ÍNDICE SIGNOS EM ROTAÇÃO Revival Astrológico A não-ciência OS ASTROS E A VIDA COMPLICADA OS ÚLTIMOS 500 ANOS Global e popular Determinismo astral Para calar os críticos Contracultura burguesa FENOMENOLOGIA DA DEBILIDADE O papel do oculto O COTIDIANO DE UMA ASTRÓLOGA A visão de um astrônomo CARACTERÍSTICAS DOS SIGNOS Áries Touro Gêmeos Câncer Leão Virgem Libra Escorpião Sagitário Capricórnio Aquário Peixes
SIGNOS EM ROTAÇÃO ________________________________
Peter Burke Intelectuais discutem o papel da astrologia nas sociedades contemporâneas. Peter Burke reconta a história dos últimos 500 anos da disciplina. Popularidade crescente da astrologia entra em choque com premissas da ciência e coloca na ordem do dia discussão sobre seu estatuto hoje Marcos Flamínio Peres Editor-adjunto do Mais! Quando a Lua estiver na sétima casa e Júpiter se alinhar com Marte, então a paz guiará os planetas e o amor comandará as estrelas." O prognóstico, cantado em um dos grandes sucessos música pop dos anos 60, ainda está por se confirmar, mas atesta com segurança a enorme popularidade de que têm gozado, durante as últimas décadas, as previsões baseadas na conjunção dos astros - a astrologia. A canção "Aquarius", principal personagem de "Hair" - a peça e o filme -, é, na verdade, apenas uma das pontas mais visíveis de um fenômeno que se popularizou no século 20 na esteira da expansão dos meios de comunicação. Previsões baseadas no signo zodiacal ou na hora do nascimento, muitas vezes misturados com doutrinas esotéricas e ocultistas, são uma constante hoje na grande imprensa, em revistas especializadas e em programas de TV. Em 1996, um em cada quatro americanos acreditava nas previsões astrais. Na frança, terra do racionalismo, um em cada dois franceses se interessa, em graus variados, pela astrologia, diz o sociólogo Michel Maffesoli. Na contramão dessa popularização, seu prestígio entre cientistas, sociólogos e filósofos nunca esteve tão em baixa. Exemplo disso foi a polêmica ocorrida na França e que se estendeu por várias semanas pelas páginas do jornal "Le Monde". O incidente que deflagrou o chamado "affaire Teissier" foi a defesa, em 7 de abril, na Sorbonne, de uma tese de doutorado sobre astrologia, orientada justamente por Maffesoli. O motivo maior da controvérsia residia, porém, na postulante: Elizabeth Teissier, 63, é uma figura intensamente midiática, que foi consultora astrológica de personalidades como o expresidente François Miterrand (1981-1995), além de ter criado, em 1975, o primeiro programa de previsão astrológica da TV francesa, o "Astralement Vôtre" (Astralmente Seu). A Associação Francesa de Informação Científica chamou-a de "tolice científica" outros a qualificaram de "impostura" e uma comissão formada por quatro Prêmios Nobel solicitou ao ministro da Educação Jack Lang que simplesmente impedisse a defesa da tese. Advogada ardorosa do ensino do tema na universidade, Teissier foi incisiva durante a defesa: "O determinismo astral deve vir juntar-se ao determinismo psicológico e ao determinismo genético". Ainda que toda a polêmica oculte, em parte, o jogo de poder dentro do auto-centrado mundo acadêmico francês, o fato é que a dissertação recolocou na ordem do dia a
discussão sobre o estatuto da astrologia na sociedade moderna. Ela é uma ciência, uma crença ou sobretudo um fenômeno sociocultural de vastas implicações? Em entrevista ao Mais!, Michel Maffesoli reivindica a legitimidade do estudo da astrologia: ela "não é uma ciência, mas um fato social e portanto merece ser examinada". Defensor de uma "sociologia compreensiva" voltada para as questões do cotidiano, Maffesoli afirma que a astrologia é "uma manifestação de coesão social que não repousa mais sobre o contrato racional, mas sobre um sentimento de coesão muito mais emocional". Assim como "a música tecno, as tribos homossexuais e o convívio na internet", conclui.
"Revival" astrológico ________________________________
Na verdade, a longa história das práticas astrológicas, desde seu surgimento na Mesopotâmia no século 23 a.C., é percorrida por controvérsias de toda ordem, como mostra o historiador inglês Peter Burke (leia texto na pág. 8). Contudo a dimensão dessas controvérsias sofreu uma reviravolta desde o século passado. Sua popularização está ligada diretamente à sua incorporação pela imprensa, a partir de 1930, como explica o professor Mike Harding, do Regent's College, de Londres (leia entrevista na pág. 6). A instrumentalização das colunas de previsão astral por outras mídias foi apenas uma questão de tempo. Já nos anos 70, na França, Madame Soleil (Senhora Sol) se tomou uma celebridade nacional ao distribuir conselhos a seus ouvintes baseados no alinhamento dos astros; e planetas. No Brasil dos anos 70 e 80, Zora lonara e Ornar Cardoso iriam, com relativo sucesso, estender as previsões astrológicas aos programas de TV. Tomada fenômeno de massa, ela rapidamente passou a despertar o interesse da intelligentsia. É de 1971 o estudo pioneiro coordenado pelo também francês Edgar Morin, "O Retomo dos Astrólogos" em que investiga as razões do crescente interesse que a astrologia estava despertando na sociedade francesa. Morin situava o advento da sociedade industrial e a crise de valores da modernidade como decisivos para a expansão das novas doutrinas esotéricas; - em que inclui a astrologia -, a que chamou de Nova Gnose. Contudo, segundo Morin, a expansão brutal dos meios de comunicação de massa fragmentou essas doutrinas a níveis até então inimagináveis. As especulações místicas passaram então a ser instrumentalizadas sobremaneira em favor do aconselhamento ligado às n ecessidades imediatas das pessoas. Essa função de "tapar buracos" existenciais já havia, de certa forma, sido antevista por Freud 50 anos antes, em seu artigo "psicanálise e Telepatia". Freud apontava ali o caráter "compensatório" de que estava se revestindo a astrologia na sociedade européia do pós-guerra. A intenção da astrologia, dizia, era "criar noutra esfera, supermundana, as atrações perdidas pela vida sobre esta Terra". Adorno, trilhando o caminho aberto pelo autor de "A Interpretação dos Sonhos", iria juntar a teoria à prática. Por cerca de três meses, o filósofo alemão, então radicado nos EUA, acompanhou a coluna astral do diário "Los Angeles Times", comparando-a com a de publicações especializadas, como "Forecast" e "Astrology Guide. O resultado foi o ensaio "As Estrelas Caem sobre a Terra" um estudo exaustivo publicado originalmente em inglês e ainda inédito no Brasil (leia texto na pág. 12).
