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SABERES MUSICAlS BATERIA
EM
DE ESCOLA DE SAMBA OU APREN
QU SAMBA NO
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PO
UE
COLEGI
Luciana Prass
Mera r e p e t i ~ a o de materiais musicais? Estetic primitiva? Cacofonia? Batucada? Essas eram algumas algumas das expressoes expressoes de sensa comum que eu ouvia ecoar ec oar antes que iniciasse minha experiencia etnografica na bateria da Esco1a de Samba Bambas da Orgial uma das escolas tradicionais de Porto Alegre, com quase sessenta anos de e x i s H ~ n c i a . Para mim, que s6 conhecia as escolas samba atraves dos desfiles do centro do pals, filtrad s pelas lentes e microfo nes das emissoras televisao, conviver intensamente com os Bambas da Orgia, Iongo Iong o de qua quase se dois a nos trabalho de campo, foi uma experien cia transformadora. Nesse encontro com os bambas pude reinterpretar a ideia de sensa comum de que 'percussao s6 ba er". Na realidade, para chegar a ser ritmista de uma escola de samba, eciso um envolvimento muito grande com o aprendizado da percussao, um aprendizado que nao se restringe aquisi<;ao de habilidades tecnicas, mas que engloba um amplo processo de socializa<;ao na cultura do carnaval, na t r a d i ~ a o na identidade cora<;ao, um percurso gradativo de "afina sonora da bateri bateriaa da sua escola c;ao de corpos e de sincronicidade coletiva. '"
Em Pauta Porto Alegre v. 14/15 novembro/98-abnl/99
mmha di spresente artigo oferecer um relato-sintese 0 objetivo dezembro de 1998 no Programa serta<;ao mestrado defendida P6 Gradua<;ao Musica UFRGS, so ori nta<;ao Or Maria Elizabeth ensino Lucas. A proposta pesquisa foi desvelar a pedagogia nativa aprendizagem musical na bateria, escola samba "pise permite a avenida levando samba-enredo "redondinho", /' sem atravessar coroa or sorrisos escondem o esfor<;o ffsico sangue na mao ritmista pontua as noites sem dormir mesmo tempo, a emo<;ao catartica apice ritual carnaval, razao pela qual a palavra avenida" na fala atores, sempre carregada olhares, sornsos e suspires ue sugerem me um ritual m6rias outros carnavais. Pisar a avenida gratifica um ciclo anual esfor<;o e trabalho intensos. Para aproximar-me das concep<;6es na vas do atores sociais acerca seus processos ensino aprendizagem musica realizei um estudo tecnicas especificas etnografico metodo utiliza um conjun conhecer intuito significados da a<;oes constituem e sa constitu da a part1r grupo cultura roco. Segundo antropologo Clmor Geertz o convfvio prolongado grupo se conheetdo participand ativamente mesmo compartilhando seus modos culturais vida undamental
para auxiliar-nos para auxiliar-n os a ganh ganhar ar ace acess sso o a mund os nossos sujeitos forma a ermos amplo conversar eles (GEER 1978
nceptual sentido
qua l vivem qual tanto mais ma is
35 ).
