UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE FUNDAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA - FESAC
JOÃO AURÉLIO PONTE DE PAULA PESSOA
OS ASPECTOS DA INCIDÊNCIA DO ICMS SOBRE OPERAÇÕES COM ENERGIA ELÉTRICA
FORTALEZA - CE MAIO - 2006
JOÃO AURÉLIO PONTE DE PAULA PESSOA
OS ASPECTOS DA INCIDÊNCIA DO ICMS SOBRE OPERAÇÕES COM ENERGIA ELÉTRICA
Trabalho apresentado à banca examinadora da
Universidade Estadual do Ceará – UECE e Fundação Escola Superior de Advocacia FESAC,
para
conclusão
do
Curso
de
Especialização em Direito Empresarial. Orientador: Judicael Sudário de Pinho .
FORTALEZA - CE MAIO - 2006
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JOÃO AURÉLIO PONTE DE PAULA PESSOA
OS ASPECTOS DA INCIDÊNCIA DO ICMS SOBRE OPERAÇÕES COM ENERGIA ELÉTRICA
Trabalho apresentado à banca examinadora da
Universidade Estadual do Ceará – UECE e Fundação Escola Superior de Advocacia FESAC,
para
conclusão
do
Curso
de
Especialização em Direito Empresarial. Orientador: Judicael Sudário de Pinho .
FORTALEZA - CE MAIO - 2006
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SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO.................................. INTRODUÇÃO........................................................ ............................................ ............................................... .....................................05 ............05 2. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O IMPOSTO DE CIRCULAÇÕES SOBRE MERCADORIAS – ICMS............................................. ICMS................................................................... ............................................ ...................................08 .............08 2.1 COMPETÊNCIA E REGRA MATRIZ DE INCIDÊNCIA...................... INCIDÊNCIA..............................08 ........08 2.2. SUJEITO PASSIVO................................... PASSIVO......................................................... ............................................ ....................................11 ..............11 2.3. BASE DE CÁLCULO.................................... CÁLCULO.......................................................... ............................................. ................................13 .........13 3. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A INCIDÊNCIA DO ICMS NAS OPERAÇÕES COM ENERGIA ELÉTRICA................................... ELÉTRICA......................................................... ...................................17 .............17 3.1. CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA DA ENERGIA ELÉTRICA..........................17 ELÉTRICA..........................17 3.2. A ESTRUTURA ATUAL DO MERCADO DE ENERGIA ELÉTRICA.......18 3.3. INCIDÊNCIA DO ICMS I CMS SOBRE A ENERGIA ELÉTRICA.........................20 3.4. IMUNIDADE EM OPERAÇÕES INTERESTADUAIS..................................22 INTERESTADUAIS..................................22 3.5. ENERGIA ELÉTRICA COMO PRODUTO ESSENCIAL E O PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE................................... SELETIVIDADE......................................................... ............................................ .........................................25 ...................25 4. O ICMS SOBRE OPERAÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA E AS HIPÓTESES DE NÃO-INCIDÊNCIA................................ NÃO-INCIDÊNCIA...................................................... .............................................. ............................31 ....31 4.1. O CASO DA DEMANDA CONTRATADA DE POTÊNCIA – NÃO INCIDÊNCIA DO ICMS........................................... ICMS................................................................. ............................................ ...........................32 .....32 4.2. AS TARIFAS DE USO DOS SISTEMAS DE DISTRIBIÇÃO (TUSD) E DE TRANSMISSÃO (TUST) DE ENERGIA ELÉTRICA - NÃO-INCIDÊNCIA DO ICMS....................................... ICMS............................................................. ............................................ ............................................ ..........................................42 ....................42 4.3. AS PERDAS TÉCNICAS E COMERCIAIS DE ENERGIA ELÉTRICA – NÃO INCIDÊNCIA DO ICMS......................................... ICMS............................................................... .........................................44 ...................44 5. OUTRAS QUESTÕES SOBRE O ICMS NA INCIDÊNCIA SOBRE OPERAÇÕES DE ENERGIA ELÉTRICA.................................... ELÉTRICA.......................................................... .........................,.................. ...,......................................48 ....................48 3
5.1. BASE DE CÁLCULO E A INCIDÊNCIA “POR DENTRO”.........................48
5.2. PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE DO ICMS E A QUESTÃO DA ENERGIA ELÉTRICA COMO INSUMO...............................................................54 5.2.1. ASPECTOS BÁSICOS.................................................................................54 5.2.2. OPERAÇÕES COM ENERGIA ELÉTRICA E O CREDITAMENTO.................................................................................................57 5.2.2.1.
ESTABELECIMENTOS
HÍBRIDOS
(COMERCIAL
E
INDUSTRIAL).....................................................................................................61 5.3. O CONSUMIDOR FINAL COMO CONTRIBUINTE DE FATO DO IMPOSTO E A SUA LEGITIMIDADE PROCESSUAL........................................63 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................66 6.1. SÍNTESE DO EXPOSTO................................................................................66 6.2. CONCLUSÕES.................................................................................................69 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................................73
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1. INTRODUÇÃO
O presente estudo pretende expor as peculiaridades existentes na incidência do
“imposto sobre operações relativas à circulação de mercadoria” (ICMS) no consumo (circulação) de energia elétrica.
A energia elétrica, desde muito, é item de relevante importância para o ser humano, seja suprindo as primeiras necessidades do homem, quando, como por exemplo, ilumina a noite, seja indiretamente, fomentando os meios de produção.
No Brasil, nos últimos anos, o preço da energia elétrica vem evoluindo a patamares muito superiores ao da inflação, ganhando peso, passando a representar um dos principais custos da vida do cidadão, bem como onerando demasiadamente as empresas.
Essa evolução ocorreu principalmente após a privatização das estatais de geração e distribuição de energia e a aplicação de um modelo de regulamentação do setor energético com a edição das leis federais nºs 8.987 e 9.427.
Na mesma esteira do aumento das tarifas de energia elétrica, vêm se pautando os Estados-membros da federação, ampliando as alíquotas do ICMS, bem como fazendo incidir tal imposto sobre operações não expressas nem na Constituição nem mesmo na Lei Complementar que regula a matéria.
A escolha pelos Estados da Energia Elétrica como alvo de sobre-carregamento da tributação tem como principais razões: primeiro, a essencialidade de tal gênero, 5
conseqüentemente gerando um consumo abundante; segundo, a facilidade de fiscalização, com baixos índices de sonegação no setor.
Diante do peso que representa a tributação de tais operações para a sociedade como um todo, mas principalmente para os empresários, que utilizam a energia elétrica em grande escala nos seus meios de produção e circulação de bens, o presente estudo procura analisar as peculiaridades dessa hipótese de incidência do ICMS, com o fim de apontar as distorções existentes e as possíveis soluções que podem ser buscadas.
Para tanto, procuraremos esclarecer amiúde a forma de incidência de tal tributo sobre as operações com energia elétrica, abordando inicialmente algumas questões gerais do ICMS, para num segundo plano analisar a incidência na circulação da energia elétrica.
Também adentraremos em facetas concretas das operações com energia elétrica, estudando especificamente a questão do fato de incidência da lei tributária, em confronto com fatores técnicos, como questões sobre a natureza da operação, serviços correlatos e/ou agregados ao fornecimento de energia, perdas técnicas, que acabam por atestar inúmeras ilegalidades cometidas pelas Fazendas Públicas Estaduais ao considerar incidente o tributo em situações de não-incidência.
Analisaremos ainda inúmeras questões mais intrínsecas de tais operações, como sua base de cálculo, sua alíquota, as imunidades aplicáveis, substituição tributária, entre outras, dando ênfase aos princípios constitucionais tributários que encabeçam o micro-sistema jurídico do ICMS, notadamente o princípio da não-cumulatividade e da seletividade.
6
No que atine ao princípio da não-cumulatividade, estudaremos as possibilidades de creditamento do valor pago a título de ICMS incidente sobre a energia elétrica utilizada no processo produtivo, abordando o procedimento atual, o entendimento dos tribunais e as possíveis interpretações lógico-sistemáticas aplicáveis.
Quanto ao princípio da seletividade, obrigatoriamente teremos que mencionar o aspecto essencial da energia elétrica para a vida humana, numa sociedade onde a energia elétrica é um produto básico de sobrevivência.
Ainda acerca das peculiaridades do ICMS incidente sobre as operações com energia elétrica, enfrentaremos questões mais voltadas para o ponto de vista processual, principalmente no que tange à legitimidade processual do consumidor final de energia para se defender em juízo.
O trabalho não necessariamente se delinea de maneira uniforme e retilínea como descrito neste intróito, mas indispensavelmente se pauta pela coerência lógico-jurídica e pela sistemática kelseniana, vislumbrando o tema pelas normas jurídicas aplicáveis, vista dentro de um micro-ordenamento jurídico.
7
2. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O IMPOSTO DE CIRCULAÇÕES SOBRE MERCADORIAS - ICMS
2.1 COMPETÊNCIA E REGRA MATRIZ DE INCIDÊNCIA
O ICMS (imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação) é de competência dos Estados e do Distrito Federal.
A regra matriz de incidência de tal tributo está prevista na Constituição Federal, senão vejamos: Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; III - propriedade de veículos automotores.
Sua regulamentação constitucional está prevista na Lei Complementar 87/1996 (a
chamada “Lei Kandir”), alterada sucessivamente pelas Leis Complementares 92/97, 99/99, 102/2000 e 114/2002.
O já citado inciso II do artigo 155 da Constituição Federal de 1988 estabelece que o imposto incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal
e de comunicação, ainda que as
operações e as prestações se iniciem no exterior.
8
A Carta Política aglutinou sob o rótulo único de ICMS uma série de cinco impostos, com hipóteses de incidência diferentes, conforme alude o Prof. Carraza:
A sigla ICMS alberga pelo menos cinco impostos diferentes; a saber: a) o imposto sobre operações mercantis (operações relativas à circulação de mercadorias); que de algum modo, compreende o que nasce da entrada de mercadorias importadas do exterior; o imposto sobre serviços de transporte interestadual e intermunicipal; c) o imposto sobre serviços de comunicação; d) o imposto sobre produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos e de energia elétrica; e, e) o imposto sobre a extração, circulação, distribuição ou consumo de minerais. Dizemos diferentes, porque estes tributos têm hipóteses de incidência e bases de cálculo diferentes. Há pois, pelo menos cinco núcleos distintos de incidência do ICMS.1 2
Por sua vez, a alínea “a”, do inciso III, do artigo 146 da Constituição, designa que cabe a lei complementar estabelecer normas gerais em matéria tributária, especificamente, sobre definição dos fatos geradores dos tributos.
Nesse ponto, é mister salientar que, como leciona Hugo de Brito Machado 3, a lei complementar não é instrumento hábil para instituição de tributo, a não ser, é claro, naqueles casos nos quais a própria Constituição determina que o tributo será criado por lei complementar.
1
CARRAZA, Roque Antônio. “ICMS”. 9ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002. Nesse momento estamos analisando o ICMS como um todo, para em seguida nos ativermos no item „d‟ acima descrito, mais especificamente no que atine a produção, importação, circulação ou consumo de energia elétrica. 2
3
MACHADO, Hugo de Brito. “Curso de direito tributário”. 24 ed.. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 129.
9
Disto concluímos que a lei complementar funcionará como uma lei das leis, mas caberá aos Estados e ao Distrito Federal instituir o ICMS por leis ordinárias estaduais ou distritais.
