Revista da Loja Quetzalcoatl, Ordo Templi Orientis
OS CAMINHOS DE THELEMA NO BRASIL Uma entrevista exclusiva com Soror Babalon sobre a trajetória de Thelema e da O. O.T. T.O. O. no Brasil.
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ÍNDICE Editorial pág. 3 Notícias pág. 3 O Lugar e o Eu pág. 4
Matéria de Capa Os Caminhos de Thelema no Brasil
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Estudos Thelema e o Taoísmo
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Biblioteca Thelêmica Liber Cheth vel Abiegni
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ESCREVA PARA NÓS! Além de ajudar a melhorar nosso trabalho com sua opinião, aproveite nosso espaço de comunicação para tirar dúvidas, dar ideias e manter contato com os membros da O.T.O. no Brasil. E-mails para:
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EDITORIAL
NOTÍCIAS
vida é um entrecruzar contínuo de múltiplas vias que nos levam a uma escolha eterna onde o último passo determina o próximo cruzamento onde deverei fazer a minha próxima escolha. E assim vivemos a vida d e escolha em escolha.
Inauguração do Acampamento Opus Solis
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Me pergunto se não seria possível apenas ficar parado no ponto central do cruzamento. Nos pouparia angústia. Mas é claro que aquela que pergunta já sabe antecipadamente que a resposta é não. Sendo a vida movimento, ficar parado seria uma grave contravenção, ou não? Minha mente voa ao passado e me traz as lembranças do momento em que optei pela liderança da O.T.O. Um bom amigo me alertava contra o sacrilégio que estava prestes a fazer com a minha própria vida. Mas meu coração alçava voo em ventos idealistas e a audição se ensurdeceu diante do sonho. Após todos estes anos e já bem mais madura, quando olho para o percurso percorrido até aqui, meu coração se contrai diante da visão da dor. Sou obrigada a concordar com aquele meu amigo.
Nos dias 16 e 17 de janeiro de 2010 e.v. foi realizada a abertura oficial do Acampamento Opus Solis, primeiro Corpo Local da O.T.O. em Belo Horizonte, Minas Gerais. Foram dias e noites de muito trabalho comunitário, confraternização, ansiedade, emoção e espiritualidade. A Missa Gnóstica que celebrou a inauguração — também a primeira já feita em território mineiro —foi realizada pelo Sacerdote Frater Achad ZAA Ayin, tendo Soror Atalanta exercido a função de Sacerdotisa e Frater Pan Ain Soph a de Diácono. O ritual foi assistido por Irmãos, Hóspedes e um gr ande número de convidados. O espírito fraterno e a devoção à Grande Obra foram, nestes dois dias, revitalizados pelo nascimento de uma nova estrela na constelação da O.T.O.: boas vindas ao Acampamento Opus Solis.
Feliz Anno Novo! Um gosto amargo me sobe do coração à boca quando me lembro do que poderia ter sido a minha vida se tivesse feito outras escolhas. Não fiz. A amargura provém da lembrança do que não foi e do futuro que jamais chegará a ser, uma frustração proveniente de uma impossibilidade sob Vontade. O ser ou não ser é um dilema injustificável, uma nostalgia imprópria ao espírito, embora íntima da persona. A Revista Estrela Rubi é um fruto maduro originado em verdejantes colheitas, optamos pelo devorar do fruto proibido. Ousamos alcançar sabedoria e abandonar a tenra ignorância que nos mantinha protegidos em nossa própria inocência. De Acampamento nos tornamos Oásis e agora Loja Quetzalcoatl, estamos agora aptos a divulgar nossa palavra. Que assim seja!
O Equinócio de Outono, no dia 20 de março de 2010 e.v., marca a chegada do Anno Novo Thelêmico IV:xviii, ou o Ciclo do Imperador e o Ano da Lua. Que o Imperador inspire vitória e conquista, e que nos seus braços queimem a força de Ra-Hoor-Khuit. E que dentro de cada um Kephra conduza seu barco através da imensidão da Meia-Noite, trazendo certeza de que o Sol nunca se pôs de verdade, mas brilha mesmo nas profundezas da madrugada.
