Angelo, A. C.; DalMolin, A. Interações Herbívoro-PlantaOe ARAÇAZEIRO suas Implicações para o Controle Biológico: Que tipos de inimigos naturais proc pr ocur urar ar?? In: Pedrosa-Macedo, J. H.; DalMolin, A.; Smith, C. W. (orgs.). O Araçazeiro: Ecologia e Controle Biológico. FUPEF FUPEF,, Curitiba, Curitiba, 2007. p. 717 1-91 91..
CAPÍTULO 8 INTERAÇÕES HERBÍVORO - PLANTA E SUAS IMPLICAÇÕES PARA O CONTROLE BIOLÓGICO - QUE TIPOS DE INIMIGOS NATURAIS PROCURAR? Alessandro Camargo Ângelo Depar tamento Departame nto de Ciên Ciências cias Flore Florestais stais Universidade Federal do Paraná
Anamaria DalMolin Pós-Gr Pós -Gradu aduaç ação ão em Ciênci Ciê nci as Bio Biológ lógic icas as (En (Entom tomolo ologia gia ) Universidade Federal do Paraná
A compreensão das interações de herbivoria é de grande importância para qualquer programa de controle biológico de plantas, podendo fornecer de antemão informações sobre quais tipos de inimigos naturais pode-se esperar que afetem a planta e, muitas vezes, explicar por que outros não tiveram o impacto esperado. Coley & Barone (1996) usaram o termo herbivoria (lat. herba, grama, erva + vorare, comer) para designar danos por insetos, mamíferos e patógenos. Neste texto, utilizamos de maneira equivalente o termo fitofagia (gr. phyt phytón ón, planta + phageîn , comer), mas este foi evitado onde pudesse gerar duplicidade de sentido em relação ao grupo de besouros (Phytophaga). A idéia de senso comum é que as plantas são seres passivos frente àqueles que se alimentam delas. Na verdade, as plantas apresentam um verdadeiro arsenal de defesas, que são sobrepujadas por alguns grupos de herbívoros. Em outras palavras, apesar de o ambiente terrestre ser “verde” (Hairston et al., 1960), não é todo esse “verde” que pode ser consumido. O objetivo deste capítulo é apresentar os conceitos essenciais para a caracterização dessas interações e contextualizá-los perante os programas de controle biológico. Não se pretende, porém, realizar uma revisão ou discussão exaustiva dos tópicos apresentados, embora tenham sido inseridos comentários sobre os diversos enunciados e indicada a literatura onde essas discussões são realizadas com maior profundidade. profun didade. Também Também é import importante ante ressal ressaltar tar que foi dado maior foco às interaçõ interações es inseto-planta, uma vez que os insetos representam cerca de 53% das espécies conhecidas (Hammond, 1992, 1994), representando parte significativa do número total de espécies mundiais (até 10 milhões, segundo Gaston & Hudson, 1994) e com forte correlação entre o número de espécies de árvores tropicais e o número de espécies de insetos herbívoros (Novotny et al .,., 2006). Dentre as interações tróficas em ecologia, normalmente a herbivoria é colocada na mesma classe que o predatismo e parasitismo, em que um organismo se
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beneficia à custa de outro (interação +/-). No entanto, essas definições são baseadas no impacto da interação sobre a vida dos organismos analisados (positivo/ negativo), o que significa que potencialmente essa interação pode evoluir para neutra (+/0) e até mesmo positiva (+/+, como no caso das vespas polinizadoras de figueiras). Dessa maneira, apesar de se estar enfocando basicamente interações posi po siti tiva vas/ s/ne nega gati tiva vas, s, qu quee sã sãoo aq aque uela lass de in inte tere ress ssee pa para ra o co cont ntro role le bi biol ológ ógic ico, o, é necessário ter em mente que os outros tipos de interação também existem, como nos casos dos polinizadores e das plantas insetívoras. O resultado da interação existente entre esses organismos, em que defesas de plantas selecionam alguns grupos de herbívoros e em que herbívoros influencia influenciam m a evolução das defesas nas plantas (Coley & Barone, 1996), pode, em alguns casos, ser visto como um processo coevolutivo (Ehrlich & Raven, 1964; mas ver Janzen, 1980). Alguns modelos de coevolução entre plantas e artrópodos são exemplificados em Futuyma & Keese (1992). Alguns casos são bem ilustrativos, como a associação existente entre a família Agaonidae (Hymenoptera) e espécies de Ficus spp. (Moraceae), estudada por Wiebes (1979): as vespas induzem galhas dentro de flores em sicônios, sendo que, ao deixar aquela em que nasceu, a vespa carrega o pólen das flores vizinhas e será obrigada a realizar a polinização quando procurar outro sicônio para realizar a oviposição, devido ao formato da inflorescência. Tipos de Defesa contra a Herbivoria
Uma planta possui defesas de vários tipos, as quais muitas vezes podem ser inferidas se for considerada sua história evolutiva. Parte dessa informação vem de sua constituição genética, ou seja, são fenótipos (que normalmente refletem em sua posição taxonômica). Como fenótipos, essas defesas são influenciadas tanto pelo patrimônio genético da planta quanto pelo ambiente. Assim, é esperado que, de acordo com a variedade de defesas apresentadas pela planta, ela esteja sujeita a níveis diferentes de herbivoria (Abrahamson & Weis, 1997). Karban et al . (1997) dividem as defesas das plantas contra herbívoros em dois tipos: defesas constitutivas, que estão presentes na planta antes de o problema ter se apresentado, e defesas induzidas, que são produzidas ou translocadas somente diante de um dano ou situação de estresse. As defesas induzidas são aquelas que aparecem depois que as plantas são atacadas pelos herbívoros e têm sido objeto de um número considerável de estudos recentes, porque apresentam impacto significativo nos níveis de herbivoria, não só momentaneamente, mas podendo se estender a até vários anos após a sua indução (Lombardero et al .,., 2006). Green & Ryan (1972) constataram que ocorreu aumento de inibidores de proteinase em folhas de tomate, Lyco Lycopers persicon icon escu esculent lentum um Mill. (Solanaceae), quando estavam 72
