O JOGADOR
FIÓOR OSTOIVSI
O JOGADOR Romance (os apontamentos de um jovem) Tradução do Russo de Nina Guerra e Filipe Guerra
�EDITORIAL PRESENÇA
FICHA TÉCNICA Título original: lg Autor: Tradução© Editoria Presença, Lisboa, 2 Tradução: Nn Gu e p Gu Capa: nn /gu Composção, mpressão e acabamento u/p A Gáf;, Ld • edção, Lisboa, maio, 2 2• edição, Lsboa, feverero, 22 • edição, isboa, maio, 2 • edção, Lisboa, novembro, 2 5• edição, Lisboa, jnho, 2 • edição, Lisboa, juo, 2 • edção, Lsboa, novembro, 22 Depósto ega n.• 52 2/2 Reservados todos os diretos desta edição EDITORA PRESENÇA Estrada das Pameiras, 5 Queuz de Baixo 2 BARCARENA Ema:
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Voltei, nalmente, após duas semanas de ausência A nossa gente há já três dias que está em Roletenburgo ensei que me esperavam com impaciência, mas enganei-me O general olhou -me com um desprendimento extremo, falou comigo de alto e apontou-me para a irmã, que a fosse cumprimentar Certo e sabido que o general tinha arranjado dinheiro em ualquer lado areceu-me até que o general está pouco à vontade quando olha para mim Mária Filíppovna estava muito atarefada e falou comigo a correr; mas aceitou o dinheiro, contou-o e ouviu o meu relatório Estava a contar-se com Mézentsov, o francesito e mais um inglês qualquer para o almoço; é o costume, mal aparece dinheiro há logo almoço de gala à moscovita olina Aleksán drovna, quando me viu, perguntou porque demorara eu tanto e, sem esperar pela resposta, saiu Fê-lo de propósito, claro E no entanto temos de esclarecer as coisas Muita coisa se acumulou estinaram-me um quartinho pequeno, no terceiro andar do hotel Já sou conhecido, aqui, como fazendo parte da comitiva do general. Vê-se que já tiveram tempo de se exibir Aqui todos consideram o general como um dos grandes da Rússia Ainda antes do almoço, entre outras incumbências, lembrou-se de me mandar cambiar duas notas de mil francos Troqueias no escritório do hotel Agora vão olhar-nos como milionários, pelo menos durante uma semana Já descia as escadas para levar Micha e Nádia a passear uando o general me mandou chamar achava por bem inteirarse aonde os queria eu levar Este
homem, decididamente, é incapaz de olhar-me nos olhos, embora bem gostasse de fazê-o; mas eu respondo-lhe sempre com um olhar tão xo cravado nele, ou seja, tão irreverente, que ca a modos que envergonhado Num discurso assaz pomposo, enfiando frase atrás de frase e, para o fim, já totalmente baralhado, deu-me a entender que, no parque, eu devia levar as crianças a passear o mais longe possível do casino or m, já irritado de todo, acrescentou rigidamente: Senão, ainda é capaz de as levar para a roleta Desculpe disse ainda , mas bem sei que é um jovem leviano capaz de se meter no jogo Em qualquer caso, embora eu não seja seu tutor nem tencione, aliás , assumir esse papel, tenho pelo menos o direito de desejar que não me sujeite ao opróbrio » Mas se eu nem tenho dinheiro respondi calmamente ara perder ao jogo é preciso tê-lo Vai já receber respondeu o general, corando um pouco; procurou na secretária, consutou a agenda e vericou que me devia cerca de ceto e vinte rubls Como vamos fazer as contas? disse Temos de ver uantos táleres sto dá ome, eve cem táleres, número redondo, o resto não se perde eguei no dineiro em siêncio or favor, não se ofenda com as minhas palavras, é tão sus cetíve Se lhe z aquela observação, foi mais para o prevenir, e acho que tenho um certo direito, claro Quando votava para casa com as crianças, antes do almoço, cruzei-me com toda uma cavalgada Os nossos tinham ido ver umas ruínas Dois coches excelentes, cavalos maravilhosos moisee Blanche, juntamente com Mária Filíppovna e olina, num coche; o francesito, o ingês e o nosso general a cavalo Os passantes paravam para ver, o efeito fora conseguido Mas isto vai acabar ma para o general elas minhas contas, os quatro mi francos que lhes troe mais o que, pelos vistos, tinham de sencantado perfazem uns sete ou oito mil francos; é pouco para Mlle Banche Mlle Blanche está hospedada no nosso hotel, mais a mãe; algures, por perto, aloja-se também o nosso francesito Os lacaios 8
tratam-no por Monsieur le comte», e à mãe de Mlle Blanche por Madame la comtesse»; pois bem, admitamos que eles são de facto comte e comtesse Eu já sabia que M le comte não me ia reconhecer quando nos j untássemos para o almoço O general nunca se se embraria e mbraria de de nos apresentar ou, pelo menos, de me indicar a ele; e M le comte, que já visitara a Rússia, sabe por sua vez que aquilo a que eles chamam um outchitel 1 não passa de um zéninguém zé ninguém No entanto, ele conece-me muito bem ara falar verdade, eu fizme convidado para para o amoço amoço ; e , provavelmente provavelmente , o genera esqueceu-se esquece u-se de dar a ordem, senão eu seria ser ia mandado com certeza para a table d'hôte. Vim por mina iniciativa, por isso o genera ohou para mim com aquele ar desagradado A bondosa Mária Fiíppovna arranj arranj ou-me logo um ugar à mesa O encontro com mister Astley veio em meu auxílio e, logicamente, passei a fazer parte da sociedade Foi na rússia, no comboio, que encontrei pea primeira vez este inglês estranho; viajávamos ambos na mesma carruagem sentados um em fr frente do d o outro eu ia ter com a família família do genera; depois, deparei com ee ao entrar em França; por m, na Suíça; nas duas útimas semanas, encontrámonos duas vezes agora agora vej vejoo oo aqui aqui , em Roletenburgo Roletenburgo Nunca na vida coneci homem mais tímido; é tímido até à estupidez, e sabe-o muito bem, já que não é nada estúpido Aliás, é muito simpático e cordato No nosso primeiro encontro, na rússia, consegui fazê-lo conversar Contoume que nesse verão estivera no Cabo Norte e que queri qu eriaa muito ir à feira ei ra de Níjni Níj ni Nóvgorod Não faço faço ideia ide ia de como travo travouu conhecimento conhecim ento com o general, general , mas quer-me parecer que está innitamente apaixonado por olina Quando olina entrou, o rosto dele incendiouse como uma labareda Astley cou contente por eu me ter sentado a seu ado à mesa, e acho que já me considera um velho amigo À mesa, o francesito dava o tom» de uma maneira incrível: desdenhoso com todos, um ar importante Em Moscovo, 1 Utchítel, em russo, é precetor O autor utiliza iroicamete a trasliteração fracesa, para reproduzir o sotaque (NT)
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lembrome lemb rome,, era só deitar poeira poei ra para para os os olhos . Fala Falava va prolixamente prolixament e d e nanças e da política russa. O general, de vez em quando, ousava ousava contradizê contradizê-lo -lo mas de maneira modesta, mode sta, só s ó par paraa não não perder den denitivamente itivamente a importância. importância. O meu estado de espírito era estranho, e já antes do almoço eu zera a mim próprio, claro, a minha pergunta habitual e invariável: orque ando metido com este general, porque não me afastei afastei j á deles há muito muit o tempo? tempo ? » De vez vez em quando lançava lançava as minhas olhadeas a oina Aleksándrovna; não me prestava a mínima atenção. Acabei por enfurecer-me e resovi ser mal -educado. Comecei por me intrometer em voz alta, de repente e sem qualquer motivo, numa conversa que não me dizia respeito e sem ser convidado. O que sobretudo me apetecia era criar um conito com o francesito. Virei-me para o general e, de chofre, alto e bom bom som interrompe interrompendo-o, ndo-o, ao ao qu que pare parece ce , obser observei vei que este ano se tornara impossíve para os russos amoçarem às tables d'hôe dos hotéis. O genera olhou-me com espanto. Um homem homem que que se respeit respeitee a sisi mesmo lancei-me lancei-me em raciocínios , dará azo a ser insutado e tem de passar inevita vemente por vexames Em aris e no Reno, e mesmo na Suíça, às tables d'hôte hôte há tantos polacozecos e tantos francesitos que simpatizam com eles que, se formos russos, não temos hiótese de dizer uma única palavra. Disse isto em francês. O general ohava para mim com perplexidade, sem saber se devia zangarse ou apenas mostrar-se surpreendido com o meu atrevimento. Quer dizer que que alguém, alguém, algur algures es,, lhe deu uma lição disse o francesito, indiferente e desdenhoso. Em aris, aris, primeiro primeiro irriteime irriteime com com um pola polaco co re res s pondi , depois com um ocial francês que apoiou o polaco. A seguir, uma parte dos franceses tomou o meu partido quando contei que quisera cuspir no café de um monsenhor. Cuspir? per perguntou guntou o general general com uma uma perplexidad perplexidadee altiva e olhando em volta. O francesito observava-me. Exata Exatamente mente respon respondi di . Como me conven convenci ci , duran durante te dois dias , que tinha ti nha de dar um um salto a Roma para para trata tratarr dos nos
sos assuntos ass untos , fui à secretaria da embaixada do do santíssimo sant íssimo padre em aris pedir o visto Fui recebido por um padreco, dos seus cinquenta anos, seco e com um frio de gelo na sionomia, que, depois de me ouvir eucada mas muito secamente, me pediu para aguardar Tina pressa, claro, mas sentei-me à espera, peguei no L'Opinion Nationale e pus-me a ler os insultos desca rados do jornal contra a Rússia Entretanto, ouvi que alguém, através da sala vizina, passava diretamente para a sala do mon senor; vi o abade a fazer vénias Dirigi-me a ele com o mesmo pedido ; o abade abade,, ainda com maior secura, secura , isse-me isse -me para esperar esperar assado pouco tempo, entrou ent rou outro desconecido descone cido para para tratar de um assunto assunto um austríac austríaco; o; atenderam-no atenderam-no e levar levaram-no am-no para para cima de imediato Aí, quei muito desagradado; levantei-me, aproximei-me do abade e disse-le afoitamente que, se o mon senor recebia, então também podia tratar do meu assunto O abade afastou-se de mim admiradíssimo Custava-le sim plesmente ples mente a compreende compreenderr como co mo um russo miseráve mis erávell se atrevia a comparar-se às visitas do monsenor Em tom mais descarado, como se tivesse cado contente por ter pé para insultar-me, mediu-m medi u-mee os pés à cabeça com os olos e exclamou: exclamou: Decerto não pensará que o monsenor vai interromper o café por sua causa?» Então também grite, mais alto do que ele: Fique sabendo que eu cuspo no café do monsenor Se o senor não resolver já tudo com o meu passaporte, imediatamente, eu próprio vou ter com ele» Como? Como ? Agora Agora que que está em em reunião reunião com com o cardea cardeall » gri tou-me o padreco, arredando-se de mim orrorizado Foi para a porta e abriu os braços em cruz, para mostrar que antes morreria do que me deixaria passar Ripostei-le então que era um erege e um bárbaro, que je suis érétique et barbare» e que não me interessavam todos esses arcebispos, cardeais, monsenores, etc Numa palavra, provei -le que já não o largava mais O abade olou para mim com uma raiva innita, arrancou-me o passaporte das mãos e levou-o para cima Um minuto depois já tina o visto Ei-lo, façam favor de ver Tirei o passaporte passaporte e mostrei o visto de Roma foi demasiado demasiado começou começou o general general senor foi
A sua salvação foi ter-se declarado bárbaro e herege observou com um risiho o fracesito Cela 'était pas si bête»2 Queriam o quê? Que seguisse o exemplo dos ossos russos ? Estão para aí, calados como ratos, protos a reegarem a sua codição de russos, pelos vistos Em aris, ao meos, começaram a tratar-me com muito mais cosideração quado cotei a toda a gete a miha briga com o abade O sehor polaco gordo, o mais hostil para mim à table d'hôte, apagou-se e recuou para segudo plao Os fraceses até aguetaram uma história que cotei que havia us dois aos eu cohecera um homem cotra quem um caçador fracês disparara, o ao doze, uica mete para descarregar a espigarda Esse homem, a altura, tiha dez aos, e a família dele ão tivera tempo de ser evacuada de Moscovo Isso ão é verdade idigou-se o fracesito , um soldado fracês ão dispara cotra uma criaça! E, o etato, foi verdade respodi Quem me cotou essa história foi um respeitável capitão a reserva, e eu próprio vi uma ccatriz de bala a ace dele O fracês já taramelava O geeral parecia disposto a apoiá-lo, mas recomedei-le que lesse, por exemplo, algumas passages dos Apontamentos do geeral eróvski, que, o ao doze, era prisioeiro de guerra dos fraceses Mária Filíppova pôs-se a falar de qualquer coisa para mudar de assuto O geeral estava fulo comigo, porque eu e o fracês quase berrávamos Já mister Astley me pareceu ter gostado da miha coversa com o fracês; ao levatar-se da mesa, covidou-me para tomar uma taça de viho com ele À oite, como era ecessário, cosegui falar um quarto de hora com olia Aleksádrova Coversámos durate o passeio Todos se tiam dirigido para a zoa do parque juto ao casio olia setou-se um baco em frete da fote e deixou a Nádeka ir bricar ali por perto com as outras criaças Eu também deixei o Micha ir até juto da fote, e assim coseguimos car, almete, a sós 2 Isso ão foi assim tão estpido. (NT)
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Falámos, primeiro, das coisas práticas olina cou realmente contrariada quando lhe entreguei apenas setecentos orins Estava convencida de que eu lhe traria de aris, como penhor dos seus diamantes, pelo menos dois mil orins reciso de arranjar dinheiro custe o que custar disse ela , senão estou perdida Comecei por perguntar o que acontecera enquanto estive fora Nada mais, nada menos que o termos recebido de eters burgo duas notícias: primeiro, que a avó estava muito mal, e, dois dias depois, que teria morrido Esta notícia é de Timofei etróvitch acrescentou olina , e ele é homem de con ança Estamos à espera da última notícia, denitiva ortanto, está tudo à espera? perguntei Claro, tudo e todos; há seis meses inteirinhos que é a única esperança Da menina também? perguntei Não sou parente dela, sou apenas enteada do eneral Mas tenho a certeza de que não se vai esquecer de mim no testa mento arece-me que lhe va tocar bastante arme Sim, ela gostou muito de mim Mas porque lhe parece isso, ao senhor Digame uma coisa respondi com outra pergunta , o nosso marquês parece que também está a par de todos os se gredos da família? orque está o senhor tão interessado nisso ? perguntou olina olhandome severa e secamente É natural Se não me engano, o general já lhe pediu dinheiro emprestado senhor é bo a adivinhar Acha que ele lhe emprestava dinheiro se não soubesse da vovozinha? Reparou que, à mesa, ao falar da avó lhe chamou pelo menos três vezes vovozinha: la baboulinka��3? Que relações íntimas e amigáveis 3 m russo proucia-se babúlnka ver ota (NT)
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Tem razão E ogo que souber que a mim também cahou aguma coisa no testamento, pedeme logo em casamento Não é isso que quer saber? edirá? ensava que há muito a anda a pedir Sabe muito bem que não disse olina irritada Onde se encontrou com esse inglês ? acrescentou depois de um curto siêncio Já sabia que me ia falar dele Contei-lhe dos meus encontros anteriores com mist Astley, durante a viagem É acanhado e apaixonase facilmente e, acho eu, já está apaixonado por si, não? » Sim, apaixonado respondeu olina E também é com certeza dez vezes mais rico do que o francês Aliás, pode garantir que o francês tenha aguma coisa de seu? Não será uvidoso? Não Tem um château qualquer Ainda ontem o genera me faou disso expressamente Então, chega para si? No seu lugar, eu não hesitava em casar com o inglês orquê? perguntou olina francês é mais bonito, mas também é mais infame; e o ingês, aém de ser honesto, é dez vezes mais rico cortei Sim, mas em compensação o francês é marquês e mas inteligente responeu ela com a maior as calmas Será? continuei no mesmo tom Exatamente olina não estava a gostar das minhas perguntas, e vi também perfeitamente que queria irritar-me com o tom e o absurdo das respostas que me ava; disse-lho imediatamente É verdade, diverte-me vê-lo rioso Só pelo facto de eu he permitir fazer-me est pergunt e suposições, tem de pagar-me ara faar verdade, eu achome no direito de lhe fazer todas e quaisquer perguntas respondi calmamente , precisamente porque estou pronto a pagar qualquer preço por elas, e não dou valor nenhum à minha vida olina riu-se às gargalhadas: Da última vez, em Schlangenberg, o senhor disse que, a uma palavra minha, estava pronto a atirar-se de cabeça; e o preci
pício, lá, parece ter uns bons mil pés de altura Algum dia ainda digo nalmente essa palavra, só para ver como vai pagar, e pode ter a certeza de que não desisto enholhe ódio, precisamente porque lhe permiti coisas demais, e odeioo ainda mais por que preciso tanto de si Mas, enquanto precisar de si, tenho de poupá-lo Quis levantar-se Falava com irritação Ultimamente, acabava sempre as conversas comigo com irritação e raiva, uma verdadeira rava ermita-me uma pergunta: o que é Mlle Blanche? perguntei, porque não queria irme sem uma explicação Sabe muito bem o que é Mlle Blanche Nada mudou em relação a ela Mlle Blanche será, provavelmente, a generala No caso, evidentemente, de se conrmar o boato da morte da avó, porque tanto Mlle Blanche como a mãezinha dela e o segundo primo-marquês sabem muito bem que estamos na falência general está denitivamente apaixonado? Isso agora não interessa Ouça e aprenda: pegue nestes setecentos orins e vá jogar, ganhe-me à roleta o máximo possível; preciso de dinheiro a todo o custo Dizendo isto, chamou Nádenka e foi na direção do casino onde se juntou a toda a nossa companhia Eu, entretanto, virei na primeira álea à esquerda, pensativo e estupefacto A ordem de ir à roleta foi como uma pancada na cabeça Estranho: tiha tantas coisas sérias em que pensar e mergulhava na análise dos meus sentimentos para com a olina Juro, nas duas seanas em que estive ausente era tudo mais fácil do que hoje, dia do meu regresso, embora durante a viagem me amargurasse loucamente, estivesse frenético e até em sonhos a visse à minha frente Uma vez, na Suíça, adormeci no comboio e, pelos vistos, falei em voz alta com olina enquanto dormia, o que pôs todos os meus companheiros de viagem num riso pegado Agora perguntava mais uma vez a mim mesmo: amava-a ou não? E mais uma vez não conseguia responder, ou melhor, mais uma vez, uma centésima vez, respondia que a odiava Sim, chegava a sentir ódio por ela Havia momentos, principalmente nos nais das nossas conversas, em que daria metade da minha vida para 5
poder estrangulála Juro, se houvesse a possibilidade de espetar lentamente no peito dela uma faca afiada, parece que a empunharia com delícias Entretanto, juro por tudo o que há de sagrado que se, nesse cume da moda que é o Schlangenberg, olina me dissesse a sério: atire-se daqui abaixo», eu atirava me, e até com prazer Sabia-o De qualquer modo, dessa ou doutra maneira, a situação tinha de ser resolvida Ela apercebe se de tudo isto perfeitamente, e só a ideia de eu ter na cons ciência, nítida e impacavelmente, toda a minha inacessibilidade a ela, toda a impossibilidade de realização das minhas fanta sias essa ideia, tenho a certeza, dálhe um prazer extraor dinário; senão, como poderia ea, cuidadosa e esperta como é, entrar nessas condências comigo? arece-me que olina, até hoje, me tem ohado como aquela imperatriz antiga que se des pia na presença do escravo, pois não o considerava um ser hu mano Sim, ela não me tem considerado muitas vezes um ser humano Entretanto, destinou-me uma missão: ganhar na roleta, custasse o que custasse Nem me deu tempo para reetir: para quê e em que prazo é preciso anha, e que novas considerações terão nascido naquela cabeça sempre calculista? Além disso, nestas duas semanas, acumulara-se um sem-m de factos novos, de que ainda não tinha ideia fomada Era preciso adivinhar tudo, penetrar em tudo, e o mais depressa possível Mas, de momento, não há tempo para isso: é preciso ir à roleta
2 Confesso, não me agradava; embora tena decidido que avia de jogar, não supuna que ia jogar para os outros, o que me deixava até um pouco confuso; por isso entrei nas salas de jogo com um certo sentimento de enfado À primeira vista, não gostei de nada do que ali vi Detesto o espírito de servilismo existente nas gazetilas de todo o mundo e, sobretudo, nos nossos jornais russos em que, quase todas as primaveras, os paneteiros só falam de duas coisas: primeiro, do extraordinário esplendor das salas de jogo nas cidades de roleta do Reno; segundo, dos montões de ouro que, supostamente, estão sobre as mesas de jogo ois, não é provável que les paguem por isso, escrevem no por puro obséquio desinteressado Não á magnicência nenuma nestas salas imprestáveis, e o ouro não só não existe aos montões como praticamente não existe Claro, de vez em quando, no decurso da temporada, lá aparece repentinamente um qualquer sujeito esquisito um inglês ou um asiático, um turco como neste verão que num ápice gana ou perde muito dineiro; os outros todos jogam a pequenos orins e, normal mente, corre pouquíssimo dineiro pelas mesas Quando entrei na sala de j ogo (pela primeira vez na vida), durante algum tempo não me atrevi a jogar Além disso, avia o aperto da multidão Mas, nem que estivesse ali sozino, mais depressa fugia do que começava a jogar Confesso, batia-me o coração, não mantina o sangue-frio; tinha a certeza, e já havia muito o decidira, que não ia deixar Roletenburgo assim sem mais nem menos alguma 7
coisa ia acontecer na minha vida, radical e denitiva Tinha de ser, e assim seria or mais ridículo que fosse o que eu tanto esperava, da roleta, acho também que a opinião rotineira aceite por todos de que é uma estupidez e um disparate esperar alguma coisa do jogo é ainda mais ridícula orque se pensa que o jogo é pior do que qualquer outro método de arranjar dinheiro, por exemplo, digamos , o comércio ? É verdade que ganha uma pessoa em cada cem Mas que importa isso? Em qualquer caso, resolvi primeiro observar e não empreender nada a sério esta noite Esta noite, se acontecer alguma coisa, acontecerá por acaso e não será nada de especial contei precisamente com isso recisava, além do mais, de estudar o próprio jogo; porque, apesar de ter lido avidamente milhares de descrições da roleta, não percebia positivamente nada do seu sistema antes de ter visto com os meus próprios olhos Em primeiro lugar, pareceu-me tudo muito sujo moral mente sujo e infeto Não falo dessas caras inquietas e cobiçosas que, às dezenas, e até às centenas, rodeiam as mesas de jogo Não vejo absolutamente nada de sujo no desejo de ganhar o máximo o mais depressa possível; também, sempre me pareceu muito estúpida a ideia de um moralista anafado e abastado que, respondendo à justicação dada por alguém de que não faz mal, porque não apostam muito», disse: Ainda pior, porque é uma cobiça miserável» Como se uma cobiça miserável e uma cobiça grandiosa não fossem a mesmíssima coisa É um problema de proporções O que para Rothschild é uma miséria, para mim é uma grande riqueza e, no que respeita aos lucros e ganhos no jogo, tenho para mim que as pessoas, não só na roleta mas por todo o lado, não fazem mais nada do que arrancar e ganhar aos outros qualquer coisa Agora se o lucro, em geral, é nojento, isso é outro problema Um problema que não estou agora a resolver Mas como eu próprio estava altamente possuído do desejo de ganhar, então toda essa cupidez e toda essa abjeção da cupidez, se quiserem, ao entrar na sala, como que me convinham, como que me eram familiares É ótimo quando as pessoas não fazem cerimónias umas com as outras, mas agem aberta e francamente Também, para quê enganar-se a si próprio? Coisa mais inútil e 8
irracional não há À primeira vista, o mais feio, entre todos os pobres-diabos da roeta, era esse respeito pelo assunto, essa serie dade e veneração com que todos se comportavam às mesas. É por isso que aqui se distingue nitidamente entre o jogo mauvais genre e o jogo que convém a um homem digno. Há dois jogos: um, de cavaleiros; outro, o da plebe, cobiçoso, o jogo dos pobres -diabos. Aqui, diferenciam-nos rigorosamente, e que abjeta é, na essência, esta diferenciação O cavalheiro pode, por exemplo, apostar cinco ou dez luíses de ouro, raramente mais , podendo no entanto apostar mesmo ml francos se for muito rico, mas no ndo joga por jogar, por divertimento, para observar o processo do ganhar e do perder; mas, de maneira nenhuma, o seu interesse poderá ser o ganho em si. Ao ganhar, pode rirse em voz alta, por exemplo, fazer uma observação a algum dos circunvizinhos, pode até apostar outra vez tudo e duplicar, mas unicamente por curiosidade, para estudar probabilidades, para análise e não pelo desejo plebeu de ganar. Numa palavra, encara todas essas mesas de jogo, roletas e trente et quarante apenas como um passatempo organizado para le dar prazer. Não pode nem suspeitar da cobça e das armadlas em que assenta e se organza a banca. Seria bom, mesmo muito bom, se ao cavaleiro lhe parecesse, por exemplo, que todos os outros jogadores, todos esses miseráves qu e tremem por cada orim, fossem guamente uns ricaços e uns cavalheiros como ee própro e j ogassem unicamente por prazer e divertimento. Tal ignorância competa da realidade e tal visão ingénua das pessoas seriam, claro, extremamente aristocráticas. Vi muitas mãezinhas empurrarem para a frente as lhas, inocentes e esbeltazinhas misses de quinze ou dezasseis anos, darem-lhes umas quantas moedas de ouro e ensinaremnas a jogar. A menina, ganhasse ou perdesse, invariavelmente sorria e afastava-se muito contente. O nosso general aproximou-se, solene e mponente, da mesa; o acaio correu a pôr-lhe uma cadeira, mas ele nem reparou no lacaio; demorou a tirar o porta -moedas, demorou a tirar do porta-moedas trezentos francos em ouro, apostou-os no preto e ganhou. Deixou o ganho na mesa. Calhou outra vez o preto; votou a deixar tudo no sítio e quando, à terceira, calhou o vermeho, perdeu mil e duzentos francos de 9
uma assentada Afastou-se sorrindo, fez boa gura Estava com um peso na ama, tenho a certeza, e, fosse a aposta duas ou três vezes maior, não aguentaria e mostraria aição Aiás , na minha presença, um francês ganhou e depois perdeu cerca de trinta mi francos, aegremente e sem quaquer emoção Um verdadeiro cavalheiro não deve enervar-se, mesmo que perca toda a sua for tuna O dinheiro tem de estar tantos ros abaixo da condição de cavaheiro que quase não vaha a pena preocupar-se com ee Caro que seria muito aristocrático não reparar em toda a sujeira de toda esta raé e de todo este ambiente Contudo, por vezes não é menos aristocrático o método contrário reparar, ou seja, observar, e até estudar, digamos que através do ornão, toda esta raé; mas fazê-o considerando unicamente toda esta mutidão e toda esta abjeção como uma espécie de divertimento, como que um espetácuo organizado para entretenimento do cavalheiro Sim, é possíve apertarmonos n o meio desta chusma e oharmos porém em vota com a convicção absouta de que somos observadores e de modo nenhum participantes dela Aliás, não se pode observar com demasiada atenção: não seria de cavalheiro, já que o espetáculo, bem vistas as coisas, não merece uma aten ção assim tão grande e atenta No gera, para um cavaheiro, há poucos espetácuos dignos de observação atenta No entanto, a mim, pessoamente, pareceu que tudo isto merecia uma observação muito atenta, sobretudo para quem veio não apenas observar, mas incorporar-se, sincera e conscienciosamente, em toda esta escumaha Ora, no que respeita às minhas mais secretas convicções morais, nestas minas presentes divagações não há decerto ugar para eas onhamos a coisa neste pé: falo assim para limpar a minha consciência Farei porém uma consideração: nos últimos tempos tem sido para mim extre mamente abjeto confrontar os meus procedimentos e pen samentos com quaquer bitoa mora Outras coisas me têm comandado A escumalha joga realmente de maneira muito porca Nem sequer me é alheio o pensamento de que aqui, a estas mesas, se pratica muito roubo, do mais ordinário Os croupiers que, sentados nas pontas das mesas, vigiam as apostas e acertam as 2
contas têm muitíssimo trabalho Na sua maioria franceses, eles são também grandes pulhas Aliás, se observo e registo aui certas coisas, não é porue ueira descrever a roleta; estudo o ambiente por si mesmo, para saber como me comportarei no futuro Reparei, por exemplo, ue não há nada de mais rotineiro do ue uma mão ue se estica e pega no ue outro ganhou Levantase uma discussão, muitas vezes uma gritaria e tentese lá provar, encontrar testemunhas de ue a aposta é nossa A princípio tudo isto era para mim afabeto chinês; deitava me a adivinhar, só vagamente distinguia ue se apostava nos números, no par e ímpar e nas cores Nessa noite resolvi arriscar cem orins do dinheiro de olina Aleksándrovna erturbava me de certa maneira a ideia de ue me iniciava no jogo não para mim, mas para outra pessoa Era uma sensação bastante desagradável ue tentei erradicar de mim o mais depressa possível Acreditava ue, por começar a jogar para a olina, estava a minar a minha própria sorte Será ue é impossível tocar numa mesa de jogo sem se car imediatamente contaminado pela superstição? Comcei com cinco fredericos de ouro, ou seja, cinuenta orins, ue pus no par A roeta girou e saiu o treze peri Com uma sensação doentia e unicamente para arrumar com tudo de uma vez e irme embora, apostei mais cinco fre dericos no vermelho Saiu o vermelho Deixei car os dez fredericos votou a sair o vermelho Recebi uarenta frede ricos e apostei vinte em doze números do meio, sem saber o ue podia sair dali agaramme o triplo Assim, dez fredericos tinham passado para oitenta ensei em irme embora, tão insu portável era a repentina e estranha sensação ue me assaltara, pois me parecia ue não agiria deste modo se estivesse a jogar para mim próprio orém, apostei os oitenta fredericos, outra vez no par Saiu o uatro, pelo ue me deram mais oitenta Arre banhei o monte dos cento e sessenta fredericos e saí à procura de olina Aleksándrovna Todos andavam a passear algures pelo parue, e eu só consegui ver olina à hora do jantar Desta vez o francês não estava, e o general desatou a língua que achava necessário, a propósito, voltar a advertirme que não gostaria de verme à mesa de j ogo 2
Que, na opinião dele, caria muito comprometido se eu viesse a perder muito: Mesmo que ganhasse muito, caria na mesma comprometido acrescentou signicativamente Claro que nã tenho o direito de mandar nos seus procedimentos, mas tem de convir que » Não concluiu a frase, como de costume Respondilhe secamente que tinha muito pouco dinheiro e que, por conseguinte, mesmo que me metesse no jogo, nunca poderia perder de maneira muito considerável Ao subir as escadas para o meu quarto, tive tempo de entregar a olina o seu lucro e anunciarlhe que, para a próxima, já não jogaria para ela Mas porquê? perguntou alarmada orque quero jogar para mim respondi observando-a com espanto , e isso impedemo Continua então a acredtar cegamente que a roeta é a sua única tábua de salvação? peruntou olina ironicamente Respondi-lhe com toda a seriedade ue sim; uanto à minha convicção de ue fora feito para ganar, amito ue é rícula, mas deixemme em paz olina Aleksándrovna insistia ue o dinheiro ganho hoje devia ser partlhao a meias e qus ar-me oitenta fredericos, sugerino que contnuasse a jogar nessas condições Recuseime terminan temente a aceitar o dinheiro, declarandohe ue não jogava para os outros, não porque não quisesse, mas porque e certeza per deria Contudo, por mais estúpido que seja, eu própria deposito todas as minas esperanças só na roleta disse ela, cando pensativa or isso o senhor tem de continuar a jogar para mim, a meias, e com certeza que vai j oar Disse isto e foi-se embora, sem ouvir o resto dos meus argumentos
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3 Entretanto, ontem não proferiu uma única palavra sobre jogo durante todo o dia No geral, evitava falar comigo A sua velha maneira de tratar comigo não mudou: o mesmo desdém total quando me encontrava, qualquer coisa até de arrogante e odioso Enm, não queria esconder a sua repugnância por mim, vej o isso muito bem or outro lado, também não escondia que precisava de mim e me estava a guardar para quaquer coisa Estranhas relações se estabeleceram entre nós, em boa parte incompreensíveis para mim tendo em conta o seu orgulho e altivez para com toda a gente Sabe, por exemplo, que eu a amo oucamente, até me deixa discorrer sobre a minha paixão é que, evidentemente, não poderia exprimir-me melhor o seu desprezo do que condescendendo que eu fale sem obstáculos nem censura do meu amor Quer dizer que eu tenho tão pouca consideração pelos teus sentimentos que tanto me faz do que fales comigo e o que sintas por mim Já dos seus próprios assuntos, sempre falou muito comigo, nunca sendo, porém, completamente sincera Mais ainda, havia requintes destes no seu desprezo por mim: sabe, por exemplo, que eu conheço uma qualquer circunstância da sua vida ou algo que a preocupa muito; ela própria me conta, até, fragmentos dos seus problemas, se isso convier aos interesses dela e com o intuito de me utilizar, como a uma espécie de escravo ou moço de recados; mas não conta mais do que aquilo que um moço de recados precisa de saber, e caso eu não conheça ainda toda a sequência dos acontecimentos e ela veja 23
que eu me atormento e preocupo com os tormentos e preocupações dela nunca condescende em tranquilizar-me com a sua sinceridade amigável, embora não raramente me tenha utilizado em missões não só penosas como perigosas, e tenha obrigação, a me ver, de ser sincera comigo. Também, para quê preocupar-se com os meus sentimentos, com aquilo que também a mim atormenta, com o facto de, talvez, me inquietar três vezes mais do que ela com as suas inquietações e azares Há já três semanas que eu sabia da sua intenção de jogar na roleta. Ela própria me avisara de que tinha de ser eu a j ogar por ela, já que, para ela pessoalmente, não era conveniente jogar. elo tom das suas palavras percebi na altura que ti nha uma preo cupação séria e não apenas o desejo de ganhar dinheiro. Aliás, o dinheiro em si, para ela . . . Há aqui um desígnio, umas quaisquer circunstâncias que eu apenas posso adivinhar mas que até ao momento desconheço. É evidente qe esta humilhação e escravidão em que me mantém poderiam dar-me (e muitas vezes dão) a possibilidade de inter rogála direta e rudeente. Como para ela eu sou um escravo e sou, aos ohos dela, demasiado insigncante, não tem razões para ofenderse com a minha curiosidade grosseira. Mas, se me deixa fazerlhe perguntas, as respostas não mas dá. Às vezes nem repara nelas. É assim entre nós Ontem falou-se muito entre a nossa gente de um telegrama enviado quatro dias atrás para etersburgo e que cara sem resposta. O general, pelos vistos, está cada vez mais neroso e anda pensativo. Trata-se da avó, sem dúvida nenhuma. O francês também anda preocupado. Ontem, por exemplo, falaram muito, e muito a sério, depois do almoço. O tom do francês com todos nós é extremamente arrogante e desdenhoso. Tal e qual como no provérbio: senta-o à mesa, põe logo as patas na toalha. Até com olina ele fala com um desdém que raia a grosseria; contudo, participa com prazer nos passeios conjuntos até ao casino e nas cavalgadas e excursões para fora da cidade. Há muito qe estou a par de algumas das circunstâncias que relacionaram o fran cês com o general: na Rússia, planearam juntos uma fábrica; não sei se o projeto falhou ou se ainda têm isso em mente. Também 2
