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Newton Tambara Elizabeth Freire © Copyright Tambara, Newton Freire, Elizabeth Ia edição: 1999 1500 exemplares
Participação Especial:
Jerold D. Bozarth
ATENÇÃO: evite fotocópias, em respeito aos direitos dos autores
TERAPIA CENTRADA NO CLIENTE Este livro pode ser encomendado: Humanas Livraria Av. Cristóvão Colombo, 1634 - Porto Alegre Fone: (51) 222.5130 - Fax: 395.3739
Teoria e Prática UM CAMINHO SEM VOLTA...
Edições: Editoração e diagramação: Norberto Coronel Garcia - Fone: (51) 983.9748 D E L P H O S
Porto Alegre - 1999
AGRADECIMENTOS
A meu irmão Ricardo, por ter ter sempre acreditado em mim. A minha filha Ana Cristina, a Fernando e Júlia, que iluminam iluminam minha vida com a sua presença. Ao mestre e amigo Mauro Mauro Amatuzzi pelo incentivo, pelos questiona questiona mentos e por me orientar no caminho do pensamento científico. Elizabeth Freire
A minha minha filha filha Marina Rolim Tambara e a Suzana Suzana Rolim Rolim Tambara com
quem aprendi um caminho sem volta... Agradeço aos colegas colegas João Carlos Karling, Lisandra Oliveira, Marlene de Ávila, Verena Augustin Hoch, Angela Machado, Cátia Stumpf, Rose Bertolin, Anísio Meinertz, Gilberto Kronbauer, Eva Lúcia da Silva, Tânia Reis, Jeferson Irazoqui, Sérgio Gobbi, Aldo Meneghetti, Silvia Wudarcki, Lúcio Schossler e a todos que que compartilharam compartilharam do sonho de um Instituto Instituto
Humanista que hoje hoje é realidade. Newton Tambara
A Jerold D. Bozarth, pelo apoio e estímulo recebidos. Por sua colaboração especial que a muito nos honra. A João Carlos Karling, pela cuidadosa cuidadosa e zelosa revisão dos originais. originais. A Marcos Vinícius Beccon pela tradução do artigo artigo de Bozarth. Bozarth. Os autores
SUMÁRIO
Apresentação
13
Prefácio
15
1. As origens e o desenvolvimento da terapia centrada-no-cliente
33
2.0 nascimento da terapia centrada-no-cliente
35
3. Uma relação essencialmente não-diretiva
38
4. A aceitação como a essência do processo terapêutico
39
5. O cliente não é um paciente
42
6. O desenvolvimento pioneiro de pesquisas em psicoterapia
44
7. A confiança na capacidade do cliente
46
8. A tendência direcional formativa
53
9. A atitude centrada-no-cliente
56
10. As objeções ao diagnóstico psicológico
62
10.1. O psicodiagnóstico é desnecessário para o sucesso da psicoterapia 10.2. O psicodiagnóstico é prejudicial para o indivíduo
63. 64
11. A Teoria do Auto-conceito
66
12. A mudança terapêutica
75
13. As atitudes facilitadoras da mudança terapêutica
80
13.1. Consideração positiva incondicional
80
13.2. Compreensão empática
82
16 .4 .0 desvelamento
141
13.3. Congruência
86
16.5. Diferença entre atitudes e técnicas terapêuticas
145
13.4. Condições mais que necessárias: suficientes
87
16.6. A estruturação da relação terapêutica
146
13.5. As pesquisas sobre as atitudes facilitadoras
88
13. 6.0 conceito de experienciação
90
17.1 . As dificuldades para centrar-se no cliente
153
92
17.2. As atitudes diretivas
156
14.1. Grupos de Encontro
93
17.3. As atitudes tutelares
162
14.2. O ensino centrado no aluno
95
17.4. A racionalização
165
14.3. Workshops de comunidad e
96
17. 5.0 silêncio
166
17.6. As perguntas do cliente
169
17.7. Falsificando a experiência do cliente: "o contraban do"
172
17.8. As etapas no desenvolvimento do terapeuta
173
14. A abordagem centrada-na-pessoa
14.4. Relação entre a terapia centrada-no-cliente e a abordagem centrada-na-pessoa 14.5.Umjeitodeser
99 102
14. 6.0 desenvolvimento de uma comunidade centrada-na-pessoa... 103 14.7. Publicações atuais
105
15. Mitos, incompreensões e distorções
108
Além da Teoria.
123
"Você me tirou da lata do lixo"
125
16. A comunicação entre terapeuta e cliente
127
16.1. A reiteração
128
16 .2 .0 reflexo de sentimentos
131
16.3. A elucidação
199
17. O desenvolvime nto do terapeuta
150
APRESENTAÇÃO
Ao longo de muitos anos de intensa prática clínica desenvolvida no Delphos - Instituto de Psicologia na área da terapia centrada no cliente, tanto no curso de formação de terapeutas, quanto no ensino de pós-graduação e no oferecimento de estágio supervisionado para estudantes de graduação de diversas universidades, temos investigado e praticado a abordagem proposta por Carl Rogers em toda sua originalidade. Desejosos de compartilhar o aprendizado que obtivemos, a partir dessa experiência, com as pessoas que se interessam pela abordagem humanista em psicologia, decidimos escrever este livro. Na busca incessante de nosso aperfeiçoamento profissional, em nossas reuniões clínicas de supervisão e estudo, perguntávamonos: "Por que em alguns momentos o processo terapêutico flui muito bem e em outros não?" Buscando responder a esta pergunta, sentimos a necessidade de escutar a gravação de nossos atendimentos para tentarmos acessar um nível mais profundo de compreensão de nossa prática. Nossas reuniões clínicas se transformaram, assim, em um espaço privilegiado onde, num clima de aceitação e compreensão, e a partir da escuta destas gravações, pudemos falar de nossos sentimentos e de nossas dificuldades em relação à experiência de sermos terapeutas. No clima facilitador destas reuniões, fomos percebendo que as dificuldades que surgiam no processo terapêutico de nossos clientes, se originavam de nossas dificuldades em vivenciar plenamente as atitudes facilitadoras da terapia centrada no cliente. Escutando nossos atendimentos e escutando-nos uns aos outros, percebemos que se não estamos abertos à experiência, os nossos medos e as nossas defesas impedem que o processo terapêutico do cliente flua em direção à mudança significativa. Compreendemos, assim, que se a nossa prática clínica não puder ajudar a nós, terapeutas, então não seremos capazes de ajudar os nossos clientes. Dessa forma, concluímos que a nossa impossibilidade em ajudar alguns clientes não se deve às limitações da abordagem que utilizamos, mas às nossas limitações em vivenciar esta abordagem plenamente. Se não conseguimos ser facilitadores com determinado
cliente, não será acrescentando à nossa prática outros referenciais (como gestalt-terapia, psicanálise, focusing, terapia sistémica e etc.) com suas "técnicas", que conseguiremos. Enquanto não trabalharmos as nossas dificuldades pessoais, nenhuma "técnica" nos tornará capazes de ajudar este cliente. Para sermos terapeutas centrados no cliente precisamos de uma certeza interna que não pode ser obtida apenas através de treinamento ou de aquisição de informações teóricas. A vivência das atitudes facilitadoras exige de nós uma confiança inabalável nas forças de crescimento do cliente e na sua capacidade de crescer com autonomia. Esta confiança não pode ser apenas uma "hipótese", não pode ser apenas um conceito ou uma "teoria", ela precisa ser uma certeza se quisermos ser terapeutas centrados no cliente. Mas esta certeza interna, como todo verdadeiro conhecimento, é intransferível: só poderemos obtê-la através de uma expansão de nossa consciência. Na Antiga Grécia, o oráculo de Delphos trazia nas paredes do vestíbulo que dava acesso ao templo as famosas palavras: "Conhece-te a ti mesmo". Para entrar no templo, era necessário conhecer a si mesmo. Assim também o nosso "Ser" é um templo sagrado. Diz Rollo May' : "As indicações do oráculo, como as dos sonhos, não deviam ser recebidas passivamente; os beneficiários tinham de viver a mensagem... o efeito da ambiguidade das profecias de Delphos forçava os suplicantes a rever a situação, reconsiderar os planos feitos e estruturar novas possibilidades"
Todos nós, sejamos terapeutas ou clientes, estamos, de certa forma, diante deste oráculo. Entretanto, a chave para abri-lo está dentro de cada um, ninguém poderá abri-lo por nós... Quando entramos no templo, iniciamos uma jornada da qual só sabemos o início. Para onde vamos, aonde vai dar esse processo, ninguém sabe... No entanto, este é um caminho sem volta. Diz uma canção nativista do Rio Grande do Sul que "quando a gente abre as asas, nunca mais, nunca mais...". Podemos nunca mais abrir as asas novamente, mas jamais poderemos negar que abrimos uma vez... 1
May, 1992.
PREFÁCIO Paradigma revolucionário em psicologia Henrique Justo*
Meus primeiros contatos com a teoria rogeriana remontam aos idos de 1950. Discretamen te, gradativamente, fui substituindo partes do meu edifício psicanalítico com 'material' humanista... De ambos, confesso, desconhecia então o embasamento epistemológico, a filosofia que lhes nutria as entranhas. Meu prediozinho modesto, daquela, época misturava dois estilos inteiramente diferentes. Pouco a pouco, foi recebendo uniformidade de traços e estrutura. Certo dia, estudante de psicologia (pós-graduação, pois graduação nesta área não havia ainda), senhora de seus quarenta anos, me disse: "O senhor é o único professor com linguagem diferente." Pensei comigo: "Só linguagem? E toda a visão diversa de pessoa por detrás dessa fachada!?" Não tinha eu segurança nem coragem suficiente para me declarar abertamente humanista-rogeriano. Imagine, leitor, em Porto Alegre, Vaticano da psicanálise no Brasil, psicanálise chegada a nós via Buenos Aires. Após um ano de curso em Paris (1966-67), com ex-estagiários franceses junto a Rogers e equipe, de volta, iniciei a expor a teoria desse grande psicólogo. A apostila de 1968, transformou-se em livro em 1973, o primeiro a ser publicado entre nós sobre essa teoria. A 6 a edição encontra-se no prelo, melhorada.' O contraste entre a psicanálise aprendida - pessimista, patoligizante, determinista, 'regressiva' 2 — e a visão rogeriana otimista, aberta, 'progressiva', apostando na liberdade da pessoa - é de imediata evidência. * Dr. em psicologia e educação 1. "Carl Rogers: Teoria da Personalidade - Centrada no Aluno". A 5a edição levou o título: "Cresça e Faça Crescer: Lições de um dos maiores psicólogos; C. Rogers". - A 6a pretende dar maior destaque ao nome CARL ROGERS. 2. Cf.. Assoun, 1983; Fromm, 1980; Allers, 1979
Livros de um revolucionário tranquilo Rogers apresentou mais sistematicamente sua teoria, apoiada em cuidadosa observação e comprovação experimental, em duas publicações: no ano de 1959, na obra de Koch (Psychology: a study of science, 3o vol.) e, nos inícios dos anos sessenta, retomou-lhe o conteúdo na conhecida obra de Rogers/Kinget, "Psicoterapia e Relações Humanas ".3 No decénio de quarenta, incubou Rogers um de seus livros fundamentais (havia publicado outros anteriormente): "Terapia (editado em 1951). Exatamente dez anos após, Centrada no Cliente " (editado lançou o best-seller "Tornar-se Pessoa" (1961), (1961), título significativo anunciando a matéria do volume. Com sua equipe pesquisou os meandros penumbrosos da mente de pessoas diagnosticadas como esquizofrênicas. Resultado: volume de 600 páginas relatando os resultados do imenso trabalho. Tema: "A Relação Terapêutica e seu Impacto: estudo psicoterapêutico de esquizofrênicos" (1967). Dois anos após, com Dymond, publica as 400 páginas de "Psicoterapia e Mudança de Personalidade"(1969a), contendo uma série de investigações da equipe coordenada por ele. Embora cônscio das limitações, declara-se "ufano por se tratar do primeiro cuidadoso estudo objetivo dos resultados psicoterápicos com adequado controle" e de "ser das mui poucas tentativas tentativas para testar, em grande escala, conjunto conjunto coerente de hipóteses de consistente teoria da personalidade (P. 6). Professor universitário que foi durante muito tempo, transpôs as atitudes básicas da terapia à aprendizagem centrada no estudante. "Liberdade de Aprender" (1969b) (1969b) é o fruto dessa experiência. Saindo das quatro paredes protegidas do gabinete de atendimento individual, aventurou-se a atuação em campo aberto, ao atendimento de grupos. Inicialmente pequenos, chegaram, após, a mais de 200 pessoas, como em Arcozelo, RJ (1977). Condensou sua experiência no livro "Grupos de Encontro" (1970). (1970). 3. Ainda na década de sessenta, já de posse da 3* ed. desta obra, "revista e corrigida", cedi a 1* a um amigo. "Trata-se de trabalho novo, lemos no Prefácio, e não de tradução de obra inicialmente escrita para o leitor americano" (Nuttin). - Do apanhado sistemático de 1959, cito a edição em castelhano (Ver Bibliografia).
Quanto à família, expôs seu pensamento em outro best-seller: "Tornar-se Cônjuges: o Matrimonio e suas Alternativas". 4 Atento ao mundo atual e suas necessidade s, enveredou briosa mente por outras áreas no livro "Sobre o Poder Pessoal: dinamismo interno e seu impacto revolucionário" (1977), (1977), cujos originais tive a honra de manusear no curso intensivo de verão do ano anterior em La Jolla e, quando, três psicólogos brasileiros (Eduardo Bandeira à frente) conseguimos articular a primeira e fecunda vinda de Rogers e membros da equipe ao Bras il. Nessa obra — talvez a melhor para um primeiro contato com o pensamento 'incendiário' de Rogers,— referese ele às potencialidades da pessoa, em grande porcentagem inaproveitadas. Despertadas e medrando provocarão 'revoluções', isto é, mudanças na vida pessoa, familiar e social mais ampla. O incansável 'revolucionário tranquilo, discreto' (como foi chamado), 'militar de paz armada, diria Agrippino Agrippino Grieco' já entrado em anos e com invejável fecunda experiência, enfrentou outro desafio: a reconciliação, com ê xito, de grupos grupos antagónicos, conflitivos: negros e brancos nos Estados Unidos e na África do Sul; católicos e brancos na Irlanda; comunistas e não-comunistas em Varsóvia; políticos da América Central em memorável workshop na Áustria. Sua 'escola' (termo aborrecido por esse líder) e ele mesmo ousou entrar na União Soviética, percorrendo várias cidades, pronunciando palestras, fazendo demonstração de terapia individu individual al e de 'grupos de encontro'. Peretti (1977) refere-se refere-se a essa 'cruzada' de um democrática em nação ditatorial com o subtítulo 'Recepção entusiasta na União Soviética'. Que não constituiu passeio folclórico e fogo fátuo testemunha-o recente artigo de Bondarenko (1999), então jovem psicólogo russo, testigo ocular e auditivo da revoada triunfal triunfal do grupo de La Jolla em seu país.5 Em 1980 , aos 78 anos, surpreendeu o mundo da ciência com o livro "Um Jeito de Ser". Advoga Advoga um jeito, um jeito desabrochado, desabrochado, humanizante de ser. Neste livro e em outros mostrou ser isso possível. Um certo jeito ou modo de ser de alguém desperta a possibilidade de novas formas de ser em outros. "Novas Formas de Amor". 4. No Brasil, foi o livro editado com o título um tanto ambíguo, mas chamativo, "Novas Journal of Hjumanistic 5. "My encounter with Carl Rogers: a retrospective view from the Ukraine", in Journal Psychology.n. 1, 1999.
Na Introdução confessa: "Às vezes fico espantado com as mudanças ocorridas em minha vida e trabalho" (P. VII). Após se referir ao livro escrito em 1941 (publicado em 42): "Psicoterapia e Consulta Psicológica"), 'deu-se conta de estar pensando e trabalhando com pessoas de modo diverso de outros profissionais'); em 1951 e 1961, confessa, o impacto causado por Tornar-se Pessoa "obrigou-me a abandonar a estreita perspectiva, pensando interessar o que escrevia somente a terapeutas. Essa reação alargou os horizontes da minha vida vida e pensamento. Creio o que havia escrito até então era válido igualmente ao casal, à família, à escola, à administração ou relações entre cultura e país es" (P. VIII). O leitor perceberá, agora, a razão da abertura do leque de interesses de Rogers a partir dos anos sessenta, abertura retratada em artigos e livros, como as publicações citadas acima de 1969 1969 e 1970. 1970. A expansão dos horizontes afetou, inclusive, a terminologia, espe lhando os pontos de vista atuais: Assim, "o velho conceito anterior de 'terapia centrada no cliente' cedeu lugar à 'abordagem centrada na pessoa'. Em outras palavras, já não falo mais simplesmente em psicoterapia, mas em ponto de vista, numa filosofia, enfoque de vida, um jeito de ser, com aplicação a qualquer situação na qual crescimento — quer de uma pessoa, de um grupo ou comunidade - faz faz parte do objetivo" (P IX). Depositava Rogers inquebrantável confiança nas possibilidades e na bondade 'fundamental' da pessoa. Até o fim. O jeito de ser do do interlocutor pode despertar tais potencialidades, avivar a bondade adormecida. Após sair para atuar em arena maior, maior, tão solicitado era que somente podia aceitar uma de cada vinte convites para conferências, entrevistas, debates ou grupos de crescimento. Queda, com fratura óssea e complicações ulteriores, não somente o impediu de atender a segunda viagem agendada à União Sul-Africana, mas no-lo arrebatou do convívio em 1987, aos 85 frutuosíssimos anos de vida. 6 6. A tradução brasileiro de "Um Jeito de Ser" contém 8 dos 15 capítulos do original. Os demais já haviam sido publicados em "A Pessoa como Centro" (Rogers/Rosemberg, (Rogers/Rosemberg, 1977). 1977). - A tradução espanhola tampouco reproduz integralmente o livro.
Qual é esse "jeito de ser" rogeriano? Fundamentalmente consiste em certas atitudes que, por sua vez, emanam da adoção de certos valores, de certa visão da pessoa isto é, da visão de si e dos outros. Do eu-tu. 7 Em 1957, expôs Rogers as condições necessárias e suficientes para a psicoterapia. 8 São três as indispensáveis (e bastantes) quanto ao terapeuta: Ia Consideração positiva incondicional do cliente, atitude que resulta em aceitação (não significa necessariamente aprovação) incondicional do outro. Embora não não 'aprove' ' aprove' a fratura fratura do paciente, o médico o recebe, 'a ceita' o acidentado como este este lhe aparece, pondo organismo em condições de reagir favoravelmente à situação. O psicoterapeuta não põe condições. Por ex., se for gentil, gentil, agradecido, bem educado, se puder pagar integralmente os honorários... eu lhe terei consideração positiva. O fato de o indivíduo ser a maravilha de uma pessoa é que, naturalmente, o leva a essa valorização. O outro possui, como eu, as mesmas necessidades fundamentais fundamentais (entre elas, a de ser valorizado), sentimentos idênticos, desejo de bem-estar e felicidade, de crescer como como pessoa, etc. Afinal, colegas de viagem viagem no trem (ou aeronave) da vida, sonhando ambos com bela e longa jornada. M inha presença pode pode tornar o trajeto trajeto mais agradável para o outro desfrutar toda a riqueza possível de experiências satisfatórias desses 'dias', quer dizer, anos de existência. Peretti, um dos grandes seguidores de Rogers e um dos meus significativos professores em Paris (1966-67), diz belamente: "O terapeuta (o facilitador), facilitador), apoiado em si mesmo e 'centrado no cliente ', preciso que se distancie suficientemente de si mesmo a fim de cuidar é preciso do outro". 9 Rogers, por sua vez, confessa: confessa: "Eu escuto tão cuidadosa e atentamente, com toda a sensibilidade de que sou capaz, cada pessoa que diz algo de si. Quer a mensagem seja superficial ou significativa, eu escuto. individual ou comunitário, 1987. I Cl Buber. Eu-Tu, s.d. , e Tu individual 8. O leitor encontra o artigo no livro de Wood, Wood, 1995, p. 157-179. 157-179. 'i Peetti, 1997, p. 210.
-
Para mim, a pessoa que fala é plena de valor (worthwhile), digna de ser compreendida [...] Colegas dizem que, neste sentido, 'valido' a pessoa." w 2a Empatia - É decorrência da atitude anterior, de valorização incondicional, aliás, já anunciada na citação de Rogers. As duas atitudes se imbricam.
O mundo interior de cada pessoa é único, como é única sua fisionomia. Aliás, muito mais, pois as vivências são milhões. "Somente o indivíduo vive suas experiências. O centro desse mundo é ela mesma. Esse mundo vivencial é 'realidade' para ela. A estímulos idênticos, as pessoas reagem de modo distinto. Percebem significados diferentes, e sentem e agem, consequentemente, de forma diversa." (Tausch)." O terapeuta se coloca na perspectiva da pessoa que escuta. Põe-se na sua pele, segundo a expressão de Cogswell (1993). Procura entrar em seu horizonte de compreensão. Tenta apreender o signifi cado, a importância do conteúdo da comunicação para o interlocutor. Diligencia por ser um pouco o outro, pois é impossível sê-lo inteiramente. Pesquisas revelam que o indivíduo percebe essa atitude de escuta: empática: "Ele (terapeuta) aprecia minhas experiências experiências como eu as sinto." Capta igualmente a não-escuta: "Ele entende minhas palavras, mas não o modo como eu sinto." Ao sentir-se valorizado e empaticamente compreendida, a pessoa terá acréscimo de confiança no terapeuta. Caem defesas. 10. Rogers, 1970, p. 47. - Wood, (1995, p. 274), colega de pesquisa de Rogers e colaborador seu em Grupos, (inclusive no de Arcozelo em 1976), durante mais de vinte anos, nos transmite o parecer do próprio Carl sobre questão importante: "Falar de uma 'Abordagem Centrada-no-Cliente' ou uma 'Abordagem Centradana-Pessoa' como se fossem entidades opostas entre si é, na minha opinião, caminho certo para disputas fúteis e para o caos.[...] Espero que me permitam ser uma pessoa inteira, quer seja chamado para ajudar num relacionamento destinado a ser centrado-no-cliente ou num que seja rotulado centrado-na-pessoa. Eu trabalho do mesmo modo nos dois." - Comenta Wood (p. 275): "Ele (Rogers) se aproximava de cada situação com o mesmo desejo de ouvir e compreender, as mesmas atitu des, o mesmo bom humor, a mesma humildade, a mesma genuinidade e aceitação não-julgadora do indivíduo ou do grupo, a mesma curiosidade poderia ajudar e que isso era a coisa mais importante e abertura à descoberta, a mesma crença de que ele poderia do mundo a fazer naquele momento." 11. Tausch, 1981, p. 187.
Aumentará também a confiança em si mesma, pois descobrirá, paulatinamente, o potencial de recursos armazenados e não reconhecidos, até então, ou só parcialmente percebidos e utilizados.. O processo terapêutico fluirá mais fácil, rápido e frutuosamente. Tornar-se-á o cliente, dia a dia, mais pessoa. Pessoa mais desabro chada, mais autónoma. Atitude empática supõe alto grau de flexibilidade, de resiliência. Rogers "deplora a inautêntica, mecânica, rígida, dogmática terapia centrada no cliente". 12 São atitudes opostas às que ele pleiteia. Com elas, haverá centração na pessoa do terapeuta, mas não do cliente. 3. Congruência ou genuinidade. "O terapeuta é profundamente ele mesmo, com sua experiência, precisamente representada em sua conscientização de si mesmo." I3 Isto não implica - é pensamento de Rogers - que ele seja um modelo de perfeição. O consulente deve sentir (e sente) se está em face de pessoa 'real', autêntica, ou de alguém cumprindo um 'papel', com atitudes e gestos estudados. O terapeuta deve poder ser espontaneamente aquilo que é e não um 'artista' ensaiado. "O que diz, seu mod o de se haver, harmoniza com seu mundo interior, os sentimentos e ideias, seu self. Não se disfarça. Não nega parte de si. Disposto a ser e a agir como realmente é, sem máscaras, sem camuflagens, sem couraça, sem comporta mentos profissionais ensaiados." ' 4
O leitor perceberá que esta atitude requer transparência, coerência entre pensar, sentir e agir; sintonia entre o processo interno e a palavra. Terapeuta centrado na pessoa será autêntico. Esta forma de ser atuará direta ou subliminarmente no psiquismo do cliente. O mesmo se dará, infelizmente, também no caso de incongruência. A congruência não supõe, comunique o terapeuta ao cliente, o que se passa nele. Não. Quer dizer que deve ser, primeiramente, transparente (tanto quanto possível) para si mesmo. Atento aos 12. Rogers, 1987, p. 38. 13. Rogers, 1957, in Wood, p. 163. 14. Tausch, 1990, p. 86).
próprios processos psicológicos, mas, sobretudo, mais atento às comunicações do interlocutor. À medida em que avançar na experiência profissional também ele "se tornará mais pessoa". Chegará o dia em que, habitualmente, pequena réstia sobre si mesmo será suficiente, sendo progressivamente mais disponível ao cliente. 15 4. É postulada uma quarta condição: da parte do cliente, percepção das condições acima no terapeuta, ao menos no grau mínimo (que pode ser elevado!) exigido pela situação do interlocutor à procura de solução de problema ou problemas: melhor - de crescimento como pessoa. Caso as condições não fossem percebidas é como se não existissem e, de fato, não existem para o consulente. De um lado, as condições devem ser de nível suficiente para serem captadas pelo outro; e este não deve ser tão perturbado que não consiga apreendê-las. Remédio não ingerido não pode curar. Surdo não ouve vozes e ruídos. "Desde que as atitudes não podem ser diretamente percebi das, seria mais correto estabelecer que os comportamentos do terapeuta e suas palavras são percebidas pelo cliente como significando que, em algum grau, o terapeuta o aceita e compreende." ' 6
Daí a hipótese: se essas condições estiverem presentes na relação terapêutica, ocorrerá alguma mudança na personalidade do cliente. Se uma delas faltar, não acontecerá o efeito esperado, pois se trata de condições necessárias e suficientes. Quanto maior o grau de sua presença, tanto mais será a possibilidade de mudança da persona lidade, já que, neste clima, ela goza de liberdade experiencial, isto é, sente que tudo o que exterioriza é levado em consideração, sem julgamentos, sem avaliação. Não precisa, por isso, recorrer a defesas. Deixa cair eventuais máscaras. Pode reconhecer e reelaborar suas vivênci as sem negação ou deform ação. O clima terap êutico 'permissivo' favorece essa elaboração.
15. Cf. Kirschenbaum, 1979, p. 19 7. - Rogers narra (1969a, p. 349 e ss) um caso com êxito limitado. A causa? "A pessoa era incapaz de aceitar meus sentimentos para com ela por não poder acreditar neles." 16. Rogers, in Wood, 1995, p. 169.
5. O terapeuta tem confiança nas possibilidades, nos recursos do cliente. Essa confiança ele a transmite através de atitudes, palavras e mímica. Um cliente com problema sério, melhorara com inesperada rapidez, a ponto de ele mesmo se espantar, pois estivera consultando outros profissionais durante anos, e só piorando seu estado. Certo dia, após meio ano de atendimento, perguntou ele: - Doutor, a que se deve esta melhora rápida? - Você que acha? - Sabe, quando, na primeira entrevista, após haver exposto minha situação, perguntei: Meu estado tem cura? O senhor respondeu com muita espontaneidade e convicção: Meu De us, por que não? - Esta sua reação reacendeu minha esperança. Ademais, disse-me: Você não está doente. Portanto, não precisa de cura. O que tem é um problema, e todo problema tem solução. Juntos procuraremos essa solução. A confiança do terapeuta no cliente, este a percebe consciente ou subrepticiamente, crescendo a confiança em si mesmo, alavanca para a superação do problema. "Ousai, em primeiro lugar, ter fé em vós próprios." n Até prova em contrário, o terapeuta centrado no cliente aposta na solução dos conflitos através da mobilização dos recursos da pessoa, talvez menos preocupado na resolução de problemática pontual do que no crescimento global do 'organism o'. Ele (terapeuta) é o catalisador, o facilitador do processo. Quem o dirige é o cliente. 6. A essência da terapia centrada na pessoa, escreve Bozarth, é o empenho do terapeuta em caminhar ° com a direção do cliente, 0 no ritmo do cliente • e n a modalidade única de ser do cliente. I8
17. Nistzsche, 1988, p. 137. 18. Bozarth, 1998, p. 8.
Ouçamos o próprio Rogers: "A hipótese central do enfoque pode ser apresentado resumidamente (em 1959 encontra-se explanação mais completa): os indivíduos possuem dentro de si vastos recursos para auto-compreensão e para mudar, modificar o autoconceito, atitudes básicas e formas de agir pessoais: esses recursos podem ser ativados se determinado clima de atitudes psicológicas facilitadoras lhes for propiciado. I9
No processo terapêutico centrado na pessoa, não há diagnóstico prévio realizado pelo terapeuta ou auxiliares, pois seria ferir o princípio central desse enfoque: centrar-se no cliente. O diagnóstico é efetivado, paulatinamente, ao longo de todo o processo. Por quem? Pelo cliente. O terapeuta procura facilitar-lhe a tarefa. Esse autodiagnóstico culmina em mudança de percepção. Da mudança de percepção decorre mudança de comportamento, de atitude. Por isso escreve Brazier que o trabalho de Rogers centrou-se, principalmente, em ajudar-nos a entender o quadro de referência do outro. 20 Estamos longe do modelo médico: 'profissional-paciente'. Encontramo-nos em presença de 'profissional-cliente/pessoa', sendo a atividade deste(a) o foco da nova orientação psicoterápica. O leitor terá notado ser a orientação rogeriana otimista com relação à pessoa. Por isso confia nela, embora com muitos problemas. Alerta importante de Mearns: "Trabalhar com o cliente 't odo', quer dizer oferecer-lhe as condições básicas a todas as suas facetas, mesmo conflituadas entre elas e mutuamente excludentes." 2I Imagem de pessoa As condições e convicções mencionadas se baseiam sobre específica visão da personalidade, diferente de outras correntes em psicologia. Quais suas principais características?
19. Rogers, 1980, p. 115. 20. Brazier, 1997, p. 22. 21. Mearns, 1994, p. 16.
Tendência à atualização ou auto-realização Lemos em Rogers dos últimos tempos de vida: "Quero destacar duas tendências correlatas que têm adquirido, gradativamente, maior importância em meu pensamento no decorrer dos anos. ° uma delas é a tendência à atualização, característica da vida orgânica. o outra é a tendência formativa no universo como um todo. ° Juntas constituem os blocos basilares do enfoque centrado na pessoa." 2 2 Várias vezes cita ele em livros e palestras (inclusive na União Soviética) o caso de batatas inglesas guardadas no chão curo do porão, na fazenda paterna, brotando em direção à luz: a vida procurando expandir-se, tanto quanto possível, apesar das condições adversas. A observação de animais e plantas levou Carl Rogers à convicção de que todo ser vivo tende a crescer, em direção a tornar-se indivíduo adulto realizado da espécie, caso as condições lhe forem suficientemente favoráveis. Demos a palavra ao mestre: "Todo organismo é animado por tendência inerente a desenvolver todas as potencialidades, e a desenvolvê-las de maneira afavorecer-lhe a conservação e enriquecimento. " 23
Em outra obra assegura: Este potencial será liberado quando o terapeuta puder criar clima psicológico caracterizado pela genuini dade, valorização incondicional e empatia. Então, "o cliente vai reorganizar-se tanto em nível consciente como em níveis mais profundos da personalidade". 24 Auto-imagem (self) Com a facilitação do terapeuta, o cliente procura desobstruir 22. Rogers, 1080, p. 114. 23. Rogers, 1966, p. 172. 24. Rogers, 1969 a p. 04.
ou ampliar o fluxo da tendência à atualização. Repetimos: o papel do terapeuta não consiste em guiar o cliente pelo caminho 'certo' (na perspectiva do profissional), mas criar condições favoráveis ao processo de auto-exploração e desenvolvimento. 25 Objetivo: fazer desabrochar a pessoa no ser, como diz Levinas. 26 Essa exploração, possibilitada graças ao clima formado pelas atitudes do psicoterapeuta, provocarão mudanças na auto-imagem, no 'self. E, por sua vez, essa mudança no self fará com que o cliente perceba a si e a situação de modo diferente. Encontrará 'saídas'. Rogers: "Sucesso na terapia é a percepção, da parte do cliente, de que o self tem a capacidade de reorganização. [...] Quando a pessoa consegue se ver como agente perceptivo, organizador, então se dá a reorganização da percepção bem como a consequente mudança nos padrões da reação. " 21
A partir de certo patamar da terapia, o cliente terá enveredado num "caminho sem volta". O self é outro; a percepção é outra; outra, melhor e desabrolhadora é a vida. Unamuno diria que a pessoa "sentese viver em estado de criação contínua: cada momento oferece uma visão nova . A tendência à auto-realização e à auto-imagem (self) explicam todo procedimento do indivíduo (atitudes, ações e reações). A tendên cia ao crescimento é o elemento dinâmico do psiquismo; o self o orienta na direção de valores, objetivos que lhe interessam ou que, erroneamente ou não, lhe parecem vantajosos e alcançáveis. A autoimagem joga papel decisivo na vida. Conforme se julgar apta ou não, a pessoa orientará a tendência para este ou aquele rumo, podendo subestimar ou superestimar suas possibilidades. Mas decidirá conforme se perceber. Por isso, a percepção que o indivíduo tiver de si, dos outros, do estudo, emprego, etc , é que lhe pilotará a vida. Eis a razão por que o self constitui o centro do processo terapêutico.
Escreve Goldstein, a quem devemos o termo auto-realização: 25. Guioordani, 1997, p. 104. 26. Levinas, 1988, p. 115. 27. Rogers, in Wood, 1995, p. 49-50. 28. 1952, p. 52.
"Existe estreita relação entre os modos preferidos do indivíduo
e os motivos psicológicos de sua conduta, seu relacionamento com os demais, seus gostos e repulsas e suas atitudes ante a vida. " 29
Resumindo as principais conclusões sobre mudanças de personalidade na psicoterapia, Rogers enfatiza a correlação auto-imagem e vida mais congruente, mais realista do cliente para consigo mesmo e os demais.30 Outra observação importantíssima: o ambiente deve ser suficientemente propício a fim de possibilitar a auto-realização da pessoa, à semelhança de todo ser vivo: sem o mínimo de condições, em vez de crescer, estiola e morre. Na terapia, as atitudes do profissional, muito mais que sua cultura, fazem surgir esse ambiente favorável. Quanto mais elevado o grau de existência dessas atitudes no ambiente familiar e social - é bom repetir - tanto mais 'terapêutico' será esse ambiente. Todo bom relacionamento é terapêutico, isto é, favorece o crescimento, segundo Maslow. Há, contudo, pessoas que, embora vivam em ambiente assim, necessitam temporariamente da 'estufa' do gabinete psicoterapêutico para retomar o impulso do crescimento, quiçá dar-lhe outro rumo. Rumo à plenificação da pessoa Certa noite de fevereiro de 1977, durante as maravilhosas três semanas passadas com Rogers e equipe de La Jolla (San Diego, USA) em Arcozelo, RJ, John Wood entre eles, estávamos alguns sentados no alpendre da antiga fazenda transformada em local, rústico e s ingelo, de teatro, encontro de estudantes. Pois bem: o grande autor de "Tornarse Pessoa" estava discorrendo sobre a plenificação gradativa da pessoa, quando surge, por entre o arvoredo, a lua cheia. Minutos depois, brilhava ela, dourada e silenciosa, por cima da floresta, prateando o panorama bucólico da suavemente ondulada serra carioca de Pati do Alferes.
29. 1961, p. 164. 30. 1969a, p.413ess.
Vinculei o crescer da lua à auto-realização da pessoa. Quanto mais esta crescer, mais 'cheia', mais plena se tornará, dispondo de mais luz para si e irradiando-a mais abundantemente aos outros. E convicção de Fromm de que "a existência identifica-se com o desenvolvimento das potencialidades específicas de um organismo. Todo organismo possui uma tendência inerente para a atualização das suas potencialidades próprias." 31 Essa noção da tendência à auto-realização tomaram-na Rogers, Fromm, Maslow e muitos outros, dos minuciosos experimentos e cuidadosas observações de Kurt Goldstein. A pessoa em via de crescimento notabilizar-se-á por algumas características: 32 Primeiramente é necessário observar não se tratar de 'es tado', mas de um 'processo'. Vida em fluxo de plenificação é processo, não um estado de ser. Para Rogers, "vida em crescimento (good life) é o processo do movimento numa direção selecionada pelo indivíduo quando interiormente livre de se mover para qualquer rumo". Na opinião do autor, as características da seleção da direção tomada por tais pessoas têm certo grau de universali dade. Quais seriam os traços distintivos de tais indivíduos? ° Crescente abertura à experiência. ° Vida gradativamente mais existencial, isto é, de fluxo reno vador. ° Organismo digno de confiança, graças à abertura à expe riência. ° Vontade de ser processo. ° A pessoa é seu centro de avaliação.
realização não estaciona: encontra-se ° ° ° ° ° ° ° °
a caminho de sempre mais plena auto-direção; a caminho de ser um processo mais rico e dinâmico; a caminho da complexidade; a caminho de maior abertura à experiência; de maior aceitação dos outros; de relacionamento mais profundo com os demais; de crescente confiança em si mesma; de progresso em congruência, em autenticidade.
Como fecho dessas considerações, dois pensamentos que mostram a penetração de princípios da psicologia humanista na alta cúpula da Igreja Católica: "O homem não é verdadeiramente homem a não ser na medida
em que, senhor de suas ações e juízos de valor, é autor do seu progresso, de acordo com a natureza que lhe deu o Criador, de que assume livremente as possibilidades e exigências." 34
O Papa atual não é menos enfático: "Somos, de certo modo, os nossos próprios pais ao criarmonos como queremos e, pela nossa escolha, dotarmo-nos da forma que queremos. "35
Se as orientações da psicologia rogeriana atingissem as altas esferas dos poderes políticos, e m poucos anos, a terra adquiriria fisionomia bem mais humana...
