Teoagonia Teologia da Angústia
Jansey
Para meus filhos: Benjamin e Elisa. Para minha esposa e minha mãe: Eluenia e Magna.
AGRADECIMENTOS Em 24 de Julho de 2013, sete dias depois de meu aniversário de 34 anos, minha vida mudava radicalmente: eu embarcava em um vôo da Condor Flugdienst, no aeroporto internacional dos Guararapes, no Recife, capital do estado de Pernambuco, Brasil, com destino a Veneza, na Itália, para estudar no Instituto de Estudos Ecumênicos San Bernardino, e fixar residência na Itália. não tinha a mínima noção esperava. coração estava mastigado. Eu Deixava no Brasil aquilo quedoeraque deme mais preciosoO para mim: me filho e minha esposa. Deixava toda minha relação familiar e todos os amigos que eu conhecia. Todos os meus laços emotivos estavam se partindo. Deixei o Brasil
em prantos, entrei na Europa com lágrimas. Eu não me despedi do meu filho… não tive coragem. Brinquei e beijei-o nas horas que antecidam minha partida, e sai… sai como quem iria para mais um dia de trabalho. Abracei minha esposa na porta do meu escritório, virei as costas me afogando em choro, e parti. Eu deixava a certeza pela incerteza, o certo pelo incerto. Eu deixava bens, patrimônio, trabalho, negócios, dinheiro. Família e parentes, amigos e inimigos. Voltava meus olhos para meu Senhor Jesus e renunciava a tudo o que ficava para trás. Parecia impossível que eu fosse consolado e me sentia tão vulnerável, insistentemente pensando em desistir, encontrando forças de onde não havia mais nada. Eu fui recebido como aquilo que era: estranho. Um estranho que deixava tudo para trás, um estranho que cortava laços e raízes. Um estranho que aos poucos descobriu uma família. Uma família da qual nunca imaginei ser parte, mas, que me fez parte de si, que transformou um estranho em um irmão, tornou-o membro de uma família tão rica e digna que, quando meus olhos se abriram, sentime indigno de tamanha adoção. Eu saí de um contexto materialista, egoísta e vaidoso, no qual as pessoas se dizem irmãos e irmãs, mas, olham apenas para si mesmas, e fui imediata e abruptamente inserido em um contexto no qual tudo o que todos têm é para ajudar aos que nada têm. Eu sai de minha autosuficiência para uma adorável dependência de meus novos irmãos e uma entrega irreservada ao meu Jesus. E baixei a guarda, deixei de lutar e me defender para ser abraçado. Eu não encontro, nem em minha própria língua mãe, palavras para dizer como fui transformado. E não contribuí com nada, nem ninguém precisou me dizer nada. O testemunho de cada um desmascarou a minha hipocrisia espiritual. A dor da saudade que eu trazia comigo se tornou suportável graças a estes testemunhos. Jamais esquecerei o convento San Francesco Della Vigna. E fui acolhido por Padre Roberto Giraldo e me tornei irmão de Padre Stefano, Padre Adriano, Padre Pietro, Fra Antônio, Padre Cristian, Don Mario, Fra Bonaventura, Don João. Infelizmente não existe nada que eu possa fazer para demonstrar quão grato eu sou por tudo o que me fizeram, e fazem até hoje. Graças a eles pude esperar os dois meses que antecederam a chegada de minha família. E não posso deixar de agradecer a meu filho e a minha esposa. São minha alegria e tantas vezes eles são a minha razão de continuar seguindo em frente. Apesar do conteúdo adiante, mantenho minha fé cristã, crendo fielmente na Bíblia. E, por isso, meu agradecimento maior ao Senhor Jesus, razão de minha existência. A minha incansável procura por trouxe até aqui. Espero que, se as palavras avante forem ofensivas, eu Ele aindameesteja contido e Seu amor e me encontre no campo visual de Seu perdão. Padre Roberto, obrigado por tudo. As páginas seguintes são para você.
Itália, Fevereiro de 2014. ÍNDICE Dedicatória
02
Agradecimentos
03
Índice
05
Prefácio
06
Apresentação
09
MaterialeImaterial
11
A angstära OquedizemdEle
18 35
OquesabemosdEle a. A partir da auto-revelação b. A partir da história humana Quem Ele È a. Eternidade e relacionamento b.Suapluralidade c.Tanatologia Conclusão
46 51
61 74 90 99
PREFÁCIO “ Porém Jacó ficou sozinho. E um homem pôs se a lutar com ele até o romper do dia. E quando viu que não prevalecia contra ele, tomou a junta da coxa de Jacó, e esta se deslocou enquanto lutava come ele. Disse o homem: deixa-me ir, porque o dia já vem rompendo. Porém Jacó respondeu: Não te deixarei ir se não me abençoares. E ele lhe perguntou: qual é o teu nome? E ele respondeu: Jacó. Então disse: não te chamarás mais Jacó, mas Israel; porque lutastes com Deus e com os homens e prevalecestes ” - Gn. 32:2428.
O livro que você está prestes a ler, caro leitor, de outra coisa não trata senão da luta de um homem em busca de si mesmo e automaticamente de Deus, pois “Deus nos édemonstra mais íntimo do luta: que nossa Logo agradecimentos o autor a sua pelas própria mãos dointimidade”. pai vivenciou umanos fé; pelas mãos da mãe experimentou outra; e pelas mãos de padre Roberto u encontro com Jesus. Ao contrário de tantos que buscam Deus no vazio de águas rasas, o autor procurou adentrar em águas mais profundas, mergulhando na história das religiões e nos vários conceitos acerca do divino, tanto na tradição judaica quanto na filosofia, e em outras culturas. A palavra agonia, na sua raiz, já aponta para a idéia central do livro e o seu próprio título, agon = LUTA. Jansey vai ao longo do seu trabalho mostrando as lutas e as contradições seja na filosofia ou na teologia, em uma tentativa de compreender a Deus, e assim o autor vai encontrando se próprio caminho. Ao final do primeiro capítulo, onde aponta as angústias de que busca a Deus, o autor constata que o que encontramos hoje é cada vez mais uma religião de mercado, onde a ignorância de nossas raízes nos priva de identidade e nos torna reféns de uma superficialidade, necessitados de escolher para o futuro ou os valores cristãos ou o mercado religioso. Para isso é preciso adentrar na história da teologia e, consequentemente, em tudo o que disseram d’Ele até os nossos dias nas diversas culturas, para assim poder trilhar um caminho seguro que nos conduza, em meio às nossas agonias, a uma escolha coerente. Jansey define que o conhecimento de Deus é sempre fruto de uma relação pessoal, chegando à ousada afirmação de que a teologia não é uma ciência, mas, ao mesmo tempo, também afirma que qualquer negação de Deus é desonesta. E para buscar a compreensão de quem É Ele, o autor mergulha na filosofia, na autorevelação e na própria história da humanidade. Uma busca da eternidade de Deus e, a partir dela, a do ser humano, que um dia deixará o Cronos e mergulhará definitivamente no Kairós divino, não como um desfazer do passado, mas uma experimentação do perdão, como afirma Jansey: “Um coração amargurado insiste em viver hoje o que pertence ao ontem, e adoece (Hb.12:15). O Perdão liberta a alma aprisionada da culpa e do remorso”; em outras palavras,
o perdão não desfaz o passado, mas renova o futuro. Assim, o homem busca a Deus para se salvar e Deus Se deixa encontrar com o desejo de salvar, desta forma a teologia é antes de tudo uma soteriologia. Penso aqui em uma expressão muito cara a Francisco de Assis, sempre usada nos textos dele: “Deus fez misericórdia comigo”. Uma misericórdia que deve ser acolhida e partilhada pelo homem religioso, buscando não u caminho de zelo excessivo, mas de amor excessivo, olhar sempre o outro como o irmão. Quem dá esse passo de forma plena é o próprio Jesus no seu processo de encarnação, morte e ressureição e ascensão, uma vez que as marcas do humano permanecem n’Ele. O passo seguinte consiste em refazer a história do cristianismo através dos conflitos, das heresias, para pontuar o que o autor deseja, como ele mesmo me confidenciou: “procuro construir uma teologia existencialista que explica a fé sem fantasia, sem esperança, mas através da realidade e da condição do ser humano”. Confesso que muitas vezes pensei a teologia como uma negação da antropologia, como se a teologia se opusesse o tempo todo ao homemna defesa de Deus. Talvez eu pensasse mais longe, como se fosse necessário negar o homem para afirmar Deus, no entanto pode-se concluir que toda teologia é uma antropologia, pois só a partir do homem, de sua agonia e de suas angústias, é possível falar Deus, mesmo que muitas vezes querendo d’Ele uma independência. Apontando Dimas como o modelo do homem integrado, daquele que aceita e acolhe a redenção proposta por Jesus, Jansey pontua uma resposta para a sua luta, para a sua agonia. O homem não pode descer da cruz e redimir a si mesmo, mas Deus vem ao seu encontro, assumindo a dor de quem foi ferido e a culpa de quem feriu, na dor de cada ser humano, o rosto desfigurado do Cristo, numa reprodução livre de um pensamento de Antoine Marie de Sant-Exupéry quando você mata o jardineiro, você pode não ferir a flor, mas quando você fere a flor, você mata o jardineiro. Dimas encontra Jesus na árvore do calvário, Maria de Magdala o encontra no horto e o vê como o jardineiro que refaz o Éden. Jansey o encontra dentro da sua própria agonia.
Pe. Enio Marcos de Oliveira[1]
APRESENTAÇÃO Confesso que relutei em escrever este volume por razões que se encontram nos próprios capítulos adiante. É que, para escrevê-lo, tantas vezes pensei em Deus fora do Cristianismo e além de minhas crenças pessoais, tornando tudo um desafio que não pude evitar. Em uma noite de inverno, quando cheguei e casa, as primeiras idéias deste livro me atacaram de surpresa. Corri ao computador para anotá-las a fim de escrever um livro no futuro, e ali fiquei até o dia seguinte. Em apenas uma noite e uma manhã este livro estava quase pronto, faltando apenas alguns retoques. O que posso dizer da obra adiante é que é sincera o quanto possível, no sentido de que é pessoal, e que acredito que as críticas e posições teológicas aqui traçadas não foram retiradas de outros materiais - ao menos não daqueles que conheço - e o que não é meu fiz questão de deixar devidamente anotado. Procuramos fazer aqui uma teologia não religiosa, ou seja, não vinculada a u modelo de fé definido. Ainda que muitas de Suas características tenha relacionamento hebraico-cristãs (talvez em virtude de minha crença pessoal), serão, contudo, confrontadas com concepções mais abrangentes quando analisamos o conceito de Deus em outras culturas e religiões não cristãs. A sinceridade deste material se deve ao fato de que, muito além de leituras, é o modo no qual entendo Deus. E o fato de ser tão pessoal assim, aborda muitos assuntos, conceitos e definições que já devem ser do conhecimento do leitor. Contudo, a bibliografia fornece uma fonte de recursos para aquele que busca conhecer melhor nossas fontes de pesquisa. Eu procuro ser honesto naquilo que escrevo aqui, e procuro ser ainda mais comigo mesmo, pois, antes de ser u livro, este material é uma resposta às minhas dúvidas. É minha teologia e, portanto, explicações dadas a mim mesmo. Ora, como cristão não deixei de ter minhas dúvidas, mas, por ter dúvidas não deixei de ser cristão. Sempre diferenciei bem estas categorias e, acredito que em razão disto, sempre me mantive firme e piedoso na fé. Acredito que se eu tentasse justificar a minha fé através de meu entendimento, eu teria de escolhertentamos entre entender mas, não lacunas viver ambos simultaneamente. Quando explicarou a féacreditar, pela razão, restam impreenchíveis. Quando tentamos explicar a razão pela fé, restam definições incompatíveis. Isto é algo que sempre procurei evitar.
Algumas posições teológicas surgem como resposta à incansáveis questionamentos. Eu procuro distinguir bem as faculdades fé e razão e não comunicar crença cristã com conhecimento geral. Muitos argumentos teológicos deste livro já pertenciam à minha crença individual quando escrevi “Filosofia e Teologia no Século XXI”, porém, àquela época, estava inserido em um contexto de fé tão imaturo que não pude me permitir discutir assuntos que, ainda agora, poderão desagradar a certos cristãos. Guardo a firme esperança de que, no presente ou no futuro, este livro seja útil ao crescimento e continuidade da fé inabalável na existência de Deus.
Jansey Itália, inverno de 2014
MATERIAL E IMATERIAL Antes de falarmos de Deus, vamos pensar na matéria. Na física (o ciências naturais), matéria é tudo aquilo que tem massa e ocupa lugar no espaço[2]. Na filosofia, matéria é aquilo que responde à pergunta “o que existe?”, sendo parte da análise ontológica criada por Parmênides, mas, segundo alguns estudiosos, definida pela primeira vez com Aristóteles[3]. De todo modo, quer seja na física ou na filosofia aquilo que não é matéria não é propriamente Deus. O que não é matéria na física não existe, é estranho para a física falar de um corpo se massa, aliás, é impossível. O máximo que se pode pensar é no conceito de espaço-tempo da física teórica, ou em um corpo que aniquila o oposto equivalente em massa, a antimatéria[4]. Como não é a física nosso objeto de estudo, abordemos o que não é matéria para a filosofia, que, em apertada síntese, é tudo aquilo que não existe no campo da fenomenologia e permanece apenas no campo da metafísica, como, por [5]
exemplo, a idéia . Dentrefez os Platão ramos desenvolver metafísicos, aseu impossibilidade de manifestar fisicamente o pensamento conceito dualista. A relação do reino espiritual com o conceito de imaterial (abstrato, subjetivo, etc.) só foi desenvolvido pelos pais da igreja quando tentaram explicar a fé cristã o
defendê-la dos incessantes ataques à natureza do Cristo. Assim, inevitavelmente a teologia era, em um primeiro instante, uma disciplina da metafísica que se ocupava em ser uma resposta para os fenômenos não materializados e crenças religiosas. Enquanto que da ontologia a teologia colhe a idéia de causa primeira e do Ser incriado e as atribui à criação e à Deus, respectivamente. Ao longo de muitos anos a fé cristã precisou explicar-se para o mundo ocidental. Enquanto a fé da primeira aliança se ocupava apenas com o mundo hebraico (cultura e civilização), a fé cristã, espalhada pelos discípulos e, em seguida, transformada em religião oficial de um império, precisava se explicar diante dos vários questionamentos com os quais se deparava. Contudo, os problemas cristãos, como as várias correntes do helenismo, eram mais antigos, natos de quando os apóstolos escreviam suas cartas e evangelhos. Destes embates, certamente, a igreja se utilizou da filosofia para definir conceitos de fé e, naquilo que não pôde explicar, a igreja constituiu o dogma. Este último é, então, primeiramente uma tentativa de firmar a fé diante do mundo e pensamento ocidentais e, para isto, a igreja recorre novamente à filosofia e abraça o conceito de absoluto, tão banalizado hoje pelo pós-moderno. O absoluto na filosofia, equivocadamente atribuído à Deus (Michael Inwood[6] afirma que era esta a definição hegeliana), é antes uma verdade inquestonável. Exemplos de absolutos na fé – entre os que mais se destacam - são a trindade e as naturezas de Cristo. Discutiremos um pouco de cada um mais adiante. Ambos se constituem absolutos (dogmas) porque não possuem definições satisfativas. O que podemos agora dizer, para elucidação, é que a terminologia “hipóstase” abraçada pelo Concílio de Nicéia e tão trabalhada pelos Padres Capadócios, que já vinha sendo utilizada na teologia cristã - como se lê da carta de Dinonísio de Alexandria[7] - para definir as pessoas da trindade, é um conceito criado no neoplatonismo de Plotino[8] e, portanto, inteiramente filosófico, se constituindo um dos exemplos mais nítidos da influência da filosofia na teologia. No caso específico da terminologia “hipóstase”, Plotino morre e 270 d.C. e a carta de Dionísio data de 259/260 d.C., e a idéia do filósofo já era presente na teologia cristã. A utilização de alguns termos filosóficos se deve ao fato de que alguns problemas teológicos se tornavam piores ao adicionar o subtrair qualquer informação. Um clássico exemplo é quando Nestório procura suprimir o termo theotokos da pessoa de Maria, e aplicar christotokos, querendo com isso dizer que Maria seria mãe apenas do Cristo, e não de Deus. Porém, a idéia de Nestório malJesus recebida entre os forçando próprios cristãos época,o termo pois, transmitia a idéia defoique não era Deus, a igreja adamanter theotokos para evitar novos problemas cristológicos. Esta troca de informações teólogo-filosóficas só (aparentemente) se
encerram com o fim da idade média quando o pensamento humano se emancipa da igreja[9]. De si a teologia nada fez sozinha, a não ser criar conceitos inexplicáveis e incognoscíveis para o homem, conceitos com os quais ela mesma foi incapaz de lidar. A teologia e a existência de Deus permanecem ininterruptamente atacados porque seus argumentos de validação são filosóficos, partindo dos princípios de ontologia e metafísica. A metafísica é o ramo da filosofia que se ocupa com as características mais gerais dos seres ou a natureza da realidade, definida na obra de 14 volumes de Aristóteles, o qual a chamava de “filosofia primeira”[10]. Por sua vez, a ontologia é um dos ramos da metafísica, sendo classificado por Christian Wolff quando este dividiu a metafísica em geral e especial. A ontologia se ocupa da realidade e existência dos entes[11], sendo a parte geral, e se tornou alvo da filosofia de Hegel e Heidegger. Estas disciplinas são estudadas a milênios. Porém, para convalidar o raciocínio filosófico, primeiro, se deve admitir um dualismo, o qual já era a base do pensamento de Platão, que aqui resumimos com material e imaterial. O dualismo é um conceito que tem início na própria religião como princípio de fé – uma vez que Deus não habita este plano material - e que passa a ser melhor definido por Platão quando o filósofo compreende que a inteligência humana não reside no mesmo plano que o homem. Para isso, Platão toma como exemplo u cavalo e explica que um cavalo existe e morre, mas a idéia de cavalo não morre na consciência humana[12]. Esta “Teoria das Idéias”, presente em seus diálogos, é a primeira construção teórica do dualismo. O termo dualismo, contudo, aparece apenas na obra de Thomas Hyde[13] como com ento das forças do bem e do mal na obra de Zoroastro. Quem reloca o termo e o mete em oposição ao monismo é (novamente) Christian Wolff[14], e Descartes o populariza quando o define como duas substâncias distintas, ou seja, corpórea e espiritual [15]. As divagações descartianas são incompletas e a teoria de Descartes não produz uma defesa lógica ou racional de seu ponto de vista. É, de fato, muito mais uma defesa de suas crenças pessoais. Para nosso estudo é necessário algo mais concreto, pois, aqui veremos a metafísica em seu todo, e nesta perspectiva apenas Kant faz uma proposta melhor, a dividindo como sensível (aquilo que está ao alcance dos sentidos humanos) e suprasensível (aquilo que está fora do homem)[16]. Mas, esta é apenas a primeira parte das idéias que Kant mantém e contínuo desenvolvimento. Para melhor compreender a filosofia kantiana eu irei me desvencilhar da construção dostranscendental conceitos e atribuir-lhe definições maisInicialmente práticas. Kant desenvolve suatécnica filosofia a partir da idéia do nada. ele elabora os pressupostos de conceito vazio de objeto e objeto vazio de conceito. Para Kant o conceito não transforma o nada em objeto. Assim, sua metafísica
prevê a intuição vazia sem objeto e o objeto vazio sem conceito. Este último se trata de conceitos contraditórios, em persistente conflito, e o primeiro diz respeito ao espaço e ao tempo. Para Kant, a única forma de metafísica pura seria a concepção do espaço e tempo, que são conceitos inequívocos de objetos vazios. Para Heidegger o pensamento de Kant não supera a ontologia tradicional[17]. Heidegger defende que a idéia guarda a essência do objeto[18], mas, de todo modo, essa forma de pensamento não categoriza o conceito vazio de objeto. Kant deixa de completar seu raciocínio porque estava mais interessado e confrontar o empirismo e o dogmatismo. Assim, imanência e transcendência não se referem ao dualismo teológico, mas à razão em busca de conhecimento. O que falta na metafísica de Kant é a intuição vazia com objeto vazio: objeto ausente de conceito e incapaz de definir. A intuição, em Kant, é o pensamento humano que vai além do horizonte fenomenológico. A intuição faz o homem entender que existe algo alé do nada, que Kant, em confronto com as diversas posturas de sua época, afirma estarem em constante contradição, ou vazias de objeto, a não ser na mais pura metafísica. Contudo, a crítica de Kant torna a sua própria filosofia contraditória, uma vez que se o conceito não transforma o nada em objeto, da incapacidade de se conceituar não se pode pressupor que nada existe. Em virtude desta falha de raciocínio, a prova da existência de Deus não pode ser racionalmente provada na filosofia de Kant[19], já que os argumentos cosmológico e teleológico necessitam do argumento ontológico e dele se derivam, e se o ontológico não pode ser conhecido e nem provado, os demais se tornam, também, improváveis. Kant não é o fim da metafísica, mas, a busca de provas além da intuição humana que, infelizmente, o próprio Kant não soube encontrar. Deus, muito mais que um argumento ontológico, É a realidade oposta ao fenômeno e não classificada pela matéria, já que está fora do cogito. Descartes, também, não foi hábil ao colocar a prova da existência de Deus na existência de um ser necessário e perfeito, pois, para a matéria este ser necessário seria, também, material e a matéria é, originária e naturalmente, imperfeita. Aliás, é a imperfeição que provaria a existência de Deus, e não a perfeição, pois, é a partir do imperfeito que o perfeito se revela, já que não se sabe o que é perfeito sem primeiro conhecer aquilo que é imperfeito, como não se sabe o que é sorrir se não se aprende a chorar. Sabe-se, então, que perfeição e imperfeição são apenas sentimentos de culpa e ideais humanos, respectivamente. O homempecados. se senteOimperfeito porque afoiexistência educadohumana a se sentir culpado pessoais por seus próprios judaísmo colocou e as relações como atos de afronta à Deus, o que é uma interpretação errada da lei. Os crimes cometidos entre humanos só são classificados como pecado porque é o home
alvo do amor de Deus (Rm. 5:8; Ef. 2:4). Porém, o homem é assim como é: pecador. Nele não deveria existir – nem ser infligido – nenhum sentimento de culpa, já que não pode ser diverso daquilo que naturalmente é, e muito menos agora quando em Jesus tema remição de suas culpas (Rm. 5:10). É na Bíblia que encontramos o homem imperfeito e pecador, e na mesma Bíblia encontramos o homem redimido, justificado e santificado pela cruz de Cristo (Ap. 5:9). É importante perceber que o resgate independe do resgatado, á que é um ato de pura vontade do resgatador. O homem nada fez e nada pode fazer para ser salvo (Mt. 19:26). A salvação é um ato de inteira vontade de que quer resgatar (Jo. 10:17). Desta forma, preocupar-se com perfeição e imperfeição é fruto de uma exegese caduca, que nada diz acerca da existência de Deus, já que a idéia do Ser perfeito permanece sempre fora do imperfeito. Na obra de Kant, assim, o contingente só existe sob a condição de um ser necessário e não contingente. O Ser absoluto é aquele que contém toda a realidade e condição. É um pensamento incompleto, pois, os conceitos de imanência e transcendência de Kant são apenas comunicáveis pela razão, não podendo o suprasensível conter o sensível, e vice-versa. Ora, se Deus É eternamente fora do fenômeno, decorrentemente, É eternamente fora da matéria. A metafísica kantiana não permite que Deus se comunique com a criação e, portanto, o Ser absoluto de Kant não poderia originar algo para o qual se encontra fora. Este é o mesmo problema do paradoxo da onipotência, aqui sendo o paradoxo da onipresença, pois, Deus não poderia Estar ausente daquilo que Ele fez, como não poderia Ser presente naquilo que não fez, pois, na primeira não seria Soberano já que está fora, e na segunda não seria Criador. Contudo, temos um pouco do conceito que iremos desenvolver adiante, e são as metafísicas de Descartes e Kant que favorecem aquilo que será apresentado, ou seja, a constituição de duas substâncias distintas, mas, que se tornam mais puras a partir da metafísica prussiana. O problema é facilmente resolvido com a existência de duas realidades – material e imaterial ou física e espiritual – reais e incomunicáveis. Espero explicar melhor nas páginas seguintes. A ANGSTÄRA Como segunda etapa de nossos esforços teológicos precisamos confrontar as teologias dualísticas dos primeiros séculos do cristianismo e saber se a postura que adotaremos se distancia delas. Eu não irei me aprofundar nas questões suscitadas dentro das controvérsias conciliares, mas farei pela um resumo dos acontecimentos, das dout rinas e dos posicionamentos adotados igreja, tomando sempre como idéia central que as doutrinas e dogmas construídos na história do cristianismo tiveram como objetivo explicar a fé para o pensamento
ocidental e a maneira grega de observar o mundo que sempre indaga o propósito ou a razão - das coisas, e não suas finalidades. É importante perceber que o mundo teológico não exige explicações, á que aquilo que não pode explicar atribui à Deus. O mundo ocidental, por sua vez, não se preocupa com as explicações, mas, em apenas utilizar e aproveitar os recursos e conceitos de maneira adequada. O mundo ocidental, voltado para o homem, evoluiu a ponto de descartar a necessidade de definições, permitindo que cada um acredite naquilo que melhor lhe convém. Por isso, o mundo pós-moderno é reciclável, pois, colhe e descarta ininterruptamente. O que não possui significado para um, não quer dizer que não signifique nada para todos. Assim, a atual era é uma constante retomada de conceitos e valores que se impõem, sobrepõem e se anulam mutuamente. Inicialmente este novo milênio favorecia um pensamento neomoderno[20], mas, esta incessante relutância de sobreposições de significados e verdades, transforma os primeiros dez anos deste milênio em um areópago, uma agorà tão intensa que relembra os intermináveis debates de Sócrates e os sofistas em busca da verdade. Este é o resultado do pós-moderno que, desconstruindo o Homem[21], obriga-o a refazer-se[22], só que desta vez, a reconstrução do homem se dá dentro de uma profunda reflexão relativista[23]. A ausência de absolutos se transforma e insegurança[24] e, assi m, para cada resposta que surge nascem sempre mais perguntas, de tal maneira que existem mais dúvidas que explicações. Ainda que não seja a função da filosofia responder[25], todavia, é de sua alçada provocar respostas. A diferença é que o pós-moderno proporcionou uma reavaliação do pensamento humano sem, contudo, obter respostas imediatas e perspectivas futuras. O único absoluto do pós-moderno é a tolerância. Ele obrigou o homem a alcançar os próprios limites, de tal modo que ele não sabe mais quem é ou, precisamente, não sabe mais o que é[26]. Obviamente, esta é pergunta (quem – ou o que – sou eu?) fruto do distanciamento entre Deus e o homem. Deus significa muito mais que um culto o uma divindade e Se constitui um absoluto que proporciona ao homem um ponto de partida e um ponto de chegada. A ausência de Deus – como absoluto - deixa o homem ausente de significado e de respostas para seus dilemas existenciais[27]. Este homem civilizado, segundo Weber, “pode cansar da vida” sem “ser pleno dela”, vendo na morte um acontecimento desnecessário e, consequentemente, na [28] que nunca encontra e vida. É como o homem sem Deus: de algo direção à um vive encontro inevitável. O fimem dobusca rigorismo vi olentou o homem de maneira que ele não consegue mais reconhecer-se. Este pós-moderno desmanchou[29] tan to assim a sociedade que não se
sabe mais aquilo que possui relevância. Sobreposições intermináveis de significados e significâncias levaram Foucault[30] a atribuir à esta realidade diversas heterotopias[31], uma repetição constante na qual o homem se envolve com o passado e o presente, lugar e lugares, sagrado e proibido, mente e demente. É uma expressão que procura classificar, dentro do pós-moderno, ao menos aquilo com o que a humanidade interage. Contudo, o homem pós-moderno interage muito mais consigo mesmo[32] e, se a quali dade mais marcante deste homem é a sua capacidade de olhar apenas para si mesmo[33], este homem não dividirá uma heterotopia, mas, antes, uma enterotopia[34]. Seu umbigo é seu deus. Lipovetsky procura redefinir esta era chamando de hipermoderno[35], porém, é muito mais uma palavra de efeito do que uma designação de nosso tempo. O hipermodernismo não considera apropriadamente a condição egotista e arrogante do homem pós-moderno e, ao não fazê-lo, desconsidera o quadro depressivo diante do qual o ego humano encontra-se prostrado. A situação na qual o homem se encontra hoje é de inteira angústia, é uma angstära [36]. Esta angústia se tornou maior porque o homem escolheu manter Deus fora de seus dilemas pessoais. Este homem pós-moderno não tem fé, não tem sonhos, não te esperança. Ele substituiu tudo o que tem importância para si consumindo aquilo que a sociedade oferece, até mesmo a fé[37]. Esta graça barata[38] vendida na era do plástico[39] é, p ara Enrique Rojas, fruto do materialismo, do hedonismo, do consumismo, do relativismo, da revolução sem programa e sem finalidade e da permissividade. Este homem pósmoderno “é frio, não crê em quase[40]nada, suas opiniões mudam rapidamente e é ausente de valores transcendentais” . O conceito de angústia de Kierkegaard se amolda eficazmente ao pós-moderno[41], é a oportunidade de escolha desde sempre jamais abraçada pelo homem. Este escolhe o que é transitório pelo afã do prazer que logo tramonta. Esta síndrome de Sísifo retira Deus da condição humana e coloca o próprio homem como ideal daquilo que, infelizmente, jamais será. O homem não pode e não será senhor de si mesmo. Aquele que não te controle sobre si, nada pode controlar. A Grécia antiga não apenas fez filosofia, mas, substituiu valores humanos antes imprescindíveis. O mundo antigo já era moralmente pervertido desde o Éden (Gn. 3:7) à Babilônia (Ez. 23:20) - quando o helenismo se amálgama a diversas culturas. Porém, vagarosamente o pensamento grego transformou o culto aos deuses em um culto ao corpo feminino e, posteriormente, em um homem, maisdeespecificamente cultoideal à razão, pois, o homeA não é culto postoaocomo ideal beleza, mas, um como de maturidade. incorporação de tais valores no mundo romano causou uma deprevação se precedentes que afetou até mesmo o mundo cristão (João 1:1-3; I Co. 11:14 e 15).
