Luiz Carlos Osorio adolescente hoje 2 Edição N14 PORTO ALEGRE / J da Editora Artes M Sul Ltda.. 1959 Capa: M Rohnclt SupLr chtori Pau o ( o Lc du r Digi:itaç;i . a rtc c A( E — Assessoria O r ica e Editorial 1 ida Impressão e acabamento Editora Gráfica Metrópole S.A. Reservados todos os direitos de puhltcaç a EDITORA ARTES MEDICAS SUL LTDA. Av. Jerônimo dc Ornelas. h70
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Sumário - Introdução: As razões deste livro . - O que é a adolescência, afinal’ - A crise adolescente e a questão da identidade - O adolescente, a família e a sociedade - Os grandes dilemas do adolescente contemporâneo O dilema existencial O dilema vocacional O dilema sexual Drogadicção: O dilema tóxico - Conflito de gerações e os ritos de iniciação - O adolescente “problema” Adolescência normal e patológica Conduta e psicopatologia do adolescente O adolescente “problema”: como abordá-lo 8 - Em busca da adolescência perdida: o mito fáustico 9 - O adolescente do ano 2.000: uma visão prospectiva Apêndice: Conversando com adolescentes, ado lescentes, pais e professores (perguntas e respostas) Epílogo Bibliografia 2 3 4 5 6 7 7 10 14 27 34 34 38 41 43 46
Sumário - Introdução: As razões deste livro . - O que é a adolescência, afinal’ - A crise adolescente e a questão da identidade - O adolescente, a família e a sociedade - Os grandes dilemas do adolescente contemporâneo O dilema existencial O dilema vocacional O dilema sexual Drogadicção: O dilema tóxico - Conflito de gerações e os ritos de iniciação - O adolescente “problema” Adolescência normal e patológica Conduta e psicopatologia do adolescente O adolescente “problema”: como abordá-lo 8 - Em busca da adolescência perdida: o mito fáustico 9 - O adolescente do ano 2.000: uma visão prospectiva Apêndice: Conversando com adolescentes, ado lescentes, pais e professores (perguntas e respostas) Epílogo Bibliografia 2 3 4 5 6 7 7 10 14 27 34 34 38 41 43 46
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Introdução: as razões deste livro 1 É verdadeiramente um grande prazer interrogar as próprias coisas em lugar de ler a bibliografia já existente “(da carta de FREUD a PFISTER, em 12/julho/1909) Quais as motivações para se escrever uni livro? Bem diferentes hão de ser certamente as de um autor de livros técnicos e as de um escritor de obras ficcionais, ainda que em sua essência todas se originem de uma mesma fonte, qual seja, o narcisismo humano, e todas desagüem num mesmo estuário: deixar algo que nos sobreviva ou, ao menos, fazer algo que nos torne “notáveis” (no sentido de “tornar-se notados”) a nossos contemporâneos. Da pretensão de alcançar o primeiro destes objetivos os autores de livros técnicos teriam que dissuadir-se, já que a atual progressão geométrica dos avanços tecnológicos torna rapidamente obsolescentes nossos conhecimentos; e da notabilidade precisaria abrir mão quem se propõe a escrever um livro que, como constatarão, renega até mesmo seu remoto paren tesco com uma obra técnica. Portanto, para que possam entendê-lo, necessito aludir a outras motivações, bem como a algumas vicissitudes de sua elaboração. Há sete anos atrás, ao concluir um pequeno compêndio sobre as aborda gens psicoterápicas do adolescente, dispus-me a dar-lhe seqüência num opús culo destinado ao “público leigo” e onde pudesse expor algumas idéias emer gentes durante a elaboração do então recém publicado livrinho. Destinar-se-ia basicamente a pais e a seus filhos adolescentes, com a intenção de ajudá-los na compreensão mútua. Cheguei mesmo a iniciá-lo, sob o título que ora encima um dos capítulos deste livro: “Em busca da adolescência perdida”. Interrompi-o prematuramente, à raiz de dois sentimentos predominantes: a impressão de que resultaria num injustificável vade-mecum e a certeza de Adolescente Hofe / 7 que pouco ou nada acrescentaria ao já conhecido sobre a matéria. Embora estes dois sentimentos ainda persistam mesmo agora que estou a concluí-lo, este livro passou a ser uma espécie de fantasma que precisava exorcizar antes de poder levar a cabo novos projetos. Sempre que me dispunha a iniciar um artigo de mais fôlego sobre outra matéria ou um livro sobre diferente área de interesse de meu cotidiano profissional, a temática da adolescência se interpunha entre a vontade e a tarefa, como a exigir o cumprimento de uma antiga dívida não resgatada. Aqui estou, pois, para me livrar do compromisso auto-imposto, sentin do-me tal qual Jacó após os sete anos adicionais de pastoreio pela mão de Raquel, livre, enfim, para realizar as bodas sonhadas. “Não há tolice que se diga agora Que não tenha sido dita por Um sábio grego de outrora”.
Esta máxima em versos do nosso anjo Malaquias tem me servido, ao longo dos anos, de oportuno lenitivo contra a dorida falta de originalidade constatada a cada novo ímpeto de pretensa criatividade. O que os leitores encontrarão nas páginas que seguem só vem confirmar esta assertiva. Os conceitos nelas emitidos, em sua imensa maioria, provêm de autores com quem ou com cuja obra convivi nestas duas décadas em que tenho procurado “ouvir e entender adolescentes”. Tais conceitos, convalidados na prática de todos nós que trabalhamos com adolescentes, foram de tal forma se incorpo rando à minha identidade profissional que já não consigo, muitas vezes, deter minar sua origem ou autoria. Não obstante, como é mister “dar o seu a cujo é” — como diria um dos eméritos tribunos de nossa república — ao final do livro fiz uma listagem de leituras de sustentação para fazer justiça à procedência das idéias aqui expostas, de tal sorte que não me seja equivoca- mente imputado o crime de apropriação indébita do pensamento alheio. Há um motivo adicional para tal procedimento: não sendo esta, como já se afir mou, uma obra técnica, resultaria tediosa sua leitura com a intercalação de citações bibliográficas. Assim, me limitarei a mencionar no texto a autoria de conceitos de obrigatória referência por sua originalidade ou relevância. Mas afinal — estarão a me indagar, a esta altura, os leitores — qual o propósito desta obra se tudo indica não ser ela senão um confessado plágio de idéias alheias? Pois eu lhes diria, então, que o autor não está acome tido da tanta humildade ou falsa modéstia que não possa reconhecer a si mesmo (já que outros talvez não o venham a fazer!) o mérito de haver enrique cido tais idéias com o aporte das suas e, sobretudo, do que apreendeu, mais do que nos livros ou convivência com colegas, nas suas vivências com adoles centes destas e de outras plagas, seus respectivos ambientes sócio-familiares e o contexto cultural deste átimo da história universal em que nos tocou a todos viver. 8 / Linz Carks Osorio E sem mais explicações ou justificativas, que, quando demasiadas, se tornam enfadonhas, deixo-os entregues agora à avaliação pessoal dos objetivos deste livro. Dá-los-ei por alcançados se puderem concluir, com algum proveito e prazer, sua leitura. Adolescente Hoje / 9
O que é a adolescência, afinal? 2 A adolescência é uma etapa evolutiva peculiar ao ser humano. Nela culmina todo o processo maturativo biopsicossocial do indivíduo. Por isto, não podemos compreender a adolescência estudando separadamente os aspec tos biológicos, psicológicos, sociais ou culturais. Eles são indissociáveis e é justamente o conjunto de suas características que confere unidade ao fenômeno da adolescência. Até há algum tempo atrás, a adolescência era considerada meramente uma etapa de transição entre a infância e a idade adulta. Sua caracterização era feita a partir dos comemorativos biológicos que marcavam esse momento evolutivo do ser humano. O adolescente, se do sexo masculino, era descrito como um indivíduo desengonçado, que estava mudando de voz e deixando entrever o buço em meio a uma constelação de espinhas; se do sexo feminino, uma criatura igualmente desproporcionada, o torso arqueado para esconder o desabrochar dos seios e as faces ruborizadas ao menor galanteio, como ordenava o pudor e a boa moral caseira. A puberdade ou adolescência era, pois, assinalada por modificações físi cas, especialmente os denominados caracteres sexuais secundários (surgimento dos pêlos. mudança de voz, crescimento das glândulas mamárias, etc...) e, quando muito, pela menção a certas incômodas “mudanças de temperamento”. Nas últimas décadas, contudo, a adolescência vem sendo considerada o momento crucial do desenvolvimento do indivíduo, aquele que marca não só a aquisição da imagem corporal definitiva como também a estruturação final da personalidade. E uma idade não só com características biológicas próprias, mas com uma psicologia e até mesmo uma sociologia peculiar. Não é sem razão que se afirma que todas as grandes mudanças culturais da história da humanidade ocorrem no limiar entre a adolescência e a idade adulta! O adolescente não pode ser estudado apenas sob a ótica de suas modifi cações corporais, pois se é verdade que nelas se radicam as angústias básicas da puberdade, não é menos certo, contudo, que sem o adequado entendimento da “crise de valores” por que passa o jovem jamais lograremos compreender o real significado da transformação da “criança” em “adulto”. PUBERDADE E ADOLESCÊNCIA Embora alguns considerem a PUBERDADE (do lat. pubertate — sinal depêlos, barba, penugem) como uma primeira fase ou momento da ADOLES CENCIA (do lat. adolescerecrescer), a tendência universal é reservar o termo PUBERDADE para as modificações biológicas dessa faixa etária e ADOLESCENCIA para as transformações psicossociais que as acompanham. Como dissemos anteriormente, o fenômeno da PUBERDADE-ADOLES CENCIA não pode ser estudado dissociadamente e apenas fazemos menção aqui à distinção dos termos com fins de maior clareza expositiva. A PUBERDADE, como a própria etimologia do termo sugere, inicia-se com o crescimento dos pêlos, particularmente em certas regiões do corpo, tais como as axilas e região pubiana, tanto nos meninos como nas meninas, como resultado da ação hormonal que desencadeia o
processo puberal; estas e outras modificações corporais que então ocorrem dão-se principalmente a partir do desenvolvimento das gônadas, ou seja, dos testículos nos meninos e dos ovários nas meninas. E esse amadurecimento das células germinativas masculinas e femininas que possibilita o surgimento de dois eventos que corro boram ao advento da PUBERDADE: a menarca ou primeira menstruação, na menina, e a primeira ejaculação ou emissão de esperma no menimo, indícios exteriores da capacitação biológica para as funções de procriação. Isto dar-se-ia por volta dos 12 aos 15 anos, em termos médios. Nem sempre o início da ADOLESCENCIA coincide com o da PUBER DADE; tanto pode precedê-la como sucedê-la. E se o advento da PUBER DADE tem a assinalá-lo evidências físicas bem definidas, o mesmo não ocorre com a ADOLESCENCIA. O fenômeno da PUBERDADE é universal e seu início cronológico, em condições de normalidade física, coincide em todos os povos e latitudes (com raríssimas exceções, como o caso dos pigmeus. púberes já por volta dos oito anos de idade, mas cuja expectativa de vida também é menor do que no restante da espécie humana). A ADOLESCENCIA. por seu turno. embora um fenômeno igualmente universal, tem características bastante pecu liares conforme o ambiente sócio-cultural do indivíduo. Portanto, determinar seu início é tarefa singularmente complexa e que não pode apoiar-se apenas em certa constância dos elementos psicológicos, todos eles, contudo. apon 10 / Luiz carlos Osono Adolescente Hoje / 11 tando na direção de um objetivo axial, que é o estabelecimento da identidade pessoal, tema do qual nos ocuparemos mais adiante. Já não se aceita atualmente o vezo simplista de tomar o despertar da sexualidade como identificatório do desabrochar da ADOLESCENCIA, uma vez que FREUD demonstrou que a sexualidade não surge ex-abrupto nesse momento da vida; nem, tampouco, se poderia adotar a indevida generalização que atribui ao surgimento do interesse pelo sexo oposto o elemento nuclear do processo adolescente. Como já foi acentuado, a ADOLESCENCIA é um complexo psicossocial, assentado em uma base biológica, cuja caracterização pode ser sumariada nos seguintes itens, que serão objeto de estudo mais detalhado posteriormente: 1) redefinição da imagem corporal, consubstanciada na perda do corpo infantil e da conseqüente aquisição do corpo adulto (em particular, dos carac teres sexuais secundários); 2) culminação do processo de separação/individuação e substituição do vínculo de dependência simbiótica com os pais da infância por relações objetais de autonomia plena; 3) elaboração de lutos referentes à perda da condição infantil; 4) estabelecimento de uma escala de valores ou código de ética próprio; 5) busca de pautas de identificação no grupo de iguais; 6) estabelecimento de um padrão de luta/fuga no relacionamento com a geração precedente; 7) aceitação tácita dos ritos de iniciação como condição de ingresso ao status adulto;
8) assunção de funções ou papéis sexuais auto-outorgados, ou seja, con soante inclinações pessoais independentemente das expectativas familiares e eventualmente (homossexuais) até mesmo das imposições biológicas do gênero a que pertence. Quanto ao término da PUBERDADE e da ADOLESCENCIA, podería mos dizer o seguinte: A PUBERDADE estaria concluída, e com ela o crescimento físico e o amadurecimento gonodal (que permite a plena execução das funções repro dutivas), em torno dos 18 anos, coincidindo com a soldadura das cartilagens de conjugação das epífises dos ossos longos, o que determina o fim do cresci mento esquelético. O término da ADOLESCENCIA, a exemplo de seu início, é bem mais difícil de determinar e novamente obedece a uma série de fatores de natureza sócio-cultural. Tentando discriminar quais os elementos mais universais na atualidade que nos possibilitariam assinalar o término da ADOLESCENCIA, relacionamos o preenchimento das seguintes condições: 1) Estabelecimento de uma identidade sexual e possibilidade de estabe lecer relações afetivas estáveis. 2) Capacidade de assumir compromissos profissionais e manter-se (“inde pendência econômica”). 3) Aquisição de um sistema de valores pessoais (“moral própria”). 4) Relação de reciprocidade com a geração precedente (sobretudo com os pais). Em termos etários, isto ocorreria por volta dos 25 anos na classe média brasileira, com variações para mais ou para menos consoante as condições sócio-econômicas da família de origem do adolescente. ADOLESCÊNCIA HOJE Por que a adolescência passou a ocupar, em nossos dias, o centro do interesse especulativo e das preocupações dos profissionais da área das ciências humanas? O interesse universal pelo estudo da adolescência atualmente advém de duas circunstâncias principais: 1 - A explosão demográfica de pós-guerra, que trouxe como imediata conseqüência o significativo crescimento percentual da população jovem mun dial. Basta que se lembre que nos últimos 25 anos a população do Brasil duplicou para que se perceba quão significativo é o contingente de jovens em nosso país. Estima-se que hoje cerca de 1/4 da população brasileira é constituída de adolescentes. 2 - A ampliação da faixa etária com as características da adolescência. Assim, se antes a adolescência era tida meramente como aquela etapa de transição entre a infância e a idade adulta que coincidia com os limites bioló gicos da puberdade, atualmente a adolescência é definida por elementos que, embora balisados pelas características psicológicas do momento evolutivo em questão, são marcadamente influenciados pelas contingências sócio-culturais circunstantes.
Assim, o estudo da adolescência hoje extrapola o interesse cognitivo sobre uma etapa evolutiva do ser humano para, através dele, procurar entender todo um processo de aquisições e motivações da sociedade em que vivemos. 12 / Luiz Carlos Osor:o Adolescente Hoje / 13
A crise adolescente e a questão da identidade No capítulo anterior procuramos conceituar operativamente a ADOLES CENCIA e justificar o interesse contemporâneo por seu estudo. Vamos agora seguir um pouco adiante na elucidação de alguns mecanismos psicossociais que identificam o perfil básico de um adolescente. Antes, contudo, assim como fizemos com a expressão ADOLESCENCIA, é preciso delinearmos melhor o significado dos termos a que nos referiremos a seguir, CRISE E IDENTIDADE, ambos contendo certo caráter ambíguo, contraditório ou polêmico, gerando por vezes sentidos equívocos. A expressão CRISE (do gr. krisis - ato ou faculdade de distinguir, escolher, decidir e/ou resolver), como lembra ERIKSON, já não padece em nossos dias do significado de catástrofe iminente que em certo momento pareceu constituir um obstáculo à compreensão do termo. Atualmente aceita-se que a CRISE designa um ponto conjuntural necessário ao desenvolvimento, tanto dos indivíduos como de suas instituições. As crises ensejam o acúmulo de experiência e uma melhor definição de objetivos. A adolescência é uma crise vital como o são tantas outras ao longo da evolução do indivíduo (o desmame, o início da socialização ao término da primeira infância, o climatério, etc..). Para melhor definir o sentido não patológico do termo, ERIKSON chamou a adolescência de crise normativa, isto é, momento evolutivo assinalado por um processo normativo, de organi zação ou estruturação do indivíduo. E por IDENTIDADE, o que entendemos? IDENTIDADE é, resumidamente, a consciência que o indivíduo tem de si mesmo como um “ser no mundo”. Esclarecendo melhor, a identidade é o conhecimento por parte de cada indivíduo da condição de ser uma unidade pessoal ou entidade separada e distinta dos outros, permitindo-lhe reconhecer-se o mesmo a cada instante de sua evolução ontológica e correspondendo, no plano social, à resultante de todas as identificações prévias feitas até o momento considerado. O conceito operativo de identidade está formulado a partir das noções dos vínculos de integração espacial, temporal e social do sentimento de identidade, introdu zidos na literatura por GRINBERG. O vínculo de integração espacial está relacionado com a imagem corporal, ou seja, a representação que o indivíduo tem de seu próprio corpo com características que o tornam único. O vínculo de integração temporal corresponderia à capacidade do indiví duo de recordar-se no passado e imaginar-se no futuro, ou seja, é a base do “sentimento da mesmidade”, que é a capacidade de seguir sentindo-se o mesmo ao longo da vida, apesar do influxo das mudanças que ocorram interna ou externamente. O vínculo da integração social diz respeito às inter-relações pessoais inicial- mente com as figuras parentais e posteriormente com todas as figuras de relevância afetiva para o indivíduo no decurso de sua existência. Poderíamos ainda acrescentar que o sentimento de identidade é função de um equilíbrio dinâmico entre os três vértices do triângulo abaixo:
O que eu penso que sou O que eu penso que os outros pensam que sou Do ponto de vista psicológico considera-se que a tarefa básica da adoles cência é a aquisição desse sentimento de identidade pessoal. Por isso, diz-se que a crise evolutiva do processo adolescente é sobretudo uma crise de iden tidade. O ADOLESCENTE E SEU CORPO: A IDENTIDADE SEXUAL Pari passu com as modificações biológicas que caracterizam o processo puberal, o adolescente experimenta toda uma série de eventos psicológicos que culminam naquilo que denominamos a aquisição de sua identidade sexual, ou seja, das características mentais do sexo que lhe corresponde e que nem sempre é aquele ao qual pertence (homossexuais). 3 O que os outros pensam que sou 14 / Luiz C rios Osorio Adolescente [ / 15 A sexualidade é, sobretudo, um elemento estruturador da identidade do adolescente. E essa função estruturante é, em grande parte, realizada através da representação mental que o adolescente tem de seu corpo, ou sej a, através de sua imagem corporal. A imagem corporal é uma representação condensada das experiências passadas e presentes, reais ou fantasiadas, do corpo do indivíduo. Ela involucra aspectos conscientes e inconscientes. A estrutura da imagem corporal é determinada por: a) percepção subjetiva da aparência e habilidade à função; b) fatores psicológicos internalizados; c) fatores sociológicos (a imagem corporal é também função dos papéis que ao corpo são atribuídos pela cultura prevalente num momento dado). A medida que o corpo vai se transformando e adquirindo os contornos definitivos do adulto, o adolescente vai gradualmente plasmando a imagem corporal definitiva de seu sexo. Como na sua mente há uma espécie de “protó tipo idealizado” dessa imagem corporal (formado a partir dos valores estéticos com respeito a forma humana que lhe são transmitidos), via de regra ocorre um conflito entre a imagem “fantasiada” desse modelo idealizado e a imagem “real” do seu corpo em transformação. Essa é a raiz das ansiedades do adoles cente com respeito a seus atributos físicos e a desejada capacidade de atrair o sexo oposto, isto é, a vertente somática de seus conflitos na esfera sexual. E reconhecida a insatisfação dos adolescentes com sua aparência física. A percepção das constantes mudanças ocorridas no corpo é a responsável pela freqüência com que ocorrem os sentimentos de estranheza do próprio “self”na adolescência. As ansiedades peculiares à adolescência têm seu fulcro na preocupação do púbere com seu desenvolvimento físico, especialmente no que diz respeito aos caracteres sexuais
secundários. E comum encontrarmos distorções da ima gem corporal expressas em idéias sobre o tamanho do pênis ou das mamas. As vestes, concebidas como extensões ou prolongamentos do próprio corpo, adquirem então uma importância toda peculiar. “Já que não posso alterar meu corpo, com o qual estou descontente, modifico minhas roupa”, diz um adolescente. Para melhor entender-se as vicissitudes da aquisição do sentimento de identidade durante a adolescência vamos nos valer aqui de um marco referen cial teórico, que se apóia na idéia da universalidade da origem simbiótica da condição humana e na concepção de um processo de separação/indivi dualização que começa logo após o nascimento e se estende por todo o desen volvimento ulterior do indivíduo. O processo puberal, deflagrado pelas transformações biológicas que mar cam a passagem da infância para a idade adulta, caracterizar-se-ia, no plano psicológico, por uma reedição da diferenciação “eu - não eu” que identifica os primórdios da individuação ao longo da primeira infância. MAI-ILER postula a existência de um estado indeferenciado inicial a partir do qual o indivíduo terá que, gradativa e inexoravelmente, ir se diferen ciando para adquirir sua identidade pessoal. A separação consistiria na saída da criança da fusão simbiótica com a mãe e a individuação, desenvolvimento que a complementa, nas aquisições das características pessoais que configuram a identidade do indivíduo. Assim como o processo de discriminação “eu - não eu” não se faz ex-a brupto e segue o princípio epigenético das aquisições graduais e sucessivas sem que a rapidez do desenvolvimento possa alterar essa sucessão, tal diferen ciação nunca se completa inteiramente e certo grau de simbiotização se mantém indefinidamente. Durante o processo puberal, no entanto, acionado pela dife renciação somática que então ocorre, há uma retomada do processo discrimi natório eu - não eu. Em razão das ansiedades mobilizadas pela ameaça da perda do vínculo simbiótico residual da infância, o adolescente tenta restaurar a situação original com a adesão a substitutos aleatórios dos primitivos objetos parentais. Isto explicaria, por exemplo, as identificações maciças dos jovens com seus ídolos, o caráter possessivo de suas relações de amizade ou ainda a supervalorização do objeto amado quando se apaixonam. Nos estados de enamoramento, peculiares à adolescência, com exagerada idealização do objeto amado, haveria não somente um investimento libidinal maciço no objeto tomado como ideal amoroso mas, sobretudo, um desejo de recuperar um estado de “fusão com o outro” frente à ameaça de separação e perda “definitiva” do vínculo simbiótico inicial, ameaça essa acarretada pela intensificação dos mecanismos de diferenciação que então ocorrem. Em contraposição a essa tendência simbiotizante ou de manutenção do estada original de fusão ou indiferenciação com a matriz familiar, há um impulso à diferenciação e individuação gradativas, visando à aquisição e ao estabelecimento da identidade pessoal. Como expressão desse impulso à dife renciação, temos todo espectro comportamental adolescente inserido no con texto do que se convencionou denominar “conflito de gerações”. Como pelas identificações prévias é justamente com os pais que a mente juvenil está mais “fundida”, torna-se imperioso acentuar o confronto de idéias a nível familiar para
que se facilite o processo discriminatório sem o qual a identidade permanece num estado caótico ou indiferenciado. Ao se contrapor freqüentemente aos desejos e expectativas de seus pais, o adolescente nem sempre estará, como se poderia supor a uma observação mais superficial, expressando uma diferença de opiniões calcada no repúdio ao sistema de valores parentais e muito menos assinalando uma quebra no processo identificatório com seus genitores; está, muitas vezes, procurando através do mecanismo de oposição definir-se e a seus objetivos. Por um raciocínio análogo, entender-se-iam os episódios de agressividade impulsiva dos adolescentes. Assim como o amor idealizado dos jovens identi fica o desejo de fundir-se novamente com o objetivo original materno e está a serviço do vínculo simbiótico, os acessos de fúria ou a propensão a divergir podem facilitar o processo de dessimbiotização. Se o amor une e funde, a contenda separa e discrimina. E como o indivíduo define-se primordialmente pelo que não é, ao buscar no controvérsia o que no outro se lhe opõe o adolescente vai desta forma rastreando o reconhecimento de seu próprio eu. As vivências de despersonalização, outro fenômeno comum na adoles cência, seriam uma das manifestações clínicas mais vívidas dessa luta entre os impulsos antagônicos de separação e fusão, onde, por momentos fugazes (adolescentes normais) ou duradouros (adolescentes com distúrbios mentais), a busca do sentimento de identidade pessoal vê-se ameaçada pela persistência ou retorno à condição simbiótica original. A adição a drogas, freqüentemente encontrável entre adolescentes, seria a expressão oral dessa mesma tentativa de manter ou recuperar o vínculo simbiótico perdido. O próprio hábito de mentir, tão comum entre adolescentes, seria, uma decorrência dessa necessidade de diferenciar-se que tem o adoles cente. Mentindo, e acreditando em suas mentiras, o adolescente cria a “sua” verdade — faz da substância da ilusão o alicerce de “sua” realidade para contrapô-la à dos adultos. No processo puberal, que assinala um segundo momento evolutivo de separação/individuação, predominam as angústias do tipo confusional geradas pelo conflito entre a busca de identidade e a persistência dos vínculos simbió ticos remanescentes. Por outro lado, os sentimentos de confusão quanto à identidade sexual e as correspondentes fantasias ou temores homossexuais tão comuns entre os adolescentes, especialmente do sexo masculino, evidenciariam a luta travada durante o processo puberal entre o impulso à diferenciação sexual e a tendência oposta de conservar a indiferenciação anterior com vistas a assegurar a manu tenção do par simbiótico original, onde quem se ama é a projeção de si próprio, conforme o modelo narcísico descrito por FREUD. A gíria como expressão da crise de identidade adolescente Quando um adolescente diz “não adianta conversar com os velhos porque eles não me entendem” está expressando algo mais do que uma diferença de opinião entre eles e os pais. Há implícito aí todo um processo de defasagem lingüística e semântica entre as gerações e que acompanha a quebra do processo comunicante entre elas.
