Modernismo e a Questão Nacional
Os sentidos do Modernismo: Raízes e Rupturas Ariany Ribeiro Amorim1
M
onica Velloso expõe em seu texto o movimento modernista para além de
seu contexto literário, exibindo as amplas relações entre literatura e música, artes plásticas e imprensa. A autora analisa o contexto político do modernismo, que fez repensar conceitos de toda a sociedade, e ainda discute aspectos menos conhecidos, como como a tentativa de integração social. O movimento movimento modernista estabelece uma reavaliação da tradição de ruptura, que marcava o campo da pesquisa histórica e constitui um ponto de articulação entre o antigo e o moderno. Numa visão critica Velloso examina o movimento a partir de São Paulo e do Rio de Janeiro, dentre outros. Segundo a autora conceituar as palavras: Moderno, Modernidade e Modernismo tem sido objeto de muitas discussões na reflexão historiográfica. Nesse debate a questão da temporalidade histórica ocupa papel fundamental na escrita da história, desse modo o movimento modernista brasileiro inscreveu-se
nessa
representação
conceitual.
Agindo
em
distintas
temporalidades e espacialidades, propagando as mais variadas formas de intervenção social, discorrendo com um movimento amplo e complexo de tradições e referências r eferências culturais, o modernismo demonstra essa temporalidade. No contexto internacional, o início do século XX é caracterizado pelo desenvolvimento
tecnológico-científico.
A
nova
“corrente”,
guiado
pelo
crescimento da ciência positivista reflete sobre os diversos campos da atividade humana, tendo impacto na literatura, política, cultura e na ciência. O aceleramento da urbanização e o processo industrial foram os responsáveis
1
Graduada em Letras pela Universidade do Estado de Mato Grosso- UNEMAT e Especialista em Educação Inclusiva com ênfase em Libras pela Faculdade do Pantanal- FAPAN.
pelos primeiros conceitos de modernidade, correlacionando-se ao conceito de progresso e envolvendo uma possível ruptura com o passado. Consolidou-se no Brasil uma tradição intelectual que associou a instauração do moderno à década de 1920. Durante muito tempo, essa percepção do movimento, ocasionou uma interpretação simplificadora que o limitava a um referente espaço-temporal: A cidade de São Paulo. O movimento denominado “Semana de Arte Moderna”, que ocorreu entre os dias 12 e 17 de Fevereiro
de
1922,
passou
a
ser
mencionado
como
o
Marco
do
Modernismo, tendo nomes como: Tarsila do Amaral, Mario de Andrade, Oswaldo de Andrade, Portinari, entre outros. Devido sua característica histórica, predominava no Brasil uma visão pessimista, caracterizada pelo “atraso cultural” e pela “inferioridade étnica” em relação às nações Europeias. A miscigenação era considerada um fenômeno que tornava a sociedade brasileira sem identidade, tendo elementos de modos de vida distintos culturalmente, visto como perigoso, pois poderia causar um desequilíbrio na ordem social dos grupos étnicos a qualquer momento, evitando o progresso ou estagnando seu desenvolvimento. Velloso aborda que a escola modernista de Recife de 1870 sob a liderança de Tobias Barreto e tendo nomes como, Silvio Romero, Graça aranha, Capistrano de Abreu e Euclides da Cunha lançaram as primeiras concepções de modernismo para o Brasil, “ser moderno” significava para eles, buscar uma compreensão do significado de ser brasileiro. A partir de então reconhecia- se nossa identidade mestiça, ainda que discretamente, nos cantos, contos, poesias e danças; o brasileiro aparecia reconhecido na figura do indígena, do africano, do europeu e do mestiço. Nomes como, Lima Barreto, Bastos Tigres, Emilio de Menezes, entre outros, pertenciam ao modernismo carioca que elaboraram um projeto onde focava a necessidade de se conhecer a nacionalidade brasileira a partir de crônicas e das perspectivas de humor, da sátira e das caricaturas, assim a modernismo estaria próximo ao reconhecimento do popular e luta por direitos políticos e sociais da sociedade urbana excluída de seus interesses e não ligado a um sentido de progresso movido pela cientificidade tecnológica da produção.
O Rio de Janeiro possuía uma elite intelectual-artística que se mantinha
em
constante
diálogo
com
manifestações
adquiriam
múltiplas
as
ideias
expressões
se
revolucionárias.