A não-ciência ________________________________
Os ataques mais virulentos à astrologia partem hoje em dia de cientistas de renome como Richard Dawkins; e Stephen Jay Gould, reunidos em tomo da revista "Skeptical Inquirer", ponta-de-lança contra as disciplinas "não-científicas". O estudo divisor de águas sobre o verdadeiro estatuto da astrologia foi, segundo Dawkins e Jay Gould, um trabalho publicado na revista britânica "Nature", em 1985, por Shawn Carlson, um físico da Universidade da Califórnia. Carlson pretendia testar uma das principais premissas da disciplina- a de que a posição dos astros no momento do nascimento permitiria determinar os traços gerais da personalidade. Entre outras experiências, o teste consistia em pedir a vários astrólogos, aos quais foi dado um mapa astral de uma determinada pessoa, que a identificassem entre testes de personalidade de três pessoas distintas. O índice de acerto foi de cerca de um terço, o que levou Carlson a concluir cabalmente ao final de seu estudo: "A experiência refuta claramente a hipótese astrológica". A crítica mais feroz e empenhada ao estudo de Carlson veio de Mike Harding, para quem o trabalho de Carlson apresenta falhas de metodologia "evidentes para qualquer estudante de primeiro ano de psicologia". Outros, como a própria Elizabeth Teissier, alegam que o teste é um índice como outro qualquer, sujeito à subjetividade e particularidade de quem o criou. À revelia dos ataques, os estudiosos da astrologia têm sabido se servir do principal foco de críticas a seu objeto de estudo: a universidade. Hoje já há várias instituições superiores dedicadas inteiramente ao estudo da astrologia, como a Faculdade de Estudos Astrológicos, fundada em 1948, em Lo ndres, e a Faculdade Kepler de Artes e Ciências Astrológicas, em Seattle (EUA), uma das mais recentes. Na índia, em maio passado, o governo anunciou que pretende criar departamentos de astrologia em todas as universidades do país já para o ano letivo de 2001-2002, oferecendo bacharelado, mestrado e doutorado. A tecnologia também tem se mostrado um meio eficaz para assegurar a expansão da astrologia. No começo dos anos 80 passou a se generalizar a utilização de programas de computadores. Softwares como Astrolabe, Matrix, Time Cycles e Cosmic Patterns têm sido amplamente utilizados pelos astrólogos para confeccionar mapas astrais e realizar previsões. Desde os anos 90, a internet já permitem o "download" de programas que também fazem previsões e mapas em tempo real.
OS ASTROS E A VIDA COMPLICADA ________________________________
Entrevista com Mike Harding Mike Harding é professor da Escola de Psicoterapia do Regent's College, em Londres, e um dos críticos mais qualificados e contumazes do que chama de "bastião do racionalismo". Em um artigo publicado no ano passado na revista "Correlations" ("Preconceitos em Pesquisa Astrológica"), ele atacou ponto a ponto aqueles que consideram a astrologia "perigosa". Seu maior alvo é a "Skeptical Inquire?, publicação, que reúne intelectuais como Stephen Jay Gould, Richard Dawkins e Daniel Dennett. Harding acusa-os de tentar politizar o debate ao aproximar, como sendo não-científicos, a astrologia e movimentos como o feminismo e o pós-modernismo de Derrida e Richard Rorty. Harding, que também é consultor astrológico, rebate citando Wittgenstein: "Quando alguém diz 'deve ser assim', ele apenas está apontando o momento em que parou de pensar". Harding não vê com bons olhos as colunas de horóscopos, que, para ele, não têm "nenhuma técnica astrológica". (MARCOS FLAMÍNIO PERES) Os horóscopos que aparecem regularmente na imprensa são confiáveis? Não tenho respeito nenhum por colunas de horóscopo da imprensa. Elas são urna invenção dos anos 30 criada para vender jornais e não são baseadas em nenhuma verdadeira técnica astrológica. Isso pode ser facilmente demonstrado pelo fato de que, Cui considerando-se um dia qualquer, raramente haverá concordância nas previsões. Pode-se argumentar que, afinal, se trata de um dia apenas, mas o fato é que astrólogos sérios, quando lidam com um mapa astral, certamente chegarão às mesmas conclusões com relação a questões centrais, ainda que partam de diferentes métodos de abordagem. Então por que elas são tão populares? As colunas de previsão astral em jornais vieram à luz pela primeira vez em 1930, na Inglaterra, nas páginas do londrino "Sunday Express". Tratava-se de u m artigo do astrólogo John Naylor sobre o mapa astral da princesa Margaret, que tinha acabado de nascer. O texto era simples, embora sério. No mesmo artigo, Naylor fez urna previsão de que haveria "más notícias" para a indústria aeronáutica inglesa e que urna importante figura ligada a ela morreria. No dia seguinte à publicação, o avião inglês R101 caiu em seu primeiro vôo, morrendo toda a tripulação e um alto membro da Força Aérea. Isso criou um tal interesse que o jornal pediu a Naylor que passasse a fazer previsões regulares, baseadas nos signos zodiacais. Naylor tentou um ou dois diferentes formatos, mas acabou por estabelecer aquele que é o mais comum hoje, o das colunas. Em suas primeiras tentativas, ele se servia de fato de u ma técnica astrológica genuína. Hoje, acho que cada astrólogo constrói sua própria técnica e, talvez, a coisa toda. A astrologia é um fenômeno de classe média? Embora o "Sunday Express" fosse um jornal de classe média, as colunas se expandiram tanto que hoje abarcam todas as classes. Na índia, por exemplo, elas são muito po pulares sem estarem enraizadas em nenhuma classe social específica, embora em parte isso se deva ao sistema de castas. De qualquer modo, a astrologia é provavelmente mais
