Organização:
Beleni Saléte Grando
JOGOS E CULTURAS INDÍGENAS: POSSIBILIDADES PARA PARA A EDUCAÇÃO INTERCULTURAL NA ESCOLA
Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva Ministro do Esporte Orlando Silva de Jesus Júnior Secretária Nacional de Desenvolvimento do Esporte e do Lazer Rejane Penna Rodrigues Diretora do Departamento de Ciência e ecnologia do Esporte Leila Mirtes Santos de Magalhães Pinto Universidade Federal de Mato Grosso Programa de Pós-Graduação em Educação Tânia Maria Beraldo Lima Grupo de Pesquisa Movimentos Sociais e Educação Luiz Augusto Passos Organização Beleni Saléte Grando Projeto de Pesquisa (UNEMA-UFM) JOGOS INDÍGENAS E EDUCAÇÃO: Produção Material Educativo Sobre os Jogos dos Povos Indígenas do Brasil Coordenadora Beleni Saléte Grando – Coordenadora do Projeto – COEDUC/UNEMAT Equipe de Pesquisadores Luiz Augusto Passos – GPMSE/UFMT Tânia Maria Beraldo Lima - Coordenadora do PPGE/UFMT Neide da Silva Campos – GPMSE/UFMT – COEDUC/UNEMAT Claudio Ademir Casares da Fonseca – COEDUC/UNEMAT Imara Quadros – COEDUC/UNEMAT
Secretaria Nacional de Desenvolvimento de Esporte e de Lazer SNDEL SAN Qd. 03 - Lt. A - 1º andar - Salas 1291, 1250 e 1268 Ediício Núcleo dos ransportes - DNI CEP 70040-902 - Brasília - DF Fone: (61) 3429-6872 / 6835 / 6824
Organização:
Beleni Saléte Grando
JOGOS E CULTURAS INDÍGENAS: POSSIBILIDADES PARA A EDUCAÇÃO INTERCULTURAL NA ESCOLA
Cuiabá, 2010
Composição do Reitorado da UFM
Composição do Conselho Editorial
Ministério da Educação Universidade Federal de Mato Grosso
Dr. Marinaldo Divino Ribeiro (Presidente)
Reitora Maria Lúcia Cavalli Neder
Dr.ª Alice G. Bottaro de Oliveira
Vice-Reitor Francisco José Dutra Souto
Dr.ª Aida Couto Dinucci Bezerra Dr. Antonio Carlos Maximo Dr.ª Cássia Virgínia Coelho de Souza Dr.ª Célia M. Domingues da Rocha Reis Dr.ª Eliana Beatriz Nunes Rondon
Pró-Reitora Administrativa Valéria Calmon Cerisara
Dr.ª Elisabeth Madureira Siqueira
Pró-Reitora de Planejamento Elisabeth Aparecida Furtado de Mendonça
Dr. Geraldo Lúcio Diniz
Pró-Reitora de Ensino de Graduação Myrian Tereza de Moura Serra
Ms. Gabriel Francisco de Mattos Dr.ª Janaina Januário da Silva Ms. Joaquim Eduardo de Moura Nicácio Dr.ª Leny Caselli Anzai Dr.ª Maria da Anunciação P. Barros Neta
Pró-Reitora de Ensino de Pós-Graduação Leny Caselli Anzai
Dr.ª Maria Inês Pagliarini Cox
Pró-Reitor de Pesquisa Adnauer arquínio Daltro
Dr.ª Mariza Inês da Silva Pinheiro
Pró-Reitor de Cultura, Extensão e Vivência Luis Fabrício Cirillo de Carvalho
Dr. Marinaldo Divino Ribeiro Dr.ª Marluce Aparecida Souza e Silva Dr. Paulo Augusto Mário Isáac Dr.ª Sandra Cristina Moura Bonjour Dr.ª elma Cenira Couto da Silva
Pró-Reitor do Campus Universitário do Araguaia José Marques Pessoa
Dr.ª Anna Maria R. F. M. da Costa (Comunidade)
Pró-Reitora do Campus Universitário de Rondonópolis Cecília Fukiko Kamei Kimura
Dr. José Serafm Bertoloto (écnico)
Pró-Reitor do Campus Universitário de Sinop Marco Antônio Pinto
Drª Suíse Monteiro Leon Bordest (Comunidade) Ms. Nileide Souza Dourado (écnica) Eliana Aparecida Albergoni de Souza (Acadêmica) Sandra Jorge da Silva (Acadêmica)
Organização:
Beleni Saléte Grando
JOGOS E CULTURAS INDÍGENAS: POSSIBILIDADES PARA A EDUCAÇÃO INTERCULTURAL NA ESCOLA
Cuiabá, 2010
Editoração: Editora da Universidade Federal de Mato Grosso Revisão extual e Normatização: Diego Pinto de Sousa Étno-Arte: Claudyo Casares Projeto Gráfco e Diagramação: Paulo César Capa: Paulo César e Claudyo Casares Impressão: Editora de Liz Ltda.