escola samba mais antiga Orgia e A Bambas Porto Alegre fundada ern 1940 Seus freqOentadores su maioria afro-brasileiros fa parte um segmento class medi assalariada variantes para segmentos mais modestos tambem decla se media-alta Cerca de d01s mil aproxi quinhentos bambas desfilam pela escola o carnaval. A bateria madamente duzentos e cinqOenta ritmistas desfila no carnaval resul tado todo trabalho realizado Iongo om varios subgrupos: a bateria-show segunda-bateria e a bateria-mirim, da quais tratarei tratarei a seguir
Foto: Leandra A1ylius A1ylius
Para compreender o ensino e a aprendizagem na bateria a presente pesquisa foi desenvolvida especialmente na quadra da escola, locus privilegtasociabilidade carnavalesca, Iongo trabalho quinze meses campo, a partir algumas questoes: Como os atores sociais aprendem percussao? Como se caracleriza o processo seletocar os instrumentos <;ao para integrar a bateria? Como e construfda a rela<;ao trabalho entre os ritmistas mestre da bateria? Qual o perfil requerido pelo grupo para ser mestre de bateria? Como sessoes ensaio organizadas? procediensino e a aprendizagem musical mentos permitem efetive? Movida po estas questoes pesquisa procure1 compreender os procesensino e aprendizagem compartilhados pelos bambas, atraves do se quais qua is este est e gru grupo po cultural se organiza organ iza para p ara transmiti transmitir, r, transformar e ressignificar ressignificar suas cren<;as e seus valores associados fazer musical. Para nominar estes processes, utilizei a expressao "etnopedagogia", ,. partir do referencial Etnometodologia, Etnometodo logia, descrit po Al Alai ain n Coulon. Coulo n. Para Coulon, Coulon , a Etnometodologia e o estudo da atividades cotidianas, das solu<;oes os atores constr6em para resolver seus problemas todos os dias (COULON, 1995, p. 30). A objeto'' Etnornetodologia substitui a hip6tese sociol6gica da "constancia captar as institui(estabilidade reificada) pela "processo", no senlido cons nstr tru< u<;oe ;oess rnutantes, cons c onstan tantem temcnt cntee reiventadas. ~ o e s enquanto co
Para aproximar-me etnopedagogia do bambas passei uma serie aprendizados introdut6rios, desde i n s e r ~ a o no cenario pesquisa, conquista o funcionamento es c o n f i a n ~ a os atores, f a m i l i a r i z a ~ a o samba e com a importancia cola seus simbolos na c o n s t r u ~ a o iden tidade grupo. Neste sentido, desde de sde o primeiro contato com a escola algu me mas questoes referentes esta identidade passaram a fazer parte cotidiano e foram fundamentais para a apreensao do metodos nativos Futuro, hoje transformada ensino musical: o trabalho al Bambas escola mirim; im; o compartilhar socializante socializa nte de diferentes faixas etarias samba mir { c r i a n ~ a s , adolescentes, adultos e idosos) quase todos momentos vida escola samba; as cores azu azull e branco cor cores es lemanja, apontando para r e l a ~ a o entr e o carnaval carnaval batuque, religiao afro-sul-brasileira compartilhada por grande parte dos bambistas; redes sociais articu lam diferentes maneiras o pertencimento escola como as r e l a ~ o e s parentesco e v i z i n h a n ~ a , o futebol, o som alto, o pagode, o funk, a d a n ~ a , festa. Assim, sfmbolo maior do Bambas da Orgia, uma aguia, incorporada Rio po influencia da escola samba Portela Janeiro, e fundamental identidade bambista. Segundo Marco Aurelio, integrante da bateria do bambas ha dezoito anos, esse bicho .. pra quem bamba .. tu tem que olhar pra ele pra depois tu conseguir desfilar. .. Pra quem torcedor dos Bambas, se el olha aguia ele sabe se a escola vern bem, ele olha a aguia, ele sabe se esco/a vem ma (Marco Aurelio, c o m u n i c a ~ a o pessoal em 27/11/97).
Corroborando com esta e x p l i c a ~ a o emica, Roberto Da Mat Matta ta nos ensin processo ritual nas sociedades complexas precisa criar sfmbolos para referenda para todo um sistema. servirem Nao deve ser, acaso, que quase todos esses sfmbolos sao objetos que, nos seus domfnios de origem estao associados ao alto, as coisas estre/as e/as,, a lua, l ua, o sol. elevadas: a aguia, a cru no cume da montanha, as estr Ou entao a animais ou objetos poderosos, como o leao, o grifo espada. .. ) Nossa Nossa metafora de porfe po rfe e, entao, feita na l i g a ~ a o do alto como baixo, como sea e l e v a ~ a o ou o uso do objeto do alto no contexto social pudesse provocar a uniao de todos e, conseqiientemente, o fim das diferem;as entre os diversos domfnios qu compoem nossa experiencia experie ncia socia (DAMAn A, 1990, p. 81-82).