Há muito tempo as correntes helênicas confrontam a crença em Deus, mesmo porque a filosofia é uma resposta racional e crítica ao pensamento teísta (indagação das crenças[42]). As disputas cristológicas que se estendem até a separação definitiva entre oriente e ocidente em 1054 d.C., têm seu contorno em debates e propostas filosóficas para explicar a natureza de Jesus. Percorrendo a história da teologia, esta sempre foi ou platônica ou aristotélica, aliás, se diz que estes dois personagens históricos resumem toda a filosofia. Bem, exatamente esta tentativa de elucidar a fé para o mundo ocidental provocou uma proliferação de compreensões doutrinárias dentro do cristianismo e, infelizmente, muitas destas interpretações, doutrinas naquela época ainda em processo de construção e definição, não estavam certas nem sequer quando vistas de muito longe. Todavia, se constituíram naquilo que significa a palavra heresia, ou seja, posições diversas ou contrárias àquela da igreja. Para que tais heresias sejam compreendidas, antes de mais nada devese entender a base sobre a qual todas elas se apóiam: um ciclo ininterrupto que partia de Aristóteles e tornava a Platão, e vice-versa. Para melhor entender estes pensamentos, novamente, há outros recursos a disposição[43]. Aqui, nos interessa captar algo que é bastante óbvio e igualmente ignorado por alguns estudiosos. É que quando observamos a filosofia platônica estamos diante de um método de abordagem que explica alguns fenômenos materiais através de argumentos imateriais, o que mais tarde será denominado por Aristóteles de metafísica. A filosofia platônica explica com o dualismo aquilo que não consegue se explicar empiricamente, desenvolvendo um mundo paralelo à realidade. Este pensamento dualista influenciou demais os primeiros pensadores cristãos e, especialmente, as diversas heresias e doutrinas construídas em torno da Pessoa de Jesus. A pergunta do pensamento platônico é “como se relacionam matéria e imatéria?”. De outro lado, a empiria aristotélica explica os fenômenos apenas pelos meios de prova que dos mesmos se conhece, ignorando tudo aquilo que o conhecimento humano é incapaz de explicar. O método empírico de Aristóteles leva o indivíduo a perguntar “como estas verdades que conhecemos se manifestam?”, pois, se empenha em explicar como os fenômenos acontecem, e não mais como se relacionam. É diante desta pergunta que surgem os dogmas mais absolutistas, pois, a explicação aristotélica é através da criação, ou seja, a partir do que se vê se explica o que não se vê. Enquanto a teologia dos primeiros séculosouseasocupava em explicar a relação do Pai com o Filhoexplicar e com oaEspírito Santo duas naturezas do Filho, o escolasticismo procurou relação de Cristo com a igreja, como agem os sacramentos, a presença real, etc.. A mudança de pergunta altera, também, o resultado teológico,
sustentando explicações mediadas pelas duas correntes filosóficas (Platão o Aristóteles). É no final da idade média, antes do renascimento e do iluminismo, que a mudança de pergunta modifica também a forma de pensar, graças a Erasmo de Roterdã[44]. A pergunta deixa de ser “como se relaciona matéria co imatéria?” ou “como estas verdades que conhecemos se manifestam?”, e passa a ser “por que creio nisto?”. Por trás desta pergunta principal existem muitas outras que surgem nos movimentos seguintes ao pensamento de Erasmo, porém, é quando Erasmo critica a santa ceia[45] que a m aneira de se fazer exegese alterna. A pergunta que surge na crítica de Erasmo muda especialmente o ambiente religioso e é a grande responsável pelas transformações sucessivas. Por exemplo, Martinho Lutero deve sua “iluminação” aos escritos de Erasmo[46]. A pergunta aboliu a preocupação de explicar a relação do Divino co o Humano, e passou a questionar as inconsistências teológicas e eclesiásticas desta relação. O pensamento humano não mais exaltou o divino e o explicou como forma de crença, porém, o dissecou como um médico forense disseca um cadáver em busca de vestígios e provas, e rejeitou o que não possuía uma forma lógica de explicação. Era a filosofia de Ockham[47] posta de maneira nua e crua, não mais diante do inexplicável, agora diante do insuportável. Esta evolução da maneira de pensar o sagrado, que posteriormente cai na crise religiosa, no ateísmo teológico e na crítica bíblica, deixando o século XX sem qualquer temor ou esperança e levando o catolicismo a realizar u violento confronto com a maneira liberal de pensar do protestantismo, possui suas raízes no conservadorismo medieval que, por sua vez, possui uma carga histórica fortíssima que explica as razões da existência e da permanência de algumas doutrinas. Doutrinas suportadas muito mais por tradições e razões históricas, que foram o alvo das afrontas de Lutero[48], o qual nunca quis se desvencilhar do catolicismo em um primeiro momento[49], mas, transformá-lo internamente e renová-lo. De fato, as intenções de Lutero foram bem relatadas no seu apelo ao concílio contra a excomunhão e as sanções que lhe foram aplicadas[50]. Em seus escritos e sermões Lutero queria esclarecer seu ponto de vista e como o tomismo não era mais capaz de explicar uma série de doutrinas, insistia que Leão X estava equivocado e mal informado, e se esforçava em demonstrar que não havia construído nenhuma heresia. Lutero não é o primeiro pensador cristão a ser acusado de heresia. Desde seu início o cristianismo se defende heresias. O contexto no para qual ao cristianismo se desenvolveu não era saudável,deainda que fosse propício divulgação da nova doutrina. Os problemas causados pelas correntes helênicas ao udaísmo, como a exemplo do epicurismo e do estoicismo, eram tão presentes na
cultura judaica que o capítulo primeiro do evangelho de João é dedicado a identificar o logos do estoicismo com Jesus. Na verdade, este ambiente propício ao cristianismo é apenas possível depois que a última revolta palestina (66 d.C.) é silenciada com a destruição de Jerusalém. Da queda do templo (70 d.C.) duas correntes saem vitoriosas: o farisaísmo, que passa a se chamar judaísmo rabínico e dá origem à religião judaica como a entendemos hoje; e o cristianismo[51]. A última corrente - e nova religião - precisa ser esclarecida e explicada, e as mencionadas divergências cristológicas que procuramos alcançar são importantes para nosso raciocínio exatamente por serem dualistas. Elas dize respeito à maneira com a qual algumas escolas entendiam a existência de Jesus. O passo inicial para compreender as divergências dos primeiros anos do cristianismo é ser maduro quanto a concepção do Novo Testamento. A teologia protestante ignora veementemente a tradição católica, saltando quase um século dos primeiros anos do cristianismo para evitar qualquer relação com o catolicismo. Contudo, como dito por Frédéric Manns - talvez a maior autoridade em Novo Testamento de nossos dias – “toda Escitura nasce da tradição, e se tradição nao há Escritura”[52]. De fato, não é algo muito complexo para se compreender – o debate teológico que perdurou por muitos anos é mais complicado - e procurarei colocar da maneira mais simples possível. Por anos a preocupação teológica se debruçou sobre o fechamento do cânon bíblico, mas foi Bultmann[53] quem atacou o cânon de maneira mais precisa e perguntou quando, onde, por quem e como os livros que compõem a Bíblia foram escritos. Bultmann não se preocupou com a doutrina da inspiração, pois, seu alvo de análise era o conteúdo bíblico em si, e não os acontecimentos e fatos perenes ao texto bíblico. Este período é conhecido como crítica textual ou método histórico-crítico[54]. Na verdade, Bultmann desenvolveu uma exegese desvencilhada de pressupostos[55], que se preocupava apenas em interpretar precisamente as palavras utilizadas na composição textual, se concentrando mais na gramática grega. E é justamente por isso que sua teologia se torna ainda mais necessária de compreensão. O fundamentalismo americano, por exemplo, por mais que negue qualquer relação com a teologia de Bultmann, possui nele suas raízes. Acontece que da teologia de Bultmann nascem duas fortes correntes: a crítica textual e o fundamentalismo. A crítica textual alcança seu ápice em Käsemann, até não encontrar mais horizonte a perseguir. O fundamentalismo, mais conhecido e trabalhado nas américas, corta os laçose com a tradição católica e a linha de pensamento liberal do protestantismo, se divide em pentecostalismo e nas diversas denominações nacionais, como batistas, presbiterianos, congregacionais, etc., que possuem algumas características comuns e rejeitam, além da tradição
católica, os comentários, críticas, estudos e pesquisas em torno da concepção do Novo Testamento, o recebendo como inspirado e inerrante. O fundamentalismo é a reação da teologia evangélica contra o modernismo, e que ganha forças na terceira fase de Karl Barth, o qual é e continua sendo o mais ortodoxo entre os grandes teólogos protestantes do século XX. Algumas injustas atribuições à Barth são, infelizmente, afirmações fora de contexto. Por exemplo, quando falava da autonomia dos sacramentos, Barth explicava que se um pregador do evangelho baseia sua exposição bíblica na sua própria pessoa, essa exposição não se constitui palavra de Deus[56]. Ora, Barth explicava isso no sentido de que a Palavra de Deus continua sendo Palavra de Deus independente de quem a exponha, e esta Palavra causará sempre os mesmos efeitos nos ouvintes, pois é Deus Quem garante o caráter do sacramento, e não quem o exerce[57]. De todo modo, nem Barth e nem o fundamentalismo são nosso objeto de estudo. A exposição que se seguiu foi apenas para justificar a origem do fundamentalismo a partir de um dos pensamentos mais complicados do século XX: a demitologização. Bultmann desenvolveu sua idéia de demitologização – que aqui não iremos analisar – a partir da tradição oral das práticas cristãs mantidas entre os apóstolos e da data em que os textos bíblicos foram escritos. Devo, contudo, dizer que o mito de Bultmann não é o mesmo da mitologiaantiga. Para Bultmann o mito “é o transcendente sob vestes mundanas”[58]. Desta tarefa (descobrir o significado oculto), detalhada em seus escritos mais tardios, Bultmann percebe que existia uma tradição cristã na igreja de Jerusalém, que ve narrada nas cartas paulinas, o que o leva a observar simultaneamente que os escritos paulinos são os mais antigos do cânon sagrado. Tomando por premissa que as cartas de Tessalonicenses (49/51 d.C.) e Coríntios (50/56 d.C.) são as mais antigas, Bultmann deduziu que algumas práticas cristãs ja existiam na igreja primitiva antes dos textos escritos, como é o caso do batismo (Rm. 6:4) e da eucaristia (I Co. 11:23-27). Tradições que se tornam textos escritos não é nenhuma novidade. Tomemos, por exemplo, o udaísmo rabínico do qual falamos. A mudança significativa do judaísmo se deve “à destruição do templo, ao desaparecimento da liturgia e da classe sacerdotal, ao uso das Escrituras e ao aparecimento dos exegetas como substituição ao templo, o fim do sacro e profano, a instituição das sinagogas, a substituição do sacrifício pelas orações e os limites políticos e sociais impostos aos hebreus nos países e [59]
que se refugiaram” DestaTalmud renovação hebraica nasce VI o Talmud (Talmud de Jerusalém no século V. d.C., babilônico no século d.C.), que na prática é a junção da Gemarah com a Mishnah. A Mishnah, por sua vez, é a compilação escrita da Torah oral. Segundo a tradição hebraica, Moisés recebeu duas leis no
Sinai, uma escrita e outra oral (Ex. 24:3, 12; Dt. 6:6, 7)[60], esta última, na qual estão contidos as 613 premissas, é a Mishnah. Bultmann, porém, ao perceber que a prática cristã era anterior ao texto escrito, analisou que a palavra grega utilizada por Paulo em Coríntios – e em diversos outros textos -era , a qual possui o mesmo significado que , utilizadas também por Judas (Jd. 3) e Pedro (II Pe. 2:21) para designar o processo de tradição oral da fé, enquanto que a palavra era o termo aplicado nas pastorais para exprimir o conteúdo doutrinário transmitido tradicionalmente[61]. Bultmann havia conseguido demonstrar textualmente que o cristianismo possuía uma tradição oral. Os passos seguintes da teologia de Bultmann são aqueles que se constituem o alvo das críticas, pois, a partir de Jesus Cristo e Mitologia (1958), Bultmann passou a defender que antes do texto escrito não se podia determinar mais nada e que, por sua vez, o texto sagrado estava narrado em uma linguage supersticiosa e precisava ser demitologizado, e que muitos dos eventos narrados pelos apóstolos não poderiam usufruir de uma literalidade, pois, não possuía qualquer lógica ou senso para o homem moderno. Os milagres e a encarnação do Verbo foram alvos desta exegese existencialista, e Bultmann passou a sustentar a idéia de que o Novo Testamento era fruto de uma tradição envelhecida. Esta abordagem existencialista via o Novo Testamento como fruto das perseguições e do martírio cristãos, e da decrescente expectativa dos apóstolos no retorno iminente de Jesus. A tradição cristã, assim, precisava ser escrita como testemunho para as gerações vindouras, e Bultmann sustenta isso afirmando que o kerygma é mais presente nos evangelhos, enquanto as cartas pastorais possuem nítido caráter prático para regular a convivência das novas comunidades cristãs[62]. Àquele que deseja conhecer mais de Bultmann, existem materiais específicos e mais dedicados [63]. Nosso esforço aqui é conhecer as razões primitivas do cristianismo e o porquê da existência de tantos confrontos. E, para isto, Bultmann nos é de singular importância quando explica que, situados em ambientes e contextos diversos, os apóstolos precisavam explicar o cristianismo para o modo grego de pensar e combater as diversas heresias existentes, desde quando Pedro preciso debater com Simão em Samaria (At. 8:9-24) à quando Marcião atribui deuses distintos aos testamentos bíblicos. Simão, que era mago, e Marcião - a quem Jerônimo chamava de “o primogênito de Satanás” - quealguns ensinava que Jeová era Pai de Jesus, u deus diferente, são apenas exemplos das não heresias surgidas nosmas cinco primeiros séculos do cristianismo. Iremos, então, ignorar muitas das heresias discutidas e que não possuem confronto direto com a natureza de Jesus e que,
portanto, não são dualistas. Deixemos de lado os acéfolos, os acemitas, os adamitas, os aerianos, os alogitas, os angelicanos, os antidicomarianos, os antropomorfitas, os apostolitas, os aquarianos, os arabianos, os arcônticos, os artoritas, os asquitas, os audianos, os barbelo-gnósticos, os basilidianos, os barsanufitas, os cainitas, as coliridianas, os catafrígios (ou montanistas), os cátaros (ou novacianos), os damianitas, os diacrinomenitas (separatistas), os donatistas, os elcasaítas, os encratitas, os eustacianos, os judaizantes, os gnósticos (apesar de dualistas, discutem mais acerca da criação e do homem), os iconoclastas, os judeus-cristãs, os macedonianos (ou pneumatomacos), os maniqueístas, o marcionismo, o melezianismo, os messalianos (euquitas), os milenaristas (ou quiliastas), os ofitas, os srcenitas, os paulicianos, o pelagianismo, o quartodecimanismo, os semipelagianos e os setianos. As heresias mencionadas acima não serão comentadas porque dize respeito a posições contenciosas, soteriológicas ou eclesiológicas, quando não a grupos que aderiram a alguma heresia que veremos adiante e que, portanto, não nos interessam no momento. Ignoremos, também, a controvérsia entre Paulo e Pedro (Gl. 2:11-21) resolvida no sermão de Pedro em Jerusalém (At. 15), mesmo porque naquela época, com o cristianismo ainda em construção doutrinária, ne mesmo Pedro entendia tudo aquilo que ensinava Paulo (II Pe. 3:14-16). Para sintetizar, criamos uma tabela em ordem alfabética das heresias que nos interessam a partir de materiais que indicamos adiante. HERES IA Acacianos Actistos Adelofagitas Adocionistas Aftartodocetas Agnoetas Anomianos Apolinaristas Arianos Cerintianos Cristolitas Docetistas Doroteanos Ebionitas Eusebianos Eutiquianos
C REN ÇA O Filho É apenas semelhante ao Pai (homeicianos) Mo nofisitas: a carne de Cristo não foi criada O Espírito Santo não É Deus Monarquianos: Jesus foi adotado pelo Pai no batismo e não Era divino Monofisitas: corpo incorruptív el de Jesus, incapaz de sofrer e sentir dores. Negavam Sua humanidade Monofisitas: a alma humana de Jesus era incapaz de conhecer algumas coisas, como o juízo final Arianos extremistas (aecianos e eunomianos); antrinitários: O Filho não É igual ao Pai, É umDeus menor criado a partir do Pai Antiarianos: negam a humanidade inteira de Jesus, Sua humanidade não possuía alma, era incompleta. Negamaeternidadedo Cristo O mundo não foi criado por Deus, Jesus recebeu o Cristo no batismo e era de fato filho de Maria e José Depois da morte apenas o Jesus Divino sobe aos céus Negam a humanidade de Jesus, Seu corpo era aparente Arianos: diziam que antes da criação do Filho o Pai não poderia se chamar Pai, p ois, não havia o Filho Judeus-cristãos que negavam a divindade de Jesus Arianos moderados seguidores de Eusébio di Nicomedia Início do monofisismo que afirma que Jesus possuía apenas uma natureza, a Divina
Jacobitas Melquisedequianos Modalismo Monarquistas Monofisitas Monotelitas Nestorianos Homeusianos Paulinianos Priscilianos Sabelianos Sinusiastas Subordinacianos Severianismo Teopasquitas
Monofisitas que afirmavam as duas naturezas de Cristo, sendo a humana suprimida pela Divina Grupo que adorava a pessoa de Melquisedeque do Velho Testamento em categoria superior a de Cristo Monarquistas. Entendia que o mesmo Deus atuou na história de três formas diversas e que foi o Pai a morrer na cruz (patripassianismo) Teoria monoteísta que, para defender a unicidade de Deus, negou a distinção das Pessoas Divinas, gerando adocionistas e modalistas São os eutiquianos e severianos, anticalcedonianos, que admitem em Jesus apenas uma natureza Ensinava que as duas naturezas de Cristo existiam, mas, que nEle havia apenas uma vontade, a Divina Aceitam as duas naturezas de Cristo, mas, tão distintas entre si que se tornam incomunicáveis Semiarianos: oFilho é igual ao Pai na subst â ncia (homoiusios), mas, nãoconsubst a nciais (homoousios) Adocionistas seguidores de Paulo de Samosata Pouco se conhece, sabe-se que eram monarquistas São os modalistas, seguidores de Sabélio Apolinaristas que defendiam uma fusão das naturezas de Cristo a ponto de criar uma terceira natureza Ainda que o Filho seja Deus, É subordinado ao Pai M onofisitas de Severo de Antioquia, que defendiam a união das naturezas de Crist o era sem mistura, confusão ou divisão Monofisitas que defendem o sofrimento do Verbo, sofrimento Divino
Marcello Craveri, naquele que é um dos melhores trabalhos a respeito[64], faz uma recontagem das principais heresias que atacaram o cristianismo ao longo da história, sendo a nossa principal fonte de recursos para a construção da tabela apresentada. A leitura do livro de Kelly[65], que é uma das leituras teológicas mais importantes para o cristianismo, também contribui a entender as fases do cristianismo e seus principais acontecimentos. Evidentemente, um conhecimento detalhado é apenas possível na vasta obra de Eusébio[66] e na obra de Josefo[67], leituras que ajudam, acima de tudo, a conhecer o processo histórico de tais disputas teológicas e como as mesmas tiveram lugar. Algumas heresias persistem até os dias de hoje, a exemplo do gnosticismo e do arianismo. Este último nunca saiu do pensamento teológico cristão. Mondin[68] cl assifica Bultmann, Tillich e Bonhoeffer como neoarianos, acusando-os de darem uma historicidade tão acentuada à Jesus que negam sua eternidade. Esta classificação, de fato, não pode ser ignorada. Partindo da idéia central do arianismo compreendemos que algumas fases da teologia são apenas uma maneira moderna de expressar aquilo que Ário defendia. Apesar de tudo, o arianismo de hoje é minúsculo diante de outros problemas cristãos, como as diversas veias do pentecostalismo. O movimento neo-pentecostal, por exemplo, grande responsável pelo pluralismo religioso, é hoje sincrético e presente entre várias correntes de confissão cristã, católicas e
protestantes, sendo um verdadeiro gnosticismo moderno. No decurso de me ministério pastoral tive o desprazer de conhecer evangélicos que não sabia sequer quem foi Lutero, muito menos os motivos da Reforma. Trata-se muito mais que desinformação, é sim um total desinteresse em conhecer as raízes e as origens da fé que tanto defendem. Por conta disto, hoje temos encontrado um cristianismo sem história, vivendo ainda muitas das heresias vencidas nos concílios ecumênicos. Um cristianismo que parece ter nascido ontem. Diante disto, a tabela nos serve para analisarmos o conteúdo teológico que iniciaremos nas páginas seguintes, mas, orientam agora nosso conhecimento diante de algumas práticas comuns e toleradas em nossas igrejas. Evidentemente este processo dialético e tolerante da teologia alcançaria a identidade mais visível da sociedade de hoje: a indiferença. Os cristãos de hoje são indiferentes diante de tudo, quer seja da necessidade do próximo, quer seja da presença de tantas divisões e heresias. O cristão de hoje é indiferente a sentimentos e credos. Enquanto na idade média a fé era defendida até a morte, na era da angústia se aceita de tudo em benefício de si mesmo. É uma sociedade que alimenta as próprias feridas. Do mesmo modo o ateísmo de hoje é mais que um questionamento acerca da existência de Deus, é uma indiferença diante da Sua existência. Para o ateu de hoje pouco importa se Deus existe ou não. Ele quer simplesmente viver sem ter que dar satisfações e, para isso, Deus deve morrer. Um hedonismo moderno onde o maior prazer é possuir. O resultado da indiferença é o vazio. O homem de hoje é vazio de tudo e, portanto, nao é de se espantar quando os países com os maiores índices de ateísmo são, também, os que possuem os maiores índices de suicídio. Isto não é coincidência. É angústia. O homem de hoje se ocupa de consumo e objetivos de curto prazo para que a noite evite olhar o teto escuro e perceber que ele é igualmente escuro e vazio. A sociedade se encontra diante de um ponto de transição, talvez o fim de uma civilização nas palavras de Rojas [69], mas, certamente um momento de escolhas. A sociedade atual deverá decidir como irá viver seus próximos anos e o que irá deixar para as gerações futuras, decidir entre a superficialidade e a profundidade, escolher entre os valores cristãos, os quais nestes dois mil anos moldaram nossos costumes e famílias, e o dinheiro, o qual tem construído a atual realidade e arruinado a ética e os valores deixados pelo cristianismo. Escolher entre a indiferença e a compaixão e refletir no significado de SER e o vazio de TER. o mais importante é que esta sociedade escolher entre a renovação de umEcristianismo de princípios bíblicos ou a deverá manutenção de um cristianismo de consumo.
