Publicado em Teoria & Sociedade , 7: 9-69, junho de 2001.
MERCADO, DEMOCRACIA E JUSTIÇA SOCIAL: A ECONOMIA POLÍTICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO * Bruno P. W. Reis
1. DESIGUALDADE E DEMOCRACIA Freqüe Freqüente ntemen mente te se admite admite que a conviv convivênc ência ia entre entre capita capitalis lismo mo e democr democraci aciaa já constitui em qualquer circunstância um problema extremamente complexo – pois impõe a tensa convivência entre, de um lado, o igualitarismo doutrinário do mercado e, do outro, outro, a inesca inescapáv pável el hiera hierarqu rquiza ização ção social social embut embutida ida na estru estrutur turaa de classe classess cont contin inua uame ment ntee repr reprod oduz uzid idaa por por sua sua próp própri riaa lógi lógica ca de func funcio iona name ment nto; o; entr entree a distri distribui buição ção do poder poder previs prevista ta nos princí princípio pioss democr democráti áticos cos e a concen concentra tração ção da propriedade resultante da operação do capitalismo. Se isto é correto (penso que é), então no caso do Brasil esse clássico problema tem seus efeitos dramaticamente pote potenc ncia iali liza zado doss pela pela fund fundaa segm segmen enta taçã çãoo soci social al parc parcia ialm lmen ente te deri deriva vada da das das circunstâncias em que o país se formou e da forma escravagista de exploração do trabalho – então predominante. Não é difícil delinear um contraste com a experiência de democracias capitalistas centrais – particularmente as da Europa Ocidental. Ali a solução adotada para o problema acabou por incorporar invariavelmente um estado de compromisso: aceita-se a propriedade privada e a manutenção do regime econômico em seus seus traç traços os fund fundam amen enta tais is,, em troc trocaa da pres preser erva vaçã çãoo de um regi regime me polí políti tico co demo democr crát átic icoo e da adoç adoção ão de algu alguma mass polí políti tica cass soci sociai aiss em área áreass sens sensív ívei eis, s, particularmente saúde, educação e regulamentação do trabalho.1 Entre nós, o agudo descompasso entre o grau de concentração do poder econômico e a pulverização dos direitos políticos decorrentes da expansão do eleitorado (facilmente exprimível no fato de que pelo menos até uns poucos anos atrás o número de contribuintes do imposto de *
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O presente artigo apóia-se basicamente no capítulo 4 de minha tese de doutorado, Modernização, Mercado e Democracia: Política e Economia em Sociedades Complexas (defendida no IUPERJ em 16 de dezembro dezembro de 1997), 1997), embora embora acrescido acrescido de trechos trechos de trabalho trabalho preparado preparado para apresentaçã apresentaçãoo no II Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política (realizado na PUC de São Paulo, entre 20 e 24 de novembro de 2000) por gentil convite do Prof. Alberto Tosi Rodrigues (UFES). Para publicação, graças às boas sugestões de um escrupuloso e arguto parecerista anônimo de Teoria & Sociedade, dividi a versão levada à ABCP em duas partes, das quais o presente trabalho constitui a segunda. A primeira parte, intitulada “O Mercado e a Norma: O Estado Moderno e a Intervenção Pública na Economia”, foi encaminhada para publicação na Revista Brasileira de Ciências Sociais e ainda aguarda parecer. Na expressão arguta de Adam Przeworski (1989: 172), “a democracia é o Bonaparte moderno”.
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renda no Brasil não alcançava 10% do tamanho do eleitorado)2 determina uma lógica
plebiscitá plebiscitária ria à operação operação da democracia democracia,, que cria obstáculos obstáculos considerávei consideráveiss à barganha barganha em torno de objetivos de longo prazo, pela previsível desconfiança mútua nutrida pelos potenciais pactuantes. A analogia entre essa situação e o “círculo vicioso autoritário” aludido por Robert Putnam é bastante óbvia.3 Wanderley Guilherme dos Santos, em trabalho recente, alerta para o fato de que aproximadamente dois terços das pessoas vítimas de violência no Brasil não recorrem à justiça; e, dentre estas, a esmagadora maioria não o faz por puro (e justificado) ceticismo.4 A lógica subjacente à interpretação adotada para a corrosão das estruturas normativas no Brasil desdobra-se em traços bastante análogos aos do argumento de Putnam, e Santos (1993: 105-6) se refere a um “jogo de espelhos” para descrever o comportamento do “conjunto de expectativas que os indivíduos têm quanto ao governo, quanto aos seus concidadãos e quanto a si próprios” – expectativas essas que em Putnam constituiriam o caldo primordial da “cultura cívica” local. No caso do Brasil, submetida a intenso processo de deslocamento social (tanto horizontal quanto vertical), a população testemunharia uma drástica suspensão de padrões de condut condutaa tradic tradicion ionalm almen ente te espera esperados dos,, sem que nenhu nenhum m ordena ordenamen mento to normat normativo ivo preenc preenche hesse sse este este vazio vazio com eficác eficácia. ia.5 Da Daíí se difu difund ndir iria ia a perc percep epçã çãoo de que que as retribuições sociais se encontram simplesmente desvinculadas da contribuição de cada um. Com a falta de sinais consistentes a respeito do padrão de conduta a ser adotado, cresce enormemente a incerteza, ou – em termos formais – eleva-se excepcionalmente 2
F. W. Reis (1990: 23). Para números mais recentes, pode-se recorrer a Sérgio Abranches (1995: 34), onde se estima, em 1995, a existência de 10 milhões de contribuintes do IRPF para 90 milhões de eleitores – uma relação de pouco mais de 11%.
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Muito resumidamente, Putnam (1993: 163-85) aponta duas dinâmicas típicas para o problema do desempenho político-institucional: uma que ele chama o “círculo vicioso autoritário” e a outra, por contraste, o “círculo virtuoso democrático”. Na primeira, o estado (ou seus aliados, potentados locais privados) garante a ordem de maneira precipuamente coercitiva, através do medo e da repressão, deixando em segundo plano a construção de qualquer relação de confiança mútua disseminada entre os habitantes. Na segunda, investe-se no estabelecimento de regras impessoais que devem, em princípio, ser seguidas por todos, economicamente poderosos ou não. Esta última depende, para sua consecução eficaz, da generalização da disposição de firmar compromissos e abrir mão de ganhos imediatos em favor de compensações futuras, na presunção de que a observância universal de determinadas regras renderá frutos no longo prazo. O arranjo autoritário é um “círculo vicioso” porque o precedente da afirmação violenta do poder inibe a disseminação de comportamentos mais cooperativos no interior da população. A vontade do poderoso de plantão prevalece em última instância, dificultando o estabelecimento de laços “horizontais” de confiança mútua, e tornando inúteis, por pouco confiáveis, compromissos que envolvam compensações futuras. A democracia, por sua vez, constituiria um “círculo virtuoso” em virtude do fato de que o acatamento de regras impessoais de solução de disputas, uma vez estabelecido, pode gerar um estado de coisas no qual a violação dessas regras, mesmo que imediatamente proveitosa, pode se tornar onerosa para aquele que a pratica, em virtude da retaliação dos demais.
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Dados do IBGE para o período entre outubro de 1987 e setembro de 1988 ( apud Santos, 1993: 100-4, esp. tabelas 19 e 20, p. 103).
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Nélson do Valle Silva (1992: 79-80) observa que em 1973, “devido apenas a mudanças na estrutura ocupacional”, 30,4% dos homens adultos no Brasil já haviam experimentado mudanças entre ocupações rurais, urbanas manuais e urbanas não-manuais. Este índice de “mobilidade estrutural” ou “forçada” é superior ao de todos os outros oito países por ele tomados para efeito de comparação (Alemanha Ocidental, Estados Unidos, Filipinas, França, Hungria, Japão, Polônia e Checoslováquia). Checoslováquia).
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a taxa de desconto temporal das preferências individuais, gerando uma situação de
desconfiança generalizada (Santos, 1993: 107-10). As conseqüências sociais extraídas por Santos para esse estado coisas são virtualmente idênticas ao “familismo amoral” com que nos anos 50 Edward Banfield caracterizou as normas de sociabilidade vigentes no sul da Itália, em estudo recentemente recuperado por Elisa Reis (1995) para refletir sobre problemas de integração social em contextos de forte desigualdade, como o Brasil – e citado também por Putnam Putnam (1993: 88, 144, 177) como exemplo típico da ausência da virtude cívica: fruto da combinação de empobrecimento com desconfiança mútua, seria porém a única estratégia racional de sobrevivência num contexto social como o do Mezzogiorno italiano, caso paradigmático de “círculo vicioso autoritário”.
No plano macropolítico, esta lógica se revela no frêmito golpista apontado também por Wanderley Guilherme dos Santos (1994: 69-72), decorrente da combinação perversa entre, de um lado, o estado de débito geral permanente em que se encontra o governo em qualquer sociedade fraturada em grupos, na ausência de algum “compromisso social originário” digno de crédito, e, do outro, a antecipação, por cada ator relevante, de que as instituições – quaisquer que sejam elas – não serão capazes de assegurar que os seus seus adve advers rsár ário ioss não não trat tratem em eles eles mesm mesmos os de “vir “virar ar a mesa mesa”, ”, o que que cond conduz uz recorrentemente aos tão comuns “golpes preventivos”. Ou seja, no momento em que o atentado institucional se torna possível , ele já é também praticamente inevitável . Daí que Fábio Wanderley Reis (1995: 40-2) venha insistindo recentemente em que a propal propalada ada “gover “governab nabili ilidad dade”, e”, sendo sendo o atribu atributo to de ser “gover “governáv nável el”, ”, refere refere-se -se à sociedade, mais do que à capacidade estatal de governar.6 A inversão do sentido – comum em seu uso corriqueiro recente – induz à redução do problema a uma questão “técnica”, de adequada configuração das instituições políticas ou do aparato burocrático estatal, em busca de maior eficiência ou capacidade gerencial, perdendo de vista o delicado problema do acoplamento eficaz entre eficiência e democracia. 7 Como é óbvio, a eficiência refere-se à adoção de meios adequados à consecução, com custo mínimo, de fins dados. O problema é que na política os fins não são dados, e os custos de transação para a tomada de decisão serão tanto maiores quanto maior for o leque de interesses ouvidos e ponderados – ou seja, a democracia envolve ela mesma algum sacrifício da eficiência, expresso modernamente no crescimento irresistível do aparato burocrático 6
De fato, mesmo Bresser Pereira (1996: 198-9), após defender uma ampla pauta de reformas políticas (que inclui “um sistema eleitoral no estilo alemão”, “a correção da desproporção na representação dos estados na Câmara dos Deputados”, limitações no número de partidos e a restrição da “participação do governo federal nas despesas locais”), admite que “essas mudanças não serão decisivas. Não são uma panacéia; não resolverão o problema da legitimidade do governo brasileiro porque a base dessa falta de legitimidade não é institucional mas social . Deriva do caráter radicalmente heterogêneo da sociedade brasileira.” (Grifo meu.)
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Eli Diniz (1997a: 176) também propõe tratar a reforma do estado “em estreita conexão com o tema da consolidação democrática”. Pois, tratada isoladamente, “ou exclusivamente em função de seus aspectos administrativos, a reforma do estado tende a ser conduzida de modo a acentuar as tensões com os requisitos da institucionalização da democracia”.
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estatal, em nome da impessoalização das normas e direitos a serem universalmente
implementados (B. Reis, 1997: 49-71). O que não quer dizer, naturalmente, que – dada esta esta rest restri riçã çãoo – o prob proble lema ma da efic eficiê iênc ncia ia não não se impo imponh nhaa em algu algum m mome moment nto, o, particularmente no que toca à capacidade de pronta implementação e aplicação do corpo de direitos e deveres corporificados nas normas vigentes. Mas é importante destac destacar ar que o proble problema ma não poderá poderá ser devida devidamen mente te atacad atacadoo exclus exclusiva ivamen mente te no âmbito de medidas reestruturadoras da esfera burocrático-administrativa da máquina estatal, mas envolverá necessariamente delicados problemas de institucionalização de canais de articulação política entre o estado e a sociedade. Esse problema reveste-se de especial significado entre nós, brasileiros, já que – a se acompanhar a interpretação da nossa história sugerida por Luiz Felipe de Alencastro (1987) – o país em que vivemos hoje resulta em larga medida de iniciativas “unilaterais” de uma elite burocrática de vocação demiúrgica, que – freqüentemente imbuída de uma idéia mais ou menos clara do “interesse nacional” – raramente terá hesitado em afastar do caminho a democracia, em nome do cumprimento “eficiente”, tecnocrático, das necessidades prementes da nação. Hoje podemos avaliar a estreita abrangência dos benefícios de uma estratégia quas quasee unân unânim imee de “fug “fugaa para para a fren frente te”” na real realiz izaç ação ão do feit feitoo notá notáve vell de se compatibilizar uma economia predominantemente urbana e industrializada com um dos dos pior piores es índi índice cess de distr distrib ibui uiçã çãoo de rend rendaa do plan planet eta. a. Um dos dos pouc poucos os efei efeito toss realme realmente nte univer universai saiss da modern moderniza ização ção acele acelerada rada brasil brasileir eiraa foi a genera generaliz lizaçã açãoo de expect expectati ativas vas cresce crescente ntess de ascen ascensão são econôm econômica ica e mobili mobilidad dade, e, pois pois as incha inchadas das metrópoles brasileiras fizeram conviver, às vezes separadas por poucos metros, famílias miseráveis com uma classe média com padrão consumo de bens de luxo superior ao de muitos países de renda per capita capita mais elevada. A sensação de privação relativa derivada desses fortes contrastes (e muitas vezes agravada pela incongruência habitual entr entree a cont contri ribu buiç ição ão indi indivi vidu dual al e a retr retrib ibui uiçã çãoo soci social al apon aponta tada da por por Wand Wander erle ley y Guilherme dos Santos, derivada em grande medida da incapacidade do estado de fazer vale valerr efetiv efetivame amente nte as normas normas e direit direitos os legalm legalmen ente te vigen vigentes tes)) adquir adquiree especi especial al virul virulên ência cia,, natura naturalme lmente nte,, durant durantee as crise crisess econôm econômica icas, s, o que ajuda ajuda a explic explicar ar a sensação particularmente forte de decomposição social que se experimentou no Brasil a partir dos anos 80.
2. O ESTADO E A BUROCRACIA O compadrio intra-elite que presidiu o processo de cooptação necessário à consolidação do poder central no imenso império brasileiro (especialmente junto à localmente poderosa e nacionalmente fragmentada classe proprietária rural) certamente não terá deixado de imprimir certas marcas duradouras em instituições e rotinas de nossa
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burocracia pública. Para além de certo cartorialismo exacerbado, tecnicamente falando
um legad legadoo import important antee talve talvezz tenha tenha sido sido a reprod reproduçã uçãoo desen desenfre freada ada de “polít “política icass distributivas”, tal como definidas por Theodore Lowi (1964: 689-91), 689-91) ,8 induzidas pelo esforço de apaziguamento de potentados regionais que tendeu a prevalecer desde os tempos do Império. A ironia aqui embutida é que Alencastro descreve o Brasil – na visão de sua elite – justamente como um “fardo dos bacharéis”, uma selva de bugres incivilizados governada por uma burocracia presumivelmente letrada encarregada da árdua tarefa de introduzir alguma “racionalidade” na selva. O problema é que, sendo dimi diminu nuta ta a comp compos osiç ição ão dess dessaa ilha ilha de bach bachar aréi éis, s, não não se inst instau aura ra a nece necess ssár ária ia impessoalidade para a operação de uma verdadeira burocracia (racional, portanto), mas antes se estabelece uma espécie de confraria onde todos se ajudam – talvez até acreditando estarem, por extensão, ajudando “o Brasil”. Só que, com isso, generalizamse as políticas distributivas tópicas, e a conta vai, naturalmente, para “o Brasil”. Como observa Sérgio Abranches (1992: 119), essa “lógica de clientelas” acaba por prejudicar seriamente “a seletividade necessária a soluções mais permanentes e democráticas para os jogos de ‘soma zero’, característicos dos processos [re]distributivos e inerentes ao dese desenv nvol olvi vime ment ntoo e à muda mudanç nça” a”.. Assi Assim, m, cont contra rari riam amen ente te a o que que a ênfa ênfase se na “governabilidade” tende a deixar subentendido, “a redemocratização do estado supõe a partic participa ipação ção mais mais efetiv efetivaa da repres represent entaçã açãoo setori setorial al dos segmen segmentos tos trabal trabalhis histas tas e empresariais naquelas decisões das diferentes jurisdições do estado, que afetam seus interesses”, e não seu insulamento (Abranches, 1992: 122-3). 122-3).9 Não faria sentido, porém, identificar num passado remoto a origem de problemas que se verificam ainda hoje, se o apego a estas estratégias não fizesse sentido para os atores dentro da estrutura de incentivos com que se deparam hoje. A teoria dos jogos mostra com com clar clarez ezaa como como a emer emergê gênc ncia ia de uma uma estr estrat atég égia ia volt voltad adaa para para resu result ltad ados os coletivamente benéficos a serem obtidos no longo prazo dependerá – entre outras coisas – de um contexto suficientemente estável, a ponto de permitir aos atores abrir mão de pequenos resultados imediatos em favor de uma aposta segura sobre um 8
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Segundo Lowi (1964), os três grandes tipos de políticas – distributivas, redistributivas e regulatórias – configuram diferentes arenas de poder, cada uma com sua própria estrutura política característica, seus processos e sua elite peculiar. Wanderley Guilherme dos Santos (1982: 168) produziu uma descrição sintética e precisa das três, suficiente para o uso feito aqui: “Simplificando a apresentação e a discussão de Lowi, podemos entender como distributiva aquele tipo de política que distribui bens e serviços quase que individualmente, sem conflito, porque a curto prazo a quantidade disponível dos ditos bens e serviços parece infinita. A política regulatória lida com conflitos entre dois ou mais segmentos da socied sociedad adee – como como dois dois ramos ramos indust industria riais, is, por exempl exemploo – e implic implicaa ganhos ganhos e perdas perdas relativos. Finalmente, a política redistributiva é tipicamente uma decisão de soma zero, e lida com os principais conflitos sociais, isto é, conflitos entre classes.” A perpetuação do clientelismo sob o regime militar, apontada também por Abranches (1992: 127-8), é uma corroboração eloqüente deste ponto. Como lembra Ben Schneider (1994: 101), “o fechamento dos partidos e do Congresso não interrompeu a política; simplesmente canalizou-a, por completo, para a burocracia”, num movimento aparentemente inevitável, pois bastante análogo àquele ocorrido nos países socialistas da órbita soviética.