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sendo dadas ao besouro Leptinotarsa decemlineata (Say) (Coleoptera: Chrysomelidae). Eles observaram que 48 horas após terem ocorrido danos severos sobre as folhas, os inibidores de proteinase alcançaram cerca de 2% das proteínas solúveis nas folhas. Baldwin & Schultz (1983) mencionam as chamadas “árvores falantes”, o caso de algumas plantas com galhos danificados emitirem substâncias que, liberadas no ar, induzem defesas em outras. Defesas mecânicas/morfológicas
Dentro do espectro de mecanismos de defesa usados pelas plantas para se defenderem dos herbívoros estão as chamadas defesas mecânicas. Essas defesas constituem obstáculos para a inserção de aparelho bucal, para a realização de oviposição ou para a simples fixação e permanência do herbívoro. Exemplos de estruturas ligadas à obstrução física da herbivoria são o enrijecimento de tecidos, tricomas, pêlos, espinhos, deposição cuticular e secreção de resinas. O enrijecimento dos tecidos consiste principalmente no acúmulo de lignina nos tecidos, principalmente na forma de fibras. Essa estratégia é considerada a forma mais efetiva de defesa (Aide & Londoño, 1989; Coley, 1983). Conforme explicado por Coley & Barone (1996), esse enrijecimento não é compatível com órgãos jovens, como folhas em expansão, uma vez que isso prejudicaria seu desenvolvimento, de maneira que esses órgãos normalmente apresentam outros tipos de defesa. Muitas superfícies de plantas não são lisas, mas revestidas de minúsculos apêndices epidérmicos, como tricomas ou pêlos. Essas estruturas afetam a textura da planta e representam obstáculos para o estabelecimento de herbívoros (Edwards & Wratten, 1981). Alguns tricomas desenvolvem grossas paredes secundárias, algumas vezes impregnadas com sílica e carbonato de cálcio, funcionando como espinhos. Alguns tipos de tricomas, além de representarem obstáculos físicos, podem estar associados a defesas químicas, tais como terpenóides e fenóis (Bernays & Chapman, 1994). Os espinhos são ramos modificados que também podem estar relacionados à redução de herbivoria. Geralmente seu impacto é mais efetivo em herbívoros maiores (ex. Cooper & Owen-Smith, 1986, com ungulados; Cooper & Ginnett, 1998, com roedores). A deposição cuticular, além de diminuir a evapotranspiração da planta, altera a textura das folhas, tornando-as mais rígidas e dificultando sua digestão, além de fechar possíveis portas de entradas para patógenos (ex. Chassot & Métraux, 2005). Algumas plantas, finalmente, produzem resinas, como ocorre com os canais resiníferos de Picea sitchensis (Bong.) Carrière e Picea glauca (Moench) contra Pissodes strobi (Peck) (Coleoptera: Curculionidae) (O’Neill el al., 2002). 73
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Defesas químicas
Qualidade nutricional/nutrição subótima. Um dos problemas enfrentados pelos herbívoros é a pequena quantidade de elementos necessários para a sua nutrição, tais como aminoácidos essenciais, nitrogênio ou água (White, 1993). Isso ocasiona uma necessidade de maior quantidade de alimento ou pode conduzir a uma redução na preferência pela planta como recurso. O conteúdo nutricional varia entre espécies de plantas e ao longo do ciclo de vida dessas espécies (Moran & Hamilton, 1980; Coley & Aide, 1991). Coley & Barone (1996) afirmam que folhas jovens possuem maiores conteúdos de nitrogênio e água do que folhas maduras, sendo, portanto, recursos melhores para o consumo por herbívoros. Além da qualidade nutricional considerada inadequada para os herbívoros, existem substâncias que dificultam o processo de assimilação dos nutrientes eventualmente disponíveis. Essas substâncias são conhecidas como redutores de digestibilidade (ver adiante). Produtos do metabolismo secundário. A presença de substâncias de defesa e suas diferentes concentrações durante as diferentes fases de vida da planta influenciam muito a sua suscetibilidade à herbivoria. Devido ao fato de algumas substâncias não terem um papel evidente no metabolismo primário, elas foram inicialmente chamadas de componentes do “metabolismo secundário” (Whittaker & Feeny, 1971). Observações sugerem que tais produtos podem servir como substâncias de defesa contra herbívoros (Fraenkel, 1959; Ehrlich & Raven, 1964), entre outras funções, como a proteção contra radiação UV (Stapleton & Walbot, 1994 sobre flavonóides e ceras), interferência em comportamento, crescimento e sobrevivência de outras espécies (aleloquímicos sensu Whittaker, 1975), armazenamento de nutrientes tais como nitrogênio e fósforo, regulação do crescimento de algumas plantas (flavonóides) e ciclagem de nutrientes (ácidos fenólicos e taninos). Existe uma grande diversidade de substâncias nessa categoria. Gullan & Cranston (1994) mencionam a classificação dos metabólitos secundários em qualitativos ou tóxicos e quantitativos. Compostos qualitativos seriam toxinas que interferem no metabolismo do herbívoro, enquanto compostos quantitativos seriam os chamados redutores de digestibilidade. Bernays & Chapman (1994) dividiram os metabólitos secundários em cinco grupos distintos: 1) os compostos nitrogenados (aminoácidos não-protéicos, aminoácidos e alcalóides, glicosídeos cianogênicos e betacianinas); 2) os compostos fenólicos, envolvendo ácidos fenólicos, fenilpropanóides, flavonóides, quinonas e taninos; 3) os terpenóides; 4) os ácidos orgânicos, lipídeos e acetilenos; e 5) os compostos sulfurosos. A maioria dos produtos do metabolismo secundário presentes nas plantas são tóxicos, não apenas para os herbívoros em potencial, mas para as próprias plantas. Por isso, eles geralmente são compartimentalizados e separados do citoplasma, ou são armazenados em uma forma inativa. Alguns exem plos de metabólitos secundários envolvidos com a defesa das plantas são: 74