O QUE DIZEM DELE Afora a definição etimológica dada pelos mais diversos dicionários de que Deus É o Ser Supremo[70], é comum encontrarmos em alguns livros teológicos ou biográficos uma diferenciação entre conceito histórico e filosófico, existindo uma distinção do Deus presente nas três grandes religiões monoteístas e os deuses das demais crenças politeístas. Tomando a fé monoteísta como nossa própria base de crença pessoal, por Deus entendemos a existência de um Ser, de srcem espiritual e eterna, que para alguns É O Criador de todas as coisas, para outros É fruto do desejo humano de perpetuar-se, em determinadas culturas não É Único e interage com seus irmãos (e irmãs), mas, que em um consenso geral se trata dAquele que tudo criou e para O qual tudo tornará[71]. Tudoformas – e nada já se tentou dizer acerca dEle. Nas orientais Ele tem várias de -ser visto e definido. O budismo O religiões vê como seres não eternos que podem renascer[72]; em outras crenças Ele pode ser a própria criação [73] e, portanto, im pessoal e não criador; quanto pode ser literalmente a
própria criação em algumas culturas indígenas ainda aprisionadas ao animismo[74]. No Egito antigo os animais eram sagrados e os faraós era deuses[75], até em Ur dos caldeus Jeová já era uma das entidades primitivas conhecidas e registradas nos cultos mesopotâmicos pós-diluvianos[76]. Na antiga Mesopotâmia Jeová se chamava Enlil[77] e, i ntrigantemente, era conhecido como o Deus do vento ou do “sopro” (Gn. 2:7)[78]. Semelhantemente, segundo o testemunho de Uta-Napishtim nas placas conservadas por Assurbanípal em sua biblioteca, foi a ira de Enlil que desencadeou o dilúvio[79]. É ainda mais intrigante como, na tradição histórica de Israel, Jeová estava ligado aos fenômenos naturais como raios e trovões (Ex. 9:33; Ex. 20:18; Sl. 77:18; Sl. 104:7), pensamento perpetuado nos escritos apocalípticos (Ap. 10:4). Tais semelhanças nas narrativas mitológicas de outros povos e a Bíblia não são acidentais. Elas são, de fato, propositais. Os livros bíblicos são, primariamente, uma autoafirmação da crença judaica diante da idolatria dos povos vizinhos a Israel. O Judaísmo veterotestamentário não era a única forma de culto na antiguidade e, assim como aconteceu com o Cristianismo, inevitavelmente precisou se impor diante das heresias e idolatrias vizinhas. O crescimento hebreu por assentamento e posse[80] era comumente recordado nos cultos israelitas, quando se atestavam meros arameus errantes[81] (Dt. 26:5), o q ue demonstra que o judaísmo foi forçado a crescer em meio a idolatria dos povos que já possuíam Canaã, idolatria que se manteve dentro do próprio Israel e foi a mais árdua luta travada ao interno da comunidade que, corriqueiramente, se via perdida em meio a crenças pagãs (Dt. 29:26; Jz. 2:11; I Sm. 7:4; II Cr. 28:2; Sl. 16:4; Jr. 11:10; 16:11; Os. 2:17). Portanto, como afirmar a singularidade de Deus e da fé hebraica diante de povos que chamavam Jeová por outro nome e possuía suas próprias divindades? Como ser uma nação sacerdotal do Único Deus verdadeiro? Pensemos, por exemplo, que as várias batalhas travadas entre os povos do antigo oriente eram guerreadas em nome de suas divindades (I Sm. 17:45; I Rs. 18:24), e os hebreus se viam em minoria e menor força, tendo e Jeová o diferencial e a razão de suas vitórias (Ex. 15:3; I Sm. 6:19; I Cr. 11:14; I Cr. 21:14; Is. 37:36), algo que tem atribuído à Jeová, por toda a história, uma personalidade guerreira e cruel, que manda exterminar e matar a tudo e todos (I Sm. 15:3). A idéiaa de Deus carrasco atormentou humanidade por do milênios, forçando sempre umum crescimento religioso muito amais em virtude pavor diante das consequências do pecado - como a condenação eterna - do que por amor e devoção à Deus. Talvez, por força disto, lemos Sacha Calmon chamar
Jeová de “o orgulhoso Deus-castigador”[82]. No entanto, claramente se entende dos relatos bíblicos que os autores procuram autoafirmar a nação de Israel e a descendência de Jacó em meio a povos que já possuíam aquela terra quando Abraão (Gn. 12:6) ou Moisés (Nm. 13:28) chegaram ali. É, por isso, que as narrativas bíblicas têm a premissa de formar uma cultura diante de povos que já possuíam, quando Moisés recebeu os mandamentos, além de seus próprios deuses, língua, escrita e culto[83]. A grande diferença é que, na maioria das culturas do antigo oriente, existia distinção entre império e culto, enquanto que a construção política de Israel é uma teocracia, o que causou desconforto à nação e a fez requerer um representante monárquico semelhante aos demais povos (I Sm. 8:5). As divergências entre a vontade de Deus e o desejo da nação orientam as atuais investigações arqueológicas e reconstróem um Israel que não possui quase nada de Divino e parecia perdido diante da identidade cultural dos demais povos. De fato, a arqueologia hoje entende que muitos eventos do Israel antigo, como os patriarcas, as guerras e a tomada de Canaã, foram inventados[84] ou - na mais otimista das hipóteses - reescritos pelo rei Josias[85] quando este redescobriu o que aparenta ser o livro de Deuteronômio (II Rs. 22:8-11). Os mais radicalistas encaram a abordagem arqueológica como um ataque às religiões udaico-cristãs, especialmente o fundamentalismo protestante. As controvérsias bíblicas não podem ser encaradas apenas como mentiras, pois, além do texto sagrado, a Bíblia também é o livro de um povo, u livro de usos, língua, hábitos e costumes hebraicos. Torna-se natural acrescentar informações quando não existe uma margem na qual se identifica o início e o fi daquilo que é cultural e daquilo que é religioso. Ora, mesmo as normas jurídicas de Israel foram fornecidas por Deus (Dt. 9:11), sem que se levasse em conta que Deus, O Qual possui todo conhecimento, não levaria quarenta dias e quarenta noites para escrever dez mandamentos. De fato, observamos que os ensinamentos passados à Moisés no Sinai vão além do decálogo, e se constituem mais precisamente na Torah oral. Quando conhecemos manuscritologia tomamos conhecimento de que os textos que possuem maior detalhe de informações, também possuem maior probabilidade de terem recebido qualquer acréscimo posterior à redação srcinal, pois se compreende que se trata de um aditivo fornecido pelo copista para elucidar a informação textual. Deve-se, acima de tudo, manter a idéia de que, antes (Dt. de se6:1-3; tornarDt. livro, o conteúdo bíblico pertencia já mencionada tradição oral 7:12) que, historica mente, possuià maior relevância que a tradição escrita[86]. Tais informações devem servir para esclarecer que a tradição
hebraica existia antes da literatura hebraica, assim como Deus já fazia parte da cultura de Israel antes de ter Seus feitos relatados nas escrituras. Ora, isto é evidente, pois o elemento constitutivo de uma nação é o povo que, posteriormente, se organiza em torno dos costumes culturais e da identidade linguística, ou seja, não nasce primeiro a língua, nasce primeiro o povo. A inclusão de Deus como Pessoa espiritualmente presente entre o povo de Israel e, acima de tudo, como Único Deus, é uma construção lenta que se estende por anos, pois, Jeová não foi o único cultuado no oriente antigo, ne mesmo entre o Seu próprio povo (Nm. 25:3; Dt. 13:13; Jz. 2:13; 10:13; I Sm. 7:4; 10:27; II Cr. 28:25; Jr. 22:9). É importante perceber que quando se diz que Deus É Único não o dizemos no contexto de não haverem outros, mas, de não haver nenhum outro como Ele, que É capaz de salvar (Is. 45:5-6; Os. 13:4). Isto é fundamental para o entendimento de Sua Pessoa, pois, nunca se disse na Bíblia que não existiam outras formas de divindades ou seres espirituais, mas, se diz que Jeová Está acima de todas elas (I Sm. 2:2; I Cr. 17:20; Jó 1:6-7; Is. 46:9; Rm. 13:1; I Co. 15:24), até porque o conceito de Todo-Poderoso não faria sentido diante de um Deus Solitário[87]. O atributo de Seu inigualável poder (I Cr. 29:12; Dn. 6:26) é uma autoafirmação de Sua singularidade (Jó 37:23; Ef. 1:21; Ap. 11:17), uma vez que Ser Único não significa Estar sozinho. O atributo de Sua Unicidade Lhe garante que não há nenhum outro como Ele, no mesmo sentido em que qualquer ser humano é, também, único em suas escolhas[88], já que fazendo parte da mesma espécie não somos iguais. A solidão de Deus[89] é, no máximo, enquanto Ele mesmo, isto é, enquanto Sua existência diversa de todas as demais. A Sua singularidade nasce diante de seu confrontamento constante com as nações pagãs vizinhas: Quem É como o Senhor nosso Deus? (Sl. 113:5). Ele É o “Deus de deuses” (Sl. 136:2), hegemonia que mantém nas três religiões nas quais É adorado e, desde que É conhecido, já recebeu vários nomes e atributos que O qualificam como o maior entre os demais. Isto porque o judaísmo classificou por demônio tudo o que não É Deus (Lv. 16:10[90]; Is. 10:11; Jr. 7:9; Mt. 9:34; Lc. 11:15[91]). De maneira mais lógica é possível acompanhar que a queda dos anjos rebeldes (Ez. 28:16; Lc. 10:18; Ap. 12:4) os fizeram habitantes da terra (Gn. 3:14; Ez. 28:17) e, evidentemente, procuraram a adoração dos homens como afronta direta à Deus por meio da corrupção generalizada (Ex. 20:3; Dt. 6:14; Jr. 16:20;3:1; Ml.Ez. 2:11; I Co.Ap. 10:19-21). força a presença de (Gn. Satanás no Éden (Gn. 28:13; 12:9; Ap.Por 20:2) nãodisto, era estranha à Eva 3:1-6; I Tm. 2:14). Uma vez que Satanás estava no Éden, então, obviamente, já havia caído, pois, seria estranho um anjo, ainda em seu estado de graça, distorcer as palavras
de Deus[92] e engan ar a Eva[93]. A partir daí é possível construir um cenário mais claro. Os anjos caídos são condenados a não conviverem mais com Deus (Jó 1:7; Jó 2:2; Jo. 12:31; Jo. 16:11; II Co. 4:4; Ef. 6:12), mas, passam a conviver imediatamente comos seres humanos. Eles são condenados a conviver com o material quando são imateriais, e esta é a explicação mais lúcida para as crenças e a idolatria dos povos semitas, javistas e cananitas. Quer entendamos mitológica ou culturalmente a existência dos demônios, o princípio de culto é o mesmo. Tenha o Diabo se revelado ao homem ou tenha o homem inventado o Diabo, de toda forma o cultuo e cultuou aos demais demônios – e os cultua até hoje. Resumindo, quer seja vista esta posição como mitológica ou não, é como vem narrada dos contos e tradições hebraicas, em especial pelo livro de Enoque que era comumente usado ainda pelos primeiros cristãos[94]. Diga-se, ainda, que não era uma realidade encarada apenas pelos hebreus e cristãos do primeiro século, mas, também Agostinho dizia que “o mundo é bem maior que os seres visíveis, e Deus é o maior dos seres invisíveis” [95]. Teodoro di Mopsuestia[96] e João Cri sóstomo[97], por exemplo, trabalhavam suas escolas de batismo com a audível e pública renúncia do batizante à Satanás, tradição que é mantida até hoje no catolicismo e nas igrejas ortodoxas. Ora, se eram mitológicos ou não, Satanás e os demais anjos caídos, deixando o estado para o qual fora criados (Is. 14: 12-14; Jd. 6), receberam a designação de demônios[98] e faze parte da teologia judaico-cristã. Eu não nego a existência dos demônios, até porque esta é uma afirmação incompatível com a crença em Deus (não discutiremos, mas, não crer em demônios é, de certo modo, não crer em Deus). Todavia, para quem não crê em demônios, isto não faz qualquer diferença para a fé bíblica e para as definições abraçadas pelo judaísmo e pelo cristianismo. Ademais, é a existência do Diabo que define a singularidade de Deus, haja vista que Ele não pode ser comparado com o homem[99] e seria desn ecessário defini-Lo se não houvessem outros seres espirituais. Das várias formas como Deus É conhecido podemos ler Moisés O chamando de Rocha, a Rocha inigualável (Dt. 32:31), Davi O chamava de O Santo de Israel (Sl. 89:18), Maomé O chamava de O Deus (Allah)[100], para os cristãos Ele É o Pai (II Co. 1:3), Karl Barth dizia que Ele É o “Totalmente Outro”[101], e em tantas culturas já foi mãe, energia, força, princípio, natureza, nomes, animais, criatura, criador, ente e essência, fenômen o e acidente, pensamento da ment humana que, desde o Éden, se aproxima e se odistancia dEleconstante (Rm. 1:28), O epersegue e O abandona, enquanto Ele permanece Único. Cada expressão de culto, em qualquer cultura, são meios de enaltecê-
Lo por tudo aquilo que representa, seja ponto de chegada ou ponto de partida, seja por medo ou temor, seja por fé ou razão, Ele sempre esteve nos lábios de todos e, especialmente, nos de Seus principais questionadores e, a despeito de críticas ou elogios, Ele sempre Foi, É e Será um porto seguro, tanto para os que chegam e respondem, quanto para os que partem e indagam. Ele É resposta e dúvida, causa e evento, amado e odiado. Ele É muito mais que o oposto do homem – como colocou Barth. Na verdade, Ele Está mais próximo do homem do que se possa imaginar que, de tanto amá-lo, Se Fez humano. A partir de tantos nomes e culturas, povos e línguas, Deus Esteve sempre presente na história da humanidade através dela mesma, Se autorevelando e, por mais estranho que possa parecer, Ele sempre gostoude Ser reinterpretado e Se deixar interpretar. De fato, Ele não faz acepções (Rm. 2:11) e, portanto, não Se restringe em apenas uma maneira pela qual pode Ser encontrado. Ele, em Si mesmo misterioso (I Co. 2:7), infinito (Sl. 147:5), não poderia jamais cobrar que aquilo que É finito (I Pe. 1:24) O entendesse como realmente É. Este Seu aspecto relacional o Faz encontrável por vários – mas não por todos - caminhos. Cada ser humano que pronuncia a palavra Deus, ainda que esteja com os olhos voltados para uma figura ou representação errada, dirige à Ele suas orações, pois, apenas Ele as pode ouvir (II Cr. 6:30; Ap. 6:10), apenas Ele as compreende (Sl. 139:4; Is. 65:24), de tal forma que cada expressão de culto é uma maneira de adorá-Lo, não como colocou Schleiermacher[102] - um sentimento, uma emoção - mas, o reconhecimento de Sua Existência que, ainda que não se possa conhecer plenamente, é possível dirigir-Lhe palavras de júbilo e adoração, pois só Ele É Senhor (Ne. 9:6; Ap. 15:4) e apenas Ele salva a quem O invoca (At. 2:21). Ele nem É sincrético e nem pluralista, mas, Está em constante relação [103], desde Sua própria natureza (Gn. 1:26; Gn. 11:7). Ele a Si mesmo Se Fez promessa à toda a humanidade (Gn. 3:15), pois, em Adão não existiam ne hebreus, nem árabes, nem semitas, nem cananitas, nem judeus, nem gentios. Existiam todos e nenhum, uma idéia longínqua de humanidade em uma única raiz comum, fazendo desta promessa messiânica patrimônio de todos e não propriedade de alguns. Ainda que Jules Isaac nos tenha feito recordar que Maria, Jesus e os apóstolos eram judeus[104], Jeová nem nasceu, nem tem pátria, ne pertence a ninguém. Este Deus Se torna um com todo aquele que O invoca. Ele Se deixa achar a quem o busca (Is. 55:6), Ele Está perto de quem O invoca (Sl. 145:18). Os hebreus tinham, todavia, a necessidade de identificar e proteger a raiz genealógica deles e, teocráticos, procuraram identificar essa raiz a partir da tradição javista[105] e do pr imeiro ancestral conhecido que invocou o nome de
Jeová. A partir desta genealogia os hebreus desenvolveram uma teologia exclusivista, como único povo separado e escolhido (II Cr. 29:11; Sl. 89:3; Sl. 105:26; Is. 43:20; Is. 45:4), por isso que os judeus sempre se mantivera revoltados diante da perspectiva de salvação de outros povos (Jo. 4:9; Jo. 8:48; At. 14:19), ainda mais daqueles que lhes trouxeram males (Jn. 1:1-3; Mt. 5:44; Mt. 15:22-23). Ora, sendo Deus tesouro de nenhum, desde que chamou Abraão que Seu objetivo foi alcançar a todos, e não uns poucos (Gn. 12:3; Ez. 3:18-21; Mt. 18:14; Lc. 15:4). Diante de um ministério evangelístico não desenvolvido pelos hebreus, Ele Se vê obrigado a Se manifestar em diversas culturas, de diversas maneiras, a fim de anunciar a Sua salvação (Nm. 22:9; Is. 44:28; Jr. 26:20; Lc. 9:50). Estas pessoas - que encontram Deus aonde Ele não foi anunciado - Karl Rahner[106] chamava de “cristãos anônimos”[107], que conhecem Deus e anonimato[108]. É uma idéia incompleta que tentou explicar a inclusão dos povos que morreram sem a oportunidade de abraçar o evangelho. O que é importante perceber é que cada cultura, no decurso da história, desenvolveu uma forma de culto ou adoração, mas, nenhuma possui uma forma de negação ou ateísmo. A adoração à Deus, a busca pelo Criador, está presente em qualquer cultura de qualquer época da históra. Um povo primitivo de cultura atéia nunca foi descoberto. Ainda que diante das situações mais adversas, como os cativeiros israelitas, o judaísmo existencial (saduceus) não era ausente de fé em Deus, mas, ausente de esperança no porvir. Deus Foi sempre adorado nas mais diversas nações, tribos, povos e línguas (Ap. 5:9; Ap. 7:9; Ap. 11:9), dentro ou fora do udaísmo. O ateísmo como fórmula de questionamento ou negação do divino, não é conhecido antes do século XVIII[109]. Em sua forma mais rudimentar o ateísmo era irreligioso, mas, espiritualista, sendo conhecido como antiteísmo e fazendo parte de algumas religiões orientais[110]. Na grécia antiga o termo passou a ser utilizado de forma perjorativa para criticar aqueles que rejeitavam os deuses do século V a.C.[111]. O ceticismo, a crítica religiosa de Feuerbach e o pensamento livre favoreceram o surgimento do ateísmo como o conhecemos hoje, porém, não antes de Deus Se fazer conhecido, em sua multiformidade (Sl. 104:24; Ef. 3:10; I Pe. 4:10), entre todos os povos, em qualquer lugar, de qualquer época.
