UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA MESTRADO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS ECONOMIA POLÍTICA DO DESENVOLVIMENTO PROFESSORA ELSA SOUSA KRAYCHETE DISCENTE: VILSON D’SANTANA ALVES
Resenha: “O Sistema Bretton Woods”, Barry Eichengreen. Ao tratar do sistema Bretton Woods, Barry Eichengreen coloca a compreensão do mesmo como um enigma para os pensadores hodiernos, dividindo entre aqueles que compreendem os arranjos proporcionados como causa do marcante crescimento capitalista pelo qual as nações atravessaram entre as décadas de 1950 e 1960, e os que entendem o sistema como seu efeito. De modo simplificado, Eichengreen identifica três elementos que mantinham o sistema e o diferenciavam do padrão ouro-divisas: “O câmbio fixo tornou -se ajustável, sujeito a condições específicas. Aceitavam-
se controles para limitar o fluxo de capitais internacionais. E uma nova instituição, o Fundo Monetário Internacional, foi criada para monitorar as políticas econômicas nacionais e oferecer financiamento para equilibrar o balanço de pagamentos de países em situações de risco.” (pág. 131)
Na prática o sistema si stema não funcionava, com exceção ex ceção da presença presen ça dos controles na tentativa dos países de equilibrar suas contas. No contexto da década de 1950, não eram aceitáveis as políticas que advogassem a diminuição dos gastos públicos, ainda mais com a forte proliferação das ideias keynesianas. Daí a necessidade cada vez maior de se recorrer aos controles. Entretanto, o antes usado controle de câmbio para realizações de ajustes e conter as importações, não se encontrava mais disponível com o advento da conversibilidade em 1959. Deste modo, o controle sobre a conta capital foi amplamente usado, mas restava como uma opção temporária, e não como instrumento de ajustes efetivos. Planejamento durante a guerra
Ainda durante a 2ª Guerra Mundial, os Estados Unidos e o Reino Unido tentaram reorganizar o sistema monetário internacional por meio de alguns acordos. Como colocado pelo autor, os objetivos de ambas as nações foram representadas
respectivamente por Harry Dexter White e John Maynard Keynes, que se refinaram, e deram forma a base do Acordo do Fundo Monetário Internacional. Prevaleceu o câmbio ajustável sob paridades fixas, onde os países fixavam valores entre as moedas expressos em outro ou em outra moeda conversível em ouro (pág. 136). A possibilidade de ajuste significava que a taxa de câmbio poderia variar dentro de um regime de bandas, assumindo variações de 1% sem autorização e 10% após consulta do FMI para corrigir um eventual “desequilíbrio fundamental”, conceito que restou indefinido, como bem salientado pelo autor (pág.136). Na avaliação de Eichengreen, ao crer que o livre comércio reestabeleceria a capacidade da Europa de equilibrar suas contas nacionais, os Estados Unidos subestimaram os problemas enfrentados pelo velho continente no pós-guerra. Os países, inclusive na América Latina, constantemente desvalorizaram suas moedas para conseguir obter alguma competitividade e exportar, diminuindo déficits das contas correntes. Deste modo, a liberalização dos mercados pretendida pelos Estados Unidos ocorreu, contudo de maneira mais lenta, haja vista a resistência à remoção das barreiras ao livre comércio. O autor ainda aponta como causa a esta lentidão a prioridade dada pelos governos aos gastos com investimento, o que acentuava os gastos públicos. Crise da libra esterlina