relacionada à classe média do que a qualquer outra, mas é também muito dependente dos aspectos culturais. Por exemplo, a África não tem uma tradição de astrologia, e é mais provável que pessoas com essa tradição cultural busquem previsões e conselhos em um médium. Já na Índia, onde a astrologia tem uma tradição poderosa, ela é uma questão do dia-a-dia para a população. Por que autores como Daniel Dennett e Richard Dawkins consideram a astrologia "perigosa", como o sr. menciona em seu artigo? Eu não sei por que Dennett e Dawkins são tão contrários à astrologia. Mas, levando-se em conta o que eles têm escrito sobre o tema, pode-se deduzir que são contra porque a consideram "não-científica". Dawkins em particular argumenta que a astrologia não funciona porque não existe nenhum "mecanismo" conhecido. Aqui ele comete um erro básico ao assumir que, pelo fato de alguma coisa não poder ser explicada de um certo modo, ela não pode ser explicada de modo nenhum. Como aponta Wittgenstein, quando alguém diz "deve ser 'assim'", ele apenas está apontando o momento em que parou de pensar. Tem-se a impressão que o sr. não critica a ciência propriamente, mas a metodologia usada pelos cientistas. Ser a favor ou contra a astrologia é sobretudo uma questão de método? Sim, o método (e a atitude por trás dele, seja de abertura, seja de pouca receptividade) tem muito a ver com o fato de a astrologia poder ou não ser objeto de pesquisa. Muitas das pesquisas são muito simplistas e não-fenomenológicas. O caso que cito em meu texto é emblemático. Foram misturados mapas astrais de 20 pintores e de 20 políticos. Poderiam os astrólogos separá-los? Eles não puderam. Mas os pesquisadores misturaram indiscriminadamente mapas astrais os mais variados. Os pesquisadores não imaginaram perguntar, por exemplo, por que alguém pinta ou por que alguém leva uma vida pública. Partiu-se da idéia de que todo pintor deve pintar pela mesma razão, assim como se considerou que todos os políticos entraram na vida pública também por um único motivo. Mas por que isso deveria ocorrer? A pesquisa de tipos de personalidade é muito difícil, e os testes psicológicos mais convencionais dizem muito pouco sobre isso. De modo interessante, pode ser demonstrado que pessoas que viram os resultados de seus testes de MMPI (sigla em inglês para "perfil psicológico mais respeitável") não puderam reconhecer-se neles. A astrologia afirma constantemente que a vida é muito complicada, sujeita a mudanças constantes, e que o "dentro" e o "fora" não apresentam limites precisos. Qual a relação entre astrologia e pós-modernismo? Trata-se apenas d e um esforço de politizar o debate por parte daqueles que atacam a astrologia? Periódicos como o "Skeptical Inquirer" certamente atacam teóricos do pós-modernismo como "não-científicos" mas não creio que Rorty tenha muito a dizer sobre a astrologia. A preocupação deles com a complexidade da linguagem pode, porém, ajudar a construir algumas pontes, pois a astrologia é a forma de linguagem compreensiva mais antiga existente para explorar nossa relação com o mundo. O sr. critica não apenas cientistas que dizem que a astrologia é um substituto para a religião, como Rudolf Smit, mas também aqueles que, como Adorno, usam o arsenal da psicanálise para chamá-la de "uma substituta para a relação proibida com uma figura paterna onipotente". Então, o que é exatamente a astrologia?
Se você pergunta o que astrologia "é", eu deveria dizer que primariamente é o que Wittgenstein chamou de "jogo de linguagem" um modo de falar e pensar sobre as coisas com sua própria lógica. Não está conectado com nenhuma época ou linguagem específicas, mas é baseada na experiência assimilada. É uma linguagem conectada com a natureza do tempo e da existência.
OS ÚLTIMOS 500 ANOS ________________________________
Peter Burke O historiador inglês narra as fases de decadência e ascensão da disciplina desde o Renascimento As numerosas colunas publicadas por jornais mais e revistas, oferecendo conselhos astrológicos semanais ou mensais a pessoas de Leão ou Escorpião, dão a impressão marcante de que a astrologia é levada a sério por pessoas de muitos tipos e em muitas diferentes partes do mundo, desde o Reino Unido até o Brasil (sem falar na Califórnia). Colunas astrológicas em jornais e revistas são comuns e corriqueiras. Livros expostos em aeroportos e estações ferroviárias oferecem guias astrológicos para ajudar você a conservar a saúde, ganhar dinheiro ou melhorar sua vida sexual. Nos anos 80 a British Telecom colocou um "disque horóscopo" à disposição de seus clientes, e um restaurante aberto recentemente no elegante bairro londrino de Notting Hill oferece a seus clientes mapas astrológicos acompanhando as refeições. Embora seja difícil confirmar a generalização que segue, é bem provável que as escolhas feitas por muitas pessoas em seu dia-a-dia sejam influenciadas, hoje, pelo que elas acreditam, baseadas em seus horóscopos e signos. A própria palavra "influência" era, originalmente, um termo técnico derivado da astrologia, antes de ser transferido para a linguagem cotidiana e usado em sentido mais amplo. Do mesmo modo, as pessoas com frequência falam em "ocasião auspiciosa", dizem que alguém nasceu "sob uma estrela de sorte" ou que tem temperamento "jovial" ou "mercuriano" - e tudo isso sem parar para pensar que estão usando a linguagem da astrologia. Até mesmo a palavra "revolução" era originalmente um termo astrológico que vinculava os destinos de nações e Estados ao movimento circular dos planetas. Por outro lado, algumas das afirmações feitas por astrólogos, especialmente a de serem capazes de prever o futuro, são freqüentemente rejeitadas e até mesmo transformadas em alvo de chacota, tanto por intelectuais quanto por leigos. Nos EUA, alguns anos atrás, por exemplo, a conhecida história de que o presidente Ronald Reagan tinha o hábito de tomar decisões políticas importantes com base nas previsões feitas pela astróloga de Nancy Reagan evocava mais reações de descrença, repúdio ou risadas do que de empatia, e piadas eram feitas a esse respeito em programas cômicos. Na realidade, o interesse do casal Reagan por astrologia era algo que remontava a muitos anos, desde a época em que Ronald trabalhou como ator (ou será que devemos dizer que era um "astro"?) em Hollywood. Ele tomou posse como governador da Califórnia no dia 2 de janeiro de 1967, num horário incomum "à meia-noite", seguindo os conselhos de um astrólogo, para o qual esse era um momento auspicioso para ele. Quando se tomou presidente dos Estados Unidos, a programação semanal de Reagan passou a ser organizada por Nancy, seguindo os conselhos de uma astróloga de San Francisco, Joan Quigley. Decisões importantes, tais como quando o presidente se submeteria a uma cirurgia ou o momento de conceder grandes entrevistas coletivas à imprensa, eram tomadas apenas depois de Nancy consultar sua "amiga" de San Francisco. Antes do encontro de Reagan e Gorbatchov na cúpula de Genebra, em 1985, Nancy pediu a Quigley o horóscopo do líder russo e, quando Reagan teve um encontro com Tancredo Neves, disse ao brasileiro que as
relações entre os dois países seriam boas porque os signos dos dois líderes eram compatíveis.