a enfase na aguia e na cores azul e branco, campo, representasse a rivalidade om percorreu todo o trabalho maior escola Porto Alegre, a lmperadores Samba - "os vermelhos" especialmente mementos as duas escolas defrontavam-se em a p r e s e n t a ~ o e s fora suas quadras. Para Oliven, as identidades sociais, pen sadas enquanto propriedades diferenciais de grupos sociais espedficos, sao construfdas nas viven vivencias cias cotidianas {OLIVEN, 1992, p. 26). Sendo assim, as r e f o r ~ a d a s atraves identidades confronto a alteridade. preciso saber quem e outro, para saber quem somos n6s. Para compreender t r a d i ~ a o musical da percussao na escola samba, tentei compartilhar desta ident idade e po isso, seguindo os pressupostos metodo etnografico, passado o desfile comecei a participar os ensaios como membro da bateria. me envolvimento objetivo principal entrar na bateria aprender um instrumento percussao ra expandir minha propria visao sobre o fazer musical, vistas a obter uma perspec tiva diferenciada e, or isso, complementar a outros trabalhos analtse te1ta bastcamente atraves o b s e r v a ~ a o externa. Desta forma pude estar mais proxima do atores, compartilhando rotina ensaios e festas, depoimentos mais momentos privilegiados aprendizagem. Co isso, ricos para a pesquisa foram colhidos informalmente nas s i t u a ~ o e s 1/enani saio'', "pre-ensaio'' e ''p6s-ensaio" na quadra da escola, na parada outros locais a bateria do bambas se fazia presen bu ou ainda Na
acaso entao
te
0 trabalho tocar na bateria no campo culminou om a experiencia me permit1u compartilhar da emo desfile oficial, fevereiro de 98, o ~ a o pisar a avenida, bern como do e s f o r ~ o s dramaticos resistencia samba como um todo nas ultimas flsi fl sica ca e psicolog psicologica ica vividos pela escola es cola semanas de preparatives para a f i n a l i z a ~ a o ciclo ritual. Na d i s s e r t a ~ a o busquei transmitir leitor este Iongo caminho que per corri para pudesse interpretar os saberes musicais da bateria. Assim, no primeiro capit ulo procurei situar o cenario amplo onde a pesquisa se desen volveu (a escola samba), contar sua historia e delinear a identidade grupo a partir das fa las dos proprios barnbas, bern como apresenta r a dinami do tempo sociabilidade carnavalesca. No capitulo seguinte, chamei ua estrutu a t e n ~ a o para a o r g a n i z a ~ a o da escola samba ern termos ra, situando a harmonia e bateria, setores responsaveis pela musica da escola, finalizando com uma discussao a respeito identidade sonora bateria dos bambas. No capi tul tulo o 3, descrevi as diferentes diferentes f o r m a ~ o e s bate ria Iongo ciclo carnavalesco, apontando para os movimentos circu-
layao dos carnavalescos entre as varias escolas samba de Porto Alegre, responsaveis pela i n t e r - c o m u n i c a ~ a o de repertories, batidas, arranjos, ele mentos saber e 5, tratei as inter mundo do samba. Nos capftulos relac;oes entre festa ensaio como mementos privilegrados ensino e aprendizagem mus musica icall na bate bateria, ria, procura ndo desvendar quais processos comp6em a etnopedagogia dos Sambas da Orgia.
