OS CABEÇAS DE PLANILHA 1/127 HA 1/127 O Plano Real.doc Os Cabeças de Planilha POR LUÍS NASSIF 28/08/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 2/127 OS CABEÇAS DE PLANILHA - ESTRUTURA 5 INTRODUÇÃO 6 ENCILHAMENTO E REAL: OPORTUNIDADES PERDIDAS 9 OS PERSONAGENS DA HISTÓRIA 10 FERRAMENTAS DE PODER 10 CHUTANDO A PRÓPRIA ESCADA 14 O EXEMPLO AMERICANO 14 O EXEMPLO INGLÊS 15 O EXEMPLO DA ARGENTINA 18 A RECEITA DO CRESCIMENTO 19 OS NOVOS TEMPOS 22 AS REVOLUÇÕES TECNOLÓGICAS 22 A HAUTE FINANCE 22 AS GRANDES BOLHAS ESPECULATIVAS 25 A SEGUNDA FASE DO DESENVOLVIMENTO: A ABOLIÇÃO 27 PROJETO DE PAÍS 30 O PRIMEIRO ATO DO ENCILHAMENTO 31 O SEGUNDO ATO DO ENCILHAMENTO 33 O TERCEIRO ATO DO ENCILHAMENTO 36 O QUARTO ATO DO ENCILHAMENTO 39 A CRISE FISCAL E O ESMAGAMENTO DOS ESTADOS 40 OS NEGÓCIOS DE RUI 40 INTERESSES DIVERSOS 41 O JOVEM GUSTAVO FRANCO 41 A REDEMOCRATIZAÇÃO E O PLANO CRUZADO 43 OS NOVOS FINANCISTAS 46 A NOVA ONDA DE GLOBALIZAÇÃO FINANCEIRA 47 NIXON 47 REAGAN 47 AS REVOLUÇÕES TECNOLÓGICAS 47 OS GRANDES MOVIMENTOS ESPECULATIVOS 48 O BRASIL ENTRA NA ERA MODERNA 51 O PROGRAMA QUE MUDOU O BRASIL 51 A MICRO-ECONOMIA SE CASA COM A MACRO 53 TANCREDO 54 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59
Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 13 Deleted: 13 Deleted: 14 Deleted: 17 Deleted: 21 Deleted: 18 Deleted: 21 Deleted: 21 Deleted: 26 Deleted: 24 Deleted: 29 Deleted: 29 Deleted: 32 Deleted: 35 Deleted: 38 Deleted: 38 Deleted: 38 Deleted: 39 Deleted: 42 Deleted: 40 Deleted: 46 Deleted: 45 Deleted: 46 Deleted: 46 Deleted: 46 Deleted: 50 Deleted: 47 Deleted: 50 Deleted: 52 Deleted: 53 HA 2/127 OS CABEÇAS DE PLANILHA - ESTRUTURA 5 INTRODUÇÃO 6 ENCILHAMENTO E REAL: OPORTUNIDADES PERDIDAS 9 OS PERSONAGENS DA HISTÓRIA 10 FERRAMENTAS DE PODER 10 CHUTANDO A PRÓPRIA ESCADA 14 O EXEMPLO AMERICANO 14 O EXEMPLO INGLÊS 15 O EXEMPLO DA ARGENTINA 18 A RECEITA DO CRESCIMENTO 19 OS NOVOS TEMPOS 22 AS REVOLUÇÕES TECNOLÓGICAS 22 A HAUTE FINANCE 22 AS GRANDES BOLHAS ESPECULATIVAS 25 A SEGUNDA FASE DO DESENVOLVIMENTO: A ABOLIÇÃO 27 PROJETO DE PAÍS 30 O PRIMEIRO ATO DO ENCILHAMENTO 31 O SEGUNDO ATO DO ENCILHAMENTO 33 O TERCEIRO ATO DO ENCILHAMENTO 36 O QUARTO ATO DO ENCILHAMENTO 39 A CRISE FISCAL E O ESMAGAMENTO DOS ESTADOS 40 OS NEGÓCIOS DE RUI 40
INTERESSES DIVERSOS 41 O JOVEM GUSTAVO FRANCO 41 A REDEMOCRATIZAÇÃO E O PLANO CRUZADO 43 OS NOVOS FINANCISTAS 46 A NOVA ONDA DE GLOBALIZAÇÃO FINANCEIRA 47 NIXON 47 REAGAN 47 AS REVOLUÇÕES TECNOLÓGICAS 47 OS GRANDES MOVIMENTOS ESPECULATIVOS 48 O BRASIL ENTRA NA ERA MODERNA 51 O PROGRAMA QUE MUDOU O BRASIL 51 A MICRO-ECONOMIA SE CASA COM A MACRO 53 TANCREDO 54 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 13 Deleted: 13 Deleted: 14 Deleted: 17 Deleted: 21 Deleted: 18 Deleted: 21 Deleted: 21 Deleted: 26 Deleted: 24 Deleted: 29 Deleted: 29 Deleted: 32 Deleted: 35 Deleted: 38 Deleted: 38 Deleted: 38
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OS CABEÇAS DE PLANILHA 3/127 28/08/2006 AS IDÉIAS SE IMPÕEM 55 OS PRIMEIROS MOVIMENTOS 56 A SEGUNDA VERTENTE, DA QUALIDADE 57 AS LIÇÕES DE MICHAEL PORTER 58 COLLOR ENTRA EM CENA 60 MUDANDO DE LUGAR 61 O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 62 ESCANTEIO 63 AS IDÉIAS PRÉ-PLANO REAL 64 COMO SE CONSOLIDAM HEGEMONIAS 68 OS PARAÍSOS FISCAIS E OS DOLEIROS 70 A TROPICALIZAÇÃO DOS DÉFICITS GÊMEOS 73 O PLANO REAL 76 DIAGNÓSTICOS 76 A PRIMEIRA ETAPA DO REAL 77 AS REGRAS DE REMONETIZAÇÃO 78 A APRECIAÇÃO DO REAL 79 O FIM DOS SUPERÁVITS COMERCIAIS 81 A NOVA INSTITUCIONALIDADE 81 A GUERRA DE COMPRADOS E VENDIDOS 82 A IRREVERSIBILIDADE DO MODELO 84 O ABANDONO DOS ESTUDOS INICIAIS 85 A NOVA CLASSE 86 D.SEBASTIÃO E A REUNIÃO DE CARAJÁS 87 LÁGRIMAS DEPOIS 89 AS FERRAMENTAS FINANCEIRAS DOS ANOS 90 90 OS GESTORES DE RECURSOS E A PRIVATIZAÇÃO 94 AS INSTITUIÇÕES DA GLOBALIZAÇÃO 95 AS AGÊNCIAS DE RISCO 96 A MANIPULAÇÃO DAS ANÁLISES 99 A LIÇÃO DE CASA E A TAXA DE RISCO 102 A RETÓRICA DOS JURISTAS 102 A FEIJOADA FINANCEIRA 103 A LIÇÃO DE CASA E AS EXPECTATIVAS SUCESSIVAS 105 EM TODO LUGAR É ASSIM 105 O TODO PELA PARTE 107 A FALÁCIA DOS JURISTAS ERROR! BOOKMARK NOT DEFINED. CABEÇA DE PLANILHA 109 A PRIORIDADE ÚNICA ERROR! BOOKMARK NOT DEFINED. O ÚLTIMO VÔO DA GARÇA 110 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59
Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 54 Deleted: 54 Deleted: 55 Deleted: 59 Deleted: 57 Deleted: 60 Deleted: 61 Deleted: 63 Deleted: 62 Deleted: 67 Deleted: 69 Deleted: 74 Deleted: 72 Deleted: 74 Deleted: 75 Deleted: 76 Deleted: 77 Deleted: 79 Deleted: 79 Deleted: 80 Deleted: 82 Deleted: 83 Deleted: 84 Deleted: 85 Deleted: 88 Deleted: 87 Deleted: 92 Deleted: 93 Deleted: 94 Deleted: 96 Deleted: 99 Deleted: 100 HA 3/127 28/08/2006 AS IDÉIAS SE IMPÕEM 55 OS PRIMEIROS MOVIMENTOS 56 A SEGUNDA VERTENTE, DA QUALIDADE 57 AS LIÇÕES DE MICHAEL PORTER 58 COLLOR ENTRA EM CENA 60 MUDANDO DE LUGAR 61
O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 62 ESCANTEIO 63 AS IDÉIAS PRÉ-PLANO REAL 64 COMO SE CONSOLIDAM HEGEMONIAS 68 OS PARAÍSOS FISCAIS E OS DOLEIROS 70 A TROPICALIZAÇÃO DOS DÉFICITS GÊMEOS 73 O PLANO REAL 76 DIAGNÓSTICOS 76 A PRIMEIRA ETAPA DO REAL 77 AS REGRAS DE REMONETIZAÇÃO 78 A APRECIAÇÃO DO REAL 79 O FIM DOS SUPERÁVITS COMERCIAIS 81 A NOVA INSTITUCIONALIDADE 81 A GUERRA DE COMPRADOS E VENDIDOS 82 A IRREVERSIBILIDADE DO MODELO 84 O ABANDONO DOS ESTUDOS INICIAIS 85 A NOVA CLASSE 86 D.SEBASTIÃO E A REUNIÃO DE CARAJÁS 87 LÁGRIMAS DEPOIS 89 AS FERRAMENTAS FINANCEIRAS DOS ANOS 90 90 OS GESTORES DE RECURSOS E A PRIVATIZAÇÃO 94 AS INSTITUIÇÕES DA GLOBALIZAÇÃO 95 AS AGÊNCIAS DE RISCO 96 A MANIPULAÇÃO DAS ANÁLISES 99 A LIÇÃO DE CASA E A TAXA DE RISCO 102 A RETÓRICA DOS JURISTAS 102 A FEIJOADA FINANCEIRA 103 A LIÇÃO DE CASA E AS EXPECTATIVAS SUCESSIVAS 105 EM TODO LUGAR É ASSIM 105 O TODO PELA PARTE 107 A FALÁCIA DOS JURISTAS ERROR! BOOKMARK NOT DEFINED. CABEÇA DE PLANILHA 109 A PRIORIDADE ÚNICA ERROR! BOOKMARK NOT DEFINED. O ÚLTIMO VÔO DA GARÇA 110 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59
Luis Nassif 5/5/11 Luis Nassif 5/5/11 Luis Nassif 5/5/11 Luis Nassif 5/5/11 Luis Nassif 5/5/11 Luis Nassif 5/5/11 Luis Nassif 5/5/11 Luis Nassif 5/5/11 Luis Nassif 5/5/11 Luis Nassif 5/5/11 Luis Nassif 5/5/11 Deleted: 54 Deleted: 54 Deleted: 55 Deleted: 59 Deleted: 57 Deleted: 60 Deleted: 61 Deleted: 63 Deleted: 62 Deleted: 67 Deleted: 69 Deleted: 74 Deleted: 72 Deleted: 74 Deleted: 75 Deleted: 76 Deleted: 77 Deleted: 79 Deleted: 79 Deleted: 80 Deleted: 82 Deleted: 83 Deleted: 84 Deleted: 85 Deleted: 88 Deleted: 87 Deleted: 92 Deleted: 93 Deleted: 94 Deleted: 96 Deleted: 99 Deleted: 100
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OS CABEÇAS DE PLANILHA 4/127 HA 4/127 O FETICHE DO SUPERÁVIT 110 O NOVO BRASIL 113 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 111 Deleted: 109 O NASCIMENTO DO NOVO CICLO 113 O NEO-DESENVOLVIMENTISMO EM GESTAÇÃO 113 A ERA VARGAS E A PERDA DE RUMO 114 O POVO BRASILEIRO 115 A DIPLOMACIA BRASILEIRA 116 O PAPEL DA GRANDE EMPRESA 117 A INOVAÇÃO COMO PARADIGMA 118 PESQUISA E DESENVOLVIMENTO 119 O INPI E AS PATENTES 120 O ATIVO SOCIAL DO SUS 121 O NOVO PLANEJAMENTO 121 A INTEGRAÇÃO CONTINENTAL 122 O INTERESSE NACIONAL 123 O PAPEL DO ESTADO NACIONAL 124 O VÔO DO FALCÃO 125 É A POLÍTICA, ESTÚPIDO 126 Luis Nassif 5/5/11 Luis Nassif 5/5/11 Luis Nassif 5/5/11 Luis Nassif 5/5/11 Luis Nassif 5/5/11 Luis Nassif 5/5/11 Luis Nassif 5/5/11 Luis Nassif 5/5/11 Luis Nassif 5/5/11 Luis Nassif 5/5/11 Luis Nassif 5/5/11 Luis Nassif 5/5/11 Luis Nassif 5/5/11 Luis Nassif 5/5/11 Luis Nassif 5/5/11 Luis Nassif 5/5/11 Deleted: 111 Deleted: 111 Deleted: 112 Deleted: 113 Deleted: 114 Deleted: 115 Deleted: 116 Deleted: 117 Deleted: 118 Deleted: 118 Deleted: 119 Deleted: 120 Deleted: 121 Deleted: 122 Deleted: 123 Deleted: 124 28/08/2006
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OS CABEÇAS DE PLANILHA 5/127 HA 5/127 O OOOs sss C CCCa aaab bbbe eeeç ççça aaas sss d ddde eee P PPPl llla aaan nnni iiil lllh hhha aaa ---E EEEs ssst tttr rrru uuut tttu uuur rrra aaa Introdução As etapas para o desenvolvimento A primeira etapa do desenvolvimento: o café A segunda etapa do desenvolvimento: a Abolição Situação internacional: grandes descobertas tecnológicas. Economia interna e monetização. Sistema financeiro internacional e as grandes bolhas especulativas. As mudanças financeiras Encilhamento As ferramentas de especulação Os financistas do Encilhamento e o capital externo O governo Campos Salles. Movimento tenentista e a moratória de 1933. A redemocratização e o Plano Cruzado Os novos financistas Os "pirañas" financeiros. O plano Collor e os efeitos sobre a poupança. As primeiras privatizações. A entrada de Marcílio.
Os preparativos do plano Real. A tese de Gustavo Franco. O plano Real As ferramentas financeiras A reforma monetária e o Príncipe Os economistas financistas. O novo Brasil e o Real A inclusão de consumidores. Os saltos da economia. A situação mundial e a grande chance 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 6/127 HA 6/127 I IIIn nnnt tttr rrro oood dddu uuuç çççã ããão ooo Em alguns momentos, na vida de uma nação, ocorrem terremotos políticos, geográficos, que chacoalham estruturas sociais estratificadas, ampliam o mercado de consumo e de cidadania e, se bem aproveitados, permitem saltos históricos no desen volvimento de um país. A rigor, esse processo ocorreu três vezes no Brasil. O primeiro, no final do século 19. A Abolição e a política de atração de imigrantes criaram a oportunidade para o grande salto de inclusão social e de ampliação do mercado de consumo. Não houve políticas sociais de inclusão dos libertos; os imigrante s não tiveram a posse da terra, demorando anos para acumular poupança e renovar os hábitos empresariais do país. Sem políticas de integração, em vez de novos cidadãos, se criou uma exclusão social que atravessou o século. A segunda grande oportunidade ocorreu no final dos anos 60. O processo de indust rialização gerou rápida urbanização das cidades. Uma violenta seca no Nordeste provocou enorme processo migratório. Mais uma vez, políticas de inclusão social teriam parido uma nova sociedade, uma nova oferta de mão de obra especializada, um novo mercado consumidor. O regime militar nada fez. O resultado foi a deterio ração dos serviços públicos e a criação das megalópoles, onde hoje em dia se concentra a maior parte da miséria nacional. Depois, o esgotamento do milagre se deu pela falta de um mercado interno vigoroso. Com o plano Real, teve-se a maior chance da história, maior que o pós-Abolição, maior que nos anos 70. As conquistas tecnológicas das últimas décadas esparramaramse por todos os setores. O avanço da logística e das comunicações implodiu a cadeia produtiva convencional das multinacionais. Elas passaram a distribuir sua s fábricas pelo mundo e o Brasil seria o porto natural para os investimentos na Améric a do Sul. O fim da inflação, por sua vez, permitiu que milhões de brasileiros emergissem da noite para o dia para o mercado de consumo de forma indolor, sem movimentos migratórios traumáticos, sem crises políticas desorganizadoras. A explosão de consumo dos meses iniciais do Real atraiu os olhos do mundo. No final de 1994, havia projeções portentosas de crescimento da produção de bens de consumo duráveis e não duráveis, atraindo a atenção das maiores empresas do planeta.
Por volta de 1994 fui entrevistado pela equipe de uma televisão finlandesa que pre parava um especial sobre o Brasil. Estranhei o interesse de um país aparentemente tão afastado do Brasil quanto a Finlândia. A resposta do jornalista foi que o Brasil era a bola da vez. Vocês, a China, a Rússia e a Índia. O conceito do BRICs começava a se consolidar. Dez anos depois visitei a China. O que assisti em Xangai e Pequim foi inesquecível , o parto de uma potência. Esses dez anos haviam sido fundamentais para moldar o futuro da China. A lógica foi preparar uma espécie de projeto piloto de mercado, um mercado consumidor de 60 milhões de pessoas que serviam de chamariz inicial para o capital internacional. E 1,2 bilhão de excluídos como mercado potencial. À medida que os investimentos iam sendo realizados, integravam-se mais chineses ao mercado de consumo, criando mais atrativos para novos investimentos. No Brasil, o sonho acabou em abril de 1995. Um profundo desequilíbrio nas contas externas, intencionalmente provocado pela equipe do plano Real, impediu o país de continuar crescendo. Com as contas externas em frangalhos, o Banco Central preci sou aumentar as taxas de juros de forma explosiva. Houve um cavalo-de-pau na economia. Seguiu-se enorme processo de quebradeira do setor público e privado, e de crescimento exponencial da dívida pública. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 7/127 HA 7/127 O país foi dividido em dois: o país dos dólares que enriqueceu rapidamente aplicando em títulos públicos e o país do Real -- que foi sufocado, sem acesso a crédito, sem condições de rolar seus passivos, pagando cada vez mais impostos para garantir a remuneração dos rentistas. Todos os alertas manteve intocada Henrique Cardoso mais altas taxas
foram feitos já em 1994, mais ainda em 1995. Mas até 1999 se a política cambial. Depois, pelo segundo mandato de Fernando e pelo primeiro mandato de Lula, o BC continuou aplicando as de juros do planeta.
Mês após mês houve um refluxo do mercado, com os novos cidadãos voltando de novo para o limbo, para a zona cinzenta do baixo consumo e da baixa cidadania. Ano após ano o foi sendo queimada a oportunidade histórica de dar um salto no seu processo de desenvolvimento. Da mesma maneira que no início da República, com a política econômica implementada por Rui Barbosa que resultou no episódio conhecido como o Encilhamento pesado jogo especulativo, primeiro com ações, depois com câmbio, que matou por quatro décadas as oportunidades de crescimento da economia brasileira. A vida de um país é formada por janelas de oportunidades. Elas permitem saltos, avanços, que, depois, vão sendo consolidados ano a ano, até o próximo salto, a próxima janela de oportunidades. São esses momentos que colocam à prova a racionalidade das elites. A passagem para um novo paradigma exige a superação dos esquemas de poder tradicionais, exige discernimento na implantação dos novos centros de poder, para evitar que os novos privilegiados imponham seus interesses sobre os interesses maiores de país. Se a acumulação de riqueza do período é canalizada para investimentos produtivos, o país se desenvolve; patina se fica rodando em falso, nos investimentos meramente especulativos. O que leva um governo, uma equipe de economistas presumivelmente preparados, a cometer erros bisonhos, facilmente detectáveis por seus contemporâneos, como foi o caso da apreciação do Real em 1994, ou da remonetização selvagem de Rui Barbosa em 1890? O que os leva a ignorar todos os alertas? A intenção desse trabalho é demonstrar as incríveis semelhanças entre os dois momentos cruciais, talvez as duas maiores janelas de oportunidade que o país já experimentou: a reforma monetária de Rui Barbosa, no alvorecer da República, e o Plano Real, no final do século 20. 1. Ambos os momentos foram precedidos por intensas mudanças tecnológicas nos países centrais que, depois de maduras, passam a buscar os países periféricos. No século 19, as ferrovias, a iluminação a gás e outros avanços ligadas ao processo de urbanização que marcou o período. No século 20, a Internet, as telecomunicações, os novos aparelhos eletrônicos,a computação. 2. Essas descobertas criam a oportunidade para grandes movimentos especulativos, que induzem o sistema financeiro internacional à criação de novas ferramentas financeiras de captação de poupança. A especulação se dá pelo fato de que, sabese que as novas invenções serão dominantes no novo mundo, mas não se consegue avaliar as vitoriosas e qual o prazo de consolidação e o ritmo de crescimento delas. Essa incerteza abre espaço para os grandes movimentos especulativos. No século 19, foram conhecidas as bolhas em torno de ferrovias, navegação a vapor e outros
empreendimentos; no século 20, em torno da Internet, das telecomunicações. 3. Nas duas épocas há uma aceleração dos fluxos de capitais no mundo. À medida que os movimentos especulativos crescem, bolhas são criadas, explodem, outras surgem. Quando os ciclos tecnológicos amadurecem nos países centrais, o grande capital volta os olhos para as economias emergentes. Passa a interferir no próprio processo político desses países, em busca do melhor ambiente para o grande capital, que é o da pax universal. Em meados do século 19 esse movimento é iniciado 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 8/127 HA 8/127 pelos Rotschilds de Londres, comandando a Pax Britânica; no século 20 o movimento começa com a desvinculação do dólar do ouro, no governo Nixon, em 1972, acelerase com o fim da União Soviética, e é comandado basicamente pelo Citibank, seguido dos grandes bancos de investimento norte-americanos. 4. Para que esse movimento seja maximizado, há a criação de uma ideologia de defesa do livre fluxo de capitais, da interferência política nos países periféricos (par a impedir a eclosão de guerra ou o não cumprimento de contratos), da cooptação de quadros técnicos, políticos e econômicos, como associados menores desse capital. Esses quadros técnicos atuam especialmente em duas frentes: na regulamentação da economia e na garantia de livre fluxo cambial. 5. Tem-se uma paz duradoura no período, comandada pelo grande capital. A utopia fascina. Imagina-se que, à medida que os países centrais vão se desenvolvendo, os custos vão se tornando elevados, e o capital transbordaria para países periféricos universalizando o desenvolvimento. Bastaria, portanto, um ambiente favorável ao capital financeiro, livre circulação de capitais, que o desenvolvimento viria por si só. Em meados do século 19, a teoria em voga era a das vantagens comparativas. Cada país deveria se fixar naquilo que deveria ser sua vocação histórica um princípio que condenava os produtores de matérias primas a se manterem assim até o final dos tempos. No final do século 20, vingou a teoria do capital externo como provedor de poupança para os países emergentes. Bastaria criar as condições adequadas à sua atração, que o desenvolvimento se produziria automaticamente. Em ambas as ocasiões os emergentes que seguiram o receituário clássico tornaramse reféns de crises cambiais freqüentes. No final do século 19 representada pela quebra do Banco Bahrings, que provocou uma forte crise cambial na Argentina , rebatendo imediatamente no Brasil. No final do século 20, com o Brasil afetado sucessivamente pelas crises do México, Ásia, Rússia até explodir o modelo cambial no início de 1999. 6. Em ambos os períodos, há a ampliação do processo de industrialização. No século 19, com o capital inglês transbordando e permitindo a industrialização tanto dos EUA quanto da Europa. No final do século 20 com a implosão da cadeia produtiva das grandes multinacionais, em um movimento de implantação de grandes unidades em alguns países-chave, particularmente nos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China). Mas, curiosamente, só crescem os países que não seguem as regras preconizadas pelas grandes potências. Quem se abre para o livre fluxo de capitais e de comércio, não consegue se desenvolver. Nos dois momentos já havia um conhecimento sistematizad o sobre os passos dados por países que lograram alcançar o desenvolvimento. Mas esse conhecimento é sufocado pela atoarda ideológica dos que defendiam o livre fluxo de capitais. 7. Em ambos os momentos, o Brasil perde o bonde. No final do século 19 com o episódio conhecido como o Encilhamento; no final do século 20, com a apreciação do Real. Houve uma mesma lógica explicando os dois episódios e, em ambos os momentos, crises cambiais que ajudam a precipitar o desastre. Nos dois episódios, o processo-chave a ser desvendado é o da remonetização da economia. Isto é, o processo de injeção de moeda na economia de forma maciça, processo de reforma monetária que se repete poucas vezes na história e que confere a seus formuladores poderes discricionários. Se utilizados com sabedoria e patriot
ismo, mudam a face dos países; se se deixam prevalecer os interesses individuais, matam por gerações as chances de desenvolvimento. É isso o que procuraremos sintetizar no próximo capítulo. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 9/127 HA 9/127 E
EEEn nnnc ccci iiil lllh hhha aaam mmme eeen nnnt ttto ooo e eee R RRRe eeea aaal lll: ::: o ooop pppo ooor rrrt tttu uuun nnni iiid ddda aaad ddde eees sss p pppe eeer rrrd dddi iiid ddda aaas sss No século 19 o fechamento econômico havia produzido, no Brasil, uma classe agrária anacrônica; no final do século 20, uma classe industrial mal acostumada. Com esse movimento de abertura, com a economia mundial mergulhando em processos agudos de liberalização financeira, surge uma nova classe, internacionalizada, domin ando as últimas ferramentas financeiras. São os financistas, no século 19 representada pelo Barão de Mauá, Conselheiro Mayrink, Conde de Figueiredo, Conde de Leopoldina; no final do século 20, pelos bancos de investimento que surgem nos anos 80, como o PEBB, Garantia, Icatú, Pactual. Nos dois momentos, havia uma economia nacional que começava a se integrar ao mundo, grande liquidez internacional, uma situação excepcional na economia mundial, e um paradoxo brasileiro: um enorme potencial a ser explorado no mercado interno e uma poupança acumulada no período anterior, empoçada ou meramente
preocupada com ganhos especulativos por falta de um ambiente de negócios favorável. Externamente, havia um volume expressivo de capitais brasileiros no exterior -um a mistura de sub-faturamento das exportações, corrupção política, crime organizado e caixa doisque florescia sob os ventos dos novos mecanismos financeiros criados para alavancar as novas modalidades de negócios. No século 19, a poupança liberada pela Lei Eusébio de Queiroz, que proibiu o tráfico negreiro; no século 20, os enormes ganhos especulativos proporcionados pela inflação dos anos 80. Nos dois momentos, há uma confluência inédita de fatores, abrindo a possibilidade de notável expansão no mercado de consumo. No século passado com a Abolição e a política de importação de imigrantes cria-se um novo mercado interno com enorme potencial. No final do século 20 com os milhões de brasileiros que ingressam no mercado de consumo nos primeiros meses do Real, abre-se a possibilidade de um enorme salto no mercado consumidor. Por outro lado, o crescimento dos países centrais provoca o transbordamento de capitais produtivos para países que privilegiam o mercado interno. No século 19, capitais ingleses ajudam na industrialização dos Estados Unidos; no século 20, capitai s americanos se voltam para a Ásia e para a China. Em ambos os momentos, no Brasil, há a necessidade de uma remonetização da economia, isto é, de uma política de aumento das emissões monetárias para atender às novas demandas da economia: no final do século 19, devido à mudança nas relações do campo, com a substituição do trabalho escravo pelo trabalho assalariado; no Plano Real, com o fim da inflação e a substituição de uma moeda inflacionada (o cruzeiro) por uma nova moeda, o real. A nova etapa de desenvolvimento depende de movimentos prévios bem sucedidos. O primeiro, da criação de um ambiente favorável à realocação da poupança interna e do investimento externo. O sucesso desse movimento depende de dois fatores: uma nova regulação, que prepare a economia para as novas formas de negócio internacion ais; e uma remonetização adequada, que canalize a poupança para a atividade produtiva. Só que o controle sobre a remonetização confere um poder inédito aos seus condutores. Nos dois momentos no Encilhamento e no Plano Real --, os interesses individuais se sobrepuseram aos interesses de país. Em lugar do salto de crescimen to, houve concentração de renda, rentismo desbragado, aumento geométrico da dívida pública e estagnação da economia. Essa é a chave para se entender os dois momentos: a remonetização, o poder conferido às autoridades econômicas e políticas para definir de que maneira o novo dinheiro fluirá para a economia. É aí que se dá o pacto de poder e de dinheiro entre 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 10/127 HA 10/127 os novos grupos hegemônicos, os condutores da política econômica, o poder financeiro e o poder político. Nos dois momentos os personagens são os mesmos. Mudam apenas os atores. Os personagens da história Rentista é o personagem passivo (ou não) da história. É o detentor do grande capital nacional, que vai atrás de rentabilidade para ele. No século 19 eram extrafi cantes de escravos, comerciantes que enriqueceram com exportação de café ou de algodão, políticos ou advogados com influência nas políticas públicas. Mantinham seus recursos entesourados no país; os mais sofisticados, aplicavam na praça londrin a. Nos anos 90, especuladores que enriqueceram na década de 80, com os grandes movimentos agressivos do mercado de capitais e da dívida pública brasileira, políticos ou funcionários públicos que enriqueceram com grandes golpes permitidos pelo processo inflacionário; empresários que venderam suas empresas e resolveram viver de rendas. No final dos anos 80 há início um processo de internacionalização dessa poupança, com os recursos sendo depositados inicialmente em bancos suíços e, depois, em paraísos fiscais preferencialmente do Caribe. Financista são os donos de bancos de investimento que atuam para o grande capital rentista, têm contato com o grande capital internacional, e aprenderam as novas formas de engenharia financeira. No final do século 19 os nomes mais ilustre s são o Conde de Figueiredo, o Conselheiro Mayrink, o Conde de Leopoldina. Nos anos 80, um conjunto amplo de corretoras que se transformam em bancos de investi mento. Dentre eles, os mais destacados são o PEBB, Garantia, Pactual, Icatu, Bozzano Simonsen. Nos anos 90 entram em cena o Opportunity, o Matrix, o BBA. Político tem papel fundamental para definir o ambiente regulatório adequado ao financista e ao rentista. Depende do rentista como financiador de eleições; do econo mista como formulador das bandeiras de campanha. No alvorecer da Republica, ante a alienação do Marechal Deodoro, a figura-chave é o primeiro Ministro da Fazenda republicano, Rui Barbosa. No Plano Real, ante a alienação de Itamar Franco, o Ministro da Fazenda e depois presidente Fernando Henrique Cardoso dá as cartas. Economista o formulador de política econômica. É o peão, o sujeito que faz o meio campo entre os interesses dos financistas e dos políticos. Em geral, estudou fora ou tem conhecimento das últimas teorias econômicas, e das últimas práticas regulatórias. O conhecimento que traz de fora, em linha com o último pensamento econômico, ou com a ideologia dominante, fornece o discurso de que carece o político para se legitimar perante a opinião pública. Seu conhecimento técnico definirá o modelo regulatório ou de monetização que atenda aos interesses dos financistas e dos rentistas. Ele cumpre seu papel no governo e se torna sócio menor dos financis tas. Foi o caso de Rui Barbosa, no Encilhamento e de praticamente todos os economistas que ajudaram na formulação do Plano Real. A haute financedesignação do economista Polanyi para o grande capital financeiro que começa a se organizar em meados do século 19, no primeiro grande ciclo de liberalização financeira e passa a intervir decididamente na vida das nações,
visando criar o ambiente adequado para os negócios. Na primeira etapa, no final do século 19 o predomínio era dos bancos ingleses, capitaneados pelos Rotschil d; na segunda, no final do século 20, da banca norte-americana, lierada pelo Citibank. Ferramentas de poder Havia três ferramentas poderosas das para exercer o poder e abrir caminho permitindo a acumulação de renda nas economia, criando o espaço favorável 28/8/2006
quais se valeram os economistas brasileiros rumo à fortuna pessoal: a remonetização, mãos do grande capital, a regulação da para o desenvolvimento do grande capital, e
OS CABEÇAS DE PLANILHA 11/127 HA 11/127 a administração da dívida pública, como o grande lócus onde iria ocorrer a transferência de renda dos demais setores da economia para o capital rentista. No governo Deodoro, o movimento se dá em torno das grandes concessões ferroviárias, de serviços públicos ou de terras para colonização. No governo FHC, na privatização e no crescimento descontrolado da dívida pública. Rui Barbosa viu na reforma monetária a possibilidade de beneficiar grupos específico s --e de ser beneficiado por eles. Beneficiou especialmente o Conselheiro Francisc o de Paula Mayrink e saiu do governo sócio de três mpresas dele. Do lado dos economistas do Plano Real, o processo foi semelhante. Eles surgem no bojo do Plano Cruzado, voltam com o Plano Real e implementam a troca de moedas. Deparam-se, nesse trabalho, com o negócio do século: a reciclagem da poupança brasileira que, desde meados dos anos 80, se internacionalizara. Esses momentos permitem redesenhar o futuro não só econômico como político dos países. Defina-se por onde circulará o novo dinheiro e se definirá quem serão os novos vitoriosos da economia. Se se decidisse remonetarizar pela não rolagem da dívida pública, por exemplo, haveria uma esplêndida redução do endividamento que já havia sido bastante reduzido pelo bloqueio de cruzados do Plano Collor. Decidiu-se pela remonetização através da captação externa de dólares, que aqui eram adquiridos pelo Banco Central através da emissão de reais. Em todo processo de estabilização usando como âncora o câmbio, há a preocupação em criar uma gordura, uma desvalorização cambial inicial que propicie fôlego para a estabilização. Depois do início do plano, o câmbio tem que permanecer estável para sinalizar para a nova estrutura de preços, e permitir a importação de produtos sujeitos a altas especulativas. Por isso a gordura inicial é essencial. A cada dia que passa, há uma inflação interna não inteiramente domada, que é repassada para os preços dos produtos exportados. Sem possibilidade de compensar com o câmbio, ocorre um encarecimento dos produtos internos vis-a-vis os produtos externos. Há uma redução das exportações, um aumento das importações, com a perspectiva de um estrangulamento cambial a médio prazo. Daí a necessidade de se criar uma gordura inicial no câmbio, para permitir uma folga que suporte o períod o de transição da estabilização. Com o Plano Real, em vez dessa precaução, tratou-se de apreciar o Real em 15% da noite para o dia. Não se tratava apenas de criar um garantia extra, ainda que exagerada contra a inflação. Sem oficialmente consultar ninguém da equipe, a exemplo de Rui Barbosa quando anunciou os beneficiários de sua política monetária, Gustavo Franco tomou a decisão solitária de apreciar o câmbio em níveis irreais. O único aplauso foi de Mário Henrique Simonsen, guru maior do grupo, e membro do Conselho Internacional do Citibank. Em seguida, especialmente Edmar Bacha e Gustavo Franco, passaram a difundir a necessidade de criação de déficits em contas correntes, que permitisse atrair poupança externa, que ajudaria a complementar a poupança interna e a pavimentar o
caminho do crescimento. Tratava-se de um princípio econômico falso (cujos fundamento s discutiremos mais adiante), mas que serviu de álibi para a apreciação cambial. No início do plano Real a balança comercial exibia um superávit anual de US$ 14 bilhões. No segundo semestre de 1994, todas as imprudências foram cometidas para reverter esse quadro. Além da apreciação cambial, derrubaram-se tarifas de importação, facilitou-se até a importação pelo correio. Para que o modelo de remonetização via ingresso de capitais externos fosse bem sucedido, isto é, para que criasse uma nova elite financeira e política, havia a ne 28/8/2006 Luis Nassif 18/7/06 23:31 Comment: Conferir dado
OS CABEÇAS DE PLANILHA 12/127 HA 12/127 cessidade de transformar o dólar em ativo escasso. Quanto mais escasso o dólar, maior a taxa de juros para atraí-lo. No final do ano, as contas externas estavam desequilibradas e tinha se alcançado o objetivo de tornar o dólar um ativo raro, pelo qual o Tesouro chegou a pagar 45% ao ano. Quem dominava o circuito de captação de dólares passou a deter o poder. Quem não dominava, quebrou. Com o golpe da apreciação, em poucos meses criou-se uma enorme dependência de dólares. Com essa manobra simples, aparentemente asséptica, estava definido o jogo, sem expor o flanco ao inimigo, como com Rui Barbosa, quando escolheu nominalmente os vencedores do jogo da remonetização. Quem comandou o movimento de atração de dólares foram os novos bancos de investimento. A maior parte dos recursos externos captados era do grande capital brasileiro exportado nos anos anteriores. Em menos de um ano, a crise de inadimp lência quebrou a espinha dorsal da indústria e da agricultura. Em vez de esterilização da dívida pública, houve crescimento exponencial para remunerar os fluxos de capitais externos. Foi nesse ambiente da dívida pública que se processa a maior transferência de renda da história. No Encilhamento e de renda e pior que a história do
no Real houve especulação enriquecimento de poucos, concentração mataram-se as duas maiores janelas de oportunidade país registrou.
Politicamente, o processo tem um discurso legitimador, não explicitado, uma espécie de código tácito entre seus operadores. O país tem uma classe empresarial anacrônica, um operariado despreparado, não tem quadros tecnológicos disponíveis? Simples, escolhe-se uma classe internacionalizada os financistas com experiência em novos modelos de negócios, acesso ao grande capital interno-exportado e internacional, e lhes entregue as ferramentas para se transformar nos agentes de modernização. Na interpretação de San Tiago Dantas, Rui Barbosa teria tentado libertar forças novas que substituíssem a estrutura agrária e feudal do Império. Com o tempo, os interesses particulares se sobrepõem ao geral. Cria-se um processo econômico torto, adaptado aos interesses de grupos, supondo-se que o novo modelo colocará a economia em um círculo virtuoso, capaz de corrigir sozinha as concessões iniciais. Depois, o projeto vai se entortando mais e mais, a sobrevivênci a dos beneficiários passa a exigir novas gambiarras, que acabam por entortar mais o que torto está. Novos grupos de interesse se solidificam rapidamente sobre os alicerces tortos do modelo inicial. Os pontos Primeiro, moral nos econômica
centrais do fracasso são comuns a todos esses movimentos especulativos. o deslumbramento com a riqueza fácil, criando uma espécie de lassidão economistas, que passaram a subordinar todas as decisões de política aos interesses imediatos do capital rentista.
As demonstrações de novo-richismo no período não ficam atrás do ambiente descrito pelo Visconde de Taunay em seu romance O Encilhamento. Todos da classe média, alguns ex-funcionários públicos, um se torna piloto de corrida e criador de
cavalos, outro convida para degustação de vinhos em sua casa, através de colunas sociais, todos, em algum momento, tornam-se sócios de bancos de investimento, seguindo o exemplo de Rui Barbosa. O segundo ponto, conseqüência do primeiro, foi a escolha dos financistas que comanda ram o processo. Com os interesses pessoais se sobrepondo aos nacionais, levou quem se articulou melhor. O terceiro, a falta de um estadista para corrigir o errado. Não há como construir uma nação sem uma profunda profissão de pé nos seus habitantes, e sem racionalidade.. Napoleão e Caixas dormiam com seus soldados, Franklin Roosevelt celebrava a força do americano comum. FHC nunca ocultou seu deslumbramento com os salões e seu desprezo com sua missão de comandar o atraso. Esse temperamento 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 13/127 HA 13/127 explica a falta de vontade em corrigir as distorções e o fato do desenvolvimento int erno jamais ter se tornado prioridade em seu governo. 28/8/2006
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O exemplo americano No final do século 19, já havia uma consciência nacional sobre os modelos de desenvolv imento bem sucedidos no mundo. Manoel Bonfim, o grande médicopsicólogohistoriador sergipano, autor do fundamental América Latina, Males de Origem mostrava um claro diagnóstico sobre o processo de desenvolvimento dos Estados Unidos, Japão e Argentina. Em meados do século 19, o economista alemão Friedrich List havia escrito uma obra seminal, identificando o processo de desenvolvimento das nações, do momento em que são constituídas ao momento em que se tornam hegemônicas, ou que se perdem pelo caminho. O grande exemplo da elite brasileira eram os Estados Unidos, embora a influência britânica persistisse até a década de 1930. De lá vinham as modas do mercado de capitais, da legislação tributária, o exemplo da independência. Havia um movimento irresistível de aproximação com os EUA, até como reação à influência britânica. Em 1792, o Secretário do Tesouro norte-americano, Hamilton, apresentou o Report of Manufactures, onde propunha a defesa das manufaturas norte-americanas, em reação ao protecionismo que havia na Europa. As tarifas iniciais foram insuficientes. Além disso, havia latente o conflito nort e-sul. O norte, industrializado, demandava proteção; o sul, consumidor, reclamava do encare cimento dos produtos. Mas em 1808, com a guerra explodindo, o comércio com a Europa foi interrompido. Em um ano o número de indústrias têxteis saltou de 8 para 31 mil. Embora ainda tímida, a defesa tarifária logrou estimular a manufatura interna.
Com seu pragmatismo, os EUA queriam segurança, que as manufaturas viessem se instalar perto dos agricultores, para prevenir o desabastecimento em caso de gue rra. A discussão estava acesa quando, em 30 de julho de 1827, durante a Convenção Nacional dos Protecionistas de Harrisburg, surge a voz poderosa de Friedrich Lis t (1789-1846), economista alemão exilado de seu país por causa de suas idéias, que contrariavam o pensamento dominante de Adam Smith e Ricardo, com sua teoria das vantagens comparativas. Pela teoria, cada país deveria se fixar nos produtos em que pudesse obter vantagens claras. Dessas especializações sucessivas se teria um mundo cosmopolita, integrado e mais eficiente. Adam Smith e J.B.Say diziam que, da mesma forma que a Polônia, os Estados Unidos estavam destinados à agricultura, aproveitando o que natureza lhe oferecera. List se insurgia contra esses conceitos. Na Alemanha, sua atuação foi decisiva para a criação da união aduaneira dos estados alemães, início do futuro grande império alemão, e também para seu exílio, por seu estilo contundente de polemizar. Nos EUA, seu papel foi fundamental para consolidar os princípios defendidos por Hamilton, conferindo-lhe consistência técnica. Publicou doze cartas no Philadelphia National Journal, muitos anos depois, em 1841, juntadas no livro Sistema Nacional de Economia Política. Pela primeira vez, eram sistematizadas experiências nacionais de desenvolvimento e se rompia com um pensamento dogmático e esquematizante que se seguiu ao livro A Riqueza das Nações, de Adam Smith. A essa altura, Adam Smith, Quesnais e Ricardo iniciavam a construção da economia, como ciência. Os valores do livre comércio eram cantados com ênfase, trazendo o ideal da universalização dos negócios e das nações. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 15/127 HA 15/127 List partia da análise da realidade, das experiências históricas, para lançar as bases da nova Economia Política. No prefácio à primeira edição, descrevia a maneira como desenvolveu sua metodologia. Ainda estavam vivos em sua memória os ganhos que França e Inglaterra haviam obtido com o livre comércio, a primeira abolindo as tarif as alfandegárias internas, a segunda unificando três reinos na Grã-Bretanha. Porque com outros países não ocorria esse ganho? O insight de List foi o de que os princípios de livre comércio de Adam Smith funcionav am maravilhosamente bem, mas só na hipótese de que todas as nações observassem entre si os princípios de livre comércio em igualdade de condições. Para List, a teoria econômica levava em consideração apenas a humanidade como um todo e os indivíduos. Mas entre o indivíduo e a humanidade havia as nações. Em um ponto qualquer do futuro, a humanidade chegaria na situação de que todas as nações convergiriam para uma única federação. Mas, enquanto esse ponto não avançasse, não se poderia considerar o livre comércio como uma saída especialmente para as nações mais fracas. O livre comércio entre duas nações civilizadas só poderia ser mutuamente benéfico se ambas estivessem em um mesmo patamar de desenvolvimento industrial. Qualquer nação que estivesse atrasada em relação a outra, do ponto de vista industrial, comercial e naval, mesmo possuindo meios materiais e humanos para se desenvolver , deveria, antes, aparelhar-se para entrar na livre concorrência com nações mais desenvolvidas. Em 1840 List previa que em breve os EUA se tornariam o maior país do mundo. A razão, segundo ele, é que, dotada de espírito pragmático, a elite norte-americana não se conformara com a teoria das vantagens comparativas. Se os EUA fossem seguir os ensinamentos de Adam Smith e apostar apenas em suas vantagens agrícolas, dizia List, a população norte-americana teria se espalhado por todo o país, se diluído, sem a menor possibilidade de se formar um mercado interno forte, capaz de alavancar a industrialização. Ao contrário, com a Lei dos Têxteis, de Hamilton, os EUA passaram a proteger sua indústria nascente, a concentrar a população na costa Atlântica e a gerar massa crítica para iniciar a industrialização. Depois, uma política inteligente de distribuição de lotes a imigrantes ajudou na consolidação da moderna agricultura norteamericana, superando o modelo agrícola anacrônico do sul. Simultaneamente, grandes ferrovias passaram a integrar todo o país, permitindo a ligação do Atlântico com o Pacífico, fugindo do controle severo que a Inglaterra exercia sobre o comércio marítimo do Atlântico. No final do século 19, os EUA já despontavam como grande potência mundial, e era modelo para muitos brasileiros lúcidos, como o próprio Manoel Bonfim. O exemplo inglês A estratégia inglesa servia de comprovação para as teses de List. A Inglaterra tornouse a maior potência da época por ter evitado o erro de abrir seu mercado antes da hora. No início, a base de sua economia era vender lã de ovelhas em estado bruto para a Bélgica, onde eram tingidos e trabalhados. Sob o reinado de Carlos I e
Jaime I houve proteção à produção inglesa. Em breve, a indústria têxtil se consolidou, a Inglaterra passou a exportar tecidos finos, de valor agregado, e a importar pouquíssimo. Até Jaime I, as exportações de manufaturados de lã respondiam por 9/10 das exportações inglesas. Com a proteção à sua indústria, a Inglaterra conseguiu expulsar as exportações da Liga Hanseática para a Rússia, Suécia, Noruega e Dinamarca. Conseguiu lucros enormes no comércio com Orienta e as Índias Orientais e Ocidentais. A indústria da lã estimulou a mineração do carvão que, por sua vez, deu ori 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 16/127 HA 16/127 gem ao extenso comércio pesqueiro e à pesca, os dois últimos servindo de base à montagem do poderia naval britânico, consolidado nas Leis de Navegação. Duramente criticadas por Adam Smith, as Leis de Nanegação davam exclusividade para os navios ingleses no transporte de carvão e todo transporte comercial marítimo . Outros setores de manufaturas foram protegidos. No reinado de Isabel, foram proi bidas importações de artigos de metal e de couro, e foi incentivada a migração de mineiros alemães e trabalhadores em metal (List, 33). Também proibiu a construção de navios fora do pais e estimulou a vinda de trabalhadores especializados. Para concorrer com a pesca de arenque dos holandeses e com a pesca da baleia dos moradores de Biscaia, Jaime I chegou a exortar os ingleses a aumentar o cons umo de peixe. Finalmente, artesões protestantes expulsos da Bélgica e da França foram acolhidos pela Inglaterra e, em troca, lhe deram a excelência na manufatura de lã fina, na fabricação de chapéus, linho, vidro, papel, seda, relógios de parede e de pulso, manufatura metalúrgica. Em cada país europeu a Inglaterra foi buscar o que tinha de melhor. Depois, implan tou sua própria manufatura, à custa de proteção alfandegária e estímulos de diversas naturezas. O aumento da marinha mercante permitiu a construção de uma marinha de guerra que ajudou a derrotar os holandeses. As conseqüências maiores das Leis de Navegação foram as seguintes (List, 34): 1. A expansão do comércio inglês com todos os reinos nórdicos, Alemanha e Bélgica, comércio do qual os ingleses haviam quase totalmente sido excluídos pelos holandeses até 1603. A lógica implacável dos ingleses era a de importar matérias primas e exportar manufaturados. 2. Expansão incalculável do comércio de contrabando com a Espanha e Portugal, e com suas colônias das Índias Ocidentais. 3. Aumento substancial da pesca de arenque e da baleia, atividades antes quase completamente monopolizadas pela Holanda. 4. Conquista da mais importante colônia inglesa nas Índias Ocidentais, a Jamaica, em 1655, permitindo o controle sobre o comércio açucareiro na região. 5. Conclusão do Tratado de Methuen (em 1703) com Portugal, que assegurou uma vantagem inquestionável para a Inglaterra. List chamava particularmente a atenção para a maneira habilidosa como os ingleses casaram seus interesses em Portugal e na Índia. E produziu uma obra prima de síntese , mostrando as peças em jogo no Tratado de Methuen. Primeiro, a maneira como a Inglaterra atuou em cima das condições dadas. Segundo, o que teria ocorrido se tivesse seguido os ensinamentos de Adam Smith e Ricardo. Desde 1721, na abertura do Parlamento daquele ano, o rei Jorge I havia explicita doa estratégia inglesa: É evidente que nada contribui tanto para o bem-estar público quanto a exportação de produtos manufaturados e a importação de matéria-prima do estrangeiro. Mais do que uma teoria vaga, a Inglaterra montou sua estratégia em cima desse princípio vital. Havia quatro blocos de países em jogo.