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• Alcalóides, como a nicotina, presentes em plantas do gênero Nicotiana L. (Solanaceae), e alcalóides pirrolizidínicos em Senecio jacobea L. (Asteraceae), que são tóxicos ao metabolismo celular, podendo afetar o funcionamento do sistema nervoso (ex. nicotina, morfina, alcalóides tropânicos) ou produzir lesões (ex. cirrose por alcalóides pirrolizidínicos; Hartmann, 1999). • Fenóis e taninos (compostos fenólicos), encontrados em diversos grupos de plantas. O acúmulo de compostos fenólicos é visto como uma resposta primária de defesa e cicatrização de muitas plantas, que leva à necrose do tecido que está exposto ao ambiente (ex. após perfuração) ou em contato com um corpo estranho (ex. um galhador), protegendo o restante da planta de possíveis oportunistas. Algumas vezes, o “suicídio” dessas células também é suficiente para intoxicar e matar o fitófago (ex. Abrahamson et al ., 1991). • Taninos também são repelentes, inibidores de crescimento e tóxicos. Estudos pioneiros sobre a função deles como compostos secundários e a variação de suas concentrações nas plantas foram publicados por Feeny (1970) e corroborados em diversas situações, como no caso da inibição da infestação de sorgo por Contarinia sorghicola (Coquillet, 1899) (Diptera, Cecidomyiidae). • Lignina, outro composto fenólico encontrado em tecidos rígidos de diversos grupos de plantas, acumulando-se na parede celular, é vista como redutor de digestibilidade. • Furanocumarinas, compostos fenólicos presentes em Apiaceae e Rutaceae (ex. glândulas de óleo de Citrus), que, se expostas à luz, interagem com compostos celulares produzindo lesões (Kuster & Rocha, 2001); também inibem algumas enzimas intestinais. • Terpenóides, presentes em gêneros como Pinus L. (Pinaceae), interferem em diversos processos do metabolismo, incluindo a respiração, sistema nervoso e hormonal (Langenheim, 1994). Como seria esperado, existem custos metabólicos relacionados aos produtos do metabolismo secundário, como, por exemplo, para síntese, transporte, construção de canais para a circulação, a renovação de estoques ou reciclagem (Gershenzon, 1994). O custo da defesa para o fitness resulta da diversidade de recursos (como energia e elementos químicos, sobretudo carbono e nitrogênio) alocados para outras necessidades. Dessa forma, na ausência de inimigos naturais, indivíduos com menores investimentos em defesa são favorecidos em relação aos indivíduos melhor defendidos, pelo fato de esses últimos terem investido seus recursos em defesas (Stamp, 2003). Isso significa que, em ambientes tomados por plantas invasoras, é provável encontrar espécimes com menores concentrações de compostos de defesa. 75
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Defesas fenológicas
Além dos aspectos morfológicos e nutricionais ligados à defesa das plantas contra herbívoros, pode-se considerar o tempo como um fator envolvido nas estratégias de defesa. As defesas fenológicas (ou “cronológicas”, a grosso modo) com preendem características de velocidade de desenvolvimento da planta que influenciam na sua suscetibilidade ao ataque de herbívoros.
Fenologia foliar. Algumas plantas evitam a herbivoria, particularmente sobre folhas jovens, pela produção de tecidos em períodos menos favoráveis aos inimigos naturais (Aide, 1988; Lieberman & Lieberman, 1984). De acordo com Aide (1993), existem dois caminhos básicos: a) produção de folhas em um momento de menor incidência de herbivoria; ou b) produção simultânea de folhas. A produção de folhas em período menos favorável aos herbívoros é observada principalmente em locais com climas que possuem estações secas definidas (ex. Murali & Sukumar, 1993; Aide, 1992). Nesses estudos foi constatado escape sazonal de indivíduos que emitiram brotações na estação seca, em comparação com os indivíduos que emitiram brotações no período mais úmido. Coley & Barone (1996) reforçam a idéia de que as plantas obrigadas a produzir novas folhas na estação úmida são forçadas a suportar significativamente mais herbivoria, embora Wolda (1988) afirme que não está claro se a mudança na sazonalidade da produção foliar para evitar a herbivoria é uma estratégia viável para plantas em florestas com estiagens curtas, uma vez que a abundância de herbívoros pode não declinar dramaticamente nessas condições. A sincronicidade da brotação, ou seja, brotações produzidas de maneira simultânea pela planta, ocorre de forma que algumas escapem da herbivoria (ex. Lieberman & Lieberman, 1984). Segundo Coley & Aide (1991), esse fenômeno ocorre pelo menos em algumas espécies de florestas tropicais. Assim, se a maior parte dos danos é causada por herbívoros generalistas, a pressão favorecerá a sincronização entre espécies de plantas; por extensão, se a maior parte do dano for ocasionada por herbívoros especializados, a pressão selecionará indivíduos que foram sincrônicos dentro da espécie, mas estes não terão nenhuma vantagem em relação à brotação simultânea. Moles & Westoby (2000) discutiram a velocidade de formação das folhas em relação à herbivoria. Rápida expansão foliar/tempo /delayed greening. McKey (1979) considera que a herbivoria sobre folhas jovens compreende a maior parte dos danos sobre esses órgãos em espécies tropicais, de maneira que a redução no período de expansão foliar pode ser uma alternativa para redução de danos. O mesmo autor afirma que a velocidade de expansão foliar também possui relação com o teor de defesas 76
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encontradas nas folhas. Rhoades & Cates (1976) consideraram que o investimento em metabolismo secundário pode ser menor em plantas com expansão foliar rápida; Orians & Janzen (1974) e Rehr et al. (1973) mencionam que ramos que crescem mais lentamente possuem maiores quantidades de defesas químicas. O adiamento do estabelecimento de clorofilas pode também ser considerado um caso particular da alteração de períodos de desenvolvimento. Isso ocorre até o momento em que as plantas tenham completado a sua expansão foliar (Baker & Hardwick, 1973; Baker et al ., 1975), ou seja, o desenvolvimento dos cloroplastos é postergado até o momento em que as folhas completam o seu desenvolvimento em tamanho e enrijecem, estando melhor protegidas dos herbívoros (Kursar & Coley, 1992). Segundo esses autores, essa estratégia é viável principalmente em sub-bosques de áreas tropicais, ou seja, restringe-se a plantas tolerantes à sombra, sendo mais comum nas espécies com rápida expansão e com baixos investimentos metabólicos em defesas. Coley & Kursar (1996) mencionam que em uma relação de 250 espécies tropicais, pertencentes a 44 famílias, 33% das espécies e 61% das famílias apresentam esse mecanismo. Defesa ecológica/atração de inimigos naturais
