grave, satisfazendo os critérios dados para F32.2, linhas atrás; e
b ) dois dos três sintomas citados no item a e mais pelo menos três dos outros sintomas comuns listados na parte geral referente ao episódio depressivo (F32.–);
b) sintomas psicóticos: delírios, alucinações ou estupor depressivo.
c ) vários sintomas estão presentes em um grau marcante ou ampla variedade de sintomas está globalmente presente; d ) o episódio completo deve durar cerca de duas semanas no mínimo; e ) o indivíduo tem dificuldade no desempenho de suas atividades sociais, laborativas ou domésticas. *Um episódio depressivo moderado pode cursar sem a presença da síndrome somática (F32.10) ou com a presença da síndrome somática (F32.11).
EPISÓDIO DEPRESSIVO GRAVE SEM SINTOMAS PSICÓTICOS (F32.2)
Os delírios geralmente envolvem idéias de pecado, pobreza ou desastres iminentes pelos quais o paciente freqüentemente assume a responsabilidade. A síndrome de Cotard está presente em alguns casos. As alucinações geralmente são auditivas (de vozes difamatórias ou que acusam) ou olfativas (de sujeira apodrecida ou carne em decomposição). O retardo psicomotor grave pode evoluir para estupor depressivo. Os delírios e/ou alucinações podem ser humor-congruentes ou humor-incongruentes (tal qual ocorre com a mania com sintomas psicóticos , F30.2).
Diagnóstico diferencial
Tabela 10.8 Diretrizes Diagnósticas da CID-10 para F32.2
O estupor depressivo deve ser diferenciado de: — estupor catatônico da esquizofrenia catatônica (F20.2); — estupor dissociativo (F44.2); — formas orgânicas de estupor. • Em F32.3, estão incluídos os episódios únicos de depressão maior com sintomas psicóticos, a depressão psicótica, a psicose depressiva psicogênica e a psicose depressiva reativa.
Para um diagnóstico definitivo: a ) os três sintomas típicos devem estar presentes — humor deprimido, perda de interesse e de prazer, fatigabilidade aumentada; e b ) pelo menos quatro dos outros sintomas comuns, alguns dos quais devem ser de intensidade grave; c ) sintomas importantes, tais como agitação ou retardo podem ser marcantes, mas não são descritos pelo paciente; ou seja, o indivíduo pode estar impedido de cooperar ou ser incapaz de descrever muitos sintomas graves em detalhes. Daí que uma gradação global do episódio grave pode ser justificada;
OUTROS EPISÓDIOS DEPRESSIVOS (F32.8)
• Incluem-se aqui a depressão atípica e os episódios únicos de depressão mascarada SOE . São episódios que não se encaixam nas formas de apresentação anteriores, mas cuja impressão diagnóstica global indica que são depressivos em natureza. Neles, misturam-se sintomas depressivos, em especial de linhagem somática, com outras queixas, tais como preocupação, tensão, angústia ou sintomas depressivos somáticos com fadiga ou dor persistente não devida a causa orgânica.
d ) o episódio completo deve durar cerca de duas semanas no mínimo, a menos que sintomas extremamente graves e de início muito rápido justifiquem fazer o diagnóstico com tempo menor de duração; e ) o indivíduo mostra-se incapaz de continuar com suas atividades sociais, laborativas ou domésticas, a não ser de modo muito limitado. *Um episódio depressivo grave cursa quase sempre com a presença da síndrome somática (F32.21).
Transtorno depressivo recorrente (F33)
A angústia e a agitação são consideráveis, a menos que o retardo psicomotor seja algo marcante. São, ainda, proeminentes a perda da auto-estima, sentimentos de inutilidade ou culpa, sendo o suicídio um perigo muito grande. • Incluem-se aqui os episódios únicos de depressão agitada, melancolia ou depressão vital sem sintomas psicóticos.
Alguns critérios devem ser satisfeitos, para formular o diagnóstico. O transtorno depressivo recorrente caracterizase por episódios repetidos de depressão (leve, moderada ou grave) sem história de episódios independentes de mania. Assim, a categoria deve, ainda, ser usada, se há evidência de episódios de hipomania imediatamente após um episódio depressivo (às vezes, aparentemente precipitado pelo tratamento da depressão).
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A idade em que surge pela primeira vez, a gravidade, duração e freqüência dos episódios depressivos são extremamente variáveis. Os episódios duram entre três e 12 meses com duração mediana de seis meses e reaparecem com menos freqüência do que no transtorno afetivo bipolar. Habitualmente, a recuperação entre os episódios é completa, embora alguns pacientes possam desenvolver depressão persistente, sobretudo na velhice. Em qualquer tempo, se um paciente com transtorno depressivo recorrente apresentar um episódio maníaco, o diagnóstico deverá ser mudado para transtorno afetivo bipolar. • Incluem-se em F33 (transtorno depressivo recorrente): — episódios recorrentes de reação depressiva; — depressão psicogênica ou reativa; — transtorno afetivo sazonal (F33.0 ou F33.1); — episódios recorrentes de depressão endógena; — depressão maior; — psicose maníaco-depressiva (tipo depressivo); — psicose depressiva psicogênica ou reativa; — depressão psicótica; — depressão vital (F33.2 ou F33.3). • Estão excluídos os episódios depressivos breves recorrentes (F38.1). A CID-10 subdivide os episódios depressivos recorrentes em três níveis básicos, conforme veremos a seguir.
TRANSTORNO DEPRESSIVO RECORRENTE, EPISÓDIO ATUAL GRAVE SEM SINTOMAS PSICÓTICOS (F33.2) Tabela 10. 12 Diretrizes Diagnósticas da CID-10 para F33.2
Para um diagnóstico definitivo: a ) mostram-se preenchidos os critérios para transtorno depressivo recorrente; e b ) o episódio atual é do tipo episódio depressivo grave sem sintomas psicóticos (F32.2); e c ) pelo menos dois episódios devem ter durado por um tempo mínimo de duas semanas e haver sido separados por um espaço de meses sem perturbação significativa do humor.
TRANSTORNO DEPRESSIVO RECORRENTE, EPISÓDIO ATUAL GRAVE COM SINTOMAS PSICÓTICOS (F33.3) Tabela 10.13 Diretrizes Diagnósticas da CID-10 para F33.3
Para um diagnóstico definitivo: a ) mostram-se preenchidos os critérios para transtorno depressivo recorrente; e b ) o episódio atual é do tipo episódio depressivo grave com sintomas psicóticos (F32.3); e
TRANSTORNO DEPRESSIVO RECORRENTE, EPISÓDIO ATUAL LEVE (F33.0)
c ) pelo menos dois episódios devem ter durado por um tempo mínimo de duas semanas e haver sido separados por um espaço de meses sem perturbação significativa do humor.
Tabela 10.10 Diretrizes Diagnósticas da CID-10 para F33.0
Para um diagnóstico definitivo: a ) mostram-se preenchidos os critérios para transtorno depressivo recorrente;
TRANSTORNO DEPRESSIVO RECORRENTE ATUALMENTE EM REMISSÃO (F33.4)
b ) o episódio atual é do tipo episódio depressivo leve (F32.0); c ) pelo menos dois episódios devem ter durado por um tempo mínimo de duas semanas e haver sido separados por um espaço de meses sem perturbação significativa do humor.
Tabela 10.14 Diretrizes Diagnósticas da CID-10 para F33.4
* O episódio atual pode cursar sem sintomas somáticos ou síndrome somática (F33.00) ou com sintomas somáticos (F33.01).