A Inglaterra, com sua manufatura em expansão e o domínio do comércio do Atlântico, com as Índias Orientais e Ocidentais. Portugal tinha metais que interessavam a Inglaterra, e uma indústria de vinhos. A Índia tinha uma indústria têxtil poderosa, mais articulada que a inglesa, e outras manufaturas desenvolvidas. Mas tinha carência de ouro. A Inglaterra não queria importar manufaturas indianas, por serem mais competitivas que as suas. Mas havia demanda por produtos indianos em outros países da 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 17/127 HA 17/127 Europa que, por sua vez, produziam matérias primas que interessavam à Inglaterra. O acordo com Portugal, firmado pelo embaixador britânico Paul Methuen previa os seguintes pontos: 1. A Inglaterra permitiria a importação de vinhos portugueses com tarifas alfandegária s equivalentes a 1/3 das tarifas de países concorrentes. 2. Portugal consentiria em importar roupas e tecidos ingleses com taxas alfandegár ias de 23%, mesma alíquota cobrada antes de 1684, quando Portugal se tornou protecionista. Para o rei de Portugal, o acordo interessava pela possibilidade de aumento das r eceitas alfandegárias. Da parte da nobreza portuguesa, havia aumento da renda pelo aumento das exportações de vinhos. A rainha Ana da Inglaterra saudou Portugal como seu mais antigo amigo e aliado, baseado no mesmo princípio pelo qual o Senado romano, antigamente, outorgava títulos aos governantes que cometiam a imprudência de estreitas relações comerciais com o império, como lembra List (List, 47). Imediatamente após o acordo, houve uma inundação de manufaturas inglesas que praticamente arrebentou com a indústria portuguesa. A Inglaterra recorreu a todos os expedientes, inclusive colocando produtos sub-faturados, para pagar menos tax as alfandegárias. Na outra ponta, levou toda prata e ouro de Portugal. O Oriente tinha uma manufatura avançada de lã e algodão. Se abrisse as importações de lã e seda aos produtos da Índia, a manufatura inglesa teria sido liquidada. Não interessava à Inglaterra importar produtos de valor agregado. O que ela fez então? Exportava suas manufaturas para Portugal e recebia o ouro e prata em pagame nto. Com eles, adquiria os produtos do Oriente e vendia para o mercado europeu, mas na Inglaterra eles não entravam. Dos países europeus a quem vendia os produtos indianos, os ingleses adquiriam matérias primas que serviram para alim entar sua manufatura. Essa posição da Inglaterra foi insensata, indagava List? De acordo com os princípios de Adam Smith e da Teoria dos Valores de J. B. Say, sim. Teria sido loucura fabr icar internamente produtos mais caros, e ceder aos países do continente os produtos mais baratos adquiridos da Índia. No entanto, a Inglaterra se transformou na potência hegemônica do período. Isso porque não estava interessada simplesmente em adquirir artigos manufaturados de baixo custo e perecíveis, mas adquirir a força de produção. Com essa estratégia, a Inglaterra conquistou um poder sem paralelo; os demais países, que adquiriram manufaturas mais baratas, não se desenvolveram. List lembrava que no capítulo 6º de seu Livro 4º, Adam Smith criticava acerbamente o tratado. Alegava que os portugueses levavam uma vantagem decisiva, ao exportar vinhos a taxas alfandegárias inferiores a seus concorrentes.Enquanto isto, os ingleses exportavam tecidos pagando taxas alfandegárias quase iguais a de seus concorrentes.
Os ingleses não auferiram nenhuma vantagem especial com o tratado, continuava Adam Smith, pois eram obrigados e enviar para outros países grande parte do ouro que recebiam de Portugal, pelas exportações de seus tecidos. Nesses países, eram obrigados a trocar o ouro por produtos locais. Logo, teria sido muito mais vantajoso para a Inglaterra trocar diretamente seus tecidos por produtos portugueses que necessitavam. Haveria uma única troca, em vez das duas, embutidas no acordo com Portugal. Essa lógica linear não correspondia aos fatos reais, bradava List. Antes, Portugal importava grande parte dos artigos estrangeiros da França, Holanda, Alemanha e Bélgica. A partir do Tratado, os ingleses passaram a comandar o mercado portu 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 18/127 HA 18/127 guês para um produto manufaturado, de cuja matéria prima ela, Inglaterra, era autosuficiente. Além disso, o enorme superávit inglês provocou um desequilíbrio nas taxas de câmbio. A valorização da libra frente à moeda portuguesa fez com que os preços dos produtos portugueses chegassem 50% mais baratos aos consumidores ingleses. Com isso, praticamente acabaram as exportações de vinhos franceses e alemães na Inglaterra. O ouro e prata de Portugal garantiram à Inglaterra acesso aos produtos indianos, com que inundaram a Europa, arruinando as manufaturas portuguesas. Todas as colônias portuguesas, especialmente o Brasil, se transformaram em feudos ingleses.
Era um jogo extraordinariamente complexo, sofisticado, fulminante, para caber ap enas nas regras gerais da nova ciência que surgia, a economia. Nas relações comerciais, a Inglaterra era impiedosa. Em todos os tratados comerciais concluídos pelos ingleses, havia a tendência de incluir a venda de seus produtos manufaturados, oferecendo vantagens aparentes de troca por matéria prima e produto s agrícolas. Em todos os casos, oferecia financiamentos e produtos mais baratos, visando destruir as manufaturas concorrentes. Além dos tratados, os ingleses se especializaram em fraudar a alfândega e em estimular o contrabando. Com o bloqueio continental de Napoleão, pela primeira vez as manufaturas alemãs e francesas começaram a registrar progressos importantes e que se generalizaram. Com a volta da paz, a manufatura inglesa voltou, retomando a antiga primazia e destruindo as indústrias concorrentes. O exemplo da Argentina1 De 1880 a 1910, em apenas vinte anos os argentinos transformaram um país quase selvagem, com um terço do território ocupado por índios, sem moeda própria, sem presença no comércio internacional na primeira potência a emergir do hemisfério sul, um dos quatro maiores PIBs do mundo, o maior exportador de cereais do planeta, o segundo maior exportador de carnes, após os Estados Unidos. Quando se consumou o processo de integração do país, até então dividido por guerras intermitentes entre as províncias, Buenos Aires se transformou em capital de fato. A província de Buenos Aires mudou sua capital para La Plata, e as rendas da aduana passaram a ser nacionais. Sob a presidência de Juan Roca, criava-se uma Nação e, tocando o projeto nacional, um Estado com receita própria, exército nacional (assim como o nosso, que se profissionalizou na guerra do Paraguai). Calhou, nesse momento, o aparecimento de uma elite racional, com um projeto de país. A base do pensamento estratégico havia sido fornecida, anos antes, pelo advogado Juan Bautista Alberdi, que defendia a imigração controlada. Haveria o estímulo aos imigrantes, a garantia de propriedade, de acesso aos bens públicos, inclusive do ingresso no serviço público. Apenas não lhes facultava provisoriamente o direito de eleitor. A visão de Alberdi era a de que os imigrantes gradativamente inoculariam a sociedade argentina com os valores do trabalho de seus países de origem e, após algumas décadas, com o país civilizado, haveria reformas políticas que completariam
o processo. Mais que isso, através da criação do Conselho Nacional da Educação em 1882, decidiuse universalizar o ensino gratuito. Os pais eram obrigados a colocar os filhos na escola, as províncias mais pobres eram ajudadas pelo governo central. No plano econômico, teve início a grande revolução dos Pampas, a ocupação de grandes áreas, muitas quase desérticas, dominadas pelos índios, primeira tentativa de agricultura organizada no país. O exército ia à frente abrindo espaço. Inovações tecnológicas garantiam os saltos de produtividade. A primeira foi a cerca, que per 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 19/127 HA 19/127 mitiu confinar o gado e preservar a lavoura, transformando a região, ao mesmo tempo, em produtora de carne e grãos. Outra foi o moinho de vento, importado da Austrália, que extraía água do subsolo, acabando com a dependência de rios ou lagos, e ampliando as terras agricultáveis. Na mesma época, o campo começa a receber as primeiras máquinas a vapor. Quando um francês inventou o frio artificial, e surgiram os primeiros navios frigo ríficos, a Argentina explodiu como exportadora de carnes para a Europa. No início do século já era o maior exportador de cereais e o segundo maior exportador de carnes do mundo, atrás dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, uma política protecionista racional ajudava a fortalecer a indústria de vinhos de Mendoza e a açucareira de Tucumã. As raízes ibéricas plantaram as sementes das crises posteriores que liquidaram com os sonhos de potência dos argentinos. As terras conquistadas ficaram nas mãos dos tarratenientes oficiais do exército que se apossaram delas e que, na maior parte, viviam do arrendamento aos imigrantes. Estratificou-se a propriedade da terra, o grupo dos fundadores da nacionalidade envelheceu morreu, ficando elite predadora , enriquecida, deslumbrada pela rapidez com que tudo foi conquistado. Depois, em 1930 ocorreu o primeiro golpe de Estado. Mas as raízes plantadas naquel es curtos anos foram tão fortes que, mesmo passado do populismo mais desbragado ao liberalismo mais irresponsável, a Argentina resistiu. A receita do crescimento O tratado de List decifraria, de forma ampla e sistêmica, o espetáculo do desenvolvi mento. O desenvolvimento não podia se sustentar em uma perna só. De nada adiantaria de uma boa manufatura, sem dispor de uma esquadra naval adequada. De nada adiantaria a esquadra sem um mercado interno que garantisse os principai s produtos. No caso da Liga Hanseática, durante séculos praticaram o que a nova ciência preconizav a: compravam barato e vendiam barato. Quando os ingleses lograram fechar os mercados para os mercadores da Liga, como não havia nem agricultura nem indústria manufatureira nativa suficientemente desenvolvida, o capital emigrou para a Holanda e para a Inglaterra. Em seu tratado, List abordaria praticamente todos os pontos que, no final dos an os 90, o Brasil começaria a estudar para tentar recuperar o caminho do desenvolviment o. Tudo começava por uma visão estratégica adequada, dizia List. Poder é mais importante que riqueza. O poder nacional é uma força dinâmica, que abre a porta para novos recursos produtivos. O poder precisa ser utilizado para gerar novas forças de produção, e manter as existentes. Por poder, List definia a capacidade de uma nação de defender sua produção, de impor regras comerciais, de dominar fluxos de
comércio. Ponto central nas análises de List era o caráter nacional. Atribuía a enorme riqueza da Inglaterra não apenas ao poder nacional e ao amor inato do inglês pelo ganho financeiro. Considerava fundamental o amor inato do povo à liberdade e à justiça, à energia, ao caráter moral e religioso. Incluía nesse ambiente favorável a Constituição do país, as instituições, a sabedoria e a força do governo e da aristocracia (List, 39). Enquanto as liberdades civis atraiam para a Inglaterra capital e novos talentos, a Espanha perdeu todo seu ímpeto de grande potência, todos os elementos de grandeza e prosperidade quando a Inquisição expulsou os judeus e os mouros, ao todo 2 milhões de seus mais operosos e abastados habitantes. Fugiram eles e seu capital . 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 20/127 HA 20/127 Com sua lei de patentes, a Inglaterra estimulou e atraiu o gênio inventivo mundial . E com suas liberdades civis atraiu grande quantidade de capital e de talentos no vos. A História ensina que as artes e o comércio migram de uma cidade para outra, de um país para outro. Perseguidos e oprimidos em sua pátria refugiaram-se em cidades e países que lhes asseguravam liberdade, proteção e apoio. Foi assim que as artes e o comércio migraram da Grécia e da ásia para a Itália; da Itália para a Alemanha, Flandres e o Brabante; e dali para a Holanda e para a Inglaterra (List, 82). A partir da análise de várias experiências nacionais, Lizt sistematiza conhecimentos sobre processos de desenvolvimento, dividindo-os em quatro etapas básicas. O primeiro salto, depois de formada a nação, é quando descobre um bem primário de exportação, e começa a se relacionar com o mercado internacional. Embora historicamente o Brasil fosse um país exportador de mercadorias pau-brasil, açúcar--, o controle da acumulação era português. O café foi o primeiro produto que permitiu a exportação e a acumulação em mãos de empresários brasileiros. A partir dessa base exportadora, o país começa a importar e a entrar em contato com bens e produtos dos seus parceiros comerciais. Aí se dá o segundo salto, que é o processo inicial de substituição de importações. Para se consolidar é fundamental a proteção à indústria nascente através de tarifas, câmbio competitivo. E também a criação de condições para o fortalecimento de um mercado de consumo inicial, que sirva de alavanca para essa fase inicial da industrialização. Consolidada a segunda etapa, entra-se na terceira etapa, que é a abertura gradativ a do mercado, para conferir competitividade à indústria nacional, evitando o acomodame nto pelo excesso de proteção. Completado o ciclo, ingressa-se na quarta etapa, que é a conquista do mercado internacional, através de estratégias comerciais, controle de rotas comerciais. Tornando-se hegemônica, a economia torna-se liberal. Abrem-se os mercados nos quais é evidente a superioridade da nação, e exige-se contrapartida dos parceiros comerciais menos competitivos. Apresenta-se o modelo liberal que o país passou a adotar quando entrou na quarta fase como se fosse adequado para países das fases anteriores. E, aí, entra em ação e hegemonia cultural a contrapartida natural à hegemonia econômica. O país hegemônico passa a propagar o ideário do liberalismo comercial. Seus centros de pensamento universidades, instituições em geral, imprensa passam a difundir como universais princípios adequados apenas à quarta etapa de desenvolvimento. O processo de desenvolvimento não se dá em torno de teorias rígidas. As teorias são instrumentos de compreensão da realidade, subsídios para a implementação de políticas econômicas. Mas o referencial máximo, para a definição das políticas econômicas adequadas, é o da análise da realidade, o comportamento estratégico tendo em vista a situação de momento. Uma política liberal, no início da industrialização, mata o processo. Da mesma maneira que uma política protecionista, na fase de maturidade econômica, provoca o acomodamento dos empresários e a perda de vitalidade.
Quando o país da quarta fase preconiza suas práticas econômicas para os países das fases anteriores, está procedendo ao que List chamava de chutando a própria escada. Depois de escalarem as três etapas iniciais de desenvolvimento, tentam impedir os países menos desenvolvidos de trilhar o mesmo caminho. Tentam impor as práticas que passaram a adotar depois de vitoriosos e, aí, o componente cultural ideológico, a emulação das práticas dos países centrais, passam a ser ferramentas fulminantes. No seu livro, List repassava a história de inúmeras civilizações, de países ou cidadesestado que ganharam enorme poder e influência, e acabaram afundando por não terem conseguido articular adequadamente os interesses nacionais. A partir 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 21/127 HA 21/127 desses estudos, o centro de análises de List passou a ser a nacionalidade, como o interesse intermediário entre o indivíduo e a humanidade inteira. Quando a Alemanha começou a discutir projetos nacionais, List deparou-se com enorme resistência de um conjunto de interesses que juntava de intelectuais alemães que haviam estudado na Inglaterra, importadores com interesses em produtos ingleses e, por baixo de tudo, a enorme influência ideológica do pensamento inglês, àquela altura, potência hegemônica mundial. Narrava ele que um exército incontável de correspondentes e escritores líderes, desde Hamburgo até Bremen, desde Leipzig até Frankfurt, saíram a campo para condenar os desejos absurdos dos manufatores alemães no sentido de estabelecer taxas alfandegárias protecionistas comuns. A lógica de ataque se perpetuaria pelos tempos. List de ignorar princípios elementares de economia política, tais consagrados pelas maiores autoridades científicas (List, 4). influência do Ministério do Exterior inglês, com grossa verba seus interesses comerciais.
era acusado como haviam sido Na época, era notória a destinada à defesa dos
No minucioso levantamento que faz sobre países que se tornaram hegemônicos, List deixa lições preciosas. Assim como para as empresas, os países crescem aproveitan do janelas de oportunidade, que podem surgir em mudanças políticas internas, em conjunturas internacionais favoráveis. O grande segredo do desenvolvimento é saber aproveitar essas brechas de oportunidades e criar modelos institucionais adequados, que permitam ao país o salto para a etapa seguinte. Essa dinâmica inicial vai desenvolvendo o país, de forma mais ou menos acelerada, até a brecha seguinte, que vai exigir novas soluções. O Brasil teve algumas janelas de oportunidade desde que se tornou nação. As duas mais relevantes guardam semelhanças extraordinárias entre si. A primeira, no final da Monarquia e início da República, que resultou no Encilhamento, o grande movimento especulativo que atrasa substancialmente o ingresso do país na segunda fase. O segundo, o plano Real, que compromete o ritmo de ingresso do país na terce ira fase. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 22/127 HA 22/127 O OOOs sss n nnno ooov vvvo ooos sss t ttte eeem mmmp pppo ooos sss Para completar o quadro de fatores que atuava sobre a economia internacional da época, e afetou diretamente o Brasil no período do Encilhamento, há a necessidade de introduzir dois atores fundamentais da história: as grandes revoluções tecnológicas do século 19 e o aparecimento do grande capital financeiro, o chamado haute capital, montando a mais sofisticada estrutura de coordenação transnacional que o mundo já testemunhara. As revoluções tecnológicas As revoluções tecnológicas não são lineares. Em geral, há uma primeira etapa de mudança de paradigma. Depois, uma corrida frenética atrás das novas tecnologias que, invariavelmente levam a movimentos especulativos e crashes sucessivos. Depois disso é que o mercado se assenta, a especulação sai de cena e dá espaço para o período de consolidação. É uma disputa pesada entre o novo e o velho. Em geral há dos períodos distintos, cada qual durando algumas décadas. A primeira fase é o período em que a nova economia se consolida e avança sobre a economia já madura. A segunda é a do es palhamento do novo paradigma vitorioso, renovando toda a economia. Luis Nassif 18/7/06 23:31 Comment: Levantar mais dados Tabela 1: Uma paradigma tecno-economico para cada revolução tecnológica diferente, 177 0 a 2000 (Perez 2000), citado por Mateus Cozer Revolução Tecnológica Instalação Ponto de Virada Desenvolvimento Erupção Frenesi Sinergia Maturidade 1° Revolução In-Final dos 1793-97 1798-1812 1813-1829 dustrial 1771-início 1780s e dos 1780s início dos 1790s 2° Era do Vapor e das Ferrovias 1829-1830s 1840s 1848-50 1850-1857 1857-1873
3° Era do Aço, Eletricidade e Engenharia Pesada 1875-1884 1884-1893 1893-95 1895-1907 1908-1918 4° Era do Petróleo, do Automóvel e da Produção em Massa 1908-1920 1920-1929 1929-43 1943-1959 1960-1974 5° Era da Informação e Telecomunicações 1971-1987 1987-2001 2001-?? 20?? A haute finance É no bojo do financiamento dessas ondas tecnológicas que o capital financeiro ganha musculatura e se internacionaliza. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 23/127 HA 23/127 Em um livro clássico escrito em 1940 A Grande Transformação --, o economista Karl Polanyi tentava sistematizar, pela primeira vez, a natureza do que ele deno minava de haute finance, o grande capital que emerge nas três últimas décadas do século 19. Essa haute finance teria papel relevante nos lances seguintes da política econômica nacional, que resultariam no Encilhamento. A partir daí e nas três primeiras décadas do século 20, coube a haute finance ser o elo entre a organização política e econômica do mundo, fornecendo os instrumentos para um sistema internacional de paz. É um período dominado pelos Rotschild. Eles não estavam submetidos a nenhum governo, lembrava Polanyi. O poder de firma consistia em ser o único elo supranaci onal entre o governo político e o esforço industrial em uma economia mundial em rápido crescimento (Polanyi, 25). Seu poder e independência decorriam das necessidad es da época, que exigiam um agente soberano que tivesse a confiança tanto dos governos nacionais quanto dos investidores internacionais. Para cumprir esse papel, a haute finance precisava buscar aliados nos bancos e no capital financeiro nacionais. Organizacionalmente, constatava Polanyi, a haute finance foi o núcleo de uma das mais complexas instituições que a história do homem já produziu. Além do centro internacional, em Londres, havia meia dúzia de centros nacionais gravitando em torno de seus bancos de emissões e bolsas de valor es. Os
banqueiros internacionais financiavam não apenas governos e guerras, mas faziam investimentos externos na indústria, nos serviços públicos e bancos, bem como empréstimos a longo prazo para as corporações públicas e particulares fora do país. Para garantir a segurança dos seus investimentos e empréstimos, a haute finance se preocupava bastante com as oscilações cambiais e com o equilíbrio orçamentário das nações. Os dois instrumentos de influência da City Londrina era o padrão ouro e o constitucionalismo. Eram as palavras de ordem para os países que aderiram à nova ordem internacional. O padrão era controlado por uma infinidade de grupos nacionais e personalidades, cada um deles com seu tipo peculiar de prestígio e destaque, autoridade e lealdade, sua capacidade de dinheiro e de contatos, de patronato e aura social (Polanyi, 26)
Apesar de apontado por Lenine como principal estimulador de guerras, ao grande capital internacional interessava fundamentalmente a paz. Era tamanha a rede de interesses entrelaçada por todo o mundo que, se a guerra poderia eventualmente beneficiar alguns clientes maiores, desarrumava a vida de milhares de outros cli entes. Em relação aos países, tinha duas posturas diferentes. Sabia reconhecer o exercício do poder das potências; e a dependência de capitais da periferia. Através do controle do crédito, acabam se transformando nos gestores de fato das políticas econômicas
dos países periféricos. Toda a política econômica era centrada em dois pontos: a solvência do país, para quitar seus empréstimos; e a manutenção de moedas estáveis. O padrão ouro conferiu um poder excepcional aos países detentores de capitais. Como os países que aderiam ao padrão só poderiam emitir com lastro em ouro, a cada crise cambial, do produto principal de exportação, eram obrigados a contrair dívidas com os bancos internacionais, para garantir a conversibilidade de suas moe das. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 24/127 HA 24/127 Esse modelo acabava levando a crises financeiras periódicas, afetando vários países de periferia. No auge das crises cíclicas, os grandes bancos centrais em Londres, Paris e Berlim elevavam suas respectivas taxas de desconto, para evitar a saída de ouro. Com isso, atraíam os capitais de curto prazo e se beneficiavam da queda das cotações dos produtos primários, devido à redução da liquidez internacional (Beluzzo, in Fiori, 96). Esses movimentos de capitais, da periferia para o centro, lançavam os emergentes em crises terríveis, mas ajudavam a resolver as crises dos países centrais. Um dos mais famosos episódios especulativos da história, com o instrumento a venda a futuro, foi a "bolha" em torno das tulipas holandesas, Quando a especulação absorveu toda a produção foram criados negócios de venda futura de bulbos da tulipa, processo iniciado em 1636. Terminou em um crack violento. A principal ferramenta que movimentaria a especulação até 1929 surgiu em meados do século 19 nos Estados Unidos, Era o mecanismo da concessão de empréstimo, o chamado "call loans", recursos que os bancos comerciais repassam aos corretore s, para que eles ofereçam à sua clientela. A garantia do empréstimo era a caução das ações dos tomadores. O "call" significava que o banco poderia chamar à liquidação do empréstimo a qualquer momento. O banco exigia uma "margem de garantia", emprestando apenas um percentual do valor dos títulos, de acordo com seu valor de mercado. Se as cotações caíssem, aumentava a dificuldade dos tomadores, que era agravada pela redução automática do valor emprestado. Foi o pedido de garantias adicionais que acelerou o crack de 1929. O câmbio também permitia jogadas especulativas periódicas, com os grandes bancos apostando contra moedas fracas, ou no deságio dos títulos das dívidas dos países periféricos. A maneira de minimizar os riscos era o controle sobre as informações, a dependência que os países tinham dos fluxos de capitais, e a capacidade de influenciar a opinião pública, criando uma ideologia pró livre cambismo. As próprias mudanças no capitalismo internacional permitiam que a industrialização inglesa transbordasse para outros países, particularmente os Estados Unidos. Esse período é caracterizado pelos seguintes eventos2: A consolidação das práticas de financiamento e de pagamentos internacionais sob a égide de um padrão monetário universal. A metamorfose do sistema de crédito, expressiva no aparecimento de bancos de depósitos que ajustam suas funções e formas de operação à nova economia comandada pela indústria. A emergência de uma nova divisão social do trabalho, consubstanciada na crescente separação entre o departamento de meios de consumo e o departamento de meios de produção. A internacionalização capitalista sob a hegemonia inglesa produz a industrialização dos EUA e da Europa e, simultaneamente, a periferia produtora de matérias primas e alimentos. No final do século 19, quando a República ensaia os primeiros passos, já havia um mercado internacional de mercadorias funcionando em Londres, com suas cotações
sendo acompanhadas diariamente por negociantes de todas as partes do mundo. De 1830 a 1870, um reduzido número de estados, todos europeus, dera início a um extraordinário ciclo de expansão do capitalismo financeiro. Esse ciclo se prolonga até 1914, quando eclode a Primeira Guerra Mundial. Com o fim da Guerra da Secessão nos EUA, em 1860, o mundo passa por um processo inédito de transformações, preparando a nova etapa do desenvolvimento mundial. Os EUA já preparavam o salto para se tornar grande potência. Depois da guerra franco-prussiana, ocorrera a unificação da Alemanha; no Japão, acontecera a Restauração Meiji. Depois da Guerra da Criméia ocorrem mudanças na Rússia 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 25/127 HA 25/127 também. É esse grupo de países, ao lado da França, e sob a liderança da Inglaterra, constituem o núcleo duro do novo sistema global (Fiori, 41). Alguns países conseguiram aproveitar do excesso de capitais, da coordenação inglesa e , com o chamado déficit de atenção da Inglaterra em relação às suas estratégias de desenvolvimento, nas décadas seguintes começavam a despontar como novas potências. Depois de várias crises cambiais, o sistema financeiro internacional se estabiliza ra em torno do padrão ouro e em uma estrutura hierárquica. No centro, ficava o Banco da Inglaterra. Num segundo grupo, os bancos da França e da Alemanha. Noterce iro, da Holanda, Áustria e Bélgica (Fiori, 65). A haute finance já havia fincado os olhos no país e montado sua rede de alianças, a partir do momento em que Mauá montou um banco em Londres e tentou se converter em banqueiro londrino para fugir à pressão política interna. Não conseguiu, foi derrotado, mas chamou a atenção da banca londrina para o grande potencial daquele gigante adormecido. As grandes bolhas especulativas O potencial de riqueza fácil com mudanças monetárias e as bolhas especulativas já eram de conhecimento geral quando Rui Barbosa deu início à política monetária que levaria ao Encilhamento. O exemplo mais marcante foi o de John Law, nascido em 1671, filho de um ourives abastado que emprestava dinheiro a juros, que chegou a Ministro das Finanças da França e montou uma companhia que detinha o monopólio do comércio do Vale do Mississipi (ainda sob domínio francês), Índia, China e Pacífico Sul. Law mudou-se para Londres com 17 anos. Era mulherengo, jogador, e, depois de matar o pretendente a uma amante sua, teve que se refugiar na Europa continental . Lá, tomou contato com os modelos de crédito do Banco de Amsterdan. Na falta de reservas em ouro, o banco recebia moedas dos comerciantes, que adquiriam em troca crédito pelo seu valor, na forma de notas. Em uma época dominada pelo padrão-ouro, passou a defender que a quantidade de moeda em uma economia não deveria ser pautada pelas reservas em ouro ou pelo saldo da balança comercial, mas pelas necessidades de troca internas da própria economia. Defendia o papel-moeda e títulos lastreados em terras e impostos. Em 1715 o Duque de Orleans se tornou regente, após a morte de Luís 14. A França passava por uma crise portentosa que o novo Regente tentava resolver através da recunhagem de moedas e de uma desvalorização cambial de 20%. Amigo do Duque, Law apresentou um diagnóstico diferente. Em sua opinião, a França sofria de falta de moedas e de excesso de desvalorizações cambiais. Propunha o uso da moeda fiduciária e a criação de um banco emissor de títulos de crédito lastreados em receitas de impostos e propriedades. O Estado ficaria com o monopóli o de todas as atividades financeiras e fazendárias. Foi o início do Banque Generale, no ano seguinte, emitindo títulos resgatáveis em moeda corrente. Como o país ainda sofria do pânico da desvalorização das moedas
metálicas, em pouco tempo a moeda fiduciária se impôs e os títulos passaram a ser negociados com ágio de 15% -- contra um deságio de 80% das moedas de ouro e prata. Percebendo o potencial do novo padrão monetário, Law criou uma companhia na Luisiana, ainda uma colônia francesa, que deteria o monopólio do comércio no rio Mississipi. Prometia de que as terras gerariam riquezas em ouro , seda e agricultura. Apenas um ano depois de fundado, o banque Generale foi estatizado, tornou-se o Banque Royale, e o Regente ordenou a impressão de papel-moeda no equivalente a 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 26/127 HA 26/127 três vezes a dívida pública. Houve reação do Parlamento e Law terminou afastado do Banque Generale. Ainda influente, a Companhia do Mississipi conseguiu em 1817 não apenas a confirmação de seus direitos sobre o rio Mississipi mas também sobre as Índias Orientais, China e Pacífico Sul. Para financiar as operações, Law emitiu 50 mil ações a serem integralizadas em notas do Tesouro com 80% de deságio. Prometeu aos acionist as uma rentabilidade de 120% ao ano. Pequenos investidores correram em massa atrás do pote da fortuna, adquirindo opções de compra das ações. Excesso de papel-moeda, promessas de ganhos fantásticos, produziram uma corrida aos novos papéis, que tiveram uma demanda seis vezes superior à oferta. Em 15 meses os papéis de Law experimentaram uma valorização de 2.900%. Com esse sucesso, o passo seguinte foi a fusao do Banque Royale com a Companhia do Mississipi, e Law nomeado novo Ministro das Finanças. Em 1720, não resistiu à primeira crise. Houve uma corrida contra a companhia, com os vendedores não exigindo moeda metálica. Law resistiu, deflagrando uma onda de desconfiança em relação ao papel-moeda. Para enfrentá-la o governo desvalorizou e limitou os saques de moeda metálica. A conseqüência foi uma explosão de contrabando de ouro para a Inglaterra e Holanda, paralisando o comércio. Tentou se limitar a posse de moeda-metálica pelos indivíduos, além de se proibir a compra de jóias, prata e metais preciosos. O país quase foi engolido pela revolta popular. No final do ano, o valor das ações da Companhia do Mississipi tinha caído 98% em relação ao início do ano. Law foi demitido, a crise ajudou a preparar a Revolução Francesa e a palavra banco foi banida do dicionário financeiro francês, substituída pela credit. Mas seu modelo de enriquecimento fácil que montou passou a ser a ambição maior de muitos aventureiros por todo o mundo. E a pedra filosofal de sucessivas gerações de financistas passou a ser a suprema chance de montar uma reforma monetária com final bem sucedido, que lhes assegurasse o sucesso inicial de Law, sem arcar com os infortúnios posteriores. Com a internacionalização financeira, os movimentos especulativos tornar-se-iam mais freqüentes. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 27/127 HA 27/127 A AAA s ssse eeeg gggu uuun nnnd ddda aaa f fffa aaas ssse eee d dddo ooo d ddde eees ssse eeen nnnv vvvo oool lllv vvvi iiim mmme eeen nnnt ttto ooo: ::: a aaa A AAAb bbbo oool llli iiiç çççã ããão ooo Na segunda metade da década de 1880, o Brasil tinha todas as condições de repetir o feito norte-americano. A economia estava prestes a explodir, a ultrapassar a f ase da monocultura do café e começar a formar uma sociedade sofisticada, pronta para entrar na segunda fase de List. As condições eram claras. Um primeiro ensaio de política industrial ocorreu com a vinda de Dom João 6º ao Brasil. Além da abertura dos portos, criou a siderurgia nacional e fundou o Banco do Brasil em 1808. Em 28 de anril de 1809 concedeu direitos aduaneiros às matérias primas consumidas pelas fábricas brasileiras, isentou de impostos a exportação de produtos manufaturados e passou a utilizar produtos brasileiros no fardamento das tropas (Moniz Bandeira, paper FGV). Fez mais, introduziu os primeiros conceitos de patente, garantindo privilégios por 14 anos os inventores ou introdutores de novas máquinas, e garantiu 60.000 cruzado
s às manufaturas com dificuldade, especialmente as de lã, algodão, ferro a aço. No arsenal da Marinha, construiu a fábrica de pólvora, a tipografia régia, bem como criou o Colégio Militar e o Naval. Em fins de 1809, o engenheiro Friedrich Ludwig Varnhagen chegou ao Rio de Janeir o com a missão de estudar a possibilidade de construção de uma siderúrgica no morro de Araçoiaba, perto de Sorocaba. Em 1812, com o apoio de Dom Manuel de Assis Mascarenhas Castelo Branco da Costa Lencastre, conde de Palma, Dom João 6º construiu outra usina siderúrgica, a Fábrica Patriótica, perto de Congonhas do Campo. Ao mesmo terreno, começava a antiga tradição mineira de fabricação de ferro gusa, através de Manoel Ferreira de Câmar Bittencourt e Sá. Segundo Moniz Bandeira, a Inglaterra não queria a abertura dos portos no Brasil. O que pedira fora apenas um porto exclusivo em Santa Catarina, que Dom João 6º não concedeu. Como não conseguisse o monopólio, os ingleses pressionaram-no para que firmasse o Tratado de 1810, concedendo às manufaturas inglesas uma tarifa preferencial de 15% ad valoren, menor até que as de Pportugal, que eram de 16%, e de 24% para as demais nações. O esforço por ver a Independência reconhecida, fez com que, no final da década de 1820, o Brasil assinasse inúmeros tratados comerciais desiguais com a própria Inglat erra, França, Prússia, Áustria, Dinamarca, Países Baixos, a Liga Hanseática e com os Estados Unidos. Esses tratados acabaram atrasando o processo de industria lização interno. Apenas entre 1842 e 1844, quando os tratados expiraram, o Ministro da Fazenda Manuel Alves Branco deu início a uma política de proteção da indústria infante, elevando a tarifa de importação de 3 mil produtos, para uma faixa entre 20 a 60%. Esse período se estendeu de 1844 a 1876. Em 1877, já havia no Brasil fábricas de produtos químicos, instrumentos óticos, calçados, chapéus, tecidos de lã e algodão. Em meados do século 19, o cônsul geral da França em Montevidéu chegou a chamar o Brasil de Rússia Tropical, que tinha a vantagem da organização e da perseverança em meio dos Estados turbulentos e mal constituídos da América do Sul. Em 1850, com a lei Eusébio de Queiroz, foi proibido o tráfico negreiro. A decisão liberou volumes consideráveis de capital. Dessa conjuntura se aproveitou Irineu Ev angelista de Souza, o futuro Barão de Mauá, lançando as bases de um sistema bancário moderno. Com sua capacidade de aglutinar poupança, obter ganhos de arbitragem no câmbio e ter acesso a capitais ingleses, o Barão de Mauá traçara o roteiro do desenvolvimento. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 28/127 HA 28/127 Começa a trabalhar muito cedo em uma casa comercial brasileira, transfere-se para uma importadora inglesa, aprende as novas teorias econômicas e financeiras. Depois , descobre a possibilidade de atrair capital externo para empreendimentos no país. Monta um banco, com várias filiais pelo país e uma filial em Londres, e passa a capt ar na praça londrina. Ao mesmo tempo, descobre rapidamente possibilidades enormes de ganhos na arbitragem de câmbio, valendo-se do baixo fluxo de informações no país. Ganhava meramente arbitrando as diferenças de câmbio entre as diversas praças em que operava no país. Descobriu, também, os dois grandes modelos de negócio que atrairiam os grandes capitais na época: os serviços urbanos e as ferrovias integrando grandes distâncias. Com sua capacidade de mobilizar capitais montou a primeira indústria de base no país, o porto de Areia, ..... Depois, o serviço de iluminação a gás no Rio de Janeiro, companhias de navegação no Amazonas, bancos no Uruguai, Argentina. Mauá deixou lições indeléveis a todas as gerações posteriores. De um lado, mostrou o poder regenerador do capital bem aplicado, seu enorme poder transformador quando controlado por pessoas com imaginação para novos negócios, controle sobre os números, estratégias empresariais bem definidas. Mas a atuação de Mauá abriu os olhos de dois personagens que passariam a exercer um papel confuso no país, dali por diante. Primeiro, foi o dos grandes rentistas. Encurralado pelas ações de Pedro 2o, Mauá descobre um aspecto relevante da cultura estatal brasileira. Como empresário brasileiro, ele despertava ciúmes. Se se tornasse empresário inglês, teria direito a privilégios. Quando começa a se mover por Londres, expondo seus negócios, desperta os banqueiros ingleses para novas possibilidades para o país. Até então, os países emergentes eram uma boa fonte de lucros, mas apenas para o mercado de crédito. Quanto pior a situação do país, quanto maior o "risco país", maiores os juros pagos pelos empréstimos. A atuação de Mauá mostrava, para o mercado londrino, as excepcionais possibilidades abertas no mercado de investimento. O novo país tinha poupança acumulada, e uma enorme demanda por novos modelos de negócio que se desenvolviam nos países centrais. De um lado, os melhoramentos urbanos, iluminação a gás, saneamento. De outro, as grandes obras de integração nacional, como as ferrovias. Quando Mauá se preparava para se associar ao banco britânico London and ......, foi derrubado por uma manobra conjunta do governo e da banca inglesa. Do lado de cá, recusaram a tratar como inglesa uma empresa que tivesse como sócio um empresário brasileiro. Do lado de lá, aproveitou-se essa dificuldade para desmanchar a sociedade, e os candidatos a sócios entrarem no país competindo com Mauá, e dispondo de todos os favores do governo. Quando se deu o Encilhamento, esse banco tinha o controle sobre os movimentos cambiais do país, com claro poder de mercado. A partir desse episódio, forma-se uma nova aliança, que irá marcar dali pela frente a economia brasileira, uma aliança tácita entre os grandes rentistas brasileiros e a banca internacional. O dinheiro saía do Brasil e ia para Londres. As empresas bras ileiras
montavam escritórios na cidade, depositavam os recursos nos bancos ingleses. Depois, esses recursos entravam no país através de empréstimos ao setor público ou de inversões em setores regulamentados, através de concessões com garantia mínima de rentabilidade. O rentista brasileiro garantia a aprovação de leis favoráveis às concessões. Atuava nas duas pontas, como político e como investidor. O banco inglês garantia recursos adicionais e a jurisdição internacional sobre os empréstimos. Luis Nassif 18/7/06 23:31 Comment: O nome completo do banco 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 29/127 HA 29/127 Esse movimento estava completamente maduro em 1890, quando a República foi proclamada, e irá explicar dali para frente as enormes dificuldades que sucessivos governos encontrariam para controlar os fluxos de capital e o câmbio. Os fatores que levaram à Abolição da Escravatura jogavam a economia em uma espiral de dinamismo sem paralelo na história. De um lado, a vinda de imigrantes fortalecia sobremaneira o mercado interno. Era uma nova cultura, de trabalho, de poupança, irrigando o campo e desdobrando-se para a cidade. Havia uma legião de libertos, que veio se formando após a Lei do Ventre Livre, em 1850, alguns poucos cidadãos de sucesso, bem sucedidos, e uma legião disponível para ser integrada. Libertos e imigrantes criavam a possibilidade de uma revolução no mercado de consumo , na oferta de mão de obra, na cidadania e no emprendedorismo, sacudindo o acomodamento da sociedade patriarcal brasileira, onde prevalecia o instituto da herança e do compadrio e o consumo conspícuo. Nos Estados Unidos, a doação de pequenos lotes de terras a imigrantes tinha permitid o a colonização rápida do país e a criação de um enorme mercado de consumo. Internamente, no plano político, a Abolição provocara um racha nos interesses da cafeicultura, entre a moderna, instalada em São Paulo, e a arcaica, basicamente ocupando as terras esgotadas do Vale do Paraíba. Do lado da poupança interna, já a Lei Eusébio de Queiroz, de 1850 (que proibiria o tráfico de escravos) liberara o capital investido na compra de escravos. Havia eno rme poupança empoçada, guardada debaixo do colchão tanto dos fazendeiros quanto da classe média urbana. Externamente, havia capital brasileiro, cujo montan te é impossível estimar, mas certamente abundante depositado em bancos ingleses, em uma provável mistura de capital legalmente exportado, contrabando, corrupção política e subfaturamento de exportações. Havia também os financistas, brasileiros mais internacionalizados que se aproximar am da praça londrina estabelecendo relações de colaboração, parceria ou sociedade com capitalistas ingleses, com grandes financistas, como os Rotschilds, a banque iros de menor expressão. Nos anos anteriores, esses capitais financeiros já haviam sido investidos em estra das de ferro em São Paulo, na modernização do porto de Santos, permitindo o grande salto da cafeicultura paulista. O Barão de Mauá comandara esse processo, introduzindo na realidade agrária do país o conhecimento sobre as formas contemporâneas de organização do capital, assim como sobre as estratégias financeiras para ganhar dinheiro com as arbitragen s cambiais e de taxas de juros.
Internacionalmente, as grandes descobertas tecnológicas do século 19 entravam em fase de maturação, abrindo espaço para uma ampla remodelação dos negócios. Dali para frente, a dinâmica da economia mundial --e de países que completavam a primeira fase, como o Brasil-- seria conduzida pelas novas tecnologias, pelas es tradas de ferro, pelos serviços desenvolvidos para a urbanização, como saneamento, água, energia elétrica, pela substituição de importação de bens de consumo e, depois de criada a base, pela implantação da indústria de base Os novos modelos de negócio, com novas tecnologias e novas formas de organização do capital, iriam se impor sobre a ordem anterior, agrária, semi-feudal. Da rapide z e da maneira como se procedesse a esse movimento de superação, dependeria o sucesso do Brasil nas décadas seguintes. Do ponto de vista das condições potenciais, o Brasil estava pronto para entrar na segunda fase de desenvolvimento estudada por List. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 30/127 HA 30/127 P PPPr rrro oooj jjje eeet ttto ooo d ddde eee p pppa aaaí ííís sss Um projeto de país implicaria em ações óbvias, quase todas discutidas e defendidas pelas poucas vozes racionais que enxergavam o futuro, ou conseguiam colocá-lo acima dos interesses imediatos. Do lado dos libertos, havia a necessidade de políticas públicas de inclusão social. Era necessário investimento federal em educação e saúde, treinamento profissional, complementando os escassos recursos dos estados. Do lados dos imigrantes, era repetir o modelo norte-americano, de doação de pequenas glebas de terras, permitindo o rápido povoamento do interior. Dentre os imigrantes, havia toda uma geração de artesões, com condições de acelerar o incipiente processo de industrialização e substituição de importações. Em 1878, 22.423 imigrantes desembarcaram no Brasil; em 1887, 54.990; em 1889, mais de 160 mil. Eram portugueses de Lisboa, italianos de Nápoles, Gênova, pessoal de Ansver, Hamburgo, da Alsácia e do Tirol. São Paulo criou uma Lei provincial em 29 de março de 1884 com o objetivo de estimula ra a migração. Foi constituída uma sociedade promotora presidida por Martinho Prado Júnior, que foi à Europa em 1887 para estimular a migração. São Paulo abriu uma hospedaria com capacidade para 4 mil pessoas, para receber os imigrant es. Outras foram abertas na Ilha das Flores, no Rio, em Macaé, Juiz de Fora. Em 1889, tinham-se belgas em Piquete e Canas, italianos e alemães em Ribeirão Preto, italianos em Cascalho, portugueses em Nova Louzã, italianos em Santa Veridi ana, italianos e alemães por todo o Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. (O Brasil, 113) Trabalhando esses dois públicos, se teria a garantia de sustentabilidade do cresci mento econômico, com a ampliação da oferta de mão de obra, de novos empreendimentos, e do mercado interno. A infra-estrutura poderia ser atendida com uma regulação firme, que permitisse a atração de capitais internos e externos para as concessões ferroviárias e para os serviços urbanos, aproveitando a grande expansão da revolução industrial, transbordando as indústrias dos países centrais para os perfiéricos, e a abundância do capitalismo. Com a integração ferroviária, os imigrantes poderiam se espalhar pelo
país, ajudando na sua ocupação e em um padrão de desenvolvimento similar ao milagre da Califórnia. O empreendedorismo poderia ser estimulado pela criação de um sistema ordenado de bancos que ajudassem a irrigar a economia central e a regional com crédito abun dante e barato. Havia a necessidade da modernização da legislação bancária, melhorando a apresentação de garantias, de maneira a destravar a oferta de crédito, e a implantação de um sistema competitivo no modelo de concessões existente. Finalmente, a atividade interna de substituição de importações e de implantação de novos empreendimentos de infra-estrutura teria que ser defendida com um câmbio competitivo, de baixa volatilidade, e com tarifas de importação adequadas. Era este o quadro que se apresentava em meados da década de 1880, nos estertores da Monarquia, no alvorecer da República. Ao contrário do início do século, naquele final de século havia no tabuleiro todas as peças que permitiriam ao país saltar para a segunda etapa de desenvolvimento. Já havia conhecimento acumulado para se proceder ao salto para a segunda etapa de Lizt, da substituição de importações. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 31/127 HA 31/127 O primeiro ato do Encilhamento No primeiro ato, sob o Visconde de Ouro Preto, último Ministro da Fazenda da Monar quia, é regulamentada a nova Lei Bancária. O nó central a ser rompido era o da dificuldade de prover crédito à lavoura, em um período em que o ingresso de imigrantes e os libertos demandavam mais moeda. Havia Cada vez que havia safra, o dinheiro sumia da praça do Rio. Depois voltava, deixando o campo sem recursos. A Lei Bancária foi aprovada em 24 de novembro de 1888, com o intuito de criar bancos que pudessem apoiar a agricultura, padecendo da falta de capital de giro com a Abolição. Em janeiro foi criado um primeiro regulamento permitindo aos bancos emitir sobre base metálica. Ou seja, o banco acumulava determinado valor em ouro e podia emitir moedas conversíveis tendo esse lastro como garantia. Os titulares da moeda poderiam ir até o banco e trocá-la por ouro a qualquer momento, observada a paridade de 27 pences por mil réis. Mas não havia nenhum mecanismo que protegesse os bancos contra oscilações cambiais. Como as moedas eram conversíveis, se o câmbio caísse abaixo da paridade, os titulares de moedas simplesmen te as trocariam por ouro, ganhando a diferença. Esse risco fez com que nenhum banco se aventurasse a ser emissor. Em 5 de janeiro, João Alfredo havia promulgado o decreto no. 10.144, regulamentand o o funcionamento dos bancos de emissão: aqueles com direito a emitir títulos. Em 6 de julho de 1889 Ouro Preto revogou o decreto, mas manteve a principal vant agem, que era a permissão para os bancos poderem emitir até o triplo de seu lastro metálico. O principal beneficiário das medidas foi seu banqueiro de confiança, Francisco de Figueiredo, que recebeu o título de Visconde em 1879 e de Conde apena s quinze dias antes da Proclamação da República3. Em 6 de setembro, através do decreto 10.336 Ouro Preto estabeleceu normas para o resgate de papel-moeda. E, logo, ajudou a colocar lenha na fogueira da Bolsa d e Valores do Rio de Janeiro. Lá, a especulação começara a crescer em 1886, mas se acelerou de agosto a outubro de 1889, por conta dos novos bancos. Os jornais anu nciavam que os bancos beneficiados gozariam de um capital gratuito que em muito aumentaria o lucro a dividir pelos acionistas Havia um furor para organizar bancos (Franco, 90). Em setembro o movimento da Bolsa atingiu 131 mil contos, dos quais 66 mil contos eram de ações de bancos. De 13 de maio a 15 de novembro, formaram-se novas companhias com capital total de 402 mil contos, 324 mil dos quais eram de novos bancos. A enorme liquidez veio acompanhada da introdução de modernos mecanismos financeiros convivendo com os tradicionais, aumentando sua capacidade de alavancagem. Entre os novos mecanismos destacaram-se as ações e debêntures, alvo de corridas especulativas após alterações na Lei das Sociedades Anônimas. Entre os instrumentos tradicionais, pontificavam as cambiais (direitos de saque no exteri or), as notas promissórias, as Letras Hipotecárias. Já os Títulos da Dívida Pública perderam expressão, depois que passaram a ser utilizados como lastro para as emissões4.
A redução na colocação dos papéis públicos acabou abrindo espaço para a expansão dos títulos privados. Uma das ferramentas que surgiram no século 19 foi a alavancagem, o contrato de compra e venda para liquidação futura. Esse instituto já constava do direito romano. Ocorre quando o vendedor ainda não tem o produto para entregar e o comprador não tem o dinheiro para pagar. Pactua-se, então, um contrato futuro, negociado em câmaras de compensação (Ney Carvalho, 56). A especulação começou com os papéis dos novos bancos mas em breve, esparramouse por outros setores. Frequentemente o Tesouro era obrigado a interferir na praça, controlando a liquidez a um custo alto. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 32/127 HA 32/127 O Visconde de Ouro Preto decidiu, então, pela criação de um grande banco que pudesse atuar como agente regulador do mercado. Em 19 de setembro de 1889, com capital de 90 mil contos foi criado o Banco Nacional do Brasil, a partir do Banc o Internacional, do Conde de Figueiredo. No dia 28 daquele mês foram aprovados os estatutos do Banco Nacional do Brasil, conferindo-lhe o poder de emitir bilhetes ao portador conversíveis em ouro à vista. Figueiredo era apontado como um dos três reis da rua do Ouvidor, ao lado do Conselheiro Mayrink e Henry Lowndes, Conde de Leopoldina, e autor dos maiores golpes do Encilhamento. Dentre os três, era o que possuía maior ascendência sobre o Visconde de Ouro Preto, embora os dois outros também fossem personagens influentes do Império. O Interamericano tinha sido o banco brasileiro que mais operava em negócios cambiais. O Conde tinha experiência com negócios em café, dois sócios ingleses, William H. Holman e Edward Herman, uma sucursal em Londres e estreitas ligações com o Banco de Paris e dos Países Baixos, que se dispôs a entrar com 2/3 do capital do banco. Com o apoio francês, depois de constituído o Banco Nacional do Brasil teria um fundo metálico (reservas de ouro) da ordem de 9,9 milhões de libras e seria o deposi tário das reservas metálicas do Tesouro do Brasil. Sua missão seria articular a paridade do câmbio, isto é, impedir que o câmbio oscilasse acima ou abaixo da paridade acertada. Os estatutos do Banco Nacional também lhe conferiam o direito de negociar empréstimo s e pagar juros e amortização em nome do Tesouro. Tinha também a garantia de suspensão da conversibilidade de suas notas, se a taxa de câmbio descesse significativamente abaixo do par. Com a mono-emissao, o Banco Nacional assumiria o monopólio da moeda. No dia 2 de outubro, primeiro dia útil após a aprovação do estatuto, assinou-se o contrato que rezava que os bilhetes do banco seriam trocados à vista por moedas de ouro, ao câmbio de 27, salvo os casos de guerra, revolução, crise financeira ou política. Pelo acordo, o Tesouro abstinha-se de emitir durante o período de existência do Banco Nacional. Tinha-se um verdadeiro Banco Central privado, emprestador de última instância, agente do Tesouro e regulador da liquidez. Com a estabilização cambial trazida pelo Banco Nacional, em poucos meses surgiram diversos pequenos bancos emissores, todos em torno da voracidade especulativa que começava a dominar cada vez mais a Bolsa de Valores. A proposta do banco único monoemissor tinha um grande adversário: Rui Barbosa, atuando brilhantemente na imprensa carioca. Dono de enorme erudição, Rui se valia de um truque retórico que viraria padrão brasileiro dali por diante. Cada idéia contrária ele rebatia com o argumento de que em nenhum lugar do mundo era assim; cada idéia que defendia, usava o argumento de que em todo país civilizado, assim se procedia. A idéia de uma instituição destinada especialmente ao resgate de papel-moeda era
vista como Rui como produto de nosso gênio indígena (Magalhães Jr.,61). Era o polvo financeiro, como tratou o banco em outro artigo. Para qualificar a monstruosi dade de tais favores, basta recordar que não há memória deles, até hoje, na história dos bancos. No mesmo dia em que recebeu a concessão de Ouro Preto, o Ministro da Agricultura Lourenço de Albuquerque dependente de Ouro Preto --, através do decreto 10.372 presenteou o ainda Visconde de Figueiredo com concessões exageradas, entre as quais: 1) construção de uma grande bacia abrigada no porto do Rio de Janeiro para a proteção de navios; 28/8/2006 Luis Nassif 18/7/06 23:31 Comment: Interamericano ou Internacional?