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retorno esperado futuro (B. Reis, 1997: 87-96). Mas, como observou Barbara Geddes
(1994: 13), “on average, Latin American political actors must discount the future fairly heavily because because of the high probability probability that a military military interventio intervention n will marginalize marginalize them. [...] Furthermore, even when the military remains on the sidelines, a change of the party in power may reduce markedly a politician’s or bureaucrat’s chances of getting ahead, sinc sincee succ succes esss depe depend ndss heav heavil ilyy on patr patron onag age, e, whic which h pres presid iden ents ts mono monopo poli lize ze.. Consequently, discount rates tend to be high. In other words, the unstable political environment forces rational politicians in office to concentrate on activities that lead to quick results and immediate rewards.”
Analogamente, Ben Schneider (1994: 123) irá sublinhar que “os fortes laços pessoais que permeiam a administração brasileira são menos vestígios do Brasil tradicional do que respos respostas tas perfei perfeitam tament entee racion racionais ais à comple complexid xidade ade e à incert incerteza eza”. ”. Para Para ele, ele, a centralidade da “política de nomeações” no estado brasileiro (mais de cinqüenta mil cargos sujeitos a nomeação pelo Presidente da República em 1985) 10 desempenha a função básica de, na ausência de controles impessoais eficazes, permitir aos superiores manter manter algum algum controle controle sobre seus subordina subordinados dos pela possibilidade possibilidade de “comunica “comunicarr incentivos” a partir do controle sobre suas carreiras. Na atmosfera institucionalmente rarefeita vigente, as nomeações tornam-se o principal mecanismo de influência sobre as performances burocráticas e, portanto, um instrumento imprescindível de controle da incerteza (Schneider, 1994: 126-7). 11 Sinteticamente, as nomeações importam na proporção inversa da força das instituições, do sucesso no processo de impessoalização das decisões. Não surpreende constatar, portanto, que, com a suspensão de outros canais de competição política, as nomeações se tornam ainda mais importantes depois de 1964. “Ao castrar o Congresso e o Judiciário, os militares forçaram a entrada da política no executivo”, pois tanto “os altos burocratas tornaram-se legisladores” quanto “as nomeações para a burocracia se tornaram um meio primário de recrutamento e representação das elites” (Schneider, 1994: 116). 12 Claro, Schneider reconhece que essas nomeações “abrem caminho para um número igual de oportunidades de nepotismo, clientelismo, corrupção e simples incompetência”. Mas, paralelamente, a “carreira” cumpre a função de estruturar as preferências dos burocratas, segundo alguns tipos de resultados conducentes à ascensão profissional, e a alta rotatividade na burocracia evita 10
Um censo censo de todos todos os órgãos órgãos do govern governoo federa federall realiz realizad adoo conjun conjuntam tament entee pelo pelo Minist Ministéri érioo da Desburocratização e a Secretaria de Planejamento em 1985 contou “aproximadamente vinte mil órgãos” – que, segundo seus cálculos, “correspondia a apenas um terço do estado”. Foram identificados “553 órgãos diferentes ligados à saúde, 339 à educação, 282 à indústria e comércio e 897 órgãos que existiam apenas para coordenar outros órgãos” (Schneider, 1994: 28).
Para a eficácia do sistema de nomeações, Schneider (1994: 107-8) destaca ainda a importância da socializa socialização, ção, da mentalid mentalidade ade comum comum e do permanent permanentee contato contato entre entre si mantido mantido pelos burocrat burocratas as brasileiros, o que forneceria aquilo que Rueschemeyer e Evans (1985: 59) identificaram como “the non bureaucratic foundations of bureaucratic functioning”.
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Para Schneider (1994: 328), “o autoritarismo não era necessário nem inerentemente superior” para a produção de políticas industriais, pois “a formulação de políticas apresenta continuidades ao longo de todo o período do pós-guerra”. Por outro lado, tampouco os fracassos do período podem ser “atribuídos primariamente a peculiaridades do regime militar”.
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mesmo a identificação excessiva com organizações específicas, diluindo – pelo menos
no inte interi rior or da alta alta buro burocr crac acia ia – a cons consti titu tuiç ição ão de bols bolsõe õess rígi rígido doss de inte intere ress sses es organ organiza izacio cionai naiss crista cristaliz lizado adoss (Schne (Schneide ider, r, 1994: 1994: 28-9). 28-9). Alguma Algumass caract caracterí erísti sticas cas presumive presumivelmen lmente te debilitan debilitantes tes da burocracia burocracia econômic econômicaa brasileir brasileiraa (“incluin (“incluindo do curta permanência no cargo, falta de capacidade técnica, instituições fracas e uma teia de laços pessoais informais”) podem ter-se revelado, portanto, como elementos favoráveis a iniciati iniciativas vas audaciosas audaciosas de uma política política industria industriall bastante bastante discricionári discricionária. a. Mas os mesmos fatores “que levam ao êxito na política industrial podem arruinar outros tipos de políticas”, ao desfavorecer a construção do consenso político necessário a iniciativas bem-sucedidas de melhoria da qualidade dos serviços públicos em áreas complexas como saúde ou educação, por exemplo (Schneider, 1994: 345-6). Assim, em 1990 o Brasil – juntamente com a Nigéria e o Paquistão – era citado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) como um país em que se teriam perdido opor oportu tuni nida dade dess favo favorá ráve veis is para para o dese desenv nvol olvi vime ment ntoo huma humano no:: apes apesar ar de rend rendas as rela relati tiva vame ment ntee alta altas, s, cres cresci cime ment ntoo rápi rápido do,, e – muit muitoo impo import rtan ante te – de gastos govern govername amenta ntais is signif significa icativ tivos os nos setore setoress sociai sociaiss, os resu result ltad ados os espe espera rado doss não não
apar aparec ecer eram am (Sil (Silva va,, 1992 1992:: 103) 103).. As razõ razões es dess dessaa pers persis iste tent ntee inef inefic icác ácia ia dos dos atos atos governamentais nessa área podem ser muito plausivelmente atribuídas à insuficiente instit instituci uciona onaliz lizaçã açãoo e, conseq conseqüen üentem temen ente, te, à preser preservaç vação ão da import importânc ância ia de laços laços pessoais informais. É perfeitamente visível aqui a operação dos ingredientes do “círculo vicioso autoritário” resultando no mau desempenho institucional, à Putnam – e, lógico, na prol prolif ifer eraç ação ão de inic inicia iati tiva vass inóc inócua uass na área área soci social al,, que que depe depend ndee de mane maneir iraa particularmente importante da capacidade governamental de coordenação e controle. controle.13 Aparentemente, a prevalência do sistema de nomeações certamente produz o efeito de distan distancia ciarr o burocr burocrata ata do público, da pres presta taçã çãoo de serv serviç iço; o; ele ele é orie orient ntad adoo por por nomeações, o que faz voltar sua atenção para as prioridades estratégicas do sistema político. Schneider (1994: 330, n. 244) lembra, a propósito, que, décadas atrás, S. N. Eisen Eisensta stadt dt (1963: (1963: 112) 112) havia havia analis analisado ado “as conseq conseqüên üência ciass políti políticas cas da expans expansão ão burocrática ‘precoce’ nos países em desenvolvimento”: isto exacerbaria o envolvimento da burocracia com o processo político e atribuiria a ela um papel predominante na política nacional. Embora seja curioso falar em “expansão burocrática precoce” onde não chega a se completar a instalação de uma genuína burocracia, faz sentido supor que a expansão do corpo administrativo burocrático se processe mais aceleradamente que a inst instit ituc ucio iona nali liza zaçã çãoo do resto resto do sist sistem emaa polí políti tico co nos nos país países es peri perifé féri rico cos, s, com com as Para Barbara Geddes (1994: 14), a capacidade de implementação de decisões dependerá da habilidade do estado para taxar, coagir, conformar os incentivos dos atores privados e tomar decisões burocráticas eficazes durante o processo de implementação. “All of these abilities depend in turn on the existence of effective effective bureaucrat bureaucratic ic organiza organizations tions.” .” Se estiver estiver correta correta a minha minha interpreta interpretação ção da questão questão em outro outro trabalho (B. Reis, 1997: 94-5), a “existência de organizações burocráticas efetivas” é um fenômeno bastante análogo à “institucionalização” segundo a caracterização adotada por Samuel Huntington (1968: 5-20).
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conseqüências apontadas por Eisenstadt. E isto seria verdade particularmente no caso
do Brasil, dadas as peculiaríssimas circunstâncias de sua independência e a razoável continuidade mantida com as instituições burocráticas herdadas de Portugal.14 Sérgio Abranches (1992: 156, n. 8 – onde ele remete o leitor a Lehner & Schubert, 1984) adverte que “o crescimento do estado, quando desmesurado e/ou desordenado, limita dramat dramatica icame mente nte a capaci capacidad dadee de ação ação do govern governo”, o”,15 à medida em que se torna necessária uma capacidade sempre maior de processamento de informações, além do fato fato de que que a próp própri riaa expa expans nsão ão já prod produz uz ela ela mesm mesmaa a emer emergê gênc ncia ia de foco focoss diversificados de interesse no interior da máquina estatal, potenciais articuladores de veto points a iniciativas governamentais futuras – particularmente na ausência de um princípio de autoridade plenamente institucionalizado. O parâmetro decisivo, portanto, frente ao qual se pode avaliar a medida do crescimento excessivo do estado seria o grau de institucionalização de seus procedimentos e de sua fonte de autoridade. Assim, quanto mais institucionalizado um estado, mais longe poderá ir o seu processo de expansão burocrática sem prejuízo da qualidade do seu funcionamento.16 No caso do Caso único entre os países americanos, o Brasil alcançou sua independência em relação a Lisboa, em 1822, numa ruptura relativamente pacífica, deflagrada antes por “prudência conservadora” – como observou Alain Rouquié (1991: 84) – que por alguma sublevação de elites locais, como foi comum observar-se entre nossos vizinhos. Afinal, sete anos já se haviam passado desde que o Brasil abandonara abandonara a posição de colônia portuguesa e passara à condição de Reino Unido a Portugal e Algarve – e, nesse ínterim, a revolução que ocorreu foi em Portugal, em 1820, forçando o retorno do Rei a Lisboa. A independência do Brasil é proclamada pelo Príncipe Regente, herdeiro do trono português, apenas dois anos após a revolução constitucionalista do Porto (“antes que um aventureiro lance mão”), e é pelo menos tão compreensível como um movimento de cautela da família real e da facção monarquista da elite burocrática que a cerca, destinada a proteger o status quo vigente na América Portuguesa de eventuais efeitos desestabilizadores provenientes da situação imprevisível em que mergulhava Portugal, quanto como uma rebelião brasileira contra as Cortes portuguesas. Não é por puro acaso que o Brasil adota o formato institucional de um “império constitucional”, dissociando-se das repúblicas que então nasciam no resto do continente, para se alinhar com os princípios monárquicos da Santa Aliança. Portan Portanto, to, o episód episódio io da indepen independên dência cia do Brasil Brasil – embora embora possua possua,, sem dúvid dúvida, a, sua sua dimens dimensão ão fundacional própria, pois é a partir dali que o país passa a se apresentar como ente autônomo no cenário internacional – é mais propriamente uma secessão que uma independência, até porque a dinastia imperial portuguesa reserva para si a chefia do novo estado, deixando claro ser o novo império uma ramificação do aparato burocrático lusitano que se desvencilha de Lisboa e adquire vida própria, mais do que um novo país recém-constituído. Correndo o risco do exagero, seria possível afirmar que naquele momento os portugueses é que tentavam fundar um novo estado, enquanto os governantes do antigo busca buscavam vam se assegu assegurar rar da posse posse de sua ex-col ex-colôni ôniaa para para qualq qualquer uer eventu eventual alida idade. de. O proces processo so de construção do estado brasileiro não começa, portanto, da estaca zero, e se beneficia significativamente do aparato burocrático herdado de Portugal. É claro que os fundadores do novo império iriam se deparar com agudos desafios relacionados ao processo de state-building, dada a incipientíssima integração do grande território (que perduraria por todo o século), mas é sobretudo nas tarefas identificadas com o processo de nation-building que eles teriam de partir praticamente do zero (crises de “identidade” e de “legitimidade” – ver B. Reis, 1997: 72-4). Para expressar o problema em termos claros, tratava-se de agir para que o “país real”, ou, na expressão de Alencastro, “os proprietários rurais das diferentes regiões americanas onde se falava o português”, se dispusessem a obedecer a um poder central sediado no Rio de Janeiro, agora desvinculado da metrópole. E aqui a continuidade do aparato burocrático (e, sobretudo, diplomát diplomático) ico) herdado de Portugal Portugal e corporifica corporificado do na presença presença de um Orleans e Bragança Bragança ocupando ocupando o trono no novo centro se revelaria decisiva na manutenção da integridade territorial do império brasileiro. (Esta descrição da independência do Brasil é fortemente inspirada por Alencastro, 1987: 68.)
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Schneider (1994: 342-5) também se estende em considerações sobre a fraqueza de governos submetidos à pesada teia de compromissos típica de estados presumivelmente “fortes”. Eli Diniz (1997a: 17) faz a mesma mesma associ associaçã açãoo entre entre o cresci crescimen mento to desord desordena enado do do aparat aparatoo estata estatall e a frágil frágil capaci capacidad dadee de implementação de políticas.
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O problema evidente com que se defronta esta proposição é a operacionalização operacionalização empírica do conceito de “instituci “institucionali onalizaçã zação”, o”, que segue segue desafian desafiando do a ciência ciência política. política. Há uma decomposi decomposição ção analítica analítica da
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Bras Brasil il,, poré porém, m, é univ univer ersa salm lmen ente te apon aponta tado do que que o proc proces esso so de dese desenv nvol olvi vime ment ntoo
econômico historicamente se apoiou em crescente intervenção econômica direta do aparat aparatoo burocr burocráti ático co do estado estado.. Isto Isto exigiu exigiu rápida rápida (e muitas muitas vezes vezes desord desordena enada) da) expansão da máquina burocrática, que foi levada a efeito de maneira totalmente independ independente ente de qualquer qualquer processo processo de construção construção político-i político-instit nstitucion ucional al paralelo. paralelo. Previsivelmente, como observou Abranches (1992: 132), quanto mais este processo de expansão desordenada da máquina do estado avançou, menores tornaram-se os graus de liberdade do governo para promover a racionalização do gasto público.17 Diante “da cris crisee da buro burocr crac acia ia públ públic icaa e dos dos impu impuls lsos os da micr microf ofis isio iolo logi giaa do pode poderr [... [...], ], a bur buroc ocra raci ciaa auto autono nomi miza zada da torn tornou ou-se -se prog progre ressi ssiva vame ment ntee resp respon onsá sáve vell por por uma uma considerável parcela do gasto público”, mas isto teria criado “uma poderosa inércia orçamentária, pois as dotações para as fundações e empresas públicas são mais imunes aos cortes e os gastos menos passíveis de controle”. Com a deterioração do controle sobr sobree a buro burocr crac acia ia públ públic ica, a, há uma uma qued quedaa na capa capaci cida dade de de plan planej ejam amen ento to e programação. Chega-se a um ponto em que os gastos são mal programados, “e não se cui cuida nem da imple plementa entaçã çãoo, nem nem da aval avaliiação ação.. Port Portaanto, nto, gasta asta-s -see mal, al, independentemente das influências distorcivas da microfisiologia do poder sobre o processo de alocação de recursos públicos.” (Abranches, 1992: 140-1, grifo meu.) Pois
dete deteri rior ora-s a-see até até mesm mesmoo a disp dispon onib ibil ilid idad adee de info inform rmaç ação ão nece necess ssár ária ia para para a implementação de políticas eficazes. Sinteticamente, Sinteticamente, podemos constatar que, em contextos de debilidade institucional, redes pessoais de clientela aparecem como clusters cooperativos no interior de populações não-cooperativas, conforme apontado por Barbara Geddes (1994: 30-5). Nas páginas imediata imediatamente mente anteriores anteriores a esta afirmação, afirmação, porém, ela se dedica a listar listar uma série de mecanismos pelos quais uma rede de cooperação interna a pequenos grupos tende a não se expandir para toda a população. De fato, embora Axelrod descreva exatamente esse processo de expansão como uma forma possível de emergência espontânea de cooperação, as condições estipuladas para que isto se dê são, mesmo ali, bastante restritivas.18 As dificuldades, portanto, para a emergência de cooperação em larga escala institucionalização em quatro fatores (adaptabilidade, complexidade, autonomia e coesão institucional) em Samue Samuell Hunti Huntingt ngton on (1968: (1968: 12-24 12-24), ), que que poderi poderiaa vir consti constitu tuir ir a base base de uma uma tentat tentativa iva de operacionalização sistemática – ainda que tampouco esses fatores se prestem a operacionalizações óbvias. Persiste, em todo caso, a relevância evidente do conceito, que insiste em ressuscitar de tempos em tempos, a despeito das recorrentes tentativas de abandono. De fato, como aponta Silva (1992: 100-1), durante o governo Sarney, em plena travessia de uma grave crise econômica, crescem tanto o número de empregados quanto o nível salarial médio no setor público brasileiro.