vim a saber ocasionalmente uma parte do segredo da família: o francês ajudou efetivamente o general no ano passado, empres tando-lhe trinta mil rublos para repor a falha nos dinheiros do Estado auando da sua demissão Não há dúvida de que o general está nas garras dele; mas agora, precisamente agora, é Mlle Blanche quem, anal, desempenha o papel principal no meio disto tudo, e tenho a certeza de que não estou enganado neste particular Quem é essa Mlle Blanche Aqui, entre os nossos, dzse que é uma dalga francesa que transporta consigo a sua mãe e uma enorme fortuna Sabese também ue é parente do nosso marquês, mas muito afastada, uma prima em segundo grau Também se conta que antes da mnha viagem a aris o francês e Mlle Blanche tinham entre si umas relações muito mais cerimoniosas, muito nas e delicadas, mas ue, agora, o conhe cimento, a amizade e o parentesco lhes conferiram um aspeto mais grosseiro, mas íntimo Talvez a nossa situação lhes pareça tão má que não achem necessário fazer cerimónias connosco e esconder-se de nós Ainda anteontem reparei como mister Astley observava Mlle Blanche e a mãe Qus-me parecer que ele as conhecia Suponho até que o nosso francês também era, no passado, das relações de mister Astley Aliás, mister Astley é tão tímido, acanhado e taciturno que se pode ter quase a certeza de que, daquele lado, não haverá lavagem de roupa suja na praça pública elo menos, o francês quase não o cumprimenta, uase não olha para ele, pelo que não lhe terá medo O que é compreensível; mas, quanto a Mlle Blanche, por que razão também quase não olha para ele Ainda por cima, o marquês deixou escapar ontem numa conversa entre todos, repentinamente, que mister Astley era extremamente rico Ora aí está uma boa razão para Mlle Blanche olhar bem para mister Astley O certo é que, em termos gerais, o general anda preocupado ortanto, compreende-se o que pode signicar para ele um telegrama sobre a morte da tia Embora tivesse quase a certeza de que olina, por qualquer razão, andava a evitar falar comigo, eu próprio assumi um ar frio e indiferente: sempre a pensar que ela não aguentaria e viria à 25
fala comigo Ontem e hoje concentrei toda a minha atenção predominantemente em Mlle Blanche obre do general, está completamente perdido Apaixonarse aos cinquenta e cinco anos, e com tamanha força de paixão, é decerto uma desgraça Tenha-se em conta a viuvez do homem, os lhos, a propriedade completamente arruinada, as dívidas e, por m, a mulher por quem calhou apaixonar-se Mlle Blanche é bonita orém, e não sei se é claro o que vou dizer, tem um daqueles rostos capazes de assustar elo menos, eu sempre tive medo de mulheres assim Ronda os vinte e cinco anos, é alta e espadaúda, de ombros quadrados; um pescoço e uns peitos de luxo; a pele de um moreno amarelado, o cabelo, negro como tinta e muito espesso, dava para dois penteados Os olhos dela são negros, a esclerótica amarelada, o olhar é atrevido e os dentes branquíssimos, os lábios sempre pintados; cheira sempre a almíscar É vistosa no vestir, a roupa é cara e chique, mas de bom gosto és e mãos admiráveis A voz, um contralto rouco Às vezes raramente ri-se e mostra os dentes brancos, mas normalmente só se põe a olhar, calada e atrevida pelo menos na presença de olina e e Mária Filíppovna (Um boato estranho: Mária Filíppovna vai-se embora para a Rússia) arece-me que Mlle Blanche não tem qualquer grau de ensino, nem talvez seja inteligente, mas é desconada e manhosa Deve ter tido na vida as suas aventuras Se é de dizer tudo até ao m, o marquês pode não ser parente dela, e a mãe não ser mãe or outro lado há dados de que, em Berlim, onde nos encontrámos com eles, Mlle Blanche e a mãe tinham alguns conhecidos respeitáveis Quanto ao próprio marquês, embora até hoje eu continue a duvidar que ele seja realmente marquês, não existem dúvidas de que na Rússia, e pelos vistos nalguma Alemanha, ele pertence à melhor sociedade Em França, não sei o que ele é; dizem que tem um château ensei que nestas duas semanas muita água teria corrido sob as pontes , e no entanto continuo sem saber se entre o general e Mlle Blanche foi dito algo de decisivo No geral, tudo depende agora da nossa situação, ou seja, de quanto dinheiro poderá o general mostrar-lhes Se, por exemplo, chegasse a notícia de que a avó não morreu, tenho a certeza de que Mlle Blanche desapareceria 2
imediatamente. É espantoso e ridículo para mim mesmo até que ponto me tornei bisbilhoteiro. Oh, que nojo tudo isto é para mim Com que prazer largaria tudo e todos Mas como posso apartarme de olina, como posso deixar de espiá-la? Espiar é uma infâmia, sem dúvida, mas estou-me nas tintas Também, ontem e hoje, mister Astley me desperta a curiosidade. Sim, estou convencido de que está apaixonado por olina É curioso e engraçado ver quanto é capaz de exprimir o olhar de um homem bisonho e doentiamente casto tocado pelo amor, e isso precisamente no momento em que esse homem preferiria, sem sombra de dúvida, enfiar a cabeça debaixo da terra a exprimir fosse o que fosse com uma palavra ou um olhar. Mister Astley encontra-se frequentemente connosco durante os passeios Tira-nos o chapéu e segue o seu caminho, decerto morrendo de desejo de juntar-se a nós. orém, se o convidam, recusa de imediato. Nos lugares de descanso, no casino, na sala de música, ou junto à fonte, para inevitavelmente perto do nosso banco e, onde quer que estejamos no parque, na oresta, em Schlangenberg , basta levantarmos os olhos, olharmos à volta paa, numa veeda póxima ou atrás de u abusto, veos algum bocado de mister Astley. arece-me que procura uma ocasião para falar comigo a sós. Hoje de manhã encontrámo-nos e trocámos algumas palavras. or vezes ele fala de maneira bastante desconexa. Mesmo antes de cumprimentar-me, já pronunciava Ah, Mlle Blanche . . Já vi muitas muleres como Mlle Blanche Calou-se, olhando para mim signicativamente. O que ele queria dizer com isso não sei, já que, à minha pergunta de O que quer di zer com isso?», abanou a cabeça, sorriu manhoso e acrescentou É asim. amoisee auline gosta muito de ores?» Não faço ideia respondi . Como? Nem isso sabe? exclamou espantadíssimo. Não, nunca reparei nisso respondi a rir-me. Humm, isso dá-me uma ideia muito especial. Nisto acenoume e foi-se embora Aliás, parecia contente Falamos entre nós num francês horrível. 27
4 Hoje foi um dia feio, ridículo, absurdo São onze da noite, estou no meu cubículo, a recordar Tudo começou com o facto de eu, da parte da manhã, ter anal sido obrigado a ir à roleta jogar para olina Aleksándrovna Levei os cento e sessenta fredericos dos ganhos dela, mas com duas condições primeiro, não jogaria a meias, não queria, ou seja, se ganhasse não caria com dinheiro nenhum; segundo, olina teria de me explicar à noite porque precisava tanto de dinheiro e quanto queria exatamente ganhar De qualquer mdo, não consigo imaginar que fosse apenas pelo dinheiro O dinheiro era indispensável, pelos vistos , e o mais depressa possível, mas para algum objetivo especial olina prometeu que me esclareceria, e fui jogar As chusmas, nas salas de jogo, eram terrivelmente compactas Que descaramento e que cobiça em toda aquela gente Rompi para o centro e fui pôrme ao lado do croupier; depois comecei com tentativas tímidas, apostando duas ou três moedas de cada vez. Entretanto, observava e anotava mentalmente; vi que o cálculo, em si, pouco signica e não tem a imprtância que lhe atribuem muitos jogadores Esses estão sentados, com folhas de tabelas à frente, apontam as jogadas, contam, deduzem probabilidades, calculam, por m apostam e perdem do mesmo modo que nós , simples mortais que jogamos sem calcular Apesar disso, cheguei a uma conclusão que me parece certa de facto, na sequência de possibilidades ocasionais, existe, se não um sistema, pelo menos uma certa ordem o que é sem dúvida muito estranho 28
Acontece, por exemplo, que depois dos doze números do meio saem os doze últimos; estes batem duas vezes, digamos, e depois passam a calhar os doze primeiros Depois dos doze primeiros a roleta para nos doze intermédios, três ou quatro vezes seguidas, passando depois para os doze nais, dos quais passa, depois de duas vezes, como antes, para os doze primeiros que voltam a sair uma vez, a seguir a bola para três vezes nos números do meio, e assim por diante durante uma hora e meia ou duas Uma, três e duas; uma, três e duas É muito divertido Durante um dia ou durante uma manhã acontece, por exemplo, que o vermelho alterna com o preto e viceversa quase sem qualquer ordem, sem que o vermelho nem o preto saiam mais de duas ou três vezes seguidas Mas no dia seguinte ou na noite seguinte acontece o vermelho calhar mais de vinte e duas vezes seguidas e continuar assim durante algum tempo, por exemplo o dia todo Muitas destas coisas explicou-mas mister Astley, que passou uma manhã inteira junto s mesas de jogo sem apostar uma única vez Quanto a mim, perdi tudo até ao último tostão e rapidamente Apostei no par vinte fredericos e ganhei; apostei cinco e voltei a ganhar, e deste modo mais duas ou três vezes Acho ue, em cinco minutos, quei com uns quatrocentos fredericos Nessa altura deveria ter ido embora, mas nasceu em mim uma estranha sensação, um desao ao destino, um desejo de o afrontar, de lhe mostrar a língua Apostei o máximo permitido, quatro mil orins, e perdi Depois, desnorteado, tirei tudo o que tinha, apostei no mesmo e voltei a perder, após o que abandonei a mesa, aturdido Nem percebia o que me acontecera e só antes do almoço anunciei o meu falhanço a olina Aleksándrovna Antes disso, vagueei pelo parque Ao almoço estava outra vez excitado, como há três dias O francês e Mlle Blanche almoçaram de novo connosco Veio a saber-se que Mlle Blanche tinha estado de manhã nas salas de jogo e vira as minhas façanhas Desta vez falou comigo com mais atenção O francês foi mais direto e perguntou-me de caras se era verdade que o dinheiro que perdera era meu Acho que suspeita de olina Numa palavra, há qualquer coisa em tudo isto Menti sem hesitar dizendo que o dinheiro era meu 29
Extremamente surpreendido estava o general: onde arranjara eu tanto dinheiro Expliquei que começara com dez fredericos, que seis ou sete apostas seguidas, sempre a duplicar, me tinham rendido logo cinco ou seis mil oins, e que depois pedera tudo em duas apostas. Toda a minha explicação, claro, ea verosímil. Enquanto falava ia olhando para olina, mas não conseguia le nada na cara dela. Mas calavase, deixavame mentir; concluí que z bem em mentir e em esconder que jogaa por ela. Em qualquer caso, pensava eu, deveme uma explicação já que me prometera desvendar alguma coisa. ensava eu que o general ia fazer-me algum reparo, mas não disse nada; poém, notei na cara dele uma emoção, uma inquie tude. rovavelmente , na situação de aperto em que se encontava, eralhe penoso ouvir que tamanha quantidade de ouro aparecera e desapaecera, num quarto de hora, das mãos de um parvo in sensato como eu. Descono que ontem noite ele e o francês tiveam uma acesa altercação Tinham-se fechado numa sala, discutindo demorada e fogosaente. O fancês paecia iritado quando saiu e, hoje de manhã, voltou para falar com o general pelos vistos, paa continuar a convesa da véspera. Depois de ter escutado o que eu disse sobre as minhas perdas ao jogo, o francês armou causticamente, e até com uma certa maldade, que era preciso se mais sensato. E, não sei porquê, achou po bem acrescentar que, embora muitos russos jogassem, não tinham estofo, na opinião dele, paa joga. ois eu acho que a roleta foi criada especialente para os russos disse eu. E quando o francês soltou uma risada em resposta minha réplica, observei-lhe que eu estava, certamente, dentro da razão, poque, ao falar dos russos como jogadores, estava mais a criticálos do que a louválos, e que, por conse guinte, se podia dar crédito s minhas palavras. Mas em que baseia a sua opinião peguntou o francês. No facto de que, na catequese de virtudes e qualidades do homem ocidental civilizado entrou, histoicamente e quase como ponto fundamental, a capacidade de amealhar capitais. 30
Ora, o russo não só é incapaz de amealhar capitais como, para além disso, os desbarata inútil e monstruosamente. Contudo, nós, os russos, também precisamos de dinheiro acrescentei , por isso somos muito sequiosos de métodos, como por exemplo a roeta, com que se pode enriquecer de repente, em duas horas, sem esforço. Somos todos aliciados por isso; e como também jogamos inutilmente e sem esforço, perdemos que diz é, em parte, correto observou o francês, contente consigo mesmo. Não, não é correto, e devia ter vergonha de falar assim da sua pátria disse o general, severo e grave or amor de Des respondi , ainda está por provar o que é mais nojento: se a conduta indecorosa rssa ou o método alemão de acumlação mediante o trabalho honesto. Que ideia monstruosa exclamou o genera. Que ideia russa exclamou o francês. Ri-me, apetecia-me muito espicaçáos. referia ser nómada e viver numa tenda quirgize toda a vida gritei do que venerar o ídolo alemão. Qual ídolo gritou o general começando a zangarse a sério. ídolo do método alemão de acumulação da riqueza. Estou cá há pouco tempo, mas já tive tempo de ver o que indigna a minha natureza tártara. Juro por Deus que não quero virtudes dessas Ontem dei um passeio de duas léguas. ois bem, é a mesma coisa que nos livros moralizadores alemães, com ilustrações: por todo o lado e em cada casa há um Vater4 ter rivelmente virtuoso e incrivelmente honesto. Tão honesto que dá medo aproximarmo-nos dele Detesto os honestos de quem temos medo de aproximar-nos. Cada um desses Vater tem uma família, e noite toda a família se junta para ler livros didáticos . or sobre a casinha restolham os olmeiros e os castanheiros. O pôr do Sol, uma cegonha no telhado, tudo muitíssimo poético e comovente. Não se zangue, general, deixe que lhe conte de modo mais comovente ainda. Lembrome, eu próprio, como o meu 4 Pai (a). NT
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falecido pai, no jardim da frente, debaixo das tílias, lia noite para mim e para a minha mãe livros desse género . . . Então, e próprio posso ajizar com conhecimento de casa. ortanto, qalqer dessas famílias locais se encontra em escravidão e sbmissão completa ao Vater. Todos trabalham como bois e acmlam dinheiro como jdes. or exemplo, o Vater já popo, digamos, tantos e tantos orins e destina para o lho primogénito o se ofício o terreno; para tal, não dá dote lha, qe ca para tia. ara tal, vende também o lho mais novo para a escravidão o para a tropa, e o dinheiro vai acmlar-se ao capital da família. Verdade, é mesmo assim, e pergntei. Tdo isto é feito exclsivamente por honestidade, por elevada honestidade; chega a tal ponto a honestidade qe o lho mais novo, vendido, acredita qe o foi exclsivamente por honestidade aqilo é de facto o ideal, já qe a própria vítima ca contente por ser levada ao sacrifício. Qe mais O primogénito não tem ma vida melhor: há ma tal Amalchen, por qem tem m amor múto mas não podem casar-se porqe não conseiram acmlar tantos e tantos orins. Ficam à espera também, vir tosa e sinceramente, e vão para o sacricio com m sorriso. Finalmente, vinte anos passados, o bemestar mltiplico-se: os orins foram acmlados honesta e virtosamente. O Vater abençoa o primogénito de qarenta anos e a Amalchen de trinta e cinco, com o peito resseqido e o nariz vermelho . . . Chora, faz -lhes m sermão e morre. O primogénito torna-se por sa vez m Vater virtoso, e recomeça a história. Cinqenta o setenta anos depois, o neto do Vater original acmlo realmente m capital considerável e transfere-o para o lho, qe por sa vez o transfere para o se, e este também para o se, e nm espaço de cinco o seis gerações reslta disto tdo o próprio barão Rothschild o Hoppe e c. o sabe Des qem mais. ois bem, não será isto m espetáclo majestoso O trabalho hereditário de cem o dzentos anos, a paciência, a inteligência, a hones tidade, o caráter, a rmeza, o cálclo, a cegonha no telhado O qe mais qerem, se não há nada mais sblime do qe isto E a partir deste ponto eles próprios começam a jlgar todo o mndo e a exectar logo os clpados, isto é, os qe sejam dife 32
rentes deles minimamente. Então, é o seguinte: prero o des regramento russa, ou então enriquecer jogando roleta. Não quero ser Hoppe e c daqui a cinco gerações. reciso de dinheiro para mim próprio, e não me considero uma coisa do tipo apêndice necessário do capital. Sei que acabo de debitar uma série de tolices, mas que assim seja. São as minhas convicções. Não sei se há alguma coisa de verdade no que esteve para aí a dizer observou o general pensativamente , o que eu sei com certeza é que começa logo a fazer uma farsa insuportável mal o deixam perder o respeito . . . Como de costume, não acabou a frase. Se o nosso general começava a falar de alguma coisa ue fosse um bocadinho mais signicativa do que a cavaqueira quotidiana, nunca formulava a ideia até ao m. O francês ouvia com desdém, abrindo um pouco os olhos. Não percebera quase nada do meu discurso. olina olhava-me com uma espécie de indiferença arrogante. Aliás, desta vez parecia não ter ouvido nada, e não só a mim, do que fora dito mesa.
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5 Estava absorta em extremo, mas, logo após ter saído da mesa, mandou que eu a acompanhasse no passeio. Levámos as crianças e fomos ao parque, para a fonte. O meu estado de excitação levoume a soltar, estúpida e gros seiramente, a pergunta: porque é que o nosso marquês des Grieux, o francesito, não só não a acompanha agora, quando ela sai de casa, mas nem sequer fala com ela dias a o orque é um pulha respondeu num tom estranho. Ainda nunca ouvira dela uma tal caraterística sobre o Des Grieux e caleime, com medo de perceber o fundo da sua irritação. Não reparou que há hoje uma certa tensão entre ele e o general que o senhor quer é saber o que se passa respondeu olina de modo seco e irritado. Não sabe que o general lhe hipotecou toda a propriedade e que se a avó não morrer o francês entra imediatamente na posse da hipoteca Ah, então sempre é verdade que foi tudo hipotecado Ouvi falar disso, mas não sabia que era tudo. udera Nesse caso, adeus também à Mlle Blanche observei. Já não vai ser generala Sabe uma coisa Querme parece que o general está tão apaixonado que é capaz de se matar a tiro se Mlle Blanche o abandonar. Na idade dele é perigoso apaixonar se assm. 3
Também acho que lhe pode acontecer alguma coisa disse olina Aleksándrovna, pensativa. É extraordinário gritei , não há maneira mais grosseira de mostrar que se casa só por dinheiro. Nada de cerimónias, nem sequer o respeito pelas conveniências. É divino Quanto avó, o que pode haver de ais cómico e abjeto do que mandar tele grama atrás de telegrama a perguntar: já morreu, já morreu O que acha, olina Aleksándrovna Não interessa interrompeu-me ela, repugnada. O que e espanta, pelo contrário, é o seu estado de espírito tão di vertido. orque está tão contente Não me diga que é por ter perdido o meu dinheiro. E porque me deixou perdê-lo Eu disselhe que não podia jogar para os outros, e uito menos para si. Obedeço-lhe, mande o que andar, o resultado é que já não depende de mim. Aviseia de que não ia resultar. Diga-me, está muito abaada por ter perdido tanto ara que precisa de tanto dinheiro E para quê tantas perguntas Mas, se você esma prometou explicar-mo . . Oiça: tenho a certeza absoluta de que, mal comece a jogar para im (tenho doze fredericos), ganharei. Então posso dar-lhe quanto quiser. Fez uma careta de desprezo Não se ofenda com esta minha proposta continuei . Estou tão impregnado da consciência de que sou um zero sua beira, quer dizer, aos seus olhos, que é permitido, até para a menina, aceitar o meu dinheiro. Ua prenda minha não pode ofendê-la. Além disso, foi o seu dinheiro que eu perdi. Lançou-me uma mirada rápida e, reparando que e u falava com irritação e sarcasmo, voltou a desviar a conversa. que acontece comigo não tem qualquer interesse para si. Mas, se qer saber, tenho dívidas, pura e simpesmente. edi algum dinheiro emprestado e queria devolvê-lo. Tinha a ideia esquisita e louca de que ia ganhar sem falta, aqui, mesa de jogo. Não compreendo como se meteu essa ideia na minha cabeça, mas acreditava nela. Talvez acreditasse, quem sabe, precisamente porque não me restava outra saída. 35
Ou porque lhe era demasiado necesário ganhar. Passase a mesma coisa com o náufrago que se agara a uma palha. Tem de concordar, se não estivesse a afogar-se nã tomaria ma palha por um galho de árvore. Polina cou surpreendida. Nesse caso peruntou , como é que você próprio está a contar com a mesma coisa? Há das seanas diziame, prolixamente, que tina a certeza de que ia anar roleta, aui, e tentava convencer-me a não olhar para si como para um ouco. Ou estava a brincar? Mas lembrome e falava tão a sério que, de modo nenhum, se podia tomálo por uma brincadeira. É verdade respondi eu, pensatio. Ainda hoje estou penamente convencido de que vou anhar. Até posso confessar he que a menina foi a causa de ua uestão que se me pôs: por que razão a minha perda de hoje, ua perda feia e sem jeito enhu, não deixou qualquer úvida gravada em mim? Continuo com a esma certeza de ue, al comece a j oar para mim, ano inevitavelmente. E porue tem assim tanta cerza? Não aço ieia, se quer sae. Sei apenas ue preciso de gaar, que tabém para mim essa é a única saída. Tavez seja por isso que esto covencido de qe vou anar. Portanto, se está com essa cnvicção fantica, é porque també tm demasiada necesside osso apostar que a menina tm dúvidas de que eu seja capaz de sentir uma necessidade séia. É-me indiferente responeu oina muito baixo e desprendidamente. Se quiser, si, duvido que aluma coisa o atormente a sério. É capaz de inqietar-se, mas nunca a sério. É um homem desordenado e imturo. Para que precisa de dinheiro? De todas as razões que me apresentou da outra vez não encotrei nada a sério. A propósito interrompi-a , acabou de dizerme que precisava de pagar uma dívida. É ma bela dívida, portanto! Não será ao francês? Que perutas são essas ? Está oje demasiado brusco. Não está bêbedo? 3
abe muito bem que me pemito dize tudo e, às vezes, faço peguntas muito dietas. Digo e epito: sou seu escavo, e de um escavo não se tem vegonha, um escavo não pode insulta. Dispaate! Detesto a sua teoia «esclavagista». Repae que falo da minha escavidão não poque deseje se seu escavo, mas simplesmente coo de um facto que não depende de mim. Diga-me abetamete: paa que pecisa de dinheio? Paa que que sabê-lo? Coo queia espondeu e viou oguhosamente a cabeça. Detesta a teoia esclavagista, mas exige a escavidão «Responde e não agumenta!» Está bem, seja assim. Paa que peciso de dinheio? Coo assim? O dinheio é tudo! Compeendo, mas não se pode enta em tamanha loucua só po desejá-o! Chega ao eesi, ao ataismo Há aí qualque coisa, qualque objetivo especia. Fale se odeios, é assim que eu queo. Paecia começa a zanga-se, e agadavame muito acto de esta a inteogae com tanta eoção É evidente que tenho um objetivo disse eu. Mas não consigo explica qual Apenas que, tendo diheio, seei outo, inclusivaente paa si, e não escavo E coo, coo vai consegui-o? Coo vou consegui-lo? Nem seque cocebe que possa have ua aneia de eu consegui que me ole de outo odo que não coo a um escavo? É isso mesmo que eu não queo esses espantos e peplexidades. Disse que essa escavidão é um paze paa si. E a mi também me paeceu que assim ea. També lhe paeceu! exclamei num estanho deleite. Ah, que bela é, em si , essa ingenuidade! im, si, é um paze se seu escavo. Existe paze mesmo no último gau de insignicância e humilhação! continuei em deíio. Talvez, diabos me levem, haja também paze no chicote, quando o chicote cai sobe as costas e asga a cane em pedaços . . . Mas 37
talvez haja outros prazeres que eu queira experimentar Há pouco, à mesa, o general fez-me na sua presença um sermão, a que tem direito por causa dos setecetos rubos anuais que, pos sivelmente, nunca me pagará O marquês des Grieux, de sobrolho erguido, observa-me e, ao mesmo tempo, ignora-me E a mim, por meu lado, talvez apeteça apaixonadamente agarrar o marquês des Grieux pelo nariz na sua presença Discursos de um novato É sempre possível, em qualquer situação, impor-se a nossa dignidade Se houver luta, essa luta engrandece, não rebaixa Rica sentença! Suponhamos que talvez eu não saiba impor a minha dignidade Ou seja, sou capaz de ser um homem digno de respeito, só que não sei impor o respeito por mim A menina não entende que isso pode ser possível Aliás, todos os russos são assim, e sabe porquê orque os russos são dotados de talentos demasiado ricos e multilaterais para que possam encontrar rapidamente a forma que hes convém O problema é a forma Na sua maioria, os russos são dotados tão poderosamente que, para uma forma conveniente , precisam ainda da genialidade Ora, na maioria dos casos a geniaiade não existe, porque, em geral, é uma coisa rara Só entre os franceses, e talvez entre alguns outros europeus, a forma se tena denido tão bem que lhes seja possível olharem com extrema dignidade e serem, ao mesmo tempo, do mais indigno que há É por isso que a forma signica muito para eles O francês aguenta um insulto, um verdadeiro e profundo insulto, sem pestanejar, mas nunca aguentará um piparote no nariz porque isso é uma violação da forma consagrada das conveniências As nossas meninas têm muita atração pelos franceses porque a forma deles é perfeita A meu ver, ali não há forma nenhuma, há apenas um galo, o coq gaulois5 Aliás, não estou abilitado a percebê-lo, não sou mulher Talvez os galos sejam uma boa coisa Mas, de um modo geral, estou só a dizer disparates, e a menina não me manda caar Obrigueme a parar mais vezes, porque, quando falo consigo, apetece-me exprimir tudo, tudo, tudo erco toda a forma Até estou de acordo em 5 [ • ] ao auês (NT)
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que ão tenho forma, e ão s, que ão teho quaisquer quaidades. Declarolho. Nem sequer me preocupo com as quaidades. Aora, tudo se paraisou detro de mim. Sabe muito bem porquê. Não teho a cabeça quaquer ideia humaa. á muto que ão sei o que se passa o mudo, em a Rússia em aqui. Atravessei a cidade de Dresde e ão sei como é Dresde. Sabe bem o que me sorveu. Como ão teho esperaça ehuma e sou um zero aos seus ohos, diolhe diretamete: s a vejo a si por todo o ado, estou-me as titas para o resto. Como e por que a amo, ão sei. É que tavez ão seja ada boita, sabia? Imaie s que em sequer sei se a mea é boita ou ão, mesmo de rosto! O seu coração, provavemete, até é mau; a sua mete é bem possíve que seja pouco hoesta. Às tantas paeia comprarme com diheiro disse oi a , precisamete porque ão acredita a miha hoestidade? Desde quado paeio compráa com diheiro? rite. Atrapaou-se e perdeu o o meada. Se ão é a mim, é o meu respeito que paeia comprar. N ã o, ão é bem assim. É-me dici expicar, já he dsse. A oia oprime-me. Não se zaue com a miha taareice. E bem sabe porque ão pode zaar-se coio: sou simples mente ouco Aiás, ão me importo, zaue-se votade. ara mim basta, á em cima o meu cubícuo, recordar e ima ar apeas o roçaar do seu vestido para que me morda as mãos a mim prprio E também, porque se zaaria comio? orque me cosidero seu escravo? Aproveite, aproveite a mi ha escravidão, aprovete-a! Sabe que aida um dia hei de matá-a? Não porque deixarei de amá-a ou por ciúmes, mato-a por ada, simpesmete porque s vezes me apetece devorá-a. stá a rir-se . . . N ão rio ada disse ea com ira. E ordeo-lhe que se cae. oia parou e, da raiva, cotroava com dificudade a respiração. A sério, ão se se estava boita, mas sempre adorei vê-a parar em frente de mim dessa maeira, e era por isso que ostava de provocar-he a raiva. Tavez ela se apercebesse disso e se zaasse propostadamete. Disse-ho. 39
Que porcaria! exclamou com repugnância Tanto me faz continuei Tem de saber também que é perigoso andarmos juntos: tenho muitas vezes o impulso insuperável de lhe bater, de a mutilar, de a estrangular Acha que não chego a esse ponto ? Essa febre vai acabar por dominar-me Acha que tenho medo do escândalo? Da sua raiva? O que me importa a sua raiva? Amoa desesperadamente e sei que, depois disso, vou amála mil vezes mais Se chegar a matála, terei de me matar também; então, hei de adiar ao máximo o suicídio, para sentir a dor insuportável de viver sem a sua presença Quer saber uma coisa incrível? Cada dia que passa, amo-a ain mais o que é quase impossível Depois disto, como posso não ser fatalista? Lembra-se como, anteontem, em Schlangenberg, quando me desafiou, eu he sussurrei: diga uma palavra e atirome para o abismo ? Se tivesse dito essa palavra, eu atiravame de certeza Não acredita que me atirava? Que taaelice estúpida gritou Quero lá saber se é estúpida ou inteligente disse eu Só sei que, n sua presença, tenho de falar, falar, falar então, falo Consigo, perco todo o amor-próprio, e éme igual Porque havia de fazêlo saltar de Schangenberg? obser vou ea com secura e num tom particularmente insultuoso sso é de todo inútil para mim Magníco! gritei A menina sotou de propósito esse magníco «inúti» para esmagar-me Vejo-a como através do vido nútil, diz a menina? Mas o prazer é sempre útil, e o poder ouco, ilimitado, nem que seja sobre uma mosca, também é uma espécie de deleite O ser humano é déspota por natureza e gosta de ser carrasco A enina adora Lembro-me que ea me observava com uma atenção espe cialmente xa Pelos vistos, a minha cara exprimia naquele momento todas as minhas desordenadas e absurdas sensações embro-me também que a nossa conversa, efetivamente, se desenrolara tal e q ual, palavra por palavra, como a descrevo aqui Tina os olhos raiados de sangue, espuma crestada ao canto dos lábios No que respeita a Schlangenberg, juro pela mina honra, agora mesmo: se ela me mandasse atirarme dali abaixo, atirava0
-me! e o dissesse por brincadeira, ou com desprezo, como quem cospe atirava-me na mesma! Não, porquê? Acredito em si proferiu Polina, mas do modo que só ea sabe, às vezes, pronunciar as palavras, com todo aquele desprezo e sarcasmo, com tanta arrogância que, juro por Deus, poderia matá-la naquele instante. Polina arriscava. Disse -lho também, não estava a mentir. Não é cobarde? perguntou ela de repente. Não sei , tavez seja. Não sei . . . há muito que não penso n. Se eu he dissesse: mate este homem, matava? Matava quem? Quem eu quisesse. francês? Não faça perguntas, responda . . . quele que eu indicasse. Quero saber se tem estado a faar a sério. Esperava a resposta com tanta seriedade e impaciêcia que até estranhei. Diga-me, finamente: o que se passa aqui ? gritei Tem medo de mim ou quê ? Eu próprio não posso deixar de ver a confusão que reina aqui . É enteada de um homem arrunado e maluco, contaminado pela paixão que esse demónio, a Banche, lhe meteu no corpo; depois, esse francês com a misteriosa in uência que exerce em si: por m, faz-me agora uma pergunta . . . dessas, com esse ar todo sério. reciso de saber, ao menos, senão enlouqueço e faço uma asneira qualquer. Ou a menina enver gonha-se de honrar-me com a sua sinceridade? Mas, será possível que tenha vergonha de mim? Estou a falar consigo de uma coisa completamente diferente Fiz-lhe uma pergunta e estou à espera da resposta. Claro que mato exclamei , seja quem for que me mande matar, mas será capaz . . será que me manda fazê-o? que acha, que tenho pena de si? Mando, sim, e co de fora É capaz de agentar isso? Não, não tem estofo para aguen tar! Mesmo que mate, por ordem minha, acaba por matar-me a mim por ter-me atrevido a mandá-lo enti como se alguma coisa me batesse na cabeça. Claro que, também nessa ocasião, considerava a pergunta dela uma meia
brincadeira, um desafio; mesmo assim, tinha-a feito com demasiada seriedade De qualquer modo, quei espanado por ela se ter revelado, por assumir aquele direito de mandar em mim, por aceitar aquele direito sobre mim e dizer abertamente: Vai para a perdição, eu co de fora» Havia naquelas palavras algo de tão escancaradamente cínico que as tornava, a meu ver, excessivas Depois disso, como me considera ela? Auilo já ultrapassava os limites da escravidão e da nulidade Depois dessa atitude, uma pessoa vêse elevada ao pé de igualdade E, por mais absurda, por ais inverosímil que fosse a nossa conversa, o meu coração tremeu De repente, olina desatou a rir s gargalhadas Estávamos sentados num banco, voltados para as crianças que brincavam, de frente para o sítio onde paravam as carruagens e o pblico se apeava, defronte do casino Está a ver aquela baronesa gorda? exclamou olina É a baronesa Wumerhelm Cegou há três dias Está a ver o marido dela, um prussiano alto e seco, de bengala na mão? Lembrase como, anteontem, ele nos observou? ois bem, aproxie-se da baronesa, agora eso, tire o caéu e diga-lhe qualquer coisa em francês ara quê? Jurou que saltaria de Schlangenberg, jrou que estava pronto a matar por minha ordem Em vez de todos esses as sassínios e tragédias, quero apenas rir-me Vá lá e não invente desculpas Quero ver como o barão o vai zurzir com a bengala Está a desaar-me Acha ue não o faço? Sim, estou a desaálo, vá, é isso que eu quero! Está bem, vou, apesar de ser uma fantasia maluca Só uma coisa: não haverá sarilhos para o general e, através dele, para si? alavra de honra, não me preocupo comigo, mas consigo e, também, com o general Que fantasia é essa, ir insultar uma mulher? N ã o, o senhor não passa de um falabarato disse olina com desprezo Só sabe car com os olhos inj etados de sangue, como há pouco aliás, talvez por ter bebido demais ao almoço Acha que eu própria não vejo que é uma estupidez, uma ordi2
narice, e que o general vai car ulo? Mas só qero rir-me Quero, e pronto! E para que precisaria o senhor de insultar a mulher? Antes disso vai levar uas bengaladas Volteime e ui, em silêncio, cuprir a ordem Era claro que aquio er ma idiotice, coo também era claro que eu não soube esquivarme, ms, recordo agora que, à medida que me aproximava da baronesa, algua coisa, como uma maandrice acriançada, me incitava Estava tabém terrivelmente transtor nado, como bêbedo
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6 Sobre esse dia estúpido já mais dois se passaram Tanta ritaria, tanto aarido, tanta conversa! Que desordem, que baixo níve e imbeciidade, e sou eu a causa de tudo Porém, isto tem a sua raça peo menos, assim me parece Não me apercebo do que se passa comio se estou de facto num estado frenético ou, simplesmente, se perdi o norte e faço asneiras enqanto não me atarem as mãos Parece-me às vezes que se me baralhou a mente Outras, que não saí ainda da infância, da carteira escoar e que, simplesmente, faço maroteira da rossa É Poina, é tudo por causa dea! Se não fosse ela talvez não existissem as maroteiras Quem sabe, tavez tudo isto seja desespero (por mais estúpido, aiás, qe seja raciocinar assim) E não percebo, não percebo, que atração ea tem! É bonita, sim, é bonita; parece que é bonita Porque também faz enlouquecer os outros Alta e esbeta Só que, mara demais, parece que se pode darhe um nó ou dobrá-la em duas A planta do pé é comprida e estreitinha tortrante É isso, torturante O cabelo com aivos de ruivo Os ohos verdadeiramente felinos, e que orulhoso e ativo o ohar dela! Cerca de quatro meses atrás, quando comecei a trabalhar com esta famíia, uma noite falou na sala, demorada e ardorosamente, com Des Grieux Ohava-o com uns ohos que eu, depois, quando i deitar-me, imainei que ea o esbofeteava acabava de o esbofetear, estava em frente dele e olhava Foi a partir dessa noite que me apaixonei por ea Mas voltemos ao assunto
Dsci plo carrir até à alamda, pari no mio spri pla baronsa po barão. Quando chgaram a cinco passos d mim, tiri o chapéu z ua vénia. Lmbro-m qu a baronsa trazia um vstido d sda, d circunfrência inabarcávl, cinzntoclaro, aos folhos, crinolina cauda. Pqunina xtraordinariamnt gorda, com um quixo trrivlmnt maciço dscaído a ncobrirlh o pscoço. A cara rubra. Os olhinhos pqunos, madosos, dscarados. O su andar é coo s concdss ssa honra a todo o mundo. O barão é sco alto. A cara, d acordo com o costum almão, é torta sucada por um milhar d rugas minúsculas; usa óculos, tm quarnta cinco anos. As prnas nascm-l quas a partir do pito signica qu é d boa raça. Orguhoso coo um pavão. Um pouco dsajitado. Tm algo d ovino na sionomia, o qu, à sua manira, substitui cabalmnt a prondidad d pnsamnto. Todo o rtrato rampjou aos mus olos m três sgundos. A minha vénia e o mu chapéu na mão, d início, quas não atraíram a atnção dls. O barão apnas carrgou ligiramnt o sobrolho. A baronsa navgava dirtamnt contra mim. Mame la baronne pronuncii com nitidz, acntuando cada palavra , j'ai l'honneur d'être votre escav Dpois z outra vénia, pus o chapéu passi ao ado do barão virando com cortsia a cara para l sorrindo. Quanto ao chapéu, fora Polina qum m mandara tiráo, mas a vénia a palhaçada foram iniciativa minha. Só o diabo sab o qu m impliu. Parcia rolar d ua montanha abaixo. Gehen 7 gritou, ou mhor, rgougou o barão, votando a cara para mim num spanto raivoso. Volti-m staqui, numa xptativa rspitosa, continuando a olhar para a sorrir. O barão, plos vistos, stava prplxo lvantou as sobrancelhs até ao nec plus ura Ensobrava-sh a cara cada vz mais. A baronsa também s voltou para mim também m olhou com ua prplxidad raivosa. Alguns tran suntes olavam, até paravam. 6 S ehora baroesa [ . . ] teho a hora de ser seu escravo. NT 7 Fora! (ai).
