Série
as cadeias produtivas do artesanato de Alcântara
Raquel Noronha (org.)
São Luís, 2011
Eu não faço na máquina, eu aprendi foi com a minha mãe, que me ensinou foi assim, aprendi tudo manual. Tudo da gente é valorizado porque é manual . Agora que eles querem tirar a gente das comunidades daqui, ca difícil... Eles não podem tirar por que a gente tá aqui trabalhando na terra da gente, e isso faz a gente permanecer no nosso lugar . Roberta, de Brito
Os elos das cadeias... A etapa Identidade é valor , ação desenvolvida no âmbito do projeto Iconograas do Maranhão , não seria o que é sem a participação dos moradores de Brito, Santa Maria e Itamatatiua. A dedicação de tempo e atenção destas mulheres que se dispuseram a nos mostrar os seus fazeres e saberes foi fundamental para que pudéssemos mergulhar no universo que é cada uma de suas práticas artesanais. Desta forma, somo-lhes muito gratos, e é impossívei deixar de citar seus nomes: Roberta, Cilene, Maria José, Vicenza, Luciene, Francimar, de Brito; Eloísa, Neide, Dos Anjos, Dos Santos, Ceci, Nazaré, Canuta, Irene, Domingas, De Lourdes, Angela, Denise, Eduarda, Carliane, de Itamatatiua; Celeste, Suely, Marinalva, Eudialite, Rosa Maria, Maria José, Deusimar, Ana Maria, Adriana, Luzia, Raquel, de Santa Maria. Imensa foi a dedicação dos alunos do curso de Design da UFMA, o apoio da Pró-reitoria de Extensão e a colaboração da Prof a. Dra. Patrícia Azevedo, do DEDET. Fundamental a parceria de nossos patrocinadores, o BNB e o BNDES, por meio do edital do Programa BNB de Cultura 2010 e a impecável gestão da FSADU, lembrando especialmente da Prof a. Sônia, gestora de nosso projeto. Gostaríamos de manifestar nossos sinceros agradecimentos às pessoas que colaboraram com nossos esforços em tangibilizar os processos produtivos do artesanato de Alcântara, contribuindo para a divulgação do nosso patrimônio: Cláudio Farias, Dante Maia, Danilo Janúncio, Lia Krucken, Marilda Mascarenhas, Kelly, Kelly, D. Pedra, Luciana Lucian a Caracas, Pelado, Flávia Moura, Cristina Tavares, Hamilton Oliveira e Thiago Guará. Agradecimento especial a Rosangela de Souza Gomes, pela atenta revisão e interlocução crítica para a conclusão de mais esta etapa. A todos, nosso MUITO OBRIGADO!
Sumário 07
Prefácio Identidade é valor Lia Krucken
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Apresentação Raquel Noronha
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Introdução Raquel Noronha
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Capítulo 1 Localizando pessoas, lugares e produtos Raquel Noronha, Imaíra Portela e Milena Alves
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Capítulo 2 O mapeamento das cadeias produtivas Raquel Noronha, Franklin Veiga Neto, Imaíra Portela, Marcella Abreu e Milena Alves
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Capítulo 3 Reexões Reexõ es sobre as cadeias produtivas do artesanato de Alcântara Raquel Noronha
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Capí tulo 4 Capítulo Estratégias ambientais para o desenvolvime desenvolvimento nto de produtos artesanais sustentáveis sus tentáveis Patrícia Silva de Azevedo e Marcella Abreu
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Capí tulo 5 Capítulo Identifcando valores e valorizando identidades Raquel Noronha
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Sobre os autores
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Prefácio: Identidade é valor Lia Krucken
O Brasil é frequentemente associado à sua riqueza em termos de diversidade cultural e de recursos biológicos. Este patrimônio, que caracteriza nosso país como megabiodiverso, nos traz uma grande responsabilidade. A todo momento nos confrontamos com a necessidade de desenvolver estratégias para proteger e valorizar os conhecimentos plurais e os recursos naturais, buscando alternativas de transformação e renovação do território e das tradições. A valorização de identidades e produtos locais é um tema central nesta discussão. Neste sentido, este livro organizado por Raquel Noronha representa uma signicante contribuição, contribuição, trazendo o testemunho de uma experincia prática de design, em curso, nos territórios maranhenses. Tão importante como promover ações é registrá-las, possibilitando reetir sobre os possíveis desdobramentos e pro mover novas interações. Trs conceitos são essenciais para fundamentar a reexão sobre a valorização de produtos locais: território, sociobiodiversidade e inovação colaborativa. Os produtos locais são manifestações culturais, fortemente relacionadas ao território e à comunidade que os produziu. Estes produtos representam os resultados de uma rede, tecida ao longo do tempo, que envolve recursos da biodiversidade, modos de fazer tradicionais, costumes e também hábitos hábi tos de consumo. Esta condição de produto ligado ao território e à sociedade que o produz é representada no conceito de terroir . Esta palavra, original do francs,
é empregada para denir um território caracterizado pela interação com o homem ao longo dos anos, cujos recursos e produtos são fortemente determinados pelas condições do solo, do clima e culturais. No Brasil, uma importante referncia para as pesquisas que abarcam o conceito de território é o extenso trabalho de Milton Santos. O território, em suas palavras, “é a base do trabalho, da residncia, das trocas materiais e espirituais e da vida, sobre os quais ele inui”. Considerar os produtos locais como elementos do território nos conduz a uma visão ampla de projeto. Neste sentido, o processo de valorização de produtos locais depende de muitos fatores que vão além da qualidade dos recursos e dos artefatos em si mesmo. É necessário alargar o foco de análise: partindo do contexto local para compreender as relações que se formam em torno do território, da produção e do consumo dos produtos. A perspectiva do design vem justamente ajudar nesta complexa complexa tarefa de mediar tradição e inovação, tendo como ponto central as trocas que se estabelecem em torno dos artefatos, atribuindo-lhes diferentes signicados. signicados. Ao pensarmos os produtos locais como resultados de práticas e saberes tradicionais, que sedimentam-se em um território e carregam múltiplos signicados, é oportuno introduzir o conceito de “produtos da sociobiodiversidade”. Esta expressão inclui bens e serviços (produtos nais, matérias-pri mas ou benefícios) gerados a partir de recursos da
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biodiversidade, voltados à formação de cadeias produtivas de interesse dos povos e comunidades tradicionais e de agricultores familiares – segundo denição construída coletivamente por comunidades com o suporte do Ministério do Meio Ambiente em 2008. Os “produtos da sociobiodiversidade” estão também relacionados à manutenção e à valorização de práticas e saberes das comunidades, além da qualidade de vida e do ambiente. As intervenções do designer, neste sentido, visam a contribuir para o desenvolvimento de formas de inovação colaborativa, que respondam às demandas das próprias comunidades e que possibilitem renovação, transformação e valorização da sua identidade e do seu conhecimento. E, de fato, podemos ver que o papel do designer como facilitador e promotor de uma participação social ativa na busca de soluções colaborativas e sustentáveis vm se fortalecendo nos últimos anos. Podemos dizer que o principal desao do design é, justamente, suportar o de senvolvimento de soluções a questões de alta complexidade, integrando-se com diversos atores. Importantes autores que abordam o tema são Ézio Manzini e John Thackara. Na prática, trabalhar em projetos que visam a valorizar produtos locais constituem oportunidades únicas de aprendizado, nas quais me parece que a sensibilidade é uma qualidade essencial a ser
desenvolvida. Sensibilidade na escuta aos detentores do conhecimento local, que são os protagonistas protagonista s do processo e os guardiães do patrimônio cultural manifestado no saber-fazer. Sensibilidade na interação com diferentes atores e na percepção dos valores e signicados associados às tradições e modos de vida. Sensibilidade na facilitação f acilitação de processos de inovação, abertos aos acontecimentos que se cruzam. Sensibilidade para apreender, sistematizar e combinar conhecimentos que possam contribuir para desenvolver novas reexões e ferramentas. Na obra organizada por Raquel Noronha, podemos perceber a importância destas questões, sobretudo da capacidade de escuta na condução de projetos colaborativos. Um dos fatores que torna este livro especial é justamente o fato de relatar um conhecimento em construção – resultado de uma pesquisa-ação conduzida no Maranhão – que envolve comunidades e pesquisadores de diversas áreas. É um prazer acompanhar esta iniciativa inovadora e ler o relato escrito por múltiplas mãos, que representa uma preciosa contribuição para a discussão relacionada às práticas de valorização de produtos da sociobiodiversidade.
Lia Krucken
Milão, 28 de maio de 2011.
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Clichê de identicação da cerâmica de Itamatatiua
Apresentação Raquel Noronha
Este é um livro escrito por muitas mãos – mais de sessenta – em um processo coletivo, permeado por seminários, visitas, entrevistas en trevistas e conversas informais. Aqui, relatamos nosso contato com saberes e fazeres tradicionais de trs comunidades do município de Alcântara, Maranhão. É uma mistura de relato de experincia e de inventário. A experincia de um grupo de pessoas que se propôs inventariar as cadeias de produtivas do artesanato de Brito, Santa Maria e Itamatatiua, durante um período de apenas oito meses sendo, portanto, ainda um conhecimento em andamento. Pela natureza reexiva de nossa ação, este livro também explo ra de forma analítica a metodologia que articula conhecimentos para a construção da relação com os nossos outros, e sempre que necessário, não hesitaremos em analisar o nosso próprio lugar de fala, nossa posição no contexto da pesquisa. Esta iniciativa está inserida nas ações do projeto Iconograas do Maranhão, conjunto de ações de extensão e de pesquisa, promovidas pelo Departamento de Desenho e Tecnologia da Universidade Federal do Maranhão, cujo objetivo principal é promover mapeamentos iconográcos da cultura, em seus diferentes as pectos – a cultura popular e suas dimensões patrimoniais, a relação das pessoas com seus saberes e fazeres tradicionais, tradicionais, a cultura material, m aterial, os lugares e as formas de expressão que caracterizam a nossa diversidade cultural – os quais quais estamos muito acostum acostumado adoss a referencia referenciarr, mas ainda são poucas as iniciativas que buscam dar-lhes visibilidade, no sentido stricto desta palavra.
Os que apresentamos aqui é o resultado da etapa que intitulamos Identidade é valor , na qual buscamos mapear as cadeias produtivas do artesanato de povoados de Alcântara com a nalidade de sistematizar os processos produtivos, produtivos, para que possamos identicar – comunida comunidades des e pesquisado pesquisadores res – os valores valores do artesanato a partir do ponto de vista dos produtores e suas representações sobre o consumo de seus produtos, quando estão em contato com os consumidores ou os mediadores da cadeia produtiva. O projeto Iconograas do Maranhão realiza desde 2008 mapeamentos iconográcos nos bairros da Praia Grande e do Desterro; Des terro; entre grupos de tambor de crioula, bumba-meu-boi, blocos-afros e casas religiosas de matriz africana; entre os operários navais tradicionais da área Itaqui-Bacanga, com o apoio da FAPEMA e inicia, nesta etapa, suas atividades entre as comunidades artesãs do município de Alcântara, com patrocínio do Programa BNB de Cultura/BNDES. Para nós, professores e alunos do curso de Design da UFMA, iconograa se transforma em ação, representada pelo verbo iconografar , que caracteriza o processo de identicação, descrição, classicação e interpretação dos signicados simbólicos dos fazeres, dos saberes e das histórias de determinado grupo ou cultura e, ainda, as formas tangíveis t angíveis destes signicados signicados – seus seus produtos, produtos, seus objetos objetos e suas imagens, imagens, ou seja, a sua cultura material. Este processo é construído coletivamente pelos pesquisadores e pelas comunidades que produzem cultura no Maranhão.
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O que inicialmente pode parecer uma estratégia de armação de identidades, na verdade, é uma es tratégia de desconstrução de discursos e de práticas concebida sobre a produção e o consumo da cultura. Partimos da hipótese de que o processo coletivo de construção de imagens, entre pesquisadores e sujeitos da pesquisa, pode reforçar ou negar determinadas relações, discursos e práticas sociais. As comunidades participantes do projeto foram capazes de reetir sobre a própria identidade cultu ral, a partir do reconhecimento ou negação de tais imagens. Isto se maximiza quando o universo da análise atinge um escopo maior e quando disponibilizamos os ícones desenvolvidos em formato digital no site do projeto (www.iconograas.ufma.br), e qualquer pes soa, de qualquer lugar lug ar,, pode acessá-los e utilizá-los do jeito que que quiser quiser.. Além de proporcionar um sentimento de co-autoria entre as comunidades participantes do projeto, o mapeamento das cadeias produtivas apresenta-se Roberta, botando a rede no tear.
Celeste, batendo o jogo americano.
como uma metodologia que dá visibilidade à cultura de um lugar, promovendo a comunicação do patrimônio imaterial. Ainda de uma forma preliminar, este mapeamento nos possibilita reunir o conhecimento necessário para agir propositivamente em projetos futuros promovendo, assim, inovação na cadeia produtiva da cultura, do artesanato e do turismo, alavancando projetos de qualicação e comercialização do
artesanato, com a intervenção do Design nos processos e produtos, qualicando e potencializando valo res para todos os envolvidos na produção e consumo da cultura. Com o trânsito das imagens – polifônicas, polifônicas , pela natureza compartilhada de sua construção – expressam-se traços da identidade cultural, despertam-se sentimentos de autoestima e orgulho, além de promover a discussão sobre quais valores são importantes para tais identidades com o processo de tomada de conscincia sobre a existncia de um patrimônio que, com este projeto, torna-se tangível e acessível a todos.
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Neide, fazendo o acabamento do pote. Participantes do Identidade é valor, no encerramento do primeiro seminário, em Alcântara
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Participantes na dinâmica realizada no seminário em Alcântara, em dezembro de 2010.
Introdução Raquel Noronha
Por cadeia produtiva entendemos o conjunto de procedimentos, etapas, agentes, processos e produtos envolvidos em alguma atividade cujo resultado seja um produto, desde a sua pré-produção até o seu consumo nal (KRUCKEN, 2009). Na ca deia produtiva estão envolvidas as pessoas que produzem e as que consomem o produto. Neste projeto, o intuito é investigar o universo da produção do artesanato de Alcântara , entender o modo como estes artefatos são produzidos e conduzidos à venda; como os sujeitos que os produzem percebem e atribuem valor a valor a este artesanato e também sua percepção sobre a atividade artesanal como geradora de trabalho e renda, os entraves e as diculdades sobre a sua produção. Para tal, analisaremos discursos e práticas, na medida em que os sujeitos, nos momentos de sua fala, transitam por diversos posicionamentos acerca da sua identidade, nos discursos sobre a tradição do seu saber, as motivações que os fazem permanecer na atividade artesanal e a produção ligada ao território. Baseamo-nos no princípio de que os valores que identicamos e analisamos são inerentes às próprias cadeias produtivas e que só os agentes diretamente ligados a elas podem identicá-los, hie rarquizá-los e classicá-los. Estes valores podem ser de diversas naturezas: a valorização da identidade, a valorização da cultura, a geração de trabalho e
renda, a preservação da tradição, a manutenção do território, entre outros que pudemos identicar durante a ação. Como estratégia, priorizamos a pesquisa de campo como instrumento privilegiado de entendimento das realidades locais e a realização de seminários de trabalho como forma de agregar e de compartilhar experincias locais no âmbito coletivo. Para isto, realizamos duas visitas às comunidades, além de um seminário com representantes de todas elas. Permanecemos uma curta temporada em cada um dos povoados. Este livro será lançado também em um seminário, concretizando a metodologia proposta. Nossa abordagem enfatiza o entendimento dos processos e do mapeamento das cadeias produtivas a partir da observação e da troca de experincias entre os pesquisadores e os sujeitos da pesquisa, garantindo resultado rico e representativo, em um processo dialógico de trabalho, possibilitando o compartilhamento de saberes. Nestas oportunidades de convivência foi possível identicar discursos que se fortalecem e discursos que se opõem. Para atingir o objetivo de relatar e sistematizar a experincia e analisar os resultados, organizamos este livro em cinco capítulos. O primeiro, inicia-se com as informações inform ações sobre a pesquisa, com um breve histórico sobre o município de Alcântara. Continuamos com uma pequena
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caracterização dos povoados sobre os quais a ação incide. As artesãs que participam do projeto também são caracterizadas e o capítulo encerra-se com aspectos metodológicos da pesquisa, trazendo à baila as condições nas quais ela aconteceu, numa abordagem mais do ponto de vista dos pesquisadores, justicando opções e clareando as abordagens teórico-metodológicas. O segundo capítulo aborda o mapeamento das cadeias produtivas, trazendo a descrição de cada uma das suas etapas. No terceiro capítulo temos a oportunidade de reetir sobre o que conversamos e observamos no cotidiano das artesãs durante o seminário e as visitas realizadas. Este capítulo aponta discursos e
O buriti, fruto da palmeira da qual se extrai a bra , para o artesnato do linho.
Equipe do projeto no buritizal, em Santa Maria.
práticas sobre diversos aspectos das suas produções artesanais e assim evidenciamos o imaginário das artesãs, sobre as várias atividades realizadas nas cadeias produtivas. O quarto capítulo traz uma abordagem sobre sustentabilidade, caracterizando um dos grandes entraves que enfrentam nossas informantes, propondo uma análise das cadeias produtivas perante perant e os requisitos para uma produção artesanal sustentável. O quinto capítulo, à guisa de um fechamento momentâneo e não de um ponto nal para o assunto,
inicia uma discussão que não se encerra aqui, sobre a existncia de um artesanato ligado ao território de Alcântara e a introdução da lógica do mercado na produção artesanal. Finalizamos o livro com algumas reexões sobre o papel do designer como mediador e agente deste processo, de forma que se insira de forma estratégica nas cadeias produtivas. Referência
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KRUCKEN, Lia. Design e território: valorização de identidades e produtos locais. São Paulo: Studio Nobel, 2009.
Equipe do projeto no campo, de onde se retira o barro, em Itamatatiua.
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Capítulo 1 Localizando pessoas, lugares e produtos Raquel Noronha, Imaíra Portela e Milena Alves
Percorremos agora um caminho metodológico que descreve as etapas da ação, os desaos, as sur presas e as descobertas que ajudam a delinear os nossos sujeitos de pesquisa e as condições nas quais ela aconteceu. Iniciamos identicando na literatura os lugares e as comunidades que produzem artesanalmente em Alcântara como uma atividade comercial. Diversas comunidades se valem da confecção artesanal de doces, licores, cofos1, abanos e meaçabas2, assim como se utilizam das técnicas construtivas da taipa3 e do adobe 4 e o teto de palha de buriti, babaçu, entre outras. Porém, nossa busca não era por este artesanato de subsistncia, para o próprio consumo, mas o que visasse à comercialização comercializ ação do produto
nal. Assim, identicamos algumas a lgumas possibilidades de produtos, de comunidades ou de grupos que produziam para esta nalidade. Eram elas: o doce de es pécie e os altares e os adereços da festa do Divino; as embarcações tradicionais de São João de Côrtes; os azeites de babaçu e a mamona de Mamuna; M amuna; a cerâmica de Itamatatiua; as redes de dormir de Brito; a tecelagem com bra de buriti em Santa Maria. 5 O período do ano em que trabalhamos nos impediria de acompanhar os preparativos da festa fest a do Divino e pela complexidade das atividades e rituais ligados a ela, preferimos deixar esta análise para uma oportunidade futura. Assim, com base em nossos cronograma e orçamento, denimos trabalhar com as comunidades do interior do município. Durante o
1. “Cofo é o nome dado, no Maranhão, à cestaria de natureza utiliut ilitária, confeccionada manualmente com as folhas de palmeiras nativas. No dia a dia do maranhense, o cofo é um instrumento já ‘tradicional’ e mesmo me smo indispensável.” indispens ável.” (GONÇALVES (GONÇALVES et ali, al i, 2009, 20 09, p.11) p.11) 2. Meaçaba é um t ipo de esteira trançada, confeccionada com a palha de palmeiras regionais. 3. A taipa é uma técnica herdada das culturas cult uras árabes e berberes. Constitui-se de paredes feitas de barro amassado e calcado, por vezes misturado com cal para controlar a acidez da mistura que vem a ser comprimida entre taipais de madeira desmontáveis, removidas logo após estar completamente seca, formando assim uma parede de um material incombustível incombustí vel e isotérmico natural e particularmente barato. Disponível em (http://www.arq.ufsc.br/ arq5661/trabalhos_2004-1/arq_terra/taipadepilao.htm)
4. O adobe é uma técnica tradicional executada em terra cura. O processo de fabricação do tijolo de adobe consiste em amassar o barro, deixá-lo descansar por alguns dias e, ainda aind a úmido, colocá-lo em fôrmas (geralmente de madeira de formato retangul ar), deixando-o secar ao sol. Disponível em http://e-groups.unb.br/ fau/pos_graduacao/paranoa/edicao2005/adobe.pdf 5. Na primeira visita visit a em São João de Côrtes, o artesão com o qual conversamos não demonstrou interesse em participar do projeto, alegando que estava parand parandoo com as atividades, e que não eram lucrativas. Em Mamuna, retornamos para a reunião, mas as artesãs não puderam, naquele momento, nos mostrar as etapas do processo produtivo. Como não compareceram ao seminário, momento fundamental para a continuidade da ação, camos impossibilitaimpossibilita dos de dar continuidade continuid ade ao projeto nesse povoado.
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São João de Côrtes Brito Santa Maria
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Mamuna
Alcântara
Cujupe
Itamatatiua
Localização dos povoados participantes do projeto Sede do município Localidades pesquisadas Localidades visitadas Porto do ferry-boat Área do CLA em sobreposição às Terras das Comunidades Remanescentes de Quilombo Terras de Preto: Terra das Comunidades Remanescentes de Quilombo
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So Desenhado a partir do mapa do fascículo 10 da Nova Cartograa Social da Amazônia - Quilombolas atingidos pela Base Espacial - Alcântara
percurso, houve contratempos e diculdades de acesso, tanto aos povoados como às pessoas, que nos levaram a fechar o escopo do projeto em trs comunidades – Santa Maria, Brito e Itamatatiua – que caracterizaremos melhor a seguir. Para entendermos as peculiaridades deste mapeamento é importante contextualizar melhor o município no qual atuamos. Alcântara tem sua dinâmica espacial comprometida pelos entrecruzamentos de diversos discursos – os ociais, os acadêmicos e os do senso comum – envolvendo as relações de territorialidade e a identidade local de sua população, caracte- Ruínas da Igreja de São Mathia s (acima) e detalhe da Igreja do rizados pelo embate entre a expansão do Centro de Carmo e ruínas (abaixo), (abaixo), Alcântara, MA. Lançamento de Alcântara (CLA) e a titulação de territórios quilombolas lá existentes. Perante tal situação é preciso caracterizar o município. 1.1 1.1 Alcântara: Alcântar a: de celeiro à decadência
Situada a uma hora de lancha de São Luís, localizada na mesorregião norte do Maranhão, nos limites da Amazônia Legal, Alcântara é um município com história bastante peculiar. O município ocupa uma área de, aproximadamente, 120.000 hectares (IPHAN, 2009) e é uma das duas cidades históricas brasileiras a ostentar a condição de monumento nacional, ao lado de Ouro Preto. É o único município no Brasil a ter reconhecido num mesmo perímetro um extenso território étnico, formado por 157 comunidades camponesas, pleiteando a titulação de remanescentes de quilombos (op.cit). (op.cit). Alcântara já foi considerada o celeiro do Maranhão (VIVEIROS, 1954), no século XVII; vivenciou um processo de decadência (ALMEIDA, 1983) com a característica especíca do deslocamento da sua burguesia, os comerciantes, para a cidade de São Luís,
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com o consequente abandono das fazendas nas mãos de prepostos, geralmente escravos de conança, o que gerou o estabelecimento velado e consentido de quilombos praticamente dentro das fazendas produtoras de algodão e engenhos de açúcar, principalmente com o nal do sistema escravagista (SOUZA FI LHO, 2009). No século XX é considerada pelo Estado como “o “o melhor lugar do planeta para par a o lançamento de foguetes” (op.cit) e a instalação instal ação de um centro de lançamentos de artefatos espaciais já que, além das condições metereológicas favoráveis, a suposta decadência da lavoura teria gerado um imenso vazio demo gráfco (ALMEIDA, 2002) no lugar. Em seu Laudo Antropológico de IdenticaIdentica -
título denitivo – Ocinas de Consulta – AlAlcântara, Maranhão, como guia para percorrer as
lombolas atingidos pela Base Espacial – Alcântara, Maranhão e Luta dos quilombolas pelo
estradas de piçarra do interior do município, o que foi de fundamental importância para identicarmos as comunidades que visitamos. Segundo o diagnóstico participativo do município de Alcântara, realizado em 2003, utilizando as estratégias metodológicas do Programa Comunidade Ativa e o PNUD (PROJETO AEB/PNUD BRA 01/003, 01/003, 2003), 20 03), o município de Alcântara é o segundo mais antigo do litoral ocidental do Maranhão, e sua fundação data de 22 de dezembro de 1648, quando foi elevado à categoria de Vila, com o nome de Santo Antônio de Alcântara e, já nesta época, era considerada o celeiro do Maranhão, em razão de sua grande produtividade de arroz, milho, algodão, farinha de mandioca, cana de açúcar, criação de gado. Com o passar dos anos e o declínio das exportações de algodão, surgiram os primeiros engenhos de açúcar e a vila foi se destacando dest acando na produção açucareira e de aguardente e, em 1650, ca registrado o primeiro embarque de excedentes para São Luís, já que a produção excedia a sua subsistncia (VIVEI(VIVE IROS, 1954). A criação da Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, Maranh ão, associada ao potencial da terra, transformou Alcântara num importante produtor de algodão e açúcar. Após a saída dos grandes proprietários rurais de Alcântara, não só as fazendas como a própria sede do município foram relegadas ao abandono e ao
6. “As publicações do projeto Nova Cartograa Social da Amazô nia traduzem a diversidade cultural e social da região. Aqui, voc pode ter acesso gratuito ao acervo do projeto, pesquisando seus fascículos, artigos e livros. Os fascículos são resultado de ocioci nas de mapeamento participativo, nas quais as fronteiras entre os
sujeitos e os objetos de pesquisa se dissolvem. Professores e alunos de graduação e de pós-graduação apóiam o processo no qual membros de um determinado grupo registram quem são, onde e como vivem.” Trecho extraído do site do projeto (http://www. novacartograasocial.com/ publicacoes.asp), em 21/04/201 21/04/2011. 1.
ção das Comunidades Remanescentes de Qui lombo em Alcântara , Almeida aponta para a con-
solidação de territorialidades das comunidades remanescentes de quilombo, armando arm ando que o espaço é sim ocupado, não representando o chamado vazio demo gráfco. Como estratégia para dar visibilidade a este conito entre outros da Amazônia Legal, desenvolve o projeto Nova Cartograa Social da AmaAma zônia que, entre outros objetivos, consiste em construir mapas coletivamente com as comunidades cujos territórios são ameaçados pelos grandes empreendimentos que representam o grande capital. Nesta pesquisa, utilizamos os fascículos 6 de números 10 e 25, intitulados, respectivamente, QuiQui-
esquecimento. Almeida observa que, muitas vezes, a preservação de grandes complexos de arquitetura colonial no Maranhão foi atribuída à suposta decadência, dência, o que impossibilitou os grandes investimentos na modernização destes lugares. Ao serem deixadas para trás, nestas antigas fazendas, as comunidades rurais formadas por escravos se reestruturaram e, baseadas no uso comum da terra e no extrativismo construíram, a partir daí, a sua territorialidade, processo que o autor denomina modifcação da f sionomia étnica (ALMEIDA, 2002). Tombada pelo IPHAN em 22 de dezembro de 1948, ocasião do tricentenário da cidade, Alcântara busca na memória dos tempos áureos as referncias de sua identidade e convive com a novidade, que já tem quase trinta anos, da instalação do CLA. Alcântara foi escolhida para receber o CLA em razão de sua privilegiada posição geográca, permitindo um baixo
custo de lançamento por sua proximidade do equador terrestre, suas boas condições meteorológicas, que são regulares e satisfatórias condições de segurança. Hoje o município convive com as trágicas consequncias provocados pela instalação do CLA. Entre elas podemos destacar o deslocamento das comunidades para longe de seus territórios terri tórios tradicionais e sua instalação em agrovilas longe dos recursos naturais, colocando-os em situação de risco alimentar e social (PAULA (PAULA ANDRADE; SOUZA FILHO, 2006), impos sibilitando-os sibilitando- os de continuarem continuarem realizando suas práticas ligadas à sua identidade étnica e pela iminncia de expansão da base, representada pela implantação do Alcântara Cyclone Space (ACS). O lugar é dito favorável por, equivocadamente, ser considerado um vazio demográfco, nos quais não se encontra nenhuma cidade ou povoado, como é geralmente alegado pelos grandes projetos de desenvolvimento.
