E R N E ST ST M A N D E L
A Formação do Pensamento Econômico de Karl Marx De 1843 até a redação de O Capital
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Título original:
La Formatio Form ation n de la Pens Pe nsée ée Econ Ec onom om ique iq ue d e Karl Marx
De 1843 jusqu’à la rédaction du “Capital’’
Traduzido da primeira edição, publicada em 1967, por F r a n ç o i s M a s p e r o , Paris, França
© 1967 by Librairie François Maspero
1968
Direitos para a língua portuguesa adquiridos por ZAHAR EDITORES Rua México, 31 — Rio de Janeiro que se reservam a propriedade desta tradução
Impre Im presso sso no Brasil Brasil
índice
1. Da Crítica da Propriedade Propried ade Privada à Crítica do Capita Ca pitalism lismoo .................... .............................. ..................... ................... .................. ............... .....
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2.
Da Condenação Cond enação do Capitalismo Capitalismo à Justif Justifica icação ção Sócio Só cio-E -Eco conô nôm m ica do Comunism Com unismoo ........ ............ ........ ........ ........ ........
29
3.
Da Recusa Recusa à Aceitação da Teoria do V aloralo rTrab Tr abal alho ho ..................... ............................... .................... ................... ................... .................. ........
42
4. Uma Prim Primeir eiraa Análise de Conjunto Conjun to do M od o de Prod Pr oduç ução ão Capital Cap italista ista .................... .............................. .................... ............... .....
54
5. O Problema Problema das Crises Periódicas Periódicas .........................
69
6. O Aperfeiçoamento da Teoria do V alor, da Teoria da Mais-Valia e da Teoria da Moeda ...............
82
7. Os Grtindrisse ou a Dialética do Tempo de Tra balho e do Tempo Livre ......................................
1'04
8. O “ M od o de Produção Produção Asiático” Asiático” e as Preco Precondindições Históricas do Impulso do Capital ...............
121
9. O Acabame Acab amento nto da Teoria Te oria dos Salários ...... ......... ...... ...... .......
143 143
10.
Man anus uscr crito itoss d e 1844 aos Grundrisse: de Dos M uma Concepçã Con cepçãoo Antropoló Ant ropológica gica a uma uma Concepçã Con cepçãoo Histó Hi stórica rica da A liena lie naçã çãoo .................... .............................. .................... ............ 158
11. Desalienação Desalienação Progressiva Progressiva pela pela Construção da da So ciedade Socialista, ou então A lienaçã lien açãoo Inevitável Inevitável na “Sociedade Industrial”? ......................................
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A G isèl is èlee que me fêz escrever este livro com 'alegria
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Da Crítica da Propriedade Privada à Crítica do Capitalismo
Marx e Engels não seguiram o mesmo caminho para chegar a uma concepção comum. “Êles tinham em comum 0 ponto de partida filosófico: a dialética de Hegel, a cons ciência de si de (Bruno) Bauer, o humanismo de Feuerbach; tinham em seguida aprendido a conhecer o socialismo- inglês e francês, que se tornou para Marx o meio de se colocar de acôrdo consigo mesmo a respeito das lutas e das aspirações da época, enquanto para Engels foi a indústria inglêsa que desempenhou êste papel.”1 A diferenç difer ençaa prové pro vém m sem dúvida dúvid a das diferen dife renças ças de ca ráter e de temperamento, a natureza mais especulativa do gênio de Marx, mais impetuosa do gênio de Engels. Mas o acaso e as circunstâncias materiais da vida desempenharam aí um papel. Enquanto Marx emigra da Alemanha para a França, Engels é enviado à Inglaterra para ali fazer o apren dizado diza do dos negóc neg ócios ios.. Entra em contato conta to com a realidade da da grande indústria capitalista. O choque provocado por êsse en contro com as contradições da sociedade burguesa determina rá o curso de seus pensamentos para o resto de seus dias.2 1 Franz Mehring, Mehrin g, Au Auss dem de m literarischen Nachlass Nachla ss v on Karl Marx und Friedr Fri edrich ich Engel En gelss 1841 bis 1850, 185 0, vol. I, 3.a ed., Dietz Stuttgart, 1920, pág. 359. 2 “ Em Manchester, Manchester, eu me choque choq ueii com o fato de que as realidades econômicas, que até então não tinham desempenhado qualquer papel,
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PENSAMENTO ECONÔMICO DE KARL MARX
Se Marx desenvolveu quase sozinho tôda a parte eco nômica da teoria marxista, é a Engels que se deve a honra de primeiro ter levado Marx ao estudo da Economia Políti ca e de ter compreendido, num “esbôço genial”, a importân cia ce cent ntra rall desta desta ciência ciência para para o comunis com unismo mo.3 .3 Êsse “ Esquisse” Esquisse” , redigido em fins de 1843, constitui o primeiro trabalho eco nômico dos dois amigos; Rjasanov lhe atribui a justo títu lo uma "importância extrema na história do desenvolvimento (da (d a gênes g ênese) e) do marxismo” marx ismo” .4 É importante sublinha sublinharr que foi igualmente Engels, no entanto dois anos mais jovem que Marx, que se afirmou primeiro abertamente comunista e con siderou como necessária e inevitável uma revolução racical que eliminaria a propriedade privada. Desde o final de 1842 (êle tinha nessa época apenas 22 anos), Engels, um após o outro, conclui um artigo' tratando da monarquia prussiana pela predição de uma revolução bur guesa, e abre um artigo tratando da Inglaterra com o anún cio de uma revolução social.5 No mesmo momento, num ar Rh eint ntsc sche he Z e itu it u n g ( “ Der Kom tigo publicado na Rhei Kommu muni nism smus us und die Augsburger Allgemeine Zeitung” ), Marx rejeita ainda o comunismo, afirmando a necessidade de estudá-lo de ma neira aprofundada a fim de poder criticá-lo adequadamente.6 Mas os dois fundadores do socialismo científico abordam já o problema pelo mesmo ângulo: pela crítica da concepção neoou um papel desprezado, na historiografia, representam pelo menos no mundo moderno uma fôrça histórica decisiva; que elas constituem a base do nascimento das contradições de classe contemporâneas; e que essas contradições de classe representam, no país onde elas se desen volveram plenamente graças à grande indústria, a saber na Inglaterra, a base da formação dos partidos políticos, das lutas de partido, e dêste fato de tôda a história política” (Fr. Engels: “Zur Geschiehte des Bundes der Kommunisten”, em K. Marx, Enihü En ihüllu llung ngen en üb er den Kommu Kom munis nistén ténpro prozess zess zu Kóln Kó ln,, 4.a ed. por Mehring, Berlim, 1914, Buchhandlung Vorwãrts, pág. 35). 3 Marx expressa expressa êsse êsse julgamento sôbre “ L ’Esquisse d’une d’ une Critique de l’Econom ie Politique” Politique” no seu “ Préface Préface à la Critique del’Economie de l’EconomiePo Po litique” litique” , em K . Marx Marx e Fr. Fr . Engels, Engels, Oeuvres choisies en 2volumes, 2 volumes, Moscou, 1955, Ed. du Progrès, I, pág. 378. 4 K. Marx, Fr. Engels, Histor Hi storisch isch-kri -kritisc tische he Gesam Ges amtau tausga sgabe be ( m e g a ) , I, 2, págs. LXXII e LXXIII. 5 K . Marx, Marx, F r. Engels, m e g a , I, 2, págs. 346 e 351. 6 K . Marx, Marx, Fr. Fr . Engels, m e g a , I, 1, 1, pá g. 263. 26 3.
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hegeliana do Estado, pela descoberta da existência das clas ses sociais, e pela análise dos efeitos desumanos da proprie dade privada e da concorrência. A trajetória trajet ória d o pensame pens amento nto se deixa, deix a, nos dois casos, casos , se guir de estágio em estágio: da critica da religião à crítica da Filosofia; da crítica da Filosofia à crítica do Estado; da crítica do Estado à crítica da sociedade, isto é, da crítica da política à crítica da Economia Política, que termina na crítica da propriedade privada. Mas, em Marx, o aspecto puramente teórico dominará durante êsse período e a evolução desemboca na Introd Int roduçã uçãoo à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (fins de 1843comêço com êço de 1844) . Em Engels, E ngels, é o aspecto aspect o prático, a crítica crítica da sociedade burguesa inglesa, que toma a frente, tanto nos Umrisse zu einer Kritik der Nationalökonomie quanto em D i e Lage La ge Engl En glan ands ds , que aparecerão todos tod os os dois nos nos Deu D euts tsch ch-F -Fra ranz nzös ösis isch chee Jahbiicher, ao mesmo tempo que o artigo célebre de Marx. Adm A dmit ite-s e-see em geral que, por po r ocas oc asiã iãoo de seus seus estudos estud os universitários, Marx não se interessou quase nada pela Eco nomia Política. A lista conservada dos livros que êle tinlia estudado em Berlim não contém nenhum consagrado a essa disciplina.7 disciplina.7 Na sua carta a Franz Mehring de 28 de setem setem bro de 1892, Engels, falando dos anos de estudos universi tários tários de M arx ar x em Bonn e em Berlim Berlim,, escreve: escreve : “ . .. êle não sabia absolutamente nada de Economia. . . ”8 Pierre Naville tem, no entanto, razão quando se esfor ça por atenuar o caráter muito absoluto dessa informação. Com efeito, o próprio Hegel tinha sido profundamente mar cado na sua juventude por estudos econômicos, e principal mente pelo de Adam Smith;9 Marx viu o sistema hege-liano D ie Entwic Ent wicklu klung ng der de r ökon ök onom om ische isc hen n L ehre eh re von 7 D . I . Rosenberg, Rosenberg, Die Marx und Engels Eng els in den de n Vier Vi erzig ziger er Jahren Jahren des de s 19. Jahrhundert Jahrhunderts, s, Dietz Verlag Ve rlag,, Berlim, 1958, p á g . 3 5. A usge gew w ählte äh lte Brief Br iefe, e, Dietz-Verlag, Berlim, 8 K. Marx, Fr. Engels, Aus 1955, pág. 541. 9 É Plekhanov que tem o mérito de primeiro primeiro ter sublinhad sublinhadoo a impor tância de Hegel enquanto precursor do materialismo histórico, conce-
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PENSAMENTO ECONÔMICO DE KARL MARX
como uma verdadeira filosofia do trabalho. “Abordando a F&nomenolog F&nom enologia ia d o Espír Es pírito, ito, a Filo F iloso sofia fia d o D irei ir eito to e mesmo a Ciência da Lógica, Marx não descobria pois somente He gel, mas já, através dêle, uma parte da Econo Ec onomi miaa clássica que aí está assimilada e filosoficamente traduzida, de sorte que Marx não teria tão bem procedido na sua crítica da so ciedade civil e do Estado segundo Hegel se não tivesse en contrado já nêle certos elementos que permaneciam vivos, como a teoria das necessidades, a da apropriação ou a aná lise lise da divisão do1 trabalho.” trabalho .” 10 Da Filosofia à política, Karl Marx já tinha atravessa do essa primeira etapa de sua história intelectual quando se Rhe hein inisc ische he Z e itu it u n g em 1842. Sua posição tornou redator da R fundamental fundamental permanece a da luta luta por um Estado Esta do “ humano” ; éle se coloca ainda no plano dos "direitos humanos” em geral, no plano da luta contra os resíduos feudais. Da mesma forma que Hegel, êle considera que o Estado deveria ser “a rea lização da liberdade” . 11 Mas Ma s êle descobre já uma contradi ção entre essa concepção ideal do Estado e o fato de que os “Stãnde” representados na Dieta provincial da Renânia se es forcem por “ degradar o Estado E stado à idéi idéiaa do interê interêss ssee privado” priva do” . dendo ao desenvolvimento econômico um lugar central na explicação daquilo que há de específico em cada nação ou em cada civilização. Os artigos em questão de Plekhanov apareceram em 1891 em D ie N eue eu e Zeit Ze it e foram reproduzidos no n.° 22 (abril-junho de 1950) de La R e vue Internationale.
Na sua obra magistral Der D er junge jun ge H eg el, el , Georg Lukacs pôde es tudar detalhadamente as concepções econômicas do jovem Hegel. Êle demonstrou principalmente o lugar central que o trabalho ocupa na Antro An tropol pologi ogiaa hegel he gelian iana. a. H egel eg el escreve esc reve em 1803 18 03-4: -4: “ Quanto Quant o mais o trabalho se efetua com a ajuda de máquinas, tanto menos êle tem valor e tanto mais tempo é obrigado a trabalhar dessa maneira.” Esta frase constitui uma antecipação genial daquilo que Marx e Engels es creverão quarenta anos mais tarde (Georg Lukacs: Der D er junge jun ge H egel eg el,, Europa—Verlag, Europa—Verlag, Zurique—Viena, Zurique—Viena, 1948, págs. pá gs. 421, 423, 44 0 e tc . ) . Não se deve esquecer tampouco que na Lóg L ógic ica a , de Hegel, o trabalho é a forma original da praxis. Voltaremos ao problema das concepções eco nômicas de Hegel no penúltimo capítulo dêste estudo. 10 Pierre Naville Na ville,, D e l’Aliéna l’Al iénation tion à la Jouissance, Librairie Marcel Ri vière, Paris, 1957, pág. 11, reeditado em 1967, éditions Anthropos. 11 Paul K àgi, àg i, Genesis des historischen Materialismus, Europa-Verlag, Viena— Vien a—Frankfurt— Frankfurt—Zuriq Zurique, ue, 1965, p á g. 120. 12 0.
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Isto é, que desde que êle aborda um problema político coe rente, a nova legislação sôbre o roubo da madeira, êle se choca com o problema das classes sociais: o Estado, que de veria ser a encarnação do '‘interêsse geral”, parece agir no interesse somente da propriedade privada, e, para assim fa zer, viola não somente a lógica do direito, mas ainda prin cípios humanos evidentes.12 Marx aprende já que a propriedade privada, em defesa da qual o Estado parece querer votar-se exclusivamente, re sulta de uma apropriação privada, monopolizadora, de um bem com co m um . 13 É êle pressente pressen te numa dispos dis posição ição penal, penal, que atribui ao proprietário o trabalho do ladrão para compensar suas perdas, a chave principal de sua futura teoria da maisvalia: é o trabalho forçado não-retribuído que é a fonte das "porce "po rcenta ntagen gens” s” , isto é, é, do interêsse, interêsse, isto é, do lu cr o .14 .14 Desde essa entrada na matéria, a crítica política condu ziu pois o jovem Marx ao limiar de uma crítica da “socieda de civil” civil ” , da crítica da Econo Ec onomi miaa Políti Po lítica. ca.115 M as antes de atravessar êsse limiar e de mergulhar no assunto que cons tituirá a preocupação principal de sua vida de sábio, é como se êle devesse constantemente olhar para trás, voltar sôbre seus passos, assegurar-se de que não tinha negligenciado ne nhuma solução de reserva, dar uma sorte definitiva a tôdas as ideologias que vinha de superar. Entre outubro de 1842, o início de seus artigos concernentes aos Deb D ebat atte ten n über das Hol H oldz dzdi dieb ebst stah ahlg lges eset etz, z, e o início de seus estudos de Econo mia Polític Polí ticaa em Paris se intercalam dois do is anos, durante os 12 K . Marx, F r. Engels, m e g a , I , 1, 1, págs. 281-2. Ibid ., págs. 274-6. 13 Ibid., Ib id.,, págs. 289, 297. 14 Ibid. 15 O próprio Marx Marx escreveu escre veu a êsse respeito: respeito : “ Em 1842-1 18 42-1843 843,, na minha Rhe inisch schee Xeitun Xei tung, g, eu me encontrava pela qualidade de redator da Rheini primeira vez na obrigação embaraçante de dar minha opinião sôbre o Lan dtag reque se chama de interesses materiais. As deliberações do Landtag nano sôbre os roubos de madeira e a fragmentação da propriedade fundiária, a polêmica oficial que M. von Schaper, então Oberprãsident Rh einisch ischee Zeitu Ze itung ng sôbre a situação da província renana, travou com a Rhein dos camponeses do Mosela, enfim os debates sôbre a livre troca e o protecionismo, me forneceram as primeiras razões para me ocupar de Pr éface ce à la Critiq Cr itique ue d e l’Eco ’E cono nom m ie questões econômicas” (K. Marx, Préfa polit po litiqu ique, e, em K. Marx e Fr. Engels, Oeuvres Choisies en 2 volumes, Moscou, Editions du Progrès, 1955, I, pág. 376).
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quais o jovem Marx fará o balanço de dois movimentos ■—■ a Filosofia hegeliana e o socialismo utópico — que êle êle tin tinha ha que superar para formular sua doutrina sob uma forma de finitiva. O têrmo “superar” deve ser tomado aqui no seu sen tido hegeliano, dialético, que implica que tudo o que é váli do nas posições superadas é conservado nas posições novas. Para compreender a evolução das idéias econômicas do jovem jov em M a rx rx,, é interessante interessant e seguir a gênese gên ese d o interesse de Marx pela questão social. Tendo-a descoberto através da mi séria dos vinhateiros do Mosela e dos debates concernentes aos ladrões de madeira, êle começa a se chocar com ela a cada passo, quando empreende uma crítica detalhada da Fi losofia de Hegel. Descobre que “o estado do trabalho ime diato” (Der Stand der unmittelbaren Arbeit), isto é, a massa dos que nada possuem, constitui na realidade a precondição para a existência da sociedade burguesa.16 E opõe a esta “pobreza artificialmente provocada” a fruição enquanto fi nalidade verdadeira da humanidade. Escrevendo ao editor D euts tsch ch-F -Fra ran n zösi zö sisc sch h e Jahrbücher, Ruge, êle afirma que dos Deu "dêste conflito do Estado político com êle me mesmo smo,, pode-se em tôda parte deduzir deduzir a verdade verdad e social” . 17 M as se procla mando já adversário adversário da propriedade privada — que qualifi qualifi cou, na crítica da teoria e da prática do Direito, como fonte de tôda tôd a injustiça — êle recusa ainda ainda se afirmar comunista. comunista. O estudo dos problemas da filosofia do Estado desem boca no estudo de Rousseau, de Montesquieu, de Maquiavel, e sobretudo de diversos historiadores da Revolução Fran cesa, que o influenciam profundamente e o levam ao estudo do socialismo francês, nascido das correntes que esta Revo lução tinha liberado. Sua última recusa do comunismo data da carta citada a Ruge, isto é, de setembro de 1843; sua primeira profissão de fé comunista data de março de 1844. Foi entre essas duas 16 K. Marx, Fr. Engels, Eng els, m e g a , I, 1, 1, pág. 498. Günther Hillmann afir ma que êsse primeiro encontro de Marx com o problema da propriedade privada foi ao mesmo tempo um encontro pessoal. Quando redator da Rheini Rh einisch schee Zeitu Ze itung ng êle teria entrado em conflito com tentativas de um grupo de acionistas de salvar o jornal de uma interdição da censura por meio de concessões políticas políticas ( “Zum “Z um Verständnis Verständnis der Texte” , em K. Marx, Marx, Texte zu Methode und Praxis, Rowohlt-Verlag, II, p. 205). 17 Ibid., Ibi d., pág. 574.
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datas que se completou uma evolução política que será de terminante para o resto de sua vida.18 Qual foi o fator decisivo para precipitar essa evolução? É difícil isolar um só elemento num conjunto de influências. Mas por mais importante que tenha sido a leitura de auto res com co m o M oses os es He Hess ss •—- cuja influênci influ ênciaa é incontestável incontestáv el —■ ou o estudo da Revolução Francesa, foi o clima global da sociedade francesa sob Luís Felipe, a efervescência de idéias progressistas, a atividade das diversas seitas socialistas, o primeiro contato vivido com a classe operária e com a con dição proletária que permitiram cristalizar essas influências literárias.19 No seu primeiro artigo sôbre a questão judaica, Marx já se colo co loca ca com co m o finalid fin alidade ade examinar as relaçõe rel açõess entre a emancipação política e a emancipação humana simplesmente, conclusão lógica de sua crítica das teorias políticas consti tucionais. De passagem, êle junta o dinheiro à propriedade privada como fonte da alienação humana.20 Mas êle desco bre ao mesmo tempo o trabalho, o trabalhador, o proletário, enquanto encarnação dessa humanidade alienada que se trata In trodu oduçã çãoo à Crítica Críti ca da Filo Fi loso sofia fia do de emancipar. E na sua Intr Dir D irei eito to , êle fará dêsse proletariado o autor de sua auto-emancipação, que se torna pelo fato mesmo a emancipação da hu manidade inteira. É que êle se tornou consciente de que “a relação da in dústria, e do mundo da riqueza em geral, com o mundo polí tico, é um problema maior maior da época moderna” mod erna” . Mas Ma s essa re lação, apreendida e criticada criticada pelo pensamento teórico, não 18 Paul Kági, Ká gi, op. cit., págs. 140-147. Na sua pesquisa engenhosa do momento preciso em que Marx passou ao socialismo, Kági aliás esque ceu de ir a uma fonte capital: a notícia biográfica “Karl Marx’’ que Ha ndioõ oõrte rterh rhuch uch der de r Staatswisse Staat swissenschafte nschaften n (vol. Engels redigiu para o Handi V I ) . Êle Êl e precisa aí que qu e é depois dep ois de sua cheg ch egad adaa a Paris que Marx se torna socialista, graças ao estudo da Economia Política, dos socialistas franceses e da história da França (pág. 487 da 4.a edição). Fri edrich ich Enge En gels, ls, vol. II, passim) pas sim) 19 Auguste Com Co m u ( Karl Marx und Friedr coloca a justo título a ênfase sôbre o meio sócio-histórico como fator Da s Mensc Me nschen henbild bild determinante da evolução de Marx, enquanto Thier ( Das des jungen Marx) exagera principalmente a influência de Moses Hess. 20 K. Marx, Fr. Engels, Engel s, m e g a , I, 1, 1, págs. 583-4, 603.
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pode ser modificada senão pela prática.21 Ora, se “a arma da crítica não pod po d e substituir substituir a crítica das armas” , "a teoria se torna ela própria própr ia uma fôrça fôr ça mater material ial desde des de que se apodera apod era das massas” . 22 E essas massas são as massas proletárias prole tárias cuja aparição cria cria a possibilidade possibilidad e de uma uma revo revolução lução alemã. Essa Essa revolução não pode po de ser ser senão uma uma revolução radical radical;; não pode po de limitarlimitar-se se à esfera política política (burguesa) (burgu esa) . “ A possibilida possibilida de positiva da emancipação alemã” depende precisamente da formação de uma classe "com cadeias radicais” que, queren do romper essas cadeias, romperá tôdas as cadeias sociais su primindo a propriedade privada; “Reclamando a negação da propriedade privada, o proletariado eleva ao nível de princí pio da sociedade aquilo que a sociedade lhe impôs como prin cípio, aquilo que já está encarnado nêle, apesar dêle, como re sultado negativo da sociedade.”23 Certamente, essa descoberta do papel revolucionário do proletariado enquanto negador da propriedade privada se co loca ainda em limites filosóficos não-desligados de um certo humanismo sentimental: o princípio antropológico de Feuerbach, Engels dirá mais tarde que o humanismo de Feuerbach parte de um homem abstrato, a-históri a-his tórico, co, visto que não nã o se trat trataa nunca nunca do mundo (das (da s condições cond ições sociais sociais concretas) no qual vive êsse homem.24 homem.24 A condiç con dição ão proletária é conden c ondenada ada como “injusta", como fundada sôbre a injustiça, como imoral. Segundo Feuerbach, Marx proclama ainda que, se o prole tariado é o coração da emancipação, a Filosofia é sua cabe ça. Êle não aprende ainda a posição do proletariado no pro cesso de produção como fundamento de sua capacidade emancipadora. Êle não reconhece ainda senão um certo grau de de senvolvimento das fôrças produtivas, que a realização de cer tas condições materiais são indispensáveis para a realização 21 Esta Esta idéia provém incontestàvelmente incontestàvelmente de Hess, Hess, cuja “ Philosophie der Tat’’ (Filosofia da Ação) tinha aparecido em outubro de 1843, na cole ção de Georg Herwegh Einundz Ein undzwan wanzig zig Boge Bo gen n aus der Schwei Sch weizz (Paul Kägi, op. cit., pág. 200). 22 K. Marx, F r. Engels En gels,, m e g a I, 1, 1, pág. 611. 23 Ibid., Ibi d., pág. 620. 24 Fr. Engels: “ Ludw Lu dw ig Feuerbach Feuerb ach und der Ausgang der klassi klassisch schen en deutschen Philosophie”, em Karl Marx und Friedrich Engels, Au Ausg sgeewàhlte Schriften in zwei Bänden, II, pág. 355, Verlag für fremdsprachige Literatur, Moskau, 1950.
I’H01'1UK0ADE PKIVADA E CÂPITALISMO
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ilo comunismo. Seu comunismo é ainda um comunismo essen cialmente filosófico. Entretanto, a ligação entre êsse comunismo filosófico e o proletariado está de agora em diante solidamente estabele cida. Daí D aí a estuda estudarr o “ movimento de emancipação real” dêsse proletariado — o sociali socialismo smo e o comunismo comunismo francês, francês, inglês e alemão alemão — não há senão um um passo a dar, que Ma rx dará desde o comêço de seu exílio parisiense. A transição do comunismo filosófico ao comunismo proletário se efetua rá sem obstáculos maiores. Engels veio antes de Marx ao comunismo, dissemos nós. Mas para êle também o comunismo é de início de essên cia nitidamente filosófica. É mesmo um comunismo que se dirige em primeiro lugar à burguesia esclarecida e aos in telectuais, assim como parece pelos vários artigos sôbre o movimento comunista continental que Engels redigiu de fins de 1843 ao comêço de 1844 para o hebdomadário The New M o m l W o r ld . “Nós (isto é, os comunistas alemães) não po demos recrutar nossos membros senão nessas classes que go zaram de uma educação muito boa”, afirma êle. E êle aí opõe o comunismo filosófico ao comunismo das massas trabalhado ras, ras, encarnado pelo movimento comunis comunista ta de W e itli it lin n g .25 .25 Mas Engels compreende que o comunismo é o produto necessário das condições sociais criadas pela civilização mo par alelis lismo mo do movimen derna.26 Eis por que êle descreve o parale to comunista comunista na Inglaterra Inglaterra,, na França e na Alemanha Alemanh a (in clusive clusive na Suíça a lem le m ã ): “ Assim três três grandes países civili zados da Europa, a Inglaterra, a França e a Alemanha, todos os três, chegaram à conclusão de que uma revolução pro funda do sistema social, baseada na propriedade coletiva, se tornou agora ago ra uma necessidad necessi dadee urgente e inevitável. inevitáve l. . . O s ini n prátic a, pelo crescimen glêses chegaram a essa conclusão na prática, to rápido da miséria, da desmoralização e do pauperismo no seu país; os franceses aí chegaram polit pol itica icam m ente, en te, reclamando de início a liberdade e a igualdade política. Descobrindo que é insuficiente, êles acrescentaram a liberdade social e a igual dade social às suas reivindicações políticas. E os alemães tor 25 K. Marx, Fr. Engels, Eng els, m f .c a , I, 1, 2, págs. 444-6, 449. 26 Rjasanov, em K. Marx, F r. Engels, m e g a , I, 2, pág. LXXV.
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fi losó sófi fico co,, racio naram-se comunistas de um ponto de vista filo cinando sôbre os princípios primordiais” . 27 É preciso sublinhar a quase-simultaneidade com a qual Marx e Engels formularam o programa de base da revolução social proletária: a supressão da propriedade privada (Marx Ei nleitu eitung ng zu zurr Kriti Kr itikk d er H egel eg elsch scheri eri Rech Re chtp tphi hilo loso soph phie, ie, na Einl ra l W orld or ld.) .) em escritos Engels nos seus artigos do N e w M o ral datando de novembro de 1843 a janeiro de 1844, sem dúvi da independentemente um do outro. É preciso colocar tam bém em relêvo a intuição genial do jovem Engels que, em uma só frase, resume a abordagem específica que as três grandes nações da Europa farão do movimento mundial do século X I X . A Inglater Inglaterra ra lhe lhe traz traz o sucesso pragmáti pragmático co das primei primeiras ras organizaçõ orga nizações es de massa massa (cartismo e sindicalism sindicalismo); o); a França, a luta revolucionária pela conquista do poder po lítico (luta que parte da tradição estabelecida pela Grande Revolução Francesa 'e que chega, através do babovismo, o blanquismo e junho de 1848, à Comuna de Paris, a primei ra conquista efetiva do poder pelo proletariado); e a Ale manha, o acabamento teórico do primeiro programa socialis ta científico. Sem dúvida, escrevendo essa frase, ignorava êle ainda o papel decisivo que êle próprio via desempenhar na elaboração dessa abordagem teórica alemã do movimento pro letário, por seus trabalhos preparatórios e sua contribuição na if esto to Comuni Com unista. sta. redação do M a n ifes Nós já dissemos: foi o choque que provocou seu confron to na Grã-Bretanha com o proletariado real, produto da gran de indústria, com sua miséria, sua desmo des morali ralizaç zação ão e seu formi dável poder coletivo e capacidade de organização (Engels nota, cheio de admiração, que os cartistas podem reunir um milhão de pence por semana),28 com sua combatividade e sua capacidade de se elevar espiritual e moralmente acima da mi séria material desde que êles se organizem, que permitiu a Engels passar do comunismo filosófico ao comunismo prole tário. Rjasanov lembra muito a propósito que o encontro com os primeiros comunista comunistass proletários verdadeiros ve rdadeiros — os alemãe alemãess Schapper, Bauer Bauer e Moll, Mol l, emigrados em Londres — fêz um uma grande impressão sôbre Engels, que aliás êle próprio descre27 New N ew Moral Mor al W orld or ld,, 4 de novembro de 1843, em 28 K. Marx, Fr. Engels, Eng els, m e g a , I, 2, pág. 369.
m e c a
,
I, 2, pág. 436.
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Rév évél élat atio ions ns sur le proc pr ocès ès des C o m o vcu na sua introdução às R ministes de Cologne ,29 E sentimos o efeito dessa experiência prática nas três obras que marcaram essa transição: Umrisse zu einer ein er Kriti Kr iticc der de r Nati Na tion onal alök ökon onom omie ie (fim de 1843), Die D ie Lage La ge Engl En glan ands ds (janeiro de 1844), La S i t u a t i o n de la classc luborieuse en Angleterre (fim de 1844-comêço de 1845). E sb ô ço d e urna Crítica Críti ca O primeiro dêsses três trabalhos, Esb da Economia Política, constitui então a primeira obra econô mica propriamente dita dos dois amigos. Engels não diz nela nada de substancialmente nôvo. Êle critica o liberalismo eco nômico, a doutrina de Adam Smith, de Ricardo e de McCulloch, confrontando-a com a realidade econômica e social da Inglaterra industrial. Esta crítica é amplamente ampliada em outros socialistas como Owen, Fourier e Poudhon. Mas ela supera êsses autores por uma aplicação fértil da dialética hegeliana à realidade social.30 E se ela permanece prisioneira de muitas concepções moralizadoras e idealistas, se condena o comércio como “provocando a desconfiança geral" e como "utilizando meios imorais para atingir uma finalidade imo ral” ,81 ela se distingue no entanto por algumas intuições no no if es táveis que encontrarão mais tarde ecos em Marx, no M a n ifes to Comunista e mesmo nos Grundrisse : assim a concepção da economia capitalista como um progresso necessário “para que tôdas as considerações mesquinhas, locais e nacionais passem para o último plano e que a luta de nossa época possa tor nar-s na r-see uma uma luta geral, humana” humana ” .32 Um riss ss\ \e é uma crítica do comér O ponto de partida dos Umri cio, da doutrina mercantilista mercantilista e da teoria da livre tro troca. ca. “ Par Pa r tindo de um ponto de vista vista humano geral” , Engels chega à conclusão correta de que é preciso criticar ao mesmo tempo ns duas doutrinas. Êle desmascara sobretudo a hipocrisia da doutrina liberal antimonopolista. Esta finge ignorar que a li vre troca está ela própria fundada sôbre um monopólio, a sa ber, o monopólio da propriedade privada entre as mãos de Página 31 na edição de Mehring. É preciso aproximar dessa impres são aquela que fêz sôbre Marx a freqüência aos círculos operários fran ceses que êle descreve com admiração nos Manuscri Man uscrits ts d e 1844, 184 4, pág. 149, «'in Klein Kl einee ökon ök onom om isch is chee Schriften Schr iften.. 110 Rjnsan Rjnsanov, ov, em K. Marx, Marx, Fr. Engels, m e g a , I, 2, pág. LXXII. !I1 K. Marx, Fr. Engel En gels, s, m e g a , I, 2, pág. 383. ,ia Ibid., Ibid ., pág. 381.
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uma classe minoritária da sociedade, e que a livre concorrên cia conduz inevitàvelmente ao monopólio. A segun seg unda da parte part e do artig ar tigoo trata do valor, valo r, e é sua parte mais fraca, aquela que indica que Engels não compreendeu nem aprofundou Ricardo no momento de redigir êsse traba lho. Êle trata do valor partindo da distinção entre “valor in trínseco trínseco ou valor real” , de um lado, e valor de troca, de ou tro lado. Depois êle examina as duas escolas, que reduzem, uma o “valor intrínseco” aos “custos de produção”, a outra “o valor intrínseco” de uma mercadoria “inclui os dois fato res” , tanto os “ custos de produ pro dução ção”” quanto a utilidad utilid ade". e". Numa passagem pouco clara, é verdade, êle parece colocar em dúvida dúvida a própria existência do d o va v a lo r .83 .83 Êle Êl e se aproxima aproxima mais de uma visão correta criticando o jôgo da “lei da oferta e da procura pro cura”” , “ que age com o uma uma lei lei da natureza” 34 e de duz a aparição das crises de superprodução precisamente do jô g o desta lei, isto é, da conc co ncor orrê rênc ncia ia.. O artigo termina termina com uma uma polêmica polêm ica feroz contra a “ lei lei de população” de Malthus85 e por uma descrição das conseqüên cias desastrosas da grande indústria para uma parte importan te da população. popu lação. É a parte mais mais impressionante impressionante do artigo, artigo, aquela que retoma e aprofunda a crítica do capitalismo de Fourier, e que será por sua vez ampliada e apoiada numa do Si tuação ção da Clas Cl as cumentação notável no seu primeiro livro: A Situa se Operária na Inglaterra.
Certamente, nesta parte, encontramos ainda alguns erros, como a concepção do salário operário reduzido aos sim ples meios de subsistência.86 Mas a crítica de Malthus é lú cida e revela o argumento essencial que permanece válido até hoje na polêmica com o neomalthusianismo: isto é, que é er rôneo comparar o crescimento da população com o crescimen to da produção natural do solo; é preciso compará-lo antes com o crescimento potencial da produtividade agrícola que re sultaria da aplicação eficaz da ciência e da técnica modernas à agricultura. A análise das crises de superprodução enquanto expressão fundamental das contradições do capitalismo é surss íbid., págs. 387-8. S4 Ibid. Ibi d.,, pág. 394. 35 Ele chama uma uma “conc “c oncepç epção ão vergonhosa e infame’’, uma “ignóbil blasfêmia contra a natureza e a humanidade” ( m e g a , I, 2, pág. 398). 36 K. Marx, Fr. Engels, Eng els, m e g a , I, 2, pág. 401.
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preendente na sua brevidade e na capacidade do jovem autor de ir ao fundo das coisas. Ela chega à descoberta de uma si tuação insensata, absurda: as pessoas morrem de fome no meio da abundância. E sobretudo: neste artigo, Engels opera a junção da crí tica da propriedade privada, que ocupou os dois futuros ami gos durante dois anos, e a crítica do capitalismo que os ocupa rá o resto dos seus dias, afirmando que a divisão entre o Ca pital e o Trabalho resulta inevitàvelmente da propriedade pri vada, e que essa divisão conduz à divisão da sociedade bur guesa em classes antagonistas, à divisão da humanidade em capitalistas e em operários.37 As A s conseqü cons eqüênc ências ias imorais e desumanas desum anas do capitalismo, capitalism o, da grande gran de indústri indústriaa — a maneir maneiraa pela qual ela destrói a comu nidade familiar, pela qual ela provoca o crescimento da cri minalidade minalidade — que se encontram encontram esboçadas esboç adas em algumas algumas frases if e sto st o Comunista Comu nista cortantes nos Umrisse, e das quais o M a n ife retomará a descrição num sombrio afresco inesquecível, Engels desenvolve a análise numa obra que permanece até hoje o qua dro mais surpreendente das conseqüências sociais da revolu ção industrial.38 A Situa Sit uação ção da Clas Cl asse se Operá Op erária ria na Inglaterra Ingla terra não se coloca ainda no terreno do materialismo histórico pro priamente dito. É ainda a indignação moral mais do que a compreensão do processo histórico que anima o jovem crítico social. Mas essa indignação moral já é revolucionária, ela já está ligada a um devotamento sem fim pela classe explorada e esmagada pelo Capital, que no entanto criou tôdas as ri quezas das quais êste se reserva o usufruto.39 E sobretudo: ela chega já à compreensão de que a luta real do proletariado constitui constitui o único veículo possível poss ível do socialismo. socialismo. Nesse sentido, ela marca a ruptura definitiva de Engels com o socialismo utópico e constitui ao mesmo tempo uma arma essencial con tra êste. 3" Ibid., Ibi d., págs. 391-396. 38 D. I. Rosenberg sublinha sublinha que numa obra de iuventude, iuventude, redigida Br iefe fe aus dem de m Wupp Wu pper erta tal, l, Engels já foi to com a idade de 19 anos, Brie cado pelas condições de trabalho desumanas dos operários, “que devem tirar-lhes tôda a alegria de viver” (D. I. Rosenberg, D ie Entwic Ent wicklu klung ng der ökonomischen Lehre von Marx und Engels in den vierziger Jahren des 19. Jahrhunderts, pág. 51). 39 K . Marx, Fr. Fr . Engels, m e g a , I, 4, págs. 24-5.
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Essa concepção foi submetida a um exame crítico, no curso dos últimos anos, em função do retardamento histórico mani festo de uma vitória socialista nos países ocidentais, indus trialme trialmente nte desenvolvidos. desenvolvido s. Uma Um a parte das crític críticas as — explicita mente, como fêz Franz Fanon, ou implicitamente, como fazem os teóricos do Partido Comunista Chinês —- se esforça por de monstrar que o potencial revolucionário dos povos do terceiro mundo supera supera aquêle proletariado ocident oc idental. al. N o seio dêsse dêssess povos do terceiro mundo, êles atribuem aliás o papel revolu cionário principal ao campesinato e à intelligentsia revolucio nária, e consideram que o proletariado industrial é de alguma maneira uma classe social privilegiada em relação aos campo neses sem terra.40 Outros críticos colocam em questão não a capacidade re volucionária do proletariado ocidental em relação àquela dos povos do terceiro mundo, mas esta capacidade simplesmente. Êles o consideram como pràticamente integrado na socieda de capitalista, sobretudo através de sua atomização (na in dústria semi-automatizada), da expansão de seu consumo e da possibilidade de manipu manipular lar sua ideologia ideo logia e suas suas necessida des.41 Êles não contestam que a massa daqueles que são obri gados a vender sua fôrça de trabalho continua a aumentar em número número absoluto e em relação ao conjunto conjunt o da população popula ção ativa ativa.. Contestam que êsse crescimento numérico reforce, diretamen te ou indiretamente, o desafio lançado ao capitalismo ociden tal, isto é, as probabilidades de o ver derrubado pelo proleta riado ocidental. Uns e outros tendem aliás a se referir mais às obras de juvent juv entude ude de M a rx e de Enge En gels ls que qu e definem def inem o papel pap el revo re volu lu cionário do proletariado do que às obras de maturidade. Nes sas obras obras de juventude — e princi principalmen palmente te na Introd Int roduç ução ão à 40 C f. principalmente princip almente Franz Fanon, Fanon , Les Damn Da mnés és d e la terre, ter re, págs. 45-47, 84-90 e segs., François Maspero, Paris, 1961. 41 Cf. principalmente principalmen te Herbert Herber t Marcuse, “ Les perspectives du socialisme dans la société industrielle développée”, em Rev R ev ue Interna Int ernation tionale ale du Socialisme, ano 2, n.° 8; Paul Baran e Paul M. Sweezy, Monop Mo nopoli oli / Ca pital, Monthly Review Press, Nova York, 1966, págs. 363-4; C. Wright Mills, The Marxists, págs. 113-5 na ed. de Dell Publishing Co., Nova York, 1962, etc. (N . do E .: Êstes dois últimos últim os publi pu blica cado doss sob os títu los, respectivamente, de Capitalismo Monopolista e Os Marxistas, por Zahar Editores.)
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Crítica da Filosofia do Direito —•êste papel revolucionário é essencialmente deduzido das características negativas do pro
letariado no seio da sociedade burguesa. Êle se apresenta com co m o O' ponto pon to de chegad che gadaa de uma tríade hegeliana com c omoo uma uma verdadeira verdadeira “ negação da negaçã neg ação” o” . É porque as cadeias cadeias do proletariado são radicais que êle não pode desfazer delas se não por uma revolução radical. O que leva os críticos con temporâneos a concluir que, visto que as cadeias se tornaram muito menos radicais hoje, a esperança de uma revolução ra dical por parte dessa classe torna-se amplamente utópica. Uma análise mais crítica das obras de juventude de Marx e de Engels En gels — sobretudo sobre tudo da gênese de suas idéia idéiass no que concerne à revolução social — demonstr demonstraa no entant entantoo que por trás do estilo deslumbrante havia, nessa época, ainda uma insuficiência de conhecimentos empíricos. À frase célebre sôbre as "cadeias radicais” se aplica a nota que Engels formu lará 40 anos mais tarde a propósito da Ideo Id eolo logi gia a A lem le m ã : “ A parte acabada consiste numa exposição da concepção mate rialista da história, que demonstra somente como nossos co nhecimentos em matéria de história econômica eram ainda in completos nessa nessa época.” épo ca.” '42 D e fato, o proletariado proletariado moderno não é a classe social que teve as cadeias mais pesadas da his tória mundial. Semelhante definição se aplica antes à classe dos escravos romanos, do século I antes da nossa era ao sé culo III depois de Cristo. A história demonstrou que não é suficiente que uma classe social não tenha mais nada a perder e não disponha de propriedade privada, para que seja capaz de realizar uma revolução social que possa abolir tõda a pro priedade privada. Precisando mais tarde seu diagnóstico, Marx e Engels atribuíram ao proletariado o papel-chave no advento do so cialismo, menos por causa da miséria que êle sofre do que em função do lugar que êle ocupa no processo de produção e na capacidade que possui de adquirir por êste fato um talento de organização e uma coesão na ação sem medida comum com tôdas as classes do passado. 42 Fr. Engels: “ Ludw Lu dwig ig Feuerbach Feuerb ach und der Ausgang der klassi klassisch schen en deutschen Philosophie”, Vorbemerkung (Prefácio), pág. 334, em Kar] Marx e Fr. Engels, Aus A usge gew w äh lte lt e Schrift Sch riften en in zw ei Bänden Bän den,, II, Moscou, 1950.
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Não há como contestar a capacidade revolucionária do campesinato sem terra dos países do terceiro mundo nem co locar em dúvida o fato de que ela ofereceu o maior número de participantes na luta revolucionária, em escala mundial, no curso dos últimos anos. Mas duas notas devem completar essa constatação para que ela não se transforme em uma imagem falsa da realidade global. Primeiro, que êsse campesinato, como os marxistas o previram, é nêle mesmo incapaz de con quistar o poder e de fundar novos Estados; é-lhe necessário, para êsse fim, uma direção de origem, de composição e de ins piração proletárias.43 Em seguida, que êsse campesinato po bre é incapaz por êle mesmo de construir uma sociedade so cialista no sentido em que a entendia Marx, isto é, uma so ciedade que assegura um desabrochar pleno e completo de tôdas as possibilidades humanas. É precisamente porque a infra-estrutura de tal sociedade não pode ser senão o produto da grande indústria moderna, levada a seu desenvolvimento mais elevado, que a revolução socialista, concebida enquanto processo mundial,44 pode co meçar em países subdesenvolvidos, mas não pode completar-se, isto é, adquirir seu pleno desenvolvimento, senão quando en globar os países industrialmente mais avançados. Para o resto, quando diversos sociólogos ou economistas colocam em dúvida o papel do proletariado enquanto veículo da transformação socialista no Ocidente, êles cometem geral mente dois erros: seja que êles pressupõem, em Marx, um de terminismo automático entre o grau grau de desenvolvimento desenvolvime nto indus 43 Cf. Léon Lé on Trotsky, D ie russische Revol Re voluti ution on 1905, 1905 , 2.a edição, Viva, 1923, págs. 44-5. Lênin: “Estes fatôres essenciais fazem que essa fôrça não possa agir por ela mesma; e eis por que as tentativas empreendidas nesse sentido no curso de tôdas as revoluções sempre fracassaram. Quan do o proletariado não consegue tomar a direção da revolução, essa fôr ça se coloca sempre sob a direção da burguesia” (1921), em Oeuvres Choisies en 2 volumes, II, pág. 839. Cf. também: a Segunda Declaração de Havana. 44 K. Marx: “ O comunismo comunis mo não é possível possív el empiricamente empiri camente senão en quanto ação dos povos dominantes “em uma só vez” ou simultaneamen te, o que pressupõe o desenvolvimento universal da fôrça produtiva e da circulação mundial ligada a ela’’ ( Die D ie D euts eu tsch chee Ideo Id eolo logi gie, e, pág. 32, Dietz Verlag, Berlim, 1953).
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tria triall e o grau de consciência de classe classe,*5 ,*5 seja que qu e êles êles consi deram deram o desenvolvimento dessa dessa consciência de classe (e em geral das condições subjetivas necessárias para a derrubada do capitalismo ) de maneira retilínea. !É evidente que Marx e Engels, chegados à idade de ma turidade, aprenderam claramente as relações dialéticas entre o grau de desenvolvimento das fôrças produtivas e o grau de desenvolvimento da consciência de classe.46 O que Engels es crevia a propósito do proletariado britânico do século XIX se aplica, muíatis mutandis, ao proletariado americano do sé culo X X . Para demonstra demonstrarr que êste êste não poderá preenc preencher her sua missão revolucionária, não basta descrever os mecanis mos atoa/s de integração, de manipulação ideológica etc. É preciso ainda demonstrar que os fatores que, a longo prazo, joga jo gam m em sentid sen tidoo in v e r s o —■ a concor con corrên rência cia internacio inter nacional nal cre cress cente que submete à erosão o monopólio americano de produ tividade e as vantagens de salários dos quais usufruem os trabalhador trabalhadores es americanos em em função fun ção dêste monopólio mono pólio — não modificarão o comportamento do proletariado proletariado.. É preci preciso so sobre tudo demonstrar que a automação, que não é senão a forma mais radical da tendência histórica do Capital de fazer o tra balho morto substituir o trabalho vivo,47 poderá a longo prazo coincidir com o pleno emprêgo e não chegará a retiradas que uma inflação crescente acabará por não mais poder conter. Essa demonstração nunca foi feita. Quanto à esperança de ver a missão' emancipadora do proletariado realizada realizada por "minorias não-integradas” não-integrada s” (mino rias radicais, estudantes, infraproletariado, ou seja, elementos decididamente associais), ela se choca com o mesmo obstá culo ao qual se chocaram choca ram as insurreições de escravos escra vos em em Roma. Roma . Essas camadas são capazes, no limite, de revoltas desespera p o d e r social objetivo (da pos das. Mas não dispõem nem do po 45 Cf.: “Êle “Ê le (M ( M arx) arx ) parece acredi acreditar tar que a consciência de classe classe é uma uma conseqüência psicológica necessária do desenvolvimento econômico obje tivo, que inclui a polarização em proprietários e trabalhadores” (C. Wright Mills, The Marxists, pág. 114). 46 Cf. o Prefácio que Fr. Engels redigiu em 1892 para “ A Situação da da Classe Operária na na Inglaterra” Inglaterra” , págs. págs. 390-39 390 -393, 3, em K. Marx, Fr. Engels, Aus A usge gew w üh ühlte lte W erke er ke , vol. 2, Moscou, 1950. 47 Baran e Sweezy indicam que entre entre 1950 e 1962 o número número de ope o pe rários não-qualificados se reduziu nos Estados Unidos de 13 para 4 mi lhões como conseqüência da automação (Monopoly Capital, pág. 267).
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sibilidade de assegurar ou de paralisar a produção no seu conjunto) nem da capacidade durável de organização neces sários para transformar a sociedade contemporânea. Ve V e rem re m os mais adiante adiant e que M arx ar x e Enge En gels ls adquiriram rá pidamente a convicção de que as condições objetivas e subjeti vas favoráveis à derrubada do capitali capitalismo smo não se desenvolvem de maneira retilínea, mas seguem uma curva nitidamente in fluenciada pelas flutuações do ciclo industrial (ao mesmo tem po o ciclo setenal e ciclo de longa duração).48 O que é essen cial não é saber se a classe operária de um pais ou de um grupo de países está temporàriamente passiva ou não.49 O que é es sencial é saber se as condições objetivas e subjetivas de sua per iódi dica cam m ente en te para o caminho de existência a impulsionam perió uma contestação de conjunto do regime capitalista. As A s cond co ndiçõ ições es objet ob jetiva ivass de tal cont co ntes esta taçã çãoo são sã o aquelas que resultam do funcionamento mesmo do regime (principalmente da regulação dos salários por meio do exército de reserva in dustrial; da insegurança de existência que daí resulta; da in suficiência do salário em relação às necessidades socialmente suscitadas; do caráter alienante do trabalho etc). As condições subjetivas são, em última análise, aquelas que fazem que o tra balhador considere sua condição como inferior e insatisfatória. Uma massa de literatura recente demonstra que é assim, na sociedade dit ditaa "de "d e consumo” , como foi o caso no século século pas sado.50
48 Ver capítulo capí tulo 5. 49 Cf. Cf . Fr. Engels, Enge ls, Introd Int roduc uctio tion n à K. Marx, L es Lutte Lu ttess d e Classes en Franc Fra ncee ( 1848-1850), em Oeuvres Choisies en deux volumes, I, Moscou, Ed. du Progrès, 1955. 50 Ver principalme princ ipalmente: nte: A. A . Andrieux e J. Lignon Lig non,, L’O L ’Ouv uvrie rierr d’aujourd d’ aujourd’ ’ hui, Paris, Rivière, 1960; Hans-Paul Bahrdt, Walter Dirks u.a., Gibt es noch ein Proletariat?, Frankfurt, Europäische Verlagsanstalt, 1962 etc. Um exemplo divertido que diz respeito à Grã-Bretanha foi recentemente revelado por Robin Blackburn (“Inequality and Exploitation’’, em New N ew Lef L eftt Revi Re view ew,, n.° 42, março-abril de 1967). Um sociólogo tinha dedica do um estudo à atitude dos trabalhadores da fábrica de Vauxhall, em Luton, por respeito à direção de sua caixa: 77% daqueles que trabalha vam no departamento de montagem teriam manifestado uma “atitude positiva’’. Apenas um mês depois da publicação dêsse estudo, houve uma verdadeira revolta nessa mesma fábrica, dirigida precisamente contra aquêles que fazem parte dessa direção.
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Da Condenação do Capitalismo à Justificação Sócio-Econômica do Comunismo
Foi no curso de seu exílio parisiense que Marx se lançou àvidamente ao estudo da Economia Política, estudo que êle prosseguiu durante seu exílio em Bruxelas, interrompeu na as eum m du sua volta à Alemanha, para terminar no Briíish M aseu Es quiss issee de Engels rante seu exílio londrino. “A leitura do Esqu lhe tinha revelado que a crítica da filosofia política de Hegel não era suficiente para elaborar, a partir de uma simples ne gação do Estado, essa teoria radical da sociedade, capaz de “tomar” as massas operárias e de as tornar conscientes do im perativo de uma revolução social que desse fim à sua aliena ç ã o . . . Foi Fo i pois com a idéia de encontrar uma uma resposta para para essas questões que Marx se pôs a estudar a “anatomia da so ciedade burguesa", tal como era possível descobri-la nos gran des economistas...”1 Podemos seguir a amplitude e a diver sidade dêsses estudos nas notas de leitura copiosas que êle nos deixou e que foram foram em parte parte publicadas.2 N ã o sabemos sabemos aliás aliás se todos os cadernos de notas de leitura de Marx foram efeti vamente encontrados. 1 Maximilien Maximilie n Rubel, Rub el, Karl Marx, Essai de biogr bio grap aphie hie intelle int ellectu ctuelle elle,, Pa ris, Rivière, págs. 117-8. 2 As “nota “ notass de leitura parisienses” parisienses” apareceram aparecer am em grande parte parte em K. Marx, Fr. Engels, m e g a , I, 3, págs. 411-583; as notas de leitura feitas em Bruxelas e por ocasião de uma viagem de seis semanas à Inglaterra, no verão de 1845 (ef. Fr. Engels, prefácio a K. Marx, Das Da s Elen El end d der Philosop Phi losophie, hie, Dietz, Stuttgart, 1920, pág. VII), não foram publicadas in
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Êsse Êss e estudo da Economi Econ omiaa Política, assim assim com comoo a colabora colab ora ção cada vez mais íntima com Friedrich Engels que data de se tembro de 1844, levarão Marx a clarificar suas idéias por res peito a seus mestres em Filosofia e velhos amigos: Hegel, Feuerbach e os jovens pós-hegelianos da escola de Bauer. Três obras resultam dessa polêmica que é ao mesmo tempo uma espécie de monólogo interior e uma tentativa dos dois novos amigos de tomar consciência de sua própria evolução: os M Man anus uscri crito toss E con co n ó m icoic o-F F ilos il osóf ófic icos os d e 1844, A Santa F a mília e A Ideologi'a Alem Al emã. ã. Destas três obras, é a primeira que marca uma etapa na evolução do pensamento econômico de Marx.3 Redigidos depois da leitura de uma série de economistas de primeiro plano e consistindo aliás parcialmente em longas citações extraídas de Adam Smith, de Pecqueur, de Loudon, de Buret, de Sismondi, de James Mill e de Michel Chevalier,4 êsses três manuscritos económico-filosóficos representam o pri meiro trabalho econômico propriamente dito do futuro autor d o Capital. Uma crítica da Filosofia de Hegel constitui a quar ta parte. Êles tratam sucessivamente do salário, do lucro, da renda fundiária, do trabalho alienado em relação com a pro priedade privada, da propriedade privada em relação com o trabalho e com o comunismo, das necessidades, da produção e da divisão do trabalho, assim como do dinheiro. O conceito filosófico de ali alienaç enação ão — que Marx Mar x tom tomou ou em em prestado de Hegel, de Schelling e de Feuerbach5 — recebe pela pela primeira vez nos seus M a n u s c r i t o s d e 1844 um conteúdo só exten ext enso, so, mas se encontram resum resumidas idas em K . Marx, Marx, Fr . Engels,
m e g a
,
I, 6, págs. 597-618; as notas de leitura feitas em Londres em 1850-1851 se encontram publicadas no tomo II de Karl Marx: Gmndrisse der Kritik der politischen Oekonomie, Berlim, Dietz-Verlag, 1953. 3 Retomamos no penúltimo capítulo dêste estudo o exame exame das das contro Manu scritos os de 1844 18 44,, principalmente a respeito vérsias levantadas pelos Manuscrit do “trabalho alienado”, e das relações entre as obras de juventude e as obras ditas de “maturidade” de Marx. 4 A êss êssee propósito, D . I . Rosenberg sublinha sublinha que a idéia me mestra stra que liga todos os comentários críticos que contêm essas notas de leitura é Es boço ço d e uma Crítica Crít ica da Econ Ec onom omia ia Política, uma idéia emprestada do Esbo de Engels: a Economia Política se apóia sôbre uma base falsa, a saber, a pretensa inviolabilidade da propriedade privada (op. cit., pág. 87). 5 Jürgen Habermas Haberm as constata aliá aliáss que Schelling Schellin g fala já de “ o ser estra nho ao qual pertence o trabalho e o fruto do trabalho”, e que a supera-
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cio-econômico aprofundado. Desde a sua Intr In trod oduç ução ão à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, êsse conceito tinha aliás per dido seu caráter inteiramente filosófico. "Marx tinha retoma do de Feuerbach a concepção de um homem desumanizado, ou alienado, ou mutilado. mu tilado. . . M as M arx ar x emprega empr ega agora agor a a mesma mesma expressão num sentido nôvo. Nas relações políticas, êle iden tifica tifica . . . o homem homem desumani desumanizado zado com o homem homem desprezado e desprezível, e coloca como glória da Revolução Francesa que ela reconstituiu o homem, isto é, que ela o elevou ao nível de cidadão livre. “Mas, assim fazendo, deslizamos para um contexto total mente nôvo, isto é, para uma problemática política ou ao menos social. soci al. O homem homem alienado não é mais mais o indivíduo referido referid o a um universo de sonho religioso ou especulativo, mas o membro de uma sociedade imperfeita que não está de posse de tôda a sua dignidade humana. O homem num mundo desumanizado é agora o homem numa sociedade desumanizada.. .”6 Man anus uscr crito itoss d e 1844, o segrêdo dessa sociedade de Nos M so cied edad adee é desumana desu mana,, porq po rque ue o tra sumanizada é revelado. A soci balho nela é um trabalho alienado. Trazer a sociedade e o ho mem social ao trabalho, Marx podia fazê-lo tanto mais facil mente quanto Hegel já tinha caracterizado o trabalho como a pra xis humana. natureza essencial da praxis humana. Ora, estudando os eco nomistas clássicos, Marx descobre que êstes fazem do trabalho a fonte última do valor. A síntese se fêz em um clarão, as duas noções foram combinadas, e se crê verdadeiramente assis tir a essa descoberta examinando as notas de leitura de Marx, sobretudo o célebre comentário das notas de leitura de James M ill,7 onde Marx Ma rx parte do carát caráter er da moeda, moeda, meio meio de troca troca,, ção materialista da dialética do trabalho foi pressentida por Schelling ( Theorie Theo rie und Pra Praxi xis, s, págs. 154-6). 6 Paul Kãgi, Kã gi, ibid., págs. 194-5. 7 m e g a , I, 3, pág. 531. Eis outra passagem das mesmas notas sôbre James Mill: “Uma vez admitida a existência da relação de troca, o tra balho torna-se trabalho diretamente consagrado à subsistência (unmittelbare Erwerbsarbeit). .. tanto quanto mais a produção se toma multifor me, tanto mais multiformes aparecem então de um lado as necessidades, e tanto mais uniforme se tomam por outro lado as realizações do produtor, tanto mais seu trabalho cai na categoria do trabalho de subsistência, até que não tenha mais essa significação e que se torne totalmente aciden tal e sem importância saber se o produtor tem uma relação de usufruto
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instrumento de alienação, para chegar às relações de alienação que substituem as relações humanas. A o mesmo mesm o tempo, tempo , o com comunism unismoo filo fi losó sófi fico co torna-se torn a-se um c o munismo sociológico, isto é, fundado na análise da evolução Z u r Kritik Kri tik das sociedades e de sua lógica. É verdade que em Zu der NationalÖkonomie, Marx se declara sempre partidario da “ crítica crítica positiva, positiva, humani humanista sta e natural naturalist istaa de Feuerb F euerbach” ach” .8 M as ésse humanismo recebe agora, êle também, um conteúdo socio económico preciso: é identificado com o comunismo que supe ra positivamente a propriedade privada, a divisão do trabalho e o trabalho alienado.9 No lugar da oposição entre "comunismo das massas ope rárias” e “comunismo filosófico”, que Engels tinha introduzi do nos seus artigos sôbre o comunismo para The New Moral World, Marx distingue em Zu Z u r Kriti Kr itikk d er Natio Na tiona nalö löko kono nom m ie o “comunismo primitivo” e o “comunismo enquanto superação positiva da proprieda p ropriedade de privada” priva da” .10 O primeir primeiro, o, nascido da in veja grosseira, não chega senão à generalização do trabalho alienado, a um "nivelamento "nivelame nto partindo do mínimo” . O segundo, por outro lado, constitui “a superação positiva de tôda aliena ção, a volta do homem, da religião, da família, do Estado etc. para o seu ser humano, humano, isto é, socia so cial” l” .11 .11 E M arx ar x precisa já que isso pressupõe, por um lado, a socialização dos meios de produção, a supressão da propriedade privada e, por outro lado, um grau de desenvolvimento elevado das fôrças produ tivas. Essa idéia constitui um progresso em relação a todos os escritos comunistas anteriores a Marx e a Engels, assim como os escritos dos socialistas utópicos. Ela será desenvolvida mais Id eolo logi gia a A lem ã }2 ainda na Ideo imediato e de necessidade pessoal com seu produto, e se a atividade, a ação do trabalho, é para êle auto-usufruto de sua personalidade, reali zação de seu talento natural e finalidade espiritual’' (ibid., pág. 539). 8 K. Marx: “ Zur Kritik Kritik der Nationalökonomie, Oekonomisch-philosoOekon omisch-philosophische Manuskripte”, em K. Marx, Fr. Engels, Klei Kl eine ne ökon ök onom omisc ische he Schriften, Berlim, Dietz-Verlag, 1955, pág. 42. 9 Ibid. Ib id.,, págs. 127-29. A experiência da revolta dos tecelões da Silesia, que se produziu enquanto Marx redigia os Manusc Man uscritos ritos d e 1844, 1844 , certa mente influenciou essa tomada de consciência. 10 Ibid., Ibi d., págs. 124-6 e 127-9. 11 Ibid. Ib id.,, pág. 128. 12 É preciso preci so lembrar que o economista suíço Schulz Sch ulz já tinha tinha elaborado elaborad o idéias análogas antes de Marx, e que êste se apoiou no trabalho de Schulz En gels, s, vol. 2, pág. 123). (Auguste Cornu, Karl Marx und F. Engel
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Seguindo a lógica de urna crítica da propriedade privada d o capitalismo •— e não aquela de d e uma uma ex expo posiç sição ão de conj c onjun unto to das leis de desenvolvimento do modo de produção capitalista — • Zu Z u r Kritik Kri tik d e r N ation ati onal alök ökon onom omie ie começa por uma análise da pobr po brez eza a provocada pela propriedade privada, antes que por uma análise da riqueza criada pela produção das mercadorias (ponto de partida de todos os trabalhos clássicos de Economia Política, que o próprio Marx retomará no Capital). A pobreza produzida pela propriedade privada se encontra contida intei ramente no salário e suas .leis de evolução. A análise do salá rio se efetua nos M Man anus uscri critas tas E conó co nóm m icoic o-F F ilos il osóf ófic icos os sôbre a base da teoria clássica de Adam Smith e Ricardo, influenciada por Malthus. Sob o efeito da concorrência entre os operários, o salário tende a cair para o nível de subsistência mais baixo. Mas ao contrário de Malthus e de Ricardo, Marx precisa que êste não é um feito fatal de qualquer “lei do crescimento da população”, mas o efeito da separação dos operários de seus meios meios de pro d u çã o.13 o.13 No entanto, Marx matiza já essa "lei” dos salários dis tinguindo três movimentos divergentes dos salários no curso de três fases sucessivas do ciclo econômico: a fase da depres são; a fase do “boom”, e a fase na qual a acumulação dos ca pitais atingiu sua expansão máxima. Na primeira fase, os salários baixam sob o efeito do desemprêgo, e uma parte da classe operária cai na degradação e na miséria mais negra. Na terceira fase, os salários permane cem estacionários a um nível relativamente baixo (Marx reto ma aqui textualmente uma tese de Ricardo). É pois a. segunda fase que é a mais favorável para os operários, visto que a pro cura de mão-de-obra supera a oferta, a concorrência entre os capitalistas se acentua e os salários podem aumentar. Ora, que se passa em em período de “ boom ” ? A expansão expansão acentua a acumulação e a concentração dos capitais. O número de capitalistas decresce-, enquanto o número de operários au menta rápidamente. O maqumismo se estende degradando o operário operár io ao estado de uma máquin máquinaa “ animada” animad a” ; est estaa entra entra por isso em concorrência direta com êle. Por outro lado, o “boom” produz invariàvelmente a superprodução, que conduz por sua 13 K. Marx, Fr. Engels, Eng els, Klein Kl einee ökono öko nomi misch schee Schriften Schr iften,, pág. 46 (Zur Kritik der de r N atio at iona nalk lkön önom om ie). ie ).
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vez ao desemprêgo e à baixa dos salários.14 Vê-se, nesse es quema inicial do funcionamento do regime capitalista, que au mentos de salários não podem intervir senão provisoriamente e estão condenados a ser impiedosamente apagados pela lógi ca do sistema. Marx não modificará êsse esquema senão dez anos mais tarde. Êle pressentiu no entanto a teoria da “pauperização re lativa” afirmando que, mesmo em períodos de alta conjuntura, '‘o aumento dos salários é mais do que compensado, para o capitalista, pela redução da quantidade do tempo de traba lho.” lh o.” 15 A expressão é ainda obscura e desajeitada desaje itada.. O que Marx exprime aqui por intuição mais. do que por compreen são é o fato de que as mercadorias das quais o salário deve realizar o valor podem conhecer uma baixa de valor rápida, em seguida ao aumento da produtividade, ou, o que dá no mesmo, que o contravalor pode ser produzido numa fração cada vez mais reduzida da jornada de trabalho. Marx cita aliás uma passagem do livro de um economista suíço hoje esquecido, Wilhelm Schulz (Die Bewegung der Produktion ) , no qual êste formula notàvelmente notàvelm ente a lei da “ pauperização paupe rização relativa” relativa” . 10 Da mesma forma, Marx não distingue ainda corretamen te o capital capital constante do capita capitall variável, variável, como o fará nos seu seuss escritos econômicos clássicos, mas se limita a distinguir com Adam Ad am Smith, entre o “ capital capit al fix fi x o ” e o “ capital capit al circu cir cula lant nte" e".1 .177 No domínio da renda fundiária, êle segue a teoria de Ricardo insistindo sôbre o fato de que o capital acaba por incorporar a propriedade imobiliária, por transformar o proprietário fun diário em capitalista. Numa passagem marcante, onde Marx se move na fron teira da Filosofia e da Economia Política, êle afirma que era necessário que a propriedade fundiária fôsse totalmente arras tada no “ movimento da propriedade privada” ; que na agricul agricul tura igualmente a relação entre senhor e operário se reduza à simples relação entre explorador e explorado; que tôda relação pessoal entre entre o proprietário proprietário (fund (fu ndiár iário) io) e sua propriedade deixe de existir, para que a luta contra a propriedade privada
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enquanto tal possa ser conduzida com eficácia.18 Aqui também, a Ideo Id eolo logi gia a A lem le m ã marcará um importante passo adiante do raciocínio, que se destaca completamente dos seus antecedentes lilosófico-moralizadores. A parte mais céleb cé lebre re dos M Man anus uscr crito itoss E con co n ôm icoic o-F F ilos il osóó fico fi coss é a análise das raízes sócio-econômicas da alienação. É ao mesmo tempo sob a influência de Engels e de Moses Hess que êle levanta um paralelo entre o trabalho alienado no capi talismo e o homem alienado pela religião. Quanto mais o ope rário trabalha, tanto mais cria um mundo de objetos que lhe são hostis e que o esmagam.19 Mas, contràriamente ao que êle tinha escrito antes, quando havia identificado alienação e pro priedade privada, Marx se esforça agora por cavar mais pro fundamente e descobre as raízes últimas da alienação humana n o trabalho alienado, isto é, na divisão do trabalho e na pro dução mercantil. Entre produção mercantil, divisão do traba lho e propriedade privada há uma interação constante na pro dução da alienação, mas é a divisão do trabalho que é seu ponto pon to de parti partida da hist h istór órico ico.2 .200 Marx demonstra que a alienação não se limita à aliena ção do produto do trabalho e dos meios de produção, que se tornam fôrças exteriores hostis, esmagando o produtor. Êle efetua principalmente uma análise lúcida dos efeitos que a pro dução de mercadorias, em regime de concorrência, provoca em matéria de alienação das necessidades. Essa passagem é uma antecipação grandiosa. A maior parte das tendências que Marx destacou há cento e vinte anos não foram senão embrionárias no século X I X e não se realiz realizara aram m em grande escala escala senão na nossa época. Eis uma passagem que parece ser um comentário imediato de Vance Packard ou de Dichter: “Cada homem es pecula para criar uma nova necessidade necessid ade para para o outro, e para para o abrigar a novos sacrifícios, para lhe impor uma nova relação de dependência, e para o seduzir para um nôvo modo de usu fruto, e por êsse fato para a ruína econômica. " . . . Com a mass massaa dos objetos se desenvolve desenvolve tam também bém o império dos sêres estranhos aos quais o homem é submetido, e 18 Ibid., Ibid ., págs. 92-3. 19 Auguste Com Co m u, Karl Marx, l’homm l’ho mm e et l’oeu l’o euvr vre, e, Paris, 1934, Librairie Felix Alcan, págs. 332-4. 20 K. Marx, Marx, “ Zur Kritik der Nationalökon Nationa lökonomi omie” e” , em K. K. Marx, Marx, Fr. En gels, Klein Kl einee ökon ök onom om ische isc he Schriften, Schrif ten, págs. 108-9, 128.