A adolescência se caracteriza basicamente por uma série complementar de perdas e aquisições: perda da hissexualidade infantil e a correspondente aquisição da sexualidade adulta, perda do pressuposto de dependência infantil e aquisição da autonomia adulta e também perda da comunicação ou linguagem infantil para adquirir uma comunicação ou linguagem adulta. KNOBEL diz, muito acertadamente, que “não se pode dizer simples mente que o adolescente busca ter uma identidade. Ele já tem uma, a identi dade adolescente, que é justamente a que lhe permite seguir o curso de seu desenvolvimento”. Na mesma linha de raciocínio poderíamos dizer que o adolescente não está só abandonando o modo de comunicação infantil por uma forma adulta de expressão, mas tem uma identidade lingüística e semântica peculiar à sua condição de adolescente. E a gíria é a representação verbal da identidade adolescente, com todo o polimorfismo e transitoriedade tão característicos do próprio processo puberal. A gíria é uma “perversão” da linguagem. Usamos o termo “perversão” deliberadamente para aludir analogicamente ao que se passa no desenvol vimento sexual infantil. A disposição perversa polimorfa define a sexualidade infantil assim como a gíria o faz com a linguagem adolescente. No adulto normal o emprego de expressões de gíria é circunstancial e quando sistemático corresponde a um desvio do comportamento lingüístico do indivíduo. Abs traindo a influência dos fatores sócio-culturais, poderíamos dizer que o uso de termos de gíria pelo adulto corresponde a substitutos parciais e aleatórios de uma comunicação verbal plena e satisfatória. No adolescente, contudo, é uma forma de expressão peculiar à sua identidade lingüística. Assim como o adolescente, na ansiosa busca de sua identidade emergente, estabelece, por vezes, pseudo-identificações, as quais incorpora parcialmente ou abandona posteriormente, da mesma forma ele adquire modismos lingüís ticos que lhe servem transitória e precariamente para veicular idéias e senti mentos que de outra forma não encontrariam expressão verbalizada. A gíria é também um subproduto da cultura adolescente. Ainda quando a consideramos uma forma de expressão verbal peculiar ao marginal ou delin qüente adulto, seu significado psicodinâmico é o mesmo, ou seja, traduz a luta pela preservação de uma identidade grupal na qual se funde e busca sustentação a frágil identidade individual de seus membros. A gíria constitui a expressão verbal do processo de diferenciação do adolescente, de seu afã de reconhecer-se e a seu grupo de iguais como porta dores de uma identidade própria e distinta da identidade dos pais e do mundo adulto em geral. Nessa procura de uma identidade lingüística o adolescente faz um verda deiro processo de “adicção” às novas palavras ou expressões que surgem. Experimenta novos vocábulos como experimenta novas drogas. Por outro lado, o sentido ambíguo com que nascem muitas dessas expressões identificam o próprio caráter ambivalente das relações objetais do adolescente. Um termo hoje empregado com um significado encomioso, amanhã o é pejorativamente e vice-versa. A gíria adolescente adquire em caráter hermético e imcompreensível para os adultos na medida em que está a serviço das defesas contra as tentativas desses de violentar a “torre de
marfim” habitada pelos pensamentos e ernoçoes dos adolescentes. E como se quisessem criar um microcosmos linguístico to 1 1 Luiz C Osoria Ádole5cente Ho;e / 19 O Caráter Universal da Crise de Identidade Adolescente mando como modelo os símbolos verbais propostos pela linguagem dos adultos, manipulando-os, no entanto, dentro de um novo esquema semântico. As progressões e regressões do processo puberal estão representados no léxico adolescente. Assim, ao lado do forte contingente de vocábulos que denunciam os remanescentes orais, anais ou fálicos do linguajar infantil, encontramos nas possibilidades expressivas de certos neologismos e figuras de linguagem empregados pelos adolescentes todo o potencial criativo identifi cável com a sexualidade adulta. A observação clínica do fenômeno da gíria e sua significação psicopa tológica entre os adolescentes nos permite constatar que o índice de saturação de termos de gíria na linguagem dos adolescentes conserva certa relação com o grau de predisposição a “atuar” os conflitos em lugar de expressá-los verbal mente. A gíria seria, por assim dizer, a modalidade verbal da tendência dos adolescentes a evidenciar seus conflitos através de perturbações na conduta. Como contrapartida, encontramos uma diminuição do emprego de termos de gíria em adolescentes na medida em que conseguem verbalizar seus conflitos e conscientizar o conteúdo de suas fantasias. Para finalizar diríamos, como os teóricos da comunicação, que as gírias também “metacomunicam”: a mensagem que transcende seu sentido pura mente lingüístico reside juntamente no seu significado como expressão verbal da crise de identidade adolescente. O “Grupo de Iguais” como Continente da Crise de Identidade Adolescente “L’Adolescent se rend différent de ladulte mais ii n’est point ‘original parmi ses pareils qui lui ressemhlent comme des frères” (BELA GRUNBERGER) O “grupo de iguais” é a caixa de ressonância ou continente para as ansiedades existenciais do adolescente. Na medida em que, pela necessidade de cristalizar suas identidades adultas e afirmar-se como indivíduos autônomos, deixam de utilizar os pais ou sub-rogados desses (tais como os professores e adultos em geral)) como modelos de identificação, têm os adolescentes necessidade de buscar novas pautas identificatórias no seu grupo de iguais, cujos líderes tomam provisoriamente o lugar das imagos parentais idealizadas. Isto explicaria a natural e espontânea tendência à formação de grupos entre adolescentes, pois nos grupos surge um clima propício ao intercâmbio e con fronto de experiências que permite a seus componentes uma melhor identifi cação dos limites entre o eu e o outro, através da compreensão das motivações conscientes e inconscientes dos diferentes modos de sentir, pensar e agir, favorecendo a resolução da crise de identidade, fulcro da problemática adoles cente.
A adolescência — entendendo-se aqui o termo, conforme sugerimos, como o conjunto de transformações psicológicas que acompanham o fenômeno biológico da puberdade — é a resultante de um paralelogramo de forças, onde os fatores intrapsíquicos e sócio-culturais constituem os vetores que o compõem. Todas as considerações feitas até agora seriam parciais e aleatórias se não tomássemos em consideração as distintas realidades existenciais dos jovens de diferentes latitudes e culturas. Quando estamos falando de adolescentes, na verdade apenas estamos considerando os jovens cuja preocupação com a sobrevivência imediata é secundária. Quem sabe incorrendo em certo exagero poder-se-ia dizer que a adolescência é um privilégio das classes mais abastadas. Esse período de moratória ou preparação para a idade adulta é um “luxo” não permitido àqueles que estão empenhados na encarniçada luta por sua subsistência. Estes apenas experimentam a puberdade, enquanto inevitável processo de transfor mações corporais, mas não se lhes concede a oportunidade de vivenciar o processo de elaboração das perdas infantis e assimilação das aquisições adultas que caracterizam a adolescência do ponto de vista psicológico. Para tanto, é preciso dispor de um espaço-tempo a que não têm acesso os que estão confinados pela geografia da fome e da miséria. Portanto, quando nos referimos à crise de identidade do adolescente contemporâneo estamos na verdade considerando os processos de transfor mação psicológica que experimentam aqueles jovens que pertencem aos extra tos sócio-econômicos mais diferenciados, que têm o que comer, o que vestir e podem, então, usufruir as demais prerrogativas da condição humana quando satisfeitas suas necessidades mais elementares. Discute-se se o processo adolescente é universal, isto é, se ocorre em suas linhas gerais em todo e qualquer adolescente, independente da matriz sócio-cultural à que pertence. Eu diria que sim, que é universal, desde que se considere a ressalva apresentada no parágrafo anterior. Mesmo em condi ções de vida extremamente adversas, desde que assegurada a satisfação das necessidades básicas de alimentação e agasalho, podemos encontrar a seqüên cia dos eventos psicodinãmicos que configuram o processo adolescente e a crise de identidade que o caracteriza. Uma confirmação desta assertiva pode mos ter analisando, por exemplo, o diário de ANNE FRANK, um dos mais ilustrativos registros de que se tem notícia de um processo adolescente, viven ciado em toda a sua plenitude. mesmo sob a vigéncia de condições de vida tão anômalas quanto o foram o confinamento num refúgio para escapar à sanha anti-sionista dos nazistas na ocupada Holanda dos anos 41-44. Num diário escrito dos 13 aos 15 anos e que viria a se constituir numa pequena obra-prima, ANNE FRANK, uma adolescente judia cuja fortaleza moral sob uma manto de aparente fragilidade é a própria imagem de sua 2(1 / Luiz ( ()50r10 AdoIesct.’nti Ho; / 21 gente, nos descreve o desenvolvimento de seu processo puberal. No seu relato espontâneo sob a forma de confidências a Kitty, amiga imaginária que perso nifica seu alter ego no sempiterno colóquio do mundo interno adolescente, revela-se todo o espectro vivencial de uma adolescente de sua como de todas as épocas e circunstâncias; a análise de seu diário íntimo comprova-nos que, mesmo sob condições de vida tão adversas como as vigentes no
“anexo secreto” onde ela, sua família e alguns amigos refugiaram-se dos nazistas durante aqueles dois anos, a ocorrência e seqüência evolutiva dos eventos psicodinâ micos que configuram o processo puberal não se alteram. Ali, na evocação continuada de suas fantasias e nos meandros de seu cotidiano existencial, encontramos toda a gama de situações que caracterizam a vigência da crise adolescente: do recrudescimento do conflito edipiano à cristalização da identi dade puberal através da redefinição da imagem corporal, da elaboração dos lutos pela perda da condição infantil à dissolução do vínculo simbiótico com a família, do estabelecimento de um padrão de luta/fuga com a geração anterior ao surgimento de uma escala de valores próprios, enfim, todos os elementos que identificam a “mutação” adolescente. Um estudo pormenorizado do pro cesso puberal, conforme ANNE FRANK o vivenciou e descreveu com rara autenticidade em seu diário, é desde logo tarefa que vai além dos objetivos e limites deste livro. Não obstante, cremos que a transcrição de alguns trechos do referido diário darão melhor testemunho de muitas das afirmações feitas ao longo deste estudo do que qualquer digressão teórica que pudéssemos agora fazer à guisa de concluí-lo. O desabrochar da puberdade, a descoberta dos mistérios biológicos que a natureza ocultou no escrínio de seu corpo, o modo como vivencia e aceita a emergência de sua ainda difusa e perturbadora sexualidade feminina, assim são descritos por ANNE: “Penso que é tão maravilhoso o que me acontece — não só o que aparece em meu corpo, mas o que se realiza por dentro... Cada vez que tenho menstruação — e isto só aconteceu três vezes! — sinto que apesar de toda a dor, desconforto e sujeira, possuo um segredo delicado e é por isso que, embora de certo modo não passe de uma maçada, eu anseio pelo tempo em que sentirei dentro de mim aquele segredo... Depois que vim para cá, logo ao fazer 14 anos comecei a pensar em mim, mais cedo que a maioria das meninas, e a perceber que era uma “pessoa”. As vezes deitada na cama de noite, tenho um desejo terrível de apalpar meus seios e escutar as batidas calmas e rítmicas de ri Vi no espelho o meu rosto; está bem diferente. Meus olhos es e profundos, minhas faces estão rosadas e — coisa que há sema não acontece — minha boca está mais macia... Sinto dentro de mim a prima vera, sinto a primavera que desperta em todo o meu corpo e na minha alma... Estou tão confusa, não sei o que fazer, só sei que sinto em mim um querer! As oscilações do sentimento de identidade que caracterizam o processo puberal e que se polarizam na dicotomia criança-adulto, trazendo muitas vezes ao adolescente a sensação de ser duas (Ou mais) pessoas distintas, reve lam-se nos seguintes fragmentos de seu diário: “Um dia Anne é tão ajuizada que consentem que tudo saiba; e no dia seguinte ouço que Anne é uma cabrita estouvada que não sabe nada e imagina que apreendeu maravilhas nos livros... As vezes tenho um jeito esquisito: consigo ver a mim mesma como se fosse pelos olhos de outra pessoa. Então, observo os negócios de uma certa “Anne” e percorro as páginas de sua vida como se fosse uma estranha... de súbito foi-se embora a Anne de costume e uma segunda Anne tomou seu lugar, uma segunda Anne que nada tem de estouvada e brincalhona e só deseja ser muito meiga e amar... Já lhe disse antes que possuo, por assim dizer, personalidade dupla. Em metade encarna-se minha alegria exuberante que faz graça de tudo, meu entusiasmo e sobretudo o modo por que levo tudo com pouco caso. Aqui inclui-se o caso de não me ofender um “flirt”, um beijo, um abraço, uma pilhéria suja.
Este lado, quase sempre, está à espreita e empurra o outro que é muito melhor, mais profundo e mais puro. Você precisa compreender que ninguém conhece o melhor lado de Anne e por isso a maior parte das pessoas me acha insuportável”. A ciclotimia e a labilidade emocional que caracterizam os estados afetivos típicos da adolescência aparecem assim retratados: As vezes os nervos me dominam; aos domingos, especialmente, sinto-me deprimida... vagueio de um quarto para outro, escada acima, escada abaixo, sentindo-me como pássaro cantor a quem arrancaram as asas e que se atira, em escuridão completa, contra as grades da gaiola. ‘Vai lá para fora, dá risada, respira ar fresco’, grita dentro de mim uma voz; eu, porém, não sinto a vibração responsiva e vou dormir, deitada no divã, para que o tempo, a quietude e o medo terrível passem mais depres sa, uma vez que não há maneira de os matar... Brilha o sol, o céu está profundamente azul, a brisa é deliciosa e eu tenho vontade, tanta, tanta vontade — de tudo. De falar, de liberdade, de amizade, de estar só. E tanto queria.., chorar! Parece que rebento e sinto que isto havia de melhorar com o choro; mas não posso, estou inquieta, vou de um quarto para outro, respiro pela fresta de uma janela fechada, sinto bater meu coração como se dissesse: ‘não poderá você satisfazer meus anseios algum dia’.” Nos trechos seguintes encontraremos delineado o recrudescimento do conflito edipiano na adolescente Anne: “... eu adoro Papai. É meu ideal. Não amo ninguém no mundo, só a ele... Quero de papai algo que ele não pode me dar. Não tenho nem 22 / Luiz Carlos Osorio Adolescente Hoje / 23 nunca tive ciúmes de Margot Não invejo a boniteza, a beleza dela. E que eu só preciso muito do verdadeiro amor de Papai: não só como filha dele, mas como eu mesma — eu, Anne,” “... Mummy é que às vezes me trata como se eu fôsse nenê — coisa que eu não suporto... somos polos opostos em tudo, portanto é natural que entremos em choque... existe dentro da minha cabeça uma imagem — a imagem do que deveria ser a perfeita mãe e esposa; ora, na que preciso chamar de mãe não vejo sombra daquela imagem.” “... as tentativas da sra. Van Daan para flertar com Papai são fonte de contínua irritação para mim. Alisa o rosto e o cabelo dele, puxa a saia para cima, diz umas frases com intenção de fazer espírito para atrair a atenção de Pim Pim, graças a Deus, não vê nela graça nem atrativo algum, por isso não corresponde”. Através da evolução de seu relacionamento com Peter e das modificações na imagem que dele faz, podemos acompanhar o gradativo interesse heteros sexual de Anne e como encaminha a resolução de sua fixação edipiana no pai pela troca de objeto amoroso, que prenuncia o advento da sexualidade adulta. Vejamos como Anne nos descreve inicialmente Peter: “Peter não tem ainda dezesseis anos; é um rapaz molenga, acanhado e sem jeito. Não se pode esperar grande coisa como
companhia”. Dias após: “Não consigo mesmo gostar de Peter; é um rapaz muito aborrecido. Atira-se na cama, cheio de preguiça, trabalha um momento na carpintaria e logo volta a cochilar mais um pouco. E um tolo! “Ano e meio depois: “Meu desejo de falar com alguém tão intenso se tornou que, não sei como, deu-me na cabeça de escolher o Peter”. Semanas se passam e: “Vinha-me uma impressão esquisita cada vez que contemplava seus profundos olhos azuis... Eu lia seus pensamentos inter nos... Via em seu rosto um traço de virilidade; reparando em seus modos retraídos, senti-me muito meiga... Oh! pudesse eu aninhar a cabeça no ombro dele — não me sentir mais tão desesperadamente só e abandonada!... Creio estar bem perto de me apaixonar por ele”. Mais algumas semanas e chega ao clímax de seu enamoramento por Peter: “Estou a transbordar de Peter e não faço senão olhar para ele... Ele veio para junto de mim, atirei-lhe os braços à volta do pescoço, beijei-lhe a face direita e ia beijar-lhe a outra face quando meus lábios encontraram os dele e nós os apertamos. Num rede moinho, estávamos presos nos braços um do outro, outra vez e outra ainda. não podíamos largar” 1 irmã de Anne, 2 forma com que habitualmente chama a mãe. 3 a sra. Van Daan. seu marido e filho constituem a outra família com quem os Frank dividem o esconderijo secreto. 4 maneira carinhosa com que se refere ao pai. 5 o filho dos \‘an Daan No entanto, com rara lucidez dá-se conta logo que não ama Peter, que foram as circunstâncias especiais de sua convivência, o desabrochar de sua sexualidade e a imperiosa necessidade de buscar companhia entre os de sua idade que a levaram àquele envolvimento: “Precisava de um ser vivo a quem abrir o coração... ao conseguir que ele se tornasse amigo, automaticamente desenvolveu-se uma intimidade que, pensando bem, não creio que devesse ter permitido... Nossos encon tros o satisfazem ao passo que em mim apenas produzem o efeito de me despertar vontade de tentar mais uma vez... Penso às vezes que exagerei o desejo desesperado que por ele sentia... Peter é bom, é um encanto, mas não posso negar que muita coisa nele me decepciona”. Paralelamente vai se distanciando do pai e o desidealizando: “por que será que Pim me aborrece?... tanto eu quero ser deixada em paz e prefiria mesmo que ele me esquecesse um pouco, até que me sentisse mais segura de minha atitude para com ele. Enquanto isto deprime-se ao constatar quão infundado era seu relaciona mento hostil com a mãe e procura reconciliar-se com a “mãe interna”, sem deixar, contudo, que sentimentos de culpa doentios comprometam seu pro cesso de separação da mãe e a paralela individuação: “Revendo meu diário dei com páginas que trataram do assunto ‘Mummy’ de maneira tão exaltada que me escandalizei, perguntando a mim mesma: Oh, Anne, foi realmente você mesma quem mencionou tanto ódio? Como é que você pode?... E verdade que ela não me entende, mas também eu não a entendo... Já passou o período em que fazia Mummy verter lágrimas; tornei-me mais ajuizada e os nervos de
Mummy também não andam à flor da pele... mas não posso sentir por Mummy aquele amor dependente, de criança — é sentimento que não está em mim”. A disposição com que se lança à luta pela individualidade, mas sempre respeitando a dos outros e zelando para que nessa refrega não se danifiquem os laços que a prendem a seu universo familiar, talvez seja o traço mais marcante da invulgar figura humana de Anne Frank. Vejamos, para finalizar, alguns momentos dessa sua busca de afirmação pessoal: tenho que servir da mãe para mim mesma... eu mesma tomarei o leme de minha vida e mais tarde procurarei onde aportar... Apesar de ter só 14 anos sei bem o que quero tenho idéias minhas, princípios meus, opiniões minhas e, mesmo que vindo de uma adolescente, isso pareça loucura, sinto-me mais como pessoa do que como criança e bastante independente de quem quer que seja... Cheguei ao ponto em que posso viver por mim mesma, sem o apoio de Mummy e. para falar a verdade. sem o apoio de quem quer que seja. Mas isso não sucedeu da noite para o dia; foi amarga, foi dura a minha luta e muita lágrima chorei até que me tornasse independente como agora sou... Sei que sou indivi 24 / Luiz Carlos Osorio Adolescente Hoje / 25 dualidade a parte e não me sinto responsabilidade alguma de nenhum de vocês.., sou independente de espírito e corpo. Não preciso mais da mãe, pois todo esse conflito me tornou forte”. E como corolário de um processo puberal que levou a bom termo o objetivo da aquisição do sentimento de identidade, uma última “pérola” do pensamento de Anne Frank, onde se revela sua notável fortaleza egóica a serviço do “instinto de vida”, mesmo quando o mundo a sua volta convulsio nava-se em estertores de ódio e morte: “Tenho em meu caráter um traço predominante que deve saltar aos olhos de quem me haja conhecido durante algum tempo, que é o conheci mento que tenho de mim mesma. Posso estar face a face com a Anne de todos os dias, sem preconceito algum e sem fazer concessões, obser vando o que nela há de bom e mau. Essa consciência de mim mesma acompanha-me sempre... Os pais só podem dar conselhos e indicar os caminhos certos, mas a formação final do caráter de uma pessoa está em suas próprias mãos. Possuo coragem grande, sinto-me sempre forte, como se suportasse muita coisa; sinto-me tão livre e jovem!... E continuo a tentar encontrar a maneira de ser como desejo ser...” 26 / Luiz Car!o O5ono
O adolescente, a família e a sociedade 4 Através dos tempos, a família, pela função socializadora que lhe é ineren te, pressupôs um papel de intermediação entre os jovens e a sociedade. No entanto, entre as grandes mutações do processo civilizatório em nossa época está a alteração desse papel mediador, segundo se verá mais adiante e conforme tenta ilustrar o esquema gráfico abaixo: AdoIe Ho / 27 Antes de referenciarmos os elementos acima com os elementos que lhe dão sustentação, vamos considerar algumas questões concernentes à noção de família e seu perfil na contemporaneidade. Preliminarmente, a que família estamos aqui nos referindo? Família não é um conceito unívoco. Como afirmava ESCARDO, “a palavra família não designa uma instituição padrão, fixa e invariável. Através dos tempos a família adotou formas e mecanismos sumamente diversos e na atualidade coexistem no gênero humano tipos de família constituídos sobre princípios morais e psicológicos diferentes e ainda contraditórios e inconciliáveis”. Partindo de vertentes antropológicas contemporâneas, podemos definir família como sendo uma unidade grupal onde se desenvolvem três tipos de relações pessoais: aliança (casal), filiação (pais/filhos) e consangüinidade (ir mãos), e que, a partir dos objetivos genéricos de preservar a espécie, nutrir e proteger a descendência e fornecer-lhe condições para a aquisição de suas identidades pessoais, desenvolveu ao longo do périplo evolutivo do ser humano funções diversificadas de transmissão de valores éticos, estéticos, religiosos e culturais. No entanto, o proteimorfismo da família, conforme a consideramos em suas distintas vertentes histórico-culturais, nos obriga a limitar a universalidade do conceito para tornar viável a abordagem que aqui nos propomos. Portanto, vamos circunscrever as relações do adolescente com seu meio sócio-familiar no contexto da denominada família nuclear burguesa, herdeira da revolução industrial que sinalizou a modernidade. Esta é a família como a conhemos nos agrupamentos urbanos do mundo ocidental de nossos dias, onde mesmo os estratos proletários a tem como modelo de referência no rastro de suas aspirações de ascensão sócio-econômica. Esta é, sem dúvida, a família na configuração que melhor nos é conhecida, pois a maioria de nós, estudiosos da adolescência, dela provém. Esta é, enfim, a família da qual se diz que está hoje “em crise”, face à emergência da nova onda civilizatória deflagrada pelos avanços tecnológicos contemporâneos. Quando me refiro à crise da família no mundo atual o faço obviamente levando em conta as observações feitas anteriormente sobre o significado hodierno da expressão crise, ou seja, considerando-a um ponto crucial mas indispensável para o desenvolvimento das instituições humanas. Logo, quando estamos nos referindo à crise da família não estamos certamente aludindo a uma eventual ameaça de desintegração ou extinção dessa mônada de nossa estrutura social, que é e continuará sendo a unidade básica da interação humana e que persistirá através dos tempos como o fez até hoje, apesar das cassandras que recentemente têm anunciado sua morte. A permanência da instituição familiar ao longo de toda a história do Homem e o pluralismo de sua configuração estrutural e funcional a legitimam como a
unidade primor dial da organização social. Ela não desaparecerá enquanto a espécie humana não se extinguir, mas estará, como esteve até então, em lenta, por vezes imperceptível, mas constante renovação. Parodiando LAVOISIER diria que “na família nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”. E que transformações seriam essas a balizar a configuração da família contemporânea em sua espiral evolutiva? Se a família é o ponto de tangência ou intersecção entre a natureza e a cultura, como o querem os antropólogos, não podemos deixar de conside rá-la, para entendê-la, à luz dos modelos culturais vigentes. A utilização de um esquema referencial inspirado em idéias de MARGA RET MEAD, conhecida antropóloga e estudiosa da adolescência em culturas primitivas, nos introduzirá à abordagem desta questão. M. MEAD considera três tipos ou modelos culturais segundo os quais o homem relacionase com seus antepassados ou descendentes. O primeiro deles corresponde às denominadas culturas pós-figurativas, que extraem sua autoridade do passado, baseando-a num consenso acrítico e na lealdade inequívoca de cada geração à que a precedeu. Nessas culturas as crianças e os jovens aprendem primordialmente dos adultos e o futuro é visualizado como um prolongamento do passado, ou seja, o passado dos adultos é o futuro de cada geração. Há nessas culturas uma falta de “consciência de mudança” e o mito prevalente é o do ancião como fonte do saber e dos valores a serem preservados e transmitidos às gerações futuras. Este é o modelo cultural vigente até o advento da era contemporânea e ainda hoje encontrável em agrupamentos humanos primitivos ou isolados e, portan to, à margem da onda civilizatória desencadeada pela revolução industrial. O segundo desses modelos é chamado pela autora citada de culturas co-figurativas, onde há uma reciprocidade de influências entre jovens e adultos. Pelo surgimento de novas formas de tecnologia para as quais os mais idosos carecem de informação, as camadas mais jovens da população passam a deter uma significativa parcela do poder de influência proporcionado pelo conheci mento. Nessas culturas o presente é o que conta e o mito nelas prevalente é o do adulto produtivo. Esse é o modelo predominante no mundo atual, e que partindo do ocidente tende a globalizar-se na medida em que as civiliza ções orientais são por ele co-optadas. Finalmente temos o modelo das culturas pré-figurativas, onde o futuro não é mais um simples prolongamento do passado, mas tem sua própria (e desconhecida) identidade, prevalecendo as expectativas futuras sobre as realizações passadas. Nessas culturas há uma exacerbação dos conteúdos revo lucionários e das tendências iconoclastas e podemos encontrá-las não apenas em nações que estão sofrendo mudanças radicais em sua estrutura sócio-po lítica, mas também sob forma de “bolsões” culturais em países quer do Oci dente como do Oriente. Nessas culturas o mito dominante é o do poder jovem. E no contexto das culturas pré-figurativas que apontam para a civilização do terceiro milênio que a família do futuro se insere e adquire seus contornos: uma família onde os adolescentes chamam a si o papel de mediadores entre
28 1 Carlos Osorio Adolescente Ho / 29 seus membros mais idosos e a sociedade em processo de transmutação tecnoló gica, conforme tentamos reproduzir no esquema gráfico da página inicial. O eixo em torno ao qual gravitam as transformações por que passa a família contemporânea em consonância com o processo evolutivo da sociedade humana tem como fonte motriz as relações de poder entre seus componentes. A conquista e manutenção de “estados de poder” é inerente à condição humana e matiza todas as suas manifestações. A família monogâmica preva lente no mundo ocidental deve suas origens à afirmação do poder masculino para assegurar filhos de paternidade inconteste, garantindo, assim, a continui dade hereditária da propriedade privada e dos bens materiais em geral. Mas a alienação feminina sob o jugo patriarca! também se alinha nesse tabuleiro onde se desenrolam os jogos do poder: a esposa abdica do prazer pela posse do campanheiro, enquanto a concubina exerce seus direitos sobre a província hedonista da qual se tornou arrendatária. E fala-se agora numa filiocracia, ou tirania dos filhos, como reação à patercracia de direito e à matercracia de fato da família convencional. Como, pois, discutir a instituição familiar sem considerá-la uma instância promotora dos desígnios do Poder? Parece-me indiscutível que o sentimento de posse envenena as relações humanas. E o sentimento de posse radica-se nos núcleos narcísicos, arcaicos, da condição humana. Em cada nova relação afetiva somos levados a reeditar o vínculo possessivo original com a matriz que nos gerou. Não obstante, tenho uma visão otimista dos destinos da família na socie dade contemporânea. E justamente a tenho por vê-la espelhada na realidade fática da evolução ontogenética, onde a maturidade emocional é alcançada pelo gradativo abandono das fantasias onipotentes. Se pudéssemos traduzir em equações simbólicas a evolução da criança desde o estado de indiferenciação e fusão com a mãe até a aquisição de sua identidade adulta, assim poderíamos esquematizá-la: O Universo sou Eu - criança no útero da mãe O Universo existe em função de mim - criança nos primórdios da vida extra-uterina O Universo é meu - criança ao completar o 1 ano de vida O Universo existe independente de mim e eu sou parte dele — criança durante o processo de aprendizagem escolar. O Universo é algo que compartilho com outros seres vivos — indivíduo no limiar da condição adulta (adolescente) Como podemos constatar, a trajetória em direção à identidade adulta pressupõe a paulatina aceitação das limitações humanas e a renúncia às fanta sias regressivas de posse ou fusão com o que está além dos limites do Eu.