Os inimigos naturais dos organismos herbívoros desempenham um papel im portante na dimensão da própria herbivoria, através da eventual redução da população desses organismos. Price et al. (1980) ressaltam a importância do chamado terceiro nível trófico, relacionando predadores, parasitóides e patógenos, e sua influência nas interações entre as plantas e os herbívoros que as consomem. As plantas atraem os inimigos naturais dos herbívoros liberando substâncias químicas que funcionam como sinalizadores ao serem atacadas, ou formando estruturas que favorecem determinados organismos, como nectários extraflorais e domácias. Essas respostas são consideradas formas de defesas ativas da planta (ex. Paré & Tumlinson, 1999; Dicke & Van Loon, 2000). Sabe-se também que o substrato do qual um herbívoro se alimenta pode torná-lo quimicamente mais fácil de ser detectado por seus inimigos naturais (Morgan & Hare, 1998; Hare & Morgan, 2000). A interação entre acácias e formigas é considerada um exemplo clássico de coevolução (Janzen, 1966) e é uma boa ilustração da manutenção de inimigos naturais como forma de defesa, tal como exemplificado por Young et al . (1997) em estudos sobre a composição da fauna de formigas e o nível de herbivoria que a planta sofre. O caráter de “defesa induzida” dessas estruturas, além dos compostos voláteis emitidos pelas plantas, foram relacionados por Agrawal & Rutter (1998) nesses sistemas planta-formiga, bem como a eficiência dessas reações para “atrair” as formigas (Agrawal, 1998). Esse fenômeno também foi observado em orquídeas (Almeida & Figueiredo, 2003). Já em relação a domácias, Walter (1996) demonstrou que essas estruturas estimulam os ácaros mutualistas a permanecerem sobre folhas de plantas. 77
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Características Ofensivas dos Herbívoros
Na relação entre plantas e herbívoros, também é possível considerar as estratégias pelas quais os organismos fitófagos reconhecem e conseguem explorar suas plantas hospedeiras, ou seja, as chamadas “características ofensivas dos herbívoros” (Karban & Agrawal, 2002). Para fins didáticos, é comum a classificação dos seres que se alimentam de plantas de acordo com o órgão que consomem e o tipo de dano que produzem, ou seja, aproximadamente em guildas ecológicas. A terminologia agrícola, de maneira geral, distingue mastigadores (incluindo desfolhadores), sugadores, minadores, broqueadores e galhadores (figura 8.1). O termo pastador, em sua definição mais
Figura 8.1. Exemplos de formas de ataque de herbívoros a plantas. A, desfolhador; B, minador; C, broqueador; D, galha induzida por microorganismos; E, galha induzida por inseto; F, sugador; G, patógeno. Ilustrações: Luana F. Rodrigues.
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abrangente, aplica-se a “consumidores móveis de presas sésseis”. Assim, apesar de o termo ser aplicado com maior freqüência a animais, como os mamíferos ruminantes que arrancam partes inteiras de plantas, praticamente todos os exemplos listados aqui poderiam, em algum momento, ser chamados de situações de “pastoreio”. Os microorganismos parasitas que provocam algum tipo de dano são genericamente chamados patógenos. Esses danos podem ser produzidos pelo consumo da matéria vegetal ou dos nutrientes essenciais à planta pelas colônias de organismos, mas normalmente estão ligados à produção de toxinas que possuem impacto sobre a planta. Note-se que não é possível traçar uma linha bem definida entre quais estratégias estão presentes nos chamados herbívoros “generalistas” e nos “especialistas”. A tabela 8.1 resume alguns tipos de hábitos alimentares de herbívoros e seus efeitos sobre as plantas.
Tabela 8.1. Hábitos de vida de herbívoros e exemplos de casos em que espécies com esses hábitos foram
utilizadas em controle biológico. Compilado pelos autores.
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Karban & Agrawal (2002) consideraram três diferentes estratégias usadas pelos herbívoros para sobrepujarem as defesas das plantas: a seleção ou escolha, a alteração da morfologia e/ou fisiologia da planta e a “manipulação do hospedeiro”. Nesse ponto de vista, é possível agrupar essas estratégias como adaptações comportamentais, morfofisiológicas e ecológicas: • O processo de seleção da planta pode ser considerado uma adaptação comportamental, ocorrendo em resposta à limitação de nutrientes fornecidos pelas plantas e as substâncias que atuam como redutores de digestibilidade. Algumas respostas discutidas por Karban & Agrawal (2002) são a escolha de múltiplas fontes de alimento (hábito generalista), a identificação inata e o aprendizado, às quais pode-se acrescentar o aumento de ingestão de alimento (Young Owl & Batzli, 1998) e mesmo o armazenamento de alimentos, para consumi-los em época que apresentem melhor palatabilidade (Muller-Schwarze et al ., 2001, Dearing, 1997a,b). • Entre as adaptações morfofisológicas, pode-se citar a produção de enzimas que atuam sobre as substâncias de defesa das plantas (Brattsten, 1988), permitindo aos insetos se alimentarem de tecidos tóxicos, como Helicoverpa zea sobre Nicotiana tabacum (Eichenseer et al ., 1999; Peiffer & Felton, 2005), processo também chamado de biotransformação (Dearing et al., 2005). Os produtos do metabolismo secundário das plantas também podem ser seqüestrados e utilizados pelos herbívoros em sua própria defesa contra seus predadores e parasitóides, como no caso descrito por Huheey (1984), em que a borboleta-monarca ( Danaus plexippus L.) armazena os glicosídeos de Asclepias spp. • Outra adaptação fisiológica e ecológica é a alteração da sazonalidade da alimentação. Feeny (1970) descreveu essas alterações no hábito de lagartas de Operophtera brumata L. e outras espécies de Lepidoptera sobre carvalhos no Reino Unido, que iniciam sua alimentação na primavera. Foi observado que o conteúdo de taninos nas folhas, que inibe o crescimento das lagartas, aumenta durante o verão e proporciona folhas menos favoráveis ao crescimento dos insetos por reduzir a disponibilidade de nitrogênio e talvez por influenciar a palatabilidade. 81
