PASTA 177A Universidade do Estado do Rio de Janeiro Filologia Românica I Professor: Flávio Barbosa
I - Método histórico-comparativo Alguns exemplos da análise à luz desse método: 1) PRIMEIRO QUADRO COMPARATIVO LATIM
ROM.
PROV.
PORT.
ESP.
FRAN.
ITAL.
aurum
aur
aur
ouro
oro
or
oro
taurum
taur
taur
touro
toro
tor (ant.) e taureau
toro
orelha
oreja
oreille
orecchia
auricla/oricla
(vulg.)
aurelha ureche
(ant.) e auriho
“...ao comparar as línguas românicas, considerando o resultado do ditongo latino au, vemos que deu em francês, italiano, espanhol e catalão o, em português ou, enquanto ao contrário, se conservou em romeno e provençal (por exemplo, aurum e taurum continuam em francês or , antigo francês tor , italiano oro, toro, espanhol oro, toro, catalão or , toro, mas em português ouro, touro, em romeno aur , taur , e em provençal também aur , taur ). ). O português orelha (cf. português ouvir < latim audire) e o romeno ureche (cf. romeno uccid ‘ouvido’ < latim occido ) não podem, portanto, vir do latim vulgar auricla, mas do latim vulgar oricla. Enquanto o francês oreille, italiano orecchia, espanhol oreja e catalão oricla poderiam ser continuadores de ambas as formas do latim vulgar, o antigo provençal aurelha e o provençal auriho vêm do latim auricla. Aplicando o método comparativo, chegamos à conclusão de que as palavras românicas para ‘orelha’ não vêm do latim auris, mas de um latim vulgar oric(u)la, auric(u)la, uma palavra popular...” [VIDOS, 1996: 43]
2) SEGUNDO QUADRO COMPARATIVO LATIM
PORTUGUÊS
ESPANHOL
ITALIANO
FRANCÊS
octo
oito
ocho
otto
huit
nocte
noite
noche
notte
nuit
factum
facto/fato/feito
hecho
fatto
fait
“...é um fato que o francês huit , italiano otto, espanhol ocho, catalão vuit , italiano otto, espanhol ocho, catalão vuit , romeno opt derivam do latim octo: um fato evidente historicamente, pois sabemos que as línguas românicas procedem do latim. Mas a evidência não é suficiente; é necessário prová-la cientificamente. Ao considerar que o grupo consonantal -ct- (em octo) deu em francês -it -, em italiano -tt-, em espanhol -ch- e em romeno -pt-, e que em todas as línguas românicas se obtêm sempre os mesmos resultados do latim -ct- (por exemplo, latim nocte(m) > francês nuit , italiano notte, espanhol noche, romeno noapte; latim factum > francês fait , italiano fatto, espanhol hecho , romeno fapt , etc.), a realidade de que o francês huit , italiano otto, espanhol ocho e romeno opt derivam do latim fica demonstrada pelo método comparativo.” [VIDOS, 1996: 42]
II - Geografia linguística Mapa com a distribuição das denominações do galo no sudoeste da França. [ILARI, 2001: 27]
“A Geografia Linguística (...) trouxe contribuição preciosa para o esclarecimento de certos problemas fundamentais da Linguística, como o dos limites dialetais e o das leis fonéticas. A não-coincidência das isoglossas mostra que os fenômenos linguísticos, reflexo da mobilidade histórico-social, se cruzam e entrecruzam, não havendo, portanto, fronteiras dialetais rígidas, a não ser em casos excepcionais. Quanto às leis fonéticas, demonstrou a Geografia Linguística que, em concreto, cada palavra tem a sua evolução, pois não somente a perturba a analogia, como ensinaram os neogramáticos, mas toda uma gama de fatores psicológicos e sociais. A mutação fonética não é simultânea em toda a língua, mas se confunde com a palavra, de indivíduo a indivíduo. A observação é de Eugenio Coseriu, que acrescenta: “...la geografía lingüística no contribuye a destruirlo (o princípio neogramático da regularidade das leis fonéticas) como a veces se cree, sino, justamente, a transformarlo de físico en histórico” ( La Geografía Lingüística, Montevidéu, 1956, pág. 31).” [ELIA, 1974: 24]
