T e o l o g ia
Si s t e m á t i c a
T e o l o g ia
S is t e m á t ic a INTRODUÇÃO ÀTtOLOGIA
A B íb l ia D >A C eus
r ia ç ã o
T
r a d u z id o p o r
M arcelo G
o n ç a lv es e
L u ís A r o n
de
M a c ed o
I a Edição Rio de Janeiro - 2010
T e o l o g ia
S is t e m á t ic a In trodução
à T e o l o g ia
A B íb l ia
D e u s > A C r ia ç ã o
Tod os os direitos reservados. C o p y rig h t © 2010 para a lín g u a p o rtu g u esa da Casa P u blicad ora das A ssem bleias de D eus. T ítu lo do origin al em inglês: Systematic Theology, Volume One and Two B e th a n y H ouse P ublishers, G ran d Rapids, M ich igan , EUA P rim eira ed ição em inglês: 2003 P reparação dos originais: A lexand re C o e lh o e C esar M oisés C arv alh o R evisão: A nd erson G ran g eão e G u n a r Berg T rad utores: M arcelo G onçalves e Luís A ro n de M acedo Capa: A lexand er D in iz A dap tação de p ro je to gráfico e E d ito ração : Oséas F. M aciel C D D : 230-T eo log ia Sistem ática ISBN : 978-85-263-0980-7 As citaçõ es bíblicas fo ra m extraídas da versão A lm eid a R evista e C orrigida, ed ição de 1995, da Sociedad e B íblica do Brasil, salvo ind icação em co n trário . As citaçõ es bíblicas assinaladas p ela sigla A EC referem -se a Almeida Edição Contemporânea (São Paulo: Sociedad e B íblica do Brasil/V ida, 1990). As citações bíblicas assinaladas p ela sigla B J referem -se a A Bíblia de Jerusalém, N ova Edição, R evista e A m p liad a (São Paulo: Paulus, 2010; T erceira Im pressão, 2004). As citaçõ es bíblicas assinaladas p ela sigla N TLH referem -se a Nova Tradução na Linguagem de Hoje (B aru eri: Sociedad e B íb lica do B rasil, 2000). As citaçõ es bíblicas assinaladas p ela sigla N V I referem -se a Nova Versão Internacional (São Paulo: Vida,
2001). As citaçõ es bíblicas assinaladas p ela sigla R A referem -se a Alm eida Revista e Atualizada (B aru eri: Sociedad e B íb lica do Brasil, 2002). Para m aiores in form açõ es sobre livros, revistas, periódicos e os ú ltim o s lan çam en to s da CPAD, visite nosso site: h ttp :w w w .cpad.com .br. SA C — Serviço de A ten d im en to ao C liente: 0800-701-7373 Casa Publicadora das A ssem bleias de D eus Caixa Postal 331 20001-970, R io de Janeiro, RJ, Brasil I a edição: 2010
RECONHECIMENTO
P or ocasião da finalização deste v o lu m e, três pessoas m e re ce m re c o n h e cim e n to especial. E m p rim eiro lugar, m in h a esposa, Bárbara, que p rep arou a p rova d etalh ad a e m e ticu lo sa de to d o o m a n u scrito . D o m esm o m o d o , m e u assistente, Jason R eed, qu e em p reen d eu vastíssim a pesquisa p o r citações dos grandes m estres da Igreja. F in a lm e n te, C h risto p h e r S o d erstro m , da B e th a n y H ouse, qu e ex e c u to u , de m a n eira dedicada, aten cio sa e exten siva, a ed ição de cada p ág ina deste livro. A cada u m deles, d esejo expressar m in h a sin cera e p ro fu n d a gratidão.
SUMÁRIO VOLUME UM: INTRODUÇÃO E BÍBLIA
P a rte U m : I n tr o d u ç ã o (P ro le g ô m e n o s ) C apítulo C apítulo C apítulo C apítulo Capítulo Capítulo C apítulo C apítulo C apítulo C apítulo Capítulo C apítulo
U m : In tro d u çã o .................................................................................................................. 11 Dois: Deus: O Pressuposto M e ta físico ........................................................................ 15 Três: Milagres: O Pressuposto S o b re n a tu ra l............................................................ 39 Q uatro: A Revelação: 0 Pressuposto R ev elacio n al.............................................. 59 Cinco: Lógica: O Pressuposto R a cio n a l..................................................................... 75 Seis: Significado: O Pressuposto S e m â n tic o ............................................................. 91 Sete: Verdade: O Pressuposto Epistem ológico...........................................................101 Oito: Exclusivismo: O Pressuposto O p osicional......................................................117 Nove: Linguagem: O Pressuposto L in g ü ístico......................................................... 127 Dez: Interpretação: O Pressuposto H erm en êu tico................................................. 149 Onze: Historiografia: O Pressuposto H istó rico ........................................................ 169 D oze: M étodo: O Pressuposto M eto d o ló g ico ...........................................................191
P a rte D o is: B íb lia (B ib lio lo g ia ) I. Seção Um: Bíblica Capítulo Treze: A Origem e a Inspiração da Bíblia....................................................................213 Capítulo Q uatorze: A N atureza Divina da B íb lia ...................................................................... 227 Capítulo Q uinze: A N atureza H um ana da Bíblia...................................................................... 235 Capítulo Dezesseis: Jesus e a B íb lia ..................................................................................................247 II. Seção Dois: Histórica Capítulo Dezessete: Os Pais da Igreja sobre a Bíblia...................................................................261 ca p ítu lo D ezoito: A Igreja Histórica sobre a B íblia.................................................................. 275 la p ítu lo Dezenove: A H istória da C rítica Bíblica D estrutiva................................................291 Capítulo Vinte: O Liberalismo sobre a B íb lia .............................................................................. 323 C apítulo V inte e U m : A N eo-O rtodoxia sobre a B íb lia ........................................................... 339
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T E O L O G IA SIST EM Á T IC A
Capítulo V inte e Dois: O N eo-Evangelicalism o sobre a B íb lia............................................... 357 Capítulo V inte e Três: O Evangelicalism o sobre a B íb lia.......................................................... 377 C apítulo V inte e Quatro: O Fundam entalism o sobre a B íb lia............................................... 397 III. Seção Três: Teológica Capítulo V inte e Cinco: A Historicidade do Antigo T e sta m e n to ......................................... 405 Capítulo V inte C apítulo Vinte C apítulo Vinte C apítulo Vinte
e Seis: A Historicidade do Novo T e sta m e n to ................................................ 427 e Sete: A Inerrância da B íb lia................................................................................457 e Oito: A Canonicidade da B íb lia ....................................................................... 475 e Nove: Resum o das Evidências a favor da Bíblia......................................... 499
A p ên d ices Apêndice U m : O bjeções contra os A rgum entos T eístas.......................................................... 519 Apêndice Dois: Será que os Fatos Históricos não Falam p or si M esm o s?......................... 537 B ib lio g ra fia ............................................................................................................................................... 541
PARTE
UM
INTRODUÇÃO (PROLEGÔMENOS)
C A P Í T U L O
UM
INTRODUÇÃO
DEFINIÇÕES TEOLÓGICAS rolegôm enos (gr. prolegomena, lit. pro, “antes”, e lego, “falar”) é a introdução à Teologia. Eles tratam dos pressupostos necessários para estudar a teologia sistemática. Teologia (lit. theos, “Deus”, e logos, “razão” ou “discurso”) é u m discurso racional a respeito de Deus.
P
A Teologia evangélica é definida aqui com o um discurso a respeito de Deus que enfatiza a existência de certas crenças cristãs essenciais1, que incluem a, mas não se limitam2à, infalibilidade e inerrância da Bíblia somente3, a tri-unidade de Deus, o nascimento virginal de Cristo, a divindade de Cristo, a total suficiência do sacrifício expiatório de Cristo pelos pecados, a ressurreição fisica e miraculosa de Cristo, a necessidade da salvação somente pela fé—somente através da graça de Deus, baseada somente na obra de Cristo —, o retom o corporal físico de Cristo a este mundo, a felicidade eterna e consciente dos salvos, e o castigo eterno e consciente dos não-salvos4. A Teologia é dividida em várias categorias: (1 ) Teologia Bíblica, qu e é o estu d o da base bíb lica da T eologia. (2) Teologia Histórica, qu e é o d ebate teo ló g ico dos grandes exp o en tes da ig reja cristã. (3) Teologia Sistemática, qu e é a ten tativ a de c o n stru ir u m co rp o co n sisten te e co m p reen sív el a p a rtir do c o n ju n to completo da rev elação de D eu s, seja ela a rev elação esp ecial (bíblica) ou g eral (n a tu ra l) (v eja cap ítu lo 4).
A Apologética (gr. apologia, “defesa”) tra ta da proteção da Teologia cristã co n tra os ataques externos. A Polêmica atua n a defesa do Cristianismo o rtodoxo contra ameaças doutrinárias internas, tal co m o u m a heresia ou u m ensino absurdo.
‘ Nem todos esses quesitos rep resen tam n ecessariam ente a orto d ox ia tradicional, e n treta n to são necessários para um a ortodoxia consistente. A in errân cia, por exem p lo, n ão é u m teste para a autenticidade evangélica, m as para a consistência evangélica.
2 A cren ça em u m D eus teísta e em m ilagres tam bém é fu n d am en tal, bem co m o a criação ex nihilo ( “a
partir do nada”).
3 O C ato licism o R o m an o tradicional nega o “so m e n te” destas afirm ativas.
1 R ecen tem en te, um
ce rto n ú m ero de indivíduos e grupos que se iden tificam co m o “evangélicos” negaram o castigo etern o co n scien te •ã;* ím pios em favor do aniquilacionism o. H istoricam en te, en treta n to , o castigo etern o co n scien te tem sido a u m a d o pela teologia ortod oxa, desde os tem pos mais rem o to s, passando pela época da R efo rm a , até os nossos i t i s v eja W. G. T. Shedd, Eternal Punishment).
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TEO L O G IA SIST EM Á T IC A
AS DIVISÕES BÁSICAS DA TEOLOGIA SISTEMÁTICA A Teologia Sistemática é geralm ente dividida nas seguintes categoriks: (1) Prolegôm enos (Introdução); (2) Bibliologia (gr. plural biblia, “Bíblia”); (3) Teologia Própria, o estudo de Deus; (4) Antropologia (gr. plural, anthropoi, “seres hum anos”); (5) Ham artiologia (gr. hamartía, “pecado”); (6) Soteriologia (gr. soteria, “salvação”); (7) Eclesiologia (gr. ekklesia, “[a] igreja”); (8) Escatologia (gr. eschatos, “as últimas coisas”). Além disso, o estudo do Espírito Santo (u m a subdivisão da Teologia Própria) é denom inado Pneum atologia (gr. pneuma, “espírito”), e os discursos sobre Cristo são cham ados de Cristologia. Os debates teológicos a respeito dos demônios são designados D em onologia, os específicos sobre Satanás recebem o n om e de Satanologia, e o estudo dos anjos são cham ados de Angelologia5.
OS PRESSUPOSTOS DA TEOLOGIA EVANGÉLICA Os teólogos evangélicos crêem que a Bíblia corresponde a u m com unicado infalível e absolutam ente verdadeiro, feito em linguagem h um an a, que se originou de u m Deus infinito, pessoal e m o ralm en te perfeito. Esta fé pressupõe que m uitas coisas são verdadeiras — a m aioria delas é vista co m anim osidade pela nossa cu ltu ra atual. O Evangelicalism o pressupõe a existência de u m Deus teísta (o pressuposto m etafísico — capítulo 2) que criou o m u n d o e que pode intervir m iracu losam en te nele (o pressuposto sobrenatural — capítulo 3); u m Deus que se revelou tan to na form a geral quanto n a especial (o pressuposto revelacional — capítulo 4); esta u ltim a sujeita às leis da lógica (o pressuposto racional — capítulo 5) e contendo afirm ações co m significado objetivo (o pressuposto sem ântico — capítulo 6) que são objetivam ente verdadeiras (o pressuposto epistem ológico —capítulo 7) e exclusivam ente verdadeiras (o pressuposto oposicional — capítulo 8); estas afirm ações, por sua vez, p odem ser apropriadam ente com preendidas em linguagem análoga (o pressuposto lingüístico — capítulo 9), sendo que a sua verdade e sentido podem ser obj etivam ente com preendidos (o pressuposto h erm en êu tico — capítulo 10), inclusive os elem entos relacionados aos eventos históricos (o pressuposto histórico — capítulo 11); que esta revelação pode ser sistem atizada po r u m m étodo teológico com p leto e com preensivo (o pressuposto m etodológico — capítulo 12). E, m esm o que esse projeto possa nos parecer u m tan to com plicado, estes são os pressupostos necessários para que a Teologia evangélica se torn e possível. Nos capítulos que se seguirão, tratarem os cada u m deles de m aneira seqüencial.
A IMPORTÂNCIA DOS PRESSUPOSTOS U m pressuposto torn a possível o que nele se baseia. Por exem plo, as condições para que dois seres hum anos se com uniquem entre si, m inim am ente falando, incluem: (1) A existência de uma mente capaz de enviar uma mensagem. (2) A existência de outra mente capaz de receber esta mensagem. (3) A existência de um meio comum de comunicação (por exemplo, um idioma) compartilhado por ambos.
3 As subdivisões (3) à (8), bem com o todos os tópicos corolários, serão publicados nos volumes subseqüentes.
Sem estes pressupostos necessários, a com unicação não poderá ocorrer. De m aneira similar, a ausência dos pressupostos acim a citados to rn a impossível con stru ção de u m a teologia sistemática evangélica. Dentre eles, um dos mais importante é o pressuposto metafísico, o Teísmo, que será discutido no capítulo seguinte.
C A P Í T U L O
DOIS
DEUS: O PRESSUPOSTO METAFÍSICO
A N A T U R E Z A E A IM PO RTÂ N C IA DA M ETA FÍSICA existência de u m Deus teísta é o alicerce da Teologia cristã. Se o Deus do Teísm cristão tradicional não existe, a Teologia evangélica, logicam ente, desm oron; Tentar construir u m a teologia sistemática evangélica sem o fundam ento do Teísmtradicional é o m esm o que querer levantar u m a casa sem u m a estrutura,
A
O S ign ificado d a M etafísica O Teísmo é o pressuposto metafísico da Teologia evangélica. Ele é fundam ental par; todo o restante do desenvolvimento do nosso pensam ento, co m o estrutura que conferi significado para tudo o mais. Não faz sentido falar da Bíblia co m o Palavra de Deus, s< esse Deus não existe. Sem elhantem ente, não faz sentido falar de Cristo co m o o Filhe de Deus, sem que haja um Deus que possa ter gerado u m Filho. Da m esm a form a, o: milagres, com o atos especiais de Deus, não são possíveis sem que exista u m Deus capa; de realizar estes atos especiais. De fato, toda a Teologia evangélica está baseada neste alicerce metafísico cham ado Teísmo. A D efin ição da M etafísica A metafísica (lit. meta, “além d e ”-, física, “as coisas físicas”) é o estudo do ser ou da realidade. E o estudo do ser co m o ente, no sentido de algo oposto ao estudo do ser com o òsico (que seria o cam po da Física), ou do ser co m o m atem ático (que seria o cam po da M atem ática). O term o “metafísica” é n orm alm en te utilizado de form a intercambiável com “ontologia” (lit. ontos, “ser”; logos, "estudo do”). A T e o lo g ia E v a n g é lica Im p lica o T eísm o M etafísico A T eologia evangélica im plica u m a co m p reen são específica da realidade, e existem m uitas visões a respeito do m u n d o que se ap resen tam incom patíveis co m as reivindicações do p en sam en to evangélico. Por exem p lo , o Evangelicalism o crê que Deus existe além deste m u n d o ( “m u n d o ”, neste caso, significando “to d o o universo :r :a d o ”) e que foi Ele que tro u x e esse universo à existência. Ela tam bém abarca a :re n ç a de que este Deus é u m ser e te rn o , infinito, absolu tam en te p erfeito, e pessoal. J n o m e dado a esta visão, de que Deus criou tu d o que existe, é “T eísm o” (D eus criou
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
tu d o ), em oposição ao “A teísm o ” (D eus não existe em ab solu to) e ao “Panteísm o” (D eus é tu d o ). Todas as o u tras cosm ovisões (incluindo o Panteísm o, o D eísm o, o D eísm o Finito, e o P oliteísm o) são incom patíveis co m o Teísm o. Se o Teísm o é verdadeiro, todos os n ão-T eísm os são falsos, já que o co n trá rio do verdadeiro é o falso (veja cap ítu lo 8).
O TEÍSMO E AS COSMOVISÕES CONTRÁRIAS Existem sete cosmovisões que se destacam, sendo um a diferente da outra. C om um a exceção (Panteísmo/Politeísmo), não é possível crer de maneira consistente em mais de um a delas, pois as premissas básicas de cada um a são opostas entre si. Logicamente, somente um a destas cosmovisões pode ser verdadeira; e as outras precisam necessariamente ser falsas. As sete cosmovisões mais importantes são as seguintes: Teísmo, Ateísmo, Panteísmo, Pan-enteísmo, Deísmo, Deísmo Finito, e Politeísmo1.
Teísmo: Um Deus Pessoal e Infinito que Existe tanto dentro como além do Universo O Teísm o é a cosm ovisão que p reco n iza u m universo que vai além das coisas que existem . Existe u m D eus infinito e pessoal que vai além do universo que é o seu criad o r, o seu su sten tad or, e que pode agir d en tro deste universo de m an eira so b ren atu ral. Este Deus está ta n to “lá fo ra” co m o “aqui d e n tro ”, pois Ele é tran scen d en te e im an en te2. Esta visão rep resen ta a p o stu ra tradicion al do Judaísm o, do C ristianism o e do Islam ism o.
Ateísmo: Não Existe Deus algum, nem dentro nem além do Universo O Ateísmo advoga que som ente o universo físico existe; não existe n enh u m Deus, emporte alguma. O universo (ou o cosm os) é tudo o que existe e tudo o que existirá, e ele é auto-sustentado. Alguns dos nom es mais famosos do Ateísmo são Karl M arx, Friedrich Nietzsche e Jean-Paul Sartre.
Panteísmo: Deus E o Próprio Universo (Ele E Tudo) Para o panteísta, não existe u m Criador além do universo; antes, tanto o Criador quanto a criação são duas maneiras diferentes de perceber a m esm a realidade. Deus é o próprio universo (ou Ele está em todas as coisas), e o universo é Deus; existe, em últim a análise, som ente u m a realidade. O Panteísmo é representado por certas form as de Hinduísmo, pelo Zen Budismo, pela Ciência Cristã, e pela maioria das religiões derivadas da N ova Era. Antes de descrever as outras cosmovisões, nos será útil contrastar estas três acim a mencionadas: o Panteísmo afirma que Deus é tudo, o Ateísmo alega que não existe Deus algum , e o Teísmo declara que Deus criou tudo. No Panteísmo, tudo é m ente. De acordo co m o Ateísmo, tudo é m atéria. Só o Teísmo afirma que tanto a m ente quanto a matéria existem. Na verdade, enquanto o ateu acredita que a m atéria produziu a m ente, o teísta acredita que a M ente (Deus) produziu a matéria.
' Para maiores inform ações sobre cada um a destas cosmovisões, veja N orm an Geisler, Baker Encyclopedia o f Christian Apologetics (.BECA), de N orm al Geisler.
2 A transcedência é aqui definida com o a presença de Deus além do universo; a imanência,
com o a presença de Deus dentro do universo criado.
DEUS: O PRESSUPOSTO METAFÍSICO
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P a n -e n -te ísm o : D eu s E stá n o U n iv e rso O Pan-en-teísmo afirma que Deus habita o universo da m esm a forma que um a mente habita um corpo; o universo é o “corpo de Deus”. Entretanto, além do universo físico real, existe um a outra pilastra de sustentação para Deus. (Por esta razão, o Panenteísmo é também chamado de Teísmo Bipolar.) Esta outra pilastra é o potencial eterno e infinito de Deus, o qual vai além do universo físico real. E com o o Pan-en-teísmo sustenta que Deus está em um processo constante de mudança, ele também é chamado de Teologia do Processo. Este ponto de vista é representado por Alfred North Whitehead, Charles Flartsborne e Schubert Ogden. D eísm o: D eu s E stá a lé m d o U n iv e rso , m as n ã o d e n tro d ele O Deísmo é sem elhante ao Teísmo, excluindo-se os milagres. Ele afirma que Deus é transcendente acim a do universo, mas não im anente neste m undo, seguram ente não de m aneira sobrenatural. Sem elhantem ente ao Ateísm o, o Deísmo sustenta um a visão naturalista a respeito do funcionam ento deste m undo, mas, da m esm a form a que o Teísmo, crê que o m undo teve sua origem em u m Criador. Em sum a, Deus criou o m undo, m as Ele não mais se envolve co m o m undo criado. O Criador deu cordas na criação, com o se faz co m u m relógio, e desde então o m undo segue o seu curso de m aneira independente. E m oposição ao Panteísmo, que nega a transcendência de Deus em favor da sua im anência, o Deísmo nega a im anência de Deus em favor da sua transcendência. O Deísmo é representado p or pensadores co m o François Voltaire, Thomas Jefferson e Thom as Paine. D eísm o F i n i to : U m D e u s F i n i to E x is te t a n t o a lé m q u a n to d e n t r o d o s L im ite s d o U n iv e r s o O Deísmo Finito é sem elhante ao Teísmo, salvo o fato de ele sustentar que o deus que transcende o universo e está ativo nele não é u m ser infinito, mas limitado na sua natureza e poder. C om o o deísta, o deísta finito geralm ente concorda que o universo foi criado, mas nega qualquer intervenção milagrosa no seu âmbito. U m argum ento com um ente levantado a favor da lim itação do poder de Deus é a aparente incapacidade ie Deus de impedir o mal. John Stuart Mill, William James e Peter Bertocci são exemplos de aderentes a esta cosmovisão. Politeísm o: E xistem m u ito s D euses além deste M u n d o , c o m o tam b ém d e n tro dele O Politeísmo é a crença de que existem muitos deuses finitos. O politeísta nega qualquer Deus infinito que transcenda este m undo, da form a com o sustenta o Teísmo; no entanto, :rê que estes deuses finitos estão ativos neste m undo, em oposição ao Deísmo. Também em : ^ntraste com o Deísmo Finito, o politeísta acredita em um a pluralidade de deuses finitos, rendo cada u m norm alm ente o seu próprio domínio de atuação. A crença de que u m deus ^níto detêm a liderança sobre todos os demais (tal com o Júpiter era para os rom anos) e u m a derivação do Politeísmo cham ada de Henoteísmo. Os principais representantes do Pc íiteísmo são os gregos antigos, os m órm ons e os neo-pagãos (tais com o os wiccas). Obviamente, se o Teísmo é verdadeiro, todas as outras seis form as de não-Teísmo são falsas. Deus não pode ser, por exem plo, ao m esm o tem po finito e infinito, pessoal e inpessoal, estar além do universo e não estar além do universo, ser im utável e m utável, :
ao m esm o tem po, ter capacidade de fazer milagres e não poder realizá-los.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
PLU RA LISM O VS. M ONISM O O Pluralismo3, em oposição ao M onism o, sustenta que existe mais de u m ser (por exem plo, Deus e suas criaturas). Enquanto o M onism o afirma que toda a realidade constitui u m só todo —que só existe u m ser —, o Pluralismo, em contraste, crê que existe u m a variedade de seres: Deus é u m ser infinito, e criou m uitos seres finitos que não se assem elham a Ele, em bora eles dependam dele. Assim, para obter êxito, a Teologia evangélica precisa defender o Pluralismo filosófico (ou ontológico), em contraposição ao Monismo. E com o o Teísmo afirma que há pelo menos um ser finito que existe junto com somente um Ser infinito, segue-se que, se o Teísmo é verdadeiro, então o Pluralismo também o é. Entretanto, não é correto afirmar que o Teísmo é verdadeiro somente porque o Pluralismo é verdadeiro, já que existem outras formas de Pluralismo (por exemplo, o Deísmo, o Deísmo Finito e o Politeísmo). O A r g u m e n to a fav o r d o M o n ism o Se quisermos defender o Pluralismo, deixando de lado o Teísmo, existe um argumento fundamental a favor do Monismo que precisará ser enfrentado. Esta objeção foi levantada pelo antigo filósofo grego Parmênides (nascido 515 a.C.), e segue a seguinte linha (Parmênides, P): Não pode ihaver mais de um a só coisa (o Monismo absoluto), pois, se houvessem duas, ambas teriam que ser diferentes. Para que as coisas sejam diferentes, elas precisam diferir pelo seu ser ou pelo seu não-ser. Mas com o o ser é o que as torna idênticas, elas não podem diferir pelo ser. Por outro lado, elas também não poderiam se diferenciar pelo não-ser, pois o não-ser significa nada, e diferenciar-se por nada, na verdade, significa não diferenciar-se. Portanto, não pode haver pluralidade de seres, mas somente um ser único e indivisível—o Monismo rígido. A s A lte rn a tiv a s a o M o n ism o As alternativas a Parmênides são poucas e dispersas para os pluralistas que desejam escapar do controle do M onism o. Basicamente, existem outras quatro opiniões. A s; primeiras duas form as de Pluralismo, às quais cham am os de A tom ism o e Platonism o, afirm am que a variedade dos seres difere por um estado de não-ser. Os dois últim os pontos de vista, cham ados de Aristotelianismo e Tom ism o, sustentam que a variedade dos seres diferep o r sua forma de ser. Atomismo: As Coisas Diferem pelo Não-Ser Absoluto Os antigos atomistas, tais co m o Leucipo (final c. século V a.C .) e D em ócrito (c. 460370 a.C .), contendiam que o princípio que separava u m ser (u m á to m o ) de ou tro era absolutam ente nada (isto é, o não-ser). Eles cham avam isto de Vácuo. Para eles, o ser era cheio e o não-ser era vazio. Os átom os, que não apresentavam qualquer diferença essencial entre si, eram separados pelo espaço diferente que ocupavam no Vácuo (espaço vazio). Esta diferença, p ortan to, era m eram en te extrínseca; não havia diferença intrínseca nos átom os (seres)4.
3 Na verdade, existem dois pressupostos metafísicos básicos assumidos pela Teologia evangélica: o Teísmo e o Pluralismo. 4 Para nossos propósitos aqui, extrinseco significa “encontrar-se do lado de fora, não propriam ente pertencer àMnatureza de um a coisa, ao passo que intrínseco é definido com o “pertencente à constituição interna ou natureza essencial de um a coisa” (Webster’s Third New International Dictionary [Novo Dicionário Internacional Webster, Terceira Edição]).
DEUS: O PRESSUPOSTO METAFÍSICO
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Em sum a, a resposta dos atom istas a Parmênides era que existem m uitos seres (áto m os) que se diferenciam pelo não-ser. Cada ser ocupa u m espaço diferente no Vácuo, que é constitu íd o de absolutam ente n a â à (espaço vazio). O bviam ente, esta resposta é bastante, deficiente para Parmênides, que redargüiria, sim plesm ente, apontando que diferenciar-se pelo nada é não ter diferença nenh u m a, em absoluto. E não ter diferença n e n h u m a significa ser absolutam ente a m esm a coisa. O M onism o parece ter prevalecido sobre o A tom ism o. Platonismo: As Coisas se Dijerenciam pelo N ão-Ser Relativo
Platão (c. 427-347 a.C .), com o auxílio de Parmênides, contendeu a respeito de com o “as Form as” poderiam se diferenciar, u m a vez que eram absolutam ente sim ples5. Platão cria que todas as coisas tin h am u m arquétipo ideal por detrás delas. Esta Idéia (ou F orm a) seria o m u nd o real. Todas as coisas neste m u nd o de experiências seriam som ente “som bras” do m undo real, em virtude da sua participação nesta F orm a verdadeira. Por exem plo, cada ser h u m an o específico deste nosso m undo participa de um a form a universal de hum anidade no m undo das idéias. Platão, posteriorm ente, adotou a visão de que as Form as (ou Idéias) guardavam u m a co-relação e não eram separadas de form a indivisível pelo não-ser absoluto, mas, em vez disso, se relacionavam pelo princípio do não-ser relativo. Por interm édio deste princípio do não-ser relativo, tam bém cham ado de “o u tro ”, Platão acreditava que poderia chegar a m uitas form as (ou seres) diferentes e, assim, fugir do M onism o. Cada fo rm a se diferenciava das outras, no sentido de que ela não era a ou tra form a. Toda d eterm inação, neste caso, residia na negação. Por exem plo, o escultor determ ina o que um a estátua é, em relação ao bloco de pedra original, ao retirar as lascas de pedra (negando) que ele não quer. D a m esm a maneira, cada form a se diferencia de todas as demais pelo princípio da negação — o que ela é, fica determ inado pelo que ela não é. C om o outro exem plo que poderia ser apresentado, a cadeira se distingue de todas as outras peças de m obília em um a sala, no sentido em que ela não é um a mesa, não é o piso, não é-a parede etc. Isto não significa que a cadeira não seja absolutam ente nada. Ela é algo em si, mas ela não é nada em relação às outras coisas. Ou seja, ela não é as outras coisas. M esm o assim, Parm ênides não teria se im pressionado pela tentativa feita por Platão para se livrar do M onism o. Ele poderiam sim plesm ente pergun tar se havia algum a diferença nos próprios seres. Caso não houvesse, ele, então, insistiria que todos estes seres .form as) seriam , necessariam ente, idênticos. Para u m m onista, não existe m ultiplicidade de seres, mas som ente um . Ánstotelianismo: As Coisas se Diferenciam como Seres Simples
T a n to P latão c o m o os a to m ista s seg u ira m u m a v e rte n te (a m e s m a v e r te n te ) do d ilem a de P arm ên id es: E les te n ta ra m d ifere n cia r as coisas p e lo n ã o -s e r. M as, :o m o já v im o s, d ifere n cia r-se p e lo n ad a é n ã o d ife re n cia r-se p o r coisa a lg u m a . A ristóteles (384-322 a .C .) e T om ás de A q u in o (1 2 2 5 -1 2 7 4 ) assu m ira m a o u tra e rte n te do d ilem a : Eles b u sca ra m e n c o n tr a r d iferen ças e n tre os p ró p rio s seres. > : rre toda esta questão da visão posterior de Platão sobre as Formas (Tesk, PLD), suas obras Parmenides e Theaeteus parecem , urres. representar um a fuga de sua teoria inicial. Ele aparentemente percebe a falácia da posição atomística (co m que sua r r : t na e mais antiga visão das formas indivisíveis [idéias] por trás de todas as coisas era parecida).
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A m bos co n te n d e m a resp eito da existên cia de u m a m u ltip licid ad e de seres que são essen cialm en te d iferentes. A ristó teles su ste n to u que estes seres são m etafisicam en te sim ples, e T om ás de A quino (v eja tó p ico seg u in te) os visualizou c o m o m e tafisicam en te co m p o sto s, ap resen tan d o u m a distinção a to /p o tê n c ia no nível das fo rm as p u ras ou dos seres. Aristóteles argum entava a respeito da existência de u m a pluralidade de quarenta e sete ou cinqüenta e cinco seres, ou m ovedores n ão-m ovidos, que estão separados entre si pelo seu próprio ser (A ristóteles, M, XII). Estes seres (m oved ores) eram a causa de todo o m ovim en to no m u n do, cada u m operando no seu dom ínio cósm ico separado. C ada u m destes seria u m a fo rm a p u ra (u m ser) n ão -m aterial (que Aristóteles utilizava p ara diferenciar as coisas neste m u n d o). Esta pluralidade de form as substanciais to talm en te separadas não apresenta qualquer fo rm a de co m u n h ão ou com unidade. Eles não p odem ser relacionados en tre si (Eslick, RD, 152-53), e são com p letam en te diversos u m do ou tro. Obviamente, Parmênides simplesmente perguntaria a Aristóteles co m o seres simples poderiam se diferenciar no seu próprio ser. As coisas que são com postas de form a e m atéria podem se diferenciar à medida que um tipo específico de m atéria pode ser diferente de outro tipo de m atéria, m esm o apresentando a m esm a form a. Mas, com o seria possível às form as puras (os seres) se diferenciarem entre si? Eles não apresentam n en h u m princípio de diferenciação. E, se não h á diferença no seu ser, conclui-se que o seu ser deve ser idêntico. Assim, a solução de Aristóteles tam bém não aniquilaria o M onismo. Tomismo: A s Coisas se Diferenciam como Seres Complexos A quarta alternativa pluralista ao M onism o p arm enideano é representada por Tom ás de Aquino, que, em co m u m co m Aristóteles, buscava en co n trar diferenças en tre os próprios seres. Mas, ao con trário daquele, que sustentava som en te a existência de seres simples, Tomás de Aquino acreditava que todos os seres finitos eram , no íntimo do seu ser, com postos. S om ente Deus é u m Ser simples absoluto, e é possível que exista som ente u m ser (D eus) assim. E n tretan to , pode haver outras form as de seres, a saber, seres com p ostos. Os seres podem se diferenciar n a essência do seu “ser” porque pode haver diferentes form as de seres (Tom ás de Aquinò, ST, la.4.1, 3). Deus, por exem plo, é u m tipo de Ser infinito; todas as criaturas são tipos finitos de seres. Deus é Pura Atualidade (A to)*; todas as criaturas são com postas de atualidade (ato) e potencialidade (potência). Portanto, os seres finitos diferem de Deus à medida que eles possuem u m a potencialidade limitada e Ele não. Os seres finitos podem se diferenciar uns dos outros à medida que a sua potencialidade é plenam ente atualizada (co m o no caso dos anjos), ou à medida que ela está sendo progressivam ente atualizada (co m o no caso dos seres hum anos). Em todas as criaturas, a sua essência é, de fato, distinta da sua existência. Em Deus, por ou tro lado, tanto a sua essência quanto a sua existência são idênticas. Em bora Tomás * N . d o T .: A partir deste ponto, é necessário atentar para o sentido das palavras “ato”, “atual”, “atualidade”, ou outras form as cognatas, empregadas pelo autor em sua acepção filosófica. No cam po da Filosofia, “ato ” se refere ao estado presente e real do ser (em oposição a “potência”, o que pode ser produzido); “atual” se refere ao que está em ato, ação (em oposição a “potencial”, o que está em potência), e tam bém significa “real”; “atualidade” se refere à qualidade de atual (em oposição a “potencialidade”, qualidade de potencial), e tam bém significa "realidade”.
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de Aquino não ten h a sido o prim eiro a fazer esta distinção, ele foi o prim eiro a fazer um uso extensivo dela. No seu livro On Being.and Essence (Sobre Ser e Essência), Tom ás de Aquino argu m en ta que a existência é diferente da essência, salvo no caso de Deus, p ara quem a essência coincide co m a existência. U m ser desta categoria som en te poderia ser singular e ú nico, já que a multiplicação de qualquer coisa somente épossível quando há algum tipo de diferença. E n tretan to, em u m ser co m o Deus, não existe diferença. Daí, necessariam ente, se conclui que em tudo o mais, exceto no caso dessa existência singular, a existência é u m a coisa e a essência ou tra. Assim, Tomás de Aquino apresentou u m a solução satisfatória para o velho questionamento proposto pelo M onismo. As coisas se diferenciam no seu ser por haver diferentes formas de seres. Parmênides estava errado porque considerou que o “ser” deve ser sempre considerado de form a unívoca (da m esm a form a). Já Tomás de Aquino, por outro lado, percebeu que o “ser” é análogo (veja capítulo 9), e deve ser compreendido de m aneira similar, mas ao m esm o tem po diferente. Todos os seres são os mesm os à medida que todos são atuais (detêm a capacidade de agir); entretanto, os seres finitos diferem do Ser infinito à medida que são detentores de potencialidades diferentes, que foram atualizadas (colocadas em ação). A S U P E R IO R ID A D E D O TEÍSM O T O M ÍS T IC O 6 O valor da visão de Tomás de Aquino se to rn a manifesto tanto pela sua própria racionalidade quanto pela não-plausibilidade das outras visões alternativas. A posição de Parmênides, ao contrário, violenta a observação experim ental na qual vem os um a multiplicidade de seres tanto diferentes quanto inter-relacionados. Mas, novam ente, se o Monismo rígido é inaceitável, parece haver som ente quatro alternativas pluralísticas básicas. O atom ista p ro cu ra explicar a m ultiplicidade afirm ando que o não ser absoluto — o Vácuo — é o espaço que separa u m ser do ou tro. Mas esta resposta é, seguram ente, insuficiente, pois, co m o Parmênides m eticu losam en te dem on strou , a diferença que advém daquilo que não existe não é diferença, em absoluto. E, se não houver n en h u m a distinção real, tam bém não haverá n en h u m tipo de distinção n a realidade. Tudo se com põe de u m a grande unidade. Os platonistas tentaram utilizar o não-ser relativo com o o princípio de diferenciação. Isto é, m esm o admitindo que as coisas se diferenciem pelo não-ser, argum entavam que o não-ser, de algum a form a, existia, m esm o sendo algo diferente do ser. Ou seja, a diferenciação era feita pela negação: U m ser é distinto do outro não pelo que ele é, mas pelo que ele não é — ele se diferencia não pelo ser, mas pelo não-ser. Em outras palavras, o fator de diferenciação não está dentro do ser, m as fora dele — não é u m fator real ou existente. Entretanto, nada que seja exterior a u m ser pode ser considerado o princípio de diferenciação dentro dele. E, se não houver n en h u m a diferença real dentro i a natureza das coisas, conclui-se que não há, na verdade, n en h u m a diferença entre elas —simplesmente chegam os ao velho dilema parm enideano, só que agora co m outra roupagem.
j
. eísmo Tomístico, é também chamado de Teísmo Clássico, um ponto de vista com partilhado por Agostinho, Anselmo,
r e . :s Reformadores, e muitos outros pensadores da nossa época, incluindo-se aqui C. S. Lewis.
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A multiplicidade aristotélica das substâncias simples e separadas não apresenta qualquer princípio de individualizarão7. Aristóteles não apela n em para o não-ser absoluto, n em para o não-ser relativo, para explicar co m o pode haver m uitos seres simples coexistindo de form a separada. Este p onto de vista não apresenta deficiência som ente no seu princípio de diferenciação, mas, co m o bem n otou Plotino (E, VI.5.9), tam bém no seu princípio de unificação. Ou seja, não existe nada para coordenar as operações separadas dos vários m otores primevos. Por fim, a posição tom ística (isto é, conform e Tom ás de A quino) a respeito da pluralidade é que a multiplicidade é possível em função da existência de diferentes tipos de seres. Isto é possível porque os seres apresentam dentro de si u m a distinção real entre a sua existência e a sua essência. Isto eqüivale a dizer que o ser não é hom ogêneo, nem u m todo sem diferenciação. Em vez disso, o ser criado é u m a com posição dinâm ica e complexa de essência e existência. Ele apresenta os princípios correlacionados de potência e de ato. A questão não é “ser” ou “não ser”, mas “que tipo de ser?”. Para Tomás de Aquino, as coisas se diferenciam um as das outras pelo tipo de ser ou realidade que apresentam . O ser não é u m a característica unívoca8 das coisas, pois, se fosse assim, tudo seria u m a grande unidade. O ser tam bém não é u m a característica equívoca9, pois, se fosse assim, todas as coisas seriam totalm en te diferentes e isoladas. O ser, ao contrário, é predicado das outras coisas de form a analógica — cada essência apresenta o seu ser de m aneira própria e distinta e se relaciona co m os outros seres p or analogia. Cada coisa apresenta a sua própria m aneira de ser. E m outras palavras, a “essência”, o princípio de diferenciação, é real; faz parte do próprio ser das coisas; é u m princípio co-constituinte delas10. Em sum a, a distinção real que existe dento de u m ser (lat. ens) entre essência ( essentia) e existência (esse') parece ser a única resposta satisfatória ao dilema parm enideano da unidade e da pluralidade. Sem u m a analogia do ser (veja capítulo 9), não há com o explicar a multiplicidade. N a univocalidade do ser, tem os duas alternativas: ou as coisas são idênticas, ou não apresentam qualquer relação entre si. C onform e vimos, se o ser for tom ado de form a unívoca (em lugar da form a analógica), só poderá haver u m ser, pois, onde quer que o ser for encontrado, ele significará exatam ente a m esm a coisa, de m odo que toda espécie de ser é idêntica (coincidência total não deixa espaço para qualquer tipo de diferença nos seres). Além disso, se o ser for tom ado de form a equívoca (co m o sendo com pletam ente diferente), não poderá haver mais de u m ser, pois, se isto é o ser e tudo o mais difere totalm en te dele, conclui-se que tudo o mais se trata de não-ser. (Isto é verdade porque o que difere totalm en te dele seria o não-ser.) Aparentem ente, a única fo rm a de fugir da conclusão m onística que se segue a u m a visão equívoca ou unívoca do ser é levar em con ta a visão analógica. E a única fo rm a de u m ser ser analógico é se dentro dele houver tanto o princípio de unificação quando o de diferenciação. Tomás de Aquino 7 No m undo físico, Aristóteles utilizou a matéria com o princípio de individualizarão, porém estas Formas puras não continham matéria. Portanto, n o seu domínio metafísico, Aristóteles não tinha com o fazer a distinção entre um ser e outro. 8 Neste caso, univoco significa “um a característica peculiar a, ou restrita a, coisas da m esm a natureza” (Webster’s Third New International Dictionary).
9 Equívoco (com o adjetivo) aqui significa “chamado pelo m esm o nom e, mas apresentando diferença
em natureza ou em função” (Webster’s Third New International Dictionary).
10Isto não signfica dizer que a essência é real antes da
sua conexão com a existência ou independentemente dela (esta posição não foi defendida por Tomás de Aquino, mas por Giles de Roma). A realidade da essência está n a sua correlação com a existência. Assim, um a essência que existe é real.
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cham ou a am bos de, respectivam ente, esse e essentia: A existência (u nificação) é para a essência (diferenciação) o que a atualidade é para a potencialidade. C o m o os seres finitos apresentam diferentes potencialidades (essências), estes seres finitos podem ser diferenciados, na realidade, quando estas potencialidades são atualizadas (ou trazidas à existência) nos diferentes tipos de seres. O que é u m ser? Um ser é algo que existe. Q uantos seres existem? Os seres podem ser simples (Pura Atualidade —D eus) ou com plexos (que con tém tanto a atualidade quanto a potencialidade). Não pode haver dois seres simples absolutos, já que não há nada em u m Ser pu ro que o pudesse to rn a r diferente de ou tro Ser puro. E óbvio que u m Ser sim ples pode (e, na verdade, deve) se diferenciar dos seres com plexos, já que ele não apresenta a potencialidade que estes têm . P ortan to, pode haver som ente u m ser pu ro e sim ples, ao passo que existe u m a variedade de seres com u m a m istu ra de ato e potência. Só u m deles é o Ser; todos os demais têm o ser. D essa fo rm a , Tom ás de A qu ino p a rece o fe re c e r a ú n ica resp osta ra cio n a l ao M o n ism o . P lo tin o b em te n to u reso lv er o p ro b lem a p o stu la n d o u m a “U n icid a d e” ab so lu ta que vai além da razão e além do ser, m as o que arrazo a além dá razão está fadado ao fracasso. A BA SE R A C IO N A L PA R A O TEÍSM O : A A LT ER N A T IV A AO M ONISM O A resposta de Tom ás de A quino ao Pluralism o to rn a o Teísm o plausível, porém som ente argu m entos consistentes a favor da existência de D eus to rn a m o Teísm o viável. M uitos argum entos nesta lin h a foram propostos, enqu anto som en te quatro dentre todos conseguiram d om inar os debates ao longo dos séculos: o argu m ento cosm ológico, o teleológico, o ontológico, e o m oral. O A rg u m e n to C o s m o ló g ic o a fav o r da E x istê n cia d e D eu s O a rg u m e n to c o sm o ló g ic o existe em duas fo rm as básicas: a h o riz o n ta l e a ve rtical. O a rg u m e n to h o riz o n ta l, co n h ecid o c o m o a rg u m e n to “k a la m ” (palavra árabe co m significado de “e te r n o ”), defende a existên cia de u m In icia d o r para o un iv erso. O a rg u m e n to v e rtica l p ro p õe que h á u m S u ste n ta d o r do u n iv erso . U m pressupõe u m a C au sa original e o o u tro u m a C au sa atual. O a rg u m e n to h o riz o n ta l foi assum ido p o r B o a v e n tu ra (c . 1217-1274), que seguiu a lin h a de ra cio cín io de ce rto s filósofos árabes. E n tre ta n to , o arg u m e n to v e rtica l e n c o n tra a sua expressão m á x im a em Tom ás de A qu ino. A Forma Horizontal do Argumento Cosmológico A essência deste argu m ento é a seguinte: (1) Tudo que teve um começo, teve também uma causa. (2) O universo teve um começo. (3) Portanto, o universo teve uma causa. A prim eira prem issa ( “Tudo que teve u m com eço, teve tam bém u m a causa”) - n orm alm en te considerada auto-explicativa, já que adm itir algo diferente seria
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equivalente à alegação ridícula de que o nada é capaz de produzir algum a coisa. Até m esm o Davíd H um e (1711-1776), u m cético infame, confessou: “Jamais partiu de m im u m a proposição tão absurda co m o a de que algo possa surgir sem u m a causa efetiva”. (LDH, 1:187). A segunda premissa ( “O universo teve u m co m e ço ”) é defendida tanto filosófica quanto cientificamente. Filosoficamente, argum enta-se que: (1) Um número infinito de momentos não pode ser transposto. (2) Se houvesse um número infinito de momentos antes de hoje, o hoje jamais teria chegado, já que um número infinito de momentos não pode ser transposto. (3) Mas o hoje chegou. (4) Portanto, houve somente um número finito de momentos antes do hoje (isto é, um início dos tempos). E tudo que tem um início, tem, necessariamente, um Iniciador. Portanto, o mundo temporal teve um Iniciador (Causa). A evidência científica para u m mundo com u m início vem da chamada teoria do Big Bang, defendida pela maior parte dos astrônomos contemporâneos. Existem várias linhas de evidências convergentes a respeito do universo de tempo-espaço ter tido u m início. Primeiro, o universo está perdendo sua energia útil (A segunda lei da Termodinâmica), e o que está perdendo a força não pode ser eterno (de outra forma, ele já teria entrado em colapso neste m om ento). Um a entidade não pode perder um a quantidade de energia que é infinita. Segundo, considera-se que o universo se encontra em expansão. Portanto, quando o quadro de m ovim ento do universo é feito de form a reversa, tan to de form a lógica quanto m atem ática, chegam os a u m ponto onde ele se to rn a u m “nada” (isto é, um ponto onde não existe nem espaço, n em tem po, nem m atéria). Portanto, o universo literalm ente veio à existência a partir do nada. Mas o nada é incapaz de produzir alguma coisa. Terceiro, o eco de radiação devolvido pelo universo, que foi descoberto por dois cientistas vencedores do prêm io Nobel —A rno Allan Penzias e Robert W oodrow Wilson (veja Jastrow, GA, 14-15) —, tem o cu m prim ento de onda idêntico ao que é liberado por u m a explosão gigantesca. Quarto, a grande massa de energia resultante de tamanha explosão que é predita pelos proponentes do Big Battg foi, na verdade, descoberta pelo Telescópio Espacial Hubble, em 1992. Quinto, a própria Teoria Geral da Relatividade de Einstein exigia u m com eço para o tem po, u m ponto de vista ao qual ele resistiu por anos, e até chegou a defender com u m fator atenuante que ele m esm o introduziu no seu argum ento, a fim de evitar sua contestação, e pelo qual, mais tarde, ele m esm o viria a se sentir constrangido (veja Heeren e Sm oot, SMG, 109). As evidências filosóficas e científicas cum ulativas a favor da origem do universo m aterial proporcionam u m a forte razão para concluir que precisa haver u m a Causa não-física para a origem do universo físico. O astrônom o agnóstico Robert Jastrow admite que esta é u m a conclusão que claram ente favorece o Teísmo ( “SCBTF”, in: CT, 17). Depois de revisar as evidências de que o cosm os teria u m com eço, o físico britânico Edm und W hittaker concordou: “E mais simples postular a criação ex nihilo — a vontade divina constituindo a natureza a partir do nada” (citado por Jastrow, GA, 111). Jastrow conclui: “Que existem o que eu ou o u tra pessoa qualquer cham aria de forças sobrenaturais em ação, é, no m om en to, no m eu m odo de ver, u m fato cientificamente com provado” (Jastrow, “SCBTF”, in: CT, 15,18, grifo adicionado).
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A Forma Vertical do Argumento Cosmológico A fo rm a horizontal do argu m ento cosm ológico argum enta a partir da origem passada do universo até u m a Causa O riginal (Prim eira) para ele. Em contraste, a fo rm a vertical do argu m ento cosm ológico inicia co m a contingência presente existente do cosm os e insiste que precisa haver u m Ser atu alm en te Necessário com o causa de tudo. Am bos são argum entos causais e ambos pressupõem u m cosm os preexistente. C ontu do, o argu m ento horizontal parte de u m universo que teve u m começo (h á m uito tem po atrás), e o segundo considera que o universo tem u m ser (n este exato m o m en to). O prim eiro enfatiza a causalidade na origem , o segundo se con cen tra n a causalidade de conservação. O prim eiro sustenta u m a Causa Primeira (n o passado), e o segundo, u m a Causa Necessária (no presente). O argu m ento cosm ológico vertical foi apresentado de várias m aneiras por Tom ás de Aquino (ST, 1.2.3). Duas form as principais servem de exem plo do uso que A quino fez: o argum ento a partir da contingência e o argu m ento a partir da m udança. 0 argumento a partir da contingênciainicia. co m o fato de que, pelo m enos, u m ser contingente existe; ou seja, u m ser que existe, mas pode não existir. U m ser N ecessário é aquele que existe, mas não pode não existir. O argu m ento se desdobra da seguinte m aneira: (1 ) Q u a lq u e r
co isa
que
e x iste ,
m as
que
p o d e/p u d esse
não
e x istir,
p re cisa
n e c e s s a r ia m e n te de u m a ca u sa p a ra a su a e x istê n c ia , já q u e a m e ra p o ssib ilid ad e da e x istê n c ia n ã o e x p lica a e x istê n c ia de alg o. A m e ra p o ssib ilid ad e de alg o e x istir n ã o sig n ifica nad a. (2) P o rém , o nada n ão te m a capacidade de p ro d u zir alguma coisa. (3) P o rta n to , algo n e cessariam en te existe c o m o base para tu d o qu e existe e que poderia n ã o existir. E m su m a, é u m a v iolação do p rin cípio da causalidade dizer qu e u m ser co n tin g en te é capaz de exp licar a sua pró p ria existência.
O utra m aneira de colocar esta fo rm a do argu m ento vertical é perceber que se algo contingente (acidental) existe, logo u m Ser N ecessário precisa existir: (1) Se tu d o fosse acid en tal, haveria a possibilidade de nad a ter existido. (2) Só qu e alg u m as coisas existem (p o r e x em p lo , eu ex isto ), e a existên cia delas é inegável, pois é necessário que eu exista p ara ser capaz de afirm ar que n ão existo. (3 ) A ssim , se alg u m ser co n tin g e n te (acid en tal) ag ora existe, u m Se r N ecessário precisa existir, pois, de o u tra fo rm a, n ão hav eria base p ara a existên cia desse ser acidental.
0 argumento a partir da mudança, ou tra fo rm a do argu m ento cosm ológico vertical, inicia : :m o fato de que seres m utáveis existem : i i ) T ud o qu e m u d a passa de u m estado de p o ten cialid ad e (p o tên cia ) à m u d an ça p ara u m estado de ser atualizado (a to ). Isto é, tod os os seres m u táveis tê m ato (atu alid ad e) e p o tê n cia n a essência do seu p ró p rio ser. S e n ão fosse assim , to d a m u d an ça en volveria a an iq u ilação e a re-criação , a qual é im possível sem u m a Causa, já qu e o nad a é incapaz de pro d u zir a lg u m a coisa.
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(2) Mas nenhuma potencialidade é capaz de atualizar-se por si própria, da mesma forma que o cimento não é capaz de atualizar-se e colocar a si próprio na forma de um arranha-céu. (3) E, se nenhuma potência é capaz de atualizar a si própria, e contudo se sabe que, pelo menos, um ser foi atualizado (por exemplo, eu próprio), temos que, em última análise, precisa haver algo que é Pura Atualidade (sem nenhuma potencialidade), do contrário não haveria base para explicar como alguma coisa hoje que não tem o potencial de existir esteja existindo. Esta form a do argumento vertical cosmológico aborda a impossibilidade de um a regressão infinita dos seres que são compostos de ato e potência. Ela indica que o próprio Ser que jaz por detrás de u m ser mutável (aquele portador de ato e potência) não pode ser outro ser com ato e potência, pois o que não é capaz de explicar a sua própria existência, certamente, também não será capaz de explicar a existência de outro ser. Afirmar que isto é possível seria equivalente a afirmar que um pára-quedista cujo pára-quedas não abriu teria a capacidade de segurar outro pára-quedista igualmente desafortunado, cujo pára-quedas tam bém não abriu. E aumentar o núm ero de pára-quedistas com o m esm o tipo de defeito no equipamento não ajuda na solução do nosso problema; ao contrário, somente o potencializa. O utra m aneira de expor a impossibilidade de u m a regressão infinita das causas da existência presente de u m ser m utável (co m ato e potência) é indicando que em u m a regressão infinita destas causas pelo m enos u m a delas deve estar causando, já que se admite que as causas estejam ocorrendo. C ontudo, em u m a série infinita, cada causa está sendo causada, pois se u m a delas não estivesse sendo causada, teríam os chegado a u m a Causa Não-Causada (que os cientistas desejam evitar). U m a causa precisa ser não-causada, pois se cada causa, em u m a série infinita, estiver sendo causada, e se pelo m enos u m a causa estiver causando as demais, tem os que esta causa é auto-causada. Entretanto, u m ser au tocausado é algo impossível, já que um a causa é ontologicam ente (veja página 30), se não cronologicam ente, anterior ao seu efeito, e algo não pode ser anterior a si próprio. O utra form a, ainda, do argum ento cosm ológico vertical co m eça co m a presente dependência de cada parte do universo. Sucintam ente, teríamos: (1) Cada parte do universo é, neste exato momento, dependente da outra para a sua existência. (2) Se cada parte é, neste exato momento, dependente da outra para a sua existência, temos que o universo todo deve ser, neste exato momento, também dependente para a manutenção da sua própria existência. (3) Portanto, o universo todo, neste exato momento, depende de algum Ser Independente para a sua existência, o qual transcende a esse próprio universo. Em resposta, os críticos argum entam que a segunda premissa com ete a falácia da composição: o fato de todas as peças de u m mosaico serem quadradas não gerará necessariamente um a figura final de form ato quadrado. Ou a junção de dois triângulos não form ará necessariamente outro triângulo; u m quadrado poderá ser formado. O todo pode (e às vezes isso acontece m esm o) ter u m a característica não apresentada pelas partes. Os defensores da form a vertical do argum ento cosm ológico são rápidos em perceber que, às vezes, existe u m a conexão necessária entre as partes e o todo. Por exem plo, se cada tábua do assoalho for de carvalho, o assoalho co m o u m todo será de carvalho. Se cada peça de piso na cozinha for am arela, o chão todo será am arelo. Isto é verdadeiro em função da própria natureza das peças de piso am arelo que, quando agrupadas, form am outra
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peça — m aior — de piso am arelo. E m esm o que a ju n ção de dois triângulos não form e necessariam ente ou tro triân gu lo, a ju n ção deles fo rm ará necessariam ente ou tra figura geom étrica. Por quê? Porque é da própria natu reza das figuras geom étricas, quando com binadas, continu arem form an d o u m a figura geom étrica. D a m esm a form a, é da própria natureza dos seres dependentes, ao serem agrupados, continuarem a ser seres dependentes. Se u m a coisa é dependente para o seu próprio ser, tem os que ou tro ser dependente será incapaz se sustentar, da m esm a fo rm a co m o será inútil acrescentar elos a u m a co rren te que não te n h a u m a trava para fechar o co n ju n to . Em resposta, alguns críticos argu m entam que o todo é m aior do que as partes. P ortanto, m esm o que as partes sejam dependentes, o universo com o u m todo não o é. E n tretanto, ou a som a das partes é igual ao todo, ou é maior do que o todo. Se o universo todo é igual às suas partes, tem os que o todo deve ser dependente, da m esm a fo rm a que as suas partes são11. Se, por ou tro lado, o universo inteiro é m aior do que as partes e não se aniquilaria caso as suas partes fossem destruídas, tem os que o universo co m o u m todo é equivalente a Deus, pois se trata de u m ser não-causado, independente, etern o e necessário, do qual todas as coisas, no universo inteiro, dependem para a sua existência. O A r g u m e n to T e le o ló g ic o a fav o r da E x istê n c ia de D eu s Há diversas variações deste argu m ento, sendo que a mais fam osa delas deriva de W illiam Paley (1743-1805), que utilizou a analogia do co n stru to r de relógios. Da m esm a fo rm a que cada relógio é constru íd o p o r alguém , e co m o o fu n cio n am en to do universo é m uitíssim o mais com plexo do que o de u m relógio, tem os que deve haver u m C o n stru to r do Universo. Em sum a, o argu m ento teleológico argu m enta a partir do p ro jeto ( design ) a favor de u m Projetista ( Designer) Inteligente: (1) T od os os p ro je to s im p lica m u m p ro jetista. (2) Existe u m gran d e p ro je to p ara o u n iverso. (3 ) P o rta n to , ta m b é m deve hav er u m G ran d e P ro jetista n a o rig em do u n iverso.
A prim eira prem issa é conhecid a a partir da nossa própria experiência; em todas as ocasiões nas quais vem os u m p ro jeto com p lexo, sabem os pela nossa experiência prévia que ele surgiu da m en te de u m projetista. Relógios im plicam con stru to res de relógio; edifícios im plicam arquitetos; quadros im plicam pintores; e m ensagens codificadas im plicam u m rem eten te inteligente. Sabem os que isto é verdade porque observam os isto oco rrer o tem po todo. Da m esm a form a, quanto mais fascinante o p ro jeto , tan to mais fascinante será o pro jetista12. M il m acacos sentados em m áquinas de escrever, ao longo de m ilhões de anos, jam ais produziriam u m a peça do p orte de Hamlet. Só que Shakespeare escreveu esta obra m agnífica na prim eira tentativa. Q uanto mais com p lexo o p ro jeto , tanto m aior será a inteligência necessária para desenvolvê-lo.
- Prova disso é que, se todas as partes são retiradas, o universo todo tam bém se extingue. Dessa form a, o universo todo ^m b é m é necessariamente acidental.
12 Supõe-se, também, com o verdadeiro o fato de que os castores têm a habilidade
de construir represas, já que isto é tido, pelos criacionistas, com o evidência de que um Criador inteligente os program ou cran esta capacidade. Os com putadores são capazes de produzir ordenações e projetos incríveis, mas som ente porque rzram programados por um ser inteligente.
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É im portante n otar aqui que por “projeto co m p lexo ” referim o-nos a um a complexidade específica. U m cristal, por exem plo, tem especificidade, m as não complexidade; a exem plo de u m floco de neve, ele apresenta os m esm os modelos básicos específicos que se repetem indefinidamente. Os polím eros aleatórios13, por outro lado, apresentam complexidade, m as não especificidade. U m a célula viva, entretanto, apresenta tan to especificidade quanto complexidade. O tipo de complexidade encontrada em u m a célula viva é o m esm o tipo de complexidade que encontramos na linguagem hum ana; isto significa que a seqüência de letras no alfabeto genético de quatro letras é idêntica à que se pode observar na linguagem escrita. E a quantidade de informação complexa especificada em um ser unicelular é maior do que a encontrada em u m dicionário do porte do Websters Umbridgeá Dictionary. C om o resultado, acreditar que a vida ocorreu sem um a causa inteligente é o m esm o que acreditar que u m dicionário com o o Websters Unabriged é o resultado de um a explosão ocorrida em um a oficina gráfica. O excelente livro de Michael Behe, intitulado Darrnns B laá Box (A Caixa Preta de Darwin), a partir da análise da natureza de um a célula viva, proporciona fortes evidências a favor de que ela jamais poderia ter surgido sem que houvesse u m projeto inteligente por detrás de tudo. A célula representa um a complexidade irredutível, que não pode ser explicada por intermédio das mutações progressivas alegadas pelos adeptos da teoria da Evolução (Behe, DBB, obra completa). Até mesmo Charles Darwin (1809-1882) admitiu: “Se alguém pudesse demonstrar que qualquer um dos órgãos complexos que existem não pode ser formado por um a enorme série de mutações sucessivas e graduais, a minha teoria estaria completamente arruinada” (Darwin, 00S , 6.a edição, p. 154). Até mesmo o evoludonista Richard Dawkins concorda: A evolução muito possivelmente, na realidade, não é sempre gradual. Ela, porém, precisa ser gradual quando é usada para explicar a aparição de objetos complicados e aparentemente projetados, como os olhos. Pois, se não for gradual, nestes casos, ela deixa de apresentar qualquer poder persuasivo. Sem a gradualidade, nestes casos, estaremos de volta ao tempo dos milagres, o que é sinônimo da total falta de qualquer tipo de explicação [naturalista] (Dawkins, BW, 83). Mas Behe apresenta vários exem plos de com plexidade irredutível que não poderiam ser fru to da evolução em passos gradativos. Eis a sua conclusão: Ninguém na Universidade de Harvard, ninguém nos Institutos Nacionais de Saúde Pública, nenhum membro da Academia Nacional de Ciências, nenhum vencedor do Prêmio Nobel — ninguém em absoluto é capaz de fornecer um relato detalhado sobre como um cílio, a visão, a coagulação sangüínea, ou qualquer outro processo bioquímico complexo, possa ter ocorrido nos moldes da teoria proposta por Darwin. Só que aqui estamos nós. Todas estas coisas chegaram até aqui de alguma maneira; se não foi nos moldes propostos por Darwin, como foi? (Behe, DBB, 187). São numerosos os outros exemplos de complexidade irredutível, incluindo aspectos da reduplicação do DNA, do transporte de elétrons, da síntese dos telômeros, da fotossíntese, da regulação da transcrição, e mais [...] [Portanto,] a vida na terra no seu nível mais fundamental, nos seus componentes mais críticos, é o produto de uma atividade inteligente (ibid., 160,193). 13 Polímeros são com postos químicos ou m isturas de com postos que, geralm ente, são constituídos por unidades estruturais que se repetem .
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Behe acrescenta: A conclusão do p ro je to intelig en te flui n a tu ra lm en te dos próprios dados apresentad os—não dos livros sagrados ou de crendices sectárias. A inferên cia de que os sistem as bioquím icos foram desenvolvidos p o r u m agente intelig en te é u m processo en fad on h o que não requer quaisquer tipos de novos princípios de lógica ou ciência [...] [Portanto,] o resultado destes esforços cu m u lativos para a investigação celu lar — para a investigação da vida a nível m o lecu la r — é u m grito alto, claro e d ireto de “p ro je to !”. O resu ltad o é tão ob jetivo e tão significativo que precisa ser considerado co m o u m a das m aiores conquistas da história da ciência. U m a descoberta que rivaliza co m as de N ew ton e Ein stein (ibid, 232-33).
O falecido astrôn om o agnóstico Carl Sagan (1934-1996) in conscientem ente proporcionou u m fo rte exem plo do incrível p ro jeto ineren te à natureza. Ele n o ta que a inform ação genética no cérebro h u m an o expressa em bits é, provavelm ente, com parável ao n ú m ero to tal de conexões en tre os neurônios —por vo lta dos cem trilhões, 10H bits. Se fo re m escritas em inglês, digam os, estas in fo rm a çõ es p re en ch eriam algo e m to rn o de vinte m ilh õ e s de v o lu m es, su ficien tes p ara e n ch e r as m aio res bib liotecas do m u n d o . O equ ivalente a v in te m ilh õ es de livros está co n tid o n a cab eça de cada u m de nós. O cérebro é u m lu g ar m u ito gran de qu e se localiza e m u m espaço m u ito p eq u en o.
Sagan prossegue afirm ando que “a n eu roqu ím ica do cérebro é incrivelm ente com plexa, com um a rede de circuitos mais m aravilhosa do que a de qualquer m áquina criada pelos seres h u m a n o s” (Sagan, C, 278). Mas, se fo r assim, então por que o cérebro h u m an o não precisa de u m Criador inteligente, da m esm a fo rm a que aquelas m aravilhosas m áquinas (co m o os com putad ores) desenvolvidas pelos seres hum anos? O utro apoio para o argu m ento teleológico vem do princípio antrópico, que propõe que, a p artir da sua própria gênese, o universo foi “d etalhadam ente afinado” para proporcionar o surgim ento da vida h u m an a (v eja Barrow, A C P ). O u seja, o universo foi in trinsecam ente pré-adaptado para a chegada da vida hu m ana. Se este delicado equilíbrio fosse m in im am en te alterado, a vida jam ais teria sido possível. Por exe m p lo , o o x ig ên io re p re sen ta 21 p o r ce n to da atm o sfera. Se o seu n ível fosse de 25 p o r c e n to , haveria grandes queim adas n o p la n eta , e se fosse de 15 p o r c e n to , os seres h u m an o s m o rre ria m su focad os. Se a fo rça g ra v ita cio n a l fosse a ltera d a so m e n te em u m a p a rte em dez elevad o à quad ragésim a p o tê n cia (d ez seguido de q u a ren ta zeros), o sol n ão existiria e a lua colid iria c o m a te rra ou se d esp rend eria em direção ao espaço (H e e re n , S M G , 196). Se a fo rç a ce n trífu g a do m o v im e n to p la n e tá rio não se equ ilibrasse p e rfe ita m e n te c o m as fo rças g rav itacionais, nad a p o d eria se m a n ter e m ó rb ita ao red o r do sol. Se o u n iv erso estivesse se expan dind o a u m a tax a de um m ilio n é sim o m e n o r do que a atu al, a te m p e ra tu ra n a te rra seria de 10.000 graus Celsius. Se Jú p iter n ã o estivesse co m a sua fo rm a çã o atu al, a te rra estaria sendo bom b ard ead a co m m a té ria espacial. Se a cro sta te rre stre fosse m ais espessa, haveria u m a tran sm issão excessiva de o x ig ên io , o que inviabilizaria a vida. Se ela fosse m ais u n a, a atividade v u lc â n ic a e te c tô n ic a to rn a ria m a vida, ig u a lm en te, im possível. E se a ro tação da te rra levasse m ais de 24 h oras, as d iferenças de te m p e ra tu ra e n tre a n o ite e o dia seriam d em asiad am en te grandes (v e ja Ross, FG ).
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Robert Jastrow, novam ente, resum e as implicações disto: “O principio antrópico [...] parece nos inform ar que a própria ciência nos prova u m fato im portante: este universo foi feito, projetado, p ara que o h o m em nele habitasse. 0 resultado é impressionantemente tastico” (Jastrow, SCBTF, grifo adicionado). O astrônom o ex-ateísta Alan Sandage chegou
à m esm a conclusão: O mundo é demasiadamente complicado em todos os seus detalhes para que a sua existência seja atribuída simplesmente ao acaso. Estou convencido de que a existência de vida sobre este planeta, com toda a ordenação que vemos em cada um dos organismos, é simplesmente muito boa, vista como um todo [...] Quanto mais se aprende de bioquímica, mais inacreditável se torna, a não ser que se tenha algum tipo de princípio organizador — um arquiteto, para os que crêem [...] (Sandage, “SRRB”, in: T, 54). O grande Albert Einstein (1879-1955), da m esm a form a, declarou que “a harmonia da lei natural [...] revela uma inteligência com tamanha superioridade que, comparada a ela, todo pensamento sistemático e toda atividade humana não passam de um reflexo completamente insignificante” (Einstein, IO—WISI, 40, grifo adicionado).
O Argumento Ontológico a favor da Existência de Deus A palavra “ontológico” deriva do term o grego ontos, que significa “ser”. Este é o argum ento que com preende desde a idéia de u m Ser Perfeito ou Necessário até a existência real de u m Ser nestes moldes. Pelo que se sabe, o prim eiro filósofo a desenvolver o argum ento ontológico (em bora Im m anuel Kant [1724-1804] ten h a sido o prim eiro a cu n h ar este term o ) foi Anselm o (1033-1109). Existem duas form as deste argum ento. U m a deriva da idéia de u m Ser Perfeito e a o u tra de u m Ser Necessário. Estas duas form as são, m uitas vezes, chamadas de “Anselm o A” e “Anselm o B ”, respectivam ente. A Primeira Forma do Argumento Ontológico De acordo co m esta form a de expor o argum ento, o simples conceito de Deus com o u m Ser absolutam ente perfeito exige que creiam os na sua existência. Colocando de form a simples: (1) Deus é, por definição, um Ser absolutamente perfeito. (2) A existência é uma perfeição. (3) Portanto, Deus precisa existir. Se Deus não existisse, Ele deixaria de ter uma das perfeições, a saber, a existência. E se Deus não tivesse uma das perfeições, Ele não seria absolutamente perfeito. Mas Deus é, por definição, um Ser absolutamente perfeito. Portanto, um Ser absolutamente perfeito (Deus) precisa existir. Desde a época de Im m anuel Kant, tem sido largam ente aceito que esta form a de argum ento ontológico é inválida, porque a existência não é uma perfeição. O contra-argum ento é que a existência não acrescenta nada ao conceito de u m a coisa; ela som ente lhe serve de exem plo con creto. A n ota de dinheiro n a m inha m ente pode ter exatam ente as mesmas propriedades ou características que aquela que está na m inh a carteira. A única diferença é que eu tenho u m exem plo con creto da segunda.
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A c rític a q u e K a n t fez à p rim e ira f o r m a d o a r g u m e n to o n to ló g ic o é p ro fu n d a e la rg a m e n te a ceita. E xiste, e n tr e ta n to , u m a se g u n d a fo r m a q u e n ã o e stá s u je ita a e sta crítica .
A Segunda Forma do Argumento Ontológico N a su a r e s p o s ta a o m o n g e G a u n ilo (c . fin a l s é c u lo X I ) , q u e se o p ô s a e s te a r g u m e n to , A n s e lm o in s is tiu q u e o s im p le s c o n c e it o d e u m S e r N e c e s s á r io e x ig e q u e c r e ia m o s n a su a e x is tê n c ia . P o d e -s e e x p o r e s te a r g u m e n t o d a s e g u in te f o r m a : (1 ) Se D eu s existe, p recisam o s co n ceb ê-lo c o m o u m Ser N ecessário; (2 ) M as, p o r definição, u m Ser N ecessário n ão pode n ão existir; (3 ) P o rta n to , se u m Se r N ecessário pode existir, Ele en tão precisa existir. C o m o p a r e c e n ã o h a v e r c o n t r a d iç ã o n a id é ia d e u m S e r N e c e s s á r io , p a r e c e ó b v io q u e E le d e v a m e s m o e x is tir, p o is a s im p le s id é ia d e u m S e r N e c e s s á r io e x ig e a su a e x is t ê n c ia — se E le n ã o e x istisse , s u a existência n ã o s e r ia n e c e s s á r ia . Os
c rític o s
in d ic a m
um
p r o b le m a
d if e r e n te
com
e s ta
fo rm a
de
s ilo g is m o
o n t o l ó g i c o 14. E c o m o d iz e r m o s : “Se e x i s t e m t r i â n g u l o s , e le s p r e c is a m , n e c e s s a r ia m e n t e , t e r t r ê s l a d o ” . E c la r o q u e p o d e n ã o h a v e r n e n h u m t r i â n g u l o . L o g o , o a r g u m e n t o ia m a is p a s s a r ia d e s ta c o n d ic i o n a l “s e ” in ic ia l; e le ja m a is p r o v a a g r a n d e q u e s t ã o a q u e se p r o p õ e r e s o lv e r . E le supõe, m a s n ã o prova, a e x is t ê n c ia d e u m S e r N e c e s s á r io , m e r a m e n t e a f ir m a n d o q u e se u m S e r N e c e s s á r io e x is t ir — e e ssa é a p e r g u n t a e m a b e r to — e s te s e r p r e c is a , n e c e s s a r ia m e n t e , e x is t ir , p o is e s ta é a ú n i c a f o r m a d e a e x is t ê n c ia d esse S e r N e c e s s á r io t o r n a r - s e p o s s ív e l. A lg u m a s p e s so a s , m a is ta rd e , r e f in a r a m e s te a r g u m e n t o a c r e s c e n ta n d o q u e u m e s ta d o d e c o m p l e t a n ã o - e x is t ê n c ia n ã o é l o g i c a m e n t e p o ssív e l, já q u e a n o s s a p r ó p r ia e x is tê n c ia é in e g á v e l. E se a lg o e x is te , a lg o d if e r e n te t a m b é m p r e c is a e x is tir ( is to é, o S e r N e c e s s á r io ). E n t r e t a n t o , n e s t e f o r m a t o , n ã o se t r a t a m a is d o a r g u m e n t o o n t o l ó g i c o , p o is e s te p a r t e d e a lg o q u e já e x is te e a r g u m e n t a a fa v o r d e a lg o q u e d e v e e x istir. A m a io r p a r t e d o s te ís ta s n ã o a c r e d ita q u e o a r g u m e n t o o n t o ló g ic o , a ssim a p r e s e n ta d o , se ja s u fic ie n te p a r a p r o v a r a e x is tê n c ia d e D e u s . Is to n ã o s ig n ific a q u e e le n ã o s e ja ú til. M e s m o q u e o a r g u m e n t o o n t o ló g ic o n ã o c o n s ig a p r o v a r a existência d e D e u s , e le c o n s e g u e r r o v a r a lg u m a s c o is a s q u e se r e f e r e m à su a natureza, se D e u s e x is te . P o r e x e m p lo , e le d e m o n s t r a q u e se D e u s e x is te m e s m o , E le p r e c is a e x is tir n e c e s s a r ia m e n te . E le n ã o p o d e d eix a r d e e x is tir, n e m p o d e e x is tir d e f o r m a a c id e n ta l.
O A r g u m e n to M o ral a fav o r d a E x is tê n cia de D eu s A s ra íz e s d o a r g u m e n t o m o r a l a f a v o r d a e x is t ê n c ia d e D e u s sã o e n c o n tr a d a s e m R o m a n o s 2 .1 2 -1 5 , o n d e o A p ó s to lo P a u lo fa la q u e a h u m a n id a d e é in d e s c u lp á v e l p o r q u e :e m a “le i e s c r ita n o c o r a ç ã o ” . N o s ú l t i m o s 2 5 0 a n o s , e s te a r g u m e n t o t e m sid o p r o p o s to l e d iv ersa s f o r m a s , s e n d o q u e su a f o r m a m a is p o p u la r v e m d e C . S . L ew is (1 8 9 8 -1 9 6 3 ), n a
r r im e ir a p a r t e d o se u c o n h e c id o liv r o M ere Christianity ( C r is t ia n is m o S im p le s ) . O c e r n e : : a r g u m e n to s e g u e a s e g u in te e s t r u t u r a b á s ica :
rxpíidtam ente falando, um silogismo é um esquema dedutivo (veja capítulo 5) construído a partir de um arranjo : ~ = i com posto por um a premissa m aior e um a m enor, seguidas de um a conclusão ( Websters Third New International I*axm 2ry).
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(1) A Lei Moral implica um Legislador Moral. (2) Existe uma lei moral objetiva. (3) Portanto, existe também um Legislador Moral objetivo. A prim eira premissa é auto-evidente. U m a lei m oral é u m preceito, e preceitos são passados por preceptores. Ao contrário das leis da natu reza (que são som ente descritivas), as leis m orais são preceptivas: Elas não descrevem o que as coisas são; elas prescrevem co m o elas deveriam ser. Elas não são som ente u m a descrição da m aneira co m o as pessoas se comportam, mas im perativos de com o deveriam se com p ortar. A força do argumento moral a favor da existência de Deus está na segunda premissa—aquela que afirma a existência de um a lei moral objetiva. Ou seja, existe um a lei m oral que não somente é prescritapefos seres humanos, mas também para os seres humanos. A questão é se existe alguma evidência a favor de u m preceito objetivo e universal que englobe todos os seres humanos. A evidência a favor de u m a lei m oral objetiva é forte; ela fica im plícita nos julgam entos morais que fazemos: “O m undo está ficando m elhor (ou pior)”. C o m o podem os saber disso, se não há algum tipo de parâm etro através do qual possamos m edir o grau de m elhora no m undo? Da m esm a form a, frases co m o “Hitler estava errado” perdem o seu significado quando se tratam de simples questão de opinião ou são cultu ralm en te relativizadas. Só que se Hitler estava realm ente (e objetivam ente) errado, precisa haver u m a lei m oral p or detrás de todos nós, e à qual todos precisam os nos subordinar. E, se existe esta lei m oral objetiva que nos prende a todos, então existe tam bém , necessariam ente, u m Legislador M oral (Deus). C. S. Lewis responde de form a efetiva às objeções típicas a este argum ento m oral, conform e parafraseado no texto a seguir (veja Lewis, CPS, parte 1). Esta Lei Moral não E um Mero Instinto Coletivo O que cham am os de lei m oral não pode ser o resultado de u m a espécie de instinto coletivo15, senão o im pulso mais forte em nós sem pre sairia vitorioso. Ele não é. Além disso, nós sem pre agiríamos a partir dos nossos instintos, para reforçá-los, e não em direção a eles, a fim de dom iná-los (p or exem plo, para ajudar u m a pessoa em perigo), com o fazemos poucas vezes. Por fim, se a lei m oral fosse som ente u m instinto coletivo, concluiríam os que os instintos sem pre estão certos, m as sabemos que as coisas não são assim. Até m esm o o am or e o patriotism o são, às vezes, errados. Esta Lei Moral não Pode Ser uma Convenção Social N em tudo o que se aprende por intermédio da sociedade est íbaseado em convenções sociais (p or exem plo, a m atem ática ou a lógica), da m esm a form a que a lei m oral tam bém não é m eram en te u m a n orm a social. Evidências a favor deste argum ento podem ser vistas em todas as sociedades, já que praticam ente todas apresentam as mesm as leis morais, sejam estas civilizações presentes ou passadas. Além disso, juízos sobre o progresso social não seriam possíveis se a sociedade fosse a base para os julgam entos. Esta Lei Moral E Diferente das Leis da Natureza A lei m oral não deve ser identificada co m as leis da natureza, porque estas últimas são descritivas (são), e não prescritivas (deveriam ), co m o as leis m orais o são. Na 15 Instinto coletivo (em inglês, herd instinct) é “u m a tendência inerente de congregar ou reagir de form a uniform e; um instinto h um ano teórico em direção ao com portam ento gregário (de rebanho) e à conform idade” ( webster's Third New International Dictionary).
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verdade, situações factu alm en te diferentes (o m od o co m o as coisas são) podem ser m o ralm en te erradas e vice-versa. Por exem plo, se alguém ten ta passar por cim a de m im e não consegue, esta pessoa co m eteu u m erro e é culpada, enquanto que alguém que acidentalm ente tropeça por cim a de m im não pode ser considerada culpada por isso. -J. Lei M oral não E simplesmente um Capricho Humano A lei m o ral tam b ém não pode ser sim plesm ente u m capricho h u m an o, porque não podem os nos livrar dela, m esm o em situações em que isto seria interessante para nós. Nós não a criam os; ela foi claram ente im pressa em nós, a p artir do nosso exterior. E se ela não passasse de fantasia, todos os juízos de valores perderiam o seu significado, inclusive afirmativas co m o “o assassinato é errad o”, ou “o racism o é errad o”. Mas, se a lei m o ral não é n em u m a descrição n em u m a prescrição m eram en te hu m ana, ela passa a ser u m a prescrição m o ral vinda de u m P receptor M oral que transcende a hum anidade. C o m o n o to u Lewis, este Legislador M oral está mais para um a m en te do que para a natureza. Ele é tão parte da natu reza quanto u m arquiteto é parte de u m prédio que ele projeta. A Injustiça não Desabona o Legislador M oral
A principal objeção a u m Legislador M oral perfeito é o argum ento a partir do m al ;u e existe no m und o. N enhu m a pessoa séria pode fechar os olhos e deixar de recon h ecer ;u e todos os assassinatos, os estupros, o ódio e a crueldade to rn a m o m u nd o u m lugar m u ito longe da perfeição. Mas, se o m u nd o é im perfeito, com o poderia existir um Deus absolutam ente perfeito? A resposta de Lewis é sim ples e vai direto ao ponto: A ú n ica fo rm a pela qual poderíam os saber que o m u nd o é im perfeito é ter u m padrão iosolu tam en te perfeito de ju stiça co m o qual possamos com pará-lo, a fim de saber se ele não é ju sto. E a in ju stiça absoluta é som ente possível se houver u m padrão absoluto de ustiça. Lewis esclarece, nas suas próprias palavras: O meu argumento contra Deus era que o universo me parecia demasiadamente cruel e injusto. Mas de onde foi que tirei esta idéia d e justo e injusto? Um homem jamais pode afirmar que uma linha é torta se não tiver algum tipo de noção do que é uma linha reta [...] Assim, na minha própria tentativa de provar a inexistência de Deus —em outras palavras, que a realidade como um todo era sem sentido —, descobri que eu era forçado a considerar que uma parte da realidade —ou seja, a minha idéia de justiça —estava cheia de sentido. Conseqüentemente, o Ateísmo passou a ser demasiadamente simplista para mim (Lewis, CPS, 45-46). Em vez de tentar provar a inexistência de u m Ser m o ralm en te perfeito, na verdade, : m al que existe no m u nd o pressupõe u m padrão absolutam ente perfeito. A lguém pc ie ria levantar a objeção de que o Legislador M áxim o não é m esm o todo-poderoso, mas jam ais a de que Ele não é perfeito. C O N C LU SÃ O S O B R E OS A R G U M E N T O S A FAVOR D O TEÍSM O A m aior parte dos teístas não deposita todas as suas fichas a favor da existência de Deus u m único argum ento. Na verdade, cada argum ento parece dem onstrar u m atributo
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diferente de Deus, junto co m a sua existência. Por exemplo, o argum ento cosmológico dem onstra que u m Ser infinitamente poderoso existe; o teleológico revela que este Ser é tam bém superinteligente; o argum ento m oral estabelece que Ele é m oralm ente perfeito. E, um a vez que Algo existe, o argum ento ontológico dem onstra que Ele é u m Ser Necessário. Alguns teístas apresentam outros argum entos a favor da existência de Deus, tal com o o argum ento a partir da necessidade de religião (veja Geisler, C‘G,EF”, in: BECA ), ou o argum ento a partir da experiência religiosa (veja Trueblood, PR). Entretanto, os argum entos acim a descritos são os clássicos ou padrões neste tem a. Levanta-se a objeção de que o argumento cosmológico não prova u m Deus teísta, tal como defende o Cristianismo evangélico. Existem muitos outros conceitos a respeito de Deus, ao lado do Teísmo, mas estes conceitos não podem ser identificados com um Deus teísta. T eísm o vs. D eísm o F in ito Deus precisa ser infinito (em contraste co m o Deísmo Finito), já que pelo argum ento cosm ológico cada um dos seres finitos precisa ter u m a causa. Portanto, a Causa de todas as coisas finitas não pode ser finita. Além disso, o universo finito é com posto de partes, e não pode haver u m núm ero infinito de partes, pois, não im portando quantas partes haja, sem pre se pode acrescentar mais um a. E a Primeira Causa N ão-Causada do universo não pode ser u m a parte ou ter partes, pois, se fosse assim, Ele tam bém teria sido causado. Portanto, Ele precisa ser infinito, já que som ente os seres finitos apresentam partes. E com o nada pode ser acrescentado àquilo que já é infinito, e co m o todas as partes podem ser acrescentadas às outras partes, o Criador do universo é infinito (e sem partes). T eísm o vs. P o lite ísm o A Causa Não-Causada do Teísmo é distinta dos m uitos deuses do Politeísmo, pois não pode haver mais de u m a existência assim ilimitada. Não épossível haver nada além do Máximo. Esta causa é Pura Atualidade, e a Atualidade é ilimitada e única. Som ente o ato que é com binado com a potência se to rn a limitado, tal co m o vem os nos seres contingentes (os quais existem, m as apresentam a possibilidade de não existir). Além disso, para que possa se diferenciar, u m ser precisa ser desprovido de alguma característica que o outro tenha. Só que u m ser que sej a desprovido de algum a característica de existência não pode ser u m a existência perfeita e ilimitada. Em outras palavras, dois Seres infinitos não podem se diferenciar na sua potencialidade, já que não têm potencialidade; eles são Pura Atualidade. E não podem se diferenciar na sua atualidade, já que Atualidade com o tal não se diferencia de Atualidade com o tal. Dessa form a, eles precisam ser idênticos. Portanto, existe som ente u m a Causa Ilimitada para todas as existências limitadas. T eísm o vs. P an teísm o Avançando mais u m p ouco, a Causa N ão-Causada do Teísmo não é o Deus do Panteísmo. O Panteísmo afirma que u m ser ilimitado e necessário existe, p orém nega a realidade de seres finitos e limitados. O Teísmo com eça co m o(s) ser(es) m utável(is), aleatório(s), finito(s) e real(is), e a partir dele(s) argum enta a favor de u m ser im utável, necessário, infinito e real. Portanto, o Deus teísta não é o m esm o Deus do Panteísmo.
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N e g a r q u e u m s e r h u m a n o é fin ito e m u t á v e l é a u t o d e s t r u tiv o . O p a n te ís t a n ã o e s t r u t u r a a su a c r e n ç a s e m p r e d e s ta m a n e ir a ; e le passa a crer d e sta f o r m a p o r u m p r o c e s s o d e ‘'i l u m in a ç ã o ” . M a s , se e le p a ss a p o r a lg u m p r o c e s s o d e m u d a n ç a , e n tã o e le n ã o é u m se r im u tá v e l, d e f o r m a a lg u m a .
T eísm o vs. A teísm o A C a u s a N ã o -C a u s a d a d o T e ís m o t a m b é m n ã o p o d e se r id ê n tic a a o universo m aterial, c o m o a c r e d ita m m u ito s a te ís ta s . D a f o r m a c o m o é n o r m a l m e n t e c o n c e b id o , o c o s m o s o u o u n iv e r s o m a t e r ia l é u m s is t e m a e s p a ç o - t e m p o r a l lim ita d o . E le e stá , p o r e x e m p lo , s u je it o à s e g u n d a le i d a T e r m o d in â m ic a e, p o r t a n t o , e s tá e m p r o c e s s o d e d e c a d ê n c ia e n e r g é tic a . S ó q u e u m a C a u s a N ã o -C a u s a d a é a lg o ilim ita d o e n ã o e s tá e m d e c a d ê n c ia . O e s p a ç o e o t e m p o i m p lic a m lim ita ç õ e s a u m tip o d e e x is t ê n c ia a q u i-e - a g o r a . M a s u m a C a u s a N ã o -C a u s a d a n ã o t e m lim ite s , s e n d o , p o r t a n t o , d ife r e n te d o u n iv e r s o de e s p a ç o - te m p o . O D e u s t e ís ta e s tá dentro d o m u n d o t e m p o r a l c o m o s e n d o su a b a se d e e x is tê n c ia c o n t ín u a , m a s E le n ã o é do m u n d o , à m e d id a q u e e s te é lim ita d o e E le n ã o . M a s se, e m r e s p o s ta , a le g á s s e m o s q u e o u n iv e r s o m a t e r ia l c o m o u m to d o n ã o é t e m p o r a l e lim ita d o , c o m o sã o as su as p a r te s , e s ta r ía m o s s o m e n t e d e m o n s t r a n d o a r e iv in d ic a ç ã o d o s te ís ta s , p o is a n o s s a c o n c lu s ã o se r ia a d e q u e e x is te , a lé m d e s te m u n d o :o n t i n g e n t e
lim ita d o
p e la
e s p a ç o - te m p o r a lid a d e ,
u m a r e a lid a d e
c o m p le ta
que
é
e t e r n a , ilim ita d a e n e c e s s á r ia . E m o u tr a s p a la v ra s , c o n c o r d a r ía m o s c o m o T e ís m o n o se n tid o d e q u e e x is te u m D e u s q u e v a i a lé m d e s te n o s s o m u n d o lim ita d o e m u t á v e l q u e e x p e r im e n ta m o s . E s ta id é ia s e r v e c o m o u m a e s p é c ie d e s u b s tit u t o p a r a a re a lid a d e d e u m D e u s e a d m ite q u e e x is te u m a re a lid a d e c o m p l e t a q u e v a i a lé m d a p a r t e e x p e r im e n ta d a i a re a lid a d e e q u e t e m to d o s os a t r ib u to s m e ta fís ic o s d o D e u s te ís ta .
T eísm o vs. P a n e n te ísm o A C a u s a N ã o -C a u s a d a d o T e ís m o t a m b é m n ã o p o d e s e r id ê n tic a a o d e u s d o Panenteísmo, :a m b é m c o n h e c id o c o m o T e ís m o B ip o la r o u T e o lo g ia d o P ro c e s s o . O P a n e n te ís m o , c o m o ~_mos, a f ir m a q u e D e u s t e m d o is p ó lo s : u m p ó lo a tu a l ( q u e é id e n tific a d o c o m o m u n d o T rm p o ra l m u t á v e l) e o u t r o p ó lo p o t e n c ia l ( q u e é e t e r n o e im u tá v e l) . E s ta c o n c e p ç ã o d e ^ eu s d e v e se r r e je it a d a p e la s s e g u in te s ra z õ e s: P o r u m a s im p le s r a z ã o , a c o n c lu s ã o d o a r g u m e n t o
c o s m o ló g ic o d e m o n s tra a
n e c e ssid a d e d e u m D e u s q u e s e ja p u r a a tu a lid a d e s e m q u a lq u e r tip o d e p o te n c ia lid a d e (o _ :r o p ó lo a q u i a le g a d o ). A lé m d isso , D e u s n ã o p o d e se r s u je it o a lim ita ç õ e s , c o m p o s iç õ e s : 11 e s p a ç o - te m p o r a lid a d e s , já q u e E le é ilim ita d o n o s e u se r. A d e m a is , o D e u s t e ís ta n ã o r -:-ie t e r p ó lo s o u a s p e c to s , já q u e E le é a b s o lu t a m e n t e s im p le s ( is to é, n ã o - c o m p o s t o ) e n I :> a p r e s e n ta q u a lq u e r tip o d e d u a lid a d e . C o m o P u r a A tu a lid a d e , E le é u m a e x is tê n c ia — p ie s e ilim ita d a c o m o ta l, e n ã o a p r e s e n ta p ó lo s o u lim ite s . U m a e x is t ê n c ia ilim ita d a t ã o m e s m o t e m p o , p a r c ia l m e n t e lim ita d a é u m a c o n t r a d iç ã o . A lé m d o m a is , D e u s n ã o p o d e e s ta r s u je it o a m u d a n ç a s , p o is a lg o q u e se t r a n s f o r m a : í z isso p o r s e r c o m p o s t o d e a tu a lid a d e e p o te n c ia lid a d e p a r a a m u d a n ç a . A m u d a n ç a é - — a p a ss a g e m d a p o te n c ia lid a d e p a r a a a tu a lid a d e , d a q u ilo q u e se p o d e s e r p a r a a q u ilo : - e r e a lm e n t e se t o r n a . M a s c o m o a e x is tê n c ia n ã o t e m p o te n c ia lid a d e , t e m o s q u e e la ~ í : r o d e m u d a r . S e a lg o m u d a , t e m o s a p r o v a d e q u e e s te a lg o n ã o e r a P u r a A tu a lid a d e , " - i p o ssu ía a lg u m a m e d id a d e p o te n c ia lid a d e e m f u n ç ã o d a m u d a n ç a q u e o c o r r e u , a tu a lid a d e p u r a e ilim ita d a n ã o p o d e m u d a r .
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T eísm o vs. D eísm o Por fim, a conclusão do argum ento cosm ológico, pelo m enos da sua form a vertical, não pode ser de u m Deus deista, pois o Deus do Deísmo não é a causa aqui-e-agora do universo, com o é o Deus do Teísmo. C om o o universo é dependente no seu ser, ele precisa de algo independente sobre o qual depender — o tem po inteiro. O universo jamais cessa de ser dependente ou contingente. U m a vez contingente (acidental), sem pre contingente; u m ser contingente não pode se to rn ar u m Ser Necessário, pois u m Ser Necessário não pode se tornar, nem deixar de ser, co m o u m ser contingente pode. Assim, o Deus do Teísmo é diferente da concepção deista de Deus. Isso tudo sem falar que o Deus do Teísmo é capaz de realizar, e realiza, milagres, e o Deus do Deísmo não (veja capítulo 3). A lém disso, o Deísmo nega que os milagres podem o co rrer ou m esm o que sej a possível a sua ocorrência. Só que o Deus que criou o universo a partir do nada já realizou o m aior de todos os milagres. Portanto, u m Deus assim não pode ser o Deus do Deísmo. CON CLUSÃO O Deus do Teísmo pode ser conhecido pela argum entação clara. Além do mais, Ele é distinto de todas as outras concepções de Deus, já que som ente pode haver u m a Causa N ão-Causada indivisível, infinita, necessária e absolutam ente perfeita para tudo o mais que existe. E co m o o Teísmo metafísico é u m pressuposto para a Teologia evangélica, a viabilidade deste pressuposto de Evangelicalismo está bem apoiada nestas num erosas linhas de evidências. E certo que objeções p odem e têm sido levantadas, mas n en h u m a foi capaz de se sustentar (veja apêndice 1). FO N T ES Anselm o, Basic Writings. Aristóteles. Metaphysics, XII. Barrow, J. D. The Anthropic Cosmological Principie. Behe, Michael. Darwins Black Box. Craig, William. The Kalam Cosmological Argument. Darwin, Charles. On the Origin o f Species. Dawkins, Richard. The Blind Watchmaker. Einstein, Albert. Ideais and Opinions — The World as I see it. Eslick, L. J. “The Real D istinction”, Modem Schoolman, 38 (janeiro de 1961). Findlay, J. N. “C an God’s Existence Be Disproved?”, in: The Ontological Argument, Alvin Plantinga, ed. Flint, Robert. Agnosticism. Garrigou-LaGrange, Reginald. God: His Existence and His Nature. Geisler, N orm an . “A nthropic Principie, T he”, in: BECA. ________ . Baker Encyclopedia o f Christian Apologetics (BECA ). ________ . “God, Evidence for”, in: BECA. ________ . “Worldviews”, in: BECA. Heeren, Fred, and George Sm oot. Show me God. H um e, David. Dialogues Concerning Natural Religion. ________ . The Letters o f David Hume.
DEUS: O PRESSUPOSTO METAFÍSICO
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Hoyle, Fred, Sir, et al. Evolution frotn Space. Jastrow, R obert. “A Scientist C au gh t Betw een Two Faiths: Interview w ith Robert Jastrow ”, Christianity Today (6 de agosto de 1982). ______ . God and the Astronomers. Kant, Im m an u el. A Critique o f Pure Reason. Kenny, A nthony, Five Ways. Lewis, C. S. Mere Christianity. Parmênides, Proem. Platão. Parmenides.
______ . Sophists. ______ . Theaeteus. Plotino, Enneads. Ross, H ugh. The Fingerprints o f God. R ussell, Bertrand. Why I Am Not a Christian. Sagan, Carl. Cosmos. Sandage, Alan. “A Scientist Reflects on Religious B elief”, in: Truth (1985). Sproul, R. C. Not a Chance: The Mith o f Chance in Modem Science and Cosmology. Teske, R. J. “P lato’s Later D ialectic”, Modem Schoolman 38 (m arço de 1961). Tom ás de Aquino. On Being and Essence. ______ . Summa Theologica. Trueblood, E lton. Philosophy o f Religwn.
MILAGRES: O PRESSUPOSTO SOBRENATURAL
IN T R O D U Ç Ã O AOS M ILA G RES Teologia evangélica está edificada sobre o sobrenatural. O nascim en to virginal de Cristo, o seu m inistério cheio de milagres, a sua ressurreição física dos m o rto s e a sua ascensão corp órea ao céu são apenas alguns dos nu m erosos m ilagres essenciais para o Cristianism o bíblico. O sobrenatural é u m pressuposto tão im p ortan te para a teologia ortod oxa que, sem ele, o Cristianism o histórico ruiria. Para citar o apóstolo Paulo: “E, se C risto não ressuscitou, logo é vã a nossa pregação, e tam bém é vã a vossa fé. E assim som os tam bém considerados com o falsas testem unhas de D eus [...] E, se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, e ainda perm aneceis nos vossos pecados. E tam bém os que dorm iram em C risto estão perdidos” (1 Co 15.14-18). Antes que u m m ilagre possa ser identificado, sem entrarm os no m érito da verificação da veracidade deste m ilagre —o que, obviam ente, deve ser feito —, ele precisa ser definido; não existe m odo de descobrir u m m ilagre a m enos que saibamos o que p rocuram os. Os teólogos têm definido os m ilagres de duas m aneiras diferentes.
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D U A S D E FIN IÇ Õ E S PA R A M ILA G RE H istoricam ente, os m ilagres têm sido definidos em sentido rígido ou m oderado. Seguindo a lin h a de A gostinho (354-430), alguns descrevem o m ilagre co m o sendo “um prodígio [que] não é contrário à natu reza, mas contrário ao nosso co n h ecim en to da n atu reza” (CG, 21.8). O problem a co m esta visão m oderada dos m ilagres é que o evento pode não ser, de fo rm a algum a, sobrenatural; ele pode sim plesm ente se tratar de u m evento natu ral para o qual o observador, até aquele instante, desconhece qualquer tipo de explicação natural. Isto significa que todas as anom alias naturais, incluindo-se aqui os m eteoros, os terrem otos, os vulcões e os eclipses, fo ram , em algum a época, considerados m ilagres relas pessoas — e contin u am a ser para algumas. Seguram ente, este tipo de m ilagre não irre se n ta qualquer valor apologético, do tipo que se atribui aos m ilagres bíblicos (M t 12.39,40; M c 2.10,11; Jo 3.2; At 2.22; Hb 2.3,4; 2 Co 12.12). O utros, seguindo a lin h a de Tom ás de Aquino, definem o m ilagre no sentido rígido, : : m o sendo u m evento que vai além dos poderes da natu reza e que som ente poderia ser r rzduzido p o r u m a força sobrenatural (D eus) ( SG G , Livro 3). C om o vim os, os m ilagres 5Ó podem ser identificados com atos de D eus se utilizarm os esta definição rígida, já que no
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sentido m oderado não há com o distinguí-Ios dos acontecim entos in com u n s da natureza. A lém disso, os m ilagres som ente apresentam valor apologético quando os vem os no sentido rígido, já que, nesta definição, eles o co rrem por intervenção sobrenatural direta. Neste sentido, o milagre é uma intervenção divina no mundo natural. C o m o disse o ateísta A ntony Flew: “U m m ilagre é algo que jam ais teria acontecido se a natureza, por si só, fosse deixada para operar pelos seus próprios m ecanism os” (Flew, “M ”, in: Edwards, ed., EP, 346). A lei natu ral descreve as regularidades causadas de fo rm a natu ral; u m m ilagre se trata de u m a singularidade causada de fo rm a sobrenatural.
A DISTINÇÃO ENTRE MILAGRE E A LEI NATURAL A fim de explicar o que se quer dizer com u m ato sobrenatural, precisam os de um a com preensão inicial do que significa a lei n atu ral. A lei n atu ral é entendida co m o a form a n orm al, ordenada e geral através da qual o m u nd o opera. E m contraste, u m m ilagre — n a sua definição mais básica — é u m a fo rm a in com u m , irregular e específica através da qual D eus age nos lim ites deste nosso m undo. Os m ilagres são sobrenaturais, mas não antinaturais. C o m o declarou o fam oso físico Sir G eorge Stokes: “Pode ser que o evento ao qual cham am os de m ilagre te n h a ocorrido não pela suspensão das leis da operação n orm al, mas pela superadição de algo que, n o rm alm en te, não en tra em op eração” (ISBE, 2063). Em outras palavras, quando u m m ilagre ocorre, não se trata de u m a violação ou contradição das leis naturais de causa e efeito, m as sim de u m novo efeito produzido pela introd u ção de u m a causa sobrenatural. N este ponto, precisam os de u m a descrição bíblica do que é u m m ilagre. A Bíblia utiliza três palavras básicas para esta descrição: sinal, maravilha e poder. U m estudo do uso de cada u m a delas nos ajudará a com preend er o que se quer dizer co m a palavra “m ilagre”.
O USO VETEROTESTAMENTÁRIO DAS PALAVRAS SINAL, M A R A V ILH A E PODER Cada u m a das palavras utilizadas para descrever u m “m ilagre” carrega consigo u m a conotação peculiar. Q uando o significado de cada u m a delas é com binado, vislum bram os u m quadro com p leto dos m ilagres bíblicos.
O Uso Veterotestamentário da Palavra Sinal E m bora a palavra hebraica para “sinal” (otti) seja, às vezes, utilizada para se referir a coisas naturais, tais com o as estrelas (G n 1.14), ou o dia de sábado (Ex 31.13), ela n o rm alm en te leva consigo u m significado sobrenatural, ou seja, algo que foi designado por D eus que tem u m significado especial atribuído. O prim eiro uso da palavra sinal pode ser encontrado n a previsão divina en tregue a M oisés a respeito da libertação de Israel do ju g o egípcio, para que este servisse a Deus, a qual oco rreu no m o n te Horebe. D eus p ro m eteu : “C ertam ente eu serei contigo; e isto te será por sinal de que eu te enviei” (Ex 3.12). Q uando Moisés perguntou a Deus: “Mas eis que m e não crerão, n e m ouvirão a m in h a voz, porque dirão: O SEN H O R não te apareceu” (Ex 4.1), o S en h o r concedeu a Moisés dois “sinais”: a sua vara se tran sform ou em u m a serpente (Ex 4.3), e a sua m ão contraiu lepra, de fo rm a instantânea (Ex 4.6,7).
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Estes sinais foram dados “para que creiam que te apareceu o SENHOR, o Deus de seus pais” (Ex 4.5). Deus disse: “se eles te não crerem , n e m ouvirem a voz do prim eiro sinal, crerão a voz do derradeiro [segundo] sinal” (Ex 4.8). Moisés “fez os sinais perante os olhos do povo. E o povo creu; e ouviram que o SEN H O R visitava aos filhos de Israel e que via a sua aflição; e inclinaram -se e ad oraram ” (Ex 4.30,31). D e fato, Deus assegurou a Moisés: “Eu, porém , end urecerei o coração de Faraó, e m ultiplicarei na te rra do Egito os m eus sinais e as m inhas m aravilhas [...] Então, os egípcios saberão que eu sou o SEN HOR, quando estender a m ão sobre o Egito e tirar os filhos de Israel do m eio deles” (Ex 7.3,5; cf. 11.9). Repetidas vezes, lem os que o propósito destes sinais e m aravilhas é duplo: “Nisto saberás que eu sou o SEN H O R ” (Êx 7.17; cf. 9.29,30; 10.1,2) e que vós sois o “m eu povo” E x3.10; cf. 5.1; 6.7; 11.7). Q uanto mais o S en h o r m ultiplicava os sinais, mais endurecido o coração de Faraó se tornava (Ex 7.3; 9.35; cf. 11.9). Mas m esm o diante desta incredulidade teim osa D eus recebia “glória” (N m 14.22). Ao lo n g o do re sta n te do A n tigo T e sta m e n to , e n co n tra m o s várias referên cias a 's in a is ” m ira cu lo so s que D eus realizou a fim de lib erta r o seu p ovo do E g ito. Ele re cla m o u co m M oisés no d eserto , nas segu in tes palavras: “A té quando m e p ro v o ca rá este povo? E até quando m e n ão crerã o p o r tod os os sinais que fiz n o m eio deles?” N m 14.11; cf. v. 22). M oisés desafiou Israel, p erg u n ta n d o se alg u m deus, alg u m a vez, já havia to m ad o p ara si “u m povo do m eio de o u tro p ovo, c o m provas, co m sinais, e co m m ilagres, e c o m p eleja , e c o m m ão fo rte , e co m b raço estend id o, e co m grandes esp antos, c o n fo rm e tu d o q u an to o SE N H O R , vosso D eu s, vos fez n o E gito, aos vossos o lh o s ” (D t 4.34). M ais tard e, M oisés fez lem b ra r ao p ovo: “O SE N H O R :ez sinais grandes e p enosas m arav ilh as n o E g ito, a Faraó e a to d a a sua casa, aos nossos o lh o s ” (D t 6.22). “E o SEN H O R n os tiro u do E gito c o m m ã o fo rte , e co m ?raço estend ido, e co m gran d e esp anto, e c o m sinais, e c o m m ila g res” (D t 26.8; cf. D t 29.2,3; Js 24.17; N m 9.10; SI 105.27; Jr 32.20,21). No relato bíblico, m uitas vezes os “sinais” são dados aos profetas co m o fo rm a de confirm ação do seu cham ado divino. Já vim os as credenciais m iraculosas de Moisés (Ex 3 e 4). Gideão perguntou a Deus: “D á-m e u m sinal de que és o que com igo falas” (Jz 6.17). Deus respondeu co m u m fogo m iracu loso que con su m iu a oferta de Gideão (v. 21). Deus tam bém confirm ou a sua presença para Eli ditando previsões m iraculosas a respeito da m o rte dos seus filhos (1 Sm 2.34). De m aneira sim ilar, “sinais” preditivos foram feitos p ara confirm ar a indicação divina do Rei Saul (1 S m 10.7,9). Isaías fez previsões co m o "sinais” da sua m ensagem divina (Is 7.14; 38.7,8). Em bora a palavra sinal não seja utilizada nestes casos, as confirm ações m iraculosas i a escolh a de Moisés para a liderança do povo diante do desafio de C orá (N m 16) e da sua presença co m Elias e co n tra os falsos profetas de Baal (1 Rs 18) ilu stram o m esm o assunto. Em sum a, os m ilagres foram utilizados para fo rn ecer credenciais aos profetas ~erdadeiros. D a m esm a form a, a ausência de poderes preditivos (a falsa profecia) era indício de que o profeta não era de Deus (D t 18.22). O u tros eventos no A n tig o T e sta m e n to são ta m b ém cham ad os de “sin ais” ou m ilagres”. N isto, estão inclu íd as as pragas do E g ito (E x 7.3 ), as provisões n o d eserto ntadas em Jo 6.30,31), o fo g o que surgiu de u m a ro c h a (Jz 6.17-21), a v itó ria sobre :s in im igos (1 Sm 14.10), a co n firm a çã o de cu ras (Is 38.7,22), e os ju ízo s do S e n h o r ir 44.29).
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O Uso Veterotestamentário da Palavra Maravilha N orm alm ente, as palavras sinal e maravilha são utilizadas para descrever o m esm o evento (ou eventos) no m esm o versículo (Ê x 7.3; cf. D t 4.34; 7.19; 13.1,2; 26.8; 28.46; 29.3; 34.11; N m 9.10; SI 135.9; Jr 32.20,21). Em outros lugares, a Bíblia descreve com o “maravilhas” (heb. mopheth) os m esm os eventos que são, em outras partes, cham ados de “sinais” (Êx 4.21; 11.9,10; SI 78.43; 105.27; J1 2.30). Obviamente, às vezes, a palavra sinal é utilizada para descrever u m a “m aravilha” natural, com o o próprio profeta (Ez 24.24), ou algo singular que u m profeta ten h a realizado para fazer co m que sua m ensagem fosse ouvida (Is 20.3). Mas m esm o aqui a palavra maravilha tem u m significado especial e sobrenatural (divino).
O Uso Veterotestamentário da Palavra Poder U m a das palavras hebraicas para se referir a “poder” ( koak) é, às vezes, utilizada para o poder hum ano, no Antigo Testamento (Gn 31.6; D t 8.17; Na 2.1). Entretanto, é com u m ver esta palavra associada ao poder de Deus, às vezes ao seu poder criador: “Ele fez a terra pelo seu poder; ele estabeleceu o m undo por sua sabedoria e co m a sua inteligência estendeu os céus” (Jr 10.12; cf. Jr 27.5; 32.17; 51.15). Em outros lugares, o “poder” de Deus expulsa os seus inimigos (Êx 15.6,7), liberta o seu povo do Egito (N m 14.17; cf. v. 13), rege o universo (1 C r 29.12), entrega ao povo de Israel a sua terra (SI 111.6), e inspira os seus profetas a proferirem as suas Palavras (M q 3.8). O “poder” norm alm ente está diretamente ligado aos eventos chamados “sinais” ou “maravilhas”, ou a ambos (veja Êx 9.16; 32.11; D t 4.37; 2 Rs 17.36; N m 1.10). As vezes, outras palavras hebraicas para “poder” são utilizadas no m esm o versículo juntam ente com “sinais e milagres”; Moisés fala da libertação do povo de Israel “com sinais, e com milagres [...] e co m m ão forte” (D t 4.34; cf. Dt 7.19; 26.8; 34.12).
O USO NEOTESTAMNTÁRIO DAS PALAVRAS SIN AL, M A R A V ILH A E PODER A utilização destas três palavras básicas que se referem a milagres no Novo Testam ento segue o m esm o paralelo que encontram os no Antigo Testam ento.
O Uso Neotestamentário da Palavra Sinal No N ovo Testam ento, a palavra “sinal” (gr. semeiem) é utilizada setenta e sete vezes (sendo quarenta e oito delas nos Evangelhos). Ela, ocasionalm ente, se refere a eventos corriqueiros, tais com o a circuncisão (R m 4.11), ou u m bebê envolto em panos (Lc 2.12). Aqui, novam ente, estes sinais têm u m significado divino especial, mas a palavra é mais freqüentem ente reservada para o que cham am os de milagre. Muitas vezes, ela se refere aos milagres de Jesus, tais co m o u m a cu ra (Jo 6.2; 9.16), a transform ação de água em vinho (Jo 2.11), e a ressurreição de u m m o rto (Jo 11.43,44). Da m esm a form a, os apóstolos realizaram milagres de cu ra (A t 4.16,30), “sinais e as grandes m aravilhas” (A t 8.13), e “sinais e prodígios” (A t 14.3; 15.12); “muitas maravilhas e sinais se faziam pelos apóstolos” (A t 2.43). Até m esm o as autoridades judaicas diziam; “Que havemos de fazer a estes homens? Porque a todos os que habitam em Jerusalém é manifesto que por eles foi feito u m sinal notório, e não o podem os negar” (A t 4.16). A palavra “sinal” é tam bém utilizada para se referir ao milagre mais significativo do Novo Testam ento, a ressurreição de Jesus Cristo. A ressurreição não foi som ente um milagre, mas tam bém u m milagre predito por Jesus (Jo 2.19; M t 12.40; 16.21; 20.19). Jesus
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disse à geração incrédula que o ouvia: “U m a geração m á e adúltera pede u m sinal, p orém não se lhe dará ou tro sinal, senão o do profeta Jonas, pois, co m o Jonas esteve três dias e três noites no ventre da baleia, assim estará o Filho do H om em três dias e três noites no seio da terra” (M t 12.39,40). As pessoas tam bém pediram u m sinal para Jesus em Mateus 16, e naquela ocasião Ele simplesmente repetiu a certeza que tinha de sua ressurreição. O U so N e o te s ta m e n tá rio da P alav ra Maravilha A palavra “m aravilha” (gr. feras) é utilizada dezesseis vezes no Novo Testam ento e quase sem pre se refere a milagres. De fato, em cada u m a das ocorrências, ela é utilizada em com binação co m a palavra sinal. Ela se refere a eventos sobrenaturais que antecederão a segunda vinda de Cristo (M t 24.24; M c 13.22; A t 2.19), aos milagres de Jesus (Jo 4.48; At 2.22), aos milagres dos apóstolos (A t 2.43; cf. A t 4.30; 5.12; Hb 2.3,4), aos milagres de Estevão (A t 6.8), aos milagres de Moisés no Egito (A t 7.36), e aos milagres de Paulo (At 14.3; 15.12; R m 15.19). Teras significa “u m sinal m iraculoso, u m prodígio, u m portento, u m presságio, u m a m aravilha” (Brow n, D N T H , 2:633). Esta palavra traz consigo a idéia de algo que é trem endo e estonteante (ibid., 623-25). O U so N e o te s ta m e n tá rio da P alav ra Poder A palavra “poder” (gr. dunamis) é utilizada em várias ocasiões no Novo Testamento. Ela é ocasionalmente utilizada para se referir ao poder (2 Co 1.8) ou à habilidade hum ana (M t 25.15), e às vezes é utilizada para se referir aos poderes espirituais (satânicos) (Lc 10.19; Rm 8.38). A exemplo do seu correspondente no Antigo Testamento, o term o neotestam entário para “poder” é norm alm ente traduzido com o “milagre”. Dunamis é utilizada em combinação com “sinais e maravilhas” (Hb 2.4), para se referir aos milagres de Cristo (M t 13.58), ao poder da ressurreição dos m ortos (Fp 3.10), ao nascimento virginal de Cristo (Lc 1.35), aos dons especiais de milagres (1 Co 12.10), ao derram am ento do Espírito Santo no Pentecostes (At 1.8), e ao “poder” do evangelho para salvar os pecadores (R m 1.16). A ênfase da palavra está no aspecto de energização divina que envolve u m evento miraculoso. A N A T U R E Z A T E O L Ó G IC A D E U M M ILA G RE Cada um a destas três palavras que se referem a eventos sobrenaturais (sinal, maravilha e poder) delineia um aspecto do milagre. U m milagre é um evento incom um (maravilha) que transmite e confirma um a mensagem incom um (sinal) por intermédio de um a habilidade incom um (poder). Do ponto de vista divino privilegiado, o milagre é um ato de Deus (poder) que atrai a atenção do povo de Deus (maravilha) para a Palavra de Deus (por meio de um sinal). Estas palavras designam, respectivamente, a “fonte” (o poder de Deus), a “natureza” (maravilhosa, incom um ) e o “propósito” (sinal-izar algo que vai além do fato em si) de um milagre. Eles são norm alm ente utilizados com o sinais para confirmar u m sermão; com o maravilhas para verificar as palavras de u m profeta; com o milagre para ajudar a estabelecer a sua mensagem (Jo 3.2; At 2.22; Hb 2.3,4). Um milagre, portanto, é uma intervenção divina, ou uma interrupção, no curso regular do mundo que produz um evento com um objetivo definido, o qual, apesar de incomum, não ocorreria (ou não poderia ocorrer) de outra forma. Nessa definição, as leis naturais são compreendidas co m o sendo a form a norm al,
regular e geral pela qual o m undo funciona. Entretanto, o milagre o corre com o u m ato in com u m , não-padronizado e específico de u m Deus que transcende o universo.
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Isto não significa que os milagres são contrários às leis naturais; significa simplesmente que eles são originados em u m a fonte que está além da natureza. Em outras palavras, os milagres não violam as leis naturais da “causa e efeito”, eles simplesmente tem um a causa que transcende a natureza.
O PROPÓSITO DOS MILAGRES A Bíblia inform a pelo m enos três propósitos p ara u m milagre: (1) glorificar a natureza de Deus (Jo 2.11; 11.40); (2) confirmar as credenciais de certas pessoas na posição de porta-vozes de Deus (At 2.22; Hb 2.3,4); e (3) propiciar evidências para que haja fé em Deus (Jo 6.2,14; 20.30,31). Obviamente, n em todas as pessoas acreditam que u m evento assim seja u m ato de Deus, m esm o tendo testem unhado u m milagre. Mas neste evento, de acordo co m o N ovo Testam ento, o milagre é u m a testem u nh a con tra elas. João se lam entou pelo povo: “E, ainda que tivesse feito tantos sinais diante deles, não criam nele” (Jo 12.37). O próprio Jesus falou nestes term os ao se referir a algumas pessoas: “Se não ouvem a Moisés e aos Profetas, tam pou co acreditarão, ainda que algum dos m ortos ressuscite” (Lc 16.31). P ortanto, neste sentido, o resultado (e não o propósito) da descrença em milagres se constitui em condenação para o incrédulo (cf. Jo 12.31,37).