Global e popular ________________________________
Hoje, portanto, seria possível dizer que a astrologia é um fenômeno tanto g lobal quanto popular, rejeitado por muitos intelectuais, especial mente por cientistas, mas levado a sério por muitas outras pessoas. No passado, porém, quer fosse na Mesopotâmia, na Roma Antiga, no mundo árabe medieval ou (mais obviamente) na Europa entre os anos de 1300 e 1700, mais ou menos, a situação era quase exatamente a inversa. Naquela época a astrologia era essencialmente algo do interesse de intelectuais, sendo mais provável q ue as pessoas do povo consultassem feiticeiros e adivinhos, cujas previsões pa ra o futuro eram baseadas na leitura das mãos, tigelas de água ou bolas de cristal, mais do que na observação dos astros. Escrever uma história global da astrologia que discutisse as práticas astrológicas usadas desde a China até a Pérsia e da índia ao império asteca seria um empreendimento tão difícil quanto fascinante Na discussão que segue, porém, vou me concentrar no Ocidente, sem, é claro, esquecer que o conjunto de práticas às quais damos o nome de "astrologia" chegou à Europa vindo do Oriente Fazia parte da "sabedoria do Oriente" ou 'luz do Oriente, e sua transmissão em sentido ocidental era' simbolizada pela história tradicional dos três homens sábios ou magos que seguiram uma estrela que os conduziu até o menino Jesus, em Belém. Na Europa medieval, a astronomia era ensinada regularmente nas universidades, como parte do curso de "artes", e a distinção entre astronomia e astrologia era muito menos definida do que viria a se tomar ao longo dos séculos 17 e 18. Alguns intelectuais renascentistas; de destaque escreveram sobre o tema. O matemático italiano Girolamo Cardano descreveu a astrologia como "o mais altivo dos ramos do conhecimento, porque trata de coisas celestiais e do futuro". Outro italiano, o médico humanista Marsilio Ficino, filósofo favorito de Lorenzo de Médici, "o magnífico" (governante de Florença), escreveu um tratado explicando a seus leitores como fazer uso da astrologia para viver uma vida melhor. Uma de suas recomendações era que fossem compostas canções apropriadas aos planetas específicos, para suscitar suas influências benéficas. Assim, a música "marcial" atrairia influências do planeta Marte, a música sensual, do planeta Vênus e assim por diante. Em seu célebre tratado sobre arquitetura, outro humanista, Leon Battista Alberti, insistiu na importância de consultar astrólogos para decidir o dia e até mesmo a hora certa de iniciar a construção de edifícios importantes. O próprio Ficino foi chamado para aconselhar os arquitetos sobre a data em que deveria ser iniciada a construção do grande Palazzo Strozzi, em Florença, em 1489. O palácio continua em pé até hoje. Ao que consta, a astrologia é a chave de algumas telas famosas do Renascimento, entre elas um ciclo de afrescos no Palazzo Schifanoia, em Ferrara, e, segundo alguns estudiosos, a "Primavera" de Botticelli, na qual a figura central representa tanto Vênus quanto o mês de abril. Nessa época a astrologia não era vista como incompatível com o cristianismo. Na verdade, vários papas da Renascença se interessavam profundamente pela astrologia, entre eles o papa da família ~ Alexandre 6o. o papa da família Médici, Leão 10o., e o papa Farnese, Paulo 3o. Quando foi eleito papa, Paulo convidou seu astrólogo favorito para vir a Roma e o nomeou bispo. Mesmo o papa Urbano, do século 18, que se interessava pelas idéias de
Galileu, encomendava os horóscopos de seus cardeais a astrólogos, para que soubesse quanto tempo de vida teria cada um deles. Alguns membros do clero viam os astrólogos como rivais e os tratavam com hostilidade, mas, de modo geral, os estudiosos das estrelas só tinham problemas com a igreja quando invadiam o território dela, fazendo comentários sobre assuntos religiosos. Alguns deles desenhavam os horóscopos das religiões e argumentavam que, graças à influência das estrelas, diferentes religiões estavam destinadas a se revezarem no domínio do mundo. Cardano chegou a ser preso pela Inquisição, acusado de ter traçado o horóscopo de Cristo e explicado os acontecimentos de sua vida pela posição dos astros. Cardano também fez o horóscopo de Martinho Lutero - sem a permissão deste. Até a segunda metade do século 17, a astrologia continuou a ser vista como intelectualmente respeitável. Durante a guerra civil inglesa, por exemplo, Richard Overton, líder do chamado partido dos "niveladores" e homem que já foi descrito como racionalista, consultou um astrólogo para saber se sua aliança política com o Exército seria bemsucedida. O rei Luís 14, da França, nomeou um astrólogo como seu agente diplomático especial na corte do rei Carlos 22, na Inglaterra. O rei Carlos levou o agente às corridas de cavalos em Newmarket para ver se ele seria capaz de prever os vencedores. Isso pode nos parecer uma reação um tanto quanto cínica, mas é bem possível que as intenções de Carlos fossem sérias. Afinal, ele demonstrou interesse suficiente pelo assunto para consultar um astrólogo sobre seus problemas políticos, perguntando a ele, por exemplo, se suas relações com o Parlamento iriam melhorar e qual seria o momento mais propicio para proferir um discurso político importante. Mesmo Isaac Newton estudou astrologia em sua Juventude.