O Q UE SABEMOS DELE a. A partir da autorevelação Pannenberg afirma que “Dio può essere conosciuto soltanto se si dà egli stesso a conoscere” [112], sendo esta, de fato, a premissa inicial da teologia cristã e, também, a mais equivocada possível. É que a afirmação de que de Deus só se conhece aquilo que Ele Se deixou conhecer, implica que qualquer abordagem ou esforço humano será sempre incapaz de conhecer a Deus. O mais correto seria afirmar que de Deus só se conhece aquilo que o homem foi capaz de interpretar. A maior quantidade de informações que temos acerca de Deus é daquilo que chamamos de autorevelação, que são os vestígios e as informações que Deus permitiu conhecermos dEle mesmo, e que é mais presente entre os povos do antigo oriente. O que os teólogos cristãos ignoraram foram os efeitos colaterais causados pela autorevelação. É que esta manifestação pessoal de Deus foi totalmente relacional – Deus Se revelou na medida em que Se relacionava com o homem - e causou relacionamentos a priori e relacionamentos a posteriori. Os relacionamentos a priori de Deus seriam aqueles nos quais Ele mesmo Se revelou à alguém ou alguns. Os relacionamentos a posteriori seria aqueles decorrentes do conhecimento dos relacionamentos a priori. A diferença é evidente e está no fato de que o primeiro é uma ação de Deus, enquanto o segundo é uma iniciativa humana. Existe uma grande diferença em Deus querer Se relacionar com alguém e alguém que quer se relacionar com Deus, mesmo porque a segunda opção é impossível fora de uma iniciativa Divina – Deus não se acha, Ele Se deixa encontrar (Ec. 8:17). De todo modo, a Sua vontade de Ser achado (Sl. 34:18) O fez reconhecido entre os que ouviram falar dEle (Gn. 39:3; 41:38). A autorevelação[113] de Deus, portanto, tem dois momentos. O primeiro momento são os feitos de Deus entre o povo no qual Ele quis Se revelar. O segundo momento são os 14:15; testemun hos daqueles que viram ou ouviram efeitos desta autorevelação (Nm. 22:2; I Rs. 8:42). Por força disto os lemos na Bíblia Deus Se relacionando com não israelitas (Nm. 22:9; Is. 44:28; Jr. 27:6) e pelo mesmo motivo presenciamos uma explosão de crenças e manifestações
inevitáveis de fé. Quando Deus Se revela dá a conhecer de Si não apenas à Que Se revelou. E este é o verdadeiro problema. A questão é que Deus não pode ser conhecido fora de u relacionamento pessoal. Por isso, Jesus não nos deixou órfãos (Jo. 14:18) e, enquanto Ele não volta, temos o Consolador (Jo. 15:26). Logo, aquele que se encontra fora de um relacionamento a priori com Deus, pode apenas conhecê-lO de maneira impessoal e, portanto, como parte de uma pesquisa ou de um estudo. Por isso, todo esforço teológico é inútil, pois, é fruto de um relacionamento a posteriori, e torna Deus alvo de uma pesquisa que não possui método e ne recursos aplicáveis. Assim, fazemos teologia porque não temos nada melhor para fazer, mas, teologia não é ciência. É preciso entender que a falta de explicação de determinados acontecimentos se deriva não da incapacidade humana, mas, das limitações de pesquisa ou da aplicação de seus métodos, pois, sabemos que o método de pesquisa depende do fenômeno analisado. Os fenômenos de Deus, contudo, não podem ser objeto de pesquisa, pois, não existe um método para analisá-los. Semelhantemente, Deus não pode ser estudado fora de um relacionamento, pois, Ele É uma Pessoa, ainda que inteiramente diversa de nosso conceito de pessoa, mas, com as mesmas qualidades que nos definem e com os mesmos sentimentos (Gn. 6:3; I Jo. 4:16; Ef. 4:30). Deve-se dizer, ainda, que a pessoalidade de Deus tornou-se ainda mais evidente depois da encarnação do Verbo (Jo. 1:14), visto que não existe prova maior da natureza relacional de Deus que o próprio Jesus, O Qual Estava em constante relacionamento com o próximo (Mt. 11:19; Lc. 10:38; 19:5; Jo. 11:5). A eucaristia é em si a demonstração da natureza relacional do Cristo, que nem o traidor excluiu de Sua mesa (Mt. 26:21). Portanto, nem a teologia, nem a filosofia e nem a ciência possuem um material de pesquisa idôneo, pois, são u relacionamento a posteriori com Deus. Toda crítica que hoje se faz aos textos sagrados, por exemplo, são fruto de uma antropologia teológica, não de u relacionamento a priori. De fato, nenhum de nós – afora alguns santos homens da Bíblia – sentou-se com Deus para lhe perguntar qualquer coisa. Assim, qualquer negação de Deus é desonesta, pois, se baseia e métodos estranhos à natureza Divina. Bultmann, por exemplo, talvez tenha cometido dois equívocos na vida. O primeiro foi se deixar influenciar demais por Heidegger e, a partir daí, construir uma hermenêutica existencialista. O segundo foi não definir adequadament e – oupara nãoo encontrar outra palavra suaaquilo idéiaque de mito. Para Bultmann – assim como resto do mundo - o mito –era não fazia sentido para o homem moderno, uma atualização do conceito de que mito é a explicação simbólica de fenômenos e eventos[114]. Afirmar que as
intervenções divinas e os milagres bíblicos são mitológicos, baseado em u método antropológico de ver o mundo, não é nem eficaz e nem correto. O mito não é fruto do imaginário, mas, da incapacidade do homem explicar racionalmente a autorevelação de Deus, e da sua evidente agonia diante do desconhecido. O ser humano nunca quis saber de onde veio. A pergunta sempre foi: Para onde vou? O equívoco de Bultamnn foi achar que só podemos falar de Deus a partir de Sua Palavra[115]. Há tantas e muitas formas legítimas de falar de Deus. Fatos e textos que, como cristãos, não temos coragem para afrontar diretamente devido ao insistente pavor de não saber explicar. Formas e expressões autênticas de fé muitas vezes afastadas por se encontrarem fora de nossos conceitos. A Bíblia é o relacionamento a posteriori por excelência, pois, contém um programa definido e organizado dos feitos, caráter e projetos de Deus. Mas, quando Deus Se manifesta, toda a criação é afetada (Mt. 24:27; Mc. 13:25). Nas palavras de Ferrario [116] “l’accoglienza nella fede della parola di Dio, ad opera dello Spirito Santo, non aggira l’ermeneutica né le passa, per così dire, sopra, ma l’attraversa e ne è attraversata ”. Da criação em si não se pode dizer que Deus Existe, mesmo porque se falamos, por exemplo, em natureza, a natureza humana não demonstra de maneira alguma que Deus Existe. Desde Unitatis Redintegratio [117] que um a série de teólogos começaram a defender uma teologia criacionista firmada em conceitos antiquados[118], e que não apazigua mais o coração indócil desta humanidade. Estamos diante de uma humanidade cansada, que já viu tanta corrupção a ponto de perder a esperança em si mesma. Invocar as premissas criacionistas da Bíblia (Gn. 2:2; Sl. 19:1; Rm. 1:20) não são mais suficientes para elucidar a existência de Deus a partir de uma criação contaminada pelo pecado e pela vontade do homem. Paulo deixou bem claro que o uso da prerrogativa criacionista (Rm. 1:20) foi para demonstrar que a corrupção humana (Rm. 1:23) tornou o home incapaz de encontrar Deus a partir de Suas obras (Rm. 8:20-22). A idéia de Paulo não é que a partir da criação seja possível conhecer a Deus, mas, que o home subverteu a ordem lógica da adoração (Rm. 1:25), da sua própria natureza (Rm. 1:26 e 27) e da sua finalidade (Rm. 1:28). O criacionismo não se encontra entre as preocupações de Paulo, mas, a hamartiologia, a soteriologia e a cristologia. Paulo constrói as doutrinas do pecado e da corrupção geral para apresentar a graça, a justificação e a salvação encontradas apenas em Cristo. De fato, impossível falar de um criacionismo em Paulo sem passar através de Jesus (Rm.é 11:36; Ef. 2:10). Neste contexto, os versos de Romanos se preocupam mais em revelar a ira de Deus (Rm. 1:18, 24) do que explicar u criacionismo. A ira de Deus É revelada para que a Sua misericórdia seja
aplicada [119], não apenas no discurso de Paulo, mas, em todo e qualquer discurso do Novo Testamento (Rm. 5:1, 8, 10; II Co. 1:3; Ef. 2:7; I Pe. 1:3; Jd. 21). Sustentar o criacionismo como proposta de alívio para o sofrimento humano o como forma de justificar o agir criativo de Deus é, para o homem de hoje, insuficiente. O criacionismo possui referência como ponto de partida do processo da vida (Hb. 2:10) e processo ininterrupto de Deus através de Jesus (Jo. 5:17). O niilismo e os avanços da ciência trouxeram opções diversas para entender a criação. Contudo, qualquer explicação não é agora capaz de apagar a angústia humana por não saber o que acontece quando a matéria chega ao fim. Este desespero permanece e não decorre do infrutífero criacionismo, da solidão do universo, da incapacidade de repetir o big bang ou do evolucionismo. A angústia humana é fruto do total desconhecimento do porvir. b. A partir da história humana A primeira demonstração de culto citada na humanidade é indiana. O culto à “Deusa Mãe”, copiado por diversas culturas, foi primeiramente praticado na Índia, onde havia uma estreita relação da divindade com a natureza – mais precisamente com a terra – e que srcina o tantrismo indiano [120]. O culto, todavia, era politeísta e foi abominado pelos povos do antigo oriente, ainda que Joseph Campbell tenha traduzido a palavra Adão como terra vermelha ou sangue (do hebraico ádamo ou dam)[121]. Intrigantemente, o conceito primitivo de Deus era feminino. A caracterização masculina de Deus deve-se ao culto hebreu[122]. Os relatos históricos e bíblicos afirmam que formas de culto rudimentares existiram e sociedades mais antigas, como a veneração aos mortos, os totens indígenas, o animismo, ou o culto prestado por Abel e Noé. Porém, o culto litúrgico e regular monoteísta do qual primeiro se tem notícias é o culto a Atom no Egito e hoje, no meio arqueológico, as atenções se voltam aos indícios de que os primeiros cultos eram monoteístas, e não politeístas como se acreditava. Assim, a nossa idéia de culto será monoteísta e o nosso apoio será a fé hebraica, em virtude de nos conceder uma clara definição do que é religião, o seja, o conjunto de crenças baseado em um sistema cultural[123]. A fé hebraica é, antes de qualquer coisa, a implantação da identidade cultural daquele povo. O relato de Gênesis da criação possui características poéticas, mas, muito alé disto compreende o desejoem doconta povoque, hebreu de explicar, apresentar fundar a própria religião. Tenha-se ao chegar em Canaã, o povoe hebraico não possuía qualquer identidade cultural. A força dos povos vizinhos não estava propriamente na altura das
pessoas (Nm. 13:33), mas na altura de seus muros e na organização que havia (Nm. 13:28). Para um povo que foi escravo por um período de 400 anos, a autoestima era vencida e as informações culturais desapareceram no processo de submissão. A história de Israel ainda precisava ser escrita. A desformidade da terra e dos corpos celestiais com o vulto de Deus passeando pela terra, chamando à existência ou à ordem aquela desordem visível, moldando da terra o homem e soprando-lhe vida, é a fecundação da criação. O povo hebreu estava nitidamente dando à figura masculina uma maior relevância que a feminina, na qual Deus fecunda a criação por meio de Sua palavra e Seu Espírito, confrontando, assim, o sistema matriarcalista. Os povos nômades possuíam uma idéia de Deus semelhante ao modo de vida que tinham, por isso, Deus precisava se identificar como Aquele que Foi adorado por seus antepassados, pois, cada tribo seguia seu Deus[124]. Para identificar-Se com uma localização geográfica, Deus chamou um homem instruído (Ex. 3:1-10), e nenhum dentre os escravos. Um povo escravo não sabe ser livre (Ex. 14:11, 12; 15:24; 16:3). As correntes da escravidão chegam além das algemas, e sufocam a alma, incapacitando a pessoa de aprender ou desligar-se do comportamento oprimido[125]. Por isso o pecador é colocado na condição de escravo, pois, não sabe não ser pecador (Jo. 8:34; Rm. 6:6, 16, 18, 20). Como também é por isso que um escravo deixa de ser escravo de um senhor para tornarse escravo de outro (Rm. 6:22). E, assim, é plenamente clara a idéia de que o pecado é a explicação hebraica para o sofrimento humano, e a razão evidente pela qual o material não vê o imaterial. Logo, o pecado é o motivo pelo qual o homem nem vê e nem convive com Deus, como também é, com os demônios, a explicação hebraica do mal[126], ainda que os demônios sejam parte da criação (Ne. 9:6; Sl. 148:2; Cl. 1:16; Ap. 12:9). Todavia, ainda que alguns rejeitem a presente reflexão, a teologia entende que os anjos não são eternos, pois não existem desde sempre. Contudo, desde quando foram criados não podem mais morrer (Lc. 20:35, 36), o que explica a razão pela qual o Diabo não será destruído, mas, aprisionado (Ap. 20:10). Por força disto, também, o sofrimento humano não pode ser explicado fora do próprio sofrimento humano. Querer identificar a presença de Deus no sofrimento humano é o procurar Deus onde existe apenas pecado. O sofrimento humano é justamente a prova da ausência de Deus porque é o pecado a razão do sofrimento e da morte (Rm. 5:12). O sofrimento muito experimentado hebraica serve de inspiração para humano escritos– poéticos, como o livronaderealidade Jó. Ainda que Jóesteja descrito no livro do profeta Ezequiel (Ez. 14:14), a ambientação do livro remonta ao período patriarcal e seu autor permanece desconhecido. Ao partir
destas simples informações, encaramos o relato de Jó não como uma disputa de forças e nem como uma tortura sádica da parte de Deus, mas, como uma narrativa hebraica do sofrimento humano. Jó sofre sem razão justa e sem motivo aparente. Ele sofre porque coisas ruins acontecem. A diferença em Jó é que ele não se queixa de seu sofrimento e adora a Deus em ambas as circunstâncias, ou seja, quando perde tudo e quando recebe em dobro. A mensagem é muito clara: Deus continua sendo bom independente do que fazemos ou do que aconteç a (II Tm. 2:13). A perspectiva da bondade de Deus não decorre daquilo que acontece, mas, da maneira com a qual encaramos os acontecimentos. Deus não é a razão porque sofremos, nem é o pecado, pois, Jó ne pecou e nem havia pecado (Jó 1:1; 8). O sofrimento encontra seu lugar quando excluímos Deus de nossas tragédias pessoais (Jó 2:10). É quando o homem se apega a esta matéria passageira, a esta vida frívola, que começa a sofrer. Quando lhe falta a consciência de temporalidade (Jó 1:21). A história procura colocar Deus presente no sofrimento humano e os teólogos procuram dar explicações vazias, já que não É Ele o autor do sofrimento. A verdadeira pergunta não é “por que sofremos?”, é “Deus existe?”. A primeira pergunta é a diminuição do questionamento “se Deus existe, por que sofremos?”. Contudo, a explicação do sofrimento não está na existência ou não de Deus, mas, no modo de ver e viver o mundo. Deus não é culpado pelas escolhas do homem, ainda que muitas vezes Ele procure ajudar e consertar aquilo que o homem fez (Sl. 107:28). Na verdade, se tivéssemos que procurar Deus no sofrimento humano O encontraríamos na coragem que nos faz seguirmos avante. Deus É muito mais a força que um pai encontra depois de enterrar seu próprio filho do que o motivo pelo qual a vida do filho foi ceifada tão precoce o prematuramente. E já que falamos de coisas ruins, devemos dizer que a existência do mal não justifica a inexistência de Deus, aliás, apenas afirma Sua existência, uma vez que o conceito de mal não existiria senão em oposição ao bem. Neste âmbito não queremos ser gnósticos ou maniqueístas e dizer que Deus É o bem e oposição às forças do mal, mas, simplesmente dizer que a existência do bem é suficiente para que o mal exista, já que o mal não é outro senão o desejo de ser o bem[127]. O Diabo, por exemplo, não é o arquinimigo de Deus, mas, aquele que gostaria de ser o permanente e único objeto de Seu amor (Ez. 28:12). Compreender estas definições é fundamental, pois, o desejo mais profundo do mal o bem nãotornar exista, o Diabo não existe então, dizer, que éo que desejo de se o eoutro – a invenja – é sem o priDeus. ncípioPode-se, do mal, e isto não aconteceu com o Diabo, aconteceu com o homem. Assim, a existência do mal significa que Deus existe, pois um dia o homem quis tomar o lugar de
Deus (Gn. 3:5; Sl. 14:1; Sl. 53:1; Sl. 82:6). Desejamos apenas aquilo existe, logo, Deus Existe. Diante disto, podemos fazer algumas considerações no episódio da queda. Por exemplo, Adão não pede perdão à Deus. Em um surto de autodefesa, Adão se justifica culpando a mulher e, consequentemente, responsabiliza Deus pelo próprio pecado – “… que me deste” (Gn. 3:12). Este costume de o home culpar a Deus pelas suas desgraças é sempre atual. É a síndrome do filho único: o pai é sempre responsável. Na verdade, o protecionismo paterno que chega a fazer todas as escolhas pelo filho (Deus escolhe o lugar, o ambiente, a comida e a companheira de Adão), torna o filho incapaz de fazer escolhas. De outro lado, é igualmente intrigante como Eva permanece silente. Estes são sinais de amadurecimento do casal, cúmplices até no pecado (lembra At. 5:2). A postura de Adão de se justificar diante de Deus, tomar sua mulher e sair do Jardim (casa), demonstra que ele estava desejoso de começar a fazer as próprias escolhas. Um filho, ainda hoje, geralmente sai de casa quando já sabe se cuidar, exatamente o que fez Adão quando sabia cultivar, colher, caçar e comer, enfim, Deus já lhe ensinara tudo, para que se desculpar? Casamento, justificativas comezinhas, saída da casa dos pais, início de uma atividade, são muito mais que maldições para o homem, são símbolos de sua rebeldia, de sua independência e de sua autosuficiência. E é exatamente aqui, neste ponto de transição, quando encara sua condição de pecador, que o homem revela que é imagem e semelhança. Geralmente procuramos encontrar explicações nas virtudes, mas, o homem é feito de matéria, e toda matéria é finita. Assim, ao longo de tantos anos de teologia cristã, os estudiosos sempre procuraram definir a expressão “image e semelhança” (Gn. 1:26) dentro da espiritualidade e das virtudes do novo home (Jo. 3:7) em plena comunhão com o ambiente eclesiástico. Mas, eu não consigo enxergar o homem fora daquilo que ele é: matéria. O homem é pecador e não santo, e nem quando é parte de um ambiente eclesiástico deixa de ser pecador (I Jo. 1:8, 10). O pecado é aquilo de natural na matéria, pois, o pecado não é outro se não aquilo que põe fim ao homem (Pv. 8:36; Ez. 18:4, 21), e também às suas virtudes (Mt. 5:29, 30; Lc. 4:11). Como o amor cobre uma multidão de pecados (I Pe. 4:8), a ausência de amor torna o homem pecador e réu de Juízo (I Jo. 2:9; 4:20). Logo, o que se espera do homem é que ele peque e, exatamente por isso, ele é alvo do amor de Deus (Mt. 15:24; Mc. 2:17; Lc. 5:32; 19:10). Ainda quando este homem escapa propósitos Deus teémapara eleda(Is.graça 43:13; Jr. 23:20; 30:23;erra Ez.não 20:21; Ap.dos 17:17), afinal,que o pecado razão (Rm. 5:20). É no homem pecador que Deus manifesta Seu amor, e nos erros deste
mesmo homem Ele demonstra a Sua providência. Os pecados dos irmãos de José foram propósito dEle (Gn. 45:7). Aquilo que contribui para o bem (Rm. 8:28) é, também, parte dos propósitos divinos, que inclui o que o homem pensa ser plano seu (Pv. 16:1), mas que, na verdade, é a vontade histórica de Deus (Pv. 19:21). De Seu trono de santidade, Deus faz do pecado humano a oportunidade de Se manifestar na história. Ele não age por trás da história[128], mas, Ele Está em volta de tudo, fazendo com que tudo caminhe na direção de Sua vontade e na realização de Seus eternos propósitos. Quando entendemos esta finalidade encerrada no homem, entendemos o conceito de “imagem e semelhança”. Por exemplo, sempre que guardamos uma imagem no espelho, o reflexo está invertido. O lado esquerdo se torna direito, e vice-versa. Por exemplo, o meu reflexo no espelho não mostra a minha verdadeira “imagem”, mas, um oposto tão “semelhante” que parece comigo. De mesmo modo, o homem é o oposto de Deus, uma imagem muito semelhante. Deus É espírito (Jo. 4:24) e o homem é carne (Jó 34:15; Lc. 3:6; Rm. 8:3; I Co. 15:39), realidades eternamente em conflito (Gn. 6:3; Gl. 5:17; I Co. 15:45-51). Deus É imaterial e o homem material. O homem é um semelhante, que divide a mesma história, mas, não a mesma realidade de vida. Deus e o home são pólos que se refletem (imagem) no processo da vida (semelhante). Eles são imagem e semelhança, mas, não são a mesma coisa. Com isso, também, não afirmamos que a matéria é má, afirmamos apenas que está corrompida (Mc. 7:23; Tg. 1:27; Ap. 19:2) e que, mesmo assim, é do ponto de vista humano que Deus Se torna conhecido. Como bem sabemos, os primeiros estudos teológicos acontece dentro da filosofia. Ali Deus não É necessariamente uma pessoa, mas, também, pode ser uma força criadora. Este pensamento de natureza não criada é mastigado pelos pais da igreja, em particular por Gregório de Nissa[129]. A natureza dAquele que É incriado (increato) seria a origem de tudo aquilo que foi criado (creato). É para justificar a fé da ontologia de Parmênides que existe a idéia do incriado. Para Parmênides não se pode falar do não-ser, pois, não se pode falar do que não existe e nem se conhece. Pode-se falar apenas do Ser, daquilo que É, pois, é o que se conhece e se pode definir [130]. E quando se fala do Ser, fala-se, igualmente, do Ser que jamais foi criado. A idéia, mais tarde, foi associada ao cristianismo pelos pais da igreja para justificar a existência de Deus. Parmênides define as coisas que são partindo do pressuposto de que tudo o que é esteve[131] co.ntido foi, ounão seja, Ser srcinal, incriado, imutável, e absoluto Este no Serque nãosempre tem começo, te o fim, não pode ser destruído, nem divisível, não pode ser dois, é sempre presente, não pode vir a ser, nem tornar-Se.
Este Ser, este de Tales[132], É o princípio de tudo. Porém, como o que não é matéria pode gerar matéria? Tudo o que a matéria conhece é matéria. Uma vez que se admita a existência deste Ser original e perpétuo, Ele não pode estar fora da criação e nem do processo criativo (parodoxo da onipresença), pois, assim, não poderia ser definido. Portanto, a criação que é matéria procede da matéria, ou seja, não existe uma realidade criadora fora da matéria, e esta é a razão da pré-existência do , já que a criacão é obra de Suas mãos e de Seu poder (Sl. 19:1; Hb. 1:10), ou seja, é obra dAquele que tornou-Se matéria e entrou na história humana. O mínimo que se possa admitir é que o processo orgânico - a existência da vida composta de matéria - aconteceu em dois planos distintos, u que se conhece e outro que não se conhece, um que é material e outro que é imaterial. Contudo, a história tem mostrado que a vida como o homem a entende (nascer, crescer, morrer), não existe fora da criação. É vida que gera vida e, se o processo evolutivo de fato ocorreu, alcançou o seu ápice na humanidade ou, mais especificamente, em Cristo (Cl. 3:4). Cristo é o fim da evolução[133] porque através dEle passa toda a criação (Ap. 4:11). Aquele que Era desde sempre (Jo. 1:1), Se manifestou no presente (I Jo. 1:2) e concluirá a história (Ef. 1:20-23; Ap. 19:11). O poema de Parmênides é o abandono de uma escravidão mitológica e, portanto, ainda imaturo e cheio de inadagações diante de uma sociedade politeísta. A pergunta sobre qual ele se debruça é srcinária (de onde viemos?). Os Titãs, Zeus e o Olimpo não esclareciam mais as dúvidas daqueles primeiros pensadores. Aquela sociedade intelectual que se formava, que tinha em seu ideal de perfeição o corpo feminino e que insere, pela primeira vez, o homem no centro do mundo, queria, também, ser parte de toda a criação. O Ser de Parmênides É o que É[134], e é bastante peculiar e intrigante que na Bíblia se leia mais tarde que Jeová É o que É[135]. Esta forma impessoal de Se afirmar demonstra a eternidade, a singularidade e a constância de Deus, que nunca Foi algo diferente daquilo que sempre Foi (Ap. 1:8). A conclusão é que este Deus ou não QUER ser conhecido ou não se PODE conhecer, já que esta impessoalidade é, também, diferença. Contudo, a definição que dá a Si mesmo não tem o objetivo de defini-Lo, mas, de definir Moisés (Ex. 3:11). Era Moisés quem tinha dúvidas (Ex. 3:13). Deus já Se havia apresentado (Ex. 3:6). Ele não Se nomina porque ninguém nunca O chamou por nome algum. Ele não Te amigos, nãoElepossui pai, não possui mãe, não possui irmão ou irmã. O que Ele sabe é que sempre exisitu. De fato, não é que Ele não Se apresente, é que quando Se apresento não foi reconhecido (Ex. 6:3), mas, todos sempre souberam Seu nome (Ex. 15:3).