AS VÁRIAS DIMENSÕES DOS MILAGRES Os Milagres Têm um Caráter Incomum Primeiro, os milagres apresentam u m caráter incomum. U m milagre é u m evento forad o-com u m que contrasta co m u m m odelo regular de eventos que ocorre no m undo natural. Ele é u m a “m aravilha” que atrai a atenção pelo seu caráter único. Fogo que desce do céu, andar sobre as águas e u m arbusto ardente que não se consum e não são ocorrências norm ais. Assim, o milagre, em função do seu caráter in com u m , atrai o interesse dos observadores.
Os Milagres Têm um Contexto Teológico Segundo, os eventos sobrenaturais têm u m contexto teológico. U m milagre é u m ato de Deus (gr. theos); p ortan to, ele pressupõe a existência de u m Deus que age. A visão que aceita a existência de u m Deus criador do universo, o qual transcende, con trola e interfere neste universo, é cham ada de Teísmo. Os milagres, p ortan to, im plicam u m a visão teísta do universo.
Os Milagres Têm uma Dimensão Moral Terceiro, os milagres apresentam u m a dimensão moral. Eles levam glória a Deus; isto é, manifestam o seu caráter m oral. Eles são atos visíveis que refletem a natureza invisível de Deus. Tecnicam ente, não existem milagres malignos, pois Deus é bom . Todos os milagres, por natureza, visam produzir e/ou p rom over o bem.
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Os M ilagres T êm u m C o n te ú d o D o u trin á rio Quarto, os m ilagres apresentam u m conteúdo doutrinário. Os m ilagres da Bíblia estão
iire ta ou indiretam ente ligados às “reivindicações de verdade”, e isto significa que existe Mma m ensagem a ser passada pelo m ilagre. Eles são m aneiras de distinguir u m profeta verdadeiro de u m falso (D t 18.22); eles con firm am a verdade de Deus por interm édio de u m de seus servos (Hb 2.3,4). U m m ilagre é o sinal que con firm a a pregação; u m a nova revelação e a confirm ação divina cam inham de m ãos dadas (cf. Jo 3.2). 0 M ilagres T êm u m A s p e c to T e le o ló g ic o Finalmente, o s m ilagres da Bíblia apresentam u m aspecto teleológico. Ao contrário da
magia, eles jam ais são realizados para divertir as pessoas (v eja Lc 23.8). Eles têm um propósito distinto: glorificar o Criador e servir co m o evidência para que as pessoas creiam , conferindo credenciais à m ensagem de D eus através do profeta de Deus. Estas cinco facetas fo rm am o con texto teísta no qual identificam os u m milagre. Existem duas m aneiras básicas para saber se os m ilagres são possíveis: (1) mostrar que um Deus sobrenatural existe (o que já foi feito no capítulo 2); (2) responder às objeções levantadas contra a possibilidade e/ou plausibilidade dos milagres. O TEÍSM O T O R N A POSSÍVEIS OS M ILA G RES C. S. Lewis, acertadam ente, escreveu: Se admitimos a existência de Deus, não devemos também admitir a existência de milagres? Na verdade, na verdade, ninguém está totalmente seguro contra eles. Aí está a proposta [...] A teologia diz para você, objetivamente: “Admita a existência de Deus e com Ele o risco de aceitar alguns milagres também, e, em troca disso, ratificarei a sua fé em uniformidade, com relação à maioria esmagadora dos eventos” (Lewis, M, 109). Os milagres, no sentido mais rígido da palavra, são possíveis som ente em um m undo reísta, pois n e n h u m a o u tra cosm ovisão adm ite haver u m poder infinito, sobrenatural e ressoai que transcende o m u nd o n atu ral, à exceção do D eísm o, que, p o r sua vez, nega a :apacidade (ou a possibilidade) de D eus realizar milagres. P ortanto, além de proporcionar 1 estru tu ra capaz de acom od ar a idéia dos m ilagres, o Teísm o se apresenta com o a única : : smovisão capaz de fazer isto. Além disso, o Teísm o dem onstra que o m iracu loso é real, pois afirm a a Criação do universo (veja capítulo 2), que foi o m aior de todos os eventos sobrenaturais. Alguns deístas podem adm itir que os m ilagres são possíveis, mas não reais. Contudo, inconscientem ente, acabam por cair em contradição, já que adm item que o m aior de todos os m ilagres — a Criação —, n a realidade, já ocorreu . Se o Teísm o é verdadeiro, os milagres não som ente são possíveis, mas tam bém o m aior de todos, na verdade, já ocorreu . A ún ica pergunta que nos resta é se outros m ilagres já : correram e com o podem os identificá-los. E m sum a, a Filosofia pode dem onstrar que os milagres são possíveis (proporcionando evidências a respeito da existência de u m Criador do universo), mas som en te a História pode d em onstrar que m ilagres subseqüentes
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realm ente aconteceram . C ontudo, se os milagres realmente acontecem , então eles podem acontecer; o real prova o que é possível (e não o contrário).
RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES CONTRA OS MILAGRES Poucos fo ram os filósofos que te n ta ra m d e m o n stra r a impossibilidade dos m ilagres. O panteísta B en to Spinoza, o agn óstico David H u m e, e o ateísta A ntony Flew são notáveis exceções.
O Argumento de Spinoza a favor da Impossibilidade dos Milagres Bento (Baruch) Spinoza (1632-1677) argumentava a partir de um a visão fechada do universo, a qual para nós parece u m tanto antiquada. Ele insistia em um a lei natural universal e sem exceções, e a partir desta concepção, chegou à conclusão de que os milagres não são possíveis. Uma Exposição do Argumento de Spinoza Spinoza declarou que “nada [...] ocorre na natureza em contravenção às suas leis naturais, não, tudo concorda com elas e segue o seu curso a partir delas, pois [...] ela guarda uma ordem fixa e imutável”. Ele insistia que “um milagre, fosse ele em contravenção, ou além da natureza, não passa de um absurdo”. Ele era bastante dogmático a respeito da impossibilidade da ocorrência de milagres, proclamando de forma aberta: “Podemos, então, estar absolutamente seguros de que cada evento que é verdadeiramente descrito na Bíblia necessariamente aconteceu, como tudo o mais, de acordo com as leis naturais” (Spinoza, T-PT, 83,87,92). Quando fazemos a redução do argumento de Spinoza contra os milagres até suas premissas básicas, chegamos a uma construção nestas linhas: (1) Os milagres são violações das leis naturais. (2) As leis naturais são imutáveis. (3) E impossível violarmos leis imutáveis. (4) Portanto, os milagres são impossíveis. A segunda premissa é a chave para o seu argum ento: A natureza "guarda u m a ordem fixa e imutável”. Tudo “necessariam ente aconteceu [...] de acordo co m as leis naturais”. Se fosse verdade que nada n a natureza o corre em contravenção às suas leis universais, então Spinoza estaria co rreto ; crer de m aneira diferente não passaria de “u m m ero absurdo”. A fim de apreciarmos o sentido das palavras de Spinoza, precisamos ter em mente que ele foi um racionalista que tentou construir a sua filosofia sobre o modelo geométrico de Euclides (Spinoza, E, Parte U m ); ou seja, ele acreditava que deveríamos aceitar com o verdadeiro somente o que é auto-evidente ou o que é dedutível a partir do que é auto-evidente. A exemplo do seu contemporâneo francês René Descartes, Spinoza argumentava de maneira geométrica a partir de axiomas em direção às conclusões contidas nestes axiomas1. Spinoza viveu em um a época crescentemente impressionada com a ordenação do universo físico, um a era em que se cria que a lei da gravitação, recentemente descoberta por Newton, não tinha exceções. Por isso, parecia axiomático para Spinoza crer que as leis da natureza eram inalteráveis.
1 Para Spinoza, um axioma é um princípio, um a proposição ou m áxim a auto-evidente a partir da qual outras verdades podem ser deduzidas. Conseqüentem ente, todas as verdades devem ser auto-evidentes ou dedutíveis a partir disso.
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í ”uz Resposta ao Argumento de Spinoza Há vários problem as sérios n a antipatia que Spinoza n u tria pelo sobrenatural, todos nascidos do seu racionalism o (dedutivo) euclidiano. Primeiro, a filosofia de Sp in oza está aco m etid a de u m agudo petitio prinápii (la t. “m en d igar a p e rg u n ta ”)2, pois, c o m o David H u m e m ais tard e p erceb eu , qualqu er coisa que pode ser deduzida de fo rm a válida das prem issas p recisa estar p resen te naq u elas prem issas desde o in ício . M as, se o a n ti-so b re n a tu ra lism o já está p re ssu p o sto nas prem issas racion alístas de Spin oza, n ão é de su rp re en d e r que ele n e g u e todos os m ilagres, inclu sive os m e n cio n a d o s n a Bíblia. E m o u tras palavras, u m a vez que d efinim os as leis n a tu ra is c o m o “fixas” , “im u tá v eis” e “in a lte rá v eis” , te m o s que, o b v iam en te, será irra c io n a l a firm ar a o c o rrê n c ia de m ilagres. C o m o algo p od eria p e n e tra r no im p en etrável? A lém disso, o conceito da lei n atu ral de Spinoza encara a natu reza co m o u m “sistem a fechad o”, e, conseqüentem en te, a lei descreve a fo rm a com o as coisas precisam operar. Para a m aioria dos cientistas da nossa época, en tretan to , o universo é u m “sistem a ab erto” em que as leis naturais são m eram en te médias estatísticas ou probabilidades a respeito da m aneira co m o as coisas funcionam . Se é assim, sem pre haverá, a partir da perspectiva científica, a possibilidade de que possam haver exceções a estes padrões “n orm ais”. Deste m odo, u m evento m iracu loso som en te seria visto com o u m a anom alia, e não com o u m a violação da lei n atu ral. C onseqüentem ente, no debate científico contem p orâneo, os m ilagres não estão descartados, co m o estavam para Spinoza, por serem , por definição, impossíveis. Além do mais, a visão que Spinoza tin h a de Deus era panteísta — ele acreditava que Deus e o universo eram um a coisa só ao m esm o tem po. Ele considerava que D eus era co-lim itado com a natu reza; p o rtan to , u m m ilagre com o u m ato de u m Deus que transcende esta natu reza não poderia ocorrer, já que a natu reza é o palco m aior. (C o m o já notam os, os m ilagres, co m o intervenções sobrenaturais, som en te são possíveis em u m universo teísta. P ortan to, os cientistas desejarão boas razões para acreditar que um Deus teísta existe antes de se inclinarem a acreditar que haja qualquer tipo de evidência a favor de milagres. No seu conceito m onisticam ente h erm ético da natu reza [com o sendo absolutam ente um a coisa só], p o rtan to , sim plesm ente não há espaço para o s obrenatural.) Por fim , as evidências se a cu m u la m a favor de que o u n iv erso de esp a ço -te m p o te n h a tido u m ú n ico c o m e ç o (v e ja ca p ítu lo 2). Se fo r este o caso, te m o s que o in ício do u n iv erso seria u m exe m p lo su p rem o de m ila g re, pois qual o u tro n o m e pod eríam os dar p ara o su rg im e n to da m a té ria a p a rtir do nada? A d icio n a lm en te, se co n clu irm o s que o u n iv erso teve u m in ício , estarem o s d esferind o u m g olp e fatal sobre o co n c e ito que Sp in oza fazia de D eu s, co lo ca n d o em x eq u e a visão n a tu ra lista ;u e nega a existên cia de u m D eu s tra n sce n d e n te a este m u n d o físico. P o rta n to , vez de lev an tar o b je çõ e s c o n tra os m ilag res, a ciên cia pode estar re to rn a n d o m e sm o de m a n e ira re lu ta n te ) ao so b re n a tu ra l. E m q u alq u er e v en to , o a rg u m e n to i e Spinoza, de fo rm a alg u m a, con seg u e d em o n stra r a im possibilidad e de even tos m ira cu lo so s; em vez disso, d em o n stra a circu larid ad e da c o n s tru çã o m e n ta l dos ;eu s argu m en tos.
'mendigar a pergunta” ocorre quando um argumento presume o que se quer provar.
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O Argumento de Hume a favor da Impossibilidade de Crer em Milagres Na parte X do seu famoso livro Enquiry Conceming Human Understanding (Investigação Sobre o Entendimento Humano), David Hume (1711-1776) apresenta o seu argumento nas seguintes palavras: “Ouso dizer que descobri u m argumento [...] que, se justo, servirá, entre os sábios e estudados, com o um a verificação perene para todos os tipos de enganos supersticiosos, e, conseqüentemente, será útil pelo tem po que o mundo existir” (Hume, ECHU, 10.1.18). Uma Exposição do Argumento de Hume Mas do que se trata este argum ento derradeiro co n tra os milagres? Nas palavras do próprio H um e, a argum entação segue estas linhas: (1) “Um homem sábio [...] coloca a sua fé em evidências. (2) “Se suas conclusões são fundamentadas em uma experiência infalível, ele espera este evento com o último [isto é, o mais alto] grau de certeza e considera a sua experiência anterior como uma prova plena da ocorrência futura daquele evento. (3) “À medida que as evidências vierem de testemunhas e que o testemunho humano estiver fundamentado na experiência passada, isso variará com a experiência e será considerado ou como prova ou como probabilidade, de acordo com a conjunção entre algum tipo particular de informação e algum tipo de objeto que tenha sido observado como constante ou variável (ibid, 10.1.18-20). (4) “Existe uma variedade de circunstâncias a ser levada em consideração em todos os juízos desta espécie; e o padrão final pelo qual resolvemos todas as disputas que possam surgir a respeito delas sempre derivará da experiência e da observação. (5) “Onde esta experiência não é inteiramente uniforme em qualquer um dos seus lados, ela deve ser observada com uma contrariedade inevitável em nossos juízos e com a mesma oposição e destruição mútua de argumentos, como com qualquer outro tipo de evidência. (6) “Mantemos sob suspeita qualquer tipo de assunto ou fato quando as suas testemunhas contradizem umas às outras, quando são poucas ou apresentam caráter duvidoso, quando estão contaminadas pelo interesse da parte de quem faz a afirmação, quando apresentam o seu testemunho com hesitação ou [...] com asserções demasiadamente violentas. (7) “Entretanto, quando o fato atestado é de tal natureza que não resiste às nossas observações, estamos numa disputa entre duas experiências opostas; delas, uma destrói a outra na medida da força que cada uma possui, e a proposição superior somente é capaz de operar na mente pela força que resta. (8) “Um milagre é uma violação das leis da natureza; e [...] experiências firmes e inalteráveis estabeleceram estas leis [...] (9) “[Portanto,] a prova contra um milagre, a partir da própria natureza do fato, é tão completa quanto se poderia imaginar que um argumento a partir da experimentação poderia ser. (10) “[E como] a experimentação uniforme é construída sobre provas, estamos aqui diante de uma prova cabal, a partir da natureza do fato, contra a existência de qualquer milagre alegado” (ibid, 10.1.121-123). C om o vimos, utilizando as suas próprias palavras, o argum ento de H um e pode ser resum ido da seguinte m aneira:
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(1) “Um milagre é uma violação das leis da natureza; e experiências firmes e inalteráveis estabeleceram estas leis. (2) “Um homem sábio [...] coloca a sua fé em evidências. (3) “[Portanto,] a prova contra um milagre é tão completa quanto se poderia imaginar que um argumento a partir da experimentação poderia ser”. H u m e c o n c lu i: “P o r t a n t o , é p r e c is o h a v e r e x p e r im e n t a ç ã o u n i f o r m e c o n t r a to d o t ip o d e e v e n to m ir a c u l o s o . D e o u t r a f o r m a , e s te e v e n to n ã o s e r á d ig n o d e r e c e b e r ta l a lc u n h a . [ C o n s e q ü e n te m e n t e ,] n a d a s e r á tid o c o m o m ila g r e se já t iv e r sid o o b s e r v a d o n o c u r s o n o r m a l d a n a t u r e z a ” (ib id .).
As Duas Interpretações do Argumento de Hume O a r g u m e n t o d e H u m e c o n t r a os m ila g r e s p o d e s e r c o m p r e e n d id o d e d u as m a n e ir a s : u m a m a n e i r a ríg id a e o u t r a fle x ív e l. D e a c o r d o c o m a interpretação rígida, H u m e e s ta r ia a le g a n d o q u e
(1) Os milagres, por definição, constituem uma violação da lei natural. (2) As leis naturais são inalteravelmente uniformes. (3) Portanto, os milagres não podem ocorrer. E n t r e t a n t o , a p e s a r d e o s se u s a r g u m e n to s às v e z e s n o s p a s s a r e m e s ta im p r e s s ã o , is t o n ã o é, n e c e s s a r ia m e n te , o q u e e le t i n h a e m m e n t e . S e e s te é o s e u a r g u m e n to , e le c la r a m e n t e n o s f o r ç a a u m a c o n c lu s ã o a o t a c h a r p r e v ia m e n t e o s m ila g r e s c o m o im p o s s ív e is , p o is , se o m ila g r e é u m a v io la ç ã o d a q u ilo q u e n ã o p o d e s e r a lte r a d o , e n tã o e le é por si só im p o s s ív e l — im p o s s ív e l p e lo s p r ó p r io s fa to s , c o m o r e s u lt a d o d a s u a p r ó p r ia n a t u r e z a . M a s u m a p e s s o a c o m a ó t i c a s o b r e n a t u r a l p o d e r ia f a c i lm e n t e c o n t o r n a r e s te d ile m a a o se r e c u s a r a d e fin ir o m ila g r e c o m o u m a “v io la ç ã o ” d e leis fix a s e s im p le s m e n t e c h a m á - l o d e “e x c e ç ã o ” a e s ta r e g r a g e r a l. O u s e ja , e le p o d e r ia d e fin ir a le i n a t u r a l c o m o s e n d o o p a d r ã o r e g u la r ( n o r m a l ) d o s e v e n to s , m a s n ã o u m p a d r ã o u n iv e r s a l o u in a lt e r á v e l. N a v e rd a d e , a p o s iç ã o d e H u m e c o n t é m u m a r g u m e n t o q u e é m u i t o m a is d ifíc il d e se r r e s p o n d id o : o a r g u m e n t o q u e se v a le d e u m a interpretação flexível d a le i n a t u r a l . N ã o se t r a t a d e u m a r g u m e n t o q u e a p r e g o a a im p o s s ib ilid a d e d o s m ila g r e s , m a s q u e a d v o g a a
"tpossibilidade d e a c r e d ita r n e le s , o q u e p o d e s e r e x p o s t o d a s e g u in te m a n e ir a : (1) Um milagre é, por definição, uma ocorrência rara. (2) A lei natural é, por definição, a descrição das ocorrências normais. (3) As evidências a favor das ocorrências normais são sempre maiores do que aquelas a favor das ocorrências raras. (4) Um homem sábio sempre baseia a sua crença nas evidências maiores. (5) Portanto, um homem sábio jamais deveria acreditar em milagres. O b s e rv e q u e n e s t a f o r m u l a ç ã o m a is fle x ív e l d o a r g u m e n t o d e H u m e os m ila g r e s n ã o e s tã o c o m p l e t a m e n t e e x c lu íd o s ; e le s s im p le s m e n t e sã o c o n s id e r a d o s in d ig n o s d e c re d u lid a d e p e la s im p le s n a t u r e z a d as su as e v id ê n c ia s . A p e s s o a sá b ia n ã o a le g a q u e os m ila g r e s n ã o p o s s a m o c o r r e r ; e la s im p le s m e n t e ja m a is a c r e d ita q u e e le s o c o r r a m , p o r
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n unca conseguir reunir evidências suficientes para apoiar esta crença. U m indicativo de que H um e estava colocando a sua ênfase na credibilidade e não na viabilidade (ou possibilidade) pode ser encontrado no uso que ele faz de expressões com o “cren ça”, “estima-se que” etc. Entretanto, m esm o nesta interpretação flexível do seu argum ento, os milagres p erm an ecem fora de questão, já que pela própria n atu reza da questão n enh u m a pessoa sensata deveria, em hipótese algum a, considerar que u m m ilagre tenha algum a vez ocorrido. E, se for assim, H um e tanto evitou u m a aparente falácia lógica quanto eliminou de form a exitosa a possibilidade da crença racional nos milagres. Uma Avaliação do Argumento de Hume C om o a form a rígida do argum ento de H um e pode ser facilmente respondida pela redefinição dos term os, nos concentrarem os, prim eiram ente, na sua form a flexível. Primeiro, um a palavra de avaliação a respeito da reivindicação que Hume faz da “experimentação uniforme”. Por um lado, vemos que a pressuposição antecipada que Hume faz de que a experimentação é uniforme, antes de analisar as evidências, representa um a forma de vício de argumentação, pois, com o se pode saber se todas as experiências possíveis confirmarão a sua visão naturalista a menos que ele tenha acesso a todas as formas possíveis de experimentação, inclusive as que surgirão no futuro? Por outro lado, constituir-se-á um a alegação ímpar se, por “experimentação uniforme”, Hume simplesmente desejou expressar as experiências seletivas de algumas pessoas, a saber, aqueles que alegam não ter encontrado qualquer evidência a favor dos milagres, pois, afinal, existem outras pessoas que alegam ter experimentado milagres. C om o reconhece Stanley Jaki: “Na medida em que [Hume] era um filósofo sinestésico ou empirista, ele precisava conceder a m esm a credibilidade ao reconhecimento de qualquer fato, fosse ele com u m ou incom um ” (Jaki, MP, 23). Em últim a análise, p ortan to, o debate a respeito dos milagres não pode ser decidido co m base na “experim entação u niform e”, pois esta, ou se constitui u m vício prévio de argum entação, ou abre a p orta para a análise factual â respeito da existência real de evidências suficientes para crer na ocorrência dos milagres. C om o observou C. S. Lewis: Agora, obviamente precisamos concordar com Hume que se existir a alegada “experim entação uniform e” consistente contra os milagres, ou, em outras palavras, se estes jamais ocorreram , por que será, então, que eles jamais ocorreram? Infelizm ente, som ente saberemos que a experim entação contra eles é uniform e se tivermos a certeza de que todos os relatos a respeito deles são falsos. E som ente podemos saber se todos os relatos sobre milagres são falsos se tivermos a certeza de que os milagres jamais ocorreram . Na verdade, estamos andando em círculos (Lewis, M, 105). A alternativa para a argumentaçãofechada sobre a questão da existência dos milagres é abrir a possibilidade de que os milagres já tenham ocorrido. Segundo, H um e não considera verdadeiram ente as evidências dos milagres; ele, naverdade, acrescenta evidências contrárias a eles. Por exem plo, co m o a m o rte ocorre seguidas vezes, e com o a ressurreição o corre som ente em raras ocasiões (se é que o co rre), H um e simplesmente acum ula todas as m ortes co n tra as pouquíssimas ressurreições alegadas, para então rejeitar estas últimas. Nas suas palavras:
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Não se constitui em milagre o fato de um homem em aparente estado de boa saúde vir a óbito de forma súbita, porque este tipo de morte já foi observado com certa freqüência. Mas milagre é um homem morto retornar à vida; porque isto jamais foi observado em era alguma e em país algum. [Portanto,] é mais provável que todos os homens devam morrer (Hume, ECHU, 10.1.122). M a s H u m e n ã o e s tá considerando as e v id ê n c ia s a f a v o r d a r e s s u r r e iç ã o d e u m a p e s s o a e m e s p e c ífic o , a sa b e r, Je su s d e N a z a r é ( v e ja V o lu m e 3 ). L o g o , p e r g u n t a - s e : S o b r e qu ais
evidências se p o s t u l a q u e u m a r e s s u r r e iç ã o ja m a is t e n h a o c o r r id o ? E m v e z d e c o n s id e r a r a q u e s tã o , H u m e s im p le s m e n t e sobrepõe as e v id ê n c ia s de q u e to d a s as o u t r a s p e s so a s q u e m o r r e r a m n u n c a t o r n a r a m à v id a. E x is te u m o u t r o p r o b le m a c o m o c o n c e i t o q u e H u m e t e m d e a c u m u la r e v e n to s a fim d e d e t e r m i n a r a v e rd a d e . M e s m o q u e a lg u m a s p o u c a s r e s s u r r e iç õ e s tenham, d e f a to , o c o r r id o , d e a c o r d o c o m o s p r in c íp io s d e H u m e , n ã o se d e v e r ia a c r e d ita r n e la s , já q u e o n ú m e r o de m o r t e s e m m u i t o s u p e r a r á o d e r e s s u r r e iç õ e s . E n t r e t a n t o , a verdade não é determinada pelo voto da maioria. H u m e p a r e c e a p e la r a q u i p a r a u m tip o d e consensus gentium, q u e é u m a fa lá c ia ló g ic a i n f o r m a l q u e d e fe n d e q u e a lg u m a c o is a é v e rd a d e ir a p o r q u e a m a io r ia d as p e s so a s a c o n s id e r a c o m o ta l. E s t e a r g u m e n t o , n a v e r d a d e , i g u a l a e v i d ê n c i a c o m p r o b a b ilid a d e , p o is p r o p õ e q u e d e v e m o s s e m p r e a c r e d i t a r n o q u e é m a is p r o v á v e l , n o q u e é m e n o s a b s u r d o . D e s t e m o d o , e u ja m a i s d e v e r ia a c r e d i t a r q u e s e la n ç a s s e t r ê s d a d o s s o b r e a m e s a , p o d e r i a o b t e r t r ê s se is n a p r i m e i r a t e n t a t i v a , j á q u e a p o s s ib ilid a d e d e i n s u c e s s o é d e 1 p a r a 2 1 6 . O u , ja m a i s d e v e r ia a c r e d i t a r se r e c e b e s s e , d e p r i m e i r a m ã o , u m a c a r t a d a c h e ia e p e r f e i t a n u m j o g o d e b r íd e g e ( o q u e já a c o n t e c e u ) , já q u e a c h a n c e d e i s t o o c o r r e r é d e 1 .6 3 5 .0 1 3 .5 5 9 .6 0 0 p a r a 1. O q u e H u m e p a r e c e d e ix a r p a s s a r e m b r a n c o é q u e as p e s s o a s s á b ia s , n a v e r d a d e , b a s e ia m as s u a s c r e n ç a s e m fatos, n ã o e m probabilidades. A s v e z e s , a p r o b a b ilid a d e c o n t r á r i a a u m e v e n t o é m u i t o a l t a , m a s a e v i d ê n c i a a f a v o r d e ste e v e n to é m u ito b o a . P o r fim , o c o n c e i t o d e H u m e d e a c u m u la r e v id ê n c ia s t e n d e a e l i m i n a r q u a lq u e r e v id ê n c ia i n c o m u m o u q u a lq u e r e v e n to s in g u la r d o p a ss a d o , s e m s e q u e r m e n c i o n a r m o s o s m ila g r e s . R ic h a r d W h a t e le y s a tir iz o u a te s e d e H u m e n o s e u f a m o s o p a n fle t o in t itu la d o
Dúvidas Historical Doubts Concerning the Existence o f Napoleon Bonaparte ( H is tó r ic a s a R e s p e ito d a E x is tê n c ia d e N a p o le ã o B o n a p a r t e ) . C o m o as e x p lo r a ç õ e s d e N a p o le ã o f o r a m tã o fa n tá s tic a s , tã o e x t r a o r d in á r ia s , t ã o in u s ita d a s , n e n h u m se r in t e lig e n t e d e v e ria a c r e d ita r q u e e ste s e v e n to s , d e f a to , o c o r r e r a m . D e p o is d e r e c a p it u la r e m p o r m e n o r e s o s fe ito s im p r e s s io n a n te s e s e m p r e c e d e n te s d o líd e r f r a n c ê s , W h a t e le y e s c r e v e u :
Será que alguém acredita em tudo isso e mesmo assim se recusa a acreditar em um milagre? Ou, ao contrário, o que é isso senão um milagre? Não se trata de uma violação das leis da natureza? [...] [Se os céticos não negam a existência de Napoleão, eles] deveriam, pelo menos, reconhecer que não aplicam a esta questão o mesmo plano de argumentação que aplicam às outras (Whateley, HDCENB, 274, 290). Terceiro, o a r g u m e n t o d e H u m e p a r e c e p r o v a r c o is a s d e m a is ; e le p a r e c e d e m o n s t r a r q u e u m a p e s s o a n ã o d e v e r ia a c r e d ita r e m u m m ila g r e m e s m o q u e e le , d e f a to , a c o n te c e s s e ! O c o r r e q u e h á a lg o d e p a t e n t e m e n t e a b s u r d o e m a le g a r q u e u m e v e n to d e v e r ia se r d e s p re z a d o , m e s m o q u e se sa ib a q u e e le , n a v e rd a d e , o c o r r e u .
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Quarto, parece que H um e deseja que a pessoa "sábia” sem pre creia por antecipação na impossibilidade dos milagres. M esm o antes de exam inarm os as evidências de u m milagre, deveríamos vir pré-arm ados co m a “uniform idade” e o testem unho “inalterável” do passado con tra o fato a fim de descaracterizá-lo co m o milagre. Lembre-se da segunda premissa do argum ento de H um e: Se suas conclusões são fundamentadas em uma experiência infalível, ele espera este evento com o último [isto é, o mais alto] grau de certeza e considera a sua experiência anterior como uma prova plena da ocorrência futura daquele evento (Hume, ECHU, 10.1.118). Porém aqui, novamente, o preconceito uniformitariano de Hume se torna evidente. Somente é possível desconsiderar todas as reivindicações de milagre se enxergarmos o mundo com um a espécie de preconceito inabalável sustentado pelo que, supostamente, foi experimentado no passado. Existem duas objeções importantes a este tipo de argumentação. De u m lado, H um e é inconsistente co m a sua própria epistemologia3. O próprio H um e reconhecia a falácia deste tipo de argum entação quando defendia que, co m base nas uniform idade do passado, não podem os nem m esm o saber co m certeza se o sol realm ente nascerá am anhã cedo (H um e, THN , 14-16). Portanto, para H um e, negar milagres futuros com base na experiência passada é u m a inconsistência co m os seus próprios princípios e um a violação do seu próprio sistema ideológico. Por ou tro lado, se fosse verdadeiro que n en h u m a exceção presente pode anular leis que são baseadas na nossa experim entação uniform izada do passado, estaríamos n u m a situação onde seria impossível o progresso verdadeiro do nosso conhecim ento científico do m undo, pois as exceções estabelecidas ou repetíveis aos modelos passados são precisamente o que deflagra uma mudança na mentalidade científica. Quando u m a exceção a um a lei passada é estabelecida, aquela lei (L1) é revista, e se transform a em u m a nova lei (L2) que passa a substituir e/ou corrigir a anterior. Isto foi o que aconteceu quando certas exceções às leis gravitacionais de Newton foram descobertas no espaço sideral, e a relatividade de Einstein foi considerada mais abrangente e mais adequada. E m sum a, as objeções que Hume faz aos milagres parecem ser não-científicas. As exceções às leis apresentam u m valor heurístico (descoberta); elas são incentivos ao avanço da nossa com preensão do universo. Isto não significa necessariam ente que todas as exceções a um a regra conhecida exigem o estabelecimento de u m a nova lei n atural que as explique. C om o o entendim ento científico está baseado em eventos regulares e repetidos, é necessário que sejamos capazes de dem onstrar com o a exceção pode ser repetida antes que se possa reivindicar que ela tem u m a causa n atural em vez de u m a sobrenatural. Nenhuma exceção sequer a uma lei científica conhecida exigirá outra lei natural mais abrangente que a explique; somente as exceções repetíveis demandam causas naturais. U m a exceção não repetida pode ter u m a causa sobrenatural; n a verdade, se ela apresenta as m arcas distintivas de u m a intervenção inteligente que transcende o m undo n atu ral (veja capítulo 2), ela pode ser considerada co m o p ortad ora de u m a causa sobrenatural, e não u m a natural. Antes de encerrarm os este tópico, faz-se necessária ou tra observação. M esm o que u m a com preensão racional ou científica do m undo seja baseada n a observação de 3 Epistem ologia é o “estudo dos m étodos e bases do conhecim ento, especialm ente no que se refere aos seus lim ites e validade; em sentido am plo, é a teoria do con hecim ento” (Webster’s Third New International Dictionary).
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eventos regulares recorrentes, não podem os deduzir autom aticam en te que o assunto desta com preensão deve ser u m evento regular. Por exem plo, a nossa com preensão geral das pinturas n o teto da Capela Sistina está baseada n a experiência de ver outros pintores fazerem pinturas sem elhantes con tinu am en te. C ontudo, o ob jeto particu lar desta com preensão (a cena da C riação) no teto da C apela se constitu i em u m a singularidade não-repetível. Da m esm a form a, os cientistas do grupo SETI'1 aceitarão um a única m ensagem do espaço sideral via rádio telescópio com o indicação de que há seres inteligentes em outras partes do cosm os, som ente porque estes cientistas já observaram repetidam ente outros seres inteligentes produzirem mensagens similares. A base para crer que um evento tem uma causa sobrenatural é a observação de certos tipos de eventos sendo regularmente ligados a causas inteligentes e nãonaturais. M esm o assim, o objeto desta com preensão pode se tratar de u m a singularidade não-repetida — a saber, u m milagre. Afinal de contas, um arqueólogo som ente precisa descobrir u m pedaço de cerâm ica para saber que houve u m a causa inteligente para ele, m esm o que ele, sem dúvida, ten ha visto m uitos oleiros produzirem vasos de cerâm ica (ou peças similares) para saber que som ente seres inteligentes são capazes de fazer coisas do gênero. Para reforçar o tópico, a base da nossa compreensão de que um evento pode ter uma causa sobrenatural inteligente é a observação de eventos similares sendo produzidos regularmente por seres inteligentes dentro do nosso mundo natural. Entretanto, o objeto desta com preensão pode ser u m evento singular, tal com o a ressurreição de Cristo. Na verdade, com o havíamos sugerido anteriorm ente, se os cientistas, baseados nas suas ibservações da conjunções causais regulares no presente (com o argumentava o próprio Hume), pudessem concluir que o peso dos pontos de evidência cosm ológica a favor de um a r_ngularidade com o o Big Bang, há bilhões de anos atrás, no qual o universo de tempo-espaço explodiu, a partir do nada, então não som ente seriam possíveis os milagres, mas estaríamos diante do m aior de todos que já aconteceu. Resta-nos, portanto, som ente olhar para a história hum ana a fim de procurar outras singularidades semelhantes que ocorreram . O que muito se aprecia é o fato de que a própria base deste argum ento a favor da possibilidade (e até m esm o veracidade) dos milagres é o principio da “conjunção constante” postulado por David Hume : 'princípio da repetibilidade”)5. Portanto, em vez de eliminar os milagres, a própria m áxim a àe Hume se constitui, na verdade, na base para a identificação deles. A R e fo r m u la ç ã o d o A r g u m e n to d e H u m e c o n t r a o s M ilag res P ro p o s ta p o r A n to n y F lew \ ariações do argu m ento de H um e con tra os m ilagres continu am com alta reputação entre alguns dos filósofos con tem p orâneos mais respeitados. No seu artigo intitulado 'M iracles” (M ilagres), publicado pela Encyclopedia o f Phüosophy (Enciclopédia de Filosofia), Antony Flew argu m enta co n tra os m ilagres com base n a impossibilidade da sua rtre tiçã o . De acordo com o seu ponto de vista, o argu m ento de H um e, na verdade, deve ser construído da seguinte form a: 1) Tod o m ilag re é u m a violação de u m a lei da n atu reza. ( 2) A evidência co n tra qu alqu er v iolação da n atu rez a é a evidência m ais fo rte qu e se pode apresentar. ! - í-:r.joT Extra-Terrestrial Intelligence (Busca por Vida Inteligente Extraterrestre).
3 Este princípio advoga que a evidência
B * a : s eventos que se repetem diversas vezes da m esm a form a é sempre m aior do que para os que não se repetem.
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(3) Portanto, a evidência contra os milagres é a que prevalece (Edwards, EP, 346-53). Flew insiste que “H u m e estava, em p rim eiro lu g ar, p re o cu p a d o n ão c o m a questão do fato , m as co m a da evidência. O p ro b le m a e ra c o m o a o c o rrê n c ia de u m m ilag re p o d eria ser p ro v ad a, e n ão se tais ev en to s p o d eriam m e sm o te r o c o rr id o ” . M esm o assim , Flew acre sce n ta , “a nossa ú n ica base p a ra a c a ra c te riz a ç ã o de u m a o co rrê n cia relatad a c o m o sendo m ira cu lo s a é, ao m e sm o te m p o , a nossa razão su ficiente p ara d eclara r que ela é fisicam en te im p o ssível” . M as, p o d eríam o s p e rg u n ta r, p o r que as coisas são d esta m an eira? P orq ue “u m h isto ria d o r crítico , quando co n fro n tad o co m alg u m re la to m ira c u lo s o , n o rm a lm e n te o d e sca rta de fo rm a im ed iata” (ibid.). C om que base os historiadores críticos descartam os milagres? Flew responde: Para justificar o seu procedimento, ele terá que apelar exatamente para o princípio que Hume previamente propôs: a “impossibilidade total ou a natureza miraculosa” dos eventos atestados precisam, “aos olhos de todas as pessoas racionais [...] por si mesmas ser consideradas como refutação suficiente” (ibid.). Em sum a, m esm o que os milagres não sejam logicam ente impossíveis, eles são cientificamente impossíveis: Pois é só e precisamente pela suposição de que as leis vigentes nos nossos dias também estiveram vigentes no passado [...] que podemos interpretar racionalmente os detritos [ou fragmentos] do passado como evidências e a partir deles construir o nosso relato a respeito do que, na verdade, aconteceu (ibid.). C om relação à acusação de que esta abordagem de uniform ização da história é “irracionalm ente d ogm ática”, Flew responde co m o que é realm ente o cerne da sua amplificação do argum ento de H um e. Por u m lado, “co m o H um e insistiu do princípio ao fim, a possibilidade de milagres é u m a questão de evidência e não de dogm atism o”. Além disso, “a proposição que alega a ocorrência do milagre será singular, particular e no tem po p retérito”. Proposições desta espécie “não podem mais ser diretam ente testadas. E isto o que concede às proposições de prim eira ordem [isto é, as que são gerais e repetíveis] sua m aior força lógica” (ibid.). C o m isto em m ente, o argum ento de Flew pode agora ser construído desta form a: (1) Os milagres são, por sua natureza, particulares e não-repetíveis. (2) Os eventos naturais são, por sua natureza, gerais e repetíveis. (3) Agora, na prática, as evidências a favor do geral e repetível são sempre maiores do que aquelas a favor do particular e não-repetível. (4) Portanto, na prática, as evidências contra os milagres sempre serão maiores do que aquelas a favor deles. C o m estas afirm ações, fica claro que p ara Flew a generalidade e a repetibilidade (n o p resente) são as coisas que con ferem aos eventos naturais m aior valor de evidência do que os m ilagres. E co m o , obviam ente, no fu tu ro as coisas continuarão a ser desta form a, as evidências co n tra os m ilagres sem pre serão m aiores do que aquelas a favor.
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l ma Avaliação da Reformulação do Argumento de Hume contra os Milagres Proposta por Flew Existe u m a linha que un e os argum entos de Flew e de H um e: ambos são baseados no cue pode se cham ar de princípio da repetibilidade, que postula que a evidência a favor do que oco rre de fo rm a repetida é sem pre m aior do que a evidência para aquilo que não e facilm ente repetível. C o m o os milagres, por sua própria natu reza, se con stitu em em anomalias, a evidência con tra eles é ainda m aior. E n tretan to, com o há alguns traços distintos nas duas abordagens, separarem os a nossa avaliação da form u lação de Flew. Primeiro, assim co m o Flew, a m aior parte dos naturalistas da nossa época apresentam um a certa abertura para algum as singularidades não-repetíveis. M uitos astrônom os contem porâneos acreditam n a origem singular do universo a partir do Big Bang, e quase todos os cientistas acreditam que a origem da vida neste p lan eta é u m evento singular que jam ais voltou ase repetir aqui. Na verdade, todos os cientistas naturalistas acreditam que o surgim ento da vida a partir da não-vida é, p o r si só, u m a anom alia, que não está mais sendo repetida. E n tretan to , se o argu m ento de Flew co n tra os m ilagres estiver correto, então conclu ím os que tam bém é errado que os cientistas acreditem nestas singularidades que m u itos deles consideram eventos naturais. O u seja, o argum ento de Flew contrário ao sobrenaturalism o acabaria p o r elim inar alguns dos próprios pressupostos naturalistas. Segundo, a ótica de Flew está subordinada à sua própria visão critica dos teístas, ou sej a, considera que o seu p o n to de vista está acim a de qualquer crítica externa. Não im p orta a qualidade dos fatos contrários que possam ser apresentados (pode ser até m esm o um a ressurreição), Flew (até m esm o contrariando as alegações de H u m e) seria obrigado a acreditar que não se trata de u m m ilagre, pois ele argum entaria: Para as pessoas não-religiosas, a ausência de qualquer evento ou série de eventos concebíveis, cuja ocorrência seria admitida por pessoas que se consideram sofisticadamente religiosas, é tida como base suficiente para declarar a inexistência de qualquer tipo de divindade” (Flew, “TF”, in: NEPT, 98). Em sum a, a sua acusação é de que a crença das pessoas religiosas é, na verdade, impossível de ser contrariada. Mas, de m aneira sem elhante, poderíam os perguntar^ e (rem odelando as suas próprias palavras): “O que seria preciso acontecer, ou ter já ic jn te c id o , que serviria para refu tar [...] o seu anti-sobrenaturalism o? A resposta de Flew seria que n e n h u m evento neste m u nd o poderia fazer com que ele abdicasse do seu - itu ralism o, pois ele responderia que a evidência co n tra os m ilagres é sem pre m aior do que a evidência a favor deles. Tam bém não ajudaria se Flew alegasse que o seu anti-sobrenaturalism o poderia ser rerutado em princípio, m as jam ais na prática, co m base de que na prática a evidência sem pre será m aior para os eventos reproduzíveis. Ele certam en te teria que p erm itir ao :tis ta a alegação de que, em principio, a existência de D eus é refutável, mas que, na prática, ~ e n h u m evento pode contrariar a sua existência. O fato de Flew e outros não-teístas se ocu parem na tentativa de refu tar a existência de Deus argum entando a partir do :i t o da existência do m al no m u nd o revela o seu verdadeiro interesse; n a prática, o que realm ente lh e interessa é a falsificação das idéias. Parece-nos que não é possível coadunar as duas coisas. Se o n atu ralism o fo r irrefutável n a prática, a fé em Deus (ou nos m ilagres) tam bém pode ser igualm ente irrefutável na
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prática. Por ou tro lado, se o sobrenatural jamais pode ser com provado na prática, tem os que o naturalism o tam bém não pode. E sem pre possível ao teísta alegar que Deus é a causa últim a de cada evento n atu ral proposto. O teísta poderá insistir que todos os eventos “naturais” (isto é, aqueles que são n atu ralm ente repetíveis) são o m od o pelo qual Deus n orm alm en te opera e que os “m iraculosos” são o m odo pelo qual Ele opera em ocasiões especiais. Entretanto, sob o ponto de vista de Flew, na prática, não há m odo de refutar esta fé teísta. C om o já vimos, da m esm a form a com o Flew alega que o naturalism o é irrefutável na prática, tam bém o teísta poderia fazer a m esm a reivindicação para si, pois, não im portando quais eventos (reproduzíveis ou não) sejam apresentados no m undo natural, o teísta sem pre poderá alegar: “Deus é sem pre a causa últim a para isto”, e, co m base nos pressupostos de Flew, n en h u m naturalista poderia refutar esta afirmativa. Terceiro, a suposição de Flew de que o reproduzível sem p re supera o n ã o reproduzível co m o fo rm a de evidência está sujeita a sério q u estio n am en to . Se fosse assim, en tão, co m o m o stro u R ichard W h ateley (v eja co m en tário s feitos sobre N apoleão an terio rm en te neste te x to ), não se poderia acred itar n a historicidade de eventos fo ra do co m u m o co rrid o s no passado (n e n h u m dos quais pode ser ab solu tam en te rep rod u zid o ). N a verdade, se, na p rática, a repetibilidade for o verdadeiro teste p ara as evidências de p rim eira ord em , não se deveria acred itar que os n ascim en tos ou os falecim en tos que observam os o co rre m de verdade, pois tan to o n ascim en to quanto a m o rte de u m a pessoa são, am bos, eventos n ão-rep rod u zíveis na p rática. D a m esm a fo rm a, até m esm o a geologia h istó rica é n ão -rep ro d u zív el na p rática, assim co m o é a h istória do nosso p lan eta. Dessa fo rm a, se Flew estivesse co rre to , a ciência da geologia deveria ser elim inada. A verdade é que, co m o bem observou o professor Stanley Jaki, os cientistas não rejeitam as singularidades não-reproduzíveis no prim eiro m om ento: Para a sorte da ciência, os cientistas raramente desconsideram relatos a respeito de casos inusitados alegando coisas do tipo: “Este caso não pode ser diferente dos outros mil casos que já investigamos”. A resposta firme do jovem assistente: “Mas, senhor, e se este for o milésimo primeiro caso?” [...] é precisamente a réplica que deve ser dada no caso de fatos considerados suspeitos em função do seu caráter miraculoso (MP, 100). O bjetivam ente falando, p o rta n to , se o n a tu ra lista fo rça os seus arg u m en to s a p on to de elim inar a possibilidade dos m ilagres, ele, p o r im plicação, tam b ém está elim inando a base p ara a sua p ró p ria arg u m en tação . Se ele os qualifica de fo rm a a incluir todos os dados n atu rais e científicos que desejar, está reabrindo a p o rta p ara os m ilagres. Entretanto, o fato de u m evento ser in com u m não significa, necessariam ente, que ele seja sobrenatural, mas som ente que o milagre não pode ser descartado por ser in com u m . C onform e vimos acim a, para que u m evento seja qualificado co m o um ato sobrenatural de Deus, é preciso haver: (1) um Deus, conforme Ele é entendido dentro da estrutura teísta (veja capítulo 2); (2) alguns indicativos sobrenaturais da parte de Deus neste evento (tal como uma dimensão moral, teológica, ou teleológica). Não se pode identificar as impressões digitais de Deus em u m evento gerado por Deus, sem antes conhecerm os co m o são as suas digitais.
MILAGRES: O PRESSUPOSTO SOBRENATURAL
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O U T R A S O B JE Ç O E S AOS M ILA G RES SÃO IN FR U T ÍF E R A S O bviam ente, existem outras objeções aos m ilagres (veja Geisler, “M , AA”, in: BECA). E ntretanto , n e n h u m a delas é efetiva n a sua tentativa de elim inar a possibilidade dos m ilagres. Na verdade, a ún ica m aneira de refu tar verdadeiram ente a possibilidade de um m ilagre seria refu tar a existência de D eus — algo que os anti-teístas já descobriram que é u m a árdua tarefa. Todo argu m ento proposto sem pre se baseia em premissas injustificadas, não-com provadas, ou autodestrutivas (v eja Geisler, “G, A D ”, in: BECA ). Mas se não se pode refu tar u m D eus teísta, então concluím os que os m ilagres são realm ente possíveis. Considere a lógica a seguir: (1 ) O T eísm o to rn a possível a existên cia dos m ilagres. (2) N ão se co n seg u iu pro var qu e o T eísm o é im possível (n a verdade, ficou d em o n strad o [no cap ítu lo 2] que o T eísm o rep resen ta u m p o sicio n a m en to co eren te). (3) P o rta n to , n ã o se co n seg u iu p ro v ar a im possibilidade dos m ilagres.
Sendo este o caso, o pressuposto sobrenatural da Teologia evangélica é sólido. FO N T ES A gostinho. City of. God. Brow n, C olin, ed. Dictionary o f New Testament Theology. Flew, A ntony. “M iracles”, in: Paul Edwards, ed., The Encydopedia o f Philosophy. ________ . “T heology and Falsification”, in: New Essays in Philosophical Theology. Geisler, N orm an. “God, alleged Disproofs o f”, in: Baker Encydopedia o f Christian Apologetics. ________ . Miracles and the Modem Mind. ________ . “M iracles, A rgum ents A gainst”, in: Baker Encydopedia o f Christian Apologetics. Geivett, Douglas, and Gary Haberm as. In Defense o f Miracles. G reenleaf, Sim on. The Testimony o f the Evangelists. H um e, David. An Enquiry Concerning Human Understanding. ________ . A Treatise o f Human Nature.
laki, Stanley. Miracles and Physics. Tastrow, R obert. God and the Astronomers. Lewis, C. S. Miracles. Spinoza, B en to (B aru ch ), Ethics. ________ . Theologico-Political Treatise and a Political Treatise.
>tokes, George. International Standard Bible Encydopedia. S ^in b u rn e , Richard. Miracles. -om ás de Aquino. Summa Contra Gentiles (Livro 3). ^Thateley, Ricahrd. Historical Doubts Concerning the Existence o f Napoleon Bonaparte.
C A P Í T U L O
Q U A T R O
A REVELAÇÃO: O PRESSUPOSTO REVELACIONAL
utro pressuposto fu n d am ental da Teologia evangélica é a revelação. Se D eus não se m o strou , co m o poderia ser conh ecid o por nós? Mas D eus escolh eu apresentar-se a nós, e a este ato de descobrir-se a si m esm o cham am os de revelação. De acordo co m a Teologia evangélica, Deus revelou-se a si m esm o de duas form as: a revelação geral (n a natu reza) e a revelação especial (nas Sagradas Escrituras). OS P R É -R E Q U IS IT O S PA RA A R EV ELA Ç Ã O D IV IN A A revelação divina não é possível sem que, pelo m enos, três elem entos fundam entais estejam firmados: (1 ) A existên cia de u m Se r capaz de passar u m a revelação; (2 ) A existên cia de u m ser capaz de receb er u m a revelação ; (3 ) A existên cia de u m m eio p o r in term éd io do qual esta rev elação possa ser tran sm itid a.
1. U m D eu s T eísta É C a p a z de T ra n s m itir su a R e v e la çã o C o m o existem boas razões para crerm os n a existência de u m Deus nos m oldes teístas veja capítulo 2), o prim eiro pressuposto para a revelação divina é u m a realidade. O Deus teísta é onisciente (sabe todas as coisas) e, p o rtan to , tem a verdade a revelar. A lém disso, Ele é onip oten te (é d eten tor de todo o poder) e, dessa fo rm a, tem a capacidade de criar m eios para revelar esta verdade (veja V olum e 2). 2. Os Seres H u m a n o s S ão C a p a z e s de R e c e b e r e sta R e v e la ç ã o De acord o co m a Bíblia, os seres h u m a n o s fo ra m criados à im ag em e sem elh a n ça de D eus (G n 1.27) e, p o rta n to , são p arecid os c o m Ele n o sen tid o de que são seres -icionais e morais (v e ja V olu m e 2 ). Seres assim tê m a capacidade de receb er u m a revelação racionai e moral da p a rte de D eu s. A T eo lo g ia ev an g élica afirm a que esta revelação pode ser e n co n tra d a ta n to n a n a tu re z a (R m 1.19,20) q u an to n a B íblia (2 T m 3.16,17). —vim os que e la pode ser e n co n tra d a n a n a tu re z a (n o ca p ítu lo 2), em fu n çã o do fato de p o d erm o s d escobrir p o r in te rm é d io da razão as verdades a respeito da existên cia - i a n a tu re z a de D eu s. A rev elação esp ecial que foi dada p o r D eus nas Sagradas escritu ras será d iscu tid a p o ste rio rm e n te (n a p a rte 2). S erá su ficien te, de m o m e n to ,
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d em o n strar que u m a revelação desta espécie en tre u m Deus infinito e u m h o m e m finito é, de fato, possível.
3. O Meio pelo qual a Revelação É Possível Para que u m a M ente infinita possa se com u n icar co m m entes finitas, é preciso que alguns quesitos sejam atendidos. Inicialmente, é preciso haver u m princípio racional co m u m a ambas as partes. C om o pode ser m ostrado que as leis básicas da razão estão baseadas na natureza de Deus (que é o Ser racional p o r excelência), elas são com uns tanto a Deus quanto às criaturas finitas (vej a capítulo 5). Assim, u m a condição necessária para a revelação divina já foi atendida. Além disso, já que tanto o sentido objetivo (veja capítulo 6) quanto a verdade objetiva (veja capítulo 7) são possíveis, temos atendida outra condição necessária. E o fato de haver um a analogia entre Deus e a criação (veja capítulo 9) m ostra que a comunicação entre um a Mente infinita e u m a finita é possível; fica também demonstrado que pode haver similaridade entre o entendimento de Deus e o dos humanos criados à sua imagem e semelhança. Sendo este o caso, todas as condições básicas necessárias para a revelação divina estão atendidas. A condição suficiente para a revelação divina, obviam ente, é a vontade de Deus. A Filosofia d em on stra que a revelação divina é possível; som en te a realidade m anifesta que ela é real. C om o a realidade da revelação especial de Deus através das Sagradas Escrituras será discutida p o sterio rm en te (n a p arte 2), con cen trarem o s a nossa atenção aqui na revelação geral e n a fo rm a co m o ela se relaciona co m a revelação especial.
A REVELAÇÃO GERAL DE DEUS A revelação geral diz respeito à revelação de Deus por interm édio da natureza, em oposição à sua revelação dada na Bíblia. Mais especificamente falando, a revelação geral é manifesta em várias áreas: por exem plo, n a n atu reza física, na n atureza hum ana, e na história. Em cada u m dos casos, Deus revelou algo específico a respeito de Si m esm o e do seu relacionam ento co m a criação. A revelação geral é parte integrante da Apologética cristã, já que se constitui nos dados a partir dos quais os teístas con stroem os seus argum entos a favor da existência de Deus (veja capítulo 2). Sem ela, não haveria base para a Apologética.
A Revelação de Deus na Natureza Física “Os céus manifestam a glória de Deus e o firm am ento anuncia a obra das suas m ãos”, declara o salmista (SI 19.1). “Os céus anunciam a sua justiça, e todos os povos vêem a sua glória” (SI 97.6). Jó tam bém acrescenta: Mas, pergunta agora às alimárias, e cada um a delas to ensinará; e às aves dos céus, e elas to farão saber; ou fala com a terra, e ela to ensinará; até os peixes do mar to contarão. Quem não entende por todas estas coisas que a mão do SENHOR fez isto? (Jó 12.7-9). Paulo pregou aos hom ens: [...] convertais [...] ao Deus vivo, que fez o céu, e a terra, e o mar, e tudo quanto há neles; o qual, nos tempos passados, deixou andar todos os povos em seus próprios caminhos; contudo,
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n ão se deixou a si m esm o sem testem u n h o, beneficiando-vos lá do céu, dando-vos chuvas e tem pos frutíferos, en chendo de m an tim en to e de alegria o vosso coração (A t 14.15-17).
Ele fez lem brar aos filósofos gregos: O D eu s qu e fez o m u n d o e tu d o qu e n e le há, sen d o S e n h o r do céu e da terra , n ão habita em te m p lo s feitos p o r m ãos de h o m en s. N em ta m p o u co é servido p o r m ãos de h o m en s, c o m o qu e n ecessitan d o de a lg u m a coisa; pois ele m esm o é q u em dá a tod os a vida, a respiração e todas as coisas (A t 17.24,25).
Paulo declara que até m esm o os pagãos p erm an ecem culpados diante de Deus: P orq u an to o qu e de D eu s se pode c o n h e c e r n eles se m an ifesta, p o rq u e D eu s lh o m a n ifesto u . P orq u e as suas coisas invisíveis, desde a criação do m u n d o , ta n to o seu e te rn o pod er c o m o a sua divindade, se en te n d e m e cla ra m e n te se v êem pelas coisas qu e estão criadas, p ara qu e eles fiq u em inescusáveis (R m 1.19,20).
D ian te disto, o sa lm ista co n clu i: “D isseram os n éscios n o seu co ra çã o : N ão h á D eu s” (SI 14.1). Deus se revela n a natu reza de duas form as básicas: co m o Criador e co m o Sustentador (veja V olum e 2). Ele é tan to a causa da origem quanto da operação do universo. O prim eiro term o se refere a D eus com o o originador de todas as coisas: “Porque nele foram criadas todas as coisas”, e “todas as coisas subsistem por ele” (C l 1.16,17). Deus “fez o m u n d o ”, e Ele tam b ém “sustenta todas as coisas pela palavra do seu poder” (cf. Hb 1.2,3); Ele “criou todas as coisas”, e por vontade dele todas as coisas “foram criadas” (Ap 4.11). Além de ser o originador, D eus é tam bém o sustentador de tudo. Ele não esteve ativo som ente n a origem do universo, mas tam bém continua ativo na sua continuidade presente. O salm ista se refere a esta segunda função divina quando declara, sobre Deus: “Tu que nos vales fazes rebentar nascentes que correm entre os m ontes [...] Ele faz crescer a erva para os animais e a verdura, para o serviço do h om em , para que tire da terra o alim ento” (104.10,14). A R e v e la çã o d e D eu s n a N a tu re z a H u m a n a D eus criou os seres hu m anos àsuaim agem e sem elh a n ça (G n 1.27); conseqüentem ente, podem os aprender algo sobre D eus ao estudarm os os seres hu m anos (cf. SI 8). E com o u m ser h u m an o é a expressão da im agem de Deus, é errado pôr term o à vida de u m deles (G n 9.6), e até m esm o am aldiçoar u m dos nossos sem elhantes (T g 3.9,10). U m a pessoa redimida é alguém que “se renova para o con h ecim en to, segundo a im agem daquele que [a] crio u ” (C l 3.10). Paulo afirm a que: [Deus fez isso p ara qu e os seres hu m an os] bu scassem ao S e n h o r, se, p o rv en tu ra , tatean d o , o p u d essem ach ar, ainda qu e n ão está lo n g e de cada u m de n ó s; p o rq u e n e le vivem os, e n os m o v e m o s, e existim o s, c o m o ta m b ém alg u n s dos vossos p o etas disseram : Pois so m o s ta m b é m sua g eração . Send o n ó s, pois, g eração de D eu s, n ão hav em o s de cuidar que a divindade seja sem elh a n te ao o u ro , ou à p rata, o u à p ed ra esculpid a p o r artifício e im ag in ação dos h o m e n s (A t 17.27-29).
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Ao olhar para a criatura, podem os aprender algo sobre o Criador (veja capítulo 9), pois “Aquele que fez o ouvido, não ouvirá? E o que form ou o olho, não verá? Aquele que argúi as nações, não castigará? E o que dá ao h o m em o conhecim ento, não saberá?” (SI 94.9,10). M esm o Cristo, quando esteve em form a hum ana, foi descrito co m o a "im agem ” do Deus invisível (Jo 1.14; Hb 1.3). Deus se manifesta não som ente na n atu reza intelectual dos seres hum anos, com o tam bém na sua natureza m oral (veja Volume 3). A lei m oral de Deus está escrita no coração dos seres hum anos: Porque, quando os gentios, que não têm lei, fazem naturalmente as coisas que são da lei, não tendo eles lei, para si mesmos são lei, os quais mostram a obra da lei escrita no seu coração, testificando juntamente a sua consciência e os seus pensamentos, quer acusando-os, quer defendendo-os (Rm 2.14,15). E co m o a responsabilidade m oral implica a capacidade de resposta, o h o m em criado à im agem de Deus é tam bém u m a criatu ra m oral livre (G n 1.27; cf. 2.16,17).
A Revelação de Deus na História da Humanidade Por diversos m otivos, a história h u m an a pode ser ch am ad a de história de Deus. A história são as pegadas de Deus nas areias do tem po. Paulo declarou que Deus agiu “d eterm inando os tem pos já dantes ordenados e os limites da sua habitação [das nações]” (A t 17.26). Deus revelou a Daniel: “o Altíssimo tem dom ínio sobre os reinos dos hom en s; e os dá a quem quer e até ao mais baixo dos hom ens constitui sobre eles” (D n 4.17). Deus tam bém confidenciou a Daniel que a história h u m an a está ru m an d o para o seu objetivo final, que é o estabelecim ento do reino de Deus sobre a te rra (D n 2.7). P ortan to, u m a com p reen são apropriada da história nos in fo rm ará sobre o plano e o propósito de Deus.
A Revelação de Deus nas Artes Humanas A Bíblia declara que Deus é belo, co m o é bela a sua criação. O salmista louva a Deus nas seguintes palavras: “O SENHOR, Senhor nosso, quão admirável é o teu n om e em toda a te rra ” (SI 8.1). Isaías contem plou u m a am ostra m aravilhosa da form osura de Deus quando ele declarou: “Eu vi ao Senhor assentado sobre u m alto e sublime trono; e o seu séquito enchia o tem p lo” (Is 6.1). A Bíblia nos incentiva a adorar o Senhor “na beleza da sua santidade” (SI 29.2; cf. SI 27.4). Salom ão nos indica que Deus “tu d o fez form oso em seu te m p o ” (Ec 3.11). O salm ista fala de Sião, a cidade de Deus, co m o sendo “a perfeição da fo rm o su ra” (SI 50.2). As coisas criadas p or Deus são boas, da m esm a fo rm a que Ele é bom (G n 1.31; 1 T m 4.4), e a bondade de Deus é bela. A criação é bela porque ela é u m reflexo da beleza de Deus. Além de ser belo e criar u m m undo belo, Deus tam bém criou seres capazes de apreciar a beleza. Da m esm a form a que Ele, estes seres podem criar coisas belas. Os seres hum anos são, por assim dizer, “sub-criadores” (veja Sayers, MM). Deus escolheu dotar os seres hum anos co m dons especiais de criatividade, os quais revelam algo da sua maravilhosa natureza.
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A R e v e la ça o de D eu s n a M ú sica H u m a n a Deus aparentem ente am a a música, já que Ele foi o m aestro do coro celestial na criação do m undo, “quando as estrelas da alva juntas alegrem ente cantavam , e todos os filhos de Deus rejubilavam ” (Jó 38.7). Os anjos tam bém entoavam continuam ente o tersanctus na sua presença: “Santo, santo, santo” (Is 6.3; Ap 4.8). Além disso, os anjos se reú n em em torno do trono de Deus e “co m grande voz” declaram : “Digno é o Cordeiro, que foi m o rto ” (Ap 5.12). A irm ã de Moisés, Miriã, encabeçou os israelitas triunfantes co m a sua canção, depois de Deus lhes ter feito atravessar o m ar Verm elho (Ex 15.20,21). Davi, o salmista querido de Israel, criou u m coral para o Tem plo e escreveu m uitas canções (salm os) para ali serem cantadas. Paulo adm oestou a igreja para falar “entre vós co m salmos, e hinos, e cânticos espirituais, cantando e salmodiando ao Senhor no vosso co ração ” (Ef 5.19). Aprendemos, ainda, mais um a coisa sobre a natureza de Deus através da voz hum ana—ela é um instrum ento musical ordenado por Deus. Até m esm o o sumo sacerdote judeu, quando adentrava o “Santo dos Santos” (ou “Santíssimo Lugar”), o fazia ao som dos sinos que levava na sua vestimenta. E o salmista ordenou que Deus fosse louvado com trombetas, harpa, lira, tamborins e címbalos (SI 150.3-5). Os anjos tocam trombetas no céu (Ap 8.2), e outros tocam harpas (Ap 14.2). A música, também, é tanto um dom quanto um a manifestação de Deus, e com o o restante da sua criação, ela é um a expressão da sua glória. M esmo tendo dado a sua revelação especial nas Sagradas Escrituras, Deus tam bém preferiu manifestar-se por interm édio da revelação geral na natureza. A RELA Ç Ã O E N T R E A R EV ELA Ç Ã O G E R A L E A ESPEC IA L M esmo sendo a Bíblia a única revelação escrita de Deus (veja parte 2), ela não se constitui na sua única revelação; Ele tem mais a nos declarar do que o que nela está contido. A sua revelação geral na natureza, no h om em , na história, nas artes e na m úsica proporcionam grandes oportunidades para contínuas explorações. A tabela a seguir resum e esta relação: R e v e la ç ã o G eral
R e v e la ç ã o E sp ecial
Deus com o Criador N orm a para a sociedade Meio de condenação Na natureza
Deus co m o Redentor N orm a para a igreja Meio de salvação Nas Sagradas Escrituras
O PAPEL D A R EV ELA Ç A O ESPEC IA L A revelação especial contribui de form a inestimável co m a Teologia cristã, pois som ente a Bíblia é infalível e inerrante (veja parte 2). Além disso, a Bíblia é a única fonte tanto da revelação de Deus co m o nosso Redentor quanto do seu plano de salvação (veja Volume 3). Assim, a Bíblia é n orm ativa para a nossa salvação (veja parte 2). S o m e n te a Bíblia É In falível e I n e rr a n te C om o revelação de Jesus (M t 5.17; Lc 24.27,44; Jo 5.39; Hb 10.7), a Bíblia é norm ativa para toda a estrutura do pensam ento cristão. A tarefa do pensador cristão, portanto,
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deve ser “levar cativo todo entendim ento à obediência de C risto” (cf. 2 Co 10.5), de acordo co m o que está revelado nas Sagradas Escrituras. D evemos pensar, bem com o viver, de m aneira cristocêntrica (Fp 1.21; G1 2.20).
Somente a Bíblia Revela Deus como Redentor M esm o que a revelação geral manifeste Deus co m o Criador, ela não o revela com o Redentor. O universo fala da grandeza de Deus (SI 8.1; Is 40.12-17), mas som ente a revelação especial desvela a sua redenção (Jo 1.14). Os céus declaram a glória de Deus (SI 19.1), mas som ente Cristo declarou a sua graça salvadora (T t 2.11-13). A natureza pode revelar as eras pelas quais passaram as rochas, mas som ente as Sagradas Escrituras to rn am conhecida a R och a que atravessou todas as eras.
Somente a Bíblia Tem a Mensagem da Salvação Tendo em vista a revelação geral de Deus, todos os hom en s se to rn a m “inescusáveis” (R m 1.20), pois “todos os que sem lei [escrita] p ecaram sem lei tam bém p erecerão; e todos os que sob a lei p ecaram pela lei serão julgados” (R m 2.12). A revelação geral é base suficiente para a condenação de u m h o m em ; en tretan to , ela não é suficiente para a sua salvação. E possível a alguém co n h ecer sobre o céu pela observação da revelação geral, m as ele não pode saber co m o se chega até este céu, pois “em n en h u m ou tro [além de Cristo] h á salvação, porque tam bém debaixo do céu n en h u m o u tro n om e há, dado en tre os h om ens, pelo qual devam os ser salvos” (A t 4.12). Para serem salvas, as pessoas precisam confessar que “Jesus é o S en h o r” e crer no seu co ração que “Deus o ressuscitou dos m o rto s” (R m 10.9). Só que elas não p odem clam ar p o r alguém de quem n u n ca ouviram falar, e “co m o ouvirão, se não há quem pregue?” (R m 10.14). Dessa form a, a pregação do evangelho p ara o m u n do tod o é a Grande C om issão do cristão (M t 28.18-20).
A Bíblia É a Norma Escrita para os Crentes Sem a verdade apostólica que está en talh ad a nas Sagradas E scritu ras, não haveria igreja, pois ela está edificada “sobre o fu n d am en to dos apóstolos e dos p ro fetas” (E f 2.20). A Palavra de Deus revelada é a nossa n o rm a de fé e p rática. Paulo declara: “Toda E scritu ra divin am en te inspirada é p roveitosa p ara ensinar, p ara red argü ir, p ara corrigir, p ara in stru ir em ju stiça” (2 T m 3.16). É claro que n e m todos os cren tes têm acesso à Bíblia. M esm o assim, eles devem p restar contas a Ele em fu n ção da sua revelação geral. A razão da ju stiça n esta posição é que “todos os que sem lei p ecaram sem lei tam bém p e re ce rã o ”, já que todos tem o s a obra ãa lei escrita no [...] coração (cf. R m 2.12,14,15).
O PAPEL DA REVELAÇÃO GERAL M esmo a Bíblia sendo com pletam ente verdadeira, ela não con tém a totalidade da revelação de Deus. M esm o a Bíblia sendo toda com posta pela verdade, ela não é a única verdade; existe u m a porção da verdade que pode ser encontrada fora dela. E m outras palavras, toda verdade é verdade de Deus, m as nem todas as verdades de Deus estão na Bíblia (veja capítulo 7). A revelação geral, p ortan to, desem penha u m papel im portante no plano de Deus e, desta form a, exerce vários funções singulares.
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A R e v e la çã o G eral É m ais A b ra n g e n te d o q u e a R e v e la ç a o E sp ecial A revelação geral abarca m uito mais coisas do que a revelação especial. A m aior parte das verdades científicas, da história, da m atem ática e das artes não está contida na Palavra ie Deus; a m agnitude da verdade nestas áreas som ente é encontrada na revelação geral de Deus. Apesar de a Bíblia ser cientificamente correta, ela não é u m tratado científico impresso. O m andam ento para “fazer ciência” não é u m m andam ento de redenção, m as u m m andam ento que flui da própria criação; pois, assim que criou Adão, Deus lhe deu o m andam ento para que “enchesse a terra e a sujeitasse” (cf. Gn 1.28). Da m esm a : rm a, não existem erros m atem áticos na Palavra inerrante de Deus, mas, voltam os a iíirm ar, ela con tém m uito poucas citações de geom etria, ou de álgebra, ou m esm o de cálculos. De m aneira similar, a Bíblia registra co m precisão a m aior parte da história de Israel, en tretanto con tém m uito p ouco sobre a história do m undo co m o u m todo, exceto no que afeta tam bém Israel. O m esm o é verdade para a m aioria das áreas das artes >u ciências. Sempre que a Bíblia se pronuncia nestas áreas, ela o faz co m autoridade, entretanto Deus deixou que grande parte das descobertas das suas verdades nestas áreas tosse feita no estudo da sua revelação geral. A R e v e la çã o G eral É E sse n cia l p a ra o P e n sa m e n to H u m a n o N en h um de n ó s—n em m esm o u m in créd u lo —raciocin a de fo rm a alheia à revelação geral de Deus feita na razão h u m an a (veja capítulo 5). Deus é u m Ser racional, e o h om em foi criado à sua im agem (G n 1.27). E co m o Deus pensa de m an eira racional, Ele tam bém concedeu ao h o m em a m esm a capacidade. Os animais selvagens, ao con trário, são cham ados de “irracionais” (Jd 10). Na verdade, o uso mais elevado da razão h u m an a está em am ar o Senhor de “tod o o nosso p en sam en to ” (cf. M t 22.37). As leis básicas da razão hum ana são com u n s tanto para o crente quanto para o descrente (co m o já m encionam os, veja capítulo 5); sem elas, não seria possível n en h u m a espécie de escrita, de pensam ento, ou de inferência racional. Entretanto, estas leis de raciocínio não estão expostas em parte algum a da Bíblia, pois fazem parte da revelação geral de Deus e constituem objeto especial do pensam ento filosófico. A R e v e la çã o G eral E E ssen cial p a ra o G o v e rn o H u m a n o Deus ordenou que os cristãos vivessem por interm édio da sua Lei escrita, mas Ele tam bém escreveu a sua Lei no coração dos incrédulos (R m 2.12-15). M esm o que a lei divina nas Sagradas Escrituras seja a n o rm a som ente para os cristãos, a lei natural abrange todos os seres hum anos. Em n en h u m lugar da Bíblia, Deus julga as nações seja pela Lei de Moisés, que Ele entregou a Israel (Êx 19—20), seja pela Lei de Cristo, que diz respeito a todos os cristãos; pensar de o u tra form a im plica em cair no erro principal dos teonom istas (veja House, D T)1. O fato de os hóspedes de Israel terem que se subm eter à lei judaica (veja Lv 25.10ss.) não é prova de que os gentios tam bém deveriam sujeitarse às leis de Moisés, da m esm a form a que u m cristão que visita a Arábia Saudita, nos nossos dias, não está obrigado a sujeitar-se à lei do A lcorão. As duas situações significam simplesmente que o forasteiro precisa, sim, respeitar a lei da terra onde está pisando.
1Teonomia, literalmente, significa “lei de Deus”, e é a visão de que a lei do Antigo Testamento continua vigente na nossa época e se constitui na base divinamente escolhida para o governo civil (veja Greg Bahnsen, Theonomy in Christian Ethics):
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A lei de Moisés, p or exem plo, indica claram ente que ela não se destina aos gentios (R m 2.14). O salmista explica: “M ostra a sua palavra a Jacó, os seus estatutos e os seus juízos, a Israel. Não fez assim a n en h u m a o u tra nação; e, quanto aos seus juízos, n en h u m a os conhece. Louvai ao SENHOR!” (SI 147.19,20). Isto é confirm ado pelo fato de que, apesar das muitas condenações dos pecados dos gentios no Antigo Testam ento, eles não foram condenados u m a única vez por não adorarem u nicam ente no dia de sábado, ou por não trazerem os seus sacrifícios ou dízimos a Jerusalém. Os n ão-crentes estão sujeitos à lei que está “escrita nos seus corações”; m esm o eles não tendo a revelação especial das Sagradas Escrituras, sua responsabilidade jaz sobre a revelação geral que foi entregue na natureza hum ana.
A Revelação Geral É Essencial para a Apologética Cristã C onform e afirmamos no início deste capítulo, sem a revelação geral não haveria u m a base real para a Apologética cristã, pois, se Deus não houvesse se revelado tam bém na natureza, não haveria co m o argum entar a partir do projeto que nela está evidenciado a favor da existência de u m Projetista (conhecido co m o o argum ento teleológico a favor da existência de Deus, veja capítulo 2). Tam bém não haveria co m o argum entar a partir do início ou da contingência do m undo até a existência de u m a Causa Primeira (conhecido co m o o argum ento cosm ológico). De m od o sem elhante, a m enos que Deus ten h a se revelado na n atu reza m oral dos seres hum anos, não seria possível argum entar a favor de u m Legislador M oral. E, obviamente, sem u m Deus que pudesse agir n a criação do m undo, tam bém não poderia haver atos especiais de Deus (os m ilagres) neste m undo (veja capítulo 3).
ALGUMAS OBJEÇÕES À REVELAÇÃO GERAL DE DEUS U m dos argum entos cristãos mais co m u m en te ouvidos co n tra a objetividade da revelação geral na lei natural, co m o sendo oposta às leis m orais reveladas na Bíblia, é que a lei n atu ral não é clara. Os oponentes alegam que não existe u m lugar onde se possa ler estas leis naturais. A medida que o argum ento se desenvolve, ele se to rn a cada vez mais vago, para não dizer vazio. As leis naturais podem ser facilm ente distorcidas por m entes depravadas. Por ou tro lado, estes cristãos insistem que a Bíblia é clara e com pleta no seu conteúdo.
Refutação da Idéia de que a Revelação Natural É Não-Clara e Vazia em seu Conteúdo No seu zelo evangélico em exaltar a revelação especial de Deus feita na Bíblia, algumas pessoas exageram nos seus argumentos. O fato de a Bíblia ser superior à revelação natural em term os de conteúdo não significa que a revelação natural não seja perfeitamente adequada para o fim ao qual Deus a destinou. E verdade que o pecado afetou a capacidade hum ana de aplicar a revelação natural de Deus à vida. Contudo, isso não é u m defeito da revelação, mas um a recusa das pessoas em aceitá-la e ordenar a sua vida de acordo com ela. De acordo com Rom anos 1, em se tratado da revelação natural, “o que de Deus se pode conhecer neles se manifesta, porque Deus lho manifestou” (v. 19). O problema com estas pessoas não é que elas não receberam a verdade, mas que “o hom em natural não com preende as coisas do Espírito de Deus” (1 Co 2.14). Não se trata de elas não perceberem,
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m as de não receberem a revelação2. A palavra grega dekomai, usada em 1 Coríntios 2.14, srçrnifica “receber” ou “dar as boas-vindas”. Quando a verdade não recebe as boas-vindas da parte dos seres hum anos, eles não são capazes de “conhecê-la” (gr. ginosko) pela própria experiência (v. 14).
Refutação da Idéia de que a Revelação Natural Foi Distorcida pelo Pecado C o m o m o stra m o s a n te rio rm e n te , D eus j á se rev elo u de fo rm a cla ra n a n a tu re z a e n a co n sciên cia da h u m an id ad e. P o rta n to , o p ro b le m a c o m os in cré d u lo s n ão é o fato de eles n ão verem a v erd ad e da re v elação n a tu ra l, m as de eles fugirem da verdade que ela lhes rev ela (R m 1.18). A rejeição da verd ad e rev elad a n ão se restrin g e à resp osta dos in cré d u lo s à re v e la çã o geral de D eus; já que os cre n te s tam b ém , m u itas vezes, n ão vivem de a co rd o c o m a verd ad e co n tid a n a re v e laçã o especial de D eus, a Bíblia. A legar que a revelação geral é inadequada p orq ue os d escrentes a d istorcem é rejeitar este revelação pela m esm a razão. Pedro, p o r exem p lo , nos in form a: “os in d outos e in con stan tes to rce m [os escritos de Paulo] e igu alm en te as ou tras E scritu ras, p ara sua p ró p ria p erd ição ” (2 Pe 3.15,16). N ão h á p ra tica m e n te n ada que Deus n ão te n h a revelado nas Sagradas E scritu ras que tam b ém não te n h a sido sujeito ao m esm o tipo de distorção que aquela que é feita das verdades m orais reveladas na sua lei n atu ral. N ão existe n e n h u m defeito em n e n h u m a das revelações de D eus; o p ro b lem a n ão está n a revelação em si, m as na rejeição h u m a n a delas. A dificuldade n ão está n a fo rm a c o m o D eus se m o stra , m as n a d istorção que a h um anidad e faz ao receb er estas verdades. A existência de centenas de grupos heterodoxos e seitas religiosas todos alegando que a Bíblia é tam bém a sua revelação se constitui em u m forte testem u nh o de que até m esm o os ensinos da revelação sobrenatural não estão im unes às distorções ou às m utilações. N a verdade, as perversões dos ensinos da lei n atu ral (revelação geral) entre as várias culturas hum anas não é m aior do que as perversões dos ensinos da revelação sobrenatural en tre as diversas seitas. U m exam e m inucioso de ambas as áreas indica que, apesar da clareza das duas revelações, os seres hum anos depravados descobriram um a form a de se desviar, escapar ou distorcer os m andam entos de Deus; p ortan to, os ensinos da Palavra de Deus não apresentam mais imunidade às contorções horripilantes do que a realidade do m undo criado por Deus.
Refutação da Idéia de que a Revelação Natural não É Identificável Outras pessoas argumentam que a Bíblia tem um a vantagem sobre a lei natural em questões morais, à medida que as Sagradas Escrituras apresentam um conteúdo bem especificado. Sabemos aonde ir quando precisamos de um a Bíblia, e podemos ler o que nela diz, mas onde iremos para ler as leis naturais] A resposta bíblica para esta questão é dupla: Ela está “escrita no coração” de todos os homens, bem com o pode ser vista no que eles “fazem naturalmente” (R m 2.14,15, grifo adicionado). A primeira destas duas manifestações está no lado interno da lei natural e a segunda no externo. Há também duas áreas na quais a lei natural se revela: nos lados interno e externo. A lei natural se torna manifesta externamente na natureza (R m 1), ao mesmo tempo em que é revelada internamente na natureza humana (R m 2).
2 Frederic R. Howe, Challenge and Response.
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As Manifestações Externas da Revelação Natural São Identificáveis Com o este tõpico já foi analisado anteriormente (no capítulo 2), teceremos somente um comentário breve a esse respeito nesta parte. Há diversos modos pelos quais Deus indiretamente se revelou externamente na natureza. Dentre eles, temos a mutabilidade (capacidade de transformação), a temporalidade, e a ordem existente no mundo. A partir destes fatos da nossa experiência, os grandes argumentos a favor da existência de Deus são construídos, pois, se o mundo é temporal, conclui-se que ele deve ter tido u m início. Com o a razão humana naturalmente acredita, até mesmo a partir da revelação especial, que cada evento tem um a causa, é preciso que haja um a causa para este mundo temporal. Os teístas reconhecerão este ponto de vista com o o argumento cosmológico3 kalam (horizontal) a favor da existência de Deus. Da mesm a forma, se o mundo é contingente ou dependente, também temos a necessidade da existência de um Deus, pois o que é dependente para a sua existência não pode subsistir por si só. E também nada pode “atualizar” a sua própria existência. Portanto, é preciso que haja um a Atualidade fora deste mundo mutável que atualize (isto é, acione) a existência real de tudo que há, mas que possa ser não-existente. Em suma, a revelação natural envolve o uso da razão natural no mundo natural. As Manifestações Internas da Revelação Natural São Identificáveis O que está escrito em papel perecível pode ser apagado, mas o que está escrito no coração de u m a pessoa imperecível jamais será com pletam ente perdido. Praticam ente todos os teólogos concordam , não im portando o quanto de Calvinismo eles defendam, que a im agem de Deus não foi com pletam ente destruída na hum anidade decaída: ela foi m anchada, mas não com pletam ente apagada. Essa era a concepção de Agostinho e Calvino (1509-1564)4, e tam bém era a concepção de Lutero (1483-1546)5 . A Bíblia é bastante clara ao afirmar que todos os seres hum anos são portadores da im agem de Deus. C onform e m encionado anteriorm ente, é errado m atar (G n 9.6) ou até m esm o amaldiçoar os seres hum anos (T g 3.9) por esta razão. Da m esm a form a que con hecem os a revelação n atural exterior de Deus, tam bém passamos a con h ecer a revelação n atural de Deus n a nossa natu reza m oral interna, que está “escrita nos nossos corações”. A lei m o ral natu ral está escrita de u m a form a que todas as pessoas conseguem ler. Não serão necessárias aulas em gram ática de língua alg u m ap ara conhecê-la, e n en h u m livro se faz necessário. A lei n atu ral pode ser vista de form a “instintiva” (R m 2.14). Sabemos o que é certo e o que é errado por interm édio da nossa própria intuição; a nossa própria n atu reza nos predispõe nesta direção. A chave mais básica para esta lei m oral natural pode ser encontrada nas inclinações humanas. C om o fomos criados à imagem e semelhança morais de Deus (Gn 1.27; 9.6; Tg 3.9), é compreensível que tenhamos na nossa própria natureza um a inclinação natural para saber o que é m oralm ente correto. Na verdade, com o seres decaídos, nós nem sempre seguimos esta inclinação (R m 7) e, assim, temos um a tendência natural para fazer o que é errado. Entretanto, sabemos instintivamente o que é certo, até m esm o quando não praticamos isto. Sabemos isto porque conhecem os a nossa inclinação, m esm o quando não a colocamos em ação. Além disso, no fundo do nosso ser, sabemos o que é errado, m esm o quando não consideramos aquilo errado, pois conhecemos as coisas por inclinação, m esm o quando nós, muitas vezes, as rejeitamos por cognição. Isto acontece porque a nossa cognição é influenciada pela nossa condição depravada. O nosso escolher obscurece o nosso saber. 3Veja William Craig, Apologetics: An Introduction. 4Veja Calvino, Institutes o f Christian Reli$ion> parte um . o f the Will, seção 94, 244.
5Veja Lutero, Bondage
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Agora, h e rm en eu tica m en te6 falando, som os inconsistentes no nosso uso dos Drincípios apropriados de in terpretação destas inclinações m orais básicas. Isto não significa que a razão h u m an a seja desnecessária para saber o que é certo e o que é errado pela revelação natu ral, pois a lei m o ral natu ral, m esm o não sendo desprovida de conteúdo, é m ínim a: Ela som en te nos in fo rm a para fazer o bem e evitar o m al. A razão h u m ana é necessária por duas coisas: (1) Ela coloca especificidade na lei moral geral. (2) Ela nos auxilia a saber quais meios devemos utilizar para atingir estes bons objetivos. O u tra dica para com preend er a revelação natu ral pode ser vista nas nossas inclinações m orais básicas. Isto o co rre porque a nossa m e lh o r com preensão da lei natu ral não vêm não da observação das nossas ações, m as sim das nossas reações: Conhecemos instintivamente a lei moral. Não precisam os lê-la em livro algum ; nós a con h ecem o s intuitivam ente, pois ela está escrito n o nosso próprio coração. P ortan to, ao in terp retar a lei natu ral, precisam os cuidar para fazer isto a partir de reações que verdadeiram ente apontem para ela. Estas reações não são necessariam ente aquelas q u e fazem os aos outros, m as co m m aior freqüência aquelas que desejamos que os outros façam a nós. C o m o já vim os an teriorm ente, Paulo fala disso quando escreve das coisas que “n a tu ra lm en te fazem os” para “m o stra r” a lei m o ral “escrita nos nossos corações” (cf. R m 2.14,15). As nossas inclinações m orais são m anifestas nas nossas reações quando os outros violam os nossos direitos; não vem os a lei m o ral de fo rm a m u ito clara quando som os nós quem viola o direito dos outros. Aqui se revela a nossa depravação. Mas, novam ente, a nossa pecam inosidade não está na nossa incapacidade de con h ecer quais são as nossas obrigações m orais, mas n a nossa m á vontade em fazê-la aos outros. O tipo de reação que m anifesta a lei m o ral natu ral fo i-m e exposta, obrigatoriam ente, cuando u m professor, depois de ler m in u ciosam ente um papel m u ito bem elaborado por u m aluno que defendia o relativism o m oral, escreveu: “N ota um. N ão gosto de papéis mcadernados em pastas azuis” . Depois de receber aquela nota, o aluno foi furioso à sala do professor para protestar: “Isto não é ju sto , professor! Não é ju s to !” A reação do aluno diante da in ju stiça que lhe fora feita revelou, ao contrário do que ele m esm o havia escrito, que, no fundo, ele realm ente acreditava nos princípios m orais objetivos de ; ustiça. A m edida real da sua m o ral não foi o que ele havia escrito n o seu papel, mas o que D eus havia escrito no seu coração. A sua cren ça real foi m anifesta, na verdade, quando ele foi ultrajad o. A Lei Natural E Expressa nos Escritos
Se houvesse um a inclinação natu ral para o que é certo, poderíam os esperar encontrar algum a fo rm a de expressão desta inclinação na cu ltu ra hu m ana. Mas co m o e largam ente sabido, a con d u ta m o ral é diferente de cu ltu ra para cu ltu ra. E n tretanto, : que não se co n h ece tão bem é que enquanto o comportamento h u m an o difere m u ito , os :-edos éticos hu m anos são significativam ente sim ilares. C o m o o ser h u m an o não é perfeito, poderíam os prever que a sua cond u ta n em sem pre chega ao nível do seu credo. O credo, contudo, é u m indicador m u ito mais consistente da lei m o ral do que a sua conduta. De m odo específico, Hermenêutica é “o estudo dos princípios gerais de interpretação bíblica” ( Webster's Third New 1'Zímational Dictionary).
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Ao contrário do entendim ento popular, os grandes escritos m orais do m undo não apresentam u m a diversidade m u ito grande de visões; n a verdade, existe u m a similaridade surpreendente en tre estes escritos. De fato, a sem elhança dentro dos escritos que expressam a lei n atural é exatam ente tão grande quanto aquela encontrada dentro dos escritos sobre a lei divina. Ou seja, os grandes hom ens da ética leram a revelação geral co m u m nível de concordância sem elhante ao que os grandes teólogos têm lido a revelação especial. Nos dois grupos, encontram os os conservadores e os liberais, os direitistas e os esquerdistas, os construcionistas rígidos e os construcionistas abertos. A verdade objetiva é que im porta p ouco se o que está sendo analisado é a Bíblia, a revelação geral ou a Constituição dos Estados Unidos. U m a herm en êu tica ruim será capaz de distorcer tanto u m a quanto o u tra coisa. O problem a não está n a revelação divina, mas na m á interpretação que os hom ens fazem dela. N en h um a revelação está im une a distorções vindas de seres hum anos falíveis e decaídos que desejam adequá-la aos seus atos e desejos depravados. Apesar das m á interpretações hum anas da revelação geral de Deus, m esm o assim persiste u m consenso geral en tre os escritores não-cristãos a respeito da n atureza da lei natural. C. S. Lewis nos prestou u m grande serviço ao catalogar m uitas destas expressões da lei m oral n atural (A M , apêndice A). Obviamente, tam bém existe u m a diversidade de expressões éticas no bojo das grandes culturas. En tretanto, esta diversidade não desabona a sua unanim idade essencial, da m esm a form a que a diversidade de linhas entre os cristãos evangélicos não nega a sua unidade nos ensinos básicos da fé cristã.
A INTERAÇÃO ENTRE A REVELAÇÃO GERAL E A ESPECIAL C om o a tarefa de u m pensador sistem ático é organizar toda a verdade a respeito de Deus e da sua relação co m a criação, tan to a revelação geral quanto a especial são para isso necessárias. C ontudo, co m o a revelação especial se sobrepõe à revelação geral, é necessário analisar a interação en tre as duas. Deus já se revelou a si m esm o na sua Palavra e no m undo por Ele criado. A sua verdade pode ser encontrada tan to nas Sagradas Escrituras quanto n a Ciência. O problem a é o que fazemos guando ambas parecem en trar em conflito. E dem asiadamente simplista concluir que a Bíblia sem pre está co rreta e a Ciência sem pre errada. E óbvio que a Bíblia sempre está correta (veja parte 2), mas a nossa interpretação dela nem sempre está.
Uma Distinção Importante Quando tratarm os dos conflitos entre o Cristianismo e a cu ltu ra, precisam os ser cuidadosos para distinguir entre a Palavra de Deus, que é infalível, e a nossa interpretação dela, que não é. Da m esm a form a, precisam os fazer a distinção entre a revelação eterna de Deus na sua Palavra, a qual é sem pre verdadeira, e a com preensão atual que os hom ens têm dela, a qual nem sem pre é correta. O próprio progresso da com preensão científica indica que o que se tinha por verdadeiro no passado m uitas vezes deixou de ser verdade científica n o presente. Duas conclusões im portantes podem ser tiradas destas distinções: Primeiro, as revelações de Deus na sua Palavra e no seu m undo jamais entram em contradição. Deus é consistente; a sua boca nunca dá vereditos dúbios. Segundo, sem pre que houver u m conflito real, este será entre u m a interpretação h um ana da Palavra de Deus e um a compreensão hum ana do seu m undo. Ou um está errado, ou ambos estão errados, mas Deus jamais erra.
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Q u al das d u as R e v e la çõ e s T e m a P riorid ad e? Quando surgem conflitos de com preensão en tre a revelação geral e a revelação especial de Deus, qual das duas deve ser colocad a em prim eiro lugar? Para nós, a tentação seria a de privilegiar a interp retação bíblica, porque a Bíblia é infalível. Mas se fizerm os isso, estarem os desprezando a distinção que acabam os de fazer. A Bíblia é inerrante, mas n em todas as interpretações que fazem os dela são infalíveis. A história da interp retação do texto bíblico revela que a Palavra infalível de D eus está tão su jeita às m ás com preensões de h om ens falhos co m o qualquer o u tra coisa. D a m esm a fo rm a, a história das Artes e da Ciência tam bém expõe as m ás interpretações que os h om en s fizeram da revelação geral de Deus, e estas são tão feias quanto as que vem os nas falácias vistas na interp retação da sua revelação especial. Isto n ão n os d eixa n u m im passe, pois sem p re que h o u v e r u m c o n flito e n tre u m a in te rp re ta çã o da B íb lia e u m a co m p re en sã o atu alizad a da rev ela çã o g eral de D eu s, a p riorid ad e deve ser co lo ca d a , n o g eral, sobre a in te rp re ta ç ã o que é m ais co rre ta . As vezes, tra ta -se do nosso e n te n d im e n to da rev ela çã o esp ecial (a B íb lia), e às vezes, do nosso e n te n d im e n to da rev elação g eral (os fato s da n a tu re z a ), dep end end o de qual é m ais e x te n siv a m e n te co m p ro v a d o . A lgun s exem p lo s n os au xiliarão a escla re ce r este p o n to . A lguns in térp retes, co m base nas citações bíblicas que falam que a te rra teria “quatro ca n to s” (p o r exem p lo, Ap 7.1), ch eg aram à conclu são errô n ea de que a te rra seria plana. E n tre ta n to , a ciência provou com certeza que esta in terp reta çã o estava errada. P o rtan to , neste caso, a precisão da in terp reta çã o da revelação geral leva preced ência sobre qualqu er tipo de in certez a que possa advir da in terp reta çã o desses versículos. Os “quatro ca n to s” p o d em ser com preend idos co m o u m a figura de lingu agem , e a Bíblia ce rta m e n te faz uso deste tipo de lingu agem (ta l co m o quando fala dos “o lh o s”, “pés” e “p ern as” de D eus). O utras pessoas, co m base nas referências bíblicas ao “nascente do sol” (Js 1.15), alegavam que o sol girava em to rn o da terra, ou co m base n o fato de o sol ter “parado no céu ” (cf. Js 10.13). E n tretan to , esta interpretação não é necessária, já que estas expressões podem sim plesm ente se tratar da fo rm a co m o u m observador localizado n a face do p lan eta vislum bra o sol (veja parte 2, capítulo 15). A lém disso, desde a época de C opérnico, existem razões m u ito boas para acreditar que o sol não se m ove ao red or da terra. C onseqüen tem ente, consideram os m u ito mais provável a interpretação h eliocên trica da Palavra de D eus neste assunto do que u m a interpretação geocêntrica. Infelizm ente, algum as pessoas estão mais propensas a acreditar em um a form a específica de interp retar a Palavra de Deus, m esm o que esta envolva contradições lógicas. E n tretan to , a revelação geral exige de nós (por força da lei da não-contrad ição) que alegações opostas não possam ser, ao m esm o tem po, verdadeiras (v eja capítulo 8). P ortanto, não podem os crer que Deus é um a pessoa e três pessoas ao m esm o tem po e no m esm o sentido. Assim, tan to o M on oteísm o quanto o T rinitarianism o assim definidos (v eja V olum e 2) não podem ser, ambos, verdadeiros. Nós podem os e, de fato, crem os que D eus é com p osto de três Pessoas em u m a só Essência, e m esm o que isto seja u m m istério não se trata de u m a contradição. C onseqüen tem ente, podem os ter absoluta certeza de que qualquer interpretação da Bíblia que envolva u m a contradição está errada. M esm o assim, existem m o m en to s em que u m a in terpretação da Bíblia deve realm ente assum ir a precedência até m esm o sobre pontos de vista m u ito populares da ciência. A
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m acroevolução7 é um bom exem plo (veja Volume 2). É virtualmente certo que a Bíblia não pode ser adequadamente interpretada ao ponto de acom od ar a m acroevolução. Ou, em outras palavras, é mais evidente o ensino bíblico de que Deus trouxe o universo à existência a p artir do nada (G n 1.1), de que Ele criou todas as espécies básicas de animais e plantas (Gn 1.21), e de que Ele, de form a direta e especial, criou o h o m em e a m u lh er à sua im agem e sem elhança (G n 1.27). Apesar da tendência m o d ern a em considerar o p onto de vista da teoria da evolução, em vez do contrário, os cristãos devem dar prioridade a esta interpretação altam ente provável das Sagradas Escrituras sobre u m a teoria extrem am en te im provável da m acroevolução (veja Volum e 2). E n riq u e c im e n to M ú tu o N orm alm ente, não o co rrem conflitos m uito sérios en tre interpretações largam ente aceitas da Bíblia e o entendim ento geral do m undo científico; ao contrário, o que existe é u m a tro ca m ú tu a e enriquecedora para ambos os lados. Por exem plo, o conhecim ento do conteúdo da Bíblia é essencial para a apreciação da m aior parte das artes e da literatu ra ocidental. Além disso, a História bíblica e a História mundial em m uitas coisa estão sobrepostas u m a à o u tra de m aneira significativa, e isto o corre de tal fo rm a que é impossível a um a ignorar a outra. Mais negligenciada é a relação en tre a ciência m od ern a e a idéia bíblica da criação. Nesta conexão, é im portante n o tar que o conceito bíblico de criação ajudou no surgim ento da ciência m od ern a (veja W hitehead, SMW, 13, e Foster, “CD CRM N S”). É claro que no estudo das origens existe u m a sobreposição direta, e u m enriquecim ento m ú tu o , en tre os dados científicos e os dados fornecidos pela Bíblia. Na teologia, a interação entre os estudos bíblicos e outras disciplinas sempre deveria ocorrer num a via de m ão dupla. Nenhum dos lados deve promover um monólogo com o outro; ambos devem estar engajados em um contínuo diálogo. Embora a Bíblia seja infalível, as interpretações que fazemos dela não são. Assim, as pessoas envolvidas em estudos do texto bíblico precisam ouvir, ao mesmo tempo em que falam às outras disciplinas. Somente desta forma poderemos construir um a cosmovisão sistemática correta e completa (veja capítulo 11). RESUM O E CON CLUSÃO Os evangélicos acreditam que a Bíblia é essencial tanto para a organização do pensamento sistemático quanto para a Apologética. Ela se constitui no único corpo de escritos infalíveis que temos (veja parte 2). Ela fala co m autoridade inerrante a respeito de cada um dos temas que menciona, sejam eles espirituais ou científicos, do céu ou da terra. Entretanto, a Bíblia não é a única revelação que Deus fez à humanidade. Deus falou através da Sua Palavra, com o tam bém através do Seu mundo. A tarefa do teólogo cristão é apropriar-se das informações de ambos a fim de form ar um a cosmovisão que inclua a interpretação teocêntrica da Ciência, da História, dos seres humanos, e das Artes. Contudo, sem que tenhamos a revelação de Deus (tanto a geral quanto a especial) com o base, esta tarefa é tão impossível quanto querer m over o mundo todo para que ele caiba no nosso ponto de apoio. Sem dúvida, na construção de um a teologia sistemática sólida, tanto a revelação especial quanto a geral nos são necessárias.
7 Macroevolução significa a evolução total (em grande escala) a partir de organismos uniceluíares até se chegar ao ser hum ano; os adeptos desta visão insistem que existiu u m ancestral com um para todas as criaturas vivas. Microevolução, por outro lado, significa alterações em pequena escala dentro de um certo tipo de vida que apresenta ancestrais separados dos outros tipos.
A REVELAÇÃO: O PRESSUPOSTO REVELACIONAL
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CAPITULO
CINCO
LOGICA: O PRESSUPOSTO RACIONAL
lógica trata dos m étodos do pensam ento válido; ela revela co m o se auferem conclusões apropriadas a partir de premissas. Ela é u m pré-requisito para todo pensar, inclusive todo pensar teológico. A lógica é um in strum ento tão imprescindível que até m esm o quem a nega não consegue deixar de utilizá-la, pois ela é parte integrante da estru tu ra do próprio universo racional1.
AS LEIS FUNDAMENTAIS DO PENSAMENTO Existem três leis fundam entais de todo pensam ento racional: (1) a lei da não-contradição (A é diferente de não-A); (2) a lei da identidade (A é igual a A); (3) a lei do terceiro excluído (ou A ou não-A). Cada u m a destas leis cum pre u m a função indispensável na teologia.
A Lei da Não-Contradição Sem a lei da não-contradição, não seriamos capazes de dizer que Deus não é não-Deus (D não é não-D ). Assim, Deus poderia ser o Diabo ou qualquer outro ser anti-Deus.
A Lei da Identidade Se a lei da identidade não tivesse força, não poderíam os dizer que Deus é Deus (D é igual a D). Sem ela, Deus não seria idêntico a Si próprio; Ele poderia ser qualquer outra coisa que não Ele m esm o (p or exem plo, o Diabo), o que é u m absurdo com pleto.
A Lei do Terceiro Excluído De maneira similar, se a lei do terceiro excluído não existisse, não poderíamos afirmar que estamos falando de Deus ou não. Quando usamos o termo “Deus”, poderíamos estar nos referindo tanto a Deus quanto a outro ser qualquer. Isto claramente não faz qualquer sentido.
1Para saber mais a respeito da Lógica, veja Norman Geisler e Ronald Brooks, Come, Let Us Reason: An Introduction to Logical Thinking.
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Portanto, estes três princípios são necessários para todo pensar, inclusive todo pensar que se refere a Deus. E co m o a teologia é o pensar que se refere a Deus, ela não pode fugir da aplicação destas três leis fundam entais do pensam ento.
UMA DEFESA DAS LEIS DO PENSAMENTO Por que deveríamos aceitar estas três leis? Na verdade, muitos a rejeitam, pelo menos quando são aplicadas em último nível. O Zen Budismo, por exemplo, alega que o Tao (o Final) vai além de todas as categorias, inclusive do verdadeiro e do falso (veja Suzuki, IZB). Então, com o se poderiam defender os padrões primários do pensamento contra tais críticas? Na verdade, as leis do pensam ento são auto-evidentes e não necessitam de qualquer tipo de defesa. No que se refere à lei da identidade, por exem plo, o predicado diz a m esm a coisa que o sujeito (A é igual a A); por isso, não há a necessidade de, nem se admite que seja preciso, u m a prova direta de algo patente. Uma vez que se entendam os termos, eles passam a falar por si mesmos. Por exemplo, u m a vez que saibamos o que significa u m “triângulo” e u m a “figura de três lados”, não há mais a necessidade de provar que u m triângulo é um a figura de três lados. Deduz-se, autom aticam ente (pela intuição racional), que é verdade. En tretanto, existe u m a m aneira indireta de defender as leis básicas do pensam ento com o auto-evidentes. Isto pode ser dem onstrado no fato de elas não poderem ser negadas sem que elas mesm as sejam utilizadas; isto é, qualquer tentativa de negá-las acaba sendo autodestrutiva. E com o dizer: “Eu penso que sou incapaz de pensar”, ou: “Eu sei que sou incapaz de saber”, ou: “O m eu argum ento é que sou incapaz de argu m en tar”. E m todos os casos citados, a pessoa está fazendo exatam ente o que ela alega ser impossível. Da m esm a form a, se a lei da n ão-contradição não tivesse força, teríam os que o que é verdadeiro tam bém poderia ser não-verdadeiro (isto é, falso). Mas isto é autodestrutivo, pois esta própria frase alega ser verdadeira, e não falsa. Se ela não alegasse ser verdadeira, ela deixaria até m esm o de estar no cam po da verdade e poderia ser desprezada por todos os que buscam a verdade.
AS LEIS DA INFERÊNCIA RACIONAL Além das três leis fundamentais do pensamento, existem as leis da inferência válida, pelas quais um a conclusão pode ser apropriadamente atingida a partir de premissas fornecidas. As leis da inferência se agrupam em duas categorias mais abrangentes: a lógica dedutiva e a indutiva. A validade destas leis é diretam ente dependente da lei da não-contradição, pois, se estas inferências racionais necessárias não são válidas, segue-se que tem os u m a contradição (veja exem plo a seguir). (1) Se A esta totalm ente contido e m B, e (2) Se B está totalm ente contido
A LÓGICA DEDUTIVA O pensam ento dedutivo ocorre quando u m a proposição é corretam ente deduzida ou tirada a partir de outras. Por exemplo: (1) Se A está totalmente contido em B, e (2) Se B está totalm ente contido em C, segue-se que (3) A está totalm ente contido em C.
em C, segue-se que (3) A está totalm ente contido em C. Isto pode ser visto n o diagrama abaixo;
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Se A não está contido em (n a classe de) C, estam os diante de u m a con trad ição, pois B estaria tan to dentro de C (de acordo co m a segunda prem issa) quanto fora de C. Se B está dentro de C, então A tam bém precisa estar dentro de C, já que A está dentro de B. Sem dúvida, é u m a contradição, ao m esm o tem p o , ter e não ter A dentro de B (de ico rd o co m a prim eira prem issa). O m ecan ism o pelo qual u m a proposição pode ser co rre ta m e n te extraída de outras é cham ado silogismo2. A lógica dedutiva pode ser apresentada de três m aneiras: (1) silogismos categóricos; (2) silogismos hipotéticos; (3) silogismos disjuntivos (veja Aristóteles, PrA e PoA).
Os Silogismos Categóricos U m silogismo categórico (incondicional) é aquele em que um a proposição categórica incondicional) é deduzida a partir de duas outras proposições categóricas. Por exemplo: (1) Todos os seres humanos são pecadores. (2) João é um ser humano. (3) Logo, João é um pecador.
1
E x is te m r e g r a s p a r a s ilo g is m o s | categóricos que precisam ser observadas a fim de que se extraiam as conclusões corretas, pois, se estas regras não forem levadas a sério, terem os que a lei inegável da não-contradição estará sendo violada. I (1) Todos os seres hum anos são pecadores. (2) João é u m ser hum ano. (3) Logo, João é um pecador. Estas regras silogísticas e as falácias que 1 as violam podem ser compreendidas se alguns dos term os essenciais forem definidos logo de início.
Proposições A proposição é u m a declaração que afirma ou nega algum a coisa. Ela é com p osta de u m sujeito (o sujeito da afirm ação/negação, por exem plo, “João”), de u m predicado (o que é afirmado/negado do sujeito, por exem plo, “p ecador”), e u m a cópula (o conectivo entre 0 sujeito e o predicado, por exem plo, “é (são)” ou “não é (são)”. Juntando tudo: “João 1 sujeito) é (cópula) pecador (predicado)”3. O sujeito pode ser universal (geral, incluindo tudo na sua classe) ou particular (específico, incluindo som ente alguns elem entos na sua classe). Por exem plo: “Todos os cães (universal) são criaturas de quatro patas”; “Alguns cães (particular) são m arron s”. As proposições universais são consideradas fortes, e as particulares, fracas. As proposições tam bém podem ser afirmativas ( “é ” ou “são”) ou negativas ( “não é” ou “não são”). ■C om o m encionam os no capítulo 2, um silogismo, num a definição form al, é um esquema dedutivo (veja capítulo 5) construído a partir de um arranjo form al com posto por um a premissa m aior e um a m enor, seguidas de um a conclusão (Websters Third New International Dictionary).
3 Cada um a das três afirmativas do silogismo é um a proposição.
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A com binação dos tipos universal e particular co m as afirmativas e negativas gera quatro tipos diferentes de proposições: A Afirm ativa universal ( Todos o s seres hum anos são pecadores). E
Negativa universal (Todos o s seres hum anos não são pecadores)
I
(ou nenhum dos seres hum anos é pecador). Afirm ativa particular (Alguns seres hum anos são pecadores).
O
Negativa particular (Alguns seres hum anos não são pecadores).
Distribuição Nas p reposições do tipo A (afirm ativ a u n iversal), o sujeito édistribuído e o pred icad o n ão 4. T om e, p o r exem p lo , u m a prop osição sim ilar à que acabam os de ver: “Todos os seres h u m an o s são racionais”. O sujeito é distribuído p orq ue a expressão “tod os os seres h u m a n o s” engloba todos os elem en to s d en tro dessa classe, e o pred icad o n ão é distribuído porque “racionais” engloba so m en te alguns da sua classe — existem , afinal de con tas, o u tro s seres racionais, tais co m o os anjos e o p róp rio Deus. A distribuição (D ) ou não-distribuição (N D ) dos term os em todos os quatro tipos diferentes de proposições o corre da seguinte form a: A E
Todo S(D) é P(ND). N enhum S(D) é P(D ); ou: Todo S(D)
I
A lgum S(ND) é P(ND).
0
A lgum S(ND) não é P(D).
não é P(D).
Por exem plo: A E
Todos os seres hum anos (D ) são racionais (N D). N enhum ser h um ano (D ) é racional (D).
1 O
Alguns seres hum anos (N D ) são racionais (N D). Alguns seres hum anos (N D ) não são racionais (D )5.
4 O fa to de u m su je ito ou um predicado ser “distribuído” significa que todos os elem en to s da sua classe estão in cluíd os.
5 O su je ito de u m a proposição do tipo A é distribuído porqu e, p o r exem p lo, “todos os seres h u m a n o s”
significa todos os elem en to s desta classe; o predicado é não-d istribu ído porqu e os seres h u m an os representam apenas alguns dos seres racionais que existem — o u tro seres n esta classe in clu em os a n jos e D eus. O s u je ito de um a proposição do tipo E é distribuído porqu e “n e n h u m ” eqüivale a “to d os” ; o predicad o, da m esm a form a, é distribuído, especificam en te, já que n en h u m ser h u m an o está na classe de qu alquer (to d os os tipos de) dos seres racionais. Em u m a proposição do tipo I, tan to o su jeito qu anto o predicado são não-d istribu ídos p orqu e a afirm ativa s ig n ific a que alguns seres h u m an o s estão n a classe de alguns seres racionais; n ov am ente, lem b ram o s que existem o u tro s seres, diferentes dos h u m an os, que tam bém en tram n a classe dos “racion ais”. O su jeito de u m a proposição do tipo 0 é não-d istribu ído p orqu e ele se refere som en te a alguns seres h u m an os; o predicado é distribuído porque ele nega tudo o que se en co n tra den tro daquela classe — ou seja, alguns seres h u m an os n ão estão na classe de qu alquer (to d os os tipos de) dos seres racionais.
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C o m o já vim os, u m silogism o categ ó rico co n té m duas p roposições a p a rtir das quais u m a terceira é deduzida. O silogism o co m o u m to d o co n té m três term o s: u m te rm o sujeito (T S ), u m te rm o predicado (T P ), e u m te rm o intermediário (T I). O sujeito e o predicado são o sujeito e o pred icad o da con clu são, e o te rm o in term ed iário o co rre u m a vez em cada prem issa, ju n to co m u m a o co rrê n cia de cada sujeito e p redicado. Por exem p lo: Todos os seres hum anos (term o interm ediário) estão perdidos (te rm o predicado), [proposição do tipo A.] João (term o sujeito) é u m ser h um ano (term o interm ediário). Logo, João (term o sujeito) está perdido (term o predicado). A s Regras dos Silogismos Categóricos A inobservância de qualquer u m a das sete regras que regem os silogismos categóricos nos leva a u m a conclusão inválida, significando que a conclusão não segue (non sequitur) as premissas, independentem ente de ap arentar estar co rreta. (1) E preciso haver somente três termos. (2) O termo intermediário deve ser, pelo menos uma vez, distribuído. (3) Os termos distribuídos na conclusão devem ser distribuídos nas premissas. (4) A conclusão sempre segue a premissa mais fraca (isto é, as negativas e particulares). (5) Nenhuma conclusão surge de duas premissas negativas. (6) Nenhuma conclusão surge de duas premissas particulares. (7) Nenhuma conclusão negativa surge de duas premissas afirmativas. A s Falácias dos Silogismos Categóricos De m aneira sem elhante, envolver-se em qualquer u m a das quatro falácias dos silogismos categóricos leva a u m a conclusão inválida. (1) A falácia do maior ilícito é aquela em que o termo maior é distribuído na conclusão, mas não na premissa6. (2) A do menor ilícito é aquela em que o termo menor é distribuído na conclusão, mas não na premissa7. (3) A do intermediário não-distribuído é aquela em que o termo intermediário não é, pelo menos uma vez, distribuído. (4) A dos quatro termos é aquela em que não há três e somente três termos no silogismo (aqui também estão incluídas as falácias do “intermediário ambíguo” e do “intermediário equivocado”). E claro que o term o interm ediário deve aparecer som ente u m a vez em cada u m a das premissas, mas n un ca n a conclusão; se não for assim, o corre u m a falácia de form ato. U m a explicação mais detalhada pode ser encontrada em outras fontes (veja Geisler e Brooks, CLUR).
6 O “term o m aior” significa a premissa principal e contém o predicado da conclusão. premissa secundária e co n tém o sujeito da conclusão.
7 O “term o m en o r” significa a
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Os Silogismos Hipotéticos Os silogismos hipotéticos são construções argum entativas do tipo: “Se [...], então Por exem plo: “Se A, tem os B”. (1) Se Deus é completamente justo, então Ele precisa punir todos os pecados. (2) Deus é completamente justo. (3) Logo, Ele precisa punir todos os pecados. Existem som en te duas m an eiras de e x tra ir conclusões válidas de silogism os hipotéticos: (1) afirmando o antecedente (a parte da frase que vem antes do “então”); (2) negando o conseqüente (a parte da frase que vem depois do “então”). O exem plo acim a (a respeito do pecado e da justiça de Deus) é do tipo que afirm a o antecedente (ch am ad o de modus pollen^), e o seguinte é do tipo que nega o conseqüente (cham ado de modus tollens9). (1) Se o Alcorão é a Palavra de Deus, então ele não pode errar. (2) O Alcorão contém erros. (3) Logo, o Alcorão não é a Palavra de Deus.
Silogismos Disjuntivos Os silogismos disjuntivos são construções argum entativas do tipo: “o u /o u ” . Eles assum em o seguinte form ato: (1) E ou A ou não-A (mas nunca ambos). (2) Não é não-A. (3) Logo, é A. Para fazermos uso de u m exem plo teológico: (1) Ou Deus é existente ou não-existente. (2) Deus não é não-existente. (3) Logo, Deus é existente. Há dois m odos de chegar a u m a conclusão válida a partir de u m silogismo disjuntivo: Ou negando u m a alternativa, ou negando a o u tra alternativa. U m a alternativa é u m a afirmativa que está em u m dos lados do “o u ”. Estes três form atos do pensam ento lógico — o categórico, o hipotético e o disjuntivo — são constantem ente usados na teologia, e sem eles seria impossível fazer teologia, já que se constituem nas regras do pensar racional, e a teologia sistemática é u m a form a de pensam ento racional.
s Expressão latina que significa "m étodo de afirm ação”.
9 Expressão latina que significa “m étodo de negação”.
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A LÓ G IC A IN D U TIV A O utro tipo de lógica é o que cham am os de argum entação indutiva. Apesar de Aristóteles ter escrito a respeito de argum entação indutiva (T ), ele ficou mais conhecido por sua lógica dedutiva. As lógicas indutiva e experim ental foram mais plenam ente desenvolvidas por Francis Bacon (veja NO), o pai do pensam ento científico m oderno, e John Stuart Mill (veja SI). A N a tu re z a da A r g u m e n ta ç ã o In d u tiv a De m aneira geral, enquanto a argum entação dedutiva vai do geral em direção ao específico, a indutiva vai do específico em direção ao geral. Por exem plo, a lógica dedutiva procede da afirmativa geral de que: (1) tod os os seres h u m a n o s são seres racio nais, e n o ta que (2) M aria é u m ser h u m a n o , até ch eg ar a co n clu são esp ecífica de que (3) M aria é u m ser racio n al.
A lógica indutiva c o m e ç a co m qualquer n ú m e ro de p articu lares e faz u m a gen eralização a respeito deles. Por exem p lo : “Seres h u m an o s co m o Janaína, João, Valquíria, Tiago e o u tro s têm todos duas pernas e cam in h am co m o tro n co e reto ; p o rta n to , tod os os seres h u m an o s ca m in h a m , igu alm en te, e re to s”. E claro que, d iferentem en te da lógica dedutiva, não se pode estar ab solu tam en te ce rto da con clu são, já que não tem o s a o p o rtu n id ad e de observar todos os seres h u m an o s. P o rtan to , a con clu são indutiva é generalizante. Ela é u m a p ro jeção ou extrapolação que se faz: “C o m o todos os seres h u m an o s que observam os ap resen tam duas pernas e cam in h am eretos, tem o s que m esm o aqueles que não p u d em os observar provavelmente fazem a m esm a coisa” . E claro que existe u m m e ca n ism o ch a m a d o de indução perfeita, p elo qual cada e xem p lo específico já foi e x a m in a d o . N este caso, p o d em o s te r c e rte z a ab solu ta da co n clu são . Por e x e m p lo : “C ad a u m a das m oed as n o m e u bolso são de dez cen ta v o s” é u m a afirm ativ a que c e rta m e n te p ode ser co n firm a d a , já que o m eu bolso te m u m v o lu m e lim itad o e eu p osso verificar cad a u m a das m o ed as que ali estão . D a m esm a fo rm a , a Bíblia co n té m u m a quantidade lim itad a de in fo rm a çã o , e a totalid ad e dela p od e ser e xam in ad a. P o rta n to , p o d em o s ch eg ar a u m c e rto nível de c e rte z a a resp eito do que ela en sin a se fizerm os o e scru tín io m in u cio so de tod os os seus versícu los. As R eg ras d a L ó g ica In d u tiv a Várias diretrizes para a argum entação indutiva precisam ser seguidas. Vejamos co m o elas ficam, colocadas na form a de perguntas: Quantos Casos Foram Examinados? O grau de certeza a respeito da conclusão dependerá, em parte, da am plitude do núm ero de casos exam inados. Quanto m aior for a am ostragem , m elhores serão as chances de que a conclusão esteja correta.