Para um diagnóstico definitivo:
TRANSTORNO DEPRESSIVO RECORRENTE, EPISÓDIO ATUAL MODERADO (F33.1)
b ) atualmente, o estado do paciente não preenche os critérios de qualquer transtorno em F30-F39.
a ) os critérios para transtorno depressivo recorrente mostraram-se plenamente preenchidos no passado; e
*Esta categoria pode ser usada mesmo que o paciente esteja recebendo tratamento preventivo em relação a episódios futuros. Tabela 10.11 Diretrizes Diagnósticas da CID-10 para F33.1
Transtorno afetivo bipolar (F31)
Para um diagnóstico definitivo: a) mostram-se preenchidos os critérios para transtorno depressivo recorrente; b) o episódio atual é do tipo episódio depressivo moderado (F32.1); e c) pelo menos dois episódios devem ter durado por um tempo mínimo de duas semanas e haver sido separados por um espaço de meses, sem perturbação significativa do humor. *O episódio atual pode cursar sem sintomas somáticos (F33.10) ou com sintomas somáticos (F33.11). © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
Constitui um transtorno no qual os episódios maníacos ou hipomaníacos se alternam com os episódios depressivos. Para firmar o diagnóstico, basta que um episódio maníaco ou hipomaníaco tenha precedido ou sucedido um episódio depressivo com recuperação completa entre ambos. E mais, os pacientes que apresentam apenas episódios repetidos de mania são também classificados como bipolares . De modo característico, a recuperação entre os episódios é geralmente completa, sendo muito próxima a incidência em ambos os sexos. Os enfermos que padecem de transtorno afetivo bipolar
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TRANSTORNOS
são classificados como sendo dos tipos I ou II. Nos bipolares de tipo I, a depressão alterna-se com mania; nos bipolares de tipo II, a depressão cicla com hipomania (APA, DSM-IV, 1994). Considera-se que o transtorno depressivo maior (episódio depressivo, transtorno depressivo recorrente) e o transtorno bipolar I são os dois principais transtornos do humor. Os episódios maníacos começam de forma repentina, durando duas semanas a cinco meses, com duração média de quatro meses. As depressões duram mais tempo — seis meses em termos médios —, raramente por mais de um ano exceto em idosos. Os eventos estressantes da vida ou outros traumas mentais podem servir como desencadeantes, mas não são essenciais para o diagnóstico. O primeiro episódio pode ocorrer em qualquer idade, desde a infância até a velhice. A freqüência dos episódios bem como o padrão de remissões e recaídas são extremamente variáveis. As remissões tendem a se tornar mais breves com o passar do tempo, assim como as depressões tornam-se mais e mais comuns e com maior duração após a meia-idade. • Inclui-se, aqui, a doença, psicose ou reação maníaco-depressiva. Segundo a CID-10, são várias as formas de apresentação do transtorno afetivo bipolar, conforme veremos a seguir.
DO HUMOR
TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR, EPISÓDIO ATUAL DEPRESSIVO LEVE OU MODERADO (F31.3) Tabela 10.18 Diretrizes Diagnósticas da CID-10 para F31.3
Para um diagnóstico definitivo: a) episódio depressivo atual de gravidade leve (F32.0) ou moderada (F32.1); e b) houve pelo menos um outro episódio afetivo hipomaníaco, maníaco ou misto no passado. *O episódio atual pode cursar sem sintomas somáticos (F31.30) ou com sintomas somáticos (F31.31).
TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR, EPISÓDIO ATUAL DEPRESSIVO GRAVE SEM SINTOMAS PSICÓTICOS (F31.4) Tabela 10.19 Diretrizes Diagnósticas da CID-10 para F31.4
Para um diagnóstico definitivo: a) episódio depressivo atual grave sem sintomas psicóticos (F32.2); e b) houve pelo menos um outro episódio afetivo hipomaníaco, maníaco ou misto no passado.
TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR, EPISÓDIO HIPOMANÍACO (F31.0)
TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR, EPISÓDIO ATUAL DEPRESSIVO GRAVE COM SINTOMAS PSICÓTICOS (F31.5)
Tabela 10.15 Diretrizes Diagnósticas da CID-10 para F31.0
Para um diagnóstico definitivo: Tabela 10.20 Diretrizes Diagnósticas da CID-10 para F31.5
a) episódio atual de hipomania (F30.0); e b) houve pelo menos um outro episódio afetivo (hipomaníaco, maníaco, depressivo ou misto) no passado.
Para um diagnóstico definitivo: a) episódio depressivo atual grave com sintomas psicóticos (F32.3); e
TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR, EPISÓDIO ATUAL MANÍACO SEM SINTOMAS PSICÓTICOS (F31.1)
b) houve pelo menos um outro episódio afetivo hipomaníaco, maníaco ou misto no passado. *Delírios e/ou alucinações podem ser especificados como humorcongruentes ou humor-incongruentes (tal qual ocorre com a mania com sintomas psicóticos, F30.2)
Tabela 10.16 Diretrizes Diagnósticas da CID-10 para F31.1
Para um diagnóstico definitivo: a) episódio atual de mania sem sintomas psicóticos (F30.1); e
TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR, EPISÓDIO ATUAL MISTO (F31.6)
b) houve pelo menos um outro episódio afetivo (hipomaníaco, maníaco, depressivo ou misto) no passado.
Tabela 10.21 Diretrizes Diagnósticas da CID-10 para F31.6
TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR, EPISÓDIO ATUAL MANÍACO COM SINTOMAS PSICÓTICOS (F31.2)
a) o episódio atual exibe uma mistura ou alternância rápida de sintomas maníacos, hipomaníacos e depressivos (humor depressivo acompanhado durante dias ou semanas, de forma contínua, por hiperatividade e pressão para falar ou humor maníaco e grandiosidade acompanhados por agitação, perda de energia e de libido); e
Tabela 10.17 Diretrizes Diagnósticas da CID-10 para F31.2
Para um diagnóstico definitivo: a) episódio atual de mania com sintomas psicóticos (F30.2); e
b) os dois conjuntos de sintomas são ambos proeminentes pela maior parte do tempo no episódio atual da doença, que tem uma duração de pelo menos duas semanas; e
b) houve pelo menos um outro episódio afetivo (hipomaníaco, maníaco, depressivo ou misto) no passado. *Delírios e/ou alucinações podem ser especificados como humorcongruentes ou humor-incongruentes (tal qual ocorre com a mania com sintomas psicóticos, F30.2). © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
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c) houve pelo menos um outro episódio afetivo maníaco, hipomaníaco ou misto no passado.
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tabelecido a partir de cuidadosa observação acerca do comportamento passado e atual do indivíduo. Tanto as depressões como as elações são muito leves, de forma que estas últimas podem ser agradáveis, dificultando a feitura do diagnóstico. Outras vezes, o mesmo ocorre porque a mudança de humor acaba se refletindo muito mais na atividade, autoconfiança, sociabilidade ou no comportamento do sujeito. A idade de início da ciclotímia pode ser especificada como precoce (final da adolescência ou terceira década de vida) ou tardia.
TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR ATUALMENTE EM REMISSÃO (F31.7) Tabela 10.22 Diretrizes Diagnósticas da CID-10 para F31.7
a) os critérios para transtorno afetivo bipolar mostraram-se plenamente preenchidos no passado; e b) atualmente, o estado do paciente não preenche os critérios de qualquer transtorno em F30-F39 há vários meses. * Esta categoria pode ser usada mesmo que o paciente esteja recebendo tratamento preventivo, em relação a episódios futuros.
Tabela 10.23 Diretrizes Diagnósticas para Ciclotimia (F34.0) Segundo a CID-10
Outros transtornos afetivos bipolares (F31.8) • Incluem-se o transtorno afetivo bipolar II e episódios maníacos recorrentes.
• Instabilidade persistente do humor envolvendo incontáveis períodos de depressão e elação muito leves. • Nenhum dos períodos de depressão ou elação mostra-se suficientemente grave ou prolongado para preencher os critérios para transtorno afetivo bipolar (F31.–) ou transtorno depressivo recorrente (F33.–); conseqüentemente, os episódios individuais de flutuações do humor também não satisfazem os critérios para episódio maníaco (F30.–) ou episódio depressivo (F32.–)
Transtornos persistentes do humor (afetivos) — (F34) São transtornos de humor persistentes e geralmente flutuantes nos quais os episódios individuais são insuficientemente graves para serem classificados como hipomaníacos ou como episódios depressivos leves . Além disso, esses transtornos duram anos, em geral ao longo da maior parte da vida adulta da pessoa, ocasionando grande angústia e sensação de incapacidade. Eventualmente, porém, episódios únicos ou recorrentes de transtorno maníaco ou de transtorno depressivo (leve, moderado ou grave) podem se sobrepor ao transtorno afetivo persistente. Esses transtornos são classificados aqui, e não com os transtornos de personalidade, em razão de estudos familiares que os evidenciam como geneticamente relacionados aos transtornos de humor . As duas variedades — ciclotimia e distimia — podem ter início precoce ou tardio.