Penso que a maturidade da família alicerça-se em iguais postulados, ou seja, a instituição familiar tende a evoluir para níveis mais satisfatórios de interação entre seus membros e uma maior aproximação a sua distinção histó rica na medida em que gradativamente possamos abrir mão do primado da posse e domínio de uns sobre os outros no contexto familiar, ou seja, na medida em que aceitarmos que o universo familiar é uma realidade vivencial compartilhada por todos em relações de reciprocidade e mutualidade. Para usufruí-lo em toda a sua plenitude é preciso renunciar à fantasia de que ele, o universo familiar, nos pertence ou só existe para atender nossas necessi dades e desejos. Por outro lado, assim como o bem-estar psicossocial do indivíduo está intrinsecamente vinculado à aceitação de sua finitude, o bem-estar familiar é indissociável da aceitação de que a família é um grupo fadado a dissolver-se tão logo cumpra suas funções de ensejar a constituição de novas famílias, estabelecendo um continuum de unidades sociais que permitam a perpetuação da sociedade através de suas células-mater. A família que aceita sua finitude permite, ipso facto, o crescimento individual, a autonomia e a diferenciação de seus membros e torna-se mais apta a desenvolver-se satisfatoriamente dentro dos limites previsíveis de sua ação e existência, ao passo que a família que nega sua transitoriedade e mantém seus membros aglutinados numa perene disposição à possessividade uns dos outros deixa de funcionar como um conti nente adequado para a definição e manutenção das diferenças humanas e com isso estiola seu papel cultural e adoece como organismo social. A aceitação por parte dos pais de que não são donos do destino dos filhos e que é inevitável sua perda pelo crescimento e disposição a formar novos e distintos núcleos familiares e a correspondente aceitação por parte dos filhos de que não podem deter o envelhecimento dos pais nem assegurar sua onipresença protetora são condições básicas para balizar a maturidade de um grupo familiar. Na obtenção dessas condições reside não só o maior desafio à família contemporânea como também a promessa de sua maior conquista em seu périplo evolutivo através dos tempos. A família, como a percebo no limiar desse novo giro em sua espiral evolutiva, será, quiçá, num tempo não muito remoto, o locus apropriado às mais legítimas manifestações do instinto gregário do homem; onde a afinida de, e não apenas laços de afiliação ou consagüinidade, presidirá a relação entre seus membros; onde o sentimento de posse cederá gradativamente seu lugar ao anseio de doação; onde o contrato cível ou religioso entre os casais não prevalecerá sobre o livre e espontâneo vínculo amoroso; onde o direito sobre os filhos não terá primazia em relação ao direito dos filhos; onde, enfim, todas essas transformações assinalarão o advento da maioridade social da Família, de sorte que o sombrio retrato dela traçado por Capistrano de Abreu — família como um grupo formado por pais soturnos, mães submetidas e filhos aterrorizados — permaneça apenas como a fugidia lembrança de um arquétipo definitivamente ultrapassado. A mutação cultural que caracteriza a contemporaneidade transcende, como vimos, a questão da identidade do adolescente de nossos dias, para 30 / Luiz CanoN Osonio Adolescente Hoje / 31
se inserir no contexto da redefinição dos valores das relações humanas hodier nas no seio da famflia e da sociedade. Há na raiz de todo esse processo de mutação sócio-cultural um elemento que consideramos chave para seu entendimento. Trata-se da concepção do “tempo histórico” como fator determinante dos modos de organizar-se da sociedade humana ao longo de sua evolução. FLUSSER, filósofo e teórico da comunicação, numa arguta postulação sobre o modo de encarar o fluxo do tempo, nos abre novos vértices para a compreensão desta questão. Vamos, numa livre tradução de suas idéias, relacioná-las com os modelos culturais de M. MEAD que serviram de paradig mas para a elaboração deste capítulo. A sociedade, inicialmente organizada sob um modelo “mftico-ma’gico”, onde o tempo é presente e o mundo é vivenciado como uma cena d entro da qual o tempo circula, há ceca de 3.000 anos atrás evoluiu para um modelo organizado a partir da consciência histórica, onde há um tempo linear que corre do passado para o futuro, passando por um ponto imaginário chamado presente. A consciência histórica nos remete ao passado em busca das origens de nosso comportamento presente e nele alicerça os fundamentos da existência social. Seria o equivalente ao que M. MEAD chamava de “sociedades pós-figu rativas”, onde o modelo vivencial é fornecido pela geração precedente. Há cerca de 150 anos atrás, segundo FLUSSER, começou a emergir um novo modelo que se fundamentaria no que, à falta de outra denominação mais adequada, ele batizou de consciência cibernética. O fluxo do tempo passa a ser exatamente oposto ao tempo histórico, pois segundo essa nova concepção o tempo não pode fluir do passado rumo ao futuro, já que é o amanhã que vem e não o ontem. O passado passa, então, a ser uma dimensão incorpo rada ao presente, uma espécie de memória que sustenta o presente, mas não mais nele residem as pautas relacionais condutoras da evolução social. Isso corresponde, na expressão de M. MEAD, às “sociedades pré-figurativas”, onde o modelo vivencial é fornecido pela geração futura; daí sua afirmação de que os adultos de hoje são como imigrantes no tempo, assim como seus antepassados o foram no espaço, ou seja, nós estamos num processo de mu dança para um “novo mundo” que não se localiza noutra latitude e sim noutra concepção temporal (as utopias doravante seriam, portanto, ucro nias...). Tanto FLUSSER como M. MEAD admitem, no entanto, que todas essas formas ou estágios de organização sócio-cultural coexistem na atualidade: assim como certos agrupamentos primitivos (os pigmeus, por exemplo) vivem ainda um modelo mítico-mágico e a maior parte dos seres humanos estão imersos no resgate de sua consciência histórica, há um contingente cada vez maior de indivíduos que “empurrados” pelos avanços tecnológicos mergulham nessa civilização prospectiva. A consciência cibernética, que vem substituir a histórica, é assinalada, segundo FLUSSER, na ciência pelo abandono do pensamento causal, na arte pela renúncia ao conceito de obra e na política 32 / Luiz Carlos Osorio pela separação das categorias ideológicas e a substituição do pensamento histórico pelo pensamento programático. Ora, o que tudo isto tem a ver com nosso adolescente contemporâneo em crise de identidade?
Esta reviravolta na concepção do tempo, não mais vivenciado como um fluxo unívoco do passado rumo ao futuro, mas como uma seqüência de elemen tos de “vir-a-ser” capturados pelo fugidio registro do agora, sem dúvida causa um abalo sísmico no vínculo de integração temporal do sentimento de identi dade, cujas conseqüências são imprevisíveis mas plenamente detectáveis na confusão vigente entre os adolescentes de hoje quanto à sua identidade sexual e profissional. Como esperar que um adolescente faça sua opção profissional a partir das que lhe são oferecidas pelo sistema e valores da geração precedente quando esta nem sequer cogitava da multiplicidade de ocupações nascentes com a revolução tecnológica moderna? Como exigir que um adolescente cinja seu comportamento sexual/afetivo aos padrões da tradicional famflia burguesa quando hoje experimenta modalidades relacionais nunca entrevistas por seus antepassados e o futuro da ciência lhe acena com a possibilidade de desvincular sua função reprodutiva do intercurso sexual com um(a) compa nheiro(a)? Como vemos, os parâmetros que balizaram as gerações passadas na busca de suas identidades pessoais e grupais estão sob o influxo de um processo mutativo, que enseja o surgimento de novos valores humanos, cimentados não mais nas experiências passadas mas nas expectativas futuras. Finalizando, ao propor e aceitar como inevitáveis as contradições do momento sóciocultural que vivemos e que amplificam as contradições do momento psicossocial que atravessam os adolescentes em sua trajetória exis tencial, nos colocamos em condições de assimilar nossas próprias dúvidas e perplexidades ao nos defrontarmos com a tarefa de tentar explicar o signifi cado transcendente da crise de identidade do adolescente contemporâneo. Adolescente Hoje / 33
Os grandes dilemas do adolescente 5 1 - O DILEMA EXISTENCIAL Ao querermos situar o adolescente em sua contemporaneidade, vem-nos à mente com insistência uma imagem analógica: o mundo de nossos dias, em muitos sentidos, dá-nos a impressão de estar atravessando uma crise de identidade em tudo e por tudo similar à da adolescência. A concepção universalista contida na idéia de que hoje somos os habi tantes de uma “aldeias global” põe em xeque as identidades nacionais, sócio- políticas, religiosas e culturais vigentes até agora. A necessidade de integrar-se a humanidade num único e gigantesco corpo-mente planetário, onde co-parti cipem e convivam todas as contradições de seus elementos constituintes, asse melha-se à situação do adolescente premido pela exigência de cristalizar numa identidade adulta todas as identificações e vivências prévias prenhes de signifi cados contraditórios e conflitantes. A angústia confusional que a humanidade experimenta, pelo questionamento de seus valores tradicionais, e a imperiosa necessidade de reformulá-los face às exigências do atual momento do processo civilizatório, tem características similares à que apresenta o adolescente quando vê confrontadas as expectativas conservadoras de seu meio familiar com as demandas da sociedade competitiva e em mutação cultural onde irá viver sua condição de adulto. Se focalizarmos a evolução política através dos tempos sob a ótica das transformações do Poder, poderemos genericamente concluir que a época em que vivemos assinala a sofrida transição de formas autocráticas de governo oriundas do passado para modalidades de autogestão democrática que vislum bramos no futuro, com todos os movimentos de avanços e recuos que caracte rizam igualmente o processo de substituição da dependência infantil pela autonomia adulta durante a crise adolescente. Não seria difícil comprovar que o mundo de hoje está atravessando uma crise de identidade em tudo e por tudo similar à que caracteriza a adolescência. Para objetivar esta afirmação, tracemos um paralelo entre os eventos da crise adolescente e a crise sócio-política do mundo atual: contemporâneo
CRISE ADOLESCENTE 1. Redefinição da imagem corporal consubstanciada na perda do corpo infantil e aquisição do corpo adul to.
2. Culminação do processo de sepa ração/individuação e substituição do vínculo de dependência simbió tica com os pais da infância por relações objetais de autonomia plena. 3. Elaboração do luto referente à per da da condição infantil. 4. Estabelecimento de uma escala de valores ou código de ética próprio. 5. Busca de pautas de identificação no grupo de iguais. CRISE DO MUNDO CONTEMPORÂNEO Redefinição das configurações urba nas, em função do declínio das pólis primitivas (arquetípolis-cidades que se formaram a partir de um fator geo gráfico, tais como proximidade de um curso d’água, cume de uma elevacão, etc..) e do advento das conurbações urbanas (megalópolis-cidades que coalescem em função de fatores sócioeconômicos). Culminação do processo de descolo nização e substituição dos vínculos de dependência simbiótica com a metró pole por relações estatais de autono mia plena (política e econômica). Elaboração do luto referente à perda da condição colonial. Estabelecimento dos objetivos ideo lógicos nacionais com o conseqüente código político que o viabiliza. Busca de pautas de comportamento na comunidade internacional a partir das identidades regionais (Cf., p. ex., a aliança dos países devedores da América Latina). 34 / Luiz ( O AdoIe Hoje / 35 6. Estabelecimento de um padrão de luta/fuga com a geração preceden te. E é nesse contexto que se insere a adolescência contemporânea, com todas as suas dúvidas e perpiexidades existenciais, suas angústias frente à necessidade de propor-se um projeto de vida em meio à escalada suicida dos arsenais nucleares, sua desesperança frente à impossibilidade de reassegu ramento através do mito do futuro predizível, fantasia prospectiva que susten tava e norteava as gerações de adolescentes de épocas pregressas. Esta é, portanto, uma época em que, como em nenhuma outra até então, a sociedade funciona como uma caixa de ressonância para a crise de identidade adolescente, amplificando seus elementos conflitivos e bloqueando os meca nismos elaborativos que permitem sua resolução. No vórtice dessa crise de identidade individual e coletiva geraram-se os movimentos transgressores da juventude contemporânea, batizada nos anos 50 de “juventude transviada”, com seus desdobramentos subjacentes: movi mento beatnik (corruptela do inglês beaten — batido, derrotado, e de um vocábulo eslavo que significa companheiroviajante, como na composição da palavra “sputnik”), expressando o caráter pessimista, depressivo, de uma parcela jovem descrente do passado e do futuro; movimento hippie, caracte rizado por um pacifismo radicado na negação maníaca da agressão e na aliena ção da realidade circunjacente; movimento punk, gerado no seio das camadas proletárias
marginalizadas, de características destrutivas, politicamente aliena do, aglutinado sob o dístico “no future for me... no future for you”. Todos esses movimentos nascidos no seio das sociedades capitalistas do mundo oci dental e rapidamente “internacionalizados”; todos denunciando a desespe rança subjacente na sobrevivência e estabilidade dos valores transmitidos pelas 36 Ltiiz ( O gerações predecessoras; todos embebidos da dramática angústia confusional que comparece quando o sentimento de identidade fica à deriva; e todos eles, afinal, fazendo do consumo de drogas o signo ritualístico de suas cerimô nias de autodestruição. “Viva e usufrua o dia de hoje porque amanhã você poderá ser a derradeira vítima da violência urbana ou de uma hecatombe nuclear” — esta é uma mensagem subliminar que diuturnamente bombardeia a mente dos jovens de todo o mundo, perturbando-lhes a cristalização de seu sentimento de identi dade e gerando-lhes uma insegurança prospectiva sem precedentes. E a queda do mito do futuro previsível (que possibilitava às gerações passadas vislumbrar seu futuro espelhado no presente de seus genitores), trazendo em seu bojo o combustível para todas as explosões e movimentos transgressores da juven tude contemporânea das nações industrializadas. Como propor-se um projeto de vida em meio à escalada suicida dos arsenais nucleares ou da ameaça ecocida pela ação predatória do homem “civilizado”? O espectro do “dia seguinte” paira sobre toda uma geração de jovens, em qualquer parte do planeta. E o que dizer desse imenso contingente de jovens do Terceiro Mundo, para os quais o dia seguinte foi antecipado para hoje e onde o fantasma das conseqüências de uma hecatombe nuclear vem sendo materializado na realidade brutal da fome que lhes corrói as entranhas, da prostração física que lhes abate o ânimo e da desesperança de que a mera sobrevivência lhes seja assegurada? Temos, hoje, no Brasil aproximadamente 30 milhões de adolescentes, dos quais 2/3, ou seja, 20 milhões, vivem em condições subumanas, nas zonas rurais ou na periferia das grandes cidades, resumindo-se seu dilema existencial em sobreviver. Sobreviver não ao dia seguinte a uma hipotética hecatombe nuclear, mas ao dia de hoje onde a miséria não é uma suposição mas uma certeza e onde a violência e o crime aparecem como únicas alternativas para nivelar privilégios. Esta visão apocalíptica infelizmente não é simples figura de retórica, mas está impregnada de realidades tangíveis. Num país como o Brasil onde encontramos simultaneamente elementos civilizatórios das três “Ondas” descritas por A. TOFFLER, não podemos analisar a juventude atual sob uma ótica reducionista e simplificadora. Temos um imenso Brasil agrícola que apenas agora toma contato com o processo industrial que caracteriza a segunda Onda; a seu lado, um significativo contin gente urbano, controlado por uma elite empresarial com sólido respaldo políti co-militar, envolvido na manutenção dos mandamentos do processo industrial (estandardização, especialização, sincronização, concentração, maximização. centralização) e já contamos com um emergente núcleo da intelectualidade lançando sua cabeça-de-ponte no futuro, preconizando uma mentalidade eco lógica e criando tecnologia na área de comunicações. Este é o Brasil — talvez a nação do globo que mais contrastes apresente — e cuja adolescência por
7. Aceitação tácita dos ritos de inicia ção como condição de ingresso ao status adulto. 8. Assunção de funções ou papéis se xuais auto-outorgados, ou seja, consoante inclinações pessoais, in dependentemente das expectativas familiares e, eventualmente (ho mossexuais) até mesmo das impo sições biológicas do gênero a que pertence. Estabelecimento de um padrão de confronto/distanciamento dos países “subdesenvolvidos” com as nações “ricas” (vide pragmatismo econômi co). Aceitação tácita dos ritos de iniciação democrática como condição de ingres so ao status de nação adulta. Assunção de ideologias sócio-políti cas auto-outorgadas, ou seja, con soante inclinações nacionais indepen dentemente das expectativas dos po vos de origem e, eventualmente, até mesmo das imposições do bloco geo político a que pertencem (vide situa ção de Cuba e Nicarágua na América Latina) Adolescente Hoje / 37 isso mesmo constitui-se num amálgama de todas as tendências encontradas nos jovens das mais diversas latitudes e culturas. Em síntese, o dilema existencial dos adolescentes contemporâneos, inde pendentemente da latitude em que se encontrem ou do sistema sócio-político em que vivam, é este: como fazer um projeto de vida num mundo parado xalmente comprometido com um projeto de morte, isto é, como desenvolver-se e arquitetar seu futuro numa sociedade autofágica, que se imola diuturnamente no altar dos deuses econômicos, configurando o absurdo holocausto da espécie que se aniquila a pretexto de assegurar sua própria sobrevivência. 2—O DILEMA VOCACIONAL “Não tem sentido haver vagas para todos nas faculdades; não há campo para tantos doutores” — Maria Elizabeth L. Marsiglia, 17 anos, estudante Rev. Veja, 20/02/1 980 Ao considerarmos o dilema vocacional dos adolescentes no Brasil, iremos, ab initio, nos defrontar com a defasagem entre as aspirações profissionais desses jovens e a realidade do mercado de trabalho que lhes é oferecido. Suas expectativas inspiram-se em modelos alienígenas que estão longe de corresponder às possibilidades sócio-econômicas de nosso país, onde há uma enorme pressão social para que os jovens atinjam o estágio universitário, transformando o ingresso nos cursos de nível superior num gigantesco funil gerador de frustrações. Por outro lado, o acelerado processo de obsolescência técnica e decomposição econômica da universidade brasileira gera profissionais cada vez mais incompetentes e despreparados para ocupar espaços no já escasso mercado de trabalho existente para eles. E, “Iast but not Ieast”, o processo recessivo da economia do país faz com que muitos desses profis sionais de nível superior engrossem as fileiras dos desempregados (ou subem pregados) nos anos subseqüentes a seu egresso das universidades. E kafkiano falar-se de opções vocacionais num país como o Brasil onde as taxas de desemprego são assustadoras; isso sem se mencionar a elevada proporção de subempregos, entendendo-se por tal as atividades laborativas cuja remuneração não permitem condições mínimas de subsistência.
Como dissemos anteriormente, a imensa maioria dos jovens brasileiros não têm direito a sua adolescência, considerando-se como tal o processo de gradativo amadurecimento psicológico e assunção de crescentes responsa bilidades sociais, pois antes mesmo da puberdade já estão engajados na luta pela sobrevivência, ajudando seus pais e irmãos maiores na árdua e nem sempre exeqüível tarefa de prover os meios para a subsistência do grupo familiar. Mesmo entre os adolescentes da elite sócio-econômica, que é capaz de alcançar e cursar uma universidade, a realidade não é mais alentadora: apenas cerca de 10% dos jovens egressos de nossos cursos universitários conse guem colocação no mercado de trabalho; os restantes 90%, quando não susten tados pela família, são obrigados a desistir de suas aspirações vocacionais e disputar com os nãograduados pelas universidades a escassa oferta de empre gos existente. E até entre os que, por seu talento e competência, optam pela atividade liberal sem vínculo empregatício, há um elevado índice de desistência após alguns anos de frustradas tentativas de afirmação profissional. Não é hoje incomum em nosso país encontrarmos jovens advogados como donos de bares e lancherias, médicos abandonando o estetoscópio e o bisturi para se dedicarem à produção ou comercialização de alimentos naturais e arquitetos recémformados vendendo objetos artesanais em feiras hippies. Por outro lado, entre os que ainda cursam as universidades há um igual mente significativo índice de abandono da formação profissional que iniciaram ou freqüentes trocas de cursos, estabelecendo-se por vezes um verdadeiro périplo acadêmico a procura da vocação pretendida, denunciando com isso a insatisfação e a ambivalência dos jovens na área laborativa. Embora nos tempos atuais já não se condicione mais entre nós o filho a exercer o ofício paterno nem a filha a imitar as prendas domésticas da mãe, a crescente indecisão e os conflitos dos jovens no que diz respeito à eleição de uma profissão sugerem que a liberdade de escolha não se fez acompanhar do bem-estar esperado. Como explicar, então, essa aparente contradição entre a liberdade para escolher uma profissão e a insatisfação vocacional de nossos adolescentes contemporâneos? Há que se considerar, de início, a ocorrência de fatores intrapsíquicos, tais como a insatisfatória resolução de conflitos com as figuras (imagos) paren tais, acarretando perturbações no processo de aquisição da identidade pessoal e, conseqüentemente, fracassos quer nas escolhas profissionais como afetivas. Por outro lado, conquanto não se veja o jovem contemporâneo constran gido a decidir-se por um ofício em função das expectativas paternas ou até mesmo da escassez de opções que existiam outrora, as pressões sociais direcio nadores de sua escolha profissional são fatores determinantes do elevado índice de frustrações vocacionais. E fato notório que a sociedade hodierna privilegia o desempenho (e a competição) em detrimento da ludicidade (ou prazer da “coisa em si”). a ação em detrimento da reflexão e o condicionamento mental em detrimento da emoção. Sua ética fundamenta-se num único paradigma: a busca do Poder legitima toda e qualquer conduta humana.
Essa postura aciona inevitáveis conflitos entre as tendências vocacionais e o imperativo não só das necessidades de subsistência, como, e quiçá principal mente, do estímulo a busca de Poder, erigido em nosso momento civilizatório como o mais alto valor da condição humana: não mais apenas um meio. mas o fim colimatório das aspirações individuais. Como, por outro lado, o ser humano tem outras expectativas em sua atividade profissional que não a mera sobrevivência ou posicionamento na 4dok Hojc 39 38 / Luiz Cark Osor:o escala de valores da sociedade em que vive, aqueles jovens que alcançam a privilegiada posição de poder optar por uma atividade laborativa (e que são entre nós uma escassa minoria ainda) está cada vez mais se capacitando a exercer duas ocupações, uma das quais lhe dá o sustento e a manutenção do status social requerido e a outra lhe proporciona o prazer lúdico que o trabalho deve (ou deveria) proporcionar. “Mas essa segunda atividade, então, não é o mesmo que um hobby representava para a geração precedente?”, indagarão alguns dos leitores. Não exatamente — eu lhes responderia — porque o hobby insere-se no contexto das atividades de lazer que seguem ou intercalam com as horas de trabalho, ao passo que aquela considerada acima é uma atividade laborativa alternativa. Deste modo, enquanto nutrida pela esperança do jovem de reformular seu projeto de vida e adequá-lo aos seus desejos e não apenas às suas necessidades, essa atividade laborativa alternativa aspira em transformar-se na atividade principal e sua práxis instrumenta a criatividade que só vem a lume nas autên ticas vocações. Se quisermos auxiliar os jovens na solução de seu dilema vocacional, é mister antes de mais nada acabarmos com a mentalidade do “meu filho doutor” ainda vigente neste país e responsável pela absurda política academi zante, totalmente defasada da realidade do mercado de trabalho brasileiro. O diploma universitário há muito já deixou de ser passaporte para o sucesso profissional; hoje em dia ele habitualmente apenas assinala o fim de um longo calvário na perseguição de um objetivo ilusório, que tantas vezes nem mesmo é o do sujeito que o busca. E preciso, pois, esvaziarmos o mito do título universitário e permitirmos assim que nossos jovens busquem a realização de seus talentos ou pendores vocacionais sem exigir-lhes o sacrifício dos melhores anos de suas vidas no brete da habilitação pré-acadêmica, ameaçados pela degola da reprovação no vestibular à Universidade, vestibular esse que se tornou num dos mais estúpidos ritos de iniciação à vida adulta em nossa cultura. A circunstância de a sociedade atual privilegiar o desempenho e a compe tiçâo em detrimento do prazer lúdico da atividade laborativa predispõe à transformação da ocupação em emprego, à valorização do capital em detri mento da utilidade social do produto do trabalho, ao surgimento da ideologia do lucro fácil e todas as demais mazelas que infernizam as relações de produção em nossa sociedade.
O fulcro da crise educacional dos jovens de hoje está nesta perversão da natureza do trabalho, que os conduz ao já aludido périplo à procura da satisfação profissional. que nunca chega porque busca sustentar-se em elemen tos desgarrados da genuína fonte do prazer proporcionado pela atividade laborativa, que é o seu potencial criativo e sua inserção numa escala de valores encimada pelo bem-estar coletivo. Em suma, o dilema vocacional dos jovens contemporâneos é realizar-se profissionalmente numa sociedade que reduziu o trabalho a mero sucedâneo do Poder Econômico. 3—O DILEMA SEXUAL As investigações sobre a sexualidade juvenil levadas a efeito em vários países do continente americano, incluindo o Brasil, tem revelado alguns dados inesperados para quem supõe serem os tabus sexuais algo do passado: de um lado a evidência de quão rudimentar é ainda o grau de esclarecimento sobre a vida sexual que possuem os adolescentes contemporâneos e — o que mais nos causa espanto — como é universal essa precariedade de informa ções, independendo do nível sócio-econômico ou das vertentes culturais; de outro lado, a constatação de que na imensa maioria das situações a educação sexual proporcionada pelos pais não vai além, para os rapazes, da advertência contra os perigos das doenças venéreas e, para as moças, dos cuidados higiê nicos que cercam os períodos menstruais. A entrada em cena das escolas como mentoras da educação sexual pouco mais fez do que ampliar as informa ções sobre a anátomo-fisiologia dos órgãos sexuais e o mecanismo de repro dução. A anticoncepção, por exemplo, continua sendo tema tabu entre pais e filhos, ou professores e alunos, o que denota que os preconceitos não foram banidos, apenas mudaram de alvo. E evidente que estamos aqui falando em termos genéricos, não ignorando que existem bolsões culturais onde a temática sexual é tratada com a serenidade e objetividade desejadas. Feita esta constatação, podemos discutir o dilema sexual dos jovens con temporâneos a partir de um equívoco que, a meu ver, tem sido cometido em relação à alardeada liberdade sexual dos jovens de hoje e à suposta redução dos conflitos nessa área quando confrontados com os da geração precedente. Penso que a problemática sexual dos adolescentes de hoje não é diversa, em sua essência, daquela das gerações precedentes. Se o grau de permissividade existente é inegavelmente maior, não se acompanha, contudo, da resolução dos conflitos na área sexual. Precisamos diferenciar a liberdade sexual outor gada ou concedida pela liberalização dos costumes daquela que é conquistada pela superação, a nível individual, das inibições e preconceitos atávicos. Por isto, parece-me que a tão decantada revolução* sexual de nossa época não passou por enquanto de uma reação à repressão sexual e que só adquirirá um caráter nitidamente revolucionário na medida em que trouxer simultanea mente uma proposta de evolução para níveis mais satisfatórios de relaciona mento sexual, o que não me parece que esteja ocorrendo ainda, se conside * Revolução (Re-evolução), como a própria etimologia do termo sugere, pressupóe um novo giro na espiral evolutiva do progresso humano, conduzindo a um nível superior da estruturação — no caso, do comportamento sexual.