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Em que Grau as Evidências São Representativas? C om o n orm alm en te não é possível exam inar todo os casos, a qualidade das am ostras examinadas é crucial para a validade da conclusão. Por exem plo, a validade de u m a pesquisa dependerá da n atu reza representativa da som atória das pessoas que foram entrevistadas. Com que Minúcia as Evidências Foram Examinadas.'1 A s induções m inuciosas são co m p ostas de vários fatores. Quais e ra m as sim ilaridades das am ostras que fo ram estudadas? Quais eram as suas diferenças? Será que todas as exp licações possíveis fo ram consideradas? Será que os resultados fo ram isolados de o u tro s fatores? E m sum a, a que nível de análise crítica as nossas evidências fo ram submetidas? De que Maneira as Informações Obtidas Estão Correlacionadas a outras Formas de Conhecimento? Por fim, de que m an eira as in fo rm açõ es obtidas se en caixam co m ou tras in fo rm açõ es que já são con hecid as c o m o verdadeiras? Será que elas co n trad izem ou tras coisas con hecid as e tidas c o m o certas? Será que elas exp licam as coisas de u m a m e lh o r fo rm a do que as o u tras exp licações que já tem os? As vezes, as novas evidências abalam os fu n d am en tos de idéias h á m u ito te m p o estabelecidas (ta l co m o foi co m o p o n to de vista p ro p o sto p o r C o p érn ico de que era a te rra que se m ovia ao red o r do sol).
Tipos de Probabilidade Existem dois tipos principais de probabilidade n a argum entação indutiva: a probabilidade a priori e a a posteriori. A probabilidade a priori é aquela que o co rre de form a anterior a e independente dos fatos; o tipo a posteriori é aquele que surge depois do exam e dos fatos. Os dois tipos têm sua aplicação tan to n a Teologia quanto n a Apologética. A Probabilidade “A Priori” A probabiMdade a priori é m atem ática na sua natureza, e tra ta da alta probabilidade de u m evento ocorrer. Por exem plo, a probabilidade de tirar três seis n um lance de três dados, antes de eles serem lançados, é de 1 em 216 (1/6 x 1/6 x 1/6). Isto não significa que os dados precisam ser lançados 216 vezes para se obter o resultado; simplesmente quer dizer que se trata de probabilidade m atem ática, pois três dados co m seis lados, num erados de u m a seis, oferecem muitas combinações. A probabilidade a priori já co n v en ceu até m esm o alguns ex-ateístas a cre r que deve haver algu m Projetista Inteligente p ara a p rim eira fo rm a de vida. Depois de calcu lar que a probabilidade de a vida te r surgido so m en te p o r leis n atu rais era de 1 em 10 elevado à 40.000.“ p o tên cia (u m seguido de 40.000 zeros), Sir Fred Hoyle (n ascid o 1915) abandonou as suas con vicções con trárias a Deus. Esta ch an ce, de 1 em IO40000, é m e n o r do que a de e n co n tra r u m ú n ico á to m o específico ao vascu lh ar o u niverso to d o (veja EPS, 4 5 -4 6 )10.
10É claro que existem observações factuais utilizadas neste cálculo, tal c o m o a idade do universo e a taxa para as mutações etc.
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A Probabilidade “A Posteriori" Enquanto a probabilidade a priori é aquela que se aufere antes do fato, o tipo a posteriori é aquele p or que se chega à conclusão depois do fato. Na ciência, ele é cham ado de probabilidade empírica, e é ainda conhecido co m o probabilidade científica. Este tipo de probabilidade oferece graus variados de certeza a respeito da veracidade de u m evento com base no exam e das evidências disponíveis. Isto é geralm ente feito tom ando p o r base os princípios acim a listados (sob “As Regras da Lógica Indutiva”). Os G rau s de P rob ab ilid ad e De acordo com o m étodo indutivo, existem vários graus de probabilidade, dependendo do tipo e abrangência das evidências disponíveis. Estas podem variar do “praticamente impossível”, de um lado, até o “praticamente certo”, do outro. A certeza absoluta, pelo menos na sua concepção matemática", é possível somente na lógica dedutiva. U m a indução perfeita, entretanto, pode proporcionar um a certeza prática, já que cada u m dos casos foi examinado. A LÓ G IC A E D E U S Se a Lógica é a base de todo pensar, e a Teologia é o pensar a respeito deJDèus, tem os que a Lógica é a base para todo pensam ento a respeito de Deus. M esm o assim, alguns discordam dessa conclusão, alegando que Deus é soberano sobre todas as coisas, inclusive sobre a Lógica, e que, ao fazermos da Lógica a base para a com preensão de Déus, tornam os Deus sujeito à Lógica (veja D ooyeweerd, NCTT). A L ó g ica E stá o n to lo g ic a m e n te S u je ita a D eu s E verdade que na realidade Deus é anterior a tudo o mais. Neste sentido, Deus tam bém é anterior à Lógica, na sua ordem de ser. A Lógica.é u m a form a de pensam ento racional, e Deus é o mais im portante dos Seres racionais. Portanto, on to lò g k am en te12, a Lógica está sujeita a Deus. En tretanto, isto não significa que a Lógica é arbitrária — Deus nãò escolheu simplesmente ser racional e consistente. Ele é racional por sua própria natureza. As Sagradas Escrituras nos inform am que, por exem plo: “E impossível que Deus m inta” (Hb 6.18), e que “Ele [...] não pode negar-se a si m esm o ” (2 T m 2.13). Ou seja, Deus não pode ser irracional. A violação das leis da Lógica é contrária à sua n atureza co m o Ser racional por excelência, perfeito e absoluto no universo. D eu s E stá e p is te m o lo g ic a m e n te S u je ito à L ó g ica M esm o que Deus seja anterior à Lógica na ordem do ser (on tologicam en te falando), podem os dizer que a Lógica precede Deus na ordem do saber (epistom ologicam ente falando). N enhum tipo de conhecim ento pode ser obtido sem utilizarmos as leis do pensam ento; e se isso não é verdadeiro, nada mais tem os a concluir. Até m esm o a afirmativa: “Deus é Deus” perde o seu sentido se a lei da identidade (A é igual a A ) não estiver em força. Da m esm a form a, a afirmativa de que “Deus existe” não poderá ser verdadeira se a lei da !l A certeza m oral é possível, já que não está baseada na lógica dedutiva, mas em fatores morais, psicológicos e/ou espirituais. Por exemplo, Deus pode conceder a certeza m oral (ou espiritual) da salvação (R m 8.16), em que a evidência real em si pode justificar somente um a conclusão provável (veja Volume 3).
12 Ontologia é o estudo do ente ou do ser.
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n ão-contradição não estiver em força, pois, se não for assim, Deus poderia existir e não existir ao m esm o tem po e no m esm o sentido. Será que Deus está sujeito a algum a coisa além de Si próprio? Claro que não. Quando afirmamos que Deus está sujeito à boa razão (à Lógica), estam os dizendo que Ele está sujeito à sua própria natureza (veja Clark, C V M T ), já que Ele é a Razão final ou o Logos (Jo 1.1). Assim, quando Deus está sujeito à lei da justiça, Ele não está aprisionado a nada que vá além de Si próprio, mas a algo que faz parte dele m esm o, ou seja, à sua própria natureza im utável (veja Volume 2). Tecnicamente falando, na Teologia, não é Deus quem está sujeito à lógica; são as nossas afirmações a seu respeito que estão sujeitas a ela. A teologia sistemática se apresenta com o um a série de declarações a respeito de Deus que, se são verdadeiras, nos transm item informações a seu respeito. N enhum a afirmação acerca de Deus pode fazer sentido, isso para não entrar no mérito da sua veracidade, se não estiver de acordo com as leis irrevogáveis do raciocínio.
Racionalidade ou Racionalismo? Algum as pessoas argum entam que to rn ar Deus sujeito à Lógica é u m a form a de racionalism o, já que isto faz co m que as verdades a seu respeito se to rn em sujeitas à razão hum ana. Entretanto, existe u m a diferença entre o uso do bom raciocínio, o qual é recom endado pela Bíblia co m o form a de descobrir a verdade (Is 1.18; M t 22.37; 1 Pe 3.15), e o uso do racionalismo para determinar a verdade, o que a Bíblia não recom enda. O bom raciocínio não sujeita Deus a m entes infinitas, mas, antes, sujeita as nossas m entes finitas à sua M ente infinita (2 Co 10.5; 1 Co 1.21). A lém disso, com o fom os criados à im agem de u m Deus infinitam ente inteligente, a im itação de sua racionalidade não é u m a form a de racionalism o, mas, antes, u m a form a de expressar o nosso am o r por Ele (co m toda a nossa m en te), tal qual Jesus nos ordenou (M t 22.37). N em m esm o a revelação especial pode ser conhecida ou transm itida sem o uso da Lógica. Não conseguiríam os distinguir entre um a revelação que vem de Deus e um a que não vem sem fazer uso da lei da não-contradição. Tam bém não seriamos capazes de determ inar quais livros, dentre os tantos que se alegam ser divinos, são realm ente a Palavra de Deus (p or exem plo, a Bíblia, o A lcorão, o Livro de M ó rm o n ) sem fazer uso da nossa razão para exam inar as evidências. Por fim, observe que a razão é u m a form a de descobrir a verdade, ao passo que o racionalism o é u m a tentativa de determinar a verdade. A Teologia cristã se enquadra na prim eira categoria. Toda verdade é revelada p o r Deus, seja ela na sua form a geral ou especial (veja capítulo 4), p orém toda verdade é recebida pela nossa razão.
ARISTÓTELES TERÁ INVENTADO A LÓGICA? Alguns críticos argum entam co n tra o uso da lógica dedutiva, insistindo que ela foi inventada po r Aristóteles e que não h á razão para aceitar a “Lógica ocidental” em lugar da “Lógica oriental”, a qual não aceita a lei da não-contradição. En tretanto, esta crítica está fora da realidade por diversas razões. Primeiro, Aristóteles não inventou a Lógica; na m elh o r das hipóteses, ele sim plesmente a descobriu. Todas as criaturas racionais já vinham utilizando a Lógica desde os prim órdios dos tem pos; Aristóteles foi m eram en te o prim eiro h om em , que se conhece, a sistematizá-la na form a escrita (veja PrA e PoÁ).
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Segundo, esta crítica sugere que o “pensam ento oriental” pode, de algum a form a, fugir do da “Lógica ocidental”. Isto, porém , é impossível — a Lógica não tem fronteiras geográficas. Considerando que a Lógica está baseada na lei da não-contradição, não se pode fugir dela, pois é impossível negar esta lei sem fazer uso dela m esm a. Q ualquer afirm ação que tenha por objetivo inform ar que “as reivindicações da verdade não precisam ser verdadeiras ou
falsas” está, por si só, alegando ser verdadeira, em oposição a u m a m entira. Terceiro, n e n h u m filósofo oriental jam ais seria capaz de pensar sem fazer uso da lei da não-contradição; co m o já vim os, a própria negação dela já im plica o seu uso, e qualquer afirm ação equivalente à que se faz de que “a realidade final [ou seja, o Tao] vai além da lei da não-con trad ição” (veja Suzuki, IZ B ) é, por si só, u m a declaração que faz uso da lei da não-contradição da realidade final, pois ela alega ser verdade, em oposição a um a não-verdade. Se u m a reivindicação da verdade não fo r em absoluto, ela não se enquadra nem m esm o no cam po da verdade, e, p o rtan to , não deve ser levada a sério pelas pessoas que buscam a verdade.
Existem Diferentes Tipos de Lógica? O utras pessoas argu m entam que existem m uitos tipos de Lógica; e se é assim, por que deveríam os esco lh er ü m deles e fazer deste a n orm a sobre todos os outros? Em resposta, deve ser colocad o que não existe u m tipo de lógica que não faça uso da lei da não-contradição. Todos os sistemas de raciocínio válido — sejam eles derivados da lógica dedutiva, indutiva, sim bólica, m odal, ou qualquer o u tra — aplicam a lei da nãocontradição. Na verdade, Alfred N orth W hitehead e Bertrand Russell d em onstraram , no iv ro Principia M athematica, que toda a M atem ática está baseada na Lógica. É literalm en te impossível pensar sem fazer uso da Lógica.
Um Deus O nipotente não Pode Q uebrar as Leis da Lógica? Alguns teólogos argu m entam que se Deus é on ip oten te Ele tem a capacidade de :azer qualquer coisa, inclusive quebrar as leis da Lógica. A Bíblia diz: “Mas a Deus tudo é possível” (M t 19.26), e se é assim, co n fo rm e sugerido, devem os conclu ir que Deus poderia violar as leis do pensam ento, se lh e aprouvesse. Essa ob jeção , e n tre ta n to , está baseada em um a m á com p reen são . Q uando a Bíblia declara que D eus pode fazer todas as coisas, não significa que Ele pode fazer o que é im possível. Significa que D eus pode fazer tu do o que é possível fazer. Na verdade, as Sagradas E scrituras d eclaram que existem m u itas coisas im possíveis para D eus. Hebreus 6.18 afirm a: “E im possível que D eus m in ta ”; 2 T im ó te o 2.13 acrescen ta: “[Ele] não pode negar-se a si m e sm o ” . A negação das leis do p en sa m en to racio n al seria u m a negação de Si p róp rio, já que elas estão baseadas n a sua própria n a tu rez a racional.
Deus não Pode Transcender a Lógica, da mesma Forma que Transcende as Leis Naturais? A lgum as pessoas tê m sugerido que, da m e sm a fo rm a que D eu s crio u a lei n a tu ra l e pode tra n sce n d er a ela p o r u m a in te rv e n çã o s o b re n a tu ra l, p arece p lausível que Ele possa ta m b é m fazer o m e sm o c o m as leis racion ais que Ele crio u . E m su m a, se - eus pode q u eb rar as Suas leis da física, p o r que n ã o p o d eria q u eb rar as Suas leis da : -d onalid ad e?
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A resposta a isto é que não se pode dizer que D e u s fez ou criou as leis do pensam ento, da m esm a form a co m o não se pode dizer que Ele criou a si próprio. As leis da razão estão baseadas na natureza não-criada de Deus. E assim que Ele é, assim sem pre foi, e assim sem pre será. Deus não pode m u d ar a sua n atu reza e, p ortan to, não pode quebrar as leis que surgem da sua própria natureza. As leis da física foram criadas, não são inerentes a Deus, e p o r isso podem ser transcendidas p or Ele co m o tudo o mais que foi criado. Mas co m o as leis do pensam ento, p o r ou tro lado, estão baseadas na n atu reza não-criada de Deus, seria tão impossível para Deus modificá-las quanto deixar de ser Deus.
Os Mistérios da Fé não São Contrários à Lógica? De dentro da Teologia cristã, várias outras objeções têm sido levantadas a p artir dos grandes mistérios da fé: A Trindade, a Encarnação, e doutrina da predestinação/l ivrearbítrio. A Trindade
A visão o rto d o xa da Trindade p ostu la que existe so m en te u m Deus, m as que três pessoas diferentes co m p õ em este Deus. Para alguns, isto p arece violar a lei da n ão con trad ição; pois, co m o Deus pode ser som en te u m e três ao m esm o tem po e no m esm o sentido? Visto dessa form a, a resposta é que Ele não pode m esm o, m as esta é u m a form a errada de expor a doutrina da Trindade. De acordo co m a Teologia evangélica, Deus não é três e u m no mesmo sentido. Ele é u m som ente em natureza (essência), m as três em u m sentido diferente —em Pessoas. T rês pessoas em u m a única essência não é mais contraditório do que dizer que três cantos existem em u m triângulo, ou que três “u n s ” estão contidos no num eral u m elevado à terceira potência (1 x 1 x 1 = 1). Deus tem u m “o que” (n atu reza) co m três “quens” (pessoas). Isto é u m m istério (cf. 1 T m 3.16), m as não u m a contradição. Para ser contraditório, Deus teria que ser tan to três quanto u m ao m esm o tem po e no m esm o sentido; ou seja, Ele teria que ser três pessoas e u m a só pessoa ao m esm o tem po e no m esm o sentido. Ou Ele teria que ser de três naturezas e de u m a só n atu reza ao m esm o tem po e no m esm o sentido. Mas não é isso o que os teólogos ortodoxos declaram a respeito da Trindade. A Encarnação
A exem plo da Trindade, a Encarnação tam bém é u m grande mistério. Alguns chegam a alegar que ela é u m a contradição, pois ela afirma que em Cristo Deus se tornou h om em , e isto é impossível, já que Deus é infinito e o h om em é finito — o infinito não pode se to rn ar finito. O Eterno não pode se to rn ar tem poral, assim co m o aquele que não é criado não pode se to rn a r criatura. C om o, então, poderíam os alegar que a Encarnação não viola a lei da não-contradíção! A resp osta a esta ap aren te co n trad ição jaz n a fo rm a errad a co m o se exp õe a realidade do que rep resen ta a E n ca rn a çã o . N ão se tra ta de D eus tornando-se h o m e m , m as a segunda pessoa da Trindade acrescentando sobre si a h um an id ad e; em ou tras palavras, o Filho de D eus n ão deixou de ser divino p ara to rn a r-s e h u m a n o , m as se revestiu de u m a o u tra n a tu re z a — a h um anidad e — que se so m o u à sua divindade.
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Na E n carn ação , a n a tu re z a in fin ita de D eus não se to rn o u fin ita ; a segunda re sso a da Trind ad e, que m a n tev e a sua n itu re z a in fin ita , ta m b é m assum iu _ :r a n a tu re z a (d esta vez fin ita ). - : m o já dissem os a n te rio rm e n te , em ^ eus existe u m “o q u e ” (n a tu re z a ) e :rè s "q u e n s ” (pessoas). Na Encarnação, o “Q uem 2” se revestiu “O que2”, um a natureza humana, adição ao “O que1” que já possuía sua natureza divina). Isto não é um a : : ntradição, porque o infinito não se
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: :m o u finito, n em o não-criado se tornou criatura, o que seria um a contradição. Na Trindade, existem u m “O q ue” e três “Q uens”; em Cristo, a segunda pessoa da - nndade, existe u m “Q u em ” e dois “O quês”. Na E ncarnação, u m dos “Q u en s” de Deus issu m iu ou tro “O q u e”, de fo rm a que passou a haver dois “O quês” (naturezas) em .im só “Q u em ” (pessoa). C o m o já dissemos, isto é u m m istério incrível, m as não um a : : ntradição. - Predestinação e o Livre-Arbítno
Para todos os cristãos, salvo para os Calvinistas extrem ados (v eja V olum e 3), que negam : -ivre-arbítrio nesta m atéria, existe u m paradoxo sem elhante en tre a pred eterm inação i e D eus e a livre escolh a do ser hu m ano. C o m o Deus pode já ter determ inado o fim, zesde o co m eço (Is 46.10), e co m o Ele poderia já ter escolhido os seus eleitos antes da : jn d ação do m u nd o (E f 1.4), quando vem os que a Bíblia tam b ém afirm a que os seres num anos são livres para aceitar ou rejeitar o d om da salvação oferecido por Deus (Jo 1.12; R m 6.23; M t 23.37; 2 Pe 3.9)? Se D eus já d eterm inou previam ente quem será e quem não será salvo, co m o então os seres h u m anos poderiam ser livres n a sua escolh a (veja Yc lum e 3)? A resposta a este aparente dilem a reside na com preensão de co m o Deus p réd eterm ina eventos co m o estes. Deus não força a sua oco rrên cia contra o nosso livre-arbítrio-, antes, r réd eterm ina que eles oco rram através do nosso livre-arbítrio. Ou, sim plificando a idéia, Deus não precisa fazer com que estes eventos oco rram ; Ele pode vê-los ocorrend o — do seu ponto de vista etern o e privilegiado13. U m a pessoa que está n o alto de u m prédio e prevê u m a colisão (entre dois carros que não conseguem se enxergar nu m a esquina) não é a causa da colisão. D a m esm a form a, Deus, que por interm édio da sua onisciência antevê o que nós farem os de m aneira livre, não precisa fazer com que ajam os desta ou daquela maneira. E m esm o que Ele seja a causa jmal de todas as coisas, Ele não é a causa imediata delas. Agentes morais livres são a causa imediata de todas as ações livres. Deus (a causa prim ária) produziu o fato da liberdade, e agentes livres :ausas secundárias), pela graça de Deus, produzem os atos de liberdade (veja Volum e 3).
~ Isto não significa que Deus os vê em um sentido passivo. Ele os vê de m odo ativo e os escolhe eternam ente. C onseqüentem ente, seu conhecim ento é causai, pois o futu ro preexiste em Deus com o a Causa de todas as coisas que sucederam , que estão sucedendo, e que sucederão.
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A lém disso, u m e o m esm o evento pode ser ta n to d eterm inado quanto livre, sem im plicar contradição. Por exem plo, quando se assiste u m a gravação de u m jogo tran sm itid o pela televisão, ele já está d eterm inado; nada pode ser m odificado. Ele term in ará exatam ente da m esm a fo rm a, o placar e tu do o mais, não im portand o quantas vezes você o assista po steriorm en te. C ontu do, n o dia em que o jo g o foi disputado, cada u m dos jogadores agiu de acordo toda a sua liberdade de escolha. N inguém foi forçado a nada. Assim, u m e o m esm o evento foi ao m esm o tem p o d eterm inado e livre (veja Geisler, CBF, capítulos 1-3). A objeção de que isto o co rre desta fo rm a porque estam os voltando a olh ar u m jogo já ocorrido, o teísta poderia responder: “Mas Deus, n a sua onisciência, olh a para o fu tu ro co m u m a certeza ainda m aior do que a certeza com que olh am os para u m fato passado”. Isto nos leva a ou tra questão. O D eus da teologia ortod oxa é etern o, e n ão tem poral. P ortanto, Ele, na verdade, não olh a adiante para o fu tu ro; Ele sim plesm ente olha para baixo e o enxerga (v eja V olum e 2), já que ele está presente para Ele no seu etern o agora (co m o o grande E U SO U de Êxodo 3.14). Para ilustrar este tópico, u m a pessoa em u m a caverna pode olh ar para fo ra do tú n el e ver som ente u m vagão de tre m passar de cada vez —o vagão presente. Esta pessoa não consegue enxergar o vagão que já passou n em o vagão que ainda não chegou. Mas a pessoa no alto da m o n ta n h a onde fica a caverna pode ver todos os vagões ao m esm o tem po. D a m esm a form a, Deus pode ver o passado, o presente e o fu tu ro todo n o seu etern o presente (o seu agora). Ele vê o fu tu ro, não porque ele já o co rreu , mas porque n ele o fu tu ro já preexiste, pois Ele é a causa etern a de tudo o que foi, de tu do o que é e de tudo o que há de ser. Se D eus é etern o, não existe problem a em u m evento ser previam ente determ inado (e, p o r isso, deixar de ser livre), pois assim D eus está vendo ativam ente no seu presente e tern o o que estam os fazendo livrem ente. Ele não está assistindo passivam ente o fu tu ro (co m o se tivesse que esperar para que ele ocorresse). T am p ou co está literalm ente prevendo algum a coisa. So m en te do nosso p onto de vista, o que Ele olh a pode ser cham ado de prever ou préd eterm inar, jam ais do p onto de vista privilegiado que Deus tem na eternidade. De fato, D eus co n h ece o fu tu ro não porque Ele está olhand o para baixo, ou para adiante; Ele está sim plesm ente olhando para dentro de Si próprio, pois todos os efeitos preexistem na sua causa14, e D eus é a Causa de todas as coisas, inclusive do fu tu ro 15. P ortan to, Deus as está vendo n a sua natu reza eterna, antes de elas terem ocorrid o, com a m esm a certeza que teria se elas já tivessem ocorrido (veja Tom ás de A quino, ST, la.14.6-9). Não existe contradição en tre a predestinação de D eus e o nosso livre-arbítrio. Por fim , a h arm on ia en tre a predestinação e a nossa liberdade de escolh a pode ser dem onstrada som en te a partir da onisciência de Deus. Considere o seguinte argum ento: H Os efeitos preexistem na sua causa porque u m a causa eficiente não pode dar o que não possui. Ela não pode co m p artilh ar co m o u tra o que não tem para co m partilh ar; mas som en te produzir o que possui (v eja capítulo 9). 15 D eus é a Causa de tudo o que existe, mas Ele causa as coisas a partir da eternidade, na qual som ente Ele existia. Até m esm o o tem po — tendo tido um início —é causado pelo Deus Etern o. Todos os eventos causados por Deus n o tem po foram causados n a eternidade, m esm o se os efeitos não sejam produzidos até que chegue o seu tem po específico. Obviam ente, com o o m al é u m a privação ou um a co rrupção do ser, D eus não é a sua causa. Ele é a causa dos ser bom , no qual o parasita do m al fez residência.
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(1) D eu s é o n iscien te. (2 ) U m Se r on iscien te c o n h e c e todas as coisas, inclu sive o fu tu ro . (3 ) O qu e u m Ser o n iscien te c o n h e ce , irá o c o rr e r —p recisa o c o rr e r (pois, se n ão ocorresse, D eu s estaria erra d o a resp eito das coisas qu e a n te rio rm e n te co n h ecia . M as u m D eu s on iscien te n ã o pode estar errad o sobre nad a do qu e c o n h e ce ). (4 ) D eus c o n h e c e tod os os atos livres do fu tu ro . (5 ) P o rta n to , estes atos livres precisam ocorrer. (Se n ão o co rressem , o D eu s o n iscien te estaria errad o .) (6 ) M as o qu e precisa o c o rr e r está d eterm in ad o . (7 ) P o rta n to , os nossos atos livres estão p ré d eterm in ad o s p o r D eu s.
M esm o que a lógica deste argu m ento seja firm e, m u itos acreditam que ele prova que, na verdade, não som os livres. Mas este não é o caso. O que ele d em onstra é que Deus pode saber co m certeza (Ele já d eterm in o u ) o que farem os de m an eira livre. P ortan to, u m único e m esm o evento é determinado do ponto de vista do co n h ecim en to de D eus e livre do ponto de vista da nossa escolha. C o m o já vim os, isto pode ser u m m istério, mas
o grande m istério da predestinação e do livre-arbítrio, co m o queiram cham á-lo, não é um a contradição lógica. C O N C LU SÃ O A teologia sistem ática é dependente da Lógica de m uitas m aneiras. Todas as suas afirmativas estão sujeitas às leis básicas do raciocínio. As contradições não podem ser, ao m esm o tem po, verdadeiras e falsas. D a m esm a form a, co m o verem os no capítulo 12, os m étodos utilizados para con stru ir a teologia sistem ática derivam da lógica tanto do tipo dedutivo quanto do indutivo. A teologia sistem ática co m eça com u m estudo indutivo tanto da revelação especial (n a Bíblia) quanto da revelação geral (n a n atu reza), e faz deduções a p artir de ambas. Depois disso, ambas são juntadas em u m todo sistem ático e unificado. Sem a lógica, isto não seria possível; p o rtan to , a Filosofia (especialm ente a Lógica) é verdadeiram ente a governanta da Teologia. FO N T E S A ristóteles. Posterior Analytics.
________. Prior Analytics. ________. Topics. B a co n , Francis. Novum Organum. C lark, G o rd o n . A Christian View of Men and Things. D o oy ew eerd , H e rm a n . New Critique ofTheoretical Thought. G eisler, N o rm a n . Chosen But Free. G eisler, N o rm a n , and R o n a ld B ro o k s. Come, Let Us Reason: An Introduction to Logical Thinking. H oyle, Sir Fred. Evolution From Space. M ill, Jo h n Stu a rt. System o f Logic. Su zu k i, D. T . An Introduction to Zen Buddhism. T om ás de A qu in o. Summa Theologica. W hitehead , A lfred N o rth , and B ertra n d R u ssell. Principia Mathematica.
CAPÍTULO
SEIS
SIGNIFICADO: O PRESSUPOSTO SEMÂNTICO
Cristianism o faz reivindicações a respeito da verdade. Ele afirm a que u m Deus teísta existe (veja capítulo 2), que Cristo é o Filho de D eus (veja V olum e 2), e que a Bíblia é a Palavra de Deus (v eja parte 2). Estas verdades são consideradas ob jetivam ente (e não m eram en te de fo rm a subjetiva) verdadeiras; ou seja, elas são verdade não som en te para m im , mas para todas as pessoas (veja capítulo 7). E n tretan to , todas as afirm ações verdadeiras precisam ser significativas — precisam fazer sentido. Afirm ativas sem sentido não são n em verdadeiras n em falsas (p o r exem plo: “Zuplops cadlure gu gem on ts”). D a m esm a form a, afirmativas que con tém em oção
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(co m o: “Ai!”) não tem u m significado cognitivo; elas tam bém não são n em verdadeiras n em falsas, m as u m a sim ples fo rm a de expressar sen tim en tos1. C on tu d o tanto as afirm ações verdadeiras como as falsas são afirm ações dotadas de sentido. Por exem plo: “A capital dos Estados U nidos é a cidade de C an ton, em O h io ” é u m a frase que faz sentido, p o rém é falsa. P ortanto, por definição, e para que seja cognitivam ente dotada de significado, u m a declaração precisa ser verdadeira ou falsa2. Agora, se todas as afirm ações verdadeiras fazem sentido, todas as declarações o b jetiv am en te verdadeiras (co m o o C ristianism o alega te r) devem o b jetiv am en te fazer sentido. Assim, a objetividade da verdade é d epend ente da objetividad e do sentido. In felizm en te, a visão p red o m in an te no m u n d o co n tem p o râ n e o é op osta a u m a aceitação ob jetiv a do significado. Esta visão p red o m in a n te é ch am ad a de C onvencionalism o. C O N V EN C IO N A LISM O VS. ESSEN CIA LISM O O C onvencionalism o é a teoria de que todo significado é relativo. C o m o todas as reivindicações de verdade são afirm ações que fazem sentido, o C onvencionalism o necessariam ente defende que toda verdade é relativa. Mas isto é contrário à reivindicação cristã de que existem verdades absolutas — verdades que são verdadeiras em todas as épocas, em todos os lugares, e para todas as pessoas (veja capítulo 7).
1 Obviamente, afirmações a respeito de sentim entos (por exem plo: “Estou com calor”) são objetivam ente verdadeiras ou falsas (veja capítulo 7). Mas afirmações estritam ente em otivas não são afirm ações sobre o s nossos sentim entos, m as a expressão desses sentim entos.
2 As perguntas e as exclam ações têm significado, mas de m aneira não-cognitiva, já que elas
não afirm am nem negam nada.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Convencionalismo: Uma Reação ao Essencialismo Platônico O Convencionalismo é u m a reação ao essencialismo, que (seguindo a tradição de Platão) alega que toda linguagem tem u m a essência ou u m a form a imutável. Contrastando co m isso, o Convencionalismo assegura que todo o significado é relativo a situações mutáveis; o significado é arbitrário e varia de acordo co m o seu con texto. De acordo co m o Convencionalismo, não existem form as de significado que transcendem o tem po e os lugares (form as transculturais). A linguagem (o sentido) não tem form a ou essência; o significado lingüistico é, p ortan to, derivado da experiência relativa e variável em que a linguagem se baseia, .
Essencialismo: A Visão de Platão do Significado Absoluto Platão (c. 427-347 a. C ) defendeu um a form a de Essencialismo no seu diálogo intitulado Cratylus. Agostinho (354-430 a.C .) tam bém fez isso em Principia Dialecticae (384), De Magistro (389), e De Trinitate (394-419), em bora Agostinho não aderisse, aparentem ente, à teoria do significado de Platão (a idéia de que a linguagem retrata u m sentido)3, que foi criticada p or Ludwig W ittgenstein no seu fam oso Tractatus. E m palavras simples, o Essencialismo (tam bém cham ado de N aturalism o)4 insiste na existência de uma relação essencial ou natural entre as nossas afirmações e o que elas significam. A linguagem não está arbitrariam ente relacionada ao seu significado; antes, existe u m a correspondência direta (u m a u m ) entre ambos.
Convencionalismo: Um Desafio ao Essencialismo Platônico Três n om es se d estacam na revitalização m o d e rn a do significado: Ferdinand de Saussure (1857-1913), G ottlob Frege (1848-1925), e Ludwig W ittgenstein (1889-1951). Sua ap resen tação do C onven cion alism o é la rg am en te aceita n a Filosofia lingüística atual. Ferdinand Saussure O precu rsor do Convencionalismo m od ern o foi o fam oso lingüista suíço Ferdinand Sausurre. O seu Course in General Linguistics (C urso de lingüística Geral) continua sendo referência na área. Gottlob Frege Embora tenha escrevido relativamente pouco, os seus ensinos, reunidos a partir de anotações coletadas por seus alunos, têm tido um a grande influência na adoção do Convencionalismo pelos lingüistas atuais. Estes ensinos podem ser encontrados no livro Translationsfrom the Phibsophical Writings o f Gottlob Frege (Traduções a partir dos Escritos Filosóficos de Gottlob Frege).
3 A teoria da fotografia é a idéia de que a linguagem é um a pintura da realidade, correspondendo a ela da m esm a form a que u m a fotografia faz com o objeto retratado. M uitos acreditam que a passagem relevante das Confessions (Confissões) (1.8) de Agostinho que foi criticada por W ittgenstein não fazia parte das idéias de Agostinho em si, mas estavam ali sim plesm ente mencionadas para efeito de consideração, já que ele rejeitou esta idéia posteriorm ente em outra obra (em De Magistro).
4 “N aturalism o”, conform e utilizado aqui, em um sentido sem ântico, não deve ser confundido com o
N aturalism o anti-sobrenaturalista, em um sentido metafísico.
SIGNIFICADO: O PRESSUPOSTO SEMÂNTICO
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Ludwig Wittgenstein
Capitalizando sobre os trabalhos dos seus predecessores, Ludwig Wittgenstein recebe o crédito por ter tornado o Convencionalismo a visão predom inante tanto no pensam ento religioso quanto no filosófico. A sua perspectiva m adura está expressa no seu livro Philosophical Investigations (Investigações Filosóficas); a seção I apresenta u m a crítica de “um a ilustração específica da essência da linguagem h um ana”, que contém as seguintes teses: (1 ) A fu n çã o da lin g u ag em é ap resen tar fatos. (2 ) Todas as palavras são n o m es (a te o ria referen cial do significad o)5. * (3 ) O significado de u m n o m e é o o b je to d enotad o. (4 ) O significado é en sinad o p o r definições ostensivas6
Todas estas teses são rejeitadas por Wittgenstein, por serem ou um a super-simplificação da linguagem (teses 1 e 2), ou, no caso da tese 4, errônea (“um a definição ostensiva pode ser interpretada de várias formas em todos os casos”, PI, 1:28), ou ainda, com o no caso da tese 3, ser provada com o absurda através de exemplos (por exemplo, as exclamações, PI, 1:27; PI, 1:39). O utras teses que são intim am ente ligadas à teoria da fotografia para o significado e que acabam tam bém entrando na sua crítica são as seguintes: (1 ) O significado é u m a q u estão de p ro d u ção de im ag en s m entais. (2 ) A A nálise das pro p osições = E scla recim en to das prop osições (PI, 1:60). (3 ) As palavras tê m u m sen tid o d eterm in a d o 7.
W ittgenstein oferece u m a visão alternativa para o significado que em prega: (1 ) As sem elh a n ça s fam iliares (PI 1:67); (2 ) Os jo g o s de lin g u ag em (PI 1:7)8; (3 ) As fo rm a s da vida (PI, 1:19, 23, 241; II, 194, 226).
C om o W ittgenstein rejeitou tan to a linguagem unívoca9 quanto a analógica10 (veja capítulo 9), ele assumiu u m a visão equívoca que se refletiu nas semelhanças familiares e se baseava nas experiências variadas. Dessa form a, ele é u m dos mais vigorosos proponentes do Convencionalismo.
Wittgenstein e a Linguagem Religiosa Na obra mais antiga de W ittgenstein ( Tractatus), a linguagem religiosa foi colocada no nível do inexprim ível. Ele term inou Tractatus co m a fam osa frase: “Daquilo que não podeis falar, sábio será abster-se”. Alega-se que o discurso religioso não tem significado factual, e que existe u m abismo intransponível entre o fato e o valor11. Assim, de acordo co m u m Convencionalism o consistente, a conversa sobre Deus é u m absurdo. 5 A teoria referencial do significado é a idéia de que afirmações com sentido possuem objetos aos quais elas se referem . 6 U m significado ostensivo é aquele que é prontam ente claro ou facilm ente dem onstrável. significado específico.
7 Ou seja, elas têm um
8 Ou seja, a linguagem é com o u m jogo que é jogado de acordo com determinadas regras. O
significado é baseado nas experiências de vida e não têm qualquer essência, mas som ente algumas sem elhanças familiares co m outras experiências.
9 A linguagem unívoca é aquela que aceita som ente um significado.
é baseada n a similaridade ou analogia.
10A linguagem analógica
11A Ética e a Religião são questões de valores, enquanto a Ciência lida com fatos.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Fica claro, a partir da obra Notebooks (A n otações), de W ittgenstein, que sentim entos co m o a dependência, bem co m o o reco n h ecim en to de que “cre r em u m Deus significa aceitar que os fatos do m u n d o não são o fim da questão” (T, 11), são elem entos que W ittgenstein “co n h ece” m as que não são exprim íveis via linguagem . Eles estão, supostam ente, fora dos lim ites da linguagem e do p ensam ento. O fato de as coisas mais elevadas e tran scen d en tes serem inexprim íveis não significa que elas sejam co m p le ta m e n te in com u n icáveis, pois elas p odem ser m ostrad as, m esm o sem p od er ser ditas. Isto é ch am ad o de d o u trin a do “m o stra r e dizer”12. U m a co n trad ição ap aren te no Tractatus pode ser en co n tra d a no fato de que, apesar de p roposições sobre a lingu agem serem em pregadas, elas seriam , falando de fo rm a rígida, absurdas, p orq ue não são p roposições feitas pela ciência n a tu ra l. W ittgenstein reco n h ece que elas são absurdas e, p o r isso, so m en te p o d em servir co m o elucidações (T , 6:45). A in te rp re ta çã o mais ju sta que se pode dar a isto é tra ta r o Tractatus co m o u m exem p lo da d o u trin a do “m o stra r e dizer” . De o u tra fo rm a, a ob ra será in consistente. P o sterio rm en te, na o b ra Philosophical Investigations (Investigações Filosóficas), W ittgen stein n ão fala d iretam en te sobre o discurso religioso, mas p arece indicar que a o ração e a teologia são atividades lingüísticas legítim as e co m significado. (A o ra çã o , esp ecificam ente, é m en cio n ad a co m o u m jogo de lin g u ag em .) C o m o a afirm ação de fatos é so m en te u m a d en tre u m a m ultiplicidade de atividades lingüísticas co m significado, n ão existe n e n h u m a restrição a priori c o n tra o v alo r significativo da linguagem religiosa. Isto tam b ém significa que co m o os jogos de linguagem tê m u m crité rio in trín seco (in te rn o ) de significado, e co m o a linguagem religiosa é tam b ém u m jogo de lingu agem , ela tam b ém deve ser julgada de acord o co m os seus próp rios padrões, e n ão p o r padrões sobre ela im postos, o que é u m a fo rm a de Fideísm o13. Na sua obra Lectures and Conversations (Palestras e Conversas), a linguagem religiosa é retratad a co m o possuindo a possibilidade de ser significativa (n a form a de u m jogo de linguagem ). Mas fica claro a partir de sua obra que W ittgenstein era u m religioso acognóstico14, ou seja, rejeitava qualquer con hecim en to cognitivo n a linguagem religiosa. Ele reconhece a legitimidade de u m a form a de vida que poderia “culm inar em u m a expressão de fé em u m juízo final” (W ittgenstein, LC, 58). Ele acredita que seria impossível contradizer u m a fé assim ou m esm o dizer que ela é possivelmente verdadeira. O único sentido pelo qual u m a fé assim poderia ser um disparate seria se ela fosse u m disparate dentro do seu próprio sistema (ibid., 59), ou seja, dentro de u m jogo de linguagem específico. Crenças assim não se baseiam em evidências — elas são puram ente u m a questão de fé (cega). En tretanto, W ittgenstein não chegava ao p onto de ridicularizar as pessoas que dem onstrassem aderir a este tipo de fé — som ente fazia isso co m aqueles que alegassem estar baseados em evidências, p o r exem plo, os apologetas históricos. A fé nestes casos estaria sendo usada de m aneira extraordinária (não de m aneira ordinária). Ele escreveu: 12 A doutrina do “m ostrar e dizer” defende que a linguagem pode apontar para o mais elevado e para o transcendente, mas não pode descrevê-los apropriadamente.
13 Fideísmo é a “confiança exclusiva e básica n a fé, seguida de um a conseqüente
depreciação da razão” (Webster’s Third New International Dictionary). qualquer espécie de significado cognitivo.
14 U m acognóstico é u m a pessoa que acredita não haver
SIGNIFICADO: O PRESSUPOSTO SEMÂNTICO
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Foi d ito qu e o C ristian ism o está fu n d a m en ta d o em base h istó rica. [Tam bém ] foi d ito m il vezes p o r pessoas in telig en tes qu e esta base in d u b itav elm en te, n e ste caso, é in su ficien te. M esm o qu e haj a ta n ta evidência [a favor do C ristian ism o] q u an to para atestar a existên cia de N ap o leão. A inda assim , a au sência de dúvida n ão seria su ficien te p ara fazer co m qu e eu m ud asse a m in h a vida p o r c o m p le to (ibid., 57). A s c r e n ç a s re lig io s a s e x e r c e m u m a f o r ç a d e d ir e ç ã o ; o u s e ja , elas o r ie n t a m as n o ss a s v id a s. E n t r e t a n t o , c o n f o r m e a f ir m a W it t g e n s t e in , e la s n ã o sã o in f o r m a t iv a s a r e s p e ito d a re a lid a d e . C o n f o r m e o s e u p o n t o d e v is ta , e s t a r ía m o s tr a n c a fia d o s d e n t r o d e u m a b o l h a lin g ü ís tic a , m e s m o q u e a lin g u a g e m r e lig io s a s e ja s ig n ific a tiv a c o m o u m jo g o d e lin g u a g e m , e la n ã o n o s i n f o r m a n a d a a r e s p e ito d e D e u s o u d a re a lid a d e fin a l. A c o n v e r s a s o b r e D e u s é e x p e r i m e n t a l m e n t e s ig n ific a tiv a , m a s a c o n v e r s a s o b r e D e u s n ã o se c o n s t i t u i e m u m a c o n v e r s a real a c e r c a d e D e u s , já q u e D e u s p e r m a n e c e in e x p r im ív e l. A lin g u a g e m h u m a n a n ã o é c a p a z de e x p r e s s a r q u a lq u e r d e c la r a ç ã o q u e fa ç a s e n t id o a re s p e ito d e D e u s , s e ja n a f o r m a u n ív o c a o u a n a ló g ic a ( v e ja c a p ít u lo 9 ). T o d o s ig n ific a d o é c u lt u r a l e e x p e r i m e n t a l m e n t e r e la t iv o — a ss im d iz o C o n v e n c io n a lis m o .
A D istin çã o e n tre S ím b o lo s C o n v e n c io n a is e S ign ificado C o n v e n c io n a l E x is te u m a d if e r e n ç a i m p o r t a n t e e n t r e a t e o r ia c o n v e n c io n a lis t a d o s símbolos e a d o
significado. F o r a os s ím b o lo s n a t u r a is ( c o m o a f u m a ç a e o f o g o ) , e o s t e r m o s o n o m a t o p é ic o s (co m o
t iq u e - t a q u e , b u m , e b e m - t e - v i ) 15, c u jo
s o m já
representa o s e u sig n ific a d o ,
p r a t ic a m e n t e to d o s o s lin g ü is ta s r e c o n h e c e m q u e o s s ím b o lo s sã o c o n v e n c i o n a l m e n t e r e la tiv o s . I s to e q ü iv a le a d iz e r q u e a p a la v r a in g le s a b a ú n ã o g u a r d a n e n h u m a r e la ç ã o i n t r ín s e c a c o m o s o m d e u m c ã o , a o q u e e la se r e f e r e ; a p a la v r a t a m b é m p o d e s ig n ific a r a c a m a d a e x t e r i o r d e u m a á r v o r e . N a v e rd a d e , lín g u a s d ife r e n te s t ê m n o m e s d ife r e n te s p a r a as m e s m a s co is a s. E is t o é v e r d a d e ir o p a r a a m a io r ia d e sta s p a la v ra s . E n t r e t a n t o , a d m it ir q u e a m a io r ia d as p a la v ra s e m u m a fra se é c o n v e n c io n a l o u r e la tiv a n ã o é o m e s m o q u e a le g a r q u e o significado d e u m a fr a s e é c u l t u r a l m e n t e r e la tiv o ; s ig n ific a s o m e n t e q u e as palavras u tiliz a d a s p a r a t r a n s m i t i r o s ig n ific a d o sã o re la tiv a s . I s to é, s ím b o lo s in d iv id u a is m u d a m d e s ig n ific a d o , m a s o s ig n ific a d o d e u m a Jrase ( u m a u n id a d e d e p e n s a m e n t o c o m p o s t a d e p a la v r a s ) n ã o se m o d ific a .
C rítica à T e o ria d o S ign ificado do C o n v e n c io n a lis m o C o m o u m a t e o r i a d o s ig n ific a d o , o c o n v e n c io n a lis m o a p r e s e n t a a lg u m a s fa lh a s g ra v es. V á ria s d e la s p o d e m s e r p e r c e b id a s r a p id a m e n t e .
Primeiro, o C o n v e n c io n a lis m o é a u t o - f a ls if ic a t ó r io . S e a fra s e : “T o d o s ig n ific a d o lin g ü ís t ic o é c o n v e n c i o n a l ” fo ss e v e rd a d e ir a , a fra s e e m si s e r ia r e la tiv a , p o is e la a le g a s e r u m a d e c la r a ç ã o o b je t i v a m e n t e s ig n ifitiv a a f ir m a n d o q u e n ã o e x is t e m d e c la r a ç õ e s de s ig n ific a d o o b je tiv o . E la se a p r e s e n ta , p o r si m e s m a , c o m o u m a d e c la r a ç ã o n ã o - r e la t iv a a f ir m a n d o q u e o s ig n ific a d o d e to d a s as d e c la r a ç õ e s é r e la tiv o .
Segundo, se o C o n v e n c io n a lis m o e stiv e ss e c o r r e t o , as d e c la r a ç õ e s d e c u n h o u n iv e r s a l n ã o se tr a d u z ir ia m n e c e s s a r ia m e n te p a r a to d a s as lín g u a s c o m o d e c la r a ç õ e s u n iv e rs a is , m a s ela s se t r a d u z e m . P o r e x e m p lo : “T o d o s os t r iâ n g u lo s t ê m tr ê s la d o s ” r e p r e s e n ta u m a v e rd a d e u n iv e r s a l, e m to d o s o s lu g a r e s , e m to d a s as é p o c a s . D a m e s m a f o r m a ~ Onom atopéia é um a “palavra derivada da im itação de sons naturais: a denom inação de um a coisa ou ação pela reprodução exata ou aproximada do som associado a ela” (Webster’s Third New International Dictionary).
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com o : “Todas as esposas são m ulheres casadas”. Se o significado fosse som ente relativo e dependente da cu ltu ra, não seriam possíveis declarações de valor universal co m o estas. Terceiro, se o Convencionalismo fosse verdadeiro, não haveria qualquer tipo de verdade universal em n enhum a língua, mas isto acontece. Por exemplo, expressões matem áticas, tais com o 4 + 3 = 7 , são universalmente verdadeiras. Assim com o as leis básicas da lógica, com o, por exemplo, a lei da não-contradição (veja capítulo 5). De fato, nenh u m adepto do Convencionalismo seria capaz de negar estes princípios básicos do raciocínio sem fazer uso deles próprios. A própria declaração: “O significado de todas as declarações é relativo a u m a cu ltu ra”, para efeito de seu significado, está atrelado à existência das leis da lógica, que não são relativas a cu ltu ra alguma, mas que transcendem todas as culturas e línguas. Quarto, se o Convencionalismo fosse verdadeiro, não conheceríam os n enhum a verdade de m aneira independente e/ou antes de conhecer as convenções daquela verdade, n a língua em que a estivéssemos analisando. Só que sabemos que 2 + 1 = 3 antes de conhecerm os as convenções de u m a língua. A M atem ática pode até depender de símbolos relativos para ser expressa, mas as verdades m atem áticas não dependem de qualquer cultura. Quinto, as leis da lógica não são baseadas em convenções hum anas; elas estão, verdadeiramente, à parte de todas as convenções lingüísticas. A lógica não é arbitrária. Nós não optamos pelas suas leis; mas, em vez disso, somos regidos por elas. Nós não as criamos, simplesmente as descobrimos. Elas são logicam ente anteriores à, e independentes da, cultura n a qual elas são expressas; não são as culturas que as criam nem as desenvolvem de maneira diferente. Sem elas, os membros de uma cultura não seriam nem mesmo capazes de pensar. As pessoas em todas as culturas precisam usar as leis da lógica antes m esm o de pensar na sua existência. Sexto, o Convencionalismo confunde a. fonte im ediata do significado co m a sua base final. A fonte para descobrir que “todos os bacharéis são solteiros” pode ser social; por exem plo, podem os ter descoberto co m os pais ou professores deles. Mas a base para saber isto não é social, e sim lógica, pois, da m esm a form a que outros princípios básicos, o predicado é reduzível ao sujeito. Ele é verdadeiro por definição, e não por aculturação. Sétimo, se o Convencionalismo fosse co rreto , n en h u m tipo de significado seria possível. Se todos os significados são baseados na experiência variável, que, por sua vez, tam bém form a o seu significado a partir de o u tra experiência variável etc., na verdade, não existe base para o sentido de u m a palavra. U m a série infinita não é mais possível nos seus significados do que é nas suas causas. A postergação eterna da base para o significado não é o m esm o que en contrar a base para ele. E u m a declaração sem qualquer tipo de em basam ento para o seu significado é u m a afirm ação sem fundam ento. Oitavo, o Convencionalismo tem som ente u m critério interno para o significado, tal co m o a coerência. En tretanto, u m critério interno não é suficiente para resolver conflitos no significado no que se refere às mesm as afirmações do ponto de vista de diferentes cosmovisões. Por exem plo, a declaração: “Deus é u m Ser necessário” pode ser interpretada de form a teísta ou panteísta. Critérios m eram en te internos, tais co m o a coerência ou a consistência lógica, não podem determ inar qual deles é co rreto . Nono, o Convencionalismo envolve u m a argum entação fechada. Ele não justifica as suas alegações; ele sim plesm ente as expõe. Quando u m convencionalista é questionado a respeito da fundam entação da sua cren ça de que todo o significado é convencional, ele não consegue apresentar u m fundam ento não-convencional, pois, se conseguisse, deixaria de ser u m convencionalista. Mas se ele apresenta um fundam ento m eram en te convencional para o seu Convencionalismo, isto é, u m a base relativa para o seu relativismo, ele está andando em círculos.
SIGNIFICADO: O PRESSUPOSTO SEMÂNTICO.
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Décimo, os convencionalistas n o rm alm en te fazem distinção entre a gram ática de superfície e a de profundidade16 a fim de evitar certos problemas, tais co m o os que apresentam os acim a. Mas esta distinção presum e que eles ten h am um a posição estratégica que vai além da própria cu ltu ra onde estão inseridos. Portanto, a distinção que eles m esm os fazem não é possível na teoria p or eles proposta. Décimo primeiro, n en h u m conhecim ento verdadeiram ente descritivo de Deus é possível em um a visão convencionalista da linguagem, já que no Convencionalismo a linguagem é simplesmente baseada na nossa experiência. Ele nos inform a som ente o que Deus parece ser (para nós) n a nossa experiência mas não o que Ele realmente é (em Si m esm o). Isto o reduz a u m agnosticismo autodestrutivo (a reivindicação de que sabemos que não somos capazes de saber nada acerca da natureza de Deus). Assim, o Convencionalismo reduz o significado de “Deus” a u m a m era estru tu ra de interpretação, e não ao Ser extracósm ico que transcende o m undo, apresentado pelo Teísmo (veja capítulo 2).
REALISMO: UMA ALTERNATIVA AO ESSENCIALISMO E AO CONVENCIONALISMO A visão convencionalista de significado é claram ente u m a reação exagerada ao Essencialismo platônico. Entretanto, existe u m a terceira alternativa que evita tanto a rigidez do Essencialismo quanto o relativismo do Convencionalismo: o Realismo. O Realismo defende que o significado é objetivo, m esm o que os símbolos sejam cu ltu ralm en te relativos, pois o significado transcende os nossos símbolos e os meios lingüísticos que tem os para expressá-los. O significado é objetivo e absoluto, não porque u m a expressão lingüística específica o seja, mas porque existe u m a M ente absoluta, Deus (veja capítulo 2), que o com u n icou às m entes finitas (os seres hum anos) p or intermédio de u m m eio com u m , mas análogo, de linguagem h um ana (veja capítulo 9) que utiliza princípios transcendentes de lógica com uns tanto a Deus quanto aos seres hum anos (veja capítulo 5).
Uma Estrutura para Compreender o Significado do Significado As tradicionais seis causas nos ajudarão a explicar este tópico. Na tradição de Aristóteles, os filósofos escolásticos distinguiam seis diferentes causas para as coisas: (1) causa eficiente —aquelapíla qual algo vem à existência; (2) causa final —aquela para a qual algo vem à existência; (3) causa formal —aquela da qual algo vem à existência; (4) causa material —aquela a partir da qual algo vem à existência; (5) causa exemplar —aquela depois da qual algo vem à existência; (6) causa instrumental —aquela através da qual algo vem à existência. Por exemplo, um a cadeira de madeira tem o carpinteiro com o sua causa eficiente,o proporcionar um assento para alguém com o sua causa final, a sua estrutura com o um a cadeira com o sua causa formal, a madeira com o sua causa material, seu projeto (escrito) com o sua causa exemplar, e as ferramentas do carpinteiro com o a sua causa instrumental. A G ram ática de superfície é aqui definida com o aquela que é óbvia em um a estrutu ra lingüística, enquanto que gram ática de profundidade é aquela que está oculta por detrás dela.
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co m o : “Todas as esposas são m ulheres casadas”. Se o significado fosse som ente relativo e dependente da cu ltu ra, não seriam possíveis declarações de valor universal co m o estas. Terceiro, se o Convencionalismo fosse verdadeiro, não haveria qualquer tipo de verdade universal em n enh u m a língua, mas isto acontece. Por exemplo, expressões matemáticas, tais com o 4 + 3 = 7 , são universalmente verdadeiras. Assim com o as leis básicas da lógica, com o, por exem plo, a lei da não-contradição (veja capítulo 5). De fato, nenh u m adepto do Convencionalismo seria capaz de negar estes princípios básicos do raciocínio sem fazer uso deles próprios. A própria declaração: “O significado de todas as declarações é relativo a u m a cu ltu ra”, para efeito de seu significado, está atrelado à existência das leis da lógica, que não são relativas a cu ltu ra alguma, mas que transcendem todas as culturas e línguas. Quarto, se o Convencionalismo fosse verdadeiro, não conheceríam os n enhum a verdade de maneira independente e/ou antes de conhecer as convenções daquela verdade, n a língua em que a estivéssemos analisando. Só que sabemos que 2 + 1 = 3 antes de conhecerm os as convenções de u m a língua. A M atem ática pode até depender de símbolos relativos para ser expressa, mas as verdades m atem áticas não dependem de qualquer cultura. Quinto, as leis da lógica não são baseadas em convenções humanas; elas estão, verdadeiramente, à parte de todas as convenções lingüísticas. A lógica não é arbitrária. Nós não optamos pelas suas leis; mas, em vez disso, somos regidos por elas. Nós não as criamos, simplesmente as descobrimos. Elas são logicamente anteriores à, e independentes da, cultura na qual elas são expressas; não são as culturas que as criam nem as desenvolvem de maneira diferente. Sem elas, os membros de uma cultura não seriam nem mesmo capazes de pensar. As pessoas em todas as culturas precisam usar as leis da lógica antes m esm o de pensar na sua existência. Sexto, o Convencionalism o confunde a fonte im ediata do significado co m a sua base final. A fonte para descobrir que “todos os bacharéis são solteiros” pode ser social; por exem plo, podem os ter descoberto co m os pais ou professores deles. Mas a base para saber isto não é social, e sim lógica, pois, da m esm a form a que outros princípios básicos, o predicado é reduzível ao sujeito. Ele é verdadeiro por definição, e não por aculturação. Sétimo, se o Convencionalismo fosse co rreto , n en h u m tipo de significado seria possível. Se todos os significados são baseados na experiência variável, que, por sua vez, tam bém form a o seu significado a partir de o u tra experiência variável etc., na verdade, não existe base para o sentido de u m a palavra. U m a série infinita não é mais possível nos seus significados do que é nas suas causas. A postergação eterna da base para o significado não é o m esm o que en contrar a base para ele. E u m a declaração sem qualquer tipo de em basam ento para o seu significado é um a afirm ação sem fundam ento. Oitavo, o Convencionalismo tem som ente u m critério interno para o significado, tal co m o a coerência. Entretanto, u m critério interno não é suficiente para resolver conflitos no significado no que se refere às mesm as afirmações do ponto de vista de diferentes cosmovisões. Por exem plo, a declaração: "Deus é u m Ser necessário” pode ser interpretada de form a teísta ou panteísta. Critérios m eram en te internos, tais co m o a coerência ou a consistência lógica, não podem determ inar qual deles é correto. Nono, o Convencionalism o envolve u m a argum entação fechada. Ele não justifica as suas alegações; ele sim plesmente as expõe. Quando u m convencionalista é questionado a respeito da fundam entação da sua crença de que todo o significado é convencional, ele não consegue apresentar u m fundam ento não-convencional, pois, se conseguisse, deixaria de ser u m convencionalista. Mas se ele apresenta u m fundam ento m eram en te convencional para o seu Convencionalismo, isto é, u m a base relativa para o seu relativism o, ele está andando em círculos.
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Décimo, os convencionalistas n orm alm en te fazem distinção entre a gram ática de superfície e a de profundidade16 a fim de evitar certos problemas, tais co m o os que apresentam os acim a. Mas esta distinção presum e que eles ten h am u m a posição estratégica que vai além da própria cu ltu ra onde estão inseridos. Portanto, a distinção que eles m esm os fazem não é possível na teoria po r eles proposta. Décimo primeiro, n en h u m conhecim ento verdadeiram ente descritivo de Deus é possível em u m a visão convencionalista da linguagem, já que no Convencionalismo a linguagem é simplesmente baseada na nossa experiência. Ele nos inform a som ente o que Deus parece ser (para nós) na nossa experiência mas não o que Ele realmente é (em Si m esm o). Isto o reduz a u m agnosticismo autodestrutivo (a reivindicação de que sabemos que não somos capazes de saber nada acerca da natu reza de Deus). Assim, o Convencionalismo reduz o significado de “Deus” a u m a m era estru tu ra de interpretação, e não ao Ser extracósm ico que transcende o m u ndo, apresentado pelo Teísmo (veja capítulo 2).
REALISMO: UMA ALTERNATIVA AO ESSENCIALISMO E AO CONVENCIONALISMO A visão convencionalista de significado é claram ente u m a reação exagerada ao Essencialismo platônico. Entretanto, existe u m a terceira alternativa que evita tanto a rigidez do Essencialismo quanto o relativismo do Convencionalismo: o Realismo. O Realismo defende que o significado é objetivo, m esm o que os símbolos sejam cu ltu ralm en te relativos, pois o significado transcende os nossos símbolos e os meios lingüísticos que tem os para expressá-los. O significado é objetivo e absoluto, não porque u m a expressão lingüística específica o seja, mas porque existe u m a M ente absoluta, Deus (veja capítulo 2), que o com u n icou às m entes finitas (os seres hum anos) p o r interm édio de u m m eio co m u m , mas análogo, de linguagem h um ana (veja capítulo 9) que utiliza princípios transcendentes de lógica com uns tanto a Deus quanto aos seres hum anos (veja capítulo 5).
Uma Estrutura para Compreender o Significado do Significado As tradicionais seis causas nos ajudarão a explicar este tópico. N a tradição de Aristóteles, os filósofos escolásticos distinguiam seis diferentes causas para as coisas: (1) causa eficiente —aquela pela qual algo vem à existência; (2) causa final —aquela para a qual algo vem à existência; (3) causa formal —aquela da qual algo vem à existência; (4) causa material —aquela a partir da qual algo vem à existência; (5) causa exemplar —aquela depois da qual algo vem à existência; (6) causa instrumental —aquela através da qual algo vem à existência. Por exemplo, um a cadeira de madeira tem o carpinteiro com o sua causa eficiente, o proporcionar u m assento para alguém com o sua causa final, a sua estrutura com o um a cadeira com o sua causa formal, a madeira com o sua causa material, seu projeto (escrito) com o sua causa exemplar, e as ferramentas do carpinteiro com o a sua causa instrumental. ^G ram ática de superfície é aqui definida com o aquela que é óbvia em um a estrutu ra lingüística, enquanto que gram ática de profundidade é aquela que está o cu lta por detrás dela.
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O Significado É Encontrado na Causa Formal A aplicação destas seis causas ao significado de u m texto escrito nos leva à seguinte análise: (1) O escritor é a causa eficiente do significado de um texto. (2) O objetivo do escritor é a causa final do seu significado. (3) A escrita é a causa formal do seu significado. (4) As palavras são a causa material do seu significado. (5) As idéias do autor são a causa exemplar do seu significado. (6) As leis do pensamento são a causa instrumental do seu significado. O significado (a causa form al) de u m a expressão inteligível, co m o a escrita, não é encontrado no “significador”; ele é a causa eficiente do significado. A causa form al do significado está na escrita em si. O objeto a ser significado é encontrado nos sinais que o representam ; o significado verbal é encontrado n a própria estru tu ra e na gram ática das frases, no texto literário em si (causa form al), e não no seu propósito (causa final). Observe que o significado não é encontrado nas palavras individuais (causa m aterial). As palavras em si m esm as não têm u m significado real, mas som ente u m significado potencial. Elas têm o seu uso em u m a frase, que é a m en or das unidades de significado. R etornando a u m exem plo anterior, a palavra inglesa bark ( “latir”, ou “casca de u m a árvore”) não tem u m significado inerente, mas vários usos diferentes (em frases) que têm u m significado, tal com o o exem plo abaixo a respeito da palavra pena (em português): (1) A ave de grande porte perdeu uma pena. (2) A pena pela desobediência à lei corresponde a dois anos de detenção. Segundo este ponto de vista, as palavras são apenas partes de u m todo (do todo da frase), a qual é a única que detêm o sentido. De m aneira similar, os pigm entos sozinhos não têm beleza por si m esm os, mas som ente quando form am u m belo con ju nto em um quadro. O sentido, p ortan to, é som ente encontrado no texto co m o u m todo, e não em partes dele, de m aneira independente.
O Locusâo Significado O significado de u m texto não está fora do próprio texto (n a m ente do au tor), por debaixo do texto (n a m ente de algum m ístico), ou por detrás do texto (em algum a intenção não expressa pelo au tor); antes, ele é encontrado no texto (n o significado expressado pelo au tor). Da m esm a form a, a beleza de u m a tela não está fora, n em debaixo, nem p or detrás dela. Todo o significado textual está no texto . As frases (n o con texto do seu parágrafo, e no con texto da obra co m o u m tod o) são a causa form al do sentido. Elas são a form a que dá o sentido a todas as partes (palavras, pontuação etc.).
A Unidade de Significado C om o o significado da Bíblia vem , em últim a instância, de u m a M ente objetiva (D eus) e se encontra em um texto objetivo que utiliza term os co m o m esm o significado
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tan to para Deus quanto para os seres hum anos (veja capítulo 9), tem os som ente um significado para u m texto bíblico — aquele que foi dado pelo autor. Obviamente, pode haver muitas implicações e aplicações —na verdade, este significado pode ser expresso de várias form as na m esm a língua. Isto se to rn a possível porque existe u m emissor objetivo de u m significado, u m m eio objetivo para a transmissão deste significado (lógico), e u m m eio co m u m de transmissão (linguagem ) entre o emissor e o recep tor que é capaz de expressar este significado (veja capítulo 9). Este significado objetivo é encontrado na causa form al (linguagem ), que proporciona a estru tu ra ou fo rm a do significado. Assim, o significado da revelação de Deus, esteja ela na Bíblia ou na natureza (veja capítulo 4), é encontrado em um a expressão objetiva do emissor, o idealizador do significado. Assim, m esm o que a visão do sensus unum (sentido único) seja co rreta ao afirm ar som ente um significado para u m texto, existe, entretanto, u m sensus plenum (sentido pleno) em term os de implicações e aplicações. Por exem plo, Einstein (1879-1955) sabia que e = m c 2 (energia é igual à m assa multiplicada pela velocidade da luz [que é u m a constante] ao quadrado), da m esm a form a que u m estudante secundarista n orm al hoje tam bém sabe. Todavia, Einstein conhecia m uito mais as implicações e aplicações disto do que o estudante da escola média. De m aneira similar, Deus, visto ter Ele inspirado o texto bíblico (2 T m 3.16), conhece infinitam ente mais a respeito do tópico e enxerga mais implicações e aplicações em u m a afirmação bíblica do que o seu au tor hum ano consegue enxergar (1 Pe 1.10-12). Mas Ele não afirma um significado cjue vai além daquele que 0 autor humano do texto mtencionou, pois tudo o que a Bíblia diz, Deus diz; tudo o que ela afirma ser verdadeiro, Deus afirma ser verdadeiro. Tanto o au to r divino da Bíblia quanto o hum ano afirm am u m significado único e idêntico em u m texto único e idêntico. Não existem dois textos, e não há dois significados p ara o texto.
A Objetividade do Significado As línguas hum anas variam , mas o significado não. O m esm o significado objetivo pode ser expresso em linguagem largam ente diversificada. Ao contrário do Essencialismo, que insiste em u m a correlação de u m -a -u m en tre o significado e a expressão, e ao contrário do Convencionalismo, que argum enta em direção da existência de u m a correlação de m uitos-p ara-u m en tre o significado e a expressão, o realismo afirma que existe u m a correlação de u m -para-m uitos. Ou seja, u m significado pode ser expresso de m uitas m aneiras diferentes, em diversos idiomas, e até m esm o na m esm a língua. Assim, a linguagem pode mudar e, na verdade, muda, mas 0 sentido que ela expressa não muda. O uso de u m a palavra se modifica co m o passar do tem po, mas o signficado daquela palavra em u m a frase não m uda. Por exem plo, na versão inglesa da Bíblia King Jam es Version, de 1611, a palavra let (cf. 2 Ts 2.7) significava “im pedir”. (No inglês m od ern o, ela significa o contrário, “perm itir”.) Mas n a New King Jam es Version (1982), quando esta palavra foi traduzida, utilizou-se a palavra “restrain” (im pedir) para substituir a palavra “let” da antiga King James Version (1611). O uso das palavras se modifica co m o tem po, mas o seu significado não. O utro exem plo do m esm o ponto é o significado m atem ático. Se escreverm os “dois mais dois é igual a quatro” ou “2 + 2 = 4 ”, o significado é o m esm o, ainda que o m od o de expressar seja diferente. Além disso, o significado é objetivo, ainda que o m odo de ele ser expresso seja relativo.
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CONCLUSÃO A objetividade da verdade que o Cristianismo abrange está baseada n a premissa de que o significado é objetivo. Esta objetividade no significado é rejeitada por m uitos dos lingüistas contem porâneos; a teoria convencionalista predom inante do significado é u m a form a de relativismo sem ântico. En tretanto, além de ser u m a reação exagerada ao Essencialismo platônico, o Convencionalismo é autodestrutivo, pois, co m o já vimos, a teoria do Convencionalismo em si de que “todo significado e relativo” se apresenta co m o u m a afirmação não-relativa. “Todo o significado é relativo” é u m a afirmação provida de u m significado que precisa ser aplicada a todas as afirmações providas de u m significado; ela é u m a afirm ação não-convencional alegando que todas as afirmações são convencionais. Dessa form a, ele se autodestrói, pois no próprio processo de se auto-expressar ele acaba fazendo uso de u m a teoria do significado que é contrária à que ele alega ser verdadeira p ara “todas as afirmações providas de significado”. Os usos dos símbolos e das palavras m u d am , m as o significado corretam en te expressado p o r eles não.
FONTES Agostinho, De Magistro. ________ . De Trinitate. ________ . Principia Dialecticae. Frege, G ottlob. Uber Sinn und Bedeutung ( “On Sense and Reference”, de Peter Geach, in: Translations From the Philosophical Writings o f Gottlob Frege). Gilson, Etienne. Linguistics and Philosophy. Howe, Thom as. Objectivity in Hermeneutics. Dissertação, Southeastern Baptist Theological Seminary. Maio de 1988. Platão, Cratylus. Saussure, Ferdinand. Cours de Linguistique General. Tomás de Aquino. Summa Theologica. W ittgensteín, Ludwig. Lectures and Conversations. ________ . Notebooks. . Philosojical Investigations. ______ Tractatus.
C A P Í T U L O
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u tro im p o r ta n te p re ssu p o s to d a T e o lo g ia ev a n g é lica é a n a tu re z a da v erd ad e. A n tes do ad v en to da m o d e rn id a d e , a te o lo g ia o r to d o x a s u ste n ta v a que a v erd ad e é o que c o rre s p o n d e aos o b jeto s das a firm a çõ e s feitas — isto é c h a m a d o de “visão de co rre sp o n d ê n cia da v e rd a d e ” . E ste p a ra d ig m a , e n tr e ta n to , te m sido se ria m e n te q u estio n a d o nos te m p o s m ais re c e n te s . E n e ce ssá rio , p o rta n to , d eb ater e d efen d er a base bíblica e te o ló g ic a da visão de c o rre s p o n d ê n c ia da v e rd a d e 1.
A IMPORTÂNCIA DA DEFINIÇÃO DE VERDADE A Bíblia alega ser verdadeira. O salmista declarou: “A tua lei é a verdade” (SI 119.142), e Jesus orou: “Santifica-os na verdade; a tu a palavra é a verdade” (Jo 17.17). C ontudo, perm anece a dúvida de Pilatos: “O que é a verdade?” A n atu reza da verdade é crucial para a fé cristã. O Cristianismo não som ente alega deter a verdade absoluta (que é real para todas as pessoas, em todos os lugares, e em todas as épocas), com o tam bém insiste em que esta verdade corresponde m esm o à m aneira co m o as coisas são de fato. Por exem plo, a afirm ação “Deus existe” significa que existe verdadeiramente u m Deus que transcende o nosso universo, u m Ser extracósm ico. Da m esm a form a, a afirm ação de que “Deus ressuscitou Cristo dentre os m o rto s” significa que o cadáver de Jesus de Nazaré voltou m esm o à vida e saiu m esm o do tú m u lo , de m aneira sobrenatural —depois do seu sepultam ento. As reivindicações da verdade feitas pelo Cristianismo, n a verdade, correspondem exatam ente à form a co m o as coisas nos são informadas. A n atu reza da verdade d e term in ará o que se quer dizer c o m a alegação de que a Bíblia é verdadeira. De igual m an eira, ela afetará seriam en te u m debate im p o rta n te sobre se á Bíblia co n té m ou n ão erros e o que esp ecificam en te significa “in e rrâ n cia ” bíblica (v eja p arte 2, cap ítu lo 27), pois, se a verdade h ão é o que corresp on d e aos fatos, m as sim plesm en te o que o a u to r quis nos tran sm itir, a Bíblia pode ser in teiram en te verdadeira, m esm o co n ten d o erros factuais — p o r mais e stra n h o que isso possa p arecer.
1 Epistemologia é o “estudo dos m étodos e bases do conhecim ento, especialm ente no que se refere aos seus lim ites e vabdade; em sentido am plo, podem os cham á-la de teoria do con hecim ento” (Websters Thirá New International Dictionary).
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A DEFINIÇÃO DE VERDADE A verdade pode ser com preendida tan to a partir do que ela é co m o a partir do que ela n ão é. Antes de poderm os saber o que ela é, precisam os exam inar o que ela não é.
O que a Verdade não É Existem muitas visões inadequadas da n atu reza da verdade. A maioria delas resulta da confusão en tre a n atureza (definição) da verdade e u m teste (defesa) da verdade, ou da não-distinção entre o resultado e a regra. (Isto será esclarecido abaixo, nos exemplos que dem on stram o que a verdade não é.) A Verdade não E “Aquilo que Funciona" U m a teoria popular da verdade é chamada de Pragmatismo e foi proposta por William }ames ( 1842-1910) e seus seguidores. De acordo co m avisãopragmática(veja James, P), averdade é aquilo que funciona; ou seja, ela está no “valor m onetário” de um a afirmação. Nas palavras do próprio William James: “A verdade é o que há de vantajoso na busca do conhecim ento”. Isto significa que um a afirmação é considerada verdadeira se ela gera os resultados certos. E um a experiência presente com o confirmada por um a experiência futura. A inadequação desta visão da verdade fica evidente a partir de várias considerações. Primeiro, os seus proponentes não esperam que compreendamos a sua expressão da sua visão da verdade por intermédio do pragmatismo, mas por intermédio da correspondência. Ou seja, eles não querem que aceitemos um a visão pragmática da verdade porque ela parece ser efetiva, mas porque esta corresponde à forma com que eles acreditam que as coisas realmente são. Segundo, a visão pragm ática faz confusão entre causa e efeito. Se algo é verdadeiro, irá funcionar, pelo menos a longo prazo. Mas o fato de algo funcionar não torna necessariamente este algo verdadeiro. As mentiras norm alm ente funcionam, mas a sua efetividade não as torn a verdadeiras; elas continuam sendo falsidades, independentemente do seu resultado. Terceiro, o conceito de verdade co m o “aquilo que funciona” é u m a visão limitada e restritiva da verdade. Quando m uito, ele se refere som ente às verdades práticas, não às verdades teóricas ou m atem áticas (p or exem plo, 5 + 5 = 1 0 não porque isto funciona, mas porque está co rreto ), ou às verdades metafísicas (veja capítulo 2). Quarto, a apresentação que o pragm atism o faz da “verdade” não é a form a co m o a verdade é com preendida na nossa vida quotidiana, ou em u m tribunal, por exem plo, onde a dem onstração da verdade pode ser u m a questão de vida ou de m o rte. N enhum juiz aceitaria o testem u nh o de alguém que diz: “Juro dizer o que m e for conveniente, tudo o que m e for conveniente, nada mais além do que m e for conveniente, de m odo que a experiência fu tu ra m e ajude nesse sentido”. Quinto, os resultados não resolvem a questão da verdade, pois m esm o quando os resultados são atingidos, ainda se pode perguntar se a afirmação inicial corresponde ou não aos fatos. Se ela não corresponder, então não será verdadeira, independente dos resultados alcançados. A Verdade não E "Aquilo que E Coerente” Alguns pensadores sugerem que a verdade é o que apresenta consistência interna; o que é internam ente coerente; o que é autoconsistente. Entretanto, esta continua sendo um a definição inadequada da verdade, p o r duas razões:
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Primeiro, a própria afirmação “A verdade é aquilo que é coerente” é apresentada pelo seu proponente com o algo que corresponde à realidade. Assim, a teoria da coerência depende da visão de correspondência contrária da verdade até m esm o para se expressar. N enhum “coerentista” deseja que aceitemos a sua visão simplesmente por acreditar que ela seja coerente, mas simplesmente porque ele acredita que ela seja verdadeira (isto é, porque, na sua opinião, ela representa corretam ente o estado real das coisas com o elas são). Segundo, afirmações vazias podem ser coerentes ou perm anecer firmes m esm o quando são privadas de conteúdo (ou seja, quando não se referem a coisa algum a). Por exemplo: “Todas as esposas são m ulheres casadas” é u m a frase que apresenta coerência interna, mas ela é um a afirmação vazia, porque não nos inform a nada a respeito do m undo real. A afirmação seria verdadeira m esm o que não existissem esposas; na verdade, ela significa: “Se existir u m a esposa, ela deve, necessariamente, ser casada”, mas ela não nos inform a que existe um a esposa em parte algum a do universo. U m a combinação de afirmações, tam bém , pode ser internam ente consistente; tal com o ocorre em um a conspiração em u m tribunal, na qual se m ente debaixo de juram ento. Além disso, a coerência, na m elhor das hipóteses, não passa de u m teste negativo para a verdade —ou seja, afirmações são falsas se forem inconsistentes, mas não são necessariamente verdadeiras se forem consistentes. A Verdade não E “Aquilo que se Intenta Fazer’’ Outras pessoas sugerem que a verdade é encontrada nas intenções, e não necessariamente nas afirmações. Ou seja, u m a afirmação é verdadeira se o autor teve a intenção de ser verdadeiro, ou falsa quando o autor não teve a intenção de ser verdadeiro (veja Rogers, BAÍ). Mas, provavelmente, existem problemas igualmente sérios co m esta posição. Primeiro, com o ocorre co m o caso da coerência, o proponente da visão “intencionalista” da verdade precisa usar u m a visão de correspondência da verdade para expressar o seu ponto de vista, pois a própria frase: “A visão intencionalista da verdade é verdadeira” não é verdadeira porque ele teve a intenção de que ela fosse verdadeira, mas som ente se ela corresponder àquilo que se refere. A palavra verdadeira nesta frase significa “correta” ou “correspondente”, pois, de outra form a, ela não poderia reivindicar qualquer sentido para si. Segundo, m uitas afirmações não concordam co m a intenção do autor, e m esm o assim são erradas. Deslizes lingüísticos o co rrem , e eles se constituem em inverdades. E se u m a afirmação é verdadeira sim plesmente porque se teve boa intenção ao escrevê-la, m esm o se constituindo em u m a incorreção, todos os erros similares seriam, então, verdadeiros. Terceiro, se algo for verdadeiro som ente porque alguém teve a intenção de expressar a verdade, todos as afirmações sinceras já pronunciadas seriam verdadeiras — m esm o aquelas que são p atentem ente absurdas. Mas muitas pessoas já estiveram sinceram ente enganadas. Por isso, a visão intencionalista da verdade é falha.
.4 Verdade não E “Aquilo que E Abrangente" O utros alegam que a verdade pode ser encontrada naquilo que é mais abrangente. Isto significa dizer que a visão que explica a m aioria dos dados é verdadeira, e aquelas que não são abrangentes são falsas — ou, pelo m enos, não tão verdadeiras. Esta teoria da verdade está longe de ser u m a definição com preensiva da verdade por várias razões. Primeiro, com já vimos em outros exemplos, a alegação de que “a visão de abrangência da verdade é verdadeira”, para ser verdadeira, depende da visão de correspondência da verdade. A palavra verdadeira nesta afirmação significa “aquilo que corresponde à realidade, o que é correto”.
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Segundo, a abrangência é, na m elh o r das hipóteses, som ente u m teste para a verdade, não a definição de verdade. C ertam ente, u m a boa teoria explicará todos os dados relevantes, e u m a cosmovisão verdadeira será abrangente. En tretanto, isto não passa de u m teste negativo para a sua veracidade — as afirmações desta visão continuarão necessitando corresponder ao estado alegado das coisas para ser verdadeiro. Terceiro, seu m avisão fosse verd ad eirasim p lesm en tep o rq u eelaém ais enciclopédica, u m a visão mais abrangente do erro seria verdadeira, e u m a ap resen tação breve da verdade seria falsa; au to m a tica m e n te , as ap resen tações p rolixas seriam verdadeiras, e as concisas, falsas. Mas isso é u m absurdo — é óbvio que se p ode te r u m a visão exaustiva do que é falso e u m a visão in co m p le ta do que é verdadeiro. A Verdade não E “Aquilo que E essencialmente Relevante’’ D an do seq üên cia às idéias de S o ren K ierkegaard (1 8 1 3 -1 8 5 5 ), o u tro s filósofos existencialistas tê m insistido que o que é re le v a n te p a ra a nossa e xistên cia ou p ara a nossa vida é v erd ad eiro , e o que n ão é re le v a n te é falso. A verd ad e é subjetividade, c o m o afirm ou K ierkegaard, a v erd ad e é aquilo q u e é “vivível”2. O u tro existen cialista (M a rtin B u b er, 1878-1965) d e cla ro u que a verd ad e é e n co n tra d a nas pessoas, e não em p rop o siçõ es (IA T ). E xistem vários p rob lem as c o m a definição existen cial da verdade. Primeiro, a própria afirm ação: “A verdade não pode ser descoberta nas proposições” é, p or si m esm a, u m a proposição da verdade. E m outras palavras, ela é autodestrutiva. Segundo, o Existencialismo confunde a natureza da verdade co m a aplicação da verdade. E claro que toda verdade aplicável deve ser aplicável à nossa vida; ou seja, devemos nos apropriar de toda verdade objetiva de form a subjetiva sem pre que possível. Mas isto não significa que a verdade em si seja subjetiva. Terceiro, o Existencialism o ap resen ta u m a definição excessivam ente lim itad a da verdade. M esm o que a verdade seja existencial em algu m sentido, n e m todas as verdades se en caixam n esta categ o ria — existem m uitas o u tras form as de verdade, incluindo a física, a m a te m á tica , a h istórica, e a teó rica. Se a verdade, pela sua p róp ria n atu reza, fosse so m en te d escoberta p o r in term éd io da sua relevân cia existencial, n e n h u m a destas verdades p oderia ser co rre ta . A relevância existencial, como definição completa da verdade, é falha. Quarto, o que é verdadeiro sem pre será relevante, mas nem tudo o que é relevante será necessariam ente verdadeiro. U m a can eta é relevante para u m escritor ateu, e u m revólver é relevante para u m assassino. Mas a relevância desses objetos não faz nem do prim eiro u m h om em verdadeiro, nem do segundo u m h o m em bom. U m a verdade sobre a vida será relevante para a nossa vida, mas nem tudo o que é relevante para a nossa vida será verdadeiro. Quinto, m uitos existencialistas criam u m a falsa dicotom ia en tre o fato e o valor, relegando as verdades da religião ao dom ínio do não-factual. Isto, en tretan to , não é possível, porque não se pode separar o significado espiritual da m o rte e ressurreição de C risto dos fatos objetivos da sua m o rte literal, do tú m u lo vazio, e das aparições físicas (1 Co 15.1-19).
2 Kierkegaard não negou a verdade factual, mas afirm ou que nas questões religiosas ela precisava ser subjetivam ente considerada para ser verdadeira.
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A Verdade não É “Aquilo que Faz Sentir Bem"
A visão subjetivista popular é de que a verdade proporciona u m sentim ento de satisfação, enquanto que o erro nos causa u m sentim ento ruim . Dessa form a, a verdade é encontrada nos nossos sentim entos subjetivos. M uitos místicos e adeptos da Nova Era se baseiam em versões deste ponto de vista (Shirley MacLaine, Out on a Limb); entretanto, esta visão é deficiente por várias razões. Primeiro, esta visão é autodestrutiva, pois a alegação de que: “O que faz sentir bem é verdadeiro" som ente é verdadeira se ela corresponder à m aneira com o as coisas são, de fato. Assim, ela depende da visão de correspondência da verdade para fazer sentido a partir da sua alegação de ser verdadeira tan to no sentido factual quanto no objetivo. O subjetivismo, na verdade, alega que a sua visão da verdade é co rreta som ente se ela corresponder aos fatos em si, e não sim plesmente em função dos sentim entos. Segundo, é evidente que as más notícias (que nos fazem sentir m al) podem ser verdadeiras. Mas se o que faz sentir bem é sem pre verdadeiro, então isto não seria possível. Notas baixas no boletim não fazem co m que u m aluno se sinta bem, m esm o que sejam verdadeiras. A verdade é que a verdade n orm alm en te m achuca. Terceiro, os sentim entos são relativos às pessoas, e, dessa form a, o que parece fazer bem para u m a pessoa pode fazer co m que o u tra se sinta mal. Se isto ocorresse p or causa da verdade, então a verdade seria relativa. Mas a verdade co m o u m todo não pode ser relativa, pois a afirmação de que “toda a verdade é relativa” é, p o r si só, u m a afirmação absoluta e, p o rtan to, u m a verdade absoluta (veja pagina X X , “U m a Resposta aos Argum entos a favor da Visão Relativa da Verdade”). Quarto, m esm o que a verdade nos faça sentir bem , não podem os aceitar que o que nos faz sentir bem seja, necessariam ente, verdadeiro — isso é co lo car o carro n a frente dos bois. A n atu reza da verdade não é a m esm o que o resultado da verdade.
O que É a Verdade: A Verdade É aquilo que Corresponde ao seu Objeto Agora que as visões inadequadas da natureza da verdade já foram examinadas, restanos apresentar as visões positivas a seu respeito. A verdade é descoberta na correspondência. A verdade é o que corresponde ao seu objeto (referente), seja este objeto abstrato ou con creto. Da form a co m o ela é aplicada ao m undo, a verdade é a form a co m o as coisas são de fato. A verdade é “con tar as coisas co m o elas realm ente são”. E claro que pode haver verdade a respeito de realidades abstratas, da m esm a form a com o ela pode existir para realidades tangíveis. Por exemplo, existem verdades matemáticas, e existem também verdades sobre as idéias, tal com o as idéias na m ente das pessoas. A verdade é o que representa co m precisão este estado das coisas, quaisquer que elas possam ser. Em contraste, a inverdade é aquilo que não corresponde ao seu referente (objeto).
A inverdade não descreve as coisas co m o elas são, mas co m o não são; é u m a falsa representação da form a co m o as coisas são. As declarações são falsas se estão erradas, m esm o que o au tor delas ten h a tido a intenção de dizer as coisas corretas.
Argumentos Filosóficos a favor de uma Visão de Correspondência da Verdade Existem muitas razões que apóiam a visão de correspondência da natureza da verdade —a visão de que a verdade é o que descreve co m exatidão o objeto referido. Várias delas podem ser citadas aqui:
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Primeiro, as visões de não-correspondência da verdade são autodestrutivas. C om o já vim os, repetidas vezes, todos os pontos de vista que não fazem uso da visão de correspondência da verdade im plicam u m a visão de correspondência dela n a própria tentativa que fazem para negar o m odelo de correspondência. Por exem plo, a alegação de que “a visão da não-correspondência é verdadeira” im plica que a não-correspondência corresponde à realidade; p ortan to, a visão da não-correspondência não consegue nem m esm o se expressar sem fazer uso da visão de correspondência da verdade. Segundo, até mesmo as mentiras são impossíveis sem que tenhamos uma visão de correspondência da verdade. Se as nossas declarações não precisam corresponder ao fatos para ser verdadeiras, qualquer declaração factualm ente in co rreta pode ser verdadeira. E, se este for o caso, as m entiras se to rn am impossíveis, porque qualquer declaração é com patível co m qualquer estado específico das coisas. Terceiro, sem a correspondência não poderia haver nem verdade nem erro. Para sabermos se algo é verdadeiro, em oposição a algo falso, é preciso que haja u m a diferença real en tre as coisas e as declarações que são feitas sobre elas. Mas esta diferença real entre o pensam ento e os objetos é precisam ente o que implica a visão de correspondência da verdade. Quarto, a comunicação factual ficaria inviabilizada sem a visão de correspondência da verdade. A com unicação factual depende de afirmações informativas, mas estas declarações informativas precisam ser factualm ente verdadeiras (ou seja, elas precisam corresponder aos fatos) para poder inform ar corretam en te. Além disso, toda com unicação parece depender, em últim a análise, de algo que é literalm ente ou factualm ente verdadeiro, pois não podem os saber se algo (co m o u m a m etáfora) não é literalm ente verdadeiro se não tiverm os o entendim ento do que seja literal. Sendo assim, concluím os que toda com unicação depende, em últim a análise, de u m a visão de correspondência da verdade. Quinto, até m esm o a teoria intencionalista depende da visão de correspondência da verdade. A teoria intencionalista alega que algo é verdadeiro som ente se os seus feitos corresponderem às suas intenções. Conseqüentem ente, dentro do sistema intencionalista, sem a correspondência entre as intenções e os fatos realizados, não há verdade.
Argumentos Bíblicos a favor de uma Visão de Correspondência da Verdade De u m ponto de vista teológico, é im portante saber se os autores bíblicos em pregaram m esm o u m a visão de correspondência da verdade. Existem m uitas linhas de evidência que nos ajudam nessa confirm ação (veja Preus, IS, 24). Primeiro, o nono m andam ento nos foi entregue dentre de u m a visão de correspondência da verdade. “Não dirás falso testem unho con tra o teu p róxim o” (Ex 20.16) necessita da efetividade da correspondência para que o seu próprio significado seja válido, pois im plica que u m a declaração é falsa quando não corresponde à realidade. Na verdade, esta é a form a exata co m o o term o “m en tira” é utilizado n a Bíblia. Satanás é cham ado de m entiroso (Jo 8.44); a sua afirmação a Eva — “C ertam en te não m orrereis” (G n 3.4) — não correspondia ao que Deus realmente havia dito, a saber: “C ertam ente m orrerás” (G n 2.17). Ananias e Safira m en tiram para os apóstolos ao distorcer o estado real das coisas a respeito das suas finanças (A t 5.1-4). Segundo, a Bíblia apresenta num erosos exemplos da visão de correspondência da verdade. José disse aos seus irm ãos: “Enviai u m dentre vós, que traga vosso irm ão; mas vós ficareis presos, e vossas palavras serão provadas, se há verdade convosco” (G n 42.16).
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Moisés ordenou que os falsos profetas fossem provados com base no seguinte teste: “Quando o tal profeta falar em nom e do SENHOR, e tal palavra se não cumprir, nem suceder assim, esta é palavra que o SENHOR não falou [...] não tenhas tem or dele”. (D t 18.22). Salomão orou, na dedicação do Templo: “Agora, também, ó Deus de Israel, cumpra-se a tua palavra [isto é, que ela se torne real] que disseste a teu servo Davi, m eu pai” (1 Rs 8.26). As profecias de Miquéias foram consideradas “verdadeiras”, e as palavras dos falsos profetas foram consideradas “m entiras”, porque as palavras ditas pelo prim eiro corresponderam aos fatos reais (1 Rs 22.16-22). O que não correspondia à lei de Deus era considerado “falsidade” (SI 119.163). O livro de Provérbios declara: “A testem unha verdadeira livra as almas, mas o que se desboca em mentiras é enganador” (Pv 14.25), o que implica que a verdade deve ser factualmente correta. Em u m tribunal, som ente as nossas boas intenções não serão suficientes para salvar a vida de u m inocente, quando esta pessoa for inj ustam ente acusada. Som ente “a verdade, toda a verdade e nada mais que a verdade” poderá fazer isto. Nabucodonosor exigiu que os seus sábios descobrissem os fatos e considerou tudo o mais com o “engano” (D n 2.9). A declaração que Jesus fez em João 5.33 im plica u m a visão de correspondência da verdade: “Vós mandastes a João, e ele deu testem unho da verdade” . Em Atos 24, tem os u m uso inegável da visão de correspondência. Os judeus falaram de Paulo ao governador: “Exam inando-o, poderás entender tudo o de que o acusamos” (v. 8). Mais adiante, Paulo respondeu: “Tu podes facilmente verificar [os fatos]” (v. 11, NIV). Paulo claram ente sugeriu u m a visão de correspondência da verdade quando escreveu: “Pelo que deixai a m en tira e falai a verdade cada u m co m o seu p ró xim o ” (E f 4.25). Terceiro, o uso bíblico da palavra erro não dá suporte à teoria intencionalista da verdade, já que ela tam bém é utilizada para se referir a erros não-intencionais (cf. Lv 4.2,27 etc.). Certas ofertas (de animais) eram erradas, tivessem ou não os ofertantes tido a intenção de fazê-la de form a errada, e assim era necessária mais u m a oferta pela culpa para expiar esse erro. Das cinco vezes em que shagag ( “erra r”) é utilizada no Antigo T estam ento (Gn 6.3; Lv 5.18; N m 15.28; Jó 12.16; SI 119.67), as referências feitas em Levítico e N úm eros claram ente se referem ao erro não-intencional. Além disso, o substantivo shegagah ( “e rro ”) é utilizado dezenove vezes, e som ente em duas se refere a erros não-intencionais (Lv 4.2,22,27; 5.15,18; 22.14; N m 15.25 [duas vezes],26,27,28,29 [duas vezes]; 35.11 [duas vezes]; Js 20.3,9). Som ente em Eclesiastes 5.6 e 10.5 a palavra shegagah pode ser com preendia co m o m enção a erros intencionais. Para resum ir, a Bíblia em prega de form a consistente u m a visão de correspondência da verdade. U m a afirmação é verdadeira se ela corresponder aos fatos e falsa se não corresponder. Raram ente, são encontradas até m esm o exceções aparentes a este uso. João 5.31 parece ser u m a exceção. Jesus disse: “Se eu testifico de m im m esm o, o m eu testem unho não é verdadeiro”. Isto parece im plicar que as afirmações factualm ente corretas de Jesus não eram “verdadeiras”. E n tre ta n to , isto n ão faria sentido n em m esm o de aco rd o co m a definição de verdade de u m inten cion alista, pois é obvio que Jesus tinha a intenção de falar a verdade a seu p róp rio respeito. O seu objetivo aqui foi d eclarar que u m a u to -te ste m u n h o não seria confirmadamente verdadeiro. O u, c o m o vem os em M ateus 18.16 (cf. Jo 8.17): “Para que pela b oca de duas ou três testem u n h as, to d a palavra seja confirmada” , e n ão so m en te pela b oca da pessoa que o declara. E m o u tra passagem , Jesus declarou claram en te: “Ainda que eu testifique de m im m esm o , o m eu te ste m u n h o é
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verd ad eiro” (Jo 8.14), q uerendo dizer que o seu te ste m u n h o é factu alm en te c o rre to , m esm o que as pessoas se recu sassem a aceitá-lo. Se os argum entos bíblicos a favor de u m a visão de correspondência da verdade são tão consistentes, por que é que tantos cristãos—até m esm o alguns que crêem n a inerrância da Bíblia — alegam aderir a u m a visão de não-correspondência (intencionalista) da verdade? Na verdade, a razão é n orm alm en te bastante simples: Existe u m a confusão entre a teoria da verdade e o teste da verdade. Ou seja, n orm alm en te ambas as partes são adeptas da teoria da correspondência da verdade, mas divergem na sua descrição de co m o a verdade pode ser testada. Em sum a, a verdade deveria ser definida co m o correspondência, mas pode ser defendida de outras formas.
Respostas às Objeções à Verdade como Correspondência As objeções à visão de correspondência da verdade vêm tan to de dentro quanto de fora; elas em anam tan to de fontes cristãs quanto de não-cristãs. As objeções mais im portantes de ambos os lados são as seguintes: Objeção Um Quando Jesus disse: “Eu sou a verdade” (Jo 14.6), Ele dem onstrou que a verdade é pessoal, e não proposicional. Isto refuta a visão de correspondência da verdade em que a verdade é u m a característica das proposições (ou expressões) acerca da realidade. Resposta O que Jesus disse não refuta a visão de correspondência da verdade. U m a pessoa pode ser “verdadeira” no sentido de que ela m esm a é a realidade à qual aquela afirmação verdadeira se refere. Além disso, u m a pessoa tam bém pode corresponder à realidade, da m esm a form a que um a proposição o faz. C om o a “expressa im agem ” do Deus invisível (Hb 1.3), Jesus corresponde perfeitamente ao Pai (Jo 1.18); Ele disse a Filipe: “Q uem me vê a m im vê o Pai” (Jo 14.9). Assim, u m a pessoa pode corresponder a o u tra em seu caráter e ações, e neste sentido pode-se dizer que as pessoas são verdadeiras, ou expressam a verdade. Objeção Dois Deus é verdade, contudo não há nada fora de Si m esm o ao que Ele possa corresponder. Porém , de acordo co m a visão de correspondência, a verdade com p leta é aquela que representa corretam en te a realidade. E co m o não há nada fora de Deus ao que Ele possa corresponder, concluím os que Ele não é verdadeiro da m aneira co m o a Bíblia nos inform a (R m 3.4). Resposta A verdade com o correspondência se relaciona a Deus de várias m aneiras. Primeiro, as palavras de Deus correspondem aos seus pensam entos, pelo que consideram os Deus verdadeiro no sentido de que suas Palavras são dignas de confiança. Segundo, os pensam entos de Deus são idênticos a eles m esm os, o que representa um a form a de “correspondência” perfeita. Neste sentido, Deus é “verdadeiro” para co m Ele m esm o.
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Terceiro, se a verdade deve ser com preendida co m o algo que corresponde a outra coisa, então, neste sentido, Deus não seria verdadeiro; Ele seria sim plesmente a realidade final à qual algo corresponde. Quarto, a falácia básica desta objeção é o uso equivocado da definição. Se a corresp on d ên cia significa p ara algo alg u m a coisa que e s t i fora dela, en tão , obviam ente, Deus n ão pode ser a verdade, m as so m en te a realidade final à qual to d a a verdade p recisa co rresp o n d er. Se, p o r o u tro lado, a co rresp o n d ên cia tam b ém p ud er estar do lado de dentro, D eus, p o r sua vez, pode co rresp o n d er a Si m esm o da m a n eira mais perfeita possível. N este sentido, D eus é verdade de m an eira p erfeita p o r in term éd io da au to-identidade. Considere o seguinte raciocínio errôneo: (1) Todos que se submetem à autoridade do Papa são católicos romanos. (2) O Papa não pode se submeter a si mesmo. (3) Logo, o Papa não é um católico romano. O erro se encontra na segunda premissa. Ao contrário da afirm ação, o Papa pode se subm eter a si m esm o; basta que ele m esm o siga as diretrizes que ele estabelece para todos os católicos rom anos, incluindo-se aí a sua própria pessoa. Da m esm a form a, Deus pode e, na verdade, vive de acordo co m a sua própria autoridade, e neste sentido Ele é verdadeiro para co m Ele m esm o e, p ortan to, não pode m en tir (Hb 6.18). R E S U M O D A D E FIN IÇ Ã O D E V E R D A D E A verdade pode ser testada de diversas m an eiras, m as deve ser co m p reen d id a som en te de u m a, a saber, p o r in term éd io da correspon d ência. Pode haver diferentes form as de defender as diversas reivindicações de verdade, p o ré m existe so m en te u m a fo rm a aprop riad a de se definir a verdade. A con fu são en tre a n a tu re z a da verdade e a verificação da verdade está no ce n tro da rejeição de u m a visão de corresp on d ên cia da verdade. De m an eira similar, existe u m a diferença en tre o que é a verdade e o qut fa z a verdade. A verdade é correspondência, m as ela tem certas conseqüências. A verdade em si não deve ser confundida co m os seus resultados ou co m a sua aplicação. A falha em fazer a distinção nos leva a visões erradas acerca da n atu reza da verdade. A verdade é aquilo que corresponde ao objeto referido, isto é, ao estado das coisas que ela alega descrever. O erro é o que não corresponde. A N A T U R E Z A D A V E R D A D E C O M O ALG O A B S O L U T O A verdade não é som ente correspondência, ela é tam bém absoluta. A Teologia evangélica é pregada co m base na premissa de que a Bíblia é a verdade (Jo 17.17), e não apenas mais uma verdade; ela é a Palavra de Deus (Jo 10.34,35), e Deus não pode m entir (Hb 6.18; T t 1.2). Dessa form a, o Cristianismo não é certo som ente para m im , ele é certo para todas as pessoas (veja capítulo 8). Ele não é verdadeiro som ente de form a subjetiva, mas se constitui em u m a verdade objetiva. Esta visão, é claro, vai de encontro à corrente majoritária do pensamento na nossa cultura relativista. Portanto, ela exige um debate e um a defesa da natureza absoluta da verdade.
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A Visão Relativa da Verdade A palavra “relativo” pode significar várias coisas. Por u m lado, algumas coisas são verdadeiras som ente para algumas pessoas, mas não para todas. Por outro, algumas coisas são verdadeiras som ente para algumas épocas, mas não para todos os tem pos. Ou pode ser que algumas coisas sejam som ente verdadeiras em alguns lugares, mas não em todos os lugares. Por verdade absoluta, referim o-nos algo que é verdadeiro para todas as pessoas, em todas as épocas, e em todos os lugares.
Uma Resposta aos Argumentos a favor da Visão Relativa da Verdade Nos tem pos atuais, a idéia da relatividade da verdade é bastante popular. Entretanto, a verdade não é determ inada pelo v oto da maioria. Vamos analisar, então, as razões que as pessoas apresentam para acreditar que a verdade é relativa. Algumas coisas são verdadeiras somente em algumas épocas? Primeiro, os relativistas argum entam que algumas coisas são verdadeiras em algumas épocas, m as não em outras. Por exem plo, as pessoas u m a vez acreditaram que a terra era quadrada; hoje sabemos que estavam erradas. Parece que a verdade m uda co m o passar do tem po. Mas será mesm o? Será que a verdade m udou, ou a nossa concepção de verdade é que se modificou? C ertam ente, o m undo não se alterou da form a de u m a caixa para o de u m a esfera. O que se modificou foi a nossa crença, e não o planeta. A m udança ocorreu de u m a falsa afirmação para u m a verdadeira. Algumas coisas são verdadeiras somente para algumas pessoas.'1 Segundo, outras coisas parecem ser verdadeiras som ente para algumas pessoas, mas não para outras. Por exem plo: “Eu estou co m calo r” pode representar u m a sensação real para m im ; mas você pode estar sentindo frio. Será que isto não é u m exem plo de u m a verdade relativa? Não m esm o. Na verdade, a afirm ação: “Eu (N orm an Geisler) estou co m calor (dita em 1.° de m aio de 2001) é verdadeira para todos os seres hum anos deste planeta. Por quê? Porque não é verdade para ninguém mais que N orm an Geisler não sentiu calor no dia 1.° de m aio de 2001. Na verdade, a afirm ação que eu fiz de que estava co m calor não é som ente verdadeira para todas as pessoas, mas tam bém verdadeira em todos os lugares. E será verdade ao longo do planeta todo — em M oscou, Pequim, W ashington, até m esm o no espaço sideral — que N orm an Geisler sentiu calor no dia 1.° de m aio de 2001. E se é verdade para todas as pessoas, em todos os lugares, e em todas as épocas, estam os diante de u m a verdade absoluta. De m od o que aquilo que, a princípio, parecia relativo passou a ser imutável. Tom em os agora mais u m exem plo de u m a suposta verdade relativa. Se u m professor, ao olhar para a sua tu rm a, diz: “A p o rta desta sala fica à m inha direita”, quando a p orta fica no lado esquerdo da tu rm a, a verdade aparentem ente seria relativa para o professor, já que ela é falsa para a tu rm a. Entretanto, isto não é verdade, já que o ponto de referência desta frase é a posição onde está o professor, e não a posição dos alunos. O fato de a p orta estar à direita do m estre se constitui em u m a verdade absoluta, pois jamais será verdadeiro para ninguém , em lugar algum , em tem po algum , que a p orta estava à esquerda do professor. Mas será sempre, em todos os lugares, e para todas as pessoas, verdadeiro que a p o rta estava à direita dele. Da m esm a form a, a ou tra verdade —
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de que a p o rta estava à esquerda da tu rm a —sem pre será verdadeira para todas as pessoas, em todos os lugares. Algumas coisas são verdadeiras somente em alguns lugares? Terceiro, parece bastante óbvio que o M éxico é quente e que o Pólo N orte é frio. Portanto,
algumas coisas parecem ser verdadeiras para alguns lugares e falsas para outros. Isto é verdade, m as é u m desvio do assunto, já que as duas afirmações são com pletam ente distintas (m esm o ambas estando corretas) sobre dois lugares diferentes. Não se está afirmando que faz frio e calor no Pólo N orte (ou no M éxico) ao m esm o tem po. Cada u m a das afirmações é absolutam ente verdadeira, co m respeito aos objetos por elas referidos. A afirm ação: “Faz frio no Pólo N orte” é verdadeira no M éxico, até m esm o no verão. Em todos os lugares, é verdade que “faz frio no Pólo N orte”. Da m esm a form a, a afirmação: “Faz calor no M éxico” é verdadeira no Pólo N orte e em todos os outros lugares. A verdade é o que corresponde aos fatos, e o fato é que faz frio no Pólo Norte. E esta verdade (de que faz frio no Pólo N orte) é real em todos os lugares, pois não existe u m lugar onde esta declaração não corresponda aos fatos que o co rrem no Pólo N orte. A verdade nesta questão é que toda verdade é absoluta —não existem verdades relativas. Se algo é m esm o verdadeiro, então é verdadeiro em todos os lugares e para todas as pessoas. Afinal, 7 + 3 = 1 0 , e esta expressão não é som ente verdadeira para os estudiosos em m atem ática; ela é real em todos os lugares, não som ente na aula de m atem ática, mas tam bém no seu trabalho e na sua casa. Tal com o u m a m açã velha, o Relativismo pode parecer bom na superfície, m as está podre p o r dentro. Agora, vam os analisar alguns dos seus problemas. O R e la tiv ism o E A u to d e s tr u tiv o A m aioria dos relativistas acredita, de fato, que o relativismo é verdadeiro para todos, e não som ente para eles. Só que esta é justam ente u m a afirmativa n a qual eles não poderiam acreditar se fossem verdadeiram ente relativistas, pois u m a verdade relativa é verdadeira para m im , mas não necessariam ente verdadeira para todas as pessoas. Portanto, se u m relativista pensa que o relativismo é verdadeiro para todos, ele está, de fato, acreditando que se trata de u m a verdade absoluta. E, é claro, sendo este o caso, ele não é mais u m relativista de verdade, já que acredita em pelo m enos u m a verdade absoluta. Aqui está o dilema: U m relativista íntegro não pode dizer: “Trata-se de u m a verdade absoluta para todas as pessoas o fato de que a verdade é relativa som ente para m im ”. Se ele disser isto, será absolutam ente verdadeiro que o Relativismo é verdadeiro, mas ele não será mais u m relativista, mas u m “absolutista”. Se, por outro lado, ele disser: “O fato de o Relativismo ser verdadeiro é u m a verdade relativa”, não poderem os saber se o relativismo é m esm o co rreto , pois ele será som ente relativam ente verdadeiro para ele (e não para todos), então o Relativismo pode ser falso para m im . Por que, então, ele deveria ser aceito com o verdadeiro? Além disso, para o relativista, pode ser apenas relativam ente verdadeiro que a verdade é relativam ente verdadeira para ele m esm o, e assim seguiremos ao infinito. Ou a afirmação acerca da relatividade da verdade é absoluta, o que refutaria a posição relativista, ou ela é u m a afirm ação que jamais poderá ser feita, porque cada vez que
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você a faz precisam os acrescentar a ela mais u m advérbio “relativam ente”. E estarem os sem pre no início de u m a regressão infinita que jamais servirá de base sólida para justificar qualquer afirmação real. A única form a pela qual o relativista poderá evitar o penoso dilema do relativismo é admitindo que existe u m a verdade absoluta. Na verdade, co m o já vimos, a maioria dos relativistas realm ente acredita que o relativismo é absolutam ente verdadeiro, pois eles realm ente acreditam que todos deveriam aderir ao relativismo. É justam ente aí que reside a natureza autodestrutiva do relativista: Ele está de pé no pináculo da sua verdade absoluta para relativizar tudo o mais. Mas, co m o bem com preendeu o m itológico Hércules, prim eiro precisam os de u m lugar firme para depois apoiar a nossa alavanca que vai m over o m undo. As areias movediças do relativismo não representam u m solo firme para firm ar nada. O R e lativ ism o Im p lica u m M u n d o C h e io de C o n tra d iç õ e s Se o Relativismo fosse verdadeiro, o m undo seria cheio de condições contraditórias, pois, se algo é verdadeiro para u m a pessoa e falso para outra, condições opostas teriam que coexistir. Se u m a pessoa diz: “Tem leite dentro do refrigerador”, e o u tra insiste: “Não tem leite dentro do refrigerador” —e ambas estiverem corretas —, estam os diante de um a situação em que o leite existe e não existe ao m esm o tem po e no m esm o sentido dentro do refrigerador. Isto é impossível, já que viola a lei da não-contradição (veja capítulo 5). Portanto, se a verdade fosse relativa, o impossível seria real. Mas isto não é possível. No plano religioso, isto significaria que Billy G raham estava falando a verdade quando afirmava: “Deus existe”, e Madalyn M urray 0 ’Hair tam bém estava co rreta quando proclam ava: “Deus não existe”. Mas, co m o qualquer criança pequena sabe, estas duas afirmações não podem ser verdadeiras ao m esm o tem po. Se u m a for verdadeira, a outra, autom aticam ente, torna-se falsa. E quando os dois lados esgotarem todas as possibilidades de argum entação, som ente u m deles estará correto. O R e la tiv ism o Significa q u e n in g u é m
jam ais E ste v e E rra d o e m q u a lq u e r
A ssu n to Se a verdade é relativa, concluím os que ninguém jamais está errado — m esm o que esteja. Enquanto algo for certo para a pessoa, ela se achará correta, m esm o que esteja errada. O inconveniente desta atitude é que jamais conseguirem os aprender nada, justam ente porque o aprendizado é o avanço de u m a posição falsa para u m a verdadeira — ou seja, de u m a cren ça absolutam ente falsa para u m a absolutam ente verdadeira. R esp o stas a A lg u m a s O b je çõ e s a u m a V isão da V erd ad e c o m o A b so lu ta Os relativistas já reu n iram várias objeções à visão de que a verdade é absoluta. As reunidas aqui são as mais im portantes dentre estas: Objeção Um: 0 Conhecimento Absoluto não E Possível
Argum enta-se que a verdade não pode ser absoluta porque não tem os u m con hecim en to absoluto da verdade. Até m esm o os mais absolutistas adm item que a maioria das coisas é conhecida som ente em term os de graus de probabilidade. C om o, então, podem todas as verdades ser absolutas?
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Resposta
Esta objeção está m al elaborada, pois a ce rteza absoluta é sim possível p ara algum as coisas. Podem os estar ab solu tam en te certo s da nossa p róp ria existência. Na verdade, a nossa p róp ria existência é inegável, pois a pessoa teria que m o rre r p ara p od er d eclarar: “Eu n ão existo ” . Podem os tam b ém estar co m p le ta m e n te seguros de que não p oderíam os existir e n ão existir ao m esm o tem p o . D a m esm a fo rm a, co m o poderíam os estar seguros de que, p o r exem p lo, n ão existem círculos quadrados. É claro que existem m u ito mais coisas sobre as quais é im possível te r ce rte z a absoluta. Mas até m esm o aqui os relativistas e lab o ram m al o seu a rg u m e n to , ao rejeitar a verd ad e ab solu ta sim p lesm en te p o r falta de evid ên cia a fav o r da veracid ad e de alg u m as coisas, pois d eixam de re c o n h e c e r que a v erd ad e p ode ser absoluta sem im p o rta r quais são as nossas bases p a ra cre rm o s n ela. P o r e x e m p lo , é verd ad eiro que a cidade de Sydney, n a A u strália, fica p ró x im a ao o ce a n o , p o rta n to :sto é ab so lu tam en te v erd ad eiro sem im p o rta r quais são as m in h as evidências, ou a falta delas. U m a verd ad e ab solu ta é a b so lu ta m e n te v erd ad eira em si e p o r si só, não im p o rta n d o que tipo de evidência existe a favor dela. As evidências (ou a fa lt a sela s) não m odificam os fato s. E a verdade é o que corresponde aos fa to s. A verd ad e n ão m u d a sim p lesm en te p orq u e d esco b rim o s algo mais a seu resp eito. Objeção Dois: Algumas Coisas Ficam no M eio-Termo
O u tra ob jeção é que m u itas coisas ficam no m e io -te rm o — c o m o os ta m a n h o s relativos, tais c o m o “m ais b a ix o ” ou “m ais a lto ” . E, dessa fo rm a , elas n ão p o d em ser verdades absolutas, já que m u d a m depen d en do do o b jeto ao qual elas se re lacio n am . P or e x e m p lo , alg u m as pessoas a p resen tam u m b om c o m p o rta m e n to quando co m p arad as a H itler, m as quando co m p arad as à M adre T eresa, se saem m u ito m al. Resposta
Ao co n trá rio da alegação dos relativistas, as coisas in term ed iárias n ão desabonam o A b solu tism o. Pois os fatos de “João ser baixo em re la çã o à m aio ria dos jogad ores da N BA * e de “João ser alto quando co m p a ra d o co m a m aio ria dos ióqueis” são a b so lu tam en te verd ad eiros em todas as épocas e p ara tod as as pessoas. João tem p o rte m éd io, e a d e te rm in a çã o da sua classificação c o m o “b a ix o ” ou “a lto ” depende do g ru p o c o m o qual v am os c o m p a rá -lo . M esm o assim , é a b so lu tam en te verd ad eiro que João (q u e m ed e 1,78 m e tro s ) é baixo quando co m p a ra d o aS h aq u ille 0 ’N eal e alto quando co m p a ra d o a u m p ig m eu . O m esm o se dá co m o u tra s coisas que caem em m e io -te rm o , tais c o m o “m ais q u e n te ” ou “m ais frio ”, e “m e lh o r” ou “p io r”.
Objeção Três: N ão Ê possível Chegar a uma Nova Verdade (ou Progresso)
Os relativistas alegam que se a verdade jamais m uda, não pode haver qualquer tipo ae verdade nova. Isto significa que n enh u m tipo de progresso é possível.
' N. do T .: National Basketball Association, a liga norte-am ericana de basquetebol.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Resposta
Em resposta a isto, u m a “nova verdade” pode ser com preendida de duas maneiras. Ela pode significar “nova para nós”, co m o , por exem plo, u m a nova descoberta da ciência. Mas isto é som ente u m a questão de u m a nova descoberta que fazemos de u m a “velha” verdade. Afinal, a lei da gravidade já estava vigente m uito antes de New ton a ter descoberto. Muitas verdades sem pre estiveram ao nosso redor, mas som ente agora estam os nos dando conta delas. Neste sentido, nós chegam os a con hecer novas verdades — é disso que tratam as descobertas científicas. A ou tra m aneira de entender a “nova verdade” é que algo novo tenha surgido que nos possibilite fazer u m a nova afirmação a respeito disso, que, som ente então, será verdadeira pela prim eira vez. Isto não é u m problem a. Quando o dia 1.° de janeiro de 2020 chegar, u m a nova verdade nascerá, porque não serápossível dizer: “Hoje é dia 1.° de janeiro de 2020” antes da chegada daquela data. Mas quando isto ocorrer, será verdade para todas as pessoas e lugares p or toda a eternidade que aquele foi o dia prim eiro do mês de janeiro do ano de 2020. Portanto, as “velhas” verdades não m udam , n em m udam as “novas” verdades, quando elas passam a existir. U m a vez que algo é verdadeiro, passa a ser eternam ente verdadeiro —para todas as pessoas. Objeção Quatro: A Verdade Muda com o Aumento do nosso Conhecimento
Alega-se tam bém que o conhecim ento da verdade não é absoluto, já que aum entam os o nosso conhecim ento dela. O que é verdade para m im hoje, pode m uito bem ser falso am anhã. O progresso da ciência é a prova de que a verdade está em constante m udança. Resposta
Esta objeção é falha por não levar em consideração que não é a verdade que m uda, mas sim o nosso con hecim en to dela. Quando a ciência verdadeiram ente progride, ela não passa de u m a velha verdade para u m a nova verdade, mas do erro p ara a verdade. Quando Nicolau C opérnico (1473-1543) argum entou que a terra se m ovia ao redor do sol e não o inverso, a verdade dos fatos não m udou. O que m udou foi a nossa com preensão sobre qual era o objeto que orbitava ao redor do outro. Objeção Cinco: A Verdade Absoluta E demasiadamente Limitada
Os relativistas n orm alm en te reclam am que a verdade absoluta é limitada. Resposta
Esta objeção é com u m , p orém não apresenta base substantiva. E óbvio que a verdade é limitada. Só existe u m a resposta para o resultado da operação: 4 + 4 . A resposta não
é 1. A resposta não é 2. Tam bém não é 3. Nem 4, 5, 6, 7, ou qualquer ou tro núm ero m aior ou igual a nove, até o infinito. A resposta é 8 e nada além disso. Isto é realm ente limitado! Mas está co rreto . Os não-cristãos n orm alm en te reclam am que os cristãos são intelectualm ente limitados, porque os cristãos alegam que o Cristianismo é verdadeiro e todos os outro sistemas religiosos são falsos (veja capítulo 8). En tretanto, o m esm o é verdadeiro para os não-cristãos, que reivindicam a verdade para o seu ponto de vista em oposição a todos os outros que precisam ser falsos.
