ROGER SCRUTON
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Título original: Beauty Copyight©Horsel's Farm Enterprises Limited
Beu i originalmente publicado na línga inglesa em Esta tradução é pblicada por acordo com a Oxrd Univesity Press. Tradução: Carlos Marques Revisão: Luís Guimarães Capa: Ilídio J.B. Vasco Paginação: Nuno Rodrigues da Costa Imagem da capa: e de Mue Je de Sandro Botticelli. ©Guerra e Paz, Editores S.A., Reserados todos os direitos Depósito Lega nº / ISBN: ----6 ª Edição: Junho de
Tiragem- exemplares Guerra e Paz, Editores S.A. R. Conde Redondo, Esq. - Lisboa Tel: Fax: Email: g
[email protected] w.guerraepaz.net
ROGER SCRUTON
COLCÇÃO F RRO & FOGO
Í Prefácio Julgar a beleza 2 A beleza humana A beleza natural 3 A beleza do quotidiano 4 A Beleza Artística 5 Gosto e ordem 6 7 Arte e eros Fuga à beleza 8 Pensamentos nais 9 Notas e leituras cmplementares Índice onomástico Indice das matérias Créditos Fotográcos
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beleza pode ser consoladora, perturbadora, srada ou pro na; pode revigorar, atrair, inspirar ou arrepiar Pode actarnos de inúmeras maneiras Todavia, nunca a oamos com indiereça: a beleza exige visibilidade Ela alanos directamente , qual voz de um amgo ítimo Se há pessoas indierentes à beleza é porque são, certamente, incapazes de percebêla No entanto, os juízos de beleza dizem respeito a questões de gosto e este pode não ter um ndamento racional Mas, se r o caso, como explicar o ugar de relevo que a beleza ocupa nas nossas vdas e porque lamentamos o cto se disso se trata de a beleza estar a desaparecer do nosso mundo? Será verdade, como sugeriram tantos escritores e artistas desde Baudelaire a Nietzsche, que a beleza e a bondade podem divergir e que uma coisa pode ser bela precisamen te por causa da sua imoralidade? Além disso, uma vez que é natral que os gostos variem, como pode o gosto de uma pessoa serir de critério para arir o de outra? Como é possível dizer, por exemplo, que um certo tipo de música é superior ou inerior a outro, se os juízos comparatios reectem apenas o gosto daquele que os z? Este relativismo, hoje miliar, levou algumas pessoas a rejeitarem os juízos de beleza por serem puramente «subjectivos» Os gostos não se discutem, amentam, pois quando se critica um gosto mais não se z do que expressar um outro; assim sendo, nenhum ensinamento ou aprendizagem pode vir de uma «crítica» Esta atitde }
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tem posto em questão muitas das discipinas que tradicionalmente pertencem às humanidades Os estudos de ate, música, literatura e arquitectura, liertados da discipina imposta pelo juízo estético, dão a sensação de terem perdido a sustentação frme na tradição e na técnica, que tinha levado os nossos predecessres a consideraremnos nucleares ao currículo Daí a actual «crise das humanidades»: haverá algma razão para estudar a nossa herança artística e ctural, se o juízo acerca da sua eleza é destituído de alicerces racionais? Ou, se resolvermos estudála, não deveria esse estdo ser eito com um espírito céptico, questionando as suas pretensões ao estatuto de autoridade ojectiva, desconstruindo a sua pose de transcendência? Quando o prémio Turner, criado em memória do maior pintor inglês, é todos os anos atriuído a mais uma quantidade de coisas eémeras e ívolas, não é isso prova de que não há padrões, que é somente a moda que dita quem receerá e quem não receerá o pré mio, e de que não z sentido procurar princípios ojectivos do gos to ou uma concepção púlica do lo? Muitas pessoas respondem afrmativamente a estas quesões e, em consequência, renunciam à tentaiva de criticar quer o gosto quer as razões dos juízes do prémio Turner Nste livro sugiro qu são ijustifcados sts pnsamentos cépti cos sore a eleza Esta é, deendo, um valor verdadeiro e universal, ancorado na nossa natureza racional, desempenhando um papel indispensável na constituição do mundo humano O meu tratameto do tópico não é histórico; nem me preocupo em oerecer uma explicação psicológica, e muito menos evolucionista, do sentido da eleza A mia aordagem é flosófca e as oras dos flósos são as principais ntes da mia armentação O escopo deste livro é desenvolver uma argmentação conceida para introduzir um pro lema flosófco e encorajálo a si, leitor, a responderlhe gmas partes do livro vieram à uz em escritos anteriores e es tou grato aos editores do British Joual ofAesthets, do Times Lite ra Supplement e do City Joual, pela autorização que deram para reescrever material que já tinha aparecido nas suas pinas Estou tamém grato a Christian Brer, Malcolm Budd, Bo Grant, ]ohn Hyman, Anthony OHear e David Wiins, pelos comentários [ 2 }
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pertinentes que fzeram a versões prévias do texto Pouparamme a muitos erros e peço desculpa pelos que permanecem, que são da minha inteira responsabilidade R S
Spevie Virnia Maio de2008
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ercebemos a beeza em objectos concretos e em ideias abstractas, em obras da Natureza e em obras de arte, em coisas, animais e pessoas, em objectos, quaidades e ac ções À medida que a lista se alarga incuindo praticamente qua quer categoria ontoógica (há proposições beas e mundos beos, demonstrações beas, bem como belos moluscos e, mesmo, beas doenças e belas mortes) , tornase óvio que não estamos a descrever uma propriedade como a rma, o tamanho ou a cor, isto é, uma propriedade cuja presença no mundo sico seja, para quaquer pessoa que com este tena contacto, incontroversa Paa começar, como pode have uma quaidade particuar que seja evidenciada por coisas tão díspares? E porque não? Afnal de contas, descrevemos sonhos, mundos, turos, ivos e sentimentos como «cordeosa» Não é isto uma rma de iustrar que uma propriedde individua pode ocorrer no âmbito de muitas categorias? Não, é a resposta Se, num ceto sentido, todas essas coisas podem dizerse cordeosa, eas não o são no sentido em que a minha camisa é corderosa Quando nos reerimos a todas essas coisas como coderosa estamos a usar uma metára, que reque um sato de imaginação para ser coectamente compreendida As metáas estaeecem igações que não estão contidas
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no tecido da reaidade. Eas são criadas pela nossa própria capacidade de criar associações. Quando estão em jogo metáras, o importante não é perceer qual a propriedade que sustituem, mas antes a experiência que elas sugerem. A paavra «eo» nunca é haitualmente usada como metára, mesmo se, como acontece em muitos casos, ea se aplica indefnidamente a diversas categorias de ojectos. Porque dizemos, então, que uma coisa é ea? O que queremos dizer com isso e que estado de espírito é expresso pelo nosso juízo? O verdadeiro, o bom e o belo
Há sore a eleza uma ideia atraente que remonta a Patão e a Potino, e que, por diversas vias, se incorporou no pensamento teológico cristão. De acordo com esta ideia, a eleza é um vaor útimo ago que procuramos por si mesmo e cuja procura não tem de ser justifcada por razão uterior. Deste modo, a eleza deve compararse à verdade e à ondade, sendo um memro de um trio de vaores últimos que justifcam as nossas inclinações racionais. Porque acredito em p ? Porque é verdadeiro. Porque quero ? Porque é om. Porque olho para ? Porque é elo. De certa rma, arumetam os flóso s, estas respostas equivaemse, pois todas trazem um certo estado de espírito para o âmito da razão, igandoo a algo a que aspiramos enquanto seres racionais. Alguém que pergnte «Porquê acreditar no que é verdadeiro?» ou «Porquê querer a ondade?» mostrase incapaz de perceer o que é o uso da razão. Não vê que para ser possível justifcar as nossas crenças e desejos, as nossas razões têm de estar alicerçadas na verdade e no em. Podemos dizer o mesmo da eeza? Se aguém me pergunta «Porque estás interessado em ?», podemos considerar «Porque é elo» uma resposta fna imune a contraargumentação, tal como as respostas «Porque é om» e «Porque é verdadeiro»? Quem assim pensa ignora a natureza suversiva da eleza. Uma pessoa seduzida por um mito pode ser tentada a nele acreditar e, neste caso, a eleza é inimiga da verdade. (C. Píndaro: «A eeza, que c onre aceitação aos mitos torna o incrível credível», Pimeia Ode Olímpica) Um homem r6}
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atraído por uma mulher pode ser tentado a char os olhos aos vícios desta e, neste caso, a eleza é inimiga da ondade (C Aé Prévost, Manon Lescaut, que descreve a ruína moral do Chevalier des Gerieux por causa da ela Manon) Partimos do princípio de que a ondade e a verdade nunca competem e que a procura de uma é sempre compatível com o respeito devido à outra A procura da eleza, no entanto, é sempre mais questionável De erkegaard a Wilde, o modo de vida «estético», no qual o supremo valor é a eleza, opunhase à vida virtuosa O amor pelos mitos , istórias e rituais, a necessidade de consolo e harmonia, o desejo prondo da ordem, têm atraído as pessoas para crenças religiosas, independentemente da verdade dessas crenças A prosa de Flauert, a imaginação de Baudelaire, as harmonias de Wagner, as rmas sensuais de Canova, ram, todas, acusadas de imoralidade (por aqueles que culpavam estes homens de encorirem a malvadez com cores sedutoras) Não temos de estar de acordo com tais juízos para aceitarmos a conclusão por eles sugerida O estatuto da eleza enquanto valor último é questionável, coisa que não acontece nos casos da verdade e da ondade Devemos dizer que esta via para a compreensão da eleza não se are cilmente ao pensador moderno A confança com que antigamente os flósos a trilhavam devese ao pressuposto, já explícito nas Enéadas de Pltino, de que a verdade, a eleza e a ondade são atriutos da divindade, rmas pelas quais a unidade divina se dá a conhecer a si mesma à alma humana A visão teológica i retocada, para consumo cristão, por S. Tomás de Aquino e incorporada no raciocínio sutil e arangente pelo qual este flóso é justamente amoso Porém, tratase de uma visão que não podemos aceitar sem nos comprometermos com posições teológicas (propo nho, por isso, que seja, por ora, posta de lado) Apesar disso, a visão de S. Tomás merece rerência, pois ela toca numa difculdade pronda da flosofa da eleza S. Tomás consi derava a verdade, a ondade e a unidade como «transcendentais» características da realidade que todas as coisas possuem, visto que são aspectos do ser, modos pelos quais a dádiva suprema do ser se maniesta ao entendimento As perspectivas de S. Tomás sore a eleza têm mais de tácito do que de elícito De qualquer modo,
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a ideia de que a eleza é tamém transcendente (um modo de ex plicar a tese, já deendida, de que a eeza pertence a qualquer ca tegoria) está sujacente nos seus escritos S. Tomás pensava ainda que a eleza e a ondade eram, no fm de contas, idênticas, sendo apenas maneiras dierentes de se apreender raionalmente uma rea lidade positiva determinada Mas, se isto é assim, o que é a ealdade e porque gimos dela? Porque podem existir elezas perigosas, que corrompem, e elezas imorais? Ou, se tais coisas são impossíveis, porque o são elas e o que erradamente nos z pensar o contrário? Não digo que S Tomás não possui uma resposta para estas questões, mas elas ilustram as difculdades com que se depara qualquer flosofa que coloca a eeza no mesmo pano metasico que a verdade, com o intuito de a plantar no coração do ser enquanto ta A resposta mais natural consiste em dizer que a eleza diz respeito à aparência e não ao ser, acrescentandose talvez que, ao explorar a eleza, estamos a investigar aquilo que as pessoas sentem e não a estrutura pronda do mundo ns tsmos
Dito isto, devemos tirar uma lição vinda da flosofa da verdade As tentativas de se defnir a verdade, que nos digam o que a verdade é, pronda e essencialmente, são raramente convincentes, pois aca am sempre por supor aquilo que devem provar Como se pode def nir a verdade sem ter já pressuposto a distinção entre uma defnição verdadeira e outra lsa? Deatendose com este prolema, alguns flósos sugeriram que uma teoria da verdade deve estar de acor do com alguns truísmos da lógica e que estes apesar de parecerem inócuos a um olhar não teórico rnecem o teste defnitivo para qualquer teoria flosófca Por exemplo, existe o truísmo que diz que se uma ase é verdadeira, tamém a ase é verdadeira» o é, e viceversa Existem tamém os truísmos que sustentam que uma verdade não pode contradizer outra, que qualquer asserção tem pretensão de verdade, que as nossas asserções não são verdadeiras apenas por dizermos que o são Os flósos dizem coisas sore a verdade que têm a aparência de serem prondas, mas o ar de prondidade tem 8}
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equentemente um custo, o de negar um ou outro destes truísmos elementares. Algo que nos ajudaria a defnir o nosso assunto passaria, portanto, por começar com uma lista semelante de trísmos sore a eleza, ce à qual as nossas teorias poderiam ser testadas. Eis aqui seis deles:
() A eleza traznos comprazimento. () Há coisas mais elas do que outras. (m) A eleza é sempre uma razão para prestarmos atenção à coi sa que a possui. (v) A eleza é ojecto de um juízo: o juízo de gosto. (v) O juízo de gosto zse sore o ojecto elo e não sore o es tado de espírito do sujeito. Ao descrever um ojecto como elo, estou a descrevêlo a ele, não a mim. (v) Ainda assim, não á juízos de gosto em segunda mão. Não á rma de além me convencer de um juízo de gosto se eu não o fz por mim mesmo, nem posso tornarme um entendido em eleza se me limito a estudar o que outros disseram sore ojectos elos, não tendo tido com eles contacto nem ajuizado por mim mesmo. O último dos truísmos pode ser posto em causa. Posso farme num crítico musical cujos juízos sore uma peça ou execução mu sicais tomo por verdades inquestionáveis. Não é esta situação comparável à adopção de crenças científcas com ase na opinião de autoridades na matéria ou à criação de opiniões jurídicas com ase nas decisões dos triunais? A resposta é não. Confar num crítico equivale a dizer que me sumeto ao seu juízo, mesmo quando não avaliei por mim mesmo. Porém, o meu juízo exige experiência. Só quando ouço a peça em questão, quando a aprecio no momento, é que a opinião que tomei de empréstimo se torna um juízo meu. Daí o cómico deste diálogo em, de Jane Austen: «zes ue se n nã é mene bn» «n! h, nã ne dss , é cemene fe u dsse ue e fe.» «h ued, ue dssese ue menn Cmbel nã ch fe, e ue . . . »
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«Üh, no que me diz respeito, o meu juízo nada vale. Quando olho para uma pessoa que respeito, acho-a sempre bem parecida Mas, quando disse que ele era feio, não estava senão a repetir a opnião geral»
Neste diálogo, a segunda pessoa a alar, Jane Fairax, está a ignorar o seu contacto com a aparência o seor Don Assim, ao descrevêlo como io não está a zer um juízo próprio, mas a rela tar uma opinião alheia Um paradoxo
Os primeiros três desses truísmos aplicamse ao atractivo e ao agradável Se alguma coisa é agradável temos razão para termos nela in teresse Por outro lado, algumas coisas são mais agradáveis do que outras De uma certa maneira, também não poemos zer juízos em segunda mão sobre o agradável: o nosso próprio prazer é o critério que indicia sinceridade e, quando alamos sobre algum objecto que outros consideram agradável, o melhor que podemos dizer com sinceridade é que ele é aparentemente agradável ou queparece ser agradável, em virtude de outros terem achado que sim No entanto, não é de todo claro que o juízo de que alguma coisa é agradável seja
aldassae nena, Santa Maa dea Salute, Venea: a belea reçada po m ceno modeso
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sore ela, em vez de ser sore a natureza ou carácter das pessoas certo que zemos juízos que discriminam coisas agradáveis: é apropriado ter prazer com umas coisas e inapropriado têlo com outras Porém, esses juízos centramse no estado de espírito do sujeito e não numa qualidade do ojecto Podemos dizer tudo o que qui sermos sore a propriedade ou impropriedade dos nossos prazeres, sem invocarmos a ideia de que algumas coisas são realmente agradá veis e que outras só o são aparentemente
S hisophe Wen, Catdral d S. Paulo, Londres a belea desuída po u cenio arogane
No que toca à eleza, as coisas são dierentes Neste caso, o juízo centrase no objecto do juío e não sore o sujeito que julga Dis tinguimos entre verdadeira eleza e alsa eleza o kitsch, a lamechice, a extravagância Argumentamos sore a questão da eleza e ( 2
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esrçamonos por educar o nosso gosto Além de mais, os nossos juízos sore a eleza são equentemente apoiados pelo raciocínio crítico, que se centra exclusivamente no ojecto Todos estes aspectos parecem óvios, e, no entanto, quando considerados em conjunto com os outros trísmos que identifquei, geam um paradoxo que ameaça minar todo o domínio da estética O juízo de gosto é um juízo genuíno, apoiado em razões Só que estas nunca podem chegar a constituir um argumento dedutivo Se assim sse, poderiam existir opiniões em segnda mão sore a eleza Poderiam existir especialistas no tema sem necessidade de terem qualquer contacto com as coisas que descrevem e regras para se produzir eleza que poderiam ser aplicadas por algém desprovido de gosto estético verdade que os artistas tentam equentemente enaltecer a eleza de coisas que não criam: W ordsworth invoca a eleza da paisagem da região dos lagos; Proust, a eleza de uma sonata de Vinteuil; Mann, a eleza de José; e Homero, a de Helena de Tróia Mas a eleza que perceemos nessas invocações está nestes artistas e não nas coisas descritas possível que um usto de Helena, considerado retrato fel, seja um dia encontrado em Tróia durante alguma escavação e que sejamos surpreendidos com a ealdade da mulher representada (fcando estarridos com o cto de uma guerra ter sido travada por uma causa tão desprovida de encanto) Estive meio apaixonado pela muler retratada no segndo quarteto de Janácek e meio apaixonado pela muler imortalizada em Tristão e Isolda. Estas oras prestam um testemunho irrepreensível à eeza que as inspirou No entanto, para meu desgosto, as tografas de Kamila Stsslová e de Matilde Wesendonck deixam ver dois camaeus desajeitados O paradoxo é, portanto, o seginte: o juízo de eleza z uma alegação sore o ojecto, que pode ser deendida por um argmento No entanto, este não nos compele a aceitar o juízo e pode ser posto de parte sem contradição Por isso, podemos perguntar: tratase ou não de um argmento?