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Cercada por vastos campos e colinas, Itamatatiua é uma comunidade remanescente de quilombo, localizada no município de Alcântara. Um traço forte de sua identidade é o seu artesanato em cerâmica. Não se sabe desde quando esta prática existe, mas sabe-se que ela já atravessa gerações. Os mais velhos dizem que seus bisavós já praticavam a arte de modelar o barro. Há depoimentos que falam em duzentos anos de tradição. barro, como as arteHoje, o trabalho com o barro, sãs denem sua prática, é uma atividade executada
exclusivamente pelas mulheres e entre as peças mais produzidas por elas estão os potes, as bilhas, as travessas, as panelas, as moringas, as cuias e as bonecas. Elas utilizam uma técnica muito antiga, que consiste em enrolar o barro com as palmas das mãos sobre uma superfície, a m de ter as chamadas serpentinas7 de barro, as quais são superpostas em espiral para formar o pote. Esta comunidade localiza-se bem perto da estrada e esta proximidade inuencia o cotidiano local, a visualidade e a tipologia das casas – muitas são de alvenaria. Observamos também o uxo intenso de ve ículos, o que facilita a movimentação dos moradores que vão até a sede do município ou mesmo a São Luís. Além da atividade da cerâmica, também trabalham com roça, basicamente cultura de mandioca, milho, arroz, feijão e batata. Há também caça e pesca para subsistncia. O comércio é intenso, e acontece tanto em armazéns do povoado, quanto nos carros que chegam com produtos vindos da Baixada Maranhense, Maranhense , de São Luís ou da sede do município. Mas da d a água que bebem eles não abrem mão: ela vem do Chora, poço considerado um lugar encantado 8 e que secularmente abastece o povoado de água potável. Em seu calendário festivo estão as festas religiosas de Santa Teresa D’Ávilla, cujos preparativos iniciam-se em maio, e a festa, que dura praticamente uma semana, acontece nas primeiras semanas de outubro; a festa de São Sebastião, acontece nos dias 19 e 20 de janeiro quando há ladainhas e orquestras. Há também outras manifestações como a dança do negro e o tambor de crioula.
7. Esta técnica t écnica também é conhecida como acordelado . 8. Em conversa com Irene, em Itamatatiua, a artesã conta sobre a presença de uma sapa, guardiã do poço. Eloísa, durante almoço em sua casa, nos ofereceu a água do poço, e disse que mesmo
tendo água encanada em casa, buscava água no Chora, pois é enem cantada. Disse ainda que quem bebia a água do poço não vai embora de Itamatatiua: Itamat atiua: “quem bebe do Chora, Chora , não vai embora”. Ver mais em IPHAN, 2009.
1.2 Uma breve descrição dos povoados
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Nosso objetivo aqui é situar o leitor, fornecendo algumas referncias sobre os lugares onde incide a pesquisa e aproveitamos para traçar um panorama geral de cada povoado. Em todas as comunidades é possível falar em celulares de uma única operadora. Normalmente, os orelhões estão danicados. O acesso a Brito e a Mamu inverno, só é possível em mona, no período do chamado inverno, tocicletas tociclet as e em veículos com tração, pois são estradas de areia ou em terrenos alagados. Um percurso de, aproximadamente, 20Km, da sede do município de Alcântara até Santa Maria demora cerca de uma hora e meia, devido aos enormes buracos na estrada de piçarra. ItamataIt amatatiua é a localidade que tem o melhor acesso, pois localiza-se às margens da rodovia rodovia MA-106, MA-106, a 8Km da estação de ferry-boat que vem de São Luís, localizada no Cujupe. 1.2.1 Itamatatiua
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Em sentido horário: o pote, que indica a entrada do povoado; Igreja de Santa Tereza D’Ávila; casas e rua principal do povoado.
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sua preocupação com a qualidade e o acabamento dos produtos, sempre muito bem nalizados. Santa Maria, segundo os moradores, sempre teEm Santa Maria há poucas casas de alvenaria. ve este nome. Eles não sabem dizer ao certo desde A maioria é de adobe ou taipa, cobertas com buriti quando as famílias começaram a se estabelecer na- ou babaçu. O comércio acontece quando os carros quele território, mas ma s pelo que ouviam dos pais e avós, trazem mercadorias, mas não há uma frequncia, e calculam que isso aconteceu há mais de cem anos. em dois estabelecimentos comerciais do povoado. Sua principal atividade artesanal é a tecelagem Há uma linha de ônibus diária para a sede do municom a bra do buriti, com a parte mais delgada da cípio, que passa por Santa Maria às trs horas, e re palha, que eles chamam de linho. linho. Por linho também torna ao povoado por volta das treze horas. É fredesignam, metonimicamente, a própria atividade. quente a ida das pessoas à sede, para compras, asSão confeccionadas sacolas, esteiras, redes, pastas, suntos burocráticos ou relativos à saúde. bolsas, jogos americanos, porta-copos, tapetes e caAlém da atividade artesanal, há intensa propas para agendas. dução de mandioca e cultivo de melancia. Há uma Segundo Walmir, o presidente da Associação casa de forno, comunitária, na qual produzem faride Agricultores Familiares, a atividade com a bra nha para subsistncia e também para vender. Plando buriti começou em agosto de 1973, quando al- tam, ainda, alface, pepino, quiabo, couve, maxixe e gumas moradoras começaram a produzir sacolas e feijão. Há também a pesca, nos igarapés mais próredes, cada uma em sua casa e assim continuou. ximos de Brito. Mais tarde, formaram o grupo e então começaram a produzir tapetes. Esta produção artesanal é uma herança de Barrerinhas, Tutóia, Humberto de Campos e Urbano Santos, e chegou a Santa Maria com um intenso uxo migratório destas regiões na década de setenta. Segundo as informantes, embora as referncias de Santa Maria surjam de outras localidades da região da baixada oriental, seu artesanato se difere no tipo do material que utilizam, porque em Santa Maria só se usa a parte mais na e macia da palha, o linho. nho. É diferente também a sua forma de bater, que forma uma trama mais fechada diferente do que se faz nas outras localidades. A variedade de cores e seus tons muito vivos também são traço marcante do linho de Santa Maria. Seu produto, segundo eles, ca mais resistente e mais durável. Outra marca é a 1.2.2 Santa Maria
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Em sentido horário: ruas e caminhos de Santa Maria; casa de farinha; açude do povoado.
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Este é o menor de todos os povoados povoados visitados. Estimam que Brito já tenha mais de dois séculos de existncia. Tem como maior produção artesanal as redes de dormir, e consideram seu produto resistente e muito bem acabado. Há ainda o artesanato de subsistncia, de cofos, abanos e meaçabas. Seu grupo de produção é o único ainda não regularizado. Conta, atualmente, com a participação de cinco pessoas, mas já chegou a ter oito participantes. Esta atividade começou há dezoito anos, quando Roberta, tendo aprendido a fazer redes em São Luís, ensinou o processo a outras pessoas. Ela e uma sobrinha ainda são as únicas a saberem botar a rede no tear. A pesca é uma atividade intensa no povoado. Além de pescarem para subsistncia, pescam também para comercializar com comunidades da vizinhança. Caminhando por uma trilha, por cerca de
vinte minutos, chega-se até uma alameda de manguezal, uma espécie de portal para a praia de mar aberto de um lado, e para um igarapé, de outro. A praia abriga uma diversidade de paisagens, campos verdes, igarapé, falésias com pedras vulcânicas, uma oresta nativa de mangue e perto da costa, costa , um farol que caiu em função da erosão das falésias. Ao longe, no litoral, é possível avistar de um lado a Pedra de Itacoencantado, e do outro, parlomy 9, lugar considerado encantado, te da ilha do Maranhão, com a visão dos prédios de São Luís e do Farol do Araçagy. Além da produção artesanal, Brito Br ito produz mandioca, abóbora, milho, melancia, outras culturas de subsistncia e também praticam a caça. Há poucas construções de alvenaria, entre elas a igreja do povoado. As outras construções são de taipa ou adobe. Há uma casa de farinha, de propriedade particular, mas utilizada por toda a comunidade. No período do inverno, o uxo de motocicletas é intenso, pela im possibilidade de acesso por outros tipos de veículos.
9. Em conversa durante um passeio na praia de Brito, Silene nos mostrou a Pedra e contou sobre a presença de encantados no lugar, e sobre a relação de permissões para o uso da água
doce, a permissão para a pesca, enfatizando a importância simbólica da Pedra de It acolomy para os moradores. Ver mais em IPHAN, 2009.
1.2.3 Brito
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Em sentido horário: casas de Brito; praia de Brito: falésia, embarcações e manguezal. Página ao lado: ruínas do farol, derrubado derru bado pela erosão.
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Porém, em Santa Maria, a prática contraria o discurso. Os homens ajudam a tirar o olho do Burilinho, ajudam a botar o botar o linho, linho, Para identicar os sujeitos, partimos do objeti - ti, ajudam a emendar o linho, vo principal do projeto: mapear as cadeias produti- ajudam a fazer o acabamento, enm, ajudam bastanvas do artesanato. Nosso ponto de partida, ao che- te. Além da ajuda com o artesanato, substituem-nas garmos às comunidades, era identicar os artesãos. também nas atividades domésticas: A participação dos sujeitos na pesquisa foi construLuzia , de Santa Maria: Quando tem encomenída ao longo das duas reuniões iniciais em cada poc a sem varrer, o comer sem fazer... fazer... E da, a casa ca voado, durante o seminário que realizamos na sede ajuda, né? Eu co aqui atrás no meu marido me ajuda, de Alcântara e, nalmente, na nossa terceira visita, tear, e nem chego em casa. Ele que varre, que na qual pudemos compartilhar do cotidiano da procozinha, cuida das crianças. Quando tem encodução artesanal destes sujeitos – aliás, destas mulhemulhe menda é assim... res. Nossas informantes são em torno de trinta muCeleste , de Santa Maria: O meu marido tira o lheres que vivem, além da pesca e da roça de subolho, olho, ajuda no riscamento e no emendamento. É sistncia, do artesanato que produzem e comerciauma boa ter um marido assim... lizam de forma ainda pouco sistematizada. No interior de Alcântara, artesanato é serviço de mulher ! Com raras exceções, a atividade artesanal proRoberta, de Brito: Lá tem pouca mulher mes- priamente dita é feita pelas mulheres dos povoados. mo... o resto tudo é só homem, e disseram que Em Santa Maria, há a participação masculina, mas na ajuda. A organão queriam fazer porque não é serviço de ho- forma denominada pelas artesãs como ajuda. mem, é de mulher, aí só tm nós, até quando nização da produção, a responsabilidade é sempre das mulheres. A participação dos homens aparece sempre nós puder. ajuda, nos momentos da extração da maDos Anjos, de Itamatatiua: Aqui só tem viúva... como uma ajuda, não dependemos de homem pra nada. O trabatr aba- téria-prima ou quando há alguma encomenda ou prolho é todo feito por nós. A maioria criou os - blema de saúde. Retomaremos essa categoria encomenda, menda, no terceiro capítulo, pois caracteriza tanto o lhos sozinha. Neide, de Itamatatiua: De vez em quando meu ponto de partida da produção, o seu “estopim”, quan lho ajuda, mas é muito difícil. Tinha um ho - to um ponto de estrangulamento da comercialização, mem que participava, mas ele montou uma ola- quando o trinômio prazo x clima x matéria-prima se encomenda. ria e saiu... O artesanato daqui quem faz é mu- relaciona com uma encomenda. Na primeira visita que zemos às comunidades, lher... Difícil não ter uma aqui que não tenha para estabelecer um contato inicial, chegávamos aos criado os lhos com os potes...
1.3 Artesanato é serviço de mulher !
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Artesãs dos trs povoados: Brito, Santa Maria e Itamatatiua .
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povoados, buscando as pessoas que faziam artesanato. Nas cinco comunidades que visitamos, inicialmente, fomos direcionados diretamente às presidentes das associações ou aos líderes do grupo, geralmente às pessoas de maior conhecimento técnico ou que praticam a atividade há muito tempo. Nesta ocasião, agendamos uma segunda visita, e solicitamos que estivesse presentes o maior número de artesãos possível. O terceiro encontro com as artesãs foi no seminário preparatório desta pesquisa, realizado no Museu Casa Histórica de Alcântara, na sede do município, nos dias 10 e 11 de dezembro de 2010. Nas reuniões anteriores, nós apresentamos o projeto e como seria o seminário. Convidamos sete representantes de cada grupo para participar. Ao seminário, compareceram sete artesãs de Santa Maria, seis de Brito e sete de Itamatatiua. As artesãs de Mamuna não compareceram porque houve um problema com o transporte. No quarto encontro, realizado entre os dias 2 e 9 de abril de 2011, 2011, camos entre dois e três dias di as em cada comunidade, convivendo e presenciando as etapas da produção artesanal. Visitamos as residncias das artesãs de Santa Maria, pois trabalham cada uma na sua casa. Em Itamatatiua, as atividades se concentram na sede da Associação. Em Brito, como não há formalidade na organização do grupo, o trabalho acontece num galpão na casa da líder do grupo. Para o lançamento do livro, convidamos novamente sete representantes de cada grupo, para discutirmos as propostas apresentadas no livro, em um seminário de encerramento, nos dias 20 e 21 de junho de 2011 em Alcântara (MCHA) e no dia 22 em São Luís, na UFMA.
Desta forma, a participação das artesãs variou entre as que se engajaram nas atividades nos povoados e as que foram ao primeiro seminário em Alcântara. De uma forma geral, são mães, donas de casa, esposas ou viúvas, que tm, na maioria das vezes, grande parte da renda advinda do artesanato que produzem. As que têm lhos pequenos também contam com o bolsa-família e as mais idosas, às vezes, possuem aposentadoria. Dividem-se entre as atividades do lar e também da roça, da casa de farinha e do artesanato. Como problemas advindos do trabalho, relacionam as dores no corpo e as adequações de suas produções às encomendas. encomendas. Causadas pelos movimentos repetitivos, as dores são sentidas nos punhos, nos braços e nas costas e também nos olhos, entre as tecelãs. A diculdade de produzir em uma escala um pouco maior, para atender às encomendas, encomendas, é um desao que enfrentam todos os grupos e também a adequação da produção a alguma regra do cliente, como fazer um pote da altura exata de uma embalagem, ou tingir quantidade suciente de bra, no mes mo tom e de uma só vez, para dar conta de uma encomenda de sacolas com cor especíca. Mas nenhum destes problemas supera a queixa sobre o descompasso entre a dureza do trabalho braçal ligada ao artesanato e o pouco que recebem pela sua venda. Com este breve panorama das informantes, aprofundaremos agora as condições de nossa inserção no campo, explicitando e descrevendo as etapas etapa s da pesquisa, os sujeitos envolvidos no processo, processo, e algumas referncias teórico-metodológicas.
1.4 Etapas da pesquisa: uma abordagem metodológica 1.4.1 A primeira inserção no campo: identicando lugares e pessoas
A primeira inserção no campo foi um reconhecimento preliminar. Baseando-me na pesquisa bibliográca e nos mapas dos fascículos da Nova Cartograa Social da Amazônia , que se referem ao território étnico de Alcântara, percorri em quatro dias as cinco comunidades do interior de Alcântara, buscando identicar as pessoas envolvidas na produção artesanal. O contato inicial foi bastante proveitoso e apenas em São João de Côrtes houve resistncia. resistncia. Naquela oportunidade, apresentei aprese ntei a etapa anterior do projeto Iconograas do Maranhão, entreguei livros e fôlderes explicativos às pessoas com quem conversei. Meu objetivo neste primeiro contato foi apresentar o projeto, identicar quem e quantas eram as pessoas envolvi e nvolvidas nas atividades, trocar contatos e agendar uma visita – desta vez com os alunos participantes particip antes do projeto – para ver in acto a produção artesanal. Marquei com cada comunidade um retorno para dali a duas semanas. Combinamos que eu voltaria com os alunos para mapearmos as etapas das cadeias produtivas e seria necessário que algumas pessoas nos mostrassem o trabalho, desde a retirada e/ou tratamento da matéria-prima até o acabamento nal e, se fosse possível, demonstrar a ati vidade, para que pudéssemos fotografar cada passo das cadeias produtivas.
1.4.2 A segunda visita: conhecendo as pessoas e mapeando as cadeias de valor
A segunda visita aconteceu entre os dias 15 e 19 de novembro de 2011. 2011. Desta vez, vez , fomos eu, eu , a coordenadora do projeto, e mais quatro alunos participantes. Nosso objetivo era apresentar aos artesãos os objetivos da pesquisa, identicar as princi pais etapas das cadeias produtivas e preencher um formulário para cada artesão, arte são, contendo dados pessoais e informações sobre a produção. Nesta ocasião foi possível fotografar algumas etapas etap as do processo produtivo, já que as pessoas ze ram demonstrações de alguns procedimentos. Começamos a nos familiarizar com os nomes das etapas, das ferramentas ferr amentas e com a sequncia da produção. Fomos de ferry-boat, ferry-boat, levando todo o material para apresentação como fôlderes do projeto, mapas, apresentação e projetor. projetor.
Alunos participantes do projeto, junto ao carro que utilizamos durante a pesquisa.
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A primeira comunidade na qual chegamos foi Itamatatiua. A apresentação aconteceu na sede da associação e passamos uma tarde no local. As artesãs Neide e Canuta Canut a nos levaram para ver o campo de onde é retirado o barro. Elas nos levaram também na olaria do povoado e, de volta à sede, mostraram as ferramentas e os procedimentos envolvidos no artesanato da cerâmica. De lá, partimos para a sede do município, onde pernoitamos.
No dia seguinte, partimos para Santa Maria. Lá, nos esperavam na escola da comunidade. A conversa envolveu muitos participantes da comunidade e, além das artesãs, estavam também presentes os gestores dos projetos de agricultura familiar de Santa Maria. Após os mesmos procedimentos executados em Itamatatiua, Itamatatiu a, fomos ao buritizal acompanhados de Celeste, a líder do grupo, e seu marido, Loro, que olho, matéria-prima subiu no buriti para extrair o seu olho, do artesanato local. Deram-nos informações sobre o manejo mane jo da extração do olho do buriti e, em seguida, em frente a sua casa, Celeste demonstrou as etapas iniciais, de preparação da bra para o processo da tecelagem. Neste dia, almoçamos o que havíamos levado conosconosco, na casa de Celeste.
Apresentação do projeto (acima) e entrevistas individuais (abaixo), (abaixo), em Itamatatiua. It amatatiua.
Entrevistas em Santa Maria.
À tarde, seguiríamos para Brito. Porém, na hora do almoço houve um imprevisto. Fomos conhecer um povoado próximo e andando por uma trilha, fui mordida, no pé, por uma cobra. Tivemos de voltar rapidamente à sede, para os procedimentos
necessários mas, felizmente, a cobra não era venenosa e as toxinas apenas causaram leve paralisia e inchaço locais. No dia seguinte, estava tudo bem e partimos para Brito, para dar continuidade à pesquisa. Chegamos no meio da manhã e estávamos sendo esperados na igreja do lugar, pelas artesãs e alguns moradores. Iniciamos o procedimento de apresentação e depois as artesãs nos levaram ao galpão, no qual trabalham e nos mostraram algumas etapas da produção das redes de dormir. dormir.
Caminhando com as artesãs, estas nos levaram à escola onde estão guardados os equipamentos que foram conseguidos pela comunidade por meio de outros projetos de capacitação. Muitas ações estão sendo implantadas por outros projetos, e penso que talvez estejam envolvidas em muitas atividades, para se engajarem em mais um projeto. Ainda assim, as as pessoas foram muito solícitas.
Apresentação do projeto em Brito.
Entrevista individual com as artesãs de Mamuna.
Artesã demonstrando o processo de quebra do babaçu.
Partimos para Mamuna, onde as pessoas não estavam muito preparadas para nossa chegada, mesmo conrmando que iríamos. Demorou bastante até que as artesãs se agrupassem e nalmente pudéssemos apresentar o projeto coletivamente, na igreja da comunidade. Infelizmente, também não conseguimos observar etapas importantes da produção, mas a artesã Esterlina nos levou a sua casa e mostrou-nos os utensílios utilizados na produção do azeite de babaçu.
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Em todas as comunidades, tratamos do seminário de trabalho e convidamos sete representantes de cada comunidade para participar par ticipar.. Neste evento, que aconteceria na sede do município, nos dias 10 e 11 11 de dezembro, apresentaríamos apresent aríamos o mapeamenmapeame nto preliminar das cadeias produtivas, debateríamos os problemas, identicaríamos coletivamente as po tencialidades das cadeias produtivas, além de estreitar os laços com as informantes, para p ara que fosse possível um maior entendimento sobre os valores identicados pelas artesãs nas suas produções artesanais. De volta a São Luís, nosso esforço foi sistematizar a informação, transcrever e classicar as entre vistas, tabular as informações dos formulários e iniciar os desenhos das cadeias produtivas, para apresentá-los no seminário.
De acordo com a programação do evento, eram prevista a acomodação e as refeições de todos em um único lugar, para facilitar a aproximação e a imersão, estabelecer laços de convivência e conança entre os participantes participan tes do projeto. O lugar escolhido para estas atividades foi a Praia do Barco11, um sítio na sede do município de Alcântara, o que proporcionou momentos de importantes trocas entre as pessoas. À noite, após o jantar, sentados nas mesas sob as mangueiras do terreno, histórias, lendas e curiosidades sobre os povoados povoados foram contadas pelas artear tesãs, e isso serviu tanto para par a aumentar o nosso imaginário sobre cada lugar quanto para conhec-las melhor e sermos conhecidos por elas. Na Praia do Barco, a conversa sobre os povoados.
1.4.3 Primeiro seminário de Alcântara: estabelecendo laços e identicando valores
O seminário aconteceu nos dias 10 e 11 de dezembro de 2010, no auditório do Museu Casa Histórica de Alcântara. Alcântar a. O primeiro dia tinha como objetivo apresentar conceitos e abordagens para as artesãs e iniciar a discussão sobre as etapas das cadeias produtivas. O segundo dia consistia em trabalhos de grupos, utilizando-se a metodologia me todologia do World World Cafe10, com rodadas de discussão sobre as cadeias, sobre a identidade da produção, a territorialidade e a sustentabilidade dos processos e produtos. Compareceram ao seminário vinte representantes dos grupos produtores, duas professoras do Departamento de Desenho e Tecnologia da UFMA, seis alunos de Design, um professor do IFMA, de Comunicação. 10. Para saber mais sobre a metodologia, ver www.wo ww w.worldcafe.com. rldcafe.com.
11. O Sítio Praia do Barco é uma área de preservação ambiental situada no centro histórico de Alcântara, Alcântara , onde funcionou durante séculos o seu antigo porto. A área vem sendo revitalizada através da proposta de construção de um Sítio-Escola , com atividades de lazer educativo e produtivo, envolvendo o papel reciclado artesanal, as plantas medicinais e trilhas históricas e naturais.
No dia 10, durante a manhã, as artesãs chegaram à sede do município e as fomos encaminhando para a Praia do Barco, para que descansassem, pois os transportes que as trouxeram saíram durante a madrugada dos interiores. Após o almoço, iniciaram-se as atividades do seminário. A distribuição dos crachás e das camisetas já iniciou o processo de integração. Por serem coloridas, as camisetas chamaram a atenção e as artesãs queriam escolher, estabelecendo a primeira iniciativa delas para com o projeto. Começamos então com uma dinâmica, entre as pesquisadoras, as artesãs e as alunas. Os trs alunos caram de fora da roda, registr ando o momento, e esta foi uma decisão simbólica, pois nas conversas anteriores tinha cado muito claro o caráter feminino da produção artesanal, e o pouco ou nenhum envolvimento dos homens nas atividades produtivas. Realizada em um círculo, no qual um cesto com um espelho no fundo passava de mão em mão, a dinâmica consistia em olhar para o cesto e dizer o que se
estava vendo lá dentro. Foi uma estratégia para se falar sobre o valor de valor de cada uma de nós – todas mulheres que vivem do seu trabalho – perante a nossa imagem, fruto de uma identidade. Ao ver o próprio rosto, muitas caram cara m tímidas, sem saber o que dizer. Mas, em sín tese, palavras como alegria, trabalho, t rabalho, amizade, conança foram constantes. O objetivo era falar de autoestima, orgulho pelo que se faz, além de uma forma de nos conhecermos e criarmos laços mais profundos para iniciarmos o trabalho propriamente dito. Após esta etapa, retornamos ao auditório e a coordenadora do projeto apresentou o projeto e os seus objetivos foram expostos, assim como toda a programação dos dois dias de trabalho. Depois, um grupo de alunos apresentou as cadeias de valor em seu desenho inicial e, imediatamente, imediatamente , as artesãs manifestaram-se sobre as etapas, complementando as informações, dirimindo as dúvidas na ordem das etapas e sobre os procedimentos. Outro grupo de alunos apresentou casos similares, projetos iconográcos de valorização de identi dades locais e o desenvolvimento de produtos. Entre Momentos do seminário de Alcântara.
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eles, podemos ressaltar o projeto ñandeva12, um pro jeto trinacional que aconteceu aconteceu na região de fronteiras entre o Brasil, Brasil , a Argentina e o Paraguai; e a Iconograa Pantaneira13 que trabalhou com o Arranjo Produtivo Local de Rio Verde no Mato Grosso do Sul. A etapa anterior do projeto Iconograas do Maranhão Mar anhão14 também foi referenciada. Na sequncia, o aluno representando o projeto de Biojóias com cerâmica apresentou às artesãs a experincia, experinci a, coordenada pela Prof a. Luciana Caracas, com a comunidade da Vila Embratel, em São Luís. O projeto serviu também como referncia para a utilização das metodologias de design para valorização do artesanato. Após esta etapa, a Prof a. Patrícia Azevedo palestrou sobre os requisitos de sustentabilidade em cada uma das etapas da produção. Construiu com as artesãs uma conceituação intuitiva e baseada na experincia de cada uma delas. O resultado de tal discussão foi sistematizado no capítulo quatro deste livro.
Palestra da professora Patrícia Azevedo. 12. Para saber mais sobre o projeto ñandeva, ver www.nandeva.o ww w.nandeva.org rg 13. Para saber mais sobre o projeto de Iconograa Pantaneira, ver www.ccb.org.br/inovacao/a www.ccb.org.br/inovacao/artigos/DESIGN.pdf rtigos/DESIGN.pdf 14. Ver mais em w ww.iconograas.ufma.br
Já no início da noite, retornamos para a Praia do Barco, onde foi servido o jantar, e todos se acomodaram em redes para uma noite de descanso. Café da manhã na Praia do Barco
Na manhã do dia 11, 11, iniciamos as atividades, após o café. A primeira etapa consistiu na organização de trs grupos, cada um formado por artesãs de cada localidade isoladamente – Brito, Santa Maria e Itamatatiua –, um facilitador f acilitador – os professores – e um aluno. O procedimento era que a cada meia hora os facilitadores rodassem em cada grupo. A discussão conduzida pela Prof a. Patrícia foi sobre sustentabilidade nas cadeias, a da Prof a. Raquel sobre identidade e a do Prof. Hamilton sobre comercialização comercialização de produtos. produtos. Durante todo o processo, um aluno cou responsável por cada grupo, sempre gravando as discussões e apurando o desenho da cadeia produtiva, baseando-se no que era debatido na roda de discussão. Após quase duas horas de atividade, uma nova organização de grupos foi proposta. Permaneciam os trs grupos, agora com integrantes mistos de cada comunidade, um facilitador e um aluno. A proposta agora era de uma simulação de “venda” do que produ ziam para os outros integrantes do grupo, isto é, uma
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forma de comunicar as qualidades e os atributos dos produtos. Tinham que ressaltar as qualidades, valorizar o que é importante, relativizar as fragilidades, e responder as perguntas dos representantes de outras comunidades, facilitadores e alunos. Cada artesã defendia sua atividade e seu produto em cada momento – a rede, o linho, linho, a cerâmica – e depois atuava como consumidor, querendo saber das características e vantagens dos produtos das outras representantes. No nal desta rodada, o facilitador de cada grupo indagava o que era identidade para cada uma delas, e diversos debates surgiram sobre o que é ser remanescente de quilombo, suas implicações subjetivas e objetivas, na manutenção do território perante a expansão dos empreendimentos relacionados ao CLA. Após o almoço, aconteceu uma rodada nal de sistematização das cadeias, como forma de encerramento do seminário. Cada participante recebeu o certicado, e cou combinado um novo encontro, agora com a permanncia dos pesquisadores e alunos nos povoados, para observação in loco dos processos produtivos de cada cadeia. Artesãs recebendo o certicado do seminário.