VERDADE: O PRESSUPOSTO EPISTEMOLÓGICO
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A verdade da questão é que se C (Cristianism o) é verdadeiro, concluím os que tudo o que é n ão-C é falso. Da m esm a form a, se H (H um anism o) é verdadeiro, tudo o que é não-H é falso. Os dois pontos de vista são igualmente restritivos. Mas é assim que a verdade se apresenta. Onde quer que se faça a reivindicação da verdade, está-se alegando cue tudo o que se opõe a esta reivindicação é falso. O Cristianismo não é mais limitado i o que qualquer ou tro ponto de vista que alega ser verdadeiro, seja ele o Ateísmo, o Agnosticismo, o Ceticism o, ou o Panteísmo. - bjeção Seis: E Dogmático Crer em uma Verdade Absoluta Os relativistas tam bém alegam que quem acredita em u m a verdade absoluta é um a pessoa dogm ática. E, além de ser insustentável, o dogm atism o tam bém é ofensivo. Resposta
Esta objeção está m al colocada. Toda verdade é absoluta, pois, co m o vimos, se algo é m esm o verdadeiro, então é verdadeiro para todas as pessoas, em todas as épocas, e em :odos os lugares. Assim, neste sentido, todos que fizerem qualquer tipo de alegação a :avor de u m a verdade serão tachados de “dogm áticos”. (E, co m o já foi dem onstrado, não existe quem não alegue que algo é verdadeiro.) Até m esm o o relativista que alega a veracidade do relativismo está sendo dogm ático. Na verdade, o relativista que alega a veracidade absoluta do relativism o é u m tipo único de pessoa dogm ática, pois alega ser o detentor da única verdade absoluta que pode ser dita, ou seja, que tudo o mais é relativo. E mais do que isso, algo m uito im portante é deixado >de^ lado nesta acusação de dogm atism o. Existe u m a grande diferença entre u m a acusação pejorativa em que a concepção de u m a verdade absoluta é dogm ática e a maneira, co m o u m a pessoa pode aderir a esta concepção. Sem dúvida, a form a co m o m uitos abisolàtistas têm se apegado a isto e a form a com o passam esta concepção adiante talvez, não esteja sendo m uito humilde. En tretanto, n en h u m agnóstico consideraria u m ; argum ento convincente con tra o seu ponto de vista o fato de alguém já ter com unicado o. agnosticismo de form a excessivamente dogm ática. O que tem os aqui é u m a questão com pletam ente diferente, e m esm o que ela seja digna do nosso exam e, ela não gtiarda n en h u m a relação co m o :ato de a verdade ser absoluta ou não. R ESU M O E C O N C L U S Ã O A verdade expressa é aquilo que corresponde ao seu objeto. Qualquer negação desta afirmação está fadada à autodestruição, já que a nossa negativa considera que a nossa negação corresponde aos fatos. De maneira semelhante, a visão da não-correspondência, assim com o a visão relativa da verdade, tam bém é autodestrutiva. A relatividade da verdade não pode ser afirmado com o verdade se o próprio relativismo não for falso; é u m absurdo afirmar que é objetivamente verdadeiro para todos que a verdade não é objetivamente verdadeira para todos. A verdade absoluta é literalmente inegável, e, portanto, é legítimo fazer reivindicações de verdades absolutas a respeito da Bíblia e do Cristianismo, tais com o a Teologia evangélica faz. Entretanto, há u m a distinção im portante a m an ter em m ente: A verdade é absoluta, mas a nossa com preensão dela não é; o fato de existir u m a verdade absoluta não significa
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que o nosso entendim ento dela seja absoluto. Este fato por si só deveria fazer co m que os adeptos do absolutismo transm itissem as suas convicções co m humildade. C om o criaturas limitadas, o nosso conhecim ento da verdade está em constante evolução; n a verdade, o nosso con hecim en to da verdade divina não é unívoco, mas analógico (veja capítulo 9). Nas palavras da própria Bíblia: “Porque, agora, vem os p o r espelho em enigma; mas, então, verem os face a face” (1 Co 13.12). FO N T E S Adler, M ortim er J. Truth in Religion. Anselm o. Truth, Freedom, and Evil. Aristóteles. Posterior Analytics. Agostinho. Against the Academics. Buber, M artin. I and Thou. B ultm an n , Rudolph. “A leithia” [Verdade], in: The Theological Dictionary o f the New Testament. Childs, Brevard. Introduction to the Old Testament As Scripture. Copan, Paul. Truefor You, But N otfor M e. Geisler, N orm an L. Thomas Aquinas: An Evangelical Appraisal. ________ . “T ru th , N ature o f”, in: Baker Encydopedia o f Christian Apologetics. James, William. Pragmatism: A New N am efor Some Old Ways ofThinking. MacLaine, Shirley. Out On a Limh. Platão. Theaetetus. Preus, Robert. The Inspiration o f Scripture. Rogers, Jack. B iblical Authority and Interpretation. Thiselton, A. C. “T ru th ”, in: The New International Dictionary o fN ew Testament Theology. Tomás de Aquino. On Truth.
CAPÍTULO
OITO
EXCLU SIVISMO: O PRESSUPOSTO OPOSICIONAL
A LG U M A S D E FIN IÇ Õ E S IM PO RTA N TES
V
ários term os relacionados àreligião precisam ser definidos: Pluralismo, Relativismo, Inclusivismo e Exclusivismo. O Pluralismo é a cren ça de que todas as religiões são verdadeiras, que todas prom ovem u m encontro com a Realidade Final. Um as podem até ser m elhores que as outras, mas todas se prestam a esse fim. O Relativismo é sem elhante ao Pluralismo, pois alega que todas as religiões são verdadeiras para os indivíduos que a elas são aderentes. Os relativistas acreditam que, com o não existe n en h u m a verdade objetiva na religião, tam bém não existe critérios pelos quais se possa distinguir u m a religião verdadeira de u m a falsa. O Inclusivismo apregoa que u m a religião é explicitam ente verdadeira, e que todas as demais são im plicitam ente verdadeiras. O Exclusivismo é a crença de que som ente u m a religião é verdadeira, e que todas as outras que a ela se opõem são falsas. Com o o Cristianismo alegaser areligião verdadeira, ele está em conflito com o pensamento predominante nas religiões comparativas da nossa época. Alister M cGrath descreve a situação de maneira apropriada: “C om o as alegações de verdade feitas pelo Cristianismo podem ser levadas a sério quando estamos diante de um a diversidade tão grande de alternativas e quando a própria noção de ‘verdade’ se tornou algo desprezado?” Ele acrescenta que, de acordo com o pensamento popular atual, “ninguém pode alegar ser o dono da verdade. Tudo é um a questão de perspectiva. Todas as reivindicações de verdade são igualmente válidas. Não existe nenhum a posição universal ou estratégica que permite a qualquer pessoa decidir o que é certo ou o que é errado” (M cGrath, “CPCCC”, in: JE T S , 365). A SU PO STA IG U A LD A D E M O R A L E E S P IR IT U A L D E T O D A S AS R ELIG IÕ ES M U N D IA IS U m a E x p o siçã o d o A r g u m e n to a fav o r d o P lu ra lism o John Flick, adepto do Pluralismo, argumenta: “Eu não vejo as pessoas que aderem a outras religiões mundiais, em geral, com o se estivessem em um nível m oral e espiritual diferente dos cristãos”, pois “o ideal básico do am or e da preocupação pelo próximo, bem com o de tratá-
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los com o gostaria de ser tratado é, de fato, ensinado por todas as grandes tradições religiosas” ( “PV”, 39). Hick apresenta um a prova de que ensinamentos semelhantes à Regra de Ouro do Cristianismo podem ser encontrados em outras religiões (ibid., 39-40).
Resposta ao Argumento a favor do Pluralismo A conclusão de Hick pode ser desafiada em diversos níveis. Primeiro, é discutível se “o fruto do Espírito” (G1 5.22,23) pode ser encontrado nas religiões não-cristãs. Apesar de n inguém negar que existem pessoas corretas nas outras religiões, isto não significa que elas estejam m anifestando o mais alto padrão m oral que se conhece, o am or agape. É possível levar um a vida de filantropia e até m esm o m o rre r pelas nossas crenças sem apresentar o a m or verdadeiro (veja 1 Co 13.3). M esm o que a graça co m u m de Deus possibilite até aos hom ens m aus praticar o bem (veja M t 7.11), som ente o am o r sobrenatural de Deus é capaz de m otivar u m a pessoa a expressar o am or agape (cf. Jo 15.13; R m 5.6-8; 1 Jo 4.7). Antes de as pessoas concluírem
apressadamente que William James (1842-
1910) dem onstrou a equivalência de todas as form as de piedade na sua fam osa obra Varieties o f Religious Experience (A Variedade da Experiência Religiosa), elas deveriam ler m inuciosam ente o livro Religious Affections (Afeições Religiosas), de Jonathan Edwards. Nele, Edwards (1703-1758) argum enta de m aneira firme que existem manifestações exclusivas da santidade cristã. U m estudo m inucioso de m eio século a respeito do tem a fez co m que o au to r se convencesse de que existe u m a diferença no nível mais elevado da piedade cristã e da n ão-cristã a favor da prim eira. Segundo, m esm o que fosse possível dem onstrar algum tipo de equivalência m oral das práticas entre os aderentes das maiores religiões, isto, por si só, não provaria a nãoexistência de um a superioridade m oral dos ensinos cristãos sobre as outras religiões. E há várias razões para isto. A primeira é que um a pessoa que pratica de form a perfeita um código m oral inferior pode parecer m elhor do que u m a pessoa que pratica de form a imperfeita u m padrão ético superior. Para que tenhamos um a comparação justa, precisamos fazer duas coisas: Comparar os mais elevados ensinamentos morais das várias religiões, e com parar os melhores exemplos dos aderentes de cada uma. Um a comparação mais detalhada entre Madre Teresa e M ahatm a Gandhi deixa clara a superioridade da compaixão cristã pelos necessitados. Além disso, precisamos tam bém separar o que era inerente a esta outra religião antes do surgimento da influência cristã e o que foi incorporado a ela co m o resultado da atividade missionária dos cristãos. Por exemplo, o Hinduísmo, com o sistema religioso, não gerava nenh u m a form a de com paixão social. A compaixão social encontrada em algumasformas do Hinduísmo atual não é indígena; ela fo i importada do exterior, do Cristianismo. Na verdade, o grau com que Gandhi manifestava a sua com paixão veio do seu treinam ento no Cristianismo e da admiração confessa que ele tinha pelos ensinos de Jesus no Sermão do Monte. Por fim, a descoberta de u m princípio m oral sem elhante à Regra de O uro dafé judaicocristã (cf. M t 7.12) não seria suficiente para d em onstrar u m a equivalência entre todas as religiões. Esta é u m a m anifestação da revelação geral — a lei que é escrita no coração de todos os hom ens (R m 2.12-15) p o r Deus. Isto não é o m esm o que as manifestações sobrenaturais de am or, alegria e paz (G1 5.22,23). Na verdade, sem pre que foi colocada em prática, a m oralidade cristã produziu u m a com paixão social dinâmica, ao passo que as religiões orientais produziram sociedades estagnadas, e o Islamismo gerou sociedades intolerantes (Pinnock, WGM, 61).
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Terceiro, a argum entação de Hick é viciada desde o princípio, pois som ente supondo que o denom inador co m u m de todas as religiões seja o padrão pelo qual todas devem ser julgadas é que ele chega à conclusão, não tão surpreendente, de que todas são iguais. E preciso que se negue os aspectos superiores da moralidade ou dos ensinos cristãos para que se dem onstre a não-superioridade do Cristianismo. Hick parece reconhecer isto de m aneira tácita ao confessar que “a aceitação de algum a form a de visão pluralista faz com que cada u m a das religiões deixe de enfatizar o, e eventualm ente até se desfaça do, aspecto da sua autocom preensão que im plica a reivindicação de u m a superioridade inigualável entre as religiões mundiais” (Hick, “PV”, in: O ckholm , MTOW, 51). Quarto, a manifestação m oral de um a crença não embasa, autom aticam ente, a questão da sua verdade. Por exemplo, o fato de haver pessoas boas entre os m órm ons não se constitui em u m a prova de que Joseph Smith (1805-1844) era u m profeta verdadeiro. Na verdade, há fortes evidências de que ele não era u m profeta verdadeiro, já que ele proferiu profecias dem onstravelm ente falsas (vejaT anner, CW M , capítulos 5, 11, 14). Em adição, fora a maneira com o os aderentes desta seita vivem, existem evidências fortes a favor da falsificação de quase tudo neste grupo religioso. A verdade é o que corresponde à realidade (veja capítulo 7), e, conseqüentemente, u m a religião é verdadeira se os seus princípios básicos correspondem ao m undo real, e não simplesmente porque os seus seguidores levam um a vida boa, ou m esm o um a vida m elhor do que os aderentes a outras religiões. Quinto, em últim a análise, a superioridade m oral do Cristianismo não está firmada na nossa perfeição co m o cristãos, mas na perfeição incom parável de Cristo (veja Volume 2, parte 1). Ela não se baseia no nosso caráter m oral falível, mas no caráter m o ral impecável do Filho de Deus (Jo 8.46; 2 Co 5.21; Hb 4.15; 1 Jo 3.3). Neste con texto, o Cristianismo é, de form a clara, m oralm en te superior a todas as outras religiões. A SU PO STA IG U A LD A D E R E D E N T O R A D E T O D A S AS R ELIG IÕ ES U m a E x p o siçã o d o A r g u m e n to a fav o r d a Ig u a ld a d e R e d e n to ra C om respeito à alegação que o Cristianismo faz de possuir u m m od o de salvação superior, Hick acredita que se trata de argum entação viciada da parte dos cristãos, ou que isto não fica evidente n a prática cristã: Se d efin irm os a salvação c o m o o estad o de estar perd oad os e aceitos p o r D eu s p o r cau sa da m o r te de Jesus n a cru z, en tã o se to r n a u m a ta u to lo g ia 1 o fa to de qu e so m e n te o C ristia n ism o c o n h e c e e te m a capacidade de pregar a fo n te da salvação.
E, Se definirm os a salvação co m o u m a m ud ança real n o ser h u m an o, u m a transform ação gradual do egoísm o natu ral (ju n to co m todos os m ales h u m anos que dele derivam ) para u m a orientação radicalm ente nova centrada em D eus e m anifesta n o “fru to do Espírito”, então parece claro que a salvação está ocorrend o em todas as religiões m undiais —e está ocorrend o, até onde sabemos, mais ou m eno s n o m esm o nível (H ick, “PV”, in: O ck h olm , MTOW, 43).
1 “U m a tautologia é um a afirmativa vazia, algo verdadeiro na sua definição, mas que não transm ite qualquer inform ação a respeito do m undo real” (Geisler, “Tautology”, in: BECA).
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Além disso, o que é co m u m a todas as religiões do m undo, para Hick, é u m a resposta adequada à Realidade Final: “Mas todos parecem constituir mais ou m enos u m a consciência h um ana autêntica em resposta à Realidade Final, à base e fonte últim a e real de todas as coisas” (ibid, 45). Existe, obviamente, u m a “pluralidade de tradições religiosas constituindo diferentes respostas hum anas à Realidade Final, em bora aparentem ente equivalentes no seu caráter salvífico. Estas são as grandes crenças mundiais” (ibid., 47)
Resposta ao Argumento a favor da Igualdade Redentora Parece haver um a rede de problemas nesta análise. Primeiro, ela se baseia na suposição de que todas as religiões têm um a relação adequada com aquilo que é verdadeiramente a Realidade Final. Isto se constitui em um a argumentação viciada; talvez algumas não estejam, de forma alguma, ligadas ao que se acredita ser a Realidade verdadeiramente Final. Ou talvez não estejam corretamente relacionadas com esta Realidade Final. Afinal, com o disse Sigmund Freud (1856-1939), na sua famosa obra Future o f an Illusion (O Futuro de um a Ilusão), é possível que ocorram embustes. Segundo, Hick erroneam ente supõe que todas as religiões não passam de meras respostas hum anas a esta Realidade Final. Mas isto vicia o seu argum ento a favor das visões anti-sobrenaturais da religião (veja capítulo 3). N a verdade, ele acaba assumindo u m a visão panteísta da Realidade Final co m o algo que transcende todas as manifestações culturais específicas da Realidade Final nas várias religiões mundiais. Terceiro, esta negação da verdade de qualquer religião específica é, por si só, u m a form a de exclusivismo, pois, no intuito de negar a particularidade da cosmovisão conhecida co m o Teísmo cristão, ela favorece a cosmovisão conhecida co m o Panteísmo. Isto significa dizer que até m esm o o Panteísmo está fazendo a sua reivindicação particular de verdade, u m a verdade que é oposta a todas as cosmovisões não-panteístas. Mas assumir u m a posição panteísta com o base de análise de todas as religiões, inclusive das não-panteístas, novam ente, se constitui em u m vício de argum entação. Ou, em outras palavras, quando o pluralista nega que qualquer religião específica seja verdadeira em oposição às outras, tam bém está, por sua vez, fazendo u m a reivindicação específica da verdade para si. Quarto, a visão pluralista n orm alm en te se degenera p ara a posição de que tudo aquilo que é objeto de um a fé sincera passa a ser verdadeiro. Só que isto significa que não im porta no que creiam os apaixonadam ente, seja o Nazismo, o Satanismo, ou a teoria de um planeta plano, tudo isso pode ser eventualm ente co rreto . Mas isto está patentem ente errado; a sinceridade, claramente, não é o teste para a verdade. O cam inho para a destruição é pavim entado co m boas intenções, e muitas pessoas sinceras já estiveram sinceram ente enganadas a respeito de muitas coisas. Quinto, o argum ento a favor da igualdade redentora im plica que todas as reivindicações de verdade são u m a questão escolha entre diferentes possibilidades, e não entre u m a possibilidade verdadeira, em detrim ento de outras falsas. Mas nesta base, poderíam os tam bém apresentar absurdos do tipo “quadrados triangulares” e “analfabetos alfabetizados”. G ostem os ou não, os opostos não podem ser verdadeiros, pois o oposto do verdadeiro é o falso. Dessa form a, alegações conflitantes da verdade vindas de várias religiões diferentes não podem ser m u tu am en te inclusivas. Por exem plo, o Panteísmo hinduísta e o Teísmo cristão não podem ser, ambos, corretos, já que ambos afirmam cosmovisões excludentes. Da m esm a form a, o Islamismo, que nega a m o rte de Jesus na cru z e a sua ressurreição ao terceiro dia, e o Cristianismo, que afirma esta fato a respeito de Jesus, não podem ser, ambos, verdadeiros.
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A A LEG A Ç A O D E Q U E C R IS T O NAO É S IN G U L A R U m a E x p o siçã o d o A r g u m e n to c o n tr a a S in g u la rid a d e de C ris to C om relação ao dogm a cristão da singularidade de Cristo (veja Volume 2, parte 1) com o o próprio Deus feito carne hum ana, John Hick argum enta haver dois problemas principais. Mas ele está desinformado em ambos. Exposição da Primeira Alegação O primeiro problema é que o Jesus histórico não ensinou esta doutrina [...] Existe um consenso geral entre os estudiosos da linha central do Cristianismo de que estas não são declarações do Jesus histórico, mas palavras que foram colocadas na sua boca cerca de sessenta ou setenta anos mais tarde por um autor cristão que quis expressar a teologia que havia se desenvolvido nesta parte da igreja em expansão (Hick, “PV”, in: Okholm, MTOW, 52-53). Hick, a seguir, cita u m a lista de estudiosos da Bíblia que supostam ente concordaram em que “o Jesus histórico jamais reivindicou a divindade sobre si m esm o” (ibid.). Resposta à Primeira Alegação Os documentos do Novo Testamento são historicamente confiáveis, e a sua historicidade tem sido amplamente atestada (veja parte 2). Os livros do Novo Testamento que são cruciais para esta questão não foram escritos depois da m orte das testemunhas oculares dos fatos, mas sim ainda durante as suas vidas. Na verdade, o Evangelho de João alega ter sido escrito por um apóstolo que foi testemunha ocular (Jo 21.24), e o Evangelho de Lucas foi escrito por um discípulo contemporâneo que conhecia a testemunha ocular (Lc 1.1-4). A primeira carta aos Coríntios, que até m esm o os críticos concordam ter sido escrita por volta dos anos 55-56 d.C., fala de quinhentas testemunhas (1 Co 15.5-7), a maioria das quais continuava viva à época em que Paulo escreveu a carta, somente vinte e dois anos depois da m orte de Jesus. Até mesmo o falecido bispo John A. T. Robinson, u m estudioso liberal do Novo Testamento, datou os Evangelhos com datas tão antigas quanto 40-60 d.C., portanto cedo demais para apoiar a visão de Hick, que se baseia em livros escritos por um a geração posterior que já havia formulado u m ponto de vista contrário ao do Jesus histórico. Portanto, com o os Evangelhos estão relatando, e não criando, as palavras e as obras de Jesus, eles são um a base sólida para as suas reivindicações singulares de ser o Deus encarnado (veja Volume 2, parte 1). Exposição da Segunda Alegação O segundo problema é que ainda não se provou ser possível, depois de cerca de quinze séculos de esforços incansáveis, dar qualquer sentido claro à idéia de que Jesus tinha duas naturezas completas, uma humana e outra divina [...] Seria realmente possível que o conhecimento infinito estivesse alojado em uma mente humana limitada? [...] Será que queremos mesmo acreditar que Jesus era literalmente onipotente, mas fingiu não ser, como vemos em Marcos 6.5? [...] Mesmo sendo ele bom, amoroso, sábio, justo e misericordioso, há um problema óbvio sobre como um ser humano finito poderia apresentar estas qualidades em um grau infinito [...] Um ser finito não pode ter atributos infinitos (ibid, 55-56).
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Resposta à Segunda Alegação Primeiro, Hick deixa m uito a desejar ao alegar que a Encarnação envolve u m a tácita contradição lógica, apesar de a sua linguagem tam bém poder ser interpretada de form a a im plicar a m esm a coisa. Se, p o r ou tro lado, a Encarnação não é u m a contradição lógica, não há qualquer incoerência dem onstrada nesta visão. Na verdade, ele admite: “E logicam ente permissível acreditar em qualquer coisa que não seja au tocon trad itória” (.M G I, 104). A respeito da alegação de que a simples dem onstração da Encarnação é algo difícil, n a m esm a base teríam os que rejeitar a m aior parte da nossa experiência co m u m , bem co m o a ciência m od ern a (a qual, p o r exem plo, tem dificuldade em explicar co m o a luz pode ser, ao m esm o tem po, com posta de ondas e partículas). Segundo, Hick parece estar desinform ado a respeito da visão sobre a natu reza dupla de Cristo. Na verdade, as suas objeções presu m em o p onto de vista heterodoxo monofisista, que confunde as duas naturezas de Cristo. O seu questionam ento a respeito de co m o seria possível ao “con hecim en to infinito” estar “alojado em u m a m ente h u m an a lim itada” revela esta confusão, pois a visão ortod oxa não alega haver u m con hecim en to infinito na m en te finita de Cristo; antes, afirma que Cristo tinha duas naturezas distintas, u m a infinita e o u tra finita. Assim, a pessoa de Cristo não era d etentora de conhecim ento infinito no seu cérebro finito, mas de con hecim en to infinito na sua n atu reza infinita. C om o Deus, Ele sabia de todas as coisas; co m o h om em , Jesus cresceu em conhecim ento (Lc 2.52). O m esm o se aplica aos outros atributos de Jesus—co m o Deus, Ele era onipotente; com o h om em , não (veja Volume 2, parte 1).
A ALEGAÇÃO DE INTOLERÂNCIA Uma Exposição da Objeção a partir da Intolerância O u tra acusação feita ao Exclusivismo é a de ser intolerante, o que se refere à visão exclusivista de que u m a visão religiosa é verdadeira e todas as outras que a ela se opõem são falsas. Isto, para os pluralistas, parece ser fanatismo; pois, co m o u m único ponto de vista pode ser o deten tor da verdade, em d etrim ento de todos os outros?
Resposta à Objeção a partir da Intolerância Várias observações são relevantes nesta conexão. Primeiro, se a defesa de u m a visão exclusivista faz de nós pessoas intolerantes, poderíam os dizer que os pluralistas tam bém são intolerantes, pois alegam que o seu ponto de vista é verdadeiro, em detrim ento de todos os outros (da m esm a form a que faz o Exclusivism o); eles certam en te não tolerariam a posição de que a sua visão pluralista e as ou tras visões não-pluralistas são, ao m esm o tem po, verdadeiras. Segundo, se a acusação de intolerância é nivelada em função da m aneira pela qual sustentam os o nosso ponto de vista, os não-pluralistas, definitivamente, não detêm o m onopólio do m ercado, pois, se o pluralista for coerente co m a natu reza da sua posição con tra o não-pluralism o, ele será tão “in toleran te” quanto todos os outros defensores de outros pontos de vista. Terceiro, o próprio conceito de tolerância im plica u m a discordância real. Ninguém tolera algo co m que concorda; se concordasse co m a idéia, não toleraria, m as sim seria u m adepto dela. P ortan to, o conceito de tolerância pressupõe u m a visão não-pluralista da verdade.
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A ALEGAÇÃO DE LIMITAÇAO INTELECTUAL U m a das alegações favoritas dos pluralistas é de que os não-pluralistas são intelectualm ente limitados, pois alegam que a sua visão é correta, ao passo que todas as Armais são erradas. Isto parecer ser excessivam ente presunçoso. Por que os exclusivistas deveriam ter o m onopólio da verdade? A resposta a esta objeção é clara: Tanto os pluralistas (P) quanto os exclusivistas (E) :iz e m u m a reivindicação equivalente da verdade e do erro. Ambos alegam que o seu ponto de vista é o co rreto e tudo o que a eles se opõem é errado. Por exem plo, Se E é verdadeiro, tudo o que é não-E é falso. Da m esm a form a, se P é verdadeiro, tudo o que é não-P é falso. O que os fatos revelam é que tan to os exclusivistas quanto os pluralistas são igualmente “limitados”. A bem da verdade, toda verdade é m esm o limitada. Você se recorda do que vimos no capítulo anterior — 2 mais 3 não é 1, 2, 3, 4, 6, 7, 8, 9, 10, ou ::ualquer ou tro n úm ero ad infinitum. Existe som ente u m a resposta verdadeira, que, apesar áe ser limitada, revela a real n atu reza da verdade.
A ALEGAÇÃO DE IMPERIALISMO INTELECTUAL O utra acusação con tra o Exclusivismo é a de que ele exerce u m imperialismo intelectual; os pluralistas alegam que os exclusivistas são totalitários no que se refere à verdade, e que estes deveriam ser mais abertos às contribuições de outras fontes, e não se limitar a u m a só. Na verdade, alguns pluralistas pós-m odernos chegam ao ponto de negar que não som ente a verdade, co m o tam bém a própria idéia de significado, cheira a r ascismo (citado por Alister M cG rath, “RJH”, in: O kholm , M TOW , 364). Mesmo que esta alegação ten h a u m certo apelo, especialm ente para as pessoas que iderem a u m a certa orientação política, ela é desprovida de m érito na determ inação i c que é certo ou errado co m relação às questões religiosas. Primeiro, n orm alm en te, a intenção desta alegação é u m a fo rm a de falácia lógica ad hominem — ataca a pessoa em vez do ponto de vista proposto. Segundo, esta objeção tem u m a presunção injustificada, ou seja, de que a verdade ieveria ser mais dem ocrática. Mas a verdade não depende da percentagem de seus iderentes. A verdade é o que corresponde à realidade (veja capítulo 7), seja ela crida pela maioria ou não. Terceiro, será que os pluralistas realm ente acreditam que todas as visões são igualm ente verdadeiras e boas? Será que o Fascismo e o C om unism o são tão bons quanto a -•emocracia? Será que o Nazismo foi tão bom quanto qualquer o u tra form a de governo? >erá que deveríamos ter tolerado a queima das viúvas que era feita pelos hindus no u n e ra l dos seus maridos? Não, dessa form a vem os que os pluralistas, n a verdade, não i:red itam plenam ente no que pregam .
ALGUMAS PRESSUPOSIÇÕES QUESTIONÁVEIS DO PLURALISMO A Asserção de que Existem Critérios Morais Transreligiosos universalmente Aceitos Para to rn ar efetivo o argum ento da igualdade m oral, precisam os considerar u m : ín ju n to de critérios m orais que não seja exclusivo de n en h u m a das correntes religiosas em questão, e pelo qual todas possam ser avaliadas. Mas os pluralistas geralm ente negam nualquer lei m oral universalm ente vigente. Se houvesse tais leis m orais absolutas,
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tam bém haveria a necessidade de u m Legislador M oral absoluto. N a m elh or das hipóteses, en tretanto, som ente as religiões abertam ente teístas aceitam estes critérios, e, m esm o assim, algumas rejeitam a n atu reza absoluta e perfeita de Deus, p o r exem plo, alguns adeptos do Deísmo Finito. Além disso, se há u m a lei m oral co m u m a todas as religiões, ela não é exclusiva de u m a só religião, e, segundo os princípios do Pluralismo, n en h u m a religião pode ser considerada inferior pela sua falta. Por fim, se não há estas leis m orais universais, não existe u m a m aneira de julgar m o ralm en te todas as religiões a partir de u m padrão que as transcenda, e não é justo to m ar os padrões de u m a religião e aplicá-los a ou tra, alegando sua inferioridade co m relação a eles.
A Asserção de que todos os Fenômenos Religiosos Podem Ser Explicados de Modo Naturalista Por detrás do ataque pluralista ao Exclusivismo, está um a pressuposição naturalista: Todos os fenômenos podem ser explicados de form a naturalista, portanto não são permitidas as explicações sobrenaturais. Mas este naturalismo presunçoso é injustificado, já que, apriori, os milagres não podem ser descartados na boa ciência (veja capítulo 3). Os milagres também não são, com o alegou David Hume, inacreditáveis, nem fatos desprovidos de evidências. Na verdade, existe u m a base muito boa para o maior de todos os milagres, a criação do mundo ex nihilo ( “apartir do nada”) (veja capítulo 3). Além disso, existem muitas evidências afavor da real ocorrência do milagre da ressurreição de Cristo (veja Volume 2, parte 1).
A Asserção de q[ue o Mundo É “Religiosamente Ambíguo” Hick acredita que “o universo, da form a com o se pode conhecê-lo hoje, pode ser interpretado intelectual e experimentalmente tanto da form a religiosa quanto da naturalista” (Hick, IR, 129). C om isto, ele quer dizer: “O Real é perfeitamente sem diferenciação; ou seja, ele não apresenta qualquer tipo de propriedade às quais os nossos conceitos veridicamente [verdadeiramente] possam ser aplicados” (Geivett, in: MTOW, 77). Em resposta a essas afirmações, é im portan te que se faça algumas observações im portantes. Primeiro, é autodestrutivo alegar que sabemos que não podem os saber a respeito do Real (veja Geisler, BECA , “Agnosticism ”). Segundo, o fato de não conhecerm os a realidade de fo rm a exaustiva não significa que não podem os con hecê-la de form a verdadeira. C o m o observa Geivett: “Na proporção em que Deus é conhecido p o r nós, Ele é verdadeiram ente conhecido” (ibid.). Terceiro, a simples n oção de u m a Realidade Final (o Real) que não pode ser diferenciada não é plausível, se não autodestrutiva. A alegação de Hick de que o Real poder ser simbolizado pelo conceito de Sunyata do Budism o é reveladora, pois, se o Real se apresenta tão difícil de ser diferenciado, co m o pode ele ser representado p or algum símbolo? Quarto, o Real tam bém não pode ser manifesto nas várias tradições, de acordo co m Hick. Para que algo possa ser manifesto, algumas das suas características, pelo m enos, precisam ser reveladas (ibid.). Mas ó Real, por sér totalm ente sem diferenciação, não apresenta características discerníveis. Conseqüentemente, ele não poderia ser manifestado na nossa experiência de maneira que apresente qualquer tipo de significado para nós. Quinto, existe u m tipo de epistemologia mística presumida nesta noção de que “Deus não pode ser conhecido”. Ela apresenta u m to m u m tanto imperialista ao querer ditar com o Deus pode e com o não pode se revelar a nós. Fica a dúvida a respeito de qual corrente em direção à verdade metafísica esta inform ação absoluta pode ter vindo (ibid.).
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A A sserção de q u e o D iá lo g o P lu ra lista É o Ú n ic o C a m in h o p a ra a V erdad e O u t r o p r e s s u p o s to s e r ia m e n t e f a lh o é a p o s iç ã o d e q u e o d iá lo g o in t e r - r e lig io s o n o s m o ld e s p lu r a lis ta s é a ú n i c a f o r m a v á lid a d e d e s c o b r ir a v e rd a d e . S u p o s t a m e n t e , n e n h u m d iá lo g o r e lig io s o s e r ia p o s s ív e l se a lg u m a d as p a r te s c o n s id e r a r , a n t e c ip a d a m e n t e , q u e a
sua r e lig iã o é v e rd a d e ir a . Is to é u m a p r o v a c la r a de q u e e le n ã o e s tá a b e r to à v e rd a d e . d iá lo g o v e r d a d e ir o s u p õ e q u e as p a r te s s e ja m t o le r a n t e s , a b e r ta s , h u m ild e s e q u e d e s e je m o u v ir e a p r e n d e r , t o m a n d o p a r t e e m u m a b u s c a c o m u m p e la v e rd a d e e m u m i m o r a u t o - s a c r if ic a d o r e a l t r u í s t a (ib id ., 2 3 9 ). Em
r e s p o s ta , é n e c e s s á r io
q u e se a p r e s e n t e a lg u m a s co is a s. Primeiro, o d iá lo g o
" e r d a d e ir o é p o s s ív e l s e m q u e se a s s u m a u m a p o s iç ã o p lu r a lis t a d a v e rd a d e . B a s t a q u e se t e n h a u m a a t it u d e d e h u m ild a d e , a b e r t u r a e b o a -v o n ta d e p a r a o u v ir e a p r e n d e r , s e m a n e c e s s id a d e d o s a c r ifíc io d as n o ss a s c o n v ic ç õ e s a c e r c a d a v e rd a d e . Segundo, o p lu r a lis t a n ã o e s tá d is p o s to a a b r ir m ã o d o s e u c o m p r o m is s o c o m
o
r l u r a l is m o , c o m o c o n d iç ã o p a r a e s te d iá lo g o ; c o n s e q ü e n t e m e n t e , e le e s tá v io la n d o u m im p e r a t iv o q u e e le m e s m o c o l o c o u à m e s a . Terceiro, a s im p le s id é ia d e t o l e r â n c i a im p lic a e r r o e m a lg u n s p o n t o s d e v ista , p o is d iz e r ; u e t o l e r a m o s a v e rd a d e é tã o a b s u r d o q u a n t o a f ir m a r q u e t o le r a m o s o b e m . D e v e m o s r o le r a r o e r r o e o m a l, e n ã o a v e rd a d e e o b e m .
A A sserção de q u e o P o n to de V ista de H ick É re lig io sa m e n te N e u tro J o h n H ic k fin g e a p r e s e n t a r u m a n e u t r a lid a d e r e lig io s a , s e n d o q u e e s ta p o s iç ã o , n a '■ e rd a d e , é in s u s t e n tá v e l. O s e u s u p o s to P lu r a lis m o d e f o r m a a l g u m a e s t á e m p o s iç ã o r e lig io s a m e n t e n e u t r a ; e le s e g u e os m o ld e s d o c o n c e i t o h in d u ís ta d a R e a lid a d e F in a l, e é in t a g ô n ic o a o s p r in c íp io s b á s ic o s d o C r is tia n is m o . A lé m disso, ele n ã o e stim u la v erd a d e ira m e n te o d iálog o g e n u ín o e n tr e as trad içõ es; n a verd ad e, a p re se n ta u m c o n c e ito vazio do ser “e m u m a trad ição relig io sa esp ecífica”. A d em ais, 3 e a co rd o c o m os p lu ralistas, tod as as trad içõ es são esse n cia lm e n te a m e s m a coisa. P o rta n to , u e it a r o P lu ra lism o sig n ifica re je ita r a p ró p ria tra d içã o e ad erir a o u t r a —a tra d içã o plu ralista.
A A sserção de q u e u m P o n to de V ista R e la tiv ista da V erdad e E stá C o r r e to P o r d e tr á s d a a f ir m a ç ã o p lu r a lis t a d e q u e to d a s as g ra n d e s r e lig iõ e s a p r e s e n t a m u m a d e c la r a ç ã o s e m e l h a n t e d a v e rd a d e , e s tá a v isã o r e la t iv is ta d a v e rd a d e . M a s , c o m o já v im o s n o c a p ít u lo 7 ), a n e g a ç ã o d a v e rd a d e a b s o lu t a r e p r e s e n ta u m a a t it u d e a u t o d e s t r u tiv a . E sse p o n t o d e v is ta a le g a q u e o r e la t iv is m o é v e r d a d e ir o p a r a t o d o s , e m to d o s o s lu g a r e s , e e m t o d o s os t e m p o s . E n t r e t a n t o , o q u e é v e r d a d e ir o p a r a t o d o s , e m to d a s as p a r te s , e e m to d o s o s t e m p o s , é u m a v e rd a d e a b s o lu ta . P o r t a n t o , o r e la t iv is m o s e r ia a b s o lu t a m e n t e v e r d a d e ir o . O r e la t iv is m o e s tá b e m a d v e r tid o a e x e r c ita r u m a h e r m e n ê u t i c a s a u d á v e l ; u e p r e c is a l a n ç a r s u s p e ita t a m b é m s o b r e a s u a p r ó p r ia p la t a f o r m a d e a r g u m e n ta ç ã o .
C O N C LU SÃ O C o m o d e sa fio à a s s e rç ã o e v a n g é lic a a c e r c a d a v e rd a d e , o P lu r a lis m o é im p o t e n t e . N a v e rd a d e , e le é a u t o d e s t r u tiv o , já q u e a a s s e rç ã o d e q u e o P lu r a lis m o é v e r d a d e ir o e m o p o s iç ã o a o n ã o - P lu r a lis m o é , p o r si só , u m a a f ir m a ç ã o e x c lu s iv is ta — o p o n t o d e v ista q u e s u p o s t a m e n t e d e fe n d e q u e é i n e r e n t e m e n t e e r r a d a a r e iv in d ic a ç ã o d e u m a v e rd a d e e x c lu s iv a e s tá , p o r si só , c o m p l e t a m e n t e t o m a d o p o r r e iv in d ic a ç õ e s d e v e rd a d e s
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exclusivas. Dessa form a, a asserção evangélica de u m a verdade objetiva (veja capítulo 7), em oposição a todas as visões contraditórias, continua inabalável.
FONTES Clark, David, e N orm an Geisler. Apologetics in the New Age. Clarke, Andrew D., e B ru ce H unter, eds. One Goâ, One Lord: Christianity in a World o f Religious Pluralísm. Freud, Sigmund. The Future o f an Illusion. Geisler, N orm an . Baker Encyclopedia o f Christian Apologetics. Geivett, Doug, et al., in: Dennis O kholm , et al. More Than One Way: Four Views on Salvation in a Pluralistic World. Gnanakan, Ken. The Pluralistic Predicament. Hick, John. An Interpretation o f Religion. ________ . The Metaphor o f God Incarnate: Christology in a Pluralistic Age. ________ . “A Pluralist View”, in: Dennis O kholm , MTOW. James, William. Varieties o f Religious Experience. M cG rath, Alister. “The Challenge of Pluralism for th e C ontem porary Christian C h u rch ”, in: The foum al o f the Evangelical Theological .Soaef^setembro de 1992). ________ . “Resposta a John Hick”, in: O kholm , MTOW. Nash, Ronald. Is fesus the Only Savior?. Netland, Harold. Dissonant Voices: Religious Pluralísm and the Question ofTruth. O kholm , Dennis, et al. More Than One Way: Four Views on Salvation in a Pluralistic World. Pinnock, Clark. “Resposta a John Hick”, in: O kholm , MTOW. ________ . A Wídeness in God’s Mercy. Tanner, Jerald, and Sandra Tanner. The Challenging World o f Mormonism.
C A P Í T U L O
NOVE
LINGUAGEM: O PRESSUPOSTO LINGÜÍSTICO
s evangélicos crêem que a Bíblia é a Palavra de D eus em palavras hum anas; po rtan to , ou tro pressuposto para fazer Teologia evangélica é a cren ça de que a linguagem r.um ana finita é capaz de expressar de fo rm a significativa a n atu reza do D eus in fin ito do I eísmo cristão, que se apresenta tanto na revelação geral quanto na especial.
O
T R Ê S A LTERN A TIV A S BÁ SIC A S Os evangélicos rejeitam qualquer alternativa que negue a possibilidade de falar de m aneira significativa a respeito de Deus. Isto inclui as visões sem elhantes às que íão propostas por ateístas, agnósticos, céticos, e até m esm o os m ísticos religiosos e os existencialistas. Logicamente, existem som ente três pontos de vista possíveis acerca da linguagem divina: (1 ) E la é equ ív oca (to ta lm e n te d iferen te da m a n eira c o m o D eu s re a lm e n te é). (2) E la é u n ív o ca (to ta lm e n te igual ao qu e D eu s re a lm e n te é). (3 ) E la é a n álo g a (sim ilar à m a n e ira co m o D eu s re a lm e n te é).
Os evangélicos têm defendido tan to versões da linguagem un ívoca quanto da inalógica; alguns têm feito u m a com binação das duas. E n tretan to , co m o verem os, :an to a linguagem divina equívoca quanto a un ívoca apresentam sérios problem as: a prim eira leva a u m ceticism o autod estrutivo, e a segunda a u m d ogm atism o inaceitável. P ortanto, ficam os co m algum a fo rm a de analogia pela qual D eus se co m u n ica conosco. A L in gu ag em D ivin a E q u ív o ca A linguagem divina equívoca nos deixa em ignorância to tal a respeito de Deus. Na m elh or das hipóteses, podem os sentir ou intuir a respeito de D eus de algum a m aneira experim ental, mas n e n h u m a expressão h u m an a é capaz de descrever o que está sendo experim entado. A Teologia evangélica rejeita esta alternativa p o r várias razões. Primeiro, ela é autodestrutiva, pois afirm a co m linguagem hu m an a acerca de Deus que não podem os afirm ar nada a respeito de Deus. Os m ísticos religiosos seguram ente escrevem livros a respeito de D eus. E m sum a, qualquer tentativa de expressão da visão equívoca acerca de D eus im plica que algum tipo de linguagem não-equívoca a respeito de Deus é possível.
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Segundo, a Bíblia declara que Deus pode ser descrito em linguagem hum ana. Na verdade, a Bíblia co m o u m todo é u m a tentativa de nos in form ar a respeito de Deus e de evocar u m a resposta da nossa parte. Até m esm o a linguagem colorida, figurada e m etafórica da Bíblia im plica u m a com preensão literal p o r detrás das expressões n ãoliterais, pois n em m esm o é possível com preender que u m a figura de linguagem não é literal (p or exem plo, “Deus tem braços”) se não souberm os o que é literalm ente verdadeiro (isto é, que Ele é p uro Espírito [Jo 4.24]). Terceiro, existe u m a tradição contínua e consistente n a teologia ortodoxa, desde os prim eiros séculos até o presente, que considera a linguagem h um ana capaz de expressar a verdade a respeito de u m Deus transcendente. Isto é manifesto nas grandes confissões, nos credos, e nos concílios da igreja cristã (veja Schaff, CC), sem considerar todos os tratados teológicos dos grandes Pais da igreja, do segundo século até os nossos tem pos.
A Linguagem Divina Unívoca Alguns pensadores cristãos co m o John Duns Scotus (1266-1308), seguindo a tradição de Platão e Agostinho, argu m en taram que a linguagem divina é unívoca. M esm o havendo u m elem ento im portante de verdade nesta visão (veja abaixo), ela foi severam ente criticada p o r Tomás de Aquino e tem sofrido duros ataques no pensam ento con tem p orân eo —não sem m otivo. U m a análise mais detalhada será feita mais adiante, mas por hora citaremos os dois problemas mais básicos deste ponto de vista. Primeiro, com o a nossa compreensão acerca de Deus pode ser inteiramente igual à que Deus tem de Si próprio? (isto é, unívoca)? A nossa com preensão e as nossas expressões são finitas, e as de Deus são infinitas, e existe u m abismo enorm e entre o finito e o infinito. Por ser transcendente, Deus não está apenas além da nossa com preensão limitada, com o tam bém além das nossas expressões finitas. Segundo, a Bíblia deixa claro que Deus está m uito acim a dos nossos pensam entos e palavras. C om o disse, de form a acertada, o profeta Isaías: “Porque os m eus pensam entos não são os vossos pensam entos, nem os vossos cam inhos, os m eus cam inhos, diz o SENHOR. Porque, assim co m o os céus são mais altos do que a terra, assim são os m eus cam inhos mais altos do que os vossos cam inhos, e os m eus pensam entos, mais altos do que os vossos pensam entos” (Is 55.8,9). Para que u m ser hum ano m o rtal tivesse o con hecim en to que Deus tem , ele teria que ser Deus, já que som ente Ele sabe todas as coisas de m aneira infinita.
A Linguagem Divina Análoga Parece-nos, então, que aú nicaalternativaviávelparaevitar o ceticism o autodestrutivo, de u m lado, e o dogm atism o autodeificante, de ou tro, é d em onstrar que a linguagem divina legítima é análoga à m aneira co m o Deus n a verdade é. Isto significa dizer que a linguagem acerca de Deus não é nem equívoca (to talm en te diferente) nem unívoca (to talm en te a m esm a), m as é similar (análoga) à m aneira co m o Deus realm ente existe.
DUAS TENTATIVAS DE DESENVOLVIMENTO DE UMA LINGUAGEM DIVINA POSITIVA Existem duas tentativas básicas de desenvolver u m a linguagem divina positiva. U m a é por interm édio da linguagem unívoca e o u tra por interm édio da linguagem analógica.
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A prim eira foi proposta por Jo h n D uns Scotu s, e a segunda, por Tom ás de Aquino. E m bora estas duas posições pareçam m u tu am en te excludentes, sua com plem entaridade proporciona u m a com preensão crucial da n atu reza da linguagem religiosa. A In sistên cia S co tista n o s C o n c e i t o s U r á w o c o s Jo h n D uns Scotu s deixou u m a questão acim a de qualquer dúvida: Não pode haver qualquer linguagem significativam ente positiva acerca de Deus se, n a sua base, não estiverem envolvidos conceitos unívocos, pois os conceitos equívocos e analógicos nos deixam no ceticism o. O argu m ento de Scotu s pode ser resum ido em duas partes: prim eiro, a impossibilidade de conceitos análogos; e segundo, a necessidade de conceitos unívocos. A Impossibilidade de Conceitos Análogos de Deus H enry de G h en t (c. 1217-1293), u m con tem p orân eo de Scotus, defendeu o que cham ava de “conceito análogo do ser”. De acordo com Henry, Deus é conh ecid o em term os de u m conceito universal, o qual, em bora concebido com o se fosse sim plesm ente u m a noção (por causa da ín tim a sem elhan ça com os conceitos intrínsecos a ele), na realidade, os conceitos (de D eus e dos h u m an os) são diferentes. P ortanto, o conceito de ser co m u m tanto a D eus quanto às criaturas, na realidade, não se trata de u m conceito único, m as de dois conceitos separados. C ontu do, por causa das similaridades entre estes dois conceitos, a m en te erra ao fazer a distinção en tre os dois, da m esm a fo rm a que dois objetos distantes tend em a parecer u m a coisa só diante dos nossos olhos. Este conceito dualista é cham ado de análogo por H enry (Scotu s, PW, 20-21, 180-81). Scotus refu tou de m aneira vigorosa o conceito análogo de Henry. Primeiro, Scotus lem brou a H enry que se D eus e as criaturas se distinguem som en te por u m a negação (ou seja, por aquilo que não sabemos acerca de D eus), não há distinção algum a então, pois “não há necessidade de fazer a distinção de que n ão conseguim os saber o que D eus é; som ente podem os saber o que Ele não é. Pois cada negação som en te se to rn a inteligível quando contrastada co m algum tipo de afirm ação”. Segundo, Scotus percebeu que já que u m con ceito análogo é, n a realidade, dois conceitos diferentes, ele é, n a verdade, equívoco, pois, ou h á n a base destes dois conceitos u m conceito un ívoco do qual ambos extraem o seu significado co m u m , ou am bos se tratam de dois conceitos in teiram en te diferentes. Se fo r o primeiro caso, precisa haver, necessariam ente, u m conceito un ívoco n a base do assim cham ado “con ceito an álog o”, com o qualquer coisa que é predicada a respeito de D eus e das criaturas por via de u m conceito equívoco deve significar duas coisas inteiram en te diferentes. P ortan to, se os conceitos de Deus fossem análogos, eles seriam equívocos (ibid., 18, 22-23). Se fo r o segundo caso, eles são equívocos, em qualquer nível. De acordo co m Scotu s, em qualquer dos casos, p o rtan to , u m conceito análogo nada nos in form a a respeito de Deus. A Necessidade de Conceitos Unívocos de Deus
No horizonte de Scotus, a linguagem a respeito de D eus não é n em equívoca nem analógica; ela é unívoca, e, dessa form a, ela foge da alternativa do ceticism o. Por "u nívoca”, Scotu s quer dizer aquilo que “possui unidade suficiente em si m esm o, de form a que afirm ar ou negar u m a e a m esm a coisa seria u m a contradição. Ela tam bém
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apresenta unidade suficiente para servir co m o term o interm ediário de u m silogismo”. Scotus nos apresenta quatro argum entos p ara apoiar a sua argum entação de que os conceitos precisam ser univocam ente com preendidos, tan to para Deus quanto para os hom ens (ibid., 23). Primeiro, “todo intelecto que está seguro a respeito de u m conceito, m as dúbio a respeito de outros, tem [...] u m ou tro conceito do qual ele está seguro”. Scotus apresentou u m a prova desta premissa, desta form a: “U m e o m esm o conceito não pode ser certo e dúbio ao m esm o tem po, ou [além disso] não há conceito algum e, consequentem ente, n en h u m a certeza a respeito de conceito algum ”. A o u tra premissa é esta: “Todo filósofo estava certo de que o que ele postulou co m o princípio básico se tratava de u m ser, fosse ele o prim eiro, ou não fosse o prim eiro”. A razão para isso é: “U m a pessoa que ten h a percebido u m desacordo entre os filósofos pode continuar tendo a certeza de que as coisas que eles consideraram co m o princípios básicos possuem ser [por exem plo, o fogo, a água]”. Scotus descartou a possibilidade de que filósofos diferentes tivessem conceitos diferentes do que seria o ser, dizendo: C o m essa evasiva, tod a possibilidade de pro var a un id ad e de qu alq u er co n ceito seria d estruída. O fa to da gran de sim ilaridade, aliado à sim plicid ade irred u tív el de tod os os co n ce ito s, d em o n stra que, e m ú ltim a análise, eles são u m a coisa só. A lém disso, se houvesse dois co n ceito s form ais d iferentes, teríam o s de co n clu ir qu e havia dois prin cípios básicos fo rm a lm e n te o p o sto s do ser (ibid., 23-25).
Em resum o, se o intelecto pode ter certeza a respeito do conceito de ser sem saber se ele se refere ao ser criado ou não-criado, e se é necessário ter u m conceito unívoco para que tenham os certeza de qualquer coisa, precisam os ter, então, u m conceito unívoco do ser de Deus. De ou tra form a, não teríam os qualquer tipo de con hecim en to a respeito de Deus, o que contraria tanto a fé quanto a filosofia. Segundo, os conceitos utilizados para Deus precisam ser univocam ente compreendidos, porque: N e n h u m o b je to p ro d u z ir á u m c o n c e it o sim p le s e a p ro p ria d o d e si m e s m o , n e m u m c o n c e it o s im p le s e a p ro p ria d o de o u tr o o b je to , se n ã o c o n tiv e r e s te se g u n d o o b je to , s e ja e m e ss ê n c ia o u v ir t u a lm e n t e . N e n h u m o b je to c ria d o , e n tr e t a n t o , c o n t é m o N ã o -C r ia d o , n e m e m e s s ê n c ia -, n e m v ir t u a lm e n t e [...] P o r t a n t o , ele é in ca p a z d e p ro d u z ir q u a lq u e r c o n c e it o sim p le s e a p ro p ria d o do “n ã o - c r ia d o ” . M as n e n h u m c o n c e it o p o d e ria su rg ir e m v ir tu d e do i n t e l e c t o a tiv o e do se n so de im a g e m [qu e é a m a n e ir a p e la q u a l to d o s os o b je to s c ria d o s são c o m p r e e n d id o s n e s ta vida] q u e n ã o s e ja u n ív o c o , m a s s o m e n te a n á lo g o c o m , o u in t e ir a m e n t e d ife r e n te de, o q u e é re v e la d o n o s e n so de im a g e m . P o r t a n t o , se r ia im p o ss ív e l te r q u a lq u e r c o n h e c im e n to n a t u r a l a c e r c a d e D e u s , a m e n o s q u e se c o n h e ç a via c o n c e ito s u n ív o c o s . M as n ó s c e r ta m e n t e te m o s c o n h e c im e n to n a t u r a l a c e r c a de D e u s. P o r ta n to , e s te c o n h e c im e n to d ev e v ir p o r in t e r m é d io de c o n c e ito s u n ív o c o s (ib id ., 2 5 -2 6 ).
Terceiro, o nosso conceito de Deus precisa ser unívoco, já que é errado argumentar da seguinte maneira:
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O co n ce ito apropriado de qu alqu er assu n to p ro p o rcio n a base su ficien te para co n clu ir qu alqu er coisa co nceb ív el q u e se ja n e cessariam en te in e re n te a este o b je to . M as não tem o s u m co n ce ito sobre D eu s [...] qu e faça c o m qu e c o n h e ça m o s tod os os atribu to s necessários qu e co n ceb em o s d ele, co m o fica eviden te a p artir do fa to da T rindade, e de ou tro s atrib u to s necessários, que co n h e ce m o s p o r in term éd io da fé.
P ortanto, não tem os u m conceito apropriado acerca de Deus. Scotu s insiste que isto é flagrantem ente falso, já que a revelação nos ensina m u ito a respeito de Deus. P ortan to, precisam os ter pelo m enos algum con ceito que seja apropriadam ente (isto é, de fo rm a un ívoca) aplicável a Deus (ibid., 26). Quarto: O u alg u m tipo de perfeição p u ra tem u m significado co m u m , c o m o o co rre co m D eus e as criaturas, ou não. Se não, ou é p orqu e o seu significado, de fo rm a algum a, se aplica fo rm a lm e n te a D eus (o que é inadm issível), ou porqu e já tem u m significado in teiram en te apropriado a D eu s [e n ão às criaturas] [...] m as esta ú ltim a alternativa é co n trária à verdade afirm ada p o r A n selm o de que “p rim eiro sabem os qu e algo se trata de p u ra perfeição e, em segundo lugar, atribu ím os esta perfeição a D eu s” (A n selm o, Aí, apêndice).
A lém disso, se as perfeições puras fossem encontradas som en te em Deus, não haveria tantas perfeições sim ilares espalhadas en tre as criaturas. A abordagem m etafísica apropriada é iniciar com u m con ceito (tal co m o vontade ou in te le cto ) e, ao descobrir que ele não co n tém qualquer im perfeição, “atribuir[-lo] a D eus —só que n o mais perfeito dos graus”. Por fim, Se v o cê insistir qu e isto n ão é verd adeiro, m as qu e o co n ce ito fo rm a l do qu e p erten ce a D eus é u m a o u tra n o çã o de qu alq u er coisa qu e pode ser en co n tra d a nas criatu ras, ab so lu ta m en te n ad a p o d erá ser in ferid o a resp eito d e D eu s, pois a n o çã o do qu e está em cada u m é co m p le ta m e n te d iferen te (ibid., 27-28).
Por detrás destes quatro argum entos a favor da univocalidade, está u m a disputa fundam ental: Se não houver u m a fo rm a de univocalidade n os nossos conceitos acerca de Deus, não haverá n e n h u m tipo de certeza no nosso co n h ecim en to sobre Deus, pois, co m o vim os, “u m e o m esm o conceito não pode ser certo e dúbio ao m esm o tem po. Portanto, ou existe u m ou tro conceito [que seja certo], ou não há conceito algum e, consequentem ente, n e n h u m a certeza a respeito de con ceito alg u m ”. Em outras palavras, se não há u m a base unívoca para o significado, som os forçados a u m a regressão infinita de conceitos não-u nívocos n a busca de u m conceito un ívoco inapreensível através do qual a ambigüidade não-u n ív o ca possa ser resolvida. Pois “todo in telecto que está seguro a respeito de u m conceito, mas dúbio a respeito de outros, tem , além do con ceito pelo qual ele n u tre a dúvida, u m ou tro conceito do qual ele está seguro”. P ortanto, Scotus concluiu: “D eclaro que Deus é concebido [...] em algum tipo de conceito unívoco a respeito de Si m esm o e das suas criaturas” (ibid., 23). R esum indo, existem som ente três alternativas nos nossos conceitos sobre Deus. O u os conceitos de D eus são com preendidos de fo rm a equívoca (isto é, em u m
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sentido totalm en te diferente), e neste caso não sabemos nada sobre Deus; ou eles são com preendidos de form a analógica (isto é, co m sentido parcialm ente igual, parcialm ente diferente), e neste segundo caso, em qualquer nível, precisam os ter algum tipo de conceito unívoco de Deus que nos perm ita saber que parte do conceito análogo se aplica a Deus e que parte não se aplica a Ele; ou eles são com preendidos de form a unívoca (isto é, apresentando exatam ente o m esm o significado) em prim eira instância. Portanto, ou existem conceitos unívocos acerca de Deus, ou não sabemos nada a seu respeito. É preciso haver ou a univocalidade ou o ceticismo. Aparentem ente, Scotus deixou isto claro. A linguagem divina equívoca não nos fala nada a respeito de Deus, e a analógica parece funcionar som ente se, n a analogia, houver u m elem ento unívoco identificável. Sem este elem ento unívoco identificável, o conceito será, na m elhor das hipóteses, ambíguo, e na pior delas, equívoco. Se for ambíguo, poderá ser esclarecido som ente em term os de u m conceito unívoco não-am bíguo. Mas se houver u m elem ento unívoco identificável n a analogia, n a verdade, a analogia será u m a form a de com preensão unívoca de Deus, pois ela envolve u m conceito unívoco identificável que pode ser aplicado a Ele sem m udança, junto co m os outros elem entos da afirmação análoga com binada que não podem ser aplicados a Deus. Em sum a, ou a analogia tem u m elem ento unívoco dentro de si, ou não tem . Se não tiver, será, em últim a análise, linguagem equívoca, o que nos deixa no ceticismo em relação a Deus. Por ou tro lado, se a analogia tiver m esm o, contido em si, u m elem ento unívoco, ela conterá certam en te u m conceito unívoco ao final, o que prova u m pouco do conhecim ento verdadeiro acerca de Deus. Este m esm o argum ento a favor da necessidade de u m conceito unívoco tem sido repetido p or m uitos evangélicos. Veja, p o r exem plo, W. G. T. Shedd, Dogmatic Theology (T eologiaD ogm ática) (l:89ss.), e Stuart Hackett, The Ressurrection ofTheism (A Ressurreição do Teísmo) (127-30).
A Defesa Tomista da Predicação (Afirmação) Análoga Tomás de Aquino estava familiarizado e rejeitou abertam ente a insistência na linguagem divina unívoca. Ele escreveu: “É impossível que qualquer coisa seja predicada u nivocam ente a respeito de Deus e de u m a criatu ra” (Tom ás de Aquino, OPG, 7.7, texto). A Rejeição da Predicação Unívoca A rejeição assumida por Tomás de Aquino da predicação unívoca de Deus envolve dois fatos im portantes: Primeiro, não pode haver u m a com preensão de correspondência total (u m a u m ) entre as m entes finitas dos seres hum anos e a M ente infinita de Deus. Segundo, é necessário admitir que existe u m elem ento negativo na nossa com preensão a respeito de Deus — ou seja, sabemos o que Deus não é (p or exem plo, sabemos que Ele não é finito). Argumentos contra a Predicação Unívoca Na sua Summa Contra Gentiles, Tomás de Aquino apresentou seis argum entos con tra a predicação unívoca de Deus e das criaturas. Analisaremos aqui alguns dos mais im portantes (SGG, 1.32).
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Primeiro: S o m e n t e o s e fe ito s q u e r e c e b e m d a su a c a u s a a f o r m a e s p e c ífic a d a q u e la c a u s a p o d e m r e c e b e r u m a p r e d ic a ç ã o u n í v o c a d a q u e la f o r m a d e le s e d e D e u s . M a s “as f o r m a s d as co is a s q u e D e u s c r io u n ã o se c o m p a r a m à s e m e l h a n ç a e s p e c ífic a d o p o d e r d iv in o ” . T o d a s as c r ia t u r a s sã o , “d e m a n e i r a d iv id id a e p a r t ic u la r , a q u ilo q u e n e le é e n c o n t r a d o d e m a n e ir a s im p le s e u n iv e r s a l” . A ss im , “é e v id e n te q u e n a d a p o d e s e r d ito u n i v o c a m e n t e a r e s p e ito d e D e u s e d as o u t r a s c o is a s ” . [O s a r g u m e n to s 2 e 3 sã o o m itid o s aq u i.] Quarto: “O q u e é p r e d ic a d o d e m u ita s c o is a s u n i v o c a m e n t e é m a is s im p le s q u e a m b a s , p e lo m e n o s e m c o n c e it o . A g o r a , n ã o p o d e h a v e r n a d a m a is s im p le s d o q u e D e u s , s e ja e m r e a lid a d e o u e m c o n c e it o . N a d a , p o r t a n t o , é p r e d ic a d o u n i v o c a m e n t e a r e s p e ito de D e u s e d e o u t r a s c o is a s ” . E c o m o a ú n i c a c o is a e m c o m u m é s e m p r e m a is s im p le s q u e as m u ita s co is a s q u e se t e m e m c o m u m , q u a lq u e r p r e d ic a ç ã o u n ív o c a d e D e u s e d e o u t r o s t e r ia q u e se r m a is s im p le s d o q u e D e u s , o q u e é u m a im p o s s ib ilid a d e . Qumto: “T u d o o q u e é p r e d ic a d o u n i v o c a m e n t e a r e s p e ito d e m u ita s c o is a s p e r te n c e , p o r p a r t ic ip a ç ã o , a c a d a u m a d as co is a s d as q u a is s u r g e a p r e d ic a ç ã o [...] M a s n a d a se d iz a r e s p e ito d e D e u s , p o r p a r t ic ip a ç ã o [...] N a d a , p o r t a n t o , p o d e s e r p r e d ic a d o d e D e u s e de o u t r a s c o is a s ” de m a n e i r a u n ív o c a . E m s u m a , D e u s n ã o t o m a p a r t e e m n a d a ; e m v e z d isso , to d a s as co is a s t o m a m p a r t e n e le . S e h o u v e s s e u m a p r e d ic a ç ã o u n ív o c a c o m u m n a q u a l D e u s t o m a s s e p a r te , e n tã o is to se r ia m a is fin a l d o q u e o p r ó p r io D e u s . Sexto: “N a d a é p r e d ic a d o a r e s p e ito d e D e u s e d as c r ia t u r a s , e m b o r a e ste s e s t e ja m n a m e s m a o r d e m , m a s , e m v e z d isso , d e a c o r d o c o m a p r io r id a d e e a p o s t e r io r id a d e ” . Is to é v e r d a d e ir o p o r q u e D e u s é essencialmente S e r , e to d a s as o u t r a s co is a s t e m o se u “s e r ” s o m e n t e p o r p a r t ic ip a ç ã o n o S e r de D e u s . E n t r e t a n t o , “o q u e é p r e d ic a d o d e a lg u m a s c o is a s, d e a c o r d o c o m a p r io r id a d e e a p o s t e r io r id a d e , c e r t a m e n t e n ã o é p r e d ic a d o u n i v o c a m e n t e ” , p o is o a n t e r io r p o s s u i a c a r a c t e r ís t ic a e s s e n c ia lm e n t e e o p o s t e r io r a p o s s u i s o m e n t e p e la p a r t ic ip a ç ã o n o a n t e r io r . “E im p o s s ív e l, p o r t a n t o , q u e q u a lq u e r c o is a s e ja p r e d ic a d a u n i v o c a m e n t e d e D e u s e d e o u t r a s c o is a s ” . N a su a Summa T heologica ( 1 .1 3 .5 ), T o m á s de A q u in o e x p õ e a su a q u e s t ã o c o n t r a a p r e d ic a ç ã o u n ív o c a n o p r im e ir o a r g u m e n t o d a Summa Contra Gentiles: “T o d a s as p e r fe iç õ e s e x is t e n te s n a s c r ia t u r a s d e f o r m a d iv id id a e m ú l t i p l a p r e e x is t e m e m D e u s d e f o r m a u n id a ” . P o r t a n t o , t o d a p e r le iç ã o a p lic a d a a D e u s s ig n ific a a su a p r ó p r ia e s s ê n c ia ; p o r e x e m p lo , as c r ia t u r a s têm s a b e d o ria , m a s D e u s é s a b e d o ria . “A ss im , é e v id e n te q u e o t e r m o sá b io n ã o se a p lic a d a m e s m a m a n e ir a a D e u s e a o s h o m e n s . P o d e -s e d iz e r o m e s m o a r e s p e ito d e o u t r o s t e r m o s . P o r t a n t o , n e n h u m n o m e é p r e d ic a d o u n i v o c a m e n t e d e D e u s e de o u tra s c ria tu r a s ”. H á o u t r o a r g u m e n t o im p l í c i t o n a o b je ç ã o q u e T o m á s d e A q u in o fa z à p r e d ic a ç ã o u n ív o c a , c o m o q u a l e le c o n c o r d o u : D eu s está m ais d istante das criatu ras do qu e qu alq u er cria tu ra possa estar d istan te u m a da o u tra . M as a d iferen ça de algum as criatu ras [um as das o u tras faz co m qu e qu alqu er p red icação u n ív o ca delas seja im possível], c o m o n o caso daquelas coisas qu e n ão p e rte n ce m ao m esm o g ên ero. P o rtan to , é ainda m ais difícil qu alqu er coisa ser predicada de fo rm a u n ív o ca de D eu s e das criaturas. E m e s s ê n c ia , p o r t a n t o , o a r g u m e n t o a f a v o r d a lin g u a g e m d iv in a a n á lo g a é e ste : E n t r e u m S e r i n f i n i t a m e n t e p e r fe it o e se r e s f in i t a m e n t e p e r fe it o s , e x is te u m a d ife r e n ç a in f in ita e m p e r fe iç ã o ( c e r t a m e n t e , a lg o in f i n i t o d ife re d e a lg o f in ito d e m a n e i r a m a is
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que finita). Tam bém , onde há u m a diferença infinita em perfeição não pode haver u m a predicação unívoca. U m a certa perfeição não pode significar integralm ente o m esm o que se aplica a Deus e às criaturas, pois Deus e as criaturas estão separados por u m grau infinito de perfeição. C o m o Tomás de Aquino disse, em o u tra obra: “Todo efeito de u m agente unívoco é adequado ao poder deste agente: e n en h u m a criatura, sendo finita, pode ser adequada ao poder do agente prim eiro, que é infinito” ( OPG, 7.7). O que vale para o poder, vale tam bém para qualquer o u tra form a de perfeição.U m a Causa infinitamente perfeita produziu efeitos finitamente perfeitos, e as perfeições encontradas nestes efeitos não p odem ser predicadas exatam ente da m esm a form a (isto é, u nivocam ente) que Deus. A Necessidade da Via Negativa A esta altura, a necessidade da via negativa (o cam inho da negação) se to rn a aparente. C om o Plotino corretam en te observou, Deus não pode possuir perfeições da m esm a form a que as coisas criadas as possuem ; neste sentido, Deus “produz o que ele não possui” (veja Plotino, E, 5.3.14-15), porque Deus não possui, de fato, as características finitas encontradas n a sua criação. Deus não tem o ser e a sabedoria; Ele é o ser e a sabedoria. Assim, todas as limitações encontradas nas perfeições das criaturas devem ser com p letam en te negadas co m respeito a Deus, já que Ele é ilimitado (infinito) no seu Ser. E por essa razão que a predicação unívoca precisa ser rejeitada, pois ela destrói a distância necessária entre Deus e as criaturas em função dos tipos diferentes de seres que são. Deus é u m Ser infinitam ente perfeito, e todos os outros seres não passam de finitamente perfeitos. Se qualquer atributo fosse predicado da m esm a m aneira (isto é, de form a unívoca) tan to da parte de Deus quanto das criaturas, isto implicaria a “finitude” de Deus ou a “infinitude” das criaturas. Mas, co m o Deus é visto co m o u m Ser infinitamente perfeito, nada que é finitamente perfeito pode ser aplicado a Deus sem qualificações. Os proponentes da teologia negativa apreciavam a necessidade destas qualificações para preservar a transcendência de Deus. Quando u m a perfeição tom ada de u m m undo finito é aplicada a Deus, ela precisa ser aplicada a Ele de form a infinita, já que Ele é u m Ser infinito. Sem que as condições finitas de perfeição possam ser negadas, não há com o aplicá-las de m aneira apropriada a u m Ser infinito. A Rejeição da Predicação Equívoca Entretanto, só a via negativa não será suficiente para o cu m p rim ento desta tarefa, pois se todo significado é negado, quando se rem ove as conotações finitas de u m term o, estáse falando de m eros equívocos (enganos). Se não há algum significado co m u m que se aplique tan to a Deus quanto às criaturas, o significado que se tem , quando aplicado às criaturas, é totalm en te diferente do significado que se tem , quando aplicado a Deus. E u m significado totalm en te diferente é u m engano que nos deixa em u m estado de ceticism o a respeito de Deus. Tomás de Aquino concorda co m Scotus que a linguagem equívoca nos priva de qualquer tipo de conhecim ento a respeito de Deus. M uito em b ora Tomás de Aquino se refira a Deus com o u m a “Causa equívoca” (isto é, pertencente a u m a ordem diferente das causas finitas), ele oferece vários argum entos co n tra a predicação equívoca dessa Causa (SCG, 1.33).
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Primeiro, nos equívocos, “é inteiram ente acidental que u m n om e seja aplicado a coisas diferentes: A aplicação do n o m e a u m a dessas coisas não significa que ela te n h a um a
ordem sobre o u tra coisa”. Mas “isto não se dá co m nom es relacionados a D eus e às criaturas, já que n a com unidade destes nom es percebem os existir u m a ordem de causa e efeito [...] p o rtan to , não é por vias de pu ro engano que algo é predicado de D eus e de outras coisas”. O u seja, term o s com a m esm a grafia, mas que apresentam significados diferentes [com o vim os no caso da palavra inglesa “bark”, que significa “latido de um cach o rro ”, com o tam b ém “casca de u m a árvore”], são equívocos p o r pu ro acaso. C ontudo, onde u m a coisa é a causa da outra, não há u m a ligação p u ram en te pelo acaso entre os term os que expressam estas coisas, m as existe u m a ordem de referência que significa que um se relaciona ao outro. Segundo-, “O nde existe u m engano puro, não existe sim ilaridade nas coisas en tre si; há som ente u m a unidade expressa na grafia do n om e. Mas [...] existe u m certo m odo de sem elhança das coisas para co m Deus. Por fim, tem os que os nom es não se referem a Deus de m aneira p u ram en te equívoca”. A prem issa m e n o r era apoiada por u m artigo precedente ( SCG 1.29), em que Tom ás de A quino argu m entou : “A lgum a sem elhança deve ser encontrada en tre elas [causa e efeito], já que isso p erten ce à n atu reza da ação, que u m agente produza u m a causa sem elhante a si, já que todas as coisas agem de acordo com o são em ato ”. A sim ilaridade do Criador e da criatu ra é apoiada, tam bém , pelas Sagradas Escrituras, que afirm am que D eus criou o h o m em à sua im agem e sem elhança (G n 1.27). Terceiro: “Q uando u m n om e é predicado de várias coisas de m aneira pu ram ente
equívoca, não podem os chegar, a partir de u m deles, ao co n h ecim en to do ou tro [...]”. Mas “a partir daquilo que descobrim os nas outras coisas, chegam os a u m con h ecim en to das coisas divinas, co m o fica evidente n o que acabam os de dizer”. P ortan to, “estes nom es não se referem a D eus e a outras coisas de m aneira p u ram en te equívoca”. Isto eqüivale a dizer que, se não houvesse algum a sem elhança entre as criaturas e Deus, jam ais seriam os capazes de passar, co m o fazem os, de u m co n h ecim en to das coisas criadas para o con h ecim en to de Deus. Quarto: “O engano em u m n om e im pede o avanço da argu m en tação”, e “se nada foi dito a respeito de Deus e das criaturas, salvo em u m a fo rm a p u ram en te equívoca, n en h u m tipo de argum entação procedente das criaturas em direção a Deus ocorreria. Mas o contrário é evidente, diante de tantos h om ens que têm se pronunciado a respeito de D eus”. Isto eqüivale a dizer que o engano n ão só to rn aria im possível o con h ecim en to de Deus (co m o defende o terceiro argu m ento), co m o tam bém im pediria qualquer argum entação acerca de Deus com base no co n h ecim en to adquirido neste m undo, em cu ja argum entação todos os teólogos to m a m parte. Quinto: “Tam b ém é fato que u m n o m e é predicado de u m ser de fo rm a inú til, a m enos que por interm édio desse n o m e nós com preend am os algo a respeito do ser. Mas se os nom es se referem a Deus e às criaturas de m an eira p u ram en te equívoca, não com preendem os nada de D eus através destes n o m es”, pois “os significados destes nom es
são conhecidos som en te à m edida que se referem a criaturas. E m vão, p o rtan to , algo seria dito ou provado a respeito de Deus ser u m Ser, de Ele ser bom , ou coisas sem elh an tes”. Sexto, até m esm o os nom es não-equívocos nos dizem som en te o que Deus não é; no m ínim o, eles concord am naquilo que negam a respeito de Deus. U m a negação to talm en te equívoca de Deus seria o m esm o que afirm ar a m esm a coisa que está sendo negada sobre Deus. Assim, até m esm o as negações de Deus não podem ser equívocas.
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E m u m a obra posterior, Tomás de Aquino lançou a questão co n tra a predicação equívoca em u m argum ento central: A predicação equívoca é impossível “porque, se fosse possível, teríam os que absolutam ente nada pode ser conhecido das criaturas ou dem onstrado a respeito de D eus” (ST, 1.13.5). E u m patente engano afirm ar que nada podem os saber acerca de Deus; p ortan to, deve haver algumas predicações não-equívocas a respeito de Deus. Por exem plo, conhecem os coisas a seu respeito por interm édio da sua revelação especial, na Bíblia, e da sua revelação geral, n a natureza (R m 1.19,20). Predicação A n alóg ica: A Ú nica A lternativa
Se os term os não podem ser aplicados a Deus nem de m aneira unívoca nem de m aneira equívoca, eles, então, devem ser predicados a seu respeito de m aneira analógica. Nas palavras do próprio Tomás de Aquino: E ste n o m e D eu s [...] n ão é to m a d o n e m u n iv o ca m e n te n e m eq u iv o cam en te, m as a n a lo g ica m e n te. Isto fica ap aren te a p a rtir desta razão — os n o m es u n ív o co s têm a b so lu ta m en te o m e sm o significado, en q u an to os n o m es eq u ív oco s tê m significados a b so lu ta m en te d iferentes; n o s an aló g ico s, p o r o u tro lado, u m n o m e to m a d o co m u m significado p recisa ser co lo cad o n a d efinição do m e sm o n o m e to m a d o c o m o u tro s significados (ST, 1.13.10).
Portanto, os term os tom ados de criaturas e que denotam perfeições podem ser aplicados a Deus som ente de m aneira análoga: S o m e n te p o d em o s dar n o m es a D eu s a p a rtir das criatu ras. P o rta n to , tu d o o qu e se diz ta n to de D e u s q u a n to das criatu ras é c o rre to à m ed ia qu e h á alg u m a relação da cria tu ra co m o C ria d o r c o m o sua cau sa p rin cip al, n o qual todas as perfeições p re ex istem de m a n e ira exce le n te .
Além disso, E ste m o d o de c o m u n ica çã o [isto é, a analogia] é u m m e io e n tre a p u ra eq u iv ocação e a u n iv o ca çã o sim ples. Pois nas analogias a idéia n ão é, c o m o nas u n ívocas, u m a e a m esm a [na sua aplicação]; co n tu d o , n ão é to ta lm e n te diversa c o m o nas equ ívocas; m as o n o m e que é usado em sen tid o m ú ltip lo significa várias p ro p o rçõ es p ara alg u m as coisas e m si (ST, 1.13.5).
Por exem plo, cham am os Deus de B om porque Ele é a causa de toda bondade. A Causa é boa, e, p ortan to , quando ela causa bondade em o u tra coisa ela está com unicando daquilo que ela é para aquilo que a sua criatura tem , por interm édio da participação criada. A conexão causai entre o Criador e a criatura não pode ser totalm en te diferente do seu Criador, já que toda perfeição que ela possui foi adquirida dele. Existe outro argumento fundamental a favor da analogia que nos leva de volta ao dilema de Parmênides, o monista1(veja capítulo 2): Se há mais de u m ser no universo, estes seres precisam se diferenciar ou pelo seu ser ou pelo seu não-ser. Mas eles não podem se diferenciar pelo seu 1O Monísmo sustenta que toda a realidade é um a coisa só.
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n ã o -ser, pois isso é o m e s m o q u e n ad a, e d iferen ciar-se p o r n a d a significa n ã o d iferen ciar-se e m co isa a lg u m a . As coisas t a m b é m n ã o p o d e m se d iferen ciar p e lo ser, pois esse é o q u esito p elo qu al elas são id ên ticas, e elas n ã o p o d e m se d iferen ciar e x a ta m e n te n a q u ilo e m q u e são idên ticas. P o rta n to , n ã o p o d e h a v er m ais de u m ser n o u n iv erso . A ssim , existe s o m e n te u m ser — isto é, o M o n is m o é v erd ad eiro. A g o ra, ex iste m ap en as duas a ltern ativ as p a ra este d ilem a. O u o n o s s o p r in c íp io d e d ife r e n c ia ç ã o e s tá d e n t r o d o se r, o u f o r a d e le . S e e s tiv e r f o r a , as c o is a s n ã o se d if e r e n c ia m n o s e u s e r; ela s sã o id ê n tic a s n o s e r, e o M o n is m o é v e r d a d e ir o . A ú n i c a f o r m a d e m a n t e r u m P lu r a lis m o , q u e é e s s e n c ia l p a r a o T e ís m o , é in s is tir q u e as co is a s se d if e r e n c ia m n o s e u p r ó p r io ser. M a s c o m o e la s p o d e r ia m se d ife r e n c ia r n a q u ilo q u e t ê m e m c o m u m ? A r e s p o s ta é q u e n ã o p o d e m , se o s se r e s são u n ív o c o s . M a s as c o is a s n ã o sã o a ssim . C o m o o t e r m o “se r” é u tilizad o de m a n e ir a a n á lo g a ta n to p a ra D e u s q u a n to p a ra as criatu ras, o ser p o d e ser pred ica d o de D e u s e das criatu ras s o m e n te de m a n e ira an álo g a. S e n ã o , acab am o s n o M o n ism o . E m su m a , a a n a lo g ia do ser (e a p re d ica çã o ) é a ú n ic a salvação d o M o n is m o e do ceticism o . E la é a ú n ic a alte rn a tiv a ao M o n is m o , já q u e se os seres n ã o p u d e re m se d iferen ciar só p o d e h a v er u m ser. T a m b é m é a salvação d o C eticism o , p o rq u e se n ã o h o u v e r u m a sim ilarid ad e n o ser n ã o p o d e rá h a v er c o n h e c im e n to a lg u m do S e r in fin ito d erivado dos seres fin itos.
U M A SÍN T ESE POSITIVA D OS C O N C E IT O S U N ÍV O C O S E D A PR E D IC A Ç Ã O A N A LÓ G IC A U m a c o n t r a d iç ã o a p a r e n t e a in d a n ã o fo i re s o lv id a . S c o t u s d e m o n s t r o u q u e conceitos a n á lo g o s n ã o n o s s a lv a r ia m
d o C e t ic is m o ; s o m e n t e c o n c e it o s u n ív o c o s p o d e r ia m
g a r a n tir o c o n h e c im e n t o d e D e u s . M a s s e T o m á s d e A q u in o r e je i t a a p redicação ( a f ir m a ç ã o ) u n ív o c a , c o m o e le p o d e r ia e v ita r o C e t ic is m o , p o is D e u s p o s s u i a p e r fe iç ã o c o m u m de m a n e i r a in f in ita , e as c r ia t u r a s a p o s s u e m s o m e n t e d e m a n e i r a fin ita .
C o n c e ito s U n ív o co s , m as P re d ica çã o A n a ló g ic a A re sp o sta e a re c o n c ilia ç ã o e n tr e o S c o tis m o e o T o m is m o ja z n a d istin çã o e n tr e u m conceito e u m a predicação. S c o tu s estav a c o r r e to ao a fir m a r q u e o c o n c e ito a p licad o ta n to a D e u s q u a n d o ao h o m e m d ev eria se r u n iv o c a m e n te entendido, m a s T o m á s de A q u in o estav a c o r r e to ao a r g u m e n ta r q u e e ste c o n c e ito d ev eria se r a n a lo g ic a m e n te afirmado a re s p e ito de D e u s e das c ria tu r a s2. O u seja , a definição d o a trib u to aplicável ta n t o a D e u s q u a n to às c ria tu r a s d ev e ser a m e s m a , m a s a su a aplicação d ev e ser d iferen te , p o is e m u m caso ( n o de D e u s ) ele é ap lica d o se m lim ite s, ao passo q u e n o o u tr o ( n o dos seres h u m a n o s ) ele é p re d ica d o c o m lim ita ç õ e s. D e u s , p o r e x e m p l o , é i n f i n i t a m e n t e b o m ; o h o m e m é b o m d e f o r m a fin ita . O b e m d e v e s e r d e fin id o d a m e s m a f o r m a p a r a a m b o s , p o r e x e m p lo , c o m o “a q u ilo q u e é d e s e ja d o p e la su a p r ó p r ia e s s ê n c ia ” . M a s D e u s d e v e s e r d e se j a d o p e la s u a p r ó p r ia e s s ê n c ia d e m a n e i r a a b s o lu ta , e n q u a n t o as c r ia t u r a s d e v e m s e r d e se j ad as p e la s u a p r ó p r ia e s s ê n c ia s o m e n t e d e m a n e i r a r e la tiv a . D a m e s m a f o r m a , o s e r p o d e se r d e fin id o u n i v o c a m e n t e c o m o “a q u ilo q u e é ” , m a s e s te c o n c e it o u n ív o c o é p r e d ic a d o d e D e u s e d as c r ia t u r a s d e m a n e ir a a n á lo g a . D e u s é “a q u ilo q u e é ” d e m a n e ir a in f in ita ; u m a c r ia t u r a é “a q u ilo q u e é ” s o m e n t e d e m a n e i r a fin ita . O u , c o lo c a n d o d e f o r m a m a is a p r o p r ia d a : D e u s é E x is tê n c ia , e as c r ia t u r a s s im p le s m e n t e têm e x is tê n c ia .
2 Esta diferença entre apreensão e julgam ento é o que Tomás de Aquino, na tradição aristotélica, chamava de primeiro e segundo ato do intelecto, respectivamente.
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Esta distinção n em sem pre foi com p letam en te apreciada pelos tom istas, en tretan to , em trabalhos mais recentes sobre analogia, eles ch egaram a reco n h ecer sua validade. A rm an d M au rer co lo co u a diferença de fo rm a clara: “G eralm en te, não se percebe que a d ou trin a da analogia de Santo Tom ás de Aquino é, acim a de tudo, u m a d ou trin a do julgamento da analogia, e não da analogia do con ceito [...]” ( “STAG”, in: NS, 143). Os conceitos genéricos são unívocos quando abstratos, m as analógicos quando afirmados acerca de coisas diferentes, da m esm a fo rm a que tan to o h o m em quanto o cão são igu alm ente animais, m as não animais iguais. Animal é definido da m esm a fo rm a (digam os, co m o u m “ser que sente”), mas a animalidade é predicada de fo rm a diferente de Fido e de Sócrates (c. 470-399 a.C .). (Sócrates possui animalidade em u m sentido mais elevado do que Fido.) Da m esm a form a, tan to u m a flor quanto Deus são denom inados de “belos”, só que Deus é belo em u m sentido infinitam ente mais elevado do que as flores3. M esm o que isso não nos transm ita diretam ente nada a respeito da similaridade entre Deus e a criação, som os inform ados a respeito da diferença en tre u m ser infinito e u m ser finito. Pois, se a beleza significa “aquilo que, ao ser visto, gera satisfação”, então o prazer da visão beatífica de Deus é infinitamente m aior do que o prazer de olhar um a flor. Em sum a, Scotus estava correto ao insistir que os nossos conceitos precisam ser univocam ente com preendidos e definidos. Mas Tomás de Aquino estava, tam bém , correto ao afirmar que qualquer conceito oriundo do m undo finito precisa ser predicado de Deus de m aneira análoga.
Conceitos Finitos e Predicação sobre o Infinito Tomás de Aquino reconhecia que todos os conceitos são finitos; ou seja, são limitados pelas próprias circunstâncias finitas nas quais eles surgem (ST, 1.84.1-8). As pessoas jamais derivam conceitos infinitos da sua experiência sensorial: C o m o D eu s exce d e in fin ita m e n te o p o d er do n o sso in te le c to , qu alq u er fo rm a que c o n ce b e rm o s jam ais p o d erá rep resen tar co m p le ta m e n te a essência divina, quando m u ito , ap resen tará em p eq u en o g rau u m a im ita çã o do qu e ela é (O T, 2.1, te x to ).
E por isso que Tomás de Aquino declarou que Deus “é u m em realidade e muitas coisas, de form a lógica” (OPG, 7.6, texto ), pois a simples essência de Deus não é conhecida por qualquer conceito acerca dele, mas som ente através das m uitas predicações a seu respeito. N en h um conceito tom ado da criação é adequado para expressar a essência da divindade, contudo muitas coisas podem ser afirmadas a respeito da essência de Deus. Não podem os con hecer a substância de Deus, mas podem os predicar muitas coisas substantivas a seu respeito (ST, 1.12.4; 1.13.2). 3 Tomás de Aquino explica o relacionam ento entre Deus e as criaturas por intermédio da analogia da proporcionalidade correta. Nesta analogia, existe um a relação correta entre o atributo que cada coisa possui e suas respectivas naturezas. Aplicando-se a Deus, esta analogia declara:
Bondade Finita Ser Infinito
-
para
Bondade Infinita Ser Finito
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0 Modo de Significação Difere do Objeto a Ser Significado C om o podem os conceitos finitos univocam ente com preendidos ser predicados analogam ente de Deus sem perder o seu significado? Será que u m conceito limitado não perde todo o seu sentido quando é aplicado sem limites a u m Ser infinito? Tomás de Aquino respondeu estas perguntas ao fazer a distinção entre o objeto (ilim itado) a ser significado e o m odo (lim itado) de significação. O m od o pelo qual os conceitos são form ados sem pre será finito para os seres hum anos, mas o que estes conceitos significam não é necessariam ente algo finito (Tomás de Aquino, SCG, 1.29). Na verdade, Como todas as perfeições das criaturas devem ser encontradas em Deus, mesmo que de uma outra maneira e muito mais acentuada, todos os termos que denotam perfeições de forma absoluta e sem nenhum tipo de defeito são predicados de Deus e de outras coisas; por exemplo, a bondade, a sabedoria e assim por diante. Por ou tro lado, Qualquer termo que denote tais perfeições junto com um modo próprio das criaturas não pode se referir a Deus, exceto por similaridade e de forma metafórica (ibid., 1.29). Alguns term os, pela sua própria denotação, não podem ser aplicados a u m Ser ilimitado. O utros term os, en tretanto, não denotam necessariam ente o que é limitado, em bora sejam concebidos em conceitos finitos. Por exem plo, não existe nada essencialmente limitado acerca do term o “ser” (aquilo que é), ou “bondade” (aquilo que é desejado pela sua própria essência), ou “beleza” (aquilo que, ao ser visto, gera satisfação). Portanto, estes tem os podem ser predicados de Deus de m aneira metafísica (isto é, de form a literal) e não simplesmente de m aneira m etafórica (isto é, de form a simbólica). Estes term os não perdem o seu conteúdo, porque retém a m esm a definição unívoca. Eles tam bém não carregam co m eles as im plicações necessárias da finitude, pois não são aplicados a Deus de form a unívoca (isto é, da m esm a m aneira que são aplicados às criaturas). Eles são predicados analogicam ente, e o seu significado não é com preendido n em de m aneira idêntica nem de m aneira totalm en te diferente. A Necessidade pela Analogia Intrínseca Baseada na Causalidade C om o se sabe que Deus deve ser (de m aneira infinitam ente perfeita) o que estes term os denotam? Porque Deus é a causa destas perfeições em u m m odo apropriado aos efeitos que causam . U m Deus infinitamente perfeito com u n icou perfeições às suas criaturas de u m a m aneira finitam ente perfeita. Portanto, m esm o que haja u m a diferença infinita na perfeição de Deus e na das criaturas, resta-lhes, en tretanto, algum grau de similaridade. Os seres criados são similares à sua Fonte criativa, porque a criatu ra precisa guardar algum tipo de similaridade co m o seu Criador. Poder-se-ia argum entar que a Metafísica, sem falar na Teologia N atural, é impossível, sem que prim eiro se estabeleça a n atu reza analógica da linguagem religiosa. Acim a de tudo, term inologias co m o “Causa Prim eira” ou “Criador do Universo” precisam ser compreendidas de form a analógica. Mas, então, parece que som os apanhados em
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u m círculo vicioso, já que, co m o verem os, a analogia depende da realidade da relação metafísica entre Deus e o m undo. Assim, a Teologia N atural funciona p o r causa da analogia, e a analogia funciona po r causa da Teologia N atural. U m a serve de base para a outra, o que significa que n en h u m a das duas está embasada. Mas será que esta progressão pode ser evitada? Sim, porque m esm o que os dois lados sejam interdependentes, as dependências são de naturezas distintas. Assim, não existe u m círculo vicioso. Na Teologia Natural, estabelecemos certas conclusões fazendo uso da linguagem religiosa, que, p o r sua vez, se transform a em linguagem analógica. Mas não precisávamos saber que a analogia estava em ação. A linguagem era analógica, soubéssemos ou não do fato. Quando lidamos co m analogias, estam os, n u m certo sentido, sim plesmente descobrindo o que já era verdadeiro na nossa linguagem co m o u m todo. É som ente ao explicar co m o esta linguagem funciona que precisam os fazer referência às verdades metafísicas. Niels C. Nielsen Jr. elaborou os requisitos ontológicos para u m a analogia, mais especificamente para o con texto teológico (Nielsen, A K G ). A Base Causai pela Analogia entre Deus e as Criaturas Tomás de Aquino sustentou o seu argum ento a favor da similaridade entre Deus e as criaturas na relação causai. As quatro primeiras form as de provar a existência de Deus estão claram ente baseadas n a causalidade. (A causalidade tam bém está im plícita n a quinta form a.) A té m esm o o form ato bastante platônico da quarta form a precisa im portar a causalidade para com p letar a sua argum entação (ST, 1.2.3), e u m a vez que seja dem onstrado pela causalidade que Deus é, então Tomás de Aquino pode dem onstrar o que Deus é, a partir da analogia implicada nesta relação causai. A freqüência co m que Tomás de Aquino faz referências explícitas à causalidade co m o base para a analogia ficará aparente nas citações a seguir. A questão im portan te aqui é: “Que tipo de causalidade é a base para a similaridade entre Deus e as criaturas?” A obra mais útil sobre a doutrina de Tomás de Aquino, a esta altura, é o clássico de Battista M ondin, The Principie o f Analogy in Protestant and Catholic Theology (O Princípio da Analogia nas Teologias Católica e Protestante). A análise que farem os aqui segue a deste autor. (1) A analogia é baseada na causalidade intrínseca. Ao contrário de Maimônides (1135-1204) e dos neoplatonistas, Tomás de Aquino defendeu u m a relação causai intrínseca entre Deus e a criação. U m a relação causai extrínseca o corre quando u m ser possui a característica de form a apropriada e o outro de form a inapropriada, em virtude de u m a relação causai para co m o prim eiro. Para ilustrar isso, u m alim ento é cham ado de saudável som ente porque causa saúde em u m corpo, mas, falando de m aneira correta, som ente os corpos são saudáveis. E Deus é cham ado de bom porque Ele causa a bondade, não por ser bom . Mas não é assim co m a relação causai entre Deus e o m undo; pois esta é u m a relação intrínseca onde tan to Deus quanto as suas criaturas possuem as perfeições de form a apropriada, a diferença jaz som ente no fato de esta perfeição estar sujeita ao m od o de ser de cada u m a das partes. Deus precisa ser bom porque Ele causa a bondade; Ele precisa ser Existência porque Ele causa a existência das coisas, e assim por diante. Existe u m a ligação causai intrínseca e, p ortan to, u m a analogia entre a Causa e os seus efeitos (Tom ás de Aquino, ST, 1.13.5; SCG, 1.29-30). (2) A analogia é baseada na causalidade eficiente. Deus é a Causa geradora de tudo o que existe, e não m eram ente a Causa-propósito (Causa final) da filosofia neoplatônica. Para Tomás de Aquino, Deus trouxe o m undo à existência a partir do nada. O m undo não surgiu a partir
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de u m a c r ia ç ã o q u e flu iu d ele. O D e u s t e ís ta é a C a u s a d o ser d e ste m u n d o , e n ã o m e r a m e n t e d a su a form a. D e u s c r io u o m u n d o ; E le n ã o o fe z s im p le s m e n te a p a r tir d a m a té r ia q u e já e sta v a p o r a q u i. E m s u m a , a c r ia ç ã o fo i fe ita ex nihilo, e n ã o ex matéria. D e u s é a c a u s a e fic ie n te d o p r ó p r io ser d e ste m u n d o , p o is, c o m o e s c r e v e u T o m á s de A q u in o : T udo o que, de a lg u m a fo rm a, é, precisa ser a p a rtir d aquilo qu e tem o nad a co m o a causa do seu ser [...] P o rta n to , D ele flui tu d o o que, de alg u m a fo rm a, é (ST, 2.15.2). E m o u t r a lu g a r , e le e s c r e v e u :
P erten ce a u m a coisa o ter u m a causa eficien te de aco rd o co m o ser qu e ela tem [...] a razão p o r que u m a causa eficien te é n ecessária n ão se dá m e ra m e n te p o rq u e o efeito não pode ser, m as p o rq u e ele n ão seria, se a cau sa ta m b é m n ão o fosse (ST, 1.44.1, 2 e 3).
(3 ) A analogia é baseada na causalidade essencial. D ia n te d o q u e v im o s a c im a , fic a c la r o q u e D e u s é a C a u s a e ss e n c ia l (per se) d a c r ia ç ã o , e n ã o m e r a m e n t e a su a C a u s a a c id e n ta l (per accidens); o u se ja , D e u s c a u s a o p r ó p r io ser d o m u n d o , e n ã o s o m e n t e o seu tom ar-se. A lé m d isso, as ca u sa s e sse n ciais g e r a m co isas d a su a p r ó p r ia e sp écie . P o r e x e m p lo , os m ú s ic o s g e r a m n ã o - m ú s ic o s (per accidens), m a s os se re s h u m a n o s g e r a m s o m e n t e seres h u m a n o s (per se). P o r t a n t o , q u a n d o os seres sã o c ria d o s, é e m v ir tu d e d e u m a re la ç ã o c a u s a i e ss e n cia l c o m o se u C r ia d o r . S o m e n t e u m S e r faz s u rg ir o u t r o ser. N as p a la v ra s d e T o m á s d e A q u in o :
A lg u m a se m elh a n ça precisa ser en co n tra d a en tre am bos [isto é, en tre os efeitos e a sua causa], já que p e rten ce à n a tu re z a da ação que u m agente p ro d u za a sua sem elh an ça, visto que cada coisa atua de aco rd o co m o ela é n o atuar. A fo rm a do efeito , p o rta n to , é se g u ra m en te en con trad a, em alg u m a m edida, em u m a cau sa tran scen d en te, m as de acordo co m o u tro m o d o e de o u tra fo rm a (SCG, 1.29.2).
S o m e n t e o q u e e x is te t e m a c a p a c id a d e d e c o m u n i c a r a e x is t ê n c ia a o u t r o se r. O nada n ã o t e m a c a p a c id a d e d e c r ia r o algo, e c o m o t o d a a e x is t ê n c ia c a u s a d a é c o m u n i c a d a a e la p e la su a c a u s a , d e v e h a v e r a lg u m a s im ila r id a d e e s s e n c ia l d e e x is t ê n c ia e n t r e e s te e fe ito e x is t e n te e s u a c a u sa . (4 ) A analogia é baseada na causalidade prin cipal, não na instrumental. O s e fe ito s fa z e m le m b r a r as su as c a u sa s p r im á r ia s , m a s n ã o
n e c e s s a r ia m e n te
as su as c a u sa s i n s tr u m e n t a is .
P a ra fin s d e ilu s t r a ç ã o , a c a n e t a é a c a u s a i n s t r u m e n t a l d o e x a m e , e o a lu n o a c a u s a p r in c ip a l. S ó a m e n t e d o a lu n o se p a r e c e c o m o e x a m e ; a c a n e t a n ã o . O e x a m e r e fle te os p e n s a m e n t o s d o a lu n o , m e s m o q u e e le n ã o s e ja s e m e l h a n t e à c a n e ta . D e m a n e ir a s e m e lh a n te , as p e r fe iç õ e s d o m u n d o se p a r e c e m c o m a su a C a u s a p r in c ip a l ( D e u s ) , m a s n ã o n e c e s s a r ia m e n te c o m as su as c a u s a s i n s tr u m e n t a is . E m r e s u m o , a a n a lo g ia e n tr e a c r ia t u r a e o C r ia d o r , b a s e a d a n a c a u s a lid a d e , é a ss e g u ra d a s o m e n t e p o r q u e D e u s é a C a u s a p r in c ip a l, i n t r ín s e c a , e s s e n c ia l e e f ic ie n t e d o se r e d as p e r fe iç õ e s d o m u n d o . E m q u a lq u e r o u t r o tip o d e r e la ç ã o c a u s a i, n ã o se s e g u ir ia n e c e s s a r ia m e n te u m a s im ila r id a d e a n a ló g ic a , m a s e m u m a a n a lo g ia d o s e r a sim ila rid a d e p re c is a o c o r r e r , p o is o S e r s o m e n t e c o m u n i c a o s e r, e as p e r fe iç õ e s o u e s p é c ie s d e se r n ã o s u r g e m d e u m s e r im p e r f e it o . A e x is t ê n c ia s o m e n t e o c o r r e s e g u n d o a s u a p r ó p r ia e sp écie , o u s e ja , a p a r t ir d e o u t r a s e x is tê n c ia s .
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
A LINGUAGEM ANÁLOGA NA REVELAÇÃO D E DEUS A Teologia evangélica afirma que Deus tem duas form as principais de se revelar à hum anidade: a revelação especial, na Bíblia, e a revelação geral, n a natureza. Ambas requerem de nós u m a com preensão análoga acerca de Deus.
A Linguagem Análoga e a Revelação Especial (Sagradas Escrituras) A Bíblia é enfática a respeito de duas coisas nesta conexão. Primeiro, Deus está além dos nossos pensam entos e conceitos, por mais que eles sejam elevados (cf. R m 11.33). Deus é infinito e os nossos conceitos são finitos, e sabemos que n en h u m conceito finito é capaz de cap tu rar o infinito. A Bíblia tam bém deixa claro que Deus é infinitam ente m aior do que a débil capacidade que os conceitos têm de transm itir a sua inefável essência. Paulo declarou: “Porque, agora, vem os p o r espelho em enigm a” (1 Co 13.12). João, referindose à vida do h om em m ortal, disse: “Deus n unca foi visto por alguém ” (Jo 1.18). Segundo, a linguagem hum ana é adequada para expressar os atributos de Deus, pois, apesar da diferença infinita entre Deus e as criaturas, não existe u m a incompatibilidade total, já que o efeito, de algum a m aneira, sem pre será sem elhante à sua Causa eficiente. Mas se Deus pode, ao m esm o tem po, ser descrito de m aneira apropriada e m esm o assim ser infinitam ente m aior do que a linguagem hum ana — m esm o a linguagem inspirada — pode expressar, tem os que, n a m elhor das hipóteses, a linguagem da Bíblia n ão passa de analogia; isto é, o m áxim o que os term os retirados da experiência h u m a n a — e todos os term os bíblicos são retirados dela—podem fazer é p roporcionar um a descrição de co m o Deus se parece. N enhum deles pode expressar de m aneira exaustiva o que Deus de fato é. A linguagem religiosa, n a m elh o r das hipóteses, pode em itir predicações válidas a respeito da essência de Deus, m as jamais será apta para expressar integralm ente a sua essência.
A Linguagem Análoga e a Revelação Geral (Natureza) Existem duas razões básicas para que as afirmações feitas a respeito de Deus co m base na revelação geral sejam consideradas m eram en te análogas. Primeiro, retorn am os ao problem a da causalidade, anteriorm ente m encionado. Os argum entos a favor da existência de Deus são construídos a partir dos efeito em direção à Causa eficiente do ser destes efeitos (Tom ás de Aquino, ST, la.2.3). C o m o os efeitos adquirem a sua atualidade da parte de Deus (que é Pura Atualidade), eles precisam ser similares a Ele, pois Ato com u n ica ato; Atualidade produz atualidades (veja M ondin, PAPCT, obra com pleta). Segundo, o A to Puro (Deus) é incapaz de criar ou tro A to Puro. O A to Puro não é criado, e é impossível criar u m Ser não-criado. Mas, se u m A to não-criado não é capaz de criar o u tra Atualidade Pura, conclui-se que ele precisa criar u m a atualidade com potencialidade (Tom ás de Aquino, OBE, obra com pleta). Assim, todo ser criado precisa ser com posto de atualidade e potencialidade. Todos os seres criados possuem atualidade porque existem de fato, e possuem potencialidade porque apresentam o potencial de não existir. Tudo o que vêm à existência pode passar a não existir. Mas se todos os seres criados têm u m potencial que limita a sua existência, eles são form as limitadas de existência, e a sua Causa não-criada é u m a form a ilimitada de existência. Assim, é preciso haver u m a diferença entre as criaturas e o seu Criador. Elas têm limitações (potência), e Ele
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não. Conclui-se, p o rtan to , que quando fazem os afirm ações a respeito de Deus baseadas n o que Ele revelou de Si m esm o na criação, existe u m a grande reserva — D eus não é sem elhante à sua criação nas suas potencialidades, mas som en te na sua atualidade. Isto é cham ado de “cam in h o de negação” (via negativa). Toda a linguagem divina adequada precisa ter este elem en to negativo dentro de si, u m a conclusão que se tira da própria natu reza das provas da existência de Deus. Primeiro, já foi d em onstrado que Ele é u m a Causa. Este é o elem en to positivo de sim ilaridade na analogia en tre D eus e as criaturas. Não im p o rta qual o tipo de atualidade (não potencialidade) que há nas criaturas, ela será, na verdade, sim ilar à Atualidade que a originou. Segundo, concluiu-se que Ele era u m a espécie não-causada de Causa (o elem ento negativo n a analogia). “N ão-causada” significa que Ele não foi, de fato, causado por nada; trata-se de u m term o negativo. O m esm o é verdadeiro quando nos referim os aos atributos de Deus que surgiram a partir do argu m ento a favor da sua existência, pois, com o declarou Tom ás de A quino: “N en h u m a criatura, sendo finita, pode se adequar ao prim eiro agente, que é in fin ito ” (SCG , 7.7). D eus é a causa infinita de toda existência finita. Mas o “in -fin ito ” significa “nãofin ito ”; isso tam bém é u m a negação. Deus é etern o, ou seja, é a Causa n ão-term in al ou n ão-tem p oral. A lgum as das negações não ficam im ed iatam ente óbvias a partir da etim ologia do term o , mas m esm o assim con tin u am sendo negativas. D eus é a Fonte simples de todos os seres com plexos; a palavra “sim ples” aqui m encionad a significa “n ão -co m p lexo ”. O m esm o é verdadeiro para o atribu to da necessidade. Sabem os que as criaturas são contingentes, mas quando falam os em “necessário”, sim plesm ente querem os dizer que D eus não é contingente. Não tem os conceitos positivos na nossa experiência para expressar a dim ensão transcend ente das características m etafísicas ilim itadas de Deus. P ortanto, toda analogia que utilizarm os para nos referir a Deus sem pre con terá um elem ento de negação. A criatura é co m o Deus porque A to com u n ica ato, mas, ao m esm o tem po, ela difere dele porque tem u m a potencialidade lim itad ora que D eus não tem ; Ele é Pura Atualidade. R ESPO STA ÀS O B JE Ç Õ E S C O N T R A A LIN G U A G EM D IV IN A A N Á LO G A Agora que já expusem os de fo rm a mais am pla o que é u m a analogia, podem os responder àquelas objeções que se to rn a m relevantes a esta altura. A m aior parte delas está listada nas obras de David B u rrell (veja APL) e de Frederick Ferre (veja “A”, in: Edwards, EP). (1 ) Por que selecionar somente algumas qualidades deste mundo, e não todas, para se aplicar a Deus? Porque som ente algum as coisas fluem da causalidade eficiente, essencial, principal e intrínseca de Deus. C o m o vim os acim a, som en te estas são as perfeições encontradas na
criação finita que não d en otam necessariam ente o que é finito. Portanto, com o som ente estes conceitos não necessitam de u m a aplicação lim itada do seu significado, som ente eles podem ser co rreta m en te aplicados a u m Ser ilim itado. (2) Quando as palavras são separadas do seu modo ou da sua condição finita, elas se tornam vazias e desprovidas de significado. Esta crítica não leva em conta a distinção en tre u m conceito e sua predicação. O conceito unívoco das palavras perm anece o m esm o; a m udança som ente o co rre na m aneira co m o elas são predicadas. E m esm o n a predicação existe
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u m a similaridade baseada na relação causai eficiente para co m Deus: Os significados das palavras bondade, ser e beleza não são esvaziados quando aplicados a Deus; as palavras são sim plesm ente estendidas ao infinito. Ou seja, a perfeição indicada por u m a predicação análoga não é negada; antes, é liberada de qualquer m od o lim itador do seu significado e aplicada essencialmente a Deus. C om o a perfeição denotada p or alguns term os não im plica necessariam ente qualquer tipo de lim itação, não há razão por que a perfeição não possa ser predicada de u m Ser ilimitado. (3) Uma analogia se baseia na suposição de que a causalidade gera uma similaridade. Isto é verdade, mas esta é u m a suposição justificável em term os de causalidade intrínseca, essencial, principal e eficiente, não em term os de qualquer tipo de causalidade. M ondin, cu ja obra não foi m encionada na crítica feita p or Ferre à analogia, defende de form a bem-sucedida a analogia con tra esta acusação. O Ser com u n ica som ente o ser. A Causa da existência não é capaz de produzir perfeições que não “possui”. Se Deus causa bondade, concluise que Ele deve ser bom . Se Ele causa a existência, Ele tam bém deve existir. Se não fosse assim, teríam os que chegar à conclusão absurda de que Deus dá aquilo que não possui. Obviamente, Deus causa a finitude, a contingência e a potência, as quais Ele não possui. En tretanto, estas coisas não se constituem perfeições, mas som ente as condições limitadas sob as quais u m a criatura recebe estas perfeições. Acim a de tudo, u m Ser necessário de Pura Atualidade que é infinito não pode criar ou tro ser similar a Si m esm o. Portanto, a única espécie de seres que Ele pode criar são os seres finitos e contingentes com potência, e toda atualidade e perfeições que eles têm são recebidas das m ãos de Deus —Ele não pode passar adiante qualquer tipo de perfeição que não possua. Assim, existe u m a sólida base ontológica a favor da similaridade entre Deus e as criaturas no princípio da causalidade. (4) Toda predicação análoga de Deus como uma Causa Primeira envolve uma regressão infinita de significado até que se chegue à identificação de um elemento unívoco. Esta objeção perm anece verdadeira por intermédio de conceitos não-unívocos, mas ela não é verdadeira no que se refere a conceitos unívocos que têm um a predicação analógica. É verdade que precisamos ter um a compreensão unívoca do que está sendo predicado da Causa Primeira, mas isso não significa que a form a com o ela é predicada de seres de espécies diferentes deve ser idêntica (isto é, unívoca). Na verdade, sabe-se que um Ser é infinito e que outro é finito, então a form a com o u m a qualidade é predicada precisa ser diferente daquilo que está sendo predicado, pois predicar u m a perfeição da m esm a form a para um Ser infinito e outro finito (isto é, de form a finita) é, n a verdade, predicá-la de form a equívoca, já que u m Ser infinito não possui as qualidades de form a finita. A única maneira de evitar a equivocação ao predicar a m esm a perfeição tanto para seres finitos quanto para o Ser infinito é predicando de form a diferente (isto é, de m aneira análoga), de acordo co m o m odo de ser que cada um apresenta. (5) Mesmo aceitando a suposição metafísica ousada de que existe uma similaridade entre os seres, esta ontologia não é univocamente exprimível Primeiro, não se trata de u m a m era suposição de u m teísta; é a única alternativa que resta diante do M onism o. Se há m uitos seres, precisa haver u m a similaridade analógica entre eles; se não fosse assim, só poderia existir u m ser no universo, pois se o ser significa exatam ente a m esm a coisa onde quer que ele seja encontrado (univocalidade), só pode existir u m ser. E se o ser significa algo inteiram ente diferente (equivocam ente), assim que este ser é identificado, tudo o mais dever ser com pletam ente diferente, pois se trata do não-ser. Somente se os seres forem similares, mas não totalmente idênticos, nem totalmente diferentes, poderá haver mais de um ser no universo. Mas Deus é, e eu sou (e você é); somos
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todos seres diferentes. Portanto, é preciso haver um a analogia do ser que perm ita a existência de cada u m de nós (a similaridade) e, contudo, perm ita que existamos de maneiras diferentes; cada um de nós tem o ser (a existência), mas cada um de nós se constitui em u m tipo diferente de ser (u m a essência). Em Deus, a existência e a essência são idênticas. Portanto, a exemplo de Deus, as criaturas tam bém existem, mas suas existências não são análogas à de Deus, pois Deus existe essencialmente, e todas as criaturas existem dependentemente. Segundo, o ser é u n iv ocam ente concebido, mas é analogicam ente predicado de D eus e dos seres finitos. C om preende-se que o con ceito signifique a m esm a coisa, ou seja, o ser é “aquilo que é ou existe”. D eus existe e o h o m em existe —isto é algo que am bos têm em com u m —, mas Deus existe de m aneira infinita e independente, ao passo que o h om em existe som en te de m aneira finita e dependente — isto, am bos têm em disparidade. Em sum a, o fato de am bos existirem é univocamente concebido-, a form a como cada u m existe é analogicamente predicado, pois D eus existe necessariam ente e as criaturas existem som ente de m aneira contingente; existe u m a diferença m arcan te no m odo de existência, apesar do fato de se tratar da m esm a existência (o u seja, de ambos existirem ). (6) Desde Ludwig Wittgenstein (1889-1951), a distinção entre o unívoco e o equívoco está obsoleta, e, conseqüentemente, a noção de analogia também está. Para com preend er esta objeção, precisam os nos lem brar da proposta que W ittgenstein fez para a com preensão da linguagem . As expressões recebem o seu significado a partir do seu uso no con tex to dos jogos de linguagem , nos quais as regras escolhidas são utilizadas para avaliar a consistência. Cada jogo de linguagem é au tô n o m o à m edida que não existe n e n h u m critério universal para o significado. Palavras que são transportadas de u m jo g o para o ou tro ou palavras com significados sim ilares guardam sem elhanças fam iliares, m as não possuem essência, e í amais podem os isolar u m significado básico que elas possuam. Assim, as designações rígidas da linguagem , sejam elas unívocas ou equívocas, se esfacelam diante desta com preensão dinâm ica baseada n o uso. David B urrell responde a esta idéia insistindo na equivalência entre a língua e o seu uso com um , de u m lado, e a linguagem unívoca, de outro. Não é preciso haver qualquer padrão obrigatório para a linguagem unívoca, mas este fato é irrelevante, já que tudo o que querem os dizer com a expressão “significado unívoco” é a linguagem no seu contexto com u m de significado. Nas palavras de Burrell: “Nós podem os, então, falar de u m uso com um e unívoco à medida que não insistimos na sua rigidez, n em o consideram os com o um a norm a final” (APL, 221). Ele observa que neste sentido até m esm o term os com o “disc ;;ockey”* ou “Girl Friday”** podem assumir u m papel unívoco. Assim, a distinção entre unívoco e equívoco continua de pé, e a analogia continua sendo necessária. (7) Uma teoria geral da analogia não funciona. M esm o que B u rrell defenda um a teoria da analogia, ele tem a cau tela de não fazer dela algo dem asiadam ente rígido. Especificam ente ralando, ele tem objeções quanto à teoria da analogia da proporcionalidade adequada, conform e ela foi exposta por u m notável estudioso tom ista, o Cardeal C ajetan (14681534). B u rrell defende que ela sim plesm ente não funciona, independente do quanto sejam os fiéis na observância de todos os seus parâm etros. Q ualquer fó rm u la que tentarm os im p lem en tar acabará por nos deixar co m ambigüidade e equivocação (ibid., 9-20). O m esm o p roblem a se aplica a outras teorias da analogia, de igual m aneira. " N . do T .: Literalmente “aquele que m onta ou que cuida dos discos”, mas no uso da língua, o disc-jóquei é um “discotecário ou operador de som em um clube ou festa. mas no uso da língua, “criada” ou “assistente”.
** Nota do tradutor: Literalmente “G arota da Sexta-Feira”,
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Primeiro, em resposta a Burrell, precisamos notar que o presente relato não proporciona u m a fórmula específica para o significado da linguagem unívoca. Os críticos da analogia, incluindo-se aqui Frederick Ferre, norm alm ente encerram as suas críticas concluindo que os modelos de analogia, em última análise, não produzem somente significados unívocos para a linguagem aplicada a Deus. Burrell vê aqui um contra-senso, pois se estiver correto não haveria necessidade alguma de qualquer tipo de analogia. Entretanto, ele falha no entendimento tradicional do que é um a analogia, por se envolver em complicados sistemas que não resolvem as equivocações. Segundo, podem os indicar que o presente relato, de form a algum a, apresenta nenh u m tipo de fórm ula para o significado. Procuram os evitar o uso de u m a ou mais categorias de C ajetan e nos prenderm os a ela(s). Seria plausível argum entar que, na nossa com preensão de Tomás de Aquino, o que tem os é a analogia da atribuição intrínseca com binada co m a proporcionalidade adequada4 Só que estas categorias não provém de Tomás de Aquino, e fazemos bem em não associá-las a n en h u m a com preensão form al dos m ecanism os de linguagem. Em vez disso, apresentamos u m a estru tu ra prim ariam ente metafísica na qual a linguagem pode ser encaixada, sendo que esta estru tu ra está baseada na realidade. Enquanto a analogia estiver ligada à metafísica da causalidade intrínseca, ela deve funcionar, m esm o se u m fórm ula teórica de linguagem não funcionar. Além disso, esta resposta tam bém não deve estar m u ito longe das intenções de Burrell. As objeções à linguagem divina análoga baseadas n a causalidade existencial p arecem insuficientes, pois a analogia p arece ser a única resposta adequada à questão da linguagem religiosa. Toda linguagem divina negativa implica algum conhecimento positivo de Deus. Entretanto, as afirmações positivas de Deus somente são possíveis se houver alguns conceitos univocamente compreendidos que possam ser aplicados tanto às criaturas quanto ao Criador (com o argumenta Scotus). Por outro lado, com o Deus é infinitamente perfeito, e as criaturas são perfeitas somente de form a finita, nenhum a perfeição encontrada no mundo finito pode ser aplicada univocamente tanto a Deus quanto às criaturas (com o argumenta Tomás de Aquino). Entretanto, a aplicação equívoca delas nos deixaria no Ceticismo. Portanto, todas as perfeições encontradas na criação que podem ser aplicadas a Deus sem limites são predicadas de form a analógica. Dessa forma, a perfeição é compreendida univocamente (da m esm a maneira), mas é predicada; de maneira análoga (de maneira semelhante), porque afirmá-la univocamente, de form a finita,: a respeito de um Ser infinito não seria um a form a justa de descrevê-lo com o Ele realmente é, e, por outro lado, afirmá-la equivocamente, de forma infinita, de maneira alguma poderia fazer justiça a Ele. Portanto, u m conceito unívoco oriundo de u m mundo finito, pode ser predicado de Deus somente de maneira analógica.
