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Hélices:
memorial do processo composicional Jean Menezes da Rocha 02 de janeiro de 2010
1. Intr Introd oduç ução ão A peça Hélices (200 (2009) 9),, escr escrit ita a para para flau flauta ta,, clar clarin inet ete e em si bemo bemol, l, viol violino ino e Seminário rios s em viol violon once celo, lo, foi foi comp compos osta ta como como ativ ativid idad ade e curr curric icul ular ar da disc discip iplin lina a Seminá Composição II , dentro do Mestrado em Composição (PPGMUS – UFBA), sob orientação
do Prof. Dr. Paulo Costa Lima. A ideia central desta atividade composicional era aproveitar os diversos conceitos aprendidos ao longo das discussões sobre os ciclos e suas relações com o fazer musical. Dest Deste e modo modo,, a abor aborda dage gem m aqui aqui adot adotad ada a se dest destin inar ará á a iden identi tifi fica carr e desc descre reve verr as ocorrências de elementos cíclicos dentro do processo composicional.
2. Consid Consider eraçõ ações es gera gerais is Hélices é uma uma peça peça divi dividi dida da em três três seçõ seções es.. Em cada cada uma uma delas delas,, pode pode-s -se e
perceber o uso de polif lifonias a três vozes, que
logo assumem função de
acompanhamento; isto se dá quando uma quarta voz aparece e se posiciona em relativo destaque, apresentando apresentando características próximas às de um cantabile. A mudança de uma seção para outra pode ser deduzida a partir da mudança de fórmula de compasso: a primeira e a terceira seções desenvolvem-se em 5/8, e são separadas pela segunda, em 6/8. Além da mudança de fórmula de compasso, também pode-se perceber a redução no andamento da segunda seção: da colcheia em 240bpm, passamos à colcheia em 208bpm.
3. Do processo processo e seus seus elemen elementos tos cíclic cíclicos os Para compor esta peça, procurei estabelecer os procedimentos antes de formular os materiais básicos. Tive como ponto de partida ideias de recursividade e reiteração. Assim, a minha tarefa era a seguinte: elaborar uma maneira de manipular materiais com procedimentos reutilizáveis em divers diversos os níveis níveis estrut estrutura urais, is, tornan tornando do estes estes mater materiais iais recicláveis no decorrer da peça. diagrama ma de operaç operações ões,, rotaçõ rotações es e A soluç solução ão que encont encontrei rei result resultou ou em um diagra recursões (ver apêndice 1). Este diagrama consiste basicamente de uma representação
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gráfica das possibilidades de manipulação de materiais (neste caso, pequenos fragmentos motívicos que serão mostrados mais adiante). Uma série de doze matrizes quadradas de cinco células é desenhada. Nas células externas da primeira matriz, são inscritos cinco pontos separados de tal maneira a representar os vértices de um pentágono. Nas células internas, um “triângulo” menor é representado, mas por cruzes em vez de pontos. Nas matrizes subsequentes, os pontos do “pentágono” externo são deslocados no sentido horário, uma célula a cada matriz. Os vértices do “triângulo” interno, por sua vez, deslocam-se no sentido anti-horário. Este movimento é repetido até que se volte à posição original dos pontos, e dá a impressão de “hélices” concêntricas, cujas pás giram em torno de um eixo comum (a célula central da matriz). Uma vez estruturado este sistema de matrizes e vértices, tratei de formular associações para levar o processo adiante. Assim, estabeleci um número de três seções. Para cada uma delas, criei seis fragmentos motívicos de dois compassos cada (nomeados F1, F2, F3, F4, F5 e F6) e mais seis fragmentos semelhantes, mas com a função destacada de “voz solista” (nomeados S1, S2, S3, S4, S5, S6). Estes fragmentos são mostrados nas figuras abaixo:
fig. 1: fragmentos motívicos da primeira seção
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fig. 2: fragmentos motívicos da segunda seção
fig. 3: fragmentos motívicos da terceira seção
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Com os fragmentos em mãos, decidi formular uma espécie de “gabarito” (matrizes azuis no apêndice 1). Novamente são desenhadas as matrizes quadradas, mas desta vez o conteúdo das matrizes externas consiste da sequência dos fragmentos F1→F6 (ou S1→S6). Nas matrizes internas, são representadas diferentes operações: multiplicação por 5 (m5), inversão transposta uma segunda maior acima (i2), retrogradação transposta uma terça menor acima (r3), transposição uma terça maior acima (t3), uso do fragmento original (o), ou uso de dois compassos em branco (x). A matriz inicial sofre o mesmo processo de rotação progressiva aplicado anteriormente às outras matrizes, e cada um desses “gabaritos” é atribuído a um instrumento, a cada seção da peça, resultando