O crescimento não termina, por mais rápido e organizado que seja. Nunca atingirá o brilho de lua cheia.. Não deixa de ser constante lua 'crescente'. Escreve Paulo Freire: "Totalizando-se além de si mesma (a consciência humana) nunca chega a totalizar-se inteiramente, pois sempre se transcende a si mesma." 33 Pessoa em processo de auto31. Fromm, s.d., p. 38. 32. Rogers, 1961, cap. 9. [Cap. 7 da edição brasileira.] 33. Freire, 1987, p. 16.
34. Paulo VI, 1967,. n. 16. 35. João Paulo II, 1993, p. 92.
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As ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DA TERAPIA CENTRADA NO CLIENTE
2. O Nascime nto da terapia centrada no cliente No dia 11 de dezembro de 1940, a Universidade de Minnesota promoveu uma palestra sobre os "Os mais recentes conceitos em psicoterapia". O palestrante convidado era um psicólogo e pesquisa dor da Universidade de Ohio chamado Cari Ransom Rogers. O palestrante, seguindo a temática proposta, procurou apresentar uma síntese do que havia de mais moderno, na época, no campo da psicoterapia. A partir da sua experiência de doze anos de trabalho clínico no "Rochester Society for the Prevention of Cruelty to Children" e de acordo com os resultados das pesquisas que realizara ao longo de todo o ano de 1940 na Universidade de Ohio (analisando laboriosamente centenas de gravações de sessões de psicoterapia), Rogers apresentou as quatro características de uma recente tendên cia em psicoterapia que ele supunha que vinha sendo praticada pela grande maioria dos psicoterapeutas mais jovens: ° esta nova abordagem confiava intensamente na tendência do indivíduo para o crescimento, para a saúde e maturidade. A terapia era concebida como uma maneira de libertar o cli ente para o crescimento e desenvolvimento normal. ° esta terapia dava maior ênfase aos sentimentos do que à com preensão intelectual. ° esta nova terapia dava maior ênfase à situação imediata do que ao passado do indivíduo. ° esta abordagem enfatizava a relação terapêutica em si mes ma como uma experiência de crescimento. Por acreditar que estava simplesmente sumariando e apontando ten dências comuns aos psicoterapeutas de sua época, Rogers ficou ex tremamente surpreendido com a reação da plateia à sua apresenta ção. Ele foi duramente criticado, contestado e atacado, foi olhado com espanto e perplexidade como foi também elogiado e aclamado. Foi somente a partir deste dia que Cari Rogers percebeu que esta nova tendência em psicoterapia não era uma tendência comum aos profissionais clínicos de sua geração, mas era, pelo contrário, uma abordagem criada por ele e que não apenas única e inovadora como
também era uma abordagem completamente revolucionária. Vinte e quatro anos depois, Rogers1 escreveu: "Pareceria um tanto absurdo supor que se pudesse nomear um dia no qual a terapia centrada no cliente tivesse nascido. No entanto, eu sinto que é possível nomear este dia efoi o dia 11 de dezembro de 1940". Cari Rogers, sem dúvida, foi uma das personalidades mais geniais e marcantes de nosso século. Desde o início dos anos 30, quando começou a trabalhar como psicoterapeuta até o ano de sua morte, em 1987 - quando foi indicado para receber o prémio Nobel da Paz - Rogers se dedicou intensamente ao desenvolvimento e apri moramento de uma abordagem das relações humanas promotora do crescimento e da realização das potencialidades criativas do indiví duo, não somente no campo da psicoterapia, como também no cam po da educação, da sociologia e da política. Em 1928, logo após ter obtido seu Ph.D em psicologia clínica, Cari Rogers começou a trabalhar como psicólogo no "Rochester Society for the Prevention ofCruelty to Children". Rogers trabalhou doze anos nessa clínica, fazendo psicoterapia, psicodiagnósticos e encaminhamentos e sendo, por fim, nomeado diretor. Devido ao seu espírito pragmático e crítico, durante este período em Rochester, Rogers acabou desenvolvendo a sua própria forma de abordar a psicoterapia. Perguntando-se constantemente se o que ele fazia era, de fato, eficaz, questionando-se sobre o quê, em tudo o que ele fazia, ajudava, de fato, os seus pacientes e em como ele poderia realmente ajudá-los, Rogers acabou modificando radicalmente a forma de tra balhar como psicoterapeuta que aprendera em sua formação, que fora basicamente psicanalítica. Assim, a partir dos seus constantes questionamentos, durante estes doze anos de intensa experiência clí nica em Rochester, Rogers começou a desenvolver a sua própria abordagem em psicoterapia, que quarenta anos mais tarde seria cha mada de Abordagem Centrada na Pessoa. Em 1939, Rogers publicou o seu primeiro livro - O Tratamen to Clínico da Criança Problema -, fruto do trabalho desenvolvido em Rochester. Devido ao interesse despertado por esta publicação, a Universidade de Ohio contratou-o, em 1940, para ser professor-residente e supervisor de psicólogos em formação clínica.
Durante cinco anos, Rogers trabalhou em Ohio lecionando para alunos da graduação e supervisionando os psicólogos que faziam formação em "counseling". Naquela época, a legislação americana não permitia aos psicólogos atuarem como psicoterapeutas - era uma atividade restrita a psiquiatras. Desta forma, para contornar as limi tações impostas pela legislação da época, Rogers denominava o seu trabalho de "counseling" ao invés de "psicoterapia". O counseling, que costuma ser traduzido para o português como '"aconselhamento" é uma profissão regulamentada nos Estados Unidos e em muitos pa íses da Europa, mas que não possui correspondente no Brasil. Nos seus grupos de supervisão, Rogers introduziu uma metodologia inovadora: a gravação das sessões terapêuticas. Atra vés da utilização deste recurso, Rogers e seus alunos puderam anali sar, avaliar, investigar e questionar o trabalho que realizavam como psicoterapeutas com uma profundidade que não teria sido possível se tivessem utilizado somente os relatos obtidos pela "memória" do terapeuta: "E impossível exagerar a excitação com que aprendíamos, à medida em que nos apinhávamos em torno do aparelho que nos possibilitava ouvir a nós mesmos, repetindo inúmeras ve zes algum ponto intrigante no qual a entrevista fora clara mente mal conduzida ou as passagens em que o cliente pro gredia significativamente. (Ainda considero que esta técnica é a melhor maneira de nos aperfeiçoarmos como terapeutas). Entre as muitas lições que estas gravações nos proporciona ram... descobrimos que era possível detectar a resposta do terapeuta que fazia com que um fluxo frutífero de expressão significativa se transformasse em algo superficial e inútil. Do mesmo modo, podíamos nos deter na intervenção do terapeuta que levava a conversa tola e superficial do cliente a transformar-se numa auto-exploração. " 2
A riqueza do material obtido com estas gravações possibilitou que Rogers investigasse com profundidade e rigor a sutil essência do processo terapêutico, dando origem à palestra que proferiu na Uni versidade de Minnesota em dezembro de 1940. As características
apontadas por Rogers, naquela ocasião, como constituindo a essên cia de uma nova abordagem em psicoterapia, foram posteriormente exploradas com maior rigor e profundidade através de um grande número de pesquisas realizadas inicialmente em Ohio e, a partir de 1945, no Counseling Centerda Universidade de Chicago. As quatro características citadas por Rogers: a confiança na tendência do indi víduo para o crescimento e a maturidade; a ênfase nos sentimentos ao invés da compreensão intelectual; a ênfase na situação imediata, ao invés do passado e o reconhecimento de que a própria relação terapêutica é em si mesma uma experiência de crescimento perma neceram, ao longo de todos esses anos, como elementos essenciais da terapia centrada no cliente. Entretanto, elas foram consideravel mente ampliadas quanto ao seu alcance e profundidade e, como re sultado do grande número de pesquisas realizadas, sua formulação tornou-se mais precisa e rigorosa. Em 1942, Rogers publicou Counseling and Psychotherapy: Newer Concepts in Practice, que foi traduzido para o português como Psicoterapia e Consulta Psicológica (as traduções para o português das obras de Rogers encontram sempre dificuldade com a tradução da expressão counseling). Neste livro, Rogers fundou, com admirá vel solidez e clareza, os alicerces de sua revolucionária concepção teórica e prática no campo da psicoterapia. Estes alicerces que, cin quenta anos depois, ainda permanecem sendo a sólida base de sus tentação da terapia centrada no cliente são a constatação de que a não-diretividade e a aceitação do terapeuta são elementos terapêuticos essenciais numa relação de ajuda psicológica.
liberdade oferecida ao cliente para se expressar espontaneamente, sem que seja guiado, conduzido ou orientado pelo terapeuta, maior é a rapidez e a intensidade com que ele traz para o processo terapêutico as questões realmente cruciais da sua existência. Quando é oferecida ao cliente uma completa liberdade de expressão, ele é capaz de ex pressar conflitos e sentimentos que o terapeuta não poderia de forma alguma supor ou conceber previamente. Dessa forma, Rogers che gou à conclusão de que o melhor guia para o processo terapêutico é sempre o próprio cliente Ele é o único capacitado a reconhecer as questões verdadeiramente importantes que precisam ser exploradas e compreendidas na terapia. Toda orientação do terapeuta, ao contrá rio, tende a inibir e bloquear este fluxo de auto-expressão do cliente. Por este motivo, o terapeuta deve deixá-lo completamente livre para escolher a direção e o ritmo do seu processo terapêutico. Rogers sin tetizou admiravelmente a necessidade desta não-diretividade para o sucesso da relação terapêutica com a máxima: o melhor guia é o cliente. "O caminho mais seguro para as questões importantes, para os conflitos dolorosos, para as zonas que a terapia pode tra tar deforma construtiva é seguir a estrutura dos sentimentos do cliente tal como ele os exprime livremente. (...) O cliente é o único que pode nos guiar para tais fatos e podemos ter a certeza de que os padrões de conduta que são suficientemente importantes surgirão repetidamente no diálogo, desde que ele esteja isento de restrições e inibições. " 3
3. Uma relação essencialmente não-diretiva
4. A aceitação como a essência do processo terapêutico
Rogers constatou, desde o início de suas pesquisas, que quan do o terapeuta se abstém de dar uma direção ao processo terapêutico, quando ele não interfere no processo espontâneo do cliente, propiciando-lhe, ao invés disso, total liberdade para escolher a sua própria direção e avançar no seu próprio ritmo, ocorre uma surpreendente liberação das forças de crescimento do cliente. Quanto maior é a
Rogers percebeu que para uma relação terapêutica ser eficaz ela deve ser radicalmente distinta de todas as outras relações que o indivíduo tem na sociedade, pois nela, não somente o cliente deve ter a oportunidade de ser e de se expressar livremente, como também
3. Rogers, ]997a,pp. 131-133.
tudo o que ele expressa deve ser reconhecido e aceito pelo terapeuta. Independentemente dos valores morais do terapeuta, ele deve reco nhecer e aceitar plenamente todos os sentimentos e atitudes expres sos pelo cliente - sem julgamentos ou críticas, como também sem elogios ou aprovação. Seja uma atitude positiva ou negativa, seja um sentimento agradável ou desagradável, doloroso ou prazeiroso, tudo deve ser recebido da mesma forma pelo terapeuta - com reconheci mento e aceitação:
tém uma "parede defensiva ", para não precisarem olhar para esse seu "eu escondido". ° Numa relação terapêutica impregnada de liberdade e aceita ção, o indivíduo se sente "liberto de qualquer necessidade de se por na defensiva" e tem "pela primeira vez, uma oportu nidade de olhar francamente para si mesmo", de ir para além da "parede " defensiva e fazer uma apreciação autêntica de si mesmo.
"Os sentimentos positivos são aceitos tanto quanto os senti mentos negativos, como uma parte da personalidade. É esta aceitação, tanto dos impulsos de imaturidade como os de ma turidade, das atitudes agressivas e de sociabilidade, de senti mentos de culpa e de expressões positivas, que dá ao indiví duo oportunidade pela primeira vez na vida de se compreen der a si próprio tal como é. Não tem necessidade de uma ati tude de defesa em face dos sentimentos negativos. Não tem oportunidade de supervalorizar os sentimentos positivos. E neste tipo de situação, surge o insight espontaneamente. (...) Esta compreensão, esta apreensão e aceitação de si constitu em o aspecto mais importante de todo o processo. Aqui se estabelece a base a partir da qual o íi .divíduo é capaz de as cender a novos níveis de integração. " 4
Nesta época, Rogers ainda não havia desenvolvido uma teoria da terapia e da personalidade que explicasse suficientemente por que a não-diretividade e a aceitação do terapeuta são fatores essenciais para o sucesso terapêutico. Um desenvolvimento mais completo da teoria só veio a ocorrer em 1951 com a publicação do livro Terapia Centrada no Cliente. Contudo, em Counseling and Psychotherapy, Rogers já começara a esboçar os princípios e as explicações teóricas que seriam mais extensivamente elaboradas em 1951. Assim, já em 1942, Rogers pode reconhecer que:
Dentro desta perspectiva, Rogers, em Counseling and Psychotherapy, esboça a seguinte descrição do processo terapêutico: Através de uma atitude amigável, interessada e receptiva o terapeuta estimula o cliente a expressar livremente os seus senti mentos, levando-o a sentir que aquela hora é verdadeiramente sua e que pode usá-la como quiser. Devido à atitude de compreensão e de aceitação do terapeuta, o cliente se liberta da necessidade de se prote ger e pode, muitas vezes, pela primeira vez na vida, ser autentica mente ele próprio. Ele percebe que pode expressar todos os seus sentimentos e que não necessita das suas defesas psicológicas habi tuais, pois não encontra nem censuras nem elogios por parte do terapeuta. Dessa forma, a atmosfera de aceitação criada pelo terapeuta permite que o cliente consiga expressar, reconhecer e aceitar os seus sentimentos negativos como uma parte de si mesmo, em vez de projetá-los nos outros ou de ocultá-los através de racionalizações ou rejeições, isto é, o cliente torna-se capaz de enfrentar os diferentes aspectos do seu eu sem a necessidade dos seus habituais mecanismos defensivos. "À medida que descobre que seu eu não convencional, o seu eu oculto, é tranquilamente aceito pelo psicólogo, o cliente é igualmente capaz de aceitar como seu esse eu até então escondido. Em vez de lutar desesperadamente para ser o que não é, descobre que há muitas vantagens em ser o que é e em desenvolver as possibilidades de crescimento que são autenticamente suas. " 5
° os clientes possuem um "eu oculto" ou "eu não convencio nal" do qual se defendem através de racionalizações e rejei ções. Nos seus relacionamentos pessoais, os clientes man-
A descoberta mais importante de Rogers, portanto, não foi a de que o indivíduo, num ambiente livre de críticas, aprovações e orientações é capaz de reconhecer e expressar os aspectos mais "ocul tos" do seu eu. A descoberta mais surpreendente e que deu origem às
implicações mais radicais e revolucionárias desta abordagem foi a constatação de que o indivíduo, após reconhecer estas facetas obscu ras e "negativas" do seu eu, descobre também dentro de si impulsos e características extremamente positivas, saudáveis e maduras: Quando os sentimentos negativos do indivíduo se exprimem totalmente, segue-se a expressão receosa e hesitante dos im pulsos positivos que promovem a maturidade. Essa expressão positiva é um dos aspectos mais certos e previsíveis de todo o processo. Quanto mais violentas e profundas forem as expres sões negativas (desde que sejam aceitas e reconhecidas), tan to mais certas serão as expressões positivas de amor, de im pulsos sociáveis, de auto-respeito profundo, de desejo de ma turidade. (...) Uma relação terapêutica centrada no cliente li berta forças dinâmicas de uma forma não conseguida por ne nhuma outra relação, (o grifo é nosso) 6
A descoberta de que forças dinâmicas positivas eram liberadas atra vés do clima aceitador e permissivo da relação terapêutica tornouse, posteriormente, o postulado fundamental da terapia centrada no cliente. (Veremos, mais adiante, como esta ideia, a princípio vaga e genérica, foi se desenvolvendo até culminar no conceito de tendên cia atualizante). Assim, com a publicação de Counseling and Psychotherapy, a abordagem proposta por Rogers recebeu a denominação de Terapia Não-diretiva, justamente por enfatizar a permissividade e a aceita ção como os fatores essencialmente terapêuticos da relação.
5. O cliente não é um paciente Já em Counseling and Psychotherapy surge também outra ca racterística inovadora da terapia centrada no cliente (na época, ainda chamada de Terapia Não-Diretiva): os indivíduos auxiliados através da psicoterapia eram considerados como clientes e não como pacien tes. O que pode parecer uma simples questão semântica, possuí, de
fato, implicações filosóficas e sociais extremamente importantes. Entretanto, a explicitação dos motivos pelos quais Rogers e seus co laboradores optaram pela expressão cliente só veio a aparecer em 1951, no livro Terapia Centrada no Cliente. Basicamente, são duas as razões pelas quais esta abordagem utiliza o termo cliente ao invés de paciente: 1. A palavra paciente denota um sentido de passividade. Nada mais distante do que ocorre na relação terapêutica da terapia centrada no cliente. Nela, o indivíduo não recebe nada passivamente do terapeuta: não recebe a solução para o seu problema, não recebe uma interpretação para o seu conflito, não recebe uma orientação, não recebe respostas, não recebe conforto ou encorajamento, nem tampouco críticas. Muito pelo contrário, devido à não-diretividade e à aceitação experenciadas plenamente na relação terapêutica, o indi víduo descobre os seus próprios recursos e desenvolve sua autono mia. Ou seja, nesta relação terapêutica o indivíduo se torna, literal mente, agente e não paciente. 2. A expressão paciente está vinculada ao modelo médico de doença e cura. Paciente é o indivíduo que tem uma doença e que precisa ser curado. No entanto, os conceitos de doença e cura não são aplicáveis à psicoterapia7. Uma doença é uma entidade que pode ser identificada de forma Objetiva através de procedimentos diagnós ticos precisos. Ela possui uma etiologia definida e pode ser "remo vida" do organismo através de intervenções médicas também defi nidas de forma Objetiva. Isto é, toda doença possui uma "existência" Objetiva, mensurável e possui causas, tratamentos e prognósticos que podem ser identificados objetivamente. Mas os conflitos existenciais, as dificuldades emocionais e o sofrimento psíquico que levam um indivíduo a procurar ajuda através da psicoterapia não possuem as características "objetivas" de uma doença. Por este motivo, não pode mos afirmar que a psicoterapia cura doenças, assim como as ques tões existenciais que geram sofrimento psíquico no indivíduo não podem ser consideradas como doenças*. Ou seja, o indivíduo que procura auxílio na psicoterapia não está doente e, portanto, não pode ser chamado de paciente. 1. No livro Terapia Centrada no Cliente, Rogers dedica grande parte do capítulo cinco à análise da incompatibilida de entre o modelo médico e o processo psicoterapêutico.
6. O desenvolvimento pioneiro de pesquisas em psicoterapia Em 1945, Rogers foi convidado a lecionar na Universidade de Chicago e a estabelecer, nesta universidade, um centro de aconselha mento baseado nos princípios da abordagem não-diretiva. Em Chi cago, junto com uma grande equipe de colaboradores, na maior par te, seus alunos, Rogers desenvolveu um trabalho pioneiro para a sua época: a pesquisa científica em psicoterapia. Rogers já inovara em Ohio ao ser o primeiro psicoterapeuta a registrar através de grava ções sonoras as sessões de terapia e a torná-las disponíveis para a comunidade profissional, contribuindo, desta maneira, para a "desmis tificação"9 da psicoterapia. Nat Raskin, um dos seus colaboradores mais próximos em Chicago afirmou que Rogers atravessou completa mente o labirinto de mistério que rodeava o trabalho dos psicotera peutas em geral.w Entretanto, a busca deste conhecimento científico e objetivo sobre a psicoterapia representava, para Rogers, um grande conflito, pois a sua experiência como terapeuta possuía uma qualidade essen cialmente subjetiva que ele sabia que não poderia ser adequadamente traduzida ou simbolizada através da conceituação fria e rigorosa da ciência. Rogers sentia-se dividido entre o mundo da sua experiência subjetiva, "quase mística", de terapeuta e o mundo objetivo do seu trabalho como cientista." Assim, no prefácio do livro Terapia Centra da no Cliente, Rogers tenta esclarecer o significado que tinha, para ele e para sua equipe, a busca deste conhecimento científico: "Mas é também um livro sobre mim e os meus colegas, que empreendemos a análise científica desta experiência viva,
9. Bozarth (1998) afirma que "Rogers foi a principal figura na desmistificação da psicoterapia, principalmente através do uso de gravações sonoras e filmes. Rogers e seus colegas foram o primeiro grupo a usar gravações para examinar as sessões de terapia e torná-las disponíveis à comunidade profissional. De fato, eles começaram com o uso de gravadores de "rolo" e discos de vidro, que eram incómodos e desajeitados para o uso. Na verdade, Rogers foi um dos primeiros indivíduos a tornar suas próprias sessões de terapia disponíveis para averiguação pública em gravações sonoras e filmes." p . 14 10. Raskin, (1948). 11. Rogers escreveu um artigo "Pessoa ou Ciência:? Uma Questão Filosófica", onde descreve precisamente
emocional. É sobre os nossos conflitos neste aspecto - a per cepção vigorosa de que o processo terapêutico é rico em nuances, complexidades e sutilezas, e a nossa crença, igual mente vigorosa, de que a descoberta científica, a generali zação, é fria, sem vida, destituída da plenitude da experiên cia. Mas o livro também expressa, confio eu, a nossa crescen te convicção de que, embora não possa formar terapeutas, a ciência pode auxiliar a terapia; de que, embora seja fria e abstraía, a descoberta científica pode nos assistir na libera ção de forças que são quentes, pessoais, complexas; e de que embora seja lenta e hesitante, a ciência representa o melhor caminho conhecido para a verdade, mesmo numa área tão delicadamente intricada como a das relações humanas. " n
A concepção de ciência que Rogers tinha nesta época era estritamen te positivista. No meio cultural e académico em que vivia, esta era a única concepção de ciência aceita e reconhecida. Assim, as pesqui sas que Rogers e sua equipe desenvolveram na Universidade de Chi cago consistiam basicamente em "testes" ou "verificações" de hipó teses, seguindo um modelo rigorosamente experimental e estatístico. Contudo, estas hipóteses, que eram descritas de forma operacional e testadas com métodos estritamente quantitativos se originaram, primariamente, da sua experiência pessoal e subjetiva como terapeuta. Ou seja, Rogers utilizava inteiramente a sua subjetividade, na sua experiência pessoal com os clientes, como fonte e origem de suas hipóteses sobre a psicoterapia. No entanto, ele considerava que este conhecimento, obtido através da sua experiência subjetiva, não teria valor se não fosse "comprovado" ou verificado pelos métodos da ciência. No campo da pesquisa em psicoterapia, Rogers foi tremenda mente inovador. Até então, as hipóteses sobre a psicoterapia jamais haviam sido "postas à prova" por nenhuma outra abordagem. Rogers e sua equipe foram também extremamente criativos ao inventarem novos procedimentos para verificação de hipóteses, como a técnica <213 de Stephenson e o Relationship Inventory de Barret-Lennard. 12. Rogers, 1992, p. 4 13. No livro Terapia Centrada no Cliente, numa nota de rodapé à página 163, (na edição de 1992) Rogers
Estas pesquisas eram realizadas no Centro de Aconselhamento da Universidade de Chicago, dirigido por Rogers, que atendia uma mé dia de 800 a mil pessoas por ano. Esta brilhante atividade de Rogers como pesquisador lhe pro piciou um enorme prestígio junto à comunidade científica e profis sional americana, tornando-se editor de duas prestigiadas revistas científicas de psicologia - o "Journal of Counsulting Psychology" e o "Aplied Psychology Monographs - e sendo eleito presidente da Associação Americana de Psicologia (American Psychological Association), em 1943.
7. A confiança na capacidade do cliente Desde a conferência proferida em Minnesota, em 1940, Rogers já con sid erava que uma das caracterí sti cas essenciais des sa nov a abordagem em psicoterapia era a confiança na tendência do indiví duo para o crescimento e para a maturidade. Com o passar dos anos, esta confiança foi se fortalecendo ainda mais. Rogers percebeu que quanto mais ele confiava na capacidade do seu cliente para superar autonomamen te suas dificuldades, mais o cli ente correspondia a essa confiança, liberando as forças internas de crescimento que até então tinham permanecido bloqueadas. Assim, num artigo publicado em 1946, chamado "Aspectos significativos da terapia centrada no cliente" 14 , Rogers dedicou uma especial atenção ao que ele denominou de " a descoberta da capaci dade do cliente": "Basicamente, a razão para a previsibilidade do processo terapêutico está na descoberta - e uso esta palavra intencional mente - de que no interior do cliente residem forças construti vas cujo poder e uniformidade não têm sido reconhecidos inteiramente, como também têm sido bastante subestimados.
14. Rogers, C. R. (1946). Significam Aspecls of Client-Centered Therapy. The American Psycholoeist, 10,
É a nítida e disciplinada confiança do terapeuta nessas forças internas do cliente que parece explicar a ordenação do processo terapêutico, bem como sua consistência de um cliente para outro. " i5
Neste pequeno trecho aparecem duas ideias muito importantes que foram progressivamente sendo desenvolvidas por Rogers e seus co laboradores tanto através de pesquisas como através de novas e mais completas elaborações teóricas. A primeira ideia é a descoberta de que existem, em todos os indivíduos, forças construtivas de cresci mento que até então não haviam sido reconhecidas por nenhuma abordagem psicoterapêutica. A segunda ideia presente aqui é a de que a confiança do terapeuta nestas forças internas do cliente, uma confiança nítida e disciplinada, é o que propicia o processo terapêutico. A descoberta da existência de poderosas forças internas de crescimento e a firme confiança do terapeuta nestas forças, represen tam, hoje, o aspecto mais revolucionário da terapia centrada no cli ente. Lendo o que Rogers escreveu em 1946 em referência aos mo delos psicoterapêuticos vigentes naquela época, podemos constatar que Rogers continua sendo tão revolucionário em relação aos pa drões atuais do pensamento psicológico quanto fora há cinquenta anos atrás. Depois de analisar diversos estudos de caso publicados por psiquiatras e psicanalistas, Rogers concluiu que a confiança que estes terapeutas tinham em seus clientes era uma confiança muito limitada: "É uma confiança de que o cliente pode assumir responsa bilidade, se for guiado pelo especialista; uma confiança de que o cliente pode assimilar insight, se este lhe for propiciado primeiro pelo especialista; de que pode fazer escolhas, se nos pontos cruciais lhe for dada uma direção. E, em suma, o mes mo tipo de atitude que uma mãe tem para com seu filho adolescente, que ela acredita ser capaz de tomar decisões pró prias e guiar seu próprio caminho, contanto que ele tome a direção por ela aprovada. " w 15. Rogers, 1995a, p. 24
Esta confiança do terapeuta nas forças internas de crescimento do cliente tornou-se posteriormente o postulado fundamental da terapia centrada no cliente e a principal característica que a diferenciaria de todas as outras abordagens em psicoterapia. Em 1951, no livro "Te rapia Centrada no Cliente", Rogers formulou de uma maneira mais precisa o significado destas "forças de crescimento"'. A partir dos estudos de Snygg, Combs, Angyal, Goldstein e outros, Rogers consta tou que existe, em toda vida orgânica, uma. força direcional básica que se manifesta como uma tendência do organismo para preservarse e para mover-se na direção da maturação e da auto-realização de suas potencialidades. Esta força direcional também se expressa como uma tendência do organismo para mover-se na direção de uma maior independência, autonomia e auto-regulação como também na direção de uma maior socialização. Esta tendência direcional está presente na vida de todo organismo individual "desde a concepção até a maturação, em qualquer nível de complexidade orgânica" 11. Rogers considerou, então, que a tendência para o crescimento, para a maturidade e para a autonomia que ele observara em todos os seus clientes quando era oferecida, na relação terapêutica, uma atmos fera de aceitação e liberdade, era, na realidade, a expressão desta força direcional básica originada no próprio funcionamento orgâni co (ou organísmico) do indivíduo: "Na terapia centrada no cliente, a pessoa é livre para esco lher qualquer direção, mas, na realidade, ela seleciona cami nhos positivos e construtivos. Eu só posso explicar isto em termos de uma tendência direcional inerente ao organismo humano - uma tendência para crescer, se desenvolver e reali zar plenamente seu potencial"\ 1S
E a confiança do terapeuta nesta tendência do indivíduo para a autopreservação, crescimento, maturação, independência e socialização que caracteriza a relação terapêutica centrada no cliente: "O terapeuta torna-se muito consciente de que a tendência de
movimento para frente do organismo humano é a base na qual ele se apoia de maneira mais firme e fundamental. " I9
No livro "Terapia Centrada no Cliente", Rogers apresentou a pri meira formulação da sua teoria da personalidade e do comp ortamen to, na forma de dezenove proposições. Na IV Proposição ele afirma que todo organ ismo possui uma tendênc ia básica à auto-realização, auto-manutenção e aperfeiçoamento. Posteriormente, em 1959, Rogers publicou a versão final da sua teoria da terapia e da persona lidade entitulada "Uma teoria da terapia, personalidade e relacio namentos interpessoais desenvolvida segundo a perspectiva centradano-cliente" 20 Nesta formulação de 1959, Rogers denomino u esta ten dência direcional de "actualizing tendency", que foi traduzida para o português como tendência atualizante. A tendência atualizante está presente em todas as ações do indivíduo pois ela representa o fluxo natural da vida. Ela é o movi mento, o processo direcional que caracteriza a própria natureza da vida. Isto é, a presença da tendência atualizante é o que nos permite distinguir um organismo vivo de um morto. Isto significa que a ten dência atualizante pode ser frustrada, impedida ou desvirtuada, mas não pode ser destruída sem que se destrua também o organismo 21. Em 1977, no livro "Sobre o Poder Pessoal" 22 Rogers utilizou uma imagem originada de suas lembranças da infância, a imagem de uma caixa de batatas que brotaram mesmo na escuridão gelada do porão de sua casa, como uma metáfora da maneira como a tendência atualizante se manifesta mesmo sob as condições mais desfavorá veis. Esta metáfora tornou-se bastante conhecida devido à beleza, profundidade e sensibilidade como foi apresentada por Rogers: "Lembro-me de que, na minha infância, a lata na qual arma-
19. Rogers, 1992, p.556. 20. A theory of therapy, personality, and interpersonal relationships as developed in the client-centered framework. Publicado em S. Koch (ed) Psychology: A study of science: Vol. 3 Formulation of the person and the social context: New York: McGraw Hill. (este trabalho foi publicado no Brasil em 1977 no livro "Psicoterapia e Relações Humanas" - escrito em conjunto com Marian Kinget)
17. Rogers, 1992, p. 555
21. Rogers, 1983, p. 40.
18. Rogers. 1986, p. 127.
22. Título original em inglês: Cari Rogers on Personal Power
zenávamos nosso suprimento de batatas para o inverno ficava no porão, quase um metro abaixo de uma pequena janela. As condições eram desfavoráveis, mas as batatas começaram a brotar - brotos brancos, pálidos, tão diferentes dos brotos verdes saudáveis que exibiam quando plantadas no solo na primavera. Porém, esses brotos espigados, tristes, poderiam crescer de 60 a 90 centímetros de comprimento à medida que buscavam a luz distante da janela. Em seu crescimento fútil, bizarro, eram uma espécie de expressão desesperada da ten dência direcional que estou descrevendo. Nunca se tornariam uma planta, nunca amadureceriam, nunca preencheriam suas potencialidades reais. Entretanto, sob as mais adversas cir cunstâncias, lutavam para tornar-se. Não desistiriam da vida, mesmo se não pudessem florescer. Ao tratar de clientes cujas vidas têm sido terrivelmente emaranhadas, ao trabalhar com homens e mulheres em relegadas enfermarias de hospitais públicos, penso frequentemente naqueles brotos de batata. Eoram tão desfavoráveis as condições nas quais essas pesso as se desenvolveram, que suas vidas muitas vezes parecem anormais, distorcidas, dificilmente humanas. Entretanto, devese confiar na tendência direcional que nelas existe. O indício para entender seu comportamento : de que estão lutando, do único modo que lhes é possível, para alcançar o crescimento, para tornar-se alguém. Para nós, os resultados podem pare cer bizarros e inócuos, mas são tentativas desesperadas de vida para tornarem-se elas próprias. É esta potente tendência que constitui a base subjacente à terapia centrada no cliente e tudo o que se desenvolveu a partir dela. "23
Todo ser humano possui uma força interna de crescimento, de integração e de socialização que está sempre presente, mesmo quan do suas atitudes e o seu comportamento tornam-se destrutivos ou anti-sociais. O que ocorre, nestes casos, é que a tendência atualizante do indivíduo teve a sua expressão impedida ou distorcida pelas con dições desfavoráveis de sua existência. O anseio básico de todo indi víduo é sempre o de buscar o crescimento, o desenvolvimento de suas potencialidades e a integração com os outros seres humanos. A
motivação básica de todas as ações humanas é sempre a de buscar mais vida. Por trás de gestos destrutivos, anti-sociais e irracionais está presente ainda, me smo que de uma forma distorcida e irreconhe cível, este anseio de vida e crescimento. Um exemplo clássico e paradigmático deste tipo de distorção na expressão da tendência atualizante é o da pessoa que tenta o suicídio. Pode-se olhar para esta pessoa como sendo alguém que apresenta um forte impulso autodestrutivo ou que age movida por um irresistível impulso de morte. No entanto, o que Rogers percebeu, na sua experiência como psico terapeuta, foi precisamente o contrário: quando esta pessoa vivenciava uma relação terapêutica na qual se sentia incondicionalmente aceita e empaticamente compreendida por uma pessoa congruente 2*, este anseio auto-destrutivo revelava ser, na verdade, um anseio de vida!! Na segurança da relação terapêutica, a pessoa conseguia expressar que o que ela queria, na verdade, era mais vida, era uma vida com afeto, com compreensão, com trocas significativas com outros seres humanos, uma vida em que pudesse crescer e desenvolver seus po tenciais. Entretanto, o suicídio se tornara, paradoxalmente, a única maneira com que ela conseguia expressar este anseio de vida. Esta é uma maneira de olhar para o ser humano completamen te distinta da maneira tradicional com que a psicologia clínica e a psiquiatria olham para os indivíduos que não se comportam de ma neira "normal". Ao invés de conceber as atitudes e os comportamen tos destrutivos, anti-sociais ou irracionais como sintomas de trans tornos25 afetivos ou de personalidade, a terapia centrada no cliente os vê como expressões distorcidas de uma tendência positiva e cons trutiva que não obteve as condições neces sárias para realizar sua fun ção de crescimento, auto-realização e socialização. Por este motivo, a função da psicoterapia deve ser simplesmente a de oferecer ao indi víduo as condições necessárias para a liberação da sua tendência atualizante. Consequentemente, o terapeuta não precisa controlar o comportamento do cliente, não precisa condicioná-lo, guiá-lo, con duzi-lo ou orientá-lo na direção da maturidade e do crescimento. O cliente possui dentro de si todos os recursos e toda a orientação que necessita - é preciso apenas facilitar a liberação deste poder, desta 24. A consideração positiva incondicional, a compreensão empática e a congruência são as três atitudes
força de crescime nto que teve a sua expressão* dist orcid a ou enfraquecida. Ou seja, a concepção de homem na abordagem centrada no cliente leva a uma subversão completa da concepção tradicional de psicoterapia. Ao invés do terapeuta ser um especialista (expert) que procura controlar o comportamento e as atitudes do cliente com uma miríade de técnicas psicodiagnósticas e interventivas, a terapia centrada no cliente propõe uma inversão completa do locus de poder na relação terapêutica. Nela, o cliente é que é considerado o expert, pois ele é a pessoa melhor capacitada para compreender o significa do de suas atitudes e para modificá-las da maneira que lhe for mais apropriada. O terapeuta mantém a autoridade e o locus de poder da relação do lado do cliente porque confia que ele é a pessoa melhor capacitada para tomar as decisões relacionadas tanto ao rumo da ses são quanto ao rumo da sua própria vida. É como disse Rogers: "não é que esta abordagem dê poder à pessoa, ela nunca o tira" 26 Rogers inicia o livro "Sobre o Poder Pessoal" com o depoi mento de um estudante de psicologia (Alan Nelson, que posterior mente tornou-se um de seus mais íntimos colaboradores) a respeito da revolução realizada pela abordagem centrada no cliente no cená rio das psicoterapias tradicionais: "Passei três anos na graduação, aprendendo a ser um especi alista (expert) em psicologia clínica. Aprendi afazer avalia ções diagnosticas precisas. Aprendi as várias técnicas para alterar atitudes e comportamentos do sujeito. Aprendi modos sutis de manipulação, sob os rótulos de interpretação e orien tação. Então, comecei a ler sua obra, que virou de cabeça para baixo (upset) tudo o que havia aprendido. Você dizia que o poder encontra-se, não na minha mente, mas no organismo do cliente. Você inverteu completamente o relacionamento de poder e controle que havia se desenvolvido em mim durante três anos. " 27
Neste sentido, ao afirmar que todo indivíduo é, em essência, um or-
ganismo digno de confiança, a abordagem centrada no cliente constitui-se como um paradigma revolucionário no campo da psicologia. As implicações políticas e sociais desta confiança radical no ser hu mano são muito profundas: "É óbvio que esta premissa da terapia centrada no cliente (...) tem enormes implicações políticas. Nosso sistema educacio nal, nossas organizações industrias e militares e muitos ou tros aspectos de nossa cultura assumem o ponto de vista de que a natureza do indivíduo é tal que não se pode confiar nele - ele deve ser guiado, instruído, recompensado, punido e con trolado por aqueles que são mais sábios ou possuem status superior. (...) Portanto, a simples descrição da premissa fun damental da terapia centrada no cliente significa fazer-se uma
afirmação política contestadora " 2S
8. A tendência direcional formativa A tendência para o crescimento e o auto-aperfeiçoamento dos organismos vivos também pode ser considerada a expressão de uma tendência evolutiva de caráter mais geral, presente no universo como um todo. Com este objetivo, Rogers publicou, em 1978, um artigo entitulado "A tendência formativa" 29 no qual o conceito da tendência atualizante é visto numa perspectiva mais ampla como a manifesta ção de uma tendência evolutiva cósmica, que atua tanto no nível inorgânico como no orgânico, na direção de uma ordem e complexi dade crescentes. Os físicos conhecem muito bem o fenómeno da entropia, que é a tendência que todos os sistemas físicos fechados apresentam de se degenerarem em direção a estados cada vez maiores de desordem e caos. O fenómeno da sintropia, entretanto, é menos conhecido. A sintropia é a tendência do universo para gerar formas de complexi dade e ordem crescentes. Por exemplo, todas as galáxias e objetos
estelares foram formados a partir de simples partículas que se orga nizaram em formas de extrema complexidade. Os organismos vivos da Terra também surgiram a partir de simples microrganismos que, através de um processo evolutivo incessante, geraram as formas complexas de vida animal e vegetal que hoje conhecemos. Cada ser humano, considerado individualmente, também evoluiu de um sim ples óvulo fertilizado para uma estrutura orgânica extremamente complexa e organizada. Essa tendência do universo para gerar for mas de ordem e complexidade crescentes, que foi denominada de sintropia pelo biólogo Szent-Syoergyi e de tendência mórfiça pelo historiador Lancelot Whyte, Rogers a denominou tendência direcional formativa: "Defendo a hipótese de que existe uma tendência direcional formativa no universo, que pode ser rastreada e observada no espaço estelar, nos cristais, nos microorganismos , na vida or gânica mais complexa e nos seres humanos. Trata-se de uma tendência evolutiva para uma maior ordem, uma maior com plexidade, uma maior inter-relação. " 3U A partir de 1980, com a publicação de "Um Jeito de Ser", Rogers passou a analisar o fenómeno da consciência humana sob esta pers pectiva evolutiva da tendência direcional formativa. Assim, ele consi derou a existência de níveis inferiores de consciência, no qual o indi víduo age "na escuridão", sem consciência de sua experiência organísmica, isto é, sem consciência de seus sentimentos, emoções e reações fisiológicas. No nível inferior deste processo evolutivo, o indi víduo possui uma autoconsciência mínima e por este motivo, sua ações não são escolhas bem fundamentadas, mas são determinadas pelos valores e crenças introjetados do qual não tem consciência. Subindo nesta escala evolutiva, o indivíduo vai se tornando progressivamente consciente de seus processos organísmicos, de seus sentimentos e emoções, com uma capacidade cada vez maior de simbolizar a sua experiência. Dessa forma, Rogers concebeu a aquisição da autoconsciência como o resultado de um processo evolutivo gerado por esta tendência direcional formativa do universo.