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Beleza a
importante neste momento introduzir o nosso segundo truísmo Podemos, muitas vezes, comparar coisas e hierarquizálas em ção da sua eeza, e há ainda a eleza mínima a eleza num grau mínimo, que parece, à primeira vista, astada das eezas «sagradas» da arte e da Natureza que os flósos discutem Há um minimalismo estético exempifcado pelo pôr da mesa, pela arrumação do quarto, pela construção de um website Este minimaismo parece à primeira vista muito astado do heroísmo estético exemplifcado pela Santa Teresa em Êxtase de Bernini ou pelo Cravo Bem Temperado de Bach Não nos empenhamos neste tipo de coisa tanto quanto Beethoven o ez na composição dos seus útimos quartetos, nem esperamos que uma coisa deste género fque para a eternidade entre os pontos altos
Hamonia hmide: a a enqanto l
da reaização artística Não ostante, desejamos que a mesa, o quarto ou o website tenham oa aparência e atriuímoslhes a mesma importância da eleza em geral não como ago que agrada apenas ao olho, mas como expressão de signifcados e vaoes que têm para nós eevância e que conscientemente gostamos de mosta [23
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Este truísmo tem grande importância para se entender a arquitectra Veneza seria menos ela sem os grandes edicios que ornamentam as zonas rieirinhas a Basica de Santa Maria della Salute de onghena, a Ca' d'Oro, o Palácio Ducal Porém, estes edicios encontramse no meio de outros mais modestos que com eles não competem, nem os diminuem, estando a sua principal virtude preci samente em seirem de pano de ndo e na sua recusa em atraírem atenção para si mesmos, ou em exigirem o estatuto mais elevado da arte superior Na estética da arquitectura, as elezas arreatadoras são menos importantes do que as coisas que não destoam, criando um contexto suave e harmonioso, uma narrativa ininterrupta numa rua ou numa praça, nas quais nada se destaca em particular e onde as oas maneiras prevalecem Muito do que é dito sore a eleza e a sua importância nas nossas vidas ignora a eleza mínima de uma ra despretensiosa, de um elo par de sapatos ou de um papel de emrulho de om gosto, como se estas coisas pertencessem a uma ordem dierente de valor por comparação com uma igreja de Bramante ou um soneto de Shakespeare No entanto, estas elezas mínimas têm uma importância muito maior nas nossas vidas quotidianas e estão presentes nas nossas decisões racionais de uma rma muito mais intrincada do que as grandes oras, que (sendo nós artunados) ocupam as nossas horas de lazer Elas são parte do contexto em que vivemos as nossas vidas e o nosso desejo de harmonia, de ajustamento e de civilidade é por elas expresso e nelas otém confrmação Para mais, as grandes oras de arquitectura dependem muitas vezes do contexto humilde que é rnecido por estas elezas menores A igreja de onghena, no Grande Canal, perderia a sua presença altiva e invocatória se os ediícios modestos que se aninham na sua somra ssem sustituídos por locos de escritórios de etão armado, do género daqueles que arruinaram o aspecto da Catedral de S Paulo, em ondres gumas conse quências
O nosso segndo trísmo não é isento de consequências Temos de levar a sério a ideia de que os juízos de valor tendem a ser compara
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vos. Quando zemos um juízo sore a ondade ou a eleza das coisas, a nossa preocupação é muitas vezes hierarquizar alternativas para podermos escoer entre elas A usca da eleza asoluta ou ideal pode desviarnos da tare mais premente de dar às coisas uma ordem próprio dos ósos, poetas e teólogos aspirarem à eleza na sua rma mais elevada Para a maioria, no entanto, é muito mais importante dar uma ordem às coisas que nos rodeiam, garantindo que os olhos, os ouvidos e o sentido do que é ajustado não sejam costantemente oendidos Uma outra consideração se sege: a ênse na eleza pode em certos casos destruirse a si mesma, se implicar que as nossas es coas se çam entre dierentes graus de uma só qualidade, de tal modo que tenhamos sempre de aspirar ao que há de mais belo em tdo aquilo que escoemos De cto, demasiada atenção à eleza pode destruir o próprio ojecto em que ela está presente Por exemplo, no caso do planeamento rano, o ojectivo é, à partida, que o objecto não destoe e não zêlo soressair Se queremos que soressaia, o ojecto tem de ser merecedor da atenção que reclama, como no caso da igreja de Longhena Isto não signifca que a a humilde e harmoniosa não seja bela Pelo contrário, o que sugere é que a sa eleza pode ser melhor compreendida se r descrita com outra carga, menos pesada, como algo equilirado e harmonioso Se aspirássemos sempre ao tipo de eleza suprema exemplifcada pela Basica de Santa Maria dea Salute, acabaríamos por ter uma so recarga estética A estridência das orasprimas, umas ao lado das outras, lutando entre si para receerem atenção, ria com que elas perdessem os seus traços distintivos e a eleza de cada uma estaria em guerra constante com a das restantes Este ponto conduznos a um outro: «elo» não é de rma algma o único adjectivo que usamos ao zermos juízos deste tipo Louvamos as coisas pela sua elegância, complexidade e patine refnada; admiramos a música pela sua epressividade, disciplina e sentido da ordem; apreciamos o onto, o encantador e o atractivo e sentimo nos equentemente mais confantes ao zermos tais juízos do que qando amamos mais genericamente que uma coisa é ela Falar da eleza sigifca entrar num outro patamar, mais elevado um
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nível sufcientemente à parte das inquietações do nosso diaadia. Por isso, ao mencionála não o zemos sem alguma hesitação. As pessoas que sem descanso prezam e uscam o elo, assim como as que ostentam constantemente a sua é em Deus, emaraçamnos. Temos, de alguma maneira, a sensação de que ssas coisas devem ser guardadas para momentos privados de exaltação e não para serem discutidas à mesa do j antar. Claro que podemos ter a opinião de que ser onito, expressivo, ou elegante ou qualquer outra destas coisas é ser, nessa medida, elo mas apenas nesta perspectiva, não na medida em que Platão, Plotino e Walter Pater desejariam que usássemos este último conceito, se poentura quiséssemos declarar os nossos compromissos estéticos. Ao zer esta concessão, que restringe o âmito do con ceito, estaríamos a apelar ao senso comum estético. Mas tamém este mostra a uidez da nossa lingagem. «Ela é muito bonita sim, ela!» é uma declaração convincente, mas «Ela é muito onita, mas não ela» tamém o é. O prazer é mais importante do que os termos que usamos para o expressar. Termos esses que, até certo ponto, não têm eles próprios sustentação, sendo usados mais para se sugerir um eeito do que para precisar as qualidades que estão na origem desse eeito. Dois conceitos de beleza
O que emerge é que o juízo de beleza não é meramente uma declaração que indicia prerência. Ele implica um acto de atenção e pode ser expresso de muitas maneiras. A tentativa de mostrar o que, no ojecto, é apropriado, ajustado, valoroso, atractivo ou expressivo é menos importante do que o veredicto fnal. Por outras palavras, é mais importante identifcar o aspecto da coisa que reclama a nossa aten ção. A palavra «eleza» pode muito em não fgurar entre as nossas tentativas de articular e harmonizar os nossos gostos. E isto sugere uma dierença entre o juízo de eleza, considerado como uma justi fcação do gosto, e a ênse na belea um modo distintivo de apelar a esse juízo. Não há contradição em dizerse que a partitura do Man rim Milaoso de Bela Bartók é áspera, repelente, e mesmo eia, [6]
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louvando, ao mesmo tempo, a ora como um dos triuns da música moderna As suas virtudes estéticas são de uma ordem dierente daquelas que estão presentes na Pavane de Fauré, cuja única aspiração é ser primorosamente ela, otendo nisso sucesso. Uma outra maneira de colocar a questão consiste em distingir dois conceitos de eleza. Num certo sentido, «eleza» signifca sucesso estético, num outro signifca apenas um certo to de sucesso estético. Há oras de arte para as quais oamos como estando à parte, em virtude da sua eleza pura oras que nos «zem perder a respiração», como O Nascmento de Vénus de Botticelli ou a Ode a Um Rouxinol de Keats, ou a ária de Susana nas Bodas de Figaro de Mozart. Tais oras são por vezes descritas como «arreatadoras», querendo com isso dizerse que elas impõem admiração e reverência e que nos enchem com um prazer tranquilo e consolador. E porque, no contexto do juízo estético, as palavras são vagas e escorregadias, reseamos o termo «elo» para obras deste tipo, para dar ênse especial a este género de poder de atracção inspirador. Tamém com paisagens e com pessoas se nos deparam estes exemplos puros e de tirar a respiração, que nos zem emudecer e que, só por sermos a ados pelo seu rilho, nos deixam elizes. Prezamos estas coisas pela sa eleza «total», indiciando assim a insfciência das palavras quando queremos analisar o seu eeito sore nós Podemos mesmo ir ao ponto de dizer que certas oras de arte são demasiado elas: que nos arreatam quando deviam perturar, ou que dão lugar a uma intoxicação onírica quando o adequado seria um gesto severo de desespero. Isto pode ser dito, penso, do n Memo riam de Tennyson e talvez tamém do Requiem de Fauré ainda que amos sejam, à sua maneira, realizações artísticas supremas. Tudo isto sugere que devemos acautelarnos e não dar demasiada portância às palavras, incluindo a palaa que dee o tema deste livro. Aquilo que interessa, antes de mais, é certo tipo de juízo, para o qu o termo técnico «estético» é usado comente. Devemos reter na memória a ideia de que há um valor estético supremo, para o qual o termo «eleza>> deverá reserarse se quisermos ser mais precisos. De momento, no entanto, é mais importante compreender a eleza no seu sentido haitua, enquanto ojecto do juízo estético.
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Meios, ns e contemplação
Há uma perspectiva muito dindida que não é tanto um truís mo, mas antes uma hipótese que distinge o· interesse na eleza do interesse na efcácia Apreciamos as coisas elas não somente pela sua utilidade, como tamém pelo que elas são em si mesmas ou, de uma maneira mais plausível, pelo modo como elas parecem em si mesmas «Quando estão em causa o om, o verdadeiro e o útil», es creveu Schiller, « homem tem de ser sério, ao passo que, quando é o elo que está em causa, o homem bnca.» Quando uma coisa se dá à nossa percepção, e o nosso interesse é captado inteiramente por ela, começamos a lar da sua eleza, independentemente de nela vislumrarmos qualquer utilidade Esta ideia ez surgir no século VII uma importante distinção en tre as elasartes e as artes úteis Estas, como a arquitectura, a tape çaria e a carpintaria, têm uma nção e podem ser julgadas avaliandose se é em desempenhada Mas não é ao cto de desempenharem bem a sua nção que se deve a eleza de um edicio ou de ma carpete Quando nos reerimos à arqitectra como uma ae útil, entizamos um outro aspecto dela aquele qe está para lá da uti lidade Estamos a querer dizer que uma ora de arquitectura pode ser apreciada não apenas como um meio para atingir determinado fm, como tamém sendo um fm em si mesmo, algo com signifcado intrínseco Ao deateremse com a distinção entre as elasartes e as artes úteis (les beaux as et les as utiles), os pensadores iluministas deram os primeiros passos na moderna concepção da ora de arte como algo cujo valor reside em si e não no se propósito «A arte é toda ela inútil», escreveu Oscar Wilde, não querendo, não ostante, negar que a arte produz eeitos poderosos, sendo a sua própria peça dramáica Salomé m somrio exemplo disso esmo Dito isto, devemos reconhecer que a distinção entre ineresse es tético e interesse utilitário não é mais clara do que a lingem que a dee O que querem exactamente dizer aqueles que afrmam es tarem interessados numa ora de artepela obra de ae, em virtude do seu valor inteco, como um em si mesma Estes termos são tecni 28}
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cismos dos flósos, que não indiciam qualquer contraste claro entre o interesse estético e o ponto de vista utilitário imposto pela necessidade de termos de tomar decisões no diaadia Outras épocas não reconheceram a distinção que ora tão equentemente zemos entre arte e ocios A nossa palavra «poesia» vem do grego poiesis, a aptidão para zer coisas, e a aes romana compreendia todo o tipo de empreendimento evar a sério o nosso segndo truísmo acerca da eleza é ser céptico relativamente à ideia do elo como um domínio à pte, não manchado pelas necessidades práticas mundanas De qualquer maneira, talvez não precisemos de fcar demasiado transtoados por esse om senso céptico Mesmo que não seja ada claro o que se quer dizer com valor intrínseco, não temos difculdade em entender alguém que diz, de uma pintura ou peça musical pela qual se sente atraído, que podia fcar a oála ou a oula para sempre, apesar de não ver outro propósito além do cto de se sentir atraído Dese o indivduo
Suponhase que a Raquel aponta para uma pêra que esá numa ru teira e diz: «Quero aquela pêra» Suponhase ainda que você lhe dá outra pêra qe está na mesma eira e que a rapariga responde: «Não, é aquela pêra que eu quero» Você fcaria intrigado com isto Qualqer outra pêra seiria pereitamente, se a ideia é comer a pêra «Mas é isso mesmo», diz ela, «eu não quero comêla Quero aquela pêra ali Nenhuma outra me see» O que há nesta pêra que atrai a Raquel? O que elica a sua insistência e exigir esta pêra e nenhuma outra? O juízo de eleza poderia explicar este estado de espírito: « Quero aquela pêra por ela ser tão ela» Querer alguma coisa pela sua eleza é querêla a ela e não querer zer algo com ela Por outro lado, se a Raquel segurasse a pêra, se a voltasse e a estudasse de todos os ânglos, não poderia dizer «Bom, é isto, estou satiseita» Se ela queria a pêra pela sua eleza, não se poderia atingir um ponto em que o seu desejo pudesse ser satiseito, nem haveria algma acção, processo ou qualquer outra coisa, na sequência dos quais o desejo se extinguis se e acaasse A rapariga poderia querer inspeccionar a pêra devido
RG SUTON
a variadíssimas razões ou mesmo por razão nenhuma Porém, querer a pêra devido à sua eleza não é querer inspeccionála: é querer contemplála e isso é mais do que procurar inrmação ou do que a expressão de um apetite Há aqui um querer desprovido de ojecti vo, um desejo que não pode ser satiseito, uma vez que nada há que possa ser entendido como satisção do mesmo Suponase agora que algém oerece a Raquel outra pêra da mesma ruteira, dizendo: «Toma lá, vai dar ao mesmo» Não mostraria isto ata de compreensão peas motivações da Raquel? Ea está inte ressada nisto: num determinado ruto que considera muito eo Ne nhum sustituto pode satiszer o interesse da rapariga, visto que se trata de um interesse por uma coisa individua, pelo que essa coisa é Se a Raquel quisesse o ruto para outro propósito para o comer, di gamos, ou para o atirar ao homem que está a aorrecêla , qualquer outro ojecto seiria Nesse caso, ela não desejaria aquela pêra em particular, mas qualquer outro memro de uma classe equivalente em termos de ncionaidade O exemplo az lemrar um outro dado por Wittgenstein nas suas Corêncas sobre a Estéca Sentome a ouvir um quarteto de Mozart; a minha amiga Raquel entra na sala, tira o disco e põe outro digamos, um quarteto de Haydn dizendo: «Üuve este, vais gostar na mesma» A Raquel mostra não ter perceido o meu estado de espírito O meu interesse no quarteto de Mozart não pode ser satiseito pelo quaeto de Haydn, emora possa oviamente ser ecipsado por ele O prolema aqui em causa não é cimente epresso com exac tidão Posso ter escolhido o quarteto de Mozart como terapia, saendo que no passado ee teve sempre um eeito relxante O quarteto de Haydn até pode ter o mesmo eito terapêutico e ser, nesse sentido, um sustituto apropriado Mas nesse caso é um sustituto terapêutico e não musica Podia ter sustituído o quarteto de Mozart por um ano quente ou por um passeio a cavalo terapias igualmente efcazes para acalmar os neos Porém, o quarteto de Haydn não pode sustituir o interesse que teno no de Mozart pela simples razão de que o meu interesse no quarteto de Mozart está centrado neste quarteto, peo que ele é em particuar e não por causa de qual quer outro propósito que lhe seja dado
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Uma adveência
Há um perigo envolvido quando se leva a sério a distinção vinda do século entre elasartes e artes úteis Segndo uma certa inter pretação, esta distinção pode dar a ideia de que a utilidade de algo um edicio, uma erramenta, um carro deve ser inteiramenteposta de lado em qualquer juízo sore a sua eleza Ter eeriência da eleza, pode parecer, implica que devemos concentrarnos na rma pura, separada da utidade Mas assim estamos a ignorar que o conhecimento da nção é um preliminar vital para a eeriência da rma Suponhase que uma pessoa coloca na sua mão um ojecto inusitado uma ca, um erro de limpar cascos, um isturi, um ornamento ou qualquer outro Supoase tamém que essa pessoa e pede a sua opinião sore a eleza do ojecto Não seria certamente um contrasenso se dissesse que não podia ter qualquer opinião sore o assunto antes de conhecer a suposta nção do ojecto Ao fcar a saer que se trata de uma calçadeira, poderia então responder: sim, para calçadeira até é muito ela; se sse uma ca seria uma coisa mal eita O arquitecto Louis Sullivan i mais longe, argumentando que a eleza na arquitectura (e, por implicação, nas outras artes úteis) surge quando a rma segue a nção Por outras palavras, temos experiência da eleza quando perceemos como a nção de uma coisa gera as suas características oseáveis e é delas expressão O slogan «a rma segue a nção» toouse a partir de então uma espécie de maniesto, tendo persuadido toda uma geração de arquitectos a tratarem a eleza como um suproduto da ncionalidade e não como o ojectivo determinante (como era para a escola de elasartes contra a qual Sullivan se reelava) Há aqui uma pronda controvérsia, cujos contornos se tornarão claros apenas à medida que o argumento deste livro r desenvolvido Juntemos uma advertência à advertência, oserando que, ao contrário do que pensa Sulivan, quando alamos de ela arquitectura a nção segue a rma O uso dado a elos ediícios muda e edi cios inteiramente ncionais são deitados aaixo A Santa Sofa em stamul i construída para ser igreja, tendo sido transrmada em [3 1}
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quartel, em segida em cavalariça, depois e m mesquita e fnalmente em museu Os los da ower Manattan passaram de armazéns a apartamentos, a lojas e (em algns casos) outra vez a armazéns mantendo sempre o seu carme e sorevivendo precisamente graças a isso Claro que o conecimento da nçã arquitectónica é impor tante para zer um juízo de eleza, mas essa nção está ligada ao ojectivo estético: a coluna está lá para dar dignidade, para agentar a arquitrave, para elevar o edicio muito acima da sua própria entrada, conerindole assim um lugar proeminente na ra onde se encontra e assim por diante Por outras palavras, qado levamos a eleza a sério, a nção deixa de ser uma variável independente e é asoida pelo ojecto estético Tratase de um modo dierente de entizar a impossiilidade de encarar a eleza de um ponto de vista puramente instrumental Está sempre presente a necessidade de encarar a eleza pelo que ela é, como um ojectivo que qualifca e limita quaisquer outros propósitos que possamos ter A beleza e os sentidos
