UM ESTUDO SOBRE GESTÃO DE PROCESSOS – COMPARATIVO COMPARATIVO ENTRE VISÃO FUNCIONAL E VISÃO DE PROCESSOS (Artigo completo) Vanessa Duarte Universidade Estadual Estadual de Mato Grosso do Sul - UEMS
[email protected] Marineide Cardoso Peres Universidade Estadual Estadual de Mato Grosso do Sul - UEMS
[email protected] Fabiana Calixto da Silva Universidade Estadual Estadual de Mato Grosso do Sul - UEMS
[email protected] Evandro Angelo de Jesus Junior Universidade Estadual Estadual de Mato Grosso do Sul - UEMS
[email protected] Ernani Carpenedo Busanelo Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC Universidade Estadual Estadual de Mato Grosso do Sul - UEMS
[email protected] Resumo: o esforço dos gestores se concentra em encontrar formas otimizadas de condução de seus empreendimentos. Esta é uma caminhada que se iniciou formalmente com Taylor no início do Séc. XX e continua de forma dinâmica nos nossos dias. Visualizar as organizações a partir da visão de processos possibilita entender como ocorre a agregação de valor e como este tende a ser visto pelos clientes. Esta perspectiva de análise emerge frente à visão funcional que “olha” para a empresa sob o prisma departamental, ou seja, com base em suas funções. Diante disso, com base numa pesquisa bibliográfica, este estudo tem por objetivo reunir subsídios na literatura que possibilitem evidenciar a importância da visão de processos como forma de condução das organizações em ambientes competitivos e globais. Os resultados indicam que há significativa diferença de escopo entre as duas visões em epígrafe (funcional, de processos), contudo, tendem a apresentar certa complementaridade enquanto recurso decisório e analítico. Palavras-chaves: Gestão de processos, visão funcional, visão de processos.
1 INTRODUÇÃO As organizações vêm se deparando com mercados cada vez mais competitivos e com clientes mais exigentes. Ao passo que o aumento da qualidade de produtos e serviços, bem como, a
diversificação destes tem possibilitado às empresas serem vistas de forma diferenciada, estabelecem também desafios aos players. Dentre estes, está o de reverem seus processos. Há na literatura uma comparação entre organização funcional, modelo que prevalecia até praticamente a última década do séc. XX e a visão de processos que emerge a partir do que propunha a reengenharia, a evolução da TI e os esforços de melhorias instigados pelos programas de gestão da qualidade total. Em uma organização funcional as posições e os departamentos são especializadas e agrupadas de acordo com as funções do negócio e as habilidades que elas requerem. Isso pode trazer algumas desvantagens. As pessoas tendem a dar maior importância a sua função do que ao todo da empresa. Direcionar de forma exclusiva a atenção às tarefas funcionais pode fazê-las perderem o foco na qualidade geral do produto e na satisfação do consumidor. Por consequência, pode dificultar o desenvolvimento e inserção de novos produtos ao mercado e a dar respostas rápidas e contundentes às exigências do cliente, além de inibir o processo de mudança. O que está em pauta atualmente é que torna-se necessário ter uma visão do todo da empresa, ou seja, desenvolver uma macrovisão organizacional (VALLE; CUNHA, 2010). Para isso, será necessário visualizar a empresa a partir de seus processos. A visão por processo vem sendo encarada desde o final dos anos 1990 como a forma de organizar a "produção" para tornar as empresas competitivas frente ao ambiente de negócios que é globalizado. Neste sentido é relevante que se entenda como a visão de processos pode contribuir para que as empresas sejam mais competitivas e capazes de se desenvolver e permanecer no mercado. A questão que apresenta o problema deste estudo pode assim ser descrita: - De que forma a visão de processos pode contribuir para a condução dos empreendimentos no atual ambiente competitivo? Assim, o objetivo proposto para este trabalho é reunir base teórica que possibilite argumentar em prol da importância da visão de processos como modelo de gestão para as organizações frente a mercados competitivos e globais. A opção metodológica adotada foi desenvolver uma sistemática revisão de literatura que possibilite identificar subsídios que conduza o estudo rumo aos seus propósitos.