Aniversário da Líder da O.T.O. no Brasil No dia 21 de fevereiro comemorou-se o aniversário de Soror Babalon, líder da O.T.O. no Brasil e Mestre da Loja Quetzalcoatl. A Missa, que também reabriu os tr abalhos da Loja para o ano, ainda fez lembrar a todos que, no ano de 2010 e.v, comemoram-se os 15 anos da chegada da O.T.O. no Brasil: anos de tra balho duro e sangramento de Soror Babalon. Que seu esforço, resistência, dedicação e garra sejam o prenúncio de muitos ciclos de 15 anos. Parabéns à Babalon e a O.T.O. no Brasil!
Três dias da escrita do Livro da Lei Nos dias 8, 9 e 10 de abril estará ocorrendo a festa dos três dias da escrita do Livro da Lei e, para celebrá-la, no último dia será realizada uma Missa Gnóstica experimental. Sucesso é a nossa prova! Soror Babalon, Mestra da Loja Quetzalcoatl e Representante do Frater Superior para o Brasil
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o g i t r A
O LUGAR E O EU
NO VÁCUO DEIXADO PELO FIASCO DA DÉCIMA QUINTA CONFERÊNCIA DAS PARTES (COP 15) DA ONU... endo o ensaio “Re-habitar” (contido no livro homônimo) do poeta, ex-beatnik, Zen–budista e antropólogo americano Gary Snyder, tive vontade de comentá–lo. Creio que os horizontes abertos pela discussão de Snyder sejam essenciais para qualquer um que se interesse ou se preocupe por questões que dizem respeito, grosso modo, ao futuro da humanidade. Mais especificamente: o sentido da globalização, política e economia, ecologia e novas ética, moral e espiritualidade.
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Snyder convida à reflexão sobre a ideia de lugar : a importância do lugar não apenas geográfico, mas como continuidade cultural e ancestral onde o indivíduo está inserido. Onde ele nasceu, o que o nutriu, aquilo que é sua mãe. E de como a era contemporânea mata o lugar . Resultado: hoje há bilhões de pessoas no planeta que não são habitantes dele. Apinham cidades grandes, que engordam em frenesi de consumo. A suposta consciência do mundo globalizado é na verdade alienação, inconsciência do que se passa ao redor. Tais pessoas vivem sem saber onde estão, que papel desempenham no seu habitat, o impacto que produzem na terra e na sociedade (tampouco o impacto que sofrem), sem nem saber o que as compele a este transe. Estão perdidas e sem um lar. O preço disso: pessoas outrora enraizadas à terra, camponeses, sociedades “primitivas” que estiveram acostumadas a um modo de habitar no seu espaço específico, foram cercadas por indústrias e sufocadas por taxas impostas por elites urbanas. Lhes foi dito que tudo que eles eram e sabiam não mais impor tava. Desprezado pelas elites intelectuais, o trabalho braçal, campesino, foi rotulado como bruto, rudimentar. Ignorou–se a sutileza, criatividade e sabedoria que existe no cultivo de alimentos, para transformar essa prática elementar da vida numa máquina que trata a agricultura como mineração: explorando, drenando e consumindo até a exaustão.
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Há milênios, desde o fim da Era Glacial e do período das grandes caças, as sociedades nômades se estabeleceram em ecossistemas locais. Isso significa que aprenderam a integrar espaços específicos, entendendo que tipo de plantas aquele solo suportava, construindo habitações condizentes com o clima e vestindo-se de modo compatível, conhecendo e respeitando a importância do rio local, da montanha e da floresta, desde a Copaíba gigante até o menor dos fungos. Alimentava-se, assim, o elo mágico com todas as coisas que o etnólogo Lévy–Bruhl cunhou como participação mística: o homem se via parte da Natureza, associado à vida da grama, dos bichos e de tudo que o cercava, vendo nessas coisas entidades, sa-
cralidade e uma ponte mágica para as dimensões mais ocultas do próprio homem. A Natureza era manifestação do homem e vice– versa: o modo de se conhecer a si mesmo era viver alinhado com as leis dela, com o jeito próprio de experimentá–la que cada ser tem. Consequentemente, isto é viver pela sua própria Lei. Mas o homem ainda é — e sempre será — parte da Natureza. O divórcio entre Mãe e filhos só aconteceu pretensamente, e muito recentemente, se considerarmos a imensidão da história da humanidade. E nesse curto período de milênios a fórmula da participação converteu–se na ignorância da alienação, em nome do suposto progresso da razão e da consciência. No fascinante livro “Ismael”, Daniel Quinn compara a civilização moderna com um avião que se atirou de um precipício. A princípio, os passageiros acham que estão voando, que a máquina está funcionando, que eles estão planando no céu. Só com a visão do chão do abismo a se aproximar é que se dão conta que o avião sempre esteve em queda livre. Argumentando sobre tal visão, poderiam dizer que, se esse modelo de civilização dominante não é o único que existe, sua proporção