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• Entre as principais adaptações ecológicas estão as associações com microorganismos. Estes podem ser capazes de facilitar a digestão de compostos vegetais, aumentando a disponibilidade de nutrientes, como no caso de mamíferos ruminantes para degradação de celulose, dos besouros de casca para digestão da lignina (Paine et al., 1997) ou mesmo de metabolizar compostos secundários, promovendo a desintoxicação (Dowd, 1989; Shen & Dowd, 1991). A manipulação da planta-hospedeira é um conjunto complexo de adaptações, sendo considerada a estratégia de maior impacto sobre ela. O exemplo típico de manipulação do hospedeiro é a indução de galhas. O conceito mais simples de “galha” ou cecídia diz que elas são tumores induzidos pela presença de um organismo no interior dos tecidos vegetais (Mani, 1964). Galhas são tumores porque resultam da proliferação e diferenciação de células ao redor do indutor. Essa proliferação é vista primariamente como uma defesa da planta (uma tentativa de encapsular do indutor), mas o galhador sobrevive e passa a aproveitar essas células como abrigo e alimento, caracterizando uma interação de parasitismo típica (Price et al., 1987). No entanto, a estrutura da galha é tida como resultante da interação (Weis et al., 1998) ou ainda como extensão do fenótipo (Dawkins, 1982) do indutor (Stone & Shönrogge, 2003). O parasitismo é caracterizado porque os recursos que a planta normalmente estaria alocando para outros órgãos acabam sendo aproveitados pelo galhador. Tendo em vista que esse parasitismo depende da integração de ciclos e de adaptações fisiológicas que permitam a indução da galha, a interação galhador-planta é de alta especificidade, e pode chegar a um ponto em que é difícil quantificar o impacto sobre a planta, razão pela qual, na primeira tentativa de sistematização da avaliação de agentes (Harris, 1973), os galhadores foram colocados como tendo impacto nulo. No entanto, após estudos mais detalhados sobre a indução dessas estruturas, de anatomia e de impacto, tornou-se claro que galhas causam um impacto significativo como drenos de nutrientes, além do impacto variável que depende da função do órgão no qual se formam (Goeden, 1983; Harris & Shorthouse, 1996). Outra forma de manipulação é aquela ocasionada por alguns enroladores de folhas, uma vez que a redução na superfície foliar associa-se muitas vezes à redução em teores de determinados compostos de defesa das plantas. Esse é o caso de Pyralidae e Ctenuchidae estudados por Sagers (1992). Essas lagartas enrolam folhas de Psychotria horizontalis Sw. (Rubiaceae), promovendo uma redução na captação de luminosidade (95%), que, por sua vez, está associada ao decréscimo de teores de tanino e ao aumento do nível de nitrogênio. Essas mudanças facilitam a atividade do herbívoro, já que foram mantidas condições favoráveis, como a qualidade nutricional, a concentração de nitrogênio e a quantidade de água nos tecidos (ex. Costa & Varanda, 2002).
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Hipóteses sobre as Defesas das Plantas contra Herbívoros
Está bem estabelecido atualmente que, assim como nem todas as plantas servem de alimento para todos os herbívoros, normalmente os herbívoros que conseguem se alimentar de determinada espécie de planta não proliferam excessivamente. Modelos para as razões desse fenômeno começaram a partir da colocação da pergunta de Hairston et al. (1960): “por que o mundo é verde e tende a permanecer assim?”. Existem duas linhas principais de explicação para esse fenômeno: a de que essas populações são mantidas sob pressão de parasitas e predadores (idéia original de Hairston et al., 1960) e a de que as populações de herbívoros não “explodem” porque as plantas são alimentos nutricionalmente pobres, combinados a toxinas e redutores de digestibilidade (McNeill & Southwood, 1978; White, 1993; Crawley, 1997). Atualmente, é mais forte a linha de Lawton & McNeill (1979), segundo a qual esses dois componentes são importantes. As hipóteses propostas buscando elucidar padrões gerais, como o que determina o número e a quantidade de metabólitos secundários numa planta, e por que diferentes plantas possuem diferentes substâncias de defesa, têm sido empregadas para tentar explicar a variação geográfica, genética e fenotípica encontrada nas defesas das plantas (Stamp, 2003). Essas colocações são importantes para a adequação de programas de controle biológico de plantas, pois permitem estimar que tipo de herbívoros ofereceriam maior impacto e quais as condições em que as plantas-alvo estariam mais vulneráveis aos agentes de controle, entre outras variáveis. Price (1997) e Hartley & Jones (1997) revisaram essas hipóteses, indicando que elas envolvem diferentes escalas, incluindo desde a variação dentro das plantas até as diferenças entre ambientes, de efeitos climáticos por vários anos até mudanças momentâneas na qualidade do alimento, de mecanismos próximos fisicamente a relações coevolutivas, com focos ecológicos ou evolutivos. Price (1997) ressaltou que, durante muitos anos, a variação na qualidade da planta foi ignorada, com ênfase sendo dada ao papel dos inimigos naturais na mortalidade dos herbívoros. Mais recentemente, a área das interações herbívoro-planta tem se tornado uma ciência com perspectiva de integração, tal como entre fitoquímica e fisiologia, dinâmica populacional, papel de inimigos naturais, interações entre níveis tróficos, além de forças abióticas, como clima e qualidade do solo, o que pode trazer grandes mudanças no futuro. Esse aumento na abrangência pode ser observado na cronologia resumida de algumas dessas hipóteses (tabela 8.2)
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Tabela 8.2. Resumo das hipóteses sobre defesas das plantas contra herbívoros. Compilada pelos
autores.