Cada artesã se encaminhou ao transporte que as levaria de volta a seus povoados. A equipe da UFMA retornou de lancha para São Luís, com o objetivo de, mais uma vez, renar o desenho das cadeias e a des crição das etapas, etapas , iniciar o desenvolvimento da iconograa, transcrev tr anscrever er os debates dos grupos de trabalho, classicar as transcrições tr anscrições e iniciar as análises sobre os processos produtivos. 1.4.4 O retorno aos povoados: vivenciando o cotidiano das artesãs, analisando os discursos e as práticas
Após as reexões técnicas e teóricas sobre tudo o que foi discutido no seminário, era er a chegada a hora de retornamos ao campo, agora com maior entendimento sobre os processos produtivos e dúvidas mais embasadas no conhecimento prévio dos processos. Era o momento de observar e perceber na prática o que nos fora apresentado na forma de discurso. Fizemos contato com cada grupo, marcamos nossa ida para o período de 2 a 9 de abril de 2011 e, em cada lugar no qual chegamos, fomos muito bem recebidas. Fomos eu, coordenadora do projeto, e as duas alunas bolsistas. Passamos de dois a trs dias em cada povoado. Iniciamos nosso percurso por Santa Maria, onde Celeste nos acomodou em uma casa, de uma moradora que estava viajando. Lá, foi possível observar o trabalho com o linho em cada uma das casas das artesãs, já que não possuem uma sede em condições de uso. Esperavam a chuva passar para terminarem o telhado. De lá, fomos de motocicleta até Brito, onde observamos o trabalho no galpão, onde estão os teares, na casa de Roberta. Retornando a Santa Maria, de onde partimos para Itamatatiua. Ficamos, então,
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hospedados na sede da associação de artesãs, onde pudemos observar e acompanhar o trabalho da produção de cerâmica. Foram sete dias de intensa convivência, observação e diálogos, a m de sintetizar mos os nossos questionamentos e ver na prática os entraves e as soluções implementadas – empiricamente ou com a intervenção do SEBRAE – nas cadeias produtivas de cada povoado. Nas conversas informais, nos passeios que ze mos para conhecer os povoados nas horas vagas, vagas , foi possível identicar nos discursos do senso comum, as palavras não ditas, as representações e as experincias que são acionadas de forma inconsciente para falar de sua produção, formação de preços, o custo do trabalho, as dores no corpo, as diculdades oca sionadas pela chuva e o tempo frio. frio. Na casa de cada artesã de Brito e de Santa Maria foi possível observar os lugares de trabalho, a relação do tempo dedicado ao artesanato e às outras atividades desempenhadas, como a roça e os afazeres domésticos, as relações de solidariedade, a organicidade da produção perante os imprevistos do cotidiano. Em Itamatatiua, na sede da associação de artesãs, foi possível ver uma intensa e organizada org anizada produção, pautada na dinâmica do talento individual, com base na coletividade dos processos produtivos. Após uma experincia intensa de convívio foi possível compreender e respeitar ainda mais os limites de cada cadeia produtiva, considerando o complexo encadeamento de etapas, características dos lugares e das matérias-primas, das relações sociais estabelecidas entre os sujeitos de nossa pesquisa.
Referências
Obras consultadas
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Capítulo 2 O mapeamento das cadeias produtivas Raquel Noronha, Franklin Veiga Neto, Imaíra Portela, Mar cella Abreu e Milena Alves
Neste capítulo, apresentaremos o mapeamento das cadeias produtivas dos artesanatos produzidos em Brito, Santa Maria e Itamatatiua. Este foi o resultado de um trabalho compartilhado e coletivo, entre artesãs, professores e alunos que durante toda a pesquisa se disponibilizaram a entender o processo produtivo como uma cadeia, em que cada etapa e cada agente têm relação direta com o todo e com o resultado nal, que é a transformaçã tr ansformaçãoo da matéria-prima em artefato. artef ato. Partimos da denição de Krucken de que uma ca deia produtiva se constitui a partir do conjunto de atividades econômicas que se articulam progressivamente desde o início da elaboração de um produto (inclui matérias-primas, máquinas e equipamentos, produtos
intermediários) até o produto nal, a distribuição e a comercialização. (KRUCKEN, 2009, p.120). Como dissemos anteriormente, nossa análise estará delimitada às etapas referentes à produção dos artefatos artesanais inventariados, e às representações dos agentes ligados a estas etapas: as artesãs. Desta forma, a identicação de valores que posteriormente apresentare mos está também associada à visão destes sujeitos e suas percepções e suas opiniões sobre quem compra o que produzem. Inicialmente apresentamos as etapas de cada uma das cadeias produtivas pesquisadas, a m de oferecer uma visão geral e comparativa das etapas, para que possamos observar semelhanças e diferenças entre cada uma delas. Nos itens que se seguem, neste capítulo, apresentaremos de forma detalhada as etapas das cadeias produtivas da rede de Brito, do linho de Santa Maria e da cerâmica de Itamatatiua e, na medida do possível, apresentando o registro fotográco de cada uma delas.
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Etapas da cadeia produtiva de Brito
Etapas da cadeia produtiva de Santa Maria
ENCOMENDA COMPRA DA MATÉRIA-PRIMA COLOCAR NO MEADOR TINTURA GOMAR SECAGEM TORCER TORCER O FIO F IO COLOCAR O FIO NO ROLADOR BOTAMENTO ENLIÇAMENTO ENCHIMENTO DO PAU COM FIO BATIMENTO ENROLAR O FIO ENROLAR AS CABECINHAS COLOCAÇÃO COLOCAÇÃO DO CARIÉ CA RIÉ ACABAMENTOS ENTREGA
INÍCIO DA PRODUÇÃO / ENCOMENDA IDENTIFICAÇÃO DAS PALMEIRAS EXTRAÇÃO DO OLHO RISCAMENTO PUXAMENTO COZIMENTO COZIMENTO / TINGIMENTO SECAMENTO RASGAMENTO EMENDAMENTO NOVELO BOTAMENTO ENLIÇAMENTO BATIMENTO ACABAMENTO SELEÇÃO ENTREGA/COMERCIALIZAÇÃO
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Etapas da cadeia produtiva de Itamatatiua
INÍCIO DA PRODUÇÃO / ENCOMENDA ENCOMEN DA TIRAR O BARRO TRANSPORTE MOLHAR O BARRO AMASSAMENTO MAROMBA AMASSAMENTO MODELAGEM ACABAMENTO SECAGEM RASPAGEM SECAGEM ACABAMENTO FINAL QUEIMA ACABAMENTOS PÓS-QUEIMA SELEÇÃO EXPOSIÇÃO ENTREGA
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2.1 Cadeia produtiva de Brito 1) ENCOMENDA a r a t n â c l A e d o t a n a s e t r a o d s a v i t u d o r p s a i e d a c s a : r o l a v é e d a d i t n e d I
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Quase que exclusivamente, a encomenda é recebida quando os compradores vão a Brito. A exceção é quando alguém de Brito está em São Luís e recebe a encomenda. encomenda. No ato da encomendenidas as características da rede, rede, coda são denidas mo tamanho, cor, tipo de o, quantidade de exemplares e preços. Geralmente é dado um sinal de 50% do preço total da rede.
2) COMPRA DA MATÉRIA-PRIMA
A compra dos os de algodão e do tintol (co rante) é feita em São S ão Luís, pois o preço é menor. menor. Enquanto elas pagam R$12,00 por quilo na capital, na sede de Alcântara este preço sobe para R$15,00. Esta compra é realizada geralmente pelo marido de Roberta, que já faz esta viagem com frequncia, independente da compra. Assim, o dinheiro gasto com o transporte não é retirado do lucro das redes. Ele tem contatos com um vendedor do Mercado Central, que lhe oferece alguns descontos na compra dos os, que já são comprados em quantidades que excedem as necessárias para as encomendas feitas, gerando um pequeno estoque. estoque . O o adquirido é cru, sen do tingido durante o processo.
3) COLOCAR NO MEADOR
O meador é uma ferramenta que prepara o o para ser tingido. Nele, o o é desenrolado do novelo para formar uma espécie de cordão, de uns 40cm de diâmetro, para facilitar o tingimento. A artesã sempre dá uma laçada no nal do processo para o o não embolar.
4) TINTURA
Depois de ser tirado do meador, o o é colo cado para tingir nas panelas com tintol, da cor especicada especicad a pelo comprador. Primeiro, elas co locam a tinta e a água nas panelas, esperam a água ferver para colocar os os. São, em média, oito novelos, já desenrolados, por panela. Para esta atividade são necessárias duas artesãs, enquanto uma coloca os os, a outra vai batendo e apertando o o para a cor car uniforme. Este processo demora cerca de quinze minutos. Elas continuam mexendo o o até que a tinta seja toda absorvida e a água que “branca”. O forno usado é à lenha.
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5) GOMAR
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O o é transportado para uma bacia e, ainda molhado, começam a abri-lo para passar a goma, mexendo-o até que o o absorva toda a goma. Em seguida, ele e le é torcido para que seja retirado o excesso e é exposto ao sol para p ara secar. A goma é passada para rmar o o, facilitando os processos de enliçamento e batimento.
6) SECAGEM
A secagem do o é feita ao sol. Este proces so, no verão, dura aproximadamente um dia e meio; no inverno, pode demorar até trs dias.
TORCER O FIO FI O 7) TORCER Em Brito, elas confeccionam dois tipos de rede, rede , a de o torcido e a de o singelo. singelo. Quando a escolha da encomenda é por uma rede de o torcido, torcido, é necessário torcer este o. Para isso, elas uti lizam uma ferramenta chamada fuso. Enrolam a ponta do o no fuso e penduram o o em um gancho nos caibros do telhado do barracão onde trabalham. Impulsionam o fuso para que ele gire. O fuso ca em um movimento de sobe -e-desce, e o o vai sendo, então, torcido. Es ta rede tem a característica de ser mais pesada, porém é mais durável e resistente.
8) COLOCA O FIO NO ROLADOR O rolador serve para arrumar o o e fazer um novo novelo. No começo do processo, o o de fábrica é desfeito para receber o tingimento. As artesãs precisam criar um novelo manual para colocar o o no tear. Depois de seco, o o ca aberto em forma de cordão. As artesãs o coloca no rolador e puxam a ponta, enrolando - o com as mãos.
9) BOTAMENTO Esta etapa é a de colocar os os no tear, que é formado por duas madeiras na vertical, paralelas que se distanciam na horizontal. Essa distância é que determina o comprimento da rede. Na horizontal, também há um par de madeiras paralelas, separadas por uma distância vertical, que é a largura da rede. É colocado um primeiro pedaço de madeira na parte inferior para segurar a rede. É deixado um palmo e meio sobrando nessa parte inferior infer ior para depois bater o carié, carié, que são os acabamentos laterais da rede os quais dão origem ao punho. Já no nal n al do ba timento, também deixam um sobra de um palmo e meio para bater o outro carié. carié. Sempre utilizam dois novelos para cada cor que vão colocar no tear.
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10)) ENLIÇAMENTO 10
O enliçamento é o processo em que se inicia a formação das tramas e desenhos da rede. Colocam dois instrumentos: a régua, uma vareta na, com uns dois centímetros de largura e com o comprimento horizontal da rede e o liço, assemelhado a um palito de madeira, tão comprido quanto a rede. O o do liço se enrola nele e vai passando por entre os outros os dispostos no tear. O liço pega o o de fora do tear e a ré gua pega o o de dentro.
ENCHIM ENTO DO PAU PAU COM FIO 11) ENCHIMENTO
Antes de bater , conforme o número de cores da rede, as artesãs cobrem os paus com o transformando-os em novelos compridos. Os chamados paus são bastões de aproximadamente 30cm de comprimento e 1cm de diâmetro. São utilizados tantos paus quantas forem as cores da rede. Estes bastões servem ser vem para serem passados entre as artesãs em cada lateral da rede, na etapa do batimento. Com este movimento, vão se desenrolando e deixando o o transversal do batimen to em todo o comprimento da rede.
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12) BATIMENTO
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Nesta etapa, etapa , começamos a “ver” a rede surgindo no tear. O processo consiste em passar um o transversalmente (com a ajuda do pau coberto com o) entre os os já dispostos no te ar, e bater com o facão, instrumento de madeira, bem delgado, também passado transversalmente à peça. Como a rede é comprida, é necessário que que uma artesã em cada lateral, para movimentar o facão, e para passar de um lado para outro, o pau com o o. Depois do batimento, timento, o liço é puxado, para trazer à tona uma outra camada de os disposta no tear, e o pro cesso se repete, com outro o transversal sen do passado no tear te ar.. O processo dura até que a peça se complete.
13) ENROLAR O FIO
Nesta etapa, etapa , as artesãs enrolam o o que sobra do processo no enrolador.
14) ENROLAR AS CABECINHAS Nesta etapa, as artesãs tiram a primeira madeira que prende a rede, então ela folga. Os os que caram soltos são enrolados, juntados de quatro em quatro, formando o que elas chamam de cabecinhas, cabecinhas , pequenos artefatos de madeira, assemelhados a pregos. Com os os en rolados elas botam o carié no tear.
15) COLOCAÇÃO DO CARIÉ O carié é a parte de cima da rede. Ele que tem que ser muito bem batido e bem compactado para que a rede que bem rme. Ele é batido separado da rede. Não é preciso colocar a madeira que separa a rede. Ele é colocado diretamente no tear. tear. Depois de colocado colocado é que as artesãs escolhem o o e puxam dois liços, um para o o de fora e outro para par a o o de dentro do te ar. ar. O tamanho é determinado deter minado por elas. Na hora de bater , utilizam o facão. Este tem que ser mais pesado para a batida car mais apertada, e asse a ssegurar que as cabecinhas não escapulam.
16) ACABAMENTOS Esta última etapa é a de acabamento, quando são feitas as varandas var andas (franjas), na própria rede, e os punhos. O punho é colocado nas cabecinhas que sobraram do batimento e da colocação do carié. carié. O armador é feito com quatro pernas de o que são torcidas e bem apertadas.
17) ENTREGA Quando a rede ca pronta, o comprador re cebe um contato telefônico, quando é chamado para retirar o produto, ou o produto é levado por um portador até o cliente. O restante do pagamento devido é pago em espécie. Algumas vezes, as artesãs dividem o pagamento em algumas parcelas. O dinheiro recebido é repartido entre as artesãs que participaram da execução de cada peça.
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2.2 Cadeia produtiva de Santa Maria 1) INÍCIO DA PRODUÇÃO/ENCOMENDA a r a t n â c l A e d o t a n a s e t r a o d s a v i t u d o r p s a i e d a c s a : r o l a v é e d a d i t n e d I
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As artesãs enviam sua produção, independentemente de encomenda, encomenda, para a loja de artesanato da sede do município, localizada na Ladeira encomenda, esta gedo Jacaré. Quando há uma encomenda, ralmente chega por um telefonema. São ONG, empresas com viés em responsabilidade social, ou lojas de produtos para o lar ou moda. As artesãs tm um e-mail, que é constantemente acessado pela consultora do SEBRAE, Socorro encomenda, ela avisa por Abreu, e caso haja uma encomenda, telefone as artesãs. Quando fazem uma encomenda, encomenda, acontece uma reunião, na qual as atividades são divididas, de acordo com a capacidade de produção de cada uma. Após esta decisão, cada uma vai para sua casa iniciar a produção. Caso haja uma especicação de cor, o processo de tingimento é realizado coletivamente, para garantir a homogeneidade do tom. Geralmente, cobram um sinal, que deve ser depositado na conta de uma das artesãs.
2) IDENTIFICAÇÃO DAS PALMEIRAS A colheita do olho do buriti é feita alternando-se as palmeiras. Em um ms, retira-se o olho de uma palmeira. No próximo ms, esta palmeira não será utilizada. O próximo olho só será retirado quando um segundo já estiver brotando. A palmeira ca pronta para extração em cin co anos; se cultivada, o prazo diminui para trs anos. Elas retiram entre cinco e sete olhos por dia, mas podem perder esta retirada se o olho já estiver aberto. Quando retirado, ele deve ser utilizado logo, pois após trs ou quatro dias a palha seca e ca perdida. A cada dois olhos são gerados dois sacos de linho. linho.
3) EXTRAÇÃO DO OLHO
A extração do olho exige muita habilidade. Esta é uma etapa realizada por homens e mulheres. Eles colocam os pés em uma amarração am arração de cordas, depois começam a subir na palmeira, com auxílio de um tronco e já com o facão na boca. Quando chegam às palmeiras, começam a escalá-las com as mãos. Chegando ao alto, analisam se aquele olho está pronto para ser extraído; se está, cortam-no, jogam o facão e o olho no chão e descem, da mesma forma que subiram. Cada uma faz seu trabalho individual, mas quando uma retira muitos olhos, olhos, chamam as outras linho. Funcioartesãs para ajudarem a tratar o linho. na como um sistema de troca, quem foi ajudado da primeira vez ajudará outra artesã quando esta necessitar.
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4) RISCAMENTO
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Nesta etapa, etap a, já com o olho retirado, o linho, linho, parte delgada e brosa, é separado da parte externa da palha. Com o auxílio de uma faca, dá-se um talho, riscando o começo da bra pa ra poder separá-lo da borra, borra, que pode ser utilizada para a cobertura dos telhados das casas, confecção de vassouras e outros utensílios, para uso da comunidade.
5) PUXAMENTO Com a bra já separada, o linho é puxado, até borra. ser completamente separado da borra. Durante esta etapa, os lhos e maridos maridos das ar tesãs são convocados a ajudar , para agilizar o processo produtivo.
6) COZIMENTO / TINGIMENTO Estas duas etapas acontecem em separado. O cozimento, quando se necessita de um linho cru, da cor natural. Já o tingimento, quando o produto exige linhos coloridos. Os pigmentos utilizados podem ser naturais ou articiais. Elas armam que o colorido de seus produtos os di ferem muito daqueles produzidos pelas demais comunidades. Esta referncia para par a utilizar novas cores foi feita pelo SEBRAE, que também envia informações sobre as cores mais usadas no período. A vendedora da loja também informa os pedidos de cores feitos pelos clientes. Como corantes naturais, utilizam o açafrão, que gera o amarelo; o salsão cozido, o verde; cinzas de queima e o mangue, o pigmento marrom; e o urucum, o pigmento laranja. Já as anilinas geram as cores articiais: vermelho, roxo, rosa, azul, verde e amarelo. A cinza e o mangue enfraquecem o o. A anilina pode ser colocada antes ou depois do cozimento. Ela é colocada no fogo junto com a água. Quando esta já eslinho, que estará pretiver quente, coloca-se o linho, viamente molhado. O tempo de cozimento depende da tonalidade que se deseja atingir, quanto mais viva a cor, mais tempo na água. Salsão e urucum
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5) SECAMENTO Nesta etapa, o linho vai para a secagem. O o natural seca ao sol ou à sombra, quanto mais exposto ao sol, mais branco ca. O o tingido deve secar secar apenas à sombra, ou a cor pode sofrer alteração. a r a t n â c l A e d o t a n a s e t r a o d s a v i t u d o r p s a i e d a c s a : r o l a v é e d a d i t n e d I
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6) RASGAMENTO Durante o rasgamento, o linho é desado em partes mais nas. Elas procuram os de largu ras parecidas parecida s para não car ca r feio. Todos Todos da famí lia auxiliam nesta fase.
7) EMENDAMENTO Durante este e ste processo é dado um nó “cego” na junção das duas bras e as pontas são devida mente cortadas.
8) NOVELO São formados novelos manuais com o o já emendado.
9) BOTAMENTO Neste processo, o linho é disposto no tear, que é composto por duas madeiras paralelas que se distanciam na horizontal, e duas madeiras paralelas que se distanciam na vertical, de acordo com o comprimento da peça que será executada. Esta altura é regulada com cunhas, que xam as madeiras na altura certa do tear. O processo consiste em ir passando o o entre as duas madeiras paralelas e horizontais, dando laçadas entre as duas varetas que são axadas sobre a madeira superior. superior. O movimento executado é realizado com a artesã em pé ou sentada, de acordo com o tamanho da peça, e consiste em levar o o para baixo e para cima, movimentando o dorso. A largura da peça é determinada pela quantidade de os de linho. À medida que vão dispondo o linho no tear, medem-no com a régua, pois os padrões de cor são matematicamente construídos, com o objetivo de se obter simetria nas listras da peça. Também são executadas peças de listras assimétricas, embora a preferncia delas seja pela simetria.
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10) ENLIÇAMENTO
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O enliçamento é o processo em que se inicia a formação das tramas e desenhos do produto. Nele, se utilizam dois instrumentos: a régua, uma vareta na, com uns dois centímetros de largura e com o comprimento horizontal da rede; e o liço, assemelhado a um palito de madeira, tão comprido quanto a peça que foi colocada no tear tea r. O o do liço nele se enrola e vai passando por entre os outros os dispostos dispost os no te tea r e a régua pear. O liço pega o o de fora do tear ga o o de dentro.
11) BATIMENTO Esta etapa consiste no batimento dos os, de forma que eles quem bem prensados e com pactados. Durante este processo, já se consegue ver como a peça cará quando pronta. O processo consiste em passar um o trans versalmente entre os os já dispostos no te ar, e bater com bater com o facão, instrumento de madeira, bem delgado, também passado transversalmente à peça. Depois do batimento, batimento, o liço é puxado, para trazer à tona outra camada de de os disposta no tear, e o processo se repete, com outro o transversal sendo passado no tear. O processo perdura até que a peça se complete. A cor do o transversal geralmente combina com o arranjo cromático do produto. No caso do jogo americano, todas as peças são feitas de uma única cor, e um espaço de 10 cm é dado entre cada peça, para originar a franja do acabamento. As dimensões da peça são confeconferidas com a régua, e o processo de batimento se encerra quando o tamanho desejado desej ado é atingido.
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12) ACABAMENTO
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O acabamento diferencia-se de acordo com o produto. Há opções para sacolas, redes, esteiras etc. Por exemplo, nos jogos americanos, o acabamento consiste em cortar e separar as quatro peças que compõem o jogo; dar nós entre cada o das franjas resultante do corte. Nas sacolas, consiste em torcer os os para formar os mais grossos, e depois agrupar os os gros sos e enrolá-los com um o de cor complemen tar, para fazer as alças. O processo encerra-se com a costura à máquina das laterais da sacola.
13) SELEÇÃO As artesãs artes ãs fazem um controle de qualidade, ainda que informalmente. Observam a produção e solicitam ajustes no acabamento, quando julgam necessário. Discutem o uso e as combinações de cores.
14) ENTREGA/COMERCIALIZAÇÃO Uma integrante do grupo leva a encomenda aos Correios e posta para o destinatário com o custo a cobrar . As peças produzidas destinadas ao varejo são enviadas para a loja no dia 10 de cada ms. As peças são anotadas pela líder do grupo, e devidamente identicadas com o nome de ca da artesã, artesã , além do preço. preço. As peças são transportadas pelo ônibus que faz a linha que liga o interior à sede de Alcântara. É cobrada uma taxa de R$5,00 para conduzirem as sacolas até a loja. As peças são colocadas à venda em consignação, e a loja coloca um valor de lucro sobre o valor cobrado pelas artesãs. Quando a venda com nota scal é necessária, em alguma encomenda, o va lor cobrado pelas artesãs é igualado ao valor da loja, para que esta emita a nota scal. Todo ms, uma lista list a com as vendas da loja é enviada à associação, bem como o dinheiro referente às vendas, que é entregue às autoras das peças vendidas. Uma taxa de R$1,00 por peça vendida ca para o custeio da associação, que atualmente está investindo na recuperação do telhado da sede.
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2.3 Cadeia produtiva de Itamatatiua 1) INÍCIO DA PRODUÇÃO/ENCOMENDA a r a t n â c l A e d o t a n a s e t r a o d s a v i t u d o r p s a i e d a c s a : r o l a v é e d a d i t n e d I
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A produção da cerâmica pode ser iniciada de duas formas: espontaneamente, a partir de um desejo voluntário de produzir determinadas peças que, à medida que vão cando prontas in tegram o estoque da loja que as artesãs mantêm na sede da associação. Lá, cam expostas até serem compradas por algum visitante. Outra forma de iniciar a produção é por uma encomenda. menda. Quando recebem uma encomenda, encomenda, por telefone ou por meio de visita do solicitante, dividem entre elas as peças que serão executadas, param a produção espontânea e iniciam a produção encomendada. Há algumas peças, como os potes grandes, que são executados apenas por algumas artesãs. No caso de uma encomenda deste tipo, apenas aquelas que detm o conhecimento participam da produção. Não há contrato formal ou pagamento de sinal. O recebimento se dá na contraentrega da encomenda. encomenda.
2) TIRAR O BARRO Esta é a primeira etapa. Quando vão a um campo, po, cavam os buracos e extraem o barro. A extração acontece preferencialmente nos meses de outubro a dezembro, pois o campo está seco. Neste período, extraem barro para o ano inteiro. Eventualmente, o barro pode ser tirado em agosto ou setembro, caso a matéria-prima do ano anterior esteja acabando e haja alguma encomenda. encomenda. O campo é muito extenso e rico em matéria-prima. Retiram a vegetação existente e cavam um buraco, para alcançar um barro mais limpo, limpo, cuja profundidade, segundo as artesãs, pode variar do ‘joelho ao peito’, ou seja, entre 50cm a 1,20m, aproximadamente. Elas relatam também perceber que o buraco que foi cavado, após a inverno, se reconstitui. época do inverno,
5) AMASSAMENTO
Para colocar o barro na maromba é necessário amassar o barro, misturando-o com a areia. O processo consiste em molhar o barro no tanque e retirar com a mão uma grande bola de barro que é colocada sobre uma mesa. A artesã vai retirando porções de barro manualmente e amassando, faz bolos alongados de barro com a adição de areia.
3) TRANSPORTE
Eles colocam o barro em um cofo e este é transt ransportado por um animal ou um carro. Geralmente, pagam um homem para fazer o transporte.
4) MOLHAR O BARRO Quando o barro chega à sede da associação é colocado num tanque, onde é molhado por meio de uma mangueira. É neste tanque que o barro ca armazenado, e aguardando ser bene ciado para, então, ser modelado.
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demanda. Quando há encomenda, encomenda, preparam logo todo o barro necessário, e vão se alternando entre a atividade de colocar o barro na maromba e pilá-lo.
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6) MAROMBA
Os bolos de barro amassados com areia são colocados na maromba. Antes de adquirirem a maromba, a tradição era amassar o barro com os pés. Segundo as artesãs, esta era a parte mais cansativa e demorada do processo. Hoje, o processo é realizado por duas artesãs: uma coloca os bolos de barro no orifício e a outra, com um pilão de madeira, vai amassando e empurrando o barro que, depois de processado pela máquina, sai extrudado em uma seção circular, sendo recolhido em uma grande bacia de plástico. Depois de amassado, o ideal é que o barro descanse durante cinco dias, para só então ser modelado. As artesãs, geralmente, encurtam o processo, partindo para a modelagem logo em seguida ao processamento na maromba. A quantidade de barro que é passada na maromba é variável. Uma artesã se associa a outra, e ambas passam barro em quantidade suciente para as duas, que pode ser apenas para um dia de trabalho ou para a semana, dependendo da
7) AMASSAMENTO
Mesmo depois da etapa de preparação do barro na maromba, ainda é necessário que ele se ja um pouco mais amassado para a modelagem. Elas molham o barro sobre a mesa e depois o amassam com areia até que ele que no ponto correto para ser modelado.