Neste sentido, a capacidade de autotranscendência da consci ência humana, isto é, a aquisição de uma "consciência transcendente da harmonia e da unidade do sistema cósmico" 31', foi considerada como a expressão de um nível ainda mais elevado nesta escala evolutiva. Certos estados especiais de consciência, como as experi ências místicas de transcendência ou de dissolução na unidade do cosmos, são as expressões mais elevadas desse fluxo evolutivo da consciência. A fim de ilustrar esta ideia, Rogers relatou a sua experi ência pessoal com certos estados especiais de consciência que ocor riam em seus melhores momentos como terapeuta ou facilitador de grupos. Esta descrição de sua experiência de um nível espiritual de consciência no seu trabalho como terapeuta tornou-se bastante co nhecida e tem sido repetidamente citada por diversos autores que investigam as dimensões espirituais da terapia centrada no cliente: "Quando estou em minha melhor forma, como facilitador de grupo ou como terapeuta, descubro uma nova característica. Percebo que quando estou o mais próximo possível de meu eu interior, intuitivo, quando estou de algum modo em contato com o que há de desconhecido em mim, quando estou, talvez, num estado de consciência ligeiramente alterado, então tudo o que faço parece ter propriedades curativas. Nessas ocasiões, a minha presença, simplesmente, libera e ajuda os outros. Não há nada que eu possa fazer para provocar deliberadamente essa experiência, mas quando sou capaz de relaxar e de ficar próximo do meu âmago transcendental, comporto-me de um modo estranho e impulsivo na relação, q ue não posso justificar racionalmente e que não tem nada a haver com meus processos
de pensamento. Mas esses estranhos comportamentos acabam sendo corretos, por caminhos bizarros: parece que meu espírito alcançou e tocou o espírito do outro. Nossa relação transcende a si mesma e se torna parte de algo maior. Então, ocorrem uma capacidade de cura, uma energia e um crescimento profundos. " 32
31. Rogers, 1983, p. 46 e p.50.
9. A atitude centrada no cliente Durante os anos em que Rogers esteve na Universidade de Chicago (de 1945 a 1957), dirigindo o Counseling Center, junto com uma grande equipe de pesquisadores, formada na maioria por seus alunos, ele dedicou-se intensamente a investigar quais os elementos verdadeiramente facilitadores da mudança terapêutica na psicoterapia. Como vimos no capítulo 7, a primeira descoberta importante formu lada por Rogers neste período foi a da existência de insuspeitadas forças de crescimento no cliente que eram liberadas através do clima aceitador e compreensivo da relação terapêutica. Outra descoberta importante que foi sendo gradualmente formulada e desenvolvida por Rogers e sua equipe foi a descoberta da importância do referencial da estrutura interna (internai frame ofreference) do cliente. Assim, em 1946, Rogers 33 escreveu: "Com o passar do tempo, fomos colocando uma ênfase cada vez maior na natureza desse tipo de relação, "centrada no cliente ", pois sua eficácia será maior quanto mais completa mente o conselheiro34 se empenhar em tentar compreender o cliente da forma como o cliente vê a si próprio. (...) Começa mos a reconhecer que, se pudermos compreender a maneira como o cliente vê a si próprio nesse momento, ele poderá fa zer o resto. O terapeuta deve deixar de lado sua preocupação com o diagnóstico e sua argúcia diagnostica, deve livrar-se da tendência de fazer avaliações profissionais, deve parar com suas tentativas de formular um prognóstico acurado, deve re nunciará tentação de guiar sutilmente o indivíduo e deve concentrar-se num único propósito: a compreensão e a aceitação profundas das atitudes conscientemente assumidas nesse mo mento pelo cliente, enquanto ele explora, passo a passo, as áreas perigosas que tem negado à consciência.(..) É essa sen-
33. Rogers, (1946). Significam Aspects of Client-Centered Therapy. The American Psychologist, voi 1 (10): 415-422. Este artigo encontra-se publicado em português no livro do John Wood, Abordagem Centrada na Pessoa. 34. Rogers utilizava a expressão "conselheiro" nos seus primeiros escritos devido à legislação americana da época que não permitia aos psicólogos atuarem como psicoterapeutas. Em algumas traduções para o português o termo "counselor" foi traduzido como "orientador" ao invés de "conselheiro". Entretanto, o sentido da expressão "counselor", nos textos de Rogers, é sempre o de "terapeuta".
sível e autêntica centralização no cliente que considero como a terceira característica35 da terapia não-diretiva que a dis tingue das demais abordagens. " 36
Centrar-se no cliente ou assumir o referencial da estrutura interna do cliente significa perceber o cliente da maneira como ele próprio se percebe, isto é, mergulhar profunda mente no mundo do cliente para poder vê-lo como ele próprio se vê e compreendê-lo como ele pró prio se compreende. Quando olhamos para uma pessoa a partir de nossa própria visão de mundo, a partir de nossos conceitos, ideias e valores, estamos adotando nosso próprio referencial, que é externo a esta pessoa. Estamos, assim, nos colocando numa postura de obser vadores externos. Mas se, ao contrário, tentarmos perceber esta pes soa da forma como ela mesma se percebe, tentando senti-la como ela se sente, tentando entrar na sua pele e ver com os seus olhos, estare mos adotando o seu referencial, isto é, estaremos centrados nela. Deixaremos de ser observadores para sermos participantes, para vi vermos junto com ela os sentimentos e as atitudes que ela está ten tando expressar. Raskin, um dos colaboradores mais próximos de Rogers durante os anos de Chicago, considerou que esta atitude de centralização no cliente "produz uma mudança radical na nature za do processo de aconselhamento37 . Nesse nível, a participação do conselheiro torna-se um experimentar ativo, junto com o cliente, dos sentimentos que ele expressa; o conselheiro esforça-se ao máximo para entrar na pele da pessoa com quem está se comunicando, ten tar chegar dentro e viver as atitudes expressas, em vez de observálas (...) numa palavra, absorve-se completamente nas atitudes do outro. E, no esforço de conseguir isso, simplesmente não há espaço para qualquer outro tipo de atividade ou atitude de aconselhamento; se ele estiver tentando vivenciar as atitudes do outro, não poderá estar diagnosticando-as, não poderá estar pensando em acelerar o processo. Por ser ele outro, e não o cliente, a compreensão não é
35. As outras duas características a que Rogers se refere, que distinguem a abordagem não-diretiva das outras abordagens são a previsibilidade do processo terapêutico (isto é, a ocorrência de um padrão previsível de desenvolvimento terapêutico) e a confiança na capacidade do cliente. 36. Rogers, 1946, pp. 420-421 37. Lembrando mais uma vez que a expressão "aconselhamento" e "conselheiro" são utilizadas aqui no sentido de "psicoterapia" e "terapeuta". Nesta época, a profissão de psicoterapeuta, nos EUA, só podia ser exercida por médicos psiquiatras, por este motivo, Rogers e seus colaboradores utilizavam a expressão "aconselhamento" em referência ao seu trabalho para poderem se adequar a esta legislação.
espontânea, devendo portanto ser adquirida - e isto através da mais intensa, contínua e ativa atenção aos sentimentos do outro, com a exclusão de qualquer outro tipo de atenção."^
A fim de tornar mais claro o significado desta atitude de centrarse no cliente, apresentaremos alguns exemplos extraídos do livro "Terapia Centrada no Cliente" 39. A partir de frases comunicadas pelo cliente, mostraremos duas maneiras possíveis de tentar compreendêlo: adotando um referencial externo a ele (o referencial do terapeuta) ou adotando o referencial do próprio cliente. C: "Achei que teria alguma coisa para falar... mas de repente tudo parece andar em círculos. Fiquei tentando imaginar o que iria dizer. Mas quando cheguei aqui isso não funci onou... Sabe, antes de eu vir parecia que ia ser bem mais fácil...
° Adotan do um referencial externo ao cliente : Talvez eu devesse ajudá-lo a começar a falar. o Adota ndo o referencial interno do cliente : É realmente difícil para você começar... C: Sabe, não consigo tomar uma decLão. Não sei o que quero. Tentei raciocinar logicamente sobre isso... tentei descobrir que coisas são importantes para mim.
° Adota ndo um referencial externo ao cliente Por que essa indecisão? Qual poderia ser a causa? ° Adota ndo o referencial interno do cliente A tomada de decisões parece simplesmente impossível para você. C: Então me vejo com meus pensamentos voltando para a época em que eu era criança, e choro com muita facilidade. A represa fica a ponto de estourar.
° Adota ndo um referencial externo ao cliente : O choro, a "represa " parecem indicar que há muita repressão 38. In Rogers, 1992, pp. 38-39 39. Rogers, 1992, pp.42-44
° Adot ando o referencial interno do cliente : Você se sente transbordando com sentimentos infantis... C: Adoro crianças. Quando eu estava nas Filipinas - sabe, quando eu era mais jovem jurei que jamais me esqueceria de minha infância infeliz - então, quando vi aquelas crian ças nas Filipinas, tratei-as muito bem. Costumava dar sor vetes a elas e levá-las ao cinema. Foi só um período - eu tinha voltado para trás - e isso despertou algumas emo ções em mim que eu acreditava já ter enterrado há muito tempo. (Uma pausa. Ele parece prestes a chorar)
° Adota ndo um referencial externo ao cliente : Em algum momento ele provavelmente precisará mexer com essas experiências infelizes da infância. O que significa esse interesse por crianças? Identificação? Uma vaga homosse xualidade? ° Adot ando o referencial interno do cliente : Ser muito bom para as crianças teve, de alguma forma, um significado para você. Mas foi, e ainda é, uma experiência perturbadora para você. O reconhecimento da importância fundamental desta atitude de adotar o referencial interno do cliente levou Rogers e seus colaborado res a modificarem, no final dos anos 40, a maneira com que se refe riam à sua abordagem: o termo não-diretivo, desta forma, acabou sendo substituído gradativamente pela expressão centrado-no-cliente. Entretanto, a utilização da expressão terapia centrada no cli ente foi recebida com bastante crítica pelos expoentes de outras abor dagens porque eles afirmavam que todas as psicoterapias são "centradas no cliente" na medida em que o cliente é sempre o centro do interesse de qualquer terapeuta. Assim, para explicitar o verda deiro sentido da expressão terapia centrada no cliente e diferenciálas das outras abordagens, Raskin afirmou, em 1948: "O ponto de vista não-diretivo neste aspecto é o de que na medida em que outros referenciais que não o do cliente são introduzidas na situação terapêutica, a terapia não é centrada no cliente. O freudiano introduz seu próprio referencial na
hora terapêutica em virtude da sua crença de ele.tem um co nhecimento do inconsciente que é superior ao do seu paciente o qual tem que ser utilizado para poder compreendê-lo. (...) O terapeuta não-diretivo acredita que enquanto o conselheiro estiver envolvido com o seu próprio referencial ele será inca paz de prover uma compreensão plena e profunda das percep ções e sentimentos do cliente". 40
Mas qual a vantagem de adotar o referencial interno do cliente ao invés de adotar o referencial do terapeuta, como sempre foi a atitude tradicional nas outras abordagens psicoterapêuticas? Para que ou por que adotar esta atitude centrada-no-cliente? Rogers e sua equipe descobriram, na prática clínica, que a melhor maneira de compreender um indivíduo é a partir do seu pró prio campo perceptual. A adoção do referencial da estrutura interna do indivíduo permite uma compreensão muito mais profunda e sig nificativa da dinâmica da sua personalidade e do seu comportamento do que aquela que é obtida através de categorias diagnosticas ou con ceitos teóricos externos ao seu campo de experiência. Esta ideia foi posteriormente desenvolvi da e apresentada na teoria da personalida de e do comportam ento publicad a em 1951 na forma de dezen ove proposições, no livro Terapia Centrada no cliente. Neste sentido, a proposição VII diz que: "O melhor ponto de observação para compreender o comportamento é o referencial da estrutura interna do próprio indivíduo ".
Rogers afirma, nesta proposição, que "a única maneira significati va" de se compreender o comportamento de uma pessoa é compreendê-lo da forma como a própria pessoa o percebe: "Quando isto é feito, os vários comportamentos estranhos e sem sentido são vistos como sendo parte de uma atividade significativa e dirigida para uma meta" 4i.
40. Raskin, 1948. 41. Rogers, 1992, p. 562
A partir desta descoberta de que o comportamento do indivíduo só pode ser compreendido de maneira significativa a partir do referencial do próprio indivíduo, Rogers formulou o conceito central da sua teo ria da personalidade e do comportamento, que é o conceito de campo perceptual ou campo da experiência. O campo da experiência é o mundo de experiências do indivíduo, do qual ele é o centro 42 . "O mundo da experiência é, para cada indivíduo, num sentido muito significativo, um mundo particular", é um mundo que "só pode ser conhecido, num sentido completo e autêntico, pelo próprio indiví duo" 43. Entretanto, este mundo particular, que só pode ser conhecido pela própria pessoa, é a realidade para esta pessoa. Ou seja, a reali dade é tudo aquilo que a pessoa percebe - e da maneira como ela percebe - no seu campo de experiência. 44 É por este motivo que o comportamento só pode ser compreendido, de maneira significativa, a partir do referencial da estrutura interna do indivíduo e que a utilização de qualquer referencial externo é completamente ineficaz para compreender as motivações e o sentido da sua conduta. As implicações destas descobertas para a psicoterapia são re volucionárias e radicais. Adotar o referencial interno do cliente ao invés de adotar referenciais externos representa, de fato, uma revolu ção tão profunda na forma de compreender o ser humano quanto a revolução realizada por Copérnico no campo da astronomia. Ainda em 1947, em palestra proferida ao término do seu mandato como presidente da Associação Americana de Psicologia, (posteriormente publicada com o título "Some observation on the Organization of Personality" 45), Rogers apresentou algumas destas revolucionárias implicações tanto para a prática clínica quanto para a pesquisa teórica sobre person alidad e. Rogers afirmou que as histórias de caso, as avaliações psicométricas e os rótulos diagnósticos deveriam ser minimizados e até mesmo descartados da prática clínica e de pesqui sa, já que estes procedimentos são baseados em referenciais exter-
42. Esta ideia está expressa na Proposição I da teoria da personalidade de 1951: "Todo indivíduo existe num mundo de experiências em constante mutação do qual ele é o centro". (Rogers 1992, p. 549) 43. Rogers, 1992, p. 550. 44. Esta ideia está expressa na Proposição II: "O organismo reage ao campo da maneira como este é experimentado e percebido. O campo perceptivo é, para o individuo, a realidade" (Rogers, 1992, pp.550-551) 45. Publicado em The American Psychologist, vol 2(9): 358-368 e traduzido e publicado em português no livro do John Wood (1995), Abordagem Centrada na Pessoa, pp. 39-69
nos, que não expressam a maneira como o indivíduo experencia a si mesmo. As elaboradas histórias de caso, "cheias de informações so bre a pessoa como um objeto ", as avaliações psicométricas e os ró tulos diagnósticos são, na realidade, inúteis e irrelevantes, pois não fornecem uma compreensão do indivíduo a partir do referencial da sua estrutura interna46.
10. As objeções ao diagnóstico psicológico As descobertas revolucionárias de Rogers no campo da psicoterapia - a existência da tendência atualizante e a constatação de que a melhor perspectiva para se compreender o comportamento de um indivíduo é a partir do referencial da sua estrutura interna conduziram-no à conclusão inevitável de que o diagnóstico psicoló gico não somente é desnecessário como é também prejudicial ao desenvolvimento do processo terapêutico 47. A aplicabilidade e a necessidade do psicodiagnóstico está ba seada na pressuposição de que o modelo médico de doença - toda doença possui causas específicas, procedimentos terapêuticos espe cíficos e prognósticos previsíveis - é da mesma forma aplicável e necessário no campo dos t ranstornos de personalidade e de compor tamento48. Entretanto, o paradigma médico não pode ser aplicado à compreensão da personalidade e do comportamento porque, como vimos anteriormente49, o comportamento de um indivíduo é causado pela sua percepção particular da realidade e, portanto, somente o próprio indivíduo é "capaz de conhecer completamente a dinâmica de suas percepções e de seu comportamento" 50. Por este motivo, se gundo Rogers, o verdadeiro diagnosticador, na terapia centrada no cliente, é o próprio cliente. 46. Rogers, 1995, p. 66 47. Ver capítulo 5 de Terapia Centrada no Cliente sobre as objeções de Rogers ao diagnóstico psicológico. 48. Ver capítulo 5 , O cliente não é um paciente. 49. No capítulo 9, A atitude centrada no cliente. 50. Rogers, 1992, p. 255.
10.1. O psicodiagnóstico é desnecessário para o sucesso da psicoterapia O conhecimento intelectual que o terapeuta obtém sobre as causas do comportamento do cliente não tem qualquer utilidade do ponto de vista terapêutico. Como veremos no próximo capítulo (a teoria do auto-conceito), a mudança terapêutica somente ocorre a partir da experiência que o cliente tem da inadequação de seus ve lhos modos de percepção e não do conhecimento intelectual sobre essa inadequação. Neste sentido, diz Rogers: "Para que o comportamento mude, é necessário que seja ex perimentada uma mudança na percepção. O conhecimento in telectual não pode ser um substituto para essa experiência. " 5I
O psicodiagnóstico fornece ao terapeuta um conhecimento intelectu al obtido a partir de um referencial externo ao cliente. Consequente mente, é um tipo de conhecimento que não contribui para a mudança terapêutica, pois o processo de reorganização do eu que ocorre na psicoterapia é um processo que reside essencialmente na experiên cia do cliente e, portanto, não pode vir de fora dele. O conhecimento intelectual obtido pelo terapeuta a partir do diagnóstico não ajuda o cliente a perceber a inadequação de suas percepções nem tampouco o ajuda a experimentar novas percepções, mais exatas e adequadas. Se o terapeuta comunica ao cliente um conhecimento intelectual sobre as causas do seu comportamento ou se lhe dirige a atenção para as áreas que ele diagnosticou como problemáticas, o cliente será incapaz de fazer um uso terapêutico dessas informações. Ao contrário, tenderá a resistir ou a se defender, pois este conhecimento pode ser percebido como uma ameaça52. O cliente só conseguirá explorar as áreas de conflito de sua experiência quando se sentir capaz de suportar essa experiência. É inútil tentar apressá-lo, explicando-lhe as causas do seu comportamento, pois o conhecimento que vem de fora (do terapeuta) não substitui o conhecimento que se origina da própria experiência do cliente, pois é somente este conhecimento que gera a mudança terapêutica. 51. Rogers, 1992, p. 255 52. Sobre o conceito de "ameaça" e "defesa", ver capítulo 11, a teoria do auto-conceito.
O psicodiagnóstico também tem sido utilizado para definir o tipo de psicoterapia a ser indicada para o "paciente". Esta utilização do psicodiagnóstico parte da pressuposição de que "existem terapias específicas para transtornos mentais específicos" 57,. Mas a terapia centrada no cliente, ao contrário das outras abordagens, utiliza um único tipo de tratamento para todos os casos 54. Portanto, o psicodiag nóstico, também por esta perspectiva, continua sendo totalmente irrelevante para o sucesso da terapia centrada no cliente.
10.2. O psicodiagnóstico é prejudicial para o indivíduo O psicodiagnóstico é uma avaliação feita a partir de um referencial externo ao indivíduo. Portanto, ao realizar um psicodiag nóstico, o terapeuta está assumindo o locus da avaliação na relação com o cliente. Esta avaliação implica também, inevitavelmente, num julgamento por parte do terapeuta. As atitudes, comportamentos e sentimentos do indivíduo são julgados, através do psicodiagnóstico, como adequados ou inadequados, saudáveis ou patológicos, madu ros ou imaturos e etc. Além disso, ao fazer u. I diagnóstico o terapeuta também está assumindo a responsabilidade pela compreensão do cliente. Ou seja, o diagnóstico psicológico coloca claramente o locus da avaliação, do julgam ento e da responsabilidade pela compreensão do cliente nas mãos do terapeuta, e isto acarreta graves prejuízos ao desenvolvimento do processo terapêutico. No capítulo 5 do livro Terapia Centrada no Cliente, Rogers descreve algumas das conse quências prejudiciais do diagnóstico psicológico para o processo terapêutico55: ° O psicodiagnóstico gera no cliente a desestimulante constatação de que ele "não é capaz de conhecer a si mes mo", acarretando uma perda da sua confiança básica.
° A colocação do locus do julgamento nas mãos do terapeuta acarreta um certo grau de perda de identidade à medida em que o cliente passa a acreditar que só o terapeuta "pode avaliá-lo com exatidão e que, portanto, a medida de seu valor pessoal encontra-se nas mãos de uma outra pessoa. Quanto mais assume essa atitude, mais distante parece es tar de qualquer resultado terapêutico sólido, de qualquer crescimento psicológico real." ° A colocação do locus da responsabilidade pela compreen são do cliente nas mãos do terapeuta reforça as tendências dependentes que possam existir no cliente. "Quando o cli ente sente que o locus de julgamento e responsabilidade está claramente nas mãos do terapeuta, ele se encontra mais dis tante do progresso terapêutico do que quando começou. " Além das consequências prejudiciais do ponto de vista do progresso terapêutico, o psicodiagnóstico também possui consequências noci vas num sentido social mais amplo. Rogers considera que a coloca ção do locus da avaliação do indivíduo nas mãos do especialista acarreta uma situação social em que poucos passam a ter o controle sobre muitos: "Não se pode assumir a responsabilidade de avaliar as capa cidades, os motivos, os conflitos, as necessidades de uma pes soa, o ajustamento que ele é capaz de alcançar, o grau de reorganização que deve enfrentar, os conflitos que deve resol ver, o grau de dependência que deve desenvolver em relação ao terapeuta, e as metas da terapia, sem que um grau signifi cativo de controle sobre o indivíduo seja inevitável. A exten são desse procedimento a um número cada vez maior de pes soas (...) significa um controle sutil de pessoas, seus valores e metas por um grupo que se elegeu para exercer esse controle. O fato de se tratar de um controle sutil e bem-intencionado apenas dificulta que as pessoas percebam o que estão acei tando... " 56
53. Bozarth considera esta pressuposiç ão como uma falácia e a denomina de " o mito da especificid ade". Ver o capítulo 19 do livro de Bozarth (1998), Person-Centered Therapy: a revolutionary paradigm. 54. Shlien, 1989. 55. Rogers, 1992, p. 257
56. Rogers, 1992, p.258
11. A teoria do auto-conceito Desde a publicação de Counseling and Psychotherapy, em 1942, as formulações teóricas da terapia centrada no cliente foram continuamente aprofundadas e pesquisadas até serem finalmente ar ticuladas, em 1951, numa estrutura teórica consistente publicada na forma de 'dezenove proposições' no livro Terapia Centrada no Cli ente. Os conceitos e princípios teóricos desenvolvidos por Rogers e seus colaboradores surgiram diretamente da experiência clínica e de pesquisa vivenciada nas salas de atendimento do Counseling Center da Universidade de Chicago. No prefácio do livro Terapia Centrada no Cliente, Rogers explicita esta relação existente entre a prática da terapia e a sua teoria afirmando que a frágil flor da teoria deve sem pre brotar do sólido terreno da experiência e que reverter esta ordem natural seria uma atitude insensata51
O auto-conceito O conceito de eu surgiu na teoria da terapia centrada no clien te pelo fato dos clientes, durante a terapia, frequentemente se referi rem ao seu eu e focalizarem seus problemas e progressos em termos do seu "eu real". Era bastante comum o cliente dizer que não estava sendo seu verdadeiro eu ou que nem sequer sabia qual era de fato seu verdadeiro eu e, quando sentia que estava progredindo, dizia que estava se tornando mais verdadeiramente ele mesmo. Rogers observou que algumas expressões eram usadas com bastante frequên cia pelos seus clientes, como, por exemplo: "Sinto que não estou sendo meu eu real" "Foi bom abandonar-me a mim mesmo e ser somente e u, aqui"
Rogers se perguntava qual o significado destas experiências, tão co muns ao longo do processo terapêutico. O que significaria, para um indivíduo, ser o seu verdadeiro eul O que seria um eu não-real, um eu não-verdadeirol
Para compreender este fenómeno, Rogers considerou que uma dimensão do campo total da experiência do indivíduo se diferencia ria e se estruturaria como um padrão organizado de percepções do eu e do eu-em-relacionamento com os outros e com o ambiente. Este padrão organizado de percepções do eu recebeu o nome, na teoria da personalidade de Rogers, de autoconceito58. Assim, o autoconceito de um indivíduo seria composto dos seguintes elementos: ° ° ° °
suas percepções das próprias características e habilidades; percepções e conceitos em relação aos outros e ao ambiente; qualidades de valor que são percebidas nas experiências; metas e ideais que são percebidos como tendo valor positivo ou negativo.
O indivíduo sempre procura agir de uma maneira coerente com as suas percepções e valores. Dessa forma, o auto-conceito constitui um quadro de referência para as suas escolhas, atitudes e comporta mentos. Consequentemente, para se obter uma mudança no compor tamento e na personalidade, que é o objetivo de toda psicoterapia, é necessário que ocorra, primeiramente, uma mudança no auto-con ceito. Segundo Rogers, as modificações no comportamento ocorrem "automaticamente e sem esforço consciente tão logo a reorganiza ção perceptual ocorra" 59. Ou seja, à medida que o auto-conceito muda, o comportamento também muda a fim de tornar-se coerente com esta nova organização do campo perceptual. Mas como o auto-conceito pode ser alterado? Para responder a esta pergunta é necessário compreender, primeiramente, de que maneira ele é construído: O auto-conceito começa a ser formado desde as primeiras ex periências do bebé, à medida em que vai interagindo com outros seres humanos. Uma das experiências mais importantes para a criança é a de ser aceita e amada. À medida em que vai se relacionando com as pessoas que lhe são significativas - geralmente, os pais - a criança vai estruturando a sua percepção de si mesma e do mundo a fim de 58. A noção de auto-conceit o (self-concept) foi formulada inicialmente por Raimy, aluno de Rogers, em 1943, na sua dissertação na Universidade de Ohio entitulada 'The Self-Concept as a Factor in Counseling and Personality Organization".
57. Rogers, 1992, p.24
59. Rogers, 1995b, p. 52
conseguir a satisfação dessa necessidade básica de se sentir aceita e amada. Assim, o seu auto-conceito vai sendo formado de acordo com as condições com que o amor e a aceitação lhe são oferecidos. As "condições" aqui têm o sentido de "o que é necessário ser para receber amor e aceitação " e que a criança percebe como "eu somente sou amada e aceita SE...". Por exemplo, a criança que sente ciúmes do seu irmãozinho mais novo pode experimentar grande satisfação no comportamento de agredi-lo. No entanto, ela pode também ter a experiência de ameaça da perda do amor dos pais quando eles lhe comunicam, seja em palavras ou em atitudes não-verbais, que este comportamento é mau e que ela não é amada quando se comporta dessa maneira. Para se defender desta ameaça, para satisfazer a sua necessidade primordial de se sentir aceita e amada, a criança poderia negar ou distorcer a simbolização da sua experiência original de satisfação ao agredir o seu irmão. A negação ocorreria se ela simbolizasse que não experimenta nenhuma satisfação em agredir o seu irmão. A distorção da experiência aconteceria se ela simbolizasse que considera este comportamento mau quando a sua verdadeira experiência fora que os seus pais consideram este comportamento mau. Através da negação e da distorção da experiência, portanto, a criança vai incorporando ao seu auto-conceito percepções e valores que não estão de acordo com a sua experiência sensorial e visceral, introjetando as atitudes dos pais como se fossem realmente suas, e não como atitudes oriundas de outras pessoas. Fazendo isso, consegue, ou pelo menos tenta conseguir, a satisfação da sua necessidade mais importante: se sentir aceita e amada. Dessa forma, devido às condições nas quais o amor e a aceitação são oferecidos à criança, vários elementos do seu auto-conceito podem se tornar incongruentes com a sua experiência direta, organísmica. Neste exemplo, a criança incorporaria ao seu auto-conceito apenas a percepção de que gosta do seu irmãozinho quando a sua experiência primária apresentara um espectro muito mais amplo, que ia desde "eu gosto do meu irmãozinho" até "eu o odeio!". Rogers analisa este processo através do qual o auto-conceito se torna incongruente com a experiência real do indivíduo na propo sição X de sua teoria da personalidade: "Assim, os valores que a criança liga à experiência dissociamse de seu próprio funcionamento organísmico, e a experiência
é avaliada em termos das atitudes de seus pais, ou de outras pessoas que estejam intimamente associadas a ela. Esses va lores passam a ser aceitos como tão 'reais' quanto os valores conectados a experiências diretas (,„) É neste ponto que o indivíduo entra no caminho que, mais tarde, descreverá como 'eu, na verdade, não me conheço direito'. As reações sensori ais e viscerais primárias são ignoradas, ou não têm permis são para vir à consciência, exceto em forma distorcida. Os valores que poderiam ser desenvolvidos a partir delas não podem ser admitidos à consciência. Um auto-conceito basea do, em parte, numa simbolização distorcida tomou o lugar deles..." 6 "
Um outro exemplo, retirado da experiência clínica de Rogers, é o caso da sita. Har 61. No início do processo terapêutico, ela afirmava: "Eu sinto apenas ódio pelo meu pai e estou moralmente certa ao sentir isso". Seu pai havia abandonado a sua mãe quando a srta. Har era criança e ela introjetou o ódio pelo seu pai e o valor a ele associa do {"estou moralmente certa ao sentir isso "), originados da experi ência de sua mãe, como se fossem baseados na sua própria experiên cia. Entretanto, ao final da terapia, ela pôde perceber e reconhecer que a sua mãe odiava seu pai e esperava que ela sentisse o mesmo e que ela não gostava de seu pai em alguns aspectos mas também gos tava dele em outros aspectos e que essas duas experiências eram uma parte aceitável dela mesma. Assim, para satisfazer a sua necessidade primária de se sentir amado e aceito o indivíduo acaba incorporando ao seu auto-conceito percepções, atitudes, crenças e valores que estão em desacordo com a sua experiência sensorial direta. Se as novas experiências que vão ocorrendo na vida do indivíduo forem coerentes com este auto-con ceito, serão percebidas e simbolizadas, mas se forem contraditórias, serão percebidas como ameaças ao eu e, dessa forma, terão seu aces so negado à consciência ou serão simbolizadas de uma maneira distor cida. O indivíduo seleciona, entre suas muitas experiências sensori ais, aquelas que se encaixam em seu auto-conceito e só reconhece e 60. Rogers, 1992, p.569 61. Citado no capítulo 3 do livro Terapia Centrada no Cliente.
simboliza estas experiências. Ou seja, a negação e a distorção são as defesas utilizadas pelo indivíduo para preservar o seu eu da ameaça representada pela experiência da incongruência. Mas como uma pessoa pode reconhecer uma experiência como ameaçadora sem ainda ter tido consciência dela? Rogers e seus cola boradores ficaram intrigados com esta questão, que parecia envolver um processo de 'conhecer sem conhecer' ou de 'perceber sem per ceber'. Após realizarem algumas pesquisas sobre a relação entre percepção e consciência, eles puderam concluir que, de fato, um in divíduo é capaz de discriminar um estímulo como ameaçador e rea gir a ele mesmo sem ter reconhecido conscientemente o estímulo a que está reagindo62. Neste sentido, McCleary e Lazarus63 deram uma contribuição fundamental à teoria ao criarem o conceito de "subcepção" para se referir a este processo de "pré-percepção" no qual o indivíduo reage a um estímulo antes que este seja reconhecido na consciência. A subcepção é, assim, uma reação organísmica fisiológica avaliatória e discriminatória à experiência, que pode preceder a percepção cons ciente dessa experiência. O processo da subcepção explica, portan to, como um indivíduo pode negar experiências à consciência sem jamais ter estado consciente delas64. É importante salientar que as experiências que são negadas à consciência ou distorcidas na sua simbolização são aquelas incoe rentes com o auto-conceito, e que estas não são necessariamente experiências negativas ou depreciativas para o individuo. Assim, até mesmo as experiências valorizadoras e positivas podem ser excluí das do campo perceptual do indivíduo, se forem contraditórias com o seu auto-conceito. Entretanto, esta incongruência ou discrepância entre aquilo que o indivíduo experencia em nível sensorial e visceral e aquilo que ele simboliza na sua consciência gera uma tensão psicológica que pode ser experimentada como:
° angústia ou ansiedade; ° sentimento de insegurança; ° sentimento de não estar integrado (ou sentimento de dissociação); ° ausência de controle sobre o próprio comportamento. A falta de controle consciente sobre o comportamento ocorre porque o organismo da pessoa reage às experiências e luta para satisfazer as suas necessidades mesmo que elas não tenham sido admitidas na consciência. Neste caso, o indivíduo faz afirmações como 65: o "Não sei por que faço isso. Eu não quero fazer, no entanto eu faço" o "Eu simplesmente não sou eu mesmo quando faço essas coisas "
o "Eu não sabia o que estava fazendo " ° "Não tenho controle sobre essas reações"
A incongruência entre o auto-conceito e a experiência organísmica (a experiência sensorial e visceral) também pode ser experimentada pelo indivíduo como um sentimento de não ter um eu ou de que o seu eu consiste apenas em procurar fazer o que os outros acreditam que ele deve fazer. Isto ocorre quando o indivíduo constrói o seu auto-conceito quase que inteiramente a partir das avaliações de ex periência emprestadas de outras pessoas, com um mínimo de apreci ação organísmica direta.