Diagnóstico Diferencial A ciclotimia é um transtorno comum nos parentes de pacientes com transtorno afetivo bipolar. Ela pode persistir ao longo de toda a vida adulta, remitir temporária ou permanentemente ou evoluir para oscilações mais graves do humor, tais como um transtorno afetivo bipolar ou um transtorno depressivo recorrente. DISTIMIA (F34.1)
CICLOTIMIA (F34.0)
A história do transtorno ciclotímico baseia-se, inicialmente, nas observações de Emil Kraepelin (1962) e de Kurt Schneider (1968), segundo os quais, 30% a 60% dos pacientes com transtornos do humor apresentam transtornos de personalidade. Kraepelin considerava quatro tipos de transtorno de personalidade: depressiva (sombria, pessimista), maníaca (alegre, desinibida), irritável (instável, explosiva) e ciclotímica (alternância das personalidades depressiva e maníaca). Os pacientes com transtorno ciclotímico constituem até 10% dos pacientes psiquiátricos ambulatoriais. Suas queixas mais significativas envolvem dificuldades conjugais e interpessoais. Na população geral, a prevalência do transtorno ciclotímico no período de vida é de aproximadamente 1% (Kaplan, Sadock, Grebb, 1997). A ciclotimia consiste numa instabilidade persistente do humor que envolve incontáveis períodos de depressão e elação muito leves. Instala-se, usualmente, no início da vida adulta e segue um curso crônico. Ocasionalmente, o humor pode-se mostrar normal e estável por meses. De modo geral, o indivíduo percebe que as oscilações do humor independem dos eventos da vida. O diagnóstico é es© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
* Incluem-se aqui antigas denominações, tais como transtorno afetivo de personalidade, personalidade ciclóide, personalidade ciclotímica.
Constitui uma depressão crônica do humor que não satisfaz atualmente os critérios para transtorno depressivo recorrente (leve ou moderado) em termos de gravidade ou de duração dos episódios individuais. Em boa parte dos casos, os critérios para episódio depressivo leve foram preenchidos, em especial no início do transtorno. Os pacientes sentem-se cansados e deprimidos na maior parte do tempo, durante meses. Dormem mal, sentem-se inadequados, preocupam-se e queixam-se constantemente, apesar de serem capazes de cumprir os deveres diários básicos. Ao lado disso, referem períodos de dias ou semanas em que se sentem bem. O transtorno distímico afeta de 3% a 5% da população e em torno de 30% a 50% dos pacientes de clínicas psiquiátricas gerais. Freqüentemente, coexiste com outros transtornos mentais, tais como transtorno depressivo maior, transtorno de ansiedade (sobretudo transtorno de pânico ), abuso de substâncias e transtorno de personalidade borderline (Kaplan, Sadock, Grebb, 1997). Cerca de 40% dos pacientes com transtorno depressivo maior também satisfazem os critérios para transtorno distí-
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TRANSTORNOS
mico , uma combinação denominada por Keller & Shapiro (1982) como depressão dupla. Esses distímicos que evoluem para um transtorno depressivo maior, ou seja, para a condição de depressão dupla, apresentam um pior prognóstico e maior resistência terapêutica.
• Depressão de humor duradoura, raramente grave o bastante para satisfazer os critérios para transtorno depressivo, leve (F33.0) ou moderado (F33.1).
Não se dispõe de exames complementares que possam confirmar o diagnóstico de qualquer um dos transtornos do humor (afetivos) — (F30-F39). Ou seja, todos os exames subsidiários disponíveis até o momento mostram-se normais.
• Quando o começo é tardio, o transtorno geralmente é conseqüência de episódio depressivo (F32.–), associado à perda ou a outro estresse evidente.
• Incluem-se aqui entidades nosológicas que anteriormente pertenciam a outros grupos, tais como neurose depressiva, transtorno depressivo de personalidade, depressão neurótica (com mais de dois anos de duração), depressão ansiosa persistente. • Excluem-se: depressão ansiosa (leve ou não-persistente) (F41.2), reação de perda durando menos de dois anos ou reação depressiva prolongada (F43.21) e esquizofrenia residual (F20.5). OUTROS TRANSTORNOS PERSISTENTES DO HUMOR ( AFETIVOS) — (F34.8)
Constitui uma categoria residual para transtornos afetivos persistentes, insuficientemente graves ou duradouros para firmar o diagnóstico de ciclotimia (F34.0) ou distimia (F34.1), mas clinicamente significativos. Alguns tipos de depressão neurótica são incluídos aqui.
Outros transtornos do humor (F38) OUTROS TRANSTORNOS ÚNICOS DO HUMOR ( AFETIVOS) — (F38.0)
Digno de nota é o episódio afetivo misto (F38.00) — um episódio afetivo durando pelo menos duas semanas que se caracteriza tanto por mistura como por alternância rápida (geralmente em poucas horas) de sintomas hipomaníacos, maníacos e depressivos. DO HUMOR
Digno de nota é o transtorno depressivo breve recorrente (F38.10): episódios breves recorrentes que ocorreram em torno de uma vez por mês durante o último ano. Os episódios depressivos individuais duram menos de duas se© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
Diagnóstico diferencial
EXAMES COMPLEMENTARES
• Início geralmente nos primórdios da vida adulta, durando vários anos, às vezes indefinidamente.
RECORRENTES
manas (2-3 dias de forma típica, com recuperação completa), mas satisfazem os critérios para episódio depressivo leve (F32.0), moderado (F32.1) ou grave (F32.2).
Contrastando com os distímicos (F34.1), os pacientes não se mostram deprimidos a maior parte do tempo. Quando os episódios ocorrem apenas em relação com o ciclo menstrual, um segundo código deve ser usado para a causa subjacente.
Tabela 10.24 Diretrizes Diagnósticas para Distimia (F34.0) Segundo a CID-10
OUTROS TRANSTORNOS ( AFETIVOS) — (F38.1)
DO HUMOR
DIAGNÓSTICO D IFERENCIAL
Inicialmente, os transtornos do humor devem ser diferenciados de outros transtornos psiquiátricos, tais como: esquizofrenia; transtorno esquizoafetivo; transtornos neuróticos, relacionados ao estresse e somatoformes; transtornos alimentares; transtornos de personalidade. Conforme já vimos, a base causal para os transtornos do humor (afetivos) (F30-F39) é desconhecida. Entretanto, presume-se que uma alteração primária do humor seja a base causal desses transtornos. A prática clínica, aliada ao conhecimento atual da patogênese dos transtornos do humor, permite afirmar que várias condições (biológicas, psíquicas, sociais) são capazes de causar ou desencadear uma perturbação do humor. Quando a origem mais provável do transtorno do humor é de natureza psicossocial, deve-se analisar o paciente com cuidado, para verificar se o quadro resultante é, por exemplo, um luto ou uma melancolia. Como já vimos, o luto, depressão psicogênica ou depressão reativa, é a reação que se segue à perda de um ente querido ou de algo que ocupava o lugar dele. Assim, o luto é uma reação normal frente a uma perda importante. Por outro lado, os que possuem disposição patológica prévia experimentam a mesma perda, fazendo uma melancolia ou depressão patológica. Esses indivíduos vivenciam a depressão como grave perturbação da auto-estima que tem como nexos motivacionais inconscientes relações infantis altamente insatisfatórias. Portanto, no que respeita ao luto, a causa é a perda, enquanto na depressão patológica a mesma perda constitui apenas um fator desencadeante do transtorno do humor. Em termos classificatórios (CID-10), se o acento tônico é posto no âmbito da melancolia, o transtorno pertence ao grupo que se está estudando (F30-F39); se o acento tônico é posto no luto ou depressão reativa, talvez seja melhor classificar o transtorno em outro grupo do capítulo F da CID-10. Observação. Até aqui temos usado os termos melancolia e depressão patológica praticamente como sinônimos, o que é válido para a maioria dos casos clínicos. Porém, rigorosamente falando, deve-se estabelecer uma distinção entre essas