RESUMO E CONCLUSÃO O pressuposto lingüístico da Teologia evangélica advoga que tem os u m con h ecim en to positivo de Deus. A linguagem h um an a, em b ora lim itada, é capaz de expressar afirm ações'verdadeiras a respeito de Deus e da sua relação co m o m u ndo. E n tretan to , co m o vim os, estas predicações n ão :p o d em ser unívocas, já que todos os conceitos (m esm o que sejam u n ivocam en te corrjpreendidos) não podem ser aplicados a u m Ser infinito seirbser qualificados. 4 Em outras palavras, a similaridade é baseada na relação entre um a causa e o seu efeito, ao passo que a diferença é expressa por um a similaridade na relação.
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C om a ajuda da via negativa, todas as lim itações devem ser expostas, antes de serem aplicadas a Deus. Conseqüentem ente, elas são afirmadas com relação a Deus de m aneira diferente (em bora sem elhante) daquela com o são afirmadas com relação às coisas finitas. John D uns Scotus estava correto ao insistir nos conceitos unívocos, mas Tom ás de Aquino tam bém estava correto ao insistir que estes term os univocam ente definidos precisam ser aplicados ao Deus transcendente de m aneira analógica. Dessa form a, conceitos univocam ente compreendidos, sem as suas conotações finitas, podem ser aplicados a (predicados de) Deus de m aneira analógica e produzir u m con h ecim en to positivo a seu respeito. FO N T ES A nselm o. Monologium. Burrell, David. Analogy and Philosophical Language. Ferre, Frederick. “A nalogy”, in: Paul Edwards, ed., Enclyclopedia ofPhilosophy. Geisler, N orm an L. Thomas Aquinas: An Evangelical Appraisal. Geisler, N orm an, and W. C orduan. Philosophy o f Reltgion. H ackett, Stuart. The Ressurrection ofTheism. M aurer, Arm and. “St. T hom as and th e A nalogy o f G enus”, in: New Scholasticism 29 (abril de 1955). M clnerny, Ralph. The Logic o f Analogy. M ondin, Battista. Nielsen, Niels C. University Studies 60 Plotino, Enneads. Schaff, Philip. The
The Principie o f Analogy in Protestant and Catholic Theology. Jr., “Analogy and the Knowledge o f God: An Ecumemcal Appraisal”, in: Rice (1974). Creeds o f Christendom.
Scotus, Jo h n D uns. Philosophical Writings. Shedd, W. G. T. Dogmatic Theology. Tom ás de Aquino. On Being and Essence. ________ . On the Power o f God. ________ . On Truth. ________ . Summa Contra Gentües. ________ . Summa Theologica.
C A P Í T U L O
DEZ
INTERPRETAÇÃO: O PRESSUPOSTO HERMENÊUTICO
utro pressuposto im portante para a Teologia evangélica é a fé na possibilidade da obtenção de um a interpretação objetiva da revelação de Deus, tanto nas Sagradas Escrituras quanto na natureza. C om o estas duas revelações são a base de tudo o que conhecem os a respeito de Deus, é necessário que as com preendam os de form a correta, pois, se u m a com preensão objetiva da verdade que Deus revelou por interm édio delas não é possível, o que se dirá de u m tratado exaustivo sobre Deus (que tam bém é conhecido com o teologia sistemática)?1 A S U B JE T IV ID A D E N A H E R M E N Ê U T IC A O desafio prim ário ao pressuposto h e rm en êu tico da teologia sistem ática é a interpretação subjetiva de Deus. De acordo co m esta visão, não é possível alcançar um a com preensão objetiva de u m a revelação divina por várias razões. S u b jetiv id ad e n o S ign ificad o (C o n v e n c io n a lis m o ) Antes de tudo, argum enta-se que não existe algo em u m texto que possa ser cham ado de significado objetivo. A visão pred om inante n a Lingüística m o d ern a é cham ada de Convencionalism o, que insiste que todo significado é cu ltu ra lm en te relativo. Este m odelo surge a partir de escritores m odernos co m o Ferdinand de Sausurre (1857-1913), G ottlo b Frege (1848-1925), e Ludwig W ittgenstein (1889-1951). Este arg u m en to já foi p reviam ente analisado (n o cap ítu lo 6) e considerado falho p o r diversas razões. P rim eiram en te, é au tod estru tiv o alegar: “Todo significado é cu ltu ra lm e n te relativ o ”; pois esta m era proposição é apresentada n a fo rm a de u m a d eclaração n ão -relativ a co m sentido ob jetivo. N ão podem os alegar que tem os u m a visão ob jetiv a de que to d o significado é su b jetivo — não sem cairm os n u m a au to co n trad ição . O u seja, para fazer u m a d eclaração de v alo r significativo sobre o que é o significado, é preciso to m a r u m exem p lo ob jetiv o d e fo r a da cu ltu ra . M as, se todas as afirm ações são dependentes da cu ltu ra , estam os diante de u m a im possibilidade. Assim, a p rim eira co lu n a do su b jetivism o vem abaixo, depois de u m escru tín io mais detalhado.
Literalmente “aquele que está ali”, isto é, o hom em .
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Subjetividade no Modo de Comunicação O utro argum ento proposto a favor do subjetivismo na interpretação é que não haveria base objetiva para com u n icar u m a revelação de Deus para nós. C o m o Deus é u m a M ente infinita, e os seres hum anos têm u m a capacidade intelectual finita, e co m o existe um a diferença infinita entre o finito e o infinito, n en h u m a plataform a co m u m de significado seria possível entre as duas partes. Esta objeção foi tratad a em dois capítulos anteriores (6 e 7), nos quais foi dem onstrado que existem princípios inegáveis de p ensam ento racional que são com u n s tan to a Deus quanto aos seres hum anos. C o m o a Lógica é baseada n a próp ria n atu reza racional de Deus, ela não é n em arbitrária n em relativa. Deus está tão sujeito à lei da n ão con trad ição quanto nós estam os. Ele é u m ser racional au toconsistente, e dessa fo rm a não pode sustentar que proposições logicam ente opostas sejam verdadeiras. Da mesma forma, a diferença infinita entre Deus e o hom em não significa que não há nenhum tipo de similaridade, pois o Criador precisa ser parecido com as suas criaturas. U m a causa não pode passar adiante o que não possui em si mesma; Deus não pode produzir o que Ele não possui. Aquele que trouxe outras coisas à existência precisa, necessariamente, existir, e Aquele que transmitiu a bondade precisa ser, necessariamente, bom. O princípio da analogia entre Deus e as criaturas está firmemente enraizado na relação intrínseca entre um a causa eficiente e os seus efeitos. Assim, mais um a premissa do subjetivismo se m ostra falha.
A SUBJETIVIDADE NA INTERPRETAÇÃO Até aqui, vimos que existe, de fato, o significado objetivo, e que ele pode ser objetivam ente expresso, m esm o por u m Deus infinito e racional a seres finitos e racionais. A pergunta que resta é se estes seres finitos são ou não capazes de se apropriar desse significado objetivo que está objetivam ente expresso em u m a revelação divina. M uitos estudiosos m odernos e contem porâneos argum entaram que isto não seria possível. Alguns nom es m arcantes servirão para ilustrar este tópico.
O Existenciaiismo de Heidegger M artin Heidegger (1889-1976) desenvolveu u m a h erm en êu tica existencial que negava a possibilidade do significado objetivo. Ele foi influenciado pelo m éto d o fen om en ológico2 de Edm und Husserl (1859-1938), pelas p reocu pações niilistas de Friedrich N ietzsche (1844-1900), pela abordagem histórica de G. W. F. Hegel (17701831), pela subjetividade pessoal de Soren Kierkegaard (1813-1855), e pela metafísica m ística de Plotino (205-270 d .C .). 2 Fenom enologia é um “m étodo de descrição e análise da consciência pelo qual a filosofia tenta atingir o caráter de um a ciência rígida. C om o um m ovim ento filosófico do século X X , o seu objetivo primário é a investigação e a descrição direta de fenômenos com o estes são c o n s c ie n te m e n te experimentados, sem teorias acerca da sua explicação causai e tão livre quanto possível de pré-concepções e pressuposições não examinadas. Contudo, a palavra em si é m uito mais antiga, remontando, pelo menos, ao século XVIII, quando o m atem ático e filósofo suíço-alemão fohann Heinrich Lambert a aplicou à parte da sua teoria do conhecim ento que dintingue a verdade da ilusão e do erro. No século XIX, a palavra foi associada principalmente à obra PhanomenoloQie âês Geistes (1807; Phenomenology o j Minâ, 2.a edição, 1931), por G. W. F. Hegel, que esboçou o desenvolvimento do espírito hum ano desde um simples senso de experiência até um “conhecim ento absoluto”. O assim chamado Movimento Fenom enológico não tom ou form a, entretanto, até o início do século X X . Mas m esm o esta nova Fenomenologia inclui tantas variedades que um a caracterização compreensiva do assunto requer a sua consideração” (Encydopeâta Britannica Online).
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O Heidegger anterior e o posterior são u m estudo de ênfases contrastantes:
P e río d o A n te r io r
P e río d o P o s te rio r
A ntropológico Estilo rígido
H erm enêu tico Mais livre e leve
Being and Time
Intro to Metaphysics
( 0 Ser e o Tem po)
(In trod u ção à M etafísica) ALEGRIA
PAVOR Fenom en ológico
M ístico
O Heidegger posterior fez surgir a h erm en êu tica subjetiva, mas o em basam ento para este desenvolvim ento foi lançado na sua fase anterior de Existencialism o, com o livro Beinfl and Time (O Ser e o Tem po). Nesta obra, ele enfatiza a existência não-au tên tica quotidiana do h o m em , que apresenta três aspectos fundam entais: (1 ) Factiddade, n a qual o h o m e m d escobre qu e foi atirado em u m m u n d o c o n tra a sua p ró p ria vontade; (2 ) Existenàalidade, qu e é o ato de se apropriar ou de to rn a r o m u n d o re a lm e n te “m e u ”. A través disso, o h o m e m , p o r in term éd io da a u to p ro je çã o e da a u to tran sce n d ên cia, co m p ree n d e o m u n d o e se e n co n tra ; (3 ) Entrega, significand o qu e in feliz m en te n ós n ão so m e n te m o ld a m o s o nosso m u n d o , c o m o ta m b é m n os en treg am o s a ele. N ós esq u ecem o s do “S e r” n a nossa bu sca p o r seres específicos. D essa fo rm a , o h o m e m é d e term in ad o (lan çad o n e ste p lan eta), m as, ao m e sm o tem p o , livre p ara fazer d este m u n d o o qu e b em en ten d er. Só qu e to d o o “e u ” essencial fica o c u lto ao lo n g o da m aio r p a rte da sua vida, en treg u e às ro tin as diárias n a ten são do qu e é h istó rico (p o r ex em p lo , apelos vindos da m in h a situ ação, m in h a fam ília, m e u país).
M esm o assim, contrário a esta falta de autenticidade alienante, Heidegger descobre u m ser autêntico, cham ado D asein3, e desenvolve o seu conceito de tem po existencial, que envolve três coisas. A prim eira é o pavor, que é u m estado tem porário da m en te em que fazem os um reto rn o n o vôo a partir de nós m esm os, co m honestidade. O pavor é u m m edo sem sentido, u m a sensação de vazio que nos sobrevêm quando enfrentam os a realidade final i a m orte. Assim, apavoro-m e com a m in h a vida com o u m todo porque sei que ela redundará em m o rte (no nada). O pavor, p o rtan to , revela que som os u m “ser-ru m o-àm o rte ”. Isto nos liberta da ilusão do “eles”4. A segunda é a consciência, que é a voz capaz de se expressar por interm édio do pavor. Ela e a voz do eu para consigo m esm o, ch am an do-nos do esqu ecim ento à responsabilidade do ser. E o cham ado da não-autenticidade. Precisam os reco n h ecer que som os “atirados” ~este m undo não por escolh a própria, e, ironicam en te, é esta condição que precisam os tscolher. A terceira é o destino, que é encontrado na m o rte. O tem po existencial é o m eu tem po, : u seja, do nascim en to até a m o rte. S om en te escolhend o o m eu tem p o e o papel no qual literalm ente “aquele que está ali”, isto é, o hom em .
4 Isto é, a multidão anônima.
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eu fui lançado, eu m e to rn o , de form a apropriada, u m ser “histórico”, ou seja, eu tom o posse do m eu destino. Em sum a, Being and Time (O Ser e o Tem po) apresenta a vontade solitária, m ovida pelo pavor, a experim entar a perspectiva da sua própria nulidade e em retrospectiva da sua própria culpa, mas tam bém a perceber nisso tudo o terro r da sua própria liberdade. C onstruindo a partir desta base existencial, o Heidegger posterior m uda o foco da sua atenção para a H erm enêutica (em Introduction to Metaphysics [Introdução à Metafísica]). Nesta obra, encontram os quatro pontos principais. A prim eira ênfase está na história, em que se en contra a história intelectual do Ocidente. O ser, de form a distinta das outras coisas específicas, é quase u m nada — u m a névoa, nas palavras de Nietzsche. Nós “decaímos do Ser” e traím os a nossa verdadeira vocação ao co rrer de form a insana atrás de muitas coisas. Portanto, a história do nosso ser é que seriamos desleixados a respeito do Ser m aior. A segundo ênfase está no obscurecimento do mundo, u m m u n d o no qual vivem os no esq u ecim en to do Ser. E stam os mais p reo cu p ad o s co m os seres, desde os genes até as naves espaciais, do que co m o nosso verdadeiro ch am ad o , que é p ara ser p astores e sentinelas do Ser. A inventividade, e n ão o en ten d im en to , passou a ser a nossa o cu p ação . Som os mais p reocu p ad os co m a p roliferação das habilidades técn icas do que co m a unidade m etafísica. Assim, p erd em os o Ser; ele se to rn o u u m a n évoa, u m e rro — u m nada. A terceira ênfase está n a filosofia grega, a chave p ara se superar este desleixo do Ser. De fato, de acord o co m H eidegger, a filosofia so m e n te p ode ser feita, de fo rm a apropriada, em grego ou em alem ão; a latinização da filosofia grega foi u m a fonte de erros. E n tre Parm ênides (n ascid o 515 a .C .) e A ristóteles (384-322 a.C .), o erro co m e ço u ao se fazer u m a d ico to m ia e n tre o Ser e o P ensam ento. Para Parm ênides, as duas coisas eram u m a unidade, m as já n a ép oca de A ristóteles, o Ser havia se soltado da ân co ra inicial e flutuado através da m a ré do niilism o em que con tin u ava à deriva. Assim, perd em os a aletheia (em grego, “verd ad e”) p ré -so crá tica , a tran sp arên cia do ser, e a verdade se to rn o u u m a ca ra cte rística das proposições (u m a m e ra “co rresp o n d ên cia” co m os “fato s”). E este afro u xam en to da verdade do Ser que nos levou ao niilism o. A quarta ênfase é a poesia e a linguagem, o m eio pelo qual Heidegger deseja despertar a h um anidade do niilismo para o Ser. E p o r m eio da linguagem que o h o m em se levanta e se abre p ara o Ser, e ao co n trário da p seud o-term inologia da ciência, que perdeu a sua ligação co m o Ser, a origem real da linguagem é a poesia. A poesia é a linguagem p rim eva de u m povo histórico na qual ele en co n tra o Ser; p o rtan to , os grandes poetas são aqueles que têm a capacidade de restau rar a linguagem à sua fo rça inicial — co m o u m revelador do Ser. Assim, a linguagem é o alicerce e a casa do ser, especialm ente a linguagem p oética de Friedrich Hõlderlin (1770-1843) (que tin h a u m a forte ligação co m a antigüidade clássica). Por interm édio dele, podem os esperar alcan çar alguns pedaços5 da verdade, u m p o u co de luz do Ser, u m p o u co de revelação do que é Sagrado. Estam os co m o que “esperando p o r deus” (cf. Waitingfor Godot [Esperando por G odotj) — u m deus re m o to da teologia ou da piedade, u m deus que preside sobre o Ser h á m u ito perdido e do qual estam os em busca. 5 Ou fagulhas.
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Nas suas obras posteriores, Heidegger descartou Kierkegaard com o sendo um m ero escritor religioso, refutou o Existencialismo hum anista de Jean-Paul Sartre (1905-1980), e fez u m a opção por Nietzsche, Holderlin e Rainer Maria Rilke (1875-1926, “poesia patológica”). Nas suas obras anteriores, Heidegger afirmava que o h om em fala por interm édio da linguagem ; no fim da sua carreira, afirmava que o Ser fala por interm édio da linguagem. C om o os pré-socráticos deixavam o Ser falar por interm édio da linguagem, a etim ologia das obras gregas é a chave para o sentido real das palavras. Isto se tornou a base para o exaustivo Theoloflical Dictionary o f the New Testament (D icionário Teológico do Novo Testam ento), de Kittels, que esboça a origem e a história das palavras gregas em um a tentativa de descobrir o seu real significado. U m a A v aliação da H e r m e n ê u tic a E x is te n c ia l d e H eid eg g er Heidegger é recom endável n a sua busca pelo ser, na sua expressão de u m a abertura ao ser, na visão da linguagem co m o u m a chave para a realidade, na preservação do valor evocativo da poesia e da m etáfora, e até m esm o por fazer a pergunta correta: “Por que existe algo além do nada?” Apesar disso, há falhas sérias na sua h erm en êu tica existencial subjetiva. Algum as delas podem ser brevem ente expostas. Primeiro, a h erm en êu tica existencial subjetiva de Heidegger envolve a suposição infundada de que o Ser é ininteligível por si m esm o. Mas co m o Heidegger poderia saber isto a respeito do Ser a m enos que o Ser fosse inteligível? Segundo, é autod estrutivo ten tar expressar o inexprim ível. Se o Ser está além de um a -lescrição, co m o seria possível a Heidegger conseguir descrever este fato para nós? Terceiro, a linguagem não estabelece o Ser, m as sim plesm ente o expressa. Ela não descobre o Ser, sim plesm ente o revela para nós, ou seja, se ela é verdadeiram ente efetiva na sua descrição. Quarto, a afirm ação que Heidegger faz atacando a visão de correspondência da verdade é autodestrutiva, pois ele considera que a sua negação de u m a visão de correspondência corresponde com a realidade. Mas a correspondência com a realidade é precisam ente o que a visão de correspondência da verdade quer dizer. Quinto, ele sugere u m a abertura ao Ser, mas rejeita Deus, que é o S e r—a Pura Atualidade veja V olum e 2, parte 1). Todo ser contin gente (que Heidegger adm ite ser a condição do n om em ) precisa de u m Ser Necessário para dar base à sua existência. Sexto, Heidegger negligencia a capacidade analógica da linguagem para se referir ae m aneira significativa a D eus (veja capítulo 9), e rejeita a capacidade descritiva da -inguagem para expressar a sua dim ensão evocativa. Sétimo, Heidegger faz a pergunta certa, mas descarta u m a resposta adequada. Ele responde à pergunta: “Por que algo, e não o nada?” afirm ando que ela tam bém pode ser feita com relação a Deus. Mas isto não é real —pelo m enos não de m an eira significativa. I^eus é u m Ser N ão-Causado, e de u m ser assim não é significativo perguntar o que causou : N ão-Causado. Poderíam os tam bém perguntar: “Q uem é a m u lh e r do bacharel?” Oitavo, Heidegger tem a expectativa de que todos os leitores dos seus livros façam uso da hermenêutica padrão de busca para que descubram o significado desejado pelo autor. Só que bs j é
diretamente contrário à hermenêutica subjetiva que ele ensinou em outras de suas obras.
Nono, a etim ologia não é a chave para o significado de u m term o. Esta posição foi istam en te criticada por u m estudioso liberal notável, Jam es Barr, na sua obra Biblical
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Semantics (A Sem ântica Bíblica). O fato de a palavra inglesa board originalm ente significar u m a tábua de m adeira não ajuda em nada na determ inação do sentido do term o “C hairm an of th e B oard”* (Dirigente do Conselho). Décimo, a herm en êu tica de Heidegger se reduz a u m misticism o insondável. C om o podem os saber se as “fagulhas” de luz obtidas por interm édio dos poetas “patológicos” não provêm de u m anjo de luz (2 Co 11.14)? A pesar dos defeitos n a sua visão, H eidegger e x e rce u u m a in flu ên cia significativa n a ob ra de o u tro s, inclusive n a m etafísica de Paul T illich (1 8 8 6 -1 9 6 5 ), n a base p ara o sistem a sitz im lebem (situ a çã o da vida re a l) de d esm ito lo g ização p ro p o sto p or R u d o lf (K arl) B u ltm a n n (1 8 8 4 -1 9 7 6 ), n a “d e sp ro te çã o ” (o u a b e rtu ra p a ra a voz do Ser) de Karl B a rth (1 8 8 6 -1 9 6 8 ), e n a “n o v a h e rm e n ê u tic a ” de G erh ard Ebeling e H ans G adim er.
O Desconstrucionismo de Derrida A exem p lo da m a io ria dos p en sad o res, ou até m e sm o dos in o v ad o res, Jacque D errid a (n ascid o 1930) se apóia em m en tes b rilh an tes que o p re ce d e ra m . D e P latão, ele receb eu o seu “n e g a cio n ism o ” — a idéia de que to d a d e te rm in a ç ã o o c o rr e p o r via da n eg ação . D e Im m a n u e l K ant (1 7 2 4 -1 8 0 4 ), ele ap ren d eu o A g n o sticism o , e S o ren K ierkegaard lh e en sin ou o Fideísm o. De G. W. F. H egel, ele to m o u e m p re s tad o o seu P rogressivism o (v e ja definição na p ágin a seg u in te), e m b o ra aplicado à H e rm e n ê u tica ; F ried rich N ietzsch e lh e en sin ou o A teísm o , e Sigm u n d Freu d (1856 -1 9 3 9 ) lh e m o d e lo u o Psicologism o. Ludw ig W ittg en stein é a sua fo n te do Solipsism o lin gü ístico , e Ferd inan d S au su rre lh e in stru iu n o C o n v en cio n alism o . Ed m u n d H u sserl é o seu m o d e lo n o P ersp ectiv alism o , ou relativid ad e da verdade (v eja cap ítu lo 7); W illiam Jam es (1 8 4 2 -1 9 1 0 ) lh e ensinou o P ra g m a tism o e a v o n tade de acred itar, en q u an to que M artin H eidegger é a fo n te de onde ele esp elh a o seu E xisten cialism o. D errida é responsável pela a u to ria de m u ito s livros influentes, d en tre os quais estão: Speech and Phenomena (D iscurso e F en ô m en o s) (1973); O f Grammatology (Sobre a G ram ato lo g ia) (1976); Writing and Differance (E scrita e D eferência) (1978); Positions (Posições) (1981); E a r o f the Other (O O uvido do O u tro ) (1985); Limited, Inc. (C o m p an h ia Lim itada) (1988); Edmund Husserl’s Origin o f Geometry: An Introduction (In tro d u çã o à O rigem da G eo m etria de E d m u nd H usserl) (1989); e Spectors o f Marx (Os Spectors de M arx) (1994). D errida era ateu c o m respeito à existência de Deus e u m agnóstico co m relação à possibilidade de descobrir a verdade absoluta. Ele foi tam b ém antim etafísico, alegando que n e n h u m tipo de m etafísica seria possível. Ele acred itava que estam os aprisionados n a nossa p ró p ria b olh a lingüística, m as re co n h e ce que o uso da linguagem p ara n egar a m etafísica é, p o r si só, u m a fo rm a de m etafísica. Esta in coerên cia indica a necessidade de u m a arquiescrita (u m n ovo p ro te sto p oético c o n tra a m etafísica). Derrida percebeu que a arquiescrita poderia ser u m uso dos sinais desprovidos de seu significado, ou seja, u m a escrita que corre o risco de não ter qualquer tipo de significado —pois pode ser sim plesmente palavras que se sobrepõem à infinidade de u m a página em branco. M esm o assim, ele insistiu na sua objeção desconstrucionista. *N . d o T .: Neste caso, board significa “conselho”, “com itê”.
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D que o Desconstrucionismo Não É O D esco n stru cio n ism o , p elo m en o s p ara D errid a, n ão é a d esco n stru çã o de u m te x to , m as a re c o n s tru ç ã o dele. D essa fo rm a , n ão é u m a n eg ação, m as sim u m a crítica ; n ão é o d e sm a n te la m e n to do te x to , m as sua re m o d e la çã o . O D e sc o n stru c io n ism o não aniqu ila, m as re c ria o te x to ; ele n ão é c o n trá rio à análise, m as c o n tra as análises ix a s , e, p o r isso, alega n ão estar fu rio so c o m o te x to , m as apaixonad o p o r ele. Ele n ão se op õe à le itu ra do te x to , m as é a favor de co n sta n tes re le itu ra s dele, a fim de n ele d escobrir novos significados. . >que E o Desconstrucionismo
O D e sco n stru cio n ism o en volve m u itas cren ças que desafiam o p o n to de vista e van gélico. A lgum as das m ais im p o rta n te s estão listadas abaixo: Convencionalismo. Seg u in d o os passos de S au ssu re, Frege e W ittg e n stein , D errid a foi u m co n v en cio n a lista , d efend en d o que to d o o significad o é re la tiv o . N ão existe n e n h u m tip o de significad o o b je tiv o ou ab so lu to, p elo m en o s n ã o para m en tes im itas (e ele re je ito u a idéia de u m a M e n te in fin ita — ou seja, D eu s). Não-referencialismo. D errid a acred itav a que n ão existe u m a re fe rê n cia p erfeita — tod o tip o de co rresp o n d ên cia u m -a -u m é im p ossível. Os m eu s co n ceito s são u n ica m e n te m eu s; p o r isso, o significad o jam ais será p e rfe ita m e n te tran sm issív el. Contextualismo. A lém disso, D errid a aderia a u m a fo rm a de C o n te x tu a lism o , o que significa que tod os os tex to s tê m u m c o n te x to d iferen te, e o significad o de u m te x to é d eterm in ad o p elo c o n te x to em que ele é lid o. Nós c o n s ta n te m e n te m o d ifica m o s a n co n te x to esp ecífico, m as n ão co n seg u im o s fu g ir da lim ita çã o do nosso c o n te x to — não co n seg u im o s c o n h e c e r n ad a a p a rtir de u m a p ersp ectiv a in fin ita . Diferencialismo. De acord o c o m D errid a, a “d ifere n ça ” ou o d esco n h ecid o em u m :e x to é a p arte m ais im p o rta n te dele. Todas as e stru tu ra s racion ais d eixam algo de :3 ra , e, p o rta n to , p recisam o s c o lo c a r tu d o sob suspeita. Solipsismo lingüístico. D errid a ab raçou u m a fo rm a de Solip sism o lin g ü ístico , ou seja, o fato de n ão p o d erm o s escapar dos lim ites da lin g u ag em . P od em os até alargar : s nossos co n ceito s lin g ü ístico s, m as som o s incapazes de tra n sc e n d e r as fro n teiras -ingüísticas. Progressivismo semântico. D errid a ta m b é m era ad ep to do P rogressivism o — a c re n ça i e que os significados possíveis são in fin ito s. A ssim , a filo so fia n u n ca te m fim , pois amais co n seg u irem o s c o n h e c e r à exa u stã o o significad o de u m te x to ; o te x to sem p re p : derá ser d esco n stru íd o , m ais adiante. Fideísmo. D errid a ta m b é m in sistia que a fé é sem p re n ecessária. C o m o o significad o arso lu to é algo in alca n çá v el, n ão se pode fu g ir da in d ecisão. S e m p re e sta rem o s e n tre a certeza e a dúvida absolu tas, e n tre o ceticism o e o dogm atism o. C o m o resultado aaiso, a fé é sem pre u m elem en to essencial. . m a A v aliação d o D e s c o n s tru c io n is m o Primeiro, o D e sco n tru cio n ism o é u m a fo rm a de L in g ü isticalism o , que afirm a que : : ao significado é lim ita d o pela lin g u ag em . E n tre ta n to , a sim ples a firm a çã o — de aue to d o significad o é lim ita d o p e la lin g u ag em — já se c o lo c a fo ra dos lim ite s da .-r.guagem .
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Segundo, o D esconstrucionism o tam bém abraça o Convencionalism o, defendendo que todo significado é relativo à nossa situação. Mas, co m o já vimos, co m o ele poderia fazer estas declarações não-convencionais? Se “todo o significado é cu ltu ralm en te relativo”, esta declaração tam bém é. E, se esta declaração não for cu ltu ralm en te relativa, ela se desm onta a si m esm a. Terceiro, o D esconstrucionism o acredita que as leis da lógica são dependentes da linguagem, que, por sua vez, é cu ltu ralm en te relativa. Mas o contrário é o verdadeiro: A linguagem é baseada na lógica. Sem a lógica, a linguagem não seria possível; na verdade, as leis da lógica são irrevogáveis (veja capítulo 5). Quarto, o Lingüisticalismo do D esconstrucionism o é autodestrutivo, pois se não houvesse n en h u m significado que antecedesse a linguagem, a linguagem em si não poderia ser aprendida. É preciso que se ten h a a capacidade racional para com preender u m a linguagem a fim de que, só depois, ela possa ser aprendida. Quinto, o D esco n stru cio n ism o ta m b é m é u m a fo rm a de P ersp ectivalism o — a idéia de que to d a verd ad e está co n d icio n ad a à p ersp ectiv a da pessoa. Mas se “to d a verd ad e depende da n ossa p e rsp e ctiv a ”, o que dizer dessa d eclaração ? Ela n ão é u m a d eclaração que se su põe ser in d epen d en te de p ersp ectiva? E se ela é u m a d eclaração in d ep en d en te de p ersp ectiv a, n ão p ode afirm a r que d e cla ra çõ e s deste tipo n ão p o d em o c o rre r. Sexto, existe a natureza autodestrutiva da herm en êu tica de Derrida. Ele espera que os seus textos sejam interpretados de acordo co m o que ele próprio quis transm itir, o que é diam etralm ente contrário ao que ele apregoa a respeito da interpretação de textos. Sétimo, lem bre-se da natureza autodestrutiva do Agnosticismo acerca da verdade e do significado. A visão de D errida term in a por afirm ar que “a verdade final é que não existe verdade final”. Ou: “Não existe u m significado fixo, n em m esm o o significado desta afirmativa”. Ou: “Toda verdade depende da nossa perspectiva, inclusive esta que está sendo afirmada agora”. Ou, “O significado jamais pode ser perfeitam ente transferido, inclusive o significado desta frase”. Oitavo, a defesa im plícita que D errida faz do Fideísmo tam bém é au tod estru tiva. Ela eqüivale a afirm ar que fazem os u m escândalo p ara que escândalos não sejam feitos. Nono, co m o Derriha parece, pelo m enos parcialm ente, consciente, é autodestrutivo ten tar negar a metafísica sem fazer uso de afirmações metafísicas. O seu esforço para resistir a ela (via linguagem poética) é fútil, pois ele sabe que não pode evitar o uso de linguagem metafísica para negá-la. T am anho absurdo não indica a necessidade de linguagem poética; sim plesmente d em on stra a n atu reza autodestrutiva de querer negar a metafísica. Décimo, é infrutífero v o lta r-se p ara a poesia a fim de evitar a m etafísica. As p ergu n tas m etafísicas co n tin u arão existindo, e não p oderão ser respondidas fo ra da linguagem m etafísica. Q ualquer tipo de p ro testo p o ético n ão é mais do que “ch o v er no m o lh a d o ”. Décimo primeiro, a visão de D errid a é u m a fo rm a de im perialism o do leitor. O n ascim en to do reinado do leito r e a m o rte do a u to r; o significado desejado pelo a u to r m o rre depois que o leito r assum e o co n tro le do te x to . O co rre que n e n h u m d escon stru cion ista realm en te deseja que os seus livros sejam lidos desta fo rm a; ele claram en te espera que o leito r co m p re e n d a o sentido que ele (a u to r ) quer dar ao te x to , e n ão espera que o leito r coloq u e o seu sentido em cim a do que ele quis tran sm itir.
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Décimo segundo, existe a falh a em enxergar que a falta de correspondência u m -a -u m não elim ina toda a correspondência verdadeira. A correspondência verdadeira pode ser de u m para vários, isto é, o m esm o significado pode ser expresso em várias form as. Décimo terceiro, no D esconstrucionism o existe u m dogm atism o sutil na tentativa de elim inar a dogmática. Nada é mais dogm ático do que a afirm ação dogm ática de que não se pode ter certeza de nada. Nada deveria levantar as nossas mais altas suspeitas do que a obrigatoriedade de suspeitar de tudo o mais. Os desconstrucionistas não enrubescem ao nos pedirem para aceitar, com o tendo u m significado intocável, a sua afirm ação de que n en h u m significado é intocável. A D e sm ito lo g ia d e B u ltm a n n R u d o lf B u ltm a n n (1884-1976) aplicou o Existencialism o de Heidegger ao Novo Testam ento através do seu subjetivism o desm itológico. D Argumento de Bultmann a favor do Naturalismo Desmitológico R u d o lf B u ltm a n n constru iu o seu argu m ento a partir de várias linhas de pensam ento. Na base disso, está seu conceito de u m universo de três andares, com a terra ao centro, o céu acim a (co m o habitação de Deus e dos anjos), e o m u nd o inferior abaixo. As forças sobrenaturais intervém no curso da natu reza, bem com o em tudo o que pensam os, desejam os e fazem os (B u ltm a n n , KM , 1). Precisam os despir os d o cu m e n to s do N ovo T esta m e n to da sua e stru tu ra m ito ló g ica. Pois tu d o isso se tra ta de lin g u ag em m ito ló g ica e esta é in acred itáv el p ara o h o m e m co n te m p o râ n e o , qu e está co n ven cid o de qu e u m a visão m ítica do m u n d o está ob soleta. A final, to d o o p en sa m en to dos nossos dias está m o ld ad o p ela ciência m o d ern a . Dessa form a, “u m a aceitação cega do N ovo T esta m e n to en volveria o sacrifício do in te le cto . Significaria aceitar u m a visão do m u n d o de aco rd o co m a nossa fé e a nossa religião, as quais n ós n egaríam os n a nossa vida q u o tid ian a” (ibid., 3-4).
B u ltm a n n d eclara que a n arrativ a bíblica de m ilagres é considerada im possível para : h o m em m o d ern o , pois o “co n h e c im e n to e as habilidades h u m an as neste m u nd o avançaram de tal fo rm a p o r in term éd io da ciên cia e da tecn o lo g ia que não é m ais possível que qualqu er u m de nós se baseie n a visão de m u n d o do N ovo T estam en to — de fato, quase n ão h á m ais qu em se baseie” . P o rtan to , a ú n ica m a n eira hon esta de recitar os credos é despi-los do ca rá te r m ito ló g ico da verdade co m o qual estão revestidos. B u ltm a n n conclu i, de m a n eira con fian te, que a ressu rreição não é u m evento h istórico, “pois u m fato h istó rico que envolve u m a ressu rreição d en tre os m o rto s é claram en te in con ceb ív el” (ibid., 38-39). Ele oferece várias razões para ter chegado a esta conclusão anti-sobrenatural. Pnmeiro, tem os a impossibilidade de acreditar em u m evento m ítico co m o a ressurreição - e u m cadáver. Segundo, tem os a dificuldade de estabelecer a historicidade objetiva da ressurreição, independ entem ente de quantas testem un has fo rem citadas. Terceiro, a ressurreição é u m artigo de fé, o que, co m o tal, não pode ser u m a prova m iraculosa. Quarto, há ou tros eventos conhecidos da m itolog ia (ibid., 39-40). Portanto, de acordo co m B u ltm a n n , co m o a ressurreição não é u m evento que tem a sua historicidade atestada de fo rm a objetiva no espaço e no tem po, ela se enquadra
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na categoria de evento de história subjetiva; isto é, u m evento de fé no coração dos prim eiros discípulos. C onseqüentem ente, ela não está sujeita n em a u m a verificação n em a u m a falsificação histórica, pois ela não é u m evento que se deu no m undo do espaço-tem po. Cristo não levantou do tú m u lo de José de Arimatéia; Ele ressuscitou som ente no coração dos seus discípulos, pela fé deles. O argum ento de B ultm an n pode ser resum ido da seguinte m aneira: (1)Os mitos são, por sua natureza, mais do que verdades objetivas; eles são verdades (2)
transcendentes da fé. Mas o que não é objetivo não pode fazer parte do mundo verificável de espaço-
tempo. (3) Portanto, os milagres (ou mitos) não fazem parte do mundo objetivo de espaçotempo. Uma Avaliação do Argumento de Bultmann de que o Nova Testamento Contém Mitos Várias objeções têm sido levantadas co n tra o Naturalism o m itológico de B ultm ann. Primeiro, ele está erigido sobre, pelo m enos, duas suposições não com provadas: (1) Os milagres não atingem o nível histórico porque são estão acima da história. (2) Os milagres não podem ocorrer neste mundo sem serem deste mundo. Estas duas suposições estão erradas, pois os milagres podem estar acim a da história e continuar sendo históricos, e eles podem se originar no além -m undo e continuar a ser atos dentro deste m undo (veja capítulo 3). Segundo, a visão de B u ltm an n não tem fundam entação, pois não apresenta base em evidências. Os eventos m itológicos são, de fa to , inverificáveis porque não apresentam valor evidenciai. Terceiro, a visão de B ultm an n é não-biblica, e se apresenta contrária às fartas evidências a favor da autenticidade dos docum entos do Novo Testam ento e da confiabilidade das suas testem unhas. N a verdade, é co n tra o to m do Novo Testam ento basear-se em “fábulas artificialmente com postas” (2 Pe 1.16). Devemos, sim, basear-nos em relatos de testem unhas oculares (cf. Jo 21.24; 1 Jo 1.1-3). Quarto, o Novo Testam ento não se enquadra no gênero literário da m itologia. U m grande estudioso de Oxford, ele m esm o u m au tor de literatu ra m itológica (contos de fadas), perspicazm ente n otou : “O Dr. B u ltm an n jamais escreveu u m evangelho”. Ele pergunta, p ortan to: “Será que a experiência da sua vida
acadêm ica realm en te lhe deu
a capacidade de enxergar o que se passou na m ente de pessoas que m o rreram há tanto tem po [as quais escreveram, de fato, u m evangelho]?” C om o u m au tor vivo de literatura m itológica, C. S. Lewis (1898-1963) achava que os críticos geralm ente se enganavam quando tentavam ler a sua m en te e não as suas palavras. Entretanto, ele acrescenta: “Os ‘resultados incontestáveis da crítica m o d ern a’, no que se refere à sua análise da fo rm a co m o os livros antigos foram escritos, são ‘incontestáveis’, podem os concluir assim, som ente porque os hom ens que conheciam os fatos já m o rreram e não podem , p ortan to, dissipar mais as gafes com etidas”. E m sum a, as críticas bíblicas de B ultm an n são irrefutáveis som ente porque, nas palavras de Lewis, “M arcos, au to r do Evangelho, já m orreu . Quando eles se en contrarem co m Pedro, terão questões urgentes para discutir” (Lewis, CR, 161-63).
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Por fim, a alegação de que os m ilagres do Novo Testam ento são m itos, e não parte da história, é refutada por num erosas linhas de evidências (veja parte 2, capítulo 26)6. A O B JE T IV ID A D E N A H E R M E N Ê U T IC A E xiste, o b v iam en te, m u itas o u tras fo rm as de su b je tiv ism o n a H e rm e n ê u tica . Todas são d eficien tes, já que todas en v o lv em d eclaraçõ es a u to d estru tiv a s, e au alq u er te n ta tiv a de n eg ar u m a in te rp re ta ç ã o o b je tiv a im p lica que u m a é possível, a saber, a d eclaração p ela qual a visão do su b je tiv ista é feita, e p ela qual ele esp era ser com p reen d id o . O u seja, to d o su b je tiv ista te m a e x p ecta tiv a de que os seus leito res possam e devam ch eg ar a u m a co m p re en sã o o b je tiv a dos seus p o n to s de vista subjetivos. A Base de u m a H e rm e n ê u tic a O b je tiv a O fund am ento para o objetivism o na H erm enêu tica n ão é encontrado som ente na natu reza autodestrutiva do subjetivism o; ele tam b ém está baseado em sólida irgu m en tação a favor de todos os elem entos principais necessários para que se te n h a um a interpretação objetiva da u m a revelação. São eles: (1 ) a existên cia de u m a M en te absolu ta (D eu s); (2 ) a n a tu re z a absolu ta do significado; (3) a an alo g ia en tre a co m p reen sã o in fin ita e a finita; e (4) a capacidade qu e as m en tes finitas (qu e fo ram feitas à im ag em e sem elh a n ça de D eu s) têm de co m p re en d er as verdades reveladas p o r D eus.
A E x istê n cia de u m a M e n te A b s o lu ta A existência de um a M en te absoluta já foi dem onstrada an teriorm en te (no capítu lo 2). Para record arm os, então: As provas a favor de que o Novo Testam ento não é um m ito estão baseadas em firmes evidências. Primeiro, ele foi escrito por testem unhas oculares contem porâneas ao evento (cf. Lc 1.1-4). Secundo, não houve tem po suficiente para o -~2rgim ento de um a lenda, já que as testem unhas oculares ainda estavam vivas para refutar a estória (veja Craig, KTA R, 5^,; são necessárias duas gerações inteiras para o desenvolvimento de u m m ito, um lapso de tem po que não ocorreu ra rre os eventos do Novo Testam ento (prim ariam ente c. 29-33 d.C .) e os docum entos mais antigos (c. 50-55 d.C.). 1 it z ííto ,
a obra do famoso historiador de assuntos rom anos, Colin Hem er, confirm a de form a veem ente a historicidade
Novo Testam ento (veja Hem er, ASH H ). Quarto, o s relatos do nascim ento virginal não apresentam sinais de serem 2 =2tológicòs. U m dos grandes autores de literatura m itológica do século X X observou: “Eu já li poem as, rom ances,
-Geratura prem onitiva, lendas e mitos a m inha vida toda e conheço bem essas coisas. Por isso, sei que nen hum deles Evangelhos] é assim” (Lewis, CD, 154-55). Quinto, as pessoas, os lugares e os eventos que rodeiam o nascim ento de _nrro são todos históricos. Lucas chega ao ponto de descrever exaustivam ente que foi nos dias de “César Augusto” l c 2.1) que Jesus nasceu, e mais tarde foi batizado no “ano quinze do império de Tibério César, sendo Pôncio Pilatos governador da Judéia, e Herodes, tetrarca da Galiléia [...] Anás e Caifás sumos sacerdotes” (Lc 3:1-2). Sexto, nenhum grego falava de um a encarnação literal de um Deus m onoteísta que assumia a form a hu m an a (cf. Jo 1.1-3,14) ffiravés de um nascim ento virginal literal (M t 1.18-25). Os gregos eram politeístas, e não m onoteístas. Sétimo, as estórias ã m ieuses gregos que se tornavam hom ens através de eventos m iraculosos, com o um nascim ento virginal, não são anteriores, mas posteriores, ao nascim ento de Cristo (Edwin Yam auchi, “Easter —M ith, H allucination, or History”, in: 'OBTTSÈianity Today, 2 partes; 3/15/74; 3/29/74).
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(1 ) P elo m e n o s u m a m e n te fin ita (a m in h a ) existe, pois sem p en sar n ão posso n eg ar qu e pen so. E eu sou lim itad o n o s m eu s p en sam en to s, o u n ão duvidaria, n e m co n h e ce ria n ovos p e n sa m en to s, m as isso eu faço. (2 ) O p rin cípio de causalidade exige qu e tod as as coisas finitas te n h a m u m a cau sa (v eja ca p ítu lo 2). (3) Logo, co n clu o que é preciso haver u m a M en te in fin ita que cau sou a m in h a m en te finita. Isto é verdadeiro p o r duas razões: P rim eiro, u m a causa n ão pode tran sm itir o que não possui (analogia — veja cap ítu lo 9). Segu nd o, o efeito n ão pode ser m aio r do que a sua causa; a água n ão pode se elevar acim a do nível onde estava a sua fonte. Assim , se o efeito é intelig en te, a C ausa precisa ser inteligen te. U m a M en te in fin tia precisa existir.
O Significado Absoluto Se existe um a M ente absoluta, o significado absoluto tam bém se to rn a possível. A base objetiva para o significado se encontra na M ente de Deus. Tudo o que u m a M ente infinita quiser dizer por m eio de algo representa o seu significado objetivo, infinito e absoluto. Portanto, a existência do significado objetivo e absoluto está calcada n a existência de um G erador (Em issor) absoluto deste significado (D eus).
Analogia e Significado O Deus teísta (veja capítulo 2) não só é infinitam ente conhecedor (onisciente), com o tam bém onipotente (infinitam ente poderoso). U m Deus infinitam ente poderoso pode fazer qualquer coisa que não seja contraditória, e para u m a M ente infinita não é contraditório transm itir significado para criaturas finitas, desde que haja u m a base co m u m entre as partes, tanto nas leis irrevogáveis do raciocínio (veja capítulo 5) quanto na similaridade (analogia) entre o Criador e a criatu ra (veja capítulo 9). Para term os certeza, um a M ente infinita conhece as coisas de u m a fo rm a m uito mais elevada que as m entes finitas. Mas m esm o que a forma co m o Deus conhece as coisas seja diferente da form a co m o os seres hum anos con hecem , as coisas que Ele conhece são as mesm as que Ele revela para a hum anidade. Ou seja, a coisa significada é a m esm a, mas o modo de significação é diferente para Deus e para nós.
A Imagem de Deus no Homem Se existe u m Emissor absoluto, então tam bém pode existir u m significado absoluto. U m Deus todo-poderoso pode fazer tudo o que é impossível. Não é impossível para um a M ente infinita o com unicar-se co m m entes finitas, se há u m a base co m u m (análoga) entre as duas partes. Entretanto, resta-nos u m a pergunta: Será que u m a m en te finita pode descobrir a verdade objetiva que foi objetivam ente revelada a ela? U m a coisa é o au to r apresentar o s seus pensam entos em u m livro, e o u tra m uito diferente é o leitor conseguir entender o que lhe foi revelado. A resposta a esta pergunta vem em duas partes. Primeiro, épossível saber, já que todas as condições necessárias para con h ecer o significado objetivo expresso p o r Deus já foram atendidas. Segundo, se saberemos verdadeiramente o significado objetivo que foi objetivamente expresso, dependerá de atenderm os as condições necessárias para a com preensão deste significado objetivo.
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OS P R IN C ÍPIO S D A H E R M E N Ê U T IC A O BJETIV A Os P rin cíp io s de C o m p re e n s ã o O b je tiv a da R e v e la ç ã o E sp ecial de D eu s C om o D eus nos entregou a sua revelação, e com o é possível com preen d er o seu significado, precisam os com preend er quais diretrizes devem os usar n o processo de interpretação dessa revelação. A seguir, tem os os princípios que devem os levar em consideração quando form os analisar a revelação especial de Deus, a Bíblia. Procure o Significado Dado pelo Autor, não o Significado Dado pelo Leitor O significado ob jetiv o de u m tex to é aquele que o au to r quis passar, não aquele que o leito r atribui ao au to r. O leito r deve p erg u n tar o que o au to r quis dizer, e não o que o te x to quer dizer para ele. D epois que descobre o que o au to r quis dizer com u m d eterm inad o te x to , ele chega ao seu significado objetivo. D essa fo rm a , a pergunta: "O que isto significa para miml” é a p erg u n ta errada, e c e rta m e n te nos levará a u m a in terp retação subjetiva. Q uando p erg u n tam os a respeito do au to r: “O que ele quis dizer?”, é quase ce rto que ru m a re m o s n a d ireção certa, ou seja, n a d ireção do significado objetivo. Procure o Significado (o que) Desejado pelo Autor, não o seu Objetivo (porquê) O utro cam inho para a subjetividade h erm en êu tica é o que nos leva a buscar o objetivo que levou o au tor a escrever o texto, e não o seu real significado. O significado é encontrado naquilo que o au to r afirm ou, e não no m o tiv o por que ele fez tal afirmativa. O objetivo não d eterm ina o significado. E possível d eterm inar o que u m au tor quis dizer sem saber por que ele o fez. Dois exem plos bastarão para elucidar este pon to. Primeiro, se dissermos: “V en hap ara a m in h a casa h o je à n o ite ”, nin g u ém terá dificuldade em saber o que quisem os dizer, m esm o que o objetivo do convite seja desconhecido. O : que é com preendido independ en tem ente do porquê. O significado é apreendido, m esm o quando o objetivo é desconhecido. E claro que quando o objetivo é con h ecid o, a declaração pode assum ir u m sentido com p letam en te diferente. Mas significado e sentido são coisas diferentes. O significado trata do o quê?, e o sentido trata do e então? Por exem plo, se o objetivo do convite for inform ar que você perdeu u m ente querido, e não in fo rm ar que você gan hou dez m ilhões de dólares,o sentido será m u ito diferente. E n tretan to , o significado da afirm ação: "V enha para a m in h a casa h o je à n o ite ”, será idêntico nos dois casos. Segundo, para darm os u m exem plo bíblico, Êxodo 23.19 ordena aos israelitas: “Não c 3zerás o cabrito no leite de sua m ã e”. O significado desta frase é bem claro, e todo israelita sabia exatam ente o que não deveria fazer. E n tretan to , o objetivo deste m an d am en to não nca m u ito bem claro. U m levantam en to feito com alguns com entaristas nos leva a u m a variedade de possibilidades que poderiam servir de explicação para este m and am ento: (1) Isto p ro fan aria a F esta da C o le ta das O fertas. (2) C au saria ind igestão. (3) Seria u m a cru eld ad e co z in h a r o cab rito n o p ró p rio leite que o a lim en to u . (4) Seria u m a fo rm a de id olatria. ; 5) Seria u m a violação da relação pais/filhos.
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Em outras palavras, ninguém parece saber co m certeza qual era o objetivo deste m andam ento. M esm o assim, todos têm certeza do seu significado na prática. Se. o objetivo determ inasse o significado, ninguém saberia o que é o significado. Graças a Deus, as coisas não funcionam assim. O que é dito está claram ente separado do m otivo pelo que se diz algum a coisa. Procure o Significado dentro do Texto, não fora Dele O significado não é encontrado fora do texto (n a m ente de Deus), n em por debaixo do texto (n a m ente de algum m ístico), nem por detrás do texto (em algum a intenção não expressa pelo au tor); ele é encontrado no texto (n o significado expresso pelo au tor). Por exem plo, a beleza de u m a escultura não é encontrada por detrás dela, por baixo dela, ou além dela. Antes, está expressa n a escultura. Todo significado textual está contido no texto. As frases (no con texto do seu parágrafo, e no con texto da obra com o u m tod o) são a causa form al do sentido. Elas são a form a que dá o sentido a todas as partes (palavras, pontuação etc.). A aplicação das seis causas ao significado nos ajudará no esclarecim ento desta questão. N a tradição de Aristóteles, os filósofos escolásticos distinguiam seis diferentes causas para as coisas: (1) causa eficiente —aquela pela qual algo vem à existência; (2) causa final —aquela para a qual algo vem à existência; (3) causa formal —aquela da qual algo vem à existência; (4) causa material —aquela a partir da qual algo algo vem à existência; (5) causa exemplar —aquela depois da qual algo vem à existência; (6) causa instrumental —aquela através da qual algo vem à existência. Lembra-se do exem plo da cadeira? U m a cadeira de m adeira tem o carpinteiro co m o sua causa eficiente, o proporcionar u m assento para alguém co m o sua causa final, a sua estrutura co m o u m a cadeira co m o sua causa form al, a m adeira co m o sua causa m aterial, seu projeto (escrito) co m o sua causa exem plar, e as ferram entas do carpinteiro co m o a sua causa instrum ental. C om o já vimos, a aplicação destas seis causas ao significado produz a seguinte análise: (1) O escritor é a causa eficiente do significado de um texto. (2) O objetivo do escritor é a causa final do seu significado. (3) A escrita é a causa formal do seu significado. (4) As palavras são a causa material do seu significado. (5) As idéias do autor são a causa exemplar do seu significado (6) As leis do pensamento são a causa instrumental do seu significado. O significado da escrita não é encontrado no Emissor; ele é a causa eficiente do significado. A causa formal do significado está na escrita em si; o que está sendo significado é encontrado nos sinais que servem para a transmissão da m ensagem . O significado verbal é encontrado na estru tu ra e na gram ática das próprias frases. O significado é encontrado no próprio texto literário — não no seu au tor (causa eficiente), n em no seu objetivo
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(c a u s a f in a l), m a s n a s u a f o r m a lit e r á r ia ( c a u s a f o r m a l ) . C o m o já v im o s , o s ig n ific a d o n ã o e s tá n a s p a la v ra s s o lta s ( q u e sã o a c a u s a m a t e r ia l ) 7. Procure o Significado na A firm ação, não na Im plicação O u t r o p a r â m e t r o q u e p o d e s e r u tiliz a d o p a r a d e s c o b r ir o s ig n ific a d o o b je tiv o de u m t e x t o é c o n c e n t r a r - s e n a su a a f ir m a ç ã o , e n ã o n a su a im p lic a ç ã o . P e r g u n te o q u e o t e x t o a f ir m a ( o u n e g a ), e n ã o o q u e e le s u g e r e . Is to n ã o s ig n ific a d iz e r q u e as im p lic a ç õ e s n ã o sã o p o ssív e is, n e m i m p o r t a n t e s , m a s s im p le s m e n t e q u e o s ig n ific a d o b á s ic o n ã o se e n c o n t r a n e la s . O significado e s tá n a q u ilo q u e o t e x t o a fir m a , e n ã o n a m a n e ir a c o m o e le p o d e se r a p lic a d o . E x is te s o m e n t e um significado e m u m t e x t o , m a s e x is t e m muitas im plicações e aplicações. E m t e r m o s d e sig n ific a d o , a v isã o d o sensus unum ( s e n tid o ú n i c o ) e s tá c o r r e t a ; e n t r e t a n t o , e x is te u m sensus plenum (s e n tid o p l e n o ) e m t e r m o s d e im p l i c a ç ã o 8.
Os P rin cíp io s de C o m p re e n s ã o O b je tiv a da R e v e la ç ã o G e ra l de D eu s D e u s n ã o s o m e n t e se r e v e lo u n a s S a g ra d a s E s c r it u r a s ( s u a r e v e la ç ã o e s p e c ia l), m a s t a m b é m n a n a t u r e z a (s u a r e v e la ç ã o g e r a l) . E , a e x e m p lo d as S a g ra d a s E s c r it u r a s , a r e v e la ç ã o g e r a l t a m b é m p r e c is a s e r i n t e r p r e t a d a — e e x is t e m f o r m a s c e r ta s e e rr a d a s de fa z e r is to . D a m e s m a f o r m a , e x is t e m p a r â m e t r o s b o n s e r u in s q u e p o d e m s e r u tiliz a d o s n a in t e r p r e t a ç ã o d a r e v e la ç ã o g e ra l.
A Base B íb lica a fav o r d a In telig ib ilid ad e da R e v e la ç ã o G eral A r e v e la ç ã o g e r a l é e n c o n t r a d a t a n t o n a c r ia ç ã o (S I 19. ls s .) q u a n t o n a n o s s a c o n s c iê n c ia R m 2 .1 2 -1 5 ). E s ta s e g u n d a f o r m a , c h a m a d a d e le i n a t u r a l , é d e s c r ita n a B íb lia c o m o a q u e la q u e os se re s h u m a n o s “f a z e m n a t u r a l m e n t e ” ( R m 2 .1 4 ). E a le i q u e e s tá “e s c r ita n o s c o r a ç õ e s ” d e to d o s os h o m e n s (ib id .). Q u e m d e s o b e d e c e e s ta le i e s tá in d o “c o n t r a a n a t u r e z a ” ( c f. R m 1.27). A r e v e la ç ã o g e r a l n a n a t u r e z a é o b je t i v a m e n t e c la r a e e v id e n te p a r a to d a s as p e sso a s, m e s m o n o s e u e s ta d o d e c a íd o . O S a l m o 1 9 .1 -4 a fir m a : Os c é u s manifestam a g ló ria de D e u s e o f ir m a m e n t o anuncia a o b r a das suas m ã o s. U m d ia faz declaração a o u tr o dia, e u m a n o ite mestra sabedoria a o u t r a n o ite . Sem linguagem,
sem fa la , ouvem-se as suas vozes em toda a extensão da terra , e as su as palavras, até aojirn do mundo (g r ifo a d ic io n a d o ).
_om o já foi dem onstrado, as palavras não têm significado em si mesmas; elas têm somente um uso no conjunto de uima frase, que é a m enor unidade de significado. As palavras são somente um a parte de um todo (da frase), e somente : todo detém o significado.
8 Lembre-se deste exem plo: Einstein sabia que e = m c 2 (energia é igual à massa multiplicada
pela velocidade da luz [um a constante] elevada ao quadrado), e esta informação também é de conhecim ento de um estudante secundário norm al. Todavia, Einstein conhecia m uito mais as implicações disto do que o estudante da escola média. C om o Deus inspirou o texto, Ele enxerga em um a afirmação bíblica mais implicações do que o autor hum ano do texto poderia enxergar, pois tudo o que a Bíblia diz, Deus diz. Ou seja, tudo o que a Bíblia afirma que é verdadeiro, Deus lir m a que é verdadeiro. Ambos querem dizer exatam ente a mesm a coisa através do texto. Não existem dois textos, bem : :>mo não existem dois significados para o texto. Dessa forma, tanto o autor hum ano quanto o autor divino das Sagradas rscrituras afirmam um e o mesm o significado em um e o m esmo texto.
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O uso de term os co m o “m anifestar”, “anunciar”, “declaração”, “sabedoria”, “fala”, dem onstra que se tra ta de u m a revelação inteligível e objetiva da parte de Deus. Expressões co m o “toda a extensão da te rra ” e “até ao fim do m u n d o ”, e o fato de esta revelação abranger todos os grupos lingüísticos, d em onstram , acim a de qualquer contestação, que esta revelação n atural é universal. Em Atos 14, quando Paulo está se dirigindo aos pagãos de Listra, ele apela à “n atu reza” co m u m (v. 15) e argum enta que Deus “não se deixou a si m esm o sem testem u n h o” (v. 17) com o base p ara que eles cressem que havia u m “Deus vivo, que fez o céu, e a terra, e o m ar, e tudo quanto há neles” (v. 15). Se esta revelação não fosse com preensível aos pagãos, u m apelo de tal n atureza não faria o m en o r sentido. Da m esm a form a, quando se dirigiu aos filósofos gregos no Areópago, o apóstolo tam bém apelou para a revelação n atu ral co m o base p ara a crença n a existência de u m “Deus que fez o m undo e tudo que nele h á” (A t 17.24). N a verdade, ele chega a argum entar, a partir da natureza dos seres hum anos co m o sendo “geração de D eus” (v. 29), em favor da essência espiritual da “N atureza Divina”. Fazendo uso desta m esm a argum entação em Rom anos 1, Paulo declarou que “desde a criação do m undo, tan to o seu eterno poder [de Deus] co m o a sua divindade, se entendem e claram ente se vêem pelas coisas que estão criadas” (R m 1.20). E interessante n o tar a afirmação de que a revelação n atu ral é absolutam ente clara para todos òs seres hum anos, m esm o para aqueles que porven tu ra não ten h am tido acesso à revelação especial. O uso de expressões co m o “claram ente se vêem ” (R m 1.20), “neles se m anifesta” (v. 19), “se revela” (vv. 17,18), e “Deus lho m anifestou” (v. 19), dem onstra inquestionavelm ente que este revelação objetiva não som ente é cognoscível (cf. v. 19), co m o , n a verdade, já é conhecida pelos incrédulos. E ela está, de fato, tão clara que eles estão “inescusáveis” e condenados ao destino eterno que lhes aguarda, porque eles “d etêm ” (v. 18) esta verdade que já possuem. O m esm o é verdade para a revelação natu ral de Deus que está no coração h um ano. Em Rom anos 2.12-15, Paulo afirma: Porque todos os que sem lei pecaram sem lei também perecerão; e todos os que sob a lei pecaram pela lei serão julgados. Porque os que ouvem a lei não são justos diante de Deus, mas os que praticam a lei hão de ser justificados. Porque, quando os gentios, que não têm lei, fazem naturalmente as coisas que são da lei, não tendo eles lei, para si mesmos são lei, os quais mostram a obra da lei escrita no seu coração, testificando juntamente a sua consciência e os seus pensamentos, quer acusando-os, quer defendendo-os (grifo adicionado). Paulo, de fato, considera a revelação natu ral escrita de fo rm a tão clara “no co ração ” das pessoas, que até m esm o os pagãos, que não con h ecem a revelação especial de Deus, por ela “p erecerão”. E m sum a, a Bíblia nos ensina que a revelação objetiva de Deus na n atu reza é com preensível, e que, por isso, todos os seres hum anos terão que prestar contas a Deus.
Objeções à Inteligibilidade da Revelação Geral M uitos argum entos já foram levantados co n tra a objetividade da revelação geral. En tretanto, n enh u m deles chega a ser verdadeiram ente efetivo. Para respostas mais detalhadas a estas objeções, veja capítulo 4.
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P rin cíp io s H e rm e n ê u tic o s p a ra a In te r p r e ta ç a o d a R e v e la ç ã o N a tu ra l (G e ra l) A g o r a q u e n o s s it u a m o s c o m r e la ç ã o à r e v e la ç ã o n a t u r a l , r e s ta - n o s a n a lis a r d e q u e f o r m a e la d e v e s e r i n t e r p r e ta d a . D e m a n e i r a s e m e l h a n t e a o q u e o c o r r e c o m os p r in c íp io s c o r r e t o s p a r a a c o m p r e e n s ã o d a r e v e la ç ã o e s p e c ia l d e D e u s n a s S a g ra d a s E s c r it u r a s , a v e rd a d e e x p r e s s a n a n a t u r e z a e n a “le i e s c r ita n o s n o s s o s c o r a ç õ e s ” t a m b é m p o d e se r p r o n t a m e n t e c o m p r e e n d id a . C o m o já v im o s , d e a c o r d o c o m a B íb lia , a r e v e la ç ã o d e D e u s e x p r e s s a n a n a t u r e z a e c la r a e e v id e n te a t o d o s o s se re s r a c io n a is ( R m 1 .1 9 ,2 0 ). P o r q u e , e n tã o , a v a lid a d e d a r e v e la ç ã o n a t u r a l d e D e u s é tã o f e r o z m e n t e q u e s tio n a d a ?
3 Principio da Causalidade F r ie d r ic h N ie tz s c h e , u m f a m o s o a te u , r e v e lo u a ra z ã o a o d e c la r a r : “N ó s r e c e b e m o s , m a s n ã o p e r g u n t a m o s d e o n d e v e m ” . E m s u m a , e le r e je it a v a u m d o s p r in c íp io s d a ra z ã o h u m a n a q u e n o s le v a r ia n a t u r a l m e n t e a D e u s , c a s o o tiv e sse a p lic a d o . É natural
concluir que as dádivas da vida vêm do Doador da vida — a m e n o s q u e , o b v ia m e n t e , r e je i t e m o s a d ir e tr iz f u n d a m e n t a l d a ra z ã o q u e n o s d iz q u e t o d a d á d iv a ( e f e i t o ) t e m u m d o a d o r ca u s a ). R e s u m in d o , o p r in c íp io d a c a u s a lid a d e é u m p r in c íp io h e r m e n ê u t i c o e s s e n c ia l n a i n t e r p r e t a ç ã o d a r e v e la ç ã o n a t u r a l. N u m d e b a te f e it o n a B B C c o m F r e d e r ic k C o p le s t o n , o r e n o m a d o a g n ó s t ic o B e r t r a n d R u s s e ll ( 1 8 7 2 -1 9 7 0 ) a p r e s e n t o u a m e s m a m a n o b r a d e N ie tz s c h e . Q u a n d o p e r g u n t a d o s o b r e o q u e c a u s o u o u n iv e r s o , R u s s e ll r e s p o n d e u q u e e le n ã o p r e c is a v a t e r u m a ca u sa : " E u d ir ia q u e o u n iv e r s o s im p le s m e n t e e s tá p o r aí, e isso é t u d o ” ( c ita d o e m J o h n F lic k ,
EG, 175). P o r é m , to d a s as o u t r a s co is a s q u e n ã o p o d e r ia m se r, m a s sã o , p r e c is a m d e u m a c a u s a , d e m o d o q u e p o r q u e o u n iv e r s o t a m b é m n ã o p r e c is a r ia d e u m a ? C o m o m o s t r o u R ic h a r d T a y lo r , h á m u i t o t e m p o a trá s , se to d o s c o n c o r d a m q u e u m a p e q u e n a e s fe ra d e v id r o e n c o n t r a d a n u m b o s q u e p r e c is a t e r u m a c a u s a , o f a to d e a u m e n t a r m o s o seu t a m a n h o n ã o e l i m i n a r á a n e c e s s id a d e d e u m a c a u s a p a r a a s u a e x is t ê n c ia — m e s m o q u e a u m e n t e m o s t a n t o o s e u t a m a n h o , a o p o n t o d e c h e g a r a o t a m a n h o d o u n iv e r s o ( T a y lo r ,
M , 8 7 -8 8 ). O f a to é q u e , a ra z ã o d o s n ã o - te ís t a s n ã o c h e g a r e m à c o n c lu s ã o r a c io n a l d e q u e o m u n d o p r e c is a d e u m a c a u s a é a su a f a lh a e m a p lic a r d e m a n e i r a c o n s is t e n te u m p r in c íp io f u n d a m e n t a l d a ra z ã o — q u e tudo aquilo que é f in ito n e c e s s ita d e u m a c a u s a . E m o u tr a s p a la v ra s , e le s n ã o e s t ã o u s a n d o a a b o r d a g e m h e r m e n ê u t i c a c o r r e t a p a r a c o m a r e v e la ç ã o n a t u r a l . Is to t a m b é m fic a e v id e n te n a su a f a lh a e m i n t e r p r e t a r d e f o r m a c o r r e t a a r e v e la ç ã o d e D e u s n a n a t u r e z a h u m a n a .
O Princípio da Consistência O u t r o p r in c íp io f u n d a m e n t a l p a r a a i n t e r p r e t a ç ã o d a le i e s c r ita n a n o s s a p r ó p r ia n a t u r e z a p o d e s e r c h a m a d o d e princípio da consistência, q u e é u m a a p lic a ç ã o p r á t ic a d a le i d a n ã o - c o n t r a d iç ã o . C o m o c r ia t u r a s e g o ís ta s , n ó s n e m s e m p r e d e s e ja m o s fa z e r o q u e é c e r t o . P o r é m , m e s m o d e f o r m a in c o n s is te n t e , d e s e ja m o s q u e o s o u t r o s n o s f a ç a m o q u e é c e r t o . P o r t a n t o , p e la razão , c o n c lu ím o s q u e a c o n s is t ê n c ia e x ig e q u e t a m b é m f a ç a m o s o m e s m o a o s o u t r o s ; é p o r isso q u e Je su s r e s u m iu a le i m o r a l ao d e c la r a r : “P o r t a n t o , t u d o o q u e v ó s q u e r e is q u e os h o m e n s v o s f a ç a m , f a z e i- lh o t a m b é m v ó s ” ( M t 7 .1 2 ). C o n f ú c io (5 5 1 -4 7 9 a .C .) t a m b é m r e c o n h e c e u e s ta m e s m a v e rd a d e b á s ic a d a r e v e la ç ã o g e r a l a o d iz e r: “Ja m a is f a ç a m a o s o u t r o s o q u e v o c ê s n ã o q u e r e m q u e s e ja f e it o a v o c ê s ”
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(C onfúcio, AC, 25.23; cf. 12:2). A razão hum ana, p ortan to, é necessária para determ inar o m eio adequado em direção ao fim desejado, que, intuitivam ente, sabemos ser o certo. 0 Princípio da Uniformidade M esm o que intuitivam ente saibamos que não devemos fazer m al aos outros, continuam os precisando ouvir a voz da razão a nos dizer, por exem plo, que o disparo de u m a arm a de fogo em direção a o u tra pessoa pode lhe fazer m al. E sabemos disso por causa do princípio da uniformidade. Toda a nossa experiência passada nos diz que u m revólver pode m atar u m a pessoa (o que representa u m m al m uito grande). Da m esm a form a que o princípio da causalidade é necessário para com preender a revelação n atural de Deus, a lei da uniform idade é necessária para com preender que é errado tirar a vida de u m a pessoa de form a intencional. 0 Princípio da Teleologia De form a sucinta, o princípio da teleologia diz que todo agente racional age visando u m fim. Este princípio está por detrás de toda com unicação racional, seja n a revelação especial ou na revelação geral. O propósito (projeto) pode ser visto na n atu reza e, p ortan to, pressupom os a existência de u m Projetista da natureza. Seres inteligentes agem visando u m fim, u m objetivo; p o rtan to , quando vem os a n atu reza agir em direção a u m objetivo, chegam os, natu ralm ente, à conclusão de que existe u m Ser inteligente p or detrás da natureza. O princípio da teleologia tam b ém é p resu m id o em tod os os atos éticos, pois, se n ão h á p rop ósito (o u ob jetivo) em realizar u m ato , u m a pessoa n ão pode ser responsável p o r este ato. A responsabilidade m o ra l pessoal im plica a capacidade de resp osta da pessoa. A culpabilidade m o ra l im plica a intencionalidade. Assim, p ara saber se u m ato é m o ra lm e n te errad o , p recisam os p ro c u ra r evidências de in ten ção m o ral. Aqui, tam b ém , a razão é necessária p ara in te rp re ta r c o rre ta m e n te o que é m o ra lm e n te ce rto ou errad o . Outros Princípios de Interpretação da Revelação Natural Além dos quatro princípios m encionados acim a —o da causalidade, o da consistência, o da uniformidade, e o da teleologia — co m o necessários para u m a herm en êu tica da revelação n atural, existem ainda as quatro leis gerais da lógica: (1) o princípio da não-contradição; (2) o princípio da identidade; (3) o princípio do terceiro excluído; e (4) o(s) princípio(s) da inferência racional (veja capítulo 5). Sem estes p rin cíp ios, to rn a -s e im possível a a rg u m e n ta ç ã o válida sobre q ualquer coisa, p ara n ão m e n c io n a r a a rg u m e n ta çã o a c e rc a da re v e la çã o n a tu ra l. Q uando estes p rin cíp ios são aplicados de fo rm a c o r r e ta e co n sisten te à re v e la çã o n a tu ra l, o resu ltad o é ta n to u m a te o lo g ia n a tu ra l válida (R m 1.1 -2 0 ) q u an to u m a ética n a tu ra l válida (R m 2 .1 2 -1 5 ), e x a ta m e n te as áreas nas quais D eus co n sid era todas as pessoas responsáveis.
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RESUM O E CON CLUSÃO Deus tem duas grandes revelações: a geral e a especial, a n atural e a sobrenatural. Ambas são objetivas e claras, e as duas são passíveis de distorção em função da depravação hum ana. Existem form as próprias e impróprias de interpretar ambas. A form a correta, em qualquer u m dos casos, é seguir os princípios básicos inerentes a cada um a, os quais incluem as leis básicas da lógica, bem co m o os princípios da causalidade, da consistência, da uniformidade e da teleologia. Quando estes princípios são co rreta e consistentem ente aplicados à revelação geral, redundam em u m a com preensão correta. Entretanto, com o ocorre na interpretação da revelação especial, u m a com preensão co rre ta da revelação natural depende do uso dos princípios corretos, bem co m o de u m a utilização consistente dos m esm os. Em últim a análise, a lei n atural não é difícil de entender; a exem plo da lei sobrenatural de Deus, ela som ente é difícil de ser colocada em prática. FO N T E S Barr, James Biblical Semantics. Blackstone, Sir William. Commentaries on the Laws o f England. B ultm ann, Rudolph. Kerygma and M yth : A Theological Debate. Calvino, João. Institutes. Livro 1, capítulos 2, 10. Carson, Donald. Gagging God. Confúcio, Analects o f Confudus. Craig, William. Knowing the Truth About the Ressurrection. Derrida, Jacque. O f Grammatology. ________. Limited, Inc. ________. Speech and Phenomena. ________. Writing and Differance. Evans, Stephen. Christian Perspectives on Religious Knowledge. Geisler, N orm an L. M iracles and the M odem Mind. Hem er, Colin J. Acts in the Setting o f Hellenistic History. Flick, John. The Existence o f God. Hooker, Richard. O f the Laws o f Ecclesiastical Polity. Howe, Thom as. Objectivity in Hermeneutics (dissertação não publicada de doutorado do Southeastern Baptist Seminary, 1998). Jefferson, Thom as. Declaration o f Independence. Lewis, C. S. The Abolition o f Man. ________. Christian Reflections. ________. The Great Divorce. Locke, John. The Second Treatise on Government. Lundin, Roger. The Culture o f Interpretation. Lutero, M artinho. Bondage o f the Will. Lvotard, Jean-François. The Postmodern Condition: A Report on Knowledge. Madison, Gary B. Worhng Through Derrida. M cCallum , Dennis. The Death o f Truth. Philips, T im othy. Christian Apologetics in the Postmodern World. Sherwin-White, A. N. Roman Society and Roman Law in the New Testament. Taylor, Richard. Metaphysics. Aquino, Tomás de. Summa Theologica.
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W e lls, D a v id . N o P la c e fo r Truth. W o lte r s to ff, N ic h o la s . D ivine Discourse. Y a m a u c h i, E d w in . “E a s te r — M i t h , H a llu c in a tio n , o r H is to r y ” , in : Christianity Today ( e m 2 p a r te s ; 1 5 /0 3 /7 4 ; 2 9 /0 3 /7 4 ).
CAPÍTULO
ONZE
HISTORIOGRAFIA: O PRESSUPOSTO HISTÓRICO
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iferentem ente de algumas religiões, o Cristianismo histórico está inseparavelmente ligado a eventos históricos, incluindo-se aqui a vida de Adão, Abraão, Moisés, Davi e Jesus. Estes eventos, especialmente os que dizem respeito à vida, m o rte e ressurreição ae Cristo, são cruciais para a verdade do Cristianismo evangélico (cf. 1 Co 15.12-19); sem e:es, ele deixaria de existir. Assim, a existência e atestação de certos eventos históricos são essenciais à m an u ten ção do Cristianismo bíblico. A atestação histórica é im portante não som ente para a Teologia, co m o tam bém ra ra a Apologética cristã, pois os principais argum entos em defesa do Cristianismo estão baseados na historicidade dos docum entos do Novo Testam ento (veja capítulo 26). Assim, com o a atestação objetiva da história é ferozm ente questionada por m uitos historiadores contem porâneos, é necessário refutar estas alegações para assegurar a defesa do Cristianismo. O B JE Ç Õ E S À O B JE T IV ID A D E D A H IST Ó R IA Muitos argum entos foram levantados con tra a posição de que a história é objetivam ente verificável (veja Craig, N H )1, e várias delas serão agora examinadas veja Beard, “TN D ”, in: Stern, VH, 323-25). Se estes debates forem válidos, eles to rn am a base histórica essencial do Cristianismo tanto incognoscível quanto inverificável. Estes argum entos podem ser agrupados em seis categorias amplas: a epistem ológica, a axiológica, a m etodológica, a metafísica, a psicológica e a herm enêutica. As O b jeçõ es E p iste m o ló g ica s A Epistem ologia tra ta da form a co m o conhecemos as coisas, e os relativistas acreditam cue a verdade objetiva é incognoscível. C o m o esta posição já foi analisada anteriorm ente e considerada errônea (veja capítulo 7), o foco aqui estará voltado para os relativistas históricos, que argum entam que as próprias condições pelas quais se conhece a história são tão subjetivas que não é possível ter u m conhecim ento objetivo a seu respeito. Três desafios mais im portantes são levantados.
A maior parte deste debate está baseado em um resum o excelente encontrado em um a tese não-publicada de mestrado J e autoria de William L. Craig, The Nature o f History (Trinity Evangelical Divinity School, Deerfield, 111., 1976).
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A Inobservabilidade da História Os subjetivistas históricos contendem que a História, ao contrário da Ciência, não é diretam ente observável; em outras palavras, que o historiador não lida co m os eventos passados, mas simplesmente co m declarações a respeito de eventos passados. Isto faz co m que o historiador trate os fatos de m aneira imaginativa na tentativa de reconstruir os eventos da form a co m o ocorreram . Os fatos históricos, insistem eles, existem som ente dentro da m ente criativa do historiador, e os d ocum entos históricos não con tém fatos, mas, sem o entendim ento do historiador, não passam de traços de tinta sobre o papel. Além disso, depois de findo o evento, ele jamais poderá ser recriado. Assim, o historiador precisa im por significado sobre o seu registro fragm entado e obtido de segunda-m ão (vejaB ecker, “DWH”, in: Snyder, DWH, 131). Existem duas razões apresentadas co m o m otivo por que o historiador som ente tem acesso indireto ao passado. Primeiro, alega-se que, ao contrário do cientista, o m undo do historiador é com posto de registro e não de eventos. É por isso que o historiador precisa colaborar co m u m a “im agem reconstruída” do passado, e neste sentido o passado é realm ente u m p rod uto do presente. Segundo, os relativistas históricos afirm am que o cientista pode testar a sua visão, ao passo que aos historiadores isso não é perm itido — já que a experim entação não é possível no caso dos eventos históricos. O cientista tem a vantagem da repetibilidade; ele pode sujeitar as suas observações à refutação. Entretanto, os eventos históricos não-observáveis não são mais verificáveis; eles p ertencem a u m passado perdido para sempre. Portanto, o que acreditam os a respeito do passado não passa de u m reflexo da nossa própria im aginação, de u m a con stru ção subjetiva na m ente dos historiadores contem porâneos, e não podem os esperar que isto seja u m a representação objetiva do que realm ente aconteceu. A Natureza Fragmentária dos Relatos Históricos A segunda objeção à objetividade da história diz respeito à sua natureza fragm entária. Na m elhor das hipóteses, os historiadores podem ter a expectativa da integralidade da d ocum entação, mas a integralidade dos eventos nela relatados jamais será possível. Na m elh or das hipóteses, os d ocum entos abrangem som ente um a pequena fração dos eventos em si (Beard, “T N D ”, in: Stern, VH, 323), e não se pode tirar conclusões finais e com pletas sim plesmente a partir de docum entos fragm entados. Além disso, os documentos não apresentam os eventos, mas tão somente um a interpretação dos eventos, que é afetada pela mediação da pessoa que os registrou. O cenário mais positivo, então, é que temos somente registros fragmentados daquilo que u m desconhecido pensou do que aconteceu: “O que realmente aconteceu ainda fica por ser reconstruído na mente do historiador” (Carr, WIH, 20). Em função de os documentos serem tão fragmentados e os eventos tão distantes, a objetividade se torna um a miragem para o historiador. Ele não só tem u m quebra-cabeça bastante incompleto, mas também as figuras incompletas que conseguiu foram pintadas na mente de alguém que lhe passou adiante estas peças. 0 Condicionamento Histórico do Historiador Os relativistas históricos insistem que o historiador é u m produto do seu tem po, e, sendo assim, ele está sujeito à program ação inconsciente da sua era. E impossível,
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supostam ente, que o historiador possa se levantar e olhar a história de fo rm a objetiva, porque ele tam bém faz parte deste processo histórico. Portanto, a síntese histórica depende da personalidade do escritor, co m o tam bém do m eio sócio-religioso em que ele estava inserido (Pirenne, “WAHTD”, in: Meyerhoff, P, 97). Neste sentido, precisamos estudar o historiador antes de com preender a sua form a de fazer história. C om o o historiador é parte do processo histórico, a objetividade, de acordo co m este ponto de vista, jamais pode ser alcançada. A história de um a geração será reescrita pela próxim a, e assim p o r diante; n enh u m historiador é capaz de transcender esta relatividade histórica e visualizar o processo do m undo do lado de fora (Collingw ood, IH , 248). Na m elh or das hipóteses, podem existir interpretações históricas sucessivas, m as que não têm a pretensão de ser finais, cada u m a delas vislumbrando a história de u m a posição estratégica proporcionada pela sua própria geração de historiadores. P ortan to, não existe neutralidade da parte do historiador; todos são filhos da sua época. A O b je çã o A x io ló g ic a (d e V alo r) O historiador não pode deixar de fazer juízos de valores. Isto, argum entam os relativistas históricos, to rn a a objetividade inalcançável, pois até n a seleção e organização dos materiais são feitos juízos de valores. Os títulos dos capítulos ou das seções de u m a obra sem pre têm u m certo juízo de valor im plícito, e estes juízos são relativos à pessoa que os faz. C om o disse u m historiador, o tem a central da história está “carregado de juízos” (Dray, PH, 23). Os fatos da história consistem em assassinatos, opressão e assim por diante, e estas coisas não podem ser descritas com palavras m oralm en te neutras. Pelo seu uso da linguagem co m u m , então, o historiador é forçado a fazer juízo de valores. Além disso, pelo simples fato de que a história lida co m seres hum anos de “carne e osso”, que têm os seus m otivos e objetivos, u m a análise da história precisa, por necessidade, tecer com entários a esse respeito. Se, p o r exem plo, alguém é cham ado de “ditador” ou de “regente bondoso”, trata-se, inevitavelm ente, de u m juízo de valor; co m o alguém poderia descrever Josef Stálin sem fazer u m a afirmação deste tipo? E se tentássemos fazer u m a espécie de descrição cientificamente n eu tra dos eventos passados sem u m a interpretação declarada ou im plícita dos propósitos hum anos, não estaríamos fazendo história, mas u m a crônica rala sem significado histórico. Se o historiador adm itir o que ele não pode evitar, a saber, que ele precisa fazer algum tipo de juízo de valor sobre os eventos passados, então a sua história perdeu a objetividade. Em sum a, assim diz a objeção, não há com o o historiador se colocar fora da sua história. As O b jeçõ es M e to d o ló g ic a s As objeções m etodológicas se referem ao procedim ento pelo qual a História é feita. Há várias objeções m etodológicas à crença na objetividade da História que é necessária para o estabelecimento das verdades do Cristianismo. A Natureza Seletiva da Metodologia Histórica C om o foi sugerido pelas objeções epistemológicas, o historiador não tem acesso direto aos eventos do passado, mas tão som ente a interpretações fragm entadas dos
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eventos contidos em docum entos históricos. Portanto, o que to rn a a objetividade ainda mais rem ota é o fato de os historiadores precisarem fazer u m a seleção destes relatos fragm entados e construir a sua interpretação destes eventos passados em cim a de u m n úm ero seleto de relatos parciais dos eventos passados. Existem volum es nos arquivos que jamais são tocados pela m aioria dos historiadores (Beard, “TN D ”, in: Stern, V H , 324). De acord o co m este argu m en to, a seleção real feita a p artir destes relatos fragm entados é influenciada p o r m uitos fatores relativos e subjetivos, inclusive preconceitos pessoais, disponibilidade de m ateriais, co n h ecim en to de idiom as, crenças pessoais, condições sociais, e assim por diante. P o rtan to , o próprio historiador está inseparavelm ente envolvido co m a história que escreve, e o que ele inclui ou exclui em sua pesquisa sem pre será objeto de escolh a pessoal. Não im p o rta o quão objetivo u m historiador possa ten tar ser, na prática, é impossível p ara ele apresentar o que realm en te acon teceu . A “sua h istória” não passa da sua in terp retação, baseada na sua seleção subjetiva de in terpretações fragm entadas de eventos passados e n ão reproduzíveis. A rgum enta-se, conseqüentem ente, que os fatos da história não falam p o r si m esm os: “Os fatos falam som ente quando o historiador pede a opinião deles; é ele quem decide quais fatos ganharão a tribuna, qual será a ordem , ou o co n texto dos discursos” (C arr, WIH, 32). Em resum o, quando os “fatos” falam, não são os eventos originais que estão falando, mas opiniões fragm entadas posteriores sobre aqueles eventos. Os fatos ou eventos originais há m uito se perderam , e, sendo assim, de acordo co m o relativismo histórico, pela própria natureza da tentativa, o historiador jamais pode esperar encontrar a objetividade. A Necessidade de Seleção e de Preparação dos Materiais Históricos Depois de coletar os docum entos fragm entados que precisa ver indiretam ente por interm édio da interpretação da fonte original, e depois de coletar a quantidade selecionada de m aterial dos arquivos disponíveis e iniciar a criação de u m a estrutura interpretativa para ele, pelo uso da sua linguagem carregada co m os seus valores, e dentro da cosmovisão geral que ele pressupõe, ele não som ente a com preende a partir de um a posição estratégica relativa à sua própria geração, co m o tam bém precisa selecionar e preparar o tópico de história de acordo co m as suas próprias preferências subjetivas. Em sum a, os dados são lançados co n tra a objetividade antes m esm o de ele to m ar a caneta. Ou seja, n a própria escrita dos dados fragm entados, os relatos de segunda m ão do seu ponto de vista filosófico e pessoal, existe u m a escolha subjetiva posterior na preparação do m aterial (Collingw ood, IH , 285-90). A seleção e o preparo do m aterial será determ inada p o r fatores pessoais e sociais já analisados. O produto escrito final será tendencioso à m edida que representa som ente o m aterial escolhido, e não o que foi deixado de lado. Faltar-lhe-á objetividade pela m aneira co m o foi preparado e pela ênfase a que foi subm etido na apresentação geral. A seleção feita em term os de estru tu ra poderá ser restrita ou ampla, clara ou confusa. Seja qual for a sua natureza, a estru tu ra será necessariam ente u m reflexo da m en te do historiador (Beard, “T N D ”, in: Stern, VH, 150-51), e isto nos distancia ainda mais do conhecim ento objetivo da realidade dos fatos. A conclusão dos subjetivistas, p ortan to, é que as esperanças de objetividade estão finalm ente perdidas.
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A s O b jeçõ es M etafísicas (d e C o sm o v isã o ) Várias objeções m etafísicas são levantadas co n tra a idéia de um a história objetiva. Cada um a delas é predicada, seja na teoria ou na prática, seguindo a prem issa e as cores desta cosm ovisão, no que se refere ao estudo da história. A Necessidade de Estruturar 05 Fatos da História
Esta objeção é desenvolvida nas seguintes linhas: O co n h ecim en to parcial do passado obriga o historiador a “p reen ch er” as lacunas da sua própria im aginação. Da m esm a fo rm a que um a criança liga as linhas pontilhadas que form arão u m desenho, o historiador tam bém fo rn ece as conexões en tre os eventos. Sem o historiador, os pontos não são num erados n em organizados de m aneira óbvia. O historiador precisa usar a im aginação a fim de proporcionar continuidade aos fatos desconexos e fragm entados que têm em mãos. A lém disso, o historiador não se co n ten ta som en te em nos descrever sim plesm ente 0 que aconteceu; ele se sente forçado a explicar o porquê dos acontecim en tos (Walsh, PH, 32).
D esta form a, a história se to rn a com p letam en te coerente e inteligível — a boa história apresenta tan to tem a quanto unidade, os quais são apresentados pelo historiador. Fatos isolados não fazem história, da m esm a form a que pontos não-ligados não fo rm am um desenho, e aqui, de acordo co m os subjetivistas, está a diferença en tre a crônica e a história: A prim eira não passa de m aterial não-refinado que o historiador utiliza para con stru ir a história. Sem a estru tu ra proporcionada pelo historiador, todos os dados históricos ficariam sem significado. A lém disso, o estudo da história é u m estudo de causas. O historiador deseja chegar aos porquês ; ele deseja tecer u m a teia de eventos interligados até chegar a u m todo unificado.
Em função disso, ele não consegue separar a sua própria subjetividade n a história que reconstrói; p o rtan to , m esm o que na crônica ainda reste um pouco de objetividade, não existe qualquer chance desta existir na história. A História é, por princípio, não-objetiva, já que o seu próprio tem a (ao contrário da crônica) é a estru tu ra in terpretativa que lhe é transm itida a partir da posição estratégica do historiador. P ortanto, conclui-se que a necessidade de estru tu ração inevitavelm ente to rn a impossível a objetividade na história. A Inevitabilidade das Cosmovisões
Todo historiador interp reta o passado dentro de um a estru tu ra geral que se constitu i na sua Weltanschammg, isto é, sua cosm ovisão. A cosm ovisão é a form a com o se enxerga o m u nd o e a vida. Basicam ente, existem três filosofias diferentes da história, dentro das quais os historiadores se enquadram : a caótica, a cíclica e a linear (Beard, “T N D ”, in: S tern , V H , 151). A opção que ele fará é u m a questão de fé ou de filosofia, e não som ente de fatos. Sem que u m a destas visões seja iso la d a m en te p ressu p o sta, n e n h u m a in te rp re ta çã o geral é possível; a Weltanschauung d e te rm in a rá se o h isto ria d o r en xerg a os even tos do m u n d o co m o u m a n év o a sem sen tid o (visão ca ó tic a ), c o m o u m a série de infin itas rep etiçõ es (visão cíclica ), ou co m o u m m o v im e n to em u m ca m in h o p ro p o sital em d ireção a u m o b je tiv o (visão lin e a r). In e v ita v e lm en te, estas cosm o visões são ta n to necessárias q u anto o rien tad as p o r valores. D essa fo rm a , os su b jetiv istas arg u m e n ta m
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que, sem u m a destas cosm ovisões, o h isto riad o r é incapaz de in te rp re ta r os eventos do passado. E n tre ta n to , dizem eles, p o r in term éd io de u m a cosm ovisão, a objetividade se to rn a im possível. Além disso, os subjetivistas insistem que u m a cosmovisão não é gerada a partir de fatos; fatos não falam por si m esm os, mas recebem o seu significado som ente dentro de u m con texto geral fornecido pela cosmovisão. Sem a estru tu ra da cosmovisão, os dados históricos não têm significado. Agostinho (354-430), p o r exem plo, olhava para a história co m o u m a grande teodicéia2, mas Hegel (1770-1831) a via co m o u m desdobram ento do divino. Supostam ente, não são os achados arqueológicos ou factuais, m as as pressuposições religiosas ou filosóficas, que induzem os hom ens a desenvolver o seu ponto de vista. As filosofias orientais da história são ainda mais diversificadas, já que englobam u m padrão cíclico e não linear. Se adm itirm os a relatividade ou a perspectividade desta cosmovisão em oposição à outra, os relativistas históricos insistirão que, desse m odo, acabaram de desistir de reclam ar qualquer tipo de objetividade. Se há várias form as diferentes de interpretar os m esm os fatos, dependendo da perspectiva geral que tem os, não há a m ínim a chance de chegar a u m a interpretação objetiva da história. Os Milagres São, por Natureza, Supra-Históricos M esm o que se adm ita que a história secular pudesse ser objetivam ente conhecida, o problem a da objetividade ainda persistiria no cam po da história da religião. Alguns autores fazem u m a distinção m arcante entre Historie e Geschichte (Kahler, SCHJ, 63): A prim eira seria em pírica e objetivam ente verificável em certo grau, mas a segunda é espiritual e não-verificável, do p onto de vista histórico — co m o espiritual ou suprahistórica, não há u m a base objetiva para a sua verificação. A história espiritual, supostam ente, não apresenta necessariam ente u m a ligação co m o continuum espaço-tem poral dos eventos empíricos do m undo. Ela é u m m ito com significado religioso subjetivo para o crente, mas é desprovida de base objetiva. C om o ocorre co m a história de George W ashington e a cerejeira, a Geschichte seria a estória feita de eventos que provavelm ente n unca o co rreram , mas que inspiram os hom ens em alguns ideais m orais ou religiosos. Se esta distinção for aplicada ao N ovo Testam ento, m esm o que a vida e os ensinos centrais de Jesus de Nazaré pudessem ser objetivam ente estabelecidos, não haveria um a m aneira histórica de confirm ar a dimensão m iraculosa do N ovo Testam ento. Os milagres não acontecem co m o parte da Historie e, p ortan to, não estão sujeitos à análise objetiva; eles são eventos da Geschichte e, co m o tais, não podem ser analisados p o r interm édio da m etodologia histórica. Muitos teólogos aceitaram esta distinção. Paul Tillich (1886-1965) alegou ser um a “distorção desastrosa do significado da fé querer identificá-la co m a fé na validade histórica das estórias bíblicas” (DF, 87). Ele acreditava, co m o Soren Kierkegaard, que o im portante era se evocaríam os ou não u m a resposta religiosa apropriada. C o m isso, R udolf B u ltm an n e Schubert Ogden tam bém concordariam , juntam ente co m m uito do pensam ento teológico dos nossos dias.
2 Teodicéia é u m a “vindicação da justiça de Deus, especialm ente no envio ou n a permissão dos males naturais e m orais” (Websters Third New International Dictíonary).
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Até m esm o pessoas co m o Karl Jaspers (1883-1969), que se op un h am à visão mais radical de desmitologização proposta por B ultm ann, aceitavam a distinção entre a dimensão espiritual e a em pírica dos milagres (Jaspers, MC, 16-17). Na ala mais conservadora dos que defendem esta distinção, está Ian Ramsey (falecido 1972), que insistia: “Não basta pensar nos fatos da Bíblia co m o ‘fatos históricos b ru tos’ aos quais os evangelistas dão um a interpretação ‘distinta’”. Para Ramsey, a Bíblia é histórica som ente se “‘história’ se referir a situações tão estranhas quanto aquelas m encionadas por aquele paradigm a do Q uarto Evangelho: ‘o Verbo se fez carn e’”. Ramsey conclui: “N en h um a tentativa para :azer a linguagem da Bíblia adequar-se a u m a linguagem pública precisa e direta — seja esta um a linguagem científica ou histórica —foi bem -sucedida” (R I, 118-19). De acordo co m os subjetivistas históricos, sem pre existe algo que vai “além ” do empírico em todas as situações religiosas ou m iraculosas. A situação puram ente empírica é “estranha” e, por isso, evoca u m discernim ento que exige de nós u m com prom isso de íentido religioso (Ram sey, RI, capítulo 1). Os Milagres São, em Principio, historicamente Incognoscíveis Com base no princípio da analogia de Em st Troeitsch (veja citação abaixo), alguns historiadores chegaram até mesmo a questionar a possibilidade de estabelecer um milagre com base em testemunhos do passado. Troeltsch (1865-1923) expôs o problema da seguinte forma: Com base na analogia dos eventos que chegaram ao nosso conhecimento, procuramos compreender e reconstruir o passado por conjetura e entendimento benevolente [...] [E] como discernimos o mesmo processo de fenômenos em operação tanto no passado quanto no presente, vemos, tanto lá como aqui, os vários ciclos históricos da vida humana influenciarem e interceptarem um ao outro (Troeltsch, “H”, in: Hastings, ERE). Sem uniformidade, prossegue o argum ento, nada poderíamos saber a respeito do passado, pois sem u m a analogia que parta do presente nada poderíam os saber a respeito do que ocorreu anteriorm ente. De acordo co m este princípio, insistem alguns: "N enhum núm ero de testem unhos será perm itido para estabelecer co m o u m a realidade passada algo que não pode o co rrer na realidade presente [...] Em todos os outros casos, o testem unho tem que possuir u m caráter perfeito — ou tudo ou nada” (Becker, “DW H”, m: Snyder, DWH, 12-13). Em outras palavras, se não puderm os identificar os milagres no presente, não terem os n enh u m tipo de experiência na qual basear a com preensão dos milagres alegados no passado. O historiador, a exemplo do cientista, precisa adotar u m ceticismo metodológico para com os eventos alegados no passado, para os quais ele não tem u m paralelo no presente —o presente é o alicerce do nosso conhecim ento do passado. C om o disse F. H. Bradley: Já vimos que a história jaz, em última instância, em uma inferência tirada da nossa experiência, um juízo baseado no nosso estado presente das coisas [...] [Assim,] quando nos pedem para afirmar a existência de eventos do passado, os efeitos das causas que, abertamente, não dispõem de analogia no mundo no qual vivemos, e que conhecemos — ficamos devendo uma resposta melhor, e tudo o que podemos dizer é que [...] estão nos pedindo para construir uma casa sem fundamento [...] E como poderíamos fazer isto sem contradizer a nós mesmos? (Bradley, PCH, 100).
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A Objeção Psicológica A rgum enta-se que a história registrada por pessoas co m m otivações religiosas não pode ser confiável—considera-se que a paixão religiosa obscurece a objetividade histórica e, assim, estas pessoas tendem a reinterpretar a história à luz da sua crença religiosa; isto é dito especialmente pelos críticos que se opõem ao Novo Testam ento. U m a crítica similar está na base da form a tradicional de crítica textual, por meio da qual se considera que os autores do N ovo Testam ento estavam criando ou recriando as palavras de Jesus, em vez de relatá-las de form a rígida (veja parte 2, capítulos 19 e 26). Ou seja, os Evangelhos, na form a co m o os tem os hoje, são m uito mais u m reflexo da experiência religiosa da igreja cristã subseqüente do que o registro das palavras exatas de Jesus.
A Objeção Hermenêutica Talvez a form a mais radical de relativismo histórico seja representada pelo D esconstrucionism o, que trata a história co m o literatura. U m dos proponentes mais im portantes desta visão é Hayden W hite, que alega, no seu livro Metahistory (M etahistória), que a história é poesia. W hite insiste que não se pode escrever história sem que o m aterial seja m on tad o n u m a espécie de “todo coordenado” que está sujeito a u m “conceito unificador” (Aí, 89), e acredita que estes conceitos foram tirados da poesia: “Eu identifiquei quatro estruturas arquétipas de enredo diferentes por interm édio das quais os historiadores podem descrever os processos nas suas narrativas co m o estórias que seguem u m m odelo específico: rom ance, tragédia, com édia e sátira” (Aí, 41). N en h um a destas form as tem a suprem acia sobre ou tra, ou é co rreta em oposição às outras incorretas; elas são simplesmente diferentes. “[Isto] m e perm itiu enxergar os vários debates a respeito de co m o a história deveria ter sido escrita [...] essencialmente co m o questões de variação de estilo de com posição dentro de u m universo único de discurso” (Aí, 42).
RESPOSTA AO RELATIVISMO HISTÓRICO Apesar destas objeções bastante fortes à possibilidade de objetividade n a história, o assunto não está, de fo rm a algum a, encerrado, pois existem m uitas falhas nas posições dos relativistas históricos. E m prim eiro lugar, u m a resposta direta será dada a cada u m a das objeções. A seguir, alguns argum entos gerais co n tra o subjetivismo histórico serão propostos. As respostas diretas apresentadas seguem a ordem das objeções acima.
Uma Resposta às Objeções Epistemológicas Resposta ao Problema da Inobservabilidade dos Eventos Históricos A prim eira e mais fundam ental resposta aos subjetivistas históricos é m ostrando que, independentem ente do que se queira dizer co m “con hecim en to objetivo” da história que eles negam , isso só é possível se, na sua negação dele, eles estiverem sugerindo que alcançaram tal conhecim ento. Afinal, co m o poderiam saber se o conhecim ento que todas as outras pessoas têm da história não é objetivo, a m enos que eles possuam
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u m conhecim ento objetivo pelo qual possam determ inar que as outras visões não são objetivas? Não se pode con hecer o não-aquilo se não conhecem os o aquilo. Além disso, se por “objetivo” os subjetivistas entenderem conhecim ento absoluto, então, obviamente, nenh u m historiador hum ano pode ser objetivo. Por outro lado, se “objetivo” significa u m a apresentação adequada e precisa que seja capaz de atender às expectativas de pessoas razoáveis, a p orta está aberta para a plausibilidade da objetividade. Assumindo este segundo sentido, deve ser argum entado que a história pode ser tão objetiva quanto algumas ciências (Block, HC, 50). Por exem plo, a Paleontologia (a Geologia histórica) é considera u m a ciência objetiva, já que lida co m processos e fatos tísicos do passado. Entretanto, os eventos representados pelos achados fósseis não estão mais diretam ente acessíveis, nem são reproduzíveis aos cientistas, m as são eventos históricos p ara o historiador. E verdade que existem algumas diferenças. O fóssil é um a impressão m ecanicam ente rrecisa do evento original, e a testem u nh a ocular da história pode ser m enos precisa no seu relato. Mas o historiador pode retru car m ostrando que os processos naturais ;u e deterioram a impressão do fóssil eqüivalem a u m a filtragem pessoal dos fatos que rod e o co rrer no depoim ento de algumas testem unhas oculares. No m ínim o, pode-se argum entar que, se puderm os determ inar a integridade e confiabilidade da testem u nh a ocular, não se pode bater a p o rta diante da possibilidade de objetividade na história, a exem plo do que ocorre co m a geologia. Os cientistas p od eriam question ar que eles p odem rep etir os processos do passado pela exp erim en tação p resen te, ao passo que o h istoriad or não pode. Mas até m esm o aqui as situações são sim ilares, pois neste sentido a h istória tam b ém pode ser “rep etida”. Padrões sim ilares de eventos, pelos quais as co m p araçõ es p o d em ser feitas, o co rre m tam bém nos dias de hoje, da m esm a fo rm a que o co rria m no passado. E xp erim en tos sociais lim itados p o d em ser feitos p ara averiguar se a h istória h u m an a se rep ete, p o r assim dizer, e exp erim en to s em grande escala p o d em ser n a tu ra lm e n te observados nas diferentes condições ao lon go da h istória con tín u a do m u n d o . Em su m a, o historiad or, da m esm a fo rm a que o cientista, tam b ém tem as ferram en tas p ara d eterm in ar o que realm en te aco n te ce u no passado. A falta de acesso d ireto ao fatos ou aos eventos originais se co n stitu i em u m a b arreira sem elh an te, ta n to p ara u m quanto p ara ou tro . Algumas pessoas sugerem que existe u m a diferença crucial entre a História e a Ciência dos eventos passados. Elas insistem que os fatos científicos “falam por si m esm os”, ao passo que os fatos históricos não. Entretanto, até m esm o aqui a analogia é sem elhante por diversas razões. Se “fato” significa o evento original, nem a Geologia nem a História estão em posse de fato algum . “Fato” deve ser considerado co m o significando “inform ação acerca do evento original”, e neste sentido os fatos não existem som ente de m aneira subjetiva na m ente do historiador. Os fatos são dados objetivos, sejam eles lidos ou não. O que se faz com os dados, isto é, o significado ou a interpretação que se aplica a eles, de form a algum a pode eliminar os dados. Resta tan to à Ciência quanto à História u m núcleo sólido de fatos objetivos, e a p o rta está, p ortan to, aberta à objetividade em ambos os campos. Desta form a, podem os fazer um a distinção válida entre a propaganda e a história: a prim eira é desprovida de base suficiente quanto ao fato objetivo, m as a segunda não. Na verdade, sem fatos objetivos, n enh u m protesto pode ser feito nem con tra a pobreza n a História nem n a propaganda.
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Se a História está inteiram ente na m en te do observador, não há razão para que não se possa olhá-la da m aneira co m o nós m esm os a desejamos. Neste caso, não haveria qualquer diferença entre a História séria e a propaganda leviana. Mas os historiadores, até m esm o os subjetivistas históricos, recon h ecem esta diferença. Portanto, até m esm o eles acabam por aderir ao conhecim ento objetivo da história. Resposta ao Problema dos Relatos Fragmentados O fato de os relatos da história serem fragm entados não destrói a objetividade histórica, da m esm a form a que a existência de um a am ostragem lim itada de fósseis não elimina a objetividade da Geologia. Os rem anescentes fósseis representam som ente u m a percentagem ínfima dos seres vivos do passado; e isto não impede os cientistas de tentar reconstruir u m quadro objetivo do que realm ente aconteceu n a História geológica. Os cientistas, às vezes, reconstituem u m h om em inteiro som ente baseados em restos parciais de esqueletos — até m esm o a partir de u m m axilar. M esm o que este procedim ento seja, talvez, colocado debaixo de u m a justa suspeita, não é necessário que se ten h a todos os ossos para preencher o quadro provável do animal com pleto. C om o acontece co m u m quebra-cabeças, desde que tenham os as peças-chave, somos capazes de reconstruir o restante co m u m grau m ensurável de probabilidade. Por exem plo, pelo princípio da similaridade bilateral (ou sim etria), podem os supor que o lado esquerdo de u m crânio parcial se assemelha ao lado direito que foi encontrado. Obviamente, a recon strução finita tan to da Ciência quanto da História está sujeita a revisões. Achados posteriores poderão fornecer novos fatos que exigirão novas interpretações. Mas, no m ínim o, há u m a base objetiva em fatos para o significado atribuído ao achado. As interpretações não podem criar fatos, n em ignorá-los, se quiserem ser objetivas. Podemos concluir, então, que a História pode ter a m esm a objetividade que a Geologia, já que esta tam bém depende de relatos fragm entados. A história dos seres hum anos é transm itida a nós através de registros parciais; o con hecim en to científico tam bém é parcial e depende de suposições, bem co m o de u m a estru tu ra geral que pode, ao final, p rovar ser inadequada, co m o surgim ento de novos fatos. Independentem ente das dificuldades que possam existir no preenchim ento das lacunas en tre os fatos, de u m ponto de vista rigidam ente científico, o simples fato de assum irm os u m a ótica filosófica a respeito do m undo já dará por resolvido o problem a da objetividade em geral. Se existe u m Deus, e as boas evidências apontam neste sentido (veja capítulo 2), o quadro geral já está desenhado; os fatos da história simplesmente preencherão os detalhes do seu significado. Se este universo é tal co m o os teístas o concebem , então o esboço do artista tam bém já é pré-conhecido; os detalhes e a coloração virão som ente se todos os fatos da história se encaixarem no esboço geral da estru tu ra do Teísmo. Neste sentido, a objetividade histórica é certam en te mais plausível dentro de u m a estrutura específica — tal co m o u m a cosmovisão teísta. A objetividade reside na visão que m elh or co m p o rta todos os fatos do sistema co m o u m todo, isto é, na consistência sistemática.
Uma Resposta à Objeção Axiológica (de Valor) Podemos até abrir m ão e aceitar que a linguagem co m u m está im pregnada de valores preconcebidos e que os juízos de valor são inevitáveis. Isto, de m aneira alguma, to rn a impossível a objetividade histórica (Butterfield, “MHJ”, in: MeyerhofF, P, 244).
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jbjetividade significa estar junto ao lidar co m os fatos; significa apresentar o que aconteceu da form a mais precisa quanto é possível. Além disso, objetividade significa que ao interpretarm os o m otivo por que estes eventos ocorreram , a linguagem do historiador deve dar a estes eventos o valor que eles realm ente tinham no seu con texto original. Se isto for conseguido, u m relato objetivo da história terá sido alcançado. Dessa maneira, a objetividade é vista co m o algo que exige uízos de valor, e não isenta deles. A questão não é se a linguagem de valores pode ser objetiva, mas se as afirmações de valores retratam , de form a objetiva, os eventos na m aneira justa co m o ocorreram . U m a vez determ inada a cosmovisão que servirá de base para esta análise, os juízos de valores irão se to rn am indesejados, ou m eram en te subjetivos; eles serão, de fato, essenciais à bjetividade que se requer. Se estam os tratando de u m “m undo teísta”, então não é :bjetivo colocar algo diferente dos valores apropriados ao Teísmo nos fatos da história. U m a R e sp o sta às O b je çõ e s M e to d o ló g ica s Todo historiador em prega u m a m etodologia — isto, p or si só, não dem onstra a inadequação da sua história. A questão é se a sua metodologia é boa ou ruim. E m resposta a esta jbjeção, várias dimensões do problem a precisam ser analisadas. Resposta ao Problema do Condicionamento Histórico E verdade que todo historiador é u m prod uto da sua época; cada pessoa ocupa um lugar relativo nos eventos mutáveis do m undo espaço-tem poral. En tretanto, disso não se deve concluir que, por ser u m prod uto da sua época, a sua história tam bém não passa ue um produto da sua época. O fato de u m a pessoa não poder fugir do seu lugar relativo r.a história não significa que a sua perspectiva não possa atingir u m grau significativo de rbjetividade. Esta crítica faz confusão entre o conteúdo do con hecim en to e o processo ae atingi-lo (M andelbaum, PHK, 94), bem como- de jumtar a form ação de u m a visão :o m a sua verificação. O local que origina1a mossa hipótese não está necessariam ente relacionado com a form a pela qual a verdade pode ser estabelecida. Além disso, se a relatividade é inevitável, a posição dos relativistas históricos é au torefutável, pois, ou a sua visão está historicam ente condicionada e não é, p ortan to, :bjetiva, ou ela não é relativa, m as objetiva. Se é a segunda, ele está, p ortan to, admitindo a possibilidade de atingir u m a visão objetiva da história. Inversamente, se a posição do relativismo histórico é, p o r si só, relativa, ela não pode ser considerada objetivam ente verdadeira—ela não passará de um a opinião subjetiva que r.ão apresenta um a base inabalável. Em sum a, se se trata de u m a opinião subjetiva, ela não pode elim inar a possibilidade de que a história possa ser objetivam ente cognoscível, e se se trata de u m fato objetivo a respeito da história, então os fatos objetivos da história podem ser conhecidos. No prim eiro caso, a objetividade não é eliminada, e no segundo, o relativismo sucum be por si m esm o; em ambos os casos, a objetividade se m o stra viável. Por fim, as constantes revisões históricas são baseadas nasuposição de que aobjetividade é possível, afinal: Por que lutar pela precisão, se não acreditam os que a revisão será mais o bietivamente exata do que a versão anterior? Por que analisar criticam ente, se não remos em m ente que u m a visão mais exata pode ser alcançada? A objetividade perfeita r ode ser atingida na prática dentro dos recursos limitados do historiador na maioria dos t jpicos, senão em todos, m as m esm o que as coisas sejam dessa form a a incapacidade de
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atingir u m a objetividade de 100 por cento está m uito distante do relativismo. A lcançar u m grau de objetividade que esteja sujeito à critica e à revisão é u m a conclusão m uito mais realística do que os argum entos dos relativistas. Não há razão p ara eliminar a possibilidade de alcançar u m grau satisfatório de objetividade histórica. Resposta ao Problema da Seletividade de Materiais O fato de o historiador precisar selecionar os seus materiais de pesquisa não to rn a a História, au tom aticam en te, p uram en te subjetiva. Os jurados fazem julgam entos “além das dúvidas razoáveis”, sem terem todas as evidências necessárias. Se o historiador tem diante de si as evidências relevantes e cruciais, elas serão suficientes para que ele atinja a objetividade; não é preciso que saibamos tudo para con h ecer u m a parte do todo. N enhum cientista conhece todos os fatos, e m esm o assim ele postula a objetividade na sua disciplina. C ontanto que n en h u m fato im portan te seja desprezado, não existe razão para elim inar a possibilidade de objetividade n a História, da m esm a fo rm a co m o o corre na Ciência. A seleção de fatos pode ser obj etiva na m esm a m edida em que os fatos são selecionados e reconstruídos no con texto no qual os eventos representados ten h am ocorrido na realidade. C om o é impossível ao historiador juntar no seu relato tudo o que esteja disponível sobre o assunto, é im portante que ele selecione os pontos representativos do período sobre o qual ele escreve (Collingw ood, IH , 100). A concisão não precisa representar distorção; o m ínim o pode ser u m resum o objetivo do m áxim o. O que é mais im portante, as evidências para a historicidade do N ovo Testam ento, de onde a Apologética Cristã retira as suas evidências prim árias, são maiores do que as que se podem apresentar p ara qualquer ou tro d ocum ento do m undo antigo (veja parte 2, capítulo 26). Assim, se os eventos por detrás dele não podem ser objetivam ente conhecidos, então é impossível saber qualquer o u tra coisa a respeito daquele período da hum anidade.
Uma Resposta às Objeções Metafísicas (de Cosmovisão) E sabido que todo historiador tem u m a cosmovisão, e os eventos são interpretados de acordo co m esta estrutura. Mas isto, por si só, não to rn a a objetividade impossível, já que existem m aneiras objetivas de tratar a questão das cosmovisões. Resposta ao Problema da Seleção de Materiais Não existe razão pela qual o historiador não possa selecionar os seus materiais de pesquisa sem distorcer o passado (Nagel, “LHA”, in: Meyerhoff, P, 208). C o m o a con stru ção original dos eventos não está disponível n em p ara o historiador n em para o geólogo, é necessário reconstruir o passado sobre a base das evidências disponíveis. C ontudo, a reconstrução não precisa ser u m a revisão; a seleção de materiais pode o co rrer sem se negligenciar as questões im portantes. Todo historiador precisa preparar o seu m aterial. O mais im portante é que eles sejam preparados ou revisados de acordo co m a disposição original dos eventos, conform e estes o co rreram . Se o historiador incorporar de form a consistente e exaustiva todos os eventos significantes da form a co m o as coisas realm ente o correram , ele estará sendo objetivo. E a negligência ou a distorção de fatos im portantes que afeta a objetividade.