Observando a competência constitucional mencionada, a definição da área fática dentro da qual o legislador pode trabalhar, na criação das hipóteses de incidência do ICMS, encontra-s hoje veiculada pela Lei Complementar 87/1996 (a chamada “Lei Kandir”), alterada sucessivamente pelas Leis Complementares 92/97, 99/99, 102/2000 e 114/2002, que assim dispõe em seu artigo 2º:
Art. 2° O imposto incide sobre: I - operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares; II - prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores; III - prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza; IV - fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios; V - fornecimento de mercadorias com prestação de serviços sujeitos ao imposto sobre serviços, de competência dos Municípios, quando a lei complementar aplicável expressamente o sujeitar à incidência do imposto estadual. § 1º O imposto incide também: I - sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo permanente do estabelecimento; II - sobre o serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior;
10
III - sobre a entrada, no território do Estado destinatário, de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou à industrialização, decorrentes de operações interestaduais, cabendo o imposto ao Estado onde estiver localizado o adquirente.
Relativamente ao momento da ocorrência do fato gerador, em linhas gerais esse ocorre no momento da saída da mercadoria do estabelecimento ou no ato da prestação do serviço.
Em virtude disso, na enorme variedade de conceitos legais aplicáveis no que atine ao momento da ocorrência do fato gerador, o que acaba por ser exaustivo sua análise, não cabendo no presente estudo, adentraremos apenas no caso específico da incidência na circulação ou consumo de energia elétrica, o que faremos adiante.
2.2. SUJEITO PASSIVO
Geraldo Ataliba assinala que “o sujeito passivo da obrigação tributária é o devedor, convencionalmente chamado contribuinte. É pessoa que fica na contingência legal de ter o comportamento objeto da obrigação, em detrimento do próprio patrimônio e em favor do
sujeito ativo.” 4
Embora a Constituição Federal não tenha indicado diretamente o agente capaz de fazer nascer a obrigação de pagar ICMS, este, por exclusão, é facilmente identificável sendo o comerciante, o industrial e o produtor.
4
In MELO, José Eduardo Soares de. “ICMS – Teoria e Prática”8ª ed. São Paulo: Dialética, 2005, p. 156.
11
Nas palavras de José Eduardo Soares Melo o contrib uinte do ICMS deverá ser: “a) as pessoas que pratiquem operações relativas à circulação de mercadorias, b) prestadores de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, c) prestadores de serviço de comunicação, e d) importadores de bens e mercadori as.”5
Continua o autor:
Nas operações relativas ao fornecimento de energia elétrica, enquadram-se como contribuintes as concessionárias, as distribuidoras, os produtores independentes e os auto produtores (estes quando comercializam as sobras dos produtos).
A Lei Complementar nº 87/96, em seu artigo 4º, estabelece:
Art. 4º Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. Parágrafo único. É também contribuinte a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem habitualidade ou intuito comercial: I – importe mercadorias ou bens do exterior, qualquer que seja a sua finalidade; II - seja destinatária de serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior; III – adquira em licitação mercadorias ou bens apreendidos ou abandonados;
5
Op. Cit., p. 158.
12
IV – adquira lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo e energia elétrica oriundos de outro Estado, quando não destinados à comercialização ou à industrialização.6
Por razões econômicas ou visando a facilitar a fiscalização, o legislador forma como sujeito passivo da exação, pessoa diversa daquela que operou a hipótese de incidência no mundo fenomênico ou desloca a qualidade de sujeito passivo de uma para outra pessoa, que fica na posição daquela. Conseqüência disso é que ou a obrigação tributária já nasce tendo como sujeito passivo alguém que não corresponde ao indicado no texto constitucional, ou a sujeição passiva se desloca, por força de lei, para outra pessoa, desde que não confronte o desígnio constitucional.
Nessas situações, os sujeitos passivos são chamados pela doutrina pátria de sujeitos passivos indiretos, os quais se subdividem em duas espécies: a responsabilidade e a substituição. Não é objeto da presente monografia a análise de tais espécie, razão pela qual nos atemos as explicações lançadas nos parágrafos anteriores.
2.3. BASE DE CÁLCULO
Leciona Roque Antônio Carraza:
Base de cálculo é a dimensão da materialidade do tributo. É ela que dá critérios para mensurar o fato imponível tributário.7
6 7
Redação dada pela LC 114/2002. Op. Cit., p. 123.
13
Deve tal elemento do tributo ser apontado pela lei, já que também está submetida ao regime da reserva legal.
No caso do ICMS, a base de cálculo há que ser o valor da operação mercantil realizada, aferida conforme determinação da Lei Complementar nº 87/96, na saída da mercadoria do estabelecimento, na transmissão de mercadorias depositadas em armazéns/depósitos fechados ou na transmissão de sua propriedade.
O valor da operação mercantil, compreensivo, por óbvio do valor da mercadoria, pode agregar outros montantes designados acessórios, como os descontos incondicionais, o frete, seguros, juros, entre outros. Contudo é necessário que sejam previstos legalmente e possam ser juridicamente referidos à operação tributada.
Em momento específico deste trabalho adentraremos em duas questões referentes a esse assunto, notadamente quanto à inclusão do próprio ICMS em sua base de cálculo e à tributação de agregados ao consumo de energia elétrica não tributáveis, como por exemplo a Demanda de Reserva de Potência.
2.4. ALÍQUOTAS
Paulo de Barros Carvalho alude que a alíquota congregada à base de cálculo, dá a
compostura numérica da dívida, produzindo o valor que pode ser exigido pelo sujeito ativo, em cumprimento da obrigação que nascera pelo acontecimento do fato típico.
Continua o autor: 14
Etimologicamente, alíquota, vocábulo latino da primeira declinação, quer dizer parte, a parcela que se contém no todo um numérico exato de vezes (...) Infere-se do exposto que as alíquotas podem assumir duas feições: a) um valor monetário fixo, ou variável em função de escalas progressivas da base de cálculo (p. ex.: $ 1,20 por metro linear, até 100 metros; $ 2,40 por metro linear, de 100 a 300 metros, e assim por diante); ou b) uma fração, percentual ou quantia monetária.8
A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu artigo 155, § 2º, uma série de preceitos às alíquotas do ICMS, imprimindo certa peculiaridade , senão vejamos:
ART. 155. (OMISSIS) ------------------------------------------------§ 2º O imposto previsto no inciso II, atenderá ao seguinte:" -------------------------------------------------------V - é facultado ao Senado Federal: a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta de seus membros; b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados, mediante resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços de seus membros;
Como se percebe caberá ao Senado, através de Resolução, estabelecer alíquotas mínimas e máximas para as operações internas.
8
CARVALHO, Paulo de Barros. “Curso de Direito Tributário” 13ª ed. São Paulo: Editora Sar aiva, 2000, pp. 335/336.
15
Estabelece ainda a Carta Maior outras regras quanto às alíquotas que não são pertinentes nesse momento, mas que adiante poderão ser melhor abordadas.
Importante apenas salientar que, dentro dos patamares estatuídos pela Constituição Federal e pelas Resoluções do Senado, os Estados e o Distrito Federal estabelecerão por via de lei ordinária as alíquotas pertinentes às operações tributáveis sem, contudo, deixar de lado o caráter seletivo, ou seja, a possibilidade de onerar diferentemente produtos e serviços, de forma proporcional à sua essencialidade, como será estudado separadamente.
16
3. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A INCIDÊNCIA DO ICMS NAS OPERAÇÕES COM ENERGIA ELÉTRICA
3.1. CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA DA ENERGIA ELÉTRICA
Afigura-se necessário conhecer alguns aspectos da eletricidade, bem como do direito da eletricidade, uma vez que é por intermédio deles que se poderão regular e entender questões relevantes das normas pertinentes ao estudo.
Ensina-nosa Clever Campos que eletricidade “é o fenômeno físico de movimentação de elétrons (corrente), obtido em um condutor (fio), quando submetido a uma tensão
(vontagem)”9:
O fenômeno físico descrito acima somente será um fenômeno jurídico quando de alguma forma houver uma vantagem econômica ao ser humano, abrangendo três elementos: a) o fenômeno físico da eletricidade; b) a utilização de corrente elétrica e conseqüente energia elétrica; c) a repercussão econômica.
Complementa nosso pensamento a advogada Érika F. Flenik em laboral estudo:
Esses três elementos básicos quando se apresentam conjugados, quando funcionam relacionados, corporificam o conceito de eletricidade, como objeto de um Direito próprio, constituindo uma unidade fenomênica jurídica, que impõe a construção de um conceito jurídico da eletricidade. 9
CAMPOS, Clever M. “Introdução ao direito de energia elétrica”. São Paulo: Ícone, 2001.p 16.
17
Isto porque, com efeito, não é interesse do Direito a regulação do fenômeno físico da eletricidade, considerando em si, mas sim sua disciplina quando utilizado pelo grupo humano e regulando suas conseqüências econômicas.10
A energia elétrica é classificada com bem móvel. Nas palavras de Pontes de Miranda:
“energia é coisa, como o ar, a água, a t erra, tem-se de tratar como coisa, de cuja especificidade resulta específico o contrato de energia”. 11
O Código Civil de 2002 assim dispôs:
Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais: I – as energias que tenham valor econômico.
O Código Tributário Nacional por sua vez lhe deu atributo de produto industrializado:
Art. 74. (omissis). ---------------------§ 1.º Para os efeitos deste imposto, a energia elétrica considera-se produto industrializado.
3.2. A ESTRUTURA ATUAL DO MERCADO DE ENERGIA ELÉTRICA
10
FLENIK, Érika Fernandes. Demanda contratada de potência: incidência de ICMS?. Jus Navegandi, Teresina, a. 10, n. 958, 16 fev. 2006. Disponível em: . Acesso em: 03 abr. 2006. 11 PONTES MIRANDA, Pontes de, Tratado de Direito Privado: parte geral. Tomo II. 1 .ed.atual. Vilson Rodrigues Alves, Campinas: Bookseller, 200, p. 180.
18
A exploração do serviço público de energia elétrica, aí compreendidos todos os assuntos relacionados, como organização dos serviços, desde a produção até a distribuição, é de competência exclusiva da União Federal, conforme dispõe o artigo 21, inciso XII, alínea
“b”, da Constituição Federal:
Art. 21. Compete à União: [...] XII – Explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: [...] b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos.
Nos últimos anos, com o processo de privatização, houve a desverticalização das diferentes esferas do setor elétrico que passou a se dividir em quatro vertentes básicas: geração, transmissão, distribuição e comercialização.
No presente estudo não vamos adentrar detalhadamente em todas as vertentes. Daremos ênfase apenas aos consumidores finais de energia elétrica.
Cumpre-nos esclarecer nesse momento a divisão entre consumidores livres, que possuem uma demanda considerável, podendo comprar livremente energia elétrica, dos consumidores cativos, que estão sujeitos ao monopólio da distribuição.
Os consumidores livres estão sujeito ao regime contratual na compra da energia, podendo livremente pactuar os termos de seu fornecimento, enquanto os consumidores cativos
19
estão sujeitos a um regime tarifário, imposto pela Agência Nacional de Energia Elétrica ANEEL.
3.3. INCIDÊNCIA DO ICMS SOBRE A ENERGIA ELÉTRICA
A energia elétrica há muito tempo é considerada mercadoria, podendo ser economicamente e juridicamente movimentada como um bem.
Dessa forma, a Constituição Federal preconizou que o ”imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual
e intermunicipal.....” incide sobre a circulação de energia elétrica.
Tal entendimento brota quando da análise da seguinte passagem da Constituição:
Art. 155. (omissis): ........ § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: ...... X – não incidirá: ......... b) sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica. ....... § 3º. À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artiggo e art. 153, I e II, nenhum outro tributo poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País.
