Anais do XVI Encontro Regional Regional de História da Anpuh-Rio: Saberes e práticas científicas ISBN 978-85-65957-03-8
Os escravos tropeiros em Itaboraí: Uma análise dos relatos do viajante Hermann Burmeister Gilciano Menezes Costa*
Os registros do cotidiano dos escravos tropeiros presentes nas narrativas de Hermann Burmeister 1 e de outros viajantes mencionados nesta obra, configuram-se como descrições produzidas a partir da visão de um sujeito, com concepções e valores prévios. Partindo dessa premissa, o objetivo do texto é apresentar apresentar as relações escravistas fora da zona da grande lavoura monocultora, focando nos escravos tropeiros que circulavam nas áreas dos portos fluviais em Itaboraí-RJ e nos caminhos de acesso a esses lugares. Em 1851 Hermann Burmeister inicia sua viagem com destino à Nova Friburgo. Friburgo. Optou pelo transporte fluvial a vapor que, nesse período, ia até o Porto de Sampaio 2. A partir de Sampaio a viagem era complementada por estradas utilizadas pelos tropeiros. De acordo com sua narrativa: “A 21 de Dezembro estava tudo pronto para a partida do Rio e, pelas 10 horas, fui (...) para a praia da Saúde, onde estacionavam os navios, e ali ali embarquei no que me havia de levar, atravessando a baía, até Sampaio.” Sampaio. ”(BURMEISTER, (BURMEISTER, 1952: 67-68)
Completando o percurso, o viajante apresenta o número de passageiros e as dificuldades encontradas encontradas pela navegação fluvial. Assinala também a outra forma de transporte que ficava a espera do desembarque nos portos: a montaria conduzida pelos tropeiros. Assim, ele registra o momento que encerra a primeira parte da “jornada”:
“Foi somente às seis e meia, uma hora mais tarde do que a previs ta, que desembarcamos. Nosso navio ficara preso num baixo e levara todo esse tempo para safar-se, pois o número de passageiros, mais de cem, era demasiado para o pequeno barco, e foi com muito trabalho que se livrou do encalhamento. Desembarcaram todos em Sampaio e saíram à procura das montarias e dos criados que ali costumavam esperar seus amos. Tive a sorte de encontrar os meus, que me haviam sido mandados de Nova Friburgo. ” (Ibidem:69)
* Mestre em História Social pela Universidade Federal Fluminense. Professor da rede pública do Estado do Rio de Janeiro em Itaboraí e da rede municipal de Magé. Um dos professores formadores de Extensão e Pós Graduação do curso de Educação das Relações Raciais realizado pelo Programa de educação sobre o negro na sociedade brasileira (PENESB) UFF. 1 Nascido na “Alemanha” em 1807, Burmeister é considerado um respeitável naturalista do século XIX. Estudou medicina e filosofia e além de paleontólogo foi geólogo e zoólogo. 2 Segundo o mapa de 1892 organizado por José Clemente Gomes e Hilário Massow, o porto de Sampaio estava localizado no rio Macacu, entre o Porto de Vila Nova e o Porto das Caixas.
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Do Porto de Sampaio até o destino de sua viagem, o viajante utilizou a montaria vinda de Nova Friburgo. Esse tipo de transporte era muito usado na estrada que ligava Cantagalo a Porto das Caixas, passando por Nova Friburgo. Além do transporte de pessoas, esse caminho era percorrido, principalmente, para o escoamento da produção de café serra acima. Essa movimentação do transporte de café de Cantagalo era realizada por “Numerosas tropas dali procedentes, transportando este gênero para o Porto das Caixas, passando constantemente por Nova Friburgo, onde costumam cost umam parar (...)” (...) ”(Relatório do Presidente de Província do Rio
de Janeiro, 1851:36) O viajante inglês Gilbert Farquhar Mathison, em um período anterior a Burmeister, indo também em direção à Nova Friburgo e Cantagalo, demonstra a ocorrência do uso desse transporte, apresentando referências à existência de estalagem de tropeiros em Vila Nova. Ao passar pela área de estudo em 1821, ele comenta que ao chegar a Vila Nova foi recebido por “Um inglês, dono de uma pequena loja de varejo e de um ancoradouro para acomodar os tropeiros e os negros, proveu-me com as melhores acomodações que a casa podia oferecer. ”