O processo terapêutico: Como vimos nos capítulos 3 e 4 06, a relação terapêutica centrada no cliente caracteriza-se pela total liberdade oferecida ao cliente para explorar o mundo da sua experiência no ritmo e na direção que esco lher e na total aceitação do terapeuta em relação a tudo o que é ex-
62. Rogers, 1992, p. 575. 63. McCleary, R. & Lazarus, R. (1949). Autonomic discrimination without awareness. Journal of Personality Change, 18, 171-179. Este estudo foi citado nas capítulo 11 do livro Terapia Centrada no Cliente. 64. Rogers, 1992, p. 576
65. Rogers, 1992, p. 579. 66. "Uma relação essencialmente não-diretiva" e "A aceitação como a essência do processo terapêutico"
presso pelo cliente. Como consequência desta atitude do terapeuta de aceitação e acolhimento e diante da total liberdade de expressão, o cliente sente o seu eu livre de ameaças, sendo capaz, portanto, de considerar as percepções até então rejeitadas (por serem incoerentes com o seu auto-conceito) e modificar o seu auto-conceito a fim de incluir e integrar estas percepções. Rogers descreve este processo da seguinte maneira: "Aos poucos, o cliente experimenta uma sensação decidida mente nova de estar livre de ameaças. É a percepção de que cada aspecto que ele expõe do seu eu é igualmente aceito, igualmente valorizado. A afirmação quase beligerante de suas virtudes é tão aceita, porém não mais, quanto o desestimulante quadro de suas qualidades negativas. Sua certeza sobre al guns aspectos de si mesmo é aceita e valorizada, da mesma forma que sua incertezas, suas dúvidas, sua vaga percepção de contradições internas. Nessa atmosfera de segurança, proteção e aceitação os limites rígidos do autoconceito relaxam. (...) O cliente começa a explorar seu campo perceptivo cada vez mais completamente. (...) Descobre experiências das quais nunca fora consciente, experiências que contradizem profun damente a percepção que tem de si mesmo - e isto é de fato ameaçador. Ele se recolhe temporariamente para a confortá vel gestalt anterior, mas depois, lenta e cautelosamente, sai do refúgio e assimila a experiência contraditória num padrão novo e revisado. " A7
Rogers 68 apresenta um exemplo de uma cliente que odiava a sua mãe e que tinha a justificat iva para esse ódio rigidame nte estruturada no seu auto-conceito. Ao longo do processo terapêutico, contudo, ela pôde reconhecer a existência de outros sentimentos e comport amen tos além do ódio - "Insisto em limpar minha casa quando ela vem me visitar, como se quisesse mostrar a ela como sou boa, como se tentasse obter as graças dela" -, conseg uindo, a seguir, admitir certas experiências diretamente contraditórias com o seu auto-con ceito - "Sinto um carinho real por ela, uma espécie saudável de 67. Rogers, 1992, p.222 68. Este exemplo encontra-se no livro Terapia Centrada no Cliente, à página 588 da edição de 1992.
afeição" - que conduziram, finalmente, a uma modificação e ampli ação do seu auto-conceito: - "Eu me dou bem com ela. É uma coisa incrível a maneira como tirei a mamãe de meu sistema. Posso recebêla ou despedir-me dela sem tanta tensão".
A experiência que o cliente tem de ser aceito exatamente como ele é, e de que cada novo aspecto do seu ser que é descoberto e reve lado na terapia é igualmente aceito pelo terapeuta, leva ao reconheci mento de experiências profundamente negadas ou distorcidas por serem ameaçador as ao eu. Quando estas experiências se tornam cons cientes, o cliente, então, modifica o seu auto-conceito a fim de poder inclui-las como partes de um todo coerente. O processo terapêutico é, portanto, essencialmente, um processo de desorganização e reor ganização do eu, assim descrito por Rogers: "À medida que o processo avança, uma configuração nova ou revisada do eu está sendo construída, contendo percepções anteriormente negadas; envolvendo uma simbolização mais exata de uma gama muito mais ampla de experiências senso riais e viscerais; envolvendo uma reorganização de valores em que a experiência pessoal do organismo é claramente re conhecida como a fonte que proporciona as evidências para as valorações. Lentamente, começa a emergir um novo eu, muito mais próximo do verdadeiro, porque se baseia muito mais na experiência global do cliente, percebida sem distorção. " 69
O novo eu que surge a partir da desorganização do antigo auto-con ceito é muito mais congruente com a totalidade da experiência. Con sequentemente, as experiências tornam-se menos ameaçadoras e o indivíduo, sem precisar mais de tantas defesas, torna-se mais aberto à sua experiência direta, sensorial e visceral. Nesse novo eu há, por tanto, muito menos ansiedade e mais segurança. Rogers salienta que é devido à presença da tendência atualizante que o indivíduo em terapia, ao invés de seguir para uma desintegração, move-se na dire ção de uma reorganização promotora do crescimento e de uma reali zação mais completa das suas potencialidades. 69. Rogers, 1992, p.222
Como vimos anteriormente, o comportamento de um indiví duo se mantém sempre coerente com o auto-conceito 70. Assim, quan do o cliente, ao longo do processo terapêutico, modifica o seu autoconceito, o seu comportamento se modifica espontaneamente, acom panhando as mudanças no auto-conceito. Por este motivo, as mudan ças de comportamento são mais fáceis e menos dolorosas que as mudanças no auto-conceito.
O aprimoramento das relações interpessoais Uma aluna de Rogers, Elizabeth Sheerer, em sua tese de dou torado defendida na Universidade de Chicago em 1949 71, compro vou cientificamente um fato que já havia sido largamente constatado por Rogers e sua equipe na prática clínica: que um indivíduo, ao aceitar a si próprio, aprimora suas relações interpessoais com os outros. Rogers considerou este fato como uma das mais surpreen dentes descobertas da terapia centrada no cliente, formulando-a na proposição XVIII da sua teoria da personalidade: "Quando o indivíduo percebe e aceita, num único sistema coe rente e integrado, todas as suas experiências sensoriais e viscerais, ele adquire necessariamente uma compreensão e uma aceitação maior dos outros como indivíduos diferenciados ".
Quanto menos atitudes defensivas a pessoa utiliza para preservar o seu auto-conceito, mais realista ela se torna não somente em relação a si mesma como também em relação aos outros. A pessoa que vive de maneira integrada, congruente com a sua experiência sensorial e visceral, consegue perceber o outro como ele realmente é, com todas as suas diferenças, sem que estas diferenças sejam percebidas como ameaças. Desta forma, a auto-aceitação acaba promovendo também 70. Pag. 30: "O indivíduo sempre procura agir de uma maneira coerente com as suas percepções e valores. (...) à medida que o auto-conceiío muda, o comportamento também muda a fim de tornar-se coerente com esta nova organização do campo perceptual". 71. "An analysis of the relationship between acceptance of and respect for self and acceptance of and respect for others in seven couseling cases"
uma maior aceitação do outro. No exemplo anterior, da mulher que odiava a sua mãe, vimos que quando ela conseguiu aceitar todos os seus sentimentos de afeto e de ódio, ela pôde perceber a mãe de uma maneira muito mais realista, compreendendo-a e aceitando-a pelo que de fato era, e construindo com ela um relacionamento real, ao invés de defensivo. Outra cliente de Rogers expressou esta experiência de aprimo ramento das suas relações interpessoais com as seguintes palavras: "Eu sou eu mesma e sou diferente dos outros. Estou me sen tindo mais feliz em ser eu mesma e percebo que, cada vez mais, estou deixando que as outras pessoas assumam a responsabi lidade por serem elas mesmas "7 2
12. A mudança terapêutica A teoria do auto-conceito, publicada em 1951 no livro Terapia Centrada no Cliente, já esboçara algumas considerações a respeito dos resultados de uma terapia bem-sucedida. Como vimos no capítulo anterior, o processo terapêutico conduziria o indivíduo a uma reorganização do seu auto-conceito promovendo uma maior integração entre o eu e a experiência organísmica. Como consequên cia desta reorganização do campo perceptual, o cliente viveria com menor tensão psicológica ou ansiedade, aprimoraria seus relaciona mentos interpessoais e desenvolveria seu próprio sistema de valores, baseado diretamente na sua experiência. Após a publicação de Tera pia Centrada no Cliente, Rogers prosseguiu suas investigações a res peito da natureza da mudança terapêutica e das suas condições facilita doras e, em 1952, escreveu um artigo entitulado "A pessoa em funci onamento pleno" onde procurou responder precisamente a esta ques tão: "Se fossemos tão bem sucedidos como terapeutas, que espécie de pessoa teria se desenvolvido em nossa terapia ? Qual o hipotético ponto final, o ponto máximo do processo terapêutico?". Entretanto,
72. In Rogers, 1992, p. 591
o artigo foi rejeitado para publicação pois o editor o considerou "sub jeti vo " demais, send o q ue some nte dez anos mais tarde Rog ers con seguiu publicá-lo 73 . Posteriormente, Rogers escreveu pelo menos mais três artigos sobre o tema: "A Psicoterapia considerada como um Processo" 1*, em 1957, "A Equação do Processo da Psicoterapia" 15 , em 1961 e "Towardbecomingafullyfunctioningperson" 16 ,em 1962. Como avaliar os resultados de uma terapia bem-sucedida? Que critérios, que parâmetros utilizar na avaliação da mudança terapêuti ca? Na época em que Rogers escreveu seu primeiro artigo a respeito deste tema, existiam apenas duas maneiras de se avaliar o sucesso de um processo terapêutico. Ou considerava-se que a terapia deveria promover um melhor ajustamento do indivíduo à sociedade ou, en tão, utilizavam-se critérios psicodiagnósticos e as decorrentes no ções de "patologia" e "normalidade". Rogers, entretanto, questionou a validade destes conceitos de "saúde mental": "Penso na noção, comumente aceita, de que a pessoa que com pletou a psicoterapia estará ajustada à sociedade. Mas a qual sociedade ? Qualquer sociedade, não importam suas caracte rísticas? Não posso aceitar isso. Penso no conceito, implícito em muitos escritos psicológicos, de cue a psicoterapia bem sucedida significa que uma pessoa passou de uma categoria diagnostica considerada patológica para outra considerada normal. Contudo, estão se acumulando evidências de que existe escasso acordo quanto às categorias diagnosticas, o que as torna praticamente sem sentido enquanto conceitos científi cos. E mesmo se uma pessoa se torna "normal", este será um resultado adequado da terapia ? E mais, nos últimos anos te nho conjeturado se o termo psicopatologia não pode simples-
mente ser uma palavra-baú que se presta a acolher todos aque les aspectos da personalidade que os diagnosticadores como um todo temem em si mesmos. Por essas e outras razões, a mudança no diagnóstico não é uma descrição de resultado psicoterapêutico que me satisfaça. "7 7
Assim, insatisfeito com estes critérios, Rogers procurou uma outra forma de avaliar a mudança terapêutica. A partir de sua própria ex periência clínica e das pesquisas realizadas por sua equipe na Uni versidade de Chicago, ele descobriu três características básicas na pessoa que emerge de um a terapia centrada no cliente bem-sucedida. Para descrever, então, o resultado da mudança terapêutica, Rogers apresentou estas características no seu limite máximo, isto é, partin do de uma condição hipotética na qual a terapia centrada no cliente tivesse atingido o seu nível ótimo ou ideal e denominou a pessoa com estas características de uma pessoa em funcionamento pleno:
Crescente abertura à experiência Após uma terapia centrada no cliente bem-sucedida, a pessoa se tornaria aberta à experiê ncia, a todos os estímul os externos e internos, sem necessidade de ser defensiva. Ela viveria plenamente a experiência de seu organismo total. Não haveria barreiras, não have ria inibições que pudessem evitar o pleno experienciar do que quer que estivesse organismicamente presente. A pessoa conseguiria vivenciar totalmente os seus sentimentos, no momento mesmo em que ocorressem, sem precisar distorcê-los. Tal pessoa também esta ria sensivelmente aberta aos outros indivíduos com quem estivesse se relacionando.
73. Foi publicado com o título "The Concept of the Fully Functioning Person." Em Psychotherapy: Theory, Research and Practice, vol. 1: 17-26, 1963. Em português, foi publicado no livro de John Wood: Abordagem Centrada na Pessoa, 1995, p. 71-95 74. "A Process Conception of Psychotherapy", artigo apresentado em 1957 na Convenção Americana de Psicologia e publicado em 1958 na American Psychologist, 13, pp. 142-149. Em Português foi publicado no livro Tornar-se Pessoa, capítulo 7. 75. "The Process Equation of Psychotherapy' publicado no American Journal of Psychotherapy, vol. 15(1): 2745, 1961. Em Português foi publicado no livro de John Wood, Abordagem Centrada na Pessoa, 1995, pp. 97-123. 76. Publicado em Perceiving, Behaving and Becoming: A New Focus for Education, pp. 21-33.
77. Rogers, 1995c, p. 73
Tornando-se um processo
,
Para esta pessoa totalmente aberta à experiência, completa mente sem defesas, cada momento seria novo. Ao invés de distorcer a experiência a fim de encaixá-la numa estrutura de eu ou de perso nalidade já pronta, fixa e imutável, ela constituiria o seu eu e a sua personalidade dinamicamente a partir da experiência. Assim, a pes soa viveria no momento presente, sem rigidez. Ela estaria sempre mudando, em processo, flexível e adaptativa. A vida para ela seria fluida, não fixa.
Crescente confiança no próprio organismo Essa pessoa confiaria no seu próprio organismo para chegar ao comportamento mais adequado em cada situação existencial. Pelo fato de estar aberta à experiência, todos os dados relevantes que ela precisasse para orientar adequadamente o seu comportamento estari am disponíveis à sua consciência. Assim, s-us sentimentos e suas reações organísmic as seriam guias competentes e confiáveis para o seu comportamento. Segundo Rogers, esta pessoa passaria a "viver sua experiência, confiar nela, e usá-la como referência para guiá-lo em seu confronto com a vida ". Ela agiria de acordo com o seu locus interno de avaliação, isto é, seu comportamento seria baseado em sua própria experiência e não mais nas atitudes ou nos desejos de outros. "....Há uma mudança no processo de valoração durante a te rapia, e uma característica dessa mudança é que o indivíduo move-se de um estado em que seus pensamentos, sentimentos e comportamento são governados pelos julgamentos e expec tativas dos outros em direção a um estado no qual baseia seus valores e padrões em sua própria experiência. " 7S 78. Rogers, 1992, p. 183
A fim de integrar estas três características, compo ndo um todo uni ficado, Rogers fez a seguinte descrição da pessoa em funcionamento pleno: "Tal pessoa é um ser humano em fluxo, em processo, em vez de ter alcançado algum estado. ..Tal pessoa experencia o pre sente com imediação. Ela é capaz de viver nos seus sentimen tos e reações do momento. Ela não está presa às estruturas das aprendizagens passadas, mas estas são recursos presen tes para ela na medida em que estejam relacionados à experi ência do momento. Ela vive livremente, subjetivamente, num confronto existencial deste momento na vida... Tal pessoa é uma pessoa criativa. Com sua sensível abertura ao seu mun do e sua confiança na sua própria habilidade para formar novos relacionamentos com seu meio, ela é o tipo de pessoa do qual produtos criativos e vida criativa emerge. Por fim, tal pessoa vive uma vida que envolve uma extensão mais ampla, uma maior riqueza do que a vida constrita na qual a maioria de nós nos encontramos. Parece-me que o cliente que se mo veu significativamente em terapia vive mais intimamente com seus sentimentos de dor, mas também mais vividamente com seus sentimentos de êxtase. Que a raiva é mais claramente sentida, mas também é o amor. Que o medo é uma experiência que eles conhecem mais profundamente, mas a coragem tam bém é. E que a razão pela qual eles podem assim viver plena mente numa extensão mais ampla é que eles têm esta confian ça básica neles mesmos como instrumentos confiáveis para ir ao encontro da vida. " 79
Em suma, a pessoa em funcionamento pleno estaria completamente engajada no processo de ser e tornar-se ela mesma. E sendo ela mes ma, ela descobriria que é uma pessoal socialmente orientada, sensí vel ao seu meio e criativa. Este tipo de pessoa, segundo Rogers, não estaria necessariamente "ajustada" à sua cultura e com certeza não seria uma pessoa conformista.
79. Roges, 1962, p.33
13. As atitudes facilitadoras da mudança terapêutica A teoria da terapia centrada no cliente continuou sendo aper feiçoada por Rogers e sua equipe de pesquisadores mesmo após a publicação das dezenove proposições, pois os avanços na experiên cia clínica e nas pesquisas científicas permitiram o surgimento de novas e mais complexas formulações de antigos conceitos da teoria. A aceitação, um dos conceitos essenciais da abordagem centrada no cliente, foi substituída, a partir da sugestão de Standal, um aluno de Rogers, pelo conceito mais complexo de consideração positiva. A noção de que o terapeuta deve adotar o referencial interno do cliente foi aperfeiçoada no conceito de compreensão empática, e a genuinidade do terapeuta passou a ser melhor compreendida através da utilização do conceito de congruência. Em 1957, com a publicação do artigo "As condições necessá rias e suficientes para a mudança terapêutica da pe rsonalidade"* 0 , a consideração positiva incondicional, a compreensão empática e a congruência passaram a ser denominadas de "atitudes facilitadoras" e acabaram se tornando os conceitos mais conhecidos e divulgados da teoria de Rogers no mundo todo.
13.1. Consideraç ão positiva incondicional: Como vimos no capítulo 4, a aceitação por parte do terapeuta de cada aspecto da experiência do cliente, seja positivo ou negativo, se constituiu como um dos elementos essenciais da terapia centrada no cliente desde a sua primeira formulação, ainda em 1942. Contu do, a partir de um aprofundamento da teoria do auto-conceito, um aluno de Rogers chamado Stanley Standal, propôs em 1954, em sua tese de doutorado 81, a substituição da noção de "aceitação" para a 80. The Necessary and Sufficient Conditions of Therapeutic Personality Change. Journal of Consulting Psychology, 21, 95-1 03. Este artigo encontra-se publicado em português no livro de John Wood, Abordagem Centrada na Pessoa. 81. "The need for positive regard: a contribution to client-centered theory"
noção mais complexa de "consideração positiva" (positive regard). De acordo com a teoria do auto-conceito, o desajustamento psicológico existe quando o indivíduo tem que negar ou distorcer certas experiências porque elas são inconsistentes com seu auto-con ceito. Mas o auto-conceito em relação ao qual estas experiências estão em conflito está baseado em valores que foram tomados das pessoas significativas para o indivíduo quando ele era criança. É a perda, ou a ameaça da perda, do amor (ou "aceitação") dessas pessoas que conduziu a criança a introjetar estes valores e agir de acordo com eles como se fossem seus próprios. Assim, a causa do desajustamento psicológico está na falta de aceitação da criança pelas pessoas que lhe são significativas. Na medida em que a falta de aceitação é o fator crucial na causa do desajustamento psicológico, Standal pro pôs que a restauração da aceitação fosse considerada como o fator crucial na causa do reajustamento psicológico. Dessa forma, Standal enfatizou que a função primária do terapeuta é a de comunicar acei tação e não a de facilitar a simbolização acurada, pois é a percepção do cliente dessa aceitação que é crucial para a mudança terapêutica. Standal propôs, então, que esta necessidade de aceitação fosse concebida como uma necessidade de "consideração positiva". Com o surgimento da consciência do eu, desenvolve-se no indivíduo uma necessidade de que as suas experiências relativas a si mesmo afetem o campo experencial dos outros de uma maneira positiva. Esta ne cessidade é a necessidade de consideração positiva. Esta considera ção positiva envolveria, dessa forma, os sentimentos e atitudes de calor, acolhida, respeito e aceitação. A consideração positiva é incondicional quando não existem condições para que ocorra a aceitação. Portanto, é o oposto de uma atitude de apreciação seletiva ("eu aceito você apenas se você for dessa ou daquela maneira"). A consideração positiva incondicional é um tipo de atitude em relação a outra pessoa na qual tudo o que esta pessoa exprime sobre si mesma é igualmente aceito com calor, esti ma e respeito. Esta é, precisamente, a atitude do terapeuta centrado no cliente: tudo o que o cliente exprime (verbalmente ou não-verbalmente, direta ou indiretamente) sobre si mesmo, sejam sentimentos negativos, dolorosos, confusos, defensivos ou irracionais, sejam sen timentos positivos, maduros e socializados, tudo é recebido com a mesma aceitação calorosa pelo terapeuta.
13.2. Compreensão empática: A atitude de centrar-se no cliente ou de assumir o referencial interno do cliente, como vimos no capítulo 9, constitui-se num ele mento fundamental da abordagem centrada no cliente desde, pelo menos, 1946. Com o correr dos anos, Rogers foi sentindo necessida de de definir melhor esta atitude, até chegar à formulação do concei to de "compreensão empática". Na definição de Rogers, compreen der empaticamente o cliente significa "sentir o mundo privado do cliente como se ele fosse o seu, mas sem perder a qualidade como se" n. Em 1975, Rogers 83 definiu a compreensão empática também como uma "maneira de ser": "A maneira de ser em relação a outra pessoa denominada • empática tem várias facetas. Significa penetrar no mundo perceptual do outro e sentir-se totalmente à vontade dentro dele. Requer sensibilidade sensibilidade constante para com as mudanças que se verificam nessa pessoa em relação aos significados que ela percebe, ao medo, à raiva, à ternura, à confusão ou ao que quer que que ela esteja vivenciando... Passamos a ser um com panheiro confiante dessa pessoa eia seu mundo interior. ... Estar com o outro dessa maneira significa deixar de lado, neste momento, nossos próprios pontos de visto, e valores, para en trar no mundo do outro sem preconceitos. Num certo sentido, significa pôr de lado nosso próprio eu, o que pode ser feito apenas por uma pessoa que esteja suficientemente segura de que não se perderá no mundo possivelmente estranho ou bi zarro do outro e de que poderá voltar sem dificuldades ao seu próprio mundo quando assim o desejar... a empatia é uma maneira de ser complexa, exigente e intensa, ainda que sutil e
82. Rogers, I995e,p.l67 83. Rogers, CR. (1975). Empathic: an unappreciated way of being. The Counseling Psychologist, 5,2-10. Ksle artigo foi publicado em português no livro A Pessoa como Centro. 84. Rogers, 1977, p. 73.
A atitude empática, dessa forma, se opõe frontalmente à atitude diagnostica ou avaliativa. Para poder perceber o mundo do cliente com empatia, o terapeuta não pode assumir uma postura crítica, pelo contrário, a atitude empática está intrinsecamente relacionada a uma postura de aceitação e não-julgamento. Kinget 85 reconhece que essa postura é muito díficil de ser posta em prática pelos profissionais da psicoterapia, na medida em que toda a sua formação académica enfatiza justamente o oposto, a atitude diagnostica e avaliativa: " Infelizmente, a compreensão empática é muito difícil de ser posta em prática, principalmente no início, pois exige a adoção do ponto de referência de uma outra pessoa - o que é pouco natural. A dificuldade é particularmente grande para o indivíduo deformação académica, principalmente para o pro fissional de psicoterapia, qualquer que seja sua escola, pois sua formação está centrada quase exclusivamente na função de diagnóstico... Por isso é raro que o encontremos apto - e, principalmente desejoso! - de despojar-se de seus conheci mentos e técnicas profissionais, de sua inclinação para exer cer seu julgamento crítico, enfim, de renunciar à satisfação de suas necessidades intelectuais de ordem lógica e de expli cação. " Para ilustrarmos esta diferença entre a compreensão diagnostica e a compreensão empática, apresentaremos um exemplo extraído do li vro Terapia Centrada no Cliente. Trata-se de um trecho da terceir a entrevista feita com um jovem internado numa enfermaria psiquiá trica: "Muitos pensamentos, muitos sentimentos estão ali na minha cabeça. Eu só os coloco... eu só... não sei... eu os sinto ali dentro, eles entopem minha cabeça. (Breve pausa). pausa). Eu me con centro nas coisas da minha cabeça e pensamentos e mente, mas é que eu... é que eu... não sei... o que acontece, acontece diferente, acontece lá dentro, é isso que me trava... me trava depressa. É que eu... fico pensando de verdade se eu poderia
85. Rogers & Kinget, 1977, vol.l, pp. 127-128. 127-128.
voltar para aquela minha enfermaria e realmente viver, real mente ser alguém. alguém. Eu só... Saiu tudo de repente da minha ca beça. Eu imaginava se poderia voltar para para lá e fazer isso, realmente ser alguém lá. (Breve pausa). Fico imaginando, fico pensando nisso, e se um dia eu serei... apenas voltar direto para alguma coisa e fazer algo e ser alguém lá. (Breve pau sa). Provavelmente me ajudaria a continuar sendo diferente, um homem diferente, uma pessoa diferente lá. Aqui neste con sultório eu geralmente saio com alguns pensamentos que fa zem sentido e ideias, algo com sensações reais, uma mente real, pensamento real. Ontem quando cheguei aqui estava vi vendo e... vou estar hoje. Tenho certeza disso. Eu posso ser... eu não posso posso aguentar mais mais do que isso aqui, então eu., é demais para mim. "stf
Um psicólogo que tentasse avaliá-lo ou diagnosticá-lo, pensaria algo como: "Seu pensamento é confuso e as expressões inarticuladas. Parece haver sentimentos sentimentos de irrealidade. Possivelmente é esquizofrénico. Seu self consciente está lutando para recupe rar uma sensação de controle sobre o organismo. Ele reage com algum pânico à ideia de viver e ser uma pessoa. "
Ao passo que uma pessoa que tentasse compreendê-lo empaticamente pensaria algo como: "Parece que sentimentos e pensamentos bloqueiam você . Existe uma dúvida quanto à possibilidade de ser alguém. Você fica imaginando se poderia ser uma pessoa ao voltar à enfer maria. Você sente que algumas de suas reações são reais e sensatas e tem a impressão de que ali, na hora da terapia, está realmente vivo. Mas este pensamento é forte demais para você - é mais do que você pode encarar."
86. Rogers, 1992, p. 55
Como vimos no capítulo 10, Rogers percebeu que a compreensão diagnostica, no contexto da psicoterapia, é não somente desnecessá ria como inclusive é prejudicial ao processo terapêutico. Já a com preensão empática, pelo contrário, é promotora das forças forças de cresci mento do cliente. O caráter não avaliador e aceitador do clima empático possibilita à pessoa assumir uma atitude de estima e inte resse por si mesma. Sentindo-se compreendida, ela se torna capaz de ouvir a si mesma de modo mais correto, com maior empatia em rela ção às suas experiências organísmicas e aos seus significados que percebe apenas vagamente. A maior auto-compreensão e auto-estima proporcionadas, dessa forma, pela atitude empática possibilita à pessoa integrar estes aspectos da experiência agora reconhecidos num novo conceit o de eu, mais congruent e com a totalidade da sua expe riência. Numa palestra proferida em 1964, Rogers descreveu, para um público leigo em psicologia, como a compreensão empática pode ajudar uma pessoa a despertar suas forças internas de crescimento, relatando a sua própria experiência pessoal de ser escutado dessa forma empática: "Várias vezes em minha vida me senti explodindo diante de problemas insolúveis ou andando em círculos atormentada mente, ou ainda, em certos períodos, subjugado por sentimen tos de desvalorização e desespero. Acho que tive mais sorte do que a maioria, por ter encontrado, nesses momentos, pes soas que foram capazes de me ouvir e assim resgatar-me do caos de meus sentimentos. Pessoas que foram capazes de per ceber o significado do que eu dizia um pouco além do que eu era capaz de dizer. Estas pessoas pessoas me ouviram sem julgar, di agnosticar, apreciar, avaliar. Apenas me ouviram, esclareceram-me, responderam-me em todos os níveis em que eu me comunicava. Posso testemunhar o fato de que quando estamos numa situação psicologicamente dolorosa e alguém nos ouve sem nos julgar, sem tentar assumir a responsabilidade por nós, sem tentar nos moldar, sentimo-nos incrivelmente bem! Nes ses momentos, esta atitude relaxou minha tensão e me permi tiu pôr para fora os sentimentos que me atemorizavam, as culpas, a angústia, as confusões que tinham feito parte de
minha experiência. ... Quando sou ouvido, ouvido, torno-me capaz de rever meu mundo e continuar. É incrível como alguns aspec tos que antes pareciam insolúveis insolúveis tornam-se passíveis de so lução quando alguém nos ouve. É incrível como as confusões que pareciam irremediáveis transformam-se em correntes que
fluem com relativa facilidade quando somos ouvidos. ouvidos. " S7
13.3. Congruência: Desde o início da abordagem abordagem centrada no cliente, Rogers per cebera que a aceitação do terapeuta em relação ao cliente deveria ser autêntica, genuína e não simplesmente uma "fachada". Não adianta ria ao terapeuta "fingir" que confiava nas forças de crescimento do cliente, pois esta confiança confiança precisaria ser "real", ser verdadeira, verdadeira, para ser eficaz terapeuticamente. Isto é, uma aceitação e uma confiança apenas aparente, ou inautêntica, não promoveria a mudança terapêu tica. Por este motivo, a genuinidade (genuineness) ou autenticidade foi considerada por Rogers como uma atitude essencial para um terapeuta centrado no cliente. Entretanto, esta ideia de autenticidade, inadvertidamente, aca bou gerando uma grave distorção na prática da terapia centrada no cliente. Muitos terapeutas entenderam que ser autêntico significava dizer ao cliente tudo o que estivesse pensando ou sentindo no mo mento. Assim, terapeutas começaram a "despejar" os seus próprios sentimentos sobre o cliente, justificando esta atitude como uma ex pressão de "autenti cidade". A fim de evitar este este mal-entendido e tor nar mais claro o sentido da genuinidade enquanto atitude terapêuti ca, Rogers passou a utilizar o conceito mais específico de "congruência". Como vimos no capítulo 11, a congruência é um estado de acordo entre o auto-conceito de um indivíduo e as suas experiências organísmicas. Uma pessoa está congruente quando as suas experiên87. Rogers, 1983,pp. 7-8
cias podem ser acuradamente simbolizadas na consciência sem distorções ou negações, ou seja, a pessoa congruente é uma pessoa sem defesas, aberta à totalidade da sua experiência. Rogers perce beu, então, que para o processo terapêutico ser bem-sucedido é ne cessário não apenas que o terapeuta seja genuíno e autêntico. Mais do que isso, é necessário que ele esteja congruente na relação com o cliente. Se o terapeuta não estiver aberto à experiência de si mesmo, isto é, se ele estiver defensivo, se sentindo ameaçado, a sua genuinidade não será terapêutica. Se o terapeuta estiver incongruen te e tentar ser autêntico, ele só vai conseguir expressar ao cliente a percepção de sua experiência distorcida por suas defesas 88. Dessa forma, Rogers percebeu que a congruência do terapeuta é um ele mento essencial para a promoção da mudança terapêutica no cliente.
13.4. 13.4. Condiçõe s mais que necessárias: suficientes Devido ao seu incansável espírito científico, Rogers procurou definir, definir, de forma mais precisa possível, as condições que seriam ne cessárias e suficientes para a promoção das mudanças construtivas da personalidade na relação terapêutica. A partir da sua experiência clínica com as atitudes facilitadoras, e baseado nas pesquisas reali zadas por sua equipe na Universidade de Chicago, Rogers 89 formu lou a seguinte hipótese acerca da mudança terapêutica: "Para que uma mudança construtiva de personalidade ocor ra, é necessário que as seguintes condições existam e persistam por um período de tempo:
1. Que duas pessoas estejam em contato psicológico; 2. Que a primeira, a quem chamaremos cliente, esteja num estado de incongruência, estando vulnerável ou ansiosa; 88. Sobre esta distorção no entendimento da genuinidade no contexto terapêutico, sugerimos a leitura do artigo de Barbara Brodley "Congruence and Its Relation to Communication in Client-Centered Therapy" que foi publicado no Person-Centered Journal, 1998,5, 83-106. 89. Rogers, 1995e, pp. 159-160.
3. Que a segunda pessoa, a quem chamaremos de terapeuta, esteja congruente ou integrada na relação; 4. Que o terapeuta experencie consideração positiva incondi cional pelo cliente; 5. Que o terapeuta experencie uma compreensão empática do referencial da estrutura interna do cliente e se esforce por comunicar esta experiência ao cliente; 6. Que a comunicação ao cliente da compreensão empática do terapeuta e da consideração positiva incondicional seja efetivada, pelo menos, num grau mínimo. Nenhuma outra condição é necessária. Se estas seis condições existirem e persistirem por um período de tempo, isto é suficiente. O processo de mudança construtiva da personalidade ocorrerá "
Quando o cliente se sente aceito incondicionalmente e com preendido empaticamente por um terapeuta congruente, então a mu dança terapêutica ocorre. Nada mais é necessário. O terapeuta não necessita utilizar técnicas, não necessita fazer um diagnóstico ou adquirir um conhecimento intelectual específico. Segundo Rogers, estas seis condições são suficientes para a promoção da mudança terapêutica.
13.5. As pesquisas sobre as atitudes facilitadoras As pesquisas sobre as condições necessárias e suficientes hipotetizadas por Rogers são volumosas e constituem um corpo de pesquisa que está entre os maiores no campo da psicologia 90. Nas décadas de 60 e 70, a maior linha de pesquisa sobre eficácia em psico terapia se constituiu das investigações que procuravam relacionar as atitudes de consideração positiva incondicional, compreensão empática e congruência com a mudança terapêutica da personalida de91. Os resultados destas pesquisas apoiaram consistentemente as
hipóteses de Rogers. Em 1971, Truax e Mitchell, ao revisarem as pesquisas sobre as atitudes facilitadoras concluíram que: "Terapeutas e conselheiros que são acuradamente empáticos, não-possessivamente calorosos em atitude e genuínos são ver dadeiramente eficazes. Ademais, estes resultados parecem se manter para uma ampla variedade de terapeutas e conselhei ros, independentemente de seu treinamento ou orientação te órica, e com uma ampla variedade de clientes ou pacientes, incluindo estudantes de graduação, jovens delinquentes, esquizofrênicos hospitalizados... pacientes neuróticos bran dos ou severos e uma variedade mista de pacientes hospitali zados. Mais do que isso, a evidência sugere que estes resulta dos se mantêm numa variedade de contextos terapêuticos tan to na terapia individual quanto na de grupo e no aconse lhamento".92
Em 1986, Orlinsky e Howard também realizaram uma ampla revisão das pesquisas sobre as atitudes facilitadoras e concluíram que 50 a 80% dos estudos nesta área tiveram resultados significativamente positivos, indicando que estas dimensões estão relacionadas de ma neira muito consistente ao resultado positivo da terapia 93. Entretanto, alguns autores, entre o final dos anos 70 e o início dos anos 80, questionaram a validade destas pesquisas, concluindo que as condições postuladas por Rogers não são suficientes para a promoção da mudança terapêutica 94. Stubbs e Bozarth95, contudo, ao revisarem estas pesquisas, não encontraram um só estudo que apoi asse diretamente a afirmação de que as condições postuladas por Rogers são insuficientes em si mesmas. A visão de que as atitudes facilitadoras não são suficientes se origina em outros marcos de referência (comportamental ou psicanalí tico) que não se baseiam na pressuposição da tendência atualizante. O modelo operacional nestas abordagens predispõe o terapeuta a agir 92. Truax & Mitchell, 1971, p. 310. 93. Orlinsky &Howard, 1986.
90. Patterson, 1984.
94. Patterson, 1984; Bozarth et ai., 1999.
91. Patterson, 1984; Stubbs & Bozarth, 1994
95. Stubbs & Bozarth, 1994.
ou intervir para influenciar o cliente, pois, neste modelo, a responsa bilidade do terapeuta é "colocar o cliente na direção apropriada". A postura revolucionária de Rogers, que identifica o cliente como o melhor expert sobre sua vida não é compreendida ou assimilada por estes pesquisadores 96. Devido a esta falha na compreensão da posi ção de Rogers, e ao não reconhecimento da premissa da tendência atualizante, estes autores se referem às atitudes facilitadoras como sendo apenas as condições preparatórias para as 'intervenções' do terapeuta97. Na perspectiva da terapia centrada no cliente, ao contrá rio, as atitudes de consideração positiva incondicional, compreensão empática e congruência são suficientes para a mudança terapêutica porque elas promovem a liberação da tendência atualizante do cliente.
13.6. O conceito de experienciação Em 1957, Rogers foi convidado a trabalhar na Universidade de Wisconsin, num grande projeto de pesquisa sobre a aplicação da terapia centrada no cliente a indivíduos considerados "esquizofrênicos" e hospitalizados há longo tempo. Est.' pesquisa envolveu um trabalho interdisciplinar entre os departamentos de psicologia e psi quiatria da universidade e teve como colaboradores Gendlin, Truax e Kiesler. Ao longo dessa pesquisa, Rogers pôde confirmar que a vivência das atitudes facilitadoras não se restrige à interação verbal entre terapeuta e cliente mas se dá muito mais em nível de uma experiên cia organísmica, visceral, pré-verbal. Os sujeitos da pesquisa eram indivíduos apáticos, desmotivados, silenciosos, que dificilmente to mavam alguma iniciativa de expressão verbal. Rogers e seus colegas de pesquisa tiveram, então, que enfatizar a comunicação do calor não-possessivo e da aceitação incondicional ao invés de se restringi rem à comunicação de "reflexos de sentimentos".
Entretanto, surgiram muitos conflitos, de caráter pessoal, en tre a equipe de pesquisadores o que acabou comprometendo seria mente o desenvolvimento da pesquisa. Ademais, segundo Bozarth 98, muitos dos terapeutas envolvidos no projeto não estavam identifica dos com a abordagem centrada no cliente e não demonstravam con fiança na tendência atualizante dos "pacientes". Os resultados da pesquisa, publicados em 1967 no livro "The Therapeutic Relationship andlts Impact: a study of psychotherapy with schizophrenics", mes mo tendo ficado muito aquém do esperado, ainda assim relacionaram a presença das atitudes facilitadoras com a mudança terapêutica. Gendlin99, a partir de sua experiência com estes clientes silen ciosos e passivos, propôs o conceito de "experienciação" (experiencing) para descrever o fluxo de significados sentidos, interiores e pré-verbais da experiência. Rogers incorporou este conceito de expe rienciação às suas investigações teóricas, o que lhe permitiu abando nar o modelo positivista que até então utilizava, que enfatizava os "conteúdos da experiência", por um referencial fenomenológico-existencial que enfatizava o experienciar enquanto um processo. Contudo, enquanto Rogers concebia a "experienciação" como um resultado ou consequência do processo terapêutico, Gendlin pas sou a ver a "experienciação" como a causa da mudança terapêutica. Assim, ele desenvolveu um método para orientar a atenção do clien te na direção do seu processo de experienciação, denominado focali zação (focusing), composto de "passos" propostos pelo terapeuta ao longo da sessão. Este método deu origem, então, à chamada Terapia Experiencial. Apesar de ter as suas origens na terapia centrada no cliente, a terapia experiencial, contudo, se constitui como um para digma completamente distinto e até mesmo "dissonante" 100 do para digma centrado no cliente. Na terapia experiencial, o terapeuta tem a intenção de guiar o cliente em direção ao seu processo de experienciação. O terapeuta é um expert em processo e a sua escuta empática é uma escuta seletiva em relação ao "significado sentido" (felt sense) do cliente. A confi ança do terapeuta experiencial é uma confiança no processo de expe-
96. Bozarth, 1998.
98. Bozarth, 1998.
97. Lazarus, 1993; Norcross, 1992; Quinn, 1993.
99. Gendlin, 1974. 100. Prouty, 1999.
rienciação do cliente e não uma confiança na pessoa total do cliente. Na terapia centrada no cliente, ao contrário, o terapeuta "entre ga" ao cliente a direção do processo terapêutico, pois o cliente é que é con siderado o expert na relação. Ademais, o terapeuta procura compre ender empaticamente a pessoa total do cliente e não apenas o seu "processo experiencial". Estas são basicamente as principais dife renças entre a terapia experiencial e a terapia centrada no cliente, apontadas por Prouty 101, Brodley102 e Bozarth103.