2 AS ORGANIZAÇÕES As organizações, especialmente as econômicas, têm assumido função de destaque neste último século e não causa estranheza o volume de estudos direcionados a reconhecer e
analisar os fenômenos e variáveis que as envolvem. No sentido social é que o termo organização ganha ênfase tendo em vista que a sociedade é arquitetada através de organizações (MAXIMIANO, 2010). Motta e Vasconcelos (2006, p. 24) amparam-se em Etzioni (1968) para enfatizar que as organizações têm sido consideradas “[...] o único meio pelo qual fins desej áveis como a paz, a prosperidade e a justiça social podem ser conquistados”. Desta forma, estudar as organizações
é um importante passo para se compreender a sociedade e o que nela ocorre. Aos administradores tem sido atribuída a função de conduzir as organizações em busca de suas metas. A função do administrador é orquestrar pessoas e recursos em torno de objetivos, sendo isso fator crítico e determinante para os resultados da organização (CARAVANTES et al,
2005). Avançando neste raciocínio, Caravantes et al . (2005, p. 385) define administração
como “[...] o processo de consecução dos objetivos organizacionais de uma maneira eficiente,
eficaz e efetiva, por meio do planejamento, da organização, da liderança e do controle dos recursos organizacionais”.
Há de se considerar que o ambiente em que as organizações contemporâneas estão inseridas tem dinâmica significativamente distinta daquele vivida por Taylor, Fayol, Ford e Weber. Este ambiente tem espaço geográfico global e suas fronteiras têm sido rapidamente esmaecidas pelos recursos das tecnologias da informação e comunicação – TICs. Logo, as organizações são complexas e sua análise é de difícil feitura exigindo a adoção de diferentes enfoques de forma a melhor conhecer suas especificidades. A preocupação com os resultados e o reconhecimento da relação destes com a satisfação e fidelização dos clientes faz com que o foco dos gestores não se afaste deles. Contudo, esta é uma visão recente e implica entender a relevância dos processos para este fim. Do início do século XX até os 1970, o que prevalecia era a perspectiva clássica da administração que tinha como foco a tarefa. Isso começou a mudar quando o Japão passou a despontar como a potencia que se reconstruíra no pós II Grande Guerra e o sistema Toyota de produção entrou em evidência. Para entender e poder confrontar estas duas formas de “ver” as organizações, iniciamos descrevendo a perspectiva clássica baseada na visão funcional.
3 VISÃO FUNCIONAL Para Araujo et al. (2011), “olhar” para organização através de seus departamentos é se valer da visão funcional, ou seja, vê-la com base em suas funções (VALLE; CUNHA, 2010). Esta
perspectiva cria certo isolamento entre os departamentos, os quais se dedicam às atividades de seu setor e poucas vezes promovem a interação de forma significativa entre os departamentos. Isso dificulta identificar onde começa e onde termina a responsabilidade de cada unidade. Por outro lado, a perspectiva funcional tem suas atribuições no meio organizacional e é isto que passaremos a descrever a seguir. As estruturas organizacionais são desenhadas de modo geral, considerando dois conceitos fundamentais desenvolvidos pelos contingencialistas Lawrence e Lorsch (1967): a diferenciação; e a integração (BATEMAN; SNELL, 2006). Ao passo que a diferenciação aumenta, fruto da divisão do trabalho e da especialização, haverá necessidade de dar maior atenção à integração e à coordenação. Lawrence e Lorsch (1967) concluíram que a variação no ambiente (estável; turbulento) infere no níveis internos de diferenciação, integração e resolução de conflitos. Observaram também que o nível de desempenho será superior conforme as estruturas levarem em conta o equilíbrio entre diferenciação e integração (MOTTA, VASCONCELOS, 2008). Ao se considerar que a coordenação está diretamente relacionada à organização (LACOMBE; HEILBORN, 2003), sua operacionalização (análise) faz com que se considere os aspectos verticais e horizontais da estrutura (BATEMAN; SNELL, 2006). As questões relacionadas à estrutura vertical envolvem hierarquia, autoridade, amplitude de controle, delegação, responsabilidade, prestação de contas, centralização e descentralização. Quanto às questões referentes à estrutura horizontal, estas tratam da departamentalização que basicamente apresenta as seguintes configurações: funcional, divisional (por produto, por clientes, por região), e matricial. A seguir estes itens são descritos com mais detalhes.
