Capítulo 1 ± Não há docência sem se m discência
Em sua análise menciona alguns itens que considera fundamentais para a prática docente. Paulo Freire afirma que ³não há docência sem discência´, pois ³quem forma se forma e re-forma ao formar, e quem é formado forma-se e forma ao ser formado´. Dessa forma, deixa claro que o ensino não depende exclusivamente do professor, assim como a aprendizagem não é algo apenas de aluno, em outras palavras, ³quem ensina aprende ao ensinar, e quem aprende ensina a aprender´, quer dizer, o professor não é superior, ou mais inteligente, mas é, como o aluno, participante do mesmo processo da construção da aprendizagem. 1.1 ± Ensinar exige rigorosidade metódica
Paulo Freire diz que o educador deve ter um rigor metódico e intelectual, deve ser um pesquisador curioso, que busca o saber e age de uma forma crítica, não com questionamentos, e orienta seus educandos a seguirem também essa linha metodológica de estudar, relacionando os conhecimentos adquiridos com a realidade de sua vida. vida. Uma das condições necessárias a pensar certo, é não estarmos demasiado certos de nossas certezas. 1.2 ± Ensinar exige pesquisa
Paulo Freire afirma que ³não há ensino sem pesquisa nem pesquisa sem ensino´. Esse pesquisar, buscar e compreender só ocorrerá, se o professor souber pensar. Para Freire, saber pensar é duvidar de suas próprias certezas, questionar suas verdades. Ensinar, aprender e ensinar lidam com dois momentos: o em que se aprende o conhecimento já existente e o em que trabalha a produção do conhecimento conhecimento ainda não existente. 1.3 ± Ensinar exige respeito aos saberes do educando
Paulo freire diz que o professor, mais amplamente a escola, não deve pensar somente em respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo o das classes populares chegam a ela. Devem aproveitar as experiências dos alunos que vivem em lugares descuidados pelo poder público, que vivem em áreas de poluição, etc. Devem aproveitar esta realidade de alguns alunos e discutir isso nas escolas, desenvolver uma solução e orienta-los. O educador deve discutir com os alunos a realidade concreta a que se deve associar a disciplina, estabelecendo uma familiaridade entre os saberes curriculares e a experiência social de cada um de seus educandos. 1.4 ± Ensinar exige criticidade
O educador deve ter uma postura de curiosidade e inquietação indagadora dicernidora. Toda a curiosidade de saber exige uma reflexão critica e prática, de modo que o próprio discurso teórico terá de ser aliado à sua aplicação prática. A superação da ingenuidade levando a criticidade demanda profundidade e superficialidade na compreensão dos fatos. A curiosidade leva à criticidade, pois o homem necessita de um estímulo para que isso o leve a críticas de um determinado assunto.
1.5 ± Ensinar exige estética e ética
Estética e Ética emergem da mais profunda experiência afetiva com o outro. Sendo assim, a vivência afetiva, a raiz da ética e da estética é também a base estrutural do pensar certo, é a fonte nutridora da inteligência afetiva, como diz Rolando Toro. O conhecimento racional é diretamente ligado ao nosso instinto afetivo, às emoções e aos sentimentos de atração, empatia, etc. ³Mas não há pensar certo à margem de princípios éticos´. A prática educativa tem a obrigação moral de ser um testemunho rigoroso de decência e de pureza, o professor não pode estar longe ou fora da ética por ser portador do caráter formador, o ensino dos conteúdos não podem estar alheios a formação moral do educando. 1.6 ± Ensinar exige a corporeificação das palavras pelo exemplo
³Pensar certo é fazer certo´. Uma expressão popularizada diz que ³as palavras comovem, mas o exemplo arrasta´. Paulo Freire sabe muito bem que as palavras que não ganham corpo são vazias, quase nada valem. A experiência, por outro lado, mostra muito bem que a mesma atitude em nível político se revela ineficaz. Quem pensa certo, tem consciência que palavras nada valem se não forem seguidas do exemplo, ³pensar certo é fazer certo´. Não há pensar certo fora de uma prática testemunhal que o re-diz em lugar de desdizê-lo. Não é possível ao professor pensar que pensa certo mas ao mesmo tempo pergunta ao aluno ³com quem está falando´. 1.7 ± Ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação