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cada nôvo produto é um nôvo elem el emen ento to poten po tencia ciall de engano recíproco e de pilhagem mútua. O homem torna-se tanto mais pobre enquanto homem, tem necessidade de mais dinheiro a fim de se apropriar dêsses sêres estranhos, e o poder de seu dinheiro cai em proporção inversa da massa da produção, isto é, seu estado de necessidade aumenta na mesma medida em que o pod po d er do dinheiro aumenta. . . Subjetivamente, isso se apresenta em parte de maneira tal que a expansão dos produ tos e das necessidades21 se torna o escravo dotado de poder de invenção e sempre calculador de desejos desumanos, refinados, contra a natureza e imaginár im aginários. ios. . . ” 22 Um desenvolvimento rápido do aspecto desumano da di visão do trabalho,23 que encontra aliás um eco célebre na Ideo Id eo enquanto na sociedade socie dade comunista, comunista, onde logia Alemã ( . . . enquanto cada um não tem um círculo exclusivo de atividade, mas onde on de cada um pode po de qualificar-se em cada ramo desejado, desejad o, a so ciedade regula a produção geral e me torna assim capaz de fazer hoje ho je isso, amanhã amanhã aquilo, de caçoar caçoa r de manhã, manhã, de pescar à tarde, de fazer a crítica depois do jantar, como me agrada, sem jamais tornar-me [totalmente] caçador, pescador, pastor ou crítico crí tico”” ) ; 24 retoma a idéia inicial de que é na na divisão divisã o do trabalho que o trabalhador alienado possui sua verdadeira origem. Certamente, os M Man anus uscr crito itoss d e 1844 não constituem uma obra econômica de maturidade. É fragmentariamente que Marx apreende os problemas de uma crítica global da Economia Po lítica. Essa crítica encalha ainda num escolho fundamental: Marx não resolveu ainda o problema do valor e da mais-valia. 21 Num pequeno pequ eno romance ro mance intitulado intitulado muito a propósito propó sito Les L es Choses, Chos es, Georges Perec descreveu magistralmente o homem contemporâneo, es cravo de um amontoado cada vez mais incontrolável de objetos de con sumo. 22 K. Marx, Marx , Zur Zu r kritik der de r nation nat ionaló alókon konom omie, ie, págs. 140-141. Um exem plo extremo dessas necessidades “desumanas, refinadas, contra a natu reza e imaginárias” suscitadas pela produção capitalista é oferecido pela indústria americana das pompas fúnebres que inclui “camas Beautyrama”, acolchoados incluídos nos caixões para que os corpos aí repousem mais suavemente (Jessica Vitford, The American Way of Death, pág. 23 23 Ib id., id ., págs. 157-160.
24 K. Marx, Fr. Engels, Enge ls, Die D ie D euts eu tsch ch e Ideo Id eolo logi gie, e, Berlim, Dietz-Verlag, 1953, pág. 30. Ver também ibid., págs. 464-5.
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Ele não apreendeu ainda o que havia de racional na teoria clássica, sobretudo na de Ricardo. Suas análises econômicas se ressentem disso inevitavelmente. Mas, ao mesmo tempo, per manece-se sempre enfeitiçado pelo impulso que toma o espírito crítico, pela audácia da visão histórica, pela implacável lógica que vai ao fundo das coisas. E ganha-se rapidamente a con vicção de que, desde o momento em que êle redigiu seus M a nuscritos, Marx já havia construído um dos fundamentos de sua teoria sócio-econômica. A Santa Família não responde, propriamente falando, a preocupações econômicas. Também sua contribuição para a evolução do pensamento econômico de Marx e de Engels é antes secundária. Os dois autores aí permanecem agarra dos a uma concepção1eclética do valor que Engels já. tinha exposto em Umrisse zu einer Kritik der Nationalökonomie . 25 Como o fêz no artigo que acabamos de citar, Engels continua a afirmar que seria utópico da parte dos operárias querer realizar uma redução da jornada de trabalho em regime capitalista.26 Família con Por outro lado, as passagens de A Santa Família cernentes a Proudhon são particularmente interessantes à luz da polêmica que se seguirá dois anos mais tarde, e que per mitirá a Marx expor pela primeira vez uma análise de con junto jun to d o m odo od o de p rod ro d uçã uç ã o capitalista. Em A Santa Família, Marx afirma, é verdade, que “Proudhon permanece ainda prisioneiro das hipóteses de base ( Voraussetzungen) da Eco nomia Política que êle combat com bate” e” . 27 M as êle celebra a crítica da propriedade privada efetuada por Proudhon como sendo 25 Do Dois is exemplos: na pág. pág . 128 da edição ediç ão de Mehring, Marx afirma afirma em A Santa Família: “O valor é no começo aparentemente determinado de maneira racional pelos custos da produção de uma coisa e por sua utilidade social. Depois, verifica-se que o valor é uma determinação pu ramente acidental, que não tem necessariamente relações nem com os custos de produção nem com a utilidade social.” Na pág. pá g. 147 da mesma obra, Marx Marx escreve: “ Que o tempo de trabalho que custou a produção de um objeto faça parte (sic) de seus custo custoss de prod uçã o. . . eis eis um ponto ponto de vist vistaa que mesmo a críti crítica ca deve ter-se apropriado.” 26 Cf. Fr. Mehring, Mehr ing, Einleitung Einle itung,, Aus dem de m literarischen literarische n Nachlass von Karl Marx und Friedri Fri edrich ch Engel En gelss 1841-1 184 1-185 850, 0, II, págs. 76-7. A passagem criticada de Fr. Engels se encontra ibid., pág. 109. 27 Ibid., Ibid ., pág. 127.
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"o primeiro exame crítico, e éste o primeiro exame resoluto, sem escrúpulos e ao mesmo tempo científico. Éste é o grande progresso científico que êle efetuou, um progresso que cons titui uma revolução da Economia Política e que somente tor nou possível uma verdadeira ciência da Economia Política. A obra obr a de Prou Pr oudh dhon on Qu’est-ce que la propriété? tem a mesma significação para a Economia Política moderna que a obra de Sieyès Q u ’es ’est~<\et que qu e le tiers tie rs Eta E tat? t? tem para a política mo derna” .28 Uma boa parte de A Santa San ta Família é aliás uma defesa de Proudhon contra ideólogos ideólo gos alemãe alemãess “ críticos” , que que não não o leram senão de maneira negligente e que se mostraram mes mo incapazes de o traduzir corretamente. No caminho, Marx supera o ponto de vista ainda errô neo defendido por Engels em Umrisse no que concerne às relações entre salários e lucros, e nota corretamente (pág. 128) que essas duas rendas se relacionam de maneira “hostil” uma em comparação com a outra. A “liberdade contratual” entre operário e capitalista, na determinação do salário, vela uma relação que obriga o operário a aceitar o salário que lhe é oferecido. Se os M Man anus uscr crito itoss E con co n óm icoic o-F F ilos il osóf ófic icos os constituem um primeiro esforço de Marx para criticar os dados clássicos da Economia Política à luz da realidade da sociedade burguesa, A Id Ideo eolo logi gia a Alem Al emã, ã, a obra filosófica principal que Marx e Engels terminam em Bruxelas em 1846, funda a teoria do ma terialismo histórico sôbre uma superação sistemática da Fi losofia losofi a pós-hegeliana pós-heg eliana alemã alemã.. Pela primeira primeira vez, “ M arx e En gels passam de uma análise que se poderia chamar de “fe Ib id.,., pág. 127. É interessante comparar essa opinião com aquela 28 Ibid que Marx formulou vinte anos mais tarde a respeito da mesma obra. “Sua primeira obra, Qu’est-ce que la propriété?, é incontestavelmente sua melhor. Ela marca época, senão por seu conteúdo, em todo caso pe la maneira nova e impertinente de tudo exprimir. Evidentemente, nas obras dos socialistas e comunistas franceses que êle conhecia, a “pro priedade” não somente tinha sido amplamente criticada, mas ainda utó picamente “suprimida”. Proudhon ocupa nessa obra uma posição por respeito a Saint-Simon e Fourier mais ou menos equivalente àquela que Feuerbach ocupa o cupa p or respeito respeito a H e g e l. . . Numa históri históriaa severament severamentee científica da Economia Política, a obra mereceria apenas ser mencionada” (Karl Marx: Carta ao “Sozialdemokrat”, de 24 de janeiro de 1865, págs. Da s Elen El end d der de r Philosop Ph ilosophie, hie, 8.a ed., Dietz, Stuttgart, 1920). XX X X V e X X V I e Das
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nomenológica” do desenvolvimento histórico-social para uma análise análise “ genética” . 29 A s passagens propriamente econômicas não são abundantes. Em geral, elas retomam o que Marx já havia desenvolvido em Zu Z u r Kriti Kr itikk d er Natio Na tiona nalö löko kono nom m ie, mas algumas vêzes com precisões e esclarecimentos preciosos. Id eolo logi gia a Alem Al emã ã Assim Ass im a passag pas sagem em bem conh co nhec ecida ida da Ideo onde se lembra o caráter universal do comunismo, a necessi dade de o fundar sôbre o desenvolvimento mundial das fôrças produtivas e das necessidades, sem o que não se generaliza ria senão a indigência, “e com a necessidade recomeçaria a luta para os necessitad nec essitados, os, e tôda a velha m . . . se reproduz repro duzii ria” . 30 Assim todo to do o desenvolvimento desenvolvim ento da idéia de que que a divi são do trabalho é a fonte da alienação humana, que acaba mos de citar numa passagem mais acima. Assim a afirmação cortante segundo a qual “o comunismo não é um ideal sôbre o qual a realidade se deve remodelar. Chamamos comunismo o movimento real que supera supera a situação atual” atual” . Assim Assim a defi de fi nição surpreendente das fôrças produtivas que se tornam fôr ças de destruição, sob o pêso das contradições capitalistas. Assim As sim uma primeira defin de finiç ição ão do materialismo material ismo histórico histó rico,, por certos lados mesmo mais curta e mais rica ao mesmo tempo que a definição célebre, contida na Intr In trod oduç ução ão à Crítica Crí tica da Econ Ec onom omia ia P olít ol ític ica a . 31 No entanto, três contribuições reais para o progresso do pensamento econômico de Marx e de Engels podem ser des Id eolo logi gia a A lem le m ã . A primeira refere-se a uma tacadas na Ideo visão mais dialética do capitalismo e do comércio mundial, cujos cu jos primeiros primeiros sinais sinais — não n ão-el -elab abor orad ados os —- já podiam ser Kr itik der de r N atio at iona nalök lökon onom omie ie.. A generali percebidos em Zur Kritik zação das relações mercantis não é somente a mutilação ge neralizada dos indivíduos e a venalidade venalid ade generalizada da vida.32 Ela é também seu enriquecimento potencial, pelo fato de que ela quebra o quadro estreito de sua existência local, onde seus desejos, suas possibilidades estão estreitamente li mitados pela ignorância do que é possível po ssível ao homem em 29 Emílio Agazzi: “ La formazione delia metodologia meto dologia di Marx” Marx” , em Rivista Storíca dei de i Socialismo, Socialism o, n.° n.° 23 ( setembro-dezembro setembro-dezembro de 1964), 19 64), pág. 461. 30 K. Marx, Fr. Engels, Eng els, Die D ie D euts eu tsch chee Id eolo eo logi gie, e, pág. 31. 31 Ibid., Ibid ., págs. 29-32, 69, 44. 32 Cf. Cf . K. Marx, Das Da s Elen El end d der de r Philoso Ph ilosophie phie,, pág. 5.
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outras reg regiões iões e so,b outros céus. céu s. “ A riqueza espiritual espiritual real do indivíduo depende da riqueza de suas relações reais.” E é somente graças ao mercado mundial que êles adquirem "a capacidade de usufruir essa produção universal de tôda ter ra” ra ” . 33 M arx ar x voltará a essa idéia nos Gmndrisse, falando “do grande aspecto histórico do Capital.”34 A segunda segu nda refer re feree-se se ao desenv des envolv olvim iment entoo universal das necessidades humanas, que a grande indústria moderna já pre parou e que o comunismo deve realizar.3 realizar.35 Êle está está ali aliás ás es treitamente ligado ao problema do comércio mundial. Marx e Engels aprofundam aqui sua crítica da relação do homem com as coisas, matizando-a de maneira dialética. Enquanto nos Man M anus uscr crito itoss d e 1844 a multiplicação das coisas era ainda Id eolog ogia ia vista como fenômeno essencialmente negativo, na Ideol Ale A lem m ã o êles sublinham que um desenvolvimento de tôdas as possibilidades humanas implica o desenvolvimento universal de suas suas fruições ( “ . . . adquirir a possibilida possib ilidade de de usufruir usufruir dessa produ pro duçã çãoo univers universal al de d e tôda terra” ) .36 .36 Essa idéia idéia será será,, ela também, amplamente desenvolvida nos Gmndrisse, A terceira refer re fere-s e-see ao m odo od o de distribui distr ibuição ção da socie soc ie dade futura futura:: “ . . . a reg regra ra fals falsa, a, fundada fundada sôbre sôbre nossas nossas con con dições existentes, "a cada um segundo suas capacidades”, na medida em que ela se relaciona à fruição no sentido mais es treito, deve ser transformada na regra: "a cada um segundo suas necessid neces sidad ades” es” . . .; em outras palavras, a diferença dif erença de atividade, de trabalhos, não justifica a desigualdade, os pri vilégios de propriedade propried ade ou de fruição fru ição”” . 37 Será necessário es es perar a Crítica do Programa de Gota para reencontrar essa advertência que quase não se cita corretamente na literatura de propaganda dita marxista. . . Há evidentemente uma relação entre êsses três elementos novos do pensamento econômico de Marx e de Engels que se Id eolo logg ia Alemã., A universalidade das necessi destacam da Ideo dades concedida como parte integrante da universalidade do 33 K. Marx, Fr. Engels, Eng els, Die D ie D eu tsch ts chee ldeó ld eólo logg ie, ie , pág. 34; ver tam bém pág. 59. 34 K. Marx, Mar x, Grundrisse der Kritik der politischen Oekonomie, pág. 231. 35 Ihid., pág. 34. 36 Ibid., Ibi d., pág. 585. 37 K. Marx, Fr. Engels, Eng els, Die D ie deu tsche tsc he Ideo Id eolo logi gie, e, págs. 34-5, 68-9, 456-7 etc.
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desenvolvimento humano é criada pelo comércio mundial e a grande indústria. E a rejeição de tôda “distribuição segundo o trabalho” ou "segundo as capacidades” na sociedade comu nista se funda precisamente sôbre a necessidade de assegurar êsse desenvolvimento universal para todos os homens. A partir da Ideo Id eolo logi gia a Alem Al emã, ã, Marx e Engels estabelecem claramente os laços que unem a abolição da produção mer cantil e o advento de uma sociedade comunista.38 Êles não modificarão mais essa opinião até o fim da vida dêles. Con cepções que admitem a sobrevivência da produção mercantil mesmo em sociedade comunista39 são em todo caso estranhas à teoria marxista.
38 Ibid., Ibi d., pág. 32. 39 Branko Horvat, Hor vat, Towards a Theory of Planned Economy, págs. 131133, Yugoslav Institute of Economic Research, Belgrado, 1964.
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Da Recusa à Aceitação da Teoria do V alor-T rabalh rabalho o
Para verdadeiramente compreender, vale mais começar por não compreender. !Êste velho adágio popular se reflete na atitude que o jovem Marx adotará por respeito à teoria do valor-trabalho, elaborada pela escola clássica inglêsa de Economia Política, e que êle será levado a perfazer mais tarde. Nas notas críticas que acompanham seu primeiro estudo sistemático sistemático da Econom Eco nomia ia Política,1 M arx ar x reje rejeita ita explicita Mis isér éria ia da Filos Fi losofi ofia, a, Marx o mente o valor-trabalho. Na M aceita aceita não menos explicitame explicitamente.2 nte.2 Entre êsses êsses dois dois escritos escritos se passam três anos: do comêço de 1844 ao comêço de 1847, Como o pensamento econômico de Marx evoluiu durante êsse período? É possível precisar além disso, se não o momento exato, ao menos o período aproximado, no qual Marx aceitou a teoria do valor-trabalho? Eis as duas questões às quais nos esforçaremos por responder. O ponto de partida dessa análise é constituído pelas notas de leitura de Marx durante seu exílio em Paris, notas que se dividem num ano inteiro (comêço de 1844-comêço de 1845) . A hipótese de trabalho segundo a qual essas notas se apresentam numa ordem cronológica é mais do que verossí1 K. Marx, Fr. Engels, Eng els, m e g a , I, 3, págs. 409-583. 2 K. Marx, Marx , Das Elen El end d der Philosop Phil osophie, hie, edição Bernstein-Kautsky, 8.a ed., Dietz-Verlag, Stuttgart, 1920.
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mil; foi aceita por todos os comentadores por nós conhecidos.3 Nesse sentido, um exame atento dessas notas nos permite já destacar uma certa evolução da atitude de Marx por respeito à teoria do valor-trabalho. Os economistas que êle comenta se apresentam princi palmente na seguinte ordem; Jean-Baptiste Say, Adam Smith, Ricardo (na edição francesa, acompanhada de notas críticas de Jean-Baptiste Say), James Mill, McCulloch e Boisguille,bert. Ê em Adam Smith que Marx encontra pela primeira vez a definição clássica do valor. Êle copia a seguinte passagem Ri quez eza a das N a ç õ e s : "Não é com o ouro ou com o dinhei da Riqu ro, é com o trabalho que tôdas as riquezas do mundo foram S O • compradas origin originàri àriamen amente, te, e seu seu valor para para aqueles aqueles que que as co oj possuem e que procuram trocá-las por novos n ovos produtos produto s é pre3 ^ cisamente cisamente igual igual à quantidade de trabalho que elas elas colocam uj em situa situação ção de comprar ou de encomendar” . 4 M as êle não ° acrescenta comentários, comentários, reservando sua crítica crítica a outra outra passa gem de Adam Smith, onde êste havia deduzido a divisão do ^ J trabalho de uma uma exigência de troca, a existência existência da troca de<£ pendendo pend endo por sua sua vez da existênci existênciaa prévia prévia da divisão do tra^ jS jS balho.5 É abordando abordan do Ricardo que êle formul formulará ará sua sua polêmic polêmicaa c £3 contra a teoria do valor-trab valor- trabalho alho.. ^ § Êle o faz seguindo passo a passo a polêmica polêmica que Engels Engels já havia dese de senv nvolv olvido ido sôbre sôb re o mesmo mesm o assunto ass unto nos seus Umrisse zu einer eine r Kritik Kr itik der de r N atíon at íonal alõk õkon onom omie. ie. O valor das mercado Q rias é ainda concebido como idêntico aos preços. Êle é com posto da contribuição do trabalho e daquela dos materiais sôbre os quais opera o trabalho. Marx aprova a nota de Proudhon, segundo a qual a renda e o lucro são “superacrescentados” e constituem pois um fator de reencarecimento dos preços.6 preç os.6 M arx ar x aceita aceita a censura censura de Say Sa y por respei respeito to a Ricardo, segundo a qual êste faz abstração da procura na determinação do valor. Êle reduz a lei da oferta e da procura a dois fenôNUi menos de concor con corrên rência cia:: a concorrên conc orrência cia entre fabricantes, que determina a oferta; a concorrência entre consumidores, que determina a procura. Mas esta última, conclui Marx critican-
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Ver principalmente D . I. Rosenberg, ibid., pág. 95. Adam Ad am Smith, La Riche Ric hesse sse des Nations, I, págs. 60-1 da edição citapor Marx, em M e g a , I, 3, pág. 458. K. Marx, Fr. Engels, m e g a , I, 3, pág. 458. Ibid., Ibid ., pág. 501.
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do J . - B . Say, se dissolve na práti prática ca em considerações sôbre a moda, os caprichos caprichos e o ac a so .7 E êle não aceita aceita a “ lei lei das das saídas” que postula uma identidade última entre oferta e pro cura, tornando incompreensível o fenômeno das crises perió dicas. Mas a censura fundamental que Marx faz por respeito à teoria do valor-trabalho é que a Economia Política é obri gada a fazer abstração da concorrência. Ora, a concorrência é a realida real idade. de. Para dar maior maior coesão coes ão a suas próprias próp rias leis, a Economia Política é pois obrigada a considerar a realidade como acidental e a abstração somente como real.8 Essa objeção ê tanto mais válida aos olhos de Marx que êle censura precisamente a Economia Política de xre xrela larr uma relação de exploração, contida na instituição da propriedade privada, por trás de considerações jurídicas abstratas. Se neste último caso é preciso descer de princípios abstratos para a realidade tangível a fim de compreender a natureza da “so ciedade civil”, por que o esforço mesmo não seria válido no domínio do valor, onde é preciso pois abandonar igualmente o universo das concepções abstratas em favor da “realidade fenomenológica”, isto é, do mundo dos preços?9 Marx liga a essa crítica da teoria do valor-trabalho uma nota muito perspicaz que diz respeito ao "valor do trabalho” na teoria ricardiana. “No comêço dêste capítulo, o filantropo Ricardo apresenta os meios de subsistência enquanto preço natural do operário, igualmente pois como finalidade única de seu trabalho, visto que êle trabalha por seu salário. Onde permanecem então as faculdades intelectuais? Mas Ricardo não quer senão (confirmar) as distinções das diferentes clas ses. É o círculo habitual da Economia Política. A finalidade é a liberdade espiritual. Então é preciso (impor) a servidão espiritual à maioria. As necessidades físicas não são a única finalidade (da vida). Elas se tornam pois a única finalidade para a maioria mai oria.” .” 10 E, ,no mesmo contexto, êle se investe mais adiante con tra Ricardo, quando êste afirma que somente a renda líqui da (representada como com o a soma do lucro lu cro e das rendas) renda s) de Ibid ., pág. 493. 7 Ibid., Ib id.,, pág. 502. 8 Ibid. 9 Ver também também D. I. Rosenberg, ibid., págs. 92-3. 10 K. Marx, Fr. Engels, Engel s, m e g a , I, 3, pág. 504.
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um país importa, importa, e não a renda bruta. “ Pelo Pel o fato de que a Economia Política contesta tôda importância à renda bruta, isto é, à quantidade da produção e do consumo, abstração feita ao supérfluo, de que ela contesta pois tôda importância da própria vida, sua abstração atingiu o cume da infâmia. Aq A q u i reco re conh nhec ecee-se se:: 1) que não nã o se trata para ela de maneira alguma do interesse nacional, do homem, mas somente de uma renda líquida, do lucro, da renda, que aí está a finali dade dad e últim últimaa da nação na ção;; 2) 2 ) que a vida de d e um homem não tem em si nenhum nenhum valor; 3 ) que mais mais especialmente especialmente o valor valo r da classe operária se reduz aos custos de produção essenciais, e que êles não estão aí senão para (produzir) o lucro dos ca pitalistas e a renda dos proprietários fundiários.”11 M as examinando a crítica crítica de J . - B . Say e de Sismondi a respeito dessa tese de Ricardo, Marx já dá um passo à frente. O que êsses dois economistas contestam, diz êle, é a expressão cínica de uma verdade econômica.12 Para combater as conseqüências desumanas da Economia Política, Say e Sis mondi mond i devem sair sair de seus seus limites. Isso demonstra pois poi s que q ue o humanismo se encontra fora desta ciência, que se trata de uma ciência desumana. Apes Ap esar ar do vig vi g or da expres exp ressã sãoo polêmic polê mica, a, M arx ar x com começ eçaa aqui a defender Ricardo contra suas críticas, a apreender que o que aparece como cinismo é na realidade um reconheci mento franco da realidade do modo de produção capitalista, que outros autores se esforçam por velar. Quando comenta os escritos de James Mill, Marx reto ma a censu censura ra dirigida a "Rica "R icard rdoo e sua escola” esco la” . Ela faz abs a bs tração da realidade, que mostra uma discordância entre custos de produção e valor de troca, e não se átém senão a uma "lei abstrata” . M as êsses comentários comentários marcam já um um segundo passo à frente. :Êle não mais rejeita inteiramente a “lei abstra ta” ; êle êle a consider consideraa somente com comoo “ um momento do movi m ovi mento real” . Q uand ua ndoo a oferta e a procura se equili equilibra bram, m, são efetivamente os custos de produção que determinam os pre 11 Ibid., Ibid ., pág. 514. empregará a mesma fórmula no que concerne ao “ cínico cínic o Ricar 12 Êle empregará do” num artigío publicado no Vorwärts de 7 e 10 de agôsto de 1844: “ Glosas críticas relativas relativas ao artigo: artigo : “ O rei da Prússia Prússia e a reforma social” , em Au Auss dem literarischen literarische n Nachlass Nachla ss von vo n Karl Marx und Friedrich Fried rich Engels, Eng els, vol. 2, pág. 45.
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ços. Mas a oferta e a procura não se equilibram senão ex cepcionalmente, em conseqüência de suas oscilações e de seu desequilíbrio. A Economia Política deveria pois explicar o movimento real, que representa uma unidade dialética de cor respondência e de não-correspondência entre os custos de produção e o valor de troca.13 Os comentários dos economistas clássicos nas notas de leitura do exílio em Paris determinam a atitude de Marx por respeito à teoria do valor nos seus escritos de 1844 e de 1845, principalmente nos M Man anus uscr crito itoss E conô co nôm m icoic o-F F ilos il osóf ófic icos os e em A Santa Família. Valor-trabalho e preço continuam a ser separados um do outro; o primeiro continua a ser decla rado “ abstrato abstrato”” , o segundo soment somentee “ concreto” concreto ” . Por outro outro lado, como assinalamos, em A Santa Família, o tempo de trabalho que custou a produção de uma mercadoria é consi derado como “fazendo parte” de seus "custos de produção”; êstes não são reduzidos àqueles. Mas no momento em que acaba a redação de A Santa F'am F'amili ilia, a, Marx já elaborou o plano de outra obra que consti tuir tuiria ia uma uma “ Crítica Crítica da Política e da Economia Política” Po lítica” . A 1- de fevereiro de 1845, êle concluiu um contrato com o editor C . W . Leske para para lhe lhe fornecer fornecer êste êste livro, livro, para o qual os Man M anus uscr crito itoss E con co n ôm icoic o-F F ilosó ilo sófic ficos os cie 1844 foram sem dú vida um primeiro esbôço. E desde 20 de janeiro de 1845, Engels o apressa para acabar seu livro concernente à Eco nomia Política,!14 o que prova pois que Marx já tinha seme lhante obra em elaboração. O manuscrito desta obra parece ter-se perdido;15 êle existia ainda em 1847, visto que, na sua carta a Annenkov de 28 de dezembro de 1846, Marx escre ve; "Eu gostaria de enviar, junto com êste livro ( Misé Mi séria ria da Filos Fi losof ofia, ia, E. M .) , meu trabalho sôbre Economia Econ omia Política, mas mas até agora não nã o me foi possível fazer publicar êste livro. livr o. . . ” 16 Para redigi-lo, Marx empreendeu de seu exílio em Bru xelas uma viagem de seis semanas à Grã-Bretanha, em com panhia de Engels, e estudou principalmente todos os livros 13 K. Marx, Fr. Engels, Eng els, m e g a , I , 3, págs. 530-31. 14 K. Marx, Fr. Engels, Eng els, m e g a , III, 1, pág. 10. 15 D. I. Rosenberg, Rosenb erg, págs. 279-280. 279- 280. 16 K. Marx, Fr. Engels, Enge ls, Brief Br iefee üb über er “ Das Da s Kapital’ ’, Dietz-Verlag, Ber lim, 1954, pág. 40.
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concernentes à Economia Política que pôde descobrir em Manchester,17 tanto na casa de seu amigo como em bibliotecas pú blicas e privadas. E foi no curso dêsse segundo encontro sis temático com a Economia Política que êle descobriu o uso social-revolucionário que escritores socialistas ingleses tinham podido fazer da teoria do valor-trabalho, e das contradições que ela enfeixa em Ricardo. Entre os escritores que êle estu da em Manchester em julho e agõsto de 1845 se colocam T . R . Edmonds Edmond s e W illiam illia m Thom T hompson pson118 que tinh tinhaam precisa precisa mente empregado os teoremas ricardianos dentro dêsse espí rito. rito. (Êle (Ê le estudará estudará depois depo is de agõsto agõs to John John Bray, que faz parte parte da mesma mesma categoria de autores.) autores .) M ais tarde, tarde, Marx M arx critica criticará rá a análise do valor-trabalho como criando um “direito do ope rário rário a todo tod o produto prod uto de seu trabalho” trabalho” . Mas M as é mai maiss que que pro vável que o estudo dêsses autores lhe fêz aparecer as razões apologéticas pelas quais a Economia Política burguesa se tinha desviado de Ricardo na Grã-Bretanha. Não há prova de que Marx tenha lido desde essa época Hodgsikin e Ravestone, os dois melhores discípulos proletá rios de Ricardo. Mas Engels, que tinha estudado com deta lhes a agitação operária na Grã-Bretanha para redigir sua Situação da Classe Operária na Inglaterra, conhecia ao menos o efeito que êsses escritores tinham tido sôbre a classe operária e sôbre a classe burguesa. Ronald L . Me Meék ék escreve a êsse respeito: respeito: “ Thomas Hodgskin era um nome com o qual se amedrontavam as crianças na época que se seguiu à revogação das Leis sôbre a Coalizão em 1824. Era provàvelmente inevitável, por essa razão, que numerosos economistas mais conservadores chegas sem a considerar a teoria do valor de Ricardo não somente como logicamente incorreta, mas ainda como socialmente pe rigosa. “Que o trabalho seja a única fonte de riqueza, escre ve John Cazenove em 1832, eis o que parece ser uma doutri na tão perigosa quanto falsa, visto que fornece infelizmente uma alavanca àqueles que procuram representar tôda pro priedade como pertencendo à classe operária, e a parte rece bida pelas outras como roubo ou fraude por respeito aos ope17
Auss dem de m litem rischen risc hen Nachlass vo n Karl Marx und FrieFr ieMehring, Au drich Engels, vol. II, pág. 332. 18 K. Marx, Fr. Engels, Enge ls, m e g a , I, 6, págs. 597-622.
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rários.”19 Marx, que- havia começado por considerar Ricardo como ‘cínico” ‘cín ico” , não podia deixar deixar de ser ser tocado pelo abando no também cínico dessa teoria do valor com fins de conser vação social. Estamos convencidos de que êle voltou de Man chester a Bruxelas com visões muito mais favoráveis a res peito da teoria do valor-trabalho. Uma breve nota acrescentada por Marx a notas de lei tura do economista Babbage, nota datando de junho ou do comêço de julho de 1845, na véspera de sua partida para Manchester, revela ainda certa neutralidade a respeito dessa Id eolo logi gia a A lem le m ã, redigida na primavera de teoria. 20 Mas a Ideo 1846, contém duas passagens precisas que marcam a aceita ção çã o da da teor teoria ia do valor-trabalho. valor-tr abalho. Lemos aí por um lado: lad o: “Êle “Ê le (Stirner) (Stirn er) nem nem mesmo aprendeu com base na concorrência concorrênc ia p r e ç o d o pão pã o é deter de termi mi que. . . no quadro qu adro da concorrência o pr nado pelos custos de produção e não pelo querer dos padei ros" (grifo (gr ifo nosso, nosso, E . M . ) .21 .21 E, por outro outro lado, lado, M arx e Engel Engelss escrevem ainda mais mais claramente: claramente: “ E mesmo no que concerne p eloo s custo cu stoss à moeda metálica, ela é determinada puramente pel de produção, isto é, pelo trabalho” ( gr griifo nosso osso,, E . M . ) . 22 A conc co nclu lusã sãoo pare pa rece ce pois po is se impo im por: r: foi fo i depois dep ois de julho julh o de Id eolo logi gia a Alem Al emã, ã, na 1845, e antes de acabar a redação da Ideo primavera de 1846, que Marx e Engels foram definitivamen te tomados pela teoria do valor-trabalho. Seria evidentemente cometer uma injustiça por respeito aos dois amigos suspeitar de que êles mudaram de posição a respeito da teoria ricardiana sob o efeito somente do valor de agitação desta teoria, que a estada de Marx em Manches ter lhe tinha revelado. Se êles puderam, no espaço de meio ano. progredir da concepção eclética que tinha sido a de Engels nos Umrisse zu einer Kritik der Nationalökonomie a uma uma concep con cepçã çãoo mais mais nitid nitidaa da teoria teoria do valor-traba valor-t rabalho lho — de fato uma concepção que começa já a corrigir certas fraque zas intrínsecas da teoria ricardiana — isso resulta resulta antes antes de tudo do aprofundamento dos estudos econômicos de Marx e 19 Ronald Ron ald L . Meek, Studies in the Labour Theory of Valué, Londres, 1956, 1956, Lawrence and Wishart, pág. pág . 124. 20 K. Marx, Fr. Engels Eng els,, m e g a , I, 6, pág. 601. 21 K. Marx, Fr. Engel En gels, s, Die D ie deut de utsch sch e Ideo Id eolo logi gie, e, Dietz-Verlag, Berlim, 1953, pág. 388.
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de uma superação analítica das contradições que êle tinha antes acreditado descobrir na teoria do valor-trabalho. Essa superação pode ser fácilmente apreendida nos ter mos seguintes. O que havia chocado Marx, por ocasião de seu primeiro encontro com Ricardo e tôda a escola clássica, era a oposiçã opos içãoo aparente aparente entre entre os efeitos da concorrência concor rência — as flutuações dos preços resultantes do jógo da lei da oferta e da procura — e a estabilidade estabilidade relat relativa iva do “ valor de troca” , determinada pela quantidade de trabalho necessário à pro dução. Mas, ;na reflexão, seu espírito solidamente educado na dialética devia colocar-se a questão de que se o que era apa rente era verdadeiramente a expressão mais direta da reali dade — e se “ a abstração” não podia enfeixar uma uma verdade em definitivo muito mais “concreta” que a aparência. Os preços de mercado variam constantemente. Mas se se atém a essas flutuações, arrisca-se dissolver rápidamente todos os movimentos econômicos no acaso.23 Ora, um momen to de reflexão, assim como o exame empírico da realidade econômica, revelam que essas flutuações não se efetuam de maneira alguma ao acaso, mas em tôrno de um eixo determi nado. Se o preço de venda de um produto cai abaixo dos custos de produção, seu fabricante é eliminado da concorrên cia. Se o preço de venda do mesmo produto se eleva muito acima dos custos de produção, o fabricante tem um superlucro que atrai para êsse ramo concorrentes suplementares e provoca uma superprodução temporária que faz assim abai xar os preços. O s custos de produção se verificam empirica mente ser o eixo das flutuações dos preços. Conduzindo lado a lado lad o seus seus estudos econômi econ ômicos cos (preparatórios (prep aratórios para a Crítitica da Política e da Economia Política perdida) e seus es tudos histórico-filosóficos (preparatórios para a Ideol Id eolog ogia ia Ale A le m ã ) , Marx formulou na mesma época sua teoria do ma terialismo histórico, que é essencialmente um determinismo sócio-econômico.24 A história da humanidade deve sempre 23 Cf. Cf . K. Marx, Fr. Engels, m e g a , I, 3, pág. 531: “A verdadeira lei da Economia Política é o acaso, do movimento do qual nós, os sábios, fixa mos arbitrariamente alguns momentos sob forma de leis.” 24 Paul Kàgi, Kà gi, ihid., págs. 311-327, estuda com detalhes as origens da doutrina do determinismo econômico e a da ideologia, que constituem segundo êle os dois elementos essenciais da teoria do materialismo his tórico.
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ser estudada em relação com a história da indústria e da troca. p ro A humanida huma nidade de com começ eçaa a se diferen dif erenciar ciar do reino rei no animal pro duzindo seus víveres. O que são os homens depende em últi ma análise das condições materiais de sua produção. Esta pressupõe relações sociais entre êles. O grau de desenvolvi mento das fôrças produtivas se reflete da maneira mais ma nifesta pelo desenvolvimento da divisão do trabalho . 23 Em outras palavras: a conclusão de seus estudos histórico-filosóficos trouxe Marx e Engels exatamente ao ponto de partida da teoria clássica do valor-trabalho, que Marx re formulará de uma maneira tôda particular: o trabalho (abs trato) é a essência do valor de troca porque, numa sociedade fundada sôbre a divisão do trabalho, êle constitui o único te cido conjuntivo que permite comparar mutuamente e tornar comensuráveis os produtos do trabalho de indivíduos sepa rados uns dos outros. Há um paralelo marcante entre a ma neira pela qual Marx vai dos “preços de mercado” flutuan tes a uma redescoberta do valor de troca, e a maneira pela qual um economista contemporâneo, Piero Sraffa, evoluiu do marginalismo para uma teoria que reduz em última instância todos os “inputs” da produção a “quantidades datadas de (d ated ed quantities o f labour) ,2B Todos dois efetuam trabalho” (dat en d o abstr ab straçã açãoo das flutu flu tuaç açõe õess m enore en oress a curto êsse esfôrço fa z end prazo, pra zo, que constituem precisamente o ponto de partida do marginalismo. Mis isér éria ia da Filo Fi loso sofia fia,, Marx já se tor Quando redige a M nou “ricardiano” a ponto de citar Ricardo imediatamente após ter formulado a determinação do valor de uma mercadoria pela quantidade de trabalho necessária a sua produção. Êle o cita precisamente na parte mais fraca de sua teoria, aquela concernente à determinação do “valor”, ou do "preço natu ral”, do “trabalho” pelos “gastos de manutenção dos ho mens” .27 .27 Mas, no mesmo momento, Marx se separa já de Ricardo em um ponto essencial. Escrevendo a Annenkov a 28 de de zembro de 1846, êle fala do “êrro dos economistas burgueses, 25 K. Marx, Fr. Engels, Eng els, Die D ie deut de utsc sche he Ideolo Ide oloPi Pie, e, pág. 17. 28 Piero Sraffa, Produc Pro ductio tion n o f Comrrwdities Comrrw dities b y Means Me ans o f Commo Com moditi dities, es, Cambridge University Press, 1960, págs. V-VI, 34-40, 93-95 etc. 27 K. Marx, Mar x, Das Da s Elen El end d der Philoso Phi losophi phie, e, págs. 23-4.
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que vêem nessas categorias econômicas leis eternas e não leis históricas, que não são leis senão para um certo desen volvimen volv imento to histórico, para um um desenvolvimento desenvolv imento determinado das fôrças produtivas” .28 A elaboração de sua sua teoria teoria do d o ma terialismo histórico lhe havia ao mesmo tempo permitido apre ender o “núcleo racional” da teoria do valor-trabalho, e seu caráter históricamente limitado. E essa concepção da nature za historicamente limitada das leis econômicas torna-se uma parte tão integrante da teoria econômica marxista29 quanto a teoria do valor-trabalho. Êsse caráter historicamente limitado e preciso se aplica segundo Marx M arx a tôdas as “ categorias categorias econômicas” econômicas” ; êle não vê aí em última análise senão uma certa relação social. Isso é esclarecido esclarecido no que que concerne à categoria categoria "valor "valo r de troca” Id eolo logi gia a A lem le m ã e M Misé iséria ria da Filo Fi loso sofia fia.. Nas obras poste da Ideo riores, Marx não faz senão voltar ainda e sempre a êsse mesmo principio.30 Não se pode pois admitir a tentativa re centemente empreendida por Milentije Popovic de declarar válidos para o conjunto da história humana, até a desapari ção total do trabalho vivo, as relações mercantis e o fenôme no do trabalho abstrato, que representa segundo Marx o segrêdo último do valor de troca.31 O próprio Marx aliás se pronunciou com grande clareza a êsse respeito. Êle se recusou categóricamente a identificar a necessidade de uma compatibilidade em tempo de trabalho (que se aplica a tôda sociedade humana, salvo talvez à so ciedade comunista mais avançada) e a expressão indireta dessa contabilidade sob forma de valor de troca.32 E êle afir Br iefee über üb er “ Das Da s Kapital” , pág. 22. 28 K . Marx, Marx, F r. Engels, Brief 29 O Professor Emile Em ile James James vê aí aliá aliáss uma contribuição contrib uição durável e His toiree sommaisomma iválida de Marx para a ciência econômica (Emile James, Histoir re de la pensée economique, 2.a edição, revista e aumentada, Editions Montchrestien, Paris, 1959, págs. 168-177). 30 “Os objetos úteis ( Gebrauchsgegenstãnde) não se tornam aliás mercadorias senão porque são os produtos de trabalhos privados, efetua Da s Kapital, I, dos independentemente uns dos outros” (K. Marx, Das pág. 39). 31 Milentije Popovic: Pop ovic: “ Por uma revaloriz revalorização ação da doutrina de Marx Marx so bre a produção e as relações de produção”, em Questions actuelles du socialisme, n.° 78, julho-setembro de 1965. 32 C f. a carta carta de Marx Marx a Kugelmann Kuge lmann de 11 11 de julho de 1868: 1868 : “ A forma sob a qual essa essa divisão proporcion propor cional al do trabalho se impõe im põe numa situa situa ção social na qual a interconexão do trabalho social se exprime pela
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mou explicitamente que quando a propriedade privada dos meios de produção fôr substituída pela dos produtores asso ciados, a produção mercantil cessará, para dar lugar a uma contabilidade direta em horas de trabalho.33 Pode-se considerar que êle tem razão. Pode-se tentar demonstrar que êle errou. Mas não se lhe pode atribuir a paternidade de concepções opostas às suas. Não se pode afirmar que para Marx todo trabalho social vivo tomaria necessàriamente a forma de trabalho abstrato criando valor,34 troca privada dos produtos de trabalho individual é precisamente o va lor de troca dêsses produtos” (K. Marx, Brief Br iefee an Kugelmann Kugel mann,, págs. 52-3, Dietz, Berlim. Cf. igualmente Das Da s Kapital, I, capítulo 1, 4 (a famosa
passagem sôbre o caráter fetichista do valor), onde Marx afirma expli citamente que o tempo de trabalho será o critério da divisão dos pro dutos numa sociedade socialista, ao contrário da divisão pela troca fun dada sôbre o trabalho privado e a propriedade privada (pág. 45). 33 “ No seio de uma sociedade cooperativa, fundada sôbre a proprieda de coletiva dos meios de produção, os produtores não trocam seus pro dutos; o trabalho despendido por êsses produtos não aparece tampouco como valor dêsses produtos, como uma qualidade objetiva que lhes per tence, visto que, contràriamente à sociedade capitalista, os trabalhos in dividuais não existem mais somente por um desvio, mas diretamente en quanto partes do trabalho global” (K. Marx: “Kritik des Gothaer Pro gramms”, pág. 15, em K. Marx e Friedrich Engels, Aus A usge gew w ählte äh lte Schrif ten in zwei Bänden, II, pág. 15). 34 Milentije Popov Po povic: ic: “ Os homens produzem produ zem sua existência existência trabalha trabalhando ndo e produzindo bens, valores de uso. Produzindo, êles incorporam seu tra balho ao produto: por seu trabalho concreto, êles produzem — criam o valor” (ibid., pág. 86). Aqui e nas páginas seguintes, o autor sugere que, para Marx, “relações de produção” e “produção da vida material” im plicariam sempre produção de valor de troca, independentemente das condições sociais, das relações sociais: “É nesse sentido que se pode di zer que, na sociedade (sie), os homens “produzem sua existência” não somente porque produzem bens, mas porque produzem ao mesmo tempo o valor” (op. cit., pág. 91). “Por outro lado, essas relações (de produ ção) não dependem da vontade dos homens, porque êles se estabele cem “por trás das costas dos produtores”, fora da atividade consciente dos produtores ou dos produtores associados’’ (grifo nosso) (op. cit., pág. 101). “Assim começa igualmente a se modificar a natureza mesma do trabalho enquanto trabalho abstrato, criador do valor, e por isso mes mo a natureza do trabalho vivo. O trabalho criador de valor não é mais simples (!) dispêndio da fôrça física do produtor... O trabalho que cria o valor começa a se revestir para o homem de um sentido mais humano. Em poucas palavras, êle se humaniza” (ibid., pág. 113) etc. Não é aqui que é preciso analisar o conteúdo dessas teses (que nos parecem das mais mais contestáveis) . Mas é manifes manifestamente tamente abusivo atribuí atribuí-las -las a Marx. Mar x.
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e que o socialismo seria não a supressão da produção mercan til, til, mas mas sua sua “ humanização” humanização” . Essas Essas concepções concepçõe s de Popovic Po povic são contrárias a tôda a doutrina marxista.35
“Se se parte do fato de que as relações (?) do custo da produção são objetivamente exprimidas nas nossas relações de autogestão, chegase à conclusão de que os preços do mercado são, êles também, objetiva mente ( s i c ) exprimidos nas nossas condições sócio-econômicas” (op. cit., pág. 119). Cf. a passagem citada de La Criti Cr itiqu quee du Programm Progr ammee d e GoGo tha, onde Marx contesta explicitamente que os produtos conservam um “valor objetivo’’ depois da derrubada do capitalismo. 35 Eis uma uma passagem particularmente particularmente nítida de Marx a propósito propós ito de Proudhon, mas que se aplica maravilhosamente a Milentije Popovic: “A determinação do valor pelo tempo de trabalho, isto é, a fórmula que Proudhon nos apresenta como aquela que deveria regenerar o futuro, não é senão a expressão científica das relações econômicas da sociedade atual...” (K. Marx, Das Da s Elend El end der de r Philoso Ph ilosophi phie, e, pág. 44).
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Uma Primeira Análise de Conjunto do Modo de Produção Capitalista
Entre o fim do ano de 1846 e o comêço do ano de 1848 — isto é, essenci essencialm alment ente, e, no curso do ano de 1847 1847 — Marx Mar x e Engels redigiram quatro obras, que contêm uma primeira análise critica de conjunto do modo de produção capitalista. O estudo dos grandes economistas dos séculos XVIII e XIX lhes deu agora uma visão do funcionamento da economia ca pitalista que tinha faltado nas suas obras de juventude. Em Misé Mi séria ria da Filo Fi loso sofia fia (de Marx), nos Grundsätze des Kom munismus (de Engels), no Trabalho Assalariado e Capital if e s to Comuni Com unista sta (de Marx e de Engels), (de Marx) e no M a n ife não se trata mais de uma visão parcial da sociedade burgue sa, com eixo principalmente ou exclusivamente sôbre a misé ria do proletariado. Trata-se de uma visão grandiosa, que examina as leis que fizeram nascer o capitalismo, que anali sa seus seus méritos históricos histór icos (principalmen (princip almente te aquêle de d e ter tor nado possível a supressão de tôdas as classes, graças a um impulso impulso prodigios prod igiosoo das fôrças produtivas) e que asse assent ntaa o movimento operário e o movimento comunista comunista sôbre a base de uma análise que se quer rigorosamente científica, à base do materialismo histórico. As A s visõe vis õess desenv des envolv olvida idass nessas quatro quat ro obras obr as são sã o prati camente idênticas, ao menos no que concerne às questões eco nômicas. Pode-se pois tratá-las como um conjunto.
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Não é indicado analisar aqui as relações entre Marx e Proudhon que deram lugar a uma literatura abundante. Parece-nos incontestável que essas relações passaram por três estágios. De início uma admiração sincera de Marx pelo so cialista francês, operário autodidata já célebre, cujo estilo ousado devia seduzi-lo (Marx fala das noites inteiras que passaram juntos discutindo) e ao qual êle tomou emprestada em 1843 e em 1844 a implacável crítica da propriedade pri vada. Em seguida a uma decepção profunda pelo fato de que Proudhon não tenha podido seguir Marx nos traços de uma apropriação crítica séria da Economia Política clássica, e que êle se tenha deixado levar pela utopia insípida e estéril dos labor bazars (ver as cartas de Engels de 16 a 18 de setem bro de 1 846),1 84 6),1 decepção decep ção combinada combinada com uma uma indignação real real Fi loso sofi fia a da diante diante da da confusã conf usãoo e dos erros2 que abundam abundam na Filo Mis M isér éria ia.. Finalmente, com vinte anos de recuo um julgamento mais sereno, mas que mantém, em geral, a crítica cientifica mente correta das teses errôneas de Proudhon. Mis isér éria ia da Filo Fi loso sofi fia a constitui o protótipo de literatu A M ra polêmica implacável, que freqüentemente inspirou discípu los de Marx (nem sempre com conhecimento de causa). Para a história do marxismo, êle representa “a primeira exposição correta e global da concepção materialista da história, que não tinha até então sido desenvolvida senão de maneira es porádica, porádica, por alus alusões ões,, de passagem passagem por esboços” esboço s” .3 Ela re re presenta também “a primeira obra econômica que Marx sem pre considerou como parte integrante de sua obra científica de maturidade” maturidade” .4 D o ponto po nto de d e vista vista da evolução das idéia idéiass econômicas de Marx, trata-se da primeira obra que dá uma visão de conjunto das origens, do desenvolvimento, das con tradições e da queda futura do regime capitalista, marcando com êsse ponto de vista um progresso considerável sôbre os 1 K. Marx, Fr. Engels Eng els,, m e g a , III, 1, págs. 34-5 e 41-2. Misè isère re de la Philosop Phi losophie, hie, págs. 34-8, onde Marx 2 Ver principalmente M demonstra que Proudhon se engana ao estabelecer, no absoluto, um laço entre a intensidade da necessidade física e o aumento da produtividade do trabalho que fabrica as mercadorias devendo satisfazer essa necessi dade. er k, Avalun-Verlag, Dresden, 3 Otto Ruhle, Karl Marx, Le be n und W erk, 1928, págs. 131-2. l’ali énation on à la jouissance, jouissa nce, pág. 291. 4 Pierre Naville, D e l’aliénati
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Man M anus uscr crito itoss E con co n ôm icoic o-F F ilos il osóf ófic icos os.. É significativo que o que
ressalta de sua crítica das concepções econômicas de Proudhon, é que ela permanece na linhagem de todo trabalho cri tico que êle empreendeu a partir da crítica da Filosofia do Direito de Hegel: combater a mistificação que consiste em criar categorias imutáveis, por meio de abstrações, o que tem por conseqüência proclamar eterno o estado das coisas dado, e conservar pois tôda a sua miséria fundamental.5 Trabalho Assalariado e Capital retoma e amplia as mes mas idéias, sobretudo no que concerne à determinação do sa lário. Esta séria de artigos, aparecida na N e u e Rh Rhein einisc ische he Zei Z eitu tu n g em 1849, não é senão uma reprodução de conferên cias que Marx havia feito em 1847 para a associação operá ria de Bruxelas Bruxelas (ver (ve r carta carta de M arx ar x a Engels Eng els de 3 de junho de 1864),6 Um manuscrito Salário Operário não-publicado foi des coberto num caderno intitulado “Bruxelas 1847” e mostra de senvolvimentos que vão mais longe que o texto de Trabalho Assal Ass alari ariad adoo e Capital, Trata-se sem dúvida do esquema de uma (ou várias) conferências(s) que devia(m) desenvol ver as de Trabalho Assalariado e Capital.7 Êsse manuscrito contém igualmente as notas de leitura das obras de uma de zena de economistas. !É em Trabalho Assalariado e Capital que Marx pres sentiu pela primeira vez o essencial de sua teoria da maisvalia, sem utilizar êsse têrmo e sem exprimir-se de maneira precisa. “O capital... se conserva e aumenta por sua troca com o trabalho imediato, vivo... O operário recebe meios de subsistência em troca de seu trabalho, mas o capitalista, em troca de seus meios de subsistência, recebe trabalho; a atividade produtiva do operário não somente destitui o que êle consome, mas dá ao trabalho acumulado um valor maior do que aquêle que êle possuía antes.”8 for mazio zione ne delia m etod et odolo ologi gia a di Marx, pág. 481. 5 Emilio Emi lio Agazzi, Agaz zi, La forma D er Brief Br iefwe wech chse sell zwisc zw ische hen n Friedri Frie drich ch Engel En gelss und Karl Marx 1844 18 44 6 Der bis 1883, hrsg. von A. Bebel u. Ed. Bernstein, Dietz-Verlag, Stuttgart, 1921, vol. III, pág. 210. Arb eitsloh lohn, n, K. Marx, Fr. Engels, Kl einee ökon ök onom om isch is chee Schriften, 7 Arbeits Eng els, Klein págs. 223-249. 8 K. Marx: Marx: “ Travail salari salariéé et capital” , págs. 85-6, em Oeuvres Choisies en deux volumes, Editions du Progrès, Moscou, 1955.
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Quanto aos Grundsätze des Kommunismus e ao M Ma a n ifes if es to Comunista, êles constituem os dois projetos de “profissão de fé” comunista, escritos o primeiro por Engels para a seção parisiense da A Ass ssoc ocia iaçã çãoo d os Justos Justo s entre 23 e 27 de outubro de 1847, o segundo por Marx e Engels em seguida ao con gresso de novembro de 1847 da Associação em Londres, e acabado em janeiro de 1848 pelos dois amigos. Êles retomam as idéias das duas obras precedentes sob uma forma mais sucinta tornada clássica. A origem orig em do m o d o de prod pr oduç ução ão capitalista capitalist a é agora ag ora retraretr açada em têrmos que não variarão mais fundamentalmente mesmo por ocasião da redação do Capital. Uma de suas con dições de existência é a acumulação dos capitais, facilitada pela descoberta da América e pela importação pela Europa de seus metais preciosos. Disso resultou uma queda geral dos salários e das rendas fundiárias feudais e uma alta conside rável dos lucros. Simultáneamente, o desenvolvimento do co mércio marítimo e colonial amplia as saídas e aumenta o vo lume da produção das mercadorias. Uma massa de mercado rias se transforma de produtos de luxo em produtos de con sumo mais corrente. Por outro lado, a queda da renda fundiária feudal obri ga a nobreza a devolver uma boa parte por sua vez. Uma mass massaa de vagabundos aparec aparecee nos sécul séculos os X V I e XV II , que que as manufaturas colocarão no trabalho.9 Essas manufaturas não são uma criação dos mestres artesãos, mas uma criação dos comerciantes. Êstes reúnem de início sob o mesmo teto um certo número de produtores e de instrumentos de traba lho, não realizando como economias senão aquelas que resul tam de um melhor controle e de uma melhor proteção dos ca pitalistas contra o roubo. Em seguida, a divisão do trabalho cria um aumento da produtividade no interior da manufatura, até que o emprêgo da fôrça do vapor e a revolução industrial produzem a grande fábrica moderna.10 9 Cf. esta nota de Hegel He gel escrita escrita em lena len a em 1805: “As fábricas, as ma nufaturas fundam a sua existência precisamente na miséria de uma clas se” (citado em Georg Lukacs: Der D er jung ju ngee H egel eg el,, pág. 423). 10 K. Marx, Marx , Das Da s Elend El end der de r Philosop Phil osophie, hie, págs. 121-4; K. Marx, Fr. En gels: Das Da s Kommun Kom munistis istische che Manifest, Ma nifest, Berlim, 1918, Verlag Buchandlung Vorwä Vor wärts, rts, págs pá gs.. 26-27. 26- 27.
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O modo de produção assim nascido representa antes de tudo novas relações de produção sociais.11 "Ser capitalista não significa somente ocupar uma posição pessoal, mas ainda uma posição social ,na posição. O capital é um produto co mum, e não pode ser colocado em movimento senão pela ati vidade comum de muitos dos membros, em última análise pela atividade comum comum de todos tod os os membros membros da sociedad socie dade.” e.” 12 O nascimento do modo de produção capitalista implica um impulso prodigioso das fôrças produtivas, que não teriam podido nascer sem êle.13 Marx e Engels apreenderam a na tureza profundamente revolucionária dêste modo de produ ção muito mais nitidamente e muito mais lucidamente do que os outros economistas de sua época, portanto para a maior parte dos apologistas do Capital.14 ,Êles cantaram um verda deiro hino em sua glória no M' M'an ani[e i[esto sto Comuni Com unista sta que deve tocar os sinos para êles: " A burguesia burguesia não pode ex exist istir ir sem sem subverter constantemente de maneira revolucionária os ins trumentos de trabalho, as relações de produção, tôdas as re lações lações sociais. . . A subver subversão são constando constando da da produção produção,, o abalo abalo ininterrupto de tôdas as condições sociais, a insegurança e os movimentos eternos caracterizam a época burguesa em opo sição a tôdas as outras épocas históricas... A necessidade de um escoamento cada vez mais amplo de seus produtos leva a burguesia a percorrer todo o globo terrestre. Em tôda parte, ela se deve infiltrar, em tôda parte começar a construir, em tôda parte fazer ligações. “ Por sua exploração explora ção do mercado merc ado mund mundial ial,, a burguesi burguesiaa remodelou de maneira cosmopolita a produção e o consumo de todos os países. Para grande pena dos reacionários, ela tirou o solo nacional de debaixo dos pés da indústria... Pelo melhoramento rápido de todos os instrumentos de produção, pelas comunicações infinitamente facilitadas, a burguesia ar rasta tôdas as nações, mesmo as mais bárbaras, para a civi lização. Os bons preços de suas mercadorias são a artilha ria pesada, com a qual ela faz desmoronar muralhas da China, com a qual ela leva à capitulação a xenofobia mais tenaz dos 11 12 13 14
K. Marx, Mar x, Das D as Elen El end d der de r Philos Ph ilosoph ophie, ie, pág. 117. K. Marx,Fr. Engels En gels,, Das Da s Kommu Kom munis nistis tische che Manife Ma nifest, st, pág. 39. K. Marx, Mar x, Das Da s Elen El end d der de r Philos Ph ilosoph ophie, ie, pág. 81. Marx vê mesmo aí “ o lado positivo do salário” no seumanuscrito seumanuscrito Salaire ouvrier, op. cit., pág. 248.
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bárbaros. Ela obriga tôdas as nações a se apropriar do modo de produção da burguesia, sob pena de desaparecer; ela as obriga a introduzir no meio delas a falada civilização, isto é, a se tornarem burguesas. . ,15 “A burguesia submeteu o cam po à dominação da cidade. Ela criou cidades enormes, au mentou em grande medida o número da população urbana comparado àquele da população aldeã, e tirou assim uma parte considerável da população da estupidez da vida rural. . . A burguesia burgu esia suprime cada ca da ve vezz mais o desmembram desm embramento ento dos meios de produção, da propriedade e da população. Ela aglo merou a população, centralizou a produção e concentrou a propriedade em poucas mãos. . . N o curso cur so d e sua dominaçã dom inaçãoo de classe ape,nas secular, a burguesia criou fôrças produtivas mais maciças e mais colossais que tôdas as gerações preceden tes. Submeter as fôrças da natureza; criar o maquinismo; apli
car a química à indústria e à agricultura; organizar a nave gação a vapor; construir estradas de ferro e o telégrafo elétri co; abrir continentes inteiros à cultura; tornar os rios nave gáveis; reunir populações inteiras como que saídas da terra: que século passado teria podido prever que tais fôrças pro dutivas dutivas dormiam dormiam no seio do d o trabalho social.” socia l.” 16 Mas essa descrição ditirâmbica das realizações do modo de produção capitalista não seria senão para sublinhar de maneira ainda mais gritante as contradições que êle produz ao mesmo tempo. Porque o capital não pode crescer sem de senvolver senvolver ao mesmo tempo o proletariado. proletariado. A concentração da riqueza social entre as mãos de uma classe social implica uma uma concentração concentr ação de miséri misériaa n o estado de outra classe.social.1 classe.social.17 Para explicá-lo, é preciso partir da análise do elemento de base dessa riqueza, a mercadoria.
15 Ver sôbre o papel pape l civilizador do capital também Grundsätze des Kommunism Komm unismus, us, pág. 206. Nos Grundrisse der Kritik der politischen Oe kono ko nomi mie, e, Marx retoma essa idéia do papel civilizador do modo de pro dução capitalista, o primeiro modo de produção desde a origem da so ciedade humana que deve manifestar a tendência a se estender no mun do inteiro, ou mais precisamente a englobar o mundo inteiro no seu domínio (págs. 311-3). Kom munis nistisc tische he Manifest, Mani fest, págs. 28-30 18 K . Marx, Fr. Fr . Engels, Das Kommu (grifo nosso). 17 Fr. Fr . Engels: “ Grundsätze des Kommunismus” , em K. Marx, Marx, Fr. En Kl einee ökon ök onom om ische isc he Schriften Schr iften,, pág. 208. gels, Klein
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O valor da mercadoria é determinado pelo tempo de tra balho necessário à sua produção.18 Ora, o Capital transfor mou o próprio trabalho em mercadoria, visto que os proletá rios não possuem nada que não1essa fôrça de trabalho, que êles devem vender para obter os meios de subsistência que estão todos nas mãos dos capitalistas. Essa fôrça de traba lho será pois, ela também, tratada como uma mercadoria, e da mesm mesmaa forma que tôda mercadoria, seu seu valor (M arx ar x uti liza ainda correntemente em 1847 o têrmo ricardiano, seu “ preço pre ço natural” ) será será determinado pela quantidade de traba lho necessário à produção, isto é, à produção dos meios de subsistência necessários para conservar a fôrça de trabalho e deixar subsistir as crianças que manterão em vida “a espé cie proletária” .19 Êsse salário é mantido essencialmente nesse nível míni mo como conseqüência da concorrência \éntre os operários. Conservando as conclusões da teoria ricardiana dos salários, Marx e Engels a superam amplamente na análise. Fazem de pender o nível dos salários do ritmo de acumulação dos ca pitais.20 pitais.20 E êles emendam aliás as conclusões rigorosas da teo ria ricardiana precisando que os salários não permanecem es táveis, táveis, mas mas que êles êles flutuam flutuam,, e que o “ mínimo mínimo vital” (o pre ço dos meios de subsistência necessários à reprodução da fôrça de trabalho) resulta resulta de uma uma eleva ele vaçã çãoo temporária dos salários acima dêste mínimo, durante os períodos de alta con juntura, e de uma queda temporária dos salários abaixo dêsse 18 Nos escritos escritos de 1846-8, 1846 -8, Marx e Engels não distinguem distingue m ainda o tem po de trabalho socialmente necessário do tempo de trabalho simplesmen te. Eles não distinguem tampouco a fôrça fô rça d e trabalho e o trabalho, fa lando da “venda de trabalho”, do “preço do trabalho” etc., fórmula que Marx corrigirá no fim dos anos 1850, sobretudo nos Grundrisse e nas Theorien über den Mehrwert. Engels sublinha essa correção nos pre fácios que escreveu trinta anos mais tarde para Das Elen El end d der de r Philoso phie ph ie (1884, pág. XXII) e para Lohna Lo hnarbe rbeit it und Kapital ( Oeuvres Oeuvre s choisi choisies, es, vol. I, págs. 63 e seg.). 19 K. Marx, Mar x, Das Da s Elend Ele nd der Philoso Phi losophie, phie, págs. 24-5; Fr. Engels, "Grun dsätze dsät ze des Kommunismus” , em K. Marx, Fr. Fr. Engels, Klein Kl einee ökon ök onom omisc ische he Schriften, págs. 201 e 203; K. Marx: “Arbeitslohn”, em K. Marx, Fr. Engels, Klein Kl einee ökon ök onom omis isch chee Schriften, Schrif ten, pág. 223; K. Marx: “Travail, salaire et capital” , em K. Marx, Fr. Engels, Oeuvres choisies, I, pág. 82; K. Marx, Fr. Engels: Das Kommu Kom munist nistische ische Manifest Man ifest,, pág. 32. 20 K. Marx: “ Arbeitslohn” Arbeitslo hn” , em Karl Marx, Fr. Engels, Enge ls, Kleine Kle ine Ökonomis che Schriften, págs. 231-2.