20
Dessa forma conclui Carraza:
Ora, se o ICMS “não incidirá sobre operações que destinem a outros Estados energia elétrica”, segue- se, “contrario sensu”, que incidirá em outros
tipos de operações relativas a energia elétrica.
Aliás, é o que preceitua expressamente o precitado art. 155, § 3º, que enfatiza que, sobre as operações com energia elétrica só (sic) poderão incidir o ICMS, o imposto sobre a importação e o imposto sobre a exportação.12
Segundo a Constituição Federal, este imposto tem por hipótese de incidência possível a circunstância de uma pessoa produzir, importar, fazer circular, distribuir ou consumir energia elétrica.
Socorre-nos novamente CARRAZA:
O consumo de energia elétrica pressupõe, logicamente, sua produção (pelas usinas e hidrelétricas) e sua distribuição (por empresas concessionária ou permissionárias). De fato, só se pode consumir uma energia elétrica anteriormente produzida e distribuída.13
Enfatiza-se que este tributo incide sobre a realização de operações relativas à circulação de energia elétrica, sempre tendo em vista o consumidor final, pois a energia elétrica, diferentemente das mercadorias propriamente ditas, não é suscetível de 12 13
Op. Cit., p. 197. Op. Cit., p. 197.
21
armazenamento, havendo sua produção (usinas e hidrelétricas) e circulação através de distribuidoras (p.e. CHESF e COELCE) diretamente para o consumidor final.
No âmbito legal, a Lei Complementar nº 87/96, seguindo o lapso do Convênio ICM nº 66/88, não contemplou claramente a hipótese que seria aplicável à energia elétrica. As hipóteses de incidência específicas, que não a entrada ou saída, como fornecimento de alimentos e bebidas ou aquisição em licitações de bens apreendidos, não contemplam a eletricidade.
A despeito disso, não há dúvidas acerca da possibilidade legal de incidência do ICMS sobre a energia elétrica, eis que expressamente assegurada pelo § 3º, do artigo 155, da Constituição Federal.
3.4. IMUNIDADE EM OPERAÇÕES INTERESTADUAIS
A Constituição Federal, na alínea b do inciso X do parágrafo 2º do artigo 155, assim dispõe:
Art. 155. (omissis): (....) § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (....) X – não incidirá: (...).
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b) sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica.
A Lei Complementar nº 87/96, seguindo o comando constitucional, restringiu o âmbito da imunidade; no inciso II, de seu artigo 3º, previu desta forma:
Art. 3º O imposto não incide sobre: (...) III – operações interestaduais relativas a energia elétrica e petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, quando destinados à industrialização ou à comercialização;
Por outro lado, estabeleceu, no inciso III, do parágrafo 1º, de seu artigo 2º, a seguinte incidência:
Art. 2º - (...) § 1º O imposto incide também: III – sobre a entrada, no território do Estado destinatário, de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou à industrialização, decorrentes de operações interestaduais, cabendo o imposto ao estado onde estiver o adquirente.
Escreve José Eduardo Soares de Melo a respeito:
Esta diretriz afronta a norma constitucional (art. 155, X, b), que reza que o ICMS „ não incidirá sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica‟ .
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O legislador complementar objetivou bipartir a operação interestadual com referidas mercadorias, entendendo (implicitamente) que a imunidade constitucional estaria circunscrita unicamente à remessa do Estado de origem até a fronteira do Estado destinatário; passando a ocorrer o fato gerador do ICMS na “entrada” no território deste
último Estado (art. 12, XII).14
Ives Gandra Martins arremata:
Nitidamente, a lei complementar mutilou o texto constitucional, reduzindo a imunidade constitucionalmente concedida de forma ampla a todas as operações – inclusive as não destinadas à comercialização e industrialização – com o que alterou o preceito constitucional, amputando o espectro da desoneração desejado pela lei suprema e tornando a menor do que a ofertada pelo constituinte. 15
Por outro lado, restringir a imunidade constitucional aos limites estabelecidos pela lei, é o entendimento dado pelo Supremo Tribunal Federal, passando ao largo de toda a controvérsia doutrinária, aduzindo o seguinte:
TRIBUTÁRIO. ICMS. LUBRIFICANTES E COMBUSTÍVEIS LÍQUIDOS E GASOSO DERIVADO DO PETRÓLEO. OPERAÇÕES INTERESTADUAIS. IMUNIDADE DO ART. 155, § 2º, X,B, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Benefício fiscal que não foi instituído em prol do consumidor, mas do Estado de destino dos produtos em causa, ao qual caberá, em sua totalidade, o ICMS sobre eles incidente, desde a remessa até o consumo. Conseqüentemente descabimento das teses da imunidade e da inconstitucionalidade dos 14
Op. Cit., pp. 104 e 105. MARTINS, Ives Gandra da Silva. “A hipótese de imposição do ICMS nas operações com energia elétrica. Peculiaridades nas operações interestaduais.” Jus Navegandi , Teresina, a. 6, n. 53, jan. 2002. 15
24
textos legais, com que a empresa consumidora dos produtos em causa pretendeu obviar, no caso, a exigência tributária do Estado de São Paulo. Recurso conhecido, mas desprovido.16
Como se percebe dos trechos colacionados, embora a maior parte da doutrina entenda que a imunidade tributária nas operações interestaduais de energia elétrica seja irrestrita, entendo inconstitucional o trecho da LC 87/1996 que a restringe, o STF pôs fim à controvérsia julgando pela constitucionalidade da Lei Complementar, incidindo, pois, o ICMS sobre a entrada, no território do Estado destinatário,... de energia elétrica, quando
não destinados à comercialização ou à industrialização, decorrentes de operações interestaduais, cabendo o imposto ao estado onde estiver o adquirente. 17
3.5. ENERGIA ELÉTRICA COMO PRODUTO ESSENCIAL E O PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE
Antes de 1988, a alíquota do ICM (como era conhecido o ICMS) era uniforme, não variava de acordo com a mercadoria e tinha caráter eminentemente fiscal. Porém, com a Constituição de 1988, o ICMS passou a ter também caráter extrafiscal, por meio do princípio da seletividade, interferindo na política socioeconômica, com o intuito de desestimular o consumo de mercadorias supérfluas por meio da aplicação de maiores alíquotas e tornar as mercadorias essenciais acessíveis a todos, aplicando-lhes menores alíquotas ou até isentandoas.
A respeito doutrina Carraza: 16
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Tributário. Recurso Extraordinário nº 198.088. Relator: Ministro Ilmar Galvão, Brasília, DF, 05 de setembro de 2003. STF, Brasília, 2005. 17 Art. 2º, § 1º, III da Lei Complementar 87/96.
25
Cumpre-se o princípio da seletividade comparando-se mercadorias ou serviços. Nunca, evidentemente, discriminando-se contribuintes, em função de raça, sexo, ocupação profissional etc., que a isto obsta o art. 5º, I, da CF. As mercadorias e os serviços de primeira necessidade devem, necessariamente, ser menos onerados, por via de ICMS, que os supérfluos ou suntuários. Por trás destas idéias está presente, em última análise, o princípio da capacidade econômica, pelo qual, quem, em termos econômicos, tem mais, há de ser mais onerado, do que quem tem menos.18
O princípio da seletividade, referente ao ICMS, está previsto no art.155, § 2º, da CF/1988, que assim preceitua:
O imposto previsto no inciso II atenderá o seguinte: (...) III – poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços;
Cumpre observar, neste momento, que, a nosso ver, que o singelo “poderá” equivale, na verdade, a um peremptório “deverá”. Não se está aí diante de uma mera faculdade do
legislador, mas de uma norma cogente, de observância obrigatória. 19
Quanto ao conceito de “essencialidade”, Henry Tilbery assim se pronunc iou:
12.6 – O conceito de „essencialidade‟ não deve ser interpretado estritamente para cobrir apenas as necessidades biológicas (alimentação, vestuário, moradia, tratamento médico), mas
18 19
Op. Ct., p. 323. Op. Ct., p. 323.
26
deve abranger também aquelas necessidades que sejam pressupostos de um padrão de vida mínimo decente, de acordo com o conceito vigente da maioria. 12.7 – Conseqüentemente, os fatores que entram na composição das necessidades essenciais variam de acordo com o espaço (conforme países e regiões) e o tempo (grau de civilização e tecnologia). (...) 12.9 – Em um país, que se encontra em fase avançadíssima de desenvolvimento, como é o caso do Brasil. A imposição seletiva sobre o consumo em função da essencialidade é um instrumento para frenar o consumo de produtos indesejáveis ou ao menos necessários, para liberar força para investimentos merecedores de apoio, e, ao mesmo tempo, constitui instrumentalidade para nivelar diferenças excessivas no consumo de diversas classes em diversificação das zonas e alcançar a meta de redistribuição de rendas e maior aproximação 20
da Justiça Fiscal.”
Nesse contexto, fica patente a qualquer cidadão da essencialidade da energia elétrica nos dias atuais. Vejamos a propósito os apontamentos feitos por Hugo de Brito Machado Segundo:
Neste fim de século, mesmo as famílias de baixíssima renda consomem energia elétrica em suas casas. Talvez apenas aqueles mais miseráveis, que nem teto possuem, não sejam seus consumidores. A maioria da população possui geladeira para conservar alimentos, um ferro elétrico para passar suas roupas, lâmpadas para iluminar a escuridão; bens sem os quais não se vive com dignidade. Sem energia não há vendas, prestação de serviços ou produção. Não se vive, apenas sobrevive, e mal.
20
Apud MELO, José Eduardo Soares de. ICMS teoria e prática . 8. ed. São Paulo: Dialética, 2005. p. 277.
27
Evidentemente, o princípio da seletividade tem por escopo favorecer os consumidores finais, que, no final das contas, são os que suportam a carga econômica do ICMS. Não é por outra razão que quem, adquirindo bem ou serviço luxuoso, revela possuir grande capacidade econômica deve ser proporcionalmente imprescindível à sua vida ou frui de um serviço essencial. É que, neste último caso, não há, em rigor, liberdade de consumo, mas apenas, necessidade, já que ninguém pode prescindir de pão, de transporte coletivo, de energia elétrica (apenas para citarmos alguns exemplos). Daí ser imperioso que sobre estes bens e serviços se faça sentir um tratamento fiscal mais brando. 21
Note que a alíquota do ICMS incidente sobre a energia elétrica em vários Estados da federação atinge a sua graduação máxima de 27%, como é o caso do estado do Ceará, onde a tributação se dá por tal alíquota (25% + 2% de adicional para fundo contra a pobreza – norma de cunho financeiro claramente inconstitucional, embora pareça que ignorada tal inconstitucionalidade em razão de sua finalidade, pelo menos etimologicamente, altruísta).
Isso sem contar que o imposto incide sobre o próprio imposto, o que eleva tal alíquota nominal de 27% para uma alíquota real de 36,9863...%, constituindo a chamada tributação por dentro, que será objeto de estudo em capítulo adiante.
Assim, fica patente a inconstitucionalidade da legislação estadual que confere ao ICMS incidente sobre o consumo de energia elétrica uma alíquota própria de mercadorias de luxo ou suntuárias, cabendo ao Poder Judiciário declarar a inconstitucionalidade.
21
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. “A tributação de energia elétrica e a seletividade do ICMS”. Revista Dialética de Direito Tributário 62/73, nov. 2000.