(MATHISON, 1825:1). Focando na composição das tropas como um dos espaços de atuação dos escravos, as narrativas de Burmeister apresentam informações pertinentes. Ao caracterizar as tropas, ele cita o condutor, as mulas e a presença de escravos. Narra que teve: “(...) o prazer de encontrar um homem de muito boa vontade na pessoa do condutor, um suíço da região de Neufchael (...) Nossa pequena caravana que no Brasil se chama “tropa” pôs-se pôs-se em movimento. (...) O condutor ia à frente. A mula de carga, depois de carregada não quis mais esperar (...) seguira à frente com o escravo. Meu filho colocou-se no meio e eu fiquei atrás. Assim iniciamos a marcha noite adentro. (BURMEISTER, Op. Cit:70)
Segundo Maria Sylvia de Carvalho Franco o condutor de uma tropa tinha como funções, entre outras, garantir o cuidado com os animais, realizar a vigilância da carga e a supervisão dos escravos, na medida em que o cumprimento de tais funções era determinante para o êxito das transações. (FRANCO, 1997:71) Sobre essas tropas, Franco fala que “Carregadas de produtos de exportação ou de gêneros de subsistência, as tropas de burros percorreram ativamente o pais durante todo o século XIX e cortaram em todas as direções (...). (Ibidem:66)
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O movimento de tropas promoveu a ocupação do entorno de alguns lugares percorridos. percorridos. Pousos de tropeiros formaram núcleos de povoamento. A circulação intensa dessas tropas contribuiu também para o desenvolvimento das localidades já existentes. Nesse sentido, o Itaboraiense Salvador de Mendonça, no início do século XX, assinala que os tropeiros já estavam presentes em Itaboraí desde o século XVII e mostra que tal presença viabilizou o povoamento na região. Vale destacar que o local que está sendo mencionado por Mendonça é a região que se tornou, no século XIX, a sede administrativa da Vila de São João de Itaborahy e não as proximidades do rio Macacu. O escritor fala que: “No século XVII, o governador Salvador Corrêa de Sá mandou abrir a estrada de Campos dos Goytacases a Niterói. Essa estrada passava pela colina de Itaboraí (...). No alto da colina, à beira dessa estrada, havia uma fonte sob um bosque frondoso. Tornou-se esse lugar um ponto de parada para as tropas que por ali transitavam. Levantaram-se ranchos ao lado oposto da fonte, esses ranchos foram as primeiras casas itaboraienses. A fonte dera o nome ao lugar – Itaboraí que quer dizer “Pedra Bonita escondida na água” (...)” .(MENDONÇA,1907)
Em relação à composição das tropas, Burmeister menciona a participação dos escravos: Cada grupo de sete bestas ocupa um escravo como condutor e forma um lote. Uma tropa compõe-se de um número variável de lotes e é dirigida por um “tropeiro”. Os escravos marcham cada um atrás de seu lote, vigiando e servindo-se de grossos paus, de dois pés de comprimento, que atiram com muita habilidade sobre os animais que se detêm na estrada para pastar. O tropeiro, montado a cavalo, superintende o conjunto. O seu cavalo é que indica o caminho à tropa; as mulas seguem-no (...) Os trabalhos de carregar e descarregar ocupam sempre dois escravos, que suspendem o fardo ao mesmo tempo de ambos os lados do animal, pois este não suporta o peso de um só lado (...)Por isto é necessário levar no mínimo dois escravos, mesmo que a tropa não tenha mais de quatro ou cinco animais, desde que não se queira ajudar em pessoa este trabalho, o que rebaixa, aos olhos dos brasileiros, o viajante. Jornadeando como eu, com tropeiro alugado, todos os cuidados da bagagem ficam a cargo deste, o qual porém deve ser tratado com a máxima consideração. (BURMEISTER, Op. Cit:72)
Embora Burmeister não explicite com exatidão o número de escravos que compunham a tropa que lhe acompanha, demonstra que os cativos estavam presentes na viagem, pois assinala que os trabalhos de carregar e descarregar só seriam realizados pelos viajantes, caso esses não alugassem os trabalhos dos tropeiros.