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mínimo, durante os períodos de crise e de desemprego ma ciço.21 No entanto, se Marx e Engels admitem que os salários podem elevar-se acima do mínimo vital, durante os períodos de alta conjuntura, e que é somente graças a essa condição que os operários podem, embora seja pouco, participar dos progressos da civilização, éles descobrem no entanto uma ten dência ao abaixamento dêste mínimo de salário, dêsse preço da fôrça fôrç a de trabalho, trabalho, e isso no sentido absoluto do têrmo: “Visto que se encontram sempre meios para alimentar o tra balho com objetos mais baratos e cada vez mais miseráveis, o mínimo dos salários diminui sem cessar.”22 Essa mesma il osof ofia ia pelo exemplo do al idéia é ilustrada na Miséria, da F ilos godão (substituindo o linho), das batatas (substituindo o pão) e da aguardente (substituindo o vinho).23 Mais tarde, Marx citará de bom grado o papel desempenhado a êsse pro pósito pela introdução do chá, na alimentação da classe ope rária britânica. Em poucas palavras, Marx e Engels admitem nessa épo ca ainda uma lei geral da baixa dos salários a longo prazo — posição que que êles corrigirão mais mais tarde tarde — e Marx M arx a define Arb rbei eits tslo lohn hn e Trabalho Assalariado e Capital pelos traços em A seguintes: o salário mínimo dos diferentes países é diferente, mas êle tende a se igualar, e isso no nível mais baixo. Quan d o os salários caem e sobem em seguida seguid a (na fase fas e de alta con co n juntura seguin seg uindo do àquela àqu ela de dep de p ress re ssão ão), ), êles não atingem nun nu n ca o nível precedentemente abandonado aband onado.. A concorrência concorr ência entre entre os operários aumenta constantemente e tende a abaixar o mí nimo dos salários; os impostos e as trapaças dos comerciantes jogam jog am no mesmo sentido. senti do. Em pouc po ucas as palavras, palav ras, " n o curso da evolução, o salário operário num duplo sentido: primeiramen te, num sentido relativo, em relação com o desenvolvimento da riqueza geral; em segundo lugar, num sentido absoluto, Ib id., pág. 235, Fr. Engels: “Grundsätze des Kommunismus”, em 21 Ibid., K lein inee ökon ök onom om ische isc he Schriften Schr iften,, pág. 204; K. Marx, K. Marx, Fr. Engels: Kle Da s Elend Ele nd der de r Philosop Philo sophie, hie, “Rede über die frage des Freihandels”, em Das pág. 184. Da s Elen El end d der 22 K. Marx: Marx: “ Rede über die Frage des Freihandels” Freihandels” , em Das Philoso Ph ilosophie phie,, pág. 185. El end d der de r Philosop Philo sophie, hie, pág. 37. 23 K. Marx, Marx , Das Elen
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nesse sentido de que a quantidade de mercadorias que o ope rário recebe rec ebe em troca se- torna cada c ada vez ve z mais mais reduzi red uzida” da” .24 A o mesmo mesm o tempo, ret retom oman ando do uma idéia que o econo ec onomi miss ta John Barton Barto n tinha formu for mulad ladoo primeiro,2 prim eiro,255 M a rx elabora elabor a uma lei da acumulação do capital que está destinada a de sempenhar um papel particularmente fértil na sua obra pos terior: “ É pois uma uma lei geral geral que decorre dec orre necessariamente necessariamente da da natureza das relações do Capital e do Trabalho, que no cur so do crescimento das fôrças produtivas a parte do capital produtivo, que é transformada em máquinas e matérias-primas, isto é, o capital enquanto tal, cresce em uma proporção maior que a parte (do capital) que é destinada aos salários, isto é, em outras palavras: os operários devem partilhar, em relação ao capital produtivo no seu conjunto, uma parte cada vez menor dêste. Sua concorrência torna-se cada vez mais violenta. viole nta. ” 26 O que encontramos aqui não é nada além de um primei
ro esbôço da lei do aumento da composição orgânica do ca pital, da qual decorre a lei da queda tendencial da taxa mé
dia de produção capitalista que Marx descobrirá alguns anos mais mais tarde. Notem No temos os de passagem que a últim últimaa frase da ci tação que acabamos de reproduzir contém um êrro de racio cínio. O fato de de que os salá salário rioss (o capita capitall variável) consti tuem uma fração “sem cessar mais reduzida” do capital pro dutivo no seu conjunto não implica necessàriamente que a parte dessa massa salarial que volta a cada operário diminua em valor absoluto. abso luto. Isso depende com efeito de tôda uma sé sé rie de variáveis independentes: o ritmo de aumento do capi tal produtivo geral comparado ao ritmo de aumento da com posição orgânica do capital (se o capital produtivo total au menta, por exemplo, em 20% todos os anos, enquanto o ca pital variável vê sua parte relativa reduzida reduz ida em 10% 10 % duran-
24 24 K. Marx, Marx, “Arbeitslohn “A rbeitslohn”” , em K. Marx, Marx, Fr. Engels, Klein Kl einee ök on o mische Schriften, págs. 233-4. É essa passagem que permite falar, no
jove jo vem m Marx, de uma teoria da pauper pau perizaç ização ão ao mesmo mes mo tem tempo po absoluta e relativa. Veremos mais adiante o que se torna essa teoria no curso da preparação do Capital. 25 K. Marx, Marx , Theorien über den Mehrwert, nova edição completa, Ber lim, Dietz-Verlag, 1956, vol. II, págs. 575-6 e seg. 26 K. Marx, Marx, “ Arbeitslohn” Arbeitslo hn” , em K. K. Marx, Marx, Fr. Engels, Klein Kl einee Ökonomische Ökonom ische Schriften, pág. 242.
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te êsse mesmo ano, êle aumenta em valor absoluto em lugar de dimi diminui nuir; r; o ritmo de crescimento crescimento absoluto do capital capital va riável riável comparado comp arado ao ritmo ritmo de crescimento da mão-de-o mão -de-obra bra assalariada (se (s e o capital variável aumenta em têrmos abso abs o lutos de 10% por ano, enquanto a mão-de-obra assalariada não aumenta senão em 5%, a parte que cabe em média a cada assalariado pode aumentar); o ritmo de evolução da taxa da mais-valia comparado ao ritmo de evolução do ca pital produtivo etc. O fato de que a evolução do capitalismo implica uma concentração simultânea de riqueza e de miséria nos dois pó los da sociedade já é sentido por Marx e Engels como uma das causas das crises periódicas de superprodução: “A so ciedade se encontra bruscamente levada a uma situação de barbárie momentânea; uma fome, uma guerra de extermínio geral, parecem ter-lhe cortado todos os meios de subsistência; a indústria, o comércio, parecem destruídos, e por quê? Por que a sociedade possui muitos meios de subsistência, muita indústria, muito comércio.”27 “O empregador não pode empregar os operários porque não pode vender vender seus seus produtos. produ tos. N ão pod e vender vender seu seuss pro dutos porque não tem clientes. N ão tem tem clien clientes tes porque os os operários não têm para trocar senão o seu trabalho e justa mente não podem trocar seu trabalho (nesse momento).”28 Por outro lado, êles apresentam igualmente essas crises periódicas de superprodução, e a marcha cíclica que a pro dução capitalista adota geralmente, como resultados da anar quia da produção e da livre concorrência: “A proporção exa ta entre entre oferta e proc pr ocu u ra. ra . . . não foi possível senão na ép o ca em que os meios de prod pr oduç ução ão eram eram limitados, em que a troca se efetuou em limite limitess extremament extremamentee estreit estr eitos os.2 .299 Com o Da s Kommu Kom munist nistisch ischee Manifest, Mani fest, pág. 31. 27 K. Marx, Fr. Engels, Eng els, Das Kl einee ökon ök onom om isch is chee Schriften, Schrifte n, pág. 232. 28 K. Marx, “ Arbeitslohn” Arbeitsl ohn” , em Klein 29 Foi o que Proudhon não compreendeu, que sonha com um restabele restabele cimento da concorrência depois da abolição do capitalismo. “A concorrên Phi losophie hie cia e a associação se apóiam uma na outra”, escrevia êle na Philosop de la Misère (edição de 1867, I, pág. 208). Marx lhe predisse que, se êle quisesse restabelecer o reino da concorrência numa sociedade socialista, arriscaria reproduzir todo o cortejo de miséria e de anarquia que a troca individual e a concorrência produzem no seio da sociedade capitalista. Se se deseja o progresso sem essa anarquia é preciso manter as fôrças pro Ele nd der Philosophie, Philoso phie, pág. 44). dutivas suprimindo a troca (K. Marx, Das Elend
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nascimento da grande indústria, essas proporções exatas de viam desaparecer, e com necessidade inelutável a produção deve passar pela alternância constante da prosperidade e da depressão, crise, crise, depressão, depressão, nova prosperidade e t c .” 30 Da mesma maneira nos Grundsätze des Kommunismus : “A livre concorrência que decorre necessariamente da grande indústria tomou logo um caráter particularmente violento, de vido à facilidade (de empreender) essa produção; uma mas sa de capitalistas se lançou sôbre essa indústria, e rápida mente produziu prod uziu-se -se mais mais do que se pôde pô de utilizar. utilizar. Seguiu-se que as mercadorias fabricadas não puderam ser vendidas, e que uma crise chamada comercial se produziu.”31 Deve-se notar que as conseqüências da concorrência ca pitalista no que concerne à distribuição eqüitativa da taxa de lucro não são ainda indicadas indicadas senão de p assa as sage gem m .32 .32 As A s crises cris es de supe su perp rpro rodu duçã çãoo demonstram demon stram que qu e as relaçõ rel ações es de propriedade e de produção capitalistas por sua vez se tor nara naram m freios do desenvolvimento desenvolvimento das das fôrças produtivas. produtivas. Os capitalistas tentam sair-se desvalorizando ou destruindo uma massa de fôrças produtivas, procurando novos mercados. Mas, assim fazendo, preparam futuras crises ainda mais graves.33 A partir dêsse dês se mom momento ento,, as armas que a burgues bur guesia ia ha via forjado contra o feudalismo se voltam contra ela mesma. No seio da sociedade burguesa, o Capital criou uma classe social, o proletariado, que é revolucionária, não fôsse senão porque suas condições de existência se tornam cada vez mais insuportáveis.34 Ora, êsse proletariado, concentrado em gran des emprêsas, onde êle começa por se dilacerar numa con corrência mútua entre todos os proletários, toma consciência da necessidade de se organizar para defender seu salário. Assim, Ass im, a coal co aliz izão ão operári oper áriaa pers pe rseg egue ue a dupla dup la finalida fina lidade de de suprimir a concorrência entre operários a fim de poder conDaniel Guérin, que tenta reabilitar Prouclhon como “pai da autoges tão”, é obrigado a reconhecer em geral o fundamento dessa crítica mar xista (Daniel Guérin, L’an L ’anarchism archisme, e, Editions Gallimard, 1965, pág. 65). 30 K. Marx, Das D as Elend, der de r Philosop Phi losophie, hie, pág. 43. 31 Fr. Fr . Engels, “ Grundsätze des Kommunismus” Kommunismus” , em K . Marx, Marx, F r. En K lein inee ökon ök onom om isch is chee Schriften Schr iften,, págs. 208-9. gels: Kle 32 K . Marx, Das Da s Elen El end d der de r Philos Ph ilosoph ophie, ie, pág. 145. 33 K . Marx, Marx, F r. Engels, Das Da s Kommu Kom munis nistisc tische he Manife Ma nifest, st, pág. 31. 34 Fr. Fr . Engels: “ Grundsätze des Kommunismus” Kommunismus” , em K . Marx, Marx, Fr. Fr. En gels, Klei K leine ne Ökonom Ök onomisch ischee Schrifte Schr iften, n, pág. 208.
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duzir uma concorrência tanto mais tenaz contra os capitalis tas. Nessa Ne ssa luta de classes, a mass massaa proletária proletária se constitui constitui en quanto classe para ela mesma.35 E sua luta para defender seus salários se transforma lo go em uma luta política que visa à abolição do assalariado, a criação de uma nova sociedade, fundada na apropriação co letiva dos meios de produção e na associação livre de todos os produtores. Essa sociedade não não poderá ver o dia senão num alto nível de desenvolvimento das fôrças produtivas, e ela conhecerá um nôvo impulso com êsse desenvolvimento que permitirá a satisfação de tôdas as necessidades dos produto res, res, e o desenvolvimento desenvolvime nto universal universal de todo to doss os indivíduos.3 indivídu os.300 Vim V im o s que as quatro quatr o obras obra s analisadas analisa das neste capítulo constituem uma primeira crítica de conjunto do modo de pro dução capitalista, uma primeira aplicação concreta do méto do geral do materialismo histórico a uma sociedade parti cular: a sociedade burguesa. A síntese da Sociologia e da Ciência Econômica que se esforçou por realizar destaca sua enorme superioridade do fato de que ela é fundada sôbre uma síntese síntese do método lógic ló gicoo (dialética) e hist hi stór órico ico .37 .37 Nenhuma teoria social conseguiu até agora uma síntese que se aproxi me, mesmo de longe, do sucesso operatorio do método mar xista . Recentemente o sociólogo americano Talcott Parsons se esforçou esforç ou por efetuar efetuar uma uma sínt síntese ese análoga aná loga.. N o quadro de uma uma Sociologia altamente formalizada, e de uma teoria geral da ação, êle trat trataa a economia com comoo um caso especial especial de um “ sis temaa social” tem socia l” , especializado crescimento da “ adaptabilida de” de ” d o sistem sistemaa mais mais a m p lo.3 lo .388 P odeod e-se se considera cons iderarr que essa essa tentativa de síntese fracassou por três razões fundamentais: 35 K . Marx, Das Da s E lend len d der de r Philosoph Phil osophie, ie, págs. 161-2. 36 Fr. Fr . Engels, “ Grundsätze des Kommunismus” Kommunismus” , em K . Marx, Marx, Fr . En gels, Klein Kl einee ökon ök onom omisc ische he Schriften Schr iften,, págs. 216-7. 37 Ver a êsse êsse propósito prop ósito:: Otto Mo Morf, rf, Das Da s Verhä Ve rhältn ltnis is von vo n W irtsch irt schaft aftsth stheor eorie ie und Wirtschaftsgeschichte bei Karl Marx, A. Francke Verlag, Bema, 1951, e Peter Bollhagen: Soziologie und Geschichte, v e b Deutscher Ver lag der Wissenschaften, Berlim, 1966. 38 Talc Ta lcott ott Parsons e Neil Ne il J. Smelser, Eco E cono no m y and Socie So ciety, ty, Londres, 1957, Routledge and Kegan Paul, págs. 6-7, 21 etc.
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seu caráter amplamente a-histórico; sua incapacidade de com preender a natureza fundamentalmente contraditória de todo “ sistem sistemaa social" socia l" (e de tõda realid rea lidad ade); e); sua sua tendência muito muito nitidamente apologética em relação à realidade do capitalismo contemporâneo (o capita capitalis lismo mo dos monopólios se tendo es treitamente integrado ao Estado, ou o neocapitalismo) . Talcott Parsons afirma, é verdade, que sua análise se aplica a “tôda “ tôda sociedad socie dade” e” e a “ tod to d o” sistem sistemaa s oc ial.3 ia l.399 Mas essa afirmação ambiciosa não resiste a uma crítica histórica. Quando Parsons declara que “o estado. da procura e as con dições de produção” mudam continuamente em tôdas as so ciedades —■ com exceção de economias primitivas “alta mente tradicionais tradic ionais”” 40 — êle subverte os ensinamentos da histó ria ria econôm econ ômica. ica. D e fato, fato, essas essas mudanças mudanças “ contínuas” da pro cura e das condições de produção não são senão o produto da economia mercanti mercantill generalizada — que não ocupa senão senão uma fração ínfima do conjunto da era do homo sapiens, Par sons descobre a origem origem do “capita “ capital” l” (definid (de finidoo de mane maneir iraa apologética como o conjunto dos recursos “fluidos” da socie dade: como se o estoque de sementes de uma aldeia primiti va, ou o rebanho de uma tribo nômade vivendo no quadro do comunismo de clã clã,, fôsse f ôsse um um “ capital” ! Como Co mo se o capit capital al não não fôsse uma relação social!) nos laços entre a economia e a co letividade política por generalização do papel que o crédito desempenha na época do declínio do capitalismo dos mono pólios. Mas como pois explicar a acumulação “normal” do capital na grande indústria na aurora do laissez faire britâ nico, quando o papel do crédito era manifestamente secundá rio, e que êle era por outro lado amplamente privado? O caráter caráter a-histórico a-históri co dos esquemas esquemas funcionalista funcionalistass de Talcott Parsons aparece claramente quando se dá conta de que a maior parte de suas definições, no dominio econô mico, não são senão generalizações (tornadas apenas apenas um p ouco ou co menos abstratas) de traços essenci essenciais ais de uma uma eco econo no mia capitalista, e mesmo de uma economia capitalista numa fase particular de seu desenvolvimento. Assim sua definição da economia como procurando atingir a “finalidade” de um máximo de produção no quadro do sistema de valores insti
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tucionalizados41 (como se não tivesse havido uma série de modos de produção cujos “valores institucionalizados” impli cavam precisamente a recusa deliberada de "maximizar a produ pro dução ção”” !) . Da mesma mesma forma forma sua sua definição do d o “ contrato” como a instituição econômica central (como se o contrato não tivesse nascido da produção mercantil) .42 A incapac inca pacida idade de de apreender apree nder o caráter contra con tradit ditóri órioo dos fo rtio iori ri dos “sistemas econômicos”, é "sistemas sociais” , e a fort a mais importante das três fraquezas do esquema de Talcott Parsons. Eliminando os conflitos entre os grupos sociais do fundamento de sua análise: considerando os "sistemas” como tendendo tenden do à “integração” “ integração” , à “ redução das das tensões” ; velando o fato de que os “valores” dominantes de um sistema não correspondem de maneira alguma aos interêsses de todos os seus membros, mas. somente aos da minoria dominante, Tal cott Parsons não pode explicar nem o motor da evolução his tórica que passa de um sistema sócio-econômico ao outro (o conflito periódico entre o grau de desenvolvimento das for ças produtivas e as relações de produção), nem a forma con creta que êste toma (a luta luta entre entre classes e fôrça fô rçass sociais an tagonis tag onistas) tas) . Enqua En quanto nto o sistema sistema marxista permite permite explicar ao mesmo tempo a origem do modo de- produção asiático, o declínio do Império Romano, o nascimento das cidades da Idade Média, o advento da grande indústria, a eliminação da livre concorrência, a irrupção e a derrota do fascismo, procurar-se-iam em vão nas fórmulas de Talcott Parsons os ele mentos suficientes para compreender êsses diferentes fenôme nos. As raras notas concernentes a contradições sociais précapitalistas que se encontram na obra de Parsons e Smelser fazem prova de uma uma incompreensão algumas vêzes quase quase g ro rote tesc sca. a.44,3 Ibid ., pág. 22. 41 Ibid., Ibi d.,, págs. 104 e seg. 42 Ibid. 43 C f. a maneira maneira pela qual qua l Talcot Ta lcottt Parson Parsonss trata trata da escravidão. Os escravos são comprados e vendidos no mercado “independentemente dos serviços que êles rendem” (pág. 12). Mas como êles são apesar de tudo humanos, os donos de escravos fizeram sempre prova de um mínimo de consideração pela vida familiar dêles (pág. 137). Uma breve discussão com um especialista da história econômica da Roma antiga, ou uma breve análise do sistema econômico dos campos de extermínio SS, lhe teriam evitado escrever tais enormidades.
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A tese fundamental fundam ental de T alco al cott tt Parso Pa rsons ns se choc ch ocaa alias alias contra essa incompreensão dos conflitos sociais e de sua raiz económica. Todo “sistema econômico” chegado a um certo ponto de desenvolvimento não aumenta, mas reduz fortemen te, te, a adaptabilidade de seu seu “ sistem sistemaa social mais mais ampio” . A Evolução do Império Romano a partir dos séculos II e III de nossa era, ou a evolução da China nos séculos XVIII e XIX, oferecem exemplos marcantes dessa refutação do esquema de Parsons. Quanto à natureza apologética da teoria de Talcott Par sons, ela se destaca sobretudo da maneira pela qual ele trata o quadro insti instituc tucion ional al da sociedade capitalist capitalista. a. A m ão-deão-d eobra toma a decisão — no seio das casas! —- de oferecer ofer ecer seus seus “serviços” às “organizações”, em troca e em função de “re munerações” e de outras outras “satisfações” “ satisfações” . Essa decisão é to mada de início (!) sôbre a base de uma "motivação socializa da geral” . 44 E tc. O fato de que uma uma classe social não tem tem nem recursos próprios nem acesso aos bens de subsistência, e de que ela sofre por isso uma coação econômica prévia a. to da “motivação socializada", a tôda “aceitação do fato de tra balho” bal ho” — a única única solução solução em contrário contrário sendo se ndo a morte morte por in digência absoluta! — não tem lugar lugar nessa nessa análise análise “ institucio institucio nal” de Parsons. Da me mesm smaa forma procurar-se-ia em vão a menor explicação do fato de que a renda fundiária feudal re presenta com tôda evidência o produto de trabalho não-pago pela nobreza, que esta se apropria, nem a menor tentativa de refutar a analogia aparente entre o superproduto social précapitalista e a mais-valia produzida no seio do modo de pro dução capitalista. . .
44 Talco Ta lcott tt Parsons e Neil Nei l Smelser, Smelser, Eco E con n om y and Socie So ciety, ty, págs. 114-5, 12 1 - 2 .
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O Problema das Crises Periódicas
if estó tó Comunis Com unista ta e a N e u e Rh Rhein einisc ische he "Ze "Zei Entre o M a n ifes tung — Pol P oliti itisc schh-ök ökon onom omis isch chee R evu ev u e, na qual Marx e Engels formulam suas opiniões detalhadas sôbre a marcha cíclica da produção capitalista e sôbre as crises de superprodução que abalam periódicamente ésse modo de produção, se interca lam apenas dois anos. Mas que anos! Revolução de feverei ro de 1848 na França; revolução de março de 1848 em Ber lim; volta de Marx e de Engels à Alemanha; publicação de Rhein einisc ische he Zeitu Ze itung ng d e Colónia, dirigido um diário, o N e u e Rh pelos dois amigos; primeira insurreição proletária em junho Rhein einisc ische he de 1848 em Paris; primeira interdição do N e u e Rh Zeitu Ze itung ng;; explosão e derrota da revolução na Itália e na Hun gria; explosão e derrota da revolução em Viena (onde Marx tinha estado durante dois meses para preparar os trabalha dores vienen vienenses ses para para o que ia acon ac ontec tecer) er);1 ;1 vitória vitória da contrarevolução em Berlim; dissolução da Assembléia Nacional ale mã; interdição definitiva do Ne N e u e R hein he inisc ische he Zeitu Ze itung ng;; e x pulsão pul são de Marx Ma rx da Alemanha; participação de Engels na campanha militar conduzida pela democracia pequeno-burguesa na Alemanha meridional contra as tropas contra-revolucionárias; novo exilio dos dois amigos, desta vez na Ingla terra . 1 F r. Mehring, M ehring, Karl Marx, Geschichte seines Lebens , Leipzig, 1920, Leipziger Buchdruckerei, pág. 182.
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Depois de ter forjado e aperfeiçoado a doutrina comu nista enquanto doutrina da revolução proletária, eis que os dois jovens pensadores se encontravam mergulhados no co ração da ação revolucionária ela mesma, criticando as hesita ções, as fraquezas, a falta de lógica e de audácia da demo cracia pequeno-burguesa, esforçando-se por insuflar ao má ximo energia e intrepidez aos proletários, pela primeira vez em luta aberta com seus inimigos de classe, na metade da Eu rop a.2 Como todos os revol revoluc ucion ionári ários, os, M arx e Engel Engelss acreditavam apaixonadamente na revolução. Como todos os revolucionários, êles tinham tendência a gritar: “A revolução morreu? Viva a revolução que logo renascerá de suas cinzas!” Mas êles eram espíritos muito rigorosos, muito científicos, muito dirigidos para a crítica impiedosa de todo pensamen to, inclusive de seu próprio pensamento, para permanecer ví timas de ilusões. Em março de 1850, Marx escreve ainda no enderêço enviado do Comitê Central à Associação dos Comunistas na Alema Ale manha nha que se deve de ve esperar log lo g o uma nova no va rev revolu olução ção,, seja em conseqüência de uma uma volta da revolução revoluç ão na França, seja seja em conseqüência de uma guerra de “Santa Aliança” condu zida zida por tôda reação contra essa essa França revolucionária revoluc ionária.3 .3 Sete meses mais tarde, a l.? de novembro de 1850, na “Re vue des événements de mai à octobre 1850” que apareceu no Rhei eini nisc sche he L ei número de maio-outubro de 1850 da N e u e Rh tung — Politis Pol itisch-ö ch-ökan kanomi omiisch ischee R evu ev u e, Marx e Engels escre2 Num estudo apaixon apaixonante ante.. Roman Rosdolsky demonstrou que a con cepção errônea de Engels sôbre os “novos sem história” (geschichtslose peque nas nacionali nacio nalidade dadess eslavas 1. que q ue se traduz em Völker, isto é, as pequenas tôda Neu N eu e Rh Rhein einisch ischee Zeitu Ze itunp np e em numerosos artigos escritos no curso dos anos 50, em conseqüência do panei desemnenhado nelos tchecos, os croatas, os rutênios etc., no curso da revolução de 1848. resulta de finitivamente de uma incompreensão das raízes sócio-econômicas dêsse papel, isto é, de uma incompreensão dos problemas da luta de classes entre camponeses tchecos, eslovacos, croatas, rutênios. de um lado, e proprietários fundiários, revolucionários poloneses e húngaros, de outro lado ( “ Friedrich Friedrich Engels und das das Problem der “ geschichtslos geschichtslosen en Völker’ Vö lker’ ’ , em Archiv Arc hiv für fü r Sozialpes Sozia lpeschic chichte, hte, vol. 4, 1964, págs. 87-282, Verlag für Literatur und Zeitgeschichte, Hanöver). 3 K. Marx: Ma rx: An Anspr sprach achee der Zent Ze ntra ralb lbeh ehör örde de an den de n Bund, em “Enthü llungen über den Kommunisten Kommunistenprozess prozess zu Köln” K öln” , pág. 128.
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vem ao contrário: “ Diante dessa dessa prosperidade prosper idade geral, geral, na qua quall as fôrças produtivas se desenvolvem de maneira tão exube rante quanto podem fazer no quadro das relações burguesas, não se pod e falar falar de um uma revolução verdadeira. Tal Ta l revolu ção não é possível senão nos períodos nos quais êstes dois fatores, as fôrças produtivas modernas e as formas de produ ção burguesas, entram em contradição uns com os outros. . . Uma nova revolução não é possível senão em seguida a uma nova crise cr ise . Ela é tão certa certa quanto esta” esta” . 4 Um estudo aprofundado da marcha cíclica da produção capitalista levou-os a essa conclusão, que conserva seu valor ao menos para tôda a fase ascendente do capitalismo inter nacional. nacio nal. Êsse estudo se estende estende sobretudo sôbre a crise de de 1847 e a fase de prosperidad prospe ridadee que a sucedeu (e cujos resul tados são consignados ant antes es de tudo no Ne N e u e Rh Rhein einisch ischee "Zeitung, diário, depois revista trimestral), e sôbre a crise de 1857, cuja análise foi feita na correspondência Marx-Engels e nos artigos escritos para o N e w Y ork or k D aily ai ly Tribüne. Tribün e. Já precedentemente — principalmente principalmente na Situação da Classe Operária na Inglaterra, de Engels, na Misér Mi séria ia da F i losofia, de Marx, e no M Ma a n ifes if esto to Comu Co munis nista ta — Marx e Engels haviam tratado brevemente do problema das crises periódicas. Desde as Not N ota a s d e Leitura Leitu ra e os Manu Ma nusc scrito ritoss Eco E con n óm icoic o-F F ilos il osóf ófic icos os de 184 1844, 4, vemos vem os M arx ar x censura censurarr R i cardo car do e J. - B . Say S ay pela incompreensão dêles da contradição entre a tendência d o Capital ao desenvolvimento desenvolvim ento ilimita ilimitado do das fôrças produtivas e os limites estreitos impostos por êsse mesmo Capital ao consumo das massas operárias. Êle dis tingue desde essa época corretamente a démanda física e a demanda solváuel , 5 N a Ideo Id eolog logia ia A lem le m ã, vemos Marx e Engels retomar essa mesma distinção, analisar brevemente as razões pelas quais crises monetárias podem produzir-se, e precisar que a crise de superprodução não tem por causa uma superprodução físi ca, mas perturbações do valor de troca.6 4 K. Marx, Marx, Fr. Engels: “ Revue — Mai bis Oktober” , em Neu N euee Rheinis Rheini s che Zeitung — Politis Po litisch-Ö ch-Ökono konomisc mische he Revu Re vue, e, Füftes bis sechsts Heft, mai-oktober, 1850, pág. 317. 5 m e g a , I, 3, págs. 576-7. 6 K. Marx, Fr. Engels, Eng els, D ie deut de utsch schee Ideo Id eolo logi gie, e, págs. 417-8, 557.
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Por outro lado, com o estudo do ciclo econômico, Marx se tinha aplicado a um estudo mais detalhado das relações entre os interesses econômicos imediatos e as tendências po Luta s d e C lass la ssee na Fra F ranç nça a 1848-1 184 8-1850 850,, líticas. .Êsse estudo, As Lutas R hein inisc ische he Ze Z e itu it u n g — Politi Pol itisch sch apareceu igualmente na N e u e Rhe ökonomische Revue, É importante para a historia da forma ção do pensamento' econômico de Marx, porque êste formu lou aqui pela primeira vez explicitamente a idéia de apropria ção. coletiva dos meios de produção.7 Êsse estudo levou-o a se ocupar de fenômenos aos quais quais êle êle não nã o tinha tinha dado da do grande atenção antes. A evolução da atitude política do campesinato francês era incompreensí vel, senão em função do pêso que a dívida hipotecária e o imposto representavam para ela. As diversas frações da bur guesia se opunham e se combatiam em função da forma prin cipal que tomou seu capital: propriedade fundiária, proprie dade dad e bancári bancária, a, propriedade proprie dade industr industrial ial ou comercial. comerc ial. O estu estu do econômico se afastava desde então das abstrações e das generali generalidades dades,, para para se torna tornarr freqüente freqüentement mentee minuci min ucioso.8 oso.8 As flutuações quase quotidianas da Bôlsa ou os detalhes da po lítica financeira do Govêrno foram integrados na análise. Pa rece evidente que essa familiaridade maior com os problemas do crédito e com os fenômenos monetários preparava nossos dois amigos para para compreensão melhor melhor do “ ciclo indust industrial rial”” . Marx e Engels não se tinham no entanto aplicado ainda a um estudo sistemático dessa marcha cíclica da produção ca pitalista, da sucessão das fases de retomada econômica, de alta alta co conjun njuntura tura,, de prosperidade, prosperidade, de “ boom boo m ” (superaqueci mento econômico), de ruína financeira, de crise e de depres Rhei eini nisc sche he Zeit Ze itun ungg — Polit Po litis isch ch-são. Mas eis que na N e u e Rh ökonomische Revue, os dois amigos publicam periodicamente uma revisão dos acontecimentos políticos e econômicos cor rentes, que se torna progressivamente um verdadeiro estudo de conjuntura. N o segundo segun do fascículo fas cículo dessa revista revista me mens nsal, al, que não conheceu senão senão cinco números números (janeiro de d e 1850 1850,, fef e7 Fr. Engels: “ Introduction, Les Luttes de Class Classes es en France (1848 (18 48-1850)”, em K. Marx, Fr. Engels, Oeuvres Choisies en deux volumes, vol. I, pág. 117. 8 Ver Ve r principalment princip almentee a análise análise das medidas fiscais e da atitude atitude do Ban co em seguida à revolução de fevereiro de 1848 (K. Marx, Le s Lutte Lu ttess de Classes en France (1848-1850), págs. 151-2).
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vereiro de 1850, março de 1850, abril de 1850, maio-outubro de 1850), Marx e Engels insistem sôbre o fato de que a ex plosão da revolução de fevereiro de 1848 na França teve um efeito benéfico sôbre a conjuntura econômica na Grã-Breta nha, nha, golpeada pela pela depressão depres são desde 1845. 1845. “ Uma massa massa de mercadorias deprimindo os mercados de além-mar tinha nesse meio tempo progressivamente encontrado saídas. A revolução de fevereiro eliminou por outro lado, precisamente nesses mer cados, a concorrência da indústria continental, enquanto a in dústria inglêsa não perdeu mais pelo fato do mercado conti nental abalado do que ela teria perdido de qualquer manei ra em conseqüência do desenrolar ulterior da crise.”9 Por êsse fato, a indústria inglêsa pôde atravessar a crise mais ra pidamente do que o previsto, e entrou desde 1849 numa nova fase de prosperidade que, segundo os industriais, supera tôda prosperidade precedente. Nessa revisão da conjuntura econômica, Marx e Engels sublinham sublinham antes de tudo tud o a importância das “ grandes saídas de além-mar” para a situação situação econômica da Grã-Bretanha (e da indústria indústria européia européia em ger geral) al) . De Depo pois is de ter mencionado menc ionado a êsse propósito a influência das revoluções européias sôbre o comércio internacional, êles colocam em relêvo a importância historicame historicamente nte decisiva — “ fato mais mais importante importante ainda ainda que a revoluçã rev oluçãoo de fevereiro” fevereir o” —- da descoberta des coberta de ouro na Califó Ca lifórr nia. A passagem que se se segue é de uma uma cisão profética ex ex traordinária, visto que Marx e Engels prevêem a abertura do canal de Panamá, o deslocamento do centro do comércio mundial para o oceano Pacífico (que não permanece senão tendencial até nossos dias), a superioridade industrial e co mercia mer ciall dos Estados Unidos Unid os sôbre a Europa (que só se tor nará fato mais de meio século mais tarde), e até a revolução chinesa.10 Se no fascículo n- 4 Marx e Engels tendem antes a anunciar uma nova crise cie superprodução,11 êles se tornam 9 K. Marx, Marx, Fr. Engels: “ Revue” , em Neu N eu e Rh Rhein einisc ische he Zeitu Ze itung ng — Po litisch-ökonomische Revue, Zweites Heft, fevereiro de 1850, 1850, pág. 119. 119. 10 Ibid. Ib id.,, págs. 120-121. A revolução chinesa dita dos Ta'i-Ping estourou de fato a 11 de janeiro de 1851, menos de um ano depois que Marx e Engels a tinham previsto. 11 K. Marx, Marx, Fr. Engels: Enge ls: “ Revue Re vue”” , em Neu N eu e Rh Rhein einisc ische he Zeitun Zei tungg — Poli tisch-Ökonomische Revue, Viertes Heft, abril de 1850, págs. 213-5.
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mais mais prudentes no fascículo fascícu lo n° 5-6, cuja “ Revu Re vue” e” const constitui itui de fato uma análise detalhada de tôda conjuntura econômica do mundo capitalista capitalista de 1836 a 1850. Essa análise já é fun ção ao mesmo tempo de um estudo aprofundado dos fatos e de uma concepção1de conjunto do ciclo que reconhece o pa pel estratégico de certos fatores. Assim Ass im,, os autores auto res insistem sôbre sôb re o fato fa to de que na G rãrã Bretanha o investimento de capitais superabundantes na construção ferroviária deu impulso à prosperidade de 184345; a expansão da navegação a vapor, em direção à costa do Pacífico dos Estados Unidos, em direção ao oceano Pacífico, em direção à Austrália, desempenhou um papel no mesmo sentido. sentid o. Essa onda de investimentos investimentos provo pro vocou cou a criação de de numerosas novas empresas, que por sua vez chegaram à su perprodução. perprodu ção. M as com o a prosperi prosperidade dade é acompanh acompanhada ada de uma especulação cada vez mais desenfreada, é a especulação e não a superprodução que pare ser a causa causa da crise. M arx pa rece ce ser e Engels retificam a êsse propósito uma impressão superficial e insistem sôbre o fato de- que a crise é sempre em última aná lise crise de superprodução.12 A crise internacio inter nacional nal de 1847, com começa eçada da n o plan pl anoo fer fe r roviário, se estende em seguida ao plano monetário e comer cial, onde é agravada pelas séries de más colheitas das bata tas na Irlanda, na França, nos Países Baixos e na Bélgica em 1845 e 1846, que provocou um aumento considerável dos pre ços do trigo . M arx ar x e Engels Eng els dão assim assim uma importância pro pr o nunciada à interação entre a indústria e a agricultura no me canismo do ciclo da produção capitalista. Êles dão uma importância também pronunciada aos fe nômenos puramente monetários e ao papel-chave que desem penham na gênese da crise. crise . Um primeiro pânico pâni co em abril de 1847, causado^ por um brusco aumento da taxa de desconto do Banco da Inglaterra e a publicação de um balanço hebdo madário dêsse Banco mostrando que suas reservas de ouro tinham caído a 2,5 milhões de libras, não traz o abalo de grandes casas bancárias ou comerciais. Êste vai produzir-se em agôsto de 1847, após a bancarrota de uma série de casas 12 K. Marx, Fr. Engels: Enge ls: “ Revue — Mai bis Oktober” Oktobe r” , em Ne N e ue Rhei Rhe i nische Zeitung — Politi Po litisch sch-ök -ökono onomi misc sche he R ev ue , Fünftes Heft, maio-outubro de 1850, pág. 304.
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especializadas no comércio do trigo e dos produtos coloniais, seguida de uma série de bancarrotas espetaculares de bancos e de corr correto etores res m outubro outubro do mesmo mesmo ano. Uma vez mais, Marx e Engels insistem sôbre o papel de sempenhado pela superprodução real no mecanismo da crise: expansão excessiva de construção ferroviária, de um lado, im portação (e exportação) excessiva de uma série de produtos coloniais, de outro lado. Êles sublinham o mesmo mecanismo analisando a prosperidade de 1848-1850 na indústria britâni ca, marcada muito menos pela especulação do que pela ex pansão real da produção, antes de tudo da indústria algo doeira e das exportações, principalmente para os países do Extremo Oriente (nossos autores falam a esse propósito do mercado1das índias holandesas orientais “aberto” ao comér cio britânico) e para para o oceano P acífico ací fico (marca (ma rcado do pelo de desen> volvimento febril febril da Califórn Ca lifórnia) ia) . Marx e Engels exprimem a opinião de que as flutuações irregulares do preço do algodão tornam cada vez mais irritan te para a burguesia britânica sua dependência com respeito à cult cultur uraa do algodão' algodão' nos estados do! Sul Sul dos Estados Uni U ni dos. Êles formulam a opinião de que a Grã-Bretanha pro curará curará desenvolver a cultur culturaa de algod alg odão ão fora for a (fo i o que efe ef e tivamente se produziu, sobretudo na índia e no Egito), e que é essa concorrência de trabalhadores livres que dará um gol pe mortal na escravidão dos negros dos estados do Sul13 (previsão que igualmente se verificou) . ,Êles sublinham da mesma forma o papel motor desem penhado pela Grã-Bretanha no desenrolar do ciclo para o conjunto do mundo capitalista. É na Grã-Bretanha que co meça o movimento cíclico; é lá que se produz o movimento original. No continente europeu, as fases sucessivas do ciclo, que a produção capitalista atravessa cada vez de nôvo, não aparecem senão sob forma de fenômenos derivados.14 É que a Grã-Bretanha é o mercado principal para todos os países do continente, e que as flutuações da conjuntura britânica provocam provo cam — com um um inevit inevitável ável atraso atraso — flutuações flutuações análo gas das exportações, e pois da conjuntura, nesses países con-
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tinentais. É que a conjuntura nos países de além-mar, além-mar, para para os quais a indústria britânica exporta bem mais do que a in dústria dos países con contin tinen entais tais.,., exerce exer ce seus efeitos efeit os sôbre a Grã-Bretanha, bem antes de os exercer sôbre os países do continente europeu. Essa análise que é muito sutil, e que supera tudo o que a ciencia académica da época tinha podido apreender, não* deixa de sofrer de várias várias fraquezas. fraqueza s. A distinção entre entre crises crises monetárias, que não são senão o reflexo de crises de super produção, e crises monetárias “autônomas”, que podem apa recer mesmo em momentos de prosperidade, prosperidad e, sobretudo sobretu do no quadro dos “mecanismos automáticos” regidos pelo padrãoouro, não está suficientemente estabelecida. A duração do ciclo é apreendida de maneira puramente empírica e não em relação com a duração' de reprodução do capital fixo. Essas duas deficiências levarão Marx e Engels a predi zer várias vêzes erradamente a explosão de uma nova crise, principalmente em 1852,15 e em 185316 e em 1855.17 É somente em 1857 que essa crise explodirá finalmente, a duração mé dia do ciclo sob o capitalismo clássico se verificando ser não de seis ou sete anos, como os dois amigos tinham de início acreditado,18 mas de sete a dez anos, como Marx desenvol veu amplamente mais tarde nos Grundrisse e no Capital. Êsses dois fatores desempenharam um papel determinan te nos erros erros de previsão previsão econômica dos anos 1852-1855. N o 15 K. Marx, Fr. Engels: Enge ls: “ Revue Re vue”” , em Neu N eu e Rh Rhein einisc ische he Zeitu Ze itung ng — Po litisch-ökonomische Revue, Fünftes bis sechstes Heft, pág. 312. Ver também a carta de Marx a Engels de 19 de agosto de 1852 ( Brief Br ief chsel zwischen Friedrich Engels und Karl Marx 1844-1883, vol. I, pág. 334). 16 “Pauperismo e livre troca. A ameaça de uma nova crise comercial” comer cial” , artigo enviado a 15 de outubro de 1852 ao New N ew York Daily Da ily Tribüne, Trib üne, em Gesammelte Schriften 1852-1862, herausgegeben von N. Rjasanov, Stutt gart, Dietz, 1920, vol. I, pág. 33. 17 Série de artigos artigos publica pub licados dos sob o título: “ A Crise Comercia Com erciall da GrãBretanha”, no N eu e Oder Od er-Z -Zeit eitun ung, g, de 11 a 22 de janeiro de 1855, e no Ne N e w York Yor k Daily Da ily Tribüne Trib üne,, de 20 de janeiro de 1855. 18 “ Em princípio, em Econo mia Política, não se deve nunca agrupar agrupar os algarismos de um só ano, para daí tirar leis gerais. Deve-se sempre tomar o têrmo médio de seis a sete anos, lapso de tempo durante o qual a industria moderna passa pelas diferentes fases de prosperidade, de su perprodução, de estagnação, de crise e completa seu ciclo” (K. Marx, Kl einee ökon ök onom om isch is chee Schriften, Schr iften, pá “Rede über den Freihandel”, em Klein gina 515). W e -
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Poli Po litis tisch ch-ö -öko kono nom m isch is chee R evu ev u e, é a analogia com a duração do
ciclo precedente (1843-1847) que leva Marx e Engels a pre dizer uma uma nova crise para o ano de 1852. N os artigos envia envia or k D aily ai ly Tribüne, Trib üne, são os problemas monetá dos ao N e w Y ork rios que desempenham um papel principal no diagnóstico er rôneo . Durante todo êsse período, a descoberta e a exploração febril das minas de ouro da Califórnia e da Austrália dese quilibraram fortemente o mercado monetário. Assim como Rjasanov o indica nos seus comentários dos artigos de 1852,10 Marx mais tarde, no terceiro volume do Capital,20 corrigiu a impressão que tinha tido nessa época époc a de que da acumula ção de ouro no Banco da Inglaterra não1podiam resultar se não flutuações do balanço comercial, estreitamente ligadas à conjuntura econômica britânica britânica e internacional. Essa acumu lação podia também resultar de bruscos aumentos da produ ção de ouro, expedida na Grã-Bretanha, e exercendo assim uma influência autônoma sôbre a conjuntura. Tocamos aqui um dos aspectos do caráter duplo do ouro ao mesmo tempo equivalente geral de tôdas as mercadorias (função que êle parece exercer independentemente do seu valor intrínseco), e êle próprio mercadoria, metal produto do trabalho humano, cujo valor flutua com a evolução da produtividade na indús tria tria aurífera. Alguns Algu ns anos mais mais tarde, tarde, redigin red igindo do os primei primei ros capítulos da Crítica da Economia Política, Marx subli nhará êsse fenômeno contraditório. Em 1852, Marx tinha ainda raciocinado por pura ana logia: visto que a história das crises nos ensina que a acumu lação de um excesso de capitais nos bancos leva a especula ção até o paroxismo, e que êsse “superaquecimento” da con juntura juntur a prec pr eced edee d e p ou co a crise,121 o ex exce cess ssoo de capitais que existe em 1852 deve necessàriamente assinalar uma crise pró xima. Alguns meses mais tarde, em janeiro de 1853, êle já é levado a corrigir essa impressão.22 Apesar dessa previsão errônea, a análise da conjuntura econômica de 1852 contém elementos válidos, principalmente essa nota pertinente que 19 N. Rjasanov, em K. Marx, Fr. Engels, Eng els, Gesammelte Schriften 18521862, I, pág. 453. Da s Kapital, III, 2, pág. 40. 20 K. Marx: Mar x: Das 21 K. Marx, Fr. Engels, Engels , Gesammelte Schriften 1852-1862, I, pág. 33. 22 Ibid ., págs. 65-71.
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conservou o seu seu valor até a época contemporânea: “ Não Nã o houve jamais um período de prosperidade, no curso do qual êles, êles, “ os otimist otimistas as burgueses” , não tenham tenham tom tomado ado a ocasião de demonstrar que desta, vez o destino implacável seria ven cido. Mas no dia em que a crise explodiu, êles simulavam a inocência e atacavam o comércio e a indústria com uma indig nação moralizadora, e censuras banais, porque êles não ti nham nham dado da do prova de suficiente suficiente prudência prudência e pr ev evis isãã o.” 23 Quanto à "crise” de 1854-5,. o êrro de Marx foi mais perdoável porque êle não decorreu simplesmente de raciocí nios por analogias analogias ou ou de deduçõe d eduçõess abstratas. abstratas. H ouve ouv e efetiva mente uma crise de superprodução da indústria algodoeira, causada principalmente por uma baixa das exportações para a Austrália Austrália (onde (on de houve especulação excessiva excessiva no curso curso dos dois anos precedentes, em conseqüência do “boom” do ouro). Houve igualmente flutuações graves no mercado monetário, causadas por uma brusca queda da cota de ouro americano e australiano. Numerosas Numerosa s falências nos países de além-mar além-mar ori ginaram ginaram falências de importantes importantes casas britânicas. N o en tanto, assim como Rjasanov precisa nos seus comentários dos artigo art igoss de Ma M a rx de janeiro jan eiro de 1855j2 185 5j24, não nã o se tratava de d e uma uma gera l, mas de uma crise parcial parci al no curso da qual o pa crise geral, pel autônomo do fator monetário uma vez mais se revelou. Nos seus artigos de janeiro de 1855, Marx sublinha a importância colossal dos mercados americanos e australianos para a expansão da produção industrial e das exportações bri tânicas. Essas exportações haviam mais do que dobrado en tre 1842 e 1853. Mas sôbre os 100 milhões de libras expor tados pela Grã-Bretanha em. 1853, 40% iam para êsses dois países (25 milhões de libras para os Estados Unidos, 15 mi lhões para a Austr Au stráli ália) a) . Ora, Or a, sôbre sôb re as 45 milhões de libras libras de mercadorias britânicas exportadas em 1842, a Austrália só absorvia um milhão, os Estados Unidos só absorviam 3,5 milhões (seja para os dois países tomados globalmente, 10% das exportações britânicas) britânicas) . O aumento das exportações bri tânicas, que foi de mais de 50 milhões de libras durante êsses decênios, foi absorvido em quase 80% por êsses dois “novos” 23 Ibid., Ibi d., pág. 34. 24 Ibid., Ibid ., pág. 500.
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mercados de além-mar. Visto que êsse “boom” das expor tações parecia agora parado, não era o conjunto da prospe ridade que se encontraria golpeado de morte? Vê-se, nesse momento, que o êrro de previsão de Marx tinha fundamento mais sólido que o de 1853. O que o autor do Capital tinha desta vez subestimado era o efeito- estimulan estim ulante te da guerra gu erra da Criméia Cri méia sôbre a con juntura juntur a econ ec onôm ômica ica.. A experiê exp eriência ncia histórica histó rica forn fo rnec ecee aqui um exemplo daquilo que Rosa Luxemburgo chamará mais tarde o papel de “saída de substituição” que os comandos de Esta do podiam desempenhar em relação às saídas exteriores.25 Os fornecimentos ao exército e o desenvolvimento da indús tria de guerra compensaram amplamente o recuo das expor tações para a A ustrál ust rália. ia. M arx aliás aliás reconheceu reconh eceu isso mais mais tar de visto que classifica os anos de 1854 e 1855 entre os anos de prosperidade, no volume III do Capital. Mas no ano seguinte, a análise do “superaquecimento” feita de início por Engels En gels (carta a Ma rx de 14 de abril abril de 1856), depois por Marx (carta de 28 de setembro de 1856 a Engels) se verifica correta.26 Um “magnífico crash” (En gels a Marx, 29 de outubro de 1857)27 lhe sucede e abre am plamente as comportas da crise. c rise. Desta vez, os dois amigos estavam equipados dos conhecimentos e de posse dos dados empíricos necessários para seguir passo a passo o desenvol vimento da crise. A crise de 1857-58 era aliás mais geral que as crises precedentes: ela se estendia geográficamente a uma área mais ampla e tocava todos os ramos da indústria. É no curso do estudo da crise de 1857-58 que Marx des cobre pela primeira vez as relações entre a duração do ciclo e a duração de reprodução reprod ução do capital capital fixo. fix o. Êle coloca uma uma questão a êsse propósito a Engels na sua carta de 2 de mar ço de 1858 e seu amigo lhe responde longamente dois dias d ep o is .28 .28 Assim o círculo está está fechado, e M arx e Engels cor D ie Akkumul Akku mulation ation des de s Kapitals, Vereinigung in 25 Rosa Luxembu Luxe mburgo, rgo, Die ternationaler Verlagsanstalten, Rerlim, 1923, págs. 371-4, édit. François Maspero, 1967. B riefw efwech echsel sel zwisc zw ischen hen Friedri Fri edrich ch Engel En gelss un und d K. Marx 184418 44-83, 83, vol. 26 Bri II, págs. 105-6, 127.
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rigem agora no sentido do ciclo decenal a suposição errônea de um ciclo sexenal adiantado sete anos mais cedo. Não é mais que a China que aparece a Marx como saí da suplementar possível no curso do ciclo que sucederá à cri se de 1857-58;29 e êle prevê corretamente que não será fácil quebrar a resistência que a agricultura chinesa arcaica e par celar opõe à penetração do Grande Capital.30 Mas êsses oito anos de estudos dos problemas conjunturais terão' fornecido a M arx ar x os os instrumento instrumentoss conceptuais com os quais êle nos oferecerá no Capital senão uma teoria completa do ciclo ca pitalis pitalista ta — êle não teve tempo de redigir esta esta —■ — ■ pelo menos menos os principais materiais para a construção de tal teoria. Bstes aliás inspiraram inspiraram amplamente os economistas economi stas que a part partir ir de Tougan-Baranowsíky — êle próprio próp rio um um "marxis "m arxis ta legal” — desenvolve desenvolveram ram no século século X X as divers diversas as teor teorias ias chamadas das crises periódicas.31 Alvin Hansen afirma que "o Professor Aftalion, da mesma forma que Cassei e Spiethoff, deve muito a Marx e às idéias derivadas de Marx e de outro ou tros. s. . . Seus escritos estão cheios de sugestões sug estões que in fluenciaram muito o pensamento não-marxista a respeito dos ciclos, apesar do fato de que autores não-ortodoxos não re conheceram sempre a amplitude de sua dívida por respeito a M arx, arx , ou nem nem mesmo se deram deram conta dela” . 32 Essa observação se aplica particularmente àqueles que, como os autores citados, construíram sua teoria das crises so bre a duração do ciclo de reconstituição do capital fixo, ou, se se quiser, sôbre a atividade de investimento (de acumula» 29 Ihid., págs. 292-3. 30 Ver seu seu artigo artigo “O Com ércio com a China” , que apareceu no New Ne w York Daily Tribune, de 3 de dezembro de 1859, em M Mar arx-E x-E ngels ng els-W -Wer erke ke,, vol. 13, págs. 540-4, Dietz-Verlag, Berlim, 1961. 31 Micha M ichael el Tugan-Baran Tugan -Baranowsky, owsky, Studien zur Theorie und Geschichte der Handelskrisen in England, G. Fischer-Verlag, Iena, 1901. O livro de Tugan-Baranowsky foi analisado de maneira crítica principalmente por Rosa Luxemburgo: Die D ie Akkumu Akk umulati lation on des de s Kapitals, págs. 239-244, v i v a , Berlim, 1923. 32 Alvin H. Hansen, pág. 129, em Alvin Alvi n H. Hansen e Richard Rich ard V. Clemence, Business C ycle yc less and National Nation al Inco In com m e, Readings in N. W. Nor ton and Co., Nova York, 1953. Cf. também Prof. Wassily Leontieff: “The Significance of Marxian Economics for Present Day Economic Theory”, em Am Ameri erica can n Econ Ec onom omic ic Revi Re view ew,, vol. 28, n.° 1, suplemento de março de 1938, pág. 3.
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ção do d o capital) capital) como motor princi principal pal do ciclo. Mas ela ela se se aplica igualmente àqueles que acreditaram poder descobrir no subconsumo das massas a causa principal das crises cícli cas . D e fato, as duas idéias estão presentes ,na ,na obra de M arx, arx , pela simples razão que para êle a causa das crises reside ao mesmo tempo na na concorrência concorrê ncia capitali capitalista sta — o caráter caráter irregu lar lar dos investim investimentos entos capi capitali talistas stas — e no atraso que a “ pro pr o cura solvável” das massas deve necessariamente tomar sôbre a capacidade de produção produçã o global da socie so cieda da de .23 .23
33 Examinamos êsse êsse problem pro blemaa de maneira mais detalhada no Traité d’économie marxiste, volume I, págs. 449-467.
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O Aperfeiçoamento da Teoria do Valor, da Teoria da Mais-Valia e da Teoria da Moeda
A crise de 1857 tinha reduz red uzido ido os recursos recu rsos já muito ma or k D aily ai ly Tribun Tri bunee limitou suas con gros de Marx: o N e w Y ork tribuições a dois artigos por semana. Mas ela não estimulou menos seu ardor e sua alegria pelo trabalho, a ponto dêle es crever em 18 de dezembro de 1857 1857 a Eng E ngels: els: “ Trabalho Trab alho (atualmen (atua lmente) te) de maneir maneiraa colossal, colossa l, na maioria das vêzes vêz es até até quatro quatro horas da manhã.” manhã.” 1 Êsses trabalhos trabalhos se se concentr concentraram aram sôbre dois pontos: pon tos: o registro registro minucioso minucioso dos “ fatos e gestos” da crise; a elaboração dos “traços fundamentais” da análise económica.2 Dêsses últim últimos os trabalhos trabalhos nascerão nascerão a Contribuição a Critica da Economia Política, os Gnindrisse e as Teorias sôbre a Mais-Valia, que constituem o conjunto dos trabalhos diretamente preparatórios para a elaboração do Capital. Desde muito tempo Marx tinha alimentado a esperança de redigir de maneira sistemática uma crítica da Economia Política burguesa, assim como a exposição de suas próprias concepções em matéria econômica. Êle tinha feito alusão des1 D er Brief Br iefwe wech chse sell zwisc zw ische hen n Friedric Frie drich h Engel En gelss und Karl Marx, vol. II, pág. 219. 2 Cf. sua carta a Lassalle de 21 de dezem bro de 1857: 18 57: “ A atual crise comercial me incitou a me dedicar agora minuciosamente à elaboração dos traços fundamentais da economia e também a preparar alguma coisa sôbre a presente crise’’ (Ferdinand Lassalle, Nach Na chge gelas lasse sene ne Brief Br iefee und Schriften, herausgegeben von Gustav Mayer, vol. 3, Deutsche Verlag Anstalt, Stuttgart, 1922, p á g . 11 1). 1) .
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de 1851, 1851, escrevendo escreven do a 2 de abril abril déste déste ano a Engels,3 Eng els,3 que em em seis semanas fceria terminado com todo o amontoado confuso económico na biblioteca (do Bvitish M u s e u m ) e que elabo raria em seguida “a economia” em casa. Mas a necessidade de um trabalho jornalístico para sobreviver a suas necessida des a partir de 1852, as dificuldades familiares e uma saúde deficiente retardaram de quatro anos a execução dêsse pla no. A redação dos Gt'unclrisse foi começada em setembro de 18 57 .4 E M . Rubel nota nota que, que, de agosto de d e 1852 até o fim fim de 1856, Marx foi obrigado a renunciar a seus estudos eco nômicos . 5 O fato de que Lassalle tenha podido encontrar um edi tor para publicar a obra económica de Marx em fascículos es timulou a redação final; esta no entanto não foi concluída para o primeiro primeiro fascículo fascícu lo ("C (" C ontri on tribu buiçã içãoo a uma uma Crítica da Econom Eco nomia ia Política” Política ” ) senão a 21 de janeiro de 1859, 1859, e, ao anunciar a Engels, Marx não pode deixar de suspirar: "Não creio que se tenha jamais escrito a respeito do dinheiro so frendo1de tal falta de dinheiro”, assim como Franz Mehring lembra oportunamente na sua biografia de Marx.® É entre essas duas datas de 18 de dezembro de 1857 e de 21 de janeiro de 1859, ou mais exatamente entre novem bro de 1857 '£ o fim de junho de 1858, que se situam verda deiramente as contribuições mais válidas que Marx fez ao desenvolvimento da ciencia econômica. Êle as anunciou a Engels numa carta de 29 de março de 1858 que contém ao mesmo tempo a noticia de que o editor Duncker Duncke r tinha tinha aceitado a publicação do seu manuscrito económico. Êle as esboçou três dias mais tarde, e resumiu seu sentido a 22 de julho de 1859: tentar demonstrar o caráter especificamente social e de maneira alguma absoluto do modo de produção capitalis ta a partir do seu fenómeno mais simples: a mercadoria.7 3 Ibid., Ibid ., vol. I, pág. 14. 4 Prefácio do Institut Institutoo Marx-Engels-Lênin Marx-Engels-Lên in a K. Marx: Grundrisse der Kritik der de r Politische Poli tischen n Oeko Oe kono nom m ie, pág. IX, Dietz-Verlag, Berlim, 1953. 5 M . Rubel, K. Marx, Essai de Biogra Bio graphi phiee intelle inte llectu ctuell elle, e, pág. 297. 6 Franz Mehring, Mehrin g, Karl Marx, Gesch Ge schich ichte te seines sein es L eben eb ens, s, pág. 263. 7 Brief Br iefwe wech chsel sel zwisc zw isclie lien n F. Enge En gels ls und K. Marx, vol. II, págs. 265-9 e 341.
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A Contribuição à Crítica da Economia Política é sobre tudo conhecida pelo seu prefácio, que resume a teoria do ma terialismo histórico em palavras escolhidas pelo seu autor, e sôbre a qua quall não nos devemos devemo s estender estender aqui. A própria obra encontrou menos ressonância, por ocasião de sua publicação, e até nossos dias, pelo fato de seu caráter abstrato; Engels aliás se tinha queixado desde que Marx lhe havia esboçado as grandes linhas linhas do trabalho.8 traba lho.8 N o entanto, êsse livro con tém a maior parte das contribuições específicas de Marx ao desenjvolvimento da teoria econômica, que êle elaborou deta lhadamente nos Grundrisse, obra que permaneceu desconhe cida do público até depois da Segunda Guerra Mundial. Ela se apresenta antes de tudo como um aperfeiçoamen to da teoria do valor-trabalho, elaborada pelos representan tes da escola clássica: William Petty, Adam Smith e Ricar do. Mas ela constitui ao mesmo tempo um aperfeiçoamento das teorias econômicas que o próprio Marx tinha elaborado até seu nôvo exílio inglês. N o Trabalho Assalariado e Capital, como em tôdas as obras precedentes de Marx, a distinção entre “trabalho” e “ fôrça de trabalho” não está está ainda ainda estabelecida. Por êsse êsse fato, Marx não pode dar uma análise científica da mais-valia que resulta precisamente da descoberta de um valor de uso espe es pecí cífi fico co da fôrç fô rça a d e trabalho. Ou melhor, nem a M Mis isér éria ia da Filo Fi loso sofi fia, a, nem o M a n ifes if esto to Comuni Com unista, sta, nem Trabalho Assalariado e Capital, contêm contêm ainda ainda a noção noçã o de mais-valia. mais-valia. Da mesma maneira, em tôdas essas obras, Marx não tinha ainda elucidado definitivamente o segrêdo do valor de troca das mercadorias. T endo en do sido levado à teo teoria ria do valor-trabalho valor-trabalho desde seu exílio em Bruxelas,, êle não tinha ainda aprendido a distinguir o valor de troca dos preços de produção, nem êstes dos preços de mercado. Assim, Ass im, na M Misé iséria ria da Filo Fi loso sofi fia, a, Marx não distingue o valor de troca dos preços; preço s; êstes êstes desapareceram desapareceram completa mente da análise. Em Trabalho Assalariado e Capital, o têrmo “valor de troca” desaparece, por sua vez, para dar lu gar aos preços. Mas aquilo que os economistas tinham an8 Ibid., Ibid. , págs. 269-270.
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tes tes considerado como uma contribuição contribuição inaceitáve inaceitável3 l3 é agora compreendido como uma realidade de .natureza eminentemen te dialética: “São essas oscilações (dos preços) sozinhas que, à medida que elas se produzem, determinam o preço pelos co njun unto to d o m ovime ovi mento nto dess de ssa a de custos de produção. É o conj sordem que é sua sua própria ordem.” 10 É na sua Contribuição à Crítica da Economia Política
que Marx aperfeiçoará sua teoria do valor, e ao mesmo tem po a teoria do valor-trabalho em geral, formulando sua teo ria do trabalho abstrato, criador de valor de troca.11 Êle dis tingue as duas formas de trabalho, o "trabalho concreto” que cria cria o valor de uso, e o “ trabalho abstrato” , isto' to' é, a fração fraç ão do tempo de trabalho social globalmente disponível numa so ciedade de produtores de mercadorias, separados uns dos ou tros pela divisão social do trabalho, que é produtor do valor de troca. troca . A s duas formas formas do valor valor — • valor de uso e valor de troca — se fundem fundem sôbre essas essas duas duas formas do trabalho. Marx considera essa análise da mercadoria como a finaliza ção de mais de um século e meio de evolução da Economia Política clássica.12 E, depois de ter desenvolvido sua própria análise de maneira detalhada, êle se esforça por representar a marcha histórica concreta pela qual a ciência econômica chegou a uma concepção correta da natureza do valor de tro ca, dando o que é devido a cada um dos grandes pensadores do século século X V III II I e do comêço do século século X lX , mas mas não deidei-
9 E êle próprio, próprio , nas nas Notas No tas d e leitura e nos Manuscrito Manu scritoss Econ Ec on óm icoic o-F F i losóficos de 1844. 10 “ Travail salarié salarié et capital” capita l” , pág. 81, em Oeuvres Choisies en deux volumes, vol. I, Moscou, Edições do Progresso, 1955. (Grifo nosso.) 11 Na “Introdução” “Introd ução” , Marx descreve o método dialético que lhe permi tiu descobrir a categoria do trabalho abstrato (Prefácio, págs. XXXIX XL X L I da edição ed ição de Kautsky. Dietz, Die tz, Stuttgart, Stuttgart, 19 2 0 ). Naville Navil le insiste a justo título sôbre sôb re o fato de que qu e se encontra encontr a essa categoria categ oria já em potê po tên n cia em outros autores, principalmente em Hegel e em Adam Smith ( D e VAliénation à la Jouissance, pág. 399). Marx indica êle próprio que Ben jamín jam ín Franklin havia prog pr ogre redi dido do amplamente amplam ente no caminho cami nho de descobrir desc obrir essa categoria do trabalho abstrato (Zur Kritik der politischen Oekonomie, pág. 38). Rosdolsky sublinha que, em Ricardo, o caráter espe es pecí cífi fico co do trabalho abstrato criador de valor, distinto do trabalho concreto pro dutor de valores valores de uso, uso, não está analisado analisado ( R. Rodolsky, Rodo lsky, Ein neomarxisneom arxistisches Lehrbuch der politischen Oekncmie, Kyklos, vol. XVI, 1963, fas cículo 4, pág. 642). 12 K. Marx, Marx , Zur Zu r Kritik d er politis pol itische chen n O ekon ek onom om ie, ie , pág. 33.
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xando tampouco de sublinhar as deficiências de que sofrem as análises em cada um dêles. O pequeno subcapítulo da Con tribuição à Crítica da Economia Política intitulado "Dados Históricos que Concernem à Análise da Mercadoria” se apre senta assim como um resumo de uma obra consagrada às “Teorias sôbre o Valor”, servindo de prefácio às “Teorias sôbre sôbre a M ais-Valia” ais-Va lia” . 13 As A s duas página pág inass que resumem as críticas feitas feita s em geral contra a teoria do valor valo r de Rica Ri cardo rdo114 constituem ao mesmo tempo o resumo das contribuições particulares de Marx ao desenvolvimento da teoria econômica. Êle a chama de teo ria ria do trabalho assalariado assalariado (a recíproca recíp roca da teoria teoria da maisvalia); a teoria do capital; a teoria da concorrência; e a teo ria da renda fundiária. E formula respostas resposta s convincentes a essas quatro críticas. Se o trabalho constitui a essência do valor de troca, qual é então o valor de troca do trabalho? Não é cair num círculo vicioso fazer do valor de troca a medida do valor de troca? Essa objeção se dissolve no problema seguinte: Dado o tempo de trabalho enquanto critério do valor de troca, como se pode determinar o salário?15 Como se efetua a troca entre o Capital e o Trabalho, na base objetiva de uma troca igual? Marx responde: “Se fôsse necessária uma jornada de trabalho para manter em vida um operário durante um dia, o capital não poderia existir, porque a jornada de trabalho seria trocada pelo seu próprio produto, e o capital não se poderia valorizar enquanto capital, e não poderia pois subsis tir. . . M as se somente uma uma meia jornada jornad a de trabalho tra balho é su ficiente para manter em vida um operário durante todo um dia de trabalho, então a mais-valia mais-va lia resulta dêle dêl e m esm es m o. . . ” 16 Não é a troca que cria a mais-valia, mas um processo graças ao qual o capitalista obtém sem troca, sem equivalen te, gratuitamente, o tempo de trabalho cristalizado em valor. 13 Não Nã o analisaremos analisar emos neste estudo estu do as Theorien über den Mehrwert, con sideradas como volume IV do Capital, se bem que sua redação preceda a do volume I. 14 K. Marx, Mar x, Zur Zu r Kritik der politi po litisch schen en O ekon ek onom om ie, págs. 44-46. 15 Ibid., Ibi d., págs. 44-45. 16 K. Marx, Grundrisse der Kritik der Politischen Oekonomie, pág. 230. Redigimos êsse estudo antes que aparecesse nas ed. Antrophos, Paris, a tradução francesa dêsse livro. As passagens citadas aqui foram pois tra duzidas por nós mesmos (E. M.).