8) MODELAGEM Nesta fase do processo é que elas dão forma à peça. Fazem isto de pé, com o barro em cima de uma bancada de pedra, quando as peças são pequenas. No caso de potes ou alguidares, fazem uma pequena cama de areia para poderem montar a base em cima daquela. A areia, segundo elas, serve para fazer o pote rodar. Para a execução da base, fazem uma bola de barro e a amassam com a mão até car com um círculo de uns dois centímetros de espessura. Para constituir o pote propriamente dito, normalmente, são feitas serpentinas, serpentinas, enrolando-se o barro em longas tiras. Sobre a base de barro, estas serpentinas são enroladas, em espiral, e superpostas,
vão dando a dimensão vertical do produto, subindo o pote. pote. Já neste processo, a artesã vai modelando a peça com as mãos, dando à boca do pote a forma, aberta ou fechada, de acordo com o tipo de peça que está sendo modelada. As peças maiores são modeladas no chão. A artesã senta-se no chão com as pernas abertas, e entre elas, posiciona a base do pote. Vai subindo serpentinas, e procedendo manua peça com as serpentinas, almente à modelagem, para dar forma ao pote. As bonecas, os animais e outras peças não simétricas são modelados a partir de uma bola de barro, que vai adquirindo o aspecto que a artesã manualmente informa.
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9) ACABAMENTO pé, as artesãs vão utilizando Com a peça em pé, alguns instrumentos, tais quais colheres, facas, estiletes e cuipéuas (espátula formada por um pedaço de cabaça) para nivelar as superfícies inin terna e externa do pote, para tirar-lhes o excesso de barro, anando-lhe a espessura das paredes. O procedimento consiste em ir passando a ferramenta e rodando o pote, trabalhando a forma sobre um eixo de rotação. O processo é o mesmo para vasos grandes e pequenos. Nesta etapa são adicionados os detalhes (alças), as texturas, enm, da peça, como as orelhas (alças), tudo que ajuda a compor a visualidade da peça. Para adicionar outras partes ao corpo da peça, usa-se a barbotina, uma espécie de pasta de barro ui da, feita dos restos de barro raspado, que é peneirado, resultando em uma cola de espessura bem na. Para colocar uma orelha, orelha, por exemplo, as partes que serão acopladas acopladas são inicialmente raspadas, para que a barbotina entranhe nas duas peças. As partes parte s a serem adicionadas são posicionadas e coladas sob pressão. A colagem se estabelece após um descanso de, aproximadamente, 48 horas.
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9) SECAGEM
Depois de modeladas, as peças são colocadas para secar ao vento. Durante o tempo sem se m chuvas, este processo dura em torno de doze horas, e quando o tempo está chuvoso pode demorar até sete dias.
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10) RASPAGEM
Depois de secas, as peças passam pelo processo de raspagem. Nesta etapa, utilizam outros instrumentos. A faquinha é usada para bater e cortar o barro em excesso, o que também pode ser feito pelos desbastadores. A cuipéua é utilizada para raspar a peça. Em seguida, é passada uma esponja. Estas etapas têm como nalidade deixar a superfície uniforme.
11) SECAGEM
Depois de raspada a peça, ela retorna à secagem. Quando estão esperando acumular peças para colocar no forno, guardam-nas em caixas d’água, a m de retardar a secagem.
12) ACABAMENTO FINAL
Nesta etapa, as peças são lixadas com uma lixa na e depois com uma pedra pedr a de rio. Por m é passado um escovão para dar brilho à peça. Existem alguns outros tipos de acabamento, como utilização de um cano de PVC para furar a peça, entre muitos outros. Para identi car a origem da produção, elas carimbam a pe ça com um clich de metal, no qual está escrito Cerâmica de Itamatatiua, Alcântara – MA. As peças menores, às vezes, recebem na base o nome de quem as executou.
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13) QUEIMA
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14) ACABAMENTOS ACABAMENTOS PÓS-QUEIMA
Após receberem todos os acabamentos, a peExistem casos, principalmente as bonecas, em ça cerâmica é levada ao forno. Para colocar as que as peças são pintadas com tinta acrílica ou peças no forno, amontoam-se os potes, embortinta para tecido, a chamada pintura a frio. cados. Os potes maiores por baixo, os menores por cima, até chegar ao topo do forno, que tem sua boca fechada com cacos de potes quebrados. No forno grande, podem caber até 500 peças e no menor, 300 peças. Fazem em média uma queima por ms. O processo de queima da cerâmica dura aproximadamente cinco dias. A queima propriamente dita dura um dia inteiro. Depois, as peças descansam por uma noite, com as brasas. Na manhã seguinte, apagam-se as cinzas, molhando-as. As peças descansam por mais um dia e meio, para esfriar. Depois o forno é aberto, retirando-se os cacos de cerâ15) SELEÇÃO boca. mica que estavam fechando a sua boca. As peças queimadas passam por uma verica ção, para separação das peças que racharam durante o processo de queima. As peças dani cadas são descartadas.
16) EXPOSIÇÃO As peças que foram confeccionadas sem encomenda vão para a loja. Cada artesã conhece a peça que fez, mesmo sem o seu nome na base. Em cada peça é colocada uma etiqueta com o preço e o nome da artesã que a executou. Quando uma peça é vendida, o valor é destinado à autora da peça. Mensalmente, os custos de manutenção da sede são rateados entre as artesãs, não havendo um valor xo de contribui ção ou taxa.
17) ENTREGA Quando a peça é comprada na loja, no ato de venda, cada uma é embalada em jornal, e entregue ao comprador. Quando a produção é fruto encomenda, no prazo acertado no mode uma encomenda, mento da contratação, o comprador retorna para retirar a produção, quando paga em espécie o preço acordado. As peças maiores não são embaladas e as menores são enroladas em jornal.
Referncia KRUCKEN, Lia. Design e território: valorização de identidades e produtos locais. São Paulo: Studio Nobel, 200 9. Obras consultadas DE MORAES, Dijon; KRUCKEN, Lia; RE YES, Paulo (orgs.) Cadernos de estudos avançados em design . Identidade. Barbacena: EdUEMG, 2010. 2010. FLUSSER, Vilém. O mundo codicado: por uma losoa do design e da comunicação. Rafael Cardoso (org.). São Paulo: Cosac Naify, 2007. MAFRA, MAFRA , Luiz Antonio Staub. Gestão do patrimônio imaterial: reexões sobre os direitos de propriedade nas indicações ge ográcas. In: Revista Pós-Ciências Sociais , n.13, vol.7. PPGCSoc/EDUFMA, 2010. 2010. ou MILLS, C. Wright. Sobre o artesanato intelectual e outros ensaios . Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.
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Capítulo 3 Reexões sobre as cadeias produtivas do artesanato de Alcântara Raquel Noronha
Aqui apresentaremos nossas reexões sobre as representações e as práticas das artesãs sobre seus fazeres cotidianos. Identicar estes indícios na produ ção artesanal das comunidades de Alcântara implica perceber o que estas artesãs reconhecem como atributos da sua própria produção. Como um a priori metodológico, temos o entendimento de que esta identicação de valores deve partir dos sujeitos da pesquisa, e de que nós, pesquisadores, devemos estar atentos para perceber as dispersões e as reiterações dos discursos, apreender suas vozes e seus lugares de fala, com o olhar ltrado pela teoria. Entendemos também que este mapeamento não se encerra na análise que ora apresentamos, apresent amos, pois a construção da relação entre os sujeitos e os artefaartef atos é dinâmica, e encontra-se em constante atualização, além de ser marcada pela constante reposição entre as dinâmicas externas à comunidade e a forma como os agentes locais reagem e respondem a elas. Desta forma, propomos uma análise sincrônica, referente ao curto período de tempo em que pudemos acompanhar a produção artesan artesanal al destes locais. Neste capítulo, apresentaremos nossa análise de como o processo produtivo do artesanato é representado pelas artesãs, que tiram o seu sustento destas práticas, e veem nele o prolongamento de sua ligação com o lugar em que vivem – o que nos aponta para uma síntese sobre a existncia existnci a de características que identicam o artesanato de Alcântara
a partir da categoria territorialidade . Contudo, a possibilidade de haver esse o condutor – este nor te de pensamento – não indica uma visão única sobre os valores associados às praticas artesanais, e tampouco nos leva a pensar em uma identidade xa, ins crita em uma tradição única, como poderíamos pensar pelo fato de que todas estas comunidades encontram-se no território étnico de Alcântara. 3.1 O começo do processo: a encomenda 3.1.1 A natureza da encomenda: o estopim
A encomenda é uma importante categoria entre as artesãs, pois representa o fator externo à comunidade que dispara a produção. A encomenda não é necessariamente um papel, um ato formal, mas um contrato moral, uma palavra, estabelecida entre as duas partes envolvidas e que garante a entrega dos dois fatores envolvidos na encomenda: encomenda: o produto e o seu pagamento em dinheiro. A encomenda pode chegar ao grupo de artesãs de várias formas: por um telefonema, pela visita do comprador ao povoado, por meio de uma viagem que alguma artesã faça e receba a encomenda diretamente do comprador; por um e-mail que chegue às artesãs por intermédio de algum conhecido. O que é importante ressaltar é o caráter exógeno à
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comunidade. É a certeza, para as artesãs, de que a produção já tem um consumidor garantido. As artesãs já tm o costume de receber grandes encomendas. encomendas. Itamatatiua já teve como cliente a CAIXA CAIX A e diversos decoradores de ambientes de São Luís; Santa Maria tem como cliente a Natura, boutiques em São S ão Paulo e até no exterior exte rior.. Brito já teve t eve encomendas até de Brasília, mas sempre encomendas de uma rede, não mais que duas. A encomenda não é a única forma de start da produção, mas é a que mais mobiliza as artesãs: arte sãs: o retorno do trabalho é garantido. Quando recebem uma encomenda, menda, estabelecem-se e reativam-se os laços de solidariedade na produção que, às vezes, cam adormeci dos durante os períodos em que não há encomenda, encomenda, e prevalece a produção para as lojas, no caso de Itamatatiua e Santa Maria. Neste caso, a produção depende de um esforço pessoal, uma força individual movendo a artesã para um trabalho que não será retribuído tão rapidamente. À incerteza do que produzem para as lojas, preferem a segurança da encomenda. encomenda. Em Briencomenda. Por outo, só há produção perante uma encomenda. tro lado, o trabalho que vai para a loja permite permi te um ritmo mais lento da produção. Há um prazo pré-estabelecido na produção que vai para a loja, enquanto na encomenda, encomenda, o prazo é sempre reduzido: Suely, de Santa Maria: Não tem ninguém batendo pro rumo daí? Pesquisadora: A Celeste tá batendo. Suely: É? É pra mandar agora sexta-feira, pra loja. Pesquisadora: Vocs mandam de quanto em quanto tempo? Suely: Todo ms, dia 10 a gente manda o que produziu no ms. Deuzimar , de Santa Maria: É que às vezes quando surge uma encomenda, encomenda, eles querem assim
pra um prazo bem curto, agora mesmo a genencomenda, porque o prazo que te perdeu uma encomenda, eles deram pra gente era muito curto, a gente não tinha o material já pronto. Durante nossa estada no povoado de Santa Maria, visitamos a residncia de sete artesãs e todas estavam trabalhando na produção dos produtos que iriam para a loja em poucos poucos dias. Trabalhavam Trabalhavam praticamente o dia inteiro, mas diziam que aquilo era só na semana em que iriam encaminhar a produção. Já nas semanas anteriores, trabalhavam menos. As atividades domésticas cam a cargo dos outros mem bros da família – lhas, lhos e marido. Todas as ar tesãs de Santa Maria são casadas e os maridos desempenham papel de importância – eles tiram o olho do buriti – o que as artesãs consideram uma ajuda. Na fala da artesã observamos a diferença de ritmo de produção: Rosa, de Santa Maria: Sei que essa última encomenda que teve agora, a louça cava lá, minha lha vai lavar essa louça, per peraa aí mamãe, eu já vou. Aí depois que a gente tá só mandando pra loja aí a gente faz mais devagar, dá mais uma pausazinha. pausazinha . As artesãs consideram chata a fase do acabamento porque é mais demorada e, por isso, produzem primeiro o pano da sacola ou do jogo americano, acumulam e depois, apenas nas vésperas da entrega, se mobilizam para esta atividade, convocando a ajuda dos familiares. Em Itamatatiua, seja para a loja que mantm na associação ou para alguma encomenda, o trabalho é todo realizado pelas artesãs, exceto na etapa de extração e transporte da matéria-prima que pode car a cargo de algum homem contratado para este m. A
divisão de uma encomenda acontece de acordo com a capacidade de cada artesã para produzi-la. 3.1.2 Solidariedade: a ajuda e o trabalho familiar
A encomenda é o ponto de mobilização social encomenda, é em cada um dos povoados. Quando há encomenda, hora de convocar a família para o trabalho. Conversando com Suely sobre a atuação do marido e das lhas dela na produção, ela também nos indica a solidariedade entre artesãs, que surge no momento em que a individualidade e a solidão das artesãs perante o tear é quebrada pela participação da família: Pesquisadora: Ah, então ele [o marido] participa... Ele participa de alguma outra etapa? Ajuda, quando vem enSuely, de Santa Maria: Ajuda, comenda a gente dá esse nozinho aqui, elas duas aqui já sabe dar [fala das lhas] o nozinho do acabamento do jogo... Uma vez nós tava aperriada aí com uma encomenda que veio, aí eu disse assim: Ah, é pra entregar amanhã, nós tem que dar conta, aí eu botei ele [o marido] pra cortar com a tesoura, nós botamo a mesa aqui, aí nós passou o dia todinho de domingo cortando, ajeitando, quem fazia acabamento, fazia, linho, quem cortava, cortava, quem emendava o linho, emendava, pra dar conta... Aí eu terminei, ai eu fui ajudar as outras quando terminei. Deixei ajudar as oueles aqui em casa terminando e fui ajudar as tras... Que aí, uma tá aperriada, aí a gente vai ajudar as ajudar as outras.
com esta listagem que o controle do pagamento é feifei to: cada uma recebe pelo número de peças que produziu. Ganha mais, quem trabalhou mais e não quem trabalhou melhor. Na loja, por outro out ro lado, vale o gosto do fregus e o gnio da artesã, artesã , que soube combinar melhor as cores, ou modelou o barro de uma forma mais interessante, com melhor acabamento. Em Itamatatiua, Itamatatiua , quando acontece acontece uma encomenda, da, algumas etapas da cadeia produtiva que acontecem individualmente são realizadas coletivamente. As etapas de amassar o barro e colocar na maromba são realizadas para produzir barro para que todas as artesãs artes ãs envolvidas na produção possam trabalhar ao mesmo tempo, acelerando a produção. Porém, a divisão da encomenda entre as artesãs depende da experincia de execução do tipo de pote solicitado na encomenda: encomenda: Pesquisadora: Todo mundo participa de uma encomenda assim, de peças grandes? Neide, de Itamatatiua: Não, por que essas peças aqui, elas lá não sabem sabe m fazer. Só eu e Dominga, só que ela não faz desse tipo, ela faz menor. Pesquisadora: Então dessas grandes, só a senhora? Neide: É... A Maria dos Santos... Mas M as ela não tá bem treinada. Canuta também não tá bem treinada. Eu tava ensinando elas... Mas elas ainda não sabem direito assim. Pesquisadora: Aí em uma peça assim grande, com duas pessoas trabalhando, quando vende, divide como o dinheiro? Neide: Uma ca com R$25,00 e a outra com R$25,00.
No período da encomenda, encomenda, quando os produtos estão prontos, a líder do grupo faz uma um a lista com o noEste diálogo aconteceu enquanto Neide e Deme e quantidade de peças que cada artesã art esã produziu. É nise modelavam e davam acabamento em potes
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grandes. Neide cava com a parte da modelagem e Denise com o acabamento. Aos nossos olhos, o trabalho de Neide é, proporcionalmente ao de Denise, mais demorado e mais desgastante pela posição de trabalho (sentada no chão, de pernas abertas, modelando o pote entre as pernas). Porém, a forma como dividem o pagamento demonstra demonstr a uma lógica que é recorrente entre as artesãs de Itamatatiua: independente do trabalho que é realizado por cada artesã na peça, o lucro é dividido igualmente entre aquelas que participaram da sua execução. Em Brito, acontece da mesma forma: Pesquisadora: Como vocs dividem esses R$130,00 R$130,00 que q ue vocs recebem pela rede? Maria José, de Brito: A gente divide por igual, entre cada qual que trabalhou... Pesquisadora: Mas é a mesma coisa, quem bota ganha a mesma coisa de quem fez a varanda? Maria José: É, a gente sempre divide entre as trs ou as quatro que trabalharam... se trabalhou cinco, a gente divide entre en tre as cinco...
Em Brito, no mínimo trs mulheres trabalham ao mesmo tempo em uma só rede, o que a torna um produto de uma coletividade: Pesquisadora: Quantas redes vocs fazem por ms ou semana, todo o grupo junto? Silene , de Brito: Depende da encomenda, encomenda, duas redes na semana a gente dá conta prontinho. E bater a rede. por ms, vai mais de 10 redes. Vai bater a O grupo todo, todos os participantes. A rede é feita por etapa agora, a gente ta fazendo assim porque eu, Roberta, Xuxuta e Tica, a gente bate, né? Aí, pra tinturar, cou essa Maria, Sebas tiana, e Vicenza, [que também ] caram na par te do rolamento, tintura, aí torna mear me ar de novo
pra botar no sol, botar na goma, aí a gente faz essa parte, e ela vai botar no botar no tear [se referindo a Roberta]. Em Brito, a divisão das atividades é pautada p autada por um conhecimento especíco que divide as artesãs botar a rede no tear; as em trs grupos: as que sabem botar a que sabem bater a bater a rede; e as que fazem as outras atividades de preparação do o e o acabamento. Botar a Botar a rede no tear é uma atividade que representa um certo status dentro do grupo, e só é realizada por duas artesãs: Roberta, a líder do grupo, e Bater a rede é uma tarefa consua sobrinha, Luciene. Bater a siderada pesada e é realizada pelas mais jovens do grupo. As atividades de preparação do o e o aca bamento são geralmente realizadas pelas outras artesãs que não botam e nem batem a rede. A produção das redes é realizada por grupos de trs a quatro mulheres que formam uma espécie de linha de produção artesanal. Uma primeira etapa, que engloba mear, tinturar, gomar, torcer, e novamente mear o o, que podemos chamar de preparação do o, é realizada por uma ou duas artesãs; a segunda etapa, o botamento da rede é realizado por outra artesã. Quando naliza um botamento, botamento, esta artesã pode utilizar-se do outro tear e botar outra rede, otimizando, assim, a produção. A terceira etapa consiste no acabamento, em bater o carié, carié, colocar o punho e a varanda, que é tecida separadamente. Em Santa Maria, os procedimentos são bem mais individualizados, conforme nos explica a artesã encomenda: como acontece a distribuição da encomenda: Pesquisadora: Mas aí como vocs fazem, por exemplo: se vocs recebem uma encomenda de 20 bolsas, vocs primeiro batem todas elas pra depois fazer o acabamento ou bate uma faz o
acabamento em uma, bate outra, faz o acabamento em outra? Celeste , de Santa Maria: É por exemplo, quando a gente pega encomenda de 20 ,30, 50 peças aí eu faço o qu? Eu reúno elas, por que me jogaram essa carga em cima de mim, então ent ão reúno elas e digo que nós temos a encomenda de tantas peças, então e ntão quais são as cores? Cor amarela, preta, vermelha, são várias cores, aí a gente divide, três faz de uma cor, pra não car mistu rado tanta cor, quatro faz de outra, outra , cinco faz de outra... Aí eu vou dividindo, faz tanto produto desse, daquele, tudinho. Aí cada qual vai tirar o olho, o linho, linho, vai pintar daquela cor, vai traseu olho, zer o material pronto.
Uma outra artesã conrma esta estratégia: Pesquisadora: Vocs se organizam, por exemplo: uma diz hoje eu vou fazer tal cor, aí vocs combinam pra só aquela pessoa fazer aquele colorido verde? Celeste , de Santa Maria: Assim, quando é encomenda só de uma cor, a gente se reúne todo mundo pra fazer fa zer só de uma cor. Mas se não, cada uma faz f az a sua cor. cor. Pesquisadora: Mas assim não é demorado? Celeste : Não, é tranquilo, até por que tem que pintar junto, se é encomenda, encomenda, tem que pintar tudo junto para o mangue car de uma só cor.
Ainda que haja a divisão das atividades, podemos identicar nas falas das artesãs indicações de colaboração entre elas. No momento em que tiram vários olhos, olhos, mais uma vez a categoria ajuda aparece como materialização da solidariedade: Pesquisadora: Então cada uma faz seu trabalho individual, né? Celeste , de Santa Maria: É cada qual faz o seu, mas na hora de mandar pra loja, aí sim... Aí reúne todo o material em um só local, pra fazer a notazinha pra poder mandar pra loja. Eudialite, de Santa Maria: Então às vezes que a gente tira bastante olho aí a gente convida as colegas. Celeste: Exato. Aí a gente fala: olha, tu me ajuda que quando tu tiver aperriada eu também te ajudo.
A divisão da encomenda obedece ao critério da cor das peças, o que aponta para uma racionalização do processo produtivo: se cada artesã vai trabalhar com um universo restrito de cores, ela precisa ocupar-se apenas com o tingimento destas cores especícas, ganhando tempo e aumentando a produtividade. Quando a encomenda é para alguma empresa que solicita que os produtos sejam da mesma cor, o processo do tingimento é realizado de uma só vez, para garantir a igualdade da cor: Pesquisadora: Porque vocs não deixam logo o linho todo tingido, um monte de novelo pronto? Suely, de Santa Maria: A gente deixa um pouco, mas tem que ter do natural [sem tingimento] seco. Porque se chegar uma encomenda: encomenda: ah, A solidariedade também pode ser identicada tem que ser tudo laranja! Aí a gente junta o natural e tinge de uma vez, pra car c ar a igualdade da quando alguma artesã tem um problema pessoal e cor... Se a gente faz o tingimento separado, ca é substituída na execução de suas tarefas. Em noscada qual de um jeito. sa estada em Santa Maria foi possível observar estes
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aspectos de solidariedade a partir de um incidente: uma das artesãs encontrava-se com a lha interna da em São Luís, prestes a ser submetida a uma cirurgia. Faltavam apenas alguns poucos dias para o envio da produção mensal das artesãs para a loja de Alcântara. Segundo as artesãs, esta é uma fonte de renda bastante importante. Tirando as encomendas, encomendas, muitas vezes, o que é vendido na loja é o único dinheiro que elas “olham” durante todo um mês. Daí a importância do envio dos produtos. Aquela artesã precisou viajar às pressas, para ver a lha internada, e foi conversar com Celeste, que prontamente pediu a ela que levasse a sua casa as sacolas batidas, batidas, para ela terminar de fazer o acabamento. Após observar o acontecido, iniciamos uma conversa com Celeste: Pesquisadora: Voc vai terminar as peças dela? Celeste , de Santa Maria: Vou sim. Hoje a lha dela que tá doente, amanhã pode ser a minha. Por isso que a gente tem a associação. Quando tem encomenda, encomenda, a gente distribui entre todas, e quando vem o dinheiro, a gente distribui entre quem trabalhou na encomenda. encomenda. E quando alguém tá doente, ou com problema, a genajuda. te se ajuda. Pesquisadora: E para quem vai o pagamento das sacolas? Vocs vão dividir? Celeste: Não, vai ser dela, ela que fez, eu só vou ajudar . Também foi possível observar numa tarde, em que as artesãs sentaram-se na porta da casa de uma delas, Deuzimar, e aquele momento de reunião era um momento de solidariedade na produção. Marinalva ajudava Deuzimar a torcer o o do acaba mento da sacola. Outras artesãs comentavam sobre as combinações de cores. Celeste observava o
acabamento e sugeria melhorias, como sempre, preocupada com a qualidade do produto.
3.1.3 A adptação da produção às necessidades do outro
Como já dissemos, as artesãs estão acostumadas a receber encomendas que ativam a sua produção e, no caso de Brito, é a única forma de iniciá-la. Como a encomenda é uma força exógena ao povoado, traz consigo uma série de prerrogativas que interferem e inuenciam no resultado do trabalho. tr abalho. Foi pos sível observar nos discursos e práticas das artesãs como o processo que conhecemos como customização incide sobre o seu tr trabalho: abalho: na escolha da cor, no tamanho das peças, no prazo de entrega. Esta possibilidade de customização é uma característica do trabalho artesanal por-
que a sua cadeia produtiva permite a aproximação entre os dois polos, o inicial e o nal, o produtor e o consumidor. E também pela pouca rigidez no seu
portfólio de produtos, que podem ser facilmente encomenda. adaptados à demanda de quem os encomenda. Vejamos como as artesãs de Itamatatiua reagem às solicitações de adaptação de tamanho: Pesquisadora: Qual foi a encomenda mais difícil que vocês já zeram? Eloísa , de Itamatatiua: A da Caixa, a das cuias. metragem... É porque fazer peças assim de metragem... Neide, de Itamatatiua: É porque a gente se atrapalhou muito. metragem? Pesquisadora: Como é peça de metragem? Eloísa : É assim, medindo com uma ta [mé trica]. Isso aí a gente não tá acostumado fazer não. E o barro daqui é muito complicado. Muito elástico assim. Deu muito trabalho essas peças. Pesquisadora: Tem que fazer maior pra ela encolher certo no tamanho, né? E era de quanto encomenda? essa encomenda? Eloísa : Acho que era umas mil e pouca, né?! Eles queriam só num tamanho só. Só que não deu, certinho, certinho. Pesquisadora: Vocs conseguiram entregar? Eloísa : Só a metade. Porque quando vem a embalagem né, tem que ser certinha. Pesquisadora: Ah, tinha que caber na embalagem! Eloísa : Eles queriam as cuias pra car dentro da embalagem. Pra não car nem grande, nem pequena. Neide: Ficar do tamanho mesmo da embalagem. Aí foi um sacrifício. Eloísa : Porque o barro daqui, ele é um pouco complicado.
Durante nossa estada em Itamatatiua, Neide estava trabalhando com Denise em uma encomenda de potes grandes, que também eram feitos na metrat a métrica são instrumentos utiliza gem. A régua, a ta dos para garantir que as peças quem com um mes mo tamanho. A queixa sobre a confecção de peças na metragem acontece pela própria natureza do material: o barro é elástico. Isso quer dizer que ele reduz quando perde água no processo da queima. Então para que atinja um tamanho especíco após a queima, deve ser confeccionado em um ponto maior. Elas tm idéia sobre esta margem de variação de tamanho, mas depende de fatores como a quantidade de água e areia que fora colocada no amassamento do barro, a temperatura do forno, fatores sobre os quais elas não tm controle. Perguntamos se elas sabiam em quantos graus a cerâmica era queimada no forno e disseram que não sabiam, e não tinham termômetro para medir. Em uma conversa, Eloísa contou sobre sua intenção de
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aprender a vitricar as peças, mas sabia que isso de pendia do controle da temperatura do forno e que, então, isto era um impedimento para a introdução da técnica na associação.
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A utilização de instrumentos de medição e cálculos matemáticos para a confecção das peças também é recorrente em Santa Maria Mari a e Brito. No primeiro, pudemos observar durante as visitas a utilização destes instrumentos enquanto botavam o jogo no tear. Durante uma conversa com Eudialite e Suely, observamos a forma como as artesãs percebem a metragem: metragem: Pesquisadora: Quanto custa o jogo americano? Eudialite , de Santa Maria: É R$20,00 pra gente. Pesquisadora: Vinte, né? Na loja é vinte e oito, aí cam oito lá? Eudialite : Mas eu acho que esse de vinte e oito era aquele grande que a gente fez, né, Suely? Não, é porque tinha uns grande lá... Suely, de Santa Maria: É que ele é 35[cm], 35[cm], mas tem uns de 45[cm]... 45[cm]... Eudialite: A gente fez por encomenda, encomenda, mas aí
quando a mulher deu a quantia [o tamanho da peça] tava muito, e aí ela não quis, mas aí a gengen te já tinha feito, cou uns grandes lá na loja. Uns jogo americano, eu nem lembro a metra gem, gem, mas ele só faz por encomenda. encomenda. Suely: Ele é de 44[cm] de largura com 48[cm] de altura. Ele é mais largo e é mais alto. Pesquisadora: Pra fazer esse grande tu contas os os, quantas vezes vai botar de botar de cada um? Suely: Conto. Aqui muita das vezes a gente mede pela régua assim ó, mas aí eu já sei a quantidade de faixa de cada cor, cor, medi ainda agora de manhã, aí agora eu to só voltando.