Um nome é um substantivo próprio dado pelos pais aos filhos. Mas, quando não se tem pai, também não se tem nome. Talvez, por isso, Paulo O identifique como o Deus desconhecido (At. 17:23). Jesus, por outro lado, além de Seu Nome próprio (Lc. 1:31), sabe exatamente Quem É (Lc. 4:21; Jo. 4:26), não deixando jamais escapar a lucidez de Sua divindade (Jo. 10:30). Logo, Jesus É muito além do Deus que Se Fez homem, Ele É o Deus que se materializou na história da humanidade. Enquanto Deus se definia pela Sua autoridade (Adonai), Jesus dá historicidade, fisionomia, personalidade e nome próprio à Deus e, por isso, o apóstolo João, quando no livro da revelação vê o trono de Deus, vê o Cordeiro passeando no trono (Ap. 3:21; 4:2; 5:6; 7:17; 12:5), porque Deus agora É Jesus, no sentido de que Aquele que Era apenas Espírito hoje possui um Corpo glorificado. Jesus proporciona ao homem a possibilidade de conhecer o imaterial, de tal forma que não se pode mais conhecer a Deus se Jesus (Jo. 12:45). Eu não quero dizer que são deuses diferentes, mas, o mesmo Deus, a mesma pessoa (Jo. 10:30), com a grande diferença de que hoje Deus possui rosto e me permite conhecer muito bem com Quem irei reinar (II Tm. 2:12). É plenamente concebível, portanto, que no decurso da história da vida, a Pessoa de Deus, também, quis Se personificar, e isto é algo que Ele procurava fazer desde que passou a Se relacionar com o homem (Gn. 3:16). E exatamente isto fez dEle tão vizinho do homem. Jesus não é apenas Deus encarnado. Ele encarnou, também, a dor da humanidade. Jesus É Deus dividindo o sofrimento e a angústia do homem. Na história humana Deus não deixou apenas vestígios, Ele Se introduziu e a modificou para sempre. De maneira alguma concordo com o arianismo e as demais heresias cristológicas, mas, a encarnação do Verbo se deu em determinado ano, lugar e contexto da história humana, ou seja, Ele nasceu. O Verbo sempre Existiu, mas, não naquela forma, não como homem. A Pessoa de Jesus que, segundo o concílio de Calcedônia, possui ambas as naturezas, sempre Existiu como Deus, mas, u dia tornou-Se indivíduo. Aquela natureza humana do Cristo nasceu, viveu, morre e ressuscitou (Lc. 24:46), e é pela Sua humanidade que se garante a salvação de todos (Jo. 9:11; I Co. 2:2; 15:16, 20, 21). QUEM ELE É a. Eternidade e relacionamento Equivocadamente Paul Tillich encerra sua teologia sistemática falando do fim da história[136]. Na verdade, a história nunca terá fim, pois, o tempo é um conceito interminável. A escatologia é apenas a perspectiva de encerramento
da história humana, é o fim da matéria, mas, não se pode pôr fim à história, ne muito menos a vida. Ambas continuam ainda que de maneira estranha aos nossos padrões. Afinal, tudo está vivo, inclusive Deus (I Sm. 20:3; Ez. 18:3; Mt. 26:63; Jo. 6:57; I Tm. 3:15; Ap. 1:18). Consideremos, então, a eternidade de Deus, partindo da terminologia de eterno. O princípio terminológico de eterno é aquilo que não terá fim ou que não se sabe quando se finda. O entendimento filosófico de eternidade é um tempo sem cronologia, incapaz de contar. Algumas definições obordam o conceito de eterno como aquilo que não tem início e nem terá fim. Esta é uma definição errada, até mesmo para a escatologia e para a soteriologia. Para estas doutrinas a raça humana terá fim nesta existência física, mas, continuará no plano espiritual. Neste sentido, o ser humano é ou se torna eterno (Tt. 1:2), o que, em ambos os casos - seja ou tenha ele se tornado eterno - transgride o conceito de eterno para aquilo que não tem início e nem terá fim, pois, qualquer pessoa tem um início. Por conseguinte, a palavra eterno na Bíblia é comumente derivada do termo hebraico “oh-lam”, o qual não designa propriamente eterno, mas, u período de tempo muito longo. Por exemplo, “oh-lam” é utilizado para definir antiguidade (Dt. 32:7), longo tempo (Is. 42:14), para sempre (Ex. 21:6), tempo indefinido (Ex. 27:20), universo (Sl. 117:2). Neste contexto, é mais correto aceitar a expressão “eterno” como aquilo que não terá fim a partir de sua concepção. Assim, quando em hebraico se utiliza o termo oh-lam para Deus, se entende que Ele não terá fim, m as, em nada se relaciona com a Sua pré-existência. Em alternativa a oh-lam existe na Bíblia a expressão lah-NEH-tsahkh, que tem a mesma aplicação que oh-lam. Já no hebraico moderno, para definir as expressões “permanente” e “para sempre” são usados, respectivamente, os termos “leets-me-toot” e “leh-tah-meed”. À nós interessam as expressões bíblicas e ambas as expressões só dizem respeito a eternidade futura, e nunca a eternidade passada. A eternidade passada não possui qualquer relevância para o homem, desde o pragmatismo o homem não quer saber de onde veio, mas, se preocupa e saber para onde vai. Por isso, quando se fala revelação se fala do que ainda vai acontecer. Por exemplo, o livro do Apocalipse é, para o apóstolo João, a revelação de eventos vindouros. Ainda que parte da história é para nós revelada e podemos interpretar alguns símbolos do Apocalipse, suas revelações eram, para João, sempre futuras. A importância disto é entender que não existem profecias o revelações passado, o que significa que a história que passou é, também, passado paradoDeus. Deus não Existe mais naquela realidade que, também, não existe mais para o homem. O passado não pode ser alterado, se pudesse a idéia de perdão
seria desnecessária. Deve-se entender que a premissa de modificação de nossos atos passados tornaria caduco o conceito de perdão, uma vez que não precisaríamos ser perdoados se pudéssemos desfazer nossos erros. Logicamente, então, o fluxo do tempo também afeta a Deus, uma vez que as Suas promessas são sempre de restauração futura. Por exemplo, Deus não desfez a desobediência de Adão, mas, encontrou uma solução para corrigir a queda. Assim, se o passado pudesse ser alterado, a morte, o sofrimento e o sacrifício de Cristo seriam inúteis e desnecessários. A paixão seria vã e Deus não precisaria exterminar nações para recomeçar (Dt. 9:12-14). Os atos de Deus são sempre uma mudança do presente que afeta o futuro. Por isso, Deus implantou e Sua lei a necessidade do perdão (Mt. 5:24; Jo. 20:23; Hb. 12:15). O perdão não é apenas alívio para a alma amargurada, também é o remédio que corrige hoje os erros de ontem. O perdão não desfaz o erro, mas, livra o homem da culpa. U coração amargurado insiste em viver hoje o que pertence ao ontem, e adoece (Hb.12:15). O perdão liberta a alma aprisionada da culpa e do remorso. Agora, visto que nada está fora do tempo, nem mesmo Deus, e que nem a eternidade é uma realidade fora do tempo, mas, a duração de um tempo que não se pode contar (Sl. 41:13; Sl. 106:48), compreendemos que Deus, enquanto conceito, só possui significado para o homem a partir de quando este se dá conta que existe. É a partir da própria existência que o homem reconhece um Ser maior. A expressão “ain soph”, comumente utilizada para designar a “infinitude” de Deus na cabala, é sempre expressa dentro da oração que O identifica como Criador deste mundo. As religiões antigas não professavam a criação fora da humanidade. Logo, é para o homem que Deus possui relevância. Deus enquanto Pessoa só Se define diante de outra pessoa. É impossível se definir fora de um relacionamento, mesmo porque existimos como pessoas na medida em que nos confrontamos e nos autodefinimos[137]. Nas palavras de Sartre, é quando alguém me olha que me defino a partir do que não sou[138]. Por isso, esta capacidade de interpretar[139] precis a de auditório que interprete. De outro lado, a Bíblia não diz que Deus nunca nasceu, mas que Ele sempre existiu (Sl. 45:6; 93:2; Rm. 16:26) e, na Bíblia, tantas vezes esta eternidade é posta porque o homem é incapaz de determinar seu início. Quando a Bíblia fala de alguém que não tem pai e nem mãe se refere a alguém se genealogia (Hb. 7:3) e que, portanto, não se pode também determinar se morreu. Por“princípio” conseguinte,e, na maior parte dasé vezes que sedafala dacomo eternidade de Deus, (Pv. fala de neste pont o, este o princípio vida a conhecemos 8:26; Is. 46:10; Ap. 21:6), pois tudo o que o homem interpreta é a partir de si mesmo.
Com isso não quero dizer que Deus nasceu ou que não É eterno. Quero apenas encerrar a discussão ontológica diante da incapacidade de se conhecer o que acontecia e onde estava Deus fora da história humana. A própria reveleção de Deus é uma maneira de o homem compreender a si mesmo e sua finalidade (Sl. 150:6; Ef. 1:6, 12), pois, Deus fala ao homem humanamente (Ec. 3:11; Os. 2:14; Ef. 3:16-19). A existência de ambos os protagonistas – Deus e o homem - está delimitada pela própria criação, de forma tal que Deus não pode existir fora dela (paradoxo da onipresença). Fora da criação nem a eternidade te significado e o culto a Deus escapa de uma adoração racional (Rm. 12:1). Do mesmo modo, Deus não possui significado e nem mesmo relevância fora da história humana. Na história humana Deus anulou a Sua solidão. É para a história que Deus faz sentido e, diga-se com maior prudência, para a história da salvação humana, pois, é com o objetivo de ser salvo que o homem busca a Deus, e é com o objetivo de salvar que Deus Se deixa encontrar, de tal maneira que toda a teologia é uma soteriologia ou, melhor dizendo, é uma tanatologia[140], e Adão é, na espécie humana, o protagonista do incidente que fez do homem refém do pecado e carente de perdão. Neste sentir, a pessoa de Deus pode não conhecer a morte - ao menos não duas vezes (Rm. 6:9) e não fora da experiência do Cristo (Ap. 1:18) - mas, vive (Sl. 42:2; Ez. 18:3, 23, 32; 33:11; Mt. 16:16; Jo. 14:19; I Tm. 3:15; Ap. 1:18), o que significa que os padrões de vida, ainda que diversos dos nossos, se aplicam à Ele. A vida em si, como idéia daquilo que não é morto, se aplica à Ele e Ele nem Está morto e nem pode morrer (Sl. 10:16; Sl. 145:13; Is. 40:28; Lc. 20:36; Rm. 6:9; Ap. 1:18). A explicação está na Sua capacidade de gerar vida (Gn. 2:7; Jó 12:10; I Co. 15:45). Ele É a vida (Jo. 6:48; 11:25; 14:6). Contra Ele não se aplica a morte e isto é por demais claro, já que a morte é um dos estados daquilo que é matéria[141], e não do que é imaterial. O que desejo aqui não é dizer que Deus é mais uma parte da criação, porém, que Ele não pode ser visto sem um processo criativo (Gn. 2:3; Mc. 10:6. Rm. 8:22; Cl. 1:15; Ap. 3:14). Deus e o processo criativo são indissociáveis, de tal forma que não existe um dia no qual Ele não tenha trabalhado (Jo. 5:17) - ou talvez um (Gn. 2:2). Assim, voltando para Romanos, quando Paulo afirma que a criação revela a Deus, não significa que a partir dela se possa conhecê-lO, mas, que a criação faz parte do incessante agir de Deus, de modo tal que estão intimamente ligados (Rm. 1:20). bom lembrar que1:1, no relato bíblico a terraque já estava criada Deus inicia ÉSeu projeto (Gn. 2), o que significa a ativida de de quando Deus é anterior à história humana. Convém, ainda, perceber que todos os relatos criacionistas que existem na história são relatos daquilo que o homem consegue
enxergar, definir e compreender. A Bíblia, por exemplo, fala de planetas, terra, água, estrelas, animais, etc., ou seja, tudo o que está no campo visual do home ou dentro de seus conceitos científicos. Para conhecer ainda mais esta análise, tome-se nota que a criação à qual nos referimos é essencialmente material. Ignoramos completamente aquilo que não é materialmente manifestado. Desta maneira, quando pensamos que esta criação é obra de u Deus criador, devemos considerar que se trata de um Ser imaterial criando vida material. O ser humano é matéria e tudo com o que se relaciona existe materialmente, o que faz a concepção de Deus criador não se encaixar na lógica evolucionista, pois, estamos falando de um Deus imaterial que criou todas as coisas materiais e com O Qual só iremos nos relacionar após a morte. Até lá, o relacionamento com Deus se resume à constante frustação humana de não encontrá-Lo, senão pela crença e experiências pessoais que não podem jamais testemunhar de quem É Este Deus. Por isso que, com propósito de relacionar-Se com o homem, Deus manifesta a Si mesmo materialmente (I Pe. 1:20). Mesmo nos casos de possessão demoníaca é necessário que a(s) entidade(s) possua(m) o corpo de alguém (Mc. 1:23; Mc. 5:2, 15 e 16; Mc. 9:20; Lc. 4:33; Lc. 8:27). Todavia, não é manifesta materialmente a entidade imaterial, e quando escasso acontece, nas possibilidades orientadas pela Bíblia, adota(m) sempre uma forma humanamente compreensível (Gn. 3:1; Ap. 13:1-18). As manifestações espirituais são sempre de imaterial para imaterial (Jó 1:7) ou, quando muito, dizem respeito à confrontamentos mais complexos, como anjos (Mt. 1:20; Mt. 2:13; Lc. 1:11; At. 12:7) e a Pessoa de Jesus (Mc. 1:13; Lc. 22:43). É, pois, ilegítima a busca por Deus fora de um relacionamento, pois, é procurar na matéria Aquele que não É matéria, e que Se manifesta apenas e íntima relação. Por isso que qualquer relacionamento com Deus é antropomórfico (Jz. 6:11, 21; Jz. 13:6; Ap. 10:1) – quando não descritivo (I Re. 6; Ez. 10; Ez. 41). E depois do evento Cristo, todas as revelações passaram a ser em torno do Logos (At. 7:56; Ap. 6:2; Ap. 4:4; Ap. 5:5-7; Ap. 14:14; Ap. 19:11). Prendendo, então, o antropomorfismo, a teologia chama os eventos pré-Cristo de teofanias, dizendo, assim, as diversas formas com as quais Deus Se deu a conhecer. Logo, Aquele que ninguém pode ver (Ex. 33:20), Se deu a conhecer por meios explicáveis ao intelecto humano, até que o Salvador Se tornou homem (Jo. 1:14; Fp. 2:7 e 8) e, assumindo a forma de servo, assumiu, também, definição humana (Fp. 2:7). O antropomorfismo bíblico é na informática, na física, na medicina e, mais especificamente, na psicologia, aquilo que se chama de imagem residual, e aqui vou evitar os detalhes da discussão, quero apenas definir que image
residual é uma imagem mental, resistente a mudanças, com definições específicas daquilo que alguém pensa de si mesmo, na psicologia classificado como “definições próprias de si mesmo”[142]. Por exemplo, no episódio em que Moisés tem a oportunidade de ver as “costas” de Deus (Ex. 33:23), enquanto Suas “mãos” lhe cobriam (Ex. 33:22), é um nítido antropomorfismo de image residual, pois, Deus É espírito. Diante da ausência de compreensão, da incapacidade de definição e da inexistência de vocabulário específico, a mente aproxima a imagem à linguagem com a qual consegue expressar o que viu. Portanto, é muito mais fácil que as descrições bíblicas sejam um esforço humano de explicar a revelação, do que Deus tenha assumido qualquer antropomorfia, mesmo porque Ele não fez isso quando chamou Moisés (Ex. 3:2-4), nem fez com Elias (I Re. 19:11-13), nem co Isaías (Is. 6:1), nem com Ezequiel (Ez. 1:1, 5-28), e muito menos com João (Ap. 4:2 e 3), e quando fez, deixou bem claro (Gn. 14:18; 18:2). Em quase todos os casos de revelações, aqueles que as tiveram não conseguiram definir muito bem o que viram, e foram levados a explicá-las com a linguagem cultural que possuíam. Desta forma, sempre que existe qualquer intervenção histórica de Deus, esta se dá através da matéria. Todos os milagres do Novo Testamento foram feitos através de Jesus ou dos discípulos. Igualmente José foi o milagre de seus irmãos e de faraó, e tantos outros exemplos que apenas nos levam a entender que Deus Se manifesta através de nós mesmos, e que eu posso ou não ser o te milagre, assim como tu podes ou não ser o meu (Mt. 25:34-46). Enquanto as coisas permanecem no âmbito material, é na matéria que cada um vive o próprio céu ou o próprio inferno. Para escapar desta ciranda existencialista o homem recorre ao sobrenatural. Nesta afinidade mística, que parece inata ao homem, ele procura conhecer o que não consegue ver e, sendo franco, ele procura apenas ter provas para o que não consegue provar. Esta sede pelo desconhecido vai além de um refrigério para a alma e se confunde com o pavor da morte. A necessidade de um contato com Deus é, para o credente, a prova pessoal da Sua existência, e se torna o meio pelo qual passa a viver a sua fé, não sendo incomum que tais indivíduos coloquem suas experiências pessoais acima da fé eclesiástica e da Bíblia. Provavelmente por causa disto, aqueles que têm qualquer experiência espiritual tendem a querer desenvolvê-la sempre mais. Elas procura desenvolver um caráter mais zeloso, porém, hipócrita. Quando alguém procura uma justificação através da prática pessoal uma moral elevada,o acaba pecando por excesso de zelo, ou melhor, peca epordeorgulho e desobedece único mandamento universalmente presente em todas as religiões: o amor ao próximo. É que em razão deste zelo as pessoas acabam se tornando juizes de seus próximos, e
não é esta a característica de nenhum sistema religioso, pois, a base de qualquer sistema religioso é a unidade pelo amor fraterno. O amor é o sentimento que unifica (Jo. 15:9; I Jo. 4:16). Entre ser moralmente correto e amar ao próximo, Jesus ensinou que devemos amar ao próximo (Lc. 10:30-36)[143]. Deus nos transforma por excesso de amor, não por excesso de zelo (Mc. 10:19-22; Lc. 18:10-14; Rm. 5:8). É nos amando que um dia, de tanto amar, somos destruídos, perdemos as capas, deixamos as escamas (At. 22:7). A partir deste amor, que vai além dos limites de amar, Moltmann[144] enx ergou além do existencialismo histórico, e foi a ausência deste amor na atividade da igreja que fez Gutiérrez construir uma das teologias mais importantes da América Latina[145]. O amor é o sentimento através do qual Deus Se materializa (I Jo. 4:7, 8) dentro do homem (I Jo. 4:16). Esta idéia se torna sempre mais nítida quando compreendemos que cada ação de Deus na história foi materialmente manifesta. Cada ação de Deus foi e ainda é histórica. Neste aspecto Deus Se preocupou co detalhes para deixar evidências de Sua atividade. A encarnação do Verbo, e meio a uma família hebraica, Lhe deu uma raiz genealógica (Mt. 1:1-16) e lhe fez passar por um senso (Lc. 2:1-7). A Sua condenação política Lhe fez entrar nos documentos históricos de um império. Tudo foi construído detalhadamente, em u plano Divino que fez do Autor da história, também, Protagonista. Deus agiu de dentro da humanidade para que esta percebesse Sua presença. O Criador tornouSe criatura para ninguém mais questioná-Lo (Sl. 14:1). Ora, agora tornado matéria, o relacionamento se tornou muito mais pessoal e profundo. Jesus É a materialização do imaterial e a Sua ascensão faz dEle ainda mais sensível ao sofrimento humano. As cicatrizes de Sua crucificação são inapagáveis (Zc. 12:10; Jo. 20:20, 25, 27; Ap. 5:6) para que Deus Se recorde do que é ser humano, e para nos lembrarmos que Ele nos entende tão bem assi porque conhece precisamente nossas angústias e sofrimento. Jesus Se envolveu em nossas aflições de maneira íntima assim que as suportou Sozinho (Is. 53:5; Mt. 11:28; Fp. 2:8; Hb. 2:9). Contudo, parece que Suas intervenções físicas (Mt. 8:7; 19:2; 21:14; Mc. 6:13; Jo. 5:5-9) eram, também, de origem espiritual, mesmo quando se tratava de enfermidades (Mt. 8:16; 9:32; 12:22; Mc. 1:23, 34; 5:1-20; 9:17, 25; Lc. 4:33; 11:14; 13:11; Tg. 5:14). Todo encontro de Cristo com a morte resultou em vida (Mt. 27:52; Mc. 5:41; Lc. 7:14), mas, nem todo encontro com uma enfermidade resultou em cura (Mc. 5:23, sobre 35; Jo. 11:4,(Rm. 13). 8:2; Caso seja15:21; assim, tem autoridade a morte I Co. Ap.evidentemente 1:18), mas, seJesus o texto diztoda que algumas enfermidades não são para a morte (Jo. 11:4), é porque existe enfermidades para a morte, o que é evidente, do contrário ninguém morreria.
A Bíblia deixa claro que o sofrimento humano tem origem espiritual e na corrupção geral (I Co. 11:30; I Jo. 5:17). Por isso, também, Jesus ensinava que o material precisa renascer (Jo. 3:3, 7), e que este novo nascimento não é físico (Jo. 3:5, 6). O novo nascimento é o processo de cristianização do homem (Jo. 3:15), pois, nascer da água e do Espírito são etapas do processo de conversão (Mc. 16:16; Jo. 20:22; At. 8:15; 19:2; I Co. 2:12). Portanto, É Jesus a solução do sofrimento humano, pois, desde o princípio É Ele o agente criador de Deus (Jo. 1:3; Cl. 1:17). É, também, por isso, que apenas através de Jesus existe salvação (Jo. 14:6; Rm. 6:23; II Co. 4:11), ao contrário do que defendem alguns teólogos. Explico melhor. Na pré-reforma[146], o Concílio de Florença conclui solenemente que a igreja[147]: “firmemente crê, professa e predica que ninguém que não esteja dentro da Igreja Católica, não somente os pagãos, mas também, judeus, os hereges e os cismáticos, não poderão participar da vida eterna… ”.