OS CABEÇAS DE PLANILHA 33/127 HA 33/127 2) um sistema de cais, dentro dessa baía, onde navios de todo o tamanho possam atracar, e providos com guindastes hidráulicos e elevadores, trilhos e desvios de estrada de ferro, etc.; 3) armazéns e alpendres para o depósito de mercadorias; 4) uma estrada de ferro comunicante com a de D. Pedro II (hoje Central do Brasil ); 5) uma área contígua às docas, para a construção de edifícios destinados ao comércio e ao porto, etc. Através de sua coluna no Diário de Notícias, Rui Barbosa continuava reagindo. "Esse curso forçado (o poder de não resgatar a moeda, isto é, de não entregar o ouro correspondente à emissão), que o contrato de 2 de outubro assegura ao Banco Nacional para qualquer ocorrência de crise, nunca o obteve o Banco de França senão duas vezes, ambas sob a pressão de grandes subversões nacionais. Na época, o Banco da França sofrera com as corridas provocadas por John Law. A idéia de "armar o curso forçado vistosamente como figura de proa de uma instituição destinada especialmente ao resgate do papel-moeda, é o produto do nosso gênio indígena, cujas honras pertencem exclusivamente ao Visconde de Ouro Preto", vociferava Rui. A 4, no artigo "Monopólios sobre monopólios", diz: "O contrato de 2 de outubro propõe-se evidentemente a dar ao Banco Nacional, em termos contrários à lei, à ciência, à praxe de todas as nações, a soberania do crédito em nosso mercado. Ora, os perigos de conferir a um estabelecimento particular esse ascendente de incomp arável energia sobre a existência das sociedades modernas, encontram ampla lição na experiência do passado". Ouro Preto se viu tão acuado que acabou assinando decretos estendendo a faculdade de emitir ao Banco do Comércio do Rio de Janeiro e ao Banco de São Paulo5. A emissão também deveria ser sobre base metálica isto é, tendo moedas de ouro como lastro. A farra durou até o dia 15 de novembro, quando sobreveio a Proclamação da República, o Visconde de Ouro Preto foi substituído pelo próprio Rui Barbosa no Ministério da Fazenda. Menos de um mês depois, Rui apresentava uma proposta de criação de banco único de curso forçado. Apenas trocava o beneficiário: em vez do Conde de Figueiredo, seria o Conselheiro Francisco de Paula Mayrink. O segundo ato do Encilhamento Com a Proclamação da República seguiu-se um período de incertezas. O câmbio começou a ceder. Como havia 17 mil contos de moedas conversíveis na praça, poderia haver um terremoto financeiro. Em fins de novembro, o Banco de Paris e dos Países Baixos tirou o time de campo, e não aceitou os saques do Nacional, do Conde de Figueiredo, como intermediário dos empréstimos a Minas Gerais e Pernambuco. Naquele momento, o Nacional tinha apenas 28 mil contos de fundo metálico para
uma emissão conversível de 17.410 contos. Sem condições de segurar o câmbio, o Tesouro acabou recorrendo ao Banco do Brasil. Mesmo assim, em princípio de dezembr o não havia sinais de que o Banco do Brasil conseguiria administrar o câmbio. Vendo que a queda do câmbio era imediata, o Banco Nacional solicitou ao Ministro a suspensão da conversibilidade de suas notas. Rui Barbosa recusou. Com isso, o câmbio caiu durante dezembro, com ele a emissão em circulação do Banco Nacional. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 34/127 HA 34/127 Em vez de ajuda, o Nacional recebeu a sentença de morte, um decreto de Rui Barbosa , de 27 de dezembro, dando três meses de prazo para os bancos de emissão sobre base metálica completarem suas emissões até o limite autorizado, sob pena de perda da concessão. As emissões deveriam ser a 27 pence por mil réis. Como a taxa de câmbio estava a 24 ½ pence, ninguém iria se aventurar a isso. Com esse decreto, Rui destruiu o sistema de Ouro Preto, e preparou na surdina para coloca r o seu sistema em vigor. Em janeiro de 1890, Rui Barbosa apresentou seu projeto de reforma bancária, totalm ente inspirada nas idéias do Conselheiro Mayrink. O decreto autorizava a criação de bancos emissores com bilhetes lastreados em títulos da Dívida Pública. Depois da campanha ferrenha contra a reforma monetária de Ouro Preto, contra os privilégios de bancos emissores privados, contra o curso forçado, onze dias após a Proclamação da República, Rui Barbosa, o novo Ministro da Fazenda, colocava em prática tudo o que criticara antes. Havia apenas uma diferença em relação ao modelo Ouro Preto: o dono do modelo, agora, era ele próprio, Rui Barbosa. De 26 de novembro a 8 de dezembro Rui concedeu o direito Mercantil de Santos, ao Banco de Crédito Real do Brasil, Banco Comercial do Rio de Janeiro, ao Banco Mercantil da ambuco e ao Banco do Comércio, ao Banco Comercial Pelotense, ao
de emitir ao Banco ao Banco do Brasil, ao Bahia, ao Banco de Pern Banco da Bahia.
Criando vários bancos emissores, Rui destruiu os privilégios conferidos ao Conde de Figueiredo. Mas a intenção era reconstituir o privilégio para seus próprios aliados. Apenas doze dias depois do novo Ministério tomar posse, Rui convoca uma reunião de financistas no seu gabinete, no edifício do Tesouro Nacional. Entre eles, estav a o Conselheiro Francisco de Paula Mayrink, que se tornaria o banqueiro de Rui Barbo sa. O encontro foi descrito em reportagem de capa de O País, edição de 28 de novembro: "Depois do Sr. Ministro da Fazenda expor os motivos da reunião, o Sr. Conselheiro Mayrink indicou como providência mais acertada e pronta a que prescrev e a lei de 1885, autorizando o governo a emprestar aos bancos, sob caução de apólices gerais e bilhetes do Tesouro, indicados na mesma lei. Essa. indicação foi apoiada pelos banqueiros presentes e parece que será a do governo". E a República sequer completara um mês de existência. Rui não lhes concedia o curso forçado a seco, mas através de um estratagema. Os bancos poderiam emitir tendo como lastro títulos públicos. E só fariam a conversão dos bilhetes por ouro se o câmbio permanecesse na paridade de 27 pences por um ano, hipótese absolutamente improvável No Brasil daquele tempo, quantidades incalculáveis do meio circulante se imobilizam em acumulações particulares, dizia Rui. e somas enormes dormem empoçadas, estagnadas, esquecidas.
Na época havia uma profunda discussão sobre política monetária entre duas correntes inglesas, a Currency School e a Banking School. Rui Barbosa defendia que, em países com elevado propensão ao entesouramento, havia a necessidade de uma maior quantidade de base monetária para fazer circular o mesmo volume de transações. Com isso justificava a autorização para a criação de bancos emissores de moedas inconversíveis. Assim como em tantos episódios cinzentos da história do Brasil, o projeto de Rui Barbosa apresentava uma proposta legitimadora para um conjunto de privilégios espantosamente amplos. A parte legítima seria a de utilizar o poder de emissão dos bancos para amortizar a dívida pública. O Governo Provisório havia nomeado uma Comissão de Oficiais Superiores para estudar a melhor maneira de eliminar a dívida pública brasileira. O presidente da Comissão era um coronel republicano, Cândido José da Costa, que 28/8/2006 Luis Nassif 18/7/06 23:31 Comment: O que dizia uma e outra
OS CABEÇAS DE PLANILHA 35/127 HA 35/127 convocou o banqueiro Francisco de Paula Maryrink para apresentar suas sugestões. O coronel Cândido se tornaria o intermediário, que permitiria a Mayrink se aproximar de Rui e se tornar o grande condestável da curta e turbulenta fase do Encilhamento . (Magalhães Jr.,62) O modelo proposto era o seguinte: 1. Os bancos poderiam adquirir os títulos da dívida pública no mercado, abaixo do par (isto é, com desconto). Mas, para efeito de emissão, seria considerado o valor de face do título. Com isso, os bancos ganhavam a diferença. O lastro poderia ser constituído gradativamente, à medida que houvesse novas emissões. 2. No início das operações, os bancos deveriam reduzir em 2% os juros das apólices que constituíam o lastro caindo de 5% para 3% ao ano. Depois, a cada ano reduziriam em 0,5% a taxa de juros, até zerar ao cabo de seis anos. Adicionalmente , os bancos se comprometeriam a constituir um fundo, com uma cota não inferior a 10% dos lucros brutos, para futuro resgate das apólices do lastro. Com isso, a remonetização ajudaria a liquidar a dívida pública. 3. As compensações eram amplas. Os bancos emissores teriam direito a terras devoluta s do governo, de graça, podendo colonizá-las e vendê-las, assim como criar estabelecimentos industriais. Teriam preferência nas concorrências públicas para construção de obras públicas, exploração de minas, colonização e migração. Os estabelecimento industriais que fundassem teriam isenção de todos os impostos. Também poderiam operar com desconto, câmbio, hipotecas, penhor, negociar com terras (Magalhães Jr.,61). 4. Para contentar a lavoura, o Tesouro também garantiria juros de letras hipotecária s emitidas como contrapartidas aos empréstimos agrícolas. Só que, em vez de um ambiente competitivo, definia três bancos monopolistas, um para cada região do país. O da região Centro teria sede no Rio de Janeiro e 200 mil contos de limite à expansão monetária. O da Região Norte teria sede na Bahia e 150 mil contos de limite de emissão. O da região Sul seria sediado em Porto Alegre, com 100 mil contos de limite de emissão. O decreto de Rui foi assinado na chamada calada da noite, no dia 17 de janeiro. Os demais ministros só souberam de sua existência pelos jornais do dia seguinte. Obviam ente, explodiu uma crise ministerial. Era um escândalo de grandes proporções em qualquer tempo e em qualquer circunstância política. Conferiam-se benefícios extraordinários a pessoas escolhidas solitariamente pelo Ministro da Fazenda, sem sequer o Presidente da República ter sido consultado. No dia seguinte ao da publicação do decreto, Rui convocou o Conselheiro Francisco de Paula Mayrink para ser o responsável pelo banco emissor do Centro. O banco de Mayrink foi autorizado a funcionar por decreto de 29 de janeiro. No dia 5 de fev ereiro o novo banco incorporou o Banco dos Estados Unidos do Brasil. Em 24 de fevereiro o novo banco começava a operar. Rui alegava que a transparência do processo poderia comprometê-lo, que as medidas exigiam sigilo. Era total sua ascendência sobre Deodoro, que em decreto de 31 de dezembro o nomeara vice-chefe do governo provisório.
Três dias depois do decreto promulgado, houve uma reunião ministerial. No decorrer dela, o Ministro da Agricultura, o gaúcho Demétrio Ribeiro reportou o óbvio. Que a incorporação do banco emissor do Centro pelo Conselheiro Mayrink configurava um verdadeiro privilégio e monopólio; que, de tão poderosos, os novos bancos iriam administrar o Estado. Deodoro interrompeu a reunião. Houve uma segunda reunião, no dia 30 de janeiro, com o Ministério todo contrário à proposta de Rui. Com o impasse criado, alguns ministros propõem a demissão coletiva do Ministério. Não, Rui, para quem a decisão dependia do chefe de estado. O pacote de Rui avançava até em assuntos jurídicos, alterando as condições da execução judicial. 28/8/2006 Luis Nassif 19/7/06 18:34 Comment: Que banco era esse?
OS CABEÇAS DE PLANILHA 36/127 HA 36/127 Para evitar um pedido de demissão de Deodoro, os ministros resolvem aceitar a proposta de Rui Barbosa. Apenas Demétrio Ribeiro resiste. Insiste que o novo banco irá ferir as liberdades bancárias, absorverá todas as estradas de ferro, impedirá o crescimento dos pequenos capitalistas e que traria necessariamente a queda do câmbio. Os impasses começam a ser resolvidos com concessões variadas. Contrário à lei, Campos Salles arranca um banco emissor para São Paulo. Lembra que esse banco, poderoso por causa da zona, vai ser uma potência até em política. Veja-se o que acontece com os bancos criados pelo Visconde de Ouro Preto, os quais lhes deram ganho de causa nas eleições. Imagine-se que os recursos para toda a atividade depend em do chefe do banco, e conclua-se daí a sua influência (Franco, 112). Rui diz concordar com a proposta. Rui Barbosa minimizou os riscos do câmbio, da exata maneira com que Franco faria quase cem anos depois: Se o câmbio desce, é que está demonstrando que a situação econômica do país não permite manter-se essa taxa naturalmente acima dos 23. Ribeiro insistiu: Mas nosso dever é preocupar-nos seriamente com os prejuízos que nos possam trazer o fluxo de câmbio. Nada consegue. Resta a Demétrio o consolo proporcionado por Benjamin Constant: o de constar suas ressalvas em ata, e mais tarde, caso seja infeliz o resultado d o banco, aparecerão elas com brilho para o nome de S. Excia. Nem isso a história lhe permitiu. Na saída da reunião, já de madrugada, Demétrio desabafou com Aristides Lobo e Campos Salles: Esse banco é pior que um cancro (...) além de expor-nos à maldição pública, vai ser a ruína completa da pátria. De nada adiantaram o bom senso, a visão sólida de Demétrio perto da erudição desenfreada de Rui. No dia 31, em carta a um amigo, Benjamin Constant diria que diante da brilhante defesa de Rui, justificando a sua reforma, e da pálida acusação de Demétrio, não pude deixar de aceitar o decreto de 17, e aplaudir o seu autor, cuja capacidade sempre apreciei. O país dos bacharéis e dos cabeças de planilha lograra se impor sobre o bom senso de quem conseguia enxergar o futuro sem as lentes das formulações abstratas. O malfeito foi feito sem nenhuma preocupação em analisar os desdobramentos do ato. O fantasma de John Law foi imediatamente lembrado pelo jornalista francês Max Leclerc, correspondente do Journal des Débats. Na
França, onde tiveram origem muitas idéias, boas ou más, que desde então se irradiaram pelo mundo, as pessoas de alguma memória não se esquecerão de dizer: mas isto dá idéia de coisa já vista. Sem remontar mais longe do que o ano de 1718, não havia, então, um certo sr. Law, que pretendia colocar as duas margens do Mississipi em ações? E não é verdade que esse grande homem saiu-se mal? É duvidoso, portanto, que a rua do Ouvidor se torne a rua Quincampoix do Rio. O terceiro ato do Encilhamento Em fins de fevereiro entrou em funcionamento o Banco dos Estados Unidos do Brasi l
(BEUB). De cara, espocaram reações contra os privilégios conferidos aos bancos emissores. Pior: o BEUB nasceu sob suspeita de uma fraude, de falsificação de seu capital. Essa suspeita surgiu em correspondência de 25 de janeiro de 1890, de Capistrano de Abreu ao Barão do Rio Branco. O BEUB colocara um milhão de ações na praça. Tudo foi colocado no primeiro dia, mas observava Capistranosó Mayrink tinha ficado com 600 mil ações. Ou seja, 60% do capital não encontrou tomador (Magalhães 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 37/127 HA 37/127 Jr.,67). Tempos depois, já no governo Floriano Peixoto, o Ministro da Fazenda Serz edelo Corrêa, constatou que a integralização do capital foi mero jogo de contas. Explodiam de imediato reações contra os privilégios conferidos ao Conselheiro Mayrink. Um grupo de empresários, liderado por Paulo de Frontim, preparou um abaixo assinado e o levou a Deodoro. Cercado por todos os lados, Rui escreve uma carta a Deodoro em 8 de março de 1890. Nele, lembra Deodoro que o Banco Nacional, do Conde Figueiredo, tinha um contrato inconstitucional e monstruoso no governo imperial, todos esperavam que ele, Rui, rescindisse, mas não o fez. Portanto, Figue iredo lhe devia um favor. Todavia isso não queria dizer que a sua situação ficasse 'definitivamente regularizada, nem que o Governo Provisório houvesse renunciado ao direito, ou talvez antes o dever de encaminhá-la, e dar-lhe situação compatível com os nossos compromissos oposicionistas. E dava o xeque em Deodoro: O Banco Nacional já ousa levar os seus emissários até a presença do chefe do Estado e conta abalar-me a confiança dele. Para que eu prossiga, pois, é essencia l saber eu definitivamente se o meu velho chefe, a quem pertence a minha dedicação e a minha vida, mantém para comigo o pacto da confiança absoluta e dá-me, na luta contra esse inimigo, a autoridade ilimitada de que eu preciso a bem do G overno, da República e da pátria. Nesta hipótese estou pronto para tudo e irei com o chefe glorioso da revolução até o extremo limite do sacrifício, sem me importarem hostilidades, quaisquer que forem. Mas, não sendo assim, o cálice é amargo demais, e a minha posição não será dignamente sustentável. Deodoro cedeu, como cederia nas nove vezes restantes em que Rui o pressionou com pedidos de demissão. No segundo semestre de 1889 diversos bancos tinham gastado suas reservas importa ndo ouro e, com as modificações introduzidas por Rui, tinham sido prejudicados em sua capacidade de emitir moeda. Esses bancos tinham até o final de março para fazer suas emissões, sob pena de perder as concessões. Assim, Rui foi sendo pressionado a autorizar a emissão com base nas reservas metálicas, em regime de inconversibilidade. As pressões vinham acompanhadas de uma imensa atoarda na imprensa, atingindo um Ministro da Fazenda moralmente fragilizado pelas concessões escandalosas confer idas ao Conselheiro Mayrink. No dia 6 de março Rui Barbosa foi até Deodoro e exigiu a autorização para os demais bancos poderem emitir até o dobro de 20 mil contos em espécies metálicas, que seriam depositadas no Tesouro em regime de inconversibilidade. Condicionava sua permanência no Ministério à aprovação do pleito por Deodoro. O Marechal assinou o decreto. Mas, antes de ser publicado, Rui Barbosa recebeu orientação de Matta Machado (homem de Mayrink) para modificações no decreto, que foram feitas e enviadas a Deodoro, depois de inutilizado o primeiro decreto. Pelo novo decreto, de número 273, de 7 de março, o Banco Nacional e o Banco do Brasil poderiam emitir até o dobro da quantia de 25 mil contos, da quantia que ess es bancos depositassem em moeda metálica no Tesouro. As moedas só seriam
conversíveis se o câmbio se mantivesse acima do par por mais de um ano. No mesmo decreto, reduzia-se para 50 mil contos o direito de emissão do BEUB, do Conselheiro Mayrink. O que parecia ser uma redução dos privilégios do BEUB ficou claro em agosto, quando o banco foi autorizado a emitir os outros 50 mil contos sobre a base metáli ca agora muito mais vantajosa do que sobre títulos públicos, porque se autorizava emissão sobre o dobro do valor das reservas com as mesmas vantagens conferidas ao Banco do Brasil e ao Banco Nacional em março. Mais uma vez, o Ministério não foi consultado. Mais uma vez explodiram acusações contra Rui. Cesário Alvim, o novo Ministro do Interior que substituíra Aristides Lobo, que se demitiu no episódio de 17 de janeiro fez o mesmo alerta de seu antecessor: seria um desastre. Rui defendia a proposta com o argumento de que, se não houvesse aumento da liquidez, haveria uma crise sem precedentes na praça. Cesário Alvim rebatia que 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 38/127 HA 38/127 dois bancos emissores, o do Brasil e o Nacional, não tinham completado sua emissão, o que significava que não havia problemas de liquidez. O decreto n.° 700ª, de 29 de agosto, dava ao Banco dos Estados Unidos do Brasil o direito de fazer nova emissão até o dobro de 25 mil contos, que depositaria no Tesou ro. Rui vencera declarando que "sem essa medida justa, inadiável, imprescindível, não poderia continuar no seu cargo". Pouco depois, para superar as pressões, patrocinou a fusão do BEUB com o Nacional, do Conde de Figueiredo, resultando no Banco da República, dando a gestão ao Conselheiro Mayrink. O novo banco emitiria o triplo do seu lastro ouro e faria o resgate do papel-moeda, duas terças partes gratuitamente e a outra contra apólices de 4%. Agora se copiava integralmente o sistema bolado pelo Visconde Ouro Preto para beneficiar o Conde de Figueiredo (Magalhães Jr.,75). Rui fez questão de nomear conhecidos, Felício dos Santos, Rodolfo de Abreu, Almeida Pernambuco, Silvio Romero para o banco. Àquela altura, com os negócios completos, jogava-se para o lado as metas de redução da dívida pública. Para complicar a história, houve uma jogada especulativa na Argentina que provocou a quebra do Banco Berhings, com conseqüências inevitáveis sobre o câmbio brasileiro. No início de 1891, já rico, tendo saído do governo para dirigir companhias, filhas do Encilhamento e do Conselheiro Mayrink, Rui lamentaria as decisões tomadas. Se não tivesse sido pressionado, diria ele, metade da dívida pública teria sido resgatada . Quase cem anos depois, sócio de bancos, rico e realizado, o economista Edmar Bacha, um dos pais do Real, também se lamentaria da falta de força política para reduzir a dívida interna. As conseqüências foram dramáticas. Primeiro, ampliou de forma drástica a capacidade dos bancos de emitirem. Segundo, como as emissões sobre as bases metálicas passaram a ser inconversíveis, deu enorme poder aos bancos para atuar no mercado de câmbio, utilizando suas reservas ainda não aproveitadas como lastro para a emissão de títulos. No caso do encilhamento, os golpes foram montados em cima de emissões primárias de ações. O comprador pagava 10% do valor da emissão. A empresa era lançada. Quando necessitava de mais capital, procedia a novas chamadas. Se o investidor não subscrevesse a nova chamada, perdia direito ao que já havia pago. Não havia mercado secundário, com a negociação dos papéis em bolsa. Além disso, as ações eram negociadas por seu valor nominal. Se uma empresa ia mal, não havia queda na cotação dos seus papéis -- o que permitiria ao investidor reduzir seu prejuízo, vendendo o papel com desconto. Na hora de novas emissões, as empresas não tinham como reduzir o valor das ações, que estavam amarradas ao valor nominal dos vencimentos. Resultava disso o encalhe dos lançamentos poster iores, inviabilizando as empresas e dando prejuízo integral aos acionistas. Embora não houvesse um mercado secundário formal, e teoricamente as ações correspondente s
à primeira emissão não poderiam ser negociadas, criou-se uma gambiarra, Usava-se uma "procuração em causa própria", que permitia a transferência da propriedade sobre as ações, sem e necessidade de assinatura no livro de registro de ações da companhia. Os Mendes de Almeida criaram os certificados de depósito, chamados de "warrants", permitindo a circulação de títulos nominativos como se fossem ao portador, "mediante comissão insignificante" (Carvalho, 161). De janeiro a abril, tal como Demétrio havia previsto, houve intensa desvalorização cambial, de cerca de 25%, seguida da volta da inflação. De uma taxa negativa de 16,1% em 1887, a inflação chegou a alcançar 84,9% em 1891, quando a especulação atingiu o seu auge6. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 39/127 HA 39/127 Deodoro cobrou explicações de Rui. Sua resposta foi a de que o câmbio estava submetido a uma especulação do Banco Nacional, mas que não poderia durar muito tempo. A intenção dos especuladores seria a de enfraquecer o governo de Deodoro, mas não conseguiriam atingir seu intento. O Ministério aceitou as explicações. Na verdade, tinha havido volume considerável de vendas de cambiais a descoberto antes da safra. Os tomadores dos papéis passaram a atuar para forçar a baixa do câmbio. No momento da liquidação, quem tinha vendido a descoberto foi obrigado a ir a mercado adquirir cambiais a preços muito mais elevados. A corrida dos compr adores a descoberto deflagrou um jogo especulativo pesado, em que as somas jogadas eram sucessivamente mais elevadas7 Com a dinheirama inundando a economia, com as reservas de ouro dos bancos podend o influenciar o mercado de câmbio, o movimento especulativo em torno da Bolsa de Valores atingiu seu ápice. Após a especulação com ações, seguiu-se uma muito mais ampla, sofisticada e intensa com o câmbio, em geral pouco estudada. Principalmente após a quebra do Bharing, especulando com câmbio na Argentina. A desorganização financeira abria espaço para toda sorte de jogadas cambiais. Esse jogo consistia em vender ou comprar saques no exterior sem cobertura cambial. Só depois que chegavam as mercadorias e eram vendidas os importadores tinham os recursos necessários para as liquidações cambiais8. O quarto ato do Encilhamento No período de 1876 a 1886 houve um aumento de 1,067% nas transações na Bolsa de Valores e de 231% no número de companhias com títulos cotadas em pregão. ram 53 empresas, entre as quais 16 bancos, 11 companhias de seguro, 2 de fiação e tecidos, 21 de transportes e 3 de serviços públicos. A partir de 1889 o aumento de transações é de 84% em 1889, 98% em 1890 e 45% em 1891. Em 1890 já eram 114 empresas listadas em Bolsa, das quais 43 bancos, 7 companhias de seguro, 10 de fiação e tecidos, 3 de alimentos e bebidas, 22 de transportes, 8 de serviços públicos, 2 de extração mineral, 3 de comércio, 5 de construção civil, uma de construção naval, 3 de recreação e esportes, 2 de colonização e cinco de setores não identificados9. As grandes especulações plano sua ação no campo público sempre fora uma Assim como hoje, a taxa res as taxas.
bursátis promovidas por Rui Barbosa deixaram para segundo da dívida pública. Desde a Independência, o endividamento fonte de ganhos consideráveis para os bancos. de juros refletia o risco Brasil. Quanto pior o país, maio
Quando candidato à presidência, na Campanha Civilista, Rui fizera um manifesto com dezoito itens sobre atos que não farei. Um deles era: "Não empenharei a garantia federal em empréstimos internos ou externos, contraídos por Estados ou municipalidades" (Magalhães Jr.,122). No Ministério da Fazenda de Deodoro, além do Encilhamento, Rui escancarou as portas para o endividamento de estados e municípios. Em 14 de agosto de 1890, pouco antes de se reunir o Congresso Constituinte, Rui se antecipou e fez Deodor o
aprovar um decreto pelo qual o governo federal iria garantir qualquer empréstimo aos estados até o limite de 50 mil contos. A intenção seria favorecer dois intermediário s ligados a um grupo de banqueiros ingleses, liderados pela firma Louis Cohen & Sons. Eram João Pereira da Silva Monteiro e Alberto José Pimentel Hargreaves, que articula ram essa medida com Rui. Cinco dias depois do decreto ser publicado, um telegrama da empresa Louis Cohen & Sons dava início ao processo de endividamento dos Estados. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 40/127 HA 40/127 O contrato definia as obrigações dos Estados. Os juros seriam de 5% ao ano sobre o capital nominal emprestado e seriam pagos por um fundo cumulativo de amortização de 1%. Para garantir o pagamento, os Estados dariam como garantiam, por lei especial, as rendas precisas, provenientes da exportação e importação, ou quaisquer outras e que correspondessem aos compromissos contraídos. O Tesouro garantiria qualquer inadimplência. A crise fiscal e o esmagamento dos estados Os negócios de Rui Quando deixou o governo, no bojo de uma renúncia coletiva do Ministério Deodoro, Rui foi presenteado por Mayrink e outros banqueiros com um palacete em Laranjeir as. Segundo relatou seu cunhado Carlos Viana Bandeiras, foi sua mãe (sogra de Rui) quem o convenceu a não aceitar o presente, porque tal coisa não cheirava bem. A ficha de Deodoro só caiu mais tarde quando Rui vendeu a Quinta do Caju, de propriedade da União, sem consultar o presidente e por um preço considerado irrisório. A venda foi anulada, Rui pediu demissão pela nona vez, Deodoro recusou pela última vez. Quando saiu do Ministério, Rui já era um homem rico, participando de três empresas criadas no Encilhamento. Ainda se tornou presidente da Estrada de Ferro Goiás e Mato Grosso e do Banco Impulsor. Entre fevereiro e maio de 1891, em plena agon ia do Encilhamento, o banco patrocinou cinco novos lançamentos no mercado. Com o cunhado Carlos Viana Bandeira, o Carlito, e o Conselheiro Mayrink, ainda participou da fundação de um tal Banco Vitalício do Brasil que, como quase todos os empreendimentos de Mayrink, era subcapitalizado, com a subscrição constituída por notas promissórias. O banco acabou sendo fechado antes que explodisse o escândal o. O prestígio angariado no Ministério ainda permitiu que se tornasse membro do conselh o de meia dúzia de empresas (Carvalho, 137). Depois de enriquecer, os atores do Encilhamento buscavam status social, prestígio político, refinamento cultural. Pouco após a renúncia coletiva do Ministério de Deodoro, surgiram duas das últimas empresas do Encilhamento: a Companhia Estrada de Ferro Goiás-Mato Grosso e a Companhia Fomento Industrial e Agrícola do Mato Grosso. A primeira foi autorizada por Francisco Glicério, inúmeros privilégios, rentabilidade assegurada. A ar os 40 quilômetros de terras ao redor da ferrovia. o pelo seu patrono, Conselheiro Mayrink, que também da Companhia Frigorífica e Pastoril Brasileira.
colega de ministério de Rui, com segunda teve como objetivo coloniz Provavelmente, tudo foi arranjad colocou Rui na presidência
Fora os negócios em que se meteu seu cunhado. Foi ele quem conseguiu para Rui o posto de consultor jurídico da Light and Power Co. Ltd. E também envolveu o cunhado em inúmeros escândalos, como a fundação do Banco Vitalício do Brasil, colocando
Rui como presidente. O banco tinha como capital apenas uma promissória de Mayrink a Carlito. Em suas memórias, Carlito confessava que "Minhas atividades em torno da Bolsa proporcionavam-me resultados que me faziam nadar em dinheiro. Os sucessos eram expostos na nossa roda como tacadas. De quando em quando, uma de 20, 30. de 50 contos. Vez por outra, uma de 100 ou mais. Agora, sim, apresentava-me como um capitalista. Enchime de boas roupas, calçados, chapéus e bengalas". Nessa época, em que Rui foi Ministro, o cunhado tinha apenas 20 anos10. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 41/127 HA 41/127 As relações de Rui com o capital financeiro internacional ficariam mais claras ainda nas reuniões de Haia onde consolidou seu prestígio. O diplomata argentino Luiz Maria Drago defendeu uma posição que impedia países credores de usar da força para conseguir receber seus créditos de países endividados. A América Latina em peso votou a favor da proposta. O único voto contrário foi de Rui (Gonçalves, 118). Em 1993, dois anos depois de deixar o governo, Rui estava suficientemente rico para comprar o palacete neoclássico na rua São Clemente, bairro do Botafogo, que pertencera ao Barão da Lagoa. Interesses diversos Os chamados interesses da cafeicultura não podiam ser entendidos de forma homogênea. A cadeia do café tinha duas etapas: a interna e a externa. A interna era composta pelo plantador de café, pelo financiador (casa comissária, bancos) até chegar ao exportador. A partir daí, havia uma outra dinâmica, que era o circuito percorrido pelos dólares (ou libras) até os bancos internacionais. O que impôs a agenda liberal (de livre fluxo de capitais) na Primeira República foram os interesses rentistas da última etapa da cadeia do café, a quem interessava câmbio livre e juros altos. Esse modelo enreda a economia do café em crises sucessiv as, levando, aí sim pelo poder político do cafeicultor, à gambiarra das políticas de sustentação de preço que quebram as contas públicas. Como se deu tal sobrevida a uma política que liquidava com a incipiente produção industrial local, mantinha o país na estagnação e submetia o principal setor produtivo a
cafeicultura à espada de Dâmocles de crises sucessivas?
O jovem Gustavo Franco O Brasil começava a ingressar na segunda era da internacionalização do capital, no início dos anos 80, quando o jovem Gustavo Franco terminou sua monografia, que se tornou vencedora do prestigiado Prêmio BNDES. O tema era justamente o Encilhame nto. Qualquer um que limitasse sua leitura do período à monografia de Gustavo, não teria dúvidas sobre as razões do fracasso a política monetária de Rui Barbosa. Primeiro, o escândalo político provocado pela decisão solitária de Rui Barbosa, de escolher o vencedor do jogo. Depois, pela complacência de Rui com os abusos cometidos pelo Encilhamento, e suas sucessivas tentativas de salvar o Conselheiro Mayrink das estripulias em que se metera. O poder político da monetização era evidente na fala de Campos Salles, sobre o enorme poder de que dispunha o Conde de Figueiredo, no curto espaço de tempo em que seu banco ganhou os poderes de emissor de moeda. A retórica utilizada para a implementação do modelo monetário de Rui era competentemente dissecada. A promessa (não cumprida) de acabar com a dívida pública, a retórica do em todo lugar é assim, a capacidade de Rui de enrolar Deodoro ora com um linguajar técnico fora da compreensão do presidente, ora com pedidos de
demissão, ora com citações selecionadas sobre o que ocorria em outros países. Sua grande indagação, durante todo o livro, era saber o que faltou para Rui Barbosa ter vencido o jogo, e os financistas terem avançado em sua missão de coordenar o desenvolvimento brasileiro. Para Gustavo, Mayrink era um empreendedor à altura de Mauá. O plano de Rui era perfeito. Só falhara ao não dispor de um grande Banco Central para controlar as repercussões cambiais da quebra do Bharing. A formação de Franco explicaria seu fascínio pelo jogo monetário e cambial, e pelas perspectivas que abria para o grande jogo do poder político. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 42/127 HA 42/127 Seu pai é Gustavo Arinos, um amazonense que deixou uma cidade distante para se candidatar em um concurso do Banco do Brasil, venceu e ajudou na montagem do plano cambial que permitiu ao Brasil enfrentar a escassez de divisas da Segunda Guerra. Depois, descoberta por Alzira Vargas, tornou-se assessor pessoal de Vargas. Disc reto, leal, tornou-se especialista nas intrigas palacianas. Sabia, como ninguém, que o poder, nas burocracias, residia na capacidade de organizar idéias e preparar decretos. Quando Vargas caiu a primeira vez, Guilherme foi um dos dois servidores leais qu e acompanharam o ditador ao seu exílio, em uma casa de fazenda sem luz elétrica. O outro era Gregório Fortunado, o Anjo Negro. Anos mais tarde, associou-se à recém fundada Corretora Garantia, de Jorge Paulo Lehmann, que o ajudou a administrar a caixinha política do então governador do Rio Marcelo Alencar, seu parente. Terminou com 1% da corretora, depois Banco Garantia, o suficiente para torná-lo rico. Não era o dinheiro que o entusiasmava, mas o jogo político, a capacidade de mudar o país, de participar dos jogos de poder. E essa paixão ele transmitiu ao filho Gust avo. Não apenas transmitiu como conferiu-lhe a responsabilidade futura de ser um ator político relevante. É essa formação que explicava, ao lado de conhecimentos teóricos sobre política monetária e câmbio, o deslumbramento com o poder mágico da moeda no jogo político de um país e com a a extraordinária capacidade de Rui de transformar conhecimento técnico em poder político, em desenvolver argumentos legitimadores para ocultar privilégios intoleráveis. Enquanto o jovem Gustavo completava seus estudos, o país iniciava o longo ciclo de mudanças, que começa com o fim do Regime Militar e desemboca no Plano Real. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 43/127 HA 43/127 A AAA R RRRe eeed ddde eeem mmmo oooc cccr rrra aaat ttti iiiz zzza aaaç çççã ããão ooo e eee o ooo P PPPl llla aaan nnno ooo C CCCr rrru uuuz zzza aaad dddo ooo A volta do poder aos civis deu-se aos solavancos. A campanha pelas eleições diretas não prosperou, por receio das próprias lideranças civis. Em um pleito indireto, Tancredo Neves, político antigo, respeitado, ex-Ministro de Vargas, de Jango, venc eu as eleições tendo como vice José Sarney, egresso da Arena, partido do governo. Tinha início a Nova República, mas enfrentando um quadro econômico bem mais complexo que a bonança encontrada por Deodoro e Rui Barbosa na Proclamação. A inflação já era o grande problema nacional. No início da década de 80, o aumento das taxas de juros internacionais e do preço do petróleo havia varrido a economia brasileira como um vendaval. Ao mesmo tempo, em 1979 assumia a presidência o general João Baptista Figueiredo, despreparado, açoitado de um lado pela crise inter nacional, de outro pelo esgarçamento político do seu governo. No começo de 1980, Delfim Netto assumiu o Ministério da Fazenda, com um problema adicional, a aprovação da nova lei salarial instituindo reajustes semestrais de salários. Para acomodar as pressões, Delfim preparou um pacote econômico, que consistia em uma maxidesvalorização, seguida de um congelamento da correção monetária e do câmbio. Seis meses depois a maxi havia sido comida pela inflação. O congelamento da correção monetária provocou uma onda de saques na poupança ajudando a botar mais lenha na fogueira da inflação. A apreciação do câmbio, mais os custos adicionais do petróleo e dos juros levam o país à moratória em 1982. Em
1983, com outra maxidesvalorização Delfim conseguiu equilibrar as contas externas, ainda que à custa de uma elevação substancial da inflação que, por sua vez, ajudou a equilibrar as contas externas e permitiu ao país começar a acumular superávit s comerciais expressivos. Quando Sarney assumiu, as contas externas e internas estavam em ordem, a economi a começava a se recuperar da recessão de 1982. O desafio era a inflação. É nesse momento que surgem os economistas do Cruzado. Desde o início dos anos 80 o tema da inflação inercial atraía a atenção dos economistas brasileiros. Estudiosos como Luiz Carlos Bresser Pereira, Yoshiaki Nakano, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, Adroaldo Moura da Silva, da Faculdade de Economia da USP, Chico Lopes, da FGV do Rio, começavam a se aprofundar no tema. No exterior, os estudos foram levados adiante por Pérsio Arida e André Lara Rezende. Até aquele início dos anos 80, o pensamento econômico acadêmico se dividia emduas escola s. À esquerda, os economistas ligados à Unicamp, entre os quais Luiz Gonzaga Belluzzo, João Manuel, Maria da Conceição Tavares, Carlos Lessa, herdeiros da tradição estruturalista de Celso Furtado. À direita, um grupo de economistas monetaristas, formados na Universidade de Chicago, como Paulo Guedes, Paulo Rabello de Castro, discípulos de Roberto Campos, reunidos em torno da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, na qual Chico Lopes e o jovem economista Paulo Nogueira Baptista Júnior eram vozes dissidentes. No começo da década, a Faculdade de Economia da PUC-Rio começou a montar seu círculo de economistas. Contratou Edmar Bacha, Pedro Malan, Chico Lopes, Pérsio Arida e André Lara entre outros, aos quais se somava o sólido conhecimento de econom etria de Dionísio Dias Carneiro e o conhecimento histórico de Marcelo de Paiva Abreu. O primeiro livro, que sinaliza o lançamento do Departamento de Econo mia, propunha uma revisão no papel do Estado, mas ainda lhe conferindo um papel bastante ativo. Todos tinham em comum o fato de não serem ligados à ditadura. Naquele momenLuis Nassif 18/7/06 23:31 Comment: Mais detalhes do livro to, compunham a enorme frente que se montava para ocupar o poder. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 44/127 HA 44/127 O mais preparado deles, Chico Lopes, era filho de Lucas Lopes, figura central do Plano de Metas de Juscelino Kubistcheck, e mais brilhante professor da FGV, da qual saiu por conflitos internos. Pedro Malan notabilizara-se pela atividade sin dical. Era funcionário público ligado ao IPEA. Bacha tinha vindo de Minas, passara pelo IPEA e, nos anos 70, escrevera uma utop ia a quatro mãos com Roberto Mangabeira Unger, professor de Harvard. Depois, se notabilizara pelo estudo dos chamados "déficits gêmeos" e por ter cunhado a expressão Belíndia para definir o Brasil, mistura de Bélgica e Índia. Em determinado momento dos anos 80 ganhou sua consagração, a partir de um elogio de Mário Henrique Simonsen, reputando-o seu sucessor no pensamento econômico brasileiro. André Lara Rezende era filho de Otto Lara Rezende, cronista mineiro, jornalista respeitado nos ambientes intelectuais do Rio de Janeiro. Pérsio Arida, filho de um comerciante paulista de origem libanesa, guerrilheiro precoce que foi preso ante s dos vinte anos e desistiu da militância. Eram considerados os dois mais brilhantes do grupo. Depois de um início de governo conturbado, Sarney demitiu o Ministro da Fazenda Francisco Dornelles, que havia sido indicado por Tancredo. Em seu lugar nomeou o então presidente do BNDES Dílson Funaro, industrial paulista dono de uma fábrica de brinquedos, a Trol. Funaro indicou para a presidência do Banco Central Fernão Bracher, grande especialista em câmbio. Foi em torno dele que se juntaram os futur os economistas do Real. De família tradicional de São Paulo, ex-militante da Ação Popular nos anos 50, diretor do Bradesco, Bracher era respeitado pela seriedade e apuro intelectual que o distinguia dos demais banqueiros da época. Havia sido diretor do Banco Central no governo Geisel, tendo como presidente Pau lo Lyra. Estava como diretor do Banco da Bahia, quando este foi adquirido pelo Bradesco. Tornou-se vice-presidente da Área Internacional do Bradesco, até ser convocado para assumir a presidência do Banco Central, quando o primeiro Ministro da Fazenda de Sarney, Francisco Dornelles caiu. Àquela altura, os estudos sobre inflação inercial tinham avançado bastante. Funaro assumiu levando consigo economistas ligados à Unicamp, liderados por Luiz Gonzaga de Mello Belluzo e João Manuel Cardoso de Mello. Bracher levou Pérsio e André como diretores do Banco Central, Chico Lopes como assessor. Um terceiro grupo se formou em torno de João Sayad, indicado pelo governador paulista Franco Montoro, de quem havia sido Secretário. Começaram ali a preparar o Plano Cruzado. A idéia central do plano é que o componente maior da inflação era inercial. Os preços subiam hoje porque tinham subido antes. Subiam em relação ao valor da moeda, mas tinham pouca variação entre si. Ou seja, uma laranja poderia dobrar de preço em determinado período, mas mantinha o mesmo valor em relação a um limão.
A idéia central do plano consistia, portanto, em eliminar o elemento inercial. Iss o se daria através de uma troca de moedas, e de um processo conduzido de conversão dos preços da moeda antiga para a nova moeda, especialmente dos contratos. Em relação à conversão, o plano trabalhava com o conceito de fluxo e de estoque. Fluxos (no caso contratos continuados,) eram convertidos pela média; estoques, pelo pico. Havia ainda um vetor para impedir que resíduos da inflação da antiga moeda contaminassem a nova. Seguia-se um congelamento de preços e de câmbio por determinado tempo, necessário para que a população se acostumasse com a nova moeda. Decidiu-se finalmente, que a conversão dos salários também seria feita pela média, mas com um acréscimo de 8%, para tornar o plano mais palatável. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 45/127 HA 45/127 As condições da economia na época não recomendavam a adoção do plano. Em planos dessa natureza, com âncora cambial e de congelamento de preços, há a necessidad e de um comércio exterior atuante, que permitisse a importação de bens em setores pressionados pela demanda interna. O comércio exterior brasileiro era praticamente inexistente. Havia a necessidade de uma política cambial flexível, que absorvesse os choques de demanda. A política cambial brasileira era indexada e, depois do Cruzado, foi cong elada. Mas todo o congelamento de câmbio, de preços e contratos tinha data certa para terminar: assim que o Cruzado completasse um ano. Havia a necessidade de instrumentos consistentes de política monetária, que permitis sem estender o prazo das aplicações e melhorar a eficácia da política de juros. O open market no Brasil era constituído de títulos públicos de curtíssimo prazo, pelos quais se pagavam taxas astronômicas de juros -- plena liquidez com plena rentabili dade. Finalmente, as empresas não estavam preparadas para operar em regime de estabilida de. Não havia programas de qualidade, não havia gestão moderna, nem parcerias. E os Cruzados não tinham a menor idéia sobre os efeitos da estabilização na liquidez da economia, na remonetização, nos ganhos salariais, na balança comercial. Mesmo assim, tocou-se o plano. Fim da inflação, câmbio apreciado, salários aumentando, desestímulo à poupança provocaram uma explosão de vendas e uma pressão incontrolável sobre os preços. E não se tinha nem como aliviar do lado das importações, nem do lado dos juros. O plano explodiu antes de completar o primeiro ano. Pouco antes de sua explosão houve uma reunião em Carajás, onde compareceram todos os economistas do Cruzado, dos "inercialistas" como André e Pérsio, aos "estru turalistas" ligados a Funaro, e o grupo de João Sayad, egresso da USP e ligado ao governador paulista André Franco Montoro. Na reunião, não houve consenso sobre o que fazer para salvar o plano. A rigor, não tinha salvação. Não havia saída indolor do congelamento, as pressões de preços eram incontroláveis. Alguns dos economistas sugeriram aumento de juros, outros a criação de novos impostos. Qualquer que fosse a receita, não tinha como evitar a explosão dos preços, assim que se iniciasse a contagem regressiva para o fim do congelamento. A saída foi a pior possível, através do Cruzado Dois, que impunha enorme reajuste no preço da gasolina. Seguiu-se uma temporada de superinflação que prosseguirá até o final do governo Sarney. Para chegar ao final do governo, Sarney teve que apelar para mais dois planos ec onômicos. Um, o chamado plano Bresser --implementado pelo novo Ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser Pereira. O outro, o plano Verão, implementado por Maílson da Nóbrega, funcionário de carreira do Banco do Brasil, secretário executivo da Fazenda, que assumiu o Ministério após a saída de Bresser e a recusa de Andréa
Calabi em assumir o posto. O Cruzado tinha sido um completo fracasso. Mas mostrou enorme eficácia política. Antes que acabasse, ajudou a eleger 23 governadores do PMDB. E, junto à mídia, consolidou-se a versão de que seu fracasso fora devido a a uma suposta indecisão de Sarney de acatar as recomendações dos Cruzados na reunião de Carajás. Para alimentar essa lenda, em muito contribuiu o sebastianismo intrínseco na cultura brasileira, de se aguardar sempre um salvador. Muitas coisas explicavam esse encantamento com o Cruzado. Mal entrando na democr acia, a opinião pública experimentava dois desencantos, com o regime militar, que terminara, e com os primeiros ensaios da democracia que nascia. Havia uma desconfiança enorme em relação a políticos, a interesses corporativos. Os econo 28/8/2006 Luis Nassif 18/7/06 23:31 Comment: Conferir número de governadores
OS CABEÇAS DE PLANILHA 46/127 HA 46/127 mistas representavam a suposta visão técnica, neutra, técnicos isentos acima dos interesses e paixões da política. Os novos financistas A ligação dos novos economistas com o mercado começou antes mesmo de terminar o governo Sarney. Àquela altura, a falta de regulação e de transparência permitiram a criação de dois movimentos especulativos intensos. O primeiro, foi a quitação antecipada de dívida externa. Com a moratória decretada por Dílson Funaro em fins de 1986, os títulos da dívida brasileira, a soberana e das estatais, desabaram. O negócio consistia em adquirir essas dívidas no exterior com 70 a 80% de desconto, depois revendê-la para as estatais com 30% de desconto. Os lucros eram excepcionais. Não se tratava de uma novidade. Nos anos 30 e 40 muita riqueza foi construída dessa maneira, com compra desagiada da dívida e informações privilegiadas. A segunda brecha foi uma autorização do Ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, para a conversão de dívida externa em cruzeiros, pelo valor de face. Foi uma esbórnia que ajudou a alimentar a inflação e foi uma das responsáveis pelo fato da inflação ter superado os 50% nos últimos meses do governo Sarney. Os novos financistas brasileiros tinham acompanhado atentamente os primeiros Luis Nassif 18/7/06 23:31 Comment: Conferir se foi Maílson. E como foi movimentos de liberalização na América Latina, a experiência chilena com os Chicagos boys. Pinochet se valera deles para abrir a economia e iniciar o processo de privatização. Valendo-se de sua influência, os economistas montaram modelos de privatização que permitiram a vários deles assumir o controle de grandes estatais chilenas, rep resentando fundos de investimento externo, ou participando com parcela ínfima de capital. Quando se deu conta de seus exageros, Pinochet mandou prender alguns, e foi cunhado o apelido de pirañas financeras para o personagem que, nos tempos de Rui, era chamado de financista. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 47/127 HA 47/127 A AAA n nnno ooov vvva aaa o ooon nnnd ddda aaa d ddde eee g gggl lllo ooob bbba aaal llli iiiz zzza aaaç çççã ããão ooo f fffi iiin nnna aaan nnnc ccce eeei iiir rrra aaa Enquanto a jovem Nova República se debatia com a própria ausência de institucionalidad e, a partir dos anos 70 a economia mundial começava a viver uma nova realidade. O grande pêndulo das idéias econômicas hegemônicas começa a se inverter, a se afastar dos princípios moribundos de Bretton Woods e a buscar de novo a plena liberardade de movimento dos fluxos financeiros. A partir da decisão do presidente americano Richard Nixon, de desvincular o dólar do padrao ouro, em 1972, voltava-se ao panorama que sacudiu o mundo nas três últimas décadas do século 19. Os anos 80 foi um período de fortes movimentos especulativos criados pelas novas modalidades de operações financeiras e pela descoberta de novos ativos, capaz de atrair a excepcional liquidez internacional. Nixon Reagan As revoluções tecnológicas
Com a consolidação dos grandes complexos eletroeletrônicos, a economia internacional sofre uma profunda inflexão, uma revolução abrindo janelas de oportunidade para novos países. Algumas dessas tendências começam a surgir nos anos 80 e ganham vigor nos anos 90 (Luciano Coutinho, http://www.perseuabramo.org.br/td/td16/td16_economia.htm). A
emergência do complexo-eletrônico como principal complexo industrial e como epicentro da inovação; O aprofundamento da automação industrial integrada e flexível sob comando de computadores; A revolução correlata nos processos de trabalho, nas relações de trabalho e nos requerimentos educacionais; A revolução nas formas de organização e de gestão empresarial, com o avanço das redes-de-cooperação intra e inter-empresas; A globalização das relações financeiras e dos mercados de capitais, acompanhada de notável interpenetração patrimonial entre as grandes burguesias capitalistas; A emergência de novas formas de concorrência entre grupos de empresas oligopolistas, através de alianças tecnológicas; O aguçamento da competição mundial, através da construção deliberada de competitividade, como resultado de estratégias conjuntas entre Estado e setor privado. As novas tecnologias lograram ganhos de produtividade fantásticos. A indústria moderna entrou na era da mecânica de precisão, da robótica, a explosão das cadeias produtivas das empresas, graças ao controle permitido pela informatização e pela Internet. As compras de insumos passaram a ser feitas automaticamente, graças à interligação das redes de computador pelas diversas cadeias produtivas. No plano gerencial, as novas revoluções levaram o conceito de competitividade a níveis jamais vistos, com os programas de qualidade total, as metas de erro zero, 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 48/127 HA 48/127 as grandes fusões visando conquistar escala, e o novo mundo que se desenvolvia em torno das conquistas da microeletrônica. Os Grandes Movimentos Especulativos A partir do final da paridade dólar-ouro, o mercado começa a desenvolver diversas ferramentas de "hedge", como derivativos, opções e outras formas, que permitiam alavancar lances no mercado. A tecnologia teve papel essencial, através da telemátic a permitindo a integração das diversas bolsas internacionais. Foi o início de um período que mesclou bolhas especulativas com grandes escândalos corporativos. Em 1982 explodiu a moratória do México, seguida da do Brasil. Nos anos seguintes, o mundo testemunharia o crash da Bolsa de Nova York em 1987, a crise do mercado imoliário norte-americano, a crise bancária japonesa. O mais famoso escândalo do período foi o dos "junk bonds", movimento encerrado com a quebra do Banco Drexel Burnham e a prisão de seu proprietário Michael Milken, por uso de informações privilegiadas. No final da década explodiu nova bolha especulativa em Tóquio, depois de quase uma década de especulação na Bolsa local (Carvalho, 64). Houve denúncias de envolvimento da máfia japonesa, demissão do presidente da Nomura Securities, maior corretora do Japão, e envolvimento de quase todos os grandes bancos japoneses com a especulação. Essa crise custou mais de uma década de estagnação da economia japonesa. Os déficits gêmeos americanos aumentavam expressivamente a liquidez mundial, levando à emissão quase descontrolada de dólares. Por sua vez, o frenético ritmo de mudanças tecnológicas, de um lado, a instabilidade cambial do outro, levaram os capitais a se concentrar `cada vez mais no curto prazo, através das novas ferra mentas financeiras que foram sendo desenvolvidas. O mercado brasileiro começou a descobrir a jogatina mundial ainda no começo dos anos 80, com a Corretora Tieppo, de São Paulo, que passou a captar recursos de grandes investidores paulistas para aplicar no mercado internacional -- apesar d a proibição da evasão de divisas. A corretora criou, sua contabilidade paralela (que identificava os investidores que aplicavam no exterior), acabou desaparecendo se m que houvesse punição. Ficou apenas o prejuízo. Nos anos seguintes, a especulação em bolsa aumentou substancialmente. O regime militar ia por água abaixo, e, após o Cruzado, a inflação parecia incontrolável. Surgiram novas corretoras, agressivas que, em seguida, se transformaram em bancos de investimento, após uma medida do Banco Central flexibilizando o sistema de cartas patentes. Luis Nassif 18/7/06 23:31 Comment: Quando foi Essas corretoras eram integradas por economistas ior, dominando as novas ferramentas e a matemática da em duas frentes principais. A mais relevante era apostas feitas em torno de índices de inflação e
e tesoureiros formados no exter arbitragem de taxas. Atuavam no mercado de taxas, de de indexadores divulgados pela Receit
a, pelo BC e por instituições privadas, como a Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro. Tornou-se folclórica a capacidade estatisticamente impossível desses grupos acertarem todas as taxas e projeções. A segunda frente era no mercado de ações, mas preferencialmente utilizando o mercado futuro. A Bolsa de Valores era dominada por grandes especuladores, que se valiam de informações privilegiadas e de poder de fogo. Investidores como Nagi Nahas, Mathias Machline, Léo Kriss, se digladiavam no mercado, enquanto os novos bancos iam comendo pelas bordas, sempre atuando com o uso intensivo da matemática para ganhar na arbitragem. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 49/127 HA 49/127 O ganho fácil proporcionado pelas operações de mercado aberto e de arbitragem de taxas atraiu também grandes grupos industriais, que se juntaram na constituição de corretoras para operar com seus caixas. Essa fase terminou com o crack da Bolsa em 1989, que acabou levando à quebra da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, e marcou o fim dos mega-investidores da época, consagrando os novos bancos como os donos da liquidez. Pouco tempo depois veio o Plano Collor, o bloqueio de cruzados. Nos meses seguin tes, teve início uma pesada onda de exportação de capitais através de doleiros e do mercado de dólar-cabo --pelo qual, as ordens de transferência eram dadas via telefon e ou fax. Dos grupos que explodiram nessa época, os destaques maiores foram o Icatu, o Garantia e o Pactual, ao lado do PEBB, Bozzano Simonsen. Os três primeiros acabara m sendo apelidados de IGP -- uma ironia com a sigla do Índice Geral de Preços da FGV, um dos principais índices em torno dos quais se montavam as apostas no período e onde havia suspeita reiterada de vazamento de informações. O Garantia era de Jorge Paulo Lehman, filho de suíços e ex-campeão brasileiro de tênis amador. Depois de ter amargado uma falência algum tempo antes, Lehman se reerguera e passara a trabalhar o banco com afinco, investindo em novos talentos e implantando o sistema de participação em resultados que viria a ser imitado pelos seus concorrentes. Como as previsões de inflação e os movimentos macroeconômicos tinham influência decisiva nos resultados do banco, um dos sócios era o economista Cláudio Haddad, formado em Chicago. O Pactual foi formado por um dissidente do Garantia, Luiz Cezar Fernandes, tendo como economista outro egresso de Chicago, Paulo Guedes. O Icatu era da família Almeida Braga. O dono, Braguinha, português competente, montou uma grande seguradora, a Atlântica Boavista. Em determinada época, associouse ao Bradesco. Quando o casamento acabou, Braga montou o Icatu e levou para dirigi-lo o jovem PhD recém formado, Daniel Dantas, que trabalhava no Bradesc o. Daniel Dantas se destacaria, desde cedo, por práticas pouco convencionais, como uma proximidade perigosa com gestores de fundos de pensão. O referencial intelectual máximo desse grupo era o ex-Ministro Mário Henrique Simons en, conselheiro mundial do Citigroup. Foi ele quem apresentou Daniel Dantas ao mercado e aos economistas do Cruzado, quando Bracher ainda presidia o Banco Central. No final do governo Sarney, Dantas já se associara ao Citigroup e conseguira adqui rir ações da Telebrás por menos de um dólar a ação. O jogo financeiro dos anos 90 já estava plenamente delineado. Ao final do governo, o ex-Ministro João Sayad tinha se associado ao Manufactures Hannover -- banco que perdeu o bonde da conversão por descuido dos sócios anteriores .