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Aludo aqui à solução do dilema do prisioneiro pela reiteração infinita do jogo com base numa estratégia tit-for-tat (de imitação da estratégia do outro jogador), tal como originariamente descrita por Robert
Axelrod (1984). Nesse caso, os atores seriam induzidos à cooperação por medo da retaliação de seu adversário: se cada jogador tem motivos para esperar que seu oponente se comporte da mesma maneira que ele próprio, então pode ser racional cooperar, se cada um valorizar suficientemente seus resultados futuros. Se, todavia, se parte da situação descrita pela teoria dos jogos como “egoísmo universal”, ou seja,
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para a provisão de bens coletivos são bastante grandes – como se pode depreender
empiricamente dos resultados de Putnam (1993: cap. 5), que vai encontrar as raízes das diferenças no grau de cultura cívica entre as diferentes regiões italianas em processos milenares cujas origens remontam à Alta Idade Média –, e maiores, eu diria, do que se tende a perceber quando se descrevem suas condições em termos puramente analíticos – quando freqüentemente nos inclinamos a subestimar a implausibilidade empírica de determinadas premissas com que operamos “for the sake of argument”. O argumento de Axelrod, portanto, é freqüentemente descrito como “otimista”, apesar das premissas fortemente restritivas de sua solução cooperativa para o dilema do prisioneiro. Adotada também por Barbara Geddes (1994: 36-8), a solução canônica que desde 1965 a literatura oferece para problemas dessa natureza – genericamente identificáveis identificáveis como a provisão de bens públicos no interior de “grupos latentes” – são os chamados “empresários políticos”: lideranças que, individualmente beneficiáveis pelo seu próprio sucesso nessa tarefa, devem ser capazes de prover “incentivos seletivos” para cada membro individual do grupo latente e, ao mesmo tempo, punir eventuais “caronas” em seu interior.19 Concretamente, problemas de principal-agent se tornam decisivos aqui: trata-se acima de tudo de assegurar que burocratas sejam condicionados, por uma estrutura de incentivos adequada, a seguir as ordens de escalões superiores, assim como os líderes sejam induzidos por mecanismos eficazes de accountability política a se orient orientare arem m por intere interesse ssess coleti coletivos vos repres represent entati ativos vos de parcel parcelas as expres expressiv sivas as da popula população ção.. Adquir Adquiree crucia cruciall impor importân tância cia nesse nesse contex contexto, to, todavi todavia, a, o proble problema ma que Harold Demsetz (1990: 40) chamou de internal constituency (“cabos eleitorais” e similares), em contraste com a external constituency (eleitores). (eleitores).20
uma situação em que todos adotam a estratégia inicial de não cooperar , então a cooperação não emergirá e mergirá espontaneamente, espontaneamente, exceto sob a condição – bastante restritiva – de que uma população em equilíbrio nãocooperativo se veja “invadida” por um cluster internamente cooperativo, que mantenha pouco contato com a população majoritária (não-cooperativa), e que nestes poucos contatos se disponha a adotar uma política de retaliação (tit-for-tat) em relação aos não-cooperativos. Além disso, se os atores encontram-se imersos num ambiente onde as regras não costumam ser estáveis, tornando plausível a possibilidade de que o “jogo” seja interrompido a qualquer momento, então – mesmo que se parta da cooperação universal – todos serão induzidos a abandonar a estratégia cooperativa antes que seu oponente o faça, já que existe a possibilidade de a retaliação ser impossibilitada pela interrupção abrupta do “jogo”, pela suspensão das regras vigentes e imposição arbitrária de novas regras. Para uma exposição sucinta dos resultados de Axelrod, assim como outros, bastante semelhantes, obtidos por Michael Taylor (1976), pode-se recorrer a Frank Zagare (1984: 58-62). 19
Aludo obviamente ao argumento de Mancur Olson (1965), e manterei aqui as acepções mais comuns desses termos: “bem público” como aquele que, uma vez disponível para uns, estará necessariamente disponível para todos os membros do grupo; “grupo latente” como aquele que, objetivamente definível em função de um interesse comum que lhe é imputado, não consegue todavia se constituir num ator coletivo coletivo organiza organizado; do; “incenti “incentivos vos seletivos seletivos”” como benefícios benefícios individua individuais is destinad destinados os exclusiva exclusivament mentee àqueles que cooperarem para a provisão do bem público; e “carona” (free-rider) como aquele indivíduo que se beneficia da provisão do bem público sem contudo colaborar para ela.
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Infelizmente, Adam Przeworski (1996: 31-4) não menciona as internal constituencies em sua muito referida discussão sobre mecanismos de accountability ali empreendida.
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3. INTERMEDIAÇÃO DE INTERESSES E O “CORPORATIVISMO” BRASILEIRO
Além do simples “inchaço” do aparato burocrático estatal, e das inevitáveis dificuldades gerenciais em se comandar uma máquina integrada por mais de vinte mil órgãos, há também uma segunda via pela qual a centralização burocrática das decisões traz como contrapartida uma deterioração da capacidade de implementação de políticas, e que resi reside de em cara caract cter erís ísti tica cass próp própri rias as da estr estrut utur uraa bras brasil ilei eira ra de inte interm rmed edia iaçã çãoo de interesses, notadamente – como nos lembra Eli Diniz (1997a: 22-3) – na segmentação setorial e no rígido controle dos sindicatos operários e sua exclusão da formulação de políticas. A setorialização desfavorece ações integradas, de efeitos abrangentes e de longo longo alcance alcance temporal, temporal, prejudican prejudicando do a consistênc consistência ia das políticas políticas governam governamenta entais is tomadas conjuntamente e, portanto, sua exeqüibilidade a médio prazo; já a exclusão do operariado – além de em si mesma injusta, porque discriminatória, e contra o lado mais fraco – termina por aumentar a dificuldade de se produzir adesão, a decisões assim assim alcanç alcançada adas, s, de atores atores despro desprovid vidos os de qualqu qualquer er possib possibili ilidad dadee de interf interferi erirr rotineiramente no processo decisório. Por outro lado, dada a precariedade de nossas instituições políticas, quase sempre reivindicações oriundas de interesses econômicos relativamente localizados, mas poderosos, conseguiram atingir o aparato burocrático por meios muitas vezes (embora nem sempre) informais e terminaram por capturar diversas agências estatais em proveito próprio – e a lógica de funcionamento das agênci agências as setori setoriais ais normal normalmen mente te pautou pautou-se -se por seu seu aprisi aprisiona onamen mento to por intere interesse ssess privad privados os espec específi íficos cos,, multip multiplic licand andoo subsíd subsídios ios e incen incentiv tivos os fiscai fiscaiss mutuam mutuamen ente te inconsistentes, que consomem boa parte da receita tributária, real ou potencial (Diniz, 1997a: 19, 85).21 Assim, prossegue Eli Diniz (1997a: 29), “a porosidade do aparelho burocrático com relação aos interesses empresariais se fez segundo um padrão de acesso direto direto e personali personalizado, zado, em arenas arenas de negociação negociação restritas, restritas, dada a exclusão exclusão dos trabalhadores”.22 Este “predomínio de um padrão fragmentado de demandas”, somado ao “estilo desagregado de processo decisório” a que se refere a autora logo em seguida, só pode resultar – se estiver correta a especificação, levada a cabo por Robert Salisbury (1968), dos contextos favoráveis à adoção das diversas políticas tipificadas por Lowi – a um marcado predomínio de políticas distributivas, em que pequenas demandas tópicas tendem a ser satisfeitas pouco criteriosamente, sem a devida preocupação, seja com a sua compatibilidade mútua, seja com seu efeito agregado sobre as contas públicas. públicas.23 21
Sobre os vínculos informais (“anéis burocráticos”) existentes entre o estado e a burguesia no Brasil, independentemente independentemente do regime político em vigor, a referência usual é Fernando Henrique Cardoso (1975: 201-9).
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Ela mesma mesma admite admite,, porém, porém, que que esta esta fragme fragmenta ntação ção da intera interação ção com o estad estadoo torna torna mesmo mesmo os empresários incapazes de influenciar políticas econômicas de alcance mais global (Diniz, 1997a: 85).
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Salisbury (1968: 166-71) 166-71) afirma que o tipo de política que tende a ser adotado varia em função do grau de integração ou de fragmentação tanto do padrão de demandas quanto do sistema decisório. Introduzindo,
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A emergência de uma estrutura social cada vez mais diferenciada e participativa, nesse
contexto de um estado com fraco potencial de incorporação política institucionalizada, aprofundará aprofundará certamente certamente as tensões tensões ligadas ao processo processo de modernização, modernização, tal como se dá na clássica descrição de Huntington (1968), reafirmada – nesse aspecto – por várias análises recentes.24 Para uma discussão da forma como o estado brasileiro buscou processar o inevitável processo de incorporação política de setores excluídos, pode constituir um bom ponto de partida a análise de Wanderley Guilherme dos Santos (1993: (1993: 11-38) 11-38) sobre sobre o papel papel desem desempen penhad hadoo pelo pelo encami encaminha nhamen mento to “buroc “burocrát rático ico-administrativo” dado pelo sistema político brasileiro às políticas sociais no Brasil. Santos parte da constatação de que a “feliz ordem de sucessão” em que emergiram, na Inglaterra, as crises de integração, de participação e de distribuição (e que T. H. Marsha Marshall ll agrupo agrupou u sob os direi direitos tos civis, civis, políti políticos cos e sociai sociais, s, respec respecti tivam vamen ente) te),, não necessariamente – como já havia apontado Sidney Verba (1971: 297) – se repetiu em outros lugares, e tendem, ademais, a ser recorrentes. As variadas circunstâncias em que podem emergir essas crises abrem a possibilidade de que a dinâmica da expansão econômica, integradora na Inglaterra, tenha sido fortemente desintegradora em outros lugares – e esse teria sido o caso no Brasil. Aqui, na ausência de qualquer dinâmica espontânea virtuosa, o papel antidesagregador teria sido exercido, tal como igualmente apontado por Alencastro (1987), pelas esferas administrativa e militar, de maneira coercitiva e excludente (Santos, 1993: 18). Para Santos, o elemento crucial a determinar a natureza do processo é o timing da emergência do problema distributivo em relação aos outros dois – as crises de integração e de participação, superpostas por Santos aos vetores de “liberalização” e “participação” do modelo bidimensional de Robert Dahl (1971: 5-9) para a “poliarquia”.25 Posterior no Norte, sua emergência precoce teria transformado a política social em instrumento de barganha nos países periféricos (Santos, 1993: 30). além dos três delineados por Lowi, um quarto tipo de política – a “ auto-regulatória” auto-regulatória” (que, segundo W. G. dos Santos, 1982: 169, “significa que o grupo que demanda terá direito de ‘legislar’ sobre seus próprios assuntos – o direito de certos grupos profissionais de conceder licença para o exercício daquela profissão, por exemplo”) – Salisbury monta um diagrama 2x2 no qual cada um dos seus quatro tipos de políticas é relacionado a um cruzamento específico entre o grau de integração do sistema decisório e o do padrão de demandas. Assim, uma política redistributiva requereria que ambos exibam elevado grau de integração, enquanto enquanto políticas políticas distribu distributivas tivas,, ao contrário, contrário, seriam típicas de situações situações em que tanto o sistema sistema decisó decisório rio quant quantoo o padrão padrão de demand demandas as são basta bastante nte fragm fragment entado ados. s. Nas situaç situações ões híbrid híbridas, as, encontraríamos políticas regulatórias (sistema decisório integrado e padrão de demanda fragmentado) e auto-regulatórias auto-regulatórias (sistema decisório fragmentado e padrão de demanda integrado). Quadro 1 Sistema Decisório FragmentadoSistema Decisório IntegradoPadrão de Demandas distribuiçãoregulaçãoPadrão de Demandas Demandas Integradoauto-regulaçãoredistribuiçãoFonte: FragmentadodistribuiçãoregulaçãoPadrão R. H. Salisbury (1968: 171). 24
Para tomar apenas dois exemplos de reafirmação recente do argumento, pode-se recorrer a Eli Diniz (1997a: 35, 179-80), onde a crise institucional é definida pelo “aprofundamento da defasagem estadosociedade”; e Lourdes Sola (1995: 204) – esta última numa referência explícita ao modelo de Huntington.
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O diagrama de Dahl é explorado em Santos (1993: 27-31 – a “liberalização” de Dahl é identificada com o problema geral da “integração nacional” na p. 30).
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Um reparo possível à argumentação de Santos aqui apresentada pode partir de que a
superposição entre as várias “crises” do desenvolvimento político e as duas dimensões do diagrama de Dahl a que Santos alude não é simples – embora me pareça em princípio factível. Além do puro contraste quantitativo (são normalmente identificadas seis seis cris crises es:: pene penetr traç ação ão,, inte integr graç ação ão,, iden identi tida dade de,, legi legiti timi mida dade de,, part partic icip ipaç ação ão,, distribuição),26 Dahl preocupa-se com as condições de operação de uma democracia (poliarquia, como a chamou), ao passo que os autores ligados à pesquisa do Social Science Science Research Research Council sobre desenvolvim desenvolvimento ento político se debruçavam debruçavam sobre os proble problemas mas associ associado adoss às condiç condições ões de constr construçã uçãoo e operaç operação ão do estado estado nacion nacional al moderno – e apenas subsidiariamente com a democracia, tida como um desiderato mais ou menos remoto, conforme o caso. Para os propósitos do argumento de Santos, bastaria um paralelo exclusivo de Dahl com Marshall (1965) – até pelo pendor mais abertamente normativo de ambos, quando comparados com a literatura das “crises”. Assim Assim,, o vetor vetor “parti “particip cipaçã ação” o” coinci coincide de com a expans expansão ão dos direi direitos tos políti políticos cos em Marshall, e a “liberalização” pode-se superpor bastante bem aos direitos civis. Vemos que que sob sob esta esta ótic óticaa a inte interp rpre reta taçã çãoo de ambo amboss sobr sobree o caso caso brit britân ânic icoo coin coinci cide de perfeitamente, com a sucessão clássica “liberalização/participação” em Dahl e “direitos civis/direitos políticos” em Marshall. Se procede esta tradução de Dahl em Marshall, talvez possamos transformar o diagrama de Dahl num gráfico tridimensional com a introdução dos direitos sociais – ausentes em Dahl. E a poliarquia seria assim definida pela plena liberalização (direitos civis), plena participação (direitos políticos) e plena provisão de direitos sociais, assegurando a todos os cidadãos uma qualidade de vida socialmente reconhecida como “digna”, paralelamente à proteção contra o arbítrio e à garantia do direito de opinar e influenciar as decisões tomadas pelo sistema político. 27 Se isto é possível, então a sugestão de Santos de que governos podem eventualmente procurar avançar sobre o “eixo social” para compensar dificuldades encontradas nos outros dois eixos faz perfeito sentido. E a questão relevante passa a ser a identificação do indicador empírico do deslocamento sobre este novo eixo. Se basta que existam leis 26
Para esta consolidação das crises em seis, em que se apóia freqüentemente a literatura sobre o tema, ver Stein Rokkan (1969: 63-5). Uma apresentação bastante breve pode-se encontrar também em Gianfranco Pasquino (1993: 769). Um volume-síntese da pesquisa é Leonard Binder et al. (1971) – onde, todavia, não se toma toma a integ integraç ração ão como como uma crise à parte, parte, e especi especific ficam am-se -se apena apenass cinco cinco crises crises.. Para Para uma categorização mais parcimoniosa, mas ainda assim distinta da tipificação implícita em Santos, ver Dankw Dankwart art Rustow Rustow (1967 (1967:: 35-6), 35-6), onde onde o autor autor sintet sintetiza iza essas essas divers diversas as crises crises em três três requis requisito itoss fundamentais ao funcionamento do estado-nação moderno: identidade (essencial à nação), autoridade (essencial ao estado) e igualdade (essencial à modernidade).