Segura o samba, explode
arquibancada
Sendo a ala da bateria considerada o Corac;ao" escola samba, o trabalho om os ritmistas uma das atividades priorizadas neste cenario. Entr En tree os bambas, a qualida qua lida de da performance p erformance da bateria duran te o desfile carnaval e resultado processes especfficos ensino e aprendizagem realizados tres subgrupos subgrupos:: a bateria-show, a segunda-bateria e a bateria mirim, cada urn deles experrencias musicais distintas. distintas. A bateria-show e um d os setores do chamado grupo-show. Atualmente, o carnaval e as escolas samba transcenderam limites propno ritual, ucarnaval-es val-espetac petaculo" ulo" um produto consumid o duran te todo sendo hoje o ucarna pela comunidade carnavalesca e pelos demais setores da sociedade. Assi As sim, m, as grandes escolas esc olas samba, possuem o chamado grupo-show, funciona funcio na dura nte todo o responsavef pe as a p r e s e n t a ~ 6 e s ativida a sua escola convid a participar. omposto por es e eventos uma afa baianas, urn casal mestre-sala e porta-bandeira, ala pan deiros, passistas, harmonia e bateria, chamada entao bateria-show mini-bateria. mini-bateri a. A bateria-show dos bamb as contava co vinte e oito inte grantes (duas mulheres e o restante homens) faixa etaria entre anos, distribufdos em naipes cufcas, ganzas, tamborins, repiniques, cai xas e surdos, c o m e ~ o u a ensaiar abril e estreou em junho 97, interpre qu e inclufa exemplos de sambas, pagodes, musica baiana, tando um repert6rio que escolas Janeiro, alem vinhetas sambas-enredo dos Bambas Rio para percussad·. Em f u n ~ a o desta diversidade repert6rio, o s ritmistas ritmistas pre cisavam saber tocar, alem samba-enredo da escofa, uma variedade outros ritmos s e l e ~ a o iam do pagode chamada axe music. Assim, para participar da bateria-show e bastante rfgtda, baseada na competencia e fluidez na e x e c u ~ a o dos instrumentos. Por isso, a maioria dos integrantes bateria-show sao ritmistas dos Sambas da Orgia ha muitos anos. A segunda-bateria era formada por adultos e adolescentes estreantes ou -provenientes de baterias escolas samba escolas menores. Em fun da heterogeneidade de experienci experiencias as musicais dos participantes, o traba11
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com a segunda-bateria era mais complexo. Diferentemente da bateria show, os integrantes da segunda-bateria tinham dificuldades em "pegar as (rases" , princi principal pal ment mente, e, problemas de deixar de ixar Nmorrer o andamento", ou de atra"·essar samba'', muitas vezes relacionados a falta de resistencia flsica que, diferentemente de outras outras habilidades, exige ma mais is tempo de d e pratica pa para ra ser adquirida. Ja a bateria-mirim era formada por c r i a n ~ a s de at treze anos. Seus en saios enfatizavam o tocar junto da celulas caracter fsticas de cada naipe, desenvolvendo assim a p u l s a ~ a o coletiva, a resistenc.ia ffsica e as habilida de motoras, bern como uma escuta todo. A bateria-mirim que, em feve chegou ou a cinqi.. cinqi..ient ient c r i a n ~ a s (dentre elas duas meninas), desfilou com ~ e i r o , cheg Escola 1irim Bam Bambas bas Futuro, abrindo o desfile da escolas do Grupo de Acesso e tambem do Grupo lh
Oralidade e aprendizado
Bateria-mirim
Atraves da o b s e r v a ~ a o destes difer diferentes entes tipos de ensaio, aliada as vivencias partilhadas nas atividades promovidas promovid as pela esc escola ola e ainda as inumeras con \lersas que tive ti ve com algun alguns s bamba bambas, s, pude perceber que as primeiras vivencias mundo da musica e do samba neste contexte ocorrem geralmente no interior das casas, entre parentes e vizinhos. A p a 1 t i c i p a ~ a o na festas da
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escola tambem come<;a muito cedo. Diferentemente
geral ocorre