Com a flexibilização das cartas patentes bancárias, Bracher comprou uma carta patente do Banco Econômico e a manteve até sair do governo, quando se associou ao Credistantalt da Áustria na criação do banco BBA-Credistantalt. Um dos B era de Bracher, outro de Beltrán Martinez (ex-executivo do Bradesco) e o A de Arid a, que acabou recusando a sociedade. Luiz Carlos Mendonça de Barros montou um banco agressivo, com capitais de grandes grupos privados nacionais, e acabou que brando a cara no crack da Bolsa em 1989. André e Pérsio acabaram indo trabalhar no Unibanco. De certo modo, representavam a face civilizada da financeirização da economia. Os desarranjos da economia levavam, de um lado, a grandes oportunidades de ganho . De outro, induzia o grande capital brasileiro a se dolarizar. Esse processo de dolarização, de expatriação de capital atingiu seu auge depois do bloqueio de Cruzados no plano Collor. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 50/127 HA 50/127 Em trabalho de 1992, Gustavo Franco já comprovava o fenômeno da dolarização da poupança financeira. Estudos sobre as taxas do câmbio "black" demonstravam que as variáveis sazonais (dólar para turismo) tinham perdido relevância no período posterior a 1985. O que passava a contar eram as variáveis macroeconômicas, como taxa de câmbio oficial, o diferencial de juros e as avaliações sobre o déficit público. "Dificilmente esta mudança pode deixar de se associar ao crescimento de importância do "black", ao fim da década de 80, como veículo de fugas de capital, ou de investim entos de carteira da parte de residentes", constatava Franco. Estudos de Novaes, em 1990, indicavam que em 1989 o "black" estaria movimentando algo entre US$30 milhões e US$45 milhões diários. Não entrava na conta o "câmbio-turismo", criado em janeiro de 1989, que movimentava US$18 milhões diários1. A conclusão de Franco era óbvia: "o "black" cresce de importância ao final dos anos 80, em função do notável crescimento das fugas de capital do Brasil". O
ponto importante a destacar diz respeito às conseqüências dessa mudança, ou seja, do notável aumento da dolarização da riqueza financeira no Brasil. O ponto de vista deste ensaio é que disto resultou uma importante mudança qualitativa do regime cambial brasileiro: evoluiu-se de um sistema de câmbio administrado e mercado paralelo marginal para um sistema de câmbio dual, onde boa parte das transações da conta capital tem lugar no "black". Deve-se notar que a extensão dos movimentos de currency substitution está limitada "estruturalmente" pois, no caso de uma moeda não conversível como a nossa, somente se pode obter dólares: (i) ou de não residentes através de manipulações de transações do balanço de pagamentos, tais como subfaturamento de exportações; (ii) ou de residentes detentores de dólares que aceitam vendê-los em função de suas expectativas de desvalorização e diferenciais de taxas de retorno. Note-se que, neste último caso, trata-se de transações entre residentes, ou seja, fora do balanço de pagamentos do país3, mas de impacto significativo sobre a taxa de câmbio. Na monografia sobre o Encilhamento, Gustavo não tinha conseguido entender alguns movimentos não captados pelas contas do balanço de pagamentos. Agora, tendo a realidade à mão, entendia que os movimentos financeiros, mesmo sendo através do black já tinham impacto significativo sobre a taxa de câmbio. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 51/127 HA 51/127 O OOO B BBBr rrra aaas sssi iiil lll e eeen nnnt tttr rrra aaa n nnna aaa e eeer rrra aaa m mmmo oood ddde eeer rrrn nnna aaa A rigor não se poderia afirmar que a nova economia mundial fosse, em princípio, prejudicial aos países emergentes. Assim como no final do século 19, abria enorme possibilidade para que países com visão estratégica e vontade política pudessem se prevalecer dos novos ventos e serem os novos vitoriosos do modelo, assim como o Japão, Alemanha e Estados Unidos no final do século 19. Quem não decifrasse a esfinge, seria devorado, como foi o Brasil do início do século 20. O Brasil entrou na era moderna por duas portas, uma execrada pela chamada direit a, outra pela chamada esquerda. A primeira foi a Constituição de 1988, a segunda, a eleição de Fernando Collor de Mello em 1989. Criou-se, no senso comum, a idéia de que a Constituição foi anacrônica, ao permitir concessões, como estabilidade a 5 mil funcionários indicados no governo anterior. Ou permitir benesses com a Previdência. A Constituição Cidadã --como era chamada --foi muito mais que isso. Ao lado de defeitos, permitiu avanços fundamentais, como a consolidação dos direitos do consumido r, através do Código de Defesa do Consumidor. Esse instrumento tornou os consumidores cada vez mais exigentes, constituindo-se em um enorme poder de pressão para a modernização das empresas e dos produtos. Consagrou a defesa do meio ambiente, através do Código de Defesa do Meio Ambiente. Instituiu um novo federalismo, repassando para estados e municípios verbas que, antes, eram distribuíd as subjetivamente pelo executivo. Vinculou recursos para educação e saúde, permitindo a consolidação de uma rede básica universal, embora precária. Pouco antes da Constituição, em 1985 um grupo de técnicos do BNDES, liderados pelo economista Júlio Mourão, apresentara o mais consistente programa de modernização da economia brasileira.
E, nesse ponto, é importante uma pausa para se voltar a Friedrick List, e as etapa s que ele identificou na formação das nações emergentes. Remando contra a maré de Adam Smith, List propunha uma forte intervenção do Estado na fase inicial de consoli dação de uma nova economia. O Brasil já completara o segundo ciclo de Lizt, a substituição de importações. Precisava agora ingressar no terceiro, a abertura gradativa da economia, permitindo às empresas nacionais experimentatr a competição e ganhar experiência internacional. O Brasil estava prestes a entrar na terceira onda, e os estudos do norte-america no Michael Porter teriam papel decisivo na criação de uma nova consciência de desenvolvim ento. O programa que mudou o Brasil Poucas vezes na história do país um episódio revelou tão profundamente o poder transformador das idéias e foi tão elucidativo acerca dos malefícios que as igrejinhas acadêmicas e a politização da discussão econômica causaram ao país, do que o que ocorreu com a teoria da "integração competitiva", desenvolvida no âmbito do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social). Era o primeiro passo consistente para preparar a economia para a terceira etapa preconizada por Friedrick List quando o país, completada sua industrialização, começa a se abrir para o exterior, visando ganhar competitividade e montar parcerias estratégicas. Pai da "integração", o economista Júlio Mourão começou a formular suas idéias a partir de 1983, quando assumiu o Departamento de Planejamento do BNDES. Formado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, com mestrado de engenharia de produção pela Coppe-UFRJ (mais tarde, com pós-graduação pela Unicamp), 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 52/127 HA 52/127 Mourão entrou no banco em abril de 1966 e seu primeiro local de trabalho foi na mesma sala de Ignácio Rangel, que se tornaria a partir dali seu guru. Há muito Rangel era considerado o mais criativo economista brasileiro. Em fins de 1979, surpreendera os setores ortodoxos de esquerda (que o veneravam) prevendo o esgotamento financeiro do Estado e a necessidade de substituí-lo por capital pri vado nos investimentos em infra-estrutura. Logo depois de assumir o cargo, no início de 1984, Mourão decidiu trabalhar no primeiro Cenário Decenal para o banco. A política do BNDES, na ocasião, incorria em um equívoco central. Ainda se achava que a saída da recessão dependia exclusivament e de investimentos públicos. Já que o Estado estava quebrado, a recessão seria de longo prazo. Logo, seria preciso que o BNDES amparasse um núcleo de empresas nacionais, que ele próprio ajudara a construir no período anterior, até que passasse o período difícil. A partir dessa premissa, os investimentos do banco concentravam-se exclusivamente no financiamento de obras de infra-estrutura de retorno problemático (quase todas tornaram-se inadimplentes), e em operaçõeshospital, com financiamento para saneamento financeiro de empresas privadas. Para assessorar na organização foi contratado Eduardo Marques, da Comissão Nacional de Energia Nuclear. Foi Marques quem convenceu Mourão a utilizar o conceito de Cenário, utilizando o método de Michel Godet, economista francês de quem fora aluno, que trabalhava na identificação de estratégias que permitissem atuar de maneira positiva na busca do cenário adequado em vez de se limitar a olhar passivam ente o horizonte. O primeiro passo foi incumbir o engenheiro Luiz Paulo Velloso Lucaz, dos quadros técnicos do BNDES, de trabalhar nas projeções para a balança comercial daquele ano. Os resultados foram surpreendentes. Desde os anos 50, o país esbarrava em estrangulamentos no balanço de pagamentos. Bastava crescer para ocorrerem problemas cambiais. No início de 1984, em plena crise da dívida externa, Mourão sustentava que o Brasil já fizera sua travessi a. Naquele ano, de acordo com os levantamentos de Velloso Lucaz, seria possível um superávit comercial superior a US$ 12 bilhões e crescimento positivo do PIB. Com base nessas previsões, o Cenário trabalhava com duas alternativas. A primeira, era de continuidade do ajustamento acertado com o FMI, com todos os ingredientes recessivos envolvidos. A segunda, otimista, era a da retomada do desenvolvimento , possível em função das mudanças estruturais ocorridas. Com o primeiro Cenário, mudou a ótica, pois lá se demonstrava ser possível a retomada do crescimento sem pressionar o balanço de pagamentos. Previa-se, além disso, que a retomada começaria pelo consumo, não mais pelos investimentos públicos. Haveria melhoria dos salários, graças à recuperação das exportações, aumentaria o consumo e, em função disso, os empresários privados passariam a investir novamente, inaugurando um novo ciclo de crescimento. Pela primeira vez, as exportações eram claramente colocadas como o motor do crescimento econômico.
Com base nessas conclusões, propunha apoio maior para a modernização de empresas de ponta do setor privado, acabando com a história do banco definir os setores a serem beneficiados. As conclusões do trabalho foram apresentadas em um seminário histórico, que tinha como mentor Júlio Mourão, como organizador o diplomata Rubens Ricupero, e visava, no fundo, tentar responder à angústia dos setores técnicos do banco com o esvaziamento de suas funções. A ditadura se esboroava e era questão de tempo para que a oposição conquistasse o poder. Com o esfacelamento do mito Delfim Netto, o debate econômico, amplamente politizado, passava a ser dominado pela escola da Unicamp, apadrinhada pelo presidente do PMDB, Ulisses Guimarães. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 53/127 HA 53/127 O país estava em meio a uma recessão tenebrosa. Mas a primeira versão do Cenário Decenal, surpreendia o mundo acadêmico e econômico ao prever crescimento econômico e expressivo superávit comercial em 1984. Foi o ano em que, de fato, o superávit comercial passou pela primeira vez a estrondosa marca dos US$ 10 bilhões, e que o PIB cresceu, depois de anos de recessão. Na imprensa, as teses do BNDES foram encampadas solitariamente pelo jornalista Aloisio Biondi. Enquanto o fechamento do ano ainda não confirmara o acerto dessas teses, tanto os técnicos do banco, quanto o próprio Aloisio, acabaram alvos de uma campanha virulenta da parte dos então economistas de oposição. O trabalho constatava que já ocorrera as mudanças estruturais na balança comercial brasileira, fruto da maturação dos investimentos efetuados no âmbito do 2º Plano Nacional de Desenvolvimento. Reforçado pelos dados do Cenário, o seminário de maio de 1984 decretava a o fim do ciclo conhecido como de substituição das importações e propunha um novo paradigma para a política industrial brasileira. As empresas tinham que ser instadas a prospectar novas tecnologias no mundo, tinham que ser expostas à competição com o exterior, e os setores mais dinâmicos sobressairiam por si só. Acabava com a história de eleger um setor preferencial e cumulá-lo de proteção. Às instituições públicas competiria o papel de coordenar as empresas a melhor se integrar nesse novo cenário. A micro-economia se casa com a macro Mas não se ficava apenas no cenário estratégico. Simultaneamente, outras empresas públicas especialmente a Petrobrás e a Eletrobrás passavam a trabalhar na contrapartida micro-econômica do plano. Na segunda metade dos anos 80 a Petrobrás deu início a um programa inédito de desenvolvimento de fornecedores. A equipe encarregada do programa era supervisio nada por José Paulo Silveira e tinha, na área de suprimentos, o jovem engenheiro Antonio Maciel Neto. Provavelmente foi o primeiro programa em larga escala a trabalhar com o conceito de qualidade total. Os primeiro passos foram dados em 1975, quando a Petrobrás iniciou uma reestruturação interna e começou elevar os níveis de requisitos de qualidade com relação aos fornecedores, o que fazia com que no mercado acontecesse o seguinte: a empre sa que era fornecedora da Petrobrás utilizava o certificado como um aval. Como ela atendia à Petrobrás servia como certificação pra atender a qualquer outro A Petrobrás tinha cinco níveis de qualificação de fornecedores de acordo com os requisit os de qualidade. Em meados de 1975, ela cortou os dois níveis de baixo, aumentando as exigências. No início, essa preocupação estava restrita aos setores gerenciais da Petrobrás. Com a descoberta da Bacia de Campos, a necessidade de segurança na exploração dos campos fez com que o programa se convertesse em meta de toda a diretoria. Silveira tornou-se superintendente do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento, de onde coordenou o programa de capacitação em águas profundas, que acabou transformando a Petrobrás na maior especialista mundial da matéria. Enquanto isto,
Maciel assumia a chefia da Divisão de Planejamento Estratégico da Petrobrás de 1988 a 1990, conquistando a visão macroeconômica que faltava para fechar a equação da produtividade. Nos dois grupos, o guru maior era Michael Porter. No mundo moderno, não havia mais espaço para um país desenvolver-se como se fosse uma ilha. Cada país teria que se abrir e encontrar seu espaço em um novo mundo, internacionalizado e competi tivo. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 54/127 HA 54/127 Foi por volta de 1985, que esse grupo de técnicos juntou suas visões micro e macro as teses da reestruturação competitiva da Petrobrás com as da integração competitiva do BNDES e iniciou trabalhos em conjunto. Para o BNDES eram gritantes as diferenças entre o que o trabalho da Petrobrás junto a seus fornecedores e a reserva e mercado da informática defendida pelo grupo da Unicamp. É cinqüenta vezes mais difícil tirar petróleo das profundezas do que fabricar microcompu tadores, pensavam. Enquanto o Brasil desenvolvera uma tecnologia ímpar em águas profundas, graças à coordenação dos engenheiros da Petrobrás, a política de informática era um fracasso que comprometia o desenvolvimento de todos os demais setores da vida nacional. Mas as idéias encontravam resistência até internamente. Técnicos da Eletrobrás e da Petrobrás que participaram da revisão do Cenário recusaram-se a assinar o documento final, que propunha abertura da economia, privatização e desregulamentação. Isolado da academia e da burocracia pública, Mourão pôs-se a viajar pelo Brasil e pelo mundo, defendendo suas idéias, deixando marcas indeléveis por onde passou. No dia 25 de julho daquele ano, a revista "IstoÉ" divulgou documento sigiloso do banco porque crítico da política de ajustamento conduzida por Delfim Netto. O título do artigo era "Sem mudanças, o Brasil acaba", em que reproduzia na íntegra o primeiro "Cenário para a Economia Brasileira". Depois de suas palestras, o BIRD e o Banco Mundial mudaram sua concepção em relação à crise brasileira e passaram a oferecer financiamentos não mais condicionados a práticas recessivas, mas à modernização institucional e à abertura do mercado. Teve início, então, o trabalho de conquistar a opinião pública. O primeiro grande momento foi em um programa "Roda Viva", da TV Cultura de São Paulo, onde o entrevi stado foi Velloso Lucas. Nos dias anteriores, Maciel havia feito uma prévia com ele, tentando checar todas as perguntas que seriam feitas. Só não tinham como responder à seguinte provocação: "É uma piada achar que a indústria automobilística vai investir com a abertura do mercado", formulada por um dos entrevistadores. A resposta viria quatro anos depois. Sua pregação junto a setores do governo permitiu os primeiros ensaios de abertura, ainda no governo Sarney. E foram seus discípulos que comandaram a abertura no governo Collor. Tancredo Na ocasião, o candidato a Presidência da República Tancredo Neves começava a preparar seu programa de governo. A Copag órgão incumbido da tarefa era chefiada pelo economista José Serra. Mas a parte de política industrial estava a cargo dos unicampistas. Na ocasião a discussão econômica estava dividida entre os unicampistas, para quem a única saída seria a moratória da dívida; e os mercadistas, reunidos em torno da Fundação Getúlio vargas (FGV) que viam o único caminho na recessão.
O grupo do BNDES procurou Tancredo, acreditando dispor de uma visão alternativa. Dizia ser possível crescer e, ao mesmo tempo, pagar a dívida. A pedra de toque seria transformar em programa de governo as teses "integração competitiva" termo provavelmente cunhado por Maria da Conceição Tavares, em um dos artigos em que desancou as idéias. O candidato morreu sem se saber se comprara ou não as idéias. E o grupo voltou novamente ao seu trabalho no banco. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 55/127 HA 55/127 Em 1985, Dilson Funaro assumiu a presidência do BNDES e levou consigo o economista Carlos Lessa, radicalmente contra as conclusões do Plano Decenal, alegando ser planos da ditadura. Passou sua gestão praticando um misto de assistencialismo com financiamento de pequenas obras, mas, mesmo assim, não teve condições políticas de esvaziar a bandeira interna dos "integracionistas". Funaro virou ministro, não demonstrou maior inclinação pelos estudos, na verdade seguia certo pensamento empresarial paulista, ainda muito impregnado do protecio nismo à indústria nacional. O Cenário realmente confirmou-se. 1985 e 1986 registraram crescimentos substanciai s na massa salarial, processo interrompido pelo período negro dos pacotes monetários. Logo depois veio o Plano Cruzado inaugurando a era dos pacotes. Nos anos seguint es, enquanto o futuro era forjado por engenheiros, com visão do mundo real, o debate econômico perdia-se numa discussão estéril sobre troca de moedas. As idéias se impõem Na segunda revisão do Cenário Decenal do BNDES, preparada diretamente por Júlio Mourão, trabalhava-se basicamente com dois cenários para a década. O primeiro, otimista, previa a vitória das teses da integração competitiva; o segundo, mais pessim ista, trabalhava com a hipótese de fechamento da economia. Em pleno 1987, com o país perdido pelos descaminhos de José Sarney, a terceira revisão do Cenário já aceitava como vencedora a tese da "integração". O que poderia atrapalhar o novo modelo seria apenas a "inércia corporativista", em que cada agente econômico jogasse para si e Deus contra todos. Concluía que só se conseguiria o cenário otimista se os agentes econômicos fossem convencidos da necessidade de coordenar e conversar sobre esforços conjuntos. A idéia das câmaras setoriais começou a surgir, de forma embrionária. Com o primeiro Cenário, mudou a ótica, pois lá se demonstrava ser possível a retomada do crescimento sem pressionar o balanço de pagamentos. O Plano Estratégico do BNDES 1987/1990, teve como objetivo básico preparar o banco para interferir na operacionalização de suas idéias. Para tanto, foi fundamental a gestão do empresário Márcio Fortes e seu secretário geral Sérgio Besserman. Assumindo a presidência, Fortes comprou integralmente as idéias e colocou em prática a estratégia do grupo, além de promover uma ampla reestruturação na organização. Privatizaram-se 14 empresas que seu passivo e em fins de 1989 o iretamente na política econômica do país e competitiva", desenvolvidos por
consumiam energias dos técnicos, equacionou-se banco estava pronto para voar, para interferir d implantar os princípios da "integração seus técnicos.
De seu lado, o vice-presidente Bruno Nardini, industrial paulista, também aderira às
teses do grupo e passara a promover reuniões com outros setores da administração pública, visando estabelecer uma política ordenada em direção à abertura. Participavam dos estudos Heloísa Camargo (do Conselho de Política Aduaneira), Ernest o Carrara (da Secretaria de Desenvolvimento Industrial), Namir Salek (todopoderoso diretor da Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil), Mauro Arruda (pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial) e Ozires Silva, pela Fiesp. E também a nata do pensamento industrialista da Fiesp, com Paulo Cunha, Paulo Villares, Eugênio Staub, Cláudio Bardella entre outros empresários que, mais tarde, criariam o Iedi (Instituto de Estudos e Desenvolvimento Industrial). 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 56/127 HA 56/127 Os primeiros movimentos Ainda que de maneira difusa, as idéias da abertura econômica haviam começado a ganhar espaço no final do governo Figueiredo. Em todas as pontas do processo apare ciam as idéias fundamentais de Júlio Mourão, o técnico do BNDES pai da "integração competitiva". Em 1984, provavelmente por conta desses contatos, o Banco Mundial passou a negoc iar com o país empréstimos de comércio, destinado a atividades setoriais para países em crise. Um desses empréstimos era para reformas no comércio exterior. O banco já fora convencido por Mourão de que a abertura da economia brasileira ajudari a o Brasil a exportar mais ao contrário do que dizia, por exemplo, a escola da Unicamp. Quem coordenou os estudos iniciais foi João Baptista Abreu, então assessor de Delfim Netto na Secretaria de Estudos Técnicos e um dos interlocutores contumazes de Mourão. Quando começou o governo Sarney, foi para a Conselho de Política Aduaneira o economi sta José Tavares de Araújo Filho que, embora de formação de esquerda ortodoxa, evoluiu para as novas idéias de abertura. Tavares entrou com Funaro no governo, mas perdeu espaço no grupo de Funaro quando passou a abraçar a idéia da abertura controlada da economia. Quando Bresser chegou, começou a prestigiar seu trabalho. O principal formulador econômico da equipe, Yoshiaki Nakano, comprou as teses da abertura e tornou-se propagandista eficiente, expondo objetivamente a necessidade de abrir a economia numa reunião com o presidente da República, presentes Bresser e Maílson, secretáriogeral do ministério. Tiveram início no âmbito do governo os primeiros estudos sobre a nova política industr ial, coordenados por Antônio José Antunes, também de formação de esquerda, João Baptista e Heloísa Camargo, do Conselho de Política Aduaneira, que passaram a se reunir sistematicamente com Mourão. O primeiro trabalho que se montou, por volta de 1988, foi a câmara setorial da indús tria têxtil. Idéia era sentar todos segmentos da cadeia têxtil, inclusive bens de capital, para negociar início da abertura. Por volta de maio de 1988 começaram a sair as primeiras medidas de liberalização. O então ministro da Indústria e Comércio, José Hugo Castello Branco, surpreendentemente para uma pessoa com sua história e passado político teve papel importante nesse processo, assumindo a ferro e fogo as novas idéias e abafando as resistências do Conselho de Desenvolvimento Industrial e da Cacex. Em junho de 1988 ocorreu a primeira rodada de redução tarifária. Foram eliminadas todas as tarifas redundantes e os regimes especiais de importação. A tarifa média caiu de 85% para 50%.
Em 1989, com a segunda rodada, iniciou-se a redução do Anexo C lista de produtos cuja importação era proibida. A lista foi reduzida de 3.000 para 500 itens. A idéia era um processo gradativo, como tudo que marcou o governo Sarney. Naquele ano, os técnicos da "integração" apresentaram suas propostas para os quatro candidatos a presidente. Usando um termo de engenharia, ofereciam uma "solução robusta" isto é, que teria espaço como programa de governo independentemente da linha ideológica do vencedor das eleições. O único a comprar a idéia foi Fernando Collor de Mello. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 57/127 HA 57/127 A segunda vertente, da qualidade O início de um programa sistemático de qualidade teve duas vertentes, ambas no governo Figueiredo. Uma, o programa de capacitação no no bojo do acordo nuclear com a Alemanha. Do lado brasileiro, o encarregado foi o Ministro de Ciências e Tec nologia José Israel Vargas. Havia a assistência técnica da TÜV, da Renânia e Westfalia, responsáveis pelo desenvolvime nto da qualidade na indústria alemã. Esses programas nasceram no século 18, quando as caldeiras começaram a explodir. A metodologia de qualidade fazia parte do acordo para a construção dos reatores. Pela primeira vez se tinha um Conselho da Qualidade do IBQN (Instituto Brasileir o de Qualidade Industrial), e composto por associações do setor privado, como a ABDIB (Associação Brasileira para o Desenvolvimento da Indústria de Base), ABINEE (Associação Brasileira da Indústria Eletro-Eletrônica), a ABEME (Associação Brasileira de Engenharia de Montagens). Do lado do governo, o Instituto Nacional de Tecnolo gia e a Secretaria de Tecnologia Industrial. Até então havia dificuldades na definição de normas. As empresas achavam que o governo poderia impor normas exageradas que encarecessem os projetos; e o govern o não confiava no setor privado, porque achava sua visão imediatista. O presidente tinha de ser um nome nacional. Por conselho do professor Alberto Pereira de Castro, Vargas passou quatro horas tentando convencer Amaro Lanari Júnior, antigo professor de metalurgia da Politécnica e que havia acabado de deixar a presidência da Usiminas. Amaro só toparia se houvesse alguém grande competência na área propriamente técnica. Havia na STI um grupo de normalização e qualidade com alguns engenheiros mas que tinham um conceito de norma técnica extremamente ditatorial. Normas técnicas devem ser objeto de consenso no setor, devem ser voluntárias. Esse grupo queria passar normas goela abaixo na ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). Israel Vargas acabou encontrando um técnico competente, doutor em metalurgia pelo MIT, José Guilherme Lameira Bittencourt, que assumiu o cargo de diretor técnico do IBQN. No início, ele deveria atuar quase que só na qualidade nuclear, porque o setor nuclear exigia o mais alto nível de confiabilidade, de controle de qualida de. Posteriormente a IBQN ampliou sua atividade para outros setores Àquela altura se negociava um primeiro financiamento de ciência com o BIRD, que de fato foi o segundo do mundo financiado pelo Banco Mundial. Foi o primeiro PADCT (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico). Quando Vargas assumiu a STI, convenceu o Banco Mundial que não era possível gerar o impacto na indústria se não fosse tratado o programa de tecnologia industria l básica, com apoio à ABNT, ao INMETRO, INPI e os laboratórios credenciados para realização de medidas, mas a inspeção era sempre dos inspetores que passavam
por um treinamento do IBQN O INMETRO havia sido implantado por lei de 1979. Seu projeto foi feito numa lici tação internacional. A Dinamarca construiu o Instituto de Acústica. As máquinas térmicas vieram dos Estados Unidos. O padrão do metro foi resultado de uma cooperação com a Alemanha. Mas antes disso, Vargas convenceu Sérgio Quintella, presidente da Internacional de Engenharia, a assumir o cargo de presidente da ABNT, para melhorar a qualidade da representação. Posteriormente ao IBQN, foram criados mais três institutos que cuidavam da qualida de industrial, com intenso programa de treinamento nacional no exterior 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 58/127 HA 58/127 Foi criada também Fundação Brasileira da Qualidade e Produtividade e três instituições foram treinadas no exterior nessa área. O IBQN foi principalmente para Alemanha e Inglaterra. A Fundação Cristiano Otoni para o Japão, liderada pelo professor Vicente Falconi, professor de metalurgia com doutorado nos EUA. Em São Paulo a Fundação Vanzolini mandou o pessoal para ser treinado nos EUA O Padct tinha três pernas: o presidente do CNPQ, a STI e o Ministério da Educação, e um fundo, o INT (Fundo Nacional de Tecnologia Industrial). Nesse meio tempo surgiu a ISO 9000. Implantado o INMETRO, tentou-se um acordo com o PPB (o INMETRO da Alemanha) e com o National Bureau Standard, que copiou os alemães. A Alemanha foi pioneira, com o instituto criado por Helmut Holt z e pela Siemens. O programa foi interrompido quando o presidente João Baptista Figueiredo aderiu à candidatura Maluf, provocando a demissão de Vargas e do Ministro da Indústria e do Comércio Camilo Penna. Seguiu-se um período confuso, com muita mudança nos ministérios e nenhuma continuidade, até que assumiu a presidência Fernando Collor. O físico José Goldemberg foi nomeado Secretário de Ciência e Tecnologia. Como ele não tinha nenhum departamento voltado para a tecnologia, com exceção do CNPQ, a conselho de Vargas aproveitou toda a equipe da STI. O país estava maduro para entrar na era da qualidade. As lições de Michael Porter Em 1986, uma ampla pesquisa comandada por Michael Porter para o governo american o --visando entender as razões do milagre japonês-- transformou-se em divisor de águas nos estudos de políticas industriais no mundo e converteu-o no maior especialista mundial em estratégias competitivas. No Brasil, ajudou a reafirmar os princípios da teoria da "integração competitiva" -des envolvidos pioneiramente por técnicos do BNDES em 1984--, e se tornou a bíblia dos técnicos brasileiros que comandaram o processo de abertura da economia nos anos 90. No fundo, o levantamento de Porter vinha comprovar o acerto dos estudos de Lizt, quase 150 anos antes. 1) Apesar da globalização da economia, as fronteiras nacionais continuam sendo elementos importantes de desenvolvimento tecnológico. Era papel dos governos nacionais ajudarem a gerar ambientes econômicos competitivos. 2) País que depender exclusivamente de insumos (matérias primas abundantes e salários baixos) para ser bem sucedido está fadado ao fracasso. Passada a fase inici al, sempre haverá um país mais atrasado, e com salários mais baixos, para roubarlhe o mercado. 3) A característica atual das multinacionais consiste em eleger determinados paísesp
ara localizar as bases domésticas de cada um de seus produtos. É aí que se localizam os empregos melhores remunerados e a melhor base tecnológica. Um dos desafios dos estados nacionais será tentar atrair o maior número de bases domésticas das multi. 4) Cada vez mais, o importante na definição das vantagens competitivas não são os insumos. Insumos genéricos (estradas, telecomunicações) podem atrapalhar, se forem de má qualidade, mas não se constituem em vantagem comparativa, já que todos os países tendem a competir na melhoria da qualidade desses insumos. O que faz diferença são insumos especializados. Não apenas o trabalhador, mas o PhD. Não apenas o porto, mas equipamentos especializados para famílias de produtos. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 59/127 HA 59/127 5) Mesmo que se importem insumos e equipamentos, tem que se lutar para que esses equipamentos sejam fabricados internamente ou, ao menos, haja escritórios e técnicos do fornecedor, para obrigá-lo a se integrar ao processo de inovação. 6) Todo projeto de política industrial deve visar formar grupos de fabricantes, em todas as etapas da produção. Só assim se obtém massa crítica de insumos e equipamentos para acelerar a inovação. 7) É recomendado que esses grupos se concentrem em uma mesma região, e cada região encontre sua própria vocação, sem artificialismos. Onde existe concentração, cria-se infra-estrutura especializada que ajuda a reforçar os grupos. 8) O Japão só prosperou em setores de alta competitividade. Quando as empresas japonesas uniram-se para criar um novo tipo de televisão, foi um fracasso. Daí a necessidade de fortes práticas anti-trustes. 9) As empresas têm que cobrar eficiência dos serviços públicos e saber explicar claramen te suas necessidades ao governo. Na Itália, nas áreas com empresas voltadas para o exterior, os serviços telefônicos são muito melhores do que nas demais, porque se cobrou mais. 10) O principal papel do governo é se converter em comprador exigente dos produtos nacionais. Em uma entrevista que me deu, nos anos 90, terminava com com um recado genérico, mas que caia como uma luva para a política econômica atual: "O que de pior pode acontecer a empresas e países é tomar medidas tópicas, respondendo a exigências de curto prazo, sem dispor de um plano estratégico de longo prazo". 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 60/127 HA 60/127 C CCCo oool llll lllo ooor rrr e eeen nnnt tttr rrra aaa e eeem mmm c ccce eeen nnna aaa Ainda no Bolo de Noiva, a falta de experiência operacional acabou afastando o grup o da PUC-RJ da condução dos trabalhos de abertura do governo Collor. A equipe econômica de Fernando Collor chegou imbuída das idéias de abertura da economia. Mas, num primeiro momento, acabou pendendo para as teses da PUCRio, radicalmente liberais, que rezavam que governo não deveria se imiscuir em questões de política industrial. Gustavo Franco e Winston Fristch, ambos da PUC, poderiam ter comandado o process o de abertura, mas acabaram batendo de frente com o mundo real. Não conseguiram atender às solicitações de Ibrahim Eris e Antonio Kandir, da equipe de Zélia, para que avançassem além do conceitual e propusessem medidas concretas, com exposição de motivos, minutas de portarias etc. A tecnocracia esclarecida resolveu a questão, com Heloísa Camargo detalhando a política inicial de abertura das importações. Os primeiros dias do governo Collor foram decididamente desfavoráveis aos "integra cionistas". Luis Octavio da Motta Veiga assumiu a presidência da Petrobrás e demitiu toda a equipe que participara do programa de tecnologia em águas profundas . A equipe do BNDES não só foi derrotada em sua pretensão de indicar o colega Nildemar Secches para a presidência, como o presidente indicado, economista da PUC Eduardo Modiano, acabaria encostando os técnicos e praticamente proibido o banco de pensar nos dois anos seguintes. Júlio Mourão, o principal teórico da "integração", e o próprio Secches foram convidados a assumir a Secretaria de Planejamento do Ministério da Economia, mas recusaram. Coube ao economista João Maia (que depois se desgastaria articulando benefícios para a Sade Engenharia) trazer seu ex-colega de "partidão" Luiz Paulo Velloso Luca s, membro de relevo dos "integracionistas" como seu vice no Departamento de Abastecimento e Preços.
Quinze dias depois de iniciado o governo, o economista Marcelo Abreu, também da PUC, pediu demissão do cargo de Secretário Nacional de Economia. João Maia assumiu a secretaria e indicou Luiz Paulo Velloso para diretor do Departamento de Indústria e Comércio. Velloso levou Antônio Maciel como seu vice. Os "integracionistas " chegavam ao poder. Depois de seis anos, as idéias do BNDES conseguiam superar a pesada barreira impos ta pela academia e o grupo "integracionista" estava pronto para mudar o Brasil. Com cem dias de governo, foi apresentado o plano de abertura da economia, o "Dir etrizes Gerais da Política Econômica e de Comércio Exterior", preparado por eles. O anúncio foi no dia 26 de junho de 1990 uma data a ser registrada nos futuros livros de história. Era um trabalho de engenheiros, com data, prazos e cronogramas . 1) Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade, como instrumento de política industrial e comércio exterior. Através do programa reconhecia-se a questão micro (de capacitação das empresas) como instrumento fundamental na reestruturação competitiva; 2) Fim da reserva da informática, tornando o computador mais acessível ao conjunto das empresas nacionais; 3) Revisão do Código de Propriedade Industrial (que ainda não saiu do papel); 4) Cronograma de redução de tarifas de 36 mil itens, em 36 meses; 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 61/127 HA 61/127 5) Privatização como instrumento de política industrial idéia que não foi posta em prática por Eduardo Modiano, o responsável pela tarefa. Para que o programa não fosse tolhido pela falta de continuidade, todos os documen tos tinham capítulo especial dedicado ao seu gerenciamento. Foi nessa definição que surgiu a idéia da constituição das câmaras setoriais. Além disso, fugiu-se de um outro vício do serviço público, que era a montagem de comissões burocratizadas. Decidiu-se, de um lado, que o programa não teria orçamento próprio nem estrutura burocrática. De outro, que no médio prazo seriam criados instrumentos permanentes de execução, a salvo de interferências do governo. A idéia foi imediatamente comprada pelo então presidente Fernando Collor, que, a partir de certo momento, passou a coordenar pessoalmente as reuniões do grupo. Anunciava-se em 90 dias a nova Lei de Informática, em 180 dias, o Plano Brasileiro de Qualidade e Produtividade, em quatro anos, a redução ano a ano das tarifas de importação. O anúncio do plano garantiu 11 dias de cobertura intensiva nos jornais e ajudou a mudar as expectativas em relação ao governo, num momento em que a inflação começava a voltar. Mudando de lugar Em outubro, João Maia demitiu-se da Secretaria Nacional de Economia, para assumir cargo na Sade Engenharia empresa beneficiada por Zélia. Em seu lugar assumiu Edgard Pereira, da Unicamp. Antônio Maciel foi indicado para seu sub, ampliando a margem de manobra dos "integracionistas". Com a queda de Zélia, a troca de governo trouxe dois elementos valiosos. Numa ponta, o novo ministro da Economia Marcílio Marques Moreira, partidário de soluções gradativas para as questões econômicas. Do outro, a nova secretária Nacional de Economia, Dorothéa Werneck, que manteve Maciel como sub, trouxe para o programa a classe trabalhadora e uma exposição na mídia que os "integracionistas", não-vinculados a grupos políticos, jamais tiveram. O coroamento desse processo foi a Câmara Setorial da Indústria Automobilística, em reunião em que a equipe econômica precisou decidir sobre a redução dos tributos. Havia grande resistência interna, de pessoas ainda impregnadas da visão fiscalista da economia. Fernando Collor assumiu a presidência com uma intuição clara sobre o que pretendia com o país, mas com uma tática de confronto que o levou a colidir com inúmeros setores. Um dos mais atacados foi justamente a indústria automobilística, que passou a ser alvo de campanhas sistemáticas contra as "carroças". A virada foi provocada por um documento preparado pelo subsecretário de Política Econômica, Antônio Maciel, que a secretaria Dorothéa Werneck apresentou em uma reunião da equipe econômica, que aprovou a redução dos tributos do setor. O próprio Collor leu o documento e concordou em parar de atacar o setor automobilístico. O documento intitulava-se "Setor Automotivo: Situação Atual e Alternativa Estratégica" .
Era de 9 de março de 1992. Inicialmente lembrava se que o setor experimentou nos últimos anos conflito genera lizado e permanente entre todos os atores. "Os trabalhadores fazem manifestações, diminuem a produtividade e recorrem às greves. Os empresários aumentam os preços de forma absurda. O governo aumenta a carga tributária e ameaça com redução de alíquotas dos impostos de importação. A imprensa joga lenha na fogueira, estampando o conflito nas primeiras páginas", dizia ele. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 62/127 HA 62/127 O resultado da guerra era a falta de investimentos, a defasagem tecnológica na produção e a ausência de novos modelos. Depois, listava aspectos negativos e positivos do setor. Na seqüência, propunha a substituição do conflito generalizado e permanente por uma alternativa estratégica que "conduza à parceria pela competitividade em todas as direções, privilegiando as as relações trabalhistas e comerciais no longo prazo, buscando obstinadamente a cooperação entre todos os elos da cadeia produtiva e colocando o consumidor como referência fundamental para todas as decisões". O papel dos governos federal e estaduais seria reduzir as alíquotas do IPI e do ICMS, como forma de incentivar a redução de preços, entre outras providências. Ao empresário caberia o compromisso de evitar aumentos de preços, buscando maior volume de produção com margens menores, garantir a arrecadação com mais vendas, empenhar-se na construção de relações cooperativas com o trabalho, comprometer-se com o PBQP (Plano Brasileiro de Qualidade e Produtividade) e empe nharse para viabilizar aumento real de salários ao longo do tempo. Aos trabalhadores pedia-se compromisso com o PBQP, melhoria no relacionamento com o capital, evitando conflitos e, em particular, as greves. Foi esse cenário previamente preparado, de indução ao entendimento, que permitiu o aparecimento político de Vicentinho. Nem antes, nem depois, Vicentinho conseguiu repetir a performance da câmara setorial da indústria automobilística, quando surpreendeu o país com uma visão de estadista. Terminada a exposição, o presidente do Banco Central, Francisco Gros, provavelmente o mais influente homem da equipe de Marcílio, declarou-se convencido. A redução foi aprovada, consagrando a câmara setorial. O Código de Defesa do Consumidor O Código de Defesa do Consumidor foi essencial para impulsionar os programas de qualidade. Falava-se muito nos brinquedos que vinham do Paraguai e não havia nenhum controle sobre os problemas decorrentes desse tipo de mercadoria. Mas de quem era a responsabilidade? O Código veio regular uma série de instancias, envolvendo não só a iniciativa privada, mas também o governo no seu papel de educar e assegurar os direitos mínimos do cidadão. Surgiram as redes de Procons no país, o Ministério da Justiça teve de se organizar pra isso. O mote foco no cliente tornou-se prioritário. Então se passou a discutir a educação, a sensibilização das pessoas para a qualidade, começaram a surgir cartilhas para sensibilizar donas de casa, começou a surgir também a preparação técnica com relação as normas existentes no Brasil para assegurar que os produtos tivesse requisitos mínimos de produção, para diminuir o desperdício brutal que permanecia em muitos setores. Então surgiram a ISO 9001, 9002, nas suas categorias procurando dar uma abrangência para o escopo desse processo, para garantir a conformidade dos padrões exigidos ou contratados entre o produtor, o fornecedor e o cliente
Ao mesmo tempo veio a necessidade de se ter um aumento de produtividade com a redução de custos, justamente para combater o desperdício e o retrabalho. Nessa época se levantaram índices de não conformidade, de falta de qualidade, de desperdício, de refugo de materiais que era uma coisa assombrosa na indústria. E por conta disso se começou a falar muito na normalização e na certificação A indústria foi se organizando para o controle da qualidade, criando departamentos só para cuidar dos refugos. Com a nova consciência estimulando o controle, a de 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 63/127 HA 63/127 volução de produtos com defeito, se começou a falar em padrão de qualidade, em zero defeito. Quatro anos depois de ter sido anunciado, enfrentando desconfianças dos macroecono mistas, resistências de setores protegidos por um mercado fechado, e de ter sido erroneamente confundido como "neoliberalismo", a estratégia da "integração competitiva" da economia brasileira na economia internacional, já podia ser reconh ecida como o mais importante e decisivo conjunto de programas desenvolvimentistas implantados do país desde o Plano de Metas de JK. A importância do programa da integração competitiva não podia ser medida por metas quantitativas. Devia ser entendida no âmbito das limitações decorrentes de um período politicamente traumático. Mesmo assim, em apenas quatro anos mudou a face da economia brasileira. Além de ter proporcionado avanços substanciais na estrutura industrial decretando o fim da reserva de mercado de informática, por exemplo logrou mudar a mentalidade empresarial brasileira. A partir desse programa, os conceitos de produtividade e qualidade passaram a te r vida própria. As empresas modernas começaram a explorar suas próprias energias e capacidade de reação, abandonando décadas de dependência das ações de Estado. Escanteio Enquanto suas idéias se tornavam vencedoras, Mourão viveu no governo Collor seu período de maior ostracismo. Não aceitou nenhum cargo no governo. O novo presidente do BNDES, Eduardo Modiano, da PUC-RJ, não só não ignorava sua importância, como a temia. Tanto que demitiu-o da Superintendência de Planejamento sem ter tido a coragem de comunicarlhe pessoalmente, desmanchou sua equipe e praticamente proibiu o debate interno sobre suas idéias. Só o procurou tempos depois, quando o secretário de Assuntos Especiais, Eliezer Baptista, resolveu preparar o macro-planejamento do país uma idéia esplendorosa que, infelizmente, não resistiu ao impeachment de Collor e convocou Mourão para sua equipe. Com medo de perder poderes, Modiano chamou Mourão e comunicou-lhe que, como o financiamento do projeto seria bancado pelo BNDES, ele iria para lá, mas na qualidade de representante do banco. O último presidente do banco a conviver com Mourão foi Pérsio Arida, pai do Cruzado e do Real. Mourão estava prestes a se aposentar. Pérsio encontrou-o no elevador, disse que precisava falar com ele, e morreu por aí. Não poderia haver nada mais simbólico de uma era irracional. De um lado, o intelectu al nacionalmente conhecido, estrela maior da elite acadêmica engajada, que dispôs de todas as facilidades do mundo para exercitar seus experimentos porque os experimentos interessavam eleitoralmente aos donos do poder. Do outro, o serv idor
público, que enfrentou o mundo armado apenas de suas convicções e do propósito de desenvolver o país. Se perguntar hoje, a quem assistiu o encontro, qual dos dois mudou o país com suas idéias, ninguém acreditaria que foi o técnico humilde, que se preparava para solicitar sua aposentadoria. Daqui a alguns anos, quem se debruçar sobre esses tempos loucos não conseguirá entender como tantos puderam ser tão cegos e irracionais, tão sem critério durantes tantos anos. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 64/127 HA 64/127 A AAAs sss i iiid dddé éééi iiia aaas sss P PPPr rrré ééé---P PPPl llla aaan nnno ooo R RRRe eeea aaal lll Em fins de 1993, o país estava pronto para o grande salto de modernização. As sementes plantadas desde o início dos anos 80 já tinham criado massa crítica de diagnósticos e de visão de futuro. O impeachment foi um acidente de percurso, que não chegou a atrasar a consolidação das novas idéias. Era apenas questão de tempo aguardar o final do governo transitório de Itamar e torcer por um novo presi dente que colocasse em prática os novos diagnósticos e propostas. Embora a economia ainda patinasse, 1994 começou com esperança de que Itamar Franco refreasse seu estilo de biruta de aeroporto e começasse a dar passos mais sólidos. A CPI do Orçamento criara expectativas fundadas de que interesses estratifi cados no setor público começassem a ser desmontados. Os fundos de pensão estatais começavam a ser enquadrados. A abertura iniciada por Fernando Collor começava a surtir seus efeitos e os escritos de Michael Porter forneciam informações para novas políticas de planejamento que ajudassem a completar o processo de modernização. A politização do tema ainda tornava difícil no país a conceituação da palavra modernidade. Os críticos de esquerda transformaram tudo o que se referia a modernidade em manifestação de neoliberalismo. Mas, nos últimos anos, a modernização do pensamento brasileiro produzira transformações relevantes no poder público e nas empresas. Os novos valores levantados passaram a ser a busca de soluções individuais, fora do guarda-chuva paternalista do Estado, a exaltação da produtividade e da qualidade, de ambientes competiti vos, da inovação em todos os níveis. E, principalmente, a mudança fundamental no enfoque das empresas, passando a privilegiar a figura do consumidor. Em que pesem desastres monumentais como a reforma administrativa conduzida por João Santana Collor havia conseguido cortar sucessivos nós que paralisavam a economia brasileira, ajudado pelas mudanças trazidas pela Constituição de 1988. 1) Mudanças no comércio exterior, acabando com a parafernália burocrática, e
permitindo a mais empresas o acesso a mercados e fornecedores internacionais. 2) Fim de todas as reservas de mercado, especialmente a da informática. 3) Abertura gradual e previsível da economia, induzindo as empresas nacionais a se tornarem mais competitivas. 4) Mudanças na política cambial, acabando com o sufoco histórico das crises cambiais. 5) Lançamento do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade e Produtividade, que tomou de assalto corações e mentes do setor produtivo, apontando o caminho que deveria percorrer para competir com os importados. 6) Interrupção do paternalismo do BNDES. 7) Fim da ciranda financeira, com o bloqueio de cruzados e com o lançamento do fundão, levando as empresas a perceberem que a única segurança de que dispunham era na sua atividade específica. 8) Lançamento do Código de Defesa do Consumidor. 9) Reinserção do Brasil no mercado internacional de capitais, com o levantamento da moratória e a reaproximação com o Japão. Até Collor, a na ausência de pensar o impossível, 28/8/2006
havia uma inibição geral em pensar o Brasil. Cada , proposta nova esbarrav de condições políticas, cada idéia inovadora, na perda do hábito novo. Foi sua falta de limites que demonstrou que não havia mudança desde que houvesse vontade política e clareza de idéias.