A afirmação de que a salvação ocorre apenas dentro das paredes da igreja possui relevância histórica e somos incapazes de entender sem o conhecimento de alguns fatos. Cipriano de Cártago foi o primeiro a afirmar que a salvação é apenas possível dentro da igreja na sua tentativa de unificá-la depois do episódio dos lapsis . A expressão foi repetida no credo de Atanásio, no IV Concílio de Latrão e pelos papas Inocêncio III, Bonifácio VIII, Benedito IV, Gregório XVI e Pio IX, em decorrência dos respectivos momentos históricos vividos pela igreja. Ocorre que Décio foi imperador de Roma entre os anos de 249 e 251 d.C. e, com Valeriano, grande responsável pelo terceiro período de perseguições cristãs. Décio ordenou que os cristãos realizassem sacrifícios pagãos na presença dos comissários. A desobediência era punida com a morte[148]. Muitos cristãos foram martirizados, porém, muitos negaram a fé com medo da tortura e da morte. Com o fim desta terceira investida, a igreja enfrentou seu primeiro cisma. Novaciano, um presbítero de Roma, afirmava que os cristãos que negaram a fé no período das perseguições não poderiam ser reintroduzidos na igreja, a não ser que fossem rebatizados[149]. Entre os mártires cristãos que sucumbiram em 250 d.C. se encontrava o papa Fabiano. Um novo papa precisava ser eleito e Novaciano estava seguro de que seria ele. Contudo, enquanto Décio se achava em Roma os cristãos não podia eleger um novo papa, e apenas quando Décio se ausentou para liderar o exército diante dasCornélio. investidas dos Godos onde veio aa eleição falecer de - os bispos porque reunidoso elegeram Novaciano não- reconheceu Cornélio mesmo admitia na igreja os cristãos que perseguidos haviam apostatado, e se
intitulou antipapa. Cornélio, aliado a Cipriano e Dionísio, convoco imediatamente o Concílio de Cártago (251 d.C.), presidido por Cipriano para excomungar tanto Novaciano quanto seus seguidores e anatemizar o novacianismo. A apostasia dos cristãos e o novacianismo forçaram Cipriano a reafirmar a autoridade da igreja e a primazia papal fortemente abaladas. Com o édito de Milão as perseguições cristãs chegam ao fim e a fórmula extra ecclesiam nulla salus permanece para afirmar a primazia papal diante dos conflitos eclesiásticos. Atanásio a defende contra o arianismo que, com simpatizantes políticos, ameaçava dividir a igreja; Inocêncio III a defende em virtude das investidas dos Cátaros que, de srcem novaciana, se opunham a autoridade papal e sacredotal, ameaçando dividir a igreja novamente, quando esta já havia sofrido o golpe de 1054 d.C.; Benedito IV a defendeu diante dos Sarracenos e dos Húngaros; Bonifácio VIII a defende em sua bulaUnam Sanctam pelos ataques deferidos por Dante Alighieri na sua obra De Monarchia; Gregório XVI preciso defender das invasões e revoltas ocorridas dentro dos estados papais; e Pio IX a defendeu diante do liberalismo religioso[150]. Com o fim da idade média e a organização política das nações européias, a fórmula perdeu seu significado e a igreja passou a ser alvo dos pensadores que, desde Dante, viam seu envolvimento político com bastante discriminação, e requeriam uma separação entre igreja e estado. A crítica violenta de Erasmo frutificou[151]. Lutero confrontou a institucionalização da igreja (poder e estado), chegando a afirmar que “existe salvação fora da igreja, mas não fora de Cristo”[152]. O Vaticano II reconheceu a salvação fora da igreja e, de então, alguns teólogos modernos entenderam que a salvação não é uma propriedade da igreja[153] e, por tanto, não poderia ser unicamente através de Jesus, pois, isto excluiria as pessoas que não tivera acesso ao cristianismo. É por isso que, para a idéia de “cristão anônimo” de Karl Rahner ser completa, Jesus precisa revelar-Se ao credente, do contrário o cristianismo se limitaria a normas de vida prática e valores morais. Jesus deu um rosto à promessa Cristo (Jo. 4:25 e 26). A esperança messiânica é lançada à toda humanidade, porém, este Messias nasceu (Is. 9:6) e cumpriu a profecia (Mt. 5:17; Jo. 4:21). A identidade do Messias hoje se confunde com a de Jesus, sem O qual não há salvação. que saibamos outrosmesmo povos aos foradedefora, Israel esperavamdeo nascimento Ainda do Messias (Mt. 2:2),que todavia, o nascimento Cristo é anunciado (Mt. 2:8-11; Lc. 2:8-9). Ademais, o próprio Jesus tinha preocupação em saber se todos sabiam quem Ele Era (Mt. 16:13). E esta
pergunta, quando feita, provoca uma imediata revelação (Mt. 16:16), operada miraculosamente (Mt. 16:17). De alguma maneira Jesus Se revela. Ninguém que busca a Deus permanece enganado (Rm. 10:11). Jesus É a ponte entre o material e o imaterial. Ele É Alguém daqui e de lá ao mesmo tempo, porque É Deus (Jo. 1:1). Através dEle temos paz (Rm. 5:1), pois, Ele não apenas pagou nosso preço (I Co. 6:20; I Tm. 2:6), Ele, também, É o responsável por portar nossas orações ao Pai (I Tm. 2:5; I Jo. 2:1) e por nos portar diretamente ao Pai: Somos apresentados à Deus nos braços de Jesus. b. Sua pluralidade Tomando como fonte a Bíblia, Deus É plural (Gn. 1:2, 26; 6:3; 11:7; Mt. 28:19; Lc. 3:22; Jo. 1:1; 8:38; 10:30; 14:9, 11, 16, 23, 26; 15:26; Rm. 8:9; II Co. 13:14). O nosso Deus Único, alvo de um violentíssimo ataque de Feuerbach[154], Existe através do Pai, do Filho e do Espírito Santo que, por enquanto e pelas razões a seguir comentadas, evitaremos utilizar qualquer tipo de nomenclatura (pessoas, sujeitos, natureza, substância, essência, etc.). Evitaremos qualificá-Lo para evitar negá-Lo. Afinal, como diria Pirandello, “ o homem está sempre disposto a negar aquilo que não ent ende”. Contudo, diremos tudo aquilo que pensamos, já que não dizer é, também, negar. Esta pluralidade de Deus não era alvo de preocupação na teologia udaica, que entendia que as possibilidades da aplicação do plural na criação do homem (Gn. 1:26) e na torre de Babel (Gn. 11:7) ou se devia ao uso da palavra “Elohim” que é plural ou à um diálogo de Deus com qualquer outro ser celestial. Na verdade, para o judaísmo e o islamismo a Trindade é uma blasfêmia, já que contraria a echad (unicidade de Deus presente em Deuteronômio 6:4 – literalmente: O Senhor nosso Deus É Um). A singularidade de Deus e Sua solidão são inegáveis. Todavia, e determinado momento Ele precisou e quis Ser Pai, uma necessidade e desejo de não Se sentir mais Sozinho. Um Deus Único e Indivisível que na história Se dá a conhecer como Deus-Pai, como Deus-Filho e como Deus-Espírito Santo. O Pai É Deus (Jo. 8:41; 10:29; II Co. 1:3; Fp. 4:20; II Jo. 1:3), o Filho É Deus (Lc. 10:22; Jo. 6:46; 8:58; Fp. 2:6; II Co. 5:19) e o Espírito Santo É Deus (Jo. 15:26; I Co. 2:10; II Co. 3:17; I Jo. 5:7) que, contudo, não são três deuses, e sim um Único Deus. Esta fórmula trinitária, fixada no Concílio de Constantinopla (381 d.C.), foi corriqueiramente representada deomaneira elucidar a hierarquia do Pai e Sua singularidade como princípiotriangular de tudo, para e como todos os três possuem a mesma substância[155]. Muito difundida através do Scutum Fidei , o qual tem sua autoria desconhecida, mas que vem desenhado no manuscrito
Compendium Historiae in Genealogia Christi de Peter of Poitiers [156], discutido e repetido por Zwínglio [157], e que tem a seguinte ilustração:
O Scutum Fidei procura re sumir o credo de Atanásio Q ( uicumque vult ), que foi um dos maiores defensores da doutrina trinitária que, na sua redação, é possível ler [158]: … A fé católica consiste em adorar um só Deus em três Pessoas e três Pessoas em um só Deus. Sem confundir as Pessoas nem separar a substância. Porque uma só é a Pessoa do Pai, outra a do Filho, outra a do Espírito Santo. Mas uma só é a divindade do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, igual a glória e coeterna a majestade. Tal como é o Pai, tal é o Filho, tal é o Espírito Santo. O Pai é incriado, o Filho é incriado, o Espírito Santo éincriado. O Pai é imenso, o Filho é imenso, o Espírito Santo é imenso. O Pai é eterno, o Filho é eterno, o Espírito Santo é eterno. E contudo não são três eternos, mas um só eterno. Assim como não são três incriados, nem três imensos, mas um só incriado e um só menso. i Da mesma maneira, o Pai é onipotente, o Filho é onipotente, o Espírito Santo é onipotente. E contudo não são três onipotentes, mas um só onipotente. Assim o Pai é Deus, o Filho é Deus, o Espírito Santo é Deus. E contudo não são três deuses, mas um só Deus. Do mesmo modo, o Pai é Senhor, o Filho é Senhor, o Espírito Santo é Senhor. E contudo não são três senhores, mas um só Senhor. Porque, assim como a verdade cristã nos manda confessar que cada uma das Pessoas é Deus e Senhor, do mesmo modo a religião católica nos proíbe dizer que são três deuses ou senhores. O Pai não foi feito, nem gerado, nem criado por ninguém. O Filho procede do Pai; não foi feito, nem criado, mas gerado. O Espírito Santo não foi feito, nem criado, nem gerado, mas procede do Pai e do Filho. Não há, pois, senão um só Pai, e não três Pais; um só Filho, e não três Filhos; um só Espírito Santo, e não três Espíritos Santos. E nesta Trindade não há nem mais antigo nem menos antigo, nem maior nem menor, mas as três Pessoas são coeternas e iguais entre si. De sorte que, como se disse acima, em tudo se deve adorar a unidade na Trindade e a Trindade na unidade. Quem, pois, quiser salvar-se, deve pensar assim a respeito da Trindade. Mas, para alcançar a salvacão, é necessário ainda crer firmemente na Encarnação de Nosso Senhor Jesus Cristo. A pureza da nossa fé consiste, pois, em crer ainda e confessar que Nosso Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, é Deus e homem. É Deus, gerado na substância do Pai desde toda a eternidade; é homem porque nasceu, no tempo, da substância da sua Mãe. Deus perfeito e homem perfeito, com alma racional e carne humana. Igual ao Pai segundo a divindade; menor que o Pai segundo a humanidade. E embora seja Deus e homem, contudo não são dois, mas um só Cristo. É um, não porque a divindade se tenha convertido em humanidade, mas porque Deus assumiu a humanidade. Um, finalmente, não por confusão de substâncias, mas pela unidade da Pessoa…
Semelhante ao princípio ecclesiam nulla salus suas razões históricas, Atanásio construiu extra o credo para combater Ário –que queteve ensinava que Jesus não era Deus – e uma doutrina, normalmente atribuída a Irineu[159], de que Jesus tornou-Se Deus apenas na transfiguração. (Mc. 9:2-8).
Na verdade, a idéia de que Jesus tornou-Se Deus na transfiguração - e que os homens podem também se tornar - é um tipo de adocionismo, dificilmente formulado por Irineu que era discípulo de Policarpo, e este discípulo de João[160]. O credo de Atanásio, ainda que atribuído a ele, é consensualmente aceito como uma construção teológica finalizada apenas no Século VIII. Contudo, definitivamente possui origem nos concílios de Nicéia (325 d.C.) e Antioquia (341 d.C.), confirmado em 362 d.C. em Alexandria, colocando fim à controvérsia ariana que vinha desde o Concílio de 321 d.C. porque o imperador Constâncio era ariano. Como se observa, foi Ário o ponto de partida da discussão. Nos ideais de Ário, o fato de que o Filho de Deus fôra gerado (I Jo. 5:1), o levou a concluir que em dado momento não Existia o Filho. Alexandre, bispo de Alexandria – e posteriormente Atanásio - tentava demonstrar que Jesus É Deus e que Existe desde sempre, juntamente com o Espírito (I Jo. 5:7), os quais são três pessoas distintas, mas, o mesmo Deus. Este não é o primeiro confronto trinitário da história[161], mas, proporciona a elaboração de uma doutrina mais específica e a formulação dos credos de Nicéia e Atanásio. A doutrina da Trindade surgiu e torno da cristologia, ou seja, foi o problema da deidade de Cristo que a definiu. Naquela época o esforço teológico não era questionar a importância da obra de Jesus, mas como nEle estavam as naturezas humana e Divina. A Sua existência alterou a compreensão que se tinha acerca de Deus, uma vez que, entendida a Pessoa de Jesus, agora a pergunta era como Ele coexistia com o Pai e com o Espírito. Todavia, até hoje é impossível entender essa teologia se compreender as divergências que existiamentre os patriarcados antigos. A tradição histórica, ao contrário do que muitos pensam, não é uma fonte de autoridade paralela à Bíblia, é sim uma fonte histórica da qual a Bíblia se srcinou [162]. Como demonstrado anteriormente, a tradição ensina os costumes e práticas bíblicas que antecederam a formação do cânon sagrado, e que se mantiveram como conteúdo histórico entre os primeiros cristãos. Nesta tradição tomamos conhecimento do processo histórico dos patriarcados de Roma, Antioquia, Alexandria, Jerusalém e Constantinopla[163], confirmadas como sedes apostólicas no Concílio de Calcedônia (451 d.C.) Para constituir um patriarcado existe a necessidade de que sua fundação tenha se dado diretamente de um apóstolo. Com exceção de Jerusalém, onde tudo começou, a tradição ensina que Roma foi fundada por Pedro e [164] Alexandria Marcos. A também, igreja desido Antioquia de deixada nas mãos de Barnabé (At.por11:22), teria, fundadaapesar por Pedro . Constantinopla, [165] por sua vez, foi fundada sobre a pequena Bizâncio que, segu ndo a tradição, foi evangelizada por André. Estes patriarcados tinham compreensões teológicas e
escolas diversas, além de maneiras diferentes de traduzir certas palavras a partir do grego. As disputas teológicas entre e dentro dos patriarcados ditaram a maneira de sermos cristãos hoje. Portanto, esta é uma tradição que não pode ser ignorada, pois, a partir dela todas as igrejas cristãs se definem. Uma das divergências mais conhecidas de tradução entre os patriarcados, por exemplo, é como Nestório, feito por Teodósio II bispo de Constatinopla, entendia a palavra sarx m uito diversamente de como a entendia Cirilo de Alexandria. Desde Panteno que Alexandria era conhecida como uma grande escola catequética, alçando distinção entre os demais patriarcados quando foi assumida por Orígenes. Ainda que Orígenes, o maior gênio do cristianismo, acreditasse na mentempsicose, contudo, foi o responsável por transformar a escola de Alexandria no mais importante centro exegético cristão. A sua obra héxapla alinha os antigos manuscritos bíblicos lado a lado, conferindo ao estudioso a capacidade de comparar e compreender o uso de determinadas expressões[166]. Assim, quando Cirilo lia a palavra sarx não a entendia apenas carne, mas, o homem inteiro, completo, enquanto que Nestório compreendia apenas a humanidade. A disputa entre Cirilo e Nestório tem raízes no apolinarismo. Apolinário, combatendo o arianismo, explicava que o corpo de Cristo era humano, mas, sua anima era divina. Erroneamente alguns estudiosos traduze para o português a expressão anima co mo “mente”, quando naquela teologia designava alma e queria negar a existência de uma alma humana em Cristo, vendo a alma como centro da vontade. Este pensamento de Apolinário levou Êutico a desenvolver seu monofisismo, que negava a existência de duas naturezas e Jesus, afirmando apenas a Divina. Dióscoro I, que convocou o segundo Concílio de Éfeso para readmitir Êutico, é comumente considerado o primeiro monofisita. O problema do monofisismo é que, encarar uma só natureza em Cristo - especialmente a Divina - significa que foi Deus Quem morreu na cruz. O miafisismo e o monotelismo de Sérgio, encomendado por Heráclio, fora tentativas de amenizar os problemas causados pelo monofisismo, o qual se constitui o primeiro grande cisma da igreja a partir do Concílio de Constantinopla (448 d.C). Nestório, de tradição antioquena, separava de maneira tão distinta as naturezas de Cristo que eram incomunicáveis. Ele foi acusado de heresia no Concílio de (431 d.C.) monofisismo foi definitivament Concílio de Éfeso Calcedônia (451e od.C.). Marciano, usurpador doe rejeitado império, no é responsável por convocar Calcedônia, levando os monofisitas a chamarem os calcedonianos de melquitas (os que ficam a favor do rei). Os nestorianos fora
para a Pérsia, onde a doutrina cresceu por vários anos, e os monofisitas se espalharam na tradição egípcia e síria, prevalecendo como doutrina ortodoxa e muitas igrejas do oriente. Como já afirmado, desde Marcião a igreja enfrentava problemas, o qual, segundo Irineu, teria ido a Roma para comprar o cargo de bispo. As heresias trinitárias eram tão presentes que Hipólito acusou o papa Zeferino de modalista enquanto combatia Sabélio. Clemente, verdadeiro organizador do cânon, combatia o valentianismo que ensinava que Jesus seria um deus secundário ( ). Os problemas teológicos aumentaram quando Ário expôs sua cristologia. A partir daí tudo o que se escrevia acerca de Jesus afetava diretamente a teologia. Quando resumimos de maneira prática tais posições cristológicas vemos: 1. Se Jesus não Era Deus, nem podia salvar e nem perdoar pecados; 2. Se Jesus não Era humano, não podia nascer e morrer; 3. Se Jesus aparentava humano, nunca foi de fato homem e nunca Esteve de fato morto; 4. Se Jesus aparentava Divino, nunca foi de fato Deus e, portanto, nunca salvou de fato ninguém; 5. Se Suas naturezas não se comunicavam, Ele nunca Foi completo e Estava em constante conflito interno; 6. Se as Suas naturezas se confundiam indistintamente, não se pode dizer se Ele Foi um homem que tornou-Se Deus ou Deus feito homem; 7. Se uma de Suas naturezas foi absorvida pela outra, Ele sempre foi incompleto em uma das duas, ou nunca Foi um homem completo ou u Deus completo, e o Seu sacrifício teria sido uma farsa; 8. Se nEle havia uma só vontade (a Divina), então, Ele nunca exerceu Sua humanidade, contradizendo a afirmação de que Ele fosse sujeito às mesmas paixões (Tg. 5:17); A metade de dois é sempre um. Quando se fala de um Cristo incompleto estará consequentemente anulando uma de Suas naturezas. As disputas cristológicas levavam os imperadores a agirem sempre mais energicamente nos concílios eclesiásticos. A influência dos imperadores nas disputas teológicas se iniciam em Constantino, quando este convoca o Concílio de Nicéia. A preocupação sucessiva de Teodósio, Marciano, Justiniano, etc., tinham, além de uma preocupação teológica, uma natureza política. cristianismo não se torna religião oficial Império Romano Constantino.ONa verdade, Constant ino é aresponsável pelodo édito de Milão que,coe seu conteúdo, o máximo que faz é tolerar o cristianismo. É Teodósio o verdadeiro imperador a cristianizar o império (e também a dividi-lo). O império em si
possuía duas capitais há muitos anos, a exemplo de Antioquia, que foi a primeira capital-rainha do império. A função a outra sede era manter a presença romana ativa nos pontos mais longínquos do império. A região onde hoje se encontra Turquia está estrategicamente localizada entre Oriente e Ocidente. Quando a sede é transferida para Constantinopla o império já se encontrava debaixo de forte pressão dos bárbaros (germânicos) até o golpe de estado de Odoacro. A transferência da capital foi uma necessidade política, pois quando Honório recebe a parte ocidental do império, já era Milão a capital do império. A influência dos imperadores cristãos passa a se tornar constante na igreja muito mais por questões políticas. Quando Justiniano interveio contra o monofisismo - do qual sua esposa era secretamente seguidora[167] - buscava a unidade entre os patriarcados como forma de garantir a unidade do império, o que apenas piorou. Devido à influência de imperadores no cristianismo e a divisão monofisita, Zenão assina com Acácio, Pedro, Pedro Mongo e Martírio o Henotikon, cancelado por Félix III, e graças ao imperador Anastácio nasce o monofisismo teopasquita. Conhecer todos as discussões cristológicas ajuda a compreender que o ponto de partida é sempre Ário. Anular a divindade de Cristo é anular a Trindade, pois, se Jesus não É Deus, então, Deus não É Trino, e os macedonianos estarão certos e o Espírito Santo, também, nao é Deus (pois, procede do Pai, deixado pelo Filho). Ainda que Jesus tenha afirmado que o Pai É maior que Ele (Jo. 14:28) e que É Seu Deus (Jo. 20:17), a teologia entende que esta afirmação é feita pela natureza humana de Jesus, que já havia reagido anteriormente (Mc. 13:32; Jo. 11:33-35), e que tem um caráter de procedência, para afirmar a hierarquia do Pai como princípio de tudo (At. 10:38; I Co. 8:6; 11:3). A teologia toma o argumento de Paulo em I Coríntios para explicar a procedência do Filho e do Espírito a partir do Pai, mas, na verdade Paulo estava usando o estoicismo para explicar a encarnação do Logos, assim como fez João alguns anos depois quando escreveu seu evangelho. É impossível conhecer esta teologia trinitária sem antes conhecer a história por trás dela e porque estes problemas teológicos se fizeram necessários e surgiram. De fato, a Trindade te dois momentos bem definidos e decisivos, com iniciativas diversas: 1. Da parte de Deus: na queda do homem que exige o sacrifício do Cordeiro e, a partir daí, todo o desenvolvimento da encarnação, morte e ressurreiçãocom do Messias, alterando paraforçando sempre aassumir maneirauma de Deus Se relacionar a Sua criação e Lhe estrutura humana; 2. Da parte do homem: na efetiva encarnação do Verbo que, para explicar à
mente ocidental às naturezas de Cristo, enfrentou vários ataques e reformulações nos cinco patriarcados; O arianismo é o ponto de partida para a definição da teologia trinitária, pois, se firmava em quatro pontos específicos: o Filho Era apenas uma criatura, o Filho havia um princípio e não era eterno, o Filho não possui comunhão com o Pai e o Filho É passível a pecar e cair de seu estado de graça. O resultado deste ataque à natureza de Cristo foi um melhoramento da teologia trinitária que, tudo indica, tem esta terminologia utilizada pela primeira vez por Tertuliano[168]. Antes de Orígenes a teologia trinitária era sustentada a partir da economia, na qual Deus trabalhou na história em benefício de Seu plano redentor. Hipólito e Tertuliano, a partir dos termos gregos para sabedoria e verbo, viam a trindade de maneira muito símile, diferenciando apenas que Hipólito via a Sabedoria (Espírito) distinta do Verbo (Cristo), enquanto que Tertuliano encarava uma igualdade de ambos. Tertuliano ainda defendeu a idéia de que a Trindade se constituía de uma só substância indivisa, rejeitando o termo “pessoa”, que foi por ele definido como um ser que fala e age, e Boécio disse que é “... a substância individual de uma natureza pessoal” [169]. Todavia, foi Orígenes a definir a Trindade através de “pessoas”. Portanto, antes de avançarmos, vamos retornar à definição de “pessoa”. Há que discorde do termo “pessoa” quando o aplicamos à Trindade. Falar de três pessoas é, em si mesmo, um problema, como já diria Agostinho[170]. A palavra latina persona vem do grego , que significa aparência ou aspecto e, por sua vez, srcinou a palavra etrusca pherson, a qual se referia às máscaras utilizadas pelos atores no teatro antigo. Com a transliteração para o latim a palavra se popularizou na época de Cicerone[171], e passou a designar, no teatro romano, a máscara, o personagem, ou papel interpretado. A expressão foi atribuída ao homem por sua capacidade de interpretar a si mesmo, pois, ser pessoa é interpretar-se nas diversas situações do cotidiano. A questão se desenvolve de maneira diversa na história. Em resumo, além do individualismo de Stirner, ser pessoa é estar diante do outro[172]. O termo ganho muitas novas abordagens na filosofia e na psicologia, mas, depois de Stirner, ganha novas definições com Kierkegaard, Hegel e Sartre, até que a psicologia classifique os distúrbios e transtornos de “personalidade”. Para Kierkegaard [173]não é o [174] “pessoa” Stirner, masde o frente síngulo, ele define exemplo de Abraão . Hegel único coldeoca o homem aoque Absoluto, mas,no Sartre o coloca de frente ao outro[175], e diz que nos definimos a partir daquilo que não somos. Contudo, é exatamente a definição do termo “pessoa” que faz o monarquianismo,
o sabelianismo e o modalismo serem condenados. O problema se encontravana tradução da palavra grega , que passou a designar “pessoa” pela incapacidade de aplicar três substâncias ao mesmo Deus, e porque o modalismo e o monarquianismo se utilizaram da palavra para definir suas crenças pessoais defendidas por papas como Zeferino e Calisto. Ora, três substâncias diversas seriam três deuses diversos, e contrariava as teses de Irineu, Tertuliano e Hipólito, que jáhaviam se utilizado do termo unicamente na orde histórica de revelação trinitária, ou seja, primeiro o Pai, depois o Filho, depois do Espírito Santo. Os termos e , primariamente, era sinônimos que se distanciaram apenas pela classe filosófica que os utilizava (o primeiro era platônico e o segundo estóico), e significavam existência real o essência. Orígenes o utilizava no sentido de subsistência individual, de existência individual. Na percepção de Orígenes o Filho existe individualmente, independente do Pai, e esta classificação na sua teologia é tão forte que ele escreve para Heráclio afirmando que “não temos medo de, em um certo senso, falar de dois deuses”. Em Orígenes a união de Pai e Filho se dá “moralmente, através de uma mesma vontade” e esta união é semelhante à de “um homem e sua esposa”[176]. Orígenes faz a mesma comparação para o Espírito Santo e afirmo que Este subsiste individualmente, ainda que proveniente da mesma matéria de Deus, administrada por Jesus. O pensamento de Orígenes ficou conhecido na teologia como subordinacionismo e, após ele, Dionísio [177] foi o teólo go de maior expressão que forneceu a base para a teologia trinitária de Atanásio. Dionísio te dois momentos, o primeiro é um confronto com o sabelianismo por causa de uma carta, mal redigida por ele mesmo, encontrada pelos sabelianos. Sabélio e Noeto foram os mais expressivos modalistas, e ensinava que o Pai e o Filho São a mesma Pessoa, sem distinção alguma, no sentido de que Jesus É o Pai e o Pai É Jesus (Noeto), e que Deus É Um Ser Uno que atua nos campos físicos e existenciais de formas distintas, limitando as Pessoas a uma perspectiva cronológica (Sabélio). A carta encontrada pelos sabelianos foi enviada ao papa. Isto concede o segundo momento de Dionísio, que é sua oportunidade de explicar melhor sua teologia e se desculpar dos termos utilizados, ocasião na qual ele explica que, assim como pais e filhosdasão homogêneos de diferentes, assimvez a Torindade deveria ser participante mesma natureza,apesar aplicando pela primeira termo homoousios. O termo foi rejeitado devido ao peso filosófico das palavras, e recuperado por Atanásio quando este, na explicação exegética dos termos gregos,
trouxe a palavra homoiousios , a qual significa literalmente essência ou naturezas parecidas, enquanto homoousios si gnifica da mesma essência ou natureza. Assim, a tese de Orígenes que se aproximava tanto de Ário - e tão evitada no Concílio de Nicéia - era substituída e resolvida com a tese de Atanásio que conferia igualdade de natureza ou essência aos membros da Trindade, sem, todavia, dizer que eram a mesma pessoa. A fórmula de Atanásio se exprime na substância separada das três Pessoas na Tríade consubstancial. Os padres capadócios trabalharam mais a tese de Atanásio quanto à divindade do Espírito Santo, utilizando o termo homoousion, defendendo a idéia de que se trata de uma ousia em três hipóstases[178]. Esta interpretação aproxima mais ainda a hipóstase de Orígenes do termo “pessoa”, levando Agostinho a definir a Trindade como Um Único Deus que É Trino, e que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são distintos e coexistenciais, numericamente um na substância[179]. Assim, graças a Atanásio a teologia amadureceu para a definição de três Pessoas com a mesma Essência, lembrando sempre que a definição teológica de “pessoa” não é , mas , que significa natureza e, na teologia, quer dizer personificação[180]. Todavia, independente do uso que se faça, infelizmente para o mundo iluminista esta expressão de fé não faz nenhu sentido. Falar de Um Único Deus que Existe em Três Pessoas não é dizer tudo, é antes dizer nada. A linha de pensamento pré-iluminista e iluminista transforma a investigação filosófica, e a empiria passa a rejeitar o que não possui sentido o conclusão prática. O pensamento da Reforma procura romper com o antiquado método tomista e apresentar que Aquino, apesar de introduzir a sua Summa Theologiae com a doutrina de Deus – método até hoje utilizado em qualquer teologia sistemática – estava ultrapassado. A teologia desta época é profundamente marcada pelos conflitos religiosos na Europa[181], e a teologia de Schleiermacher que, por exemplo, inclui a teologia da Trindade como um apêndice em sua obra[182], é influenciada pela filosofia de Kant, não sendo possível entender Schleiermacher se não conhecer a crítica de Kant ao racionalismo iluminista[183]. Contudo, más interpretações de sua teologia, o fazem o profeta de Marx e Feuerbach[184], este último chega a afirmar da Trindade: “... Mas da Trindade eles diziam que ela só é conhecível pela revelação. Por que não pela razão? Porque ela contradiz a razão... porque ela não expressa nenhuma necessidade da razão, mas sim uma necessidad e sensorial, af etiva.”