nos cenarios institucionais ensino musica, na escola samba, seja nas festas, churrascos ensaios, sempre convivem diferentes faixas etarias, desde bebes colo ate pess oas idosas ganzas, comentou em um ensa io a respei naipe Neuza, integrante to de eu filho estava participando segunda-bateria: uMe admirei como e/e e/ e apre aprendeu ndeu so sozi zinh nho/ o/1. 1. Para Neuza, seu filho mais velho apren se um verda eu sozinho t o c a r - que, em certo sent1do, na deixa ur caminho de Sua fala, porem, abre janelas para a compreensao aprendizagem compartilhado pela maioria do ritmistas da escolas sam ba: um aprendizagem ocorre quase indiretamente entre familiares e a partir deles. Neusa sempre foi de c a r n a v a r ~ , se marido toea na bateria, seus irmaos tambem tern ligac;ao co a musica e Cristian, o filho mais jo vem, estreou na bateria-mirim. Nao admirar outre filho tenha aprendido sozinho tocar .. cle varies outros Este depoimento, muito semelhante out ros ritm ritmista ista da esco la, talvez explique porque mestre Estevao, diretor bateria os Bambas Orgia, sempre repetia ele nao estava ali para ensinar. Quem ensina e vivencia sodalizadora na quadra, desde infancia, interagindo musica e dan<;a, c o m o mundo carnaval. 0 pessoat quando chega na samba bateria ainda usava frafdas e vinha sabe tocar porque viu e ouviu colo da mae, porque o pai tocava na bateria. para a escola danc;ava. simplesmente compartilhava da vida carnavalesca, circulando entre as varias escolas samba. primeiro ensaio esperava alguem me explicas Quando participei verbalmente o fazer, como fazer, de que maneira segurar o tamborim e baqueta, de que forma precisava bater para obter determinado resul tado sonora era exigido pelo mestre. Em va busquei e x p l i c a ~ o e s indivi dualizadas. colegas naipe e s f o r ~ a v a r n - s e responder minhas per guntas, mas as respostas ia recebendo muitas vezes diferiam radical mente. Desses desvaos fui compreendendo certa maneira, cada urn, inventa a tecnica seu proprio aprendizado na medida vai tentan alternativas ate encontrar uma que funcione, e entao passa a adota-la, usando-a tambem quando ensina a quem nao sabe. Mestre Estevao cantava, dizia, mostrava o queria fosse feito po cada naipe cada arranjo, na ensinava. mas afirmava isso que que,, para muitos a tares, fazer musica mus ica ad quir um sentido especi escola. Susana, quando conversamos o seu al dentro da quadra cufca, ela con sidera estar rec recern ern "no be-a-ba", dizia aprendizado 11
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"s6 tiro a musica dentro da escola". Essa fala aponta para uma aprendizabasicamente coletiva. ge na quadra escola, porque nela estao outro, outros ritmistas, e e nas trocas, observa\ao aprende. A escola samba, enquanto cenario coletivo, exige um forte envolvimento aprendente, ja ql:Je raramente le vai ter momentos de aten\aO exclusiva para resolu\ao dificuldades especfficas. A aten\ao ritmista e, portan to, redobrada, porque suas batidas refletem na execu\ao coletiva. Erros e realiza\5es coletivas. Dessa forma tambem a tarefa acertos ensinar tarefa coletiva: quem sabe ensina para quem sabe, ainda se esteja nlvel um mestre, ja o objetivo ensaiadorou saber ultimo fazer musical bateria "/evar escola bonita.//, "segurar ritmistas samba", /lfazer explodir arquibancada". Para isso na basta saibam tocar individualmente. 0 saber individual s6 faz sentido associado grupo. saber Assim, durante os ensaios havia somente ensino parte mestre c1prendizagem pdos ritmistas Havia t ~ m b e m e x p ~ r i e n c i a do ensaiadores o mestre como conduzir o ensaio, como reger, como aprendiam lidar a disciplina. De outre lado havia o ensin po parte integrantes bateria-show, alguns deles coordenadores naipes que, mane ira, mestre, e, or su vez, aprendia as ensinavam os mais inexperientes. 0 mestr npr6prias dificuldades dificuldades dos aprendizes, transfonnand arranjos jeito acordo com estas dificuldades. sinar sentido especial parNa quadra aprendizado da percussao adquire a musica e o centro ritual carnavalesco. Sem musica nao ha carnaval, ao ha festa, na ha dan\a, nao ha alegria coletiva. 10 Por isso, ha musi todos os mementos da vida da escola, seja no ensaios na quadra montagem enfeites mesas para um almO\O. almO\O. E a bat eri eriaa e o locus amalgamar as pessoas. privilegiado desse fazer musical capaz Estas observa\5es me levaram a pensar aprendizagem na escola samba, externamente
processo coletivo
vivencia musical carnaval e os carnavalescos
dimensao social e ritual inseparavel um capital social, etnico e cultural, e interna enquanto possuidores saberes mente enfatiza processe s indiv individuai iduai capta\ao acomoda\aO musicais, nos quais aprendente esta envolvido em construir, porque um saber faz sentido para o grupo. aprender Esta forma particular ensinar fui procurando comminha propria experiencia como aprendiz tamborim, preender a partir imita calcada na oralidade esteve especialmente marcada por processes sons e gestos corporais.