3.1 Estrutura organizacional Com base em Bateman e Snell (2006), podemos considerar que estrutura organizacional é a forma como um empresa se configura para realizar suas atividades. É o arcabouço que, formal ou informalmente, estabelece as relações de hierarquia, o agrupamento e a distribuição das atividades, definindo as relações interpessoais, bem como a coordenação entre os diversos setores de uma organização. O gráfico que permite ter esta visão de forma geral é o organograma e é a partir dele que podemos visualizar a estrutura organizacional da empresa e como ocorre sua divisão de trabalho. Alguns conceitos relacionados às estruturas organizacionais são relevantes antes de estudar suas tipologias. Para Bateman e Snell (2006, p. 263), a diferenciação diz re speito ao “aspecto
do ambiente interno de uma organização criado pela especialização de cargos e pela divisão do trabalho”. Já a integração envolve o “grau em que unidades de trabalho diferenciadas trabalham juntas e coordenam seus esforços”.
Associados à diferenciação estão os conceitos de divisão do trabalho, que tem a ver com a atribuição de tarefas diferentes a diferentes executores ou grupos, e a especialização, prática ou conceito que envolve a execução de tarefas diferentes por diferentes pessoas ou unidades, os especialistas ou unidades especializadas (BATEMAN; SNELL, 2006). A integração, no entendimento de Bateman e Snell (2006, p. 264), desempenha a função de amálgama entre as diferentes unidades, promovendo a comunicação e a cooperação entre elas. Isso ocorre através da coordenação, termo que engloba “p rocedimentos que ligam as várias
partes da organização para o atingimento de sua missão geral ”. Após esta breve conceituação podemos ir adiante e descrever os enfoques dados aos estudos das estruturas organizacionais.
3.2 Estrutura vertical Estudar as estruturas sob o prisma vertical possibilita entender variáveis organizacionais como reporte, autoridade, responsabilidade, entre outras. Lembramos que estas variáveis podem ser visualizadas de forma esquemática e sintetizada, no organograma. Sintetizando o que propõem Bateman e Snell (2006, p. 266), a autoridade envolve além de seu próprio conceito, que é o “direito legítimo de tomar decisões e de dizer a outras pessoas o que fazer”, também, a definição de hierarquia, a qual está relacionada aos níveis de autoridade de
uma determina estrutura organizacional. Outra variável a ser considerada na estrutura vertical é a amplitude de controle, que define quantos subordinados se reportam a uma determinada chefia ou encarregado. Ainda em relação à estrutura vertical devemos descrever a delegação e a descentralização (BATEMAN; SNELL, 2006). A primeira tem a ver com o ato ou processo de atribuir responsabilidades a um subordinado. A responsabilidade está então, associada à atribuição que um colaborador tem de desempenhar e esta deve ser seguida de autoridade suficiente para que a ação ocorra de forma profícua. A descentralização tende a ser reflexo da delegação de responsabilidades e autoridade, e vai evidenciar a dicotomia entre organização centralizada e descentralizada. Há de se considerar que a flexibilidade e agilidade exigida atualmente das organizações em ambientes competitivos faz com que se observe a distribuição das decisões ao longo da estrutura organizacional.
3.3 Estrutura horizontal
Esta categoria de análise nos permite entender a forma como as organizações estão departamentalizadas, ou seja, como estão subdivididas em setores ou unidades menores. Sob um olhar geral, as formas de organização são: funcional; divisional; matricial. Uma primeira e natural divisão, segundo Bateman e Snell (2006), diz respeito à natureza dos departamentos. Estes podem ser de linha ou de apoio. As unidades de linha tratam da atividade principal da empresa, aquela que efetivamente produz bens e serviços. Seus gerentes detêm mais autoridade e poder e lidam no seu dia-a-dia com decisões operacionais importantes. Os setores de apoio, como o próprio nome já explicita, oferecem suporte para que as atividades dos setores de linha sejam desenvolvidas da melhor maneira.
3.2.1 Organização funcional Em uma organização funcional as posições e os departamentos são especializados e agrupados de acordo com as funções que o negócio requer e das habilidades demandadas. São exemplos deste tipo de organização as organizações que apresentam setores como: produção, marketing, recursos humanos, pesquisa e desenvolvimento, finanças e outros. A cadeia de valor (PORTER, 1989) pode ser utilizada para fazer este “mapeamento” das funções da
empresa. Para Bateman e Snell (2006), a organização funcional oferece inúmeras vantagens para a organização, dentre elas podem ser destacas as seguintes: obtenção de economias de escalas; eficácia na monitoração do ambiente; apresenta maior eficácia para manter padrões de desempenho; proporciona mais oportunidades para treinamentos especializados; e simplifica a tomada de decisões e a comunicação. Em relação às desvantagens, estas podem ser: as pessoas tendem a dar mais atenção a sua função e menos ao todo da empresa; pode ocorrer perda do foco na qualidade do produto e satisfação do cliente; maior dificuldade para inovar em produtos e serviços, surgem conflitos entre funções e coordenação com prejuízos na comunicação; gerentes tendem a limitar seu conhecimento sobre o setor que atuam, entre outras. Há de considerar porém, que esta forma de organização é amplamente utilizada especialmente em empresas até determinado porte.