As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e de inteira responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Ministério do Esporte, ou da Secretaria Nacional de Desenvolvimento do Esporte e do Lazer. Responsável pelo Projeto: Universidade do Estado de Mato Grosso Núcleo de Estudos sobre Corpo, Educação e Cultura – COEDUC-Rede CEDES/SNDEL Programa de Pós-Graduação em Educação da UNEMA Coordenação Regional do Campus de Cáceres Campus Jane Vanini – Bairro Cavalhada CEP 78.200-000 – Cáceres-M Fones: (65) 3221-0500/3221-0017 Email:
[email protected] < http://www.unemat.br/pesquisa/coeduc> Venda proibida. Editora da Universidade Federal de Mato Grosso Av. Fernando Corrêa da Costa, 2.367. Boa Esperança. CEP: 78060-900. Fone: (65) 3615-8322. Email: edu
[email protected] < http://www.umt.br/edumt/>
PREFÁCIO Antonella assinari1 Este livro reúne uma série de questões que nem sempre são tratadas conjuntamente, embora devessem sê-lo: escola e brincadeiras, técnicas corporais e raciocínio, culturas indígenas e conhecimentos científcos, jogos inantis e regras sociais. Essa possibilidade de associar ontes de conhecimentos pouco reconhecidas pela tradição científca e pela rotina escolar é um dos grandes méritos dos projetos que desenvolvem com cuidados os princípios da interculturalidade. Este parece ser o caso dos projetos que geraram os artigos desta coletânea organizada por Beleni Saléte Grando. Sua leitura me ez lembrar os estudos de olclore, nem sempre valorizados pela tradição acadêmica brasileira, mas que esteve na base da ormação do campo da Etnologia tanto aqui quanto em vários outros países. No Brasil, as pesquisas de olclore oram desenvolvidas de orma sistemática e cuidadosa por autores como o paulista Mário de Andrade (1893-1945), o baiano Mello de Moraes Filho (1844-1919) e os norte-rio-grandenses Câmara Cascudo (1898-1986) e Veríssimo de Melo (19211996), este último, autor da obra Folclore Inantil , de 1965. As pesquisas realizadas por esses autores oram pioneiras em “levar a sério” as brincadeiras inantis, registrando cantigas de roda, acalantos, adivinhações, jogos, brinquedos e outras atividades realizadas por crianças do Brasil. Foram também inovadoras em reconhecer nessas brincadeiras heranças de tradições muito antigas transmitidas pelas próprias crianças e em considerá-las parte de um patrimônio cultural com possibilidades ecundas de educação. Com essa perspectiva, Mário de Andrade, na gestão do Departamento de Cultura da Preeitura de São Paulo (1935-1938), elaborou um projeto de Parques Inantis como parte de uma política educacional não-escolar, visando propiciar às crianças um espaço de aprendizagem lúdica e de convívio com a cultura popular. Sem contar sua atuação na criação do SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e numa discussão sobre o lugar da cultura popular no patrimônio nacional que só muito recentemente vem sendo retomada, com o reconhecimento de aspectos imateriais do patrimônio, como as brincadeiras e jogos que são apresentados neste livro. ambém nessa linha de estudos de olclore, Florestan Fernandes (1920-1995) escreveu o premiado trabalho “rocinhas do Bom Retiro”, descrevendo à minúcia o complexo cultural das turmas de crianças deste bairro paulista, incluindo as regras de aceitação e pertencimento aos grupos, as brincadeiras, as cantigas que acompanham 1 Cientista Social pela USP é professora associada da Universidade Federal de Santa Catarina (1999). Como antropóloga coordena o Núcleo de Estudos de Povos Indígenas, onde desenvolve seus projetos de pesquisa e extensão, sendo docente do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, e de ciências sociais em diferentes cursos de graduação. Compõe o Conselho Cientí fico da Associação Brasileira de Antropologia (2008-2012) e participa do Grupo de Estudos da Performance (GESTO).