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muitas vezes ligada r e p e t i ~ a o , um dos recursos princi pais para o aprendizado, comportan comportando do tanto o process de mostra mostrarr por parte dos ensaiadores ou dos ritmistas mais experientes, quanto observar com aten<;ao sonora e cineticamente alguem qu e tide como modele. Segundo Marcel Mauss, antrop61ogo pioneiro em estudos sobre o corpo, i m i t a ~ a o ,
co mo o adu como adulto lto,, imi imita ta atos atos que qu e obtiveram obtiveram exito e qu ela viu serem ser em bem b em sucedid sucedidos os pessoas pesso as em que quem m confia e que q ue tem t em autorid autorida a de sab sabre re e/a (MAUSS, 1974, p. 215). c r i a n ~ ,
De outre lade, a ideia de relacionar aspectos da aprendizagem musical na bateria c:om a corporalidade dos ritmistas foi tomando forma lentamente. percebendo bendo,, no decorrer dos ensai ensaios, os, quanto as coreografias sao impor Fui perce tantes na memoriza<;ao dos arranjos, demarcando corporalmente as se<;oes de cada obra. relacionando a estrutura formal das musicas com linguagens corpora is especfficas. Na ausencia de uma partitura partitura para gwar g war a performace, cantar d a n ~ a r sao elementos fundamentais para a excelencia da performance. Ens Ensina inarr e aprender aprend er corporal mente e determinante determin ante para o apren dizado dizad o na escola de samba, nao que nao seja em outros cenarios. Segundo o educador Hugo Assmannn, toda morfogenese do conhecimento- sobrecudo na crianr-a, as tambem no adulto- se instaura como cognir
0 corpo que caminha tocando e tambem o principal responsavel pela manuten<;ao da pulsa<;ao coletiva. Ha assim, uma rela<;ao polirrftimica en tre a coordena<;ao dos pes para caminhar tocando, as batidas de cada naipe com suas exigencias tecnicas especfficas e os ritmos da melodia que can tada pelos rit ritmis mistas tas,, al alii ada a uma escuta escu ta dos do s demais naipes e do todo. to do. Todas as vezes em que pedi que alguem tocasse o tambbrim para me mostrar, o gesto de bater com a baqueta no instrumento vinha acompanhado de uma fazia o corpo corp o gingar gingar na pulsa<;ao do que qu e era era tocado. Mi Minha nha dan<;a de pes que fazia batida c o m e ~ o u a tomar forma somente quando incorporei essa coreografia de pes. pes. 0 corpo que toea d a n ~ a , e a expressao musical do grupo e tambem uma expressao corporal. Po outre ado, como observou Lufs Ferreira em sua pesquisa sobre os tambores de Candombe do Uruguai, a propria energia so nora do som da percussao incita o corpo movimentar-se (FERREIRA, 1997, p. 2).