Existe uma vela perspectiva que considera a eleza um ojecto de deleite senorial e ão intelectual e que os sentidos têm sempre de estar envolvidos na sua apreciação Por esse motivo, quando a osofa da arte toma consciência de si mesma, no princípio do século xvm autoproclamouse «estética», do grego aisthesis, sensação Quando Kant escreveu qe o elo é aquilo que compraz imediatamente e na asência de conceito, emelezou ricamente esta tradição de pensa mento S. Tomás tamém parece ter deendido a ideia, defnindo o elo na primeira parte da Suma como aquilo que apraz à vista ul chra sunt quae visaplacent). No entanto, acaa por modifcar esta declaração na segunda parte da ora, escrevendo «de todos os sentidos, o elo só se relaciona com a vista e com a audição, pois estes são os que rnecem mais conecimento (maxime cooscve)». Isto sugere que S. Tomás não limitava o estudo da eleza ao sentido da vista e que tamém estava menos preocupado com o impacte sensorial do elo do que com o seu signifcado intelectual mesmo tratandose de um signifcado que pode apreciarse apenas por ver e ouvir 32}
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A questão pode aqui parecer demasiado simples: o prazer da eleza é sensorial ou intelectual? E qual a dierença entre os dois? O prazer de um anho quente é sensorial; senso rial; o prazer praze r de um quera quera caeças matemático é intelectual. Mas entre esses dois extremos há uma miríade de posições intermédias. Por isso, a questão de saerse onde começa e acaa o prazer estético no interior destes limites toouse to ouse numa numa das das questões mais deatidas em estétie stética. Ruskin, numa passagem mosa de Mode Painters, distinguia meramente entre o interesse sensual, a que chamava aisthesis, e o inte ressee em arte , a que chama chamava va theoria, do grego grego «c onverdadeiro interess templação» sem com isso querer querer,, no entanto, equ e quipara ipararr a arte à ciência ou negar o envolvimento dos sentidos na apreciação da eleza. lez a. A maior parte dos do s pensado pe nsadores res evitou a inovação ling linguística uística de Ruskin e manteve o termo aisthesis, recohecendo, não ostante, que isso não denota um enquadramento mental puramente sensóro. Uma ela ce, uma ela or, uma ela melodia, uma ela cor todas elas são decerto oj ecto de um u m certo prazer sensorial, um pra pra zer resultante de uma coisa ser vista ou ouvida. Mas o que dizer de um elo romance, de um elo elo sermão, de uma ela ela teoria em sica ou de uma ela prov provaa matemática? matemática? Se associamos associ amos demasiado a ele za de um romance ao seu som quando quando lido em voz alta, temos de conc onsiderar side rar a tradução do romance como co mo uma ora de de arte inteiramente inteirame nte dieren di erente te do romance na língu línguaa original. I sso seria negar tudo o que que é realmente interessante interes sante na art artee do romance o desenrolar dese nrolar de uma uma história, o modo controlado de liertar liertar a irmação irmação sore mundos iminários e as reexõe s que acompaam a intrig intrigaa e que rerçam o sigifcado desta Além disso, se s e associarmos demasiado a eleza aos sentido s, podemos demo s dar connosco conn osco a perntar perntar porque tantos flósos, flóso s, de Platão Platão a Hegel, estatuíram estatuíram que que a experiên experiência cia da eleza nada tem a ver com os sentidos do paladar, do tacto e do olcto. Não se dedicam os amantes amantes do vinho e da comida ao seu tip o de eleza? Não Nã o há elos aromas, assim como com o elos saores s aores e elos elo s sons? Não sugere sugere a vasta literatura lite ratura crítica devotada à avaliação da comida e dos vinhos um paralelo próximo entre as artes do estômago e as da alma? [}
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Eis como eu, de modo muito sucinto, responderia a estas consi derações Ao apreciarmos uma história, estamos certamente mais que está a ser do do do que no carácter interessados naquilo qu carácter sensório dos sons usados quando ela é lida em voz alta No entanto, se as istórias e os romances se reduzissem simplesmnte à inrmação neles contida, como c omo explicar explicar o cto de nós regr regress essarmos armos constantemente às pavras, pavras, lendo passens voritas voritas,, deixando que os sentido s entidoss permeiem os nossos pensamentos muito depois de conhecermos a in triga? triga? A sequência sequênci a pela pela qual a história se dese d esenrola, nrola, o suspense, o equi líbrio entre narrativa e diálogo, e entre estes dois e o comentário do narrador, narrador, todos estes aspectos aspecto s têm um carácte carácterr sensorial, no sentido em que assentam assentam em antecipações e des des ecos eco s e em que dependem do modo como a narrativa metodicamente se desenrola diante da nossa percepção percepção Nessa Ne ssa medida, um romance dirigese dirigese aos sentidos embora não não como um objec to de deleite sensório, sensó rio, à maneira maneira de um chocolate delicioso ou de um belo vinho velo, mas como algo que se apresenta à mente através dos sentidos Tomese qualque qualquerr um dos contos co ntos de Tché Tchékhov khov Não interessa interes sa se numa tradução as ases não soam de modo algum como o original russo uss o Os contos co ntos contin c ontinuam uam a apresentar apresentar imagens imagens e acontecimentos acontecimento s na mesma seqência sgestiva Continuam a dizer tanto implicita mente quanto exlicitamente e a esconder tanto quanto revelam Continuam a seguirse uns aos outros com a lógica das coisas que se obseram o bseram e não com a lógica lógica da da síntese síntese A arte de Tchékhov Tchékhov cap ta a vida tal como ela é vivida e destilaa em imagens que contêm cenas pungentes, tal como uma gota de oalo contém o céu Ao seguirmo seguirmoss uma dessas dess as istórias estamos a constru cons truir ir um mundo cuj cuj a interpretação interpretação é a cada momento dominada pelos pelo s suspiros e sons que iminamos No que que toca to ca ao palada paladarr e ao a o olcto olcto,, creio que os flósos flósos fzeram bem em deixálos deixálos nas marg margens ens do nosso interesse na beleza Sabores e cheiros cheir os não toam poss po ssíível o tipo tipo de d e organização organização sistemáti sis temática ca que transrma sons em palavras e tons Podemos ter com eles prazer, mas apenas a um nível sensual que mal atrai a nossa iminação ou pensamento Sabores e cheiros não são, por assim dizer, sufciente mente intelectuais para para despertarem o interesse na beleza beleza
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Apontaramse aqui brevemente apenas algmas conclusões que exigem argumentação mais desenvolvida, que neste momento ainda não pode ser apresentada. Em vez de se entizar o carácter «ime diato», «sensório» e «intuitivo» da experiência da beleza, propoo que se considere c onsidere,, em alternati alternativa, va, o modo pelo qual qual um objecto objec to se nos apresenta nesse tipo de experiência. O teresse desteres desteressado sado
Pondo estas obserações lado a lado com os nossos seis tuísmos, podemos alinhavar uma conclusão eloratóia: dizemos que algo é belo quando retiramos comprazimento da sua contemplação enquanto objecto individual, pelo que ele é, e naforma com que se apre senta. Isto é assim mesmo quando se trata daqueles objectos que, como uma paisagem ou uma rua, não são propriamente indivíduos, mas miscelâneas casuais casuais Estas Est as entidades comp co mplex lexas as são emolduras pelo interesse estétic est ético; o; são, são , po assim dizer, mantidas mantidas em em conjunto, dentro de um olhar unifcado e unifcador unif cador estéti ca mo dicil indicar com precisão a data de nascimento da estética derna derna Mas é inegáv inegável el que o assunto assu nto ava avançou considera conside ravelmente velmente com Charactests (1711), do terceiro terc eiro conde c onde de Shaesbury, Shaesbury, um discípulo discípulo de ocke e um dos mais inuentes ensaístas do século I Nesta obra, Shaesbury Shaesbury procura procur a explicar explicar as peculiaridades peculiaridades do juízo de be leza em termos da atitude atitude desinteressa daquele daquele que z o juízo juízo Estar interessado na beleza é pôr de parte todos os interesses, de modo a prestar atenção à própria coisa Kant (Ctica Faculdade do Juío, 1795) pegou na ideia, constrindo sobre ela uma teoria estética bastante tante controversa De acordo acor do com ele, ele , temos tem os uma uma relaçã relaçãoo «interes «in teressasada>> da>> com coisas ou pessoas pes soas quando as usamos como meios m eios para satiszerem os nossos interesses. Por exemplo, quando uso um martelo para pregar pregar um prego prego ou uma pesso pe ssoaa para entregar entregar uma mensem Os anmais têm somente atitudes «interessadas». Em tudo o que zem são movidos movidos pelos seus desejos desej os,, necessidades ne cessidades e apetites, trata tratanndo os objectos e os outros animais apenas como instrmentos para sua satisção. Nós, pelo contrário, distingimos, quer ao nível do pensamento quer do comportamento, entre aquelas coisas que são
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para nós meios e aquelas que sãon em si mesmas Em relação a certas coisas maniestamos um interesse que não é governado pelo interes se, mas que é, por assim dizer, inteiraente devotado ao ojecto Este modo de apresentar o assunto é controverso Em parte porque Kant como acontece em todos o seus escritos procura persuadirnos sutilmente a sancionar um sistema no qual cada pen samento tem sempre implicações de grande alcance Ainda assim, podemos perceer o que Kant pretende se considerarmos um exem plo simples Iminese uma mãe a emalar o seu eé, olandoo com amor e satisção Não dizemos que ela tem um interesse que é satisito por esta criança, como se qualquer outro eé pudesse desempenhar o mesmo papel Nem á um interesse da mãe que o eé possa satiszer, nem um m para o qual o eé sia como meio o eé, ele mesmo, que interessa à mãe; ou seja, é o ojecto de interesse apenas por aquilo que é Se a muler sse movida por um interesse digamos, interesse em persuadir alguém a empregála como ama o eé dexaria, nesse caso, de ser o co nico e fnal do seu estado de espírito Qualquer outra criança que le permitisse zer os sons e as expressões convenientes seiria na mesma para atingir o ojectivo O cto de ela não olar o seu ojecto como um entre muitos possíveis sustitutos é sinal de uma atitude desinteressada Claro que nenhum outro eé «seriria na mesma» para a mãe que adora a criatura que tem nos raços O prazer desinteressado
Ter uma atitude desinteressada relativamente a alguma coisa não é necessariamente não ter interesse nela, mas ter um certo tipo de interesse Dizemos equentemente das pessoas que generosamente ajudam outros em tempos diceis que agem desinteressadamente, querendo com isso signifcar que não são motivadas por interesse próprio ou por outro interesse que não seja zerem apenas isto, nomeadamente ajudarem os seus vizinhos Essas pessoas têm um inte resse desinteressado Como é isso possível? A resposta de Kant é que isso não seria possível se todos s nossos interesses ssem deter minados pelos nossos desejos, pois um interesse que decorre de um
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desejo aspira à satisção desse desejo, que é um interesse meu. Con tudo, um outro pode ser desinteressado desde que seja determinado pela (ou derive da) razão. A partir desta primeira ideia já de si controversa , Kant retira uma conclusão notável. Existe um certo tipo de interesse desinte ressado, argmenta, que é um interesse da razão: não um interesse meu, mas um interesse da razão existente em mim. desta maneira que Kant explica a motivação moral. Quando pergunto a mim mes mo não o que quero zer mas o que devo zer, distanciome de mim e colocome na posição de m juiz imparcial. A motivação mo ral deriva de eu pôr os meus interesses de lado e considerar a questão perante mim apelando apenas à razão e isso signifca apelar a considerações que qualquer ser racional também estaria disposto a acei tar. Desta postura, assente numa inquirição desinteressada, somos levados inexoravelmente, pensa Kant, ao imperativo categórico que nos diz para agirmos exclusivamente segundo aquela máxima que podemos querer como lei para todos os seres racionais. Num outro sentido, porém, a motivação moral é interessada: o in teresse da razão é também o princípio determinante da mina vontade. Procuro tomar uma decisão e zer o que a razão requer é isto que a palavra «devo» implica. No caso do juízo de beleza, porém, eu encontrome puramente desinteressado, abstraído de considerações de ordem prática e considerando o objecto suspendendo todos os desejos, interesses e ojectivos. Este entendimento estrito de desinteresse parece pôr em causa o primeiro dos nossos truísmos: a relação entre eleza e prazer. Quando teno prazer com uma eeriência desejo repetila e esse desejo é um interesse meu. Sendo assim, o que podemos querer dizer compraer desinteressado? Como possui a razão um prazer estente «em m» e que prazer é esse afnal? certo que somos atraídos por coisas elas como o somos por outras ntes de satisção devido ao prazer que elas proporcionam. A eleza não é a nte do prazer desinteressado, mas simplesmente a nte de u prazer universal: o interesse que te mos na eleza e no prazer que a beleza proporciona. Podemos encarar o pensamento de Kant de uma rma mais com placente se distingirmos entre prazeres. Háos de muitos tipos,
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como podemos ver se compararmos o prazer proporcionado por uma droga, o de um copo de vino, o prazer do nosso o que passa num exame e o que encontramos num quadro ou numa ora musical Quando o meu o me diz que venceu um prémio de matemática na escola eu sinto prazer, mas o meu pazer é interessado, pois surge da satisção de um interesse meu o meu interesse parental no sucesso do meu o Quando leio um poema, o meu prazer não depende de outro interesse a não se o meu interesse nisto, ou seja, no próprio ojecto que teno diante da mente Claro que outros interesses inuenciam o modo como se desenvolve o meu interesse pelo poema: o meu interesse em estratégia militar levame à íada, o meu interesse em jardins ao Paraíso Perdido. No entanto, o prazer na e leza de um poema é o resultado de um interesse nele, exactamente por aquilo que ele é Posso ter sido origado a ler o poema para passar no exame Em tal caso, sinto prazer em têlo lido Tal prazer é nente um prazer interessado, um praze que provém do meu interesse em ter lido o poema Estou satisitoporque li o poema, desempenando aqui a pa lavra «porque» o decisivo papel de defnir a natureza do meu prazer A nossa lingem reecte em parte esta complexidade do conceito de paze: alamos de pazer resultante de, prazer de ou em e prazer porque. Como disse Malcolm Budd, o pazer desinteressado nunca é prazer de um facto. Nem o prazer da eleza é como deendi anteriormente puramente sensório, como o prazer de um ao quente E não é certamente como o prazer que provém da inalação de cocaína, que não é um prazer na cocaína mas um prazer resultante dela. O prazer desinteressado é um tipo de paze de ou em. Mas case no seu ojecto e depende do pensamento Usando um termo técnico, dirseia que tem uma «intencionalidade» específca O prazer de um ao quente não depende de qualquer pensamento acerca do ano, não podendo, assim, ser conndido com um prazer desinteressado Os prazeres intencionais, por contraste, são parte da vida cognitiva O meu prazer ao ver o meu o ganar a prova de salto em comprimento desaparece assim que descuro que aquele que triunu não era o meu o, mas um rapaz parecido com ele O meu prazer inicial estava errado Esses erros podem pagarse caro,
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como no caso de ucrécia ao araçar o homem que tomou pelo seu marido, descorindo depois que se tratava do violador Tarquínio Os prazeres intencionais rmam, portanto, uma suclasse s cinante do prazer Integramse completamente na vida da mente Podem ser neutralizados através de argmentos e amplifcados pela atenção Não surgem, como os prazeres da comida e da eida, de sensações radáveis, mas representam uma parte vital no exercício das nossas capacidades cognitivas e emocionais O prazer da eleza é similar Só que não é apenas intencional, é contemplativo, alimentandose da rma que o ojecto apresenta, renovandose constantemente a partir dessa nte O meu prazer na eleza é, portanto, como uma dádiva que me é concedida Neste particular, z lemrar o prazer que as pessoas eerimentam na companhia dos amigos Tal como o prazer da amizade, o prazer na eleza é curioso: procura compreender o seu ojecto e valorizar aquilo que encontra Assim, tende para um juízo sore a sua própria validade e, do mesmo modo que todo o juízo racional, este tipo de juízo z apelo explícito à comunidade dos seres racionais Era isto o que Kant queria dizer quando argmentava, a respeito do juízo de gosto, que procuro «ganhar o assentimento dos ouros», ao expressar o meu juízo, não enquanto opinião pessoal mas como um veredicto origatório que merece o acordo de todos os seres racionais, contando que zem o que eu estou a zer, pondo os seus próprios ineresses de lado Objectividade
O que Kant ama não é que o juízo de gosto é origatório para toda a gente, mas que aquele que z um juízo de gosto, lo apresentarse como tal Tratase de uma sugestão extraordinária, emora eseja de acordo com os trísmos que ensaiei previamente Quando descrevo alguma coisa como ela estou a descrevê e não os meus sentimentos em relação a ela estou a zer uma alegação e isso parece implicar que os outros, se oarem para as coisas como deve ser, concordarão comigo Além de mais, a descrição de algo como elo tem um carácter de juízo, de veredicto, para o qual z sentido pedir uma justifca
ROG SCUON
ção. Posso não ser capaz de oerecer quaisquer razões deitivas em vor do meu juízo, mas se assim é tratase de um cto que tem a ver comigo e não com o meu juízo. Talvez outra pessoa, com mais prática na arte da crítica, possa justifcar o veredicto. A questão de saer se razões críticas são realmente raões é, como notei anteriormente, uma questão atamente controversa. A posição de Kant era que os ju ízos de gosto são universais, mas sujectivos: aseiamse na eeriência imediata daquele que z o juízo não em argumentação racional. Apesar disso, não devemos ignorar o cto de as pessoas discutirem constantemente juízos estéticos e de tentarem a toda a ora cegar a algm acordo. A discordância estética não é uma discordância conrtável, como o é a discordância sore o gosto na comida (que radica mais propriament em dierenças do que em discordâncias). No caso do planeamento urano, por exemplo, a discordância estética é terreno de litígio eroz e de aplicação de leis. Andar em diante
Começámos com alguns truísmos sore a eleza e avançámos para uma teoria a teoria de Kant que está longe de ser trivial, sendo até, na verdade, inerentemnt controvrsa, em virtud do modo como defne o juízo estético e por atriuir a este último um lugar central na vida de um ser racional. Não digo que a teoria de Kant seja verdadeira. De quaquer modo, rnece um ponto de partida interessante para discutir uma matéria que permanece tão controversa oje como o era quando Kant escreveu a terceira Crítica. E á uma coisa segramente certa no argumento de Kant, que é a ideia de que a experiência da eleza, tal como o juízo no qual ela emerge, é uma prerrogativa de seres racionais. Só criaturas como nós com lingagem, consciência de si, razão prática e juízo moral podem olar para o mundo deste modo vigiante e desinteressado, por rma a apoderaremse do ojecto que se apresenta e retirarem dele prazer. Antes de prosseguir, porém, é importante considerar duas questões que etei até ao momento: a das origens evolutivas do sentido da eleza e aquela associada ao lugar da eleza no desejo sexal.