3.2.2 Organização divisional A organização divisional normalmente entre em cena, quando as organizações crescem, e percebe-se que a organização funcional passa a apresentar limitações. Nesta modalidade, a departamentalização ocorre normalmente com base nos seguintes critérios: por produtos, clientes ou regiões geográficas (BATEMAM; SNELL, 2006). É comum nas empresas
organizadas sob a ótica divisional apresentarem em suas divisões, também estruturas funcionais. Na divisão por produtos a empresa passa a organizar sua gestão e sua produção com base em seus produtos mais representativos. As vantagens que esta estrutura pode oferecer envolve: otimização das informações administrativas; as pessoas se comprometem em tempo integral com uma linha de produto em particular; maior clareza nas responsabilidades o que torna os administradores mais independentes e mais responsáveis; o treinamento realizado é mais amplo o que aumenta o leque de habilidades dos gestores, entre outras. Entre as desvantagens, podem ser destacadas as seguintes: a coordenação entre divisões fica mais difícil; os gestores podem não conseguir desenvolver todas as habilidades requeridas para este tipo de organização; pela descentralização pode haver duplicação de esforços entre direção geral e gestores das divisões; nestes casos a alta direção tende a perder parte do controle, etc. A divisão criada com base em clientes constitui-se considerando grupos de clientes e suas especificidades de forma a tornar este critério, elemento impulsionador de desempenho e resultados. Da mesma forma ocorre com as estruturas organizacionais que ocorrem com base em critérios geográficos. Os ganhos com a adoção destas formas organizacionais permite centrar esforços nas necessidades dos clientes e oferecer maior qualidade e rapidez nos serviços oferecidos. Em contrapartida, a duplicação de atividades que estas modalidades demandam elevam os custos (BATEMAN; SNELL, 2006).
3.2.3 Organização matricial O formato matricial de organização emerge da sobreposição das organizações funcional e divisional. Sua característica, além do formato de uma matriz, envolve a existência de duas linhas de comando, a do gerente de função e o de divisão (BATEMAN; SNELL, 2006). Se por um lado isso aumenta a flexibilidade, por outro, confronta com o princípio da unidade de comando proposto por Fayol (MAXIMIANO, 2010). Mas o aumento do poder de resposta às demandas ambientais que esta modalidade de estruturar a organização oferece, tem estimulado sua implementação. Após apresentar os principais formatos organizacionais é importante destacar, segundo Bateman e Snell (2006), que conforme as empresas forem diferenciando suas estruturas, devem considerar como a integração poderá ser alcançada. É neste sentido que entra em cena e toma corpo a coordenação, elemento que não pode ser negligenciado.
É importante ressaltar que a visão funcional emergiu a partir dos estudiosos clássicos das teorias da Administração e com o propósito de atender demandas estruturais da organização das empresas. Neste período, a intensidade da competição e o ritmo das mudanças eram bastante diferentes do que se vê hoje. As mudanças que inferiram na forma como a sociedade foi modificando sua organização neste último século, impactou também sobre as empresas. Desta forma, novos “olhares” sobre a forma de organizar a produção surgiram e um deles é a
visão de processos.