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O historiador pode ter o desejo de ser seletivo no decurso do seu estudo; ele pode desejar estudar som ente as dimensões políticas, econôm icas ou religiosas de u m período específico. Entretanto, esta concentração não exigirá dele u m a total subjetividade, pois é possível serm os específicos sem perder o con texto m aior no qual estam os operando. U m a coisa é focalizar-se em especificidades dentro de u m cam po m aior, e o u tra bem diferente é o desprezo com pleto ou a distorção deliberada do quadro m aior no qual o interesse intensificado está ocorrendo. Enquanto o especialista perm an ecer em contato com a realidade, e não impingir sobre o trabalho a subjetividade p ura das suas fantasias, não existe razão p or que u m grau m ensurável de objetividade não possa ser m antido. Resposta ao Problema da Estruturação dos Materiais Devemos adm itir o ponto de vista das pessoas que questionam a objetividade da história separada de u m a cosmovisão m aior, pois a ausência de u m a cosmovisão torna insensatez o debate sobre o significado objetivo (Popper, PH, 150ss.). O significado é algo que depende do sistema dentro de u m significado específico, p orém dentro de outro sistema ele pode ter u m significado com pletam ente diferente. Sem u m con texto, o significado não pode ser determ inado, e o con texto é proporcionado pela cosmovisão e não pelos fatos crus isoladamente. Supondo-se que esta crítica esteja correta, tal qual é a nossa opinião, a possibilidade de um a com preensão objetiva da história não fica eliminada. Ao contrário, essa suposição indica a necessidade do estabelecimento de u m a cosmovisão a fim de que se chegue à objetividade. Isto já foi feito an teriorm ente (n o capítulo 2), quando dem onstram os a evidência favorável a u m a cosmovisão teísta. Se isto estiver claro, a estru tu ra metafísica que suporta u m a visão objetiva da história estará posta no seu lugar. Sem esta estrutura metafísica, estarem os sim plesmente argum entando em círculos com respeito à suposta conexão causai e à im portância atribuída dos eventos. Afirm ar que os fatos têm u m a “coerência interna” representa u m vício de argum entação, já que a pergunta real deve ser: “C om o saberemos qual é a coerência certa?” C om o os fatos são organizáveis de, pelo m enos, três m aneiras diferentes (caótica, cíclica e linear), é logicam ente leviano presum ir que u m a delas é a m aneira co rreta pela qual os fatos se torn am , verdadeiram ente, organizados. O m esm o con ju nto de pontos pode ter linhas desenhadas de diversas maneiras. A suposição de que o historiador está sim plesm ente descobrindo (e não desenhando) as linhas é injustificada. O fato é que as linhas, na verdade, não podem ser visualizadas sem que antes tenham os u m a estru tu ra interpretativa através da qual as traçam os. Portanto, o problem a do significado objetivo da história não pode ser resolvido sem apelar para u m a cosmovisão. Depois que o esboço básico é conhecido, é possível con hecer a colocação objetiva (o significado) dos fatos. Entretanto, sem esta estrutura, a história se torn a algo com pletam ente sem sentido. Sem u m a estru tu ra metafísica, não há com o saber quais eventos na história são os mais significativos, e, p o rtan to , tam bém não há co m o saber o verdadeiro sentido destes e de outros eventos no seu con texto m aior. O argum ento de que a im portância é determ inada pelos eventos que influenciam o m aior n úm ero de pessoas é inadequado por várias razões. Esta é u m a form a de Utilitarism o histórico e, co m o tal, está sujeita as mesmas críticas que podem ser feitas ao testes utilitários para aferir a verdade (veja capítulo 7). A m aioria não determ ina o m elhor; tudo o que a grande influência prova
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é a grande influência, e não a grande im portância ou o grande valor. M esm o depois de a m aioria das pessoas ter sido influenciada, poderem os continuar questionando a verdade ou o valor do evento que influenciou esta m aioria. O sentido não é determ inado pelo resultado final, m as pela estru tu ra geral. Obviamente, se considerarm os que, a longo prazo, os eventos que exerceram m aior influência sobre as pessoas são os mais significativos, então esta estru tu ra utilitária, n a verdade, determ inará o significado de u m evento. Mas que direito tem os de supor que u m a estru tu ra utilitária prevalece sobre u m a não-utilitária? Aqui, novam ente, é u m a questão de justificar a nossa estru tu ra geral ou cosmovisão. O argum ento levado adiante por alguns subjetivistas é que os eventos passados precisam ser estruturados, do contrário se to rn am incognoscíveis e deficientes. En tretanto, tudo o que esse argum ento consegue provar é que para com preender os fatos é necessário algum tipo de estrutura, senão não fará sentido falar em fatos. A questão que justifica a existência de u m a estru tu ra precisa ser determ inada em o u tra base que não seja m eram en te a dos fatos. Além disso, m esm o que existisse a objetividade dos fatos crus, ela, no m áxim o, nos proporcionaria u m m ero o que a respeito da história. Mas o significado objetivo tra ta dos porquês destes eventos; isto é impossível sem a existência de u m a estru tu ra de significado sobre a qual os fatos possam en contrar u m lugar onde podem fazer sentido. O significado objetivo é impossível sem a existência de u m a cosmovisão. Apesar disso, seguros de que existe justificativa para adotar u m a cosmovisão teísta, o significado objetivo da história se to rn a possível, pois em u m con texto teístico cada fato da história se to rn a u m fato teístico. E m função da ordem factual dos eventos e da conexão causai conhecida dos eventos, surge a possibilidade do significado objetivo. A estru tu ra caótica e a cíclica são eliminadas em detrim ento da linear, e dentro da visão linear dos eventos em ergem as conexões causais co m o resultado do seu co n texto em u m universo teísta. O Teísmo proporciona o esboço sobre o qual a história pinta o quadro com pleto. Os pigm entos dos fatos avulsos assum em u m significado real ao serem misturados co m o esboço teísta. Neste con texto, a objetividade é o m esm o que consistência sistemática; ou seja, a m aneira mais significativa pela qual todos os fatos da história podem ser misturados ao esboço geral do Teísmo é o que realm ente aconteceu — os fatos históricos. Resposta à Suposta Incognoscibilidade dos Milagres M esm o que se aceite a objetividade da história, m u itos h istoriad ores q uestionam os relatos h istóricos que c o n tê m m ilagres, o que rep resen ta mais u m p rob lem a m etafísico p ara o C ristianism o. Esta rejeição secu lar das histórias m ilagrosas n o rm a lm e n te se baseia no princípio da analogia de T ro eltsch , e este arg u m en to acaba se to rn an d o sim ilar à objeção que H u m e levan ta c o n tra os m ilagres, a qual se baseia n a uniform id ade da n a tu re z a (v eja cap ítu lo 3). David H u m e arg u m en tav a que n e n h u m testem u n h o a respeito de supostos m ilagres deveria ser aceito se contradissesse o te ste m u n h o u n ifo rm e da n a tu re z a ; e de m an eira sem elh an te, T roeltsch rejeitava qualquer even to específico no passado que n ão fosse an álogo à exp eriên cia u n ifo rm e do p resen te. En tretan to, existem pelo m enos duas razões p ara rejeitar o argum ento da analogia de Troeltsch. Primeiro, co m o C. S. Lewis com en tou de m aneira perspicaz:
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Se admitimos a existência de Deus, não devemos também admitir a existência de milagres? Na verdade, na verdade, ninguém está totalmente seguro contra eles. Aí está a proposta [...] A teologia diz para você, objetivamente: “Admita a existência de Deus e com Ele o risco de aceitar alguns milagres também, e, em troca disso, ratificarei a sua fé em uniformidade, com relação à maioria esmagadora dos eventos” (Lewis, M, 109). U m m ilagre é u m ato especial de Deus. Se Deus existe, os seus atos se to rn am possíveis; p ortan to, qualquer suposto procedim ento histórico que exclui os milagres é espúrio. Segundo, o princípio de Troeltsch co m eça co m u m argum ento viciado em um a interpretação naturalística dos eventos (veja capítulo 3) — u m a predisposição à exclusão m etodológica da possibilidade de aceitar o elem ento m iraculoso na história. O testem unho a favor da regularidade em geral não é, de form a algum a, u m testem unho con tra u m evento in com u m específico; os casos são diferentes e devem ser avaliados desta form a. C om o já dem onstram os, as generalizações empíricas (p or exem plo: “Os hom ens não ressuscitam após a m o rte ”) não devem ser usadas co m o u m con tra-testem u n h o aos bons relatos de testem unhas oculares a favor de que, em u m caso específico, alguém tenha tornado à vida após o falecim ento. As evidências históricas a favor de qualquer evento histórico particular devem ser analisadas a partir dos seus m éritos próprios, sem levar em con ta generalizações a respeito de outros eventos. Existe ou tra objeção ao argum ento do tipo analogia elaborado p or Troeltsch: Ele levanta coisas demais. C om o já vimos, co m o Richard W hateley (1787-1863) convincentem ente argum entou, se tom ássem os p o r base esta suposição uniform izante além dos milagres, não som ente os milagres seriam excluídos, mas m uitos outros eventos incom uns do passado, inclusive aqueles que dizem respeito aN apoleão Bonaparte (17691821) (W hateley, HDCENB, obra com pleta). Ninguém pode negar que a probabilidade con tra as conquistas de Napoleão era alta. O seu exército prodigioso foi destruído na Rússia, e alguns meses mais tarde ele encabeçou ou tro exército na A lem anha que, da m esm a form a, foi destroçado em Lepzig. Entretanto, os franceses lhe forneceram mais u m exército capaz de proporcionar conquistas formidáveis para a França — isto voltou a se repetir por cinco vezes, até que finalmente ele ficou confinado a u m a ilha. Está acim a de qualquer questionam ento o fato de certos eventos da sua carreira m ilitar terem sido altam ente improváveis, mas daí não se pode concluir que deveríamos duvidar da historicidade das aventuras napoleônicas. A História, ao contrário das hipóteses científicas, não depende de princípios universais e reproduzíveis; antes, está calcada na suficiência dos bons testem unhos para eventos específicos e não-reproduzíveis. Se isto não fosse assim, nada poderia ser aprendido a partir da história. È u m erro crasso im portar m étodos uniform izantes da experim entação científica para o cam po da História. A repetibilidade e a generalidade são necessárias para o estabelecimento de leis científicas ou de modelos gerais (dos quais os milagres representariam exceções bem específicas), mas o que se necessita para d em onstrar os eventos históricos são os testem unhos confiáveis a respeito da veracidade destes eventos (veja parte 2, capítulo 26). Assim ocorre co m os milagres — é u m erro injustificável de m etodologia histórica considerar que n enh u m evento in com u m e específico pode ser considerado real, em detrim ento das fortes evidências a seu respeito. O princípio da analogia de Troeltsch destruiria o pensam ento histórico genuíno. O historiador honesto precisa estar aberto à possibilidade de eventos únicos e específicos no passado,
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sejam eles m iracu losos ou não. Ele não deve excluir, apriori, a possibilidade de estabelecer eventos com o a ressurreição de C risto sem u m exam e m inucioso dos testem u nho s e das evidências que a cercam . É in co rreto considerar que os m esm os princípios aplicados nas obras científicas empíricas podem ser tam bém aplicados na ciência forense. C o m o a segunda lida com eventos não-reproduzíveis e que não podem mais ser observados, por p erten cerem ao passado, ela opera nos princípios da ciência de origem, e n ão nos da ciência de operação (v eja Geisler, “O, S ”, in: BECA, 567ss.). Estes princípios não elim in am , mas sim d em onstram , apossibilidade do co n h ecim en to objetivo do passado — seja ele n a Ciência ou n a História. Observações sobre a Natureza dos Milagres e a História E m resposta a estas análises da objetividade histórica dos milagres, é im p ortan te fazer várias observações. Primeiro, os apologistas cristãos, seguram ente, não desejam afirm ar que os m ilagres não passam de u m m ero produ to do processo histórico. O sobrenatural o co rre dentro do histórico, m as não é u m produ to do processo natu ral. O que o to rn a m iracu loso é o fato de o processo n atu ral sozinho não o explicar; para que isto ocorra, é preciso haver u m a intervenção do reino sobrenatural sobre o natu ral, senão não será u m m ilagre. Isto é p articu larm en te verdadeiro a respeito dos m ilagres do Novo Testam ento (veja capítulo 3), onde os m eios pelos quais D eus realizou os m ilagres são desconhecidos. Segundo, de acordo co m a objetividade da história que acabam os de ver, não existe u m a razão plausível pela qual o cristão deve se render aos teólogos existencialistas radicais n a questão das dim ensões objetivas e históricas de u m m ilagre. C o m o vimos an teriorm en te, os m ilagres não fazem parte do processo n atu ral, sim plesm ente oco rrem dentro de u m m u nd o natu ral. A té m esm o Karl B a rth (1886-1968) fez u m a diferenciação sim ilar quando escreveu: A ressu rreiçã o de C risto , o u a su a seg u nd a vinda [...] n ão são even to s h istó rico s; os h isto riad o res p o d em se assegurar [...] de qu e a no ssa p re o cu p a çã o aqui é co m o ev en to que, e m b o ra se ja o ú n ico a c o n te cim e n to real d en tro da h istó ria, n ão é u m a a co n te cim e n to real da h istó ria ( W G W M , 90). )
Mas, ao contrário de m u itos teólogos existenciais, precisam os preservar o con texto histórico no qual o m ilagre o co rreu , pois sem ele não haverá co m o verificar a objetividade do evento m iracu loso. Os m ilagres têm u m a dim ensão histórica sem a qual n e n h u m a objetividade da história religiosa é possível, e, co m o já foi acim a questionado, a m etod ologia histórica é capaz de identificar esta objetividade (quase com a m esm a precisão que a objetividade científica tam bém o pode) dentro de u m a e stru tu ra aceita de u m m u nd o concebido nos padrões do Teísm o. Em sum a, os m ilagres podem ser mais do que históricos, mas não podem ser m enos do que históricos. Eles som ente serão ob jetivam ente significativos e apologeticam ente úteis se tiverem suas dim ensões históricas. Terceiro, um m ilagre pode ser identificado dentro de u m con tex to em pírico ou histórico tanto de fo rm a direta quanto indireta, tanto de fo rm a objetiva quanto objetiva. U m m ilagre é tan to cientificam ente in co m u m quanto teológica e m o ralm en te relevante. A prim eira característica é reconh ecível de m an eira diretam ente em pírica;
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a segundo é reconhecível som ente indiretam ente, por interm édio do em pírico, no sentido de ser “anôm ala” e evocar algo que vai além dos m eros dados recolhidos no evento. Por exem plo, u m nascim ento virginal é u m a anom alia científica, mas no caso de Cristo isto representou u m sinal que foi utilizado para ch am ar a atenção para aquele bebê com o alguém que era mais do que u m ser hum ano co m u m . As características teológicas e morais de um milagre não são empiricamente objetivas; neste sentido, elas são subjetivamente experimentadas. Isto não significa, en tretanto, que não haja u m a base objetiva para as dimensões morais de u m milagre. U m a vez que este é u m universo teísta (veja capítulo 2), a moralidade está objetivam ente fundam entada em Deus. Portanto, a n atu reza e vontade de Deus são os alicerces objetivos sobre os quais podem os testar se u m evento é ou não é subjetivamente evocativo co m respeito ao que já se sabe acerca de Deus; se não for, não deveríamos crer que este evento é u m milagre. E axiom ático que atos de u m Deus teísta não seriam usados para confirm ar aquilo que não é sua própria verdade. Em resum o, os milagres acontecem dentro da história, mas não são com pletam ente pertencentes a ela. Apesar disso, os milagres tem a sua base histórica — são mais do que nistóricos, mas não m enos do que históricos. Eventos sobrenaturais apresentam dimensões empíricas e supra-empíricas. As primeiras são cognoscíveis de m aneira objetiva, e as segundas têm u m apelo subjetivo para o crente. Mas m esm o aqui existe u m a base objetiva na verdade conhecida e n a bondade de Deus por interm édio da qual o crente pode julgar se a situação em piricam ente anôm ala que exige dele u m a resposta representa ou não u m ato deste Deus verdadeiro e bom . U m a R e sp o sta à O b je çã o P sico ló g ica O utra acusação que n orm alm en te é levantada é a de que os objetivos religiosos dos autores dos Evangelhos, os quais são claram ente evidentes, invalida a sua capacidade de apresentar u m relato histórico objetivo dos fatos. Tanto A. N. Sherwin-W hite quanto Michael G rant já responderam a esta queixa3. Na verdade, u m a versão desta crítica está implícita tan to na crítica de form a quanto na crítica textual, pelas quais se considera que os autores dos Evangelhos estão criando as palavras de Jesus em term os do seu próprio contexto religioso e não relatando-a.s de form a rígida. Esta objeção é inconsistente pelas várias razões4 seguintes. Primeiro, não existe u m a conexão lógica entre o objetivo do au tor e a precisão histórica dos seus relatos. Pessoas sem m otivação religiosa tam bém podem escrever relatos históricos falsos, e pessoas co m m otivação religiosa podem proporcionar relatos nistóricos verossímeis. Segundo, outros autores im portantes do m undo antigo tam bém escreveram as suas ibras com m otivos similares ao dos autores dos Evangelhos. Plutarco (nascido 46 d.C.), p or exem plo, declarou: “O m eu desígnio não era escrever histórias, mas vidas”5 . Terceiro, a form a com o alguns críticos enxergam o Novo Testam ento, ou seja, com o se ele fosse u m a peça com p leta de propaganda religiosa, na verdade, não era conhecida 3 Veja A. N. Sherwin-White, Roman Society and Roman Law in the New Testament, e Miachael G rant, Jesus: An Historians Review o f the -:ivels.
4 As nossas objeções aqui são baseadas principalmente nas fornecidas por Gary Harmas ( “Why I Believe the New
-ísram ent is Historically Reliable”, in: N orm an Geisler, ed., Why I am a Christian, 155-156).
5 Plutarco, The Lives of the
oble Grecians and Romans, in: Great Books of the Western World, Robert Maynard, ed., 541-76.
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no m undo antigo. Sherwin-W hite declarou: “N a historiografia antiga, não estamos familiarizados com este tipo de escrito” ( RSRLNT, 189). Quarto, ao contrário de outros relatos, os Evangelhos foram escritos, no m áxim o, u m a poucas décadas após os eventos. M uitos outros escritos seculares, tais co m o os de Tito Lívio (59/64 a.C-17 d.C ) e de Plutarco, foram registrados séculos depois dos eventos. Quinto, conform e vimos acim a, a confirm ação histórica dos escritos do N ovo T estam ento é surpreendente (veja parte 2, capítulo 23). Portanto, o argum ento de que o objetivo religioso afetou a capacidade do au tor de descrever a história co m exatidão é sim plesmente contrário aos fatos. Sexto, os autores do Novo Testam ento to m am u m cuidado m uito grande ao fazer u m a clara distinção entre as suas palavras e as de Jesus, co m o se pode ver em qualquer edição da Bíblia co m letras verm elhas (veja tam bém Jo 2.20-22; 1 Co 7.10,12; 11.24,25; A t 20.35). Esse ato de dintinguir revela honestidade na sua tentativa de separar o que Jesus disse, de fato, daquilo que representava os seus próprios pensam entos e sentim entos sobre o assunto. Sétimo, apesar do objetivo religioso do Evangelho de Lucas (Lc 1.4; cf. A t 1.1), o au tor declara u m interesse claro n a precisão histórica, que tem sido im ensam ente confirm ada pela Arqueologia (veja parte 2, capítulo 26). Nas suas próprias palavras: Tendo, pois, muito empreendido pôr em ordem a narração dos fatos que entre nós se cumpriram, segundo nos transmitiram os mesmos que os presenciaram desde o princípio e foram ministros da palavra, [portanto] pareceu-me também a mim conveniente descrevê-los a ti, ó excelentíssimo Teófilo, por sua ordem, havendo-mejá informado minuciosamente de tudo desde o princípio, para que conheças a certeza das coisas de que já estás informado (Lc 1.1-4, grifo meu). Oitavo, a existência de predisposição religiosa não é garantia de imprecisão histórica. U m au tor pode recon h ecer a sua própria predisposição e evitar os seus efeitos danosos. Se fosse assim, n em m esm o as pessoas co m predisposições não-religiosas (ou antireligiosas) poderiam escrever relatos fidedignos da história. Mas m uitos alegam ser capazes de fazê-lo. Nono, a confirm ação da historicidade do N ovo Testam ento segue os m esm os padrões utilizados para outros escritos do m undo antigo. Assim, ou esta crítica está errada, ou ela tam bém anula todos os outros escritos históricos que conhecem os. Décimo, se a h isto ricid ad e de u m ev en to deve ser n egad a em fu n çã o de u m a fo rte m o tiv a çã o p o r p a rte do a u to r, co n clu ím o s que p ra tica m e n te to d o s os re la to s de te ste m u n h a s o cu la re s a resp eito do H o lo ca u sto devem ser d esconsid erad os. Mas isto é u m ab surdo, já que estas pessoas são as que nos dão as m e lh o re s evidências. D a m e sm a fo rm a , a p aixão que u m m éd ico te m p a ra salvar a vida do seu p acien te n ão o im pede de fazer u m d iag n ó stico ob jetivo da d o en ça, n e m as m o tiv a çõ e s religiosas de u m a u to r inviabilizam a sua cap acid ad e de fazer u m reg istro p reciso da h istória.
Uma Resposta à Objeção Hermenêutica A objeção h erm en êu tica falha gravem ente em dem onstrar que toda histórica é relativa. Há várias razões básicas que podem esclarecer porque a possibilidade de objetividade histórica não foi — n em pode ser —sistem aticam ente eliminada.
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J Argumento da Relatividade Pressupõe Algum Tipo de Conhecimento Objetivo U m a análise m inuciosa dos argum entos relativistas revelam que todos pressupõem u m conhecim ento objetivo a respeito da história, e isto pode ser visto, no m ínim o, de duas maneiras. Primeiro, eles falam da necessidade de selecionar e preparar os “fatos” da história. Mas se os “fatos” realm ente existem, eles então, co m o fatos que são, representam ilgu m tipo de conhecim ento objetivo a respeito deles m esm os. Afinal de contas, um a coisa é questionar a interpretação dos fatos, mas o u tra com pletam ente diferente é negar que existem fatos da história que podem ser questionados. Por exem plo, é com preensível que a nossa cosmovisão sirva para colorir a m aneira pela qual com preendem os o fato de Cristo ter m orrido em u m a cru z no início do prim eiro século; mas negar que esta é u m a realidade histórica é algo com pletam ente diferente (veja Volume 2, capítulo 26). Segundo, o simples fato de os relativistas acreditarem que qualquer cosmovisão que sirva de m oldu ra para a form a co m o enxergam os a história pode distorcê-la sugere que existe u m a form a co rre ta de enxergá-la. Senão, co m o saberíamos que algumas das visões possíveis são distorcidas? O fato de algumas visões serem incorretas (não corretas) sugere a existência de u m a visão correta. Isto nos encam inha para a próxim a crítica. 0 Relativismo Histórico Absoluto E Autodestrutivo A bem da verdade, o Relativismo absoluto (seja ele histórico, filosófico ou m oral) é autodestrutivo. Pois, co m o poderíam os saber que a História é com pletam ente m cognoscível, se não sabemos algo a seu respeito? C om o poderíam os saber que todo conhecim ento histórico é subjetivo, se não tem os u m p ouco de con hecim en to objetivo a seu respeito? Na verdade, o Relativismo absoluto é obrigado a estar firmado sobre o pináculo do seu próprio Absolutismo, para que, a partir daí, possa relativizar tudo o mais. A alegação de que toda história é subjetiva acaba sendo u m a afirm ação objetiva a respeito da história. O Relativismo histórico absoluto dá um tiro no seu próprio peito. Ironicam ente, u m dos relativistas mais notáveis da história, acabou, posteriorm ente, nos deixando u m a das m elhores críticas que se conhece ao próprio relativismo. Vejamos o que escreveu Charles Beard (1874-1948): A crítica contemporânea demonstra que o apóstolo do relativismo está destinado a ser destruído pela criação da sua própria mente. [Pois] se todas as concepções históricas são meramente relativas aos eventos que ocorrem [...] então a própria concepção de relatividade passa a ser, ela mesma, relativa [...] [Em suma,] o apóstolo do relativismo certamente será executado por sua própria lógica (in: Meyerhoff, ed., PH, 138, grifo adicionado). Obviamente, algumas pessoas poderão alegar que o conhecim ento histórico não é totalm ente, mas só parcialm ente, relativo. Quanto a este ponto de vista, os objetivistas percebem duas coisas. Primeiro, que eles adm item que a História, pelo m enos parte dela, é objetivamente cognoscível, e que, p ortan to, não pode ser eliminada, a princípio, a possibilidade de as alegações cristãs serem historicam ente cognoscíveis. Segundo, co m o as evidências históricas a favor das verdades centrais do Cristianismo são historicam ente mais consistentes do que as de qualquer ou tro evento no m undo intigo, tam bém fica claro que u m a visão relativista parcial não elimina a verificabilidade rústórica do Cristianismo. Em sum a, o Relativismo histórico absoluto é autodestrutivo, e o Relativismo histórico parcial admite as verdades historicam ente verificáveis.
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Os Próprios Relativistas Históricos Tentam Escrever História Objetiva O u tra in con sistên cia no Relativism o h istórico é que os seus p róp rios arau to s ten tam escrever suas versões objetivas da história. Por exem p lo , m esm o sendo o ap óstolo do Relativism o h istó rico , Beard te n to u escrever a sua p ró p ria “obra cien tífica” sobre a “essência da h istó ria” (veja M eyerhoff, PH, 200-01). Beard acred itava que a sua co m p reen são da C o n stitu ição “era objetiva e fa ctu a l” (ibid., 190-96; 201-01). A Capacidade de Discernir a História Falsificada Implica o Conhecimento Objetivo O utro ponto desconsiderado é que a própria capacidade de d etectar os relatos históricos ruins, p or si só, é u m a admissão tácita de que a objetividade é possível. Ernest Nagel (1901-1985) declarou que “o simples fato de o pensam ento tendencioso poder ser detectado, e as suas fontes, investigadas, d em onstra que o caso das explicações objetivas da história não é necessariam ente inútil” (in: Meyerhoff, ibid., 213). Em outras palavras, o simples fato de conseguirm os perceber que algumas histórias são m elhores do que outras revela que precisa haver, necessariam ente, algum tipo de com preensão objetiva dos eventos pelos quais este julgam ento é feito. Os Historiadores Empregam Padrões Objetivos Normais A exem plo do que o co rre co m a Ciência, a História em prega medidas indutivas norm ais que geram os fatos cognoscíveis. C o m o observou W. H. Walsh: “As conclusões históricas precisam estar apoiadas por evidências tal qual as conclusões científicas” (in: Gardiner, TH, 301). Assim, acrescenta Beard: “O historiador [...] vê a doutrina do relativism o ru ir diante da fria luz do con hecim en to h istórico” (in: Meyerhoff, PH, 148). A té m esm o Karl M anheim , a quem Patrick G ardiner ch am ou de “o mais determ inado proponente do relativismo histórico na nossa época”, observou: “A presença das preocupações subjetivas não im plica a renúncia do postulado da objetividade e da possibilidade de chegar a decisões em disputas factuais” (veja Habermas, “PHHRHE”, in: B aum an, EA, 105).
ALGUMAS OBSERVAÇÕES GERAIS ACERCA DA OBJETIVIDADE HISTÓRICA Existem várias conclusões gerais que podem ser tiradas desta análise a respeito da controvérsia subjetividade/objetividade. Primeiro, a objetividade absoluta som ente é possível para u m a M ente infinita. As m entes finitas precisam se con ten tar co m a consistência sistemática, isto é, tentativas honestas, mas passíveis de revisão, que visam reconstruir o passado co m base em u m a estru tu ra estabelecida de referência que incorpore de form a exaustiva e consistente todos os fatos em u m esboço geral, que é proporcionado pela nossa cosmovisão. E claro que, se há u m a boa razão para acreditar que esta M ente infinita existe (e, de fato, há — veja capítulo 2), e se esta M ente infinita (Deus) se fez revelar (veja capítulo 4), concluím os que u m a interpretação da história a partir de u m a perspectiva absoluta está disponível (veja parte 2) na Sua Palavra (a Bíblia). LSêgM nJ^m esm osem estaperspectivaabsoluta, u m a in te rp re ta ç ã o ad eq u ad am en te ob jetiva da h istó ria é possível, pois, c o m o ficou d e m o n stra d o aqui, o h isto riad o r p od e ser tã o ob jetivo q u an to o cien tista. N em os geó lo g o s n e m os h isto riad o res
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têm acesso d ireto ao dados c o m p le to s sobre os even tos rep rod u zíveis. A lém disso, am bos p recisam fazer ju ízo de v a lo r n a seleção e n a e s tru tu ra ç ã o do m a te ria l que lhes está disponível. Terceiro, nem o cientista nem o historiador são capazes de atingir o significado objetivo sem fazer uso de algum a cosmovisão pela qual eles com preendam os fatos. E impossível con hecer fatos isolados sem fazer uso de algum tipo de estru tu ra interpretativa; p ortan to, a necessidade desta estru tu ra de significado é crucial para a questão da objetividade. A m enos que resolvam os a questão a respeito de este m undo ser concebido de form a teísta ou não-teísta de m od o independente dos fatos em si, não há co m o determ inar o significado objetivo da história. Se, por ou tro lado, há boas razões p ara acreditar que vivemos em u m universo conform e a cosmovisão teísta, concluím os que a objetividade n a história é u m a possibilidade real, pois u m a vez que o ponto de vista geral esteja dem onstrado, tudo será sim plesmente u m a questão de descobrir a visão da história que é mais consistente co m este sistema m aior. Ou seja, a consistência sistem ática é o teste para a objetividade nas questões históricas, bem co m o nas científicas. RESUM O E CON CLUSÃO Alguns historiadores questionam a existência de u m a base objetiva para a determ inação do passado, e m esm o que esta base existisse os milagres não fariam parte desta história objetiva. Estes argum entos, en tretanto, são falhos. A História pode ser tão objetiva quanto a Ciência. C om o já vimos, o geólogo, da m esm a form a que o historiador, som ente possui evidências secundárias, fragm entadas e irreproduzíveis que são vistas da sua posição estratégica, co m base nos seus valores pessoais e na sua estrutura interpretativa. Mesmo sendo verdadeiro que as estruturas interpretativas são necessárias à objetividade, não é verdade que todas as cosmovisões necessitam ser totalm ente relativas e subjetivas. Na verdade, este argum ento é autodestrutivo, pois advoga com objetividade a respeito da história a afirm ação de que todas as afirmações a respeito da história são necessariam ente desprovidas de objetividade. C om relação à objeção de que a história que faz m enção de milagres não pode ser objetivam ente verificada, dois pontos im portantes devem ser colocados. Primeiro, os milagres podem o co rrer dentro do processo histórico sem que façam parte desse processo natural (veja capítulo 3). Segundo, as dimensões m oral e teológica dos milagres não são com pletam ente subjetivas. Elas dem andam resposta subjetiva, mas existem padrões objetivos de verdade e bondade (de acordo co m a visão teísta) pelos quais o milagre pode ser objetivam ente analisado. Podemos concluir, portan to, que a p o rta para a objetividade da história e, por conseguinte, para a historicidade objetiva dos milagres está aberta. N enhum tipo de argum entação simplista e viciada baseada no princípio uniform izante da analogia será capaz de fechar, apriori, esta porta. As evidências que apóiam a n atu reza geral da lei científica não podem ser legitim am ente utilizadas para descartar boas evidências históricas a respeito de eventos que, em bora sejam incom uns, são eventos específicos da história. Este tipo de argum ento não som ente está im pregnado de naturalism o nas suas predisposições, co m o tam bém , se for aplicado de m aneira consistente, acabará por inviabilizar a m aior parte da história secular aceita. A única abordagem verdadeiram ente honesta é o exam e m inucioso das evidências a favor de u m evento alegado, a fim de determ inar a sua autenticidade (veja parte 2, capítulo 26).
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CAPÍTULO
DOZE
MÉTODO: O PRESSUPOSTO METODOLÓGICO
A
exem plo de outros tópicos teológicos, o m étodo de fazer Teologia é am plam ente debatido. Todavia, a m etodologia é de vital im portância, porque, n u m sentido m uito
real, a m etodologia determ ina a Teologia. Isto eqüivale a dizer que a form a co m o se faz Teologia determ inará qual será a nossa conclusão teológica a respeito de determ inado assunto. Por exem plo, se a Teologia é feita por interm édio de u m m étodo naturalístico, as conclusões serão, inevitavelmente, naturalistas. Da m esm a form a, se iniciarmos a partir de u m a concepção teísta de Deus (veja capítulo 2) e de u m m étodo aberto ao sobrenatural (veja capítulo 3), as conclusões serão favoráveis ao sobrenatural. A N A T U R E Z A E OS TIPO S D E M ÉT O D O S Há m uitos tipos de m étodos, sendo o mais conhecido de todos o m étodo científico, proposto p o r Francis Bacon (vejapágina 193, sobre o m étodo indutivo). Esta, obviamente, :oi a lógica (co m o m éto d o ) experim ental e indutiva da ciência m oderna, em oposição à lógica dedutiva form ulada p or Aristóteles (veja página 192, m étodo dedutivo). Na prática real, existem m uitos m étodos que têm sido aplicados n a disciplina da Teologia, incluindo-se aqui o indutivo, o dedutivo, o abdutivo, o retrodutivo, o sistemático, o pragm ático, bem co m o outros mais. Prim eiram ente, definiremos cada u m desses m étodos; então, analisaremos se o m étodo se aplica à con stru ção da teologia sistemática e a form a co m o esta aplicação se dá, quando for o caso. U m a doutrina específica — a doutrina das Sagradas Escrituras — será utilizada co m o exem plo. Isto servirá co m o introdução para a parte 2. OS D IV E R S O S TIPO S D E M É T O D O S T E O L Ó G IC O S C om o os m étodos teológicos foram em prestados de outras disciplinas, será útil analisar os principais m étodos de busca da verdade, desde tem pos rem otos até o presente. Apesar de nem todos contribuírem de form a positiva co m a em preitada teológica, não podemos negar que continuam apresentando o seu m érito próprio. O M éto d o R e d u c t i o A b s u r d u m O filósofo pré-socrático Zenão (c. 495-c. 430 a.C .) foi u m discípulo de Parmênides nascido 515 a.C .), o m onista que defendia que nada existia além de u m Ser solitário
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(veja capítulo 2). Para dem onstrar esta tese, Zenão, o discípulo, costum ava reduzir o ponto de vista oponente ao absurdo dem onstrando co m o ele term inava em paradoxo. Por exem plo, suponham os que o tem po, o espaço ou o m ovim ento sejam com postos de partículas reais (co m o faz o Pluralismo); Z enão insistia que, em conseqüência disso, term inaríam os em contradições irremediáveis. Segundo ele, nada conseguiria se m over do p onto A p ara o p onto B, já que haveria u m n úm ero infinito de pontos entre as duas posições, e é impossível transpor o infinito. P ortan to, ao reduzir o pluralismo de seres ao absurdo, ele acreditava que tinha com provado o M onism o (a concepção de que tudo é u m a coisa só). M esm o que a ap licação que Z e n ã o faz do reductio absurdum seja rejeitad a pelos teístas (v eja cap ítu lo 2 ), o m é to d o , tod avia, n ão re p re se n ta u m a afro n ta ao C ristian ism o . N a verd ad e, tra ta -s e sim p lesm en te de u m a a p licação de u m silogism o disju n tivo válido, o qual, m ais tard e, foi d esenvolvido p o r A ristó teles (v eja cap ítu lo 5).
O Método Socrático Este m étodo, batizado co m o nom e do seu proponente inicial, que viveu no quarto século antes de Cristo, poderia ser, mais acertadam ente, cham ado de m étodo dialógico ou m éto d o da interrogação, pois se baseia n a técnica simples de descobrir a verdade p or fazer as perguntas certas. Sócrates (c. 470-399 a.C .) ilustra este m étodo no seu diálogo intitulado Mênon (registrado p o r Platão), u m texto que leva o n om e de u m m enino escravo iletrado que aprende G eom etria a partir das perguntas argutas, lógicas e sistemáticas feitas p or Sócrates. É claro que no con texto socrático este m étodo se baseava na cren ça da reencarnação, e se supunha, por isso, que M ênon teria aprendido estas verdades geom étricas na sua fo rm a pura na vida anterior. Entretanto, h á quem separe esta m etodologia da crença n a reencarnação e a utilize para guiar u m a m ente pelo cam inho da verdade, através da proposição das perguntas certas.
O Método Dedutivo Aristóteles (384-322 a.C .) recebe o crédito por ser o prim eiro a registrar os cânones da lógica dedutiva (n a obra Prior Analytics [Analíticos Anteriores]), pela qual u m a pessoa pode inferir, de m aneira válida, u m a verdade de outras verdades. Estas deduções são feitas por interm édio de silogismos lógicos, que assum em u m a form a categórica, hipotética ou disjuntiva (veja capítulo 5). U m a ilustração de cada u m será suficiente p ara esboçar o m étodo. U m a dedução (silogismo) categórica (incondicional) segue a seguinte estrutura: (1) Se a Bíblia toda é verdadeira, então João 14.6 também é. (2) A Bíblia toda é verdadeira. (3) Conseqüentemente, João 14.6 é verdadeiro —Jesus é o único caminho para Deus. Se as duas primeiras premissas forem verdadeiras, a conclusão tam bém o será, já que ela é conseqüência das duas anteriores. As sete regras dos silogismos categóricos e todas as form as válidas resultantes da sua aplicação são apresentadas em o u tra parte dessa obra (veja capítulo 5).
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U m a dedução (silogismo) hipotética (condicional) segue o seguinte esquem a: (1) S e tod os os h o m e n s são p ecad ores, en tão João ta m b ém é p ecad or. (2) Jo ã o é u m h o m e m . (3) Logo, João é u m p ecad or.
Neste caso, a segunda prem issa atendeu à condição proposta na prim eira premissa, e assim, se a condicional estiver correta, a conclusão deve ser verdadeira. Nesta form a lógica, a conclusão som ente será válida se a segunda prem issa afirm ar a antecedente (sendo a condicional “se” parte integrante dela), ou se ela negar a conseqüente (sendo o “en tão” parte da prim eira prem issa). U m silogismo disjuntivo é u m processo de raciocínio que fu ncion a no fo rm a to ou/ou. Por exem plo: (1 ) O u u m a pessoa está salva, o u está perdida (n ão -salv a). (2 ) Jo ã o n ã o está perdido. (3 ) P o rta n to , Jo ã o está salvo.
U m silogism o disjuntivo som ente chega a um a conclusão de fo rm a lógica se u m a das duas disjunções (as afirm ações que ficam em qualquer u m dos lados do segundo “o u ”) for negada. Em bora Aristóteles tam bém tenha falado de induções, o seu m étodo dedutivo de lógica dom inou as m aiores filosofias dos tem pos antigos, medievais e até m esm o m odernos. O M é to d o In d u tiv o A magia m onopolística da lógica dedutiva foi quebrada quando Francis B acon (15611626) pu blicou a sua nova lógica, em The Novum Organum ( “T h e New O rgan” [O Novo Orgão]). Nela, ele desenvolveu as lógicas indutiva e experim ental, p op u larm ente conhecidas co m o o m étod o científico. Posteriorm ente, Jo h n S tu a rt M ill (1806-1873) deu a elas o fo rm ato que h o je con h ecem os. Existem duas categorias mais abrangentes de indução: a im perfeita e a perfeita. A m aior parte das induções se enquadra n a prim eira, já que, n a prática, é impossível exam inar cada ob jeto específico da sua classe para confirm ar se todos apresentam as m esm as características dos objetos observados. U m a probabilidade elevada é suficiente para exam inar um a grande quantidade destes objetos. Por ou tro lado, u m a indução perfeita o co rre quando cada u m dos indivíduos de u m a classe pode ser e é exam inado. Por exem plo, posso exam inar facilm ente todos os objetos n a m in h a m ala e afirm ar com toda certeza que (por exem plo) todos se tratam de m açãs. As induções perfeitas tam bém são possíveis com respeito ao ensino bíblico, já que a Bíblia con tém u m n ú m ero finito e gerenciável de inform ações. P ortanto, u m alto grau de certeza pode ser alcançado em u m a indução perfeita. O M é to d o C a rte sia n o O filósofo francês René Descartes (1596-1650) desenvolveu u m m étodo de acesso à verdade que inicia pela dúvida m etódica e sistemática. Os seus passos incluem os seguintes:
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(1) Eu duvido, logo, penso. (2) Eu penso, logo, existo. (3) Eu existo, logo, Deus existe (porque sou um ser imperfeito — a saber, um ser que duvida), e o imperfeito implica o Perfeito (Deus), pelo qual sei que (4) Deus existe, e logo o mundo existe (pois um Deus perfeito não me enganaria a respeito da impressão firme e forte que tenho do mundo exterior). (5) Conseqüentemente, eu existo, Deus existe, e o mundo existe (veja Descartes, M). Se ainda restar qualquer dúvida acerca de qualquer u m a destas conclusões, Descartes desenvolveu u m m étodo pelo qual se poderia chegar à certeza. Os passos são os abaixo: (1) A regra da certeza: Somente idéias indubitavelmente claras e distintas devem ser consideradas verdadeiras. (2) A regra da divisão: Todos os problemas devem ser reduzidos até a sua fração mais simples. (3) A regra da ordem: Todo o pensar deve avançar do simples em direção ao complexo. (4) A regra da enumeração: Devemos revisar e reavaliar cada passo do argumento (veja Descartes, DM). Desta form a, Descartes acreditava que não som ente poderíam os chegar à verdade, m as que tam bém poderíam os con hecê-la co m toda a certeza. M esm o sem a necessidade de aceitar todas as conclusões dele, o seu m étodo, que utiliza afirmações auto-refutantes, e as suas regras, que levam a u m m aior grau de certeza, são úteis ao teólogo.
O Método Euclidiano Euclides (final de 300 a.C .) desenvolveu u m sistema de geom etria que se inicia co m certas definições e certos axiomas básicos tidos co m o auto-evidentes (p or exem plo, duas linhas paralelas n un ca se en contram ). Destas afirmações básicas, outros postulados e teorem as foram deduzidos de form a lógica e sistemática; p o r exem plo, o Teorem a de Pitágoras—a hipotenusa ao quadrado é igual à som a do quadrado dos catetos (A2+ B 2= C 2). Isto pode ser deduzido ao observarmos o exem plo de u m triângulo retângulo que apresente u m dos lados co m 3 cm , o ou tro co m 4 cm , e o terceiro (o lado oposto ao ângulo reto, cham ado de hipotenusa) co m 5 cm , o que levaria a 3 x 3 = 9 + 4 x 4 = 1 6 (que somados totalizam 25) e a u m a hipotenusa de 5 x 5 = 2 5 cm . Esta capacidade de deduzir estes valores co m precisão não som ente proporcionou certeza, co m o tam bém gerou u m a contribuição valiosa para a Arquitetura e para a Engenharia. Este m étodo dedutivo euclidiano foi utilizado nos tem pos m odernos pelo grande racionalista e filósofo Bento (B aru ch ) Spinoza. Ele desenvolveu u m sistema filosófico com pleto, inclusive as provas para a existência de Deus, bem co m o as descrições da criação e da n atu reza dos seres hum anos, do livre-arbítrio e da ética (veja Spinoza, £). Do racionalismo dedutivo, Spinoza tam bém deduziu a impossibilidade dos milagres, e iniciou o prim eiro esforço sistemático em direção à alta crítica negativa da Bíblia ( TFT). Este m étodo, quando aplicado de form a dram ática sobre a Bíblia, ilustra que n em todos os m étodos podem ser apropriadam ente utilizados n a Teologia evangélica, em especial os que con têm implicações anti-sobrenaturais (veja capítulo 3). Todavia, u m a vez que tem os premissas universais tan to da revelação geral quanto da especial (veja capítulo 4), a lógica dedutiva é útil p ara chegar a outras conclusões.
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O M éto d o T ra n s c e n d e n ta l O filósofo agnóstico Im m anuel Kant (1724-1804) recebe os créditos p o r desenvolver u m m étodo transcendental (Kant, CPR). U m argum ento transcendental não é nem dedutivo n em indutivo; ele é mais redutivo, questionando de form a regressiva até os pressupostos necessários para que algo seja o caso. O m étodo transcendental busca atingir as condições necessárias para u m estado específico das questões, e não a causa atual delas. Os pensadores evangélicos utilizam esta m etodologia tanto na sua form a m ínim a quanto n a m áxim a. Na categoria m áxim a, ela foi utilizada por Cornelius Van Til e os seus seguidores co m o form a de m étodo apologético ( IDF, 100-101). Dessa form a, eles afirmavam que para que pudéssemos com preender este m undo de form a sensata, seria necessário postular a existência do Deus triuno, tal com o Ele é revelado na Bíblia, com o a condição necessária (em bora não suficiente) para que este m undo faça sentido1. Alguns apologistas cristãos tam bém fizeram uso da categoria m ínim a do argum ento transcendental. John C arnell, p o r exem plo, utilizou-a para defender o princípio da nãocontradição, insistindo que precisaríamos postulá-la co m o condição absoluta para todo o pensar, pois, de ou tra form a, n en h u m a form a de pensam ento seria possível (C arnell, IC A , 159). O M é to d o A b d u tiv o Charles Sanders Pierce (1839-1914) recebe os créditos pelo desenvolvimento do m étodo abdutivo (veja PSM). Ele não é nem dedutivo (que argum enta do geral em direção ao específico) nem indutivo (que argum enta do específico em direção ao geral). Em vez disso, um a abdução é m uito mais parecida co m u m a com preensão ou u m raio de intuição que nos proporciona um m odelo de fazer Ciência ou Teologia, conform e o caso. As vezes, esta abdução vem com o um a intuição inteligente, e outras, co m o um sonho ou u m a visão. O pai da filosofia racional moderna, René Descartes, recebeu a sua compreensão a partir de um sonho que teve, no qual um h om em vendia melancias. O cientista Nikola Tesla (1856-1943) teve a sua idéia do funcionam ento interno de u m m o to r de corrente alternada a partir de um a visão que teve ao ler o poeta Goethe. Friedrich August Kekulé (1829-1896) teve a idéia do m odelo científico da m olécula de benzina ao imaginar u m a cobra m ordendo o seu próprio rabo. N orm alm ente, um a abdução vem da aplicação do m odelo estudado em um a disciplina na outra (veja Ramsey, MM). As vezes, o modelo é abduzido a partir da nossa concentração no problema que tem os à m ão. Independentem ente da fonte do m odelo, ele não é nem deduzido de premissas anteriores nem induzido por dados preliminares; ele é simplesmente u m a com preensão inteligente da situação. A Teologia, a exem plo de outras disciplinas, utiliza as abduções de form a m uito produtiva, derivando delas m odelos pelos quais a Bíblia pode ser corretam en te interpretada. O M é to d o R e tro d u tiv o O m étodo retrodutivo é o m étodo de enriquecim ento. Da m esm a form a que u m a bola de neve junta cada vez mais neve ao rolar pela encosta da m on tan h a, um a retrodução na Teologia o corre quando com preensões adicionais são adquiridas a 1 C om o ilustração, a condição necessária para que folhas peguem fogo é que estejam secas, mas a condição suficiente é um fogo que consiga levá-las à combustão.
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partir de conhecim entos posteriores. Dessa m aneira, quanto mais con hecem os sobre u m assunto, m elh or sabemos o que conhecem os. Por exem plo, cada vez que lem os a Bíblia, adquirimos u m a m elh or com preensão do que já sabíamos sobre ela. De m aneira sem elhante, quanto mais aprendem os, m elhor com preendem os o que já com preendíam os, independentem ente do assunto. As vezes, este m ovim ento é descrito co m o u m círculo, só que este é considerado u m círculo virtuoso, não u m círculo vicioso2; n a disciplina da interpretação, ele é cham ado de “círculo h erm en êu tico ”. Este é o processo pelo qual se com preende o todo à luz das partes e as partes à luz do todo. Obviamente, cada vez que investigamos as partes, experim entam os u m acréscim o retrodutivo ao nosso conhecim ento do todo.
O Método Analógico Joseph B utler (1692-1752) é mais conhecido pela sua fam osa obra Analogy o f Religion (Analogia da Religião) (c. 1736), em que ele defende o Cristianismo co n tra o Deísmo, mais especificamente o Deísmo proposto p or Anthony Ashley C ooper (1671-1713), o terceiro Conde de Shafterbury, que escreveu Characteristics o f Men, Manners, Opinions, Times (Características dos Hom ens, dos Modos, das Opiniões e das Épocas) (1711), e por M atthew Tindal (c. 1655-1733), de cuja pena brotou a obra Christianity As Old as The Creation (Cristianism o: Tão Antigo Quanto a C riação) (1730). Butler foi influenciado por u m contem porâneo seu, h o m em mais velho, de n om e Samuel Clarke (1675-1729), que foi discípulo de Isaac N ew ton (1642-1727) e u m defensor da fé cristã. O conhecido livro Analogy o f Religion é u m a apresentação da plausibilidade do Cristianismo em term os de u m a analogia entre a religião revelada e a religião natural. 0 Uso da Probabilidade De acordo co m a base empírica do nosso conhecim ento e da natureza limitada da ciência, Butler argum entou que o nosso conhecim ento da natureza é som ente provável. A partir disso, ele chegou a duas conclusões na defesa do Cristianismo. Primeiro, é que, sendo este o caso, “estamos sempre na posição de aprendizes em potencial, e, portanto, jamais podem os postular o que sabemos a respeito da natureza com o o padrão para julgar o que é natural” (R urak, “BA”, in: A IR ). Segundo, a probabilidade, que é o guia da nossa vida, apóia a crença em u m a revelação sobrenatural de Deus n a Bíblia e nos milagres de Cristo. A Objeção ao Deísmo Butler direcionou o seu ataque co n tra o deísta Tindal, que argum entava: “Existe um a religião n atu ral e u m a razão escrita no coração de cada u m de nós desde a criação, por interm édio da qual a hum anidade precisa julgar a verdade de qualquer tipo de religião institucionalizada [...]” que possa vir após ela (A R , 50). Para os deístas, que rejeitam as Sagradas Escrituras co m o revelação sobrenatural por causa das suas dificuldades, B utler responde: Quem crê que as Sagradas Escrituras procedem daquele que é o Autor da natureza, também pode esperar encontrar nela o mesmo tipo de dificuldade que é encontrada na 2O círculo vicioso é a falácia da argum entação viciada desde o princípio. O círculo virtuoso assem elha-se mais a um a espiral ascendente, pela qual a nossa com preensão é continuam ente m elhorada pelo acréscim o contínuo de conhecim ento.
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co n stitu içã o da n a tu reza. [Portanto,] q u em n ega qu e as Sagradas E scritu ras p ro ced em de D eus, e m fu n çã o destas dificuldades, pode, p ela m esm íssim a razão, n eg ar que o m u n d o foi ta m b é m criad o p o r E le (A R , 9-10).
C om o os deístas adm item a segunda possibilidade, tam bém não deveriam negar a primeira. C om o observa Jam es R urak: "T an to a religião n atu ral quanto a revelada serão avaliadas pelo m esm o padrão, pela constitu ição e pelo curso da natureza. A religião natu ral não pode ser utilizada com o padrão de ju lg a m en to da revelação” ( “BA ”, in: A T R , 367). Existe u m a analogia entre ambas. Uma Religião Deve Ser Julgada de Forma Completa
O utro resultado do argum ento análogo de B u tle r é que u m sistem a religioso precisa ser julgado com o u m todo, não sim plesm ente a p artir dos ataques levantados con tra algum as de suas partes específicas, com o os deístas são propensos a fazer. Q uando este padrão fosse aplicado ao Cristianism o, B u tler acreditava que ele revelaria a existência de u m “A u tor e G overnador Inteligente da natu reza, [e] a hum anidade é cham ada a viver em u m estado fu tu ro; que todos serão recom pensados ou pu nid os” (A R , 16-17). A Relação da Revelação Natural e Sobrenatural
B u tler concorda com os deístas em que Deus é o A u tor da natu reza e que o C ristianism o con tém um a re-publicação desta revelação original na criação. E ntretan to, o Cristianism o, m esm o sendo um a revelação sobrenatural, tam bém é mais do que isso, e ele explica co m as suas próprias palavras: A essência da religião n a tu ra l pode ser en ten d id a c o m o o resp eito religioso ao “D eu s Pai T od o P o d eroso”: e a essência da religião revelada, em d istinção à n a tu ra l, c o m o o respeito religioso ao “F ilh o ”, e ao “E spírito S a n to ”.
A D efesa dos Milagres
B u tler dedicou o seu segundo capítulo ao assunto da “suposta presunção contra u m a revelação que é considerada m iracu losa”. N um resum o feito por ele m esm o do argum ento (n a m argem da obra), ele insiste: I. Q u e n ão existe suspeita, a p artir da analogia, co n tra o E squ em a cristão geral; pois (1 ) m e sm o qu e este n ão se ja reco n h ecív el pela razão, o u p ela exp eriência, so m e n te c o n h e ce m o s u m a p eq u en a p arte de u m to d o m u ito vasto; (2) m esm o qu e seja d iferen te do cu rso n o rm a l da n atu reza, (a) o d esco n h ecid o pode n ão ter, em tod os os lugares, a aparência do co n h ecid o ; (b ) às vezes ta m b ém ob servam os as d iferenças na n atu reza; (c ) a d iferen ça alegada n ão é co m p leta . A ssim , n e n h u m a suspeita pode ser levantad a c o n tra o esq u em a geral do C ristian ism o , q u er o co n sid erem o s m ilag ro so ou não.
A lém disso, II. Q u e n ão existe suspeita c o n tra u m a rev elação p rim itiva, pois (1) u m milagre é relativo ao cvrso da n a tu reza. (2) a revelação pode m u ito b em ter se seguido a C riação , que é
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um fato admitido. (3) O milagre posterior não representa uma dificuldade adicional. (4) A tradição declara que a religião foi revelada primeiro. III. Que não existe suspeita a partir da analogia contra os milagres nos tempos históricos, pois (1) não temos um caso paralelo de um segundo mundo decaído; (2) especificamente falando, (a) existe uma suspeita contra todos os fatos alegados antes de um testemunho, não depois dele. [E] (b) as razões favoráveis às intervenções miraculosas podem ter aparecido há 5.000 anos atrás. (c) a necessidade humana por direção espiritual é uma destas razões, (d) os milagres [são] comparáveis a eventos extraordinários, contra os quais sempre existe algum tipo de suspeita. Dessa forma, (i) os milagres não [são] inacreditáveis. [De fato,] (ii) em alguns casos, [eles são,] apriori, prováveis, (iii) Em nenhum dos casos, existe algum tipo de suspeita específica contra eles (AR, 155-61). Butler acrescenta: Diante de tudo isso, concluo que não existe uma suspeita contra os milagres que chegue ao ponto de torná-los inacreditáveis; que, pelo contrário, a nossa capacidade de discernir as razões para estes milagres apresenta uma credibilidade positiva a estes relatos, nos casos onde estas razões se aplicam; e que não está, de forma alguma, garantida a existência de qualquer suspeita específica de qualquer espécie, a partir da analogia, até mesmo em grau muito pequeno, contra os milagres, como eventos distintos de outros fenômenos [naturais] extraordinários (AR). Em sum a, pela analogia co m a natureza, os milagres tan to são críveis quanto, apriori, prováveis. Uma Avaliação da Visão de Butler sobre os Milagres Por questão de lim itação de espaço, não poderem os fazer u m a avaliação com pleta da apologética de B utler; en tretanto, algumas coisas exigem u m com entário, neste m om en to. Pelo lado positivo, em função do con texto, B utler fez u m a im portan te defesa do Cristianismo con tra o Deísmo. A rgum entando a partir das premissas deístas da revelação natural, ele dem onstrou que não havia n en h u m a suspeita específica co n tra o Cristianismo. Posteriorm ente, ao reduzir o teste da verdade da certeza absoluta à probabilidade razoável, ele to rn o u o labor apologético u m tan to mais leve. Independentem ente da avaliação que façam os dos resultados alcançados, B utler deve ser respeitado pela sua tentativa racional de defender o Cristianismo co n tra os ataques dos críticos naturalistas. Pelo lado negativo, B utler tem sido alvo de críticas tan to de direitistas quanto de esquerdistas. Do ponto de vista de u m apologista clássico, B utler enfraqueceu desnecessariamente o argum ento cosm ológico mais forte (veja capítulo 2) para favorecer o argum ento da u m a probabilidade m en o r a partir da analogia. Além disso, alguns naturalistas insistem que o argum ento de B utler a favor dos milagres está baseado em u m a falsa analogia, p o r duas razões. Primeiro, “a suspeita contra os milagres não é sim plesmente u m a suspeita co n tra u m evento específico, mas con tra u m tipo de evento que se alega o co rre r”. Segundo, considera-se inválida a com paração co m eventos extraordinários da natureza, “pois, no caso destas forças, se o co rrerem
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os m esm os antecedentes físicos, as m esm as conseqüências se darão; e a verdade a este respeito poderá ser verificada p o r exp erim entação” (M ossner, B B A R , 161-162). M esm o que esta c rític a p a re ça ju sta , n o caso de alg u m as ilu stra çõ es que B u tle r u tilizo u (p o r e x e m p lo , a eletricid ad e e o m a g n e tism o ), ela n ão se ap lica a todas as singularidades da n a tu re z a . E sp ecificam en te falan d o, ela n ão se ap licaria à te o ria do Big Bang (v e ja ca p ítu lo 2), que é su sten tad a p o r m u ito s cien tistas n a tu ra lista s, já que as co n d ições a n teced en tes (as con d ições antes do Big Bang) era m o n ad a ou o n ão -ser, do qual n ão se pode fazer n e n h u m re la to , n e m fazer q u alqu er tip o de e xp e rim e n tação . A lém disso, B u tle r p arece esta r c o r re to n o lad o n eg ativo do seu a rg u m e n to , em que alega que n ão existe q u a lq u er probabilid ad e a priori c o n tra os m ilagres; n a verdade, ele cria u m a rg u m e n to prim a fa c ie a fav or da sua probabilidade j priori (n o ca p ítu lo 3). Por fim, deve-se n otar que algum as pessoas que fizeram uso do m étod o analógico í com o, por exem plo, Jo h n S tu art M ill) con clu íram que D eus deve ser finito (T E R ). Isto vai diretam ente de en con tro à visão evangélica que preconiza u m D eus infinito em poder e perfeição (v eja V olum e 2, parte 1). Assim, a analogia tam bém tem sido utilizada para fund am en tar sistemas opostos, e, p o rtan to , por m ais que ela seja útil com o defesa e ilustração da verdade, ela não parece ser u m m étod o definitivo, n a fo rm a de teste exclusivo para a veracidade de u m a cosm ovisão. M esm o assim, as analogias são argum entos de fu nd am entação úteis que nos auxiliam na ilustração de verdades fundam entadas em outras áreas.
O Método Dialético O m étod o dialético foi desenvolvido por Karl M arx (1818-1883), a partir do que se considerava a dialética do seu professor G. W. F. Hegel (1770-1831); m as, com o já vimos an teriorm ente, se tratava, n a verdade, de u m sistem a proposto por Jo h a n n G ottlieb Fichte (1762-1814), u m con tem p orân eo de Hegel (veja M euller, “HLTAS”, in: J H I , 19). J m étod o dialético consiste em p rom over o choque de u m a tese com u m a antítese, com o propósito de produzir u m a síntese de ambas. Por exem plo, M arx sustentava que a tese do capitalism o tem o seu contrap on to n a antítese do socialism o, das quais surgiria a síntese utópica do com u nism o. Seguindo o espírito da época, F. C. B aur (1792-1860), da Universidade de Tübingen, tentou aplicar u m a versão deste m étod o no Cristianism o, com o tentativa de explicar a suposta tensão n a igreja do prim eiro século en tre a fo rm a ju d aica do Cristianism o, de Pedro (tese), e a sua fo rm a anti-judaica, de Paulo (antítese), que deu origem à form a conciliatória (síntese), no Evangelho de João, escrito no segundo século. A tragédia é que esta dialética tendia a d eterm inar os fatos em vez de descobri-los, e levou a u m desprezo, e talvez até a u m a rejeição, das evidências que indicam u m a datação m u ito mais antiga para o Evangelho de João (v eja parte 2). O utros estudiosos, co m o Karl B a rth (1886-1968), aplicaram o m étod o dialético na construção da sua teologia. No caso de B arth , era a tese da O rtodoxia con tra a antítese ao Liberalismo, que ele “sintetizou” na N eo-ortodoxia. Aqui, novam ente, o m étod o dialético gerou resultados significativam ente m enos bíblicos e m enos evangélicos, porque, apesar de B arth aceitar u m a visão ortod oxa do nascim en to virginal, da Trindade e da ressurreição corpórea, por exem plo, ele m a n tin h a a visão liberal do universalism o e negava a infalibilidade e inerrância das Sagradas Escrituras.
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O Método Pragmático Apesar de Charles Sanders Pierce ter utilizado o term o
"pragm ático” para
o esclarecim ento das idéias, William James (1842-1910) recebe os créditos pelo desenvolvimento de u m a m etodologia pragm ática para o descobrim ento da verdade. James declarou: A verdade ocorre a uma idéia. Ela se torna verdadeira, ela é feita verdadeira pelos eventos [...] "O verdadeiro", falando deforma sucinta, não passa do expediente na forma do nosso pensar, assim como o “o certo" não passa do expediente na forma do nosso crer (P, 201-202). E m sum a, de acordo co m o pragm atism o, sabemos o que é verdadeiro a partir da constatação de se algo funciona ou não funciona. Em bora poucos recon h eçam que o m étodo pragm ático é o seu teste para a verdade na Teologia, no nível popular ele é largam ente utilizado. O m esm o é verdade para o m étodo a seguir, o da experim entação.
O Método Experimental Junto com James, o “Instrum entalism o” de JohnDewey (1859-1952), mais popularm ente conhecido com o “Experim entalismo”, é u m a contribuição norte-am ericana à disciplina da Metodologia. A partir da perspectiva de Dewey, podemos descobrir a verdade fazendo as coisas, e o veredicto final vem do avanço das nossas experimentações. Neste sentido, esta é um a metodologia baseada no aperfeiçoamento, n a qual o avanço determ ina se as nossas crenças são verdadeiras, ou seja, se elas apresentam valor heurístico ao conduzir a novas conquistas (LT1). E m linguagem popular, Dewey estava querendo nos dizer algo com o: “Não com pre gato por lebre” — algo que tem efeitos devastadores na vida das pessoas (co m o podem os ver no desenvolvimento posterior das experiências co m o sexo e as drogas na nossa cu ltu ra). O resultado não é m enos devastador quando aplicado à Teologia, co m o a religiosidade hum anista e anti-sobrenatural de Dewey dem onstrou (C f).
A LIMITAÇÃO E A NEGAÇÃO DE CERTAS METODOLOGIAS Fica claro, até m esm o a p artir de u m a análise rápida dos vários m étodos de acesso à verdade, que n em todos são compatíveis co m aTeologia evangélica. Algum as observações nos serão pertinentes neste m om en to.
Erros de Categoria Metodológica U m dos maiores livros já escritos a respeito da m etodologia filosófica, m uito do que se aplica ao m étodo teológico, é The Unity o f Philosophical Experience (A Unidade da Experiência Filosófica), de Etienne Gilson (1884-1978). Nesta obra, o au to r dem onstra co m u m a abordagem penetrante os becos sem saída em que alguns pensadores acabaram entrando na história da Filosofia por assum irem u m a m etodologia apropriada a u m a disciplina, m as que se dem onstrou com pletam ente inapropriada para ou tra. Este é o erro clássico de categoria m etodológica. Talvez o mais difundido destes erros nesta nossa época seja o do evolucionismo. A bem da verdade, deixemos claro que consideram os verdade a ocorrência da m icroevolução —
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a sobrevivência do mais apto é u m fato. Tipos específicos de animais podem se adaptar, e acabam se adaptando, a u m am biente em tran sform ação para que possam sobreviver —estas pequenas (m icro ) m u tações são observáveis na natureza. E n tretanto, todos os evolucionistas naturalistas, e m uitos outros, dão aí u m grande salto até a m acroevolução — a hipótese da ancestralidade com u m . O fato de a evolução fu ncionar em pequena escala co m tipos específicos de animais não significa que este m étod o possa ser im posto sobre m udanças em larga escala en tre espécies diferentes de animais3. O que é mais grave é to m ar o m étod o evolucionário, que é baseado em m utações biológicas de pequena escala, e im p ô-lo à com preensão de disciplinas in teiram ente diferentes, tal com o a ética e a religião. A obra The Golden Bough (O R am o D ourado), de Sir Jam es G eorge Frazer, que, em bora se j a u m engano, é considerado literatu ra indispensável, é u m típico exem plo deste erro sério de m etodologia. Frazer (1854-1941) presum iu que a religião se desenvolveu a partir do A nim ism o, passando pelo Politeísm o e H enoteísm o, até chegar ao M onoteísm o. Esta suposição, en tretanto , despreza co m p letam en te as evidências de que o M onoteísm o é anterior a todas as outras form as de adoração (veja M biti, A R P ; Schm id t, H G N A ). M éto d o s A n ti-s o b re n a tu ra lis ta s Está claro que qualquer m étod o que aponte para um a conclusão natu ralista não pode ser utilizado na Teologia evangélica. B en to (B a ru ch ) Spinoza é u m exem plo clássico disso. A sua form a de racionalism o dedutivo im plica o N aturalism o (veja capítulo 3), e a T eolog ia evangélica está baseada no Teísm o (veja capítulo 2), e prossegue sem afirm ar que os m ilagres são impossíveis por se con stitu írem em u m a transgressão de leis naturais irrevogáveis. E ntretanto , com o o Teísm o im plica a aceitação do sobrenatural, e co m o a concepção teísta é de que o m aior de todos os eventos sobrenaturais é ju stam en te a criação do universo a partir do nada, os milagres, au tom aticam en te, passam a ser possíveis. Algum as form as de anti-sobrenaturalism o são mais sutis do que a definição antecipadam ente viciada de Spinoza, de u m a lei natu ral intocável. A historiografia de E rnst Troeltsch serve com o ilustração para este ponto (veja capítulo 11); o seu princípio de analogia é um a fo rm a m u ito mais sutil e im plícita de N aturalism o. C o m o já vimos in terio rm en te, ele argu m enta da seguinte form a: (1) O passado so m en te pode ser reco n stru íd o co m base em analogias de even to s que nos são co n h ecid o s n o p resente. (2) Os even to s h istó rico s p resentes n ão nos p ro p o rcio n a m qu alqu er tip o de even to m ira cu lo so . (3 ) Logo, os even to s m iracu lo so s n ão p o d em fazer p arte de qu alq u er re c o n s tru çã o (h istó ria ) dos even tos passados.
Em resposta, som ente precisam os observar que a com preensão que T roeltsch tinh a i o princípio da analogia histórica era u m a fo rm a de U n iform itarianism o histórico, rois supõe que toda a história precisa ser com preendida sem o elem en to m iraculoso. VejaNorman Geisler e Peter Bocchino, Utishakable Foundations; Michael Behe, Darwins Black Box; e Philip Johnson, Darwin on Trial.
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A lém disso, co m o se adm ite que ele não é u m argum ento co n tra a possibilidade dos milagres (som ente con tra a participação deles em u m a recon strução legítima do que se cham aria “história”), ele im plica u m a reivindicação contra-intuitiva. A exem plo de David H um e, o Unform itarianism o histórico preconiza a descrença nos milagres, m esm o que eles ven ham a oco rrer. Mas é u m absurdo com pleto propor u m m étodo que se recuse a acreditar em u m evento, m esm o que este evento, de fato, o co rra (veja capítulo 3). M étodos desta espécie precisam ser abertam ente rejeitados por u m a teologia biblicamente embasada.
Métodos Incompatíveis O u tras m etod ologias, ainda que n ão sejam an ti-sob ren atu rais, m e sm o assim são incom patíveis co m as cren ças evangélicas. Por exem p lo , o P ragm atism o e o E xp erim en talism o são in com patíveis co m a c re n ça em u m a verdade absoluta; de aco rd o co m o P ragm atism o e o E xp erim en talism o , u m a e a m esm a coisa pode ser utilizável p ara u m a pessoa, m as n ão p ara o u tra . Se é assim, en tão a verdade seria relativa, m as a verdade não é relativa. Tudo quanto é verdadeiro, é verdadeiro p ara todas as pessoas, em todos os tem p os, e em tod os os lugares, o que corresp on d e ao que se quer dizer p o r verdade absoluta (v eja cap ítu lo 7 ). Q ualquer m é to d o do tipo p ragm ático que im plique a relatividade da verdade n ão deve ser em p regad o na T eologia evangélica. Isto não significa, natu ralm ente, que a verdade teológica não seja prática e não possa ser aplicada à vida de alguém ; significa sim plesmente que o m étodo pragm ático não é u m meio legítimo de obter a verdade. Se algum a coisa é verdadeira, será prática, m as o fato de ser prática (utilizável) sim plesmente não a faz verdadeira.
Métodos Inadequados O utros m étodos precisam ser rejeitados por serem inadequados ao assunto a ser tratado, m esm o não sendo anti-sobrenaturais ou incompatíveis co m a fé evangélica. Isto fica claro através da análise de Gilson ( UPE). Considerando-se, p o r exem plo, a aplicação de u m m étodo m atem ático à Metafísica (co m o fez Spinoza), é claram ente u m disparate. A M atem ática é perfeitam ente capaz de lidar co m as entidades abstratas, mas não necessariam ente co m as concretas. Por exem plo, m atem aticam ente falando, existe u m n úm ero infinito de pontos abstratos entre as duas extremidades da m inha estante de livros. Entretanto, não posso guardar u m n úm ero infinito de livros sobre ela, independentem ente do tam an h o deles. Tam bém não é possível guardar u m núm ero infinito de folhas de papel entre estas duas extremidades, independente da finura co m que cortarm os o papel. U m a série m atem ática de pontos (que são abstratos e desprovidos de dim ensão) não eqüivale a objetos reais e concretos. A lógica tradicional é ou tro caso a ser analisado (veja capítulo 5 ) — ela é um a ferram enta perfeitam ente apropriada para descobrir a verdade quando se tra ta de verdades conhecidas, das quais derivamos outras. Mas co m o m étodo de acesso à verdade, por si só, ela é inútil. Ela não foi arquitetada para inform ar sobre a realidade; ela som ente pode processar u m a realidade que lhe é informada. Negligenciar este aspecto significa cair na falácia básica do argum ento ontológico (veja capítulo 2). N en h um a realidade, n em m esm o a divina, pode ser provada som ente pela lógica isolada. Para o argum ento funcionar, precisam os iniciar co m algo que existe; nesse caso, não será mais u m a form a
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de argum ento ontológico, mas u m a form a de argum ento cosm ológico (veja capítulo 2). U m triângulo é u m bom exem plo: Logicam ente falando, u m triângulo precisa ter três lados, três ângulos, e a som a dos seus ângulos precisa chegar a 180°. Entretanto, a lógica, m eram ente, não exige que u m polígono desta n atureza exista, na verdade. A lógica som ente nos inform a que, se u m objeto co m form ato triangular existe, ele deve ter três lados etc. De m aneira sem elhante, a lógica simbólica m od ern a não foi desenvolvida para perguntas do tipo “O que?”, m as som ente perguntas do tipo “C om o?”; ao contrário da lógica tradicional, ela é incapaz de lidar co m substâncias, mas som ente co m relações (vejaV eath, TI). R U M O AO D ESEN V O LV IM EN TO D E U M A M E T O D O L O G IA T E O L Ó G IC A A D EQ U A D A Duas coisas devem ficar claras a partir deste debate: (1) O método deve estar de acordo com o objeto. (2) O método não deve ser contrário aos resultados que ele, supostamente, deve gerar. Poderíamos, ainda, acrescentar u m a terceira: (3) Nenhum método é suficiente para abarcar todos os passos necessários ao desenvolvimento da Teologia evangélica. (Isto ficará óbvio deste ponto em diante.) Passo 1: U m a B ase In d u tiv a n as S ag rad as E s c ritu ra s A Teologia evangélica está baseada na cren ça de que a Bíblia, e som en te a Bíblia, é a única revelação escrita, infalível e in errante da p arte de Deus (a revelação geral não é escrita); co m o resultado, qualquer m éto d o adequado precisa estar baseado em um a exposição salutar das Sagradas Escrituras. Falando de m od o geral, u m a abordagem indutiva que vise à com p reen são do te x to precisa ser feita; ou seja, todas as partes específicas do texto das Escrituras precisam ser exam inadas cuidadosam ente dentro do seu co n texto antes de se poder supor que chegam os a u m a in terp retação adequada (veja capítulo 10). Cada p arte deve ser vista co m o parte de u m todo. D a m esm a form a, o todo deve ser visto co m o aquilo que faz sentido a p artir de cada parte. O método socrático de interrogação pode ser utilizado efetivamente na descoberta do significado de u m texto , pois u m a das m elhores form as de extrair o significado de um a obra literária é levantar perguntas, com o: (1) (2) (3) (4)
Quem escreveu isto? Quando isto foi escrito? Em que lugar o(s) autor(es) estava(m)? A quem ele(s) se dirigia(m)?
(5) O que foi dito (ou feito) de acordo com o texto?4 4 Alguns ainda acrescentariam: (6) Qual(is) o(s) objetivo(s) do que foi dito (ou feito)? Quando especialmente afirmado (não subentendido), o objetivo é ilustrativo quanto ao significado; ele não é determinante do significado (veja capítulo 10).
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Ao fazermos estas perguntas indutivas cruciais, podem os chegar de m aneira mais efetiva ao significado que o au to r desejou expressar no texto. Este m étodo am plam ente indutivo envolve u m passo abdutivo, pois, depois de todas as partes serem estudadas, poderem os ainda receber com preensões intuitivas de co m o as partes se encaixam a fim de form ar o todo. Isto é verdadeiro tan to quando nos referimos a u m a frase (que é a m en or unidade de significado) co m o quando a u m parágrafo, a u m livro com pleto, ou m esm o à Bíblia co m o u m todo (já que os evangélicos crêem na existência de u m a única M ente p o r detrás de toda a Bíblia). Obviamente, a teologia sistem ática não se restringe à exegese geral do texto bíblico. Por u m lado, o ensino de cada passagem precisa guardar u m a correlação co m o restante dos ensinos da Bíblia. Por outro, todos os ensinos da Bíblia precisar estar correlacionados co m todos os ensinos da o u tra revelação de Deus (a revelação geral), co m todas as suas im plicações, inclusive a correlação sistem ática de todo o con hecim en to hum ano (veja passo 7, na página 210). Não estam os falando som ente de u m processo com plexo, mas tam bém progressivo e, por mais que se aproxim e da excelência, jamais perfeito. Todavia, esta é a tarefa que cabe à teologia sistem ática e é a ela que estão dedicados estes quatro volum es. Passo 2: D e d u ç ã o de V erd ad es a p a r tir das S ag rad as E s c ritu ra s Algo que a teologia sistemática faz e que a exegese não consegue fazer sozinha é tirar certas conclusões lógicas a partir de premissas informadas por u m a análise bíblica. Por exem plo, a Bíblia ensina que: (1) Deus é único. (2) Existem três Pessoas que são Deus —o Pai, o Filho (Jesus) e o Espírito Santo. A partir destas inform ações, pode-se, p o r meio da lógica, deduzir que: (3) Existem três pessoas em um único Deus (Deus é uma Tri-unidade ou Trindade) (veja Volume 2). A Bíblia tam bém ensina: (1) Deus não pode errar (Hb 6.18). (2) A Bíblia é a Palavra de Deus (2 Tm 3.16,17; Jo 10.34,35). A partir disso, podem os deduzir que: (3) Logo, a Bíblia não pode errar. M uitos outros ensinam entos das Sagradas Escrituras tam bém podem ser extraídos p or deduções lógicas. Passo 3: O U so de A n a lo g ia s Além de u m a indução do texto bíblico e tam bém de deduções a partir dele, o m étodo da analogia pode ser utilizado para extrair e refinar o nosso entendim ento da verdade
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revelada de Deus. C o m o Deus se revelou tanto n a fo rm a especial quanto na geral, a teologia sistem ática pode fazer uso de analogias de ambas as revelações para ajudá-la na explicação e exposição da verdade. U m a boa analogia pode ser utilizada para explicar com o a Bíblia pode ser tanto a Palavra de D eus quanto a palavra de hom ens. U m a verdade teológica paralela pode ser encontrada nas duas naturezas de Cristo, que habitam na m esm a pessoa, cham ada de união hipostática (v eja V olum e 2, parte 1). Jesus tin h a tan to u m a natu reza divina quanto um a natu reza h u m an a em u m a pessoa que era sem pecado (Hb 4.15). D a m esm a form a, a Bíblia tem tanto u m a natu reza divina quanto h u m an a em u m só livro, todavia sem erro (M t 22.39; Jo 17.17; Jo 10.35). Em outras palavras, a Bíblia é u m livro teantrópico, da m esm a fo rm a que Jesus é u m a pessoa teantrópica5. E claro que n e n h u m a an alog ia é p erfeita, e aqui ta m b é m existem d iferenças. Por exe m p lo , C risto , a pessoa te a n tró p ica , pode ser ad orad o, p o r ser D eu s. E n tre ta n to , apesar de a B íblia ser u m livro te a n tró p ico , ela n ão é D eu s e, p o r isso, n ão pode ser adorada. Algum as vezes, as analogias vêm da natureza. Jesus e outros autores bíblicos se serviram dela e, por isso, a Teologia tam bém pode se valer delas. Leia nov am ente estas palavras de Joseph B u tler: Q u e m crê que as Sagradas E scritu ras p ro ced em d aquele qu e é o A u to r da n atu reza, ta m b ém pode esp erar e n co n tra r n e la o m esm o tip o de dificuldade que é en co n tra d a na co n stitu içã o da n atu reza. [Portanto,] q u em nega qu e as Sagradas E scritu ras p ro ced em de D eus, em fu n çã o destas dificuldades, pode, p ela m esm íssim a razão, negar qu e o m u n d o foi ta m b é m criado p o r Ele (A R, 9-10).
As analogias de o u tras d o u trin as ta m b é m são úteis. P or e x e m p lo , existem triunidades na n a tu re z a que servem para ilu stra r a T ri-u n id a d e de D eu s. O am o r tem u m a “trialid ad e” d en tro da unid ad e, pois ele en volve u m A m an te (o Pai, de q u em o am o r e m a n a ), u m am ado (o F ilh o ) e u m E sp írito de a m o r e n tre am bos (o E sp írito San to ). De m aneira sem elhante, a nossa m en te, as nossas idéias e as nossas palavras são um a coisa só, m esm o que as três sejam d istintam ente diferentes. M esm o que estas não sejam i-ustrações perfeitas, as duas ilustrações da Trindade (am or e m en te) representam três em um ao m esm o tem po. E claro que n em todas as analogias da natu reza são úteis, m esm o que envolvam u m a distinção que envolve três em um . Por exem plo, a água tem três estados: o líquido, o sólido e o gasoso. Mas n o rm a lm en te estes três estados não existem nas m esm as m oléculas, ao m esm o tem po. Assim, esta ilu stração tende a u m a heresia a respeito da natureza de Deus cham ada M odalism o6. Convém lem brar que analogias não servem com o prova de um a doutrina. As doutrinas devem ser ensinadas a partir das Sagradas Escrituras e som en te ilustradas ou apoiadas por ooas analogias.
: Teantrópico significa “que partilha tanto da natureza de Deus quanto da do hom em ” (Webster’s Third New International Dictionary). ' Modalismo é a “doutrina teológica que ensina que os membros da Trindade não são três pessoas distintas, mas três modos, ou :: rmas, de atividade (o Pai, o Filho e o Espírito Santo) sob os quais Deus se manifesta” (Webster’s Third New International Dictionary).
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Passo 4: O Uso da Revelação Geral O u tro passo im p o rta n te no m é to d o teo ló gico c o m o u m to d o é o uso da revelação geral. Deus rev elo u -se a si m esm o n a n a tu re z a p o r co m p le to (SI 19.1; A t 14.17), inclusive n a n a tu re z a h u m a n a (R m 2.12-15). N a verdade, cada u m a das p erfeições da criação , esteja ela onde estiver, é sim ilar (an álo g a) a D eus, já que Ele n ão pode p rod u zir o que n ão te m ; tam b ém não pode dar à sua criação o que n ão te m a o ferecer (veja cap ítu los 4 e 9). E n tre ta n to , existem m u ita s coisas co n h ecid as a p a rtir da re v elação g eral que n ão p o d em ser en co n tra d a s nas E scritu ra s, m as que la n ça m lu z sobre o que está co n tid o nas E scritu ra s. P o r e x e m p lo , c o m o já vim os, a Bíblia fala dos “q u atro can to s do m u n d o ” (A p 7.1; 2 0 .8 ), o que, se n ão fosse p ela in fo rm a ç ã o recebida p o r in term éd io da re v e la çã o g eral a resp eito da esfericidade do p la n e ta , p od eria nos levar a co n clu ir que a Bíblia en sin a que viv em o s n u m p la n e ta q uadrado. A ssim , o ensino cla ro da re v e la çã o g eral p od e ser usado p a ra co rrig ir qualqu er m á in te rp re ta çã o possível da re v e la çã o especial. O u tro e x e m p lo , este m ais d iscu tível, é se a te r ra se m o v e em to r n o do sol o u o sol em to r n o da te rra . C o m o já vim os a n te rio rm e n te , sem o c o n h e c im e n to adquirido pela A stro n o m ia m o d e rn a , desde o trab alh o de N ico lau C o p é rn ico (1 4 7 3 -1 5 4 3 ), n ão e ra difícil in te rp re ta r Josué 10.13 ( “o sol se d e te v e ”) c o m o p o n to de apoio p a ra a co n ce p ç ã o de u m sistem a so lar g e o cê n trico (isto é, te n d o a te r r a c o m o o c e n tro do sistem a). A p a rtir de C o p é rn ico , e n tre ta n to , p a re ce -n o s m ais sábio to m a r a referên cia de Josu é m ais c o m o o c o m e n tá rio de u m o b serv ad o r c o m co n o ta ç ã o n ão m u ito diferente de “n ascen te do so l” (Js 1.15), ou seja, c o m o u m c o m e n tá rio feito a p a rtir da p ersp ectiv a g eog ráfica do a u to r bíblico. As vezes, o inverso é verdadeiro. U m a in te rp re ta çã o científica e rrô n ea da revelação geral largam en te aceita advoga que a m a cro e v o lu çã o é verdadeira. E n tre ta n to , o ensino claro da revelação especial afirm a que D eus criou de m an eira so b ren atu ral certas form as específicas de vida que n ão ev o lu íram a p a rtir de o u tras form as p or in term éd io de processos n atu rais (G n 1.1-27). Assim , o significado d ireto da revelação especial pode ser utilizado p ara co rrig ir u m a m á in te rp re ta çã o da revelação geral. Incluídos n a “revelação g eral”, tam b ém estão os fatos gerados pela observação e pelas várias ciências. P oderíam os in clu ir aqui os m ateriais arq u eológicos, cro n o ló g ico s, históricos e o u tros m ateriais factuais. Por exem p lo , c o m relação à d o u trin a da Bíblia, é relevan te saber que: (1) Não possuímos os manuscritos originais das Sagradas Escrituras. (2) Existem alguns erros nas cópias manuscritas. (3) Precisamos incluir como parte dos fatos conhecidos de fora da Bíblia os chamados dados (ou fenômenos) nela citados. A lista acim a de elem entos conhecidos a partir do exterior da Bíblia é im portante porque toda doutrina das Sagradas Escrituras que apresente con torn os fortes e seja sofisticada precisa levar estes conceitos em consideração, co m o farem os no nosso p róxim o passo, a retrodução. Tam bém é im portante n otar que as inform ações extraídas da revelação geral chegam até nós por interm édio do m étodo científico n orm al, que inclui, em larga escala, a
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indução (veja acim a). É claro que a ciência tam bém pode envolver a experim entaçao, a intuição e até m esm o as deduções. Passo 5: O M é to d o R e tro d u tiv o O passo seguinte a ser trilh ad o em u m m é to d o teo ló gico adequado envolve o uso de todas as in fo rm açõ es adquiridas no passo 4 co m o auxílio no processo de refin am en to, de ênfase e de am pliação do nosso en ten d im en to a cerca do que se deseja atingir nos passos 1 a 3. Para ser específico, to m e m o s c o m o exem p lo a d o u trin a da Bíblia. Eis o que ap ren dem os a respeito da d o u trin a teo ló gica p len a da in errân cia bíblica, passo a passo: 1. A Base Indutiva: (a) Deus não pode errar. (b) A Bíblia é a Palavra de Deus. 2. A Conclusão Dedutiva: (c) A Bíblia não pode errar. 3. O Uso de Analogias: (d) Tal como Cristo era divino e humano e, mesmo assim, sem pecado, também a Bíblia é divina e humana, sem conter erros. (e) Tal como a natureza (a revelação geral de Deus) apresenta dificuldades por ter suas falhas, também a Bíblia (a revelação especial de Deus) apresenta dificuldades. 4. O Uso da Revelação Geral: (f) A terra não é quadrada. (g) O sol não gira em torno da terra. 5. O Método Retrodutivo: (h) O ensino bíblico é enriquecido com a consideração de fatos conhecidos a partir da revelação geral e dos dados (fenômenos) da Bíblia. (i) Existem erros nas cópias manuscritas. (j) A Bíblia utiliza figuras de linguagem e outros mecanismos literários, arredondamento de números, linguagem cotidiana (não-técnica), paráfrases etc. (k) A conclusão dedutiva (ponto c) é compreendida à luz da ampliação gerada pelo método retrodutivo. Por exemplo: (1) A Bíblia é isenta de erros somente no seu texto original, e não em todas as cópias. (2) O arredondamento de números, a linguagem de observador, as figuras de linguagem e as citações parafraseadas não se constituem em erros. Passo 6: A C o r r e la ç ã o S iste m á tica (d e to d a s as in fo rm a ç õ e s e m u m a d o u trin a p le n a m e n te co n s is te n te p o r m eio d o u so das leis da ló g ica q u e in sistem n a n ã o c o n tra d iç ã o e x is te n te em to d a a v e rd a d e ) A Bíblia é a infalível e inerrante Palavra de Deus no seu texto original (não em todas as cópias). De acordo co m u m a boa analogia, ela é co m o Cristo (O Verbo de Deus), no sentido em que ambos têm u m a dimensão hum ana e u m a divina, p orém sem erro. Entretanto, a Bíblia deve ser com preendida levando-se em consideração as formas literárias nas quais ela está expressa, os seus próprios fenôm enos (dados), e de acordo co m a ou tra revelação de Deus n a natureza. E im portante n otar que quando o passo 2 nos afirma: “A Bíblia não pode e rra r”, ficamos diante da dedução lógica da doutrina da inerrância, mas som ente no passo 5
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ficamos sabendo, especificamente, do que isto se trata — o que a Bíblia diz (passos 1 e 2) à luz do que ela mostra. A doutrina das Escrituras precisa ser com preendida levando-se em consideração os dados das Escrituras.
Passo 7: Cada Doutrina Guarda uma Correlação com todas as outras Doutrinas A palavra sistemática n a expressão “teologia sistem ática” sugere que todos os ensinos da revelação geral e os da especial são exaustivos e consistentes. Isto, p o r sua vez, sugere o uso de ou tra m etodologia — a lógica. A tente para o fato de a lei fundam ental de todo pensar ser a lei da não-con tradição, a qual afirma que A é diferente de não-A. Não existem duas ou mais verdades que possam ser contraditórias, o que significa que toda verdade bíblica e extrabíblica deve ser levada em consideração para que tenham os u m todo consistente. Esta consistência precisa ser tan to interna quanto externa. Internam ente, cada u m dos ensinos bíblicos precisa ser logicam ente consistente co m os demais ensinos nela encerrados. Externam ente, n en h u m ensino bíblico pode ser inconsistente co m qualquer u m a das verdades apresentadas n a revelação geral. Deus é o au to r das duas revelações, e Ele não pode se contradizer. Portanto, todas as contradições precisam se situar entre a nossa interpretação de u m a e da o u tra revelação. A princípio, todos os conflitos entre ambas são solucionáveis, e o teólogo sistemático precisa ten tar harm onizar as duas.
Passo 8: Cada Doutrina Deve Ser Expressa Tendo em Vista os Ensinos Ortodoxos dos Pais da Igreja A teologia sistemática é u m a disciplina falível; som ente a Bíblia é o nosso guia infalível de fé e prática. Entretanto, a Teologia não deve ser feita em u m vácuo —da m esm a form a que o nosso horizonte se amplia quando subimos nos om bros de gigantes, tam bém poderem os enxergar mais longe quando nos puserm os nos ombros dos grandes Pais da Igreja. Ignorar a obra destes pais notáveis é u m risco que cada u m co rrerá à sua própria revelia. C om o acontece com as outras disciplinas, todo aquele que ignora o passado está condenado a repetir os seus erros. A séria consideração dos firmes ensinamentos dos Pais ortodoxos da antigüidade é essencial para a construção de um a teologia sistemática evangélica viável no presente. A igreja tem lutado m uito, e durante m uito tem po, co m o entendimento darevelação de Deus, e, com o resultado, as expressões ortodoxas históricas da verdade cristã têm permanecido firmes no teste do tem po. Resumindo, u m a Teologia evangélica adequada precisa ser m oldada no contexto da verdade ecum ênica da igreja cristã ortodoxa histórica. Mesmo que nem tudo o que cada u m dos Pais ortodoxos tenha declarado a respeito de cada u m dos aspectos da Teologia representa a posição teológica da igreja evangélica atual, nenh u m de nós tem o direito de reivindicar ortodoxia sobre qualquer ensino que tenha sido condenado por qualquer u m dos credos, confissões ou concílios ecum ênicos da igreja. De m aneira semelhante, qualquer ensino que não seja mencionado nem nos credos ecum ênicos nem nos concílios ecum ênicos, e que sej a contrário ao entendimento universal dos Pais da igreja, deve ser considerado altam ente suspeito. O ônus da prova caberá a quem quiser sustentar um preceito desta espécie; será preciso apresentar evidências convincentes, claras e fartas a partir das Sagradas Escrituras, que são infalíveis. Estes testes de ortodoxia podem ser resumidos da seguinte form a: (1) O que contraria os credos, os concílios e as confissões ecum ênicas seguram ente não é ortod oxo; (2) O
MÉTODO: O PRESSUPOSTO METODOLÓGICO
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que não é m encionad o nos credos, concílios e confissões ortodoxas, e que é contrário ío entendim ento universal dos Pais da igreja, é, quase que seguram ente, n ão-orto d oxo ; e (3) O que é contrário ao en tend im en to geral dos Pais da ig reja é altam en te suspeito. E dentro destes parâm etros que fazem os uso dos ensinam entos dos grandes teólogos da -greja cristã histórica. Passo 9: A A p licab ilid ad e D ev e S er o T e ste Fin al de u m a T e o lo g ia S iste m á tica O Cristianism o verdadeiro não é m eram en te m etafísico; ele é tam b ém ético. N ão é sim plesm ente teórico; é tam bém prático. O seu objetivo não é sim plesm ente satisfazer a m en te, co m o tam bém m old ar a nossa vida. P ortanto, ele precisa ser aplicável; as suas verdades precisam ser efetivas de m aneira pragm ática. É claro que n em tudo que fu ncion a é, necessariam ente, certo , m as o que é verdadeiro irá fu ncionar. A teologia sistem ática deve nos levar a u m a teologia prática; e quando isto ocorre, u m a visão co rreta de D eus e da sua relação com a criação tran sform ará a nossa vida (v eja V olum e 2). R E S U M O E C O N C LU SÃ O A m etod ologia é cru cial para aTeologia. U m m étod o n ã o-orto d oxo nos leva, de fo rm a lógica, a conclusões não-ortod oxas. U m a m etod ologia inadequada nos levará a u m a teologia inadequada. M uitos dos m étod os desenvolvidos para estudar outras disciplinas não servem para a Teologia —ao m enos para a Teologia considerada evangélica. E os que fo rem adaptáveis devem te r as suas pressuposições anti-sobrenaturais e não-ortod oxas subtraídas. U m m étod o adequado para a Teologia evangélica inclui m u itos passos que em pregam várias partes de outras m etodologias. Não se trata de u m m étod o eclético; antes, de u m a m etod ologia exaustiva que seja consistente com o corpus da Teologia evangélica. Se estes m étodos fo rem utilizados de fo rm a individual, se m ostrarão inadequados, m as quando aplicados com o parte de u m a m etod ologia com pleta, eles terão u m a função im p ortante. Por exem plo, supor que toda verdade vem à to n a a partir do m étod o indutivo é inú til; todavia, a indução (passo 1) é u m elem en to im p ortan te n a descoberta da verdade a respeito da revelação de D eus tan to na natu reza quanto nas Sagradas Escrituras. FO N TES Aristóteles. Posterior Analytics. ________. Prior Analytics. ________. Topics. oehe, M ichael. Darwins Black Box. B utler, Joseph. The Analogy o f Religion. ca rn e ll, Edward J. An Introduction to Christian Apologetics. Dewey, Jo h n . A Common Faith. ________ . Logic: The Theory oflnquiry. Descartes, R ené. Discourse on Method. ________ . Meditations. Prazer, James. The Golden Bough. Geisler, N orm an, e Peter B occh in o. Unshakable Foundations. ■ jils o n , E tienne. The Unity o f Philosophical Experience.
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PAUTE
DOIS
BIBLIA (BIBLIOLOGIA)
SEÇÃO
UM
BÍBLICA
C A P Í T U L O
T R E Z E
A ORIGEM E A INSPIRAÇÃO DA BÍBLIA
A N A T U R E Z A D A IN SPIRA ÇA O BÍBLICA Bíblia alega ser u m livro de Deus e ter u m a m ensagem co m autoridade divina. Na verdade, os autores bíblicos dizem ter sido impelidos pelo Espírito Santo a expressar as Suas palavras —que sua m ensagem chegou até eles por revelação, de fo rm a que as suas palavras foram sopradas (ou inspiradas) pelo próprio Deus.
A
D ois T e x to s B ásicos s o b re R e v e la çã o e In s p ira ç ã o U m resum o a respeito do que a Bíblia alega sobre si m esm a pode ser encontrado em duas passagens principais. Pedro disse que os autores foram impelidos pelo Espírito Santo, e Paulo declarou que seus escritos foram soprados pelo próprio Deus. Portanto, a Bíblia alega que autores movidos pelo Espírito Santo expressaram as palavras inspiradas por Deus. 2 Pedro 1.20,21 declara: Sabendo primeiramente isto: que nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação; porque a profecia nunca foi produzida por vontade de homem algum, mas os homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo. Em sum a, os escritos proféticos (do Antigo T estam ento) não tiveram sua origem nos homens, mas em Deus, que agiu por m eio de alguns hom ens cham ados de profetas de r>eus (veja página 215).
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2 T im óteo 3.16, ou tra passagem clássica do N ovo Testam ento, declara: Toda Escritura divinamente inspirada é proveitosa para ensinar, para redargüir, para corrigir, para instruir em justiça, para que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente instruído para toda boa obra. M esm o que Pedro fale da m ensagem originando-se em Deus, é Paulo quem declara que ela se to rn a a Palavra escrita de Deus. Deus é a sua Causa últim a, e as Sagradas Escrituras são o resultado portador de autoridade. Há num erosas passagens na Bíblia que apóiam a alegação de que a m ensagem da Bíblia veio da parte de Deus, por intermédio de hom ens de Deus, e foi reunida na Palavra de Deus. Examinem os, primeiro, as passagens que falam da inspiração do Antigo Testamento, e então analisaremos as que fundam entam a inspiração do Novo Testamento.
Descrições da Inspiração do Antigo Testamento Em Deuteronômio 18.18, Deus diz a Moisés: “Porei as minhas palavras na sua boca, e ele lhes falará tudo o que eu lhe ordenar”. No seu leito de m orte, Davi também testificou: “0 Espírito do SENHOR falou por mim, eas ua palavra esteve em minha boca” (2 Sm 23.2)1. Deus falou a Isaías sobre as “minhas palavras, que pus m tua boca” (Is 59.21). O segundo livro de Crônicas, no capítulo 34, versículo 14, cita o “livro da Lei do SENHOR, dada pelas mãos de Moisés”. O profeta Zacarias escreveu a respeito de “as palavras que o SENHOR dos Exércitos enviara pelo seu Espírito, mediante os profetas precedentes” (Zc 7.12). De maneira semelhante, em Mateus 22.43, Jesus perguntou: “C om o é, então, que Davi, em espírito, lhe cham a Senhor [?]” (SI 110.1). Pedro se referiu a Deus nos seguintes term os: “ Tu [...] que disseste pela boca de Davi, teu servo [...]” (A t 4.24,25). O autor de Hebreus ainda acrescenta que “[Deus] determina, outra vez [...] dizendo por Davi, muito tempo depois [...]” (Hb 4.7).
Descrições da Inspiração do Novo Testamento Os autores do N ovo T estam ento tam bém consideravam os seus escritos com o Escritura inspirada por Deus. Pedro, referindo-se às epístolas de Paulo, declarou que elas tam bém eram Escrituras (cf. 2 T m 3.16), da m esm a form a que o Antigo Testam ento tam bém o era. Ele escreveu: Também o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada, falando disto, como em todas as suas epístolas, entre as quais há pontos difíceis de entender, que os indoutos e inconstantes torcem e igualmente as outras Escrituras, para sua própria perdição (2 Pe 3.15,16). Paulo cita o Evangelho de Mateus com o sendo Escritura, juntamente com o livro de Deuteronômio do Antigo Testamento, afirmando: “Porque diz a Escritura [em D t 25.4]: Não ligarás abocaaoboiquedebulha. E [e m M t 10.10]: Digno é o obreiro do seu salário” (lT m 5 .1 8 ). Paulo declarou, em 1 Coríntios, que as suas “palavras” são as que o “Espírito Santo ensina” (2.13), pois “Deus no-las revelou pelo seu Espírito” (v. 10). O apóstolo concluí a sua exortação, dizendo: “Se alguém cuida ser profeta ou espiritual, recon h eça que as coisas que vos escrevo são mandamentos do Senhor” (1 Co 14.37). Ele tam bém inicia a epístola aos Gálatas lem brandoos de que a sua pregação vem da parte de Deus: "Porque não o recebi, nem aprendi de homem algum, mas pela revelação de Jesus Cristo" (G 1 1.12). 'A ênfase em todas as citações bíblicas foi acrescentada.
A ORIGEM E AINSPIRAÇAO DA BÍBLIA
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O apóstolo João faz a abertura do livro do Apocalipse co m as palavras solenes: “Revelação de Jesus Cristo, a qual Deus lhe deu” (Ap 1.1), e conclui o livro co m a declaração de que ele é u m profeta (n o m esm o nível que os profetas do Antigo T estam ento): “E dissem e [o anjo]: Olha, não faças tal, porque eu sou conservo teu e de teus irmãos, os profetas, e dos que guardam as palavras deste livro” (Ap 22.9). A N a tu re z a de u m P ro fe ta Os autores bíblicos foram profetas e apóstolos de Deus. Existem muitas designações para u m profeta que nos inform am a respeito do seu papel no desenvolvimento do Livro Sagrado. U m profeta é cham ado:
(1) H om em de Deus (1 Rs 12.22), significando que ele foi escolhido por Deus; (2) Servo do Senh or (1 Rs 14.18), indicando que ele era fiel a Deus; (3) Mensageiro do Senhor (Is 42.19), mostrando que ele foi enviado por Deus; (4) Vidente ( ro’eh), ou “aquele que vê as coisas” ( hozeh) (Is 30.9,10), revelando que o seu ponto de vista era o de Deus; (5) H om em de Espírito (Os 9.7; cf. M q 3.8), dizendo que ele falava pelo Espírito do Senhor;
(6) Atalaia (Ez 3.17), refletindo a sua prontidão diante de Deus; e (7) Profeta (que é o term o mais conhecido), designando-o com o um portavoz de Deus2. Os profetas recebiam a sua mensagem de Deus de várias formas. Alguns recebiam na form a de sonhos (Gn 37); outros, por visões (Dn 7); alguns, por voz audível (1 Sm 3) ou por um a voz interior (Os 1; J11). Outros recebiam revelações de anjos (G n 19), e alguns por intermédio de milagres (Ex 3; Jz 6) ou lançando sortes (Pv 16.33). O sum o sacerdote usava jóias conhecidas com o Urim e Tum im (Ex 28.30). Deus ainda falava com outras pessoas enquanto estas meditavam sobre a sua revelação n a natureza (SI 19). Seja qual for o meio, com o declara o livro de Hebreus: “Havendo Deus, antigamente, falado, muitas vezes e de muitas maneiras” (Hb 1.1). A n atu reza de u m profeta bíblico é descrita em term os bastante vividos: “Falou o Senhor JEOVÁ, quem não profetizará?” (A m 3.8). Ele é aquele que fala “todas as palavras que o SENHOR falara” (Ê x 4.30). N ovam en te, Deus disse: “Porei as m inhas palavras na sua boca, e ele lhes falará tudo o que eu lhe o rd en ar” (D t 18.18). Ele, ainda, acrescentou: “Nada acrescentareis à palavra que vos m an d o, n em diminuireis dela” D t 4.2). Jeremias recebeu o seguinte m an d am en to: “Assim diz o SENHOR: P õe-te no átrio da Casa do SENHOR e dize a todas as cidades de Judá [...] todas as palavras que te m andei que lhes dissesses; não esqueças nem u m a palavra” (Jr 26.2). Em sum a, u m rro feta era alguém que dizia o que Deus lhe dizia para dizer, n em mais n em m enos i o que isso. C om o u m porta-voz de Deus, com prom etido a não acrescentar nem om itir nenhum a das suas palavras, a própria n atureza de u m profeta garante que u m escrito rrofético é exatam ente o que Deus desejou com u n icar à hum anidade. C om o a Bíblia apresentada com o u m escrito profético do princípio ao fim (M t 5.17,18; 2 Pe 1.20,21;
é
Extraído de N orm an Geisler e William Nix, A General Introduction to The Bible, capítulo 4.
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Ap 22.9), concluím os que o registro escrito das profecias era considerado inspirado por Deus. E isso o que o profeta Zacarias quis dizer ao escrever: Sim, fizeram o seu coração duro como diamante, para que não ouvissem a lei, nem as palavras que o SENHOR dos Exércitos enviara pelo seu Espírito, mediante os profetas precedentes; donde veio a grande ira do SENHOR dos Exércitos (Zc 7.12). A bem da verdade, vale dizer que n em todos os profetas eram conhecidos por este títu lo. Alguns eram reis, co m o Davi; todavia, ele era u m p o rta-vo z de Deus — m esm o na condição de rei, ele é ch am ad o de “p rofeta” (em A t 2.29-39). O utros eram legisladores, co m o Moisés; m as ele tam bém foi u m p rofeta ou p o rta-v o z de Deus (D t 18.18). A lguns au tores bíblicos chegavam até a negar o te rm o “p rofeta” (A m 7.14), co m a intenção de dizer que não eram profetas profissionais, co m o Sam uel e o seu “grupo de profetas” (1 Sm 19.20). E n tretan to , m esm o que A m ós não fosse u m profeta p or ofício, ele certam en te era u m p rofeta p o r d om (cf. A m 7.15), pois estava sendo usado co m o u m p o rta -v o z de Deus. N em todos os profetas falavam sem pre no estilo em prim eira pessoa de u m explícito “Assim disse o S en h o r”. Os que escreveram livros históricos — co m o o p rofeta Jeremias, que escreveu Reis — falavam de fo rm a sugestiva “A ssim fe z o S en h o r”. Nestes casos, estes profetas estavam com u n ican d o m u ito mais u m a m ensagem a respeito dos atos de Deus a favor do Seu povo do que as palavras de Deus dirigidas ao Seu povo. Todavia, todos os autores bíblicos foram canais pelos quais Deus transm itiu a Sua m ensagem p ara a hum anidade.
O que a Bíblia Diz, Deus Diz O u tra fo rm a pela qual a Bíblia alega ser a Palavra de Deus é expressa na fórm ula: “O que a Bíblia diz, Deus diz”. Isto fica m anifesto no fato de que freqüentem ente passagens do Antigo T estam ento reivindicam que Deus é quem falou; con tu do, quando estas m esm as passagens são citadas no N ovo T estam ento, este afirm a que “as E scritu ras” é que o disseram. E algum as vezes o oposto é verdadeiro, a saber, que no Antigo T estam ento é a Bíblia que registra o que se diz, m as o N ovo T estam en to declara que foi Deus quem o disse. Considere esta com paração:
O que D eus diz
O que a B íblia diz
Gênesis 12.3 Êxodo 9.16 Gênesis 2.24 Salmo 2.1 Isaías 55.3 Salmo 16.10
Gálatas 3.8 Romanos 9.17 Mateus 19.4,5 Atos 4.24,25 Atos 13.34 Atos 13.35
Salmo 2.7 Salmo 97.7 Salmo 104.4
Hebreus 1.5 Hebreus 1.6 Hebreus 1.7 Hebreus 3.7
Salmo 95.7
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Duas passagens são suficientes para deixar isto bem claro. Considere Gênesis 12.1-3: Ora, o SENHOR disse a Abrão: Sai-te da tua terra, e da tua parentela, e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei. E far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei, e engrandecerei o teu nome, e tu serás uma bênção. E abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as famílias da terra.
Porém , quando esta passagem é citada em Gálatas 3.8, lem os o seguinte: “Ora, tendo a Escritura previsto [...] Todas as nações serão benditas em ti (grifo adicionado). De m aneira sem elhante, em Êxodo 9.13-16, lem os: Então, disse o SENHOR a Moisés: Levanta-te pela manhã cedo, e põe-te diante de Faraó, e dize-lhe: Assim diz o SENHOR, o Deus dos hebreus: Deixa ir o meu povo, para que me sirva [...] mas deveras para isto [Eu, o Senhor,] te mantive, para mostrar o meu poder em ti e para que o meu nome seja anunciado em toda a terra. Entretanto, quando o Novo Testam ento cita esta passagem, ele diz: “Porque diz a Escritura a Faraó: Para isto m esm o te levantei, para em ti m ostrar o m eu poder e para que o m eu nom e seja anunciado em toda a terra” (R m 9.17, grifo adicionado). Com o já vimos, normalmente a ordem é invertida; por exemplo, em Gênesis 2.24, o autor do livro diz: “Portanto, deixará o varão o seu pai e a sua mãe e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos um a carne”. Mas quando esta passagem é citada por Jesus no Novo Testamento, Ele declara: “Não tendes lido que, no princípio, o Criador os fez macho e fêmea e disse: Portanto, deixará o homem pai e mãe e se unirá à sua mulher, e serão dois num a só carne?” (M t 19.4,5). O m esm o acontece co m o Salm o 2.1, onde Davi declara: “Por que se am otin am as nações, e os povos im aginam coisas vãs?”. Mas quando a citação desta passagem é feita em Atos 4.24,25, lem os: “E, ouvindo eles isto, unânim es levantaram a voz a Deus e disseram: Senhor, tu [...] disseste: Por que b ram aram as gentes, e os povos pensaram coisas vãs?”. Ao com en tar este fenôm eno escriturai, B. B. Warfield acertadam ente observou: Seria difícil inventar métodos para mostrar uma profunda reverência pelo texto das Escrituras como sendo a própria Palavra de Deus que não apresentassem como característico dos autores do Novo Testamento o fazer uso do Antigo. Warfield dedicou u m capítulo inteiro a este tipo de citação, e observou: Em uma destas classes de passagens, as Sagradas Escrituras são tratadas como se elas fossem o próprio Deus; na outra, Deus é tratado como se fosse as próprias Escrituras. [Assim,] considerando as duas classes, Deus e as Sagradas Escrituras são trazidos a uma união de forma a mostrar que no nível de autoridade direta não se fazia nenhuma distinção entre ambos ( IA B , 299).
Os Autores Bíblicos Declaram: “Assim Diz o Senhor” Expressões co m o “assim diz o Senhor” (Is 1.11,18; Jr 2.3,5 etc.), “Deus disse” (Gn
13,6 etc.), “a palavra que do Senhor veio a m im ” (Jr. 34.1; Ez 30.1 etc.), ou outras semelhantes, são encontradas centenas de vezes na Bíblia. Elas revelam , acim a de
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qualquer questionam ento, que o a u to r está declarando que fala pela boca do próprio Deus. Só no livro de Levítico, há mais de sessenta e seis ocorrências de expressões com o “o Senhor falou [ou cham ou] a Moisés” (cf. 1.1; 4.1; 5.14; 6.1,8,19; 7.22). O livro de Ezequiel registra u m sem -nú m ero de vezes expressões co m o “eu vi visões”, ou “veio a m im a palavra do S en h or”. Só em u m a pequena p orção do livro (capítulo 12), existem onze exem plos deste tipo (w . 8,10,17,19,21,23,25,26,28 [duas vezes]), e às vezes h á duas citações no m esm o versículo (Ez 20.3). O m esm o o corre co m Jeremias (cf. 1.2,4,11,13; 2.1,3,5 etc.), Isaías (cf. 1.1,11,18,24; 2.1 etc.), bem co m o co m outros profetas. A impressão geral não deixa dúvidas a respeito da fonte original da mensagem .
A Bíblia Declara Ser a “Palavra de Deus” A Bíblia declara ser “a Palavra de Deus” m uitas vezes nestes próprios term os. Jesus disse aos judeus da sua época: “Assim, por causa da sua tradição, vocês anulam a palavra de Deus” (M t 15.6, NIV). Paulo se refere às Sagradas Escrituras co m o os “oráculos de D eus” (R m 3.2, BJ), e Pedro declara: “sendo de novo gerados, não de sem ente corruptível, mas da incorruptível, pela palavra de Deus, viva e que permanece para sempre” (1 Pe 1.23). E o autor de Hebreus afirma: “Porque a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais penetrante do que qualquer espada de dois gum es” (4.12).
A Bíblia Reivindica para si a Autoridade Divina Existem m uitas outras palavras ou frases que a Bíblia utilizapara se auto-descrever que sugerem u m a reivindicação de autoridade divina. Jesus disse que a Bíblia é indestrutível e que ela jamais passará (M t 5.17,18); ela é infalível, ou “não pode ser anulada” (Jo 10.35); ela tem a autoridade final (M t 4.4,7,10); e ela é suficiente para a nossa fé e prática (Lc 16.31; c f .2 T m 3.16,17). A abrangência da autoridade divina da Bíblia inclui: (1) tudo o que está contido nela —2 Timóteo 3.16; (2) até mesmo as palavras por si mesmas —Mateus 22.43; 1 Coríntios 2.13; (3) e os tempos verbais —Mateus 22.32; Gálatas 3.16; (4) chegando até a menor partícula de uma palavra —Mateus 5.17,18. Ou seja, apesar de a Bíblia não ter sido m ecanicam ente ditada por Deus aos homens, o resultado é tão perfeito quanto se tivesse sido. Os autores bíblicos alegam que Deus é a fonte de cada u m a das palavras das Escrituras, j á que Ele m esm o supervisionou sobrenaturalm ente este processo de composição dela, fazendo uso do vocabulário e do estilo peculiares a cada u m dos autores para fazer o registro da Sua mensagem (2 Pe 1.20,21).
O LOCUSD A INSPIRAÇÃO BÍBLICA - VERBAL Várias passagens deixam claro o locus da revelação e da inspiração na Palavra escrita, as Escrituras (gr. graphá), e não simplesmente a idéia, ou mesmo o autor. Observe que nos textos que acabamos de citar as referências são feitas às “Escrituras” reveladas ou divinamente inspiradas (2 Tm 3.16; 2Pe3.16), às “palavras” (1 Co 2.10-13), ao “livro” (2 Cr 34.14), à “sua palavra [de Deus]” (2 Sm 23.2), às “minhas palavras [de Deus]” (Is 59.21), e às “palavras” (Zc 7.12).
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Quando o Novo Testam ento faz m enção ao Antigo co m o Palavra de Deus portadora de autoridade, ele freqüentem ente (cerca de noventa vezes) utiliza a expressão “está escrito” (cf. M t 4.4,7,10). Jesus descreveu esta palavra escrita co m o vinda “da boca de Deus” (M t 4.4). A exatidão das palavras era tão im portante, que Jeremias chega a dizer: Assim diz o SENHOR: Põe-te no átrio da Casa do SENHOR e dize a todas as cidades de Judá que vêm adorar à Casa do SENHOR todas as palavras que te mandei que lhes dissesses; não esqueças nem uma palavra (26.2). Assim, não se tratava simplesmente de u m a m ensagem de Deus sobre a qual os hom ens tinham a liberdade para transm itir nas suas próprias palavras, mas cada um a das palavras era escolhida por Deus. Êxodo 24.4 registra que “Moisés escreveu todas as palavras do SENHOR Além disso, o livro de D euteronôm io acrescenta: “Eis que [Eu, Deus] lhes suscitarei u m profeta do meio de seus irmãos, co m o tu, e porei as minhas palavras n a sua boca, e ele lhes falará tudo o que eu lhe ordenar” (D t 18.18). As vezes, percebemos que até m esm o os tempos verbais são enfatizados por Deus. Jesus disse: “E, acerca da ressurreição dos m ortos, não tendes lido o que Deus vos declarou, dizendo: Eu sou [e não/tu] o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó? Ora, Deus não é Deus dos m ortos, mas dos vivos” (M t 22.31,32). Paulo baseou o seu argum ento no confronto entre um substantivo singular versus um plural em Gálatas 3.16, insistindo que a Escritura “não diz: E às postendades, com o falando de muitas, mas com o de um a só: E à tua posteridade, que é Cristo”. Até m esm o um a letra (u m “s”) pode fazer um a grande diferença. Lembre-se de que Cristo chegou ao ponto de declarar que até m esm o as pequenas partículas das palavras foram inspiradas: “Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, nem um jota ou u m til se om itirá da lei sem que tudo seja cum prido” (M t 5.18)3. A E X T E N S Ã O D A IN SPIR A Ç Ã O B ÍB LIC A - PLENA A inspiração da Bíblia não é somente verbal (ou seja, reduzida apenas às palavras), mas também plena, isto é, ela se estende a todas as partes das palavras e a tudo o que elas ensinam ou implicam. O q u e a In sp ira çã o G a ra n te A inspiração dá a garan tia de tod a a verdade que a Bíblia ensina, im plica, ou sugere (espiritual e factu a lm e n te ). Paulo declarou que “to d a ” a E scritu ra, e não ilgu m as p artes dela, é “d ivinam ente inspirada” (2 T m 3.1 6 ), e Pedro d eclarou que n en h u m a p rofecia da E sc ritu ra ” veio da p arte de h o m en s, m as todas têm a sua : rigem em Deus (2 Pe 1.20,21). Jesus disse aos Seus discípulos que o “Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em m eu nom e, vos ensinará todas as coisas e vos fará lem brar de tudo quanto vos tenho dito” (Jo 14.26). Ele acrescentou: “Mas, quando vier aquele Espírito da verdade, ele vos guiará em toda a verdade” (Jo 16.13). C om o questão de fato, a igreja está edificada “sobre o fundam ento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina” (E f 2.20). E a igreja primitiva perseverava “n a doutrina dos apóstolos” (A t 2.2), a ju al foi registrada nas páginas do Novo Testam ento e era considerada “E scritura” junto com o Antigo Testam ento (cf. 2 Pe 3.15,16; 1 T m 5.18). * Obviamente, a inspiração não se refere nem às letras nem às palavras de form a isolada, mas som ente enquanto são r-irte de um a frase com pleta, que é a única form a de transm itirem um significado (e a verdade). Isto já foi apresentado interiorm ente, no capítulo 6.
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A inspiração de Deus, p ortan to, se estende a todas as partes das Sagradas Escrituras, inclusive a tudo aquilo que Deus afirmou (ou negou) acerca de qualquer tem a. Ela não se refere som ente ao que a Bíblia ensina, m as tam bém àquilo que ela toca; isto eqüivale a dizer que ela inclui não som ente o que a Bíblia ensina de m aneira explícita, mas tam bém o que ela ensina de m aneira implícita, acerca de questões espirituais e factuais. O Deus onisciente não pode errar a respeito de nada que ensina ou im plica (veja Volum e 2).
O que a Inspiração não Garante Existem , en tretanto, muitas coisas que a inspiração não garante. (1) Ela não nos garante que todas as partes de uma parábola transmitam uma verdade (sem tirar o mérito da verdade que está sendo explicada através daquela ilustração —Lc 18.2); (2) Nem que tudo o que está registrado na Bíblia seja verdadeiro (em contraste com o que é ensinado ou sugerido no seu texto —Gn 3.4); (3) Nem que não existam hipérboles (uma figura de linguagem que faz uso do exagero deliberado) no texto (Cl 1.23); (4) Nem que todas as afirmações a respeito de Deus e da criação sejam puramente literais (Hb 4.13; Jó 38.7); (5) Nem que todas as afirmativas factuais sejam tecnicamente precisas, pelos padrões modernos (êm contraste com uma precisão aceita na antigüidade —2 Cr 4.2). (6) Nem que todas as afirmações acerca do universo tenham sido feitas a partir de uma perspectiva astronômica moderna (em contraste com o ponto de vista comum de um observador —fs 10.12); (7) Nem que todas as citações das Escrituras devam ser literais (em contraste com o fato de serem fiéis); (8) Nem que todas as citações das Escrituras devam ter a mesma aplicação que a do contexto original (cf. Os 11.1; M t 2.15), em vez de terem a mesma interpretação (significado); (9) Nem que a mesma verdade possa ser dita somente de uma forma (em contraste com a diversidade de formas de expressão, tal como vemos nos Evangelhos); (10) Nem que tudo o que um autor acreditava (em contraste com o que ele, na verdade, afirmou nas Escrituras) seja verdadeiro (M t 15.26); (11) Nem que a verdade seja tratada ou revelada de forma exaustiva (em contraste com uma apresentação de maneira adequada) na Bíblia (1 Co 13.12); (12) Nem que as citações feitas impliquem a veracidade da totalidade da obra mencionada, em vez de simplesmente da porção utilizada (T t 1.12); (13) Nem que a construção gramatical sempre siga a forma usual (em vez de uma construção adequada para expressar a verdade). C om o sabemos que estas coisas não estão incluídas no conceito de inspiração? A resposta é cham ada de “os fenômenos das Escrituras”; ou seja, o que a Bíblia diz precisa ser compreendido tendo em vista o que ela mostra. O que ela prega precisa ser lido tendo em vista o que e la pratica '. A doutrina da Bíblia deve ser compreendida à luz dos dados da Bíblia. Todos os treze pontos acim a citados correspondem aos dados da Bíblia. Por exem plo, a Bíblia faz uso de núm eros arredondados, e, dessa form a, quando a Bíblia alega ser verdadeiraisto não significaque devemos excluir desta verdade os núm eros arredondados.