planetária e prosperidade o elegem como melhor representante da natureza humana. Sem exatamente discordar, eu diria que essa “prosperidade” deixa a todos fragilizados: o Terceiro Mundo explorado e os supostos “senhores” do mundo confinados atrás das grades de seus condomínios, mimados e dependentes da imensa maioria como fornecedora de ser viços básicos. Este é, portanto, um sistema de escravos, ao longo de toda sua linha de montagem. Ainda assim, diriam que este é o homem: violento, competitivo, destruidor. Portanto, talvez seja natural que ele se cause sofrimento, se extinga, ou que poucos acabem sobrevivendo. E que esta seria a aplicação da lei dos fortes. Talvez. Mas este é apenas um lado da moeda. A Natureza também é um tecido de organismos realizando conjuntamente funções microscópicas que resultam na fartura da vida. Então, a Natureza é também cooperativa. Logo, o homem não é “naturalmente” competitivo nem cooperativo. Ele é ambos. Se cultuamos simplesmente Marte, adoeceremos, como um organismo tendo overdose de uma substância que, em equilíbrio com Vênus, seria o elixir da vida. O culto da competição trará consequências humanas e ambientais na mesma intensidade que o dano infligido por sua prática. Disse o Índio Seattle, em seu clássico discurso de 1855: “Vocês, homens brancos, também passarão. Talvez antes que outras tribos.
Continuem contaminando sua cama e, uma noite, morrerão sufocados por seus próprios excrementos.” Ray Dasmann é outro teórico pode nos ajudar a entender o que guia nossas escolhas sociais sob um ponto de vista ecológico, como se tratasse — e é — uma escolha de administração doméstica. Ele divide as civilizações em duas grandes tendências: as de ecossistema e as de biosfera. As primeiras são aquelas que vivem dentro de suas fronteiras, mapeadas espontaneamente por fatores bioregionais, e que, portanto, não têm interesse — ou poder — de se expandir. Uma hipótese: um índio da Patagônia não cruzaria os limites dos povos da Mata Atlântica, até porque não saberia garantir seu sustento ali. Conflitos podem acontecer e acontecem, mas são resolvidos de modo local e têm consequências locais e não globalizadas. Dessa forma, até o impacto de uma guerra pode ser devidamente absorvido pelo povo e pelo ambiente que a vive. As sociedades de biosfera, inconscientes de lugar , que cultuam o crescimento constante ao invés da administração do ecossistema local — como o Império Romano, o Maia, o norte-americano —, perceberam que exaurir seus solos dava resultados rápidos, e que investir em indústria bélica, dominar outras regiões, escravizar e colonizar também. É assim que Dasmann entende o imperialismo sob uma ótica ambiental. O resultado desse estilo de expansão leva a fenômenos conhecidos: centralização do poder, culto ao Estado, violência social, às vezes totalitarismo, não raro machismo,
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fanatismo etc. O preço: rios secos, florestas queimadas, povos e riqueza cultural destruídos, redução do número de espécies, desequilíbrio sistêmico de toda cadeia da vida. Além disso, as guerras produzidas por este modelo já dispõem atualmente de um aparato técnico que inclui bombas nucleares, capazes de destruir mais de uma vez toda a vida do planeta. Ora, mas o que isto tem a ver com Thelema? O que tudo isso tem a ver com uma filosofia que prega ser todo homem e toda mulher uma estrela que tem uma órbita única e perfeita no Universo? Para mim, é simples: se iluminar, se conhecer, não é se fechar nos próprios assuntos. Se você fizer distinção entre o Universo que está dentro e o que está fora, preferindo o primeiro, você ficará louco. E, caso prefira o segundo, não passará de um tolo deslumbrado. Parece correto definir que alguém alienado não é alguém desinformado, mas estrangeiro, alienígena ao que se passa com o Universo. O resultado disso: o homem torna–se espectador da sua própria vida, assistindo–a passar, como um voyeur desinteressado, seguindo um roteiro que não compreende, numa inércia segura, mas sem liberdade, e sem pertencer ao
momento e nem a si próprio. Iluminar–se não é iluminar o Ego. Iluminarse, ao que me parece, é esquecer quem você acha que é e permitir que tudo — que também é você — deixe claro sua marca: o peixe, o urso, a chuva, o irmão. O lugar se ilumina, tudo se ilumina. Assim, nos abrimos para a importância de todas as coisas. E ganhamos responsabilidade sobre cada uma delas: a comida que comemos, o transporte que apanhamos, a palavra que dizemos. Que impacto isto causa no lugar , ao qual pertenço, e que porventura vai me impactar? Acordamos para a influência que exercemos sobre cada coisa e a responsabilidade que temos sobre elas. Esse grau de apreciação está naturalmente imbuído de espiritualidade e faz florescer uma ética a ser antes praticada do que definida.