4 VISÃO DE PROCESSOS Ao longo do desenvolvimento das teorias que foram dando conformação científica para as organizações, foram surgindo modelos de gestão, ou seja, formas ou instrumentos para condução das organizações. A visão de processos aponta para outro modelo de gestão, a gestão de processos. Para se entender a visão de processos é relevante que seja descrito um pouco de sua história. Esta começa, segundo Valle e Cunha (2010), da necessidade atual que se tem de visualizar a empresa como um todo, ou seja, ter uma macrovisão da organização para que se otimize a agregação de valor. A teoria dos sistemas e a abordagem contingencial, que emergem numa fase distinta das teorias clássicas que estavam voltadas à tarefa, propõem que as organizações sejam vistas como sistemas abertos, com a ideia de um todo composto de partes. Para Valle e Cunha (2010) seus fundamentos possibilitam que entendamos de forma mais concisa as transformações que estão ocorrendo no meio produtivo e facilita também, o entendimento das organizações como redes de relações. Desta forma, as estruturas verticais podem ceder espaço ou serem complementadas por cadeias de processos horizontais. Isso tende a diminuir o foco nos departamentos e ampliá-lo rumo às demandas dos clientes e do mercado. A abordagem contingencial vem meio que a reboque da perspectiva sistêmica e se propõe a explicitar a incerteza como variável predominante no ambiente de negócios. Valle e Cunha (2010) observam que para lidar com esta variável é preciso flexibilidade, diferenciação e especialização, e ainda, interação com o ambiente como forma de fazer inferências ou adaptações. Podemos observar que tanto a teoria dos sistemas quanto a abordagem contingencial dão ênfase menor para o aspecto funcional das organizações e se voltam para as
variáveis externas, o que tende a atribuir maior importância para os processos de negócios das empresas. Um recurso metodológico para desenvolver a macrovisão e consequente ênfase nos processos, é o uso da cadeia de valor, estrutura analítica desenvolvida por Porter (1989) sob a ótica de que, A cadeia de valores desagrega uma empresa nas suas atividades de relevância estratégica para que se possa compreender o comportamento dos custos e as fontes existentes e potenciais de diferenciação. Uma empresa ganha vantagem competitiva, executando estas atividades estrategicamente importantes de uma forma mais barata “ou melhor” que a concorrência (PORTER, 1989, p. 31).
Desta forma, Valle e Cunha (2010) observam que a cadeia de valor pode ser utilizada como recurso gráfico para visualizar os processos da prática organizacional. A sequência de atividades que a cadeia de valor desenha envolve desde os processos de obtenção de matéria prima até a entrega dos produtos ou serviços aos clientes. Assim, fica bastante claro que o valor vai no sentido do cliente. Por valor, Porter (1989) entende que é aquilo que os clientes se propõem a pagar pelos bens e serviços oferecidos pela empresa e sua equação, segundo Csillag (1995), resulta num coeficiente entre os benefícios passíveis de serem obtidos com determinado produto ou serviço, e o esforço ou custo de obtê-lo. Logo, produtos ou serviços cujos processos são desenvolvidos com a preocupação de gerar valor ao cliente, tendem a ter maior aceitação mercadológica e gerar renda superior. Inovação, uso de tecnologia de vanguarda nos produtos e na esfera administrativa, a absorção dos recursos das TICs, são elementos cruciais para se alcançar alta produtividade e agregação de valor de forma diferenciada. A preocupação com os processos começa a se tornar latente conforme a competição vai se intensificando no ambiente do qual as organizações fazem parte. Isso se evidencia especialmente com a globalização que toma corpo a partir dos anos 1980. Para Araujo et al. (2011), os processos passam a ganhar evidência com os programas de Gestão da Qualidade Total (GQT) inicialmente desenvolvidos no Japão nos anos 1970. A busca pelo zero defeito apontava para a ideia de que a qualidade deveria permear todas as etapas do processo e não apenas o produto final. Mas a GQT teria sido apenas um primeiro movimento no sentido de valorizar os processos. A reengenharia proposta por Hammer no início dos anos 1990 deu um ímpeto bem maior à importância dos processos. Araujo et al. (2011, p. 21), baseados em Hammer (1998),
destacam que “reengenharia é um repensar fundamental e a reestruturação radical dos
processos empresariais que visam alcançar drásticas melhorias em indicadores críticos é contemporâneos de desempenho, tais como custo, qualidade, atendimento e velocidade”. Começam então, os esforços mais específicos em repensar os negócios a partir do redesenho de seus processos. Mas para inserir a reengenharia nos estudos sobre processos é importante entender como esta teria surgido. Na concepção de Araujo et al. (2011) é preciso voltar aos anos 1980 e considerar os ganhos de produtividade alcançados frente aos investimentos em tecnologia da informação (TI). Nesta fase os investimentos em TI cresceram significativamente e os ganhos de performance não estavam sendo considerados compatíveis. Foi percebido um evidente gargalo entre o uso destes recursos e os resultados, a não compreensão dos processos de negócio. Fruto da visão departamental clássica, os esforços de automação foram insatisfatórios, uma vez que, para sua otimização, seria necessário uma visão horizontal, ou seja, de processos para houver um alinhamento estratégico entre os negócios e os recursos de TI. A reengenharia vem para repensar os processos de negócio e sua automação e otimização frente às possibilidades que a TI vinha oferecendo, com o intuito de alcançar patamares mais efetivos de produtividade e competitividade.