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duas designações. Tanto nas depressões patológicas como nas melancolias, o transtorno bioquímico e as perdas objetais retiradas da consciência estão presentes em diferentes proporções, muitas vezes dificilmente quantificáveis. Em termos práticos pode-se dizer que, geralmente, numa depressão patológica o acento tônico recai sobre o fator biológico ( bioquímico ) enquanto que na melancolia ele está colocado na perda objetal situada em nível inconsciente. Em algumas depressões patológicas não se evidencia a perda objetal — são os casos que usualmente respondem bem ao tratamento medicamentoso e muito pouco ou nada à psicoterapia. Em contrapartida, vários melancólicos beneficiam-se pouco com o tratamento medicamentoso (que sempre deve ser instituído) e de modo surpreendente com o tratamento por meios psicológicos. Ao lado dessas situações aparentemente lógicas e previsíveis, as mais díspares respostas podem ser obtidas. Para evitar equívocos, melhor será colocar nos extremos de um continumm psicológico-psicopatológico , de um lado a depressão reativa e o luto normal e, no extremo oposto, a depressão patológica e a melancolia (ou luto patológico), como um esquema adaptável a cada caso clínico concreto. Quando uma doença , síndrome ou estado é a base causal, diz-se que o transtorno do humor é secundário e, juntamente com a condição de base, será classificado na categoria correspondente. Exemplos: — F20.4: depressão pós-esquizofrênica; — F53.0: depressão pós-parto; — F43.2: reação depressiva prolongada. É evidente que, nesses como em outros casos semelhantes, o tratamento será dirigido, preferencialmente, à doença, síndrome ou estado mórbido de base. Aparentemente, os sintomas depressivos são os mesmos tanto no paciente com episódio depressivo como no doente clínico não-psiquiátrico deprimido, exceto por algumas diferenças semiológicas importantes (Cameron, 1990). Os sintomas depressivos que geralmente não são encontrados em doentes clínicos não-psiquiátricos deprimidos são: • baixa auto-estima; • despertar precoce; • variação diurna com piora matutina; • humor não responsivo aos estímulos; • perda da crítica; • sentimento mórbido de culpa; • indecisão; • anedonia acentuada. Ao médico psiquiatra, cabe a tarefa de estabelecer se a doença, síndrome ou estado mórbido desempenha o papel como causa ou fator desencadeante do transtorno do humor. Nas tabelas a seguir, encontram-se os transtornos neurológicos e sistêmicos, assim como as drogas mais comuns que podem produzir depressão e/ou mania. TRATAMENTO
Atualmente, há certa tendência para o tratamento individual do paciente com transtorno do humor. Entretanto, o que se observa é que melhores resultados são obtidos, quando se © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
Tabela 10.25 Principais Transtornos Neurológicos Produtores de Depressão
• Doenças cerebrovasculares. Acidente vascular cerebral (AVC) • Demências reversíveis e irreversíveis (degenerativas) • Epilepsias (principalmente temporais) • Infecções do SNC • Enxaquecas • Traumatismo cerebral • Doença de Parkinson • Doença de Huntington • Paralisia supranuclear progressiva • Doença de Wilson • Hidrocefalia • Esclerose múltipla • Neoplasmas cerebrais • Apnéia do sono • Narcolepsia
pode contar com a ajuda da família e/ou da comunidade. A participação dos familiares mostra-se útil não apenas em relação ao episódio atual como também na redução dos índices de recaída . Não se deve esquecer que os transtornos do humor são crônicos. Disso resulta que tanto o paciente quanto a família precisam perceber que não se pretende apenas a remissão do episódio atual. Ao contrário, o tratamento de manutenção é, às vezes, mais importante para prevenir recaídas, o que se pode conseguir por meio de adequado planejamento terapêutico, do qual faz parte a redução dos eventos existenciais estressantes. Dá-se preferência ao tratamento ambulatorial, reservando a hospitalização para os casos graves nos quais, além da necessidade de procedimentos diagnósticos, o perigo ( para o paciente, para o meio ou para ambos ) está presente, como, por exemplo, quando há o risco de suicídio ou homicídio, incapacidade de cuidar de si ou do próprio patrimônio, progressão rápida dos sintomas. De modo genérico, os pacientes com transtorno do humor, em especial os maníacos, mostram-se resistentes à hospitalização.
Mania Os maníacos têm geralmente falta completa de insight para a sua doença. Não se julgando enfermos, a possibilidade de internação parece-lhes absurda e, diante dela, tornam-se violentos, podendo agredir o médico e acompanhantes de modo verbal ou físico. Quando o paciente possui algum insight para a sua doença e existe bom suporte familiar, pode-se tentar o tratamento em regime ambulatorial. Nesse caso, procede-se à internação domiciliar, prestando constante assistência, tanto ao enfermo quanto à família. Entretanto, com a maior parte dos maníacos isso não é possível e a hospitalização acaba sendo inevitável. Nos casos mais graves, em
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TRANSTORNOS
DO HUMOR
Tabela 10.26 Principais Transtornos Sistêmicos Produtores de Depressão
Tabela 10.27 Principais Transtornos Neurológicos Produtores de Hipomania e Mania
Processos infecciosos • Virais • Bacterianos
• AVC (principalmente tálamo e hemisfério direito) • Epilepsias do lobo temporal • Infecções do SNC
Transtornos endócrinos • Hipertireoidismo apático • Hipotireoidismo • Hiperparatireoidismo • Hipoparatireoidismo • Síndrome de Cushing (por excesso de esteróides) • Doença de Addison (insuficiência de esteróides) • Hiperaldosteronismo • Depressão pré-menstrual (tensão pré-menstrual)
• E nx aq ue ca s • Traumatismo cerebral • Doença de Pick • Doença de Huntington • Doença de Wilson • Doença de Parkinson pós-encefalítica • Esclerose múltipla • Neoplasmas cerebrais
Transtornos inflamatórios • Lúpus eritematoso sistêmico • Artrite reumatóide • Arterite temporal • Síndrome de Sjögren
• Síndrome de Kleine-Levin • Síndrome de Klinefelter • Atrofia cerebelar • Talamotomia
Deficiências vitamínicas • Folato • Vitamina B • Niacina • Vitamina C 12
Tabela 10.28 Principais Transtornos Sistêmicos Produtores de Hipomania e mania
Transtornos sistêmicos diversos • Doença cardiopulmonar • Doença renal e uremia • Neoplasmas sistêmicos • Porfiria • Síndrome de Klinefelter • Síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) • Depressão pós-parto • Transtornos do humor pós-operatórios
• Hipertireoidismo • Uremia e hemodiálise • Demência por diálise • Pelagra • Síndrome carcinóide • Deficiência de vitamina B • Mania pós-parto
que a ausência de insight para a doença é total, impõe-se proteger o paciente para que não cometa atos que possam prejudicá-lo seriamente, como, por exemplo, envolver-se em situações com conseqüências judiciais ou gastar excessivamente em compras inúteis. Um fazendeiro tido como bom comerciante passou, de uma hora para outra, a fazer negócios absurdos. Comprou um automóvel, que valeria no máximo R$ 30.000,00, por R$ 60.000,00 e logo depois vendeu-o por R$ 15.000,00. Surpresos, os familiares interpelaram-no acerca das transações e ele justificou-se dizendo que “o carro não era o que ele esperava e que poderia ganhar muito mais aplicando o dinheiro na poupança”, cujo rendimento naquele momento estava em torno de 3% ao mês! Outros negócios igualmente “malucos”, comprando e vendendo sempre pela metade do preço de com pra ou menos, fez com que os familiares o levassem à consulta. Fisicamente sadio, o paciente, que nesse momento estava com 42 anos de idade, já tivera alguns episódios depressivos anteriores. À consulta, já esboçava delírios de grandeza, © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
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que se mostraram muito mais evidentes no hospital onde foi internado de maneira compulsória. No nosocômio, exibindo evidente quadro de mania psicótica, numa das consultas disse: “Doutor, eu já percebi que o senhor gosta de carros grandes. Eu vou lhe dar um Landau de presente”. E, olhando para o enfermeiro, arrematou: “E, prá você, um fusquinha”. Após três meses de hospitalização, saiu do nosocômio em boas condições. Com o diagnóstico de transtorno afetivo bipolar, permanece em tratamento de manutenção preventivo sob nossos cuidados há vários anos, sem ter apresentado qualquer novo episódio depressivo ou maníaco. A participação efetiva dos familiares tem sido extremamente importante nessa satisfatória evolução. Com a remissão total da sintomatologia, voltou a ser o bom comerciante de sempre. Porém, agora conta com a “assessoria” eficaz e permanente dos filhos. Em tempo: médico e enfermeiro aguardam os automóveis que até hoje não vieram e, é claro, nunca foram cobrados!