Frater Yvy Maraey, jornalista e escritor
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NO BRASIL
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ENTREVISTA COM S OROR B ABA LON SOBRE O PANORAMA DA DIVULGAÇÃO DE T H ELEMA EM TERRAS BRASILEIRAS E SOBRE O TRABALHO DA O.T.O. EM SEUS 15 ANOS DE EXISTÊNCIA NO B RASIL oror Babalon foi uma das principais responsáveis por trazer a Ordo Templi Orientis ao Brasil, em 1995 e.v. Desde então, investe seu tempo e energia na superação de percalços e na continuidade de um trabalho pioneiro: foi escritora e editora da consagrada revista thelêmica Safira Estrela, viu Corpos Locais da Ordem nascerem e morrerem, amizades e grupos se formarem e se dissolverem. Hoje ela é a FSR, isto é, Representante brasileira do Frater Superior da O.T.O., Hymenaeus Beta, além de Mestre da Loja Quetzalcoatl, que opera na cidade do Rio de Janeiro desde o ano de 2000 e.v.
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É com essa bagagem que Soror Babalon conta um pouco de sua história e da história de Thelema no Brasil. E xplica, também, a filosofia que a O.T.O. vem consolidando ao longo desse tempo. Trabalhando há mais de quinze anos, o panorama que ela tem da divulgação de Thelema em terras brasileiras não é exatamente otimista. Ao seu ver, guerras de ego e incapacidade de organização foram os principais ingredientes de um cenário pouco frutífero para um trabalho sério. O choque da Lei de Thelema com a cultura brasileira é outra questão que revela não uma realidade doce, mas dura como a iniciação. ESTRELA R UBI:
Como você chegou a Thelema? E como você encon-
trou a O.T.O.? SOROR BABALON: No meio thelêmico eu estou desde
1992. Na verdade o primeiro nome que me chegou foi do livro “Chamando os Filhos do Sol” de Marcelo Motta, e fui até a Biblioteca Nacional procurá-lo, pois após ouvir uma referência a esta obra foi impossível tirá-la da minha cabeça. Chegando lá, havia milhares de gavetinhas recheadas de milhares de fichas, não havia computador e eu também não sabia o nome do autor. Abri por acaso uma delas para verificar o número de referências bibliográficas ali contidas, xinguei e bati nas fichas por puro desespero e, para minha sorte, elas se abriram exatamente naquela que continha o título “Chamando os Filhos do Sol”, onde o Motta divulga Thelema, o Livro da Lei... Depois disso, saí da Biblioteca com a firme determinação de encontrar a O.T.O., mas não havia como contatá-la. O endereço no livro do Motta era muito antigo, não havia Internet... então a pessoa mais próxima naquela ocasião era o Euclydes Lacerda de Almeida, discípulo do Marcelo Motta, que falava de Thelema, do Livro da Lei, de Crowley, e que quis me conhecer e me abriu as portas da sua A...A. .. e da Sociedade Novo Aeon, da qual era líder. Em outubro de 1992 eu iniciei meus primeiros exercícios na A. ..A. .. sob tutela do Euclydes, mas infelizmente acabou não dando certo.