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o primeiro capítulo deste livro identifquei um estado de espírito aquele que está em causa quando nos conontamos com a eleza e um juízo que parece estar implícito naquele. Analisei esse estado de espírito, procurando mostrar como ele podia explicar certos truísmos sore a eleza con sensualmente aceites como verdadeiros. A argumentação i toda ela inteiramente priori, candose em distinções e oseações que são supostamente evidentes para as pessoas que compreendem o signifcado dos termos usados para as expressar. A questão que temos agora de considerar é saer se este estado de espírito tem al gum ndamento racional, se ele nos diz algo sore o mundo em que vivemos e se exercitálo z parte da realização humana. Seria este, de qualquer maneira, o tratamento osófco do nosso tópico. Ele não é , contudo, a aordagem da psicologia evolucionista, que dende que entendemos melhor os nossos estados de espírito se identifcarmos as suas origens evolutivas e a contriuição que estas (ou alguma versão delas anterior) possam ter dado para as estratégias reprodutivas dos nossos genes Porque é mais ci a um organismo passar a sua herança genética se exercitar as suas emoções diante de coisas elas? Esta questão científca, ou de aparência científca, é
ROG SCUTON
para muitas pessoas o que resta de signifcativo na estética a única questão que hoje em dia permanece acerca da natureza ou valor do sentimento de beleza. No seio dos pscólogos evolucionistas existe uma controvérsa entre aqueles que admitem a possibilidade a selecção de grupo e os que, como Richard Dawkns, afrmam que a selecção ocorre ao nível do organismo individual, pois é aí, e não no grupo, que os genes se reproduzem. Sem tomar partido nesta controvérsia, podemos reco ecer dois grandes tpos de estética evoluconsta: um que mostra as vantens do grupo que possu sentdo estético, outro que de ende que os indivíduos dotados de interesses estéticos têm maior capacidade de transmitirem os seus genes. O prmero tipo de teoria é proposto pela antropóloga Ellen Dis sanayake, que, em Homo Aesthecs, argumenta que a arte e o interesse estético devem ser comparados aos rituais e aos estvais ramos da necessidade humana de «tornar especial», de tirar ojectos, acontecimentos e relações humanas dos seus usos quotidianos, transrmandoos no co da atenção colectva. Este «tornar espe cial» rerça a coesão do grupo e leva as pessoas a atribuírem às co sas que são realmente importantes para a sobrevivênca da comuni dade sejam elas o casameno, as armas, os neras ou cargos pblcos notoriedade pública e uma aura que as protege da desatenção negligente e da erosão emocional. A necessidade prondamente enraizada de «tornar especial» explicase pela vantagem que este mecansmo conere às comunidades umanas, ao manêlas coesas nas ocasões em que estão ameaçadas e ao rerçar a sua confança reprodutiva em ocasiões de prosperidade e paz. A teoria é interessante e contém um indubitável elemento de ver dade, mas é insufciente enquanto elcação crítica do que é dis tintivo do enómeno estético. Embora o senso da beleza possa estar enaizado em alguma necessdade colectiva de «tornar especial», a beleza, ela mesma é um caso especial do especial, não devendo ser conndida com o ritual, o stival ou a cermónia, ainda que estas coisas possam possuir beleza. A vantem que advém a uma comundade da protecção cerimonal das coisas importantes pode acon tecer sem a eeriência da beleza. Há muitas outras maneiras pelas
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quais as pessoas separam as coisas das suas nções haituais e lhes conerem uma aura valiosa Por exemplo, através de acontecimen tos desportivos, como os descritos por Homero; ou através de rituais religiosos, nos quais a presença solene dos deuses é invocada para protecção de uma instituição ou prática que necessitem de apoio colectivo O desporto e a religião são, do ponto de vista antropológico, vizinhos próximos do sentido da eleza Do ponto de vista da flosofa, porém, as distinções são aqui tão importantes quanto as ligações Quando as pessoas se rerem ao teol como « elo desporto», descrevemno do ponto de vista do espectador, como um enómeno quase estético Em si mesmo, como exercício competiti vo, no qual a hailidade e a rça são testadas, o desporto deve ser distinguido tanto da arte quanto da religião, sendo que cada um dos três enómenos tem o seu próprio signifcado especial na vida dos seres racionais Uma ojecção semelhante pode zerse à teoria mais individualista proposta por Georey Miller em The Mating Mind, seguida por Steven Pier em How the Mind Works. De acordo com esta teoria, o sentido da eleza emergiu do processo de selecção sexual uma sugestão eita originalmente por Dain em A Descendência do Ho mem Na ampliação de Miller, a teoria sugere que, ao procurar tornar se mais elo, o homem está a zer o que o pavão z quando exie a sua cauda: a dar um sinal da sua aptidão reprodutiva, à qual uma muer responde à semelhança da pavoa, pretendendoo por causa dos seus genes (emora não tea consciência do que z) Claro que a actividade estética humana é mais complexa do que as exiições instintivas das aves Os homens não usam somente penas e tatuens; pintam quadros, escrevem poesia, cantam canções Porém, todas estas coisas são sinais de rça, engenho e ravura e, portanto, indícios claros da aptidão reprodutiva As mueres sentemse scinadas, impressionadas e cheias de desejo por estes gestos artísticos, podendo a Natureza seguir o seu curso pelo triun mútuo dos genes que transportam a sua duráve herança Mas é claro que as actividades vigorosas que não correspondem à criação artística trariam uma igual contriuição para essa estratégia genética Assim, a elicação, mesmo se verdadeira, não nos perti
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rá idetifcar o que é específco esp ecífco ao setimeto de d e beleza. Mesmo Me smo se a Fuga têm uma cauda do pavão e a A e Fuga uma ascedêcia ascedê cia comum, a apreciação a que a primeira prime ira dá luga lugarr é de um tipo completamete di diere ere te da que pode ser iigida iigida à tima. ]á deve ser claro do arg argmeto meto desevolv desevolvido ido o primeiro captulo captulo que apes os seres racioais têm t êm iteresses estéticos e que a sua racioadade é activada pela beleza, como co mo o é pelo juzo moral e pela creça cietfca. Um pouco de lóca
O se setime timeto to da beleza pode p ode ser sufciete suf ciete para p ara levar levar uma mulher a escolher um homem pela aptidão reprodutiva deste, mas ão é para al ecessário. O processo de selecção sexal podia ter ocorrido sem este modo particular de iteresse um outro idivduo. Portato, uma vez que ão podemos ierir que o setimeto de beleza é ecessário para o processo de selecção sexal, ão podemos usar o eómeo da selecção sexal como explicação coclusiva do setimeto a beleza, muito meos como um modo de deciar o que esse setimeto sica Se queemos ter uma imagem imagem clara do lugar gar da beleza, e da ossa reacção a ela, a evolução da ossa espécie espé cie,, temo te moss de acrescear alg algo mais a respeito da especifcidade espec ifcidade do juzo estético. Este algo mais deve ter em cota os seites ctos: que os homes apreciam as mulheres pela sua sua beleza, pelo meos tato quato as mueres os apreciam pelo mesmo motivo; que as mulheres também são activas a produção de beleza, quer a arte quer a vida quotidiaa; que as pessoas associam a beleza aos seus esrços e aspiraçõ aspirações es mais elevados elevados,, setemse perurbadas pela sua ausêcia usêc ia e cosideram um certo grau de coseso estético como essecial à vida em sociedade. soci edade. Como Como estão e stão as coisas, coisa s, a psicolo psic ologia gia evol evolucioista da beleza dáos uma imem do ser humao humao e da sociedade socie dade humahumaa em que o elemeto eleme to estétic es téticoo está e stá priva privado do da sua itecionalidade itecionalidade especfc esp ecfcaa e dissolvid diss olvidoo em vaga vagass geeralidades que subestimam o lugar peculia peculia do juzo estétic es téticoo a vida do ete racioal. Apesa disso, e mesmo que o tratameto da questão questão oerecido oerecido por Miller ão ão ça luz sobre sob re o setimeto se timeto que procura elcar, é segramete razoá raz oável vel acreitar que algu alguma ma relação há etre belez be lezaa e sexo. sexo .
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Pode ser que estej es tejamos amos errados ao procurar uma uma ligaç ligação ão causal entre estes dois aspectos da condição umana. Pode ser que estejam ligados de modo mais íntimo. Pode ser que as coisas sejam como Platão deendeu tão rtemente, ou seja, que o sentimento da eleza seja uma componente co mponente central do desejo sexal. sexal. Se S e assim é, á certamente implica implicaçõe çõess não apenas apenas para a compreensão co mpreensão do desejo desej o como tamém para a teoria da eleza. Em particular, levantarseão dúvidas sore a ideia de que a nossa atitude atitude em ce da eleza é intrinsecamente desinteressada. sintere ssada. Que atitude atitude é mais interessada do que que o desejo desej o sexal? sexal? Beleza e desejo
Platão não esc e screvi reviaa sore o sexo se xo e sore so re a dierença dierença sexal com o en tendimento que que zemos oj oj e desses dess es conceitos conc eitos,, mas sore sore eros, esse impulso irresistív irres istível el que, que, para Platão, atinge atinge o seu máximo entre pes pes soas do mesmo sexo, sendo sentido especialmente por um omem de mais idade tocado toc ado pela eleza eleza de um jovem, jovem, como o amor que, que, de acordo com Dante, «z mover o Sol e as outras estrelas». O tratamento da eleza de Platão Platão tem começo, começ o, porta po rtanto, nto, noutro truísmo: truísmo: uma pessoa pess oa instiga instiga o desejo. desej o. (vn) A eleza de uma Platão acreditava que o desejo é algo real e tamém uma espécie de erro; erro ; um erro que, no entanto , nos diz algo algo de importante sore nós mesmos e sore o Cosmos. guns argmentam que não é a eleza que inst instiga iga o desejo desejo , mas mas o desejo que convoca a eleza que, que, ao desejar alguém, vejoo ou vejoa como elo, sendo este um dos modos pelos quais a mente, para tomar de empréstimo a metára d Hume, «se estende a si mesma sore os ojectos». Mas isto não reecte com exactidão a eperiência da atracção sexal. Os nossos olos ol os deixamse cativar cativar pelo elo e lo rapaz ou ela ela raparig raparigaa e é a partir desse momento que o nosso desejo começa. Pode aver uma outra maneira mais madura de desejo sexal, que nasce do amor e que encontra eleza nos traços já aandonados pela juventude de um companeiro de uma vida. Porém, e de modo entico, não é este enómeno que q ue Platão Platão tina em mente. men te.
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Seja qual r o modo pelo qual olhemos o assunto, o sétimo truísmo cria um prolema para a estética. No domínio da arte, a ele za é um ojecto de contemplação e não de desejo. A apreciação da eleza de uma pintura ou de uma um a sinnia não implica impli ca uma atitude concupiscente; e mesmo se, por motivos anceiros, me é possível rouar a pintura, pintura, não há certamente certam ente maneira de aandonar a sala de concerto conc ertoss com uma sinnia no olso. olso . Signifca isto que que há dois tipos de eleza a eleza das pessoas pes soas e a eleza da arte? arte? Ou signifca signifca que que o desejo que surge do contacto com a eleza humana é uma espécie de erro que cometemos e que q ue a nos nossa sa atitude atitude em ce da eleza, em todas as suas rmas, tende realmente para o contemplativo? Eros e amor platóco plató co Platão i convencido pela ltima des destas tas duas ideias. ideias . dentifcou dentifco u eros como com o a origem origem do do dese d esejo jo sexal e tamém do do amor pela eleza. Eros é uma rma de amor que procura a união com o seu ojecto e tam ém zer cópias cópias dele tal como homens e mueres zem zem cópias de si me mesmo smoss através através da reprodução sxal. A juntar jun tar a essa rma ásica (assim Platão a via) de amor erótico existe uma outra superior, na qua quall o ojecto ojec to do d o amor não não é possuído, pos suído, mas contemplado. contemplado. Nele, o processo de cópia não ocorre no domínio de entidades particulares concretas, concretas , mas no das ideias astractas astractas ao níve nívell das «rmas» «rmas»,, como ram descritas por Platão. Ao contemplar a eleza, a alma liertase da sua imersão nas coisas meramente sensuais e concretas e ascende a uma esera mais alta, onde não é o rapaz elo que é oserado, mas a própria rma do elo. Esta penetra na alma por um verdadeiro verdadeiro acto de posse poss e , conrme o modo mo do com que as ideias se reproduzem em e m geral geral a si me mesmas smas nas almas almas daqueles que as comprecompr eendem. Esta rma mais mais alta de de reprodução corresponde a parte do desejo de imortalidade, que é, nest mundo, o anseio mais elevado da alma. alma. Mas ela el a é disso impedida impedi da se estiver exeradamente fxada ao tipo mais axo de reprodução, uma rma de aprisionamento no aqui e ora. De acordo com Platão, Platão, o desejo desej o sexual, na sua rma rma comum, envolve uma vontade de possuir o que é mortal e transitório e uma
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consequente escravidão na parte mais aixa da alma, aquela que está merglada na imediatez sensual e nas coisas dese mundo O amor à beleza é realmente um sinal para nos liertarmos dessa ligação sen sorial e para dar icio à ascensão da aa para o mundo das ideias, para aí participar na versão divina de reprodução , que nada mais é do que a compreensão e transmissão de verdades eternas Este é o ver dadeiro tipo de amor erótico e maniesase na ligação casa entre homem e rapaz, na qual o primeiro desempenha o lugar de proes sor, ultrapassa os seus sentimentos lascivos e oa a eleza do rapaz como um ojecto de contemplação, uma instância no aqui e agora da ideia eterna do elo Este conjunto portentoso de ideias teve uma longa história su sequente A maneira ineriante de misturar amor homoerótico, profssão de proessor e redenção da alma, tocou o coração dos proessores (homens, especialmente) ao longo dos séculos A versão heerosseal do mito plaónico teve, por sua vez, enorme inuência na poesia medieval e na visão cristã da muler, e de como a mulher devia ser entendida, inspirando algumas das mais belas oras de arte da tradição ocidental, desde Knight Tale de Caucer e ta Nuova de Dane ao Nascimento de Vénus de Botticelli e aos sonetos de Mi gel Ângelo Basta, todavia, uma dose normal de cepticismo para se fcar com a impressão de que há, na visão platónica, mais desejo de verdade do que verdade propriamente dita Como pode o mesmo estado de espírito ser desejo seal por um rapaz e (após um pouco de autodisciplina) contemplação deliciada de uma ideia astracta? como dizerse que o desejo de um ie podia ser satiseito (após um pouco de esrço menal) olandose para o retrato de uma vaca Contemplação e desejo
verdade, no entanto, que os ojectos do juízo estético e do dese jo seal podem ser descritos como elos, mesmo se amos zem surgir interesses radicalmente dierentes naquele que os descreve como tal Uma pessoa, ao depararsee o rosto de um homem de idade, cheio de interessantes rugas e pregas, mas de olar distinto e plácido, pode descrevêlo como elo No entanto, não entendemos
RG SUTON
o juízo a mesma maneira na exclamação «Ela é uma eleza!», proerida por um jovem impetuoso ao olhar para uma rapariga. O j ovem vai atrás da rapariga, desejaa, não apenas no sentido de querer olhar para ela, mas porque quer araçála e eijála. O acto sexal é descri to como a «consumação» deste tipo de desej emora não devamos pensar que seja necessariamente aquilo que à partida se quer, ou que o acto sexual ça desaparecer o desejo, tal como ee um copo de ága mitiga a vontade de eer. No caso do elo ancião, não há este género de «ir atás»: nenuma segunda intenção, nenhum desejo de possuir o ojecto elo, ou de retirar, de alma maneira, alm enecio dele. O rosto do homem de idade tem, para nós, signifcado, e se procuramos alma satisção encontramola nesse rosto, na coisa que contemplamos e no acto de contemplação. seguramente asurdo pensarse que este estado de espírito é ial ao do jovem empolgado que usca a conquista. Quando, no meio do desejo sexal, contemplamos a eleza de quem é a nossa companhia, astamonos do nosso desejo, como se asoendoo numa intenção mais alargada e menos imediatamente sensual. Este é, decerto, o signifcado metasico do olhar erótico: é uma prcura de conhecimento um pedido para que outa pessoa rilhe diante de nós, na sua rma sensória, dandose assim a conhecer. Por outro lado, não há dúvida de que a eleza estimula o desejo no momento de excitação. Signifca isto que o nosso desejo é dirigi do eleza de outro? Tem esse desejo a ver com essa eleza? O que pode zerse com a eleza de outra pessoa? O amante saciado é tão incapaz de possuir a eleza do seu amado quanto aquele que, sem espeança, a osera à distância. Esta é uma das ideias que inspiraram a teoria de Platão O que nos instiga, na atracção sexual, é algo que pode ser contemplado, mas nunca possuído. O nosso desejo pode ser consumado e temporariamente extinto, mas ele não é consuma do pela posse da coisa que o inspira. Esta permanece sempre além do nosso alcance o ser do outro, que jamais pode ser parthado.