28
Seguindo essa lógica, em caso inédito, o Tribunal de Justiça do Paraná – TJPR, entendendo que houve violação ao princípio da seletividade pela legislação estadual que fixou alíquota máxima para o ICMS incidente sobre energia elétrica, assim decidiu:
Tendo o Estado do Paraná adotado a seletividade do ICMS em função da essencialidade do serviço, ao fixar para a energia elétrica a mesma alíquota do que aquela estabelecida para os produtos considerados supérfluos ou suntuosos, violou o princípio da seletividade do ICMS. A aplicação de alíquotas mais elevadas para mercadorias de primeira necessidade visa o aumento da arrecadação tributária. Todavia, o legislador não pode desvirtuar a norma constitucional, utilizando-se indevidamente da seletividade para onerar os contribuintes de menor poder aquisitivo, os quais não podem deixar de utilizar um serviço essencial como é a energia elétrica. 22
Pensamos um pouco além, temos a idéia que é plenamente aplicável mais de uma faixa de alíquota no consumo de energia elétrica levando em conta a classe tarifária, a atividade do consumidor e o montante de consumo, realizando nesse caso o primado de justiça fiscal, como almeja o princípio da seletividade.
O Distrito Federal é um dos entes que onera o consumo de energia elétrica seletivamente, com alíquotas variáveis de acordo com o tipo de consumidor (residencial, industrial, comercial e Poder Público) e também progressivamente, utilizando-se do critério da quantidade de energia elétrica consumida (12% para até 200 kWh mensais, 21% para, na classe residencial, consumo de 301 e 500 kWh mensais e, nas classes industrial e comercial, 22
“Alíquota máxima sobre energia elétrica é ilegal”, publicada no dia 02.05.2003 em Gazeta Mercantil, Apud BRASILEIROS, Georgina de Paula. “O Princípio da Seletividade e o ICMS incidente sobre Energia Elétrica”. Revista Tributária e de Finanças Públicas nº 57/2004.
29
acima de 1000 kWh mensais, e 25% para classe residencial e Poder Público, acima de 500 kWh mês).23
23
FLENIK, Érika Fernandes. Demanda contratada de potência: incidência de ICMS?. Jus Navegandi, Teresina, a. 10, n. 958, 16 fev. 2006.Disponível em: . Acesso em: 03 abr. 2006.
30
4. O ICMS SOBRE OPERAÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA E AS HIPÓTESES DE NÃO-INCIDÊNCIA
Neste momento, passaremos a analisar uma série de situações que estão agregadas à circulação de energia elétrica, mas por questões técnicas e legais não constituem o fato imponível do ICMS, embora copiosamente é tributado pelas Fazendas Públicas dos Estados e do Distrito Federal.
Dizemos que tecnicamente não incide porque não existe em si uma circulação de energia elétrica nesses casos, não se podendo falar em imposto sobre operação de circulação de mercadoria, bem como por questões legais, pois a Lei Complementar 87/96, como regulamento da hipótese de incidência do ICMS, nos moldes do art. 146, inciso III, alínea a, da Constituição Federal de 1988, não prevê tais hipóteses.
Como já tratado acima, para o Direito, a energia elétrica assume diversas feições, a depender do ramo objeto do esquadrinhamento.
Com efetivo, no Direito Tributário, consoante dispõe o Código Tributário Nacional (art. 74, § 1º), a energia elétrica foi considerada produto industrializado, para fins de incidência do extinto Imposto Único, e no que diz respeito ao ICMS, é equiparada a mercadoria.
Diante desse universo, com alicerce na Carta Magna (art. 155, § 3º CF/88) e no Convênio ICM 66/88 (previsto no artigo 34, § 8º, ADCT), os Estados iniciaram a cobrança do ICMS sobre a energia elétrica.
31
Atualmente a Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, alterada pela Lei Complementar nº 102, de 11 de julho de 2000, dispõe em seu artigo 12:
Art. 12 – Considera-se ocorrido fato gerador do imposto no momento: I – da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular (...)
No tocante à base de cálculo, aplica-se a regra residente do artigo 13, I (Lei Complementar 87/96, alterada pela Lei Complementar 102, de julho de 2000):
Art.13 – A base de cálculo do imposto é:
I – na saída de mercadoria prevista nos incisos I, III, IV do art.12, o valor da operação:
Passemos então para alguns casos de não-incidência do ICMS indevidamente exigido pelo fisco.
4.1. O CASO DA DEMANDA CONTRATADA DE POTÊNCIA – NÃO INCIDÊNCIA DO ICMS
O mercado de energia elétrica divide-se atualmente entre consumidores livres (com direito a escolher seu fornecedor) e consumidores cativos (vinculados à concessionária que atende seu endereço).
32
A diferença básica entre eles está na quantidade de energia elétrica demandada. Se a tensão de fornecimento for igual ou superior a 3 Mega Watts e tensão de 69 mil volts, o consumidor adquire a liberdade de escolha na contratação do fornecimento de sua energia e pode contratar distribuidor de outra localidade ou até mesmo produtor independente de energia.
A ANEEL, por intermédio da Resolução nº 456/2000 24, dividiu os consumidores em dois grupos: A (consumidores livres) e B (consumidores cativos).
Estar no grupo A confere ao consumidor, além da liberdade de contratar com o produtor ou distribuidor de energia elétrica que quiser, mediante contrato de conexão e uso dos sistemas de transmissão e distribuição de energia elétrica, a possibilidade de contratar uma reserva de potência.
Assim, quando o consumidor final de energia elétrica necessita consumir mensalmente uma quantidade notável de energia elétrica, está enquadrada em um grupo de consumidor de energia elétrica diferenciado, denominado GRUPO A, que condiz com os maiores consumidores de energia elétrica do Estado.
Destarte, deve manter junto à concessionária distribuidora de energia elétrica contratos atinentes ao fornecimento deste bem, para fazer jus a um regime tarifário diferenciado, tudo de acordo com a legislação aplicável ao setor elétrico, notadamente a Lei nº 9.427/1996, Decreto nº 62.724/68 (art. 9º), Resolução 264/98 e a Resolução 456/2000, ambas da ANEEL.
24
Estabelece, de forma atualizada e consolidada, as Condições Gerais de Fornecimento de Energia Elétrica.
33
Em razão disso, nas cobranças mensais, uma das parcelas existentes nas respectivas faturas é aquela atinente à DEMANDA CONTRATADA, sendo certo que o consumidor realiza o pagamento da mencionada fração nos moldes do valor contratualmente ajustado, sobre o número de quilowatt (KW).
Sobre tal valor pago a título de Demanda Contratada, o Estado, através de seus agentes públicos, faz incidir o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) , como se circulação de mercadoria houvesse, o que não é o caso.
Assim, para a cobrança do ICMS, o fisco tem tomado por base os seguintes requisitos, a saber:
a) a energia elétrica efetivamente consumida, que sai da rede elétrica e é recebida pelos estabelecimentos (Consumo Ativo e Reativo; Fora Ponta e Hora Ponta).
b) o quantum pactuado em razão da Demanda Contratada, sendo certo que neste caso, ou seja, na contratação da demanda, não ocorre a circulação de energia elétrica consumida, motivo pelo qual a reserva, por si só, não viabiliza a materialização da incidência do ICMS.
Como se percebe, no caso da rubrica denominada DEMANDA CONTRATADA não há qualquer circulação de energia elétrica ou qualquer outra mercadoria, constituindo a mesma apenas a disponibilização pela concessionária ou permissionária de distribuição de energia elétrica de um quantitativo de potências elétricas ativas ou reativas para o consumidor. 34
A energia elétrica que circula da rede de distribuição da concessinária para o consumidor constitui consumo efetivo (CONSUMO ATIVO E/OU REATIVO, FORA PONTA E/OU HORA PONTA) e não demanda.
Dessa forma, não pode incidir o ICMS sobre a DEMANDA, pois é imprescindível para tanto a efetiva circulação, como denomina sua nomenclatura, o que ocorre somente na energia elétrica consumida pelo estabelecimento, ou seja, a mercadoria circulante, sendo vedada a cobrança do imposto sobre o negócio jurídico, tal como o contrato de DEMANDA CONTRATADA, que é apenas reserva de potência disponibilizada pela companhia energética.
Infere-se que a cobrança do ICMS só pode subsistir sobre a energia elétrica que efetivamente deixar a linha de transmissão da concessionária; somente nesse caso ocorre o fato gerador do imposto, sendo indevidos e ilegítimos os recolhimentos sobre a demanda já que esta não corresponde à energia elétrica consumida em kWh, e sim à reserva de potência em KW.
Em decorrência do exposto, é irreprochável a conclusão de que o fato gerador do ICMS ocorrerá quando a energia elétrica deixar, ou seja, quando sair dos domínios da concessionária, e entrar nos estabelecimentos do consumidor final.
Por tais motivos – não obstante existam outros – ilegítima é a incidência do ICMS sobre a DEMANDA CONTRATADA DE ENERGIA ELÉTRICA, uma vez que nessa esfera
35
não ocorre a circulação de energia elétrica, único fato suficiente a ensejar o recolhimento do referido tributo.
Por esta linha, é de se perquirir , quando ocorreria o fato gerador na realidade enfocada nas linhas pretéritas?
Ora, no momento em que a energia elétrica passa da concessionária ao usuário – que só a partir daí poderá utilizá-la. E explica-se este entendimento pelo fato de que a energia elétrica se encontra em circulação usual e continua na rede de transmissão da companhia elétrica, consistindo numa massa única de energia passível de utilização por qualquer um que dela necessite.
O contrato, segundo a legislação civil atual, só gera obrigações de fazer ou não fazer, não tem o condão de transferir a propriedade, fato que, no caso in loco, ocorre com a tradição, ou melhor, com a transferência real do bem ao usuário.
Assim aduz o art. 481 do Novel Código Civil Brasileiro:
Art. 481. Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro.
Comentando tal regra, Silvio de Salvo:
Como o objeto do contrato de compra e venda é a transferência de um bem do vendedor ao comprador, mediante pagamento em dinheiro, nosso sistema põe esse negocio jurídico exclusivamente no campo obrigacional. Ou, então, expondo esse aspecto de forma mais
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direta: pelo sistema brasileiro, o contrato de compra e venda por si só não transfere a propriedade... o domínio tramite-se pela tradição, quanto aos moveis, e pela transcrição do titulo aquisitivo para os imóveis. 25
Mister é essa assertiva, pois mesmo que o contrato celebrado entre o usuário e a concessionária energética seja um contrato atípico, o mesmo, além de ter inconfundíveis aspectos do contrato supramencionado, não pode ir de encontro ao sistema contratual, bem aos direitos da propriedade vigentes.
Tal se verifica em diversas regras positivadas pelo nosso ordenamento jurídico, aquem devemos acatar, exempli gratia, podemos citar os seguintes artigos todos do Novel Código Civil Brasileiro:
Art. 1.226. Os direitos reais sobre coisas móveis, quando constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com a tradição.
Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código. (...) Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
Insofismável, portanto, que o fato gerador do ICMS ocorre no momento que a energia elétrica chega ao consumidor, que se perfaz através de respectivo ponto de conexão com a
25
VENOSA, Silvio de Salvo. “Direito Civil. Vol. 3. Contratos em espécie.” 4 ed. Atlas: São Paulo, 2004, p. 26.
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saída da rede de transmissão da concessionária e conseqüente entrada no estabelecimento daquele.
A Resolução da ANEEL nº 456/2000, que estabelece as “Condições Gerais de Fornecimento de Energia Elétrica”, assim dispõe:
Art. 2º - (...)
XXVI - Ponto de entrega: ponto de conexão do sistema elétrico da concessionária com as instalações elétricas da unidade consumidora, caracterizando-se como o limite de responsabilidade do fornecimento.
A energia elétrica, é certo, só é “quantificada” para este ou aquele consumidor, a partir do momento em que passa pelo relógio medidor, ingressando no estabelecimento de uma determinada pessoa, fato que caracteriza a circulação e, por conseguinte, dá ensejo à cobrança do ICMS.