A régua e a ta métrica são instrumentos que encomenda. simbolizam as restrições impostas pela encomenda. Quando perguntei sobre porque utilizavam estes instrumentos, falam que foi para car tudo igual, e que foi o pessoal do SEBRAE que “disse” para elas utilizarem, e revelam a presença de uma conscincia sobre o motivo de atenderem a estas demandas: Pesquisadora: Então, da onde que surgiu a idéia de colorir? Celeste , de Santa Maria: A isso aí vem de curso do pessoal do SEBRAE, pra usar o colorido, por que é assim, tem etapa, eta pa, por exemplo, o verão, pede um colorido bem forte, aí tem período que eles pedem mais fraco, é conforme o mercado. Suely: O Dedé [André, consultor do SEBRAE] diz pra gente fazer as repetições de faixa da mesma largura, a cor do meio repete nas beira. E aí a cor entre cada uma a gente varia, vai do nosso gosto. A gente usa a régua pra pr a ver a medida, tem que ter 25[cm] e a altura a gente vai contando os os... Pesquisadora: Aí voc vai contando as voltas? Mari a: É, que num pode Deuzimar , de Santa Maria: car diferente, se a gente quiser deixar dei xar bem certo, as listras assim tudo de um tamanho só, tem que contar.
Na fala de uma artesã, observamos uma das possibilidades de chegada da encomenda no povoado, a partir da noção de consumidor : Pesquisadora: Como vocs vendem isso? Eloísa , de Itamatatiua: As pessoas vem até aqui. Às vezes a gente vai, leva pra Alcântara pra vender também. Pesquisadora: mas quem vem aqui já é quem
compra ou é alguém que revende, que leva os potes pra vocs? Eloísa: É o consumidor que compra. Algumas vezes, né, que chegou che gou [...] [...] de Alcântara Alcântar a e leva algumas peças aí pra revender. Mas é menos. A voz institucional do SEBRAE surge com a inconsumo, instrodução das noções de mercado e de consumo, tâncias até então não mencionadas pelas artesãs. O diálogo que mantm com estas instâncias, ainda que de forma mediada pelo SEBRAE, interfere nas escolhas das artesãs sobre a sua produção. A utilização do padrão de posicionamento de cores e suas combinações padronizam a produção das artesãs, chegando a alguns tipos de combinações estéticas, aos quais podemos perceber nas imagens a seguir:
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vou desmanchar... Aí vou acrescentar, no lugar desse azul, eu acrescento esse mangue, aí vou bater, aí vai dar certinho aqui de novo. Pesquisadora: Mas porque que deu erro? Suely: Porque é assim, ó [mostra uma peça pronta]. Cada faixa de cor tem que ter uma meme dida. E a gente dobra [espelha] pro outro lado. Assim, se eu começo com uma cor, tem ter ela no meio e no nal. E tem que ter essa cor no batimento também... Pesquisadora: Mas voc só bota assim? Suely: Eu boto também de outro jeito também, com as faixas diferentes, diferen tes, cada qual de uma cor... cor... Mas o pessoal aí de fora gosta é das faixinhas dobradas... Aí a gente conta, usa a régua, e ca certo... Pesquisadora: E agora, o que voc vai fazer? Suely: Vou tirar ... Tirar dá mais trabalho que bo... Tirar dá tar ... ... Acho que agora vou fazer certo. É ruim quando a gente v que está errado e já está batendo... tendo... Assim tá só botado, botado, não tá batido... batido... Aí tem que tirar tudo... tirar tudo... A partir da noção de mercado materializa-se a produção para um outro – um outro muitas vezes intangível – mas para quem as artesãs dirigem Há espaço para a manifestação do gosto das ar- a sua produção, inserindo as suas peças num sistesãs, mas dentro do esquema proposto de repeti- tema de trocas simbólicas. A noção de erro e de ção e de reprodução das faixas f aixas de cor. A existência acerto está relacionada à existncia desse interlode um padrão implica necessariamente o não cutor distante, para quem elas produzem. Podeatendimento a este padrão . A percepção disto mos identicar no depoimento acima que o rigor do uso da régua, o uso de um padrão p adrão cromático, cromático, a se dá na forma da noção de erro: erro: contagem dos os estão relacionados ao que é cerPesquisadora: Voc tá fazendo o que aí? comprador. Suely, de Santa Maria: Um jogo americano, eu to – para este comprador. Durante a tarde em que acompanhamos o trababotei, aí agora eu vi que não ia dar certo, deu erro, eu ia pegar esse daqui no nal, aí agora eu lho na casa de Suely, observamos que ao botar um jogo
americano no tear e perceber que errou na sequncia e na largura de faixas de cor, ela inicia o processo de tirar os os do tear e depois reinicia o botamento, aumentando em praticamente 30% o tempo de produção do jogo americano. Perguntei se ela sempre erra e ela disse que sim, porque se distrai e se esquece de contar os os. A inuência do SEBRAE também chegou a Ita matatiua. A técnica de pintura a frio foi introduzida pela instituição como uma forma de diferenciar o produto. A pintura a frio consiste em pintar a peça com tinta de tecido após terem sido queimadas. Aplicam-na principalmente nas bonecas e se dividem quanto à utilização deste acabamento: Eloísa, de Itamatatiua: Aí, depois que o SEBRAE veio a gente não fazia assim em grupo; a gente fazia nas casa de gente. Aí depois que o SEBRAE veio organizar a gente e a gente ganhou essa sede... O SEBRAE que disse pra gente pintar as peças pra car melhor, melhor, que os turistas gostam... gosta m... Dos Anjos, de Itamatatiua: Mas tem turista que não gosta não, que dizem que gostam mais da queimada, e das manchadas do fogo mesmo, porque são tradicional daqui de Itamatatiua... Eloísa : É, varia, cada qual gosta de um jeito. É bom a gente ter na loja de todo tipo, mas os turistas às vezes gostam da boneca pintada, mas também gostam da tradicional do quilombo... As artesãs de Itamatatiua demonstram em suvalor atribuído à identidade as falas que percebem o valor atribuído do produto pelos consumidores. Observam as preferncias de consumo porque elas próprias tm a sua loja e com isso entram em contato direto com o comprador de seus produtos. O outro para quem produzem está mais m ais próximo, podem conversar com ele e saber de suas preferncias. O discurso sobre o
tradicional e tradicional e o quilombo surge a partir do que o outro valoriza em sua produção. Mais adiante falaremos mais aprofundadamente sobre o valor do tradicional na tradicional na produção artesanal. Em Brito, a cadeia produtiva da rede não n ão recebeu nenhuma inuência inuência do SEBRAE, SEBR AE, mas isso faz parte par te de
um desejo das artesãs, que lamentam ainda não ter uma associação formalizada, para poderem receber projetos de qualicação da produção artesanal. Lá, a encomenda é sempre personalizada. A rede é considerada um objeto pessoal pelas artesãs. É feita sob medida, na cor e no tamanho que o cliente desejar. O cliente também tem a opção de ter uma rede de fo singelo ou de fo torcido. As artesãs interagem com o cliente no ato da encomenda e, com isso, também tm a possibilidade de perceber as preoutro. Elas nos apresentam as ferncias e gostos do outro. opções do seu produto: Pesquisadora: Vocs não fazem sem encomenda? encomenda? Roberta, de Brito: Olha a gente faz do tamanho e da cor que a pessoa quer: eu queria era tal cor assim, é mais quando eles vm que eles
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digo a cor, a cor certa, que pelo menos que tá mais saindo agora é preta e branca, que quem é vascaíno, quem é, Botafogo, é Botafogo e tão pedindo mais preto e branco. Pesquisadora: Então quem compra mais é o pessoal das comunidades de perto? Roberta: Agora vem um pessoal de São Luís, com esses projetos [projetos relacionados ao CLA e ao ACL], vão olhando, gostando e vão encomendando. Tem até de Brasília porque o rapaz que trabalha lá veio comprar lá. Pesquisadora: Mas a oportunidade de mostrar é só porque o cliente vai falando? Roberta: Aí tem os que vão lá, olham na casa das pessoas que trabalham comigo, às vezes se agradam, aí encomenda aí encomenda e a gente vai fazendo. Já saiu muita rede da gente pra fora, pra São Luís... Pesquisadora: O que mais que o pessoal pode escolher? Roberta: Aí tem que ver o tamanho também, se é de 3Kg ou de 4Kg, tem até de 4,5Kg... Rede grande, pesada... Pode ser de o torcido, ou de o singelo... Dura pra vida toda! As artesãs de Brito aguardam a solicitação do cliente para botar a botar a rede, e dizem que raramente botam uma rede sem ter a encomenda, porque ca difícil de alguém querer comprar, porque pode não estar do agrado do comprador, na cor ou no tamanho errados. err ados. Mais uma vez, o padrão padr ão de produção está condicionado ao desejo do consumidor, que dentro das opções oferecidas pelas artesãs, customiza o seu produto em um exercício de participação na produção. Esta possibilidade de interferncia do consumidor no processo produtivo implica algumas reexões. Se por um lado, a inuência do consumidor no pro cesso produtivo, adequando-o às suas necessidades é
a garantia de que o produto já tem uma destinação e o retorno é garantido para as artesãs, art esãs, por outro lado, implica uma atitude mais passiva das artesãs que espeespe ram a encomenda – pela própria garantia garanti a do retorno – sem deixar que as experincias e testes com os materiais surjam, pois na encomenda quem diz o que é para ser feito é o cliente e não a artesã. A descoberta, o teste com os corantes, o desenvolvimento de novos produtos cam desestimu lados porque as artesãs deixam, em parte, de serem agentes criativas do saber que elas próprias dominam. Revelam, por exemplo, que a introdução de corantes articiais na produção do linho foi para atender às demandas do mercado: Pesquisadora: O que vocs acham que é diferente no artesanato de vocs? Celeste , de Santa Maria: É o colorido e o linho... nho... A gente trabalha com o linho e elas [de Barreirinhas] trabalha com a borra... borra... Pesquisadora: Então, da onde que surgiu a ideia de colorir? Celeste: É porque como a gente tem a menina que trabalha na loja, ela v o que o turista diz aí o pessoal do SEBRAE pesquisam na internet também, por que a gente ainda não tem acesso à internet. Aí pesquisa: olha, esse ano o forte é o colorido, é o forte é o bem vermelho... Aí a gente vai fazer da forma que tá. Pesquisadora: E de usar os corantes articiais... E os corantes, como vocs escolhem? Celeste: Antes a gente só usava os naturais... Mas depois o SEBRAE trouxe a anilina... Aí cou bem colorido... Mas tem encomenda que só pode usar os naturais... Tem gente que gosta só de mangue e natural... O pessoal gosta muito só de natural...
) o t n e m i g n i t m e s ( l a r u t a n
o ã r f a ç a
a z n i c m o c e u m g u n c a u r m u
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o ã s l a s
Aqui percebemos como a introdução de um novo elemento, o uso de corantes, interfere diretamente na produção, tornando-se até uma de suas principais características de diferenciação perante o artesanato de outras localidades. Observamos também a percepção das artesãs sobre o gosto dos clientes em preferir o tingimento natural e identi cam-no como um valor, chegando a falar em ter um preço diferente para produtos naturais. Esta assimetria entre produtores e consumidores revela as forças que interferem na produção artesanal de Alcântara e, cada vez mais, é possível projetar um cenário no qual o tempo da produção artesanal vai deixando de existir. Se pensarmos a atividade artesanal como a forma de expressão de um saber-fazer especí co e que o valor do tradicional é importante na medida em que deixa as artesãs ar tesãs livres para expressarem o que pensam sobre si e sobre o seu lugar, o tempo da encomenda aliena esta possibilidade possibilidade da vida destas artesãs, dando lugar a outras formas de sociabilidades, mais outro. pautadas no desejo e no tempo de um outro.
3.2 A sazonalidade: matéria-prima e produção
Por sazonalidade entendemos a ação do clima e das estações do ano sobre as cadeias produtivas que ora analisamos. Isto é referenciado de muitas formas pelas artesãs: o tempo bom, bom, o tempo ruim, ruim, o verão e o inverno, inverno, e estas categorias nativas se articulam fundamentalmente com todas as etapas da produção e também no consumo dos artefatos produzidos. Na relação das artesãs com a natureza, encontramos encontr amos diversas alusões ao clima e às épocas do ano e como as suas variações interferem na produção: Pesquisadora: Tem uma época que compram mais? inverno, quando tá choRoberta, de Brito: No inverno, vendo não pode bater ela. Porque custa mais enxugar e a gente também custa mais bater porbater porque o o ca frio. frio. No verão tanto é mais fácil pra vender, vender, quanto pra bater .
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No trecho acima observamos como a sazonalidade inuencia tanto no processo de produção co mo no de consumo – no bater e bater e no vender. Quando estivemos em Brito, durante o período do chamado inverno, observamos a diculdade em se trabalhar com o o frio, frio, pois ele não corre [desliza] na madeira do tear. A produção das redes cai, então, e ntão, bruscamente, obrigando as artesãs a buscarem outras formas de sustento. Por outro lado, a grande distância entre Brito e São Luís, ou mesmo da sede do município, amplia-se no período das chuvas, devido à diculdade do acesso ao povoado, que ca completa mente alagado, dicultando que os compradores em potencial cheguem até a comunidade, corroborando para a diminuição do consumo. Quando perguntamos o que elas fazem no inverno, verno, o trabalho na roça foi indicado como a atividade principal. Porém, quando a necessidade nanceira ca aguda, a ida para São Luís é inevitável, todavia a subsistncia está ligada ao lugar de origem: Silene , de Brito: É, no inverno é difícil a gente pegar algum dinheiro com rede, não dá resultado... Eu fui pra São Luís, trabalhar em casa de família, mas ela queria que eu não comesse... Pra fazer dieta lá, né? É melhor car aqui, cuidan do da minha roça, que pelo menos fome a gente não passa... Tem sempre o peixe e a farinha.
campo continua alagado e o acesso a Brito continua difícil mesmo após meses do início da estiagem. Maria José , de Brito: No dia que chove, na hote ar,, ele [o o] vai cando ra de botar a rede no tear frio, aí não tem como ele ceder, abrir pra assim frio, gente jogar a canela de bra na madeira. Aí tem que tá um tempo bom, que nem agora, ele vai secar, daqui pra tarde, vai dá pra bater . Celeste , de Santa Maria: No inverno trabalha pouco por causa da chuva... Agora, Agora , no verão não, inverno, a chuva né, trabalha bastante... Agora no inverno, linho, aí tem atrapalha muito, porque não tendo linho, que tirar na chuva, aí o linho não enxuga direito, bater chovendo, não bate, bate, só assim no sol aí pra bater chovendo, quente, mas no inverno é o período dela [da chuva], aí tem que se virar, fazer o possível. O clima está também associado à duração da produção, pois o tempo frio causa profundas mudanças na matéria-prima. As ar artesãs tesãs mencionam que o o frios, e no trabalho com o barro há um e o linho cam frios, aumento no tempo de secagem das peças. Porém, o aumento do tempo da produção não está associado a um período de ócio entre as artesãs de Brito e Santa Maria, que são muito afetadas pela sazonalidade: Pesquisadora: E agora, no inverno, inverno, vocs fazem o qu? Silene , de Brito: Agora é o tempo de ir pra roça. Todo dia de manhã. Meu marido trabalha com horta, tem uns porcos... Eu mesma agora a umas semanas, tava com umas contas, aí fui pra São Luís, trabalhar em casa de família, mas foram só dois meses, aí voltei...
O tempo difícil é associado ao chamado inverno e faz referncia ao período das chuvas no Maranhão, que acontece entre os meses de janeiro a julho. Em contraposição, o tempo bom é associado ao verão, verão, que representa o tempo da estiagem, estiagem , de agosto a dezembro. Porém, os efeitos da chuva na vida dos povoados fazem-se sentir para além do períO período da chuva afeta bastante a produção odo em que efetivamente chove. Em Itamatatiua, o e, muitas vezes, o grupo se dissolve neste período.
Algumas artesãs vão trabalhar na roça, pois é o período do plantio de diversas lavouras e o retorno nanceiro aparece mais rapidamente. Daí a dispersão do grupo durante o período do inverno. inverno. Em Itamatatiua, as condições climáticas climáticas inuenciam tanto na extração da matéria-prima como nos processos de modelagem e secagem dos potes. A época em que buscam o barro no campo geralmente acontece em agosto, logo que o campo começa a secar, secar, para reposição do barro que sempre está est á acabando neste momento, pois a última retirada sempre é realizada no ms m s de dezembro do ano anterior. anterior. Retornam em dezembro do ano em questão, período ideal, quando tiram barro suciente para carem durante todo o inverno (de janeiro a julho), fazendo uma espécie de estoque para o período em que os campos alagam. Pesquisadora: Tem um período melhor pra tirar o barro? Neide, de Itamatatiua: Novembro a dezembro. Porque tá seco, né. Até outubro, conforme a chuva. Se até outubro já tiver seco, aí é bom de tirar, né?! Mas se o campo tiver cheio, aí não. Aí começa a chover, chover, aí a gente não tira tir a mais. Mas é conforme o campo. campo. A gente tira até com água. Mas o período pra gente não se atolar é outubro, novembro, até dezembro quando não chove. Pesquisadora: Aí esse vai ddáá pra usar até quando? Eloísa, de Itamatatiua: Até no verão... verão... Dos Santos, de Itamatatiua: Aí quando chegar novembro, dezembro... Aí de novo tem que tirar tir ar.. Eloísa: Mas se tiver bastante encomenda de novo, eu acredito que até em junho, julho, já 1. O valor da diária masculina e feminina é diferente em Itamatatiua. São denidas a partir do valor do quilo da carne,
terminou, né, Maria? Maria: Já, já. Pesquisadora: Aí vocs tornam a mandar tirar? Eloísa: Sim, torna a tirar... Quando o campo secar, por que agora o campo tá cheio como o qu. Vixe, quem entra lá não tem condição de sair... Com o passar do tempo e a organização do trabalho na associação de Itamatatiua, a retirada do barro passou a ser sazonal, tirando-se proveito das estações do ano e da teceirização do trabalho pesado de carregar o barro. As artesãs comentaram muito sobre a diculdade da tarefa, sobre as dores cau sadas por este transporte transpor te do barro do campo à sede da associação, com o cofo na cabeça, principalmente principalment e nos dias atuais, em que já estão mais idosas. Neide, de Itamatatiua: Antigamente, a gente tirava barro o ano inteiro, mesmo com o campo alagado. A gente ia com o cofo, tirava o barro, e colocavam na cabeça... Vinha com o cofo pesado, pingando barro na cabeça... Hoje, a gente tira o barro praticamente duas ou trs vezes por ano, e contrata um carro para buscar no campo e levar até a sede da associação. Para este serviço servi ço a gente paga uns R$ 60,00 [trs diárias masculinas1]. O problema que o campo chuvoso causa em Itamatatiua pode ser contornado com a estratégia de se estocar a matéria-prima matéria-prim a durante o período em que o campo está seco, permitindo o acesso. Outro empecilho se coloca com a umidade do clima, que é a secagem dos potes. O período de produção praticamente dobra como observamos na fala da artesã: aumentando sempre que há algum reajuste. Hoje, a diária feminina é R$15,00 R$15,00 e a masculina, R$20,0 0.
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Pesquisadora: E quanto tempo vocs dão conta de uma encomenda dessas? Neide, de Itamatatiua: No inverno? inverno? No inverno é dois meses. No verão é um ms porque seca rápido, a gente faz a peça em um dia, no outro dia a gente já tá fazendo acabamento. No inverno não... Agora até tá secando depressa por que não tá chovendo muito. Daí eu z esses anteon tem, e já tô dando o acabamento, mas quando tá chovendo é oito dias pra fazer esse acabamento.
sob a bandeira da responsabilidade socioambiental, não foi possível chegar a um acordo e conciliar o tempo da produção com o tempo da encomenda. encomenda. Para superar este desao é preciso comunicar a realidade das artesãs, e assumir a sazonalidade como uma característica da própria cadeia produtiva . Isso não quer dizer que a produção te-
nha que parar – porque ela efetivamente não pára – mas é bastante bast ante desacelerada no período chuvoso. O planejamento da produção é uma estratégia que diminuiria a frustração pela perda de uma encomenda A sazonalidade da produção é um fato que está pelas questões climáticas. em consonância com as outras atividades das artesãs, como a roça, o artesanato de subsistncia que reali- 3.3 Produtividade: reexos nas relações zam, a ajuda na criação de animais que prestam aos sociais das artesãs e nos seus corpos maridos, além das atividades domésticas. Porém, quando mais uma vez a demanda externa surge, surge , na forma da Durante a pesquisa, identicamos como uma encomenda, encomenda, o embate entre o t empo da encomenda preocupação das artesãs artesã s o incremento da produção: e o tempo do artesanato torna-se explícito. seja com o aumento na quantidade de equipamenEm Santa Maria também é possível vericar tos; seja com o aprendizado da execução do maior uma queda na produtividade quando o período das número de etapas pelo maior número de artesãs; sechuvas chega: ja com a introdução de novos novos produtos no portfólio. Celeste , de Brito: Ô, nós acabamos de perObservaremos agora as causas e os reexos der uma encomenda... encomenda... Queriam 50 sacolas em desta necessidade de manter ou aumentar a produ10 dias. Mas não deu. Eu chorei no telefone de ção, com vistas ao atendimento das encomendas. encomendas. As um lado, elas choraram de outro, mas não deu. quantidades de produtos solicitadas nas encomendas E era pra Natura... Nós já tinha dado conta de extrapolam as condições normais de produção, obrifazer 60 em 15 dias, mas o linho já tava tingido. gando as artesãs a passarem horas a o na frente frio, é ruim, o linho não seca. E dos teares ou sentadas no chão modelando o barro, Com esse tempo frio, é muito ruim bater com bater com linho úmido. a m de que não percam a encomenda, encomenda, e com isso os reexos desta demanda no corpo são sentidos a to Vemos no trecho acima uma situação que rela- do instante, por conta dos movimentos repetitivos e ciona o mercado às condições climáticas que inuen- da má postura, principalmente. ciam na produção. A encomenda e o prazo estipulaAs condições climáticas desfavoráveis, codos pela empresa Natura não estão em consonância mo relatamos anteriormente, também contricom o tempo das artesãs e do artesanato. Mesmo buem para o alongamento do prazo de produção e,
consequentemente, consequentemente , para o atraso na entrega, fazendo com que os momentos nais da produção sejam cansativos e estressantes. 3.3.1 Domínio da técnica e as novas gerações
Em Brito, Roberta nos apresenta sua visão sobre o aumento da produtividade. Ela considera necessário que as outras artesãs aprendam a realizar etapas que hoje são concentradas nas mãos de poucas artesãs, como a etapa do botamento pelas outras artesãs, associado à aquisição de dois teares: Roberta, de Brito: Quem dera elas aprendessem a botar ... ... Nós tamos com coisa de ganhar mais dois teares. Vai ser bom poder deixar uns dois pra fazer os tapetes. tapete s. Aí quer dizer que com dois tear, vamos ver se elas vão querer aprender pra ser mais rápido, porque enquanto nós tamos batendo os dois, já tem mais dois pra bater carié. Tô a m de quem me descanse mais. Pesquisadora: As outras não querem aprender? Silene , de Brito: Tem que ser bem devagar e eu tenho muita preguiça, tem que ser bem devagarzinho que é bem comprido. Ao mesmo tempo em que se queixa da sobrecarga por serem apenas ela e a sobrinha a saberem botar a botar a rede, Roberta mantém a produção direcionada aos seus interesses e o comando do grupo. Aqui, observamos a necessidade de quali cação de artesãs ligada à possibilidade de aumento dos meios de produção. Não adianta haver mais teares se não há artesãs qualicadas para botar a botar a rebatê-la. O processo do batimento de, e mesmo para batê-la. é sempre realizado por duas mulheres, uma em cada
extremidade do tear, batendo o facão. No momento de esvaziamento da produção, por não haverem muitas artesãs envolvidas na atividade, Maria José, uma das mais idosas do grupo, considera a possibilidade de aprender a bater , mas ponderando que este processo é algo penoso, que requer coragem. coragem. Maria José nos conta um trecho de uma conversa que tete ve com Roberta: Maria José , de Brito: “Cumadi, eu tô dizendo, vou ter que contar com a senhora, só tem a sese bater a rede, nhora pra fazer esse trabalho, pra bater a que senão nós vamo parar.” [foi o que Rober ta disse] Nem a Luciene tava indo mais, a Silene não tava mais indo, não tava mais indo ninguém, aí a gente parou o trabalho. Aí camo só fazen do essas coisa aqui. [mostra o tapete e o jogo americano] “Por que só eu não posso bater , então a senhora vai ter que procurar aprender, ter coragem, pra senhora sentar pra nós bater , que senão nós vai parar de fazer rede .” [continua contando sua conversa com Roberta]. Por que esse aqui [o tapete] ela [Roberta] bate ela só. E eu quei trabalhando nesses aqui [acaba mento do jogo americano]. ame ricano]. As artesãs artes ãs também estão est ão desenvolvendo novos novos produtos, menores e, portanto, mais baratos, para atender a um público que consideram maior. Esta possibilidade foi cogitada durante nosso primeiro seminário, realizado na sede de Alcântara e, em nosso retorno, foi possível observar os produtos já sendo desenvolvidos. São tapetes e jogos americanos. Maria José já considera a possibilidade de fazer bolsas. Na opinião das artesãs, esta seria uma forma de ter produtos prontos, sem encomendas, encomendas, pois o investimento de tempo em trabalho e matéria-prima
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seria menor. Com o esvaziamento da produção, a solução encontrada foi reduzir o tamanho dos produtos, para diminuir a quantidade de artesãs envolvidas no processo. É importante ressaltarmos que estão vivenciando um período em que houve uma redução drástica no número de artesãs que estão ativamente no processo. A saída das artesãs está relacionada principalmente à diculdade em se ter um retorno nanceiro constante, o que leva as artesãs a priorizarem outras outr as atividades como a roça, o trabalho como empregada doméstica na capital e as contingncias familiares. Itamatatiua é o único lugar em que o número de artesãs vem crescendo nos últimos anos. Foi possível observar trs gerações de mulheres trabalhando ao mesmo tempo e em número equilibrado na sede da associação. No depoimento de Neide, vemos o que falam sobre a saída das jovens para a cidade: Pesquisadora: Como as pessoas daqui veem o trabalho de vocs? Neide, de Itamatatiua: Defende, porque já é uma tradição daqui. Pesquisadora: Vocs Vocs acham que as meninas daqui querem aprender ou o interesse é pouco? Neide: eu acho que o interesse é pouco. Eu acho assim, e mesmo elas, o estudo, né? Elas tem que sair pra estudar es tudar,, em São Luís ou em AlA lcântara e lugar pra terminar os estudo. Quando elas tão querendo aprender, elas vão embora. Pesquisadora: mas vocs queriam que elas continuassem esse trabalho de vocs? Neide: Eu queria era que elas continuassem perto de mim, senhora! Porque, já pensou, os lho da gente, longe da gente. A cabeça da gen te ca zonzinha. Tem, empecilho nenhum não.
A gente tá sabendo pra onde vai, pra onde não vai, né? Perto da gente. Pesquisadora: Mas a Denise [lha de Neide] trabalha aqui com voc? Neide: Aham, Denise, tem Eduarda, tem 25 anos... Denise, Karliane, Angela... Essas são as mais novas... Estão todas trabalhando aqui com a gente... Em Santa Maria, a preocupação com os estudos dos lhos também os afasta da produção artesanal. As artesãs art esãs se valem da ajuda dos lhos e dos ma ridos, mas quando os lhos crescem são direciona dos à cidade, para darem continuidade aos estudos: Celeste , de Santa Maria: É porque assim, os meus eu ensinei, até o menino já puxava linho mesmo, puxava direitinho, quando eu tava muito aperriada aí ele puxava mesmo, mas aí tem que sair porque não pode car aqui né, porque é até a oitava série, então terminou a oitava série os jovens daqui tm que sair (...) vai sair tudinho por causa que não tem o segundo grau, a minha lha caçula, tem o que, tem 15 anos, tá no segundo ano já, tá estudando em São Luís, e os outros dois já teve que sair também, pra procurar trabalhar, estudar, alguma coisa assim. Tenho um irmão em Brasília e mandei os dois pra lá. Em Brito, a situação é mais delicada, pois as artesãs são poucas, e nem todas dominam todas as etapas das cadeias produtivas. Em conversa com as artesãs, identicamos sua preocupação com trabalho, para que este não morra: morra: Pesquisadora: E suas lhas? Silene, de Brito: Eu tenho lha, a dela mora
aqui em Alcântara, eu tenho lhas, tenho três em São Luis, não vão se interessar em bater , a que mora comigo, tá pequena, tá com 10 anos, não tem condição de bater . Pesquisadora : Tem até que série aqui? Roberta, de Brito: Só tem até a quarta, na quinta já tem que mudar pra outro lugar. É porque era pros jovens a partir de 16 a gente ir botando pra aprender, pra não morrer o trabalho... Lá tem pouca mulher mesmo, que as meninas vão crescendo e vem estudar, sai, eu mesmo só tenho a que mora em Alcântara, o resto tudo é só homem...