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O Euclydes era uma excelente pessoa para se tomar um choppe, para se bater um papo, mas como líder ele era inexistente. Ele não tinha tino para organização. Então acabei ficando bastante frustrada com a liderança dele na A...A. .. e com a organização thelêmica no Brasil. Fiz os meus diários corretamente, entreguei, e até hoje estou esperando... Nunca tive resposta. Eu senti que havia necessidade de partir para a fonte. Se eu não puxasse essa fonte para o Brasil, senti que não haveria um caminho sério em Thelema neste país. Foi aí que eu procurei, na época junto com o Carlos Raposo, o endereço da O.T.O. nos Estados Unidos, e quem veio a me dar esse endereço foi o próprio Euclydes. Escrevemos para a O.T.O., entramos em negociação com eles e em 14 de dezembro de 1995 eles vieram fazer as primeiras iniciações no Brasil. ER:
Já que você fez parte ativamente da história de Thelema no país, que panorama você tem da divulgação da Lei ao longo desses anos? SB: Um movimento brasileiro thelêmico não chegou a ocorrer. Exis-
tem alguns grupos, mas a maioria deles não é absolutamente séria. Os grupos thelêmicos são vergonhosos. Não há Thelema, mas uma briga de egos fantástica, um desrespeito à pessoa do outro, à vida íntima, a tudo. Não se ouve discutir algo de foro realmente iniciático, algo realmente espiritual, que seja uma luta consciente, organizada e séria em busca da instalação do Novo Aeon em terras brasileiras. Não vivi essa época, mas acredito que tivemos um período com o Marcelo Motta em que talvez tivéssemos pessoas com uma proposta séria. Mas, no meu entender, Marcelo Motta chegou num ponto da vida dele em que simplesmente enlouqueceu. E quando enlouqueceu, enlouqueceu Thelema no Brasil junto com ele. Saiu espalhando os discípulos para tudo que é canto, e a bagunça se formou. Se você for falar em Thelema no Brasil hoje em dia, em termos de um ramo sério, eu diria que só existe um, e é a O.T.O. Brasil. O pessoal chama de “Califado”, de “O.T.O. americana”, chama de uma série de O.T.O.(s), mas é a O.T.O.. Por quê? Porque é a única que faz um trabalho sério. É a única que tem uma linhagem séria a par tir do Crowley, a única com um trabalho iniciático organizado e com a proposta d e uma transformação social e espiritual de seus membros. E é a única que você não vê envolvida em fofocas por aí. ER :
Há quem diga que a O.T.O. é uma ordem “externa” por ser social. Como você defenderia a importância do trabalho iniciático em grupo? Primeiramente, essa definição de A...A. .. como trabalho interno e O.T.O. como trabalho externo é pueril, um conceito extremamenSB:
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te imaturo sobre as duas Ordens. Na O.T.O., o indivíduo é iniciado, suas energias são alteradas, seus Chakras são ativados, ele é estimulado sempre a descobrir a si m esmo. Você não pode dizer que um trabalho que leve o indivíduo ao “conhece-te a ti mesmo” seja externo. O que acontece é que além da proposta de trabalho individual, a O.T.O. também tem a proposta de mudança social. Então, fazendo com que o indivíduo floresça, a O.T.O. promove as suas transformações sociais. A vantagem de se trabalhar em grupo é que as pessoas podem trocar experiência, conhecimento, desenvolver afinidades. E nessas afinidades, uma ajudar a outra em momentos difíceis, fortalecer um ao outro, criar uma fraternidade. E, mais do que isso, aprender a viver sua própria individualidade com respeito à Vontade do outro. É o próprio panorama estelar. Cada estrela possui sua própria órbita, mas são todas elas que em conjunto fazem com que o céu estrelado se revele diante de nossos olhos maravilhados. ER: O trabalho em grupo é mais difícil quando
se trata de um grupo de thelemitas? SB:
Sim. É muito mais difícil. Em Thelema você vai estimular a pessoa a seguir sua Verdadeira Vontade, a defender sua própria individualidade. Não há como você ter cordeirinhos simplesmente obedecendo, baixando a cabeça. Você tem que estimular a rebelião nessas pessoas. Elas têm que se rebelar contra a educação social, contra tudo aquilo que não são eles. E mesmo Thelema pode não ser eles! Mas isso não nos interessa. Thelema tem um sentido maior, que é a descoberta da Verdadeira Vontade. Então a O.T.O. tem essa proposta: fazer o indivíduo concluir qual é e
