UMA INTERPRETAÇÃO DO DESEJO: ENSAIOS SOBRE O ESTUDO DA SEXUALIDADE John H. Gagnon Tradução: Lucia Ribeiro da Silva Revisão técnica: Sérgio Carrara e Horacio Sívori
Coordenação Maria Alzira Brum Lemos
CONSELHO EDITORIAL Bertha K. Becker Candido Mendes Cristovam Buarque Ignacy Sachs Jurandir Freire Costa Ladislau Dowbor Pierre Salama
Dirigida por Maria Luiza Heilborn e Sérgio Carrara Coordenação Editorial Jane Russo e Anna Paula Uziel
Assistente Isabel Miranda
CONSELHO EDITORIAL Albertina Costa Daniela Knauth Leila Linhares Barsted Maria Filomena Gregori Mariza Correa Parry Scott Peter Fry Regina Barbosa Richard Parker Roger Raupp Rios
sexualidade e gênero nas ciências sociais
UMA INTERPRETAÇÃO DO DESEJO: ENSAIOS SOBRE O ESTUDO DA SEXUALIDADE John H. Gagnon
tradução: Lucia Ribeiro da Silva revisão técnica: Sérgio Carrara e Horácio Sívori
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Editora Garamond Ltda Caixa Postal: 16.230 Cep: 22.222-970 Rio de Janeiro – Brasil Telefax: (21) 2504-9211 e-mail:
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Projeto Gráfico de Capa e Miolo Anna Amendola
Revisão Nome dos Revisores Editoração Eletrônica Tiago Rodrigues de Castro [Letra & Imagem]
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE DO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ. S529 Uma interpretação do desejo: ensaios sobre o estudo da sexulidade / Gagnon, John H.. – Rio de Janeiro : Garamond, 2004 448p. 14x21cm - (Sexualidade, gênero e sociedade) Parte dos textos apresentados no Seminário Sexualidades e Saberes, Convenções e Fronteiras, organizado pelo Centro Latinoamericano em Sexualidade e Ciências Sociais/CLAM da UERJ e o Núcleo de Estudos de Gênero PAGU, da Universidade Estadual de Campinas, em junho de 2003 Inclui bibliografia ISBN 85-7617-048-5 1. Sexo (Psicologia). 2. Sexo (Psicologia)- Aspectos sociais. 3. Comportamento sexual. 4. Homossexualismo. I. Piscitelli, Adriana. II. Gregori, Maria Filomena. III. Carrara, Sérgio. IV. Série. 04-3076.
CDD 306.7 CDU 392.6
Apoio:
Para Cathy Stein Greenblat, sem cuja presença teria havido muito menos... de tudo.
ÍNDICE PREFÁCIO
John H. Gagnon
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INTRODUÇÃO
Jeffrey Escoffier
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PRÓLOGO: UMA HISTÓRIA IMPROVÁVEL (1990)
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I. ROTEIROS, CONDUTA E CIÊNCIA PESQUISA SOBRE AS PRÁTICAS SEXUAIS E MUDANÇA SOCIAL (1975)
_65
OS ROTEIROS E A COORDENAÇÃO DA CONDUTA SEXUAL (1974)
111
RECONSIDERAÇÕES: OS RELATÓRIOS KINSEY (1978)
151
A CIÊNCIA E A POLÍTICA DA PATOLOGIA (1987)
161
PREFERÊNCIA QUANTO AO GÊNERO NAS RELAÇÕES ERÓTICAS: A ESCALA KINSEY E OS ROTEIROS SEXUAIS (1990)
167
O USO EXPLÍCITO E IMPLÍCITO DA PERSPECTIVA DA ROTEIRIZAÇÃO NAS PESQUISAS SOBRE A SEXUALIDADE (1991)
211
II. A BUSCA DO DESEJO DOENÇA E DESEJO (1989)
271
TEORIZANDO AS PRÁTICAS SEXUAIS DE RISCO (2000)
307
EPIDEMIAS E PESQUISADORES: A AIDS E A PRÁTICA DOS ESTUDOS SOCIAIS (1992)
343
O CAPITÃO COOK E A PENETRAÇÃO DO PACÍFICO (1997)
363
QUEM ERA ESSA MOÇA? (2000)
387
EPÍLOGO: REVISITANDO A CONDUTA SEXUAL (1998)
403
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
425
ÍNDICE REMISSIVO
445
PREFÁCIO John H. Gagnon