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O obj ecto individu
As teorias de Platão zemnos regressar à ideia de querer do indi víduo. Suponhase que queremos um copo com água. Não há, neste caso, um copo com áa em paular que queiramos. Qualquer um see não tendo sequer de ser um copo. Há algo que queremos zer com a água, nomeadamente eêla. Depois de isso acontecer, o nosso desejo fca satiito e fca a pertencer ao passado. esta a natureza haitual dos nossos desejos sensuais: são indeterminados, implicam uma acção específca, são satiseitos por essa acção e são extintos por ea. Nenhuma destas coisas se aplica ao desejo sexual. O desejo sexual é determinado: desejamos uma pessoa em particular. As pessoas não são ojectos de desejo que se possam trocar, mesmo se os sustitutos rem igualmete atractivos. Podemos desejar uma pessoa e depois uma outra, ou mesmo amas ao mesmo tempo, mas o nosso desejo pelo João ou pela Maria não pode ser satiseito por Aledo ouJoana. Cada desejo diz respeito especifcamente ao seu ojecto, pois é um desejo dessa pessoa enquanto indivíduo que é e não enquanto instância de um tipo geral (aida que, a um outro nível, o «tipo» seja tudo o que interessa). O meu desejo por este copo com água pode ser satiseito por aquele outro, uma vez que não se centra sore esta água em particular, mas sore a matéria de que a ága é eita em geral. Em certas circunstâncias podemos liertarnos do desejo que sentimos por uma pessoa zendo amor com outra. Porém, isso não signifca que esta segunda pessoa tenha satiseito aquele desejo que tinha como alvo a primeira. Não satiszemos um desejo sexal andandonos num outro, tal como não satiszemos o desejo de saer como termina um romance prendendo a atenção num flme. Nem há algo específco que queiramos zer com a pessoa que desejamos e que constitua todo o conteúdo do nosso sentir. Claro que há o acto sexual, mas pode haver desejo sem desejo do acto sexal e este não satia o desejo nem o extingue como o acto de eer sa tisz e extingue a vontade de eer água. Há uma mosa descrição deste paradoxo em Lucrécio, na qual os amantes são retratados na
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sua tentatva de se tornarem num só, juntando os seus corpos por todas as maneras que o desejo lhes sugere: En, no completo desejo, na avdez espumante, Apertamse, murmuram, eram, os coos dos amantes Agarramse, apertamse, as línguas húmdas rrando, O camnho para o coração do outro rçando Em vão, pos apenas pela costa navegam, Nos corpos não se perdem, nem penetram
No acto sexal, não se procura nem se qer alcançar um nco ojectvo. Por outro lado, nenhuma satsção conclu o processo: todos os ojectvos são provsóros, temporáros e, no ndamental, deixam tudo como estava. Os amantes fcam sempre ntrgados pela alta de correspondência entre o desejo e a sua consumação, que não é de todo uma consumação mas antes uma reve aquetação num processo que sempre se renova: Outra vez um no outro sucumbem, Mas barras mpenetráves os dvdem; Todas as maneras tentam e sem sucesso se mostra A cura da secreta ferda do amor que não acosta
Isto znos regressar à dscussão do «por s mesmo». O desejo de um copo com água é, geralmente, uma vontade de zer algo com a ága. Porém, o desejo de uma pessoa por outra é smplesmente sso o desejo dessa pessoa. um desejo que vsa um ndvíduo, que se expressa na ntimdade sexual, mas que não é nela consumado nem, muito menos, por ela extnto. E isto tem talvez a ver com o lugar da eleza no desejo sexual. A eleza convda a uma cem no ojecto ndvdual, de modo a que possamos trar satsção da sua presença. E esta cem no ndvíduo almenta a mente e a percepção do amante. por esta razão que eros parece a Platão tão derente das necessidades reprodutivas dos anmas, cuja esttura apettva é a da me e a da sede. Podemos dizer que os mpulsos dos anmas são a expressão de ímpetos ndamentas, comandados não pela escolha mas pela necessdade. Eros, por sua vez, não é um ímpeto, mas um escolher, um olhar prolongado, de eu para eu, que ultrapassa
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os impulsos que lhe estão na origem para ocupar o seu lugar entre os nossos projectos racionais. Isto é verdade, mesmo se o interesse erótico está enraizado como claramente está em tal implso. O implso reprodutivo, que partiamos com os outros animais, subjaz às nossas aventuras eróticas mais ou menos como a necessidade que temos de coordenar os mo vimentos do nosso corpo subjaz ao nosso interesse pela dança e pela música. A humanidade é comparável a uma espécie de operação de salvamento prolongada, na qual ímpetos e necessidades são tirados do domnio dos apetites transeríveis e cados de um modo dieren te, por rma a porem em evidência indiduos livres, escolhendoos de entre outros e apreciandoos como «fns em si mesmos». Coos belos
Ningém mais do que Platão estava consciente da tentação que jaz emaranhada no coração do desejo a tentação de separar o nosso interesse da pessoa e ligálo apenas ao corpo, pondo de lado a experiência moralmente exigente de se possuir o outro como indivíduo livre, tratandoo, em vez disso, como um mero instrumento do nosso prazer localizado. Platão não se reeriu a esta ideia exactamente desta aneira, mas ela está subjacente a todos os seus escritos sobre os temas da beleza e do desejo . Platão acreditava que há uma rma básica de desejo , que tem em mira o corpo, e uma outra mais elevada, qe tem em mira a alma e através desta a esera eterna da qual os seres racionais descendem em última análise. Não temos de aceitar esta concepção metasica para se reconhe cer o elemento de verdade presente no argumento de Platão. Há uma distinção, miliar a todos, entre um interesse na carne de uma pessoa e um interesse na pessoa enquanto incoorada Um corpo é um conjunto de realidades corpóreas; uma pessoa incorporada é um ser lie revelado pela carne. Quando alamos de um belo corpo reerimonos à bela incorporação de uma pessoa e não ao corpo con siderado meramente como tal. Isto tornase evidente se centrarmos a nossa atenção numa pequena parte do corpo, por exemplo no oo ou na boca. Podemos [5}
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ver a oca apenas como uma aertura, um uraco na carne, pelo qual se engolem coisas e do qual coisas emergem. Um cirurgião pode ver a oca desse modo, durante o tratamento de uma doença. Não é essa a maneira pela qual nós vemos a oca quando estamos ce a ce com outra pessoa. A oca não é, para nós, uma aertura através da qual emergem sons, mas uma coisa que ala, uma continuidade do «eu», do qual é portavoz. Beijar essa oca não é colocar uma parte do corpo contra outra, mas tocar a outra pessoa no seu próprio ser. Por isso, o eijo compromete é um movimento de um eu para ou tro eu e o chamamento do outro à supercie do seu ser. As maneiras à mesa ajudam a manter a percepção da oca como uma das janelas da alma, a despeito do acto de comer. por isto que as pessoas procuram não alar com a oca ceia ou deitar comida da oca para o prato. por isto que os gars e os pauzios ram inventados e que os aicanos, quando comem com as mãos, dão uma rma graciosa às suas mãos para que a comida passe pela oca sem ser notada. Assim, ao ingerirse a comida, a oca retém a sua dimesão sociável. Estes são enómenos amiliares, emora descrevêlos não seja á cil. Recordese a náusea que se sente quando por qualquer razão vemos de repente umpedaço de cae ode até esse momento víramos uma pessoa encarnada. como se nesse instante o corpo se tornasse opaco. O ser livre desapareceu por trás da sua própria carne, que já não é a pessoa mas um simples ojecto, um instrumento. Quando este eclipse da pessoa pelo seu corpo é propositadamente produzido, alamos de oscenidade. O gesto osceno é o gesto que exie o corpo como puro corpo, destruindo assim a experiência da incorporação. Repugnanos a oscenidade pela mesma razão que repugnava a Platão a lascívia ísica que envolve, por assim dizer, o eclpse da alma pelo corpo. Estes pensamentos sugerem algo de importante acerca da eleza sica. A eleza distintiva do corpo umano deriva da sua natureza enquanto incorporação. A sua eleza não é a de uma oneca e é mais do que uma questão de rma ou proporção. Quando encontramos eleza umana numa estátua, como o Apolo Belvedere ou a Dapne de Bernini, o que está representado é a eleza umana carne 52}
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mada pela alma individal, expressando individalidade em todas as sas partes. Qando o herói do conto de Homan se apaixona pela boneca, Olímpia, o eeito tragicómico devese inteiramente ao c to de a beleza de Olímpia ser meramente imaginada, desaparecendo à medida qe o mecanismo perde a corda. Tdo isto tem enorme signifcado, como mostrarei mais à ente, na discssão sobre a arte erótica. Mas chamo desde já a atenção para ma obseação importante. Qer sscite contemplação qer indza o desejo, a beleza hmana é vista em termos pessoais. Ela reside especialmente naqeles traços a ce, os olhos, os lábios, as mãos qe atraem o nosso olhar no crso das relações pessoais, através das qais nos relacionamos entre nós, e a e. Apesar das modas no qe toca à beleza hmana, e não obstante o corpo ser embelezado de di erentes maneiras em dierentes cltras, os olhos, a boca e as mãos têm m poder de atracção niversal, pois é por estes traços qe a alma do otro brilha para nós e se deixa conhecer. as belas
Na Fenomenoloa do Espírito, Hegel dedica ma secção à «alma bela>>, trazendo à liça temas amiliares no romatismo literário da época, em particlar nos escritos de Goethe, Schiller e Friedrich Schlegel. A alma bela está consciente do mal, mas mantémse dele astada nma postra de perdão um perdão dos outros qe é também perdão de si. Ela vive no temor de manchar a sa preza interior por inteir demasiado no mndo real, preerindo assim meditar sobre os seus soimentos, em vez de se crar a si mesma pelos ses eitos. O tema da alma bela i retomado por escritores posteriores, e mitas são as tentativas, na literatra do séclo xx qer de retratar qer de criticar este tipo hmano cada vez mais comm. Ainda hoje é sal algém descrever ma otra pessoa como ma «bela aa>>, qerendo com isso dizerse qe a virtde desta pessoa é sobretdo objecto de contemplação e não tanto ma rça inteentiva no mndo. Este episódio da história intelectal aznos lembrar o modo como a beleza se impregna nos nossos jízos sobre as pessoas. A procra da beleza toca em todos os aspectos da pessoa em relação aos quais po
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demos evitar um envomento directo por mais reve que seja e por qualquer que seja o motivo , de modo a pôlos ao alcance do nosso olhar contemplativo Quando outra pessoa se torna importante para nós, e se z sentir nas nossas vidas a rça gravítica da sua existência, é porque em certa medida a sua individualidade nos causou espanto De tempos a tempos detemonos na sua presença e deixamos que o cto incompreensível do seu ser no mundo desponte sore nós Se a amamos e nela confamos, se sentimos o conrto da sua companhia, o nosso sentimento é nesses momentos análogo ao da eleza uma adesão pura ao outro, cuja alma rilha na sua ce e nos seus gestos, tal como a eleza rilha numa ora de arte Não é surpreendente, portanto, o cto de usarmos equentemente a palavra «elo» para descrever a dimensão moral das pessoas Como no caso do interesse seal, o juízo de eleza tem uma com ponente contemplativa irredutível A alma ela é aquela cuja nature za moral é perceptível, que não se limita a ser um ente moral mas que é tamém umapresença moral, cuja virtude é do tipo que se dá a maniestar ao olhar contemplativo Podemos sentirnos na presença de uma alma desse tipo quando vemos o altruísmo em acção como no caso da Madre Teresa de Calcutá Podemos igalmente sentilo ao partilharmos os pensamentos de outra pessoa a ler os poemas de SJoão da Cruz, por exemplo, ou os diários de Franz Kaa Nestes casos o sentimento moral e o sentimento da eleza estão emaranhados inextricavelmente, tendo amos como mira a individualidade da pessoa A beleza e o sagrado
Razão, lierdade e consciência de si são nomes relativos à mesma condição, a de uma criatura que não apenas pensa, sente e z, como tamém põe as questões: o que pensar, o que sentir e o que zer? Estas questões origam a uma perspectiva singlar sore o mundo sico Olhamos para o mundo em que nos encontramos de um ponto de vista que se situa no seu próprio limite: o ponto de vista de onde me encontro Somos simultaneamente no mundo e não somos do mundo, e tentamos dar um sentido a este cto pecular recorrendo 5}
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a imens da alma, da psique, do eu ou do «ujeito transcendental». Estas imagens não resultam somente da flosofa. Surgem naturmente no curso de uma vida em que a capacidade de criticar os nos sos pensamentos, crenças, sentimentos e acções se constitui como a ase da ordem social que az de nós aquilo que somos. O ponto de vista do sujeito é , portanto, uma característica essencial da condição humana. Por outro lado, a tensão entre este ponto de vista e o mun do dos ojectos está presente em oa parte dos aspectos distintivos da vida humana. Esta tensão está presente na nossa experiência da eleza humana. Está igualmente presente na experiência sore a qual os antropólo gos se interrogaram durante dois ou mais séculos e que parece ser universal entre os humanos: a eeriência do srado. Em todas as ci viizações e em todos os períodos da História houve pessoas que dedicaram tempo e energia a coisas de ordem srada. O srado, como o elo, aplicase a toda a categoria de ojectos. Há palavras sradas, gestos srados, ritos srados, roupas sradas, lugares sagrados, épocas sradas. As coisas sradas não são deste mundo, são postas à parte da realidade vlgar e não podem ser tocadas ou mencionadas sem ritos de iniciação ou sem o privilégio do ocio religioso. Intererir com o sagrado sem uma preparação purifcadora signifca correr o risco de sacrilégio; signifca dessacralizar e poluir o que é puro, arrastandoo para a esera dos acontecimentos quotidianos. As experiências cadas no sagrado têm paralelo no sentido da eleza e tamém no desejo sexual. Talvez nenhuma experiência sexual dierencie com maior clareza os seres humanos dos animais como a eeriência do ciúme. Os animais competem e lutam para conse girem parceiro, mas assim que se estaelece o vencedor o conito termina. O amante ciumento pode ou não lutar. Em qualquer caso, a luta não tem relevo na sua experiência, de uma pronda humiação existencial e de desânimo. O amado i aos seus oos poluído ou dessacralizado, tornouse de certo modo osceno, como no exemplo de Desdémona, que, não ostante a sua inocência, se tornou osce na aos olhos de Otelo. Este enómeno tem paralelo no sentido de dessacrazação associado ao uso indevido de coisas santas. go que se mantém à parte e é intocável i maculado. O romance de cavala
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ria medieval Tróilo e Créssida escreve a «queda» de Créssida do estado de divindade insustituível para em permutável E a experiência de Tróilo, tal como i descrita pelos autores de romances de
imone Min A Anunciação: ave Maa atia plena
cavalaria medievais (incluindo Caucer), é uma experiência de des sacralização Aquilo que para Tróilo á de mais elo i corrompido e o seu desespero é comparável àquele expresso no Livro das Lamentações de Jeremias, motivado pela pronação do Templo de Jerusalém (Algmas pessoas podem ojectar, dizendo que se trata de uma experiência especifcamente masculina, de sociedades em que as mueres estão destinadas ao casamento e à vida doméstica No entanto, pareceme que existirá sempre algo como o desânimo de Tróilo enquanto ouver amantes de amos os sexos a zerem rivindicações sexais exclusivas, uma vez que essas não são contra tuais, mas existenciais.) As coisas sradas são astadas, postas à parte, e são consideradas intocáveis, ou como podendo tocarse só após ritos de purifcação As coisas sagradas devem estas características à presença nelas de um poder sorenatural um espírito que delas se apropriou Ao vermos lugares, ediícios e artectos como sagrados, projectamos so
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re o mundo material a eeriência que receemos uns dos outros, quando a incorporação se torna uma «presença real» e perceemos o outro como proiido e intocável A eleza humana põe o sujeito transcendental perante nós e ao nosso alcance Aectanos como as coisas sradas nos aectam: como algo que mais cilmente se pro na do que se possui Infância e rgindade
Se levarmos estes pensamentos a sério, reconheceremos que o nosso sétimo truísmo esarra num ostáculo moral Difcilmente haverá alguma pessoa viva que não seja tocada pela eleza de uma criança em rmada. No entanto, a maior parte das pessoas fca horrorizada com a ideia de que esta eleza deva estimular o desejo, excepto o de cuidar dela e de lhe proporcionar conrto Nestas circunstân cias, qualquer indício de excitação signifca transgressão A eleza da criança é, todavia, de um tipo idêntico ao da eleza de um adulto que se deseja e está nos antípodas da eleza de uma ce envelhecida, que emergiu, por assim dizer, de uma vida de provações morais Este sentimento de proiição não se reere apenas a crianças Ele é, de resto, como sugerirei no Capítulo parte integrante do sentimento sexal maduro Está sujacente ao prondo respeito pela virgindade que encontramos, não apenas nos textos ílicos como na literatura de quase todas as religiões desenvolvidas Não há maio res triutos à eleza humana do que as imaens medievais e renascentistas da Virgem Santíssima: uma muer cuja maturidade sexual é expressa na maternidade, apesar de se manter intocada, mal se dis tingindo, como um ojecto de veneração, da criança que tem nos raços Maria nunca i, como os outros, dominada pelo seu corpo e permanece como um símolo de um amor idealizado entre pessoas de carne e osso, um amor que é ao mesmo tempo humano e divino A eleza da vrgem é um símolo de pureza e por essa mesma ra zão ela é separada do terreno do apetite sexual, num mundo exclu sivamente seu Esta consideração vai de encontro à ideia original de Platão, de que a eleza não é somente um convite ao desejo como tamém uma solicitação para a ele renunciar. Na Virgem Maria en 57}
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contramos, pois, na versão cristã, a concepção platónica da eleza humana como sinal indiciador de uma realiae para lá do desejo . Tudo isto sugere que o nosso sétimo truísmo deve ser reescrito numa outra rma, mais circunspecta, de modo a zer distinções entre os muitos interesses que temos na leza humana:
(vm) Uma característica constitutiva da eleza humana é que ela incita ao desejo. Esta verdade é pereitamente compatível com a oseação de que o desejo é, ele mesmo, intrinsecamente, limitado por proiições. Na verdade, exercendo pressão sore essas proiições, a experiência da eleza humana arenos um outro domínio divino, mas não menos humano , no qual a eleza está acima e além do desejo, um símolo de redenção. Este é o domínio que Fra Lippo Lippi e Fra Angélico retratam nas suas imagens da Virgem e do Menino e que Simone Martini captou no sulime momento de surpresa e aquiescência na sua grande Anunação. Beleza e charme
A ideia do sagrado conduznos ao ponto mimo na escala da e leza e seria sensato parar um pouco para nos lemrarmos do nosso segndo truísmo, ou seja, que a eleza é uma questão de grau. ver dade que a eleza humana a da verdadeira Vénus ou do verdadeiro Apolo pode chamar a si todos os epítetos que pertencem natural mente ao divino. No entanto, grande parte as pessoas atraentes são elas num grau inerior e a lingagem usada para descrevêlas valese de uma quantidade de predicações mais modestas: onta, cativan te, charmosa, encantadora, atraente. Ao usarmos estes termos não estamos propriamente a oerecer uma descrição concreta, mas antes uma reacção. A no ssa reacção à eleza humana está implícito é algo variado e equentemente animador, e raramente a paixão temperada que Platão invoca na sua teoria e eros ou Thomas Mann no seu terrível relato da destruição de Mutemenet, mulher de Po tiphar, devido à eleza do intocávelJosé.
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O teresse desteressado
No capítulo anterior expressei alguma simpatia pela perspectiva de que o juízo de eleza surge de (e eressa) um «interesse desinteressado» no seu ojecto. Neste capítulo, porém, temos vindo a explorar o papel da eleza em estados de espírito prondamente interessados, no sentido em que as pessoas se interessam umas pelas outras. Existem assim dois tipos de eleza e, contudo, é o juízo de eleza amíguo? Provisoriamente, a mina resposta é não. O juízo de eleza, mesmo no contexto do desejo sexual, centrase no modo como uma coisa se apresenta a si mesma à mente contemplativa Não é surpreendente que a eleza inspire o desejo, posto que reside na apresentação de um indivíduo enquanto o desejo anseia pelo indivíduo e deleitase na rma como o outro se apresenta Contudo, a eleza não é um objecto do desejo que ela mesma inspira Além disso, a nossa atitude ce a indivíduos elos z com que os separemos dos desejos e interesses vlgares, tal como separamos as coisas sagradas como coisas que podem tocarse e usarse apenas quando todas as rmalidades estão cumpridas e terminadas De resto, não é extravagante sugerir que o elo e o sagrado encon tramse ligados nas nossas emoções e que amos têm a sua origem na experiência da encarnação, que atinge a sua maior intensidade nos nossos desejos sexuais. Portanto, por via dierente, cegámos a uma conclusão que podemos, sem demasiado anacronismo, atri uir a Platão: o interesse sexal, o sentido da eleza e a reverência pelo sagrado correspondem a estados de espírito próximos que se alimentam mutuamente e que têm uma raiz comum. Se ouver uma psicologia evolucionista da eleza, terá de incluir esta conclusão entre as suas premissas Por outro lado, o nosso camino para cegar a esta conclusão não implicou a redução do umano ao animal ou do racional ao instintivo Cegámos à ligação entre sexo, eleza e srado reectindo sore a natureza distintamente umana do nosso interesse por estas coisas, situandoas frmemente nos reinos da lierdade e da escola racional.