A aceitação do novo não pode ser negado ou acolhido só porque é novo, e não se deve recusar o velho. O velho que preserva sua validade ou que encarna uma tradição ou que marca uma presença no tempo continua novo. Faz parte do pensar certo, a rejeição mais decidida à qualquer forma de discriminação. O ser é ofendido e para ele é restrito o direito a democracia, quando acontece qualquer uma das práticas de discriminação. 1.8 ± Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática
Esta prática docente crítica, implicante do pensar certo envolve movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o que fazer. O educando desenvolve o pensar certo em comunhão com o educador, tudo concorrendo para melhorias reais acerca da prática ensino-aprendizagem. Quando há uma tomada de consciência sobre os fatos que envolvem a prática, sendo cada educador, um crítico autônomo de seus próprios atos, pesquisador, que respeita os saberes prévios do educando, ético e moral, onde suas palavras e ações servem como testemunho, que não dá lugar para sentimentos discriminatórios, reflexivo, que assume a si próprio com seus acertos e seus erros, têmse a certeza de que tal professor está andando e, pensando e ensinando a pensar certo. 1.9 ± Ensinar exige o reconhecimento e a assunção da identidade cultural
Reconhecer a qualidade do outro é um ato afetivo de qualificação e de promoção. Facilitar o crescimento, da mesma forma é um serviço de amor e de dedicação. Para permitir e facilitar um processo de formação do educando é necessário esta mobilização
afetiva sem a qual este processo não acontece. A capacidade de amar é o fundamento do processo de assumir e de assumir-se. Ao assumir nós mesmos não estamos excluindo os outros, significa assumir-se como ser histórico e social, pensante, transformador e criador. A questão da identidade cultura é fundamental na prática educativa e tem a ver diretamente com assumir-nos enquanto sujeitos. Capítulo 2 ± Ensinar não é transmitir conhecimento
Ensinar não é transferir conhecimentos, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção. Ensinar como transmissão de conhecimento significa que há um conhecimento pronto, acabado e que a tarefa do educando é simplesmente absorver e memorizar. 2.1 ± Ensinar exige consciência do inacabamento
O inacabamento do ser ou sua inconclusão é próprio da experiência vital. A frase lapidar é que ³onde existe vida, há inacabamento´. Paulo Freire destaca que o inacabamento se tornou consciente nos homens e nas mulheres, por isso a experiência muda de qualidade em relação à dos animais. Quanto mais se vinculou a relação entre mente e mãos o suporte (ambiente) foi se tornando mundo e a vida se tornando existência. Isso na proporção que o corpo humano se torna corpo consciente, captador, apreendedor, transformador, criador de beleza e não ³espaço´ vazio a ser cheio de conteúdos. 2.2 ± Ensinar exige o reconhecimento de se r condicionado
Paulo Freire afirma que consciente do seu inacabamento o homem sabe que pode ir para além dele. É uma diferença profunda entre o ser condicionado e o ser determinado. ³Gosto de ser gente porque percebo afinal que a construção de minha presença no mundo, que não se faz no isolamento, isenta da influência das forças sociais´. A consciência disso implica na impossibilidade de minha ausência na construção da própria presença. Na ausência renuncio à minha responsabilidade ética, histórica, política, social; renuncio a cumprir minha missão ontológica de intervir no mundo. 2.3 ± Ensinar exige respeito à autonomia do ser do educado
Outro saber necessário à prática educativa, e que se funda no inacabamento, é o que fala do respeito devido à autonomia do ser do educando: jovem, criança, adulto. O inacabamento de que nos tornamos conscientes nos fez éticos, diz Freire. A afetividade como respeito à autonomia e à dignidade emerge de uma exigência radical constituída no relacionamento com o aluno, no encontro com o educando. Diz Freire: ³o respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético, e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros. Precisamente, por ser ético, podemos desrespeitar a rigorosidade da ética´. Saber que devo respeito á autonomia e a identidade do educando, exige de mim uma prática em tudo coerente com este saber. 2.4 ± Ensinar exige bom censo