OS CABEÇAS DE PLANILHA 65/127 HA 65/127 Todo mundo sabia da necessidade de mudar a política de pré-fixações de câmbio. Quem tinha a coragem de botar o guizo no gato? A renovação da indústria automobilística era peça central da recuperação industrial do país. Quem se habilitaria a desmontar o sistema de privilégios fundado em reserva de mercado e cartelização? Não dá para banalizar a importância desse rompimento. As primeiras experiências das Câmaras Setoriais significaram uma notável mudança de paradigma. Substituía-se a cultura do conflito pela da cooperação. O adversário não era a montadora, o fornecedor ou o sindicato: era a outra cadeia produtiva, nacional e, principalmente, as que rondavam o mercado brasileiro, aguardando o primeiro sinal para entrar. A estratégia da Câmara Setorial da Indústria Automobilística havia sido longamente maturada. Consistia em viabilizar a venda interna de veículos populares modernos, através da redução de tributos, criando uma escala mínima de produção. Com a escala garantida, buscava estimular novos investimentos no setor, visando modern izar as linhas de montagem. O passo final seria a busca do mercado externo, consolida ndo a posição da indústria automobilística brasileira no âmbito mundial, como fornecedora de modelos populares. A indústria automobilística recuperou rentabilidade e capacidade de atrair investime ntos da matriz. Os trabalhadores garantiram emprego e salário. O poder público teve ganho de arrecadação, mesmo reduzindo nominalmente as alíquotas de tributos do setor. O consumidor passou a ter à sua disposição carros a preços mais acessíveis. E a economia como um todo ganhou um fôlego adicional, com o PIB industrial crescendo 11%, em grande parte devido à recuperação do setor. Tinha-se a comprovação da eficácia de novas formas de atuação do governo, não mais conduzindo autarquicamente a economia, mas atuando como agente articulador das forças produtivas. O ímpeto reformista não ficava por aí. Passou-se a discutir, uma nova política regional, com a reestruturação do dos fundos e organismos regionais --tipo Finor e Sudene (do nordeste), Finam e Sudam (da Amazônia), e Codesvaf (do Vale do São Francisco). A idéia básica era substituí-la por um novo modelo, que ajudasse a estimular o chamado ambiente econômico --de acordo com o figurino preconizado pelos modernos estudos de política regional. Em vez de dinheiro a fundo perdido para empresas, investir em obras de infra-estrutura que atraíssem capital privado. A base dessa mudança eram estudos do senador cearense Beni Veras sobre a região. O tiro de partida desse programa havia sido o seminário "Bases para um Pacto Polític o e Econômico", ocorrido no início de 1994, que juntou pessoal da Seplan, da Fazenda, do BNDES, líderes políticos regionais --como o governador cearense Ciro Gomes, o deputado Roberto Freire e o senador Beni Veras-- e empresários interessad os na região. Durante o seminário, foram identificadas diversas áreas com potencial econômico -como o Cerrado baiano, os vales do Jaguaribe (Ceará), do Gurguéia (Piauí), do Açú
(Rio Grande do Norte), o Médio e Baixo São Francisco. Os investimentos em infra-estrutura demandariam US$ 1 bilhão --a serem financiados pelo BNDES. Pelos cálculos apresentados pelo banco, já no primeiro ano permitiriam uma renda anual de US$ 900 milhões, e geração de 350 mil empregos diretos. Como Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso lograra domar o perfil irreq uieto de Itamar, e consolidar um grupo renovador em torno dele, comprometido com o projeto de reforma do Estado. Havia também um grupo atuando no âmbito da reforma do Estado, composto pelo general Romildo Cainhim, Ministro-chefe da Secretaria da Administração Federal, e 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 66/127 HA 66/127 os Ministros Alexis Stepanenko, do Planejamento, Sérgio Cutolo, da Previdência e Henrique Santillo, da Saúde. O apoio de Fernando Henrique era a seu modo. Apoio tácito a quem quisesse fazer. Quem não quisesse, o problema não era dele. A reforma do Estado brasileiro --tal como imaginada pelo pessoal da Secretaria d a Administração Federal (SAF) e do Ministério do Planejamento (Seplan)tinha duas pernas. De um lado, o aprofundamento da descentralização, através da criação de uma Câmara Setorial (já aprovada pelo presidente) para negociar transferência de atribuições para estados e municípios. De outro, a reorganização do serviço público, passando, primeiro, pelo enquadramento dos salários dos servidores públicos dos três poderes. Esse processo seria conduzido por uma comissão especial, de onze membros, coordena da pelo Ministro-Chefe da Secretaria de Administração Federal (SAF), Romildo Cainhim --o Executivo, o Legislativo e o Judiciário com dois representantes cada, o Ministério Público Federal e o Tribunal de Contas, um, e mais três representantes de sindicatos ligados aos três poderes. O grupo teria 90 dias de prazo para apresentar suas conclusões. O primeiro passo consistiria em hierarquizar todas as funções, dentro de cada órgão, definir um teto e uma base igual para os salários dos três poderes. Com bases nesses valores mínimo e máximo seria criada uma Tabela Salarial, ajeitando nesse intervalo todos os demais salários. Não poderia ter implementação imediata, por problemas legais com redução de salários e restrições orçamentárias, mas acenava para o novo caminho. Já a descentralização seria tratada por organismos tipo Câmaras Setoriais --com a presença dos ministros interessados, de prefeitos e governadores. A idéia inicial seria colocar todos os projetos de descentralização dentro de uma mesma medida provisória. Significaria extinguir os Ministérios assistencialistas --tipo Bem Estar Social e Integração Regional--, transferir os fundos regionais para o Ministério da Indústria e do Comércio. A extinção do INAMPS, conduzida por seu presidente, deputado Carlos Mosconi, foi um marco nessa caminhada. Em 22 de janeiro daquele ano, minha coluna tentava traduzir esse estado de espírit o: A
luta está apenas se iniciando --e será árdua. Falta desmontar o aparato empresarial que corrompeu o Estado. Depois do exemplo do Congresso, o país aguarda agora que o Judiciário, o Ministério Público, a estrutura sindical, as Universidades, as corporações públicas e privadas, as corporações de profissionais liberais, Estados e municípios, espanem a poeira, e dêem sua contribuição efetiva aos novos tempos, iniciando sua própria modernização. Nossos mortos já podem descansar em paz. Não serão mais alvo de apelos desesperados de uma Nação agonizante. Serão boas lembranças a impulsionar um país que começa a encontrar seu caminho. Até o deputado Antonio Delfim Netto abrira mão de seu pessimismo militante e publica ra
pela gráfica da Câmara o trabalho "Brasil, Melhor do que Parece", pela primeira vez com uma visão francamente otimista do processo. Admitia, claramente, os resultados concretos obtidos pela abertura da economia e pelos programas oficiais de produtividade e competitividade --que começavam a criar um pólo de discussão alternativo à cantilena de câmbio, moeda, e receita fiscal. E apontava os seguintes fatores de otimismo: * Abertura da economia. O restabelecimento de relações financeiras com a comunidade internacional, a liberal ização do comércio, com o aumento expressivo das importações, que acirrou o nível de concorrência interna, fazendo com que o nível tecnológico da economia brasileira passasse a incorporar as novas exigências mundiais. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 67/127 HA 67/127 Até algum tempo atrás, muitos analistas limitavam-se a relacionar os problemas que a abertura gerou para as empresas brasileiras, sem contabilizar o potencial de criatividade e inovação, liberados pela necessidade. * Privatização. Apesar do processo "um pouco lento", as privatizações ocorridas, e as 66 por ocorrer , são da maior importância, assim como a privatização futura dos serviços públicos sujeitos ao regime de concessão. * Papel do Supremo Tribunal Federal. Na qualidade de primeiro grande autor de pacotes da economia, o deputado dava a mão à palmatória, e taxava de revolucionário o novo papel do STF --que impôs limites legais à atuação do executivo, devolvendo a previsibilidade e a proteção aos contratos, nos moldes das sociedades desenvolvidas, ao ordenar o desbloqueio de cruzados. * Revisão constitucional. Delfim apostava que a revisão permitiria aperfeiçoar e consolidar o quadro instituci onal brasileiro, ajustando-o ainda mais à nova realidade mundial, de integração e competição. Principalmente com o possível fim dos monopólios, a flexibilização da seguridade social e a descentralização da saúde. * Legislação Trabalhista. A flexibilização da legislação, em discussão, permitiria a construção de uma relação mais flexível e construtiva entre trabalhadores e empresas, restringindo-se a just iça do trabalho às relações de direito entre eles. * Lado real. O processo de terceirização permitiu o aparecimento de uma nova geração de pequenas e médias empresas, criadoras de talento empresarial. O fim da ditadura das empreiteiras, com a CPI, e o combate aos cartéis privados, acenavam com a oportunidade de florescer mais rapidamente as novas pequenas e médias empresas, renovando a vida empresarial nacional. * Questão fiscal. Delfim atribuía os problemas fiscais à inação de Brasília, não a questões estruturais. Enfim, a economia já havia ingressado em uma nova fase, onde pontificam alguns princípios fundamentais e sem retorno. Eram eles: 1) Não se admitia mais protecionismo a empresas ou setores, créditos subsidiados ou outra forma de proteção setorial. 2) A abertura era irreversível e deveria ser encarada como instrumento de aumento da competição interna e de aprimoramento da produção nacional. 3) Para a consolidação da abertura seria fundamental a criação de um ambiente econômico competitivo. O objetivo final desse jogo seria fortalecer o modelo industrial brasileiro --não destruílo.
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OS CABEÇAS DE PLANILHA 68/127 HA 68/127 C CCCo ooom mmmo ooo s ssse eee c ccco ooon nnns ssso oool llli iiid ddda aaam mmm h hhhe eeeg ggge eeem mmmo ooon nnni iiia aaas sss Depois que Richard Nixon liquidou com a sincronização cambial prevista no acordo de Breton Woods, o mundo mergulharia novamente em uma espiral financeira semelha nte ao do fim da Pax Britânica. Desde a morte de John Kennedy, a hegemonia civilizadora dos Estados Unidos, hera nça de Franklin Delano Roosevelt e de Nelson Rockefeller, dera lugar ao jogo bruto da guerra fria. O modelo keynesiano do pós-guerra entrara em colapso. Um novo modelo monetário se impunha, com novos jogadores. Breton Woods consagrou uma nova articulação cambial, com uma espécie de câmbio fixo, não mais em torno do ouro mas do dólar, que passou a ser a moeda de reserva mundial. No final dos anos 60, o sistema parecia sólido e funcional. As pr incipais moedas internacionais, como o marco, a libra e o franco, entre outras, tornaramse plenamente conversíveis, inclusive para transações privadas, e não apenas entre os Bancos Centrais. Os BCs mundiais tinham o direito de trocar os dólares de suas reservas por ouro na Reserva Federal de Nova York. O ouro ficava depositado em Nova York, mas credita do para o país que o adquiriu. Com a estabilização do padrão dólar, os bancos norte-americanos puderam oferecer empréstimos maciços para a reconstrução da economia européia financiando a aquisição de bens norte-americanos.
Os altos déficits norte-americanos, no entanto, começaram a incomodar os europeus. O jornalista Jean-Jacques Servan-Schreiber escreveu Desafio Americano, um best seller da época, alertando para os riscos dos americanos comprarem todos os ativos franceses. Em 1965, o presidente francês Charles De Gaulle insurgiu-se contra o que considera va privilégio exorbitante do dólar americano. O grande conselheiro de De Gaulle era o financista Jacques Rueff, nascido em 1896, indicado por De Gaulle para pre sidir o conselho de peritos incumbido de preparar o plano de reconstrução econômica do país na 5ª República. Ambos sustentavam que os EUA se valiam do dólar que havia se tornado a principal moeda de reserva do regime de câmbio fixado negociado em Breton Woods para poder abusar dos déficits e bancar as aventuras militares como a do Vietnã. A França se insurgia contra o dólar e tentou revitalizar o padrão-ouro, ao mesmo tempo em que os países europeus começavam a discutir a união monetária capaz de fazer frente ao dólar. Aí começou um jogo de alto risco. Em vez de aplicar suas reservas em títulos do Tesouro Americano, os Bancos Centrais europeus, puxados pelo Banco de França, e depois, pelo Banco da Inglaterra, começaram a exigir a entrega de ouro da Reserva Federal, em quantidades enormes. Foi quando De Gaulle propôs a volta do padrão ouro, aconselhado por Jacques Rueffe, mas tendo contra si a opinião do Ministro das Finanças e do Banco de França. Houve reação acerba dos EUA, sustentando que uma desvalorização do dólar em torno de 100% desestabilizaria todo o sistema de comércio mundial. Argumentava que o maior beneficiário, depois da África do Sul, seria a União Soviética, o segundo maior produtor mundial de ouro. Os argumentos caíram no vazio. De Gaulle ordenou a conversão de US$ 300 milhões de uma só tacada e, depois disso, a França passou a trocar mensalmente seus dólares por ouro. Em junho de 1967, De Gaulle aplicou novo golpe ao modelo, ao retirar a França do pool de dez países que, através de acordo celebrado em 1963, se comprometiam a sustentar a paridade cambial celebrada em Breton Woods. Em apenas seis meses, 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 69/127 HA 69/127 de outubro de 1967 até a desvalorização da libra em abril de 1968, os membros do consórcio foram obrigados a vender US$ 3,5 bilhões em ouro, par segurar os especulad ores. Os EUA perderam 20% de suas reservas. Em março de 1968 o pool de países foi dissolvido, seguindo período de extrema volatili dade cambial. Pouco tempo depois, a economia americana submergiu em uma grande recessão. O FED afrouxou a política monetária, para estimular a economia, mas expôs o dólar a ataques especulativos pesados. Em 1970 a fuga de capitais dos EUA atingiu cifra de US$ 6,5 bilhões; em 1971, de US$ 20 bilhões. Com a fuga os EUA ficaram tecnicamente quebrados: se todos os BCs cismassem em resgatar seu ouro, não haveria ouro para todos. Em agosto de 1971, o Tesouro americano recebeu um relatório dos serviços de inteligência alertando para uma ofensiva dos Bancos da França e da Inglaterra sobre o que restou das reservas americanas. Em 15 de agosto de 1971, Nixon anunciou que a Reserva Federal dos EUA não mais honraria suas obrigações, contraídas no âmbito do tratado de Breton Woods, de trocar dólares por ouro. Em 1973, a livre flutuação ocupou o espaço do cambio fixo de Breton Woods, inaugurando o que Rueff apelidou de era do papel impresso. (Wilson Carvalho, O Novo Papel dos Estados Nacionais em Época de Globalização Crescente; http://www.asip.org.ar/es/seminarios/int031/ponencias/04_e.html). Nos anos 70, com os dois choques de petróleo, surgiriam os primeiros novos atores do jogo, sheiks árabes, com estupenda liquidez reciclando seus dólares através da praça financeira de Nova York. Com a livre flutuação do câmbio, com a aprovação dos Estados Unidos os três países derrotados na Segunda Guerra passam a trabalhar com câmbio superdesvalorizado: a Alemanha, com o dólar a 4,2 marcos; o Japão, com o dólar a 360 ienes e a Itália, com o dólar a 2 mil liras. São eles que vão comandar o desenvolvimento nos anos 80, os derrotados da guerra crescendo mais do que os vitoriosos. Esse primeiro round de valorização do dólar prossegue até 1985, quando os EU desvalorizam pela primeira vez sua moeda. Na esteira da valorização, havia ocorrido um intenso processo de desindustrialização nos EUA e de crescimento vigoroso nos países que desvalorizaram suas moedas. No final da década começava a se firmar um mercado de eurodólares. Nos anos 80, surgem os japoneses, surfando na explosão da sua economia e aproveitando o breve momento antes da valorização do iene jogar a economia japonesa em recessão, ajudando a constituir a bolha imobiliária nos Estados Unidos. Em 1985, com o Acordo do Plaza, e em 1987 com o Acordo do Louvre, criam-se mecanismos de coordenação entre os bancos centrais para evitar os grandes movimentos especulativos cambiais. O Acordo definia limites para as oscilações do dólar e para a apreciação do marco e do iene, obrigando os bancos centrais a intervirem c O Acordo do Louvre estabeleceu limites para as oscilações do dólar (e, conseqüentemente,
para a apreciação relativa do marco e do iene) levando os bancos centrais a ampliar substancialmente o volume e a freqüência das operações de estabilização cambial. De outro lado, providenciou-se à cobertura do "gap" de financiamento dos dois déficits americanos através da aquisição de títulos públicos de longo prazo do Tesouro dos EUA, pelos bancos centrais dos parceiros superavitários. É relevante assinalar que, apesar do recrudescimento da incerteza e da desaceleração do nível de crescimento mundial em 1987, com elevação das taxas de juros em vários países, os fluxos de acumulação produtiva não esmoreceram nas principais economias avançadas. Mas não eram apenas países e potentados que entravam nesse jogo. Nos anos 80 o crime organizado se consolidaria como uma grande potência financeira, com o cres 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 70/127 HA 70/127 cimento exponencial do narcortráfico, ancorado nos esquemas colombianos, e o tráfico de armas e de pessoas. Assolados por crises intermitentes dos países emergentes, o grande capital naciona l também se dolarizou, buscando nadar nos fluxos financeiros internacionais. Assim como no final do século 19, misturavam-se em um mesmo ambiente o grande capital legalizado, caixa dois, dinheiro de corrupção política, investidores emergente s, crime organizado. Para permitir a convivência desses vários tipos de capital em um mesmo ambiente, recorreram-se a ferramentas jurídicas e à legislação mais permissiva dos paraísos fiscais. Os paraísos fiscais e os doleiros Essa expansão desmedida da liquidez internacional levou ao florescimento das empre sas offshores isto é, instaladas fora de seu país de origem, para melhor se beneficiar dos mecanismos financeiros internacionais. Os paraísos fiscais foram se especializando. Curaçao, por exemplo, é muito bem vista porque esta sob soberania de um País da União Européia. É muita usada para emissão de bônus em euros, as conhecidas offshores N.V. (sociedade anônima em holandês). Já Bahamas e Panamá cheiram mal, apesar do IRS ter acordos de disclosure (abertura de informações) com muitos paises do Caribe. Já as européias são melhores reputadas, porque têm a supervisão de paises considerados sérios e que são aderentes a todos os tratados sobre lavagem de dinheiro. É esse o caso da Suíça e do Luxemburgo As offshores têm mais ou menos uma especialização por país. Cayman é muito usada para superfaturar e subfaturar ou operações de comércio exterior e permitir grandes jogadas financeiras. A Petrobrás tem bilionárias operações em Cayman. Usa a ilha como base para aluguel e leasing de plataformas. Bermudas, sob sobera nia britânica, é usada quase exclusivamente para seguros e resseguros. Ilhas Virgens Britânicas (BVI, no jargão de advogados) é muito usada para titular patrimônio no Brasil, participações em empresas e propriedade de imóveis. Com a pouca capacidade da Receita em seguir dezenas de milhares de offshores com bens no país e a indiferença do BC sobre o assunto, grande parte das mansões de milionários no Brasil está em nome de uma BVI. A razão principal é que o inquilinodono não tem recursos declarados para fazer aquela casa (e também a de praia e a de campo), mas sua off-shore tem, dinheiro exportado antes. Também há outras razões: proteger de penhoras e arrestos e da voracidade das ex-mulheres. Esse jogo internacional passou a se dividir, inicialmente, em duas áreas de especi alização. A primeira, a dos dutos que transportava o dinheiro para os gestores de recursos aí entrando casas de câmbio, doleiros e esquemas variados, que serão detalhados mais adiante. A segunda, a dos gestores de recursos. Com o tempo, e com a impunidade, muitos gestores passaram a administrar diretame nte
a lavagem de dinheiro. Foi o caso do escritório do Credit Suisse no Brasil (não confundir com a filial) e mesmo com as operações do Banco Pactual, que se transformou no maior banco de investimentos do país, graças à competência técnica e à falta de limites na área de captação. No início dos anos 90, Samuel Huntington passa a empregar o conceito de primacy (primazia), que passa a ser correntemente utilizada na comunidade estratégica dos EUA e que ganharia feições mais claras no governo Clinton, sob o nome de Doutrina Clinton. Segundo a citação de Huntington, em 1993: 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 71/127 HA 71/127 É
errôneo pensar que a principal razão pela qual os Estados buscam a primazia internacional consiste em capacitar-se para vencer guerras e que, portanto, se uma guerra é improvável, a primazia não é importante. Os Estados buscam a primazia para manter a sua segurança, promover seus interesses e conformar o ambiente internacional de forma a refletir os interesses e valores deles. Ela é desejável não fundamentalmente para obter vitória em uma guerra, mas para alcançar os objetivos do Estado sem recurso a ela. A primazia é, pois, uma alternativa à guerra Na mesma época, começa a ser utilizado o conceito de unipolaridade, em contraposição à bipolaridade que marcou a Guerra Fria. Em fevereiro de 2000, a futura Assessora para Assuntos Internacionais de George W. Bush escrevia um trabalho mostrando o desconforto dos EUA com o final da Guerra Fria: Os Estados Unidos encontravam extremas dificuldades para definir seus interesses nacionais diante da ausência do poderio soviético, dizia ela, em artigo publicado para a futura plataforma de política externa do futuro governo de George W. Bush. (...) O interesse nacional não se alterou profundamente desde meados do século passado. O que, sim, passou a necessitar de reformulação foi a rationale para as ações pertinentes. A fórmula de Clinton para conciliar os interesses particulares dos EUA com os inte resses universais, consistiu em ampliar a doutrina de segurança militar. Além da doutrina da segurança nacional, enfatizava a revitalização da economia americana, e a promoção da democracia no exterior. Segundo esses princípios, haveria um jogo global de ganhos mútuos. A
nova fórmula para conciliar o particular (o interesse) e o universal (a adesão ou a aquiescência legitimadoras) amplia a doutrina de segurança nacional para além da esfera militar. A este objetivo (principal instrumento anterior da contenção, mas agora também modificado), acrescentam-se a revitalização da economia americana e a promoção da democracia no exterior. Os objetivos são correlacionados teoricamente e, o que é mais importante, envolvem um jogo global de ganhos mútuos. É necessário citar: Nações seguras tendem a apoiar o comércio livre e a manter estruturas democráticas. Nações de mercados livres com economias em crescimento e vínculos de comércio aberto tendem a sentir-se seguras e trabalhar para a liberdade. E Estados democráticos não tendem a ameaçar nossos interesses, inclinando-se a cooperar com os Estados Unidos e a promover o livre comércio e o desenvolvimento sustentado. Esses objetivos são alcançáveis desde que esteja assegurad o que a América permanecerá envolvida no mundo e com a ampliação da comunidade de nações seguras, de livre mercado e democráticas (idem) (Guimarães, 4). Para que todos ganhem, é necessária a abertura econômica e a primazia do país líder. Para Huntington, a primazia não objetiva a guerra, mas a evitá-la. É em cima dessa estratégia que começam a ser moldadas as novas teorias econômicas, destinadas a reduzir as resistências à Primazia, que vinha substituir a Doutrina da Contenção da Guerra Fria. A criação de blocos econômicos, a consolidação da OMC (Organização Mundial do Comércio), a ampliação do alcance da Lei de Patentes, tudo visava impedir o desenvolvimento de estratégias nacionais autônomas, mesmo para países que historicamente tinham nos déficits em conta corrente o principal empecilho o para o desenvolvimento.
Repetia-se, em quase tudo, a estratégia britânica do início do século 20. Toda a fundamentação teórica para justificar a criação de déficits em conta corrente, e depois sustentar a manutenção daquele modelo torto, partia da teoria dos déficits gêmeos, difundida pelo Subsecretário do Tesouro norte-americano Lawrence Summers. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 72/127 HA 72/127 Defendia ele que a única maneira de um país emergente crescer seria se financiando com capital externo. A exemplo da financeirização do século 19, havia uma receita do bolo simples para os governos nacionais. A eles competia apenas zelar pela segurança jurídica, melhoria dos fundamentos (isto é, da solvência das dívidas interna e externa), para que esse capital fosse atraído e trouxesse o desenvolvime nto. Caso o país acumulasse grandes superávits comerciais, a receita consistia em permiti r a apreciação da sua moeda, reduzir os superávits para abrir espaço para o ingresso do capital financeiro. Esse capital financeiro seria o abre alas do processo de desenvolvimento, assumindo o papel de líder da nova etpa de investimento. Completava com a teoria dos déficits gêmeos, destinada a reduzir as resistências daqueles que temiam a criação de déficits comerciais já que os desequilíbrios comerciais sempre foram obstáculos ao desenvolvimento dos emergentes. Dizia ele que um país só tinha passivos externos para suprir a falta de poupança interna. Portanto, bastaria resolver a questão fiscal para, automaticamente, se equacionar a questão externa. Era uma teoria exclusivamente norte-americana, a contrapartida teórica ao que se convencionou chamar de Doutrina Clinton, que de 1993 a 2000 procura definir um novo posicionamento estratégico para os EUA, depois do final da Guerra Fria11. Até então, a diplomacia americana havia se caracterizado pela doutrina da contenção, destinada a brecar a expansão soviética no mundo. Em 1998, na banca americana, 8 entre 10 banqueiros achavam a questão fiscal mais relevante que a questão externa. Na banca européia, 8 entre 10 consideravam que o nó eram as contas externas. Essa mudança de diagnóstico começou a ocorrer ainda na gestão Marcílio Marques Moreira como Ministro da Fazenda do governo Collor. O principal conceito passou a ser o fiscal: os países passam a depender mais agudamente de recursos externos quando não há poupança interna suficiente para financiar o excesso de demanda interno. Este era o mote inicial que, depois, tomou conta do mercado. Em geral a tribuíase esse excesso de consumo ao déficit público, que acabava absorvendo a poupança disponível, obrigando o setor privado a se financiar lá fora. No fundo, ocorria o mesmo movimento estratégico de um país hegemônico os Estados Unidos repetindo o movimento britânico chutando a própria escada descrito por Friedrick List. A hegemonia não se dá apenas no campo econômico, mas no intelectual, nas formulações econômicas. A potência torna-se modelo, um núcleo que atrai cérebros da periferia. Por hegemônico, recorre a estratégias bem elaboradas, capazes de legit imar, junto aos países periféricos, ações que favoreçam a manutenção da hegemonia. No final dos anos 80, os EUA já haviam se conformado com a perda da hegemonia industrial. A crise do setor automobilístico, das siderúrgicas, o crescimento da pen etração de produtos japoneses provocara uma mudança estratégica no país. Não
seria mais possível acompanhar a competitividade das novas potências industriais. Sua vocação definida pela doutrina Clinton --seria ampliar sua presença financeira e na área de serviços. As multinacionais americanas comandariam o globalização econômica instalando fábricas em economias mais competitivas; o mercado financeiro norte-americano comandaria a globalização financeira, depois que as novas teorias se impusessem sobre os países emergentes. Havia uma lógica férrea amarrando as novas teorias à nova etapa da hegemonia norte-americana, à Pax americana. Primeiro, ao estimular o aumento de facilidades para a entrada e permanência do capital financeiro nos países periféricos. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 73/127 HA 73/127 Segundo, ao propor a abertura comercial indiscriminada e a apreciação do câmbio. Ao mesmo tempo em que se criavam facilidades para o capital financeiro, se tirav a a competitividade das economias nacionais pela apreciação do câmbio, reduzindo a pressão sobre a balança comercial e a produção interna norte-americana. Terceiro, ao defender que o papel dos países periféricos seria apenas o de garantir a solvência do Estado (reduzindo o risco de calote), desregulamentar e privatizar a economia. Ao mesmo tempo anulava qualquer tentativa de montagem de estratégias de desenvolvimento autônomo, e se abrir um enorme mercado onde aportar os notáveis excedentes financeiros internacionais, em uma época de liquidez gigantesca.
Analisados individualmente, muitos dos princípios defendidos eram legítimos. O Estad o brasileiro havia chegado a um tamanho indefensável. O fechamento da economia produzira reservas de mercado e ineficiência. O desafio consistia em separar, na teoria que começava a se universalizar, a parte que interessava ao país, descarta ndo as que pudessem prejudicá-lo, definir a dosagem correta de abertura, de apreciação cambial, os limites da privatização. Mas não havia senso crítico suficiente para fazer a separação. A tropicalização dos déficits gêmeos No início dos anos 90, muitos economistas já repetiam a máxima de que o país não deveria mais pensar em contar com o câmbio para ganhar competitividade. Os novos tempos exigiam câmbio apreciado para abrir espaço para a entrada da poupança externa, que levaria ao desenvolvimento. Varriam para baixo do tapete décadas de crises cambiais abortando qualquer tentativa de crescimento sustentado, e pas savam a girar em torno de loucas teorias, sem relação de causalidade. Resolvida a questão fiscal, os problemas externos seriam automaticamente resolvidos, era o bordão. Para os espíritos mais argutos, havia furos óbvios na teoria da abertura financeira e dos déficits gêmeos, especialmente devido ao fato do país não possuir uma moeda conversível. Com isso, criava-se um monstrengo desconjuntado, ilógico como um cruzamento de beija-flor com pterodáctilo. Era o seguinte o roteiro de entrada dos dólares no país: Passo 1 o investidor trazia os dólares para o Brasil e vendia, atraído pela diferença entre as taxas de juros internas e as externas. Trocando os dólares por moeda nacional, ele podia aplicar nas taxas de juros internas. Com muito dólar entrando ocorria uma apreciação da moeda nacional (que passava a valer mais), encarecendo os produtos brasileiros no exterior e prejudicando as exportações. Passo 2 o Banco Central era obrigado a comprar o excesso de dólares, e a constitui r reservas cambiais expressivas, para impedir uma super-apreciação do Real. Para comprar os dólares, o BC emitia moeda local.
Passo 3 o excesso de moedas na economia provocava especulação com ativos reais, pressionando a inflação. Para abortar esse movimento, o BC vendia títulos da dívida pública no mercado, enxugando as moedas emitidas, mas aumentando o endividamento. Passo 4 a cada mês que passava, o BC era obrigado a remunerar os títulos públicos por um muito superior ao que conseguia de remuneração por suas reservas em dólares. O resultado era o duplo aumento da dívida interna: pela colocação de papéis (para enxugar o excesso de moeda) e pelo diferencial de taxas de juros). Mesmo assim, como a entrada de dólares era excessiva, ocorria uma apreciação da moeda interna. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 74/127 HA 74/127 Passo 5 com a apreciação cambial, as exportações perdiam ímpeto, havia uma redução no superávit comercial e o país passava a depender dos fluxos financeiros para fechar suas contas externas. Era uma rematada imprudência, mas defendida por muitos economistas de mercado com uma lógica torta, obtusa, mas de plena aceitação pela imprensa especializada. Segundo ela, esse capital volátil funcionaria como uma espécie de batedor da política econômica. Cada passo mal interpretado serviria de álibi para que saísse do país, pressionando as cotações do dólar. Mas se ganhasse confiança, através do capital especulativo viria o capital de investimento. E aí se completaria o círculo virtuoso. A teoria não diferenciava capitais especulativos de curto prazo de capitais de lon go prazo. Vendia o peixe de que havia a necessidade de permitir a entrada do capita l especulativo, que funcionaria como um batedor para a entrada do capital de longo prazo. Era uma tese torta, como se as multinacionais, o capital de longo prazo, não conhecessem o Brasil desde o século passado. Como se uma IBM, uma Ford, com décadas de operação no Brasil, precisassem de um J.P.Morgan de batedor, para saber em que terreno estavam pisando. A própria crise do México, em dezembro de 1994, prenúncio de outras graves crises cambiais, demonstrava que os dois tipos de capitais eram, frequentemente, incompatíveis. A dependência de capitais de curto prazo era um fator de risco que inibia o ingresso de capital de investimento. Ou seja, para o capital de investimento, o capital especulativo estava mais para índi o do que para batedor. Além disso, não se avaliava corretamente o impacto da liberalização cambial sobre as contas públicas, devido ao diferencial entre as taxas de juros interna e extern a e à necessidade de emitir títulos da dívida para enxugar os reais emitidos para a compra de dólares. Também não levava em conta o efeito-substituição dos dólares que entravam. Em vez de vir se somar à poupança interna, o que ocorria era a substituição da poupança interna pelo mecanismo descrito no item anterior. O investidor trazia US$ 100 milhões. O BC adquiria esse total e entregava para ele o correspondente em reais. No momento seguinte, enxugava o montante equivalente em reais ou com a colocação de títulos públicos (o que aumentava a dívida interna) ou pelo aumento do compulsório dos bancos. Em lugar de suplementar a efeito-substituição sobre O Brasil do dólar acabava que paga juros mais altos
poupança interna, o investimento externo provoca um o crédito interno e um aumento no endividamento público. subtraindo recursos do Brasil que toma crédito em reais e impostos mais altos para compensar o aumento da dívida
pública. Finalmente, era falsa como uma nota de três reais a idéia de que bastaria equilibrar as contas internas, para as externas automaticamente se ajustarem. Quando os dólares entram no país, o BC emite reais para comprá-los (e mantê-los
nas reservas), depois vende títulos públicos para enxugar esses reais adicionais do mercado. Ou seja, os dólares que entram no país, e vão engordar as reservas, transformam-se em dívida pública. Se o governo começasse a gerar superávits fiscais, ele teria reais em caixa, com os quais iria resgatar parte dos seus títulos ou pagar os juros em reais. Aí o investid or estrangeiro receberia os reais, mas teria que ir ao mercado adquirir os dólares pa ra remeter ao seu país de origem. Só que, para isso, teria que haver dólares no país. E os superávits fiscais geravam excedentes de reais, não de dólares. Também era falsa a idéia de que o investimento externo era função do aumento dos déficits fiscais, e que viriam para ajudar a financiar a dívida pública em reais. Os dólares que entravam geravam, como contrapartida, mais dívida pública. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 75/127 HA 75/127 Na verdade, o investimento externo só tinha papel decisivo para o desenvolvimento quando o crescimento provocava desequilíbrios nas contas externas. Foi assim nos governos Vargas, JK, Jânio e Castello. O país passava a importar mais, a comprar equipamentos, e não possuía divisas em volume suficiente. Nessa circunstância, o investimento externo tinha papel crucial para assegurar o crescimento da economi a. Mesmo com todas essas conseqüências óbvias, a partir dos anos 90, o pensamento cabeça-de-planilha desandou. Não se tratava mais de combater desequilíbrios externos decorrentes do excesso de aquecimento de economia, mas de buscar intencionalment e o desequilíbrio, a fim de abrir espaço para o investimento externo, que viria suprir a necessidade de poupança do país. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 76/127 HA 76/127 O OOO P PPPl llla aaan nnno ooo R RRRe eeea aaal lll De agosto de 1993 até algum tempo após o Real, a equipe econômica discutiu as principais implicações do plano de estabilização sobre a economia. Das discussões emergiram os seguintes diagnósticos, relatados por Maria Clara do Prado em seu livro A Real História do Real: Excesso de liquidez: sabia-se que haveria grande fluxo de dólares entrando no país após a estabilização. Em agosto de 1993, um paper de Gustavo Franco propunha que o excesso de liquidez fosse combatido atuando-se diretamente sobre as captações de dólares, através dos recolhimentos compulsórios sobre captação externa, sobre contas bancárias em dólares para exportadores, fundos de investimento em dólar para captação de papéis no exterior e, no limite, fechamento parcial da conta de capitais (Maria Clara, 139). Bacha defendia que a remonetização seria apenas através da conversão em reais dos dólares colocados pelo governo no exterior. Sobrevalorização cambial: No mesmo paper Gustavo Franco alertava para o risco da sobrevalorização cambial provocada pela inflação inercial. Promulgado o Plano, o câmbio ficaria parado e haveria uma inflação inercial interna que provocaria uma valorização do Real. Controle de capitais: embora já apresentasse uma proposta de taxa de juros interna que embutisse o risco Brasil no exterior, Edmar Bacha defendia controles temporários sobre o capital externo, para evitar a inconsistência de uma política de juros elevada com um câmbio fixo. Era claríssimo para a equipe o efeito conjugado de taxa interna de juros elevada e fluxo de capital financeiro. O dólar entraria, o investidor lucraria por alguns meses, depois embolsaria os juros e iria embora . Gustavo Franco e Pedro Malan também defenderam, em algum momento, medidas dessa natureza. Custo das reservas cambiais um relatório do Banco Mundial, de 1994, mencionado por Gustavo Franco em um de seus papers, demonstrava claramente o custo da manutenção das reservas no período 92-94, 0,45% do PIB, em média. E comprovava que o aumento da dívida pública no período fora proporcional ao aumento das reservas cambiais, sugerindo uma relação de causalidade entre ambos os movimentos. Havia a preocupação de diminuir o tamanho das reservas e o excesso de dólares na economia. Dívida Pública todo programa de remonetização permite a redução drástica da dívida pública, à medida que se pode trocar moedas por títulos da dívida. No início do Plano, a equipe discutiu a possibilidade de injetar dólares na economia, recolh er reais e quitar dívida pública, permitindo que a remonetização beneficiasse a sociedade como um todo (Maria Clara, 257). Por sua vez, Edmar Bacha defendia um redutor
de 20% na dívida mobiliária interna e a possibilidade de troca por ações do programa de privatização, seguindo sugestão de Pérsio Arida, baseada, em parte, no Plano K. Diagnósticos As condições internacionais eram favoráveis. Com o avanço da logística e das comunicações, teve início a implosão das formas tradicionais de produção. As grandes multinacionais passaram a alocar unidades em todo o mundo, buscando países com mercado interno e/ou vantagens competitivas. No início do plano Real, a economia conseguia crescer a 5,5% ao ano sem déficit em conta corrente, carga tributária representava apenas 26% do PIB, a dívida pública era de R$ 30 bilhões. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 77/127 HA 77/127 O mero final da inflação já havia provocado uma revolução no país. Naquele ano de 1994, Brasil e China se tornaram as grandes estrelas do mercado internacional. A China havia criado uma região para experimentar o novo modelo de mercado, em substituição ao modelo comunista que vigorava. Mostrou um mercado real de 80 milhões de consumidores e um mercado potencial de mais de um bilhão. Em menor escala, essas condições estavam presentes no Brasil. Da noite para o dia, dezenas de milhões de pessoas saíram da linha da miséria para a do consumo com o mero fim da inflação. No final de 1994, as previsões de aumento nas vendas de automóveis, eletrodomésticos, bens de consumo não durável, alimentos, incendiava a imaginação das multinacionais. Todas as peças do jogo de xadrez estavam no tabuleiro. Faltava ape nas uma remonetização bem feita, uma operação competente no período de transição para a estabilidade, para evitar a volta da inflação e permitir ao país recupera r definitivamente sua vocação desenvolvimentista. A remonetização era um jogo de xadrez com inúmeras possibilidades. Os economistas do Real poderiam ter escolhido o caminho da chamada monetização da dívida pública. No vencimento, em vez de títulos o investidor receberia reais. A divida ser ia monetizada, desapareceria, e o mercado teria que se organizar para reciclar os recursos, abrindo espaço para investimentos na atividade real. Na época, havia propostas de privatização com investimentos internos por meio de encontro de contas com os fundos sociais (FGTS, FAT, Pis-Pasep), o chamado Plano K, uma idéia do empresário Paulo Britto e do economista Paulo Rabello de Castro. Era uma proposta que casava as preocupações com a legitimação social da privatização, com um modelo moderno de mercado e com o acerto dos passivos públicos. A idéia seria, inicialmente, reconhecer os principais passivos da União, estados e municípios com os fundos sociais FGTS, FAT e outros. Depois, criar um título denomin ado de Obrigação Social do Tesouro, lastreado nas transferências constitucionais e em outros ativos de estados e municípios, que seriam utilizadas para quitar seus passivos com os fundos sociais. Finalmente, permitir que, voluntariamente, trabalhadores pudessem trocar sua aposentadoria ou seus direitos ao FGTS por ess as Obrigações. Elas seriam depositadas em fundos especialmente criados para participar da privatização. Ao final do processo, haveria modernas empresas públicas de capital aberto, um mercado de capitais robusto e se teria começado a equacionar alguns dos grandes passivos públicos, como o da Previdência Social. Se trocariam direitos do velho por direitos no novo modelo. A primeira etapa do Real Foi esse o ambiente encontrado pelos economistas do Real, quando começaram a preparar sua obra. O plano foi anunciado antecipadamente, em 1993, com a criação da URV (o indexador que deveria vigorar por seis meses, até se transformar no Real). Bastou o anúncio para todo o processo interno se reformas ser paralisado. O
plano tinha que ser acelerado tendo em vista, principalmente, as eleições do ano seguinte. E aí se entram em algumas definições que, a exemplo da política monetária de Rui Barbosa, foram pouco analisadas até hoje. Há três maneiras de avaliar o Plano Real: a primeira, a troca de moedas em si, que levou ao fim da inflação inercial; a segunda, a maneira como ocorreu a remonetização da economia, isto é, como o governo planejou injetar a nova moeda na economia; a terceira, a maneira como se encararam os ajustes necessários para a correção de rumos. Em geral, as análises tendem tratar os três processos como elementos indissociáveis de um mesmo todo. Não são. 28/8/2006 Luis Nassif 18/7/06 23:31 Comment: Levantar números
OS CABEÇAS DE PLANILHHA 78/127 Na troca de moedas, havia várias maneiras de se definir a remonetização. O segredo do novo modelo de país, que seria desenhado dali em diante, estava na remonetização, em como o governo definisse a maneira como a nova moeda revascularia o sistema econômico. A primeira etapa do Real consistiu em quatro movimentos, todos guardando a mesma lógica entre si, de transferir o controle das políticas monetária e fiscal para o exterior e beneficiar os novos banqueiros de negócio. A idéia básica é que, criando uma dependência do capital externo, ela passaria a balizar todas as decisões de política monetária e fiscal. Qualquer tentativa de sair da linha provocaria fugas de capital, que colocariam qualquer governo de joelhos. Foram eles: 1. Regras de monetização, transferindo o controle da liquidez para os detentores de ativos dolarizados, ao mesmo tempo em que se criavam barreiras cada vez maiores para o acesso a crédito em reais. 2. Montagem de uma estratégia de flutuação cambial para tirar outros agentes do controle da liquidez do sistema: os exportadores, pela destruição dos superávits comerciais; os bancos comerciais, pela não explicitação das regras de flutuação. 3. Mudanças institucionais para que todos os órgãos de controle da moeda (Conselho Monetário Nacional e o recém-criado ......) ficassem subordinado unicamente à representação do mercado. 4. Criação do ambiente de negócios favorável para que a liquidez proporcionada aos ativos dolarizados se transformasse em riqueza, através de operações no mercado futuro de dólares. As regras de remonetização Ao longo dos preparativos para o Plano Real, houve muitas discussões, mas não uma explicitação de como seriam as políticas monetária e cambial depois de lançada a nova moeda. Desde o início, André Lara Rezende tornou-se defensor intransigente da remonetização com poupança externa. Na gestão de Fernando Henrique na Fazenda na Fazenda concordou em completar o processo de renegociação da dívida externa. Ali, ampliou os contatos com banqueiros internacionais. Nas discussões internas, chegou a defender o currency board (o sistema adotado por Domingo Cavallo, segundo o qual o governo só poderia emitir moedas nacionais se lastreadas em dólares) (FHC, 173). Mesmo depois da URV na rua, insistiu no tema. Com o currency board, o controle da liquidez seria totalmente transferido para quem dispusesse d e acesso a dólares. Só o dólar adquirido pelo Banco Central poderia ser trocado por reais. O currency board não colou por ser extremamente rígido. Mas, na definição das regras de monetização, decidiu-se lastrear a base monetária do país nas reservas internacionais. Ao mesmo tempo, o BC estabeleceria exigências cada vez maiores de recolhimentos compulsórios, travando a captação e, principalmente, as operações de crédito no sistema bancário, conforme explicitado por Gustavo em seu livro
sobre o Real. Numa ponta, amarrava a emissão às reservas cambiais. A política monetária era transferida ao detentor de dólares. A emissão de reais era ilimitada para quem dispu nha de dólares, mas não existia para quem só tinha acesso aos reais. O dinheiro entrava pela porta de dólares, mas antes que se convertessem em crédito, era sugado pelos recolhimentos compulsórios do BC. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 79/127 HA 79/127 Com essa definição, dava-se o primeiro passo para transferir o controle da liquidez para os detentores de dólares. A rigor, havia três grupos beneficiários: os exportadores, devido aos altos superávits comerciais; os bancos comerciais, com seus parceiros internacionais podendo provê-los de linhas de financiamento em dólares; e para os novos banqueiros de investimento, que poderiam reciclar a poupança brasileira dolarizada. O segundo passo foi com a apreciação do real, expulsando dos dois primeiros grupos da fase inicial da remonetização. A apreciação do real Na tarde do dia 31, quando houve o lançamento do plano, o próprio Ministro da Fazend a afiançava, em declarações públicas, que o câmbio seria fixado na proporção de um dólar por real. Não havia motivo algum para Ricupero fazer uma declaração que seria desmentida no dia seguinte pelo Banco Central. A receita de remonetização do Real, com a apreciação da moeda, foi uma surpresa quase tão grande, e muito menos perceptível, do que o bloqueio de Cruzados de Collor. Inclusive para o próprio Ministro da Fazenda. Só na antevéspera do lançamento do Real a equipe ficou sabendo, por Gustavo Franco, que o câmbio de partida seria de 92 centavos de real o dólar. O próprio Arida considerou a cotação exagerada, porque a tendência seria ocorrer mais apreciação. Às 16 horas do dia 29 de junho, encerrado o mercado de câmbio com um leilão de compra de dólares, o Banco Central comprou dólares a 95 centavos de real. As compras de câmbio são liquidadas dois dias úteis depois. No dia 5 de julho, eram feitas as primeiras emissões da nova moeda. No dia seguinte, a mesa de operações do BC recebeu nova instrução para comprar dólares no equivalente a R$ 16 milhões, derrubando cotação para 93 centavos de real. A
indicação era muito clara: a taxa de câmbio seria flexibilizada para baixo.