14. A abordagem centrada na pessoa Rogers percebera que a teoria da terapia centrada no cliente tinha implicações em todas as atividades humanas que envolvessem relacionamentos interpessoais. No livro Terapia Centrada no Clien te, já havia capítulos a respeito das "aplicações" da terapia centrada no cliente a outros contextos, escritos por alguns de seus colaborado res do Counseling Center de Chicago: ludoterapia (aplicação da terapia centrada no cliente a terapia de crianças), escrito por Elaine Dorfman; psicoterapia centrada no grupo, por Nicholas Hobbs; li derança e administração centradas no grupo, por Thomas Gordon e ensino centrado no aluno, este escrito pelo próprio Rogers. Em 1959, Rogers sistematizou esta perspectiva num artigo escrito a convite da Associação Americana de Psicologia para um conjunto de publicações sobre teorias da percepção, aprendizagem e personalidade. Nesse artigo 104, que é a exposição mais completa, pre cisa e rigorosa da teoria da terapia, da personalidade e das relações humanas na perspectiva da abordagem centrada no cliente, Rogers representou a estrutura de sua teoria através de um diagrama, no qual a "Teoria da terapia" foi colocada no centro, com quatro grupos de teorias circundando a teoria central e se originando dela: a "Teoria 101. Prouty, 1999.
102. Brodley, 1990. 103. Bozarth, 1998. 104. Rogers, CR . (1959) A theory of therapy, personality, and interpersonal relationshi p as developed in the client-centered framework. Em S. Koch (Ed) Psychology: a study of science, vol. 3: Formulation of the person and the social context. New York: McGraw Hill. pp. 184-256
dos relacionamentos interpessoais", a "Teoria da personalidade", a "Teoria da pessoa em funcionamento pleno" e as "Implicações teóricas para diversas atividades humanas" que incluíam a vida familiar, a educação e aprendizagem, a liderança de grupos e conflitos grupais. Rogers, dessa forma, acreditava que suas ideias seriam úteis a outros campos do conhecimento e aplicáveis a outras áreas profissi onais além da psicoterapia. Entretanto, os seus artigos só eram aces síveis ao público muito especializado das revistas científicas de psi cologia. Assim, em 1961, com o objetivo de divulgar suas ideias para um público mais amplo, Rogers publicou "Tornar-se Pessoa" (On Becoming a Person). No prefácio do livro, ele afirma: "...embo ra o público para o qual esse livro poderá ter significado provenha de diferentes disciplinas e tenha interesses muito diversos, o fio co mum pode ser sua preocupação a respeito da pessoa e do seu tornarse, num mundo moderno que parece procurar ignorá-la ou diminuíla ". Este livro acabou sendo um verdadeiro best-seller: vendeu milhões de cópias e tornou o trabalho de Rogers conhecido no mundo todo.
14.1. Grupos de Encontro Em 1964, Rogers, então com 61 anos de idade, decidiu se apo sentar da vida académica e trabalhar no "Western Behavioral Sciences Institute" (WBSI), um centro de pesquisa de orientação humanista, localizado na Califórnia. Com o apoio do WBSI, Rogers desenvol veu uma nova abordagem no trabalho com grupos, os chamados "Grupos de Encontro". Os Grupos de Encontro eram grupos peque nos (de oito a doze pessoas), relativamente não-estruturados, que duravam de vinte a sessenta horas de sessões intensivas, e se desen volviam de acordo com os princípios centrados no cliente. No livro "Grupos de Encontro " (On Encounter Groups), publicado em 1967, Rogers descreveu algumas características destes grupos e a sua ex periência pessoal como facilitador. Os objetivos do Grupo de Encontro são "o crescimento pesso al e o desenvolvimento e aperfeiçoamento da comunicação e rela-
ções interpessoais, através de um processo experiencial"°[05. As mes mas atitudes facilitadoras da terapia centrada no cliente são vi venda das pelo facilitador no contexto grupai: uma aceitação incondicional do grupo e dos indivíduos que o compõem, uma compreensão empá tica de cada membro do grupo e uma atuação congruente com os seus sentimentos e percepções. Cria-se, dessa forma, um clima psi cológico de segurança e aceitação que possibilita a liberdade de ex pressão e a redução das defesas: "Desenvolve-se a partir desta liberdade mútua de expressar os sentimentos reais, positivos e negativos, um clima de confi ança mútua. Cada membro caminha para uma maior aceita ção do seu ser global, emotivo, intelectual e físico - tal como ele é, incluindo as suas potencialidades. " m(p.l7)
Com maior liberdade e menos rigidez defensiva, aumenta a comuni cação entre os participantes. Eles cons eguem se ouvir uns aos outros e surgem, então, movimentos de feedback, de maneira que cada pes soa aprende como é vista pelos outros e que efeito tem nas relações interpessoais: "Os participantes sentem uma aproximação e intimidade que nunca sentiram, nem mesmo com os respectivos cônjuges ou membros da família, porque se revelaram aqui de um modo muito mais fundo e completo do que com as pessoas do seu círculo familiar. Assim, num grupo destes, o indivíduo acaba por se conhecer a si próprio e a cada um dos outros mais completamente do que o que lhe é possível nas relações habi tuais ou dè trabalho. Toma conhecimento profundo dos outros membros e do seu eu interior, o eu que, de outro modo, tende a esconder-se por detrás da fachada. A partir daqui, relacionase melhor com outros, não só no grupo mas também mais tar de, nas diferentes situações da vida de todos os dias. ""' 7
Os Grupos de Encontro disseminaram-se rapidamente por todo os Estados Unidos durante as décadas de 60 e 70, inserindo-se no movi mento da contracultura americana e no movimento do Potencial Humano da psicologia humanista.
14.2. O ensino centrado no aluno Em 1970, Rogers publicou "Liberdade para Aprender" (Freedom to Learn) onde sistematizou suas experiências no campo do ensino e aprendizagem e propôs um ensino centrado no aluno. Rogers se inseriu, assim, na promoção de uma educação inovadora, humanística e vivencial, que subvertia a relação de poder da educa ção tradicional . No ensino centrad o no aluno, o professor confia na capacidade do aluno para pensar e aprender por si mesmo e, por este motivo, compartilha com ele a responsabilidade pelo processo de aprendizagem. O professor se torna, então, um facilitador da apren dizagem, na qual a avaliação e a disciplina externas são substituídas pela auto-avaliação e auto-disciplina. "Neste clima de promoção do crescimento, a aprendizagem tende a ser mais profunda, processar-se mais rapidamente e ser mais penetrante na vida e no comportamento dos alunos do que a aprendizagem realizada na sala de aula tradicional. Isso se dá porque a direção é auto-escolhida, a aprendizagem é auto-iniciada e as pessoas estão empenhadas no processo de uma forma global, com sentimentos e paixões tanto quanto com o intelecto"' 08 (p. 97).
105. Rogers, 1994, p. 14 106. Rogers, 1994, p. 17 107. Rogers, 1994, p. 19
108. Rogers, 1983, p.97
14.3. Workshops de comunidade Para explorar experiências com os processos de crescimento grupais, Rogers e um grupo de colaboradores fundaram, em 1968, o Centerfor Studies of the Person (CSP), em La Jolla, Califórnia. Uma das atividades desenvolvidas pelo CSP era a formação de facilitadores de grupos de encontro, realizada em workshops de duas semanas com grupos de 200 a 300 pessoas, no chamado La Jolla Program. Estes workshops eram estruturados de maneira a permitir que todos os participantes se encontrassem juntos, a cada manhã, por três ho ras. Havia grupos de encontro à tarde e as outras atividades eram programadas pelos próprios participantes no transcorrer da primeira semana. Um dos resultados mais importante destes workshops foi a descoberta de que nas reuniões de toda a comunidade as pessoas eram capazes de se comunicar e de compartilhar de maneira íntima, apesar do grande número de participantes. Inspirado nessas experiências, Rogers e alguns colegas do Centerfor the Studies of the Person promoveram, a partir de 1973, workshops nos quais as reuniões do grande grupo passaram a ser o centro das atividades e não mais um elemento periférico. Nestas reu niões da comunidade, os participantes decíuiam o formato e a pro gramação das atividades do workshop. Os organizadores (convenors), dessa forma, não se colocavam à parte do grupo, mas juntavam-se a este como simples participantes 109 . Nesta época, mais precisamente em 1977, Rogers escreveu o livro "Sobre O Poder Pessoal" (On Personal Power), no qual ele analisa as profundas implicações de natureza social e política destes workshops: "Observo, com medo, as dores do parto de algo novo no mun do... Se conseguirmos encontrar uma verdade, mesmo parci al, sobre o processo pelo qual 136 pessoas podem viver em conjunto sem se destruírem umas às outras, podem viver jun tas com um interesse voltado para o desenvolvimento comple to de cada pessoa, podem viver juntas na riqueza da diversi dade, ao invés de viverem na esterilidade da submissão, tere-
mos então encontrado uma verdade com muitas, muitas impli cações... Em um grupo, no qual o controle é compartilhado por todos, em que, por meio de um clima prévio facilitador (nos pequenos grupos), cada pessoa adquire poder, torna-se viável um novo tipo de comunidade, um tipo defluxo orgâni co, com indivíduos vivendo juntos em um estilo ecologicamente relacionado. Neste grupo, cada um manda e ninguém manda. O locus de escolha reside em cada pessoa, e intuitivamente, a escolha da comunidade torna-se um consenso, levando em consideração cada uma dessas escolhas individuais. Poder, liderança e controle fluem facilmente de uma pessoa para outra, à medida que surgem diferentes necessidades.""" De 1974 a 1979, o Centerfor the Studies of the Person promoveu
sete workshops atraindo pessoas de diversos países da Europa, Ásia e América Latina. Estas experiências foram tão bem-sucedidas que, em poucos anos, workshops de comuni dade inspirados no modelo de La Jolla passaram a ser realizados também em muitos outros países. Atualmente, estes workshops são promovidos em todos os continentes, com o número de participantes variando de trinta a trezentos, reunindo-se de dois dias a duas semanas. A reunião do grande grupo de todos os participantes (community meeting), que no Brasil é cha mada de "grupão", é considerada a principal atividade dos workshops de comunidade. Jerold Bozarth relata que nestas reuniões "ocorrem períodos de silêncio, raiva, tentativas de organização, criticismo em relação aos organizadores e expressão de várias emoções como tam bém, às vezes, longos diálogos entre os participantes... Encontros pessoais entre os indivíduos e lutas de poder entre grupos ou facções ocorrem com frequência.' '"' Os grupões se reúnem pelo menos uma vez ao dia e o desenvolvimento das atividades formais do workshop (apresentações individuais de trabalhos teóricos, painéis, pequenos grupos de encontro, vivências, atividades recreativas) normalmente emergem a partir destas reuniões. Nestes workshops, existe a possibilidade do grupo como um todo desenvolver um sentido de comunidade." 2 Para muitos partici110. Rogers, 1986, pp. 168-169
109. Wood, 1984.
111. Bozarth, 1998, p. 152 112. Raskin, 1996; Wood, 1994; Wood, 1999.
pantes, este senso de unidade ou comunhão com outros membros do grupo é um dos resultados mais gratificantes dos workshops. Segun do Coulson" 3, este sentimento de comunhão pode se expandir para além do grupo e abranger uma sensação de conexão com toda a hu manidade, com a natureza e até mesmo com todo o universo: "Parece que esta experiência no workshop pode iluminar mais
claramente a identidade do indivíduo e ao mesmo tempo pode incorporá-la numa nova totalidade que, de alguma maneira, é maior que o seu próprio eu ". "*
Inspirado nessas experiências, Rogers e uma equipe de colaborado res (formada por Charles Devonshire, Ruth Sanford, Alberto Zucconi entre outros), desenvolveram workshops para a comunicação transcultural entre nações e para a resolução de conflitos inter-grupais e raciais nos Estados Unidos e Europa. Foram estas experiências com grandes grupos que, em 1977, levaram Rogers a utilizar pela primei ra vez a expressão "Abordagem Centrada na Pessoa" (no livro "So bre o Poder Pessoal"): "Esta perspectiva desenvolveu-se primeiro no aconselhamento
e na psicoterapia, em que foi conhecida como centrada no cliente, significando que uma pessoa que procurou ajuda não era tratada como um paciente dependente, mas como um cli ente responsável. Aplicada à educação, foi denominada ensi no centrado no aluno. Na medida em que essa abordagem pro grediu em direção a uma ampla variedade de campos, longe de seu ponto de origem - grupos intensivos, casamento, rela cionamentos familiares, administração, grupos minoritários, relacionamentos inter-raciais, interculturais e mesmo inter nacionais — parece melhor adotar-se um termo o mais amplo possível: centrado na pessoa. "" 5
14.4. Relação entre a Terapia Centrada no Cliente e a Abordagem Centrada na Pessoa A aplicação do termo "Abordagem centrada na pessoa", con tudo, acabou gerando muitas controvérsias. John Wood" 6 cita diver sos significados confusos, contraditórios e inconsistentes que a ex pressão "Abordagem Centrada na Pessoa" foi adquirindo ao longo dos anos, como, por exemplo: uma escola de pensamento, um mode lo de treinamento para relações humanas, uma família de pratican tes, uma tradição, uma filosofia, um conjunto de valores, um meio de comunicação, um conjunto de atitudes ou um tema a ser combinado com outras filosofias e técnicas. Por este motivo, segundo Wood, na discussão atual sobre o que é a Abordagem Centrada na Pessoa, chegou-se a uma situação na qual ela se tornou "tudo e nada" ao mesmo tempo. Da mesma forma, a relação entre a Abordagem Centrada na Pessoa e a Terapia Centrada no Cliente também tem gerado contro vérsias. Segundo Wood, alguns veteranos da Abordagem Centrada na Pessoa "rejeitam a terapia centrada no cliente como indolente, ineficaz ou apenas irrelevante. Um experimentado praticante da Abordagem Centrada na Pessoa, por exemplo, descarta com arro gância a terapia centrada no cliente e se gaba de não ter se importa do em ler nenhum livro de Cari Rogers." 111 Por outro lado, também há os "fundamentalistas" que consideram a terapia centrada no cli ente como a única representante da Abordagem Centrada na Pessoa e descartam todas as outras atividades profissionais em que Rogers se engajou como sendo apenas heresias. Mas, de uma maneira geral, a Abordagem Centrada na Pessoa tem sido considerada como uma extensão ou uma aplicação das ati tudes facilitadoras da terapia centrada no cliente a outros campos de atividade. Entretanto, esta concepção não é adequada. Nos workshops de comunidade, por exemplo, devido ao grande número de partici pantes no grupo, a atitude de "compreensão empática" não pode ser
113. Coulson, 1999 114. Coulson, 1999, p. 169.
116. Wood, 1995.
115. Rogers, 1986, pp. 149-150.
117. Wood, 1995, p.272.
vivenciada da mesma maneira que numa psicoterapia individual ou num pequeno grupo de encontro"8. Também nos grandes grupos, o papel de facilitador não pode ser designado a priori para um indiví duo como é feito na terapia individual, pois "nós nunca sabemos quem vai dizer ou fazer alguma coisa que será facilitador para mais alguém" n9. MacMillan & Lago120 consideram que conceber o gran de grupo como apenas um teatro para a atuação das três atitudes facilitadoras não permite capturar a sua inerente complexidade. Portner'21, por outro lado, considera que a identidade e os fundamen tos da terapia centrada no cliente tem sido distorcidos pela influên cia das aplicações da Abordagem Centrada na Pessoa. Nesse sentido, para esclarecer a relação entre a terapia centrada no cliente e a Abordagem Centrada na Pessoa, Wood'22 sugere que a imagem tradicional da Abordagem Centrada na Pessoa como a fo lhagem colorida e superficial de uma árvore cujas raízes são a tera pia centrada no cliente (por causa da origem cronológica do termo), deveria ser invertida e a Abordagem Centrada na Pessoa deveria ser concebida como a raiz da árvore, cujo principal galho seria a terapia centrada no cliente. Wood considera que a Abordagem Centrada na Pessoa, enquanto uma abordagem, esteve sempre presente na forma como Rogers se relacionava com seus clientes, no setting terapêutico. Para Wood, a Abordagem Centrada na Pessoa não é uma teoria, uma psicologia, uma filosofia ou um movimento, mas é simplesmente um "jeito de ser", ao contrário da terapia centrada no cliente, que tem uma teoria específica e coerente, um método e um corpo substancial de pesquisa. Rogers, em 1987, também definiu a Abordagem Centrada na Pessoa como uma "maneira de ser":
"A abordagem centrada na pessoa é, então, primordialmente, uma maneira de ser que encontra sua expressão em atitudes e comportamentos que criam um clima promotor de crescimen to"' 23
Para Wood124, este "jeito de ser" que constitui a Abordagem Centrada na Pessoa possui as seguintes características: uma perspectiva de vida positiva, uma crença numa tendência direcional formativa, uma intenção de ser eficaz, um respeito pelo indivíduo e pela sua autono mia e dignidade, uma flexibilidade de pensamento e ação, uma tole rância quanto às incertezas ou ambiguidades, senso de humor, hu mildade e curiosidade. Bozarth125 considera que o princípio funda mental da Abordagem Centrada na Pessoa, que é verdadeiro tanto na terapia individual quanto nos grupos de encontro, organizações, gru pos de comunidade ou qualquer outra atividade humana, é a dedica ção dos facilitadores ao processo natural de crescimento dos indiví duos e do universo. Freire126 sugere uma definição para a Abordagem Centrada na Pessoa suficientemente ampla para abranger todas as nuanças e sutilezas de suas expressões e ao mesmo tempo suficientemente precisa para superar as ambiguidades e confusões atualmente existentes: "Tendo como fundamento a confiança na tendência direcional
formativa, isto é, a confiança na capacidade de todo organismo para se desenvolver, crescer e realizar construtivamente todas suas potencialidades, a Abordagem Centrada na Pessoa se cons titui como um jeito de estar, ou uma forma de estar-em-relação com o outro e de estar-no-mundo caracterizada por duas atitu des básicas: uma atitude de "deixar ser", isto é, de ausência de controle, de entrega ao fluxo do organismo, ao fluxo da vida e do universo; e uma atitude de "estar presente", que consiste numa abertura ao outro, numa atitude de estar junto na busca de uma unidade e comunhão com o outro ".
118. Numa pesquisa qualitativa realizada por Stubbs (1992) com participantes de workshops de comunidade centrados na pessoa, não houve nenhuma referência à experiência de ser compreendido empaticamente por outros membros do grupo 119. Comunicação pessoal de Coulson citada em MacMillan & Lago, 1996, pp.604-605.
123. Rogers, 1987, p. 71
120. MacMillan & Lago, 1999.
124. Wood, 1995.
121. Portner, 1994.
125. Bozarth, 1998.
122. Wood, 1999.
126. Freire, 1998.
14.5. Um jeito de ser Em 1980, Rogers publicou seu último livro, "Um Jeito de Ser" (A Way ofBeing), no qual faz referências às dimensões espirituais da Abordagem Centrada na Pessoa. Rogers cita pesquisas sobre "esta dos alterados de consciência" em que o indivíduo vivência o fluxo da evolução como um movimento que o aproxima de uma experiên cia transcendente de unidade com o cosmo: "É como se o eu se dis solvesse numa região de valores superiores, especialmente de bele za, harmonia e amor. A pessoa sente-se como se ela e o cosmo fos sem um só"™. Rogers descreve, então, a sua própria vivência de um estado alterado de consciência que ocorre no seus melhores momen tos como terapeuta ou facilitador de grupos: "Quando estou em minha melhor forma, como facilitador de grupo ou como terapeuta, descubro uma nova característica. Percebo que quando estou o mais próximo possível de meu eu interior, intuitivo, quando estou de algum modo em contato com o que há de desconhecido em mim, quando estou, talvez, num estado de consciência ligeiramente alterado, então tudo o que faço parece ter propriedades curativas. Nestas ocasi ões, a minha presença, simplesmente, libera e ajuda os ou tros. Não há nada que eu possa fazer para provocar deliberada mente essa experiência, mas quando sou capaz de relaxar e de ficar próximo do meu âmago transcendental, comporto-me de um modo estranho e impulsivo na relação, que não posso justificar racionalmente e que não tem nada a ver com meus processos de pensamento. Mas esses estranhos comportamen tos acabam sendo correios, por caminhos bizarros: parece que meu espírito alcançou e tocou o espírito do outro. Nossa rela ção transcende a si mesma e se torna parte de algo maior. Então, ocorrem uma capacidade de cura, uma energia e um crescimento profundos. " m
Nos últimos anos de sua vida, Rogers dedicou-se inteiramente à pro moção da paz através da realização de workshops para a resolução de conflitos inter-grupais e para diminuição da tensão internacional entre nações. Em 1984, ele promoveu, na Áustria, um workshop com líderes e altos funcionários do governo de países em conflito da América Central. Em 1985, participou de um workshop na Irlanda do Norte e em 1986 participou de workshops na África do Sul e União Soviética. Rogers foi reconhecido por todo este esforço rece bendo uma indicação para o Prémio Nobel da Paz. Infelizmente, quando ele recebeu essa nomeação, já estava em coma, um pouco antes de sua morte, em fevereiro de 1987.
14.6. O desenvolvimento de uma comunidade centrada-na-pessoa Em 1982, realizou-se o I Fórum Internacional da Abordagem Centrada na Pessoa, em Oaxtepc, México. Segundo Fonseca129, a pro posta inicial deste Fórum, baseada no modelo comunitário dos workshops centrados na pessoa, era a de ser "HBI encontro de troca de experiências e de informações centrado na atualidade vivida das pessoas participantes. Sem burocratização e sem institucionalização artificiais, com o máximo de espaço para o encontro e troca inter pessoal, inter subgrupal e inter grupai, para a originalidade e para a criatividade." Desde então, realizaram-se mais seis Fóruns inter nacionais, em diversos países: Inglaterra, Estados Unidos, Brasil, Alemanha, Grécia e África do Sul. O próximo Fórum Internacional será no Japão, em 2001. Com esta mesma proposta, vêm sendo realizados, desde 1983, Encontros Latinos bi-anuais da Abordagem Centrada na Pessoa. O próximo Encontro Latino será realizado na Argentina, no ano 2000. Segundo Fonseca130, os Encontros Latinos desenvolveram caracte rísticas singulares, originais e inesperadas:
127. Rogers, 1983, p.47
129. Fonseca, 1999
128. Rogers, 1983, p.47
130. Fonseca, 1999.
"Valoriza-se a atualidade do encontro efetivo das participan tes, que são a instância de decisão sobre a programação do encontro... A parte mais vivencial do Encontro é o espaço con tinente para as relações mais imediatas entre os participan tes, para as trocas de experiências pessoais e profissionais, vivenciais e teóricas, grupais, sub-grupais e interpessoais... Além da troca e do desenvolvimento teórico e filosófico dos participantes e das comunidade da ACP de que eles partici pam, o Encontro serve como um rico espaço de vivência e de regeneração pessoal e coletiva. Uma de suas principais fun ções está ligada ao consumo compartilhado, puro e simples, e uma oportunidade existencial de vivência grupai, sem a míni ma preocupação produtivista. Além disso, o Encon tro tem sido uma importante instância de socialização de principiantes in teressados em desenvolverem-se na cultura da Abordagem "
Além dos Fóruns Internacionais e Encontros Latinos, existem diver sos outros eventos que se realizam regularmente e que promovem um sentido de comunidade entre os indivíduos que partilham inte resses comuns pela Abordagem Centrada na Pessoa, como, por exem plo, os encontros anuais da ADPCA (Association for the Develop ment of the Person-Centered Approach), qu° se iniciaram em 1986, os workshops também anuais de Warm Springs, organizados por Jerold Bozarth nos EUA, os Fóruns Brasileiros, os Encontros Argentinos, os Encontros regionais no Brasil (Encontro Nordestino 131, Regional Sudeste, ENORTE e ACPampa) e um grande número de workshops de programas de formação na Abordagem Centrada na Pessoa que são realizados em toda a Europa. Em 1988, Germain Lietaer fundou a Conferência Internacio nal em Psicoterapia Centrada-no-cliente e Experiencial (International Conference on Client-Centered and Experiential Psychotherapy ICCCEP), em Leuven, Bélgica. Desde então, já foram realizadas mais três ICCCEP: na Escócia em 1991, na Áustria em 1994, em Portugal em 1997 e a próxima conferência se realizará em Chicago no ano 2000. Estas conferências possuem um formato académico tradicio nal, pois objetivam primeiramente o desenvolvimento da teoria e da 131. Até o ano de 1999, já haviam sido realizados nove Encontros Nordestinos. Éo pioneiro dos encontros regionais da ACP no Brasil.
pesquisa científica nas áreas da terapia centrada no cliente e da tera pia experiencial. Com o objetivo de promover o intercâmbio pessoal e profissi onal entre a comunidade de indivíduos interessados na Abordagem Centrada na Pessoa, foram criadas duas redes de comunicação por e-mail na Internet da qual participam centenas de pessoas do mundo todo. A rede gerida pelo norte-americano Marco Temaner engloba participantes dos EUA, Canadá, Europa, Rússia, América Latina, Japão, África do Sul e Austrália. A outra rede, gerida por Alberto Segrera, da Universidade Ibero-Americana do México inclui partici pantes de diversos países da América Latina, Portugal e Espanha. Segundo Nat Raskin 132, como resultado desta ampla variedade de interações e atividades desenvolve-se uma comunidade internaci onal centrada-na-pessoa com relacionamentos que crescem em am plitude e profundidade, profissionalmente e pessoalmente.
14.7. Publicações atuais A Associação para o Desenvolvimento da Abordagem Centrada na Pessoa (Association for the Development of the Person-Centered Approach - ADPCA) edita o Person-Centered Journal, uma revista semestral que publica, basicamente, artigos de caráter científico re lacionados à Abordagem Centrada na Pessoa. Nos mesmos moldes é publicado também o Person-Centred Practice pela Associação Bri tânica da Abordagem Centrada na Pessoa (British Association of the Person-Centered Approach - BAPCA). Dentre os livros publicados nos últimos três anos relaciona dos tanto à terapia centrada no cliente, especificamente, quanto à abordagem centrada na pessoa, de uma maneira geral, citaríamos: ° Client-Centered and Experiential Psychotherapy: A paradigm in motion (1996) — Este livro, editado por Hutterer, Pawlowsky, Schmid e Stipsits é uma coletânea de diversos 132. Raskin, 1996.
trabalhos apresentados na III Conferência Internacional em Psicoterapia Centrada-no-Cliente e Experiencial realizada na Áustria, em 1994. ° Person-Centred Psychotherapy: Twenty Historical Steps (1996) — Este artigo, escrito por Nat Raskin, é o primeiro capítulo do livro "Developments in Psychotherapy: Historical Perspectives", editado por Windy Dryden. Raskin, que foi amigo e colaborador de Rogers ao longo de quarenta e sete anos e que assistiu o desenvolvimento da terapia centrada no cliente desde os seus primórdios, como aluno de Rogers na Universidade de Chicago, apresenta a sua concepção do desenvolvimento histórico da psicoterapia centrada na pessoa em vinte "passos".
° The Psychotherapy of Cari Rogers: cases and commentary (1996) - Este livro, editado por Barry Farber, Débora Brink e Patrícia Raskin, apresenta comentários de dezessete conceitu ados psicoterapeutas a respeito de dez sessões terapêuticas realizadas por Cari Rogers e registradas em áudio ou vídeo. ° Successful Psycotherapy: acaring, loving relationship (1997) — Livro de Cecil Patterson e Suzanne Hidore, apresenta os princípios da terapia centrada no cliente como elementos presentes em qualquer abordagem psicoterapêutica bemsucedida. Os autores inserem-se na chamada tendência integrativa em psicoterapia, buscando os elementos co muns às diversas abordagens. Os princípios da terapia centrada no cliente são apresentados de uma forma extre mamente clara e didática e ilustrados com situações da prá tica clínica. ° Empathy Reconsidered: new directions in psychotherapy (1997) — Este livro é uma compilação de artigos sobre empatia a partir de diversos referenciais teóricos, editado por Bohart e Greenberg. Na perspectiva da terapia centrada no cliente, dois capítulos são de especial interesse : "Empathy in psychotherapy: a vital mechanism? Yes. Therapisfs conceit? AU too often. By itelf enough? No", de John Shlien e "Empathy from the framework ofClient-
centered theory and the Rogerian hypothesis" de Jerold Bozarth. Shlien conta a história do surgimento do conceito de "compreensão empática" na teoria da terapia centrada no cliente, como alguém que participou diretamente de dis cussões com Rogers sobre o tema na Universidade de Chi cago, na época em que o conceito foi acrescentado à teoria. Shlien e Bozarth também apontam as diferenças entre o conceito de empatia na terapia centrada no cliente e nas outras abordagens.
Prá-Therapie (1998) — Este livro apresenta a Pré-Terapia, uma aplicação da abordagem centrada na pessoa no trata mento de indivíduos diagnosticados como "esquizofrênicos" ou "psicóticos", desenvolvida por Garry Prouty. O livro é escrito pelo próprio Prouty com a colaboração de Dion Van Werde e Marlis Põrtner. Van Werde é psiquiatra e descreve em detalhes a aplicação da Pré-Terapia no con texto de uma instituição psiquiátrica da Bélgica. O relato de Van Werde é apaixonante, mostrando como a utilização das atitudes básicas da Pré-Terapia pelos enfermeiros e atendentes, no dia-a-dia da clínica, ajuda os pacientes a saírem de surtos ou a retomarem o contato com a realidade sem a utilização de medicação ou contenção física. "Person-CenteredTherapy: a revolutionary paradigm" (1998) — Este livro reúne vinte artigos revisados de Jerold Bozarth e alguns textos inéditos não apenas sobre a terapia centrada na pessoa, mas também sobre grupos de encon tro, workshops de comunidade e questões filosóficas e sociais relativas à Abordagem Centrada na Pessoa. "Trabalhando o legado de Rogers: sobre os fundamentos fenomenológico-existenciais" (1998) — Afonso Fonseca anali sa os aspectos fenomenológico-existenciais da Abordagem Centrada na Pessoa e seus desdobramentos na era pós-Rogers. "Diálogo e Psicoterapia: correlações entre Cari Rogers e Martin Buber" (1998) — Adriano Holanda, psicoterapeuta e pesquisador brasileiro, apresenta uma investigação filosó fica a respeito das relações entre o pensamento de Cari Rogers e a filosofia de Martin Buber no contexto do humanismo.
° "Abordagem Centrada na Pessoa: vocabulário e noções básicas" (1998) — Primeiro vocabulário da Abordagem Centrada na Pessoa, foi organizado por Sérgio Gobbi e Sinara Missel, com a colaboração de Adriano Holanda. ° "Cari Rogers" helping system: Journey & Substance {1998) — Neste livro, Barret-Lennard apresenta o sistema teórico desenvolvido por Cari Rogers e suas implicações nas ques tões sociais e de comunidade. ° "Experiences in Relatedness: Groupwork and the PersonCentred Approach"(1999) — Este livro, editado por Colin Lago e Mhairi MacMillan apresenta diversos artigos sobre as experiências de grupo na Abordagem Centrada na Pessoa.
133
"A abordagem leva muito tempo" "A abordagem trabalha somente com neuróticos da classe média" "A abordagem é mais importante no início da relação de aconselhamento" "A relação cliente-terapeuta não pode ser de igual para igual" "A abordagem é limitada à cultura dos Estados Unidos" Estas e outras asserções, eu acredito, são viéses e incompreensões primárias que surgem a partir de outras bases de referências. Ade mais, há diversas distorções fundamentais do paradigma centrado na pessoa que são periodicamente alimentadas por indivíduos que ale gam serem defensores ou simpatizantes da abordagem. Este capí tulo revisa e responde a diversos destes mitos e distorções. Os mitos prin cipais são os seguintes:
15. Mitos, incompreensões e distorções " Por Jerold D. Bozarth Jerold D. Bozarth é professor emérito da Universidade da Geórgia, onde possui a Cátedra do departamento de Aconselhamento e Desenvolvimento humano e é diretor do programa de Aconselha mento e Reabilitação e diretor do Projeto de Estudos Centrado na Pessoa. É consultor de programas de treinamento centrado na pes soa na República da Checoslováquia e Portugal; diretor científico do programa de aprendizagem centrada na pessoa no Instituto de Aprendizagem Centrado na Pessoa na Inglaterra, e faz parte do pro grama "Conexões Centradas na Pessoa", também na Inglaterra. Atualmente, está desenvolvendo um programa de pesquisa para tra balhar com indivíduos que foram considerados "impossíveis " por outras organizações de ajuda.
Durante anos, a terapia centrada no cliente tem suportado nu merosos mitos sobre a abordagem que estão baseados em asserções infundadas. Estes mitos incluem asserções tais como:
133. Tradução de Marcos Vinícius Beccon.
Mito 1: A abordagem leva muito tempo Esta crítica aparentemente vem da lógica de que uma vez que o terapeuta não está "fazendo" nada para apressar o cliente, a terapia levará mais tempo. O fato é que não existe evidência que dê apoio a este raciocínio. Um dos poucos estudos sobre o tempo de terapia descobriu que a terapia centrada no cliente e a terapia Adleriana eram igualmente efetivas (Shlien, Mosak e Drekhurs, 1962). Clínicos em consultório particular que se dedicam à abordagem centrada no cli ente relatam uma ampla variedade de tempo gasto com seus clientes. De fato, a demonstração de Rogers com Gloria é um exemplo clássi co de uma sessão de apenas 40 minutos que teve um impacto positi vo. Shlien (1998), que se encontrou com a filha de Glória, oferece informações adicionais que apontam para a recuperação de Glória como uma pessoa que seguiu em uma direção construtiva e positiva. Gloria e Rogers desenvolveram um relacionamento naquele espaço de tempo que levou a uma periódica troca de cartas e telefonemas
por vários anos. Glória mostrou considerável crescimento e progres so para lidar com os problemas em sua vida. Ela reconheceu o seu relacionamento com Rogers como de muita ajuda para este "ganho" de forças próprias. Como Rogers afirma: "É bom saber que apenas um encontro no qual nos encontramos como pessoa a pessoa pode fazer diferença" (Rogers, 1984 p.425).
rem o suficiente para receberem alta de um hospital de saúde mental público. No entanto, numa avaliação feita ao longo de mais de dois anos, mais de oitenta por cento dos indivíduos com quem trabalhara haviam recebido alta e estavam trabalhando fora do hospital quatro anos após sua colocação. Além disso, o problemático projeto de pesquisa de Wisconsin, planejado para examinar a efetividade da terapia centrada no cliente com "psicóticos" hospitalizados, forneceu evidências suficientes para indicar, pelo menos, que a presença das condições necessárias e suficientes da hipótese de Rogers teve algum impacto positivo sobre os clientes (Rogers, Gendlin, Kiesler e Truax, 1967).
Mito 2: A Abordagem somente trabalha com indivíduos neuróticos da classe média. A base para esta asserção parece partir de duas inferências. A primeira está baseada na lógica de que uma vez que Rogers e seus colegas trabalharam em um centro de aconselhamento universitário, a abordagem não funcionaria com clientes mais severamente pertur bados. A segunda suposição parece ser que a abordagem não lida com a patologia dos indivíduos e é simples demais para ser eficaz com psicóticos. Novamente, a experiência dos clínicos centradosno-cliente contraria esta afirmativa. A equipe do centro de aconselha mento da Universidade de Chicago trabalhava, em verdade, com cli entes mais perturbados. Shlien (1971) e Rogers (Kirschenbaum, 1979) descrevem sessões de terapia de terapeutas do centro de aconselha mento de Chicago com clientes "psicóticos". Rogers apresentou exemplos de casos de clientes no projeto de Wisconsin. Truax desen volveu uma duradoura amizade com um dos seus clientes no projeto de Wisconsin (Truax, 1969 comunicação pessoal). Esta pessoa mudou de uma psicose imobilizadora de longa duração para um alto nível de funcionamento. Há relatos de trabalhos bem sucedidos com clientes mentalmente doentes e hospitalizados por curto ou longo prazo (Brodley, 1988; Prouty, 1994). Eu aprendi a trabalhar na abordagem centrada na pessoa com clientes mentalmente doentes e há muito tempo hospitalizados que estavam predestinados a nunca melhora-
Mito 3: A abordagem é importante basicamente no início da relação de aconselhamento Esta crítica parte da posição tomada de outras marcos de refe rências que vê as condições como o "solo" para as intervenções do terapeuta. Isto é citado, em parte, a partir da percepção de que as pesquisas decididamente falharam em apoiar que as condições são necessárias e suficientes. Aparentemente, esta afirmação surgiu pri meiro nas pesquisas comportamentais, que tomaram a posição de que o terapeuta comportamental necessitaria fazer mais e que, para o comportamental, as condições seriam necessárias, mas não suficien tes (Krumboltz, 1967). Isto foi generalizado e levado adiante pelos revisores das pesquisas como sendo cientificamente provado.