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Batuque
ur
privilegio 11
A experiencia etnografica entre os bambas foi fundamen tal para desmistificar a ideia de que os conhecimentos qu poderia pode riam m se serr ensinados e aprendidos apre ndidos oral ment mente e restringir-se restringir-se ia "simples" i m i t a ~ a o de materia musicais. 0 aprendiz aprendizado ado dos ritm ritmista istas, s, constr construfdo ufdo de forma oral, de dese sennvolve saberes distintos (porem nao menos complexes) da queles quele s normal mente enfatiz enfatizados ados em cenarios institucionais, onde a escrit escrita a musical ocup ocupa a urn ur n Iugar de destaque destaque na trans trans missao, r e c e p ~ a o e performance perfor mance de musicas e arranjos Se convlvio social na quadra da escola e sem o tambo ri na ao u nao teria aprend apr endido ido sobre a semanti semantica ca ue organi organiza za os naipes naipes de instrumentos de perc percussa ussa qu permite qu os instrumentistas uconversem" "chamem m os breques", breques", Ncon Nconduz duzam" am" o fazer entre si, "chame mUSiC..al COietiVO. i £ m i s t a ~ r ~ r e C i S a i T I \..l.JnljJ; Lt:ndLr essa semantica para serem capazes de memorizar os arranjos de percussa percussao o e entao ent ao saber o qu e e qu mento ''bater". Por inicialmente desconhecer essa semantica da percussao 12 apesar de minha i o r m a ~ a o musical academi ca, passei ar dificuldades para ser aceita como integrante seleto grupo de ritmistas dos Bambas da Orgia ja que o saber musical deles. me saber musical era diferente De outro !ado, minha c o n d i ~ a o de mulher ingressando em uma bate ria composta c omposta quase qu exclusivamente ~ o r homens me propor cionou um leitura das r e l a ~ 6 e s de genera envoi vida no esfor\O da escola er perpetuar a t r a d i ~ a o saberr carnavales sabe carnavalesco. co. 0 ritm ritmista ista menino ou adulto, qu esta na bateria, alem de aprender os ritmos. esta construindo sua mascu linidade. Quando bate o instrumento frente aos demais esta tentando ser aceito nessa sociedade de homens fortes qu superam a or flsica e ac; pres soes psico psicol6gica l6gicas s para legit l egitimar imar su sua a condi<; condi<;ao ao de ritm1sta. Apesar haver a p a r t i c i p a ~ a o feminina na bateria, tradicionalmente na escola de samba as meninas d a n ~ a m , enquanto os meninos tocam. As meninas e mulheres qu partic1pam da bateria concentram-se concentram -se nos naipes considerados /eves, de certa forma prolongamento dos papeis hist6ricos g ~ n e r o : os homens, nos
maracanas, caixas
repiniques, ''seguram'', "sustentam'', "conduzen1" bateria; as mulheres, nos tamborins enos ganzas, vao tocando instrumentos
objetivo de atrair a !eves, co corpos gingad gingados. os.
a t e n ~ a o
do publico atraves da beleza dos
1
partir dessa vivencia pude ampliar minha visao sabre a E d u c a ~ a o Mu sical no sentido de perceber com maier clareza a ampla gama de questoes envolvidas nos processos educativos. Genera, oralidade, identidade e coleti vidade estao em jogo na etnopedagogia de musica da bateria. Por essa razao que a e d u c a ~ a o musical na escola de samba, assim como nas escolas de ensino fundamental e media e nas escolas de musica, s6 pode ser pensada enquanto ente complexo e plural, replete nuances significado.. A pos significado sibilidade de encontro com um fazer musical diferente daquele no qual fui socializada, atraves da experiencia etnografica entre os bambas permitiu acordar para novas dimensoes da realidade envolvidas na c o n s t r u ~ a o de saberes musicais. Parece-me um caminho para a E d u c a ~ a o Musical a pers pectiva da recuperac;ao das dimensoes imaginaria, simb61ica, da diferenc;a e da alteridade (perspectivas estas implicitas na experiencia etnografica) que, segundo Teixeira, trazem em si ideia de que ao existe educar, mas estilos diferentes de e d u c a ~
{mica maneira correta de (TEIXEIRA, 1990, p. 93).
ufT!a a o
Notas Not as
1. Trecho do samba ''Feitio de Orac;ao'', de Noel Rosa
Vadico.