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A pesquisadora Elione Silva Guimarães, ao realizar uma análise das tropas e tropeiros nas Minas Gerais Oitocentista, observa “que a expressão “tropeiro” foi amplamente utilizada em Juiz de Fora como uma especialização de cativos; portanto, o termo não estava necessariamente associado ao dono da tropa ”.(GUIMARÃES, (GUIMARÃES, 2006:211)
Em Itaboraí também ocorreu a especialização do escravo como tropeiro, além de diversos outros ofícios. Tal fato está associado a sua condição de entreposto comercial, na medida em que era uma região caracterizada por ser mais uma das áreas de passagem do Recôncavo Recôncavo da Guanabara, Guanabara, constatada pelo fluxo constante constante de viajantes viajantes e tropeiros. tropeiros. Desta forma, torna-se possível supor que tal prática tenha gerado uma valorização do valor do escravo, sobretudo do sexo masculino. Burmeister não citou em seus relatos a presença de mulheres escravas acompanhando as tropas, apenas homens, o que não significa que não tenha existido, porém sua narrativa representa um indicativo de que os cativos do sexo masculino tenham predominado. O tropeirismo não foi uma atividade com o uso exclusivo da mão de obra escrava, mas sim, um movimento que favoreceu a circulação de pessoas independente de sua condição social. (BEZERRA, 2010:62) Assim, tanto escravos, como libertos e livres, de alguma forma participaram das das tropas que transportavam transportavam pessoas e mercadorias mercadorias pelo sertão do Macacu. A mobilidade e circulação de pessoas que faziam parte do cotidiano de Itaboraí propiciou a ampliação dos espaços de sociabilidades dos escravos, gerando assim a diversificação das relações escravistas na região. O uso do escravo na lavoura, embora ainda muito utilizado, passou a ter a concorrência da especialização do escravo em outros ofícios, na medida em que tal prática despertou a atenção de alguns fazendeiros em converter essa ação como um meio de sustento. (COSTA, 2013) Contudo, a aceitação do uso do cativo fora da lavoura monocultora não ocorria com todos os fazendeiros, sobretudo nas maiores fazendas ligadas às plantações direcionadas para exportação. No início da segunda metade do século XIX, era muito comum, em Itaboraí, Itaboraí, publicações em jornais criticando quem utilizasse o trabalho dos escravos em atividades que não fosse o trabalho na plantação de seu senhor. Como consta no Jornal: “Pedro Antônio Marques Rosa e outros fazendeiros de Itapacorá previnem ao negociante da Venda das Pedras, que recorrerão à autoridade competente se continuar no mau costume de dar dinheiro aos seus escravos para carregarem
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gêneros nos carros que conduzem, desviando assim os escravos dos serviços de seus senhores”. (O POPULAR, 1855:4)
Pela publicação acima, é possível perceber também, que embora não tivesse o consentimento do seu senhor para trabalhar fora das fazendas, o escravo buscava espaços de trabalho diferenciados, o que demonstra as possibilidades de especialização do trabalho existentes nesse período e a ação direta dos escravos nesse contexto. No caso dos cativos tropeiros, esses usufruíam das viagens e deslocamentos para construir hábitos de autonomia e desenvolviam com isso condições expressivas de negociação e resistência a escravidão. A pesquisadora Maria Helena P. T. Machado, mencionando a historiadora Maria Cristina Cortez Wissenbach, demonstra a dimensão da valorização social para o escravo escravo que participava participava das tropas, tropas, pois: “as paradas de tropas, com sua sociabilidade mais solta, agre gava agre gava diferentes personagens (...), tecendo laços sociais, expandindo possibilidades preciosas, sobretudo para escravos. Decerto os cativos por meio do tropeirismo, organizavam suas vidas, laços amorosos e amizades, contraíam dívidas, se faziam de mensageiros, enfim encontravam espaços de valorização social e independência, mormente porque o escravo tropeiro era sempre um escravo de confiança, que gozava o privilégio da mobilidade espacial, sem poder o senhor, ao menos ostensivamente, vigiá-lo”. vigiá- lo”.(MACHADO, 2004:26)
O distanciamento da vigilância senhorial possibilitou para o escravo uma oportunidade maior de fuga. Sua permanência nas tropas era condicionada, principalmente, pelas possibilidades de alcance alcance da liberdade, do que pela pela exclusividade do uso da violência. violência. Em sua grande maioria, o escravo tropeiro era um escravo de ganho 3. A prática do pecúlio 4, entre outras, representou representou uma das intenções presentes nas negociações com seu senhor. A condição de escravo de confiança esteve associada diretamente a continuidade das relações que alimentavam a expectativa da liberdade. O proprietário que rompesse esse laço aumentaria as possibilidades do não retorno de seus cativos. cativos. Desta forma, é possível pensarmos nos diferentes níveis de negociação que o escravo realizava com o seu senhor, sobretudo o cativo com domínio em ofícios existentes além do ambiente da lavoura. Em relação às fugas do escravo tropeiro em Itaboraí, a sua mobilidade, 3
Escravos que realizavam tarefas remuneradas e entregavam, no término do serviço, uma determinada soma a seu senhor ou senhora. O excedente dessa quantia ficava com o escravo. 4 Soma em dinheiro que os escravos acumulavam com o consentimento do s eu senhor ou senhora.