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Foto: Frater Heru Behdet
agir em sintonia com a sua Verdadeira Vontade. E se sua Vontade não estiver no sistema de Thelema, pois então que seja o Budismo, Cristianismo, qualquer coisa. Isso é importante, porque isso é liberdade. Você não cria um grupo para dogmatizar. Você cria um grupo para libertar esse grupo e para que cada pessoa se fortaleça individualmente para manifestar sua Vontade. Evidente que os conflitos são inevitáveis. Eles são esperados, inclusive são desejados. Então liderar um grupo thelêmico que trabalhe seriamente é um trabalho muito, muuuuuito difícil! ER: O que você espera, como FSR
e Mestre de Loja, do thelemita que está iniciando? Alguma sugestão para o aspirante? SB:
Eu não espero absolutamente nada. Se eu esperasse algo eu já estaria determinando o caminho dessa pessoa, dizendo o que ela deveria fazer ou não. Na verdade, se eu tivesse que dar um conselho — e se conselho fosse bom, se vendia —, eu diria que olhe para si mesmo sem preconceito. Veja o seu lado negro, os seus vícios, com tanto carinho como você vê suas virtudes. Porque na verdade os vícios são virtudes em desequilíbrio, forças da natureza fora de controle. Quando equilibradas, elas se tornam grandes virtudes e conquistam grandes batalhas. Aprenda a beijar sua face negra com a mesma paixão com que beija sua face de luz. Ponto. ER:
O que você acha que a O.T.O. tem a oferecer para a sociedade brasileira? SB:
Muita coisa. Eu acho que precisamos de thelemitas para mudar este país. O the-
lemita é aquele que olha seus problemas e os problemas sociais de frente. Ele não vai disfarçar, ele não vai pintar de cor–de–rosa, ele não vai criar ilusões. Ele vai rasgar os véus da ilusão, achar a fonte do problema e mexer nela. Eu acho que este país precisa de pessoas com mais vontade, conscientes da sua trajetória espiritual e principalmente conscientes da realidade social, dispostos a lutar por mudanças. Thelema é o fim do “jeitinho brasileiro”. Seria a grande conquista de Thelema no Brasil! É o fim do “escorrega por aqui, escorrega por ali”. É cara a cara, olho no olho e vamos à luta. Isso é Thelema. Por que no Brasil isso seria importante? É importante para o indivíduo construir uma consciência em que ele não precise mais do “jeitinho brasileiro” para escamotear, em que ele se torne um indivíduo sério, que luta diretamente por melhorias no seu país. ER:
E para os trabalhos da Loja Quetzalcoatl no ano de 2010, qual sua previsão? SB: Nós temos vivido um crescimento bas-
tante promissor do número de membros, mas eu ainda espero mais comprometimento das pessoas da Loja e espero que a gente possa realizar mais trabalhos. Mais Missas Gnósticas, mais ritos. Pôr o pessoal para trabalhar com diversas energias, ver que resultado isso produz e pesquisar cientificamente. Eu realmente espero que esse ano seja marcado por uma progressão mágicka, tanto teórica quanto prática. Eu espero que até o final do ano a gente possa ter... não grandes Magistas, porque Magistas levam muitas vidas para se formarem, mas eu diria que grandes promessas mágickas para o futuro.
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T HELEMA E O T AOÍSMO
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A LOJA Q UETZALCOATL OFERECE MENSALMENTE A SEUS MEMBROS UMA SÉRIE DE INSTRUÇÕES EM DIVERSOS TEMAS RELACIONADOS A T HELEMA , A FIM DE AJUDÁ -LOS A ENTENDER E MELHOR APLICAR A SUA FILOSOFIA . pesar de nascido no Velho Æon, remontando até a antiguidade da era matrifocal, o Taoísmo filosófico tem conceitos estritamente próximos a Thelema. Suas visões de mundo e da dinâmica do Tao (o Caminho, o fluxo e modo do Universo ser), conforme apresentada no clássico Tao Te Ching, atribuído a Lao Tse, enriquecem a percepção do que nos é realmente natural e do conceito de Verdadeira Vontade.