Mito 4: A relação cliente-terapeuta não pode ser de igual para igual Buber e Rogers tiveram um diálogo que se referia a este ponto como sendo uma de suas discordâncias (Kirschenbaum e Henderson,
1989). Buber refere ao estado da terapia para Rogers: • "...você tem necessariamente outra atitude para com a situa ção do que ele (o cliente) tem. Você tem condições de fazer algo que ele não tem. Vocês não são iguais e não podem ser. Você tem a grande tarefa, auto-imposta - uma grande tarefa auto-imposta de suplementar as necessidades dele e fazer mais
do que faria em uma situação normal... não há somente você, seu modo de pensar, seu modo de fazer, há também uma certa situação - nós somos assim e assim - que pode às vezes ser trágica. Você não pode mudar isto... há uma realidade nos confrontando " (p. 50).
Rogers respondeu: "...mas tem sido a minha experiência que a realidade, quando é vista do lado de fora, não tem realmente nada a ver com o relacionamento que produz terapia. Esta é algo imediato, igual, um encontro de duas pessoas em bases iguais, mesmo que no mundo do Eu-Isto, possa ser visto como um relacionamento desigual." (pp. 51-52)
A diferença de entendimento entre estas duas posições me parece ser uma diferença na visão do poder. A posição centrada na pessoa parte de uma visão do poder com origem na etimologia latina, portiere, que significa essencialmente tudo o que você é capaz de ser. A posi ção contrária parece focalizar na definição de poder como "posses são de controle, autoridade ou influência sobre os outros" (Dicioná rio Americano Heritage, 1995). A igualdade do relacionamento está, de fato, na atitude disposta do terapeuta de confiar no cliente para ele seguir em sua própria direção, caminho e ritmo. É a igualdade de dois indivíduos em relação.
Mito 5: A abordagem centrada na pessoa está baseada na cultura e filosofia norte-americanas Tem havido numerosas críticas à teoria de Rogers em relação a valores culturais, marcos de referência de várias raças, e até mes mo posturas perceptuais de género (Holdstock, 1990; 0'H ara , 1997). Frequentemente toma-se a posição de que os valores de Rogers eram inicialmente valores da classe média americana, desenvolvidos den tro da cultura americana de valorização da independência, da autosuficiência individual e das conquistas materiais. Eu considero isto um argumento falho que deixa de considerar a essência da teoria como sendo organísmica, natural e universal. A teoria se aplica a toda a espécie humana e na verdade a todos os organismos vivos (Rogers, 1980). Quando a teoria é colocada de uma maneira que é considerada inapropriada para casos particulares, ela é sempre colo cada no formato em que os indivíduos aprenderam a "fazer" terapia centrada no cliente. Focalizar em como fazer terapia centrada na pessoa é um dos fatores mais inibidores na criação do ambiente li bertador para o indivíduo. Ademais, Rogers foi consistente quanto a desenvolver sua teoria a partir de sua observação de clientes da tera pia que se moveram em direções positivas quando era fornecida a oportunidade através de um atmosfera terapêutica facilitadora. Mais tarde, ele manteve estas mesmas observações de indivíduos em gru pos de encontro. Suas observações foram os fundamentos primários da teoria; a hipótese de crescimento emergiu destas observações. Ele observou esse processo interno e natural em indivíduos no mundo todo durante os anos em que est eve envolvido com workshops e gru pos de encontro. As distorções mais proeminentes que também parecem existir em alguns terapeutas centrados na pessoa e em outros são as seguin tes: 1 - O terapeuta tem uma intenção sistemática de ajudar a mudança do cliente de uma determinada maneira; 2 - 0 terapeuta tem objetivos de ajudar o cliente a diminuir ou erradicar problemas ou questões particulares;
3 - O terapeuta é um especialista na promoção de um 'processo' particular no cliente; 4 - As condições citadas por Rogers são necessárias, mas não são suficientes. Há outras distorções, mas , para mim, estas parecem ser as mais cor rentes entre os indivíduos que se consideram alinhados com os prin cípios da abordagem centrada na pessoa, bem como daqueles que mantêm diferentes alianças teóricas. Em uma crítica ao criticismo de proeminentes autores em relação à abordagem centrada na pessoa, notei que o impulso básico de tais críticas é o seguinte (Bozarth, 1995): "Este processo é, em essência, o de dispensar a pressuposi ção fundamental da abordagem (aquela da tendência atualizante e da autoridade do cliente) como inatingível ou questionável e proceder com críticas à teoria a partir de ou tros referenciais teóricos. Na posição tomada por estes auto res está embutida em vários graus a pressuposição de que o terapeuta é o especialista para o tratamento e mudança de comportamento do cliente. Portanto, o se u argumento teórico é um non sequiter do significado e entendimento da teoria de Rogers (p.12)."
Para recapitular a teoria ainda de outra maneira:
em relação à mudança particular ("de maximizar as potencialidades individuais") ao passo que também é universal em um nível mais macro: qual seja, "o de manter e aperfeiçoar o organismo". Rogers e Sanford observam que a promoção da tendência atualizante através da incorporação das atitudes terapêuticas constitui um contínuo "posicionamento radical... que advoga a completa confiança no cres cimento e desenvolvimento individual sob determinadas condições" (Rogers e Sanford 1984, p.1388). A posição de Rogers quanto ao locus de controle essencial para facilitar a tendência atualizante é declarada com perspicácia (Rogers, 1977): "A política da abordagem centrada no cliente é uma renúncia e uma evitação consciente do terapeuta a todo controle sobre o cliente ou a tomadas de decisão por ele. É a facilitação da auto-apropriação pelo cliente e as estratégias através das quais
isto pode ser alcançado; a colocação do locus da tomada de decisão e a responsabilidade pelos efeitos destas decisões. É politicamente centrado no cliente." (p.14)
Esta posição radical de facilitar o processo natural do cliente é o ponto crucial em relação ao qual a maioria das distorções são consi deradas. A abordagem centrada na pessoa é uma posição de vanguar da. As diversas distorções específicas que estão associadas com alguns indivíduos que praticam a terapia centrada na pessoa são as seguintes:
Quando o terapeuta pode incorporaras qualidades atitudinais
de congruência, consideração incondicional e compreensão empática na relação terapêutica com o cliente de uma manei ra que o cliente possa perceber/experienciar estas qualidades com o locus de controle pertencendo ao cliente, é que o pro cesso de atualização do cliente épromovido (Bozarth, 1997).
A importância geral da definição teórica em cada distorção da abor dagem centrada na pessoa está no ponto crucial da teoria, de que o fornecimento das condições facilitadoras promove um processo na tural no cliente, o processo de atualização. Este processo natural que existe nos seres humanos é, ao menos parcialmente, idiossincrático
Distorção 1: O terapeuta tem uma intenção sistemática de ajudar o cliente a mudar de uma determinada maneira Esta intenção está explícita em pelo menos duas ramificações da abordagem centrada na pessoa. Uma destas ramificações é o trei namento de relações humanas que se desenvolveu a partir do traba lho conceituai de Rogers mas que, eu afirmo, é uma distorção de suas hipóteses. Outra ramificação é a terapia experiencial que foi gerada a partir do trabalho de Rogers e é entretecida com o trabalho
de Gendlin sobre a teoria da experienciação (Gendlin^ 1974). No treinamento de relações humanas, a distorção, dito simplesmente, está em que a intenção do terapeuta é a de mover (ou ajudar a mover) o cliente, através do relacionamento, para a compreensão e daí para a ação. Na terapia experiencial, a intenção do terapeuta é, em última instância, a de mover os clientes a experienciar o seu sentido vivido ("felt sense"). Então, a pessoa pode experienciar um determinado fenómeno em si mesma (Gendlin, 1990). Em ambas ramificações, o processo natural do cliente é substituído pela intenção do terapeuta. Há um sutil retorno à autoridade e conhecimento do terapeuta e a autoridade do cliente fica comprometida.
Distorção 2: O terapeuta tem o objetivo de ajudar o cliente a diminuir ou erradicar problemas ou questões particulares Um apelo para que os terapeutas centrados no cliente se dedi cassem mais às questões clínicas, foi expresso num artigo editorial que sugeria que o fracasso dos autores centrados na pessoa em se voltar às questões clínicas constitui "um sério descaso de nossa par te" (Cain, 1993, pg.134). Shlien, respondendo a um artigo sobre psicodiagnóstico, resume sucintamente a posição teórica centrada na pessoa em termos de funcionamento concreto: "mas a terapia centrada no cliente tem somente um tratamento para todos os casos" (Shlien, 1989, pg. 161). Rogers foi também bastante explícito quanto a este ponto. Ele afirmou (Rogers, 1942): "O foco é o indivíduo e não o problema. O objetivo não é resolver um problema específico, mas assistir o crescimento do indivíduo, de forma que ele possa lidar com o problema atual e com os problemas vindouros de uma maneira mais integrada".(pp.28-30)
Distorção 3: O terapeuta é um expert na promoção de um "processo" particular no cliente Há um grupo de indivíduos que investiga o processo dos cli entes em terapia num esforço de identificar respostas terapêuticas específicas que facilitem processos experienciais mais efetivos nos clientes (Rice e Greenberg, 1990). Outros se dedicaram também ao processo de terapia na visão do cliente (Barrett-Lennard, 1990). Es tes trabalhos aparentemente foram estimulados pela concepção de Rogers de processo, que emana dos "momentos de movimento" dos clientes na terapia, como também do delineamento tipo "se-então" de sua teoria (Rogers, 1951; 1959). A distorção está em que as obser vações de Rogers deste processo que ocorre em muitos clientes tornam-se instruções para o terapeuta fazer um determinado proces so acontecer e/ou acreditar que este processo tem que necessaria mente acontecer. Como Brodley afirma: "A adoção de Rogers do mecanismo das atitudes é incompletamente articulada porque impli ca numa variabilidade ainda não descrita de processos de mudança, de acordo com as diferenças individuais"(Brodley, 1990, pg.12). A base teórica da psicoterapia como uma teoria que capacita o cliente a promover o seu processo individual é ignorada. O terapeuta agora sabe aonde o cliente deve ir, ou conhece o processo idiossincrático natural de determinado cliente e (dependendo da tendência do terapeuta em ser um expert) está agora, teoricamente, na posição de dirigir o cliente através de um processo "adequado e correto".
Distorção 4: O termo "centrado na pessoa" é fundamentalmente diferente de "centrado no cliente" Apesar do termo centrado na pessoa ser representativo das manifestações que se desenvolveram a partir dos princípios da tera pia centrada no cliente, o termo é atribuído aos mesmos princípios básicos da terapia centrada no cliente. Raskin comenta a respeito do
significado da terapia centrada na pessoa referindo-se à confiança na capacidade de auto-direção tanto do cliente quanto do terapeuta (Raskin, 1988). Ele sugere que a confiança do terapeuta "...pode co locar em cena diferentes maneiras de expressar empatia, o uso da intuição ou a exposição de si mesmo... enquanto mantiver o mesmo respeito básico pela capacidade de auto-direção do cliente"(p.l). Raskin sugere que uma atividade terapêutica não sistemática "...pode representar a terapia centrada no cliente no seu nível ótimo, com o terapeuta trabalhando livremente, aceitando o cliente como alguém que está na frente do caminho, sem estar limitado por um conjunto de regras"(p-l). Ele diferencia as atividades terapêuticas sistemáti cas das não sistemáticas concebendo as abordagens sistemáticas como tendo "...uma noção pré concebida de como elas desejam mudar o cliente e funcionando de um modo sistemático, em contraste com o terapeuta centrada na pessoa que já começa aberto e permanece aberto para o processo emergente orquestrado pelo cliente."(p.2). Em outro artigo eu discuto os comportamentos do terapeuta como sendo de pendentes, em parte, das idiossincrasias do terapeuta, do cliente e da situação (Bozarth, 1984). Estas diferenças, entretanto, são diferen ças na manifestação e não diferenças em relação à pedra fundamen tal da teoria centrada no cliente, isto é, a atualização; também não é uma diferença relacionada às condições necessárias 0 suficientes que permitem a promoção da tendência atualizante do indivíduo. Rogers foi claro na sua posição como clínico: "...seja eu chamado para aju dar num relacionamento supostamente centrado no cliente ou num rotulado como centrado na pessoa. Eu trabalho da mesma maneira em ambos" (Rogers, 1987, pg.3).
Distorção 5: As condições citadas por Rogers são necessárias, mas não são suficientes De alguma maneira, tem se alegado que esta distorção é um dos resultados predominantes das pesquisas sobre as condições ne cessárias e suficientes. O fato é que não existe a mínima evidência direta que dê apoio a esta afirmação (Stubbs e Bozarth, 1994).
Existem outros mitos e distorções que têm sido equiparados à abordagem centrada na pessoa. A maioria deles é gerada pelo fracas so em compreender e/ou assimilar a posição radical da abordagem centrada na pessoa, que centra na pessoa do cliente como sendo o melhor expert sobre sua própria vida, e na qual, o terapeuta opera sob a premissa de confiar que a direção construtiva é acentuada quan do se cria um clima psicológico apropriado.
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ALEM DA TEORIA.
"Você me tirou da lata de lixo"
Miguel pensou que estava ficando louco. Uma noite, assistin do televisão, ele teve a sensação de estar fora do seu corpo, de estar fora dele mesmo e entrou em pânico. Ele viera do interior, de uma família muito pobre e quando chegou à capital passou a trabalhar como garoto de programa. Mas sentia-se muito limitado e sem pers pectivas na vida. Acreditava que tinha "raciocínio lento" como sua mãe e suas irmãs. Até que um dia Miguel decidiu voltar a estudar. Ao fazer um curso intensivo de informática, subitamente, descobriu que podia entender que era capaz de interpretar um texto, que era capaz de saber, de conhecer. Miguel sentiu que "despertava"...mas naquela noite, a imagem da TV saíra para fora da tela e lhe dissera que ele não iria conseguir e que voltaria a ser aquilo que era: uma pessoa limitada, de "raciocínio lento"... Miguel pensou que enlouquecia... Em pânico, Miguel procurou ajuda. Um amigo indicou-lhe um psicólogo que, ao saber que ele era um garoto de programa, convidou-o a tomar um cafezinho em sua casa... Mas, persistente, Miguel continuou procurando ajuda. Foi a uma clínica psiquiátrica. O psi quiatra disse-lhe que ele "era um perigo" e quis interná-lo. Mas Miguel não desistiu de encontrar alguém que pudesse ajudá-lo e, no dia se guinte, foi a uma psicóloga. Após ouvir a sua história, ela lhe disse: "Pois é... você precisa fazer uma terapia para poder falar de seus projetos de vida". Miguel é um nome fictício, mas a história é verdadeira. Ela aconteceu em meados de julho de 1999, nos dias terrivelmente frios e úmidos do inverno de Porto Alegre. Foi assim, desesperado e em pânico, que Miguel chegou a Delphos. Mas a terapeuta que o aten deu desta vez disse-lhe "apenas": "O que me passa, é como se você estivesse se assistindo de fora"... Parece tão pouco... No entanto, esta foi a primeira vez que Miguel se sentiu compreendido, e tudo o que ele queria, tudo o que ele precisava era se sentir compreendido! Emocionado, em prantos, Miguel ajoelhou-se agradecido diante da psicóloga e lhe disse: "É isso! Você me entendeu!!". No dia seguin te, ele procurou novamente a psicóloga apenas para lhe dizer: " Voltei para mim mesmo"... Disse também que estava conseguindo ver me lhor as coisas, que tudo estava ficando mais claro, que podia ter no-
vãmente controle sobre si mesmo e tomar o rumo da sua vida... Alexandre, um adolescente de 17 anos, chegou a Delphos tra zendo um papel na mão. Estava escrito: "O paciente apresenta dis túrbios psicóticos, juntamente com agressividade. Encaminho para psicoterapia sistemática"'. Alexandre perguntou se precisava tomar remédio para essa "doença" que ele tinha... Uma noite, Alexandre ficou muito bravo porque seu pai não quis deixá-lo sair e deu um soco na parede, por isso o levaram ao psicólogo. Ele tinha conflitos normais de adolescente: rosto cheio de espinhas, se achava feio, desengonçado, não conseguia a namorada que queria, "não tinha jeito com as meninas". Depois de um ano e meio de terapia, Alexandre conseguiu namorar, conseguiu um emprego e passou de ano na esco la. Então, se deu "alta". Lígia tomava cinco medicações para depressão e pânico. Ela queria muito conversar com o seu terapeuta, mas cada vez que ela tentava conversar, ele aumentava a dose da medicação. Lígia se sen tia a pessoa mais infeliz do mundo. Não trabalhava e não tinha rela ções sexuais com o marido há dois anos. Lígia se sentia um nada. Certo dia, numa reunião familiar, junto com mais quatro cunhadas, todas elas pacientes do mesmo terapeuta, tiraram uma foto com cada uma segurando a sua caixinha de anti-depressivo na mão. Naquele dia, Lígia decidiu que não queria mais fazer parte daquela foto. En tão ela chegou à Delphos. Num período de apenas quatro meses, Lígia fez alguns cursos e hoje é gerente de uma loja e está ganhando um salário melhor que o do marido. Alugou um apartamento sozinha e está encaminhando um processo de divórcio. Isabela tinha 14 anos de idade e ficara internada por 40 dias num hospital psiquiátrico. Estava tomando 4 medicações, inclusive anti-psicóticos. Ela fazia terapia com em uma clínica muito concei tuada de Porto Alegre. A terapeuta pedia para Isabela levar os remé dios para tomar na sessão. Mas ela os escondia embaixo da língua. Um dia, a mãe de Isabela decidiu jogar fora toda a medicação. Co mo ela gritava muito, sua mãe a levou para a casa da praia, em pleno inverno, quando a cidade fica completamente deserta, e trancou-a no banheiro dizendo-lhe que poderia gritar à vontade mas que só a tira ria de lá quando parasse de gritar. Isabela, então, parou de gritar e a mãe propôs levá-la a uma psicóloga. Ela concordou. Isabela recebeu
atendimento psicológico na Delphos durante sete meses. Dois anos depois, ela voltou para dar notícias à psicóloga que a atendera. Isabela agora era uma mulher muito bonita. Contou que terminara os estu dos, que tinha um namorado e que estava trabalhando. E disse para a psicóloga uma frase que ela jamais esqueceria: "Você me tirou da lata de lixo". Histórias como a de Miguel, Alexandre, Lígia e Isabela repetem-se diariamente nas salas de atendimento da Delphos, reforçando em nós a certeza de que todo indivíduo é capaz de crescer e atualizar os seus potenciais quando se sente aceito e compreendido. Histórias como estas também nos revelam, tristemente, a forma como o paradigma dominante no campo da psicologia e da psiquiatria pode colocar pessoas na "lata de lixo" ou transformá-las em "depressivos" e "psicóticos", de maneira que o diagnóstico se torna um estigma e uma prisão. Entretanto, basta a estas pessoas se sentirem compreen didas e aceitas na sua dor para acontecer a mudança e a libertação. Na segunda parte deste livro, apresentamos essa nossa práti ca na terapia centrada no cliente, tudo o que aprendemos ao tentar ajudar os Miguéis, os Alexandres, as Lígias e as Isabelas... Para dar maior visibilidade a esta prática e facilitar a sua compreensão, procuramos ilustrar cada tópico com exemplos reais, extraídos de gravações de atendimentos. Para evitar que os exemplos fossem uti lizados como "modelos " a serem copiados, preferimos apresentar, em vários momentos, alguns "contra-exemplos", provenientes da prática de nossos estagiários, porque não é nossa intenção dar "re ceitas " de como ser um terapeuta centrado no cliente, mas, simples mente, apontar um caminho.
16. A comunicação entre terapeuta e cliente As atitudes facilitadoras de compreensão empática, conside ração positiva incondicional e congruência se expressam e se tor nam presentes na relação terapêutica através da comunicação entre terapeuta e cliente. Entretanto, esta comunicação não se restringe
somente ao intercâmbio verbal. O olhar, a expressão facial, a postura corporal, os gestos, o silêncio, e diversos outros sinais não-verbais do terapeuta compõem um quadro vivo e dinâmico que comunica ao cliente o que o terapeuta está realmente vivenciando na relação. O calor, a acolhida, a receptividade, a segurança e a confiança do terapeuta são comunicadas ao cliente muito mais através de formas não-verbais de expressão do que através de palavras. De uma forma um tanto esquemática, podemos considerar que, na terapia centrada no cliente, a comunicação verbal do terapeuta visa os seguintes objetivos: ° Facilitar o movimento de auto-exploração do cliente; ° Propiciar ao cliente o sentimento de que está sendo compre endido; ° Verificar se a compreensão do terapeuta está sendo verda deiramente empática; o Indicar ao cliente que o terapeuta está presente na relação. Se o cliente se sentir observado ou analisado, isto é, se sentir que o terapeuta o está olhando "de fora", como se ele fosse um "objeto" a ser conhecido, não se estabelecerá o clima necessário à mudança terapêutica. O cliente precisa sentir que o terapeuta está com ele, acompanhando-o em sua difícil, dolorosa e imprevisível jornada de auto-descoberta. Apesar do cliente perceber esta "presença" do terapeuta através de formas de expressão não-verbais, as palavras do terapeuta também contribuem para a criação desse clima facilitador.
16.1. A reiteração A reiteração é uma forma de comunicação na qual o terapeuta não acrescenta nenhum elemento verbal novo ao que fora comunica do anteriormente pelo cliente. Basicamente, a reiteração consiste em resumir ou reproduzir algumas palavras significativas da comunica ção do cliente. Esta forma de comunicação, aparentemente muito simples, possui um grande poder para ativar as forças de crescimen-
to e autonomia do cliente - se também estiverem presentes, é claro, as atitudes de consideração positiva incondicional, compreensão empática e congruência.
Exemplos de reiteração: 1) C: Ah! Eu bebo e coloco tudo, tudo... pra fora... Eu não bebi de ficar caindo, mas é isso... eu coloquei tudo! Eu não lembro exatamente das palavras que eu usei, mas no outro dia eu acordei... mas eu nem me importei assim de eu ter falado tudo aquilo, sabe? T: Tudo aquilo...
2) C: ...mas daí eu pensei, sabe? Nem estou ligando se ele ou alguém falou ou vai falar... eu não quero nem saber. T: Não quer nem saber...
3) C: É assim que me sinto... ( silêncio)... Culpada... e todos me dizem isso: mas ela tem problemas de coração....(silêncio)... isso estava sujeito a acontecer. Claro, não é porque eu briguei com ela... é a culpa... T: Culpa... T: É, me sinto culpada por inúmeras coisas, quer ver...
4) C: ...tá demorando um pouco pra mim... sabe, eu me encaixar... T: Encaixar... C: É, não sei se é impressão minha, mas tem dias que eu estou melhor, estou mais animada, mas, de repente, parece que...sei lá, me desanimo. T: Desanima... C: É, assim, acho que é meio... perco a motivação... Tem hora
que eu estou bem animada, quero fazer, quero acontecer... Um pouco parece que... ah! tá tão difícil, não consigo me movi mentar para aquelas coisas que eu pensei... Acho tudo as sim... difícil... T: Difícil... C: É, parece que eu não vou conseguir, com relação ao meu trabalho... Então acho que eu mesmo acabo colocando as di ficuldades... T: Você coloca as dificuldades...
16.2. O reflexo de sentimentos No reflexo de sentimentos o terapeuta comunica ao cliente os sentimentos que ele percebe nas "entre-linhas" de suas palavras. Apesar do cliente não se referir diretamente a estes sentimentos, eles estão presentes, sendo vivenciados por ele naquele momento. Ao refletir estes sentimentos, o terapeuta indica ao cliente que o está compreendendo e que o está acompanhando em seu movimento de auto-exploração.
C: É, coloco as dificuldades e acabo não me sentindo capaz... T: Não se sente capaz... C: É, daí eu não faço efico ...
A reiteração é tão eficaz na ativação das forças de crescimento por que cria uma atmosfera de acolhida e de compreensão que ajuda a diminuir as barreiras defensivas do cliente. A reiteração não é ame açadora, por isso, ela promove a aproximação entre o terapeuta e o cliente, facilitando a formação de uma relação de segurança e tran quilidade. Com a reiteração, o cliente se sente compreendido e acom panhado pelo terapeuta, ao invés de observado, analisado ou julga do. A reiteração não é necessária somente nas fases iniciais da terapia, quando o vínculo entre terapeuta e cliente ainda está se for mando. Ao contrário, ela é necessária sempre, em todos os momen tos do processo terapêutico, pois auxilia o cliente a se aproximar mais de si mesmo, como se fosse um "aquecimento" para iniciar um novo itinerário no seu movimento de auto-exploração. O aspecto mais importante da reiteração é que ela facilita o desenvolvimento da autonomia. Quando o cliente já se encontra num certo nível de fluidez e de abertura à experiência, basta ao terapeuta fazer uma reiteração para o cliente avançar a níveis mais amplos de auto-compreensão.
Exemplos de reflexo de sentimentos: 1) C: Antes eu estava bem desesperada... o que vai ser de mim se eu não voltar para o Leandro ? Agora estou pensando de outra forma... Estou fazendo de tudo, eu gosto dele. E se não der, eu não vou ficar desesperada... se não der, eu vou tocar a minha vida, vou me divertir, procurar uma outra pessoa. Eu voltei com outra cabeça... se não for para ser mesmo... É cla ro, é uma maneira um pouco de... mas eu vou fazer isso mes mo. Vai ser difícil, mas pelo menos pensar nisso já foi uma evolução. T: Pensar que se não der certo você pode superar... Só que parece que existe ainda um certo receio de não conseguir... C: É, eu tenho... Neste exemplo, a cliente não havia falado que estava com "receio de não conseguir superar", entretanto, o terapeuta percebera que este sentimento, este "receio" estava.presente. É importante observar que o terapeuta comunicou esta percepção com a expressão "parece que", para indicar que ele está tentando compreender a cliente, mas que não tem certeza se sua a percepção corresponde ao que ela está real mente sentindo.
2) C: Eu não fiz nada de errado, agora depende da interpreta ção dele. Pode interpretar que eu estou falando nas costas... e não foi nada disso, nada disso. E isso me deixa chateado.
C: A impressão ? O senhor acha que se trata de uma impres são - de uma simples opinião?
T: Parece que você fica chateado por não estar conseguindo ser aberto e direto com seu sócio.
C: Certamente.
C: Exatamente. Ele é uma pessoa legal, ele é um cara muito bom. Só que eu não o conheço direito. Eu tenho receio das reações dele...
Para o terapeuta que necessita "parecer inteligente" é muito difícil fazer reiterações e reflexos de sentimentos, já que elas parecem ser formas de comunicação simples demais, desprovidas de qualquer atração intelectual. Entretanto, esta simplicidade é apenas aparente, pois a reiteração e o reflexo de sentimento exigem muito do terapeuta: uma profunda sensibilidade empática e uma aceitação incondicional do movimento do cliente, que são atitudes muito difíceis de serem vivenciadas na prática. Como um exemplo da eficácia dos reflexos e das reiterações, apresentaremos um trecho de uma sessão realizada por Rogers, 134 onde utilizando-se apenas de reiterações e reflexos de sentimentos, ele facilitou de tal forma a auto-exploração do cliente que, ao final da sessão, o cliente pôde alterar significativamente a percepção que tinha de si mesmo e das causas de suas dificuldades pessoais e pro fissionais: C: Sei muito bem que o senhor não concordará comigo sobre isto. Sei muito bem que psicólogos e psiquiatras não aprovam concepções como estas. Tudo que se publica em psicologia prega o "laisser-alter", o compromisso, o relativismo moral em suma, sei muito bem que minhas ideias não estão na moda. Mas eu não me preocupo com a moda quando se trata destes assuntos T: Você tem a impressão de que tudo que se publica em psico logia visa, de um certo modo, a afetar os costumes, a alterálos.
T: H-hm. Não é uma questão de impressão - é um fato. T: H-hm. C: Pegue um livro qualquer. Vá à livraria T [livraria univer sitária]... Mostre-me um único livro que não seja mais ou menos subversivo - moralmente. T: Todos os que você examinou ali são mais ou menos subver sivos. C: Há alguma razão para se acreditar que o que se vende em uma livraria como R... não é representativo deste tipo de coi sa? T: H-hm. Você não vê razão alguma para isso. C: Se o que se vende numa livraria universitária não é repre sentativo, onde seriam vendidas as obras representativas ? T: Se estes livros não representam uma amostra válida, onde se devem procurar as amostras válidas ? C: Certamente. T: Esta é uma questão sobre a qual você se documentou sufi cientemente para não ter dúvida alguma. C: Ah, veja bem, não sou especialista na matéria - mas, o que me impressiona é que cada vez, mas cada vez que um livro de psicologia ou de psicanálise me cai às mãos - está cheio de referências, de subentendidos - ataques velados - contra as concepções morais tradicionais. T: Em tudo que lhe cai nas mãos você encontra esta mesma tendência subversiva. C: Certamente. T: H-hm. C: Eu compreendo, evidentemente, que o senhor possa não ver as coisas da mesma forma. Sendo o senhor um psicólogo,
poderia não ver ataques onde eu os vejo, é natural. O fato de pertencer à especialidade deve, evidentemente, influenciar seu ponto de vista. Pois, afinal, temos que reconhecer, somos to dos, em uma certa medida, prisioneiros de nosso campo de especialização. Compreenda bem, não quero dizer que o se nhor pessoalmente - suas teorias e seus escritos sejam sub versivos. T: Você não me inclui entre os autores... ou agentes mais ou menos subversivos. Mas considera que eu não posso, afinal de contas, subtrair-me à influência de minha área. Aquele que se encontra no interior do círculo está menos apto a reconhe cer estas coisas. C: Ah, isto é claro. Afinal de contas o senhor não poderia subtrair-se ao clima que reina na sua profissão. T: Em outras palavras, você acha que aquele que não perten ce a esta área está melhor colocado para julgar a questão. C: Sob certos pontos de vista, sim. Mas não em todos. Eviden temente não. D o ponto de vista técnico, não tenho competên cia alguma, admito. T: Mas, sob outros pontos de vista, vo^ê pensa que está mais bem colocado. C: Penso. Realmente. T: H-hm.
rio. Encontrarão o que buscam. A justificação de sua condu ta. T: Os que são... isto é, um mau sujeito achará isto tudo muito natural. (Pausa) C: Eu não disse que aquele que não vê estes livros como eu os veja, seja necessariamente um mau sujeito. T: Este não é exatamente o nome... que você lhe daria. C: Não sei como os qualificaria .Os que lêem e gostam destes livros não são todos, certamente, corrompidos. Nem mesmo necessariamente - os que escrevem. T: H-hm. C: Como a maioria das pessoas, eles são... ingénuos, supo nho. Ignorantes, incapazes de pensar em termos de princípi os. Não vêm as implicações do que dizem ou crêem. Em sua maioria, estas pessoas são lamentavelmente ignorantes ou superficiais. Não é por maldade. Mas deixam-se influenciar por qualquer um. É isto que explica a derrocada moral a que estamos assistindo. T: Quando você observa o panorama contemporâneo, acha que está, realmente, povoado de pessoas crédulas, ignoran tes, superficiais... e algumas talvez.•• piores. C: Não creio, aliás, que isto se limite aos tempos atuais. Sem pre foi assim, pelo que sei.
Pausa
T: H-hm. Os bons... os justos foram sempre poucos.
C: Sei que pareço ter um ar terrivelmente pretensioso ao afir mar isto. Mas, no entanto, penso que é um fato.
C: Muitos poucos.
T: Você não gosta de parecer pretensioso, mas julga que se trata, inegavelmente, de uma questão de fato. C: Sem dúvida. Evidentemente, como acabo de dizer, haverá alguns que não serão da mesma opinião. Isto é inevitável. T: Que diferentes indivíduos possam ver a questão de um modo diferente. C: Algumas pessoas não verão nisto nada de mal, ao contrá
T: H-hm. C: Evidentemente seria uma presunção acreditar que se per tence a este número. Isto é óbvio. T: Ainda uma vez, você não gostaria de parecer presunçoso. Mas, se o compreendo bem... você não pode evitar de se colo car entre eles. C: Muito bem, doutor. Muito bem. Vejo que me perdi num dile
T: Um dilema. C: Se digo "sim ", sou um presunçoso. Se digo "não ", eu con tradigo a mim mesmo e pareço absurdo... T: Entre estes dois males lhe seria difícil escolher. C: Oh, suponho que... poderia encontrar uma saída. T: H-hm. C: Não sei se é uma solução. Mas temo que seja uma conclu são. Uma conclusão correta, provavelmente. Sou, provavel mente, pretensioso. Sem o querer - sem dúvdia alguma. Sem me dar conta disto - completamente. T: É uma conclusão dura... mas... C: E verdade. T: Você não acha fácil escapar a tal conclusão. C: Não tenho o mínimo desejo de escapar. Quero olhar meus erros com honestidade. Estou disposto a reconhecer meus er ros. O que me recuso é reconhecer fatos que não representam meus erros, mas sim, de outras pessoas. (Pausa)... Ah, veja, este é, provavelmente, um de meus erros. É o que indispõe meus chefes, meus colegas. Eu pareço presunçoso - eu sou presunçoso. T: Parece-lhe que esta é, de certa forma, uma descoberta cha ve com relação a sua pessoa. Algo de que você não se tenha dado plenamente conta. C: Sim... Isto é... é uma questão-chave, um problema-chave. Não realmente uma descoberta. De certo modo... inconscien te... enfim, não verdadeiramente inconsciente - eu não teria tomado conhecimento, se não tivesse uma certa consciência disto - de uma certa forma, eu sempre soube que tinha neces sidade de me afirmar, de dominar, de ser melhor que os outros - "o primeiro da classe", sabe? Eu sempre tive esta necessi dade. Como quando estava na escola - onde tudo era questão de memória e de disciplina - não realmente de disciplina, di gamos antes, de uma certa disciplina de adesão às regras estabelecidas. E agora! Ah! Estou longe de ser o primeiro. O
primeiro dos fracassados, sim. Eu não me encontraria aqui se não fosse isto. E é provavelmente o que me torna tão... crítico - tão mal-humorado, às vezes. E sob qualquer pretexto. Por exemplo, outro dia, uma bondosa mulher dava uma volta pelo bairro com uma petição relativa à instalação de uma piscina na escola média. De repente me deixei levar por uma discus são com esta mulher que jamais tinha visto antes, e que pro vavelmente nunca mais tornarei a ver. E tudo isto por uma piscina! O senhor compreende? E veja que já não é o medo de um aumento de impostos - já que, de qualquer maneira, so mente os proprietários pagariam - e mesmo se a questão dos impostos mudasse - de qualquer forma é muito pouco prová vel que estejamos ainda no bairro no momento em que esta piscina for instalada. T: H-hm... Você tem a impressão nítida de que há uma certa relação entre, de um lado, sua atitude crítica, sua necessidade de se afirmar e... de outro lado, suas dificuldades com seus empregadores. C: Oh, isto é claro. Tornou-se um hábito, uma obsessão. Antes mesmo de me dar conta, já estou envolvido num ataque mais ou menos direto ou indireto. Aliás , o que acabo de fazer du rante toda esta entrevista ? Oh, vejo que está na hora. Em vez de discutir meu caso, meus problemas, minha personalidade, o que faço? Ponho-me a atacar levianamente a psicologia. Nem mesmo contra os psicólogos ou um determinado psicólo go, mas contra todo o campo. E tudo isto diante de um repre sentante da profissão. A propósito, o senhor foi muito elegan te (levantando-se). É que... e o que é curioso, é que eu tinha conhecimento durante toda esta discussão de que eu me com portava como... uma pessoa grosseira. Mas não podia parar. Tinha se tornado uma obsessão. É como se a gente estivesse automatizado. (Na porta): Mas, o senhor sabe, com relação à psicologia - é esta minha opinião. Enfim, deixemos, isto não tem importância. Até quinta-feira...
Na quinta-feira seguinte, o cliente retornou para um novo atendi mento:
C: Voltando à nossa discussão de quinta-feira passada, ima gine que eu tinha perfeito conhecimento de que fazia o papel de bobo - que fazia afirmações sobre um assunto que, no fun do, me é estranho - mesmo que, nos últimos anos, ten ha lido muitos livros de psicologia e outros livros de ciências sociais - mas, apesar disto, não tenho nenhuma... ne nhuma autorida de neste campo. Fiz dois anos de Filosofia e Letras, mas isto é outra coisa - era principalmente filosofia clássica. Eu perce bia vagamente, no decorrer da conversa, que fazia afirma ções que., eh, bem, que exprimia uma opinião - nada mais (rindo). Aliás, continuo acreditando nela! Mas o fato de que.. em certo sentido eu pontificava e.. enfi m, vi que era ridículo. Pois, afinal, era quase uma forma de criticar você ou de desa fiar. Ora, eu sabia que não tem nenhum sentido, para mim, desafiá-lo, pois, não tenho nenhum motivo para isto. Alem disto (rindo) você nunca aceita um desafio! Este não é o seu méto do. Eu percebi isto desde o início. T: Você se surpreendeu, portanto, fazendo ou dizendo coisas que não queria fazer ou dizer... Mas, sem ser capaz de parar, de se corrigir ou de retroceder. C: Exatamente. E com relação ao método tive a impressão em dado momento — de que você utilizava uma certa tática, ou, não, não uma tática, isto poderia sugerir um combate e você não é combativo. Quero dizer, eu percebia que você seguia um certo método. Isto não é uma crítica. A propósito, refleti mui to sobre esta conversa e tenho que reconhecer que este méto do tem seu mérito. Mas, mesmo assim tenho que confessar que se eu não estivesse convencido que você não tinha nenhu ma intenção de se rir de mim teria acreditado, em certo mo mento, que você estava me fazendo de idiota. T: Se você não tivesse tido a impressão de que eu... que eu era... sincero, teria acreditado que eu me ria de você... em certos momentos. C: Em certos momentos, sim... parece-me... mas após refletir, suponho que o melhor que se tem afazer quando as pessoas se põem a dizer tolices - é lhes dar razão.