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Tabela 10.29 Principais Drogas que Eventualmente Podem Produzir Depressão
Drogas psicotrópicas • Butirofenonas
• Fenotiazinas
Sedativos e hipnóticos • Barbitúricos • Clorazepato • Hidrato de cloral
• Benzodiazepínicos • Clormetiazol • Etanol
Agentes neurológicos • Amantadina • Bromocriptina • Fenitoína • Metossuximida
Tabela 10.30 Principais Drogas Associadas à Produção de Hipomania e Mania
• Lev odopa • Bromocriptina • Simpaticomiméticos • Isoniazida • Procarbazina • Brometo • • • •
Baclofeno Carbamazepina Levodopa Tetrabenazina
• Cocaína • Anfetaminas • Prociclidina
Estimulantes e supressores do apetite • Anfetamina • Dietilpropiona • Fenfluramina • Fenmetrazina
• Hidralazina
Esteróides e hormônios • Corticosteróides • Prednisona • Triancinolona
• Cimetid ina
Drogas antibacterianas e antifúngicas • Ácido nalidíxico • Ampicilina • Estreptomicina • Griseofulvina • Metronidazol • Nitrofurantoína • Sulfametoxazol • Sulfonamidas • Tiocarbanilida • Clotrimazol • Ciclosserina • Dapsona • Etionamida • Tetraciclinas Drogas cardíacas e anti-hipertensivas • Betanidina • Clonidina • Digitais • Guanetidina • Hidralazina • Lidocaína • Metildopa • Metoserpidina • Oxprenolol • Prazosina • Procainamida • Propranolol • Reserpina • Veratrum
Drogas diversas • Acetazolamida • Cimetidina • Ciproeptadina • Dissulfiram • Mebeverina • Metisergida • Pizotifeno
• Fenciclidina (PCP)
• Danazol • Contraceptivos orais • Noretisterona
Analgésicos e drogas antiinflamatórias • Benzidamina • Fenacetina • Fenilbutazona • Fenoprofeno • Ibuprofeno • Indometacina • Opiáceos • Pentazocina
Drogas antineoplásicas • Azatioprina • 6-Azauridina • Mitramicina • Vincristina
• Ciclobenzaprina
• C-Asparaginase • Bleomicina • Trimetoprima
• • • • • • •
Anticolinesterases Colina Difenoxilato Lisergida Metoclopramida Meclizina Salbutamol
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• Ioimbina • Baclofeno • Metrizamida (após mielografia)
A enfermagem bem-treinada pode desempenhar um papel muito importante no tratamento, direcionando a exaltação do humor, a hiperatividade e a expansividade para ações isentas de perigo, ao mesmo tempo que obtém a cooperação do paciente, estabelecendo adequada empatia com o seu comportamento usualmente fanfarrão. Deve-se ter muito cuidado na colocação de limites, praticamente inaceitáveis pelo enfermo neste momento. Se contrariado com imperícia, pode reagir de modo violento. Daí a necessidade da equipe psiquiátrica estabelecer, desde logo, adequada relação interpessoal com o paciente. Ao tratar de um episódio maníaco, pretende-se, basicamente, promover a remissão da exaltação/irritabilidade do humor assim como eliminar os demais sintomas conseqüentes. O tratamento medicamentoso é realizado, para a maioria dos pacientes, com três medicamentos principais: clorpromazina, haloperidol e lítio. Geralmente, usam-se a clorpromazina e o haloperidol na fase aguda, reservando o lítio para o tratamento de manutenção e preventivo. Assim, comumente, prescreve-se o haloperidol (até 20mg/dia) ou a clorpromazima (até 600mg/dia), e solicitam-se os exames indispensáveis, para verificar as funções cardíaca, renal e tireoidiana (basicamente ECG, urina tipo I, dosagens de uréia, creatinina, T 3, T4, TSH). A janela terapêutica do lítio no sangue situa-se entre 0,5 e 1,2mEq/l — em torno de 1mEq/l na fase aguda e 0,5 a 0,8mEq/l na fase de manutenção/prevenção . Esses níveis são usualmente obtidos com a administração de 1.200mg e 600-900mg, respectivamente, de lítio (Carbolitium, 300mg, ou Carbolitium CR, 450mg), VO, em duas ou três tomadas diárias a cada 8 ou 12 horas. Caso a distribuição diária não possa ser uniforme, o que ocorre, por exemplo, quando 900mg da apresentação comum são administrados em duas doses, a dosagem maior deverá ser dada à noite, ou seja, 300mg pela manhã e 600mg à noite. A coleta de sangue para a dosagem de lítio deve ser realizada pela manhã, em jejum de no mínimo 4 horas antes da 310
TRANSTORNOS
primeira medicação do dia, entre 8 e 12 horas após a última tomada da noite anterior. A cada aumento da dose diária, procede-se a nova litemia uma semana após, até que a dosagem ótima para a fase seja atingida. Na fase aguda, os pacientes toleram mais o lítio do que na fase de manutenção/prevenção, quando geralmente surgem sintomas de tremor e náusea, devendo a litemia ser mantida no menor nível terapêutico possível. Em termos práticos, ainda não estamos plenamente seguros quanto à eficácia do lítio na fase aguda da mania sobretudo nos casos mais graves. Entretanto, diversas evidências demonstram que ele pode ser eficaz tanto no tratamento da fase aguda como na fase de manutenção (Jefferson et al., 1987). Durante o uso concomitante de lítio e haloperidol, pode se instalar uma encefalopatia com sintomas extrapiramidais, discinesia tardia, síndrome neuroléptica maligna, distúrbios do tronco cerebral, síndrome cerebral aguda e coma. Esses casos são raros, mas, por via das dúvidas, preferimos não associar lítio e haloperidol de rotina, sobretudo na fase aguda, em que a eficácia do lítio é duvidosa e o haloperidol extremamente útil, em especial na mania psicótica. Na prática, tudo se acomoda naturalmente. No momento crítico da fase aguda, quando as doses diárias de haloperidol e/ou clorpromazina são máximas, fica-se no aguardo dos resultados dos exames subsidiários realizados. Geralmente, quando os resultados chegam o paciente está algo melhorado e a dose do haloperidol já pode ser gradualmente reduzida. Por outro lado, a dose ótima do lítio tem de ser determinada para cada enfermo. Por exemplo, os pacientes idosos geralmente recebem doses menores do que as administradas aos mais jovens _ os pacientes com 65 ou mais anos de idade respondem bem a uma litemia de 0,4 a 0,6mEq/1. Normalmente, inicia-se com 300 a 600mg por dia e ao cabo de uma semana solicita-se a litemia, cujo resultado irá determinar o aumento ou não da dose, e assim sucessivamente, até que a dose ótima seja atingida. Posteriormente, na fase de manutenção / prevenção, com a litemia estabilizada, os exames para a dosagem do lítio plasmático passarão a ser realizados mensalmente, a cada dois meses, e assim sucessivamente, até a cada seis meses (quando o quadro clínico e a litemia se mostram estáveis). De modo geral, evitamos associar haloperidol e lítio. Quando o paciente que toma lítio necessita de um neuroléptico na fase de manutenção/prevenção, temos dado preferência à clorpromazina, levomepromazina, tioridazina e assim por diante. O lítio tem se mostrado extremamente eficaz na prevenção de recorrências afetivas em pacientes com transtorno afetivo bipolar, prevenindo não apenas as recaídas como também a inversão fásica da mania para depressão, quando o paciente apresenta remissão do quadro maníaco. Temos procurado manter a administração do lítio por um tempo mínimo de cinco anos nos casos de boa evolução. Se durante esse período ocorrer uma recaída, o lítio não apenas deverá ser mantido como também um tempo maior de administração do mesmo deverá ser considerado, possivelmente para sempre (ad eternum). Em todos esses pacientes, exames de laboratório periódicos devem ser realizados, para avaliar as funções cardíaca, renal, tireoidiana e outras que o juízo clínico possa determinar. Outros medicamentos têm-se mostrado úteis tanto na fase aguda da mania como, e principalmente, na fase de manutenção/prevenção , tais como a carbamazepina, oxcarbazepina, ácido valpróico, divalproato de sódio, topiramato, © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
DO HUMOR
o agonista adrenérgico clonidina. A eletroconvulsoterapia (ECT) é indicada como recurso extremo nos casos de mania psicótica grave que não esteja respondendo ao tratamento medicamentoso.