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E êsse processo não é nada além do gozo pelo capitalista do valor de uso da fõrça de trabalho, que tem a qualidade de poder produzir valor bem além do equivalente de seu pró prio valor de troca, de seus próprios gastos de manutenção, uma vez dado o nivel determinado de produtividade do tra balho, sem o qual o modo de produção capitalista seria in concebível . É pois essa distinção sutil entre o valor de troca e o va lor de uso da fôrça de trabalho que aparece como o funda mento da teoria marxista da mais-valia, a contribuição prin cipal que Marx Ma rx fêz ao desenvolvimento desenvolvim ento da ciencia ciencia eco econó nó mica.17 "Valor de uso para o capital, o trabalho não é senão valor de troca para para o operá operário, rio, (ún ico) ico ) valor de troca troca dispo nível. níve l. . . O valor de uso de uma coisa não nã o concerne concern e a seu vendedor enquanto tal, mas não concerne senão a seu com prador. A qualidade do salitre de poder ser usado para fa bricar a pólvora não determina o preço do salitre; êsse preço depende dos custos de produção do próprio salitre, da quan tidade tidad e de trabalho que está está cristalizada cristalizada nêle. N a circulação, circulação, na qual os valores de uso entram enquanto preço, seu valor de troca não resulta dessa circulação, se bem que êle se rea lize nela; êle já é predeterminado e não faz senão se reali zar na troca com o dinheiro. Da mesma maneira o trabalho18 que o operário vende ao capitalista enquanto valor de uso. O próprio Marx considerou considero u que sua análise análise da mais-valia em geral, além de suas formas específicas de lucro, de juro, de renda fundiária etc., constitui o seu principal mérito (carta a Engels de 24 de agòsto de 1867, em Brief Br iefwe wechs chsel el zwis zw isch chen en Fr. Enge En gels ls un und d K. Marx, vol. III, pág. 395). 18 Essa passagem passagem parece pare ce dar razão a Pierre Naville, que afirmou que, que , nos Grundrisse, Marx não distingue ainda “trabalho” e “fôrça de traba lho” ( D e VAliênation à la Jouissanc Jouissance, e, pág. 432). Na realidade, se se encontram nos Grundrisse — da mesma forma aliás que em Theorien über den Mehrwert — algumas passagens onde essa distinção não é efe tivamente feita, há um grande número de passagens onde Marx distin gue muito bem trabalho e “capacidade de trabalho’’ (Arbeitsvermögen ), o que é sinônim sinônimoo de “ fôrça de trabalho” . Ver principalmente principalmente nos Grun drisse, págs. 200 e segs., 491, 497, 502-503, 565-6 etc. A passagem da pág. 566 é particularmente típica. Êle fala da “capacidade de traba lho”, do valor de uso dessa “capacidade de trabalho” que permite pre cisamente a valorização do capital: “Pelo fato de que o capital trocou a capacidade de trabalho na base da equivalência, êle trocou (obteve) .. . tempo de trabalho sem equivalente.” 17
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Êle é para o operario um valor de troca que êle deseja reali zar, mas que já está prede pre deter termi mina nado do antes do ato de troca. . . O valor de troca do trabalho. trabalh o. . . é pois também também predetermi nado. na do. . . Êle não depende do valor de uso do trabalho. Para Para o operário, êle não tem valor de uso senão na medida em que constitui um valor de troca, e não na medida em que produ pro duzz valores de troca. troc a. Mas, Ma s, para o capita capital, l, êle não tem valor de troca senão na medida em que tem tem valor de uso. u so. . . Que Qu e o operário não possa enriqueecr nessa troca, na medida em que êle. . . aliena aliena sua capacidade capacid ade de trabalho enquanto fôrça criadora, isso i sso é evidente. evide nte. . . Ê le aliena o trabalho traba lho enquanto fôrça capaz de produzir a riqueza; e é o capital que se apro pria dessa dessa fôrça. A separação separação do trabalh trabalhoo e da propriedade do produto do trabalho, do trabalho e da riqueza, já está pois colocada no próprio ato de troca.”19 Se o valor de troca de um produto é igual ao trabalho que êle contém, medido pelo tempo de trabalho, como o va lor de troca numa jornada de trabalho pode ser diferente do produto dessa jornada de trabalho, como o produto de uma jorn jo rnad adaa de trabalho traba lho p ode od e ser superior super ior a o salário salá rio ganh ga nhoo pelo operário por essa essa jornada de trabalho? trabalho? Essa objeção, objeçã o, diz diz Marx, Ma rx, se dissolve no problema problema seguinte: seguinte: “ C om o a produção, baseada no valor de troca determinado pelo tempo de traba lho puro, pode conduzir ao resultado em que o valor de tro ca da fôrça de trabalho é mais reduzido que o valor de troca dos produtos dessa fôrça de trabalho?” A difi di ficu culd ldad adee é resolv res olvida ida pela análise d o capital que obtém a mais-valia. Isto é, ela se reduz, ela também, ao pro blema da determinação do valor da fôrça de trabalho numa sociedade onde essa fôrça de trabalho tornou-se uma merca doria, pela criação de uma classe social separada de seus meios de trabalho, o que pressupõe a concentra conce ntração ção desses desses mesmos meios de produção como propriedade privada de ou tra classe social. É essa justaposição de duas classes sociais, uma obriga da a vender a sua fôrça de trabalho a outra, que transforma a fôrça fôr ça d e trabalho trabalho em mercadori mercadoria a e os meios d e produção em capital. E essa transformação basta para explicar ao mes
mo tempo o valor de troca dessa fôrça de trabalho e a dife19 K. Marx, Marx , Grundrisse, págs. 213-4.
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rença necessária entre o valor produzido pela fôrça de tra balho e seu valor próprio, diferença que constitui a mais-valia. Sem a existência existência dessa diferença, o proprietário do d o ca pital não teria interêsse em comprar a fôrça de trabalho, e esta não teria a possibilidade de ser vendida. Teoricamente, o problema se refere pois à distinção do valor de troca da fôrça de trabalho (o salário, o valor de tôdas as mercadorias necessárias para a reconstituição da fôr ça de trabalho) e de seu valor de uso (que é precisamente de fornecer para seu comprador trabalho gratuito além do ponto em que êle produziu o equivalente do seu próprio valor de troca, de seus próprios gastos de manutenção). H His isto tori rieeamente, o problema se refere à análise da formação do prole tariado moderno, da criação de um exército de reserva indus trial, da separação dos artesãos e dos camponeses de seus meios de trabalho, da transformação de todo solo em proprie dade privada ( supressão das das comunas et c . ), isto é, é, da cria ção de uma classe social obrigada por seu estado de despo jamento jam ento e sua insegu ins eguran rança ça de existênc exis tência ia a aceitar a venda ven da de sua fôrça de trabalho “ao preço de mercado”, determinado pela lei lei do va lor lo r .20 .20 Para que o dinheiro se torne capital e o trabalho se tor ne trabalho assalariado, trabalho produzindo capital, é ne cessário: cessário : “ 1) de um lado, a existência existência da capacidade do tra balho vivo. como existência puramente subjetiva, separada dos momentos de sua realidade objetiva; isto é, separada tanto das condições do trabalho vivo quanto dos meios de existên meios de vida (do s víveres víve res), ), dos d os meios meios de subsi subsistê stên n cia, dos meios cia da capacidade de trabalho v iv o . . .; 2) o valor ou o tra balho cristalizado, por outro lado, deve consistir em uma 20 No “ Prefácio” aos Grundrisse — que tinha sido publicado em 1903 ei t por Kautslcy — Marx precisa que a noção de “traba em D ie N eu e Z eit lho abstrato” não pode ser desenvolvida senão a partir do momento em que a indústria moderna se tivesse desenvolvido ao ponto em que a mãode-obra “dos operários de fábrica“ pudesse de fato ser transferida fa cilmente de um ramo industrial para outro: “A indiferença com res peito à forma determinada do trabalho corresponde a uma forma de so ciedade na qual os indivíduos podem fàcilmente passar de um trabalho ao outro e na qual uma forma determinada de trabalho lhes é acidental e então indiferente. indiferente . . . Semelhante situação é a mais avançada na forma de existência mais moderna das sociedades burguesas — nos Estados Unidos” (pág. 25).
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acumulação de valores de uso suficiente, para criar as condi ções materiais não somente da produção de produtos ou de valqres necessários para a reprodução ou a manutenção da capacidade de trabalho vivo, mas ainda para absorver o supertrabalho. pertrab alho. . .; 3 ) uma uma relação relaç ão de troca livre — a circula circula ção çã o monetária monetária — entre entre as as duas partes; partes; relações rela ções entre os os dois extremos fundadas sôbre valores de troca e não sõbre rela ções de dominação e de servidão; isto é, uma produção que não fornece imediatamente víveres aos produtores, mas que deve passar pelo pe lo intermediário intermediário da tro troca. ca. . . Enquanto Enq uanto os dois dois lados não trocam mutuamente seu trabalho senão enquanto trabalho cristalizado, sua relação é impossível; ela o é igual mente se a capacidade do trabalho vivo aparece como a pro priedade priedade do outro outro l a d o .. . ” 21 É essa análise do caráter historicamente determinado da mais-valia, mais-valia, do capital e do trabalho trabalh o assalariado — separado de tôdas as formas anteriores de exploração de classe -— que dá aliás aos Grundrisse sua significação no processo de ela boração da teoria econômica marxista. Mas se o valor de troca das mercadorias é determinado pelo trabalho que elas contêm, como conciliar essa definição com o fato empiricamente constatado de que os preços de mercado dessas mesmas mercadorias são determinados pela "lei da oferta e da procura” ? Essa objeção, diz Marx, Ma rx, ve vem m a ser a seguinte: como os preços de mercado diferentes dos valo va lo res de troca das mercadorias podem formar-se, ou, melhor ainda, como a lei do valor não pode realizar-se na prática senão através de sua própria negação?
,Êsse problema é resolvido pela teoria da concorrência dos capitais, que Marx desenvolve a fundo desde a redação dos Grundrisse, elaborando a teoria da distribuição eqüitativa da taxa de lucro, e da formação dos preços de produção, na base da da concorrência entre os capitais. A famosa “ contra diçã di ção” o” , que tantos críticos críticos acredit acreditaram aram poder po der descobrir d escobrir entre entre o volume I e o volume III do Capital, não é senão um eco vulgar dessa objeção velha à teoria ricardiana que opõe os preços de mercado ao valor de de tro tr o ca .22 .22 A publicação dos 21 K. Marx, Mar x, Grundrisse der Kritik der politischen Oékonomie, págs. 367-8. 22 Uma das mais célebres célebre s dessas dessas críticas concernentes concern entes à “ contradi cont radição” ção” entre o volume I e o volume III do Capital é a que Eugen von Bõhm-
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Grundrlsse lhes tirou a última suspeita de validade, visto que
ela demonstra que Marx já havia elaborado a "solução” do volume III, III, antes antes mesmo de redigir redigir o volume I do Capi ta l ... 23 Resta finalmente a quarta e última objeção funda mental à teoria ricardiana, que o próprio Marx chama "a ob jeçã je çãoo aparentemente aparentemen te a mais toc tocan ante” te” : se o valor va lor de tro troca ca não é senão o tempo de trabalho contido nas mercadorias, como mercadorias que não contêm tempo de trabalho podem no en tanto ter um valor de troca? Ou mais simplesmente: de onde provém o valor de troca das simples fôrças da natureza?24 A resposta a essa objeção é fornecida pela teoria da renda fun diária . Seja dito de passagem, para Marx a solução do proble ma da distribuição eqüitativa da taxa de lucro e a solução do problema da renda fundiária25 são simultâneas e pràticamente idênticas, como êle indica na sua carta a Engels de 18 de junho de 1 86 2.2 2. 26 Bawerk formulou em Z um Abschluss des Marxschen Systems desde 1896 (E . v. Bõhm-B Bõhm-Bawe awerk rk:: Karl Marx and the th e Clos Cl osee of his System, System , págs. 30 e seg. seg.,, Augu Augustu stuss M . Kelly E d ., Nova York, York, 1 94 9) . Ela foi desde entã entãoo repetida inúmeras vêzes, principalmente por Pareto, no volume II de Systèmes socialistes (págs. 354-5, 354-5, 358-9) (W . Pare Pareto to,, Les Le s Systèmes Systè mes socialistes, Mareei Giard Editeur, Paris, 1926). 23 Na sua carta a Lassalle Lassall e de 11 de março mar ço de d e 1858, Marx M arx havia subli sub li nhado a contradição entre a teoria do valor de Ricardo e sua teoria do lucro (K. Marx-Fr. Engels, Bri B rief efee üb er das Kapital, pág. 87). A teoria marxista da distribuição eqüitativa da taxa de lucro permite evitar uma contradição análoga. 24 K. Marx, Marx , Zur Zu r Kritik der de r politis pol itisch chen en O ekon ek onom om ie, ie , pág. 46. 25 Marx elaborou elabor ou sua sua teoria da renda fundiária sob forma form a de uma crí tica das teorias de Rodbertus e de Ricardo. Êle descobre que, contràriamente ao que pensava Ricardo, não há somente uma renda diferencial (superlucro obtido por capitais investidos nos terrenos mais férteis do que aqueles que trazem o lucro médio), mas ainda uma renda absoluta, que provém do fato de que a composição orgânica do capital investido na agricultura é mais baixa que aquela do capital investido na indústria; que o capital investido na agricultura obtém pois uma mais-valia que não participa da distribuição eqüitativa da taxa de lucro, porque a pro priedade fundiária impede a livre entrada dos capitais neste setor, e que todos os capitais investidos na agricultura trazem assim um superlucro (em relação ao lucro médio obtido nos outros ramos da economia), su perlucro de que se apropriam os proprietários fundiários. 26 Brie B riefw fwec echs hsel el zwis zw isch chen en Friedri Frie drich ch En gels ge ls und Karl Marx, vol. III, págs. 77-82.
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Mas apenas o manuscrito da Contribuição à Crítica da Econ Ec onom omia ia Polít Po lítica ica era enviado ao editor e uma tarefa urgen te desviou Marx da redação “nítida” de tôdas as descober tas econômicas que êle acabava de fazer no curso do ano de 1858. Tratav Tra tava-se a-se da necessidade de responder às calúni calúnias as que Karl Vogt tinha espalhado contra êle no seu panfleto M ein ei n P roze ro zess ss g sgcn sg cn d ie A llg ll g em ein ei n e Z eitu ei tun n g . Uma destas, acusando Marx de se proporcionar fundos escrevendo “cen tenas de cartas de chantagem” a personalidades alemãs que êle teria tentado prèviamente implicar em atividades revolu cionárias, provocou tal eco nos meios da burguesia liberal alemã que a resposta se tornou indispensável.27 Marx redi H\ \err V o g t , que o ocupou durante giu pois sua brochura H todo tod o o ano de 1860. Havia ainda escrito escrito a 3 de fevereir fevereiroo de 1860 a Engels que prosseguia seus trabalhos para o Capital e que esperava (ainda uma vez!) acabá-los “em seis sema nas” na s” ,28 ,28 em seguida segu ida não nã o se encontra enco ntra mais alusão alu são a êsses tra balhos econômicos na sua correspondência com seu melhor amigo antes da carta já citada de 18 de junho de 1862. Ante An tess de passar passa r a uma análise mais apro ap rofu fund ndad adaa dessa obra decisiva para a elaboração da teoria econômica marxista que é os Grundrisse, devemos no entanto sublinhar uma últi ma descoberta fundamental de Marx do período que vai do outono de 1857 ao comêço de 1859: o aperfeiçoamento da teoria da moeda, graças a uma crítica sistemática da teoria da moeda de Ricardo. Ela está amplamente contida no se gundo capítulo, o mais longo, da Contribuição à Crítica da Econ E conom omia ia Polític Pol ítica. a.
O aperfeiçoamento da teoria monetária por Marx não é senão uma uma aplicação aplic ação lógica ló gica da teoria do valor-trabalho valor-tra balho à moeda mo eda.. Se o valor de troca de tôdas as mercadorias não apresenta senão quantidades de trabalho socialmente neces sárias, mensuráveis pelo tempo de trabalho, então é evidente que a moeda fundada nos metais preciosos não é puro inter mediário, simples meio de circulação, como Ricardo pensava fundame fund amentalm ntalmente.2 ente.299 Porque Porq ue o próprio pr óprio ouro é uma mercamerca27 F r. Mehring, Mehrin g, Karl Marx, Geschichte seines Lebens, págs. 294-5. 28 Bri B riefw efw echs ec hsel el zwisc zw ische hen n Friedric Frie drich h Engel En gelss und Karl Marx , vol. II, pág. 377. 29 K. Marx, Mar x, Theorien über den Mehrwert, vol. II, pág. 500.
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doria e possui então seu próprio valor de troca, que é deter minado pelas cond c ondiçõe içõess materiai materiaiss de sua própria prod ução.3 uçã o.300 Segue-se disso que a teoria quantitativa da moeda de senvolvida por Montesquieu e Hume, e retomada por Ricar do,31 que faz depender a alta e a baixa dos preços de um aumento ou de uma redução da massa monetária em circu lação, não pode ser válida quando se trata de moedas fun dadas em metais preciosos. Essa moeda tendo um valor in trínseco não pode absolutamente modificar poir seus próprios movimentos as flutuações dos preços das outras mercadorias. Essas flutuações devem ser consideradas como os movimen tos primários, a alta ou a baixa da quantidade de moeda em circulação como o movimento derivado: “Os preços não são pois altos ou baixos porque há mais ou menos moeda em circulação: mas há ao contrário mais ou menos moeda em circulação porque porqu e os preços preço s são a.lto .ltoss ou baixos” baix os” . 32 Uma baixa geral dos preços provoca um refluxo da massa monetá ria para o entesouramento, a estocagem etc.; uma alta geral dos preços traz as massas suplementares de metais preciosos para a circulação. É sobretudo o estudo de um grande trabalho' de Tooke sôbre a história dos preços que fornece a Marx os materiais com vista v ista a uma crítica da teoria ricardiana da moed mo eda. a. Eis por que Marx considera que a descoberta dessa lei da deter minação da massa monetária em circulação pelas flutuações dos preços constitui “talvez o único mérito” da escola pós-ricardiana da Econom Eco nomia ia Polític P olítica.3 a.333 Mas Marx distingue claramente as leis que governam a circulação da moeda metálica daquelas que governam a cir culação do papel-moeda, que êle chama os “signos monetá rios” . "Enquanto "Enqu anto a quantidade do ou ro em circulação de pende dos preços das mercadorias, o valor dos bilhetes de pa pel em circulação depende ao contrário de sua própria quan tidade.’’34 Aqui ainda, permanecemos no terreno de uma apli cação lógica da teor teoria ia do valor-trabalho. O papel-moeda, a 30 K. Marx, Marx , Zur Kritik der politisch poli tischen en O ekon ek onom om ie, pág. 50. 31 O próprio próp rio Marx se apóia ainda nessa nessa mesma teoria na Miséria da Filosofi Filo sofia a, págs. 66-69. 82 K . Marx, Zur Kritik der politisc pol itischen hen Oeko Oe kono nom m ie, pág. 97. 33 Ibid., Ibid ., pág. 97.
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nota de banco, não é senão um intermediário, “signo de subs tituição” de uma uma massa de ouro que tem tem seu seu valor va lor própr pró prio. io. E se êsse valor se reparte em dez vêzes mais notas, é eviden te que cada nota não representará senão um décimo da quan tidade de ouro representada nominalmente, e que conseqüen temente os preços expressos nesse papel-moeda aumentarão, êles também, dez vêzes, para conservar a equivalência com uma quantidade de ouro determinada. Mas, numa economia monetária generalizada, a moeda não é somente meio de circulação geral para tôdas as merca dorias; ela é ainda meio de pagamento geral. Quanto mais se desenvolve o modo de produção capitalista, tanto mais au menta o crédito, e tanto mais a função da moeda enquanto meio de pagamento se amplia às custas de sua função en quanto meio de circulação.35 Marx sublinha que a moeda es criturai se desenvolve precisamente partindo dessa função de meio de pagamento da moeda, e êle deduz daí uma lei geral do volume monetário necessário para efetuar ao mesmo tempo as duas funções de meio de circulação e de meio de pagamen to tendo em conta a rapidez de circulação da moeda nessas duas funções. Essa análise dos papéis da moeda se fecha por um estudo do. papel dos metais preciosos enquanto meios de pagamento internacionais. É interessante examinar algumas das objeções que foram formuladas no curso dos últimos decênios por respeito à teo ria do valor-trabalho aperfeiçoada por Marx.36 Trataremos a êsse propósito das das considerações considerações d o Professor Frank Frank H . Knight, de Schumpeter, de Oskar Lange e de Joan Robinson. Segund Seg undoo o Profe Pr ofess ssor or Frank H . Knight,37 Knight,37 uma teoria do valor-trabalho, não se justificaria senão com a condição de que o trabalho fôsse um “fator de produção" rígido e nãotransfer transferível ível.. Mas M as a mobilidade do "trabalh " trabalho” o” , associada à mo bilidade dos “outros agentes de produção”, chega a uma si tuação na qual diversas combinações dêsses “agentes” são possíveis, o que leva à determinação do seu valor por sua “ produtivida produtividade de marginal” marginal” . 35 Ibid., Ibi d., pág. 144. 36 Examinamos as as críticas tradicionais com respeito à teoria do valortrabalho no Trnité d’Economie Marxiste, vol. II, págs. 404-411. 37 Frank H. Knight, “Valu “V alue” e” , em En cyclo cy clope pedi dia a o f Social Scien Sc iences ces,, vol. XV, XV , págs. págs . 218-9 218 -9,, Nova No va York, 1935.
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Somente Som ente eis que: o valor das máquinas — digamos seu custo de produç pro dução ão — é perfeitament perfeitamentee conheci con hecido.3 do.388 Êle Êl e é abso lutamente independente do número ou do valor das merca dorias que essas máquinas podem produzir. Nenhum indus trial compra uma peça de equipamento calculando o “exce dente de valor” que esta peça lhe traz. O que êle calcula são as economias que ela lhe permite efetuar nos gastos de pro dução (ou, se se quer, quer, no seu seu preço de custo unitário). unitár io). E, se se interrogarem os industriais, êles dirão espontáneamente, nove em dez, que são as “economias de trabalho” que os in teressam (nos Estados Unidos, aliás por muito tempo, desig naram-se as máquinas com o nome de "labor saving devices”, “ dispositivos dispositivos para para economizar economizar trabalho” trabalho” ) . Cada industrial sabe igualmente que as máquinas que permanecem na sua fábrica sem rodar não produzem nenhu ma parcela de valor; valor ; para que elas sirvam sirvam a semelhante semelhante pro dução é preciso que sejam colocadas em movimento pelo tra balho vivo.39 É êle, e somente êle, que incorpora à mer.cadoria um valor nôvo; quanto ao valor das máquinas e outros "agentes”, êle é simplesmente conservado pelo trabalho vivo, que aí transfere o contravalor (em todo ou em parte) nas mercadorias que produz. Isso, também, os industriais e os es tatísticos não ignoram, visto que falam de um “valor acrescen tado” que se reparte entre os capitalistas e os trabalhado res, res, e que se acrescenta acrescenta ao “ valor conserv cons ervad ado” o” ( matéria-primatéria-primas mas e máquinas) . É preciso prec iso pois analisar analisar o segrêd s egrêdoo dêsse dês se “valor acrescentado” no trabalho. E Marx o descobriu ao formular sua lei da mais-valia. O argumento de Schumpeter contra a teoria de valor-trabalho, e em favor da teoria cha38 Para Para simplificar o raciocínio, raciocínio , deixamos deixamos de lado o “fator “ fator terra” terra” . Mas podemos reintegrá-la facilmente na argumentação sem modificá-la. 39 Com Co m o explicar então que as as “ fábricas que qu e s e movimentam sozinhas” tenham um lucro que deve vir da mais-valia? Tanto quanto essas fá bricas são a exceção e não a regra, elas têm um lucro sem que se pro duza a mais-valia entre suas paredes, isto é, elas se apropriam simples mente de uma parte da mais-valia produzida pelos trabalhadores das outras emprêsas através do jôgo da concorrência dos capitais. A partir do momento em que o fenômeno da automação integral se generaliza em tôdas as emprêsas, os lucros e a mais-valia devem necessàriamente perecer; de fato, não há mais lugar para uma “economia de mercado” em condições de abundância manifesta criada pela automação genera lizada.
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mada “ dos fatores de produção” produ ção” , é da me mesm smaa ordem. ordem. Êle cen sura aos partidários da teoria do valor-trabalho se inspira rem em em “ doutrinas políticas e filosofias éticas” que não têm têm relação com a realidade econômica enquanto tal. “Em outras palavras, êles não vêem que tudo o que importa a êsse res peito é o simples fato de que para produzir uma firma não tem somente necessidade de trabalho, mas também de tôdas as coisas que estão incluídas na terra e no capital; ¡eis tudo o que implica implica o estabelecimento dos três fatores (d e produ ç ã o )” .40 .40 Na verdade, se se quer colocar a êste nível de lugarescomuns seria necessário acrescentar que, para produzir, uma “ firma” não tem somente somente necessid nec essidade ade de d e trabalho, trabalho, de terr terra, a, de edifícios, de máquinas, de matérias-primas e de dinheiro, mas ainda de uma sociedade organizada, de uma proteção da polícia, de um sistema estatal que comporte vias de comuni cação, uma infra-estrutura etc., e muitas coisas mais. Por que arbitrariamente isolar “três fatores de produção” entre êstes? Por que não fala falarr dos cinco “ fatores fatores de produção” prod ução” : o trab trabaa lho, a terra, as máquinas, as reservas de dinheiro líquido, e a organização do Estado, e descobrir desde logo cinco "rendas” dêsses “ fatores fato res”” : os salários, salários, a renda fundiária, fundiária, o lucro, lucro, o beneficio e o impôsto? A isto, o s capitalistas capital istas e seus ideó id eólo logo goss opõe op õem m uma forte objeção: não há “contribuição real” do Estado ou da socie dade organizada para o valor nôvo criado no seio da emprêsa; trata-se simplesmente simplesmente de “ economias externas” extern as” , de um um quadro geral indispensável. Mas a partir dêsse momento se justifica igualmente a questão de saber se “a terra” ou “as máquinas” (sem falar do “ dinheiro líquido” líqui do” ) fazem, elas mesmas mesmas,, um uma “contribuição real” para a criação do valor nôvo no seio da emprêsa. Porque se reconhece desde logo implicitamente que tudo o que é “fatores indispensáveis à produção” não é por essa essa razão “ fonte de valor nô vo ” . E somos assim assim levados ao His toryy o f Econ Ec onom om ic Analysis, Nova York, Ox 40 Joseph Schumpeter, Schumpete r, Histor ford University Press, 1954, págs. 558-9.
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problema da origem última do “valor acrescentado” na pro dução, que não pode provir senão do trabalho vivo.41 Mais séria e mais sofisticada é a objeção contra a teoria do valor-trabalho feita por Oskar Lange num escrito de ju ventude.42 A argumentação de Lange poderia ser resumida da seguinte maneira: se bem bem que a teoria marxista tenha sido capaz de predizer corretamente as leis de desenvolvimento do capitalismo, ela não pode fornecer uma teoria adequada dos preços (sobretudo dos preços de monopólios), nem uma teo ria adequada de emprego máximo dos recursos numa socie dade socialista, nem sobretudo uma teoria das crises, porque se trata no fundo de uma “teoria estática de equilíbrio eco nômico generalizado” generalizad o” . 43 Por outro lado, a teori teoriaa do valorva lortrabalho seria incapaz de explicar a natureza dos salários e a sobrevivência do lucro; estas seriam determinadas pelo pro gresso técnico inerente ao regime capitalista. Mas êsse ele mento “ dinâmico” dinâm ico” não resultar resultaria ia de tal tal manei maneira ra da lógica in terna da teoria do valor-trabalho senão do quadro institucio nal do capitalismo revelado por Marx. E seria a análise dêsse quadro institucional, antes que a teoria do valor-trabalho, que seria a fonte da superioridade analítica do marxismo quanto à descoberta das leis de desenvolvimento do capitalismo. Pa rece-nos que Lange comete um êrro desde o seu ponto de partida. É impossível considerar a teoria do valor-trabalho como uma “teoria estática do equilíbrio econômico generali zad za d o” .44 A teoria do valor-trab valor -trabalho alho corrigida corrigid a e aperfeiçoada aperfeiçoa da por Marx está indissolúvelmente ligada à teoria da mais-valia. 41 É significativo que quando quand o os economistas querem medir o verda verd a deiro progresso econômico são obrigados a voltar ao progresso da pro pr o dutividade do trabalho vivo (cf. Jean Fourastié: Le L e Grand Espoi Es poirr du XX X X Siècle, Sièc le, Paris, 1952, PUF, págs. 7-31) e não a qualquer “produtivi dade do capital” ou “produtividade da terra”, que são incapazes de cal cular coeficientes de aumento como índices do progresso econômico. 42 Oskar Oskar Lange, “ Marxian Marxian Econom Eco nomics ics and Modern Mod ern Econom Econ omic ic Theory” The ory” , em The Review of Economic Studies, junho de 1935, págs. 189-201. 43 Ibid., Ibid ., pág. 194. 44 Uma das das razões razões que levam leva m a êsse gênero de d e mal-entendido mal-enten dido é a in compreensão dos esquemas de reprodução contidos no volume II do Capital. Êsses esquemas não tendem de maneira alguma a explicar “o equilibrio estático’’ do modo de produção capitalista. Êles tentam ao contrário explicar como êsse modo de produção pode subsistir apesar da interrupção constante do equilíbrio e da interrupção periódica da repro dução ampliada.
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As A s duas teorias tom tomada adass com co m o um todo to do,, long lo ngee de constituir uma uma ‘‘teoria ‘ ‘teoria estática” estática” , formam formam por definição de finição uma “teor “ teoria ia di nâmica” nâmic a” . Elas representam representam com efeit e feitoo uma uma síntese de dois contrários, uma concepção da troca igual ligada a uma con cepção da troca desigual. É antes de tudo a troca entre o Trabalho e o Capital que tem esta dupla qualidade. Desde então, o "modêlo marxista” é por natureza dinâ mico, visto que chega à conclusão de que a produção de valor nôvo, o aumento de valor, a expansão econômica, o crescimen to econômico são inerentes ao modo de produção capitalista. O mesmo modêlo marxista não é uma “teoria de equilíbrio ge neraliz ner alizado ado”” , mas ainda uma vez uma síntese síntese de dois contrá rios, a demonstração do fato de que o equilíbrio permanente; (e evidente) da vida econômica econôm ica capital capitalista ista se funda funda sôbre um equilíbrio mais profundo, equilíbrio que produz por sua vez desequilíbrios desequilíbrios necessários e inevitá inevitáveis veis (crises periódicas, queda tendenciosa da taxa média de lucro, concentração ca pitalista, pitalista, acentuação acentu ação da luta luta de classe cla sses) s) que terminam terminam por solapar o sistema. A idéia de Lang La ngee segu se gund ndoo a qual o elemento elem ento dinâmico dinâmic o (a evolução econômica) resultaria do quadro institucional antes que da lógica interna da teoria do valor-trabalho é da mesma forma fundada num êrro. Segundo Lange, o “progres so técnico” seria indispensável para compreender por que “os salários não ameaçam fazer desaparecer os lucros dos empre sários” sári os” ;45 ;45 o lucro lucr o capitalista não poderia pod eria subsistir subsistir senão no quadro dêsse progresso técnico. Lange esquece que mesmo po dem m fazer desapare sem progresso técnico os salários ,não pode cer os lucros porque os capitalistas cessam de contratar a mão-de-obra muito antes que êsse ponto seja atingido. Êles preferem nesse caso fechar suas fábricas e recriar de um mes mo golpe um exército de reserva industrial ■—■ mesmo sem "progress "prog ressoo técnico” técnic o” . É de fato o que acontece em todos os recessos neocapitalistas mais ou menos “pré-fabricados”. Os capitalistas podem esperar, enquanto os trabalhadores não podem porque não possuem nem meios de produção nem meios de subsistência. Por outro lado, não é somente a concorrência entre o Capital e o Trabalho, mas também a concorrência entre os 45 Ibid., Ibi d., págs. 198-9.
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capitalistas, que explica o progresso técnico segundo o mo delo marxista. Os dois são função da dupla necessidade de acumular capital e de realizar mais-valia em condições eco nômicas onde a quantidade de trabalho socialmente necessá ria para produzir uma mercadoria se revela somente a po p o s teriori e é a priori prior i desco de sconh nheci ecida da.. São Sã o essas essas duas duas razões razões — que se referem à natureza fundamental do modo de produ ção capitalista, isto é, de um sistema de economia mercantil generalizada — que são a raiz raiz últi última ma do elemento "dinâmico "dinâ mico”” na teoria econômica marxista. Elas derivam, tôdas as duas, da natureza mesma da teoria do valor-trabalho. Mencionemos finalmente a crítica da teoria do valor-tra balho que a Sr.- Joan Robinson formulou logo depois da Se gunda Guerra Mundial.46 Segundo ela, Marx se enganou procurando um “valor intrínseco” das mercadorias que seria "análogo ao pêso ou à côr” dessas mercadorias, como em Ricardo. Da mesma forma que Adam Smith, êle teria pro curado uma “medida introcável” dêsse valor, que teria des coberto do trabalho. A teoria do valor-trabalho erigida sôbre êsses fundamentos teóricos seria inútil, e Marx teria podido explicar numa linguagem muito menos complicada tôdas as leis de desenvolvimento que descobriu sem apelar para a teoria do valor-trabalho. Assim Ass im com co m o Roman Rom an Rosd Ro sdol olsk skyy desenv des envolv olveu eu de maneira maneira excelente com detalhes,47 êsses argumentos refletem uma in compreensão surpreendente das concepções de Marx, no en tanto claramente enunciadas por êste. Marx contestou expli citamente que o valor de troca das mercadorias seja uma "qualidade intrínseca” das mercadorias ,no sentido físic fí sicoo do têrmo; têrmo; êle ao contrário precisou precisou que a “ qualidade” qualidad e” com comum um que torna as mercadorias comensuráveis não é de natureza física, física, mas mas de natureza natureza social. socia l. Aquilo Aq uilo que a Sr. Sr.** Robinson não aprendeu é a diferença entre o trabalho concreto, cria dor de valores de uso e das qualidades físicas dos produtos, e o trabalho abstrato, criador do valor de troca. Da mesma forma Marx jamais teve a intenção de descobrir uma “meEss ay on Marxian Econ Ec onom omics ics,, 1949, Londres, 46 Joan Robinson, Robin son, An Essay MacMillan; Joan Robinson, “The Labour Theory of Value: A Discussion”, em Science and Society, 1954. 47 Roman Rosdolsky, “Joan Robinsons Marx-Kritik” Marx-Kritik”,, em Arheit Arh eit und Wirtschaft, 1958, págs. 178 e seg.
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dida introcável do valor", Êle ao contrário demonstrou que a medida do valor de troca deve ser mercadoria, isto é, deve ser trocável. É justamente porque o valor de troca pressupõe uma qualidade comum entre tôdas as mercadorias —•o fato de que elas sejam tôdas produtos do trabalho abstrato, de uma fração do potencial de trabalho global de que dispõe a sociedade socieda de — que ela ela é ao mesmo tempo social e trocável trocável,, e não física e imutável. O que todos êsses críticos têm em comum é de fato sua incapacidade de apreender o nível de abstração ao qual Marx se elevou para descobrir os problemas sócio-econômicos sub jacent jace ntes es ao d o valo va lorr d e tro troca. ca. A questã que stãoo à qual êle procura procu ra responder é a seguinte: Sendo dado o fato de que o modo de produçã prod uçãoo capitalista capitalista opera através através das leis “ naturais” , “ au tomáticas” tomá ticas” , indepen inde penden dentes tes da vo vonta ntade de dos, dos, homens48 homens48 com comoo acontece que milhares de operações de troca, em tudo cegas, não produzam constantemente crises e paradas de atividade econômica, mas se desenrolem ao contrário no quadro de uma continuidade necessariamente interrompida periodicamente pela descontinuidade? Que fôrça assegura essa continuidade? Que fôrça distribui a mão-de-obra e os capitais entre os diferen tes ramos industriais? Afi A firm rmaa ndo nd o que qu e o valor va lor de tro troca ca é consti con stitu tuído ído por po r tra balho humano abstrato, Marx não “escolheu uma teoria” para tentar tentar “ demonstrar a explora exp loração ção dos d os operários pejo p ejo capital” .48 Êle ofereceu uma resposta a esta questão. Formulando as objeções dêles à sua teoria, seus críticos não1somente deixa ram de opor uma resposta coerente a sua. Êles em geral nem mesmo apreenderam a questão. . . Roman Rosdolsky49 se opõe pois justamente à afirmação da Sr.* Joan Robinson, segundo a qual a teoria do valor-trabalho criada por Marx se aplicaria plena e inteiramente so mente. . . na socied s ociedad adee capitalista. capitalista. Qua Q uand ndoo o trabalho trab alho indi vidual é reconhecido com comoo o trabalho social social — e é bem bem uma uma das características fundamentais de uma sociedade socialis ta! — fazer a volta para “ redescobrir” a qualidade social social dêsse trabalho é evidentemente absurdo. Eis por que não há lugar para a produção mercantil, e a fortlori para o “valor 48 Como Co mo Lange afirma erroneamente, op. cit., pág. 195. 49 Roman Rosdolsky, Rosdols ky, Joan Robins Ro binsons ons Marx-Kritik, Marx -Kritik, págs. 182-3.
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mercantil” ou para a “lei do valor” numa sociedade socia lista. É surpreendente que um autor como Maurice Godelier, que conhece bem as obras de Marx e se esforçou por apro fundar o estudo do m éto étodo do e da doutrina marxistas, marxistas, tenha p o dido did o escrever nesta nestass condiç con dições ões:: “ Se o sistema sistema capita capitalist listaa re pousa sôbre uma estrutura particular da apropriação do superproduto, pode-se construir idealmente, por uma hipótese diferente sôbre a estrutura da apropriação, o funcionamento de uma economia socialista. Chegamos a um modêlo diferen te, mas que repousa igualmente sôbre a teoria do valor. A teoria do valor permite pois a constituição de um modêlo de desenvolvimento desenvolvim ento socialista. soci alista. . . ” 50 Isso não é em absoluto conforme com a concepção que Marx tinha da teoria do valor. Para Marx, a economia do tempo de trabalho, que é geral a tôdas as sociedades, não é idêntica à economia regida pela lei do valor; esta é somente uma forma particular daquela.51 A teoria do valor não se apli ca senão a uma sociedade onde proprietários individuais tro cam produtos de trabalho e onde, por essa razão, êstes tomam a forma de mercadorias (onde a quantidade de trabalho so cialmente necessário para produzir as mercadorias não é es tabelecida a priori pelos produtores associados, mas somen te a posteriori pelas leis leis do merca m ercado. do. Afirm Afi rmar ar que a teoria do valor permanece válida no socialismo é se enganar sôbre a natureza mesma das mercadorias, e é o que acontece efe tivamente tivamente com Mauri M aurice ce Gode G odelier lier.5 .522 Da mesma maneira que êle parte de uma caracterização incompleta da mercadoria, dá uma definição inadmissível do Rat ionalité lité et Irrationalité Irration alité en Econ Ec onom omie, ie, Paris, 50 Maurice Mau rice Godelier, Rationa Maspero, 1966, pág. 148. 51 Ver a citação citaçã o dos Grundrisse, págs. 89-90, que reproduzimos no ca pítulo seguinte. Ratio nalitéé e t Irrationalité Irrati onalité en 52 Ver Ve r a sua definição defin ição da mercadoria ( Rationalit Econ Ec onom om ie, págs. 212-3): “Para Marx, uma mercadoria é um objeto (!) caracterizado por duas propriedades: a ) é útil e, por isso, a mercadoria tem um valor de uso... b ) êle é trocado troca do numa certa proporção com bens de utilidades diferentes. Êle tem um valor de troca e não tem êsse valor de troca senão porque tem de início um valor de uso para o ou tro.” Cf. o que Marx precisa, na famosa passagem do capítulo I do Ca pital pita l (vol. I) sôbre o caráter fetichista da mercadoria: “ O que é válido para essa forma particular de produção, a produção mercantil, isto é, o
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capitalismo: capitalismo: “ Mo Mostram stramos os que a teoria teoria do capital capital não come ça verdadeiramente senão no momento em que a formação da mais-valia é explicada. Mas essa não determina diretamente e por ela mesma a relação capitalista de produção. O que é específico do capitalismo é a apropriação dessa mais-valia pelo indivíduo possuidor dos meios de produção, isto é, a apropriação privada do superproduto. . . ”53 Isso se parece deploràvelmente com a caricatura estreita que os apologistas do stalinismo fizeram do marxismo. Para Marx, o capitalismo não se define de maneira al guma somente pela apropriação privada da mais-valia; Engels concebe mesmo o caso em que o Estado se apropriaria da mais-valia para a classe burguesa tomada coletivamente, sem que isso abolisse o capitalismo.54 A teoria marxista do capi tal define o capitalismo pela transformação dos meios de pro dução em capital e da fôrça de trabalho em mercadoria, isto é, pela generalização da produção mercantil. Um “socialismo” onde ond e os meios meios de produ pro dução ção permanece permaneceriam riam mercadoria (isto é, poderiam ser comprados ou vendidos num mercado, o que implica decisões de investimentos descentralizadas, o que im plica a possibilidade de crises periódicas de superprodução e de desempreg desem prego) o) e onde a fôrça de trabalho permaneceria permaneceria mer cadoria não seria senão um capitalismo de Estado, mesmo se a propriedade privada dos meios de produção estivesse su primida. As relações de produção capitalista, para as quais a apropriação privada da mais-valia não é senão um dos as pectos, e que se definem entre outras por relações hierárqui cas nos locais de trabalho, e a impossibilidade para a massa dos produtores de dispor dos produtos de seu seu trabalho ( o que fato de que o caráter especificamente social de trabalhos privados inde pend pe nden ente tess uns dos do s outros out ros consiste em sua identidade enquanto trabalho humano. .. aparece àqueles que são tomados pelo preconceito em favor das das condições cond ições da produção produ ção mercantil com co m o. . . definitivo” definit ivo” (pá g. 41. Grifo nosso). Estas palavras parecem redigidas para todos aqueles que querem conservar a “forma mercantil” e o Valor” dos produtos do trabalho trabalho no socialismo. 83 Maurice Mauric e Godelier, God elier, ibid., págs. 147-8. 54 C f. Engels, Engel s, Herrn He rrn E u gen ge n Duhring Duh ringss Um wälzu wä lzung ng der de r Wisse Wi ssensc nscha haft, ft, Verlagsgen Verla gsgenosse ossensch nschaft aft Ausländisc Auslä ndischer her Arbeiter Arbe iter in der UdSSR, UdSSR , M osco os couuLeningrado, 1934, págs. 262-4.
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implica a natureza dêste trabalho como trabalho a.lienado), subsistiria integralmente. O que é exato é que a produção mercantil, que é ante rior ao modo de produção capitalista, lhe é igualmente pos terior, e sobrevive durante tôda a fase de transição do capi en quan anto to sob so b re talismo ao socialismo. Mas ela aí sobrevive enqu vivência capitalista, enquanto escória da antiga sociedade ainda não inteiramente superada, em conflito com a natureza planificada da economia socializada. O processo de construção de uma sociedade socialista é justamente o processo de pe recimento da produção mercantil. Querer formular, sôbre a base da teoria do valor, um modêlo de economia socialista é tão absurdo quanto querer formular um modêlo de direito socialista fundado sôbre o direito burguês para retomar a fórmula célebre de Marx na Crítica do Programa de Gota.
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O s Grundrisse Grundrisse ou a Dialética do Tempo de Trabalho e do Tempo Livre
O s Grundrisse, que constituem junto com a Contribuição à Critica da Economia, Política o ponto culminante da obra económica de Marx antes do Capital, representam uma soma enorme de análises econômicas. Concebidas como os traba lhos preparatorios do Capital, ou mais exatamente como um desenvolvimento da análise do capitalismo em todos os seus aspectos, de onde a obra-prima de Marx ia nascer, elas con têm ao mesmo tempo os materiais de construção de tudo o que Marx ia desenvolver em seguida e um amontoado de ele mentos que não serviram mais tarde de fermento a novas obras. Essa distinção tem provavelmente duas causas. Em primeiro lugar, é conhecido que Marx não pôde aca bar o seu trabalho de análise de conjunto de todos os ele mentos do modo de produção capitalista. No seu plano ini cial, que data da redação dos Grundrisse, a análise do capital devia ser seguida pela da propriedade fundiária, do trabalho assalariado, do Estado, do comércio exterior e do mercado mundial. No quadro dêsse plano de origem, não disporíamos hoje senão de um sexto do conjunto da obra, cujo volume IV d o Capital ( “ A s Teorias Teorias sôbre sôbre a M ais-V alia” ) não far faria ia senão acabar a primeira parte. Os especialistas poderão dis cutir infinitamente para saber por que razões Marx final mente abandonou êsse plano em 1866 em favor de um trata mento do Capital só, em quatro partes: processos de produ-
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ção do capital; processos de circulação do capital; unidade dos dois ou capital e lucro, e história crítica das doutrinas econômicas.1 N ão deixa de ser ser verdade que nos Grundrisse se encontra uma série de notas da maior importância concernen tes à propriedade fundiária, ao trabalho assalariado, ao co mércio exterior, ao mercado mundial, que não se encontra em nenhum dos quatro volumes do Capital. São germes que não puderam eclodir, cuja riqueza não deixa de constituir uma fonte de estimulação constante do pensamento dos marxistas contemporâneos e futuros. Em segundo lugar, o método de exposição dos Grundris s e é mais mais “abstrato” “ abstrato” , mais mais dedutivo que o do d o Capital, e, se há muito menos materiais de ilustração, há por outro lado um amontoado de digressões, sobretudo de natureza histó rica ou abrindo as janelas sôbre o futuro, que foram supri midas pela redação final do Capital, mas que são algumas vêzes de uma riqueza incomparável, autênticas contribuições supleme suplementa ntares res à teoria teoria sócio-eco sócio -econôm nôm ica marxist marxista. a. R. RosRo sdolsky dols ky indica a êsse êsse propósit pro pósitoo que a publicação dos Grundrisse constitui uma verdadeira revelação e que essa obra “por as sim dizer nos introduziu no laboratório econômico de Marx, e revelou tôdas as finezas, todos os caminhos de sua metodo logia” logia ” .2 Êste Êste autor autor,, que é um dos melhores melhores conhecedores conhecedores de Z u r E ntst nt steh ehu u n gsge gs ge Marx, anuncia a publicação de um livro Zu schichte des Marxscren Kapital nas nas edições Europäische V e rlagsaustalt, em Frankfurt. 1 O primeiro a ter tratado tratado êsse problema probl ema de d e maneira séria séria foi fo i Henrik Grossmann (“Die Änderung des Aufbauplans des Marxschen Kapitals, und ihre Ursachen”, em Arch Ar chiv iv für die di e G esch es chic icht htee des de s Sozialismus, Sozialismus, 1929). Êle atribui a mudança do plano do Capital à decisão de Marx de tratar a mais-valia no seu conjunto, independentemente de suas formas de aparição: lucro, renda, benefício etc. É verdade que o próprio Marx, numa carta a Engels de 15 de agôsto de 1863, fala da “necessidade” na qual êle se encontrou de modificar o todo até o fundo ( Brief Br iefwe wech chse sell zwis zw isch chen en Marx und Engels, Eng els, vol. 3, pág. 143). Permanece que Marx já tinha plenamente desenvolvido a categoria da mais-valia separada mente de suas formas de aparição dos Grundrisse. No seu artigo “Das Kapital im Allgemeinen” und die “Vielen Kapitalien”, Roman Rosdolsky distingue treze variantes do plano do Capital esboçadas por Marx entre setembro de 1857 e abril de 1868. 2 R. Rosdolsky Rosd olsky,, Ein neoma neo marxis rxistisc tisches hes Lehr Le hrbu buch ch der de r polit po litisc ischen hen O ek onoon omie, pág. 651.
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Já assinalamos as contribuições essenciais para a elabo ração da teoria econômica marxista que se encontram nos Gmndrisse: o aperfeiçoamento da teoria do valor, da teoria da mais-valia e da teoria da moeda. Devemos acrescentar o aperfeiçoamento dos instrumentos analíticos que Marx tinha herdado da escola clássica de Economia Política. É assim que aparecem pela primeira vez nos Gmndrisse: a distinção exata do capita capitall constante constante (cu (c u jo valor é conservado pela pela fôrça de trabalho) e do capital variável (cujo valor é aumen tado) tad o) (pág. (pág . 28 2 8 9 ); a representação representação do valor de uma uma mercado ria como a soma de três elementos: capital constante, capital variáv variável, el, e mais-vali mais-valiaa (c + v + m v ) (principal (principalmente mente págs. 219243); o aumento da massa anual da mais-valia peía diminui ção do ciclo de circulação do capital (págs. 417-8); a divisão da mais-valia em mais-valia absoluta e mais-valia relativa (págs. 311-2) e mesmo sob forma de supertrabalho absoluto e supertrabalho relativo relativo (págs. (pág s. 26 2 6 4 -5); -5 ); tôda a teoria da dis dis tribuição eqüitativa da taxa de lucro (págs. 217-362) etc. De fato, não há senão a teoria da queda tendenciosa da taxa média de lucro que não parece encontrar-se maduramen te elaborada nos Gmndrisse (se bem que Marx já a conhe cesse cess e e a analisasse — mas de maneira bastante trabalhosa trabalhosa — nas nas págs. 283-289 283 -289)) assi assim m como o problema problema da reprodução.8 São sobretudo as partes dos Grundrisse que não foram retomadas no Gapital que merecem um estudo particular. A êsse propósito, deve-se referir uma passagem da carta de Marx Ma rx a Engels de 14 de janeiro janeiro de 1858 1858 — redigida em plena metade da redação dos Gmndrisse — passagem na qual qual o fundador do socialismo socialismo científico científico afirma: afirma: “ Quanto ao mé todo de elaboração, o fato de que, por pura sorte, eu de nôvo percorri a Lógica, de Hegel He gel — Freiligrat Freiligrath h encontrou alguns alguns volumes de Hegel, que pertenciam na origem a Bakunin, e mos enviou enviou com c omoo presente — me prestou prestou um grande servi ço” .4 Não nos parece contestável que a extraordinária riqueza da análise e da exposição de uma série de “pares dialéticos” como “ mercadoria-di mercadoria-dinheiro nheiro”” , “ valor valor de uso-valor de troca” , 8 Marx resolveu pela primeira vez o problem pro blem a da reproduç repr odução ão numa carta a Engels de 6 de julho de 1863 (Briefwechsel zwischen Engels und Marx, vol. 3, págs. 138-142). 4 Ibid., Ibi d., vol. II, pág. 235.
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“ capita. capita.l-t l-traba rabalho lho assalariado” , “tempo “ tempo de trabalho-lazer” , "trabalho-riqu "traba lho-riqueza” eza” , cuja aparição no nos, Grundrisse é abundan te, foi, se não provocada, ao menos estimulada por ésse se gundo encontro com seu velho mestre de pensamento. Como aliás não estabelecer o paralelo que se impõe com o segundo encontro de Lênin com Hegel (setembro-dezembro de 1914, depois 1915), que precede de perto o período mais rico do pensamento teórico de Lênin, aquêle que devia chegar à redação de O Imperialismo e de O1 Est E stad adoo e a R evol ev oluç ução ão?? Como o próprio Marx afirmou, e assim como Lênin assi nalou em várias ocasiões, é efetivamente a aplicação do mé todo de pesquisas dialéticas aos problemas econômicos, que Marx inaugurou, que lhe permitiu efetuar suas principais des cobertas econômicas. É graças a êsse método que êle coloca os fenômenos fenômenos econômicos num num contexto global (o m odo de produção, as relações de produção), movido por suas contra dições internas. É graças ao mesmo método que êle pode ni tidamente apreender o caráter históricamente determinado, e limitado somente a um período da história humana, dos fe nômenos da economia mercantil e das “categorias” que são seu reflexo , 4 bis É difícil estabelecer uma escala de valor entre a impor tância dessas passagens analíticas ofuscantes, das quais al gumas são de uma fôrça profética genial, e as passagens his tóricas que representam um complemento válido das partes históricas do Capital. Já dissemos: Marx distingue nos Grundrisse a catego ria geral de “mais-valia” de suas formas de aparição parti culares. Êle distingue também da mesma forma a mais-valia aparecida acidentalmente no seio do processo de circulação, como conseqüência da troca desigual, da mais-valia produzida prod uzida no curso do processo de produção. A primeira precede a apa rição do modo de produção capitalista; a segunda não se pode desenvolve desenvolverr senão no seio dêsse dêsse modo1 mod o1 de produção. Marx Ma rx fala cruamen cruamente te da “ fraude na na troca” troca ” que explica a origem origem do lucro do capital capital mercantil mercantil nas sociedades sociedad es pré-capitalistas.5 pré-capitalistas.5 E 4bis Gino Longo Lo ngo,, II m étodo éto do delVecon delV economi omia a política, polí tica, págs. 120-125, ci tando a carta de Marx a Lachâtre de 18 de março de 1872, assim como um texto de Lênin que apareceu no volume 38 das Oeuvres Complètes. 5 K. Marx, Grundrisse der Kritik der politischen Oekonomie, págs. 742-3.
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êle não deixa de assinalar que a troca não-equivalente pode aliás reaparecer no seio do modo de produção capitalista, não somente na troca entre capital e trabalho, mas igualmente na troca entre diferentes nações, no comércio internacional. E daí essa nota pertinente de Marx, que esclarece ao mesmo tempo sua concepção da causa das crises, fundamentalmente diferente da de Rosa Luxemburgo,6 e sua concepção do co mércio mundial capitalista enquanto instrumento de exploração dos povos menos desenvolvidos: “Não somente os capitalis tas individuais, mas as nações, podem continuamente trocar entre si, podem continuamente renovar essa troca numa es cala sem cessar ampliada, sem que devam por isso aproveitar igualmente. Uma dessas nações pode-se apropriar continua mente de uma parte do supertrabalho da outra, para a qual ela não dá nada em troca, mas somente não na mesma me dida em que a troca capitalis capitalista ta e operária.” operár ia.” 7 Algu A lgum m as das pass pa ssag agen enss mais toc tocant antes es dos do s Grundrisse se relacionam, como já dissemos, à dialética "tempo disponível/ tempo de trabalho/tempo livre”. “Tôda economia se dissolve em últim últimaa análise análise numa numa econom eco nomia ia do d o tempo” temp o” , escreve Marx, M arx, e êle precisa que essa regra se aplica tanto às sociedades de classe quanto a uma sociedade que já regulou coletivamente sua sua produçã prod ução: o: “ Uma vez dada a produçã prod uçãoo coletiva, coletiva, a deter deter minação do tempo permanece evidentemente essencial. Quan to menos a sociedade tem necessidade de tempo para produ zir trigo, gado etc., tanto mais ganha tempo1para outras pro duções materiais ou espirituais. Da mesma forma que num in divíduo, a universalidade de seu desenvolvimento, de seu gõ g õ z o e d e sua atividade ativid ade d epen ep end d e da econ ec onom omia ia d o fiempo fiempo ( Z e i tersparnis) ... A sociedade deve dividir de maneira eficaz seu tempo a fim de obter uma produção adequada às suas necessidades de conjunto, da mesma maneira que o indivíduo deve partilhar corretamente seu tempo a fim de adquirir co nhecimentos nas proporções adequadas, ou para satisfazer as diferentes exigências de sua atividade. Economia do tempo, 6 Ver Ve r igualmente a êsse propósito propós ito as passagens que concerne conc ernem m à ne cessidade para o capital de ampliar o círculo de sua circulação, mas de maneira nenhuma em direção direçã o aos meios não-capitalistas: “ A mais-valia mais-valia criada em um ponto exige a criação da mais-valia em outro ponto, con tra o qual ela se troca” ( Grundrisse , pág. 311). 7 K. Marx, Grundrisse der Kritik der politiscíien Oekonomie, pág. 755.
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da mesma forma que repartição planificada do tempo de tra balho entre diferentes ramos da produção, eis o que perma nece a primeira lei econômica sobre a base da produção co leti letiva va . ” s ( Grifo n osso os so .) E Marx prossegue: “Ela (essa economia do tempo) tor is so é fundam fun damenta ental l na-se lei numa medida muito maior. M a s isso
mente diferente da medid medida a dos do s valores d e troca (trabalhos (trabalhos ou produtos do trabalho ) pel p eloo tem te m po d o trabalho. trabalho . Os traba
lhos dos indivíduos no mesmo ramo de trabalho, e os dife rentes gêneros de trabalhos, não são somente quantitativa mente, mas qualitativamente, diferentes uns dos outros. Ora, que implica a diferença somente quantitativa das coisas? A identidade de sua qualidade. A medida quantitativa dos tra balhos (pressupõe) pois a equivalência, a identidade de sua qualidade.”9 qualidade.”9 (G rifo rif o nosso.) Mais adian adiante, te, M arx ar x volta ao problema fundamenta fundamentall da economia de tempo de trabalho, introduzindo as noções-chaves de “tempo de trabalho necessário” e de “tempo de tra balho excedente excedente,, supérfluo, supérfluo, disponível” d isponível” : "Todo o desenvolvi mento da riqueza se fundamenta na cfiação do tempo dispo nível. A relação do tempo de trabalho necessário e do tempo
de trabalho supérfluo (é assim que êle aparece logo no comêço do ponto de d e vista vista do trabalho trabalho necessário) se modifica nos diferentes níveis de desenvolvimento das fôrças produ tivas. Nos níveis mais produtivos da troca, os homens não trocam nada a não ser seu tempo de trabalho supérfluo; êle é a medida de sua troca, que não se estende aliás senão aos produtos supérfluos. Na produção fundada sôbre o capital, a existência do tempo de trabalho necessário é condicionada pela criação do tempo de trabalho supérfluo."10 Marx desenvolve êsse pensamento nas páginas que se guem imediatamente esta passagem dos Grundrisse, expli cando que o capitalismo procura efetivamente aumentar a populaçã pop ulaçãoo operária operária — o número de indivíduos aos quais quais é garantido o tempo de trabalho necessário — , na medida medida so mente em que ela produz ao mesmo tempo supertrabalho, “trabalho supérfluo” de seu próprio ponto de vista. Daí a
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tendência do capital a desenvolver ao mesmo tempo a massa total total da população popu lação e a massa massa da “popula “ população ção supérflua" (o exército de reserva industrial), essa população supérflua de vendo garantir o capital que a população operária fornece do “ trabalho trabalho supérfluo” : o exército ex ército de reserv reservaa indu industr strial ial faz bai xar os salários, e aumenta por êsse fato a mais-valia que não é senão “trabalho supérfluo” do ponto de vista do traba lhador. Êste não é evidentemente senão um aspecto do problema. Marx assinala também o outro aspecto do “trabalho supér fluo”, isto é, o fato de que êle é fonte de gôzo e de riqueza do ponto de vista do desenvolvimento dos indivíduos. Mas não o é de início senão para uma parte par te da sociedade, e isso com a condição de que êle se torne trabalho forçado para outra outra parte parte da sociedade: socieda de: “ N ão é propria propriament mentee a marcha marcha de evolução da sociedade que um indivíduo crie a abundân cia para si mesmo, a partir do ponto em que satisfaz suas necessidades fundamentais. Mas é porque um indivíduo ou uma classe de indivíduos é obrigado a trabalhar cada vez mais que é necessário para satisfazer suas necessidades fun damen damentai taiss — porque o supertrabal supertrabalho ho aparece aparece de um lado — que o não-tra,balho e a riqueza suplementar aparecem do outro. Segundo a realidade, o desenvolvimento da riqueza não exis te senão nessas contradições: mas, segundo as possibilidades, é justamente seu desenvolvimento que cria a possibilidade de suprimir essas contradições.”11 Ve V e m o s assim se expand exp andir ir progr pro gress essiva ivame mente nte a dialética “tempo de trabalho necessário/tempo de supertrabalho/tempo livre” , no desenvolvimento e na na superação sucessivos sucessivos de tõdas tõdas as contradições internas. Porque o desenvolvimento do su pertrabalho implica também, ao menos no modo de produção capitalista, um enorme desenvolvimento das fôrças produti vas — e eis eis a sua sua "missão civilizador civil izadora” a” indispensável. indispensável. É so mente nessa base que uma sociedade coletiva poderá reduzir ao mínimo a jornada de trabalho simplesmente, sem dever ao mesmo tempo recalcar ou mutilar o desenvolvimento univer sal das possibilidades de cada indivíduo. O desenvolvimento do supertrabalho na classe operária implica já no seio do modo de produção capitalista o desen11 Ibid., Ibi d., pág. 305.
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volvimento do tempo livre para para o capitalis capitalista: ta: " O fato de que que
o operário deva trabalhar durante um excedente de tempo é idêntico ao fato de que o capitalista não deve trabalhar, e de que seu tempo é então concebido como uma negação do tempo de trabalho; que êle não deva mesmo fornecer o traba lho necessário. O operário deve trabalhar durante o tempo do supertrabalho, para ter a permissão de objetivar, de valori zar o tempo de trabalho necessário à sua reprodução. Por outro lado, mesmo o tempo de trabalho necessário do capi talista é assim tempo livre, isto é, tempo que não deve ser consagrado à subsistência imediata. Como todo tempo livte é tempo para o desenvolvimento livre, o capitalista usurpa o tempo livre que os trabalhadores produziram para a socieda de, para a civilização.”12 O desenvolvimento do capital fixo, que parece ser a "missão histórica” do modo de produção capitalista, é, êle próprio, indício e reflexo do grau de riqueza social. “O obje to da produção voltada imediatamente para o valor de uso e da mesma forma imediatamente para o valor de troca é o próprio produto, destinado ao consumo. A parte da produção voltada para a produção do capital fixo não produz objetos imediatos de gôzo, nem valores de troca imediata; pelo menos não os valores de troca imediatamente realizáveis. Depende pois do gr grau au já atingido atingido pela produtividade —• isto isto é, é, do fato de que uma parte do tempo de produção basta para a produ pro dução ção imedi imediata ata — que outra parte parte sem cessar cessar crescente crescente dêste (mesmo) tempo possa ser utilizada para a produção de meios de produção. Isso implica que a sociedade possa esperar;13 que ela possa subtrair uma grande parte da rique za já criada tanto ao gôzo imediato quanto à produção des tinada ao gôzo imediato, a fim de empregá-la num trabalho que não é imediatamente produtivo (no seio do processo de produção material). Isso exige um alto nível de produtividade já atingido, e uma abundância relativa e mais exatamente tal nível direta mente em relação com a transformação de capital circulante em capital fixo. Da mesma maneira que a amplitude do su pertra per traba balho lho relativo rela tivo d epen ep end d e da produt pro dutivid ividad adee d o trabalho ne 12 Ibid., Ibi d., pág. 527. 13 É um eco espantos espantosoo da teoria teoria do capital de Bõhm-Bawerk.
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cessário assim também a amplitude do tempo de trabalho uti lizado para a prod pr oduç ução ão d o capital f i x o . . . depende da produ
tividade do tempo de trabalho destinado à produção direta do produto.34 Mas na medida em que o capitalismo desenvolve de ma neira sempre mais rica e mais complexa êsse capital fixo, essa tecnologia científica, a produção torna-se cada vez mais in dependente do trabalho humano propriamente dito. Marx tem aqui o pressentimento do que será a automação cada vez mais avançada e da rica promessa que ela contém para uma humanidade socialista: “ Na medida em que a grande indús indús tria se desenvolve, a criação da verdadeira riqueza depende menos do tempo de trabalho e da quantidade de trabalhe (vivo) aplicado do que da potência dos agentes que são co locados em movimento no curso do tempo de trabalho, e que ela própria — da qual qual a eficácia poderosa podero sa — é sem sem relação relação com o tempo de trabalho imediato que custou sua produção, mas depende antes do nível geral da ciência e dos progressos da tecnologia, ou da aplicação dessa ciência à produção. A verdadeira riqueza se manifesta manifesta antes antes — e é isso o que reve la a grande indú indústri striaa — com comoo uma uma desprop des proporçã orçãoo enorme ent entre re o tempo de trabalho aplicado e seu produto. . . O trabalho
não aparece mais de tal maneira incluído no processo de pro dução, mas o homem se comporta antes como fiscal e regu lador lador do processo de produ ção.” 15
No seio do modo de produção capitalista, êsse enorme progresso aparece sob a forma de uma enorme contradição: quanto mais a produção imediata da riqueza humana se eman cipa do tempo de trabalho humano, tanto mais sua criação efetiva é subordinada à apropriação privada do supertrabalho humano, sem a qual a valorização do capital, e tôda a pro dução capitalista, se tornam impossíveis. Mas essa contradi ção não faz senão anunciar o desmoronamento da produ ção capitalista, da produção mercantil, e de tôda produção que não seja orientada diretamente para a satisfação das necessi dades humanas, para o desenvolvimento universal dos in divíduos :
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“Não é mais o trabalho imediato fornecido pelo homem, nem o tempo durante o qual êle trabalha, mas é a compreen são da natu natureza reza e sua sua domina do minação ção graças à existênci existênciaa (do (d o homem) enquanto enquanto cor corpo po social — em uma uma palavra palavra é o de senvolvimento do indivíduo social que aparece como o gran de pilar fundamental da produção e riqueza. O roubo do
tempo de traba trabalho lho do outro, outro, sôbre o qual qual se funda a riqueza riqueza de hoje, parece uma base miserável em comparação com essa
base desenvolvida de maneira nova, criada pela grande in dústria. A partir do momento em que o trabalho sob sua forma imediata deixa de ser a grande fonte da riqueza, o tem po de trabalho deixa de ser sua medida, e deve deixar de sê-lo, e, pelo mesmo fato, o valor de troca deve cessar de ser medida do valor de uso. O supertrábalho da massa deixou
de ser a condição do desenvolvimento da riqueza geral, da mesma forma, que o não-trabalho de uma pequena minoria deixou de ser a. condição do desenvolvimento das fôrças ge rais da cabeça humana. Por êsse fato se desmorona a produ
ção fundada sôbre s ôbre o valor v alor de troca. tro ca. . . O desenvolvimento livre das individualidades (é agora a finalidade), e pelo mes mo fato não a redução do tempo de trabalho necessário com vista a criar sup\ertrabalho, mas de maneira geral a redução ao mínimo do trabalho necessário da sociedade, ao qual cor
responde então a formação artística, científica etc. dos indi gra ças >ao tem te m po torna tor nado do livre livr e para todo to doss e aos meios víduos graças agora disponívei disponíveiss para para todos tod os.’" .’"116 (G rifo ri fo noss n osso.) o.) As A s contr co ntrad adiçõ ições es d o capitalism capita lismoo se exprimem princip prin cipal al mente em que êle procura reduzir ao máximo o tempo de trabalho necessário à produção de cada mercadoria, enquanto por outro lado êle coloca o tempo de trabalho como única medida e fonte da riqueza. Daí decorre que êle procura limi tar ao máximo o tempo de trabalho necessário e ampliar ao máximo a duração do supertrabalho, do “trabalho su pérfluo” . O conflito entre entre o desenvolvimen desenvolvimento to social social das fôr ças produtivas e as condições privadas da apropriação capi talista, entre o desenvolvimento das fôrças, produtivas e as relações de produção capitalistas, aparecem assim como um 16 Ibid. Ibi d.,, pág. 593.