O bom senso se faz no corpo da curiosidade. No exercício do bom senso se supera o que há nele de instintivo na avaliação que fazemos dos fatos e dos acontecimentos. Não me
permitirá afirmar que a fome e a miséria é uma fatalidade e que devemos esperar pacientemente que a realidade mude. Freire dirá que isso é imoral e exige de minha rigorosidade científica a afirmação que é possível mudar. Assim a rigorosidade científica é perpassada pelo cuidado amoroso. A responsabilidade amorosa do professor é sempre grande. A natureza de sua prática é formadora. A presença do professor é exemplar na sala de aula. E ninguém escapa ao juízo dos alunos. ³E o pior juízo é o que considera o professor uma ausência na sala de aula´. 2.5 - Ensinar exige humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos educadores
A luta dos professores em defesa de seus direitos e de sua dignidade deve ser entendida como um momento importante de sua prática docente, enquanto prática ética. Não é algo que vem de fora da atividade docente, mas algo que dela faz parte. Uma das formas de luta contra o desrespeito dos poderes públicos pela educação, de um lado, é a nossa recusa a transformar nossa atividade docente em puro bico, e de outro, a nossa rejeição a entendê-la e a exercê-la como prática afetiva de ³tias e de tios´. 2.6 ± Ensinar exige apreensão da realidade
A raiz da educabilidade do ser humano está no fato de sua inconclusividade. À medida que assumimos a postura da chamada neutralidade, estamos dando nosso atestado de omissão e de falta de cuidado afetivo; não assumimos o compromisso com o outro, sequer com a gente mesmo. A capacidade de aprender, não apenas para nos adaptar, mas sobretudo para transformar a realidade para nela intervir, recriando-a, fala de nossa educabilidade a um nível distinto do nível do adestramento dos outros animais ou do cultivo das plantas. Aprender, para nós, é uma aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz se abertura ao risco e á aventura do espírito.Toda a prática educativa requer a existência do sujeito, daí seu cunho gnosiológico: a existência de objetos; conteúdos a serem ensinados e aprendidos; envolve o uso de métodos, de técnicas, de materiais; implica, em função de seu caráter diretivo, objetivos, sonhos, utopias. 2.7 ± Ensinar exige alegria e esperança
A alegria é resultado da conexão com a nossa vitalidade, com o potencial de um grupo unido numa luta comum, vinculado pelos laços afetivos. Paulo Freire sempre se envolveu com alegria em sua prática educativa. Isto fazia o clima do espaço pedagógico. Há uma relação entre a alegria necessária à pratica educativa e a esperança. A esperança de que professor e aluno juntos podemos aprender, ensinar, inquietar-nos, produzir e, juntos, igualmente resistir aos obstáculos à nossa alegria. A desesperança é a negação da esperança. A esperança é um condimento indispensável á experiência histórica, sem ela não haveria História, mas puro determinismo. 2.8 ± Ensinar exige a convicção de que a mudança é possível
O mundo não é. O mundo está sendo. Não somos apenas objeto da História, mas seus sujeitos igualmente. É a partir deste saber fundamental: mudar é difícil mas é possível, que vamos programar nossa ação político-pedagógico. Para Freire se trata de um saber primordial, indispensável a quem chega na favela e que pretende que sua vivência se vá tornando convivência, que seu estar no contexto vá virando estar com ele, é o saber do futuro como problema e não como inexorabilidade. É o saber da história como possibilidade e não como determinação. No mundo da história, da cultura, da política, constato, não para me adaptar, mas para mudar. Constatando nos tornamos capazes de intervir na realidade, tarefa incomparavelmente mais complexa e geradora de novos saberes do que simplesmente a de nos adaptar a ela. Ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os outros de forma neutra. Constatar e conscientizar-se é condição de operacionalidade e motivação afetiva para nossa luta de transformação. 2.9 ± Ensinar exige curiosidade