Depressão O tratamento da depressão deve estar embasado no diagnóstico pluridimensional, o que, em termos de transtornos do humor, atinge a sua expressão e importância máximas. Ao lado da experiência clínica pessoal, alguns fatores podem auxiliar na escolha do tratamento antidepressivo mais indicado para o caso concreto que se tenha em mãos. São eles: • características propedêuticas do episódio, tais como o padrão e duração dos sintomas; • estresse associado como um dos fatores coadjuvantes: causal, desencadeante, precipitante, agravante; • abuso ou dependência de substâncias; • idéias, tendências ou comportamento suicida; • a história pessoal e familiar; o conhecimento da personalidade pré-mórbida, os transtornos pregressos pessoais e familiares, a constelação na qual o indivíduo está inserido; • clareza quanto ao diagnóstico global assim como do subtipo depressivo; • conhecimento do curso natural do transtorno, fase atual, evolução e prognóstico mais provável; • conhecimento acerca das terapêuticas disponíveis; • adequada relação com o paciente e seus familiares. Em linhas gerais, um tratamento antidepressivo pode ser do tipo medicamentoso ou não-medicamentoso, ocorrendo, habitualmente, a associação de ambos. A) O tratamento do tipo medicamentoso compreende: os antidepressivos clássicos — tricíclicos e os inibidores da monoaminoxidase (IMAOs); os antidepressivos de segunda ou nova geração; os sais de lítio, anticonvulsivantes, etc. Os antidepressivos mais comuns e suas respectivas doses encontram-se na Tabela 10.31. B) O tratamento do tipo não-medicamentoso compreende: psicoterapia, fototerapia, privação de sono, eletroconvulsoterapia (ECT), psicocirurgia. C) Associações entre um ou mais itens de A e B; às vezes, com outras drogas ou técnicas. Exemplos: associação de antidepressivos serotoninérgicos e noradrenérgicos, sais de lítio associados a antidepressivos ou prescritos isoladamente na fase de manutenção/prevenção, associação de antidepressivos com neurolépticos, benzodiazepínicos, hormônios tireoidianos, etc.
Depressão patológica ou melancolia Os antidepressivos tricíclicos (ADT) constituem as drogas de primeira escolha ao longo de todo o episódio. Obtida evidente melhora do quadro clínico, a dose ótima (dosagem a partir da qual se obteve a remissão total da sintomatologia) deve ser mantida por mais 4-6 meses, após o que será gradual e lentamente reduzida. Nos casos em que o ADT não esteja dando o efeito desejado, sobretudo se o quadro é muito grave, demandando intervenção mais rápida e incisiva, deve-se
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acrescentar os sais de lítio, carbamazepina, ácido valpróico, etc., especialmente quando se tem uma bipolaridade comprovada ou presumida. Tal qual ocorre com a depressão patológica ou melancolia, a ECT é indicada nos casos que não estejam respondendo à psicofarmacoterapia. À medida que as manifestações psicóticas vão cedendo, a medicação neuroléptica pode ser gradualmente reduzida e mesmo suprimida posteriormente. O antidepressivo deve ser mantido por um tempo mais longo — 6 meses, no mínimo, após a remissão total da sintomatologia, quando a redução lenta e gradual será iniciada. A psicoterapia ocupa aqui posição usualmente secundária no início do tratamento. Posteriormente, numerosos enfermos obtêm benefícios palpáveis por meio da mesma.
Tabela 10.31 Antidepressivos mais Comuns, Variação da Dosagem Terapêutica e Nomes Comerciais
Nome genérico Tricíclicos • Amitriptilina • Clomipramina • Desipramina • Doxepina • Imipramina • Pamoato de imipramina • Nortriptilina • Protriptilina • Trimipramina • Heterocíclicos
Dose diária Nomes comerciais (mg) 150-300 150-300 150-300 150-300 150-300 150-300 75-150 30-60 150-300
Amitriptilina, Amytril, Tryptanol Anafranil Norpramin, Pertofran Sinequan Tofranil Tofranil pamoato Pamelor Vivactil Surmontil
Depressão atípica De modo geral, responde melhor aos inibidores da monoaminoxidase (IMAOs). O ajuste posológico deve ser feito de modo gradual e de forma rigorosamente individualizada. Alguns pacientes com depressão atípica não respondem bem aos IMAOs, devendo-se tentar outros antidepressivos. A psicoterapia apresenta resultado imprevisível. Porém, deve sempre fazer parte do planejamento, sobretudo nos casos que não estejam respondendo bem ao tratamento medicamentoso.
Heterocíclicos Tetracíclicos • Amoxapina • Maprotilina
150-300 75-150
Asendin Ludiomil
Outros heterocíclicos • Amineptina • Bupropiona • Citalopram • Escitalopram • Fluoxetina
100-300 200-450 20-60 10-20 20-60
• Fluvoxamina • Hipérico • Mianserina • Milnaciprano • Mirtazapina • Nefazodona • Paroxetina • Reboxetina • Sertralina
100-300 600-1.800 30-90 25-100 15-45 300-500 20-60 4-12 50-200
• Tianeptina • Venlafaxina
125-50 75-375
Survector Wellbutrin, Zyban Cipramil, Procimax Lexapro Daforin, Deprax, Eufor, Fluxene, Nortec, Prozac, Verotina Luvox Iperisan, Jasin, Fiotan Tolvon Ixel Remeron Serzone Aropax, Pondera Prolift Novativ, Sercerin, Tolrest, Zoloft Stablon Efexor
IMAOs • Fenelzina • Isocarboxazida • Moclobemida • Tranilcipromina
45-90 30-50 300-600 20-30
Nardil Marplan Aurorix, Mocloxin Parnate
Depressão como fase de um transtorno afetivo bipolar
utilizar a ECT. Depressão patológica ou melancolia muito grave, forma catatônica, por exemplo, podem pôr em risco a vida do paciente, não devendo o médico hesitar em submetê-lo à eletroconvulsoterapia, que costuma apresentar bons resultados. Alguns pacientes exibem resposta pouco satisfatória à psicoterapia. Entretanto, ela deve ser sempre instituída, pois, de forma surpreendente, muitos enfermos beneficiam-se bastante com ela.
Depressão psicótica A associação de ADT e um neuroléptico constitui o tratamento de escolha com o que se obtém boa resposta na maioria dos enfermos. Em alguns casos, a esse esquema podem-se © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
Cerca de 30% das depressões constituem uma das fases de um transtorno afetivo bipolar. Nesses casos, o tratamento medicamentoso de escolha constitui a associação de antidepressivos heterocíclicos (ADH) e sais de lítio. Dá-se preferência aos antidepressivos menos incisivos, pois os ADTs (exceto a amitriptilina) com freqüência promovem a virada da depressão para mania. Quando esse esquema não funciona, pode-se substituir o ADH por um antidepressivo IMAO, em especial nos cicladores rápidos. A associação de antidepressivos IMAOs e sais de lítio costuma produzir bons resultados. Para os pacientes que não respondem bem aos sais de lítio ou para os quais existem uma ou mais contra-indicações, podem-se prescrever em seu lugar, seqüencialmente, carbamazepina, clonazepam, ácido valpróico... Uma paciente com transtorno afetivo bipolar, atualmente com 45 anos de idade, enferma há 12 anos, além de algumas fases depressivas graves com sintomas psicóticos já apresentara várias fases maníacas psicóticas. No início da enfermidade, foi internada várias vezes e a gravidade dos episódios levou-a a receber aplicações de ECT em duas dessas internações. Nos últimos anos, a participação mais efetiva da família, o uso combinado de lítio (Carbolitium CR, 450mg, 2/dia) e carbamazepina (Tegretol, 400mg, 3/dia) com uma psicoterapia interpessoal, comportamental e analítica promoveram boa adaptação da paciente. Porém, recentemente ela passou a apresentar um quadro de psoríase que foi-se agravando e mostrava-se rebelde ao tratamento dermatológico. Ao mesmo tempo, uma exaltação moderada se instalou e, associado a ela, delírio de grandeza de cunho místico. Assim, substituímos o lítio pelo ácido valpróico (Depakene, 300mg, 3/dia) e a carbamazepina pela tioridazina (Melleril, 100mg, 3/dia). Com tal providência, os
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exames de função hepática, que a avaliação clínica revelou estarem levemente alterados (em especial, gama-GT), normalizaram-se em pouco tempo. A eclosão do quadro psoriático coincidiu com o início da menopausa e o surgimento de um conflito familiar de difícil digestão pela paciente. O competente tratamento dermatológico, aliado à mudança dos psicofármacos e à redobrada assistência psicoterápica, promoveu um resultado plenamente satisfatório.
Ciclotimia Em termos clínicos, pode-se considerar a ciclotimia uma forma leve do transtorno bipolar II, em que a depressão cicla com hipomania. A maioria busca auxílio médico-psiquiátrico em virtude da depressão, porém os problemas dos distímicos decorrem do caos determinado por seus episódios maníacos (Kaplan, Sadock, Grebb, 1997). As drogas antimaníacas, tais como os sais de lítio, constituem-se no tratamento de escolha para os ciclotímicos. Além do lítio, a carbamazepina e o ácido valpróico têm dado bons resultados em doses idênticas às usadas no transtorno bipolar I . Os antidepressivos, quando indicados, devem ser prescritos com cautela, visto que em 50% dos distímicos com facilidade dá-se a virada para hipomania ou mania. Em virtude da natureza crônica do transtorno ciclotímico, os enfermos geralmente precisam de tratamento ao longo de toda a vida. Assim, as psicotera pias devem ser dirigidas ao paciente e à sua família, de modo individual e grupal, de apoio, psicopedagógicas, comportamentais e/ou analíticas, conforme a realidade clínica.