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Diferentemente do intelecto ocidental, o Taoísmo exige um grau de apreciação da realidade relacionado ao sentimento de união e interação entre todas as coisas que e xistem. A Consciência do Ego (Eu), que cumpre sua função de analisar — isto é, separar — as coisas para conhecê–las, não raro se vicia em seu próprio m odus operandi e passa a entender que a realidade é um amontoado de coisas divididas, desarmoniosas entre si. Quase sempre, também se obceca com os mapas teóricos — sistemas — que criou para organizar a realidade em categorias compreensíveis para si, passando, no fim das contas, a confundir o terreno que é explorado com o mapa que é feito dele, cultuando o modelo e a ciência antes da própria coisa concreta e objetiva.
Aquilo que conhecemos e definimos depende sempre de comparação, que é um jogo de relações: o rio depende de suas margens para ser conceituado. Se tirarmos as margens do rio, ele deixa de sê–lo, do mesmo modo que se retirarmos o obser vador de uma experiência, aquilo que era observado perde sua definição. Portanto, tudo que é conhecido é feito através de um sistema dividido, dual. A natureza das coisas é determinada por uma relação entre tais coisas: do mesmo modo, Hórus contém em si seus gêmeos opostos, Ra–Hoor–Khuit e Hoor–paar–kraat. Ser e Não –Ser se definem um ao outro, e convivem um no outro.
E T HELEMA ? Confluímos, finalmente, na cosmogonia thelêmica e na fórmula 0 = 2, que expressa numericamente os versículos do Livro da Lei: Pois eu estou dividida por causa do amor, pela chance de união.
(Liber AL I:29) Esta é a criação do mundo, que a dor da divisão é como nada, e a alegria da dissolução é tudo.
Allan Watts, renomado estudioso de filosofias orientais como o Taoísmo e o Zen–Budismo, explica que essa percepção viciada da realidade baseada na separação entre as coisas cria um estilo de perceber o que se é, a própria identidade — e a individualidade — como algo que está separado de todo o resto, como ele detalha: “Isso consiste simplesmente em separá–los de tudo o mais, em destacar suas características diferentes como o mais importante. Chega–se assim à conclusão de que a identidade é uma questão de separação”. A consequência dessa percepção é a ignorância de como tudo se influencia constantemente, e como o Universo, relacionando suas diversas partes, opera um bloco integrado.
A NATUREZA NA RELAÇÃO Para o Taoísmo, o Tao que pode ser descrito não é o verdadeiro Tao, que é incognoscível. Seu modo de agir baseia–se na mutação constante de todas as coisas, tal como o rio de Heráclito, que não pode ser definido, porque no instante em que se o faça, ele já passou. Do mesmo modo, o ideograma “I”, contido no milenar I Ching, denota um sentido camaleônico a cada um dos ideogramas, que estão em constante metamorfose, transformando–se uns nos outros. Mas esta mutação é mudança do quê? Existe algo fixo para ser mutado? A realidade está no movimento e não na coisa movida: até porque nada existe ou é conceituado fixamente, dependendo sempre de uma relação com outra coisa.
(Liber AL I:30) A divisão é na verdade um jogo de imagens, uma ilusão de ótica a fim de que o Universo veja e conheça a si mesmo. Opostos como Nuit–Hadit, Therion–Babalon, Fogo–Água, Bem–Mal são miragens polarizadas para vermos e vivermos o modo de ser das coisas — o Tao. E entendermos que, no fim das contas, o Nada é o que muda, e nada muda substancialmente, uma vez que toda dualidade — Yin e Yang — são apenas fases da manifestação. “Tudo é como sempre foi” (Liber AL II:58). E, diante do 0 da dissolução, os opostos comungam e excedem aquilo que eram antes: observador e objeto observado tornam-se uma coisa só, não havendo por fim separação entre agente e fenômeno. No fim, o iluminado é o próprio Universo simplesmente acontecendo espontaneamente, sem restrição. Para maior aprofundamento, recomendamos a leitura do Liber CLVII. Relações entre conceitos taoístas e thelêmicos são tecidos por Crowley, como a comparação de Hadit, o doador de vida, mas cujo conhecimento é o conhecimento da morte, com o Wu Wei (ação sem ação), o estado de espírito taoísta onde se está perfeitamente vazio e, neste vácuo, Tudo — isto é, o modo espontâneo do Universo — é o que o preenche. Recomendamos também o livro “A Alquimia Interior Taoísta”, de Mantak Chia, referente à parte alquímica do taoísmo, muito útil para entendimento de Tantra e Magia Sexual.