O exercício da curiosidade convoca a imaginação, a intuição, às emoções, à capacidade de conjeturar, de comparar, na busca da perfilização do objeto ou do achado e de sua razão de ser. O fundamental é que professores e alunos saibam que a postura deles, do professor e dos alunos, é dialógica, aberta, curiosa, indagadora e não apassivada, enquanto fala ou enquanto ouve. O que importa é que professor e alunos se assumam epistemologicamente curiosos. Mas, não podemos esquecer, que a curiosidade, assim como a liberdade deve estar sujeita a limites eticamente assumidos por todos. Minha curiosidade não tem o direito de invadir a privacidade do outro e expô-la aos demais. Para Freire o exemplo de contra-educação está nos processos que inibem ou dificultam a curiosidade do educando. Autoritarismo e paternalismo são duas formas de negação da curiosidade dos educandos. Nenhuma curiosidade se sustenta eticamente no exercício da negação da outra curiosidade. A curiosidade que silencia a outra se nega a si mesma. Capítulo 3 ± Ensinar é uma especificidade humana
Uma das qualidades essenciais que a autoridade docente democrática deve revelar em suas relações com as liberdades dos alunos é a segurança em si mesma. É a segurança que se manifesta na firmeza com que atua, com que decide, com que respeita as liberdades, com que discute suas próprias posições, com que aceita rever-se. Importante é ser seguro de sua autoridade e exercê-la com sabedoria. Uma autoridade segura é uma autoridade afetivamente centrada. 3.1 ± Ensinar exige segurança, competência profissional e generosidade
A segurança com que a autoridade docente se move implica na sua competência profissional. É da competência que nasce a segurança. Um professor que não leva a sério a sua formação não tem força moral para coordenar as atividades de sua classe. Opção e prática democrática do professor não são determinadas por sua competência científica. Há professores preparados e que são autoritários. A incompetência profissional desqualifica a autoridade do professor. Outra dimensão da afetividade destacada como qualidade indispensável à autoridade em suas relações com as liberdades é a generosidade. A mesquinhez inferioriza a tarefa formadora do professor. Uma dimensão patológica do afeto é a arrogância farisaica e malvada com que o professor julga aos outros e a indulgência macia com que se julga. A arrogância que
nega a generosidade nega também a humildade. É ofensiva e se regozija com a humilhação. Atitudes afetivamente doentias. 3.2 ± Ensinar exige comprometimento
Não escapamos à apreciação dos alunos, afirma Freire. E a maneira como eles nos percebem tem importância capital para o nosso desempenho. Nossa preocupação deve ser de aproximar cada vez mais o que dizemos e o que fazemos. Não mentir ao aluno é fundamental. É uma questão ética. Se minha opção é prática progressista não posso ter uma atitude reacionária, autoritária, elitista. Não posso discriminar aluno por qualquer motivo. Devo estar atento da leitura que fazem de nossa atividade com eles. Precisamos compreender a significação de um silêncio, de um sorriso, de uma retirada da sala de aula. ³Quanto mais solidariedade exista entre educador e educandos, no ³trato´ deste espaço, tanto mais possibilidade de aprendizagem democrática se abrem na escola´. Nossa presença em aula em si é uma presença política, continua Freire. ³E não sou neutro. Enquanto presença não posso ser neutro, ser omisso, mas um sujeito de opções. Devo revelar aos alunos a minha capacidade de analisar, de comparar, de avaliar, de decidir, de optar, de romper. Minha capacidade de fazer justiça, de não falhar à verdade. Ético, por isso tem que ser meu testemunho´ .Comprometimento ético, presencial, efetivo é um comprometimento afetivo. Somente com afetividade e solidariedade nos comprometemos. 3.3 ± Ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo
A educação como uma forma de intervenção é uma forma especificamente humana e que implica, ensino de conteúdos, reprodução da ideologia dominante ou seu desmascaramento. A educação não é, não pode e jamais será neutra. Somos determinados por condicionamentos genéticos, culturais, sociais, históricos, de classe que nos marcam. Do ponto de vista dominante a educação deve ser uma prática ocultadora e imobilizadora. Não posso ser professor se não percebo cada vez melhor que, por não poder ser neutra, minha prática exige de mim uma definição. Uma tomada de decisão. Sou professor a favor da liberdade contra o autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade, da democracia contra a ditadura de direita ou de esquerda. Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais. 3.4 ± Ensinar exige liberdade e autoridade