Distimia A associação de antidepressivos heterocíclicos (ADH) e psicoterapia é o que tem promovido os melhores resultados em termos clínicos. Em alguns pacientes, porém, ao lado da psicoterapia um melhor resultado pode ser obtido com os antidepressivos IMAOs, e, mais recentemente, os ISRSs (inibidores seletivos da recaptação da serotonina) vêm sendo úteis. De qualquer forma, tal como ocorre com os vários tipos de transtorno do humor, o medicamento deve ser mantido por um tempo não inferior a oito semanas, antes de se decretar a sua possível ineficácia. É uma medida importante especialmente em relação aos distímicos.
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básica prévia está presente (Berga, Parry, 1999). Já o tratamento medicamentoso das depressões e psicoses que ocorrem durante uma gravidez mostra-se extremamente difícil e restrito, pois a maioria dos antipsicóticos e antidepressivos atravessa a placenta e pode causar danos ao embrião ou feto. Do ponto de vista ético, mostra-se impossível realizar estudos científicos controlados com as mulheres grávidas ou lactantes. Como resultado, as informações a respeito dos efeitos maléficos dos psicofármacos sobre o embrião, feto ou lactente são extremamente limitadas. Quando uma paciente psiquiátrica engravida, os psicofármacos que vinha tomando devem ser imediatamente suspensos. Compensatoriamente, o tratamento psicoterápico deve ser incrementado, buscando uma colaboração redobrada por parte dos familiares. Assim também, nos casos em que a depressão ou psicose surja durante a gravidez deve-se tentar contornar o problema por meio da psicoterapia de apoio, sempre com a participação efetiva dos familiares. O uso dos antidepressivos e antipsicóticos é contra-indicado no primeiro trimestre de gravidez. Nos meses seguintes, a prescrição vai depender do juízo clínico, para avaliar o que pode ser pior: o risco de possíveis malformações fetais resultantes do uso dos psicofármacos ou os possíveis danos cerebrais e prejuízos para a interação mãe-bebê conseqüentes à depressão ou psicose. Feita a opção pelo tratamento medicamentoso, deve-se dar preferência aos antipsicóticos de alta potência (como, por exemplo, o haloperidol), no caso de se tratar de psicose; aos antidepressivos tricíclicos, no caso de uma depressão. Sempre que possível, deve-se suspender a medicação psicotrópica nos 15-30 dias que antecedem o parto. Os casos graves poderão necessitar de internação em hospital psiquiátrico. É uma medida que se impõe sobretudo quando há risco de suicídio, que se mostra aumentado no caso das adolescentes grávidas. Pode-se avaliar a gravidade de tal situação lembrando que há estudos demonstrando que a gravidez e a maternidade protegem as mulheres contra o suicídio. Tais casos graves geralmente necessitam de altas doses de psicofármacos; muitas dessas pacientes, apesar de todos os cuidados psicoterápicos e farmacológicos, não exibem evolução favorável. Por sua inocuidade, sobretudo em relação ao embrião ou feto, a ECT constitui-se num tratamento de eleição nos casos graves de gestantes deprimidas ou psicóticas, podendo ser aplicada em qualquer um dos três trimestres da gravidez (de preferência, nos segundo e terceiro trimestres).
Depressão resistente Cerca de 30% dos pacientes com depressão maior não se beneficiam com o primeiro esquema antidepressivo medicamentoso. Novos esquemas medicamentosos devem ser tentados, deles fazendo parte pelo menos dois esquemas diferentes com antidepressivos heterocíclicos (ADH). Se nenhum deles der resultado satisfatório, dever-se-á partir para os antidepressivos IMAOs (Moreno & Moreno, 1995). Numa depressão resistente, todas as associações possíveis devem ser tentadas de acordo com a realidade clínica, buscando o esquema que melhor resultado apresente.
Depressão e psicose na gravidez Embora a gravidez possa ter conseqüências emocionais e psicológicas dramáticas, admite-se que protege as mulheres dos transtornos mentais, a não ser quando uma condição © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
Síndromes psiquiátricas pós-parto Síndromes psiquiátricas pós-parto são transtornos do humor psicóticos e não-psicóticos primários (Parry, 1999). Compõem-se de depressão pós-parto e psicose pós-parto. Essas condições devem ser diferenciadas da chamada melancolia da maternidade e dos transtornos neuropsiquiátricos causados por fatores orgânicos exógenos. 1. Melancolia da maternidade ou depressão pós-parto leve (F53.0). Trata-se de um sentimento de tristeza não considerado transtorno patológico e que pode acometer de 50% a 80% das mulheres. Caracteriza-se por choro, irritabilidade, rápidas mudanças de humor (da depressão à euforia e vice-versa). Usualmente, surge depois do terceiro dia do pós-parto, resolvendo-se espontaneamente em até sete a 10 dias. Não demanda tratamento farmacológico. Orientação, reasseguramento e apoio são suficientes para que a
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puérpera possa suportar a síndrome. Em alguns casos, pode evoluir para um transtorno grave. 2. Depressão pós-parto. Depressão de intensidade moderada a grave que inicia de modo insidioso a partir da segunda ou terceira semanas pós-parto. Desenvolve-se vagarosamente em semanas ou meses. As queixas somáticas são freqüentes, sobretudo fadiga excessiva. Incidência: 10% a 15% em primíparas; em mulheres sem história pregressa de transtorno do humor, o risco de recorrência é de 50%; em mulheres com história de transtorno do humor e depressão pós-parto pregressa, aproxima-se de 100%. A depressão pós-parto pode manter-se inaparente até o quarto ou quinto mês após o parto; o risco de que uma depressão ou psicose pós-parto possa se desenvolver continua até um a dois anos após o parto. 3. Psicose pós-parto. Quadro psicótico com agitação psicomotora extremamente mutável e que eclode usualmente entre o terceiro e o 14 o dia pós-parto. Em geral, começa com despersonalização, insônia e logo um quadro de delirium (confusão mental, alucinações proeminentes e delírios transitórios). O quadro é marcado pela mutabilidade: um estado maníaco é seguido por uma depressão grave que pode durar dias ou semanas, com evolução gradual para depressão moderada. O curso é oscilante, com crises ocasionais de manifestações psicóticas floridas; cessa depois de semanas ou meses. A psicose pós-parto é também chamada depressão psicótica pós-parto (considerando o componente depressivo como básico; Parry, 1999) ou psicose puerperal (com início dentro de seis semanas após o parto; classificável em F53.1 — CID-10). Incidência: o risco inicial é de 0,1%; para a mulher que teve um episódio de psicose pós-parto, o risco nos partos subseqüentes eleva-se para 33%. Cerca de 4% das mulheres com uma psicose pós-parto podem cometer infanticídio. A psicose pós-parto é a síndrome psiquiátrica pós-parto mais grave, e não apenas devido à natureza dos seus sintomas, pois, se não identificada precocemente e tratada de forma adequada, pode retornar posteriormente com conseqüências altamente maléficas não só para a criança como para a própria paciente e demais membros da família. A etiologia das síndromes psiquiátricas pós-parto é desconhecida. Quanto à patogênese, admite-se a associação de: • fatores hormonais, relacionados ao estradiol, progesterona, andrógenos e cortisol; • fatores psicossociais, tais como o estresse gerado pela interrupção do estilo de vida pregresso da mãe aliado à pressão da criança sobre o casal; o sentimento de perda pela proximidade com o feto experimentado pela mãe que se identifica com o bebê, sentindo-se, como ele, afastada e abandonada pelo objeto de amor, como outrora, de modo real ou fantástico, teria ocorrido com ela mesma, segundo a psicanálise; • fatores predisponentes — mulheres com história pessoal ou familiar de transtornos do humor e aquelas com episódios pregressos de depressão ou psicose pós-parto apresentam um risco maior que o comum para o transtorno. Tratamento. Alguns princípios devem ser observados em relação à depressão e psicose pós-parto. © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