T: H-hm. Você tinha a impressão de que era exatamente isto o que eu fazia: lhe dava razão e deixava-o dizer tolices. C: Eh... Sim. Sim e não. Não quero dizer que havia algo ofen sivo na sua atitude. Não. Não quero dizer que você diz que eu falava bobagens. Eu dizia isto sobre mim mesmo. Não, eu que ria dizer é isto. Você não me dava exatamente razão. Mas, não me contradizia. E isto, é tão raro que é.. bem, era suspeito. É natural que se contradiga as pessoas quando elas se põem a dizer asneiras, que manifeste seu desacordo de uma forma ou de outra. E como você não o fazia, fiquei, de certa forma, com a pulga atrás da orelha. T: Isto lhe parecia suspeito. Não de todo natural. C: Isto mesmo. Sim... Ou antes, em qualquer outra ocasião ou pelo menos com a maior parte das pessoas, isto teria me pare cido sem naturalidade. É preciso desconfiar quando a maior parte das pessoas nos dão continuamente razão. Nos tratam como crianças. Divertem-se às nossas custas. T: H-hm. Você tem a impressão de que em geral é preciso des confiar desta... atitude. Mas aqui isto lhe parece natural... sin cero. C: Sim, em realidade eu me surpreendo de ser capaz de acre ditar que é sincero. Isto me acontece raramente. Ou melhor, nunca.
16.3. A elucidação Na elucidação, o terapeuta comunica sua compreensão de sig nificados ou sentimentos que ainda não foram simbolizados pelo cli ente, isto é, na elucidação o terapeuta faz referência a experiências que o cliente ainda não integrou no seu auto-conceito. Por este moti vo, a elucidação pode ser percebida pelo cliente como ameaçadora. Neste sentido, é conveniente que o terapeuta sempre comunique o conteúdo de uma elucidação de um modo não categórico, utilizando-se de expressões como "não sei se lhe entendi bem...", "não es-
tou bem certo de estar lhe entendendo...", etc. Apesar da>elucidação fazer referência a experiências ainda não-simbolizadas na consciên cia, ela se origina de uma compreensão empática do terapeuta em relação à vivência do cliente. A elucidação, portanto, não possui um caráter "psicodinâmico" ou interpretativo, pois não se baseia em con ceitos teóricos externos à experiência do cliente. Ou seja, a diferença entre uma elucidação e uma interpretação é que a elucidação, ape sar de trazer elementos que ainda não estão presentes na consciência do cliente, permanece centrada na experiência dele, ao passo que a interpretação baseia-se nos conceitos teóricos a priori do terapeuta, possuindo um caráter avaliativo, diagnóstico ou explicativo.
Exemplo de elucidação: C: Ele é um tipo literalmente cheio de pretensão. Para ele somente a sua pessoa é que conta. Somente ele tem alguma coisa a dizer. Quando entra em cena, monopoliza a conversa ção. Pode-se dizer boa-noite a todo o mundo e ir-se embora. T: Ele encobre todo o mundo C: Totalmente, totalmente. T: Isto o incomoda... Isto o enerva, se bem compreendo. C: Ah, escute., isto lhe agradaria? T: Você acredita que isto não pode agradar a ninguém... C: Certamente. T: Ou que poderia deixá-lo indiferente. C: Ah, isto depende. Se fosse apenas o espectador, suponho que permaneceria indiferente. Mas eu não sou um espectador desinteressado. Faço parte desta situação. Isto me ating e. Está aí o centro do problema.
T: Está aio centro do problema. Não são suas maneiras... é o fato de que suas maneiras, de uma forma ou de outra, o atin gem desfavoravelmente... o diminuem. É isto? 135
16A. O desvelamento
O desvelamento é a expressão de um momento mágicom do processo terapêutico, quando o terapeuta está tão próximo do clien te, sentindo tão profundamente o seu mundo interno, que é capaz de perceber sentimentos e significados que ainda estão muito distantes da consciência ou da possibilidade de simbolização do cliente. No entanto, diferentemente da elucidação, no desvelamento o terapeuta não está "compreendendo" um significado da experiência do cliente, mas está vivendo junto com ele esta experiência. Por isso, o desvela mento nunca é ameaçador para o cliente. António Monteiro dos San tos137 se refere a estes momentos mágicos como momentos de pro funda união entre terapeuta e cliente onde "cliente e psicoterapeuta fluem um em direção ao outro formando uma unidade compacta ca paz de penetrar confusões, desalentos, solidões e agonias em busca da saúde, da compreensão e do crescimento no processo terapêutico". Santos138 aponta algumas das características destes momentos mágicos: ° Intensidade: estes momentos se caracterizam por um inten so envolvimento entre terapeuta e cliente; ° Liberdade: terapeuta e cliente sentem-se livres para falar, pensar, fazer e se expressar sem restrições, sem medo de errar; ° Fluidez: nestas vivências se manifesta a própria natureza da vida que é a de constante movimento; 135. Rogers & Kinget, 1977, p. 86, vol.2 136. A expressão "momentos mágicos" é de autoria de António Santos. Ver Santos, 1987. 137. Santos, 1987, p. 38
° Intuição: terapeut a e cliente têm reações intuitivas e acredi tam nestes pensamentos, sentimentos e movimentos que não têm uma explicação racional e agem baseado neles;
"impressão integrativa" e se refere a um momento especial no pro cesso terapêutico no qual desaparecem os limites entre "Eu-VocêEles-Natureza-Deus". Neste momento, a mente do terapeuta se tor na quieta e calma, apontando totalmente para uma só direção, como se estivesse num estado meditativo. O terapeuta entra num estado alterado de consciência no qual o dualismo entre ele o cliente desa parece. Neste momento , o terapeuta é capaz de entrar completam en te no mundo desorganizado, confuso e irracional do cliente e juntar, numa impressão integrativa, as experiências fragmentadas e desconectadas do cliente. Nestes mom entos, o cliente consegue ver a sua experiência sob uma nova luz e reorganizá-la. Bowen considera que estes momentos possuem uma qualidade espiritual, pois através deles terapeuta e cliente sentem-se interligados com a energia do universo.
° Humild ade: existe a experiência da entrega ao que vai além do "eu" e que leva terapeuta e cliente a sentirem que são apenas parte do que está acontecendo e não o todo.
Na vivência deste momento mágico entre terapeuta e cliente, o desvelamento se dá, muitas vezes, a partir de apenas uma ou duas palavras do terapeuta, como no exemplo a seguir:
Santos considera que estes são momentos de união na qual ocorre uma relação de centro para centro, pondo em contato as forças intui tivas de terapeuta e cliente, quebrando a dor da separação e resultan do em sabedoria, aprendizagem e saúde. Para o autor, estes momen tos possuem uma qualidade espiritual, na qual terapeuta e cliente participam de uma consciência mais ampla, divina.
Raquel, viúva há alguns anos de Francisco, falava ao terapeuta de suas dificuldades de relacionamento com o namorado atual:
° Sentido de totalidade: vivencia-se um estado de fusão de forças, almas e energias que leva tanto o terapeuta quanto o cliente a sentirem-se parte de um todo regente do universo; ° Sincronicidade: terapeuta e cliente estão em sintonia, no mesmo "comprimento de onda", na mesma "frequência"; ° Separação e objetividade: nestes momentos é como se o terapeuta pudesse observar o que está acontecendo de lon ge, com objetividade, mas mantendo-se paradoxalmente unido e em contato com o cliente;
"Durante o acontecimento destes Momentos Mágicos parece acontecer na consciência o paradoxo da união dos opostos, numa fusão entre racionalidade e intuição, arte e ciência, objetividade e subjetividade, consciente e inconsciente culmi nando na energia da vida que movimenta o ser humano físico e mentalmente. ...Assim sendo, resulta numa consciência nãoconsciente, na qual recebemos informações sem saber bem de onde e fazemos coisas sem saber bem o quê, como se fôssemos parte de uma sabedoria maior que rege o Universo e que é muito sábia. " I39
O desvelamento foi denominado por Maria Constança Bowen 140 de 139. Santos, 1987, p. 37
C: Eu tenho muito medo de perdê-lo... eu tenho uma sede in saciável de amor, de carinho, de atenção.... parece que nada que ele faça é suficiente, estou sempre achando que vou perdêlo, estou sempre com medo que ele não me ame mais... Por que eu não consigo simplesmente namorá-lo, curtir o momen to em que estamos juntos ? Este sonho de que vamos casar e ser uma família feliz está sempre presente, parece que toma conta de tudo... O sonho fica maior que a realidade... Ao invés de curtir o Renato, do jeito que ele é, a pessoa que ele é, o momento real em que estamos juntos, o sonho acaba ficando maior que tudo... Por que ele não pode ser apenas meu namo rado? Por que eu tenho que ficar sonhando tanto? T: Sabe, Raquel, você falando isso, me veio duas palavras... Parece que não tem nada a ver com o que você está falando, mas me veio, assim, estas duas palavras: "culpa " e "Francis co". Pode não ter nada a ver, você não falou no Francisco, nem falou de culpa, mas me veio... assim... estas duas pala vras apenas: "culpa " e "Francisco ", isso faz algum sentido
C: (chorando muito)... Tem tudo a ver com o Francisco, sim... Mas eu queria esquecer, eu não queria ficar me lembrando dele... É como se eu tivesse posto uma pedra por cima de tudo... para não ver, para não sofrer mais... Mas está tudo ainda aqui, ainda está doendo... (Depois de chorar muito e falar da dor que ainda sente com a perda de seu marido, Ra quel continua) Mas como eu faço para curar essa ferida ? Como eu faço para me libertar desse passado ? Como eu posso acal mar meu coração?... sentir paz aqui dentro... Como?... Cho rando mais? Mas eu já chorei tanto!! Eu não quero mais cho rar!! Eu não aguento mais chorar... Sabe, quando ele morreu eu senti muita raiva, muita raiva... (Raquel chora convulsiva mente) Mas de quem eu ia sentir raiva? Dele? Como eu ia sentir raiva dele? De Deus? Eu ia sentir raiva de Deus? De quem eu ia sentir raiva? De mim?... (Raquel chora tanto que quase não consegue falar)... A culpa era minha... Eu não me recia ser feliz... Era o meu carma ficar sozinha, Deus tirou ele de mim porque eu não merecia ser feliz.. • Era minha culpa... Eu tenho muito medo... muito... medo... (Raquel pronuncia cada palavra com intensa emoção, como se estivesse quase "se afo gando" em sua dor)... de que eu... nunca... mais... vou ser fe liz... porque Deus não quer... que eu seja feliz... é minha cul pa...
Vemos, assim, que o medo que Raquel sentia surgira da culpa que experenciava a um nível muito profundo, mas que nunca conseguira simbolizar em sua consciência. Somente ali, na segurança da relação terapêutica, ela pôde olhar para esta culpa. Na intensidade daquele momento mágico, conectando-se com as suas forças de crescimento e cura, Raquel conseguiu, então, se libertar desta culpa e acreditar na sua capacidade de ser feliz. Como podemos constatar neste exemplo, o desvelamento ca racteriza-se basicamente pelo estupor de que tudo fica subitamente iluminado. Há uma sensação de "claridade", de visibilidade onde o organismo é atualizado e o cliente tem a possibilidade da certeza e da congruência. Com isso, abre-se um novo itinerário de possibilida des... Um caminho sem volta...
16.5. Diferenças entre atitudes e técnicas terapêuticas As atitudes facilitadoras da terapia centrada no cliente não podem ser consideradas como "técnicas" pois elas têm que ser vivenciadas de forma genuína, autêntica, sincera e espontânea. Na terapia centrada no cliente, o terapeuta é o seu próprio instrumento de trabalho: ou seja, a qualidade do ser do terapeuta é a única "téc nica" utilizada. Neste sentido, Kinget 141 afirma que o terapeuta não pode agir: "como se experimentasse sentimentos calorosos em relação ao cliente; como
se abstivesse de julgar;
como se aceitasse como se quisesse
o cliente tal como ele é; que o cliente tomasse a direção da entrevis
ta, etc."
O terapeuta precisa vivenciar de forma genuína e autêntica estes sen timentos e atitudes em relação ao cliente, senão seus esforços serão inúteis. Para promoverem a mudança terapêutica, a consideração positiva incondicional, a compreensão emp ática e a congruência pre cisam ser experenciadas com a totalidade do ser do terapeuta. Se estas atitudes forem consideradas apenas como "técnicas" para se rem aplicadas na situação terapêutica, o fracasso da terapia será ine vitável. No exemplo abaixo, o terapeuta utilizou a reiteração apenas como uma técnica de intervenção verbal, sem conse guir se centrar na vivência do cliente: C: Eu gostaria de saber se você pode me dar uma dica, a maneira de eu agir, a maneira de fazer, a maneira de não re clamar, porque eu reclamo muito... T: Gostaria que eu te desse dicas... C.É.
O terapeuta não compreendeu o sentimento do cliente, restringindose à dimensão intelectual daquilo que foi verbalizado, criando uma situação na qual só cabia ao cliente responder "sim" ou "não". Se o terapeuta estivesse centrado no cliente, ele possivelmente teria feito alguma reiteração em relação ao sentimento do cliente de ser uma pessoa que "reclama muito", o que, sem dúvida, facilitaria o seu movimento de auto-exploração. Percebe-se, através deste exemplo, que as atitudes centradas no cliente não são, de maneira alguma, "técnicas". Ser um terapeuta centrado no cliente exige muito mais do que o conhecimento de "técnicas" de reflexo de sentimento. Ser um terapeuta centrado no cliente exige, pelo contrário, a pessoa total do terapeuta.
16.6. A estruturação da relação terapêutica A relação terapêutica centrada no cliente é completamente dis tinta de qualquer outro relacionamento da vida do cliente. Pelo fato de ser uma relação não-diretiva e completamente centrada no clien te, ela se constitui numa relação interpessoal única, sui generis. En tretanto, o cliente, quando vai procurar ajuda, tem a expectativa (ou o desejo), em maior ou menor grau, de que o terapeuta guiará o processo, fará perguntas ou dirigirá a sessão de alguma maneira. Portanto, é inevitável que a primeira sessão ou o primeiro contato do cliente com este tipo de relação seja bastante significativa. Como o cliente conseguirá "compreender" que a maneira como o terapeuta irá ajudá-lo não será fazendo perguntas, interpretando, aconselhan do ou orientando? Como o terapeuta poderá "mostrar" a o cliente que ele (o cliente) possui completa autonomia e detém totalmente o locus de avaliação e controle na relação? Certamente, não será explicando-lhe o referencial teórico da terapia centrada no cliente ou justifi cando teoricamente o porquê de sua conduta não-diretiva. A estrutu ra da relação terapêutica deve ser apresentada de uma maneira implí cita, desde a primeira sessão, através das atitudes não-verbais do terapeuta.
A primeira sessão: Desde o primeiro encontro, a relação terapêutica já se estrutu ra como uma relação não-diretiva, devido à confiança do terapeuta na capacidade do cliente para utilizar com autonomia o tempo e o espaço da sessão. Por este motivo, o terapeuta se abstém de indicar ao cliente o que ele deve falar, quando deve falar ou como deve falar. Assim, ao entrar no consultório, o cliente já se encontra num espaço e tempo de completa liberdade, autonomia e aceitação. Marian Kinget, no livro "Psicoterapia e relações humanas", descreve com muita sensibilidade este significado do primeiro encontro entre te rapeuta e cliente: "Se o terapeuta está convencido da capacidade do indivíduo de se ajudar a si mesmo, quando lhe é realmente dada a oca sião, e se está convencido que o seu próprio papel é o de um catalisador, não de um agente, transparecerá em sua aparên cia fisionómica — expressão do rosto, postura, etc. - uma co municação que o cliente compreenderá sem dificuldade. (...) Esta comunicação é bem simples: ela se refere ao fato de que, neste preciso momento, o terapeuta considera seu papel como sendo o de escutar. (...) Os primeiros segundos que os
interlocutores passam assentados face a face — segundos si lenciosos, mas não inativos - constituem uma experiência sem pre fascinante. Em praticamente todos os casos verifica-se uma mudança, quase visível, na atitude do cliente: passagem da expectativa à iniciativa. Estes poucos instantes oferecem uma ocasião extremamente interessante para se observar que o ser humano é um ser ativo, capaz de compreender a significação de situações novas e de utilizá-las deforma construtiva. (...)Não é pois, necessário, durante a primeira visita de um cliente, dizer-lhe para falar e indicar-lhe o tema. Sem se dar conta do fato de que não foi convidado explicitamente a tomar a pala vra e que, em consequência, nenhum assunto lhe foi indicado, o cliente toma a iniciativa. (...)0 mérito do método não-ver bal que acabamos de descrever não reside absolutamente na ausência de linguagem, mas na presença, no comportamento
do terapeuta, de uma confiança e de um respeite que convi dam à atividade e, portanto, à atualização das capacidades do cliente. " I42
Se, ao contrário, o terapeuta inicia a primeira sessão perguntando ao cliente "O que o trouxe aqui?" ou "Qual o seu problemal", ele assu me a direção do processo e tira a oportunidade do cliente de assumir esta direção. Sobre esta forma de iniciar a sessão, Kinget comenta: "A intenção destas palavras é, sem dúvida, facilitar o papel do cliente. O terapeuta presume que o indivíduo se sentirá mais à vontade se as coisas se passarem de maneira familiar ou rotineira. Contudo, neste caso, não se trata de facilitar, mas de facilitar de maneira terapêutica. " m
Da mesma forma, se o terapeuta inicia a sessão com um discurso previamente estruturado, ele também não consegue se centrar no cli ente. No exemplo abaixo, o terapeuta estava preocupado com o esta belecimento do contrato entre ambos, entretanto, esta era uma preo cupação do terapeuta e não do cliente:
contrário, é uma atitude centrada no cliente, que se baseia na confi ança do terapeuta na capacidade do cliente de dirigir a sessão com autonomia. Entretanto, o terapeuta inseguro pode estar tão preocu pado com o que vai dizer para o cliente no instante seguinte que acaba se centrando muito mais em si mesmo. Neste sentido, quando o terapeuta se abstém de tomar a iniciativa na sessão movido pela sua insegurança interna e não pela confiança na capacidade do clien te, isto não pode ser considerado como uma atitude não-diretiva. A seguir, apresentaremos um exemplo de uma primeira sessão de um terapeuta iniciante que, devido a sua insegurança interna, não conseguiu adotar uma atitude verdadeiramente não-diretiva na relação, apesar da sua insistente recusa em "fazer perguntas" ao cliente: C: Você pode perguntar o que quiser, é melhor para eu res ponder do que falar assim. T: Você prefere que eu lhe faça perguntas porque você se sente mais á vontade que eu fale, faça perguntas. C: E isso. T: Você está se sentindo pouco a vontade e prefere que eu fale.
T: Eu sou a Glória, estagiária de psicologia e tudo o que for dito aqui fica entre nós e não vai sair desta sala. Este espaço é seu e o tempo que temos é de 50 minutos e estou a sua dispo sição.
C: Isso. É que eu ainda não me acostumei muito sabe.
C: E. Eu já fiz terapia com outros psicólogos. Eu vim aqui porque...
T: Você não costuma falar.
Se o terapeuta estiver muito inseguro do seu papel, ele poderá até se abster de tomar a iniciativa ou de fazer perguntas, mas não consegui rá manifestar o calor e a compreensão empática necessários para compensar estas abstenções. Em consequência disto, esta conduta do terapeuta deixará o cliente apenas mais inseguro e defensivo. Ou seja, a atitude não-direti va não deve ser confundida com a atitude de "abandonar" o cliente à sua própria sorte. A não-diretividade, pelo
T: Você não se acostumou ainda. C: Não. C: É. (silêncio) T: Quer falar sobre algum assunto ? C: Eu quero falar sobre qualquer coisa. T: Não é muito de falar... C: Até sou mas acontece que, sabe né, é difícil né... T: É difícil falar de você. C:É.
142. Rogers & Kinget, 1977, p. 96
T: É complicado, falar dos outros é mais fácil, da gente fica mais difícil às vezes.
C: É verdade.
*
T: As vezes precisa de um impulso para falar. C: É ( silêncio) T: Eu também não sei o que perguntar. C: Ah eu sei, o que você acha que pode perguntar, aí eu res pondo. T: Eu gostaria de saber mais sobre a sua história e sobre o que você gostaria de falar também. C: Mas prefiro que você pergunte, pode perguntar o que você quiser que eu respondo, (silêncio)
17. O desenvolvimento do terapeuta A relação terapêutica centrada no cliente difere radicalmente de todos os relacionamentos que vivemos em nosso dia-a-dia. É uma relação que exige do terapeuta um nível de abertura à experiência, de sensibilidade e de compromisso com o outro que não encontramos usualmente em nossos relacionamentos pessoais. Como vimos no capítulo 16 {diferença entre atitudes e técnicas terapêuticas), a pes soa do terapeuta é o único instrumento da terapia centrada no clien te. Por este motivo, o terapeuta centrado no cliente não pode ser "qualquer" pessoa. Algumas condições são necessárias para que o "jeito de ser" do terapeuta possa ser um instrumento terapêutico: Primeiramente, o terapeuta precisa ter uma confiança genuí na na tendência atualizante. Ou seja, ele precisa ter uma confiança verdadeira, autêntica, de que o cliente possui dentro si os recursos que necessita para se desenvolver e que ele é capaz de escolher, com autonomia, o seu próprio caminho de crescimento. Esta confiança na capacidade do cliente tem que fazer parte da visão de mundo do
terapeuta precisa ter sensibilidade e grande capacidade intuitiva. A dimensão intuitiva da terapia centrada no cliente só pode ser desen volvida até um certo ponto. Precisa existir uma pré-disposição sensí vel no terapeuta, uma habilidade básica, já estruturada na sua perso nalidade, que lhe permite entrar em sintonia e compreender empaticamente não somente o mundo interno do cliente como tam bém a sua própria experiência organísmica. Este tipo de sensibilida de é um pré-requisito essencial para que o terapeuta possa ser empático e congruente na relação terapêutica. Estar sensível e receptivo aos sentimentos e ao processo experencial não só do cliente como tam bém aos seus próprios é uma "arte", um "talento" ou um "dom", já que não é algo que possa ser aprendido como se fosse apenas uma técnica. Entretanto, isto não significa que este talento não possa ser desenvolvido, treinado e aperfeiçoado. É necessário um grande apren dizado, através de muita disciplina, para que o terapeuta seja capaz de utilizar sua sensibilidade e intuição de maneira adequada na rela ção terapêutica. O aprendizado de um terapeuta pode ser comparado com o aprendizado de um músico para tocar seu instrumento: assim como um violinista precisa praticar pacientemente o simples ato de segurar o arco para conseguir produzir uma bela música, também o terapeuta precisa disciplinar pacientemente sua sensibilidade e intui ção para conseguir desenvolver sua capacidade empática a um nível mais profundo144. O terapeuta também precisa estar inteiramente receptivo à verdade do outro e estar disposto a ser modificado pela relação. Esta disponibilidade para reconhecer a verdade do outro implica numa disponibilidade para reconhecer seus próprios enganos, suas limita ções, necessidades e vulnerabilidades. Esta característica do terapeuta pode ser denominada de humildade, em contraposição a um senti mento de onipotência e rigidez que impossibilita o terapeuta de se abrir plenamente para a relação. Além destas características de personalidade, também é im prescindível que o terapeuta já tenha experenciado o processo de mudança terapêutica. Este processo, em muitos momentos, pode ser extremamente doloroso e assustador. Experenciar sentimentos que
sem ilusões, é muitas vezes uma experiência aterradora. O medo de desintegração, o sentimento de auto-rejeição, a confusão, as ambivalências e incertezas tornam o processo de crescimento e mudança muitas vezes difícil de suportar. Para que o terapeuta possa efetivamente ajudar o seu cliente a mergulhar neste processo, supe rando seus medos e inseguranças, é necessário que ele tenha total confiança no processo. Mas esta confiança do terapeuta somente surge a partir da sua vivência pessoal, esta confiança só é possível se o terapeuta já tiver vivido em si mesmo esse processo de mudança e transformação. Rogers, ao se referir à necessidade desta confiança do terapeuta no processo, afirma: "É como seu eueo cliente, muitas vezes amedrontados, nos deixássemos escorregar para dentro da corrente do vir-a-ser, uma corrente ou processo que nos conduz. Como o terapeuta se deixou flutuar previamente nessa corrente de experi ência ou de vida, achando-a compensadora, isso o torna cada vez menos temeroso do mergulho. É a minha confiança que facilita ao cliente embarcar também, aos poucos. " I45 Mas não é somente pela necessidade de "transmitir" ao cliente esta confiança no processo de mudança e em seus resultados compensadores que o terapeuta precisa ter vivenciado previamente este processo. Este mergulho na experiência da mudança também oferece ao terapeuta a possibilidade de adquirir outras condições absolutamente necessárias para ser um facilitador na relação tera pêutica: auto-conhecimento, auto-aceitação e honestidade consi go mesmo. O terapeuta precisa ter estas atitudes em relação a si mesmo para ser capaz de vivê-las em relação ao cliente. Brian Thorne, psicoterapeuta britânico, afirma que "você pode oferecer as condi ções para os clientes com algum tipo de integridade somente se você tenta oferecer essas condições para você mesmo. Se você é profun damente auto-rejeitador, como você pode oferecer aceitação para seus clientes? Se você é resistente ao auto-conhecimento, como você pode oferecer empatia ? Se você não está preparado para ser hones to com você e estar em contato com o que está se passando dentro de você, como você pode realmente ser congruente?"' 46 Assim, é nesta relação indissociável entre compreensão
empática e auto-conhecimento, entre consideração positiva incon dicional e auto-aceitação, e entre congruência e honestidade con sigo mesmo que se encontra a origem das dificuldades encontradas pelo terapeuta para vivenciar as atitudes facilitadoras da terapia centrada no cliente.
17.1. As dificuldades para centrar-se no cliente Centrar-se no cliente, isto é, mergulhar no mundo do cliente, se colocar no lugar dele e tentar sentir como ele se sente, não é uma atitude fácil de ser experenciada. Para centrar-se no cliente é neces sário, antes de mais nada, estar aberto a ele, aceitando-o positiva e incondicionalmente. Para estar aberto ao cliente, o terapeuta precisa estar sem defesas, isto é, precisa estar congruente com a sua experi ência. E é somente centrando-se no cliente que o terapeuta consegue compreendê-lo empaticamente. Dessa forma, podemos dizer que na atitude de centrar-se no cliente convergem e se realizam as outras três atitudes facilitadoras: a consideração positiva incondicional, a compreensão empática e a congruência.
Uma das dificuldades para centrar-se no cliente está na difi culdade do terapeuta de entrar na "dor" do cliente. O terapeuta fica apenas na "borda", na superfície, sem entrar na essência do que está sendo trazido, porque a dor do cliente lhe parece ser insuportável. Esta dificuldade do terapeuta de entrar junto com o cliente na sua "dor" torna-se, então, um empecilho para o crescimento do cliente. Enquanto o terapeuta não conseguir entrar verdadeiramente no mun do do vivido do cliente, enquanto ele se mantiver distante, sentindose ameaçado pela dor do cliente, ele estará dificultando a mudança terapêutica ao invés de estar facilitando-a. Nestes exemplos, podemos observar as dificuldades que um terapeuta pode ter para se centrar no mundo do vivido do cliente: 1) C: Penso que ela não é muito querida. T: Me passa que você sente uma certa pena em relação a ela.
C: Não tenho pena, por ela não, pelo que ela faz não.
Na percepção do terapeuta, a cliente estava sentindo pena. Mas a resposta da cliente indica que o terapeuta não conseguiu centrar-se no que ela estava realmente sentindo. 2) C: Eu não tenho vontade de perguntar, não tenho vontade de ter contato nenhum com a Joana. Eu não gosto dela... T: Você se sente muito mal com ela. A cliente disse que não gostava de Joana, mas o terapeuta amenizou o seu sentimento, dizendo que ela apenas "se sente mal com ela". Ao "diminuir" o sentimento, o terapeuta evitou trabalhar a dor da cliente de "não gostar dela". A cliente iria trabalhar a questão do não gostar, iria para um caminho desconhecido, mas o terapeuta mudou o roteiro e evitou seguir por este caminho desconhecido. 3) C: ...Tiago foi domingo na casa da minha madrinha, só que ela não deixou ele entrar lá dentro. Também não pede para entrar, nunca subiu, mas ele nunca entrou quando eu estava lá. E eu fico bem longe da janela quando ele está perto, eu não quero ver ele. T: Você não se sente bem com ele por perto.
Esta situação é idêntica à do exemplo anterior Aqui, o terapeuta tam bém "amenizou" o sentimento da cliente. Ela disse que "não quer ver" o Tiago, entretanto o terapeuta diminuiu a dor deste sentimento dizendo-lhe que ela apenas "não se sente bem com ele por perto", 4) C: Hoje estou um pouco melhor. Recebi pelo correio o re sultado do último exame, este é o mais completo, o médico infectologista me garantiu que é o exame mais completo e no vamente deu negativo para o vírus do HIV Olhe meus exames, veja o resultado. T: Você está mais tranquila, isso é muito bom, no entanto, você quer provar às pessoas como é saudável, porém ainda está difícil aceitar o fato de que não está doente.
ele está fazendo um julgamento, uma avaliação. Além disso, quando ele afirma que a cliente "quer provar às pessoas como é saudável" e que está difícil para ela "aceitar o fato de que não está doente", ele não está se centrando no mundo do vivido da cliente, muito pelo contrário, está impondo-lhe as suas inferências que em nenhum mo mento estiveram presentes na experiência da cliente. 5) C: Não estou com vontade de fazer nada, eu tenho amanhã estágio. Eu tenho prova amanhã e não sei nem do que se trata. Sexta-feira inglês, que eu faltei esses dias, estou perdida nas aulas. Eu não sei, se eu pudesse me enfiar num buraco, eu me enfiava... T: Parece que você está canalizando todas as suas energias nesse seus sentimentos, nessa confusão e isso parece que lhe deixa sem energia para outras atividades. O terapeuta não conseguiu compreender o sentimento vivenciado pelo cliente. Se ele estivesse centrado no cliente, provavelmente teria feito alguma reiteração em relação ao sentimento do cliente de não estar conseguindo fazer as suas coisas, de estar sem vontade de fazer nada e de estar se sentindo sobrecarregado, e o cliente teria se sentido compreendido. 6) C: Eu disse "estou muito bem". Finalmente estou muito bem. Enfatizei o átimo. Eu não sei se eu fiz alguma coisa, se fui eu mesma que fracassei, demostrando assim ter ido com muita sede ao pote... Pretendo conseguir, pretendo, não tenho certeza. Mas vou tentar... T - Mesmo com tantos obstáculos que está sentindo pretende tentar.
Onde estão os "tantos obstáculos?" Sutilmente, o terapeuta está in troduzindo obstáculos que não existem. Ao invés de se centrar no sentimento do cliente, de ter fracassado e de ter ido com muita sede ao pote, o terapeuta coloca um elemento novo - os obstáculos - que levam a uma intelectualização. O terapeuta, de fato, está dando um conforto ao cliente, como se estivesse lhe dizendo que "apesar dos obstáculos, ele está conseguindo" e, assim, está evitando entrar na
7) C: Eu não sei, ultimamente estou sentindo muita náusea, não tenho fome e o pior é que transei sem estar tomando nada para não engravidar. T: Você não usou camisinha?
Neste exemplo, o terapeuta não se centrou na cliente, mas centrou-se na sua preocupação com a gravidez dela. 8) C: Eu me sinto super mal, sério (nesse instante, enche os olhos de água). Por isso que eu converso, eu fico guardando tudo para mim. T: Você parece triste...
O terapeuta fugiu da dor do cliente, pois ele não "parece triste" - ele está triste. Não houve empatia, pois o terapeuta evitou entrar no
movimento que o cliente estava trazendo, da realidade de que ele "está super mal". O cliente trouxe algo extremamente dolorido, mas o terapeuta não entrou nessa dor, ficou na "borda", dizendo-lhe que ele "parece" triste. 9) C: Sim, lá era muito bom e tenho boas recordações, falar nisso me dá uma grande emoção. T: Nosso horário está terminando, vamos ficando por aqui.
17.2. As atitudes diretivas A não-diretividade, outra atitude fundamental da terapia centrada no cliente, também é muito difícil de ser vivida na prática, pois exige do terapeuta uma confiança inabalável na tendência atualizante do cliente. Quanto menos confiança o terapeuta tiver na capacidade do cliente de crescer com autonomia, mais ele tenderá a controlar, orientar e dirigir o processo terapêutico. As atitudes diretivas inibem o processo de crescimento do cliente por várias ra zões:
0
inibem a liberação das forças de autonomia do cliente;
° promovem atitudes defensivas, na medida em que o cliente pode se sentir ameaçado pelas orientações, sugestões, per guntas ou explicações do terapeuta. o afastam o cliente do seu movimento interno, que é mais sá bio que todo o conhecimento intelectual do terapeuta. Quando o terapeuta não confia suficientemente na tendência atualizante do cliente, el e se sente inseguro para "abrir mão" do con trole na relação terapêutica. A atitude de "entrega" que caracteriza a não-diretividade exige do terapeuta uma profunda segurança interna e uma inabalável confiança nas forças de crescimento do cliente. As atitudes diretivas podem se expressar de diversas formas durante a sessão terapêutica. A mais comum delas é através de per guntas que expressam uma "curiosidade" do terapeuta em relação ao cliente. Estas perguntas têm como consequência o afastamento do cliente do seu movimento de auto-exploração. Vejamos alguns exem plos: 1) C: Você é psicóloga e eu tenho que lhe contar tudo que me deixa mal. O relacionamento íntimo com meu marido não é legal... T: Não é legal? C: É, não é. Ele me procura muito pouco. Às vezes nós nos relacionamos uma vez só por mês ... T: Estes encontros são de qualidade?
O terapeuta direcionou o movimento da cliente para a questão da qualidade, que, possivelmente, são valores do terapeuta. A cliente está dizendo que o relacionamento com o seu marido "não é legal", entretanto, o terapeuta, sem conseguir compreendê-la, reduziu tudo à questão da qualidade. 2) C: Sou afilha mais velha dentro da família de 3 irmãos e 2 irmãs e prometi para minha mãe que eu sempre iria cuidar deles. Sou muito apegada a eles, e eles ainda sofrem comigo, até meus irmãos sofrem.
T: Parece que seus pais também têm dificuldades em se afas tar de você. C: Somos muito ligados um nos outros. T: Como assim ligados ?
Ao invés de centrar-se no sentimento da cliente de ser muito apegada a sua família, o terapeuta distorceu este sentimento dizendo-lhe que os seus pais é que são apegados a ela. Além disso, o terapeuta também esvaziou o movimento da cliente ao colocar o foco nos seus pais. A seguir, quando o terapeuta perguntou "como assim ligados?", ele tentou dar um rumo, uma direção para o processo, demonstrando que não está compreendendo a cliente e que não está confiando no ritmo dela. 3) C: É, para as crianças não preciso falar, pensam que estou triste por ter ficado sozinha sem meu marido. Sempre faço isso. T: Faz o quê?
Se a dor, se a tristeza da cliente foi claramente expressa, o que o terapeuta está querendo explorar? Ao invés de compreender o senti mento que ela estava trazendo, o terapeuta demonstrou uma curiosi dade pessoal que afasta a cliente do seu movimento interno. 4) C: A sensação que eu tenho é que desde setembro de 95 eu saí fora do ar, não vivi, não participei e não entendi o que estava acontecendo. Sinto que acordei agora e quero muitas explicações a respeito disso. T: A respeito do quê?
O terapeuta apresentou a mesma atitude de curiosidade e de afasta mento do movimento do cliente que vimos no exemplo anterior. 5) T: Não sei se eu compreendi, mas você falou que foi ama durecendo com o tempo em função desta vida familiar atribu lada?
C: E bastante.
T: E foi se trancando conforme foi crescendo. Agora eu não entendi o que tem a ver com o que você falou de ser rapidinha, como por exemplo, na alimentação.
Neste exemplo, o terapeuta está considerando que é importante que ele entenda o cliente. Mas entender para quê? Esta atitude do terapeuta coloca um limite na relação: o cliente terá que funcionar de forma a que o terapeuta o entenda. Só que o fato do terapeuta entender não significa que o cliente vai mudar. É o terapeuta quem deve ajudar o cliente a se compreender, através de uma atitude empática e não inte lectual. Outra maneira bastante comum do terapeuta dirigir o processo do cliente, é "focalizando" a atenção do cliente para algum aspecto que o terapeuta considera importante. Estas tentativas de "focalização", pelo fato de se originarem do referencial do terapeuta, tendem a gerar mais atitudes defensivas por parte do cliente. Alguns exemplos: 6) C: Eu me senti enganada, não quero mais que isto aconteça comigo. Quero cuidar de mim. T: Como assim, cuidar, quem sabe me f ala sobre esse cuidar? Aqui o terapeuta se afastou completamente das premissas básicas da terapia centrada no cliente. Qual a necessidade de focalizar sobre esse cuidar? Para que levar a cliente por esse cami nho, se ela já esta va seguindo autonomamente por ele? Que necessidade o terapeuta tem de orientá-la? Esta necessidade surge pela falta de confiança do terapeuta no movimento interno da cliente. Ele está subestimando a capacidade da cliente de seguir com autonomia no seu movimento de auto-exploração. O terapeuta focaliza aquilo que ele julga impor tante, deixando de seguir e acompanhar a cliente naquilo que ela considera importante. 7) C: E muito difícil para mim falar, não gosto de magoar ninguém, prefiro me isolar, ficar na minha, sei lá, no meu lugar... T: Sabe que lugar é este ?
A pergunta do terapeuta conduz o cliente a uma área "intelectual", a pensar sobre "que lugar é este", afastando-o do sentimento que ele estava trazendo naquele momento, o sentimento de que ele "prefere se isolar", que ele "não gosta de magoar". Com esta atitude de buscar "informações", o terapeuta foge da compreensão do sentimento do cliente de estar se isolando. 8) C: Nos últimos tempos temos nos encontrado todas as se manas; passamos juntos todas as segundas, quando as crian ças vão para a casa do vô. Ele me faz sentir coisas que eu nunca senti antes. Eu não consigo me separar dele. T: Observe o que estão fazendo as tuas mãos (passava ininterruptamente uma mão com a outra, com força). C: Parou com as mãos.