Determinismo astral ________________________________
Entretanto, se alguns intelectuais do calibre de Newton levavam a astrologia muito a sério, outros já se diziam havia muito tempo céticos quanto a sua suposta capacidade de prever o futuro. Na Itália renascentista, por exemplo, o célebre humanista Giovanni Pico della Mirandola publicou um livro intitulado , "Disputas contra a Astrologia", no qual negou a influência dos astros nos assuntos humanos, além de levantar objeções mais técnicas à possibilidade de fazer os cálculos precisos necessários para o traçado de horóscopos. Ele rejeitou o determinismo das influências astrais com o mesmo vigor com q ue alguns liberais do século 20 rejeitaram o determinismo econômico associado a Karl Marx. O que Pico levava a sério, por outro lado, era a magia - em outras palavras, o poder dos indivíduos de manipular os mundos natural e social por meio de rituais. A Reforma protestante levou ao aumento das críticas feitas aos astrólogos. Tanto Lutero quanto Calvino viam a astrologia como doutrina falsa. Em seu "Tratado contra a Astrologia" (1549), por exemplo, Calvino usou o conhecido argumento de que as afirmações dos astrólogos devem ser falsas porque gêmeos idênticos nascem s ob a mesma estrela, mas têm destinos diferentes. Do século 17 em diante, a era da chamada "revolução científica", a astrologia começou a perder sua respeitabilidade intelectual. Seus adversários a descreviam como não apenas falsa, mas também absurda, inacreditável ou enganosa. O astrônomo Johann Kepler, por exemplo, descreveu a astrologia como a "filha pequena e tola" da astronomia (embora continuasse a desenhar horóscopos de tempos em tempos, inclusive o seu próprio). Mais do que crente tradicional na astrologia ou cético em relação a ela, ele pode
ser mais bem descrito como reformador dela. O filósofo Francis Bacon, seu contemporâneo, acreditava na influência dos astros sobre os assuntos humanos, mas não na capacidade dos astrólogos em traçar previsões. O pastor calvinista Pierre Bayle, cujo "Dicionário Histórico e Crítico" (1696) era amplamente consultado no século 18, declarou que o sistema astrológico era absurdo e que sua história não passava da história do logro e da credulidade. De maneira semelhante, a grande "Enciclopédia" francesa da década de 1750, o texto-chave do Iluminismo na Europa, descrevia a astrologia em termos de "pretensões", "superstição" e "paixão cega". Na Inglaterra do século 19, a Sociedade para a Difusão do Conhecimento útil, um grupo protestante, promoveu uma campanha contra a astrologia, enquanto a polícia regularmente prendia astrólogos profissionais (depois de se fazer passar por seus clientes) e os encarcerava pelo crime de lograr o público. Entretanto, mais ou menos à mesma época em que a astrologia perdia seu prestígio anterior entre os intelectuais e as classes s uperiores, ela começava a alcançar uma parte considerável da população comum. A invenção da imprensa e o gradativo aumento do número de pessoas alfabetizadas foram abrindo caminho para isso. Almanaques; eram impressos em números cada vez maiores, eram relativamente baratos, e, na Inglaterra do século 17, por exemplo, 400 mil cópias deles eram vendidas todos os anos. Em outras palavras, mais almanaques; do que Bíblias eram vendidos na Inglaterra. A astrologia dos almanaques era um pouco diferente daquela dos humanistas da Renascença. Era adaptada aos interesses e às necessidades das pessoas comuns, sobretudo das pessoas que trabalhavam na terra. Os almanaques diziam pouco, por exemplo, sobre horóscopos individuais. Em lugar disso, se preocupavam principalmente em prever as condições climáticas do ano seguinte e as épocas mais propicias para semear plantações, cortar o cabelo ou tomar banho (o banho ainda era um acontecimento relativamente raro na Inglaterra do século 17), tirando tanto as idéias quanto as informações da cultura oral tradicional. Também eram incluídas previsões políticas, especialmente durante a guerra civil dos anos 1640 e 1650, quando, compreensivelmente, as pessoas estavam temerosas a respeito das mudanças que o futuro poderia impor. De maneira semelhante, os astrólogos profissionais se adaptaram às necessidades de seus diferentes clientes e ampliaram suas atividades para incluir a localização de pessoas ou navios desaparecidos ou de bens roubados. Sob essa forma mais popular, a astrologia sobreviveu até o início do século 19 e foi incorporada ao folclore rural. Dizia-se, por exemplo, que nunca se devia matar um porco na lua minguante e que, se isso fosse feito, o toucinho encolheria quando fosse cozido. Os romances de Thomas Hardy, publicados na segunda metade do século 19, mas que descreviam o mundo rural da região Oeste da Inglaterra uma ou duas gerações antes, são repletos de referências à astrologia popular, especialmente as tentativas de prever o tempo. Enquanto isso, os astrólogos urbanos, entre eles oficiais aposentados da Marinha (familiarizados com os astros como pontos de apoio para a navegação), procuravam reformar sua disciplina, atualizá-la e torná-la mais científica, visando a a~ as classes médias. Em 1895 um novo periódico foi fundado em Londres com o nome de "Modern Astrology". Seu primeiro editorial declarava que "é chegado o momento de modernizar o antigo sistema da astrologia". Um dos modernizadores era um certo Richard Morrison, que usava o nome de "Zadkiel" e empregava uma bola feita de cristal de pedra brasileira para ajudá-lo em suas previsões. Outro, Walter Old, conhecido como "Sepharial", oferecia a seus clientes previsões dos resultados de corridas de cavalos e dos movimentos das ações na Bolsa.
Para calar os críticos ________________________________
Mas a tendência à modernização não foi suficiente para calar os Críticos da astrologia. Em 1863, quando Zadkiel foi descrito publicamente como charlatão, ele acusou seu crítico de calúnia e o levou ao tribunal. Ganhou o processo, mas o júri lhe concedeu apenas uma libra esterlina a título de danos - provavelmente para expressar a opinião de que a astrologia não deveria ser levada a sério. Outro astrólogo importante era Richard Garnett, um estudioso multifacetado que se tornou superintendente da Sala de Leitura do Museu Britânico. Garnett levava uma vida dupla, na medida em que publicava livros de astrologia sob o pseudônimo de A.G. Trent, estratégia que nos leva a crer que ele temia que seu tema ainda fosse visto como intelectualmente pouco respeitável. Diferentemente de alguns de seus colegas astrólogos, Garnett via o chamado ocultismo com hostilidade. "Nada", escreveu, "fez a astrologia científica ganhar uma fama tão ruim quanto a idéia de que ela possa ser uma 'ciência oculta'. Ela não é nada do tipo". Não seria possível representá-la mais erroneamente de que traçar qualquer conexão entre ela e a magia ou teosofia." Um terceiro astrólogo que era ativo na Inglaterra vitoriana e mesmo mais tarde era William Allen, que se fazia chamar "Alan Leo". Seu objetivo era modernizar, popularizar ou democratizar o tem e, para isso, escreveu livros com títulos como "Astrologia para Todos". No início do século 20, um esforço coletivo foi feito por vários praticantes britânicos para elevar o status da astrologia e transformá-la em profissão, como estava sendo feito com as profissões emergentes de engenheiro, contador, agrimensor e assim por diante, cada urna com seus institutos oficiais. Assim foi fundada uma Sociedade de Pesquisas Astrológicas em Londres, em 1902, seguida por um Instituto Astrológico, em 1910, e por uma Loja Astrológica, registrada como entidade beneficente e que promovia palestras semanais. A principal diferença entre essa astrologia reformada e a mais tradicional era seu sincretismo consciente. Alguns astrólogos, por exemplo, adotaram a linguagem do inimigo ou seja, o vocabulário da ciência do século 19. Alguns deles, como Garnett como já vimos, enfatizaram a diferença entre seu campo e o da magia e escreveram sobre "ciência espiritual', "a base científica da astrologia" ou i( a prova científica da ligação entre os signos astrológicos e o comportamento humano". Alternativamente, empregavam a retórica da estatística (de maneira semelhante, alguns praticantes contemporâneos utilizam computadores para gerar horóscopos para seus clientes, não apenas para poupar tempo mas também para conferir a suas previsões uma aura de alta tecnologia). Por outro lado, os astrólogos mais tradicionais preferiam enfatizar as ligações entre suas idéias e as dos rosa-cruzes, dos maçons e dos mistérios do Egito Antigo.