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Esta adaptação do diagrama de Dahl é levada a efeito aqui apenas para explorar analiticamente o argumento de Santos. Não quer dizer que eu considere que a poliarquia seria, por princípio, melhor exclusivamente pelos dois outros fatores estipulados por Dahl. A conveniência de se definida por ele que exclusivamente adotar uma definição mais ou menos abrangente da poliarquia dependerá sempre dos objetivos de cada traba trabalho lho,, mas, mas, em princí princípio pio,, entend entendoo ser melhor melhor mante manterr os direi direitos tos sociai sociaiss fora fora da definição da poliarquia, sobretudo se quisermos investigar os nexos causais entre ambos. Entendo, com efeito, que o progresso ao longo dos dois outros vetores não se estabiliza sem o apoio do deslocamento ao longo de um “vetor sócio-econômico”.
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que disponham sobre direitos sociais, ou se é necessário mais – ou seja, se é necessário
que estas leis se mostrem minimamente eficazes em seus efeitos redistributivos. A julg julgar ar pelo pelo crit critér ério io que que temo temoss forç forços osam amen ente te de adot adotar ar no que que toca toca ao eixo eixo da liberalização, inclino-me pela segunda resposta. Pois normas disciplinando o processo político encontraremos em todos os países, sendo o traço decisivo da “liberalização” a sua institucionalização (como afirma o próprio Santos, 1993: 27) – e creio que seria razoável adotar algum critério análogo para o deslocamento ao longo do eixo social. Assim Assim,, podere poderemos mos tratar tratar de modo modo equiva equivale lente nte o simple simpless aceno distributi distributivo vo com políticas sociais? Pois foi isso o que se fez no Brasil, e não o efetivo encaminhamento da pauta redistributiva, já que as políticas sociais nunca se mostraram muito eficazes, e o padrão de desenvolvimento econômico adotado no Brasil manteve-se concentrador de renda durante todo o século XX. Talvez, porém, a mera instituição de direitos sociais já produza um alívio para a crise de participação ao produzir um viés incorporador – mesmo que estritamente demagógico – no discurso oficial. Portanto, apesar do que parece haver de promissor no desdobramento que a análise de Santos sugere para a compreensão da poliarquia segundo o modelo de Dahl, não estou seguro de que a utilização da política social “como instrumento de engenharia política auxi auxili liar ar na solu soluçã çãoo do prob proble lema ma de conc concil ilia iarr part partic icip ipaç ação ão ampl amplia iada da e bai baixa institucionalização” tenha sido um traço tão peculiar à América Latina quanto afirma Santos – tenho a forte impressão, ao contrário, de que peculiar a esse respeito foi a trajetória dos países anglo-saxões e, talvez, de algumas poucas outras monarquias constitucionais européias. Em todos os demais, a política social foi peça de barganha frente a um processo de participação popular crescente, precariamente canalizada pelas instituições representativas existentes. O exemplo clássico é o governo de Bismarck, na Alemanha, um caso de liderança autoritária que manipulava habilmente a situação polí políti tica ca pelo pelo aten atendi dime ment ntoo come comedi dido do de aspi aspira raçõ ções es popu popula lare res, s, oriu oriund ndas as de um operariado incomparavelmente mais mobilizado que o brasileiro da primeira metade deste século, tendo mesmo acabado por lançar os alicerces do posterior estado de bemesta estarr alem alemão ão.. Pete Peterr Gour Gourev evit itch ch (199 (1993: 3: 430) 430) desc descre reve ve a estr estrat atég égia ia em term termos os significativos: “Bismarck procurou fazer com a classe operária algo semelhante ao que havia feito com a classe média industrial – satisfação em termos de políticas sem satisfação política. Os socialistas foram postos fora da lei, mas a Alemanha foi pioneira na legislação de bemestar no que se refere às pensões e às condições de trabalho. A Inglaterra fez o mesmo por meio de uma política diferente – rivalidade entre partidos em disputa pelos votos da classe classe operár operária. ia. A Aleman Alemanha ha desen desenvol volveu veu,, portan portanto, to, novas novas maneir maneiras as de vincul vincular ar a modernização econômica à política de massas: populismo autoritário – satisfação em termos termos de políticas políticas sem política política constituci constitucionalis onalista ta e democrátic democrática. a. Esse modelo foi seguido por muitos países na Europa e em todo o mundo.”
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Mesm Mesmoo o cara caract cter erís ísti tico co avil avilta tame ment ntoo da inst instit itui uiçã çãoo parl parlam amen enta tar, r, pela pela sua sua
margi marginal naliza ização ção sistem sistemáti ática ca no proces processo so de tomada tomada das decisõ decisões es govern govername amenta ntais is relevantes, é igualmente partilhada por ambas as experiências. experiências.28 De todo modo é plausível afirmar, como faz Santos (1993: 33), que a política social e trabal trabalhis hista ta foi o instr instrume umento nto de engen engenhar haria ia políti política ca utiliz utilizado ado para para viabil viabiliza izarr uma incorporação do empresariado e das classes trabalhadoras “à vida política organizada, via sindicalismo tutelado, em uma dinâmica paralela e não de todo coincidente com a dinâmica da vida político-partidária. [...] Buscou-se com ela domesticar tanto o empresariado quanto as classes trabalhadoras, que passavam por assim dizer a dispensar dispensar as estruturas estruturas partidária e instituciona institucionall normais normais como conduto para suas demandas e reivindicações. A incorporação política desses dois segmentos pilares da ordem democrática contemporânea era filtrada administrativamente pela burocracia trabalhista e previdenciária, chegando portanto semi-adormecida ao sistema político formal.”
Mas essa incorporação acabou sendo levada a cabo com pouco sucesso, a meu juízo – tanto que em 1964 encontraremos organizações representativas de ambos os setores a conspi conspirar rar contra contra as insti institui tuiçõe ções, s, com os result resultado adoss conhec conhecido idos. s. Ou seja, seja, teríam teríamos os avançado pouco ao longo longo do “terce “terceiro iro eixo” eixo”,, socia social, l, da poliar poliarqui quia. a. Basica Basicamen mente, te, terí teríam amos os ao long longoo do últi último mo sécu século lo avan avança çado do sign signif ific icat ativ ivam amen ente te quan quanto to à universalização dos direitos políticos (“participação”), porém sem conseguir lograr uma cont contra rapa part rtid idaa adeq adequa uada da,, nem nem no que que conc concer erne ne à inst instit ituc ucio iona nali liza zaçã çãoo tant tantoo da comp compet etiç ição ão polí políti tica ca quan quanto to – segu segund ndoo a anal analog ogia ia aqui aqui feit feitaa com com Marsh Marshal alll – da observância dos direitos civis (“liberalização”), nem no que toca a resultados palpáveis na área dos direitos direitos sociais. sociais. E o relativo relativo fracasso da estratégi estratégiaa do estado estado brasileiro brasileiro de incorporação pela canalização burocrática do conflito de interesses pode ter derivado de um curioso paradoxo por ela gerado. Pois, ao mesmo tempo em que o sistema criado contornava as instâncias representativas partidárias formais com assento no legislativo, e assim evitava uma indesejável (aos olhos do sistema) “politização” de demandas oriundas do sistema econômico, paralelamente, contudo, essa mesma marginalização do legislativo e do sistema partidário formal na administração do conflito distributivo – buscando evitar faccionalismos e conflitos em nome da preservação da paz e do interesse nacional supostamente encarnados pelo executivo – produzia o efeito de elim elimin inar ar um impo import rtan ante te “fil “filtr tro” o” de reiv reivin indi dica caçõ ções es que que é a disp disput utaa elei eleito toral ral e parlamentar, fazendo com que demandas oriundas do sistema econômico alcançassem a burocracia em “estado bruto”, e terminando por favorecer a captura de agências govern govername amenta ntais is por inter interess esses es privad privados. os. Ao tentar tentar “filtr “filtrar” ar” e fazer fazer “adorm “adormece ecer” r” demandas antes que atingissem o sistema político, a burocracia se viu privada ela mesma de qualquer filtro e, como observou Eli Diniz (1997a: 29), produziu um “estilo 28
Para uma descrição desse processo de marginalização parlamentar tal como se deu na experiência alemã sob Bismarck, a referência clássica é Max Weber (1980: 7-15).
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desagr desagreg egado ado de proces processo so decisó decisório rio”, ”, cujas cujas agênci agências as aprese apresenta ntavam vam-se -se facilm facilment entee
capt captur uráv ávei eiss por por dema demand ndas as enca encami minh nhad adas as de modo modo igua igualm lmen ente te frag fragme ment ntad adoo – induzindo, como apontado acima, uma forte predominância de políticas distributivas, result resultand andoo em um compor comportam tament entoo govern govername amenta ntall erráti errático, co, dado dado a inter interven vençõe çõess tópicas, perdulário, agregadamente inconsistente e – como resultado mais grave – miseravelmente ineficaz ineficaz em seus efeitos sobre o quadro social.
4. A CRISE RECENTE E SUA AGENDA PÚBLICA Tend Tendoo nas nas três três prim primei eira rass part partes es do pres presen ente te trab trabal alho ho busc buscad adoo iden identi tifi fica carr exploratoriamente alguns traços elementares do caso brasileiro no que concerne à administração política de conflitos de interesses pelo estado, tentarei nesta seção final perseguir – um tanto livremente, e de maneira certamente mais intuitiva do que seria estritamente desejável – alguns dos principais dilemas e dificuldades envolvidos na crise crise atual atual do estado estado brasil brasilei eiro ro e sua eventu eventual al supera superação ção.. Após Após uma rapidí rapidíssi ssima ma introdução sobre alguns traços salientes da relação entre o padrão prevalecente de financiamento do estado no Brasil e a crise fiscal contemporânea (4.1), passarei a considerações sobre a crise inflacionária recente e, particularmente, algumas razões da grande dificuldade do Brasil em debelá-la (4.2). Segue-se uma subseção (4.3) dedicada a analisar diversos aspectos da dinâmica das reformas econômicas, particularmente em suas relações com a institucionalização institucionalização política.
4.1. 4.1. O EST ESTAD ADO O E A CRI CRISE SE A crise dos anos 80 deflagrou, após alguns anos de dolorosa estagnação das economias de vários países periféricos, um ímpeto reformador da atuação econômica do estado nesses países que ainda está em curso e cujas conseqüências de longo prazo são em larg largaa medi medida da desc descon onhe heci cida das. s. Part Partee dest destee ímpe ímpeto to deco decorr rree de um diag diagnó nóst stic icoo relativamente disseminado de que a crise guarda íntima relação com o formato da inserção do setor público na economia desses países. Segundo diagnóstico bastante comu comum, m, no caso caso do Bras Brasil il a cris crisee apói apóia-s a-see fund fundam amen enta talm lmen ente te no proc proces esso so de endividamento acelerado de meados dos anos 70. Com carga fiscal caracteristicamente baixa (mais baixa, por exemplo, que a dos países asiáticos de nível equivalente de desenvolvimento), desenvolvimento), os sistemas tributários dos países latino-americanos são usualmente baseados em impostos indiretos – e tendem, portanto, a ser regressivos. Ao contrário dos países centrais, nunca se estabeleceu uma estrutura de tributação adequada sobre a renda, e o resultado é que – como escreveu Adam Przeworski (1991: 143) – o estado acaba acaba por sobrev sobreviv iver er no dia-a-d dia-a-dia ia tomand tomandoo dinhei dinheiro ro empre empresta stado do daquel daqueles es que
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poderiam estar pagando impostos (Pereira, 1996: 46-8). Sob este ponto de vista, o
processo de expansão do estado, ao invés de fortalecê-lo, gerou distorções graves, pois – na ausência de autonomia institucional e de autoridade para implementar e fazer valer suas próprias decisões – a atuação econômica do estado brasileiro teve como principal conseqüência, no plano distributivo, a oferta de maiores oportunidades de captura por rent-seekers (Pereira, 1996: 55). 55).29 A crise é, portanto, “uma conseqüência da existência de um estado muito fraco, e não de um esta estado do fort forte” e” (Per (Perei eira ra,, 1996 1996:: 50). 50). Prze Przewo wors rski ki (199 (1991: 1: 140140-2) 2) deta detalh lhaa a caracterização e a estende ao Leste Europeu: “In my view, states have been weak as organizations in Eastern Europe as well as in most Latin American countries: countries: They were unable unable to resist resist pressures pressures from large firms for subsidies and protection, and incapable of collecting revenue from these firms (or their private owners) and of evoking compliance with rules and regulations. The image of the ‘totalitarian’ state whose orders evoke the compliance of economic agents is at best an ideological relic of the Stalinist period.”
O estado estado perman permanece ece,, portan portanto, to, como como uma organi organizaç zação ão frágil frágil em sua autori autoridad dade, e, incapaz mesmo de agir com autonomia naquela que é talvez a mais básica das capabilities do sistema político: a extrativa, da qual dependem – segundo Gabriel Almond (1966: 108) – todas as demais “capacidades” do sistema. A precar precaried iedade ade da capaci capacidad dadee extrat extrativa iva do estado estado no Brasil Brasil pode pode ser facilm facilmen ente te ilustrada pelos rumos do debate contemporâneo em torno do ajuste fiscal no país. Não obstante toda a sua energia reformadora, e a admirável coalizão de apoio com que cont contaa no Cong Congre ress sso, o, o gove govern rnoo de Fern Fernan ando do Henr Henriq ique ue Card Cardos osoo exib exibee uma uma impression impressionante ante paralisia paralisia no que toca a iniciati iniciativas vas mais audaciosas audaciosas na área tributária, tributária, tendo tendo mesmo mesmo o Presid Presiden ente te em alguma algumass ocasiõ ocasiões, es, durant durantee seu primei primeiro ro mandat mandato, o, chegado a declarar que não pretendia voltar a propor mudanças na área fiscal depois que que foss fossem em apro aprova vada dass as refo reform rmas as admi admini nistr strat ativ ivaa e prev previd iden enci ciár ária ia.. Clar Claro, o, as circunstâncias acabaram por não lhe tornar a vida tão fácil, mas efetivamente seu governo nunca chegou a formular uma proposta realmente ambiciosa de reforma tribut tributári ária. a. Isto Isto sugere sugere que o govern governoo identi identific ficaa nessa nessa área área uma coalizão coalizão de veto veto abso absolu luta tame ment ntee intr intran ansp spon onív ível el a qual qualqu quer er inic inicia iati tiva va que que pret preten enda da muda mudarr significativamente significativamente o perfil tributário do Brasil. O fato de o estado se mostrar incapaz de colocar o tópico sob discussão mais conseqüente, mesmo sob a pressão de uma grave crise fiscal e na iminência de acordos comerciais dramaticamente importantes, revela dificuldades do poder central em pontos básicos do processo de state-building.30 29
A propósito, Bresser Pereira (1996: 82) vê as atividades de rent-seeking (ou, em seus termos, de “priva “privatiz tizaçã açãoo do estado estado”) ”) como como a forma forma contem contempor porân ânea ea típica típica de “acumu “acumulaç lação ão primit primitiva iva”, ”, a ser posteriormente coibida no devido tempo. Esta visão delineia mesmo um padrão cíclico do cre scimento do estado, a que Bresser Pereira se refere na p. 68 .