Na verdade, começava ali uma nova fase na política cambial brasileira, conforme escreveria Franco posteriormente (Franco, 57). Na verdade, Gustavo Franco não consultou ninguém, nem Ricupero, nem Pedro Malan nem seus companheiros de Real. Foi uma decisão solitária, segundo ele, destinada a demover as apostas do mercado contra o real. Segundo o próprio Gustavo, houve dois tipos de interpretação iniciais para aquela atitude imprudente do BC. A primeira, é que seria um expediente transitório do BC, para barrar operações de arbitragem de taxas na passagem do Real, entre as taxas de juros do overnight e as taxas de desvalorização cambial, devido à diferença de prazos de liquidação. A segunda, é que seria uma tentativa de restringir a entrada de capitais, na medida em que a apreciação geraria um fato de instabilidade, à medida que o dólar poderia se apreciar novamente e chegar a um real. Para Gustavo, o jogo era outro. No primeiro semestre o BC havia adquirido US$ 2, 5 bi mensalmente, resultando em expansão monetária de US$ 15,1 bi e um custo extraordi
nário de manutenção das reservas cambiais. Logo, pela sua ótica, a taxa de câmbio do primeiro semestre estaria fora do ponto de equilíbrio. Na avaliação sobre o programa, que escreveu no final de 1994, Franco sustentava que o ponto mais relevante da política cambial foi ter dado autonomia à política monetária, permitindo desenvolver uma âncora monetária. Mas como assim, se a taxa de juros passou a ser conduzida pela necessidade de atrair dólares para fechar as contas externas? Além disso, quem condiciona a emis 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 80/127 HA 80/127 são de reais ao aumento das reservas cambiais obviamente não está preocupadocom o seu nível ou o seu custo fiscal. É evidente que a bonança cambial não foi enfrentada. Para alguns analistas, o BC não conseguiu segurar os dólares unicamente devido ao fato de que a enxurrada era incontrolável. Não era fato. Em julho de 2006, em uma polêmica com colegas da PUC-RJ, e em depoimento para mim, Gustavo Franco desdenhav a os acadêmicos que não tinham noção sobre o poder de fogo do BC. A única medida tomada foi aplicar alíquotas diferenciadas de impostos para cada modalidade de entrada de capital. Unificaram-se todas as entradas de capital de arbitragem nos Fundos de Renda Fixa Capital Estrangeiro (criados pela Resolução 2.034/2003 do CMN), que passaram a ser tributados em 5% na entrada. Todas as demais entradas de empréstimo de médio e longo prazo, não diretamente associados ao financiamento do comércio exterior, seriam tributados em 3%. Era uma maneira de estender o prazo de permanência do capital. Posteriormente, essas alíquotas foram aumentadas para 9 e 7%. Os dólares comerciais foram expulsos pela apreciação do Real. Depois de todas as críticas feitas ao custo de acumulação de reservas do primeiro semestre de 1994, constituídas por dólares do saldo comercial, liquidava-se com o saldo comercial e continuava-se o mesmo jogo, só que com dólares financeiros, muito mais voláteis, com um custo de captação muito mais elevado. Os bancos comerciais foram expulsos pela falta de garantias explícitas de que seri a mantida a paridade de um dólar por real. Por suas características, não podiam correr o risco de descasamento entre captação e aplicação. Com essas medidas, sobraram apenas os banqueiros de investimento e os fundos agressivos, formados ao longo dos anos 80. E, quando o dólar tornou-se um ativo escasso (com o fim dos superávits comerciais), a taxa de juros da economia passou a ser fixada levando em conta as taxas internacionais, mais o custo Brasil, mais o risco cambial. Em fins de 1994, as reservas cambiais estavam em US$ 40 bi. No seu diagnóstico desse quadro pré-Real, Franco anotaria o crescimento da dívida interna era da mesma magnitude do crescimento das reservas. E traçava o seguinte círculo vicioso de uma economia com muitos dólares: A
esterilização do acúmulo de reservas pressionava os juros internos, o que ampliava o diferencial de juros e produzia mais entrada de capital e acumulação de reservas. Além disso, os recursos externos não se materializavam em investimento. Essa crítica ao período pré-Real se encaixava como uma luva ao período do Real. Com a diferença que os dólares foram substituídos: em vez de dólares do superávit comercial, capitais gafanhoto, de curto prazo. Havia a consciência do risco do overshooting (excesso de apreciação cambial), e do risco da Dutch Disease (fenômeno ocorrido na Holanda, no qual o excesso de dólares, pela descoberta e exportação de gás levou à desindustrialização da economia), e também o risco de se criar um grande déficit em conta corrente de difícil sustentabilidade em médio prazo, como ocorrera com o México (Franco, 62). Ora, se havia todos esses riscos, e se tudo havia sido previsto com antecipação, porque
não se tratou de evitá-los? Segundo Franco, o
Real sustou o círculo vicioso, ao simplesmente identificar a bonança cam
bial como um problema e ao programar, para seu enfrentamento, uma estra tégia composta de diversos elementos (Franco, 61). 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 81/127 HA 81/127 É evidente que não sustou. No final do ano o montante de reservas era praticamente o mesmo e, nos anos seguintes, o BC foi obrigado a aumentar substancialmente as reservas, com taxas de juros recordes, para conseguir fechar as contas extern as e impedir uma apreciação ainda maior do Real. O fim dos superávits comerciais O segundo elemento da estratégia foi ampliar desmedidamente as importações, retirando todas as restrições, tarifárias e não tarifárias. O terceiro, remover obstáculos a investimento no exterior, criando os Fundos de Investimento no Exterior (Resol ução 2.486 de 30.09.1994), admitindo papéis do Tesouro em sua carteira. Em meados de outubro a equipe econômica acreditava haver super-oferta de dólares. Todavia,
no final do ano, o surpreendente crescimento das importações e as
conseqüências da crise mexicana trariam a impressão oposta (Franco, 64). Houvesse o mínimo de acompanhamento da realidade, se saberia que há uma defasagem de tempo entre a abertura às importações e da conta capital e seu início efetivo. É o período em que os importadores aprendem a trabalhar os novos mercados, a identificar os produtos demandados, a convencer a rede varejista a colocar os produtos. Depois que aprendessem a importar, com o câmbio tão apreciado, seria uma enxurrada como a que se viu. Do lado da conta capital, é o período em que os investidores ganham confiança no novo modelo e, depois de um período de teste, começam a desovar dólares, especialmente quando a diferença de taxas de juros era tão expressiva quanto no período. Mas não havia interesse. No dia 26 de setembro de 1994, com as preocupações com o câmbio começando a dominar os debates internos do governo, Franco insistia que era preciso olhar não para o superávit comercial, mas para o que ele chamava de superávit externo estrutural, em que entrava a balança comercial mais os investimentos externos. Em sua opinião, o déficit na balança comercial deveria se estender por mais dois ou três anos (Maria Clara, 370). Qual a razão? Para ele, não seria nada de mais se o déficit da conta corrente chegasse a 2% do PIB. Àquela altura, Pérsio da Dívida Mobiliária, jamais saiu do papel. afirmou que a taxa de Não
brigava em vão pela regulamentação do Fundo de Amortização que permitiria a privatização com dívida pública. A idéia Naquela semana teve uma briga monumental, quando Franco câmbio de equilíbrio seria de 77 centavos de real o dólar.
dá, você está maluco, esse processo de valorização tem que parar, te
mos que voltar para 90 ou 95 (Maria Clara, 390). Em meados de outubro, com a eleição decidida, o investimento externo começou a entrar aos borbotões. E os importadores, com os motores aquecidos, começavam a comprar loucamente, aproveitando o câmbio favorável e o mercado interno aquecido. A nova institucionalidade A nova política monetária delineada pelo Real havia sido apresentada na MP no.
542 de 30 de junho de 1994, com três pontos principais. Mudava a composição do CMN e criava a COMOC (Comissão de Moeda e Crédito), para tirar a influência de qualquer voz discordante em relação ao novo regime monetário-cambial. O argumento era despolitizar o CMN. A nova composição teria o Ministro da Fazenda, do Planejamento e o presidente do BC. Foram retirados minis tros de várias pastas, presidentes de bancos federais e representantes de empresas e trabalhadores, pois sua presença distorce o caráter de instituição pública do 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 82/127 HA 82/127 Conselho, pois envolve partes interessadas em decisões onde deve prevalecer exclus ivamente o interesse público e o compromisso com a estabilidade da moeda. A guerra de comprados e vendidos Historiadores e economistas tendem a analisar isoladamente dois fenômenos da gestão de Rui Barbosa na Fazenda: sua política monetária e o Encilhamento, que foi o movimento especulativo ocorrido na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. No máximo , estabelecem relações de causalidade, como se a especulação fosse resultado de erros não intencionais cometidos por Rui. Alguns economistas, como Celso Furtad o, tendem a considerar o Encilhamento como um movimento independente da política monetária expansionista de Rui. O que fazem é analisar os grandes agregados, comparar um terreno que vai ser irrigado com a água utilizada na irrigação, independentemente de como se dará a irrigação. Se aspergir por igual a água no terreno, o resultado será um; se passar a água por um cano e focalizar o jato em um ponto único, o resultado será um desastre As ligações de Rui com o Conselheiro Mayrink, as benesses concedidas, a falta de intervenção no movimento especulativo, cujos desdobramentos eram previsíveis para qualquer analista da época, são um indício de que remonetização e Encilhamento faziam parte de um mesmo modelo de fortalecer grupos econômicos aliados, ainda que em detrimento da economia. Em toda a história do país, projetos de poder passavam pela constituição de alianças políticas, mas, fundamentalmente, pelo fortalecimento dos empresários aliados. Eles se constituíam em uma das âncoras para assegurar o fortalecimento do presidente no cargo, mas, também, a manutenção de aliados influentes nos períodos fora do governo. O Visconde de Ouro Preto tinha o Conde de Figueiredo; Rui apost ava no Conselheiro Mayrink; Getúlio Vargas tinha o Conde Matarazzo, Euvaldo Lodi, Valentim Bouças; JK tinha os empreiteiros mineiros; Geisel tinha os empresários da indústria de base, mais os próximos, Paulo Egydio Martins, Shigeaki Ueki, Raph Rozenberg; Sarney tinha Mathias Machline. Em sua pretensão de criar uma base auto-sustentável de poder, Collor investiu nos inacreditáveis irmãos Martinez, da CNT, em Wagner Canhedo, da Vasp. Um dos pilares dos vinte anos de poder do PSDB, era as alianças com os novos grupos que surgiriam na área de telecomunicações e nas privatizações em geral, mas, principalmente, os novos grupos financeiros. Para que a remonetização ajudasse a criar os super-grupos da próxima etapa, tinha que ser combinada com um ambiente que ajudasse a transformar a liquidez em rique za. O poder de emissão garante uma vantagem extraordinária para seu detentor. Mas, dentro da atividade normal de emprestar, o processo de acumulação é lento. Daí a importância de se ter um ambiente favorável a apostas especulativas, onde a liquidez poderia ser multiplicada várias vezes em riqueza. Todas as benesse s concedidas a Mayrink, todos os problemas enfrentados por ele, que obrigavam Rui a mais concessões, estavam diretamente ligados às jogadas especulativas do Encilhamento.
Em pleno final de século 20 seria impossível distribuir privilégios individuais, como fizera Rui Barbosa. O caminho consistia em definir todo um setor: os novos banqu eiros de negócios que surgiram nos anos 80. A maneira escolhida para premia-los foi um primor, uma obra prima, talvez o maio r negócio do século 20, uma aventura quase tão grandiosa quanto as façanhas de John Law, o aventureiro que criou o Banco da França e comprou a Luisiana antes de quebrar. Por trás da vã teoria, havia uma férrea lógica negocial, que ficaria claro em poucos meses para os observadores mais atilados. Não para a maioria da mídia e da chamada opinião pública. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 83/127 HA 83/127 Ao começar o Real, foi anunciado que o dólar poderia cair o quanto fosse, mas, se se valorizasse, não poderia valer mais do que um real. Os especuladores podiam trazer dólares à vontade e aplicar em títulos do Tesouro. O risco era limitado a um real. Com a diferença entre as taxas de juros interna e externa, os especuladores podiam apostar em um dólar de até 85 centavos, com riscos mínimos de perda, no caso de desvalorização do real. Para manter uma aposta tão elevada, havia um batedor privilegiado, o pequeno Banco Matrix, criado com capital de R$ 16 milhões, por um grupo de operadores do mercado tendo, entre seus sócios, André Lara Rezende, que continuava a participar intensamente das discussões sobre o real. Em pouco tempo tornou-se administrador de uma carteira de fundos de mais de US$ 500 milhões. Jamais um investidor estrangeiro iria colocar seu dinheiro em um banco recém-criado, pequeno, por melho r que fosse a reputação de seus gestores. O dinheiro era da Avenida Paulista, mesmo. E o lucro monumental, de mais de R$ 140 milhões declarados no primeiro ano, de R$ 500 milhões segundo rumores que correram na época, se devia à certeza de André na qualidade de um dos formuladores do plano de que a equipe econômica não permitiria nenhum movimento brusco do câmbio que pudesse penalizar os investidores externos. É por aí que se entenderá melhor a enorme resistência a se corrigir o câmbio, mesmo após as eleições e a crise do México. Na verdade, o mercado se dividira em dois grupos: os comprados (que apostavam na manutenção da apreciação do câmbio) e os vendidos (que apostavam na desvalorização do real). As instituições próximas à equipe econômica estavam esmagadoramente na ponta dos comprados. Rumores do mercado davam conta de que o Matrix teria US$ 1 bilhão aplicado na ponta comprada. Qualquer desvalorização brusca do Real quebraria a corrente. O afluxo de dólares foi tão grande que seu valor baixou imediatamente para 85 centavos de real. O investidor trazia os dólares, vendia a 85 centavos de real, re cebia uma remuneração que chegou a 45% líquidos ao ano e o máximo de perda que teria seria de 17%, se o dólar batesse no teto de um real. Ou seja, na pior das hi póteses, teria uma remuneração garantida de mais de 20%. Em seu livro, Franco explica uma a uma as medidas, menos a essencial: porque se lastreou a emissão às reservas cambiais e se permitiu a apreciação do câmbio? Também não havia nenhuma explicação plausível para se buscar déficit nas contas correntes a qualquer preço conforme diversas manifestações de Edmar Bacha e dos demais economistas do Real na época. No dia que em se anunciou o primeiro balanço de pagamentos deficitário, houve comemoração da equipe econômica, palavras esfuziantes de Bacha na FIESP e na ENAEX (Encontro Nacional dos Exportadores), dizendo que o déficit não podia ser de apenas US$ 4 b i, mas deveria ser de US$ 8 bi. Para quê? Para abrir espaço para que a poupança externa pudesse entrar e ajudar a aumentar o investimento interno. Ora, a natureza dos fundos que ingressavam no país era mais que conhecida. Eram fundos avaliados permanentemente, buscando o máximo de rentabilidade com liquidez. O sistema de avaliação de risco, por parte das agências de rating, tornava esses capitais muito mais suscetíveis a situações de risco, passando a exigir mobilida de
absoluta. Como pretender que viessem financiar a infra-estrutura, o desenvolvime nto, ou que se tornassem os batedores que antecediam o investimento de longo prazo? No plano político, a apreciação do câmbio trazia vantagens adicionais. Primeiro, passava a sensação de riqueza provisória aos consumidores, facilitando as eleições no final do ano. Segundo, justificava as taxas de juros elevadas, para conter a inflação de demanda. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 84/127 HA 84/127 Mas não bastava. Era evidente que, ao permitir o livre fluxo de capitais com o dif erencial de juros existente, se criaria uma valorização do real que tornaria o plano insustentável a médio prazo. O caminho racional seria mudar o rumo da remonetização, impedir a entrada do capital especulativo, o capital gafanhoto. Mas significaria interromper a indústri a da arbitragem, o maior negócio lícito da história do país. Durante todo o segundo semestre de 1994, os economistas do Real se empenharam em ampliar desmedidamente as importações, supondo que com déficits comerciais isto é, com mais dólares saindo do que entrando pela porta da balança comercial se manteria o espaço para o capital especulativo. É difícil entender tanto empenho em gerar déficits comerciais, a ponto de se comemorar o primeiro deles, se não se incluir nessas análises o gigantesco cabo de esquadra que ocorria na BMF, em torno dos comprados e vendidos. A irreversibilidade do modelo Todos os atos dos condutores da política econômica iam na direção de assegurar a irreversibilidade das taxas de câmbio. No dia 31 de dezembro, último dia antes da mudança de governo, foram feitos vários leilões de títulos públicos, com a colocação Notas do Tesouro Nacional de longo prazo com correção cambial. As de prazo de três meses pagaram 15,20% ao ano mais correção cambial. As de seis meses saíram com taxa de rentabilidade de 16,09% ao ano. Naquela mesma semana, o BC anunciou venda de dólar no mercado flutuante, quando a cotação aproximava-se de R$ 0,860 (Folha). Por aqueles dias, a crise do México havia provocado um prejuízo de R$ 125 milhões somente com as baixas dos dias 21 e 22 de dezembro. Em dezembro, uma leva de pequenos bancos havia quebrado por ter apostado na ponta errada, da desvalorização do real. Em dezembro, Pérsio Arida que nunca abriu mão do rigor técnico até sair do governo -- e José Serra tentavam convencer o presidente eleito Fernando Henrique Cardoso a mudar o câmbio. Lara Rezende, mais uma vez, seria o grande obstáculo. Serra alertou-o para o risco de um déficit comercial elevado. E ele: Mas as moderna s teorias sustentam que o que importa é analisar as contas correntes como um todo. Serra não entendeu nada. Teorias do começo do século já diziam isso. Qual a razão de tamanha superficialidade na análise? Apenas no Matrix, é de Barros não fosse
final do primeiro governo FHC, quando já havia vendido sua posição no que André mudou sua posição. Junto com o ex-sócio Luiz Carlos Mendonça poderiam ter se constituído a grande dupla a mudar a política cambial, o episódio do grampo no BNDES.
Apoiado pelo futuro Ministro do Planejamento José Serra, Arida defendia uma correção ampla, Gustavo uma correção modesta. Uma correção ampla resolveria o nó das contas externas, mas penalizaria o capital especulativo. E todas as decisões d e Gustavo passavam por um constrangimento: não poderiam prejudicar o capital finance iro. Com esse obstáculo, os grandes problemas criados na partida do Real eram tratados com gambiarras, que entortavam cada vez mais o que torto estava.
Recriava-se a saga de Rui Barbosa, tomando medidas casuísticas para corrigir os problemas criados pelo seu protegido, Conselheiro Mayrink. No final do ano, a crise do México impediu qualquer correção. Em abril de 1995, tentou-se uma segunda vez corrigir o câmbio. Declarações desencontradas de Gustavo Franco, diretor do BC, provocaram uma corrida que apavorou o mercado, provocou a evasão de US$ 8 bilhões e praticamente imobilizou o governo FHC. A partir dali, o quadro se tornou irreversível. Arida saiu do governo, considerand o que já tinha dado sua cota de sacrifício para o país e resolveu cuidar da vida. Gustav o permaneceu com sua bandeira de sustentação do câmbio a qualquer preço. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 85/127 HA 85/127 Em lugar de uma correção radical no câmbio, decidiu por uma banda cambial que permitisse ao dólar desvalorizar a 8% ao ano. Imediatamente a taxa de arbitragem da economia subiu 8% ao ano. Mantinha-se a mesma lógica financeira de beneficiar os detentores de dólares. O correto seria a correção de uma só vez. Haveria prejuízo para os comprados, mas, corrigido o desequilíbrio, as exportações recuperariam o fôlego, a volatilidade do câmbio se reduziria expressivamente e, superado o impacto inicial sobre os preços , as taxas de juros poderiam se aproximar dos patamares internacionais abrindo espaço para a retomada do crescimento. Em vez disso, a decisão de Gustavo terminou vencedora: criar uma banda cambial de 8% ao ano. A arbitragem se dava entre o custo da captação no exterior (taxa básica dos EUA mais risco Brasil mais alguns pontos para prevenir volatilidade cambial). Com a introdução da banda, imediatamente a taxa de arbitragem passou a ser a soma da taxa básica americana, mais risco Brasil, mais 8% ao ano da banda cambial. Para manter dólares no país, a taxa básica do BC deveria ser no mínimo muito superior ao novo teto. Nunca se ganhou tanto dinheiro fácil quanto dali para diante. Nos anos seguintes, não havia mais política monetária e cambial autônomas. Todos os passos eram monitorados pelas agências de risco, pelo receio do movimento manada dos capitais especulativos. Qualquer declaração de autoridades contra o modelo provocava moviment os de saída de capitais, declarações terroristas de economistas e operadores, obrigando o recalcitrante a recuar. A cada dia que passava, mais piorava a situação das contas externas, da dívida pública. Mas o modelo ia ganhando vida através do desenvolvimento de uma retórica de criação de expectativas sucessivas. O abandono dos estudos iniciais Política econômica não é apenas teoria. Há uma infinidade de caminhos a serem percorridos, de alternativas a serem escolhidas, como se demonstrou no próprio processo prévio de discussão do Real. O chamado interesse nacional, por vezes, por ser apenas a expressão dos interesses de alguns grupos. Mas há posições que não comportam dúvidas. Voltemos às preocupações iniciais, para uma avaliação das conseqüências reais das medidas adotadas: Excesso de liquidez: Quando começa o Plano, aprecia-se o real e deixa-se a conta capital completamente aberta, com taxas de entrada insuficientes para conter a e nxurrada de dólares a partir de setembro de 1994. Os dólares entram aos borbotões. Sobrevalorização cambial: Começa o Real com Gustavo tomando solitariamente a decisão de jogar o dólar para 93 centavos de real. Controle de capitais: Deixaram-se entrar dólares sem limites pela conta capital. Ainda no período de Rubens Ricupero como Ministro da Fazenda, as discussões atingira m um nonsense inédito. Para evitar a apreciação do real, os economistas diziam que havia a necessidade de se reduzir a entrada de dólares. Mas julgavam que as restrições à entrada de dólares afetariam a credibilidade externa do plano.
Se o objetivo era o de estimular os déficits em conta corrente, para reduzir a ent rada de dólares, teria que se deixar aberta a conta de capital para a entrada de investimento externo capaz de financiar o déficit (Maria Clara, 260). Era de um nonsense absoluto. Liquidava-se com o que consideravam excesso de dólares provocad o pelos superávits comerciais, e permitia-se uma tempestade de dólares trazidos pela conta capital. Seria porque, com isso, entraria a poupança externa capaz de complementar a poupança interna e financiar o desenvolvimento, como dizia Bacha? Seria possível a 28/8/2006 Luis Nassif 27/8/06 22:27 Comment: Levantar dados na BMF sobre taxas de juros e câmbio nessa ocasião
OS CABEÇAS DE PLANILHA 86/127 HA 86/127 um economista do seu nível não saber do efeito-substituição da entrada de dólares, do impacto sobre a dívida pública, do fato de que não complementaria poupança interna, mas simplesmente a substituiria, como aliás devidamente diagnosticado nos trabalhos prévios sobre o nível das reservas cambiais? É evidente que não. No entanto, apenas dez anos depois, quando os jornais o procuraram para um balanço do Real, Bacha reconheceu que, daqui para frente, se teria que encontrar um meio de atrair capitais externos que fossem para investimento, porque aqueles do início do Real não cumpriram essa função. Custo das reservas cambiais Quando começou o plano, as reservas cambiais chegavam a US$ 38 bilhões; a dívida mobiliária federal em poder do público em US$ 27 bilhões. Ou seja, mesmo depois de constatar de maneira clara a objetiva que o excesso de dólares no país tinha um custo fiscal, utilizava-se o álibi da dívida interna para justificar a captação de poupança externa (cuja entrada acarretava aumento da dívida interna). Em outros documentos, alertavam para o custo fiscal de atrair dólares. Era uma torvelinho tão disparatado que passava a impressão de que era intencional, para não se deixar antever os próximos passos. Dívida Pública Esquece-se completamente a dívida pública, de tal maneira que meses depois o efeito da monetização sobre ela foi quase nulo. Todo o ganho da redução da dívida interna, que poderia ter sido do país como um todo, se converte em transferência de renda para os detentores da liquidez. Maria Clara descrevia as sim o pensamento dos economistas do Real: Quando
o déficit do governo cresce, é sinal de que o setor público gasta mais do que arrecada e, deste modo, está gerando despoupança. O governo precisa ir buscar recursos em algum lugar, par financiar o déficit, internamente ou externamente. Foi buscar a poupança externa. Não tinha lógica. Se a entrada de dólares aumentava a liquidez da economia, se o BC era obrigado a emitir reais para comprar os dólares, e, depois, títulos para enxu gar o excesso de reais, a entrada de dólares aumentava a dívida pública, em vez de diminuí-la. Era o mesmo quadro denunciado por Franco sobre a política cambial pré-Plano Real: a um aumento das reservas cambiais correspondia um aumento da dívida mobiliária em poder do público para enxugar o excesso de reais em circulação. Eram todos muitos preparados e havia muitas discussões e pontos de vista para que fossem atropelados pelo óbvio. Uma das lições que se aprende, em relação a políticas econômicas, é que não existe a burrice reiterada. Sempre haverá uma explicação para o erro óbvio ou reiterado, em geral ligada a interesses que não podem ser explicitados. A nova classe Os economistas do Real se dividiam em relação à visão e instrumentalização do plano. Pérsio Arida era eminentemente técnico, via o plano como uma revanche do Cruzado e se preocupava com sua consistência. André Lara Rezende via o plano como uma forma de ascensão social. Depois de enriquecer com o real, realizou sonho s adolescentes de comprar carros de corrida e cavalos de corrida que transportou de avião para Londres, quando resolveu passar uma temporada por lá.
Gustavo Franco era o ideólogo, sem o domínio técnico de Pérsio e André, ainda sem prática suficiente de mercado que ele passaria a dominar em pouco tempo --mas com um conhecimento aprofundado de história econômica do Brasil, e com a pretensão de moldar o país. Todos seus passos tinham como objetivo um novo modelo, de sepultar, varrer do mapa a estrutura industrial moldada no período de protecion ismo e impor o primado do capital financeiro, com o voluntarismo que caracteriza todo jovem acadêmico quando no poder. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 87/127 HA 87/127 Os demais exerciam papéis secundários. Bacha, com sua senhoridade, mediava os embates. Winston Fristch deveria desempenhar funções operacionais, mas acabou se enroscando na falta de prática com a gestão diária. De Pedro Malan, não há registro sobre opiniões que tenha manifestado ao longo dos meses em que se foram definidos os princípios do novo plano. Gustavo e André tinham plena consciência do poder fantástico da remonetização. Em sua monografia sobre o Encilhamento, Gustavo enfatizara as falas de Campos Salles nas reuniões ministeriais de Deodoro, mostrando como a concessão do poder de emissão a alguns bancos ainda no final do Império conferiu a seus proprietários, além de riqueza, enorme poder político. Mostrava claramente como Rui Barbosa tornou-se crítico exacerbado da política monetária anterior e, depois que assumiu o Ministério, desmontou a anterior e montou uma nova, beneficiando grupos aliados. Todo esse know how seria utilizado na montagem do Real. De Rui, Gustavo aprendeu técnicas de especialista, de apontar em uma direção enquanto caminhava para outra. Da mesma maneira que Rui prometia utilizar a monetização para liquidar com a dívida interna, enquanto a utilizava para transferir riqueza e poder para os aliados. Com o pai, Guilherme Arinos, aprendeu manhas e artimanhas do poder. Em toda discussão interna, não ganhava quem tivesse razão, mas quem organizasse suas propostas na forma exigida, decreto, portaria ou proje to de lei. No seu período pós-Real, André ganhou experiência com as sutilezas do mercado financeiro. Por sua vez, Gustavo tinha como guru Natan Blanche, ex-garimpeiro, que se tornou sócio do Banco Cindam e presidente da ANORO (Associação Nacional do Ouro). Natan era próximo a José Sarney. Ainda no seu governo se aproximou da jovem tecnocracia que ascendia, como Gustavo Loyolla, Emílio Garófalo, Maílson da Nóbrega, Luiz Antonio e outros. Seu estilo paternal, amigo leal mesmo, acabou conquistando-os a todos, tornando-o uma liderança expressiva por conta das suas relações pessoais. Fundamentalmente intuitivo, Natan foi das primeiras pessoas do mercado a percebe r a importância da definição de uma ideologia de mercado que ajudasse em seus planos de abertura cambial. Em sua gestão na ANORO, contratou Mário Henrique Simonsen como consultor e espécie de porta-voz da Associação. E participou diretamente de todas as discussões que levariam à liberalização cambial brasileira, do período Sarney até o início do Real. Mais tarde montaria a consultoria Tendências, que teria enorme influência na formação do senso comum da imprensa financeira, no período pós-Real. Tornou-se fonte de jornalistas para temas como déficit público e outras matérias que estavam longe da sua formação. Mas tinha uma enorme intuição de jogador para o mercado cambial e de ouro. Era capaz de indicar a tendência do mercado em cima das explicações mais estapafúrdias. Mas quase sempre acertava. D.Sebastião e a reunião de Carajás Assim como no Encilhamento, começava-se a reforma monetária com a promessa de ganho na redução da dívida pública. Acenava-se com a redução do superávit comercial, no Banco Central vendendo dólares no mercado e, com os reais recolhidos , recomprando títulos da dívida mobiliária, trazendo para os cofres públicos e para a sociedade os benefícios do processo de remonetização (Maria Clara, 257).
Parecia uma declaração de Rui Barbosa para legitimar a sua reforma monetária. O resultado final foi que o Real não conseguiu alongar o prazo de vencimentos da dívida pública, não logrou reduzi-la. Pelo contrário, ao manter o sistema de rolagem automática do overnight, o BC permitiu que todo dinheiro que saísse retornasse ao over. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 88/127 HA 88/127 Luis Nassif 27/8/06 22:27 Comment: Levantar declaração de Rui A frustração de Bacha é que nunca houve governo disposto a encarar a ques tão de frente, segundo Maria Clara. Minha frustração (de Rui Barbosa) Um governo que trocara a moeda, desindexara a economia, apreciara o Real até o limite da irresponsabilidade, aumentara as taxas de juros em níveis recordes, inte rviera no Banespa banco do estado de seu maior aliado políticonão tinha forças para acabar com a roleta da dívida pública. E Bacha ficou muito frustrado... Ambos, ele e Rui, saíram e se tornaram sócios de setores beneficiados pelo modelo A famosa reunião de Carajás, em junho de 1986, foi sem nunca ter sido. Poucos sabem do que se tratou na reunião. Mas firmou-se no imaginário popular a crença de que a reunião poderia ter salvado o Cruzado. Depois dela, criou-se uma multidão de neo-sebastianistas --basicamente lotados na imprensa-- acreditando piamente que a salvação do país estaria nas mãos de um economista yuppie, descendo diretamente de Carajás, em seu Porsche de corrida, para preparar a revanche do Cruzado. A grande maldição dos anos 80 não foi Sarney, nem a classe política Foi a superficialida de dos pacotes econômicos e a mística que envolveu os pacoteiros. Era enorme bobagem enquadrar todos os planos de estabilização na categoria de neoliberais --como pretendia parte da esquerda. Ou supor que tudo o que dói, cura --como acreditam alguns basbaques da mídia, que fariam melhor em entregar suas operações de safena nas mãos de um estripador de frangos. Há planos que, mesmo não sendo de estabilização, fazem países avançar. Há planos de estabilização que consolidam avanços. E planos que perpetuam a desorganização na economia. Todos fazem doer. Com todas as imprudências cometidas na área cambial, o segundo governo Vargas doeu, mas ajudou a lançar as obras de infra-estrutura que prepararam o grande salto de industrialização dos anos 50. Mesmo com sua crônica irresponsabilidade orçamentária, o governo JK mudou a agenda do país. E doeu depois. Com todo componente Bulhões fazer doer, da história. Apesar chilenas ajudaram a
autoritário, o período 64-66 permitiu à dupla Camposmas também lançar o mais bem sucedido programa de estabilização do sacrifício inicial imposto aos mais pobres, as reformas viabilizar um país.
Em todos esses casos, havia como pano de fundo um projeto claro de país, e a busca de saídas para pontos que realmente contam na construção da economia: a criação de mecanismos de financiamento, a consolidação do mercado de capitais, a reorganização da política de comércio exterior, a viabilização de investimentos em infra-estrutura, a racionalização dos tributos etc. Mas o quê a tecnologia dos pacotes e seus profetas agregaram ao país e ao estudo
da economia em quinze anos de experimentalismo? Nada. Quando se preparou a troca de moedas do real, todas as avaliações indicavam que tinha-se o melhor conjunto de circunstâncias favoráveis na economia para um plano de estabilização. 1) Maior nível de reservas cambiais da história --possível apenas depois que o economi sta Ibrahim Éris reformulou a política cambial brasileira. 2) Uma economia aberta e superavitária --a partir da reestruturação do comércio exterior, e de um programa de abertura planejada da economia. 3) Uma economia desregulamentada --depois do fim da reserva de mercados e de um sem-número de restrições à livre competição. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 89/127 HA 89/127 4) Empresas brasileiras reestruturadas e ingressando firmemente em projetos de modernização --processo iniciado com o Plano Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP) e com as Câmaras Setoriais. 5) Programas de investimento em quase todos os setores --assegurados pela manute nção das regras do jogo por quatro anos. 6) Relativo consenso sobre reformas fundamentais. 7) Equacionamento da dívida interna, ainda que à custa da violência do bloqueio dos cruzados. Com toda essa enorme agenda, em vinte anos tudo o que os gurus do Real haviam logrado produzir foram estudos recorrentes sobre troca de moedas --a parte mais espetaculosa e superficial de um plano. Com apenas 18 meses com a economia de volta às suas mãos, e apenas com sua capacidade de brincar de fliperama com as políticas monetária e cambial, tinha-se: 1) O país em nova crise cambial; 2) a volta de alíquotas super-protecionistas em muitos setores; 3) crescimento exponencial da dívida interna, comprometendo o futuro ajuste fiscal ; 4) e uma multidão de empreendedores arrependidos até a medula dos ossos por terem apostado no país e programado investimentos. Todo o ouro de Carajás não conseguiria pagar o que custou ao país a reunião de 1986. Lágrimas depois O que ocorreu em maio de 1995 era perfeitamente previsível para quem tivesse olhos para ver, para os que se acostumaram a analisar a economia como um process o dinâmico. Já estavam no ar as seguintes conseqüências óbvias, mas que só mostrariam sua face perversa nos anos seguintes (Nassif, 29/05/95) 1) Empresas pequenas e médias, menos capitalizadas, rodariam, jogando no mercado um exército de desempregados --donos de pequenos negócios e funcionários. 2) Grandes empresas reduziriam sua produção, aumentando o número de desempregados. Mas preservariam lucros porque, sendo líquidas, compensariam seu prejuízo operacional com aplicações financeiras. 3) Pelo simples exercício de trazer dinheiro lá de fora e aplicar em inexplicáveis 4,5% ao mês, os bancos de negócios repetiriam os extraordinários lucros do ano anterior. 4) Todo o lucro do setor capitalizado da economia seria bancado pelo Estado, à cus ta do aumento exponencial da dívida interna. Tudo o que se arrecadasse com a
venda de estatais não seria suficiente para bancar o mero crescimento da dívida interna, em função desses juros. 5) Com a queda da atividade econômica, em pouco tempo as receitas tributárias iriam despencar. Enquanto isto começava a ser criado no país um imenso mercado paralelo, juntando poupança dolarizada, caixa dois, caixinha política, dinheiro do narcotráfico, tudo sob o respaldo da liberalização cambial sem controles imposta pelo Banco Central, e do discurso que começou a tomar conta do mercado financeiro e, a partir dele, pelo jornalismo econômico em geral. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHHA 90/127 A AAAs sss f fffe eeer rrrr rrra aaam mmme eeen nnnt ttta aaas sss f fffi iiin nnna aaan nnnc ccce eeei iiir rrra aaas sss d dddo ooos sss a aaan nnno ooos sss 9 9990 000 A teoria econômica era apenas a ferramenta de retórica para permitir a formação do ambiente de negócios que se queria. O que importava era o mundo real, onde se materializavam as intenções e objetivos das medidas econômicas. Com a liberalização cambial, ocorreu um notável fluxo de investimentos brasileiros para o exterior. Em seu período de presidente do BC, Gustavo Franco procurou, de todas as maneiras, estimular esse livre fluxo financeiro, tanto através de investi mento registrado como pelas CC-5, cuja flexibilização provocou a evasão de US$ 139 bilhões entre 1996 e 1999, sem comprovação da origem no país (dados do Ministério Público do Paraná). Até 31 de dezembro de 2001, outros US$ 69,6 bilhões de dólares das reservas cambiais brasileiras foram expatriadas legalmente, de acordo com o primeiro leva ntamento efetuado pelo Banco Central, em 2001, valor quase três vezes superior ao superávit comercial de 2003. Qual a utilidade para o país? Em 2003 o Brasil assinou um acordo oneroso com o FMI apenas para um reforço de US$ 14 bilhões nas reservas cambiais.
Um segundo levantamento do BC, fechado em 31 de dezembro de 2002, mostravam para US$ 72,3 bilhões de ativos totais no exterior, US$ 54,4 bilhões (75,4% do total) eram representados por investimentos diretos, o item mais nebuloso das remessas. A decomposição por destino do levantamento de 2001, preparada pelo consultor André Araújo, era impressionante.
Do total de US$69,6 bilhões em 31/12/2003, US$18,9 bilhões estavam em investimentos financeiros (bancos, fundos mútuos e títulos negociáveis) e US$50,7 bilhões em investimentos diretos em pessoas jurídicas.
Nas empresas receptoras onde o investidor brasileiro tem pelo menos 10% do capital estavam US$ 43,6 bilhões.
Desse total, nada menos que US$34 bilhões foram para paraísos fiscais, US$ 14,785 bilhões para Cayman, US$ 8,148 bilhões para Ilhas Virgens Britânicas, US$ 5,954 bilhões para Bahamas, US$ 1,048 bilhões para Ilha da Madeira e US$ 990 milhões para Bermudas.
Dos investimentos para países que não são paraísos fiscais, foram US$ 1,657 bilhões para a Espanha, US$ 1,625 bilhões para a Argentina, US$ 1,401 bilhões para os Estados Unidos e US$697 milhões para Portugal, US$4,215 bilhões para outros países.
Total desse sub-grupo de empresas, que tudo indica serem controladas pelo remetente, US$43,641 bilhões, isto é, foram remessas do investidor para si própria disfarçado em empresas off-shore, que todos sabemos serem simples ficções legais. Mas se se considerar, já para 2002, os cômputos consolidados da Secretaria da Receit a Federal, nada menos do que US$44,9 bilhões dos investimentos brasileiros no exterior estão em paraísos fiscais. Pelos dados levantados, se poderia considerar que as empresas brasileiras eram, até 2001, grandes investidores internacionais, com empresas multinacionais atuando em todo o mundo. Afinal, lembrava André, nenhum país estrangeiro tinha individualmen te US$ 69,6 bilhões investidos no Brasil. É um valor formidável, digno da Alemanha ou da Inglaterra para toda a América Latina. Mas quais são os investimentos brasileiros no exterior? Com algumas exceções de grandes empresas da economia produtiva com operações no exterior, como Votorantim, Ambev e Gerdau, os investimentos brasileiros no exterior são basicamente 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 91/127 HA 91/127 operações financeiras, arquiteturas para beneficio fiscal e para dar roupagem de capital estrangeiro a capital nacional. Grande parte desse investimento volta ao Brasil como empréstimo de um credor estrangeiro a empresas nacionais, distorcendo notavelmente as estatísticas do setor externo, contra os interesses nacionais. Nos EUA, esse tipo de manobra seria imediatamente coibida. O IRS (Internal Reven ue Service, a Receita local) analisa a lógica contábil-financeira de cada remessa, proíbe remessas com sentido exclusivamente fiscal, exige declaração juramentada do investidor sobre a real destinação do investimento (Formulário IRS Form W9-Request forTaxpayer Identification and Certification). Se esse formulário não for preenchido, haverá taxação na fonte dos resultados produzidos por esse investiment o, na ordem de 31%. Mas o sentido geral do IRS é de não permitir manobras para fins de disfarce. E esse foi o eixo principal dos investimentos brasileiros no exterior, estimulado princ ipalmente na gestão Gustavo Franco. Nenhum país, mesmo o que imprime a moeda reserva do mundo, se descuida da exportação de capital. Se não há justificativa econômica para uma operação de exportação de capitais, a intenção é de mera lavagem de dinheiro, algo que se tornou rotineiro no país pós-Real. A ferramenta jurídica que permitiu esse jogo foram os fundos offshore, criados em paraísos fiscais para acobertar ou operações especializadas ou operações de lavagem de dinheiro. O dinheiro de seus controladores passou a ser blindado juridicamente através da criação de duas figuras: o gestor ("limited partner") e o investidor ("general partn er"). Muitas vezes são colocados testas-de-ferro nas "limited partners", assumindo as responsabilidades civis e criminais, deixando as empresas livres do controle da SEC e de outros organismos de fiscalização. Foi dessa maneira que grandes instituições como o Citibank conseguiram colocar dinheiro em fundos de investimento em private equity e entregar a gestão a gestores de fachada, e participaram de operações controversas em muitos países emergentes. A salvo das estruturas de fiscalização dos Estados nacionais, quebraram-se as barrei ras entre as atividades legais e o crime organizado. Foram criados fundos atrás de retornos expressivos, maiores do que os das atividades convencionais, que pas saram a atuar por meio de empresas de fachada, alguns servindo de biombo para o dinheiro do crime organizado, outros para golpes contra as próprias corporações. Donos da liquidez internacional, passaram a conviver no mesmo ambiente os sheiks árabes ainda sentados em petrodólares, a dinastia Bush, as Enron da vida, os empresári os italianos tipo Sergio Cragnotti, os grandes bancos internacionais, dinheiro
do narcotráfico, dinheiro da corrupção política, mercado negro da venda de jogadores, golpes corporativos etc. O Brasil passou a ocupar papel relevante como arena desse tipo de negócio. A priva tização sem um ambiente regulado, a facilidade das contas CC5 e CC4, a derrama fiscal e o florescimento de atividades clandestinas, culminando com o absurdo da autorização para o funcionamento dos bingos e videopôquer, tudo isso criou o campo que hoje explode na atual crise política que fere o centro do poder instituc ional brasileiro, com o episódio Waldomiro Diniz. No episódio da CPI dos Precatórios, apesar do boicote dos parlamentares, deu para desvendar parte do intenso jogo de transferência de fundos comandado por doleiros.
Na época, havia intenso movimento de contrabandistas em Foz do Iguaçu, movimento provocado pela apreciação do câmbio. Sob o argumento de que esse movimento poderia influenciar o dólar paralelo, Gustavo Franco autorizou algumas insti 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 92/127 HA 92/127 tuições a receberem depósitos em dinheiro vivo e remeter para o exterior, entre elas o Banestado e a corretora Araucária. Montou-se, então, um duto de tamanho incalculável para transferência de recursos. A corretora-mãe dos doleiros, na época, era a Split, que operava da seguinte maneira , conforme descrevi em coluna da época: 1) Por seu ''laranja'', a IBF, a Split mandava reais para a conta de Carmen Alon so Javiel, na agência do Banco do Brasil em Foz do Iguaçu. Dona Carmen era uma ''laranja'', pessoa que ganhava de US$ 600 a US$ 1.000mensai s para emprestar seu nome, CIC e RG para a Split. É de honrada família de doleiros paraguaios. Entre os cinco irmãos, há dois ou três que passaram do nível de ''laranjas'' para o de doleiros, como Benício Alonso de Godoi. 2) D. Carmen retirava os reais e transferia para o Paraguai. Era uma operação complexa, devido à quantidade de dinheiro envolvido. Segundo a CPI, pelas contas de D. Carmen passaram R$ 123 milhões, transferidos da agência paulista do Beron (o Banco do Estado de Rondônia). Provavelmente, D. Carmen e seus irmãos alugavam carros-fortes para levar a carga até o outro lado. 3) No Paraguai, o dinheiro era depositado em um banco correspondente --isto é, autorizado a vender reais para os bancos brasileiros credenciados em Foz do Iguaçu . 4) O banco paraguaio depositava os reais, pagava uma parte em dinheiro vivo e a outra na conta da Split no exterior. 5) Agora, entrava-se na peça que faltava: a conta Rolex. Até meados dos anos 90, quase todos os doleiros da América Latina operavam com dois pequenos bancos nos EUA: o Piano Banking (controlado pela Casa Piano, do Rio de Janeiro) e o M.T.B. Banking. O Piano quebrou. Sobrou o M.T.B. Para operar o dinheiro, o M.T.B. precisava de uma conta em um banco que tenha ac ompensação. É o mesmo procedimento das DTVMs (distribuidoras) brasileiras. Autorizadas a operar pelo Banco Central, elas abrem contas no Banco do Brasil para fazer seu movimento bancário. O M.T.B. abriu sua conta no Chemical Bank de Nova York. E, depois, uma série de subcontas, cada qual de um doleiro da América Latina. A subconta da Split é a Rolex.
Tendo a conta lá, a Split vendia e comprava seus dólares por meio de procedimentos bancários simples. Quando comprava dólares, o vendedor depositava o dinheiro na sua conta. Para vender os dólares, transferia para a conta do comprador, através de três procedimentos usuais: ou por fax, ou por cheque, ou telefonando para o Chemical. O Chemical registrava os três procedimentos. Cheques e fax eram arquivados; ordens verbais gravadas, para que ficassem documentadas, e exigia-se que o cliente
dissesse a senha. Quando denunciei essa operação, o BC mudou o procedimento. Proibiu o depósito em dinheiro vivo, mas permitiu a manutenção dos bancos correspondentes. Bastava, então, qualquer agência bancária enviar recursos para a conta dos correspondentes, para se retomar o mesmo curso. Captados os reais por uma conta CC-5, geralmente em nome de uma off-shore, por sua vez representada legalmente no País por um laranja, compravam-se com os reais na conta os dólares físicos ou cabo. A vantagem do esquema de fronteira é que tudo se fazia sob a capa do comércio das cidades fronteiriças, cujo movimento legitimo é misturado ao financeiro puro vindo do Brasil. As operações de remessa eram geralmente giradas via cabo através de casas especializad as de Nova York. A maior delas era o MTB Bank, anteriormente a casa de 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 93/127 HA 93/127 câmbio Manfra, Tordella & Brooks, uma organização especializada em operar com moedas e corretoras do Cone Sul da América do Sul. Quando se falavam em contas no Chase como receptora de transferências, na realidad e era simples depositário. Essas contas eram manejadas pelo MTB da seguinte forma: a mesa do Brasil ou do Paraguai tinha uma off-shore própria que mantinha a conta-mãe no MTB. Sob esse guarda chuva abriam-se sub-contas para os doleiros varejistas clientes da mesa grande. Por exemplo, sob a conta Paradise Trade and Finance Co. que representava uma grande mesa de Assunção, existia a sub-conta Siboney, de um doleiro de São Paulo que operava com a mesa de Assunção. Com isso as entradas e saídas eram direcionada para a conta e a sub-conta com precisão. O dono da conta conhecia o titular da sub-conta e respondia por ele. Para usar a conta-mãe, o titular da sub-conta se comprometia a um certo mínimo de negócios com o dono da conta. As quebras nesse mercado preside. As remessas são mesas grandes e pequenas , o que é raro, mas ocorre
ocorrem pelo mecanismo da confiança absoluta que o vias transferência de conta a conta e todos os dias as correm riscos se a outra ponta não honrar os compromissos de quando em quando.
Já as grandes quebras são por outro motivo. Como existe um float considerável entre a ordem de transferência e a liquidação efetiva, o grande operador tem sempre à mão grandes saldos. A tentação de especular com esses recursos de terceiros levava essas casas à operações alavancadas de alto risco no mercado de títulos emergentes ou de câmbio futuro e as vezes eles quebram a cara e vão a lona. Foi o que aconteceu com outras grandes casas, ainda maiores do que o MTB, como Deak, Pereira & Co. e Piano Internacional Financial Corp., esta com raízes na tradiciona l Casa Piano, de Buenos Aires, que nas décadas de 50 a 70 foi a maior operadora do Cone Sul. A quebra da Piano fez investidores brasileiros perderem mais de 100 mi lhões de dólares. Esse era o circuito de varejo. O circuito master era outro. Uma operação de recompra de bônus de emissão privada com desconto de 60%, comum no mercado, rendia uma fuga de US$ 30 milhões para uma emissão de US$ 50 milhões. Fazia-se isso sob o olhar complacente do BC que sabia perfeitamente que a emissão de US$ 50 milhões podia ser liquidada por US$ 20 milhões, já que eram dados de mercado. Mesmo assim, permitia remessa no vencimento do integral dos US$ 50 milhões, bem como dos respectivos juros, legalizando a fuga do deságio, que nem precisava ser lavado. Confira-se, então, que a livre circulação de dólares, mesmo através de mecanismos clandestinos, tornou-se uma opção ideológica, que provocou a desmobilização de todo o sistema de fiscalização do Banco Central. Os integrantes desse mercado não necessitavam de doleiros, de subterfúgios nem do mercado marginal. Podiam utilizar um JP Morgan ou um Republic para montar a estrutura e operar a movimentação de fundos. Não precisava do Cambio Guarany, arriscado e oneroso. O circuito de doleiros --que é o usava as CC-5 tipo Banestado --, fazia de tudo co m
todos. Existem remessas pequenas, médias e grandes. Existe dinheiro não legal, mas legitimo e também dinheiro de crimes. É claro que o dinheiro da política e da corrupção utiliza esse circuito, por ser um canal onde não se pedem explicações de origem. É também um circuito só de transferência, não de administração de recursos. Uma vez fora do País, a moeda conversível é aplicada em outros bancos e países. Os menos sofisticados usam os bancos com vínculos com o Brasil, como o Delta, o Pine, o Safra National, o Espírito Santo, todos com grandes operações em Miami. Em Nova York o maior depositário de fundos brasileiros era o Republic National Bank of New York, controlado por um brasileiro, Edmond Safra e bem longe, em 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 94/127 HA 94/127 segundo lugar, o Commercial Bank of New York, do filho do banqueiro de São Paulo (hoje ex-banqueiro), Edmundo Safdié. Ambos foram vendidos e seguramente parte de seus depósitos migrou para outros bancos, principalmente para o Safra National Bank of New York, hoje com quase US$ 10 bilhões de depósitos e para o português Banco Espírito Santo, que tem uma grande operação em Miami. Com o clima anti-terrorismo em todo o mundo, diminuiu consideravelmente o nível de segurança de dinheiro de origem não legal em todos os grandes países. Os acordos de cooperação fiscal e policial têm diminuído a proteção desses recursos. A grande industria de private banking, que administra a nível mundial US$ 3 trilhões de dinheiro provindo de fuga de capitais está em processo de grandes mudanças. Os gestores de recursos e a privatização Depois que o dinheiro chegava ao gestor, entrava-se na segunda parte do circuito : como obter rentabilidade elevada. A sofisticação do mercado financeiro nos anos 80 permitia um estoque inesgotável de operações de engenharia financeira. Com toda sorte de ativos disponível, sendo colocados no circuito, ampliou-se o grande jogo da arbitragem, que consistia em jogar com diferenças de taxas de rentabilidade, com operações cruzadas, permitindo arbitrar ganhos nos diferenciais de rentabilidade. Ainda no governo Collor, percebeu-se que uma das maneiras de ganhar com a privat ização estava na definição das moedas a serem utilizadas. Permitiu-se o uso de papéis micados, como papéis da Siderbrás, Títulos da Dívida Agrária, entre outros. Grandes fortunas foram feitas na época, com as instituições que souberam antecipadamen te da decisão e adquiriram os papéis no fundo do poço. Outra das ferramentas utilizadas na privatização foi uma forma torta de calcular o preço das estatais privatizadas, através do método de fluxo de caixa descontado. Por ele, primeiro estimava-se quanto seria o fluxo de caixa da empresa durante d eterminado período em geral dez anos. Depois, trazia-se a valor presente de acordo com determinada taxa de desconto. Quanto maior a taxa de desconto, menor o valor a ser obtido. Por exemplo: Imagine um investimento que rende dividendos de R$ 1.000,00 ao ano. Se a taxa de desconto for de 10% ao ano (ou seja, o quanto o investidor estima ganhar), o valor inicial da aplicação será de R$ 6.145,00. Ou seja, este é o valor que precisa ser investido, para se receber R$ 1.000,00 ao ano, com a taxa de ret orno de 10% ao ano durante dez anos. Se a taxa de retorno aumentar para 15% (isto é, se o investidor insistir em recebe r 15% de rendimentos), o valor inicial da aplicação cairá para R$ 5.019,00 O cálculo da TIR em operações de aquisição é mais complexo, porque deve levar em conta também o valor de revenda do ativo no final do prazo. E se a presunção é
de uma elevação gradativa dos resultados, também haverá uma valorização gradativa do valor de revenda. Mesmo sem levar em conta o valor de revenda, o exemplo mostra como a manipulação da taxa de desconto era suficiente para reduzir o valor das empresas. Muitas vezes se consideravam fatores pontuais para desvalorizar os ativos, como ocorreu na privatização da Ultrafértil, ainda no governo Itamar, que se tomou como permanente um momento provisório de queda nos preços, por conta de uma super-oferta de produtos russos no mercado mundial. Nas privatizações iniciais, utilizavam-se os seguintes estratagemas para reduzir o valor das empresas privatizadas: 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 95/127 HA 95/127 Manipulava-se a TIR. Na privatização da Ultrafértil, por exemplo, utilizou-se uma taxa de desconto que levava em conta o risco Brasil no exterior (país em moratória), mais um adicional relativo ao setor. Em geral, quanto maior a volatilidade do setor, maior a taxa de desconto. Não havia razão para utilizar taxas de desconto internacionais porque a empresa gerava cruzados, os participantes do leilão eram brasileiros utilizando para a compra capitais brasileiros. No cálculo do fluxo de caixa, não se consideravam os ganhos que a empresa obteria com a mera reestruturação. O preço era fixado levando em conta a situação da empresa do momento, e não seu valor potencial, ou seja, o quanto poderia gerar sem as amarras do setor público. Outra das ferramentas muito utilizadas na privatização brasileira foram os projects finances, operações estruturadas em que se adquiriam empresas com financiamento, confiando que a rentabilidade do investimento permitisse bancar o pagamento O BNDES financiava os compradores. Com o lucro dos negócios, eles pagavam os financiamentos tomados. Era ótimo para os compradores, péssimo para as empresas, expostas a uma brutal política de distribuição de dividendos (em vez de reaplicação de lucros) para permitir aos controladores pagar pelos financiamentos tomados. Mas o país perdeu anos por conta desses interesses. Quebrou-se a petroquímica em dezenas de empresas menores, que levaram anos para se consolidar novamente. Matou-se a possibilidade de uma siderúrgica nacional de dimensão global. Principalme nte, obteve-se pela privatização muito menos do que se poderia ter obtido se o modelo fosse das empresas públicas com fundos sociais. O pano de fundo do modelo era esse. O grande capital saía e entrava do país através dos esquemas de doleiros, voltava na forma de fundos, no qual os cotistas não eram identificados, e permitia aos gestores o controle de companhias vendidas at ravés de modelagens financeiras que exigiam pouquíssimo capital. Por baixo desse jogo de interesses pairava a vã teoria, como se fosse algo neutro, limpo, científico. As instituições da globalização Não bastava apenas a teoria econômica adequada. A venda de uma ideologia é processo mais sofisticado, que não prescinde de toda uma organização para a disseminação de conceitos. Obviamente, as bolsas de estudo em universidades americanas mais fechadas com esse pensamento financeiro foram um instrumento relevante de formação de consensos. Mas o grande agente de disseminação dos conceitos foram os grandes bancos de investimento, através de seus departamentos econômicos. No Brasil, apenas em montar departamentos de um lado, informar os rumos da política
meados dos anos 90 as instituições financeiras passaram a econômicos e a distribuir avaliações econômico-políticas visando, seus clientes mas, acima de tudo, terem influência sobre econômica.