O resultado, a longo prazo, deste esvaziamento da produção pela falta de artesãs ar tesãs qualicadas para atender às demandas é a morte do trabalho iniciada há algum tempo no caso de Brito ou de Santa Maria ou de uma tradição secular de produção cerâmica em Itamatatiua. Porém é possível identicar ao longo da conversa com as artesãs de Itamatatiua um cenário inconstante de demanda ao longo dos anos que interfere na produção, que também decai. Na conversa abaixo, o tema era sobre a década de 70, quando houve uma drástica drástic a diminuição nas vendas de potes: Pesquisadora: O que vocs faziam mais nesse tempo mais antigo? Dos Anjos, de Itamatatiua: A gente fazia mais era pote, né? Pesquisadora: Porque vocs faziam pote? Dos Anjos: Porque pote é o que dá, né?! Pesquisadora: E vocs usavam isso no cotidiano de vocs também? Dos Anjos: Usa. Até hoje. Porque o pote, a gente viu que tinha muita saída, né?! Porque a gente era todo mundo, levava pra tirar água.
Depois, começou o plástico, e todo mundo só queria balde. A água encanada também... também ... Aí caiu mais o pote. Aí a gente resolveu fazer travessa, panela, copo... Neide , de Itamatatiua: Por que dantes, assim, a gente não trabalhava assim... cada qual fazia em suas próprias casas, aí a gente trazia pra infornar no forno, e quando a gente tirava as louça do forno, o comprador já tava ali pra comprar. Assim era. Ele garrava, garr ava, comprava tudinho, pagava e comprava tudinho, eu criei meus lhos foi só com isso aqui. Louça... Vendia praí tudo, pra pr a Bequimão, pra Pinheiro... O pote saía era quenquen te pro carro... Hoje a produção foi retomada, pela interferninterf erncia e mediação do SEBRAE, conforme nos relataram as artesãs. Foi possível observar como a diminuição na produção foi causada por fatores internos e externos à comunidade, naquele momento. Pelo que foi relatado pelas artesãs mais idosas, o sustento das famílias provinha destas vendas de cerâmica. Armam que criaram seus lhos com o dinheiro da louça. Na verdade, a cerâmica possuía um caráter utilitário relacionado ao armazenamento de água. Quando não havia mais a necessidade de se ir ao poço e que o pote pôde ser substituído pelo leve balde de plástico, consequentemente, status. A geração que assistiu a cerâmica perdeu seu status. a esta decadncia dec adncia na produção não percebe a possibilidade de garantir seu sustento a partir de tal atividade. A esta situação alia-se a indisponibilidade de escolas de séries mais avançadas no interior – uma realidade em inúmeros municípios – e a consequente saída dos lhos das artesãs para buscarem estu do, trabalho e renda.
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3.3.2 A produção da dor
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Em diversos momentos da pesquisa foi possível observar e escutar as reclamações de dores no corpo, fruto das posições em que costumam trabalhar e também causadas pela repetição à exaustão de certos movimentos. A atividade artesanal está est á relacionada a pequenas séries produzidas em espaços de tempo que condizem com o esforço realizado. Quando a produção aumenta e o tempo de execução diminui, os corpos das artesãs padecem. Observamos nos ambientes de produção a postura das artesãs para a realização de tarefas e observamos alguns constrangimentos ergonômicos nas posições de trabalho. De tempos em tempos, as artesãs mudam a altura do tear te ar,, para variar a posição posiç ão em que se sentam e mesmo levantam o tear para baterem em pé. Em Itamatatiua, alternam-se entre o trabalho de modelagem realizado no chão, onde trabalham sentadas, com as pernas abertas ou em pé, apoiando o barro na bancada de pedra. Esta posição está associada à produção de vasos grandes, conforme nos relata Neide: Neide, de Itamatatiua: Hum... Eu tenho uma dor de coluna que às vezes eu tenho que me escorar na parede. Ah, dói muito a coluna da gente. Aí pra levantar é só com a gurizada [ajudando a levantar] a gente tem que se encostar de vez em quando pra não doer a coluna. Pesquisadora: E todo mundo sente? Neide: Tem umas que sente menos, tm outras que sente mais... Pesquisadora: Esses jarros grandes, não dá pra fazer na mesa, não? Neide: Não, esses assim não dá pra fazer... Se a gente zer na mesa, tem que passar pro chão pra armar ar mar..
Pesquisadora: A senhora senta na cadeira alguma hora? Neide: Não, só no chão... Queixas sobre dores nos ombros, nos braços, na coluna são recorrentes, além de reclamações sobre ardncia nos olhos, causadas pelo trabalho noturno de acabamento, principalmente em Santa Maria. Eloísa, de Itamatatiua: Aí eu também não consigo mais fazer aqueles vasos compridos, assim, por que a gente tem que ir rodando, por que dói demais, às vezes eu boto um mocho pra poder ajeitar. ajeitar.
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Eudialite , de Santa Maria: O jeito que tá do-
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Também podemos observar as estratégias que endo minhas costas... problema de coluna, dói as artesãs utilizam para aliviar a dor e continuar na demais as costas, demais. produção: Pesquisadora: Só dói as costas? Pesquisadora: E esse banquinho do pé? Eudialite : Não, só as costas mesmo, às vezes Luzia , de Santa Maria: Mar ia: Ah, isso aqui é pra aliviar alivi ar... ... dói mesmo, dói, dói. Pesquisadora: Quem foi que teve essa ideia? Celeste , de Santa Maria: Eu de vez em quando Luzia: É eu mesmo, eu boto aqui, as vezes tá amanheço o dia com isso aqui doído [falando do doendo, eu tenho que trocar de posição... braço], tem umas também que, já duas, a minha Rosa, de Santa Maria: Eu trabalhava com o tear irmã e uma artesã lá de cima, sentem uma dor em baixo e agora eu botei ele assim, nessa posição aqui assim [pulso], [pul so], não conseguem mais bater. [mais para cima], eu sento na cadeira. Fica melhor porque em baixo a gente se curva muito... Deuzimar , de Santa Maria: É trabalho muito, a gente trabalha porque precisa né, mas que dá trabalho, dá... Pesquisadora: Dá, né? A senhora sente dor? Deuzimar : E muito, nas pernas, dor na costa, e a gente leva a maior parte do tempo é sentada. Só ainda não parei por causa que as menina tão pouca, nós tamo pouca no grupo, é que teve algumas que foram embora, algumas que não puderam trabalhar por causa da vista... Em Brito, onde o tear da rede é alto, as artesãs cam alternando as posições na hora de botar a rede: cam em pé para alcançar a madeira superior e abaixam-se, para alcançar o inferior. O resultado deste movimento é encontrado na fala de Luciene: Pesquisadora: Luciene, tu sempre ca assim, le botar a rede? vantando e agachando quando vai botar a Luciene , de Brito: É... Quando tô de short eu co é de acoco [acocorada]... Só quando a gen te bota a rede mesmo que é daqui até lá... Aí sente muita dor nos quarto quar to [colocando as mãos na altura dos rins], na hora de botar . Na hora de bater eu bater eu não sinto nadinha não.
Celeste, de Santa Sant a Maria: É por que é um trabalho que tem que trabalhar sentado, e é difícil a gente car assim certinho o tempo todo, não tem co mo. E às vezes o jogo americano, como ele é alto, a gente bate parte sentado e depois bate em pé. Pra não car demais em pé. Minhas pernas cam gordinhas quando dá de tarde, toda inchada.
As dores provocadas pelo esforço da repetição são identicadas em todas as comunidades. Quando perguntamos o que fazem para melhorar, falam sobre o uso de antiinamatórios sem prescrição mé dica, interrupções temporárias na produção e alternância na posição de trabalho para diminuir os efeitos traumáticos. Quando questiono se pensam em parar de trabalhar por causa das dores, dizem unanimemente que não, que esta é muitas vezes sua única forma de renda, renda , como veremos no próximo item. 3.4 O valor do artesanato: as relações de troca
Pensamos a categoria valor como uma instância inerente ao artefato, que o substitui nos momentos de troca, econômicas ou simbólicas. Assim, o valor existe lor existe quando há a possibilidade da permutabilidade, em que o artefato é imbuído por representações, de quem o produz e de quem o consome. Desta forma, entendemos o valor a valor a partir da relação das artesãs com seus produtos, com os agentes que mediam as vendam, suas representações sobre custos de produção e manutenção dos espaços de trabalho e sobre o que identicam como qualida des e atributos do seu artesanato. Neste último item, discutiremos os dois principais processos de atribuição de valor aos valor aos artesanatos produzidos: de um lado o preço atribuído às peças produzidas, simbolizando o potencial econômico atribuído ao artefato e por outro, o imaginário das artesãs em relação ao artesanato, caracterizando o valor simbólico valor simbólico da sua produção, sua ligação com a natureza e o pertencimento a um sistema de conhecimento local.
3.4.1 Preço e valor : a carne mais barata do mercado
Durante a pesquisa, abordamos o assunto da atribuição de preço aos produtos, e em cada grupo havia uma forma diferente de atribuição de preço. Em Santa Maria, com a intervenção do SEBRAE, foi desenvolvido um portfólio de produtos. Em uma pasta estão organizadas as chas técnicas dos produtos que as artesãs desenvolvem, contendo a foto, a descrição detalhada do produto, as dimensões, uma estimativa de tempo utilizado utiliz ado para sua confecção e o preço de custo e o preço de venda de cada c ada produto. Pesquisadora: Como é que vocs botam preço? Celeste, de Santa Maria: Olha, nesse negócio de preço, a gente teve curso com o pessoal do SEBRAE, com a Socorro. Eles ajudam a gente a conseguir os preços, por que como o rapaz [um consumidor] sumidor] tava falando fal ando pra ele: “Não, mais é caro!” Eu digo não, sabe por qu? Por que o preço que a gente cobra no produto ainda não tá o tempo que a gente se dedica nele. Por que fazer os processo todinho pra depois o produto pronto, então o preço que a gente pede no produto, nunca que paga o trabalho que a gente tem. Aí ela ajuda a gente a fazer os preços, ela levou a gente pra São Luís pra ver o preço como é lá, mas nunca nunc a vão pagar o preço do que a gente fez... As artesãs relatam que o preço foi atribuído com a ajuda do SEBRAE, utilizando-se uma tabela, com a consultoria da gestora Socorro Abreu. Na fala, mostram a percepção sobre a relação preço-tempo-trabalho, e mostram conscincia sobre a não valorização do produto, com o exemplo do
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rapaz, um consumidor, que achou o artesanato caro. A atribuição de um juízo – artesanato é caro – provoca uma reação de desconstrução do discurso do consumidor pela a artesã, arte sã, que não v no preço valor condizente pelo qual vende o seu produto, um valor condizente com o tempo e o trabalho investido para par a executá-lo. O preço a que chegaram com a planilha feita com o SEBRAE é considerado alto e o preço executado pelas artesãs, na prática, é mais baixo que o estimado, pois na relação de troca o seu produto não atinge o mesmo nível de valoração que é percebido pelo consumidor. Ao preço praticado pelas artesãs, adicionam-se um custo de R$1,00 destinado à Associação, a comissão de venda da loja de artesanato na sede de Alcântara e o preço do transporte de Santa Maria até valor que é gerado pelo trabalho das arAlcântara. O valor que tesãs vai sendo dividido entre os diversos agentes da cadeia produtiva. Deuzimar , de Santa Maria: Teve uma vez que ganhei R$320,00, R$320,0 0, eu z 21 peças de jogo ameri cano, aí eu z de novo as sacolas, e ganhei 180 em 13 sacolas médias. Pesquisadora: E quanto vocs ganham por sacola na encomenda? Celeste , de Santa Maria: Na encomenda a gente faz desconto, mas na loja a gente ganha R$25,00 na sacola grande [40x38cm] e R$20,00 na sacola média [35x33cm]. A gente manda o produto no preço, aí a loja coloca em cima, cima , mas o preço do artesão vai “X”. Alguém fala que eles incluem no preço o valor da passagem pra levar, levar, pra não ter prejuízo. Em Brito, o preço é atribuído pelas próprias artesãs. Elas fazem um cálculo estimado, ainda sem
precisão sobre o preço da matéria-prima utilizada e estabelecem um preço que lhes parece suciente, mas sem nenhum parâmetro especíco. Maria José nos fala sobre o investimento na compra de um pequeno estoque de o, goma e tin tol, mas não soube dizem quanto de material era utilizado exatamente para uma rede. Maria José , de Brito: Não por que um exemplo, a tintura, ela comprou outro dia, nem sei pra que foi... Porque os R$300,00, saiu pra tintura, pra comprar esse saco de o e saiu pra comprar o tintol, aí não sei quanto foi essa conta, falta ela [Roberta] mostrar pra ver o quanto saiu. A rede saia de R$130,00 se for comprar o o, é R$15,00 R$15,00 o o, uma rede de 3kg 3k g são R$45,00, que sai ano passado, esse ano a gente não sabe ainda, mas o tintol, aí tem a goma que nós compramos também... Aí não sei o quanto que tá o quilo da goma... Pesquisadora: Usa quantos quilos de goma pra uma rede? Maria José: Ah, pra uma um a rede eu acho que sai um quilo dá pra duas ou trs redes, ainda não observei bem mesmo. Aí a gente ainda não fez a análise. Roberta, de Brito: Porque a gente faz a rede, a de
2,5kg, eu vendo de R$100,00, a de 3kg, R$110,00 mas só que o nosso preço é esse, mas já j á teve pesvalor da rede, soas que como o material é bom, o valor da já deu até mais. mais. Uma de 3kg, uma rapaz de BraBrasília, ele perguntou qual era o valor da valor da rede, aí eu disse que era R$110,00, aí ele deu R$130,00. A artesã nos mostra que os diversos tamanhos de rede tm preços diferentes, em função da quantidade da matéria-prima matéria-pri ma utilizada. Observamos também
a diferenciação estabelecida estabele cida entre preço e valor . O primeiro é atribuído a um parâmetro racional, estabelecido entre o peso da rede e a utilização de matéria-prima, ainda que elas não saibam explicitar como chegam a este preço. O segundo, o valor , relaciona-se a um juízo, uma percepção que as artesãs explicitam na forma de uma qualidade – “o material é bom”. No depoimento da artesã ela identica também uma percepção do consumidor, que ao identicar este valor – valor – a rede é boa – é capaz capaz de convert-l convert-loo em vavalor de troca, atribuindo um preço pre ço maior à rede. Importante ressaltar que não realizamos uma pesquisa com os consumidores, portanto, portant o, essa conversão de valor em valor em preço foi uma apreensão no discurso da artesã. As redes de Brito são os únicos produtos que pesquisamos que podem ser comercializados com o parcelamento da compra: Silene , de Brito: A rede é cara. Quando a pessoa acha cara, a gente oferece ofe rece para parcelar. Dá uma parte quando encomenda, encomenda, e depois quando recebe, e também pode dar depois...
o caráter da pessoa, a gente até entrega assim ado, aí a pessoa já vai, eu tenho tanto pra dar, a gente recebe e marca o ms, tal ms eu venho pagar o restante. O que a gente já sabe que é enrolado, aí não, a gente só entrega a rede com a metade. A gente ainda não n ão tem uma conta pra mandar a pessoa botar na conta, só dinheiro vivo.
A partir da emissão de juízo – a rede é cara – as artesãs estabelecem estabelece m o parcelamento como uma estratégia para a concretização da venda. Mas também compartilham a emissão emis são de juízos com o outro, outro, valor do produe incorporam estes juízos como um valor do to. Oferecem a possibilidade de parcelamento quando “a pessoa acha cara”. Continuamos Continuamos escutando escut ando sobre o parcelamento: Pesquisadora: Como é que paga a prestação? Silene . de Brito: A gente conhecendo a pessoa,
Neste depoimento é possível identicar um valor importante lor importante para as artesãs – o caráter – que é a garantia para aceitarem uma encomenda sem o pagamento de uma entrada, ou o parcelamento da dívalor das parcelas, de acordo vida, e a negociação do valor das com a possibilidade do consumidor, entendido como pessoa2 . Esta característica, assim como a informalidade da encomenda que pudemos observar no item 3.1, 3.1, aponta para um modelo de produção baseado na palavra e não em papéis. Durante o seminário que realizamos em Alcântara, em uma discussão nos grupos de trabalho, uma artesã de Itamatatiua questiona o preço da rede, considerando-o caro. Observemos a conversa, considerando-a uma consumidora. Roberta, de Brito: O valor de 100 reais é pra rede de 2,5 kg por que vale, por que as redes são boas, elas valem aquele preço . O o torcido a rede ca mais pesada e mais durativa. E o singelo a rede ca mais leve, mas dura mui to também. Canuta, de Itamatatiua: Não acha que tá muito caro?
2. Durante a pesquisa , foi possível observar os diversos momentos em que as art esãs referem-se às pessoas, aos compradores, aos consumidores. consumidores. Sabemos da import ância e complexidade de
tal investigação e optamos por deixar esta análise para a nossa pesquisa de doutorado, em curso, cujo tema e objetos tm relação com conteúdo deste livro.
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Roberta: A gente não bota o preço, quem bo-
ta o preço é o produto. O cliente acha que vale aquele preço por que é bom o produto.
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A relação entre o produto e o preço é determinante para a artesã, que qualica o seu produto pela durabilidade. Se é um produto durável, é válido o preço que se paga por ele. Esta conversa entre as artesãs nos elucida uma importante representação da artesã sobre a função da rede como um artefato, tendo uma existência autônoma e ativa nas relações de troca . Em Itamatatiua, a atribuição do preço também é feita por uma estimativa arbitrária das artesãs, conforme nos relata Eloísa: Pesquisadora: E o preço das peças? Como vocs fazem? Eloísa, de Itamatatiua: A gente que escolhe o valor mesmo. valor mesmo. Aí tem peça de tudo quanto é preço, né? De R$1,00 a R$50,00, a R$60,00. encomenda? Pesquisadora: E quando é encomenda? Eloísa : Quando compra em quantidade, aí o preço é diferente. Aí a gente baixa um pouquinho, assim quando compra em quantidade. Em outra conversa com Neide, durante o trabalho de uma encomenda de 20 potes grandes, observamos sua percepção sobre a discrepância entre o preço da venda das peças e o tempo que leva pavalor do trabalho, utilizandora a sua execução, e o valor do -se um parâmetro local de troca para a denição do valor das diárias pagas em Itamatatiua. Pesquisadora: Aí em uma peça grande assim, com duas pessoas trabalhando, por quando vende? Neide, de Itamatatiua: é o mesmo R$50,00. E agora, eu vou raspar, depois de raspar, eu vou
passar essa lixa, depois da lixa eu tenho que passar uma pedra, dessa pedra, eu tenho que passar um escovão, pra poder ir pro forno... R$50,00 não dá, dá , né? Por que um dia aqui, a gente trabalhando cedo é R$15,00 R$15,00 Pesquisadora: O dia de trabalho? Como é que vocs chegaram nesse preço? Neide: Aqui em Itamatatiua é conforme, por exemplo, quando a carne sobe, se a carne sobe, aí sobe o preço da diária... A diária de homem é R$20,00 e a de mulher é R$15,00... (...) pra fazer cerca, pra roça, pra qualquer tipo de serviço. Pesquisadora: E quanto tempo vocs dão conta de uma encomenda dessas? Neide: No inverno? inverno? No inverno é dois meses. No verão é um ms por que seca rápido, a gente faz a peça em um dia, no outro dia a gente já tá fazendo acabamento. No inverno não ... Agora até tá secando depressa por que não tá chovendo muito. Daí eu z esses anteontem anteont em e já tô dando o acabamento, mas quando tá chovendo é oito dias pra fazer esse acabamento. Aí a senhora v que não dá R$50,00... Na fala da artesã, observamos suas representações sobre a discrepância entre ent re o tempo de exeexecução da tarefa e o preço pelo qual a peça é vendida. Quando a artesã nos mostra o preço da peça e a quantidade de trabalho e tempo, reete – com ba se no preço da diária, relacionado ao preço da carne – que que há uma lacuna lacuna entre o número número de dias dias trabalhatrabalhados e o que receberia pelo pote, resultando em um valor de valor de diária muito mais baixo b aixo do que é praticado no mercado local, os quinze reais da diária feminina. A percepção sobre a desvalorização do trabatrabalho se estabelece com a permutabilidade, quando é
convertido em diárias, diárias , que por sua vez é convertido em valor de troca pela carne em Itamatatiua. Observamos, ainda, a diferenciação do valor da valor da diária feminina em relação à masculina, relegando a um último patamar de valorização a produção do artesanato, considerado em Itamatatiua uma atividade essencialmente de mulher. 3.4.2 Artesanato é trabalho, tempo é dinheiro!
Durante nossa estada nos povoados foi possível identicar a importância do artesanato na vida das artesãs. O dinheiro advindo da produção é fundamental para a renda das famílias, f amílias, complementando complementando outras fontes da renda familiar. Trata-se de um importante valor . Em Santa Maria, escutamos um depoimento que retrata esta realidade: Rosa , de Santa Maria: O meu marido é daquele que ajuda, mas na hora [quando tem encomenda] ele fala, ele ca falando [reclamando]. Pesquisadora: O que vocs ganham é importan importan-te na renda familiar? Rosa: Eu, graças a Deus, não é assim muitão, mas dá pra quebrar o galho da gente. Eu tenho 32 anos e tive 8 lhos, hoje 6 são vivos. A gente encomenda, aí a ganha, mais assim, quando tem encomenda, gente ganha mais, mas de qualquer forma é uma ajuda grande. Celeste , de Brito: Rosa criou os lhos dela tu dinho com isso [linho].
Pesquisadora: Voc só ganha dinheiro com o linho? trabalho com linho? Suely: Não. Eu tenho duas rendas assim, que tem essa renda rend a aqui [do linho] linho] e tem a do bolsa-família, sa-família , né? Também Também tem a roça também. Aí quando é pra fazer farinha eu vou ajudar ele [o marido], tira a puba, que ele bota dentro d’água e a gente vai ajudar a tirar a puba, peneirar, aí tem vez que a gente vende o paneiro de farinha, vende os quilos, mais é mais m ais pra comer. comer. Pra vir o dinheiro mesmo é do linho e da bolsa-família.
No depoimento de outras artesãs, observamos as representações sobre o artesanato como trabalho e emprego , associando essas noções a uma regularidade na geração de renda, e não a uma iniciativa de empreendedorismo, como a produção artesanal é vista tradicionalmente pelos órgãos de gestão e capacitação: Celeste , de Santa Maria: É um pouco complicado, às vezes a gente bota na loja 10, 12 peça, vai receber, vai prestar conta por ms, às vezes num vende nada, às vezes desanima, às vezes dá vontade da gente parar de trabalhar. Por isso tem muito esposo às vezes que não deixa aslinho... sim, as esposas trabalhar com o linho... Deuzimar , de Santa Maria: É muito tr trabalhoso abalhoso e às vezes a gente bota, porque assim se a gente tivesse quem comprasse assim na hora, comprasse, pagasse, num casse material empaca Na fala da artesã, observamos um contrapondo, sabe? Era bom, mas às vezes a gente manda encomenda, to da ajuda do marido. Ele ajuda, mas reclama quanpra loja, leva é dias, a gente fez uma encomenda, do há uma intensa produção durante uma encomen já vai v ai fazer f azer é ms, m s, até agora a gente ainda não da. da. Outra artesã nos relata a importância do artesarecebeu, quer dizer, que é uma situação assim, nato na renda familiar: que as vezes já desagrada a gente até pra gente
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as contas e sustentar a família. O mercado agora responde lentamente, com o parcelamento, com a devolução lenta do dinheiro das vendas na loja, com a baixa venda dos produtos nos períodos de pouca procura. O tempo é ele próprio convertido em valor e valor e cai Observamos durante todo o capítulo, nas falas das artesãs, suas representações sobre o artesanato na lógica da troca. Produto caro, negociado entre o como uma atividade trabalhosa. O cansaço das arte- mercado e as artesãs; antes, era curto, tirando-lhes sãs advindo do trabalho que, como vimos anterior- a possibilidade de realizar sua atividade com um ritnecessári as para a produção; mente, é doloroso sicamente, também é desgastan - mo condizente às etapas necessárias valor dos arte emocionalmente, quando tratado tr atado como um empre- agora é longo, dicultando o retorno do valor dos go, um trabalho e uma fonte de renda, pois o retorno tesanatos às comunidades, em forma de dinheiro. da venda – o dinheiro – é instável, não é rápido e não 3.4.3 Valores simbólicos do artesanato supre as necessidades cotidianas, mas ocupa um grande espaço na vida das artesãs e de sua família. Por isAgora observaremos as representações das arso é grande a expectativa expect ativa quanto ao retorno nanceiro. O artesanato é um trabalho que demora a ser re- tesãs sobre valores simbólicos do artesanato que produzem. Considerando o que foi dito no início destribuído em forma de pagamento. valor acontece na condiNa voz de Maria José observamos uma aborda- te item, que a produção do valor acontece gem de se investir no trabalho para que haja um re- ção da permutabilidade , questionamos constansultado futuro e a crítica ao imediatismo das artesãs temente as artesãs, durante a pesquisa, sobre suas opiniões, pensamentos e gostos sobre a sua própria mais jovens: Maria José , de Brito: (...) E aí camos, porque a produção, a m de que qualicassem o seu artesa Silene arranjou de se empregar, por que ela ta- nato, identicando qualidades – positivas ou negati va com uma conta pra pagar... Nesse outro se- vas – sobre como elas se relacionam simbolicamenminário, parece que nós já tava em nove, aí saiu, te com os artefatos e percebem na relação entre os eu não sei, vendo assim acho que só tem eu e consumidores e seus produtos. Para sistematizar a análise, iremos lançar mão Roberta. O negócio é o seguinte, elas querem trabalhar em uma coisa que receba logo. Mas das categorias analíticas propostas por Krucken panem todo trabalho hoje tem a condição da pes- ra a construção esquemática da estrela de valor soa começar e ter logo o resultado result ado imediato... (KRUCKEN, 2009, p.29), identicando nos discur sos e nas práticas as representações que se relacioNos depoimentos acima, mais um a vez perce- nam com cada um dos valores das seis pontas da esbemos o tempo como um parâmetro fundamental na trela: funcional, ambiental, emocional, simbólico-culpercepção das artesãs sobre a sua produção. Agora, o tural, o social e o econômico. Nos aprofundaremos tempo das artesãs artesã s é mais rápido que o do mer - nos aspectos emocionais, sociais e simbólico-cultuambiental que cado, é o tempo da necessidade, o tempo de pagar rais e, mais supercialmente, no valor ambiental que continuar trabalhando porque quem mora no interior, interior, não tem emprego, e mprego, o emprego da gente é esse aqui, tem que viver disso né?
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será mais amplamente discutido no capítulo 4. Os valores econômicos e funcionais já foram visitados nos itens anteriores deste capítulo 3. Em Brito, as diculdades enfrentadas pelas ar tesãs em organizar a sua produção são superadas pepe lo surgimento de outro tipo valor atribuído pelas artesãs ao próprio trabalho: Maria José, de Brito: (...) Com trs, quatro dias a rede ca pronta. Aí outro dia pra ajeitar, pra fazer a varanda... Por que o meu trabalho de punho é quando elas tiram a rede do tear. Já tão com o o torcido, a varanda e o punho já ta só pra botar . (...) Sempre quem ca indo direto lá é eu, eu peguei uma mania de ir lá, por que sei lá, a gente tem uma responsabilidade e a gente pega um amor por aquilo que a gente tá fazendo, e eu todo dia eu terminava de almoçar e ia pra lá. (...) emocional é expresso na forma de amor O valor emocional é pelo fazer , que também pode ser visto através das categorias gosto e beleza quando atribuem a escolha de um produto por um cliente a partir de tal noção: Pesquisadora: Porque vocs acham que a Natura ou o restaurante lá de São Paulo encomendam os produtos de vocs? Celeste , de Santa Maria: Olha, o porqu eu não sei, mas o seguinte, o pessoal da Natura viu um produto da gente, e daquelas cores tinham o mangue, e a cor do mangue, o produto do mangue era muito importante para o trabalho que eles iam fazer, viram nosso produto, acharam bonito, gostaram, mas tinha que ter o mangue, a cor escura. O pessoal de São Paulo achou bonito, olhou e gostou.