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Gehen voltou a regougar o barão com uma intensidade e uma raiva duplicadas ]a woh/ 8 disse eu esticando as sílabas e olhando-o a direito nos olhos Sind sie rasend 9 gritou ele brandindo a bengala e, ao que parecia, começando a amedrontarse Deve ter cado conso com a minha roupa Eu vestia btante bem, até com elegância, como homem indubitavelmente pertencente ao público mais no Jawooohl gritei de repente com toda a força, esticando o o maneira dos berlinenses, que a cada instante usam na conversa o «jawohl» estendendo mais ou menos o som o para exprimir diferentes matizes de ideias e sensações O barão e a baronesa viraramse muito depressa e quase giram de mim, assustados De entre os mirones, alguns come çaram a falar, outros olhavam para mim sem percebere Aliás, não me lembro bem Dei meia volta e dirigime em passo normal para olina Ale ksándrovna Mas, não estava ainda a cem passos do banco dela, olina levantou-se e foi com as crianças na direção do hotel lcancei-a já no patamar da escadaria Cumpri a palhaçada disse-lhe Ah sim? Agora desembrulhe-se respondeu sem sequer olhar para mim, e começou a subir as escadas Vagueei toda a noite pelo parque Atravessando o parque e, depois, o bosque, passei mesmo para outro principado Num chalé, comi uma omeleta e bebi vinho: cobraram-me nada mais nada menos do que um táler e meio por este jantar idílico Voltei para casa só s onze De imediato me vieram chamar, por ordem do general Os nossos ocupam duas sutes no hotel, dispondo, portanto, de quatro divisões A primeira grande é a sala, com piano Contígua, outra grande o gabinete do general Era aqui que ele me esperava, no centro da sala, numa pose extremamente majestosa Des Grieux estava repimpado no sofá 8 Sm (ai) NT 9 stá doido (al) T
Meu caro senhor, permia que lhe pergunte o que anda a fazer começou o general. Gosaria, senhor general, que fosse direio ao assuno disse eu. Pelos visos, preende falar do meu enconro de hoje com um alemão? Um alemão?! Esse alemão é o barão Wurmerhelm e é uma personalidade imporane! O senhor foi grosseiro co ele e com a baronesa. Não fui tal. Assusou-os, meu caro senhor gritou o general. Nada disso. Ainda em Berlim, ficoume no ouvido o «jawohl» que eles repeem constantemene no m de cada palavra, esicandoo de maneira detesável. Quando o encontrei na alameda, esse «jawohl», não sei porquê, veiome à memória e irriou-me . . . Além disso a baronesa, quando se cruza comigo, o que já aconteceu por rês vezes, em o hábto de romper a direito contra mim, como se eu fosse um verme que é permiido esmagar com o pé Admia que eu também possa er amor -próprio. Tirei o chapéu e, educadamente (garanto-lhe que fui educado), dissele: «Madame, j'a l'onneur 'être votre es clave.» Quando o barão se voltou e griou «gehen!», ambém me seni impelido a gritar: «]awohl!» Gritei-lhe então duas vezes: à primeira de modo normal e, à segunda, esticando o «jawhol» ao máximo. É udo. Confesso que esava saisfeiíssimo com o esclarecimento ra quinas que me saiu. Apetecia-me muito pinar toda esa isória do modo mais absurdo possível. Cada vez ganhava mais goso à siuação. Esá a gozar comigo ou quê? griou o general. Virou-se para o francês e contou-lhe na língua dele que eu andava niidamene à procura de sarilhos. es Grieux solou uma risadinha desdenhosa e encolheu os ombros. Oh, nem pense, não foi nada disso ! grie eu ao general Sem úvida que o meu comportamento foi muito feio, digo-lho com toda a sinceridade. Pode mesmo caracerizarse como uma criancice esúpida e inconveniente, mas não mais do que isso. Sabe, general, esou arrependidíssimo Embora haja aqui 7
uma circunstância que, a meu ver, me liberta do arrependimento Ultimamente, desde há duas, três semanas, sintome mal: doente, nervoso, irritadiço, lunático e, nalguns casos, chego a perder completamente o autodomínio Isto é verdade, às vezes apeteceme até chegar de repente ao pé do marquês des Grieux e Aliás , não adianto mais, ele é capaz de se ofender Numa palavra, sintomas de doença Não sei se a baronesa Wurmerhelm irá ter esta circunstância em conta quando lhe for pedir desculpa (porque eu quero pedir-lhe desculpa) Suponho que não vai tê-la em conta, tanto mais que nos últimos tempos, pelo que sei, têm andado a abusar desta circunstância no mundo jurídico: nos processoscrie, os advogados começaram a justicar os atos dos seus clientes, os criminosos, com o facto de eles se não lembrarem de nada do que aconteceu no momento do crime, o que, supostamente, indiciaria uma espécie de doença Espancou, sim dizem eles , mas não se lembra de nada » Imagine só, general, que a medicina os apoia, conrma que existe realmente uma doença, uma loucura temporária em que o indivíduo não se lembra de quase nada, ou só se lembra de metade, ou só de ua quarta parte do sucedido Mas o barão e a baronesa são gente da velha geração; além disso são ]unker e proprietários rurais prussianos Não estarão pelos vistos a par destes progressos no undo médicoj urídico, e não aceitarão, portanto, as mi nhas explicações O que acha, general? Basta, eu senhor! disse o general com brusquidão e contendo a indignação Basta! Vou fazer tudo para me livrar de uma vez por todas das suas garotices O senhor não vai pedir desculpas ao barão e à baronesa Quaisquer contactos deles consigo, mesmo que fossem unicamente para lhes pedir desculpa, seriam para eles demasiado humilhantes O barão, quando veio a saber que o senhor pertence à minha casa, teve uma conversa comigo no casino, e devo dizerlhe que por pouco não pediu uma satisfação Está a perceber, caro senhor, àquilo a que me expôs? Sim, porque, por sua culpa, fui eu quem cou exposto Fui eu, eu, quem teve de pedir desculpa ao barão, e dei-lhe a minha palavra de honra de que o senhor, imediatamente, deixaria de pertencer, hoj e mesmo, à inha casa 8
Espere, espere aí, general; foi ele próprio qem exigi qe e deixasse de pertencer à sa casa, coo se digno expriir-se? Não, e próprio achei e dever fazer-lhe essa reparação, e, claro, o barão co satisfeito. Vaos despedirnos, e caro senhor. e a receber da inha parte estes qatro fredericos e três orins, segndo o câmbio atal. Aqi te o dinheiro e o papel co as contas, qeira vericar. Ades. A partir deste omento acaara os contactos entre nós. Alé das preocpações e sarilhos, não vi nada e si qe merecesse a pena. Vo avisar agora mesmo o matre d'hôtel de qe, a partir de aanhã, deixo de responsabilizar-e pelas sas despesas no hote. U criado ao se dispor. Pegei no dinheiro, no papel co as contas eitas a lápis, z a vénia ao general e disselhe co toda a seriedade General, isto não ca assim. Laento têo sjeitado a problemas com o barão, as peço desclpa o senhor eso é o cpado disso. Por qe razão tomo a se cargo responder por i peante o barão? Qe expressão é essa de e pertenço à sa casa? E, na sa casa, so apenas precetor e ais naa. Não so se lho nem o senhor é e ttor, por isso não se pode responsabilizar pelo me coportamento. So a pessoa jridicamente competente. enho vinte e cinco anos, so licenciado pela niversidade, dalgo e, e relação a si, perfeito estranho. Apenas m iliitado respeito pelos ses éritos ipede qe lhe exija iediatamente ma satisfação e a explicação do facto de ter respondido por mi. O general co tão pasmado e abri os braços, depois viro -se para o francês e inoro-o atabalhoadaente qe e qase o desaara para delo. O francês desato às gargalhadas. Mas, ao barão, não esto disposto a perdoar conti nei co m sange-frio perfeito, se apoqentar-me miniamente co o riso do senhor des Griex , e, coo hoje o general ani ovir as qeixas do barão e tomo o partido dele, colocando-se a si próprio nma sitação de participante direto e todo este assnto, tenho a honra de inforá-lo qe amanhã eso, logo de anhã, vo exigir do barão, em e próprio noe, esclareciento foral dos otivos pelos qas, 9
tratando-se de um assunto entre mim e ele, se dirigiu a uma terceira pessoa, como se eu não fosse capaz ou fosse inigno de responder-lhe por mim Aconteceu o que eu pressentia O general, ao ouvir esta nova parvoíce, acobardou-se horrivelmente Como é que o senhor se atreve a continuar com esta história maldita? gritou Meu Deus, já viu o que me está a fazer? Não se atreva, não se atreva, meu caro senhor, ou eu, juro! aqui também há autoridades, e eu eu numa palavra, com a minha posição e o barão também numa palavra, o senhor vai preso e deportado daqui com uma escolta policial para que não arme escândalos! Está a entender? Embora asxiado de raiva, estava com muito medo General respodi eu com uma calma insuportável para ele , é impossível prender alguém por escândalo antes de o escândalo ser armado Ainda não comecei a esclarecer as coisas com o barão, por isso o general não faz ideia da forma e dos fundamentos com que pretendo abordar este assunto Só pretendo esclarecer o pressuposto, insultuoso para mim, de eu estar sob a tutea de uma pessoa ue teria poder sobre o meu livre arbítrio Não vale a pena enervar-se e preocupar-se dessa maneira or amor de Deus, por amor de Deus, Aleksei Ivánovitch, desista desse propósito absurdo! murmurava o general, mudando subitamente do tom irado para um tom supicante, pegando-me mesmo nas mãos Imagine as consequências! Mais sarilhos! Tem de concordar que tenho de manter-me aqui de modo especial, sobretudo agora! sobretudo agora! Oh, o senhor não conhece, não conhece as circunstâncias todas! Quando sairmos daqui, estou pronto a readmiti-lo Não dê importância àquilo que eu agora numa palavra, o senhor deve compreender as minhas razões! gritou em desespero Aleksei vánovitch, Aleksei vánovitch! Quando já me retirava até à porta, voltei a pedir-lhe insisten temente que não se preocupasse, prometi que tudo ia acabar bem e de acordo com as conveniências, e apressei-me a sair Às vezes, os russos no estrangeiro são muito cobardes e têm grande medo do que se possa dizer deles, do modo como são 50
vistos, se isto ou aquilo estará dentro das conveniências. Numa palavra, andam como que espartihados, sobretudo os que têm pretensões a ago de importante. Para eles, o mais importante de tudo é a formalidade preestabeecida de uma ve por todas, que seguem servilmente nos hotéis , nos passeios, nas reuniões, nas viagens . . . Ora o general, ainda por cima, deixou escapar que havia circunstâncias especiais, que tinha de «manter-se aqui de modo especial». Por isso se acobardou tão vergonhosamente e mudou de tom comigo. Reparei nisso e registeio. É que, de hoje para amanhã, ele podia irigir-se por estupide a quaisquer autoridades, ogo, eu precisava de estar reamente alerta. Aiás, não era propriamente o genera quem eu queria irritar, era Poina. Tratara-me com tanta crueldade, a Poina, e empurrara-me para um caminho tão estúpido que gostaria muito de faer com que ea própria me pedisse para parar. A minha garotice, ana de contas, podia comprometêa também a ela. Aém disso, começavam a nascer em mim outras sensações, outros desejos; se eu, perante ela, digamos ue me reduo vountariamente a ero, ta não signica que perante os outros eu seja uma galinha choca e, caro, não será o barão quem me «dar bengaada». Apetece-me goar com todos ees e sair do meio disto tudo como um herói. Para ue vejam. Ainda havemos de ver! Poina terá medo do escândao e há de chamarme outra ve. Mesmo que não chame, verá que não sou nenhuma gainha choca . . . (Uma estranha notícia: acabei de saber da boca da nossa ama -seca, que encontrei nas escadas, que Mária Fiíppovna, compe tamente soinha, partiu hoje no comboio noturno para casa da prima, em Karlsbad. Que raio de notícia é esta? A ama arma que Mária Filíppovna havia muito queria faer a viagem; mas como raio ninguém sabia disso? Aiás, é possível ue só eu não soubesse. A ama deu com a íngua nos dentes e contou-me que Mária Fiíppovna ainda anteontem tivera uma discussão rija com o general. Estou a ver. É, de certea, por causa de Mle Banche. Pois é, qualquer coisa de decisivo está prestes a acontecer na família.)
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7 De manhã chamei o matre d'hôtel para o prevenir de que devia fazer a minha conta à parte. O meu quarto não era assim tão caro que eu me assustasse e saísse do hotel . Tinha dezasseis fredericos , e depois . . . depois talvez casse rico Coisa estranha ainda não anhei nada mas já ajo, já sinto e já penso como um ricaço, e não posso imainar-me outra coisa. ensava, apesar de ser ainda muito cedo, ir visitar de imediato mist Astley ao Hôtel dAnleterre, muito perto de nós, mas eis que me entra de repent pela porta dentro o Des Grieux. Nunca tal acontecera e, para cúmulo, ultimamente eu andava numas relaçõs muito hostis e muito tensas com esse senhor. Des Grieux não escondia o seu desdém por mim, até o acentuava; quanto a mim quanto a mim tinha as minhas razões para antipatizar com ele. Numa palavra, odiava-o. A visita dele surpreendeume. ercebi imediatamente que aluma coisa estava a acontecer. Entrou com muita amabilidade e louvou o meu quarto. Ao verme de chapéu na mão, peruntou como é que eu podia ir passear tão cedo. Quando soube que u e prparava para ir visitar mist Astley a m de tratar de assunto, pensou, matutou e desenhou-selhe no rosto um ar de rande preocupação. Des Grieu era como todos os franceses, ou seja, divertido e simpático quando era preciso e útil, e insuportavelment aborrecido quando deixava de sr preciso mostrar-se divrtido e simpático. O francês raramente é simpático naturalmente, só o é por ordem exprssa, por interesse. Se, por exemplo, vê necessidade 52
de ser fantasioso original fora do comum aplica a fantasia dele: a mais estúpida e antinatural das fantasias composta de formas convencionais e há muito banalizadas. O francês no seu natural entretanto é apenas composto do mais pequenoburguês mes quinho e quotidiano positivismo numa paavra é a criatura mais aborrecida do mundo. A meu ver apenas os novatos e sobretudo as meninas russas são atraídos pelos franceses. ara qualquer pessoa decente todo este estereótipo de formas preesta beecidas de amabiidade desembaraço e alegria de saão tornase logo visível e insuportável. Venho falarlhe de um assunto começou num tom muito desprendido embora educado e não escondo ue venho como embaixador ou melhor mediador do general. Como sei muito pouco russo ontem não percebi quase nada; mas o general expicoume pormenorizadamente e confesso . . . Oiça monsieur des Grieux interrompio o senhor foi encarregado de ser mediador neste caso. Claro que eu sou apenas «un outchite l» e nunca tive pretensões de ser um amigo chegado desta casa nem de relações especialmente íntimas e logicamente não posso conhecer todas as crcunstncas. Mas expqueme: o senhor será ue o senhor já se tornou membro desta família? orque anal o senhor passese o que se passar participa infalivelmente em tudo é medador. . . Não gostou da minha pergunta. Era demasiado transparente e ele não queria desvendar segredos. Estou ligado ao general em parte pelos negócios e em parte por algumas circunstâncias especais disse ele secamente. O general mandoume pedirlhe que desistisse das suas intenções de ontem. Tudo o que o senhor concebeu é sem dúvida de muito espírito; mas o general pediume para lhe explicar que não iria conseguir nada; mais ainda o barão não vai recebêlo e anal dispõe em qualquer caso de meios para livrarse de incómodos ulteriores da sua parte. Veja bem. ara quê continuar então? Ainda por cima o general prometelhe e garantelhe trabalo em casa dele logo que aja oportunidade para isso e está mesmo disposto até lá a assegurarlhe o vencimento vos appointements. É bastante vantajoso não? 53
Repliqei com bastante calma qe ele estava m poco enganado; qe talvez o barão não me enxotasse as, pelo contrário, me ouvisse Pedi-lhe também para confessar qe, provavelmente, viera ter comigo apenas para deslindar o seinte como iria e tratar do assnto? Mas, valha-me Des, se o eneral está tão interessado nisto, então é natral qe qeira saber o qe vai o senhor fazer, e como É a coisa ais natral! Comecei a falar, e ele a ovir refastelado, a cabeça m poco de lado, m toqe evidente de ironia na cara No geral, res pirava arrogância Tentei, por me lado, ngir com todas as forças qe encarava o assnto mito a sério Expliqei qe, coo o barão se tinha diriido ao general com ma qeixa contra mim, como se e fosse m criado do eneral, tinhame conseqentemente privado, em primeiro lugar, desse cargo; e, em segndo, tinhame tratado do alto da brra, como a m indivído incapaz de responder por si e com quem não vale a pena falar Logo, era evidente que tinha razões para e sentir ofendido; contdo, tendo em consideração a diferença de idades , de posição na sociedade, etc, etc (mal me continha de riso, nesta parte), não qeria mais ma coisa insensata como seja exiir ao barão, o apenas propor-lhe, ma reparação pelas aras Sentiame no entanto no direito de apresentarlhe, e antes de mais à baronesa, as minhas desculpas, tanto mais qe é de facto verdade qe, ltimamente, me tenho sentido mal, abalado e, por assim dizer, fantasioso, etc, etc Contdo, o próprio barão, com a sua qeixa apresentada ontem ao general (insltosa para mim) e as insistências no me despedimento, colocome nma sitação qe não me permite já apresentar as minhas desclpas, a ele e à baronesa, porqe tanto o barão como a baronesa, e todo o ndo em geral, vão pensar qe peço desclpas porqe me assstei e quero recperar o me lgar Em conseqência disto tdo vejome agora obrigado a pedir ao barão qe me apresente as sas desclpas primeiro, em termos mais moderados que diga, por exemplo, que não qeria de maneira nenhma ofenderme E qando o barão o disser, então, já com as mãos livres, apresento-lhe por minha vez, sinceramente 5
e do fundo do coração, as minas desculpas Numa palavra concuí , apenas peço ao barão que me desate as mãos Fu, que escrúpulos e que nezas! Para quê quer pedir descupas Admita, monsieur. . . monsieur que arquitetou isto tudo propositadamente para aborrecer o general ou talvez tena outras intenções especícas mon cher monsieu pardon j'ai oublié votre nom monsieur Alexis? n'estce pas Peço desculpa, mon cher marquis mas o que tem o senor a ver com isso Mais e génal. . . E o general o que tem também a ver Ele ontem disse quaquer coisa sobre ter de manterse aqui de modo especial e estava preocupado mas não percebi ada Há aqui, existe de facto aqui uma circunstância especial confirmou Des Grieux num tom suplicante mas donde transparecia cada vez mais o aborrecimento O senor conece mademoisee de Comin ges Quer dizer, Mlle Blance Sim, Mlle Bance de Cominges et mame sa mre tem de v que o gnra numa paava, o gnera está apaixonado e até até averá provavelmente casamento Imagine então, numa situação destas, os escândalos, as istórias Não veo nisto escândaos nem istórias que tenam a ver com um casamento Mas e baron est si irasble un caractre prussien vous savez enn i fera une queree d'Aemand Sim, mas contra mim, não contra os senores, visto que eu já não pertenço à casa (Tentava propositadamente mostrar-me o mais incompreensivo possível) Mas, espere lá, já foi decidido que Mlle Blance casava com o general Então de que estão à espera Quer dizer, porque escondem o facto, pelo menos de nós, dos familiares ] meu cao senho desculpe esqueci-me do seu nome Alexis?... não é? NT e a senhoa sua mãe. NT [ o baão é tão iascível um cate pussiano sabe em suma cia um conflito absudo. NT
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ão lhe posso . . . aliás, não está ainda denitivamente .. . o senhor bem sabe que se está à espera de determinada notícia da Rússia; o general tem de pôr em ordem os seus assuntos . . . Ah, ah! , la baboulinka Havia ódio no olhar que Des Grieux me lançou. Numa palavra interrompeu-me , cono plenamente na sua amabilidade inata, na sua inteligência, delicadeza . . . com certeza que o fará pela casa em que foi recebido como se fosse da família, em que foi querido e respeitado . . . Por amor de Deus, fui posto no olho da rua! Vem armarme agora que foi para salvar as aparências; mas tem de concordar que se lhe dissessem: Claro que não te quero puxar as orelhas, mas, para salvar as aparências, dá-me licença que te puxe as orelhas» . . . ão será quase a mesma coisa? Portanto, se nenhuns pedidos são capazes de demovê-lo começou ele já severo e insolente , permita que lhe comunique que serão tomadas medidas. Temos aqui autoridades, será expulso oje mesmo . . Que diable! un blanbec comme vous1 3 a querer desaar para duelo uma personalidade como o barão! Aca que o vão deixar em paz? Pode crer que aqui ningum tem medo de si. Se vim pedir-lhe, foi mais por minha iniciativa, porque vejo que o senhor está a incomodar o general. Acha que o barão não dá, pura e simplesmente, ordens ao lacaio para o pôr fora de casa? Eu não vou lá pessoalmente respondi com ua calma olímpica , está enganado, monsieur des Grieux, vai ser tudo feito de maneira mais civilizada do que o senhor pensa. Vou agora mesmo ver mister Astley e pedir-lhe que seja o meu second 1 4 Esse senhor gosta de mim e , com certeza, não mo recusará. Ele próprio irá ter com o barão, e o barão vai recebê-lo. Se eu não passo de um outchitel e pareço qualquer coisa subaerne e desprotegida, já mister Astley sobrinho de um lorde, dos verdadeiros, como toda a gente sabe, o lorde Peebrocke, e esse lorde está cá. Pode crer que o barão será educado com mister Astley e vai ouvi-lo. Mas se or acaso não o uiser ouvir, mister Astle considerará isso como
3 [ ] que diabo u m novato como o senhor [ ] (N) 4 Padrinho do duelo (N)
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uma ofensa pessoal sabe como são os ingleses) e mandaá po sua vez ao baão um amigo seu, e tem-nos dos bons Agoa veja, talvez a coisa não acabe como o senho supõe O fancês, visivelmente, acobadou-se; ealmente, tudo aquilo se paecia muito com a vedade e, po conseguinte, eu ea bem capaz de engenda toda uma históia Po favo, peçolhe começou outa vez em tom supli cante , não faça isso! É como se estivesse contente po aanja ma históia! O senho não poca uma satisfação, mas um escândalo! Já lhe disse que isto tem a sua piada, e até o seu espí ito, e talvez seja isso mesmo que o senho pocua concluiu ao ve-me levanta e pega no chapéu , mas, anal, eu vim aqui paa tansmitilhe duas palavinhas de deteminada pessoa; tome, leia fui encaegado de espea pela esposta Dizendo isto, tiou do bolso e entegou-me um pequeno bilhete dobado e selado Estava escito, pela mão de Polina «Paece que está disposto a continua com esta históia Sente se ofendido e faz ciancices Mas há aqui cicunstâncias espe ciais, que tavez he expque depos Po favo, deixe-se disso e desista Que estupidez, tudo isto! Peciso de si, e pomete obedeceme embese de Schlngenbeg Peçolhe, ou odeno -he, se quise, que seja obediente Sua P P S Se está zangado comigo po aquilo de ontem, desculpe -me�� Paecia que tudo se viava de penas paa o a diante dos meus olhos ao le estas linhas Os meus lábios empalideceam, e comecei a teme O maldito fancês assumia um a exagea damente modesto e desviava os olhos de mim, ngindo não qee nota o meu embaaço Seia melho i-se de mim Está bem espondi , diga à oisee qe que des cansada Pemitame, contudo, que lhe pegunte acescen tei bcamente poque demoou tanto a entega-e o bilhete Ea po aí que devia começa, em vez de se pô a tagaela sobe insignicâncias ma vez que veio cá exatamente com essa missão 57
Oh, eu queria . . . aliás , tudo isto é tão estranho que o senhor deve perdoar-me a minha impaiênia natural.. . é que eu queria saber pessoalmente, da sua própria boa, quais eram as suas intenções. Aliás, não sei qual é ontedo do bilhete, pensei que era sempre tempo de lho entregar. Compreendo, disseramlhe para o entregar só em aso extremo, e que se onseguisse resolver tudo só om palavreado não devia entregarmo. É isso? Fale franamente, monsieur des Grieux! Peutêtre 5 respondeu assumindo um ar de moderação e olhandome de maneira espeial. eguei no hapéu; aenou-me om a abeça e saiu. areeu-me desortinar-lhe um sorriso irónio. udera! Ainda hei de ajustar ontas ontigo, franesito, ainda have mos de medir forças! murmurava eu enquanto desia as esadas. Ainda não onseguira pôr as ideias em ordem, omo se alguma oisa me martelasse na abeça. O ar da rua refresou-me um ouo. Uns dois minutos depois, quando omeçou a alarar-se-me o pensamento, duas ideias se rmaram na minha abeça: primeira de umas insigniânias, de algumas ameaças infantis e inverosímeis lançadas ontem de passagem levantou-se um alarme qua é, anal, a inuênia do franês sobre geral Segun olina? A uma paavra dele, a olina faz tudo o que ele quer, esreve o bilhete e até me pede É verdade que as relações deles têm sido, desde sempre, um enigma para mi, desde que os onheço; nos ltimos dias, porém, reparei que olina tinha por ele grande repugnânia, e mesmo desprezo; quanto ao franês, nem olha para ela, é até mal-eduado om olina. Reparei nisso. A própria olina me deu a entender essa repugnânia, esaparam -se-lhe algumas onssões muito signiativas . . . O que signi a que Des Grieux tem olina amarrada, não sei om que adeias .. .
1 5 alvez (N)
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8 Na promenade como dizem aqui, ou sea, na aameda de castanheiros, encontrei o meu ingês. Oh, oh! começou ee quando me viu. Eu a ir ter consigo, e o senhor a vir ter comigo. Então, despediuse dos seus? Digame primeiro: como é ue já sabe? perguntei surpreendido. Será que toda a gente j á sabe? Oh, não, nem todos sabem; nem vae a pena que saibam. Ninguém faa disso. Mas como soube então o senhor? Soube, ou seja, tive ocasião de saber. ara onde vai agora? O senhor agrada-me, por isso o procurei. É um homem muito simpático, mister Astey disse eu (contudo, estava terrivemente espantado: como é que ee sou be?) , e como ainda não tomei café e o senhor, peos vistos, também não, vamos até ao café do casino, sentamo-nos á, fumamos, eu contohe tudo e . . . o senhor também me conta. O café era a cem passos dai. Trouxeram-nos café, sentámo -nos, acendi um cigarro, mister Astey não quis mar e, ohando xamente para mim, preparouse para ouvir. Não vou para ado nenhum, co cá comecei . Também tinha a certeza que ia car disse mister Astey aprovadoramente. Quando procurava mister stey, não tinha quaquer intenção ou desejo de contar-he sobre a minha paixão por oina. Em todos estes dias, não he dissera quase nada a esse respeito. 59
Acontece também que mister Astley é muito acanhado. Repaei que, desde o pincípio, Polina lhe causaa uma fote impessão, mas Astley nunca mencionou seque o nome dela. Estanha mente, agoa, mal se sentou e me tou com o seu olha de chumbo, sugiu dento de mim, sabe-se lá poquê, a vontade de conta-lhe tudo, ou seja, todo o meu amo em todos os pomenoes. Duante uma boa meia hoa falei-lhe disso, e como ea agadável conta tudo pela pimeia vez! Quando notava que, nos momentos mais fogosos da minha naativa, Astley se envegonhava, intensicava popositadamente o calo da minha naação. Só me aependo de uma coisa: talvez tivesse dito ago a mais sobe o facês . . . Mister Astley escutava, sentado e m fente de mim, sem emiti um som, a míia palava, olhos nos olhos; mas, quando entei a fala sobe o ancês, inteompeu-me de supetão e obsevou seveamente: teia eu o dieito de menciona tal cicunstância, ue nada tinha a ve com o assuto? Mister Astley tinha um modo muito estanho de faze peguntas. em azão, eceio não te esse dieito espondi. Desse maquês e miss Polina não pode dize nada de coceto, apenas suposições, não é vedade? De novo estanhei pegunta tão categóica vinda de um homem tão acanhado como mister Astley. Não, nada de conceto espondi , clao, nada de conceto. Nesse caso, agiu mal, não só poque falou disso comigo, mas até poque pesou isso. Está bem, está bem! Confesso; mas agoa tata-se de outa coisa inteompi-o, espantado no meu íntimo. Então contei -lhe toda a históia do dia anteio, minuciosamente, o capicho de Polina, a minha aventua com o baão, o meu despedimento, a cobadia extaodináia do geneal e, po m, conteilhe em pomeno a ecente visita de Des Gieux, em todos os seus matizes; paa culmina, mosteilhe o bihete. que pode deduzi disto? peguntei. Vim te consigo especialmente paa sabe o que pensa. Quanto a mim, tenho vontade de mata esse fancesito, e talvez acabe po fazê-lo. 0
Eu a ambém diss dissee mister Asle Asleyy Quano a miss Polina, saiba que à vezes, quando a necessidade empurra as pessoas, elas enram em relações com quem aé lhes é odioso No caso dela pode haver relações que desconhece e que dependem de circunstâncias exeriores exeriores Acho qu que pode car descansado descansado em pare, pare, evidenemene Quanto ao comporameno dela, ontem, é decero esquisio não não porque porque ela tenha tenha desejado desfaz desfazer er-se -se de si mandando-o pôr-se à frene frene da bengala do barão (que não se s e serviu s erviu dela, não percebo por porquê quê,, viso que a iha i ha nas mãos) mãos),, mas porque uma raquinice desse género por pare de uma miss ão excelene é de odo inconveniene É evidente que ela não podia prever que o senhor iria cumprir à lera o desejo desej o brincalhã brincalhãoo dela Sabe que que mais? griei de repene, repene, olhando olhando com xidez xidez Pareceme que o senhor já esá ao ao corrente corrente diso mister Asley Pareceme udo, udo, e sabe sabe ar araavé véss de quem? quem? da própri própriaa miss Polina Mister Asley olhou para mim com espano Os seus olhos brilham, e leio neles alguma suspeia pronunciou, volando à ranquilidade anerior , mas o senhor não tem o mínimo direio de manifesar suspeias Não posso reconhcr-lh esse direito e recuso-me caegoricamnte a res ponder à sua perguna Nem eu quero quero ! Basa! Bas a! griei , esranha esranhamente mente emocionad emocionadoo e sem compreender como podia ter-me passado pela cabeça semelhane coisa! Quando, onde e de que maneira podia mister Asley ser eleito por Polina seu codente? Ultimamene, aliás, inha i nha perdido perdido um pouco de vista mister Astley Astl ey,, e quano à Polina, Pol ina, sempre foi foi para para mim um enigma aé aé al pono um enigma que, por exemplo agora, ao contar toda a hisória do meu amor a mister Asley, espantei-me de repene, a meio da minha narração, por não poder dizer quase nada de concreo e posiivo sobre as minhas relações com ela Pelo contrário, udo o que eu dizia era fanasioso, esranho, inconsisene, sem relação com nada de nada Está bem, esá bem; perdi o ino e, mesmo agora, não consigo perceber perceber muita coisa re respond spondii a arf arfar ar Aliás, o senhor é boa pessoa Agora, oura coisa, e noe que não lhe vou pedir conselho, mas uma opinião
Fi um silêncio e comecei: que acha: porque se acobardou tanto o general? Porque deduiram eles toda uma história da minha garotada idiota? Uma história tão grande que até o próprio Des Grieux achou necessário meterse no assunto (e ele só se intromete nos casos mais importantes), ir visitarme (veja só!), pedir, implorar ele, o Des Grieux Grieux , a implorar implorar-me -me,, a mim ! Finame F inamente, nte, repa repare re que chegou às nove, até um pouco antes, e já o bilhete de miss Polina estava nas mãos dele. A que horas, então, foi escrito? Às tantas acordaram miss Polina especialmente para isso! Além de eu ver, a partir daí, que miss Polina é escrava dele (porque até a mim ela pede desculpa!), dá para perguntar: que interesse tem ela própria nisso tudo? Com que está tão preocupada? Porque têm medo de um baronete qualquer? E que importância tem o facto de o general se casar com Mlle Banche de Cominges? Diem que devem comportarse de maneira espeal por causa disso o que é muito muito esquisito, tem de concor concorda dar!r! O que que pensa pensa disto? Vejo nitidamente nos seus olhos que, também neste particular, sabe mais do que eu! ister Astey soltou uma risadinha e acenou com a cabeça. É verdade, parece que também neste particuar sei mais do que o senhor senhor disse. Aqui, Aqui, todo todo o proble problema ma di re resp speito eito apenas a Mlle Banche, e disso tenho a certea absoluta. há com com Mlle Mlle Blanche Blanche?? gritei com impa impaciência ciência que há (relampejou-me de repente a esperança de que agora se ia desvendar aguma coisa sobre Polina) Parece-me que, neste momento, Mlle Banche tem um interesse muito especial em evitar por todos os meios quaisquer encontros com o barão e a baronesa; e muito menos m enos um encontro en contro desagradável, ou pior: escandaloso. Que mais? Que mais? H á dois anos, anos , durante a época época balnea balnear,r, Mlle B lanche lanche esteve aqui, em Roletenburgo. Eu também cá estava. Mlle Blanche, nessa altura, não se chamava Mlle de Cominges, tal como não existia a mãe dela, mame veuve Cominges. Pelo menos, não se sabia nada dela. Des Grieux Grieux . . . Des Grieux Grieux também não nã o existia. Estou Es tou prof profundamente convencido con vencido de qe q e não nã o só não são parentes parentes 2
como se conhecem conhece m há muto pouco tempo. Também mbé m , Des Des reux reux começou a nttularse marquês muto recentemente (tenho a certeza dsso por causa de determnada crcunstânca). É possível supor, além dsso, que o nome Des reux seja de á pouco tempo. Conheço aqu uma pessoa que o encontrou sob outro nome. Mas, não é um facto que ele tem um círculo respetável de conhecmentos? Oh, é muto possível. Até Mlle Blanche é capaz de têo. Mas, á um ano e meo, Me M e Blanche, B lanche, em consequênca de uma quexa apresentada por esta mesma baronesa, recebeu ordem de abandonar a cdade e abandonoua. que se passou? Nessa altura ela ela apareceu apareceu cá, prmero prm ero com com um talano talano,, um príncpe quaquer ornado de um nome hstórco énero Barberini ou cosa parecda. Era um homem ceo de anés e damantes, por acaso verdaderos. Andavam numa exceente carruaem. Mle Banche joava ao trente et quarante prmero bem, depos a sorte vrou-lhe as costas, se a memóra não me enana. embrome que uma note perdeu perdeu ma ma quanta quanta muto mu to rande. rande. Mas, o por anda fo que, un beau matin 6 o seu príncpe desa pareceu; desapareceram os cavalos e a carruaem, desapareceu tudo. A dívda no hote era terríve. Mlle Zelma (transformara -se, de repente, de Barbern em Mlle Zema) estava no últmo rau de desespero. Uvava e unchava por todo o hote e, num acesso de fúra, rasou o vestdo. Nesse mesmo hotel estava hospedado um code poaco (todos os poacos em vaem são condes), e o transe de Mlle Zelma a rasar os vestdos e a arranhar como uma ata a própra cara com as mãos belas e perfumadas exerceu no conde auma mpressão. Tveram uma conversa e, à hora do almoço, mademoisee j á estava estava consolada. À note no te o conde apareceu o casno de braço dado com ela. Mlle Zelma ra-se, como com o era seu costume, muto alto, alto , e as sua s uass maneras maneras j á reve revelav lavam am bastante mas desaforo. Entrou dretamente na cateora das damas joadoras de roleta que, ao aproxmarem-se da mesa, [ u belo dia [ (N 3
empurram com fora o ombro de qualquer jogador para lhe tomarem o lugar. um chique especial, aqui, entre essas damas. O senhor, decerto, já reparou nelas, não? Oh, sim. Não vale a pena preocuparmonos com elas. Para desgosto do público decente, não há falta delas, peo menos das que todos os dias trocam à mesa de joo not de banco de mil rancos. Aliás, logo que deixam de trocar notas, pedem-lhes que saiam imediatamente. Mlle Zelma ainda continuava a trocar nota, mas tinha cada vez mais azar ao jogo. Repare que essa dama têm muit vezes soe ao jogo; e são muito senhoras do seu nariz. Ali, termina aqui a história. Por m, do mesmo modo que o príncipe, desapareceu também o conde. Mlle Zelma, nessa noite, compareceu para jogar, sozinha; dessa vez ninguém se ofereceu para lhe dar o brao. Em dois dias perdeu tudo. Ao apostar e perder o último orim, olhou à volta e viu a seu ado o barão Wurmerhelm, ue a observva com muita atenão e indignaão. Mas Mlle Zelm não reparou na indinaão e, diriindose ao barão com um certo sorriso, pediulhe que apostasse por ela dez orins no vermelho. Em resultado, depois de uma queixa da baronesa, recebeu à noite a ordem de não aparecer mais no casino. Se o senhor se admira que eu esteja a par desses pormenores miúdos e completamente indecentes, saiba então ue mos transmitiu mist Feeder, um parente meu, que nessa noite levou Mle Zelma de Roletenburgo para Spa. Agora veja: Mlle Blanche quer ser generala talvez porque não deseje, de uturo, receber avisos desse género por parte da polícia do casino. Agora não joga porque, por todos os indíios, tem um capital que empresta a juros aos joadores locais. muito mais lucrativo. Descono, até, que o pobre do general também lhe deve dinheiro. Talvez o Des Grieux também. Ou então, talvez seja cúmplice dela. Tem de concordar que, pelo menos até ao casamento, é natural ela não desejar atrair a atenão do barão e da baronesa. Numa palavra, na situaão dela, um escândalo seria muito pouco vantajoso. O senhor está ligado à família do eneral e os seus procedimentos podiam provocar um escândalo, ainda por cima porque ela aparece todos os dias em público pelo brao do general ou com miss Polina. Compreende agora?