jogos e desafos. Sua conclusão antecipa em muitos anos o que só muito recentemente vem sendo reconhecido quanto à importância dos jogos e brincadeiras: as crianças do bairro do Bom Retiro, flhos de imigrantes, ao brincarem nas ruas, socializam-se num novo país e contribuem para a adaptação e inserção de suas amílias na cultura local. O reconhecimento de que as brincadeiras inantis permitem às crianças reconhecerem um novo contexto cultural, no qual suas amílias ainda não se incluem, pode ser associado às situações descritas neste livro sobre contextos indígenas e aponta para as possibilidades do uso de jogos e brincadeiras como estratégia pedagógica intercultural. De orma semelhante aos estudos mencionados, os artigos desta coletânea descrevem com riqueza de detalhes os jogos e brincadeiras de vários povos indígenas do Brasil. Os dois primeiros textos exploram as variedades de um mesmo tipo de jogo encontradas em dierentes culturas (indígenas e não-indígenas) e comparadas com sua variante encontrada em uma etnia específca, como o artigo de Marina Vinha sobre os jogos de tabuleiro dos Kadiwéu/MS e o de Artemis de Araújo Soares sobre os jogos com bolinhas de gude dos Baré/AM. Os três artigos seguintes descrevem pesquisas realizadas como parte das atividades de cursos de ormação de proessores indígenas, que geraram levantamentos de jogos e brincadeiras realizadas nas comunidades de origem destes proessores. Estes textos são produzidos conjuntamente por autores indígenas e não-indígenas, revelando um perfl mestiço capaz de direcionar olhares para paisagens inusitadas. É assim que, no artigo de Maria do Socorro Craveiro de Albuquerque, que descreve as brincadeiras registradas por jovens de 7 etnias do Acre (participantes do curso de ormação promovido pela Comissão Pró-Indio/AC), aparece a ala do proessor Fernando Luiz Yawanawá narrando um mito do jabuti para explicar a brincadeira Iskuruti (balanço de cipó). Assim também, o artigo de Beleni Saléte Grando et alli , ao descrever o acervo das brincadeiras levantadas por proessores de 18 etnias estudantes da Licenciatura Indígena da UNEMA (3º Grau Indígena), registra o Cariamã dentre as brincadeiras Baniwa/AM, reconhecendo-o como um ritual e um dos grandes momentos de aprendizagem. O artigo de Eduardo Sebastiani Ferrreira et alli descreve as atividades desenvolvidas no curso de etno-matemática entre os Waimiri-Atroari/ RR/AM, que engloba conjuntamente conteúdos de Educação Física, Matemática e Antropologia. A articulação destes campos disciplinares, geralmente tão apartados nos currículos escolares, é eita com acilidade pelos proessores indígenas, a partir da descrição de situações cotidianas que envolvem conjuntamente técnicas corporais, cálculos de quantidades e medidas e valores culturais. E, ao fnal das atividades, havia sempre a dança ritual Maryba. Estes exemplos não esgotam a riqueza dos detalhes descritos nos artigos, mas apontam para uma direção que merece ser mais investigada em uturos estudos sobre jogos e brincadeiras indígenas. rata-se de buscar as classifcações nativas que podem associar num mesmo conjunto aquilo que usualmente dissociamos: a brincadeira e a vida séria, o jogo e a atividade produtiva, a educação do corpo e da mente, o lúdi-