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conflito entre a criação de riqueza, que se emancipa cada vez mais do trabalho humano imediato, e o esforço constante de canalizar essas fôrças imensas para a valorização do valor existente, pela apropriação do supertrabalho humano. Marx daí deduz o caráter ao mesmo tempo imensamente produti vo e imensamente destruidor, imensamente criador e imensa mente desperdiçador, do modo de produção capitalista. Noutra passagem, Marx precisa que, na sua sêde insa ciável de lucro, o capital leva o trabalho a ultrapassar cons tantemente os limites de suas necessidades naturais e cria assim os elementos materiais de uma rica individualidade, que é também universal na sua produção tanto quanto no seu consumo, e “cujo trabalho não aparece mais como traba lho, mas como desenvolvimento pleno e integral da ativida de.” de .” 17 Ê le volta aqui a uma idéia fundamental fundame ntal da Ideolo Ide ologia gia contràriamente amente à opinião de certos certos “ m arxólogos arx ólogos”” , que Alem Al emã, ã, contràri consideram as idéias dessa obra de juventude de Marx como um pouco “românticas” e “idealistas”, superadas na obra do sábio mais maduro. Êsse aspecto “historicamente necessário" do capital e do capitalismo é aliás um dos temas ao qual Marx volta constan temente nos Grundrisse. A criação do mercado mundial; o desenvolvimento universal das necessidades, dos gostos, dos conhecimentos, dos gozos do homem; a ruptura radical e bru tal com todos os limites que a história e um meio estreito tinham impôsto previamente à sua visão da natureza e de suas próprias possibilidades; o desenvolvimento tumultuado das fôrças produtivas: eis a “missão civilizadora” do capital. Mas contràriamente a muitos daqueles que se chamam seus discípulos, para Marx não há nenhuma contradição entre o fato de reconhecer e de assinalar essa “missão historica mente necessária” do capitalismo e o fato de colocar constan temente no pelourinho tudo o que é explorador, desumano, opressor nesse modo de produção. Marx tem constantemente em vista os dois aspectos contraditórios da realidade históri ca que êle viveu, e êle se defende constantemente do duplo escolho do subjetivismo e do objetivismo.18 17 Ibid., Ibid. , pág. 231. 18 É o que parece não não compreender compreende r Kostas Kostas Axelos, que opõe opõ e o “pos “ posii tivismo” de Marx que admira os efeitos da industrialização a seu “ro-
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Ele não opõe à realidade existente uma realidade ideal, para a qual as, condições não existem ainda, mas devem pre cisamente ser criadas pelo desenvolvimento do capitalismo; mas êle não idealiza tampouco essa realidade existente. Êle não nega que a miséria seja miserável, porque ela é produ to de uma fase de evolução historicamente inevitável. Esse caráter duplo da concepção marxista da “necessidade histó rica” é nitidamente visível nos Grundrisáp, onde se encontram algumas das condenações mais brutais ao capitalismo, ao lado das páginas que reconhecem francamente seus méritos do ponto de vista do progresso geral das sociedades humanas. Há muitos outros problemas “modernos”, "contemporâ neos” neos ” , que são levantados levantados nos Grundrisse: o do desenvolvi mento dos serviços e o da aplicação da ciência e do maqumis mo à agricultura, por exemplo. O dos limites colocados à con centração do capital é interessante enquanto refutação “pré via” via ” da teor teoria ia do capitalismo de de Est E staa d o:1 o: 19 “ O capital capital não existe e não pode existir senão sob a forma de numerosos ca pitais, e sua autodeterminação aparece assim como a intera ção çã o dêsse numerosos capitai capitaiss uns uns com os outros” outr os” , diz diz M arx.2 ar x.200 E êle precisa: "A produção de capitalistas e de trabalhadores assalariados é o principal produto do processo de valori zação do capital. A economia vulgar, que não olha senão as coisas produtivas, esquec es quecee isso completamente.” completam ente.” 21 O problema do capital que deve ao mesmo tempo limitar e estimular o consumo dos trabalhadores tem da mesma forma uma resso nância moderna. Mas êle levanta tôda a questão da teoria marxista dos salários, que representa a última grande contri buição para a elaboração da teoria econômica de Marx, antes da redação definitiva do Capital. As A s discussões discu ssões corre correntes ntes levantam dois doi s aspec as pectos tos essen ciais dessa dialética dos Grundrisse que acabamos de esbomantismo” que deploraria êsses mesmos efeitos (Marx, penseur de la technique, pág. 81). Na realidade, o julgamento de Marx reúne os dois aspectos contraditórios da indústria e do crescimento econômico sob o capitalismo. 19 Salvo evidentemente evidentem ente sob a forma de um regime que assegure a so brevivência de uma parte importante da classe burguesa como capitalis tas de Estado, forma prevista por Engels, no Anti-Dü Anti -Dührin hring. g. 20 Ibid., Ibid ., pág. 317.
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çar: o problema da relação “tempo de trabalho/tempo livre” no seio da sociedade capitalista; e o problema do desenvolvi mento das fôrças produtivas considerado como condição ne cessári cessáriaa — suficien suficiente te ou insuficie insuficiente nte — para a abolição aboliçã o da produção capitalista e da produção mercantil simplesmente. Ã redu re duçã çãoo da dura du raçã çãoo d o tem tempo po de trabalh tra balhoo nos países capitalistas mais industrializados é um fato, um fato do qual o próprio Marx celebrou o alcance progressista na ocasião da introdução da jornada de dez horas na Grã-Bretanha. É verdade que a tendência à redução da jornada de trabalho estriou no curso dos últimos decênios e que houve mesma recaídas recaídas ( com comoo na je jerança) ran ça).. A extensão progressiva da dis tancia ao domicílio do trabalhador para seu lugar de trabaino compensa aiiás em parte a redução do tempo de trabalho. A íauig ía uigaa nervo ner vosa sa aumenta aum entada, da, a o mesmo mes mo temp te mpoo p elo el o fato fa to da técnica contemporânea, do barulho invasor, da poluição do ar, da tensão cada vez mais grave subjacente a todas as relaçoes sociais, deve também ser .levada em conta. No entanto, se e excessivo talar de uma “civilização do lazer”, é certo 4ue importantes setores da massa dos assalariados gozam noje evidentemente de bem mais "tempo livre” do que na época de Marx. Jüizemos: gozam evidentemente. Porque o que deveria acontecer nessa sociedade fundada sobre a economía mercan til generalizada que é a sociedade capitalista aconteceu real mente. Os lazeres foram em grande parte comercializados. A equação: equ ação: lucros aumentados aumentados + lazere lazeress mai maiss estendidos = mais mais liberdade se revelou ilusoria. O proletário não podia ganhar outra vez na esfera de um “consumo de lazer” o que tinha perdido na esfera da produção.22 Uma imensa literatura ana lisa lisa e sublinha sublinha o “ habito industri industrial al dos espíritos” esp íritos” , o embrute embrute cimento provocado pelos meios de difusão maciça,23 o tédio aberto que prolonga a fadiga e acaba por se combinar com 22 Cf. principalmente principalmente Heinz Theo Risse e Walter Wa lter Dirks: Gibt es noch ein Proletariat, págs. 88-89, 92. 23 Principalmente Hans Magnus Enzensberger, Enzensbe rger, Culture ou mise en condition, Paris, Julliard, 1965, págs. 9-18, e Edgar Morin, L’E L ’Esprit sprit du temps, Paris, Grasset, 1962, como fontes entre muitas outras.
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ela, tanto no trabalho quanto no “tempo livre”.24 Não podia ser diferente no seio de uma sociedade em que tôda vida eco nômica permanece voltada para a realização do lucro privado, em que tôda atividade tende a se tornar uma finalidade em si, em que tudo adquire nôvo risco de se tornar uma fonte nova de mutilação do homem alienado. Quer dizer que a extensão dos lazeres seja um mal e que é preciso antes se orientar para uma "humanização do tra balho”, através do trabalho comunitário pregado por Erich Fromm, ou a autogestão.25 O Marx dos Grundrisse responde no mesmo sentido que o Marx do volume III do Capital: é uma ilusão acreditar que o trabalho industrial, que o traba lho da grande fábrica possa algum dia se tornar trabalho “ livre” livre” . O reino reino da liberdade liberdade não começa começa senão além do reino da produção material, isto é, do trabalho mecânico, se não se quer trazer esta ao nível da produção artesanal. A verda deira solução reside pois em uma redução tão radical do tem po de trabalho trabalho (d o “ tempo necessário” ) que as relações relações entr entree “ trabalho” trabalho ” e “ lazeres” se encontram encontram totalmente totalmente subverti subvertidas. das. A abolição do capitalismo não é somente uma condição disso porque ela estimula o crescimento das fôrças produtivas, e permite assim acelerar essa redução da duração do trabalho. Ela é igualmente o seu motor porque permite reduzir muito o supertrabalho —- hoje ho je tão nitidamente nitidamente desperdiça desp erdiçado do — e re partir o trabalho necessário por um número muito mais ele vado de indivíduos.26 A trans tr ansfor forma mação ção da relaçã rel açãoo quantitativa quantitati va tem tempo po de tra balho/lazer (digamos 1/1 a 1/2 ou a 1/3, o que implica a semana de 32 ou de 24 horas, ou, mais precisamente, a meia jorna jor nada da de trabal tra balho2 ho277) prov pr ovoc ocaa uma uma revo re voluç lução ão qualitativa, qualitativa, com 24 C f. Sweezy Swe ezy e Baran, Baran, M Mon onop opol olyy Capital, págs. 346-9, que dão ênfase ao vazio completo comp leto — “ nada fazer” , “doing nothing” — que caracteriza os lazeres de uma boa parte das massas americanas. 25 Erich Eric h Fromm, The Sane Society, Routledge and Kegan, Londres, 1959, págs. 321 e seg. (N. do E.: Traduzido para o português e pu blicado sob o título Psicanálise da Socie So cieda dade de Contem Co ntemporâ porânea, nea, por Zahar Editores, Rio, 5.a ed., 1967.) 26 Jean Jean Fallot o lembra oportunamente oportunamen te em Marx et le machinisme, Editions Cujas, Paris, 1966, págs. 183-8. A planificação permite também economizar o supertrabalho. 27 Mesmo um autor tão conformista conform ista como co mo Georg G eorgee Soule ( The Th e Shape of To-Morrow, Signet Key Book, 1958, pág. 121) admite a possibilidade de uma semana de 24 horas desde 1990, senão no comêço do século XXI.
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a condição de ser integrada num processo de desalienação progressiva do trabalho, do consumo e do homem, pelo en fraquecimento progressivo da produção mercantil, das classes, do Estado e da divisão social do trabalho. Os lazeres deixam de ser comercializados quando o “co mércio” se enfraquece. Os meios de difusão maciça deixam de ser instrumentos de embrutecimento quando o ensino su perior se generaliza e a opinião se diferencia e se cultiva pela abolição de todo monopólio sôbre a imprensa, o rádio e a te levisão, o cinema. O “tempo livre” deixa de ser fonte de tédio e de opressão quando seus “consumidores” se transformam de espectadores passivos em participantes ativos. Mas essas transformações radicais devem primeiro prim eiro se rea lizar na esfera da produção e da vida política, antes de poder manifestar-se na esfera dos lazeres: eis o germe de verdade que contém a conclusão falsa de Fromm. O “tempo livre” não pode tornar-se um “tempo de liberdade”, uma fonte de apro priação pelo homem de tôdas as suas possibilidades, senão na medida em que conquistou de início as condições materiais dessa liberdade por sua libertação de tôda exploração econô mica, de tôda coação política e de tôda sujeição às necessi dades elementares. O desenvolvimento do maquinismo, da automação, das fôrças produtivas da ciência e da tecnologia são condições necessárias e suficientes para tornar possível essa liberdade humana? Necessários certamente: o julgamento de Marx, da Ideol Id eolog ogia ia A lem le m ã aos Grundrisse, não variou a êsse propósito; e a experiência prática nos ensinou desde então a impossibi lidade de uma organização econômica verdadeiramente socia list listaa — implicando principa principalment lmentee a desaparição da produção produ ção mercantil mercantil — na ausência de uma aquisição técnica suficient suficiente. e. Mas pode-se seguir Kostas Axelos quando afirma que “ a esperança esperança de Mar M arxx na técnica técnica é inabalável” , que para para êle "a técnica técnica produtiva "desencade "desen cadeada ada”” (está) (est á) . . . encarregada encarregada de resolver pràticamente tôdas as questões e todos os enigmas no seu devir” dev ir” ?28 ?28 É subestimar subestimar singularmente singularm ente a natureza dia lética do pensamento marxista, que repetiu numerosas vêzes, 28 Kostas Axelos Ax elos,, Marx, pens pe nseur eur d e la techn tec hniq ique ue,, Les Editions de Minuit, 1961, Paris, págs. 265, 268.
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desde suas obras de juventude até os Grundrisse, que as for ças produtivas se arriscam a transformar-se em forças des trutivas se as relações de prod p roduçã uçãoo capital capitalista ista não n ão forem forem
derrubad derrubadas. as. E com a mudança mudança das relações de produção produ ção — uma vez dado um nível de desenvolvimento determinado das fôrças produtivas -—- as revoluções tecnológicas posteriores serão guiadas por verdadeiras opções da humanidade socia lista, onde a vontade de assegurar um desenvolvimento mul tilateral do homem levará certamente vantagem sôbre a vã tentação de querer acumular sem cessar uma quantidade su perior de coisas. Nesse sentido aceitamos o julgamento de Jean Fallot: “O marxismo não é uma filosofia da dominação da natureza pela técnica, mas da transformação das relações sociais de produ pro dução ção pela luta luta de classes c lasses”” ,20 se bem que uma técnica ele vada pareça sem dúvida alguma a Marx como precondição de tal transformação. No mesmo sentido deve-se incluir na tendência à apro priação pelo home homem m (por todos todo s os homens) homen s) de tôdas as suas relações sociai sociaiss — que é de fato o processo proce sso de sua sua indivi individua dua lização, de sua humanização progressiva em sociedade socia lista —- uma tendência ao desenvolvimento universal das apti dões científicas, o que faz cair um dos últimos argumentos opostos ao caráter liberador do socialismo por sociólogos con temporâneos pessimistas como Touraine ou Hannah Arendt: a impossibilidade na qual se encontraria o homem contempo râneo, confrontado por uma técnica desencadeada que já se libera de seus entraves terrestres, de conservar sua capacida de de agir eficazme efica zmente: nte: esta seria reduzida reduzi da somente aos sábios ou “ quadros superiores” .30 Na realidade, nada se opõe opõ e hoje à possibilidade de transformar progressivamente todos os ho Mar x e t le machinisme mach inisme,, pág. 40. 29 Jean Fallo Fa llot, t, Marx 30 Principalmente Principalmente H . Arendt ( Condition de l’homme moderne, Calmann-Lévy, 1961, pág. 365), no que concerne aos sábios; Alain Touraine, págs. 420 e seg. do Tratte de Sociologie, de Friedmann e Naville (vol. I, Paris, 1961, Librairie Armand Colin), no que concerne aos engenhei ros e aos quadros superiores; Günther Hillmann (“Zum Verständnis der Texte”, em K. Marx: Texte zu Methode und Praxis, II, Rowohlt-Verlag, pág. 203), no que concerne a uns e outros.
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mens em sábios,31 isto é, a essa dissolução progresssiva do trabalho produtivo em trabalho científico que Marx prevê na passagem já citada dos Grundrisse, com a condição de que a sociedade humana se reorganize de maneira tal que possa cercar cada criança dos mesmos cuidados infinitos com os quais ela prepara hoje submarinos ou foguetes interplane tários.32
31 C f. J. N . Dawydow Dawy dow (Freiheit und Entfremdung , v e b Deutscher Verlag Ve rlag der de r Wissensc Wiss enschaft haften, en, Berlim, 1964, pág. pág . 1 1 ) : “ A perspe per spectiva ctiva de desenvolvimento da sociedade comunista é a perspectiva de criar uma sociedade de sábios.” 32 Ver Ve r no capítulo capítu lo 11 desta obra obr a um exame exame mais mais aprofund apro fundado ado das relações entre o progresso técnico e a sociedade de classes.
8
O “Modo de Produção Asiático” e as Precondições Históricas do Impulso do Capital
É a 10 de junho que Marx trata pela primeira vez pú blicamente do modo de produção asiático; êle acabava de trocar suas idéias a êsse respeito com Engels numa carta en viada a 2 de junho, à qual Engels responde a 10 de junho.1 Nos meses e anos que se seguem, êle voltará a isso em várias or k ocasiões, principalmente nos artigos enviados ao N e w Y ork Dai D aily ly Tribu Tr ibune ne e na Contribuição a uma Crítica da Economia Políti P olítica ca.. Mas foi nos Grundrisse que essa idéia encontrou seu Fo rmas as qu quee P r e desenvolvimento mais extenso sob o título de Form di fusã sãoo dêsse dês se texto text o na Eu cedem a Produção Capitalista.2 A difu ropa depois de 1953, coincidindo com o comêço da desestalinização, permitiu relançar uma discussão que se tinha mais ou menos enredado, se não enterrado, no curso dos anos pre cedentes. Parece bem estabelecido que Marx se tinha atido à idéia de um “modo de produção' asiático” até o fim dos seus dias.3 1 As duas cartas, cartas, assim com co m o a resposta resposta d e Marx de 14 de julho de de 1853 a Engels, acham-se em K. Marx, Fr. Engels, m e g a , III, 1, págs. 474-7, 478-82, 483-7. O artigo de 10 de junho de 1853 apareceu no New N ew York Daily Da ily Tribune Trib une de 25 de junho de 1853. 2 Grundrisse, págs. 375-413. 3 Maurice Godelier estabeleceu uma bibliografia biblio grafia provisória dos escrito escritoss de Marx e Engels sôbre o “modo de produção asiático”, bibliografia que não retoma as Theorien über den Mehrwert, assim como outras pas sagens dos Grundrisse além do capítulo “Formas que Precedem a Pro dução Capitalista” (La Pensée, n.° 114, abril de 1964, págs. 56-66).
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M as Engels E ngels a elimino eliminou u da sucessão dos “ estág estágüos üos”” que a hu manidade teria atravessado, sucessão que êle tinha traçado em Æs Origens da Família, da Propriedade Privada e do Es tado apoiando-se estreitamente em Morgan. Foi o que acen deu a controvérsia entre marxistas. Na Europa ocidental, a noção foi pouco ou nada utili zada. Na Rússia, Lênin a retomou sob uma forma consideràvelmente modificada de “asiatismo”, não designando mais uma formação sócio-econômica particular.4 Plekhanov acabou por repelir sua aplicação à Rússia, isto é, à história simples mente.5 Lênin a menciona, no entanto, ainda explicitamente em 1914 entre as quatro formações sócio-econômicas maiores.6 Em seguida à revolução russa e ao renascimento dos es tudos marxistas que essa havia incontestavelmente estimula do, Rjasanov chamou de nôvo> a atenção para a importância do “modo de produção asiático” numa introdução à publicação de três artigos de Marx sôbre a China e a índia na revista Sous le Drapeau Drapeau du M arxis m e . 7 N o me messmo ano, no, Eugè Eugène ne Va V a r g a consa con sagr grou ou um estud est udoo a o me mesm smoo assunto, assunto , enquanto enqua nto Madyar fêz aparecer em 1928 um livro volumoso sôbre a eco nomia camponesa chinesa, no qual a idéia do “modo de pro dução asiático" era discutida. A China Ch ina estava evidentem evide ntemente ente na mo moda da nessa época ép oca que viu o apogeu e a derrota da segunda revolução chinesa. Mas 4 Ver Ve r a êsse respeito Karl A. Wittfog Witt fogel, el, L e despo des potis tism m e oriental, Edi tions de Minuit, Paris, 1964, que publica um levantamento bastante completo das passagens de Lênin relativas a êsse “asiatismo’’ nas pági nas 494-5 de sua obra. 5 Ver principalmente principalment e Geo George rge Plekhanov, Intro In trodu ducti ction on à l’Histo l’H istoire ire so ciale de la Russie, Paris, 1926, Editions Bossard, pág. 4: “Sabemos agora não somente que a Rússia — assim como a Europa ocidental — atra vessou a fase do feudalismo, mas também que essa mesma fase existiu no Egito, na Caldéia, na Síria, na Pérsia, no Japão, na China, em uma palavra, em todos ou quase todos os países civilizados do Oriente.” No entanto, o autor fala fala na mesma página página igualmente dos “ grandes despodes potados do Oriente” . Êle tinha tinha conservado o conceito de um modo mod o de L es Question Que stionss fondam fon dam entales enta les du marxisme marxis me (pág. produção asiático em Les 53, Paris, Editions Sociales, 1947), sublinhando a justo título que êsse modo de produção não podia ser considerado como anterior ao modo de produção prod ução antigo ( escravist escravistaa ) . 6 V . I . Lênin, Lênin, Oeuvres Complètes, vol. 21, pág. 40. 7 Ano I, n.° 2, págs. págs. 370-378. 370-37 8. — Lucien Lu cien Goldmann Goldm ann nos fêz notar que o “levantamento” do conceito de produção asiático não é de Rjasanov,
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a discussão dos problemas estratégicos e táticos que essa re volução tinha levantado, e sua interferência com a luta de fração no seio seio do P . C . U . S ., foi fata fatall para a discussão discussão cien cien tífi tífica ca em em tôrn tôrnoo dêsse “m odo de produção” produ ção” . A noção foi con denada por ocasião da famosa “discussão de Leningrado” em 1931.8 1931.8 Durante dois dois decênios, decênios, ela viri viriaa conhecer, conhecer, na URS U RSS, S, de início, nos países das democracias populares em seguida, uma sorte cada vez mais obscura, para desaparecer finalmen te dos manuais.9 No entanto, no Ocidente, um comunista alemão, Karl Aug A ugu u st W ittf it tfoo g e l, tinha neste tem tempo po cons co nsag agra rado do ao "m odo od o de produção asiático” uma obra monumental, que acabou por influenciar de maneira duradoura o pensamento dos sociólo gos.1 go s.100 Foi tamb também ém no Ocident Ocid entee que o debate sôbre o “ mo modo do de produção asiático” reapareceu primeiro, principalmente na Grã-Bretanha e na França. Nas democracias populares, desde o comêço da desestalinização, o conceito foi de nôvo utilizado para libertar libertar da ganga gan ga mecanicista e antimarxista antimarxista das das “ quatro fases” que tôda humanidade teria obrigatoriamente atraves sado: comunismo primitivo, sociedade escravista, feudalismo e capitalismo. Essa ganga havia principalmente obrigado os autores que reivindicam o marxismo, mas que desejam fazer-se reconhecer como "ortodoxos” pelos PCs, a reunir sob a etiquêta “sociedade feudal” a mistura mais heteróclita de forma ções sócio-econ sócio- econôm ômicas. icas.111 mas dos comunistas húngaros, que editam a revista Comunismo desde 1920. 8 Ver K. Wittfogel, op. cit. 9 Dois exemplos: exemplos: o manual manual de W . I . Avdijev: Geschichte des alten Orients, publicado em Moscou em 1948 e traduzido em Berlim em 1953 (Volk und Wissen, Volkseigener Verlag), se apóia nas opiniões do aca dêmico V. V. Struve para afirmar que “os povos da Índia e da China seguiram a mesma via da constituição gentílica à escravidão” (págs. 1213). An A n Outlin Out linee H istor ist oryy o f China publicado em Pequim (Foreign Lan guages Press) em 1958 fala também da mais antiga sociedade de classe na China (a dinastia Shang) como uma “sociedade fundada na escra vidão” (pág. 15). 10 Wirtscnaft und Gesellschaft Chinas, Leipzig, 1931, Hirschfeld, pág. 768. 11 Ver a êss êssee rrespe espeito ito Maurice Godelier, Godelier, “ La Notion N otion de “m ode de de production asiatique” et les schémas marxistes devolution des sociétés”, Cahiers du C.E.R.M., págs. 26-7, e Eric Hobsbawm, “Introduction” to Karl Marx, Precapitalist Precapita list Econ Ec onom om ic Formations, Forma tions, Londres, Lawrence and Wishart, 1964, págs. 61-3.
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O renascimento do debate em tôrno do “modo de produ ção asiático” deve ser saudado. Mas é preciso ao mesmo tem po distinguir cuidadosamente aquilo que Marx e Engels ti nham designado por essa fórmula, a deformação que ela so freu em seguida, por causa de certos discípulos e de certos adversários, e o uso que fazem dela hoje os historiadores e sociólogos que se inspiram no marxismo. E, para êsse fim, um breve exame da gênese dessa noção em Marx e Engels nos parece útil. Sem querer remontar até a origem da fórmula de “des potismo oriental” que data do século XVII, e sem remontar a Montesquieu, que a empregou abundantemente,12 é prová vel que Marx e Engels tenham elaborado sua teoria do "modo de produção asiático” sob a influência de três correntes: de início, dos economistas como John Stuart Mill e Richard Jones, que Marx tinha estudado ou que estava estudando em 1853, e que utilizaram fórmulas análogas;13 em seguida, dos relatos das viagens, memórias ou monografias consagradas aos paí ses do Oriente, que Marx e Engels leram nessa época;14 enfim, dos estudos particulares empreendidos sôbre a comunidade da aldeia em outras partes do mundo e que chamaram a sua aten ção para a importância dessa comunidade nos países do Oriente.15 12 W ittfo itt foge gell se refere refe re a isso. 13 John Stuart Stuart Mill fala de “ sociedade socie dade oriental” , em 1848, e Richard Jones de “sociedade asiática” já havia falado em 1831 (Wittfogel, op. cit., pá g. 489 ). 14 Eric Ho Hobsba bsbawm wm (op. cit., pág. 22) levanta uma lista bastante com L ’Hist istoir oiree de Java Java,, de Raffles, pleta. Ela inclui Voyages, de Bernier, L’H a Géographie historique de l’Arabie, do pastor C. Foster, Treatise on ihe East India Trade, de J. Child etc. Pierre Naville (La Chine future, Paris, 1952, Les éditions de Minuit, págs. 89-93) lembra que as Voyages, de Bernier, foram redigidas para contrariar um projeto de Luís XIV de proclamar a propriedade real sôbre tôdas as terras da França — ou ao menos um projeto que os adversários do absolutismo lhe haviam atri buído . 16 Maximilian Rubel Rube l chama a atenção para dois estudos estudos de Marx que datam do ano de 1853: um sôbre a comunidade de aldeia na Escócia N ew ( “ The Duchess of o f Suthe Sutherlan rlandd and Slavery” Slavery” , artigo artigo publicado publica do no New York Daily Tribune de 9 de fevereiro de 1853); o outro sôbre as rela ções entre monarquia absoluta e descentralização administrativa na Es arx : Essai d e biogr bio grap aphie hie intel in tellec lectue tuelle lle,, Paris, panha panha (M . Rubel, Karl M arx: Rivière, 1959, págs. 297-301).
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Todos êsses estudos eram no fundo subprodutos de urna análise constante e minuciosa do comércio exterior da Grã~ Bretanha Breta nha e da conjuntura econômica dêsse país. Os merca dos orientais desempenhavam um papel crescente de saída para a industria britânica. A expansão das exportações bri tânicas provocou perturbações profundas na sociedade orien tal. tal. A revo revolução lução dos Tai'-Ping Tai'-Pin g na China, o motim motim dos sipaios sipaios na índia, eram reações diretas ou indiretas a essa ação dis solvente. Apaixonados pelas revoluções, quer elas se produ zam a leste ou a oeste, Marx e Engels se puseram a estudar a estrutura das sociedades assim abaladas. Foi assim que for mularam a hipótese de trabalho de um “modo de produção asiático”. A s característica caracte rísticass fundamentais fundam entais dêsse dês se m odo od o de prod pr odu u ção foram já expostas bastante exaustivamente nas três cartas já citadas citad as de junho jun ho de 1853, assim com co m o em quatro artigos art igos publicados no N e w Y ork or k D aily ai ly Ttibu Tti bune. ne. Podemos resumi-las assim: 1) O que caracteriza antes de tudo o "modo de produ ção çã o asiático” asiático ” ê a ausência ausência da propriedade proprieda de privada do d o solo.1 sol o.188 2) Por êsse fato, a comunidade de aldeia conserva uma fôrça de coesão essencial, que resistiu através das épocas às conquistas mais sangrentas.17 3 ) Essa coesão interna interna da comunidade comunidad e de aldeia aldeia antiga é ainda aumentada pelo fato da união íntima da agricultura e da indústria indústria (artesan (art esanal) al) que é aí mantida.18 mantida.18 16 Para a Índia: “ Pode-se Pode -se dizer que a propried prop riedade ade privada das das casas casas e jardins era um fato reconhecido nas zonas urbanas e arrabaldes a partir do século séc ulo VI antes antes da nossa era. Mas não havia em geral proprie propr ie dade privada dos campos cultivados” (D. D. Kosambi, An Introduct Intr oduction ion to the Study of lndian History, Popular Boolc Depot, Bombaim, 1956, pág. 145). Para a China, cf. Henri Maspero, citado em Pierre Naville, La Chine Ch ine future futu re , págs. 96-8. Para o império clássico do Islã e os co meços do Império Império Otomano, Otomano, Prof. Reuben Levy, The Social Structure of Islam, págs. 13, 401 (Cambridge University Press, Cambridge, 1962). 17 O autor indiano indian o antigo Kautilya escreve no seu Anthasastra: “As samghas (comunidades de aldeia tribais) são invencíveis por outras, por causa de sua unidade.” Citado em Debiprasad Chattopadhyaya, Loka Lo ka- yata, A Study in An Ancien cien t lndian lndi an Materialism, People’s Publishing House, Nova Deli, 1959, pág. 173. 18 Ver a descrição da antiga antiga aldeia aldeia indiana indiana em H. D . Malaviya: “Village Communities in índia, a Historical Outline”, em A. R. Desai:
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4 ) M as por motivos geográficos geográfico s e climátic climáticos, os, a agricul tura próspera reclama nessas regiões trabalhos hidráulicos im portantes: “ A irrigação artificial artificial é a primeira primeira condição condiç ão da agricul agr icultura tura”” .19 .19 Essa Ess a irrigaç irr igação ão reclama recla ma quase quas e em tod todo^ lugar um poder central regulador e empreendedor de grandes trabalhos.20 5) Por êsse êsse fato o Estado Estad o consegue concentrar a maio maiorr parte do superproduto social nas suas mãos, o que dá lugar ao nascimento de camadas sociais mantidas por êsse exceden te, que são a fôrça dominante da sociedade (daí a expressão “ despoti despotismo smo oriental” oriental” ) . A “ lógica lógica int intern erna” a” de ta tal sociedad sociedadee jog jo g a no sentido sen tido de uma gr gran ande de estabili esta bilidade dade das relaç re laçõe õess de produção fundamentais. Nos Gmndrisse, encontramos tôdas essas características, inclusive a importância concedida aos trabalhos hidráulicos.21 Mas encontramos ao mesmo tempo uma série de idéias suple mentares, que permitem circunscrever melhor aquilo que Marx e Engels designavam por “modo de produção asiático". Logo de início a ênfase é colocada em várias ocasiões sôbre o desenvolvimento totalmente acidental e secundário das aldeias no Oriente, estreitamente subordinadas aos chefes de Estado ou a seus sátrapas.22 Isso significa que a produção Rural Soci So ciolo ology gy in índia índ ia , The Indian Society of Agricultural Economics, Bombaim, 1959, págs. 164-70. A passagem seguinte ( op. cit., pág. 170) é
particularmente significativa: “O método original de remunerar os ser vidores (artesãos) da aldeia consistia ou bem em lhes dar uma dotação de terra livre de renda, e algumas vêzes mesmo livre de imposto, ou em lhes atribuir parte determinada da reserva coletiva de cereais...” 18 Engels Eng els a Marx, a 6 de junho de 1853, m e g a , III, 1, pág. 480. 20 C f. D . D . Kosambi Kosambi (op. cit., pág. 280) a propósito do império dos Gupta. 21 Grundrisse, pág. 377: “As condições comuns da apropriação real pelo trabalho, os condutos de água, muito importantes para os povos asiáti cos, os meios de comunicação etc., aparecem desde logo como o tra balho da unidade superior — o Govêrno despótico planando acima das pequenas com comuna unas. s. ” Em Les L es Questio Qu estions ns fondam fon dam entale ent aless du Marxisme (pág. 43), Plekhanov atribui uma importância decisiva às condições geo gráficas que tornam necessários tais trabalhos. Êle volta a isso um pouco mais adiante: “E se êsses dois tipos (o modo de produção escravista e o modo mo do de produção pro dução asiático asiático,, E. M . ) diferem consideràvelmente consideràvelmente um do outro, seus sinais distintivos principais se formaram sob a influência do meio geográfico” (pág. 53). 22 Ibid., Ibi d., pág. 377. “E certo que os mercadores e os artesãos, a burgue sia enquanto classe organizada nas suas guildas, jamais atingiram a su-
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permanece quase exclusivamente uma produção de valores de uso.23 Ora, é o desenvolvimento da. produção de' valores de troca nas aldeias que permite preparar a predominância do capital. Quando o poder do dinheiro se torna predominante
em sociedades não-industriais, conduz à dominação do campo sôbre sôb re a cidade. cida de.224 Em outras palavra pa lavras: s: a estrutura estrutura particular particular do ‘‘modo de produção asiático”, a subordinação das aldeias ao mesmo tempo à agricultura e ao poder central25 implicam que o Capital não pode tomar seu pleno impulso. Isso equi vale vale não a uma estagnação estagnação das fôrças produtivas produtivas — que não se pode sobretudo demonstrar num caso como o da China —■ mas a um desenvolvimento retardado , que acaba por ser fatal às nações fundadas sôbre sôb re êsse modo mod o de prod p roduçã ução.2 o.266
premacia que sua contrapartida européia tinha conquistado quando to mou o pode po derr nas nas aldeias. Na índia, índia , a aldeia era era quase sempre um um pôsto avançado do Estado territorial, governado por prefeitos ou por organis mos designados pelo centro” (K. S. Shelvankar, citado em A. R. Desai, op. cit., pág. 151). 23 Grundrisse, pág. 384. Cf. A. R. Desai, op. cit., pág. 25: “Na Índia pré-britânica, a agricultura camponesa produzia essencialmente com vista a satisfazer satisfazer as necessidades da popula po pulação ção da aldeia. alde ia. Essa economia econ omia agrícola de subsistência à aldeia foi transformada em uma economia de mercado durante durante o período períod o britâ nico. nico . ’ ’ 2i Grundrisse, pág. 405. Cf. Léon Trotsky: “Assim as aldeias russas, da mesma maneira que as aldeias sob o despotismo asiático, e em oposição às aldeias artesanais e mercantis da Idade Média européia, não desem penhavam um papel senão de consumidoras. . . Onde estavam desde en tão situados a indústria manufatureira e os artesanatos? No campo, li gados à agricultu agricultura.” ra.” ( “ Balanço e Perspectiva Perspectivas” s” , pág. 176, 176, em The Permanent, Revolution, New Park Publications, Londres, 1962). 25 Marx sublinha subl inha nos Grundisse (págs. 407-8) a importância de um artesanato livre das aldeias para preparar a obra dissolvente do capital sôbre as antig antigas as relações comunitárias comunitárias no cam ca m p o . No nosso Traité d’Economie Marxiste (tomo I, pág. 148), citamos uma opinião pax-alela de Etienne Balazs no que concerne às aldeias da antiga China, e fazemos notar que a paternidade dessa idéia, atribuída a Max Weber, pertence na realidade a Marx. 26 Isso não significa sign ifica evidenteme eviden temente nte que qu e as as nações naçõ es asiáticas asiáticas teriam teriam sido incapazes de chegar ao capitalismo pelos seus próprios próprio s meios. me ios. Isso ex plica simplesmente por que a Europa ocidental pôde tomar, a partir do século XVI, um avanço cada vez maior sôbre as outras partes do mundo. O subdesenvolvimento atual das nações da Ásia não é produto do “modo de produção asiático”, mas da ação retardadora e regressiva que a relação de subordinação resultante da penetração européia exer ceu sôbre essa essass nações. naçõ es. A nação asiática asiática que consegu con seguiu iu conservar conservar uma
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Que se deve pensar desde então das tentativas feitas por autores como Maurice Godelier, Jean Chesneaux, Jan SuretCanale e P . Boiteau, de trazer trazer o "mod "m odoo de produ pr odução ção asiáti asiáti co” a uma formação sócio-econômica que marca a passagem da socieda soci edade de sem classes para a socied soc iedade ade de classes?2 classes ?277 Para fazer isso, êles são obrigados a suprimir em pri meiro lugar o papel-chave que Marx e Engels tinham atri buído aos trabalhos hidráulicos e outros grandes trabalhos28 na criação dêsse modo de produção. Godelier, que segue Suret-Canale, afirma que “o controle do comércio intertribal ou inter-regional exercido por aristocracias tribais sobre a troca de produtos preciosos: ouro, marfim, peles etc., entre a África negra e a África Áfr ica branca” bran ca” ,29 ,29 pode po de dar origem a reinos reinos como com o Gana, Mali, Songhoi etc. Mas dilatando assim a noção de “ modo de produção asiático” asiático” — exata exatamen mente te como os auto auto res marxistas marxistas “ dogmá dog máticos ticos”” , que rejeitav rejeitavam am êsse conceito, er eram am obrigado obri gadoss a dilat dilatar ar a noção noç ão de "feudal "feu dalism ismo” o” — a especifici espec ifici dade do “modo de produção asiático” arrisca-se a desapa recer. independência real — o Japão — conseguiu igualmente escapar ampla mente do subdesenvolvimento. 27 Maurice Godelier, Godelier, “La “ La notion notion de “ mode mod e de productio prod uction n asiatique” asiatique” et le schémas marxistes d’évolution des sociétés”, Cahier du C.E.R.M.; Jean Chesnaux: La Pens Pe nsée, ée, n.° 114, abril de 1964; Jean Suret-Canale, La La. Pensée Pen sée,, n.° 117, outubro de 1964; Pierre Boiteau, La Pensé Pe nsée, e, outu bro de 1964. O último ( op. cit., pág. 68) afirma mesmo que o “modo de produção asiático” constitui um fenómeno universal, pelo qual todas as sociedades passaram. 28 Jean Chesnau Ches nauxx (op. cit., pág. 42) afirma: “Deve-se perguntar se essa noção de “alto comando econômico” não recobre outras funções que não a manutenção dos diques e dos canais: assim o contróle da rotação das terras; terras; a manutenção e o contró c ontróle le de sua segurança. segu rança. . . a proteção prote ção mi litar das aldeias contra os ataques dos nómades ou dos exércitos inva sores estrangeiros; a tomada a cargo direta pelo Estado de certos setores da produção industrial, que ultrapassavam as possibilidades das co munidades camponesas, por exemplo no dominio das minas ou da me talurgia. talurgia. . . ” Trata-se Trata-se evidentemente de uma petição de principio, a partir do momento em que não se atribui mais aos “trabalhos hidráuli cos” a causa essencial do aparecimento de tal Estado-empreendedor. Por que, em outras civilizações, confederações de aldeias, ver as primei ras corporações urbanas, os senhores locais, puderam preencher as fun ções que Chesnaux acaba de enumerar, enquanto no “modo de produ ção asiático” estas vão para o Estado? 29 Maurice Mau rice Godelier, Gode lier, op. cit., pág. 30.
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Porque o que fazem ésses autores é trazer insensivelmen te as caracterísicas do “modo de produção asiático” àquelas que marcam tôda aparição primeira do Estado e das classes dominantes no seio de uma sociedade ainda essencialmente fundada sôbre a comunidade de aldeia. Pode-se com efeito considerar como demonstrado que, em todos ésses casos, trata-se de inicio de um tributo voluntário concedido pelas co munidades munid ades para para fins de interesse comum ( fôsse fôs se um um interesse interesse imaginário, religioso ou mágico);30 que, progressivamente, uma aristocracia tribal ou intertribal se apropriou de início do usu fruto e depois da propriedade dêsse tributo; e que, durante um período intermediário mais ou menos longo, uma “demo cracia na base”, fundada sôbre a comunidade de aldeia, coa bitou com um Governo cada vez mais “despótico” do cume, expressão da nova classe dominante. Depois de ter colocado de início que o “modo de produ ção asiático” se deixa em última análise reduzir à combinação única de uma comunidade de aldeia e de um poder central explorador,31 os autores mencionados não têm evidentemente dificuldade para descobrir, não sem espanto aliás, êsse modo de produção produ ção “asiático” “asiático” ( sic) na África negra e na América pré-colombiana, na Europa mediterrânea, entre os etruscos e na civilização creto-micênica.32 Mas, essa operação de redu ção felizmente conseguida, deve-se perguntar o que subsiste de especificamente asiático nessa categoria assim dilatada. E a resposta é clara: não muita coisa, sobretudo no que con cerne aos fenômenos que foram, apesar de tudo, o ponto de partida da análise de Marx e de Engels: o caráter hipertro fiad fi adoo e d espó es póti tico co do Estado; a ausência de propriedade pri vada do solo. 30 Assim, Assim, a organização organiza ção coletiva coletiv a do trabalho em aldeias aldeias da África oci o ci dental, que escorrega insensivelmente da ajuda mútua coletiva ao traba lho efetuado, em troca de presentes, em proveito dos “homens mais eminentes”, depois à corvéia apenas camuflada (cf. Claude Meillassaux, Anth An thro ropo polog logie ie écon éc on om ique iq ue cies Gouro Go uro d e C ô te d’Ivo d’ Ivoire ire,, Mouton, Paris, 1964, págs. 175-185). 31 Jean Chesnaux, Chesn aux, op. cit., pág. 41: “O modo de produção asiático pa rece caracterizar-se pela combinação da atividade produtiva das comuni dades de aldeia e da intervenção econômica de uma autoridade estatal que as explora.” 32 Maurice Mau rice Godelier, Gode lier, op. cit., pág. 21.
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Mas a extensão excessiva da noção de “modo de pro dução asiático” a todas as sociedades “de passagem da so ciedade sem classes para a sociedade de classes” não permi te dar conta de outro aspecto, ainda mais capital, que essa noção adquiriu com Marx. Fazendo do “modo de produção asiático” uma sociedade que se intercala entre o comunismo do clã e a sociedade escravista ou a sociedade feudal; fazendo-a “explodir” seja numa via, seja na outra, suprime-se de nôvo tudo o que é específico na história do Oriente, trazendo-a, depois de um um breve desvio, para a antiga rotina rotina da “ escravi d ã o” ou do "feuda "feu dalism lism o" universais. . . depois de ter lamen tado previamente a dilatação excessiva dessas noções.33 Não se parece dar conta do fato de que essa noção de "modo de produção asiático” encobre, para Marx e Engels, não sòmente uma qualquer sociedade indiana ou chinesa “primiti va”, perdida nas brumas do passado, mas a sociedade indiana e chinesa chine sa tais com co m o o capital industrial euro eu rope peu u as encon en contro trou u conquista (índi (ín dia) a) ou da pe no século XVII, na véspera da conquista netração maciça (China) por êsse capital.34 33 Ver Ve r Godelier God elier,, op. cit., pág. 33, sôbre as formas de dissolução do modo de produção asiático. 34 Lembrem Lem bremos os a êsse respeito que o subcapítulo subcapítu lo do qual qu al é extraída extraída a passagem dos Grundrisse que trata do “modo de produção asiático’’ é intitulado: “Formas que Precedem a Produção Capitalista”, e que é in tercalado num capítulo consagrado à acumulação primitiva do capital. O contexto demonstra imediatamente que essa intercalação tem um sen tido preciso: trata-se de demonstrar por que, no seio do “modo de pro dução asiático”, mesmo a acumulação mais vasta de somas de dinheiro não produziu um processo de acumulação acum ulação de capital. cap ital. Assim Assim também também Lênin caracteriza o “despotismo asiático” em 1914 nestes têrmos: “Cada um sabe que êsse gênero de regime político goza de uma grande esta bilidade nos países em que a economia é marcada pela predominância de traços inteiramente patriarcais, pré-capitalistas, e por um fraco de senvolvimento da economia mercantil e da diferenciação das classes” ( Oeuvres, vol. 20, pág. 426, Editions sociales, Paris, 1959). Dificilmente reconhecer-se-á nessa descrição a sociedade que se intercala entre o co munismo munismo tribal e a sociedade sociedad e fundada na escravidã escr avidão. o. . . É verdade que nos Grundrisse, Marx caracteriza também o modo de produção asiático como uma das formas de propriedade coletiva do solo originadas da decomposição do comunismo tribal — no mesmo nível que a proprie dade coletiva do ager publicus em Roma ou que a propriedade coletiva do solo entre os germanos e os eslavos (págs. 380-6). Foi sem dúvida essa passagem que induziu em êrro certos autores. Mas, no mesmo con texto, Marx precisa bem que de tôdas essas formas de propriedade co-
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A ésse propó pro pósito sito,, aliás, aliás, Romesh Rome sh Dutt cita autores de relatos relatos oficiais oficiais do comê co mêço ço do século X I X que confirm confirmam am que nessa época ainda os campos pertenciam coletivamente às co munidades da aldeia.35 Desde então, a noção de "modo de produção asiático” desprovida de seu sentido específico não é mais capaz de dar conta do desenvolvimento particular do Oriente em relação à Europa ocidental e mediterrânea. Ela perde sua principal uti lidade como instrumento de análise das sociedades às quais Marx e Engels tinham no entanto explicitamente destinado. Ela não pode ganhar outra vez essa utilidade senão voltando a suas formulações originais, e à função que Marx e Engels tinham previsto para ela: explicar as particularidades do de senvolvimento histórico da índia, da China, do Egito, do Islã, em relação ao desenvolvimento histórico da Europa ocidental. Seu último “magnum opus” carece visivelmente de obje tividade científica;36 parece-nos todavia que é na antiga obraprima de K. A. Wittfogel de 1931, Wirtschaft und Gesell~ schaft Chinas, que se pode encontrar até hoje a melhor chave para compreender o caráter específico do “modo de produção asiático”, no duplo sentido em que Marx e Engels tinham compreendido essa especialidade nos Grundrisse. Wittfogel aí descreve amplamente a extraordinária proeza do camponês letiva, a do modo de produção asiático é a mais tenaz e a mais durável, o que implica que ela se manteve até o limiar do capitalismo moderno. 35 Romesh Rom esh Dutt: Dut t: The Economic History of índia, vol. I, pág. 107 (The Publication División of the Government of índia, Nova Deli, 1960). 36 No Le L e D espo es potis tism m e Oriental, Orie ntal, Wittfogel argumenta, sem prova algu ma, que Marx teria “mistificado” o caráter ae classe da “burocracia” do “ modo de produção asiático” asiático” , por por mêdo d e condenar assi assim m a buro cracia do “Estado socialista” que êle queria criar. É o mesmo móvel que o teria aliás levado a deixar em surdina sua concepção do “modo de produção asiático” ( op. cit., págs. 497-9). Além do fato de que a segunda parte dessa tese não está de maneira alguma demonstrada, a primeira, que atribui a Marx uma concepção burocrático-stalinista do Estado depois da derrubada do capitalismo (quando Marx celebrou na Comuna, originada do sufrágio universal, abolindo os funcionários per manentes e reduzindo seu tratamento ao de operários qualificados, o modêlo mod êlo de sua “ ditadura ditadura do proletariado” proletariado” ) constitui uma falsificação falsificação histórica histórica escandalosa. R ubel ube l (nota (n ota na pág. pá g. 1680 da edição das Oeuvres de Marx na coleção coleç ão Pléiade-Econ Pléiad e-Economie omie I ) constata constata a justo justo título título que “essa denúncia retrospectiva de uma desonestidade intelectual em Marx releva da da patologia mais mais do que da discussão discussão científica” .
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chinês, que fêz muito cedo da China um dos países mais den samen samente te pov oado oa doss do mundo. M as essa proeza está está subordi nada a trabalhos hidráulicos de tal amplitude que as comunas ou mesmo os grupos das comunas ou das províncias não po dem executá-los.37 !É daí que nasce a necessidade objetiva, o papel funcional, funcional, de um um podero pod eroso so poder pod er central. Daí tamb também ém a possibilidade de ver desenvolv dese nvolver-se er-se bastante rápidamen rápidamente te grandes manufaturas, muito mais cedo do que na Europa,38 mas sem dar origem a uma burguesia livre, mesmo no sentido medieval d o têrmo. O Estad Es tadoo é muito muito forte, impõe à acumu lação do capital-dinheiro um ritmo muito descontínuo, subor dina demais a vida intelectual e científica às necessidades da agricultura,39 para permitir um processo equivalente ao da acumulação primitiva do capital e da constituição de uma in dústria moderna com proletariado livre da Europa ocidental. É preciso insistir sôbre o fato de que essa sociedade não é de maneira maneira alguma “ primitiva” , no sentido sen tido de uma uma ausência ausência de classes sociais claramente delimitadas ou constituídas. Ao contrário, contrário, ao lado dos camponeses existem existem não somente os funcionários públicos, mas ainda proprietários fundiários (que se apropriam apropriam ilegalmente ilegalmente da da propriedade d o solo so lo)) e comer ciantes e banqueiros, muitas vêzes imensamente ricos. Mas o que determina a especificidade dessas classes no “modo de produção asiático” é que, diante da hipertrofia do poder de Estado, êles não podem nunca adquirir o pod p oder er social soci al e po p o lítico que, em outros países, deu origem ao feudalismo primei ro, ao capital capitalismo ismo moderno mode rno em seguida. seguid a. Eis aquilo aquilo de d e que que o conceito de “modo de produção asiático” deve dar conta. Deve-se aqui responder a uma objeção formulada por Michael Mauke, que particularmente se aplicou a aprofun dar a noção de classe para Marx em relação com uma tese sôbre os empregados que êle estava acabando no momento em 37 K. A. Wittfogel, Wirtschaft und Gesellschaft Chinas , págs. 187, 192-3, e sobretudo págs. 285-7. 38 Ver um pressentimento pressentimento surpreendente da existência existência dessa dessass manufatu ras chinesas nos Grundrisse, págs. 397, 410. 39 Wittfogel, op. cit., págs. 670-9. Cf. uma passagem do mesmo livro, pág. 572, onde o autor demonstra que o artesão chinês permanece sempre servidor, e na maioria das vêzes servidor ambulante, pelo fato da ex tensão asiática dos domínios fundiários! Essa passagem poderia ser inte grada no contexto dos Grundrisse que comentamos aqui.
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que faleceu bruscame bruscamente, nte, com a idade de 37 anos. ano s. Mauke Mau ke afirma que no seio do modo de produção asiático há apro priação do superproduto social por camadas dominantes, e di reit reitoo de pedido do d o supertrabal supertrabalho ho por elas. “ Mas enquanto enquanto êsses dois fenômenos estão ainda ligados à realização de fun ções para o conjunto da sociedade socied ade (burocracia, teocracia etc.) — quaisquer quaisquer que sejam sejam os abusos e o parasitismo parasitismo — não pode tratar-se para Marx de “classes”, mas de Governo de dominação e de desp de spoti otism smo.4 o.400 Mauke generaliza aqui, abusivamente a nosso ver, uma característica de classe dominante que não se aplica na rea lidade senão somente à burguesia capitalista, para a qual a separação entre “interesse privado” e "função social” é qua se total.41 Em tôdas as classes dominantes pré-capitalistas, e a fortiori nas classes não-dominantes tal como o artesanato autônomo da Idade Média, essa separação radical não existe. No nível do domínio, o senhor feudal ou o abade da abadia cumpre funções “úteis para a sociedade no seu conjunto”, da mesma maneira que o escriba do Egito antigo ou o mandarim da China clássica. ,Êle vela pela secagem dos pântanos, ocupa-se de construir e de proteger os diques quando a ne cessidade geográfica pede, protege o domínio contra incursões de assal assalta tant ntes es etc. T u d o isso não impede que êle êle se se apro prie, prie, em em troca dêsses dêsses “ serviços” serv iços” , do superproduto superpr oduto social —• quando a pré-história e a história demonstram que essas mes mas funções podem ser realizadas a serviço da coletividade, sem dar lugar a privilégios econômicos. ÍÉ nesse sentido que se pode falar da aparição de uma classe dominante no modo de produção asiático, classe que se apropria do superproduto superp roduto social. M as, na escala escala das clas ses dominantes que a história humana conheceu, ela é certa mente a mais mais próxima das funçõ f unções es primitivas primitivas de “ servidores da coletividade coletiv idade”” , e a mais mais afastada da burguesia burguesia contempo contem po rânea . A história históri a econ ec onôm ômica ica nos no s mostra aliás que, ao lado la do des de s sa classe dominante, o modo de produção asiático enfeixa ou N eu e 40 Michael Mauke, Mauke, “ Thesen zur Klassentheo Klassentheorie rie von Marx”, em Neu Krítik, pág. 29, n.° 34, fevereiro de 1966. 41 Mesmo a burguesia preenche aliás aliás uma função fun ção útil do ponto pont o de vista do conjunto da sociedade: a de desenvolver as fôrças produtivas; Marx volta a isso em numerosas ocasiões nos Grundrisse.
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tras classes sociais diferentes das dos camponeses e das dos senhores — principalmente principalmente uma classe comerciante relativa relativa mente desenvolvida e uma classe de artesãos urbanos, traba lhando exclusivamente para os senhores.42 Uma crítica análoga a esta que acabamos de formular a respeito das concepções de Godelier, Chesneaux, Suret-Canale e outros não foi ainda feita de maneira sistemática por outros autores. autore s. M as ela se encontra ao menos sugerida e em parte antecipada em diversos estudos. For mass Assim As sim,, na sua intr in trod oduç ução ão à ediçã ed içãoo inglesa ingl esa de Forma que Precedem a Produção Capitalista, Eric Hobsbawm se afas ta prudentemente de tôda interpretação mecanicista da céle bre séri sériee das “ quatro formações sócio-econômicas sócio-econ ômicas maiores” maiores” In trod oduç ução ão à C ontri on tribu buiç ição ão a um uma a Crí Cr í que Marx enumera na Intr tica da Economia Política (sociedade asiática, escravista, feu dal, capitalista), escrevendo que se trata de uma seqüência analítica e não cronológica.43 No entanto, algumas páginas antes, êle havia retomado a idéia de Godelier de que o “modo de produção asiático" não representa ainda uma sociedade de classe do “ gênero mais mais primitivo” primitivo” ;44 ;44 A s duas duas observaçõe observ açõess são manifestamente manifestamente contraditórias. contraditór ias. Se a seqüência não nã o é crono cron o lógica, se o “modo de produção asiático” não se situa necessàriamente antes da sociedade escravista (ou mesmo da so ciedade feudal), é impossível supor que não se trate nem mesmo de uma sociedade de classe, ou somente de uma so ciedade de classes rudimentares... Se bem que êle tenda, na nossa opinião erradamente, a minimi minimizar zar o “ m odo od o de produção produ ção asiático” asiátic o” , principalment principalmentee em em relação com sociedades mais desenvolvidas como a índia ou a China,45 Máxime Rodinson critica implicitamente a concep ção de Godelier, comentando nestes têrmos a passagem dos Grundrisse que analisamos neste momento: “Essencialmente, Marx vê o desenvolvimento pré-capitalista em relação com o capitalismo . O que o interessava era a aparição, em formaform a42 Ver a êsse êsse propósito propósito G. L . Adhya, Early Ear ly Iridian Econ Ec onom omics ics,, Asia Publishing House, Bombaim, 1966, pág. 98 para os comerciantes, págs. 84-7 para os artesãos urbanos. 43 Eric Hobsbaw Hobs bawm, m, op. cit., pág. 37. 44 Ibid., Ibi d., pág. 34. 45 Máxime Rodinson, Rodin son, Isla Islam m, et Capitalisme, Capitali sme, Ed. du Seuil, Paris, 1966, págs. 73-83.
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ções precedentes, de condições que tornem possível a emer gência de uma uma sociedade sociedad e capitalista. capitalista. A histori historiaa pré-capitalísta não é, como quer uma visão vulgar marxista, uma suces são de estágios universai universais, s, de formações forma ções econômico-sociais econôm ico-sociais governadas por leis implacáveis, que as levam inelutàvelmente para o capitalismo, e assim para o socia so cialis lism m o. . . Ela parte de uma comunidade primitiva, com uma estrutura essencial mente imposta pelas condições de existência da humanidade arcaica, mas que não apresenta menos tipos variados. Alguns dêsses tipos possuem um potencial de evolução no seio de sua estrutura particular pelo fato de suas contradições inter nas. É no curso dessa evolução, que se estende por milhares de anos, que alguns fenômenos se produziram que, convergin do numa numa região determi determinada nada (a Euro Eu ropa pa), ), numa época dada (o século século X V I ) , e num num contexto contexto dado, produze produzem m a socie sociedade dade capitalis capitalista. ta. Entre o ponto pon to de partida partida e o ponto pon to de d e chegada há outros fenômenos como a escravidão, modos de produção particulares46 (antes que formações sócio-econômicas no sen tido estrito do têrmo), nos quais, aqui e lá, relações sócioeconômicas de dominação são cristalizadas.”47 Deve-se mencionar o "Prefácio” notável de Pierre VidalNaquet da edição francesa do Des D espo poti tism sm o Oriental Orie ntal,, de Karl W ittfog ittf ogel, el, “ Prefácio” Pre fácio” no qual qual o autor autor aceit aceitaa em ge gera rall a teo ria do “modo de produção asiático" aplicada acs países aos quais Marx destinava esta noção, ao mesmo tempo assina lando as fraquezas e os exageros do livro de Wittfogel e in sistindo sôbre o fato f ato de que “ só uma agricultura agricultura que impl implica ica da parte p arte da d a coleti co letivid vidade ade grandes trabalho trab alhos. s. . . é suscetível de criar criar êsse tipo de socieda soci edade de”” . 48 i® É o sociólogo sociólog o polonês Juli Julián án Ho Hochfe chfeld ld ( Sludia o marksouwskief teor& spolecze mtwa mtw a — Estudos sôbre a Teoria marxista da sociedade Panstwowe Wydawnictwo naukowe, 1963, Varsóvia) que estabelece a distinção correta entre “modo de produção”, isto é, um modêlo econô mico “puro”, abstrato, e uma formação sócio-econômico, isto é, um tipo concreto de sociedade no seio da qual um “modo de produção” ocupa um lugar lugar dominante. Assim, Assim, seri seriaa exato exato dizer que o m odo de produção produ ção capitalista se desenvolveu na Grã-Bretanha a partir do século XVI; mas caracterizar a Grã-Bretanha como uma “formação sócio-econômica” ca pitalista, isso não seria exato senãõ a partir da segunda metade do sé culo XVIII. 47 Máxime Rodinson, “W hat ha t Happened Hap pened in in History” , em New Ne w L e ft ReRe view, n.° 35, janeiro-fevereiro de 1966, págs. 97-9. 48 Pierre Pierre Vidal-Na Vida l-Naque quet, t, op. cit., pág. 10.
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Deve-se finalmente citar um texto mimeografado de Guy Dhuquois, encarregado de curso da Universidade de Argel, que o autor nos enviou gentilmente.49 Êle emite críticas aná logas àquelas que acabamos de formular a respeito das teses de Godelier, Chesneaux, Suret-Canale. Da mesma maneira que Maxime Rodinson, êle volta igualmente à intenção de Marx, que era a de opor a linha de evolução européia àquela originada originada do “ mo modo do de produção produçã o asiáti asiático” co” . Insist Insistee a êst êstee rres es peito, justamente, sôbre a “coerência e (a) tendência extre mamente pronunciada à estabilidade, e à “palingenesia” que caracterizam êsse modo de produção: “O comércio cria por vêzes um engôdo de capitalismo (seria mais correto dizer: de acumulação de cap capita ital, l, E . M . ), mas mas é destinado às necessida des dos aristocratas e do suserano que dispõem do superproduto. du to. . . A s aldeias aparecem parasitária parasitáriass viven viv endo do a expe e xpen n sas do mundo rural e não lhe rendendo quase nada; não for necem senão uma base estreita ao desenvolvimento do comér cio e do artesanato urbanos. O banqueiro trabalha sobretu do para para o “ déspota” . O comerciante comerciante e o banqueiro estão estão num num meio que é, sob múltiplos pontos de vista, econômico, socioló gico, político ou cultural, desfavorável a iniciativas indivi duais de tipo nôvo. Por exemplo, os modelos sociais os inci tam a comprar direitos fundiários ou a fazer entrar seus fi lhos na função pública. Enfim, o Estado, diretor de tôda vida econômica, intervém para controlar suas atividades. Assistese à absorção contínua pelo modêlo dominante dessas ativida des marginais.”50 Guy Dhuquois indica ao mesmo tempo que, graças a êsse critério, a aplicação do conceito de “modo de produção asiático” a sociedades como o Baixo-Império Romano ou o Império Bizantino Bizantino é contra-indica contra -indicada. da. N o primeiro primeiro caso, a analogia está deslocada, “porque, fora mesmo da importância da propriedade privada que, com os grandes proprietários fundiários, levou a um preparo de feudalização, a preponde rância econômica do Estado parece arbitrária em relação às necessidades técnicas” técn icas” .51 .51 É por p or essa razão que q ue tal prepond prep ondee rância não foi de grande duração, que acabou numa degrada 49 Guy Gu y Dhuqu Dh uquois, ois, L e mond mo ndee de prod pr oduc uctio tion n asiatique asia tique (manuscrito mi meografado), pág. 13. 60 Ibid., Ibid ., págs. 4-5.
“ m o d o DE PRODUÇÃO ASIATICO”
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ção contínua da situação econômica e finalmente na explosão do Estado, sem chegar à palingenesia, tão característica para países países como com o a índia ou a China. Chin a. Quanto Qu anto ao caso de Bizâncio, Bizâncio, o Império Bizantino “conheceu uma evolução que parece ter sido inelutável para um tipo particular de feudalismo que, aqui, tomou definitivamente a frente, enquanto, segundo nos sa definição, no modo de produção asiático, o Estado deve normalmente normalmente reaparecer. . . no seu papel tradicional” . 52 Mas a noção de “modo de produção asiático” não so mente conheceu um feliz renascimento, no curso dos últimos a n o s . Foi Fo i também submetida submetid a a uma crítica, aliás, aliás, mais séria que aquela feita pelos “marxistas” dogmáticos do tempo de Stalin. É principalmente o caso de E. R. Leach, num estu do publicado em 1959 sôbre o Ceilão, e que serve ao mesmo tempo de críti crítica ca ao trabal trabalho ho de W it tf o g e l.5 l. 53 Essa crítica, válida na medida em que visa às formula ções exce excessi ssivas vas ( “ dogmáti dogmáticas cas às avessas” avessas” ) do W ittfo ge l de 1958, é muito menos pertinente quando é examinada à luz das concepções de Marx e de Engels a respeito do "modo de produção asiático” e do Wittfogel de 1931. Porque, incon el emen ento toss de “ feudalismo” testàvelmente, elem feudalismo” (isto é, é, de grande grande propriedade fundiária de fato, se não de direito, cultivada com a ajuda de corvéias, ou impondo uma renda aos camponeses-fazendeiros) existem no seio do “modo de produção asiá tico” tico ” . Segund Seg undoo a descrição desc rição de Leach, êsses elementos elementos pare cem mais importantes no Ceilão do que na índia ou do que na China, mas existiam igualmente China e, em Wirtschaft und Geselschaft Chinas, Wittfogel dá amplamente conta dis so. so . Senão vejamo veja mos: s: essa classe feudal não nã o se tornou jamais jamais classe dominante. Seus progressos sempre foram considera dos como usurpações do poder do Estado e dos direitos dos camponeses: e, quando essas usurpações se tornavam exces sivas, provocavam periodicamente uma crise econômica e po lítica, que terminava geralmente pela derrubada da dinastia 52 Ibid ., pág. 8. 53 E . R. Leach: “ Hydraulic Society Society in Ceylon” , em Past and Prese Pr esent, nt, n.° 15, abril de 1959, págs. 2-26.
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existente, através de uma guerra camponesa, e a aparição de uma nova dinastia que levou os proprietários fundiários à ra zão . 5i Por outro lado, é possível, como Leach sugere no seu estudo, que o antigo sistema de irrigação, no Ceilão, não fôsse tão impressionante quanto parece hoje, conforme as dimen sões das ruínas. Êle Ê le sugere que se trata trata de justaposições progressivas, cada geração acrescentando um certo número de canais canais e de reservatórios segundo segu ndo técnicas de trabalho trabalho descentralizadas (coor (c oorden denada adass na escala escala da aldeia) aldeia ) . Mas, nesse caso, a conclusão de Leach não invalida, realmente, a tese do “ m odo od o de produ pro duçã çãoo asiático” . ,Êst ,Êstee liga, com efeito, efeito, a aparição de um Estado despótico hipertrofiado com a neces sidade, somente, de grandes trabalhos hidráulicos. E quando êsses trabalhos se efetuam, essencialmente, ao nível da aldeia ■—•como no sistema dos qanats no n o Irã5 I rã555 — o despotismo não resulta dêles necessàriamente.58 Há, aliás, algumas outras passagens dos Grundrisse, nas quais Marx volta a essa diferença específica entre uma so fun dada a sõb sõ b re a prod pr odu u ção çã o d e valor va lores es d e uso, isto é, ciedade fundad em última última análise, análise, funda fu ndada da sôbre sôb re a agricultura agricultura (quer (qu er seja se ja no “modo de produção asiático”, modo de produção antigo, ou 54 D. D . Kosambi (op . cit., págs. 326-331, 351-365) afirma que os invasores mulçumanos na índia ali criaram, a partir do século XI, o embrião de uma classe feudal, mas que jamais puderam apoderar-se do poder sôbre todo o território, tomado entre o despotismo no alto e a comunidade da aldeia na base. 05 Ver Ve r a êsse respeito Henri Goblot Gob lot:: “ Dans l’ancien l’ ancien Iran, Iran, les techniques de l’eau et la grand histoire”, em Annales, Anna les, 18.° ano, n.° 3, maio-junho de 1963, págs. 500-20. 56 Assinalemos a êsse propósit pro pósitoo que, na sua Filosofi Fil osofia a da História Histór ia Mun dial (volume II), que Marx e Engels estudaram com ardor, Hegel per cebera a diferença essencial entre a evolução histórica chinesa e euro péia: “Igualmente não há aristocracia hereditária na China, nem situa ção feudal, nem dependência da riqueza como na Inglaterra, mas o po der supremo é habitualmente exercido pelo monarca” (“Philosophie der Weltgeschichte”, vol. II: Die D ie Orienta Ori entalisch lischee W el t, pág. 290, Leipzig, Verlag von Felix Meiner, 1919). Cf. também essa notável definição, que anunci anunciaa já já então então a análi análise se do “ modo mod o de produção p rodução asiáti asiático” co” : “ O que predomina predomina na China é a igualdade (a comunidade da aldeia aldeia,, E . M . ). . . A China Chin a é o império imp ério da iguald igu aldad adee absolu abs oluta. ta. . . Mas tudo tud o deve de ve ser re gulado pela administração. Porque na China reina a igualdade, mas não a liberdade, o despotismo é o modo de Govêrno necessàriamente dado” ( ibidem, pág. 299).