Contracultura burguesa ________________________________
Alguns deles se apropriavam de elementos das religiões orientais, do hinduísmo e do budismo, por exemplo, quer estudassem essas religiões diretamente ou por meio da teosofia ou antroposofia sincretista que se espalhava na Inglaterra, na França e em outras áreas no final do século 19. O renascimento do interesse pela astrologia em Londres nos anos 1880 e 1890 era parte do que se pode chamar de uma "contracultura burguesa", traçando uma analogia com a contracultura californiana. de um século mais tarde. Os
estudiosos dos astros tinham a tendência a também se interessar pelo hipnotismo, por exemplo, ou pelo vegetarianismo e espiritismo, além da astrologia. No final dos anos 20 e 30 do século 20, alguns astrólogos já tomavam de empréstimo a linguagem e as idéias da psicologia de Carl Gustav Jung. Em contrapartida, a filha de Jung se tomou astróloga, e o próprio Jung estudou o assunto. Seguindo seu exemplo, alguns escritores "psicologizaram" a astrologia, descrevendo o horóscopo como "mapa da psique" ou falando dos "planetas interiores" de cada um. O mais comum, ao que parece, é a combinação - o da linguagem da astrologia comas da ciência e religião. Essa nova astrologia sincrética, como a medicina alternativa ou a alimentação orgânica, navega a onda do chamado movimento new age do final do século 20. Também existem grupos minoritários; de entusiastas ocidentais de astrologias específicas não-ocidentais, como o "feng shui", a astrologia védica, a astrologia tibetana e até mesmo a astrologia asteca. O mais comum, porém, parece ser alguma forma de sincretismo. Esse breve resumo dos últimos 500 anos de um conjunto de práticas que data de pelo menos 3.000 anos sugere uma série de reflexões. Para um historiador social, é fascinante observar a trajetória social da astrologia, em dado momento "elevada , estudada pelas elites, em outro "baixa" ou popular e, hoje, ao que parece, atraindo pessoas de diferentes classes sociais. Um futuro historiador do século 20 talvez interprete o "revival" da astrologia não apenas como exemplo da globalização da cultura, mas também como reação contra a visão de mundo científica, que não reservava lugar para a magia ou a poesia e que levou à construção das bombas atômica e de hidrogênio. Para os próprios astrólogos, esse ciclo de expansão, contração e nova expansão do interesse em sua disciplina não é mais do que se poderia prever. Ao que parece, nem mesmo a própria astrologia pode fugir da influência dos astros. a Peter Burke é historiador inglês, autor de "Variedades de História Cultural" (ed, Civilização Brasileira) e "O Renascimento Italiano" (ed. Nova Alexandria), entre outros. Ele escreve mensalmente na seção 'Autores", do Mais]. Tradução de Clara Allain.
FENOMENOLOGIA DA DEBILIDADE ________________________________
Ricardo Musse Entre 1952 e 1953, o filósofo alemão Theodor Adorno estudou a coluna de astrologia do jornal "Los Angeles Times", quando morava nos EUA Pouco depois de regressar, em 1952, à Alemanha, de um exílio de 16 anos, T.W. Adorno retoma aos EUA, onde permanece por quase um ano. Elabora, então, uma análise da coluna de astrologia do jornal "Los Angeles Times". A escolha desse tema - a astrologia nos meios de comunicação de massas - prendese a um esforço de compreensão da então recente irrupção, num mundo completamente iluminado, "da calamidade triunfal" da qual o nazismo foi a expressão mais nítida. O livro que, na ocasião, escreveu com Horkheimer, "Dialética do Esclarecimento" (1947, no Brasil publicado pela ed. Jorge Zahar), funciona como uma espécie de sistema de referências para uma série de investigações complementares; pesquisas essas que selam um pacto entre a orientação especulativa dos frankfurtianos e a sociologia empírica norte-americana. Embora Adorno estivesse, desde 1937, em contato permanente com as técnicas da sociologia empírica, sempre rejeitou o modelo de investigação que denomina "administrativa" que se limita a averiguar fatos, ordená-los e colocá-los à disposição como informação, sem analisar seus pressupostos e suas conseqüências econômicas e sociais. Adorno tampouco concorda com a forma usual de aplicação das técnicas práticas de investigação. já em sua pesquisa sobre a música radiofônica, questiona a ênfase na quantificação dos "estímulos", pois ela não leva em conta que o imediato das reações subjetivas, individuais, é mediado "não só pelos mecanismos de propaganda e a força de sugestão do aparato, mas também pelas conotações objetivas do meio e do material com que são confrontados os ouvintes e, por fim, pelas estruturas sociais mais amplas, até chegar à sociedade como um todo". São tais pressupostos teóricos e metodológicos que explicam a atualidade da análise adorniana da astrologia. "The Stars Down to Earth" (As Estrelas Caem sobre a Terra, ed. Routledge, EUA) permanece como um modelo de sociologia empírica que, ao ir além das técnicas de quantificação, atinge o ideal de toda investigação social crítica, isto é, mostra como nas reações subjetivas cintilam determinantes sociais objetivos. A especificidade do seu projeto sociológico, sua diferença em ~o à sociologia clássica, é que, enquanto esta, em geral, por oposição à psicologia, enfatiza apenas os condicionantes econômicos e sociais da ação, Adorno, preocupado em explicar movimentos de massa cujos participantes parecem agir contra seus próprios interesses racionais de autoconservação, incorpora a psicanálise como mediação essencial para a compreensão da relação entre indivíduo e sociedade. Sua interpretação da astrologia parte de uma indagação elementar. como entender a estima pública da astrologia, num momento em que o conhecimento científico foi inteiramente incorporado à vida prática e à mentalidade predominante?