Para ele não está resolvida a tensão entre liberdade e autoridade. Ser licencioso seria permitir que a indisciplina de uma liberdade mal centrada desequilibrasse o contexto pedagógico, prejudicando assim o seu funcionamento. A liberdade sem limite é tão negada quanto a liberdade asfixiada. O grande problema ao educador de opção democrática é como trabalhar tornando possível que a necessidade de limite seja assumida eticamente pela liberdade. A liberdade deve ser exercitada assumindo decisões. A liberdade amadurece se confrontando com outras liberdades, na defesa dos direitos em face da autoridade dos pais, do professor e do Estado. É necessário que os
pais tomem parte das discussões com os filhos em torno do amanhã. É decidindo que se aprende a decidir. Não posso aprender a ser eu mesmo se não decido nunca. 3.5 ± Ensinar exige tomada consciente de decisões
A consciência tem seu fundamento na afetividade, nessa fonte nutridora e sustentadora de um saber permeado pela ética. Assim Ensinar exige tomada consciente de decisões. A partir da questão central ³a educação, especificidade humana, como um ato de intervenção no mundo´ Freire coloca a educação como intervenção referindo-se tanto àquela que aspira a mudanças radicais da sociedade, no campo da economia das relações humanas, da propriedade, do direito ao trabalho, à terra, à educação, à saúde, quanto aquela que reacionariamente pretende imobilizar a História e manter a ordem injusta. Às vezes cometemos a incoerência do nosso discurso progressista e o nosso estilo elitista. Conforme reiterou Freire muitas vezes, é preciso a virtude da coerência. Um exemplo profundamente incoerente é o discurso progressista e a prática racista. O racismo é uma das formas, a mais profunda, de patologia da afetividade. A chamada politicidade da educação, onde se situa nosso gesto de decisão, Freire a identifica na vocação especificamente humana de endereçar-se até sonhos, idéias, utopias e objetivos. A qualidade de ser política é inerente à sua natureza. É impossível a neutralidade da educação. A educação não vira, ela é política. ³A raiz mais profunda da educabilidade da educação se acha na educabilidade mesma do ser humano e da qual se tornou consciente. Inacabado e consciente do seu inacabamento, histórico, necessariamente o ser humano se faria um ser ético, um ser de opção, de decisão´. Voltado para interesses, o homem tanto pode ser ético como transgredir a mesma. 3.6 ± Ensinar exige saber escutar
A educadora experiente, pedagoga Olgair Garcia, dizia a Paulo Freire da importância de saber escutar. Nesta referência Paulo Freire coloca um dos aspectos fundamentais do movimento afetivo das relações. ³Se, na verdade o sonho que nos anima é democrático e solidário, não é falando para os outros de cima para baixo, sobretudo, como se fossemos os portadores da verdade a ser transmitida aos demais, que aprendemos a escutar, mas, é escutando que aprendemos a falar com eles. Somente quem escuta paciente e criticamente o outro, fala com ele [...]. O educador que escuta aprende a difícil lição de transformar o seu discurso, às vezes necessário, ao aluno, em uma fala com ele´. No processo da fala e da escuta a disciplina do silêncio a ser assumido com rigor e a seu tempo pelos sujeitos que falam e escutam é um ´sine quae´ da comunicação dialógica. O primeiro sinal de que o sujeito que fala sabe escutar é a demonstração de sua capacidade de controlar não só a necessidade de dizer a sua própria palavra, que é um direito, mas também o gosto pessoal, profundamente respeitável, de expressá-la. Quem tem o que dizer tem igualmente o direito e o dever de dizê-lo. É preciso, porém, que quem tem o que dizer saiba, sem sombra de dúvida, não ser o único ou a única a ter o que dizer. (...) É preciso que quem tenha o que dizer saiba que, sem escutar o que quem escuta tem igualmente a dizer, termina por esgotar a sua capacidade de dizer por muito ter dito sem nada ou quase nada ter escutado. Escutar é obviamente algo que vai além da possibilidade auditiva de cada um. Escutar significa disponibilidade permanente por parte do sujeito que escuta para abertura à fala