40 / Luiz ( O Adolescente Hoje / 41 rarmos a questão em um contexto social e não apenas nas circunstâncias de indivíduos ou grupos isolados. Nossa geração tem, no tocante à sexualidade, uma “liberalidade de facha da” que apenas identifica algumas vezes a ânsia dos adultos em recuperar o tempo e a juventude perdidos nas malhas da repressão sexual. Há toda uma escala de valores vinculada com a “descoberta” do corpo humano como fonte e destino de prazer que ainda não assimilamos ou nos confunde. Penso que cada geração terá que fazer suas próprias experiências e con quistas, seja no terreno sexual ou fora dele. O que serviu para nossa geração superar ou absorver seus conflitos na área sexual dificilmente servirá para a de nossos filhos. As vertiginosas transformações sócio-culturais de nossa época faz com que, conforme afirma M. MEAD, sejamos hoje como imigrantes no estranho território que habitam nossos filhos, com usos, costumes, lingua gem e valores tão distintos dos nossos como para os indivíduos de décadas atrás eram os de seus antípodas. Em realidade, só a superação dos próprios conflitos sexuais dá ao adulto, pai, médico ou professor, investidos da função de educadores sexuais, condi ções de ajudar os adolescentes a fazerem do sexo algo satisfatório e criativo, em lugar de um tabu que violenta a natureza humana e compromete a mais genuína fonte de felicidade conhecida: a relação amorosa e íntima com outro ser humano. No entanto, há uma considerável parcela do aprendizado dos conteúdos essenciais da vida humana que só a experiência pessoal irá proporcionar. No tocante à sexualidade talvez tenhamos mais a aprender com nossos filhos adolescentes do que a ensinar-lhes. Tenho uma vívida impressão de que os jovens de hoje estão superando muito dos arraigados sentimentos “machistas” ou “femeachistas” que ainda infernizam nosso relacionamento com o sexo oposto. Se serão mais felizes e realizados sexualmente do que somos ou fomos, isto só o futuro dirá. Tratemos por ora de não atrapalhá-los na busca de uma sexualidade mais sadia, reconhecendo humildemente nossas limitações para orientá-los. Referimos acima a questão da concepção na adolescência e pela impor tância que esse tópico adquire no contexto atual da sexualidade adolescente vamos nos deter um pouco mais em sua análise. A liberação dos costumes sexuais em nossa época e o grau de segurança proporcionado pelo aperfeiçoamento dos métodos anticoncepcionais propor cionaram aos adolescentes contemporâneos a possibilidade de alterar significa tivamente seu comportamento sexual em relação à geração de seus pais: a iniciação sexual dos rapazes já não se processa mais necessariamente com prostitutas como outrora e sim habitualmente com moças de sua idade e convivência social, que, por sua vez, já não se vêem mais constrangidas a conservar a virgindade até o matrimônio, sempre tardio se consideradas as demandas instintivas de uma sexualidade normal. No entanto, esta gradativa adequação do comportamento sexual dos jo vens a suas necessidades biológicas acarretou outra ordem de conseqüências indesejáveis, tais como o recrudescimento da incidência de doenças venéreas e o alarmante índice de concepções
entre adolescentes. Isto se explicaria pelo referido grau de ignorância ainda vigente entre os jovens quanto às possibilidades de contágio durante o intercurso sexual e quanto ao adequado emprego dos métodos anticoncepcionais. Tal desconhecimento radica-se não só na persistência de uma atividade preconceituosa, repressiva e intolerante por parte dos pais quanto à sexualidade de seus filhos (especialmente de suas “filhas”), como no descaso e numa moralidade dúbia e hipócrita por parte dos responsáveis pela saúde pública. No tocante à questão das concepções não desejadas em adolescentes, há que se mencionar ainda o desejo, consciente ou não, dos jovens em geral de testar suas condições de fertilidade. Se é verdade que os métodos anticoncepcionais que oferecem maior mar gem de segurança (pfiula, DIU) têm seus inconvenientes e até mesmo suas contra-indicações na adolescência, não é menos certo, contudo, que a interrup ção de uma gravidez indesejada por práticas abortivas traz riscos maiores do que qualquer processo anticoncepcional. Os adultos, ao sonegar informa ções e impedir o acesso de seus filhos adolescentes aos métodos anticoncep cionais estão indiretamente sendo responsáveis pelo aumento da incidência de abortos clandestinos, realizados muitas vezes por leigos e nas piores condi ções higiênicas e psicológicas possíveis. Prevenir uma concepção indesejada de uma adolescente e o aborto conseqüente é responsabilidade de todos nós, pais, educadores e médicos. O dilema sexual dos jovens de hoje assenta-se indubitavelmente na crise de valores da família contemporânea e na falência da instituição do casamento como instrumento para assegurar a estabilidade das relações afetivas e a função procriadora da espécie. Resume-se este dilema, portanto, em dar seqüência à revolução dos costumes sexuais desencadeada pela geração precedente, agora temerosa de ter sido a responsável pela abolição dos valores morais que lhe foram transmitidos e até mesmo pela extinção da família em seus moldes tradicionais. 4— DROGADICÇÃO: O DILEMA “TÓXICO” Inserido no contexto do conflito de gerações. objeto de estudo do capítulo seguinte, está a problemática do uso de drogas pelos adolescentes contempo râneos. Não penso que se possa ampliar nossa compreensão do problema sem vinculá-lo às vicissitudes do confronto generacional, com as características que assumiu nos dias que correm. Cremos que há dois grandes equívocos na questão do uso de tóxicos entre os adolescentes de hoje: 42 / Luiz Carlos Osorio Adolesc fIo; 43 1 Por parte dos adolescentes, a ilusão de que as drogas os “libertam”, quando na verdade os “suõmetem” ou “escravizam”; para escapar ao jugo dos pais ou dos “valores burgueses da sociedade de consumo”, como apre goam, deixam-se dominar pelos tóxicos e acabam manipulados pelos interesses escusos dos traficantes. 2 — Por parte dos pais, o correspondente engano de que os filhos estão, com as drogas, desafiando a moral doméstica e “protestando” contra seus hábitos de vida, quando na verdade os estão imitando; pode, de sã consciência, um pai que fuma invariavelmente uns quantos cigarros por dia ou a mãe que consome outros tantos tranqüilizantes ou pílulas para dormir, censurar seu filho adolescente porque está se “intoxicando” com maconha?
Com tais considerações não se está simplesmente procurando inocentar os adolescentes ou incriminar os pais pela incidência, reconhecidamente cada vez maior, das toxicomanias em geral entre os jovens, mas antes buscando assinalar que uma abordagem compreensiva do uso de tóxicos na adolescência não é possível sem incluir, ao lado do estudo das motivações conscientes e inconscientes dos jovens, a avaliação correta do papel dos pais e da sociedade na gênese e manutenção do problema. Dissemos acima que os jovens quando se drogam estão imitando a conduta drogaditiva dos pais e da sociedade em geral, ainda que escolhendo drogas diferentes das usadas pelos pais. Uma corroboração desta assertiva foi a da constatação feita em certo país europeu de que à medida que o alcoolismo decresceu e paralelamente o uso da maconha incrementou-se entre os adultos, idêntica curva, mas com a inversão das drogas, ocorreu entre os adolescentes, ou seja, na medida em que os pais adotavam o hábito dos seus filhos de fumar maconha, estes o abandonavam e passavam a usar a droga até então da preferência de seus pais, isto é, o álcool. Esta observação nos leva à conclusão de que os jovens divergem da geração precedente na escolha do tóxico que utilizam, mas os imitam no padrão drogaditivo. Por que os jovens se drogam? Porque a humanidade sempre usou tóxicos para aliviar suas ansiedades ou para proporcionar-se uma gratificação compen satória em situações de frustrações intensas. E se o uso de drogas incremen tou-se nos tempos atuais, outra não é a razão senão o aumento significativo dos índices de angústia (e seus equivalentes depressivos) na população em geral. Por isto, toda a política de repressão ao uso de tóxicos está fadada ao fracasso. Dirige-se às conseqüências e não às causas. Estas são complexas, de natureza intrapsíquica e sócio-econômica, o que não nos autoriza a adotar a postura do avestruz, achando que estamos solucionando o problema da drogadicção apenas com as paliativas medidas de combate ao tráfico ou com o esclarecimento aos eventuais usuários dos inconvenientes de seu uso. Para se entender a drogadicção e encaminhar-se sua solução, precisamos antes compreender o que leva um indivíduo a não consumir drogas. Quem são os jovens que não se drogam? Por que não o fazem? Quais os estratos sociais que não utilizam tóxicos ou o fazem em escala reduzida? Qual é o perfil psicossocial do não-drogaticto? Pensemos não iatrogenicamente. Reflitamos sobre o que protege o indiví duo dos rituais destrutivos da drogadicção. Pesquisemos que tipo de família ou sociedade prescinde da conduta drogaditiva. E aí estaremos nos aproxi mando das soluções buscadas. Resumidamente podemos afirmar que, do ponto de vista intrapsíquico, o padrão drogaditivo é marcado por uma significativa tendência regressiva, isto é, face à emergência de situações de angústia ou depressão, há uma busca de alívio ou proteção recorrendo a modelos primitivos de sustentação psíquica, como os vigentes no período pós-natal ou mesmo fetal. Isto explica, portanto, a preferência dos drogaditos por efeitos que os subtraiam da reali dade circundante, tal como é a condição psíquica dos recém-nascidos, ou até mesmo alcancem o estado mental “fetalizado” dos usuários das drogas ditas pesadas. Quanto às condições ambientais, sabemos que as drogas são consumidas indistintamente em todos os estratos sócio-econômicos, mas é notória sua maior incidência nos grandes centros urbanos em comparação com os pequenos núcleos populacionais interiorianos ou o
meio rural. Isto nos leva incontinenti à conclusão de que os indivíduos mais expostos à sua utilização são os que dispõem de uma precária estrutura de ego para fazer frente à carga ansiogênica da vida urbana contemporânea, organizada sob a égide do desrespeito ao humano em favor do produto material de sua atividade, numa flagrante inversão tanática de valores e que conduz à praxis suicida de uma sociedade que violenta as leis naturais e, portanto, predispõe ao uso de substâncias que em lugar de nos alimentar nos envenenam. O dilema tóxico dos adolescentes é, pois, renunciar ao prazer substitutivo proporcionado pelas drogas numa sociedade que induz a seu consumo. 44 / Luiz CarIo Osono Ado!ecentc Hojc 45
Conflito de gerações e os ritos de iniciação 6 “Si jeunesse sauvait Si vieillesse pouvait.. (adágio latino) O conflito de gerações provém de uma “defasagem” no sistema de valores de duas gerações sucessivas. Ele será proporcional à intensidade das mudanças sócio-culturais em processo numa determinada época, razão pela qual nas últimas décadas tem assumido proporções nunca antes verificadas na história da civilização ocidental. Não obstante o inegável esforço dos pais modernos para compreender seus filhos adolescentes e dialogar com eles, as gerações continuam em muitos sentidos mais separadas e incomunicáveis que nunca; isto se deve em grande parte à aceleração da reforma de costumes precipitada pelo fantástico pro gresso material e pelas conquistas da mente humana em anos recentes. Apesar de vivermos em plena “era das comunicações” o processo comuni cante entre as gerações continua emperrado e claudicante. Exigências e intole râncias de parte a parte continuam cavando uma “brecha generacional”, nem sempre evidenciável no âmbito familiar mas muitas vezes expressando-se no cerne de conflitos sócio-políticos de cunho marcadamente intergeneracional, como os que presenciamos em fins da década de 60. No fundo do abismo que se foi cavando entre os jovens e seus pais está a luta pelo poder que caracteriza a sociedade competitiva de nossos dias. Os adultos temem a ameaça representada pelo crescente poder jovem cada vez mais reivindicativo e disposto a antecipar a hora de substituir os mais velhos no comando dos destinos do mundo. A sociedade regjda pelos adultos empenha-se. então, em protelar o mais possível sua inevitável substi 46 / Luiz Carlos Osorio tuição através do expediente de prolongar a moratória adolescente com a exigência de longos períodos de estudos acadêmicos, prestação de serviço militar, exigências cada vez maiores de capacitação técnica para o exercício profissional, baixa remuneração a quem não possui nível superior de instrução, circunstâncias estas que acarretam o conseqüente retardo da autonomia finan ceira que permita aos jovens independizar-se dos pais e constituir suas próprias famílias. Já não contando mais com o primado da autoridade moral, os pais recorrem ao jugo econômico para prenderem a si e a seus desígnios os filhos adolescentes. Estes, por sua vez, não se dão conta de que sua progressiva ascensão à plenitude de sua condição física e mental e à possibilidade de realizar suas potencialidades criativas coincide com o gradativo declínio das correspondentes aptidões dos pais. As capacidades e as crescentes aquisições dos filhos adolescentes põem em xeque a posição até então inconteste dos pais como líderes e ídolos e os coloca ante a inevitável e dolorosa realidade de uma velhice e morte cada vez mais próximas. E chegada a hora de fazer um balanço em suas próprias realizações e os pais enfrentam-se agora com as frustrações decorrentes da constatação de que muitas de suas aspirações adolescentes não foram concre tizadas. Assim, à inveja do filho pelo poder sobre seu destino, de que é detentor o pai, corresponde a inveja do pai pelo vigor físico e acesso ao futuro que possui o filho; e é em torno a tais
sentimentos de inveja (elemento deteriorador de qualquer relacionamento humano) que se polariza o conflito de gerações. Na crista deste conflito delineia-se o temido espectro do protesto da juventude contemporânea em suas várias manifestações. Sem rebeldia e sem contestação não há adolescência normal. Em todas as épocas e em todas as latitudes o adolescente sempre foi um contestador, um buscador de novas identidades, testando diferentes formas de relacionar-se e ensaiando novas posturas éticas. E preciso que se lembre de que as grandes conquistas do espírito humano foram geralmente produto desta fase tão contur hada quanto criativa. Quantas obras literárias e artísticas não foram igualmente gestadas na adolescência, embora só tenham vindo à lume anos ou mesmo décadas após? O adolescente submisso é que é a exceção à normalidade. Ele é quem deve nos preocupar. Pais repressores, como sociedades repressoras, geram adolescentes submetidos, criam adolescentes potencialmente enfermos e estio lados em seu potencial criativo. Os líderes de hoje foram adolescentes contestadores de ontem. Não pode mos escotomizar isto. Se quisermos que a qualidade de vida humana não decaia nas próximas gerações não devemos impedir nossos jovens de continua rem tendo oportunidade de testar suas condições de liderança, de experimen tarem sua criatividade no laboratório da vida e de terem acesso às informações de tudo o que se passa no mundo. Se o jovem não tiver tais oportunidades de se desenvolver em liberdade e na liberdade encontrar os paradigmas de Adolescente Hoje / 47 uma vida de maior respeito ao pensar alheio, então estaremos comprometendo irremediavelmente o futuro. Vivemos hoje num mundo de egoísmos e submissão aos ditames da busca ao poder porque fomos adolescentes em uma época marcada pela guerra, pelo fratricídio, pela dissolução dos valores humanos, pelo desrespeito ao direito do próximo, pela atitude ecocida em relação à natureza que nos dá o sustento além da fruição de suas belezas; porque, enfim, somos filhos das ditaduras e opressões de todas as origens. A liberdade de contestação que dermos aos jovens tem seus inconve nientes, tem seu preço, mas é o ônus do qual não se pode escapar se quisermos que o mundo de amanhã seja povoado de criaturas pensantes, sensíveis, criati vas e capazes de alcançar melhores condições de vida e inter-relacionamento. A contestação do jovem não deve ser reprimida e sim aproveitada inteli gentemente. Com ela e através dela devemos aprender que espécie de mundo querem os jovens de hoje para viver amanhã. Lembremo-nos de que o mundo do futuro não nos pertence e sim a eles. Eles tem, portanto, o direito de opinar e optar pelo tipo de vida que pensam que lhes convêm. E não vamos lhes dizer arrogantemente que sabemos o que é melhor para eles, pois nossa alegada competência de adultos não tem criado melhores condições para nós próprios. O modelo que os pais hoje oferecem aos filhos adolescentes é o do caráter frio, narcisista, pouco afetivo, voltado para o culto do transitório, do efêmero, e para a busca obsessiva do status material, utilizando-se de fontes de prazer evasivas e causadoras de danos, quando não para si para os outros, com evidente prejuízo de sua natural inclinação para relações afeti vas que propiciem calor humano e de seu impulso para liberar seus potenciais criativos.
A ética que o mundo moderno transmite aos jovens não é uma ética de reflexão alicerçada na responsabilidade e sim de ação inspirada no oportu nismo, onde meios e fins estão confundidos e onde a violência encontra seu habitat ideal. Os adolescentes aprendem a não sacrificar o prazer de hoje pela segurança de amanhã, pois esta carece de fundamentação num mundo onde o futuro deixou de ser previsível e quiçá até mesmo de se fazer possível; igualmente aprendem que a violência é a única forma de nivelar privilégios. E aí o jovem rebela-se. Contesta. Politiza-se. E o faz antes de mais nada como reação ao sentimento de que o estão marginalizando da grande e trágica competição que os mais velhos travam pelas fatias disponíveis do bolo do Poder. Como perversão dessa luta do jovem pela afirmação no seio da sociedade surge a delinqüência juvenil, que se estigmatiza como uma das pragas sociais de nossa época, esquecendo-se de que os maiores delitos continuam sendo cometidos pelos adultos. Não estão aí as guerras agenciadas pelos adultos para sacrifício da juventude? Não são elas a expressão institucionalizada do 48 / Ju Carlos O fihicídio praticado por quem se arroga o pátrio poder sobre os filhos das nações beligerantes? Manifestações filicidas e seus equivalentes parricidas são encontráveis em todas as culturas e são o testemunho universal da rivalidade existente entre as gerações. Discutir quem cometeu o primeiro crime, se o pai ou se o filho, é como tentar estabelecer a antecedência do ovo sobre a galinha ou vice-versa. Mas ao passo que o pensamento humano priorizou os eventos parricidas na crônica das civilizações, os delitos filicidas ficaram quase sempre relegados a um segundo plano (não fosse a História um relato adultocêntrico!), razão pela qual é a eles que queremos dar ênfase aqui. Entre as manifestações filicidas que atravessaram os tempos, além do estatuto marcial que manda que as nações sacrifiquem seus jovens nos campos de batalha, encontramos a prática da circuncisão, os castigos corporais infligi dos aos filhos, os sofrimentos físicos e psíquicos que assinalam os ritos de iniciação nas civilizações primitivas e as torturas a que as gerontocracias totali tárias submetem seus prisioneiros políticos, geralmente jovens. Por que os adultos rechaçam os jovens? Por que os tratam como êmulos supostamente tolos, presunçosos e despreparados? Por que troçam de seu idealismo com a voz arrogante da experiência? Tratemos de examinar e aprender um pouco melhor as possíveis razões que motivam a conduta dos adultos em relação aos adolescentes. Do ponto de vista intrapsíquico, o comportamento dos pais frente a seus filhos adolescentes é determinado basicamente pelo grau de resolução de seus conflitos edípicos, ou seja, pelo modo como aqueles, por sua vez, se relacionaram com seus próprios pais. Tanto o rechaço sistemático quanto a identificação patológica de certos pais com seus filhos adolescentes (de quem copiam hábitos ou pautas de conduta, como veremos adiante), têm sua origem em uma situação edípica não adequadamente resolvida e posteriormente reeditada.
Assim como os filhos adolescentes, também os pais sofrem um processo de luto, pela perda de sua condição de adultos jovens, e de cuja adequada elaboração dependerá em boa parte a satisfatória convivência com seus filhos adolescentes. A chegada dos filhos à adolescência e a concomitante despedida de sua própria mocidade coloca os pais ante a irrecorrível confrontação com a reali dade de sua própria finitude. Enquanto os filhos projetam-se em direção ao futuro onde habitam suas expectativas existenciais, os pais agarram-se ao passado, na vã tentativa de eternizar uma juventude evanescente. Esta ânsia em reter os grãos da mocidade na ampulheta do ciclo vital retrata-se na patética imagem de homens maduros correndo atrás da adoles cência perdida em exercícios físicos mais além de suas capacidades orgânicas e de mulheres consumindo-se em rituais cosméticos que transformam o natural processo de envelhecimento numa melancólica exibição de decadência física. Outra não é a razão para a inversão do processo identificatório observado Adolescente Hoje / 49 nas últimas décadas, onde são os adultos que imitam os adolescentes no seu modo do vestir-se, falar ou comportar-se, no comprimento dos cabelos que usam ou nos esportes que praticam, na música que escutam ou nos bares que freqüentam, no culto ao corpo ou no exotismo das crenças, enfim, em tudo aquilo que é identificável com o poder jovem. Mas, ao lado do que é imanente no confronto entre as gerações, há elementos conjunturais a explicar a feição peculiar que assumiu em nossos tempos. Fixemo-nos, por exemplo, numa circunstância nada aleatória para explicar por que o acme das manifestações do conflito generacional em nossa época ocorreu em fins da década de 60, mais explicitamente no decorrer do ano de 68, onde eclodiram quase simultaneamente em distintos pontos do globo situações explosivas de confronto de poder jovem como o establísh ment adulto: o já célebre maio de 68 em Paris, a primavera de Praga, a matança de Tlatelolco no México, os conflitos nas universidades do oeste americano, as manifestações da esquerda jovem no Brasil, em parte respon sáveis pela edição do AI-5, e assim por diante. Ora, se recordarmos que os pais dos jovens de 68 foram adolescentes nos idos da II Guerra Mundial e tendo, portanto, sua adolescência transcorrido em meio ao sofrimento universal imposto pelo maior e mais generalizado conflito bélico da História, não estaríamos por certo exagerando ao afirmar que naquela quadra da vida onde os pais só encontraram frustrações e priva ções, seus filhos, nos anos 60, passaram a usufruir, em termos genéricos, o período de maior bem-estar material do século e eram brindados com a mais prodigiosa gama de opções de lazer jamais oferecidas a uma geração de adolescentes até então! Este nos parece ser um elemento assaz significativo a considerar para justificar a reação inconscientemente hostil dos pais aos filhos adolescentes ao final dos anos 60. Como que para confirmar nossa hipótese, é notório o declínio da intensidade do conflito intergeneracional no mundo ocidental a partir dos anos 70.
“Conhecidas as causas, eliminados os efeitos” diz, otimista, o aforismo latino. Não tão otimistas, e quiçá nem tão realistas, tampouco, faríamos coro com um idealista, médico de adolescentes, que observa: .. “talvez o mais importante seja que nós, os adultos instruídos, possamos inverter as atuais tendências de uma sociedade em direção ao aniquilamento de nosso mundo e à perversão de todos os valores e, em troca, incorporar-nos à nossa juventude num esforço permanente para construir para nós, para eles e para os que nos sucederem uma civilização melhor”. Para que isto se concretize é mister que os adultos se “conscientizem” de sua inveja aos filhos adolescentes e não a deixem interferir no seu relaciona mento com eles. Da mesma forma, os jovens precisariam temperar suas tendên cias impulsivas com a atitude reflexiva dos mais velhos, o que só conseguirão na medida em que também tomem consciência do quão invejosos são do 51)
/ Lwz Carlos Osono .
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poder que detêm seus pais, que constantemente desafiam com sua ação irrefle tida e por isto inconseqüente. OS RITOS DE INICIAÇÃO “O certo é que os adultos sempre temeram as tendências revolucio nárias dos jovens. Por isso, sob o pretexto de recebê-los cerimonio sam ente na sociedade dos “grandes”, inventaram-se os ritos de inicia ção, variados quanto à forma, mas sempre iguais na essência, pois todos visam amortecer o arrebatamento renovador do jovem, naquilo que possa interferir nos privilégios dos adultos em relação ao sexo, ao trabalho e à própria subsistência.” (Cyro Marfins) Desde os primórdios da civilização, a sociedade humana criou certos ritos ou cerimônias para assinalar as mudanças críticas na evolução de seus membros e instituições. Entre estes estão as cerimônias de entronização à idade adulta, corolário cultural do término da adolescência. Nos povos primitivos tais rituais são quase sempre marcados por conteúdos de natureza mágica, onde predominam elementos sádicos e maníacos, dos quais encontramos vestígios em muitos ritos de iniciação das civilizações con temporâneas. Tais rituais representam uma barreira colocada pelos mais velhos para dificultar o acesso dos jovens aos privilégios do mundo adulto, mas também levam o propósito de facilitar as transições de status que caracterizam a adolescência. Entre os ritos de iniciação contemporâneos lembraríamos certas cerimô nias religiosas, como a primeira comunhão dos católicos, a confirmação dos protestantes ou o barmitzvah dos judeus, o serviço militar, o baile de debu tantes e o exame vestibular às universidades. E de se observar que muitas vezes os próprios adolescentes estabelecem seus ritos de iniciação, tais como o trote universitário ou as provas exigidas para admissão em determinada “patota” ou grupo de iguais. O prolongamento do período em que os jovens são submetidos a tais ritos ou o reiterado surgimento de novas exigências para que atinjam o status adulto identificam as resistências da geração precedente em aceitar a chegada desse cada vez mais numeroso contingente de
novos e mais bem-dotados rivais no ingente esforço competitivo por um lugar ao sol na sociedade atual. Por outro lado, os jovens não são meras vítimas desse processo de retarda mento ao ingresso na condição adulta, pois igualmente contribuem para boico tar seu acesso a ela através de práticas alienantes como as que caracterizam a cultura adolescente de nossos dias. A negação das vicissitudes da convivência humana, a percepção da sofrida ascensão à autonomia da identidade adulta e a escassa tolerância ante a frustra ção de postergar certas necessidades agudizadas pelo consumismo hodierno dole Hoje / 51 são alguns fatores que estão na origem de muitos chamados movimentos contestatórios dos jovens dos tempos atuais, que quando examinados à lupa escrutinante dos métodos psicológicos e sociológicos hoje disponíveis mos tram-se muito menos contestatórios do que parecem e muito mais conserva dores do que pretendem. Na raiz desta dificuldade dos jovens de ascender à condição adulta estão as vicissitudes do processo de separação/individuação, cristalizadas em torno da ambivalência entre o desejo de crescer e a vontade de continuar protegidos no casulo original. Daí decorre a indefinição do término da adolescência, como já foi salien tado, o que nos enseja a oportunidade de discutir se e quando tal processo é interminável. Mas esta já é a temática do próximo capítulo. 52
Luiz CarIo Osono
O adolescente “problema” 7 1 — ADOLESCÊNCIA NORMAL E PATOLÓGICA A primeira e mais crucial questão com que nos defrontamos no estudo dos desvios de comportamento do adolescente é a distinção entre o normal e o patológico. A já citada expressão crise adolescente, longe de ajudar-nos a discriminar os limites entre o que é normal e o que não o é, tornou ainda mais imprecisos e interpenetráveis os territórios da normalidade e da patologia adolescente. Normalidade, para alguns, é um conceito estatístico; embora tal afirmação seja uma falácia científica, não há como negar que em psicologia o conceito de normalidade sofre significativas variações conforme o momento evolutivo do indivíduo, o meio sócio-cultural em que vive e até mesmo o instante histórico em que se acha inserida sua existência. Como afirma AJURIA GUERRA, normalidade in abstracto não existe; ela é até certo ponto uma criação no quadro de possibilidades que nos foram concedidas e das aquisições que fomos conquistando”. Para entender-se melhor o que consideramos um desvio da normalidade psíquica na adolescência, é preciso revisar brevemente a noção de sintoma. Sempre que empregamos este termo, ele nos traz à mente uma ineludível conotação patológica, ou seja, que há um desvio dos padrões tidos como normais. No entanto, em se tratando de adolescentes, sintoma não é necessa riamente indício de anormalidade psíquica e — como a própria etimologia do termo sugere — é lícito usá-lo tão-somente no sentido de “acontecimento”. Muitas perturbações do adolescente são apenas reações adaptativas normais para as circunstâncias e o momento considerado de sua evolução ontogenética. AdoIc !iojt 53 Como podemos, então, discriminar na prática o que é normal (ou seja, o que consideramos manifestações ou “acontecimentos” peculiares à crise adolescente) do que é patológico? Vamos procurar responder esta indagação utilizando-nos de um esquema referencial teórico e dois “flashes” clínicos que o tornem inteligível mesmo para os “não iniciados” em psicopatologia adolescente O esquema referencial teórico a que aludimos é o que considera o caráter psicopatológico dos sintomas na adolescência uma função de certos “módulos” ou “variáveis”, que são: 1) Intensidade 2) Duração 3) Significado regressivo 4) Polimorfismo Vejamos agora os dois “flashes” clínicos prometidos:
Situação 1 Trata-se de um adolescente que fuma maconha há aproximadamente dois meses. Começou a fazê-lo por pressão de seu grupo de iguais e concedeu experimentar em parte “por curiosidade”, em parte “para não ser diferente dos outros” e assim não se tornar antipático aos companheiros. “Puxa fumo” esporadicamente, quando lhe oferecem um “baseado”, ou então nos fins de semana, quando a turma está reunida. Nunca contatou com traficantes e toda a “erva” que lhe chegou às mãos foi por intermédio de um colega ou amigo, sem que tivesse que pagar por ela, a não ser em uma ocasião em que propuseram um “rateio” no grupo. Cumpre razoavelmente suas obriga ções escolares, tem bom vínculo afetivo com a família, pratica esportes, possui uma namoradinha e sua diversão preferida é “curtir um bom som”. Situação 2 Trata-se de um adolescente que fuma maconha há um ano e meio. Come çou a “puxar fumo” sozinho, em seu próprio quarto, quando se sentia muito angustiado ou deprimido. Inicialmente a “erva” lhe era oferecida, mediante pagamento, por um amigo que a obtinha de um traficante, que depois passou a fornecê-la diretamente a ele. Antes fumava somente quando estava “na fossa”, mas ultimamente “puxa fumo” regularmente. Até deixa de ir às aulas para “zanzar por aí, curtindo o seu fuminho”... Também abandonou os treinos de basquete (esporte que praticava) e já não “transa” com a turma do surf’. Justificando-se pelo desejo de “entrar numa boa” e “experimentar outro as tral” fez uso de ácido. Já provou umas “pancas” (comprimidos) e também “se picou”. Passa dias sem tomar banho ou alimentar-se regularmente. De certa feita furtou uma garrafa de uísque num supermercado e noutro dia participou, juntamente com o colega que lhe conseguiu “fumo” pela primeira vez, do roubo de um carro “para dar umas voltinhas apenas”... Em casa está sempre tentando “desdobrar” os velhos para “descolar mais uma nota” 54
Luu C Qsor)()
e quando não obtém o que quer agride os pais com palavrões e sai chutando portas e móveis. Atualmente não tem qualquer relacionamento afetivo com jovens do sexo oposto e sua atividade sexual se restringe a ocasionais encontros com prostitutas, com as quais limita-se a prática de “felácio” e coito anal, geralmente com características sádicas. Na situação 1 estamos diante de um sintoma (uso de maconha) de início relativamente recente e de moderada intensidade ou freqüência, sem ocorrên cia de outras manifestações psicopatológicas e cujo significado regressivo é comparável a outros hábitos orais socialmente incorporados à condição adulta, tais como o de “fumar tabaco”. Conseqüentemente, tal sintoma, a nosso critério, não é identificável com um quadro psicopatológico. Tratam-se, ape nas, de manifestações da crise adolescente. Já na situação 2 temos um quadro com marcadas características regressivas (isolacionismo, abandono da escola e esportes, desleixo pessoal, deterioração do convívio familiar e social), onde a intensidade do sintoma é identificável pela busca de drogas de efeitos gradativamente mais potentes e a persistência no tempo (um ano e meio) já é significativa, encontrando-se ainda associadas ao emprego de drogas outras manifestações psicopatológicas (furto, conduta agressiva, perversões sexuais) que assinalam a presença do que denominamos polimorfismo sintomático. E, pois, conforme o consideramos, um
quadro definidamente patológico. Trata-se, então, do que denominamos de um síndro me delinqüencial. Obviamente, entre as duas situações extremas consideradas acima há um continuum de situações intermediárias, cujo caráter normal ou patológico nem sempre é assim tão facilmente identificável. Há que considerar-se ainda que o esquema referencial dos “módulos” ou “variáveis” dos sintomas, conforme o apresentamos aqui, obedece a uma finalidade eminentemente didática e não deve ser tomado como um modelo simplista para reduzir os fatos clínicos a uma abordagem perfunctória e, portan to, inadequada. 2 — CONDUTA E PSICOPATOLOGIA DO ADOLESCENTE Por que o adolescente expressa predominantemente na ação ou conduta sua psicopatologia? E notória a tendência à impulsividade por parte do adolescente; nada o definiria melhor do que o mote paradoxal da canção: é um indivíduo que “age duas vezes antes de pensar”. Diz-se que o adolescente sistematicamente “atua” seus conflitos e isto o estigmatizou como ‘o paciente intratável”. por considerarem-no um delinqüente em potencial. Até hoje, apesar da multiplicidade de explicações surgidas, dá-se como ainda não bem-estabelecida a compreensão desta tendência impulsiva do ado lescente. Alega-se desde a explosão instintiva com raízes na biologia da adoles Adoie Ho / 55 cência até as suas dificuldades na aquisição do pensamento abstrato e que o levariam a expressar seus sentimentos num nível mais concreto, como é o corporal. Equivocadamente somos muitas vezes levados a interpretar a “tendência à ação impulsiva” como patognomônica da psicopatologia adolescente. Digo equivocadamente porque não raro o adolescente está usando a “ação” como a maneira que lhe é peculiar de tentar pôr ordem no caos mental em que eventualmente o jogo a crise que atravessa. “A ação” neste caso é uma forma de dar continente às ansiedades confusionais características do processo puberal. Por outro lado, ao usar usa r a “ação” em lugar da “reflexão” “reflexão ” (mesmo quando as circustâncias exijam o contrário) o adolescente está evidenciando as vicissitudes de seu processo de substituição do “concreto” “co ncreto” pelo “abstrato”, que é indicativo do advento dos do s estratos superiores da função cognoscitiva e que caracteriza a mente adulta. Entendemos a conduta impulsiva típica do adolescente como vinculada intrinsecamente a vicissitudes de sua crise de identidade. Como sabemos, o processo puberal provoca uma situação de caos intrapsíquico, transitório e reversível, mas que marca indelevelmente o comportamento do indivíduo nesta fase do desenvolvimento. De um lado o pressionam as pulsões instintivas exacerbadas e, de outro ou tro lado, as exigências familiares quanto a um novo e desconhecido posicionamento social, sem que ele conte ainda com um equipa mento cognoscitivo e um patrimônio afetivo capaz de ajudá-lo a absorver efetivamente essa dupla tempestade endo e exopsíquica que o atormenta.