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com o próprio domínio do ofício, possivelmente viabilizou sua inserção social em espaços diferenciados. Nos jornais do século XIX em Itaboraí, os anúncios de fugas de escravos constantemente constantemente os citavam com especializações especializações em variados ofícios. Nessa região, os valores da recompensa desses escravos tendiam a ser maiores do que os escravos de roça ou de serviços de casa e costura. No caso dos tropeiros, a continuidade da publicação da fuga em diversos anos, além de demonstrar que o cativo continuava fugido, assinalava também o nível de circulação desses escravos na sociedade escravocrata. Esse foi o caso do escravo Ivo, tocador da tropa que passava pelo Porto das Caixas, como mostra o Jornal em 1855: “Fugiu do Porto das Caixas da tropa do tenente coronel Dionísio da Cunha Ribeiro Feijó, um escravo tocador dessa tropa, de nome Ivo, I vo, crioulo d a Bahia, idade 20 a 22 anos pouco mais ou menos, (...) também trabalha de pedreiro, e na Bahia o seu ofício era de bolieiro. Quem o apreender ou dele der notícia certa ao seu senhor, o sobredito coronel, na sua fazenda (...) ou no Porto das Caixas ao Sr. Nabuco Monteiro Sarzedas, será bem gratificado”. (O POPULAR, 1855:4)
O escravo Ivo além de ser tropeiro, possuía outros ofícios e somado a sua idade, estando na fase produtiva de um cativo, o tornava ainda mais valioso para o seu senhor. Da “Sabino, pardo, de 24 anos de idade (...) oficial de carpinteiro mesma forma temos o escravo “Sabino, e tropeiro que andava pelas terras das fazendas de S. Thomé, Pilões e Cassoritiba.” (Idem,
1856:4) A faixa etária produtiva, os diferentes domínio de ofícios e a implementação da Lei Eusébio de Queiróz em 1850 5 fez com que o valor desses cativos se elevasse consideravelmente, o que explica as insistidas tentativas de captura pelos seus senhores demonstradas nos constantes anúncios de fugas. Em um anúncio do Jornal O Popular foi possível observar uma descrição do perfil de um escravo tropeiro: “no dia 18 de Agosto deste ano o escravo Fortunato crioulo, tropeiro vindo do Porto das Caixas com tropa, tendo perdido uma carga de café. Nessa noite dormiu em casa do Sr. Reginaldo Mauricio de Oliveira e ao amanhecer do dia 19 evadiu-se. Estatura ordinária, corpo regular, cor preta, rosto descarnado, pouca barba, com falta de alguns dentes na frente, as veias das pernas um tanto grossas e bastantes pulsadas; idade 40 anos, mas não representa ter; levou vestido calça e camisa az ul 5
Determinou o fim do tráfico internacional de escravos para o Brasil.
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de riscadinho miúdo, estando a calça mais desbotada e sendo as listas mais largas, chapéu de palha, costuma trazer por baixo do chapéu barrete de meia e outras vezes lenço amarrado com as pontas para trás, ele pita cachimbo e masca fumo. Quem o levar ao senhor Manoel Luiz da Silva (...) será gratificado”. (O POPULAR,
1860:3)
Continuando a viagem de Hermann Burmeister, através da montaria, ele chega às proximidades de Porto das Caixas. O observador estrangeiro comenta que “o lugar de nosso pernoite chama-se Marabi e as luzes que víramos à noite eram (...) Porto das Caixas, situada à margem do rio Aldeia, afluente do Macacu.”. (BURMEISTER, Op. Cit: 72)
No século XIX diversos outros viajantes passaram por Porto das Caixas e demonstraram a movimentação de tropas que existiam ao redor do Porto. Citando novamente o inglês Gilbert Farquhar Mathison é possível percebermos essa circulação. Em quatro de Setembro de 1825: “Viajamos devagar e alcançamos Porto das Caixas, um povoado a seis milhas dali, antes das três da tarde. Aí o embarque da produção do interior para a capital dá-se em uma escala bem maior. Observamos várias mulas e os tropeiros que as aguardavam, indo e vindo continuamente, muitos dos quais viajavam juntos com o intuito de se protegerem. Cada mula carregava dois cestos, feitos de couro de vaca, amarrados sobre o lombo do animal com um tipo de sela feita do mesmo material. São, de maneira geral, os negros e os crioulos brasileiros de classe mais baixa os guias subalternos. Os tropeiros-mestres, porém, são pessoas de certa importância, especialmente no que toca à autoestima que mostram ao cavalgarem juntos, em um grupo separado, a uma distância considerável da cavalgada. São, geralmente, coproprietários e muito ricos, comerciam por conta própria ou transportam grandes somas em dinheiro a eles confiadas”. confiadas”.(MATHISON, Op. Cit:1).