Logo, a contratação da Demanda não se confunde com energia elétrica efetivamente consumida, sendo aquela apenas uma garantia de potência, motivo pelo qual o contrato de Reserva, por si só, não corporifica o fato gerador do ICMS.
Em síntese:
A Demanda Contratada, como se infere do seu próprio conceito, não entra no estabelecimento do consumidor, eis que, como reserva de potência, integra o patrimônio da própria concessionária de energia. 38
A incidência do ICMS sobre a Demanda contratada fere, pois, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 155, inciso II, já que tal imposto, por determinação de nossa Carta Magna, deve ser cobrado na hipótese de circulação de mercadoria, o que, como visto, não ocorre.
E vale anotar, ainda que em passant , a obrigação tributária somente se caracteriza quando preenchidos seus elementos, a saber: a Lei, o fato, os sujeitos e o objeto.
Portanto, através de uma analise lógica formal, surgem tais indagações: qual seria o diploma legal autorizador da incidência do ICMS sobre a Demanda contratada? Onde se poderia diagnosticar a existência do fato gerador no caso de mera reserva? E não existindo a circulação, qual seria o sujeito?
É consabido que a obrigação tributária, sempre oriunda da Lei, consiste num fato pelo qual o sujeito ativo (fisco) pode exigir do sujeito passivo (contribuinte) um objeto, ou seja, uma prestação. E não se identificando o fato gerador, e bem assim o próprio sujeito passivo, deságua o raciocínio na conclusão de que a ausência daqueles elementos também macula a pretensa obrigação.
Tudo no mais perfeito exame lógico das premissas postas.
A cobrança do ICMS sobre a Demanda contratada causa, de toda sorte, feridas no próprio princípio da legalidade, corolário do estado democrático de direito, do qual se aufere
39
que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (ex vi do art. 5º, II da CF).
Quanto ao tema, Geraldo Ataliba e Cleber Giardino:
Não é lícito ao regulamento, e nem à autoridade administrativa, no proceder ao lançamento, colocar, na posição de sujeito passivo, quem na lei não tenha sido antes explicitamente contemplado.26
O modo como é realizada, na atualidade, a cobrança do ICMS (sobre a Demanda Contratada) representa, na realidade, a tributação sobre a garantia de potência, uma parcela oriunda do contrato firmado com a concessionária, portanto, alheia ao fornecimento de energia elétrica.
Note-se ainda, quanto ao tema em espécie, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu diversas vezes que ICMS não incide sobre a Demanda contratada, como se observa a seguir:
TRIBUTÁRIO. ICMS. ENERGIA ELÉTRICA. CONTRATO
DE DEMANDA
RESERVADA DE POTÊNCIA. FATO GERADOR. INCIDÊNCIA. 1 - O valor da operação, que é a base de cálculo lógica e típica no ICMS, como era no regime de ICM, terá de consistir, na hipótese de energia elétrica, no valor da operação de que decorrer a entrega do produto ao consumidor (Gilberto Ulhôa Canto). 2 - O ICMS deve incidir sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, isto é, a que for entregue ao consumidor, a que tenha saído da linha de transmissão e entrado no estabelecimento da empresa.
26
Revista de Direito Tributário, V.34, p.211.
40
3 - O ICMS não é imposto incidente sobre tráfico jurídico, não sendo cobrado, por não haver incidência, pelo fato de celebração de contratos. 4 - Não há hipótese de incidência do ICMS sobre o valor do contrato referente a garantir demanda reservada de potência. 5 - A só formalização desse tipo de contrato de compra ou fornecimento futuro de energia elétrica não caracteriza circulação de mercadoria. 6 - A garantia de potência e de demanda, no caso de energia elétrica, não é fato gerador do ICMS. Este só incide quando, concretamente, a energia for fornecida e utilizada, tomando se por base de cálculo o valor pago em decorrência do consumo apurado. 7 - Recurso conhecido e provido por maioria. 8 - Voto vencido no sentido de que o ICMS deve incidir sobre o valor do contrato firmado que garantiu a "demanda reservada de potência", sem ser considerado o total consumido. 27
TRIBUTÁRIO - ICMS - ENERGIA ELÉTRICA: DEMANDA RESERVADA – FATO GERADOR ART. 116, II, DO CTN). 1. A aquisição de energia elétrica para reserva, formalizada por contrato, não induz à transferência do bem adquirido, porque não se dá a tradição. 2. Somente com a saída do bem adquirido do estabelecimento produtor e o ingresso no estabelecimento adquirente é que ocorre o fato gerador do ICMS (art. 19 Convênio 66/88) e art. 166, II, do CTN. 3. Recurso especial provido. 28
Devido à importância pede obséquio a reprodução do trecho final do voto da Exma. Sr.ª Ministra Eliana Calmon, no processo acima: 27
1ª Turma do STJ, RESP nº 222810/MG – 1999/0061890-4, Relator Ministro Milton Luiz Pereira, Relator para Acórdão Ministro José Delgado, 14 de Março de 2000 – data do julgamento). 28 2ª Turma do STJ, RESP nº 343952/MG – 2001/0101815-4, Relatora Ministra Eliana Calmon, 17 de Junho de 2002 – data do julgamento.
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Inegável pois a razão das seguintes referências: a) não existindo a circulação de mercadorias, também não é possível a materialização do fato gerador do imposto; b) percebida a inexistência da circulação de mercadoria, é de ser ter que indeterminado o sujeito passivo da obrigação tributária, tendo-se em vista que nesse caso a energia permanece nas linhas de transmissão da COELCE, não estando, portanto, especificado o consumidor efetivo e; c) a cobrança do ICMS, no tocante a Demanda Contratada, caracteriza-se como tributação, portanto, inexistindo previsão legal para tal incidência.
Por outro lado, ainda que se pudesse compreender a demanda como um aluguel de potência, no sentido de garantir ao consumidor industrial uma quota de fornecimento da mercadoria (energia elétrica), seria ilegal a incidência do ICMS, pois na hipótese de aluguel, também não há previsão para tributação.
Mas de fato é que a própria cobrança pela concessionária harmoniza-se com a razão de
que a “Demanda” e “energia elétrica” são institutos diferentes, e que, por suas particulares características, ensejam tratamentos diferentes, motivo pelo qual ilegítima é a cobrança de ICMS sobre a primeira.
4.2. AS TARIFAS DE USO DOS SISTEMAS DE DISTRIBIÇÃO (TUSD) E DE TRANSMISSÃO (TUST) DE ENERGIA ELÉTRICA - NÃO-INCIDÊNCIA DO ICMS
A questão nesse momento posta assemelha-se ao item anteriormente analisado. Diferencia-se porque são elementos ligados ao Ambiente de Contratação Livre (ACL) ou 42
apenas livres, ao contrário do Ambiente de Contratação Regulada (ACR), também chamado de cativo, que alberga a Demanda Contratada.
Explicam-nos João D. Rolim e Luciana G. F. Saliba:
O Ambiente de Contratação Regulada (ACR) visa o atendimento dos consumidores cativos (residenciais, por exemplo) por distribuidoras legais (sem competição), de forma exclusiva e por meio de contratos regulados. As distribuidoras locais são remuneradas por tarifa, a qual deve inclui todos os custos necessários ao fornecimento de energia aos consumidores cativos
O Ambiente de Contratação Livre (ACL) compreende o atendimento dos consumidores livres (eletrointensivos, tais como as indústrias de alumínio), por intermédio de contratos livremente negociados entre as partes e remunerados por preço (e não tarifa definida pela Aneel). 29
Para possibilitar a compra de energia pelos consumidores livres junto às concessionárias de sua escolha e, com isso, implementar o efetivo ambiente de competição nos segmentos de geração e de comercialização, garante-se a todos os agentes o pleno acesso aos sistemas de rede (distribuição e transmissão). A disponibilização dos sistemas de rede, portanto, é instrumento básico à efetiva introdução da opção dos consumidores livres e induzindo o incremento da oferta ao mercado pelos produtores independentes e autoprodutores de energia.
29
ROLIM, João Dácio et al. “Não -incidência do ICMS sobre as Tarifas de Uso dos Sistemas de Distribuição (TUSD) e de Transmissão (TUST) de Energia Elétrica”, Revista Dialética de Direito Tr ibutário 122, nov. 2005.
43
Assim, o Consumidor que ostente a qualidade de livre 30 tem adicionado ao contrato de compra e venda de energia deve celebrar Contratos de Uso do Sistema de Transmissão (CUST) e de Distribuição (CUSD) e contratos de conexão, garantindo-se, assim, o pleno acesso a esses sistemas.
Pelo visto, assim como a Demanda de Reserva de Potência estudada no item 3.5.1 acima, o uso do sistema de transmissão e conexão na distribuição de energia elétrica não é hipótese de incidência do ICMS, primeiro porque, nessa operação, não há circulação de energia elétrica, e segundo porque não está previsto legalmente na LC 87/1996.
Dessa forma, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que reconheceu a nãoincidência do ICMS sobre a demanda reservada de potência é em tudo aplicável às tarifas de uso de sistemas de distribuição e de transmissão e aos encargos de conexão.
4.3. AS PERDAS TÉCNICAS E COMERCIAIS DE ENERGIA ELÉTRICA – NÃO INCIDÊNCIA DO ICMS
A presente questão está ligada à seguinte pergunta: sendo a distribuidora substituta tributária da geradora, não deve pagar o ICMS sobre a totalidade de energia fornecida por esta, mesmo que uma parte se tenha perdido no caminho, por razões técnicas ou por furto?
A resposta, adiantamos, é não, por uma série de razões.
30
São consumidores livres, aos quais é legalmente autorizada a escolha do fornecedor de energia, estão sujeitos aos seguintes contratos, que são determinados pela forma de conexão ao sistema (diretamente na Rede Básica – tensão igual ou superior a 230 kV – ou no sistema de distribuição da concessionária local – tensão inferior a 230 kV).
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A primeira e principal razão é porque a energia saída da geradora mas que não chega à distribuidora e/ou ao consumidor final não ocorre a subsunção da situação fática à norma, em outras palavras, não ocorre o fato gerador.
O fato gerador do ICMS não é mera celebração de contrato de compra e venda de mercadoria, ainda que o pagamento do preço respectivo, eis que este não transfere a propriedade dos bens móveis, no Direito brasileiro. Exige-se, para a sua configuração, a tradição, que é a entrega da mercadoria pelo vendedor e o seu recebimento pelo comprador.
Leciona Igor M. Santiago 31:
Se não há recebimento, não há fato gerador, nem imposto exigível, quer do substituído (de resto, alienado pelo legislador de qualquer responsabilidade), quer do substituto, que não pode ser chamado a pagar tributo que não há.
Mais a mais, ainda que se considerasse ocorrido o fato gerador pela simples saída de energia do estabelecimento da geradora, tem-se que o substituto, nos termos do art. 128 do CTN, deve ser pessoa a ele vinculada, de modo a que possa ressarcir-se do ônus do tributo pago por fato gerador de terceiro.
Continua o professor:
Se a energia não lhe chega, e não pode ser por ele revendida, não tem este como recuperar o montante de imposto a ela relativo, por meio de seu repasse ao consumidor final, via preço.
31
SANTIAGO, Igor Mauler. “O ICMS e a Tributação das Perdas Técnicas e Comerciais de Energia Elétrica”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 107, ag. 2004
45
Nessa situação o preço do tributo se cristalizaria sobre suas costas, contra a não cumulatividade.
Uma coisa é o momento da ocorrência do fato gerador (admitindo-se que este se desse com a simples saída, mesmo sem o recebimento). Outra, o momento de atribuição de responsabilidade ao substituto, que só nasce quando este revende a mercadoria sujeita ao regime. Não a recebendo, não se torna jamais responsável.