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A consideração do panorama geral das interações herbívoro-planta pode fornecer possibilidades de inferências sobre como a sua suscetibilidade à herbivoria é afetada em diferentes tipos de ambiente. Algumas dessas hipóteses são resumidas em maior detalhe a seguir. É interessante notar uma tendência de que algumas dessas hipóteses sejam fundidas (Stamp, 2003), buscando oferecer cenários mais abrangentes, originando, por exemplo, a “hipótese HT-PD” ( Habitat template – plant defense hypothesis ) de Coley (1987), que combina a teoria de defesa das plantas baseada em diferenças interespecíficas na razão de crescimento e nas características relacionadas à aparência em um modelo único.
Liberação pelo clima (Climatic release hypothesis). Blais (1952 e 1953) e Miller (1957) verificaram que a qualidade da folhagem afeta a fecundidade de fêmeas de insetos. Por sua vez, Greenbank (1956) e Stark (1959) estudaram a mudança na qualidade das plantas sob altas temperaturas. Nesses casos, a temperatura foi o fator mais relevante na dinâmica populacional de insetos que atacavam cones de pinheiros. Esses autores observaram também que a idade da planta influenciava os efeitos da infestação. Esses trabalhos envolveram os primeiros experimentos sobre o efeito da qualidade de plantas na dinâmica populacional de insetos. Isso foi importante porque os estudos iniciais apenas observavam o efeito do clima, parasitóides e predadores na dinâmica populacional dos insetos. Posteriormente, Mattson & Haack (1987) citaram 20 exemplos de explosões populacionais que ocorreram depois de períodos de secas, metade deles envolvendo besouros de casca de coníferas da família Scolytidae. Recuperação dos Nutrientes ( Nutrient recovery hypothesis). A nutrient recovery hypothesis foi desenvolvida por Pitelka (1964) e Schultz (1964). Esses autores observaram que com uma baixa densidade de lemingues (Rodentia, Cricetidae) ocorria um aumento na densidade da vegetação. Isso diminuía a incidência de raios solares no solo, provocando seu congelamento permanente. Em função disso, ocorreu um aumento de concentração de nutrientes no solo e nas plantas, fazendo com que as plantas se tornassem recursos de melhor qualidade para os lemingues, propiciando seu aumento populacional. Esse aumento populacional reduz a quantidade de vegetação e, com isso, a densidade de lemingues também é reduzida. Dessa forma, tinha início, ou melhor, reinício, o ciclo. Posteriormente, Laine & Henttonen (1983) verificaram que os ciclos das plantas são independentes dos ciclos dos roedores; entretanto, os ciclos dos roedores oscilam de acordo com o das plantas. Em latitudes mais altas, o ciclo é maior devido à menor produtividade e período mais curto para alimentação. O comprimento do ciclo vai de 3 anos na região central e sul da Finlândia até quatro a cinco anos na região norte daquele país. 85
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Nível de Estresse da Planta ( Plant stress hypothesis). A opservação de que a infestação de diversos organismos era favorecida em hospedeiros estressados originou a plant stress hypothesis . A fundamentação dessa idéia pode ser verificada em Mattson & Haack (1987a, b). Segundo esses autores, o estresse hídrico é o fator mais importante na explosão populacional de insetos, sendo que os aumentos populacionais de diversas espécies de insetos ocorriam após períodos de estiagem. Um dos trabalhos precursores que desencadeou essa hipótese foi produzido por White (1970), envolvendo Cardiaspina densitexta Taylor, 1962 (Hemiptera: Psyllidae) sobre Eucalyptus fasciculosa F. Muell. (Myrtaceae) na Austrália. A hi pótese de estresse foi expandida por Rhoades (1979), com a afirmação de que plantas produzem toxinas sob estresse, reduzindo a produção de aleloquímicos de alto custo metabólico e direcionando recursos para a produção de aleloquímicos baratos. Assim, aumenta a produção de toxinas e é reduzida a produção de com postos que reduzem a digestibilidade. A literatura apresenta um grande número de citações envolvendo a hipótese do estresse sobre plantas e sua relação com herbívoros. Exemplos podem ser encontrados em Austarå & Midtgaard (1987), com Neodiprion sertifer (Geoffrey) (Hymenoptera: Diprionidae) sobre Pinus sylvestris L. (Pinaceae) após chuva ácida; Cates et al . (1983), com Choristoneura occidentalis (Freeman) (Lepidoptera: Tortricidae) sobre Pseudotsuga menziesii (Mirbel) Franco (Pinaceae) após exposição à estiagem; Coleman & Jones (1988), com Plagiodera versicolora (Laicharting, 1781) (Coleoptera: Chrysomelidae) sobre Populus deltoides Bartr. ex Marsh (Salicaceae) após exposição a ozônio, entre outros. Evidência da planta hospedeira ( Plant apparency hypothesis). De acordo com Feeny (1976), as plantas seriam divididas em dois grupos, o das plantas “aparentes” (evidentes) e o das plantas “não-aparentes” (não-evidentes). As plantas “aparentes” são de grande porte, surgem tarde na sucessão, possuem vida longa e, em função dessas características, precisam investir muito metabolicamente em defesas, que, no caso, são defesas quantitativas (metabolicamente “caras”, como redutores de digestibilidade, mas eficientes para qualquer tipo de herbívoro em geral). Por sua vez, as plantas “não-aparentes” são de pequeno porte, aparecem cedo na sucessão, apresentam vida curta e, uma vez que “escapam” dos herbívoros no tempo e espaço, precisam de defesas químicas menos sofisticadas, ou seja, as defesas qualitativas, que são metabolicamente mais “baratas” (como toxinas), são mais facilmente superadas por herbívoros especialistas (por exemplo, por via de desintoxicação). Rhoades & Cates (1976) expandiram a idéia de Feeny (1976), definindo as defesas quantitativas como redutores generalizados de digestibilidade, enquanto as defesas qualitativas são toxinas que entram nas paredes do intestino e interferem com o processo de absorção. Essas toxinas são muito diversas e metabolicamente “baratas”, sendo efetivas contra herbívoros generalistas, como os glucosinolatos, os alcalóides e os cardenolídeos. As toxinas não são efetivas contra herbívoros especializados, de maneira que pode ocorrer um aumento de 86
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insetos em resposta à melhoria no estado nutricional das plantas e diminuição nos níveis de redutores de digestibilidade. Outro aspecto a ser ressaltado é que as plantas aparentes podem apresentar as duas formas de defesa, dependendo da maturidade da folha. As toxinas estão geralmente em folhas jovens, enquanto os redutores de digestibilidade estão presentes em folhas maduras.
