Eduardo Jorge de Oliveira
Signo, Objeto e Mito no “O Retrato de Dorian Gray” de Oscar Wilde Signs, Object and Myth in “A Portrait of Dorian Gray”, by Oscar Wilde Eduardo Jorge de Oliveira1
Resumo A arte produz signos e significados. Nesse ínterim, a literatura os perpetua, principalmente nas obras consideradas primas. O Retrato de Dorian Gray, obra de Oscar Wilde, envolve a mitologia quando, no subtexto, Oscar Wilde subverte o mito de Narciso com o personagem Dorian Gray e o que seria uma crise de representação que o homem sente ao buscar a beleza e a jovialidade. Portanto, como metodologia foi utilizado o estudo de análise bibliográfica, onde foi feita um a primeira leitura para obter uma visão geral e na segunda leitura foram utilizados os textos do mito de Narciso, de Carl Gustav Jung e Lúcia Santaella. Palavras-chave: Literatura; Oscar Wilde; Inconsciente; Semiótica; Mitologia.
Abstract Art produces signs and meanings. However, literature eternalize them, even more on those works considered masterpieces. Dorian Grey´s Portrait, Oscar Wilde´s masterpiece, envolves mythology when, in the subtext, Oscar Wilde suverts Narcise´s myth with the character Dorian Gray and what was suposed to be a representation´s crisis about what men feel about reaching his beauty and youth therefore, as a choosen methodogy, a bibliografy analysis had to be done. A first reading was done to obtain a generaly vision and, in a second reading, some articles about Narcise´s myth, by Carl Gustav Jung and Lúcia Santaella were utiliz ed. Keywords: Literature; Oscar Wilde; Unconcious; Semioptic; Mythology.
1 Apresentação
Nas mais diversas formas de emancipação da arte há a produção de signos, significantes e significados. Charles Pierce, considerado o pai do estudo dos signos, da Semiótica, já havia afirmado que não existe um signo puro. A semiose, essa dinâmica do signo, é objeto referente de estudo da semiótica.
No único romance do escritor irlandês Oscar Wilde (fixado depois em Londres), O Retrato de Dorian Gray (trad. Clarice Lispector) não é só um livro de idéias como dizem alguns, mas existe todo um rico simbolismo no eterno desejo do Homem de ser jovem e eternamente belo. Tudo isso, incendiado pela vaidade. 2 Signo, Objeto e Mito no O Retrato de Dorian Gray de Oscar Wilde
Na linguagem literária existe hegemonia do imaginário do leitor. A partir desse imaginário, consideramos a obra literária icônica, principalmente Sim, Basil, esse menino é um Narciso. porque ela pode ser observada por todos os aspectos Lord Henry da tricotomia pierceana (ícone, índice e símbolo). Ícone por possibilitar diversas interpretações, de O signo, o objeto e o Mito de Narciso acordo com cada leitor; índice por fornecer elementos que possibilitem ao leitor fazer um caminho ou criar Qualquer objeto, som ou palavra capaz de conexões de idéias e símbolo por criar um referente à representar uma outra coisa é signo. Essa novas significações. 1
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Rev. Humanidades, Fortaleza, v. 17, n. 2, p. 130-132, ago./dez. 2002
Signo, Objeto e Mito no “O Retrato de Dorian Gray” de Oscar Wilde
representação pode ser feita através da palavra, foto ou uma pintura. Oscar Wilde (1854 – 1900) no prefácio do livro diz: “Toda arte é ao mesmo tempo aparência e símbolo”.