Nenhum escritor jamais foi o primeiro, embora confundir-se com Deus seja uma tentação dos autores, e nenhum escreve sozinho, apesar de talvez muitos se sentirem solitários ao escrever. A parceria em qualquer texto compõe-se de co-autores visíveis e invisíveis. Às vezes, essa rede de outros é reconhecida sob a forma de notas de rodapé ou referências bibliográficas, ou em prefácios como este, nos quais determinadas pessoas são citadas como fontes de influência ou auxiliares numa tarefa específica. Outras permanecem menos visíveis, como presenças obscuras cujas conversas com o autor sobre o tema do trabalho (ou de natureza mais geral) tenham sido instrutivas ou corretivas, mas não reconhecidas no texto impresso. Ainda mais fantasmagóricos são os autores dos livros lidos e recordados (ou esquecidos) que tenham construído uma postura mental em relação ao mundo. E estes são apenas uma seleção minúscula do vasto mar coletivo de textos não-lidos em que o autor vai remando ao escrever. E esse mar de textos não passa de uma poça no oceano de interlocução, mais comumente esquecido do que registrado. Este é o prefácio de um conjunto de ensaios solo, escritos ao longo de muitos anos, ainda que ponderados com o presente, durante os quais o autor se envolveu numa multiplicidade dessas extensas relações 9
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acadêmicas. Algumas delas implicaram pesquisas e publicações; outras envolveram pesquisas que tiveram pouca ou nenhuma divulgação; e outras consistiram apenas em conversas intelectuais. Os ensaios trazem a marca dessas relações acadêmicas; no processo de ampliação, resistência, homenagem e rejeição, eles nunca são indiferentes à influência de outrem. Em muitos casos, tais ensaios foram estimulados por convites de terceiros para falar ou escrever (e devo muito àqueles que os fizeram), e as idéias expressas sempre foram moldadas pelas situações em que foram apresentados pela primeira vez. Neste sentido, cada ensaio é localizado na biografia do autor, mas cada um possui a pretensão de transcender o local, a fim de se tornar parte do mundo cosmopolita dos textos em geral e influenciar as idéias de outrem. Cada qual faz parte daquele processo narcisista maior que Kohut descreveu como a idealização das ambições pessoais e da condição de ter ambições em relação aos próprios ideais. No momento mesmo em que reconheço o peso da participação dos colegas, fica evidente para mim que não posso citar todos os que contribuíram de um ou de outro modo para estes ensaios, escritos ao longo de um quarto de século. Agradecer a todos ou não agradecer a ninguém? O dilema fica explícito. Agradecer a todos seria um processo longo demais e apresentaria um número ainda maior de personagens que nenhum leitor conhece. Não agradecer a ninguém contraria a ideologia do autor. E não há solução. Portanto, seguem-se apenas algumas dezenas de nomes. Três provêm da época em que estas idéias ainda não eram idéias: Thomas B. Stauffer, exilado do Departamento de Estado para o Hyde Park e para o ativismo local; Hans Walter Mattick, com quem passei três anos na Prisão do Condado de Cook; e Frank Oliver, um advogado criminalista de Chicago. Na Universidade de Indiana, Alfred Lindesmith, Albert Cohen e Sheldon Stryker estavam no Departamento de Sociologia. No Instituto de Pesquisas sobre a Sexualidade, Paul Gebhard e os professores visitantes Steven Marcus, Morse Peckham e George Steiner, com os quais tenho uma dívida especial de gratidão. Lá estava também William Simon, que conheci durante quase toda a minha vida: todos os ensaios deste volume trazem a marca de nosso trabalho conjunto, que prosseguiu para além 10