Equilíbrio Carbono x Nutriente (Carbon/Nutrient balance hypothesis). A hi pótese do equilíbrio carbono versus nutrientes foi fundamentada nos artigos de Bryant et al . (1983), Bryant (1987) e Larsson et al. (1986). Segundo essa idéia, a pobreza em nutrientes, principalmente nitrogênio, faz com que haja baixa concentração desses elementos. Sob essa condição, ocorre diminuição das defesas baseadas em nutrientes (alcalóides e outros compostos), enquanto as defesas baseadas em carbono (os chamados redutores de digestibilidade) são favorecidas, sob condições normais de luz e disponibilidade de gás carbônico para ser fixado nesses compostos. Por outro lado, se ocorre pobreza em carbono, como em ambientes de sombra, por redução na taxa de fotossíntese, o carbono disponível é reduzido, levando à redução nas taxas de crescimento e proporcionalmente uma maior absorção de nutrientes e das defesas baseadas neles. Dessa maneira, conforme o ambiente em que está crescendo, uma planta pode apresentar níveis diferentes de defesas, conforme o que o composto é capaz de sintetizar. Bryant (1987) realizou experimentos de herbivoria de coelhos sobre Betula papyrifera humilis (Regel) Fernauld & Raup (Betulaceae) no Alasca, aplicando fertilizantes sobre as plantas, e verificou efeitos diferentes sobre os herbívoros conforme as estratégias de defesa (“C” ou “N”) das plantas. Hipótese da disponibilidade de recursos ( Resource availability hypothesis). Os trabalhos de Coley (1983) e Coley et al . (1985) forneceram o embasamento para outra hipótese, a chamada resource availability hypothesis. De acordo com os autores, os níveis de herbivoria em folhas jovens não diferem entre as plantas chamadas pioneiras (que ocorrem em áreas degradadas, como clareiras, com crescimento rápido e com reposição rápida de danos) e as persistentes (que sobrevivem na sombra, possuem vida longa, com crescimento lento, investimentos maiores em defesas e menor capacidade de compensação de danos) (Kursar & Coley, 2003), mas essa diferença existe em folhas maduras. A hipótese prevê que defesas “móveis” (substâncias que podem ser reabsorvidas pelas plantas) se acumulam em folhas de vida curta, e defesas “imóveis” (substâncias mais complexas, e portanto não-reabsorvíveis) em folhas mais permanentes. Em folhas de árvores persistentes, os compostos fenólicos existem em maiores quantidades, bem como os conteúdos de celulose, taninos e fibras, enquanto o conteúdo de água decresce. A explicação fornecida é que em clareiras existe mais luz, nutrientes e carbono, que são consideradas como condições propícias para o crescimento. Assim, as plantas 87
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persistentes podem apenas crescer vagarosamente devido à competição no dossel, e portanto devem ser mais fortemente defendidas. O menor valor de herbivoria sobre plantas persistentes correlaciona-se com o conteúdo de fenóis, taninos, fibras, celulose e baixo conteúdo de água. Os autores chegaram então à conclusão de que isso não é devido à aparência, mas sim à disponibilidade de recursos. Mais tarde, a classificação de estratégias de defesas de plantas de Grime (1977) serviu de base para que Coley (1987) combinasse a hipótese da disponibilidade de recursos à da aparência das plantas num único modelo.
Vigor da Planta ( Plant vigor hypothesis ). A observação de que árvores jovens e vigorosas são mais suscetíveis aos herbívoros deu origem à chamada plant vigor hypothesis (Price et al., 1987a, b; Price, 1991). De acordo com essa hipótese, as plantas ou os módulos de plantas maiores ou mais vigorosos possuem características que são adequadas para um grande número de herbívoros. Segundo Price (1997), a hipótese do vigor é uma variação da hipótese da disponibilidade dos recursos que enfatiza a variação dentro das espécies e indivíduos, ao invés de envolver diferenças entre espécies. Baker (1972) cita diversos exemplos de insetos associados a culturas florestais que demonstram preferência por indivíduos jovens e vigorosos. Na sua lista pode-se encontrar Eucosma gloriola Heinrich, E. sonomana Kearfott e Petrova albicapitana (Busck) (Lepidoptera: Tortricidae) so bre Pinus banksiana Lamb. (Pinaceae), Gypsonoma haimbachiana (Kearfott) (Lepidoptera: Tortricidae) sobre Populus deltoides. Existem diversos exemplos que sustentam a hipótese do vigor com organismos galhadores; por exemplo, pode-se citar Whitham (1978) a respeito de Pemphigus betae Doane (Hemiptera: Aphidiidae) sobre Populus angustifolia James (Salicaceae). Equilíbrio Crescimento/Diferenciação (GDB – growth/differenciation balance). A hipótese GDB refere-se ao equilíbrio da alocação de recursos que ocorre entre os processos relacionados ao crescimento e à diferenciação sob determinadas condições ambientais. O crescimento refere-se à produção de raízes, ramos e folhas, ou qualquer processo que requeira divisão e alongamento celular. A diferenciação refere-se ao amadurecimento e à especialização de tecidos existentes. A hipótese originalmente delineada por Loomis (1932) afirma que a alocação de car bono para essas diferentes funções não pode ocorrer simultaneamente. Quem enfatizou a interpretação para as plantas foram Herms & Mattson (1992), segundo os quais o equilíbrio entre os processos de crescimento e diferenciação interage com forças seletivas de competição e herbivoria que definem as estratégias das plantas. Para Stamp (2003), a competição em ambientes ricos em recursos conduz a estratégias voltadas para o crescimento, enquanto que o estresse de ambientes mais pobres leva a estratégias de diferenciação. Herms & Mattson (1992) 88
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exemplificaram como produtos relacionados à diferenciação aqueles obtidos do metabolismo secundário, assim como a produção de tricomas e o enrijecimento de cutículas foliares. A alocação e a diferenciação incluem processos e produtos envolvendo, por exemplo, o custo de enzimas, o transporte e as estruturas de armazenamento envolvidas na defesa. Lorio (1986) investigou Dendroctonus frontalis Zimm. (Coleoptera: Scolytidae) sobre Pinus taeda L. (Pinaceae). Nessa planta, ocorre uma disputa de recursos envolvendo o crescimento radial de ramos versus síntese de óleo-resinas que são usadas na defesa. Durante a primavera, a planta direciona recursos para o seu crescimento, tornando-a mais suscetível ao ataque dos herbívoros. Quando chega o verão, ocorre incremento na produção de óleo-resinas, reduzindo a vulnerabilidade contra os insetos.