Para se ter uma idéia clara do que representa a perda técnica, vejamos um trecho da Resolução 456/2000 da ANEEL:
Art. 58. No caso de que trata o art. 35, se não forem instalados os equipamentos destinados àmedição das perdas de transformação, deverão ser feitos os seguintes acréscimos aos valores medidos de demandas de potência e consumos de energia elétrica ativas e reativas excedentes, como compensação de perdas: I - 1% (um por cento) nos fornecimentos em tensão superior a 44 kV; e II - 2,5% (dois e meio por cento) nos fornecimentos em tensão igual ou inferior a 44 kV.
Como se percebe, a própria legislação regulatória do fornecimento de energia elétrica ao consumidor final presume um caso de perdas técnicas de energia, incluindo no consumo efetivo de energia os percentuais acima descritos a título de perdas técnicas.
Observe que o ICMS é cobrado sobre a totalidade da fatura de energia elétrica, incluindo o valor das perdas, embora claramente tal fato não enseje hipótese de incidência de tal exação. 46
Pelo visto, acabamos de descrever outra situação fática que não está sujeita à incidência do ICMS, mas por questões, à vezes técnicas, outras vezes arrecadatórias, acabam por ser consideradas como hipótese de incidência de tal tributo.
47
5. OUTRAS QUESTÕES SOBRE O ICMS NA INCIDÊNCIA SOBRE OPERAÇÕES DE ENERGIA ELÉTRICA
5.1. BASE DE CÁLC ULO E A INCIDÊNCIA “POR DENTRO”
A respeito da Base de Cálculo do ICMS, introduz José Eduardo Soares de Melo:
O valor da operação, compreensivo do valor da mercadoria, pode agregar, também, outros montantes designados acessórios, desde que à operação possa ser juridicamente referidos. Não são “montates acessórios” à operação de venda todos e quaisquer pagamentos
realizados pelo comprador ao vendedor. Nem tudo que se paga ao vendedor, quando da compra de uma mercadoria, deve integrar o valor da operação para efeito do ICMS. (...) O financiamento, por exemplo, decorre da venda; porém constitui operação autônoma, ensejando a cobrança de tributo pertencente à União, pessoa constitucional distinta (IOF – art. 153, V da CF). 32
Continuando nessa linha de pensamento, a Constituição brasileira, ao mesmo tempo que discriminou as competências tributárias das várias pessoas políticas, traçou a regra-matriz de cada exação que elas estão autorizadas a criar.
A base de cálculo tem duas funções: a) possibilitar, quando associada à alíquota a quantificação da prestação pecuniária do sujeito passivo, devida desde a ocorrência do fato imponível; e b) afirmar (ou conformar) a natureza jurídica do tributo.
32
Jose Eduardo ICMS pg.l96
48
Estamos com tais colocações querendo significar que o legislador, ao definir a base de cálculo dos tributos – inclusive do ICMS -, não pode manejar grandezas alheias ao aspecto material da hipótese de incidência dos mesmos. Antes deve existir uma relação de causa e efeito, entre a hipótese de incidência e a base de cálculo, que permitirá apurar quanto exatamente o contribuinte deverá recolher ( quantum debeatur) aos cofres público a título de tributo, após a ocorrência do fato imponível.
Assim, arremata Roque Antônio Carraza:
(...) podemos tranqüilamente reafirmar que, havendo um descompasso entre a hipótese de incidência e a base de cálculo, o tributo não foi corretamente criado e, de conseguinte, não pode ser exigido. Diante do que acabamos de expor depreende-se que a manipulação da base de cálculo do tributo acaba fatalmente alterando sua regra-matriz constitucional, deixando o contribuinte sob o império da insegurança. Com efeito, mudando-se a base de cálculo possível do tributo, fatalmente acaba-se por instituir exação diversa daquela que a pessoa política é competente para criar, nos termos da Carta Suprema. Em síntese, descaracterizada a base de cálculo, descaracterizado também estará o tributo. (...) A própria lei complementar, prevista no art. 146 , da Constituição Federal não pode alterar a base de cálculo possível dos tributos, que, como vimos e revimos, está pré-defenida neste Diploma Supremo. 33
Nessa linha, temos que a base de cálculo do ICMS deve necessariamente ser uma medida ou da operação mercantil ou da prestação de serviços de transporte transmunicipal ou, ainda, da prestação de serviços de comunicação. 33
CARRAZA, Antônio Roque. “Revista Dialética de Direito Tributário nº 23, ago. 1997.
49
Assim, nas operações com energia elétrica, a base de cálculo possível do ICMS é o valor que decorre da saída da energia elétrica da geradora de energia ou da distribuidora para o consumidor final.
O montante de ICMS não pode integrar sua própria base de cálculo, sob pena de desnaturar-se o tributo.
Destarte, para nós fica claro que o art. 13, §1º, I, da Lei Complementar 87/1996, é inconstitucional por ampliar a base de cálculo do ICMS prevista na regra-matriz constitucional.
Preconiza a LC 87/1996:
Art. 13. (omissis): (...) § 1º Integra a base de cálculo do imposto. I – o montante do próprio imposto, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle”.
Pelo visto, a Lei Complementar, ao estabelecer que a base de cálculo do ICMS corresponde ao valor da operação ou prestação, somado ao do próprio tributo, extrapolou os limites constitucionais. Ferindo a regra-matriz do tributo, determinou, por meio deste artifício, a cobrança de ICMS sobre grandezas estranhas à materialidade de sua hipótese de incidência.
A propósito discursa CARRAZA: 50
... a lei complementar, determinando a inclusão, na base de cálculo, “do montante do próprio imposto”, abriu espaço a que os Estados e o Distrito Federal criem
(como,
de fato, já haviam criado) uma figura híbrida e teratológicam que não se ajusta aos modelos de nenhum dos cinco impostos que a Constituição, como vimos, rotulou de ICMS. Nem de qualquer outro, atribuído à competência destas pessoas políticas. 34
Os Estados e o Distrito Federal foram autorizados a criar os impostos arrolados pelo art. 155, I a III da Constituição Federal. Nenhuma mais, mesmo que imbutido transversalmente num daqueles.
O adicional descrito no art. 13, § 1º, I, da LC 87/1996 nada tem haver com a expressão econômica da operação, cobrando-se imposto sobre o imposto a pagar, trata-se de um caso típico de bis in idem, que nosso ordenamento constitucional não autoriza.
A título exemplificativo peguemos o ICMS incidente sobre a circulação de energia elétrica no estado do Ceará, a qual possui na data de hoje uma alíquota nominal de 27% (vinte e sete por cento).
Com a aplicação da sistemática prevista na LC 87/1996, há uma majoração da alíquota nominal.
Peguemos um consumo de energia de R$ 100,00, com a alíquota indicada de 27%. A equação representaria:
34
Idem 23.
51
ICMS = base de cálculo X 27/100; ICMS = 1.00 X 27/100 = 27.
Ocorre, porém, que a Lei Complementar em questão propõe outra equação, que entendemos incabível:
ICMS = base de cálculo X 27/base de cálculo – 27; ICMS = 100 X 27/100 – 27 = 2.700/73 = 36.9863...
Como vemos, resulta da primeira equação que a alíquota empregada corresponde a 27% ad valorem; a segunda, ao revés, leva uma alíquota de 36,98%, o que, sob todos pontos de vista, tipifica uma burla (por excesso) à alíquota legalmente prevista (27%).
Outra forma de cálculo de valor do ICMS nessa sistemática se dá pela seguinte equação:
ICMS = (base de cálculo x 100 / 100 – alíquota nominal) – base de cálculo; ICMS = (10.000/73)-100; ICMS = 136,9863-100 = 36,9863
Tivesse a Constituição desejado fossem instituídos “impostos sobre impostos”, teria expressamente atribuído tal competência às pessoas políticas.
52
Nem se diga que a Lei Complementar em questão, preconizando tal procedimento, teria operado validamente, já que teria simplesmente permitido que o legislador ordinário majorasse, por via deste artifício, as alíquotas do ICMS. É que as alíquotas máximas deste tributo devem ser fixadas por Resolução do Senado (art. 155, § 2º, IV e V, da CF). Nunca por meio de lei complementar ou de lei ordinária que nela se fundamenta.
Arremata CARRAZA:
É inconcebível que nenhuma fórmula matemática ou nenhum ardil legislativo poderão atropelar o preceito constitucional de que a base de cálculo do ICMS é o preço praticado na operação mercantil (ou na prestação de serviço) realizada. Senão, ocorre o inconstitucional fenômeno pelo qual “alíquota real suplante a alíquota nominal” (Alcides Jorge Costa).
A propósito da matéria a jurisprudência já apontou favoravelmente ao contribuinte, conforme se vê no trecho de voto do Magistrado Roberto Marques de Freitas:
Não bastam retóricas aritméticas, não importa se o cálculo é efetuado „por dentro‟... ou por
fora; não importa semelhanças a outros tributos; diferentemente de como entende a impetrada, que „alíquota real não coincide com alíquota legal‟...; importa sim, no caso em
tela,... que a alíquota real tem que coincidir com a alíquota legal. Para ser legal a interpretação do texto tributário, o imposto incide sobre o preço final do produto e não sobre o preço do produto mais o imposto agregado. 35
35
Acórdão proferido na Apelação Cível nº 444.840/5, de São Paulo, na 3ª Câmara do 1º TACiv/SP, em 17/09/91.
53
Dessa forma, podemos concluir que a inclusão do ICMS em sua própria base de cálculo desvirtua o modelo constitucional deste tributo, que deixa de ser sobre “operação de
energia elétrica”, para transformar -se num “imposto sobre imposto”.
A despeito de tudo isso, com um ponto de vista político arrecadatório o Supremo Tribunal Federal decidiu contrariamente, atestando a constitucionalidade de tal forma de tributação.
Vejamos o leading case:
EMENTA: Constitucional. Tributário. Base de cálculo do ICMS: inclusão no valor da operação ou da prestação de serviço somado ao próprio tributo. Constitucionalidade. Recurso desprovido. 36
Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal encerrou a discussão sobre o tema, julgando de forma temerária contra o contribuinte, que sequer tem o direito de informação da verdadeira alíquota de ICMS incidente sobre as mercadorias que consome.
5.2. PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE DO ICMS E A QUESTÃO DA ENERGIA ELÉTRICA COMO INSUMO
5.2.1. ASPECTOS BÁSICOS
36
RE 212209 / RS - RIO GRANDE DO SUL; RECURSO EXTRAORDINÁRIO; Relator(a) p/ Acórdão: Min. NELSON JOBIM; Julgamento: 23/06/1999; Órgão Julgador: Tribunal Pleno; DJ 14-02-2003 PP-00060 EMENT VOL-02098-02 PP-00303.
54
A CF/88 reza que o ICMS “será não -cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o
montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal” 37
Procurou o legislador constituinte, com tal preceito, evitar a “incidência em
cascata” do ICMS.
1. o preceito da não-cumulatividade se volta para o consumidor, e não para os contribuintes do imposto; 2. o alcance do regime se reduz a inibir „duplo pagamento‟ do
tributo sobre a mesma base; 3. no ICM e no IPI, ocorre o que os economistas chamam de „efeito de recuparação‟, autorizada a cobrança por inteiro de tributo incidente sobre operação sucessiva à anterior isenta, à vista de não haver, nesse caso „dupla incidência‟ sobre o mesmo „valor base‟; 4. além disso, o controle do sis tema
se opera – ainda que por
fórmulas simplificadas – „produto por produto‟; 5. ambos os tributos são multifásicos, vale dizer, segmentados nas várias fases em que pode fracionar o chamado „ciclo de produção 38
dos produtos‟
Assim, a não-cumulatividade constitui-se num sistema operacional destinado a minimizar o impacto do tributo sobre os preços dos bens e serviços de transporte e de comunicações. A sua eliminação, ou mesmo limitação, os tornariam artificialmente mais onerosos.