ão, não compreendo! gritei batendo com o punho na mesa com tanta força que o garçon correu para nós, assustado iga-me uma coisa, mister Astley disse eu, frenético , se o senhor já sabia toda essa história e, portanto, quem era essa Mlle Blanche de Cominges, como pôde não me ter avisado, ao menos a mim, ao general e, sobretudo, a miss olina, que aparece no casino de braço dado com Mlle Blanche? Como foi possível? Avisálo a si era inútil, porque o senhor não podia fazer nada respondeu calmamente mister Astley Aliás, avisálo de quê? Quanto ao general, provavelmente ainda sabe mais sobre Mlle Blanche do que eu próprio, e mesmo assim passeia-se por aí com ela e com miss olina O general é um homem des graçado Vi ontem como Mlle Blanche cavalgava num excelente cavalo ao ado de monsieur des Grieux e desse pequeno príncipe russo, e o general atrás deles num cavalo ruivo Disse de manhã que lhe doíam as pernas, mas mantinha-se bem na sela esse mesmo instante passoume de repente pela cabeça que era um homem completamente perdido Aliás, não tenho nada a ver com isso, e apenas há pouco tempo tive a honra de conhecer miss olina Além disso (lembrou-se de repente mister Astley), já lhe disse que não posso reconhecer-lhe o direito de abordar consigo alguns assuntos, embora goste muito de si Basta disse, levantando-me , agora, para mim, é claro como água que miss olina também sabe tudo sobre Mlle Blanche, mas não pode verse livre do seu francês e por isso se resigna a passear na companhia de Mlle Blanche Acredite que nenhuns outros motivos poderiam obrigá-la a passear-se com Mlle Blanche e a implorar-me no bilhete que não incomode o barão eve haver aqui uma inuência à qual todos se curvam! , no entanto, foi ela própria quem me açuou contra o barão! Raios, é impossíve perceber seja o que for! squece-se que, em primeiro lugar, Mle de Cominges é noiva do general, e, em segundo, que miss olina, enteada do general, tem um irmãozinho e uma irmãzina, hos do general, completamente abandonados por esse maluco e, ao que parece, espoiados 5
Sim, sim, é isso mesmo ! Deixar as crianças signica desam pará-las de todo, car e aguentar é uma maneira de proteger os interesses delas e, talvez, salvar o resto da propriedade É verdade, tudo isso! Mesmo assim, mesmo assim! Oh, como compreendo porque se interessam todos e tanto pela avozinha! Por quem? Por essa velha bruxa de Moscovo que nunca mais morre e de cuja morte é esperado ansiosamente o telegrama salvador Pois é, todo o interesse está concentrado nela, evidentemente Trata-se da herança! Mal apareça a herança o general casa-se; miss Polina também ca livre, e Des Grieux Des Grieux o quê? A Des Grieux devolvem-lhe o dinheiro, está aqui à espera disso, apenas Apenas! Acha que está só à espera disso? Não sei mais nada cortou mister Astley e calou-se resolutamente Mas eu sei, eu sei! repetia eu com ria Ele está à espera da herança também porque a Polina receberá o dote e, tendo dinheiro, atira-se-lhe ao pescoço As mulheres são todas assi! E as mais orgulhosas são as que se torna as escravas mais vulgares! Polina só é capaz de uma coisa e de mais nada: amar apaixonadamente! É essa a opinião que tenho dela! Ohe para ela, principalmente quando está sozinha, pensativa: tem quaquer coisa de predestinado, de condenado, de amaldiçoado! É capaz de entrear-se a todos os horrores da vida e a todas as paixões ela ela Mas quem está a chamarme? exclamei de repente Quem grita por mim? Ouvi alguém a gritar «Alesei vánovitch! » , em russo Não ouve? Uma voz de muler, não ouve? Estávamos, neste momento, a chegar ao nosso hotel Havia muito que saramos do caé, uase sem darmos por isso Sim, ouvi uns gritos de mulher, mas não percebi que estavam a chamá-o; e em russo Agora já vejo donde vêm os gritos apontou mister Astley É aquela senora sentada numa cadeira que oi levada pelos lacaios para o cimo da escadaria de entrada E levam também as malas, quer dizer que o comboio acabou de chegar
Mas porque me chama ela á está oura ez a gritar, a fazer-me sinais com os braços Sim, estou a er conrmou mister Astley Aleksei ánoitch! Aleksei ánoitch! Ah, meu Deus, que paralhão! chegaam até nós os gritos desesperados indos da entrada do hotel Quase corremos aé lá Subi a escadaria e caíram-me os braços de espanto, os pés caram-me craados na pedra da escadaria
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9 No patamar laro ao alto da escadaria exterior do otel, carreada até ali numa cadeia e rodeada dos seus criados e criadas, aém do numeroso e servil pessoal do ote, à frente do ual estava o próprio maítre d'hôtel ue saíra ao encontro da óspede emnente, ceada com tanto alarido e acompanada por criadaem própria e um sem-m de baús e malas, estava, como num trono a avozinha Sim, a própria, terrível e rica, de setenta e cinco anos, Antonida Vassíievna arassévitceva, aristocrata moscovita e proprietária rural, la baboulinka por mor da ual tantos teleramas se expediram e receberam, ue estava a morrer e não morreu, e que de repente caiu em cima de nós, em pessoa, como um raio fulminante Mesmo de pernas paralisadas, arrastada e carreada á cinco anos numa cadeira de rodas, mas animada como sempre, provocadora, senora de si, de costas direitas, a ritar alta e imperiosamente, a descompor toda a ente tal e ual como na altura em ue tive a honra de vê-la por duas vezes uando arranjei o luar de precetor em casa do eneral Portanto, era natural ue casse peticado de espanto em frente dela A vela, com os seus olos de lince, descobrira-me a cem passos de distância, uando a carreavam pelas escadas acima, reconeceu-me e ritou pelo meu nome e patronímico, que xara de uma vez e para sempre, como era também seu timbe E é esta que eles já viam morta no caixão, com uma erança deixada passoume pela mente , mas que vai viver mais do que todos nós e do ue todo este otel! Deuses 8
do céu, o que vai ser agora da nossa gente, o que vai ser do general! A velha vai virar tudo de pernas para o ar no hotel!» Então, excelentíssimo senhor, porque está especado à minha frente com os olhos arregalados? ! continuava a ritar-me a avó Não sabes cumprimentar, fazer uma vénia? Ou tornaste-te tão importante que já não queres? Ou será que não me reconheceste? Olha, Potápitch dirigia-se a um velhnho encanecido, de ravata branca e careca corderosa, o mordomo que a acompanhava na viagem , olha, ele não me reconhece! Já me sepultara! Mandavam um telerama atrás do outro morreu?, não morreu? Sei tudo! Mas, como vês, estou bem viva! Por amor de Deus, Antonida Vassílievna, que razões tenho eu para lhe querer mal ? respondi alegremente, caindo em mim Só quei admirado Pudera, chegou tão nespera damente Qual é a adiração? Meti-e no comboio e vim Na carruae é um sosseo, aquilo anda sem solavancos Foste passear ou quê? Sim, fui dar ua volta até ao casino Isto é bom, aqui disse a avó olhando em volta , está quente, as árvores estão mimosas Gosto disto! A nossa ente está em casa? O eneral? Oh, está em casa, a esta hora toda a gente está decerto em casa Aqui també cumpre um horário e todas essas cerimó nias? Pois, dão o tom Têm carruagem, ouvi dizer, les seigneurs russes 7 Desbarataram tudo, depois vieram para o estrangeiro! A Praskóvia está com eles? Sim, Polina Aleksándrovna também está E o francesito? Está bem, eu depois vejo-os a todos Aleksei vánovitch, ostra-me o caminho para o quarto dees E tu, estás bem aqui? Não estou mal, Antonida Vassílievna Tu, Potápitch, diz a esse parvalhão do maítre d'hôtel que me arranje um bom apartamento, cómodo, não quero nos andares 17 [ ] os senhoes ussos (NT)
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de cima, e manda levar a bagagem para lá agora mesmo. ara que é precisa tanta gente para me levar? orque não me largam todos da mão? Cambada de escravos! Quem é esse que está contigo? voltava a dirigir-se a mim. É miste Astley respondi. Que mister Astley? Um viajante, um bom amigo meu; também conhece o general. Um inglês. or isso é que está a olhar para mim sem descerrar os dentes. Aiás, gosto dos ingleses. ronto, levem-me para cima, para os alojamentos dees; onde é isso? Levantaram e levaram a avó; eu ia à frente pelas escadas argas do hotel. A nossa procissão era bastante espetacuar. Toda a gente que passava por nós parava e escancarava os ohos . O nosso hote era considerado o melhor, o mais caro e o mais aristocrático das termas. eas escadarias e corredores andavam sempre damas esplêndidas e ingeses imponentes. No és do chão, muita gente fazia perguntas ao matre d'hôtel o qual, por sua vez, estava também profundamente impressionado. O matre d'hôtel caro, respondia a toda a gente que se tratava de uma estrangeira importante, une russe une comtesse grande me 8 e que iria ocupar o apartamento que na semana anterior estivera ocupado pea grandeduchesse de N. 9 A causa principa de todo aquele efeito foi a gura imperiosa e autoritária da avó, aprumada na cadeir. Ao pôr os olhos em quaquer pessoa, mediaa com curiosidade e interrogava-me em voz ata sobre ela. A avó era de boa raça e, embora estivesse pregada à cadeira, via-se que era alta. unha as costas muito direitas, como uma tábua, sem apoiar-se no espaldar, mantinha sempre erguida a cabeça grande, de cabeos brancos e traços sionómicos bruscos e maciços. Olhava com arrogância e mesmo desao, e via-se que o seu olhar e gestos eram absolutamente naturais. Apesar dos setenta e cinco anos, tinha um rosto fresco e nem os dentes estavam muito estragados. Trazia um vestido de seda preta e uma touca branca. 1 8 [ • • uma russa, uma condessa, grande senhora. (NT) 1 9 [ • grã-duquesa de [ . . (NT)
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A senora desperta-me grande interesse sussurrou-me mister Astley quando subia as escadas a meu lado. Ela já sabe dos telegramas pensei , também conece o Des Grieux, mas pelos vistos sabe ainda muito pouco sobre Mlle Blance. » Disse-o imediatamente a mister Astley. Que Deus me perdoe!, mas, mal passou o meu primeiro espanto, quei contentíssimo com o raio que ia cair agora em cima do general. Ia à frente de todos alegremente, como se alguma coisa me espicaçasse A nossa gente estava alojada no segundo andar não anunciei ninguém e nem sequer bati à porta, abri-a simplesmente de pa em par, e a avó foi introduzida triunfalmente. Nem de propósito, estava toda a gente reunida no gabinete do general. Era meio-dia e, ao que parece, planeavam qualquer excursão uns iam de coce, outros a cavalo, mas em grupo estavam também presentes alguns conecidos. Além do general, de Polina com as cianças e a ama-seca delas, estavam no gabinete: Des Greux, Mlle Blance, outra vez de amazona, a sua mãe mame veuve Cominges, o principezino e mais um viajante, u cientista alemão qualquer que eu já tna vsto al da prmera vez. Colocaram a cadeira da avó mesmo no cenro do gabinete, a três passos do geneal. Meu Deus, nunca me ei de esuecer desta impressão! Antes da nossa cegada, o general contava ualquer coisa, e Des Grieux corriga-o É de notar que Mlle Blance e Des Grieux, por qualquer razão, cortejavam o pequeno príncipe à la barbe du pauvre géna e toda a compania, talvez de modo articial, tina uma disposição alegre e familiar. A vista da avó, o general cou petricado, abriu a boca e deixou uma palavra a meo. lava para ela esbugalando os olos , como que enfeitiçado pelo olar do basilisco. A avó também olava para ele, em silênco, imóvel e que olar triunfante, provocador e irónico o dela! Ficaram assim a olar-se uns bons dez segundos, no meio do silêncio prondo de todos os presentes. Des Grieux, primeiro, cou também petricado, mas logo uma forte inquietude le passou pelo rosto. Mlle Blance levantou o sobrolo, abriu a boca
nas barbas do pobre general (NT) 7
e pôsse a estudar a avó numa enorme estupefação. O ríncipe e o cientista assistiam à cena sem perceberem nada. No olhar de Polina transpareciam um espanto e uma perplexidade extraor dinários e, de repente, cou branca como a cal; um minuto depois o sangue subiulhe ao rosto inundando as faces. Sim, era uma catástrofe para todos! Quanto a mim, não deixava de passar o olhar da avó para os presentes e viceversa. Mister Astley puserase de lado, com a calma e a dignidade do costume. Aqui me tendes! Em vez do telegrama! explodiu nal mente a avó, quebrando o silêncio. Então, não estáveis à minha espera? Antonida Vassílievna . . . minha tia . . . mas como é possível. . . murmurou o pobre general. Se a avó tivesse cado calada mais uns segundos, talvez ele não se livrasse da apoplexia. que é isso de «como é possvel»? Metime no comboio e vim. Para que existe o caminho de ferro? E vós a pensardes que eu tinha esticado o pernil e vos tinha deixado uma herança! Eu sei quantos telegramas expediste daqui. O dinheirão que sso te custou! Olha que daqui não é barato. Pois, e eu tireime de cuidados e arranquei para aqui. Este é o francês? Monsieur des Grieux, se não me engano? Oui mame conrmou Des Grieu , et croyez je suis enchant votre sant cest un miracle vous voir i une surprise chamant Pois sim, charmante; conheçote bem, palhaço, não acredito em ti nem um bocadinho! e mostroulhe o mindinho. Esta quem é? perguntou indicando Mlle Blanche. A espetacular francesa, vestida à amazona, de pingalim na mão, pelos vistos impressionaraa. É cá da terra? É Mlle Blanche de ominges, e esta é a mãe, madame de ominges; estão hospedadas neste hotel informei. É casada, a lha? interrogou a avó sem cerimónias. Mademoisele de ominges é donzela respondi com o máximo respeito e, propositadamente, a meia voz.
Sim, minha senhora [ ] e acredite, estou encantado a sua saúde é um milagre vêla aqui, um a surpresa encantadora (NT)
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Alegre? Não percebi à primeira. Não é aborrecida? Compreende o russo? O Des Grieux, esse, aprendeu em Moscovo a dizer uma ou outra coisa na nossa língua. Expliquei-lhe que Mlle Blanche de Cominges nunca fora à Rússia. ! disse a avó, viranose bruscamente para Mlle Blanche. mame Mlle Blanche executou uma reverência cerimoniosa e elegante, apressando-se a manifestar com toda a sua gura e o seu rosto, sob o manto de uma extraordinária modéstia e cortesia, um espanto extremo por seelhante aneira de ser tratada. Oh, ela baixa os olhos, amaneirase toda, faz cerimónias, vêse logo que ave ela é uma atriz qualquer. ospedei-me cá no hotel, lá em baixo irigia-se agora ao genera , sou tua vizinha. Estás contente? Oh, minha tia! Acredite nos meus sentimentos mais sinceros . . . o prazer que me á apressou-se o general. Já caíra parcialmente em si e, como em certas ocasiões até falava bem, com imponência e pretensões a certos efeitos, ispôs-se a arengar. Ficámos tão surpreendidos e preocupados com as notícias da sua oença... Recebíamos telegramas tão desesperados, e de repente . . . Mentira, mentira! interrompeu-o e imediato a avó. Mas. . . como é possível apressouse também a interrompêla e a levantar a voz o general, tentando passar por cima daquele «mentira» , como é possível a tia ter-se aventurado a esta viagem? Tem de concordar que com a sua idade e o seu estado de saúde . . . Em qualquer caso, é tudo tão inesperado que a nossa surpresa é compreensível. Mas quei tão contente . . . e todos nós começou com sorrisos de adulação e entusiasmo) faremos todo o possível para tornar a sua estada aqui o mais agradável... Chega de tagarelice chocha; o mesmo falabarato de sem pre. Eu sei arranjar-me sozinha. Aliás, não me recuso a andar convosco, não sou rancorosa. Como é possível, perguntas tu? 73
Qual é a admiraão? É tudo muito fácil Porque estão todos tão pasmados? Bom dia Praskóia O que fazes aqui? Bom dia aó disse Polina aproximando-se dela a iagem foi muito comprida? Ora aqui está uma que faz uma pergunta inteligente Não é como os outros: ele é ai ele é ui Então foi assim: estaa para ali de cama farta dos tratamentos; mandei os médicos embora e camei o sacristão da igreja de S Nicoau Ele já uma ez curara uma camponesa com a mesma doena com pós de feno triturado A mim também me aleu; ao tercero dia tie muitos suores e eanteime Depois os meus alemães reuniram-se outra ez e puseramse a tagarelar: Se for agora para o estrangeiro disseram ees e zer um tratamento nas termas todas as suas obstruões ão desaparecer» Pensei cá comigo porue não? E os Dur-Zajíguin: Ai ai a que não cega ao destino» Ai não? reparei tudo num dia e na sexta-feira da semana passada pegue numa criada no otpitc mais no acaio Fiódor aliás a esse mandei-o embora logo em Berlim porue que não me fazia fata nenuma até cegaa aqui completamente sozina Uma carruagem indiidua no comboio em todas as estaões se encontram carregadores por inte copeques leamme para onde eu quiser Ena que apartamento augaram concuiu olando em ota Com que dineiro meu caro senor? e tens tudo ipotecado Só a este francesito dees um montão de dineiro Sei tudo sei tudo Mina ta eu começou o general confuso admira -me o que a tia pareceme que sou capaz sem o controlo de ninguém além disso as minas despesas não utrapassam os meus recursos e nós aqui Não ultrapassam? Isso dizes tu Aposto que já roubaste o último tostão das crianas grande tutor me saíste Depois disto depois dessas suas palaras comeou o general indignado já não sei Isso mesmo não sabes De certeza que passas a ida na roleta á desbarataste tudo? O general estaa tão pasmado que o uir dos seus sentimentos excitados quase o afogaa 7
Na oleta! Eu? Na minha posição . . . Tenha juízo, inha tia, a senhoa, pelos vistos, ainda não está muito bem . . . Balelas, balelas! Com ceteza ninguém consegue aanca-te de lá são só balelas! Vou ve que oleta é essa, hoje mesmo. Tu, Paskóvia, conta-me o que há aqui paa ve, o Aleksei vánovitch depois levame e tu, Potápitch, aponta todos os sítios aonde podemos i. O que há aqui paa ve? diigiuse outa vez a Polina, buscamente. Há po peto as uínas de um castelo, e depois o Schan genbeg. que é isso de Schangenbeg? Uma oesta? Não, não é ua oesta, é uma montaha, é a pointe. . . Que pointe ponto mais alto da montanha, o pico. É um sítio esguadado po ua baeia. Dali, a vista é incível. . . quê? Vão caega com a cadeia peo monte acima? Oh, aanja-se caegadoes esondi. Entetanto, chegou a ama, Fedóssia, paa cmpimenta a avó, tazendo os lhos do geneal. Não há beios paa ninguém! Não gosto de bea canças: são todas moncosas. Como passas po cá, Fedóssia? Passo bem, asso até uito bem po cá, mãezinha Antonida Vassílievna espondeu Fedóssia. E coo passa a mãezinha? Ralámo-nos muito po si. Eu sei, és ua alma simples. Que são estes, todos convidados? diigia-se outa vez a Polina. Quem é esse caixa de óculos magicelas? píncipe Nílski , avó sussuoulhe Polina. Ah, é usso! Pensei que não nos compeendia! Talvez não tenha ouvido! Ao mister Astley já o vi. Olha, está ali outa vez! viuo a avó. Bom dia! diigiuse a ele de epente. Mister Astley fezlhe uma véia e silêncio. Então, o que me diz? Diga qualque coisa! Taduz-lhe isto, Poli na. Polina taduziu. Tenho a dize que estou a olha paa a senhoa co gande paze e estou contente po vê-la de boa saúde espondeu com 75
grande seriedade, mas com prontidão, mister Astley Traduziram as suas palavras para a avó, que gostou Que bem os ingleses respondem sempre observou Não sei porquê, sempre gostei dos ingeses, não se comparam com esses francesitos ! Venha visitar-me votou a dirigir-se a miste Astley Não o vou incomodar muito Traduz-lhe isto e diz-he também que estou aojada aqui em baixo, aqui em baixo, está a ouvir? , em baixo, em baixo repetia agora para mister Astey, apontando com o dedo para baixo Mister Astley cou visivelmente satisfeito com o convite A avó, com um olhar atento e agradado, observou oina dos pés à cabeça Até gosto de ti, raskóvia disse de repente , és uma rapariga simpática, mehor que ees todos mas tens cá um feitiozinho uuuh! Deixa lá que eu também, quanto a feitio Vira-te; não é uma cuia que tens aí no cabeo? Não, avó, é o meu próprio cabelo Ainda bem, não gosto dessa nova moda idiota És muito bonita, se fosse homem apaixonava-me por ti orque não te casas? Bem, vão sendo horas de ir Também me apetece assear, tanto tempo metida naquele comboio Então, ainda estás zangado comigo? dirigia-se ao genera or amor de Deus, tia, não! aressou-se a responder o genera, satisfeito Na sua idade, eu compreendo Cette vieille est tombée en enfanc2 sussurrou-me Des Grieux Quero ver tudo o que há aqui para ver Cedes-me o Aeksei Ivánovitc ? continuava a avó Oh, quando quiser, mas também eu e oina, e monsieur des Grieux estamos todos à disposição para acompanhá-la com grande prazer Mais madame cela sera un plaisir2 3 ofereceu-se Des Grieu com um sorriso encantador Plaisir isso dizes tu ara mim, és um ridículo, meu caro senhor Dinheiro, não te dou acrescentou bruscamente para Esta veha regrediu ara a infância (NT)
23 Mas, minha senhora, será um razer. (NT)
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o general. Ora bem, agora vou ara o meu quarto, reciso de vê-lo, deois vamos visitar todos esses lugares. Vá lá, levantai-me. Levantaram a avó e, todos juntos, seguiram atrás da cadeira escadas abaixo. O general caminava como que aturdido or uma mocada na cabeça. Des Grieux reetia em qualquer coisa. Mlle Blance mostrou desejo de car mas, or qualquer razão, incororou-se também no cortejo. Logo atrás dela seguia o ríncie, e em cima, no aartamento do general, caram aenas o alemão e mame veuve Coinges.
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0 Nas termas tavez de toda a Europa , os erentes dos hotéis e os matres d'hôtel ao escoherem os quartos para os hóspedes, orientamse não tanto peas eiências e preferências destes como peo seu próprio ponto de vista; e, notese, poucas vezes se enanam as o apartamento que atribuíram avó pecava mesmo peo eaero: quatro divisões eceentemente mobiadas, com casa de banho, quarto para os criados, quarto especia para a criada de quarto, etc, etc De facto, uma semana atrás hospedarase naquees quartos uma quaquer grande duchesse o que, evdentemente, era oo anuncado aos novos hóspedes para dar ainda mais vaor ao apartamento Levaram a avó por todos os quartos, e ea eaminou-os com atenção e rior O matre d'hôtel homem de idade e de cabeça cava, acompanhavaa respeitosamente na vistoria ao apartamento Não sei por quem tomaram ees a avó, mas acho que por uma pessoa importantíssma e, sobretudo, riquíssima Inscreveram no ivro de restos: «Madame a énérae princesse de Tarassé vtcheva», embora a avó nunca tivesse sido princesa Criadaem própra, carruaem ndividua, uma nnidade de baús, maas e até arcas inúteis, que chearam juntamente com a avó, serviram peos vistos de base ao prestío; e a cadera de rodas, o tom de voz brusco da avó, as suas peruntas ecêntricas, sem-cermónas e feitas com modos de quem não admite objeções, numa paavra, toda a ura da avó dreita, brusca, imperiosa , determinavam em dentivo a reverênca era por ea Durante a vistoria, a avó 78
mandava de vez em quando parar, apontava para alguma peça do mobiliário e lançava perguntas inesperadas ao maítre d'hôtel que sorria com respeito mas já começava a ter medo. A avó fazia as perguntas em francês, que falava btante mal, de modo que, na maioria dos casos, tinha eu de traduzir. Quase nenhumas respostas lhe agradaram ou sequer pareceram satisfatórias. Aém disso, não perguntava sobre coisas de interesse, mas sabe Deus sobre o quê. or exemplo, parou de repente diante de um quadro a cópia bastante fraca de ma pintura conhecida de tema mitológico. De quem é o retrato? O maítre d'hôtel decarou que seria, pelos vistos, o de uma condessa qualquer. Como é que não sabes? Vives cá e não sabes? orque está aqui pendurado? orque tem ela os olhos vesgos? O maítre d'hôtel era incapaz de dar as respostas certas e até se atrapalhou. Que parvo! replicou a avó em russo. Contiuou a vistoria. Repetiuse a mesma história com uma estatueta de Saxe que a avó examinou demoradamente e, sabese lá porquê, mandou retir. or m, pôsse ssedir o maítre d'hôtel: quanto custaram os tapetes do quarto de dormir e onde foram tecidos? O maítre d'hôtel prometeu informar-se. Que burros ! resmungou a avó e concentrou toda a sua atenção na cama. Ena, que dossel sumptuoso! Abram. Abriram a cama Mais, mais, abram tudo. Tirem o travesseiro, as travesseiras, as fronhas, levantem o colchão. Reviraram tudo. A avó examinou a cama com atenção. Vá lá que não tem percevejos. Toda a roupa da cama fora! A cama é para ser feita com os meus lençóis e as minhas almofadas. Aliás, tudo isto é pomposo demais ara que preciso eu, uma velha, de um apartamento destes? Vou aborrecer-me sozinha, Aleksei vánovitch, visitame mais vezes, quando não estiveres a dar aulas às crianças. Desde ontem que já não sirvo em casa do general respondi. Vivo no hotel copletamente independente. 79
Porquê? Há pouco apareceu aí um barão alemão e mais a baronesa, vindos de Berim Ontem, no passeio, pusme a alar com ele num alemão com pronúncia não berlinense E então? Ee achou isso um atrevimento e queixouse ao general, e o general ontem despediume. Porquê? nsultaste esse barão? (Mesmo que insultasses não az ma!) Oh, não. Foi o contrário, o barão ameaçoume com a bengala. E tu, seu orpa, permitiste que tratassem dessa maneira o precetor dos teus lhos dirigiuse a avó, bruscamente, ao general , e ainda por cima pusesteo na rua! Sois uns molengas todos uns moengas, estou a ver. Não se preocpe, minha tia respondeu o general com um toque de ativez e amiliaridade , eu sei tratar sozinho dos mes assuntos. Além disso, Aleksei vánovitch não he contou o caso de maneira totalmente correta. E tu, resgnastete? perguntome a avó. Quis desaar o barão para duelo respondi com a maior calma e modéstia possíveis , mas o general opôsse. Porque te opuseste? voltou a dirigirse a avó ao genera E tu, meu caro senhor, desapareceme da vista, vem qando te chamarem disse ao tre d'hôtel -, para que estás aí de boca aberta? Detesto este ocinho de Nuremberga! O tre d'hôtel ez uma vénia e saiu, sem perceber, claro, o cumprimento da avó. Por amor de Deus, tia, acha que os duelos são possíveis? respondeu o general com uma risadinha. E porque seriam impossíveis? Os homens são todos uns galos, têm de lutar. Mas sois uns molengas, estou a ver, não sabeis deender a honra da pátria. Vá, levantemme! Potápitch, arranja as coisas de maneira a haver sempre dois carregadores, contrataos Dois chegam, não são precisos mais. Carregar com a cadeira é só pelas escadas, e pelo chão liso, pelas ruas, é só rodar; explicaslhes isso e pagaslhes adiantado, terão mais respeito Tu próprio tens de estar sempre comigo, e tu, Aleksei 80
vánovitch, mostra-me esse barão no passeio, quero ver que von barão é esse. Ora bem, onde é essa roleta? Expliquei-lhe que as roletas se encontravam dentro do casino, nas salas de jogo. Seguiramse as perguntas são muitas?, há muita gente a jogar?, jogase todo o dia?, como são as roletas? Acabei por lhe dizer que seria melhor ver tudo com os seus próprios olhos, porque descrever as coisas ass1m no ar era bastante dicil. Então evem-me á imediatamente! Vai à frente, Aleksei vánovitch! Como? Então a tia não quer descansar depois da viagem? perguntou solícito o general. Ficara um pouco inquieto, e todos os outros se mostraram também embaraçados e começaram a trocar olhares. eos vistos, sentiam-se de algum modo melindrados e teriam, até, vergonha de acompanhar a avó ao casino, onde as suas excentricidades, evidentemente, podiam já tornar-se públicas; entretanto, todos se tinham oferecido para acompanhá-la. Descansar para quê? Não estou cansada, passei cinco dias sentada. Depois vamos ver e nascentes e águas meicnas há por aqui. Depois . . . vamos ver esse como é que disseste, raskóvia? pointe ou lá o que é Pointe minha avó. Seja, pointe. Que mais há aqui? Muita coisa, avó hesitou olina. Irra, tu própria não sabes! Marfa, tu também vens comigo disse à criada de quarto. ara quê, minha tia? preocupouse de repente o general. É que, aém do mais, ela não pode entrar; duvido até que dexem entrar o próprio otápitch. Disparate! Lá por ser criada, achas que tenho de a deixar cá fora? Também é pessoa, e há uma semana que anda em viagem, há de querer ver aquilo. Com quem mais há de ir senão comigo? Sozinha, nem se atreve a pôr o pé na rua. Mas, avó . . . Tens vergonha de ir comigo, é? Então ca em casa, não te estou a pedir nada. Vejam só, o grande general.. Eu própria sou 8
generaa Reamente, para que há de vr um cortejo ntero a rastejar atrás de mm? Para ver tudo bastame o Aeke váno vtch Porém, Des Greux nsstu em que todos a acompanhassem, e pôs-se a rectarhe frases amáves sobre o prazer de acompanhá-a e assm por dante. Partram e est tombée en enfance repeta Des Greux ao genera , seule elle fera des bêtise 4 Não ouv mas do que sto, mas tnha certamente quasquer ntenções ou, até, tavez he tenham renascdo as esperanças. Era cerca de mea verstá25 até ao casno O nosso camnho passava pea aameda de castanheros, até ao jardm, contornado o qua se entrava no casno. O genera acamou-se um pouco porque a nossa procssão, embora bastante excêntrca, era soene e estava dentro das convenêncas. Também, nada hava de especa no facto de ter aparecdo nas termas uma senhora doente e parapégca Mas, peos vstos, o genera tnha medo do casno; por que razão uma pessoa doente e parapégca, anda por cma veha, ra roeta ? Pona e Me Banche camnhavam de ambos os dos da cada d rodas Me Banche ra-se, modestaente aegre, e até apaparcava com amabdade a avó, peo que esta fo ao ponto de a ouvar Pona, do outro ado, tnha de responder s perguntas nndas da avó, do género: Quem é este que acabou de passar? Quem é aquea a no coche? A cdade é grande? O jardm é grande? Que árvores são estas? Que montes são aquees? Aqu há águas? Que tehado tão engrçado é aquee? Mister Astey camnhava a meu ado e sussurroume que esperava grandes cosas para essa manhã Potáptch e Marfa am ogo atrás da cadera Potáptch de casaca e gravata branca, mas com boné, e Marfa, uma quarentona de faces coradas, mas já com aguns cabeos brancos, a de touca na ca beça, vestdo de chta e botas de pee de cabra a rangerem A avó vrava-se mutas vezes para ees e dzahes quaquer cosa Des Greux e o genera dexaram -se atrasar um pouco e faavam 2 [ ] soznha, far asneras (NT) 2 A verst tem mas metros do que o qulómetro (NT)
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com grande ardor entre si O general estava outra vez muito desalentado; Des Grieu falava com ar decidido Animava o general, provavelmente, ou dava-lhe conselhos Mas a avó já tinha pronunciado havia pouco a frase fatal: Não te dou dinheiro» Era possível que, a Des Grieux, tal notíca parecesse inverosímil, mas o general conhecia bem a tia Repare que Des Grie e Mlle B lanche continuavam a piscar o olho um ao outro Vislumbrei o príncipe e o viajante alemão atrás de nós, no princípio da alameda: deixaramse atrasar e foramse embora para qualquer lado Entráos no casino triunfalmente O porteiro e os lacaios manifestaram o mesmo respeito que a criadage do hotel, embora não escondessem a curiosidade dos olhares A avó, de início, mandou que a passeassem por todas as salas; aprovou algumas coisas, mostrou-se indierente a outras Perguntava sobre tudo o ue via Finalmente, chegáos às salas de jogo O lacaio postado à porta echada coo ua sentinela cou tão pasmado que abriu logo a porta de par em par O aparecimento da avó unto à roleta provocou prondo eeito no pbico Às mes da roleta e na outra extremidae da sala, onde cava a mesa do trente et qrante, aglomeravamse uns cento e cinquenta ou duzentos jogadores, em vári s Os que tinham conseguido rar e chegar à mesa mantinam-se rmes, coo é da pre, e não cediam os lugares antes de terem perdido tudo: porque é proibido estar à mesa coo simples espetador e ocupar inutilmente lugar de jogo Embora aja cadeirs em torno da mesa, poucos jogadores se sentam, sobretudo quando há grande auência de público de pé cabe mais gente, sendo mais ácil arranjar lugar e mais cóodo azer apost A segunda e a terceira las apertam-se atr da primeira, à espera de vez; m, na sua impiência, pessos enam a mão através da la da frente para apostarem Até da terceia la se consegue, deste mo, enar apost, e é por isso que em cada dez ou cinco minutos se levanta, em qalquer lao da mesa, a história» por causa de apost litigios. Contudo, a polícia do cino trabalha bem É impossível, claro, evitar os apertos, nem convém: ao csino agrada a grande auência de pblico, porque é mais lucrativo Oito croupiers sentados em volta da mesa vigiam de 83
olhos bem abertos apost, fazem os pagamentos e, co srjam conões e discsões, resolvemn Em cos extremos chamam a polícia, qe acaba com os conitos nm instante Os políci encontram-se aqi mesmo, na sala, entre os espetadores, mas vestidos à civil, pelo que é impossível reconecêlos Vigiam sobretdo os srripiaores e os vigarists, especialmente nmerosos n sal de roleta, por serem propi ao se ofício É qe noutros lados eles têm de robar dos bolsos o rebentar com fechad, o qe pe provocar grandes sarilhos em co de azar Aqi btalhes, pra e simplesmente, aproximarem-se da roleta, começarem a jogar e, de repente, aos olhos de todos, pegarem no prémio alheio e meteremno a bolso; se, entretanto, se armar discsão, o vígaro insistirá alto e bom som que a aposta é dele Se a coisa for feita co habilidae e as testemn hesitarem, o ladrão ca mit vezes com o dinheiro, se a importncia, claro, não for mito grande com grades qantias não reslta: os cropiers e algns dos jogadores estão de olhos nelas Normalmente, com qantias peqenas, o verdadeiro dono do dineiro evita continar a discssão e afastase da mesa, com vergonha do escndalo Qando o ladrão é desmcarao, é levado fora com grande espalafato A avó observava tdo isso de longe, com ma criosidade loca Gosto da manobra de explsão da sala dos srripiadores O trente et quarante não lhe desperto grande criosidade; gosto mais da roleta e da bolinha a rodar Às tantas qis ir ver o jogo mais de perto Não percebo como isso acontece, mas os lacaios e otros agentes solícitos (predominantemente polacozecos perdedores qe impingem os ses serviços aos apostadores felizes e a todos os estrangeiros) arranjaram maneira de libertar imediatamente m lgar para a avó, apesar do aperto, mesmo na parte central da esa, ao lado do cropier-chefe, e emprraram para lá a cadeira Mitos visitantes, qe não jogavam e se limitavam a apreciar o jogo (na grande maioria ingleses e sas famílias), fraram de imediato para mais perto da mesa para verem a avó Nmerosos monóclos se viraram para ela Os cropiers caram cheios de esperança: ma jogadora tão excên trica prometia realmente algo de extraordinário Uma septa genária paraplégica e com desejos de jogar era, de facto, m caso 8
fora do comum Penetrei também até à mesa e instalei-me ao lado da avó Potápitch e Marfa caram algures lá atrás, entre a multidão O general, Polina, Des Grieux e Mlle Blanche também estavam longe, entre a multidão A avó começou por observar os jogadores Faziame perguntas bruscas, entrecortadas, num meio sussurro: quem é este?, quem é aquela? Gostou sobretudo, na extremidade da mesa, de um homem muito jovem que fazia um jogo fortíssimo, com apostas de milhares e já ganhara, como se sussurrava em redor, para cima de quarenta mil francos, amontoados à frente dele em forma de moedas de ouro e notas de banco Estava pálido, com os olhos a brilhar e as mãos a tremer; fazia já as apostas sem qualquer tino, com o que lhe calhava à mão, mas não parava de ganhar e amontoar dinheiro Os lacaios azafamavam-se à volta dele, chegavam-lhe a cadeira, desimpediamlhe o espaço em volta, para que estivesse confortável e os outros o não apertassem e paa que pingasse depois uma rica graticação É que alguns jogadores, na hora de ganharem, dão-lhes às cegas, de tão contentes, o que a mão apanha no bolso Ao lado do jovem ganhador já se acomodara um polacozeco, que se desunhava a sussurrar-lhe ao ouvido, dando provavelmente conselhos, indicações onde apostar, orientando o jogo sem dúvida, à espera tabém de ua esmola Ms o jogador quase não olhava para ele, apostava ao deus-dará e amontoava cada vez ma1s dinheiro Estava a car desvairado, pelos vistos A avó obsevou-o durante alguns minutos Diz-lhe animouse de repente, acotovelandome , dizlhe para parar, que pegue imediatamente no dinheiro e que se vá embora Vai perder, vai perder tudo! alarmava-se, quase se asxiando de emoção Onde está o Potápitch? Mandem lá o Potápitch ! Diz-me, dizme, onde se meteu o Potápitch ? Sortez sortez 6 - começou a gritar para o j ovem Inclineime para ela e disse-lhe em voz baixa, mas rmemente, que ali não se podia gritar assim, que até falar um pouco mais alto já era proibido, que isso perturbava os cálculos, que até nos podiam expulsar Saia, saia! (NT) 85
Que tristeza! Assim se perde um homem, quer dizer, ele próprio assim o quer não posso olhar para isto, revoltase-me tudo cá por dentro Parvo! e a avó voltou-se bruscamente para o outro lado Na outra metade da mesa saltava à vista uma senhoreca j ovem que tinha, ao lado dela, um anão Quem era o anão, não sei seria um parente, seria um tipo qualquer que ea trazia para causar efeito Já antes eu tinha reparado naquea senhora: todos os dias abancava à mesa de jogo à uma da tarde e saía às duas e ponto, jogando portanto uma hora diária Já a conheciam e chegavam he imediatamente uma cadeira A senhora tirava do bolso algumas oedas de ouro, algumas notas de mil francos e ia apostando devagar, a sangue-frio, com calculiso, marcando a lápis nu papelinho os núeros que iam saindo e tentando descobrir o sistema que, nesse momento, elhor reunisse as possibiidades Fazia apostas razoáveis Todos os dias ganhava, mil, dois il, três mi francos no máximo e, depois de ganhar, saía imediatamente A avó observou-a durante muito tempo Pois, aquela não vai perder, aquela ali não vai perder! Done é ela? Não sabes? Que é ea? Acho que é francesa, ua dessas sussurrei Ah, pelo voo se conhece o pássaro Vê-se que te as unhas aadas Agora vais explicar-e o que signica tudo de cada vez que gira a roda e como se aposta Expliquei à avó, como podia, o que signicavam as numerosas combinações de apostas, rouge et noir, pair et impair, manque et passe e, por m, os pormenores do sistema dos números A avó ouvia com atenção, reetia, voltava a perguntar e decorava Estava contentíssia porque, para cada aposta, se apresentava logo um exeplo prático e ela aprendia muito rápida e facimente E o que é zo Aquele croupier dos caracóis, o chefe, gritou agora zo e arrebanhou tudo o que estava na esa Porquê? Um montão de dinheiro, e cou com tudo? O que é isso? Zo, avozinha, foi o ganho da banca Quando a bolinha calha no zo, ca tudo para a banca sem ser preciso fazer contas É certo que agora se faz mais uma jogada para se car quites, mas a banca não tem de pagar nada 8
Que coisa! Então eu não recebia nada? Não, avó, mas se apostasse no zo e este saísse, pagavam-lhe trinta e cinco vezes mais quê!? Trinta e cinco vezes mais? E sai muitas vezes? Então porque é que estes parvos não apostam nisso? São trinta e seis contra um, avó Tretas! Potápitch! Potápitch! Aliás, tenho aqi dinheiro, vê! Tirou do bolso um portamoedas repeto e extraiu um frederico Pega, põe-no no zo. Avó, o zero acabou de sair disse eu , o que signica que não vai sair outra vez durante uito tempo Vai perder mui tas apostas; espere ao menos um pouco És tolo, aposta! Como queira, as o zero é capaz de não sair até à noite, e a avó pode perder até um milhar, já tem acontecido Tretas, tretas! Quem não arrisca O quê?, perdeste? Aposta mais! Perdemos també o segundo frederico; apostámos o terceiro A avó estava em brasas e espeto, literalmente, o olhar ardente na boinha que satitava por sobre as casas a roeta a girar Perdemos também o terceiro avó, fora e si, não parava qieta, bateu mesmo com o punho na mesa qando o croupier anunciou trentesix em vez do esperado zéro Que maandrim! zangava-se a avó Quano irá sair nalmente o maldito zerinho? Nem que que aqui até à hora da morte, hei de ver sair esse zo A culpa é desse maldito croupier dos caracóis, é ele quem está a encrencar isto tudo! Aleksei vánovitch, aposta dois de ouro de uma vez Senão fartamo-nos de apostar e quando sair o zero já não compensa Avó! Põe, põe! Não é o te dinheiro Pus dois fredericos no zéro A boinha voou demoradamente pela roleta, depois começou a saltitar A avó, imóvel, apertava -me a mão e e repente zás! Zo anunciou o croupier Vês, vês! virouse a avó para mim, muito depressa e radiante Eu disse-te, não disse? Foi o próprio Senhor quem me 87
mandou apostar dois de oro. Então, quanto vamos receber agora? Porque é que não pagam? Potápitch, Marfa, onde estais? Onde é que se meteram todos os nossos? Potápitch, Potápitch! Depois, avozinha, depois sussrrava eu , o Potápitch está à porta, não o deixam entrar. Olhe, avó, estão a dar-lhe o dinheiro, pegue nele. Entregaram à avó um pesado embrulho de papel azul lacrado com cinquenta fredericos e acrescentaram à parte ainda mais vinte. Puxei tudo isso para ela com o râtu -Faites le jeu messieurs! Faites le jeu messieurs! Rien ne va plus! clamava o croupier preparando-se para rodar a roleta. Meu Deus, descuidámo-nos! á vão rodar! Põe, põe lá! alarmouse a avó , despacha-te, rápido! impacientava-se, empurrando-me com toda a força. Onde é ue ponho, avó? No , no !, outra vez no ! Aposta mais! Quanto temos? Setenta fredericos? Não te encolhas, põe vnte de a vez. Tenha juízo, avó! O zo chega a estar duzentas vezes sem sair! Assim pode perder tudo, a sério ! Tretas, tretas! Põe lá! Só conversa! Sei o que estou a fazer e a avó tremia num renes. Pelas regras, é proibido apostar no zéro mais de doze fredercos de cada vez, avó e, está a ver, já os lá pus. É probido como? Não estás a mentirme? Mossiú! Mossiú! acotovelou o croupier sentado do lado esquerdo dela qe já se preparava para rodar , combien zo? Douze? douze? 7 Apressei-me a claricar a pergnta em francês. -Oui mame - conrmou educadamente o croupier , do mesmo modo que qualquer aposta não deve ultrapassar quatro mil orins, de acordo com o regulamento acrescentou como esclarecimento. Nada a fazer, põe lá doze. -Le jeu est fait gritou o croupier. A roleta girou e sai o treze. Perdemos! Mais, mais, mais! Põe mais! gritava a avó. Eu já não a contrariava e, encolhendo os ombros, apostei mais doze frede 2 [ quanto zero? Doze?, doze? (NT)