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uando, durante o século III os flósos e escritores começaram a voltar a sua atenção para o tema da eleza, não i a arte ou as pessoas que dominaram os seus espíritos, mas a Natureza e as paisagens Até certo ponto, isto reecte novas condições políticas, melores meios para viajar e uma crescente apreciação da vida no campo Os literatos sentiam nostalgia de uma relação mais simples com o mundo natural e imaginavam mais inocente do que aquela de que gozavam a partir da clausura dos seus estúdios ém disso, era consoladora a ideia de Natureza como ojecto de contemplação, e não de uso ou consumo, para alguém que via os consolos da religião tornaremse, dia após dia, cada vez mais implausíveis e longínquos Uversadade
Este interesse na eleza natural tem uma oura causa, mais flosófca que, se a eleza tem lugar entre os ojectos da investigação flosófca, ela, ou a usca dela, deve ser universal entre os umanos Kant seguiu Saesu ao supor que o gosto é comum a todos os seres umanos, sendo uma culdade enraizada na própria capacida 0}
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de de uar a razo que no distine do reto da Natureza Todo os ere racionai, acreditava, posuem a capacidade de zerem juízos etético e o goto é uma componente central de uma vida plena mente vida No entanto, muita peoa parecem viver num vácuo etético, pasando o eu dias a zerem cálculo utilitário, em terem no ço de que eto a pasar ao lado de uma rma de vida uperior Kant reponde a ito negandoo Só aquele, diria Kant, que julgam que o juízo etético se exerce apena obre uma área epecífca, por exemplo obre a msica, a literatura ou a pintura, é que podem acar que a peoa vivem num vácuo etético Ma a apreciaço da artes é, de cto, um exercício ecundário do interese etético O exer cício primeiro do uízo é a apreciaço da Natureza E todos nó nos empeamo ialmente nest exercício embora poamo dierir no noos juízo, todo nó os zemos A Natureza, ao contrário da arte, no tem itória e a ua beleza eto à diposiço de to da a cultura e d todas a época Uma culdade que e dirige à beleza natural tem, pois, todas as ipótee de ser comum ao ere umano, produzindo juízos com rça univeral Dois aspectos da Natureza
A maioria do exemplos que Kant dá de beleza natural so organis mos, planta, ores, ave e criatura marina A pereiço rmal e a complexa armonia de detale desse organismo alamnos de uma ordem prondamente implantada em nós No entanto, no trabao pioneiro de Josep Addion e de Francis Hutceon, que fzeram da beleza natural um tema central da estética, as paiagens, os panoramas e as «vista» ocupavam um lugar mai central Kant pouco menciona esa coia No e trata apenas de uma dierença de êne, ma de dua exeriência bastante dierente Kant decreve o juízo de beleza como u juízo «inglar», que representa o eu objecto «na auência de qualquer interese» Parece ito implicar que a beleza pertence a indivíduos e que ela pode ser iolada e percebida como tal Ma a paisen e a ta vertem por todo o lado, so intamente poroa e no posuem critério de }
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identidade defnidos. Podemos vêlas como indivíduos, mas isso é, po r assim dizer, ora nossa e não delas. Mesmo se nos r possível pôr uma modura em volta de uma paisem confnandoa dentro de se es altas, ela não estaria por essa via vacinada para impedir o contio estético. Os suúrios invisíveis para lá de ada horizonte azemse sentir sore a aparência dos campos que nos encantariam enquanto espaço aerto se não tivessem fcado echados e ostruídos por esses suúrios. Por outro lado, a mais ela paisem pode passar a pano de ndo com a construção próxima de uma árica ou autoestrada, fcando indelevelmente marcada com o errete do doo humano. As aves, as aelhas e as ores, pelo contrário, possuem limites estão emolduradas pela sua própria natureza. A sua individualida de é uma característica pronda, que elas possuem em si mesmas, independentemente do modo coo as perceemos. Tal como as pinturas, que estão protegidas da poluição estética pelas molduras, os organismos possuem um ar de intocailidade estética. Quando anhadas pelo olhar estético elas próprias se separa de todas as relações, excepto da relação com aquele que as examina. Deste modo, tornase ácil descrever os objectos naturais que podemos segrar nas mãos, ou pôr à vista, como se estivéssemos a descrever oras de arte e esta circunstância tem inuência sore o tipo de prazer que eles nos dão. São objets trouvés, jias, tesouros cuja pereição parece deles irradiar, como se de uma luz interior se tratasse. Ao contrário, as paisagens astamse muito das oras de arte. Devem o seu poder de atracção, não à simetria, unidade e rma mas à aertura, grandeza e exansividade parecidas com as do mundo, no qual somos nós que estamos contidos e não elas. Descobr a Nareza
Esta distinção é importante, emora não directamente relevante para a primeira questão que é preciso colocar sore o culto da eleza natural. Essa questão é a do contexto histórico. O domo sore a Natureza, a conversão desta num lar segro para toda a nossa espé cie e o desejo de proteger a vida selvaem, que a pouco e pouco de saparece, alimentam igalmente o impulso que nos z ver o mundo 2]
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natural como ojecto de contemplação e não como um meio para os nossos fns. Apesar disso, a flosofa da eleza natural do século xvm estava longe de alcançar a universalidade a que aspirava. Ela i um produto dos tempos, tal como o ram os poemas de Ossiano e a Nouvee Hélo"e de Rousseau, e estava apenas a um passo da arte paisagística de Friedrich, Wordsworth e Mendelssohn, e, no seu enque, tão limitada no tempo quanto estes. Houve outras épocas e outras culturas com pouco espaço para a atitude contemplativa do mundo natural. Durante muitos períodos da História, a Natureza i desapiedada e inóspita, algo contra o qual tínhamos de lutar pelo nosso sustento e que não oerecia consolo à contemplação tranquila do espectador. Pode até ser que o períodos de tranquilidade sejam raras dádivas do «apetrechamento avaro de uma Natureza madrasta», como a descreve Kant noutra ora. Estética e ideologia
Alns pensadores da tradição marxista oaram esta posição de um ânglo dierente. Quando os seguidores de Shaesury apresenta ram as suas teorias do interesse desinteressado não estavam, sugeriram aqueles, a descrever algo de universal entre os humanos, mas meramete a apresentar, num idioma flosófco, um traço da ideologia urgesa. Este interesse «desinteressado» está apenas disponível em certas condições históricas e está disponível porque é ncional. A percepção «desinteressada» da Natureza, de ojectos, de seres e de relações entre estes conerees um carácter transhistórico. Fálos permanentes, inelutáveis, parte da ordem eterna das coisas. A nção deste modo de pensar é inscrever as relações sociais urguesas na Natureza, tendo em vista colocálas ra do alcance da mudança social. Ao ver algo como um «fm em si mesmo» imortalizoo, ergoo para ra do mundo dos assuntos práticos, mistifco a sua ligação com a sociedade e com os processos produtivos e de consumo dos quais a vida humana depende. De um modo mais geral, a ideia do estético encorajanos a acreditar que, isolando os ojectos do seu uso e purifcandoos das con dições económicas que os produzem ou que os ligam a interesses
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humanos, podemos de algum modo ver o que eles são e o que signi fcam verdadeiramente Deixamos assim de dar atenção à readade económica e oamos para o mundo como se do ponto de vista da eternidade, aceitando como inevitáve e imutável aquio que devia ser sujeito a uma mudança política organizada Para mais, a economia capitaista trata tudo e todos como meios, enquanto se compraz na fcção de que pessoas e coisas são vaorizadas como «s em si mesmos» A mentira ideológica cilita a exploração material, ao ge rar uma alsa consciência que nos cega para a verdade social Uma répca
Condensei nos parágras anteriores uma tradição ligada a argmentos diceis e equentemente extravagantes Os leitores podem questionarse sore os motivos de se incomodarem tanto com a ta re de desmascarar este ou aquele aspecto do nosso pensamento como «ideologia urguesa», agora que o conceito marxista de «urgesia» como classe económica se desez Seria, no entanto, ingénuo tratar o tema da estética zendo de conta que a tradição marxista não teve a sua quotaparte na sua defnição Encontramos versões da crítica marxista em ukács, Deleuze, Bourdieu, Eagleton e mitos outros, que continuam a exercer a sua inuência nas humanidades ta como são estudadas em universidades ingesas e americanas Em todas as versões, a crítica marxista representa um desafo Se não somos capazes de defnir o próprio conceito do estético a não ser como ideologia, então o juízo estético não tem ndamento flosófco Uma «ideoogia» é adoptada pela utiidade social ou política, não pela sua verdade Ora, mostrar que um conceito santidade, justiça, eleza ou outra coisa qualquer é ideoógico será corroer a sua pretensão de ojectividade sugerir que não existe uma coisa que dá pelo nome de santidade, justiça ou eleza, mas somente uma crença em tal coisa uma crença que surge no contexto de certas relações sociais e económicas, que ajuda a cimentálas mas que se evaporará assim que as condições mudarem Em resposta a isto, devemos transrir o ónus da prova ver dade qe a palavra «estético» ganou o seu signifcado actal no
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século mas o seu propósito era denotar algo universal entre os humanos. As questões que têm sido levantadas neste livro ram discutidas (em termos dierentes) por Platão e Aristóteles, pelo escri tor sânscrito Bharata dois séculos depois, por Concio nos naletos e por uma longa tradição de escritores cristãos, de S.º Agostino a Boécio, passando por S. Tomás e até aos dias de hoje. As distinções entre meios e fns, atitude instrumental e atitude contemplati va, uso e signifcado, são, todas elas, indispensáveis à razão prática, não estando associadas a uma ordem social em particular. Embora a visão da Natureza como um objecto de contemplação possa ter atingido especial proeminência na Europa do século ela não é de maneira alguma exclusiva desses lugar e época. Sabemolo pela tapeçaria chinesa, pelas grauras japonesas de madeira e pelos poemas dos concionistas e de Basho. Se quisermos recusar o conceito de interesse estético dizendo que se trata de um elemento de ideologia buresa, então o ónus de apresent a alternativa não burgesa recairá sobre nós, já que a atitude estética seria de gma maneira re dundante e as pessoas já não precisariam de encontrar consolo na contemplação da beleza. Esse ónus nunca i aliviado, nem pode sêlo. O signicado universal da beleza natural
Tendo identifcado o interesse estético como essencialmente contemplativo, Kant estava naturalmente inclinado a descrever o ob jecto característico deste como algo que não se produz mas que se encontra. Parecia pensar que, no que toca aos artectos, a nossa razão prática empease equentemente com demasiado vigor para que seja possível dar o passo atrás que o juízo estético requer. Kant distiniu entre a beleza «livre», que experimentamos com os objectos naturais e que nos chega sem a utilização de quaisquer con ceitos da nossa parte, e a beleza «dependente» que experimentamos nas obras de arte, dependente de uma conceptualização anterior do objecto. Só em relação à Natureza podemos alcançar um desinteresse sustentado, quando as nossas intenções incluindo os propósitos intelectuais que dependem de distinções conceptuais se tornam irrelevantes para o acto de contemplação.
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Há algo de plausíve na ideia de que a contemplação da Natureza é simultaneamente distintiva da nossa espécie e comum aos seus memros, independentemente das condições sociais e económicas em que nascem Há igalmente algo de pausíve na sugestão de que esta contemplação nos enche de admiração e nos impele a procurarmos encontrar sentido no Cosmos, tal como em Blake: Ver um mundo num grão de areia E um paraíso ceeste numa or do campo
Desde as primeiras fgras nas cavernas de Lascaux até às paisagens de Cézanne, aos poemas de Guid Gezee e à música de Messiaen, a arte procurou sentido no mundo natura A experiência da eleza natural não é do tipo «Que giro!» ou «Que agradável!» A experiência da eleza natural contém a garantia de que o mundo é um lugar certo e ajustado para se estar um lar no qual as nossas expec tativas e poderes humanos encontram confrmação Esta pode ser otida de múltiplas maneiras Quando, num ermo de uma charneca, o céu se enche de nuvens tocadas pelo vento, com as somras a moveremse rapidamente sore a urze, e ouvimos o cantar transparente do maçarico de outeiro em outeiro, a emoção que sentimos sanciona as coisas oseadas e tamém a nós, oser vadores Quando zemos uma pausa para estudar a rma pereita de uma or do campo ou as penas matizadas de um pássaro, expe rimentamos um sentimento de pertença mais intenso Um mundo que tem espaço para tais coisas terá tamém espaço para nós Quer entizemos a vista arangente quer o organismo individual, o interesse estético tem, poanto, um eeito transfgurador como se o mundo natural, representado na consciência, se justifcasse a si mesmo em como a nossa existência Esta eeriência tem ressonân cia metasica A consciência encontra a sua razão de ser ao transr mar o mundo exterior em go interior ago que viverá na memória como uma ideia e, nas Eleas a Duíno, vai mais longe, sugerindo que tamém o nosso paneta encontra a sua realização nesta transrmação, lcançando, quando dissolvido na consciência, a interioridade que o redime, assim como à pessoa que verdadeiramente a osea }
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No é o conecimento da Natreza que acarreta esta transrmaço, mas a experiência. Os cientistas apreciam as complexidades do mndo natral. Porém, a ciência no é sfciente, nem necessária, para gerar os momentos de transfgraço qe Wordswort regista em O Prelúdio, o a alegria eressa por Jon Clare em passagens como esta: Vejo ores do campo, na manhã de Verão que passa Tão bela, enchome da volúpa alegre das horas; A alegre campanha no espnho se entrelaça A chuva de mel oa com demora; O no botão de ouro, o oralho, que brilhar Na manhã, às prmeras horas, Ouro acabado de cunhar..
Na experiência da beleza o mndo reessa a casa, para junto de nós e nós para jnto do mndo; mas regressa a casa de m modo especial apresentandose e no para ser sado. Natureza e arte
Neste ponto srge ma difcldade. Como separarmos, na nossa experiência e no nosso pensamento, as obras da Natreza das obras do Homem? O espino no qal se entrelaça a campaina de Clare pertence segramente a ma sebe de abrneiro. A beleza da paisagem inglesa, como a registada por Constable, depende em todos os seus detales do trabalo dos seres manos, qer cidando dos campos, dos matais ou de abrigos, quer de cercaduras e de mros, por toda a parte visíveis, e qe so parte integrante da armonia perceptível. Constable retrata m lar, m lugar domesticado para uso do Homem, onde em cada canto está presente o cuo das esperanças e aspirações umanas (embora, digam algns, escondendo proposi tadamente a condiço do trabalador rural). Por otras palavras, a beleza da paisem está muitas vezes ligada inseparavelmente ao seu signifcado hmano, como se ela sse qase m artecto em que o cno de uma cltra está visalmente presente. Para percebermos isto, temos de aprender com Wordswort a .. .