37
Art. 155, § 2º, I, da Constituição Federal de 1988 e reproduzida pelo art. 19 da Lei Complementar nº 87/96. ATALIBA, Geraldo e et al. “ICM e IPI – Direito de Crédito, Produção e Mercadorias Isentas ou Sujeitas à Alíquota Zero”, Revista de Direito Tributário . Vol. 46, pp 74/75. 38
55
Consistindo basicamente num sistema em que se abate o que for devido de ICMS, com a saída da mercadoria, com o já recolhido nas operações ou prestações realizadas nas etapas anteriores da cadeia produtiva e/ou circulativa.
Assim, faz nascer uma relação de crédito, em favor dos contribuintes e, por via de conseqüência, uma relação de débito contra os Estados e o Distrito Federal.
O princípio da não-cumulatividade do imposto pode realizar-se mediante a técnica ou regime jurídico do crédito financeiro, ou mediante a técnica ou regime jurídico do crédito físico. É possível, ainda, que na realização do princípio essas duas técnicas sejam conjugadas,
com predominância de uma, ou de outra.
O Professor Hugo de Brito Machado nos explica a diferença entre as espécies de créditos:
Entende-se como regime do crédito financeiro aquele no qual todos os custos, em sentido amplo, que vierem onerados pelo imposto, ensejam o crédito respectivo. Sempre que a empresa suporta um custo, seja ele consubstanciado no preço de um serviço, ou de um bem, e quer seja este destinado à revenda, à utilização como matéria-prima, produto intermediário, embalagem, acondicionamento, ou mesmo ao consumo ou à imobilização, o ônus do ICMS respectivo configura um crédito desse imposto. Entende-se como regime de crédito físico aquele segundo o qual somente geram crédito as entradas de bens que se destinem a sair do estabelecimento, tal como entrara, ou a integrarem, fisicamente, o produto em cuja fabricação constituem insumos. 39
39
MACHADO, Hugo de Brito. “ICMS: Créditos Relativos a Energia Elétrica e Serviço de Comunicação”. O ICMS E A LC 102.
56
Destarte, de logo adiantamos, que se for negado ao contribuinte o direito de, ao pagar o imposto, ver abatido o montante de ICMS devido nas operações ou prestações anteriores, o mesmo poderá, com base exclusivamente na Constituição Federal, fazer valer seu direito à não-cumulatividade.
5.2.2. OPERAÇÕES COM ENERGIA ELÉTRICA E O CREDITAMENTO
No Brasil, o regime jurídico do princípio da não-cumulatividade é o do crédito físico, conforme explicado acima, com algumas exceções.
A inclusão da energia elétrica como operação sujeita ao ICMS provocou o questionamento de que a aplicação da técnica do crédito físico puro e simples acaba por ser negação ao princípio da não-cumulatividade, pois na verdade a energia elétrica paga pelo industrial, pelo comerciante ou pelo prestador de serviços tributáveis, onerada pelo imposto, não integra fisicamente as mercadorias, produtos ou serviços cuja saída ou prestação enseja a incidência do imposto.
A aplicação correta seria admitir-se o crédito oriundo do consumo de energia elétrica sem qualquer restrição, qualquer que seja o tipo de atividade do contribuinte.
O Convênio 66/88 não assegurava qualquer crédito relativo ao imposto que onerou a energia elétrica.
57
Não obstante isso, o Supremo Tribunal Federal decidiu que as indústrias poderiam utilizar o crédito do ICMS da energia elétrica utilizada. Não o comércio. Neste a energia elétrica seria utilizada para consumo, e não como insumo.40
O advento da Lei Complementar 87/96 que, em seus artigos 19 a 23, prevê o regime jurídico da não-cumulatividade, estabeleceu que a energia elétrica usada ou consumida no
estabelecimento dará direito a crédito a partir da entrada desta Lei Complementar. 41
A partir de então o legislador deixou de distinguir entre indústria e comércio, admitindo o direito ao crédito relativo à energia elétrica usada ou consumida em quaisquer dos dois estabelecimentos.
Ocorre que este dispositivo foi alterado pela Lei Complementar 102/2000, passando a ter a seguinte redação:
Art. 33. A partir da data de publicação desta Lei Complementar: (...) II – somente dará direito a crédito a entrada de energia elétrica no estabelecimento: a) quando for objeto de operação de saída de energia elétrica; b) quando consumida no processo de industrialização; c) quando o seu consumo resultar em operação de saída ou prestação para o exterior, na proporção destas sobre as saídas ou prestações totais; e d) a partir de 1º de janeiro de 2003, nas demais hipóteses.
40 41
STF – RE 200.168-RJ, rel. Min. Ilmar Galvão, julgado em 08.10.96. Artigo 33, inciso II, LC 87/96 – redação original.
58
Lei Complementar 114/2002, por sua vez, alterou a alínea „d‟, prorrogando o direito de crédito às demais hipóteses para depois de 1º de janeiro de 2007.
Até o fechamento do presente estudo não havia nenhuma alteração prorrogando novamente tal creditamento, muito embora seja esperado tal expediente.
Como se percebe os dispositivos acima trouxeram significa restrição ao direito de crédito do imposto relativo à aquisição de energia elétrica, acabando por consagrar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e a política arrecadatória dos Estados.
A maior parte da doutrina entende ser inconstitucional a restrição do direito do crédito nessa hipótese, posto não haver previsão constitucional para tanto, inovando, pois, a legislação infraconstitucional quando não poderia, ferindo, assim, direito do contribuinte.
A propósito vejamos a título ilustrativo a doutrina:
Penso que a constitucionalidade dessas restrições é discutível, posto que implicam total anulamento do princípio da não-cumulatividade, em relação a energia elétrica, para os estabelecimentos comerciais e industriais e prestadores de serviços tributados pelo ICMS. 42
Oportuno enfatizar que a legislação (complementar ou ordinária) não pode modificar este sistema de apuração. A única vedação ao crédito, a ser considerada, é a posta no inciso II, do § 2º do Texto Constitucional. No mais, o direito ao crédito do ICMS é amplo e irrestrito.
42
MACHADO, Hugo...
59
Reafirmamos que o direito à compensação está presente, independentemente da origem dos créditos. 43
A despeito do entendimento da doutrina, a jurisprudência diverge de tal opinião, restringindo o direito ao crédito. Vejamos exemplificativamente:
TRIBUTÁRIO – ICMS – COMPENSAÇÃO DO ICMS DAS CONTAS DE ENERGIA ELÉTRICA: PRINCÍPIO DA NÃO COMULATIVIDADE – 1. A utilização de energia elétrica por empresa comercial não pode ser tratada como insumo para efeito de compensação com o montante do imposto devido nas operações ou prestações seguintes. 2. Previsão expressa do não creditamento (art. 31, II, do Convênio 66/88), ratificado no artigo 20, § 1º, da Lei Complementar 87/96. 3. Recurso Especial improvido. (STJ – RESP 482435 – RS – Relª Min. Eliana Calmon – DJU 04.08.2003 – p. 00277)
Dessa forma, pelo exposto, concluímos que atualmente o entendimento sedimentado é aquele que permite o creditamento do ICMS oriundo do consumo de energia elétrica, quando esse consumo está diretamente relacionado à produção industrial.
Criou-se inclusive a problemática da mensuração da energia elétrica utilizada diretamente na produção industrial, pois, mesmo que a energia elétrica tenha sido utilizada no estabelecimento industrial, somente tem-se o direito ao crédito do ICMS da energia elétrica utilizada para alimentar maquinário, etc. Escritórios, letreiros, iluminação indireta, enseradeiras, entre outros, não dão direito ao crédito. 43
CARRAZA, Roque Antônio. “ICMS – Aproveitamento de Créditos – Inconstitucionalidades da Lei Complementar 87/96. Revista Dialética de Direito Tributário nº 25.
60
É importante tal mensuração, pois uma vez ocorrendo creditamento irregular a mais, o fisco estadual age na sua generalidade impiedosamente com sanções pecuniárias bastante onerosas.
Diante disso, pergunta-se: como mensurar tal utilização? Quanto se pode creditar?
A forma mais simples seria a divisão de medições do consumo de energia elétrica, utilizando uma medição para a produção industrial, na qual o ICMS destacado poder-se-ia creditar, e outra medição para o restante do consumo, a qual não daria direito ao crédito.
Outra forma, é através de perícia técnica devidamente homologada pela concessionária e pelo órgão do fisco responsável.
De toda sorte, caso exista restrição ao direito de crédito, mesmo com todo esse perfil restritivo apresentado, deve o contribuinte socorrer-se ao judiciário devidamente munido de provas técnicas de seu consumo de energia elétrica voltado para a industrialização.
5.2.2.1. ESTABELECIMENTOS HÍBRIDOS (COMERCIAL E INDUSTRIAL)
61
Alguns contribuintes do ICMS possuem estabelecimentos empresariais que constituem verdadeiras figurar híbridas, pois embora exerçam predominantemente o comércio, também possuem atividade industrial.
Podemos citar as panificadoras como exemplo, pois produzem seus principais produtos através de processamento dos mesmos, como pães em geral, salgados, tortas, e outros produtos do gênero.
Os supermercados atualmente também acabam por incorporarem em sua atividade empresarial o processamento de alguns produtos, abrangendo a atividade de panificação nos moldes acima descritos, como também processamento de alimentos congelados, entre outros.
Reconhecendo tal situação a jurisprudência pátria concedeu a tais espécies de contribuinte o direito de crédito do ICMS da energia elétrica utilizada no processamento de tais produtos, por constituir tal faceta da atividade empresarial, própria produção
industrial no moldes da alínea „b‟ do inciso II do Art. 33 da Lei Complementar 87/1996.
Vejamos algumas ementas jurisprudenciais para ilustrar o analisado:
TRIBUTÁRIO – ICMS – CREDITAMENTO – ENERGIA ELÉTRICA USADA NO PROCESSO PRODUTIVO – 1. Supermercado que, conforme perícia, ao lado da atividade comercial desenvolve processo industrial de alimentos (panificação e congelados) e produz mercadoria (art. 46, parágrafo único, do CTN). 2. Legislação do ICMS que, à época (Convênio 66/88 e Lei 1.423/89), permitia o creditamento do ICMS da energia elétrica
62
utilizada como mercadoria, na composição da produção. 3. Recurso Especial improvido. (STJ – RESP 404432 – RJ – 2ª T. – Relª Minª Eliana Calmon – DJU 05.08.2002).
17026033 – EMBARGOS DO DEVEDOR – ENERGIA ELÉTRICA – ICMS – CUMULATIVIDADE – INEXISTÊNCIA – SUPERMERCADO – Direito à compensação de créditos somente no relativo ao setor em que é exercida atividade industrial. Inexistência de prova, nestes autos, de que algum setor preencha tal requisito. ICMS referente a energia elétrica consumida por supermercado. Inexistência de cumulatividade, porque, para que houvesse, seria necessário que estivessem presentes a entrada e saída de energia elétrica como mercadoria, por ter sido consumida no processo de industrialização, o que não acontece em um supermercado, em que a energia elétrica é consumida no próprio estabelecimento, como consumidor final. Apenas se tivesse a apelante, além de suas atividades comerciais, uma parte em que fosse exercida atividade industrial, somente no percentual dessa teria direito à compensação dos créditos, conforme apurado em laudo pericial, prova, que, contudo, não foi produzida, porque não requerida. Recurso desprovido. (IRP) (TJRJ – AC 16919/2001 – (2001.001.16919) – 15ª C.Cív. – Rel. Des. Sérgio Lúcio Cruz – J. 19.12.2001).