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ricos no zo A roleta girou demoradamente A avó tremia ao seguir o movimento da roleta «Estará a pensar que sai outra vez o zo» pensava enquanto olhava espantado para ela Do rosto dela irradiava a pronda convicção de que ia ganhar, a esperança certa de que iam já gritar zo A bolinha imobilizouse numa casa -Zo ritou o croupier Viste a avó estava voltada para m1m num triunfo louco Também eu era jogador sentio nesse mesmo instante Tre miam-me as mãos e as pernas, andava-me a cabeça à volta Claro que aquilo fora um caso raro: em dez apostas, saíra três vezes o zo; mas não havia nisso nada para espantar Eu próprio já fora testemunha, dois dias antes, de três zeros seguidos, e um jogador, que apontava minuciosamente as jogadas, disse que o zéro, em todo o dia anterior, tinha saído apenas uma vez As contas com a avó, a ganhar muito mais do que toda a gente, eram feitas com especal atenção e respeito Recebeu quatrocentos e vinte fredericos, ou seja, quatro mil orins e vinte fredericos Entregaram-le os vinte fredericos em moedas de ouro e os quatro mil orins em notas de banco Desta vez, a avó já não camava o Potápitch, outra coisa a preocupava Deixou de empurrar-me e, exteriormente, até de tremer Tremia, por assim dizer, por dentro Concentrava-se nalguma coisa, apontava para ela Alesei vánovitch Como é que ele disse? Que se pode apostar só até quatro mil orins? Toma lá, põe esses quatro mil orins no vermelho Era inútil dissuadi-la A roleta girou Rouge anunciou o croupier Mais quatro mil ganhos; total: oito mil «Passa para cá quatro mil e põe os outros quatro mil no vermelo» ordenou a avó Voltei a apostar quatro mil Rouge votou a anunciar o croupier Portanto, são doze mil Dá cá tudo Mete o ouro no porta-moedas e guarda as notas E chega Para casa Tiremme daqui 89
11 Levaram a cadeira para a entrada, do outro ado da saa A av estava radiante Os nossos apertaram-se de imediato à volta dea, dandohe os parabéns Por excêntrico que fosse o comportamento da av, o seu triunfo justicava muita coisa, a ponto de o genera já não ter medo de comprmeter-se aos ohos do úbico por ser parente de senhora tão esquisita Com um sorriso condescendente e uma famiiaridade aegre, como faria com uma criança, feli citou a av Mas, como todos os espetadores, estava impressinado Toda a gente à vota falava da av e apontava para ea Muitos tentavam passar por perto para vêa mehor Mister Astey faava dea com dois ingeses seus conhecidos V árias damas imponentes observavamna com uma perpexidade majestosa, como se estivessem a oar para uma espécie de maraviha Des Grieux desfazia-se em parabéns e sorrisos -Quee victoire 8 - dizia -Mais mame c'était du u 9 acrescentou Mle Banche com um sorriso sedutor Sim, meus senhores, quis ganhar e ganhei doze mi orins Quais doze, também o ouro Com o ouro são quase treze Quanto será em rubos? Seis mil, acho eu? Disse-he que devia utrapassar os sete mi e, peo câmbio em curso, tavez chegasse aos oito mi Que vtóra! (NT) Mas, mnha senhora, era escadante! (N) 90
Não é brincadeira nenhuma, oito mil E vs aq, seus molengas, não fazeis nada Potápitch, Marfa, vistes? Como é que fez isso, mãezinha? Oito mil rublos exclamava a Marfa torcendo-se toda. Toai lá, cinco moedas de ouro para cada um Potápitch e Marfa precipitaram-se para beijar-lhe as mãos. Para os carregadores também, um frederico de ouro a cada um. Dá-les moedas, Aleksei vánovitch. Porque está aquele lacaio ali às mesuras, e o outro também? Dão-me os parabéns? Dá também um frederico a cada um. Mame la princesse un pauvre expatri malheur continue les princes russes sont si géneux 3 0 rodopiava ao lado da cadeira um indivíduo de sobrecasaca puída, colete multcor e um boné seguro na mão estedida, de bigode e sorriso servl.. Dá-lhe também um frederico Não, dá-lhe dos; e chega, senão não nos livramos deles. Icem, levem-me Praskva drgia-se a Polina Aleksándrovna , amanhã comprote tecido para um vestido, e também àquela mademoisee . . . como é? . . . Mlle Blache, parece, para um vestido também. Traduz-lhe, Pras kva -Merci madame Mlle Blanche, com adulação, fez uma reverência, torcendo a boca num sorrso irnico que trocou com Des Grieux e o general. O general estava um pouco envergohado e ficou feliz por termos chegado, fiamete, à alameda. Ah, a Fedssia, a Fedssia é que vai car admirada diza a av lembrandose da amaseca. Tenho de lhe dar também para um vestido. Eh, Aleksei vánovtc, Alekse vánovitc, dá alguma coisa àuele pedinte Passava pelo caminho m maltrapilho, de costas curvas, a olhar para ns. É capaz de não ser nenhum pedinte, av, mas um vígaro qualquer. Dá-lhe, anda, dálhe um orim 3 0 Senhora prncesa .. . u m p obre expatrado .. desgraça contínua .. . o s príncpes russos são tão generosos. (NT)
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Aproximeime dele e dei-he a esmola Pôs-se a ohar para mim, numa perpexidade innita, mas aceitou o orim em siêncio Tresandava a ácoo E tu, Alesei Ivánovitch, ainda não tentaste a tua sorte? Não, avó Brihavam-te os olhos, que eu bem vi Ainda hei de tentar, avó, mais tarde E aposta logo no zo Vais ver! Quanto dineiro tens? Tenho só vinte fredericos, avó Não é muito Se quiseres, emprestote cinquenta fredericos Toma, é quanto está neste enveope; e tu, caro senor, nem penses, não te dou nada! dirigiuse de repente ao general Este cou como qe transtornado, mas não disse nada Des Grieux carregou o sobrolho -Que diable c'est une terible vieie 3 sussurrou entre den tes para o general Pedinte, u pedinte, mais um pedinte! gritou a avó Alesei Ivánovitch, dá-lhe também um orim Desta vez vinha ao nosso encontro um veote encanecido, com uma perna de pau, de sobrecasaca azul até ao cão e uma bengala comprida Parecia um velho soldado Mas, quando he estendi o orim, deu um passo atrás e mediume com um ar ameaçador - Was ist's Teu/ 3 gritou, acrescentando a isto mais uma dezena de injúrias Paro! gritou a avó abanando a mão evem-me! Tenho fome! Almoço, deito-me bocado e depois voltamos lá Quer jogar mais, avó? gritei-he que achas? Se passais aqui o tempo a molengar, eu tenho de fazê-lo também? -Mais mame aproximou-se dea Des Grieux , les chances peuvent tourne une seu/e mauvaise chance et vous perdrez tout surtout avec votre jeu c'était terrible 33
31 Que diabo, é um a velha terrível! (NT) 32 Que diab o quer ist o dizer ? (NT) 3 Mas, minha s enhora [ .. . as oportunidades podem mudar, uma única m oportunidade e perder tudo ... sobretudo com o seu j ogo . era terrível! (NT)
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-Vous perdrez absolument3 4 pipilava Mlle Blanche E que tendes todos a ver com isso? Perco o meu dinheiro, não o vosso Mas onde se meteu esse mister Astley? peruntoume Ficou no casino, avó É pena, esse é boa pessoa Ao chear ao hote viu o maítre d'hôtel nas escadas, chamouo e abou-se de ter anhado muito; depois chamou Fedóssia, oferece lhe três fredericos e mandou servir o almoço Durante a refeição, Fedóssia e Marfa não pararam de se alarar em louvores Estou a olhar para a senhora, mãezina metralhava Marfa e dio ao Potápitch o que é que a nossa ama quer fazer? E tanto dinheiro em cima daquela mesa, tanto dinheiro, Deus do céu! Nunca na vida vi tanto dinheiro jnto, e à volt só senhorias, só senhorias Donde é que, dio eu ao Potápitc, vêm tantos senhores assim ? Então, ponho-me eu a pensar, que a mãe de Deus lhe valha Ponhome a rezar por si, mãezinha, e o meu coração a falhar, a querer falhar, e toda e tremo Concede -lhe, Senhor nosso, a raça e nisto nosso Senhor valeulhe inda aora, mezina, eu tremo toda, eu tremo toda Aleksei vánovitch, prepara-te para depois do almoço, por volta das quatro vamos lá Para já, adeus, e não te esqueças de me mandar um dotorzeco qalquer, também preciso de tomar as áuas Não te esqueças Saí como que embriaado Tentava imainar o que iria acontecer a todos os nossos e que rumo iriam tomar os acontecimentos Vi nitidamente que eles (sobretudo o eneral) ainda não tinham caído em si, nem sequer da primeira impressão O aparecimento da avó, em vez do tão esperado telerama anunciando a sua morte (e a herança), desmoronara todo o sistema de intenções e decisões deles a um ponto tal que contemplava perplexos e petricados de todo as sequentes façnhas da avó na roleta Entretanto, este seundo facto era capaz de ser ainda mais importante do que o primeiro, porque, embora a avó tivesse declarado duas vezes que não daria dinheiro ao eneral, quem sabe 34 Perder absolutamente tudo. (NT)
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se, em todo o caso, não fosse de perder ainda a esperana. es Grieux, esse, envolvido que estava em todos os assuntos do general, não a perdia. Estou mesmo convencido de que a própria Mlle Blanche, também bastante envolvida (pudera!, tornar-se generala e receber uma grande herana!), não perderia a esperana e utilizaria toda a sua arte para seduzir a avó em contraste com a orgulhosa olina, inexível e incapaz de blandícias. Mas agora, agora, depois das faanhas da avó na roleta, agora que a personalidade da avó se lhes revelava em toda a sua nitidez e especicidade (uma velha insubmissa e autoritária, ainda por cima tombée en enfance) agora, pelos vistos, estava tudo realmente perdido porque ela, como uma criana, estava contente por ter conseguido o brinquedo, e, como é habitual, perderia tudo. Meu Deus! pensei (e, eus me perdoe, com o riso mais sarcástico) , é a pura da verdade que cada frederico apostado há bocado pela avó era um espinho cravado no coraão do general, enrecia Des Grieux e levava até ao frenesi Mlle Blanche de Cominges, a quem passavam a colher à frente do nariz. Mais um facto mesmo depois de ter ganho, toda contente, oferecendo dinheiro a torto e a direito e tomando cada transeunte por um pedinte, a avó não se eximira de dizer ao general ara ti, nada!» Signica que se agarrou a essa ideia, se obstinou, deu essa palavra a si mesma. É um perigo, um perigo! Todas estas reexões vagueavam pela minha cabeça enquanto, ao sair do apartamento da avó, subia pela escadaria principal para o meu cubículo. Tudo isso me interessava muito; embora, claro, já antes fosse capaz de adivinhar os principais os (bem grossos) que ligavam os atores deste espetáculo, ainda não conhecia a ndo todos os meios e segredos deste jogo. olina nunca fora muito aberta comigo. Ainda que à vezes acontecesse abrir-me involun tariamente o coraão, reparei que, na maioria dos cos, ou quase sempre, depois disso transformava tudo numa brincadeira, ou conndia tudo e dava à coisas peto falso. Oh, escondia muita coisa! Em qualquer caso, pressentia que estava próximo nal de toda esta situaão misteriosa e tensa. Mais golpe e tudo estaria acabado e revelado També eu estava interessado em tudo e, mesmo assim, preocupava-me pouco com o meu próprio 9
destino Andava num estado de ânimo estranho: no bolso apenas vinte fredericos; longe da pátria sem trabalho nem meios de subsistência sem esperança sem projetos e não me preocupava com isso! Se não fosse o pensar em Polina entregar-me-ia completamente ao cmico do desenlace iminente e rirmeia à gargalhad Porém Polina preocupa-me; é o destino dela que está a ser resolvido já o pressenti mas confesso que não é o destino dela que me preocupa Quero penetrar nos segredos dela; quero que ela venha até mim e diga Amote» mas se não se esta loucura for impensável então o que posso desejar? Saberei eu que coisa desejo? Também ando como que perdido; não quero mais nada senão estar ao pé dela na sua auréola no seu resplendor para sempre toda a vida eternamente Não sei mais nada! Poderei ao menos separarme dela? No segundo andar no corredor deles senti uma espécie de impulso Virei a cabeça e a vinte passos ou mais vi Polina a sair do quarto Parecia que estava minha espera e me espiava e fez-me logo sinal para me aproximar Polina Aleksándrovna Mais baixo! avisou-me Imagine só sussurrei acabei de sentir como que um empurrão de lado; vireime e vi-a! Parece que emite uma eletricidade qualquer! Tome esta carta disse Polina com um ar preocupado e sombrio sem ter ouvido as minhas palavras e entregue-a a mister Astley pessoalmente já Depressa peço-lhe Não preciso da resposta Ele próprio Não acabou a frase A mister Astley? repeti cheio de espanto Mas já Polina desaparecera atrás da porta Ah com que então andam a trocar cartas!» Como é evidente corri logo procura de mister Astley primeiro no hotel dele onde não o encontrei depois no casino por onde passei a correr por todas as salas e por m aborrecido e quase desesperado encontrei-o por acaso no caminho de volta vinha ele a cavalo integrado numa cavalgada de alguns ingleses e ingesas Fizlhe sinal ele parou e entreguei-lhe a carta Mal 95
tivemos tempo para olhar um para o outro, mas descono que mister Astley esporeou o cavalo propositadamente depressa Se me atormentavam os ciúmes? Estava com o ânimo muito abalado Nem queria saber do que escreviam um ao outro Com que então, ele é condente de Polina! «Amigo é, de certeza pensava eu , isso está claro (mas como é que teve tempo de se tornar amigo dela?); mas haverá aqui amor? Claro que não» sussrravame a razão Nestes casos, porém, só a razão não funciona De quaquer modo tina de esclarecer isso também Tudo se complicava de maneira muito desagradável Mal entrei no hotel, o porteiro e o maítre d'hôtel comunicaram -me que me chamaram, que andavam à minha procura, que foram perguntar três vezes onde eu estava pediam-me que fosse o mais depressa possível aos aposentos do general Eu estava num péssimo estado de ânimo Além dele, encontrei no seu gabinete Des Grieux e Mlle Blanche, sozinha, sem a mãe A mãe era, sem sombra de dúvida, uma personalidade ctícia, utiizada apenas para exibição; quando se tratava do verdadeiro negócio, Mle Blance agia sozina ambém era pouco provável que aquea muher soubesse fosse o que fosse sobre as maquinações da, assim chamada, sua ha Os três discutiam ualquer coisa com ardor, estando a porta do gabinete fechada à chave, o que nunca antes acontecera Ao aproximarme do gabinete ouvi vozes altas o tom atrevido e sarcástico de Des Grieux, o grito furioso e insultuoso de Mlle Blanche e a voz humilde do genera que, pelos vistos, estava a justicar-se Quando entrei, todos eles se contiveram e como que assumiram um ar de conveniência Des Grieux compôs o cabelo e transformou a cara zangada numa cara sorridente com aquele seu sorriso abomináve, ocialmente cortês, o sorriso francês que odeio tanto O genera, abalado e perdido, tomou um ar importante, mas como que maquinalmente Só Mlle Blanche qase não alterou a sua sionomia a irradiar fúria e apenas se calou, lançando-me um olhar cheio de expetativa impaciente A propósito, até ao momento tem-me tratado sempre com grande desdém, nem respondendo às minhas vénias pura e simplesmente, tem-me ignorado 9
Alese vánovtc vánovtchh começou o general num num tom tom de mega censura , permta que que lhe lh e dga que que é estranho, estranho, extre extre mamente mamente estranho estranho numa palavra, palavra, o seu comporta comportamento mento em relação a mm e mnha amí amíllaa numa palavra, é extremamente estr estranho anho h! Ce n'est pas ça nterrom nterrompeupeu-oo Des Greu Greuxx com com desgosto e desprezo (Claramente, era ele quem mandava em tudo) Mon cher monsieu notre génal se trompe3 5 quando ala consgo neste tom (contnuou o dscurso dele em russo), o que ele quera quera dzer-lhe dz er-lhe ou sej a, do que o quera prevenr, prevenr, ou, melhor anda, o que ele quera pedrlhe nstantemente é que não não o levasse levasse à perdçã perdçãoo sm, s m, perdção perdção É precsamente esta a expessão Mas como, como, como? como? nterro nterromp mp-o -o Por amor de Deus, o senhor encarregouse de ser um gua (ou lá o que seja) dessa velha, de cette pauvre terrible vieile embaraçava-se o própro Des Greux , mas ela va perder tudo na roleta; va peder tudo até até ao últmo tostão to stão Você Você mesmo vu, v u, o testemu te stemunha nha de como a velha velh a joga j oga Se começar a perde perde nunca nunca mas se aastar da mesa, po teosa, por rava, não paará de j ogar, ogar, e nestes casos os j ogadores ogadores nunca recupera recuperam m , e então ent então Entã En tãoo secundou o general general , então o senho será o causador da perdção de toda a amía Eu e a mnha amíla somos os herderos dea, porque ela não tem parentes mas próxmos Vou dzer-lhe rancamente: a mnha stuação é grave, extremamente extremamente grav gravee Sabe dsso, ds so, em parte parte Se ea perder uma mportânca mportânca consderável consderável ou, ou , até, até , toda a ortun ortunaa (meu Deus ) , o que será deles, dos meus lhos (o general lançou uma mrada a Des Greux), de mm (Olhou para Mlle Blanche, que lhe vrou a cara com desprezo) Alekse vánovtch, salve-nos, salve-nos Mas, general general , de que que manera posso posso eu Quem sou eu no meo dsto tudo? tudo? Recuse-se, Recuse-se, re recu cuse-se, se-se, dexea dexea Arra Arranja nja outr outroo grte grte 35 Eh, não é sso [ Meu caro senhor, o nosso general está enganado [ (NT)
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e n 'est 'est pas pas ça ce n'e n 'est st pas pas ça ça voltou a inteompe Des Gieux , que diable ão, não a deixe sozinha, pelo menos chamea chamea à azão, azão, convença-a, convença-a, distaiadist aia-aa . . . Ao menos não não a deixe pede de mais, distaia-a de alguma maneia. Mas como posso fazê-lo? Talvez se possa encaega disso, Gieux acescentei acescentei com o a a mais ingénuo monsieur des Gieux possível. esse instante epaei num olha ápido, fogoso e inteo gativo que Me Blanche ançou a Des Gieux. Pela caa do fancês passou uma expessão estana, algo que não conseguiu esconde. pobema é que, agoa, a vela não me aceitaá! exclam exclamou ou abana abanand ndoo a mão. Quem Quem me dea! . . . Depois Depois . . . Des Gieux olou ápida e signicativamente paa Mlle Blance. - mon cher monsieur Alexis soyez si bon 3 6 a p póópia Mle Bance deu um passo paa mim, com um soiso encantado; agaoume po ambas as mãos e apetou-as com foça. Diabos! Aquele osto diabóico sabia tansfiguase num segundo. Esta Es tava va agoa agoa com u m osto tão supi supicante cante,, tão queido, com um soiso tão infanti e até taquinas; no na da fase piscou-me um olho maoto, sem ninguém ve: queia vence-me de vez, ou quê quê?? Saiuhe tudo tudo bastant bastantee bem só que demasiado pimáio. O genea genea também também se apo apoximou, ximou, de um salto pecisament pecisamente, e, de um salto. Aleksei vánovitch, pedoe-me po há pouco te começado a fala consigo daquela maneia, não ea isso que eu queia dize. dize. . . Peço-lhe, Peço-lhe, implo imploo-lhe, o-lhe, inclino i nclino-me -me a seus seus pés . . . o senho senho é o único, o único que nos pode salva! Eu e Mlle de Cominges implo imploam amos-lhe os-lhe . . . comp compeen eende? de? , comp compeend eendee ? suplica suplicava va o geneal apontando com os olos paa Mlle de Cominges. Estava muito miseável. isto ouviam-se tês toques eves e espeitosos na pota; abia abiam m e eaa um ciado ciado do anda; at atás ás dele, a alguns passos passos , 36 Oh, Oh, me meuu caro sen hor Ales, sej a bonzno [ ] (NT)
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estaa Potápitch. Eram mensageiros da aó. Exigia ue me encontrassem e me leassem até ela, imediatamente. Está zanga zangada» da» comunicou comunicou Potá Potápitch. pitch . Mas são só três e meia! A senhora não conseguia dormir, às oltas na cama, depois leantou-se, mandou que a sentassem na cadeira e deu ordens para ir buscá-lo. buscá-lo. Já está à saída, saída, lá em baxo baxo . . . Quee mégre 3 7 gritou Des Grieux. De facto, encontre a aó já no alto da escadara exterior, de pacência pacên cia perdida porue eu nunca mas apareca apareca.. Não Não aguentara até às uatro. Leantemm Leantem me,e, amos! amos ! grtou, gr tou, e fomos fomos outra e ezz para para a roleta.
7 Que megera! (NT)
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2 A avó estava numa disposição de ânimo impaciente e irritadiça; viase que a roeta he cara bem cravada na cabeça. ara com tudo o resto mostravase desatenta e no gera muito distraída. eo caminho não fazia por exempo quaisquer perguntas ao contrário de há pouco. Ao ver um coche riquíssimo que passou veozmente a nosso ado ainda evantou a mão num primeiro momento e perguntou: Quem são? Donde vêm?» mas nem ouviu a minha resposta ao que parece; interrompia a cada momento a cogitação em que caíra com gestos bruscos e impacientes. Quando he mostrei de onge já nos acessos do casino o barão e a baronesa Wurmerhem ohou distraidamente disse com uma indiferença competa: A-a!» e votou-se rapidamente para otápitch e Marfa que caminhavam atrás dea dizendo-hes: E vós por que raio andais agarrados a mim? Não vos vou evar comigo todas as vezes! Já para casa! Tu já chegas e sobras acrescentou quando os criados zeram uma vénia apressada e votaram para casa. No casino já estavam à espera da avó. Reservaram-he o mesmo ugar ao ado do croupier. Parece-me que estes croupiers sempre tão oficiais e funcionários quase competamente indiferentes a o facto de a banca ganhar ou perder ana não são assim tão indiferentes às perdas da banca e terão sem dúvida instruções para atrair os jogadores e efender os interesses da banca trabalho peo qua recebem obviamente os prémios
devidos Pelo menos, olhavam já para a avó como o caçador para a caça A seguir, aconteceu o que previam os nossos Foi assim A avó atirouse, literalmente, ao zo e mandou apostar logo doze fredericos de uma vez Apostámos uma, duas, três vezes o zo não saía Carrega, carrega! » empurrava-me a avó, impaciente Eu obedecia-he Quantas vezes perdemos? acabou por perguntar a avó, rangendo os dentes de impaciência á á vão doze vezes, avó Perdemos até agora cento e quarenta e quatro fredericos Por este caminho, avó, digolhe que até à noite Caa-te! interrompeume Carrega no zo e também mi orins no vermeho oma á esta nota Saiu o vermeho, o zo não; recuperámos mi orins Estás a ver, estás a ver? sussurrava a avó , j á recupe rámos quase tudo Carrega outra vez no zo; aiás, mais dez vezes e argamos Mas ao m de cinco vezes a avó aborreceuse 'r diabo esse zerio nojento oma, põe quatro orins no vermeo ordenou Avó! É demasiado; e se não sai o vermeho? implorei; mas a avó por pouco não me bateu (Aliás, acotovelava-me tanto que pode dizerse que me batia) Nada a fazer, carreguei os quatro mil, acabados de ganar, no vermelho A roleta girou A avó estava calma, orgulhosamente direita, e não duvidava da vitória -Zéro anunciou o croupier A princípio a avó não percebeu, mas quando viu o croupier a agarrar nos seus quatro mil orins juntamente com o resto que estava na mesa e compreendeu que saíra aquele zo em que perdêramos quase duzentos fredericos e que há tanto tempo ão saía, e que aquele zéro saíra, como de propósito, precisamente na altura em que a avó o rejeitara e insultara, abanou os braços e sotou um ai! que toda a sala ouviu Risos à volta Deus meu! Agora é que saiu, o desgraçado! berrava a avó Esse danado! A culpa é tua! ua! atirouse ferozmente a mim, empurrandome Tu é que me dissuadiste 0
Avó, só lhe disse coisas sensatas; como posso ser responsável por todas as probabilidades? Eu dou-te as probabilidades · sibilava num sussurro alto. Desaparece-me da vista. Adeus, avó e virei-me para sair. Aleksei Ivánovitch, Aleksei Ivánovitch, ca Aonde vais tu? O ue é isto, o uê? Irra, zanou-se Parvo Fica, ca aui mais um bocado, não te zanues, eu também sou parva Diz-me lá, o ue aço aora? Não lhe vou dar conselhos, avó, porue depois a senhora acusa-me Joue sozinha. Mande, ue eu aposto. Está bem, está bem Põe mais uatro mi orins no ver meo Toma lá a carteira. Tirou-a do boso e entreou-ma. Rápido, há aí vinte mil rublos em dineiro. Avó sussurrei , apostas tão altas . . . Nem ue morra, hei de recuperar. Carrea Apostámos e perdemos. Põe mais, mais, carrea oito mil Não se pode, avó, o máximo é quatro ... Então põe uatro Desta vez anhámos A avó animou-se. Estás a ver, estás a ver?» não parava de empurrar-me , carrea outra vez uatro mi» Apostámos perdemos; depois perdemos outra vez. Avó, os doze mil já se oram inormei-a. Bem vi ue j á se oram disse ea numa ria cama, se me permitem a expressão , bem vi, meu caro senhor, bem vi murmurava ohando xamente em rente e como ue reetindo. Eh, nem ue morra, aposta mais uatro mil orins Já não á mais dineiro, avó. Na carteira só há os bilhetes de cinco por cento e aumas letras de câmbio, dinheiro já não há. E no porta-moedas? Só trocos, avó. Há caas de câmbio, aui? Disseramme que os nossos papéis de crédito se podem trocar peruntou a avó resolutamente. Oh, á isso, é quantas ueira Mas vai perder tanto no câmbio ue .. até o próprio judeu se vai assustar 02
Tretas! Eu recupero! Leva-me lá. Chama esses parvahões! Afastei a cadeira da mesa, apareceram os carregadores e fomos embora do casino. «Rápido, rápido, rápido! mandava a avó. Indica o caminho, Aleksei Ivánovitch . . . O mais próxio . . . é longe?» a dois passos, avó Mas na curva do parque para a alameda encontrámos os nossos: o genera, Des Grieux e Mlle Blanche com a mãezi nha. Não estavam com eles Polina Aleksándrovna nem mister Astley. Segue, segue! Não pares ! gritava a avó. O que querem ees? Não tenho tempo! Seguimos, eu ia atrás. Des Grieux correu para mim. Perdeu tudo o que tinha ganho e mais doze ml orins do dinheiro dela. Agora vamos trocar títulos de cinco por cento sussurreilhe rapidamente. Des Grieux bateu com o pé no cão e correu a contá-lo ao general. Continuámos, epurrando a avó. Faça-a parar, faça-a parar! dizia-me o genera ao ouvido, renétco ao mxmo. Tente o senhor fazê-la parar sussurrei como resposta. Minha tia! aproximouse dela o general , minha tia . . . nós agora. . . nós agora . . . a voz dele treia, entrecortada vamos alugar cavalos e dar um passeio para fora da cidade ... ma vista maravilhosa . . . a pointe . . . vínhaos convdála. . . P'r diabo, tu e mas a tua pointe afastouo a avó com irritação. Há lá uma aldea . . . vamos tomar chá . . . continuava o general completamente desesperado. Nous boirons du lait sur l'herbe frache 3 8 acrescentou Des Grieux com uma rava ferina. Du lait de l'herbe frache é tudo o que há de idílico num bur guês parisiense; é nisso, como se sabe, que consiste o seu ponto de vista de «la natre et la vérité»39• 3 8 Beberemos leite, e m cima da relva verde. NT 39 [ ] <
>. (NT)
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Va para o rao que te parta e mas o teu lete! Emborca-o tu, que a mm o lete faz-me doer a barrga. E porque me aborreces? grtou a avó. Já dsse que não tenho tempo! Chegámos, avó grte-lhe , é aqu! Aproxmámo-nos da casa onde estava o escrtóro do cambsta. Fu fazer a troca, e a avó co espera junto entrada; Des Greux, o genera e Mlle Blanche estavam parados a alguma dstânca sem saberem o que fazer. A avó olhouos co rava, e ees começaram a movmentar-se na dreção do casno. Propuseram-me m câmbo tão escandaloso qe não me atrev a trocar e fu ter com a avó para pedrlhe nstruções. Ah, banddos! grtou agtando os braços. Está bem, troca! grtou decdda. Espera, chama-me cá o cambsta! Talvez um dos empregados, avó? Está bem, um empregado serve. Ah, banddos! O empregado consentu em sar quando soube que era uma veha condessa paraplégca, mpossbltada de andar, quem o solctava. A avó descompôlo demoradamente, em voz ata e ravosa, acsando-o de vgarce e regateando com ele numa mstura de russo, rancês e aemão; e ajudava na tradução. O empregado, ssudo, ohava para nós os dos e abanava a cabeça em slênco. Observava a avó com ma curosdade tão descarada que raava o nsulto; por m, começou a sorrr. Desaparece! grtou a avó. Qe te engasgues com o meu dnhero! Troca aqu, Alekse vánovtch, estou co pressa; senão ríamos a outro lado . . . empregado dz que os outros anda dão menos. Não me lembro exatamente que juro me cobraram, mas era de bradar aos céus. Receb doze m orns em ouro e notas, pegue no recbo e leve tudo avó. Embora, embora, não nteressa contar gestclava , rápdo, rápdo, rápdo! Nunca mas aposto nesse maldto zo nem no vermelho dsse ela ao chegarmos ao casno. Desta vez tente com todas as mnhas forças convencê-la a apostar o mínmo possível, explcandohe que, se a sorte vrasse, tera sempre oportndade de fazer uma aposta grande. Mas estava 0
tão impaciente que, embora a princípio concordasse comigo, não havia meio de contê-la durante o jogo. Mal começava a ganhar em apostas de dez ou vinte fredericos, logo se punha a empurrar-me: «Estás a ver? Estás a ver? Estás a ver que ganhámos? Se fossem quatro mil e não estes míseros dez fredericos, tínhamos ganho quatro mil... e assim? A culpa é tua, toda tua!» Então, apesar do meu desgosto ao ver o jogo dela, decidi nalmente calar-me e não a aconselhar mais. De repente, apareceu Des Grieux. Os outros três estavam por perto; reparei que Mlle Blanche estava de um lado com a mãezinha e galanteava com o principezinho. O general perdera, visivelmente, as suas boas graças, achava-se quase posto de lado. Mlle Blanche nem sequer queria olhá-lo, embora ele a bajulasse como podia. Coitado do general! Empalidecia, corava, tremia e já não seguia o jogo da avó. Por m, Mlle Blanche e o prin cipezinho saíram; o general correu atrás deles. -Madame madame sussurrava Des Grieux numa voz melíua que se insinuava até ao ouvido da avó. Mame, não se aposta assim . . . não, não, não pode . . . continuava num russo deformado , não! Então como é? Ensina-me! disse-lhe a avó. Des Grieux ôs-se, de repente, a metralhar em francês, a azafamar-se em conselhos, que era preciso esperar pela ocasião certa, lançou-se a fazer uns cálculos quaisquer... e a avó não percebia nada. Des Grieux virava-se para mim a cada passo, pedindo que traduzisse; apontava com o dedo para a mesa, indicava; por m, pegou num lápis e pôs-se a fazer cálculos num papelinho. A avó acabou por perder a paciência. Sai, sai daqui! Só disparates! Tantos «madame, madame» e não percebe nada disto; vaite embora! Mas, mame chilreou Des Grieux, e pôs-se outra vez a apontar e a indicar. Respirava ansiedade. Está bem, aposta uma vez como ele diz ordenou a avó , vamos lá ver: às tantas dá resultado. Des Grieu só queria desviá-la das grandes apostas; sugeria que apostasse nos números, em separado e em conjunto. Carreguei, por indicação dele, um frederico nalguns dos números
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ímpares de entre os primeiros doze, e cinco redericos em cada um de dois grupos (de doze a dezoito e de dezoito a vinte e quatro) no total, apostámos dezasseis redericos. A roleta girou. » » gritou o cro croupier. upier. Perdemos tudo. mbecil mbe cil grit gritou ou a avó av ó para para Des Gr Gr ieux. ieu x. Que Que rancezeco nojento me saíste Grandes conselhos Fora, ora daqui Não percebe nada, mas mete-se Des Grieux, proundamente oendido, encolheu os ombros, olhou para a avó com desprezo e aastou-se. Envergonhavase de não ter resistido e se ter metido no assunto. No espaço de uma hora, apesar de todos os nossos esorços, perdemos tudo. Para casa gritou a avó. Não disse uma palavra até à alameda. No m da alameda, já perto do hotel, soltaramselhe as exclamações: Que idiota Mas que parva Parvalhona velha Mall entrám Ma entrámos os na na suite: Quero Quero chá gritou. E toca toca a azer as malas imediatamente Vamos embora» Aonde Aonde é que quer ir, mãezinha? mãezinha ? tentou pergunt perguntar ar Ma Maa.a. no seu galo Po que tens a ver com isso? Cada macaco no tápit tápitch ch,, prepara prepara tudo, a bagagem bagagem toda toda Voltamos para Moscovo Derreti quinze mil rublos Quinze Quinze mil, mi l, mãezinha mãezinha Meu Meu Deus exclam exclamou ou Potá Potápitch, de mãos erguidas com servilismo, a querer ser obsequioso. Deixa-te disso, estúpido Só me altavas tu a soluçar Cala-te Fazer as malas A conta, depressa comb oio é às nove nove e meia, avó avó disse diss e eu para para próximo comboio lhe acalmar um pouco o uror. E agora, que horas são? Sete e meia. Pena Mas não importa Aleksei Ivánovitch, não tenho dinheiro nenhum. Pega nestes dois títulos, vai ao cambista e troca-os. Senão, nem para a viagem tenho. Fui ao cambista. Quando, passada meia hora, voltei ao hotel, encontrei todos os nossos ao pé da avó. avó. Ao saberem que ela el a partia para Moscovo caram mais abalados, ao que parece, do que com as suas perdas na roleta. Claro que essa partida salvava os bens 0
da avó, mas o que seria feito, agora, do general Quem pagaria a Des Grieux Mlle Blanche, com certeza, não ia esperar pela orte da velha e giria decerto com o principezinho ou com otro qualqer Estavam diante da avó, consolavam-na, tentavam convencêla convencê la Polina Pol ina,, também desta vez vez,, não estava estava A avó avó grita gri tava va com todos, riosa Deixai-me em paz, demónios! Que tendes a ver com isso Porqe é que este monte de banha de bode me incomoda grit gritaava a Des Des Gr Grieu ieux E tu, vent ventoinh oinha, a, o que uer ueres es dirigiase dirigia se a Mlle Blanche B lanche Porque Porque vens rodo rodopiar piar par paraa aui lanche, a cintilar fur furiosam iosamente ente Diantre 4 0 sibilou Mlle B lanche, dos olhos; mas, de repente, desatou a rir às gargalhadas e saiu grit ou para para o genera qando saía saía a -e vivra cent ans 4 gritou porta A-a! A-a ! , estás estás entã entãoo a conta contarr com com a minha morte morte berr berrou ou a avó avó ao general general Fora daqui ! Correos a todos, Aleksei Iváno Ivánovitch vitch ! Que têm eles a ver com isso is so Desbaratei Desbaratei o meu, meu , não não foi o deles! O general encole os ombros, crvou-se e saiu Atrás dele, Des Grieux Chama a Praskóvia Praskóvia ordenou a avó avó a Marf Marfaa Cinco mintos depois, Marfa estava de volta com Polina Polina tinha estado metida no quarto durante todo este tempo, com as crianças e, ao que parecia, teria decidido car lá durante todo o dia O rosto dela estava sério, triste e preocupado Prask Praskóvi óviaa começo começouu a avó avó , é verda verdade de o que eu qei qei a saber há pouco, por acaso: que esse parvajoa do teu padrasto uer casar com a estúpida serigaita francesa Ou será ma atriz, ou coisa pior pior Diz lá, é verda verdade de N ão ã o tenho tenho a certeza certeza absoluta, absoluta, avó avó re resp sponde onde Polina , , mas pelas palavras da própria Mlle Blanche, que não acha necessá necessário rio escondê-lo, escondê-lo, concuo concuo Basta! B asta! interrompe interrompeu-a u-a energicamente energicamente a avó avó Já Já perceb percebii tudo! Sempre achei que ele era capaz de ma coisa dessas e 40 Diabo! (NT) 41 Ela viver cem anos! (NT)
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sempre o considerei conside rei o homem mais inútil inút il e levian l evianoo que que há. há. Anda inchado inchado de gabar gabarolice olice por ser general general coronel, coronel, era o que ele era, gradu graduara aram-n m-noo em general quando se reformou reformou e ach-se ach-se uma pessoa importante. Sei tudo, minha filha, sei como mandavam mandavam telegrama atrás atrás de telegrama tele grama para Moscovo: « Quando é que a veha estica estica o pernil ? » Estavam Estavam espera espera da da heranç herançaa . . . Sem dinhero, dinhero, essa rap rapar arig igaa da rua como como é ? , de Cominge Comingess , não não é? é? não não o quer nem para para lacaio, lacaio, ainda a inda por por cima com dentadura dentadura postiça. Dizem que ela própria está podre de rica, empresta a juros, foi assm que enriqueceu. A ti não te acuso, raskóvia, sei que não foste foste tu quem mandou ma ndou os telegrama tel egramass ; do passado também não quero embrar-me embrar-me.. Sei S ei que tens um fei feitio tiozinho zinho terrível terrível de vespa! Quando picas, incha; mas tenho pena de ti, porque gostava muito da tua falecida mãe Katerina. Se quiseres, larga tudo aqui e vem comigo orque não tens para onde r, e é uma vergonha estares agora agora com eles. eles . Espera! E spera! a avó avó interrompeu olina, olin a, que uis responder responder Anda não não acab acabe e Não te vou exigir exigir nada nada Bem sabes que a minha casa em Moscovo é um palácio, podes ocupar um andar inteiro, podes não descer para ver-me semanas segudas, se não gostares do meu carter. Então, vens ou não? Deixe-me primeiro perguntar-lhe: é verdade que quer r agora mesmo? Achas que ando a brincar, ha? Disse e vou. Hoje perdi uinze mil rubos nessa vossa maldita roleta. Na aldeia que tenho nos arredores de Moscovo prometi há cinco anos construir uma igreja de pedra para substituir a de madera, e em vez disso d isso derreti o dinheiro aqui. Agora, lha, vou construir a igreja. E as águas, avó? A avó veio a águas Rios partam essas águas! Não me irrites, raskóvia; é de propósito, ou quê? Diz l, vais comigo ou não? Agrade Agradeço-lhe ço-lhe muito, avó avó começou começou olna co com emo ção , pelo abrigo que está a of oferecer-me erecer-me.. Em parte, adivinhou qual é a minha si tuaç tuação ão Estou-lhe Es tou-lhe tão agr agradecida adecida que, acredte acredte , talvez muito mu ito em e m breve b reve vá para para sua sua casa; cas a; mas mas agor agoraa há razões . . . importantes importantes . . . e não posso decididecidi-lo lo neste momento mome nto.. Se casse pelo menos mais duas semanas semanas . . . Quer dizer, não queres? 8
Quer dizer, ão posso. Em qualquer caso, ão posso abandonar os meus irmãos, e como. . . e como . . . pode realmete acotecer que eles quem ao abadoo, etão . . . se me aceitar com os pequenos, iha avó, eu vou de certeza viver cosio e, acredite, hei de copensar esse favor! acrescetou ardorosa mete. Mas sem as criaas ão posso. Não choramiues! (Polia ão choramiava; aliás, e eral quase uca chorava.) Para os pitaihos também se ecotra um luar; o alheiro é rade. Além disso, já têm idade para irem à escola. Portato, aora não vais? Olha, Praskóvia, tu é que sabes! Só quero o teu be, mas compreedo porque ão vas. Se tudo, Praskóvia! Isso com o teu fracesito vai acabar mal. Polia corou. Eu estremeci todo. (Toda a ete sabe! Só eu é que ão sei ada.) Proto, proto, ão te zaues. Não te vou fazer sermões. Mas vê lá que ão aja desraas, estás a eteder? És uma moa esperta, ia ter pea de ti. Chea, estou farta de vos ver a todos. Ide, adeus! Avó, vou acopanhá-la à estaão dsse Pola. Não quero, ão me icomodes; estou farta também de vós todos. Polia beijou a mão da avó, mas esta retirou-lha bruscamete e deu-lhe um beijo a face. Ao passar por im, Polia lanou-me ua mirada rápida, desvado loo os olhos. Adeus, Aeksei Iváovitch! Falta só uma hora para o comboio. Também estás farto de mm, acho eu. Toma estes ciqueta fredericos, são para ti. Obriado, avó, mas é embaraoso . . . Vá, pea eles! ritou a avó, tão eérca e assustadoramete que ão me atrevi a recusar e peuei o dheiro. Em Moscovo, se ão tiveres trabalho, vem ter coio, dou -te umas recomedaões para qualquer lado. Aora, vai! Fui para o meu quarto e deitei-me. Deixei-me car assi deitado de costas, com as mãos atrás das costas, uma meia hora. Desecadeara-se já a catástrofe, havia muito em que pesar. 09
Decidi que amanhã teria uma conversa decisiva com Polina. Ah! Com que então, o francesito? Então sempre era verdae? Mas o que podia ter de facto havido ali? Polina e Des Grie! Meu Deus, que combinação! Tudo isso era incrível. Saltei da cama, fora de mim. Precisava de encontrar imediatamente mister Astley e obriá-lo a falar, custasse o que custasse. De certeza que ele sabia mais do que eu. Mister Astley? Mais um enima para mim! De repente, bateram à minha porta. Era Potáptch. Aleksei Ivánovitch, paizinho, venha já à senhora, ela mandou chamálo! que se passa, vai já partir? Ainda faltam vinte minutos para o comboio. Ela está inquieta, paizinho, está em brasas. «Rápido, rápido! » , disse ela, ou se ja, quer que o senhor vá rapidamente; não demore, por amor de Deus. Corri par baixo. A avó já tinha sido levada para o corredor. Tinha a carteira nas mãos. Aleksei Ivánovitch, va à frente, embora! ... Paa onde, aó? Que eu morra lá, mas vou recuperar! Vá, embora, sem peruntas! Pode-se joar até à meia-noite, não é? Fiquei petricado. Depois reeti e tome uma decisão. Desculpe, Antonida Vassílievna, não vou. Porquê? A que propósito vem isso aora? Endoideceram todos, ou quê? Desculpe: depois vou sentir-me culpado; não quero! Não quero ser testemunha nem participante; dispense-me, Antonida Vassílievna. Aqu estão os seus cinquenta fredericos; adeus! e, ao colocar o envelope com os cinquenta fredericos numa mesinha para junto da qual tinha sido empurrada a cadeira, z uma vénia e fu-me embora. Disparate! ritou a avó nas minhas costas. Está bem, não vás, eu encontro o caminho sozinha! Potápitch, anda como! Levantem-me, vamos! Não encontrei mister Astley e voltei para casa. Muito tarde, passava já da meianoite , ouvi da boca de Potápitch como acabou 0
a noite da avó Pedeu tudo o que tinha tocado, ou seja, dez mil ublos na nossa moeda Na mesa da oleta colou-se a ela aquele mesmo polacozeco a quem ela dea de manhã dois fedeicos, e ea ele quem a oientava no jogo Pimeio, antes do polaco, a avó obigava o Potápitch a aposta, mas não tadou a mandálo emboa; foi aí que entou o polaco Nem de popósito, pecebia o usso e até conseguia tagaea numa mistua de tês línguas: potanto, entendeam-se A avó não paava de descompôlo violentamente e, se bem que este não deixasse de se «oja aos pés da pani 42», não tina «compaação consigo, Aleksei Ivánovitch contava-me Potápitch A si tratavao como um senhor, mas a esse não, que ele, vi com os meus pópios olos, Deus me castigue se não é vedade, oubavalhe dineio mesmo ali da mesa, à descaada Ela pópia o apanhou duas vezes, e como ela has cantou, paizinho, de todas as maneias e feitios, duma vez até le puxou o cabelo, que eu vi e não minto, até se começou tudo a i à volta Pedeu tudo, paizino; tudo até à última migalha, tudo o que o seno tinha tocado Coitada da mãezinha, touxemo-la paa aqui só pediu água, pesignouse e deitouse J não aguetava mais, aco, poque adomeceu num instantinho Deus le dê sonhos angélicos! Mas que coisa, este estangeio! concluiu Potápitch Eu sempe disse que isto não ia acaba bem Quanto mais depessa tonamos a Moscovo, melo! Falta-nos lá alguma coisa, em Moscovo? Temos lá um jadim em condições , oes que nem aqui se veem, bons aes, as macieias com as maçãs já a amadua, temos espaço mas não, tinha de vi paa o estangeio! Ai, ai ai! . . . » .