30
Gustavo Franco (1995: 212-3) expõe uma faceta da questão que é digna de nota: “No início dos anos 90 [...] [...] as despes despesas as orçad orçadas, as, exclu excluída ídass aquel aquelas as relati relativas vas à rolage rolagem m da dívida dívida intern interna, a, situa situaram ram-se -se
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4.2. A FUNCIONALIDADE FUNCIONALID ADE DA INFLAÇÃO E AS DIFICULDADES DO AJUSTE Um sintom sintomaa partic particula ularme rmente nte sensív sensível el desse desse proble problema ma foi a enorm enormee dificu dificulda ldade de enfren enfrentad tadaa pelos pelos govern governos os latino latino-am -ameri erican canos, os, durant durantee toda toda a década década de 80, 80, para para escapa escaparr à soluçã soluçãoo inflac inflacion ionári áriaa para para o financ financiam iament entoo do estado estado.. Segund Segundoo Sérgio Sérgio Abranches (1992: 129), a lógica inflacionária encontra-se estreitamente relacionada à estruturação clientelística (ou “distributivista”, à maneira de Theodore Lowi) do estado brasi brasile leiro iro,, que requer requer “cresc “crescen ente te capaci capacidad dadee extrat extrativa iva,, alocat alocativa iva,, distri distribut butiv ivaa e redistributiva do estado. Isto é, a base fiscal e a capacidade de poupança do setor públic públicoo precis precisam am se amplia ampliarr ininte ininterru rrupta ptame mente nte”, ”, para para (1) contem contempla plarr a todos todos os interesses que cheguem a atingir determinada “densidade crítica”, (2) atender às metas dos tecnoc tecnocrat ratas as e (3) financ financiar iar a expans expansão ão da máquin máquinaa burocr burocráti ática ca para para abriga abrigarr continuamente as novas demandas. Quando há alguma crise econômica, o sistema entra em rápido colapso. E, em nome da própria sobrevivência, o sistema político se vê premido premido por seus compromissos compromissos clientel clientelístic ísticos os a socializar socializar rapidamente rapidamente as perdas perdas eventualmente ocorridas (entre inúmeros outros exemplos possíveis, ocorre-me citar o processo de estatização da dívida externa ocorrido ao final dos anos 70). No caso do Brasil dos anos 80, esta socialização de perdas encontra seu veículo principal na inflação: ao deteriorarem-se as condições atenuadoras do conflito social com a recessão econômica do início da década e a crise da dívida a partir de 1982, intensifica-se o conflito distributivo, e acelera-se a inflação, como uma conseqüência não intencional, possiv possivel elmen mente, te, mas que funcio funciona na como como um mecan mecanism ismoo acomod acomodado ador, r, um disfar disfarce ce automático automático das tensões tensões distributiv distributivas, as, ao “alargar, “alargar, artificia artificialmen lmente, te, a capacidad capacidadee do sistema econômico de atender às elevadas e heterogêneas demandas da sociedade” (Abranches, 1992: 125). Uma vez deflagrado esse processo de acomodação distributiva inflacionária (que, no caso do Brasil , em virtude da indexação universal dos ativos financeiros bancários, se deu a expensas do poder aquisitivo da parcela mais pobre da população, que não possui conta bancária), sua reversão revela-se um problema extraordinariamente complexo. Não apenas pelos interesses que se beneficiam da inflação (e que tendem a estar situados em pontos comparativamente mais próximos aos centros decisórios cruciais do sistem sistemaa políti político) co),, mas sobret sobretudo udo porque porque – dada dada a remune remuneraç ração ão diária diária que a respectivamente em 144, 113 e 108 bilhões de dólares nos exercícios de 1990, 1991 e 1992, enquanto as receitas efetivamente realizadas situaram-se em 111, 73 e 68 bilhões de dólares. Ou seja, as despesas orçadas têm sido sistematicamente situadas em valores muito distantes da realidade. A proporção das espesas realizadas sobre as orçadas atingiu apenas 50,5%, 53,2% e 57,0% nesses anos. Sobressai desses números a imensa disparidade entre o gasto público desejado, e que expressa, não obstante, aspirações legítimas dos mais variados segmentos sociais, e o que é consistente com a nossa realidade tributária, revelada pela disposição da sociedade em pagar impostos.” (Grifo meu.)
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indexação assegura aos portadores de títulos governamentais – a estabilização deve
envolver, com a suspensão da indexação diária, o alongamento do perfil da dívida pública interna. Mas o estado precisa colocar estes títulos para financiar seus gastos com empréstimos junto ao setor privado. E, em função do alto risco produzido pela contínua deterioração das contas públicas, a remuneração (juros e correção monetária) oferecida pelo governo deve ser elevada, e o prazo do resgate, tão curto quanto possível (no limite, “overnight” ). ). Assim, a falta de crédito do estado se constitui num obstáculo signif significa icativ tivoo para para o sucess sucessoo de políti políticas cas de estabi estabili lizaç zação, ão, tendo tendo provav provavelm elmen ente te contribuído de maneira relevante para a demora da estabilização brasileira (Pereira, 1996: 246-7).31 Podemos, porém, sem violentar os fatos, interpretar este fenômeno de maneira mais abrangente. Em termos formais, essa falta de crédito do estado tem sua expressão numa elevada taxa de desconto, pelos agentes econômicos, dos seus payoffs futuros (donde os juros altos e os prazos reduzidos). Mas não há porque restringir essa cara caract cter erís ísti tica ca da estr estrut utur uraa de pref prefer erên ênci cias as dos dos ator atores es a seus seus desd desdob obra rame ment ntos os econômicos. Se o mau estado das finanças públicas projeta incertezas para o futuro, essas essas incer incertez tezas as muito muito provav provavelm elment entee se estend estendem em sobre sobre a políti política, ca, na forma forma de insegurança quanto à vigência das instituições num ponto qualquer do futuro. E a cons conseq eqüe üent ntee prio priori rida dade de atri atribu buíd ídaa pelo peloss ator atores es a ganh ganhos os imed imedia iato toss difi dificu cult ltaa a instauração de qualquer círculo virtuoso cooperativo no interior da sociedade. Nesse contexto, eventuais custos de transição produzidos por uma política de estabilização podem ter seus efeitos significativamente ampliados, gerando novos obstáculos não apenas à própria estabilização, mas também à institucionalização institucionalização democrática.32 Lourdes Sola (1995: 46) tem razão, portanto, em afirmar que “a tendência à rota explosiva e à crise fiscal do estado [...] assume no Brasil o estatuto de um problema constitucional e, portanto, político, de caráter ‘fundacional’”. Eu apenas acrescentaria 31
O salto dos juros e do endividamento do setor público sob o governo de Fernando Henrique Cardoso fornecem uma ilustração vívida deste ponto.
32
É também numa elevada taxa de desconto de payoffs futuros que se apóia o “dilema do político” a que se refere Barbara Geddes (1994: 18), entre a sobrevivência política a curto prazo e o benefício nacional a longo prazo. Mergulhado num contexto de forte incerteza, o político simplesmente não pode orientar sua ação exclusivamente para benefícios coletivos de longo prazo, pois ele não pode ter certeza de que as condições necessárias para a produção desse benefício futuro se manterão – e é grande, portanto, o risco de que o abandono de prioridades políticas imediatas se revele, ao cabo, inútil. Mas é interessante observar que, colocado simplesmente como um conflito entre o benefício nacional a longo prazo e a sobrevivência política no curto prazo, o dilema pode se apresentar – ainda que com intensidade reduzida reduzida – mesmo sob condições estáveis e para políticos fortemente orientados por um ideal específico de transformação social. Pois o político honesto e idealista deve acreditar que a manutenção do seu partido no poder é que irá, ao fim e ao cabo, permitir a promoção do melhor destino para os habitantes do país. Ele não poderá, portanto, estar disposto a sacrificar o interesse partidário imediato, pois não há maneira pela qual ele possa se assegurar de que seus adversários fariam o mesmo. Com efeito, um pouco de reflexão mostra que a lógica do “dilema do político” praticamente reenuncia, dentro do jargão dos nossos dias, o argumento de Robert Michels (1966), sobre a “lei de ferro da oligarquia” em sua melhor formulação: sendo a organização a que pertence o político um meio indispensável para que ele possa atingir os seus propósitos (independentemente do mérito intrínseco desses propósitos), então a adesão responsável a esses fins induzirá uma sobreposição crescente entre os fins da organização e os fins substantivos substantivos originais, com inevitáveis conflitos e progressivo comprometimento comprometimento dos fins originais.
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que – à exceção talvez do caso muito especial dos Estados Unidos – isto é sempre
verdade. Pois, sendo a capacidade extrativa a capability mais elementar do sistema político, a questão tributária – pelo menos tanto quanto a forma ou o sistema de governo – é o problema problema constituc constituciona ionall básico, básico, e uma deteriora deterioração ção estrutural estrutural das finanças públicas muito provavelmente envolverá também um déficit de autoridade do sistema político como um todo. Quando não for a própria deterioração das contas públ públic icas as um sint sintom omaa de difi dificu culd ldad ades es extr extrat ativ ivas as ante anteri rior ores es,, é de se prev prever er que que dificuldades políticas apareçam a partir delas quando nada porque, como lembrou William Ricardo de Sá (1998: 62), “um estado financeiramente fraco dispõe de menos recursos para “trocar” por apoio político – seja no Congresso, seja entre os interesses organizados na sociedade – e expõe à desconfiança geral qualquer medida de política econômica de maior fôlego para cujo sucesso importe a condição geral de suas contas.”
Assim, não é de espantar a embrulhada em que nos metemos nos últimos anos. O cancelamento súbito do processo de acomodação inflacionária pelo estado de pleitos distributivos mutuamente incompatíveis em termos reais impõe a diversos grupos uma renúncia – em muitos casos, irreversível – a pretensões de renda anteriormente atendidas. Envolve, numa palavra, redistribuição de renda, e, para ser bem-sucedido, o estado deve estar em condições de arbitrar perdas – e sustentar politicamente essas decisões. Se o fim da inflação cancela um imposto incidente sobre a parcela mais pobre da população, então os destinatários dos recursos oriundos desse imposto (a começar pelo estado) necessariamente perderão renda – e o governo, portanto, deve ser capaz de forçar atores sociais relevantes (incluindo setores da própria administração estatal) a reduzir demandas e conformar-se a um nível de renda real inferior àquele obtido durante a vigência da inflação. Só que a suspensão do mecanismo inflacionário de acomod acomodaçã açãoo distri distribut butiva iva não extin extingue gue automa automatic ticame amente nte suas suas causas causas,, a saber, saber, a presença de pleitos materiais que ultrapassam o montante a ser distribuído, e a fragil fragilida idade de políti política ca do estado estado para para tomar tomar decisõ decisões es que desagr desagrade adem m a inter interess esses es excessivamente próximos do centro decisório do sistema. A consolidação de um ajuste de expectativas dessa natureza com certeza não poderá ser assegurada senão ao final de um processo demorado e turbulento de negociação e barganha entre virtualmente todos os interesses relevantes na economia – o que inevitavelmente incorporará um elevado elevado grau de improvisação improvisação e risco frente a problemas problemas e obstáculos obstáculos que não podem podem ser inteiramente previsíveis ao se deflagrar o processo. E esse conjunto de operações terá inapelavelmente de incluir uma reformulação do modo de inserção e atuação do estado na economia, tanto em virtude da necessidade de recomposição das finanças públicas quanto pelo estabelecimento – igualmente indispensável – de novas formas de regulação do conflito distributivo pelo estado: mais impessoais e burocráticas, e menos patern paternali alista stass e client clientel elíst ística icas, s, de modo modo a fornec fornecer er um ambie ambiente nte mais mais propíc propício io a
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inve invest stim imen ento toss num num cont contex exto to glob global al de cres cresce cent ntee inte interd rdep epen endê dênc ncia ia econ econôm ômic icaa
transnacional e inédita mobilidade de capitais. 33 É relevante destacar, entretanto, que este este proce processo sso não pode pode ser confun confundid didoo com fragi fragiliz lizaçã açãoo ou desman desmantel telame amento nto do estado, pois – ao contrário – requer para sua viabilização (e implica com seu sucesso) um contínuo fortalecimento político do estado, consistente com os graus crescentes de autonomia que se requererá das instituições estatais frente aos interesses privados mais poderosos. Como já observaram diversos autores a respeito da experiência de ajuste em países periféricos, a premência de reformas de cunho economicamente liberalizante acarreta inúmeros problemas, particularmente no que diz respeito às condições de conservação a longo prazo de suas precárias democracias. Como observou Joan Nelson (1993: 325), o governo tende a contar com pequeno apoio para suas iniciativas de reforma, pois as perdas são imediatas e concentradas, ao passo que os ganhos prometidos são remotos e difusos – e os perdedores, ademais, geralmente são os grupos politicamente mais organ organiza izados dos dessas dessas socied sociedade ades. s. No que tange tange especi especific ficame amente nte aos países países latino latino-amer americ ican anos os,, Jame Jamess Mall Malloy oy (199 (1993: 3: 114114-23 23)) apon aponto tou u uma uma cole coleçã çãoo igua igualm lmen ente te cons consid ider eráv ável el de obst obstác ácul ulos os.. Em prim primei eiro ro luga lugar, r, em soci socied edad ades es de pequ pequen enaa diversificação da economia (como é o caso dos países dos Andes Centrais aos quais dedica sua análise – ainda que certamente nem tanto mais o do Brasil), o emprego público é o meio de vida fundamental das camadas médias urbanas. Assim, para adotar políticas de enxugamento do estado, os governos têm freqüentemente de enfrentar suas próprias bases partidárias. Ademais, se se trata de consolidar o regime democrático, é imprescindível a inclusão de todas as forças políticas no jogo. Só que – como foi visto acima – a estabilização econômica requer disciplina fiscal e, portanto, uma contenção de demand demandas as para para adaptá adaptá-las -las à reduçã reduçãoo do “espól “espólio” io” estata estatall a ser dividi dividido. do. Mais Mais importante ainda, as organizações de trabalhadores dificilmente terão sua lealdade conquistada de maneira incondicional pelo regime democrático, pois encontram-se numa posição trágica: tendo arcado com pesados ônus durante o período militar, elas vêem-se frustradas em suas expectativas quanto ao novo regime, uma vez que a terapia liberal elege-as novamente como inimigas do governo.
É claro que normas menos paternalistas não têm de excluir, em princípio, toda e qualquer modalidade de política industrial e incentivo à iniciativa privada nacional. Pois nada impede que programas de incentivo a setores considerados prioritários se pautem por normas e critérios objetivos e impessoais de financiamento, a partir da estipulação de metas e prazos, e que sejam eles próprios competitivamente alocados. Além do mais, o acirramento da competição externa provavelmente tornará a existência de mecanismos inteligentes de estímulo à produção e à comercialização mais importante do que nunca, sobretudo para a geração local de empregos – o grande desafio do capitalismo nas próximas décadas. Tampouco deve-se identificar aqui qualquer condenação à formulação e implementação de políticas de proteção social e de combate à pobreza. Pelo contrário, entendo que somente um estado financeiramente forte – e, portanto, relativamente independente dos humores do mercado financeiro – chega a reunir o poder de implementar iniciativas redistributivas mais ambiciosas com um mínimo de eficácia.
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A este processo extremamente complexo – que, revestido de características próprias em
cada lugar, e repleto de desdobramentos ainda em boa medida imprevisíveis, se tem verificado recentemente em diversos países tanto do “Terceiro Mundo” e da antiga órbita socialista quanto das regiões economicamente economicamente mais avançadas do globo – se vem convencionando convencionando chamar na literatura contemporânea pelo nome genérico de “reformas econômicas”, ou simplesmente a “reforma do estado”, de que passamos a tratar.
4.3. A DINÂMICA DINÂMICA POLÍTIC POLÍTICA A DA REFORMA REFORMA ECONÔMIC ECONÔMICA A (E ALGUMAS ARMADILHAS PREVISÍVEIS) Como Como admiti admitiu u claram clarament entee Jorge Jorge Viann Viannaa Montei Monteiro ro (1994: (1994: 22), 22), “a caract caracteri erizaç zação ão analítica [da] reforma econômica ainda é insatisfatória”, pois – talvez sobretudo em virtude da imensa variedade dos contextos nacionais específicos em que as reformas têm sido deflagradas – é forçoso admitir que “o conceito talvez ainda envolva uma dose substancial de intuição e argumentação ad hoc”.34 Genericamente, porém, podemos apro aproxi xima marm rmo-n o-nos os com com razo razoáv ável el segu segura ranç nçaa do tema tema cara caract cter eriz izan ando do a refo reform rmaa econômica como uma alteração no plano constitucional da estratégia macroeconômica – “anterior”, portanto, à política econômica estritamente considerada, pois envolve mudanças institucionais no sistema econômico como um todo, definindo a estrutura de incentivos no interior do qual operarão os agentes e será formulada a própria política econômica a partir da escolha de prioridades econômicas pelo governo.35 Por definição, reformas econômicas constituem momentos extremamente delicados do ponto de vista institucional. Isto porque, durante a fase de implementação – além das inevitáveis tensões distributivas envolvidas – sua dinâmica é caracterizada por uma reversão da causação rotineiramente esperada (Monteiro, 1994: 88). Ao invés dos meca mecani nism smos os cons consti titu tuci cion onai aiss cond condic icio iona nare rem m o níve nívell oper operac acio iona nall da estr estrat atég égia ia macroeconômica através da imposição de determinados procedimentos ao processo decisório governamental e da fixação de limites às características da política econômica adotada, como tipicamente deveria acontecer, durante a reforma é o plano operacional que subordinará a configuração constitucional da estratégia macroeconômica adotada: fixam-se determinados padrões de desempenho ou objetivos considerados desejáveis para a política econômica e, a partir deles, decide-se sobre os arranjos institucionais mais mais adeq adequa uado doss à prom promoç oção ão dess dessee dese desemp mpen enho ho.. Esta Esta subo subord rdin inaç ação ão do plan planoo cons consti titu tuci cion onal al ao oper operac acio iona nall intr introd oduz uz “um “um elem elemen ento to de tran transi sito tori ried edad adee na 34
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Monteiro (1994: 22, n. 26) atribui uma “confissão” nesse sentido a Michael Bruno (1989). A distinção entre os planos “constitucional” e “operacional” da ação política é normalmente atribuída a James Buchanan e Gordon Tullock (1962: 285-6). Para um breve e abrangente panorama do campo conhecido como “economia constitucional”, pode-se recorrer a Monteiro (1994: 83-105). Também ali (p. 86) se encont encontra ra a distin distinção ção aqui aqui referi referida da,, agora agora com o plano plano operac operacion ional al rebati rebatizad zadoo como como “pós“pósconstitucional”.