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LIBER CHETH VEL A BIEGNI
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SUB FIGURA CLVI PUBLICAÇÃO EM CLASSE “A” DA ASTRUM ARGENTUM
12. E vê! Se em segredo tu guardas para ti mesmo um pensamento de ti, então tu serás banido para dentro do abismo para sempre; e tu serás o solitário, o comedor de estrume, o aflito no dia do Sê–Conosco. 13. Sim, realmente, esta é a Verdade, esta é a Verdade, esta é a Verdade. A ti será garantida alegria, e saúde, e riqueza, e sabedoria, quando tu não fores mais tu.
Este é o segredo do Santo Graal, que é o vaso sagrado de Nossa Senhora, a Mulher Escarlate, Babalon, a Mãe das Abominações, a noiva do Caos, que cavalga sobre Nosso Senhor, a Besta.
14. Então cada ganho será um novo sacramento, e não te corromperá; tu festejarás com o libertino na praça de mercado, e virgens atirarão rosas sobre ti, e mercadores curvarão seus joelhos e te trarão ouro e especiarias. Também jovens meninos derramarão vinhos maravilhosos para ti, e os cantores e dançarinos cantarão e dançarão para ti.
2. Tu escoarás o teu sangue, que é a tua vida, para dentro da taça sagrada da fornicação dela.
15. Porém, não deves tu estar ali, pois tu deves ser esquecido, pó perdido no pó.
3. Tu misturarás tua vida com a vida universal. Tu não reterás uma só gota.
16. Nem o próprio aeon te será proveitoso nisto; pois, do pó, uma cinza branca será preparada por Hermes, o Invisível.
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17. E esta é a ira de Deus, que estas coisas devam ser assim.
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Então, o teu cérebro será mudo, e teu coração não mais baterá, e toda a tua vida se irá de ti; e tu serás banido sobre a estrumeira, e os pássaros do ar festejarão sobre a tua carne, e teus ossos branquearão no sol. Então, os ventos reunir–se–ão e carregar–te–ão como a um amontoado de pó numa folha que tem quatro cantos, e eles darão isto aos guardiões do abismo. E, porque não há vida ali, os guardiões do abismo ordenarão aos anjos do vento que passem. E os anjos deitarão teu pó na Cidade das Pirâmides, e o nome disso não mais haverá.
18. E esta é a graça de Deus, que estas coisas devam ser assim. 19. Portanto, eu vos ordeno que venhais a mim no Começo, pois, se vós dais sequer um passo neste Caminho, vós deveis inevitavelmente chegar ao final dele. 20. Este Caminho está além da Vida e da Morte; ele também está além do Amor; mas isso vós não sabeis, p ois vós não conheceis o Amor. 21. E o final dele nem mesmo é conhecido por Nossa Senhora
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Agora, portanto, para que tu possas realizar este ritual do Santo Graal, livra–te de todos os teus bens.
ou pela Besta sobre a qual Ela cavalga; nem pela Virgem, sua filha, ou por Chaos, seu Senhor legítimo; mas, pela Criança Coroada, é ele conhecido? Ele não é conhecido se
8. Tu tens riqueza; dá–la àqueles que têm necessidade dela, porém não a desejam. 9. Tu tens saúde; sacrifica–te no fervor do teu abandono a Nossa Senhora. Que a tua carne penda frouxa sobre os teus ossos, e que os teus olhos penetrem com tua volúpia inapagável no Infinito, com tua paixão pelo Desconhecido, por Ela, que está l t a além do Conhecimento, o maldito. o c
l a z t e u Q 10. Tu tens amor; arranca tua mãe do teu coração e cospe na face a j o de teu pai. Que teu pé pisoteie a barriga de tua mulher, e que o L — bebê no seio dela seja a presa de cachorros e abutres. s i t n e i r O i l 11. Pois se tu não fizeres isto com tua vontade, então Nós o p m faremos, a despeito da tua vontade. Assim, que tu consigas o e T o Sacramento do Graal na Capela das Abominações. d r O
ele for conhecido.
22. Portanto, a Hadit e a Nuit seja a Glória no Fim e no Início; sim, no Fim e no Início.
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