4.1 Processos: conceitos e gestão Entre os vários conceitos de processo, alguns foram içados da literatura e são apresentados aqui. Com base em Davenport (1994), Araujo et al. (2011, p. 24) consideram processo uma “[...] ordenação específica das ativida des no tempo e no espaço, com um começo e um fim,
com entradas ( inputs) e saídas ( outputs) claramente identificados”. Uma definição concisa mas relevante é apresentada por D’ Ascenção (2007, p. 56 ), para o qual “p rocesso é um
conjunto de causas (que provoca um ou mais efeitos)” . Dentro dos conceitos de processo é relevante considerarmos o da Object Management Group (OMG), organização de âmbito mundial, sem fins lucrativos e que trata de questões relacionados à indústria de computadores, especialmente padrões e especificações. Esta concebe processo de negócio como algo que realiza cursos de ação, fornecendo etapas de processamento, sequencias, estrutura, interações e conexões entre os eventos que desencadeiam estes processos (BMM/OMG, 2010). Este conceito passa a ter relevância ao considerarmos que em 2005 ocorreu a junção da Business Process Management Initiative
(BPMI) à OMG, passando esta a apresentar
especificações como a Business Process Management Notation (BPMN), notação mundialmente reconhecida que oferece padronização para desenhar e modelar processos de negócio. Há uma relação muito próxima entre processos e os negócios. Cruz (2009, p. 46) é enfático ao destacar que um negócio “[...] é a reunião desses três elementos: Pessoas, Processos e Tecnologia da Informação, com a finalidade de atender às expectativas do cliente”. Sobre
estes três elementos recai a incumbência de agregar valor aos produtos e serviços que gerarão maio ou menor renda para a empresa, dependendo da eficácia desta combinação. Sob esta perspectiva, é indispensável que os objetivos do negócio sejam conhecidos para que sejam criados processos eficazes. Os objetivos do negócio por sua vez, devem estar relacionados ao plano estratégico da organização e assim, ter-se-á também a concatenação dos processos com as orientações estratégicas da empresa. Cruz (2009) descreve este vínculo observando que os processos de negócio se conectam aos objetivos organizacionais por meio dos planos operacionais, das metas e do plano estratégico que norteia os rumos da empresa. O plano operacional pode ser entendido como planejamento tático, que vai fazer o desdobramento do plano estratégico em ações a serem operacionalizadas através dos processos. Acreditamos já ter apresentado bases teóricas minimamente suficientes para diferenciar as duas abordagens, que constituem o escopo analítico deste estudo: a visão funcional e a visão de processos. A próxima seção busca estabelecer um comparativo entre as duas visões procurando destacar dicotomias e complementaridades entre ambas. Ao se adicionar a racionalidade da administração à visão de processos teremos a gestão de processos.
5 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Como pode ser percebido, a visão de processos se diferencia significativamente da visão funcional, especialmente em seu escopo. Ao passo que a visão funcional se prende à perspectiva departamental e aos elementos apresentados pelo organograma, a visão de processos se preocupa com a geração de valor direcionada ao cliente. A visão de processos se desdobra e permite a visualização dos diferentes níveis organizacionais e da responsabilidade de cada um na produção de determinado bem ou serviço, sendo que a visão funcional está mais preocupada com a tarefa de cada setor ou unidade. Segundo Araujo et al. (2011), as abordagens voltadas à gestão da produção que
emergiram após os anos 1980 estão centradas na visão de processos. Como exemplo citam o caso das normas ISO 9000 e 14000, o método do custeio ABC, os softwares de ERP, etc. São tantas as abordagens que se referem a visão de processos que ela se tornou um aspecto facilitador, quando da adoção de novos padrões. O quadro 1 apresenta alguns elementos que permite caracterizar de forma mais objetiva as duas visões. Visão funcional - Gerentes enxergam a empresa a partir de seus departamentos.