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Constituição do país” que é, em princípio, indesejável. indesejável .36 Assim, se numa situação ideal-
típi típica ca o legi legisl slat ativ ivoo deve deve,, em prin princí cípi pio, o, se ante antepo porr ao exec execut utiv ivoo ao exer exerce cerr com com exclusividade a iniciativa legislativa e, com isso, ditar os limites constitucionais dentro dos quais o executivo terá de operar a política econômica, durante um processo de reforma o executivo tende – paradoxalmente, é verdade, dado que durante esse período se deverá estar legislando intensamente – a tomar as rédeas dos acontecimentos em virtude da agilidade estratégica derivada de sua maior coesão interna e presumível unidade programática – que lhe permite contornar o problema de ação coletiva que se apresenta a um corpo colegiado como o poder legislativo (Haggard & Kaufman, 1993: 394-5). 394-5). Assim Assim,, quando quando reform reformas as profun profundas das ganham ganham legiti legitimi midad dadee (ou passam passam por qualquer motivo a ocupar o centro da agenda política), ações mais contundentes passam a ser aceitas – quando não são simplesmente exigidas por muitos. Como a coerção é responsabilidade exclusiva do executivo, este ganha preeminência e tende invariavelmente a atropelar o legislativo com fatos consumados ou mobilização da opinião pública – ou ambos. No Brasil de 1964, o presidente foi defenestrado quando as “reformas de base” ganharam visibilidade, pelo simples fato de que interesses com capacidade de veto extra-institucional a elas se opunham, e tornou-se visível que a oposição às reformas no âmbito do legislativo não seria suficiente para pará-las. De fato, apesar dos sonhos de muitos e de sua freqüente utilização retórica, “revolução democrática” é um claro oxímoro, e mudanças rápidas são obtidas autoritariamente. Donde Donde a tentaç tentação ão freqüe freqüente nte do recurso recurso às “soluç “soluções ões”” autori autoritár tárias ias para para crises crises de “governabilidade”, que todavia dificilmente fazem mais que postergar o problema para um futuro indefinido, muitas vezes agravando-o. A história das dificuldades enfrentadas pelos governos latino-americanos durante a crise dos anos 80 provê um vívido retrato desse dilema. Freqüentemente os governos se viram premidos a oferecer respostas a problemas agudos, e – mesmo sendo na maioria dos casos governos civis pretensamente democráticos – eles raramente hesitaram em recorr recorrer er a decisõ decisões es tomada tomadass sigilo sigilosam samen ente te em círcul círculos os burocr burocráti áticos cos restri restritos tos,, e implementadas independentemente de aprovação parlamentar. Na maioria dos casos, talvez não tivessem alternativa. Todavia, a adoção de tais procedimentos quase sempre cobrou seu preço mais tarde, na forma da erosão dos marcos de previsibilidade para a ação futura do governo e da deformação das instituições do governo representativo, reforçando – segundo Monteiro (1994: 161) – “o padrão de instabilidade do fluxo da políti política ca econôm econômica ica”. ”. Os result resultado adoss foram foram os já conhec conhecido idos: s: “aumen “aumento to da taxa taxa de 36
Monteiro (1994: 159, n. 16) observa a natureza perfeitamente “anti-rawlsiana” “anti-rawlsiana” desta situação: enquanto John Rawls (1971: 17-22) estipula a condição do “véu de ignorância” como parte necessariamente integrante da “posição original” de onde se pode escolher uma ordem constitucional “justa”, aqui, “primeiro, identifica-se muito claramente a incidência de perdas e ganhos, para, depois, se [tentar] estabelecer o consenso constitucional”.
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desc descon onto to quan quanto to aos aos resu result ltad ados os de polí políti tica ca econ econôm ômic ica, a, acel aceler eraç ação ão do rent-
seeking/rent-avoidance, e aumento da intervenção governamental, sobretudo através
da regulação econômica”. Mas um traço crucial de todo o nosso problema reside justamente no fato de que lidar com crises requer inequívoca “produção” de poder. E, na ausência de instituições democráticas consolidadas (vale dizer, rotinizadas), esta produção se faz precariamente a expensas da “distribuição” do poder, ou seja, através da concentração de poderes no âmbito do executivo (F. Reis, 1989: 161-7). James Malloy, apoiado em raciocínio seme semelh lhan ante te,, cont contes esta ta a acus acusaç ação ão muit muitoo comu comum m (pro (prove veni nien ente te tant tantoo de grup grupos os opos oposic icio ioni nist stas as demo democr crát átic icos os,, even eventu tual alme ment ntee de esqu esquer erda da,, quan quanto to da part partee de econ econom omis ista tass de orie orient ntaç ação ão dita dita “neo “neoli libe bera ral”) l”) de que que o frac fracas asso so reco recorr rren ente te dos dos programas econômicos mais ambiciosos dos governos latino-americanos seja motivado sobr sobret etud udoo por por falt faltaa de “von “vonta tade de polí políti tica ca”” para para se impl implem emen enta tarr a part partee “dur “dura” a”,, impo impopu pula lar, r, dos dos prog progra rama mas. s. Para Para ele, ele, de mane maneir iraa conv conver erge gent ntee com com a linh linhaa de tratamento do problema que se encontra em Huntington, “o problema real não é tanto de vontade política, mas sim de capacidade de governar ” (Malloy, 1993: 101, grifo meu). Malloy (1993: 102-3) formula claramente – a seu modo – o problema da tensão entre a produção e a distribuição de poder, destacando a dificuldade de produção de poder em contexto democrático na América Latina, com menção explícita a Hobbes e Huntington: “A questão da governabilidade não é simplesmente a de distribuição de poder ou acesso ao poder, mas, mais fundamentalmente, uma questão de como o poder é produzido. Como podem e como fazem os governos para converter o potencial político de um dado conjunto de instituições e práticas políticas em capacidade de definir, implementar e sustentar políticas? O que vemos nos Andes Centrais, sob nova forma, são questões antiga antigas, s, coloca colocadas das por pensad pensadore oress políti políticos cos como como Hobbe Hobbess e, mais mais recent recenteme emente nte,, cientistas políticos como Samuel Huntington.”
O problema da capacidade de comando – produção de poder – enfrentado por Malloy é abordado também por Juan Carlos Torre (1993: 132), que se reporta à perplexidade provocada pela constatação de que, no momento da democratização, o enfrentamento da crise mostrou requerer mais governo, e não menos. De fato, o que Torre observa é uma confusão, muito freqüente, entre o que Huntington chama de “grau de governo” (a “produção de poder”, ou a “governança” a que têm se referido alguns autores)37 e o autoritarismo do sistema. Entretanto, autoritário é precisamente aquele governo que não tem autoridade. Que não encontra nos cidadãos disposição prévia à obediência, e que, portanto, não tem escolha senão recorrer à violência, à coerção física – passando então então a ser perceb percebido ido como como autori autoritár tário. io. Pois Pois o reconh reconheci ecime mento nto da autori autoridad dadee é 37
Sobre o conceito de governance e suas relações com a capacidade governamental de implementação de reformas econômicas, um trabalho esclarecedor encontra-se em Leila Frischtak (1994), realizado sob os auspícios do Banco Mundial, onde se aborda o problema por linhas análogas às aqui empregadas.
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justamente o que funda o consentimento, a disposição de obedecer – e portanto a
operação de regimes democráticos requererá maior dose de autoridade do que a de regi regime mess auto autori ritár tário ios, s, e não não meno menor. r. Regi Regime mess auto autori ritá tári rios os entr entram am em cola colaps psoo precisamente a partir do momento em que o não-reconhecimento de sua autoridade se generaliza a um ponto tal que a manutenção de seu aparato repressivo se torna técnica e politicamente inviável. Nesse momento, sua capacidade de governo é mínima, e a reintrodução do regime democrático se dá – entre outros motivos – com o objetivo de produzir mais poder. Não há motivo algum, em princípio, para se supor que um regime democrático significa “menos governo”, ou mesmo “menos comando”, que um regime autoritário. Significa apenas – e isto está longe de ser irrelevante – menos comando arbitrário. Mas pode perfeitamente significar um aumento da capacidade de comando do governo, desde que seja possível obter um aumento da adesão consensual dos atores soci sociai aiss em seu seu conj conjun unto to a um corp corpoo de regr regras as impe impess ssoa oais is dest destin inad adas as a diri dirimi mirr quaisquer conflitos no interior da sociedade (em outras palavras, desde que se consiga um conjunto de instituições políticas cuja autoridade seja reconhecida pelos cidadãos). E esse é justamente o nó górdio da questão com que nos defrontamos todos. Como observ observou ou Malloy Malloy (1993: (1993: 109-1 109-10) 0),, os princi principai paiss atores atores políti políticos cos na Améric Américaa Latina Latina sempre apoiaram regimes autoritários desde que servissem a seus propósitos; nunca existi existiu u uma adesão adesão primor primordia diall à democr democraci acia. a.38 E o prob proble lema ma da cons constr truç ução ão da autoridade de um regime político sempre envolve uma sacralização de uma fonte de poder, uma atitude incondicionalmente reverente frente a um valor, seja este o “direito divino dos reis”, a “vontade popular”, ou o “melhor argumento” (B. Reis, 1997: 60-5). Diante da percepção difusa deste problema, a resposta mais generalizada à necessidade de se gerar “capacidade de governo” foi, como constata Torre (1993: 133), o apelo a um “pacto”. Só que, no que se refere a pactos, o mesmo contexto que os torna imperiosos tende tende a compro compromet meter er sua factib factibili ilidad dade: e: em boa medida medida,, preten pretender der resolv resolver er um problema de coordenação de expectativas por apelo a um pacto é dar a questão por resolv resolvida ida de saída. saída. Todavi Todavia, a, num quadro quadro de instab instabili ilidad dadee políti política ca (ou, (ou, pior, pior, de fragilidade institucional), a posição do governo fica efetivamente debilitada ao ponto de incapacitá-lo para a imposição de perdas que não sejam previamente pactuadas com os Pesquisa internacional recente (a última “onda” dos World Values Surveys, conduzido por Ronald Ingleh Inglehart art,, da Univers Universida idade de de Michig Michigan an,, e realiz realizada ada em 1995-9 1995-98) 8) apont apontaa o Brasil Brasil como como um país país altamente receptivo à idéia do líder forte que não tenha de se preocupar com o parlamento ou com eleições. Neste quesito, temos desempenho análogo ao de ex-repúblicas soviéticas, como Ucrânia e Bielorrússia, e superamos por pouco a Rússia – alcançando um nada honroso 12.º lugar na propensão a aceitar o líder forte, numa amostra de 57 países de todo o mundo. Se nos lembrarmos de que os países egressos da União Soviética ainda não completaram dez anos da primeira experiência mais ou menos demo democr crát átic icaa de suas suas hist histór ória ias, s, e que que vira viram m ness nessee perí períod odoo suas suas econ econom omia iass ming mingua uarem rem até até aproximadamente a metade da renda per capita de que desfrutavam sob o regime ditatorial anterior, poderemos formar uma impressão intuitiva sobre a força do cacoete autoritário do brasileiro médio. Uma síntese abrangente dos resultados alcançados ao longo dos quase trinta anos em que os World Values Surveys vêm sendo realizados pode ser encontrada em Inglehart (1997); os dados brutos em formato eletrônico – SPSS – encontram-se disponíveis no Laboratório de Metodologia em Ciências Sociais da Fafich/UFMG).
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atores interessados – aí incluídos não apenas os representantes de empresários e
trabalhadores, mas também os partidos representados no poder legislativo. O que torna altamente provável o enredamento do sistema político como um todo num círculo vicioso onde um pacto é ao mesmo tempo necessário e inviável. Pois um eventual pacto tem necessariamente de envolver a aceitação, pelos atores, do risco de perdas no curto prazo em troca da promessa de ganhos compensadores no futuro.39 E como, por definição, em caso de instabilidade política ou institucional não há horizonte seguro no médio e longo prazos, todos os agentes optam por estratégias que privilegiem ao máximo os ganhos imediatos. Assim, o pacto só será viável quando todos os atores relevantes se convencerem de que estão perdendo com a persistência de um dado estado de coisas, e que portanto vale a pena acertar um pacto em que se abra mão de alguns ganhos mais imediatos. Só que, infelizmente, este raramente será o caso na América Latina: em sociedades fortemente segmentadas como as nossas, normalmente nem todos os setores setores da sociedade sociedade têm de arcar com perdas pela persistên persistência cia de uma crise constitucional, ou mesmo uma crise econômica. Além disso, em termos mais analíticos, se não há horizonte futuro estável, a retaliação a comportamentos nãocooperativos se torna incerta, e a cooperação passa a requerer – como lembra Torre (1993: 136-7) – a consideração, pelos atores, dos interesses dos diversos atores do sistema tomado em seu conjunto. Todavia, prossegue, o processo de transição prima pela pela afirm firmaação ção de ide identi ntidade dades, s, em que que cada cada grupo rupo luta luta por por seu seu espa spaço. ço.40 Compromissos, ao contrário, tendem a produzir um “congelamento das relações de força”, incompatível com as expectativas de diversos atores durante a transição. Juan C. Portantiero (1988: 167, apud Torre, 1993: 139) resume de forma particularmente feliz o proble problema: ma: para para ele, ele, a razão razão da dificu dificulda ldade de de imple implemen mentaç tação ão das estrat estratég égias ias de cooperação é que – nas palavras de Torre – “elas assumem como um dado o que, a rigor, é o problema: a existência de um centro de poder capaz de assumir a tarefa de organizar a concertação; em outras palavras, uma autoridade pública efetiva”. Diante de todas estas dificuldades, não chega a ser surpreendente que, para produzir a capacidade de governo necessária para enfrentar a crise, a resposta mais usual tenha sido, na prática, “uma forte e unilateral iniciativa do executivo presidencial”, como lembra Torre (1993: 138). Assim como Malloy, Torre (1993: 140) vai até Hobbes para falar da saída da crise hiperinflacionária como “a superação de um impasse de raiz 39
Pois, se não há perda para os pactuantes, é porque ela foi transferida para terceiros, ausentes das negociações – e era precisamente este o vício que Gustavo Franco (1991: 74-6) dizia existir nas câmaras setoriais brasileiras.
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Vem a calhar, a propósito, a clássica descrição que faz Huntington (1968: 196) da atuação dos grupos numa sociedade “pretoriana”: “In a praetorian society [...] each group employ means which reflect its peculiar nature and capabilities. The wealthy bribe; students riot; workers strike; mobs demonstrate; and the military coup. In the absence of accepted procedures, all these forms of direct action are found on the political scene. The techniques of military intervention are simply more dramatic and effective than the others because, as Hobbes put it, ‘When nothing else is turned up, clubs are trumps’.”
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hobbesiana”, mas não se lembra da afinidade de seu argumento com o “dilema do
prisioneiro” da teoria dos jogos. Daí acreditar na saída do impasse por um ato imperial do poder executivo. Só que isto tende a dar errado pelo efeito nefasto sobre as expectativas. O ato unilateral e agressivo do poder público pode induzir, como vimos, idêntica reação agressiva dos agentes econômicos, deteriorando ainda mais o quadro. Deve Devemo moss semp sempre re lemb lembra rarr que que Hobb Hobbes es (com (comoo Hunt Huntin ingt gton on)) é muit muitoo melh melhor or no diagnóstico que na terapia: na Inglaterra do século XVII a receita afinal seguida não foi a que ele prescreveu. O recurso a medidas autoritárias, portanto, pode perfeitamente agravar o quadro. Na melhor das hipóteses, apenas adiará para um futuro incerto a recolocação do mesmo problema – e isto é o que fizeram recorrentemente os países latino-americanos nas últimas décadas.41 O “autogolpe” de Fujimori no Peru é o exemplo evidente do recurso a esta possibilidade em todas as suas implicações, mas o final abrupto do governo voluntarista de Collor no Brasil demonstra os riscos presentes nesta estratégia, mesmo numa versão mitigada. Com Com efei efeito to,, mesm mesmoo os suces sucesso soss inic inicia iais is obti obtido doss por por Fuji Fujimo mori ri – tant tantoo na aren arenaa econômica quanto no combate ao terrorismo – não isentavam o Peru, absolutamente, da forte forte probab probabil ilida idade de de que proble problemas mas análog análogos os se recolo recolocas cassem sem num futuro futuro próx próxim imo, o, como como já pode podemo moss come começa çarr a cons consta tata tar. r. Pois Pois,, em últi última ma anál anális ise, e, “a instabili instabilidade dade institucio institucional nal e a instabili instabilidade dade da própria própria política política econômic econômicaa acabam acabam fortemente interligadas” (Monteiro, 1994: 154), de modo que o recurso a instrumentos discricionários de deliberação da política econômica acaba por expor os objetivos da política a novos riscos. Monteiro (1994: 156-7) ilustra com o caso brasileiro: “Por exemplo, a instrumentação inusitada a que recorreu o Plano Collor passou a ser descontada como um prenúncio de exceção adicional, no futuro. Não havia um quadro institucio institucional-co nal-constitu nstituciona cionall suficiente suficientemente mente claro para que os agentes agentes econômico econômicoss perc perceb ebes esse sem m um limi limite te a essa essa exce exceçã çãoo e, assi assim, m, à repa repart rtiç ição ão dos dos cust custos os da estabilização.”42 41
Aparece recorrentemente também a tese de que, quando as reformas econômicas são inadiáveis, seria prudente desacelerar a democratização, como teria ocorrido nos casos dos ditos “tigres asiáticos” (Coréia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Cingapura), além de China, Chile, México e Turquia. Joan Nelson (1993: 337-8) pondera, porém, que se um regime autoritário é visto como fortemente implicado no fracasso econômico, econômico, então a liberaliz liberalização ação política pode se tornar tornar uma condição condição necessária necessária ao sucesso sucesso das reformas (seria o caso da União Soviética sob Gorbachev). Além do mais, segue ela, nem sempre o adiamento das reformas políticas é possível : muitos atores darão prioridade absoluta à agenda política, já que ela definirá as “regras do jogo” em que se dará a disputa econômica, condicionando as possibilidades de êxito de cada um.