2. Varios antrop61ogos vern identificando as escolas samba gauchas como "territ6rios negros" (SILVA, 1993, BITIENCOURT, 1995). quesUio etnica aparece em inumeras circunstancias da vivencia do mundo do samba. Nao foi objetivo deste trabalho, porem, aprofundar esta drscussao. Po esta razao, remeto o leitor a outros trabalhos que tratam desta questao como os de Barcellos (1996), Mello (1995) e Prandi (1995). 3.
descric;oes das observac;oes em campo for am documentadas atraves at raves do diario de campo, de fotografias e de gravac;oes em audio e video. Para a realizac;ao de fotografias e de imagens em video contei com c o l a b o r a ~ a o do Nucleo de Antropologia Visual da UFRGS (NAVISUAU, atraves da Ora. Cornelia Eckert dos bolsistas Alfredo Barros, Liliane Guterre-., Thafs Vieira e Leandra Mylius. Algumas fotografias foram realizadas por Mirela Bilhar, estudante de jornal jornalismo ismo da UNISINOS. Anexei ainda ao texto escrito urn Compact Disc {CD) com gravac;6es de ensaios e a p r e s e n t a ~ o e s dos bambas.
4. Parafraseando os termos de Guterres (1 Q96). 5. Trecho
do
samba-enredo de
1998
dos Sambas da Orgia.
6. Vinheta e como era chamada ch amada cad ca d s e ~ a o de uma p e ~ a s6 de percussao interpretada interpretada pela bateria dos Sambas da Orgia, durante o ciclo carnavalesco de 98.
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7. Em Porto Alegre, ao Grupo Gr upo de Acesso Acesso pertencem as entidades ou grupos de pequeno porte que desfilam com c o n d i ~ o e s estruturais minimas e que desejam ascender aos ao s grupos que part icip icipam am do desfile oficial . Segundo Guterre Guterres, s, o Gru Grupo po de Aces Acesso so algumas vezes referido pelos organizadores como "vestibular carnaval" (GUTERRES, 1996, p. 44). Ao Grupo A pertencem escolas de p e q u ~ n o e media porte que reunem de 00 componentes. mestre exp mestre explica licava va os arranj arranjos os para para alguns "p "piv ivos os"" de cada cada naipe, nai pe, os coordenadores, estes eram responsaveis po transmiti-los aos demais rrtmistas. 0.
Alguns trabalhos da area area de etnomusico etnom usicologia logia realizados em culturas africanas africanas de t r a d i ~ a o oral foram fundamentais para a reflexao a r e s p ~ i t o das praticas musicais entre os Sambas. Para Nketia, em seu estudo sobre a musica africana. "a village that has no organized music or neg neglec lects ts com mun ity singing, singing, drumming, drumming , or dancing is said be dead", Da mesma maneira, Zemp, em sua pesquisa sabre a musica Dan, relata: "the village where ther 1s no musician is no a place where man can stay" {NKETIA 1966; ZEMP, 1971 apud CHERNOFF. 1996, p. 36).
1. "Feitio de
O r a ~ a o "
(Noel Rosa e Vadico).
dois s grupos os couros 2. Os instrumentos da escolas de samba sao classificados em doi pesados as miudezas (segundo ARAUJO, 1992( p. 12o), muitas vezes referidos entre os bam bambas, bas, simplesmente como instrumentos pesados instrumentos /eves. Entre os bambas, os pesados sao os maracanas de meira, de segunda de terceira (equivalentes ao surdos cariocas}, os repiniques e os tar6is (algumas vezes chamados tambem de caixas); os leves sao as cuicas, os ganzas, os tamborins, os pratos e os agogos. som produzido por urna bateria ocorre equilibria basicamente em f u n ~ a o da divisao proporcional entre instrumentos pesados e eves. Referencias Bibliograficas ARAUJO, Samuel M. Acoustic Labor in th Timing Everyday Life: A Critical Contribution to the History Samba in Rio de Janeiro. Urbana-Champaign. 1992. University Illino is at Urbana-Champaign. Urbana-Champaign. ASSMANN, Hugo. P6s-mode P6s-modernidade rnidade e agir pedag6gico: como reencantar a e Texto apresentado no VIII Encontro Nacional de Didatica e Pratica (ENDIPE). Floria Florian6polis, n6polis, 9, maio,1996. mime o.
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