A forma de se mensurar o quantitativo de energia elétrica destinado
exclusivamente para a atividade classificada como “produção industrial” se daria da mesma forma indicada nos exemplos do item 4.2.2. do presente estudo, quais sejam: perícia técnica ou medição da energia em separado do restante do estabelecimento empresarial.
5.3. O CONSUMIDOR FINAL COMO CONTRIBUINTE DE FATO DO IMPOSTO E A SUA LEGITIMIDADE PROCESSUAL 63
Como já apresentado, o ICMS é imposto em que seu encargo é transferido para o consumidor final da operação tributável, constituindo um imposto indireto.
Carraza nos explica o que se entende por imposto indireto:
Já, impostos indiretos ou que repercutem são aqueles cuja carga econômica é suportada não pelo contribuinte, mas por terceira pessoa, que não realizou o fato imponível. Esta terceira pessoa geralmente é o consumidor final da mercadoria ou do produto. É o caso do ICMS. Quem suporta sua carga econômica não é o patrimônio, p. ex., do comerciante, que vendeu a mercadoria, mas o patrimônio do consumidor final desta mesma mercadoria. Este, ao adquirir a mercadoria, verá embutido em seu preço o quantum de ICMS que foi sendo recolhido, por todos os que realizara, as operações mercantis, que levaram o bem às suas mãos. 44
Daí aparecer a dicotomia entre contribuinte de direito e de fato. O contribuinte de direito no caso das operações com energia elétrica é o gerador ou distribuidor dessa energia, enquanto o contribuinte de fato é o consumidor final da energia.
Assim, nas operações com energia elétrica, aquele que suporta todo o encargo gerado pelo ICMS é o consumidor final da energia.
Muito já se discutiu sobre a legitimidade processual dos contribuintes de direito e os de fato, sendo pacífico, atualmente, tanto na doutrina como na jurisprudência, que o contribuinte de fato (consumidor final) tem legitimidade para ingressar em juízo seja para 44
Id. Ibid., pp. 459/460.
64
afastar alguma cobrança indevida do ICMS incidente no consumo de energia elétrica, seja para buscar a repetição dos valores recolhidos sem justa causa.45
A propósito:
PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - ERRO MATERIAL - ICMS - ENERGIA ELÉTRICA - REPETIÇÃO DE INDÉBITO LEGITIMIDADE DOCONTRIBUINTE DE FATO. 1. Erro material no julgamento do recurso especial, no qual se discutiu a legitimidade do substituto tributário e não a do contribuinte de fato. 2. O consumidor de fato que assume o ônus econômico do ICMS incidente sobre o consumo de energia elétrica está legitimado a pleitear a repetição do indébito da exação que lhe desfalcou o patrimônio (precedentes do STJ). 3. Embargos de declaração acolhidos para rejulgar o recurso especial e negar-lhe provimento. 46
Dessa forma, diante da cobrança indevida do tributo, como exposto em várias passagens do texto, pode o consumidor final de energia elétrica buscar legitimamente o Poder Judiciário de seu Estado ou do Distrito Federal para afastar a parcela não justificada, a fim de obter da desoneração direta na sua fatura de energia elétrica.
45
Nesse estudo não analisaremos a questão da legitimidade processual do contribuinte de direito, pois estamos partindo do ponto de vista do consumidor final de energia elétrica e o processo judicial como instrumento para afastar as incongruências aplicadas pelo fisco. 46 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, EDcl no REsp 209485 / SP ; EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL 1999/0029528-5; Ministra ELIANA CALMON (1114). DJ 01.09.2003 p. 243; 15/05/2003; T2 - SEGUNDA TURMA
65
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
6.1. SÍNTESE DO EXPOSTO
O presente estudo procurou abordar o tema “Os aspectos da incidência do ICMS sobre operações com energia elétrica”.
Nas linhas anteriores, após breve intróito, apresentamos algumas considerações gerais sobre o imposto incidente sobre a circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior, conhecido como ICMS, previsto no art. 155, II, da Constituição Federal de 1988.
Vimos que tal imposto, de competência dos Estados e do Distrito Federal, tem como hipótese de incidência principalmente a circulação de mercadorias, notadamente em operações de compra- e-venda.
São contribuintes de tal imposto aqueles que pratiquem operações relativas à circulação de mercadorias, entre outros. Sua base de cálculo em síntese é o valor da operação mercantil, enquanto sua alíquota é estabelecida pelos Estados federados dentro dos parâmetros estabelecidos pelo Senado.
Visto os desdobramentos gerais do ICMS, no capítulo seguinte passamos a ver a incidência do ICMS nas operações com energia elétrica, quando aduzimos que a energia elétrica, economicamente e juridicamente, é uma mercadoria para efeito de incidência do 66
imposto.Assim, uma vez havendo sua transferência, irá incidir o ICMS em cada operação, com exceção das operações interestaduais quando a energia é destinada à industrialização ou à comercialização.
Atribuímos, ainda neste estudo, à energia elétrica a qualidade de produto essencial, o que, frente ao princípio constitucional da seletividade, impede que sejam estabelecidas alíquotas do ICMS de grande monta, quando a incidência se der sobre as operações com energia, sob pena de ferir o mandamento constitucional que estabelece a extra-fiscalidade nesses fatos jurídicos.
Quanto à incidência do imposto em si, após analisarmos a regra matriz de incidência do ICMS na energia elétrica, concluímos que a mesma corresponde basicamente à operação de circulação de energia elétrica, seja do gerador (hidrelétricas e usinas) ou do distribuidor aos consumidores. Nesse capítulo, demonstramos que algumas operações com energia elétrica não constituem a hipótese de incidência do ICMS, muito embora as Fazendas Públicas estaduais e distrital continuem a exigir o recolhimento da exação sobre tais parcelas.
É o caso da Demanda de Potência Elétrica, que nada mais é que uma reserva de potência elétrica que a distribuidora de energia elétrica tem que disponibilizar para os grandes consumidores de energia elétrica, sem haver na operação qualquer circulação de energia. Analogicamente exemplificando tal caso, seria como se um grande consumidor de soja contrata-se com seu fornecedor que uma grande quantidade de soja teria que ser disponibilizada permanentemente para compra, mas que a compra não fosse obrigatória, em contrapartida seria devido certo valor.
67
Como se viu nesse caso exposto, não há operação de circulação de mercadoria, pois não há compra-e-venda de energia, assim, não incide o ICMS, verdade já atestada pelos tribunais.
Na mesma esteira, apontamos outras situações similares ao da Demanda Contratada de Potência. Duas delas são as tarifas pelo uso dos sistemas de distribuição de energia elétrica (TUSD) e de transmissão (TUST) de Energia Elétrica, as quais, da mesma forma relatada na questão da demanda, mutatis mutandi, não são hipóteses de incidência do ICMS, embora os fiscos insistam em exigir o recolhimento do tributo.
Findamos o subcapítulo sobre o ICMS sobre operação de circulação de energia elétrica e as hipóteses de não-incidência abordando a questão das perdas técnicas e comerciais na produção e distribuição de energia e a não-incidência do ICMS. Apontando que por não haver transferência da mercadoria propriamente dita nesse caso, não há que ser cobrado o ICMS.
Analisamos, no capítulo posterior, a inconstitucionalidade da chamada incidência
“por dentro” do ICMS, o que gera um aumento impróprio da alíquota do imposto, onerando ainda mais o contribuinte. Aludimos nesse passo que, a despeito da clara incompatibilidade de normas no caso, posto a majoração de alíquotas além da permissão normativa, bem como pelo bis in idem,
o Supremo Tribunal Federal acabou por decidir favoravelmente ao fisco, em
prejuízo do bom direito e do contribuinte.
Encerramos tal capítulo apontando os desvios cometidos quando se trata da questão do direto de crédito do ICMS incidente na energia elétrica utilizada pelos contribuintes, para 68
fazer valer o princípio constitucional da não-cumulatividade, no que se refere ao direito de crédito do ICMS incidente na utilização da energia elétrica no estabelecimento do contribuinte.
Em suma, vislumbramos que a legislação, ratificada pelo judiciário, somente permite tal creditamento do ICMS incidente na energia elétrica utilizada diretamente na produção industrial, excluindo, peremptoriamente, pelo menos até 1º de janeiro de 2007, o crédito pelos estabelecimentos comerciais.
Como últimas pinceladas do estudo, apresentamos a questão da legitimidade ad causam
do consumidor final de energia elétrica, ou seja, o comerciante, industrial, etc., para
buscar judicialmente o afastamento das exações indevidas cometidas pelas fazendas estaduais.
6.2. CONCLUSÕES
Diante de tudo apresentado concluímos:
O imposto previsto no artigo 155, II, da Constituição Federal de 1988, “imposto sobre operações relativas à circulação de mercadoria” (ICMS), incide regularmente sobre as operações com energia elétrica.
Ocorre que adjetivamente a tal incidência o fisco vem cometendo copiosas arbitrariedades, onerando indevidamente os contribuintes de fato do tributo, que agüentam a carga do mesmo.
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Frente a tais incongruências é plenamente cabível que o consumidor final da energia, contribuinte de fato do imposto, busque provimento judicial afastando exações indevidas.
Entre as questões passíveis de questionamentos apontamos:
1) A Essencialidade da Energia Elétrica, o princípio da seletividade e a sobre taxação da energia.
Sobre tal ponto, aduzimos que é plenamente cabível que se julgue inconstitucional a aplicação de alíquotas de grande monta ao ICMS sobre a energia elétrica, inclusive já com precedente do tribunal paranaense.
2) A exclusão do ICMS incidente sobre a Demanda Contratada de Potência.
Nessa questão concluímos que é induvidosa a não-incidência do ICMS sobre tal operação, o que já foi julgado definitivamente pelo Superior Tribunal de Justiça, sendo factível e bastante acessível atualmente que o contribuinte de fato procure provimento judicial para desonerá-lo.
3) Não-incidência do ICMS sobre tarifas de uso de sistema de distribuição e de transmissão de energia elétrica.
Apontamos que o caso é, mutatis mutandis, idêntico ao analisado no item 2, sendo, portanto, as conslusões as mesmas, embora sem decisões judiciais no sentido. 70
4) Perdas técnicas e comerciais das operações com energia elétrica.
Idem 3.
4) Incidência do ICMS “por dentro”.
Concluímos pelo frontal desrespeito à Constituição Federal com tal prática, embora o Supremo Tribunal Federal tenha entendido pela sua constitucionalidade, o que deixa, pelo menos nesse ponto da história, o contribuinte sujeito a tal exação, sem ter para onde recorrer.
5) Por fim, como item conclusivo ainda em aberto, apontamos que todo e qualquer ICMS incidente na utilização da energia elétrica deveria dar direito a credito nas operações posteriores com o mesmo imposto, aplicando-se o princípio da nãocumulatividade na sua feição constitucional.
Mas legislação infra-constitucional indevidamente restringiu tal creditamento, permitindo apenas quando a energia elétrica for utilizada na produção industrial, entendimento que teve sua constitucionalidade ratificada pela jurisprudência dos tribunais superiores.
Ainda assim, o fisco comete arbitrariedades, negando o direito de crédito
quando
cabível,
como
no
caso
dos
estabelecimentos
71
predominantemente comerciais, mas que possuem parte de produção industrial, como supermercados com panificação.
Nesses casos, necessário se faz buscar o judiciário para que o entendimento da jurisprudência supere a intolerância do fisco.
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