42 Senhora, em poaco. (NT)
13 Já lá vai quase um mês que não toco nestes meus apontamentos, iniciados sob a inuência de impressões muito fortes, embora desordenadas. A catástrofe, cuja minência pressenti naquela altura, cheou realmente, só que cem vezes mais violenta e inesperada do que pensava. Tudo foi estranho, monstruoso e até tráico, pelo menos comio. Passei por coisas . . . quase milarosas; pelo menos assim as considero, ainda hoje , embora, vist de outro ânulo e, sobretudo, no meio do turbilhão em que me enolfava naqueles dias, fossem apenas um pouco menos vulares. Mas o mais milaroso para mim foi a minha própria atitude para co todos esses acontecimentos. Até hoje não consio compreender-me a mim próprio! E tudo isso passou tão rapdamente como um sonho até a mina paixão, tão forte e tão verdadeira, aora. . . que é dela? A sério, vezes passa-me aora pela cabeça «Será que enlouqueci há mês e estive esse tempo todo num manicómio qualquer (ou talvez ainda hoje lá esteja), e tudo aquilo foi apenas uma ilusão minha e continua a sê-lo? . . . Reuni e reli a minhas folha. (Quem sabe, talvez o tena feito para convencer-e que não as escrevi nu manicómio?) Estou aora completamente sozino. Aproxima-se o outono, a folhas amarelecem. Estou nesta cidadezinha tristonha (oh, que tristonha são as cidadezinha alemã!) e, em vez de reetir no próximo passo, vivo sob a inuência de sensações recentes, de recordações frescas, sob a inuência de todo esse turbilhão recente que me apanhou e, depois, me deitou outra vez fora. Pareceme às vezes 2
que ainda continuo a girar no mesmo turbilhão, que a cada momento pode rebentar a tempestade, apanhar-me de repente com a sua asa e que, então, pularei outra vez para fora da ordem e do sentido da medida e girarei, girarei, girarei Contudo, é possível que eu de algum modo me restabeleça e deixe de girar se poporcionar a mim próprio, na medida do possível, um relatório completo de tudo o que se passou neste mês De novo a pena me seduz; e, também, às vezes não tenho nada que fazer à noite Estranho: para te ao menos alguma coisa que fazer, equisito na reles biblioteca loca os romances de aul de Kock (numa tradução alemã! ) que detesto, mas leioos e eu próprio me espanto: como se, com um livro a séio ou alguma ocupação séria, receasse destrui o encanto do passado recente Como se esse sonho monstruoso e as impressões que me deixou me fossem tão queridos que eu tivesse medo de tocá-los co alguma coisa nova que os pudesse eduzir a pó! Será tudo isto assim tão valioso para mim? Sim, caro que é vaioso; provavelmente, dento de quaenta anos recodálo-ei ainda Ora bem, começo então a escever Aliás, agora já posso ser ais beve: a impesões já não são as mema imeiro vou acabar de contar o que se passou com a avó No dia seguinte, perdeu tudo até ao Ea lógico quando uma pessoa do seu género enveeda por esse caminho, como que desliza num trenó por uma montanha de neve cada vez mais depressa Jogou todo o dia até às oito da noite; não estive preente, só sei do jogo dela pelo que me contaram otápitch esteve ao lado dela no casino todo o dia Os pola cozecos que orientava a avó mudaram duante o dia várias vezes A avó começou por expulsar o polaquito da véspera, aquele a quem puxara o cabelo, e aceitou outo, mas esse era ainda pior Correu com ele e voltou a pegar no pimeiro, que não arredara pé e se mantivera, durante todo o tempo da sua destituição, atás da cadeira dela e a cada instante assomava a cabeça paa a mesa o que levou a avó a entrar em desespero denitivo O segundo polaquito expulso também não queria irse embora, de maneira que estava um instalado à direita e o outro à esquerda da avó 3
Discutiam o tempo todo um com o outro por causa das apostas e jogadas, chamavam-se um ao outro lajk 4 3 e outras amailidades polacas, depois voltavam a fazer as pazes, colocavam o dinheiro ao deus-dará, davam conselhos inúteis. Quando acabavam as pazes e voltavam outra vez ao conito, apostava cada qual para seu lado, por exemplo, um no vermelho e o outro no preto. Acabaram por atrapahar e confundir a avó a um ponto tal que ela, quase a chorar, recorreu ao velho croupier pedindo que a defendesse e expulsasse aquees dois. Foram de facto expulsos, apesar dos seus ritos e protestos: gritavam os dois em coro e insistiam em que a avó lhes devia qualquer coisa, que os tinha enganado, que os prejudicara. O coitado do Potápitch contoume tudo isto na própria noite da grande perda, queixandose de que os polacos enchiam os bolsos com o dinheiro da avó, que ele mesmo vira como a roubavam desavergonhadamente e metiam para o bolso deles a cada instante. Um deles pedinchava, por exemplo, cinco fredericos à avó pelos seus serviços e de imediato os jogava, ao lado das apostas da avó. A avó ganhava mas ele gritava que a aposta era dele, e que a da avó perdera. Quando os expulsavam, Potápitch denunciu que bos tinham os blsos cheios do ouro dela. A avó pediu ajuda ao croupier e, por mais que os dois polaquitos gritassem (como dois galos agarrados), veio a poícia e os bolsos deles foram imediatamente esvaziados a favor da avó, que, até ter perdido tudo, gozava do respeito dos croupiers e de todos os gerentes do cino. Pouco a pouco, a sua fama propagouse por toda a cidade. Todos os aquistas das termas, de todas as nações, desde a gente mais vulgar à mais dalga, vinham admirar a vieile comtesse russe, tombée en enfance» que já teria perdido vários milhões». Pouco valeu à avó o teremna livrado dos dois polaquitos. Em sua substituição insinuou-se imediatamente ao seu serviço um terceiro polaco, que falava russo uentemente, com um enorme bigode e uma enorme sobranceria, vestido à dalgo, embora tivesse certas parecenças com um lacaio. Também este e roj ava aos pés da », mas, relativamente a todos os outros, ostrava J Vgarsta, em polaco (NT)
arrogância, daa ordens despoticamente numa palara, pôs-se logo na posição de patrão, e não de criado, da aó. A cada minuto e a cada jogada se dirigia a ela e juraa que, ele sim, era um pan 44 honrado e não mexeria num único copeque do dinheiro da aó. Tantas ezes repetiu tão solenes juramentos que a aó cou definitiamente assustada. Mas como este pan melhorou aparentemente o jogo da aó, no início, e até começou a ganhar, a aó já não podia desfazerse dele. Uma hora depois, os dois polacos anteriores, que tinham sido expulsos do casino, oltaram a surgir atrás da cadeira da aó, sugerindo os seus seriços, nem que fosse como moços de recados. otápitch juroume pelo que há de mais sagrado que eles e o <an honrado» se piscaam os olhos e este até lhes passaa qualquer coisa para as mãos. Como a aó não almoçara e quase não saíra do lugar, um dos polaquitos acabou por ser úti: correu à sala de jantar do casino a buscarlhe uma canja e, depois, uma cháena de chá. Aliás, ambos se precipitaram para a sala de jantar. À noite, quando já estaa à ista de todos que a aó perdera a última nota de banco, atrás da cadeira dela haia já seis polacos que ainda ninguém ira antes. Quando a aó já perdia as últimas moedas, não só não lhe obedeciam, todos eles , como não lhe prestaam qualquer atenção, remexiam na mesa por cima dela, agarraam como queriam no dinheiro, apostaam, discutiam e gritaam uns com os outros, conersaam familiarmente com o <an honrado», que quase se esquecera também da existência da aó. Mesmo quando a aó, que perdera nalmente tudo até ao m, oltaa às oito da noite para o hotel, três ou quatro dos polaquitos não queriam largá-la e corriam ao lado da cadeira, gritando a plenos pulmões que a aó os tinha enganado e lhes deia não sei quê. Chegaram neste aarido ao hotel, onde os polacos foram enxotados a empurrões. elas contas de otápitch, a aó perdera nesse dia uns noenta mil rublos, a acrescentar ao que perdera na éspera. Trocou, uns a seguir aos outros, todos os seus títulos os de cinco por cento, as obrigações de Estado, todas as ações que trouxera consigo. Admirei-me como tinha ela aguentado essas sete ou 44 Senhor, em polaco (NT)
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oito horas sentada na cadeira, quase sem afastar-se da mesa, mas Potápitch contou-me que por três vezes ela comeara a ganhar muito e, motivada por mais uma esperana, não era capaz de sair dali Aliás, quem é jogador sabe que um indivíduo pode car um dia inteiro colado ao mesmo lugar a jogar às cartas sem desviar os olhos da direita e da esquerda Entretanto, neste dia aconteciam também no nosso hotel coisas muito decisivas De manhã, antes das onze, ainda a avó estava em casa, o general e Des Grieux decidiram dar o último passo Quando souberam que a avó nem pensava ir-se embora e, pelo contrário, ia outra vez para o casino, foram, todos em conclave (menos a Polina) falar com ela definitiva e até sinceramente O general, a tremer e de alma desfalecida, vistas as terríveis consequências para ele, até exagerou: após eia hora de pedidos e súplicas, após ter confessado tudo abertamente, ou seja, todas as suas dívidas e a sua paixão por Mle Blanche (estava completamente perdido), o general, de repente, passou para um tom ameaador e pôs-se a gritar à avó e a baterlhe o pé, a berrar que ela envergonhava o nome deles, que se tornara um escândalo em tod cidade e, para culmiar para culminar «Está a desonrar o nome da Rússia, minha senhora! gritava o general Para isso há a polícia!» A avó expulsou-o, nalmente, com um pau (um verdadeiro pau) O general e Des Grieux discutiram o assunto entre si mais uma ou dus vezes ainda nessa manhã, nomeadamente a possibilidade de recorrer à polícia: declarar, por exemplo, que uma idosa desgraada, mas respeitável, entrara em marasmo senil e estava a perder ao jogo tudo até ao último tostão, etc Numa palavra, se era possível conseguir algum impedimento ou tutela Mas Des Grieux apenas encolhia os ombros e se ria na cara do general, que, já desvairado, corria para trás e para diante no gabinete Por m, Des Grieux cansou-se de tudo aquilo e desapareceu À noite souberam que saíra denitivamente do hotel, depois de ter falado, em segredo, com Mlle Blanche Quanto a Mlle Blanche, ainda de manhã tomara medidas definitivas: despediu o general e não o deixava aproximar-se dela Quando o general correu a procurá-la no casino e a encontrou á de brao dado com o principezinho, nem
ela nem Mme veuve Cominges deram mostras de o reonheer Nem o prinipezinho o saudou om uma vénia Durante todo esse dia, Mlle Blanhe esforçou-se por levar o prínipe a, nalmente, se delarar Mas, hélas!, enganara-se ruelmente ao apostar no prínipe! A pequena atástrofe suedeu já à noite: desobriu-se subitamente que o prínipe era pobre omo Job e estava inlusivamente a ontar om ela para um préstimo sobre uma letra para jogar na roleta Mlle Blanhe, indignada, esorraçou-o e fehou-se no quarto Neste mesmo dia de manhã i ver mister Astley, ou melhor, prourei toda a manhã mister Astley, mas não onsegui enontrá -lo Não estava em asa, não estava no asino, não estava no parque Também não almoçou no hotel Passava das quatro quando o vi de repente, vindo da gare e a aminho do Hôtel dAngleterre a om pressa e ar de muita preoupação, embora fosse diil desortinar-se quaquer preoupação ou emoção no rosto dele Estendeu-me a mão om simpatia, lançando o seu abitual «a-a! » , mas sem parar e ontinuando a estugar o passo Pus-me a andar a seu lado, mas teve artes de responder de tal modo às minhas perguntas que quei sem saber nada Aém disso, não sei porquê, estava agora om grande embaraço de falar om ele sobre Polina, e ele, por sua vez, não puxou essa onversa Contei-he da avó; ouviu-me atenta e seriamente e enoheu os ombros A avó vai perder tudo observei Oh, sim respondeu , porque foi j ogar ogo de manhã, à hora em que eu partia, e aí tive a erteza de que ela ia perder tudo Se tiver tempo passo pelo asino para ver, porque é uoso Aonde foi o senhor exlamei , espantado por não lhe ter perguntado ainda Fui a Frankfurt Em negóios Sim, em negóios O que mais poderia eu perguntar Continuei no entanto ao lado dele, mas de repente mister Astley virou para o Hôtel des Quatre Saisons, à beira do aminho, aenou-me om a abeça e 7
desapareceu Quando voltava para casa, fui-me convencendo a pouco e pouco de que, mesmo que faasse com ele duas horas seguidas, não adiantava nada, porue porque não tinha nada para perguntar-lhe! Sim, claro! Agora, de modo nenhum conseguiria formular-lhe a minha pergunta Durante todo este dia, olina ora ia passear com as crianças e a ama, ora estava metida no quarto Havia muito que evitava encontrar-se com o genera e quase não faava com ele, pelo menos de coisas importantes Eu já reparara nisso havia muito, mas, como agoa também sabia ual era a situação do general, pensei ue o general iria inevitavelmente fala com oina, ou seja, que eram inevitáveis alguns esclarecimentos entre eles sobre assuntos de famíia Contudo, ao volta ao hotel depois da conversa com mister Astley, encontrei oina com as crianças na mais completa serenidade, como se fosse a ela que as tempestades da família tivessem passado ao ado Acenou-me com a cabeça em resposta à minha vénia Entrei no meu quarto a ferver de ra1va Cao que evitava falar com ela, e não nos encontrávamos a sós depois o epióio com os Wurmerhem De certo modo, eu ostentava uma certa fanfarronice, mas, quanto mais o tempo passava, mais fervihava em mim uma verdadeira indignação Mesmo ue ea não gostasse nada de mim, não era lícito espezinhar esta maneira os meus sentimentos e receber com tanto desdém as minhas declarações orque sabe que eu a amo a sério; poque ea própria mo permitia, me deixava falar disso com ela! Também é verdade que, entre nós, tudo começara de modo um pouco estranho, até porque eu reparara, uns dois meses atrás, ue oina queria fazer de mim um amigo, um condente, e fez mesmo agumas tentativas nese sentido O que não teve porém seguimento: em vez disso estávamos naquelas estranhas relações atuais Aliás, foi por isso que comecei a tratar com ela aquela maneira Mas, se o meu amor lhe repugna, porque não me poíbe abertamente de falar com ela? Não mo proíbe; ela própria chegou mesmo, aliás, a estimular esse tipo de conversa e sem dúvida que o fazia por gozo Tenho a certeza, reparei bem nisso era-lhe agradável, depois de 8
ouvir-me e de irritar-me até à dor, arvorar um procedimento do maior desprezo e indiferença que me espantava Também não existem dúvidas de que Polina sabe que eu não posso viver sem ela gora, apenas três dias passados sobre o escândalo com o barão, já não posso aguentar a nossa separação. Quando a encontrei, há pouco, junto ao casino, o meu coração bateu tanto que empalideci Mas ela também não poderá viver sem mim! Precisa de mim e será que, ser que me quer apenas no papel de bobo Balákirev45? Tem um seredo, isso é claro! A conversa dela com a avó alnetoume dolorosamente o coração É que a convidara mil vezes a ser sincera comigo, e ela sabia que eu estava pronto a pôr a cabeça no cepo por ela Mas temse limitado, quase sempre, a desprezar-me e, em vez do sacricio da minha vida que eu lhe ofereci, só exigiu de mim traquinices como essa com o barão! Não é revoltante? Será possível que, para ela, todo o mundo se resuma a esse francês? E mister stley? Mas, quanto a este, o caso tornava-se incompreensível de todo E , entretanto meu Deus, como eu sofria! Cegado ao meu quato, um acesso de fúria, peuei na pena e escrevi-lhe o seguinte: Polina leksándrovna, vejo claramente que chegou o momento do desenlace, o qual atingirá também a menina, inevitavelmente Perguntolhe pela última vez precisa ou não da minha cabeça? Se precisar de mim, seja para o que for, disponha; por ora estou no meu quarto, quase sempre, e não partirei para lado nenhum Se for preciso escrevame ou chame-e » Lacrei e mandei o bilhete pelo criado de andar, com a ordem de o entregar em mão própria Disse-lhe para não esperar resposta, mas, passados três minutos , o lacaio voltou e disse que a menina mandava cumprimentos» Passava das seis quando me chamaram ao general Estava no gabinete, vestido como que para sair O chapéu e a bengala em cima do canapé Pareceume, ao entrar, que o general no meio do quarto, os pés afastados e cabeça baixa falava ratase do bobo da corte da mperatrz russa Anna Ionnovna. (NT)
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sozinho Mal me viu atirou-se a mim quase a gritar, e eu arredeime involuntariamente, pronto a fugir; mas ele agarrou se às minhas mãos e puxou-me paa o sofá, onde se sentou; a mim sentou-me nua oltrona em frente dele e, sem me largar as mãos, co os lábios a tremer, as lágrimas a brilharem-lhe repentinamente nas pestanas, proferiu em voz suplicante: Aleksei vánovitch, salve-me, salveme, tenha piedade Demorei a perceber; o general falava, falava, falava, salpicando repetidamente discurso com «tenha piedade, tenha piedade» Acabei por adivinhar que ele esperava de mim algo como um conselho; ou, melhor dizendo: abandonado por todos, cheio de amargura e inquietação, lembrou-se de mim e mandoume chamar só para falar, falar, falar Entrara em desvario ou, pelo menos, cara extremamente transtornado Erguia as mãos e estava pronto a rjar-se de j oelhos aos meus pés para que eu (o que acham? ) para que eu fosse imediatamente ter com Mlle Banche e apelasse à consciência dela, a convencesse a voltar para ele, a casar com ele Por amor de Deus, general gritei Mlle Blanche se calar ainda nm seuer reparou e im O ue posso azer? Era inútil argumentar, o general nem percebia do que eu falava De repente, de ua aneira incrivelmente desconexa, começou tabém a alar da avó; insistia na ideia de chamar a polícia No nosso país, no nosso dizia ervendo subitamente de indignação , numa palavra, no nosso Estado civilizado, onde há autoridades, essas velhas eram ogo postas sob tutea Sim, meu prezado senhor continuava, entrando agora no tom doutoral, saltando do lugar e passeando pela sala , talvez não saiba, meu prezado senhor dirigiase a algu prezado senor no canto da sala , mas que então a saber sim entre nós, a essas velhas fazemnas em papas, em papas, em papas, sim ou diabo E atiravase outra vez para o sofá Um minuto depois, quase e soluços, já me contava atabalhoadamente que Mlle Blanche não se casava com ele por isso mesmo, porque em vez de um telegrama chegara a avó e já era ponto assente que não receberia 20
a herança. Falava como se eu ainda não soubesse de nada. Comecei por minha vez a falar de Des Grieux. Abanou a mão: Partiu! Toda a minha propriedade está hipotecada nas mãos dele, sou pobre como ob ! Só tenho aquele dinheiro que o senhor me troue . . . aquele dinheiro, setecentos francos, parece, nem sei quanto é . . . é tudo quanto tenho, e não sei o que vai ser agora, nao se1, nao se1. , . . . » Mas como vai pagar a conta do hotel? exclamei assus tado. E . . . depois, o que vai ser depois ? Olhou pensativaente, mas, ao que parecia, não tinha compreendido, ou talvez nem mesmo me tivesse ouvido bem. Tentei falar de Poina Aleksándrovna, das crianças; respondia distraidamente: Sim! Sim ! e voltava ogo a falar do príncipe, da Banche que se ia embora com ele , e então . . . então . . . o que vai ser de mim, Aleksei vánovitch? perguntavame. O que vou fazer, digame, então não é ingratidão? Não é uma ingratidão?>> Por m, desfez-se em pranto. Era impossível fazer alguma coisa com um homem neste estado; deixá-o assim também era perigoso, podia acontecerhe alguma. Consegui livrarme dele , mas pedi à aa que fosse vêlo mais vezes e falei tabém com o criado de andar, rapaz bastante esperto; prometeume estar de olho nele. Acabava de dexar o general quando apareceu Potápitch, mandado pea avó; que fosse lá. Era oito horas, a avó tinha chegado do casino, onde consumara a perda denitiva de tudo o que trazia. Fui. Estava na cadeira, extenuada e, ao que parecia, doente. Marfa servia-lhe um chá, fazendo-a bebê-lo quase à força. O ar e o tom de voz da avó tinham mudado nitidamente. Boa noite, meu caro senhor Aleksei vánovitch disse ela, inclinando a cabeça com lentidão e seriedade , desculpe tê-lo incomodado mais uma vez, perdoe a esta velha. Deixei lá tudo, meu paizinho, quase cem mil rublos. Tiveste razão em não quereres ir comigo ontem. Agora não tenho nada, nem um tostão. Não quero car aqui nem mais um minuto, quero partir às nove e meia. Mandei chamar esse teu inglês, Astley, não é?, quero pedirlhe três mil francos emprestados por uma semana. 2
Quero que o convenças, não vá pensar nalguma coisa e mo recuse. Ainda sou bastante rica, meu paiznho, tenho três aldeias e duas casas. Também ainda tenho dinheiro, não o troe todo para cá. Digote isto para que o ingês não vá pensar... Ah, já chegou! Vê-se que é boa pessoa. Mister Astley, à primeira chamada da avó, compareceu. Sem pensar duas vezes nem falar muito, entregou-he três mil francos em troca de uma etra que a avó assnou. Terminado o ato, despediuse imediatamente e saiu. Vaite embora também, Aeksei Ivánovitch. Falta pouco mais de uma hora, quero descansar, doem-me os ossos. Não ues zangado com esta veha parva! Agora já não acuso os jovens de serem levianos, e também não tenho o direito de culpar esse desgraçado do general. Mesmo assim não lhe dou dinheiro, como ele pretende, porque a meu ver é um autêntco diota; só que eu, velha parva, não sou mehor. É verdade, Deus, mesmo na vehice, não perdoa e castiga o pecado do orguo. Agora, adeus. Marfucha, levanta-me. Contudo, eu queria acompanar a avó até ao comboio. Aém diso, estava à espera de aguma coisa, senta que aguma coisa iria acontecer a qualquer momento. Era incapaz de ficar sossegado no meu quarto, saía para o corredor, saí mesmo para dar um curto passeio na alameda. A mnha carta a Polina era clara e decisiva, e a catstrofe atual era, sem dúvida, denitiva. No hotel, soube da partida de Des Grieu. Ana de contas, mesmo ue ela me rejeitasse como amigo, talvez não me rejeitasse como criado. Porque precisa de mim, pelo menos para os recados; ei de ser-lhe útil, de certeza! No momento da partida, corri à estação e ajudei a avó a entrar no comboio, onde he reservaram uma carruagem de família particular. «Obrigada, paizinho, pela tua atenção desinteressada assim se despediu a avó de mim , e diz à Praskóvia o mesmo que eu lhe disse ontem que co à espera dela. » Voltei a casa. Ao passar ao lado do apartamento do general encontrei-me com a ama e pergunteilhe como estava o general. «Eheh, paizinho, está bem» respondeu tristemente. Mesmo ass1m entrei mas, à porta do gabinete, parei siderado. Mlle 22
Blanche e o general riam-se ambos às gargalhadas Veuve Cominges também lá estava, sentada no sofá O general estava, pelos vistos, tresloucado de feicidade, dizia coisas sem sentido e desfazia-se num riso nervoso e interminável, pelo que toda a cara se lhe cobria de rugazinhas nnitas e os olhos se estreitavam numa fenda até desaparecerem Vim mais tarde a saber pela própria Blanche que ela, depois de correr com o prncipe e sabendo que o general chorava por ela, decidiu ir vê-lo por um minuto para o consolar O pobre do general não sabia que nesse momento o seu destino já tinha sido traçado e que Blanche já tinha começado a fazer as malas para partir no primeiro comboio da manhã para aris Fiquei parado à porta do gabinete, depois decdi não entrar e saí desapercebidamente Ao voltar ao meu quarto, abri a porta e, na meia escuridão, entrevi de repente um vulto sentado na cadeira, num canto junto à janela ão se levantou para vir ao meu encontro Aproximei-me rapidamente, olhei com atenção e coume presa a respiração: era olina!