O adolescente, então, atua. E, atuando, delinqüe. Delinqüência, como lembra BLOS, é um termo sociológico com referências condutuais e psicoló gicas ainda mal definidas. Compara ele o estado de delinqüência ao estado de “febre” no campo clínico, sem que os dados disponíveis permitam por si só assinalar uma causa específica ou caracterizar uma entidade nosológica precisa. Tudo o que podemos inferir da delinqüência é que o indivíduo e o ambiente se encontram em estado de violenta discordância. Em resumo, a psicopatologia peculiar ao grupo etário adolescente caracte riza-se fundamentalmente por alterações na área comportamental, onde o adolescente, na impossibilidade de superar seus conflitos com o mundo que o cerca, protesta contra o modo como este está estruturado e tem como objetivo transformá-lo em lugar de modificar-se. Esta talvez seja uma maneira demasiado simplista de abarcar a psicopatologia específica da adolescência. mas como não é nossa intenção entrar aqui em maiores digressões técnicas, creio ser esta a melhor síntese que podemos oferecer da essência da proble mática adolescente: o conflito eu-mundo externo, decorrente da própria neces sidade evolutiva de diferenciar-se e individuar-se do adolescente, quando exa cerbado, dá origem aos distúrbios de conduta, responsáveis pela imensa maio ria das consultas aos especialistas nesta faixa etária. 56 / Luiz CarIu Osorio 3 — O ADOLESCENTE “PROBLEMA”: COMO ABORDÁ-LO Se até agora tentamos discriminar quando um adolescente necessita aten ção especializada, agora nos encontramos frente a necessidade de alinhavar os recursos que dispomos para ajudar o jovem problematizado. Um dos equívocos mais freqüentes cometidos por pais de adolescentes (e incrivelmente compartilhado por muitos especialistas da área) é a crença de que o comportamento perturbador de seus seu s filhos pode ser eliminado através da ajuda psicoterápica, bastando b astando para isto que os pais tragam o filho adoles cente ao consultório do especialista. Ora, a psicoterapia de adolescentes não é uma panacéia p anacéia universal e suas limitações, conhecidas de de todos que a empre gam criteriosamente e dos que a procuram sem expectativas mágicas, deri vam-se de certos determinantes tão óbvios quanto negligenciados por quem busca ou faz uma indicação de atendimento psicológico nesta fase evolutiva. Para que uma psicoterapia de adolescentes seja bem-sucedida — qualquer que seja a vertente teórica que a sustenta e independentemente da técnica ou qualificações de quem a maneja — é necessário que sejam preenchidas três condições básicas: 1) Que o adolescente tenha motivação para tratar-se, isto é, que venha à psicoterapia por vontade própria e não por imposição dos pais. 2) Que a perturbação emocional que apresente ocasione mal-estar e sofri mento para o próprio adolescente, não somente para p ara seus pais e/ou circuns tantes. 3) Que o adolescente revele possibilidades de introspecção e percepção da natureza íntima de seus problemas — aquilo que em linguagem técnica chamamos “irisight” —, ou seja, que aceite a origem intrapsíquica das pertur bações que apresenta em seu modo de pensar, sentir ou agir e se disponha a buscar em si mesmo e não no que ou nos que o rodeiam a
origem de seu desconforto psíquico (angústia) ou social (reiterados conflitos com adultos ou outros adolescentes). Esclarecendo melhor, há certos distúrbios de conduta apresentados pelos adolescentes que são “egossintônicos”, isto é, não são reconhecidos pelo ado lescente como alterações de seu padrão comportamental, sendo geralmente gera lmente atribuídos à falta de compreensão ou tolerância de familiares e adultos em geral. Em tais casos, toda a ajuda psicoterápica esbarra num obstáculo inicial que a compromete e geralmente leva ao fracasso. Só na vigência dos três pré-requisitos enumerados acima uma abordagem psicoterápica terá condições de instrumentar modificações no estado psicopatológico que apresente o ado lescente. “Mas então, que alternativas se nos oferecem quando não se verificam tais condições?”, devem estar a indagar-se alguns pais aflitos que nos lêem. Como a grande maioria dos problemas apresentados pelos adolescentes são direta ou indiretamente expressões de seus conflitos com a geração prece dente e de sua discordância com os valores sócio-culturais vigentes, sempre Adolescente Ho;e / 57 nos restará a possibilidade de fazer uma abordagem sistêmica do problema, isto é, considerá-lo como um emergente de um sistema familiar que está em sofrimento e que merece atenção e ajuda como um todo. Em outras palavras, se os pais puderem suportar a ferida narcísica que representa admitir que são parte integrante do problema e se dispuserem a aceitar encará-lo sob esta perspectiva, e se os irmãos e demais componentes do grupo familiar estiverem dispostos a colaborar, então estaremos aptos a propor uma aborda gem da família como paciente, buscando soluções coletivas e não individuais. Há quem, entusiasmado pelo alcance e possibilidade da terapia familiar, sugira ser ela o recurso finalmente encontrado para abordar situações inabor dáveis com as técnicas utilizadas até então; esta atitude, além de revelar uma perigosa tendência ao “misticismo científico”, promete incorrer em outra das tantas ilusões no progresso das ciências humanas, ao querer transformar em panacéia universal, o que certamente é apenas mais uma valiosa contri buição ao campo das psicoterapias, permitindo que se ampliem suas possibi lidades de minorar o sofrimento sofr imento causado pelos distúrbios mentais aos que estão circunscritos em seu raio de ação. E com que outros meios contam os especialistas para ajudar os adoles centes e seus familiares, na eventualidade de que sejam satisfeitos os pré-re quisitos referidos? De um modo muito sumário, dadas as intenções deste livro e o público leitor a que se destina, faremos menção, a seguir, a outros métodos psicote rápicos com os quais estamos familiarizados, sem que isto implique obviamente em menosvalia ou descrédito de outras abordagens existentes. Antes de referir os métodos psicoterápicos propriamente ditos é preciso mencionar, pela importância social de que se revestem, aquelas que se consti tuem na linha de frente da batalha pela saúde mental da população adolescente: a dolescente: são elas a orientação a pais e seus filhos adolescentes feitas por pediatras e clínicos em geral, conscientizados da transcendência de sua função de “mé dicos da família”, e o
aconselhamento realizado nas escolas por pedagogos, psicólogos e assistentes sociais, de cuja habilidade no manejo das situações do cotidiano existencial dos jovens depende o êxito do enfoque preventivo que hoje preside qualquer ação em prol da saúde e bem-estar da comunidade. Passando a discorrer sobre os recursos psicoterápicos do especialista. além da já mencionada abordagem do grupo familiar como paciente, destaca ríamos os seguintes procedimentos, com suas respectivas indicações: Psicoterapia de Grupo — é, no meu entender, um dos recursos psicote rápicos mais valiosos nesta faixa etária, por corresponder à natural inclinação dos adolescentes de procurar no grupo de iguais a caixa de ressonância para suas ansiedades existenciais. Suas principais indicações seriam as crises no processo de aquisição da identidade adulta (onde se inserem as relacionadas com as escolhas afetivas e profissionais) e os problemas de relacionamento com outros adolescentes. 58 / Linz Carlos Osorio A grupoterapia com adolescentes pode ser feita segundo distintos marcos referenciais teóricos. A técnica oriunda do modelo psicanalítico é a de uso mais corrente em nosso meio. Eventualmente podemos empregar a via dramá tica além da verbal, como veículo de expressão e elaboração dos conflitos do adolescente, quando então estaremos em presença da técnica denominada psicodrama. Penso que pela tendência grupal manifestada pelos adolescentes, o grupo é a matriz dinâmica onde melhor podemos acompanhar e entender a expressão de seus conflitos, ensejando-lhes sua resolução dentro e através do próprio grupo de iguais. Psicoterapia focal — é aquela modalidade técnica que busca centrar o atendimento no “ponto de urgência”, isto é, no foco tensional em questão, considerando-se como tal momentos traumáticos na vida do jovem, tais como a realização das provas de competência intelectual ou física, ocorrência de doenças orgânicas incapacitantes, acidentes, divórcio dos pais, morte de pes soas amadas e assim por diante. A identificação do fator desencadeante da perturbação apresentada pelo adolescente é o elemento nodal para o bom êxito desta abordagem psicote rápica. Muitas das situações referidas acima não conseguem ser debeladas com a psicoterapia focal porque há “pontos débeis” na estrutura da personalidade desses adolescentes, necessitandose, então, recorrer à abordagem psicana lítica. Psicanálise — é uma técnica que visa fundamentalmente à pessoa, não às suas perturba ções ou sintomas, e estaria indicada sempre que o objetivo fosse explorar em profundidade os conflitos apresentados pelo adolescente, vinculando-se com suas motivações inconscientes; em outras palavras, quando houvesse um estancamento no projeto de vida do adolescente por situações crônicas de insatisfação pessoal, que geralmente estão associadas a distúrbios neuróticos bem-estabelecidos (como presença de crises de ansiedade, obses sões, fobias, manifestações conversivas) ou na eventualidade mencionada, ou seja, quando não pudessem superar uma situação traumática superveniente em função de uma frágil estrutura de personalidade subjacente.
De todos os métodos referidos é a psicanálise o que exige mais estrita mente o preenchimento, por parte do adolescente, dos pré-requisitos aludidos: desejo de analisar-se, consciência de que nele e não no meio ambiente está o fulcro de sua problemática e possibilidade de visualizar e compreender as motivações inconscientes de seus procedimentos. Ambientotera pia — nos casos de adolescentes com distúrbios mentais graves, com risco de conduta auto ou heterodestrutiva, há necessidade de institucionalizá-los. As modernas clínicas ou comunidades terapêuticas”, como são chama das, são estruturadas de modo a constituir uma matriz sócio-familiar seme Adolescente Hoje / 59 lhante ao ambiente de onde provêm os pacientes adolescentes; a tônica do atendimento é posta, então, no modo de funcionar desse ambiente substitutivo. A ambientoterapia objetivaria criar um clima de tolerância e absorção das manifestações regressivas do adolescente perturbado, ensejando-lhe mais adaptadas satisfações de suas necessidades instintivas básicas e permitindo-lhe utilizar os núcleos íntegros ou sadios de sua personalidade na busca de novos padrões transacionais com o mundo externo. 60 / Juiz Carlu Oçur,o
Em busca da adolescência perdida. o mito fáustico 8 “Se um dia eu disser ao momento fugaz Continua aqui! Es belo! Não te vás! Poderás algemar-me a bel-prazer...” (do FAUSTO de GOETHE) Não, não é dos jovens que quero falar agora. O título que encima este capítulo não se refere, como pode fazer crer, à juventude perdida ou transviada nos descaminhos da delinqüência, da drogadicção ou da perversão dos valores éticos em geral. E aos adultos que me refiro aqui. Aos adultos de hoje que correm desesperadamente atrás de suas adolescências perdidas, tal como meta foricamente o expressa essa plêiade de homens e mulheres, na “flor de sua meia-idade”, que enfiados em seus vistosos abrigos esportivos praticam jogging nas alamedas de nossos parques urbanos. Nada contra o exercício físico, salutar prática que nos redime do sedentarismo hodierno. Ressalve-se, contu do, que, sob a alegação de que estão a cuidar da saúde e do corpo, um imenso contingente de adultos, inconformados com a perda de sua mocidade, lançam-se a um culto fanatizado à forma atlética, incidindo em exageros mani festamente iatrogênicos; assim, onde se pretende a saúde gera-se a doença e o desejo de postergar a velhice acaba muitas vezes por antecipar a morte. Esses indivíduos, que alimentam a ilusão de congelar o tempo existencial através do mimetismo com a juventude que os rodeia, tratam de copiar hábitos e modas dos adolescentes, dos quais imitam desde o corte dos cabelos e a maneira de vestir-se até a forma de comportar-se ou o modo de falar, expressando-se em suas gírias, praticando seus esportes e hohhies favoritos, freqüentando seus templos de lazer, práticas que caracterizam um curioso Adolescente Hoje / 61 e invertido processo de assimilação que se constitui hoje num fenômeno cultu ral em franca expansão e a merecer mais do que a simples menção num livro dedicado ao estudo da juventude contemporânea. Por outro lado, são esses mesmos adultos que, no afã de reter a mocidade que se lhes escapa, alternam o culto ao corpo, à saúde e à mística do poder jovem, com o ritual do consumo de tóxicos, tal qual faustos modernos ofere cendo seu devir existencial em troca de efêmeros instantes de prazer advindos da negação onipotente da realidade fática de sua finitude humana. Fausto, a lendária figura que passa a freqüentar as sagas míticas a partir de meados do século XVI, e que pontifica na magistral obra de GOETHE, tornou-se símbolo do desejo humano de sobrepor-se a seu próprio destino.
Assim como há distintas versões de Fausto, há inúmeras leituras de sua concepção mítica. Há quem ponha ênfase na alegoria sobre a sempiterna luta entre o Bem e o Mal, o triunfo final do espírito que afirma sobre o espírito que nega, a disputa entre Deus e o Diabo pelas almas além-túmulo, a redenção dos espíritos pelo arrependimento cristão, e assim por diante; há quem prefira, contudo, encará-la sobre a ótica das transformações que assinalam o advento da modernidade, ideologizando Fausto como protagonista prototípico da tragédia do desenvolvimento humano através do processo civili zatório. Há quem ponha acento na feição romântica do herói fáustico e há quem se fixe na sedução mefistofélica. Entre tantas acepções do mito fáustico tomaremos a que considera o pacto com o Diabo um retorno à mocidade em troca da própria alma ofertada à voragem dos infernos após a morte do corpo. O tempo é o crédito em questão e a Fausto pouco importa contabi lizá-lo no instante do pacto, pois como afirma o Príncipe das Trevas (no “Doutor Fausto”, de T. MANN), “nós concedemos tempo, muitíssimo tempo, tempo em abundância, tanto tempo que nem se precisa pensar no fim — estamos longe dele”, criando assim a ilusão da juventude eterna. Bacalaureus, o arrogante bacharel que troça da própria velhice do Diabo no Fausto de GOETHE, é o arauto primevo desse culto à juventude que há que conservar-se a todo custo, mesmo contrariando a elementar lei do ciclo vital, ao afirmar — em mote hoje assaz festejado — que “se alguém passou dos 30 anos, podemos tê-lo já por morto”. Ouçamos na íntegra a fala do personagem, incensando a condição jovem e abominando a senectude: “É presunção da mais primária alçada Querer ser algo, quem não é mais nada. A força humana é o sangue, e onde se movem Seus fluxos mais do que em veias de um jovem? Lá tudo flui potente, algo se faz. Cai o que é fraco, medra o que é capaz. E soro vivo em sua nova energia, Que vida nova, em si, da vida cria. 62 / Luiz Carlos Osono Enquanto conquistamos universos, Que tendes feito? cochilado, imersos Em sonhos de velhice, febre fria Que pesa, idéia inúteis planos, Estéril geada: fadada ao aborto; Se alguém passou dos 30 anos, Podemos tê-lo já por morto; Oxalá em tempos de vós dessem cabo”.
E prossegue, à juventude concedendo a própria glória da criação: “Da juventude, esse é o teor mais fecundo Antes de eu criá-lo, não havia o mundo”. Outro não é, da mesma forma, o sentido da trasmutação bíblica proposta por Fausto nos prolegômenos da tragédia, substituindo o “Era no início o Verbo” por “Era no início a Ação”, tão mais ao gosto e feição do espírito adolescente. E a aspiração fáustica de reter para sempre o momento fugaz da adoles cência que leva os pais a tentar impedir, ou ao menos retardar, o crescimento dos filhos, não só pelo receio de que esses tomem seus lugares na sociedade mas, sobretudo, para não se sentirem empurrados inexoravelmente para a velhice e a morte. Quando jovens procedemos como se a eternidade fosse atributo indisso ciável da condição humana; quando, finalmente, percebemos a areia escoan do-se inapelavelmente na ampulheta da vida, nossa inconformidade nos leva a querer restaurar a adolescência que se foi, através de um mimetismo compe titivo com nossos filhos, responsável pelo mal-estar entre as gerações que vigora neste fim de século. Aí está, quem sabe, o grande impasse da existência humana nesse limiar de um novo giro na espiral civilizatória, pois, se os adultos não puderem aceitar a irrecuperabilidade de suas adolescências e não souberem renunciar a qualquer tentativa mágica de recuperá-las, acabarão por sucumbir ao impulso tanático de destruir quem lhes impõe a consciência de sua finitude, ou seja, os jovens. Esta imolação invejosa das futuras gerações poderá ocorrer menos através de uma hecatombe nuclear, que igualmente anteciparia o fim da atual geração adulta, do que pelo lento e gradual processo de destruição ambiental (ecocídio), que roubaria dos jovens de agora a possibilidade de vida futura, tal qual dela os adultos de hoje sentem-se privados pela implacável lei do ciclo vital. O ideal fáustico de retorno à mocidade gera-se sob a égide de Hyhris. Hybris, a soberba, divindade alegórica da mitologia greco-romana, que despre za as limitações impostas pelo princípio da realidade e desconsidera o direito alheio. A ela rendemos homenagem quando saímos à procura de nossa adoles cência perdida. Ado!escentc Hojc
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O adolescente do ano 2000: uma visão prospectiva 9 eu acho que somos nós (e não o destino) quem faz do amanhã um novo dia” (Gabi, uma adolescente de 13 anos, 1984) “De médico e louco, cada um tem um pouco”, diz o adágio. “Não há quem a profeta, fez por outra não se meta”, aduziria eu, pedindo escusas pela rima anafônica. O fato é que a prospecção ao futuro é inerente ao pensamento humano. E fez-se de Nostradamus a personificação mítica desse impulso epistemofílico a remexer as entranhas do porvir, que acompanha a espécie desde que se fez bípede e pôde com o olhar sobranceiro antever o destino de suas flechas. Afirmam os filósofos que o que caracteriza a condição humana é a capaci dade de o Homem refletir sobre si mesmo — isto é o que na essência o distingue dos animais. E neste re-fletir-se sobre si mesmo está sempre presente a indagação sobre seu devir existencial. O passado é um tempo congelado: por mais que o exploremos nada há que nos revele que não venha impregnado do “déjá connu”. O presente esgota-se no instante que transcorre, sem permitir ao menos que o transfixemos com a reflexão, pois esta é irremissivelmente mais lenta que o átimo existencial. Só o futuro nos oferece o lúdico prazer de criar realidades prováveis ou possíveis com nossas fantasias prospectivas. Como será o adolescente do ano 2000? Antes de mais nada, será um indivíduo inteiramente alfabetizado pela informática, contando com um código semiótico que para seus pais ainda fora como uma língua estrangeira, jamais a materna. Por mais que nossa 64 / Luiz Carlos Osorio geração aprenda a dedilhar as teclas dos computadores, sempre falaremos nela com o sotaque de quem fez sua automação gráfica nas máquinas de escrever. Nelas tatibitatiamos nossas primeiras letras impressas e nunca nos livraremos inteiramente dos vícios solipsistas daí provenientes. A linguagem dos computadores será a língua materna e universal dos adolescentes na virada do século. A eles caberá, então, o privilégio de aposen tar o mito da Torre de Babel. E no entendimento da fala virá, quem sabe, o dos povos e nações. Ao adolescente de amanhã tocará viver num mundo globalizado pelos meios de comunicação. Isto significa, possivelmente, o des terro definitivo dos preconceitos tribais da espécie humana. Da possível superação de outros preconceitos — como o sexual — já falamos. Vamos nos deter agora na hipotética criação de uma sociedade sem classes, sem ódios raciais ou religiosos, sem confrontos bélicos, que será a tarefa cruc ial dos jovens do futuro, se o gênero humano sobreviver aos tempos de violência predatória e auto-imoladora que atravessamos.
Não resolvemos ainda — e quiçá nunca o façamos inteiramente — a adequada distribuição dos bens e riquezas entre todos os seres humanos, fulcro das preocupações e do confronto entre as duas grandes correntes sócio-e conômicas e políticas do século: capitalismo e socialismo; mas já os jovens, que, como os poetas, antevêem o futuro, nos convidam a abandonar a polari zação entre “direita” e “esquerda” e assumirmos decididamente a preocupação maior do gênero humano neste limiar do milênio, que é a de nossa própria sobrevivência como espécie. Esta preocupação já está se estruturando numa nova proposta sócio-política que está galvanizando a juventude contemporânea e será a pedra-de-toque das reivindicações dos jovens do ano 2000: o ecolo gismo. O adolescente de amanhã não estará mais polarizado, como estivemos, entre a direita capitalista e a esquerda socialista, e sim entre o industrialismo conservador da 2 onda civilizatória e o ecologismo revolucionário de nosso próximo estágio evolutivo. E no fluxo da corrente ecológica que se plasmará a identidade política do jovem no raiar do próximo milênio. Não tenho dúvidas de que a ideologia ecológica, em comunhão com o progresso tecnológico. pavimentará a práxis societária dos jovens nas próximas décadas. A chaminé das fábricas cede passo ao hip-bip dos computadores no advento da era da informática e esse evento histórico marcará indelevelmente o perfil do compor tamento adolescente nos próximos anos. O computador, que nessas primeiras décadas de sua existência tornou-se o símbolo por excelência de uma civilização massificada, ao que tudo indica terá destino diverso nas mãos dos jovens de amanhã, que esboçam crescentes sentimentos de revolta contra a tendência despersonalizante que permeia as conquistas tecnológicas em curso. Há entre os jovens um nítido anseio de substituir o serialismo massificador da educação que lhes é ministrada pelo saber artesanal, proposta emergente na cultura adolescente do século que chega. Não mais o conhecimento linear, Ado!i Ho
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padrão causa-efeito, que norteou a evolução científica até agora, mas o conhe cimento circular que demanda um constante questionamento aperfeiçoador através dos mecanismos de retroalimentação. E isto deverá ocorrer não apenas no campo intelectual, mas igualmente no das relações humanas. Paradoxal mas compreensivelmente. os jovens estão se tornando os cultores de tradições e práticas de convívio social que abandonamos. Enquanto a atual geração de adultos rege-se pelo primado da ideologia consumista, os jovens buscam propostas alternativas de vida e atividades laborais que privilegiem o ser em lugar do ter. São eles os responsáveis pela redescoberta do artesanal, revalori zando o indivíduo que produz o que necessita em lugar do produto que se impõe a quem o consome, conforme os mandamentos da sociedade industrial do século XX. O advento do milênio trará, na crista das transformações propugnadas pelos jovens, o retorno do “feito à mão” em lugar do “feito à maquina” e a conseqíiente aposentadoria gradativa das chaminés poluídoras, tudo em consonância com a ideologia ecológica que, como dissemos, deve impregnar a consciência juvenil nesta virada de século.