Visão de processos - Gerentes procuram, com base na macrovisão, entender o papel de cada departamento na realização dos processos de negócio. - Orientação para o chefe. - Foco no cliente - Existência da cadeia de comando, onde líderes - As organizações devem atender as necessidades dos encontram-se no topo e demais funcionários formam a clientes. base da pirâmide. - Processo é um conjunto de causas que geram efeitos. - Prevalecem os níveis de autoridade na pirâmide - Todos os participantes contribuem para a formação organizacional. do todo. - Os gerentes veem as organizações verticalmente e - A visão da empresa ocorre a partir dos fluxos de funcionalmente. processos, onde a cadeia de valor contribui para isso. - Como autoritário, o chefe tem o direito de tomar - Gestão participativa: gerentes tendem a ouvir mais decisões e dizer o que fazer. suas equipes antes de tomar decisões. - Foco: visão na função/tarefa. - Foco: criação de valor a partir dos processos. Quadro 1: Contraponto entre a visão funcional e a visão de processos Fonte: elaborado pelos autores.
Fica evidente que o foco agora é a visão horizontal. Isso porque os processos ocorrem de forma horizontal dentro da empresa, passando em cada setor envolvido e estes devem atuar de forma colaborativa para que processo ocorra da melhor maneira. É esta visão que tende a catalisar o esforço de todos em torno das metas e objetivos organizacionais. Do início do Séc. XX até os anos 1980, para visualizar uma organização os interessados olhavam para sua estrutura vertical, que estava graficamente representada no organograma. Hoje o foco está gradualmente sendo direcionado para a visão horizontal, ou seja, para os processos de negócios (VALLE; CUNHA, 2010). Podemos dizer que antes as pessoas olhavam para uma empresa e só conseguiam ver funções, agora enxergam também seus processos. Este entrelaçamento de visões aumenta a capacidade de análise e entendimento das organizações por parte dos gestores. Como consequência, a partir do foco de agregação de valor ao cliente conseguem definir estratégias e tomar decisões que levarão suas empresas a obterem vantagens competitivas, condição sine qua non para crescimento e sobrevivência. A proposta da visão de processos é tentadora pelos benefícios que pode oferecer à organização, contudo, não nos parece um modelo de gestão fácil de ser implantado e implementado. Haverá necessidade de nos desprendermos da cultura funcional e vertical que
permeia nossas cabeças a tanto tempo e que faz com que hajamos de forma mecânica quando a questão envolve analisar a estrutura da organização e seus processos de negócios. Também, apontar mais para as limitações da visão funcional do que suas virtudes, não significa que devemos decretar o fim do organograma. Araujo et al. (2011) observam que, mesmo que a visão horizontal proponha a diminuição dos níveis hierárquicos e seus efeitos negativos no que tange à flexibilidade e poder de resposta ao mercado, temos que considerar que a estrutura organizacional não deve deixar de existir. De forma semelhante à limitação do organograma para se entender o fluxo dos processos de negócio, não será possível visualizar os agrupamentos e as relações verticais da organização sem o uso deste gráfico organizacional. O que entendemos como profícuo, é considerar as vantagens e limitações de cada uma das visões e extrair os princípios ou ferramentas administrativas que melhor se adaptem à realidade da empresa e das demandas que o mercado do qual esta participa exige. Contudo, não deve a visão funcional se sobrepor à visão de processos. No momento em que as organizações de encontram, a visão de processos oferece elementos fundantes para a competitividade e sobrevivência da empresa, especialmente por voltar-se à agregação de valor e aos clientes.