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do trabalho do Instituto, numa medida mais modesta, desde 1973 até a morte dele, em 2000. Em Stony Brook, estavam: na Psicologia, Gerald C. Davison e Raymond Rosen; na Ecologia e Evolução, Lawrence Slobodkin; na Sociologia, Lewis e Rose Coser, Charles Perrow, Judith Tanur, Michael Kimmel, Wallace Davis e Richard Williams; e, entre os alunos, alguns dos quais são hoje colegas, Jorge Arditi, Lee Clarke, William Gronfein, Gladys Rothbell, Patricia Pugliani, Patrick Moynihan e Mathew Kowalski. Outros: um russo – Igor Kon, do Instituto de Etnologia da Academia de Ciências da Rússia; alguns dinamarqueses – Berl Kutchinsky, Susie Haxthausen, Nini Praetorius e Karin Lutzen; os ingleses – Kenneth Plummer e Everard Longland, Jeffrey Weeks, Laurie Taylor, Stan Cohen, Stevie Jackson e Antony Grey; um holandês – Theo Sandfort; um francês – Alain Giami; e um alemão – Gunter Schmidt. Antes da AIDS: Judith (Pepper) Schwartz, Célia Marriott e Elizabeth Roberts. Depois da AIDS: Shirley Lindenbaum, Martin Levine, Peter Nardi, Richard Parker, Edward Laumann, Robert Michael, Stuart Michaels, Martina Morris, Gina Kolata, Anke Ehrhardt e Joseph Catania. E, por fim, Bennett Berger, Jeffrey Escoffier, Gilbert Herdt, Carole Vance e Gayle Rubin, bem como Cathy Stein Greenblat, a quem este livro é dedicado. Todas essas pessoas são protagonistas das conversas que formam o pano de fundo deste livro. Como disse Kenneth Burke (presença constante nestas páginas): De onde o drama retira seu material? Da “conversa infindável” que se desenrola no ponto da história em que nascemos. Imagine que você entra num salão. Chega atrasado(a). Ao chegar, faz muito tempo que outros o(a) precederam, e eles estão em meio a uma discussão acalorada, acalorada demais para que façam uma pausa e lhe digam exatamente a que ela se refere. Na verdade, a discussão já tivera início muito antes de qualquer deles chegar lá, de modo que nenhum dos presentes está apto a re-
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percorrer com você todos os passos dados antes. Você escuta um pouco, até decidir que captou o tema da discussão, e então entra com seus palpites. Alguém responde e você retruca; outra pessoa entra em sua defesa, enquanto outra se alinha contra você, para constrangimento ou alegria de sua adversária, dependendo da qualidade da ajuda de seu aliado. Mas a discussão é interminável. Está ficando tarde e você tem de ir embora. E vai, com a discussão ainda vigorosamente em andamento. (1974, pp. 110-111).
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INTRODUÇÃO Jeffrey Escoffier
Nos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, a sociologia norte-americana conquistou uma legitimidade (senão influência) sem precedentes, mas pagou um preço por ela. Tornou-se cada vez mais institucionalizada – praticamente todas as faculdades e universidades passaram a ter um departamento de sociologia – e foi dominada por dois grandes projetos organizadores: a macrossíntese teórica do funcionalismo e as restrições empíricas da sociologia de médio alcance. Os autores desses projetos, Talcott Parsons e Robert Merton, retratavam a sociedade como um sistema coerente, mas diferenciado, quase impermeável às mudanças drásticas ou ao caos político – um sistema passível de ser estudado por meio de levantamentos quantitativos a-históricos sobre indivíduos. Eles não compreenderam, nas palavras de C. Wright Mills, “o cenário histórico mais amplo, em termos de seu significado para a vida interna e a carreira externa de uma multiplicidade de indivíduos” (Mills, 1959, p. 5). Uma das conseqüências dessa falha foi a irrelevância crescente da sociologia profissional para o discurso intelectual público. As grandes obras da sociologia que eram populares na década de 1950 – The Lonely Crowd , The Power Elite , The Status Seekers , The End of Ideology – pro13