As
considerassem
de
fundamental importância lugares informais, como nas rodas dos cafés literários, nas festas populares e folias carnavalescas, no linguajar das ruas, no teatro de revistas e na imprensa cotidiana, através das revistas, de grande circulação. Em se tratando do Movimento Modernista em São Paulo, a autora admite que o clima pós-guerra fez alterações fundamentais na forma de se pensar o Brasil. A crise de valores que balançou o cenário europeu teve seus reflexos imediatos no Brasil. Recorrendo às metáforas organicistas, nossos intelectuais exprimem a ideia da velha e da nova civilização: o Brasil é o organismo sadio e jovem, enquanto a Europa é a nação decadente que deve fatalmente ceder lugar à América triunfante. Artistas e intelectuais europeus viajaram ao Brasil para buscar inspiração no nosso folclore, na literatura e na música popular. Num primeiro momento – que vai até 1924 – o que estava em questão para os intelectuais do movimento era atualização da cultura. No Manifesto Pau- Brasil, publicado em 1924 no jornal "O Correio da Manhã", Oswald de Andrade
enfatizava
a
necessidade de criar
uma arte
baseada nas
características do povo brasileiro, com absorção crítica da modernidade europeia. Até esse ponto todos concordavam que precisavam atualizar nossa cultura urgente, mas após 1924 começou as divergências entre os intelectuais sobre a questão da brasilidade. E foi a partir de questões como essa que surgiram distintas visões ideológicas sobre a nacionalidade. A polêmica desencadeada sobre o que significava ser brasileiro deixava clara a importância da questão regionalista no interior do modernismo, assinalando bem as resistências à tentativa de redefini-la de acordo com novos parâmetros. Já no Manifesto Antropófago, publicado na Revista de Antropofagia em 1928, Oswald de Andrade ampliava e aprofundava sua reflexão sobre brasilidade, defendendo então a ideia de aglutinação e integração das culturas. Surge então a metáfora da antropofagia nesses termos propõe – se a apropriação da cultura europeia pelo “canibalismo cultural”, derivando-se da cultura indígena onde come-se a carne do inimigo com a intenção de absorver suas
qualidades.
A
expressão
plástica
da
Antropofagia
esteve
bem
representada no quadro de Tarsila do Amaral, intitulado Abaporu – o homem que come ou o comedor de culturas. Outra vertente sobre brasilidade modernista pode ser encontrada em Mário de Andrade. Segundo ele as tradições em si não teriam valor, a não ser quando capazes de estabelecer uma relação dinâmica com o tempo presente. Para Mário, o Brasil é uma entidade homogênea na qual as diferenças regionais devem ser abstraídas. Por isso seu personagem Macunaíma movimenta-se livremente pelo espaço da brasilidade. Assim, sua trajetória não segue a lógica dos roteiros possíveis, mas inventa uma espécie de "utopia geográfica" que vem corrigir o gr ande isolamento em que viviam os brasileiros. Já no Martim Cererê verifica-se o inverso: Cassiano Ricardo cria os "heróis geográficos" que irão concretizar a epopeia bandeirante. O ponto de partida das incursões tem uma resposta predeterminada: São Paulo. O percurso é circular, cabendo aos heróis realizar a "paulistanização" do Brasil. Isto porque os valores desta civilização sintetizam a própria brasilidade. A questão da brasilidade constitui um tema imprescindível no debate modernista, mobilizando indistintamente todos os intelectuais, abordando as diferentes concepções de modernismo existentes no Brasil, não desmerecendo ou desvalorizando o movimento da semana de arte moderna paulista ocorrido em 1922, mas sim de demonstrando que existiram outras concepções sobre modernidade, portanto é necessário ao se estudar este assunto elaborar uma trajetória histórica que vai da escola de 1870 de Recife, e do modernismo carioca satírico, até chegar aos famosos movimentos antropofágicos, do paubrasil e o verde-amarelo da escola paulista. Essas ideias mostram o caráter complexo que revestiu o modernismo, reforçando a pluralidade da experiência no tempo e no espaço. Recife, Rio de Janeiro e São Paulo; séculos XIX e XX. As vertentes analíticas, intuitiva e satírico- humorística foram diferentes chaves, usadas em diferentes momentos e por intelectuais de diferentes filiações, para abrir a mesma porta: a brasilidade, assegurando-se assim o acesso do pais aos tempos modernos.
VELLOSO, Mônica Pimenta: O Modernismo e a questão nacional. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucila de A. Neves. O Brasil Republicano: o tempo do liberalismo excludente. 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. p. 353-385.