No confronto entre as Ciências Tecnológicas e as chamadas Ciências Humanas, os jovens tendem a optar pelas últimas, quanto mais não seja como a reação de cada geração à ação da anterior. Nosso pragmatismo tecno científico tem sufocado quaisquer aspirações de caráter humanista nesta quadra finissecular. Os jovens já nos emitiram seu sinal de alerta, reivindicando um mundo onde as emoções não se subordinem ao intelecto, mas possam com ele conviver em estado de harmônica cooperação. O perfil de um jovem executivo dos anos 80 pode-se traçar, como já o fizemos, como o de um indivíduo frio, narcisista, egocêntrico, voltado para a colimação de ambições materiais e fazendo da espoliação ao meio ambiente em seu proveito pessoal o traço predominante de sua trajetória individual. O perfil do adolescente do ano 2000, esboçado a partir das considerações feitas até aqui — e nem tão fantasioso e idealizado quanto possa parecer, porque alicerçado na conscientização de que é sua sobrevivência como indiví duo e espécie que está em jogo — será ode um indivíduo basicamente preocu pado em preservar a natureza de onde extrai não só o seu sustento como também sua alegria de viver. Estará ele direcionado pela noção de que, numa aldeia global como esta em que o mundo se transformou, os objetivos indivi duais não podem estar dissociados dos coletivos e, portanto, tenderá a regular seus padrões de convivência pela aspiração ao bem-estar comum. A apologia do êxito e o culto ao supérfluo, elementos balizadores da sociedade contemporânea, serão o alvo preferencial dos questionamentos dos jovens dentro de uma década. Haverá um gradativo enfraquecimento das noções de deveres cívicos e patriotismo, substituídos pelos valores éticos emer gentes de uma sociedade globalizada pela informatização. A diversidade de opções deverá prevalecer sobre a padronização das oportunidades na esfera das atividades profissionais dos jovens de amanhâ 66 / Luiz C O estes tratarão, então, de opor-se a todas as tentativas de burocratizar e centra lizar o processo laboral, tratando de descentralizá-lo democraticamente. Diver sificar, individualizar, descentralizar — estas serão as palavras de ordem n a sociedade laborativa a ser criada pelos adolescentes do século XXI. A atual economia clandestina, origem e destino da atividade artesanal, será institucio nalizada no futuro, bem como a prática coletivizada do “mutirão”, solução alternativa para a obsolêscencia da programação comunitária centralizante e desumanizadora das administrações públicas vigentes. Para todas estas transformações sociais que forçosamente terão que seguir- se aos avanços tecnológicos contemporâneos, é indispensável contar com a capacidade sonhadora e criativa dos jovens, sua disponibilidade para despo jar-se de modelos que a experiência tornou obsoletos e, sobretudo, sua cres cente convicção de que é o futuro e não o passado que referencia o progresso social. O colapso ideológico finissecular aposentando definitivamente, por ana crônicos, os modelos capitalista e socialista de pensar a realidade sócio-eco nômica e política, dará ensejo a que os jovens do ano 2000 dêem à luz novas concepções ideológicas, mais
consentâneas com o novo mundo criado pela aceleração das mudanças tecnológicas, que trazem em seu bojo a necessidade urgente de revisarmos as estruturas sócio-políticas que lhes darão sustento no porvir. Há quem receie que inevitavelmente haverá uma onda saudosista, uma reação ao pragmatismo materialista deste ocaso do século XX, e que os jovens nos próximos anos sucumbirão ao desejo de reviver utopismos bucólicos à la Russeau ou, bem pior que isto, como resposta à indefinição ideológica presente, ressuscitem antigas fórmulas totalitárias com suas equivocas pro messas de estabilidade social. Não creio, contudo, que o advento do milênio presencie, no plano sócio-político, uma glorificação do passado ou a exaltação de um estilo de vida calcado na opressão da maioria em benefício de uma escassa parcela da sociedade. Atenas, que se imortalizou como o berço da democracia, mas, na verdade, só o foi para uma elite cuja sobrevivência alicerçava-se na escravidão de muitos, já não seduz os jovens de agora, empe nhados em denunciar todas as formas de opressão, não apenas aquelas que se exercem sobre maiorias desqualificadas como as que tiranizam as minorias esclarecidas. Crescerão entre os adolescentes do século que chega os protestos contra as diferentes formas de estupidez humana, como as que conduzem ao exter mínio mútuo proposto pelas guerras. São os jovens que lideram hoje os movi mentos pacifistas em todo o mundo, bem como o esforço de aproximação entre judeus e árabes, entre coreanos do norte e do sul ou entre brancos e negros nos conflitos raciais do sul dos Estados Unidos. Serão os jovens certamente que, a partir da consciência adquirida nos vietnames do século sobre as práticas filicidas de governos helicistas, advogarão a extinção dos serviços militares obrigatórios, odiosa prática que, sob o manto Adolescente Hoje / 67 enganador do dever cívico, esconde mal disfarçadas intenções homicidas que solapam o ideal humanitário de confraternização universal. Em suma, os jovens do ano 2000 estarão comprometidos, como estiveram os jovens de sempre, com as “re-evoluções” que balizam o progresso civiliza tório na direção do BemEstar individual e coletivo, aspiração última do Homem em seu périplo existencial. 6 / Iwz ( O
Apêndice Conversando com adolescentes, pais e professores (perguntas e respostas) Para organizar este apêndice, foram selecionadas algumas das mais de 300 perguntas feitas por adolescentes, pais ou professores em quase uma centena de aulas, palestras e conferências que ministrei ou painéis, mesas-re dondas e congressos de que participei no país e no exterior. Distribuímos as perguntas e suas respectivas respostas em itens correspon dentes aos temas ventilados nas páginas anteriores, para facilitar aos leitores sua procura específica. Acrescentamos, ainda, outros tópicos emergentes dos questionamentos propostos pelas platéias dos referidos eventos. Este apêndice é destinado, sobretudo, à “leitura leiga”, isto é, aos não-ini ciados na “adolescentologia”, ao passo que os capítulos precedentes diri giam-se predominantemente à “leitura especializada”, ou seja, àqueles profis sionais da área das ciências humanas que buscam complementar seus conheci mentos relativos à problemática adolescente. Não obstante, assim como procurei manter o conteúdo do restante do livro acessível à leitura leiga, leva igualmente este apêndice a intenção de ser útil a todos, indiscriminadamente, e, portanto, merecedor também da leitura especializada, por preencher as lacunas inevitáveis na redação de um texto corrido. As digressões e comentários que poderiam ter comprometido a fluência do texto tem aqui, pois, o que me parece ser seu locus apropriado. Obviamente, as respostas a seguir vertidas em linguagem escrita não correspondem exatamente às então dadas verbalmente, embora conservem seu espírito. Acrescente-se, como última observação, que não tem elas agora, como, não tiveram na ocasião, qualquer pretensão de esgotar o assunto e muito menos de propor-se como um vade-mecum, o que, além de se constituir Adolescente Ho;e / 69 em prática inconciliável com a relatividade dos conceitos expostos em área de tamanha subjetividade, como a que é objeto de estudo deste livro, violen taria o espírito adogmático do autor. O ADOLESCENTE E SEU CORPO O que é a imagem corporal e qual sua importância para o adolescente? A imagem corporal, ou seja, a idéia que o indivíduo tem de seu próprio corpo, sofre um processo de contínua e acelerada reformulação até plasmar-se o corpo adulto definitivo. Como na mente do(a) jovem há uma espécie de protótipo idealizado dessa imagem corporal (formada a partir dos valores estéticos com respeito à forma humana que lhe são transmitidos), via de regra ocorre um conflito entre a imagem fantasiada desse modelo idealizado e a imagem real de seu corpo em transformação. Essa é a raiz das ansiedades do adolescente com respeito a seus atributos físicos e a desejada capacidade de atrair o sexo oposto, isto é, a vertente somática de seus conflitos na esfera sexual.
E universal a preocupação dos jovens com sua aparência física. A percep ção das constantes mudanças em seu corpo muitas vezes ocasiona sentimentos de estranheza ou despersonalização, que na adolescência não podem ser consi derados patológicos, mas sim elementos da crise puberal. As ansiedades básicas da adolescência estão relacionadas com as intensas e profundas transformações físicas ocorridas nesta idade, especialmente no que diz respeito aos denominados caracteres sexuais secundários (crescimento de pêlos, aumento de volume das glândulas mamárias, mudanças na voz, etc...). E comum encontrarmos na adolescência distorções da imagem corporal, expressas em idéias sobre o tamanho do pênis ou das mamas. A valorização do tamanho do pênis como evidência de masculinidade ou das mamas como atributo da condição feminina para amar e procriar são, via de regra, uma das mais freqüentes e equivocadas noções relacionadas com a imagem corporal durante a puberdade. E importante que se frise que o tamanho do pênis nada tem a ver com a competência para o exercício das funções sexuais, ou seja, para obter ou proporcionar prazer durante o coito, como também nenhuma relação tem com a fertilidade humana. Igualmente a forma ou tama nho das mamas não assinala qualquer peculiaridade do erotismo feminino nem de sua maior ou menor adequação às funções maternas. As fantasias dos púberes quanto à sua prontidão para as funções sexuais a partir de sua imagem corporal é, quiçá, a maior fonte de angústia durante o processo adolescente, razão pela qual é de suma importância esclarecê-los sobre suas dúvidas e eventuais idéias distorcidas sobre o corpo e sua relação 70 / Luiz Car1o Osorio com a sexualidade, pois tais equívocos podem persistir pela vida afora como seqüela indelével, originando preconceitos e inibições que irão afetar o livre e saudável exercício da sexualidade adulta. — Em que medida as mudanças culturais de nossa época têm afetado as relações do adolescente com seu corpo? Até algum tempo atrás, a adolescência era visualizada apenas como um processo biológico, uma inevitável e sofrida transição do pequeno e gracioso corpo infantil, símbolo da inocência e pureza, para o corpo adulto, com suas excreções, seus odores, suas protuberâncias, sua inequívoca identificação com os apetites sexuais e a noção de pecado. A grande mutação cultural deste século, para nós que vivemos no hemisfério ocidental, talvez tenha sido a dessacralização do corpo, ou seja, o fato de que o tenham gradativamente liberado das injunções morais e religiosas com que o sobrecarregou durante tanto tempo a civilização judaico-cristã. Como diria aquela européia emanci pada da anedota, com seu forte sotaque germânico, sobre o tabu da virgindade entre famílias latinoamericanas: “mulherr brasileirra coloca seu honrra em cada lugarr estrranho...” Tenho uma firme convicção de que as relações do adolescente com seu corpo deixarão de ser para ele, no futuro, motivo de tamanha angústia e sofrimento na medida em que superarmos definitivamente esse vezo atávico de fazer do corpo a sede preferida de nossas idiossincrasias morais.
— Qual a relação do modo de vestir-se dos adolescentes com seus confli tos ligados à imagem corporal? As vestes, concebidas como extensões ou prolongamentos do próprio corpo, adquirem para o adolescente um significado todo peculiar. “Já que não posso alterar meu corpo, com o qual estou descontente, modifico minha roupa”, dizia-me certa vez um adolescente. Mas as vestimentas, assim como os adornos e adereços usados pelos adolescentes, bem como o modo de cortar ou (des) pentear os cabelos, podem igualmente servir de código para expressar uma identidade tribal — a tribo dos hippies, dos punks, dos funks, ou mesmo a dos adolescentes “caretas” ou “quadrados”, precursores dos atuais yuppies. O “uniforme” identifica tanto o batalhão de soldados quanto o time de jogado res ou a “patota” adolescente. Por outro lado, a moda “unissex” lançada pelos jovens (e o “marketing’ é sensível ao poder jovem emergente seguindo fielmente as tendências do comportamento e da moda ditada pelos adolescentes urbanos e hoje) revela, a meu modo de ver, uma reação à marcada definição dos sexos na aparência. que era buscada pela geração anterior. E como se dissessem: “Vocês precisam, Adok Hoje
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através das roupas e do corte de cabelos, identificar o gênero a que pertencem; nós deixamos de nos preocupar com isso — aceitamos nossa bissexualidade; masculino ou feminino, tanto faz”. Como se vê, esta postura inserida no contexto do confronto entre gerações traz em seu bojo certas perpiexidades e questionamentos para nós, adultos: “Estarão os jovens com seu ‘unissexismo’ aposentando nossos preconceitos ‘machistas’ ou ‘femeachistas’ ou apenas reve lando uma regressão coletiva a etapas anteriores de seu desenvolvimento, onde a indefinição sexual corria paralela com a falta de condições para assumir responsabilidades individuais? E este um movimento de avanço em direção a uma heterossexualidade menos discriminatória ou apenas um recuo defensivo frente às exigências afetivas de uma sociedade que nivela privilégios e acentua a competividade entre os homens e mulheres? Indagações estas que apenas nos convidam a reflexões prospectivas, ainda sem promessa de respostas consis tentes. O ADOLESCENTE E SEU GRUPO DE IGUAIS — Qual a influência das “más companhias” na formação moral dos jo vens? Este é um dos mitos circulantes nas famílias com filhos adolescentes, qual seja, o de que a convivência com outros adolescentes tidos como “más companhias” possam influenciar negativamente o comportamento de seus filhos. Na verdade, companhias se buscam, não se oferecem. Quem procura, por exemplo, a companhia de um delinqüente é porque tem em sua persona lidade afinidades com a conduta anti-social. Diz sabidamente o ditado: “Diz me com quem andas e eu te direi quem és”. Os pais, numa compreensível busca de causas fora do ambiente familiar para a conduta desadaptada dos filhos adolescentes, procuram imputar às “más companhias” uma influência cuja importância é certamente supervalo rizada; quando muito estas servirão para exarcebar tendências que o próprio adolescente já possuía previamente.
— Um adolescente que evita o convívio com outros de sua idade é sempre um adolescente problema? Não necessariamente. Há adolescentes arredios ao convívio social em grupos maiores, mas que demonstram sensibilidade humana e bom potencial afetivo para relações de cunho mais intimista. O importante é não tomar um elemento isolado para rotular o adolescente de problemático. Remeto aqui os leitores ao capítulo correspondente, onde se discutem os “módulos” ou “variáveis” a serem considerados para o diagnóstico de um quadro psicopa tológico na adolescência. 72 / Luiz Carlos O A QUESTÃO EXISTENCIAL — Como e em que intensidade as contradições sociais de nossa época interferem na formação do caráter do adolescente? O processo civilizatório construiu-se através dos tempos sobre uma pre missa básica: assegurar ao ser humano condições de segurança contra os perigos que pudessem ameaçar a trajetória de seu périplo existencial. Pois, paradoxal- mente, neste século a grande ameaça de extinção do homem como espécie provém do próprio homem. Vencida a natureza, subjugados os elementos físicos, dominadas as grandes epidemias que no passado dizimaram populações inteiras, o homem dirige seu progresso tecnológico para sua autodestruição. Isso inegavelmente gera uma insegurança prospectiva sem precedentes na história da humanidade. Foi-se o mito do futuro predizível. O porvir dos jovens de hoje já não mais espelha-se no presente de seus pais, como ocorria em gerações anteriores. As instituições humanas carecem de estabilidade e os valores éticos trans mitidos do passado perdem credibilidade. Há uma crescente vocação para a violência e a negação de que é a vida a maior riqueza que possuímos. O protótipo do caráter desejável para triunfar nas sociedades hodiernas, e que se oferece à identificações dos jovens, é o indivíduo que pauta sua existência pelo primado da ação egoísta, com total desrespeito à sensibilidade e ao direito do próximo. E o culto ao narcisismo, à procura obsessiva de status material, sacrificando-se a satisfação duradoura da amizade compar tilhada, pelo fugidio instante de prazer pelo uso do outro como degrau na escalada do sucesso. Há pouco ou nenhum interesse pela introspecção e um crescente desprezo pelas relações afetivas estáveis no cidadão-modelo de nossa época. Enfim, toda a força idealista característica da adolescência muito preco cemente vê-se confrontada com os desígnios da cega e obstinada busca de poder pessoal que caracteriza o tempo em que vivemos. Se o caráter forma-se na fronteira entre as tendências inatas do indivíduo e as influências do meio ambiente, há que confiar-se muito na estrutura básica do ser humano para resistir às mensagens contraditórias e de inequívoco apelo suicida que recebem os jovens de hoje da sociedade no seio da qual crescem. — Se a sociedade de hoje acha-se empenhada num “projeto de morte com risco até mesmo da sobrevivência da espécie humana pelas guerras nucleares ou o desrespeito às leis ecológicas, que esperança podemos depositar nos jovens para reverter essa sinistra perspectiva? Diz-se que a juventude pensa ideologicamente e está sempre disposta
a adaptar o mundo a si mesma, o que, segundo o pensamento conservador, a distancia da realidade dos fatos e a mantém flutuando no etéreo território 4doIc Hoji / 73 das ilusões e fantasias. Pois, paradoxalmente, esta será, quem sabe, a única saída possível para um mundo perplexo ante a constatação de sua própria inviabilidade — contar com o potencial renovador das aspirações juvenís para redirecionar o mundo na rota de um “projeto de vida” para a humanidade. PLATAO, em sua obra ‘República’, já dizia, referindo-se aos jovens, que eles vão redescobrir normas de condutas que seus predecessores deixaram cair em desuso. Nada nos parece tão atual quanto esta afirmação do filósofo grego quando vemos os jovens de hoje redescobrindo as sábias leis da natureza, que fomos não só esquecendo como violentando ao longo do progresso tecno lógico de nossa era, e empenhando-se na reconscientização ecológica da socie dade. Como afirma EISENBERG, conhecido psiquiatra norte-americano: “De veríamos estar profundamente agradecidos aos jovens cujo idealismo repre senta a maior promessa de um mundo melhor. Apesar das soluções que até aqui puderam nos oferecer carecerem de um maior pragmatismo, a verdade é que assinalaram as desumanidades das sociedades que convertem os homens em escravos de suas máquinas e negam ao indivíduo o direito de participar na modelação de sua própria vida”. Talvez o mais importante seja que nós, os adultos instruídos, possamos reverter as atuais tendências de uma sociedade em direção ao aniquilamento de nosso mundo e à perversão de todos os valores e, em troca, nos incorpo rarmos à nossa juventude num esforço permanente para construir para nós, para nossos filhos e para os que nos sucederem uma civilização melhor. — Qual o maior risco que os jovens de hoje correm de perder seu rumo na busca de seus objetivos existenciais? É o de repetirem os equívocos das gerações anteriores, sobretudo os ditados por uma atitude onipotente e arrogante diante das limitações da condi ção humana. KNOI3EL, um dos pioneiros do estudo da adolescência na América Lati na. a partir do que outro autor (MASSERMAN) chama de “as ilusões Ur” da humanidade (denominação oriunda de Ur, cidade da Caldéia, sugerindo serem tais ilusões praticamente tão antigas como a própria humanidade), observa que a manutenção dessas ilusões, às vezes verdadeiros delírios coleti vos, são o grande risco que corre a juventude contemporânea. Tais ilusões são: 1) que oniscientes e onipotentes nos convertiremos em seres mortais que conquistaremos o cosmos, 2) que já estamos prestes a nos graduar — depois de 3 milhões de anos de experiências ferais de medo e extermínio mútuos —em verdadeiros seres civilizados que podem compartir pacificamente a sociedade e 3) que a mente humana vai lograr efetivamente o controle do transcendente e do divino. A partir dessas ilusões os jovens de nossos dias mantêm uma deificação do tecnológico, a par da negação das limitações 74 / Luiz Carlos Osorio
da natureza humana, o que compromete a aquisição de novos valores e a superação de submissão ao mito de que a felicidade repousa na prosperidade material e no poder sobre os outros. Só quando nos libertarmos da escravidão a essa falácia poderemos construir uma sociedade prenhe de realizações huma nas e voltada para o bem-estar comum. A QUESTÃO VOCACIONAL — Quais as conseqüências da saturação do mercado de trabalho para o problema vocacional dos adolescentes? Na década de 60, os cursos universitários mais procurados no Brasil eram Medicina, Engenharia e Direito. Nas duas décadas seguintes, paralela- mente ao decréscimo proporcional na procura destes cursos, houve um signifi cativo aumento na procura dos cursos de Ciências Econômicas, Administração de Empresas e, mais recentemente, Ciências da Computação (Informática). Mudaram as vocações dos jovens ou estes redirecionaram seus alvos profis sion ais em função de novos pólos de atração sócioeconômica? As promessas de status, ascensão social ou segurança financeira proporcionada pelas chama das “profissões do momento” sem dúvida afetam as expectativas dos jovens quanto à escolha de uma profissão e mais ainda as de seus pais, cuja pressão aberta ou velada continua a ser fator preponderante para a decisão dos filhos. Assim como no passado havia casamentos de conveniência, hoje em dia vemos escolhas profissionais ditadas não por inclinações vocacionais, mas por acomodação às disponibilidades do mercado de trabalho. As conseqüên cias? E de se supor que não serão diferentes dos tais casamentos de conve niência, ou seja, a rápida saturação e uma persistente insatisfação pelo resto da vida. Mas se isto ocorre com aquela ínfima parcela da população que chega às universidades, o que se dizer da enorme camada de jovens margina lizada pelo desemprego ou aprisionada nas malhas do subemprego, sem outra alternativa que labutar pela mera sobrevivência sem qualquer possibilidade de escolha de tarefas sintônicas com seus pendores vocacionais? Antes do advento da era industrial a força de trabalho estava mais OU menos assim distribuída: Animais — 79% Seres Humanos — 15% Máquinas — 6% Atualmente, nas nações industrializadas. a relação passou a ser assim: Máquinas — 96% Seres Humanos — 3% Animais — 1% Considerando-se ainda o hoom’ do crescimento demográfico em nossa época, o desemprego passou a ser um flagelo universal, afetando indistinta Ad f1o / 75 mente nações desenvolvidas (onde a relação máquina/homem na força de trabalho reduz a oferta de empregos) e subdesenvolvidas (onde o crescimento populacional é maior e
aumenta a demanda, embora a relação máquina/homem na força de trabalho seja proporcionalmente menor). Em resumo, genericamente falando, é desalentador o quadro das perspec tivas profissionais para os jovens de hoje e isto só poderá ser revertido na hipótese de uma radical mudança nos objetivos do desenvolvimento social, no sentido de visar primordialmente ao bem-estar dos cidadãos e seu enrique cimento humano e não apenas ao aumento do PIB (produto interno bruto) das nações. — Como avaliar a questão do vestibular e todo o ‘stress” que ele traz para os adolescentes? O vestibular é antes de tudo um rito de iniciação, ou seja, um ritual de passagem à condição adulta e com este propósito é ele inconscientemente mantido, apesar de todas as vozes que se levantam contra sua crueldade e inoperância como critério seletivo para o ingresso dos mais aptos ao exercício das profissões a que se destinam. A Universidade nasceu como um locus promotor do saber e da pesquisa nas distintas áreas do conhecimento humano. Sua transformação em organismo formador de profissionais é uma perversão de seus objetivos originais. A transmissão dos conhecimentos necessários para o exercício de uma função profissional, seja ela qual for, continua a se fazer — como tem sido feita através dos tempos — com, sem ou apesar das universidades. Quem de nós, profissionais de nível universitário, poderá de sã consciência afirmar que se habilitou para o seu mister cotidiano apenas por que freqüentou os bancos acadêmicos? Arrisco-me a afirmar que é possível prescindir da universidade para apreender-se o ofício de médico, arquiteto, agrônomo ou jornalista. mas certamente não se poderá prescindir do convívio com os colegas mais experientes que, como em tempos milenares, são a grande fonte de transmissão de conhecimentos no dia-a-dia da experiência compartida. A Universidade, como campo de transmissão de habilidades profissionais, é dispensável, embora cada vez mais seja imprescindível como área a ser preservada para a aquisição e armazenamento de novos conhecimentos nos distintos campos do saber humano. Penso que deveríamos aliviá-la dessa ingra ta tarefa de formar profissionais. que a sobrecarrega e a desvia de seus propó sitos originais. E se assim fizéssemos estaríamos retomando práticas de antiga e comprovada eficácia no treinamento dos mais jovens, aprendizes de quais quer profissões ou ofícios. Com este procedimento estaríamos, então, elimi nando a praga dos vestibulares, poupando os jovens deste dispensável esforço na cada vez mais longa e ingente caminhada em direção à condição adulta. 76 / Luiz Carlos Osorio — Qual a utilidade dos testes vocacionais? A mesma de qualquer exame complementar em clínica médica, se me faço entender. Um exame de sangue ou de urina não substitui o tirocínio do profissional que o solicitou. Para chegarmos a um correto diagnóstico, os exames laboratoriais são quase sempre de enorme valia, mas não substituem o raciocínio clínico. Assim, os testes vocacionais podem ser úteis em apontar ou confirmar impressões diagnósticas prévias, mas jamais devem se constituir num vade-mecum de confiabilidade irrepreensível. Creio, além disto, que se o jovem pudesse ter alguma vivência prévia ao ingresso na universidade no campo profissional de sua eleição, esta experiência lhe daria melhor indica ção dos rumos a seguir que qualquer avaliação psicométrica.