Esse culto a imagem fez com que as personagens pronunciassem que a aparência é tudo e que os homens tanto racionais quanto os instintivos possuem esse desejo do belo. Mas a sociedade da Wilde, no seu único romance O Retrato de época gira em torno da aparência. Dorian Gray havia proferido a uma de suas namoradas que era mau. “Os Dorian Gray, parte de uma experiência pessoal (sendo maus são velhos e feios”, respondeu ela. Sem querer representado pelo Lord Henry) para uma obra plural com vários significados. O principal fator analisado anali sado é fugir de meu objeto de estudo, é de relevância a a mudança de sentidos. Signo e Objeto invertem os importância da obra na sociedade atual não tão isenta papéis. A pintura do jovem Dorian deixa de ser sua desses valores, por isso O Retrato de Dorian Gray representação para possuir suas características, traz à tona, a atemporalidade. Muitas campanhas enquanto Dorian Gray, jovial e belo, passa ele mesmo publicitárias se utilizam desse eterno desejo de a ser sua própria representação. O signo passa a ser jovialidade, desses desejos de “Basis” e “Harrys” da sociedade contemporânea. objeto e o objeto passa a ser signo. Basil Hallward era o pintor que trabalhava no retrato de Dorian Gray, um jovem de beleza única. “s ua imagem jovial transmitia alegria pureza e bondade...seu rosto transmitia uma total ausência de sofrimentos”. É importante ressaltar que o retrato de
Dorian Gray era em tamanho natural, a sua mais perfeita representação. O culto à própria beleza de Dorian e a admiração alheia por ela também nos permite fazer uma comparação com o mito de Narciso que será explanado no decorrer do texto. A velhice não só destrói e degrada a beleza física como afirmou Basil, mas simboliza a morte. Lord Henry duvida que os velhos ainda sejam capazes de sentir alguma emoção. Dorian não é eleito fruto de todo esse desejo à toa. Ele é o símbolo desse objeto de veneração dos dois personagens. Ele representa o conceito de jovialidade e beleza na forma mais tangível, pois ambos conceitos são abstratos e, é aí que Wilde atinge os pontos mais fracos da humanidade: juventude e beleza eterna. Para compreender melhor esse desejo, vejamos um comentário sobre os arquétipos de cada personagem. Brasil, o pintor era passivo e submisso a todos os encantos de Dorian, mesmo assim, amava sua beleza de uma forma racional. Lord Henry representa mais o lado do desejo, do impulso, da libertinagem e da inconseqüência. Ele sucumbia Dorian para o lado mais instintivo e ele cedeu pois era muito vaidoso. Ele adorava a sua imagem. Ele era a sua imagem. Ao contrário de Narciso que via sua imagem fora de si, Dorian era a sua própria representação desde o dia em que desejou que a pintura envelhecesse por ele e que ele ficasse sempre igual a sua imagem ali representada (a imagem dele estava nele próprio, por isso ele se admirava). Nesse caso, Dorian era uma Narciso “às avessas”. Rev. Humanidades, Fortaleza, v. 17, n. 2, p. 130-132, ago./dez. 2002
Anteriormente, Dorian teve uma namorada chamada Sybil Vane. Uma pequena e pobre atriz. Dorian desencantou-se quando ela não representou bem o seu papel. Apaixonada por ele, Sybil Vane pratica o suicídio. O quadro de Dorian ganha as marcas do primeiro crime. Voltando para o mito de Narciso. A ninfa Eco apaixonou-se por ele. Ele também ficou encantado, mas logo o encanto se desfaz e ele a despreza. Eco, muito triste, resolve esconder-se nas cavernas onde fica até o desfalecimento do corpo, restando apenas a voz. O que é muito parecido com o que ocorreu com Dorian e Sybil Vane. O Quadro e o Inconsciente “Geralmente, o aspecto inconsciente de um acontecimento Nos é revelado através dos sonhos, onde se manifesta Não como um pensamento racional, mas como uma imagem simbólica”
C.G. Jung O retrato não expunha só as marcas cronológicas deixadas pelo tempo. O quadro passa a mostrar o seu íntimo, seu inconsciente. O marco disso é quando Dorian resolve esconder o quadro na inóspita biblioteca do seu falecido avô. Ali ninguém teria acesso. Só ele de vez em quando poderia ver o seu “inconsciente”, que seria o reflexo dos seus atos. “Esconderia uma coisa que trazia em si uma corrupção pior do que a decomposição da morte. Seus pecados seriam, para a imagem pintada na tela, o que o verme é para o cadáver”. Ele tenta se redimir de todas as coisas ruins que fizera, como deixar sua segunda namorada temendo que ela fizesse a mesma coisa que Sybil Vane o fez mas, o quadro ganhou uma aparência mais apavorante, mais maligna. Ele havia poupado a camponesinha por pura vaidade. Estava tudo no seu insconsciente. Era, 13 1
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portanto, “o espelho da sua alma”. Dorian Do rian assume uma vida dupla, a da beleza e jovialidade que transmitia um ar de inocência e os caprichos de uma vida libertina libert ina estigmatizada pelos traços da pintura.