Historicamente, foram dois bancos americanos o Citibank e o Chase--, ambos filho s
do mesmo tronco dos Rockefeller, os primeiros a perceber a importância de definir linhas ideológicas de apoio ao mercado, a exemplo dos Rotschild no século 10. No pós-guerra, o Citibank já contratara os melhores economistas ortodoxos dos EUA e, através de sua carta econômica, tornara-se um arauto do antikeynesianismo. Os Boletins de agosto de 1948, outubro de 1949 e dezembro de 1949 viraram peças antológicas de ataques ao keynesianismo, muito antes do aparecime nto de Milton Friedmann (André, 562). A velha luta entre o internacionalismo 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 96/127 HA 96/127 financeiro e as estratégias nacionais começou no dia seguinte ao tratado de Bretton Woods. No começo dos anos 60, o diretor do Boletim Econômico do Citi era Sam Nakagama, aluno de Friedman em Chicago. Depois, saiu do Citi e se ligou à Argus Research, consultoria econômica que promoveu a conferência de lançamento do monetarismo no Hotel Arizona Baltimore, em novembro de 1969 (André, 563). O Boletim chegou a ter 300 mil exemplares. Nos anos 60, sob a presidência de Georg es Moore, quando ainda se chamava The First National City Bank of New York, foi o grande patrocinador de Friedman. Seu departamento econômico tinha 80 economistas, dos quais 50 de primeira linha. Vieram dali os ensinamentos para os demais bancos de investimento, não apenas americanos, mas de todo o mundo. Nas últimas décadas do século 20, o Citi passou a desempenhar a mesma influência política sobre os países devedores que os Rostchild. Nos anos 80, foi o articulador do Comitê de Credores, que cuidou da dívida externa brasileira. Nos anos 90, tornou-se o principal padrinho do governo Carlos Menen, e do Plano de Conversibilidade de Domingo Cavallo. Sua influência foi grande na refo rma constitucional que permitiu o segundo mandato a Menen o chamado Pacto de Olivos. Na época, o apoio que Menen recebeu do presidente do Citi John Reed foi tão explícito que mereceu uma censura pública do Diretor-Gerente do FMI Michael Camdessus: Eu nunca usaria os mesmos conceitos de Reed, se eu fosse um grande banqueiro internacional (André, 564). O Citi teve papel central não apenas nos empréstimos, mas em todo processo de privatização da Argentina, usando como moedas créditos desvalorizados, da mesma forma que as moedas podres da privatização brasileira, através da CEI, uma holding com valor de mercado de US$ 1,5 bilhão, tendo como testa-de-ferro o grupo Banco República, de Raul Moneta. No Brasil, no final dos anos 80, o Citi já havia adquirido papéis da Telebrás a holdin g estatal do setor de telecomunicações por menos de um dólar a ação. Seu parceiro nas aventuras brasileiras era o executivo Daniel Dantas que logo depois montaria o grupo Opportunity, com apoio total do Citibank, e se embrenharia na mais nebulosa aventura empresarial do Brasil moderno. Seguindo o modelo Citi, os bancos tornavam-se os maiores empregadores de economi stas da economia. Para integrar seus departamentos econômicos, havia a necessidade do economista se especializar no seu estilo de análise e em sua visão de mundo. E fazia-se isso com fé cega e faca amolada, graças aos modelos de participação em resultados, que faziam de cada economista não apenas um funcionários, mas um irmão de fé. O circuito de influência começava em Nova York, com os departamentos econômicos desses grandes bancos americanos. Aqui, as novas idéias eram reproduzidas, primeiro, através das filiais dos bancos novaiorquinos, depois dos europeus. Final mente,
através dos bancos nacionais montando seus próprios departamentos econômicos. A partir dos departamentos econômicos, as novas idéias batiam no jornalismo financei ro, que passava a repetir os mesmos conceitos. Havia uma homogeneidade notável entre as coberturas financeiras da imprensa americana, brasileira, argenti na e espanhola no período. As Agências de Risco Uma segunda instituição relevante foram as agências de risco, essas sim atuando como batedoras no processo de globalização financeira, como agentes coordenadoras de expectativas e do chamado efeito-manada. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 97/127 HA 97/127 A exemplo da financeirização do fim do século 19 e início do século 20, o jogo consistia em identificar, em nível global, ativos baratos e ativos caros. Os capitais mais agressivos iam à frente, adquiriam ativos baratos por tal se entendendo empresas, setores ou países --, depois promoviam rodadas para difundir o ativo. A conseqüência era o chamado efeito-manada, uma corrida em direção ao ativo que provocava sua valorização, permitindo ao fundo agressivo vender na alta e pular atrás de outro ativo não valorizado. Especializadas em análises de balanço, em geral essas empresas não tinham familiaridad e com processos econômicos, ainda mais em países emergentes. Pior: para funcionar como agentes articuladores de expectativas e atender às demandas de sua clientela, tinham que padronizar suas análises, em torno de clichês que permitis sem aos seus assinantes disparar ordens de ompcra ou venda. Principal usuário das análises das agências de risco, o operador de mercado age de forma binária a qualquer informação ou análise: compro ou vendo. Os melhores trabalham com horizontes de três meses; a manada, com horizontes de uma semana. A euforia que tomou conta dos mercados internacionais na época não permitia muita sofisticação. Assim, as agências passaram a atuar com manuais únicos para todos os países. Uma economia a plena carga tende a exibir déficits externos (devido ao aumento das importações e redução das exportações). Um ajuste fiscal ajuda a reduzir o nível de atividade, induzindo as contas externas ao equilíbrio. Portanto, ajuste fiscal pode ser virtuoso para economias a plena carga. Já para uma economia em processo recessivo, aumento de impostos significa aprofund amento de recessão e queda na arrecadação tributária, devido à queda da atividade econômica. Ajuste fiscal em economia recessiva é veneno na veia. Para as agências, bastava um país qualquer promover aumento da carga fiscal, indepen dentemente das suas características, para ser bem avaliado. Era como na piada: Rosenberg, Goldenberg, iceberg, tudo é a mesma coisa e ajudou a afundar o Titanic. A Argentina podia estar se exaurindo em recessão um novo pacote fiscal, para as agências acenarem os mercados elevarem as cotações dos seu papéis. do próximo pacote. E isso durou até a véspera da board argentino. O uso mecânico do manual de análises políticas ou se o rating, mesmo que política interna à beira
profunda. Bastava o anúncio de com melhoria do seu rating, e Por poucos dias, é claro, à espera explosão do sistema de currency
dos déficits gêmeos se sobrepôs a qualquer veleidade econômicas. As contas internas estão equilibradas? Melhoreas contas externas estejam em pedaços e a situação de uma catástrofe.
Havia elementos estruturais de mais fácil avaliação. Quando foi aprovada a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), por exemplo, a Standard & Poors deu perspectiva positiva para o país. Quando se tratava de analisar ou definir políticas sustentáveis, havia a necessidade de um entendimento dos mecanismos macro-econômicos. E,
aí, essas agências comportavam-se como manada, cometendo análises no mínimo discutíveis. Até a crise da Rússia, a dívida pública e a necessidade de financiamento externo brasileiros eram crescentes. No entanto, só depois da eclosão da crise russa as agênci as atentaram para o fato e rebaixaram o rating do Brasil. Depois que o Brasil mudou a política cambial em janeiro de 1999 --e não houve o caos que muitos previam--, um analista arguto já saberia que a conversibilidade argentina estava com os dias contados (porque sustentada pelo desequilíbrio no câmbio brasileiro, permitindo o aumento das exportações argentinas). E que o Brasil caminhava para uma situação mais confortável no campo fiscal e externo. No 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 98/127 HA 98/127 entanto, durante muito tempo depois, o risco Argentina permaneceu abaixo do risc o Brasil. No momento em que até o FMI admitia que a única saída para a Argentina era a flutuação cambial, os analistas da Standard & Poors teimavam que a saída para a Argentina era o equilíbrio fiscal e a dolarização. Bastaria a dolarização para todos os problemas estarem resolvidos. Essa posição da Standard & Poors foi mantida até uma semana antes da implosão do currency board a política monetária e cambial argentina. Depois dos erros de avaliação em relação à Argentina, David T. Beers, presidente da Standard & Poors para a América Latina, voltou ao Brasil para tentar esclarecer os critérios de avaliação da economia pela empresa. Sua preocupação, nas conversas que teve, foi explicar que o papel de uma agência de risco é analisar a solvência dos países e empresas não necessariamente o que é melhor ou pior para o país e seu povo. Mas tomemos a explicação de Mr. Beers ao pé da letra. Suponha um investidor de risco. Ele traz seu capital em dólares, aplica por aqui e gera receita em reais. D epois, tem que converter os reais em dólares para remeter para a matriz. Quando o real se desvaloriza o que ocorre com seus investimentos? Primeiro, redu z o o valor da remessa dos lucros e dividendos, porque terão que ser convertidos por um dólar mais caro. Depois, deprecia todos seus ativos no Brasil, porque também serão convertidos em dólares pela paridade do fechamento do balanço. Logo, volatilidade do câmbio é um enorme fator de risco para ele. Agora avalie-se a situação brasileira, à luz das eleições de 2002. De repente, criouse um clima catastrofista no mercado internacional que levou até ao corte de linha s de financiamento comerciais. Sem oferta de dólar, o câmbio explodiu. O investidor direto teve enormes prejuízos com a desvalorização cambial, e seu risco foi proporcion al à vulnerabilidade externa brasileira. Em cima do risco-Brasil entrou o riscomanada a possibilidade dos bancos cortarem suas linhas de crédito do Brasil, mesmo aqueles que acreditavam que Lula não iria botar lenha na fogueira, mas pornão saberem se os demais bancos sabiam disso. É risco para iraquiano nenhum colocar defeito. Se o país fosse menos vulnerável, tivesse menos necessidade de dólares, obviamente o efeito-eleições provocaria muito menor volatilidade no câmbio, porque haveria fluxo estável garantido de dólares. A desvalorização cambial, ao permitir o aparecimento de um enorme superávit e aumentar a oferta de dólares no país por conta da melhoria das contas externas, melhorou ou piorou a percepção sobre o país por parte do investidor direto? É óbvio que melhorou. No entanto, quando se indagava de Mr. Beers qual a importância que dava à redução da vulnerabilidade externa, que é função da melhoria do superávit comercial e do balanço de pagamentos que é função do dólar, o que ele dizia? Que contas externas
não tem importância, o importante é apenas o superávit fiscal do governo. E não havia santo que o demovesse dessa posição. Quando se cobrava uma definição dele sobre superávit comercial, limitava-se a dizer que as economias que se abriram completamente ao fluxo financeiro internacional estão crescendo mais que o Brasil. Nem adiantava argumentar que, nelas, a proporção comércio exterior/PIB é muito maior que no Brasil, sujeitando a economia a muito menor volatilidade no câmbio. Naqueles anos de bolhas e esbórnia, as agências de risco eram muito mais propagandis tas da liberdade de capitais do que analistas de risco. E foram elas os batedores que saíram na frente indicando ao capital financeiro o risco de empresas e países. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 99/127 HA 99/127 A manipulação das análises Consultor político de algumas instituições estrangeiras, o cientista político Alexandre de Barros admitiu, na época, que já fora vítima da ditadura dos traders os homens que operam no mercado. Algumas de suas avaliações foram aceitas pelo presidente da instituição, mas que recomendou que não as divulgasse, porque certamente iriam provocar resistências nos seus traders --atrapalhando suas posições no mercado. Esse é o dilema que provocava a crise de auto-conhecimento, que vitimava o mundo todo. O meio acadêmico ainda não havia formulado diagnósticos precisos sobre a crise internacional. O exercício do diagnóstico e do prognóstico ficava, então, nas mãos de analistas ligados aos grandes bancos de negócios, que não eram parte neutra do processo. Suas análises eram utilizadas como argumento de venda de produtos financeiros, e também como instrumento do jogo de mercado dos seus traders para quem o mundo é uma ilha dividida entre comprados e vendidos. Em março de 2000, trinta dias antes da bolha da Nasdaq, foi divulgado relatório do Goldman Sachs recomendando a compra de ações da Microsoft, às vésperas do julgamento da ação de abuso de poder, e com seu valor de mercado batendo em inacreditáveis US$ 400 bilhões. A análise -completamente estapafúrdia, como se revelaria poucas semanas depoisdestin avase apenas a aquecer o mercado para que investidores pudessem desovar seus papéis da Microsoft sem provocar queda das cotações. Apenas no início de 2001 a imprensa norte-americana abriu os olhos para a irrespon sabilidade e a manipulação que grassou no mercado, a partir de muitos analistas de bancos de investimento. Em janeiro, no artigo Como tantos avaliaram de forma tão equivocada?, de autoria de Gretchen Morgenson, o New York Times, começou a botar o dedo em uma ferida que há anos maculava os mercados, penalizando investidores e iludindo a opinião pública: a manipulação exercida por grande parte desses analistas, que se tornaram instrumentos ativos de manipulação de mercados em favor de seus empregadores. A forma mais evidente de manipulação de mercado é o insider information -a informação privilegiada, disponível para apenas parte dos investidores. Tanto aqui como nos EUA já existe uma legislação clara a respeito. Uma segunda forma de manipulação é a espuma -a divulgação de notícias não confirmadas com o intuito de manter as cotações artificialmente elevadas. Nos Estado s Unidos essa forma de atuação também é reprimida. O órgão regulador exige a publicação de confirmações ou desmentidos em forma de fato relevante. No Brasil, tem-se jogado pesadamente na disseminação de espumas com a CVM comportando-se passivamente. A terceira forma de manipulação é a mais complicada. É a disseminação de análises equivocadas, facilitada pela falta de parâmetros para analisar tanto o desempenho de empresas da nova economia como de economias emergentes. Na economia tradicion al as companhias já têm histórico de desempenho. Assim, os erros de análise
são percebidos na hora. Na nova só se percebem os erros depois de consumados os prejuízos. Há uma maneira óbvia de tratar da questão: quem erra não merece crédito e não é mais ouvido. Esse controle de qualidade não existe na mídia brasileira. Os jornais podem se esmerar em programas de qualidade, mas não existe nenhum rating de fontes. A fonte pode dar o palpite que quiser, cometer o erro que cometer, quebr ar empresas e pessoas que acreditem nela, porque nada lhes será cobrado. Suas opiniões passaram a ter peso significativo na decisão sobre bilhões e bilhões de dólares colocados em fundos, sob a guarda de suas instituições. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 100/127 HA 100/127 É sobre os ombros desse profissional, estressado pela própria pressão do dia-a-dia, sem distanciamento para uma análise mais fria da crise, e sendo responsabilizados por decisões que poderiam significar prejuízo pesado para seus empregadores, que repousava esse processo maluco de formação de consensos sobre a economia mundial. É só conferir o analista do Deutsche que previu o calote brasileiro, logo após a crise da Rússia. No dia anterior, suas análises sobre a Rússia haviam infringido prejuízos monumentais ao seu banco. Um sujeito desses, atormentado pelo erro que certament e lhe custará a carreira, cometeu análises nas quais a imprensa mundial foi se basear para formar juízo sobre o Brasil. Era o ambiente ideal para o exercício da unanimidade burra. Ninguém podia ousar uma visão diferenciada, porque idéias precisavam ser estandartizadas para que as avaliações resultassem em decisões de compra e de venda. Para resolver a exposição do Brasil ao risco era necessário obter supéravit fiscal (em ambiente recessivo), aumentar os juros (mesmo inviabilizando a dívida interna), aprovar as reformas, seja lá o que isso significasse. A análise do risco, uma ciência que moveu mundos e produziu o capitalismo moderno, entrou em crise. A instabilidade tornou-se tão acentuada, que os profissionais do risco passaram a se esconder atrás do manto protetor da unanimidade. Se todos se afogassem, ótimo, porque pelo menos ninguém será individualmente responsabili zado pelos erros coletivos. Criaram-se, então, verdades absolutas que, dia após dia, eram desmentidas pelos fatos, agravando a situação nacional, e não sendo rebatidas, pelo medo de investir contra a unanimidade. A cada ataque especulativo, fugia-se da saída óbvia de propor a redução da exposição da economia ao capital especulativo. Em vez disso, repetia-se à exaustão que a saída consistia em ampliar cada vez mais as vantagens, reduzir cada vez mais as limitações, aumentar cada vez mais os juros. A tática adotada em outubro do ano passado pelo Banco Central foi um primor desse exercício da retórica da repetição. Os juros foram jogados nas alturas, o nível de reservas foi mantido, mas com capital cada vez mais volátil. Segurou-se por 10 meses a crise, e para que? Para ter-se, dez meses depois, uma economia mais frag ilizada, uma dívida interna ainda maior, mais inadimplência e recessão. Não se avançou um milímetro sequer na redução das fragilidades macro-econômicas. Criouse uma tática de curto prazo que, dez meses depois, legou uma economia mais frágil e endividada. Esse jogo de responder aos clichês do mercado já vinha de 1994. Vinte dias antes da crise do México, os analistas do Morgan Stanley em seminário no Banco Central, no Rio de Janeiroapresentavam o México como o de menor risco na América Latina; e o Brasil como o maior risco. Um mês depois da queda, o México era o país de maior risco e o Brasil era um risco menor. E porque isso? Simplesmente para não colocar em risco os investimentos que já haviam sido feitos pelo banco para constituir uma clientela para papéis mexicanos. O investimento de vendas tem que ser preservado até a véspera do estouro, para
ser maximizado. Além disso, as análises serviam de freio para qualquer tentativa de ir contra as lin has mestras do que o mercado considerava uma política virtuosa. Quando Lula começou a crescer nas pesquisas eleitorais de 2002, por exemplo, Gustavo Franco deu uma declaração óbvia, porém mesmo assim chocante: Não tem perigo, porque o mercado não deixa. Não que Lula soubesse efetivamente o que fazer. Mas no dia 23 de outubro de 2002, em pleno processo eleitoral, o analista da Sal omon Smith-Barney (ligada ao Citigroup), José Garcia-Cantera, distribuía um documento para sua clientela sobre os planos do PT, caso Lula fosse eleito. 28/8/2006 Luis Nassif 18/7/06 23:31 Comment: Quando mesmo?
OS CABEÇAS DE PLANILHA 101/127 HA 101/127 Dizia estar de posse de um documento interno do partido, onde não se descartaria a possibilidade de mudar a regulação do setor para forçar os bancos a reduzir seus spreads. Recomendava que os bancos não deveriam apostar no médio prazo no Brasil, em função do risco de reestruturação da dívida pública, risco de uma grande intervenção federal no setor e risco de uma economia estagnada. Por alguns detalhes do documento, percebia-se que Garcia-Cantera se baseara em uma reunião da equipe de Lula com a Febraban (Federação Brasileira Bancos), onde em nenhum momento essas hipóteses foram aventadas, segundo outros participantes do encontro. O que levaria um analista a conclusões dessa natureza, sem nenhum embasamento na realidade? Pior: baseando-se em uma reunião na qual estava presente o mundo bancário brasileiro, sem que nenhum outro bancário tivesse entendido a conversa da maneira relatada? A forma de entender esse jogo é recorrer ao fator Jack Grubman, o ex-analista de telecomunicações da Salomon Smith Barney, divisão do Citicorp, acusado de ter manipulado análises para beneficiar operações do banco. No dia 13 de abril de 2002, sob o título O terremoto que se avizinha, antecipei aqui o que poderia acontecer com o Citibank. Não se menospreze o trabalho iniciado por procuradores de Nova York contra bancos de investimentos nova-iorquinos, acusados de manipular o boom ocorrido na Nasdaq. Pode-se estar entrando em período de turbulência maior do que aquele provocado pela revelação das operações da Enron. Apenas no início de 2001 a imprensa norte-americana abriu os olhos para a irrespon sabilidade e a manipulação que grassou no mercado, a partir de muitos analistas de bancos de investimento. Em janeiro, no artigo Como tantos avaliaram de forma tão equivocada?, de autoria de Gretchen Morgenson, o New York Times, começou a botar o dedo em uma ferida que há anos maculava os mercados, penalizando investidores e iludindo a opinião pública: a manipulação exercida por grande parte desses analistas, que se tornaram instrumentos ativos de manipulação de mercados em favor de seus empregadores. Em março de 2000, trinta dias antes da bolha da Nasdaq, foi divulgado relatório do Goldman Sachs recomendando a compra de ações da Microsoft, às vésperas do julgamento da ação de abuso de poder, e com seu valor de mercado batendo em inacreditáveis US$ 400 bilhões. A análise -completamente estapafúrdia, como se revelaria poucas semanas depoisdestin avase apenas a aquecer o mercado para que investidores pudessem desovar seus papéis da Microsoft sem provocar queda das cotações. Naquela semana, o colunista Ben White, do Washington Post escreveu artigo com o título Crise ética desafia reputação de Weill, o líder do Citi, publicado na segundafeira em O Estado de S.Paulo. Dizia ele: Enquanto
se esforçava para transformar o Citigroup Inc. na maior e mais lucrativa
empresa de serviços financeiros dos Estados Unidos, Sanford Weill ajudou a criar um tipo de Wall Street no qual os componentes chaves do financiamento moderno trabalhavam juntos, sob o mesmo teto. Agora, o Citicorp e seu líder estão presos na investigação desse novo mundo. A
questão é se os íntimos relacionamentos entre os analistas de ações e valores, os banqueiros de investimento e outros atores financeiros criaram conflitos que encorajaram companhias a enganar investidores e dar vantagens a grande clientes (...) 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 102/127 HA 102/127 Na semana anterior, o Wall Street Journal divulgou e-mails de Grubman dizendo te r melhorado a avaliação da ATT para fortalecer a luta de Weill contra John Reed, copre sidente executivo do Citigroup, o grupo resultante da fusão entre a Travelers, de Weill, e o Citicorp. A lição de casa e a taxa de risco Quanto maior a dificuldade de uma economia, maior a taxa de risco, maior a remun eração do capital. A estratégia básica desse capital gafanhoto consistia em buscar economias vulneráveis e tratar de minimizar os riscos através de dois expedientes. O primeiro, era prolongar o máximo possível a agonia do paciente. O segundo, contar com a ajuda da cavalaria americana o FMI quando a economia explodisse. O primeiro expediente era fácil de quantificar. Suponha que a taxa de juros americana estivesse em 4% ao ano; a brasileira em 25% ao ano. Ao final de um ano, US$ 1.000,00 aplicado no EUA estariam valendo US$ 1.040,00; no Brasil (sem correção cambial), em R$ 1.250,00. Nesse quadro, o rendimento de um ano no Brasil suportaria um calote de 20%. Ou uma correção cambial de 20%. Em dois anos com esse diferencial, o investimento no Brasil poderia perder até 44% de seu valor e ainda assim ficaria similar ao investimento nos EUA. Com quatro anos, o investimento no Brasil já teria permitido recuperar o principal acrescido de 9% a mais do que o investimento nos EUA. Ou seja, quanto mais prolongasse a agon ia, maior a rentabilidade do investimento, e menor o risco do investidor externo. Aí, vinha a segunda rede de proteção. Quando o país estava prestes a explodir, acertavase um acordo com o FMI. O dinheiro injetado servia para o capital especulativo sair do país sem risco. Vamos às contas: Suponha que o investidor tenha R$ 1.000,00 aplicados no Brasil, com o dólar cotado a R$ 1,00. Na saída, troca esses R$ 1.000,00 por US$ 1.000,00. Quando há o efeito-manada, porém, a saída simultânea de muitos investidores pressiona o dólar. Suponha que o real sofra uma desvalorização de 20% e US$ 1,00 passe a valer R$ 1,20. Com R$ 1.000,00 o investidor só conseguirá adquirir US$ 833,33. No momento da corrida, como o que antecedeu a explosão do câmbio em janeiro de 1999, todo o dinheiro emprestado pelo FMI foi empregado pelo governo brasilei ro para assegurar a saída tranqüila dos investidores externos. De outubro de 1998 a janeiro de 1999, saíram do país US$ ...... bilhões, a um câmbio de R$ ........, garant ido
pelo empréstimo do FMI. Depois que esse capital estava a salvo, veio a explosão cambial, o dólar passou a valer R$ ....... Os empréstimos do FMI encareceram na mesma proporção. Mas, aí, a conta já era do governo brasileiro. A retórica dos juristas Para dar sustentação máxima ao quadro de instabilidade econômica, o mercado desenvolveu retóricas, clichês, alguns de fundo esotérico, outros de uma inconsistência tão primária que assustava, mas eram suficientes para provocar o efeitomanada especialmente na mídia. Esses economistas se denominavam de juristas, por acreditar na função saneadora dos juros, em qualquer circunstância conforme me disse certa vez Gustavo Lo 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 103/127 HA 103/127 yolla, ex-presidente do Banco Central. Em geral, eram economistas que achavam que o país inteiro era uma variável onde a única constante é a taxa de juros alta. Daqui a 50 anos, os historiadores se debruçarão sobre essa escola, com a curiosidade de antropólogos, e identificarão nela vestígios de uma ciência pré-colombiana, que vicejou tardiamente. Foi uma quase ciência, porque quase conseguiu, a seu modo (e com bastante inovação), atender a dois princípios necessários para qualificar um pensamento científico: 1) sistematizou um conjunto de fenômenos econômicos que se aplicavam aos seus princípios (invertendo esse cartesianismo pouco criativo que marcou a ciência ociden tal, de partir dos fenômenos para chegar aos princípios); 2) suas experiências e análises produziram um padrão constante de resultados: sempre erram. Sendo constante, o padrão é de grande valia. Basta ouvir suas previsões e apostar na previsão oposta, para acertar. Durante certo período, as alegações para manter a política monetária beiravam a caricatura. Suas máximas eram as seguintes: Primeira máxima - "Em qualquer nível de atividade econômica, de inflação e de reservas, os juros sempre estarão defasados em 20%." Segunda máxima - "Se a inflação é baixa, a taxa de juros tem de ser alta para compensar a desvalorização cambial. Se a desvalorização cambial é baixa, a taxa de juros tem de ser alta para compensar a inflação. Se não existe nem inflação nem desvalorização cambial, a taxa de juros tem de ser alta por alguma razão que não me ocorre no momento." Terceira máxima - "Se as reservas cambiais estão baixas, a taxa de juros tem de ser alta para que os dólares entrem. Se as reservas cambiais estão elevadas, a taxa de juros tem de ser alta para que os dólares não saiam." Quarta máxima - "Se tem corrida contra o real, a taxa de juros tem de ser alta para contê-la. Se não tem corrida contra o real, a taxa tem de ser alta porque é melhor prevenir do que remediar." Quinta máxima - "Os culpados pelos problemas causados por uma política de taxas de juros permanentemente altas são os adeptos da fracassomania, que criam expectativas negativas, alertando para os problemas causados pela política de taxa s de juros permanentemente altas." Sexta máxima - "Se a política de taxa de juros alta quebrar o país, o problema é com outro departamento. O meu só cuida dos juros." Sétima máxima - "A culpa de uma política econômica que depende de uma meta inviável para ser bem-sucedida é da meta inviável, não de quem considerou a meta viável." Oitava máxima - "Política de juros conservadora é aquela que conserva o país quebrado." Nona máxima - "Todo gasto público não destinado a pagamento de juros é, por definição, iníquo."
Décima máxima - "Administrador público corajoso é o que tem coragem de cortar o leite das criancinhas para garantir os juros da minha clientela." Décima primeira máxima - "Toda previsão econômica é absolutamente correta até nossa próxima retificação semanal." A feijoada financeira Um capítulo à parte na implantação desse modelo foi a retórica cabeça-deplanilha, a maneira como iam sendo construídos argumentos, que se transforma 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 104/127 HA 104/127 vam em clichês, que eram desmentidos pelos fatos e ressurgiam logo em seguida, em uma repetição infindável, que atropelava a lógica. Desde cedo, o modelo econômico se mostrava inconsistente. Defendia a melhoria dos fundamentos da economia através de aumento dos impostos e do corte de gastos públicos. Mas todo ganho era insuficiente para compensar o aumento da dívida devido aos juros. Prometia crescimento, mas exigia juros altos e tributação elevada. Garantia atração de investimentos externos, mas só conseguia atrair capital especulativo de curto prazo, fazendo arbitragem entre juros e câmbio. Como podia um país que seguia rigorosamente a receita do FMI e do mercado continua r com altas taxas de risco, altas taxas de juros, com a desconfiança dos credores? A resposta era óbvia: o modelo aumentava a vulnerabilidade da economia à dívida interna e externa, devido à política de câmbio, que provocava déficits nas contas correntes, e de juros, elevados para atrair dólares necessários para fechar as contas. Como a questão virou tabu, teve início uma ginástica mental fantástica que, dia após dia, tinha que encontrar explicações para a ausência de resultados. Criou-se assim um manual de explicações esotéricas que ajudava a fechar as colunas financeiras O dólar subiu porque a Lei de Falências não foi aprovada, ou porque se demorou para aprovar a reforma da Previdência. Não havia teto para os salários do setor público. Criaram-se teto e sub-teto, mas isso foi uma derrota do governo, uma concessão, por isso o dólar subiu. Se não fosse isso, era o boné do MST que Lula colocou na cabeça que explicava a alta do dólar. Ouvir a explicação do analista de mercado sobre as razões imponderáveis dos movimentos diários do dólar tornou-se uma mesmice insuportável, uma repetição de slogans que afrontam a lógica, mas são aceitos pela força da repetição, transformando qualquer economista de planilha em pensador. Diversos comentaristas, muitos colunistas financeiros, passaram a fazer uso dos slogans e, a partir daí, a compor raciocínios sem relações causais, um bricabraque a partir de peças sem relações causais, sem entender o modelo complexo de funcionament o de uma economia. À medida que o modelo foi se revelando disfuncional, começaram a pipocar problemas em todas as pontas. Nada funcionava, os objetivos de atração de investimentos e promoção de desenvolvimento não eram alcançados. Mas se tratava de justificar cada ponto isoladamente, encontrando uma explicação para cada ponto de seu não funcionamento. Outro sofisma era a comparação entre o custo das diversas crises cambiais. Mostramse dados da crise russa, coreana e argentina e constatam que nosso BC foi extremamente eficiente porque o custo por aqui foi inferior. O México viveu a crise do assassinato de um candidato a presidente da República e o fim de décadas de controle de um partido político sobre o país. A Rússia sofreu o desmonte de um império que existia desde a segunda década do século. A Argentina, as loucuras da lei de conversibilidade. Querer atribuir o menor custo da crise
brasileira às virtudes da política monetária é o mesmo que comparar antigripal com antibiótico. O ponto relevante é que, depois da primeira crise cambial, todos esses países altera ram sua política econômica, deixaram o câmbio em patamar competitivo, passaram a gerar superávits comerciais crescentes, aumentaram as reservas cambiais e reduziram a dependência de capital volátil. Não houve mais crises cambiais. Enquanto isto, em quatro anos o Brasil conviveu com duas crises cambiais gravíssimas, várias menores e não conseguiu recuperar as condições de crescimento. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 105/127 HA 105/127 A lição de casa e as expectativas sucessivas Em todo começo de ano, acenava-se com perspectiva de crescimento, desde que cumpridas certas exigências, em geral ligadas ao corte de despesas da Previdência, na área social. Toda a conta baseava-se no conceito do déficit primário (aquele no qual não entram o serviço da dívida e a amortização). Não se tocava na questão dos juros. Apenas nos últimos anos começou a haver um questionamento maior sobre a taxa de juros, quando os grandes bancos comerciais passaram a constiutui r seus próprios departamentos econômicos e a perceber que a concessão de crédito era a sua vocação, além de ser extremamente rentável, e que poderia ser comprometida pelo nível da taxa básica de juros. À medida que o ano ia passando, as expectativas de crescimento iram se reduzindo. No final do ano, se atribuía o não-crescimento ao não cumprimento das lições de casa. E se insistia que, se abandonasse a terapia proposta, todo o sacrifício f eito até ali seria desperdiçado. Em
todo lugar é assim
Rui Barbosa era um mestre na retórica do em todo lugar é assim. Não raras vezes, se valia desse estratagema para defender uma posição e, logo depois, outra posição completamente oposta. Nos anos do Real, a retórica foi utilizada em muitas ocasiões: 1. O câmbio e o mercado Cada vez que se pedia ao BC para evitar volatilidade do dólar ou valorização do real, a resposta era que o mercado é quem determina o nível do câmbio, porque em todo lugar é assim. Vamos às análises do professor Yoshiaki Nakano, tomando como base estudos do FMI, feito com números até março de 2001. Segundo esses estudos do FMI, há dois anos o mundo poderia ser dividido em quatro grandes blocos, classificados segund o a intensidade de atuação no câmbio. a - No primeiro bloco, 47 países, praticamente todos desenvolvidos, nos quais a intervenção no mercado de câmbio visava moderar a taxa de variação e evitar flutuações indevidas das moedas locais. As intervenções são mais amenas apenas porque esses países não sofrem de vulnerabilidade externa, tem sistema financeiro estruturado e grande parte da dívida em moeda nacional. b - Em 33 países, sobretudo os em desenvolvimento, a intervenção detectada era ativa e a flutuação administrada, mas sem regras fixas ou trajetórias pré-definidas para a taxa de câmbio. São países sem liquidez, com o câmbio exposto a meia dúzia de operações articuladas. O Brasil entra aqui. Nestes países, ao contrário do primeiro grupo, o controle de capitais também é arma eficaz contra a volatilidade cambial. O Chile é um caso clássico. No começo da década de 90, 80% dos ingressos de recursos no país eram de curto prazo. No final da década, quando a quarentena já era prática estabelecida, 80% eram investimentos produtivos. c No meio do caminho entre a taxa fixa de câmbio e alguma flutuação, o FMI categorizou os países com regime intermediário de câmbio, como o regime de bandas e reajustes pré-fixados.
d No extremo do controle cambial, estava um pequeno número de países com currency board e dolarização, como Bulgária, Estônia, Lituânia, Equador e Argentina (na época). 2. O pensamento único do Banco Central 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 106/127 HA 106/127 O Banco Central não poderia pode permitir que integrassem o corpo técnico do COPOM economistas não comprometidos com as metas inflacionárias, porque em todo lugar é assim. No corpo técnico do FED (o Banco Central norte-americano) havia representantes de várias escolas acadêmicas. O charmain Alan Greenspan era da New York University. O vice Roger W. Ferguson, Jr. da Harvard University. Edward M. Gramlich, da Yale University. Susan Schmidt Bies, da Northwestern University. Mark W. Olson, do Saint Olaf College. Ben S. Bernanke, Ph.D do - Massachusetts Institute of Tec hnology. Donald L. Kohn, da University of Michigan 3. Em nenhum lugar do mundo se baixa juros por decreto Toda a estrutura de taxas de juros de uma economia de mercado é iniciada pela taxa básica de juros, baixada por decreto pela Autoridade Monetária. Além disso, o BC interfere nas taxas através de compulsório dos bancos, dos limites de alavancagem no mercado futuro. O mercado financeiro é basicamente regulado em qualquer economia moderna. Nos EUA, o FED conseguiu reduzir a taxa básica de juros para 1% ao ano. E todas as demais taxas vieram atrás. E foi um ato de vontade política. 4. No Brasil, as taxas de juros são altas devido à incerteza provocada por moratórias anteriores. Não bate. O investidor não é moralista. A Argentina quebrou. Quando se consumou o calote, e recuperou sua capacidade de pagamento, o investidor voltou. A Rússia aplicou um calote maior do que o Brasil dos anos 80. Resolveu sua questão de endiv idamento, melhoraram as avaliações das agências de rating. 5. A única preocupação do Banco Central deve ser com a inflação. Nos Estados Unidos, desde o início do novo século já havia consenso de que uma atuação estreita, como a que está em vigor no Banco Central Europeu. Hoje, a economia européia definha porque o BCE está mais preocupado com sua meta de inflação do que em promover a recuperação econômica. 6. A liberdade de fluxo dos capitais de curto prazo é condição necessária para a entrada do capital de investimento. Não havia lógica. Se um país depende de capitais de curto prazo, significa que está vulnerável, exposto a crises cambiais ao primeiro sinal de saída desse capital. O capital de investimento vem para ficar muitos anos. Se percebe que a economia está sujeita aos capitais especulativos, não entra. O capital de investimento entra na forma de dólares, é convertido em reais, fatura em reais e, depois, é novamente convertido em dólares para ser remetido na forma de lucros e dividendos. Se o dólar se desvaloriza, para efeitos de contabilidade todo o estoque de capital de inves timento se desvaloriza na mesma proporção. Os luros gerados em reais também serão menores, quando calculados em dólares. Portanto, o capital de investimento foge do capital especulativo. 7. O investimento não entra por causa da incerteza jurídica. A própria situação da China, sem nenhuma tradição, sem instituições jurídicas ocidentais, mostra que o potencial de desenvolvimento é um elemento maior do que as próprias incertezas jurídicas. Mas, por aqui, na impossibilidade de incluir juros
nas suas avaliações, economistas passaram a bater na tal incerteza jurisdicional um palavrão do qual Bacha se jactava de ter criado. A demora em regulamentar as PPPs (Parcerias Público-Privadas) foi outro argumento utilizado para explicar a de morar na entrada do investimento externo. Multinacionais atuam no setor de bens duráveis, semiduráveis, serviços, transportes e infra-estrutura. Preferem muito mais setores não regulados que os regulados. Se não entrava nem em setores não regulados, como justificar o não ingresso pela falta de regulação? 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 107/127 HA 107/127 8. A violência urbana é que impede uma melhor percepção sobre o país. Naquele que talvez seja a obra-prima do pensamento cabeça-de-planilha, em artigo no Valor o economista Fábio Giambiagi um notável especialista em destrinchar números --, abordava a questão da demanda por magia pela mídia (a mídia que propõe a mudança do modelo, não a que acreditou que bastava abrir para crescer), garatindo que o Brasil não tem um problema de modelo econômico. Sustentava que o que o país tem - e isso afeta a percepção da população, especialmente nos grandes centros urbanos - é um grave problema de falta de segurança. Algo a ver com a falta de verbas para segurança, assim como para saúde, educação, tecnologia? Claro que não, já que o modelo é virtuoso. A solução passa por atacar o problema da impunidade e ter um sistema que aumente a probabilidade de o indivíduo: a) ser preso; b) ser condenado a uma pena elevada; e c) ficar de fato na prisão. Para resolver esse problema provavelmente bastará um aditivo na lei ordenando que o criminoso se considere proibido de fugir quando faltar gasolina para o camburão. Ou que, na falta de recursos para penitenciárias, aceite se hospeda r na casa do Giambiagi. 9. Todo ajuste fiscal com corte de despesas é virtuoso. O então Secretário de Política Econômica Marcos Lisboa dizia que o ajuste fiscal de 2003 era virtuoso porque ocorria com corte de despesas, e não aumento de impostos. As despesas cortadas foram em educação, saúde, tecnologia, infra-estrutura, e na boca do caixa, através de contingenciamento, desarticulando todo o planejamento de gastos do governo. Como são despesas essenciais, além de seu conteúdo fundamentalmente anti-social, criam-se passivos nessas áreas que terão que ser cobertos com muito mais recursos no futuro e mais atraso no presente. 10. Todo país que tem câmbio flexível não enfrentará mais problemas com a vulnerabilidade externa. A conquista do mercado externo não é ação automática, como uma mesa de câmbio que troca de posição em segundos. Ganhar mercado demanda tempo, investimento, persistência para expulsar concorrentes, para convencer os importadores de que haverá continuidade nas vendas. Quando o real se valoriza a ponto da exportação ficar gravosa (dar prejuízo), parte dos exportadores desiste do mercado externo. Se, mais à frente, o câmbio se desvalorizar de novo, o retorno não é automático. Será uma luta nova para recuperar o mercado, só que muito mais difícil, porque o exportador ficou estigmatizado pela não continuidade das suas vendas e será duplam ente cauteloso, depois de perdido todo o investimento no esforço anterior.. O que esse jogo de slogans pretende é que o mercado-fim (a economia real, que exige câmbio favorável e estável) se adapte ao mercado-meio (o financeiro). Nos Estados Unidos seria motivo de piadas pretender que o mercado estável, de longo prazo, tenha que se adaptar ao mercado volátil. Mas esse tipo de argumento era aceito sem nenhum questionamento. O todo pela parte Outra arma retórica era tomar o todo pela parte, ou não relativizar as informações utilizadas no raciocínio. Uma das Atas do Copom justificava a manutenção da taxa de juros inalterada porque tinha havido dissídios em que os reajustes se basearam na inflação passada, ou seja, voltou-se com a indexação. Assim, só isso! Bastava afirmar que houve dissídios indexados para se encontrar a justificativa para a man utenção
dos juros. A edição de segunda-feira seguinte da Folha dimensionaria de maneira competente o tamanho da encrenca. O percentual de reajustes indexados tinha sido baixo e a massa de salários estava caindo. Devidamente dimensionado, o álibi não existia. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 108/127 HA 108/127 Um dos grandes avanços do pensamento moderno foi a visão multidisciplinar (holística), a integração de vários conhecimentos para uma melhor diagnóstico do problema. Não se trata mais de uma tendência restrita à física (onde começou) ou à medicina (ou tem obtido avanços importantes). Os modernos métodos gerenciais incorporam essa visão, impedindo que uma empresa seja conduzida apenas segundo a ótica do financeiro, ou da produção. Sistema que mais influencia a vida dos brasileiros, a política econômica continua sendo conduzida pela ótica dos especialistas, sem a presença de um maestro que possa compatibilizar as várias visões e estabelecer os objetivos a serem alcançados. Prova disso é a dependência da política econômica de dois tipos de especialistas: o jurista (defensor da política monetária como centro de toda política econômica) e do fiscalista (que considera a arrecadação fiscal como objetivo maior de toda política tributária). Por influir em todos os aspectos da vida nacional, política monetária deveria ser an alisada de uma ótica interdisciplinar, com vários especialistas de diversas áreas analisando suas consequências sobre a economia como um todo. É significativa desse estilo especialista a entrevista do então diretor do Banco Cen tral, Francisco Lopes principal guardião da política monetária--, à repórter Suely Caldas, no Estadão. Lopes dizia que os efeitos dos juros altos não estavam fora do torniquete: a) as empresas com Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social acesso a capital externo e c.) as empresas com
eram tão acesso a (BNDES), folga de
perniciosos assim porque financiamentos do Banco b) as empresas com caixa (que podem aplicar
suas sobras). Nos três casos, grandes empresas ou altamente capitalizadas. Depois, minimizava os efeitos sobre o emprego. Juros altos reduzem a atividade econômica, mas o desemprego é fruto da reestruturação da economia, como se redução da atividade econômica fosse neutro em relação à geração de empregos. Um dos elementos centrais na competitividade é o crédito. Se a política monetária beneficia amplamente a grande empresa (intensiva em capital) em detrimento da pequena (intensiva em emprego) como pretender que ela seja neutra em relação ao nível de emprego? 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 109/127 HA 109/127 C CCCa aaab bbbe eeeç ççça aaa d ddde eee p pppl llla aaan nnni iiil lllh hhha aaa A herança maldita de FHC consistiu não apenas na enorme vulnerabilidade externa legada, mas na assunção, pelo governo Lula, do que de mais superficial e autista a análise econômica brasileira produziu nas últimas décadas. Manteve-se o mesmo pensamento que quebrou o país a partir de 1995, na gestão Gustavo Franco, e não logrou reduzir em um centavo de dólar a vulnerabilidade externa na gestão Armínio Fraga-Ilan Goldfajn. Como se explica essa marcha continuada da insensatez, essa insistência reiterada no desastre? Tomemos o sistema de metas inflacionárias, base teórica desse modelo. Na política econômica, é fundamental a boa sinalização para as expectativas dos agentes econômicos. Quando o BC aumenta ou reduz os juros, quanto mais rápida for a adesão do agente aos sinais da política monetária, mais eficaz será a política. Aí vem o economista de planilha do BC o sujeito que monta o modelito, define um objetivo (a meta de inflação) e correlações entre ele e a taxa de juros básica da economia. Não existe ciência nisso, nem perspectiva histórica de estabilidade para permitir definir o nível ótimo de correlação. Por isso, é um jogo de tentativa-e-erro. Aqui, virou o bezerro sagrado. Definido o modelo, cada departamento econômico de instituição monta a sua planilha. E sua competência consiste em acertar os resultados da planilha do BC, para adivinhar os próximos passos dos juros. Quando o modelo é colocado em marcha, cria uma corrente de apoio que nada tem a ver com sua consistência. Não se trata de analisar se o nível dos juros e câmbio está correto para o equilíbrio da economia, mas se reflete a planilha do Ilan. Porqu e os analistas de mercado ganham dinheiro quando acertam o resultado da planilha do Ilan, e perdem quando erram. Qualquer tentativa de se fugir do modelo, mesmo estando ele flagrantemente errad o, cria esse coro de unanimidade contra mudanças. Mas o que está em jogo não é se a política é adequada ou não à economia, mas se segue ou não o que foi definido na planilha do Ilan. Criado o coro, o próprio BC termina refém da planilha do Ilan. E quem é o Ilan? Um economista de visão ampla, conhecedor dos meandros,
das características da economia brasileira, como foram Campos, Bulhões, Simonsen? Não. O Ilan é um especialista na planilha do Ilan. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 110/127 HA 110/127 O OOO ú úúúl lllt ttti iiim mmmo ooo v vvvô ôôôo ooo d ddda aaa g ggga aaar rrrç ççça aaa Tentou-se montar uma política de financiamento à pesquisa, o superávit primário não deixou. Quando se tentou revitalizar a marinha mercante, o superávit primário impediu. O dinheiro das estradas, o superávit primário consumiu. O crédito interno, o superávit primário absorveu. As despesas com saúde, o superávit primário comeu. Quando se pensa em qualquer política pró-ativa, Lula se vira para o interlocutor e resmunga: Mexe com o superávit primário? Se mexer, não sai. Nas últimas semanas, procurei fazer um pequeno inventário dos avanços que o país real conquistou nos últimos anos, apesar do pensamento cabeça-de-planilha. Transformar o potencial em real demanda romper com o nó górdio da dívida. Conforme descrevi na semana passada, há um ponto em comum entre a estagnação da Monarquia, a falta de rumo da Velha República e o rentismo da Nova República (entendido o período que se prolonga da redemocratização até o final do governo Lula). Trata-se do monopólio do crédito. Cria-se o ambiente propício para que grupos internos se associem à banca internacion al, captem a taxas baratas para aplicar, internamente, a taxas caras. Não se trata do movimento virtuoso de aplicar em atividades produtivas, mas de merament e arbitrar taxas. O monopólio do crédito é transferido para a banca internacional. Ganha quem tem acesso ao crédito externo; paga a conta quem fica restrito à moeda interna, pelas taxas de juros pagas, pelos impostos cobrados e pelas despesas públicas cortadas. A transferência da riqueza se dá através desse mecanismo perverso de internacionalizar as aplicações na dívida pública e rola-la a taxas exorbitantes. Pais desse modelo, os cabeças-de-planilha são tão antigos quanto o diabo. Aliados dos escravagistas, flanaram pela monarquia impedindo o Barão de Mauá de espalhar crédito barato pelo país. Depois transformaram os cafeicultores em rentistas, ensinando Campos Salles a destruir as políticas públicas para preservar os créditos em libra. Quebraram o país do Cruzado, quebraram o país do Real. Mas cumpriram sua missão de enriquecer os rentistas e desmoralizar princípios de trabalho, produção, projeto de país e solidariedade nacional.