O papel do oculto ________________________________
A resposta que propõe passa pela delimitação de seu objeto. Na astrologia dos meios de comunicação, o oculto desempenha papel secundário, pois, ali, ele se encontra institucionalizado, de acordo com os ditames do mundo ilustrado. Por conseguinte, não se trata de explicar experiências ocultas como expressão do inconsciente, como fez Freud em "0 Estranho"; ou mesmo de destacar o legado cultural pela reconstituição do processo de refundição de velhas superstições, como faz certa antropologia. Resta, portanto, explicar a demanda pela astrologia pela via da análise d e seu conteúdo próprio, procurando identificar sobretudo as características implícitas de seu destinatário. A astrologia mescla um contorno irracional - a tese de que seus prognósticos e conselhos procedem dos movimentos dos astros, aceita com naturalidade pelos leitores- a um núcleo racional, o fornecimento de conselhos pragmáticos e úteis para os problemas do cotidiano (não muito diferentes das orientações das colunas de psicologia popular). ["O tipo de pessoa com que nos preocupamos aceita a astrologia de modo gratuito, assim como o faz com a psiquiatria, conceitos sinfônicos ou partidos políticos; aceita-a porque ela existe, sem muita reflexão, contanto que as suas demandas psicológicas de algum modo correspondam à oferta. ( ... ) Na coluna de jornal à qual esta monografia se devota, a mecânica do sistema astrológico nunca é divulgada, e aos leitores se apresentam apenas os resultados alegados de um raciocínio astrológico do qual eles não participam."] (Trecho de "The Stars Down to Earth, de Theodor Adorno) A coluna astrológica, mesmo tendo em vista uma provável atitude ao mesmo tempo indulgente e desconfiada de seus seguidores, procura satisfazer anseios de indivíduos que estão convencidos de que outros (ou alguma força desconhecida) devem saber mais sobre ele e sobre o que deve fazer do que ele próprio. O tema principal de "The Stars Down to Earth" é, portanto, a forma como a indústria cultural pressupõe e reafirma a reificação do indivíduo, sua adequação às modernas formas de dependência psíquica e social Adorno promove um extenso mapeamento das figuras da individualidade contemporânea, uma espécie de fenomenologia da debilidade do sujeito no "mundo administrado". Seus resultados não podem ser resumidos sem a complexa rede de mediações mobilizada por Adorno. O que lhe permite passar de forma convincente do micro para o macro, daquilo que aparentemente tem pouca importância no andamento da sociedade para uma compreensão precisa e determinada do todo social não reside apenas na já mencionada incorporação dos conceitos da psicanálise. O segredo metodológico de Adorno consiste principalmente na atenção que concede às contradições, em suma, na retomada do método dialético ensaiado por Marx em "O Capital". A lógica da construção e funcionamento da coluna de astrologia, examinada minuciosamente por Adorno, a partir de sua premissa formal - adotar um estilo que induza a crença de que possui um conhecimento concreto dos problemas dos leitores -, busca equilibrar uma série de exigências contraditórias: a dicotomia ameaça/alívio (configurada pela polaridade divergente entre diagnóstico e conselho ou no propósito de infundir angústia e satisfazer o narcisismo); o par real/fictício; as antinomias trabalho/prazer, função pública/vida privada, produção/consumo, adaptação/individualização, dependência/autonomia, submissão/resolução (abordadas tanto em sentido psicológico quanto social), a relação individual/universal etc.
As dificuldades objetivas dessas aporias - que derivam das articulações da sociedade capitalista - são elididas, na coluna de astrologia, por meio de um conjunto de procedimentos que Adorno denomina "enfoque bifásico". A forma de resolução dessas contradições, pressuposta e proposta pela indústria cultural - eis aí um ponto-chave da interpretação adorniana -, decorre de uma imposição ao mesmo tempo conformista e autoritária. Ricardo Musse é professor do departamento de sociologia da USP.
O COTIDIANO DE UMA ASTRÓLOGA ________________________________
Caio Caramico Soares Free-lance para Folha A colunista da Folha Barbara Abramo discute as características de sua profissão e comenta os requisitos para a elaboração do horóscopo Pode não ser bem esse o sentido da ligação, proposta por Carl Gustav Jung, entre astrologia e o inconsciente coletivo - um substrato psíquico universal, que se daria a ver pelos símbolos culturais -, mas os horóscopos de jornal são exemplo constante de discurso generalista e de aposta no impessoal, ao tentar abarcar em poucas linhas influências astrais comuns a todo "pisciano" ou "leonino". Para Barbara Abramo, 47, colunista de astrologia da Folha, escrever para a mídia supõe o resgate de uma premissa da antiga Caldéia: a de que, à exceção do rei, "todo mundo é ninguém", podendo ter a situação astral definida em traços vagos - limitados à referência da posição da Lua e do Sol- bem menos "ricos" e "refletidos" se comparados à atividade de consulta e confecção do mapa astrológico individual, reservada antes ao monarca e hoje, via de regra, a quem possa pagar. A "arte" do astrólogo de mídia estaria, segundo Abramo, em fazer um "instantâneo do universo simbólico", captando conjunturas efêmeras da vida cotidiana, sem desatentar ao pano de fundo, isto é, às tendências do futuro a médio e longo prazos. A astróloga, em geral crítica em relação ao atual "monopólio do direito de previsão" pelos economistas, lança mão, porém de uma analogia com os consultores financeiros de jornal, como via de legitimação do "toque genérico" possibilitado pelo horóscopo: este seria um diagnóstico preliminar dos "investimentos" (de conduta) momentaneamente mais adequados ao "status" (signo) do investidor. Outro princípio dessa relação do intérprete astrológico - agente de uma "culturalização do céu", nos termos de Abramo - com o leitorado de massa seria o caráter "prático" necessário ao aconselhamento: em vez, por exemplo, de elucubrações sobre a "dinâmica edipiana" da relação com o chefe, seria melhor (e mais condizente com a tradição astrológica) detectar os momentos bons ou funestos para pedir aumento salarial. Mas como se dá o trabalho do autor de horóscopos diários? Entre as pistas que dá sobre sua rotina pessoal, Abramo afirma escrever sempre na hora do dia regida por Mercúrio - além deste, outros seis astros (Saturno, Júpiter, Marte, Sol, Vênus e Lua) repartiriam o domínio sobre os dias e semanas. Mercúrio, regente (e, pois, comandante da primeira hora) da quarta-feira - "mercredi" em francês, "mercoledi" em italiano -, eqüivalia na mitologia romana ao Hermes grego, deus das "comunicações" entre céu, terra e as regiões infernais, o que poria sob essa influência astral não apenas sua própria profissão mas também a de jornalistas e oradores. A astróloga também diz que os planetas de trânsito mais rápido - Mercúrio, Vênus e Marte- são os mais úteis à identificação do "quadro do clima do dia". Para tal trabalho, que faz na biblioteca de sua casa, Barbara utiliza o computador mas não revela o programa adotado. Embora reconheça as facilidades trazidas pela