assumir seu valor de representação, ele quebra um espelho dado pelo Lord Herry. A causa de tudo teria sido a beleza. Contudo, Dorian ao deixar de ser signo, torna-se um cadáver velho e indescritível assumindo O assassinato de Basil merece uma atenção todos os estigmas do tempo e do inconsciente deixado especial. O criador da obra perdera sua autoria. Dorian no quadro, enquanto a pintura representa ele quando agora era o responsável pelo quadro. O seu era jovem e belo. Uma das hipóteses, é que não houve inconsciente e suas ações determinavam determinava m os seus traços um alívio para a consciência de Dorian Gray porque ele não havia sido punido ou sofrido algum castigo, e mudava o seu semblante na pintura. Antes de morrer, Basil não reconhece a pintura, somente depois de ver isso no plano do inconsciente, e, afetando a razão. Ele sua assinatura é que cai em súplica. O artista não tinha não queria ser punido, a única prova de seus atos era o noção do que tinha criado. O iinconsciente nconsciente de Basil na quadro, que era ele mesmo. Quando destruiu o quadro, produção também está presente, é isso que Oscar Wide ele se destruiu. nos passa. Isso, é difícil de se admitir racionalmente. Resultados A consciência, segundo Jung, resiste às manifestações do inconsciente (Jung, 1964:31) Analisar o livro O Retrato de Dorian Gray No último encontro de Dorian Gray com o possibilitou a compreensão da percepção do signo quadro haviam novas expressões na tela. Nos olhos, dentro da literatura, uma análise de signo e objeto, e, foram expressões de astúcia e malícia e “na boca: um a relação homem e mito. Como Dorian é um Narciso trejeito hipócrita”. Isso o perturbou, pois com uma imagem-em-si, um Narciso “às avessas”. insconscientemente não estava se redimindo. O quadro Houve, portanto, uma inversão entre representação e dizia isso. Então, Dorian tenta destruí-lo. Ele era a representado. única prova do seu lado sórdido. É o momento em Na segunda parte, pudemos relacionar O R.D.G que se trava uma luta entre a consciência e o insconsciente. Assim, o lado perverso no seu com o inconsciente e símbolo segundo as idéias de insconsciente não iria mais perturbar a consciência, a Carl G. Jung (196: 20). Este artigo foi necessário, para sua razão. Ele atravessou o quadro com a mesma faca a conclusão da Disciplina de Semiótica, ministrada pela professora Gabriela Reinaldo. que matou Basil. Wilde, no desfecho do livro descreve o momento após Dorian ter tentado destruir o quadro, que representava o seu inconsciente: Referências “Ao entrarem na sala (os empregados), viram na parede o magnífico retrato do amo – como havia sido: no esplendor de sua esplêndida mocidade e beleza.
BULFINCH, Thomas. O livro de ouro da mitologia. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999.
No chão, estava o que restava de um homem. Vestido em traje de rigor, com uma faca cravada no peito. Ele estava lívido. Enrugado. Repugnante.
FERRAZ, Maria N. S. et al. Comunicação verbal e . Rio de Janeiro: Senac Nacional, 1997. não-verbal
Só pelos anéis os criados conseguiram identificá-lo.” (WILDE, 1995: 127)
JUNG, Carl G. O Homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964. cap. 1.
Para Jung, uma palavra ou imagem é simbólica quando tem um significado além do seu sentido imediato (JUNG, 1964:20). Neste momento, o quadro que tinha ido além de seu valor representativo, volta a ter apenas o valor imediato, perdendo todo o seu simbolismo (isso, sem deixar de ser representativo).
SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1990. (Coleção Primeiros Passos).
Dentro de uma perspectiva semiótica, o signo e o objeto voltam a ser o que eram. Signo volta a ser a representação e objeto o representado. Antes do quadro
Data de Revisão: 03/02/2002 Data de Entrega: 02/01/2002 Data do Aceite: 05/04/2002
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WILDE, Oscar. O retrato de Dorian Gray. Tradução de Clarisse Lispector. Rio de Janeiro: Ediouro, 1995.
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