CONSIDERACOES FINAIS Podemos agora retomar o objetivo deste estudo que era reunir base teórica para argumentar em torno da importância da visão de processos vislumbrando-a como modelo de gestão para empresas em mercados competitivos e globais. Algumas considerações podem ser feitas. Se antes, na visão funcional cada departamento se fechava em si mesmo e normalmente ficava concorrendo ou fazendo disputas com outros setores para ver que era melhor, agora, os departamentos devem se complementar, compartilhar informações, se integrar, deve haver cooperação e colaboração. A forma de pensar dos atores organizacionais tende a mudar e todos começam a perceber que a empresa é um sistema (visão sistêmica), um conjunto formado de partes (funções e departamentos) que se complementam para fazer frente às mudanças no mercado (abordagem contingencial), sendo influenciada e influenciando este (o mercado). Devemos considerar que quando a visão funcional foi criada e isso está relacionado ao que propôs Fayol e Weber (burocracia), ela foi uma forma útil para organizar as empresas. Isso
facilitou a diferenciação e integração conforme defendem Lawrence e Lorsch (1967). A coordenação surge como forma de equacionar estas duas variáveis organizacionais com vistas ao equilíbrio e sincronização das ações organizacionais. Mas esta visão foi relevante até antes da II Guerra Mundial. No pós guerra, especialmente a partir dos anos 1960 e 70, temos que considerar que o mundo dos negocio passou a mudar num ritmo cada vez mais veloz e a visão funcional, com seu caráter estático, passou a não mais atender as necessidades da empresa. A visão de processos vem sendo considerada desde o final dos anos 1990 como a forma de organizar a "produção" (nisso se inclui o setor primário, secundário, e terciário) para tornar as empresas suficientemente competitivas para participarem do atual ambiente de negócios que é globalizado. Analisando as visões aqui comentadas passamos a enxergar as organizações como dependentes e interdependentes. Dependente porque, para obter vida longa no mercado a empresa deve compreender que precisa considerar fatores importantes como a geração de valor ao cliente, entender que é uma rede de relações, tanto interna como externamente, entre outros fatores. Interdependente porque, sendo um sistema aberto os relacionamentos devem ocorrer de forma síncrona e alinhados com os objetivos estratégicos da empresa. Ninguém deve considerar que atua sozinho, e mesmo que cada um tenha uma função específica, sempre dependerá dos demais como numa grande teia. A forma como as atividades eram ordenadas no passado com base na visão funcional, hoje se tornou obsoleta e limitada, pois a certeza é a mudança, onde a flexibilidade das organizações e a perspectiva sistêmica por parte das pessoas nelas inseridas são essenciais para respostas rápidas e contundentes ao mercado. Neste sentido, não basta apenas ser especialista em uma determinada área, precisa ter a macrovisão do negócio para entender seus processos, e principalmente, identificar quais que efetivamente criam valor. Com a visão de processos e a inferência dos conceitos que a precederam (GQT, reengenharia, automação, etc.) remetemos o olhar para a perspectiva que diz que não há uma forma única de organizar o negócio e devemos sempre rever a eficácia de seus processos frente aos resultados obtidos. Ao finalizar, devemos considerar as limitações apresentadas por este trabalho e a principal delas, é o fato de se tratar de uma pesquisa unicamente teórica. Contudo, isso abre possibilidades para que seja dado continuidade ao estudo e provê-lo com resultados de uma pesquisa empírica.
REFERÊNCIAS ARAUJO, L. C. G.; GARCIA, A. A.; MARTINES, S. Gestão de processos: melhores resultados e excelência organizacional. São Paulo: Atlas, 2011. BATEMAN, T. S.; SNELL, S. A. Administração: novo cenário competitivo. Trad. Bazán Tecnologia e Linguística Ltda. 2. Ed. São Paulo: Atlas, 2006. BMM/OMG (2010). Business Motivation Model. Disponível em:< http://www.omg.org/ spec/BMM/1.1/PDF/>. Acesso em 24 Jun. 2012. CARAVANTES, G. R.; PANNO, C. C.; KLOECKNER, M. C. Administração: teorias e processos. São Paulo: Pearson/Prentice Hall, 2005. CRUZ, T. Sistemas, métodos e processos. São Paulo: Atlas, 2003. CSILLAG, J. M. Análise do valor: metodologia do valor. 4. Ed. São Paulo: Atlas, 1995. D’ASCENÇÃO, L. C. Organização, sistemas e métodos: análise, redesenho e informatização de processos administrativos. São Paulo: Atlas, 2001. LACOMBE, F. J. M.; HEILBORN G. L. J. Administração: princípios e tendências. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. LAWRENCE, P.; LORSCH, J. Organization and environment. Homewood, IL: Richard D. Irwin, 1967. MAXIMIANO, A. C. A. Teoria geral da administração: da revolução urbana à revolução digital. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. MOTTA, F. C. P.; VASCONCELOS, I. F. G.. Teoria Geral da Administração. São Paulo: Thomson, 2006. PORTER, M. E. Vantagem competitiva: criando e sustentando um desempenho superior. Trad. Elizabeth M. de P. Braga. Rio de Janeiro: Campus, 1989. VALLE, R.; CUNHA, M. M. Gerenciar os processos, para agregar valor à organização. In.: Análise e modelagem de processos de negócio: foco na notação BPMN. Org. Rogério Valle e Saulo Barbará de Oliveira. São Paulo: Atlas, 2010.