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asiático
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mesmo o feudali feudalismo smo “ puro” pu ro” ), e uma uma sociedade fundada fundad a sôbr sô bree a produção de valores de troca, sôbre a produção de merca dorias. doria s. A aparição do capital capital mer mercanti cantill (comprar (comp rar para para ven der), “êsse movimento pode produzir-se no seio de povos ou entre povos para os quais o valor de troca não se tornou de modo algum a condição da produção. O movimento não se apropria senão do excedente de sua produção orientada para o imediato consumo, e não se produz senão na sua fronteira (isto (ist o é, é, margin marginalm almente, ente, E. E . M . ) . Igualmente Igualmente com o os judeus (fizeram-no) no seio da velha sociedade polonesa ou em ge ral no seio da Idade Média, povos inteiramente de comer ciantes, como na Antiguidade, e mais tarde os lombardos, po dem ocupar essa posição intermediária entre povos cujo modo de produção não possui, ainda, o valor de troca como condi ção fundamental.” 57 E ainda: “ O dinheiro dinheiro na qualidade qualidade de fortuna fortuna de mer cadores — tal tal como com o êle êle aparece no seio das formas formas de so ciedade mais diversas e nos estágios mais diferentes de de senvolvimento das forças produtivas sociais — não é senão um movimento intermediário entre extremos, que êle não do mina, e entre condições que êle não cria... A maioria dos povos comerciantes ou das cidades comerciantes independen tes e poderosamente desenvolvidos pratica o carrying trade, que se fundou sôbre a barbárie dos povos produtores entre os quais êles represent representam am o papel do dinheiro (de (d e intermediá intermediá rio) rio ) . Nos primeiros primeiros estágios da sociedad socie dadee burguesa, burguesa, o co mércio domina a indústria; na sociedade moderna é o inverso. O comércio reagirá, evidentemente, mais ou menos às comu nidades entre as quais êle se realiza. Submeterá a produção mais ou menos ao valor de troca; rechaçará cada vez mais, ao último plano, o valor de uso imediato, na medida em que faz depende dep enderr a subsistência mais mais da venda ven da do que da imediata imediata utilização do produto. Êle dissolve as antigas relações. Au menta, por êsse fato, a circulação do dinheiro. Apreende, de início, o excedente da produção, em seguida açambarca pro gressivamente esta nela mesma. M a s a ação aç ão diss di ssol olve vent ntee d e pen p end d e muito da naturez nat ureza a das da s colet co letivi ivida dade dess produt pro dutivas ivas,, entre en tre as quais (o comércio) opera. Assim, êle apenas abalou as anti57 Grundrisse, pág. 165. (Grifos nossos.)
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gas ga s comunidades comunidad es da índia índi a e, em geral ge ral,, as cond co ndiç içõe õess asiáti cas” .5S
Essa passagem é importante porque demonstra que, em 1857-8, Marx conservava a sua opinião do ano de 1853 a res peito da resistência que o “modo de produção asiático” apre sentava sob o ponto de vista da ação dissolvente da troca. Ela sublin sublinha, ha, igualmente, que para M arx ar x tôda a evolução evolu ção progressiva dos modos de produção está fundada sobre urna dialética do superptoduto social (do excedente), que não é senão una dialética do “tempo necessário" e do “supertrabalho”, como vimos precedentemente. Resta colocar tôdas essas considerações sobre o “modo de produção asiático” no seu contexto concreto, isto é, na aná lise lise efetuad efetuada, a, por M arx, arx , das condiçõ con dições es históricas históricas — mais mais abs tratas — do impulso do capital e do capitalismo. Ter-se-á já então compreendido que, segundo o método dialético que éle usa com predileção ños Grundrisse, Marx não se demora so bre as “formas que precedem a produção capitalista” senão para pôr em evidência, de maneira negativa, os fatóres que, positivamente, conduziram ao desabrochamento do capital e do capitalismo na Europa. Marx releva, a ésse propósito, a necessidade, antes de tudo, de que que o trabalho se torne efetivamente efetivamente “livre” “ livre” — mas mas isso não somente no sentido jurídico como também, e sobre tudo, no sentido econômico do têrmo, isto é, livre de todo o laço com os meios de subsistência, de todo o laço com os meios de trabalho. Isso é “antes de tudo o desprendimento do operário da terra como desprendimento de seu laboratório natural — portanto, dissolução da pequena propriedade li vre do solo e da propriedade coletiva do solo, baseada sôbre a comuna oriental” orien tal” . 59 !É uma idéia que vem em numerosas numerosa s passagens nos Grundrisse, e que é aí notadamente retomada numa análise das condições da colonização, análise que será desdobrada no volume I de O Capital. O vôo do capitalismo é impossível tanto tempo quanto subsista o livre acesso a uma terra (relativamente) abundante:60 êste axioma estabelecido
58 Ibid., Ibi d., págs. 70, 741-2. (Grifos nossos.) 59 Ibid., Ibid ., pág. 375. 60 K . S. Shelvanka Shelvankarr assina assinala la que, mesmo no século XV III, III , a terra terra era era ainda abun abundant dantee na região região do Ganges ( em A. R. Desai, Desai, op. cit., pág. 149) .
“modo
de
p r o d u ç ã o
asiático
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por Marx encontrou uma confirmação surpreendente na tra gédia imposta aos povos de Zimbabwe e da África do Sul, que tiveram de ser cortados de seu solo natal, e encurralados em “reservas", para sofrer a obrigação econômica de vender a sua fôrça de trabalho ao Capital. Isso implica, por outro lado, uma separação do produtor de seus meios tradicionais de trabalho (por exemplo, do ar tesão independente) e do fundo de consumo que lhe era cre ditado antes mesmo que se pusesse a produzir.61 Mas Marx revela, também, a outra face da medalha: nas comunidades primitivas, o homem é estreitamente integrado nas condições naturais de existência e na coletividade “da qual qual êle é até até certo ponto a propried prop riedade ade”” . 62 O nível nível de de de senvolvimento das forças produtivas não permite outra orga nização social. soci al. É, somente, somente, se êsse desenvolvimento desenvo lvimento supera supera o estágio da comunidade primitiva, se as fôrças produtivas se produtodo homemdo homemdo que produto óa na~ tornam muito mais produtodo sedesprende dascomunidades pri íureza,03 que o indivíduo sedesprende mitivas: mitivas: “ o homem não se individualiza individualiza senão pelo pe lo processo proce sso históri his tórico” co” . 04 A troca é um dos principais instrumentos instrumentos dessa individualização. Ela produz, ao mesmo tempo, a alienação do homem — mas mas cria, cria, também, também, as condiçõe cond içõess necessárias à sua expansão integral como indivíduo, com tôda “a univer salidade das necessidades, das capacidades, dos gozos, das fôrças produtivas dos indivíduos”, que é ausente nas comu nidades primitivas e recalcada na sociedade burguesa. Vê V ê -se -s e , assim, quanto quan to é injusta a censura censur a freqüen fre qüentem temen en te endereçada a Marx, segundo a qual êle desejaria uma com pleta integração do indivíduo na coletividade, segundo a qual a socialização como êle deseja seria uma socialização integral 61 Ibid., Ibid ., pág. 397. 62 Ibid., Ibid ., pág. 395. 63 C f. a fórmula fórmu la quase idênt idêntica ica utilizada nos Manuscri Manu scritos tos d e 1844. 184 4. “ O homem se produz a si si própri próprio” o” . “Man makes himself’ é, também, o título do excelente epitome de pré-história e de história antiga redi gido pelo saudo saudoso so Gordon Chil Childe. de. ( N. do E .: Traduzido Traduzido par paraa o por tuguês e publicado, sob o título A Evolu Ev olução ção Cultural do H omem om em,, por Zahar Editores, Rio, 1966.) 64 Ibid. Ibi d.,, pág. 395.
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do ind ivídu iví du o.60 o.60 É o contrário que é verdade verd ade.. Se Marx M arx atri bui uma tão grande importância ao desenvolvimento das for ças produtivas; se é, numa certa medida, “amoroso do pro gresso técnico” técn ico” — sem, sem, aliás, aliás, jamais jamais subest subestima imarr os perigos de divisão e de alienação d o trabalho que disso resulta resultam m — é, precisamente, porque compreende que somente êsse desen volvimento das fôrças produtivas cria as necessárias condi ções para uma individualização cada vez maior do homem, que se realizará definitivamente, na sociedade socialista.67
60 C f. , por po r exemplo, o Prefácio de François Perroux Perroux na na edição das Collection de de la Plê Plêia iade de,, Obras de Karl Marx ( “E conomia I” ) na Collection N .R .F ., Pari Pariss, 1963, 1963, pág. pág. XX II: “O homem soci sociali alizado zado do comunismo comunismo final não é homem senão no todo social, na totalidade que é a socieda de comunista. O indivíduo se objetiva em e por pertencer a essa socie d a d e .. .” E, igual igualmen mente te,, pág. pág. XX III: “Êsse “Êsse homem homem torna tornado do verdade verdade no e pelo todo social, êsse homem que não permanece verdade senão na e pela totalidade social, não é caracterizado como um sujeito original e único capaz, essencialmente, de ação livre e de palavra livre. Êle não é verdade pela espontaneidade irredutível do espírito origem da ação e da palavra pessoais; êle o é pela participação na sociedade; não é senão senão na na e pela totalidade que êle se tornou e que êle permanece um homem. . . ” A cita citaçã çãoo dos dos Grundrisse que acabamos de reproduzir reproduzir de monstr monstraa quanto a imagem que Perroux Perroux esboça aqui de “ o homem so cial cialis ista ta’’’’ ou de “ o homem com comuni unista” sta” segundo Marx é pouc p oucoo conforme c onforme com a visão visão marxista. marxista. Marx assin assinala, ala, ao contrário, à sociedad socie dadee do fu turo a função de assegurar “o livre desenvolvimento das individualida des”, que é, essencialmente, o seu desenvolvimento “artístico, científico etc.” ( Grundrisse , pág. 593). Essa passagem, assim como o seu apro fundamento, págs. 599-600, da mesma obra, onde Marx se estende sôbre a ação recíproca do “tempo livre” — que transforma o homem em “ou tro sujeito” capaz de experimentar, de criar livremente — e o desenvol vimento das fôrças produtivas, indica quanto outra idéia de Perroux (op. cit., pág. XVII), segundo a qual, conforme Marx, “um pequenino número de senhores das máquinas” subsistiria mesmo na sociedade co munista, é contrária às concepções de Marx. 67 Isso não está está de modo mo do algum em contradição contra dição com a sexta sexta tese sôbre Feuerbach que afirma que “a essência humana não é alguma coisa abstrata que é inerente a cada indivíduo. Na sua realidade, ela é o conjunto das relações sociais’’ . Trata-se, precisamente, de relações so ciais infinitamente mais ricas que permitirão ao homem socialista se afirmar.
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O Acabamento da Teoria dos Salários
Como vimos, a primeira obra que Marx consagrara, mais Lo hnarb arbeit eit und K a particularmente, ao trabalho assalariado, Lohn pital ( Trabalho Trabalho Assalari Assalariado ado e Capital), ainda se apoiava, em parte, sobre uma errônea teoria dos salarios, retomada, em geral, de Ricardo. A mesma teoria dos salarios se encontra noutros escritos de Marx da mesma época, notadamente na Misé M iséria ria da Filo Fi loso sofia fia e no M Ma a n ifes if estó tó Comunista Comu nista,, De que se trata? A teoria ricardiana dos salários inspira-se amplamente em Malthus, e tem em conta um movi mento de oferta e procura de mão-de-obra essencialmente es timulado pelo processo demográfico. A alta dos salários acar retaria uma procriação mais avançada nas casas dos operá rios — ou se se quer exprimir com mais circunspe circun speção ção:: uma uma baixa de mortalidade infantil —- daí, o crescimento da oferta de braços, daí, a queda dos salários. Pelo contrário, a que da dos salários reduziria as dimensões dos lares operários (ou, o que dá no mesmo, aumenta a taxa da mortalidade: in fantil), fant il), daí, daí, a redução da da oferta oferta de braços. bra ços. A um certo mo mento, a procura de mão-de-obra deve, pois, superar a ofer ta, o que acarreta uma alta dos salário sa lários. s. Êsses dois movimen tos da balança tendem a equilibrar o nível dos salários, mas isso ao nível mais baixo, exatamente suficiente para manter vivo o operário operá rio e um lar “ mé médio” dio” (para perm permiti itirr um movi mento demográfico que corresponda, exatamente, às neces sidades de mão-de-obra criadas pela indústria capitalista).
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Que se trate de uma teoria muito primitiva/ isso não sofre discussão. O raciocínio é antes antes de d e tudo caduco cadu co porque quando define o salário como resultante das flutuações da oferta e da procura de mão-de-obra, limita-se, de fato, a es tudar as flutuações da oferta (e ainda!), fazendo abstração das flutuações da procura. Não examina, como oferta de mão-de-obra, senão a que resulta do movimento demográfico no meio operário, fazendo abstração de um processo, entre tanto, dos mais significativos do capitalismo: êste da proletarização dos produtores que dispunham antes diretamente de seus meios meios de prod pr oduç ução ão ou de troca ( camponeses, artesãos, artesãos, pequenos comerciantes e pequenos empreiteiros), e que apa recem, progressivamente, no mercado mercad o para oferecer ofe recer a sua sua fôrça de trabalho. Finalmente, nisso que o raciocínio parece ter de válido (as flutuações da mortalidade infantil governadas pelo nível de vida médio dos lares operários), há um êrro de raciocínio grosseiro: o fator tempo é escam oteado. otead o. Na realidade, realidade, uma uma queda da mortalidade infantil não aumenta, imediatamente, a oferta de braços, não a aumenta senão dez ou quinze anos mais tarde (o intervalo depende da ampliação do trabalho in fantil e da idade média na qual as crianças .começam a ser aliciadas) aliciadas ) . Para se saber se se êsse crescimento crescim ento de oferta ofe rta de mão-de-obra provocará ou não uma queda de salários, devese, ao menos, colocar-se a questão de saber qual é a tendência da procura de mão-de-obra, de decênio em decênio. A teo ria dos salários de Malthus-Ricardo pressupõe, pois, de fato, tàcitamente, uma esta es tagn gnaç ação ão a lon lo n g o têrmo têr mo da procura de mão-de-obra (de decênio em decênio!), o que está em con tradição com os fenômenos da revolução industrial, da indus trialização e do crescimento econômico sob o capitalismo em geral. 1 Deve-se Dev e-se,, entreta entretanto, nto, acrescentar acrescentar à defesa de Ricardo Rica rdo qu e êste êste não ignorava o efeito da acumulação do capital sôbre os salários, que êle de início supusera que a expansão do maquinismo tenderia a aumentar os salários, para modificar, mais tarde, essa opinião e admitir que o maquinismo poderia exercer efeitos nefastos sôbre êstes (ver a Introdu ção de Piero Sraffa às Obras Completas de Ricardo, The Works and Correspondence of David Ricardo, vol. I, pág. LVII, Cambridge Univer sity Press Press,, 19 1 9 5 1 ). Mas êle estava estava hipnotizado hipn otizado demais por sua teoria das rendas, e a hipótese de um encarecimento geral e permanente dos víveres, para romper de maneira decisiva com as concepções de Malthus.
TEORIA DOS SALARIOS
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Essa teoria não foi retomada, sob essa forma crua, se não por diversos socialistas ditos “utópicos” e por Lassalle e a sua sua famosa famosa “ lei lei de bronze dos salários” salários” . 2 M arx ar x e Engels jamais jama is a defende defe nderam ram,, mas ela os influencio influ enciou, u, incont inc ontest estáve ávellmente, a formular a sua primeira teoria errônea dos salários, que concluiu, como a teoria Ricardo-Malthus, com a tendên cia dos salários de cair para o mínimo vital fisiológico e aí se manter. É “o esbôço genial” do jovem Engels, Umrisse zu einer Kritik Kr itik der de r N ation at ional alök ökon onom omie, ie, que fornece a teoria dos salá rios que os dois amigos manterão, em grandes linhas, até o segundo exílio de M arx ar x na Inglaterra. Inglaterra. Engels ai ai condena como “infame e ignóbil” a doutrina de Malthus,. mas dela adota, não obstante, as conclusões: “Ao trabalho não volta senão o que é estreitamente necessário, os meios de subsistên cia total totalment mentee nus. n us. . . ” 3 Êle deduz êsse êsse fato não n ão de um mo mo vimento demográfico (se (s e bem que afirma que seja um mérito de Malthus ter demonstrado “que a população pesa sempre sôbre os meios de ocupação”4), mas de um fato econômico: a concorrência universal na qual os operários são mais fracos do que os capitalistas, e tanto mais enfraquecidos porque po dem ser substituídos por máquinas. Depois, aquêle argumento final que, nos Umrisse, apa rece um tanto marginal, ocupará o primeiro lugar na teoria dos salários das obras de juventude de Marx e de Engels. Assim As sim,, nas suas “ N otas ot as de Leitura” Leit ura” do ano an o de 1844, M a rx já então acresce acr escento ntou, u, aos ao s textos tex tos de Rica Ri card rdoo e de A dam da m Smith, o comentário que aqui está: “Em todos os países in dustriais, o número de operários é agora superior à procura, e pode-se recrutar, cotidianamente, proletariado desempregan do, do , do mesmo modo como aquêles operários aumentam por sua vez êsse proletaria prolet ariado. do. Assim, a acumulação acumula ção tem tem,, tam 2 “ A lei econômica econô mica de bronze que determina determina o salá salári rioo nas nas condições condiçõ es atuais, sob a denominação da oferta e da procura de trabalho, é a se guinte: que o salário médio permanece sempre reduzido à subsistência que é necessária para a existência e a procriação conforme os hábitos de um povo po vo”” ( F . Lassall Lassalle, e, “Offenes “Offe nes Antwortschreiben Antwortschreiben an das Zentral Zentral komitee zur Berufung eines allgemeinen Deutschen Arbeiterkongresses zu Leipzig”, 24 de abril de 1863, na Gesammelte Reden und Schriften, III, pág. 58). 3 K . Marx, Marx, F r. Engels, m e g a , 1, 2, pág. 401. 4 Ibid ., pág. 399.
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bém, a conseqüência inversa de que o salário operário é cada vez mais reduzido.” 5 N o pri primei meiro ro dos M Man anus uscri crito toss E conó co nóm m i co-Filosóficos d.e 1844, Marx afirma que o capitalismo rea girá contra todo o aumento dos salários, buscando reduzir a procura de mão-de-obra graças graç as à substituiçã subs tituiçãoo d os trabalha dores por máquinas: “ V isto is to que o homem cai caiu u ao nível de uma máquina, a máquina pode fazer-lhe face como concor re n te ."6 ." 6 É essa essa tendência tendência em subst substit itui uirr pelo trabalho trabalho morto morto o trabalho vivo, inata no capitalismo, que se torna o motor, ao mesmo tempo, da acumulação do capital e da baixa tendenci dencial al dos sal salár ário ioss no jovem jovem M a rx .7 A conclu con clusã sãoo que êle destaca desta ca dessa des sa etapa dessa lei é que êle considera que quanto mais o operário produz, tanto me nos consome; êle supõe, pois, uma absoluta baixa dos salá rios. rios . O fato de d e que o salário salário não po de aumentar aumentar numa dada dada situação senão fazendo baixar o lucro está, já então, clara mente destacado no segundo manuscrito de 1844.® Assim, Ass im, os noss no ssos os dois doi s jov joven enss autores autore s desenvo des envolvem lvem,, de fato, uma teoria dos salários que parte, essencialmente, não do movimtínio demográfico, mas do movimento da acumula ção do capital. Nos M Man anus uscri critos tos E con co n óm icoic o-F F ilo sófi só fico coss do ano de 1844,
Marx constata que é o período de expansão, de alta conjun tura, que é o mais favorável ao operário porque, em tal perío do, a procura de mão-de-obra supera a oferta, e a concorrên cia se acentua entre os capitalistas. Êsses dois fatores fazem aumentar os salários. Mas Marx acrescenta que a lógica do sistema capitalista produz, rápidamente, o resultado inverso. Porque a alta conjuntura estimula a acumulação dos capitais,
5 É interessante interessante constatar que o jovem jove m Marx Mar x utiliza aqui a palavra “proletariado” não como idêntica à classe operária, mas como designan do, exclusivamente, os desempregados, por analogia com o antigo pro letariado romano. 6 K . Marx, “Zur Kritik Kritik der Nationalökonomie” Nationalökonom ie” , em K . Marx, Marx, F r. En gels: Kle ine ökon ök onom om isch is chee Schriften, Schri ften, pág. 50. 7 Dois anos mais tarde, êle escreverá a Annenko Ann enkov: v: “ Desde Desd e 1825, a in venção e aplicação das máquinas não é senão o resultado da guerra entre os patrões e os operários” (K. Marx, Fr. Engels, Brief Br iefee über üb er “ Das Da s Ka pital” , Dietz-Verlag, Berlim, 1954, pág. 21). 8 K . Marx: “Zur Kritik Kritik der Nationalökonomie” , em K . Marx, Marx, Fr. En gels, Kleine Kle ine ökon ök onom omis isch chee Schriften, Schr iften, pág. 114.
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portanto a concentração capitalista, que faz cair grande número de produtores independentes na condição proletária. De onde o crescimento de oferta da mão-de-obra e a queda dos salários.9 Mis isér éria ia da Filo Fi loso sofi fia, a, no manuscrito Arbe Ar beit itsl sloh ohn, n, no N a M Trabalho Assalariado e Capital, n o M a n ifes if esto to Comunis Com unista, ta, Marx e Engels permanecem ligados à idéia de que a tendên cia geral dos salários, no regime capitalista, é a de baixar no sentido absoluto do têrmo, e de cair para o mínimo fisiológi c o de subsistência subsis tência.. Indicamos, Indicam os, acima, acima, quais são as reservas e matizes matizes que êles introduzem nessa nessa concep con cepção ção — reservas e matizes que os ajudarão, grandemente, a sobrepujar o que havia de errôneo na na sua sua teoria. A s duas duas fôrças motrizes des sa baixa tendencial dos salários reais são, de uma parte, a substituição dos trabalhadores pelas máquinas (isto é, uma forma de acumulação do capital que suprime mais empregos do que os cria), e de outra parte a concorrência que cresce entre en tre operár ope rários ios,, como resultado dêsse desemprego permanen te e crescente. Ar beits itslo lohn hn em Bruxelas no ano Redigindo as suas notas Arbe de 1847, Marx acredita, ainda, que as objeções dos econo mistas mistas contra os sindicatos (as (a s associações associaç ões de operá ope rário rios), s), afirmando que êstes não podem impedir as baixas dos salá rios, porque a sua ação provoca, inevitavelmente, novas for mas de divisão do trabalho, o deslocamento dos capitais de um setor a outro, a aparição de novas máquinas etc., são de finitivame finitivamente nte fundadas. fundad as. Êle não defende defen de menos menos essas essas "ass "a ssoo ciaçõ cia ções” es” , avalian ava liando do que é, em seu seu seio, que os operários aprendem a se preparar para a derrubada da “velha socieda de”.10 fisse ponto de vista Marx o revisará e igualmente o ampliará alguns anos mais tarde. Breve, durante todo êsse período, a concepção funda mental de Marx sôbre os salários foi que “o preço natural” (o valor) do trabalho (da fôrça do trabalho) é o salário mí nimo — o mínim mínimoo sendo concebido concebid o como com o uma uma noção fisioló gica.11 Quando e como êle revisou essa concepção? Não é fá9 Ibid., Ibid ., págs. 48-9. 10 K . Marx, Marx, F r. Engels, Klein Kl einee okõn ok õnom om isch is chee Schriften, Schrif ten, págs. 246-7. 11 C f. a passagem passagem célebre do Manife gastos que Ma nifesto sto Comunista: Comu nista: ‘ Os gastos ocasiona o operário se limitam, pois, quase exclusivamente aos víveres dos quais êle tem necessidade para a sua subsistência e para a procria-
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eil estabelecê-lo com precisão. Mas foi, sem dúvida, o estu do das flutuações cíclicas e da atividade sindical na Grã-Bre tanha que o levou a visões mais corretas.12 Nos Grundrisse, escritos nos anos de 1857-8, portanto, exatamente dez anos após as passagens que acabamos de citar,13 Marx já tem, então, uma visão mais dialética, mais completa e mais amadurecida do problema dos salários, visto que, praticamente, não será mais modificada até à redação do
Capital.
Assim As sim,, M arx ar x aí nota que a única coisa cois a que distingue distin gue o operário do escravo é que êle pode alargar o círculo de seu gôzo no período de boa conjuntura, que pode “tomar parte nos gozos superiores, mesmo espirituais, na agitação por seus próprios interêsses, que pode comprar jornais, ouvir conferên cias, educar os filhos, desenvolve desen volverr os seus seus go gost stos os”” , em poucas pouc as palavras, “participar da civilização” da única maneira que lhe permanece aberta, elev el evan ando do as suas nece ne cessi ssida dade dess ,14 Ora, Marx afirma aqui, implicitamente, que êsse aumento do consumo, êsse alargamento alargam ento das necessidades, neces sidades, permanecem possíveis p ossíveis para os operários pelo menos no período de alta conjuntura, e que o valor da fôrça de trabalho inclui, pois, dois elemen tos, um sendo um elemento filosófico mais ou menos estável, o outro sendo um elemento variável, considerado como neces sário para a reprodução da fôrça de trabalho conforme as necessidades crescentes adquiridas pelos operários.
ção de sua raça. O preço de uma mercadoria e, pois, também do tra balho é, entretanto, igual aos seus gastos de produção. Na mesma me dida onde cresce o caráter repugnante do trabalho, o salário baixa’’ (nossa própria tradução do texto alemão, alemão, ed . Buchhandlung Vorwärts, 1918, Berlim, pág. 32). Arb eitslohn ohn , Marx considera 12 Todavia, Toda via, desde 1847, no seu seu caderno Arbeitsl que êsse mínimo não é uma noção fisiológica absoluta; que diferentes elementos podem aí ser introduzidos ou daí ser desfalcados; que os próprios burgueses aí englobam “um pouco de rum, de chá, de açúcar e de carne” e que os próprios operários aí englobam a sua quotização K leinee ökon ök onom om isch is chee Schriften, Schrift en, pág. 247). sindical ( Klein 13 C f. Fr. Fr . Engels: E ngels: “E m 1850, Marx ainda não pusera pusera ponto final à sua crítica da Economia Política. Êle não o fêz senão ao fim dos dez anos seguintes” (Introdução à edição de 1891 de Trabalho Assalariado e Capital, pág. 63 das Obras Escolhidas, vol. I, Moscou, Edições do Pro gresso, 1955). Grundriss issee der d er Kritik Kritik der politischen po litischen Oek onomie, onom ie, págs. 197-8. 14 K. Marx, Marx , Grundr
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E algumas páginas adíante, 15 ele indica que o capital tem a tenden ten dencia cia de impelir o opera ope rario rio a substituir as suas “ necessidade necessidadess naturai naturais” s” (fisiológica (fisioló gicas) s) por necessidades necessidades “his tóricame tóricamente nte criadas” . Essa idéia foi, aliás, já tratada numa passagem anterior dos Grundrisse, onde Marx sublinha que o operario é, igual mente, considerado como consumidar pelo capitalista, e que éste tem, pois, tendencia tenden cia a querer estimul estimular ar o co cons nsum um o. . . salvo em seus próprios operários.16 E ela é desenvolvida na análise da produção da mais-valia relativa, onde os dois efei
tos contraditórios da acumulação do capital sobre o valor da fôrç fô rça a d e trabalho trab alho e sobr so bree a evol ev olu u ção çã o d o s salários salário s são colo
cados em evidencia. De um lado, a acumulação do capital; a substituição do trabalho vivo por máquinas; o crescimento da produção do trabalho trabalho,, tudo isso tende a fazer fazer baixar o salário nominal nominal (uma mesma quantidade de víveres ou de mercadorias em ge ral é, agora, produzida num lapso de tempo mais reduzido) e o próprio próp rio salár salário io re real al (sob (so b a pressão do desemprego cres cente) . Mas, M as, por po r outro lado, a acumulação do capital capital impli implica ca a criação de novos ramos industriais, portanto a criação de empregos novos, assim como a criação de novas necessidades, e a propagação dessas necessidades em meios cada vez mais amplos.17 Dessa maneira, ela tende a aumentar o valor da fôrça de trabalho trabalho (porque êsse valor valo r incl inclui ui,, agora, o preço de novas mercadorias, devendo satisfazer essas novas neces sidades) do mesmo modo que o seu seu preço (quando (quand o o desemprêgo se reduz) . Os movimentos reais dos salários não são, pois, mais determinados por leis mecânicas e simples, mas de pendentes da interação dialética dêsse duplo efeito da acumu lação do capital sôbre o valor da fôrça de trabalho.18 is Ibid., Ibi d., pág. 231. 16 Ibid., Ibi d., págs. 194, 198. 17 Ibid., Ibid ., pág. 312. 18 Ricar Ri cardo do tivera o pressentimento pressentimento dêsses dêsses efeitos complexos comp lexos quando quan do su blinhava que a baixa dos preços de numerosas mercadorias podia permitir o seu consumo pelos operários. Mas êle acrescentava: com a condição de que haja desproporção entre os preços das matérias-primas (e da fôrça de trabalho) e os preços das mercadorias acabadas, e com a condição de que os operários sacrifiquem uma parte da renda prevista para a compra de víveres. Como Marx o sublinha, suprimindo essa “desproporção”, a
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No manuscrito das Teorias sôbre a Mais - V alia ( Theo ríen über den Mehrwert), redigido nos anos de 1862-3, Marx precisa que a acumulação do capital, substituindo' constante mente o trabalho vivo por máquinas, pode reproduzir o traba lho assalariado' numa larga escala, isto é, aumentar, de manei ra absoluta, o número de assalariados, mesmo se a massa dos salários diminui relativamente em relação ao capital global.19 Algur Alg ures es,, êle observ obs ervaa que, em perí pe ríod odos os de alta conjuntura, conjun tura, os operarios “representam um papel importante na qualidade de consumidores”, enquanto “consumidores de seus próprios produtos” (bens de consumo) consumo ) . 20 Mas é na sua exposição diante do Conselho Geral da Ass A ssoc ocia iaçã çãoo Geral Gera l dos do s Trab Tr abalh alhad ador ores es (I Inter In terna nacio ciona nal), l), rea lizada nos dias 20 e 27 de junho de 1865, que Marx exporá, de mane maneira ira completa, a sua sua teoria dos do s salários. salário s. Essa teoria, êle a resume resume na seguinte seguinte passagem: passagem : “ M as há algumas algumas cir cunstâncias particulares que distinguem o valor da fôrça de trabalho, o valor do trabalho, dos valores de tôdas as outras mercadorias. O valor v alor da fôrça do trabalho trabalho é formado de dois elementos, do qual um é puramente físico e o outro his tórico ou social. O seu limite supremo é determinado pelo elemento físico, isto é, que para subsistir e se reproduzir, pa ra prolongar a sua existência física, é preciso que a classe operária receba os meios indispensáveis de subsistência para viver e multiplicar-se. O valor dêsses dês ses meios meios de subsistênc subsistência ia de necessidade absoluta constitui, por conseguinte, o limite mínimo do valor do trabalho. . . "Paralelamente a êsse elemento puramente fisiológico, o valor do trabalho' é determinado pela maneira de viver usual a cada país. Isso não somente consiste na existênci existênciaa física, física, mas na satisfação de certas necessidades nascentes das con dições sociais nas quais os homens vivem e foram educa dos . . . “Se você compara os salários normais, isto é, os valores do trabalho em diferentes países e em épocas históricas dife rentes no mesmo país, encontrará que o próprio valor do tralivre-troca suprimiria, ao mesmo tempo, a origem de expansão das neces sidades nos operários ( Grundrisse, II, págs. 817-8). 19 K . Marx, Theorien über den Mehrwert, vol. II, pág. 570. Ibid. , vol. III, pág. 221. 20 Ibid.,
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balho não é uma grandeza fixa, que êle é variável, mesmo se se supõe que os valores de tôdas as outras mer-cadorias per manecem manecem constantes.” constante s.” 21 (G rifo ri fo nosso. nos so.)) Marx disso deduz que, se o limite mínimo dos salários pode ser mais ou menos exatamente definido, não existe li mite mite máximo para êsses salários salá rios.. Ou, Ou , mais mais exatamente: o máximo dos salários é o que deixa suficientemente subsistir lucro, aquém do qual o Capital não tem mais interesse em ali ciar a mão-de-obra. Entre êsse mínimo e êsse máximo, a concreta determi nação do nível dos salários depende ‘‘das fôrças respectivas dos combatentes” , isto é, das vicissitude vicissitudess da luta luta de classe. É, aliás, o que Marx procurou demonstrar, visto que a sua ex posição tendia, antes de tudo, refutar a tese segundo a qual a ação dos sindicatos seria inútil e mesmo nociva para os tra balhadores22 (cf. carta a Engels em 20 de maio de 1865) . M as essas essas “ fôrças respect respectiva ivass dos combatentes” são, são, por sua vez, determinadas, pelo menos em parte, por fatôres ob jeti je tivo vos. s. E entre êsses, êle cita, antes de tudo, tudo , a flutuaçã flut uaçãoo da oferta e da procura da mão-de-obra, o que lhe permite pre cisar que nos países de além-mar, como os Estados Unidos da América, relativamente pouco povoados, onde “o merca do do trabalho constantemente se esvazia pela contínua trans formação dos operários assalariados em camponeses”,23 a lei da oferta e da procura favorece o operário e lhe permite ob ter salários salários mai maiss elevados do que na Europa. Europ a. M arx notara, notara, aliá aliás, s, alguns anos mais mais cedo — numa numa polêmica contra Ricar Rica r do — que a penú penúria ria relat relativ ivaa da população nos Estados Uni Un i dos permitira ali estimular, por sua vez, altas de salários e uma uma expansão expansã o prodigiosa prod igiosa do maqu m aquinism inism o.24 o.24 Como evoluem a oferta e a procura de mão-de-obra nos países já amplamente industrializados? Pela substituição cons21 K . Marx, Salaires, prix et profits, Bureau cTEditions, Paris, 1945. 22 Brie Br iefw fwec echs hsel el zwisc zw ische hen n Fr. Engels En gels und K. Marx, vol. III, pág. 259. 23 K. Marx, Mar x, Salaires, Prix et Profits, pág. 25. 24 K. Marx, Marx , Theorien üher den Mehrwert, vol. II, págs. 573-4. Cf. uma observação análoga feita desde dezembro de 1846 na carta a Annenkov: “Afinal, quanto à América do Norte, a introdução das máquinas era tra zida pela concorrência com os outros povos e pela escassez de mão-deobra, isto é, pela desproporção entre a população e as necessidades in dustriais da América do Norte” (K. Marx, Fr. Engels: Brief Br iefee iiber iib er “ Das Kapital’’, Kapital’’ , Dietz-Verlag, Berlim, 1954, pág. 21).
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tante dos trabalhadores pelas máquinas, pelo crescimento constante da composição orgânica do capital. A tendência a longo prazo é, pois, a de um desequilíbrio da oferta e da procura a favor dos capitalistas e às custas dos trabalhado res, acredita Marx: “A tendência geral da produção capita lista lista não é elevar o salário médio, mas b a ixa ix a r .” 25 Deve-se entender essa expressão no sentido absoluto ou no sentido relativo do têrmo, como baixa do valor da fôrça p o d e r d e compra com pra d os salários? do trabalho ou como baixa do po Muitos elementos deixam supor que o sentido relativo é mais conforme com o pensamento de Marx do que o sentido abso luto. Êste indica, com efeito, na mesma exposição, que uma baixa do valor da fôrça do trabalho, no caso do aumento da produtividade, pode acompanhar-se da manutenção do salá rio real, real, e aí êle acrescenta: “ Se bem bem que as as condições condiç ões a bs o lutas de existência do operário tivessem permanecido as mes mas, o seu salário relativo e, portanto, a sua situação social relativ relativa, a, comparada compar ada à do d o capitalismo, capitalismo, teria teria baixado baix ado.” .” 26 Ora, essas condições de crescimento da produtividade são, incontestàvelmente, mais “normais” nos países capitalis tas tas há quase um século séc ulo.. M arx, arx , ali aliás, ás, acrescenta, acrescenta, imediata mente me nte,, à passagem supramencionada: supram encionada: “ Se o operário operário opusesse resistência a essa diminuição de salário relativo, não faria se não se esforçar para obter uma parte da produtividade acres cida de seu próprio trabalho, e conservar a sua antiga situa ção social relativa.”27 Esta eventualidade implica mesmo uma alta tendencial dos salários reais, com baixa da parte relativa dos valores no vamente criados que volta aos operários. E, nas Teorias sdbre a M ais~Valia, M a r x pare parece ce indi indica carr que que se tra tratta ali de uma tendência geral e que “os operários não podem impedir, é verdade, a baixa do salário (em valor), mas não se deixam 25 K. Marx, Marx , Theorien über den Mehrwert, vol. II, págs. 573-4. 26 Marx dedica ded ica uma enorme importância importância à noção noç ão de “sal “ salári árioo relativo” relativo ” , e considera que um dos principais “méritos científicos” de Ricardo foi êsse de ter estabelecido a categoria do salário relativo ou proporcional ( Théories sur la la plus-value, plus-value, II, pág. 415). Êle próprio tinha sublinhado a importância dessa noção desde 1847, nas suas conferências intituladas Travail, Salariés et Capital (nas Oeuvres Choisies, vol. I, págs. 90-1). 27 K. Marx, Marx , Salaires, Príx et Profits, pág. 20. 28 K. Marx, Marx , Théorien über den Mehrwert, vol. III, pág. 309.
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absolutamente abaixar ao mínimo, mas arrancam antes quan
titativamente uma certa participação no progresso da riqueza gera ge ral” l” .
Seja como fôr, a conclusão dizendo respeito à baixa tendencial dos salários médios deve, em todo caso, ser tempera da por duas observações. Não se aplica senão à sociedade capitalista tomada no seu conjunto, isto é, na escala mundial; e pode muito bem exprimir-se concretamente por uma alta tendencial dos salários médios dos países industrializados, a acumulação do capital ali tomando tal amplidão que o empre go ali constantemente aumenta em relação ao movimento de po rqu u e a supr su pres essã sãoo d e empr em preg egos os qu quee implica êsse ês se mográfico, porq
movimento não se produz tanto no interior dêsses países quanto quanto no exterior, nos países países ditos “ do terceiro mundo” mundo” .
Pode ser temperada pelo fato de que, com os progressos do maquinismo, aumentam ao mesmo tempo os empregos no setor dos serviços, e que se desenvolve uma “nova classe média” que evita, assim, um crescimento contínuo do exército de re serva industrial, fenômenos, que Marx previra muito tempo antes que êles se produzissem, nas duas passagens das Teo rias sôbre a Mais-Valia ,29 A o mesmo mes mo tempo, tempo , a utilidade utilid ade da ação açã o sindical é a de su primir, ao menos em grande parte, aquela famosa concorrên cia entre os operários que, para o jovem Marx, apareceu co mo a causa da queda inevitável dos salários para o seu míni m o .30 .30 N os Salários, Preços e Lucros, Marx exprime-se de maneira mais científica, afirmando que, quando há abundân cia de oferta no “mercado do trabalho”, notadamente no pe ríodo de crise econômica e de desemprêgo maciço, a fôrça de trabalho se arrisca a ser vendida abaixo de seu valor. A coa lizão operária, a supressão da concorrência entre operários, a negocia neg ociação ção coletiva dos salári salários, os, a ação açã o sindical, sindical, tudo isso visa, em última análise, a obter que, em média, a fôrça do tra balho seja vendida ao seu valor, e não abaixo dêste. E estas formas de ação são, pois, julgadas absolutamente indispen sáveis por Marx, porque, sem elas, a classe operária “se re baixaria a não ser mais do que uma massa informe, esmaga2» Ibid., Ibi d., págs. 569-70, 572. 30 Ver notadamente notadam ente Travail Salarié et Capital, Oeuvres Choisies, I, págs. 98-9.
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da, de seres famélicos aos quais não se poderia mais, de mo do algum, vir em em auxilio aux ilio”” . 31 M as as possibili poss ibilidade dadess objet ob jetiv ivas as de uma ação sindical bem sucedida dependem, por sua vez, da relativa amplidão do exército de reserva industrial que, co mo dirá Marx no Capital, é reguladora do nivel dos salá rios. N ão é senão quando o desemprego tende a esta estabil bilizar izar se ou a reduzir-se a longo prazo que uma alta dos salários reais reais a longo long o prazo se pode pod e pro du zir.3 zir .322 Para Marx, o essencial era pôr em evidência a pauperização relativa do proletariado, o fato de que, mesmo quan do os seus salários aumentam, aumentam bem menos do que as riquezas do Capital. Desde o Trabalho Assalariado e C a pital, encontramos a êsse propósito a imagem da casa “gran de ou pequena” ao lado da qual se levanta um palácio. Vin te anos mais tarde, êle escreverá no Capital: “A situação do operário deve agravar-se, qualquer que seja o seu salário, seja êle baixo ou elevado.” Uma mesma condenação da pauperização relativa liga essas duas expressões.33 Tudo o que precede indica, claramente, que Marx jamais expôs, nas suas obras de maturidade, qualquer “lei” da pauperização absoluta dos trabalhadores, ainda que êle considerasse sua pauperiza ção relativa como inevitável. Eliane Mossé34 cita a célebre passagem do volume I do (capítulo ulo X X X I I ) , onde Marx Ma rx fala fala da acumul acumulaç ação ão Capital (capít da riqueza em um pólo que é, ao mesmo tempo, “acumulação de miséria, de sofrimento no trabalho, de escravidão, de in certeza, de brutalização e de degradação moral em outro pó lo, isto é, do lado da classe que produz o seu próprio produ to como capital” . 35 M as ela ela não parece notar notar que, que, conform con formee o contexto (isto é, as frases que precedem), a fórmula apli31 K . Marx, Salaires, Prix et Profits, pág. 26. 32 C f. nosso Traité d’Economie Marxiste, I, págs. 175-7. 33 K . Marx, F r. Engels, Oeuvres Choisies, I, pág. 88; K. Marx: Das Kapital, I, pág. 611, edição de Engels, Meisner, Hamburgo. Todo o pro blema da teoria dos salários de Marx é examinado, de maneira notável, por Roman Rosdolsky: “Der esoterische und der exoterische Marx”, em Arbeit Arb eit und W irtsc irt scha haft ft (Revue syndicale autrichienne), números de no vembro de 1957 e janeiro de 1958. pr oblè lèm m e d e la croissanc croiss ancee dans u ne é coco 34 Eliane Elian e Mossé, Mossé , Marx e t le prob nomie capitaliste, Paris, Armand Colin, 1956, pág. 60. 35 Das Kapital, I, pág. 611 da edição de Engels, Hamburgo, Meisner,
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ca-se não aos operários no trabalho, mas à "camada de Lá zaro do proletariado”, isto é, à massa dos desempregados que constituem constituem o exérci exé rcito to de reserva industrial. industria l. Isso é, é, ainda, su su blinhado pela passagem precedente em que Marx precisa “a lei lei absoluta, absoluta, geral, geral, da da acumulação capitalista” capitalista” : “ A amplidão amplidão relativa do exército de reserva industrial cresce, pois, com o potencial da riqueza. riqueza . Mas, Ma s, quanto maior é aquêle exército exército de reserva em relação com o exército dos operários ativos, tanto mais maciça é a população excedente consolidada, cuja misé ria está em relação inversa com o seu sofrimento no traba lho. lho . M aior é, finalm finalment ente, e, a camada de Lázaro da classe ope op e rária e do exército de reserva industrial, e maior é o paupe Ei s a lei absoluta abso luta,, geral, gera l, da acumu acu mulaçã laçãoo capita cap ita rismo oficial. Eis lista. Como tôdas as outras leis, é modificada na sua realiza ção por numerosas circunstâncias, cuja análise não se deve aqui fazer.36 Não há, pois, motivo para se deduzir o que quer que seja dessa passagem dizendo respeito à evolução dos sa lários, tanto mais que Marx fêz preceder essa passagem pela frase: fras e: “ Resulta que, na medida em que o capital se acumula, acumula, a situação do operário deve agravar-se, qualquer que seja o seu pagamento, elevado ou baixo.” Numerosos Num erosos estudos confirmam a existência existência dessa “ ca mada de Lázaro da classe operária” em todos os países ca pitalistas. pitalistas. O exemplo exem plo mais mais chocante chocan te é êsse dos países com salários mais elevados, os Estados Unidos da América, onde a "lei absoluta, geral, da acumulação capitalista” verificou-se de mane maneir iraa dramática. dramática. Depois Dep ois da aparição do livro de MiM ichael Harrington, The Other America, é largamente aceito, nos Estados Unidos, que um quarto da nação, cinqüenta mi lhões de americanos, é pobre e sofre os estigmas da pobreza.37 E se tal cifra não é mais elevada, isso é devido, em parte, ao fato de que, entre os anos de 1940 e 1957, a porcentagem das mulheres casadas que são assalariadas ou empregadas pas sou de 15 a 30%, o que implica num país, cujos serviços so ciais são notoriamente subdesenvolvid subd esenvolvidos, os, “ o empobrecimen t o . . . dos d os filhos que recebem recebem menos cuidados, menos amor e meno menoss vigilância” . 38 36 Ibid., Ibid ., pág. 609. 37 Michael Mich ael Harrington, The Other America — Poverty in the United States, Penguin Books, Harmonsdsworth, 1963, págs. 177-178. 38 Ibid., Ibid ., pág. 174.
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O Professor James está mais próximo do pensamento de Marx do que a Senhorita Mossé, quando êle escreve, no pre fácio fácio do livro livro da Senhor Senhorita ita M ossé os sé:: “ A conclusão é que que,, con forme as visões de Marx, se produziu uma “pauperização ab soluta” e uma “pauperização relativa” da classe operária, no curso da expansão francesa. No que concerne à “pauperiza ção relativa”, no sentido indicado por Marx, parece que a demonstração demonstração da Senhorit Senhoritaa Moss M osséé é convincente. M as o que seria importante seria provar que houve “pauperização abso luta” . Ora, não nã o hesito em em dizer dizer que, que, sôbre êsse ponto, pon to, a lei lei tura tura da obra da Senhorita M ossé os sé não me convenceu.” conven ceu.” 39 D e fato, a “pauperização absoluta” não está conforme com as vi sões do Marx dos anos de maturidade. Há, aliás, uma prova mais probatória ainda de que Marx e Engels não aderiram a uma hipótese de “pauperização ab soluta” do proletariado. Na sua crítica do programa de Erfurt da democracia-social alemã, Engels comentou a frase “o número e a miséria dos proletários crescem sem cessar” da seguinte maneira: “ D ito de maneir maneiraa tão absoluta, absoluta, isso não nã o é just ju sto. o. A orga or gani niza zaçã çãoo dos do s trabalhad traba lhadores ores,, sua resistência sem cessar crescente, poderão, ta.lvez, opor um certo dique ao crescimento da miséria, Mas o que aumenta, sem dúvida al guma, é a insegurança de existência. É isso o que eu inscre veria. ”40 Pode-se, entretanto, conceber que, para Marx, a rela tiva pauperização não se dá somente na relação entre a ren da global e o que cabe aos operários. operário s. Ela dá-se, também, também, na insuficiência dos salários em relação às necessidades nova mente suscitadas pela produção capitalista. Para Marx, trata-se de comparar os salários à riqueza geral criada pelo Trabalho; e “a riqueza, considerada de um ponto de vista material, não consiste senão na diversidade das necessidade necess idades” s” . 41 Ora, a evolução evolu ção da produção produ ção industr industrial ial tende a tornar comuns e necessárias necessidades considera das, prèviamente, como necessidades de luxo. Mas o faz de maneira contraditória, no seio do modo de produção capitalis ta, “na medida em que coloca somente um determinado crité89 Emile Em ile James, James, Eliane Elian e Mossé, Marx Mar x et le prob pr oblè lème me d e la croiss cro issanc ancee dans une économie capitaliste, Préface. 40 Marx Ma rx-En Engel gelss W er ke , vol. 22, pág. 231, Dietz-Verlag, Berlim, 1963. 41 K. Marx, Mar x, Grundrisse der Kritik aer politischen Oekonomie, pág. 426.
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rio social social como necessári necessárioo em relação ao luxo” lux o” . 42 Noutros termos: somente certas necessidades novas são satisfeitas, in clusive no cálculo dos salários, para a mão-de-obra assalaria da, ao passo que outras permanecem necessidades de luxo às quais os trabalhadores não têm acesso, apesar do fato de que a grande indústria poderia satisfazer essas necessidades tam bém para êles, sa não mais se desenvolvesse sôbre a base da apropriação privada. Terminando a análise detalhada do problema dos salá rios, Marx, realmente, terminou a obra analitica, que lhe de Capital. al. “Trabalho, agora, como um veria permitir redigir O Capit cavalo porque devo explorar o tempo no curso do qual sou capaz de trabalhar, trabalhar, e os carbúnculos continuam,” escreve Marx a Engels em 20 de maio de 1865.43 Êsses carbúnculos, êle diz aliás que a burguesia se lembrará dêles por muito tempo.
42 Ibidem Ibid em.. 43 Brief Br iefwe wech chse sell zwisc zw ische hen n Fr. Engel En gelss und K. Marx, vol. III, pag. 259.
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Dos M a n u s c r ito it o s d e 1844 18 44 aos Grundrisse: de uma Concepção Antropológica a urna Concepção Histórica da Alienação
Chegou o momento de se concluir. A gênese das con cepções econômicas de Marx foi descrita. Como se pode re sumir a evolução das concepções econômicas de Marx, de 1843-4, época na qual êle começa a estudar sistemáticamen te a Economia Política até no dia seguinte da redação dos Grundrisse?
Marx abordou os problemas económicos na Fi.losofia, im buido, ainda, de Hegel e de Feuerbach, aceitando em geral a crítica materialista de Hegel por Feuerbach, mas, começando a criticar criticar o próprio próp rio Feurbach, apoian apo iando do-se -se em Hegel, Heg el, pelo fato de que a contribuição de Hegel podia acrescentar à An tropologia uma dimensão histórico-social que estava ausen te em Feuerbach.1 É, assim, que os M Man anus uscri crito toss d e 1844 constituem um fascinante encontro entre a Filosofia e a Eco Rea son and Revol Re voluti ution on,, págs. 271-2. Ver, também, 1 Herbert Her bert Marcuse, Marcus e, Reason Ma a anotação anotação de E . Bottigelli B ottigelli na sua sua “Présentation” da edição dos Manuscrits de 1844 nas Editions Sociales: “De Hegel, Marx retoma a idéia do vir-a-ser histórico do homem: De Feuerbach, êle retoma o materia lismo, lismo, o homem concreto e a fórmula humanismo humanismo = naturali naturalismo smo.. Mas a sua própria concepção é outra coisa que não a síntese dêsses elemen tos. Supera-os de uma maneira original, mesmo quando parece falar a Manuscrit itss de 1844, linguagem daqueles cujo pensamento o inspira” ( Manuscr Paris, Editions Sociales, 1962, pág. LXIX). Plekhanov já precisara: “Se Marx começou a obra de sua interpretação materialista da história pela Filo sofia a hegelian heg eliana a do Dire Di reito ito,, não pôde proceder assim senão crítica da Filosofi
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nomia Política, que é, ao mesmo tempo, origem de nova cons ciência e de contradição no próprio Marx, e que permanece origem de problemas e de controvérsias para os que hoje o estudam. Êsse encontro da Filosofia e da Economia Política não é, portanto por tanto,, nôv nô v o na história do pensamento huma h umano. no. Já ocorreu em Aristóteles e em Tomás de Aquino; os teóricos liberais do direito natural tinham-no praticado numa grande es.cala.2 es.cala.2 Pela críti crítica ca da Filosofia do Direito de de Hegel, M arx descobrira, já então, que o Estado, defendendo os interêsses dos proprietários, não serve aos interêsses da sociedade no seu conjunto. Bastava confrontar a realidade da sociedade burguesa com as hipóteses dos teóricos do direito natural pa ra se perceber que a igualdade das possibilidades e a afirma ção da personalidade de cada um são logros numa sociedade fundada sôbre a propriedade privada. Mas é a filosofia do trabalho de Hegel que fornece os instrumentos conceptuais, com os quais Marx efetuará essa prim primei eira ra confrontação com a Economia Polític Pol ítica.3 a.3 Essa Essa filo sofia do trabalho, fundada no System der Sittlichkeit, desen Re alph phil iloso osoph phie, ie, firmemente baseada na Fen F en o m e volvida na Real nología do Espírito, e mantida na Filo Fi loso sofi fia a d o D irei ir eito to e na Ciência da Lógica,1 é, ao mesmo tempo, uma verdadeira An tropologia . Hegel estabelece, com efeito, desde 1805-6, a relação entre a teleología do homem e a causalidade da natureza, que o homem utiliza no seu trabalho (trabalho que êle apresen pra xis tará na Ciência da Lógica como a forma original da praxis humana) hum ana) . E, E , na Fen F enom omen enol olog ogía ía d o Espí Es píri rito, to, Hegel definiu o g ehem emm m te B e g i e r d e ) .5 Êle trabal trabalho ho como “ o desejo desejo freado” ( geh porque a crítica da Filosofia especulativa de Hegel já fôra feita por Feuerbach” ( Les L es Questio Que stions ns fondam fon dament entale aless du Marxisme Mar xisme,, pág. 24). 2 Ver o nosso Traite d’Economie marxiste, vol. II, capítulo 18, págs. 383-5, 387-90, e Habermas: Theorie und Praxis, pág. 79. 3 Ver a êsse propósito prop ósito o excelente capítulo relativo à filosofía filos ofía do tra balho em Hegel, de P. Naville, D e l’aliénat l’a liénation ion à la jouissance. jouiss ance. * Ge Georg org Lukacs, em Der D er junge jun ge H eg e l (Europa-Verlag, Zurique, 1948), analisou, sobretudo, o “ System der Sittli Sittlichke chkeit’ it’ , no qual Hegel parte da primeira tríade dialética: necessidades-trabalho-gôzo, e a “Realphilosophie” de lena. 5 G . W . Fr. Hegel, Phän Ph änom omen enolo ologie gie des Geistes Gei stes,, Berlim, 1832, Duncker und Humblot, pág. 148.
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desenvolveu uma verdadeira dialética das necessidades e do trabalho e, assim, chegou a uma dupla definição do trabalho p or na alienante e alienado: alienante porque o trabalho é, por tureza, exteriorização exteriorização ( Veräusserung) de uma capacidade humana, que faz que o homem perca alguma coisa que lhe pertencia antes: alienado porque as necessidades estão sem pre em avanço sôbre a produção, porque esta jamais pode sa tisfazer, plenamente, aquelas.6 A natureza antr an trop opol ológ ógica ica da n oçã oç ã o de “ trabalho trab alho aliena alien a do”, em Hegel, não reside no fato de que Hegel não entre via as contradições sociais produzidas pela sociedade burgue F iloso sofia fia d o D irei ir eito to,, uma passagem que sa. Encontra-se, na Filo se lê como uma antecipação da passagem mais célebre do Capital, relativamente às tendências gerais da acumulação ca pitali pitalista sta:: " . . . a acumulação das das riquezas riquezas aume aument ntaa de um lado, do mesmo modo como aumentam de outro lado a sin B esch chrä ränk nku u ng) ng ) gularização ( Vereinzelung ) e a limitação ( Bes do trabalho particular, e, pois, a dependência e a miséria da classe classe ligada a êsse êsse trabalho” .7 Reside a nature natureza za antropoló gica e mistificadora dessa teoria no fato de que, por um lado, Hegel considera essa alienação como fundada sôbre a natu reza do homem, senão sôbre a natureza simplesmente, e, por outro lado, êle não admite que a contradição que resulta da oposição da riqueza e da pobreza possa conduzir a uma eli minação dessa alienação por uma transformação das estrutu ras da sociedade, desde o momento que atingiu um certo ní vel de desenvolvimento das fôrças produtivas.8 É dessa posição que parte Marx para a recolocar em questão, ao mesmo tempo que recoloca em questão os funda mentos da Economia Política clássica, confrontando-os com a Antrop An tropologia ologia de Feuerbach e de Hege He gel. l. Os instrume instrumento ntoss 6 G . W . Fr. Hegel, Hegel, Rechts Re chtsph philo ilosop sophie hie,, § 193. É o argumento chave que numerosos economistas opuseram à possibilidade do socialismo. Um teórico comunista iugoslavo, Branko Horvath, ainda dêle se serve hoje para “refutar” a possibilidade de um enfraquecimento da produção mer cantil, mesmo sob o comunismo ( Towards a Theory of Planned Econom y, pág. 132). 7 G . W . Fr. Hegel, Hegel, Rechtsp Rech tsphil hiloso osophi phie, e, § 243. 8 Ver a êsse êsse propósito a célebre dialética dialética do senhor senhor e do escravo de que não se resolve nada pela supressão efet ef etiv iva a da servidão, mas, so mente, pela afirmação de que, espiritual espir itualmen mente, te, o servidor se torna mais livre do que o senhor ( Phä P häno nom m enolo eno logi giee des de s Geistes, Geis tes, págs. 145-148).
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pa rece cem m idênticos, os resultados da análise são di da análise pare ferentes. Nesse Ne sse sentido, não podem pod emos os seguir Althusser quan do afirma: “Êsse encontro de Marx com a Economia Política Fi loso sofi fia: a: a Filosofia edificada é ainda. . . um encontro da Filo por Marx através de tôdas as suas experiências prático-teóricas. . . É essa Filosofia Filo sofia que resolve a contradiç con tradição ão (entre a pauperização crescente dos operários e as riquezas crescen pensando ~a, e através dela pensando tôda tes da sociedade) pensando~a, a Economia Política, tôdas as suas categorias, partindo de um conceito chave; o conceito de trabalho alienado.”9 É muito muito mais mais indicado indica do constatar constatar com M arcus arc use. e. “ A transição transição de Hegel para Marx é, em todo ponto de vista, uma transi ção para uma ordem diferente de verdade, que não pode ser interpretada em têrmos de Filosofia. Veremos que todos os conceitos filosóficos da teoria marxista são categorias sociais e econômicas, quando as categorias sociais e econômicas de Hegel são tôdas conceitos filosóficos. Mesmo os primeiros escritos de Marx não são filosóficos. Exprimem a negação da Filosofia, se bem que o façam, ainda, em linguagem filo sófica sóf ica.. ” 10 É que, desde o comêço, Marx afirma, claramente, a sua posição crítica a respeito da Economia Econo mia Política, tão bem quanto a respeito da Filosofia.11 O seu ponto de partida nes sa crítica não é de modo algum o “conceito” de trabalho alie nado; o seu ponto de partida é, ao contrário, a constatação prática da miséria operária oper ária,, que cresce na mesma medida em que crescem as riquezas que essa mesma classe operária pro duz. A sua conclusão não é, de modo algum, uma solução filosófica ao nível do pensamento, da idéia, do trabalho in telectual. Êle conclui, ao contrário: “Para superar a idéia da pe nsam amen ento to comunista é amplamen propriedade privada, o pens 9 Louis Althusser, Pour págs. 157-8, Pari Paris, s, 1965, 1965, Maspero. ( N . Pou r Marx, págs. do E .: Traduzido para para o português português e publicado, publicado, sob o título título Análise Crítica da Teoria Marxista, por Zahar Editores, Rio, 1967.) 10 Marcuse, Reason Rea son and Revolu Rev olutio tion, n, pág. 258. Ver igualmente Habermas ( op. cit., pág. 279): “Marx não mais quer filosofar conforme as suposi ções da Filosofia, mas, antes, conforme as suposições de sua superação — isto é, êle quer criticar. Assim absorvidas, as categorias se transfor mam, do mesmo modo que os problemas da Filosofia, e com elas se transforma, igualmente, o próprio instrumento de reflexão.’’ 11 Ver Ve r K. Marx, Introd In troduct uction ion de Zur Zu r Kritik der de r Nation Nat ionalö alökon konomi omie, e, págs. 42-5.
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te suficiente. sufic iente. Para superar superar a propri pro priedad edadee privada real, real, pre cisa-se de uma verdadeira ação a ção com comunis unista. ta. ” 12 O apêlo à ação revolucionária —•lev — •levanta antado do pe, pe,lo lo proletari pro letariado ado — já substit substituiu uiu a resignaç resignação ão da “ filosofia filosofia do trabalho trabalho”” . Deve-se dizer que os M Man anus uscr crito itoss d e 1844 já tinham re jeitad jeit adoo tôdas tôd as as escóri esc órias as filo fi losó sófic ficas as de um pensame pen samento nto d o ravante vigorosamente sócio-econômico? Evidentemente não é isso. Trata-se, precisamente, de uma transição, do jovem Marx, da Filosofia hegeliana e feuerbachiana para a elabo ração do material materialismo ismo histórico. Nessa Ne ssa transição, transição, elementos elementos do passado combinam-se, necessàriamente, com elementos do futuro. Marx aí combina, à sua maneira, isto é, modificando-os profundamente, a dialética de Hegel, o materialismo de Feuerbach e as determinações sociais da Economia Políti c a . 13 Essa combinação combina ção não é coerente. coeren te. N ão cria um nôvo nô vo “sistema”, uma nova “ideologia". Oferece fragmentos espar sos que encerram numerosas contradições.14 Não se deve es quecer, também, de que se trata de um "manuscrito” não só12 Ibid., pág. 148. alienat ion à la jouissan jouis sance, ce, pág. 136. 13 Naville, D e Valienation 14 É aqui que tocamos com o dedo ded o a origem do d o êrro êrro de Louis Al Al Manu scritos d e 1844 18 44 thusser, que se esforça, em vão, em apresentar os Manuscritos como a obra de uma ideologia acabada, “ formando um todo” . Êle tem razão em se opor a todo método analítico-teleológico, que concebe a obra de um autor jovem exclusivamente sob o ângulo de saber até que ponto êle se aproximou do “fim” (que constitui a obra da maturidade). Mas êle errou em opor um método que corta, arbitràriamente, em fatias ideológicas coerentes fases sucessivas de evolução de um mesmo autor, Pour sob o pretexto de considerar “cada ideologia como um todo” ( Pour Marx, pág. 59). Uma totalidade rica e movente (o pensamento de um autor tomado como um todo, evoluindo sem cessar sob o pêso de suas próprias contradições internas, evolução determinada, em última análi se, pela dinâmica do contexto sócio-econômico, vivido pelo autor) é assim sacrificada a uma totalidade estreita estreita e estática. Não é p or acaso que Althusser é levado a falar das “mutações” de um pensamento — isto é, de saltos mais ou menos arbitrários — e que a noção das con tradições internas dêste, na qualidade de motores de sua evolução, de saparece completamente. A objeção de Althusser, segundo a qual essa concepçã conce pçãoo substit substituir uiria ia “ Marx em Hegel” Hege l” , visto visto que o marxismo marxismo “nas “ nas ceria das contradições contrad ições internas internas do hegelianismo” hegelia nismo” , é sem fundamento. Não se trata das contradições de Hegel, mas das contradições do pen samento de Marx, combinando elementos emprestados a Hegel a novos conhecimentos, nascidas de uma experiência nova e de uma prática nova, num contexto histórico sócio-econômico nôvo.
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mente inacabado, mas também em parte destruído.15 É, pre cisamente, à luz do conceito do trabalho alienado que as con tradições, que encerram os M Man anus uscr crito itoss d e 1844, podem ser mais claramente reveladas. Ap A p ó s ter, sucessivamen sucessiv amente, te, desc de scob ober erto to a aliena alie nação ção no d o mínio religioso (desd (de sdee o anexo' anexo' à sua tese de doutor dou torad ado) o) e no domínio dom ínio jurídico ( o interêsse interêsse privado priv ado aliena aliena o homem homem da coletividade), Marx compreendera, desde a sua Crítica do Dir D irei eito to do E sta st a d o em H\ege \egel, l, que a propriedade privada é uma fonte geral de alienação; depois, desde a Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel , que a alienação humana é, fundamentalmente, uma alienação do trabalho hu mano.10 Submetendo a uma crítica sistemática a Economia Política, êle descobre que esta tendia a enco en cobr brir ir as contradi15 Naville, D e Valiénation à la jouissance, jouissa nce, pág. 131. Ver, também, êste conselho de Kaegi: “É, pois, aconselhável examinar, com precisão, pri meiro meiro os rest restos os ( dêss dêsses es esboços, E . M . ) tomados separadamente. separadamente. Isso Isso nos evitará de os combinar cedo demais, deixar-nos arrastar por nossa imaginação para o esbôço de um todo e perder de vista as diferenças essenciais entre os pedaços ( Genesis des historischen Materialismus, pág. 217). Bottigelli (Präsentation des Manuscrits de 1844, págs. XXXVII XX X X X V III) II I) diz igualme igua lmente nte:: “ Os Manuscrito Manu scritoss d e 1844 184 4 não se apresentam como uma obra acabada ac abada.. Antes Antes de tudo, não os possuímos possuímos integralmen integralmen t e .. . Em seguida, terminar terminaram am sem conclusão e a sua sua redação teve, sem dúvida, de ser paralisada paralisada por causas exteriores. Enfim, Enf im, há falta de homogeneidade entre as diversas partes.” 16 W olfga ol fga ng Jahn: Jahn: “Der Ökonomische Inhalt des Begriffs des Entfrem dung der Arb eit in den Frühschriften von Karl Marx” Marx” , pág. 850, em 1 957, n.° 6. 6 . Jahn Jahn empresta essa essa idéia Wirtschafts Wissenschaft, ano de 1957, a Auguste Cornu Co rnu ( Karl Marx — Die D ie Ökono Ök onomis misch-p ch-philos hilosophi ophische schen n Ma nuskripte, Berlim, 1955) que declarara muito a propósito: “O problema fundamental permanece, para êle, o da emancipação humana; mas êle o levanta, agora, do ponto de vista do proletariado, o que o conduz a conceber a supressão da alienação que êle continua a considerar como condição fundamental da emancipação humana, não mais na sua forma político-social como supressão da essência humana no Estado, mas na sua forma econômico-social, como supressão da alienação da atividade huma humana na,, do trabal trabalho ho h u m a n o ...” ... ” (pág. 9 ). Vê-se, ass assim im,, quanto quanto se se en gana Jacques Rancière que afirma que, pelo menos no Primeiro Manus crito, “ela (a alienação econômica) não aparece também como aliena ção fundamental fundamental obtida por redução das das outras outras alienações aliena ções.. . . As alie nações se apresentam de início como estando tôdas ao mesmo nível” ( Lire Li re le Capital, vol. I, pág. 102). Isso está em contradição total com o texto: “Na determinação de que o operário se relaciona ao produto de seu trabalho como a um objeto alienado, tôdas as conseqüências estão já contidas” cont idas” (Prim (P rimeir eiroo Manuscrito, Man uscrito, pág. pá g. 9 9 ).