1. As doenças orgânicas devem ser excluídas. Um transtorno psiquiátrico pós-parto pode ser devido a uma síndrome de Sheehan subjacente, tireotoxicose (que se apresenta como psicose aguda no primeiro mês após o parto) e hipotireoidismo (depressão moderada ou grave no quarto ou quinto mês após o parto). 2. Quanto mais cedo os sintomas forem identificados e tratados, tanto melhor será em termos de curso e prognóstico. Sem detecção precoce e tratamento adequado, além do agravamento do quadro, os sintomas podem durar até o segundo ou terceiro ano após o parto. 3. Devido à mutabilidade das síndromes psiquiátricas pósparto, os diferentes estágios devem receber diferentes tratamentos. Por exemplo, uma apresentação psicótica responde melhor ao tratamento antipsicótico; após a remissão da psicose, pode surgir um quadro depressivo que deve ser tratado por meio de antidepressivos, e assim por diante. * Em suma. As psicoses pós-parto têm início entre o terceiro e o 14o dia após o parto; 80% delas eclodem dentro do primeiro mês pós-parto. Qualquer paciente que exiba sintomas de psicose pós-parto iminente deve ser hospitalizada. Com essa conduta, previnem-se o infanticídio e o suicídio que podem ser praticados quando a mãe fica sozinha em casa cuidando de seu bebê. Tratada logo no início, a psicose pós-parto pode remitir em uma semana. Caso contrário, além de se agravarem, os sintomas poderão se tornar refratários ao tratamento, levando muito tempo para serem controlados. Pequenas doses de antipsicóticos geralmente são suficientes para promover a remissão dos sintomas, evitando o surgimento de uma psicose mais grave. De início, pode-se usar, por exemplo, haloperidol, 2 a 5mg/dia. Doses maiores podem ser necessárias de acordo com o evolver do quadro clínico. Após a remissão da psicose, a medicação antipsicótica deve ser retirada de modo lento e cauteloso. Em geral, as psicoses pós-parto são sensíveis ao tratamento antipsicótico, remitindo em duas a três semanas, e exibem um bom prognóstico. O uso de antipsicóticos não contra-indica a amamentação . Tão logo seja viável, deve-se instituir o tratamento psicoterápico, que precisa contar com a efetiva participação dos familiares. * A depressão pós-parto deve ser tratada por meio de antidepressivos de modo semelhante ao tratamento dos demais transtornos do humor. No caso de depressão agitada, pequenas doses de antipsicóticos podem ser úteis. Adesivos de estrógeno na pele mostram-se benéficos na depressão pós-parto grave. A administração de antidepressivos (imipramina, fluoxetina, etc.) ou tranqüilizantes (benzodiazepínicos) obriga a interrupção do aleitamento materno, pois pequenas quantidades dessas drogas passam ao leite e podem prejudicar a criança. No caso de depressão pós-parto grave (com ou sem sintomas psicóticos) ou mania refratárias à psicofarmacoterapia, a ECT é o tratamento de escolha. Ao lado do tratamento por meios biológicos, a psicoterapia, aliada à participação efetiva dos familiares, é medida indispensável. Pensamos que talvez devêssemos retomar a conduta que os nossos antepassados não muito distantes adotavam em
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relação a todas as puérperas: 40 dias de repouso, nos quais elas se dedicavam integralmente ao seu bebê, recebendo uma verdadeira maternagem da parte dos familiares. • Em todo caso clínico, além da minuciosa observação psiquiátrica deve-se conciliar a experiência pessoal acumulada com as recomendações mais atuais decorrentes das pesquisas científicas que seguem em ritmo acelerado. De modo geral, a dosagem antidepressiva com a qual se obteve a remissão da sintomatologia ( dose ótima) não deve ser diminuída antes de no mínimo quatro meses de comprovada melhora global, ou seja, bom estado geral subjetivo e objetivo. De modo muito simples, periodicamente pedimos ao paciente que atribua uma nota, variável de 0 a 10, ao seu estado, a como se sente. Idêntica solicitação fazemos aos familiares: que indiquem uma nota de 0 a 10 ao estado geral do paciente. A média das notas conferidas pela nossa avaliação, pela avaliação objetiva dos familiares e pela percepção subjetiva do paciente constitui uma das partes que compõem o item melhora parcial ou total. Ao lado de outros sinais significativos, após 4 a 6 meses de notas máximas pode-se iniciar uma redução lenta e gradual do antidepressivo. Observando rigorosamente esses princípios básicos, juntamente com o adequado tratamento de manutenção/prevenção, as inevitáveis recaídas podem ser consideravelmente reduzidas. Em alguns casos, impõe-se introduzir uma alternativa ao tratamento medicamentoso. As duas terapias orgânicas alternativas à psicofarmacoterapia são a eletroconvulsoterapia (ECT) e a fototerapia. Utiliza-se a ECT, quando: a) o enfermo não reage adequadamente à psicofarmacoterapia; b) o enfermo não suporta ou tolera a psicofarmacoterapia; c) a gravidade do quadro clínico põe em risco a vida do paciente, exigindo uma solução mais rápida. Para alguns pacientes, como as pessoas idosas, gestantes e puérperas deprimidas, pode-se considerar a ECT como tratamento de escolha . Por outro lado, não são raros os casos de indivíduos, praticamente refratários a todo tratamento medicamentoso, que se beneficiam de forma espetacular com a ECT, conforme vimos no Capít. 4. A fototerapia é um tratamento novo que vem sendo utilizado em pacientes que apresentam o chamado transtorno do humor de padrão sazonal. Tem sido usada isoladamente nos casos leves de transtorno do humor com padrão sazonal e em associação com a psicofarmacoterapia nos casos graves.
enfermos com transtornos afetivos encontrados na prática clínica diária (Gabbard, 1992). Quando, por qualquer motivo, isso não é possível, torna-se fundamental que os dois profissionais possam se conduzir de modo a somar as suas ações. Para tanto, ambos devem estar plenamente convencidos de que as duas abordagens são rigorosamente complementares e igualmente importantes. Moreno & Moreno (1995), quando falam em psicoterapia, referem-se à psicoterapia cognitiva, por ser a única que, segundo eles, apresenta estudos que revelam a sua eficácia nos transtornos do humor. Gabbard (1992) considera que, apesar dos grandes avanços na explicação biológica da mania e da depressão, a compreensão e o tratamento psicodinâmico constituem o que há de mais importante no tratamento dos transtornos afetivos. Sem sombra de dúvida, melhores resultados são obtidos, quando as medidas psicofarmacológicas e as abordagens psicoterápicas são utilizadas. Porém, tal qual ocorre com os esquemas farmacológicos, nunca se sabe, a priori, que tipo de psicoterapia poderá ser mais útil num determinado caso concreto. Em outros termos, quem vai determinar qual a melhor forma de abordagem é o próprio paciente com sua realidade clínica. Não raramente, vemo-nos obrigados a combinar, em diferentes proporções e momentos, as abordagens comportamentais e psicanalíticas. Em todos os casos, uma forte aliança terapêutica na relação médico–paciente constitui a base da psicoterapia. Do ponto de vista psicopatológico, a patogênese da mania e da depressão norteia, em termos gerais, o envolver do tratamento. Enquanto o maníaco, em fase aguda, mostra-se inabordável, o depressivo pode se beneficiar desde o início com o tratamento psicoterápico. Em todos os casos, cumpre ajudar o enfermo a encontrar soluções mais adequadas para os seus conflitos. Em termos práticos, entendemos que o psicoterapeuta deve ajudar o paciente a identificar e desfazer a trama depressiva e conseqüentes defesas maníacas que de longa data vem construindo. O sujeito com transtorno do humor não se dá conta de que geralmente escolhe a solução menos satisfatória, mais complicada, de modo a tornar a sua vida um verdadeiro emaranhado de vivências torturantes. E tanto mais, quando um funcionamento obsessivo e/ou fóbico estão presentes. É um trabalho artesanal de grande paciência e rigorosamente personalizado que tem como finalidade, muito mais que ajudar na remissão do episódio, encontrar um jeito melhor de funcionar, de modo a garantir adequadas manutenção e prevenção no que respeita a futuras recaídas. Tal qual ocorre com os esquizofrênicos, boa parte dos enfermos com transtorno do humor necessita de um acompanhamento psiquiátrico ao longo da vida.
A importância da psicoterapia nos transtornos do humor
BIBLIOGRAFIA
Algo básico na psicoterapia dos transtornos do humor é o entendimento de que, em qualquer caso clínico, os tratamentos medicamentoso e psicoterápico são rigorosamente complementares . Assim, enquanto o médico psiquiatra cuida da doença, o psicoterapeuta ocupa-se do doente ou, mais ainda, do homem que sofre. Em termos práticos, o ideal é que o mesmo profissional possa desempenhar as duas funções. O médico psiquiatra que consegue combinar as medidas psicofarmacológicas com as abordagens psicodinâmicas mostrase mais bem equipado para abordar a imensa variedade de © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
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