III - Palavras e coisas 1) PLICARE/ADRIPARE “Em latim os vocábulos que traduziam a ideia de “chegar” eram venire e advenire . Venire restringiu o sentido a “vir”, antônimo de “ir”. A ideia de “chegar” opõe-se à de “partir”. O étimo de “chegar” é um latim plicare, cujo sentido próprio é “dobrar” (conferir o fr. plier ). A evolução de sentido teria decorrido do emprego do verbo na linguagem náutica e estaria na expressão plicare vela, i. é., dobrar as velas da nau quando a embarcação chega ao porto. Na Peregrinatio Egeriae, narrativa de viagem de uma monja presumidamente espanhola, encontra-se plicare ou plecare, com o sentido de “chegar” em mais de um passo como este: “et (ut) sic plecaremus nos ad montem Dei”. Plecare é a base do port. chegar e do esp. llegar . Plecare também deixou descendência em romeno no verbo a pleca, mas no sentido exatamente oposto ao que tem na Península Ibérica, pois, no Oriente significa “partir”. Aqui se vai buscar explicação à linguagem militar: plicare tentoria, i. é., dobrar as tendas do acampamento para pôr-se em marcha. Outro substituto léxico de advenire foi adripare, termo também da linguagem marinheira, pois significa propriamente aproximar-se do litoral”. É a significação que o termo tem em esp., de onde passou ao port. (arribar ao porto). De adripare, através de arripare, chegou-se ao fr. arriver , e do fr. o vocábulo transitou para o it. arrivare e o cat. arribar . (...)” [ELIA, 1974: 257-8] 2) CASEUS / FORMATICUS “O “queijo” dizia-se em latim caseus ou caseum. O pl. era sempre casei. De caseu- temos regularmente o ptg. queijo, o esp. queso, o sd. casu, o rom. cas. Na Gália criou-se a expressão “caseus formaticus”, ou seja, “queijo posto em fôrma”. Por braquilogia muito comum em expressões desse teor (subst. + adj.), o sintagma reduziu-se ao adj.: formaticus. Daí é que procedem o fr. fromage, o prov. fromatge, o cat. formatge. Quanto ao it. formaggio deve ser “um empréstimo francês devido à influência da época carolíngia.” (Rohlfs, 88). O caráter não hereditário da palavra formaggio se deduz pela forma do sufixo. É que o suf. lat. -aticu dá normalmente em it. (tosc.) -atico e não -aggio. Portanto, em it., selvatico é forma patrimonial, ao passo que selvaggio é um empréstimo. O suf. -agem também nos veio da França. A forma erudita é -ático: viático, p. ex. A forma arcaica, semierudita, era -ádigo ou -ádego: padroádigo, montádego. [ELIA, 1974: 260-1]
3) CABALLUS/EQUA “Em latim “cavalo” dizia-se equus: o fem. era equa. No lat. vulgar, porém, a forma equus foi cedo substituída por caballus. Caballus não designava o animal usado para passeios, combates ou competições e sim, mais modestamente, o animal de trabalho, geralmente castrado. Mas como o povo não possuía equus e sim caballus, foi esta a palavra que passou às línguas românicas: port. cavalo, esp. caballo, cat. cavall, fr. cheval , it. cavallo, sd. caddu, rom. cal. Como se vê, o termo é bastante geral (...). Para o fem., equa manteve-se parcialmente. Ficou no port. (égua), no esp. ( yegua), no cat. (egua ou euga), no prov. ant. (egoa ou ega), no sardo (ebba), no romeno (iapă ). Pela extensão do termo, da Península Ibérica aos Balcãs, verifica-se ter sido equa a camada mais antiga. No Norte da França, desde a Alta Idade Média, jumentum entrou a fazer concorrência a equa. Jumentum, em latim, era a besta de carga e o nome passou a ser aplicado à égua, por ser a fêmea animal mais dócil. Daí o fem. fr. jument , que substituiu o antigo ive. Na Córsega, se diz jumenta, por influxo do francês. Em port. existe jumento (fem. jumenta), como sinônimo de “burro, asno”. Na Itália, criou-se o fem. analógico cavala. [ELIA, 1974: 263-4]
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ILARI, Rodolfo. Linguística românica. São Paulo: Ática, 2001. ELIA, Sílvio. Preparação à linguística românica . Rio de Janeiro: Acadêmica, 1974. VIDOS, Benedek E. Manual de linguística românica. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1996.