— Qual a diferença entre sexualidade e genitalidade e o que se entende por “desabrochar do sexo” na adolescência? Genital é uma expressão que se refere especificamente aos órgãos de reprodução. Já sexual tem significação bem mais ampla: inclui não apenas o que se relaciona com a função reprodutiva dos seres humanos, mas com tudo o mais que diga respeito à distinção entre os sexos e à sua maneira peculiar de se relacionarem, bem como às formas de obter e proporcionar prazer através do corpo. FREUD demonstrou, a partir do estudo da sexualidade reprimida de seus pacientes adultos, que, como qualquer outra manifestação biopsicológica, a sexualidade não se instala de repente na adolescência, mas surge paulatina- mente a partir de experiências vivenciadas desde o nascimento do ser humano e, quiçá, mesmo antes, ainda no útero materno. Desta maneira, quando nos referimos à sexualidade na adolescência não estamos apenas considerando as mutações somáticas secundárias ao amadure cimento das gônadas ou células germinativas, mas todos os fenômenos psicos sociais que acompanham estas modificações no plano biológico e que são os que, em última análise, determinam o que chamamos “desabrochar do sexo” entre os jovens. — O que a sexualidade tem a ver com o processo de aquisição da identi dade por parte do adolescente? De um modo sumário, poder-se-ia dizer que a tarefa básica da adotes cência é a aquisição da identidade pessoal, ou seja, a consciência por parte do indivíduo de ser uma criatura separada e distinta das demais. Embora O ADOLESCENTE E O SEXO AdoIe± Hoje / 77 esta individuação se inicie desde os primórdios da vida extra-uterina, é na adolescência que se intensifica e culmina o processo. Um dos vértices deste processo de cristalização da individualidade durante a adolescência é justamente a aquisição da identidade sexual, ponto de conver gência dos comemorativos biológicos e dos eventos psicológicos desta etapa evolutiva. Diz-se que a sexualidade atua como um organizador da identidade do adolescente. A menarca na mulher e a primeira ejaculação no homem são como esto pins fisiológicos a desencadear o processo de aquisição da identidade sexual; o modo como o adolescente vivencia tais acontecimentos nos dá, por outro lado, uma avaliação preliminar do grau de normalidade em que transcorrerá sua adolescência. — Qual o papel da masturbação na adolescência? A masturbação é outra manifestação que ajuda o estabelecimento da primazia genital na adolescência. A masturbação, além de propiciar a descarga das tensões genitais, também prepara o adolescente para o intercurso sexual. A masturbação — e não só na adolescência como já a partir da infância
— é uma verdadeira preparação para a vida genital adulta. Crianças e adoles centes que nunca se masturbam nem revelam maiores curiosidades sobre como funcionam seus órgãos sexuais, ou não experimentam tocá-los e experi mentar as sensações que despertam, serão provavelmente adultos com marca das inibições e dificuldades na área sexual. — Os jovens de hoje, em nosso meio, estarão psicoiogicainente prepa rados para vivenciar a liberdade sexual que têm? A observação “em nosso meio” é uma adequada limitação para a resposta a esta pergunta. Nos povos primitivos não há distinção entre prontidão física e psicológica para o exercício da sexualidade. Tão logo estejam fisicamente aptos para manter relações sexuais, o fazem. Já em nossa cultura as diferenças foram se acentuando pelo processo repressivo que se instalou. Paralelamente ao desenvolvimento corporal, a eclosão dos impulsos se xuais prepara o adolescente para o intercurso genital. Fisicamente ele está apto a desempenhar tais funções tão logo desabroche a puberdade, quer seja um adolescente que viva nas ilhas do Pacífico como aquele que habita uma metrópole européia ou o sertão nordestino. Mas e psiquicamente? Diria que se ele vive “em fl0550 meio”, não. Não, porque na verdade o visa-tergo da repressão sexual ainda se faz sentir — e mais intensamente do que se supõe —nesta geração. Fala-se muito na queda dos tabus sexuais na sociedade 78 / Luiz Carlos Osorio moderna, quando na verdade o que parece ter ocorrido é antes a franquia de práticas parassexuais e perversões em geral do que propriamente a supe ração dos preconceitos existentes. — Por que os jovens parecem hoje tão conflituados sexualmente quanto seus pais? Acontece que os adultos contemporâneos, no seu afã de se libertarem do jugo da repressão sexual que lhes escravizou os instintos durante tanto tempo, criaram para seus filhos um clima antes promíscuo que permissivo e que em lugar de facilitar-lhes a veiculação de suas demandas instintivas têm paradoxalmente funcionado como um fator de inibição, confusão e desvio dos objetivos originais do instinto sexual. — Qual o risco de a maior liberdade sexual de nossa época induzir os jovens à promiscuidade sexual? A adolescência é a época das experiências no campo da sexualidade e a inconstância dos vínculos afetivos que os jovens estabelecem com seus parceiros amorosos não significa necessariamente uma tendência à promis cuidade, estando antes a serviço da escolha. Penso que a promiscuidade é, antes, conseqüência da repressão do que da liberação dos costumes sexuais. E ela justamente uma prática comum entre os adultos que ao longo de sua evolução psicossexual sofreram desvios ou distorções dos objetivos da sexualidade humana e se tornaram incapazes de estabelecer relações amorosas com seus parceiros sexuais. São, pois, os adultos sexualmente insatisfeitos ou outrora reprimidos os que se entregam à prática da promiscuidade, e não adolescentes, que apenas transitoriamente
exercitam o direito de testar afinidades no campo sexual e geralmente são pouco afeitos a relações promíscuas se gozam do pleno direito ao exercício de sua sexualidade emergente. Diria que homossexualismo é antes de tudo uma questão de opção. Opção em deter-se em determinado nível da evolução psicossexual que necessária e irrevogavelmente atravessa etapas com conteúdos homossexuais para chegar à heterossexualidade que identifica a sexualidade madura e que chega a seu termo. Obviamente quando falo em opção não me refiro aqui tão-somente a uma escolha consciente, mas à eleição de um comportamento que é igual — Homossexualismo é uma questão de educação? Adolescente fhje / 79 mente determinado por motivações inconscientes. E como em toda a escolha muitas vezes esta é feita pela impossibilidade de fazer-se outra diferente. Há um período da evolução psicossexual, tanto em indivíduos do sexo masculino como feminino, com nítidos elementos homossexuais, e que ocorre pouco antes da adolescência ou em suas fases iniciais. Quem não ouviu falar no “clube do Bolinha” onde menina não entra? Ou no “clube da Luluzinha” onde meninos são indesejados? A fixação em preferências usuais desta etapa evolutiva num período posterior, onde a maturação genital predispõe ao inter- curso sexual, é que irá caracterizar a escolha homossexual como opção de identidade sexual. Fatores constitucionais mais do que educacionais ou cultu rais são responsáveis por esta determinação na evolução psicossexual. Há que lembrar ainda os distúrbios nos processos de identificação com os indiví duos do mesmo sexo que ocorrem na infância e que se somam à predisposição constitucional para explicar as tendências homossexuais do adolescente e do adulto. Se homossexualismo é doença? Podemos assim considerá-lo se igualmente consideramos doença o vício do cigarro ou outras tantas fixações libidinais do ser humano. Prefiro apenas assinalar o caráter de opção comportamental e a inequívoca fixação numa etapa prévia do desenvolvimento psicossexual para caracterizar o homossexualismo, desvinculando-o, assim, da morbidez preconceituosa com que o temos considerado, responsável por afirmações aberrantes como esta que o vincula a falhas no processo educacional. — E a questão da AIDS, como situá-la junto aos adolescentes? O livre exercício da sexualidade que preconizamos para os adolescentes obviamente tem que se acompanhar do necessário esclarecimento quanto aos riscos inerentes a este exercício, tais como a possibilidade de uma concep ção indesejada ou a aquisição de uma doença venérea. Como a concepção na adolescência — e sua indesejável conseqüência, o aborto — estatisticamente tem uma importância significativamente maior que a AIDS ou as doenças venéreas em geral como causa de mortalidade juvenil, nossa atenção médica tem estado concentrada na prevenção da primei ra, mas é inegável que um recrudescimento na incidência de doenças venéreas nas últimas duas décadas, e agora nos anos 80 o aterrador quadro da imunode ficiência adquirida (AIDS), ainda sem soluções terapêuticas à vista, têm trazi do novas e intensas preocupações aos profissionais da área médica que traba lham com
adolescentes. Diria mesmo que o crescente número de abortos entre adolescentes (proporcionalmente maior do que o verificado entre outras faixas etárias) e o aumento da incidência das doenças venéreas, a que se soma agora o impacto causado pelo surgimento da AIDS, tem refreado o ímpeto dos que se colocam a favor do livre exercício da sexualidade juvenil. 81) / Juiz ( ()sorio Creio, contudo, que estes não são argumentos procedentes para se advo gar a volta à repressão sexual outrora vigente, como pregam certos setores mais conservadores da sociedade. E inegável o valor intrínseco da liberação sexual dos jovens como fator predisponente a uma melhor qualidade de vida no futuro. O aperfeiçoamento das práticas anticoncepcionais e o gradativo controle das doenças sexualmente transmissíveis tornarão irrevogáveis as con quistas feitas em nossa época no sentido de garantir aos seres humanos em geral, e aos jovens em particular, o direito à sexualidade plenamente usufruída, condição indispensável para o enriquecimento afetivo da humanidade. “Faça amor, não a guerra”, apregoam os jovens, como a assinalar os rumos que a civilização terá que forçosamente tomar se quiser evitar seu fim apocalíptico e reposicionar-se na direção de um projeto de vida nutrido pela mais genuína fonte de felicidade que se conhece: a relação amorosa e íntima com outro ser humano. O ADOLESCENTE E O CONFLITO DE GERAÇÕES: RELAÇÕES COM A FAMÍLIA E A SOCIEDADE — Como resolver o conflito de gerações? Vida é conflito. Não há como evitar-se confljtos no convívio humano, porque premissas diferentes geram inevitavelmente confrontos e, como diz o ditado, “cada cabeça uma sentença”. O que é viável, contudo, é reduzir ao mínimo possível as tensões existentes entre pais e filhos pelo mútuo reconhe cimento dos direitos e deveres de cada um. Por outro lado, estas tensões poderão ser mitigadas na medida em que os pais deixem de usar os filhos como instrumentos de suas realizações pessoais e estes, por sua vez, possam compreender que são a consciência viva da finitude de seus pais, ou seja, que o simples fato de estarem se tornando adultos comprova a inevitabilidade da velhice e morte dos pais, o que gera neles intensas e nem sempre reconhe cidas ansiedades existenciais, certamente não menores do que as que permeiam a adolescência de seus filhos. — Como exercer a autoridade sobre os filhos adolescentes sem ser autori tário? A autoridade diz respeito à colocação de limites, sem a qual a vida em sociedade não seria possível. E, portanto, necessária, indispensável. A autoridade não se exerce, ela emana de quem possui. Vincula-se com o prin cípio que rege (Ou deveria reger) qualquer relacionamento humano: a liberdade de cada um termina onde começa o direito do próximo. Adolescente Hoje / 81 O autoritarismo é parente próximo da repressão, do uso (e abuso) do poder de um ser humano sobre o outro, e, portanto, é prejudicial, é nefasto às relações humanas.
O sentimento de posse indubitavelmente envenena as relações pessoais. Ninguém, filho ou pai, jovem ou idoso, homem ou mulher, gosta de sentir-se propriedade de outrem. Todas as grandes revoluções da História foram contra formas de opressão ou escravidão. E continuam sendo. A autoridade é uma entidade normativa do desenvolvimento dos homens e de suas instituições. O autoritarismo é um desvio ou perversão da autoridade. O autoritarismo não foi “inventado” pelos adultos como muitos filhos pensam. De certa forma podemos dizer que ele nasce com o indivíduo e está sempre a ameaçar a convivência humana. O bebê é um ser autoritário. Age como se sua mãe ou seus pais — existisse apenas em função de suas necessidades. E se os pais não sabem ou não conseguem pôr limites a esse desejo ilimitado de domínio do bebê ele, no futuro, transformar-se-á numa criança, num adolescente tirânico. E mais adiante, provavelmente, num adulto opressor ou em pais que igual mente pensarão serem seus filhos propriedade sua e meros executores de seus desígnios. Filhas ou filhos tirânicos originam esposas ou maridos igualmente tirânicos e esses, por sua vez, mães ou pais tirânicos. Daí a importância de coartar esse círculo vicioso em sua origem. Pais em total e permanente estado de disponibilidade não ajudam os filhos a reconhecerem seus limites. Adolescentes cujos pais não lhes imponham limites podem vivenciar isto como abandono por parte dos pais. Achar a exata medida para que a autoridade paterna possa ser exercida sem cair no autoritarismo é antes função de um talento inato para o exercício das funções parentais do que qualquer preceito ou fórmula educacional que lhes possa ser confiada. — Como os pais podem assegurar uma boa relação afetiva com seus filhos adolescentes? Costumo dizer que os únicos laços que amarram afetivamente as criaturas humanas são os laços do bem-querer. Isto é válido para as relações conjugais como para as relações parento-filiais. Não há outra forma de assegurar o amor dos filhos pelos pais (e vice-versa) que não seja pelo livre e espontâneo exercício do bem-querer. E querer bem tanto pode ser dar ao outro consciência de seus limites como renunciar a qualquer forma de domínio sobre sua pessoa. Isto é particularmente importante em se tratando de adolescentes. 82 / Luiz Carlos Osorio — Qual a culpa que cabe aos pais nos problemas do filho adolescente? A geração dos pais de hoje, ao que parece, erigiu a culpabilidade como sua principal conselheira. E a culpa é má conselheira. Não conheço qualquer benefício que o sentimento de culpa tenha trazido aos seres humanos. O de responsabilidade, sim. Mas sentir-se responsável é diferente de sentir-se culpado.
Assumirmos responsabilidade por nossos atos e intenções diante dos filhos adolescentes é diverso de nos sentirmos culpados por tudo que lhes aconteça. Qualquer relação humana é uma via de dois sentidos. Não há culpados num casamento que não dá certo: há, isto sim, dois seres com responsabilidades compartidas numa relação que não funcionou. Assim ocorre no relacionamento entre pais e filhos: nossos filhos são seres com identidade própria, isto quer dizer com vontade própria também. Desde muito pequenos têm uma cota de livre-arbítrio que foge a nosso controle e manipulação. Não podemos nos responsabilizar por todos os seus atos, pensamentos ou modo de sentir. São unidades autônomas, ainda que sujeitas à dependência dos pais. Aqui é mister fazer uma distinção entre autonomia e independência. Somos, pela condição humana, dependentes uns dos outros, do berço à tumba. Não há seres independentes; há, isto sim, indivíduos autônomos, ou seja, capazes de ser portadores de uma individualidade, de dirigirem suas vidas num determinado sentido e com certos propósitos, embora sempre de pendendo do próximo para algo. Talvez sejamos uma geração tão cheia de culpas porque a que nos antece deu fez da culpabilidade o elemento primordial da formação do caráter filial, assim como institucionalizou a hipocrisia na relação dentro do casamento. Livrarmo-nos da culpa e da hipocrisia é provavelmente a grande tarefa de nossa geração na espiral da evolução humana e consiste num verdadeiro pro cesso de mutação psíquica — o salto quântico que nos projetará para melhores condições de relacionamento humano no futuro. Em suma, penso que ao se declararem culpados pelo que está acontecendo aos filhos adolescentes, ou até pelo que lhes possa acontecer no futuro, em nada os pais estão ajudando os filhos nas suas agruras evolutivas, cuja responsa bilidade é dos próprios filhos tanto quanto dos pais e da sociedade, e da própria vida, enfim, com todas as vicissitudes que lhe são inerentes. A culpa paralisa. Pais culpados geralmente deixam de funcionar como os necessários continentes para as ansiedades dos filhos; acabam por incre menter suas sensações de confusão e desamparo ante as dificuldades de seu momento evolutivo. Culpa, volto a afirmar, é má conselheira na relação entre pais e filhos. Não cria nada de construtivo, apenas maltrata quem a sofre. Adolescente Hoje / 83 — Qual a “exata medida” na criação de filhos adolescentes? Não há obviamente “medidas exatas”. Criação de filhos não é algo quanti ficável; antes tem a ver com a qualidade humana de pais e filhos. Não obstante, arriscar-me-ia a enunciar alguns princípios gerais. Criar filhos requer antes de tudo uma inesgotável capacidade de doação afetiva contrabalançada necessariamente pela serena coragem para renunciar ao desejo de impor nossa vontade e presença quando elas não são solicitadas pelos filhos. E o equilíbrio entre o estar disponível e o tornar-se dispensável que se aproximaria da “exata medida” na criação dos filhos. Nisto consiste, talvez, a condição básica para o bom desempenho da paternidade ou materni dade na adolescência. “Ser pai é a arte de tornar-se desnecessário”, disse alguém. E mister renunciar ao pressuposto de que porque geramos os filhos eles são
propriedade nossa, para par a consumo de nossas vaidades vaidade s ou indenização de nossas frustradas frus tradas expectativas de realização pessoal. Os pais modernos estão perdidos no cipoal de suas boas intenções liberali zantes por não estarem sabendo discriminar entre repressão e colocação de limites. Nisto reside a opção entre ter filhos como vassalos ou amigos. Repri mi-los impede-lhes o crescimento emocional e a autonomia necessária para o adequado exercício das funções adultas. Por outro lado, deixando-os simples mente entregues à própria sorte e autocontrole, só os fará sentirem-se abando nados. Aos amigos, como aos filhos, não se abandona, mas não se lhes invade a privacidade nem se interfere no seu livre-arbítrio. Com os amigos, além de leais, é preciso sermos disponíveis. Com os filhos, também. — Porque os adolescentes de hoje ho je custam mais a amadurecer e a se tornarem tornar em adultos responsáveis e qual o papel dos pais e da sociedade nisto? Como uma planta que cresce, os seres humanos necessitam de certas condições externas que lhes viabilize e estimule o crescimento. Em tais condi ções representa papel significativo a estabilidade ambiental. Para a planta, por exemplo, luz solar, solo regado a intervalos requeridos e ausência de pragas, ventos bruscos ou outras agressões da natureza ou do homem são condições essenciais para que se desabroche a promessa vegetal que ela traz desde a semente. Para a criança que se projeta em direção à plenitude adulta através da adolescência, faz-se necessário igualmente a presença de certos elementos nutrientes e a ausência de condições excessivamente traumáticas para que se processe o seu pleno crescimento emocional. Quando faltam estímulos ou abundam elementos cerceadores desse crescimento há um natural prejuízo no desenvolvimento. Filhos cujos pais os consideram uma extensão narcísica de suas próprias personalidades podem ter dificuldades dificuldad es evolutivas para alcançar a maturidade. 84 / Luiz Carlos Osorio As mensagens contraditórias tipo “cresça para que eu possa exibir ao mundo meu triunfo por tê-lo gerado” alternando-se alternando-s e com “não cresça porque isto representa r epresenta a perda de controle de seus destinos” funcionam como elementos perturbadores do amadurecimento psíquico. Por outro lado, famflias em conflito, sociedades abaladas por disfunções político-econômicas, nações envolvidas em guerras, guerra s, são todas essas situações desestabilizadoras que comprometem o amadurecimento dos jovens. A luta pelo poder, inserida no conflito generacional e exarcebada em nossa época pelo boom do crescimento demográfico intensifica intensif ica os esforços da geração precedente pr ecedente para protelar o acesso dos jovens jov ens à condição adulta. Os pais angustiam-se e sentem-se ameaçados pelo crescimento dos filhos. Conseqüentemente, a sociedade regida pelos adultos se empenha em prolongar a adolescência o mais que pode: longos períodos de estudos universitários (que por sua intensidade e profundidade não permitem aos jovens proverem paralelamente seu sustento, s ustento, tornando-os sujeitos a prolongarem sua depen d epen dência econômica dos pais), exigências cada vez maiores de capacitação técnica para o exercício profissional, extensos períodos de prestação de serviço militar e assim por diante. Tudo
isto, como dissemos, retarda o amadurecimento dos jovens e a aquisição de sua identidade adulta. — Por que os filhos tendem a sair precocemente pre cocemente da casa dos pais nos dias d ias que correm? Os filhos agora saem precocemente ou antes saíam tardiamente?! Penso que outra não é a razão para este desejo dos filhos em saírem de casa e viverem sua própria vida do que as apontadas na resposta à pergunta anterior. Quanto mais se procura cercear-lhes a autonomia mais eles reclamam, num natural e automático processo de ação e correspondente reação. No entanto, parece-me que ultimamente tem havido um menor impulso a essa fuga “preco ce” dos lares paternos. Na medida em que os pais estão se conscientizando dos direitos dos filhos adolescentes à privacidade, à liberdade sexual, a usufruir os mesmos privilégios dos adultos quanto à escolha de amizades e direciona mento do lazer, esses já não se sentem tão necessitados de sair da casa dos pais; até mesmo parece que os estão redescobrindo como companhias que podem ser agradáveis, se não se arvoram em porta-vozes da tão alardeada experiência e sabedoria adultas. — O “conflito de gera ções”não tende a desaparecercom a maior comuni cação e entendimento entre país e filhos? Digamos que numa projeção futura a tendência é reduzir-se à brecha generacional na medida em que haja maior comunicação e intercâmbio afetivo Adolescente Hoje 85 entre pais e filhos, mas ainda estamos longe disso. Até se poderia dizer que pela aceleração das mudanças comportamentais em nosso século o hiato já não ocorre entre uma geração e outra, mas dentro de uma mesma geração: não estaríamos exagerando ao afirmar que há maiores diferenças no modo de encarar a vida entre o irmão mais velho e o caçula de uma família numerosa de nossos dias do que entre pais e filhos há décadas atrás. Um U m indivíduo de 30 anos hoje já é considerado por um adolescente um “coroa” no qual — como diz o mote da canção — não poderá ele confiar, conf iar, pois estão inseridos em distintas escalas de valores, ainda que separados cronologicamente por apenas meia geração. O ADOLESCENTE E AS DROGAS (TOXICOMANTAS) — Todo adolescente que “puxa fumo” f umo” é um viciado em potencial? Sabemos que apenas uma ínfima porcentagem dos jovens que fumam maconha ou mesmo experimentam, desde que eventualmente, outro tipo de tóxicos, desenvolve hábitos ou dependência. Em outras palavras, não é o uso transitório de drogas durante a crise adolescente capaz de, por si só, traçar o perfil característico do “viciado” ou “toxicômano”. — Quando, então, há risco de os adolescentes ad olescentes se tornarem toxicômanos? De um modo muito sumário e apenas como guia genérico para auxiliar os pais a detectarem quando o uso de drogas deixou de ser um “inocente” hábito peculiar à cultura adolescente para se transformar numa nu ma situação poten cialmente perigosa (e que exige a consulta co nsulta a um especialista), daremos abaixo algumas características que indicam um mínimo risco de drogadicção e, em contrapartida, as que sugerem uma alta probabilidade de sua ocorrência. Pequeno Risco
Adolescentes que: 1 - Fazem uso apenas esporádico de drogas ou, se sistematico, tão-somente uso de ruaconha. 2 - Revelam bom contato afetivo com fa miliares. 3 - Não possuem antecedentes infantis de agressividade impulsiva, nem do hábito de mentir, furtar ou outras práticas anti-sociais. 4 - Praticam esportes ou tém “hobhies” e interesses artístico-culturais. Grande Risco Adolescentes que: 1 - Fazem uso sistemático de drogas em esca lada”, ou seja, começam fumando maconha, passam para a ingestão de comprimidos compri midos tran qúilizantes ou estimulantes e acabam utilizan do-as por via injetável. 2 - Mostram frieza ou indiferença afetiva com tio grupo familiar. 3 - Apresentam antecedentes infantis de agres sividade impulsiva ou do hábito de mentir, fur tar ou praticar atos anti-sociais. 4 - Tem o seu lazer restrito a práticas de nítido sentido auto ou heterodestrutivo. sem qualquer propósito criativo. 86 / Luiz Carlos Osorio 5 - Relacionam-se sexualmente com indiví duos do sexo oposto predominantemente. 6 - Revelam desejo manifesto ou latente de buscar e receber ajuda psicoterápica. 7 - Evidenciam níveis significativos de ansie dade e certo grau de consciência da inadequa ção de seu comportamento. 5 - Relacionam-se sexualmente de preferência com indivíduos do mesmo sexo e, quando com os do sexo oposto, tal relacionamento limita-se a práticas perversas. 6 - Não apresentam qualquer motivação para procurar ajuda psicoterápica. psicoteráp ica. 7 - Não se mostram manifestamente ansiosos nem apresentam qualquer grau de consciência da inadequação de sua conduta. — Por que os jovens fazem uso tão freqüentemente em nossos dias de maconha? maco nha? Os adolescentes fumam hoje maconha como seus pais — adolescentes de ontem — fumavam tabaco: porque é “moda”, porque é proibido ou porque, afinal, as sensações que
proporcionam os tóxicos são prazeirosas. Por uma ou por todas estas razões. O adolescente “puxa fumo” porque esta é a forma de “estar na onda”, de ser como os outros, de pertencer a seu grupo de iguais, como também poderá fazê-lo porque o tóxico exerce sobre ele a atração do “fruto proibido” ou ainda porque esteja contrariado com os “velhos” e esta é a forma que escolheu de evidenciar seu protesto. Há um sem-fim de razões invocadas ou invocáveis para explicar por que os adolescentes fumam maconha ou ingerem as tão temidas “boletas”. Sejam quais forem tais razões, elas não diferem muito das alegadas por seus pais quando eram adolescentes para justificar por que fumavam ou bebiam. Este é um dos equívocos vigentes na questão da drogadicção por parte dos jovens. Será rebelde um adolescente que não sabe o que fazer da própria vida e por isto dela procura alienar-se através do uso de tóxicos? A rebeldia é um ingrediente presente, em maiores ou menores doses, na adolescência normal; a dependência às drogas na juventude identifica justa mente um padrão patológico de submissão e não de rebeldia. Submissão ao tóxico, aos que traficam e, muitas vezes, como a História já o comprovou, aos interesses políticos de governos autocráticos interessados em manter os jovens aletargados pelas drogas para que não os contestem com o ardor, disposição e fervor ideológico que costumam caracterizar as manifestações de rebeldia na mocidade. — Qual a relação entre a rebeldia dos jovens e o uso de drogas? Adolescente Hoje / 87 — Qual a solução para o problema da drogadicção entre os jovens: a repressão ou a liberação? Ambas as soluções já foram tentadas em diferentes contextos sócio-po líticos e ambas igualmente mostraram-se incompetentes para resolver o proble ma. Isto porque foram basicamente dirigidas às conseqüências e não às causas, que são múltiplas e complexas e que exigem soluções não tão simplistas como as que se polarizam na escolha de uma dessas duas alternativas: repressão ou liberação. Reprimir o uso de drogas , por exemplo, é proceder como o marido enganado da anedota que, ao saber que sua mulher o traía no sofá da sala limitou-se a retirar o sofá. Assinale-se que não estou aqui questionando a repressão ao tráfico de tóxicos, o que é diferente da repressão ao uso de tóxicos. Quanto à liberação, já tentada em alguns países por determinados períodos de tempo, surgiu como uma tentativa improvisada frente à impotência dos poderes públicos em resolver o problema e igualmente revelou-se inócua como solução global. Insisto que a solução não está na escolha simplista entre repressão ou liberação; talvez estejamos mais próximo dela se, e quando, prestarmos aten ção não aos motivos que levam muitos jovens a se drogarem, mas às razões que levam outros tantos a não terem necessidade de fazê-lo. O ADOLESCENTE E A RELIGIÃO
— Como explicar a atração dos jovens contemporâneos pelas religiões orien tais? Penso que se poderá dar a esta pergunta explicação análoga ao do por que os jovens usam drogas diferentes das que empregam seus pais: a atração dos adolescentes pelas religiões orientais decorre do desejo de adotar crenças diferentes das de seus pais — dentro do padrão de contestação com que os jovens pautam sua relação com a geração precedente na busca de afirmação da sua identidade — mas obedece a necessidades místicas equivalentes às de seus genitores. A religiosidade e o misticismo têm acompanhado a história da humanidade desde seus primórdios e provavelmente continuará a fazê-lo por longo tempo ainda. A necessidade de crença num ser ou poder superior é um imperativo para a maioria dos seres humanos ainda hoje e os jovens não fogem a essa precisão. No entanto, ao buscarem cultos religiosos exóticos, ou, quando menos, distintos das religiões tradicionalmente praticadas no ocidente, estão com esta atitude reafirmando seu livre-arbítrio e desejo de contrapor-se aos valores provenientes da geração precedente. 8 / Luiz Carlos Osorio — Não teria sido por abandonar os preceitos religiosos que a juventude de hoje está tão desorientada e perdida? É inegável que a religião tem servido através dos tempos como uma espécie de bússola para indivíduos que sentem ter perdido seus rumos na vida; mas se isto é uma verdade confirmada pelos fatos, não o é a afirmativa de que, ao se afastar da religião, os indivíduos necessariamente se sintam perdidos ou desorientados — pois, se assim fosse, sempre lhes restaria buscar no reencontro com a religião a orientação de que se acham carentes. Certamente os jovens de hoje não se sentem perdidos ou desorientados porque se afastaram da religião. Até porque, como está implícito no conteúdo da pergunta anterior, tal afastamento é discutível, pois o que os jovens estão fazendo é procurar outras crenças para satisfazer suas necessidades místicas ou suas carências de sustentação moral. Os jovens estão confusos e perpiexos, sim, mas não mais do que nós outros, adultos, diante dos rumos equivocados que a civilização parece estar tomando, com a aparente abolição dos padrões éticos indispensáveis para balizar o progresso humano. Não é de mais religião que carecemos — e eu até diria que a religião já teve sua vez e não aprovou como método de salvaguarda dos valores intrínsecos à vida humana—, mas de uma nova proposta ética que não contrarie o primado instintivo do ser humano nem negue as contradições de sua natureza anímica. E é para essa busca de uma nova moral, emergente dessa crise maturativa da espécie humana, que a juventude de nossos dias deverá mobili zar-se, se quiser assegurar a continuidade do proceso civilizatório e a esperança de um futuro mais risonho. — Não é o espírito religioso o grande aliado com que contam os jovens para superar a agressividade própria dessa etapa da vida? O espírito religioso tem acompanhado, e muitas vezes até endossado, as manifestações de agressividade ao longo da história da humanidade. A inquisição, as guerras santas, a conivência velada ou assumida de sacerdotes de todas as crenças e cultos com os propósitos belicistas de governos leigos ou militares, são algumas entre miríades de situações que
identificam não haver qualquer incompatibilidade entre espírito religioso e agressividade, ao menos na práxis social. Portanto, não creio que possa a religiosidade ser antídoto das manifestações agressivas dos jovens. Quando muito poderá ela mascará-las, reprimindo a energia agressiva da juventude — que de resto é condição básica para a luta pela vida — com possíveis funestas conseqüências para a saúde mental dos jovens. AcJo1c Ho / 89 — A religião não é, então, fundamental para os seres humanos e conse qüentemente para os jovens? A religião tem sobrevivido ao longo da História como fonte de consolo e balizamento moral dos indivíduos; mesmo aqueles que dizem reger suas vidas pela mais pura racionalidade científica adotam vez por outra práticas religiosas ou místicas em seu cotidiano existencial. Civilizações se extinguiram e a Religião sobreviveu, mas adotando formas cada vez mais distantes do difuso panteísmo original e que se aproximam do que, imaginamos, será sua abstração final e que coincidirá com o império da Razão Pura. Já fomos adoradores do trovão, depois prestamos tributos a animais deifi cados, mais adiante antropomorfizamos os deuses e, finalmente, “monotei nizamos” a religião. Temos, outrossim, evoluído do concreto para o abstrato: hoje, mesmo nos meios religiosos mais ortodoxos da vertente judaico-cristã, já se admite considerar Deus um ente cósmico sem a figura humana de um ancião de barbas brancas. Caminhamos, portanto, em direção à adoção de formas cada vez menos divinizadas e mais racionais de pensamento religioso. Dia chegará em que este se confundirá com a racionalidade científica, quando for alcançada a compreensão da essência da natureza humana. O ADOLESCENTE E AS IDEOLOGIAS POLÍTICAS — Por que os jovens são tão influenciáveis pelas ideologias políticas? Já se disse que os jovens pensam ideologicamente. Pela necessidade de consolidar seu sentimento de identidade, os jovens procuram nos grupos ideo lógicos um continente, uma caixa de ressonância para sua concepção de mundo, algo que lhes ofereça uma perspectiva de continuidade futura de seus projetos de vida. E outra não é a função das ideologias políticas do que compor um panorama prospectivo do que pode vir a ser a vida humana com o aperfei çoamento de suas instituições sociais. Sobretudo em um momento de profundas transformações e ameaça de desintegração do processo civilizatório como esse que atravessamos, as ideologias políticas passam a exercer uma atração magnética sobre os jovens, que nelas encontram a saída huscada para suas angústias existenciais. E quanto mais dogmáticas forem, quanto mais radicais suas propostas, tanto maior a atração que exercem sobre os jovens, pois a promessa de certezas em um instante de tantas dúvidas pessoais e tamanha insegurança prospectiva é como oferecer uma bússola ao navegante extraviado. A possibilidade de mapear seu destino de acordo com as coordenadas ofere cidas pelas ideologias políticas é, muitas vezes, uma espécie de salva-vidas a que se agarram os jovens enquanto sacudidos pela tormenta do processo puhe ral 9() Juiz C ()50r — Quais as conseqüências da repressão política sobre a mente em forma ção dos jovens?