informática, não acha que elas tomem a astrologia uma técnica acessível a todos: "Fico um pouco chocada com pessoas que dizem que sabem astrologia porque aprenderam a pilotar um software. Você precisa conhecer a filosofia que está por trás de cada cálculo, inclusive para tomar um partido teórico que irá embasar seu trabalho interpretativo". A astróloga diz levar até três horas por dia elaborar uma coluna - que pode ter razoável antecedência, às vezes de alguns dias. De novo, o cálculo cede aqui es paço ao discurso: boa parte do tempo gasto não é com a observação e interpretação do céu, mas com o "trabalho de usar uma linguagem que inclua o maior número de possibilidades sem ficar vaga demais nem bitolada a ponto de apenas, digamos, só fazer sentido para as pessoas de um determinado signo que nasceram perto das 6 horas da manhã". Abramo comenta ainda que, a depender das "centenas" de reações de leitores por email, é de 60% o nível de acerto de suas previsões, número que se elevaria para 90% no caso das consultas individuais. Estas, aliás, teriam sido até melhoradas por sua experiência na mídia, à medida que permeadas por uma linguagem não só mais acessível, mas também mais imagética. É o caso do símbolo do "leão no deserto" que Abramo diz ter utilizado muito em suas análises no mês passado - período que se marcaria pelo entrada do Sol em Câncer, levando Leão a um estágio mais reflexivo. A cientista social formada pela USP tem no seu próprio trajeto um exemplo do que hoje reivindica dos demais astrólogos: mais "articulação intelectual" com outros saberes e menos mistificações de tipo esotérico ou psicologizante. Embora admita que a astrologia não é "científica" no sentido pós-iluminista do termo, Abramo vê uma legitimidade epistemológica própria - calcada em um corpus c oerente de conceitos e métodos- para o oficio de "culturalizar" céu, isto é, de projetar nele a capacidade humana de tecer e de se apoiar em teias de sentido. Abramo crê que a falta de boas faculdades ou cursos de especialização, em especial no Brasil, reflete e reforça, por culpa dos próprios astrólogos - que estariam envolvidos demais em "panelas" corporativas -, a falta de "seriedade" que pesa sobre- a disciplina, que assim é relegada a curiosidades do tipo: "Será que Leã o se dá bem com Gêmeos?". A astróloga, formada pela escola Júpiter, em São Paulo, diz se identificar com a linha dita "neotradicional", baseada na releitura de tratados antigos - entre eles, o compêndio árabe "Picatrix" - e que tem no historiador e latinista Robert Zoller um dos seus principais expoentes. Cita também como paradigmático o núcleo de pesquisa francês Cura (Centre Universitaire de Recherche en Astrologie), que em seu site - www.cura.free.fr - divulga farto material de discussões históricas e filosóficas sobre o tema.
A visão de um astrônomo ________________________________
free-lance para a Folha Para o astrônomo Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, a astrologia foi central à evolução científica, ao aguçar e prover de novos métodos uma prática onipresente na efabulação mítica dos povos arcaicos, o estudo do céu, apesar de ser equivocada ao supor uma "influência" moral dos astros sobre o destino humano. Um legado concreto da astrologia teriam sido as "efemérides" - tabelas adotadas; por árabes e judeus na previsão dos movimentos celestes (com até quatro anos de antecedência)-, úteis às grandes expedições marítimas dos séculos 15 e 16.
Mas o pesquisador titular do Museu de Astronomia e Ciências Afins é incisivo ao recusar à astrologia legitimidade como via de descrever as constelações zodiacais e de inferir - inclusive pelo empréstimo de conceitos com lastro científico, tomados à astronomia- efeitos terrenos dos perfis astrais. O interesse atual pela astrologia denotaria, segundo ele, unia "válvula de escape" contra as pressões da vida moderna. (ccs)
CARACTERÍSTICAS DOS SIGNOS ________________________________
ÁRIES: Início do ciclo zodiacal liga-se à imagem da "criança divina", em seu frescor, integridade e espontaneidade incólumes ao desgaste. Seu ~o de agir independe de aprovação externa TOURO: Representado por uni animal ligado à aragem e fertilização da terra, é o signo do trabalho que materializa as formas ideais. Seu poder de concretizar metas se alia ao respeito pela vida real. GÊMEOS: Como seu regente Mercúrio -- que tem asas nos pés -, é o signo dos atributos "juvenis da inquietude, curiosidade e versatilidade. Atraído pela informação imediata, é o "repórter do zodíaco" CÂNCER: Receptivo e nutridor, liga-se às imagens maternas do ventre e do útero. Signo de sensibilidade facilmente impressionável, é instável como a Lua, astro que o rege LEÃO: Regido pelo Sol, símbolo da força criativa, e dominado pelo elemento fogo, é o signo da vitalidade que prefere o combate à contemplação VIRGEM: Sua afinidade com a botânica ou zoologia vem do impulso de dissecar e classificar como meio para o auto- aprimoramento. É o signo do desejo de aprendizagem. LIBRA: A primavera que o signo inicia no hemisfério sul representa, no nível simbólico, a abertura à sociabilidade, a arte de pesar na "balança" (que o representa) as a~ do convívio interpessoal ESCORPIÃO: Regido por Marte, planeta de acentuado caráter bélico, é um signo fortemente atraído pelos vetores "mundanos" do sexo, do poder e do dinheiro. Perspicaz, sua determinação é proporcional ao ciúme e ao rancor pelos objetos cobiçados SAGITÁRIO: Figurado pelo centauro Quíron - médico impotente para curar a própria ferida -, é o signo da justiça, da sociabilidade, da flecha que irradia benevolência. Esportista não por ambição, mas pelo ensejo de praticar a ética CAPRICÓRNIO: Seu símbolo, a cabra-peixe, exprime a tensão entre o "senso da terra" e a tentação escapista, entre o limite - dado na imagem dos anéis de Saturno, planeta regente e sua dissolução. Signo dos deveres, tem o sangue-frio dos líderes e estrategistas AQUÁRIO: Alegorizado pelo titã Prometeu - intrépido doador do fogo roubado de Zeus aos homens, é o signo da ousadia, da visão pragmática de faturo, do planejamento racional Pouco afeito a "ídolos de pés de barro" e a expansões emotivas PEIXES: Signo do devaneio, da compaixão universal, que pode ser conversível num "complexo de Atlas", que o faz carregar o mundo nas coam Faz seu o dito de Cristo (aliás representado como peixe até hoje, nas vestes de padres) "O meu reino não é deste mundo?