Percebemos na fala acima referncias sobre a ligação dos seus produtos com a natureza. Observamos a importância do mangue para o trabalho da Natura. Durante nossa estada em Santa Maria, conversamos sobre o uso de corantes naturais e arti ciais, e as artesãs mostraram ter conscincia sobre os diferentes valores que são atribuídos aos dois tiambiental do corante natupos de tingimento, o valor ambiental do ral, expresso conceitualmente na sustentabilidade e no valor de mercado; e no uso do corante articial para acompanhar as tendncias da moda. A preocupação com a qualidade e acabamento das peças produzidas em Santa Maria está presente cultural importante, porcomo um valor simbólico e cultural importante, que além de garantir que o comprador que satisfei to, é um fator de diferenciação perante o artesanato de bra de buriti de outras localidades: Pesquisadora: Por que voc acha que alguém escolhe o teu produto na loja? Maria José , de Santa Maria: Porque o material é bom, é da bra do buriti, então no meu pon to de vista ele tem mais valor que o da borra. borra. Pesquisadora: Mas por que o valor da bra é maior? Maria José: Por que o da borra ca mais grosso e o nosso ca o pano mais no, o tecido ca batido mais no. Pesquisadora: Tem algum problema eu escolher o grosso e o seu não ser? Maria José: No meu ponto de vista, o meu é melhor, melhor, porque que nem eu e u disse, de longe voc v o material batido e o grosso tem umas faf alhas no meio.
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Pesquisadora: Por que voc acha seu produto bom? Marinalva, de Santa Maria: Por que o acabamento é mais caprichado, é mais apertadinho, não tem nada folgado, os nós não são tão t ão grandes, às vezes as cores do meu tá mais forte do que da outra comunidade. As pessoas preferem os mais fortes. Identicamos nas falas acima as percepções percepções positivas das artesãs sobre seus produtos. Diferenciam seus produtos a partir da qualidade, expressa no capricho, pricho, na trama apertada, apertada, o que são resultados de um pano bem batido. A cor forte do produto também é considerada diacrítica, percebido pelas artesãs como um fator de escolha do produto pelo consumilinho, a parte mais dor. dor. O fato de trabalharem com com o linho, delgada da bra e não com a borra, borra, ocasionando um tecido mais no, também é destacado pelas artesãs. Nesta coleção de falas, quando perguntamos o que diriam para venderem seus produtos, observamos um discurso coletivo, que se repete a cada vez que perguntamos, baseado em valores emocionais, simbólicos e culturais: culturais: Eudialite, de Santa Maria: Como o nosso trabalho é com a bra que é mais macio, sempre o nosso acabamento vai car mais bonito. Gosto de trabalhar com cores fortes, chama a atenção, muitos gostam. Eu que faço a junção das cores. Suely, de Santa Maria: M aria: De cor, cores cores fortes, fortes , diferentes de umas, cores bem lindas, mas que d certo: uma cor viva e uma cor fraca. Quando não é encomenda eu mesmo uso minha imaginação. Eu gosto de cor bem viva. Celeste , de Santa Maria: O meu produto, trabalhamos com a bra pura, tingimento natural e
articial, é o bem colorido, bem acabado, também somos uma associação, somos remanescentes de quilombo, nossa comunidade também tem uma história e o nosso produto é único e não tem outra comunidade que faz a trama do mesmo jeito que faz, a associação de Santa Maria.
O orgulho sobre o trabalho é percebido pelo entusiasmo com o qual essas palavras foram ditas, a cor viva como um gosto, apesar de haver uma forma certa de se combinar, mediante a encomenda. da. O caráter institucional da produção, ser feita por uma associação, também é ressaltado pela líder do grupo, que busca num discurso sobre tradição legitimar a história do seu produto. A identidade étnica valor a ser comunicado. surge como um valor a Observamos o entrecruzamento de diversos discursos ociais, institucionais e do senso comum, dos consumidores e dos mediadores da cadeia produtiva que se materializam nas falas das artesãs. Para qualicar a produção, tornando o seu artesanato um produto único, único, as artesãs utilizam todos estes discursos, politicamente, para ressaltar ressalt ar os traços que as diferenciam de outras artesãs. Ao ressaltarem qualidades como a história, a alusão à identidade étnica, reetem o discurso da tradição no artesanato. Em Itamatatiua, também identicamos a re missão a um passado que legitima a qualidade do artesanato: Canuta, de Itamatatiua: A cerâmica de lá é muito boa, Itamatatiua é manual e Rosário é na forma. A gente tem que vender, por que é desse que a gente tira o sustento, suste nto, que a gente tirou para criar os nossos lhos, se não vender, ca
difícil de comprar qualquer coisa. Nossa mãe que ensinou, nossa avó, é uma herança e nunca tem que terminar, é uma herança muito boa e todo mundo gosta das peças da gente. O gostar das peças é associado à herança , ao saber que é passado de geração em geração. No depoimento de Nazaré, a recorrncia do discurso sobre o caráter geracional ger acional da produção e o orgulho do trabalho e do sustento da família fazendo louça: Nazaré , de Itamatatiua: Aprendi a cerâmica com minha mãe, quando eu tava com 11 anos a minha mãe era viva. Quando eu tava com 12 anos a minha mãe morreu, aí eu já sabia fazer várias coisas, já sabia fazer o pote, o jarro. Quando eu tinha 18 anos meu pai faleceu, mas como eu já era dona da minha venta, venta , já me responsabilizava por minhas despesas. Aí depois arranjei lho e maridos, comecei a fazer louça, vendia, adquiria dinheiro e comprava as coisas do meu lho. Por isso tenho maior orgulho e nunca largo de fazer fa zer,, por que foi uma coisa muito importante pra mim, criei meus lhos foi fa zendo louça. Por isso que gosto e nunca deixo de fazer, só depois de morrer. É uma coisa muito importante. Em Brito, percebemos uma abordagem funcional aliada aos valores emocionais da redes: Roberta, de Brito: É um material bom, ca uma rede forte, durativa, ca boa de cor, de ta manho, não ca aquelas roupas que o pé tá de fora. Então é um produto bom. Tem pessoas que pede torcido, tem pessoas que pedem singelo, então a gente prepara bem, faz ela bem organizada. Fica forte, uma rede boa, bonita de
tamanho e de cor, faz da cor que a pessoa pes soa pede. Tem de 2kg, de 2,5kg até de 4 kg. outro, no momenA intensa negociação com o outro, to do conceder um desconto ou um parcelamento, a combinação de prazos, reforçam nossa armação valor é uma categoria que se realiza inicial de que o valor é na possibilidade da troca, da permutabilidade do artesanato. O espaço de negociação com o outro, outro, frequentemente referenciado pelas artesãs, quando relatam a construção do preço e das condições de pagamento pela atribuição de valores percebidos pelos consumidores reete esta tese defendida. Quando perguntamos às artesãs se elas gostavam dos seus produtos, elas sempre armam que gostam, se orgulham, que acham bonito. Mas quando perguntamos se elas usam o próprio artesanato, observamos um movimento contrário. Reconhecem um produto como uma herança, um traço da sua identidade, mas não usam. Vejamos Vejamos as falas f alas das artesãs: Pesquisadora: Voc usa em casa as coisas que faz? Neide , de Itamatatiua: Não... Não dizem que em casa de ferreiro usa espeto de pau? Não é? Não tem esse dizer? Não uso nadinha... nem pra enfeitar. Pra não dizer que não tenho nada, eu tenho uma farinheira... Pesquisadora: Mas por que não usa? Neide: É por que assim, quando agente fala fal a que vai fazer um conjunto lá pra casa, casa , aí chega outra pessoa e compra, aí todo tempo faz, faz... faz mas vende. Mas eu gosto... Eu tinha uma tigela que eu comia... Mas no tempo dos meus pais que trabalhavam em roça, eles usavam só coisa de barro, era fogareiro de barro, caldeirão de barro pra fazer arroz, era tudo... Aí tinha prato de barro, esse copo de barro, tigela de barro
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que a gente levava pra roça. E aí agora que ninguém quer, ninguém usa... Só usam agora coisas de louça... Tem que comprar... comprar... É por isso is so que as coisas tão caras. A gente sabe fazer as coisas, né? Mas vai comprar na loja... a r a t n â c l A e d o t a n a s e t r a o d s a v i t u d o r p s a i e d a c s a : r o l a v é e d a d i t n e d I
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Observamos que o pote de barro caiu no desuso, e uma das causas, como vimos anteriormente foi a introdução do balde de plástico. As artesãs perderam o hábito, presente entre os antigos, mas ausente do cotidiano das artesãs. Uma outra forma de falarem sobre a não utilização do artesanato é atribuir a sua utilização ao outro: outro: Eudialite , de Santa Maria: Todas chique né, Suely, aí elas bota uma sacola de linho, linho, chega, sai “toda”... Parece assim que vai... Aí nós ca só olhando, pra gente? A gente tem até vergonha... Pesquisadora: Mas por que tem vergonha? Eudialite : Sei lá, acho que é porque a gente é acostumado com elas... Eu acho, porque ve jo assim as artesãs, artesãs , eu acho difícil ver uma um a que tem uma sacola... Mas uma sacola dessa eu duvido que ela agarre assim, igual que a gente v lá em Alcântara, as mulherers chegam vão que... Suely: Eu acho. E as pessoas dão muito mais valor, valor, né. Quem compra. Eudialite : E num é isso que eu to dizendo? Eu acho que sim, porque a gente só produz assim porque sabe que essa é a renda da gente, sabe? Mas geralmente quando a gente v o trabalho dos outro assim, a gente tem uma vontade, e a gente não, acho que a gente já se acosbater e mandar pra loja pra vender, tumou, só bater e mas não tem aquela vontade, que quer né, pra ter pra gente.
Observamos na conversa com as artesãs que as qualidades percebidas no produto, como vimos anteriormente, não são atribuídas quando elas el as se colocam na posição de usuárias. Assim, é possível percebermos a visão das artesãs de que o que produzem é para o outro e não para o próprio uso. Ao deslocarem-se da posição de produtoras para consumidoras, a forma como qualicam o ar tefato é modicada, pois a relação que estabeestabe lecem no ato da troca modicou-se . Nem todas as artesãs possuem esta visão e armam que utilizam os produtos. Em todos os povoados, porém, a prioridade é atribuída à venda, e as artesãs relatam que se produzem alguma coisa para o próprio uso e alguém chega a casa delas querendo comprar, elas vendem sem hesitar, armando que o artesanato é feito para ser vendido. Podemos dizer que as identidades do artesanato são construídas pela articulação destes valores, valores, em uma negociação entre as diversas representações dos agentes envolvidos no processo de troca e estabelece-se como, nas palavras de Stuart Hall, “uma ‘produção’ que nunca se completa, que está sempre em processo e é sempre constituída interna e não externamente à representação.” (HALL, 1996, p.68). outro, no proAo enfatizarem a sua relação com o outro, cesso de construção dos valores dos produtos, as artesãs assumem a possibilidade de trânsito de suas identidades, considerando aspectos internos e externos a elas, considerando as representações do outro – consu consumido midores res e media mediador dores es das das cade cadeias ias produtiv produtivas. as. As identidades se tangibilizam nos atributos materiais e imateriais dos artefatos e estes estabelecem-se como códigos dos sistemas smicos, compartilhados entres todos os agentes envolvidos nas cadeias produtivas – os valores percebidos .
A relação destes produtos com o lugar no qual q ual Referências são produzidos são valores construídos e comu- HALL, Stuar t. Diáspora e identidade cultural. In: Revista do nicados nestes processos de trânsito intercultural, Patrimônio. Cidadania. No 24. Brasília, DF: IPHAN, 1996. ampliando cada vez mais a percepção e os discursos KRUCKEN, Lia. Design e território: valorização de identiem uxos – representações sobre representações dades e produtos locais. São Paulo: Studio Nobel, 200 9. – da própria territorialidade enquanto categoria Obras consultadas fundamental para a conceituação destes artefatos. APPADURAI, Arjun. A vida social das coisas : as mercadorias sob uma perspectiva cultural. Niterói: Editora da UFF, 2008. BENJAMIN, Walter. Walter. O narrador. / A obra de arte na era de Técnica, Ar te e sua reprodutibilidade técnica. In: Magia e Técnica, Política. São Paulo: Brasiliense, 1994. BHABHA, Homi K. O local da cultura . Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2006. FOUCAULT, Michael. Arqueologia do saber . Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. 2010. ___ _ __ _ _ __. __ . As palavras e as coisas . São Paulo: Martins Fontes, 2002. HALL, Stuart Stuar t (org). Representation: cultural representations and signifying practices. London: SAGE Publications/ The Open University, 2009. MARX, Karl. A mercadoria. In: O capital. Crítica da economia política. Livro Primeiro. 23ª Ed. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2006.
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Capítulo 4 Estratégias ambientais para o desenvolvimento de produtos artesanais ar tesanais sustentáveis Patrícia Silva de Azevedo e Marcella Abreu
4.1 Introdução
Os produtos artesanais representam a identidade cultural de uma determinada comunidade, por meio de técnicas que são transmitidas por gerações entre seus descendentes, caracterizada pelo trabalho em equipe, com divisões de tarefas especícas. Contudo, nem sempre essas técnicas são aprimoradas, ou atendem às exigncias do mercado quanto à qualidade dos produtos, quantidade de peças demandadas ou usabilidade. Havendo a necessidade de uma organização quanto aos aspectos gerenciais e metodológico dos processos. O processo de desenvolvimento de produtos – PDP compreende as fases de pré-desenvolvimento, desenvolvimento e pós-desenvolvimento, sendo que na fase de pré-desenvolvimento tem-se como principal atividade a elaboração do plano estratégico de negócios e de produtos; na fase de desenvolvimento encontram-se as etapas de projeto informacional, projeto conceitual, projeto detalhado, preparação da produção e o lançamento do produto; e no pós-desenvolvimento as atividades de acompanhar e descontinuar os produtos (AMARAL et al., 2006). A metodologia de desenvolvimento de produtos abrange etapas denidas e controladas para que haja um baixo nível de riscos econômicos e processuais. Quando se direciona tal metodologia para o desenvolvimento de produtos sustentáveis, se
incorpora dentro das fases mencionadas anteriormente requisitos ambientais especícos que obriga toriamente devem ser atendidos. Os requisitos ambientais considerados no pro jeto atendem critérios desde a obtenção de matéria-prima, passando pelos sistemas de produção, distribuição, implantação, uso, manutenção e demolição ou descarte do artefato. Portanto, cada decisão tomada no processo de desenvolvimento do produto, reete nas etapas do seu ciclo de vida e consequen temente em maior ou menor impacto ao meio ambiente (MANZINI e VEZZOLI, VEZ ZOLI, 2005). Primeiramente os requisitos ambientais consideram os tipos de recursos a serem empregados no projeto, os primários ou renováveis (cultivados, manejados) ou não-renováveis (extraídos) e os secundários ou reciclados (provenientes de refugos); refugos); o deslocamento entre a extração à produção e a sua transformação em sub-produtos sub-produtos ou beneciamento de peças e componentes, avaliando os gastos energéticos e as emissões. Na produção ou desenvolvimento dos produtos os requisitos ambientais orientam as trs principais atividades: a transformação dos materiais, a montagem e o acabamento. Nesta etapa são considerados a eciência do maquinário, a quantidade de processamentos para a confecção das peças, que decorre do tipo de planejamento de projeto, a redução ou reutilização de peças, o sistema de controle
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e avaliação das atividades, do treinamento e capacidade dos funcionários, do tipo de energia empregada e da vericação dos resíduos gerados (MANZINI e VEZZOLI, 2005). Na fase da distribuição há trs etapas fundamentais: a embalagem, o transporte e a armazenagem, fazendo parte destas, destas , a energia para o transporte, o uso dos recursos para a produção dos próprios meios e as estruturas para a estocagem ou armazenamento. O descarte caracteriza-se com a fase da eliminação do produto, abrindo uma série de opções sobre o seu destino nal. Pensar em uma produção industrial sustentável é considerar uma gestão de negócio e projeto estruturada com todas as avaliações das etapas e seus riscos. Entretanto, quando se direciona o foco a uma cadeia produtiva artesanal, muitos dos cuidados não são considerados, gerando um maior número de erros e consequentemente baixa qualidade das peças e maior desperdício. Na produção artesanal do município de Alcântara – MA, observa-se que muitos dos requisitos ambientais não são praticados, mas algumas estratégias de sustentabilidade são consideradas, tanto pelo lado do impacto que a atividade pode causar ao meio, como é o caso da conscincia pela preservação das fontes de matérias-primas em decorrncia da necessidade pela perpetuação da atividade, como pelo lado econômico, como é o caso do reaproveitamento das peças danicadas que alguns processos como o da ce râmica podem ser triturados e moldados novamente. Souza (2002) propõe uma classicação por tipo logia quanto as estratégias ambientais ambient ais adotadas em sistemas produtivos: (i) defensoras de portfólio, port fólio, que correspondem geralmente aos maiores negócios do setor, tor, que priorizam o atendimento às regulamentações
ambientais, assim como a antecipação de novas leis e padrões, apresentando uma política ambiental deni da; (ii) (ii) escapistas, escapista s, que atendem às regulamentações ambientais, mas não planejam uma antecipação à normas e/ ou padrões e, poucas apresentam uma política ambiental explícita e buscam abandonar a produção atual para explorar novos mercados; (iii) as inativas ou indiferentes, que apresentam apresent am baixo risco ambiental e pequeno potencial de mercado para bens ambientais, tm uma política explícita, mas não parecem fazer uso dela; (iv) as ativistas, semelhantes às defensoras de portfólio, que contudo, dão maior importância em explorar novos mercados. Outra forma de classicação, proposta por Sharma et al. (1999), divide as estratégias em reativas e proativas. As reativas são aquelas nas quais as ações ambientais só serão tomadas mediante uma imposição legal ou normativa, visando apenas a manter a conformidade com as regulamentações ambientais. Já as estratégias proativas visam a obter vantagem competitiva, com a melhoria da imagem, identidade, reputação organizacional, diferenciação de produtos, além da redução de custos, melhoria na produtividade e inovação através da reengenharia de vários processos operacionais. O greening corporativo é outra forma de tipi cação das estratégias ambientais, que as classica em quatro tipos: reativo deliberado, não realizado, ativo emergente e proativo deliberado. No reativo deliberado há um fraco envolvimento por parte da administração do negócio às práticas ambientais, consideradas como exigncias de normas e legislações, sendo realizadas apenas para adequações e/ou cumprimento das regulamentações, assemelhando-se aos conceitos de modelo de conformidade. No greening não realizado há o conhecimento dos conceitos de
gestão ambiental, há uma atenção a estes conceitos, mas na prática o negócio prioriza o processo tradicional para atender as metas de produtividade, pois são corporações de alto grau de competitividade e os custos das ações ambientais não devem ser repassados para o produto. O ativo emergente é constituído de práticas proativas dentro do processo de produção visando inovações ambientais para os produtos. No greening proativo deliberado a administração do negócio valoriza e aplica as práticas ambientais não apenas como estratégia mercadológica, mas como compromisso e responsabilidade socioambiental. Todas as práticas internas e externas são avaliadas, considerando a melhoria contínua da produção e a inovação das ações ambientais que poderão servir como futuras normas ou regulamentações (WINN e ANGELL, 2000). Este estudo trata da avaliação das estratégias ambientais adotadas pelas comunidades artesãs que exploram e fabricam seus seu s produtos, tendo como base de análise o uso das etapas etap as do PDP. 4.2 Material e métodos
Para o desenvolvimento deste trabalho realizaram-se visitas as comunidades artesãs de Itamataiua, Brito e Santa Maria, localizadas no município de Alcântara-MA.
4.2.1. Estudo de caso: Neste estudo foi utilizado o método estudo de caso descritivo, recomendado para pesquisas nas situações em que o fenômeno é abrangente e complexo, e que deve ser estudado dentro do seu contexto, por meio de observações de atividades e/ou grupos de indivíduos (YIN, 1994). Para a coleta de dados foram realizadas entrevistas através de roteiros semiestruturados com perguntas abertas e fechadas e observações in loco nas comunidades artesãs. Através do PDP (Processo de Desenvolvimento de Produtos – AMARAL et al., 2006) listaram-se as principais atividades de cada etapa do desenvolvimento de produtos, relacionando-as às ações ambientais baseadas em conceitos e referncias
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bibliográcas (FIGURA (FIGUR A 1), 1), para auxiliar na análise das práticas sustentáveis. Para a medição utilizaram-se graus de aplicação dos requisitos ambientais, de acordo com a seguinte escala: 0 (zero) não aplica os requisitos; 1 (um) aplica de maneira insuciente; 2 (dois) aplica eventual mente; 3 (trs) aplica regularmente regularme nte ; 4 (quatro) (quatro) aplica satisfatoriamente e 5 (cinco) aplica completamente. Posteriormente, foram classicadas quanto às tipologias de estratégias ambientais propostas por
Winn e Angell, (2000), Sharma et al., (1999) e Souza (2002), que a partir da análise do conjunto de dados, estes foram tabulados e representados por tabelas e grácos. 4.3 Resultados e discussão
Nas tabelas a seguir apresentam-se as atividades artesanais artesan ais pesquisadas no município de Alcântara e os requisitos ambientais praticados pelas comunidades.
Figura 1 – Interação entre as etapas do PDP e estratégias ambientais PDP Processo de desenvolvimento de produtos Pré-desenvolvimento
Planejamento estratégico Projeto Informacional Projeto Conceitual
Desenvolvimento
Projeto Detalhado Preparação para a produção Lançamento do produto Acompanhar os processos
Pós-desenvolvimento
Descontinuar o produto 114
Estratégias ambientais
Aquisição de matéria-prima Planejamento do processo Planejamento da vida útil Alternativas de novos materiais Mercados para prod. Sustentáveis Previsão de impactos de produtos Requisitos ambientais Alternativas de redesign Prolongamento da vida útil Processamento com menos impacto Protótipos com materiais ecológicos Avaliação dos impactos existentes Alternativas para processo Marketing ecológico Orientações para uso e pós-uso Desempenho dos produtos Reaproveitamento Reaproveitamento dos sistemas Sistema de interação com mercado Reuso de peças e componentes Remontagem Reciclagem Condicionamento adequado
Por se tratar do material argila, e ser extraído manualmente, essa extração está vinculada as conA comunidade de Itamatatiua é caracterizada pe- dições climáticas locais e a sua disponibilidade. No lo trabalho com argila, extraída e beneciada pela po- decorrer de um ano, apenas nos meses de outubro pulação quilombola, que constitui essa comunidade e a dezembro, esta pode ser realizada, fornecendo a expressa em seus produtos aspectos da sua cultura. matéria-prima para o ano inteiro. É nesse período Contudo, a qualidade destes associadas ao PDP, assim que o terreno encontra-se seco, não oferecendo riscomo a percepção quanto aos aspectos ambientais, cos às artesãs. ainda são pouco considerados (TABELA 1). Por se utilizarem de recursos naturais existenDa etapa do planejamento estratégico, somen- tes em abundância como argila e madeira, esta últe o planejamento do processo recebe especial aten- tima utilizada no processo de queima das peças, as ção quanto aos aspectos ambientais, pois da sua exe- artesãs acreditam, assim, que a quantidade extraída cução depende a produção anual da comunidade. não gera nenhum tipo de impacto. 4.3.1 Itamatatiua – Cerâmica
Tabela 1 – Quadro do processo de desenvolvimento de produtos da comunidade de Itamatatiua PDP Processo de desenvolvimento desenvolvimento
Est r atégias a mbient a is
0
1
2
3
4
5
de produtos Pré-desenvolvimento
Desenvolvimento
Pós-desenvolvimento
Aquisição de matéria-prima Planejamento do processo Planejamento da vida útil Alternativas de novos materiais Projeto Mercados para prod. Sustentáveis Informacional Previsão de impactos de produtos Projeto Conceitual Requisitos ambientais Alternativas de redesign Projeto Detalhado Prolongamento da vida útil Processamento com menos impacto Protótipos com materiais ecológicos Preparação para a Avaliação dos impactos existentes produção Alternativas para processo Lançamento do Marketing ecológico produto Orientações para uso e pós-uso Acompanhar Desempenho dos produtos os processos Reaproveitamento Reaproveitamento dos sistemas Sistema de interação com mercado Reuso de peças e componentes Descontinuar o Reciclagem produto Condicionamento adequado Planejamento estratégico
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Em relação às orientações para uso e pós-uso, atividades encontradas na fase de acompanhamento do desempenho do produto, estes não acontecem de forma contínua, como algo intrínseco ao processo, mas ocorrem no sentido inverso, partindo, primeiramente do consumidor para o produtor – as artesãs. Na etapa do planejamento do processo, a maior preocupação da comunidade artesã de Itamatatiua, está em preservar o fazer f azer tradicional, tradicional, para que o conhecimento adquirido através de gerações não se extinga e em mostrar a sua riqueza cultural, através do seus produtos: potes, bonecas que retratam seu cotidiano, enm, de sua cerâmica. Nesse processo, o planejamento é tímido e as etapas acabam se realizando de forma
4.3.2 Brito – Redes de dormir
A comunidade de Brito produz redes de dormir por meio de bras de algodão compradas em forma de novelos nos mercados de São Luís, a capital do Estado. Os os são trançados e tingindos t ingindos em um processo artesanal que representa desenvolvimento econômico para essa comunidade. A tabela 2 apresenta as relações processuais e ambientais aplicadas pela comunidade.
Tabela 2 – Quadro do processo de desenvolvimento de produtos da comunidade de Brito PDP Processo de des. de produtos Pré-desenvolvimento
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orgânica, sem uma pré-denição de onde uma começa e a outra termina, de maneira que alguns requisitos do PDP acabam não fazendo parte par te de seu processo produtivo, nem as estratégias ambientais.
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Aquisição de matéria-prima Planejamento do processo Planejamento da vida útil Alternativas de novos materiais Projeto Mercados para prod. Sustentáveis Informacional Previsão de impactos de produtos Requisitos ambientais Projeto Conceitual Alternativas de redesign da vida útil Projeto Detalhado Prolongamento Processamento com menos impacto Protótipos com materiais ecológicos Preparação para a Avaliação dos impactos existentes produção Alternativas para processo Lançamento do Marketing ecológico produto Orientações para uso e pós-uso Acompanhar Desempenho dos produtos os processos Reaproveitamento Reaproveitamento dos sistemas Sistema de interação com mercado Reuso de peças e componentes Descontinuar o Reciclagem produto Condicionamento adequado Planejamento estratégico
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Em Brito, observa-se observa-se que as etapas da produção produção são pré-denidas, determinadas pela aquisição da maté ria-prima, o que ocorre somente quando há uma solicitação de encomenda. Como as redes são confeccionadas a partir part ir de os de algodão e em Alcântara este insumo é mais caro, os novelos são comprados em São Luís, o que obriga as artesãs a repassarem o valor de todas as despesas para o produto acabado. acabado. Desta forma, a preocupação quanto à matéria-prima, se refere principalmente a fatores econômicos e não a ambientais. Outro aspecto identicado foi na etapa de lançamento do produto, em que há orientações pelo uso e pós-uso do produto, garantindo sua maior durabilidade, por meio de informações quanto à lavagem, quantidade de usuários etc. Além de garantias para seus componentes, como os punhos. O requisito ambiental de desempenho dos produtos na etapa de acompanhar processo, favorece o aumento do ciclo de vida, aplicado pela comunidade na forma do trançado das bras, que apresentam uma alta qualidade de amarração, podendo sustentar duas pessoas juntas, confortavelmente. A qualidade dos produtos é de reconhecimento local e regional. Os requisitos ambientais aplicados na comunidade de Brito ainda são acanhados, mas a conscincia de práticas mais sustentáveis é notória, mas os fatores econômicos ainda se sobressaem.