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O a Naureza, não como nos empos Da juvenude irreecida mas muias vezes ouir A caa e rise música da Humandade
Kant evita esta difculdade porque para si as plantas e os animais são o material de eleição. Mas mesmo estes podem evidenciar a mar ca do desígnio humano. Algns dos exemplares mais belos cavalos e tulipas, por exemplo são o produto de uma consciente mestria posta em prática ao longo dos séculos. Os cães e os cavalos são exi bidos pela sua beleza, mas o mérito vai para os seus criadores. Em resposta, algmas pessoas argumentam que atribuímos beleza às coisas da Natureza somente por analogia, vendo as suas obras como se ssem arte. Isto é, todavia, certamente implausível. Em parte, as obras de arte interessamnos porque representam coisas, contam histórias sobre coisas, exprssam ideias e emoções, comunicam signifcados que conscientemente queremos transmitir. Partir para os objectos da Natureza com eectativas semelhantes mos tra não compreendêlos. Além disso, mostra que não percebemos a verdadeira ne da sua beleza, que está na sua independência, no seu ser à parte, na sua capacidade de mostrar que o mundo contém coisas qu não nós e tão interessantes quanto nós. Nesse sentido, vários escritores especialmente Allen Carlson e Malcolm Budd sustentaram que a beleza natural está num objecto somente quando ele é percebido como natural e quando nele não se vislumbra a presença de desígnio humano, pois só nesas condições temos motivo para pensar que há uma coisa que dá pelo nome de beleza natura, que em o seu devido lugar no reino dos valores in trínsecos. Não quer isto dizer que se deva xuir a actividade humana da nossa concepção de Natureza. Quando me comprazo com as pasta gens da paisem inglesa e as sebes que as delimitam, não as percebo apenas como coisas que resultam do trabalho e propósito humanos. Aprecio a cena co mo tendo a marca de um modo de vida, como uma casa que continuamente se constrói e à qual sempre se regressa. esta a razão por que tal paisagem tem um signifcado esiriual }
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tão grande, não apenas para mim, como para os Ingleses ao longo dos sécos, e para aqeles qe, como Jon Clare, Paul Nas e Ral p Vagam Wilams, fzeram passar ese signfcado para a arte. Apesar disso, não vejo a paisem como conceida expressamente para se parecer com aqilo qe é, mesmo se estas ram movidas por intenções estéticas (o arranjo daqela see, as simetrias de um cercado, a disposição daqele mro de pedra solta). Nem me avizi o da paisem partindo dos constrangimentos e expectativas qe tro da ma eeriência na arte. Vejoa como a livre elaoração da Natreza, na qal os seres manos aparecem porqe tamém eles zem parte dela, deixando atrs de s a marca da sa presença e m regiso não intencional das sas tristezas e alegrias. len Carlson afrmo ainda qe este «ver a Natreza como Na trez, qe se encontra no âmo da nossa eeriência da eleza natral, organos a olla como la ralmn e isso signifca adop tar o ponto de vista do naralista, explorando o qe vemos à lz do coecimento cientfco e ambiental. ineresse estético na rma, no voo e no canto de ma ave, por exemplo, é meio camno andado para a ornitologia, qe completa o acto de apreciação qe começou com a experiência da eleza. interesse estético nas cores e rmas de ma paisem leva à ciência do amiente e ao estdo da agricl tra. Não obstante aver certamente lgar para esta extensão cientf ca do nosso interesse na eleza natral, não devemos esqecer qe o interesse estético na Nareza é relativo a aparências e não necessa riamente m interesse na ciência qe as explica. H algma verdade na sátira de scar Wilde qe diz qe só m pore de esprito não ajza pelas aparências, pois estas contêm signifcado e são o centro da atenção dos nossos anseios emoconais. Qando me deo im pressionar por m rosto, esta experiência não é o prelúdio para m estdo anatómico, nem a eleza do qe vejo me leva a pensar nos tendões, neos e ossos qe de certa rma a explicam. Ver «a cavei ra deaixo da pele» é, pelo contrrio, ver o corpo e não a pessoa que tomo corpo. Perdese, assim, sendo o argmento do captlo anterior, a eleza do rosto. ornitólogo entende o canto do melro como marcação de terrtório, uma adaptação qe desempea m
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papel proeminente na selecção sexual Nós ouvimolo como uma melodia e o conceito de melodia, que não z parte da experiência do melro, não itegra a ciência do seu comportamento Voltarei a este ponto no próximo capítulo A nomenologia da experiência estética
Um modo dierente de colocar este último ponto, consiste em dizer que a experiência da eeza natural pertence à nossa compreensão «intencioal», não à nossa compreensão científca; ela case na Natureza ta como ela é representada na nossa eeriência e não tal como ela é Para compreender a eleza natura temos de carifcar o modo como as coisas naturais aparecem quando consideradas pelo ohar estético E o modo como as coisas aparecem depende das categorias que lhes apicamos Quando olho para o mundo desinteressadamen te não me aro apenas para aquilo que ele apresenta; relacionome com ee, ensaio conceitos, categorias e ideias moldadas pea minha natureza autoconsciente Este processo é ilustrado pela arte da pintura Nas paisagens pintadas por Poussin, Corot, Harpignies e Friedrich podemos encon trar a mesma disposição de montanas, campos e áores Contu do, em cada caso, a postura contempativa enche a percepção com a alma distintiva do pintor, criando uma imagem que é inimitavemente sua. Da mesma maneira, a Natureza oerecenos a todos um campo de percepção livre Podemos deixar que as nossas culdades se demorem sore a cena diante de nós, asorendo e explorando, sem ter de deciar o que está a sernos dito Ainda que os seres hu manos team intererido na criação da paisagem que está diante dos meus olhos, essa intererência não está lá para comunicar uma intenção artística precisa; os seus contornos vão sendo destruídos pela História e podem mudar de um dia para o outro Mas é precisamente este «estar ali» do mundo natural que torna possível que eu me perca nele, que eu o oe , ora de um ponto de vista ora de outro; ora de acordo com uma descrição ora de acordo com outra As oras de arte são exressamente apresentadas como ojectos de contempação Encontramse emoduradas na parede, compreendi
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das entre as capas de um livro, instaladas no museu ou executadas reverentemente na sala de concertos. lterálas sem o consentimento do artista signifca violar uma propriedade estética ndamental. As oas de arte apresentamse como os eternos eceptáculos de men sens intensamente desejadas, sendo muitas vezes apenas o pei
belo
. . e o sublime
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to, o connaisseur ou o entendido que mostra completa abertura ao seu signifcado. A Natureza, pelo contrário, é generosa, querendo apenas mostrar aquilo que é: não delimtada, sem moldura exterior, mudando de dia para dia. O céptico bem pode dizer que é impensávl supor que a eeriência da beleza natural possa estar ao alcance de todos (icluindo a pessoa sem grande educação e o prático inveterado), quando esta é descrita de um modo tão intrincado e flosófco. Porém, esta resposta mos tra incompreensão pela verdadeira natureza da enomenologia, que consiste a tentativa de mostrar como as cosas aparecem, mesmo a pessoas ue nunca fzeram essa tentativa. A mais comum as pessoas apaixonase, mas quantas são as pessoas capazes de descreverem a intencionalidade desta estraa emoção ou de acederem aos conceitos que descrevem o modo como os amantes têm eeriência do mundo? De rma semelante, a mais comum das pessoas az juízos sobre a beleza natural, mesmo se poucas, ou mesmo nenumas, consegem dar expressão ao que percepcionam do mundo diante de si quano este muda repentinamente de carácter, passando da coisa que ali está para ser usada a coisa que está ali para ser testemunada. O subme e o belo
Notei anteriormente que «belo» é usado tanto como termo geral da admiração estética como, mais restritamete, para denotar um tipo particular de graça e de carme pelo qual podemos deixarnos encantar. No contexto estético, as palavras tendem a tornarse escorregadias, comportandose mais como metáras do que como descrições literais. razão disto é simples: no juízo estético não estamos simplesmente a descrever um objecto no mundo, estamos a dar voz a um encono a uma reunião do sujeito com o objecto, a qual a reacção do primeiro é rigorosamente tão importante quanto as qualidades do segundo. Para compreendermos a beleza precisamos, portanto, de alguma noção da variedade das nossas reacções às coisas nas quais a iscernmos. Este aspecto tornouse edente pelo menos desde o tratado de Edmund Burke, Sobre o Subme e o Belo de 176. Burke distinguiu 72}
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duas reacções radicalmente dierentes perante a beleza em geral e a beleza natural em particular ma tem origem no amor, outra no medo Quando somos atraídos pela harmonia, ordem e serenidade da Natureza, a ponto de nos sentirmos nela em casa e rtalecidos por ela, alamos então da sua beleza Quando, no entanto, num penedo ventoso de uma montanha, eerimentamos a vastidão, o poder, a majestade ameaçadora do mundo natural e sentimos a nossa pequenez ce a ele, então devemos alar do sublime bas as reacções são exaltantes, transportandonos para ra dos pensamentos utilitá rios do diaadia que dominam as nossas vidas práticas Além disso, ambas envolvem o tipo de contemplação desinteressada que ant mais tarde viria a identicar como o cerne da experiência estética A distinção entre o sublime e o belo i, portanto, adoptada por ant, que a considerou ndamental para se compreender o juízo de gosto Não az sentido coparar o tipo de paisem sereno e soporí ro que conhecemos das pastens inglesas com as torrentes enre cidas de uma escarpa dos Alpes ou com a vasta panópla de estrelas no céu A escarpa arrebatanos pela alusão ao poder inito da Natureza; a vastidão do céu, por aludir à sua extensão innita A bela paisem levanos a um juízo de gosto, a sta sublime convida a um outro tipo de juízo, no qual nos medimos com a espantosa initude do mundo e nos toamos conscientes da nossa nitude e ilidade ant deende ainda (embora de um modo que os comentadores consideram mais sugestivo do que persuasivo) que na eeriência do sublime somos conontados com uma intimação do nosso pró prio valor, enquanto criaturas conscientes da vastidão da Natureza e, ao mesmo tempo, capazes de se armarem ce a ela De alguma maneira, é no próprio assombro perante o poder do mundo natural que pressentimos a nossa própria natreza de seres livres que podem enentar esse poder, rearmando a nossa obediência à lei moral que nenhuma rça natural pode azer desaparecer ou astar Paisagem e desígnio
As paisens, ao contrário das pinturas, não nos conontam com a ideia de um desígnio; se nos dizem algo, não é porque sejam o termo 73
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intermédio de um acto de comunicação. Como sugeri atrás, o engenho humano pode compor a Natureza neste ou naquele detale, in troduzindo limites, campos lavrados e plantações. Todavia, o modo como reimos à natureza ligase a rças mais prondamente enraizadas na ordem das coisas, a rças mais uráveis do que qualquer amição humana. Pelo menos, assim parece. ogo, o tipo de signifcado que encon tramos no mundo natural, ao contemplarmos as suas elezas, não pode segramente ter muito a ver com o tipo de signifcado que se nos depara na arte, onde cada detalhe, cada palavra, som ou pigmento está saturado de intenção e é inspirado por uma ideia artística. Não é sur preendente que enquanto as prateleiras das iliotecas rangem so o peso da crica literária, da análise musical, da história comparada da arte e de inúmeras tentativas para dar um sentido à nossa herança artística e para deciar as mensens que ela contém as prateleiras dedicadas à eleza natural, onde pudéssemos apreender se vale mais a pena contemplar as colinas da Mongólia ou as da Anduzia, estão vazias ou são inexistentes. Onde não existe arte não há um ponto de apoio para a crítica. O melhor que temos são os gias turísticos. Emora esta oseação seja, quanto a isto, verdadeira, ela ignora duas características vitais do nosso encontro com o mundo natural. A primeira tem a ver com o papel da Natureza como matéria ruta para as artes visuais. Os grandes jardineiros de paisagens do século XII como Wiiam Kent e Capaility Brown, reagiam ao gosto dos seus patronos. Viveram num tempo em que as pessoas cultas dierenciavam entre paisagens, amentavam sore o que era ou não era de om gosto e empeavamse a construir, a escavar, a plantar e a compor com um propósito comparável ao de um pintor, a quem depois recorriam para registar o resultado. Na verdade, o culto do «pitoresco» surgiu do cto de as nossas reacções à paisagem e à pintura se alimentarem entre si. O háito do século XIII que consistia em decorar a paisagem com rínas, começou com o amor pela campaa romana, não como ela é mas como Poussin e Claude orrain a pintaram. No século XII os turistas viajavam com um «espelho de Claude», um pequeno vidro convexo matizado, no qual se pegava ajeitandoo de modo a que se pudes
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se apreiar a paisem nele reetida à maneira de Claude Lorrain. Por sua vez, os arquitetos paisístios da époa onsideravam as ruínas, as onstruções meramente deorativas e as pontes e templos lássios em ontinuidade om as árores, los e elevações de terra artiiais que onstituíam a matériaprima da sua arte. diil rer que a nossa atitude e à beleza natural tena uma ndação tão ompletamente dierente da que denotamos e à arte, estan do elas tão intimamente ligadas. As leis do planeamento na Europa sempre ram sensíveis à ameaça que a onstrução oloa à beleza natural, e sempre prouraram, om pouo suesso, exerer ontrolo sore o estilo, volume e materiais de onstrução nas zonas rurais. As ediações não se enontram pae da paisagem, omo as paredes e janelas de uma galeria que se distinguem das pinturas que nelas se penduram estas últimas resguardadas do que as rodeia pelas suas molduras. As ediações estão na paisagem e zem parte dela. Deste modo, a experiênia da beleza ompreende igualmente a paisagem e a arquitetura. Além disso, eleza e desígnio apareem ligados nos nossos sen timentos. Embora apreiemos a onha, a áore, a parede de uma alésia, sem reerênia a algm m a partir do qual tenam sido itas, ada uma delas inspira a ideia de «onrmidade a ns sem m», para usar a ase de Kant. Em ertas passagens, Kant paree querer dizer que, embora esta ideia não tena ndamento raional, e não rneça oneimento sobre o esopo da riação, nem da natureza de Deus, ontém, não obstante, uma espéie de intimação do nosso valor enquanto seres morais e de onrmidade a uma ordem e à «naldade» do nosso mundo. Assim em cma estação Embora longe, uito longe do mar, Nossas almas avistam o imort mar Que nos trouxe para aqui, E quem sabe, depois, para E vêem a criança na praia a se entreter, E ouvem as uas potentes eternamente revolver. ordsworth,
de: I f! 6-7)
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Kant também acreditava que a beleza natural é um «símbolo» da mo ralidade e sugeriu que as pessoas que têm um interesse verdadeiro na beleza natural mostram, por isso, que possuem o germe de uma boa disposição moral, ou seja, uma «boa vontade» O argmento em que baseava esta opinião é esquivo, embora se trate de uma opinião partiada por outros escritores do século II incluindo Samuel Joson e JeanJacques Rousseau Tratase de uma opinião para a qual somos instintivamente arrastados, embora seja dicil construir um argmento priori a seu vor. Conrdade a s sem
A discussão presente neste capítulo trouxenos a um ponto ccial Comecei por sugerir que o juízo estético, bem como o prazer que o motiva, é desinteressado Isto parecia implicar que a beleza e a utili dade são valores independentes, de tal modo que apreciar algo pela sua beleza nada tem a ver com apreciálo como um meio para atingir um propósito prático qualquer No entanto, propósito, interesse e razão prática não deixam de se zer notar no interior do juzo estético, do qual inicialmente ram por mim excludos A eeriência da beleza na arquitectura, por exemplo, não pode ser separada do coecimento das nções que um edicio deve ter; a eeriência da beleza umana não pode ser cilmente separada do desejo prondamente interessado que dela provém A eeriência da beleza na arte está intimamente ligada ao sentido da intenção artística e mesmo a experiência da beleza natural aponta na direcção de uma «conrmidade a fns sem fm» A percep ção de um propósito, seja no ojecto ou em nós, condiciona em toda a parte o juízo de beleza e, quando voltamos este juízo para o mundo natural, não é surpreendente que ele nos levante a questão própria da teologia, nomeadamente que propósito tem esta beleza? Uma vez mais reconecemos que o belo e o srado são contígos na nossa eeriência e que os nossos sentimentos a respeito de um derramam se constantemente sobre o território reivindicado pelo outro Descrever a beleza como «conrmidade a s sem fm» só contribui, no entanto, para intensifcar o mistério Propono assim sair
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dest as regiõ destas regiões es elevadas elevadas e de desloc slocarme arme p ara o plano das coisas coi sas quo tidianas plano plano no qual qual todos os seres ser es racionais viv vivem em e traatraaam, por pouco preocupados que pareçam estar com matérias de estética. Ao consierar o lugar da eleza no raciocínio prático comum, onde a existên existência cia de um propósito domina o nosso pensamento, tentarei mostrar de que rma o juízo estético é uma condição necessária para zer, se em o qe quer qe seja.
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melor luga lugarr para pa ra se c omeçar a exploração exploração da eleel eza do diaadia é o jardim, onde o lazer, a aprendi zagem e a eleza conuem co nuem numa experiê experiência ncia do lar que é liertadora Jdins
Sem a experiência nuclear da eleza natural, natural, as hortas, por exem plo, não seriam intelig inteligvveis, ei s, a não não ser se r como lotes lo tes de terreno contendo ve vegeta getais is para uso humano humano Todavia Todavia,, mesmo m esmo os lotes lot es de terreno t erreno contendo veg vegetais etais oedecem o edecem aos seus constrangimentos constrangimentos estético s: disposição em as e espaçamento criterioso, satiszendo assim a nossa necessidade de ordem visual No caso dos jardins, podemos alar de um ojecto de interesse universal, ao qual as pessoas em toda a parte dedicam muito do seu tempo lre, numa actidade em que que há apenas um puro puro prazer desinteressado desinteress ado Os jardins têm a sua própria enomenologia distintiva, na qual a Natureza é asorvida, domada e origada a oedecer oed ecer às normas visuais visuais humanas humanas Um jardim não é um espaço aerto como o é uma paisem um jardim é um espaço circunscrito Por outro lado, aquo que
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aminho sinuoso em Lile para, Ian Hamilon Fin lay enre a aurea e a e
redorr do osernele cresce cre sce e o que nele nele se erge erge,, cresce cre sce e erguese erguese em redo vador. No jardim, j ardim, uma áore áore não é com comoo a de uma or oresta esta ou de um campo. Não está simplesmente ali, como algo que cresceu de uma semente seme nte e que casualmente (no empo e no espaço) e spaço) por ali se disper disper sou. A áore no jardim jardim relacionase relacionase com as pesso p essoas as que nele cami nam,, estaelece nam e staelece com co m elas uma uma espécie de conversação. conversação. Ela ocupa o seu lugar sendo uma extensão do mundo umano, mediando entre o amiente constrído e o mundo da Natureza. Com eeito, á um «estar entre» enomenológico que contamina todas as rmas pelas quais aitualmente se retira prazer de um jardim. Esta experiência inuencia o modo como a nossa experiência ndamental das rmas e decorações arquitectónicas se desenvolve. Essas rmas e elementos decorativs são conceidos para conquistarem o espaço e circunscrevêlo, para capturálo à Natureza e apresentálo como nosso Assim se exlica a comparação, algo antasiosa, entre coluna e tronco de árore, que encontramos equentemente em tratados de arquitectura. Assim se explicam as rmas da arte do jardim, que podemo pod emoss adequadamente adequadamente descrever como como «a arte arte que está entr entre» e» a arte de não ser arte nem Natureza, mas amas, cad cadaa uma sorepondo se à oura de modo a ornaremse numa coisa só, como acontece
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com as cercaduras de ores de Gertude Jell ou com as instalações eitas em jardins pelo poeta escocês Ia Hamlto Finlay. Poderá dizerse que é uiversal esta tentativa para pôr aquilo que nos rodeia em consonância conosco e de nos pôr em consonância com aquilo que nos rodeia. E essa tetativa sugere que o juízo de eleza não é apeas uma opção que, se quisermos, podemos ou não adicionar ao repertório dos juízos umanos, mas algo que resulta inevitavelmente de se levar a vida a sério e de nos tornarmos verdadeiramente conscietes do que andamos a zer neste mundo. Trabaos manais carp intaria
A ideia tornase ainda mais evidente se nos voltarmos para outra daquelas áreas intermédias em que a pessoa comum parece não resistir a zer juízos estéticos: as áreas dos traaos manuais e da decora ção, nas quais zemos escolas sore a aparência que devem ter as coisas que nos rodeiam. Suponase que estamos a assentar uma porta numa parede e que marcamos o lugar ode a moldura fcará. De vez em quando damos um passo atrás e pergntamos a nós mesmos: fca em assim? Esta é uma questão autêntica, mas não podemos responderle em termos ncionais ou utilitários. A moldura pode ter o estritamente neces sário para que a porta desempene a sua nção de passem, pode estar de acordo com todos os requisitos de saúde e segurança, mas pode simplesmente não fcar em: pode fcar demasiado alta ou aixa, demasiado larga, a sua ma não estar em deseada, e assim por diante. (De cto, as actuais regras de constrção, que requerem portas sufcientemete largas e degraus aixos para que uma cadeia de rodas possa entrar, toam impossível o deseo de uma porta de rua tão onita como aquelas dos catálogos da época georgiana.) Es ses juízos não dizem respeito a qualquer ojectivo utilitário, mas não deixam por esse motivo de ser racionais. Podem ser o primeiro passo num diálogo em que se azem comparações, apresentamse exemplos e discutemse alteativas. Este diálogo tem como tema o modo como as coisas devem ser dispostas para não destoarem umas das outras e a esperança de se concluir uma tare sica com armonia. [
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ma pora de um lio de padrões da época georgiana como as pares encaam enre si