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O m esm o ocorre co m as hipérboles, co m as figuras de linguagem, co m a linguagem de observador, e com os gêneros literários (poesias, parábolas etc.). Em sum a, tudo o que a Bíblia afirm a é verdadeiro, mas o significado da verdade precisa ser com preendido à luz destes fenôm enos ou dados das Sagradas Escrituras (veja capítulo 12). O G R A U D E IN SPIRA ÇÃ O B ÍB L IC A - IG U A LD A D E Será que existem diferentes graus de inspiração da Bíblia? Ou seja, será que algumas coisas são mais inspiradas do que outras? A resposta a esta pergunta poderá ser m elhor com preendida em term os do que se entende por inspiração, a saber, que qualquer coisa que a Bíblia afirme (o u implique) ser verdade, o próprio Deus está afirmando (ou im plicando) ser verdade. Sendo este o caso, da m esm a fo rm a co m o não pode haver graduação na verdade, tam bém não pode haver graduação na inspiração: U m a coisa é verdadeira ou falsa. U m a coisa não pode ser mais ou m enos verdadeira do que ou tra, da m esm a form a que u m a m u lh er não pode estar mais ou m enos grávida. Portanto, a afirmação de que “Jezabel m o rre u ” é tão inspirada quanto a de que "Jesus m o rre u ”. Entretanto, m esm o que tudo na Bíblia seja igualm ente verdadeiro, as inform ações apresentam u m a diferença no seu grau de im portância. A m o rte de um h om em perfeito co m o Jesus é m uito mais relevante que a m o rte de u m a rainha iníqua. Da m esm a form a, a ressurreição de Cristo é m uito mais significativa do que a de Lázaro : Jo 11). Em sum a, não existe graduação da verdade, mas graduação na im portância de u m a verdade em detrim ento de outra. U M A D E FIN IÇ Ã O B ÍB LIC A D E IN SPIRA ÇÃ O Tendo em vista o que a Bíblia diz e m ostra sobre si mesma, podemos chegar à form ulação de um a definição para a inspiração divina. Primeiro, os elementos de um a definição serão apresentados; então, derivaremos a definição a partir deles. Ao que nos parece, a Bíblia apresenta seis elementos básicos que podem aparecer de form a declarada ou implícita. A B íb lia T e m O rig em D iv in a A fonte últim a de u m a Bíblia divinamente inspirada é o próprio Deus, pois as Escrituras são “sopradas” (o u inspiradas) por Ele (2 T m 3.16): “Toda a palavra que sai da boca de D eus” (M t 4.4). As Sagradas Escrituras não surgiram do im pulso hum ano: N enhum a profecia da Escritura é de particular interpretação; porque a profecia nunca roi produzida por vontade de h o m em algum , mas os hom ens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo” (2 Pe 1.20,21). A B íblia C h e g o u a té n ó s p o r m e io de H o m e n s A exceção de um as p oucas ocasiões, co m o , p o r exem p lo, a en treg a dos Dez M andam entos —que fo ram “escritos co m o dedo de D eus” (D t 9 .1 0 )—, a Bíblia n ão veio até nós d iretam en te de D eus, m as de fo rm a indireta, passando p elain stru m en talid ad e -o s seus profetas. Hebreus 1.1 d eclara: “Havendo D eus, an tig am en te, falado, m uitas vezes e de m uitas m aneiras [...]” O Espírito Santo “inspirou h om en s santos de D eu s” 2 Pe 1.21). Davi disse m u ito bem : “O Espírito do SEN H O R falou p o r m im , e a sua ralav ra esteve em minha boca” (2 Sm 23.2; veja tam b ém D t 18.18; Is 59.21; Z c 7.12; At - 24,25; Hb 4.7).
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A lém disso, a julgar pela variedade vocabular, gram atical, de estilos, de figuras de linguagem, e pelos interesses hum anos dos vários autores, Deus não desrespeitava nem a personalidade nem a cu ltu ra dos autores bíblicos quando, na sua providência, os guiava com o veículos da sua revelação escrita para a hum anidade. Ao contrário, a Bíblia é u m livro inteiram ente h um ano em todos os aspectos, exceto no fato de não conter erros (veja capítulo 15). Apesar do mistério que ron d a o m o d o co m o Deus fez co m que Sua palavra fosse fiel sem destruir a liberdade e apersonálidade dos autores hum anos (veja capítulo 15), existem algum as coisas que ficam m uito claras. Os autores hum anos não eram sim plesmente secretários que anotavam algo que estava sendo ditado a eles; a sua liberdade não foi suspensa n em negada. Eles nãoíforam autôm atos. As suas palavras correspondiam ao seu desejo, no estilo em que estavam acostum ados a escrever. Na sua providência, Deus p rom oveu u m a concordância divina entre as palavras deles e as Suas (veja acim a).
A Bíblia É uma Autoridade Escrita A inspiração trata do te x to escrito das Sagradas Escrituras; ela corresponde ao grapha (escritos) dos profetas que são inspirados (2 T m 3.16). A expressão “está escrito ” (cf. M t 4.4,7,10) revela que o p onto focal da autoridade divina diante do Seu povo estava na Sua Palavra escrita. A Bíblia n u n ca cita idéias ou pessoas inspiradas. A bem da verdade, era Deus quem m ovia os autores (2 Pe 1.20,21), m as isto o co rria para assegurar que os seus escritos fossem inspirados. As referências insistentes ao fato de as próprias palavras dos profetas serem as palavras de Deus enfatizam este p onto (cf. E x 24.4; D t 18.18; Jr 26.2).
A Autoridade Divina da Bíblia Reside no Texto Autográfico Este fato im portante a respeito da inspiração divina* da Bíblia é sugerido p o r dois fatos. Primeiro, todas as referências bíblicas à autoridade divina das Escrituras se referem ao que Deus concedeu ou “soprou”, que foi o texto original. Segundo, nem todas as cópias do texto original são perfeitas; elas apresentam erros m enores, e isto pode ser visto em u m a com paração de passagens paralelas (cf. 2 Rs 8.26; 2 C r 22.2). Porém , Deus não pode m entir (Hb 6.18; T t 1.2); a Sua lei é “perfeita”*ou. im aculada (Ps 19.7). Portanto, independentem ente dos erros que se en contrem em cópias da Bíblia, estes erros não poderiam fazer parte do texto original. Isto leva a unsa ou tra característica de u m texto inspirado —sua inerrância.
O Texto Original da Bíblia não Apresenta Erros Se Deus não pode errar, e se o te x to original foi soprado por Ele, concluím os que o texto original da Bíblia não con tém erro algum . P ortan to, qualquer erro real que seja encoíitrado nos m anuscritos bíblicos ou em suas: traduções não fazia parte deste original. As cópias do original som ente são inspiradas à m edida que sejam precisas. C o m o declarou sabiamente Agostinho: Se ficamos perplexos com qualquer contradição aparente nas Escrituras, não nos é permitido dizer: O autor deste livro está enganado; mas, antes, ou se trata de uma falha no manuscrito, ou a tradução é ruim, ou você não compreende bem o que está lendo (AF, 11.5).
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A Bíblia T em a A u to rid a d e Fin al Q u an d o tra ta da sua a u to rid a d e d iv in a, a B íb lia d eixa cla ro que se tra ta de u m a au to rid ad e fin a l, e a ú ltim a in s tâ n c ia de a p ela çã o em tu d o o q ue ela a firm a (o u im p lic a ). O sa lm ista diz: “Pois engrandeceste a tua palavra acima de todo o teu nome” (SI 138.2). E le ainda a c re s c e n to u : “Para sempre, ó SEN H O R, a tua palavra permanece no céu” SI 119.89). Jesus declarou, m ais u m a vez: “Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a te rra passem , nem um jota ou um til se omitirá da lei sem que tu do seja c u m p rid o ” (M t 5.18). Ele repreend eu os líderes religiosos da sua época p o r exa lta rem os seus próprios en sin am en to s acim a da Palavra de D eus (M t 15.3-6). C o m o vim os, a m a n eira co m o Tesus e os au tores n eo testa m en tário s utilizavam a expressão “está e sc rito ” m anifesta a sua cren ça de que ela era a ú ltim a in stân cia à qual se re co rria para resolver todas as disputas n e la tratadas. S om en te os Sessenta e Seis Livros C an ô n ico s da Bíblia T êm esta A u to rid ad e D ivina O utro elem en to da concepção evangélica da inspiração das Escrituras ainda deve ser acrescentado aqui, em bora ele seja discutido em o u tra parte deste livro (veja capítulo 28). Este elem en to é u m dos fatores distintivos entre as concepções evangélica e católica ro m an a da Bíblia: So m en te os sessenta e seis livros canônicos do cânon protestan te são investidos com autoridade divina. N enhu m a o u tra fonte se iguala ou pode se sobrepor às Escrituras; a Bíblia, e som ente ela, é o livro suprem o, portad or de autoridade em matérias de fé e prática. D EFIN IÇ Ã O S U G E R ID A D E IN SPIRA ÇÃ O A inspiração é a operação sobrenatural do Espírito Santo, que, p o r interm édio de diferentes personalidades e estilos literários dos autores hu m anos escolhidos, investiu as palavras exatas dos livros originais das Sagradas Escrituras, em separado ou no seu co n ju n to , co m o a própria Palavra de Deus, isenta de erro em tudo o que ensina ou im plica (inclusive em m atérias de H istória e Ciência), e a Bíblia é, dessa form a, a regra infalível e a autoridade final de fé e prática para todos os crentes. O M O D U S O P E R A N D I D A IN SPIRA ÇÃ O O m odo de operação pelo qual o Espírito Santo atu ou em c o n ju n to co m os autores a i m de assegurar u m produ to infalível e sem erros é u m a questão de grande especulação tn tre os teólogos. O m istério perm an ece inescrutável, m as o processo é inteligível, e os rarâm etros, definíveis. Os P a râ m e tro s d o M o d u s O p e r a n d i Dois fatores definem os lim ites dentro dos quais as especulações legítim as podem : correr: (1 ) Q u e o p ro d u to se ja infalível e sem erros. ( 2) In d ep en d e n tem en te dos m eio s utilizados, deve-se levar em co nsid eração as d iferentes personalid ades, os d iferen tes estilos, e o nível de liberdade m an ifesto pelos au to res nos livros.
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O prim eiro p onto é conhecido co m o a doutrina das Escrituras, a qual já foi embasada anteriorm ente p or diversas referências. O segundo é conhecido a partir dos dados das Escrituras, claram ente manifestos nas suas características hum anas (veja capítulo 15).
Explicações Problemáticas A exem plo das ilustrações a respeito da Trindade, não existe u m a analogia perfeita a respeito da inspiração das Escrituras; algumas são m elhores do que outras, e outras acabam por desinformar. Várias delas se enquadram m uito mais n a segunda categoria. Especificamente falando, duas ilustrações devem ser evitadas: a da secretária e a do instrumento musical. Os Pais da igreja antiga ficaram m uito conhecidos por fazer uso desta últim a (veja capítulo 17). O problem a co m estas duas ilustrações é que elas levam a um a falsa acusação de que os evangélicos acreditam n u m texto m ecanicam ente ditado. A ilustração do instrumento musical é de pouca valia porque u m in strum ento musical não tem livre-arbítrio, não tem personalidade, n em estilo literário próprio — trata-se de u m objeto inanim ado, e não se constitui em u m a causa eficiente para o escrito, mas som ente em u m a causa instrum ental. A ilustração da secretária não é m uito m elhor do que essa, porque as secretárias fiéis copiam o que lhes é ditado. M esm o não sendo instrum entos inanimados e possuindo a sua liberdade, pela própria n atu reza do seu trabalho, elas não estão criando os textos, m as sim plesmente registrando o que lhes é passado. Esta não é a verdade acerca da inspiração bíblica, que, co m o já vimos, faz uso da liberdade, do estilo, do vocabulário e das personalidades dos diferentes autores bíblicos para transm itir a Palavra de Deus para a hum anidade. Na sua célebre obra Theopneustia, Louis Gaussen (1790-1863) utiliza u m a ilustração de u m maestro de orquestra. Esta ilustração é, de certa form a, mais adequada, já que todos os com ponentes participam livrem ente da orquestra e expressam, cada um , u m som distinto, enquanto o m aestro faz co m que todos ressoem em unidade e harm onia, da m esm a form a co m o Deus faz co m as Sagradas Escrituras. Porém , m esm o neste caso, a analogia tam bém não resiste à realidade, já que o som do con ju nto não é, na verdade, o resultado de cada com ponente tocando em solo. Além disso, os músicos co m etem erros, ao passo que a Bíblia não. Muitos evangélicos estão satisfeitos em
confiar no
m odelo
de personalidades
providencialmente pré-preparadas, segundo o qual Deus preordenou as vidas, os estilos e o vocabulário dos vários autores bíblicos de form a que eles escolhessem livrem ente escrever as coisas corretas, da form a correta, e no tem po co rreto , e que Deus, pela sua concordância divina preordenada, determ inou que elas fossem parte da sua Palavra. Apesar de isso estar acim a de qualquer questionam ento, esta concepção ainda não consegue ser totalm en te representativa. Por u m lado, ela não explica co m o o livrearbítrio opera dentro do quadro geral. Será que o livre-arbítrio dos diferentes autores foi causalm ente predeterm inado? Se foi, será que eles eram m esm o livres? A lém disso, com o Deus poderia garantir que os resultados seriam infalíveis e sem erro, se os autores fossem m esm o livres para fazer o que bem entendessem? P ortanto, m esm o que alguns m odelos se m o strem m elhores do que outros, independentem ente do nível de precisão que atinjam os, parece sem pre haver u m certo grau de m istério no p onto exato em que os elem entos divino e hum ano se encontram .
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Isto é verdade no que tange às doutrinas da predestinação e do livre-arbítrio (vejaV olu m e 2), bem com o às doutrinas que falam do relacionam en to das duas naturezas de Cristo e do m odo de inspiração da Bíblia. Sem a pretensão de resolver o m istério, podem os verificar que existem form as significativas de descrever a inspiração da Bíblia. Tom ás de A quino apresentou um a destas tentativas n a sua analogia do professor/aluno, argum entando que o relacionam en to entre D eus e os autores hum anos da Bíblia é mais sem elh ante ao de u m m estre com o seu aluno. O valor desta analogia advém do fato de ela preservar a personalidade dos autores hum anos, ao m esm o tem po em que explica a coincidência en tre o que o professor tran sm ite e o que o aluno expressa (veja ST, 2a2ae 171, 6; 172, 6). Esta analogia tam bém faz u m a distinção entre a causalidade prim ária (D eus) e a secundária (o h o m em ), evitando, assim, a redução dos autores hum anos a m eras causas instrum entais. U m a causa secundária é u m a causa eficiente cu jo poder de causar vem da causa prim ária, mas o exercício do poder de causalidade reside n a sua livre expressão. Mas aqui tam b ém existe u m a diferença, já que a causa secundária (o aluno) pode desviar-se, e às vezes se desvia, da causa prim ária (D eus). D iferentem ente do que oco rreu quando D eus (a causa prim ária) operou em , e através de, os autores hum anos das Sagradas Escrituras (as causas secundárias). C O N C LU SÃ O U m ú ltim o com en tário faz-se necessário: O processo final, apesar de ilustrado, ainda guarda u m elem ento de m istério. Todavia, é co rreto afirm ar que, apesar de a Bíblia não ter sido ditada por D eus aos seus secretários, o p rod u to final é infalível e sem erros, como se tivesse sido ditada. FO N T ES Archer, Gleason. Old Testament Quotations in the New Testament. A gostinho. Against Faustus. Gaussen, Louis. Theopneustia. Geisler, N orm an, ed. Inerrancy. Geisler, N orm an e W illiam E. Nix. A General Introduction to the Bible. Henry, Carl F. H., ed. Revelation and the Bible. Hodge, Charles, e B. B. Warfield. Inspiration. Johnson, S. Lewis. The Old Testament in the New. Lindsell, Harold. The Battlefor the Bible. Nash, Ronald. The Word o f God and the Mind o f Man. Packer, J. I. “Fundamentalism” and the Word o f God. Pasche, R ene. The Inspiration and Authority o f the Bible. Tom ás de A quino. Summa Theologica. T u rretin, Francis. The Doctrine o f Scripture. Warfield, B. B. The Inspiration and Authority o f the Bible. ________ . Limited Inspiration.
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ül —
CAPÍTULO
QUATORZE
A NATUREZA DIVINA DA BÍBLIA
C
om o a Bíblia é divina na sua origem (veja capítulo 13), é com preensível que ela apresente algum as características divinas. Estes distintivos divinos co lo cam a Bíblia nu m nível co m p letam en te diferente de todos os outros livros m eram en te hum anos. A SA N T ID A D E D A BÍBLIA A palavra hebraica (godesh) e grega ( hagios) que designam aquilo que é santo ou sagrado significam “ser separado”. C o m o atribu to de Deus, a santidade significa estar to tal e com p letam en te separado de toda a criação e do mal. A S an tid ad e d e D eu s Q uando se aplica a Deus, a santidade está associada ao Seu zelo peculiar (Js 24.19), à Sua exaltação (SI 99.9), à Sua ju stiça (Is 5.16), ao Seu poder absoluto (Ap 4.8), à Sua singularidade to tal (Ex 15.11), à Sua pureza m o ral (2 C o 7.1), à Sua aversão ao m al (SI ”8.41), e a tu do que inspira u m a profunda sensação de tem o r (Is 29.23), b em co m o à adoração perpétua das Suas criaturas (1 C r 16.29; Ap 4.8). Considere o que a Bíblia diz a respeito de Deus: “O SEN H O R, quem é co m o tu entre os deuses? Q u em é co m o tu , glorificado em santidade, terrível em louvores, operando maravilhas?” (Ex 15.11); “Porque eu sou o SEN H OR, vosso Deus; p o rtan to , vós vos santificareis e sereis santos, porque eu sou santo; e não contam inareis a vossa alm a por n en h u m réptil que se arrasta sobre a te rra ” (Lv 11.44); “Então, Josué disse ao povo: Não podereis servir ao SEN H O R, porquanto é Deus santo, é Deus zeloso, que n ão perdoará a vossa transgressão n em os vossos pecados” (Js 24.19); “Não há santo como é o SENHOR; porque não há outro fora de ti; e ro ch a n e n h u m a há co m o o nosso D eus” (1 S m 2.2); “Quem poderia estar em pé perante o SENHOR, este Deus santol E a quem subirá desde nós? (1 S m 6.20); “Dai ao SENHOR a glória de seu n om e; trazei presentes e vinde perante ele; adorai ao SENHOR na beleza da sua santidade” (1 C r 16.29); “V oltaram atrás, e ten taram a Deus, e duvidaram do Santo de Israel" (SI 78.41); “Exaltai ao SEN HOR, nosso Deus, e prostrai-vos diante do escabelo de seus pés, porque ele é santo” (SI 99.5); “Exaltai ao SEN H OR, nosso Deus, e adorai-o no 5su santo m onte, porque o SENHOR, nosso Deus, é santo” (SI 99.9); “Mas o SEN H O R dos Exércitos será exaltado em ju ízo, e Deus, o Santo, será santificado em justiça” (Is 5.16); “Mas, ;u an d o vir a seus filhos a obra das m inhas m ãos, n o m eio dele, santificarão o m eu nom e, ; santificarão o Santo de Jacó, e temerão ao Deus de Israel” (Is 29.23); “Porque eu sou o SEN H OR,
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teu Deus, o Santo de Israel, o teu Salvador” (Is 43.3; cf. o “Santo”, em SI 71.22; 78.41; Is 5.19; 29.23; 48.17; 54.5; 55.5; 60.9; Jr 51.5; Os 11.9,12; Hc 1.12; 3.3; M c 1.24; Lc 1.35; 4.34; Jo 6.69); “Ora, amados, pois que tem os tais promessas, purifiquemo-nos de toda imundícia da carne e do espirito, aperfeiçoando a santificação no temor de Deus” (2 Co 7.1); “E os quatro animais tinham , cada u m , respectivam ente, seis asas e, ao redor e por dentro, estavam cheios de olhos; e não descansam n em de dia nem de noite, dizendo: Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus, o Todopoderoso, que era, e que é, e que há de vir” (Ap 4.8).
O Caráter Santo da Palavra de Deus A santidade é utilizada para a Palavra de Deus de form a similar ao m odo co m o é empregada para Deus, a saber, “ser separada das outras coisas”, “ser sagrada”, “ser exaltada”. Paulo disse a Tim óteo: “E que, desde a tu a meninice, sabes as sagradas letras, que podem fazer-te sábio para a salvação, pela fé que há em Cristo Jesus” (2 T m 3.15). Desde o princípio dos tem pos, as Escrituras eram consideradas sagradas. Quando Moisés escreveu, as suas palavras foram colocadas ao lado da arca da aliança, no lugar mais sagrado do Israel antigo (D t 31.24-26). A Palavra de Deus não é sagrada por si mesma, mas também tem o poder de nos fazer santos. Jesus orou: “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade” (Jo 17.17). Timóteo recebeu a orientação de que a palavra de Deus pode “fazer-te sábio para a salvação” (2 T m 3.15). A Bíblia é distinta de todos os outros livros da humanidade, já que somente ela tem o poder de salvar (R m 1.16; 1 Pe 1.23) e de santificar. Paulo falou do desejo de Cristo de “a [a igreja] santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela palavra, para a apresentar a si m esm o igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível” (E f5.26,27).
A Autoridade Divina da Bíblia C om o Palavra de Deus, a Bíblia tem autoridade divina. Isto fica manifesto de diversas form as. Primeiro, ela é a nossa autoridade final em questões de fé e prática (2 T m 3.16,17). Segundo, Jesus disse que a Palavra de Deus deve ser honrada acim a de qualquer preceito ou tradição hum ana (M t 15.3-6). Terceiro, co m o a Bíblia é a Palavra de Deus, ela fala co m autoridade a respeito dele. Jesus fez u m a descrição disso, nas seguintes palavras: “Respondeu-lhes Jesus: Não está escrito na vossa lei: Eu disse: sois deuses? Pois, se a lei ch am ou deuses àqueles a quem a palavra de Deus foi dirigida (e a Escritura não pode ser anulada) [...]” (Jo 10.34,35). Nestes versículos, a “Escritura” é tratada de três maneiras: (1) a Torá (lei) de Deus, (2) a Palavra de Deus, e (3) não-anulável. Quarto, ten h a em m ente que a palavra “Escritura” é algumas vezes utilizada de form a intercambiável co m “ D eus”, o que revela a sua autoridade equivalente à autoridade divina (veja capítulo 13). Quinto, Jesus se referiu à Bíblia co m o sendo vinda da boca do próprio Deus (M t 4.4). Sexto, já vimos que Jesus declarou: “Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, nem umjota ou um til se omitirá da lei sem que tudo seja cumprido” (M t 5.18). Isto só pode ser dito a respeito de u m texto que tenha autoridade divina, tal com o a Bíblia tem.
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A IN FA LIBILID A D E D A BÍBLIA As E scritu ras n ão u tiliz a m a palavra infalível a resp eito de si m esm as; e n tre ta n to , o u tras afirm açõ es que im p lica m a sua infalibilid ad e c o n sta m no seu te x to . Jesus disse: “A E scritu ra n ã o pode ser a n u la d a ” (Jo 10.35). M ateu s 5.17,18 ta m b é m revela q ue a B íblia é in d e stru tív e l (v e ja acim a). A lém disso, D eu s ta m b é m a firm o u , p o r in te rm é d io do p ro fe ta Isaías: “Assim será a palavra que sair da m in h a b oca; ela não voltará para mim vazia; antes, fa rá o que me apraz e prosperará naquilo para que a enviei’’ (Is 55.11; cf. M t 15.3-6; M t 4.4,7,10). N a verdade, Paulo fala da Palavra de D eus c o m o sendo “os oráculos de Deus” (R m 3.2, BJ). A IN D E S T R U T IB IL ID A D E D A BÍBLIA C o m o já vim os, Jesus declarou que a Bíblia é indestrutível, nestas palavras: N ão cuideis que v im d estru ir a lei ou os profetas; n ão v im ab-rogar, m as cu m p rir. Porque e m verdade vos digo que, até qu e o céu e a te rra passem , nem um jota ou um til se omitirá da lei sem que tudo seja cumprido (M t 5.17,18).
Isaías con firm ou a m esm a coisa ao escrever: “Seca-se a erva, e caem as flores, mas a palavra de nosso Deus subsiste eternamente” (Is 40.8). O salm ista acrescenta: “Para sempre, ó SENHOR, a tua palavra permanece no céu” (SI 119.89). A história é u m testem u n h o da durabilidade da Bíblia. Ela já foi banida, queim ada e proibida, mas, apesar de toda a oposição, ela continu a sendo o livro de m aior vendagem de todas as épocas. A IN FA T IG A BILID A D E D A BÍBLIA O que é mais interessante é que a Bíblia tem u m pode infatigável — ela não pode ser exaurida; ela é incansável. Hebreus declara que “a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais penetrante do que qualquer espada de dois gumes, e p en etra até à divisão da alm a, e do espírito, e das juntas e m edulas, e é apta para discernir os pensam entos e intenções do co ração ” (4.12). Deus perguntou a Jerem ias: “Não é a minha palavra como fogo [...] e como um martelo que esmiúça a penha?” (Jr 23.29). Paulo disse: “Porque as arm as da nossa m ilícia não são carnais, mas, sim, poderosas em Deus, para destruição das fortalezas” (2 C o 10.4). U m a dessas arm as é a “espada do Espírito, que é a palavra de Deus” (E f 6.17). O poder incansável das Escrituras vem do Deus in finito, c u jo poder inexaurível é m anifesto na sua Palavra infalível. Paulo fez lem brar aos tessalonicenses: “Pelo que tam bém dam os, sem cessar, graças a Deus, pois, havendo recebido de nós a palavra da pregação de Deus, a recebestes, não co m o palavra de hom ens, mas (segundo é, na verdade) co m o palavra de Deus, a qual também opera em vós, os que crestes” (1 Ts 2.13). Na verdade, Pedro afirm ou: “Sendo de novo gerados, não de semente corruptível, mas da incorruptível, pela palavra de Deus, viva e que permanece para sempre” (1 Pe 1.23). A IN S U P E R A B IL ID A D E D A BÍBLIA A lém disso, a Bíblia tem a qualidade de ser insuperável; ou seja, ela é im batível, não pode ser anulada ou tornad a inefetiva —ela sem pre cu m pre o seu propósito. Lem bre-se do que Deus anunciou através de Isaías: “Assim será a palavra que sair da m in h a boca; ela
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não voltará para mim vazia; antes, fará o que me apraz e prosperará naquilo para que a enviei” (Is 55.11). Isto é verdade tan to para aqueles que aceitam a sua m ensagem quanto para os que a rejeitam . C om o Paulo, ao proclam ar a palavra, disse: “Porque para Deus somos o bom cheiro de Cristo, nos que se salvam e nos que se perdem” (2 Co 2.15,16). Q uem aceita a palavra presta honra à misericórdia de Deus, e quem a rejeita acaba manifestando a Sua ira (cf. R m 9.21,22). Mas ela sempre cu m p re o propósito de Deus.
AINERRÂNCIA DA BÍBLIA C om o a Bíblia está firm em ente enraizada no Deus de quem ela é a própria Palavra, cada participante da Trindade está envolvido na sua inerrância. Assim, três argum entos podem ser propostos, u m para cada m em bro da Trindade Divina. Estes três argum entos deixam claro que a Bíblia está isenta de erros.
O Argumento a partir de Deus, o Pai A lógica é simples e irrefutável: (1) Deus não pode errar. (2) A Bíblia é a Palavra de Deus. (3) Logo, a Bíblia não pode errar. C o m o o cap ítu lo 13 já d em o n stro u a segunda prem issa, precisam os som en te fu n d am en tar a p rim eira aqui. O livro de H ebreus d eclara de m a n e ira en fática: “p o r duas coisas im u táveis, nas quais é impossível que Deus minta, te n h a m o s a firm e co n so la çã o , nós, os que p o m o s o nosso refúgio em re te r a esp eran ça p ro p o sta ” (H b 6.1 8 ). Paulo d eclaro u : “segundo a fé dos eleitos de D eus e o c o n h e cim e n to da verd ad e, que é segundo a piedade, em esp eran ça da vida e te rn a , a qual Deus, que não pode mentir, p ro m e te u antes dos tem p o s dos sé cu lo s” (T t 1.1,2). R o m a n o s afirm a: “Sempre seja Deus verdadeiro, e to d o h o m e m m e n tiro so ” (3 .4 ). Jesus o ro u ao Pai: “Santifica-os n a verd ad e; a tua palavra é a verdade” (Jo 17.17). E o salm ista d eclaro u a D eus: “A tua palavra é a verdade desde o princípio” (SI 119.160). Se Deus não pode errar e a Bíblia é a Palavra de Deus, conclui-se, necessariam ente, que a Bíblia tam bém não pode errar.
O Argumento a partir de Deus, o Filho O argum ento a partir da autoridade divina de Cristo é poderoso. Basicamente, ele segue esta linha: Se Jesus é o Filho de Deus, então a Bíblia é a Palavra de Deus (que não pode errar). Logo, negar que a Bíblia é a Palavra de Deus é negar que Jesus é o Filho de Deus (veja capítulo 16). As Sagradas Escrituras ensinam que Jesus é o Filho de Deus (M t 16.16,17; M c 14.61,62; Jo 1.1; 8.58; Cl 2.9; Hb 1.8). Portanto, a Bíblia é a Palavra de Deus, que não pode errar.
O Argumento a partir de Deus, o Espírito Santo A terceira pessoa da Trindade é cham ada de “Espírito da Verdade” (Jo 16.13), a qual não pode errar (cf. 1 Jo 4.6).
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(1 ) A qu ele qu e é a F o n te da verdade n ão pode estar n o erro. (2 ) A B íb lia é u m a expressão do Espírito da Verdade. (3 ) Logo, a Bíblia n ã o pode estar e m erro.
Os autores das Sagradas Escrituras foram com pelidos pelo Espírito Santo (2 Pe 1.20,21), e eles expressaram os escritos soprados por Deus (2 T m 3.16), os quais são considerados procedentes da “b oca de D eus” (M t 4.4). T en h a em m en te que Davi disse: “O Espírito do SEN H O R falou por m im , e a sua palavra esteve em m in h a b oca” (2 S m 23.2). Mas se este é m esm o o caso, da m esm a fo rm a que o Espírito da Verdade é incapaz de expressar m entiras, a Bíblia tam bém não o poderá. A O B JEÇ Ã O E X T R A ÍD A D A N A T U R E Z A H U M A N A D A BÍBLIA Alguns críticos apresentaram um a refutação à lógica m encionada acim a, salientando os seguintes pontos: (1 ) A Bíblia co n té m palavras de h o m en s. (2 ) H o m en s erra m . (3 ) Logo, a Bíblia ta m b é m erra.
E n tre ta n to , essa é u m a c o n c lu sã o inválid a, p o rq u e (2 a ) os h o m e n s n ão e rra m o tempo todo.
M esm o sem u m auxílio divino especial, os hu m anos são capazes de evitar os erros — a m aioria das pessoas é capaz de escrever u m livro sem erros. A lém disso, os autores hu m anos das Sagradas Escrituras contavam co m o auxílio divino (Jo 14.26; 2 Pe 1.20,21). C o m relação à capacidade que Deus tem de produzir u m produ to perfeito por interm édio de in stru m en tos im perfeitos, basta lem brar que é possível traçar u m a lin h a reta com u m a vara torta. O utro fo rm ato desta objeção segue desta form a: (1 ) A Bíblia é u m livro h u m a n o . (2 ) Os h o m e n s p o d em errar. (3 ) Logo, a Bíblia p o d e errar.
Neste fo rm ato , parece que ambas as premissas são verdadeiras e que a conclusão é reduzida logicam ente a p artir delas. Porém , existe u m a falácia no argu m ento, caso o : bjetivo dele ten h a sido negar a inerrância da Bíblia. Na m elh o r das hipóteses, este argu m ento som ente consegue dem onstrar que a Bíblia rode errar, e não que ela erra realm ente. Poderíam os ainda afirm ar que a Bíblia não erra nu m sentido mais frágil de inerrância), m esm o que não pudéssem os conclu ir que a Bíblia não pode errar (n u m sentido mais firm e de inerrância). E n tretanto, até m esm o o sentido mais firm e de inerrância pode ser defendido ao razermos u m a im p ortante distinção que advém do seguinte argu m ento: (1 ) Na m edida e m que a B íblia é a Palavra de D eu s, ela n ão pode errar. (2 ) A Bíblia é a Palavra de D eus. (3 ) Logo, a Palavra de D eu s n ão pode errar.
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De igual form a, co m o a Bíblia é tam bém a expressão de h om en s, ela poderia errar (m as não erra ). A firm ar o co n trário seria equivalente a dizer que C risto , à m edida que era u m ser h u m an o , n ão tin h a a capacidade de co n h e ce r todas as coisas (Lc 2.52; M t 24.36). Mas, à m edida que C risto era D eus, Ele de fato era co n h e ce d o r de todas as coisas (Jó 11.7-9; SI 147.5). T anto C risto c o m o a Bíblia ap resen tam duas n atu rezas, e o que é verdadeiro em u m , n ão é, n ecessariam ente, verdadeiro no o u tro . Dessa fo rm a, em u m a e n a m esm a palavra, as E scritu ras p odem ser in erran tes no sentido mais firm e (de que não podem e rra r), n a m edida em que são a Palavra de D eus, e sem erro no sentido mais frágil (de que não estão erradas), n a m edida em que são tam bém palavras de seres h um anos.
OUTRAS CARACTERÍSTICAS DA BÍBLIA A Bíblia con tém muitas m etáforas profundas, bem co m o figuras de linguagem, acerca de si m esm a que nos ajudam a visualizar u m a ou mais das características que listamos acima.
A Bíblia É como uma Semente que nos Salva (1 Pe 1.23) Pedro escreveu: “Sendo de novo gerados, não de sem ente corruptível, mas da incorruptível, pela palavra de Deus, viva e que perm anece para sem pre”.
A Bíblia É como o Leite que nos Nutre (1 Pe 2.2) Pedro acrescenta: “Desejai afetuosam ente, co m o m eninos novam ente nascidos, o leite racional, não falsificado, para que, por ele, vades crescendo”.
A Bíblia É como a Carne (Comida Sólida) que nos Satisfaz (Hb 5.14) A au to r de Hebreus observa o seguinte, acerca das Escrituras: “Mas o m antim ento sólido é para os perfeitos, os quais, em razão do costum e, têm os sentidos exercitados para discernir tanto o bem co m o o m al”.
A Bíblia É como a Água que nos Lava (SI 119.9; Ef 5.25,26) O salm ista p ergu nta: “C o m o p urificará o jo v em o seu cam in h o ?” E ele m esm o responde: “O bservando-o co n fo rm e a tu a p alavra” . Paulo acrescen ta, ainda: “Vós, m aridos, am ai vossa m u lh er, co m o tam bém C risto am o u a igreja e a si m esm o se en tregou p or ela, p ara a santificar, p u rificand o-a co m a lavagem da água, pela p alavra”.
A Bíblia É como um Fogo que nos Purifica (Jr 23.29) Nas palavras dos p ro feta Jerem ias: “Não é a m in h a p alavra co m o fogo, diz o SEN H O R”.
A Bíblia É como um Martelo que nos Quebra (Jr 23.29) Na m esm a passagem, Jeremias acrescenta, para Deus: “Não é a m inh a palavra [...] com o u m m artelo que esm iúça a penha?”.
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A B íb lia É c o m o u m a E sp ad a q u e P e n e tra n o M ais ín tim o d o n o sso S er (H b 4.13) O a u to r de H ebreu s a firm a : “E n ã o h á c ria tu r a a lg u m a e n c o b e rta d ian te dele; an tes, todas as coisas e stã o nuas e p a te n te s aos o lh o s d aq u ele c o m q u em te m o s de tr a t a r ”. A Bíblia É c o m o u m R e m é d io q u e n o s C u r a d a D o e n ç a d o P e ca d o (SI 119.11) Davi declara: “Escondi a tua palavra no m eu coração, para eu não pecar co n tra ti”. A Bíblia É c o m o u m E sp e lh o q u e R eflete q u e m S o m o s de V erdad e (T g 1.23-25) Tiago nos adm oesta: “Porque, se alguém é ouvinte da palavra e não cum pridor, é sem elhante ao varão que con tem p la ao espelho o seu rosto natu ral; porque se contem p la a si m esm o, e foi-se, e logo se esqueceu de com o era. Aquele, porém , que aten ta bem para a lei perfeita da liberdade e nisso persevera, não sendo ouvinte esquecido, m as fazedor da obra, este tal será bem -aventu rado no seu feito”. A Bíblia É c o m o u m a L âm p ad a p a ra os n o sso s Pés (SI 119.105) Davi escreveu: “Lâmpada para os m eus pés é tua palavra e luz, para o m eu cam in h o ”. A Bíblia É c o m o u m C o n s e lh e iro q u e n o s C o n s o la (R m 15.4) Paulo nos assegura: “Porque tudo que dantes foi escrito para nosso ensino foi escrito, para que, pela paciência e consolação das Escrituras, ten h am o s esperança”. A B íblia É c o m o u m P rev iso r q ue Jam ais F a lh a (2 Pe 1.19) Pedro observa: “E tem os, m u i firm e, a palavra dos profetas, à qual bem fazeis em estar atentos, co m o a u m a luz que alum ia em lugar escuro, até que o dia esclareça, e a estrela da alva apareça em vosso co ração ”. CON CLUSÃO As evidências in te rn a s a favor da orig em divina da B íblia são m u ito fo rtes. D ife re n te m e n te de tod os os ou tro s livros do acervo da h u m an id ad e, ela leva as im pressões digitais de D eus. Ela a p resen ta santidade, au torid ad e divina, infalibilid ad e, ind estru tibilid ad e, infatigabilid ade, insu p erabilid ad e, e in errâ n cia . N a verdade, co m o vim o s, n egar a in e rrâ n c ia da B íblia re p re sen ta u m ataq u e d ireto à au ten ticid ad e de D eu s, o Pai, à au to rid ad e de D eu s, o F ilh o , e ao m in istério de D eu s, o E spirito San to . A infalibilid ad e da B íblia é tão sólid a q u an to o c a rá te r de D eu s, que n ã o pode m e n tir. A Palavra é co m o u m a sem en te que salva, o leite que n u tre , a ca rn e que satisfaz, a água que lava, o fogo que p u rifica, u m m a rte lo que quebra, u m a espada que co rta , o rem éd io que cu ra, u m esp elh o que re flete, u m a lâm p ad a que ilu m in a , u m co n se lh eiro que c o n so la , e u m p revisor que jam ais falh a. U m a vez m ais: Seca-se a erva, e caem as flores, m as a palavra de nosso D eu s subsiste etern a m en te (Is 40.8).
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FONTES A rcher, Gleason. Old Testament Quotations in the New Testament. Clark, Gordon. God s Hammer: The Bible and Its Critics. Gaussen, Louis. Theopneustia. Geisler, N orm an e William Nix. A General Introduction to the Bible. Geisler, N orm an, ed. Inerrancy. Henry, Carl F. H., ed. Revelation and the Bible. Hodge, Charles e B. B. Warfield. Inspiration. Johnson, S. Lewis. The Old Testament in the New. Lindsell, Harold. The Battlefor the Bible. Nash, Ronald. The Word o f God and the Mind o f Man. Packer, J. I. “Fundamentalism” and the Word o f God. Pasche, Rene. The Inspiration and Authority o f Scripture. Turretin, Francis. The Doctrine o f Scripture. Warfield, B. B. The Inspiration and Authority o f the Bible. ________ . Limited Inspiration.
CAPÍTULO
QUINZE
A NATUREZA HUMANA DA BÍBLIA
A Bíblia não tem som en te origem divina (veja capítulos 13-14); ela tam bém chegou até nós pela m ão de hom ens, e, p o rtan to , é u m livro h u m an o. Na verdade, ela é u m livro teantrópico (gr. theos, “D eus”; anthropos, “h o m e m ”). A sua Causa prim ária é o próprio Deus, mas suas causas secundárias são os seres hu m anos, e em bora ela seja a Palavra de Deus, tam bém representa palavras de hom ens. A FU G A D E D O IS E X T R E M O S P recisam os evitar dois e x trem o s ao estu d ar a Bíblia: P or u m lad o, a n eg ação ou d im in u ição das suas ca ra cterística s divinas p ela a firm ação dos seus tra ço s h u m a n o s; p o r o u tro lado, a afirm ação exagerad a de suas p ropried ad es divinas p ela n egação ou d im in u ição dos seus e le m e n to s h u m a n o s. A m a io ria dos estu d iosos liberais op ta p ela p rim e ira op ção (v e ja D eW olf, CTLP, 58-66), e m u ito s fu n d a m en ta lista s se en qu ad ram n a segu nd a (R ic e , O GBBB, 265, 2 8 5 -8 7 )1. Estes dois erro s são os equ iv alentes b ib lio ló g ico s do A rian ism o e do D o ce tism o , re sp ectiv a m e n te (v e ja F. L. Cross, O D C C , 87, 413). D o lado con serv ad o r do esp ectro te o ló g ico , existe a ten d ên cia de esq u ecer que a negação da h u m an id ad e de C risto significa ta m b ém a n eg ação da sua divindade, o que rep resen ta u m a heresia; os con serv ad o res são p ro p en so s a neg lig en ciar, senão negar p o r c o m p le to n a p rá tica , a h u m an id ad e das Sagradas E scritu ras. O D o ce tism o bíb lico, e n tre ta n to , é u m sério desvio d o u trin á rio , pois a B íblia é v erd ad eiram en te u m livro h u m a n o , e a neg ação dessa verdade é u m desvio eq u iv alen te à neg ação da h u m an id ad e de C risto . AS C A R A C T E R ÍS T IC A S H U M A N A S D A BÍBLIA A Bíblia apresenta várias características hum anas, incluindo os seus autores hum anos, os estilo literários, as perspectivas pessoais, os m odelos de raciocínio, as em oções, os interesses, e as fontes.
: Pouquíssimos fundamentalistas admitiriam que negam o caráter hum ano da Bíblia, mas John Rice chegou muito próximo a isso ao afirmar que as Sagradas Escrituras foram “verbalmente ditadas” (Rice, ibid.).
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A Bíblia Tem Autores Humanos Todos os livros da Bíblia foram compostos por autores humanos, totalizando aproxim adam ente quarentapessoas. Dentre eles, tem os os nomes de Moisés, Josué, Samuel, Esdras, Neemias, Davi, Salomão, Agur (Pv 30), Lemuel (Pv 31), Asafe (vários salmos), os filhos de C orá (vários salmos), Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel, Oséias, Joel, Am ós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum , Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias, Mateus, Marcos, Lucas, João, Paulo, Tiago, Pedro e Judas. Além destes autores tradicionalmente conhecidos, existem os autores hum anos desconhecidos dos livros de Jó, Ester e Hebreus. A exemplo de todos os outros livros hum anos, a Bíblia tam bém foi redigida por homens.
A Bíblia Foi Escrita em Idiomas Humanos Os idiomas da Bíblia são idiomas humanos. Algumas pessoas se aventuraram a falar em “grego do Espírito Santo”, crendo que Deus havia criado algum tipo de língua especial para transm itir a sua verdade. En tretanto, esta especulação foi deixada de lado co m a descoberta de papiros dos m anuscritos gregos (veja Deissman, LAE) e u m a m elhor com preensão do grego coiné, a língua costum eiram ente utilizada no com ércio no prim eiro século (n a qual o Novo Testam ento foi escrito). O Antigo Testamento também foi escrito em um a língua humana conhecida com o hebraico, com algumas pequenas porções em aramaico. O hebraico e o aramaico eram, ambas, línguas semíticas, e não há nada de não-humano ou de super-humano acerca desses dois idiomas. Deus simplesmente os considerou particularmente adequados para ser os veículos pelos quais Ele transmitiria originalmente a Sua verdade à humanidade (veja Geisler e Nix, GIB, capítulo 18).
A Bíblia Apresenta Estilos Literários Humanos A Bíblia tam bém utiliza diferentes estilos literários. Até m esm o os leitores que não estão familiarizados com os idiomas originais são capazes de detectar um a diferença evidente na capacidade e form a literárias dos autores bíblicos. Amós, u m fazendeiro do sul de Israel (Judá), reflete as suas raízes agrárias no estilo de discurso, ao passo que o uso especializado que o Dr. Lucas faz de term os técnicos revela um a form ação mais sofisticada n a cultura grega (da m esm a form a que o vocabulário utilizado pelo autor de Hebreus). O livro de Isaías ganha proem inência pelo seu estilo poético distinto. Em contraste, o to m m elancólico de Jeremias, no livro de Lamentações, é distinto pelas suas diferenças. Todos os alunos do prim eiro ano do curso de grego gostam da gram ática e do vocabulário simples de João, o pescador, em contraste co m o grego com plexo de Lucas. O fato simples desta questão é que além de ser u m livro hum ano, a Bíblia tam bém reflete diferentes graus de habilidade e form ação nas línguas em que ela foi redigida.
A Bíblia Utiliza Diferentes Formas Literárias Humanas A Bíblia não só reflete diferentes estilos literários, com o tam bém emprega várias formas humanas de discurso literário. Aqui podemos incluir a form a narrativa, com o em Samuel e Reis; a poesia, com em Jó e nos Salmos; as parábolas, com o nos Evangelhos Sinóticos; algumas alegorias, com o em Gálatas 4; o uso de símbolos, com o em Apocalipse; e as metáforas e comparações, que tam bém são abundantes nas Escrituras (cf. Tg 1—2). Até m esm o a sátira (M t 19.24) e a hipérbole podem ser encontradas na Bíblia (Cl 1.23). C om o outros escritos humanos, a Bíblia utiliza um a grande variedade de formas literárias para transmitir a sua mensagem.
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A B íblia R eflete D ife re n te s P e rsp e ctiv a s H u m a n a s As lim itações hum anas da Bíblia podem ser vistas em um a variedade de perspectivas hum anas que ela expressa. No Salm o 23, Davi falou do ponto de vista de u m pastor. Os iv ro s dos Reis são escritos de um a perspectiva profética, e os livro das Crônicas, de um a r erspectiva sacerdotal. Atos dos Apóstolos m anifesta u m interesse histórico (cf. Lc 1.1-4 e At 1.1), e 2 T im óteo reflete o coração de u m pastor. D iferentem ente de um livro m oderno de Astronom ia, os autores bíblicos falavam a partir da perspectiva de u m observador na superfície do planeta ao escrever sobre o nascer e o p ôr do sol Qs 3.4; 4.13; 2 Cr 4.2). A Bíblia R eflete D ife re n te s M o d elo s de R a c io c ín io H u m a n o A Bíblia revela modelos e processos do pensamento humano, incluindo o raciocínio hu m ano. A carta aos R om anos, por exem plo, é u m tratado lógico m in uciosam ente entretecid o que tem sido utilizado para dem onstrar os princípios e os processos do pen sam en to racional. Atos 17.2 diz; “E Paulo, com o tin h a p o r costu m e, foi ter com eles e, por três sábados, imputou co m eles sobre as Escrituras”. Nada é mais hu m an o do que o esquecim ento. E m 1 Coríntios, Paulo revela exatam ente este problem a, ao escrever; “D ou graças a Deus, porque a n e n h u m de vós batizei, senão a Crispo e a Gaio; para que ning u ém diga que fostes batizados em m eu n om e. E batizei tam bém a fam ília de Estéfanas; além destes, não sei se batizei algum o u tro ” (1 C o 1.1416)2. A Bíblia R ev ela E m o ç õ e s H u m a n a s A Bíblia não esconde as emoções dos autores. O apóstolo Paulo, por exem plo, expressa um a grande angústia acerca de Israel, dizendo; “Tenho grande tristeza e contínua dor no m eu coração” (R m 9.2). Ele tam bém revela um a grande ira com relação ao erro dos gálatas, declarando: “Ó insensatos gálatas! Q uem vos fascinou para não obedecerdes à verdade, a vós, perante os olhos de quem Jesus Cristo foi já representado com o crucificado?” (G1 3.1). A m elancolia e a solidão tam bém são manifestas nos seus últim os dias no cárcere (2 T m 4.9-16). E claro que a alegria é expressa em várias outras passagens, com o: “Fazendo, sempre com alegria, oração por vós em todas as m inhas súplicas” (Fp 1.4). Os autores das Sagradas Escrituras não eram andróides passivos; eles eram seres hum anos reais, que expressaram as suas em oções nos seus livros. A B íb lia M an ifesta In te re sse s H u m a n o s E sp ecíficos Os interesses hu m anos da Bíblia são revelados n a escolh a dos tem as, bem co m o na seleção das im agens que serviriam para tran sm iti-los. Lucas tin h a u m interesse m édico, conform e indicado pelo seu uso de term os m édicos (v eja Ramsay, IP ). Oséias tin h a u m interesse ru ral bem m arcan te, da m esm a fo rm a que Am ós, o pastor de T ecoa (A m 1.1). As várias figuras do m u nd o natu ral utilizadas por Tiago d enunciam u m interesse pela natu reza (cf. T g 1—2). Os anos de trabalho prático co m o pastor de Davi ficam bastante claros nos seus escritos, e assim por diante. A apresentação do m aterial de cada livro da Bíblia é colorid a pelas experiências e interesses dos seus autores.
* Ele não está afirmando nenhum erro aqui, mas afirma a verdade de acordo com o que consegue lembrar. E o que ele .embrou era verdade.
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A Bíblia É uma Expressão da Cultura Humana C om o u m livro basicamente semita, a Bíblia está recheada de expressões e práticas da cultura hebraica. A form a com u m de cum prim entar com u m beijo (ósculo) serve de exemplo: “Saudai a todos os irmãos com ósculo santo”, recom endou Paulo (1 Ts 5.26). De maneira semelhante, o véu feminino era sinal de respeito pelo marido e um a manifestação da cultura hum ana, pois “toda m ulher que ora ou profetiza com a cabeça descoberta desonra a sua própria cabeça, porque é com o se estivesse rapada” (1 Co 11.5).
Várias outras práticas do Oriente p r ó x im o são apresentadas nas Sagradas Escrituras, inclusive o lavar dos pés ao entrar em u m a casa (cf. Jo 13), o sacudir a poeira dos pés com o sinal de condenação (Lc 10.11), e o reclinar-se (não sentar-se) às refeições (Jo 13.23).
A Bíblia Faz Uso de outras Fontes Escritas da Humanidade M esm o que m uitos elem entos da Bíblia ten h am vindo p o r revelação direta de Deus, com o, por exem plo, os Dez M andam entos (E x 20) e as mensagens dos profetas (cf. Dn 2.28-30), algumas vezes Deus tam bém se revelava de form a indireta. C om o toda verdade é verdade de Deus, às vezes o au to r bíblico tam bém descobria a verdade de Deus em fontes humanas. O Antigo Testam ento norm alm en te utilizava escritos não-canônicos co m o fonte para suas inform ações; o Livro do Reto (Js 10.13) e o Livro das Guerras do Senhor (N m 21.14) são exemplos. “As crônicas de Samuel, o vidente [...] do profeta Natã, e [...] de Gade, o vidente” tam bém podem se encaixar nesta categoria (1 C r 29.29). No Novo Testamento, acredita-se que Lucas tenha tido acesso a fontes escritas que lhe estavam disponíveis (Lc 1.1-4)3. Paulo citou poetas não-cristãos em três ocasiões (At 17.28; 1 Co 15.33; Tt 1.12); Judas citou material de fontes não-canônicas — o livro Ascensão de Moisés e o Livro de Enoque (jd 9,14). Entretanto, estas citações não sancionam a veracidade de toda a obra mencionada, mas somente do que é apanhado pelo autor. Obviamente, em última instância, toda verdade vem de Deus, independentemente de qual possa ser a sua fonte imediata.
A BÍBLIA NÃO APRESENTA ERRO Existe u m a característica hum ana que a Bíblia não tem : os erros. M esm o que u m debate mais abrangente a respeito da inerrância seja feito som ente mais adiante (n o capítulo 27), adiantarem os aqui os seus contornos básicos.
O Texto Original não Contém Erros A lógica da inerrância é m uito direta: (1) Deus não pode errar. (2) A Bíblia é a Palavra de Deus. (3) Logo, a Bíblia não pode errar. C om o as Sagradas Escrituras foram sopradas por Deus (2 T m 3.16,17), e co m o Deus não pode ser fonte de inspiração de falsidade ou de erro, concluím os que a Bíblia não pode conter qualquer tipo de falsificação.
3 Apesar de estas referências poderem ser aos Evangelhos canônicos de Mateus e M arcos, que podem ter sido escritos antes do Evangelho de Lucas.
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A s C ó p ias n a o São Isen tas de E rro s Os cristãos podem reivindicar a inspiração direta de Deus som en te para o conteú d o integral do texto original, não para tudo o que está escrito nas cópias subseqüentes. A inspiração divina e a inerrância, p o rtan to , se aplicam ao texto original, e não a todos os detalhes de todas as cópias. As cópias são sem erros som en te à medida que foram feitas de fo rm a precisa, e elas^òram copiadas co m u m grande zelo e u m alto grau de precisão. Os cristãos crêem que Deus, na sua providência, preservou as cópias de erros substanciais; e, de fato, o grau de precisão é m aior do que se pode en con trar em outras obras do m u nd o antigo, excedendo 99 p or cento (v eja G eisler e Nix, G IB, capítulo 22). As razões para esta incrível precisão são; (1) tem os m u ito mais m anu scritos da Bíblia do que de ou tros livros da antigüidade, (2) os m anu scritos tem sua data de produção mais próxim a dos seus originais, e (3) eles foram copiados com precisão. E xistem ,
e n tre ta n to ,
alg u n s
erro s
m e n o res
co m etid o s
por
cop istas
nos
m a n u scrito s bíblicos — dois exem p lo s serão su ficien tes p ara ilu stra r este p o n to : 2 C rôn icas 22.2 diz que Acazias tin h a q u a ren ta e dois anos de idade, e n q u a n to que 2 Reis 8.26 afirm a que a sua idade era de vinte e dois. E le n ã o podia te r q u a ren ta e dois (u m e rro do co p ista ) p o rq u e seria m ais v elh o do que o seu pai. 2 C rôn icas 9.25 afirm a que S a lo m ã o tin h a q u atro m il estrebarias de cavalos, m as 1 Reis 4.26 diz que havia q u aren ta m il estrebarias, o que seria u m n ú m e ro a b su rd am en te m a io r do que o n ecessário para os seus doze m il cavaleiros. A respeito destes erros de copistas, é im p ortan te n otar que: (1 ) N e n h u m m a n u scrito orig in al foi e n co n tra d o c o m erro. (2 ) Os erros são re la tiv am en te raros nas cópias. (3 ) N a m a io ria dos casos, é possível saber qual palavra está errad a a p artir do co n te x to ou de passagens paralelas. (4 ) N e n h u m dos erros en co n trad o s afeta qu alqu er d o u trin a defendida pelas Sagradas E scrituras. (5 ) Os erros são, n a verdade, u m a g aran tia da precisão do p rocesso de cópia, já qu e os escribas que os copiavam tin h a m c o n h e c im e n to deles, m as, p o r qu estão de ética, obrigavam -se a co p iar ex a ta m e n te o qu e recebiam n o te x to an terio r. (6 ) Os erros n ã o afetam a m en sag em ce n tra l da Bíblia.
D e fato, é possível receber u m a m ensagem co m erros sem deixar de com preend er a totalidade do que ela quis com unicar. Por exem plo, suponham os que você ten h a recebido u m a m ensagem do banco W estern U n ion , inform and o: Você acaba de ganhar dez milhões de dólares!
Não h á dúvida de que vo cê iria lá co m prazer receb er o seu d in h eiro . E se o te le g ram a estivesse e scrito da fo rm a seg u in te, v o cê ta m b é m n ã o te ria n e n h u m tipo de dúvida: V ocê acaba de g a n h a r dez m ilh õ es de dólares! Você caba de g a n h a r dez m ilh õ es de dólares! Você acaba de g a n h a r dez m ilh õ es de dólares!
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Por que será que ficamos mais seguros quando existem mais erros? Porque cada u m dos erros se encontra em u m lugar diferente, e co m ele tem os mais u m a confirm ação das outras letras no original. E im portante n otar três coisas. Primeiro, m esm o co m u m a linha, co m erro e tudo, 100 p or cento da m ensagem foi transm itida. Segundo, quanto mais linhas, m aior a quantidade de erros. Mas, quanto m aior a quantidade de erros, m aior é a nossa certeza do que a m ensagem realm ente quis transm itir. Terceiro, o núm ero de m anuscritos bíblicos é centenas de vezes m aior do que as linhas do exem plo acima. E existe u m a percentagem m aior de erro neste telegram a do que na coleção de m anuscritos bíblicos.
Cristo e a Bíblia: Uma Boa Analogia Não existe analogia perfeita. As boas analogias, entretanto, apresentam similaridades importantes. E claro que todas as analogias têm diferenças, do contrário não seriam analogias. Algumas Similaridades Fortes Tanto Cristo quanto as Escrituras são teantrópicos, o que envolve três fatores principais: (1) Ambos são chamados de a Palavra de Deus. Cristo é a Palavra Viva de Deus (Jo 1.1), e a Bíblia é a Palavra escrita de Deus (Jo 10.34,35). (2) Ambos apresentam duas naturezas, uma divina e uma humana. (3) As duas naturezas de cada um são unidas por um meio. Tomando um termo emprestado da Cristologia (vejaVolume 2), ambos apresentam um tipo de “união hipostática”. As duas naturezas de Cristo são unidas em uma pessoa. E as duas naturezas de Cristo também são unidas em uma coleção de proposições (isto é, frases). De igual forma, (4) Tanto Cristo quanto as Escrituras não apresentam falha. Cristo não tem pecado (Hb 4.15; 2 Co 5.21), e a Bíblia não tem erros (Mt 22.29; Hb 6.18; cf. Jo 17.17). Algumas Diferenças Significativas As fortes semelhanças entre as Palavras viva e escrita de Deus não eliminam, entretanto, algumas diferenças significativas que devem ser notadas, a fim de não cairm os em u m a espécie de bibliolatria. Ao contrário de Cristo, que é Deus: (1) A Bíblia não é Deus. (2) Logo, a Bíblia não deve ser adorada. A diferença é que o meio unificador das duas naturezas de Cristo é Deus, a Segunda Pessoa da Trindade, ao passo que o fator unificador na Bíblia são as palavras hum anas. Enquanto na Bíblia existe u m a convergência do divino e do h um ano, isto não significa que ela seja Deus; já em Cristo a unidade é encontrada na Pessoa que é tanto Deus quanto h om em . C onseqüentem ente, Deus deve ser reverenciado (adorado), mas a Bíblia som ente deve ser respeitada, não reverenciada.
RESPOSTAS A DIVERSAS OBJEÇÕES CRÍTICAS Partindo de u m ensino bíblico claro de que ela é u m livro h um ano, os críticos, muitas vezes, argum entam que a Bíblia é u m livro que con tém erros.
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A O b je çã o a fav or das F a lh a s em L ivros H u m a n o s E s ta o b je ç ã o é b a s e a d a n o v e lh o d ita d o : “e r r a r é h u m a n o ” , e a s s u m e d u as fo r m a s , u m a ríg id a e o u t r a m o d e r a d a . A p r im e ir a f o r m a c o n t é m u m a p r e m is s a fa ls a , e a s e g u n d a ro r m a , u m a non sequitur.
Exposição da Forma Rígida A lg u n s o p o n e n t e s d a i n e r r â n c ia b íb lic a in s is te m q u e se a B íb lia se t r a t a d e u m liv ro h u m a n o , e la d e v e c o n t e r e r r o s , já q u e os se re s h u m a n o s c o m e t e m e r r o s . E x p o n d o de f o r m a m a is f o r m a l: (1) A Bíblia é u m livro h u m an o . (2) Os livros h u m a n o s sem p re ap resen tam erros. (3) Logo, a Bíblia ap resenta erros.
Resposta à Forma Rígida desta Objeção V is ta d e f o r m a r íg id a , a p r e m is s a m e n o r ( a s e g u n d a ) é fa ls a , p o is a f ir m a d e f o r m a e r r ô n e a : “O s liv r o s h u m a n o s sempre a p r e s e n t a m
e r r o s ” . M a s is s o n ã o é v e r d a d e ;
p r a t i c a m e n t e to d a s as p e s s o a s sã o c a p a z e s d e e s c r e v e r u m liv r o s e m e r r o s , e se u m s im p le s s e r h u m a n o é c a p a z d e e s c r e v e r u m liv r o s e m e r r o s , e n t ã o q u a n t o m e l h o r e le s n ã o p o d e m f a z e r c o m a a s s is tê n c ia e s p e c ia l d e D e u s im p e d id o - o s d e c o m e t e r ta is e r r o s , ta l c o m o o c o r r e u c o m o s a u t o r e s d as S a g r a d a s E s c r it u r a s (2 T m 3 .1 6 ,1 7 ; 2 P e 1 .2 0 ,2 1 )?
Exposição da Forma M oderada A f o r m a m o d e r a d a d e s ta o b je ç ã o a s s u m e o s e g u in te f o r m a t o : (1) A Bíblia é u m livro h u m a n o . (2) Os livros h u m a n o s, às vezes, ap resen tam erros. (3) Logo, a Bíblia ap resen ta erros.
Resposta à Forma M oderada desta Objeção C o m o fic a b e m c la r o , a c o n c lu s ã o d e s ta o b je ç ã o é in c o n s is te n t e , já q u e a B íb lia o o d e r ia se r u m a e x c e ç ã o — a c o n c lu s ã o e x c e d e as p r e m is s a s . O f a to d e o s liv ro s , às v ezes, o u a té m e s m o f r e q ü e n t e m e n t e , a p r e s e n t a r e m e r r o s n ã o s ig n ific a q u e a B íb lia a p r e s e n te e r r o s . C o m o já v im o s , o f a to d e a B íb lia t e r sid o e s c r ita p o r se re s h u m a n o s q u e e s ta v a m 5 0 b a ss is tê n c ia e s p e c ia l d a p a r t e d e D e u s im p e d in d o - o s d e to d o tip o d e e r r o b a s ta p a r a
e x p lic a r p o r q u e e la r e p r e s e n ta u m a e x c e ç ã o à re g r a .
A O b je çã o a fav or d a P ossibilidade de E rro s em O b ras H u m a n a s U m a c r ít ic a m a is so fistic a d a à in e r r â n c ia a r g u m e n ta a p a r tir d a n a t u r e z a d o liv re a rb ítrio h u m a n o . Is to p o d e ser m e lh o r c o m p r e e n d id o fa z e n d o o c o n t r a s t e c o m u m a e x p o siçã o típ ic a d a ló g ic a d a in e r r â n c ia , q u e a s s u m e o s e g u in te f o r m a t o : (1) D eu s n ã o pode errar. (2) A B íb lia é a Palavra de D eus. (3 ) Logo, a Bíblia n ã o pode errar.
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E n tre ta n to , os críticos arg u m e n ta m que a segunda prem issa é co n trá ria ao livrearbítrio, pois u m ato livre é u m ato que p oderia te r assum ido o u tro fo rm a to . Logo, a Bíblia poderia ap resen tar erros. De fo rm a lógica, esta objeção pode ser exposta assim: (1) Os seres humanos podem errar. (2) A Bíblia é um livro humano. (3) Logo, a Bíblia também pode errar.
Resposta à Objeção a favor da Possibilidade de Erros em Obras Humanas Existem três respostas possíveis que os “inerrantistas” poderiam dar a esta objeção. A prim eira aceita esta definição de livre-arbítrio e defende a form a m oderada de inerrância; a segunda rejeita esta definição de livre-arbítrio e defende a form a rígida de inerrância; e a terceira aceita esta definição de livre-arbítrio, mas retém u m a form a rígida de inerrância através de u m a distinção crucial. Primeira Resposta: Aceitação da Forma Moderada de Inerrância Esta resposta aceita que: (1) Os seres humanos podem errar. (2) A Bíblia é um livro humano. (3) Logo, a Bíblia pode errar. En tretanto, esta resposta simplesmente nega que a Bíblia de fato erra. Esta resposta reafirm a a lógica da inerrância, da seguinte form a: (1) A Bíblia é um livro humano. (2) E possível que os seres humanos falem sempre a verdade. (3) Logo, é possível que a Bíblia fale sempre a verdade. Portanto, m esm o nesta form a m oderada, podem os sustentar esta visão rígida do livre-arbítrio e m an ter u m a visão m oderada de inerrância. Segunda Resposta: Aceitação da Forma Rígida de Inerrância O u tra possível resposta é aceitar a fo rm a rígida de inerrância, o que significa acreditar que a Bíblia não pode errar (n ão que ela sim plesm ente não erra) e negar esta fo rm a rígida de livre-arbítrio. Os ultra-calvinistas (veja Volum e 3) sustentam este p onto de vista (os arm inianos preferem a prim eira opção, adm itindo o livre-arbítrio e u m a form a m od erad a de in errância). Neste segundo m odelo, som en te precisam os insistir que quando os autores bíblicos escreveram os seus livros (se não em todas as outras obras que eles possam , eventualm ente, ter escrito) não estavam livres para errar, já que Deus os estava im pulsionando de m an eira irresistível e im pedindo que incorressem em erros.
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Terceira Resposta: Aceitação tanto de uma Visão Rígida do Livre-Arbítrio quanto de uma Visão Rígida da Inerrância Existe, ainda, u m a terceira opção aberta ao “inerrantista” rígido. Ele pode argum entar duas coisas: (1) qu e a Bíblia não pode errar, e que (2) os au to res h u m a n o s das Sagradas E scritu ras eram livres para errar qu and o escreveram os livros bíblicos.
Isto é possível fazendo u m a im p ortan te distinção entre as naturezas divina e hu m ana das Sagradas Escrituras. A pliquem o-la prim eiro à Palavra Viva de Deus (que tam bém tem duas naturezas), e então tam bém à sua Palavra escrita. C o m o D eu s, C risto era in ca n sá v e l; p o ré m , c o m o h o m e m , Ele se fatigava. C o m o D eu s, C risto n ã o sen tia fo m e ; c o m o h o m e m , E le sen tia. C o m o D eu s, Ele n ã o m o rria ; c o m o h o m e m , E le m o r r e u . Ig u a lm e n te , c o m o D eu s, C risto n ão p o d eria p e ca r; c o m o h o m e m , E le o p o d eria (já que era liv re ), m as n ã o o fez (Hb 4.15; 2 C o 5.21). E n q u a n to alg u n s ev a n g é lico s (n o r m a lm e n te os u ltra -c a lv in is ta s ) n ão a ce ita m que C risto p o d eria te r pecado, (v e ja V o lu m e 2), m u ito s C alv in istas m o d erad o s e to d o s os A rm in ia n o s c o n siste n te s a firm a m que C risto p o d e ria te r p ecad o, m as Ele n ão o fez. C o m o isto seria possível? Porque C risto tem duas naturezas, e, p o rtan to , é necessário que façam os u m a distinção en tre ambas. Assim, o pecado é impossível à medida que C risto é Deus, e é possível à medida que Ele é tam bém h om em . De form a sem elhante, o m esm o raciocínio se aplica à Palavra escrita de D eus, que tam bém apresenta duas naturezas, ou seja: (1) à m ed id a que ela é a Palavra de D eus, a Bíblia n ão pode errar, m as (2) à m edida que ela é palavra de h o m en s, a Bíblia pode errar (só qu e isto n ão aco n tece).
C o m o u m a e a m esm a palavra da Bíblia provém ta n to de D eus q u anto de h om ens, precisam os d istinguir qual relação está em questão. Isto n ão representa u m a violação da lei da n ão -co n trad ição (v eja cap ítu lo 5), já que para haver u m a contrad ição precisam os afirm ar e negar a m esm a coisa ao m esm o tem p o, na mesma relação A d a p ta çã o à L im ita çã o sem A c o m o d a ç ã o a o E rro Existe um a união teantrópica m isteriosa entre as duas naturezas das Sagradas Escrituras, da m esm a fo rm a que existe entre as duas naturezas de Cristo. Em am bos os casos, precisam os levantar duas perguntas sobre cada u m a delas, já que ambas apresentam duas naturezas distintas. A lguém não poderia sim plesm ente perguntar: “Será que Cristo poderia pecar?” Ele: deve perguntar:
4 Existe aqui um paralelo direto entre a questão da predestinação de Deus e o livre-arbítrio hum ano. Ambos são possíveis sem haver contradição, desde que façamos a distinção entre a m esm a ação sendo determinada do ponto de vista da presciência de Deus e, contudo, sendo livre do ponto de vista da liberdade hum ana de escolha (veja Volume 2, parte 2).
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(1) “Será que Cristo, como Deus, poderia pecar?” (Nao), e (2) “Será que Ele, como homem, poderia pecar? (Sim, mas Ele não o fez.) Da m esm a form a, duas perguntas, e não um a, devem ser feitas a respeito da Bíblia: (1) “Será que a Bíblia, como Palavra de Deus, poderia errar?” (Não, pois Deus não pode errar), e (2) “Será que ela, como palavra de homens, poderia errar?” (Sim, mas isto não aconteceu.) Isto não é um a contradição, mas um mistério —com o seria possível? Acima de tudo, Deus é infinito e o hom em é finito. Além disso, Deus não é livre para errar, mas o hom em sim. A resposta a esta pergunta está naquilo que os teólogos ortodoxos costu m am cham ar de “acom odações” divinas, mas que nós (em função do m au uso deste term o ) preferimos denom inar adaptações divinas. Obviamente, se for preciso haver união entre Deus e o h om em , em algum nível, é o Deus infinito que precisa adaptar-se à finitude do h om em . Isto é possível porque existe u m a analogia entre os dois (veja capítulos 4 e 9); sem similaridade, a unidade seria impossível. Isto é verdadeiro tanto para a Palavra Viva de Deus quanto para a Sua Palavra escrita. Na Encarnação, Deus precisou aceitar assumir a form a h um ana (veja Volume 2), assim co m o precisou aceitar to rn ar possível a unidade da Sua Palavra co m a palavra de hom ens para form ar as Sagradas Escrituras. Na verdade, a convergência entre cada afirmação (ou negação) na Bíblia é sem pre divinamente iniciada. Podemos resum ir isto neste contraste entre a visão ortod oxa da adaptação divina à finitude h um ana e a visão h eterodoxa da acom odação divina ao erro (veja Geisler, BECA, 1-3).
Adaptação
Acomodação
A d ap tação ao entendim ento finito Finitude h um ana •Verdades parciais •Verdade rev elad a em linguagem humana ■Condescendência da verdade divina A n tropom orfism os necessárias
•Acomodação ao erro finito •Pecaminosidade hum ana •Erros reais •Verdade disfarçada em linguagem h u m an a •Comprometimento da verdade divina
•Verdades parciais •Podemos con hecer a n a tu r e z a de Deus •Sabemos o que r e a lm e n t e &
■Mitos necessários •Podemos conhecer a atividade de Deus •Sabemos o que aparentem ente é
A Objeção de que os Livros Humanos Sao Decaídos Esta objeção, que surge a partir da teologia n eo -o rto d o xa de Karl B arth , insiste que a Bíblia, a exem plo de todos os livros hum anos, tam bém é u m livro decaído. A rgum entando a partir de u m a visão extrem ada da depravação hum ana, esta posição pode ser resum ida nas seguintes linhas: (1) A depravação total se estende a todas as atividades humanas, inclusive às nossas línguas. (2) A Bíblia foi escrita em línguas humanas. (3) Logo, a depravação humana também se estende à Bíblia.
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Isto significaria que a Bíblia, com o livro h u m an o, tam b ém é u m livro depravado. Nessa condição, tam bém estaria contam in ado tan to pelo erro quanto pelo pecado. E claro que os estudiosos da escola barthiana se apressam a acrescentar que apesar do caráter decaído da Bíblia, ela representa tanto um registro da revelação divina (m esm o sendo falível) quanto um instrum ento por intermédio do qual Deus nos fala, da m esm a form a que a voz original ainda pode ser ouvida em u m disco de vinil quebrado. Dessa forma, apesar do fato de a Bíblia ser u m livro hum ano, decaído, e de apresentar erros, de acordo com este ponto de vista, ela continua a ser o instrum ento pelo qual Deus fala conosco hoje. Em resposta a esta apresentação n eo -o rto d o xa das Sagradas Escrituras, precisam os apontar aqui u m a série de erros n ela apresentados. Primeiro, esta visão é contrária ao que a Bíblia reivindica sobre si própria, a saber, o fato de ela ser u m a revelação infalível de Deus, e não u m m ero registro falível da revelação de Deus (v eja capítulos 17-18). Segundo, esta posição é contrária a u m a visão praticam ente un ânim e e contínu a que
os Pais da igreja e os grandes m estres da igreja cristã sem pre m antiveram até os tem pos m odernos (veja capítulos 17-18). Terceiro, esta visão é baseada em u m a disjunção auto-d estrutiva de fato e de valor que surge a partir de Im m an u el Kant (veja Geisler, “K”, in: BECA). Quarto, este ensino é contrário à afirm ativa bíblica de que até m esm o seres hum anos
decaídos são feitos à im agem de Deus (G n 9.6; T g 3.9), a qual, m esm o tendo sido m anchada pelo pecado, não foi to ta lm en te apagada deles. Quinto, esta perspectiva está fundam entada em u m a falsa lógica de que a revelação
de Deus pode oco rrer em atos, mas não em palavras. Ela afirm a que m esm o Deus não estando m o rto , Ele é m udo. Mas é claro que u m Deus que cria seres capazes de falar, tam bém é capaz de fazer isto (v eja capítulo 9). Sexto, Barth cria que Cristo era Deus feito carne hum ana. Se é assim, quando Jesus falava
aqui neste m undo, Ele falava as Palavras do próprio Deus. Porém , se B arth estiver correto a respeito do estado decaído das línguas hum anas, quando Jesus utilizou um a língua hum ana, as suas palavras eram decaídas, pecaminosas e continham erro. C om o diria o apostolo Paulo: “Q ue pereça, então, todo o pensam ento!” Sétimo, a visão de B arth nega a validade da revelação geral (veja capítulo 4), a qual é afirmada pela Bíblia (SI 19.lss.; Rm 1.19,20; R m 2.12-15; A t 14.15-17; 17.24-27), pois a
revelação geral de Deus está disponível e pode ser “claram en te” vista p o r seres hum anos decaídos que a rejeitam por conta e risco da sua danação etern a (R m 1.20; 2.12). CON CLUSÃO A Bíblia é u m livro inteiram ente hum ano. Ela tem autores hum anos, está escrita em idiomas hum anos, e apresenta praticam ente todas as características que podem ser vistas em outras obras hum anas — exceto o fato de não conter erros. Mas a sua inerrância não faz dela m enos hum ana que Jesus Cristo, que era com pletam ente hum ano, mas m esm o issim não tinha pecado. Na verdade, se analisarmos, não é a ausência de erros e de pecaminosidade ? je diminui a nossa humanidade; é a presença deles. Adão, bem com o os santos no céu, tam bém não
tinha pecado, mas nem por isso eram m enos hum anos. D entre todos os livros conhecidos i a humanidade, a Bíblia é tão hu m an a quanto as pessoas o são, mas sem apresentar erro. -Omo isto é possível? Pela adaptação à finitude, sem a acom odação ao erro.
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FONTES B arth , Karl. Church Dogmatics, Volume I. B runner, Emil. Revelation and Reason. Clark, G ordon. God’s Hammer: The Bible and Its Critics. Cross, F. L., ed. The Oxford Dictionary o f the Christian Church. Deissmann, Adolph. Light From the Ancient East. DeWolf, Harold. The Case for Theology in Liberal Perspective. Geisler, N orm an. Baker Encyclopedia o f Christian Apologetics. ________ . Inerrancy. ________ . “K ant”, in: Baker Encyclopedia o f Christian Apologetics. Geisler, N orm an e Thom as Howe. When Critics Ask. Henry, Carl. God, Revelation, and Authority. Ramsay, Sir William. Luke the Physician. Rice, John R. Our God-Breathed Booh —The Bible. Warfield, B. B. Limited Inspiration.
JESUS E A BIBLIA
visão de Jesus sobre a Bíblia é de particu lar interesse para os evangélicos, já que Ele é considerado, por nós, o Deus Encarnado (v eja V olum e 2), e, p o rtan to , tu do o que Ele afirm a vem acom panhado da autoridade divina. Assim, tudo o que Jesus ensinou sobre a Bíblia é tido co m o a ú ltim a palavra sobre o assunto. Admitindo que Deus existe (veja capítulo 2), e que os milagres são possíveis (veja capítulo 3), até m esm o os não-evangélicos não se sentem à vontade em não adm itir que Jesus fala com autoridade divina —pelo m enos, se aceitarm os a autenticidade dos relatos contidos nos Evangelhos (veja capítulo 26). Se os Evangelhos apresentam os ensinos de Jesus com exatidão, e se o que Ele ensinou recebeu a autoridade confirm ada pelos milagres que se seguiram (cf. Jo 3.2; A t 2.22; Hb 2.3,4), então o que Jesus ensinou a respeito da origem e da natureza das Sagradas Escrituras tam bém possui autoridade divina. Jesus A firm o u a A u to rid a d e D iv in a da Bíblia Em diversas ocasiões, Jesus utilizou a expressão: “Está escrito ” (M t 4.4,7,10). Ele passou a seguinte instrução: “N em só de pão viverá o h om em , mas de toda a palavra que sai da boca de D eu s” (M t 4.4). Jesus chegou até m esm o a apelar para as Sagradas Escrituras com o a fo n te m aior de autoridade na disputa que travou co m Satanás: “Vai-te, Satanás, porque está escrito: Ao Sen h or, teu Deus, adorarás e só a ele servirás” (M t 4.10). Jesus A firm o u a su a In d e stru tib ilid a d e “Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim ab-rogar, m as cum prir. Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, nem um jo ta ou u m til 5e om itirá da lei sem que tudo seja cu m p rid o” (M t 5.17,18). Jesus R e fo rço u o seu C a r á te r N ã o -A n u lá v e l “Pois, se a lei cham ou deuses àqueles a quem a palavra de Deus foi dirigida (e a Escritura não-pode ser anulada)” (Jo 10.35). (Isto eqüivale a afirm ar que a Bíblia é infalível.)
jesus D e cla ro u a su a S u p re m a cia Fin al A Bíblia é exaltad a acim a de todas as in stru çõ es hu m anas. Jesus disse aos líderes adeus: “E p o r que vocês tran sg rid em o m an d am en to de D eus por causa da tradição
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de vocês? [...] Assim, p o r causa da sua tradição, vocês an ulam a palavra de D eus” (M t 15.3,6, NIV).
Jesus Afirmou a sua Inerrância Factual “Jesus, porém, respondendo, disse-lhes: Errais, não conhecendo as Escrituras, nem o poder de Deus” (M t 22.29). E Jesus também orou ao Pai: “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade” (Jo 17.17). Em suma, a Bíblia é completamente verdadeira, sem nenhum erro.
Jesus Insistiu na sua Confiabilidade Histórica Jesus chegou ao ponto de confirmar a historicidade de passagens que são m otivo de m uita discussão, com o, por exemplo, o Dilúvio que ocorreu na época de Noé e o relato de Jonas e o grande peixe. “Pois, como Jonas esteve três dias e três noites no ventre da baleia, assim estará o Filho do H om em três dias e três noites no seio da terra” (M t 12.40; cf. 16.4). Além disso: “E, com o foi nos dias de Noé, assim será tam bém a vinda do Filho do Hom em . Porquanto, assim com o, nos dias anteriores ao dilúvio, com iam , bebiam, casavam e davam-se em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca” (M t 24.37,38; cf. 10.15; 12.42; 19.4-6).
Jesus Afirmou a sua Precisão Científica Até m esm o no tem a altam ente controvertido da origem do m undo e da hum anidade, Jesus insistiu na veracidade da Bíblia. Ele se referiu à criação do universo, ao dizer: “porque, naqueles dias, haverá u m a aflição tal, qual n unca houve desde o princípio da criação, que Deus criou, até agora, nem jamais haverá” (M c 13.19). Jesus também afirmou a criação de Adão e Eva, dizendo: “Não tendes lido que, no principio, o Criador osfez m aào efêmea e disse: Portanto, deixará o hom em pai e mãe e se unirá à sua mulher, e serão dois num a só carne?” (M t 19.4,5). Em outra passagem bíblica, Ele acrescenta: “Se vos falei de coisas terrestres, e não crestes, com o crereis, se vos falar das celestiais?” (Jo 3.12). A autoridade da Bíblia é confirm ada pela autoridade de Jesus; se Ele é o Filho de Deus, então a Bíblia tam bém é a Palavra de Deus. Na verdade, m esm o que Jesus fosse som ente u m profeta de Deus, a Bíblia seria a Palavra de Deus. Som ente poderem os rejeitar de form a consistente a autoridade divina das Sagradas Escrituras se rejeitarm os a autoridade divina de Cristo, pois, se Jesus está dizendo a verdade, então é verdade que a Bíblia é a Palavra de Deus.
JESUS E OS AUTORES DO NOVO TESTAMENTO AFIRMARAM A TOTALIDADE DO ANTIGO TESTAMENTO Jesus afirmou a autoridade da totalidade do Antigo Testam ento judaico, que é o m esm o Antigo Testam ento protestante (co m trinta e nove livros), apesar de os livros estarem em ou tra ordem e serem contados de form a diferente (veja capítulo 28). Esta afirmação é evidente a partir de várias verdades.
Jesus Utilizou Expressões que se Referiam ao Antigo Testamento como um Todo Jesus em pregou vários term os que se referiam ao Antigo Testam ento co m o u m bloco único; três delas, especificamente, nos vêm à m ente. Primeiro, “a lei e os profetas”, ou um a expressão equivalente (p or exem plo, “Moisés e os Profetas”) é aplicada u m a dúzia de
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vezes no N ovo Testam ento. O uso que Jesus faz dela d enota claram ente que a intenção era m encionar o Antigo Testam en to com p leto (Lc 24.27; cf. 24.44). Segundo, a expressão “as E scrituras” é utilizada por Jesus e por ou tros autores do Novo Testam ento para se referir ao Antigo Testam ento com o u m todo. Dois destes casos são zncontrados em João 5.39 e 10.35. Terceiro, Jesus utilizou u m a expressão equivalente à “de Gênesis ao Apocalipse” para sc referir ao Antigo Testam ento com p leto: “Para que sobre vós caia todo o sangue ju sto, ;u e foi derram ado sobre a terra, desde o sangue de A b el, o justo, até ao sangue de Z acarias, filho de Baraquias, que m atastes entre o santuário e o altar” (M t 23.35). Jesus C ito u a M aio r P a rte d o s Livros d o A n tig o T e s ta m e n to de F o rm a S ep arad a De acordo com a contagem que os judeus faziam dos livros do A ntigo T estam ento, havia vinte e dois (ou vinte e quatro), dependendo da idéia que se fazia do livro de R u te e do de Lam entações —o prim eiro podia ser considerado parte de Juizes, e o segundo, parte de Jerem ias. Dos vinte e dois livros, Jesus e os discípulos, que foram os autores do Novo T estam ento, fizeram m enção de dezoito deles (veja G eisler e Nix, G IB , capítulo 4). Jesus se R e fe riu ao A n tig o T e s ta m e n to c o m o u m T o d o Jesus indicou que o Antigo Testam ento com pleto é a Palavra de Deus em expressões com o “a Lei e os Profetas” (o cânon com pleto do Antigo Testam ento): “Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim ab-rogar, mas cu m prir” (M t 5.17). Tam bém : “E, com eçando por Moisés e por todos os profetas, explicava-lhes o que dele se achava em todas as Escrituras” (Lc 24.27). U m a vez Ele se referiu a todos os livros, de Gênesis até 2 Crônicas (o últim o livro do cânon judaico): “Para que sobre vós caia todo o sangue justo, que foi derramado sobre a terra, desde o sangue de Abel, o ju sto, até ao sangue de Zacarias, filho de Baraquias” (M t 23.35). Isto é equivalente à expressão “de Gênesis a Malaquias”. Jesus P ro m e te u C o n f e rir A u to rid a d e D iv in a a o N o v o T e sta m e n to Jesus não som ente confirm ou que o Antigo Testamento é a Palavra de Deus, com o tam bém prom eteu o m esm o para o Novo Testamento, ao afirmar que o Espírito Santo ensinaria “todas as coisas” aos apóstolos e lhes guiaria “em toda a verdade”. Ele anunciou: “Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em m eu nom e, vos ensinará todas as coisas e vos fará lem brar de tudo quanto vos tenho dito” (Jo 14.26). Ele ainda acrescentou: “Mas, quando vier aquele Espírito da verdade, ele vos guiará em toda a verdade” Qo 16.13). Os A p ó s to lo s A le g a ra m q u e as su as P alav ras T in h a m e sta A u to rid a d e D ivin a Os apóstolos mais proem in entes de Jesus com preend eram as suas declarações e o papel que cada um tin h a no cu m p rim en to delas, pois tam bém reivindicaram falar co m a autoridade de Deus, co m o fica evidente nas afirm ações que fizeram nos seus livros. Paulo declarou: “Mas faço-vos saber, irm ãos, que o evangelho que por m im foi anunciado não é segundo os hom ens, porque não o recebi, nem aprendi de homem algum, mas p e la revelação de Jesu s Cristo” (G1 1.11,12). Em 1 C oríntios, ele acrescentou: “As coisas que vos escrevo são mandamentos do Senhor” (1 Co 14.37).
João afirm ou: “O que era desde o princípio, o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos próprios olhos, o que contem p lam os, e as nossas m ãos apalparam , co m respeito ao Verbo da
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vida” (1 Jo 1.1, RA). C onseqüentem ente, ele insistiu: “Nós somos de Deus; aquele que conhece a Deus ouve-nos; aquele que não é de Deus não nos ouve. Nisto conhecem os nós o espírito da verdade e o espírito do erro ” (1 Jo 4.6). Pedro insistiu que as palavras que ele escreveu eram vindas de Deus, da m esm a forma com o ocorria com os profetas do Antigo Testamento: “Sabendo primeiramente isto: que nenhum a profecia da Escritura é de particular interpretação; porque a profecia nunca foi produzida por vontade de hom em algum, m s os homens santos de Deusfalaram inspirados pelo Espírito Santo” (2 Pe 1.20,21). Ele ainda acrescentou: “Porque não vos fizemos saber a virtude e a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, seguindo fábulas artificialmente compostas, mas nós mesmos vimos a sua majestade [...] E ouvimos esta voz dirigida do céu, estando nós com ele no monte santo” (2 Pe 1.16,18).
Paulo Citou os Evangelhos Paulo citou as palavras de Jesus que constam no Evangelho de Lucas (10.7; cf. M t 10.10), e as cham ou de “Escrituras” juntam ente co m o Antigo Testamento: “Porque di2 a Escritura: Não ligarás a boca ao boi que debulha. E: Digno é o obreiro do seu salário” (1 T m 5.18).
Pedro Reconheceu as Cartas de Paulo como Sagradas Escrituras Pedro escreveu: “e tende por salvação a longanimidade de nosso Senhor, com o tam bém o nosso am ado irm ão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada, falando disto, co m o em todas as suas epístolas, entre as quais há pontos difíceis de entender, que os indoutos e inconstantes torcem e igualm ente as outras Escrituras, para sua própria perdição” (2 Pe 3.15,16, grifo adicionado)
O Novo Testamento É o Único Registro Autêntico dos Ensinos Apostólicos A lém do Novo Testam ento, existem outras poucas fontes que alegam conter registros do ensino apostólico, e estas são os livros apócrifos (veja capítulo 28), que foram com postos por não-apóstolos, u m século ou mais depois da época de Cristo. O único registro histórico confiável (veja capítulo 25) do prim eiro século acerca do que Jesus e os apóstolos ensinaram é o N ovo Testam ento. Assim, o Novo Testamento também é confirmado como Palavra de Deus. Portanto, a autoridade do Antigo Testam ento foi diretam ente confirm ada por Jesus, e o N ovo Testam ento foi indiretam ente confirm ado co m o portad or do m esm o tipo de autoridade. Dessa form a, a Bíblia toda — Antigo e Novo Testam entos — está confirm ada por Cristo co m o sendo a Palavra do Deus Vivo.
CRISTO E OS CRÍTICOS Para em baraço eterno dos críticos da Bíblia, pelo m enos daqueles que alegam ser seguidores de Cristo, Jesus afirmou exatam ente o oposto do que a m aior parte dos adeptos da “alta crítica” afirma. Exporem os, a seguir, um a am ostra de tópicos nos quais existe conflito entre Cristo e os seus depreciadores.
Jesus Afirmou que Daniel Era um Profeta, não somente um Mero Historiador Muitos críticos insistem que Daniel foi u m historiador, e não u m profeta que fez predições sobre o futuro, o qual escreveu o seu livro por volta do ano 165 a.C. —depois dos eventos que
anunciou a respeito da Babilônia, da Medo-Pérsia, da Grécia e de R om a (D n 2.7). Jesus, entretanto, afirmou que Daniel foi u m profeta que antecipou o acontecim ento de certos eventos, nas seguintes palavras: “Quando, pois, virdes que a abominação da desolação, de que falou o profeta Daniel, está no lugar santo (quem lê, que entenda), então, os que estiverem na Judéia, que fujam para os m ontes” (M t 24.15,16). Jesus continuou o seu discurso dando um a predição a respeito da destruição de Jerusalém com quase quatro décadas de antecedência. Jesus C o n firm o u q u e D eu s C rio u A d ã o e E v a A m aioria dos críticos da Bíblia acredita que o prim eiro ser h u m an o é o resultado da evolução de form as prim itivas de vida. Mas, ao responder u m a pergun ta a respeito do relacionam ento entre m arido e m u lh er, Jesus d em onstrou as bases do casam ento do prim eiro casal, que, con form e as suas palavras, foi criado por Deus: “Ele, porém , respondendo, disse-lhes: Não tendes lido que, no princípio, o Criador os fez m ach o e fêm ea e disse: P ortanto, deixará o h o m em pai e m ãe e se u n irá à sua m u lh er, e serão dois n u m a só carne?” (M t 19.4,5). Jesus A firm o u q u e Jo n as F o i, de F a to , E n g o lid o p o r u m G ra n d e P eixe M uitos críticos negam a história de Jonas e do peixe, cham ando-a de m ito. Jesus, entretanto, considerava-a com o literalm ente verdadeira, com parando-a textualm ente com a sua m orte e ressurreição: “Pois, com o Jonas esteve três dias e três noites no ventre da baleia, assim estará o Filho do H om em três dias e três noites no seio da terra” (M t 12.40). Jesus C o n firm o u q u e o M u n d o F ico u S u b m e rso n o D ilú v io Os críticos do Antigo T estam en to há m u ito vêm negando a historicidade dos onze prim eiros capítulos de Gênesis, especialm ente no que se refere à história do Dilúvio de Noé. E n tretan to , Jesus afirm ou a sua veracidade, com parand o-o co m a sua própria segunda vinda literal: “E, como fo i nos dias de Noé, assim será tam bém a vinda do Filho do H om em . Porquanto, assim co m o , nos dias anteriores ao dilúvio, com iam , bebiam, casavam e davam-se em casam ento, até ao dia em que Noé entrou na arca, e não o perceberam , até que veio o dilúvio, e os levou a todos, assim será tam bém a vinda do Filho do H o m em ” (M t 24.37-39). Jesus S u s te n to u a E x is tê n c ia de s o m e n te u m Isaías, n ã o dois Os críticos do A ntigo T estam en to há m u ito sustentam a existência de dois profetas denom inados por “Isaías”; o prim eiro teria escrito os capítulos 1—39, e o segundo, os capítulos 40—66. U m a das razões que suscita esta suspeita é a descrença que os críticos têm nos m ilagres (v eja capítulo 3). C o m o Isaías se refere ao Rei Ciro, que nasceu pouco depois do encerram en to da prim eira seção do livro, os céticos, a partir de u m a base pu ram ente naturalista, consideram necessário dar à segunda seção um a data posterior à época de Ciro, a fim de acom od ar a m en ção feita ao seu nom e. E n tretanto, Jesus fez citações das duas seções de Isaías, considerando-as co m o um a coisa só. Em Lucas 4.17-20, Jesus cita Isaías 61.1,2, e em M arcos 7.6, Ele m encion a Isaías 29.13. A lém disso, u m dos discípulos que recebeu os ensinam entos de Jesus tam bém faz citações das duas seções de Isaías exatam ente na m esm a passagem, atribuindo as duas citações a u m ún ico e m esm o profeta, cham ado de Isaías (Jo 12.37-41; cf. Is 6.10; 53.1).
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Jesus Confirmou que Davi É mesmo o Autor dos Salmos a Ele Atribuídos A m aior parte dos críticos do Antigo Testamento nega que Davi tenha escrito mais de setenta salmos que lhe são atribuídos, alegando que deste núm ero ele escreveu, no máximo, alguns poucos, se é que chegou a escrever algum. Entretanto, Jesus citou u m destes salmos controvertidos (SI 110.1) e o atribuiu ao Rei Davi, quando questionou os líderes judeus: “Disselhes ele: Com o é, então, que Davi, em espírito, lhe cham a Senhor, dizendo: Disse o Senhor ao m eu Senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos por escabelo de teus pés. Se Davi, pois, lhe cham a Senhor, com o é seu filho?” (M t 22.43-45).
Jesus e os seus Discípulos Afirmaram muitas outras Pessoas e Eventos do Antigo Testamento As seções mais controversas do Antigo Testam ento foram pessoalmente confirmadas por Cristo e pelos discípulos — aos quais Ele m esm o passou o seu ensino. Eles fizeram citações de cada u m a dessas seções (algum as das quais já mencionadas acim a) do Antigo Testam ento, m encionando os seus capítulos mais controvertidos (G n 1—22). 1. A Criação do universo (Gn 1 —♦Jo 1.3; Cl 1.16). 2. A Criação de Adão e Eva (Gn 1—2 1 Tm 2.13,14). 3; O casamento de Adão e Eva (Gn 2 -► 1 Tm 2.13). 4. A tentação da mulher (Gn 3 —+ 1 Tm 2.14). 5. A desobediência de Adão (Gn. 3 Rm 5.12; 1 Co 15.22). 6. Os sacrifícios de Abel e Caim (Gn 4 -► Hb 11.4). 7. O assassinato de Abel por Caim (Gn 4 -► 1 Jo 3.12). 8. O nascimento de Sete (Gn 4 -► Lc 3.38). 9. O arrebatamento de Enoque (Gn 5 -► Hb 11.5). 10. O casamento antes do Dilúvio (Gn 6 ~ ►Lc 17.27). 11. O Dilúvio e a destruição da humanidade (Gn 7 -► Mt 24.39). 12. A salvação de Noé e da sua família (Gn 8—9 —►2 Pe 2.5). 13. A genealogia de Sem (Gn 10 —►Lc 3.35,36). 14. O nascimento de Abraão (Gn 11 -► Lc 3.34). 15. O chamado de Abraão (Gn 12—13 Hb 11.8). 16. O dízimos a Melquisedeque (Gn 14 ~+ Hb 7.1-3). 17. A justificação de Abraão (Gn 15 -► Rm 4.3). 18. Ismael (Gn 16 —*■G14.21-26). 19. A promessa de Isaque (Gn 17 “ ►Hb 11.18). 20. Ló e Sodoma (Gn 18-19 - * Lc 17.29). 21. A fixação de Abraão na terra (Gn 20 Hb 11.9). 22. O nascimento de Isaque (Gn 21 —* At 7.8). 23. A oferta de Isaque (Gn 22 —*■Hb 1,1.17)1. 24. A sarça ardente (Êx 3.2-6 —* Lc 20.37). 25. O Êxodo através do mar Vermelho (Êx 14.22 -► 1 Co 10.1,2). 26. A provisão de água e do maná no deserto (Êx 16.4; 17.6 —►1 Co 10.3-5). 27. O hasteamento da serpente no deserto (Nm 21.9 “ * Jo 3.14).
1 Os versículos seguintes são um a am ostra representativa dos eventos mais im portantes do Antigo Testam ento que são considerados autênticos por Jesus e pelos seus discípulos no Novo Testam ento.
28. A qu eda de Jericó (Js 6.12-25 ~ ► Hb 11.30). 29. Os m ilag res de Elias (1 Rs 17.1; 18.1 - * T g 5.17,18). 30. A perm anência de Jonas n o ventre de u m grande peixe (Jn 2 —•►M t 12.40). 31. Os três jov en s h ebreu s d en tro de u m a fo rn a lh a (D n 3 —* Hb 11.34). 32. D an iel n a cova dos leões (D n 6 - ► Hb 11.33). 33. A m o rte de Z acarias (2 C r 24.20-22 —* M t 23.35).
A luz das evidências, a escolh a é clara: Cristo ou os críticos? O que Jesus afirm a, eles negam . Porém , se Jesus é o Filho de Deus, a Bíblia tam bém é a Palavra de Deus, incluindo 0 que ela fala a respeito destes autores e eventos. E, se a Bíblia não é a Palavra de Deus, então Cristo tam bém não é o Filho de Deus. As duas Palavras de Deus, aV iva e a escrita, estão intrinsecam ente ligadas. RESPO STA ÀS T E O R IA S C R ÍT IC A S Além de negarem a historicidade dos relatos contidos nos Evangelhos (veja capítulo 26), os críticos tam bém têm proposto duas m aneiras básicas de evitar a lógica do argum ento acima. Alguns aderem à teoria da acom odação e outros à teoria da lim itação. Os A rg u m e n to s a fav o r da T e o ria da A c o m o d a ç ã o C onform e vim os acim a, Jesus expressou u m a altíssim a estim a pelas Escrituras no Novo Testam ento, incluindo a sua autoridade divina (M t 4.4,7,10), a suaindestrutibilidade 1 M t 5.17,18), a sua inspiração (M t 22.43), o seu caráter não-anulável (Jo 10.35), o seu status co m o Palavra de D eus (Jo 10.34,35), a sua suprem acia (M t 15.3,6), a sua in errância (M t 22.29; Jo 17.17), a sua confiabilidade histórica (M t 24.37,38; M t 12.40), e a sua precisão científica (M t 19.4,5). A fim de evitar a conclusão de que Jesus estava, de fato, afirm ando a veracidade de todas estas coisas, alguns críticos negativos insistem que Ele estava m eram en te “acom od and ose” às crenças judaicas da sua época. Alega-se, já que a sua preocu pação principal era co m as coisas espirituais, que Jesus teria evitado qualquer tentativa de desm ascarar as suas falsas concepções; em vez disso, Ele m eram en te fechou os olhos a respeito delas e as utilizou co m o ponto de partida para tran sm itir a sua própria m ensagem m oral e espiritual. Esta “teoria da acom od ação”, que nasce a partir de Jo h a n n S em ler (veja capítulo 19), está afetada por m uitas falhas, por várias razões. A Acomodação ao Erro E Contrária ao Modelo Pregado pela Vida de Jesus Tudo que se co n h ece a respeito da vida e dos ensinos de Jesus revela que Ele jam ais se con form ou com o que sabia dos falsos ensinam entos n a sua época. Na verdade, Ele fez exatam ente o contrário. Primeiro, Jesus repreendeu aqueles que aceitavam os ensinos judaicos que contradiziam a Bíblia, declarando: “E por que vocês transgridem o m an d am ento de D eus por causa da tradição de vocês? Í...1 Assim, por causa da sua tradição, vocês anu lam a palavra de D eu s” M t 15.3,6, NIV). Segundo, Jesus costum ava colocar a sua opinião em con trap on to co m falsas visões a respeito da Bíblia. Por exem plo, no Serm ão do M onte, Jesus afirm ou de m aneira enfática: " Duvistes que foi dito aos antigos: Não m atarás; mas qualquer que m atar será réu de juízo.
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Eu, porém, vos digo que qualquer que* sem m otivo, se encolerizar co n tra seu irm ão será réu de juízo, e qualquer que ch am ar a seu irm ão de raca será réu do Sinédrio; e qualquer que lhe ch am ar de louco será réu d o fo g o do inferno” (M t 5.21,22). Esta fórm ula ( “Ouvistes que foi dito [...] Eu p orém , vos: digo [...]”) ou o u tra similar é repetida à exaustão nos versículos subseqüentes (cf. M t 5:23-48). Terceiro, Jesus ch am ou a atenção de Nicodem os ao dizer: “Tu és m estre de Israel e não sabes isso?” (Jo 3.10). Isto está longe de representar u m a acom odação às suas falsas visões. Quarto, falando especificamente sobre o seu ponto de vista distorcido das Sagradas Escrituras, Jesus disse aos saduceus de form a aberta que eles estavam errados: “Errais, não conhecendo as Escrituras, nem o poder de D eus” (M t 22.29). Quinto, as palavras de denúncia de Jesus aos fariseus de form a algum a podem ser consideradas co m o acom odação: “Ai de vós, condutores cegos! [...] Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! [...] Condutores cegos! Coais u m m osquito e engolis u m cam elo. Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! [...] Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! [...] Serpentes, raça de víboras! C om o escapareis da condenação do inferno?” (M t 23.16-33). Sexto, Jesus não se acom odou às falsas crenças e práticas do Templo. A Bíblia diz: “E, tendo feito u m azorrague de cordéis, lançou todos fora do tem plo, bem co m o os bois e ovelhas; e espalhou o dinheiro dos cambiadores, e derribou as mesas, e disse aos que vendiam pom bos: Tirai daqui estes e não façais da casa de meu Pai casa de vendas” (Jo 2.15,16). Sétimo, Jesus norm alm en te falava de m aneira específica a respeito da autoria de porções do Antigo Testam ento. C om o já vimos, Ele atribuiu o Salmo 110 a Davi (M t 22.43) e D euteronôm io a Moisés (M t 19.8). Ele inclusive chegou a fazer referências específicas à origem da circuncisão, corrigindo u m a falsa concepção: “Pelo m otivo de que Moisés vos deu a circuncisão (não que fosse de Moisés, mas dos pais [patriarcas])”. C om o observou William Caven: “Este, seguram ente, não é o estilo de u m a pessoa que não deseja ser entendida de form a rigorosa!” ( “T C O T ”, in: TF, 225). Oitavo, até m esm o os inimigos de Jesus reconheciam que Ele não era do tipo que fazia concessões no m odo de pensar. Ao testá-lo, os fariseus lhe disseram: “Mestre, bem sabemos que és verdadeiro e ensinas o caminho de Deus, segundo a verdade, sem te importares com quem quer que seja, porque não olhas à aparência dos homens* (M t 22.16). Os fatos apontam , de form a esmagadora, para a ausência de qualquer registro nos Evangelhos indicando que Jesus estaria disposto a contem porizar ou aceitar erros em qualquer tem a. Ele ch eg o » inclusive a repreender Nicodemos pela sua falta de com preensão de fatos empíricos, ao declarar: “Se vos falei de coisas terrestres, e não crestes, com o crereis, se vos falár das celestiais?” (Jo 3.12). A Acomodação ao Erro Ê Contrária ao Caráter de Jesus A té m esm o de um ponto de-Vista m eram en te hum ano, Jesus era conhecido co m o um hom em de caráter incorruptoi. Os seus amigos mais íntimos o consideravam impecável (1 Jo 3.3; 4.17; 1 Pe 1.19), e as multidões ficaram pasmadas co m os seus ensinamentos, “porquanto os ensinava co m autoridade e não co m o os escribas” (M t 7.29). Pilatos exam inou o caso de Jesus e declarou: “Não acho culpa algum a neste h o m em ” (Lc 23.4). O soldado rom ano que o crucificou tam bém exclam ou: “Na verdade, este h om em era ju sto” (Lc 23.47). Até m esm o os incrédulos tinham Jesus em alta conta. Ernest Renan (1823-1892), o fam oso francês pagão, declarou: “O seu idealismo perfeito é
a regra mais elevada para um a vida virtuosa e im aculad a” (L /, 383). Ele tam bém escreveu: 'C o lo q u em o s, então, a pessoa de Jesus n o ponto mais alto da grandiosidade h u m an a” ibid., 386), e: “Jesus perm anece u m princípio inexaurível de regeneração m o ral para a num anidade” (ibid., 388). De um a perspectiva bíblica, Jesus era o Filho de D eus (veja “C, D O ”, in: Geisler, BECA ), e. dessa form a, Ele não conseguiria ser hipócrita, pois “Deus [...] não pode m e n tir” (T t --2 .N a verdade, “é im possível que Deus m in ta ” (Hb 6.18); a sua “palavra é a verdade” (Jo 1- .17); D eus é sem pre verdadeiro, “e todo h o m em m en tiroso” (R m 3.4). Dessa form a, qualquer que seja a au to-lim itação divina necessária para se com u n icar com os seres ■ um anos, jam ais há erro envolvido. O erro é contrário à sua própria natureza. Uma Objeção Respondida C om o já foi adm itido, Deus se adaptou às lim itações hum anas para que pudesse se com u nicar conosco. Na verdade, Jesus, que era Deus, era tam bém u m ser hu m ano (veja V olum e 2), e, co m o ser h u m an o, tam b ém tin h a o seu co n h ecim en to lim itado. Este ponto de vista pode ser defendido a partir de diversas passagens da Bíblia; p o r exem plo, com o criança, “ele crescia em sabedoria” (Lc 2.52). M esm o co m o adulto, Ele contin u ou rendo certas lim itações no seu con h ecim en to. De acordo com M ateus, Jesus não sabia o que havia n a figueira antes de chegar até ela (M t 21.19). Jesus tam bém adm itiu não saber a época da sua segunda vinda: “Porém daquele D ia e hora nin g u ém sabe, n em os anjos io s céus, nem o Filho, mas u n icam en te m eu Pai” (M t 24.36, grifo adicionado).
Entretanto, apesar das lim itações do conhecim ento hum ano de Jesus, sabemos :u e Ele nunca errou, por duas razões básicas. Primeiro, ter a com preensão limitada é diferente de ter um a m á com preensão. O fato de Ele não ter conhecim ento de :ertas coisas não significa que Ele estivesse errado naquilo que sabia. U m a coisa é ;izer que Jesus não conhecia a teoria JEDP2 acerca da autoria da Lei (veja capítulo 19). Mas outra coisa com pletam ente diferente é afirmar que Jesus estava errado, por exem plo, quando afirmou que Davi escreveu o Salm o 110 (M t 22.43), que Moisés escreveu a Lei (Lc 24.27; Jo 7.19,23), ou que Daniel escreveu a profecia a ele -inbuída em Mateus 24.15. Em suma, as lim itações de Jesus nas coisa em que Ele não detinha conhecim ento não o impediam de afirmar com fidelidade as coisas que Ele, de fato, conhecia. Segundo, as coisas que Ele, de fato, conh ecia e ensinava eram afirmadas com autoridade ar.ina. Isto é evidente por m uitas razões. Por u m lado, Jesus disse aos discípulos: “E-me 1 todo o poder no céu e na terra. P ortanto, ide, ensinai todas as nações, batizando-as em " : m e do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-as a guardar todas as coisas que tu vos ten h o m andado; e eis que eu estou convosco todos os dias, até à consu m ação io s séculos. A m ém !” (M t 28.18-20). A lém disso, Ele afirm ou co m ênfase m uitas coisas :n e ensinou. No Evangelho de João, Jesus repetiu a expressão: “N a verdade, na verdade [...]” ■mte e cinco vezes (Jo 3.3,5,11). Na verdade, Ele afirm ou que as suas palavras estavam no —esm o nível que as de Deus, quando declarou: “O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras hão de passar” (M t 24.35). O que é mais im p ortan te, Jesus ensinou som en te o que o Pai T ledvá), E (Elohim), D (Deuteronômio), P (em inglês, Priestly [Sacerdotal]), é a abreviação dada para o ponto de vista que surgiu a partir de Julius Welhaussen (1844-1918) e outros críticos do Antigo Testamento, a qual alega que Moisés não é o aa :: r dos cinco primeiros livros da Bíblia, mas que estes teriam tido, pelo menos, quatro autores diferentes, cada um deles :^ri-rterizado pelo uso de um nom e específico para Deus (J e E) ou um gênero literário, seja ele sacerdotal (P) ou legal (D).
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queria que fosse ensinado: “Nada faço por mim mesmo; mas falo como o Pai me ensinou” (Jo 8.28). Ele, ainda, acrescentou: “Eu não posso de m im m esm o fazer coisa algum a; co m o ouço, assim julgo, e o m eu juízo é justo, porque não busco a m inha vontade, mas a vontade do Pai, que m e enviou” (Jo 5.30). Portanto, acusar Jesus de co m eter erros é acusar Deus, o Pai, de errar tam bém , já que Jesus som ente falava o que o Pai queria que Ele falasse.
Conclusão a respeito da Teoria da Acomodação Não existe evidência algum a de Jesus ter se acom odado aos erros hum anos em qualquer coisa que Ele ten h a ensinado. Tam bém não existe qualquer indicativo de que esta auto-lim itação im posta pela Encarnação lhe impusesse algum tipo de falibilidade. Ele jamais ensinou algo que fosse falso nas áreas em que esteve limitado pela sua hum anidade, e o que ensinou, Ele o fez co m autoridade vinda do Pai, já que possuía toda a autoridade, tanto no céu quanto na terra. Portanto, não houve erro em nada que Jesus ensinou acerca das Escrituras ou de qualquer ou tro assunto.
Argumentos a favor da Teoria da Limitação O utra hipótese crítica que têm por objetivo desm ontar o argum ento acim a exposto, de que Jesus afirmou que a Bíblia é a Palavra de Deus, é a teoria da limitação. De acordo co m este ponto de vista, Jesus era tão limitado no seu conhecim ento hum ano que Ele não se estendia a tem as co m o a autoridade e a autenticidade do Antigo Testam ento, e, dessa form a, Ele não estaria realm ente afirmando estes tem as. Em vez disso, o seu ministério foi limitado som ente aos tem as m orais e espirituais, e não afirmou nada acerca de assuntos históricos, científicos, ou críticos. Existem dois pilares principais na argumentação a favor da teoria da limitação: a humanidade de Cristo e a teoria da kenosis. Ambos serão analisados abaixo, de form a sucinta. O Argumento de que a Humanidade de Cristo Revela que o seu Conhecimento Era Limitado Jesus era claram ente h um ano. A Bíblia deixa isto claro de diversas form as (veja “Christ, H um anity o f”, in: Geisler, BEC A ): Jesus teve ancestrais hum anos (M t 1.20-25; Lc 2.1-7); u m a concepção h um ana (M t 1.20); u m nascim ento h um ano (Lc 2.4-7; cf. Lc 1.26,27; G 14.4); u m a infância h um ana (Lc 2.21,22,40); u m crescim ento n orm al aos seres hum anos (Lc 2.52); sentiu a fom e dos hum anos (Lc 4.2); a sede dos hum anos (Jo 4.6,7); o cansaço hum ano (M c 6.31); as em oções hum anas (Jo 11.33,35; Jo 2.15); teve u m senso de h u m o r hum ano (M t 23.24); utilizava u m idioma h um ano, e tinha u m a cu ltu ra e u m a nacionalidade hum anas (M t 1.1; Jo 4.5-9); tinha carne e sangue hum anos (H b2.14); teve u m a m o rte h um ana (1 Co 15.3; M t 16.21; R m 5.8); sentiu a dor dos hum anos (M t 27.34,46; M t 26.38; Lc 22.44; Hb 5.7); e sofreu tentações hum anas (M t 4.1ss.; cf. Hb 4.15). Mas, se Jesus foi verdadeiram ente h um ano em todos os aspectos, por que não poderia tam bém ter tido a experiência tão hum ana de co m eter erros? Por que não poderia estar errado acerca de muitas das coisas que acreditava, desde que estas coisas não afetassem a sua missão m aior de redenção da humanidade? O Argumento de que na Encarnação Cristo Esvaziou-se a si Mesmo de sua Onisciência Além disso, alguns críticos argum entam que na sua encarnação, Jesus “esvaziou-se” tam bém da sua onisciência. De acordo co m eles, Ele ignorava o tem po da sua segundo
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vinda, pois Ele m esm o disse: “M as, daquele D ia e hora, n in g u ém sabe, n e m os an jos que estão no céu, n e m o Filho, senão o Pai” (M c 13.32). C o m o já vim os, Ele tam bém não sabia que u m a figueira não tin h a figos enqu anto não se aproxim ou dela e p rocu rou pelos trutos (M c 11.13). Lucas nos in form a que Jesus “crescia em sabedoria”, da m esm a fo rm a que os outros seres hu m anos (Lc 2.52), e Ele fez m uitas perguntas que revelaram o seu d esconhecim ento real das respostas (M c 5.9; 30; 6.38; Jo 14.9). Sendo este o caso, quem sabe Jesus desconhecesse m esm o a origem do A ntigo Testam ento e da verdade histórica a respeito dos eventos n ele relatados. R e sp o sta ao s A rg u m e n to s a fav o r da T e o ria da L im ita çã o A teoria da lim itação é falha no seu cerne. Os dois argum entos a favor dela são falhos, e am bos deixam de lado u m a questão m u ito im p ortan te a respeito de Cristo. Jesus Também Era Deus Enquanto é verdadeiro que Jesus foi D eus (v eja V olum e 2), tam b ém é verdadeiro que Ele foi h om em . O u seja, u m a e a m esm a pessoa era D eus e h o m em ao m esm o tem po. Isto significa que, se o ser h u m an o Jesus houvesse pecado ou errado, então a ú n ica e m esm a pessoa que era Deus tam bém teria pecado ou errado. E por isso que a Bíblia é cautelosa ao afirm ar: “Porque não tem os u m sum o sacerdote que não possa com padecer-se das nossas fraquezas; p o rém u m que, com o nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado” (Hb 4.15). Ele era suficientem ente h u m an o para se cansar e ser tentad o, mas não para pecar ( cf. 2 C o 5.21; 1 Pe 3.18; 1 Jo 3.3). D o m esm o m odo, se algum pecado for atribuído a Cristo, o qual tam bém deverá ser atribuído a Deus, que não pode pecar (H c 1.13; Hb 6.18), então u m erro que lh e fosse atribuído teria tam bém que ser atribuído a Deus. Logo, não é possível que a falibilidade seja atribuída a Cristo, n e m co m o h o m em n e m co m o Deus, já que som en te existe um a e a m esm a pessoa em Cristo, que é tanto Deus quanto hom em . Jesus Jamais se Esvaziou de sua Divindade A assim cham ada teoria da kenosis (que advoga que Jesus esvaziou-se da sua divindade quando se fez h o m em ) é biblicam ente e teolog icam ente infundada, por diversas razões. Primeiro, não é isso que o texto de Filipenses 2 afirm a; ele sim plesm ente afirm a que Jesus esvaziou-se a Si m esm o das suas prerrogativas divinas (n ão da sua divindade) ao hu m ilhar-se e se to rn ar u m ser h u m an o (Fp 2.5-8). Segundo, quando Ele esvaziou-se a si m esm o, Ele reteve a “fo rm a ” (essência) divina, pois, se a m esm a palavra “fo rm a ”, co m o aplicada a u m servo, significava que Ele era um servo (Fp 2.7), então, quando aplicada a Deus, significa que Ele era D eus (Fp 2.6). Na verdade, é exatam ente isto o que afirm a João 1.1: “[...] a Palavra era D eus” (cf. Cl 2.9). Terceiro, quando esteve aqui neste m undo, em fo rm a hu m ana, Jesus alegou ser Deus M c 2.10; Jo 8.58; 10.35,36; Jo 17.1-6). Quarto, Jesus não recrim in ou n in g u ém por lhe atribuir a divindade (M t 16.16; Jo 20.28), :e m com o aceitou a adoração, que som ente é devida a D eus (M t 28.17; Jo 9.38). Q uando C risto se fez h om em , Ele, em m o m en to algum , deixou de ser Deus. A rncamação não fo i a subtração da sua divindade; ela fo i a adição da sua humanidade. Assim, se Jesus tivesse pecado ou errado na sua passagem neste m u nd o co m o h o m em , Ele teria
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sim ultaneam ente errado ou pecado co m o Deus, pois Jesus era u m a só e a m esm a pessoa co m a Segunda Pessoa da Trindade (veja Volum e 2, parte 1).