Das trs comunidades observadas, Santa Maria é a que mais demonstra a preocupação em produzir de maneira sustentável, pela própria percepção de que a matéria-prima usada para o seu trabalho e da qual tiram seu sustento possa se extinguir. A partir dessa observação passaram a se posicionar de forma diferente em relação à extração da palmeira do buriti. A partir do nascimento da palmeira, se espera de 3 à 5 anos para poder retirar retira r o “olho” “olho” - parte uti lizada na produção das peças, e daí em diante, fazem essa extração a cada dois meses, demarcando as espécies e sempre retirando um “olho”, por palmeira, permitindo que outro se desenvolva e a planta não se torne estéril. Além disso, preocupam-se em reaproveitar tudo que não é utilizado em sua produção, como é o caso da palha, usada para par a cobrir as casas e para fazer o “cofo” – utensílio utilizado para embala gem e transportes de frutas e pescados. Tanto para a aquisição da matéria-prima como para o planejamento do processo que ocorre na etapa de planejamento estratégico, as considerações ambientais são evidentes. Nas etapas de projeto informacional, o mercado acaba inuenciando nessa decisão, o que gera uma incorporação desses requisitos no projeto, uma preocupação com o aumento do ciclo de vida e de procedimentos menos impactantes, sendo possível uma avalição, menos tímida do resultado da produção. 4.3.3 Santa Maria – Fibra do buriti Na comunidade de Santa Maria o processo produtivo adota métodos que garantem garante m a qualidade e a duA comunidade de Santa Maria produz artigos pa- rabilidade do artesanato artes anato produzido, além de cconsiderar onsiderar ra decoração e uso pessoal como: jogos americanos, requisitos ambientais que são percebidos pelo mercacentros de mesa, bolsas, chapéus, entre outros, pro- do. Este pode inuenciar e promover melhorias nos sis venientes da extração das palhas da palmeira de buriti. temas produtivos, principalmente no artesanato, onde Tais produtos já apresentam consider considerações ações processuais o artesão, em sua maioria, tem um contato mais próxie ambientais como mostra a tabela 3 (página seguinte). mo com o consumidor em relação a outros negócios.
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Tabela 3 – Quadro do processo de desenvolvimento de produtos da comunidade de Santa Maria M aria PDP Processo de des. de produtos Pré-desenvolvimento
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Aquisição de matéria-prima Planejamento do processo Planejamento da vida útil Alternativas de novos materiais Projeto Mercados para prod. Sustentáveis Informacional Previsão de impactos de produtos ambientais Projeto Conceitual Requisitos Alternativas de redesign da vida útil Projeto Detalhado Prolongamento Processamento com menos impacto com materiais ecológicos Preparação para a Protótipos Avaliação dos impactos existentes produção Alternativas para processo Lançamento do Marketing ecológico produto Orient ações para uso e pós-uso Acompanhar Desempenho dos produtos os processos Reaproveitamento Reaproveitamento dos sistemas Sistema de interação com mercado Reuso de peças e componentes Descontinuar o Reciclagem produto Condicionamento adequado Planejamento estratégico
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As comunidades apresentaram estratégias am- Figura 2 – Tipo de estratégias ambientais bientais classicadas em sua maioria como indiferen - aplicadas pelas comunidade artesãs tes, sendo que não havia nenhuma avaliação das ações adotadas. Apenas uma apresenta um cenário escapis- 3 tas e com greening reativo deliberativo (FIGURA 2). Para as comunidades artesãs do município de 70% 2 Alcântara – MA, as práticas ambientais podem promover a melhoria do processo e consequentemen30% te da imagem dos seus produtos diante do merca- 1 do. Contudo, aplicar essas estratégias é considerado dispendioso e moroso, causando desconança quan - 0 to ao argumento de redução de custos e otimização green. reativo greening não greening ativo green. proativo deliberado/ realizado/inativas emergente/ deliberado/ do processo. Assim, pode-se estimar que 30% das escapista ou indiferentes ativistas defensoras de comunidade ainda agem de forma reativa, ou seja, seja , só portfólio altera o processo quando pressionado por políticas
públicas ou pelo mercado, e 70% são inativas ou in- Referências diferentes às estratégias ambientais, havendo o des- AMARAL, D.C. et al . (2006). Gestão de desenvolvimento compromisso com a questão ambiental, podendo a de produtos : uma referncia para a melhoria do processo. 1 qualquer momento parar ou mudar de ramo quando ed. São Paulo: Saraiva, 2006. ASKIN, R . G., STANDRIDGE, C. R . (1993). (1993). Modeling and se sentirem pressionadas. analysis of manufacturing systems . New York: John Wi-
4.4 Considerações nais
O cenário da produção e das estratégias ambientais predominante nas comunidades artesãs do município de Alcântara - MA é de greening não realizado ou indiferente ou inativo, baseado na adoção de poucas práticas ambientais e quando existentes, de caráter reativo e pontual, visando somente a atender às demandas do mercado e exigncias econômicas inerentes ao processo pouco eciente. O processo de desenvolvimento de produto adotado é resultado das características do tipo de setor, com baixa capacidade de investimento, mão de obra pouco capacitada, baixo nível tecnológico, o que corrobora a baixa inserção de decisões ambientais. Quando adotadas, as estratégias ambientais não são monitoradas e avaliadas, não gerando indicadores para avaliação de eciência e estabelecimento de novas metas. O consumidor pode ser um importante agente para uma maior valorização do aspecto ambiental na produção, pois sendo um modelo de produção artesanal, é responsável por grande parte das decisões de produto. Há necessidade de uma melhor estruturação do modelo administrativo das comunidades, para que se possa efetivamente implementar requisitos ambientais e se atingir uma maior sustentabilidade na produção, como a criação de arranjos produtivos e cooperativas com gestão administrativa estruturada.
ley & Sons, 1993. MALAGUTI, C. (2005). Requisitos ambientais para o desenvolvimento de produtos : manual técnico. São Paulo: CSPD - Centro São Paulo Design, 2005. MANZINI. E.; VEZOLLI, C. (2005). O desenvolvimento de produtos sustentáveis : os requisitos ambientais dos produtos industriais. S ão Paulo: Edusp/1ed, Edusp/1ed, 2005. SHARMA, et al . (1999). Corporate environmental responsiveness strategies: the import ance of issue interpretation and organizational context. The Journal of Aplied Behavioral Science. v.35, Mar 87-108, 1999. SOUZA, R . S. (2002). Evolução e condicionantes condicionantes da gestão ambiental nas empresas. REAd. Revista eletrônica de administração , v. 8. Dez 51-70. Porto Alegre: 2002. WINN, M. ANGELL, L.C. Towards a process model of corporate greening. In: Organizational Studies. Nov, 2000. Disponível em: , consulta realizad re alizadaa no dia 20/12/2010. YIN, R . K. (1994). (1994). Case study research – design and methods. 2. ed. London: Sage. 1994.
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Capítulo 5 Identifcando valores e valorizando identidades Raquel Noronha
Ao nal deste breve percurso, buscamos ago ra apontar algumas sínteses e, a partir deste mapeamento, identicar possibilidades de continuidade pa ra este processo de identicação de valores, valores , a m de ampliar a comunicação da identidade do artesanato dos povoados de Brito, Santa Maria e Itamatatiua. Segundo Krucken (2009, p.29), [...] “Ao avaliar um produto, o consumidor procura informações que possam atuar como ‘garantias’ ou ‘pistas’: a identi cação dos produtores, os elementos da história do produto, os marcadores de identidade e os indicadores de qualidade socioambiental do processo de produção.” A partir destas indicações, iremos iniciar al gumas sínteses. Durante o percurso foi possível identicar re presentações que relacionam o produto ao território, às tradições do lugar e às práticas sociais estabeest abelecidas perante os ciclos da natureza. Trabalhamos na perspectiva de que os saberes e fazeres que mapeamos estão ligados ao território no qual eles são produzidos. Desta forma, mais do que uma prática artesanal, é uma manifestação da territorialidade, ou seja, uma um a materialização – na forma de artefatos – da identidade local. Dene-se esta manifestação a partir da categoria terroir – terroir – como o capital territorial – importante import ante valor a ser comunicado aos consumidores dos produtos. Podemos traduzir a categoria terroir como terroir como produto com identidade local, mas manteremos o uso da forma francesa,
pela própria identidade com a categoria território e a conotação simbólica nela contida, assumindo assim uma dimensão mais ampla, contemplando os aspectos sociais, as relações com a biodiversidade do território, e as dimensões culturais, relacionadas aos saberes e fazeres tradicionais, constituindo-se como um patrimônio (KRUCKEN, 2009). Durante todo o processo de inventário das cadeias produtivas, pensávamos se haveria um traço cultural que identicasse a produção do artesanato dos povoados como uma produção do território étnico de Alcântara. Nossa proposta é apontar discursos e práticas que corroborem para a construção de um cenário sobre as identidades e os valores do artesanato de Alcântara, e não para a conrmação de uma hipótese pré-concebida. A questão da identidade étnica como amálgama da produção artesanal parecia-nos um o condutor, um traço comum entre todos os grupos. Assim, pensando conforme Almeida (2002, p.12), p.12), que etnicidade abrange também també m uma interação com uma certa maneira de produzir e de se relacionar com a natureza, é possível armar que o artesa nato da rede, do linho e do barro tem uma ancoragem no território no qual são produzidos e, desta forma, associam-se à categoria territorialidade. territorialidade . Observamos que há a incidncia de práticas artesanais dos mesmos produtos em outras regiões do Maranhão, o que inicialmente poderia parecer
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contraditório com o que acabamos de armar, po rém a designação da origem da produção é um fator diacrítico quando as artesãs identicam os valo res dos seus produtos, de forma a positivar ou mesmo desqualicar a sua produção. Quando convidamos as artesãs a simularem uma venda de seus produtos, em atividade realizada no seminário de trabalho, uma das estratégias de valorização dos produtos foi a comparação com outras comunidades produtoras: Irene , de Itamatatiua: A nossa cerâmica é mais
escura, porque o nosso barro é preto. Fica bem mais bonito do que as de outros lugares. A cerâmica de Itamatatiua é conhecida por ser mais escura. A mesma referncia ao lugar também é observada quando são apontados alguns problemas dos produtos: Pesquisadora: Porque que vocs colocam areia no barro? Angela , de Itamatatiua: Porque a nossa cerâmica quebra muito, quando queima. A de Rosário não quebra assim não. Pesquisadora: E quem disse pra vocs que tem que colocar areia? Assim quebra menos? Angela: Ah, isso foi a avó da minha avó que disse. Os antigos... A cerâmica de Itamatatiua quebra porque tem pouca areia no barro, por isso que a gente coloca... Porque senão, a gente abre o forno e perde o trabalho, tá tudo rachado... Em outro depoimento, a referncia da construção da identidade do artesanato também se constrói em relação ao outro:
Walmir Walmir , de Santa Maria: A Santa Maria é uma
comunidade de imigrante, ela não é uma comunidade assim de pessoas nativa aqui da cidade de Alcântara, né?! É uma das comunidades de Alcântara que é de imigrante. Há pessoas de Barreirinha. Que, na verdade, quem trouxe o artesanato pra cá foi o pessoal de Barreirinha e da Tutóia, Morros, Humberto de Campos, Urbano Santos. Mesmo que a origem do artesanato tenha sido em outro lugar, como observamos no trecho acima, há uma diferenciação em relação a este outro, em um processo dinâmico, no qual a territorialidade territorialid ade aora na expressão das diferenças, nas bordas e nos limites da identidade local: Pesquisadora: O que caracteriza o artesanato de vocs? Celeste , de Santa Maria: O trabalho com o linho é o mesmo. O linho é o mesmo deles lá tamt ambém, mas chegando lá, eles não chamam de borra, eles chamam de bra. Só que a bra pra gen te aqui é uma coisa, e pra eles lá é outra. Porque a bra ela é mais resistente. A bra, ela é macia; ela não estraga com facilidade, e essa borra, ela estraga com facilidade. Aí eles lá trabalham com a borra. Aí eles misturam e nós não. A gente só trabalha traba lha com a bra mesmo. Por isso que o linho de Santa Sant a Maria é melhor... Dá pra voc ver, como naquele produto que tava pronto, é no o tecido. Já o deles é a parte mais grossa... Eudialite, de Santa Maria: E o bater deles [de Barreirinhas] lá não é como o daqui. O bater, eles não une. É falta de não querer bater bate r pra economizar bra. Não unir, economiza economiza bra e faz fa z o traba lho mais rápido. Economiza mão-de-obra. Com o tempo ele quebra, porque a palha quebra.
Desta forma, é possível compreender a construção da identidade do artesanato destas comunidades a partir de sua relação com o lugar onde são produzidos. Ainda nos referenciando em Almeida (2002), o território étnico de Alcântara é construído a partir das múltiplas e especícas formas de apropriação e uso da natureza. Uma outra característica importante na construção desta identidade é a interferncia do clima sobre a produção, como foi possível observarmos no item 3.2 do capítulo 3, quando tratamos da sazonalidade sa zonalidade da produção. A lógica da demanda não considera os limites e o tempo da produção artesanal, causando uma profunda frustração nas artesãs pelo sentimento da perda da encomenda. A baixa na produtividade nestes períodos de chuva obriga as artesãs a buscarem novas formas de sustento, o mesmo acontece também de forma geral com as novas gerações, que não se interessam pela atividade artesanal, pois não percebem o retorno nan ceiro. As jovens deixam suas comunidades para ir em busca de emprego na capital. Identicamos dois tipos de valores que são acionados quase em um par dicotômico: o dinheiro e a subsistência . Um e outro não são interdependentes, se tratados a partir da perspectiva do local. Contudo, em uma abordagem externa ao povoado, a lógica da escassez de recursos prevalece, e a subsistência passa a ser signicado de pobreza, mais uma vez inserindo as artesãs na lógica de outro tipo de produção, que não o artesanal. Processo análogo nos é apresentado por Sahlins (2007), quando analisa o modo de produção dos povos caçadores e coletores, considerando-os como uma verdadeira sociedade auente. A noção de fartura ou escassez é uma construção de uma visão sobre a forma de produção do outro e, portanto, uma
forma de exercício de poder, como se as necessidades fossem as mesmas em ambos os modos de produção. A partir das reexões das artesãs sobre a va riação da produção em relação às estações do ano, nossa principal síntese reside no fato que a produção está intimamente relacionada ao clima e ao tempo demandado para esta produção nas duas princiinverno, o período pais estações aludidas: o verão e o inverno, seco e o período das chuvas, respectivamente. A lógica da produção está associada a estas variações climáticas, assim como a uma série de outras atividades desempenhadas pelas artesãs, além da própria produção artesanal, como o cultivo da horta, as atividades domésticas, e o próprio artesanato de subsistncia. Uma das principais características do que é chamado artesanato reside exatamente nesse tempo de espera, de reclusão, de respeito às condições naturais que normatizam a produção. O caráter terroir de terroir de um produto está justamente relacionado a este modus operandi, esta forma especí ca de produção ritualizada que só quem conhece as dinâmicas do lugar tem condições de observar e respeitar, pois sabem que é uma condição sine-qua-non para sua realização. A frustração das artesãs quando perdem uma encomenda pela falta de prazo, ou quando são obrigadas a deixar o povoado, ou veem uma de suas lhas fazen fa zendo o mesmo, para buscar trabalho e renda fora de Alcântara, está ligada ao processo de inserção desta produção artesanal em sistemas assimétricos de produção, cujas demandas demanda s são provenientes provenientes do mercado. O valor é atribuído ao resultado do artesanato, ao artefato propriamente dito, mas não ao seu procesproces so produtivo, que muitas vezes é ignorado .
Não estamos, com isso, defendendo um isolamento da produção artesanal perante as exigncias
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do mercado, em busca de uma suposta pureza e preservação da tradição. Estamos sim, problematizando a forma como estas artesãs e seus artefatos inserem-se num sistema siste ma maior e mais poderoso, com um tempo diverso do seu. Ainda nos referenciando em Sahlins, cremos que este processo de frustração das artesãs perante um tempo que não conseguem acompanhar é característico de uma tomada de conscincia sobre novas necessidades e aspirações, que não são mais satisfeitas no âmbito dos povoados, nem na economia de subsistncia. Ao propormos o mapeamento de suas cadeias produtivas, estamos abrindo a “caixa-preta” da pro dução artesanal, e com isso, mostrando que o tempo – muitas vezes considerado longo, aos olhos leigos, está em consonância com a multiplicidade de microprocessos envolvidos envolvidos em cada uma das cadeias produtivas. Comunicar valores consiste em compartilhar os códigos dos agentes envolvidos nas cadeias: os que produzem, os que consomem e os que mediam. Os códigos compartilhados entre as artesãs diferem dos códigos compartilhados pelas pessoas que fazem as encomendas. Como forma de sistematizar este tempo te mpo do artesanato de Alcântara, propomos a construção de um calendário (próxima página), considerando a extração da matéria-prima e a etapa da produção, no seu sentido mais amplo. Uma postura etnocêntrica pode identicar este tempo maior de produção como uma falta de interesse em produzir, em “não saber ganhar dinheiro”, que traduz uma falta de habilidade em lidar com a comercialização da produção, ou mesmo coíra [preguiça], como uma das artesãs nos relatou.
O que ressaltamos aqui é que são concepções diferentes de tempo – o tempo do artesanato e o tempo da encomenda . Para as artesãs de Alcântara, o tempo do artesanato arte sanato é um, que varia de acordo com a disponibilidade da matéria-prima, os tempos de secagem, e como o material se comporta em relação à umidade do ar. Estes parâmetros são variáveis e oscilam de acordo com o período do ano. As encomendas, ainda que poucas, chegam a toda época, sem que a ação do clima seja considerada e, portanto, sem atentar-se para a própria característica do produto terroir – a sua ligação com o meio ambiente, com os costumes e as tradições associados aos processos produtivos. No processo de comunicação das identidades de produtos locais é importante ressaltar e identicar este valor, o da temporalidade dos processos. Valorizar uma identidade local consiste em admitir que o valor daquele produto esteja principalmente nos aspectos simbólicos relacionados a um saber local, uma forma especíca de relação com a natureza. Uma demanda de mercado que abstraia o fator temporalidade de uma produção artesanal está negando o próprio cerne do artesanato: o tempo da espera, o tempo da narrativa, narrativa , o tempo que esta tradição precisa para ser contada. Ao inventariarmos as cadeias produtivas do artesanato de Alcântara, Alcântara , pelo ponto de vista da produprodução, temos alguns indícios de que há alguns importantes valores que precisam ser comunicados. Porém, pouco sabemos sobre as suas condições de consumo. Quais são os valores identicados nos produtos pelos seus consumidores? O que faz alguém comprar a rede, o linho ou a louça, provenientes de cada um dos povoados pesquisados? Esta é uma resposta que q ue
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legenda produção contínua frequente ocasional rara
extração/aquisição de matéria prima
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ainda temos de buscar, de modo que esta pesquisa – felizmente – não se encerra aqui. Porém, convidamo-los, à guisa de uma breve conclusão, e não de um ponto nal sobre o assunto, à reexão sobre o papel dos agentes mediadores destas comunicações de valores – os designers. Ao penetrar no sistema simbólico dos valores associados ao artesanato de Brito, Santa Maria e ItaIt amatatiua, para melhor entend-lo, estamos nós, designers, em um patamar diferenciado de conhecimento sobre tais fazeres e saberes territoriais. Coube-nos, durante todo o procedimento de inventário, o processo de tradução destes valores, hierarquizando, sistematizando e codicando a ex outro. perincia do fazer do outro. Indicar o que deva se comunicado, identicar potencialidades e fragilidades, com o objetivo de desenhar as cadeias produtivas é uma tarefa delicada. Colocamos em ordem as suas etapas e, muitas vezes, demos nomes a elas. Nomear signica dar exis tncia, dar um lugar no mundo. Este trabalho foi realizado em co-autoria com as artesãs, artes ãs, porém a redação nal deste livro nos pertence, e assim, aumenta nossa responsabilidade como comunicadores destas informações. O exercício do poder está intimamente ligado ao conhecimento que se tem sobre determinado conteúdo/realidade e à possibilidade de comunicá-los, construindo uma interpretação – próxima ou distante – do que se supõe que seja a experincia da produção do artesanato em povoados de Alcântara, no caso deste pro jeto. Mas é importante indagar: quem supõe? Com que nalidade? Ao adotarmos uma postura de tradutores de valores apreendidos in loco, loco, durante o processo estabelecido durante este projeto e descrito
anteriormente, baseados na linguagem do saber local e na da teoria, posicionamo-nos em lugar estratégico no processo de comunicação destes valores apreendidos e na tangibilização dessas identidades. Ao discorrer sobre o papel do designer em seu ensaio O homem no centro: o designer , C. Wright Mills aponta para a existncia de uma experincia de segunda mão que é vivenciada por cada um de nós, e esta é uma regra para compreendermos a condição humana. Percorrendo o ensaio, nos deparamos com uma descrição das atividades do designer na sociedade norte-americana, das formas de atuação do designer como prossional que media a construção de um mundo articial e totalmente voltado para “as armadilhas dos maníacos da produção e distribuição”. Não é sem razão que o título original do ensaio, de 1954 – Forças sociais e as frustrações do designer – pareça-nos extremamente contemporâneo, visto que muitos problemas que observamos nas nossas práticas prossionais de hoje este jam associadas a esta posição central e parcial que o designer assume na tangibilização de sistemas smicos, ou melhor, atuando como mediador dos sistemas de produção e de consumo em nossa sociedade. Trabalhar com as comunidades artesãs de Alcântara nos mostrou empiricamente o que Mills (2009) nos apresentou no seu ensaio, e nos mostra o quão estratégico é o papel do designer na hierarquização destes discursos que mapeamos. Ao desenharmos as cadeias produtivas, estávamos sistematizando um conjunto de práticas sociais construídas entre diversos atores, e nos inserimos neste território, a partir da nossa ação, naquele determinado espaço e tempo. Entendendo territorialidade como a apropriação do espaço pelos atores que nele atuam, e
estabelecem relações de poder entre si, é possível dizer que nos tornamos, portanto, também atores nestes espaços e a partir daí somos capazes de construir sistemas smicos – ou seja, imagens – desta realidade. É nosso metiér construir metiér construir imagens/artefatos elaborados a partir do domínio de uma linguagem especíca e direcionados a determinadas condições de usos e experincias. A possibilidade de nos aproximarmos de nossos sujeitos de pesquisa e construir coletivamente a identicação de valores é um processo em análise, sincrônico, e comprometido com o que consideramos o lugar do designer/pesquisador no processo de comunicação. Esta posição, à qual nos propusemos ocupar, torna o desao duplamente multiplica do, pois o próprio sistema smico do designer/pesquisador é inuenciado pela convivência e sua atua ção sob a territorialidade do outro. outro. Neste processo, somos atores e sujeitos, nos cabendo um papel hierarquicamente mais próximo ao dos nossos sujeitos de pesquisa. A nossa percepção sobre a alteridade é exponencialmente sensibilizada, pois nos damos conta dos limites, das fragilidades, das nossas próprias potencialidades e das dos outros, outros, construindo uma relação sincrônica e relativística, de contínuo aprendizado na elaboração dos nossos sistemas de informação. Desta forma, talvez seja possível nos posicionarmos de uma forma estratégica no sistema de produção imposto como um padrão, possibilitando que tenhamos, nas nossas atividades prossionais e aca dmicas, uma postura de tradutores efetivos e não de reprodutores de linguagem. Propomos, com isto, um deslocamento, do centro dos processos para o meio deles, entre os artesãos e os consumidores,
como uma estratégia de melhor nos alfabetizarmos outro, mediando assim o léxico esna linguagem do outro, pecíco daquelas comunidades, do mercado e o re pertório teórico do nosso campo de atuação. O designer no centro
O designer no meio
Referências
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Sobre os autores
Franklin Veiga Neto é graduando em Design pe-
em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Esla Universidade Federal do Maranhão. É voluntário tadual do Maranhão. É bolsista CNPq do projeto no projeto Iconograas do Maranhão. Tem como in- Iconograas do Maranhão na sua quarta etapa, preteresse de estudo o processo de ressignicação da tende atuar na área de gestão em design, com nfacultura através de ícones e a valorização da identi- se em sutentabilidade. dade local. Patrícia Silva de Azevedo possui graduação em Imaíra Portela de Araujo Medeiros é graduan- Desenho Industrial pela Universidade Federal do Mada em Desenho Industrial pela Universidade Federal ranhão, Mestrado em Cincia e Tecnologia de Madeido Maranhão. Participou como voluntária do proje- ras [Esalq] pela Universidade de São Paulo e Doutoto Iconograas do Maranhão em sua primeira etapa rado pelo Programa de PG em Recursos Florestais da e agora atua como bolsista CNPq. Pelo segundo ano ESALQ/USP. Exerce o cargo de professor adjunto peconsecutivo faz parte da COL - Comissão Organiza- la Universidade Federal do Maranhão. Tem experindora da LUDO (Semana Acadmica de Design); inte- cia na área de Desenvolvimento de projeto de produressa-se pela pesquisa em comunidades artesãs e pre- tos e Engenharia Florestal, com nfase em tecnologia tende atuar na área de Design de Jóias, com nfase no e utilização de produtos orestais, atuando principaluso de materiais naturais e pedras brasileiras. mente nos seguintes temas: estratégias e requisitos ambientais, métodos de desenvolvimento de produMarcella Abreu é graduanda em Design pela Uni- tos sustentáveis e produção industrial moveleira. versidade Federal do Maranhão. Turismóloga (Centro Universitário do Maranhão - UniCEUMA). Pelo Raquel Gomes Noronha é doutoranda em Cinsegundo ano consecutivo faz parte da COL - Comis- cias Sociais pela Universidade Estadual do Rio de Jasão Organizadora da LUDO (Semana Acadmica de neiro. É designer (ESDI-UERJ), mestre em Cincias Design); interessa-se por ilustração e pretende atuar Sociais (PPGCSoc-UFMA). Tem como interesses de no área de concept art e criação de personagens para pesquisa o patrimônio, sua apreensão como um siganimações, cinema e games e games.. no de identidade local e suas condições de difusão. É professora assistente do Departamento de Desenho Milena Carneiro Alves é graduanda em Desenho e Tecnologia da Universidade Federal do Maranhão, Industrial pela Universidade Federal do Maranhão e onde coordena o projeto Iconograas do Maranhão.
s e r o t u a s o e r b o S
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a r a t n â c l A e d o t a n a s e t r a o d s a v i t u d o r p s a i e d a c s a : r o l a v é e d a d i t n e d I
Projeto Iconograas do Maranhão
Universidade Federal do Maranhão
Etapa Identidade é valor
Reitor Prof. Dr. Natalino Salgado Filho
Concepção e coordenação
Vice-reitor Prof. Dr. Antonio José Silva Oliveira
Profª Ms. Raquel Noronha (DEDET-UFMA) Pesquisadora Profª. Dr a. Patrícia Azevedo A zevedo (DEDET-UFMA) Bolsistas Imaíra Portela e Milena Alves Voluntários Franklin Veiga e Marcella Abreu Desenvolvimento de ícones Adriano Erick Pinheiro Fábio Santana Franklin Veiga Josenilson Josenilso n Mourão Juan Carlos Car los Soares Raiama Portela Colaboração
Caio Oliveira, Christian Moreira, Hamilton Oliveira e Thiago Guará Edição e projeto gráfco
Raquel Noronha Revisão Rosangela de Souza Gomes
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Pró-reitor de Extensão Ex tensão Prof. Dr. Antonio Luiz Amaral Pereira CENTRO DE CIêNCIAS TECNOLÓGICAS Diretor de centro Prof. Dr. Ridvan Nunes Fernandes Chefe do Departamento de Desenho e Tecnologia Prof. Paulo Sérgio Lago de Carvalho EDUFMA Diretor Prof. Dr. Sanatiel de Jesus Pereira Identidade é valor : as cadeias produtivas do artesanato em
Alcântara. Raquel Gomes Noronha, Organizadora. — São Luís: EDUFMA, EDU FMA, 2011. 2011. 130p. Série Iconograas do Maranhão ISBN: 978-85-7862-07 978-8 5-7862-074-5 4-5 1. Artesanato - Alcântara Maranhão 2. Artesanato Artes anato Alcântara - MA - Cadeias produtivas 3. Cultura popular Alcântara - MA I. Noronha, Raquel Gomes CDD 745. 594 812 1 CDU 745 (812.1)