Mesmo com a inflação contida, a Grã-Bretanha tinha dificuldade em equilibrar as contas nacionais devido a sua dificuldade em exportar. Por conta do peso da libra, os EUA forçaram mesmo assim o Reino Unido a aderir à conversibilidade, ainda que em termos de valores reais, a moeda seguia depreciada. Esta adesão forçada levou ao rápido esgotamento das reservas. Foi a partir de então que os Estados Unidos passaram a flexibilizar sua insistência pelo livre mercado, e como uma das formas de resposta ofereceu o Plano Marshall de ajuda aos países do leste europeu, que se mostrou insuficiente. O advento da recessão norte-americana em 1948-49 reduziu a demanda de seu mercado interno por importações, dificultando a recuperação europeia. Muitos países então desvalorizaram suas moedas de modo a recompor suas reservas (pág. 146). A união europeia de pagamentos
Uma das dificuldades para o livre comércio residia no fato de que para oferecer benefícios mútuos, deveria acontecer em todos os países. A União Europeia de
Pagamentos foi a instituição criada visando coordenar a eliminação de barreiras à liberalização do comércio, prevista em Bretton Woods. Outra função da instituição era a de repartir a ajuda do plano Marshall entre os beneficiários. A UEP, entretanto, contrapunha-se a Bretton Woods ao estabelecer diferentes cronogramas de liberalização e praticar a discriminação comercial. A aceitação da UEP representava para Eichengreen o reconhecimento da complexidade do pós-guerra: o mundo é assimétrico e o dólar e os EUA figuram com um papel excepcional (pág. 149). Vale lembrar também que a rivalidade com a União Soviética tornava estratégica a discriminação de comércio em favor da europa ocidental. Problemas de pagamento e controle seletivo
Durante a década de 50 houve uma notória organização política dos trabalhadores, que passaram a demandar um maior controle sobre a economia, em prol do estabelecimento de maiores benefícios sociais. Eichengreen destaca então que esta acomodação política dos partidos trabalhistas acabou tornando-se um obstáculo para a recuperação europeia. Na busca pelo crescimento e desenvolvimento econômico a expansão do estado de bem-estar deveria abrir mão do instrumento de controle das taxas de juros, vez que poderia sacrificar o crescimento e o nível de empregos. Assim, muitos países optaram por controlar o câmbio e aumentar impostos. Antes o controle do balanço de pagamentos era feito principalmente pela variação no rigor às importações. A experiência francesa foi bastante relevante na medida em que conseguiu reequilibrar-se através da desvalorização da sua moeda e prática da austeridade. Conversibilidade: problemas e progressos
Com o reestabelecimento da economia europeia e do Japão, foram os Estados Unidos que passaram a sofrer com déficits persistentes na balança comercial. Este reequilíbrio permitiu que os países passassem restaurar a própria conversibilidade da conta corrente. Como destaca o autor, em 1961 o FMI reconheceu que os países estavam cumprindo os termos do Acordo (pág. 157). Por conta do próprio crescimento das demais economias é que os países passaram a precisar cada vez de mais dólares para atender demanda por liquidez. A conversibilidade passou a ser questionada na década de 60 por conta da ausência de
lastro para todos os dólares, e o presidente francês De Gaulle apresentou forte crítica à dependência mundial da moeda americana. Direitos especiais de saque
Frente aos problemas com a disponibilidade de dólares, enquanto muitos sugeriam a substituição do dólar, os países acordaram que seria necessário aumentar os recursos no Fundo Monetário Internacional. Houve, entretanto um impasse entre os países de moeda forte e moedas fracas quanto à criação de Direitos Especiais de Saque (DES), vez que os países de moeda mais fraca exigiam uma porção maior dos recursos deste fundo, o que era temido pelos outros países, por conta do risco inflacionário. Segundo Eichengree, “os Estados Unidos se opuseram à criação de um instrum ento do tipo dos DES por temer uma diminuição do papel do dólar”, mas frente às ameaças da
França, grande detentora de reserva de dólares, de exigir troca de suas divisas por ouro, os Estados Unidos “reverteram sua posição em 1965” (pág. 163).