A Trindade pode plenamente ser compreendida pela razão quando para entendê-la se respeita o conhecimento teológico e a natureza diversa daquilo
que não é matéria[185]. O problema é que o pensamento que se arrasta desde o século XVI tem como ponto de partida o homem, e não Deus. O homem deixa de ser interpretado para interpretar. Ele se esvazia de significado e passa a atribuir significância. Este humanismo que se torna existencialismo, é preenchido co uma carga de negação (niilismo), deixando de questionar e se tornando desconfiado, duvidoso de tudo. Para este homem descrente a solução foram os livros de autoajuda e o retorno aos valores humanos. O homem passou a procurar em si mesmo o que não encontrava mais fora. Desacreditar e perder a esperança em Deus foi o pior caminho a se tomar. Concordo que falar de Deus não é simples, porém, não é porque existem aspectos em Deus ainda inexplicáveis que devemos concluir que Ele não Existe. A Trindade é muito mais do que a subsistência de um Único Deus em Três Pessoas, é o caminho utilizado por Deus para entrar na história humana, ou seja, é fundamental para a salvação[186]. A Trindade é apenas necessária do ponto de vista soteriológico. A pergunta é a mais óbvia possível: Qual a necessidade de Deus Ser plural sem o homem ou a criação para redimir? Nenhuma. É a partir da economia que a Trindade É funcional e a partir da necessidade humana que possui significado. Ora, se nos tornamos pessoas quando estamos em relação, e o próprio Deus afirma que Adão estava só (Gn. 2:18) pois não tinha com quem relacionarse, assim Deus só É Pessoa diante do homem que o define como Senhor (Ex. 15:3; Sl. 8:9). Um Deus que Se humaniza para entrar na história e salvar o perdido, Se torna Digno de aceitação (I Tm. 1:15). Ademais, quando observamos a Trindade na história parece que Se desenvolveu lateralmente aos atributos intransmissíveis de Deus, ou seja, Onisciência ao Pai (Jó 28:24; Sl. 139:1-3; Mc. 13:32), Onipotência ao Filho (Mt. 28:18; Jo. 1:3), Onipresença ao Espírito (Sl. 139:7-8; Jo. 3:8; At. 2:4). Com isto, não se quer dizer que os atributos não sejam incomunicáveis entre Eles, mas, que parecem se identificar mais respectivamente com o ofício de cada Um. Contudo, não é perfeito o entendimento de que o Pai É a origem (o princípio) de tudo[187], pois, quem é originado - ou tem um princípio - estaria e posição inferior. Não pode a substância (homoousios) ser pré-existente à uma das Pessoas (hipóstases). As Pessoas (hipóstases) são substancialmente (homoousios) eternas. A questão aqui seria saber como se dá esse relacionamento e, ao que parece, seria melhor separar os atributos de Deus dEle mesmo. Os adjetivos que atribuismo à Pessoa Deus são fruto de nossa própria compreensão, ou antes, de nossas limitações emde conhecê-lO. É porque não sabemos e nem podemos fazer certas coisas que qualificamos Deus. O chamamos de Eterno porque morremos: O chamamos de
Bom porque somos maus; O chamamos de Todo-Poderoso porque somos limitados; O chamamos de Onisciente porque desconhecemos o futuro; O chamamos de Misericordioso porque somos pecadores; O chamamos de Justo porque somos injustos; dizemos que é dEle a vingança quando a justiça própria nos escapa das mãos. Enfim, aquilo que dEle dizemos foi por nós mesmos definido. Todavia, a primeira qualidade de Soberania seria justamente não encontra-Se limitado à conceitos e definições. Deus É livre porque Faz aquilo que Quer. Ele pode Ser eternamente Trino, como pode Ter Se tornado. Estes raciocínios só fazem diferença quando vistos da nossa perspectiva teológica e de nossas orgulhosas pretensões. Deus É o que É e, até hoje, parece ser a melhor definição. Aquilo que Ele faz é uma escolha apenas dEle (Rm. 9:18; Ef. 1:11; Fp. 2:13). Portanto, os Seus atributos não são para Ele mesmo uma prisão, mas, meios com os quais interage. Tudo nEle possui uma perspectiva relacional, pois, foi em busca de relacionar-Se com o homem que Ele nos deu a conhecer o pouco que dEle sabemos. Aliás, esta é a perspectiva da teologia ortodoxa[188] e foi o p onto de partida dos padres capadócios. A Trindade é, antes de qualquer classificação o designação teológica, a maneira de Deus Se relacionar com a humanidade, e é este o Seu principal atributo.
c. Tanatologia Quando abordamos o conceito de material e imaterial, expus u pouco daquilo que creio ser inconciliável, ou seja, a demonstração da existência de Deus (imaterial) pelo homem (material). É, por isso, que entendo que as tentativas de demonstrar a existência de Deus possuem falhas incorrigíveis. Como ponto de partida, tomemos as cinco vias de Aquino, que são falhas desde a premissa. A premissa das vias parte de uma existência incomunicável de Deus, primeiramente negando a Sua existência pela maldade[189], levando propositadamente o leitor a concluir o contrário. Por conseguinte, todas as vias possuem natureza ontológica e utilizam o método aristotélico como pressuposto válido para a conclusão. Um, a prima via é equivocada porque não se pode deduzir de simples argumentos que houve umperíodo no tempo sem movimento, favorecendo a idéia causa primeira: uma vez se sabe e como tudo começou, não de é possível determinar que que nadanão havia antesquando do que hoje conhecemos. Dois, por conseguinte não é possível atribuir a Deus a causa eficiente,
ainda que dEle se derive. Os fenômenos materiais são, geralmente, autônomos e independentes, como, por exemplo, os últimos desastres naturais que conhecemos. Ainda que estejam debaixo da soberania de Deus, Ele não é Sua causa e, para falar ainda mais apropriadamente, o pecado, por exemplo, não faz parte nem da vontade e nem do caráter de Deus e, portanto, não é Deus a causa do pecado humano. De fato, pela Bíblia conhecemos que a causa das desgraças humanas é o próprio homem (Rm. 5:12; 6:23; I Co. 11:29, 30). Três, a premissa de Aquino de Ser Necessário e seres possíveis parte de um pressuposto improvável. A base do raciocínio é o ser humano, ou seja, da existência humana se deduz que Existe um Ser Necessário e não criado (claro, está em uso a fórmula de Parmênides). É a forma mais absurda de se raciocinar a existência de Deus, pois, a Sua existência não pode ser deduzida da existência humana, já que com Ele o homem pouco se parece: Deus É perfeito enquanto o homem é imperfeito; Deus É santo enquanto o homem é pecador; Deus É Espírito enquanto o homem é matéria. Ainda que a idéia de perfeição exista porque o homem é imperfeito, é totalmente diverso dizer que Deus Existe porque o home existe. Neste caso o raciocínio correto seria que o homem existe porque Deus Existe. A necessidade de provar a existência de Deus a partir do homem é devida à incapacidade de se provar a Sua existência fora do homem, mas, não é irrefutável. Quatro, exatamente porque do imperfeito se deduz o perfeito não significa que apenas a perfeição sirva de referência para a existência de Deus, uma vez que o próprio conceito de perfeição humana é deturpado. A perfeição é um ideal humano totalmente fora da Pessoa de Deus. De fato, eu deixei claro no início do livro que a imperfeição é prova da existência de Deus, e não a perfeição. O que ali propunha era que a imperfeição é um ponto de partida e não de chegada. Tudo o que o homem faz e tudo com o que se relaciona é imperfeito. O princípio utilizado por Aquino é o mesmo da via anterior e, portanto, não é válido, pois a partir da imperfeição ninguém consegue provar que Deus Existe, consegue provar apenas que precisa dEle. Para o ser humano o perfeito é aquilo que lhe garante qualificações pessoais morais e constantes, ou seja, Deus não É a perfeição que o homem quer encontrar, mas, a perfeição que o homem quer se tornar. Assim, quando se fala de Ser Necessário o homem não procura a Deuspossa como adicionar Aquele noa qual se complementa, mas, como ideal de qualidades que si mesmo. De fato, Deus não seumautoafirma porque É perfeito, mas, exatamente porque É capaz de conviver com o imperfeito, enquanto que o ser humano é incapaz de conviver com o próximo. Revestido de uma falsa
perfeição o homem apenas humilhar quem não possui qualidades semelhantes. Cinco, para Aquino o propósito de todas as coisas deduz um Governo Universal que mantém a ordem da criação. Ao tomar o homem como referencial o argumento se arruina, pois, a corrupção humana é a negação do próprio argumento. Imaginar um Governo que mantém todas as coisas como são e, ao mesmo tempo, possui dentro de Seu governo episódios como a queda (Gn. 3), é um nítido antinomismo. O pecado, mais que transgredir a Lei, é um ato de afronta a este Governo defendido por Aquino. O resultado desta afronta é a morte (Rm. 6:23) [190]. A presença constante de uma humanidade cada vez mais corrompida e que comete transgressões conscientes, avessa à nova vida em Cristo, contraria a ordem para a qual todas as coisas foram criadas, convertendo este Governo e uma total anarquia. O pecado é um permanente ato de rebelião. O método de análise de Aquino é empírico, o que limita seu campo de percepção. O que quero demonstrar é que a maneira tomista de pensar a fé encontra-se de muito vencida, e existem sérias oposições contra as mesmas, pois, a premissa do tomismo é a matéria. Na última via, por exemplo, a corrupção de Satanás contraria, também, o argumento (Ez. 28:15). Na verdade, do pecado existem apenas duas conclusões: ou a criação é desde sempre corrompida, ou é passível de corrupção. De fato, os idealistas e os românticos – e até mesmo os platônicos possuem pensamentos mais fortes que os aristotélicos, e mais legítimos, porque buscam distanciar o pensamento objetivo do subjetivo, e a não definição de conceitos abstratos por caminhos pragmáticos. Isto não é um novo dualismo gnóstico, mesmo porque não se pode atribuir à matéria maldade ou bondade, estes são adjetivos de atitudes. Aquele antigo pensamento de que pecamos e, portanto, somos maus, não possui qualquer relavância para a nossa reflexão. As atitudes pecaminosas demonstram a nossa inclinação pessoal (Mt. 5:28), sempre foi isso que Jesus quis dizer (Mt. 12:33). Neste sentir não me considero um dualista, pois, em palavras pobres, não vejo qualquer relação do corpo com o espírito através do pensamento. O pensamento (imaterial) não é exterior ao corpo (material), isto porque o pensamento não é fruto do que ocorre fora do homem, mas, do que ocorre dentro do homem. O pensamento é uma extensão dos sentidos (audição, olfato, visão, tato e paladar) e a capacidade do cérebro reinterpretar os fenômenos externos ao homem, reflete porém,emseus sãoEstas atribuídos à ele,a quando seus significados juízos de gosto. análisesapenas ocorreminternamente dentro do homem partir de suas faculdades pessoais, portanto, é um resultado abstrato completamente inexistente sem a matéria. O pensamento não existe por si só.
Ademais, a construção teorética de Descartes[191] é falha, h aja vista que se o pensamento é o elo de ligação da matéria com o que não é matéria, o espírito, que teoricamente não morre, nasceria com a matéria, dela não se dissociando e, portanto, a ela se subordinando, já que sem o cérebro (matéria), o espírito nada sabe e nada aprende. Restaria, portanto, saber quando nasce o espírito, que é a parte que se torna eterna da matéria. Inicialmente, o problema é saber quem pensa: se o cérebro ou se o espírito. Esta é a questão a se afrontar. Sem espírito, não há eternidade e, logo, nem Deus. Havendo espírito, quando é nato e onde? A teologia cristã assume várias posturas, dentre as mais difundidas[192]: 1. o espírito é eterno e, portanto, pré-existente; 2. o traducionismo, que o espírito é transmitido pelos pais na concepção; 3. e o criacionismo, isto é, o espírito nasce juntamente com a matéria, quando esta é concebida. Todas têm em vista um só problema: as crianças e as pessoas mortas antes de qualquer tipo de expressão de fé. A morte de crianças é uma das questões de maior relevância na bioética. Para resolver este problema a teologia cristã assume que estas crianças têm um lugar especial e que são salvas. A teologia reformada resolve este problema naquilo que chama de “aliança dos pactos”, na responsabilidade dos genitores sobre a fé dos filhos neófitos. Mas, nenhuma tradição teologica sabe precisar onde e quando o espírito é concebido, evidentemente porque é a matéria falando da imatéria, e para qualquer conclusão é sempre melhor evitar correlacionar estas realidades. Mesmo porque, da minha perspectiva, todas as posições estão erradas. É que o nascimento do espírito seria mais provável com a morte, o seja, com o fim da matéria. Acompanhando os eventos da história da vida, da própria criação, observamos que a ordem natural de tudo é a sucessão. O fim de um ciclo é o início de outro, como o fim do inverno é o início da primavera, o fi de uma geração é o início de outra (Ec. 1:4), e o fim de uma espécie é sempre marcado na história com o aparecimento de outra espécie. Portanto, o fim da matéria é a não matéria. Ora, nem é u materialismo, nem um empirismo. Apenas há muitas coisas que aprendemos alé da experiência, e experiências que não podem ser categorizadas. Apesar de indagar brutamente minhas crenças, não desenvolvi um pluralismo e nem u monismo, da e nem dualismo. Apenum as vejo as kantista, coisas como processo vidareinvetei é assim.o Talvez eu seja pouco pois,elas nãosão, negoe oa existência do imaterial. A música e a literatura – artes perfeitas – são constantemente abstratas e subjetivas, a partir de quem ouve ou de quem lê.
Assim, nenhuma das duas artes se constituem em matéria, na fala de Shoenberg, permanecem flutuando na “natureza inconsciente deste e de outros mundos”[193]. E é, por isso, que, também, não posso ser plenamente kantiano, já que na qualidade de ser humano, ainda criança indouta, separo inconscientemente aquilo que gosto de ouvir, de sentir, de fazer e de enxergar, quando ainda não sei analisar estas coisas e quando a experiência delas ainda não tem para mi significado algum. O cérebro pertence a este corpo e se, no devir, tivermos na morte a confirmação da vida além, significa que a vida foi feita por Deus para prosseguir. O que sabemos pertence a esta realidade e dela não conseguimos se desapegar. Deus, céu, inferno, anjos e demônios pertencem à existência histórica do homem. Este precisa de Deus para evitar o inferno. Até os que não creêm nEle precisam dEle para não se tornarem centelhas que desapareceram depois de uns poucos anos de vida. Todos estes conceitos teológicos apenas possue significados dentro do dilema existencial humano, e não fora dele. Basta imaginar que se o homem não morresse, não teria necessidade de Deus, nem de céu, nem de nada além. Este plano material bastaria. O plano imaterial, portanto, é a fronteira do pensamento humano. É a morte a sua (possível) evolução. O homem precisa de mais, pois, 80 ou 90 anos de vida não bastam para ele. Nem a terra basta. A ameaça de a terra desaparecer, de o sol morrer, leva o homem a procurar planetas, sistemas e galáxias para que possa recomeçar. É o homem o alienígena que ele tanto procura. E para sua desgraça ainda não encontrou formas de existir além da terra, senão através de Deus. Ele é incapaz de negar Deus, consegue, quando muito, admiti-lO de uma forma positiva ou negativa. Deus não é apenas o Sujeito das indagações humanas, Ele É o eterno carrasco da independência humana. Enquanto Deus existir – seja fato ou conceito – o homem não será indepente. Ele terá sempre um Pai. No jardim do Éden a serpente não conta uma mera mentira, ela fala aquilo que o homem queria ouvir: …”sereis como Deus” (Gn. 3:5). Os ciclos de angústia da humanidade retorna insistentemente para o ponto do qual o homem quer se emancipar desde o Éden: Deus. E se Ele Existe ou não – como dito, algo que apenas a morte revelará de maneira totalmente pessoal – continua Ele sendo a melhor e a única opção do homem. Para amargar sua finitude material, a última oportunidade do home acaba sendo aquilo que ele tanto procura evitar: a morte. Ainda mais quando cientesforma de que a morte o castigo do pecado (Rm. 6:23), a morte é, também, a única de se perdão (Lv.é 17:11). O céu ou o inferno não se tornam a escolha mais prudente, mais crível, mais lógica ou mais racional do homem, antes, são a única escolha
disponível. E isto não se deve ao medo imposto pela aposta de Pascal [194], ne tão menos pelas tentativas de provas da existência de Deus que já rejeitamos, mas, à falta de opções. Diante da morte, o homem não tem outra opção senão acreditar que a morte não é nada, a não ser uma porta que se abre. A relutância e não crer não é outra senão orgulho. Afinal, o que o homem tem a perder? Se os empíricos estiverem certos, então, é a última experiência do homem que revelerá toda a verdade daquilo que não nos é hoje possível responder sem frustração. É exatamente aqui que também Kierkegaard não foi preciso, pois, não é Abraão[195] o v erdadeiro homem, mas, Dimas[196]. Diante da morte a verdade e a mentira são irrelevantes e é onde o verdadeiro homem nasce. Na cruz, ao lado de Cristo (Lucas 23:40-42), Dimas não mente, não disfarça, não finge. Ele te apenas uma opção: reconhecer quem ele é (Lucas 23:41a), quem são as pessoas ao seu lado (Lucas 23:41b) e pedir o que não pode fazer por si mesmo (Lucas 23:42). É impossível o exercício do auto perdão. Aquele que ofende só pode ser perdoado pelo ofendido, e não por si próprio. O pedido de Dimas é este pleno reconhecimento. É o reconhecimento da incapacidade de se livrar da culpa. Apenas alguém sem culpa pode aliviar se fardo. O homem verdadeiro não é aquele que diante da adversidade dá um salto de fé, porém, é aquele que diante de sua ot tal incapacidade não abraça o medo o o fingimento e, desprovido de fé, assume quem é, o que fez e o que merece, e espera misericórdia. Deus torna cada pecado ao próximo um ato de afronta a Ele mesmo para que Ele possa exercer o perdão quando não é mais possível pedir ao ofendido. Dimas não podia descer da cruz e se redimir com cada uma de suas vítimas, mas, podia voltar seus olhos para Quem é capaz de redimir qualquer pecado, contra quem quer que seja, a qualquer momento. É diante da morte que o homem se revela, de tal modo que toda a soteriologia é de fato uma tanatologia[197]. É o estudo da morte, ou mais precisamente, de suas consequências. E a resposta para esse dilema existencial continua sendo Deus. Na obra que desfaz todo pré-conceito que se tem acerca dele, Bultmann diz[198]: “La fede nella provvidenza, espressa nella succitate parole di Gesù, è di altra natura: parla dell’agire personale di Dio, che è volto agli esseri vivi del mondo naturale e umano, e questi esseri sono pensati non come membra di un organismo conforme ad una legge, bensì come esseri autonomi con le loro esigenze e i loro bisogni… essa proviene dalle esperienze che il singolo fa nella sua vita.”
Esta maravilhosa passagem da teologia de Bultmann que é, de capa a capa, um testemunho de fé, apresenta como Jesus É exatamente Deus em busca de relacionar-Se com a Sua criatura mais amada, aliás, com a única criatura que
amou, e amou até a morte (Jo. 13:1). Uma experiência de fé que, para muitos será vivida apenas na morte e, para outros, é um cotidiano de descobertas.