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Poucas páginas adiante, Monteiro (1994: 162) conclui aderindo claramente à ênfase no processo, em detrimento da ênfase no resultado: “A norma de aferição da [qualidade] de um plano econômico, no ambiente de instabilidade institucional, institucional, não [é] ditada tanto pelo objetivo da estabilização econômica em si mesma, mas pela maior estabilidade de regras e procedimentos pelos quais se busca alcançar aquele resultado.” Para Monteiro, a ênfase no resultado termina por deformar as instituições do governo representativo. Todavia, embora formalmente inatacável de um ponto de vista liberal, é importante observar que, para que se possa realisticamente esperar uma ênfase no processo, é necessário que se tenha alguma segurança sobre os resultados esperáveis. Pois se, como observaram Przeworski e Limongi (1994: 32), a democracia se caracteriza sim pela presença de algumas incertezas ex-ante (sobretudo eleito eleitorai rais), s), tamb também ém se deve deve admiti admitirr que que ela é claram clarament entee temper temperada ada por outras outras tantas tantas certez certezas as substantivas bem sólidas – e o próprio Przeworski (1989) descreveu reiteradas vezes o compromisso democrático como envolvendo renúncias a certos objetivos específicos, sobretudo a renúncia dos social-
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Na simpatia resignada por soluções autoritárias, a que Monteiro aqui se opõe, o que
transparece novamente é a confusão entre a necessidade do aumento da capacidade de intervenção pública na vida do país para correção de rumos, de um lado, e a adoção de estratégias autoritárias de ação. Na verdade, é crucial que a primeira seja atendida, mas isto não necessariamente tem de implicar a segunda – aliás, não deve implicar, em nome nome da preser preservaç vação ão da coorde coordenaç nação ão de expect expectati ativas vas,, crucia cruciall na susten sustentaç tação ão da capacidade de ação do estado no longo prazo. É crucial, portanto, considerar sempre os proc proced edim imen ento toss pelo peloss quai quaiss o gove govern rnoo se verá verá auto autori riza zado do a agir agir.. E um prec precei eito to importante a ser seguido é que o governo se esforce por reduzir a imprevisibilidade ao mínimo mínimo.. Se se entend entendee por aument aumentoo da capaci capacidad dadee de atuaçã atuaçãoo do gover governo no atos atos imperiais como congelamentos recorrentes de preços, confiscos de ativos etc., então estaremos diante do desastre, pois isto induzirá necessariamente um comportamento igualmente agressivo dos atores privados. Como observa Eli Diniz (1997a: 183-4), a discricionariedade do executivo acaba por prejudicar a credibilidade dos seus próprios atos e, portanto, sua eficácia – e ainda aumenta a incerteza. Sublinhe-se, ademais, a perfeita consistência dessa proposição com as teses de Putnam (1993: 163-85) sobre a importância do “capital social”, da confiança, para o bom desempenho das instituições. Contrariamente à intuição apressada de que a existência de organizações fortes na sociedade civil cria dificuldades para os governos, a experiência do Leste Europeu aponta no sentido contrário, ou seja, para a necessidade dramática de que os governos encontrem parceiros para dialogar: as reformas foram melhor sucedidas onde houve maior tolerância aos seus custos, e o caso da Polônia mostrou que a tolerância aos custos foi maior onde havia maior organização política – precisamente pela confiança que a população depositava nos seus governantes, tornada possível pela existência de uma sociedade fortemente organizada que se encontrava devidamente representada no próprio governo (Bruszt, 1993: 376-83). No debate político brasileiro, Eli Diniz (1997b: 26-9) 26-9) observ observa, a, foi paulat paulatina inamen mente te se tornan tornando do predom predomin inant antee uma reprod reproduçã uçãoo superficial da tese do “excesso de demandas”, de Huntington, conducente à defesa de soluções tecnicistas destinadas à contenção de demandas, que todavia a longo prazo podem apenas agravar o problema, ao aprofundar o fosso entre a operação do estado e a sociedade crescentemente organizada. “Strong society, weak state” , presume-se presume-se.. Só que vimos com Putnam que a lógica é a inversa: “strong society, strong state” , pelo menos menos se o estad estadoo souber souber usar usar em seu proveito proveito essa organi organizaç zação ão emerge emergente nte da sociedade – e a leitura das primeiras páginas de Huntington (1968) também autoriza essa visão, ao vincular a tocquevilleana “arte da associação” à institucionalização. Ao associarmo-nos, caminhamos rumo à criação de instituições, que, em princípio, tanto podem entrar em choque com as instituições estatais já existentes como a elas se democratas à coletivização dos meios de produção – o que implica a produção de certezas quanto ao estatuto da propriedade privada.
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agregarem e produzirem movimentos sinérgicos. Se isto é verdade, o enclausuramento
bur buroc ocrá ráti tico co das das deci decisõ sões es do exec execut utiv ivoo apen apenas as prej prejud udic ica, a, a long longoo praz prazo, o, a “governabilidade”, já que favorece o choque com as demais organizações (tanto o legislativo quanto as organizações não-governamentais) e, conseqüentemente, dificulta a institucionalização. As dificuldades do Brasil na década de 80 corroboram esse diagnóstico, pois o governo optou pelo insulamento burocrático, o sigilo no processo de form formul ulaç ação ão de polí políti tica cass (vid (videe os paco pacote tess econ econôm ômic icos os abun abunda dant ntes es na déca década da), ), o Congresso permaneceu praticamente desprovido de iniciativa legislativa, e nem por isso o governo desfrutou de boa capacidade de implementação de suas políticas (Diniz, 1997b: 30-2). É muito provável, ao contrário, que o recurso continuado à centralização e a medidas preparadas em sigilo e adotadas por decreto do executivo tenha sido um fato fatorr não não desp despre rezí zíve vell para para a expl explic icaç ação ão do fraca fracass ssoo de toda todass as inic inicia iati tiva vass de estabilização econômica na fase “heróica” da redemocratização da América Latina em meados da década de 80 (como ( como o Austral na Argentina, o Cruzado no Brasil, e a política do governo de Alan García no Peru). Governos “tecnocráticos semi-autônomos e não-partidários” são, portanto, na melhor das hipóteses, soluções temporárias para situações absolutamente emergenciais – e que muito provavelmente farão surgir novas dificuldades a longo prazo (Nelson, 1993: 3535). Logo, no que concerne a reformas econômicas, é crucial que a aparentemente inevitável liderança do executivo – com um grau considerável de neutralização da oposição – no momento de se deflagrarem as reformas seja oportunamente substituída por uma atmosfera de cooperação política que possibilite sua consolidação. Mesmo se a deflagração de reformas tende a se tornar possível apenas com algum grau de arbítrio, sua consolidação exigirá a minimização desse arbítrio a partir da institucionalização das novas regras (Haggard & Kaufman, 1993: 403-4). Para Joan Nelson (1993: 328-9), três três passo passoss comp comple lexos xos de “eng “engen enha hari riaa polí políti tica ca”” serã serãoo deci decisi sivo voss aqui aqui:: (1) (1) dar dar credibilidade às reformas, (2) converter essa credibilidade em interesses constituídos, e (3) converter esses interesses constituídos em atores políticos relevantes. O problema que hoje ocupa muitos estudiosos é saber como exatamente fazer isto. De fato, a questão mais ampla enfrentada pelos países que enfrentam “transições simultâneas” é claramente explicitada por Joan Nelson (1993: 355): “Como pode ser construído e mantido um equilíbrio, dentro de sistemas políticos em evolução, entre a autonomia apropriada para que as autoridades econômicas giram a econo economia mia e o acesso acesso de grupos grupos populares populares emerge emergente ntess ao process processoo de tomada tomada de decisão?”
Com sua formul formulaçã açãoo sintét sintética ica,, esta esta pergun pergunta ta toca toca de manei maneira ra bastan bastante te precis precisaa o problema em torno do qual gira toda a questão. Duvido, porém, que se possa, no plano teórico, prover uma resposta que constitua uma espécie de know-how à disposição dos
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políticos para o enfrentamento universal dessa enorme questão. Isto equivaleria à
pretensão de ensinar os governantes a governarem – que não é a tarefa fundamental da ciência política, nos perdoe o Maquiavel do Príncipe. Pois este problema se apresentará sob múltiplas formas, em inumeráveis contextos estratégicos e variados momentos históricos. Cada situação específica requererá soluções próprias, que poderão ou não ser encontradas pelos atores políticos existentes. Mas a ciência não pode pretender enume enumerar rar exaust exaustiva ivamen mente te todas todas essas essas situaç situações ões possív possíveis eis (a lista lista é simple simplesme smente nte infinita); o que ela pode e deve fazer é buscar a especificação rigorosa da lógica da situação enfrentada.
5. NOTAS FINAIS: DESENVOLVIMENTISMO, ESQUERDA, DIREITA, MERCADO Não obstante toda a turbulência política associada às tensões inerentes ao processo de expansão da arena política acarretado pela acelerada mudança de seu perfil sócioecon econôm ômic ico, o, ao long longoo de todo todo este este sécu século lo o Bras Brasil il test testem emun unho hou u uma uma virt virtua uall unanimidade no interior de sua elite dirigente quanto às virtudes e à necessidade imperi imperiosa osa do desen desenvol volvim viment entoo econôm econômico ico e da indust industria rializ lizaçã açãoo – e quanto quanto mais mais aceleradam aceleradamente ente se desse essa transforma transformação, ção, melhor. Maria Maria Hermínia Hermínia Tavares de Almeida (1996: 221) destacou recentemente a força ideológica desse acordo: “O consenso em favor do desenvolvimentismo era mais do que sinônimo de interesses constituídos. Tratava-se de uma auto-representação da sociedade, uma ilusão sobre seu futuro prometido, compartilhado por todos os atores políticos importantes, da direita à esquer esquerda. da. Os comuni comunista stass profes professav savam am enraiz enraizada adass convic convicçõe çõess nacion nacionali alista stass que justificavam a intervenção estatal em nome da defesa da indústria brasileira e da justiça social. Políticos e tecnocratas de direita – civis e militares – alimentavam o sonho de transformar o Brasil em potência mundial de primeira classe com o auxílio de um estado autoritário e intervencionista.”
Ben Schneider (1994: 305-8) também destaca a extraordinária fonte de legitimidade em que se constituíam no Brasil os projetos de desenvolvimento, de Getúlio Vargas aos mili milita tare ress – sin sinal inequí quívoco voco da pers persiistê stênci ncia, desd desdee 1930, 30, da hege egemoni moniaa desenvolvimentista no Brasil. Se por um lado há, efetivamente, uma ruptura e um forte contraste entre o populismo de João Goulart e a paradoxal orientação economicamente “liberalizante” de Castelo Branco, por outro lado a comparação deste com seus quatro sucessores militares faz de Castelo uma exceção, e são bastante evidentes as linhas de continuidade entre o sonho do “Brasil grande” dos governos Médici e Geisel e o desenvolvimentismo triunfalista de Kubitschek. Para Schneider, as únicas exceções à hegemonia desenvolvimentista foram os “liberais” Dutra, Café Filho e Castelo – e Goulart, à sua maneira. Enquanto os costumeiros governos conservadores, apoiados sobretudo nas oligarquias de sempre, buscavam legitimar-se pela projeção de um
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futuro melhor para os pobres embutido nos audaciosos projetos desenvolvimentistas e
por generosos subsídios para os ricos justificados pelo esforço de industrialização, o govern governoo Goular Goulartt – o único único da histó história ria do Brasil Brasil com um presid president entee fortem fortemen ente te vin vincu cula lado do ao movi movime ment ntoo sind sindic ical al e à esqu esquer erda da – busc buscou ou comp compen ensa sarr a falt faltaa de instituições que protegessem o seu mandato com o apelo distributivo direto encarnado nas “reformas de base”. Fracassou, é sabido. Como afirmou Bresser Pereira (1996: 323, n. 2), “o populismo pode ser distributivista, quando tem origem na esquerda, ou desen desenvol volvim viment entist ista, a, quando quando origi origina-s na-see da direit direita. a. Seus Seus resul resultad tados os não são muito muito diferentes no que se referem aos desajustamentos interno e externo.” Um pouco mais rigorosamente, a raiz do que Bresser Pereira chama de “populismo” reside sobretudo na fragilidade institucional que compele os governos a governar sob a caução de promessas ambiciosas de transformação da realidade – pois impede-os de governar rotineiramente, apoiados sobretudo na autoridade da lei e de procedimentos impessoais consensualmente acatados de decisão política. Dentro de tais contextos, o governo central (embora encontre, como vimos, grande dificuldade de implementação de suas políticas) efetivamente dispõe de graus de liberdade superiores na tomada de decisões – já que não tem de observar os ritos burocráticos inerentes aos regimes democráticos de instituições mais sólidas. Nesses casos, é possível que a esquerda e a direita efetivamente recorram a políticas econômicas com orientações distributivas fortemente distintas – ainda que muitas vezes elas perdurem apenas até que a força das armas se imponha, aproveitando-se do vácuo institucional. Todavia, é digno de nota que a experiência das democracias eleitorais mais estáveis ao longo do século XX desautoriza a crença de que governos oriundos da esquerda ou da direita possam adotar políticas econômicas muito diferenciadas entre si. Via de regra, ambas recitam, com vaga diferença de ênfases, o “estado das artes” econômico vigente no momento quando quando a estabilid estabilidade ade instituci institucional onal lhes permite permite valorizar valorizar suficient suficientemen emente te payoffs futuros – e recorrem a seus respectivos repertórios de populismo quando, em contextos de elevada incerteza institucional, a necessidade de resultados políticos imediatos se torna (às vezes, literalmente) uma questão de vida ou morte.43 Assim, quando, no período entre-guerras, pela primeira vez partidos social-democratas ascenderam ao governo, durante vinte anos apenas uma única empresa privada foi Um argumento semelhante – pelo qual “the efficacy of the state machinery” é mais importante que a orientação doutrinária do partido no poder para a determinação da política econômica – é apresentado por Peter Lange (1984: 110, apud Sá, 1998: 74). É claro, porém, que os países não são todos idênticos entre si, e contextos diferentes podem produzir formas de capitalismo e trajetórias de modernização bastante variadas – ver, por exemplo, Gøsta Esping-Andersen (1990), para uma descrição de agudas diferenças na operação do estado de bem-estar social mesmo entre países europeus comparativamente muito mais assemelhados entre entre si do que com os países periféricos de modernização mais recente. O que afirmo aqui é que, no interior de um mesmo país, a alternância eleitoral entre partidos democráticos de esquerda e de direita produzem um impacto limitado na condução da política econômica (sou grato à Prof.ª Maria Regina Soares de Lima por ter-me apontado a necessidade deste esclarecimento).