do outro, ao gesto do outro, às diferenças do outro. Não diminui em mim nada do direito de discordar, de me opor de me posicionar. O bom escutador fala e diz de sua posição com desenvoltura. O âmago de todo esse processo de escutar, de estar disponível, aberto à fala, ao gesto, ao acontecer do outro é essencialmente afetivo. 3.7 ± Ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica
A ideologia supõe um envolvimento afetivo do educando, do cidadão, inclusive do devoto de uma crença partidária, pedagógica, de um credo religioso. A ideologia é o conjunto de argumentações carregadas de emoção que tem a finalidade de envolver e seduzir a pessoa para aderir a um ideal, a um projeto, a um determinado procedimento. Ás vezes a força da ideologia é maior que a força do pensamento. Para seduzir ela, de certo modo, tem que velar ou esconder uma dimensão da realidade. Sendo crítica não teria a força de mobilização e de adesão. Freire nos fala dessa maneira: Tendo a ver diretamente com a ocultação da verdade dos fatos a ideologia nos põe a cair em suas armadilhas, nos tornando míopes. É como se algo estivesse metido na penumbra, mas não divisamos bem. Essa penumbra faz com que nós aceitemos docilmente um discurso fatalista. 3.8 Ensinar exige disponibilidade para o diálogo
O diálogo é o elemento essencial da pedagogia progressista. Um dos modos como se opera a afetividade é o diálogo. Dialogar é antes de qualquer coisa permitir ao outro ser, se expressar e acontecer. Isto se dá na medida que sou disponível, que acolho, e vou facilitando o processo educativo. A abertura deve ser vivida e refletida. A abertura é possibilidade de diálogo. Nas minhas relações com os outros, que fizeram opções distintas de mim, não devo partir para conquistá-los, mas respeitar as diferenças sendo coerente entre o que eu faço e o que eu digo, que me encontro com eles ou com elas. É na minha disponibilidade à realidade que construo a minha segurança, indispensável à própria disponibilidade. É impossível criar a segurança fora do risco da disponibilidade. A disponibilidade curiosa à vida, a seus desafios, são saberes necessários à prática educativa. Viver a abertura respeitosa aos outros e, de vez em quando, de acordo com o momento, tomar a própria prática de abertura ao outro como objeto de reflexão crítica deveria fazer parte da aventura docente. A razão ética da abertura, seu fundamento político, sua referencia pedagógica, a boniteza que há nela como viabilidade do diálogo. A experiência da abertura como experiência fundante do ser inacabado que terminou por se saber inacabado. Seria impossível saber-se inacabado e não se abrir ao mundo e aos outros à procura de explicação, de respostas a múltiplas perguntas. 3.9 ± Ensinar exige querer bem aos educandos
Mais uma vez a afetividade ganha ainda maior clareza e consistência nas palavras e análises de Paulo Freire. É sua expressão que não podemos temer. O autor declara que a afetividade não o assusta e não teme expressá-la. É a maneira de autenticamente selar o compromisso com os educandos, numa prática específica do ser humano. É falsa a separação entre seriedade docente e afetividade. Não sou melhor professor sendo mais severo, frio, distante e cinzento. A afetividade não se acha excluída da cognoscividade. Não posso condicionar a minha avaliação pelo maior ou menor vínculo que tenha com meu aluno. A abertura ao querer bem significa a disponibilidade à alegria de viver. Justa alegria de viver, que não permite que me torne um ser adocicado nem tampouco um ser
arestoso e amargo. A atividade docente é alegre por natureza. Seriedade docente e alegria não são contraditórias e inconciliáveis. Quanto mais metodicamente rigoroso me torno na minha busca e na minha docência, tanto mais alegre me sinto e esperançoso também. A alegria chega no encontro do achado e faz parte do processo da busca. Ensinar e aprender não podem dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria. prática docente exige um alto nível de responsabilidade ética, de que nossa capacitação científica faz parte. Não posso negar o direito de sonhar, negar minha atenção dedicada e amorosa à problemática mais pessoal deste ou daquele aluno. Não posso fechar-me ao seu sofrimento e inquietação. Posso ter cuidado sem ser seu terapeuta.