CONCLUSÃO Apesar de entender que inexiste um momento no qual Deus não tenha criado, e não observá-Lo fora da história da vida e da existência de todas as coisas, não o vejo de maneira tão interligada à criação que não haja destinção entre Ele e tudo mais que existe. Ele É e Será sempre um Ser que, em Jesus, assumiu uma forma mais humanamente compreensível e relacional. Tudo depende dEle e, portanto, a história e a vida não podem existir ausentes de Seu Autor. Ainda que o tempo de algum modo Lhe afete, este é um ponto de vista exclusivamente antropológico, pois, é para o homem que não faz nenhum sentido Deus Existir no ontem. Ele pode Existir quando e onde queira. Acredito apenas que a fé deva respeitar a ciência, na medida em que seu objeto de estudo, quando parte para a comprovação da existência de Deus, é equivocado, já que do material não se prova o imaterial. E a ciência deve respeitar a fé, já que para se crer basta acreditar. Para a mente empírica, sempre em busca de respostas, crer é u absurdo. Porém, a fé, como parte das faculdades subjetivas do homem, é abstrata. Semelhante ao amor, o qual se sente, mas, não se pode provar com palavras, a fé ou a intensidade com que se acredita não se pode provar, e é a religião – no significado da prática ou exercício religioso – a prova que faz o credente. É, por isso, que o amor é o conceito comum do pensamento ecumênico, mas, é o verdadeiro problema do cristianismo. Primeiro, porque é o motivo da morte de Cristo[199]: Jesus morreu porque Deus amou o homem. Esta condição não significa que o Pai assassinou o Filho, mas, que por amor não o poupou (Rm. 8:32), substituindo, como sempre, o que exigiu de Abraão (Gn. 22:2, 16). Segundo, porque o amor é antes a fraqueza e não a força de qualquer religião (Mt. 25:31-46). A incapacidade do homem de amar ao seu semelhante tal como ele diverso ou diferente de si próprio, a razãoé intrigante pela qual como a religião insiste emé,falhar. Especificamente neste texto de éMateus para viver com Deus é antes de tudo necessário viver com o próximo, de tal forma que quem ama ao próximo, ama a Deus. Isso é o que significa Babel (Gn. 11:9). A
confusão de línguas é uma forma de dizer "desentendimento". Babel é a representação da incapacidade humana de conviver com propósitos iguais. De repente todo mundo quer dar sua opinião. A desobediência, mais caracterizada na infância, não é nada além do senso de descoberta. A curiosidade do homem só pode ser definida pecado diante de uma ordem, ou seja, é a norma que define o pecado (Rm. 7:8), e não a atitude do pecador, uma vez que é a norma que estabelece aquilo que se deve ou não fazer (Rm. 3:20; 7:7; I Co. 15:56). Ora, se a norma define o que devo ou não fazer, existe como definição de convivência social (Gl. 5:14). Terceiro – e enfim - porque o amor não atribui qualquer tipo de condenação[200]. Este amor ágape, com o qual Jesus provoca Pedro duas vezes, que lhe responde sempre com fileo (João 21:15-17), este verbo amar todo particular que define o amor de Deus, aliás, que define o próprio Deus (I Jo. 4:16), não julga, não pensa mal, tudo sofre, crê, espera e suporta (I Co. 13:7). Deste ponto de vista, nenhum ser humano pode ser condenado à perdição e o inferno não pode existir para a humanidade, pois, toda a criação é o alvo do amor de Deus (Jo. 3:16). Afinal, o inferno é a ausência de amor (I Jo. 3:14). De todo modo, não quero dizer que nenhuma pessoa será condenada ao inferno, mas, também não quero afirmar que alguém vá. Eu apenas posso falar como indivíduo que não quer sofrer nesta vida em virtude de seus pecados pessoais para sofrer ainda mais na próxima pelos pecados que foram ainda cometidos nesta. Apesar de meus conceitos tão distintos e incomunicáveis de material e imaterial, sou pessoalmente convicto de que aquilo que não é matéria existe, tanto por minha experiência pessoal, quanto por questões tão presentes no cotidiano. Eu não visualizo as notas e letras das músicas e canções, mas, sei que existem porque posso ouvir. Eu entendo o mecanismo das ondas de rádio e sei que há eletricidade, sinal de telefonia celular, internet e tudo mais com o que me relaciono diariamente sem sequer visualizar. Em meus diálogos sei que existe pessoas além de mim mesmo, sei pois, apesar de meus olhos enxergarem, e alé de toda linguagem corporal, são as palavras que me proporcionam significado. A música, o ar e a voz são exemplos daquilo que existe sem ser matéria. E ainda assim têm relevância indescritível para as nossas vidas. Eu não consigo pensar em um mundo sem música ou palavras, como não posso viver sem respirar. Assim, a vida me proporciona a oportunidade de me relacionar co Deus. para A graça emnosipecado, não é a nao oportunidade viver[201] no. A pecado. “quem usa de da graça viver entendeu adegraça” vida é Ora, a oportunidade viver com Deus. O sopro nas narinas do homem não é a criação do espírito humano, mas, o texto é claro que é a vida (Gn. 2:7). A expressão hebraica
utilizada em Gênesis é “neshamah”, que se torna bem distinta no capítulo 33 do livro de Jó. Ali, no verso 4, observamos que para espírito a palavra hebraica é “huach”. De outro lado, para a expressão “sopro” a mesma passagem de Jó usa a mesma palavra de gênesis “neshamah”. Desta maneira, esta vida dada ao homem não é seu espírito ou alma, como até hoje somos educados a pensar graças a Platão. Nem muito menos a palavra “neshamah” tem qualquer conotação criadora da matéria, mas, designava na antiguidade oriental a palavra que identificava o fenômeno da vida que, na Bíblia, os hebreus atribuem à Deus, já que naquele pensamento oriental quando o homem morre ele “expira”, ou seja, ele põe para fora esse fôlego que lhe foi dado ao nascer. O problema está sempre em confundir a vida de Deus com a vida do homem, e Jesus já deixou bem claro que não são a mesma coisa (Jo. 3:15; 5:40; 6:63; 10:10; 11:25, 26), assim como Deus fez questão de separar estes entendimentos (Is. 55:8). Aquilo que o Homem conhece por vida é seu espaço de tempo nesta existência material. A vida dada por Deus ao homem não é sua existência terrena, pois, não se pode chamar de vida esta breve passage histórica. Evidentemente, a vida que Deus doa ao homem só pode ser a oportunidade de conhecê-lO individual e pessoalmente (Rm. 10:9, 10). O fôlego de vida que é soprado e depois expirado, ou seja, que entra e depois sai, que ve e depois volta para Deus (Ec. 12:7). Acerca disto Pietro Metastasio, Thomas Fuller, Cyrano di Bergerac, Francisco G. de Quevedos y Villegas, Theophile Gautier e tantos outros estão de acordo que “nascer é começar a morrer”, ou “morrer é terminar de nascer” [202]. O abismo dos conceitos de vida entre o homem e Deus é enorme. O que o home conhece por vida é um estado transitório da matéria. O que Deus conhece por vida é um estado permanente do espírito. Portanto, o sopro de Deus não é uma constituição material da vida humana, mas, a oportunidade de o homem entender que a vida não acontece apenas materialmente. O que aparenta impossível, assim, seria a pergunta “como, então, o homem sabe que Deus existe, uma vez que as naturezas material e imaterial são incomunicáveis?”. Valer-se da Bíblia, por exemplo, não é uma postura sábia. A questão é que livros sagrados, como a própria Bíblia, não servem para provar a existência divina. A falta de finalidade dos livros sagrados na comprovação da existência de Deus não se baseia sobre a inspiração, hermenêutica o manuscritologia dos livros, mas, pelo simples fato de que toda experiência de fé é inteiramente pessoal e intransf erível. A Bíblia é a narrativa dos feitos de Deus nas vidas de pessoas e povos, que por maior beleza ou fé que inspire, continua dizendo respeito àquelas
pessoas. A Bíblia narra relacionamentos a priori e, portanto, é para nós u relacionamento a posteriori. Saber que Deus abriu o mar vermelho através de Moisés não é o mesmo que passar com Moisés a pés enxutos no mar aberto. Saber que Jesus caminhou sobre as águas não é o mesmo que segurar Sua mão se afogando, como fez Pedro. Os textos sagrados continuam possuindo relevância apenas para os credentes, mas, de nada servem para comprovar que Deus Existe, pois, são narrativas acerca de povos ou pessoas que tiveram expirências pessoais e intransferíveis com Deus, para tantos mera mitologia. Uma vez que não é possível conhecer a Deus em virtude dos planos existenciais nos quais estão imersos Deus e o homem, e uma vez que toda experiência de fé é inteiramente pessoal e intransferível, como é possível conhecê-lO para que nEle se possa ainda crer? A resposta para esta e tantas outras perguntas em torno da existência de Deus, é que Deus Se descobre na angústia do homem diante da morte. O homem procurou tanto fora de si recursos para justificar a existência de Deus, quando a resposta esteve sempre dentro si. E esta é uma resposta presente no homem não por revelação, não por oração, não por espiritualidade, nem pelo Espírito Santo. É uma resposta que sempre esteve ali, naturalmente no próprio home e no seu pavor diante do fim de sua existência material. É inerente ao homem, é sua via de escape, seu mecanismo de defesa, seu último recurso. E não foi a incerteza do porvir que fez o homem crer em Deus, nem foi o medo de restar no inferno. O inferno não existia e nem fazia sentido para Adão, e a advertência de Deus no Éden não foi que se Adão pecasse ele iria para o inferno, mas, foi que ele morreria (Gn. 3:3). O medo da extinção pessoal fez o homem regressar à dependência paterna e é, também, por isso, que o homem vê na sua semente a sua própria continuidade. É diante da morte que as indagações e filosofias do homem perde significado e força. É quando o homem se depara diante do fim, do esquecimento, diante dos próprios limites, que Deus Se lhe tornou revelado. Deus não É uma invenção do homem, Ele É muito mais um amigo conscientemente revelado ao entendimento do homem diante da iminência de sua extinção pessoal. Prestes a partir, o material se abre à oportunidade de evoluir pela última vez e se tornar eterno[203]. A morte não é outro senão um dos estados da matéria. O homem deve ir avante. Este homem que desde o pós-moderno não consegue se reconstruir, [204]
precisa ser redescoberto. Se para Bauman estanãosociedade Cristianismo precisa ser solúvel. O Cristianismo deve ser é“à líquida la carte” oo “self-service” [205], mas, precisará estar presente na vida e nos questionamentos humanos, se solubilizando no cotidiano da humanidade para que Deus Se torne
uma experiência de vida, e não apenas uma resposta à morte. [1]
O padre Enio M arcos de Oliveira é doutor em ciências da religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora e autor do livro “As orações dos Franciscos”, lançado pela Editora V ozes. [2] [3] [4] [5]
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KIERKEGAARD S. Il Concetto dell’angoscia, em Le grande opere filosofiche e teologiche. Bompiani, Milano 2013. “L’angosciaè la possibilità della libertà…”, p. 579. [42] CHAUÍ M. Convite à filosofia. Editora Át ica, São Paulo 2000. [43] Se aconselha uma leitura da bibliografia aqui sugerida em notas de rodapé . [44] ROTTERDAN E. Elogio della Follia. Gruppo Editoriale, Santarcangelodi Romagna 2008. [45] ROTTERDAN E. Elogio della Follia, p. 55. [46] CORNELIUS A. Erasmus: His life, work and influence. University of Toronto, Toronto 1991. [47] SPADE P.The Cambridge Companion to Ockam . Cambridge University Press, Cambridge 2006. [48] Lutero deixa evidente quais são suas queixas contra o catolicismo na obra “Do Cativeiro Babilônico da Igreja”, quando ali discute precisamente o lugar e a p rática dos sacramentos [49] LUTERO M. Do Cativeiro Babilônico da Igreja, em Obras Selecionadas v ol. 2. Sinodal, São Leopoldo 1987. De onde se lê:“Pois naquele tempo eu me encontrava preso a uma grande superstição da tirania romana” , p. 344. [50] LUTERO M. Obras Selecionadas vol. 1. Sinodal, São Leopoldo 1987. [51] FILORAMO G. Ebraismo. Laterza, Bari 1999. [52] M ANNS F.Sinfonia della Parola. Edizioni Terra Santa, M ilano 2008. [53] BUL TM ANN R.Teologia del Nuovo Testamento. Queriniana, Brescia 1985. [54] Para melhor compreender esse período teológico se aconselha a leitura da obraStoria e problemi della teologia evangelica contemporanea in Germania de W olfhart Pannenberg. [55] BUL TM ANN R.Será possível uma exegese livre de premissas? Em Crer e Compreender. Sinodal, São Leopoldo 2001. [56] BAR TH K.Palavra de Deus e Palavra do homem. Editora Cristã Novo Século, São Paulo 2004. [57] BAR TH K.Palavra de Deus e Palavra do homem, p. 96 de onde se lê: “O que v ocê está fazendo, você que está com a Palavra de Deus em seus lábios? Sobre qual base você assume o papel de mediador entre o céu e a terra?”. [58] BUL TM ANN R.New Testament & Mythology. Augsburg Fortress , Minneapolis 1984. [59] FILORAMO G. Ebraismo, p. 125. [60] STEFANI P. Introduzione all’ebraismo. Queriniana, Brescia 2004. [61] BUL TM ANN R.Teologia del Nuovo Testamento, p. 447. [62] BUL TM ANN R.Teologia del Nuovo Testamento, p. 451. [63] Aconselha-se a leitura de Cristianesimo e Mitode Pannenberg,Os Grandes Teólogos do Século XX de B attist a Mondin,Bultmann Unlocked de Tim Labron, eJesus Christ and Mythologydo próp rio Bultmann. [64] CRA VERI M.L’Eresia: Dagli gnostici a Lefebvre . Arnoldo Mondadori, Milano 1996. [65] KELLY J.Il pensiero cristiano delle srcini . [66] CESAREA E. Storia ecclesiastica Vol. 1 e 2. Città Nuova, Roma 2001. [67] JOSEFO F. Historia dos Hebreus. CPAD, Rio de Janeiro 2004. [68] M ONDIN B.L’Eresia del nostro secolo. Borla, Torino 1971. [69] ROJA S E.El hombre light, p. 13. [70] MICH AELIS.Dicionário de língua portuguesa. Editora M elhoramentos, São Paulo 2013. [71] D’AQUINO T. Summa Theologiae. San Paolo Edizioni, Milano 1999. [72] WILLIAM S P.Buddhism. Routledge, London 2004. [73] EDWARDS P. The Encyclopedia of Philosophy. Vol. 5 e 6, Prentice Hall, New Jersey 1967. [74] Termo utilizado p or Edward Burnett Tylor na Enciclopédia Britânica, Vol. XXVII, p ara definir as formas de crenças primitivas que veneravam a criação universal (cosmos, natureza, seres vivos e fenômenos naturais), Encyclopedia Britannica, New York 2011.
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DODSON A. & HIL TON D.The Complete Royal Families of Ancient Egypt: A genealogical sourcebook of the Pharaohs . Thames & Hudson, London 2004. [76] PETTINATO G. I Sumeri. Bompiani, M ilano 2005. [77] LEICK G. Mesopotâmia: A invenção da cidade. Imago, Rio de Janeiro 2003. [78] LEICK G. Mesopotâmia: A invenção da cidade. P. 173 e 174. [79] BUDGE E. A versão babilônica do dilúvio e a epopéia de Gilgamesh. M adras, São Paulo 2004, p. 46. [80] FINKELSTEIN I. & S ILBERMAN N.Le Tracce di Mosè. Carocci, Roma 2011. [81] CLAUSS M. Israele nell’età antica. M ulino, Bologna 2003. [82] CALMON S.A História da Mitologia Judaico-Cristã. Noeses, São Paulo 2010. [83] LIV ERANI M O . ltre la Bibbia: Storia antica di Israele . Laterza, Bari 2012. [84] FINKELSTEIN I. & S ILBERMAN N.Le Tracce di Mosè. [85] ARMSTRONG K. The Bible. Atlantic Books, London 2007. [86] STEFANI P. Dallo Stesso Grembo: Le srcini del cristianesimo e del giudaismo rabbinico . EDB, Bologna 2012. [87] Eu não sou po liteísta, mas, não nego que existe e existiu, sigo a lógica de John Milton (Paraíso Perdido) que afirmava que os demônios eram adorados p elos homens, haja vista que se Jeová Estava sozinho, não t inha com quem rivalizar e Se autoafirmar. Unicidade é uma categoria que só faz sentido quando entendemos que Ele Está acima de outros. [88] STIRNER M. L’unico e la sua proprietà. Ugo Mursia Editore, M ilano 2003. [89] PINK A. Os atributos de Deus . PESS, São Paulo 1998, capítulo 1. [90] A expressão hebraica não é deserto, mas, “ Azazel”, como se lê na “Jewish Encyclopedia” de Funk e Wag nalls. O bode ao qual é imputado o pecado da nação é devolvido ao dem ônio que, segundo a tradição hebraica, foi aqueleque ensinou os homens a buscarem riquezas, luxúria e vaidade, lembrando que a associação com esta entidade acontece no dia de Yom Kipur, dia do perdão. Para melhor entender aconselha-se a leitura da obra “ Hebrew Religion” de Will iam Oesterley e T heodore Robinson, ou a leitura doZohar na Cabala. [91] Belzebu no t exto não é uma divindade, mas, o p ríncipe dos demônios, como está mais evidente na leitura fornecida do livro de Mateus. [92] Deus não disse: “… não comereis de toda a árvore do jardim” (Gn. 3:1). [93] I T m. 2:14 [94] Na ep ístola de Judas os versos 9 e 14 se referem à passagens do Livro de Enoque. [95] AGOSTINO S. La Città di Dio, Vol. II. Città Nuova Editrice, Roma 1988. [96] PLACID A F.Le Omelie Battesimali e Mistagogiche di Teodoro di Mopsuestia. Editrice Elledici, Torino 2008. [97] CRIS OSTOMO G.Le Catechesi Battesimali. Paoline, Milano 1998. [98] Do grego que significa espírito. [99] M uitas passagens bíblicas deixam clara a distinção da natureza de Deus, em nada semelhante à humana (Ex.:Nm. 23:19; Jo. 4:24). [100] M AOME.O Alcorão. Best Bolso, São Paulo 2010. [101] BAR TH K.The Humanity of God. Westminster John Knox Press, Louisville 1996. [102] SCHLEIER M ACHER F.Sulla Religione: Discorsi a quegli intellettuali che la disprezzano . Queriniana, Brescia 2005. [103] RA TZ INGER J.Progetto di Dio: La creazione. M arcianum Press, Venezia 2012. [104] Documento de Seelisberg, no site “Socialismo Cristiano”, consultado em 10/05/2014. [105] WELLHAUSE N J.Sketch of the history of Israel and Judah . Hardpress Publishing, Henderson 2013. [106] Uma boa leitura como introdução do p ensamento de Karl Rahner é o t exto de Sesboué “Karl Rahner et les chrétiens anony mes”, publicado na Études 361 / nº 5, Paris 1984. [107] RAHNER K. Schriften zur Theologie Vol. 6. Benziger, Einsiedeln 1960. p. 545-554, Die anonymen Christen. [108] RAHNER K. Curso Fundamental da Fé. Paulus, São Paulo 1997. [109] ARMSTRONG K. A history of God. Vintage, London 1999. [110] KEDAR N. Comparative Religion. M otilal Banarsidass, New Delhi 1997.
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[113]
V amos manter o termo autorevelação para realçar o processo de conhecimento de Deus como um ato único de ua S vontade de revelar-Se. [114] CAM PBELL J.O Poder do Mito. Palas Athenas, São Paulo 1990. [115] BUL TM ANN R.Faith and Understanding Vol. I. SCM Press, Norwich 2012. [116] FERRARIO F. Dio nella parola. Claudiana, Torino 2008. [117] CONCILIO VATICANO II, decretoUnitatis Redintegratio(21 Novembre 1964), I Documenti Del Concilio Vaticano II, Paoline, M ilano 2002. [118] Um criacionismo que defende a idéia de que o mundo é o lugar de relacioname nto entre criatura e criação, e no qual o homem pode encontrar Criador. Est a teologia é defendida por Teilhard di Chardin, Karl Rahner, Josep h Ratz inger, aSimone M orandini,humana Jürgen M oltmann,O Leonardo Boff, e outros, contudo, nada mais é senão um ecologia ética que busca justificar resp onsabilidade dentro do criacionismo Divino. [119] LÖNING K. & ZENG ER E.In principio Dio creo. Queriniana, Brescia 2006. [120] NEUMANN E. The great mother. Princeton University Press, Princeton 1991. [121] CAM PBELL J.Mito e Modernità. Red Edizione, Milano 2007. [122] O livro de Cam pbell é a referência para as citações de religiões primitivas e mitos . [123] FILORAMO G . & PRANDI C.As ciências das Religiões. Paulus, São Paulo 1999. [124] CLAUSS M. Israele nell’età antica, p. 12. [125] FREIRE P. Pedagogia do oprimido. Paz e Terra, Rio de Janeiro 2003. [126] FIL ORAM O G.Ebraismo, p. 102. [127] No s entido de tomar o lugar do bem, e não de tornar-se o bem. [128] AM ORESE R.Meta-História. Ultimato, Viçosa 2012. [129] NISSA G. Paradiso Precoce. NEU, Roma 2004. [130] BORNHEIM G. Os filósofos pré-socráticos. Cultrix, São Paulo 2010. [131] P ARM ENIDE.Poema Sulla Natura. Bompiani, M ilano 2003. [132] DIELS H. & KRAN Z W.Die fragmente der vorsokr atiker. Weidmannsche Buchhandlung, Berlin 1960. [133] RAHNER K. Letteratura e Cristianesimo. San Paolo Edizioni, Milano 2014. [134] P ARM ENIDE.Poema Sulla Natura, Fr. 8: “Resta solo un discorso della via:che è”. [135] “ … Eu sou o que sou”, Êxodo 3:14. [136] TI LLICH P.Teologia Sistemática. Sinodal, São Leopoldo 1987. [137] M ÜLLER G.Dogmatica Cattolica. San Paolo, Cinisello Balsamo 2013 [138] SAR TRE J.L’essere e il nulla. Il Saggiatore, Milano 2013. [139] Pessoa - persona = máscara. Teatro grego. A expressão passou a significar a arte de interpretar a si mesmo. Resgataremos o assunto na sessão seguinte. [140] Recuperaremos o t ema adiante. [141] ARIÉS P. L'Homme devant la Mort, Ed. du Seuil, Paris 1977. [142] ROGERS T., KUIP ER, N., KIRK ER, W.Self-Reference and the Encoding of Personal Information.Journal of Personali ty and Social Psy chology, 35, 677-688, Washington 1977. [143] Para ver as implicações culturais na parábola do bom samaritano, aconselha-se a leitura de BAILEY K.As par ábolas de Lucas. Vida Nova, São Paulo 1995. [144] M free OLTM ANN J.Theology hope . SCM at Press, Norwich 2002. “As a result ofthrough this hope in God’s thisopen present w orld becomes in believing eyes fromofall attempts self-redemption or self-production labor, and it future, becomes for loving, ministering self-expenditure in the interest s of a humanizing of conditions and in t he interests of the realization of justice in the light of the coming justice of G od.” [145] GUT IÉRREZ G.Teología de la liberación. CEP, Lima 1971. “Todos estos factores han llevado apercibir mejor quela comunión
con el Señor, significa, ineludiblemente, una vida cristiana centrada en elcompromiso, concreto y creador, de servicio a ol s demás.”.
[146]
A nossa fonte hist órica aqui são dois materiais brilhantes: GIBELLINI R.La teologia del XX secolo. Queriniana, Brescia 2007; LACOSTE J. Storia della teologia. Queriniana, Brescia 2011. [147] Disp onível em http ://w2.vatican.va/content/vatican/it.html. [148] TOU RS G.Histoire des Francs. Librairie Académique, Paris 1862. [149] CESAREA E. Storia ecclesiastica Vol. 1 e 2. [150] CALOGERO A. Breve storia di vita politica di tutti i pontefici . Youcanprint, Roma 2012. [151] ROTTERDAN E. Elogio della folia, § 59. [152] LUTERO excomunhão ”. M. Obras Selecionadas vol. 1 , p. 31 e 191, “ um sermão sobre a indulgência e a graça” e “ sermão sobre o poder da [153] [154] [155] [156]
M ONDIN B.L’Eresia del nostro secolo. FEUERBACH L. A Essência do Cristianismo. Editora Vozes, Petróp olis 2007. DENZINGER H. Compendion of creeds, definitions and declarations on matters of faith and morals . M anuscrito de 1205 comumente disp onível para download em latim ou inglês.
[157]
ZWINGLI U. M. Petri Pictaviensis Galli Genealogia et chronologia sanctorum partum. Basilea 1592, disp onível em http://www.digitale-sammlungen.de/index.html?c=suchen&l=de. [158] ATANASIO S. Patrística vol. 18. Paulus, São Paulo 2002. [159] LORENZEN L. Introdução à Trindade. Paulus, São Paulo 2002, p . 19. [160] LIÃO I. Patrística Vol. 4 – Contra as heresias. Paulus, São Paulo 2013. [161] Em 268 d.C. na cidade de Antioquia houve um concílio para confront ar o monarquianismo dinâmico (ou adocionismo), no qual Jesus t orna-Se Deus no momento do batismo. [162] M ANNS F.Sinfonia della Parola. [163] FERRARI A. (cura). Popoli e chiese dell’oriente cristiano. Lavoro, Roma 2008. [164] CESAREA E. Storia ecclesiastica Vol. 3. [165] Toda a fonte de hist ória secular desta seção vem de dois materiais que, após anos de suas p ublicações, permanecem insubstituíveis como referência para os estudos da história bizantina: OSTROGORSKY G. Storia dell’impero bizantino. Einaudi, Torino 1993; DIEHL C. Histoire de l’empire byzantin. Auguste Picard, Paris 1924. [166] Aqui eu não irei me preocupar em fornecer detalhes das informações teológicas e históricas do que est ou descrevendo, as obras de Clemente, Eusébio, Irineu, Kelly, Ost rogorsky, Ferrari e Diehl, além dos textos de Alberto Camplani, são minhas p rincipais fontes de referência e a part ir delas é p ossível conhecer a matéria detalhadamente. [167] Severo de Antioquia, mest re de Giacomo Baradeo fundador da igreja monofisita na Síria, era protegido de Teodora. [168] KÜNG H. Essere Cr istiani. BUR, M ilano 2013, p. 637. Hans K üng, naquela que é, até hoje, unanimemente a sua melhor obra, afirma que a palavraTrias teria sido usada p or Teófilo, mas, é Tertuliano o primeiro a utilizarTrinitas. [169] MACGRATH A. Teologia Cristiana.Claudiana, Torino 2010. [170] AGOSTINHO S.La Trinità. Città Nuova, Torino 2011. [171] GRILLMEIER A. Christ in christian traditions: From the Apostolic ages to Chalcedon . Westminster John Knox Press, Lousiville 1975. [172] M OUNIER E.Il Personalismo . AVE, Roma 2004. [173] KIERKEGAARD S. Timor e Tremore. In “Le Grande O pere Filosofiche e Teologiche”. Bompiani, M ilano 2013. [174] HEGEL G. Fenomenologia do espirito. Bompiani, Milano 2000. [175] SAR TRE J.L’essere e il nulla. [176] KELLY J.Il pensiero cristiano delle srcini , p. 161, ambas as três citações. [177] [178]
Dionísio de Alexandri a, discípulo de Orígenes, e não o pap a Dionísio, da mesma época. Esta é a fórmula dout rinária de Calcedônia.
[179] [180] [181] [182] [183] [184] [185] [186] [187]
AGOSTINO S. La Trinità. MACGRATH A. Teologia Cristiana, p. 295. HIRSCH E. Geschichte der neuern evangelischen theologie . Verlagshaus, München 1964. SCHLEIER M ACHER F.La dottrina della fede, Vol. 3. Paideia, Flero 1981. PANNENBERG W.Storia e problemi della teologia evangelica contemporanea in Germania . Queriniana, Brescia 2000. FEUERBACH L. A Essência do Cristianismo. KÜNG H. Essere Cr istiani. Küng reconhece a dificuldade da m atéria falar do eterno. M OLTM ANN J.The Trinity and the Kingdom. Harp er & Rol, San Francisco 1982. MACGRATH A. Teologia Cristiana, p. 298. Possui o esquema trinitário.
[188] [189] Y ANNARAS C.Ontologia della relazione. Città Apert a, Troina 2010. D’AQUINO T. Summa Theologiae Tomo I. San Paolo Edizioni, Milano 1999. [190] Do grego , que neste contexto significamorte sem salvação, física ou sep iritual. [191] DESCARTES R. Discurso do método. M artin Claret, São Paulo 2003. [192] Leia-se espírito ou alma, ou com o queira interpretar, ist o varia da post ura dicotomica ou tricotomica, e não nos deteremos aqui nestes conceitos. [193] M ORAES J.O que é música. Ed. Brasiliense, São Paulo 1991. [194] PASCAL B. Pensées. Le Livre de Poche, Bruxelas 2000. [195] KIERKEGAARD S. Timor e Tremore. In “Le Grande Opere Filosofiche e Teologiche”. [196] Em al gumas tradições o ladrão da cruzao lado de Jesus é chamado de Dimas e em outrasé conhecido como Rakh. [197] Estudo ou conhecimento da morte. [198] BUL TM ANN R.Gesù. Queriniana, Brescia 2008, p . 132. [199] Jo. 3:16 [200]
I Co. 13:4-5 -
[201] FERRARIO F. Dio nella parola. [202] VILL AM ARIN A.Citações da cultura universal. Editora Age, Porto Alegre 2002. [203] LORENZEN L. Introdução à Trindade. Na obra o autor afirma que Irineu acreditava que os homens p odiam conhecer a Deus de maneira a se tornarem eternos. Para o santo, talvez em um encontro muito p essoal com Deus, e não há nada mais pessoal que a morte. [204] BAUMAN Z. Ética Pós-moderna. Paulus, São Paulo 1997. [205] BENEDET TI L. Religião: Crer ou Consumir? Revista Vida Pastoral, Jul/Ago 2000, p. 4.