A repressão política, como a sexual, age diretamente sobre a fonte da criatividade humana. Indivíduos reprimidos se robotizam, se desumanizam. Os perigos da alienação são infinitamente maiores do que os da contaminação com doutrinas políticas tidas como prejudiciais à mente em formação dos jovens. Há uma inequívoca relação entre repressão política e práticas autodes trutivas entre os jovens. E fato comprovável na história recente de nosso país o aumento da incidência de toxicomanias entre os jovens coincidindo com a alienação política suscitada pela repressão do regime totalitário a que estivemos submetidos nas duas décadas anteriores. Como contraprova, tivemos a redução dessa incidência por ocasião da abertura política nos anos 80. — Como se entenderiam as manifestações políticas nos meios estudantis? São elas parte indispensável da formação dos jovens ou apenas expres são de seu descontentamento com a geração anterior? Diria que ambas as hipóteses são corretas. Os jovens escolhem ideologias políticas distintas das que professam seus pais, como praticam religiões ou usam drogas diferentes das que empregam seus pais, por razões vinculadas ao confronto generacional e que obedecem, como vimos anteriormente, à necessária busca de autonomia na afirmação da identidade adulta. Por outro lado, como a participação política é um natural canal de expressão da necessi dade dos jovens de encontrar um continente ideológico para seus desejos de participar na construção da sociedade onde lhes tocará viver, nada mais legítimo do que lhes facilitar essa expressão através do exercício da vida política desde os bancos escolares. A práxis política nos meios estudantis é tão indispensável para a formação social dos jovens como o é a alfabetização para o desenvolvimento de seu intelecto. — Como impedir que os jovens se tornem violentos em um país cujo governo totalitário prende, mata e tortura? Nada mais capaz de estimular a violência entre os jovens do que pais ou governos que agem sob a égide do autoritarismo. Todos conhecemos a lei da ação e reação. A resposta óbvia à repressão sexual foi o desregramento dos costumes que, em lugar de propiciar uma adequada satisfação instintiva, provocou uma onda de promiscuidade permeada de angústias e desvio dos objetivos sexuais. A História registra, com repetição monótona, que a governos autocratas sucedem-se períodos de violência cívica e desorientação geral quan to aos objetivos nacionais. O subproduto mais nefasto de regimes totalitários HOJC / 91 — porque de efeitos a longo prazo — é a castração do idealismo jovem sem o qual qualquer sociedade perde seus rumos e se consome na prática da violência gratuita, ditada pelo individualismo ególatra, destituído de qual quer visão do bem-comum. — Qual a contribuição que os jovens poderiam trazer a este momento de perplexidades na área polftica que não só o Brasil mas, ao que parece, todo o mundo vive hoje? Todas as teorias sócio-políticas que herdamos do século passado estão em acelerado processo de obsolescéncia em virtude do ingresso na chamada terceira onda civilizatória ou era pós-industrial (TOFFLER). As duas grandes correntes sócio-econômicas e políticas que polarizam o mundo contemporâneo, o capitalismo e o socialismo, têm se mostrado ineficazes para fornecer a necessária sustentação institucional ao progresso científico e ao
desenvolvi mento tecnológico que caracterizam o advento da terceira onda. Podemos mesmo dizer que tanto o capitalismo como o socialismo são reacionários em relação às demandas da terceira onda, pois são doutrinas que se assentam no paradigma da era industrial. A ideologia sócio-política emergente neste final de século é, se me permi tem a expressão, o ecologismo. E são os jovens, com seus partidos verdes e suas reivindicações quanto a herdarem um mundo habitável, os deflagradores de novas ideologias sócio-políticas que apontam para o futuro e se mostram mais coadunáveis com o momento civilizatório que se esboça neste limiar do terceiro milênio. A contribuição que da juventude podemos esperar, no espaço de reno vação e mudança que representam, é no sentido de assegurar a continuidade do processo histórico através da denúncia que fazem de nossa cegueira quanto à ameaça de auto-extinção da espécie humana. Agora, mais do que cogitar da melhor maneira de distribuir bens e gerar riquezas, é imperativo preservar a vida humana sobre o planeta, pois, senão a curto prazo, não teremos bens nem riquezas a compartilhar. Os jovens são nossa consciência crítica e deles espera-se a criação de novas concepções sócio-políticas que viabilizem a se qüência do processo civilizatório. O ADOLESCENTE E A EDUCAÇÃO — Pode-se dizer que à família compete educar o adolescente e à escola instruir? Na verdade, é importante esta distinção entre educação e instrução. Pode mos dizer genericamente que a educação é um processo de dentro para fora, 92 / Linz Car1o Osorio ou seja, como a própria etimologia do termo sugere (e + ducare), é conduzir para fora ou exteriorizar valores e potenciais pré-existentes no indivíduo. Já a instrução ou ensino corresponde a colocar para dentro novas informações ou conhecimentos. Creio que tanto à famiia como à escola corresponde educar e instruir. Pode-se dizer, contudo, que à família cabe primordialmente educar e à escola instruir, mas, na realidade, ambos os processos se interpenetram. Sem educar, no sentido dado acima, de liberar as condições e potenciais latentemente existentes no ser humano, o ensino constituir-se-á em um simples verniz cogni tivo destinado a homogeneizar o perfil intelectual dos jovens, abolindo sua criatividade. Com demasiada freqüência, tanto os pais como os professores caem no vezo de entupir as cabeças dos jovens com dados sobre o conhecimento huma no, em lugar de ensinar-lhes a inovar. Tratamos seus intelectos como depósitos a serem preenchidos com informações e não como instrumentos a serem usados na aquisição de novos conhecimentos. Isto é lamentável. — Como despertar no jovem o gosto pelo estudo? O chamado instinto epistemofílico, ou seja, o desejo inato do homem de conhecer é-lhe tão natural e espontâneo como a fome, o apetite sexual ou a preservação da própria vida. Como despertar em uma pessoa o gosto pela vida? Quem sabe apenas não lhe apresentando esta como algo tedioso, que não tem outro sentido ou objetivo que o de manter a rotina vegetativa de preservar as funções vitais. Se o aprendizado não se constituir no cumpri
mento da mera finalidade de exercitar a inteligência, com o remoto objetivo de uma capacitação profissional, mas possa estar impregnado do propósito de dar livre curso à criatividade pessoal e desenvolver capacidades latentes, então, quiçá, não o teremos, como até agora, reduzido a uma espécie de câmara de tortura para as mentes jovens, O instinto epistemofílico é habitual mente sacrificado em benefício do estreitamento das mentes para adaptar-se a esse verdadeiro leito de Procusto em que se transformou tanto o ensino de 1: e 2: graus como o universitário. Para quem não está familiarizado com a lenda grega, queremos recordar que Procusto era um ladrão que obrigava suas vítimas a deitar-se em um leito: se a vítima era mais curta que o leito. Procusto estirava suas pernas até que alcançassem o cumprimento do leito; se, ao contrário, o leito fosse mais curto que a vítima, Procusto a reduzia a golpes até que se ajustasse ao cumprimento do leito. Ora, se transformarmos a educação em um leito de Procusto o que obteremos será apenas indivíduos deformados. O gosto pelo estudo só se desperta em um clima de liberdade e respeito ao desejo inato dos seres humanos de conhecer e compreender tudo que está a sua volta ou no seu próprio interior. Âdo!c’ íh>;t 93 — Qual o papel a desempenhar pela escola na formação dos jovens de hoje? Antes de mais nada, deixar de ser um sub-rogado das expectativas dos pais de seus alunos. A escola tem um importante papel diferenciador no desenvolvimento psicossocial dos jovens. A escola é o elemento facilitador por excelência da individuação dos jovens. Para que ela exerça esta função de catalisadora do processo de aquisição da identidade adulta dos jovens, deve manter-se imune às pressões familiares para que nela se formem indiví duos que possuam as características consideradas desejáveis pelos pais. A escola, a meu modo de ver, tem uma inestimável função a desempenhar como “lugar de mudança”, isto é, área neutra onde os jovens possam exerci tar-se, dando livre curso à sua criatividade e talentos potenciais, testando novas idéias e assim podendo contribuir com soluções inéditas para a melhoria da qualidade da vida humana. No plano psicossocial tendemos a repetir velhas, surradas e comprova damente ineficazes fórmulas de convivência humana. Quem sabe, quando pudermos deixar a escola privilegiar seu papel de laboratório de relações humanas em detrimento de suas finalidades meramente pedagógicas, tenhamos não só melhores perspectivas para o convívio social como também descubramos que é justamente despreocupando-nos com o estudo que fomentamos o gosto por ele. — E a disciplina, como considerá-la nos dias que correm? Não será o ensino de hoje menos eficiente porque se contaminou com a ideologia do laissez-faire? Entre a repressão e a permissividade, ambas expressões da falência no exercício adequado da autoridade, temos o território da colocação de limites, regido pelo princípio de que “a liberdade de cada um termina onde começa o direito do próximo”. Em verdade, os educadores de hoje estão às voltas com um dilema: OU aferram-se a normas disciplinares que já caducaram por mostrar sua inope rância como promotoras do bem-estar e respeito mútuo ou renunciam a qual quer propósito de
regulamentar o inter-relacionamento professor/aluno ou aluno/aluno, deixando os jovens entregues às suas próprias, incipientes e mui tas vezes caóticas, regras de convívio. Penso que simplesmente exigir obediência em nome do primado da autori dade é regra em desuso, pois tem se evidenciado prática promotora do autorita rismo que deteriora as relações humanas. Disciplina não se exige, conquista-se. E. para fazê-lo, é mister ser coerente nas atitudes e impregná-las de auto-res peito e consideração ao direito alheio. fuji ( Oru O ADOLESCENTE “PROBLEMA” — Os adolescentes rebeldes necessitam tratamento psiquiátrico? Rebeldia não é, certamente, doença; portanto, não há por que tratá-la. Preocupam-nos mais os adolescentes acomodados que os rebeldes. Adoles centes apáticos, desmotivados, pouco sociáveis, estes sim são potencialmente enfermos psiquicamente. A rebeldia é inerente à juventude. Claro está que há gradações dessa rebeldia. Quando se aproxima da violência, expressa em ataques físicos, condutas arrogantes e intrusivas, aí sim já não se trata apenas de contestação peculiar à faixa etária adolescente, para constituir-se, então, no espectro comportamental que caracteriza a chamada delinqüência juvenil, esta sim já extrapolando os limites da normalidade. — Por que há uma incidência tão grande de suicídios na adolescência? Há inúmeros fatores a considerar, quer de ordem intrapsíquica como cultural, na questão do crescente índice de suicídios da adolescência. Para tomarmos apenas uma das tantas variáveis do problema, vamos considerar a mensagem contraditória que os pais emitem a seus filhos adolescentes: adultos pessimistas, queixosos, sempre a lançar imprecações contra as vicissi tudes existenciais, não estarão, porventura, contribuindo para criar nos filhos a convicção de que a vida não vale a pena? Por outro lado, a ameaça contida na hipótese nada improvável de que o Homem torne a Terra inabitável por sua conduta predatória ou esteja à beira do autoextermínio em uma guerra nuclear não são maneiras de contagiar os jovens com nossa práxis suicida? O ecocídio, ou destruição da natureza, assim como o genocídio, ou aniqui lamento da espécie humana, são inegavelmente práticas suicidas que convidam os jovens a se destruírem antes que os destruam. “Viva rápido, morra jovem” — dístico apregoado no frontespício de um agrupamento juvenil — é a ilustração contundente desse espírito suicidó geno dos adolescentes contemporâneos face à conduta autodestrutiva dos adultos contemporâneos. — Como os adolescentes problema tizados recebem a oferta de ajuda por parte dos profissionais especializados? E que características são desejáveis em um psicoterapeuta de adolescentes? O adolescente espera encontrar no psicoterapeuta um indivíduo apto a compreender seus conflitos sem precisar mimetizar seu comportamento ado lescente. Os adolescentes querem, para tratá-los. adultos que sejafli receptivos a seus problemas por serem capazes de evocar ou encontrar ressonâncias
Adolescente Hoje / 95 em suas próprias adolescências, mas sem que para isso tenham que se vestir ou falar como adolescentes. Precisam de profissionais com uma identidade adulta bem estabelecida, que possam lhes fornecer novos modelos ou pautas de identificação, e não venham a confundilos adotando um procedimento pseudo-adolescente em seu contacto com os jovens. Os adolescentes são em geral menos preconceituosos do que os adultos com relação às abordagens psicoterápicas, mas são muito mais exigentes e sensíveis do que eles com relação à pessoa que vai atendê-los. Os fracassos, não raros no atendimento de adolescentes, devem-se menos à sua rejeição dos métodos psicoterápicos do que à falta de tato e incompetência dos profissio nais, bem como ao boicote dos pais, que vêem equivocadamente os psicotera peutas de seus filhos como agentes retificadores de sua conduta e não como aliados da saúde mental dos mesmos. 96 / Juiz (anus Osoniu
Epílogo ‘A adolescência é como um muro de vidro: não há portas nem passa gens, só a disposição de crescer pode transpó-lo. Quem tenta escalá-lo só o fará após muitos escorregões; quem ousa parti-lo, há de ferir-se com seus estilhaços. Do lado de cá há reminiscências de ternura e aconchegos; do outro, promessas de conquistas e êxtases”. (das anotações de um adolescente) Certa ocasião me indagaram o que é preciso para ouvir e entender adoles centes. Lembreime então do famoso soneto de O. BILAC “Ouvir Estrelas” e à guisa de resposta, parodiei-o: OUVIR ADOLESCENTES Ora (dirás) ouvir adolescentes! Certo Perdeste o senso! E eu te direi, no entanto, Que para ouvi-los há que chegar bem perto E nunca assumir aquele ar de espanto... Não é preciso “na deles” entrar, no entanto. Basta a mente e o coração ter aberto Para escutar seu mui aflito canto Na dura busca de um futuro incerto. Dirás agora: Tresloucado amigo! Que conversas com eles? Que sentido Tem o que dizem, quando estão contigo, E eu te direi: se é inveja o que sentes Por vê-los gozar o que hajas perdido, Não és capaz de ouvir adolescentes... Adolescente Hoje / 97 Se nós, adultos, soubermos e pudermos ouvir e entender o adolescente que fomos um dia e que trazemos homiziado em algum recanto secreto de nossas mentes , e se os adolescentes de hoje, por seu turno, souberem e puderem dialogar com esse remanescente da adolescência que seus pais escon dem no âmago de seus seres, quem sabe poderemos juntos dar um novo curso ao destino da humanidade, sob a égide do idealismo, que é a marca registrada da juventude de todos os tempos. Falou-se muito nas páginas anteriores em dar livre expressão à criatividade dos adolescentes, se quisermos manter acesa a esperança de que nos conduzam a melhores tempos. Pois é escutando-os e a suas manifestações criativas, e compartilhando de suas ansiedades existenciais, que quero encerrar este périolo através da condição adolescente nos dias que correm. Vejamos, pois, em três fragmentos literários oriundos do desejo juvenil
em comunicar-se e comunicar-nos sua visão do mundo o que dizem os adoles centes de hoje e de sempre: AMANHÃ (poema de uma adolescente de 15 anos sobre sua mãe) Amanhã Eu tentarei entendê-la Tentarei entender a emoção Atrás daqueles grandes olhos azuis Tentarei entender seu zelo pela vida Sua infatigável energia e amor pelos outros Amanhã Eu me sentarei e procurarei compreender Esta mãe minha Procurarei compreender a mãe Que me ensinou a viver Por todos esses meus 15 anos Amanhã Trocaremos segredos Vamos dar um longo passeio Vamos nos sentar juntas e rir E eu vou dizer-lhe que me desculpe Por todas as vezes que a magoei E as longas noites que ela passou chorando por mim H oj e Eu estou muito ocupada Tenho muito que fazer E ela me irrita 98
Juiz C;,rh Osorio
Hoje Ela me faz perguntas estúpidas Que não tenho vontade de responder Hoje Estou muito cansada
Mas amanhã Eu lhe direi quanto eu a amo Vou abraçá-la e pedir que me perdoe Vou dizer-lhe que estou contente por ter Uma mão como ela Amanhã ANOS DO FUTURO (poema de um adolescente de 17 anos dos anos 50) Os anos do futuro chegarão E nos encontrarão perpiexos e confusos Ante seus umbrais. Que mundo é este que herdamos de nossos pais? Que fizeram com ele? Que faremos nós agora? Não, este certamente não é o mundo que desejaríamos! O vocês da geração que nos precedeu Olhem o sol deixando seu rastro dourado E não o escondam com a fumaça das fábricas (Sabemos que as fábricas são necessárias, Mas não estarão elas servindo antes à ganância dos poderosos Do que às necessidades de todos nós?) Aspirem ao perfume da floração primaveril (Se é que ainda podem identificá-lo Entre os gases e miasmas urbanos) Ouçam o murmúrio dos regatos e o chilrear dos pássaros Solicitando por um instante a atenção dos passantes Para a sinfonia harmoniosa da natureza (Caso já não hajam ensurdecido pelo ruído do tráfego e das máquinas) Percebam as sutis diferenças de gosto Das frutas maduras e do puro mel (Ou o fumo e o álcool lhes entorpeceram o paladar?) Sintam o roçar da brisa vespertina E a espuma marinha e lhes escorrer pelos dedos (Ou perderam o tato nos guichês dos bancos’?)
Hoje / 99 Gozem o instante de amor que se oferece E a simples ventura de existir (Ou já se embruteceram para sempre nas lutas fratricidas?) E vejam se lhes sobra algum entendimento Para se darem conta, afinal, Que o futuro nos pertence, não a vocês... QUINZE ANOS (Trechos do diário de uma adolescente de 15 anos dos anos 80)* Eu acho que a organização que o homem faz na Terra tem muitos defeitos. Quando eu começo a falar da pobreza, de massacre, de exploração, vai começando a me dar uma raiva, uma vontade de lutar por mim, pelo Brasil, pelo futuro! Eu acho que eu tô numa fase de revolta tão grande, uma paixão pela política, que qualquer assuntinho que me revolte, já me deixa louca de ódio e eu acabo lembrando de guerra, de violência, de poder e vai me dando uma vontade de mudar o mundo, de corrigir os erros, uma vontade que é tão maior que eu chego a achar medíocre tentar explicar alguma coisa numa folha de papel. E ainda por cima às vezes eu tenho um certo medo, medo dessa fase passar e eu me tornar uma pessoa alienada e confor mada como milhões de outros brasileiros. Porque para mim não basta ser consciente, tem que ser atuante. E a pergunta que fica no ar, que sempre resta é essa: Atuar, mas como? Espero que você entenda essa revolta desse adolescente com essa vontade louca, linda, tão adolescente (será?) de mudar, de participar junto com a massa desse processo de crescimento geral do ser humano e de suas condições de vida. Dentro de mim uma grande raiva. Um medo de que não me deixem lutar pelas coisas que devem ser feitas, que me fechem a boca e façam da minha vida apenas mais uma. Medo de não ser forte suficiente, de não ir avante, de não me entregar inteira, porque se eu não encarar essa, quem é que vai? Levo uma flor insegura no coração. A agonia de saber que o mundo não pode acabar agora porque eu ainda nem fui feliz. Do livro Quinze Ano5, de Gabriela Bastos Loureiro lO() / Luiz (arh Osor,o E agora me dirijo aos jovens que porventura me lêem, indagando-lhes se o conteúdo destas reflexões não identificaria muitos de seus próprios senti mentos em relação ao mundo em que lhes tocou viver, suas queixas da herança que receberam da geração que os precedeu, suas preocupações ecológicas com o estado desta aldeia global em que terão que viver amanhã sua condição de adultos, e que o homem predatoriamente, filicidamente, está tornando inabitável para as gerações futuras, suas incertezas diante deste porvir já não mais previsível como antigamente, enfim, pergunto-lhes se estas palavras não poderiam ter sido escritas por qualquer um de vocês, jovens de hoje, para traduzir seu estado de espírito
diante da ordem (ou desordem) vigente nos dias que correm?!... Como podem perceber, também fomos adolescentes com preocupações e revoltas muito semelhantes às de vocês, também tivemos nossas perpiexidades e igualmente compartilhamos essa angústia existencial que é o seu, o nosso, dilema no mundo em que vivemos. Quero concluir com uma nota de otimismo prospectivo e de confiança no ideário dos jovens de hoje, nem tão alienados como os queremos crer nem tão brutalizados como os fazemos supor: Para cada adolescente que toma drogas, comete violências ou se margi naliza há outros tantos escrevendo poemas, pintando quadros, compondo músicas, ou simplesmente caminhando com o sol a lhes bater nos ombros, curtindo a natureza que nós adultos deixamos de apreciar, sonhando os ideais que já arquivamos e sentindo pulsar no peito aquela emoção que só vive em nossa saudade. Que os adolescentes contemporâneos possam nos ensinar a amar porque desapreendemos a nos comover porque, por tola vergonha, não mais nos permitimos, e a conviver, porque na multidão de que nos cercamos somos cada vez mais solitários. Adolescente Hoje 1 101
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* Austin: Quando Dizer é Fazer — Palavras e Ação • Bakunin e Outros: Pedagogia Libertãna * Beveridge & Ramsdem: Crianças com Dísturbios de Lingua gem * Boscolo, L: Terapia Familiar Sistêmica — A Escola de Milão * Bowlby, John. Uma Base Segura * Calkins. Lucy’ Lições de uma Criança * Chasseguet-Smirgel: O Ideal do Ego * Chasseguet-Smirgel: Ética e Estética da Perversão * Clavreul, Jean’ O Desejo e a Lei • Cook-Gumperz: A Construção Social da Alfabetização * Copolil Psicoterapia Psicodinãmica de Crianças Costa & Katz: Dinâmica das Relações Conjugais * Costa, Sady & Cruz, Laércio: Otorrinolaringologia — Um Texto Basico • Coulehan & Biock: A Entrevista Medica * Cratly, Bryant: O Desenvolvimento Perceptual e Motor em Lactentes e Crianças * Czermak, Marcel: Paixões do Objeto (Estudo Psicanalítico das Psicoses) * Dolto, Françoise: Solidão * Dor, Jotil: A A da Psicanálise Dor, Joril: Estrutura e Perversão Duncan. Giuliani & Schmidt: Medicina Ambula tonal • Enguita. M.’ Trabalho, Escola e Ideologia Esteves, Jorge: Manual de Urgéncias em Oftalmologia * Faillace, Renato’ Interpretação do Hemograma * Fain & Dejours. Corpo Enfermo e Corpo Erotico * Ferreiro, Emilia: Os Filhos do Analfabetismo * Flaherty: Manual de Psiquiatria * Fogel, Lane & Leiberl. Psicologia Masculina — Novas Pers pectivas Psicanalíticas * Foley: Introdução à Terapia Familiar * Frostig & Maslow: Problemas de Aprendizagem • Gearhearl, Bili: Disturbios da Aprendizagem — Estra regias Educacionais Gellman & Tordjman: O Homem e Seu Prazer Glitow: Alcoolismo * Gomel Manual de Neonatologia
* Goodrich: Terapia Familiar Um Enfoque Feminista • Grinberg. L: Teoria da Identificação * Hamayde. Decroly — Uma Introdução Completa ao Método do Grande Educador * Hardeman, Mildred: Os Caminhos do Conhecimento na In fância Hobbs: Toxicologia e Higiene dos Alimentos * Hornstein, L.: Cura Psicanalítica e Sublimação Hughes: A Criança e os Números — Dificuldades na Aprendi zagem da Matemática 8 Johnston & John sron. Pré-Escola — Uma Abordagem Piage tiana * Julien, Phillipe: O Retorno de Lacan a Freud • Kaplan & Sadock’ Com péndio de Psiquiatria St cd. - 1989 * Katzung: Manual de Farmacologia Clínica * Keeney & Ross: Tratamentos Sistêmicos de Familia — Estra tégias Clínicas * Klaus & Klaus: O Magnífico Recém-Nascido Klaus & Kennel: Relação Pais & Filhos * Klerman: Psicoterapia da Depressao Kohut, Heinz: Como Cura a Psicanálise? Koppitz, Elizabeth. Avaliação Psicológica do Desenho da Fi gura Humana por Escolares * Labos, Tarsitano & Thompson: Computaçao Clinica e Cria ti vi dade — O Computador e os Disturbios de Linguagem e Aprendizagem Le Boulch: Face ao Esporte Le Camus: As Origens da Motricidade * Luborsky, L: Principios de Psicoterapia Psicanalitica * Luria & Tsetkova: Atividade Mental & Lesão Cerebral * Manacorda. M.: O Princípio Educa uvo em Gramsci Manlredi & Bassa: Oralidade e Psicogênese Manfroi, Wa Ação Medicamentosa e Implicações Clínicas dos Fármacos Mais Usados em Cardiologia * Mannoni, Maud: Um Lugar para Viver Marini, M: Lacan • McDougall, J.: O Divã de Procuste MelIo E?, Júlio: O Ser e o Viver — Uma Visão na Obra de Winnicott * MelIo, Luciano: Rotinas Terapêuticas em Atendimento Pri mário * Melman, Charles: Estrutura Lacaniana das Psicoses Menna Barreto, Sérgio: Rotinas em Tratamento Intensivo
Meyers. H.: Entre o Anatista e o Paciente Minuchin & Fischman’ Técnicas de Terapia Familiar * Miura, Ernarti: Neonatologia — Um Texto Básico Moscovici, Serge: Psicologia Social Nasio & Dolto’ A Criança do Espelho * Nasio, Juan: Os Olhos de Laura Neil & Kniskem: Da Psiquê ao Sistema A Evolução da Terapia de Cad Whitaker * Olievenslein, C.: A Chnica da Toxicomania Osório: Adolescente Hoje l’iaget: Abstração Reflexiva Piagel & Inhelder: A Representação do Espaço na Criança r G.. Freud Apolitico? * Portuondo. J.: O Teste Projetivo de Karen Machover * Quiroga, Ana: Psicologia Social — Enfoques e Perspectivas Ritvo. Laxer & Maci Autismo Rossolato, G.: O Sacrifício * Rotta, Newra: Rotinas em Neuropediatna * Rutilor & Eiguer: A Terapia Familiar Psicanalitica Salas. Olga’ feminilidade Sand j.: Projeção, Identificação — ldendficação Prole eva Schaffer. Roy: A Atitude Analítica Schaffer & Reid: O Uso Terapêutico dos jogos Infantis Schwarizman. Gilberto: Oncologia — Um Texto Básico * Smith, Frank: Compreendendo a Leitura Souza, Aldu leio M.: Relato de uma Análise Terminada Spodek. Bernard: Pre-Escola Hoje — Espiorando a Base do Conhecimento e Espandindo o Curnculo Srerns, Ernest: O Pensamento Clinico em Cirurgia * Stillmann, t: Manual de Cirurgia Olagnós eco — Trata mento * Talbolt, Hales & Yudofsky: Tratado de Psiquiatria 2 vols. * TaIlis: Oific,jldades na Aprendizagem Escolar * Tordjman, Gilbert: A Mulher e Seu Prazer • Tusrin, F.: Barreiras Autis ricas em Pacientes Neuróticos Vayer & Roncin: As Atividades Corporais na Cnança * Vecchialo, Mauro: Psicomotricidade Relacional e Terapia * WalIon, H.: Desenho, Espaço e Esquema Corporal