Parcm qu Kant dvia tr usado um xmplo dst génro para stalcr a sua ts d qu há um xrcício das culdads racionais qu visa um fm qu simultanamnt aponta para lá d qualqur fm para a contmplação da rma como as coisas são aprsntadas Isto porqu o xmplo mostra não apnas qu xist ralmnt um xrcício das culdads racionais, mas qu st é par t intgrant da tomada d dcisõs no plano prático. Existm outros xmplos qu clarifcam pritamnt a idia Considrmos o qu acontc quando s põ a msa para rcer convidados. Não nos limitamos a colocar os pratos os talhrs sor a msa. Somos movidos por um dsjo d qu as coisas fqum com oa aparência não só para nós, como tamém para os convidados. Da msma r ma, quando nos vstimos para ir a uma sta ou a um ail, ou ms mo quando arrumamos as coisas sore a nossa scrtária ou arran jamos o quarto d maã, srçamonos por alcançar a mlhor ou mais apropriada aprsntação, o que tm a vr com aparência das [}
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estética da vida quotidiana
coisas. Os exemplos põem em evidência «a estética da vida quotidiana», durante muito tempo um tópico negigenciado, o que explica, na verdade, muitos dos equívocos que envolvem o modo como as pessoas olham para a arquitectura e o desi, cometendo o erro de considerarem como arte superior aquilo que usualmente é mais uma prática de oas maneiras. Beleza e raciocínio prático
Os animais irracionais, tal como nós, vivem num mundo de redundâncias. Um cavalo, conontado com uma arreira, pode saltála aqui ou ali, em inúmeros sítios. Se ele salta lo porque quer: para escapar a um inimigo ou para ir atrás da manada. Porém, o cavalo não teria resposta para a questão de saer qual o ponto adequado para saltar, não porque seja indierente saltar neste ou naquele pon to, mas porque esta questão não se coloca a um cavalo. Nós podemos [2}
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zer perguntas como esta, uma vez que temos o háito de remo ver a redundância de escolhas, de justifcar uma acção determinada, zendo não só o que é preciso para alcançar os nossos ojectivos, como tamém o que é preciso para os alcançarmos da rma mais apropriada ou ajustada. Este aspecto pode ser melor compreendido se regressarmos ao tema das aves canoras. O c anto das aves tem uma nção no processo de selecção sex e é emitido em momentos do dia ao acordar e antes de dormir em que um macho activo tem necessidade de marcar os lmites do seu território. Esta nção não corresponde a um propósito da ave ela não tem propósitos, mesmo se o que a motiva rem desejos, pois a sua vida não é vivida de acordo com quaisquer planos. Além disso, o canto é pouco determinado pela nção, que requer apenas que aquele seja sufcientemente adível para poder ser escutado pelos rivais e pelos potenciais parceiros sexais e tamém reconecido como o canto específco da espécie ou, quando se trata de um território echado ou confnado, como o canto espe cífco do próprio indivíduo que o ocupa. Não é surpresa, pois, que as aves canoras tendam a zer chamamentos variados e variáveis, experimentando ases e notas até se fcarem por m pequeno número de alterações no aseado, que ncionam como reães na sua litania diária. Ouvimos estas ases como se ssem canções e descrevemos o canto da ave como uma espécie de música, pois é assim qe o es cutamos. Porém, nada há no comportamento do pássaro que possa razoavelmente levarnos a dizer que a nota que ele escolheu i a que deveria seirse à anterior, que esta ase que escoleu é a mais conrme ao contexto, que ele ouve uma nota como a continuação da ase que a precede, e assim sucessivamente. Nenum desses juízos tem aplicação em ornitologia, pois tal pode apenas aplicarse a seres racionais seres que não se limitam a ir de encontro a uma das muitas alternativas diante de si mas que procuram razões para as suas escolhas, antes ou depois de as zerem, e que ouvem sequências de sons levando em conta a lógica musical que os liga. Como pode um ser racional evitar a redundância de escolhas como as que sempre estarão presentes no canto de uma ave? Re
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gressemos ao exemplo do carpinteiro Como escolhe o carpinteiro a moldura para a porta, de entre todas as que podem desempenhar a mesma nção? De acordo com o que para si ca bem. Ele julga o ojecto pela sua aparência e é nesta que procura a razão que poderá justifcar a sua escoa Razão aparênca
Seguemse consequências importantes Quando escoo uma moldura para a porta olhando ao que fca em sou conontado com a questão «porquê?», podendo esta ser colocada por mim ou por ourem «Simplesmente porque fca em» é uma resposta possível Posso, em alternativa, zer comparações, procurar signifcados, ter em conta costumes ou tradições que apoiem a mia escoa O que não posso zer é atriuir à aparência um valor puramente uiliário, dizendo, por exemplo, algo como «se as portas tiverem esa mol dura atraem os clientes mais antigos» Isto signifcaria aandonar o meu juízo inicial Seria apoiarme não no impacte que a aparência da porta em em mim, ms na utilidade da sua aparência para atrair os outros Seria recuar para um juízo de utilidade, um juízo com o qual poderia razoável e sinceramente esar de acordo mesmo achando que a moldura da porta não tinha de todo oa aparência Paadio v ene, nós segimo-o: Worcese oege, Londres
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Ao contemplar a moldra, o carpinteiro descobre a maneira de remover a redndância de escoas qe tem diante de si Uma vez qe a aparência se desligo, no se pensamento, de considerações práticas, qe apresentavam m número infnito de moldras como igalmete convenentes, o carpinteiro está ora lançado nma via de descoberta a via para encontrar as razões qe jstifcam esta moldra, jstifcandoa com base na sa aparência Ele com parará a moldra da porta com otras e também com as das j anelas qe hãode ser colocadas em cada m dos lados da porta Tentará descobrir o qe entra em sintonia com otros pormenores visais presentes no edicio Tentará zer com qe a moldura condiga com o edicio no se todo e com cada ma das partes Um dos resltados deste processo de zer com qe as coisas condigam mas com as otras é a criação de m vocablário visal Ao sar moldras idênticas nas portas e janelas, por exemplo, a correspon dência visal tornase mais ácil de reconhecer e aceitar Um otro resltado é aqilo qe de m modo poco preciso se defne como estilo o so repetido de rmas, contornos, materiais, etc, a sa adaptação a sos específcos e a procura de m repertório de gestos visais Acordo signicado
Pode pensarse, oando para o qe i dito até ao momento, qe as deliberações do carpinteiro se confgram nicamente como uma espécie de jogo qe ele estabelece consigo mesmo, removendo as sim a redndância intrínseca às escolhas de carácter verdadeiramen te prático No entanto, das considerações põem em dúvida esta ideia A primeira é o carpinteiro não ser a única pessoa qe cons trói ma opinião sobre a qestão da moldura da porta Outras pes soas olarão para ela e sentirseão agradadas ou desagradadas com as sas proporções gmas destas pessoas estarão especialmente interessadas na porta, sendo tros residentes do edicio para o qal ela estará destinada Otras pessoas terão o interesse enqanto transentes ou vizinhos Seja como r, todas terão interesse na aparência da porta, qe será tanto maior qanto menor r o seu
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envolvimento prático. Dáse assim início ao que em teoria dos jogos se cama um «prolema de coordenação». Um modo de resolver este prolema passa por um esrço p ara se cegar a consensos. Se ouver uma escola, ou uma série de escoas sore as quais estejamos todos de acordo, a questão deixará de ser um prolema. Mesmo na ausência de um acordo elícito é possível que, com o tempo, surja uma solução, à medida que as soluções im populares vão sendo rejeitadas e as populares vão receendo apoio. Os grandes inovadores, como Paadio, propõem rmas e compo sições (como a janela paadiana) que suscitam a aprovação espontânea das pessoas, ao passo que os vulgares constrtores de ruas adaptamse através de um processo de tentativa e erro. Amos os procedimentos acrescentam algo ao vocaulário comum de rmas, materiais e ornamentos. Emerge uma espécie de discurso racional, cujo fto é constrir um amiente partilado, no seio do qual todos possamos sentirnos em casa e que satisça a nossa necessidade de que as cosas tenam oa aparência para toda a gente. Este aspecto do estético o seu estatuto de algo que nasce e que é motivado socialmente, ncionando como um gia para um amiente partilado é insinuado pela sua qualidade de instrmento para a remoção da redundância. A redundância não é uma característica unirme dos nossos o jectivos e artectos. Em algmas áreas o planeamento de jardins, por exemplo as redundâncias estão por todo o lado à nossa volta. Noutras, como no deseo de aeronaves, a necessidade pura e dura governa quase tudo o que pode ser eito. Todavia, mesmo quando a ncionalidade domina, o nosso sentido da eleza está alerta, distingindo o que é apropriado do gratuito, o que sege um esto e o im provisado. Admiramos mais um avião novio em la do que outro ceio de visíveis remendos. Um elo avião alcança o mesmo que a ela moldura do nosso carpinteiro iminário: uma solução adequa da para um prolema que pode ser revolvido de dierentes rmas. A segunda consideração é a seguinte: a aparência de algo, quando se torna ojecto de um interesse intrínseco, acumula signifcado. Podemos ter praze com a aparência simplesmente pelo que ela é. Os seres racionais têm, no entanto, uma necessidade inata
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de intepeta e, quando o ojecto da sua atenção é uma apaência, intepetálaão como algo que tem um signifcado intínseco. Mes mo uma coisa tão simples como o desenho da modua de uma pota seá sujeita a esta necessidade. O capinteio associaá molduas de potas a mas específcas da vida social, a maneias de enta e de sai de um quato, a estilos de oupa e de compotamento. De esto, há muito que i notado que as modas na oupa e na aquitectua tendem a imitase mutuamente e que amas eectem as alteações na pecepção dos se e copo humanos. Fazendo convegi estas duas consideações chegamos a uma hipótese inteessante: quando as pessoas pocuam aandona a edundância do aciocínio pático, escolhendo ente apaências, dispõem se tamém a intepeta essas apaências como algo que tem signif cado intínseco e a apesentaem o signifcado que descoem atavés de uma espécie de diálogo eectio, cujo ojectivo é assega um ceto gau de concodância nos juízos ente aqueles que mostam te inteesse na escoa. Ao dize isto apoximamonos muito da ideia de gosto do século xvm que entendiao como uma cdade pea qual os sees acionais dão odem às suas vidas atavés da aquisição de um sentido da oa ou má apaência geado socialmente. E é azoável sugei que começamos a descotina um domínio genuíno da vida acional que coesponde à ideia osófca do estético, impotante em si mesma e tamém flosofcamente polemática. O esto
Dependemos do háito de ze juízos estéticos paa comunica signifcados e o estilo é uma eamenta impotante que usamos nesse sentido. Isto envolve uma exploação das nomas socialmente geadas. A o na lapela, o jao cheio de vinho, o guadanapo doado, todas estas coisas zem desenvolve uma expeiência de econhe cimento ente os oseadoes, que vêem no pequeno detale um signifcado específco em nção do qua os gestos devem se medi dos. Poque está o vio num jao e não numa gaa? O que há no jao que capta a minha atenção? Poque háde ele esta ali, na mesa? E assim po diante.
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Estas questões indicamnos a capadade alusiva do esto. A jar ra alude a uma certa rma de vida, a vida mediterrânica, em que o vio corrente existe em abndância e se encontra relacionado pa cifcamente com o trabalho e com o divertimento. por isso qe a anftriã escolhe m jarro de barro decorad com simplicidade e o coloca no meio da mesa, indiciando a inrmaldade com que qal qer m pode dele seirse. Estas podem não ser escoas coentes. A própria anftriã está a descobrir, no gesto estético, o sigfcado que quer transmitir. exemplo indicia, com eeito, que as escoas estéticas desempenham um papel na promoção do atocoecimen to, zendonos perceber como podemos encaixarnos nm mundo de signifcados hmanos. As opções estéticas são parte do que Fi chte e Hegel designaram como a Entseng (a projecção para o exterior) do eu e a Selbstbestimmung qe ela gera, a autocerteza que resulta de se construir ma presença no mndo dos otros. Na maior parte, as dierentes maneiras de pôr ma mesa são es táveis exlorações do contexto. Não se alue a algo específco e a ordem é o escopo operativo uma ordem qe nada z para pertr bar as nossas percepções, irradiando, em vez disso, uma mensagem simples e sociabilidade tranqila. A anftriã qe mostra estilo dá a essa ordem uma direcção dierente, aludino a aspectos qe ela qer que estejam visivelmente presentes na mesa e qe residam na aparência das coisas como ma narrativa. Através do estilo compreendemos o que está a ser entizado, o que z parte do contexto e o que se liga a qê. Portanto, o estilo é um dos aspectos do juízo estético quotidiano que transportamos para a arte, onde ganha um signifcado totalmente novo. Aquilo que assegra um lugar na existência social quotidiana vem a ser, na arte, o espírito que dá rma a mundos imaginários. A moda argmento desenvolvido neste capítlo torna claro que a busca de soluções estéticas na vida quotidiana é também uma espécie de procura dissimulada de consenso. Mesmo aqueles que se vestem de modo a destacaremse e a atraírem as atenções sobre si zemno
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para que os outros reconheçam a sua intenção. Por conseqência, em qualquer comunidade humana normal, a estética da vida quotidiana exressarseá através da moda ou, por outras palavras, através da adopção de um estilo comum. Uma moda é um indiciador das opções estéticas que dão algma garantia de aprovação dos outros; e tamém perte às pessoas jogar com as aparências, enviar mensagens reconhecíveis à sociedade de estraos e sentiremse conrtá veis com a sua aparência num mundo em que esta importa. A moda surge primeiramente como imitação. Por vezes é o resultado de uma «mão invisível», como quando as pessoas se imitam entre si por contio social. Esta é a origem haitual dos costumes populares, que surgem do mesmo modo como as oas maneiras do intercâmio entre um nmero incontável de pessoas ao longo do tempo, cada uma procurando evitar transgressões gratuitas e ser vis ta pela sociedade como algém que a ela pertence. Todavia, a imitação pode tamém resultar da liderança, como aconteceu quando Beau Brmmel lançou a moda da Regency, ou quando os Beatles, a par do seu idioma musical, alteraram a maneira de vestir, os penteados e a lingem da sua geração. Todos estes enómenos são testemunhos do papel importante qe o pensamento estético ocupa na vida dos seres racionais. O recem tamém uma espécie de prova de que, quando as pessoas pensam esteticamente, «procuram o assentimento» dos seus pares, como disse Kant. Permanência e emeridade
A nossa discussão tem como impcação que o juízo estético pode ser exercido de duas maneiras entre si contrastantes: pode se para nos ajustarmos ou para nos salientarmos. Em muitas das nossas ac tividades estamos a «constrir casa», erido, a despeito do atropelo da mudança e da decadência, os símolos permanentes de uma rma de da estável. A mão invisível a que ainda ora reerência inclinase por si mesma para o estilo, a gramática e a convenção. isto que testemuamos na arquitectura veácula, nos costumes populares, nas maneiras à mesa e nos costumes e cerónias da ctura tradi
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cional As convenções criam nas nossas vidas pano de ndo de ordem imutável, um senso do que é correcto ou incorrecto azerse Elas oerecemnos uma maneira de completarmos os nossos gestos e de tonálos pucamente aceitáveis, ta como oamento que remata uma arquitrave ou um emrulho esmerado que dá o toque fnal a um presente Existem culturas em que esta aspiração ao o e ao permanente se toa dominante, ou mesmo asxiante o antigo Egipto, por exemplo , azendo com que todos os aspectos da vida sejam moldados e mumifcados pelas convenções Nos registos deixados pelos Epcios testemunhamos uma vida quotidiana esmada por valores estéticos, na qual o esto individual i asoido e extinto pela exigência inexível da ordem Mais próxima de nós é a estética da Roma antiga, na qual a aspiração à permanência é cominada com um ial sentido da emeridade das aegrias da vida, tal como é eresso nos escos de Pompeia e de Herculano, ou nas estátuas e grutas do jardim romano Assim, não ostante valorizarmos a permanência, estamos tamém conscientes da gacidade daquilo que nos liga à vida e temos um desejo natural de expressarmos esta consciência numa estética aprovada pulicamente De cto, existem culturas sendo, neste aspecto, a cultura tradicional japonesa a mais notável em que a estética do quotidiano se centra no que é gaz, usivo e animado por um pesar doloroso Tais culturas estão tão igualmente aerradas à convenção e à orientação por regras como aquelas que entizam a permanência A cerimónia japonesa da insão do chá, em que a oerenda a um convidado é elevada à condição de ritual religioso, ilustra notaveente esta estética do transitório Convenções rigorosas governam os utensios, os gestos, os arranjos de ores, em como a natureza e aspecto da caana onde é tomado Por causa destas convenções, as áreas de lierdade os movimentos do anftrião e do convidado pelo jardim do chá, os gestos e as expressões quando a taça é oerecida e aceite adquirem signifcado e pungência especiais A ideia é precisamente captar o carácter único e a gacidade da ocasião, como transmitem as paavras ichigo ichie: uma oportunidade, um encontro Na cerimónia do chá aprendemos algo tamém patente na arquitectura vernácula das nossas cidades europeias, nomeadamente que
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as alegrias gazes e os encontros reves tornamse valores eternos quando inscritos no ritual e na pedra Ade quação e beleza
Tenho estado a analisar uma rma particular de raciocínio prático, pelo qual escoemos entre alternativas de acordo com um sentido do que se adequa A adequação é julgada pela aparência das coisas e pelo signifcado contido na sua aparência Contudo, nada disse acer ca da eleza directamente, nem o meu hipotético carpinteiro seria muito útil nesse capítulo Apesar disso, se regressarmos aos nossos trísmos iniciais, veremos rapidamente que o tipo de juízo que tenho estado a discutir neste capítulo corresponde exactamente ao juízo de eleza A adequação que tenho estado a descrever é algo que proporciona comprazimento tamém uma razão para se prestar atenção à coisa que a possui ela própria um ojecto de contemplação e a sua importância não reside em algum uso independente matéria de um juízo reectido que, estando enraizado na experiência, não pode ser ito em segunda mão A adequação é tamém uma questão de grau Numa palavra, o que tenho estado a descrever neste capítulo é aquela «eleza mínima» que permanentemente interessa aos seres racionais, ao esrçaremse para encontrarem ordem na realidade que os rodeia e para estarem à vontade num mundo partilhado Resta agora relacionar as ideias deste capítulo com as rmas de eleza «superiores» que são exemplifcadas pela arte, vendo se podemos dizer algo mais sore o tipo de signifcado que procuramos quando pretendemos apoiar os nossos juízos estéticos através do raciocínio
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oi só no decorrer do século e na esteira da publicação póstuma das conerências de Hegel sobre a estética, que o tópico da arte começou a substituir o da beleza natural como matéria de estudo central da estética. Esta mudança i parte da grande transrmação ao nível da opinião educada que conhecemos como movimento romântico. Este movimento pôs os sentimentos do indivíduo para quem o eu é mais interessante do que o outro e a errância mais nobre do que a pertença no centro da nossa cultura. A arte tornouse a actividade pela qual o indivíduo se anuncia ao mundo e através da qual apela aos deuses para que estes justifquem os seus actos. Todavia, mostrou ser extraordinariamente vacilante como guardiã das nossas aspirações mais elevadas. A arte pegou na tocha da beleza, correu com ela por algum tempo e largoua depois nos urinóis de Paris. Piadas pe
Vai para um século que Marcel Ducamp assinou um urinol com o nome «R Mutt», intitulouo A Fonte e exibiuo como obra de arte. Um resultado imediato da piada de Duchamp i precipitar uma
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indústria intelectua dedicada a responder à pergunta «Ü que é a arte?» A literatura que está associada a esta questo é to endonha como as infndáveis imitações da atitude de Duchamp Apesar disso, introduziu um traço de cepticismo Se qualquer coisa pode ser considerada arte, qual é o interesse ou o mérito que advém de lhe ser aposto esse rótulo? Algumas pessoas olham para algumas coisas e outras olham para outras tudo Tratase de um cto curioso, mas é inútil procurar os ndamentos que o explicam Quanto à ideia de uma actividade crítica que procura valores ojectivos e monumentos ao espírito humano perenes, ela é imediatamente rejeitada, por ser dependente de uma concepço da arte que a «nte» de Duchamp mandou de uma vez por todas pelo cano aaixo armento é avidamente adoptado, pois parece liertar as pessoas do ardo da cultura, dizendolhes que todas aquelas orasprimas venerandas do passado podem ser ignoradas impunemente, que as novelas televisivas têm «tanto vor» como Shakespeare e que os Radiohead se igualam a Brahms, uma vez que nada é melhor do que nada e que toda a pretenso a um valor estético é vazia Este argmento, claro, afna pelo mesmo diapaso que as rmas de relativismo cultural em voga, e tende a ser o ponto de partida dos cursos universitários sore estética e, a maioria das vezes, o ponto pelo qual eles terminam aqui útil zer uma comparaço entre as oras de arte e as piadas to dicil circunscrever a classe das piadas como o é para o caso das oras de arte Tudo pode ser piada desde que além diga que assim é Uma piada é um artecto eito com o intuito de zer rir Pode no ter esse eeito, sendo, nesse caso, uma piada «seca» Pode ter o eeito desejado mas ser oensiva, sendo, nesse caso, de «mau gosto» Seja como r, nada disto mostra que a categoria das piadas é aritrária ou que a distinço entre oas e más anedotas é inexistente Nem isto mostra de modo algum que as piadas, ou aquele tipo de educaço moral que tem como ojectivo criar um sentido de humor apropriado, no podem ser alvo de crítica Com eito, estando a considerar o tema das piadas, a primeira coisa que podemos concluir é que o urinol de Duchamp i uma piada uma oa piada à época, mas que seria anal pela época das caixas Brio de Andy Warhol e completamente estúpida nos dias de hoje