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nacionalizada, embora os social-democratas tenham estado no poder na Alemanha, na
Áustria, na Bélgica, na Dinamarca, na Finlândia, na França, na Grã-Bretanha, na Noruega e na Suécia – e não obstante a ênfase concedida à expropriação do capital nos prog progra rama mass soci social alis ista tass da époc épocaa (Prz (Przew ewor orsk ski, i, 1989 1989:: 47-5 47-51) 1).. Pri Prision sionei eiro ross da inex inexeq eqüi üibi bili lida dade de de um prog progra rama ma revo revolu luci cion onár ário io no inte interi rior or de um marc marcoo institucio institucional-l nal-legal egal minimame minimamente nte subsisten subsistente, te, os social-dem social-democrat ocratas as permaneci permaneciam am reféns da ortodoxia no que toca à gestão governamental. Até o fim dos anos 20, a única resposta concebível para crises econômicas – mesmo na visão do Partido Trabalhista britânico – era cortar custos de produção, ou seja, fundamentalmente, os salários. Ironicamente, num século pródigo em intelectuais marxistas, um pensador que nunca foi socialista veio salvar os social-democratas da completa capitulação. Ao colocar o consumo no centro dinâmico do sistema capitalista, Keynes retirou do salário do operário a condição de mero item de custo das empresas, cuja expansão apenas comprimiria investimentos futuros, e forneceu à social-democracia uma bandeira que poderia ser apresentada como universal: tecnicamente, a redistribuição passava, de um gesto gesto de carida caridade de a demand demandar ar sacrif sacrifíci ícios os à coleti coletivid vidade ade,, à condiç condição ão de políti política ca produtora de efeitos benéficos para o sistema como um todo – permitindo aos exsocialistas passar da política tudo-ou-nada, de soma zero, até então inevitável, para a nova ideologia do bem-estar geral (Przeworski, 1989: 51-5). Donde se explica o forte apego devotado a Keynes sobretudo pela esquerda contemporânea. Entre a Grande Depressão que se seguiu à queda da bolsa de Nova York em 1929 e a crise da “estagflação” das economias centrais nos anos 70, a hegemonia keynesiana impôs – agora com o sinal trocado – idêntica uniformização das políticas econômicas adotadas tanto por governos governos social-dem social-democrat ocratas as quanto quanto conservado conservadores: res: políticas políticas anticícli anticíclicas, cas, incen incentiv tivand andoo défici déficits ts nos períod períodos os de depres depressão são a serem serem (teori (teoricam cament ente) e) saldad saldados os durante as expansões subseqüentes, com forte disposição à montagem de uma rede de proteç proteção ão ao cidadã cidadãoo contra contra as viciss vicissitu itudes des da econom economia ia de mercad mercado, o, passar passaram am a integrar a ortodoxia econômica à disposição de qualquer governo. Novamente, nos anos que correm, após o aparecimento das dificuldades fiscais em que se enredou o estado estado de bem-es bem-estar tar,, e sobret sobretudo udo dada dada a elevad elevadaa inter interdep depen endên dência cia das políti políticas cas econômicas nacionais produzida pela enorme mobilidade internacional de que hoje desfruta o capital, vivemos novamente sob uma atmosfera antiintervencionista – e, mesmo mesmo sem querer querer minim minimiza izarr os poten potencia ciais is proble problemas mas que daí poderã poderãoo decorr decorrer, er, duvido que eventuais governos nacionais de esquerda possam evitar responsavelmente a disciplina fiscal e monetária e a relativa abertura da economia impostas pelo novo cenário.44 44
Para uma argumentação competente a respeito dos mecanismos pelos quais o presente contexto internacional “globalizado” impõe maior disciplina fiscal aos governos nacionais, pode-se recorrer a Juliana Valladares (2000).
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Portanto, em contextos de competição eleitoral institucionalizada, onde estão excluídas
(ou pelo menos tornadas bastante improváveis) eventuais tentativas unilaterais de transf transform ormaçã açãoo viole violenta nta das instit instituiç uições ões vigen vigentes tes,, a difere diferença nça substa substanti ntiva va entre entre a esquerda e a direita parece residir menos na política econômica efetivamente adotada que no grau de adesão a certo universalismo humanista. Talvez isto tenha se tornado particularmente visível em anos recentes, se observarmos o caso dos governos europeus contemporâneos: a alternância eleitoral tem produzido mudanças muito mais claras na política para estrangeiros que na política econômica; nos anos 80, Margaret Thatcher reci recita tava va a cart cartil ilha ha libe libera rall para para assu assunt ntos os domé domést stic icos os,, mas mas defe defend ndia ia post postur uraa “compreensiva” e pragmática em relação ao apartheid sul-africano. Na sua definição da esquerda, Bresser Pereira (1996: 155-6) destaca a sua “crença otimista na idéia de progresso”, corroborando a visão aqui esboçada: a esquerda democrática é a facção política que adere ao humanismo iluminista, de vocação universalista, que acredita – talvez ingenuamente, dirão os críticos – num inexorável “progresso” da humanidade, e assim vê a mudança como um bem em si mesmo. A direita, normalmente identificada com uma atitude conservadora, ocasionalmente se dispõe a “mudar para conservar”, mas vê a mudança genuína não apenas com má vontade, mas sobretudo de maneira temero temerosa. sa. A mudanç mudançaa para para ela é princi principal palme mente nte risco, risco, pois pois a direit direitaa refle reflete te um particularismo que está presente na própria definição da atitude conservadora: o apego afetivo ao que já é existente, ao que é “dado”, àquilo a que nos afeiçoamos, aos usos e costumes, aos nossos hábitos. hábitos.45 Naturalmente a autoridade do sistema político está indissoluvelmente indissoluvelmente ligada ao atendimento equilibrado dos dois extremos: da atenção aos costumes da população, mas também aos seus sonhos; do ímpeto em corrigir seus problemas, mas igualmente respeitar seus valores – que, em última análise, presidem a própria identificação dos problemas como tais. De maneira análoga à experiência de outros lugares, na América Latina direita e esquerda adotaram – quando a competição se restringiu aos marcos eleitorais – estratégia de desenvolvimento comum entre 1930 e 1960. Segundo Bresser Pereira (1996: 154), a direita a teria adotado a contragosto, já que “de 1930 a 1960, a estratégia de desenvolvimento da esquerda moderada predominou em todo o mundo, mesmo quando coalizões políticas de esquerda não estavam no governo”. Embora seja claro que a atribuição da paternidade do desenvolvimentismo à esquerda – pela transposição direta para o cenário latino-americano da relação existente na Europa entre socialdemocracia e keynesianismo – envolva uma simplificação um tanto excessiva, pode-se reconhecer que setores significativos da esquerda brasileira deram, ocasionalmente, 45
Tratei, em Bruno Reis (1994: 62-71), do lugar do “hábito” na filosofia de Hume, e sua influência sobre a crítica de Edmund Burke à Revolução Francesa e, conseqüentemente, sobre toda a tradição conservadora posterior. Para uma exposição simpática do conteúdo geral do conservadorismo, ver Michael Oakeshott (1991).
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apoio à doutrina desenvolvimentista, nos termos acima descritos por Maria Hermínia
Tavares de Almeida – e hoje se aferram fortemente à sua defesa. E é relevante reconhecer que essa estratégia não promoveu uma distribuição mais eqüitativa da renda nacional. Pelo contrário, a estratégia de substituição de importações se mostrou intrinsecamente concentradora – dado seu caráter altamente capital-intensivo – e foi apropr apropriad iadaa tranqü tranqüila ilamen mente te pelo pelo exclud excluden ente te regime regime milita militarr implan implantad tadoo em 1964 1964 (Pereira, 1996: 158-9). Isso não significa, é claro, dizer que a economia do país simplesmente “não deveria” ter crescido a tal velocidade e se industrializado, que isto tenha sido “um erro”. Até porque não cabe aqui a arrogância de tentar fazer julgamentos da nossa história. Mas importa observar que, segundo variadas estimativas, o Brasil foi seguramente um dos países cuja economia mais cresceu em todo o mundo entre 1880 e 1980; e que a base de que partimos em 1880 é um país esmagadoramente rural, cuja população é constituída basicamente por escravos e “agregados” de fazendas, que vivem “de favor” em terras de terceiros. O meio mais fácil (senão o único) de se produzir uma industrialização acelerada sobre uma base como esta é com injeções maciças de recursos públicos (inclu (incluind indo, o, bem mais mais tarde, tarde, os previd previdenc enciár iários ios)) em invest investime imento ntoss produt produtivo ivoss – privados ou estatais – com juros subsidiados, freqüentemente inferiores à inflação, e protegidos da competição estrangeira. Não é preciso conhecer muito profundamente a ciência econômica para intuir que semelhante estratégia produzirá concentração de renda. E mesmo que tenhamos melhorado em termos absolutos, sob alguns parâmetros mensuráveis, mesmo as condições de vida dos mais pobres (o que provavelmente é verdade),46 o fato é que as disparidades crescentes produzidas ao longo do processo não ajudaram a cicatrizar as feridas da escravidão, e – agravando sentimentos de privação relativa – prejudicaram claramente as redes de sociabilidade no interior das novas metr metróp ópol oles es (cru (cruci ciai ais, s, como como vimo vimos, s, para para as pers perspe pect ctiv ivas as de inst instit ituc ucio iona nali liza zaçã çãoo democrática).47 Seja como for, por motivos variados, atores políticos de um amplo arco ideológico deram seu aval a esta estratégia (provavelmente no afã sincero de uma “fuga para a fre frente”, te”, de torn tornaar o paí país dife iferent rente) e),, prod produz uziindo um pode oderoso roso con consens sensoo desenvolvimentista, que aceitava qualquer sacrifício pela industrialização. Pois bem, o 46
Para uma avaliação otimista desse processo, vejam-se os dados apresentados em Alberto Almeida (1998).
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Samuel Huntington (1968: 57-9) formulou sinteticamente as dificuldades políticas típicas do início do desenvolvimento econômico: “First, wealth and income are normally more unevenly distributed in poor countries than in economically developed countries. In a traditional society this inequality is accepted as part of the natural pattern of life. Social mobilization, however, increases awareness of the inequality and presumably the resentment of it. [...] Secondly, in the long run, economic development produces a more equitable distribution of income than existed in the traditional society. In the short run, however, the immediat immediatee impact impact of economic economic growth is often to exacerbat exacerbatee income income inequali inequalities. ties. [...] Economic development increases economic inequality at the same time that social mobilization decreases the legitimacy of that inequality. Both aspects of modernization combine to produce political instability.”
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sacrifício foi feito, o grosso da população pagou com a concentração da renda nacional
o ônus ônus de mant manter er empr empres esas as naci nacion onai aiss em prat pratic icam amen ente te todo todoss os elos elos da cade cadeia ia produtiva, e, ao cabo, descobrimo-nos com um estado (que nunca foi capaz de tributar adequadamente a renda gerada) em situação fiscal extremamente precária, e diante da necessidade de – por razões próprias – levar a cabo um ajuste fiscal análogo ao que hoje se opera na Europa Ocidental. Só que nós não temos um welfare state a ser financeiramente redimensionado. Temos, ao contrário, no Brasil e em toda a América Latina, estados financeiramente frágeis que convivem com elevado passivo em questões redist redistrib ributi utivas vas crucia cruciais. is. O ajuste ajuste,, portan portanto, to, tornatorna-se se um proces processo so extrem extremame amente nte delicado. Embora urgente, a reforma do estado – se não for feita com o devido senso de responsabilidade – pode expor as populações desses países a novos riscos, com graves repercussões políticas. Há aproximadamente um século ocorreu no Brasil um episódio em si mesmo pouco importante (embora lastimável), mas que talvez constitua a melhor metáfora do que viria a ser história do país no século XX. Trata-se da queima de diversos documentos relativos à escravidão por um dos mais ilustres brasileiros de seu tempo – Rui Barbosa. Temos ali o sincero e devotado liberal a querer livrar o Brasil de seu ignominioso passado. Como se bastasse fechar os olhos. Ao invés de se debruçar contrito sobre os males de seu próprio passado, compreendê-los, absorvê-los, aprender com eles, expiálos, o Brasil é o país que tenta apagá-los – “passar uma borracha”. Fugir para a frente. Torn Tornar ar-s -see outr outro. o. Ser Ser outro utro.. É clar claro, o, poré porém, m, que que a comp compu ulsão lsão de ignor gnorar ar supersticiosamente os problemas não ajuda a resolvê-los. Agrava-os. Mas temos até aqui perseverado no cacoete de dirigir como loucos pelas estradas com uma imagem de São Cristóvão pregada no painel do Fusca, e acusando de chatos agourentos os sensatos que nos falam do perigo e teimam em querer usar o cinto de segurança. A adesão da esquerda ao desenvolvimentismo não tem levado suficientemente em consid considera eração ção que o impuls impulsoo demiúr demiúrgic gicoo – inevi inevitav tavelm elmen ente te autori autoritár tário io – será, será, de maneira maneira largamen largamente te independ independente ente de suas intençõe intençõess finais, finais, muito muito provavelm provavelmente ente segregacionista no plano social e excludente no plano econômico, em virtude mesmo de seu autoritarismo (pois dificulta o estabelecimento estabelecimento de redes de cooperação indutoras do “círcu “círculo lo virtuo virtuoso so democr democráti ático” co” descri descrito to por Putnam Putnam). ). O destin destinoo da experi experiênc ência ia comuni comunista sta deste deste século século corrob corrobora ora esta esta tese. tese. Pois Pois o “socia “socialis lismo mo real” real” acabou acabou por fracassar no crucial objetivo de promover o controle dos recursos econômicos pelas classes trabalhadoras, meta final irrecusável da limitação ao direito de propriedade e da promoção estatal da igualdade social. Fez do mercado o seu anátema e com isso entregou aos setores mais conservadores da disputa política no Ocidente a bandeira da
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defesa da liberdade, à qual eles legitimamente não têm direito. 48 Ao fim, a mais
fundamental incógnita é: será possível uma ordem ao mesmo tempo não “adscritiva” (que supere a imposição de hierarquias sociais rígidas) e não competitiva (que torne nulo o risco econômico decorrente do fracasso no mercado)? Infelizmente, parece haver fortes razões em favor da resposta negativa – ao menos no que diz respeito a sociedades complexas.49 Se esta resposta está correta, então – se se trata de promover uma redução das fortes desi desigu gual alda dade dess exis existe tent ntes es no Bras Brasil il – aind aindaa temo temoss dian diante te de nós nós a tare tarefa fa de institucionalizar a competição, na busca de um equilíbrio moralmente defensável entre os dois extremos. Sob este ponto de vista, uma reforma do estado voltada para um reordenamento da economia orientado para o mercado e para a promoção de padrões minimamente equânimes de competição no interior desse mercado pode, de fato, como observou Schneider (1994: 348), induzir uma democratização ulterior da sociedade. Em um país com o perfil do Brasil, socialmente segmentado de maneira ainda semiestame estamenta ntal, l, reform reformas as orient orientada adass para para o mercad mercadoo não podem podem ser descri descritas tas como como nece necess ssaaria riamen mente excl xclude udentes. tes. O paí país nunca unca teve teve uma uma orde rdenaçã naçãoo soci social al comp compet etit itiv ivam amen ente te orga organi niza zada da,, o que que fez fez com com que que as polí políti tica cass públ públic icas as foss fossem em freqüentemente apropriadas pelos estratos superiores da renda, e que a proteção do estado acabasse por não se estender – senão muito precariamente – até os mais necessitados. Mas essa “reforma orientada para o mercado” não pode se resumir a um slogan, e deve – se for efetiva – incorporar, muito fundamentalmente, dois requisitos necessários, que no longo prazo mantêm dependência recíproca entre si: ela deve aumentar a competição na economia; e assegurar maior impessoalidade nas decisões políticas, ou autonomia institucional. Com uma mercantilização mais intensa das relações sociais, é mais previsível uma frag fragil iliz izaç ação ão econ econôm ômic icaa das das empr empres esas as de algu alguns ns seto setore ress meno menoss efic eficie ient ntes es e possivelmente da classe média, com redução do padrão de consumo desta última, do que um aprofundamento da exclusão social dos miseráveis. Assim, a discussão sobre um processo de reestruturação market-oriented da economia brasileira não se resume a uma questão de eficiência, mas deve debruçar-se sobre considerações de justiça (que – é bom que se diga – não exclui considerações de eficiência). Certamente é possível deflagrar irresponsavelmente o processo, de modo a deteriorar ainda mais o quadro social – todos sabemos que a vigência de uma economia de mercado não é condição 48
Ainda hoje somos obrigados a suportar os Haiders e Berlusconis a ostentar fraudulentamente a liberdade como divisa eleitoral – e, pior, a engolir os sucessos eleitorais desses logros.
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Como formulou Peter Wagner em comunicação oral feita no XIX Encontro Nacional da Anpocs, em 1995, toda “libertaçã “libertação” o” correspond correspondeu eu concretam concretamente ente à “privação “privação de certezas certezas”, ”, desde desde a época das primeiras revoluções. A argumentação subjacente pode ser encontrada em formato sintético em Wagner (1996), embora ali não apareça a expressão aqui referida.
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sufi sufici cien ente te da just justiç içaa soci social al.. Mas, Mas, como como apon aponto tou u Sérg Sérgio io Abra Abranc nche hess (199 (1992: 2: 120) 120),,
“[tampouco] parece existir, de fato, contradição entre os objetivos de desenvolvimento soci social alme ment ntee orie orient ntad adoo e a econ econom omia ia de merc mercad adoo plen plenam amen ente te dese desenv nvol olvi vida da”. ”. Part Partic icul ular arme ment ntee dian diante te das das nova novass circ circun unst stân ânci cias as que que se insi insinu nuam am no cená cenári rioo internacional, a intensidade de nossas relações com estranhos (e, mais ainda, com estrangeiros) traz consigo a sugestão de uma expansão ainda maior da abrangência das impessoais operações mercantis na vida das próximas gerações. E o desafio político que se impõe a nós é a constituição de aparatos governamentais que sejam capazes de atuar não exatamente para coibir esses mercados, mas para produzi-los e discipliná-los, já que desde Marx sabemos que sua dinâmica endógena pode ser autodestrutiva. Exatamente por isso, esta aceitação do protagonismo do mercado no contexto da sociedade moderna não implica, de maneira alguma, um desmantelamento ou “redução do tamanho” do estado. É necessário não esquecer que, na história dos últimos séculos, ao contrário, eles sempre cresceram juntos. Hoje, se “mais mercado” parece um slogan comp compat atív ível el com com a melh melhor oria ia da situ situaç ação ão soci social al do país país e talv talvez ez do mund mundo, o, é precisamente porque – ao requerer maior solidez institucional – requer “mais estado”, e não menos. Ou, em termos mais precisos, estados mais eficazes.
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