no uso de três gabaritos por cada instrumento. Os gabaritos descritos acima são utilizados da seguinte maneira, por exemplo: tomemos a primeira matriz cinza do apêndice 1. O primeiro círculo, ao lado da seta que aponta para a direita, tem como ponto mais próximo, nas células interiores, o “x” posicionado logo abaixo, ao lado da seta para a esquerda (as seta indicam a direção da rotação da “hélice”, apenas para fins de informação). Assim, tendo descoberto a relação de maior proximidade, buscamos no gabarito as células correspondentes: “F3” para a célula externa, “x” para a interna. Ou seja, a informação que é passada à partitura resulta em dois compassos de pausa. O mesmo procedimento repete-se com o próximo vértice externo, no sentido da seta. Procuramos o “x” mais próximo, e então buscamos as células correspondentes no gabarito. O que resulta é “F3”, em sua forma retrógrada e com as alturas transpostas uma terça menor acima. Sucessivamente, fazemos a associação entre pontos mais próximos, interpretamos o gabarito e passamos as notas à partitura, até completarmos todo o ciclo de matrizes e passarmos à próxima seção, onde o processo repete-se desde o início. A esta altura, é importante fazer uma distinção: as vozes da polifonia de “acompanhamento” utilizam apenas as matrizes cinzas. Vozes “solistas” utilizam as matrizes coloridas (verde-amarelo-azul) internas, sendo que cada matriz é usada duas vezes neste caso: uma associando “o” e “x” e outra associando “-” e “+”. Deste modo, o processo torna-se um ato de associar pontos, interpretá-los, aplicar as operações e transcrever o resultado linearmente à partitura. A cada seção, o ciclo de operações reinicia, sucessivamente rotacionado. A música resultante deste processo oferecia riscos, principalmente o de deixar transparecer a mecânica excessivamente repetida das operações. Também poderia haver problemas de colisões e entrecruzamentos indesejados entre as vozes, uma vez que os fragmentos eram compartilhados entre todos os instrumentos. Assim, tratei de tomar
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algumas precauções, que embora não fossem relacionadas aos ciclos, ajudaram a resolver eventuais problemas técnicos que pudessem ocorrer. Por exemplo: as nuances de dinâmica não foram regidas pelo diagrama, e sim decididas de maneira intuitiva, de modo a estabelecer o caráter certo para cada passagem. Também utilizei alguns fragmentos transpostos uma oitava abaixo (ou acima), a fim de respeitar algumas especificidades de cada instrumento. Quanto às vozes solistas, havia o fato de que a sequência de fragmentos resultava menos extensa do que as de acompanhamento. Assim, tratei de posicionar as vozes solistas em trechos equidistantes ao início e fim de cada seção.
4. Considerações finais Hélices é uma peça onde não tive ambição de deixar explícita a característica
cíclica da utilização dos materiais. Na verdade, procurei dar mais ênfase à questão do movimento regular, da força motriz embutida por trás da imagem da hélice. Por outro lado, não evitei de modo algum a inexorável consequência da recursividade nos procedimentos e do universo motívico reduzido. A impressão de que já se passou por determinado ponto, o reconhecimento, a familiaridade, estava presente ao reciclar dos gestos musicais. E é justamente este o ponto: o que “denuncia” a reiteração de operações, os elementos que clamam pelo próprio nome, é a similaridade dos gestos ; é a familiaridade compensando a intrincação rítmica e o movimento regular que poderiam emplastrar qualquer intenção expressiva mais profunda. Talvez tenha faltado um pouco de reflexão (ou de tempo hábil) para que eu pudesse explorar com mais efeito as possibilidades específicas de cada instrumento. Ainda que precauções tenham sido tomadas precauções em nível estético, um planejamento rigoroso pode ironizar a clareza de um gráfico, obscurecendo o resultado musical, distanciando-se de intenções e ambições poéticas por um bem “duvidoso”, pelo bem de um capricho metodológico. Deste modo, ainda considero em aberto o meu exercício individual de ampliar o raio de ação de procedimentos cíclicos, fazendo um bom planejamento sem no entanto prejudicar a liberdade de criação. Uma ferramenta como o diagrama que apresentei neste relato pode ser um bom auxiliar à obtenção de material sonoro, mas ainda é apenas uma ferramenta. Cabe ao compositor tomar a liberdade de extrapolar seu próprio
planejamento, abrir espaço para elementos externos à sua “obsessão momentânea” (o ciclo, neste caso). Tais elementos podem somar grandes progressos rumo aos resultados desejados, cobrindo uma gama consideravelmente maior de possibilidades.
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Apêndice 1: Diagrama de operações, rotações e recursões