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ções sociais, a miséria operária, que são, por assim dizer, re sumidas no fenômeno do trabalho alienado. Mas, aqu aqui, i, o pensamento de M arx ar x oscila à beira beira de Man anus uscr crito itoss grandes descobertas. Num dos fragmentos dos M de 1844, Marx precisa, de maneira notável, o trabalho alie nado como o produto de uma forma particular da sociedade. Êle se recusa, explicitamente, a recuar o problema nas bru mas do passado. Êle proclama: “Partimos de um fato eco nômico contemporâneo. O operário torna-se tanto mais po bre quanto quanto mais ais riqueza riquezass prod pr od uz. uz . . . O operário torna-se torna-se tan to mais uma mercadoria barata quanto mais mercadorias pro duz. A desvalorização do mundo humano cresce em propor ção direta com a valorização do mundo das das cois coisas as (mercado (mer cado rias rias,, E. M . ) . O trabalho trabalho não produz, som soment ente, e, mercado rias; produz, também, êle próprio e o operário como merca doria, e isso justamente na medida em que produz, precisa mente me nte,, mercad merc adori orias.” as.” 17 Não queremos prosseguir a citação, mas tudo permane ce coerente coerente no contexto indicado pelo próprio Ma rx rx.. O tra balho alienado, na sociedade contemporânea, é o trabalho que não é mais proprietário dos produtos de seu trabalho, é o trabalho que enriquece outros com seus próprios produtos, é o trabalho que se torna trabalho forçado, que se torna tra balho balh o em proveito prov eito dos do s que não nã o traba.lh traba.lham am.. Noutros Nou tros têrmos: têrm os: o trabalho alienado, aqui, está, claramente, reduzido à divi são da sociedade em classes, à oposição entre o Capital e o Trabalho, à propriedade privada, e, se se quiser, numa pas sagem bastante obscura, à divisão do trabalho e ao nascimen to da produção mercantil.18 Mas êsse manuscrito se interrompe, bruscamente, nesse caminho. camin ho. O pensamento pens amento bifurca, e produz prod uz uma uma passagem em em que a origem do trabalho trabalho alienado1 não nã o é mais mais procurada esp ecífic fica a da sociedade humana, mas na própria numa forma especí Na tionalo alokôn kônomi omie, e, Primeiro Manuscrito, 17 K. Marx, Zur Kritik der Nation pág. 98. 18 Poder-se-ia Pode r-se-ia objetar qu e há uma passagem na qual Marx afirma afirma que o trabalho alienado é a causa, e a propriedade privada o resultado ( o p . cit., pág. 108). Mas Jahn observa, com razão, que Marx não coloca aqui o problema da origem histórica da propriedade privada, e sim o pro blema de sua natureza, de sua reaparição cotidiana num modo de pro dução fundado sôbre o trabalho alienado ( Wirtschafts, wissenschaft, 1957, n.° 6, pág. 856).
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natureza humana, ou, mais exatamente, na natureza simples mente, l a onde o trabalho alienado é oposto às qualidades do “homem genérico” (Gattungswesen), onde a alienação po deria ser compreendida, de início, senão como exter ext erio ioriz rizaç ação ão
num sentido hegeliano, pelo menos como uma negação de um “ homem homem ideal” , que jamai jamaiss existiu. Igualmente, aí, Marx já supera Hegel, porque, para re tomar tomar as as palavras palavras de Naville N aville:: " O que é para se se reter aqui aqui é que a alienação não está somente fundada na sociedade, está também na natureza; mas as relações naturais podem recriai o que destroem as relações sociais, a reapropriação humana depende depen de de sua sua manutenção. manuten ção. Com Co m efeito, a natureza natureza é urna, e o seu “dilaceramento” interior, tal como Hegel ilustrara, não é, é, pois, senão relativo, relativo, não tem caráter caráter absolut abs oluto. o. D e modo que, é justamente porque a alienação tem também um caráter natural natural que ela é uma discord disc ordância ância transitória transitória no seio da própria natureza, que pode ser sobrepujada e que a apropriação natural pode ser reencontrada.”20 Não obstante, essa concepção antropológica da aliena ção, se bem que indo mais longe do que aquela de Hegel, porque indo para uma solução, permanece largamente filosó fica, especulativa. Ela não tem fundamento empírico. Não é demonstrada. demons trada. N ã o se encontra, encontra, aliá aliás, s, noutros manuscri manuscritos, tos, especialmente no notável desenvolvimento concernente às necessidades em que Marx opõe, explicitamente, a alienação dos consumidores, sob o regime da propriedade privada, ao gôzo, origem de desenvolvimento das capacidades universais dos homens.21 Trata-se, pois, de uma contradição no seio dos Man M anus uscr crito itoss d e 1844, 184 4, 22 que nenhuma casuística poderá fazer desaparecer, seja interpretando arbitràriamente as passagens sócio-econômicas num sentido filosófico, seja interpretando a 19 K. Marx, Mar x, Zur Zu r Kritik der Nation Na tionalö alökon konom omie, ie, Primeiro Manuscrito, págs. 102-107. 20 Pierre Naville, Navill e, D e l’aliénation à la jouissance, jouissa nce, pág. 152. 21 K. Marx, Mar x, Zur Kritik der Nation Na tionalök alökono onomie mie,, Terceiro Manuscrito, págs, 140-144. 22 Essa Essa contradição é, aind ainda, a, reforçada pelo pe lo fato de que, que , no Quarto Manuscrito, Critique de la dialectique et de la Philosophie de Hegel en general, genera l, Marx recusa seguir Hegel quando éste identifica objetivação e alienação ( m e g a , I, 3, pág. 162), e distingue, para retomar urna fórmula de Garaudy ( Die 1962,, pág. pág. 69 ), a objeti objetivaçã vaçãoo alie alie D ieu u est mort, P .U .F ., 1962 nada e a objetivação humana.
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passagem supramencionada como equivalente à descrição de tima alienação socialmente determinada ,23 ,23 Sabemos como Marx resolveu, depois, essa contradição. Aba A band ndon onan ando do,, resolutamente, o conceit con ceitoo do “ homem ge gené né rico ri co”” — que êle censura mesm mesmoo a Stirner Stirner um um ano mais tar Ideo eolo logi gia a A lem le m ã! — êle descobre as precisas raízes de, em A Id históricas da exploração do homem pelo homem, e esboça, assim, as suas origens, as razões de seu desdobramento, e as condições de seu definhamento. Ideo eolo logi gia a Alemã, Alem ã, a origem do trabalho aliena Desde A Id do se precisou como resultado da divisão do trabalho e da produção mercantil, idéia que se encontra, aliás, já ,no terceiro Man anus uscr crito itoss d e 1844, 184 4, 24 E, no Capital, o caráter fetichis dos M ta das categorias econômicas é reduzido às relações mercantis, isto é, à propriedade privada e à concorrência, que isola os produtores (e proprietários) individuais, uns dos outros, des de antes do capitalismo, desde a pequena produção mercan til . 25
A ev evolu olução ção do concei con ceito to do tra traba,lho a,lho aliena ali enado do de M arx ar x é, pois, clara: de uma concepção antropológica (feuerbacho Ma nuscr scrito itoss d e 1844, êle avança em di hegeliana), antes dos Manu reção a uma concepção histórica da alienação (partindo de A Id Ideo eolo logia gia A le m ã ). O s Manu Ma nuscri scritos tos d e 1844 constituem uma transição da primeira para a segunda, onde a concep ção antropológica sobrevive no que lhe diz respeito, totalmen te realizando, já então, de início, um considerável progresso sôbre a concepção hegeliana porque, não sendo mais funda da sôbre uma dialética necessidades-trabalho, que desemboca 23 “ A passagem sôbre o trabalho trabalho alienado, alienado, cujo cuj o final foi, infelizmente, infelizm ente, destruído, foi preparado preparad o pela p ela s. . . observações concernentes concern entes às anotações copiadas copiad as de James James M ill. Pode-se, verdadeiramente, ali ali apreend apreender er ao vivo como Marx chega a aplicar a imagem de Hegel e de Feuerbach concer nente à alienação sôbre fenômenos econômicos, e dela, assim, fazer um meio fértil de demonstração, e como êsse meio de demonstração se toma, imperceptivelmente, num meio de conhecimento...” (Kaegi, Genesis des historischen Materialismus, pág. 231). D ie deutsche deuts che Ideo Id eolo logi gie, e, págs. 29-32. K. Marx: 24 K . Marx Marx,, F r. Engels, Die Zur Zu r Kritik der Nation Na tionalö alökon konomi omie, e, págs. 153-4. Da s Kapital, I, págs. 39-41 e seg. da edição de Fr. Engels, 25 K . Marx, Das Hamburgo, Meisner, 1890.
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sô,bre a impossibilidade de solução,26 em seguida porque já implicando a possibilidade da superação da alienação, graças à luta comunista do proletariado. Uma enorme controvérsia nasceu ao redor do conceito da alienação em Marx, praticamente desde o dia seguinte da Man anu u scri sc rito toss d e 1844, em 1932. Essa primeira publicação dos M controvérsia está longe de ser terminada. Ela acaba, mesmo, P o u r M a r x , de de ressurgir na França, com a aparição do Po Louis Althusser, que já recebeu inúmeros comentários críti cos. O ponto de partida dessa controvérsia foi a tentativa fei ta, por uma série de filósofos burgueses ou revisionistas, de “ reinterpreta reinterpretar” r” M arx, arx , à luz luz de suas suas obras de juven juv entu tude de.2 .277 26 Popitz censura, censura, precisamente, Marx de ter abandona aban donado do em A Id eo logia Alemã o postulado hegeliano das “necessidades-superando-necessàriamente-o-nível-de-desenvolvimento-das-fôrças-produtivas” ( Der D er En tfrem tfr emde de-te Mensch, pág. 151). Ele não vê 1) que Marx já o abandonara no terceiro Manuscri Man uscrito to d e 1844 18 44;; 2) que êsse postulado vale o que valem todos os “postulados filosóficos”, isto é, não grande coisa; 3) que uma análise concreta da história econômica humana demonstra que, durante dezenas de milênios, as necessidades humanas jamais ultrapassaram, ou quase não ultrapassaram, o nível dado de desenvolvimento das fôrças produtivas; 4) que a “superação” generalizada e institucionalizada não é senão o produ pr oduto to da economia mercantil generalizada, isto é, do modo de produção capitalista; 5) que êsse modo de produção cria, ao mesmo tempo, as premissas para a superação da “dialética necessidades-trabalho”, criando as premissas materiais da abundância. 27 Os antecedentes dessa dessa tentativa tentativa devem de vem ser procurados procura dos no esforço esfo rço da ideologia burguesa de se reapropriar de Marx, após se ter, em vão, esforçado para para o ignorar ou declará-lo definitivamente superado. N. I. Lapin ( Der D er jung ju ngee Marx Mar x im Spieg Sp iegel el der de r Literatur, Litera tur, Dietz-Verlag, Berlim, 1965, pág. 12) lembra que é, partindo de 1895, que o número de escritos acadêmicos consagrados a Marx e ao marxismo aumenta rapidamente (20 antes de 1883, 66 obras entre 1883 e 1895, 214 entre 1895 e 1904). É a ascensão do movimento operário que explica, evidentemente, êsse esforço de reapropriação. O antepassado direto dos filósofos e soció logos que procuraram trazer Marx a Hegel é o Dr. Johann Plenge (Marx und Hegel, Tiibingen, Verlag der H. Laupp’schen Buchhandlung, 1911), que afirma que Marx permaneceu tôda a vida o que êle se tor nara como estudante em Berlim, a saber, um “realista dialético, um dialético dialético real realis ista ta”” (pág (p ágs. s. 1 6 -7 ). Veremos, mais adiante, adiante, que sem ter conhecido os Manuscri Manu scritos tos d e 1844, 184 4, Plenge pressentiu a maior parte dos argumentos dêstes que opunham o “jovem Marx” ao “Marx amadure cido” cid o” . Mas, Mas, em lugar de ver uma oposição opo sição entre entre essa essass duas duas fases fases do pensamento marxista, êle a concebe como uma contradição inerente ao marxismo. O que é mais matizado e sutil nos autores contemporâneos
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Mas as linhas de fôrça da discussão assim começada são, a tal ponto, combinadas e superpostas que, hoje, três posições diferentes podem ser distinguidas: 1) A posição dos que procuram contestar a diferença entre os M Man anus uscr crit itos os d e 1844 e O Capital, que reencontram o essencial das teses do Capital já nos M Man anus uscri crito toss d e 1844. 2) A posição dos que, contra o Marx do Capital, consi deram que o Marx dos M Man anus uscr crit itos os de 1844 expõe, de ma neira neira mais mais “ global” glob al” , “ integral” integral” , o problema do trabalho alie alie nado, notadamente dando uma dimensão ética, antropológica ou mesmo filosófica a essa noção, e que assim opõem os dois Marx, ou “reavaliam” o Capital à luz dos M Man anus uscr crit itos os de 1844.
3) A posição dos que consideram que as concepções so bre o trabalho alienado do jovem Marx dos M Man anus uscr crit itos os d e 1844 não somente estão em contradição com a análise econô mica do Capital, mas que elas eram, eram, mesmo, um obstáculo obstá culo que impediu o jovem Marx de aceitar a teoria do valor-trabalho bal ho.. Para os representante representantess extremistas extremistas dessa escola, o conceito da alienação' é um conceito “pré-marxista”, que Marx teve de sobrepujar antes de chegar a uma análise científica da economia capitalista. A primeira escola esc ola reúne, assaz estranhamente, autores autor es comunistas oficiais, escritores socialistas ferozmente antico munis munista tas, s, como Erich Fromm e M . Rubel, e autores autores católicos tais tais como o R . P . Bigo, o R . P . Calvez e H . Bartoli.28 Bartoli.28 é brutal e grosseiro em Plenge: tôda a sua tese é fundada sôbre a ne gação dos principais aspectos materialistas do materialismo histórico, o que constitui uma manifesta falsificação. 28 Notadamente Palmiro Togliatti, “ D e Hegel Heg el au au Marxisme” Marxisme” , págs. 36 Re cher erch ches es intema inte mation tionale aless à la lumière lum ière du 52, em “Le jfeune Marx”, Rech marxisme, caderno n.° 19, 1960, Paris, Editions Sociales; Roger Garau D ieu u est es t mort, P .U .F ., Pari Marx’ s C on cep ce p t dy, Die Paris, s, 1962 1962;; Erich Fromm, Fromm, Marx’s of Man, Frederick Frederick Ungar Ungar Publishi Publishing ng C o ., Nova York, York, 1961; M . Rubel, Rubel, Karl Marx, Essai d e biogra bio grapliie pliie intell int ellec ectu tuell elle, e, Paris, Librairie Rivière, Hum anisme me et E cono co nom m ie politi po litiqu quee chez ch ez Karl Marx, 1957; R. P. Bigo, Humanis Pe nsée ée d e Karl Marx, Pari Paris, s, P .U .F ., Í953; R . P. Jean Jean-Y -Yve vess Calvez, Calvez, La Pens Editions du Seuil, 1956. Classificamos essas duas últimas obras dentro da primeira catego ria com certas reservas. Se bem que qu e êsses êsses autores autores sublinhem a conti-
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Fromm, por exemplo, escreve: “É de uma extrema im portância, para a compreensão de Marx, constatar quanto o conceito de alienação foi e permaneceu o ponto central do Man anus uscr crito itoss pensamento pensamento do jovem Marx, Mar x, que escreveu escreveu os M Econ Ec onôm ômic icos os e F ilos il osóf ófic icos os e do “velho” Marx que escreveu O Capital” .29 Fromm cita, a êsse propósito, explicitamente, a idéia de que a alienação, para Marx, implica uma alienação do homem da natureza. Mas é evidente que essa concepção está completamente ausente do Capital.30 Igualmente, a ten tativa de identificar o conceito da alienação do trabalho dos Man M anus uscr crito itoss d e 1844 com o conceito de alienação1e de muti lação do operário, tal como se encontra nas obras ulteriores de Marx, passa, sob silêncio, o verdadeiro problema: a saber, a justaposição justaposição de uma concepçã conce pçãoo antropológica antropológ ica e de uma uma Man anus uscr crito itoss d e 1844 concepção histórica da alienação nos M que são lógica lógi ca e pràticamente pràticamente irreconciliáveis. Se a aliena ção, verdadeiramente, é fundada na natureza do trabalho e se êste é indispensável à sobrevivência do homem —- como M arx o precisará mais mais tarde numa famosa famos a carta a Kugel Ku gel-mann31 mann31 — então a alienação jamais será será sobrepu sobre pujad jada. a. Numa Man anus uscr crito itoss comparação precisa de duas passagens, uma dos M de 1844 e outra do Capital,32 Fromm «não observa que na pri meira passagem está a questão do trabalho e dos produtos gera l, enquanto a segunda passagem começa, do trabalho em geral, precis precisame amente nte,, co com m as palavras: “ N o sist sistem emaa c a p ita it a list li staa ...” ... ” Man anus uscr crit itos os Por seu lado, M.. Rubel afirma que, nos M de 1844 e com a noção de trabalho alienado, “estamos no nuidade do pensamento econômico de Marx, dos Manuscri Manu scritos tos d e 1844 184 4 ao Capital, têm mesmo assim a tendência a reavaliar um pouco esta última obra à luz da primeira. 29 Erich Fromm, From m, Marx’s Marx’ s C on cep ce p t o f Man, pág. pág. 51. 51. (N . do E .: Tradu Tradu zido para o português e publicado, sob o título Conceito Marxista do Hom H omem em , por po r Zahar Zahar Editores, Editores, Rio, 4.a 4. a e d ., 1967. ) 30 O problem pro blemaa da evolução evolu ção da idéia que Marx fêz fê z da natureza natureza foi tratado, com grande detalhe, por Alfred Schmidt, D er Begr Be grif ifff der de r Natur in der Lehre von Marx, Europäische Verlagsanstalt, Frankfurt-Main, 1962, que mostra, também, o abandono, pelo Marx mais amadurecido, da esperança ingênua “de uma solução do conflito do homem com a natureza” que se encontra ainda nos Manusc Man uscrito ritoss d e 1844. 184 4. 31 “ Que Qu e tôda nação naç ão morreria morreria se cessasse de trabalhar, trabalhar, não quero quer o dizer por um ano, mas por algumas semanas, isso tôda criança o sabe” (K. Marx, Bri B rief efee an Kugelma Kuge lmann, nn, pág. 51). 32 Fromm, Marx’ Ma rx’ss Co n cept ce pt o f Man, Man , págs. 51-2.
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próprio coração da crítica e da visão marxiana, temos a cha ve de de tôda a obra futu futura ra do economi economista sta e do so ciólo ció logo go.. . . O conceito do trabalho alienado ocupará, doravante, um lugar central na Sociologia e na étnica marxianas.”33 Como a “chave” da obra futura do economista pode ser descoberta fora da teoria do valor-trabalho e da teoria da mais-valia? No máximo, poder-se-ia aprovar a idéia de que a motivação fundamental de Marx é revelada nos M Man anus uscr crito itoss d e 1844; que a partir dêsse momento êle procura, efetivamente, criti car uma “ Economia Econ omia Política Po lítica inumana” inumana” . Mas, M as, entre êsse mo tivo da crítica e o conteúdo efic ef icaz az desta, há um mundo de diferença, para o qual o próprio Marx atraiu a atenção, e para o qual voltaremos nas conclusões dêste estudo. Não se pode aceitar mais a opinião de Togliatti, que afirma que, nos M Man anus uscr crito itoss d e 1844, 1844 , “as categorias econô micas são trazidas à expressão necessária de um processo dia lético real. O caminho está está aberto à crítica crítica da da totalidade da sociedade burguesa, que será feita nos anos e nas obras se guintes, que culminará no Capital, mas da qual se pode dizer que, em grande parte, já está completa.” (Grifo nosso.) O u melhor melhor ainda: “ A despeito da da forma que não é sim sim ples, sente-se bem que todo o marxismo já está aqui contido." (G rifo ri fo n o ss o .)34 .)34 T o d o o marxis marxismo, mo, sem sem a teo teoria ria do valortrabalho, sem a teoria da mais-valia, sem compreender que o conflito entre nível de desenvolvimento das fôrças produtivas e relações de produção é o motor das revoluções sociais? É interessante assinalar a identidade de visão entre To glia gliatt ttii e o R. R . P . Jean-Yves Jean-Yve s Calvez: Calvez : “ N ão há. . . falt faltaa de in térpretes para admitir que as categorias econômicas do C a pital não relevavam do mesmo modo de pensar que as cate goria gor iass filosó filosófic ficas as das das obras obras de juventud uventudee de M a r x .. . Che gamos a uma conclusão que contradiz, rigorosamente, tôda a tentativa de dissociação dêsse gênero. Todo o raciocínio de Marx repousa sôbre o vínculo entre as diversas aliena ções.” E, ainda: “Há uma real unidade em tôda a obra de Marx: as categorias filosóficas de alienação que êle retoma va de Hegel na sua mocidade deviam formar a armadura de 33 M. Rubel, Rubel , Karl Marx, Essai d e biograp biog raphie hie intelle int ellectu ctuelle elle,, págs. 121-135. 34 P. Togliatti, “D e Hegel Hege l au marxisme”, op. cit., págs. 48-9.
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sua sua grande gran de obra de maturidade.” maturidade .” 35 A infelicidade, infelicidade , para essa hipótese, hipótese, é que as categorias “ filosófica filos óficas” s” , retomadas de HeHe gel, são, são, já então, então, “ recolocada recolo cadass sôbre seus seus pés” pé s” , isto é, é, trans trans Man an u s formadas em categorias sócio-econômicas desde os M critos de 1844, e que representam, no máximo, a motivação e não a armadura do Capital, cuja “armadura” é fornecida por uma crítica das categorias da Economia Política burguesa, e o aperfeiçoamento da teoria do valor e da mais-valia. N ão podemos, igualm igualment ente, e, aprovar a observação observaçã o de Jea Jean Hyppolite: Hyppo lite: “ Essas Essas posições inicia iniciais is de M arx se encon tram no Capital e permitem, sozinhas, bem compreender a significação de tôda a teoria do valor.”36 Isso fazendo, Hyppolite sugere, de fato, que essa teoria não se compreen deria deria senão partindo da indignaçã indig naçãoo moral moral de M arx, con frontada com os fenômenos do trabalho alienado. A dialética real da evolução de Marx é mais .complexa e mais rica ao mesmo tempo. Há a coincidência entre a motivação ética e as conclusões da análise econômica; uma recobre bem a ou pr óprio rio valor au tra. M as essa análise econôm econ ômica ica tem o seu seu próp tônomo. Procede de um estudo econômico rigorosamente ci entífico. A teoria da mais-valia corresponde a uma realida de objetiva; se bem que ela reforce a indignação moral de Marx a respeito do capitalismo é independente desta. Encontram-se elementos de uma confusão análoga, igual mente, mente, em certos certo s autores, que não deixam, portanto, de pôr Man anus uscr crit itos os d e 1844 e o acento sôbre as diferenças entre os M o Capital. Assim, Adorat^ki escreve, na introdução da pri Man anus uscr crit itos os,, que “as contradições meira edição soviética dos M reais da ordem social capitalista são ali reveladas de manei ra chocante dentro da situação da classe op erár er ária ia". ". 37 Em lugar de dizer “reveladas” teria sido muito mais justo dizer “ sugeridas” sugeridas” ou “ pressentidas pressentidas”” . Está-se Est á-se longe de uma uma análi análi se das contradições reais do capitalismo nos M Man anus uscr crit itos os d e 1844; e a própria descrição da situação operária ali está, no35 R. P. Jean-Yves Calvez, Calv ez, La Pens Pe nsée ée d e Karl Marx, págs. 316-7, 319. Ver Ve r também tamb ém uma idéia idéi a análoga no R . P. B igo: ig o: Human Hu manism ismee e t écon éc on omie politique chez Karl Marx, pág. 30. 38 Jean Hypp Hy ppoli olite, te, Elud El udes es sur Marx e t H egel eg el,, Paris, Librairie Riviére, pág. 145. 37 K. Marx, F r. Engels, Eng els, m e g a , I, 3, pág. XIII.
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tadamente, estorvada de uma teoria da “pauperização abso luta” que Marx abandonará mais tarde. Mesmo um autor como Jahn, que ergue uma tela dogmá tica absoluta entre o conceito de alienação e o conceito de valor-trabalho, quer descobrir nos M Man anus uscri crito toss d e 1844 uma teoria das “relações de produção em geral", quando tal teo ria falta aí totalmente.38 Do mesmo modo, Popitz, que su blinha blinha,, portanto, portanto, as diferenças entre entre o “ jovem M arx" ar x" e o “Marx amadurecido”, vê, nos M Man anus uscri crito tos, s, já o anúncio da descoberta do conflito entre o grau de desenvolvimento das íôrças íôrça s produtivas e as relações de prod pr oduçã ução,3 o,399 quando, em 1844, Marx se encontra, ainda, manifestamente, no limiar da descoberta dêsse conflito con flito — um limi limiar ar ainda ainda não transposto.4 transpost o.400 A segunda seg unda escola esc ola,, aquela que qu e opôs op ôs o “ jov jovem em M a r x ” como mais rico e mais “ético" ao Marx mais maduro, que reinterpreta êste à luz daquele, é aquela que se exprimiu mais amplamente até agora no debate. Partindo da introdução de Landshut e Mayer à publicação dos M Man anus uscr crito itoss d e 1844 na Alemanha, ela produziu um grande número de abras entre as quais algumas são' de um interêsse evidente.41 Pode-se no 38 Jahn, op. cit., pág. 854. 39 Popitz, op. cit., pág. 161. Man uscrito ritoss d e 1844 184 4 por Wolf 40 A análise, em geral, excelente, excele nte, dos Manusc gang Heide, contém, igualmente, alguns elementos de excessiva ideali zação dêsse texto ( Ueber die Entfremduns. und ihre Ueberwindunp, págs. 690-2). D er En tfrem tfr em dete de te Mens Me nsch, ch, Basiléia, 41 Principalmente Heinrich Heinr ich Popitz, Popit z, Der Ar beit it 1953, Verlag fiir Recht und Gesellschaft; Heinrich Weinstock, Arbe und Bildung, Heidelberg, 1954; Jakob Hommes, Der D er Tech Te chni nisc sche he Eros, Eros , en sche henb nbild ild des de s jungen jun gen Marx, VanFriburgo, 1955; Erich Thier, Das M ensc jo ngee Marx en de denhoeck und Ruprecht, 1957; Victor Leemans, D e jong marxisten, Bruxelas, 1962; Karl Lõwith, Von Hegel zu Nietzsche, 1953; Rea son and Revolu Rev olutio tion, n, Nova parcialmente também Herbert Marcuse, Reason York, York, 2.a edição, ediç ão, The Th e Humanities Press, Press, 1954; 1954 ; Hendrik Hend rik D e Man, em Der D er Kampf, Kam pf, ns. 5 e 6, 1932; Kostas Axelos, Marx, pens pe nseu eurr d e la tech te chni ni que. Etc. Mar x’s C on cept ce pt o f Man que já citamos, a Numa obra anterior a Marx’s saber, The Sane Society (Londres, Routledge and Kegan Paul, 1963, a obra data de 1956), Erich Fromm tinha também oposto o jovem Marx ao “velho Marx”, exclusivamente preocupado com uma “análise pura mente econômica do capitalismo”, e prisioneiro da “concepção tradicio nal da importância do Estado e do poder político” (op. cit., págs. 263,
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entanto seguir Jürgen Habermas quando afirma que o êrro comum que elas contêm é de não ver a diferença entre a con cepção antropológica e a concepção histórica do trabalho:4“ “A dialética materialista significa, pois: comprender a lógi ca dialética a partir do contexto “trabalho", a partir do me tabolismo dos homens com a natureza, sem conceber o traba lho de maneira metafísica (seja teologicamente, enquanto ne cessário para a salvação, seja antropológicamente, enquanto necessidade para sobrevivência).”43 O Marx de 1844 conser va ainda parcialmente semelhante concepção metafísica do trabalho: o Marx do Capital abandonou-a há muito tempo. A análise dessas dess as obras obr as permite registrar as contra con tradiç diçõe õess e paradoxos aos quais chega necessàriamente o mal-entendi do fundamental quanto' às intenções de Marx, nos Manu Ma nusc scri ri tos de 1844, e a natureza dos conceitos que êle utiliza. Limitar-nos-emos aqui a alguns exemplos. Assim, Assim , no pref pr efác ácio io da ediçã ed içãoo Landshut Land shut e M ayer ay er dos do s M a nuscritos de 1844, Landshut os considera como “a revelação do marxismo autêntico. . . a obra central central de M arx, ar x, o ponto pont o crucial do desenvolvimento de seu pensamento, onde os prin cípios da análise económica decorrem diretamente da idéia da realidade verdadeira verdade ira do d o homem” .44 Kostas Axe A xelo loss postula: “ O M Man anus uscr crito ito d e 1844 é e permanece aliás o texto mais rico em pensamento de todos os trabalhos marxianos e marxis ta.”45 Hendrik De Man afirma, desde o mesmo ano de 1932, que “por mais alto que sejam apreciadas as obras mais tardias de Marx, elas manifestam no entanto uma certa freagem e um enfraquecimento de suas possibilidades criadoras (!), que Marx não conseguia sempre vencer através de uma heróica 259 ). (N . do E .: Traduzido Traduzido para para o portug português uês e publicado, sob o tí tulo Psicanálise da Socied So ciedad adee Contem Co ntem porân por ânea, ea, por Zahar Editores, Rio, 5.a ed., 1967.) 42 Essa Essa diferença recobre r ecobre evidentemente também uma diferença de de método, diferença entre a dialética idealista apriorística e a dialética materialista experimental que pesquisa a lógica específica do objeto es pecífico (Galvano Delia Volpe, Rousseau Rou sseau e Marx, Editor Riuniti, Roma, 1964, págs. 150, 153). 43 Habermas, op. cit., págs. 318-9. 44 Karl Marx, Mar x, Der D er historische historis che Materialismus, D ie Frühschrif Früh schriften, ten, vol. I, 1932, Leipzig, pág. XIII. 45 Kostas Axelos Axe los,, Marx, p ense en sem m d e la techn tec hniq ique ue,, pág. 47.
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tensão de suas fôr f ôrça ças” s” .46 Basta lembrar lembrar que a descoberta descob erta da teoria teor ia da mais-valia mais-valia e o aperfeiçoamen aperfeiç oamento to da teoria teoria d o valor Man anus uscr crito itoss para trabalho são posteriores em 14 anos aos M perceber tôda a “profundidade” dêsse “enfraquecimento”. Erich Thier coloca um sinal completo de igualdade entre "exteriorização” do trabalhador e trabalho alienado, e afirma po tencia cialm lmen ente te (no que “a alienação é dada como tendência, poten trab trabal alho ho,, E .M .); .) ; o operár operário io “ produz” produ z” , êle êle próprio, próprio, o nãoo p er á rio.. ri o.... Não Hegel mas mas M arx deixa deixa assi assim m a proprie proprie dade privada aparecer como decorrente da análise do con ceito do trabalho exteriorizado e avançar para ulteriores alie nações.”47 Thier não parece lembrar-se que êle próprio tinha F enoo m eno en o afirmado, previamente, que a crítica por Marx da Fen logía de Hegel contida nos M Man anus uscr crito itoss d e 1844 é essencial mente hegeliana hegeliana de alie na ção.. çã o.. . que êle êle vem agora agora atri atri buir-lhe integralmente.48 Êle não notou também que, com ex ceção da única passagem mencionada acima, os M Man anus uscri crito toss fazem decorrer a alienação não de uma concepção antropoló gica da “exteriorização do trabalho criador", mas de condi ções históricas precisas : produção de um excedente; divisão do trabalho; nascimento da produção mercantil etc. Êle não examinou o contexto para demonstrar que a única passagem que escapa a essa concepção pode ser efetivamente conside rada como exprimindo uma idéia geral de Marx sôbre a alie nação. E sobretudo não notou que, mesmo na passagem “an tropológica” dos M Man anus uscr crito itoss d e 1844, 184 4, não é do conceito de “ trabalho trabalho exteriorizad exter iorizado” o” , mas mas da análise análise (errônea, ou pelo menos incompleta) da atividade do trabalhador na natureza que decorre a n oção oç ão de alienação. O jovem Marx Ma rx é ret retran ranssformado num hegeliano puro e simples, o que não facilita a Man anus uscr crito itoss . 49 compreensão dos M 48 Hendrik D e Man, em Der D er Kam pf, 1932, págs. 275-6. 47 Thier, Das Da s Mensc Me nsche henb nbild ild des Jungen Marx, págs. 69-70. 48 Ibid., Ibid ., pág. 25. 49 R. P. P. Bigo efetuou efetuo u a mesma tentativa tentativa de reduzir Marx a um hege heg e liano puro e simples: “A fenomenología do espírito está simplesmente (!) transformada na do trabalho, a dialética da alienação humana na do Capital, a metafísica do saber absoluto na (!) do comunismo absoluto” (Humanisme et Economie politique chez Marx, pág. 34). Para fazer isso, R. P. Bigo deve negar os penosos trabalhos empíricos que Marx
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Da mesma maneira, quando Thier afirma que para Marx “ Antropologia pode ser plenamente desenvolvida, que par tido dela se pode compreender o objetivo de Marx nos seus editos científicos e políticos, sem que a lei do valor e sua pro blem blemáática tica sejam pensa pen sada das” s” ,50 ,50 há evidentemen eviden temente te confu co nfusão são.. £>rque é preciso constatar que, partindo de seus conheciments científicos insuficientes de 1844, Marx não pôde senão pess pe ssen entir tir as contradições reais do modo de produção capita]jta; êle não pôde analisá-las plenamente, exaustivamente e d maneira satisfatória.51 Seu objetivo era desde o comêço da rdação dos M Man anu u scri sc rito toss d e 1844 formular uma “crítica da Iconomia Política” Políti ca” ; êste êste objetivo obje tivo êle não pode pod e real realiz izar ar plenmente senão depois de se ter apropriado da teoria do val¿r-trabalho e depois de a ter aperfeiçoado.52 Para Popitz, cuja obra é no entanto mais fundamental emais profunda que a de Thier, encontra-se uma série de Man anus us-c^iproqu c^iproquós ós do mesmo gên g ênero ero.. Êle afirma que, que, nos nos M citos de 1844, Marx “critica relações sociais determinadas eas leva a um centro indeterminado (!), que êle chama de ";e ";er essencial essencial humano” . É o substrato substrato conceptual das relaçies çies empiricamente empiricamen te consta con statad tadas. as. . . M arx ar x atribui um um esquenatísmo dialético aos fenônemos sociais, e se esforça em o f.ndamentar pela gênese de um “ser essencial” humano. Êste cfsempenha pois o papel do espírito do mundo ou do espírieetuou no domínio da Economia Política, e apresentar sua tomada de ©nsciência como o produto de uma simples “intuição genial” (págs. 3>-7) • 5< Thier hier,, Das Da s Mensc Me nschen henbil bild d des /ungen Marx, pág. 71. e: Cf. a observação observa ção correta correta de Léonid Lé onidee Pajitnov: Pajitnov: “As idéias idéias fundamen fundamen tas de Marx (nos Manuscritos Manu scritos d e 1844 18 44 ) estão ainda em devir, e para lelamente a formulações notáveis, germes da futura concepção do mund>, pode-se também encontrar aí freqüentemente pensamentos não ainda afiadurecidos, trazendo a marca da influência das fontes teóricas que sírviram de material para a reflexão de Marx e de onde êle partiu para a elaboraç elaboração ão de sua doutrina” doutrina” ( pág. 98, em L e jeune jeu ne Marx, em Cahier n.° 19, 1960). 5: Também Tam bém nos parece pare ce excessivo excessivo afirmar, afirmar, com comoo faz T. I. Oiserman, Oiserman, que \!arx atribui a alienação, nos Manuscrito Manu scritoss d e 1844, 1844 , ao grau de desen volvim volvimento ento insuficie insu ficiente nte das fôrças fôrç as produtivas produtiv as ( D ie Entfre En tfremd mdung ung ais histtrische Kategorie, Dietz-Verlag, Berlim, 1965, pág. 83). No máximo pxle-se afirmar que há pressen pres sentim timent entoo dessa tese que êle só desenvolverá nitidamente na Ideolo Ide ologia gia Alemã. Alem ã.
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to popular em em H e g e l.’’ l. ’’553 Qiiiproq Qiii proquó uó manifesto: M arx é sim plesmente retransformado em Hegel. O fato de que a aliena ção foi deduzida de uma análise das condições empíricas da sociedade burguesa é esquecido; também é esquecido todo o contexto histórico-social das origens da alienação nos M a nuscritos: excedente econômico; divisão do trabalho; produ ção mercantil; separação do Capital e do Trabalho etc. Esta mos bem longe do “Weltgeist" de Hegel. . . Popitz atribui igualmente a Marx um “postulado” da produtivi prod utividade dade progre pro gressiva ssiva do género gén ero humano,54, quando quan do em Marx não se trata senão da produtividade progressiva do modo de produção capitalista, e que esta não é deduzida de uma qualquer “teoria das necessidades”, mas da concorrência. A idéia de Popitz, Pop itz, segun seg undo do a qual a famosa fam osa passage pas sagem m da Ideo Id eolo logi gia a A lem le m ã sôbre a supressão necessária da divisão do trabalho traba lho seria seria “ antitécnica” antitéc nica” ou “ rom românti ântica” ca” ,55 ,55 demonstra uma uma surpreendente incompreensão de um raciocínio já amplamente esboçado nos M Man anus uscr crito itoss d e 1844. Nesse raciocínio a alie nação do trabalho provém historicamente de um excedente muito limitado, cujo aparecimento conduz à troca simples, depois à divisão progressiva do trabalho, depois à troca desen volvida, à produção mercantil, à produção mercantil generali zada e ao capitalismo. Para superá-la, é preciso pois criar um excedente suficientemente amplo para tornar supérflua “a apropriação mesquinha do trabalho de outrem”, o que é jus tamente o resultado de um desenvolvimento da máquina e da ciência! E por que que seria seria “romântic “r omântico” o” supor que no quadro da au tomação, pressentid pressentidaa por Marx, Ma rx, a abundância dos bens bens e a generalização do ensino superior, junto com a extensão cons tante tante do “ tempo livre” , criar criariam iam as condições condiçõe s de umdesabro umdesabro char p.le p.leno no e inteiro do homem, se liberando efetivamente da escravidão da divisão social do trabalho, e praticando livre mente atividades técnicas, científicas, artísticas, esportivas, sociais e políticas umas ao lado das. outras?58 D er entfr en tfrem emde dete te Mensch Me nsch,, pág. 88. 53 Popitz, Der 54 Ibid., pág. 152. Ibid. , pág. 160. Adam Schaff ( Marxismus tind das mensc me nschlic hliche he In55 Ibid., dividuum) exprime uma idéia análoga. 56 Numa passagem que criticamos anteriormente sob outro aspecto, o Professor Perroux pode muito bem se representar, quanto a êle, uma
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Notemos também uma observação de Popitz, segundo a qual seria impossível “distinguir fenomenològicamente” entre a utilização e o emprêgo das fôrças produtivas, de um lado, e as relações de produção determinadas por estas, de outro lado.57 Aqui Popitz é muito mais "determinista” do que Marx, mas determinista num sentido estreitamente mecanicista. O que Marx precisa principalmente na Introdução à Contribuicão a uma Crítica da Economia Política é que quando há con~ flito fl ito entre um nível determinado de desenvolvimento das fôr ças produtivas e das relações de produção objetivamente su peradas se abre um um período per íodo de revolução r evolução social social — período que que pode ser de longa duração, e durante o qual dois tipos de re lações de produção podem coincidir com um nível de desen volvimento equivalente das fôrças produtivas (cf. a Europa ocidental durante o período 1770-1830, ou a Europa central durante o período 1914-1964!). Em poucas palavras, o que todos êsses escritores deixam de compreender é que o Marx dos M Man anus uscr crito itoss d e 1844. mesmo não nã o tendo ainda desenvol dese nvolvido vido plenamente plenamente a teo teoria ria do materialismo histórico, superou Hegel, não raciocina mais com idéias absolutas ou conceitos filosóficos, mas pro p ro cura criticar uma ideologia determinada (a Economia Políti ca) com a ajuda de contradições sociais reais empiricamente vida social na qual “a economia está inteiramente e plenamente automa tizada”, o que toma possível uma vida social inteiramente livre (onde cada um faz o que lhe agrada e quando lhe agrada)”. A única objeção que Perroux avança dessa imagem é que ela implica um enfraquecimen to do Estado, quando, segundo êle, ‘ contradições fundamentais fundamentais (subsis tem sempre) entre os indivíduos’’, contradições entre “chefes das má quinas” e “ fiscais fiscais e controladores” . Mas Perroux Perroux não demonstra de ma neira alguma a inevitabilidade dessa sobrevivência de contradições so ciais, em condições de abundância (François Perroux, Préface, pág. XVII, E cono nom m ie I de K. Marx. Bibliotèque de la Plêiade). Dahdas Oeuvres — Eco rendorf afirma também que haverá sempre “dominadores” e dominados e que não se pode “representar de maneira realista” uma “sociedade sem diferenciação (dos homens) do ponto de vista de seu poder legí timo” ( Soziale Klassen und Klassenkonflikte in der industriellen Gesellschaft, Ferdinand Enke-Verlag, Stuttgart, 1957, pág. 181). A atrofia da imaginação social de Dahrendorf não é evidentemente um argumento cient cie ntífic ífico. o. Quanto a Marx, Marx, longe de querer manter manter quaisquer quaisquer “eli “ elites tes de comando” coma ndo” , êle pressupõe pressupõe ao contrário que a extensão extensão constante constante do “tempo livre”, no sentido real do têrmo, desenvolverá ao máximo as ca pacidades científicas e criadoras na grande maioria dos homens. En tfrem em dete de te M ensch, ens ch, págs. 164-5. 67 Popitz, D er Entfr
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constatadas. Êles confundem o objeto de suas pesquisas e
preocupações, com os instrumentos e a linguagem que êle em prega para atingir o seu objeto.
Resta a terceira escola, que foi sobretudo representada por autores que defendem o ponto de vista oficial dos parti dos comunistas no curso dos anos 40 e 50. Jahn58 apresenta a tese da maneira mais sucinta. Auguste Cornu retomou-a amplamente por sua conta no volume II de sua biografia de Marx e de Engels.59 Emile Bottigelli a esposa em parte na Prä sentatio ation n dos M Man anus uscr crit itos os nas Editions Socíales.59bis sua Präsent Manfred Buhr permanece um defensor convencido.60 Ela se Man anus uscr crito itoss d e 1844 são uma etapa deixa resumir assim: os M importante, mas transitória, na história intelectual de Marx que consegue já apreender as contradições principais da so68 W olfga olf gang ng Jahn, Jahn, Wirtschaftswissenschaft, 1957, n.° 6. Ma rx un und d Fr. Engel En gelss — Leb L eb en un und d W erk, er k, vol. 59 Auguste Aug uste Cornu, K. Marx 2, 1844-5, Berlim, Aufbau-Verlag, 1962. A mesma tese já havia sido Öko nomischisch-philo philosop sophisch hischen en Manuskrip Man uskripte, te, exposta pelo autor em D ie Ökonom Berlim, 1955, Akademie-Verlag. Man uscrits d e 1844, 184 4, editions Sociales, Paris, 1962. 59bis 59bis K . Marx, Manuscrits “Apresentação” de Bottigelli, em geral prudente e cheia de bom senso, constata (pág. LX) que “o problema da identificação do sujeito e do objeto que Hegel tinha resolvido pela dialética da Idéia absoluta, Marx resolve concretamente. Com o comunismo, “forma necessária do futuro próximo”, o homem tomará posse de sua verdadeira natureza e o mun do, ao qual tôda sua prática o opunha no tempo da alienação, voltará a ser o mundo humano, o prolongamento da sua própria essência. Assim o problema do retorno à unidade que preocupou todo o pensamento ale mão do fim do século XVIII e do comêço do XIX se acha resolvido não no sentido místico, mas em favor do homem, afirmando sua liberdade e seu direito ao livre desenvolvimento de suas faculdades’’. Fica-se tan to mais espantado ao ler algumas páginas adiante (pág. LXVII) que nos Manusc Ma nuscritos ritos “é ainda a idéia, em si hegeliana, do desenvolvimento das contradições que traz (?) a passagem de um regime social para outro’’. Man uscritos, s, Marx não se apóia de maneira alguma sôNa realidade, nos Manuscrito bre uma “idéia” qualquer, mas sôbre a análise concreta das contradições sociais; e o comunismo, desde êsse momento, não é mais o resultado da “idéia do desenvolvimento das contradições’’, mas da luta prática do pro letariado.
60 Manfred Manf red Buhr, Buhr, “Entfr “ Entfremdu emdung ng — Philosophische Philosophisch e Anthropologi Anthro pologiee — D euts tsch chee Zeitsc Zei tschri hrift ft für Philosoph Philo sophie, ie, V. E. B. Deuts Marx-Kritik”, em Deu cher Verlag der Wissenschaften, 14. Jahrgang, Heft 7, 1966, págs. 806-
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ciedade burguesa, mas as exprime ainda numa linguagem feuerbachiana, humanista. A concepção do trabalho alienado é a expressão mais nítida disso. Tal concepção o impediu de aceitar a teoria do valor-trabalho de Ricardo. Foi necessário superá-la para que êle pudesse formular sua teoria do valor e da mais-valia.61 Não se a encontra mais nas suas obras de maturidade. Êste raciocínio não é nunca acompanhado por uma de monstração lógica: não se vê por que seria precisamente o conceito do trabalho alienado que teria impedido Marx de aceitar a teoria do valor-trabajho de Ricardo. As razões reais que retardaram sua aceitação dessa teoria foram examinadas no capítulo 3 dêste estudo. estudo. A experiência demonstrou que era perfeitamente possível combinar uma teoria da alienação com a teoria do valor-trabalho aperfeiçoada; foi o que Marx aliás fêz em 1857-8. O raciocínio de Jahn, de Cornu, de Bottigelli e de Buhr não é sobretudo seguido por uma demonstração empírica. ¡Eles não provam que Marx abandonou o conceito de alienação de pois de ter aceito a teoria do valor-trabalho. Jahn se contenta em constatar que Marx e Engels voltam a isso na Ideo Id eolo logi gia a para dar dar “um conteúdo nôvo nô vo”” (o que que é ex ato) at o);; mas mas Ale A lem m ã para ê.le acrescenta acrescenta imediatamente: imediatamente: “ Nas Na s obras obr as seguintes, seguintes, êle ( o problema da alienação) alienação ) não desempenha mai maiss um papel im portante portante ( o que é falso) fals o) . ” 62 Bottigelli Bottigelli afirma: “ Uma Um a vez ter minada a luta contra a esquerda hegeliana, a expressão alie P r e fá nação não reaparece no nosso conhecimento, senão no Pr cio à Contribuição à Crítica da Economia Política. . . É o úl timo (texto) no qual êle raciocinou como filósofo no senti do clássico do têrmo.”63 Parece-nos deslocado afirmar que no Pre P refá fáci cio, o, um dos textos mais notáveis do ponto de vista me todológico, Marx M arx “ racioc raciocina ina como filós f ilós ofo ofo”” . Mas Ma s é em todo caso falso que, depois de 1857, o conceito de alienação não aparece mais nas suas obras. Também é falso afirmar, como faz Manfred Buhr, que Marx teria “amplamente renunciado ao emprêgo dêste têrmo” nas suas obras posteriores, se bem que êste autor reconheça que Marx jamais perdeu de vista 61 Jahn, op. cit., pág. 683, e Cornu, op. cit., pág. 152. 62 Jahn, op. cit., págs. 863-4. 83 Emile Bottigelli, “Présentation” dos Manuscrits Manus crits d e LXVII-LXVIII.
1844, 184 4, págs.
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o problema subjacente a êsse conceito.64 Quanto a Louis Al thusser, êle recentemente aventurou-se mais longe ainda pro clamando que “o conceito ideológico de alienação” é um con ceit ce itoo “ pré-marxis pré-marxista” ta” . 65 Infelizmente para todos êsses autores, nos Grundrisse, P refá fáci cioo escritos in tempore non suspecto ,66 depois do célebre Pre à Contribuição à Crítica da Economia Política, numa data que Althusser coloca no comêço do período de “maturidade” de Marx, êste volta ao conceito de alienação, e mesmo ,bem amplamente! As passagens re.lativas à alienação abundam nos Grundrisse e reduzem ao nada a tese de Jahn, de Cirnu, de Bottigelli, de Buhr e de Althusser. Não somente o conceito de alienação não é “pré-marxista”, mas faz parte do msíramentarium do Marx chegado à maturidade plena. Lendo aten tamente o Capital, pode-se encontrá-lo aí igualmente aliás, mesmo que algumas vêzes sob uma forma inteiramente modi ficada.67 64 Manfred Man fred Buhr, Entfre En tfremd mdung ung — Philoso Phi losophi phische sche An Anth throp ropolo ologi giee — Marx Kritik, pág. 813. 65 Louis Lou is Althusser, Althusse r, Pour Pou r Marx, pág. 246. Ver também o mesmo autor: “Será necessário um dia entrar nos detalhes e dar dêsse texto uma ex plicação palavra por palavra; interrogar sôbre o status teórico e sôbre o papel teórico dados ao conceito-chave de trabalho alienado; examinar o campo conceptual dessa noção; reconhecer que ela desempenha bem o papel que Marx lhe dá então: um papel de fundamento originário; mas que ela não pode desempenhar êsse papel senão com a condição de o receber em mandato e missão de tôda uma concepção do homem, que vai tirar da essência do homem a necessidade e o conteúdo dos con ceitos econômicos que nos são familiares. Em poucas palavras, será necessário descobrir sob têrmos votados à iminência de um sentido fu turo, o sentido que os mantêm ainda cativos de uma filosofia que vai exercer sôbre êles êles seus seus últimos últimos prestígios prestígios e seus últimos últimos pode po dere res. s. . . Sob esta esta relação. relaç ão. . . o Marx M arx mais afastado (sic) de Marx é êste Marx” (ibid., pág. pá g. 15 9). Que dizer então então do Marx dos Grundrisse? UG A reda redaçã çãoo dos dos Grundrisse é com efeito poste po sterio riorr (K. Marx, Grun drisse der Kritik der politischen Oekonomie, Vorwort, págs. VII, VIII) àquela do célebre prefácio que, segundo Althusser (“L’objet du Capital”, em Lire Lir e le Capital, tomo II, Paris, Maspero, 1965) seria a quinta-essência do método marxista maduro! 67 Ver Ve r no entanto entanto as passagens seguintes: “ A forma ( Gestalt) autô noma e alienada ( entf en tfre rem m d et ) que o modo de produção dá em geral às condições de trabalho e ao produto do trabalho, por relação ao operá rio, se desenvolve com a máquina em um antagonismo total” ( Das Da s Ka pital, I, pág. 397, na edição de Engels de 1890, Meissner, Hamburgo). “Vimos na quarta parte, por ocasião da análise da produção da mais-
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Eis como Marx introduz nos Grundrisse o problema do trabalho alienado, no capítulo sôbre o dinheiro: “Diz-se, po de-se dizer, que o que é belo e grande (na economia mercan til til, E . M . ) se funda precisa precisament mentee nes nessa sa interconexão, interconexão, êsse êsse metabolismo material e espiritual, independentemente dos co nhecimentos e da vontade dos indivíduos, e que pressupõe precisamente sua independência e sua indiferença recíproca. E essa interconexão objetiva é certamente preferível a uma falta de interconexão ou a uma interconexão puramente local, ou fundada sôbre uma natureza estreita e primitiva como o sangue, e sôbre relações de dominação e de servidão. É certo que os indivíduos não se podem subordinar às suas próprias interconexões sociais, antes que êles as tenham criado. Mas é inepto conceber essa interconexão somente como objetiva (Marx sublinha, E.M.) como uma interconexão original, in dissociável da natureza da individualidade (em oposição com o conhecimento e a vontade vontad e refletida) e imanente imanente nela. nela. Ela é seu seu produto. É um prod pr odut utoo histórico. Pertence Pert ence a uma fase de terminad terminadaa de sua sua evo evoluç lução. ão. O caráter caráter estranho, estranho, e a autono mia que ela conserva a seu respeito, demonstram somente que ela (a individualidade) está ainda criando as condições de sua vida social, em lugar de ter começado a partir dessas con dições. Ela é a interconexão original de indivíduos no qua dro de relações de produ pro dução ção determinadas determinadas,, limitadas. O s invalia relativa: no seio do sistema capitalista, todos os métodos de au mento da produtividade social do trabalho se realizam às custas do ope rário individual: todos os meios para desenvolver a produção se trans formam em meios para dominar e explorar o produtor, mutilam o ope rário num homem parcial, degradam-no ao estado de anexo da máqui na, destroem o conteúdo de seu trabalho em conseqüência do tormento dêste, alienam ( entf en tfre rem m d en ) as potências espirituais do processo do trabalho, na mesma medida em que a ciência é integrada como potên cia autônoma nesse processo...” ( ibid ., pág. 610). “Visto que antes de sua entrada (a do operário, E. M.) no processo (de produção), seu próprio trabalho lhe é alienado ( en tfre tf rem m d et ), é apropriado pelo capi talista e incorporado no capital, êle se objetiva no curso do processo constantemente sob forma de produtos alienados ( in fremdem Produkt)” (ibid., pág. 533). “O capital se manifesta sempre mais como uma fôrça social, da qual o capitalista é o funcionário, e que não está mais de to do numa relação possível com aquilo que o trabalho de um simples in divíduo poderia criar, mas como uma fôrça social alienad alienada a ( entfrem dete), tornada autônoma, que se levanta como uma coisa e como po tência dos capitalistas graças a essa coisa, contra a Sociedade” ( Das Kapital, vol. III, I, pág. 247, mesma edição).
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divíduos universalmente desenvolvidos, cujas relações sociais foram submetidas a seu próprio controle coletivo como sendo suas próprias relações coletivas, não são um produto da na turez tureza, a, mas mas da história. O grau grau e a universalidade do de senvolvimento senvolvimento das capacidades (das fôrças produti produtivas vas,, E .M .), .) , que torna possível semelhante individualidade:, pressupõe pre cisamente a produção fundada em valores de troca, que pro duz, com a generalidade, a alienação do indivíduo dêle mes mo (grifo nosso, E.M.) e dos outros, mas que produz tam bém a generalidade da universalidade de suas relações e ca pacidad paci dades. es. Em etapas etapas precedentes preceden tes da evolução, o indivíduo singular aparece como tendo mais plenitude, precisamente porque êle não desenvolveu ainda a inteireza de suas rela ções, e porque êle não as opôs ainda a êle mesmo como fôr ças e relações sociais independentes dêle. Tant Ta ntoo é ridículo desejar um retorno a esta plenitude original quanto é ridícula a crença de que se deve parar nesse vazio completo (de hoje, E . M . ) . . . ” 68 Deve-se acrescentar a essa passagem aquelas nas quais Marx descreve nos Grundrisse a submissão total do "trababalho balho vivo ” ao “ traba trabalho lho objetivado” (o “ trabal trabalho ho morto” , o capital fixo),69 assim como a passagem notável em que Marx desenvolve a diferença entre o trabalho “repulsivo”, o traba lho escravo, o trabalho servil e o trabalho assalariado, de um lado, e o “trabalho livre”, o “trabalho atrativo”, de outro lado,70 para completar êsse quadro. H á aliás aliás várias várias outras passagen pas sagenss dos do s Grundrisse nas quais o conceito de alienação reaparece explicitamente. Há principalmetne uma passagem das mais importantes, onde Marx volta à distinção entre objetivação e alienação : "Os economistas burgueses estão a tal ponto prisioneiros das con cepções de uma fase histórica determinada do desenvolvi mento da sociedade, que a necessidade da objetivação das fôrças de trabalho sociais lhes parece indissociável da neces sidade da alienação destas por respeito ao trabalho livre. .. Não é preciso uma inteligência particular para compreender que, partindo do trabalho livre oriundo da servidão, ou do 68 K. Marx, Marx , Grundrisse der Kritik der politischen Oekonomie, págs. 81 Ibid ., págs. 582-592. 69 Ibid., Ibid ., pág. 505. 70 Ibid.,
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trabalho assalariado, as máquinas não podiam efetivamente enquanto propriedades proprie dades alienadas alienadas dêles dêles (os (o s ser criadas senão enquanto operári operários, os, E . M . ) e lhes lhes aparecendo com co m o um uma fôrça host hostil il,, isto é, deviam-se opor a êles enquanto capital. Mas pode-se compreender facilmente que as máquinas não deixarão de ser agentes da produção social, quando elas se tornarem, por exemplo, a proprieda prop riedade de dos operários associado assoc iados.” s.” 71 E há sobretudo a passagem seguinte, que lembra quase textualmente os M Man anu u scrit sc ritos os d e 1844: 184 4: “Mas se o capital apa rece como o produto do trabalho, o produto do trabalho apa rece da mesma mesma maneira maneira como o capital capital — não somente en quanto produto simples, nem somente enquanto mercadoria introcável, mas enquanto capital: do trabalho objetivado en quanto dominação, enquanto fôrça de dominação sôbre o tra balho vivo, Êle aparece pois também como um produto do trabalho mesmo que seu produto apareça como uma proprie dade alienada ( grifos grifos noss nossos, os, E . M . ) , um modo de existê existên n cia autônomo com o qual 0 trabalho vivo é confrontado, um valor existindo por êle mesmo, ainda que o produto do tra balho se cristalize como uma potê po tênc ncia ia estranha estran ha (alienada) por respei respeito to ao traba trabalho lho (grifo nosso, nosso, E . M . ) . D o ponto pon to de vista do trabalho, êle aparece como sendo ativo no processo de produção de maneira tal que êle destaca ao mesmo tempo dêle mesmo sua realizaçã realiz ação. o. . . co com m o uma realidade realidad e estranha, estranha, e que êle se coloca pois como uma capacidade de trabalho sem substância, plena somente de necessidade, frente a essa grifo noss nosso, o, E . M . ) que que não não lh lhe pert perten en realidade alienada ( grifo ce, mas mas que pertence a outro ou tros.” s.” 72 Deixemos de citar. De tôdas essas passagens se destaca claramente uma teoria marxista da alienação- , que é o desen volvimento coerente daquela contida na Ideo Id eolo logi gia a A lem le m ã , e a superação dialética das contradições contidas nos M Man anus uscr cri i tos de 1844.
Na sociedade primitiva, o indivíduo fornece diretamente trabalho social. Está harmoniosamente integrado em seu meio social, mas se êle parece “plenamente desenvolvido”, não é
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senão o fato da estreiteza extrema das necessidades das quais êle tomou consciência. Na realidade, a pobreza material da so ciedade, a impotência dos homens diante das fôrças da natu reza7 rez a733 são aí fontes fonte s de alienação, sobre so bretud tudoo social (de (d e suas possibilidades objetivas) , ideológica e religiosa.74 Com os lentos progressos da produtividade social do tra balho, um excedente econômico aparece progressivamente. Êle cria as condições materiais da troca, da divisão do trabalho e da produção mercantil. Nesta, o indivíduo é alienado do pro duto do seu trabalho e de sua atividade produtora, seu tra balho se torna cada vez mais trabalho alienado. Essa aliena eco nômi mica, ca, que se junta agora à alienação social, religio ção econô sa e ideológica, é essencialmente o resultado da divisão so cial do trabalho, da produção mercantil e da divisão da so ciedade em classes. Ela produz a alienação política, com a aparição do Estado, e os fenômenos de violência e de opres são que caracterizam as relações entre os homens. No seio do modo de produção capitalista, essa alienação múltipla atinge seu seu ponto culmin culminant ante: e: “ A transformação de todos os objetos em mercadorias, sua quantificação em valores de troca feti chistas (torn (to rnaa-se se)) . . . um proces pro cesso so intenso que age sôbre sô bre cada 73 A passagem extraída dos Grundrisse, págs. 81-2, que citamos an tes demonstra claramente que não se tratava para Marx de idealizar o homem primitivo ou de o apresentar como desalienado. Henri Lefebvre se enganou pois quando falou do “equilíbrio maravilhoso da comuni dade da aldeia”, na qual o homem podia abandonar-se “à sua vitali dade espontânea” ( Critique de la vie quotidienne, I, pág. 221, L/Arche Editeur, Paris, 1958), seguindo Engels que havia emitido idéias análogas A s Orige Or igens ns da Família, da Prop Pr oprie rieda dade de Privada e do Estado. Est ado. L e em As febvre escreveu também: “A alienação despojou a vida de tudo aquilo que outrora, na sua fraqueza primitiva, lhe conferia alegria e sabedo ria” ria” , no seu primeiro volume da Critique de la vie quotidienne (Editions Bernard Grasset, 1947, pág. 242), que contém aliás uma das me lhores exposições da teoria marxista da alienação. Ver também sôbre êsse êsse mesmo assunt assunto, o, Gajo Petrovic: “ Marx’s Th eo eoiy iy o f Alienation” Alienation” , em Philos Ph ilosoph ophyy and Phen Ph enom omen enolo ologi gica call Resear Re search, ch, págs. 419-426. 74 George Novack: “ Basic Differences Differen ces between betwe en Existenc Existenciali ialism sm and Marxism”, em Existen Exi stencialis cialism m versus vers us Marxism, edited by George Novack, Nova York, 1966, Dell Publishing Co., pág. 337. Ver também T. I. Oiserman ( Die D ie Entfr En tfrem emdu dung ng ais historisc histo rische he K a teg te g or ie): ie ): “O homem cada vez mais se apossou das fôrças espontâneas da natureza, e simultánea mente está cada vez mais sujeito às fôrças espontâneas da evolução so cial” (pág. 8).
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forma objetiva da vida.” vid a.” 75 M as êsse mesmo mo modo do de produçã prod uçãoo cria, com a universalidade das relações de troca e o desenvol vimento do mercado mundial, a universalidade das necessi dades humanas e: das capacidades humanas, e um nível de de senvolvimento das fôrças produtivas que torna objetivamente possíve.l a satisfação dessas necessidades, o desenvolvimento universal do homem.76 A abolição do regime capitalista torna então possível o enfraquecimento progressivo da produção mercantil, da divisão social do trabalho e da mutilação dos alie nação ão não nã o é " suprimida” por um acontecimen homens. A alienaç
to único, ún ico, assim assim como com o não apareceu apar eceu d e um um\ só golpe'. golpe'. Ela se s e en fraq fr aqu u ece ec e prog pr ogre ress ssiva ivam m ente en te,, assim ass im oom oo m o aparec apa receu eu prog pr ogre ress ssiv iva a mente. Ela não está de qualquer maneira ancorada na “natu
reza humana humana”” ou na "existência "existên cia humana” , mas nas condições condiçõe s espe es pecí cífic ficas as do trabalho, da produção e da sociedade huma nas. Pode-se pois entrever e precisar as condições necessá rias a seu desaparecimento. E se compreende melhor agora o sentido social das três Man anus uscr crito itoss interpretações mistificantes das relações entre os M de 1844 e o Capital, das três interpretações errôneas das re lações do Marx amadurecido com o conceito antropológico con diçõess históricas históricas e con do trabalho alienado. Elas refletem condiçõe textos sócio-econômicos precisos, que esclarecem sua apari Man anus uscr crito itoss em 1932. ção, além do acaso da publicação dos M 75 Ge Georg org Lukacs, Geschichte und Klassenbewusstsein, pág. 187, Ber lim, 1923, Malilc Verlag. A obra de Lukacs, redigida antes que o autor pudesse ler os Manuscrito Manu scritoss d e 1844 18 44 ou os Grundrisse, constitui uma re constituição magistral do pensamento de Marx por respeito aos proble mas da alienação e da reificação, apesar de alguns exageros idealistas nas conclusões. 70 Não partilhamos a opinião opiniã o de Gajo Petrovic (op. cit., págs. 422423), segundo a qual a alienação constitui a ausência de realização das possibilidades humanas históricamente criadas. Se fôsse assim o homem primitivo ( que realizava com efeito efe ito as possibilidades possib ilidades existentes existentes ness nessaa época) teria sido efetivamente um homem desalienado, contrariamente ao que o próprio Petrovic afirma. Um exemplo típico de alienação no domínio das necessidades é oferecido pela tentativa deliberada da so ciedade burguesa americana de “fazer voltar ao lar” a mulher que fêz estudos universitários. A finalidade é estimular a venda de aparelhos eletrodomésticos, móveis etc. O efeito é provocar uma verdadeira atro fia das capacidades intelectuais, uma “desumanização progressiva” das mulheres (Bethy Friedan, The Feminine Mystique, Penguin Books, 1965, passim pa ssim ).
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Para a burguesia trata-se, depois da ascensão fenomenal do movimento operário de inspiração marxista, de se reapropriar de Marx, levando Marx inteiramente a Hegel. Pelo mesmo fato, ela procura desengodar a significação revolucio nária, explosiva, da doutrina de Marx, para reintegrá-lo como “pensador” e "filósofo” num mundo capitalista concebido, se não como o “melhor dos mundos”, ao menos como o menos mal dos mundos possíveis. A socia soc iall-de dem m ocra oc racia cia reform refo rmista ista lhe embarga emba rga o passo. pas so. P o rém é mais difícil identificar o Marx das obras de juventude com o Marx do Capital. Durante muito tempo, ela tentou ca muflar a natureza revolucionária da obra de Marx, defenden d o uma interpretação interpretação mecanicista mecanicista desta. desta. A tarefa de derru bar o modo de produção capitalista estava confiada ao “de senvolvimento inexorável das fôrças produtivas”, antes que à ação do proletariado organizado. No entanto, quando a crise econômica de 1929-33 e a ascensão do fascismo manifestam aos olhos de todos que ne nhuma relação causal inevitável conduz, do conflito incontes tável entre o nível de desenvolvimento das fôrças produtivas e as relações de produção capitalistas, de um lado, para o advento do socialismo, de outro, a ideologia social-democrática deve mudar o seu fuzil de ombro. Depois de ter durante muito tempo desprezado as obras de juventude de Marx17 ela procura aí bruscamente a inspiração para opor uma "mensa gem ética” ao mesmo tempo à realidade capitalista desespe rante, à revolução socialista pela qual ela não quer optar, e à sua degenerescencia na União Soviética na época stalinista que serve de motivo para repelir, oferecido bem a propósito. Daí a moda que os M a n u scr i tos de 1844 conhecem há mais de um quarto de século nos meios social-democratas, moda que se acompanha de uma tentativa deliberada de embotar a mensagem revolucionária contida nesses M Man anus uscr crit itos os .7S Marx enquanto herdeiro que supera a Filosofia clássi ca alemã está “desculpado” da responsabilidade pelos defei D er Junge Marx im Spieg Sp iegel el der de r Literatur, Litera tur, págs. 72-75. 77 N. I. Lapin, Lap in, Der jo ngee Marx Mar x en d e marxisten, marxisten , págs. 126-130, e 78 Vícto Ví ctorr Leemans, D e jong outras que não deve tomar as precauções oratórias que se impõem aos sociais-democratas, vê na vontade de ação revolucionária de Marx, isto é, na sua praxis política, seu pecado original e a contradição fundamen tal de sua obra de juventude. Não se poderia ser mais claro...