co e o sagrado. As classifcações nativas que permitem, como nos exemplos acima, incluir mitos e rituais junto do acervo das brincadeiras. Não é à toa que, com certa recorrência e com muito respeito, indígenas se reerem às suas atividades xamânicas ou aos seus rituais como “brincadeiras”. E a chave para desvendar essa escolha de tradução parece ser justamente a ênase que as pedagogias indígenas dão à educação dos corpos, às técnicas de produção de corpos saudáveis, belos e adequados, como vêm mostrando os estudos desenvolvidos pela Etnologia Indígena dos últimos 30 anos. Nesse sentido, será um desafo pensar se a defnição de “jogo” de Johan Huizinga, que norteia boa parte de nossa reexão sobre a esera lúdica, como “não séria e exterior à vida habitual”, como “desligada de interesse material”, é adequada para pensarmos nos contextos indígenas. Os exemplos deste livro também associam aos jogos e brincadeiras às atividades diárias e produtivas como a caça, a pesca, a coleta, a produção artística, a construção de casas. Assim conseguimos olhar para as mãozinhas hábeis das crianças esculpindo bolinhas de gude em caroços de tucumã, para a destreza dos jovens no manejo de arcos e echas, para a criteriosa observação das mulheres coletoras no reconhecimento das plantas úteis para o consumo. A curiosidade, a perícia, a criatividade envolvida nessas ações e em tantas outras descritas nesta coletânea, permitem-nos reconhecer a “seriedade” da dimensão lúdica presente nas atividades cotidianas e produtivas. Para fnalizar, os dois últimos textos desta coletânea sugerem alternativas pedagógicas para as escolas indígenas. João Luiz da Costa Barros, com breves exemplos sobre os Sateré-Mawé/AM, deende justamente a importância de transcender a oposição que a escola az entre o lúdico e o produtivo e propõe a utilização de brincadeiras na Educação Física Inantil. Maria Aparecida Rezende et alli descreve alternativas didáticas propostas aos proessores Xavante/M em ofcinas de alabetização, como a conecção de vários tipos de jogos utilizando as letras do alabeto xavante e os dados de pesquisa sobre as batatas cultivadas ou recolhidas pelas mulheres xavante: bingo de letras, jogos de cartas, jogos de memória. Esses dois artigos fnais comungam daquele pressuposto que mencionei no início como contribuição dos olcloristas: o reconhecimento de que as atividades lúdicas propiciam aprendizagens de regras sociais e valores culturais. Os jogos propostos nestes dois artigos não surgem de contextos indígenas e, assim, suas regras e lógicas inerentes nem sempre poderão ser adequadamente utilizadas nas escolas indígenas. Será necessário atentar para as regras sociais que orientam a conduta de crianças e jovens envolvidos nas atividades e que talvez não possam ser colocados lado a lado num mesmo jogo, como geralmente se az nas escolas. As crianças indígenas conhecem bem e respeitam regras de etiquetas e evitações, e podem experimentar antagonismos ou constrangimentos em relação a outras crianças, por pertencerem a determinada classe de idade, condição de gênero, ou mesmo por se tratarem por termos de parentesco que exigem ormalidade. De todo modo, e o que parece mais instigante, é que o conhecimento de dierentes regras de jogos, de modalidades novas de brincadeiras, aliadas às outras já conhecidas em seus contextos
indígenas de origem, são estratégias importantes de interculturalidade e apontam para possibilidades de aprendizagem de outras regras sociais e valores culturais embutidos nos currículos escolares. Enfm, esta coletânea nos apresenta a riqueza de um patrimônio cultural resguardado e transmitido por crianças e jovens indígenas no Brasil. Demonstra a centralidade da brincadeira na produção daquilo que Lévi-Strauss defniu como “ciência do concreto” para caracterizar a agudeza do pensamento indígena: a atenção aproundada, a habilidade precisa, a discriminação detalhada de dierenças ínfmas, a importância da materialidade como matriz do raciocínio, a qualidade estética. E revela a pertinência de usar os jogos e brincadeiras como possibilidades para o diálogo intercultural nas escolas.