Na narrativa do viajante inglês a participação do escravo nas tropas é direcionada à condição de subalternidade. Não negando que esse tipo de relação tenha ocorrido, vale ressaltar que o olhar do estrangeiro estava carregado de concepções que inferiorizava o negro, não reconhecendo, em sua totalidade, as habilidades dos escravos nas funções que exerciam. Assim, diferente dos escritos do viajante, pensar na possibilidade de ter um escravo tropeiro como mestre não soa como algo impossível. O príncipe Adalberto da Prússia, em 1842, também esteve na região de análise. Esse viajante, ao contrário de Burmeister, passou pela sede administrativa da Vila de São João de Itaborahy. Sua narrativa representa um dos poucos - para não dizer o único - registros
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produzidos por um um viajante referente referente ao local onde foi foi construída a Igreja Igreja de São João João Batista. Segundo ele: “a povoação povoação de São João do Itaboraí (...) consiste numa praça com um par de ruas muito curtas. Na praça ficava a igreja, perto da qual nos apeamos diante duma venda numa viela. Da entrada da igreja avista-se toda a região: meras cadeias de colinas umas atrás das outras, estendendo-se até ao horizonte” horizonte”..(ADALBERTO, 2002:105)
Chegando a Porto das Caixas, o viajante prussiano se depara como uma região de pouso chamado Campus do Marabu, provavelmente a mesma região que posteriormente posteriormente Burmeister passou e chamou de Marabi. Ao chegar ao lugarejo fica impressionado com a movimentação ao redor do porto. Fala que “os barcos abertos com um pequeno toldo na popa (...) estavam ancorados (...) e testemunhavam o bastante grande movimento que reina nesse porto, o que era igualmente indicado indicado pelas numerosas e g randes randes vendas (...)”. (Ibidem:107)
Em direção a Vila de Macacu comenta que o caminho vindo de São João de Itaboraí, passando por Porto das Caixas era na sua maior parte largo e que “na extremidade do terrapleno, cortada por pontes, fica numa situação um pouco elevada a pequena aldeia de Macacu, ensombreada por palmeiras palmeiras e arvoredo baixo” . (Idem. Ibidem)
Logo em seguida o príncipe faz menções aos tropeiros, alegando que a composição desses grupos era maioria de escravos, negros e mulatos e em um tom depreciativo fala do local montado para abrigá-los. “Encontramos também alguns bivaques de tropas. Os muares estavam amarrados a altos moirões; as peneiras contendo o café e as selas ficavam empilhadas num montão quadrado. Por cima estavam estendidas peles que, excedendo-o de um lado e sustentadas por estacas, formavam a tenda para os homens seminus, servindo durante a marcha para cobrir as cargas. Diante dela os tropeiros tinham levantado três estacas, como se faz com as espingardas ensarilhadas, atadas no topo e entre elas pendia um caldeirão por cima do fogo. Essa gente cuja maioria era de escravos, negros e mulatos, entre os quais se veem às vezes alguns índios, não necessita de mais conforto” . (Ibidem:107-108)
Retomando Burmeister, ao finalizar o trajeto, ele passa pela sede administrativa da Vila de Santo Antônio de Sá, a qual chamou de Santo Antônio de Macacu e em seguida prossegue sua viagem, assim assim como os outros outros viajantes, mas o acompanhamento acompanhamento do autor desta obra se reteve a região de Itaboraí. Outros viajantes foram aqui mencionados, como um meio
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de demonstrar o quanto a região da Vila de São João de Itaborahy representou, no século XIX, uma área de passagem no Recôncavo da Guanabara. Além disso, através desse recurso, junto com os anúncios de jornais, foi possível apontar a dimensão da circulação do escravo tropeiro em Itaboraí, na medida em que foram mencionados em diferentes relatos. O troperismo representou um dos ofícios que contribuiu para ampliação dos espaços de sociabilidade dos escravos negros. Uma especialização que, devido a sua mobilidade, foi capaz de gerar a confluência entre os espaços urbanos e rurais. Uma atividade que gerou variados níveis de negociação e, consequentemente, consequentemente, resistências à escravidão. O estudo desta prática viabiliza o reconhecimento reconhecimento da diversidade das relações escravistas, apresentando apresentando um olhar interpretativo que busca compreender as complexidades sociais desenvolvidas fora da área da grande lavoura monocultora.
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