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4 Soltei u rito. Então? Então? peruntava ela de odo estrano. E stava pálida e sobria. Então o uê? A enina? Aui!.. . Quando apareço, é inteira É o eu ábito. Já vai ver, acenda uma vela. Acendi a vela Polina levantou-se, aproximouse da esa e pôs mina rente uma carta co o lacre uebrado. eia andou. É . . . é a letra de Des Grieux! exclaei peando na carta. Tremia-e as mãos e as letras satava-e rente dos olos. Não me lebro aora dos teros exatos da carta, as rezava assi, se não letra, peo enos no conteúdo: «Mademoisele escrevia Des Grieux , as circunstâncias desavoráveis obria-me a partir imediataente. A enina reparou co certeza ue eu evitava uma explicação denitiva consio até todas essas circunstâncias care esclarecidas. A ceada da sua vela parente (de la vieile me) e o seu comportamento absurdo puseram tero s inas esitações. Os eus próprios neócios em desordem impedeme denitivamente de aientar, no turo, as doces esperanças co ue e inebriei durante alum tempo. Lamento o ue se passou, mas espero ue não veja no meu coportamento nada ue seja indino de u dalo e oe honrado (gentilhomme et honnête homme). Depois de perder uase todo o eu dineiro, eprestado 2
ao seu padrasto, encontro-me na premente necessidade de aproveitar aquilo que me resta: já comuniquei aos meus amigos de Petersburgo que devem tratar imediatamente da venda dos bens que me foram hipotecados; contudo, sabendo eu que o seu leviano padrasto gastou também o dinheiro da menina, decidi perdoar-lhe cinquenta il francos e devolver-lhe uma parte da hipoteca correspondente a esta importância; por conseguinte, a menina tem agora a possibilidade de recuperar tudo o que perdeu se lho exigir pelos meios legais. Espero que, madmois, dadas as circunstâncias, o meu procedimento seja bastante vantajoso para si. Espero também que, ao proceder desta maneira, eu esteja a cumprir a minha obrigação de homem nobre e honesto. Fique ciente de que a sua memória persistirá para sempre no meu coração.» Pronto, está tudo muito claro disse eu a Polina. Aliás, que outra coisa se podia esperar dele? acrescentei, indignado. Eu não esperava nada respondeu, aparentemente calma, mas alguma coisa parecia tremer-lhe na voz. Há muito que tudo estava claro para im; lia os pensamentos dele, sabia o que ele pensava. Pensava que eu o procuraria . . . que ia insistir. . . (Polina não acabou a frase, mordeu o lábio e calou-se.) Inten siquei de propósito o meu desprezo por ele recomeçou a falar e quei à espera, para ver o que ele faria. Se tivesse chegado um telegrama sobre a herança, tinha-lhe atirado à cara a dívida desse idiota (o meu padrasto) e tinha-o mandado à vida! Há muito, há uito qe eu lhe tinha ódio. Oh, ele dantes era outro, mil vezes diferente, mas agora, agora! . . . Oh, com que prazer lhe atiraria à cara nojenta esses cinquenta mil e cuspa . . Esse papel, essa devolução de cinquenta mil sobre a hipo teca, não está agora nas mãos do general? Vá buscá-lo e de volva-o a Des Grieux. Oh, não é isso, não é isso! . . . Pois, é verdade, não é isso! O que s e pode esperar agora do inútil do general? E a avó? exclamei de repente Polina olhou para mim, distraída e impaciente 25
Porquê a avó? disse abespinhada Não posso recorrer à avó Também não quero pedir desculpas a ninguém acrescentou irritada que há de então fazer? gritei E como, como pôde amar o Des Grieux? Oh, canalha, canaha Quer que o mate em duelo? Onde está ele? Está em Frankfurt e vai lá car três dias Basta uma palavra sua e amanhã apanho o primeiro com boio para lá proferi num entusiasmo estúpido Polina riu-se Ele era capaz de dizer-lhe: primeiro, devolvame os cin quenta mil francos E ambém, por e razão aceitaria ele um duelo? Disparate Onde, onde é que se á de então ir buscar esses cinquenta mi francos? repeti, rangendo os dentes, como se fosse pos sível encontrar cinquenta i francos à mão de semear Oiça: e mister Astley? perguntei, com uma estranha ideia a raiarme na cabeça ncendiaram-sehe os olhos uê, tu rório uers ue te trou por esse inglês? disse olhandome na cara com uns olhos penetrantes e sorrindo com amargura Pela primeira vez na vida tratara-e por tu Parece ter sido acoetida por vertigens de emoção; deixou-se cair para o sofá, extenuada Foi como se um raio me fulminasse; não acreditava nos meus olhos, não acreditava nos meus ouvidos Ela amava-me Veio ter comigo e não com mister Astley Ela, uma menina, veio sozinha ao meu quarto, comprometendose aos olhos de todos e eu e ali estava u, diante dela, ainda sem compreender Uma ideia maluca me ci ntilou na cabeça Polina Dáme uma hora Espera aqui só uma hora que eu j á volto É é preciso Vais ver Fica, ca aqui Saí a correr do quarto sem responder ao seu olhar espantado e interrogativo Gritou-me qaquer coisa, mas não olhei para trás Sim, por vezes a ideia mais louca, a ideia aparentemente mais impossível, cravase-nos de tal modo na cabeça que acabamos por 2
vê-a como algo de muito possvel Mais ainda quando à ideia se junta um desejo forte e apaixonado, então é possve tomá-la por ago de fata, necessário, predestinado, por ago que não pode deixar de acontecer! Tavez haja aqui aguma coisa mais, alguma combinação de pressentimentos, algum esforço extraordinário da vontade, um autoenvenenamento na própria fantasia, um nãosei -quê; mas nessa noite (que nunca esquecerei aconteceume um milagre Este acontecimento, embora se justique cabalmente pea aritmética, continua mesmo assim a ser, para mim, milagroso Porquê, porque se enraizou em mim esta certeza com tanta força e tão prondamente, e desde havia muito ? Pensava nisso repito não como numa casualidade, uma entre muitas (e que, por tanto, podia muito bem não acontecer, mas como numa coisa que tinha, fatamente, de acontecer! Eram dez e um quarto; entrei no casio com uma esperança tão rme! E, ao mesmo tempo, com uma emoção que nuca dantes experimentara Ainda havia bastante gente nas salas de jogo, embora duas vezes menos do que da parte de manhã A esta hora só ficam nas mesas de jogo os verdadeiros jogaores, os temerrios, aqueles para os quais ão existe outra coisa nas termas senão a roleta, que só vêm aqui por causa dela, que não reparam em quase nada do que se passa à sua volta e não se interessam por nada em toda a temporada que não o jogo, de manhã à noite, dispostos a jogar, se fosse possíve, até de madrugada Ficam sempre aborrecidos quando, à meia-noite, encerram a roleta E quando o croupierchefe, antes do fecho, anuncia: «Les trois derniers coups messieurs!»46 , aprestam-se às vezes a perder nestas três últimas jogadas tudo o que têm no bolso e, na verdade, é precisamente nesse momento que perdem Fui para aquela mesma mesa em que, há pouco, jogou a avó Não havia muito aperto, de modo que, em pouco tempo, consegui um ugar de pé encostado à mesa Mesmo à minha frente, no pano verde, estava escrita a palavra «Passe» «Passe» é uma sequência de números, do dezanove ao trinta e seis A pri meira sequência, do um até ao dezoito, chama-se «Manque»; 46 «As três últimas jogadas, meus senhores!» (NT)
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mas nada disso me interessava. Não fazia cálculos, nem sequer ouvi o último número que saiu, nem me informei disso ao começar a jogar o que qualquer j ogador que faça os cácuos mínimos tria feito. Peguei nos meus únicos vinte fredericos e atireios para o passe» à minha frente. Vingtdux gritou o croupier. Ganhei, e voltei a apostar tudo: o meu e o que ganhara. Trnt t un gritou o croupier. Ganhei outra vez! Tinha, portanto, um total de oitenta fredericos. Carreguei os oitenta nos doze números do meio (ganha-se o triplo, mas com duas probabiidades contra) a roleta girou e saiu o vinte e quatro. Entregaramme três envelopes de cinquenta fredericos cada e mais dez moedas de ouro; ao todo, tinha nas mãos duzentos fredericos. Estaa como que febril e carreguei todo o montão no vermelho e, de repente, caí em mim ! Fora a única vez, durante todo o jogo desta noite, que o medo me percorreu, elando-me, e se repercutiu em tremores nas mãos e nas pernas. Num instante senti e percebi, horrorizado, o que signicava para mim perder agora! Apostara ai toda a minha vida! gritou o croupier, e recuperei o fôlego; um for -Roug migueiro de fogo percorreu-me o corpo. Pagaram-me em notas de banco: já estava portanto com quatro mil orins e oitenta fredericos! (Ainda estava capaz de controar as contas.) Depois, embrome que apostei outra vez dois mil orins nos doze números médios e perdi; depois apostei o meu ouro e oitenta fredericos e perdi. Dominou-me a fúria; peguei nos últimos dois mi orins e apostei-os nos primeiros doze ao deus-dará, sem cáculo! Houve um momento de expetativa, talvez semelhante ao que madam Blanchard experimentou quando, em Paris, estava a cair do balão voador. Quatr gritou o croupier. Ao todo, com o anterior, votava a ter seis mil orins. á me sentia um ganhador e não tinha medo de nada, de nada, e carreguei quatro mil orins no preto. Nove pessoas apressaram-se a seguir a minha jogada e apostaram no preto. Os croupiers trocavam palavras e olhares. À roda, as pessoas falavam e esperavam.
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aiu o preto A partir daí, não me lembro de cálculos nenhuns nem da ordem das minhas apostas Lembro-me só, como se fosse num sonho, q ue á tinha ganho cerca de dezasseis mil orins; de repente, com três apostas infelizes, perdi doze mil; depois, pus os últimos quatro mil no passe» (á quase sem sentir nada; limitava-me a esperar, mecanicamente, sem pensar) e voltei a ganhar; depois ganhei mais quatro vezes seguidas Lembrome apenas que apanhava dinheiro aos mi lhares; e, também, que estavam a sair mais vezes os doze números médios, a que me agarrei aíam com certa regulari dade: sempre três o quatro vezes seguidas , depois desapareciam por duas vezes e voltava novamente, por três ou quatro ogadas Tal regularidade às vezes existe, periodicamente é isso que confunde os ogadores inveterados, os que calculam de lápis na mão E que terríveis ironias da fortuna acontecem aqui às vezes! Acho que tina passado não mais de meia hora desde que chegara De repente o croupier avisou-me de que tinha ganho trinta mil orins e, como a banca estava limitada a esta importncia durante cada sessão, a roleta seria encerrada até ao dia seguinte Peguei no meu ouro, eti-o nos bolsos; peguei nas notas bancárias e passei para outra mesa de roeta; toda a multidão correu atrás de mim; ali, desocuparam imediatamente um lugar para mim e pusme a apostar, à sorte e sem cálculos Não percebo o que me salvou! De vez em quando, porém, cintilava na minha cabeça algum cálculo Agarrava-me a alguns números e probabilidades, mas rapidamente os abandonava e voltava a apostar quase incons cientemente Pelos vistos, estava extremamente distraído, pois lebro-me que os croupiers corrigiam várias vezes o meu jogo Fazia erros graves As minhas têmporas estavam molhadas de suor e as mãos tremiam-me Apareciam os polaquitos a propore os seus serviços, mas eu não prestava atenção a ninguém A sorte não parava! De repente, de todo o lado se levantaram as vozes e os risos Bravo, bravo! » gritavam todos, alguns até batia palmas Também nesta mesa ganhara trinta mil, e a banca era encerrada até de manhã! 29
Vá-se embora, vá-se embora sussurrava uma voz à mina direita Era um judeu de Franfurt; estivera sempre ao meu ado e, parece-me, ajudara-me às vezes no jogo Por amor de eus, vá-se embora sussurrou outra voz por cima do meu ouvido esquerdo Oei rapidamente ra uma senora vestida modesta mas decentemente, dos seus trinta anos, com um rosto doentiamente páido e cansado mas que conservava ainda resquícios de uma beeza passada e divina Neste momento estava eu a abarrotar os bosos de notas e de ouro que arrebanava da mesa Ao pegar no útimo enveope de cinquenta fredericos, consegui metê-o dissimuadamente na mão da dama páida; nesse instante apeteceume muito fazê-o, e os seus dedos ninos , magrinos , apertaramme com força a mão em sina de gratidão profunda Tudo isso durou um reâmpago Guardando tudo, passei rapidamente para o trente et quarante O trente et quarante é jogado por um púbico aristocrático Não é roeta, mas cartas Aqui, a banca responde por ce mi táeres de cada vez A aposta máxima também é de quatro mi orins Não percebia absoutamente nada deste jogo, a não ser que também existia o vermeo e o preto, em que se podia apostar Foi a ees que eu me agarrei Todo o casino se juntou à mina vota Não me embro se pensei, uma vez que fosse, em Poina Sentia um deeite insuperáve de agarrar e arrebanar as notas de banco que cresciam em montões à mina frente Parecia reamente que o destino me empurrava esta vez, nem de propósito, aconteceu uma coisa que, aiás, não é rara no jogo A sorte agarra-se ao vermeo, por exempo, e não o arga dez ou quinze vezes seguidas Ainda dois dias antes ouvira dizer que, na semana anterior, o vermeo saíra vinte e duas vezes seguidas; não avia memória de ta na roeta e contava-se isso com espanto Quando é assim, é evidente que toda a gente abandona o vermeo e, a seguir à décima vez, digamos, já quase ninguém se atreve a apostar nee Mas também, neste caso, nenum jogador experiente aposta no contrário do vermeo, o preto O jogador experiente sabe o que signica este caprico da sorte» Pode parecer que, depois de dezasseis vezes no vermeo, na jogada seguinte sairá inevitavemente o 30
preto. Os novatos atiramse a isso aos enxames, duplicam e triplicam as apostas, e perdem somas terríveis. Mas eu, por um estranho capricho, ao ter reparado que o vermelho já saíra sete vezes seguidas, agarreime propositadamente a ele. Estou convencido de que i motivado, em boa parte, pelo amorpróprio; apeteciame surpreender os espetadores com um risco louco, e oh, que estranha sensação! lembrome nitidamente que de facto me dominou, já sem qualquer amor próprio, uma terrível ânsia de arriscar. Provavemente, depois de experimentar tant sensações, a alma não se sacia mas apenas se irrita com elas e exige mais e mais sensações, cada vez mais, até à extenuação denitiva. E, juro, não estou a mentir se os estatutos do j ogo permitissem apostar cinquenta mi orins de cada vez, eu apostáosia com certeza. Por todo o lado me gritavam que era uma loucura, que o vermelho saía já pela décima quarta vez! -Monsieur a gagné dà cent mie florins4 7 ouviuse uma voz ao meu lado. Caí subitamente em mim. Como? Ganhei cem mi orins numa noite! Mas, para que preciso de mais? Atireime às notas, amarroteias e metiaas nos bosos sem as contar, peguei em todo o meu ouro, em todos os envelopes, e corri para fora do casino. Por todo o lado soavam risos, quando atravessava as salas, por causa dos meus bolsos a abarrotarem de dinheiro e o meu andar descompassado devido ao peso do ouro. Acho que carregava mais de meia arroba de ouro. Várias mãos se estendiam para mim eu distribuía dinheiro aos punhados, sem contar. Dois judeus zeramme parar à saída. senhor é muito corajoso, muito corajoso! disseram me. Mas fuj a daqui amanhã de manhã cedo, sem falta, o mais cedo possível, senão vai perder tudo, tudo . . . Não os ouvia. A alameda estava escura, ne as próprias mãos se enxergavam. Até ao hotel seria uma meia verstá. Nunca tive medo de ladrões nem bandidos, mesmo e criança; agora também não pensava neles. Aliás, não me lembro do que pensava pelo caminho, ou antes, não pensava. Apenas sentia um gozo O cavalheiro j ganhou cem mil florins (NT)
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incríel um deleite de sorte, itória, poder , algo ue não sei exprimir. Surgiu também na minha mente a imagem de Polina: lembraame e tinha a consciência de ue ia ter com ela, ue ia êla agora mesmo e contar-he tudo, mostrarlhe . . . mas mal me lembraa do ue Poina me tinha dito haia pouco, e a raão por ue fora ao casino: todas as sensações de apenas hora e meia atrás me pareciam agora uma coisa do passado longínuo, de um passado j á corrigido, desatualiado . . . um passado de ue não íamos falar mais porue agora ia começar tudo de noo. Quase no m da alameda tie um acesso de medo: «E se me matarem e roubarem agora?» A cada passada, o meu medo duplicaa. Quase corria. De sbito, no cabo da aameda, brilhou todo o nosso hotel, iluminado por miríades de lues: graças a Deus, chegaa a casa Subi a correr para o meu andar e abri rapidamente a porta. Polina lá estaa, sentada no meu sofá, em frente de uma ela e com as mãos cruadas no peito. lhou para mim com espanto; claro ue, nesse momento, eu deia ter um ar esuisito. Parei diante dela e comecei a despejar em cima da mesa toda a minha fortuna.
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15 Lembro-me que ela olhava xamente para a mnha cara, mas não se mexa, não mudava sequer de posção. Ganhe duzentos ml francos grte lançando sobre a mesa o últmo envelope. O enorme montão de notas e rolos de ouro ocupou toa a mesa, e eu não consegua desvar os olhos dele; por momentos, esqueca-me completamente de Polna. Ora punha em ordem os montões de notas, arruandoas em maços, ora faza um únco monte das moeas de ouro; ora largava sso e começava a andar rapdamente pelo quarto, quedava-me depois pensatvo e, de repente, voltava à mesa e recomeçava a contar o dnhero. De súbto, coo que caí em mm: precptei-me para a porta e fechea, girando duas vezes a chave. Depos plante-me em frente da minha pequena mala, a pensar. Talvez seja melhor metê-lo na mala, até amanhã? pergunte , voltando-me subtamente para Polna, e foi então que me lembrei dela. Estava sentada no mesmo lugar, sem se mexer, observando-me com fixdez. A expressão do seu rosto era estranha; não me agradou, essa expressão! Não estare enganado se disser que hava ódo nela. Aproxmeme rapdamente dela. Polina, aqui tem vnte e cnco ml orns, são cnquenta ml francos, até mais. Toe-os, atre-os à cara dele amanhã. Não me respondeu. Se quiser, eu próprio lhe levo o dinheiro, amanhã de manhã cedo. Está bem? 33
De repene, deao a rir Fico a rire durane mio empo E olhava para ela rpreendido e com m enimeno de amargra Aqele rio aemelhava-e mio ao e anerior rio de gozar comigo, qe rgia empre no meio da inha declaraçõe mai apaixonada Acabou por parar e carrego o obrolho; olhava para mim everamene, por baixo da celha Não qero o e dinheiro die com deprezo qê? Como aim? griei Porqê, Polina? Não aceio dinheiro dado Ofereçolho como amigo; como e lhe oferecee a minha vida Fixo em mim m olhar longo e penerane, como e qiee repaar-me com o olho Eá a pagar caro demai die nma riadina A amane de De Griex não vale cinqena mil franco Polina, como pode falar comigo aim ? griei em om de cenra Serei e o De Grieux? Odeio-o Sim im não goo de i mai do qe do De Griex grio Polina com o olho a brilhar Enão, apando o roo com a mão, enrou nm aaqe de hieria Precipiei-me para ela Percebi qe, na minha aência, lhe aconecera algma coia Parecia qae relocada Vá, compra-me Qere? Qere? Por cinquena mil fran co, como De Griex? deixou ecapar no meio do choro epamódico Abracei-a, beijei-lhe a mão, o pé, caí de joelho diane dela Eava já a paar-lhe a hieria Pôme a mão no ombro e pô-e a obervar-me xamene; como e qiee ler algma coia na minha cara, parecia Ovia-me, ma, pelo vio, não e compenerava do qe e le dizia Deenho-e-he no roo ma preocpação, a epécie de reexão Tinha medo por ela, parecia-me aé qe a mene e lhe devairava Ora me araía devagarinho para i, com m orrio conane a brincar-lhe na cara; ora e afaava brcamene e volava a arme com m olhar ombrio De repene, pô-e a abraçar-me 3
Amas-me, no amas? diia É que é que, por mim, tu estavas pronto a desaar o baro para duelo E desatou a rir às gargalhadas, como se qualquer lembrança agradável e simpática cintilasse de repente na sua memória Chorava e ria ao mesmo tempo O qe podia eu faer? Eu próprio, era como se ardesse em febre Lembro-me que ela falava, queria dier-me alguma coisa e eu no entendia quase nada Faiao num delírio, num balbucio como se quisesse contarme muito depressa qalquer coisa , delírio esse que só era interrompido por risadas alegres que me assustavam «Não, no, tu és querido, querido repetia És-me el » e voltava a pôr-me as mãos nos ombros, a tarme nos olhos e a repetir: «Gostas de mim gostas vais gostar de mim ?» Eu no desviava os olhos de Polina, nunca dantes a vira nestes acessos de ternura e amor; sem dúvida que seria o delírio, mas ao apanhar de repente o meu olhar apaixonado, ela passava logo a sorrir de manha; se mais nem menos, começava de súbito a falar de mister Astley Aliás, falava em mister Astley vees se conta (sobretudo quando parecia querer contar-me alguma coisa), mas o que me da dele, exataente, não conseuia perceber; parecia-me até que troçava dele; repetia até à exaustão que mister Astley estava à espera e perguntavame se eu sabia que, naquele momento, ele estava com certea debaixo da j anela «Sim, sim, debaixo da janela vá, abrea, olha, olha, está lá, está lá » Empurrava-e para a janela, mas logo que eu cedia e tentava ir ver desfaia-se em riso e punhase a abraçar-me, e eu cava junto dela Vamo-nos embora daqui? Vamos amanhã? vinha-lhe de repente à cabeça, nma inqui etude Então (e ficava pensativa), achas que ainda apanhamos a avó? Achas? Penso que a apanhaos em Berlm O que pensas que ela vai der quando a apanharmos e nos vir? E mister Astley? Pois, esse no vai atirar-se do Schlangenberg, pois no? (Ria-se outra ve às gargalhadas) Ouve: sabes para onde vai ele no próximo verão? Qer ir ao Polo Norte faer investigações cientícas, convidou-me para ir com ele, ah-ah-ah Di que nós, os russos, sem os europeus no sabemos nada nem temos capacidades para nada Mas ele também é bom Sabes, ele justica o «general» , di qe 35
a Blanche . . . que a paxão . . . não se, não se repetu bruscamente, como que perdda e embaraçada. Cotados, tenho tanta penas deles, e da avó também . . . Ouve, ouve, tu não és capaz de matar o Des Greux! Pensaste mesmo a séro que as matá-lo? Oh, estúpdo! Como podas pensar que eu te dexava r bateres-te em duelo com o Des Greux? Nem o barão matavas acrescentou numa rsada súbta. Oh, que rdículo estavas daquela vez com o barão! Olhe para os dos, sentada no banco; não te estava a apetecer mesmo nada res lá quando te mande. Farte-me de rr, aí farte-me de rr acrescentou às gargalhadas. E, de repente, voltava a bejar-me e a abraçar-me, a apertar o rosto dela ao meu com ternura e paxão. Eu já não pensava em nada, não ouva nada. Fque com a cabeça à roda . . . Acho que seram sete da manhã quando acorde, o sol entrava no quarto. Polna estava sentada ao meu lado e olhava à vota com estranheza, como se tvesse acabado de sar de umas quasquer trevas e tentasse ordenar as recordações. Tnha também acabado de acordar e olhava xamente para a mesa e para o dnhero. Eu senta a cabeça pesada e a doer-me. Qus pegar na mão de Pona; afastou-se num sacão e satou do sofá. O da nascente era sombro: tnha chovdo antes do aanhecer. Polna aproxmou-se da janela, abru-a e, apoando os cotovelos no petor, debruçou-se para fora, cando assm uns três mnutos, sem se votar para mm nem ouvr o que lhe dza. Eu pensava, com medo como é que va ser agora e como va acabar sto tudo? De repente, Polna afastou-se da janela, aproxmouse da mesa e, olhando para mm com uma expressão de nnto ódo, com os lábos a tremerem de rava, dsse-me: Vá, passa agora para cá os meus cnquenta ml francos! Polna, outra vez, outra vez! comece . . . Ou mudaste de deas? Ah-ah-ah! Talvez já estejas com pena do dnhero! Os vnte e cnco ml orns, que eu separara anda na véspera, estavam em cma da mesa; pegue neles e entreguelhos. Agora são meus, não são? Não são? perguntava-me com rava segurando o dnhero nas mãos. Sempre foram teus dsse eu. 3
Então, toma lá os teus cinquenta mil francos! Levantou a mão e arremessou-mos à cara. O maço de notas bateume com força no rosto e espalhou-se pelo chão. Depois, olina saiu a correr do quarto. Tinha a certeza de que, naquele momento, olina não estava bem da cabeça, embora não compreendesse que énero de loucura temporária era aquela. Também é verdade que até ao dia de hoje, já lá vai um mês, ela continua doente. Qual foi a causa deste estado, ou antes, desta ação? Orulo ferido? Seria o desespero por ter-se atrevido a vir até mim? oventura, não lhe teria eu mostrado que me vanloriava da minha sorte e que, à semelança de Des Grieu, queria verme livre dela oferecendo lhe cinquenta mil francos? Sei, na minha consciência, que não houve nada disso enso que a culpa, em parte, é dela, é da vaidade dela: foi a vaidade que a levou a não acreditar em mim e a insultar-me, embora ela própria, talvez, não tivesse uma noção muito clara disso tudo Neste caso, tornei-me culpado pelo que fez o Des Grieux, e culpado sem culpa, pelos vistos. É certo que era apenas um delírio, também é verdade que eu sabia que ol ina estava em eírio e . . . não respeitei essa circunstância Talvez ela aora não mo possa perdoar? Sim, mas isso é aora. E nauele momento? oderiam o delírio e a doença dela ser tão fortes que não soubesse o que fazia quando foi ter comio com a carta de Des Grieu? Não, ela sabia o que fazia. Meti atabalhoadamente todas as minhas notas bancárias e todo o meu ouro dentro da cama, cobria e saí, dez minutos depois de olina Estava convencido que ela correra a enarse no quarto, e eu tencionava entrar sorrateiramente no apartamento e, no vestíbulo, peruntar à ama sobre a saúde da menina. Qual não foi o meu espanto quando quei a saber pela ama, que encontrei nas escadas, que olina ainda não voltara a casa e que ela própria ia procurá-la ao meu quarto. Acabou de sair aora mesmo do meu quarto disse-lhe eu , há uns dez minutos. Onde se pode ter metido? A ama olhoume co censura. Entretanto, rebentou o escândalo, que se espalhava a por todo o hotel. Nas instalações do porteiro e do matre d'hôtel 37
murmurava-se que a raulen saíra a correr do hotel , às seis horas da manhã, à chuva, e fora na direão do Hôtel d Angleterre Pelas suas palavras e insinuaões, percebi que já estavam ao corrente de a Polina ter passado a noite no meu quarto Aliás, toda a família do general era alvo de falatório: já toda a gente sabia que, na véspera, o general se desvairara e chorara tão alto que todo o hotel ouvira Dizia-se também que a avó era de facto a mãe dele e viajara expressamente da Rússia para proibir ao lho que casasse com Mlle Blanche de Cominges e, em caso de desobediência, o deserdar; e que, como realmente o lho lhe desobedecera, ela perdera propositadamente todo o seu dinheiro na roleta para que o ho não erdasse nada «Diese Russen! » 48 repetia o maítre d'hôtel com indignaão, abanando a cabea Os outros riam-se O maítre d'hôtel preparava a conta Já todos sabiam que eu ganhara Karl, o meu criado de andar, foi o primeiro a darme os parabéns Mas eu tinha mais que fazer Corr para o Hôte d'Angleterre Era ainda cedo, mster Astley não recebia ninguém; mas, quando soube que era eu, saiu ao corredor e parou diante de mm, tandome com o seu oar de cumbo, e cou à espera do que iria eu dizer-le Perguntei por Polina Está doente respondeu mster Astley sem desviar os olhos xos na minha cara Quer dizer que está mesmo consigo? Oh, sim, está E, como é tenciona tê-la consigo? Oh, sim, tenciono Isso, mster Astley, será um escândalo Não é possível Além disso ela está muito doente; não reparou nisso? Oh, sim, reparei nisso, e já lhe disse que a menina está doente Se não estivesse doente, não teria pasado a noite consigo Ah, com que então também está a par disso? Estou A ideia dela era vir ontem aqui, e eu então levá-laia para casa de uma parente minha, mas como estava doente enganou-se e foi para o seu quarto 4 8 «Estes russos!» / (NT)
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Imagine só! Parabéns, parabéns, mister Astley! A propósito, o senhor deu-me uma ideia: não esteve o senhor toda a noite debaixo da nossa janela? Ms Polina toda a noite me quis obrigar a abrir a janela para o ver a si, em baixo, e ria-se muito. Ah, sim? Não, debaixo da janela não estive, mas quei à espera no corredor, andei por lá para trás e para a frente. M ela precisa de tratamento, mister Astley. Oh, sim, já chamei um médico, e se ela morrer o senhor vai prestarme contas pela sua morte. Fiquei pasmado. «or amor de Deus, mister Astley, que inten ções são essas? » É verdade que o senhor ganhou ontem duzentos mil táleres? Não, apenas cem mil orins. Pois, está a ver! É melhor irse embora, hoje de manhã mesmo, para Paris. Para quê? Todos os russos, uando têm dinheiro, vão para Paris explicou mister Astley, e dava a impressão, pelo tom de voz dele, que o estava a ler num livro que o faze agoa, em pleno veão, em aris? Amo-a, mister Astley! O senhor sabe bem que é verdade. Será? Tenho a certeza que não é. Além disso, se car cá, tenho a certeza de que vai perder tudo o que tem ao jogo e já não terá dinheiro para ir a Paris . Adeus , espero bem que o senhor parta hoje mesmo para Paris. Está bem, adeus, só que não vou para Pais. ese, mister Astley, no que vai acontecer agora com essa família. Numa palavra, o general.. e agora este caso da miss Poli na. . toda a cidade vai car a saber. Sim, vai car a saber. ois bem, o general, acho eu, não pensa nisso, tem mais com que preocupar-se Além disso, miss Polina tem todo o direito de viver onde lhe apetecer. Quanto a essa família, o mais correto será dizer que já não existe. Eu ia caminhando, a rirme da estranha convicção do inglês de que eu partiria para Paris «E esta! Quer matar-me em duelo se miss Polina morrer pensava eu Essa agora! » uro que tinha pena de Polina, mas coisa estranha a partir daquele 39
instante em que, no dia anterior, me postara à mesa de jogo e começara a amontoar maços de dinheiro, o meu amor como que recuara para segundo plano Estou armálo agora, já que, naquela atura, não me apercebera disso com nitidez Será que sou realmente jogador, será que, na verdade amei olina com aquele estranho amor? Não, continuo a amá-la, Deus é testemunha! E naquele momento, quando saía do hotel de mister Astey e caminhava para casa, sofria e acusavame sinceramente Mas mas de súbito aconteceu comigo uma história extremamente estranha e estúpida Tinha pressa de ver o general, quando, já perto dos aposentos dele, se abriu uma porta e alguém me chamou Era mame veuve Cominges quem me chamava, por ordem de Mle Blanche Entrei no apartamento de Mle Blanche Tinham uma suite pequena, de dois quartos Ouviam-se as risadas e a voz alta de Mlle Blanche Saía da cama Ah cest ui! I Viens donc bêta É verdade que tu as ané une montane dor et darent? ]aimerais mieux lor4 9 • Ganhei respondi a rirme Quano? Cem mil orins Bibi como tu es bête. Mas, entra, não estou a ouvir nada Nous ferons bombance nestce pas? 5 0 Entrei no uarto dela reguiçava ainda debaixo do cobertor de cetim cor-de-rosa, do qual assomavam uns ombros morenos, sadios, admiráveis uns ombros de sonho , mal cobertos por uma camisa de cambraia orlada de rendinhas brancas de neve o que jogava indamente com a sua pele morena Mon ls astu du cur? - decamou ao ver-me e desatou às gargalhadas Mle Blanche ria sempre com muita alegria e, às vezes, com sinceridade Tout autre . . . 5 1 - comecei, parafraseando Corneille 49 Ah, é ele!! Chega aqu, estúpdo! ] ganhaste uma montanha de ouro e dnhero? Prefera o ouro (NT) 50 Bb, que pavo és Vamos fazer uma festança, não é verdade ? (NT) 5 Meu flho tens coragem ? [ ] Outro qualquer réplcas de herós da tragéda de Cornee Cd) (NT)
Olha lá, voistu pôsse de repente a metralhar , em primeiro lugar procura as minhas meias, ajudame a calçar; em segundo, si tu n'es pas trop bête je te prends à Paris 5 2• Sabes, vou partir já. Já? entro de meia hora. e facto, já estava tudo preparado, todas as malas feitas. O café fora servido havia muito. h bien! se quiseres tu veras Paris Dis donc qu'estce que c'est qu'un outchitel? Tu étais bien bête quand tu étais outchite/ 5 3 • Onde estão as minhas meias? Calça-me, anda! Esticou para mim um pezinho verdadeiramente admirável, moreno, pequeno e bem acabado, contrariamente a todos esses pés que parecem tão encantadores quando caçados. ime e pusme a enarlhe uma meia de seda. Me Blanche, enquanto isto, continuava sentada na cama a tagarear. h bien que ferastu si je te prends avec5 4 rimeiro, je veux inquante mie rancs. Vais dar-mos em Frankfurt. Nous alons à Paris; vamos viver lá juntos et je te ferai voir des étoiles en plein jour Verás mulheres que nunca viste na vida. Ouve . . . Espera, dou-te cinquenta mil francos, e para mim, o que ca? t cent cinquante mil/e francs 55 esqueceste deles? Além disso, estou pronta para viver em tua casa um mês ou dois, que saisje Claro que vamos gastar esses cento e cinquenta mil em dois meses. Como vês, je suis bonne enfant e digote tudo de antemão, mais tu verras des étoiles 5 6 Como, tudo em dois meses? quê! Isso assusta-te! Ah vil escave Fica sabendo que um mês dessa vida é elhor do que toda a tua existência. Um mês, 52 Se não fores muto parvo, levote para Pars. (NT) 53 Pos bem .. .] vers Pars. Dz l, o que é um outchtel? u eras muto parvo quando eras outchtel (NT) 54 Pos bem, o qu e fars se eu te levar comgo ? . . .] quero cnquenta ml francos. ... ] amos pa ra Pars ; ... ] fartee ve r estrelas em pleno da. NT) 55 E cento e cnquenta m l francos. (NT) 56 que se eu! .. .] eu sou uma menna bonta [ .. .] mas vas ver estreas. (NT
et aprs le déluge! Mais tu ne peux pas comprendre va Fora, ora daqui, não o mereces! Ai, que faistu 5 7 Neste momento estava eu a calçar-lhe o outro pezinho e, não aguentando mais, bei ei-lho Tirou o pé para trás com um puxão e, depois, começou a bater-me na cara com a pontinha dele Por im, expulsou-me «h bien mon outchitel je t'attends si tu veux 5 8 ; dento de um quato de hora vou partir!» gritou-me nas costas Quando voltei ao meu quarto, como que rodopiava á no meio do turbihão Paciência, não tinha culpa que Mlle Polina me tivesse atirado com um maço de dinheiro à cara e ainda na véspera tivesse preerido mister Astley à minha pessoa Agumas notas de banco estavam ainda espalhadas pelo chão apanhei -as Nisto abriu-se a porta e apareceu o próprio matre d'hôtel (que dantes nem se dignava olhar para mim) com um convite: se eu não deseava mudar-me para baixo, para os excelentes aposentos donde aabara de sair o conde V Pensei um pouco Faça-me a conta! itei Parto dentro de dez inutos «aris? Com que então Paris! pensei Deve ser o destino!>> Um quarto de hora depois estávamos eetivamente numa carruagem particular de amília, os três: eu, Mlle Blanche e madame veuve Cominges Mlle Blanche ria-se até à histeria, sempre a olhar para mim Veuve Cominges secundava-a; quanto a mim, não posso dizer que me divertia muito A minha vida partia-se ao meio, mas desde o dia anterior que eu me habituara a ogar numa só cata O mais provável era ser mesmo verdade que eu me deixara apanha pelo dinheiro, que me deixaa apanhar no tubilhão Peutêtre je ne demandais pas mieux59 • Paecia-me que o cenário mudara provisoriamente as só provisoriamente «entro de um mês voltarei cá, e então então ainda vamos medir orças, mister Astley! » Pois, quando me 57 Ah, escravo nfame! [ . ] e depos o dlúvo ! M as tu não podes compreender, va! [ .. . o que fazes? (N) 5 8 Muto bem, meu ouchel, fco à tua espera, se quseres. (N) 59 avez eu não qusesse outra cosa. (N)
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lembro disso, agora, percebo que me sentia muito triste, embora me risse com essa parvinha da Banche. Que importa isso para ti? Estúpido, que estúpido és excamava Blanche, parando de rr e começando a censurarme. Sim, é verdade, vamos derreter os teus duzentos mil francos, mas tu seras heureux comme un pett ro60 , em compensação; eu própria te fare o nó da gravata e apresentote à Hortense. E quando gastarmos o nosso dinheiro todo, voltas cá e levas outra vez a banca à glória. O que te dssera os j udeus? O prin cpal é a coragem, e tu tem-a, e ainda hás de ir evar-me mui tas vezes dnheiro a Pars Quant à mo je veux cnquante mle francs de rente et alors . . . 6 E o general? pergunte-lhe general, como sabes, todos os dias a esta hora me vem trazer um ramo de ores. Desta vez pedi-le propositadamente que me arranjasse um das ores mais raras. Quando o coitado votar, já o passarno voou Há de ir atrás de nós, verás. Aa ah! Vou car muito contente, porque ee va serme úti em Pars; aqu, mster Astley encarregar-se-á das contas dele. oi desse modo que parti, então, para aris.