Uma das condições impostas pela França para a continuidade do dólar como moeda internacional foi de que os Estados Unidos conseguissem eliminar o déficit no balanço de pagamento, o que foi alcançado em 1969. Entretanto, como pontua o autor, esses ajustes não foram necessários. Afirma ainda que se esse instrumento fosse implementado antes, “não teria havido necessidade de aumentar o estoque de saldos oficiais em dólar”. O problema residia, sobretudo, na incapacidade dos Estados Unidos
em recorrer a políticas de redução de despesas para controlar seus déficits. Redução nos controles e na rigidez
O retorno à conversibilidade impossibilitava o controle das importações. Os países então tentavam realizar ajustes através da conta capital. Deste modo, os diferenciais de juros eram o mecanismo temporário de ajuste mais recorrido para evitar fugas de capitais e divisas. Eichengreen coloca como ponto polêmico na literatura o entendimento do porque os países relutavam em desvalorizar suas moedas em resposta aos desequilíbrios externos. O autor coloca como resposta para a questão a resistência dos países ao dever de comunicação prévia ao FMI, de modo a evitar o vazamento de informações sobre suas pretensões, ou simplesmente para não darem a impressão de que estão sobre dificuldades econômicas, o que agitaria os mercados.
Em 1961 foi instituído pelos países da Comunidade Econômica Europeia o “Gold Pool”, como uma tentativa dos países em aliviar as pressões sobre os Estados
Unidos, comprometendo-se a vender o ouro de suas reservas. Neste momento o preço do ouro havia subido acima dos U$ 35 por onça. A França abandona o Gold Pool em 1967 e o custo de manter o dólar deixa clara a falência do acordo de Bretton Woods. A batalha em defesa da Libra
A Inglaterra passou por uma série de dificuldades entre décadas de 1950 e 1970 que a incapacitou de controlar seus déficits. A libra estava desvalorizada em termos de valores reais, mas foi mantida no patamar acordado com ajuda do FMI e dos Estados Unidos. Entretanto, quando em 1967 o ministro francês levantou dúvidas sobre a estabilidade da libra e o FMI condicionou o oferecimento de mais ajuda para conter a fuga de capitais a medidas deflacionárias, o que o governo não aceitava, a libra acabou sendo fortemente desvalorizada. A crise do dólar
Frente ao aumento do valor do ouro em relação ao dólar, os Estados Unidos agiram na conta capital para não ter que desvalorizar sua moeda. Para Eichengreen, a “despeito das queixas generalizadas sobre a frouxidão da política fiscal dos Estados
Unidos, os déficits orçamentários não eram excepcionalmente grandes” (pág. 177), mas ainda assim teve grandes dificuldades em manter sua condição. Para o autor, a posição dos Estados Unidos exigia não só que mantivesse uma situação estável, mas que a sua taxa de inflação fosse menor que a dos outros países. A fuga de dólares para a Europa em 1971, o movimento de apreciação das moedas naquele continente e a ameaça de conversão do dólar em ouro quando grande volume dessa moeda em circulação encontrava-se sem lastro foram a grande causa para o a crise que se seguiu. Diante deste cenário, o presidente norte-americano Nixon suspendeu a conversibilidade do dólar em ouro, e com o acordo Smithsoniano trouxe a desvalorização do dólar, a valorização das moedas europeias e a ampliação das bandas para controle cambial. Em 1973, entretanto, os países passaram a adotar o câmbio flutuante.
As lições de Bretton Woods
Ao final do capítulo Eichengreen faz questão de avaliar o significado das políticas adotadas no período de vigência do acordo de Bretton Woods. Em primeiro lugar destaca que a própria expectativa de funcionamento do mecanismo de auto ajuste se fundava sobre bases inválidas. Não vigoravam mais as condições do padrão ouro. Vez que não se podia contar com livre ajuste, a eliminação dos instrumentos de controle estabelecidos no acordo tornava muito difícil operar um sistema de câmbio fixo. Pelas ideias expostas no texto se depreende de que o Sistema Econômico estabelecido em Bretton Woods nasceu com uma fragilidade intrínseca, dado a exigência de condições contraditórias. A relativa estabilidade do sistema restava dependente de uma “teia de mútuas vantagens políticas e econômicas” (pág. 182). A partir do momento em que a manutenção dessas condições de vantagens tornou-se insustentável, o apoio ao dólar, colocado como elemento necessário pelo autor, foi questionado. Para o autor, a cooperação era necessária para manter o sistema, mas esbarrava em limites inevitáveis.
Referência: EICHENGREEN, Barry, 2000 – A Globalização do capital internacional: uma história do sistema monetário. SP: Editora 34, 2000.