A vantagem é que esses processos não têm próprios, quando a dívida pública assume Aí se dá a ruptura, que pode ser através política, super-inflação ou tentativa de
como se perpetuar. Encerram-se em si uma dinâmica própria e se torna não financiável. de três caminhos: crise social e saída organizada da armadilha da dívida.
Para a última alternativa, passam-se pelas seguintes etapas: 1) Tomada de consciênci a sobre o esgotamento do modelo rentista. 2) Montagem de um projeto alternativo que permita unir o país em torno das novas idéias. 3) Articulação de um pacto político capaz de dar sustentabilidade ao novo modelo. 4) Montagem da engenh aria financeira capaz de refinanciar a dívida sem comprometer o desenvolvimento. 5) Coragem política para o tiro de largada. No momento, o governo Lula e o país estão começando a sair da primeira etapa. Sobre as demais, falamos outro dia. O fetiche do superávit Vamos retomar o tema da ditadura do superávit primário, levantado nas últimas colunas, a partir do noticiário recente dos jornais. Segundo estudos da economista Érica Amorim mencionados ontem em ó Globo apenas a decisão de manter a taxa Selic em 16% ao ano, contra a previsão de che 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 111/127 HA 111/127 gar em 13% no final do ano, significará R$ 15 bilhões a mais de custo da dívida este ano --R$ 3 bi a mais que todo investimento público previsto. O Brasil gastará este ano US$ 9 bilhões com pagamento de frete a companhias estrange iras. Exportações não estão sendo concretizadas por falta de navios. A saída proposta foi a criação de um Fundo de Aval, no valor de R$ 600 milhões. Sendo de aval, provavelmente nem seria utilizado. Mas como haveria um impacto contábil nas contas públicas, não saiu, por veto da Fazenda e do Tesouro. Criam-se passivos reais por conta de uma miragem contábil. Pouco se fala do déficit nominal (que inclui superávit primário menos a conta de juros), porque aí se exporia o núcleo central do déficit brasileiro: juros elevados. Há duas justificativas para a manutenção das taxas elevadas, ambas sem relação entre si, mas repetidas, em esquema de revezamento, pelos mesmos teóricos. A primeira é que os juros são elevados por conta do tamanho da dívida e do risco Brasil. Se a dívida interna é financiada em reais, qual a razão para se utilizar como referência o risco Brasil, que é parâmetro apenas para a atração de dólares? A segunda é a incrível teoria da jabuticaba, segundo a qual, as grandes empresas costumam comparar taxas longas de juros com expectativas de inflação. Se a diferença for inferior a 8% ao ano, eles reajustam preços. Teorias são formulações abstratas, hipóteses que necessitam de comprovações empíricas para se comprovar corretas ou não. Não existe comprovação dessa teori a. Os preços continuam sendo reajustados quando há demanda e contidos quando há competição. De 1995 para cá todos os soluços inflacionários tiveram por causa principal a desvalorização do câmbio. O que se quer é fugir do ponto focal: porque o câmbio se desvaloriza, mesmo quando o país equilibra suas contas externas? Porque se deixou aberta a porteira para o livre fluxo de capitais, para o ganho fácil da arbitragem, de trazer dinhei ro barato e aplicar em taxas elevadas. Se o FED ameaça aumentar os juros dos EUA, os dólares saem do Brasil provocando uma desvalorização cambial. Aí o Copom aumenta os juros para combater os efeitos inflacionários, voltam os dólares e o câmbio se aprecia de novo, recriando a dependência. Essa lógica do cachorro-comendo-o-próprio-rabo foi dissecada alguns anos atrás pelo economista Rubem Almonacid, já falecido. Hoje em dia, o paradoxo de Almonacid tornou-se referência. E será alavanca fundamental para se quebrar as últimas barreiras da irracionalidade, impondo o controle ao capital volátil, e acabando co m a internacionalização do financiamento da dívida pública brasileira. O desafio é saber a maneira como será operacionalizado. . 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 112/127 HA 112/127 1 O livro Os Argentinos, de Félix Luna 2 Beluzzo, CartaCapital 07/12/2005 3 Magalhães Jr 4 História do Rio de Janeiro, 458 5 Magalhães Jr. 6 História.... 7 História do Rio, 201 8 História do Rio, 459 9 História do Rio, 459 10 Raimundo Magalhães Jr 11 A política externa dos Estados Unidos:da primazia ao extremismo, de César Guimarães do Instituto de Estudos Avançados da USP. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 113/127 HA 113/127 O OOO N NNNo ooov vvvo ooo B BBBr rrra aaas sssi iiil lll O nascimento do novo ciclo O país já iniciou um novo ciclo de pensamento estratégico. A exemplo das duas primeiras décadas do século 20, nos últimos vinte anos houve um vácuo no pensamento estratégico brasileiro. Está-se agora, naquela fase intermediária, em que o novo está sendo plasmado e o velho ainda não foi enterrado. Nos jornais, ainda há o predomínio dos mesmos cabeças-de-planilha que ocuparam o espaço de formulação econômica nos últimos dez anos. Não têm mais nada a dizer. O modelo proposto em julho de 1994 que partia do pressuposto de que a falta de poupança interna seria resolvida com a plena abertura financeira, em detrimento da busca de saldos comerciais esgotou-se seis meses depois de adotado. Mas criou interesses, toda essa imensa legião de consultores, tesoureiros, operadores que passaram a lucrar em cima da mera arbitragem de taxas. Morto, o modelo foi preservado esses anos todos graças a um altíssimo índice de ignorância que marcou a discussão pública, fundado em clichês, na recomendação monocórdica de boas práticas, no tratamento das conseqüências pela impossibilidade de admitir os erros de fundo. Com o esgotamento do discurso, os papagaios retornaram para o segundo planos e os autores originais do modelo voltam a ocupar a cena, tentando dar uma sobrevida impossível. Não se consegue avançar além de uma sucessão de propostas tópicas, sem conseguir uma resposta para a armadilha original do modelo: como resolver o nó de uma dívida pública impagável. Enquanto a mídia continua a repetir os clichês, há um movimento nervoso, incessante, das melhores cabeças do país trabalhando em vários centros de pensamento, concordando nas críticas ao modelo, discutindo saídas para poder convergir nas propostas para o próximo tempo do jogo. Nesse exercício, é importante identificar as diversas camadas de pensamento que, somadas, permitirão entender o todo. Na base de tudo, no plano que leva décadas, às vezes séculos para ser implementado, está o pensamento estratégico. Precisa ser suficientemente complexo para entender os diversos ângulos da formação do país e do mundo; e suficientemente simples e objetivo para conquistar adesões. Esse tipo de pensamento tem que levar em consideração aspectos econômicos, geopolíticos, diplomáticos, antropológicos. Numa segunda camada entra o desafio político, a maneira de juntar forças em torno das idéias traçadas, de tal maneira que se consiga romper a inércia secular brasileira ,
na qual a política tem sido a arte de administrar pressões e quem pressiona são os poderes existentes, o velho, quase sempre em detrimento do novo, o que ainda está por nascer. Finalmente, em um terceiro nível entram os conhecimentos setoriais, a maneira de adaptar a política científico-tecnológica, a regulação micro-econômica, a política industrial e as políticas macro-econômicas. Vamos tentar sintetizar um pouco o conjunto de idéias que estão começando a tomar corpo para permitir a virada do jogo num ponto qualquer do futuro. O neo-desenvolvimentismo em gestação O novo pensamento estratégico brasileiro em gestação poderia ser chamado de neo-desenvolvimentismo. De certo modo é uma soma dos estudos sobre a integração competitiva, desenvolvidos em meados dos anos 80 no âmbito do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social); da visão estratégica da Esco 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 114/127 HA 114/127 la Superior de Guerra, re-elaborada nos anos 90; e da nova postura do Itamaraty, plasmada a partir da segunda metade dos anos 90 e aprofundada nos últimos 18 meses e da visão de mercado consolidada nos anos 90. Na economia, segue o pensamento do alemão Friedrick List e do norte-americano Hamilton que no século 19 estudaram profundamente as raízes do desenvolvimento. List cunhou a expressão chutando a escada, em que demonstrava que os países hegemônicos desenvolviam determinadas práticas para conquistar o centro. Depois, chutavam a escada, demonizando as mesmas práticas que adotaram para impedir que outros países viessem ameaçar sua hegemonia. Isso se dava através do predomínio cultural, da atração de cérebros dos países colonizados e do seu convencimento sobre as boas práticas que deveriam adotar (não é coincidência qualquer semelhança com a lição de casa ou em todo lugar é assim, praticados por nossos cabeças de planilha). As relações de dominação se estabelecem na relação centro-periferia. E o palco do embate é o controle do comércio. Centro é centro porque está no centro das relações comerciais. Os EUA eram periféricos no século 19. Sua estratégia para enfrentar o predomínio inglês no Atlântico consistia em integrar as rotas continentais dos dois oceanos. Não deu certo a primeira experiência de integração, com navios a vapor. Acertaram com as ferrovias transcontinentais e entraram no centro das relações comerciais. O neo-desenvolvimentismo em marcha não é a favor do fechamento da economia, é do aumento das exportações. Contra o conceito de globalização (entendido como integração dos mercados financeiros) contrapõe o da mundialização (a integração comercial e diplomática do país no jogo mundial). Não é a favor do protecionismo dos anos 80, nem no neoliberalismo dos anos 90, mas julga que a competição deve ser um meio de impedir o acomodamento. E que o Estado tem que ser um agente ativo da promoção das empresas brasileiras. Aposta na criação de grandes empresas nacionais e na integração com a Américado Sul. É contr a a especulação financeira, mas não contra os bancos. Acha que é fundamental mecanismos que canalizem para investimentos produtivos a enorme acumulação financeira dos bancos nos últimos dez anos. A era Vargas e a perda de rumo O ciclo em que se encontra o Brasil de hoje guarda enorme semelhança com os anos 20 do século passado. Desde o Império o país se dividiu em dois setores: com acesso ao mercado internacional e aqueles ligados ao mercado interno. Os primeir os sempre ganharam com a arbitragem de taxas: captavam dólares (ou libras) e aplicavam internamente, ou em taxas elevadas ou em ativos baratos. O crédito sempre foi elemento essencial nesse jogo imobilizador. A chave do crescimento consistia em mudanças que carreassem o capital especulativo para o setor produtivo . No Império a resistência à democratização do crédito e à redução dos juros vinha dos escravagistas que detinham o monopólio do acesso ao mercado financeiro interna cional. O café criou uma nova classe com acesso à moeda externa. Muda-se o modelo e,
sem projeto de país, faz-se a República e instaura-se a hiperinflação. Os políticos e os rentistas se valem de financistas economistas formados fora do país que tinham a lição de casa, que consistia meramente em equilibrar o orçamento, não importando de que modo. Não se cortam favores de aliados, mas se corta na saúde; evita-se mexer nos interesses dos credores externos, porque não interessava à nova classe, mas se corta na educação; não se avança sobre o empreguismo na área pública, mas se corta em infra-estrutura. E não se cuida de dirigir o lucro dos cafeicultores para a atividade produtiva. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 115/127 HA 115/127 Essa inércia explode nos anos 20 com o movimento tenentista, que precede e engendr a o nascimento da era Vargas --que vai de 1930, quando Getúlio Vargas toma o poder, até 1980. Ela foi montada sobre um tripé: a industrialização, a urbanização e a integração territorial. Cada vez que uma dessas pernas estivesse ameaçada, o Estado se faria presente. Cria-se o código de águas dando poder de regulação ao Estado e ocorre a substituição de importações. O dinheiro acumulado pelo café deixa de ser rentista para virar capital industrial. E o país cresce como nunca cresceu. Em 1980 o país dispunha de uma indústria de base e de equipamentos pujante e sedenta por projetos, mérito de Geisel. Mas tinha pela frente uma crise externa de proporções gigantescas, culpa de Geisel. E um estado descomunal, obra de Geisel. O grande salto consistiria na privatização organizada e em investimentos em infraest rutura que consolidariam a indústria. Toda a energia do período foi imobilizada pela crise da dívida, pela agonia do regime militar e pelo despreparo de sucessivo s governos. O país se industrializou, mas não virou sociedade industrial --aquela na qual todas as pessoas participam do usufruto dos bens da indústria. A cidade tem que ser o locus do trabalho e do bem estar. Se não é, é porque o país não urbanizou. A integração se limitou a aproximação com o sul do continente e a África muito mais pelas vantagens logísticas. Nos anos 80 moldou-se a nova classe que, com o Real, passa a viver da arbitragem entre dólar e real com a mesma resistência a mudança dos escravagistas e cafeicultores. Segue- o grande vazio similar ao das duas primeiras décadas do século. Agora, retoma-se leito do rio em outras bases. O povo brasileiro Mais visionário dos brasileiros do seu tempo, estudioso que primeiro e melhor inte rpretou o enigma brasileiro do século 20, Manuel Bonfim foi o primeiro a destruir as teorias raciais segundo as quais o Brasil não se completava porque a mistura produzira uma raça inferior. No clássico América Latina, Males de Origem, identifica as grandes forças e processos que marcariam a glória e a desgraça brasileira no século 20. O maior ativo que o país dispunha era a qualidade do seu povo, concluía ele. A mistura de raças gerara um povo afável, criativo, que facilmente assimilava os de fora, que amalgam ara um conjunto de características que garantira a integridade do território nacional. Enquanto o povo fizera a Abolição, a elite promovera a Guerra do Paraguai. Os líricos cantavam os valores nacionais, a elite saqueava o Tesouro. Bonfim apenas tinha dúvidas se era o momento de se escancarar o país à imigração. Queria que a idéia de povo brasileiro estivesse mais consolidada, para o país assimilar os imigra ntes sem o risco de se criar guetos raciais.
O povo ainda era melhor do que supunha Bonfim. No decorrer do século 20, levas de imigrantes de todas as raças aportaram ao país e se tornaram brasileiros desde o embarque. Assimilara, enriqueceram e civilizaram a mistura racial brasileira. Em pleno século 21, na era da globalização, o povo brasileiro emerge como o grande ator internacional de que o país dispõe. Analistas internacionais, sociólogos brasilei ros como Roberto da Matta, aprofundaram estudos sobre essa característica de mediação que faz do povo brasileiro único no mundo, sem conflitos raciais, sem preconceitos, sem racismo apesar da decisão racista de se criar as cotas universitári as. Quando completar a internacionalização das economias, o brasileiro será o povo mediador por excelência. O que significará isso na prática? 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 116/127 HA 116/127 No campo diplomático, suas características de alegria, simplicidade, espontaneidade deverão alavancar o mais integrador e democrático estilo diplomático que o mundo já presenciou. O jogo de futebol no Haiti é um marco dessa nova etapa, dando cor, vida, visibilidade ao papel de mediação que historicamente o Itamaraty desempenhou no mundo. No campo da diplomacia comercial, as grandes empresas brasileiras deverão se valer desses valores culturais, e da enorme variedade de comunidades de imigrantes que vivem no país para abrir mercados e países para seus produtos. Na economia, a palavra de ordem será a cooperação, o grande movimento sinérgico entre grandes e pequenos, estado, universidade, entidades empresariais, terceiro setor, às vezes caótico, sempre estimulante, inspirado nas grandes festas nacionais e nos grandes espetáculos esportivos. Aí se em um dos pilares em torno do qual se irão construir as novas relações sociais e econômicas no país. O povo será protagonista principal de qualquer novo projeto nacional que se pretenda legítimo. E não se trata mais da velha retórica para ganhar votos. A promoção do povo é imperativo de ordem política e econômica. A diplomacia brasileira O neo-desenvolvimentismo brasileiro tem forte componente diplomático e geopolítico. Na verdade, o pensamento estratégico no Brasil vem evoluindo desde o Império. Na época, a consolidação do país estava centrada no Prata. Até a Revolução de 30, na América do Sul. A grande transformação começa a ocorrer agora, com os primeiros ensaios do governo Fernando Henrique Cardoso, aprofundados no governo Lula, de uma atuação diplomática centrada no mundo. Para consolidar seu papel de interlocutor global, o grande desafio geopolítico bra sileiro é a integração da América do Sul, transformando a região em um mega-país, nos moldes da União Européia. Será a maneira de ganhar escala, conseguir unir o Atlântico ao Pacífico e se inserir no comércio internacional com vantagens comparativas consistentes. De certo modo, repetindo a saga americana do século 19. As negociações comerciais em torno do Mercosul estarão sempre sujeitas a fricções. A integração física, não. A América do Sul tem sete espaços de tráfego consistente, ambientes capazes de gerar negócios e dinamismo: 1) O litoral Atlântico, 2) O Planalto brasileiro, 3) a bacia do Prata, 4) a bacia Amazônica, 5) o litoral do Pacífico,
6) a Cordilheira dos Andes e 7) o Orenoco-Caribe. Mas a Amazônia só se transformará em um centro onde se articulam ações de produção se se integrar com seus vizinhos do continente. O desafio estratégico consiste na montagem da estrutura para unir esses espaços por redes de energia elétrica, logística de acesso e comunicação. 2/3 da América do Sul não são dotadas das três coisas. Unido, o continente sul-americano seria autosuficiente em quase todas as matérias primas essenciais. O movimento de integração começou imperceptivelmente há alguns anos, quando Ministros do Planejamento do Mercosul começaram a se reunir para pensar na inte 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 117/127 HA 117/127 gração física do continente. Depois, a idéia evoluiu quando se percebeu que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) poderia se associar ao CAF (Cooperação Andina de Fomento), ganhando escala e capacidade de captação. Está na agenda a reestruturação da ALIDE (Associação Latino-americana das Instituições de Fomento Econômico) para que trabalhem em conjunto, em cofinanciamento das obras de infra-estrutura necessárias. Juntará BNDES, BNB, BASA e BDMG, do Brasil, bancos de desenvolvimento da Argentina, Chile, entre outros. O Convênio de Crédito Recíproco (CCR) é visto como a grande ferramenta de integração comercial -- uma espécie de câmara de compensação, permitindo aos países da região negociarem com suas próprias moedas. Quando o dólar deixar de arbitrar as negociações comerciais, haverá enorme avanço no comércio da América do Sul. Um dos grandes desafios será sustentar o conceito de grande empresa nacional ou latino-americana em um contexto de globalização. O papel da grande empresa Vocação de estadista, apaixonado pela América Latina, herdeiro do mais importante sobrenome da história do moderno capitalismo norte-americano, Nelson Rockefeller via apenas uma saída para o continente: criar uma classe média esclarecida. Sempre alimentou dúvidas fundadas sobre a capacidade da elite do continente em comandar processos de modernização. A industrialização brasileira da era Vargas foi fincada na criação de grandes grupos nacionais orbitando em torno do Estado. Nos anos 80, esses grupos foram beneficiár ios e estimuladores do fechamento da economia, que drenou a competitividade brasileira. Com as possibilidades abertas pela privatização, Fernando Henrique Cardoso reciclou, e entregou a liderança do processo a uma nova classe, dos rentistas, formados nos anos 80 em cima dos lucros proporcionados pelo mercado financeiro. Era um pessoal internacionalizado, sem os ranços que caracterizava a velha FIESP dos anos 80. Apoderando-se do poder, foram beneficiários e estimuladores da abertura financeira que esmagou a competitividade interna. O novo pacto do desenvolvimento brasileiro não pode se escudar apenas na grande empresa. Há empresas que surgiram ou cresceram no período, ganhando a vocação da internacionalização. Mas a Ambev foi absorvida pela Interbrew, CSN quase absorvida pela Corus. Dentro de algum tempo, provavelmente a base de operação da Gerdau, da Vale e outras mais será algum país central. Poderão continuar sob controle de brasileiros, mas a lógica será cada vez mais internacional. Uma das maneiras de manter seu caráter nacional será torná-las aliadas e atores da diplomacia empresarial a conjugação dos seus interesses com os interesses diplomátic os e econômicos do país. Mesmo assim, elas não poderão se constituir na âncora do desenvolvimento, como foi no período anterior, mesmo porque o modelo varguista, se criou grandes grupos
nacionais, não logrou criar uma economia intrinsecamente competitiva. Em parte porque o processo foi interrompido, em parte porque o modelo não previa a irradiação da modernização para fora das grandes empresas. No novo quadro que se desenha, o papel da grande empresa terá que ser mais amplo. O país será competitivo dependendo de sua competitividade sistêmica. E ela depende da expansão da educação, gestão e inovação para o conjunto da sociedade. Quando se analisam os modelos italiano, chinês e coreano, se percebe que o processo de desenvolvimento exige que a inovação transborde das universidades e 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 118/127 HA 118/127 das grandes empresas para pequenas e micro empresas, para arranjos produtivos, para pequenas empresas de base tecnológica. Caberá tanto às grandes empresas nacionais como às filiais de multinacionais serem agentes de disseminação de conhecimento para seu universo de fornecedores, no seu entorno, entre sua clientela. E também se constituir em pontas de lança da colocação da produção da pequena e média empresa no exterior. Mesmo porque, o grande ativo de que dispõe o país para enfrentar a mundialização chama-se povo brasileiro. A inovação como paradigma Os anos 90 consolidaram novos paradigmas na articulação entre universidade, institut os, agências financiadoras e empresas para a busca de inovação. O conceito de inovação ganha força, como complemento indispensável à pesquisa, e define-se com maior clareza o papel de cada agente. À universidade cabe formar quadros e prospectar as chamadas fronteiras do conhecim ento. Aos institutos, pesquisar. Às empresas, inovar. Às agências de financiamento, ser as indutoras para o novo modelo. Constata-se, pela primeira vez, que a abundante produção de papers por parte de pesquisadores brasileiros acabava apropriada por países de cultura mais pragmática. O pesquisador passa a ser valorizado também por sua capacidade de gerar inovação e patente. A partir dos trabalhos pioneiros da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa) de São Paulo), chega-se ao diagnóstico de que a melhor maneira de criar e disseminar a inovação é através da presença dos pesquisadores nas empresas. Começa-se a romper o pesado monopólio sobre os financiamentos públicos para mais focados no cliente: as empresas. organizações incumbidas de promover a campo entre pesquisador e empresa.
das universidades e instituições de pesquisa pesquisa e os recursos passam a ser Criam-se os fundos setoriais e montam-se difusão do conceito de inovação e o meio
Além disso, há o reconhecimento da importância do papel do Estado no financiamento da inovação, com recursos a fundo perdido, com financiamento e com seu poder de compra. Está-se falando de sementes plantadas nos últimos anos, de diagnósticos duramente maturados, em um longo e penoso debate nacional. Entre o diagnóstico e o resultado , tem a construção. O novo modelo de ciência e tecnologia, montado no segundo governo Fernando Henrique Cardoso, quase foi destruído na gestão Roberto Amaral. Agora, começa a reconstrução. A Lei de Inovação está no Congresso, depois de uma ampla discussão que permitiu a inclusão de dois conceitos relevantes: o uso do poder de compra do Estado, e o acesso de empresas a bolsas de pesquisa, para a contratação de pesquisad ores. Há uma tecnologia que pode ser produzida de forma descentralizada, como as ferrame
ntas de software. Mas há uma tecnologia que demanda investimentos pesados. Para ir à frente, existem dois pilares a serem construídos. O primeiro, a mobilização de recursos públicos para financiamento e investimento. Essa perna está completament e paralisada pela obsessão em manter déficits públicos elevados. Fundos setoriais estão sendo contingenciados, assim como recursos para infra-estrutura e outras áreas cruciais. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 119/127 HA 119/127 O pensamento cabeça-de-planilha está tentando dinamitar essas pontes acabando com toda a vinculação orçamentária. Não irá conseguir. Mas vem conseguindo há anos interromper todo o fluxo de recursos para áreas fundamentais. O segundo pilar é a existência de empresas brasileiras com fôlego para bancar o desenvolvimento. O país consegue inovar, e bem, em siderurgia, petroquímica, celulos e e no agro-negócios. Mas quem vai bancar o desenvolvimento em janelas de oportunidades que se abrem, como os fármacos provenientes da biodiversidade brasileira, ou a nanotecnologia? Sobre isso iremos falar mais à frente. Pesquisa e desenvolvimento Hoje em dia a área farmacêutica está na fronteira do conhecimento. E, dentro de uma visão estratégica de longo prazo, abre-se enorme janela de oportunidade para o Brasil. Nos anos 90, a indústria farmacêutica mundial investiu na química combinatória (infinitas combinações em cima de uma molécula). Nos últimos dez anos foram gastos US$ 880 milhões para um único produto que deu certo. No ano passado, não se obteve um resultado concreto sequer. Esse método passou a ser questionado em favor da biodiversidade, o tipo de pesquis a em que a natureza faz a seleção inicial da molécula. E aí entram vantagens comparativas relevantes do Brasil. Tem-se a biodiversidade brasileira. Na Universidade, existe uma pesquisa feita d iuturnamente em laboratórios de nível internacional. Já existe um Sistema Nacional de Inovação, um excelente sistema de pós-graduação em quase todas as áreas estratégicas. Nos últimos dez anos, só a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) investiu R $ 400 milhões, e formou 1.400 doutores nas áreas biomédica e biológica. Existem dois problemas centrais a serem superados. O primeiro, de ordem cultural . Nos países avançados, a geração de conhecimento é universal; a aplicação é nacional. O Brasil ainda não saiu da primeira fase, de sair distribuindo conhecimento como se fosse o primo rico do mundo. Baseada na experiência norte-americana, a Fapesp criou o modelo CEPID (Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão), para fazer o meio campo entre o pesquisador e a empresa. Foram analisadas 120 propostas de criação de CPIDS setoriais e aprovadas 20. Cabe a cada CEPID prospectar pesquisas, obter financiamento junto à própria Fapesp, orientar o pesquisador, inclusive no campo jurídico e contratual, colocalo em contato com empresas interessadas no desenvolvimento. O segundo desafio é como criar a grande empresa nacional nessas áreas de ponta. Recentemente o CAT (Centro de Toxinologia Aplicada), um dos CEPIDs, conseguiu juntar três empresas brasileiras -- Biolab, Biossintética e União Químicano consórcio Coinfar. Pelo modelo, as empresas ficam com 40% da titularidade da patente, o pesquisador líder com outros 10% e a Fapesp com 50%. Já foram depositadas
6 patentes, e mais 3 já inscritas para serem depositadas. Existe o risco de não dar em nada, mas existe a possibilidade de se tornar um prod uto farmacêutico internacional. A dificuldade é a falta de empresas brasileiras de fôlego. O próprio BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) está tentando induzir a uma fusão entre essas empresas para ganhar massa crítica. Mesmo assim, o setor tem poucas empresas, que acabaram se acomodando na rota de menor risco dos genéricos. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 120/127 HA 120/127 O desafio consiste em juntar elementos, induzir a entrada de novos investidores, e prospectar parceiros internacionais, especialmente empresas de grandes paísesbaleia, como China, Índia e Rússia ou empresas médias dos países centrais. De qualquer modo, as peças do jogo estão à mão. Só falta começar a jogar. O INPI e as patentes Dos anos 60 para cá, o país implementou eficiente política de formação de mestres e doutores. Ë enorme a quantidade de PhDs e de pesquisas produzidas. Falta transfo rmalas em riqueza. Entre a pesquisa e o produto, há um tripé essencial: a patente, a metrologia (definindo normas e padrões) e o financiamento. Montar um modelo azeitado nessa área é ponto essencial para se começar a pensar na inserção do país na tecnologia de ponta. E aí aparecem os gargalos. Comecemos pela patente. O órgão de registros de marcas e patentes do país é o INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial). Foi criado em 1970, como autarquia. Hoje é ligado ao MDIC (Ministério de Desenvolvimento , Indústria e Comércio). Em 1996 o Brasil aderiu ao acordo internacional de patentes, o TRIPs (Treaty on Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights). Em função dele, foi publicada lei que estabelece que o INPI deveria ter autonomia para contratar e pagar se us funcionários com recursos da própria autarquia. O superávit primário não deixa. Hoje em dia o pesquisador ou empresa entra com pedido de patente ou registro de marca, paga antecipadamente e tem que esperar até seis a sete anos para obtê-la. Em 1994, o INPI recebia entre 45 e 55 mil pedidos de marca e 10 mil de patentes por ano. Tinha cerca de 80 examinadores de marca e 130 de patentes que não davam conta do recado. Em 2000, o número de examinadores de marcas caiu para 42, e o número de marcas a serem examinadas explodiu para 110 mil. O número de examinadores de patentes caiu para 88, o número de pedidos subiu para 23 mil. O USPTO (o INPI dos EUA) tem 11mil funcionários. Desde a sua fundação, em 1970, o INPI realizou apenas três concursos públicos. Os funcionários contratados saem ou por motivo de morte ou para não morrerem de fome. Para um cargo que exige, no mínimo, mestrado, o salário é de R$ 2 mil. No final de 2003, o INPI fechou três delegacias regionais, de Santa Catarina, Bahia e Pernambuco. Restaram apenas 6. Ao assumir o cargo, o Ministro Luiz Furlan autorizou o órgão a contratar mais 108 novos servidores, dos quais 32 examinadores de patentes e 16 de marcas. E concor dou com a contratação de mais 450 servidores nos próximos 2 anos. Também está sendo fechado acordo com o Escritório Europeu de Patentes, para acessar seu sistema de busca de patentes, um banco de dados com mais de 100 milhões de documen tos. Mas é pouco. Recentemente foi indicado para o cargo o diplomata Roberto Jaguaribe,
conceituado, é fato, mas dividindo as atribuições com as de Secretaria de Tecnologia Industrial do MDIC. O INPI exige dedicação integral, valorização do corpo de funcionários, garantia de continuidade administrativa. Nos primeiros 14 anos de vida, o INPI teve 4 presid entes. Nos últimos 20 anos, teve 14 presidentes. Além da agilidade maior interna, há outros desafios fundamentais para a produção de tecnologia. Um deles, o custo da patente internacional, que pode chegar a US$ 100 mil. O outro, a falta de empresas brasileiras que possam bancar o desenvolvi mento de produtos de ponta. Sobre isso, falo amanhã. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 121/127 HA 121/127 O ativo social do SUS A nova visão de país que se pretende, cuja construção se iniciará nos próximos anos para vigorar pelo próximo século, pressupõe o exercício permanente da solidariedade. Há consenso, à direita e à esquerda, que a inclusão social permite não apenas criar uma sociedade mais justa, como incrementar o capital social e, com efeito dinamizador sobre outros setores da sociedade. E, aí, o grande ativo de que o país dispõe é o Sistema Único de Saúde (SUS), autêntica obra coletiva, que surgiu dos estudos de sanitaristas nos anos 60. Desde 1990 o SUS vem sendo socialmente construído em um movimento incremental lento. Primeiro, começou-se a transferir recursos para estados e municípios. Depois, se criaram as condições para uma gestão tripartite, de municípios, estados e União. Com o fim do INAMPS, consolidou-se o federalismo, através da instituição da gestão plena, dando aos municípios habilitados a condição de gerirem suas verbas, sob supervisão do Ministério da Saúde. No entanto, a crise fiscal do Estado acabou gerando dois SUS, como lembra o médico mineiro Eugênio Villaça Mendes, principal especialista do setor. O constitucional propõe a universalização do sistema. O real subdividiu o sistema em três: o público, destinado a 140 milhões de brasileiros, o Sistema de Atenção Médica Suplementar, de planos de saúde, destinado a 38 milhões de brasileiros, e o Sistema de Desembolso Direto, ao qual recorrem os brasileiros, ricos e pobres, para a compr a direta de serviços. Ao se segregar os pobres no SUS, colocou-se o modelo em xeque. Com a desorganização social e baixa vocalização política de seus usuários, o sistema público tende, sempre, a ser sub-financiado e a ofertar serviços de menor qualidade. O gasto sanitário total per capita do Brasil, em 2001, foi de US$ 222, contra US$ 603 do Uruguai e US$ 679 da Argentina. Em 2001, o gasto sanitário público do Brasil em relação ao gasto sanitário total foi de 41,6%. As evidências internacionais mostram que, nos sistemas públicos universais, essa relação deve ser superior a 70%., diz Villaça. É pouco dinheiro e mal gasto. Se bem gasto, continuaria pouco. Em vez de se defend er dinheiro bem gasto e suficiente, propõe-se a eficiência como álibi para reduzir recursos. Três movimentos conspiram para destruir o SUS. O primeiro, foi ter jogado nas costas das seguradoras atender inclusive a população de baixa renda. Segregou-se o cliente do SUS, desviou-se o foco das críticas e jogou-se o modelo da universali zação no limbo. Há uma (justa) chiadeira nacional contra reajustes de seguradoras, mas quase nenhuma reação em relação ao desmonte do SUS. Agora, se cria a Farmácia Popular, que rompe com um dos principais paradigmas do SUS a oferta remédio gratuito à população atendida. Finalmente, há as tentativas de desvinculação orçamentária, que terminariam por destruir o modelo de rede social, dentro do álibi da focalização. O SUS é fundamental para o desenho do novo país. Mas sua manutenção passa pelo
modelo monetário e fiscal. E aí se começa a entrar no fulcro da questão, tema das próximas colunas. O novo planejamento É interessante acompanhar os primeiros ensaios no Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, especialmente a metodologia de planejamento que está sendo desenvolvida pelo coronel Oliva e que consta do documento A Metodolo gia da Gestão Estratégica do NAE. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 122/127 HA 122/127 Antes dele, recorreu-se ao setor privado, à indefectível Booz Allen --que já havia registrado rotundo fracasso quando contratada para tocar parte do projeto "Brasi l em Ação", no primeiro governo FHC, e a reorganização do Departamento de Promoção Comercial do Itamaraty. O conhecimento interno no país, na atualidade, está muito à frente desse tipo de consultoria fast-food, que se limita a trazer manuais desenvolvidos para situações e circunstâncias diferentes, sem capacidade de adaptálos a novas situações. Vendem (e caro) grife, não resultados. A metodologia desenvolvida pelo coronel Oswaldo Oliva Neto, está em linha com tentativas de ponta desenvolvidas em poucas empresas mundiais: a substituição do planejamento estático, que trabalha com a visão de projeto e de orçamento com metas rígidas, pela noção de processo. No modelo estático, não são levados em conta a instabilidade do ambiente e o dinamismo da construção do futuro. O caminho consiste em substituir o conceito de projeto pelo de processo, e o de planejamento pelo de gestão. A partir daí, emergem novos valores: a visão global; a pró-atividade e o foco participativo; o incentivo à criatividade; o permanente con trole do processo; o foco organizacional; a ênfase em alianças; a responsabilidade social; e a aprendizagem contínua. Dados esses fundamentos, está se desenhando a nova metodologia, que consiste em: identificação da realidade presente; conhecimento dos fatores históricos (ações e agentes), com a finalidade de se compreen der a dinâmica do passado, que conduziu a sua conformação na atualidade; antevisão dos possíveis cenários futuros e suas implicações na definição e conquista dos objetivos estratégicos identificados; elaboração de todas as soluções estratégicas possíveis de conquistar os objetivos identificados nos cenários prospectivos; utilização dos fundamentos da estratégia para selecionar a solução estratégica mais adequada para a conquista destes objetivos; construção das curvas de futuro que apontam todos os parâmetros necessários à conquista dos objetivos estratégicos; permanente interação corretiva entre o plano teórico e a realidade, para adaptar a construção das curvas de futuro à realidade, sem perder o foco no objetivo; aplicação do poder disponível (vontade e meios), no local, na forma e no momento certo, para contribuir, no presente, com a construção do futuro e garantir a conquis ta dos objetivos estratégicos pretendidos. Por enquanto o NAE é um ensaio, que poderá ou não trazer resultados se conseguir fugir da sina de dispersão que tem caracterizado as tentativas de implantação de ferramentas de gestão do atual governo. Mas os conceitos em jogo merecem ser analisados.
A integração continental Principal responsável pela Agenda de Desenvolvimento da União Européia, a portuguesa Maria João apresentou uma síntese brilhante de sua estratégia na reunião de ontem do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) O primeiro passo consiste em superar as dicotomias que costumam aprisionar as discussões nacionais. Como a dicotomia entre econômico e social, entre produtividade e emprego, entre política macroeconômica e desenvolvimento, entre fechamento e globalização. A implantação da Agenda européia passou por cinco fases: 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 123/127 HA 123/127 Momento 1: definição da estratégia, o big bang, que significa harmonizar o conheciment o existente, identificar os atores relevantes que tenham algo a dizer e experiência a transmitir. A questão chave é definir apenas um objetivo estratégico, para evitar dispersão. No caso da Agenda da Lisboa, o objetivo definido foi o de criar uma trajetória de desenvolvimento sustentável, criando mais e melhores empregos, reduzindo a desigua ldade social com base em uma economia competitiva fundada na geração do conhecimento. Para se atingir o objetivo proposto, definiu-se uma lista restrita de prioridade s. Tem que ser quatro, cinco prioridades no máximo, ensina Maria João. Foco no emprego. Mais e melhores empregos, explorando novas áreas de criação de emprego com criatividade e inovação. Novas políticas de inclusão social, mais voltadas para equipar pessoas para se tornarem ativas e de promoverem socialmente do que seguindo a lógica compensatória. Construção de novos fatores competitivos, mais baseados na qualidade, na inovação, através de um sistema nacional de inovação. Definição de uma política macroeconômica que possibilite melhor articulação com crescimento na base de uma reforma do sistema financeiro. Repensar a política de inclusão competitiva na economia internacional. Momento 2 --consagração pública da estratégia. Os governos nacionais precisam apresentar o máximo de capacidade política e de mobilização da sociedade civil. Momento 3 transformação dos princípios em agenda, através do desdobramento em planos para políticas setoriais. No caso do pacto europeu, foram definidas políti cas para onze setores, desde política de emprego, reforma da Previdência Social, tecnologia etc.. Simultaneamente foram identificadas medidas concretas e indicadores de acompanha mento, como indicadores de progressão do desenvolvimento: de emprego, de qualificação, de nível de proteção social, de redução da pobreza etc. Momento 4: a implementação da política. A grande preocupação é a adaptação da política a cada região e local, com envolvimento dos atores mais relevantes. Há uma especial atenção para o desenvolvimento regional, sem a visão compensatória. Cada região tem que traduzir para ela a estratégia que o país adotou para si. Momento 5: o monitoramento, verificar constantemente o que está acontecendo, corrigindo a trajetória, aprendendo uns com os outros, de forma que os casos de sucesso se difundam rapidamente. O papel de um organismo tipo CDES seria a capacidade de sentir a pulsação da socieda
de civil, ajudando na implementação da estratégia de forma adaptada a cada região. O interesse nacional Nas próximas semanas haverá um encontro em Brasília de estudantes de Relações Internacionais. Nele, cada faculdade representará um país, entenderá quais seus interesses e os defenderá em um fórum de negociações. Utilizarão as táticas que elas utilizam, montarão acordos das quais eles se valem. Chamo a atenção para esse evento porque representa a consolidação de um conhecimento fundamental: o de que as grandes potências são grandes porque aprenderam desde crianças a incluir a defesa dos interesses nacionais em todos seus atos externos e internos --que pode ser uma norma de comércio da Organização Mundial 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 124/127 HA 124/127 do Comércio (OMC) ou uma recomendação do FMI. Algumas são boas, algumas são ruins, nenhuma é desinteressada. Pode ser uma estratégia positiva, de criar mercados de consumo nos países emergentes , consolidar a democracia, criar ambientes econômicos modernos. Pode ser uma agenda negativa, de impedir o desenvolvimento de tecnologias concorrentes, atrapalhar o desenvolvimento bélico; impedir alianças comerciais que fortaleça a autonomia dos emergentes. O grande problema tanto do nacionalismo quanto do internacionalismo dos anos 50 era a indiferenciação de atores e ações. Colocavam-se no mesmo balaio as iniciativas de Nelson Rockefeller de introduzir a pesquisa agrícola em países tropicais e as conspirações de Lincoln Gordon em 1964. Ambas as posições --dos nacionalistas e internacionalistas--refletiam a baixa autoestima nacional, a falta de informação e, por conseqüência, de fé na própria capacidade do país de identificar oportunidades e armadilhas, para lograr negociações soberanas. Nos anos 90, era sinal de "modernidade" repetir clichês como "fazer a lição de casa", defender que cortar verbas de saúde e educação são pré-condição para o crescimento, e supor que a internacionalização da economia significaria o fim do conceito de interesse nacional uma visão tão enganadora quanto a de supor que faz parte das virtudes de Estado massacrar pobres e excluídos para reservar recursos para a banca. A idéia da disfuncionalidade Estado-nação está desmoralizada. Dois domingos atrás, o próprio Francis Fukuayama, o grande ideólogo da teoria do "fim da história", no artigo em que discute o livro "Multidão" de Negri/Hardt (caderno "Mais"), diz q ue "a falta de poder e a pobreza no mundo atual não se devem ao excesso de poder dos Estados-nação, mas à sua fraqueza. A solução não é minar a soberania, mas construir Estados mais fortes no mundo em desenvolvimento". Para que esse Estado cumpra suas funções, no entanto, são fundamentais os princípios da profissionalização e da impessoalidade na definição das políticas públicas. Este será um dos grandes desafios dos novos tempos que virão. Agora é bobagem se espelhar no passado para decretar a impossibilidade de um modelo eficiente de intervenção. Hoje em dia, existe um grau de consciência inédita no país. O papel do Estado nacional Em plena era da globalização, há espaço para o Estado nacional? Em havendo, quais seriam seus limites e potencialidades? Todo grande país conta com um Estado forte e atuante. Por isso mesmo é ciência cabeça de planilha decretar que, como a intervenção do Estado foi abusiva nos anos 80, toda forma de intervenção do Estado será sempre abusiva. Que mané determinista é este? Um Estado nacional, e conceitos como o neonacionalismo são relevantes porque a soma da lógica das empresas predominantes, em um determinado momento da história, não corresponde necessariamente à lógica de futuro de país. O Brasil de 2020 só será bem sucedido se abrir espaço para um conjunto de atores que hoje em dia ou são insignificantes politicamente, ou sequer existem. Quem vai defendêlos?
Além disso, nenhuma empresa, por mais poderosa que seja, tem fôlego suficiente para montar formas de auto-defesa contra outros países e/ou empresas estrangeiras. Quando o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) atuou de forma pró-ativa para impedir a entrada da Bombardier no país, e criou as condições para a Embraer voar, era o Estado nacional atuando em defesa do que se considerou interesse nacional. Foi um esboço da nova forma de atuação do estado. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 125/127 HA 125/127 Esses conceitos estão magistralmente descritos na obra do autor alemão Friedrich List (1789-1846), Sistema Nacional de Economia Política (Coleção Os Pensadores da Abril Cultural, edição de 1983). List historia o processo de Na década de 1830 já previa e ironizava a visão de Adam das vantagens comparativas, agrícola.
desenvolvimento e decadência de diversas economias. que os EUA iriam se tornar a maior potência do mundo Smith que, algumas décadas antes, baseado na teoria garantia que a vocação dos EUA era iminentemente
Anotava que a costa Atlântica tinha se tornado centro manufatureiro. A expansão agrícola se dava em direção ao interior do país. Sem a proteção aos centros manufatureiros, teria ocorrido uma dispersão, uma migração de pessoas e talentos para o centro e para a costa do Pacífico, demolindo o potencial de crescimento. Se a in dústria manufatureira era nascente, como conseguiu impor seus interesses? Porque, acima deles, pairava o interesse nacional exercido pelo Estado soberano. O livro de List é fantástico pela capacidade de observação da realidade e por definir claramente os limites da proteção e da atuação do Estado. Há o momento da proteção e o momento da competição. Em casos analisados como Veneza--, o que destruiu a economia foi excesso de proteção. Em outros como em Portugal--, o desregramento moral com o ganho fácil. Em outros, a abertura comercial indiscriminada. Em todos os casos bem sucedidos, o nacionalismo foi ferramenta de coesão, permitin do consolidar princípios éticos, liberdade de manifestação e de iniciativa, ética do trabalho e da inovação como valores centrais, e como moderadores de excessos que pudessem vir a ser cometidos pela ação do Estado nacional. Mas a quem caberá definir os pontos centrais de uma ação de Estado? Voltamos com o tema em outra coluna. O vôo do falcão Daqui a algum tempo a opinião pública olhará para trás e se surpreenderá como foi possível uma sobrevida tão longa a um amontoado de clichês tão rasos desses anos 90, a história da lição de casa, do superávit primário como fim em si, esse modernoso tão velho e primário quanto a usura. Mas o jogo é esse. O amadurecimento de um país não se dá de forma linear, mas aos trancos e barrancos. O golpe final simbólico foi dado pela entrevista de Fernando Henrique Cardoso ao Primeira Leitura admitindo publicamente o que ele não podia admitir por contingência do cargo e da sua responsabilidade sobre a situação: o modelo é insustentável, pela progressão da dívida e pela impossibilidade de crescer. Dado o tiro de largada, o processo de reavaliação do modelo será acelerado. Mas é importante não se repetir simplificações de outros tempos. Em meio à aridez intelectual da discussão pública dos anos 90, como flores no deserto consolidaram-se novos princípios e paradigmas relevantes, provenientes dos centros mais diversos de pensamento. A cada novo dia, mais claro ficará que a construção do país dependerá de educação, saúde, inclusão social, inovação, gestão, competitividade. O pessoal da tecnologia desenvolveu conceitos sobre o papel da inovação, o pessoal
da qualidade sobre o papel da gestão; as áreas militar e diplomática dinamizaram a visão da geopolítica territorial; a diplomacia avançou no conhecimento dos processos de negociação comercial; economistas mais sofisticados desnudaram as inconseqüências do atual modelo; a inserção competitiva no mercado internacional tornouse valor maior, assim como conceitos como responsabilidade social. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 126/127 HA 126/127 Não são idéias do grupo A ou B, mas ativos intelectuais nacionais, consolidados em dez a quinze anos de discussões, avanços e frustrações, em meio ao festival de irrelevâncias monofásicas que predominou no período. Há que se discutir, discutir como nunca, para que as diferenças sejam aplainadas, as análises complexas se imponham sobre o pensamento monofásico, e dessa discussão saia um país mais justo, forte e promissor. Fala-se na criação de um Instituto Celso Furtado, mantido por governos da América do Sul, para retomar as discussões sobre desenvolvimentismo. Do lado não ortodoxo, há novos centros de discussão econômica sendo montados como a Escola de Economia da FGV-SP--, centros tradicionais sendo revitalizados como a Unicamp e a UFRJ. Do lado ortodoxo, a velha FGV está renascendo em instituições como o IBMEC. Sem o predomínio de seus talibãs, a PUC Rio tem pensadores sofisticados. E há tentativas independentes de ampliar o escopo da discussão. Idéias mágicas e salvadoras continuarão a ser utilizadas por vendedores de Bíblia. Mas o país não comporta mais vôos de galinha nem de garças. O país tem que iniciar o seu vôo do falcão. Se não for com Lula, será com o próximo presidente. Mas é inevitável nossa vocação para ser uma grande nação. É a política, estúpido Ficou famosa a frase do assessor de Bill Clinton sobre a campanha eleitoral nort eamericana, alertando para o tema que no final prevalece. Vale o inverso para a mudança do modelo econômico e para o novo salto que o país experimentará nas próximas décadas: é a política, estúpido! Sem consenso nacional, batalhado no campo das idéias e dos conceitos, sem a adesão dos diversos setores que compõem a sociedade, não se avançará mais do que guerras retóricas. Não se está mais no país dos tenentes nem dos generais. Tão pouco no país do populismo ou de outros momentos da história nos quais um grupo detinha uma idéia e a transformava em bandeira salvadora. Nas últimas semanas, procurei traçar um quadro das potencialidades que o país acumulou nessas décadas perdidas, como idéias inovadoras avançaram em várias frentes, a maneira como o país se sofisticou. Falta agora a arrumação política, que é o ponto crucial. Os diversos centros de pensamento inovador pouco conversam entre si. Grandes corporações, elite acadêmica, APLs, economistas desenvolvimentistas, diplomacia, área militar etc. O estalo de Vieira que precipitará o processo de crescimento se da rá no momento em que todos se olharem e se verem partes de um mesmo corpo, somando e trocando competências -- aprimoramento da gestão, busca da inovação, investimento em educação e saúde, ousadia diplomática, integração física do continente, parceria com as subsidiárias de multinacionais. É dessa visão integral de país que emerge o sentimento de nacionalidade capaz de empurrá-lo em direção ao futuro, com todas as peças funcionando simultaneamente. É por isso que o conceito de pacto faz todo o sentido. E pacto implica relações prévias civilizadas no campo político. Há valores que não podem ser desrespeitados, menos ainda pelos que são poder, como a impessoalidade no trato da coisa pública,
o respeito aos direitos individuais, à liberdade de imprensa. E há que se cuidar da retórica. Na política, valem os atos e valem as declarações. A guerra das idéias se dá em um círculo restrito de pessoas. Quando as velhas idéias são superadas, gradativamente as novas idéias começam a conquistar círculos maiores até se chegar ao último estágio o dos cultivadores de clichês. Hoje os chamados desenvolvimentistas no governo são muito mais atacados pelo desperdício da retórica do que pelas idéias. 28/8/2006
OS CABEÇAS DE PLANILHA 127/127 HA 127/127 Como toda guerra de idéias, as vitoriosas se impõem sobre as moribundas, o que estimula o espírito aguerrido que povoa as grandes discussões públicas. Mas se se perder de vista a idéia do pacto, se se permitir que os embates eleitorais criem u m racha, se se passar a sensação de que idéias serão colocadas a serviço de interesses partidários ou conspiratórios, será mais uma oportunidade perdida e a reedição das polarizações políticas do passado. O país já tem as condições para a virada. Mas só conseguirá desatar esse nó górdio o governante que conseguir pairar acima das paixões partidárias. 28/8/2006