DEFESA E INIMIGOS NATURAIS DE Psidium cattleianum Psidium cattleianum normalmente
é apontada como uma planta originária da floresta baixa de restinga. Esse tipo de vegetação desenvolve-se nas proximidades do litoral e, portanto, é comum a adaptação das plantas a condições de seca fisiológica, dada a natureza do solo (predominantemente arenoso), a salinidade e as altas temperaturas. O araçazeiro reflete esse conjunto de adaptações, como o acúmulo de lipídios. Isso é observado claramente na grande espessura da cutícula de suas folhas. A presença de glândulas de óleo foi observada inclusive nos botões florais. Outra característica evidente é a grande quantidade de compostos fenólicos, inclusive nos órgãos em que foram observadas as galhas. Devido a essas substâncias, a velocidade de oxidação dos órgãos que sofrem injúria é muito acentuada e não é raro o seu aborto após a oxidação. Macroscopicamente, isso pode ser observado quando ocorre o escurecimento acelerado dos órgãos danificados ou removidos da planta. Compostos fenólicos são considerados “defesas imóveis”, ou seja, possuem um alto custo energético para sua formação, mas, uma vez formados, são metabolicamente inertes. Isso era esperado em P. cattleianum, pois a planta possui folhas perenes, o que significa que esses compostos são mantidos por um período relativamente longo de tempo, havendo pouco desperdício de energia nesse sentido. No entanto, vale lembrar que de acordo com as projeções de Coley (1983), essas características não seriam normalmente esperadas numa planta pioneira. As defesas do araçazeiro são consideradas generalistas ( sensu Rhoades & Cates, 1976): esclerofilia (Butignol & Pedrosa-Macedo, neste volume), cristais, cutícula espessa, ceras superficiais abundantes e glândulas de óleo, perceptíveis tanto nas folhas (Arruda & Fontenelle, 1994) quanto nos botões foliares e florais.
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Ocorrem também grandes quantidades de taninos e triterpenóides (Butignol & Pedrosa-Macedo, neste volume; Varella et al., neste volume). Esse espectro de defesas pode justificar em parte a velocidade com que a planta coloniza novas áreas sem estar sujeita a ataques imediatos de fitófagos (Butignol & Pedrosa-Macedo, neste volume). A hipótese do escape dos inimigos naturais (enemy release hypothesis) sobre invasões biológicas (Keane & Crawley, 2002; Joshi & Vrieling, 2005), segundo a qual a ausência de inimigos aptos a sobrepor as defesas dessa planta seriam um facilitador de sua capacidade invasora, seria uma extensão desse raciocínio. Por outro lado, o conjunto de defesas identificadas também dá indícios de que a maioria dos inimigos naturais deve ter longa história evolutiva de adaptação. O fato de que, apesar de ser ecologicamente pioneira, P. cattleianum é uma planta de comportamento perene (crescimento lento e alto investimento em defesas), significa que apresenta ciclos mais previsíveis, facilitando a especialização de seus inimigos naturais. Isso foi comprovado durante o levantamento de fauna em seu ambiente nativo, que revelou que uma parte significativa das espécies associadas com impacto sobre a planta são galhadoras (Tectococcus, Dasineura, Neotrioza, Prodecatoma , Eurytoma ; seção IV deste volume). É interessante notar também que aspectos característicos das defesas da planta, como a ocorrência de diversos compostos fenólicos, culminando em lignificação, também foram observados em estudos anatômicos das galhas de Dasineura, Neotrioza e de Prodecatoma (Angelo, neste volume; Butignol & Pedrosa-Macedo, neste volume; DalMolin & Melo, neste volume). Além disso, considerando o hábito de crescimento lento, era esperado que fossem encontrados mecanismos de defesa já nas fases iniciais de desenvolvimento, o que não impede que os ataques de alguns inimigos naturais ocorram preferencialmente em folhas jovens, como no caso de Tectococcus (Vitorino et al., neste volume) e de Neotrioza (Butignol & Pedrosa-Macedo, neste volume).
Conclusão
O protocolo de seleção de agentes de controle biológico dá clara preferência aos inimigos naturais específicos, ou seja, agentes monófagos ou no máximo oligófagos (Harris, 1973; Goeden, 1983). Apesar disso, a análise das interações entre os agentes e a planta hospedeira é essencial para que seja determinada a adequação de determinado grupo de agentes em relação às formas de defesa da planta-alvo, uma vez que algumas delas são alvos preferenciais de espécies generalistas, e não de especialistas.
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De maneira geral, o estudo dessas interações permite identificar três questões essenciais para o sucesso de um programa de controle biológico: - Que tipo de agente (ou seja, qual hábito) realmente produz impacto -
sobre a capacidade de colonização da planta? Em que fases de desenvolvimento a planta está mais suscetível ao ataque por herbívoros? Em que época os agentes devem ser liberados para maximização do im pacto, de acordo com o previsto pelas defesas fenológicas e químicas?
Com relação aos hábitos, muitas vezes há a necessidade de combinar agentes que afetem tanto a capacidade vegetativa (como desfolhadores) quanto reprodutiva da planta (como parasitas de sementes). Já em relação aos outros dois itens – a falta de sincronia entre a liberação dos agentes e os períodos suscetíveis – provavelmente são a causa da falha de vários programas de controle biológico. A atuação do agente também precisa ser levada em consideração em relação ao clima da áreaalvo e sua capacidade de sincronizar o ciclo com a planta-alvo.
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