[ • • •] mas tu sers feliz como um reizinho (N) Quanto a mim, quero cinqu enta mil francos d e renda e então . (N) 3
6 O que posso dizer de aris? Que foi, bem etendido, um absurdo e uma palhaçada. Fiquei em aris poco mais de três semanas, e nesse espaço de tempo sumiramse, efetiva e totalmente, os meus cem mil francos. Falo apenas de cem mil, porque os outros cem mil entreguei-os a Mlle Blance em dinheiro puro cinquenta mil em Frankfurt e, três dias depois, mais cinquenta mil num crédito à ordem que ela, aliás , descontou passada uma semana; «et les cent mile francs qui nous restent tu les mangeras avec moi mon outcitel» 6 2 Camavame sem pre outcitel É dicil imaginar alguém neste mundo mais cal culista, avarento e mesquinho do que uma criatura da categoria a que pertence Mlle Blanche; mas isso no que respeiava ao dinheiro dela. Quanto aos meus cem mil francos, declarou-me de caras, mais tarde, que precisava deles para os primeiros tempos em Paris , para instalar-se. «Dese modo, agora vo viver como se deve em boa sociedade, de uma vez por odas, e a partir de agora ninguém me fará descer; pelo menos, já omei as minhas medidas nesse sentido�� acrescentou. Aliás , quase não vi esses cem mil o dinheiro estava sempre nas mãos dea, e no meu porta-moedas, donde ela tirava todos os dias alguma coisa, nunca se acumulava mais de cem francos, quase sempre ainda menos. «E os cem ml francos que nos restam, comêloss comgo, meu outchtel» (NT)
Para ue precisas de dinheiro? dizia às vezes com o ar mais ingénuo; e eu não a contrariava Para si própria arranou e mobilou muitíssimo bem um apartamento e, uando me levou à sua nova casa, disse, mostrandome os uartos: Aui está o ue se pode fazer com sensatez e bom gosto, dispondo dos meios mais miseráveis» Esses meios miseráveis consistiam, entretanto, em cinuenta mi l francos Com os outros cinuenta mil arranou carruagem, parelha; além disso, demos dois bailes, ou antes, dois saraus, em ue estiveram presentes Hortense, Lisette e Cléopâtre, mulheres excelentes em muitos sentidos e nada más Nessas duas festas fui obrigado a desempenhar um papel extremamente idiota de dono de casa, receber e divertir uns comerciantes, novos-ricos e muito broncos, todo o género de tenentes, incrivelmente ignorantes e desavergonhados, e uns miseráveis escrevinhadores e ratos de redação ue apareceram com casacas à moda, luvas cor de palha e mais amor-próprio e arrogância ue nem na nossa Petersburgo é possível o ue já é dizer muito Até se meteram a gozar comigo, mas embe bedei-me com champanhe e uei o tempo todo deitado num uarto das traseiras udo isso era supinamente noento «C'st un outchit/ 6 3 dizia de mim lle Blance , i a gagné dux cnt mi francs e, sem mim, não saberia como gastá -los Depois vai outra vez trabalhar, como precetor ninguém pode arranjarle um lugar? É preciso fazer alguma coisa por ele» Comecei a recorrer ao champane com muita freuên cia porue me sentia sempre muito triste e extremamente aborrecido Vivia no mais burguês, no mais mercantil dos ambientes, em ue cada sou era calculado, medido Blanche, nas primeiras duas semanas, detestava-me, reparei nisso; contudo, vestiu-me à janota e ela própria me atava a gravata, todos os dias; mas, do fundo da alma, desprezava-me pro fundamente Por mim, não dava a mínima importância ao facto Amargurado e aborrecido, saía, normalmente para o Châ teau des Fleurs, onde me embebedava todas as noites e apren dia a dançar o cancã (ue, aliás, é ali pessimamente dançado),
3 « É um outchtel ] ganhou duzentos ml francos ] (NT) 145
acabando até por car famoso nesse particular Por m, Blanche acabou por compreender-me; é que ela tinha concebido de antemão a ideia de que eu iria andar, durante toda a nossa convivência, com um lápis e um papelinho na mão a calcular quanto gastava ela, quanto roubava, e pensava que, por cada dez francos, ia haver batalha E já preparara, para cada eventual ataque meu, os argumentos; mas, ao não ver ataques nenhuns da minha parte, argumentava na mesa, sem eles Às vezes começava com todo o ardor e, vendo que eu me calava normalmente a espreguiçar-me no divã e a olhar xamente para o teto , cava espantada Deve ter pensado que eu era pura e simplesmente parvo, Un outchitel», e interrompia cerce as suas explicações, pensando provavelmente: É estúpido, não vale a pena dier-lhe o que se passa, se ele próprio não com preende» Saía e, passados dez minutos, voltava à carga (o que acontecia principamente durante os gastos mais desenfreados, a ultrapassarem já as nossas possibilidades: por exemplo, mudou de cavalos, comprando uma parelha por dezasseis mil francos) Diz, Bib, então não estás zangado? vinha ela aar comgo N-não! Deixame em paz! dizia eu, arredando-a de mim com a mão, mas isso provocou nela tanta curiosidade que se sentou imediatamente a meu lado Resolvi pagar tanto por eles porque foram vendidos com desconto Estás a ver, cavalos destes podem custar vinte mil francos Sim, acredito, os cavalos são excelentes Agora tens uma bela carruagem, que te vai ser útil; e é quanto basta Então não estás zangado? Zangado porquê? É sensato adquirires coisas necessárias e úteis para ti Já vi que é realente necessário para ti pores-te nesse pé, quando não lá se vai o milhão que queres arranjar Para isso, os nossos cem mil francos são apenas um princípio, uma gota de água no mar Blanche, que esava à espera de tudo enos que eu raciocinasse assim em vez de gritar e acusar, como que caiu da nuvens 146
Então . . . então é assim que tu és ! ais tu as l'esprit pour comprendre! Saistu mon garço4 , apesar de seres precetor, devias ter nascido príncipe real! Então não te preocupa que o nosso dinheiro se gaste tão depressa? Quanto mais depressa desaparecer, melhor! ais saistu mais dis donc, será que és rico? ais saistu, é que desprezas de mais o dinheiro. Qu'estce que tu feras aprs dis donc 6 5 Depois vou a Homburgo66 e ganho mais cem mil francos. Oui oui c't ça c't gnque Eu sei que os vais ganhar de certeza e os trazes cá. Dis nc, mas tu és realmente capaz de fazer com que eu me apaixone por ti! h bien, já qe és asim vou amarte drante todo este tempo e não te vou enganar vez nenhuma, parce que je croyais que tu n'étais qu'un outchitel (que/que chose comme un laqis n'tce pas?), mas ite el, parce que je suis bonne 7 Estás a mentir! E o Albert, esse ocialzeco trigueiro, será qe não os vi juntos daquela vez? Oh oh mais tu es. . Tretas, tretas. Mas pensas que estou zangado? Estoume nas tintas, i/ fau que jeunesse se pass8 Era estúpido se o mandasses embora, uma vez qe já andaste com ele antes de mi e gostas dele. Mas não lhe dês dinheio, ouiste? Como, nem com isso te zangas? ais tu es un vrai philosophe saistu? Un vrai philosophe! gritou entsiasmada. h bien je t'aimerai je t'aimerai tu verras tu seras content 69 De facto, ela parece terse afeiçoado a mim desde então, até se tornou amigável, e assim se passaram os nossos últimos dez dias. Quanto às «estrelas» prometidas, não as vi; mas, em certo sentido, Mlle Blanche cumpriu a sua palavra. Mais ainda, 64 Ma s tu tens espíito paa compeende! Sabes, me u apaz [ . . (NT) 65 O que vais faze depos, dz? (NT) 66 Hmbugo - até a cdade pncpal do condado MesseHombugo, zona balnea com casas de jogo. (NT) 67 [ .. .] poque eu julgava que eas apenas um outchtel ua espéce de lacao , não é? [ .] poque sou boa apaga (NT) 68 [ . ] é pecso vve a juventude. (NT) 69 Mas tu és um vedadeo flósofo, sa bes ? Um vedadeo flósofo ! [ .. Pos bem, vou amate, vou amate - vais ve, vais fica contente! (NT)
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apesentou-me a Hotense, uma mulhe admável no seu géneo, mas conhecda no nosso cículo po Thsephilosophe. Alás, não vale a pena aenga sobe sto, que até podea da um conto à pate, com um colodo especal que não petendo ntoduz nesta hstóa. Impota é que eu desejava com todas as mnhas foças que tudo acabasse o mas depessa possível. Só que os nossos ce ml fancos deam, como já mencone, paa quase um mês o que snceamente me espantou: com otenta ml desse dnheo, pelo menos, Blanche fez compas paa s, sendo os vnte ml estantes gastos no nosso da a da, o que chegou. Blanche, que paa o m já ea quase sncea comgo (pelo menos, nalgumas cosas não menta), confessou que não caam em cma de mm as dívdas que foa obgada a conta. «N ão te obgue a assn contas nem letas dza , poque tve pena de t; outa qualque fá-lo-a de ceteza e tu as paa à psão. Estás a ve, estás a ve coo gosto de t e sou boaznha? Só o dneão que a pocaa do casamento me va custa» De facto, houve um casamento. Realzouse mesmo no nal do nosso mês, e ceo que foam gastos os últmos estos dos meus cem ml ancos com esse casamento. Fo assm que tudo acabou, ou seja, fo esse o temo do nosso mês de convívo, pelo que, logo a segu, fu fomalmente despeddo. Aconteceu o segunte: uma semana depos de nos emos nstalado em Pas, chegou o geneal. Fo te detamee com a Blanche e, desde essa pmea vsta, na pátca cou conosco, emboa seja vedade que tnha um aloj amento qualque, algues. Blanche ecebeu-o alegemente, com gunchos e gagaladas, e até coeu a abaçá-lo; fo ela pópa quem acabou po não o dexa emboa, levando-o paa todo o lado: ele deva segu-la no boulevard, nos passeos a cavalo, nos teatos, nas vsas aos amgos. Paa se utlzado dessa mane, o geneal anda seva, já que se apesentava anda bastane solene e com a decee estatua mas paa o gande, suíç pnadas e u gande bgode (foa couaceo no passado), uma caa vstosa, emboa um anto obesa. Tnha maneas excelenes, usava a casaca com elegânca. Em Pas, começou a ostenta as suas condecoações. Com um acompanhante assm, passea pelo boulevard ea não só possível 8
como até rcomnvl O general, bondoso e atoleimado, andava contentíssimo com a situação: não estava a contar com nada disso quando aparecera na nossa casa de Paris Cegara, então, quase a tremer de medo, pensando que Blance ia gritar-le e mandá -lo pôr na rua Por isso, com a viragem que as coisas tomaram, extasiou-se e passou um mês inteiro num estado de entusiasmo apalermado, e foi nessa disposição que depois o deixei Só nessa altura quei a saber em pormenor que, depois da nossa súbita partida de Roletenburgo, ele fora acometido nessa mesma manhã por uma espécie de ataque Caiu sem sentidos e depois, durante uma semana inteira, esteve à beira da loucura e não ligava coisa com coisa Puseram-no a tratamento mas ele, de repente, largou tudo, meteu-se no comboio e foi para Paris O melor remédio, para ele, foi sem dúvida a receção que Blance e fez; mas os sinais da doença persistiram ainda durante muito tempo, apesar da sua disposição alegre e entusiasmada Era já incapaz de racio cinar ou manter uma conversa minimamente séria neste caso apenas replicava com um «umm» e acenava co a cabeça a cada palavra limi tava-se a isso Ria muito, mas com u riso nervoso e doentio, como se souçasse; s vezes cava sentado oras seguidas, sombrio como a noite, carregando as sobran celas espessas Havia muitas coisas de que perdera completamente a memória; tornou-se orrivelmente distraído e adquiriu o ábito de faar sozino Só Bance conseguia animá-lo Aiás, quando, soturno e sombrio , se metia a um canto, tal só signicava que não via Blance á muito tempo, que Blance fora a qualquer lado se o levar com ela, ou que, à saída, não o acariciara Então ne ele próprio sabia dizer o que queria, nem sequer se estava triste e sombrio Após uma ora assim sentado (reparei nisso por duas vezes, quando Blance saíra por todo o dia, pelos vistos para casa de Albert), começava de repente a olar à sua volta, a inquietar-se, a olar para trás, a esforçar a memória, a agir como se procurasse alguém; mas como não encontrava quem queria nem cegava a lembrar-se do que pretendia perguntar, entrava outra vez e torpor até que a Blance voltaa, alegre, animada, endomingada, com as suas gargaladas ruidosas; corria para ele e começava a sacudi-lo, 9
chegava a beijá-lo, até um prem10 com que raramente o agraciava, aliás. Uma vez o general cou tão feliz que desatou a chorar o que até me impressionou. Desde que o general apareceu que Blanche começou a advogar a favor dele perante mim. Entrava, até, em retóricas eloquentes lembrava-me que, por mim, traíra o general, que fora quase noiva dele, que lhe dera a sua palavra; que, por ela, o general abandonara a família e ue, ao m e ao cabo, eu servira em casa dele e não podia esuecê-lo e devia ter vergonha . . . Eu cava calado, ela metralhava palavras sem parar. Até que, por m, desatei a rir e, com isso, acabou-se o probema, ou seja se a princípio Blanche me tomava por parvo, chegou à conclusão de que eu era anal um homem muito bom e compreensivo. Numa palavra, tive a felicidade de alcançar, no m , as boas graças desta respeitável donzea. (Aliás, Blanche era realmente uma rapariga muitíssimo bondosa no seu género, claro; confesso que, de início, não lhe dei o devido valor.) «És inteligente e bom dizia-me ela , mas . . . mas . . . é pena ue sejas tão parvo! Nunca farás fortuna nenhuma, nenhuma!» «Un vrai russe un calmiouk» 0 or várias vezes me mandou passear o general pelas ruas, como quem manda um lacaio passear o galgo italiano. Mas também o levava ao teatro, ao Bal Mabille e aos restaurantes. Mlle Blanche desembolsava o dinheiro para estas saídas, embora o general tivesse o seu próprio dinheiro e gostasse muito de exibir a carteira em público. Uma vez i quase obrigado a recorrer à força para o impedir de comprar por setecentos francos um broche ue o cativara no alais-Royal e ue queria oferecer a Blanche. Que interesse tinha para ela um broche de setecentos francos? O general, ao todo, não tinha mais do que mil francos, que aliás, nunca cheguei a saber onde desencantara. Suponho que foi uma oferta de mister Astley, já que tinha sido ele a regularizar as contas dele no hotel. Quanto ao comportamento do general para comigo, creio que nem sequer adivinhava quais eram as minhas relações com Mlle Blanche. Embora tivesse ouvido vagamente que eu ganhara uns dinheiros, 70 «Um vedadeio usso um calmuque! » (NT)
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aco que pensava que eu fazia o papel de uma espécie de secretário doméstico ou, talvez, de criado. Pelo menos, falava comigo como antes, com arrogância, como se fosse meu patrão, cegava mesmo a dar-me descomposturas. Uma vez fez-nos rir muito, a mim e à Blance, quando tomávamos o café da manã: o general não era um omem muito suscetível, mas, dessa vez, mostrou-se ofendi díssimo comigo; porquê? até oje ainda não descobri. Aliás, talvez ele próprio o não soubesse. Numa palavra, lançouse nu discurso sem pés nem cabeça, à bâtons rompu 1 Pôs-se-me a gritar que eu era um cacorro, que ele me avia de ensinar como era . . . que me avia de mostrar... e assim por diante. Não percebíamos aonde queria cegar. Blance desfaziase e riso. Por m lá se acalmou e levaramno a passear. Outras vezes, porém, reparei que caía numa tristeza uito grande, como se estivesse com pena de alguma coisa, ou sentisse a falta de algué, apesar da presença de Blance. Em momentos desses, ele próprio, por duas vezes, meteu conversa coigo, sem nunca se explicar claramente, recordando o serviço militar, a sua falecida muler, a propriedade, a casa. Caíale no goto uma palavra agarrava-se a ela, todo contente, repetia-a cem vezes por dia, ebora de odo nenum essa palavra expriisse os seus sentimentos ou pensamentos. Tentei falar com ele dos los: liitouse a tagarelar qualquer coisa e mudou apidaente de assunto: «Si, sim Filos, os los, tem razão, os los» Só uma vez o vi enternecerse, íamos os dois a camino do teatro: «São crianças infelizes pronunciou de repente. Sim, meu caro senor, sim, crianças in-fe-li-zes » Depois dessa noite, repetia várias vezes: crianças infelizes Quando tentei falar-le uma vez sobre a Polina, entrou em fúria. «É ua uler ingrata exclamou. É má e ingrata Cobriu a família de vergona Se existissem leis aqui, fazia-le dobrar a cerviz Sim, caro senor, si » Quanto ao Des Grieux, nem podia ouvir o nome dele. «Causou a mina perdição dizia , roubou-me, arruinou-e Tem sido o eu pesadelo durante anos inteiros Apareceue em sonos meses a o É, é, é . . . O, nunca mais me fale dele» 7 ] sem nexo. (NT)
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Percebi que, entre eles, andava a forjar-se um qualquer acordo, mas calava-me, como sempre. Foi Blanche quem prieiro se descoseu, uma semana antes da nossa separação e despedida. Il a de la chance tagarelava , a babouchka agora está doente a sério e vai morrer com certeza. Mister Astey mandou-me um telegrama. O general, estás a ver, de quaquer modo é o herdeiro dela. Mesmo que não fosse, isso não importa. Em primeiro lugar, tem a sua pensão e, em segundo, vai car no quarto ao ado e viverá em absoluta felicidade. Eu serei madame la générale», entro num meio muito bom (Blanche sonhava permanentemente com isso), mais tarde serei proprietária russa, j'aurai un château des moujiks e puis j'aurai toujours mon mion » • E se ele começar a ter ciúmes, a exigir... sabe Deus o quê, percebes? Oh, não, non non non Não se atreve Tomei medidas, não te preocupes. Já o obriguei a assinar várias etras a favor do Abert. A mais pequena coisa, será logo castigado. Mas não se atreve Então, casa-te . . . Fizeam um asamento sem grandes festejos, em famíia e sem espavento. Foram onvidados o Albert e aguns amigos íntimos. A Hortense, a Céopâtre e quejandas foram decididamente afastadas. O noivo mostrou um interesse extraordinário pea sua situação. A própria Blanche lhe pôs a gravata, untoulhe o cabelo com pomada e, diga-se , o general, com a sua casaca e o seu colete branco, tinha um aspecto trs comme il faut 4 -Il est pourtant trs comme il faut 5 declaroume a própria Blanche ao sair do quarto do general, como se a ideia de o general ser trs comme il faut a tivesse espantado. Entrei tão pouco nos pormenores, participei em tudo na qualidade de espetador tão preguiçoso que me esqueci da maior parte das coisas. Lembro-me apenas que, anal, a Blanche não era de Comin ges, ta como a mãe não era veuve de Cominges, mas du Pacet. 72 e sorte . . . Em russo, bábuchka - avó (NT) 73 [ ] terei u casteo, ujique s, e depois terei sepre o eu ilhão (NT) 74 [ ] muito conveniente (NT) 75 Meso assi ee é uito conveniente. (NT)
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Por que razão tinham sido de Cominges até ao momento não sei Mas até com isso o general cou contente, e du Placet agradoulhe ainda mais do que de Cominges Na manhã do casamento, já completamente vestido, o general passeou-se para trás e para diante na sala, sempre a repetir com um ar extremamente sério e importante: ademoiselle Blanche! Blanche du Placet! Menna Blanche du lacet! » e reluza na cara dele alguma fatuidade Na igreja, no municípo e em casa, durante o banquete, estava não só felz e contente mas também orgulhoso O olhar de Blanche já assumia também uma dignidade especal Agora tenho de portar-me de modo muito diferente disse-me com toda a seriedade Mais voistu, não pensei numa coisa bem nojenta: imagina que ainda não consegui decorar o meu novo nome: Zagoriánsk, Zagoziánski, mame la générale de SagoSago ces diables de noms russes enn mame la génale à quatorze consonnes! Comme c'est agrble nestce pas 7 6 Fnalmente, desedimo-nos, e B lanche, a estúpida da Blanche, até derraou agumas lágrimas «Tu étais bon enfant77 dzia choramngando -]e te croyais bête et tu en avais l'air, ma cate bem» Depos do último aperto de mão, exclamou inesperadamente: «Attends!» 7 8 ; precipitou-se para o seu boudoir7 9 e, passado um mnuto, trouxeme duas notas de mil francos Nunca eu acredi taria nisso! Vais precisar, és talvez um outchitel muito inteligente, mas como homem és muito parvo Não te dou mais de dos mil porque, em qualquer caso, vais perdêlos ao jogo Então, adeus! Nous serons toujours bons amis, e se voltares a ganhar vem ter et tu seras heureux �� 8 0 com1go, Além desses dois mil, eu tinha ainda uns quinhentos francos, mais um maravilhoso relógio no valor de mil francos, botões de punho com diamantes, e outras cosas mais Podia portanto -
76 [ • ] esses dabs de nmes russs, enfm, madame la générale de catrze cnsantes! Cm é agradável, nã é? (NT) 77 Eras um bm rapaz [ .] Pensava que eras estúpd, e tnhas ar dss [ ] (NT) 78 «Espera!» (NT) 79 ucadr (NT) 80 Serems sempre bns amgs, [ . ] e serás felz! (NT)
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aguentar ainda bastante tempo sem preocupações. Instalei-me propositadamente nesta cidadeinha para recuperar o sprito, mas estou, sobretudo, à espera de mist Astley. Tive a informação certa de que ele ia passar por aqui e demorar-se um dia para tra tar dos seus assuntos Ficarei a par de tudo . . . e depois depois vou diretamente para Homburgo. Para Roletenburgo não vou, talve só no próximo ano. Diem que é mau sinal tentar a sorte duas vees seguidas no mesmo sítio, além de que é em Homburgo que existe o verdadeiro jogo.
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17 Já lá vai um ano e oito meses que não passo os olhos por estes apontamentos; só agora, por razões de amargura e infelicidade, decidi distair-me um pouco e relêlos ao acaso. Portanto, a últma coisa que escrevi foi que ia para Homburgo. Meu Deus, com que leveza de coração, comparativamente, escrevi então estas últimas linhas! Ou seja, não tanto de coração leve, mas com que firme convicção, com que inabaláveis esperanças! ere, pelo menos um pouco, duvidado de mim? E agora, que já passou mas de um ano e meio, na minha opinião própria estou por que um mendigo! Se bem que me esteja nas tintas para a mendicância. Forjei a minha perdição! Aliás, quase não existem termos de comparação, e também não vale a pena pregar sermões a mim mesmo! Não há nada de mais absurdo do que a moral num momento destes! Oh, gente presunçosa! Com que presunção orgulhosa esses tagarelas estão prontos a ler as suas sentenças! Se eles soubessem até que ponto eu próprio me apercebo de toda a repugnância da minha situação atual, não se atreveriam a doutrinar. O que podem eles, o quê, dizer-me de novo que eu já não saiba? E também, será isso que importa? O que importa é que a roleta dá uma volta e tudo muda, esses mesmos moralistas são os primeros (tenho a cer teza disso) a vir darme os parabéns, com innitas graças amistosas. E não me virarão as costas, como agora. Também me estou nas tintas para eles todos! O que sou hoje? Zéro O que posso tornar-me amanhã? Amanhã posso renascer dos mortos 55
e começar a viver de novo! Poo reucitar o omem em mim, enquanto não e perder completamente! Efetivamente fui para Homburgo, ma... etive depoi em Roletenburgo, e em Spa; etive também em Baden, onde ceguei no papel de camareiro do coneleiro Hinze, ee canala e meu exenor daqui. Sim, ervi como lacaio durante cinco mee! Io aconteceu logo depoi da prião. (Porque fui preo, etive na cadeia de Roletenburgo por caua de uma dívida. Alguém deconecido me regatou . . . quem foi? Miste Atley? Polina? Não ei, ma a dívida foi paga, duzento tálere ao todo, e aí em liberdade.) Que remédio tina eu? Fui trabalar para ee Hinze. É um omem j ovem e leviano, gota de mandriar, e como eu ei falar e ecrever em trê língua . . . De início fui ocupar o cargo de epécie de ecretário, por trinta orin ao mê, ma acabei como verdadeiro lacaio cavale caro ter um ecretário, por io cortoume no vencimento. Como não tina para onde ir, quei e dee modo me tranformei automaticamente em lacaio. Não comi nem bebi o uciente nee erviço, ma poupei, em cinco mee, etenta orin. Uma noite, em Baden, depedime dee. Nea mema noite i à roeta. O, como batia o meu coração! Não, não era o dineiro que tina valor para mim. Nea altura eu queria apena que todo o Hinze, todo o maítes d'hôtel, toda ea magníca dama de Baden falaem de mim, contaem a mina itória, me admiraem, me louvaem e reverenciaem a mina nova vitória. Tudo io ão ono e preocupaçõe in fanti , ma . . . quem abe, talvez encontrae também Polina, le contae tudo, e ela vie que eu era uperior a toda a aburda deavença do detino . . . O, não é o dineiro que tem valor para mim! Teno a certeza que o debarataria com uma Blance qualquer e voltaria a andar em Pari, durante trê emana, puxado por uma parela de cavalo ó meu, no valor de dezaei mil franco. Porque teno a certeza de que não ou avarento; aco até que ou um perdulário. Entretanto, com que tremore, com que defalecimento do coração oiço o grito do croupier tente et un, ouge, impai et pase, ou quate, noi, pai et manque Com que avidez olo para a mea de jogo por onde e epalam o luíe de ouro, o frederico e 5
os táleres; onde se amontoam os rolos de moedas de ouro, quando o râtu do croupier os faz cair formando montões a arder como foo; ou co a olhar para os rolos compridos de prata deitados em torno da roleta Quando me aproximo da sala de joo, ainda a duas salas de distância, basta-me ouvir o tilintar do dinheiro e quase tenho espasmos Oh, a noite em que evei os meus setenta orins para a mesa de joo também foi maravilhosa Comecei, como sempre, com dez orins no passe, tenho essa superstição erdi Fiquei, portanto, com sessenta orins em prata; pensei e preferi o zo. Comecei a carrear no zo cinco orins de cada vez; à terceira aposta saiu o zo, e quase morri de aeria ao receber cento e setenta e cinco orins; nem quando anhei cem mi orins quei tão contente Apostei loo cem orins no rouge anhei; todos os quatrocentos no noir - anhei; todos os oitocentos no manque anhei; ao todo tinha aora mi e setecentos orins, em menos de cinco minutos! Em momentos como este esquecemse todos os azares anteriores! orque adquiri tudo isso arriscando mais do que a vida, porque ousei arriscar pertenço outra vez ao énero humano! Ocupei um uarto no hote, fechei-o à chave e até às três horas uei á a contar o meu dinheiro Resovi partir no mesmo dia para Homburo: á não servi como lacaio nem estive preso Meia hora antes do comboio fui fazer duas apostas, não mais, e perdi mil e quinhentos orns Apesar disso, mudeime para om buro e já cá estou há um mês Caro que vivo num desassosseo constante, faço apostas mais peuenas e espero sempre aluma coisa, faço cálculos, co de pé dias a o ao lado da mesa e obseo o joo, até sonho com ele, mas ao mesmo tempo tenho a impressão de que quei como que empedernido, como que atolado num lodo qualquer Tiro esta conclusão pelo efeito que provoquei em mister Astley Não nos víamos desde aqueles tempos e encontrámonos por acaso Foi assim: eu vaueava pelo jardim a matutar que uase não tinha dinheiro, apenas cinquenta orins, mas na antevéspera já paara ao hotel onde aluo um cubículo ortanto, só tinha possibilidade de ir à roleta uma vez se anhasse alma csa, poderia 57
continuar a jogar; se perdesse, tinha de ir trabalhar outra vez como lacaio, no caso de não encontrar russos que precisassem de precetor Mergulhado nestes pensamentos, fui pelo meu percurso habitual, através do parque e do bosque, até ao principado vizino Às vezes caminhava assim mais de quatro horas e voltava a Hmburgo cansado e ceio de fome Mal saí do jardim e entrei no parque, encontrei mister Astley sentado num banco Foi ele que primeiro me viu e camoume pelo nome Sentei-me a seu lado Ao notar nele um certo ar de solenidade, moderei a mina alegria, já que, no primeiro momento, que contentíssimo por vêlo Portanto, está cá! Já sabia que ia encontrá-lo dsse ele Não me conte nada, não se incomode: sei tudo; sei tudo sobre a sua vida do último ano e oito meses Ena! É assim que segue a vida dos velhos amigos! respondi Muito o onra não se esquecer dos amigos Espere, entretanto, deume uma dea não terá sido o senhor quem me resgatou da prisão de Roletenburgo, onde estive preso or uma dívida de duzentos orins? Sei que fui resgatado por um desconecdo Não, oh, não; não o tirei da prisão de Roletenburgo onde esteve preso or uma dívida de duzentos orins, mas soube que o senhor estava preso por uma dívida de duzentos orins Mas deve saber quem me resgatou? Oh, não, não se pode dizer que sei quem o fez -É estranho; entre os russos ninguém m e conhece, além de que aqui os russos não resgatariam ninguém; só lá, na Rússia, os cristãos ortodoxos resgatam outros cristãos ortodoxos Pensava que tinha sido algum inglês, por extravagância Mister Astley ouvia-me com um certo espanto Dava a impressão que pensara encontrar-me amargurado e abatido Pois bem, estou muito contente por encontrálo na posse de toda a independência do seu espírito e até bastante animado proferiu num tom bastante desagradável Ou seja, no fundo da sua alma está a ranger os dentes de desgosto por eu não estar abatido e humilado disse eu rindo-me 58
Não percebeu logo, mas depois sorriu. Gosto das suas observações. Reconheço nessas palavras o meu velho amigo, inteligente, entusiasta e, ao mesmo tempo, cínico; só os russos são capazes de combinar em si, simultanea mente, tantas caraterísticas contraditórias. Na verdade, o ser humano gosta de ver o seu melhor amigo em estado de humi lhação diante de si, é uma velha verdade que todas as pessoas inteligentes conhecem. No seu caso, porém, estou sinceramente agradado por o senhor não se apoquentar. Digame, não tenciona abandonar o jogo? Oh, p'r diabo tudo isso! Deixo de jogar num instante, só que . . . Só que agora quer recuperar o que perdeu? Já sabia, não diga mais nada; sei que o disse sem querer, portanto disse a verdade. Digae, além do jogo não tem mais nenhuma ocupação? Não, nenhuma . . . Pôs-se a fazerme um exame. E u não sabia nada, quase não lera os jornais nem abrira um livro em todo esse tempo. Ficou empedernido observou mister Astley , não só rej etou a vda, os nteresses pessoas e socias, o deve de home e cdadão, os seus amigos (que tinha, apesar de tudo), não só desistiu de todo e qualquer objetivo que não o de ganhar ao jogo, como rejeitou até as suas próprias recordações. Eu lembro me como o meu amigo era na fase forte e ardorosa da sua vida; mas tenho a certeza de que esqueceu todas as melhores impressões dessa fase. Os seus sonhos, os seus desejos mais essenciais, neste momento, não vão além do pair do impair, do rouge e do noir, dos doze do meio e por aí fora, tenho a certeza! Basta, mister Astley, por favor, por favor não mo lembre! gritei com desgosto, quase com raiva. Fique sabendo que não me esqueci de nada, apenas tirei tudo isso da cabeça por algum tempo, incluindo as recordações, mas só até ao momento de endireitar radicalmente a minha vida. . . e depois . . . depois vai ver que ressuscito dos mortos! Daqui a dez anos ainda estará aqui disse ele Aposto que lhe hei de recordar estas palavras, se eu for vivo, neste mesmo banco. 59
Chega interrompio com impaciência , e para provar -lhe que não estou assim tão esquecido, permita que lhe faça uma pergunta: que é feito agora de mss Polina? Se não foi o senhor quem me tirou da cadeia, foi de certeza ela Desde aquela altura nunca mais tive notcias dela Não, oh, não! Não acho que tenha sido ela quem o resgatou Está agora na Suça, e o senhor far-me-ia um grande favor se deixasse de perguntar por mss Polina disse resolutamente e até com zanga Quer dizer que a si tabém o feriu muito! rime involuntariamente Mss Polina é a melhor criatura de todas as criaturas dignas de respeito, mas, repito, farmeá um grande favor se deixar de perguntar por mss Polina O senhor nunca a conheceu, e considero o nome dela na sua boca como um insulto ao meu sentido mora Ah, ee é isso! Contudo, o senhor não tem razão E de que mais posso falar consigo senão dea? É que é nisso, precisamente, que consistem todas as nossas recordações Mas não se preocupe, não quero saber de enum dos vossos assuntos ntimos, secretos A mim só interessa, por assim dizer, a situação exterior de mss Polina, o ambiente em que ela está a viver Isso pode ser comunicado em duas paavras De acordo, com a condição de que tudo que limitado a essas duas palavras Mss Polina esteve doente durate muito tempo; aliás, ainda agora continua doente Durante uns tempos viveu com a minha mãe e a minha irmã no Norte de Inglaterra Ano e meio atrás, a avó dela lebrase daquela senhora maluca? morreu e deixou a mss Polina cem mil libras por herança Atualmente, mss Polina viaja com a famlia da minha irmã, que entretanto se casou Os irmãozinhos de mss Poina também foram contemplados no testamento da avó e estão a estudar em Londres O general, padrasto de Polina, morreu há u mês em Paris , de apoplexia Mlle Banche tratou-o bem, mas conseguiu passar para o seu nome tudo o que o general recebera da avó É só isso, acho eu E Des Grieux? Talvez ande também a viajar pela Sua? 0
ão, Des Grieux não viaja pela Suía, nem sei onde está. E visoo, de uma vez por todas, que tem de evitar insnuaões desse género e essas associaões ignóbeis, quando não terá de prestar contas, a mim pessoalmente. Peolhe mil desculpas, mister Astey. Permitame porém dizer o seguinte: não há nada de insultuoso nem de ignóbi no que eu disse, já que não acuso miss Polina de nada. Além disso, um francês e uma menina russa, em geral, constituem uma assocaão tal, mister Astley, que o senhor e eu somos incapazes de resolver ou compreender até ao m. Se o senhor se comprometer a não mencionar o nome de Des Greux ao lado do outro nome, pedirlheei que me expique o que está subentendido na expressão m francês e uma menina russa». Que associaão» é essa? Porquê precsamente um francês e obrigatoriamente uma menina russa? Vejo que cou curioso. Mas tratase de uma história muto comprda, mister Astley. Seria preciso conhecer os antecedentes. ão deixa de ser, porém, um problema importante, por mais ridículo que prea à primera vista. Um francês, mister Astley, é uma forma bonta e acabada. O senhor, como é brtnco, pode não concordar com isso; eu, como russo, também não estou de acordo, quanto mas não seja por inveja, diamos; mas as nossas meninas podem ter uma opinião diferente. O senhor é capaz de considerar Racine afetado, amaneirado e perfumdo; nem quererá lêlo, talvez. Eu também o acho afetado, amaneirado e perfumado, até ridículo, de certo ponto de vista; mas é en cantador, mister Astley, e é sobretudo um grande poeta, quer o queiramos ou não. A forma nacional do francês, ou seja, do parisiense, comeou a adquirir eegncia quando nós éramos ainda ursos. A revoluão foi herdeira da nobreza. Hoje, o francesito mais ordinário pode ter maneiras, jetos, expressões e até pensamentos dotados de uma forma bastante elegante, sem que nessa forma participem a sua nicativa, a sua alma e o seu coraão: recebeu tudo isso em herana. Em si mesmo, ele pode ser o mais oco dos ocos, o mais infame dos infames. Pois bem, mister Astley, que agora sabendo que não há neste mundo criatura mais conante e sincera do que uma menina russa
bondosa, inteligente e não muito amaneirada Um ualquer Des Grieux, ao aparecer sob um disfarce qualquer e num papel qualquer, é capaz de conquistar o coração dela com uma facilidade incrível ele tem uma forma elegante, mister Astley, e a menina toma essa forma pela alma dele, pela forma natural da sua alma e do seu coração, e não por uma roupagem recebida por herança ara seu grande desgosto, tenho de dizer-lhe francamente que os ingleses, na sua maioria, são angulosos e pouco elegantes, e os russos são bastante sensíveis à beleza e têm sede de beleza orém, para desvendar a beleza da alma e a originaidade da personalidade, é necessário ter incompara velmente mais independência e liberdade do que têm as nossas mulheres, ainda por cima meninas; e, em qualquer caso, muito mais experiência ara miss olina desculpe, lá me escapou o nome , vai ser preciso muito tempo para decidir-se entre o senhor e o velhaco do Des Grieux Ela darlheá grande valor, tornar-se-á uma boa amiga sua, abrir-lheá todo o seu coração; mas, mesmo assim, quem reinará nesse coração será o odioso velhaco Des Grieux, esse nojento e mesquinho agiota E isso persistrá, por assim dizer, por temosia e amorprópro, porque esse mesmo Des Grieux lhe apareceu, outrora, sob a auréola de um eegante maruês, um liberal desiluddo, que foi à faência (supostamente) por ajudar a família do general leviano Só mais tarde é que todas as manhas dele foram descobertas Também não importa que tenham sido descobertas srvam-lhe, de qualquer modo, o Des Grieux de outrora, é disso que ela precisa! Quanto mais odeia o Des Grieux atual, mais saudades tem do antigo, embora o antigo tenha existido apenas na sua imaginação O senhor é açucareiro, mister Astley? Sm, sou sócio da conhecida companhia açucareira owell & c.·
Está a ver, mister Astley De um lado, o açucareiro; do outro, o Apolo do Belvedere não há comparação possível Quanto a mim, nem sequer sou açucareiro, sou apenas um pequeno jogador de roleta e até já servi como lacaio, facto que, acho eu, miss olina já conhece, visto que tem uma boa polícia, ao que parece 2
sehor está ressabiado, e é por isso qe diz esses disparates
todos disse mister Astley com sague-frio, depois de ter reetido. Além disso, as sas palavras carecem de origi alidade. De acordo! Mas o horror da sitação cosiste, me obre amigo, em que todas as mihas acsações, po mais cadcas, por mais ordiárias, por mais brlescas qe sejam, cotiam a ser verdadeiras! Em qalqer caso, tato o sehor como e ada gahámos! Isso é m disparate ojeto . . porqe, porqe . . . qe sabedo . . . proferi mister Astley ma voz temete e chis pado dos olhos , que sabedo, hoem igrato e idigo, mesqiho e desgaçado, qe vi popositadamete a mbrgo a pedido dela, para vê-lo, para falar cosigo e lhe trasmitir tdo a ela, depois: os ses setimetos, os ses pesaetos, esperaças e . . . recordações! É verdade? Isso é verdade ? exclamei, e as lágimas joraram-me dos olhos. Não podia cotê-as, o qe me acotece, parece, pela pimeira vez a vida. Sm, homem desgraçado, ea gosava de si, e posso revea-lo poqe é homem perddo! Mais aida: se eu lhe disser qe ela cotia a amá-lo, mesmo assim o sehor cará aqi! Sim , o seor arriou-se a si mesmo. iha algmas capacidades, m caráter vivo e ea bastate boa pessoa; podia até ser útil à sa pátria, qe tata ecessidade tem de pessoas de valor, mas vai cotia aqi, e a sa vida acabou-se. Não o acso. Na miha opiião, todos os rssos são assim , o têm tedêcia para ser assim. Se ão for a roleta, será otra coisa qalquer. As exclsões a essa regra são demasiado raras. O sehor ão é o primeiro a ão compreeder o qe é o trabalho (ão esto a falar do se povo). A roleta é um jogo predomiatemete rsso. Até hoje tem sido hoesto e até preferi servi como lacaio a robar. . . mas teho medo de pesar do qe poderá acotecer o ftro. Basta, ades! Precisa sem dúvida de diheiro, ão? Tome, do lhe, do meu bolso, dez líses de oro, e ão lhe do mais porqe em qalquer caso os vai perder ao jogo. Tome, e ades! ome! Não, mister Astley, depois de tdo o qe disse . . . 3
To-o-me! gritou ele. Teno a certeza de que ainda tem dignidade e doulhe o dineiro de amigo para amigo. Se pudesse ter a certeza de que largari imediatamente o jogo e partiria de Homburgo para a sua terra, estaria pronto a darle já mil libras esterlinas para que iniciasse uma nova carreira. Mas não le dou mil libras, apenas dez luíses de ouro, porque mil libras ou dez luíses é absolutamente igual para si, neste momento são para perder ao jogo. Tome, e adeus. De acordo, se me deixar dar-le um abraço de despedida. O, isso, com grande prazer! Abraçámo-nos sinceramente, e mister Astley foise embora. Não, não tem razão! Se i ríspido e estúpido ao falar de olina e de Des Grieux, ele foi ríspido e precipitado a falar dos russos. Quanto ao meu caso, já não digo nada. Aiás . . . aliás tudo isto não é bem assim, por enquanto. Tudo isto são palavras, palavras e mais palavras, quando o que é preciso é agir! ara já, o que iporta é a Suíça! Amanã mesmo o, se fosse possível ir lá amanã mesmo! Ressuscitar, renascer! reciso de provar-les . . . Quero que a olina saiba que ainda posso ser umano. Basta apenas . . . pois, oje já é tarde, mas amanã . . . O, teno um pressentimento, um pressentimento que não pode falar! Teno agora quinze luíses de ouro, e já me aconteceu começar com quinze orins! Se começar co cuidado . . . mas será que eu sou . . . será que eu sou uma criança? Eu próprio não perceberei que sou um caso perdido? Mas . . . porque não hei de poder renascer? Sim ! Basta apenas uma vez na vida ser calculista e paciente e tudo acontecerá! Basta manterme rme apenas uma vez e, numa ora, posso mudar todo o meu destino! O principal é ter caráter. Neste sentido, é de lembrar o que aconteceu comigo á sete meses em Roetenburgo, antes de ter perdido tudo denitivamente. O, foi um caso notável de ousadia: tina perdido tudo, tudo . . . mas ao sair do casino descobri ainda um orim no boso do colete. Olá, então ainda teno dineiro para o almoço» pen sei, mas, depois de ter dado uns cem passos, repensei e voltei para trás. Apostei esse último orim no manque (dessa vez foi o manque) e, é verdade, á qualquer coisa de especial na sensação que temos quando, sozinos, onge da pátria, dos amigos, sem
sabermos o que vamos comer hoje, apostamos o nosso último orim, mesmo o último. Ganhei e, passados vinte minutos, saí do casino com cento e setenta orins no bolso. É um facto! É o que o último orim pode às vezes signicar! E o que teria acontecido se, naquele momento, eu tivesse desanimado, não tivesse ousado? . . . Amanã, amanhã acabará tudo!
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