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tos do stalinismo, na mesma medida em que “o humanismo an tropológico” do jovem Marx é oposto ao “economismo” do “Marx dos anos maduros". “Reabi.lita-se” Marx, para poder voltá-lo contra o movimento comunista e revolucionário' in ternacional. Por outro lado, a realidade soviética na época stalinista era tal que o conceito de trabalho alienado aí provocaria uma identificação inevitável com a corrente imagem dessa reali dade. Eis por que êsse conceito pareceu inaceitável ■—■ porque muito muito explosivo — aos dirigente dirigentess e ideólogo ideó logoss dêsse regime regime.. “Na sociedade soviética não podia mais, não devia mais se tratar de alienação. O conceito devia desaparecer, por ordem superio superior, r, por razão de Estad Est ado.” o.” 79 Daí Da í a tentat tentativa iva de desfig de sfigu u Man anus uscr crito itoss d e 1844, a rar as obras de juventude como os M começar pela tentativa de não os reproduzir in extenso numa só edição.80 Daí a tentativa de minimizar o conceito de aliena ção, ou de declará-lo decididamente “pré-marxista”. Aque Aq uele less que tinham degr de grad adad adoo o marxism mar xismoo a o nível de uma apologética vulgar da política do regime stalinista esta vam pelo mesmo fato impotentes para responder ao desafio Man anu u scri sc rito toss de dos exegetas idealistas ou existencialistas dos M 1844.
Quanto aos marxistas que de um lado reconheceram o caráter mistificador dessa tentativa, mas que de outro lado procuraram conservar seu lugar no interior da ortodoxia ofi cial, êles se saíram recolocando todo o Marx maduro no Marx jovem jov em,, cheg ch egan ando do assim freqüent freq üenteme emente nte a resultad resu ltados os análo an álogo goss aos da pseudocrítica burguesa.
79 Henri Henri Lefebvre, Lefebv re, “ Prefáce” da segunda segunda edição do volume I da Cri tique de la vie quotidienne, Paris, L’Arche, 1958, pág. 63. 80 Louis Althusse Althusserr se queixa queixa justame justamente nte do fato de d e que nenhum eco e co nomista tenha estudado os Manuscritos Manu scritos d e 1844 18 44 como filósofo, e que ne nhum filósofo os tenha estudado como economista. Mas essa discórdia na interpretação não existe sem relação com o fato de que na República Democrática Alemã se tenha durante muito tempo publicado separada mente os três primeiros manuscritos e o quarto, e, que na URSS, a pri meira edição russa integral dos Manuscrito date d e . . . 1956! (Günther Manu scritoss date Hillmann: “Zum Verständnis der Texte”, págs. 203-4, 240, em K. Marx, Teste zu Methode und Praxis, II, Rowohlt-Verlag).
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Desalienação Progressiva pela Construção da Sociedade Socialista, ou então Alienação Inevitável na “Sociedade Industrial”?
A defor de form m ação aç ão ideo id eológ lógic icaa e mistifi mis tificad cadora ora da teoria mar xista da alienação tem assim fontes sociais especificas, na realidade de nossos dias. Ela tem, por outro lado, funções apologéticas evidentes. Os ideólogos da burguesia tentam re presentar os traços mais repelentes do capitalismo contempo râneo como resultados eternos e inevitáveis do ‘‘drama hu mano” man o” . Êles Êles se esforçam para traze trazerr a concepção concep ção sócio-hissócio-h istórica da alienação humana para uma concepção antropoló gica, cheia de resignação' e de desespero. Quanto aos ideólo gos stalinistas, êles se esforçam por reduzir o “núcleo válido” da teoria da alienação a traços específicos da exploração ca pitalista do trabalho, para poder assim “provar” que a alie nação não existe mais na União1Soviética e não pode existir em nenhuma sociedade de transição do capitalismo para o so cialismo (e a fortiori em nenhuma sociedade socialista) . Indiretamente, a sobrevivência manifesta de fenômenos de alienação na sociedade soviética serve de ponto de apoio aos ideólogos burgueses para demonstrar triunfalmente a fa talidade inevitáve inevitávell da alienação “ na sociedade socied ade industrial” industrial” . E a obstinação da ideologia oficial na URSS em negar a evi dência — isto é, a sobrevivência sobrevivência dos fenômenos de alienação alienação no curso da fase de transição do capitalismo para o socialis mo — arris arrisca ca provocar provoca r conclusões análogas nos teóricos mar mar
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xistas dos países de base econômica socialista, que aspiram sinceramente a descobrir a realidade sob o véu das mentiras oficiais. Uma análise da teoria marxista da alienação não está, pois, completa enquanto não permite formular uma teoria mar xista da desa de salie liena naçã çãoo prog pr ogre ress ssiva iva,, não a defende com suces so do mito da “alienação inevitável” no seio de tôda “socie dade industr industrial” ial” . Semelhante concepção marxista da alienação e da desa lienação não se enquadra evidentemente com a afirmação apo logética de autores como Jahn, segundo a qual “a dominação de uma potência estrangeira sôbre os homens é eliminada com a supressão da propriedade privada pela revolução proletá ria e a construção da sociedade comunista, visto que os ho mens se colocam aqui livremente em face dos seus produ t o s . . . ” 1 Uma tes tesee anál análog ogaa é def defend endid idaa por Manfred Buh Buhr, que escreve que a alienação é “eliminada somente com a revo lução socialista, a criação da ditadura do proletariado no pro cesso cesso de construção da sociedade socialista” socialista” .2 O autor autor acres centa aliás que todos os. fenômenos da alienação não desapa recem espontáneamente após a revolução socialista. Mas êle se refere a êste propósito a vagas “sobrevivências” ideológi cas e psicológicas da era capitalista, o individualismo burguês e o egoísmo, sem revelar suas raízes materiais e sociais. Num escrito posterior, Manfred Buhr afirma nitidamente: “Assim como o fenômeno social da alienação é um fenômeno de origem histórica e deixará de se manifestar no curso da história, o conceito de alienação que o reflete é igualmente um conceito histórico e não pode ser aplicado de maneira signifi significati cativa va senão em condições capitalist capitalistas.” as.” 3 N ão há evi1 Jahn, op. cit., pág. 864. 3 Artigo “Entfremdun “E ntfremdung” g” , pág. 140, 140, Philos Ph ilosoph ophische ischess W örte ör terb rbuc uch h , edi tado por Georg Klaus e Manfred Buhr, Leipzig, 1964, V. E. B. Verlag Enzyklopädie. É preciso assinalar que essa fraqueza em relação ao pro blema da desalienação, êsse texto de Buhr, representa um progresso so bre a maneira pela qual a questão da alienação tinha sido tratada an teriormente na República Democrática Alemã. 3 Manfred Buhr, Entfre En tfremd mdung ung — Philoso Phi losophi phische sche An Anth thro ropo polo logi giee — Marx-Kritik, pág. 814. Numa nota de pé de página, Manfred Buhr ad mite que a desalienação é um proce pr ocesso sso que não faz senão começar com a derrubada da sociedade capitalista. Mas êle conclui que não se pode deduzir dessas premissas que existem ainda fenômenos de alienação na
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dentemente nenhuma relação causal entre a primeira e a se gunda parte dessa frase. O fato de que a alienação é um fe nómeno históricamente limitado não implica de maneira ne nhuma que sua validade se limite somente à época capitalista. T . I. Oiserman Oiserman desenvolve sua sua argumentação num num nível nível mais elevado: “No socialismo (o autor se refere aqui expli citamente à “primeira fase do socialismo”, segundo a fórmu Crítica do Progra Programa ma d e G ota) ota ) não existe la de Marx na Crítica o que Marx chamou a essência, o conteúdo da alienação, e êste conteúdo propriamente dito não pode aí existir: domina ção dos produtos do trabalho sôbre os produtores, alienação da atividade produtora, relações sociais alienadas, submissão da personalidade sob as fôrças espontâneas da evolução so cial.”4 Infelizmente, todos os fenômenos que Oiserman acaba de enumerar não somente podem subsistir na época de tran sição do capitalismo para o socialismo, mas subsistem mesmo inevitavelmente, na medida em que subsistem a produção mer cantil, a troca da fôrça de trabalho por um salário estritamen te limitado e calculado, a obrigação econômica dessa troca, a divisão do trabalho trabalho (e principalmente principalmente a divisão do trabalho em trabalho manual manual e trabalho intelectual intelectual etc) e tc) . E numa so ciedade de transição burocráticamente deformada ou degene rada, êsses fenômenos arriscam mesmo a tomar cada vez mais amplitude. Isso é evidente quando se analisa em profundidade a rea lidade econômica dos países de base econômica socialista. É manifesto que as necessidades de consumo dos trabalhadores não estão aí inteiramente satisfeitas: isso não implica uma alienação do trabalhador em relação aos produtos de seu tra balho, sobretudo quando êsses produtos são bens que êle de seja adquirir e que o desenvolvimento insuficiente das fôrças produtivas (sem falar das deformações burocráticas do sis tema de distribuição!) o impede de se apropriar déles? É ma nifesto também também que a divisão do trabalho (cujos (cu jos prejuízos são sociedade socialista (mais exatamente: na época de transição do ca pitalismo para o socialismo). Tudo o que se designa “comumente e le vianamente” sob o têrmo de alienação no socialismo seria no máximo “exteriormente análogo” à alienação capitalista. O aspecto apologético dessa casuística salta aos olhos. 4 T. I. Oiserman, D ie Entfr En tfrem emdu dung ng ais historis his torische che Katego Kat egorie rie,, pág. 135.
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reforçados pela organização burocrática) aliena freqüentemen te o trabalhador e o cidadão da atividade produtiva. O nú mero de candidatos aos estudos universitários que não são admitidos na Universidade e que são pois obrigados a pros seguir uma atividade com a finalidade única de subsistência são outros tantos testemunhos dessa alienação. Poder-se-ia prosseguir a lista ao infinito. Na Tcheco-Eslováquia, um autor comunista, Miroslav Kusy, não hesitou aliás em chamar a atenção para os fenô menos novos da alienação provocados pela burocratização das instituiç instituições, ões, que se alienam alienam do pov p ovo. o.55 É um tema tema sôbre o qual se poderia amplamente falar... Mesmo Me smo um um autor autor tão fino fino quanto quanto J. N . Daw D aw ydow yd ow pre fere ignorar êsse problema e se acantona acanton a prudentemente numa numa análise das condições da desalienação na segunda fase do socialismo, análise aliás notável, à qual voltarem volta remos os mais mais adiante. Nessas condições, não se pode senão aprovar Henri Lefebvre quando proclama perempt peremptori oriamente: amente: “ Jam Jamais ais Marx Ma rx li mito mitou u a esfera da alienação ao capitalismo."8 E deve-se deve-s e saudar saudar a coragem de Wolfgang Heise que afirma: “A superação da alienação é ao mesmo tempo idêntica ao desenvolvimento do indivíduo socialista consciente e da capacidade de criação co letiva. Ela se realiza através da construção do socialismo e do comunismo. Por êsse fato, ela é um aspecto de todo progresso histórico para superar em tôdas as relações e atividades vitais as marcas da antiga sociedade. Ela começa com a emancipa ção da classe operária, a luta pela ditadura do proletariado, e conclui conclui com com a realização da autoge au togestão stão social plena e intei intei ra.’’1 Isso nos parece, gros gr ossa sa m odo od o , correto, mesmo se tiver mos de criticar Heise na sua análise dos aspectos concretos
da alienação e do processo de desalienação na época de tran sição do capitalismo para o socialismo.
6 Citado por po r Günther Günther Hillmann: Hillmann: “Zum “Z um Verständnis Verständnis der Texte” , págs. págs. 216-7, em K. Marx, Texte zu Methode und Praxis II — Pariser Manus kripte krip te 1844, 184 4, Rowohlt-Verlag, Hamburgo, 1966. 6 Henri Henri Lefebvre, Lefe bvre, “ Préface” da segunda segunda edição do volume I da Cri tique de la vie quotidienne, pág. 74. 7 Wolfgang Wolfga ng Heise, Heise, “ Ueber die Entfremdung und ihr ihree Ueberwindung” , em Deu D euts tsch chee Zeitsc Ze itschri hrift ft für fü r Philoso Ph ilosophi phie, e, 1965, n.° 6, pág. 701.
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Retenhamos em todo caso isto: para Marx, o fenômeno da alienação é anterior ao capitalismo. Êle está ligado ao de senvolvimento insuficiente das fôrças produtivas, à economia mercantil, à economia monetária e à divisão- social do traba lho. Tanto tempo quanto sobreviverem êsses fenômenos, a so brevivência de uma certa forma de alienação humana é ine vitável .8 O teórico comunista iugoslavo Boris Ziherl o admite, quanto a êle, êle, para para a “ sociedad socie dadee socialista” (diríamos mai maiss corretamente: a sociedade de transição do capitalismo para o socialismo), o que é totalmente em sua honra. Mas não é senão para se indignar com os filósofos iugoslavos que recla mam um comêço de desalienação por um comêço de enfraque cimento da economia mercantil, ou que colocam em relêvo as coações supérfluas e alienantes que subsistem na sociedade iugos.lava.9 A posi po siçã çãoo dos do s teór te óric icos os iugos iu goslav lavos os oficia ofi ciais is é muito c o n traditória a êsse propósito. Êles afirmam que as condições materiais não estão maduras para o enfraquecimento da eco nomia mercantil e da alienação que daí resulta. Mas as con dições materiais estão maduras para o enfraquecimento do Estado? Contra Stalin e seus discípulos, os comunistas iugos lavos tinham chamado Lênin que, em O Estado e a Revolu ção, tinha demonstrado que, para estar conforme com a mar cha para o socialismo, o enfraquecimento do Estado devia co meçar “em seguida à revolução proletária”, que o proleta riado devia construir um Estado “que não é mais um Estado no sentido próprio do têrmo”. Êles haviam proclamado justa mente que a recusa em se engajar nesse caminho, longe de preparar preparar “ a maturação das condiçõ con dições es objetivas objet ivas", ", iria iria fatal mente erigir obstáculos suplementares no caminho de um en 8 Uma variant variantee da concep con cepção ção apologética ap ologética nos é oferecida por E. V. Ilenkov, que afirma que somente a ‘ divisão antago antagonis nista ta do trabalho” t rabalho” , “a divisão burguesa do trabalho”, mutilam o homem (La dialettica deli’ astratto e dei concreto nel Capitale di Marx, Feltrinelli, Milão, 1961, pág. 32). Em Marx, tôda divisão do trabalho que condena o homem a não exercer senão uma só profissão, assim, pois, também aquela que subsiste na URSS é alienante. 9 Boris Ziherl, “ Sur les conditions conditio ns objectives objective s et subjectives de la désaliénation dans le socialisme”, em Questions actuelles du socialisme, n.° 76, janeiro-março de 1965, págs. 122, 129-130.
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fraquecimento futuro. Êste não pode surgir de um reforço contínuo do mesmo Estado! Mas o raciocínio que é exato para o Estado o é também para a economia mercantil.10 O proletariado não pode privar se dela em seguida à derrubada do capitalismo; ela está li gada a uma fase histórica do desenvolvimento das fôrças pro dutivas, que está longe de ser superada nos países chama dos “ em vias vias de desenvolvimento” desenvolvimento” (e todos tod os os países países de de base econômica socialista, com exceção da República Demo crática Alemã, se encontravam nessa categoria no momento de iniciar a construção do socialismo). Ela pode e deve ser utilizada no quadro de uma economia planificada —•para aper feiçoar essa planificação e acelerar o desenvolvimento das fôrças produtivas, sem o qual seu enfraquecimento final será utópico. Mas ao mesmo tempo ela deve conteç&r a se enfraquecer, senão sua extensão cria criaria ria obstáculos obstácu los novos nov os — objetivos objetiv os e subjetivos subjetivos — no caminho caminho de seu enfraqueci enfraquecimento mento futuro. futuro. A natureza dêsses obstáculos novos manifestou-se trágicamente na Iugoslávia, onde a mercadoria reproduziu uma das contra dições que ela contém em germe: o desemprêgo, com tôdas as conseqüências que daí decorrem também para a consciên cia do homem.11 Tanto quanto o Estado não pode miraculo samente se enfraquecer de um só golpe depois de se ter cons tantemente reforçado no período precedente, a economia mer cantil não pode miraculosamente se enfraquecer depois de se 10 W olfg ang an g Heise ( Ueber die Entfremdung und ihre Ueberwindung, págs. 700-711) analisa com detalhes os numerosos fatores que o pro cesso de desalienação no curso da fase de construção do socialismo (isto é, na realidade, durante a fase de transição do capitalismo para o socia lismo). Mas êle nem mesmo menciona, nesse contexto, a sobrevivência das economias mercantil e monetária, quando esta é uma das fontes essenciais da alienação em Marx! 11 Esqu ecendo ecen do completamente com pletamente os laços entre entre a alienação alienação e a produção produ ção mercantil, o economista iugoslavo Branko Horvat vê na autogestão o caminho para a supressão da alienação. Êle escreve: “O controle da produção sem o intermediário do Estado significa o controle pelos pro dutores diretos, que quer dizer, por sua vez, a igualdade dos proletá rios é transformada numa igualdade de mestres. O processo de alienação humana... chega a seu fim” ( Towards a Theory of Planned Economy, pág. 80). Estranhos “mestres”, em verdade, que podem encontrar-se na rua, sem trabalho nem renda dignos dêsse nomel
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ter constantemente consolidado e expandido no período de transição do capitalismo para o socialismo. Os filósofos iugoslavos que levantam o problema da so brevivência e da reprodução de fenômenos da alienação no seu país12 são pois mais "marxistas” a êsse propósito que os teó ricos oficiais — mesmo que sejam algumas algumas vêzes levados, sob so b a influência de más experiências que viveram, a colocar um ponto de interrogação sôbre a teoria marxista da desalienação integral do homem na sociedade comunista. A possib pos sibilid ilidade ade dessa des sa desalie des alienaç nação ão é igualmente igualm ente cont co ntes es tada em duas obras recentes de Henri Lefebvre,13 onde o autor não entrevê mais do que um contínuo balanço entre aliena ção, desalienação e alienação de nôvo. ,Êle afirma justamente que é preciso “ completamente completamente particularizar” , “historiar” “ historiar” e "relativizar "relativizar o conceito conc eito de alienação” a lienação” .14 .14 M as se, relativizando relativizando êsse conceito, suprime-se a possibilidade de sua negação inte gral, tende-se a torná-lo de nôvo absoluto. Assim, a tentativa de Lefebvre de “historiar” a alienação deve ser considerada como tendo fracassado, porque ela produziu o resultado dia lético inverso, transformou de nôvo a alienação em um con ceito imanente à sociedade humana, mesmo se êle se apresen ta sob formas diferentes em cada tipo de sociedade diferente. As A s fontes font es dêsse cet ceticis icismo mo histór his tórico ico são evidente evid entes: s: são sã o os fenômenos negativos que acompanharam as primeiras tentati vas históricas de construir uma sociedade socialista.15 Trata-se 12 Assinalemos entre estes: Rudi Ru di Supek, “ Dialect Dia lectique ique de la pratique sociale”, em Praxis, Praxis, n.° 1, 1965; Gajo Petrovie, op. cit., e “Man as Eco nomie Animal and Man as Praxis”, em Inquir Inq uiry, y, vol. 6, 1963; Predrag Vranicki, Vran icki, “ Socialism Socia lism and the Problem Pro blem o f Aliénat Alié nation ion”” , em Praxis, Praxis, n.° 2/3, 1965; Predrag Vranicki, “La signification actuelle de l’Humanisme du jeune Marx”, em Annali Anna li dell’ del l’lsti lstitut tutoo Feltrinelli Feltri nelli,, ano 7, 1964-65; Zaga Pesic-Golubovic, “What is the Meaning of Aliénation?”, em Pra xis, n.° 3, 1966; etc. 13 Henri Henr i Lefeb Le febvre vre,, Critique de la vie quotidienne, II, L’Arche Edi tions, Paris, 1961; Henri Lefebvre: Introd In troduct uction ion à la Mo Moder derni nité, té, Editions de Minuit, 1962, Paris. 14 Critique de la vie quotidienne, II, pág. 209. 15 “Estamos hoje menos convencidos do que Marx de um fim absoluto da alienação” (Henri Lefebvre, Introd Int roduct uction ion à la Mo Mode dern rnité ité,, pág. 146 — grifo nosso). Referindo-se às condições atuais para demonstrar a qua lidade dessa conclusão, Lefebvre parece esquecer as premissas do ra ciocínio de Marx: enfraquecimento da produção mercantil, da econo-
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de produtos do stalinismo, que ultrajante e inutilmente acen tuaram os fenômenos de alienação que não podem deixar de subsistir na época de transição do capitalismo para o socia lismo. Assim, Assim , o nôvo nô vo cet ceticis icismo mo de um Lefe Le febv bvre re ou de um P esic es ic-Golubovic não é senão uma reação negativa diante da expe riência stalinista, da mesma forma que a apologética de Buhr. Jahn, Oiserman e Ilenkov não é senão um produto da mes ma experiência, procurando passar em silêncio sôbre os as pectos negativos da realidade social nos países de base econô mica socialista. Quando o pensamento supera essa apologética, num nôvo contexto político no Leste, pode, seja desembocar num retorno à concepção original da desalienação em Marx — a desalienação desalienação enquanto enquanto processo proc esso que depende dep ende de uma uma in fra-estrutura material e social que não existe ainda na época de transiçã transiçãoo do capitalismo para o socialismo — seja desem bocar num ceticismo quanto às possibilidades de desalienação integral. A tarefa cientí cie ntífic ficaa é ao cont co ntrá rário rio a de analisar as fontes fon tes sócio-econômicas da sobrevivência de fenômenos de aliena ção na época de transição do capitalismo ao socialismo, e du rante a primeira fase do socialismo, de descobrir os motores d o process pro cessoo de desalienação durante essas mesmas mesmas fases. fases . Trata-se de efetuar a análise fazendo de início abstração dos fatores que reforçam e agravam a alienação em conseqüência da deformação ou da degenerescência burocráticas da socie dade de transição, depois integrar êsses fatores particulares numa análise mais concreta dos fenômenos de alienação em países como a URSS, as “democracia populares” etc. A fonte fon te geral da sobrev sob revivê ivênc ncia ia d os fenô fe nôme meno noss d e alie nação na época de transição, e na primeira fase do socialis mo, é o grau de desenvolvimento insuficiente das fôrças pro dutivas e a sobrevivência das normas de distribuição burgue sas que daí decorrem.10 A contradição entre o modo de pro dução socializado e as normas de distribuição burguesas — mia monetária, da divisão social do trabalho num quadro mundial, e sôbre a base de um desenvolvimento muito elevado das fôrças produ tivas. de s Gotha Go thaer er ProPro 16 Ver a fórmula empregada por Marx em Kritik des gramms, págs. 16-7, em Au Ausg sgew ewãh ãhlte lte Schriften Schr iften,, vol. II. Ver também nosso Traité d’Economie Marxiste, vol. II, pág. 231.
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contradição principal principal da época de transição transição — introduz introduz fato res de alienação nas relações de produção. Os trabalhadores continuam a sofrer, mesmo que parcialmente, o efeito de uma evolução social objetiva e espontânea que êles não controlam (sobrevivência das “leis do mercado” no domínio dos bens de consumo; sobrevivência de uma "seleção profissional” que não desenvolve inteiramente tôdas as aptidões de todos os indi víduos etc.). Quando a isso se acrescentam a hipertrofia da burocra cia, a ausência de democracia socialista no plano político, a ausência de autogestão operária no plano econômico, a au sência de liberdade de criação no plano cultural, [atô [a tôre ress es pecíficos de alienação, resultantes da deformação ou da dege nerescência burocráticas, se acrescentam aos fatores inevitá veis que acabamos de mencionar mencionar.. A burocratização da socie dade de transição tende a exasperar a contradição entre o modo de produção socializado e as normas de distribuição burguesas, principalmente pela acentuação da desigualdade social. A generalização da economia monetária vai no mesmo sentido. Wolfgang Heise se dedica, a êsse proposito, a uma aná lise muito sutil. Se a propriedade coletiva dos meios de pro dução e a planificação socialista superam em princípio prin cípio a im potência social diante da evolução da sociedade no seu con junto, jun to, isso não nã o signifi sig nifica ca que essa impotê imp otência ncia social soc ial se e ncon nc on tra imediatamente superada por todos os indivíduos. É pre ciso levar em conta não somente as escórias ideológicas do passado capitalista, os membros das antigas classes dominan tes, a educação insuficiente de uma parte do proletariado etc. Deve-se também compreender que essa impotência não é su perada na prática senão quando os indivíduos realizam sua identidade com a sociedade através de uma atividade social fundada sôbre uma ampla medida de decisões livres.17 Isso implica não somente uma autogestão integral do Trabalho ao nível da economia tomada no seu conjunto (não somente no processo de produção, mas ainda no de distribuição e de con sumo), mas ainda um enfraquecimento do Estado e o desapa 17 W olfg ang an g Heise, Ueber die Entfremdvng und ihre Ueherwindung, págs. 702-3.
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recimento de tôdas as relações humanas fundadas na coação e na opressão. At A t é aí a análise análi se de H eise ei se nos no s parec pa recee corr correta. eta. M a s afir af ir mando que o processo de desalienação não pode ser um fe nômeno espontâneo, mas deve ser guiado pelo partido, êle co meça por afirmar afirmar que o risco de burocratização — de ver os aparelhos se tornarem autônomos por respeito aos objetivos da sociedade no seu seu conjunto — pode po de ser ser neutralizado neutralizado por essa ação do partido.18 É pecar por uma visão idealista e per der de vista que há as duas fontes objetivas da burocratiza ção: por um lado, a sobrevivência de um processo econômico espontâneo (sobrevivência das normas de distribuição mer cantis e de elementos de economia mercantil, sobrevivência da divisão do trabalho, dos privilégios de cultura e de delegações de poder, que impulsionam os aparelhos a se tornar autôno mos e a se transformar de servidores em mestres da socieda de) e, por outro lado, a centralização do superproduto social e o direito de dispor livremente dêsse que cabe ao aparelho. O duplo processo de desalienação em relação a êsses fenôme nos específicos de alienação é pois o enfraquecimento progres sivo da economia mercantil e da desigualdade social, e a subs tituição do sistema de gestão estatal da economia por um sis temaa de autogest tem aut ogestão ão operária, democráticamente centralizado. Por êsse fato, a infra-estrutura material da burocratização é destruída. E é somente nessas condições que a ação subjetiva do partido — e a amplificação am plificação da democracia socialista socialista num num plano político, que implica o abandono do dogma do partido único -—- pode emancipar-se da empresa burocrática que a apri siona.19 Heise insiste justamente sôbre a importância de um de senvolvimento suficiente das fôrças produtivas para permitir o desencadeamento de todos êsses processos de desalienação. Mas depois de ter pecado de início por voluntarismo, êle peca em seguida por mecanicismo. Semelhante desenvolvimento das fôrças produtivas reclama “um grau extraordinariamente elevado da organização e da diferenciação das funções so ciais” ; eis eis por que seria seria “ insensato reclamar a democracia democrac ia di di reta na produção ou o abandono da planificação central auto 18 Ibid., Ibi d., pág. 704. 19 É bem conhecid conh ecidoo que na URSS, na época épo ca de Stalin Stalin,, o partido partido foi fo i o principal veículo da burocratização.
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ritária. . . com comoo cond co ndiç ição ão de d e supera su peração ção da alienaçã alie nação. o. . . Seria uma exigência oposta à necessidade real da produção racio nal opos o posta ta à lógica lóg ica econômica econôm ica e técn té cnica ica.. . . ” 20 É notável que, levada às suas últimas trincheiras, uma apologia da ausência de autogestão operária na República De mocrática Alemã manipule o mesmo argumento que os ideó logos burgueses utilizam para demonstrar a inevitabilidade da alienação, não somente em regime capitalista, mas em tôda “ sociedade indust industrial rial”” : “ o grau grau elevado de diferenciação das funções funç ões sociais” . Voltare Vol taremo moss a isso mais mais adiant adiante. e. É também também notável que Heise não possa conceber a planificação central senão como planificação autoritária, e que da mesma maneira que os autores iugoslavos êle permaneça fechado no di,lema: ou anarquia da produção (economia de mercado), ou plani ficação fica ção autorit autoritári ária. a. A possibilidade possibilida de de uma uma planificaçã plan ificaçãoo d e mocraticamente centralizada , resultante de um congresso de conselhos operários gerindo as emprêsas, parece escapar-lhe. O que êle chama “a redução do grau de organização da so ciedade” equivale para êle (como para os autores stalinistas e burgues bur gueses es !) à supressão supress ão das estrutura estruturass autoritárias. autoritárias. Com Co m o se os "produtores associados” associad os” — para falar falar com Marx — fôssem incapazes de melhorar o grau de organização social substituindo, ao menos entre êles,21 a disciplina livremente consentida por uma hierarquia de comandantes e de coman dados! Mas a fraqueza fundamental do raciocínio de Heise é ainda mais profunda. Por um lado, êle reclama o primado da ação do partido (contra as tendências à espontaneidade do burocratismo); por outro lado, invoca o primado do cresci mento econômico (contra a democratização da vida das em prêsas ). Êle não parece perceber perceber que a potência da buro cracia se reflete subjetivamente nesse argumento econômico, que o aceitando, paralisa de início tôda ação subjetiva contra ela. Por que não pretende ela encarnar a “competência” e a “ especialização” , face às massas massas ignaras? ignaras? E êle não nota tam tam bém que objetivamente a burocracia permanece todo-poderosa 20 W olfgan olfg angg Heise, Heise, Ueber die Entfremdung und ihre Ueberwindung, pág. 706. 21 A coação coaç ão permanece evidentemente evidentemente inevitável por po r respeito respeito às às ou tras classes sociais, mas o grau dessa coação depende da violência das contradições sociais.
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tanto tempo quanto ela pode soberanamente dispor do superproduto social (quer seja por via da autoridade, como na U R SS, SS , ou por intermédi intermédioo das das “ leis leis do mercado” m ercado” , com comoo na Iugoslavia). Eis por que êle reclama “corretivo” contra os “erros” sob forma de um “ direito direito de controle crescente crescente da coletividade” ; eis por que admite que, a longo prazo, a centralização do po der no aparelho deveria ser superada pela “democracia socia lista” lista” e pelo pe lo “ desenvolvimento de uma uma atividade consciente das massas” 22 — sem tira tirarr a conclusão conclusã o manifesta manifesta do d o ponto p onto de vista marxista de que o passo decisivo para essa democracia é aquêle que submete submete ao conjunto con junto dos do s trabalhadores ■—• —• aos “ produtores produtores associados” associad os” — a gestão gestão da da produção e a possi bilidade de dispor do superproduto social. J. N . D aw ydow yd ow se esforça por ana anali lisar sar os meca mecanism nismos os da desalienação na construção do comunismo de maneira bem mais aprofundada do que Wolfgang Heise. Para Marx, a divisão do trabalho capitalista resultou na eliminação com pleta da liberdade da esfera da produção material; essa li berdade, o comunismo a reintegrará, porque as necessidades da técnica reclamam uma mobilidade de função cada vez maior entre os produtores, tornados principal fôrça produtiva a par de seus conhecimentos científicos. A individualidade univer salmente desenvolvida é possível, na base dessa técnica. Esta a reclama mesmo, visto que do ponto de vista dessa “econo mia política do comunismo” cada homem que não se tornou uma “individualidade plenamente desenvolvida” representa uma enorme perda econômica.23 Mas isso significa que, em condições de abundância cada vez mais generalizada de bens materiais, a finalidade prin cipal da produção se torna a de produzir indivíduos “total mente” desenvolvidos, criadores e livres.24 Na mesma medida em que o homem se torna a “ fôrça fôr ça produtiva pro dutiva principal” princip al” 25 pelo fato da enorme extensão da tecnologia científica, êle está cada 22 W olfgang olfga ng Heise, Heise, Ueber die Entfremdung und ihre Ueberwindung págs. 706-7. 23 J. N. D aw ydow yd ow,, Freih Fr eiheit eit und Entfre En tfremd mdun ung, g, pág. 114. 24 Ibid., Ibid ., pág. 117. 25 Cf. K. Marx nos Grundrisse, pág. 593: “É o desenvolvimento do indi víduo social que aparece (agora, É. M.) como o grande pilar funda mental da produção da riqueza.”
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vez menos “integrado” diretamente no processo de produção. Na medida mesma em que o “trabalho vivo” é expulso do processo de produção, êle se revaloriza como organizador e controlador dêsse processo. E, na medida mesma em que se opera assim a produção paralela de urna abundancia de bens materiais e de homens universalmente desenvolvidos, a do minação do “trabalho morto” sobre o “trabalho vivo” desa parece, e a liberdade é “reintegrada” na produção material.28 Tôda essa análise, que se apóia essencialmente nas pas sagens dos Grundrisse de Marx que citamos antes, nos pa rece de natureza a esclarecer fundamentalmente o problema.27 Sua fraqueza principal é que ela salta de um só golpe da so ciedade capitalista para as relações de produção comunistas — sem analisar analisar as mediaçõ med iações es históricas necessárias e inevitá veis, isto é, descrever os motores concretos da desalienação progressiva na fase de transição, por ocasião da construção do socialismo. A autogestão operária; a planificação central democrático-centralista; o enfraquecimento progressivo da pro dução mercantil; a generalização do ensino superior; a redu ção radical da jornada de trabalho; o desenvolvimento da ati vidade criadora no curso do “ tempo livre” ; a interpe interpenet netração ração progressiva dos hábitos de consumo na escala mundial; a re volução psicológica provocada por essas transformações su cessivas, e principalmente pelo enfraquecimento da produção mercantil:28 tudo isso não está integrado na análise de Dawydow e deveria completá-la para tirar de seu estudo uma sus peita de axiomatismo, que seus críticos burgueses e dogmá ticos censurarão erradamente.29 !É que, para ser lógica, a análise da desalienação pro gressiva do trabalho do homem no socialismo deve integrarse numa análise exaustiva de sua alienação na época de tran sição. Na ausência desta, aquela se torna arbitrária. Ela ad26 J. N . Dawydow, Daw ydow, Freih Fr eiheit eit und Entfre En tfremd mdung ung,, págs. 117-131. 27 Ver Ve r a série série de citações citaçõe s contidas no capítulo cap ítulo 7 desta obra. 28 Consagramos a êsses êsses problemas uma grande parte do capítulo capítu lo XVII XV II de nosso Traité de Economie Marxiste. 29 Diversos aspectos aspectos do raciocínio de Da wydo wy dow w receberam já um co meço de verificação empírica, notadamente a necessidade de uma mobi lidade maior do trabalho e das tarefas, no seio de equipes funcionais, que resulta na grande indústria do progresso da automação (ver Geor ges Friedmann e Pierre Naville, Traité de Sociologie du Travail, págs. 380-1).
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quire quire um aspecto aspec to de “ fuga para adiante” que irrit irritaa aqueles aqueles que concedem a prioridade a uma abordagem mais pragmáti ca da realidade imedia imediata. ta. Mas Ma s ao menos essa “ fuga para adiante” tem o mérito da clareza e de perspectivas precisas. Ela permanece fiel ao ensinamento de Marx, que rejeita tõda concepção antropológica da alienação. O mesmo mérito não se encontra nas conclusões desabu sadas que um Adam Schaff tira de seu confronto com a rea lidade polonesa de hoje. Êle admite a sobrevivência de fenô menos de alienação na sociedade socied ade socialista — mas mas se sai sai co locando em dúvida a possibilidade de realizar, mesmo na so ciedade comunista, o enfraquecimento do Estado, o desapa recimento recimento da divisão do trabalho trabalho (que êle concebe conceb e de ma neira mecânica; a leitura de Dawydow deveria fazê-lo mudar de idéia!) e a supressão da produção mercantil.30 Essa revi são cética e misantrópica de Marx foi criticada pelos dirigen tes tes do PC polonês polo nês331 — mas mas não no sentido de d e uma análise análise franca dos obstáculos à desalienação que impõe a realidade social burocratizada de seu país, mas no sentido de uma sim ples negação apologética do problema. Schaff, que ensaiou formular ao menos um “programa de ação” contra a aliena ção, é relativamente mais sincero.33 Mas uns como os ou tros são importantes para relembrar o ensinamento de Marx, e não podem assim fazer parar a ascensão da Filosofia e da Sociologia não-marxistas na Polônia. É assi assim m que um sociólo soci ólogo go como Stanislaw Stanislaw O ssowsk sso wskyy afirma que a concepção clássica de classes sociais formulada por Marx não se aplica de maneira integral senão a um tipo 80“ Não faço senão mencionar êsse problema, tanto tanto mais mais que qu e se pode pod e estimar estimar que qu e a produção prod ução mercantil ter teráá desaparecido da sociedade co munista plenamente desenvolvida, se bem que essa estimação apareça como problemática (!) à luz das experiências atuais” (Adam Schaff, Marxismus un und d das mens me nsch chlic liche he Individ Ind ividuum uum,, Europa-Verlag, Viena, 1966, pág. 177). 31 Now N ow e Drog Dr ogi, i, número de dezembro de 1965. 32 Schaff reconhece reconh ece que a socialização dos meios de produção produ çãonão não po de senão começar o processo de desalienação. Mas êle dá mais ênfase à educação socialista do que à mudança das condições econômicas (prin cipalmente ao necessário enfraquecimento das normas de distribuição burguesas) para arrematar êsse processo. Sua defesa em favor de um “igualitarismo moderado” e de maior liberdade de opinião e de crítica a respeito da “elite no poder” é meritória, mas não vai ao fundo das coisas.
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de sociedade caracterizada pelo capitalismo de livre concor rência. H oje não somente somente a apropriação dos meios meios de produ ção, mas ainda a dos bens de consumo, permitiria estabele cerr a “ dominação econômica ce econômica sôbre os homens” . Haveria Haveria tam tam bém novas formas de “dominação do homem sôbre o homem, dominação que seria função seja da propriedade dos meios de produção, seja da propriedade dos meios de consumo, seja da propriedade dos meios de violência, seja de uma combi nação entre entre essa essass diferentes diferentes propriedades propried ades”” . 33 Passa-se Passa -se cla ramente de uma Sociologia que parte das noções de classe social e de superproduto social para uma Sociologia fundada no conceito infinitamente mais vago e menos operatório de "grup "g rupos os dominantes” . 34 E a ponte está assi assim m lançada entre entre a Sociologia (e a Filosofia) críticas, mas revisionistas, nos países ditos socialistas, e a Sociologia acadêmica dos países capitalistas, que rejeita o marxismo em nome de uma divisão da sociedade sociedade em “ comandante comandantes” s” e “comandad “ comandados” os” . É inútil sublinhar o caráter apologético dessa construção da “sociedade industrial”, tal como foi elaborada por nume rosos autor autores. es. O que é específ específico ico do modo de produção ca pitalista é atribuído a tôda sociedade na era da grande in dústria.35 O que decorre de um tipo de organização social é atribuído a uma forma de organização técnica. A maior parte dos soci so ciól ólog ogos os ocidenta ocid entais is tira conclu con clusõe sõess pessimistas dessa identificação mistificadora de relações so ciais e de relações com a técnica. Êles fazem ressurgir o an 33 Stanislaw Stani slaw Ossowski, Ossow ski, Klassenslruktur Klassenslruktu r in sozialen sozia len Bewusstsei Bew usstsein, n, Luchterhand-Verlag, Neuwied, 1962, págs. 227-8. 34 As idéias idéias de Ossowski Ossowski se aproximam a êsse êsse propósito daquelas, ci ci tadas anteriormente, de um François Perroux ou de um Dahrendorf, ou das concepções de um antropólogo conservador como Arnold Gehlen: a autoridade funcional substituiria cada vez mais a divisão social em classes ( An Anthr throp opolo ologi gisch schee Forschu For schung, ng, Rowohlt-Verlag, Hamburgo, 1961, pág. 130). Ossowski deixa entender ( op. cit., pág. 223) que é a in capacidade do “marxismo” dogmático e apologético da época stalinista em explicar os fenômenos de privilégi privilégios os sociais sociais nas nas sociedades sociedade s com meios de produção socializados que está na base de seu revisionismo cético. 35 Ver Ve r principalmente Raymo Ray mond nd Aron, Dix-h Di x-huit uit leçon leç onss sur la soci so ciét étéé Gallimard,, 1962, Collection “ Idées” ; Reinhard Reinhard Rendix, Work industrielle, Gallimard and Authority in Industry, Harper Torchbooks, Harper and Row, New York, 1963; R olf ol f Dahre Da hrend ndorf orf,, Soziale Klassen und Klassenkonflikt in der industriellen Gesellschaft; etc.
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tigo mito do Leviatã de Hobbes, e vêem o homem moderno inevitàvelmente esmagado pela máquina, oriunda de seu cére bro. A alienação alienação do trabalh trabalho, o, o esmagamento esmagamento do trabalha trabalha dor por seu próprio produto, seriam o resultado inevitável da grande indústria, e essa alienação se agravará implacàvelmente, na medida em que o aparelho técnico se aperfeiçoar. É preciso reconhecer que a degenerescência burocrática da URSS, sobretudo na época stalinista, forneceu muitos ar gumentos aos partidários dessa tese pessimista. O que os ca racteriza, no entanto, em geral é a ausência de análises em profundidade, que destacariam as leis de desenvolvimento da realidade social de uma descrição puramente fenomenológica. Afir A firm m ando an do que haverá haver á sempre sempr e “ com coman anda dante ntes” s” e “ coma co man n dados”, que haverá sempre bens raros e a necessidade de uma repartição alienante dêstes, elevam-se a um nível de axioma não as conclusões, mas as premissas de um raciocínio. Acr A cred edit itaa-se se estar-se esta r-se apoi ap oian ando do em fato fa toss empíricos, emp íricos, mas nega ne ga-se na realidade uma tendência que vai no sentido inverso. Porque é difícil contestar que a riqueza potencial da socieda de, o grau de satisfação das necessidades racionais e a pos sibilidade de eliminar por êsse fato mecanismos de coação da organização sócio-econômica sócio-econ ômica aume aument ntam am a passos de gigan te desde um século e sobretudo no curso do último quarto de século, século, na sociedade dita dita “ind “ indust ustrial rial”” . Por que supor que que essa tendência não possa chegar a um "salto "sa lto”” qualitativo qualitativo,, onde se enfraqueceria a sujeição do homem às necessidades de uma uma luta luta “ pela existência” , e onde ond e desabrocharia sua ca pacidade de dominar sua organização social tanto quanto êle dommaria as fôrças da natureza? Ora, deve-se reconhecer que a tendência de desenvolvi mento da técnica não caminha de maneira alguma no sentido previsto pelos pessimistas. pessimistas. G eo eorg rg Klaus distin distingue gue justamen te dois tipos de automação, do qual o segundo, muito mais rígido que o primeiro, e fundado na cibernética, cria a infraestrutura de um enfraquecimento do trabalho alienante e as precondições de um trabalho universalmente criador. E um sábio como o Professor Profe ssor V an Me Melsen lsen admite admite honesta honestament mentee que a técnica está ainda na sua fase primitiva, e que muitos de seus aspectos embrutecedores resultam precisamente dêste primitivismo: primitivismo: “ Q uand ua ndoo as primeir primeiras as necessidades estivere estiverem m de fato satisfeitas, é bem possível, em parte graças ao pró-
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prio progresso técnico, produzir muitas pequenas séries e in corporar em cada uma dessas séries projetos artísticos ori ginais. Por outro lado, o tempo de "trabalho obrigatório” cada vez mais reduzido contribuirá para trazer ao floresci mento tôdas essas coisas que reclamam tantos cuidados pes soais e am or. . . Sem dúvida elas elas voltarão voltarã o sob a forma de artes livres praticadas por aquêles que terão sido liberados pela técnica.”36 Não precisa dizer que essa ação emancipa dora da técnica não será possível senão quando essa tiver sido liberada da empresa do lucro privado e da valorização do ca pital . O pessimismo pronunciado dos partidários da tese da alienação inevitáve inevitávell da “ sociedade sociedad e industrial” se explica aliás aliás fo n tes te s verdadei verd adeiras ras d o pod po d er e as por uma confusão entre as fon articulações funcionais do d o pod p oder,3 er,377 O conselho de administra ção de uma sociedade capitalista de ações pode decidir o fe chamento de suas empresas empresas — e a supressão de tôda a hierar hierar quia burocrática burocrática pacientemente pacientemente construída — sem sem ter previa mente usurpado “a autonomia crescente” dos laboratórios de pla nningg tecnológico. Mas pesquisa ou do departamento do plannin sua decisão de dissolver a sociedade,, tomada em função de imperativos de lucro, revela quanto a delegação de poder que a precedeu preced eu estava limitada limitada a funçõe fun çõess determinadas, e quanto a propriedade privada permanece a fonte real do po der. der . Por que um um conselho operário operário não poderia poderia delegar tam bém certos poderes técnicos sem perder com isso a possibi 36 Ge Georg org Klaus, Kyb K yb em etik et ik in philo ph ilosop sophis hischer cher Sicht, Dietz-Verlag, Ber lim, págs. 414-415; Prof. Dr. A. G. M. Van Melsen: Nautuur Nau tuurwete wetensc nschap hap en Techni Tec hniek, ek, Aula-Boeken, Utrecht—Antuérpia, 1960, pág. 321. 37 Típicas a êsse êsse propósito propó sito são as considerações de Alain Touraine sôbre a descentralização crescente das decisões no seio das grandes em presas “burocratizadas”, em Georges Friedmann e Pierre Naville, Traité de Sociobgie du Travail, vol. I, págs. 420 e seg. Um dos primeiros a empregar êsse argumento foi o Dr. Johann Plenge, verdadeiro ancestral da crítica burguesa burguesa contemporânea de Marx: “A técnica moderna im plica o trabalho espiritual, implica a subordinação do trabalho manual disciplinado disciplinado na emprês emprêsaa no seu conjunto” conjunto” ; o exercício d o poder pelos trabalhadores manuais seria impossível por essa razão (Marx und Hegel, pág. 134). Essa passagem deve ser aproximada daquela de Wolfgang Heise, citada anteriormente, que concerne à impossibilidade de uma democracia no seio da emprêsa pelo fato da “diferenciação das funções sociais.” Vê-se que a apologia da hierarquia burguesa na fábrica for nece o argumento principal da apologia da hierarquia burocrática.
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lidade de tomar (ou mesmo de fazer tomar pelos coletivos g estã tãoo eco ec o n ô de trabalhadores) as decisões fundamentais de ges mica?
Não é da inelutabilidade técnica dessas articulações fun cionais que decorre a impossibilidade de “democratizar as em presas” . N ão é a complexidade e a diferenciação diferenciação crescen tes das tarefas que se opõem a essa democratização. É no direito de decisão de última competência que querem reservar-se os grandes grandes acionistas acionistas e seus seus aliados-delegados, os managets, que reside o obstáculo intransponível, no regime capitalista.38 Se êsse obstáculo é eliminado pela revolução prio ri para crer que “no socialista, não há nenhuma razão a priori vas alienações” devem resultar dos imperativos técnicos no seio das empresas autogeridas, democraticamente centraliza das. O mesmo pessimismo resulta ainda de uma distinção in suficiente entre o automatismo aparente dos mecanismos e as decisões dec isões hu huma manas nas inspir inspirada adass por po r móveis sócio-econô sócio-ec onôm m icos
que caracter caracteriza izam m a sociedade chamada chamada “ industri industrial” al” . Quan Qu an do autores como Wiener temem que as máquinas acabarão por tomar decisões independentemente de um julgamento qualquer dos homens (êles próprios mecanizados),39 êle es quece que a tendência à mecanização do trabalho na base é acompanhada na sociedade capitalista por uma concentração p od er d e d ecis ec isão ão no cume, onde um punhado inusitada de pod de homens, ajudados por uma enorme massa de informações recebidas, e apoiando-se em tôdas as articulações funcionais do poder que aumentam sua fôrça de ataque, permanecem únicos mestres, em última instância, de decidir se tal ou tal orientação sugerida por computadores será definitivamente tomada ou não.40 O que a teoria marxista esclarece são os 88 É o que revela de maneira maneira surpreendente François Bloch-Lain Bloch- Lainéé em Pour Pou r un unee R éfor éf orm m e d e 1’ Entrep En treprise rise (Paris, Editions du Seuil, 1963). Êle pede em favor de maior participação dos sindicatos e dos trabalha dores na gestão de certos aspectos da atividade das empresas. Mas êle precisa imediatamente que essa “participação” mantém a direção única, a hierarquia mestra, que conserva sozinha o direito de tomar as decisões econômicas chaves (págs. 41, 43-44, 100). 39 Norbert Wiener, Wie ner, Cybernétique et Société, Paris, Editions des DeuxRives, 1950, págs. 161-163. 40 O caso da máquina de guerra americana, altamente altamente mecanizada (principalmente o sistema de alerta guiado por computers), mas que
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móveis que inspiram definitivamente êsses homens: nem mó
veis arbitrários, nem móveis irracionais, nem um simples jôgo, mas a defesa global de interesses de classe, tais como a camada mais poderosa no seio dessa classe os entende. Ora, se é efetivamente assim, é claro que basta substi tuir êsse poder de decisão de um pequeno grupo pelo da massa massa dos “ produtores produto res associad asso ciados” os” , para que essas essas mesm mesmas as máquinas comecem a servir à socieda soc iedade, de, na mesma mesma medida es cravizá izá-la -la hoje.40bis em que elas parecem escrav A o lado la do das mistifica mist ificaçõe çõess pessimistas subsistem subsistem no entan to também algumas mistificações otimistas. A alienação do trabalho resultaria inevitavelmente da “sociedade indus trial” , mas poderia pod eria ser superada sem uma uma derrubada necessá ne cessá ria do capitalismo. Bastaria, dizem uns, dar aos trabalhado res um “sentido “ sentido da d a participaç partici pação” ão” ,41 ,41 ver uma “ ética do traba lho” graças a relações humanas revalorizadas no seio da em presa, para que êsses trabalhadores não tenham mais o sen timento de ser alienados.41 É preciso assegurar, afirmam ou tros, mecanismos de comunicação, de diálogo e de criação, que dêem ao trabalhador o sentido de sua personalidade e de sua liberdade no trabalho ou no lazer.42 A primeira tese é nitidamente a p o log lo g é tica ti ca.. Dizem Diz emos os mesmo sem nenhuma dúvida que ela está a serviço direto do Grande Capital, visto que sua finalidade confessada é ate sei o do regime Hal como com o êle êl e é. O nuar os conflitos sociais no seio que os especialistas de “relações humanas” procuram abolir não é a realidade da alienação; é a consciência que os trachega por fim ao Presidente dos Estados Unidos, único habilitado a "impulsionar” certos botões, é simbólico do conjunto do mecanismo do regime capitalista. 40bi 40biss Exemplo Exemp lo surpreendente de confus con fusão ão entre entre pode po derr d e decis de cisão ão sósó cio-econômico e autoridade técnica, êsse “argumento” do diário bur guês alemão Frankfu Fran kfurter rter Allg Al lgem emei eine ne Zeitung-. no ponto em que estamos com tôdas essas reivindicações de autogestão, por que não reclamar que um “conselho de doentes” dite aos médicos diagnósticos e terapêu ticas? (número de 16 de agôsto de 1967)... 41 Elton Elt on Mayo, Ma yo, The Human Problems of an Industrial Civilization, N o va York, The Viking Press, 1960, págs. 158-9, 171 e outras. Reinhard Bendix: Work and Authority in Industry, págs. 448-450. 42 François Perroux, Perroux, “ Aliénation et Création collective collec tive”” , em Cahiers de 1’ISEA, n.° 150, junho de 1964, págs. 92-3.
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balhadores têm dessa realidade. Sua pseudodesalienação se ria a alienação levada ao paroxismo, aquela em que o traba lhador alienado seria alienado da consciência de seu estado de ser humano mutilado.43 A alienação adquire assim dimen sões suplementares, pela tentativa da sociedade burguesa de manipular não somente o pensamento e os hábitos, mas mes mo o inconsciente inconsciente dos produtores. produ tores. Há no entanto entanto poucas probabilidades de que os técnicos das “relações humanas” possam a longo prazo impedir as tomadas de consciência pe los trabalhadores do estado de opressão no qual êles se en contram . 44 A segund seg undaa tese, mais sutil, sutil, é sobret sob retud udoo ambíg am bígua ua.. É for fo r mulada como um imperativo moral, evidentemente indepen dente da “ forma das instituiçõ instituições” es” (isto é, é, do mod o de pro dução). Mas François Perroux precisa que “não é num qua dro rígido de instituições, que consagram o êrro e a injusti ça no todo social, que instituições especializadas podem pre encher sua sua funç fu nção ão”” .45 Uma socieda soc iedade de fundada fun dada na obrigação, para o trabalhador, de vender sua fôrça de trabalho e de exe cutar um trabalho embrutecedor para obter os bens de sub sistência necessários para a sua sobrevivência não é um “qua dro rígido que consagra o êrro e a injustiça” injustiça” ? Com o se pode dar ao trabalhador, nesse quadro, “o sentimento de que êle 43 Bendix classifica aliás aliás justamente justamente a teoria das “human “h uman relations” na categoria mais geral de “a ideologia dos empresários” (diríamos antes: a ideologia capitalista no que concerne à empresa). Seria fácil demons trar que a evolução dessa ideologia, no curso de um século, reflete não somente a evolução da estrutura da empresa capitalista, mas ainda e so bretudo a evolução das relações de fôrça entre burguesia e proletaria do. Nada é mais revelador a êsse propósito que a transformação do puri tanismo altivo ou do darwinismo social da época de onipotência capi talista em uma defesa hipócrita em favor da associação Capital-Trabalho. 44 Vanee Va nee Packard, Pack ard, The Hidden Persuaders, Pocket-Book, Nova York, 1958. Se um Wright Mills teme o desenvolvimento de uma indiferença diante da alienação ( The Marxists 11 3), Bloch-Lain é sub subli linha nha,, Marxists,, pág. 113), com mais realismo, a propósito dessa mesma alienação, ao menos seu aspecto mais mais tocante ( a ausência ausência de poder pod er operário operário nas nas empresas): "A calma é enganadora. Ela recobre muitas insatisfações particulares, pron tas a acender revoltas ao primeiro enfraquecimento da conjuntura geral” ( Pour une reforme reform e d e VEntrepri VEntreprise, se, pág. 25). Ver no capítulo I algumas fontes bibliográficas sôbre o estado de espírito da classe operária. 45 “Aliénation et Création collective” collectiv e” , pág. 44. 44 .
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participa de uma uma criação coletiva” colet iva” , ou "a ocasião ocas ião e os meios de tomar consciência de si” durante seus lazeres? No seio do modo de produção capitalista, isso não seria senão engano grosseiro. A realização dêsse programa reclama a derrubada da sociedade capitalista. Mas, a partir dêsse momento, o pro grama de Perroux deveria conhecer uma singular expansão. Não se trataria mais de dar ao trabalhador o “sentimento” de participar de uma criação coletiva, mas de fazer dêle um criador efe efetivo tivo.. N ão se tra trata taria ria mais de lhe dar a ocasião ocasiã o e os meios de "tomar consciência de si” nos seus lazeres, mas a ocasião dêle próprio se realizar por uma criação livre sem coaçã co açãoo exterior. N ão se trata trataria ria mais mais somente de deixar-se deixar -se desenvolver "zonas benfazejas” de “curiosidade desinteres sada” sada ” , mas de chegar a uma uma autogestão autoges tão integral integral dos homens, em tôdas as esferas da atividade social. Porque Porq ue aí aí está está a chave da desalienação definitiva. defin itiva. Ela é função da abolição do trabalho (no sentido em que Marx e Engels o entendem na Ideo Id eolo logi gia a A lem le m ã)™ ã) ™ ou, se se quiser, da substituição do trabalho mecânico e esquemático por um trabalho realmente criador, e que não é mais trabalho no sen tido tradicional da palavra, que não tem mais por finalida de “ganhar a vida”, que não chega mais a que se perca a vida para assegurar a existência material, mas que se tornou a atividade criadora universal do homem.47 Uma crítica das concepções apologéticas da burguesia e da burocracia nos leva assim à visão grandiosa da sociedade sem classes que Marx evocou nos Grundrisse, e que repro duz, num plano mais elevado, porque alimentado com conhe cimento científico e com uma demonstração sócio-econômica coerente, a visão análoga que êle já havia esboçado nos M a nuscritos de 1844 e na Ideol Id eolog ogia ia Alem Al emã. ã. D ie deut de utsc sche he Id eolo eo logi gie, e, págs. 70, 78, 222, 228. 16 K. Marx, Fr. Engel En gels, s, Die 47 Cf. Georg G eorg Klaus: Klaus: “ A fim de desenvolver tôdas tôdas as as potencialidades criadoras do homem, é necessário libertá-lo amplamente da obrigação de fornecer fornecer traba trabalho lho esquemático. esquemático. . . ” “ A cibern cibernéti ética ca e a automaçã automaçãoo são as condições técnicas dessa situação (comunista), porque permitem ao homem se libertar de todo trabalho esquemático não-criador... Elas lhe darão sobretudo o tempo de uma formação científica e técnica universál, isto é, as condições de um trabalho verdadeiramente criador no nível atual da produção” (Kybernetik in philosophischer Sicht, Dietz Verlag, Verla g, Berlim, 1965, 196 5, pá gs. gs . 457, 457 , 4 6 4 ).
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E é na transformação da teoria da alienação de uma concep con cepção ção antropoló antr opológica gica,, metafísica, metafísica, e resignada, em uma concepção histórica, dialética e revolucionária, que reside em resumo tôda a obra econômica gigantesca que Marx realizou entre sua primeira leitura dos economistas clássicos em 1843-4 e a redação dos Grundrisse em 1857-8. Podemos assim concluir respondendo a uma questão que não deixou de ser ser discutid discutidaa pelos comentadores de M arx: ar x: aquela que concerne à natureza específica de Marx como eco nomista. Duas D uas teses se encontram encontram uma em face da outra. out ra. Há de um um lado aqueles aqueles que com comoo M . Rubel ou, ou, numa numa medida medida menor, R. P. Bigo, contestam na realidade que Marx te nha feito obra de economista, afirmam que é por uma “intui ção genial”48 que êle teria formulado suas teorias fundamen tais, ou dizem mesmo mais claramente: "Marx não será de maneira alguma o promotor de uma nova teoria econômica, mas um dos pioneiros da Sociologia científica.”49 Há, por outro lado, aqueles que admitem, como o Profes sor James, que Marx foi o maior economista do século XIX,50 ou como Jean Marchai, que êle foi o economista que permitiu à ciência econômica obter “a grande visão de uma evolução iman imanen ente te dos processos econômicos” econôm icos” . 51 Na nossa opinião, Marx respondeu antes a uns e a ou tros numa definição de seu método que constitui ao mesmo tempo uma uma crític críticaa do método métod o de Lassalle: Lassalle: "Êle "Ê le (Lassalle) (Lassa lle) aprenderá às suas custas que é bem diferente levar uma ciên cia pela crítica ao ponto em que se pode representá-la dialèticamente, e aplicar um sistema abstrato, acabado, de lógica partindo do pressentimento pressentimento de semelhante sist s istem ema.” a.” 52 E 48 R. P. Bigo Bi go,, Human Hu manism ismee et Econ Ec onom om ie Polit Po litiq ique ue ch ez K. Marx, págs. 36-7. A tese de Rubel sôbre o caráter ético da obra de Marx tinha sido formulada desde 1911 por Karl Vorlander em Kant Kan t un und d Marx, Mohr, Tiibingen, pág. 293. Ela a havia implicado numa controvérsia célebre com Max Adler. 49 M . Rubel, Karl Marx Mar x — Essai d e biog bi ogra raph phie ie intel in tellec lectue tuelle lle,, pág. 12. 50 Em ile James, Histo Hi stoire ire sommaire somm aire d e la p en sée sé e écon éc onom om ique iq ue,, pág. 167. 61 Jean March Ma rchai, ai, Deu D eu x Essais sur le Marxisme, Marxi sme, pág. 80. Ver também Ernest Teilhac: “Marx, em seguida aos economistas clássicos, entendia colocar-se, estritamente, na ordem econômica, formular uma teoria pro priamente econômica, fazer obra de economista” ( L’ L ’ Econ Ec onom om ie polit po litiq ique ue perd pe rdue ue e t retro ret rouv uvée ée,, pág. 106). 52 Brie Br iefw fwec echs hsel el zvoischen zvoisch en Fr. Engel En gelss un und d K. Marx 1844 18 44-18 -1883 83,, vol. II, pág. 243.
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PENSAMENTO ECONÔMICO DE KARL MARX
Man anus uscr crit itos os d e 1844 êle tinha incluído a seguinte desde os M advertência na Introdução: “Não tenho a oferecer ao leitor habituado com a Economia Política a segurança de que os meus resultados foram ganhos por uma análise fundada num estudo consciencioso, critico, inteiramente empírico, da Eco nomia Políti Po lítica. ca. ” 53 Marx partiu da vontade de uma crítica de conjunto da sociedade burguesa, tomada na sua totalidade. Isso o levou a formular algumas leis gerais sôbre a evolução de tôdas as sociedade soci edadess humanas. Uma Um a dessas leis é o fato fa to de que as re lações de produção constituem de alguma maneira “o siste ma anatômico” anatômic o” da socied soc iedade ade.. Para pode po derr formular essa essa lei lei de maneira eficaz, êle teve de começar por se apropriar de todos os dados empíricos da ciência econômica de sua época (assim (assim com comoo de muitos muitos dados de outras Ciências Huma Hum a n a s ) . 54 Para bem bem conduzir conduz ir a obra crítica total em relação rela ção à sociedade burguesa, êle teve, por outro lado, de aprofundar a história das doutrinas econômicas,55 cujo desenvolvimento segue uma lógica interna, mesmo se ela é determinada em úl tima análise pela evolução sócio-econômica no seu conjunto. Essa dupla obrigação o levou a se ocupar da matéria da ciên cia econômica como economista dotado de uma consciência particular da impossibilidade de separar essa ciência econô mica das outras Ciências Humanas.56 Marx não pôde pois Kl einee Ökonom Öko nomische ische Schriften, Schri ften, pág. 42. 53 K. Marx, Fr. Engels, Eng els, Klein 84 “ Marx se refere sempre ao conjunto conjun to dos dados empíricos, à intuição Dia lettica ica deli’ del i’astratto astratto e dei socialmente realizada” (E. I. Ilenkov, La Dialett concreto nel Capitale di Marx, pág. 13). 65 “ O pesquisador deve sempre se esforçar por encontrar a realidade total e concreta, mesmo se êle sabe não poder aí chegar senão de uma maneira parcial e limitada, e por isso, integrar, no estudo dos fatos so ciais, a história das teorias sôbre êsses fatos, e, por outro lado, ligar o estudo dos fatos de consciência à sua localização histórica e à sua infraestrutura econômica e social” (Lucien Goldmann, Sciences sociales et Philosop Phil osophie, hie, pág. 18). 56 “ A introdução das noções noçõ es de estrutura estrutura e de sistema sistema parece parec e ser o único meio que a ciência encontrou até aqui para lançar uma ponte en tre as duas ordens de pesquisas, freqüentemente separadas: a pesquisa histórica e a análise teórica” (André Marchai, Systèmes et structures écono éco nomi miqu ques es,, PUF, Paris, 1959, pág. 11). Foi precisamente Marx quem primeiro conseguiu lançar essa ponte entre a história e a análise econô mica, graças ao emprêgo de categorias históricas para a análise, que
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ser “um dos pioneiros da Sociologia científica” senão na me dida em que êle fêz obra autônoma de economista. Sem suas descobertas próprias como economista, tôda a sua teoria so* ciai teria conservado um caráter essencialmente utópico, voluntarista e “filosófico” no sentido negativo do têrmo.57 Não é senão graças a suas descobertas econômicas que êle pôde realizar o que êle mesmo considerou como a obra maior de sua vida: c/ar um fundamento científico à aspiração e a luta socialistas do proletariado : "O pensamento dialético.. . torna compreensível a simultaneidade da objetividade dos conheci mentos das Ciências Sociais e das posições políticas que se impõe àquele que é por elas penetrado no processo social.”58 É impossível dissociar em Marx o sociólogo do revolu cionário, cionário, o historiador do economista. econom ista. M as êle não nã o pôde pô de ser ser eficazmente, eficazmente, isto é, cientificament cientificamente, e, sociólo soc iólogo, go, historiador e sobretudo revolucionário senão porque foi economista, senão porque subverteu a ciência econômica por meio de descobertas das quais quisemos seguir passo a passo a gênese, neste es tudo. Êsse trabalho realizado, o Capital era um fato; não fal tava senão escrevê-lo.
permitem aliás aí introduzir as noções de estrutura e de sistema recla madas por André Marchai. 57 Tam bém Karl Korseh ( Marxisme Marxisme et Philosophie, Philosophie, Les Editions de Minuit, Paris, 1964) se engana quando, movido pelo desejo de resta belecer a unidade entre a teoria e a prática na doutrina de Marx, e de defender a significação revolucionária contra epígonos reformistas, acaba por contestar o caráter objetivamente científico da análise econômica de Marx e não vê aí mais do que “a expressão teórica de um processo re volucionário” (pág. 103). Para poder formular de maneira teoricamen te válida, isto é, eficaz, a análise da luta de classes no regime capita lista, e a marcha para a derrubada revolucionária do Capital, êle devia primeiro se apropriar empiricamente de todos os dados das ciências hu manas e efetuar sua crítica, a superação científica. O próprio Marx mui tas vêzes definiu dessa maneira sua obra para que se possa hoje desvir tuar o sentido e contestar seu valor científico objetivo, independente mente da “paixão revolucionária” que o animou tôda vida e do objetivo revolucionário que êle constantemente procurou atingir. 58 Max Adler, Adl er, Marxist Ma rxistische ische Probl Pr oblem eme, e, Dietz Nachfolger, Stuttgart, 1922, pág. 59.