T: Continue. C: Continuou porém sem tanta força... T: O que este movimento tem haver com a sua situação atual ?
Da mesma forma que no exemplos anteriores, a necessidade do terapeuta de guiar e conduzir a cliente reviam a sua total falta de confiança nos recursos internos dela e a sua dificuldade de entrar no mundo do vivido da cliente, de entrar, junto com ela, na sua "dor".
Respeitar o ritmo do cliente As atitudes diretivas muitas vezes se originam da necessidade do terapeuta de "apressar" ou "acelerar" o processo do cliente. Quando o cliente está muito defensivo, quando ele resiste a perceber os ele mentos incongruentes do seu autoconceito, o terapeuta pode sentir dificuldade em aceitar o ritmo do cliente. Mas como a fruta que só cai do pé quando está madura, a mudança no autoconceito só ocorre quando o indivíduo está "maduro" para esta mudança. Tentar forçar ou acelerar o processo faz com o cliente se sinta ainda mais ameaça do e, consequentemente, reforce ainda mais as suas defesas.
1) T: Estou à sua disposição. C: Para mim está sendo difícil... (silêncio) T: Difícil... C: Difícil de falar sobre as coisas. Vamos com calma. T: Me parece que isso acontece não só aqui, mas na sua vi da. C: É, eu tenho medo.
Nesse exemplo, o terapeuta além de não respeitar o ritmo do cli ente, fez também uma inferência sem qualquer fundamento. Como o terapeuta pode saber que "isto acontece não só aqui"? Ao invés de centrar-se no medo que o cliente estava experenciando naquele mo mento, o terapeuta centrou-se nas suas próprias hipóteses e conjecturas a respeito do cliente. 2) A cliente chegou dez minutos adiantada e é logo atendida pelo terapeuta: T: Oi, Estela, vamos passar? C: Vamos. T: Vamos iniciar mais cedo hoje. C: Tá bom. (silêncio) Eu gosto de chegar mais cedo. Eu fico pensando no que eu vou falar. Sabe, estes momentos são im portantes pra mim...
O que para o terapeuta pareciam ser dez minutos "ociosos", para a cliente eram dez valiosos minutos para pensar no que iria falar na sessão. Inadvertidamente, o terapeuta "atropelou" o ritmo da cli ente, desrespeitando a sua necessidade de se "preparar" para a sessão.
17.3. As atitudes tutelares Se o terapeuta não confia suficientemente nos recursos inter nos do cliente, ele tentará lhe oferecer os seus próprios recursos acreditando que, dessa forma, está ajudando-o. Por exemplo, se o terapeuta não confia na capacidade do cliente para encontrar as res postas que procura, ele tentará lhe dar explicações e esclarecimen tos. Se o terapeuta não confia na capacidade do cliente para escolher com autonomia a sua própria direção, ele tentará orientá-lo ou aconselhá-lo. Da mesma forma, se o terapeuta não confia nas forças internas de crescimento do cliente, ele tentará consolá-lo, encorajálo, apoiá-lo e estimulá-lo. Em todos estes casos, o terapeuta está agindo de forma tutelar e ao invés de estar facilitando a liberação dos recursos internos do cliente, está, muito pelo contrário, impedindo ou dificultando esta liberação. As atitudes tutelares são extremamente comuns em qualquer tipo de relacionamento. De uma maneira geral, o modo como as pes soas procuram se ajudar uma às outras é através de atitudes tutela res. Pais, professores, amigos, médicos, advogados, assistentes soci ais, et c, utilizam geralmente formas tutelares de ajuda. Aconselhar, orientar e esclarecer ou consolar, encoraja, e estimular são as for mas mais comuns de ajuda. Contudo, a relação terapêutica centrada no cliente é uma relação sui generis, completamente distinta dos re lacionamentos comuns. Se o terapeuta é tutelar com o seu cliente, ele está simplesmente reproduzindo um sistema que sempre agiu desta forma em relação a ele. Mas o compromisso do terapeuta é com a liberação das forças de crescimento do cliente. Ser terapeuta é dife rente de ser pai, amigo, médico ou professor. O terapeuta não está presente, ali na relação terapêutica, para oferecer a "mesma coisa" que todos os outros indivíduos sempre ofereceram ao cliente: formas tutelares de ajuda. Este é o grande diferencial da relação terapêutica centrada no cliente e o compromisso ético do terapeuta: acima de tudo, confiar nas forças de autonomia e crescimento do cliente. Ao invés de oferecer respostas, soluções, um ombro amigo para se apoi ar e consolo, o terapeuta oferece a sua confiança incondicional na capacidade do cliente de crescer com autonomia. De uma maneira geral, podemos afirmar que:
Quando o terapeuta orienta e aconselha, é porque ele não acredita que o cliente seja capaz de se auto-orientar; Quando o terapeuta explica e esclarece éporque ele não acre dita que o cliente seja capaz de encontrar autonomamente suas
próprias respostas ou porque ele não acredita no valor das respostas que o cliente possa obter; Quando o terapeuta consola e encoraja é porque ele não con fia suficientemente nas forças de crescimento do cliente; Quando o terapeuta apoia ou estimula é porque ele não con fia na capacidade do cliente de crescer com autonomia.
As atitudes tutelares esvaziam e obstruem o processo terapêutico porque suprem o cliente dos recursos, da força, do encorajamento e do apoio que ele poderia encontrar em si mesmo. As atitudes tutela res retêm o cliente, mantendo-o preso a suas dificuldades, já que ele encontra no terapeuta a pessoa que faz por ele aquilo que poderia fazer por si mesmo. Por este motivo, quando o terapeuta é tutelar, ele comete um grande dano ao processo terapêutico.
Exemplos de atitudes tutelares: 1) (Silêncio) C: Nem sei por onde começar, estou nervoso. T: O que te levou a procurar ajuda?
Neste exemplo, o terapeuta não confiou na capacidade do cliente de iniciar a sessão e resolveu "dar-lhe uma mãozinha". Ele tentou "re solver" o problema do cliente, iniciando a sessão por ele e tirandolhe a oportunidade valiosa de explorar a sua dificuldade e superá-la. 2) C: Está difícil entender o que aconteceu. Sabe, eu sempre fui gordinha... Após o meu casamento, eu engordei 22 kg. De pois que ele morreu, tenho ficado menstruada todos os dias,
sonho muito e são sempre pesadelos em que morrem pessoas que eu gosto. Estou tão confusa que nem sei o que pensar e o que fazer... Estou sempre doente? Por favor, me responda, doutor. ( silêncio)
O terapeuta tentou tranquilizar e estimular a cliente dizendo-lhe que ela estava indo bem, apesar das dificuldades. Entretanto, a necessi dade do terapeuta de ser tutelar não lhe permitiu centrar-se na cliente e perceber a tensão que ela estava sentindo. Dessa forma, devido a esta atitude tutelar, a cliente não conseguiu se sentir compreendida pelo terapeuta.
T: Me faz pensar que a situação pela qual você vem passando contribuiu para que o seu emocional ficasse muito afetado e automaticamente atingisse o seu físico.
A cliente, aflita, pediu ao terapeuta que lhe desse uma resposta. O terapeuta, ao invés de responder ao sentimento da cliente naquele instante - de estar confusa, sem saber o que pensar nem o que fazer resolveu tranquilizá-la, esclarecendo intelectualmente sua situação. Ou seja, ao invés de aceitar a confusão da cliente, o terapeuta tentou acabar com ela, fazendo pela cliente o que ela seria capaz de fazer por si mesma, mais cedo ou mais tarde, se ele confiasse na sua tendência atualizante. 3) C: Ah! ...gostei. Já estou saindo mais tranquila. T: Que bom! Bem, então até o nosso próximo encontro.
4) T: Bem, estamos no final de nosso encontro e eu gostaria de encerrar dizendo que eu fico muito contente em lhe ver as sim... Nos encontramos na próxima semana. Nestes dois exemplos, o terapeuta mostra uma atitude de apoio e estímulo. Esta atitude é prejudicial ao processo terapêutico porque expressa uma avaliação, ainda que sutil, do processo do cliente - o terapeuta julga certas coisas como "boas", que o deixam contente - o que implica que "outras coisas" não são boas nem o deixam o con tente. Muito sutilmente, o terapeuta dirige o processo do cliente para aquilo que ele considera bom, estimulando a dependência e dificul tando a liberação das forças de autonomia do cliente. 5) T: Me parece que, embora difícil, até que os assuntos bro tavam e fluiu bem de ti. C: Que bom que fluiu porque eu ainda estou tensa.
17.4. A racionalização Entrar no mundo dos sentimentos, no mundo do vivido do cliente, não é uma atitude fácil, pois exige do terapeuta uma grande abertura à experiência. Diante da dificuldade de sentir o cliente, o terapeuta pode utilizar o recurso da racionalização ou intelectualização: ao invés de compreender empaticamente os sentimentos do cliente, o terapeuta tenta explicá-los. A consequência desta postura "intelectual" do terapeuta é que o cliente, ao tentar seguir o rumo indicado por ele, acaba se afastando ainda mais de seus sentimentos e de sua própria experiência organísmica. Por exemplo: 1) T: O que eu entendi é que você disse que tem a ver. C: Sim. Eu acho que tem a ver. T: Me parece que tudo aquilo que você me colocou da sua história, isto seria consequência da sua relação familiar. C: Grande consequência. T: Agora, parece que, para você, está claro isto e quanto mais você clareia esta história mais fácil fica para você enfrentar. Não que você esteja apta, mas que está mais tranquila.
Neste outro exemplo, a cliente, felizmente, percebeu a inutilidade das explicações teóricas do terapeuta e pode comunicar-lhe esta per cepção: T: Me parece um pouco assim: se ele se sente derrotado, você
acaba se sentindo derrotada junto... quando ele se sente der rotado, ele vai se vingar, se revoltar e talvez você acabe se sentindo que vai ser derrotada... você tem que dar o gostinho da vitória pra ele pra você se sentir...
profundo com a sua própria experiência. Apresença calo rosa do terapeuta, compartilhando desse silêncio, oferece ao cliente a segurança e a aceitação que ele necessita para realizar este mergulho interior.
C: E que aquilo ali é a realidade, aquilo ali não é... não é... teoria... Na teoria é fácil... mas o problema é conviver lá den tro...
Um terapeuta muito defensivo pode se sentir ameaçado com o silên cio na sessão. Ele pode se sentir "ansioso" por acreditar que "tem que" se mostrar produtivo, que tem que "mostrar trabalho". Dessa forma, ele acaba dizendo "qualquer coisa" apenas para acabar com o silêncio. Por exemplo:
17.5. O silêncio O silêncio na relação terapêutica pode ter diversos sentidos e pode ser experenciado de diversas maneiras tanto pelo cliente quan to pelo terapeuta. Basicamente, podemos identificar alguns destes significados: 1) o silêncio como uma dificuldade do cliente para se expres sar verbalmente: O cliente pode estar com medo, se sentin do ameaçado, ansioso ou confuso e estes sentimentos po dem estar impedindo-o de se expressar verbalmente naquele momento. 2) o silêncio como uma defesa do terapeuta: Se o processo do cliente "mobiliza" algum sentimento ou experiência inter na do terapeuta que ele não consegue lidar durante a ses são, ele pode não saber o que dizer ao cliente. Neste mo mento, por estar se sentindo ameaçado, ou "mexido", o terapeuta silencia. 3) o silêncio como uma forma do cliente testar o terapeuta: O cliente pode sentir necessidade de "testar" o terapeuta an tes de poder confiar nele. 4) o silêncio como um momento muito rico e produtivo de auto-exploração do cliente: Quando existe um clima de grande segurança na relação terapêutica, os momentos de silêncio são oportunidades muito valiosas para o cliente se aproximar mais de si mesmo, para entrar num contato mais
1) C: O médico me dava remedinhos, mas a cabeça continu ava a mesma loucura. ...(silêncio) T: Você disse que a cabeça estava mal. Fale um pouco mais sobre isto. Por que o terapeuta quer que o cliente fale sobre "isto"? Quebrando o silêncio, o terapeuta desrespeitou o ritmo e o movimento do clien te, desviando-o do seu processo interno. Ao invés de confiar no cliente e tentar compreendê-lo, o terapeuta interrompeu o seu movi mento de auto-exploração. Não podemos saber para onde iria esse movimento se o terapeuta não o tivesse interrompido e desrespeita do. Mas sabemos, com certeza, que este movimento, se fosse com preendido e aceito pelo terapeuta, conduziria o cliente para muito mais perto de sua experiência organísmica. 2) T: Meu nome é Jorge e estou a sua disposição. C: (Silêncio) T: Parece que é difícil falar das suas coisas. C: É difícil. T: A impressão que passa é que você tem algumas coisas mui to doloridas.. C: (balança a cabeça deforma afirmativa)
Neste exemplo, o terapeuta também quis romper o silêncio "na marra", forçando o cliente a "falar das suas coisas".
3) C: (Chora mais ainda)
-
( silêncio) T: O que será que este silêncio quer dizer ?
O terapeuta não suportou o silêncio emocionado do cliente. Se ele tivesse conseguido esperar, o cliente possivelmente iria emergir des te silêncio com alguma descoberta ou com algum significado muito profundo para a emoção que estava sentindo naquele momento. A pergunta do terapeuta, no entanto, "atrapalhou" o movimento do cli ente, interferindo neste processo de auto-exploração, pois dirigiu a sua atenção para uma questão de natureza apenas "intelectual". Portanto, quando o silêncio surge na sessão terapêutica, o terapeuta precisa ter muita sensibilidade para discernir que signifi cado tem aquele silêncio naquele momento, para perceber se o clien te está se sentindo ameaçado ou se é ele mesmo quem está se sentin do ameaçado; para perceber se o cliente o está desafiando ou se aquele silêncio está sendo uma oportunidade valiosa para o cliente mergu lhar mais profundamente no seu movimento de auto-exploração. O silêncio na sessão terapêutica é como a corda de um violão - se esti ver frouxa demais, o som não sai e se estiver esticada demais, a corda arrebenta. Se o silêncio for tenso, ou se o silêncio for uma desculpa para o terapeuta não correr riscos e se ausentar da relação, então ele se torna prejudicial ao processo terapêutico. Mas se o silêncio estiver pleno da presença confiante e receptiva do terapeuta, ele se torna um grande facilitador da mudança terapêutica, pois ajuda o cliente a se aproximar mais de si mesmo, a entrar em contato mais profundo com a sua experiência. Por exemplo: 4) O cliente solicita ao terapeuta uma sessão extra. É a pri meira vez que ele faz esta solicitação. Ele entra no consultó rio, se senta e fica 50 minutos em silêncio. Ele chora, ri, se mexe na poltrona, mas não verbaliza nada. Ao final dos 50 minutos, o terapeuta lhe diz que o tempo da sessão terminou. O cliente, então, diz: "Só para te acalmar, foi a melhor coisa que eu fiz na minha vida, pedir esse horário, é a primeira vez que eu consigo pedir algo, eu estou cansado de falar, falar, e quero me escutar, me ouvir mais... "
5) Uma cliente relata o significado que teve para ela uma ses são na qual o seu terapeuta ficou todo o tempo em silêncio: "O silêncio dele fazia eu me sentir profundamente aceita. Eu não precisava me explicar para ele, não precisava falar de mim, bastava eu ser, eu estar ali. Naquela hora eu percebi que não precisava ficar me justificando, eu não precisava ficar falando sobre mim. Eu poderia tanto falar como não falar: eu não "tinha que " fazer nada para ser aceita. O silêncio dele me permitiu mergulhar muito fundo em mim mesma, nos meus sentimentos. Eu sentia seu silêncio como uma forma de res peito e como uma confiança muito profunda em mim, no que eu sou. Ali, junto dele, eu não senti medo de mergulhar fundo em mim e perceber certas coisas que eu jamais havia me per mitido perceber antes. Ele estava ali, comigo, sem me julgar, sem me avaliar. Sem que ele falasse uma só palavra, eu me senti acolhida, protegida e segura como nunca havia me sen tido antes, em toda a minha vida. A sua presença me acolhia e me dava segurança para eu prosseguir no meu mergulho inte rior. Esta sessão transformou profundamente minha vida, pois ali eu consegui perceber que posso ser eu mesma. Que não preciso "fazer força " para ser aceita e amada. Basta eu ser!!"
17.6. As perguntas do cliente Quando o cliente faz uma pergunta ao terapeuta, existe um sentimento que a está motivando. Se o terapeuta não percebe este sentimento e simplesmente dá a resposta solicitada, ele "esvazia" o processo do cliente, pois perde uma oportunidade valiosa de respon der a este sentimento. Certamente não existem "regras" de como o terapeuta deve responder às perguntas do cliente, mas existe um prin cípio que deve sempre guiá-lo em suas respostas: manter-se centrado no processo do cliente. Isto significa que o terapeuta deve tentar perceber qual o sentimento que está motivando a pergunta e respon der a este sentimento e não à questão em si.
Um exemplo da importância de se responder ao sentimento ou ao significado que a pergunta tem para o cliente ao invés de respon der simplesmente ao conteúdo da pergunta, encontra-se no livro "Psicoterapia e relações humanas" de Rogers & Kinget. A cliente fez a seguinte pergunta ao terapeuta: 1) C: O senhor é crente?... quero dizer... acredita... na religião? Comentando esta pergunta, Kinget afirma: "Na sua forma, estas palavras representam uma questão que visa a obter uma simples informação. Em certo sentido, se cundário, isto é o que significa a questão. Mas sua significa ção pessoal é de ordem emocional. (...) O contexto da rel ação e o comportamento não-verbal — tom de voz, e xpressão facial da cliente - sugerem que sua "questão' é uma manifestação de insegurança, de temor de ser incompreendida, de não en contrar o respeito necessário à expressão de sentimentos pro fundos".147
O terapeuta, por este motivo, respondeu à significação emocional da pergunta, e não ao seu aspecto formal, de simples busca de informa ção: T: Você quer dizer que... a menos que fosse crente... eu não poderia compreender o que ia me dizer? C: Mas... não sei. Acontece tão frequentemente que pessoas como o senhor... enfim, como meu marido e as pessoas de sua relações sejam descrentes. T: ...que... muito frequentemente você pensa que é melhor guar dar consigo mesma certas coisas que lhe importam intima mente... pelas quais você experimenta uma certa reverência, como as questões de religião. C: Sim. Isto (falar disto) apenas serve para fazer com que nos pareçamos estúpidos ou para que fiquemos isolados. T: Este é um sentimento que lhe parece ser familiar 148. Rogers & Kinget, 1977, p. 71
C: É o pão de cada dia. T: H-hm... Um pão antes amargo... que lhe proporcionam seu marido e seu círculo de amigos - se bem compreendo.
Kinget comenta os efeitos que a resposta do terapeuta teve no pro cesso de auto-exploração da cliente: "A cliente, esquecendo sua pergunta e, talvez, ao mesmo tem po, agradavelmente surpreendida e tranquilizada pela constatação de que o terapeuta é capaz de adivinhar o senti mento que anima suas palavras e de refle ti-lo de tal modo que se torna fácil para ela admiti-lo, entrega-se finalmente a ex pressar o obstáculo que impedia o desenvolvimento de uma atitude de confiança com relação ao terapeuta."
A cliente não estava, realmente, tão interessada em saber se o terapeuta era crente ou não, ela estava interessada em saber se ele poderia compreendê-la ou não. Somente ao final da terapia ela referiu-se novamente a esta questão, mas de forma um tanto divertida: C: "Afinal, não concluímos ainda se o senhor é crente!" T: "Esta questão continua ainda levantada, hein?" C: "Realmente não. Não, no ponto em que estamos. Compre endi que este é um 'problema seu' (expresso de maneira hu morística) "
É comum o cliente perguntar a opinião do terapeuta a fim de obter uma aprovação ou apoio para as suas atitudes ou decisões. Se o terapeuta responde expressando a sua opinião a respeito do assunto, ele se descentra do processo do cliente e a relação passa a ser centrada no terapeuta. Como consequência disto, não apenas o processo do cliente é esvaziado, como também a autonomia do cliente é ameaçada. Se este tipo de resposta é frequente na relação, o terapeuta torna-se um promotor da dependência do cliente. 2) A cliente telefona para o terapeuta num sábado, tarde da noite, dizendo que precisava falar com ele com urgência. A cliente, que é uma mulher casada, diz ao terapeuta que seu antigo amante
convidou-a para sair e pergunta: "O que você acha ? Saio com ele ou não saio?"
da sua experiência como se fosse a experiência verdadeira. Por exemplo:
T: "Se eu disser sim ou não vai influenciar na sua decisão?"
C: Agora estou sozinha, completamente só. Então, eu fico me perguntando, quem vai cuidar de mim ?
C: "Não, porque eu já sei o que vou fazer. Desculpe ter lhe acordado a essa hora. Eu falo sobre isso na nossa próxima sessão "
Este exemplo também mostra que uma resposta verdadeiramente empática não é a resposta ao conteúdo "formal" da questão, mas ao seu significado emocional. O terapeuta percebera que a cliente não estava buscando realmente a sua opinião, mas a sua aprovação para uma decisão que já havia tomado. O terapeuta, então, respondeu "apenas" ao significado emocional da sua pergunta. Por outro lado, existem também perguntas do cliente que ex pressam uma compreensão empática do cliente em relação ao terapeuta. Por exemplo:
Eu.
T:
Neste caso, o terapeuta não está sendo apenas tutelar. Muito pior do que isso, ele está mentindo, está oferecendo ao cliente algo que não é real. O terapeuta não irá "cuidar" do cliente no sentido em que ele está querendo se sentir cuidado. O terapeuta está apenas sendo pago para ajudá-lo. Mas o cliente está perguntando por outro tipo de cui dado: um amor, uma atenção que o terapeuta não pode lhe oferecer. Na verdade, o cliente está fazendo a pergunta para si mesmo e só ele tem acesso à resposta que procura. Mas o terapeuta se apropriou da sua pergunta, dizendo-lhe que tinha a resposta, e isto é um "contra bando": ele está enganando o cliente.
3) C: "Você está cansado?" Neste caso, se o terapeuta está realmente cansado, obviamente ele não pode negar a percepção correta que o cliente está tendo. Se ne gasse, o terapeuta estaria sendo incongruente, o que provocaria uma distorção na experiência do cliente.
17.7. Falsificando a experiência do cliente: "O contrabando" O terapeuta, tendo dificuldade em entrar no mundo do cliente e sentir junto com ele a sua "dor", pode tentar distorcer a experiência do cliente, falseando a realidade que ele está trazendo por sentimen tos e experiências do terapeuta. Chamamos esta atitude de "contra bando", pois assim, como na fronteira, mercadorias são falsificadas para serem vendidas como se fossem genuínas, também na relação terapêutica o terapeuta pode oferecer ao cliente uma "falsificação"
17.8. As etapas no desenvolvimento do terapeuta Como o terapeuta centrado no cliente é ele próprio o seu ins trumento de trabalho, as técnicas e o conhecimento teórico adquirido não são suficientes para garantir a qualidade de seu trabalho. Por este motivo, o desenvolvimento profissional do terapeuta é comple tamente dependente de seu desenvolvimento pessoal. O terapeuta necessita ampliar a consciência de seus processos internos e aprimo rar sua sensibilidade para poder se abrir com mais confiança à expe riência de si mesmo e do cliente na relação terapêutica ao invés de buscar um aperfeiçoamento das "técnicas" ou a simples aquisição de mais "informações". Neste sentido, podemos identificar algumas eta pas necessárias para o desenvolvimento do terapeuta centrado no cliente:
I. Aprender a não esvaziar o processo terapêutico do cliente
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l
Antes de mais nada, o terapeuta precisa aprender a não "atra palhar" o movimento do cliente. Este é o aprendizado básico - não dificultar, não interferir, não desviar o cliente do seu movimento atitudes estas que levam, basicamente, a um "esvaziamento" do pro cesso terapêutico. São muitas as maneiras pelas quais o terapeuta pode esvaziar o processo do cliente - algumas muito evidentes e ou tras bastante sutis:
1. Através de atitudes tutelares: As atitudes tutelares dificultam a liberação das forças de cres cimento do cliente. Quando o terapeuta assume uma atitude tutelar, ele se coloca numa posição de autoridade na relação e se torna o provedor de respostas, de apoio e encorajamento para o cliente. De uma maneira geral, as atitudes tutelares aparecem quando: ° diante da confusão do cliente, o terapeuta esclarece; ° diante da dor, o terapeuta consola; 0 diante do sentimento de impotência, o terapeuta encoraja; ° diante do sentimento de vulnerabilidade, o terapeuta protege. Dessa forma, provendo o cliente dos recursos que ele poderia encon trar em si mesmo, o terapeuta acaba esvaziando o processo terapêutico. Por exemplo: C: Eu gosto de ir ao cinema, mas ele não valoriza essas coi sas. Mas eu gosto muito de ir ao cinema... T: Você já pediu para ele levar você ao cinema ? C: Já cansei de pedir isso para ele...
2. Evitando experiências que são ameaçadoras para o terapeuta: As dimensões da experiência que o terapeuta não consegue integrar no seu auto-conceito são percebidas por ele como ameaça doras quando são trazidas pelo cliente ao longo do processo terapêutico. Para se defender desta ameaça, o terapeuta pode ignorar ou evitar estas experiências, não conseguindo se centrar no cliente. Entretanto, enquanto estas experiências não forem reconhecidas e "trabalhadas" no processo terapêutico, o cliente continuará trazendo-as até se sentir compreendido. Por conseguinte, o terapeuta só conseguirá facilitar o processo do cliente quando for capaz de reco nhecer e integrar as suas próprias experiências negadas ou distorcidas. Exemplos: C: Nós temos uma filha que mora long e, a outra mora junto. E difícil estarmos sozinhos. Quando ela sai, eu brinco com ele, eu gosto muito das brincadeiras: enfim sós! Estamos sós, en tão vamos aproveitar, vamos transar, porque quando ela está aí, ele tem mania de dizer: Ah, mas afilha está aí. Lá em casa todos os quartos tem portas. Não tem porquê. T: Sua filha é grande?
O terapeuta está evitando o tema da sexualidade. Por que ele quer saber se a filha da cliente "é grande"? O que a cliente está trazendo é que não existe motivo nenhum para não haver envolvimento sexual entre ela e seu marido. Mas ela não foi compreendida pelo terapeuta. Ao invés de centrar-se na cliente e no seu sentimento de não compre ender porque o marido a evita sexualmente, o terapeuta assumiu o mesmo referencial do marido. C: ...as pessoas não me aceitam... T: Me parece que você tem receio que eu não te aceite... C: Não, não é isso... (silêncio) Eu não sei explicar... Vou ter que falar dos meus problemas para você... (silêncio)
T: Bem nós temos que f azer algumas combinações,,..
O terapeuta fugiu da dor do cliente. Já que o cliente "não sabe expli car" e o terapeuta não quer correr riscos no "desconhecido", ele foge para a certeza, desviando o movimento do cliente para a combina ção do contrato terapêutico. Como o cliente "não sabe" e o terapeuta não confia no seu movimento de auto-atualização, ele decide estruturar a relação. Mas se o terapeuta não se centrar no cliente e não compreendê-lo, a dor do cliente de não se sentir aceito e de "não saber explicar" voltará.
3. Focalizando as experiências nas quais o terapeuta possui maior segurança ou controle: O terapeuta pode focalizar privilegiadamente a sua atenção nos sentimentos e experiências com que já está familiarizado e pos sui algum controle ou conhecimento. O terapeuta torna-se, assim, "seletivo" em relação aquilo que está disposto a escutar, sentir e com preender da experiência do cliente, tentandi conduzir o processo terapêutico para os temas nos quais ele se sente mais seguro e à von tade. Exemplo: C: ...mas eu também tinha vontade de chorar, entende? T: Você também estava com vontade de chorar... C: (interrompendo a terapeuta) mas eu disse: eu não vou cho rar. Daí o Daniel disse: o melhor que nós vamos fazer, é se aquietar todo mundo e terminar de arrumar a nossa casa, fa zer a frente, botar laje aqui, botar não sei o quê... E eu disse: tão engraçado... não queria tanto que vendesse a casa... você não atirou tanto na minha cara que era para eu vender? pois agora, vamos vender. (...) Daí ele veio me abraçar e me beijar e disse: você não vai vender, né? E eu disse: não, eu vou ven-
der(...) eu disse: agora vocês se apertaram, ficaram tudo mor rendo de medo... Eu queria gozar dos dois, sabe ?(...) Ah! Agora ficou ruim para vocês dois? E eu fiquei rindo dos dois, sabe? Daí, vamos ver... T: Você sentiu vontade de chorar também.
Após uma reunião de supervisão, a terapeuta escreveu o seguinte depoimento sobre este momento da sessão: "Mas porque que eu dis se isso? Vi que o sentimento de ironia, de zombaria que a cliente tinha trazido não fora compreendido po r m im, por isso eu quis que ela voltasse para a tristeza, que era o sentimento que me interessa va... E então eu me dei conta, claramente, porque eu havia feito isso: a ironia é um sentimento desconhecido pra mim, com o qual eu não me sinto familiar, ao passo que a triste Z a é um sentimento que eu conheço profundamente... Era mais fácil para mim conduzira clien te a falar de sentimentos que ressoavam com os meus, ao invés de respeitar o movimento dela..."
4. Não conseguindo se descentrar de si mesmo: O terapeuta pode, por insegurança ou curiosidade, não conse guir se descentrar de si mesmo, de suas próprias necessidades e sen timentos para se centrar no mundo do vivido do cliente. Preocupando-se comos fatos, necessitando mostrar^ "competente"e queren do se sentir valorizado pelo cliente, acaba esvaziando o processo terapêutico.
Exemplo: Depoimento de um cliente: "Naquela semana eu tinha muito a falar, minha mente estava em ebulição e eu não tinha certeza das decisões e caminhos a
tomar. Estava saindo da faculdade e um amigo ofereceu caro na até o consultório do meu terapeuta. Por uma coincidência (feliz ou infeliz não sei até hoje) estava no carro um amigo do meu amigo, que eu não conhecia, e o terapeuta dele era o mesmo meu. Quando cheguei no consultório contei isto a ele como forma de iniciar falando sobre algo l eve, cotidiano, para depois começar a falar sobre o que eu realmente queria e ne cessitava. Bem, ele ficou tão abalado de eu conhecer este cli ente dele que não parava de me perguntar detalhes sobre o que eu havia conversado com ele e não deixava eu falar sobre mim. Saí decepcionado e confuso, pois não sabia porque ele queria saber tanto sobre algo que não me importava e não via relação deste episódio com o meu momento. No encontro se guinte, ele perguntou novamente sobre o episódio. Eu tentei desconversar, disse para ele que o assunto realmente não in teressava e que tinha outras coisas muito importantes para falar. Ele insistiu e eu disse que só poderia acreditar que era algum problema dele e que no caso a terapia era minha e que, caso ele quisesse, poderíamos conversar sobre isto em outro momento; não no espaço terapêutico. Foi um momento muito difícil e não gostaria de passar por isto novamente. A partir daí a relação terapêutica se perdeu nuito e acabei mais tarde desistindo de fazer terapia com ele."
Exemplo: A cliente estava falando dos seus medos e inseguranças na relação com o seu namorado. De repente, ela desviou comple tamente o assunto e passou a falar sobre a mãe de uma amiga sua. Durante dez minutos, a cliente ficou discorrendo sobre todos os defeitos dessa pessoa, narrando uma situação ocor rida entre ambas com os mínimos detalhes e repetindo, frase por frase, todo um diálogo ocorrido entre elas.
Em certo momento o terapeuta percebeu que nada daquilo fazia sen tido. Ele não estava interessado na mãe da amiga da cliente e aqueles minutos estavam sendo completamente entediantes para ele. Só en tão ele percebeu que, com esta "conversa", a cliente estava fugindo do seu processo interno, da sua dor. O terapeuta decidiu que não iria mais "compactuar" com esta sabotagem da cliente e lhe expressou o seu sentimento de que ela parecia estar evitando falar dos sentimen tos que a estavam realmente perturbando naquele momento. A clien te concordou com o terapeuta e sentindo-se, então, compreendida, conseguiu retornar ao seu movimento de auto-exploração. Neste caso, o terapeuta teria sabotado o processo se tivesse deixado a cliente prosseguir no seu movimento de evitação, sem ex por os seus próprios sentimentos em relação a isso. Com certeza, seria mais fácil para o terapeuta compactuar com a cliente nessa sa botagem, pois, assim, ele também não precisaria correr riscos.
5. Sabotando o processo do cliente: Quando o cliente começa a se sentir ameaçado pelas experiên cias que vai reconhecendo ao longo do processo terapêutico, ele pode tentar "sabotar" o processo, desviando o seu movimento para áreas mais seguras da sua experiência e evitando tocar ou falar da sua dor. Quando o terapeuta percebe que o cliente está fugindo da dor, que está falando de coisas completamente externas à sua experiência, que está se colocando de fora do processo, ele pode "entrar no jogo" do cliente e sabotar o processo junto com ele.
6. Perdendo-se no "jogo" da dúvida do cliente. A vida é um contínuo. Não é c omo um pêndulo de um relógio que vai e vem, mas um contínuo que vai e vai. A vida vai e vai, não tem volta. Sempre estamos decidindo, embora a nossa decisão, algu mas vezes, possa ser apenas interna, sem que a executemos externa mente. No processo terapêutico, a dúvida do cliente parece um fato. Mas será que a dúvida existe realmente?
Por exemplo, a cliente que diz ao terapeuta: "Não sei se me separo do meu marido", está apenas ruminando uma possibilidade. Mas não existe o amanhã, existe somente o aqui-agora. Na prática ela já tomou uma decisão, ela já realizou uma ação concreta - ela não se separou. A cliente não tem dúvida realmente, pois ela já fez a sua decisão. Mas se o terapeuta entra no jogo da dúvida, ele se perde. O cliente está decidindo sempre, a cada instante; no entanto, ele tem medo da sua incapacidade, medo de enfrentar a impossibilidade. A dúvida é, então, uma certa justificativa, uma des-responsabilização frente àquilo que ele não está conseguindo fazer. O cliente fica no jogo da dúvida para não assumir a sua decisão, e o terapeuta também pode cair nesse jogo. A duvida é um porto seguro. O barco no alto mar tem mil alternativas: a dúvida é quando ficamos no porto.
II. Compreender o movimento do cliente e o seu próprio movimento na relação terapêutica Depois que o terapeuta aprende a não esvaziar o processo do cliente, ele consegue desenvolver uma nova habilidade. Quando ele consegue "deixar" o cliente ser livremente, quando consegue abrir mão de todo controle na relação, o terapeuta pode avançar em níveis mais profundos de compreensão. Ao mesmo tempo que ele consegue perceber o mundo interno do cliente como se estivesse no lugar dele, o terapeuta consegue também perceber os seus próprios sentimentos na relação terapêutica. Ou seja, nesta etapa, o terapeuta consegue aceitar e compreender empaticamente tanto o movimento do cliente quanto o seu próprio movimento na relação.
III. Desenvolver o seu próprio "jeito de ser" como terapeuta Temos escutado muito frequentemente terapeutas que, tendo dificuldade em vivenciar as atitudes terapêuticas centradas no clien te e não conseguindo, dessa forma, ajudar os seus clientes, recorrem ao uso de "técnicas" oriundas de outros referenciais teóricos e justi ficam esta atitude dizendo simplesmente: "este é o meu jeito de ser"... Mas isto é uma grande falácia. Para que o terapeuta consiga desenvolver o seu próprio "jeito de ser" como terapeuta, ele precisa primeiramente aprender a não esvaziar o processo terapêutico e ser capaz de compreender tanto o movimento do cliente quanto o seu próprio movimento na relação terapêutica. A metáfora do violinista utilizada no início deste capítulo nos será útil mais uma vez: antes que o violinista possa compor e criar suas próprias melodias, ele precisa aprender a "tirar o som" do violino. Este aprendizado, de segurar o arco, de encontrar as notas, de fazê-las vibrar com suavida de e beleza requer paciente disciplina e dedicado esforço. Somente depois deste aprendizado básico, mas necessário, o violinista pode usar livremente seu instrumento, com criatividade e segurança. O terapeuta que esvazia o processo do cliente e que não consegue com preender a si mesmo e ao cliente na relação, é como o violinista que não sabe nem ao menos segurar o arco e encontrar as notas e, portan to, ainda não possui competência suficiente para desenvolver o seu próprio "jeito" de ser terapeuta.
IV. A experiência do "verdadeiro enc ontro" com o cliente A experiência do Encontro verdadeiro, a vivência da "com pleta unicidade, singularidade, inteireza no experenciar do relacio-
namento" 14*, constitui a experiência "desveladora" e transformadora da terapia centrada no cliente. O desenvolvimento do terapeuta vai em direção a uma tal abertura à experiência de si mesmo e do outro que possibilita a vivência deste Encontro e torna a sua simples pre sença curadora. Ser um terapeuta centrado no cliente exige, portan to, do terapeuta, a sua pessoa total: "Eis aqui, para mim, o ponto crucial. 'Estreita é a passagem' e duro o caminho da qui para frente. Ningu ém mais pode dar respostas sa tisfatór ias (...) pois aqui se exi ge de você o que nenhuma outra pessoa pode fazer ou assinalar isto é, rigorosamente examinar a si mesmo e suas atitudes em rela ção aos outros ".149
Muitos consideram que ser um terapeuta dessa forma é impos sível, pois querer ser este tipo de terapeuta seria como querer ser Deus. Mas, muito pelo contrário, ser um terapeuta centrado no clien te é ser, na essência, um homem. Este é o mistério do desvelar-se como ser humano e ajudar as pessoas, ao invés de buscar o controle sobre elas.
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