Crítica à Teoria da Limitação A teoria da lim itação é m uito mais plausível e potencialm ente mais perigosa à questão da autoridade do Antigo T estam ento do que a teoria da acom odação, acim a analisada. Passemos, então, a analisar as suas evidências em minúcias. C om o a doutrina ortodoxa de Cristo reconhece que Ele era totalm en te hum ano, não há problem a em admitir que Jesus, n a qualidade de h om em , desconhecia muitas coisas. C om o Deus, é claro, Jesus era infinito no seu conhecim ento e sabia todas as coisas (SI 147.5). Mas Cristo tem duas naturezas: u m a infinita ou ilimitada no seu conhecim ento, a ou tra finita ou limitada no conhecim ento. Seria possível que Cristo não tivesse, de fato, errado a respeito do que ensinou acerca do Antigo Testam ento, mas que, simplesmente, fosse tão limitado pela sua hum anidade que o seu conhecim ento e autoridade não se estendessem àquelas áreas? As evidências nos relatos do Novo Testam ento exigem de nós u m a resposta enfaticam ente negativa a esta pergunta, p o r várias razões. Jesus Tinha um Conhecimento Supranormal inclusive em seu Estado Humano M esm o no seu estado h um ano, Cristo possuía u m conhecim ento supranorm al, senão sobrenatural, de muitas coisas. Ele viu N atanael debaixo da figueira, m esm o ele estando fora do seu cam po visual (Jo 1.48). Jesus ch ocou a m u lh er sam aritana ao afirmar que sabia detalhes da sua vida privada (Jo 4.18,19). Ele tam bém sabia, de antem ão, quem lhe trairia (Jo 6.64), e “todas as coisas que sobre ele haviam de vir” em Jerusalém (Jo 18.4). Ele sabia da m o rte de Lázaro antes de ser avisado (Jo 11.14), e da sua crucificação e ressurreição antes de elas acontecerem (M c 8.31; 9.31). De form a sem elhante, Ele apresentou con hecim en to sobrenatural a respeito da localização de u m cardum e de peixes (Lc 5.4-9). Os relatos dos Evangelhos não dão n en h u m a indicação de que o seu ministério ou o seu ensino ten h am , de algum a form a, sido limitados. Quaisquer que fossem as limitações do seu conhecim ento, ele continuava im ensam ente m aior do que o de u m ser h um ano co m u m e era com pletam ente adequado tan to para o cu m prim ento da sua missão quanto para o seu ensino doutrinário. Cristo Possuía uma Autoridade Final e Completa em Tudo o que Ensinava U m a coisa fica clara e cristalina: Cristo declarou que qualquer coisa que Ele ensinava vinha diretam ente de Deus co m autoridade final e absoluta: “O céu e a terra passarão, mas as m inhas palavras não hão de passar” (M t 24.35). Jesus cria e proclam ava: “Todas as coisas m e foram entregues por m eu Pai” (M t 11.27). Quando Jesus enviou os seus discípulos, Ele declarou: “É -m e dado todo o poder no céu e n a terra. Portanto, ide, ensinai todas as nações [...] a guardar todas as coisas que eu vos tenho m andado” (M t 28.18-20). Em ou tra passagem, Jesus alegou que até m esm o o destino da hum anidade está ligado à obediência às suas palavras (M t 7.24-27), e que as suas palavras nos julgariam no últim o dia (Jo 12.48). A expressão de ênfase “na verdade, n a verdade” pode ser encontrada mais de duas dúzias de vezes som ente no Evangelho de João, e em M ateus Jesus declarou que
n e m u m jo ta ou u m til da lei passariam sem que fossem cum pridos (M t 5.18). Jesus, então, co lo co u as suas palavras no m esm o p atam ar que o da Lei (M t 5.2ss.) e alegou que elas traziam a vida etern a (Jo 5.24), lem brando que todo o seu ensino vinha d iretam ente do Pai (Jo 8.26-28). A lém disso, co m o já vim os, apesar de ser u m h o m em neste m undo, Cristo não repreendeu nin g u ém por lh e atribuir a divindade e tam b ém aceitou ser adorado p o r hom ens em algum as ocasiões (cf. M t 28.17; Jo 9.38). C o n clu sã o a re sp e ito d a T e o ria da L im ita çã o D iante das evidências acim a m encionadas, a ú n ica conclusão plausível é que os ensinos de Jesus possuem , de fato, autoridade divina. Apesar das lim itações necessárias envolvidas n a encarnação hu m ana, não existe erro ou m á interpretação naquilo que Cristo ensinou. Quaisquer que fossem os lim ites existentes na extensão do seu con h ecim en to, não havia lim ite para a fidelidade do seu ensino. D a m esm a form a co m o Ele era to talm en te hu m an o, retendo u m caráter moral im pecável (Hb 4.15), assim tam bém Ele era finito no seu co n h ecim en to hu m an o, p o rém sem errar factu alm en te nos seus ensinam entos (Jo 8.40,46). Em resum o, tu do o que Jesus ensinou veio de Deus. C onseqüentem ente, se Jesus ensinou a autoridade divina e a autenticidade histórica do A ntigo Testam ento, então é certo que o seu ensino é verdade que vem de Deus. FO N T ES Brom ley, Geoffry, ed. “A cco m od ation ”, in: International Encyclopedia o f Bible and Ethics ( ISBE ), edição revista. Caven, W illiam B. “T h e Testim ony o f C h rist to th e Old T estam en t”, in: The Fundamentais (V olum e 1, capítulo 10). Geisler, N orm an. “The Bible, Jesus’ View o f ’, in: Baker Encyclopedia o f Christian Apologetics. ________ . “C hrist, D eity o f”, in: Baker Encyclopedia o f Christian Apologetics. ________ . Christian Apologetics (cap ítu lo 18). Geisler, N orm an e W illiam E. Nix. A General Introduction to the Bible. Lightner, R obert. The Savior and the Scriptures. R enan, Ernest. The Life o f Jesus. Saphir, A. Christ and the Scriptures. W enham , Jo h n . Christ and the Bible. ________ . “C h rist’s View o f S crip tu re”, in: N orm an Geisler, Inerrancy.
SEÇÃO
DOIS
HISTÓRICA
CAPÍTULO
DEZESSETE
OS PAIS DA IGREJA SOBRE A BÍBLIA
história da igreja cristã corrob ora co m p letam en te o que a Bíblia reivindica para si m esm a, a saber, que ela é a divinam ente inspirada, infalível e in erran te Palavra de Deus (veja capítulos 13 e 27). Isto é verdadeiro nos m ais antigos Pais, do período depois da época de Cristo, bem co m o ao longo dos séculos seguintes, até os tem pos m odernos. D a m esm a fo rm a que os escritores do N ovo T estam ento consideravam o A ntigo inspirado, os Pais da igreja consideravam o N ovo Testam en to igualm ente inspirado. Este fato é observável nos dois períodos principais do desenvolvim ento da igreja cristã, os quais antecedem aproxim adam ente o ano 350 d.C.
A
A VISÃO D O S PAIS A PÓ ST O LIC O S E SU B A P O S T Ó LIC O S S O B R E AS E S C R IT U R A S (c . 7 0 -c. 150 d .C .) Estes autores são im portan tes porque eles chegam a ser contem p orân eos da época apostólica. U m exam e dos seus escritos indica que a aceitação da inspiração do Novo Testam ento era am pla e rem on ta a u m período bastante antigo. O T e s te m u n h o d a E p ís to la d o P s e u d o - B a r n a b é ( c . 70-130)1 O título da Epístola do Fseudo-Bamabé indica que ela foi, posteriormente, associada erroneamente ao primeiro companheiro de Paulo. Esta obra cita o Evangelho de Mateus (26.3) depois de afirmar que ele se constitui nas coisas que “Deus diz” (5.12). O mesm o escritor se refere ao Evangelho de odas as citações feitas aqui foram extraídas do livro Nicene and Post-Nicene Fathers o f the Christian Church (Os Pais Nicenos e ?ós-Nicenos da Igreja Cristã), exceto quando outra obra é mencionada.
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Mateus (22.14) pelo termo “Escritura”, consagrado no Novo Testamento em 4.14, a qual o Novo Testamento afirma ser “inspirada” ou “soprada” por Deus (2 T m 3.16).
A Epístola aos Coríntios, de Clemente de Roma (c. 95-97) C lem en te de R om a, que tam bém foi u m co n tem p o rân eo dos apóstolos, escreveu a sua epístola seguindo o m od elo de Paulo. No seu te x to , ele cita os Evangelhos Sinóticos (M t 9.13; M c 2.17; Lc 5.32), depois de ch am á-los de “E scritu ra” (capítulo 2). Ele incentiva os seus leitores a “agir de acord o co m o que está e scrito ” ( “pois o Espírito Santo diz: ‘Que o sábio não se glorie n a sua sabedoria’”, capítulo 1, citando Jr 9.23). Mais adiante, ele re co rre às “Sagradas Escrituras, que são verdadeiras, entregues pelo Espírito S an to” (cap ítulo 45). O N ovo T estam en to é incluído co m o E scritu ra pela fórm u la “Está escrito ” (cap ítulo 36), e co m o tendo sido escrito pelo apóstolo Paulo “co m verdadeira inspiração” (cap ítulo 47).
A Epístola aos Filipenses, de Poiicarpo (c. 110-135) Policarpo foi um discípulo de João. Nesta epístola, ele se rep orta em vários m om entos ao Novo Testam ento, apresentando Gálatas 4.26 co m o “a palavra da verdade” (capítulo 3) e fazendo citações de Filipenses 2.16 e 2 T im óteo 4.10 co m o “a palavra da justiça” (capítulo 9). No capítulo 12, Policarpo cita várias passagens do Antigo e do Novo Testam ento, denom inando-as de “as Escrituras”.
Papias (c. 130-140) Papias escreveu cinco livros intitulados Exposítion o f the Oracles o f the Lord (Exposição dos Oráculos do Senhor), que vem a ser o m esm o título dado pelo apóstolo Paulo ao Antigo T estam ento em Rom anos 3.2, revelando a alta estim a em que Papias tinha o Novo Testam ento co m o sendo a própria Palavra de Deus. (E m Exposition o f the Oracles o f the Lord, ele incluiu o Novo Testam ento.)
Outros Escritos Antigos Além destes livros iniciais que citam o N ovo Testam ento, existem vários outros que fazem alusões ao N ovo Testam ento co m o Escritura. Estes incluem os escritos de Inácio de Antioquia (falecido 110 d.C.), 0 Pastor de Hermas (c. 115-140 d.C), O Didaquê (c. 110-120 d.C .) e a Epístola a Diogneto (c. 150 d.C.). Analisados em con ju nto, estas im portantes obras iniciais dem on stram que, por volta do ano 150, a igreja cristã, tan to no Oriente quanto no Ocidente, aceitava a reivindicação que o Novo Testam ento fazia de possuir inspiração divina. O s Pais olhavam para este con ju nto de livros co m a m esm a reverência co m que os escritores do N ovo Testam ento olhavam para as Escrituras do Antigo, a saber, considerando-o co m o Palavra de Deus inspirada, p ortad ora de autoridade e absolutam ente verdadeira.
A VISÃO DOS PAIS ANTENICENOS E NICENOS SOBRE AS ESCRITURAS (c. 150-c. 350) Depois dos Pais subapostólicos, os Pais do final do segundo século e dos seguintes tam bém nos proporcionam u m forte testem u nh o a respeito da origem divina das
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Mgradas Escrituras. D en tre estes, tem os Justino M ártir, Tatiano, Ireneu , C lem ente de Alexandria, T ertu liano, além de outros. Ju stin o M á rtir (fa le cid o 165) N a sua prim eira Apology (A pologia) (c. 150-155 d.C .), Ju stino M ártir se referiu aos Evangelhos com o a “Voz de D eus” (capítu lo 65). Ele acrescentou: “Não devem os supor que a linguagem procede de h om ens inspirados, mas sim da D ivina Palavra que os m o v e” 1.36). Em ou tro lugar, ele declarou que Moisés escreveu em caracteres hebraicos por "inspiração divina”, e que “o Espírito Santo de profecia nos ensinou isto, dizendo-nos por Moisés que D eus assim fa lo u ” (JH O G , 12, 44). T a tia n o (c . 110-180) C om o discípulo de Justino, T atiano ch am o u João 1.5 de “E scritu ra”, n a sua Apology Apologia) (cap ítu lo 13). N esta obra, Tatiano fez u m a defesa apaixonada do Cristianism o e o considerou tão pu ro a p o n to de ser incom patível co m a civilização grega. Ele tam bém escreveu u m a harm onização dos Evangelhos, o Diatessaron (c. 150-160), que revela u m grande respeito pela sua autoridade divina. Irin e u (c . 130-202) A cred ita -se que Ire n e u te n h a , n a verd ad e, re ce b id o os seus e n sin o s d ire ta m e n te de P o lica rp o , d iscíp u lo do a p ó sto lo Jo ã o . N o seu tra ta d o A gain st H eresies (C o n tr a as H eresias) (3 .1 .1 ), Ire n e u se d irig iu à a u to rid a d e d iv ina do N ovo T e s ta m e n to , d eclaran d o : Pois o Senhor de todos deu o poder do Evangelho aos seus apóstolos, por intermédio de quem recebemos o conhecimento da verdade, isto é, o ensino acerca do Filho de Deus [...] Este Evangelho foi, primeiramente, pregado por eles. Depois, pela vontade de Deus, eles no-lo passaram por intermédio das Escrituras, para serem o “chão e pilar” da nossa fé (AH, 3:67). D e fa to , Ire n e u a firm o u a sua c re n ç a n a in e r râ n c ia das E sc ritu ra s, p ro c la m a n d o “a Fé nas E scritu ra s e n a T ra d iç ã o ”, n a qual ele r e c o n h e c ia os a p ó sto lo s c o m o estan d o “a cim a de to d a fa lsid a d e” (3 .5 .1 ). E le c h a m o u a B íb lia de “E s c ritu ra da ^ erd ad e”, e fo i “asseg u rad o da m a n e ira m ais ad equad a a re sp eito da p e rfe iç ã o real das E scritu ra s, já que fo ra m falad as p e la Palavra de D eu s e p o r seu E s p írito ” (ibid ., 2:28.2; 2.35). C le m e n te d e A le x a n d ria (c . 150-215) C le m e n te se to rn o u o líd e r da E sco la E cle siá stica de A lexa n d ria n o an o 190 d .C ., m as fo i fo rça d o a fu g ir em fa ce da p e rseg u içã o o c o rrid a n o a n o 202 d .C . Ele su ste n tav a u m a d o u trin a ríg id a a re sp eito da in sp ira çã o , a qual p o d e ser v ista n a sua ob ra Stromata: Não existe discordância entre a Lei e o Evangelho, mas sim harmonia, pois ambos procedem do mesmo Autor [...] diferindo em nome e época para se encaixar à cultura
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dos ouvintes [...] por intermédio de uma sábia economia, que é, potencialmente, a mesma [...] já que a fé em Cristo e o conhecimento [...] do Evangelho é a explicação [...] e o cumprimento da Lei (Westcott, AISG, 439). C lem ente de Alexandria tam bém cham ou o evangelho de “Escritura” no m esm o sentido em que se referia à Lei e aos Profetas, ao escrever sobre “as Escrituras [...] na Lei, nos Profetas, e no mais pelo bendito Evangelho [...] [que] são válidos por sua autoridade onipotente”. Ele chegou ao ponto de condenar os que rejeitavam a Escritura por “não estarem contentes com os mandam entos divinos, isto é, com o Espírito Santo” (Geisler, DFY, 31-32).
Tertuliano (c. 160-220) T ertu liano, o “Pai da Teologia Latina”, jam ais hesitou n o seu apoio à dou trina da inspiração tanto do A ntigo quanto do Novo T estam ento. De fato, ele sustentou que os quatro Evangelhos “foram criados n a base segura da autoridade apostólica e, portanto, são inspirados em u m sentido com p letam en te diferente dos escritos dos cristãos espirituais; é verdade que todos os fiéis têm o Espírito de Deus, m as n e m todos são A póstolos” (W estcott, A IS G , 434). Para T ertu liano: [Os] apóstolos têm o Espírito Santo de forma apropriada, pois o têm de forma plena, na operação da profecia, e na eficácia das virtudes [de cura], e na evidência das línguas; não de forma particular, como todos os outros as têm. Assim, ele reuniu a autoridade do Espírito Santo a essa forma [de avisos] os quais Ele esperava que fossem respeitados; e imediatamente ela se tornou não somente um aviso do Espírito Santo, mas, levando em consideração a Sua majestade, um preceito ( “OEC”, in: Schaff, NPNFCC, 4).
Hipólito (c. 170-236) H ip ó lito , u m d iscípulo de Ire n e u , a p resen to u o m e sm o sen tid o p ro fu n d o de re v e rê n cia p ara co m as Sagradas E scritu ras. R e ferin d o -se à in sp ira çã o do A n tig o T e sta m e n to , ele disse: A Lei e os Profetas vieram de Deus, que, ao entregá-los, impeliu o seu mensageiro a falar pelo Espírito Santo, para que, recebendo a inspiração do poder do Pai, pudessem anunciar o seu conselho e a sua vontade. Nestes homens, portanto, aquele que é a Palavra encontrou uma habitação apropriada e falou de Si mesmo; pois se tornaram, então, os seus próprios arautos, a anunciar a Palavra que estava prestes a aparecer no mundo (Westcott, AISG, 431-32). A respeito dos escritores do N ovo Testam ento, H ipólito declarou: Estes homens abençoados [...] tendo sido aperfeiçoados pelo Espírito de Profecia, e valorosamente honrados pela própria Palavra, foram levados a uma harmonia interior como se fossem instrumentos, e tendo a Palavra dentro de si, para fazer soar as notas, por Ele foram tocados, e anunciaram aquilo que Deus desejou [...] [Pois] eles não falaram pelo seu próprio poder (que isto fique bem claro), nem proclamaram o que eles mesmos queriam, mas, primeiramente, foram dotados com sabedoria pela Palavra, e, depois, foram bem instruídos a respeito do futuro por intermédio de visões, para, só então, tendo tudo isso assegurado, falarem daquilo que Deus [revelou] somente a eles (Westcott, AISG, 432).
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O rfgenes (c . I85-C.254) Orígenes, sucessor de C lem en te n a E scola de Alexandria, sustentou que D eus “deu a lei, e os profetas, e os Evangelhos, sendo tam bém o Deus dos apóstolos, e do A ntigo e do Novo T estam en to ”. Ele escreveu: “Este Espírito inspirou cada u m dos santos, fossem eles profetas ou apóstolos; e n ão havia u m Espírito nos h om ens da antiga dispensação, e outro naqueles que foram inspirados no advento de C risto” (Schaff, N PN FC C , 4:240). A visão que Orígenes tin h a da autoridade das Escrituras era de que “as Escrituras foram escritas pelo Espírito de Deus, e possuem u m significado [...] que não é conhecid o p o r todos, m as som en te por aqueles sobre quem a graça do Espírito Santo é concedida nas palavras de sabedoria e co n h ecim e n to ” (ibid., 241). Ele continu ou afirm ando a existência de um elem en to sobrenatural de raciocínio “ao longo de toda a Escritura, até m esm o onde ele não fica aparente para o n ão -in stru íd o ” (G eisler, D FY, 28-30). C ip rian o (c . 200-258) Cipriano foi um bispo im portante na Igreja do Oriente, durante a época do im perador rom ano Décio (249-215 d.C.). No seu tratado The Unity o f the Catholic Church (A Unidade da Igreja Católica), Cipriano recorre à autoridade dos Evangelhos, referindo-se a eles com o “m andam entos de C risto”. Ele tam bém acrescenta as cartas de Paulo aos Coríntios à sua lista de escritos com autoridade e apela à carta de Paulo aos Efésios (4.4-6). No m esm o local, ele reafirm a a inspiração do Novo Testam ento, quando escreve: “Quando o Espírito Santo diz, na pessoa do Sen h or [...]”. Ele, novam ente, acrescenta: “O Espírito Santo nos alerta por interm édio do apóstolo”, ao citar 1 Coríntios 11.19 ( T TJCC, 5:126). Estes exem plos e vários outros encontrados nos seu escritos levam à conclusão de que Cipriano considerava tanto o Antigo quanto o Novo Testam ento com o “Escrituras Divinas” ( E A C N , 5:328). E u séb io de C esaréia (c . 263 o u 265-340) C o m o o grande h isto ria d o r da ig re ja antiga, Eusébio é u m a te s te m u n h a im p o rta n te dos p o n to s de vista relativ os à E scritu ra no p eríod o da ig re ja n ascen te. E le su ste n to u a in sp iração ta n to do A n tigo q u anto do N ovo T e sta m e n to e escrev eu m u ito a resp eito da Palavra de D eus n a sua E cclesiastical History (H istória E clesiástica). Eusébio foi a pessoa en carreg ad a de fazer as cin q ü en ta cópias das E scritu ras depois do C o n cilio de N icéia (325). Ele foi u m grande detensor das Sagradas Escrituras, escrevendo de fo rm a am pla sobre o tem a. Suas obras relacionadas in clu em Against Hierocles (C o n tra H ierócles) (u m governador pagão da B itínia), The Preparationfor the Gospel (O Preparo para o Evangelho), e Demonstration o f the Gospel (D em onstração do Evangelho). Na parte superior destes escritos, ele escreveu u m trabalho sobre a Encarnação que recebeu o títu lo de The Theophany (A
Teofania), e ele tam bém escreveu ou tro livro (Against Marcellus, Bishop o f Ancyra [C ontra M arcelo, Bispo de Ancira]) que é um a coleção de passagens do Antigo Testam ento que predizem a vinda de Cristo. A lém dessas, estão: Prohlems o f the Gospels (Problem as dos Evangelhos [Shaff, 2.a série, V olum e 1, 36]) e On the Theology o f the Church, a Refutation o f Marcellus (Sobre a Teologia da Igreja, u m a R efutação a M arcelo). A crescente-se a estas
o seu tratado sobre a Easter (Páscoa) e seu On the Names oj Places in the Holy Scriptures (Sobre os N om es de Lugares nas Sagradas Escrituras) (Onomastica Sacra), para servir de base à sua plen a defesa da Bíblia com o Palavra de Deus divinam ente inspirada.
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Atanásio de Alexandria (c. 295-373) Conhecido com o o “Pai da Ortodoxia”, por causa da sua resistência bem-sucedida contra o Arianismo (a heresia que negava a divindade de Cristo), em Nicéia (325 d.C.), Atanásio foi o primeiro a utilizar o term o “cânon” em relação aos livros do Novo Testamento, aos quais chamava de “fontes da salvação” (Westcott, AGSHCNT, 456). Atanásio cita freqüentemente as Escrituras com o possuindo autoridade e a palavra final na resolução de questões doutrinárias.
Cirilo de Jerusalém (c. 315-386) Cirilo apresentou o que ele cham ou de resumo “da doutrina completa da fé” que “foi construída de maneira firme a partir das Escrituras com o u m todo”. Então, continuou a alertar os outros a não modificar ou contradizer os seus ensinos, em função do impedimento encontrado em Gálatas 1.8,9 (Cirilo de Jerusalém, in: Schaff, 7:32). No seu tratado O f the Divine Scriptures (Das Divinas Escrituras), ele fala das “Escrituras divinamente inspiradas tanto do Antigo quanto do Novo Testamento” (ibid., 26-27). Ele então continua a listar todos os livros do Antigo Testamento hebraico (vinte e dois) e todos os livros do Novo Testamento cristão, com exceção de Apocalipse (vinte e seis), dizendo: “Aprenda também diligentemente, e com a Igreja, quais são os livros do Antigo Testamento, e quais são os do Novo. E, ore, não leia nenhum dos escritos apócrifos”. Para Cirilo, o assunto foi esclarecido quando escreveu: Com respeito aos mistérios divinos e salvadores da fé, nenhuma doutrina, mesmo trivial, pode ser ensinada sem o apoio das Escrituras divinas [...] pois a nossa fé salvadora deriva a sua força, não de raciocínios caprichosos, mas daquilo que pode ser provado a partir da Bíblia (ibid., conforme citado em ECD, de J. N. D. Kelly, 4).
Resumo da Posição dos Primeiros Pais da Igreja sobre as Escrituras Praticam ente todos os Pais da igreja antiga aderiram de form a entusiástica à doutrina da inspiração tanto do Antigo co m o do N ovo Testam ento. J. N. D. Kelly, u m a autoridade na área de doutrina da igreja primitiva, afirmou: Existe pouca necessidade de nos delongarmos mais acerca da autoridade reconhecida das Escrituras como norma doutrinária. Era a Bíblia, declarou Clemente de Alexandria, cerca do ano 200 d.C., que, interpretada pela Igreja, era a fonte do ensino cristão. O seu grande discípulo Orígenes foi um biblista exaustivo que apelou inúmeras vezes às Escrituras como o critério decisivo para o dogma [...] “A Escrituras sacramente inspiradas”, escreveu Atanásio, um século mais tarde, “são completamente suficientes para a proclamação da verdade”. Mais tarde, no mesmo século, João Crisóstomo disse à sua congregação que não buscasse nenhum outro mestre além dos oráculos de Deus [...] No Ocidente, Agostinho [...] [e] pouco tempo depois, Vicente de Lerins (c. 450) tiveram por axioma [que] “o cânon das Escrituras era suficiente, e mais do que suficiente, para todos os propósitos” (ECD, 42-43). Em sum a, os Pais da igreja antiga criam que tanto o Antigo co m o o Novo Testam ento eram escritos inspirados pelo Espírito Santo por interm édio da instrum entalidade dos profetas e dos apóstolos. Eles tam bém criam que as Escrituras eram com pletam ente verdadeiras e sem erro, porque eram a própria Palavra de Deus que nos foi entregue com o base de fé e prática de todos os crentes.
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A VISAO D O S G R A N D E S M E S T R E S M ED IEVAIS D A IG R E JA S O B R E AS E S C R IT U R A S (c . 350-c. 1350) A igreja medieval é representada por diversos grandes teólogos que representaram largos segm entos do Cristianism o e tiveram um a vasta influência sobre os séculos seguintes da igreja cristã. Eles tam bém sustentaram a visão ortod oxa das Sagradas Escrituras co m o u m livro divinam ente inspirado e com o a Palavra in erran te de Deus. D en tre estes, inclu em -se Jerôn im o, A gostinho, A n selm o e Tom ás de A quino, sem falar de Am brósio, o m estre de A gostinho. A m b ró sio de M ilão (340-397) Ambrósio, bispo de Milão, teve o privilégio de ser o m entor do grande Pai da igreja medieval, Agostinho. Em suas Letters (Cartas), Ambrósio cita Mateus 22.21, fazendo uso da frase familiar de abertura de u m escrito divinamente inspirado ( “Está escrito”, 20.19), enquanto faz citações livres de João 6.15 e 2 Coríntios 12.10 (L, 20,5:209-17). Ambrósio tam bém apelapara “As Divinas Escrituras” (10.7) na sua carta ao Imperador Graciano (375-83), na qual ele apresenta a sua controvérsia com os seguidores do Arianismo (ibid., 10,184-89). Je rô n im o (c . 340-420) Ao lado de Orígenes, Jerônim o foi o m aior estudioso bíblico da igreja antiga, e os seus escritos incluem muitas referências às “Sagradas Escrituras” e à sua autoridade. Grande parte do seu trabalho em vida foi dedicada à tradução da Bíblia e às controvérsias a respeito do cânon do Antigo Testam ento. A lém disso, ele concebeu a inspiração, a canonicidade e a autoridade do Novo Testam ento tal com o estas foram transm itidas ao m u nd o m oderno. Em u m a carta a N epociano, no ano 394 d.C., Jerôn im o escreveu: “Leia as escrituras divinas de fo rm a constan te; na verdade, jam ais deixe o volu m e sagrado fora do alcance das suas m ão s” (Schaff, C arta 52.7, v.6). No m esm o ano, ele en u m erou os livros do Novo T estam ento. Ele escreveu: Imploro-lhe, meu querido irmão, que viva entre estes livros, que neles medite, que nada mais saiba, que nada mais busque. Uma vida assim não lhe parece um antegozo do céu aqui na terra? Não se ofenda com a simplicidade das Escrituras; pois ela é devida a falhas dos tradutores ou a um objetivo específico: pois desta forma ela é mais adequada para a instrução (ibid., Carta 53.10, 102). No seu debate sobre a diferença en tre ignorância ju sta e ju stiça instruída, Jerôn im o respondeu à pergunta: “Por que o apóstolo Paulo é cham ado de vaso escolhido?” A sua resposta é: “C ertam en te, porque ele é u m depositário da Lei e das santas escrituras” (ibid., C arta 53.3, 97-98). A E sco la S iríaca d e A n tio q u ia João Crisóstomo (c. 347-407) e Teodoro de Mopsuéstia (c. 350-428) são os exegetas e teólogos que representam a Escola Siríaca de Antioquia, a cidade na qual os discípulos foram pela primeira vez denominados de “cristãos” (A t 11.26). D urante os primeiros séculos da igreja cristã, Antioquia foi a principal rival de Alexandria na luta pela liderança teológica do Oriente. Teodoro e os seus contem porâneos sustentaram que o autor primário de toda a Escritura
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era o Espírito Santo. Eles consideravam o Espírito Santo com o o provedor do conteúdo da revelação, e o profeta (em cooperação com Ele), com o aquele que dava à revelação a expressão e a form a adequadas (Wiles, “TMRAS”, 1, in: Ackroyd e Evans, CHS). Entretanto, diferentemente de todos os seus antecessores e sucessores, eles admitiam a possibilidade de discrepâncias menores nesta form a hum ana (veja Ackroyd e Evans, CHB, 493-494).
Agostinho de Hipona (354-430) Agostinho não foi som ente o m aior teólogo do início da Idade Média, co m o tam bém u m dos maiores de todos os tem pos. Ele ratificou com pletam ente as reivindicações neotestam entárias de inspiração; u m exem plo desta visão pode ser visto nas suas Confessions (Confissões) (8.29), n a qual a leitura de Rom anos 13.13,14 foi suficiente para a sua conversão. A sua obra m on u m en tal The City o f God (A Cidade de D eus) con tém m uito m aterial bíblico, e nela ele afirma a autoridade das Sagradas Escrituras, em contraste com outros escritos (veja 11.3; 18.41). Ao longo de todas as suas cartas e tratados, ele afirma a verdade, a autoridade e a origem divina da Bíblia. Em The City o f God, Agostinho utilizou expressões co m o “Escrituras Sacras” (9.5), "as palavras de D eus” (10.1), “Escritura Infalível” (11.6), “revelação divina” (13.2), e “Sagrada Escritura” (15.8). Em outras obras, ele tam bém se referiu à Bíblia co m o sendo os “oráculos de Deus”, “palavra de D eus”, “divinos oráculos”, e “divinas Escrituras”. Devido à grande influência que ele exerceu ao longo dos séculos, este testem u nh o p erm aneceu com o u m im portante referencial à alta estima em que as Sagradas Escrituras são tidas na igreja cristã. Referindo-se aos autores dos Evangelhos, Agostinho disse: Quando eles escrevem o que Ele ensinou e disse, não se deve afirmar que não foi Ele o autor destas palavras, já que os membros somente escreveram o que conheceram pelo ditado [dictis] daquele que é o Cabeça. Portanto, tudo o que Ele quis que lêssemos acerca das suas palavras e feitos, Ele ordenou aos discípulos, as suas próprias mãos, que escrevessem. Conseqüentemente, nada mais podemos fazer, senão receber o que lemos nos Evangelhos, mesmo através das mãos dos discípulos, como se tivesse sido escrito pela mão do próprio Senhor (Geisler, DFY, 34). Consequentem ente, acrescentou ele: Aprendi a render respeito e honra somente aos livros canônicos das Sagradas Escrituras: somente destes acredito firmemente que os autores estavam completamente livres de erro (ibid., 40) [...] Se ficamos perplexos com qualquer contradição aparente nas Escrituras, não nos é permitido dizer: O autor deste livro está enganado; mas, antes, ou se trata de uma falha no manuscrito, ou a tradução é ruim, ou você não compreende bem o que está lendo (Against Faustus, 11.5).
Gregório I, “o Grande” (540-604) Gregório, o Grande, escreveu o Commentary on fo b (C om entário Sobre Jó), no qual ele se refere a Hebreus 12.6 co m o “E scritura” (C J, 9:189), o term o utilizado para os escritos divinamente inspirados do N ovo T estam ento (2 T m 3.16). Ele, co m o o prim eiro papa da era medieval, deu o to m para os séculos seguintes, da m esm a form a que tam bém condensou a visão dos seus predecessores.
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Louis G aussen resum iu a visão das Sagradas Escrituras que tam b ém p red om in ou no início da Idade Média: C o m a ú n ica e xceção de T e o d o ro de M o p su éstia (c. 400 d .C .), o filósofo divino cu jo s n u m ero so s escrito s fo ra m co nd enad os em fu n çã o do seu N esto rian ism o , n o q u in to co n cilio e c u m ê n ic o [...] foi im possível en co n tra r, n o lo n g o p erío d o qu e co m p reen d e os p rim eiro s o ito sécu los da C ristan dad e, u m ú n ico d o u to r que te n h a d esabonad o a insp iração p le n a das E scritu ras, sem estar en red ad o c o m a lg u m a das piores heresias que a to rm e n ta ra m a Ig re ja C ristã; o u seja, e n tre os g n ó sticos, os m an iq u eu s, os a n o m ea n o s e os m a o m e ta n o s [m u çu lm an o s] (G n au ssen , T, 139-40).
A n se lm o de C a n tu á ria (1033-1109) Na sua fam osa obra Cur Deus Homo? (cap ítu lo 22), A n selm o con tin u ou afirm ando a visão ortod oxa da inspiração ao escrever: “E o próprio D eu s-h o m em originou o Novo Testam ento e aprovou o Antigo. E, co m o devem os reco n h ecer que ele é verdadeiro, não podem os divergir em nada destes livros” (SABW , 287-88). C o m o Arcebispo de Cantuária, A nselm o tratou da questão da autoridade em ou tro tratado, em que declarou: “O que é dito nas Escrituras [...] Eu creio sem duvidar, obviam ente” ( TFE, 185). Os V ito rin o s (S é cu lo X II) Os V itorinos fo ram notáveis m estres cristãos na Abadia de São V ítor, em Paris; eles seguiam u m a abordagem histórica e literal na interpretação bíblica. C o m o representantes dos vitorinos, inclu em -se Hugo (falecido 1142), Ricardo (falecido 1173), e André (falecido 1175), e o seu respeito pelas Escrituras estava baseado n a fé dos seus antecessores — que a Bíblia é a Palavra de D eus divinam ente inspirada (R a m m , PBI, 51). T om ás de A q u in o (c . 1225-1274) Os fund am entos da teologia m edieval posterior foram lançados por estudiosos de alto quilate, co m o o categorizador Pedro Lom bardo (c. 1100-c. 1160) e o enciclopedista Alberto, o G rande (c. 1193 ou 1206-1280). E n tretan to , o m aior porta-voz do Escolasticism o foi m esm o Tom ás de A quino, que claram ente cristalizou o d ou trina ortod oxa da inspiração. Na sua Summa Theologica, Tom ás de A quino afirm a: “O A u tor das Sagradas Escrituras é D eu s”. E m bora ele levante a questão dos “sentidos” da Escritura, ele tem por pressuposto a “inspiração” tan to do A ntigo quanto do N ovo T estam ento. Dessa form a, ele tam bém convergiu co m a visão tradicional de que as Sagradas Escrituras são “revelação divina” (ST, 1.1.1, 8; 2) e “isentas de e rro ” (ST, 2.1.6.1). Deus E o Autor das Escrituras Tom ás de A qu ino in sistiu que “D eu s é o a u to r das Sagradas E sc ritu ra s”. U m a vez m ais, “o A u to r das Sagradas E scritu ras é D eu s” (ST, la , 1, 10). A ssim , “a rev elação é a base da E scritu ra sacra ou d o u trin a ” (ibid ., la . 1, 2 ad 2), pois “a sagrada E scritu ra vislu m b ra coisas q ue lh es são d iv in a m en te revelad as” (ibid., la. a, 2 ad 2), e é “n a Sagrada E scritu ra [que] a vo n tad e divina nos é d eclarad a” (ibid., la . 1, 2 ad 2). C itand o as palavras de Paulo a T im ó te o ( “T od a E scritu ra d iv in am en te in sp ira d a ”, 2 T m 3.16), Tom ás de A q u in o se referiu à B íblia co m o “E sc ritu ra d iv in am en te
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inspirada” (ibid., la. 1, 1), e disse que p recisam os de u m a ‘‘revelação divina” isenta de erros, do co n trário a “verdade racio n al a respeito de Deus teria aparecido apenas p ara uns p o u co s, e m esm o assim so m en te depois de u m lon go te m p o , além de estar m istu rad a co m m u itos en g an o s” (ibid., la . 1, 1). Deus Falou por intermédio dos Profetas “A profecia implica u m a certa visão de algumas verdades sobrenaturais que vão além do nosso alcance” (ibid 2a2ae. 172, 6, ad 2). U m a vez mais, “a profecia é u m a form a de conhecim ento que a revelação divina inscreve na m ente de u m profeta, na form a de u m ensino” (ibid., 2a2ae. 171, 6). A Relação do Divino e do Humano nas Escrituras A exem plo dos Pais que o antecederam , Tomás de Aquino às vezes se referia aos autores hum anos das Escrituras co m o sendo “instrum entos da operação divina” (ibid., 2a2ae. 172,4, ad 1), pois “n a revelação profética a m ente do profeta é m ovida pelo Espírito Santo com o u m instrum ento falho pela sua causa principal”. Tomás de Aquino cita 2 Samuel 23.2 em apoio à sua visão: Davi disse: “O Espírito do Senhor falou através de m im ” (ibid., 2a2ae. 173, 4). Quando Deus m ove u m au to r hum ano, u m instrum ento im perfeito se to rn a capaz de expressar u m a m ensagem perfeita, até m esm o ao ponto de expressar as suas “palavras” exatas (ibid). Isto é possível em função da perfeita atuação da Causa prim ária ou principal (Deus) sobre a causa secundária imperfeita. E n tretan to , ao co n trário de m uitos dos seus antecessores, Tom ás de Aquino não via os autores h um anos co m o meros in strum entos da causalidade de Deus; antes, eles eram causas secundárias que atuavam sob a ação providencial direta de Deus, a Causa prim ária. Tom ás de Aquino argu m en tava que “a c o rre ta disposição é u m a exigência necessária p ara o uso co rre to da profecia, já que o uso da profecia procede do poder criado do profeta. P ortan to , u m a disposição determ in ada é tam bém dele requerida” (O T, 12, 4)2. E sta disposição é p ro p o rcio n a d a pelo D ivino A rq u ite to da h istó ria da salvação: D eus dispõe h o m en s e even tos de fo rm a que eles co m u n iq u e m a Sua Palavra p recisam en te c o m o o fizeram (ST , 2a2ae. 172, 3 ). Dessa fo rm a , as ca ra cte rística s pessoais dos p rofetas de fo rm a a lg u m a desabon am a m en sag em que eles exp ressam ; ao co n trá rio , a m en sag em “p ro ce d e em h a rm o n ia c o m estas d isp osições” (OT, 12, 4 ad l ) 3. Tomás de Aquino ilustrou a relação divino-hum ana na profecia por interm édio do m odelo professor-aluno: A profecia é um tipo de conhecimento impresso no intelecto do profeta a partir de uma revelação divina; isto acontece segundo a maneira da educação. Nela, vemos que a verdade do conhecimento é a mesma tanto no estudante quanto no professor, já que o conhecimento do estudante é uma semelhança do conhecimento do professor (ST, 2a2ae. 171,6)4. Ao contrário das ilustrações mecânicas utilizadas por muitos dos seus antecessores (tal com o um Deus que toca um instrumento musical), Tomás de Aquino proporcionou novas
2 Cf. Summa Theolo$ica, 2a2ae. 174, 3 ad 3.
3 Cf. Summa Theologica, 2a2ae. 172, 3 ad 1 e 171, 6.
4 Cf. Sutnma Theologica, 172, 6 ad.
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concepções sobre o processo de inspiração. Da m esm a form a que um mestre ativa o potencial do aluno ao conhecim ento, Deus (a Causa Primária) tam bém ativa o potencial do hom em a causa secundária) para saber o que Ele (Deus) deseja revelar-lhe. Assim, o profeta não é um a m arionete, n em um secretário, mas u m hom em , alguém que está aprendendo. E, tal com o u m mestre hum ano, Deus som ente ativa no profeta aquilo que ele tem potencial para receber em term os de suas próprias capacidades, cultura, língua, e formas literárias. A Inerrância das Escrituras Enquanto muitas pessoas nos tempos m odernos têm negado a inerrância das Escrituras, não existe dúvida a respeito do posicionamento de Tomás de Aquino n a questão. No seu Commentary on the Book o f fo h (C om entário Sobre o Livro de Jó), ele declarou: “E herético dizer que qualquer tipo de engano possa estar contido tanto nos Evangelhos quanto em qualquer outra Escritura canônica” (13, palestra 1). Em outra obra, ele insiste no tem a: “U m profeta verdadeiro sempre é inspirado pelo Espírito da verdade em quem não existe n enh u m resquício de engano, e, portanto, Ele jamais expressa inverdades” (ST, 2a2ae. 172,6, ad 2). De form a bem objetiva, ele declara que “nada falso pode subjazer ao sentido literal das Escrituras” (ibid., la. 1, 10, ad 3). Portanto, “a verdade acerca das proclam ações proféticas deve ser a m esm a do conhecim ento divino. E a falsidade [...] não pode fazer parte da profecia” (ibid., la. 14, 3). Concordando com Agostinho, Tomás de Aquino faz a seguinte confissão acerca das Sagradas Escrituras: “Creio firm em ente que nenhu m dos seus autores com eteu qualquer erro ao com pô-las” (ibid., la. 1, 8). Nesta m esm a passagem, Tomás de Aquino se referiu às Sagradas Escrituras com o “verdade infalível”. A Bíblia seria, portanto, ainerrante Palavra de Deus. No seu Commentary on John (C om en tário Sobre João), Tom ás de Aquino afirm ou: Q u e m escrev eu o câ n o n E scritu rai, tal c o m o os Evangelistas, os A p ósto los, e o u tro s a eles sem elh a n tes, a firm o u a verd ade de fo rm a m u ito firm e, a p o n to de n ão d eixar n e n h u m a dúvida a seu respeito. E p o r isso que as E scritu ras d eclaram de fo rm a en fática: “E sabem os que o seu te ste m u n h o é verd ad eiro”, e: “Se alg u ém vos an u n cia r o u tro ev an g elh o além do qu e já recebestes, seja a n á te m a ” (21, p alestra 6).
Em suma, a Bíblia está tão isenta de erros que nada nela pode ser colocado em questão. Ao contrário de algum as pessoas n a nossa época, as quais acreditam que som ente as coisas essenciais à nossa fé estão isentas de erro5, Tom ás de A quino acreditava que a Bíblia não é verdadeira som en te naquilo que ensina, mas tam b ém em tudo o que ela toca, pois coisas “incid entalm en te ou secundariam ente relacionadas ao ob jeto de fé fazem todas parte das Escrituras que nos foram transm itidas por D eu s” (ST , 2a2ae. 2, 5). C om o exem plos de coisas na Bíblia que não são essenciais à fé, mas que continu am , todavia, isentas de erro, Tom ás de A quino co lo ca o fato de Abraão ter tido dois filhos, ou que um m o rto ressuscitou quando os ossos de Elias o to caram (ibid., 2a2ae. 1, 6 ad 1). A Superioridade das Escrituras Tom ás de A quino concordava com princípio protestante que surgiria mais tarde de la Scriptura, som ente a Bíblia é a Palavra de Deus, a n o rm a to ta lm en te suficiente para a
nossa fé. Ele disse de fo rm a bastante clara: 5Veja Jack Rogers, The Authority and Interpretation o f the Bible: An Historical Approach.
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Nós cremos nos profetas e nos apóstolos porque o Senhor tem sido testemunha deles ao realizar milagres [...] E cremos nos sucessores dos apóstolos e profetas somente na medida em que nos transmitam as coisas que os apóstolos e profetas nos deixaram nos seus escritos (OT, XIV, 10, ad 11, grifo adicionado). Em outra parte, ele acrescentou: “A verdade da fé está contida na Escritura sacra” (ST, 2a2ae. 1,9). Portanto, “podemos explicitar a nossa fé em certos assuntos somente quando ms estiver claro que ela está tia verdade contida ws ensinos d a fi’ (ibid., 2a2ae. 2,6, grifo adicionado). O contexto desta afirmação deixa claro que a expressão “os ensinos da fé” é um a referência às Sagradas Escrituras. Depois de insistir que os autores bíblicos “afirm aram a verdade de form a m uito firme, a ponto de não deixar n en h u m a dúvida a seu respeito”, e que qualquer u m que a rejeite deve ser considerado “an átem a”, Tomás de Aquino acrescentou: A razão para isso é que somente as Escrituras canônicas são normativas para a fé [...] Outros que escrevem a respeito da verdade ofazem de umaforma que não desejam que seja cndo ao menos que o que eles afirmam seja verdadeiro (TC], 21, palestra 6, grifo adicionado). M esm o crendo que som ente a Bíblia era a revelação escrita de Deus6, Tomás de Aquino não tinha a intenção de sugerir que ela não precisasse ser interpretada (ST, 2a2ae. 1, 9 ad 1; 10 ad 1); ele simplesmente queria dizer que nada a ela se com parava. “Assim, a Escritura sacra, que não tem n en h u m tipo de ciência que lhe seja superior, contende pela negação dos seus princípios; ela argum enta co m base nas verdades sustentadas pela revelação” (ibid., ST, la. 1, 8). A Bíblia é superior a qualquer ou tro livro ou pessoa, e tudo e todos os que existem precisam subm eter-se à sua autoridade divina. RESUM O E CON CLUSÃO M esm o havendo diferenças m enores quanto ao m od o de inspiração, houve u m a unidade essencial en tre os grandes Pais da igreja antiga e m edieval acerca da n atu reza da inspiração. P raticam ente todos co n co rd aram que o Antigo e o N ovo Testam ento eram a Palavra de Deus divinam ente autorizada e verbalm ente inspirada, p o rtad o ra de autoridade final p ara as questões de fé e p rática da igreja. M esm o que n en h u m deles, na verdade, ten h a crido n a transmissão via ditado m ecânico palavra p o r palavra, a sua linguagem de apoio à inspiração divina verbal plena foi algumas vezes tão enfática, que eles eram convictos de que na inspiração era como se as Escrituras tivessem sido ditadas (veja, p or exem plo, a citação feita por Agostinho neste capítulo).
6 Algumas pessoas questionam a conclusão de que Tomás de Aquino considerava a Bíblia com o única revelação de Deus à Igreja apelando para o seu com entário sobre 2 Tessalonicenses 2.15, no qual ele diz que “m uita coisa não foi escrita pelos apóstolos e que, portanto, também devem ser observadas”. Entretanto, esta interpretação despreza o contexto e o restante da sua citação (de 1 Co 11.34), na qual Paulo diz: “Quanto às demais coisas, ordená-las-ei quando for ter convosco”. No contexto dos apóstolos vivos, sim, havia ainda autoridade apostólica não-escrita. Entretanto, depois da m orte deles, Tomás de Aquino jamais parece se referir a qualquer tipo de autoridade apostólica ou revelatória que excedesse a Bíblia. A sua única referência isolada (em Jó) à queda do diabo com o sendo parte da “tradição da igreja” pode facilm ente ser compreendida com o “ensino” da igreja baseado nas Sagradas Escrituras. Afinal de contas, Tomás de Aquino cria que muitas passagens bíblicas claram ente ensinam a queda de Satanás tanto antes (cf. G n 3) quanto depois de Jó (cf. Ap 12), e ele próprio as cita.
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M esm o havendo desvios n a fo rm a de interp retação (especialm ente a partir da escola alegórica de O rígenes) que destruíram a autoridade de certas porções das Sagradas E scrituras, houve unanim idade a respeito de a Bíblia ser a Palavra escrita de Deus. C om o já vim os, alguns utilizaram ilustrações tão fortes para se referir aos autores bíblicos com o porta-vozes de Deus que acabaram dando m otivo para esta acusação in ju sta de ditado verbal. U m a coisa é certa: Apesar de o fato da com paração dos autores bíblicos com in stru m en tos por interm édio dos quais D eus falou tend er a d im inuir a sua hum anidade (v eja capítulo 15), ela certam en te exaltou o aspecto divino dos seus escritos —as Sagradas Escrituras. FO N T ES Ackroyd, P. R ., e C. F. Evans, eds. The Cambridge History o f the Bible. A m brose, Letters, in: The Library o f Christian Classics. A nselm o. Saint Anselm's Basic Writings. ________ . Truth, Freedom, and Evil. Cyprian. Epistle About Cornelius and Novation, in: The Ante-Nicene Fathers. ________ . The Unity o f the Catholic Church, in: The Library o f Christian Classics. Cyril. Catechetical Lectures, in: Nicene and Post-Nicene Fathers. Gaussen, Louis. Theopneustia. Geisler, N orm an. Decide for Yourself: How History Views the Bible. Geisler, N orm an, e W illiam Nix. A General lntroduction to the Bible. G regório, o Grande. The Commentary on Job , in: The Library o f Christian Classics. H annah, Jo h n , ed. Inerrancy and the Church. Ireneu. Against Heresies, in: The Library o f Christian Classics. Jerônim o. St Jerome: Letters and Selected Works. Justino M ártir: Justins Hortatory Oration to the Greeks. Kelly, J. N. D. Early Christian Doctrine. R am m , Bernard. Protestant Biblical Interpretation. Rogers, Jack. The Authority and Interpretation o f the Bible: A Historical Approach. Schaff, Philip. The Nicene and Post-Nicene Fathers o f the Christian Church. Tertu liano. On Exhortation to Chastity, in: Philip Schaff, The Nicene and Post-Nicene Fathers o f the Christian Church. Tom ás de Aquino. Commentary on John 21, palestra 6. ________ . The Commentary on the Book o f Job, 13, palestra 1. ________ . On Truth. ________. Summa Theologica. 'S estcott, B ooke Foss. A General Survey o f the History o f the Canon o f the New Testament. ________. An lntroduction to the Study o f the Gospels. 'Siles, M. F. “T h eod ore o f M opsuestia as Representative o f th e A n tiochen e S c h o o l”, in: ?. R. A ckroyd e C. F. Evans, eds., The Cambridge History o f the Bible. 'S oodbridge, Jo hn. Biblical Authority: A Critique o f the KogerjMcKim Proposal.
CAPÍTULO
DEZOITO
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ão existe n en h u m a diferença substancial entre. a;ivisão dos R eform adores e dos grandes Pais daigrej a antiga e medieval a respeito da n atu reza das Sagradas Escrituras. Todos defendiam que tanto o A ntigo quanto o N ovo T estam en to eram a Palavra escrita de Deus, verbalm ente inspirada, portad ora de autoridade divina. Os prim eiros desvios sérios dentro da igreja não haveriam de oco rrer senão alguns séculos após a R eform a, nos tem pos m odernos (v eja capítulo 19). A VISÃO D E M A R T IN H O L U T E R O S O B R E AS E S C R IT U R A S C om o m onge agostiniano, M artin h o Lutero (1483-1546) não abandonou a d outrina das Escrituras postulada pelo seu grande m en to r, A gostinho (veja capítulo 17). Ele aderiu firm em ente a autoridade divina, a infalibilidade e a inerrância das Escrituras, co m o d em onstram as citações a seguir. A O rig em das E s c ritu ra s A exem plo de m u itos Pais da igreja antiga e medieval que o antecederam , M artin h o Lutero cria que a Bíblia tin h a procedência divina, e que chegou até nós por interm édio da instrum entalidade de hom ens por Ele usados. Neste aspecto, ele não se desviou da visão ortod oxa padrão das Sagradas Escrituras. A B íblia É a P alav ra de D eu s Lutero escreveu: “É exatam ente assim que ocorre com Deus. A sua palavra é m uito sem elhante a Ele m esm o, n o sentido em que a Trindade está totalm ente dentro dela, e aquele que tem a palavra, tem a totalidade daTrindade” (L W , 52:46). Ele acrescentou: “Deve ser observado, entretanto, que outro é o autor deste livro [Gênesis], a saber, o Espírito Santo ...] o Espírito Santo quis escrever isto [Gn 26.19-21] para nos ensinar”. Na sua exposição de 2 Pedro, está a frase: “Pedro diz: o que foi escrito e proclam ado nos profetas não foi imaginado n em inventado p o r hom ens, m a s o E sp írito Santo e hom en s devotos falaram estas coisas por intermédio do Espírito Santo” (R eu, LS, 35, 33, itálicos originais).
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Lutero afirm ou de fo rm a enfática: Aquele que é chamado de profeta é o que recebeu o seu entendimento diretamente de Deus, sem a necessidade de outras intervenções, em cuja boca o Espírito Santo colocou as suaspróprias palavras. Pois Ele (o Espírito) é a fonte, e eles não têm outra autoridade que não seja a de Deus [...] Aqui (2 Sm 23.2: “O Espírito do SENHOR falou por mim, e a sua palavra esteve em minha boca”) tudo se torna maravilhoso e excessivamente alto para mim [...] São essas declarações e outras similares às quais São Pedro se refere na II Epístola 1.21: “Porque a profecia nunca foi produzida por vontade de homem algum [...]” Por essa razão, cantamos no Credo, a respeito do Espírito Santo: “Aquele que falou através dos Profetas”. De modo que submetemos todas as Escrituras ao Espírito Santo (LW, 36-37, itálicos originais). Ele exo rtou : “Precisam os con h ecer o que crem os, a saber, o que diz a Palavra de Deus, e não o que o papa ou algum padroeiro cria ou diz. Porque não devem os confiar em hom en s. Não, você precisa confiar som ente n a Palavra de D eu s” (ibid., 30:105). Quisesse Deus que tanto a minha exposição quanto a de todos os doutores perecesse e cada um dos cristãos fizesse das Escrituras a pura palavra e norma de Deus. Só pela minha verbosidade, você poderá ver como a Palavra de Deus é incomensuravelmente diferente quando comparada com a palavra de homens, como não existe homem capaz de compreender sequer uma das palavras de Deus sem ter que utilizar uma grande quantidade de outras palavras para poder explicá-la (ibid., 52:286).
A Bíblia E Composta de Palavras Vindas de Deus Lutero declarou: “As Escrituras, apesar de tam b ém terem sido escritas por hom ens, não são de hom ens, n e m proced em de hom en s, m as proced em som en te de Deus. Mas, co m o as Escrituras e as doutrinas de h om en s são contrárias entre si, u m a deve ser verdadeira e a o u tra falsa” (ibid., 35:153): Eles não crêem que elas são palavras de Deus. Pois, se cressem nisso, não as chamariam de palavras pobres e miseráveis, antes respeitariam estas palavras e estes títulos como maiores do que o mundo inteiro; temeriam e tremeriam diante deles, como se estivessem diante do próprio Deus. Pois todo aquele que despreza uma única palavra vinda de Deus, na verdade, não considera nenhuma delas importantes (Reu, LS, 32, itálicos originais). Lutero, ainda, acrescentou: “Percebo que as Sagradas Escrituras são consoantes em tudo e através de tudo, e concordam entre si em tal medida que é impossível duvidar da verdade e da certeza de um a m atéria tão im portante em cada u m dos seus detalhes” (ibid., 37).
A Natureza da Autoridade Divina das Escrituras Por virem de Deus, as Escrituras têm autoridade divina. L utero expressou isto em term o s bastante claros: Esperamos que todos concordem com as decisões de que as doutrinas de homens devem ser abandonadas e que as das Escrituras devem ser mantidas. Pois as pessoas não desejarão, nem conseguirão, guardar ambas, já que ambas não podem ser reconciliadas e são, pela sua própria natureza, opostas entre si, como água e fogo, como céu e terra [...] Não condenamos as doutrinas dos homens só porque são doutrinas de homens, pois
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também nos alegraríamos em conviver com elas. Somente as condenamos por serem contrárias ao evangelho e às Escrituras (LW, 35:153). Assim: “Aprendi a prestar este tipo de h onra som ente aos livros que são considerados canônicos, de form a que posso crer confiantem ente que n en h u m dos seus autores incorreu em erro ” (R eu, LS, 17). Conseqüentem ente: Nada além da Palavra de Deus deve ser pregado à Cristandade. A razão para isto não é outra, como já dissemos, além desta: que Palavra a ser proclamada deve ser eternamente uma Palavra por meio da qual as almas possam ser salvas e alcançar a vida eterna (LW, 30:167). A In falib ilid ad e e a In e rr â n c ia das E s c ritu ra s Lutero proclam ou: Também não lhes ajudará afirmar que em todos os outros pontos eles têm um alto e nobre respeito pelas palavras de Deus e pelo evangelho como um todo, menos neste aspecto. Meu amigo, a Palavra de Deus é a Palavra de Deus; quanto a isso, não temos muito a negociar! Quando alguém, de modo blasfemo, atribui mentira a Deus em uma só palavra, ou diz que é uma questão mínima se Deus é blasfemado ou chamado de mentiroso, ele blasfema de Deus por completo e traz à luz toda a sua blasfêmia (LW, 37:26). Ele prosseguiu: Portanto, o Espírito Santo tem sido obrigado a carregar a culpa por não ser capaz de falar corretamente, mas, com o um bêbado ou tolo, Ele confunde tudo e utiliza palavras e expressões que são estranhas e hostis. Mas o fato de que não compreendemos nem a linguagem nem o estilo dos profetas é culpa nossa. E não pode ser diferente, porque o Espírito Santo é sábio e também torna sábios os profetas, e quem é sábio é capaz de falar de forma correta, sem errar. Somente aqueles que não ouvem bem ou não conhecem bem a sua língua podem bem pensar que Ele fala de forma pouco clara, porque, na verdade, estas são as pessoas que mal conseguem ouvir ou entender a metade das palavras (Reu, LS, 44). Além disso: Qualquer pessoa que seja atrevida ao ponto de acusar Deus de fraude e engano em uma sópalavra e faz isso de forma repetida e deliberada depois de ser advertido e instruído uma ou duas vezes, certamente se atreverá também a acusar Deus de cometer fraude e engano em todas as suas palavras. Portanto, é absolutamente verdadeiro e sem exceção que ou se crê em tudo ou não se crê em nada. O Espírito Santo não age de forma separada ou dividida, de modo que nos ensinasse uma
doutrina da forma certa e outra da forma errada (ibid., 33, itálicos originais). E mais: Esta não é uma estória muito importante, portanto não devemos dedicar muito tempo à sua explicação; na verdade, não sei como falar muito sobre ela. Mas como ela foi escrita
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pelo Espírito Santo, não nos é lícito passar por cima desta passagem, mas nos dedicaremos um pouco a ela (Reu, LS, 35, itálicos originais).
As Escrituras São uma Revelação de Cristo De acordo co m Lutero, você deve Deixar de lado as suas próprias opiniões e sentimentos, e pensar nas Escrituras como as mais altas e nobres das coisas sagradas, como a mais rica das minas que jamais poderá ser inteiramente explorada, para que possa encontrar aquela sabedoria divina que Deus aqui lança diante de você de forma tão singela que impede qualquer tipo de orgulho. Aqui você encontrará a manjedoura e os panos que envolviam o bebê, no lugar para onde os anjos enviaram os pastores [Lc 2.11,12]. Mas, por mais simples e baratos que fossem aqueles panos, caríssimo era o tesouro — Cristo — que eles envolviam (LW, 35:236).
A Bíblia É cientificamente Precisa Lutero estava tão convicto da precisão científica da Bíblia que chega a ser citado com o u m a das pessoas que acreditava que o sol, n a verdade, girava em to rn o da terra. Alguém mencionou um certo astrônomo que surgiu recentemente que quis provar que a terra se movimenta e não o céu, o sol, e a lua. Isto seria a mesma coisa que uma pessoa andar em uma carruagem em um barco e imaginar que ela estaria parada enquanto a terra e as árvores se movimentam [...] [Lutero observou,] é o que parece estar ocorrendo. Quem quiser ser inteligente não deve concordar com nada daquilo que é estimado pelos outros. Ele deve fazer por si próprio. E isso que este companheiro deseja fazer ao fazer com que a Astronomia inteira seja colocada de cabeça para baixo. Até mesmo nestas coisas que são lançadas na desordem, continuo crendo nas Sagradas Escrituras, pois Josué ordenou ao sol que parasse, e não à terra [Js 10.12] (Lutero, TT, 4 de junho de 1539). Lutero acrescentou: Como não temos a capacidade de compreender como estes dias ocorreram, nem porque Deus desejou observar aquelas distinções de tempos, preferimos admitir a nossa ignorância a tentar distorcer desnecessariamente as palavras afim de que assumam um sentido antinatural. Portanto, no que se refere à opinião de Santo Agostinho, sustentamos que Moisés falou literalmente, e não de forma alegórica ou figurativa, ou seja, o mundo e todas as suas criaturas foram criados em seis dias, como declara a Bíblia. Como não somos capazes de compreender, permaneceremos discípulos e deixaremos as instruções com o Espírito Santo (Reu, LS, 51, itálicos originais).
A Bíblia É Auto-Consistente A dificuldade de Lutero com a carta de Tiago não era devida à sua falta de fé na inerrância, m as sim na sua firm e convicção nela. Ele estava tão convencido de que Deus n ão poderia errar que teve dificuldade de aceitar a carta de Tiago, já que para ele Tiago parecia contradizer outras passagens.
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Apesar de essa Epístola de São Tiago ter sido rejeitada pelos antigos, eu a louvo e a prezo como um bom livro, porque ela não propõe nenhuma doutrina de homens, mas coloca uma ênfase forte na lei de Deus. Mas, para colocar a minha opinião sobre ela, e sem querer ofender a ninguém, não a considero como um escrito apostólico. As minhas razões são as seguintes: Primeiro: Ela se apresenta em franca contradição com São Paulo e todo o restante das Escrituras à medida que atribui justiça às obras e diz que Abraão foi justificado pelas obras ao oferecer o seu filho Isaque, ao passo que São Paulo, pelo contrário, ensina, em Romanos 4, que Abraão foi justificado sem obras, pela fé somente, antes de oferecer o seu filho, e prova isso fazendo uso de Gênesis 15 [...] Segundo: O seu objetivo é ensinar os cristãos, e em nenhum dos seus ensinamentos ela menciona a Paixão, a Ressurreição, ou o Espírito de Cristo (Reu, LS, 24). R e su m o d a V isão de M a rtin h o L u te ro s o b re as E s c ritu ra s A lgum as pessoas lançaram u m ataque indireto à visão de Lutero acerca da natu reza das Escrituras, em fu nção das suas dificuldades co m a extensão do cânon da Bíblia (já que ele tin h a reservas quanto a Tiago, Apocalipse, Ester e Hebreus). Mas, com o n o to u Jam es O rr: “Estes juízos afetavam a canonicidade, e não a inspiração”. N o seu e s tu d o -r e fe rê n c ia Luther and the Scriptures (L u te ro e as Sagrad as E s c ritu ra s ), M . R eu d estaca a o p in iã o que o p ró p rio L u te ro tin h a da B íb lia: “E e x a ta m e n te assim q ue o c o r r e c o m D eu s. A sua p alav ra é m u ito s e m e lh a n te a E le m e sm o , n o sen tid o em que a T rin d a d e e stá to ta lm e n te d e n tro d ela, e a q u e le que te m a p alavra, te m a to ta lid a d e da T rin d a d e ” . C o m re la ç ã o às p alavras da B íb lia , L u tero escrev e: “E as E s critu ra s , m e sm o te n d o sido e scrita s ta m b é m p o r h o m e n s , n ã o são de h o m e n s , n e m p ro c e d e m de h o m e n s , m as p ro c e d e m de D e u s ” . C o m o já v im o s a n te r io r m e n te , e le disse: “N ada a lém da Palavra de D eu s deve ser p reg ad o à C rista n d a d e ” (LS, 30.167). Lutero cria que a Bíblia é a Palavra de Deus, e não m eras palavras hum anas. C o m o D eus é o au to r de cada u m a das palavras da Bíblia, até m esm o a m en o r das partes da Bíblia (inclusive as referências à H istória e à Ciência) possui autoridade divina absoluta. P ortanto, negar qualquer coisa na Bíblia é negar o próprio Deus. Depois de Lutero, o Livro da Concórdia (1580) compilou nove credos e confissões da fé luterana. Ele afirma: “Os luteranos crêem, confessam e ensinam que a única regra e norma, de acordo com a qual todas as doutrinas devem ser estimadas e julgadas, não é outra senão os escritos proféticos e apostólicos tanto do Antigo quanto do Novo Testamento”. O livro acrescenta: E, na verdade, enquanto se afirmar a autoridade divina da Bíblia, e enquanto se concebêla como o produto de uma cooperação singular entre o Espírito Santo e os autores humanos e, portanto, seja no conjunto, seja nos detalhes, como a Palavra de Deus sem contradição e erro, enquanto a questão a respeito do modo de inspiração for de natureza completamente secundária, e enquanto estivermos em harmonia com os melhores teólogos luteranos desde Lutero até o ano de 1570. A VISÃO D E JOÃO C A LV IN O S O B R E AS E S C R IT U R A S João Calvino (1509-1564), o fundador da tradição R eform ada, foi igualm ente enfático icerca da inspiração divina e da inerrância das Sagradas Escrituras, do m esm o m odo que A gostinho, Tom ás de A quino e Lutero.
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A Origem das Escrituras Calvino cria que a Bíblia tin h a D eus por sua fonte ú ltim a; cada u m a das suas palavras v inha diretam ente da sua boca, m esm o que por interm édio da instrum entalidad e dos h om ens de Deus.
A Bíblia É Composta de Palavras Vindas de Deus Calvino acreditava que “a Bíblia desceu até nós da boca de D eus” ( IC K , 1.18.4). Assim: Devemos às Sagradas Escrituras a mesma reverência que devemos a Deus; porque elas têm a sua procedência somente nele, e nenhuma mistura humana a elas pertence [...] A Lei e os profetas não são doutrinas entregues pela vontade e prazer de homens, mas foram ditadas pelo Espírito Santo (Urquhart, IAHS, 129-30). C onseqüentem ente, A nossa fé na doutrina não estará estabelecida enquanto não tivermos uma perfeita convicção da sua autoria por Deus. Dessa forma, a maior prova a favor das Sagradas Escrituras é uniformemente extraída do caráter daquele de quem ela é a própria Palavra [...] Se, então, consultássemos mais efetivamente a nossa consciência, e a poupássemos de ser levada por um turbilhão de incertezas, de vacilos, e até mesmo de tropeços ao menor dos obstáculos, a nossa convicção acerca da verdade das Sagradas Escrituras seria derivada de uma fonte mais elevada do que simples conjeturas, juízos, ou razões; a saber, o testemunho secreto do Espírito. Assim, Se eles não estiverem possuídos por uma afronta desavergonhada, serão forçados a confessar que as Sagradas Escrituras apresentam claras evidências de sua procedência de Deus, e, conseqüentemente, de possuírem a doutrina celestial. Veremos um pouco mais à frente que o volume das Escrituras sacras supera em muito o de todos os outros escritos. Não, mas se olharmos para elas com olhos claros e com justos juízos, elas se mostrarão com uma majestade divina que subjugará toda espécie de oposição presunçosa da nossa parte, e nos forçará a prestar honra a elas (Calvino, ICR, 1.7.1). E mais, As Sagradas Escrituras são os únicos registros nos quais Deus teve prazer em nos consignar a sua verdade para a nossa lembrança eterna; a autoridade plena que elas devem ter com os fiéis não será reconhecida se estes não crerem que ela veio do céu, de forma tão direta como se o próprio Deus tivesse sido ouvido dando expressão a elas (ibid., 1.7.1). C alvino conclui: Da mesma forma que aprouve ao Senhor que a sua doutrina existisse de uma forma mais clara e mais ampla, a melhor para satisfazer as consciências fracas, ele também ordenou que as profecias fossem tornadas em escritos, e que estes fossem acrescentados à
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sua palavra. A estes, ao mesmo tempo, foram acrescentados detalhes históricos, que sao composição dos profetas, porém ditados pelo Espírito Santo (ibid., 4.8.6). A Bíblia F o i T ra n sm itid a p o r in te rm é d io de S eres H u m a n o s “C o m o j á o b s e r v e i” , d isse C a lv in o :
Existe esta diferença entre os apóstolos e os seus sucessores. Eles eram os verdadeiros e autênticos amanuenses do Espírito Santo; e, portanto, os seus escritos devem ser considerados como oráculos de Deus, enquanto que os outros não têm outro ofício senão ensinar o que lhes foi entregue e selado nas Sagradas Escrituras (ibid., 4.8.9). As E s c ritu ra s T ê m A u to rid a d e D ivin a Como procede de Deus, a Bíblia tem tanto autoridade divina quanto inerrância nos manuscritos originais. Ela é a regra segura e inerrante da fé cristã. Calvino escreveu: “Pois a nossa sabedoria deve consistir de abraçar com gentil docilidade, e sem exceções, tudo o que nos foi entregue nas Escrituras sacras” (ibid., 1.18.4). A Bíblia É Ise n ta de E rro s n o s M a n u sc rito s O rigin ais C a lv in o d isse d e f o r m a o b je tiv a : “[As E s c r it u r a s são ] a r e g r a s e g u r a e in e r r a n t e d a fé c r is tã ” (C C , S I 5 .1 1 ).
Pois, se refletirm os acerca da propensão da m ente hum ana para se esquecer de Deus, acerca da facilidade com que ela se deixa levar por todo tipo de engano, acerca de com o ela é inclinada, em todos os m om entos, a arquitetar religiões novas e fictícias, será fácil com preender com o foi necessário criar um depositório doutrinário desta espécie, o qual a protegeria da deterioração pela nossa negligência, da extinção em meio aos nossos erros, ou de ser corrom pida pela audácia presunçosa dos hom ens (.IC R , 1.6.3). E le c o n c lu iu :
Enquanto a sua mente se distrair com reservas acerca da veracidade da palavra de Deus, a sua autoridade será fraca e dúbia, ou mesmo será completamente nula. Também não será suficiente crer que Deus é verdadeiro, e que Ele não pode mentir ou enganar, se não estiver firmemente persuadido de que cada uma das palavras que procedem dele são sacras, são verdade inviolável (ibid., 3.2.6). E xistem E rro s de C o p ista s n o s M a n u sc rito s C a lv in o a c r e d ita v a q u e s o m e n t e o t e x t o o r ig in a l d as E s c r it u r a s e r a is e n to d e e r r o s . A o t r a t a r d o q u e a c r e d ita v a s e r u m e r r o d e c ó p ia , e le e s c r e v e u :
Como o nome de Jeremias apareceu [nos manuscritos em Mateus 27.9], confesso que não sei, nem me dou ao trabalho de saber. A passagem por si mesma mostra, de form a clara, que o nom e de Jeremias foi ali colocado por engano, no lugar de Zacarias (CC, M t 27.9).
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Calvino sustentava que as Sagradas Escrituras são a n o rm a inerrante p ara a fé cristã, e que se originaram da boca do próprio Deus, pelo ditado do Espírito Santo. Os únicos erros foram os de copistas em alguns dos m anuscritos, não nos originais.
A TRADIÇÃO EVANGÉLICA DEPOIS DE CALVINO (c. 1536-c. 1918) Ú lrico Zuínglio (1484-1531) divergia dos outros Reform adores em alguns pontos que dizem respeito à interpretação das Escrituras, mas havia unanim idade entre eles a respeito da sua inspiração e autoridade. Zuínglio afirmou a sua visão das Sagradas Escrituras nos Sessenta e Sete Artigos (1523), ao escrever: Quanto aos artigos e opiniões abaixo, eu, Úlrico Zuínglio, confesso tê-los pregado na digna cidade de Zurique com base nas Sagradas Escrituras, que são consideradas inspiradas por Deus, e, com estes artigos, ofereço-me tanto para defender quanto para conquistar. E se, neste momento, eu não tiver compreendido corretamente as passagens que citarei, permito-me ser ensinado para que possa melhor compreendê-las, mas somente a partir das Sagradas Escrituras. John Rnox (c. 1513-1572), que instituiu o Calvinismo com o religião oficial da Escócia, cria na inspiração e autoridade das Sagradas Escrituras, da m esm a form a que o seu m entor. Foram os discípulos de Knox que ensinaram o Rei James I, da Inglaterra, em cujo reinado foi produzida a famosa versão da Bíblia King James (Authorizect) Version (em 1611). A posição Reform ada foi expressa na Suíça por interm édio dos Sessenta e Sete Artigos (ou Conclusões) de Úlrico Zuínglio (1523), das Dez Conclusões de Berna (1528), da Primeira Conjissão Helvética (1536), e da Segunda Conjissão Helvética (1566). Francis Turretin (1623-1687) cresceu nesta tradição e, junto co m o seu filho Johann Alfons (1671-1737), ensinou em Genebra. Na França, o trabalho de Calvino ficou perpetuado n a Conjissão da Gália (1559), que declara: “C rem os que a Palavra contida nestes livros [canônicos] procedeu de Deus, e recebeu a sua autoridade dele som ente, e não de h om en s”. Esta confissão foi publicada em u m form ato, de certa form a, modificado e resum ido e utilizada pelos Valdenses co m o título de Breve Conjissão de Fé das Igrejas Reformadas de Piemonte (1655). Em outros lugares, a visão Reform ada das Escrituras foi propagada em três diferentes tratados: A Conjissão Belga (1561), 0 Catecismo de Heidelberg (Palatinado) (1563), e Os Cânones de Dort (1618-1619). A Confissão Belga foi a declaração confessional básica dos Países Baixos, durante o período em que Jacó Arm ínio (1560-1609), teólogo holandês, p rom ulgou as doutrinas hoje conhecidas co m o Arm inianism o. Os seus seguidores imediatos foram cham ados de “Os R em onstrantes”, devido à sua publicação anti-calvinista intitulada Remonstrance, ou “Cinco Artigos”, lançada em 1610. Dos seus setenta e nove debates privados, Arm ínio dedicou seis deles ao temas relacionados à natureza, autoridade e aptidão das Sagradas Escrituras. Neles, ele afirmou que n a transmissão da sua Palavra, Deus “prim eiram ente em pregou a enunciação oral em sua entrega, e mais tarde a escrita, co m o u m m eio mais seguro co n tra a corrup ção e o esquecim ento [...] para que hoje possamos ter a infalível palavra de Deus som ente em um lugar: nas Sagradas Escrituras [...] o in strum ento da religião”. Ele prosseguiu co m o seu argum ento afirmando que a “autoridade da palavra de Deus, que é com posta do Antigo e do Novo Testam ento, jaz tanto n a veracidade da íntegra da narrativa, de todas as
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declarações, sejam elas referentes ao passado, ao presente, ou às coisas vindouras, quanto n o poder dos m and am entos e das proibições, que estão contidos n a palavra divina”. O Sínodo de D o rt (1618-19) con tém cinco artigos dedicados às Sagradas Escrituras, incluindo as declarações seguintes, do A rtigo V: Esta palavra de Deus não foi enviada, nem entregue, pela vontade de homens, mas homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo, como declarou o apóstolo Pedro [...] Mas tarde, Deus, a partir do zelo especial que Ele tem por nós e pela nossa salvação, ordenou os seus servos, os Profetas e Apóstolos, a transcrever a Palavra a eles revelada na forma escrita; e Ele mesmo escreveu com o seu próprio dedo as duas tábuas da Lei. Por isso, chamamos estes escritos de sagradas e divinas Escrituras. Seguindo esta apresentação dos livros canônicos e da sua suficiência, A Confissão Belga term in a as suas declarações acerca das Sagradas Escrituras co m as seguintes palavras de conclusão: Portanto, rejeitamos de todo o nosso coração tudo aquilo que não concorde com esta regra infalível, a qual nos foi ensinada pelos apóstolos, com a admoestação: Provai se os espíritos são de Deus. Da mesma forma: Se alguém vem ter convosco e não traz esta doutrina, não o recebais em casa. A Confissão Belga foi adotada co m o o padrão doutrinário oficial das Igrejas Reform adas depois da sua revisão feita no Sínodo de D ort. A Ig reja R eform ada aderiu a posição calvinista no que se refere à d outrina da inspiração e autoridade das Sagradas Escrituras e m anteve esta posição até o sécu lo X X . A T ra d içã o d e W estm in ste r (c . 1538-C .1918) Os Trinta e Nove Artigos da Religião da Igreja da Inglaterra se tran sform aram na posição oficial da Ig reja da Inglaterra (1571) e da Irlanda (1615). Os Trinta e Nove Artigos com binavam pontos das confissões suíça (ou reform ada) e luterana. O artigo “D a Suficiência das Sagradas Escrituras Para a Salvação” afirma: As Sagradas Escrituras contém todas as coisas necessárias à salvação: de modo que nada que nelas não seja lido, nem por elas possa ser provado, poderá ser requerido de qualquer homem, nem ser crido como artigo de fé, ou ser considerado requisito necessário para a salvação. A Assembléia dos Divinos de W estm inster foi convocada em 1642 para legislar a respeito da doutrina, do cu lto e da disciplina na igreja estatal. O seu trabalho representa a vanguarda dos concílios protestantes. A Assembléia produziu o d ocu m en to Confissão de Fé 1647) e dois “Catecism os” que foram escritos em inglês e usados em todas as igrejas anglopresbiterianas até o século X X . O prim eiro artigo da Confissão de Fé de Westminster afirma: Por causa da insuficiência do conhecimento da humanidade sobre Deus, sua vontade, e sua salvação, agradou ao Senhor, em diversos tempos, e por diferentes modos, revelar a si mesmo e declarar aquela sua vontade a sua Igreja; e mais tarde, para melhor preservação e propagação da verdade, e para o mais seguro estabelecimento e conforto da igreja contra a corrupção da carne e a maldade de Satanás e do mundo, entregar a mesma
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inteiramente para ser escrita; isto torna a santa Escritura muitíssimo necessária, tendo agora cessado aqueles modos anteriores da revelação da vontade de Deus ao seu povo. A Conjissão, ainda, acrescenta: A autoridade da Escritura, por qual razão deve ser crida e obedecida, repousa não sobre o testemunho de qualquer homem ou igreja, mas inteiramente sobre Deus (que é Ele próprio a verdade), o Autor dela; e por essa razão deve ser recebida, porque é a palavra de Deus [...] não obstante, nossa completa persuasão e segurança acerca da sua verdade infalível e autoridade divina é derivada da obra interior do Espírito Santo, que pela Palavra e com a Palavra dá testemunho aos nossos corações [...] VI. O conselho completo de Deus, concernente a todas as coisas necessárias para sua própria glória e a salvação, fé e vida do homem, ou está expressamente registrado na Escritura, ou pode ser deduzido dela por boa e necessária conseqüência; à Escritura, nada, em qualquer tempo, deve ser acrescentado, seja por novas revelações do Espírito ou por tradições de homens [...] IX. A regra infalível de interpretação da Escritura é a própria Escritura [...] X. O Juiz Supremo, por meio de que todas as controvérsias da religião devem ser determinadas, e todos os decretos de concílios, opiniões de escritores antigos, doutrinas de homens, e sentidos particulares, devem ser examinados, e sobre cuja sentença repousamos, não pode ser outro senão o Espírito Santo falando na Escritura. A T ra d iç ã o W esleyan a Depois da Revolução Am ericana, John Wesley (1703-1791) redigiu Os Vinte e Cinco Artigos da Religião, que foram adotados pelos Metodistas norte-am ericanos em 1784. Estes Artigos eram u m resum o liberal e judicioso dos Trinta e Nove Artigos, co m a omissão das suas características calvinistas, além de outros porm enores. C ontudo, no Artigo II, “A Suficiência das Sagradas Escrituras para a Salvação”, Wesley escreveu: As Santas Escrituras contêm tudo que é necessário para a salvação, de maneira que o que nelas não se encontra, nem por elas se possa provar, não se deve exigir de pessoa alguma para ser crido como artigo de fé, nem se deve julgar necessário para a salvação. Entendese por Santas Escrituras os livros canônicos do Antigo e do Novo Testamento, de cuja autoridade nunca se duvidou na Igreja (Wesley, citado em Schaff, CC, 3.808). Wesley afirmava co m freqüência a sua cren ça na inspiração e na autoridade das Escrituras co m o os “oráculos de Deus”, escritas por “hom ens divinamente inspirados”. Ele atestava a sua veracidade, dizendo: “Toda Escritura foi dada por inspiração de D eus”, conseqüentem ente toda Escritura é infalivelmente verdadeira”, e: “Se houver qualquer tipo de erro na Bíblia, então poderá haver m il outros, pois, se houver u m a falsificação naquele livro, ele não terá vindo do Deus da verdade” (W JW , 5.193; 6.117; 8.45,46; 10.80). Os seguidores de Wesley continuaram m antendo a m esm a visão elevada dainspiração e da autoridade das Escrituras. C om o declarou o estudioso wesleyano Wilber T. Dayton: A autoridade absoluta e a total confiabilidade da Bíblia foi considerada como certa no início do Wesleyanismo de maneira tão enfática quanto a maternidade tem sido entendida
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como o princípio da subrevivência da raça humana. Nada teria sido mais repugnante ao Metodismo original do que levantar dúvidas acerca da Palavra de Deus, que é a fonte da própria vida ( “IWBW”, in: Hannah, IC, 223). Adam Clarke, u m wesleyano irlandês (c. 1760-1832), afirm ou a sua cren ça na inspiração p len a e infalível das Sagradas Escrituras co m o “a ú n ica com pilação com p leta de fé e prática dos seres h u m a n o s” ( M W , 12.80, 83, 122; cf. 6.420). R ichard W atson (17811833), o prim eiro teólog o sistem ático do m o vim en to w esleyano, declarou, na sua obra de dois volum es Theological Institutes (Institu tas Teológicas): Os santos escritores compuseram as suas obras sob uma influência tão plena e imediata do Espírito Santo, que se pode considerar que, através deles, Deus falou aos homens, e não meramente que eles falaram aos homens em nome de Deus, e pela sua autoridade (TI, 6.11). Foi som en te co m a abertura do sécu lo X X que o M etodism o deixou de ancorar-se nesta visão elevada das Sagradas Escrituras. M esm o então, a m u dança não foi baseada em questionam ento do registro objetivo e histórico das Escrituras, m as em tendências resultantes do im pacto do subjetivism o e do secularism o, bem co m o do m o m en to em que a m etod o log ia da ciência m o d ern a co m o a base para a autoridade em questões sociais foi transferida para a Teologia. Os A n ab atistas e a T ra d iç ã o B a tista (c . 1524-c. 1918) Os prim eiros nom es associados co m este m ovim en to incluem Jo h n Wycliffe (c. 13241384), João Hus (c. 1372-1415), Baltasar Hum baier (c. 1480-1528), M artin Bucer (1491-1551), e M enno Sim ons (1496-1561). A influência de Hubm aier é evidente em um a das primeiras declarações de fé daquele m ovim en to, A Conjissão de Schleitheim (1527). Na introdução do seu Treatise Agaisnt the Anabaptists (Tratado C ontra os Anabatistas), João Calvino reconheceu que “esta seita recebe o Espírito Santo, da m esm a form a que nós” ( TA A , 39). A posição de M artin B u cer e M en n o Sim ons acerca das Escrituras exerceu influência sobre João C alvino duran te a época em que o reform ad or genebrino estava em Estrasburgo. Sim ons se to rn o u o líder dos pacíficos anabatistas nos Países Baixos, e a sua posição a respeito das Escrituras é expressa no d o cu m en to The Foundation o f Christian Doctrine (O Fundam ento da D o u trin a Cristã) (1539-1540). Em geral, os batistas têm a tendência de evitar declarações em fo rm a de credo; mais especificam ente, eles têm construído as suas declarações confessionais com base em m odelos m ais antigos den tro da sua tradição específica. U m exem plo de declaração de fé batista é a Confissão de Fé (1644) das sete igrejas batistas de Londres, que foi reeditada em 1688 e 1689 co m o n o m e Uma Confissão Emitida pelos Presbíteros e Irmãos de Muitas Congregações de Cristãos (Batizados Mediante Profissão da Sua Fé) em Londres e no País. Este d ocu m en to se constitu iu em u m a leve m odificação da Confissão de Westminster, da Ig reja da Inglaterra, e da Declaração de Savoy (1658), das Igrejas Congregacionais, a fim de contem p lar as especificidades da política e da visão de batism o dos Batistas. A Segunda Confissão de Londres foi “adotada pela Associação Batista que se reun iu em 25 de setem bro de 1742”, e a ch am o u de A Confissão da Filadélfia. Ela seguia o m od elo da Confissão de Westminster, ao colocar a d ou trina das Sagradas Escrituras no A rtigo I (parágrafos 1-10), onde lem os:
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(1) A Sagrada; Escritura é a única, suficiente, segura e infalível regra para o conhecimento pleno da Salvação, da fé, e da obediência [...] (4) A autoridade das Sagradas Escrituras, pela qual ela deve ser crida, não depende do testemunho de nenhum homem ou igreja, mas inteiramente de Deus (que é a própria verdade), seu autor; portanto, ela deve ser recebida, porque é a Palavra de Deus (A Conjissão de Fé da Filadélfia, 6.aedição). N a região da Carolina dó N orte, os Batistas Separados uniram esforços co m a igreja de Sandy Creek, e em 1758 form ou-se a Associação Sandy Creek, tendo a igreja de Sandy Creek com o seu núcleo. Os Batistas Separados da Virgínia e das duas Carolinas estiveram juntos nos seus esforços evangelísticos por mais de doze anos; o Artigo II da sua breve declaração doutrinária afirma: “As Sagradas Escrituras do Antigo e do Novo Testam ento são a Palavra de Deus, e a única regra de fé e prática” (Lum pkin, BCF, 358). D urante o século X IX , os Batistas tanto do n orte quanto do sul dos Estados Unidos passaram a utilizar u m a confissão de fé calvinista mais resumida, A Declaração de Fé de New Hampshire (1833). A m esm a declaração foi adotada, co m alguns acréscim os, exclusões e outras m udanças, co m o n om e de Uma Declaração da Fé e Mensagem Batistas, da Convenção Batista do Sul, em 1925. A Declaração de Fé de New Hampshire (9-12) afirma: Cremos que a Bíblia Sagrada foi escrita por homens divinamente inspirados, e que ela representa um tesouro perfeito de instrução celestial*1; que ela tem Deus como seu autor, a salvação por objetivo*, e a verdade sem qualquer tipo de mistura como seu tema*; que ela revela os princípios pelos quais Deus nos julgará*; e que, portanto, é e continuará a ser, até o final dos tempos, o centro verdadeiro da união cristã*, e o padrão supremo pelo qual todas as condutas, crenças e opiniões humanas devem ser testadas* (Artigo I, Das Escrituras). Neste ínterim , a Convenção Batista do Sul reafirm ou e até m esm o fortaleceu este artigo específico, inserindo-o no d ocum ento A Fé e Mensagem Batistas (1963).
A Visão Católica Romana sobre as Escrituras (c. 1545-c. 1918) O ensino tradicional a respeito da d ou trin a da inspiração e da inerrância da Bíblia está baseado nos ensinam entos dos Pais da igrej a (vej a capítulo 17), tais co m o A gostinho e Tom ás de Aquino. Até m esm o os grandes R eform adores p rotestantes jamais m odificaram a visão católica acerca da origem e n atu reza das Sagradas Escrituras; as suas diferenças co m aquela igreja resum iam -se à extensão do cân on (veja capítulo 28) e à sua interpretação dele. A posição oficial católica ro m an a nos Cânones e Decretos Dogmáticos do Concilio de Trento (1563) afirma: O Concilio percebe claramente que esta verdade e regra estão contidas nos livros escritos e nas tradições não-escritas que nos foram transmitidas, tendo sido recebidas pelos apóstolos da boca do próprio Cristo ou dos apóstolos pelo ditado do Espírito Santo, e transmitidas da forma que foram, de mão a mão [...] [Seguindo, então,] o exemplo dos Padres ortodoxos, ela recebe com o mesmo senso de lealdade e reverência todos os livros do Antigo e do Novo Testamento —pois somente Deus é o autor de ambos (Neumer e Dupuis, CF, 77, grifo adicionado).
1 Os asteriscos sindicam a omissão das citações de passagens bíblicas contidas na Declaração.
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O C oncilio Vaticano I proclam ou a inerrância das Sagradas Escrituras, afirm ando: ' Elas con tém a revelação sem erros*2porque, ao serem escritas sob inspiração do Espírito Santo, tê m Deus co m o seu au tor* (D enzinger, 1787, 444). O Papa Leão XIII afirm ou que “seria co m p letam en te errado restringir a inspiração som en te a algum as partes da Escritura, ou adm itir que o au to r sagrado co m eteu erros” (D enzin ger, 1950, Encíclica P widentissimus Deus, 1893). O V aticano II acrescentou: Portanto, já que tudo o que os autores inspirados, ou santos escritores, afirmaram deve ser considerado como afirmação feita pelo Espírito Santo, precisamos reconhecer que os livros das Escrituras, de forma firme, fiel e isenta de erro, nos ensinam a verdade que Deus, por causa da nossa salvação, desejou ver confiadas às Escrituras sacras (Documents of Vatican II, “On Revelation”, capítulo 3, 757). Os teólogos católicos mais liberais en co n tram um a lim itação n a expressão “por causa da nossa salvação”, argum entando que a inerrância se lim ita som ente às verdades salvíficas, m as isto vai de en con tro a toda a tradição católica até os tem pos m odernos. Todos concord am , en tretan to , que a inspiração e a inerrância são lim itadas ao significado que os autores sagrados “tiveram a intenção de expressar e, de fato, expressaram , por interm édio do m eio das form as literárias con tem p orân eas”. Para compreender de forma correta o que o autor sagrado desejou afirmar na sua obra, uma atenção devida deverá ser prestada tanto aos modelos de percepção, discurso e narrativa costumeiros e característicos que predominavam na época do escritor sagrado, quanto às convenções pelas quais as pessoas da sua época interagiam (ibid., 757-58). D urante o sécu lo X IX , o Papa Pio IX em itiu a encíclica The Papal Syllabus o f Errors Referencial Papal A cerca de Enganos) (1864), na qual ele atacou as posições do "Panteísm o, do N aturalism o, e do R acionalism o A bsoluto”, listando en tre estes erros as seguintes visões: A revelação divina é imperfeita e, portanto, sujeita ao avanço contínuo e seguro da razão humana [...] As profecias e milagres expressos e narrados nas Sacras Escrituras são ficções de poetas [...] invenções míticas, e o próprio Jesus Cristo é uma ficção mítica (In: Schaff, CC, 2.214-215). A posição do papado em relação às doutrinas da inspiração e da autoridade das Sagradas Escrituras não se alterou. O m esm o p o n to de vista é apresentado na obra The Dogmatic Decrees o f the Vatican Council Concerninjj the Catholic Faith and the Church o f Christ (D ecretos D ogm áticos do Concilio \ aticano A cerca da Fé C atólica e da Ig reja de C risto) (1870), que trato u a questão das Sagradas Escrituras com o Revelação divina que pode ser conhecida por todas as pessoas com facilidade, com certeza firme, e sem mistura de erros [...] Além disso, essa revelação sobrenatural, de * Novamente aqui, o asterisco também indica a omissão das citações de passagens bíblicas contidas no texto.
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acordo com a crença universal da Igreja, declarada pelo sacro Concilio de Trento, está contida tanto nos livros escritos quanto na tradição não-escrita que nos foi transmitida (Schaff, CC, 2.240-241). C om o sugeriu James T. Burtchaell: “A Igreja C atólica tem apresentado pouco desejo espontâneo de refinar, revisar e m elhorar as suas form ulações doutrinárias. Som ente quando ela é espetada e provocada pelo exterior, ela reage n u m m ovim ento, aparentem ente, indesejado” ( C T I, 1). Justo L. Gonzalez fala de m aneira similar ao se referir à resposta do papa ao desenvolvimento da alta crítica durante o final do século X IX e início do século X X : Quando as formas modernas da pesquisa crítica foram desenvolvidas, Roma condenou aqueles que tentaram relacioná-las às questões religiosas [...] [o que,] de certa forma, serve de justificativa para a visão comumente aceita entre os protestantes de que a Igreja Católica era uma das forças mais reacionárias no mundo (HCT, Volume 3, 373). C om o Carl F. H. Henry corretam en te observa: Ao longo da sua ampla influência medieval, a Igreja Romana se acostumou a promover a doutrina da inerrância das Escrituras e opor-se às noções de uma inerrância restrita somente à fé e à moral. Os esforços para promover a inerrância limitada feitos por Henry Holden, na obra Divinae Fidei Analysis, não despertaram muito entusiasmo. Ele prossegue: Mas no final do século XIX e início do século XX, tanto os clérigos romanos quanto os protestantes estavam unidos na luta contra a inerrância. A The New Catholic Encyclopedia (Nova Enciclopédia Católica) aponta o apoio tradicional da Igreja Romana à inerrância, mas prossegue indicando o clima contemporâneo: “Todavia, fica claro que muitas afirmações bíblicas são simplesmente incorretas quando passam pelo crivo do conhecimento moderno da Ciência e da História [...]” Até mesmo a declaração do Vaticano II a respeito das Sagradas Escrituras ensina que a frase “isentas de erro, nos ensinam a verdade que Deus, por causa da nossa salvação, desejou ver confiadas às Escrituras sacras” é interpretada de maneira descritiva por alguns padres [...] e de maneira restrita por outros (RA, 374). Ao contrário da visão histórica, esta frase ambígua deixou aberta a p o rta para os católicos rom anos que negam a doutrina da inerrância.
A Visão Ortodoxa Oriental sobre as Escrituras (c. 1643-c. 1918) Deixando de lado as diferenças a respeito do papel desempenhado pela autoridade, a Igreja Oriental tem sustentado u m a visão elevada acerca da autoridade das Sagradas Escrituras, a qual se alinha tan to co m a visão católica ro m an a quanto co m a protestante. Ainda em 1839, por exem plo, o Catecismo Maior da Igreja Católica Ortodoxa Oriental continha u m a longa apresentação n a sua “Introdução ao C atecism o O rto d o xo ” em defesa do uso da Conjissão Ortodoxa da Igreja Oriental (1643). Nessa introdução, existe u m bloco intitulado
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'“D a R evelação D ivina” em que se pergunta: “Por que as pessoas em geral não são capazes de receber a revelação diretam ente de Deus?”, e se responde: “[...] devido à sua im pureza pecam inosa, e à fraqueza tanto do corpo quanto da alm a”. Depois de listar os profetas, o Sen h or Jesus Cristo e os apóstolos co m o arautos da revelação divina, a introd u ção faz a seguinte pergunta: “Será que os hom ens, então, não podem chegar a u m con h ecim en to acerca de D eus sem u m a revelação especial da sua parte?”, e responde afirm ando que “este co n h ecim en to é im perfeito e insuficiente, e pode servir som en te com o preparação para a fé, ou co m o auxílio em direção ao co n h ecim en to de Deus a partir da sua revelação”. Em sua seção “D a Santa Tradição e da Santa E scritu ra”, a introd u ção pergunta: “C o m o a revelação divina pode se espalhar entre os h om ens e, m esm o assim, continuar preservada n a igreja verdadeira?” A resposta: “Por dois canais —pela santa tradição e pela santa E scritura”. A tradição tam bém diz: “O in stru m en to mais antigo e original para expandir a revelação divina é a santa trad ição”, mas a Santa E scritura nos foi dada “para este fim, de m od o que a revelação divina pudesse ser preservada de fo rm a mais exata e im utável”. A pergunta 23 levanta a questão da relação entre as duas: “Será que devem os seguir a santa tradição m esm o tendo a santa Escritura? D evem os seguir toda tradição que concord a com a revelação divina e co m a santa Escritura, con form e a própria santa E scritura nos ensina [...] 2 Tessalonicenses ii. 15” (Schaff, CC, 2.445-542; 2.275-449). E n tretan to , com o declarou Kallistos Ware: A “Era dos Pais” da Cristandade oriental não se encerra com o Concilio de Calcedônia, no quinto século, nem com a última reunião do último Concilio Ecumênico, no oitavo século, mas segue sem interrupção até 1453; e até mesmo hoje — apesar da enorme influência da Igreja Católica Romana e das Igrejas Protestantes ocidentais, a partir do início do século dezessete até o presente —a Ortodoxia Oriental permanece basicamente patrística no seu aspecto (“CTE”, in: Drewery, HCD, 183-84). Isto tam bém é verdadeiro no que se refere ao p onto de vista ortod oxo a respeito das Sagradas Escrituras. R ESU M O E C O N C L U S Ã O U m a pesquisa na história da igreja cristã desde a época da R eform a até o tem po presente revela que existe u m a aceitação p raticam ente u n ân im e de que a Bíblia é a Palavra de D eus divinam ente inspirada, infalível e inerrante. Esta posição acom panha a visão básica da igreja antiga (veja capítulo 17), e desvios deste padrão são raram en te observados antes do século X IX , quando o Liberalism o (v eja capítulo 20) e a N eoortodoxia (veja capítulo 21) passaram a desafiar esta posição há m u ito aceita pela igreja cristã, tan to no O riente quanto no O cidente, en tre católicos e protestantes. FO N T ES B u rtch aell, Jam es. Catholic Theories o f Inspiration Since 1810. Calvino, João. Calvin’s Commentaries. ________ . Institutes o f Christian Religion. Clarke, Adam . Miscellaneous Works. D ayton, W ilber T. “Infalibility, Wesley, and British W esleyanism ”, in: Jo h n H annah, ed., . 'terrancy and the Church.
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CAPÍTULO
DEZENOVE
A HISTÓRIA DA CRÍTICA BÍBLICA DESTRUTIVA
palavra crítica sim plesm ente significa fazer juízo, o que não som en te é algo legítim o, co m o tam b ém necessário a todos os seres racionais. Existem duas form as básicas de crítica bíblica: a baixa crítica e a alta crítica. A baixa crítica se refere ao texto da Escritura, e a alta, às fontes desse texto. A prim eira to m a os m anu scritos disponíveis e ten ta reconstru ir o texto original; a segunda pergun ta qual foi a fonte real do texto original. Os evangélicos consideram legítim as estas duas disciplinas.
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A alta crítica pode ser dividida em duas categorias: a positiva e a negativa, tam bém cham adas de construtiva e destrutiva. E à segunda, obviam ente, que os evangélicos se opõem . A crítica destrutiva se baseia em pressupostos que se contrap õem à Bíblia e à Teologia evangélica. U m dos pressupostos mais persistentes e injustificados destes pressupostos é o A n ti-sobrenatu ralism o. Os fu nd am entos deste tipo de crítica foram lançados já no início e nos m eados do século XVII. A S R A ÍZ E S FILO SÓ FIC A S D A C R ÍT IC A B ÍB LIC A D E S T R U T IV A A crítica bíblica destrutiva não é o resultado de descobertas factuais, m as de falácias filosóficas. Ela não surge a partir da História, m as da Filosofia—de filosofias que são alheias ao Teísm o realista presente nas Sagradas Escrituras. A mais antiga destas ideologias teve início som ente u m sécu lo depois da R eform a. O In d u tiv ism o : F ra n c is B a c o n (1561-1626) Apesar de Francis Bacon ter tirado a sua motivação para a pesquisa científica do mandamento divino para “dominar a terra”, em Gênesis 1.28, ele também lançou as bases para a crítica bíblica moderna ao expor de maneira sistemática a noção de que o poder hum ano para controlar a natureza está nas suas próprias mãos e pode ser alcançado através da aplicação da metodologia correta. Nasua obra Novum Organum (1620), Bacon alega que toda a verdade pode ser descoberta por indução e pode ser conhecida experimentalmente. Ele argumenta que ao fazermos induções a p artir dos fatos mais simples da experiência, os homens podem avançar rum o ao descobrimento de princípios fundamentais, os quais redundariam em resultados práticos benéficos —fazendo, dessa forma, da verdade e da utilidade ( “aquilo que funciona”) exatamente a m esma coisa no mundo científico. Além disso, Bacon separou com pletamente o campo da razão e da ciência do :im p o da fé e da religião (veja Geisler, BEIPR, capítulo 1), preparando, assim, o terreno para a critica bíblica futura, que não se ocuparia dos temas da fé.
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O Materialismo: Thomas Hobbes (1588-1679) U m dos primeiros filósofos do m undo m od ern o a fazer críticas sutis, p orém destrutivas, à Bíblia foi o m aterialista Thom as Hobbes. A partir desta perspectiva, Hobbes lançou o seu ataque à religião orto d o xa na form a de u m a defesa da m onarquia inglesa — o que, na sua época, era u m a form a segura de expressar o seu ponto de vista. Materialismo Hobbes escreveu: Tudo o que imaginarmos é finito. Portanto, não existe a idéia ou a concepção de algo que possamos chamar de infinito. Homem algum é capaz de conceber na sua mente uma imagem de magnitude infinita, de tempo infinito, de força infinita, ou de capacidade infinita. Quando dizemos que algo é infinito, simplesmente queremos nos referir a algo do que não somos capazes de conceber os limites e fronteiras, sendo incapazes de formar uma concepção completa deste objeto. E, por isso, utilizamos o nome “Deus” [...] para que possamos honrá-lo (L, 80). Diante da sua teoria do conhecim ento m aterialista limitada, Hobbes, então, conclui: O mundo (e não me refiro somente àTerra [...] mas ao universo, ou seja, a toda massa de objetos que existem) é corpóreo, o que significa dizer que tem corpos; também apresenta dimensões de magnitude, a saber, comprimento, largura e profundidade: todas as partes desses corpos, outrossim, são igualmente corpóreas, e apresentam os mesmos tipos de dimensões; e, por conseqüência, cada parte do universo é também um corpo, e aquilo que não é corpo, não faz parte do universo: e como o universo é tudo, aquilo que não faz parte dele é nada e, conseqüentemente, também não terá o seu lugar (L, 269). A Abordagem dos Evangelhos que Despreza o Sobrenatural C om base na sua com preensão m aterialista do m undo, Hobbes se engajou em u m processo de dessobrenaturalização do Evangelho co m mais de trezentos anos de antecedência a Rudolph B ultm an n (vejapágina 317). Hobbes anunciou, de form a ousada, que “As Sagradas Escrituras pelo Espírito de Deus no h o m em significam u m espírito hum ano inclinado àpiedade” (ibid., 70). Acercadas estórias de Jesu s expulsando demônios de pessoas, Hobbes dizia: “Não vejo absolutam ente nada nas Escrituras que não m e faça acreditar que os possessos por demônios não passavam de pessoas co m perturbações m entais” (ibid., 70-71). Por im plicação, todo o registro dos Evangelhos poderia tam bém ser despido do seu caráter sobrenatural. Os milagres dos Evangelhos foram tachados de parábolas ou espirituais, jamais adquirindo u m sentido verdadeiram ente histórico: As Sagradas Escrituras foram escritas para apresentar o reino de Deus aos homens, e para fazer deles seres obedientes; deixando o mundo e a sua filosofia para as controvérsias dos homens, a fim de que sobre eles exerçam a sua razão natural, (ibid., 70). Os Milagres não São Essenciais à Religião Para Hobbes, os milagres não são necessários e seriam, provavelm ente, inúteis à religião. O que é essencial para a religião é a fé. Alegando que a “razão n atu ral” é a
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“palavra indubitável de D eu s”, Hobbes insiste que no cam po da religião precisam os viver pela “vontade de obedecer” à religião oficialm ente im posta pelo estado. Isto significa que “assim falam os, pela autoridade legal, co m o som os ordenados; e quando vivem os de acordo; o que, em sum a, é a confiança e a fé depositadas naquele que fala [o regente], m esm o que a m en te seja incapaz de fazer qualquer noção acerca das palavras que são ditas” (ibid., 165). E m resum o, a fé e a obediência são o que é essencial à religião, e não a razão; o que D eus espera dos crentes é piedade, e não filosofia. O corre aqui u m a com p leta separação en tre fé e fato — conseqü entem en te, a crença em m ilagres factuais objetivos não é essencial para a fé religiosa verdadeira. A com p leta separação que Hobbes faz da revelação divina (co m o verdade espiritual) e da razão hu m an a (co m o verdade cognitiva) não som ente antecipa as idéias de Soren Kierkegaard e Karl B arth, co m o tam bém vão além deles na preparação do terren o para u m a fo rm a radical de crítica bíblica. O A n ti-S o b re n a tu ra lis m o : B e n to (B a ru c h ) S p in o z a (1632-1677) C o m o vim os (cap ítu lo 3), B en to Spinoza não foi n em teísta n e m deísta; antes, ele foi u m ju d eu panteísta, que operava a partir de u m a estru tu ra de raciocínio naturalista e racionalista. U tilizando u m a visão restrita do universo, atu alm en te desatualizada, e aderindo ao D edutivism o g eom étrico euclidiano, Spinoza insistia na natu reza universal e sem exceções da lei n atu ral, e, a partir desse pressuposto, ele concluiu que os m ilagres não são possíveis. Spinoza viveu em u m a época cada vez mais deslum brada co m a ordenação do universo físico, u m a era em que se acreditava que a Lei da Gravitação, recém -d escoberta por N ew ton, não tin h a exceção. Em função disso, parecia axiom ático para Spinoza que as leis naturais fossem im utáveis e, p o rtan to , irrevogáveis. Argumento a favor do Anti-Sobrenaturalismo Na sua famosa obra Theologico-Political Treatise (Tratado Teológico-Político), Spinoza declarou: Nada, então, ocorre na natureza em contravenção às suas leis universais, não, tudo concorda com elas e segue o seu curso a partir delas, pois [...] ela guarda uma ordem fixa e imutável. [De fato,] um milagre, fosse ele em contravenção ou além da natureza, não passaria de um absurdo. Spinoza chegava quase a ser dogm ático acerca da impossibilidade dos milagres, pois proclam ava abertam ente: “Podem os ficar, então, absolutam ente certos de que todos os eventos que são verdadeiram ente descritos nas Sagradas Escrituras ocorreram , necessariam ente, da m esm a fo rm a que tu do o mais oco rre, de acordo co m as leis naturais” ( TPT, 83, 87, 92). C o m o já observam os na parte 1, onde reduzim os o argu m ento de Spinoza às suas premissas básicas, ele pode ser expresso con form e abaixo: (1) Os milagres são violações das leis naturais. (2) As leis naturais são imutáveis. (3) E impossível violar leis imutáveis. (4) Logo, os milagres são impossíveis.
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A segunda premissa é a chave para o argum ento de Spinoza- A n atureza “ gu aiàa u m a ordem fixa e imutável” — todas as coisas “necessariamente ocorreram de acordo com as leis naturais”, e “nada ocorre n a natureza em contravenção às suas leis universais”. Se isto fosse verdadeiro, Spinoza estaria correto; crer de outra form a “não passaria de u m absurdo”. Os críticos observaram sérios problemas co m a fo rm a radical do N aturalism o de Spinoza, inclusive a sua base em u m a visão científica atualm ente desatualizada; o seu dedutivismo injustificado; a sua falácia em apresentar argum entação viciada; o seu determ inism o auto-destrutivo e o seu panteísmo filosófico (veja capítulo 2). A partir deste alicerce instável, Spinoza lançou o prim eiro ataque sistemático co n tra a visão histórica da Bíblia. A Crítica Bíblica Negativa Cerca de u m século antes do crítico bíblico Johann Salom o Sem ler (1725-1791), e de dois séculos antes de Julius W ellhausen (1844-1918), Spinoza esteve envolvido em u m a crítica anti-sobrenatural sistemática da Bíblia. A obra A Theologico-Political Treatise (Tratado Teológico-Político) teve am pla circulação no final do século XVII, e m esm o tendo levado cerca de dois séculos para se consagrar, a Alta Crítica Negativa foi grandem ente influencia por essa obra no início do seu ataque à visão tradicional das Sagradas Escrituras. Primeiro, construindo a partir do seu Racionalismo naturalista, Spinoza concluiu que, com o “existem muitas passagens no Pentateuco que não poderiam ter sido escritas por Moisés, segue-se que a crença na autoria de Moisés para o Pentateuco é infundada e irracional” (ibid., 126). “Q uem escreveu os cinco prim eiros livros do Antigo Testamento? A m esm a pessoa”, declarou Spinoza, “que escreveu o restante do Antigo Testam ento: Esdras, o escriba, que viveu por v olta do ano 400 a.C .” ( TPT, 129-30). Segundo, Spinoza rejeitou os relatos da ressurreição nos Evangelhos. A respeito do Cristianismo, ele declarou que “os Apóstolos que vieram depois de Cristo, anunciaram aquela m ensagem a todos os hom ens co m o sendo u m a religião universal somente em virtude da Paixão de C risto” (ibid., 170, grifo adicionado). Em outras palavras, Spinoza reduziu o Cristianismo a u m a religião m ística e não-proposicional, u m a religião sem fundam entação. A fé ortod oxa tem sustentado, desde os tem pos do apóstolo Paulo (cf. 1 Co 15.1-14), que sem a verdade da ressurreição de Cristo o Cristianismo é u m a religião sem sentido. Terceiro, para Spinoza, as Sagradas Escrituras m eram en te “contém a palavra de Deus” (ibid., 165, grifo adicionado), u m a posição característica do Cristianismo liberal tardio, posterior a Schleierm acher (veja capítulo 20). Na visão de Spinoza, é falso afirmar, com o os cristãos ortodoxos o fazem, que a Bíblia é a Palavra de Deus. Para ele, as partes da Bíblia que contêm a palavra de Deus são conhecidas porque a sua m oralidade está adequada às leis naturais discernidas pela razão hum ana (ibid., 172, 196-97). Quarto, Spinoza negou categoricam ente todos os milagres da Bíblia, elogiando “todos aqueles que buscam as verdadeiras causas dos milagres e lu tam para com preender os fenôm enos naturais co m o seres inteligentes” ( Ethics [Ética], parte 1, prop. XXXV I, apêndice). Ele não som ente concluiu que “todos os eventos [...] nas Escrituras aconteceram necessariam ente, da m esm a form a co m o tudo o mais acontece, de acordo co m as leis naturais” (TPT, 92), m as tam bém que a Escritura por si m esm a “faz a afirmação geral, em várias páginas, de que o curso da natureza éjixo e imutável” (ibid., 96).
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Quinto, Spinoza disse que os au tores bíblicos n ão falaram a p artir de u m a “rev elação” sob ren atu ral, e que “os m o d o s de expressão e discurso adotados pelos apóstolos nas Epístolas m o stra m , de fo rm a clara, que elas n ão fo ram escritas p o r revelação e m an d am en to divino, mas meramente pelas forças naturais e p elo ju ízo dos a u to res” (ibid., 159, grifo ad icionado). Q uando a Bíblia diz que os profetas falaram p o r “rev elação”, Spinoza entende que se tra ta de u m “pode extraord in ário [...] [da] im aginação dos p rofetas” (ibid., 24). É evidente que o A nti-sobren atu ralism o de Spinoza levou a u m a crítica sistem ática e negativa das Sagradas Escrituras, à negação da historicidade da m aior parte do texto, e à m udança do foco da m ensagem m o ral da Bíblia. Esta é a essência do liberalism o — um a visão que não floresceria senão dois séculos mais tarde (veja capítulo 20). O C e ticism o : D avid H u m e (1711-1776) O C e ticism o n ão se o rig in o u co m o escocês David H u m e, m as g a n h o u u m grand e im p u lso n o m u n d o m o d e rn o a p a rtir dos seus escrito s. Im p u lsio n ad o p elo re n a scim e n to do ce ticism o grego n o p e n sa m e n to o cid en ta l q ue se seguiu ao d esco b rim e n to e à p u b lica çã o dos escrito s de S extu s E m p iricu s (q u e teve o seu auge a p ro xim ad am en te n o fin a l do segu nd o e in ício do te rce iro sécu lo d .C .), em 1562, a o b ra cé tica de H u m e in titu la d a An Enquiry Concerning Human Understanding (In v estigação Sob re o E n te n d im e n to H u m a n o ) (1748) se to rn o u u m clássico do assim cham ad o P en sam en to Ilu m in ista . E n tre Sp in oza e Kant, m ais do que q u alqu er o u tro , H um e p ro v av elm en te e x e rce u o efeito m ais p erv erso sob re as visões acerca da au torid ad e bíblica. O seu A n ti-so b ra n a tu ra lism o e a sua ênfase e x trem a d a no E m p irism o fo ra m os dois e le m e n to s básicos n a te n ta tiv a de d estru ir a d o u trin a tra d icio n a l das Sagradas E scrituras. H um e rejeito u a alegação de que a E scritura é inspirada ou de que a Bíblia é um a revelação de Deus para a hum anidade portad ora de autoridade divina. Ele tam bém negou a divindade de C risto e rejeitou os m ilagres, ao ten tar fazer da Teologia u m ob jeto de testes em píricos. Ele entregou a Bíblia e qualquer ou tra obra que trate da realidade m etafísica à fo rn alh a das suas fam osas palavras: Quando remexemos bibliotecas inteiras, persuadidos por estes princípios, que estrago poderíamos fazer? Se tomarmos em nossa mão qualquer desses volumes — que trate de assuntos da divindade ou estudos metafísicos, por exemplo —que nos perguntemos: Será que ele contém qualquer raciocínio abstrato a respeito de quantidade ou números? Não. Será que ele contém algum raciocínio experimental a respeito da matéria defato e da existência?Não. Então atire logo às chamas, pois este tipo de obra não tem nada a oferecer, apenas sofismas e ilusão (ECHU, 12.3.173). R ecordem os a parte 1, onde H um e se gaba do seu A nti-sobrenaturalism o: Ouso dizer que descobri um argumento [...] que, se justo, servirá, entre os sábios e estudados, como uma verificação perene para todos os tipos de enganos supersticiosos e, conseqüentemente, será útil pelo tempo que o mundo existir (ibid., 10.1.18). Então, qual será esse tal argu m ento “final” co n tra os milagres? Nas palavras do p róprio H um e:
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Um milagre é uma violação das leis da natureza; e [...] experiências firmes e inalteráveis estabeleceram estas leis [...] [Portanto,] a prova contra um milagre, a partir da própria natureza do fato, é tão completa quanto se poderia imaginar que um argumento a partir da experimentação poderia ser (ibid., 10.1.122). A razão para isso é que “a experim entação uniform e se constitui co m o prova, existe aqui u m a prova direta e cabal, a partir da natureza dos fatos, co n tra a existência de qualquer tipo de milagre” (ibid., 123). Em resum o, H um e escreveu: Portanto, é preciso haver experimentação uniforme contra todo tipo de evento miraculoso. De outra forma, este evento não será digno de receber tal alcunha. [Conseqüentemente,] nada será tido como milagre se já tiver sido observado no curso normal da natureza (ibid., 122-23).
O Agnosticismo: Immanuel Kant (1724-1804) Im m anuel Kant é considerado por muitos com o o pensador que ousou fazer a travessia ru m o à Filosofia moderna. Ele sintetizou as duas formas predominantes, m esm o que antagônicas, do Ilum inism o—o Empirismo e o Racionalismo—em u m só corpo intelectual. O resultado, infelizmente, foi o Agnosticismo filosófico (veja capítulo 3), em bora Kant tenha permanecido u m deísta. Na sua síntese criativa (veja CPR), Kant argum entou que a m ente “conhece” som ente depois de construir os dados da experiência, e não antes. Portanto, conhecem os som ente o que aparece (o phenomenaí), e não o que realmente existe (o noumenat). Para Kant, outra evidência de que não somos capazes de conhecer o m undo real é que cada vez que tentam os aplicar as categorias da m ente (tal com o a unidade ou a causalidade) ao m undo real, surgem contradições e antinomias inevitáveis. O utra conseqüência do Agnosticismo de Kant é a sua dicotom ia fato/valor. Para ele, o m undo “objetivo” dos fatos é o m undo fenom enal da experiência, ao passo que o m undo “subjetivo” da vontade não pode ser conhecido pelo uso da razão pura. Em lugar disso, o m undo subjetivo é conhecido pela razão prática, ou por u m ato da vontade m oralm en te postulado. M esm o que não seja possível pensar que Deus existe, podem os viver com o se Ele existisse. Assim, Kant questionou filosoficamente a objetividade e a racionalidade da revelação divina. Ele colocou a religião no cam po daquilo que é suposição e não realidade. Isto deu início ao im perativo m oral que está por detrás do uso kantiano da “razão m o ral” com o base para a determ inação do que é essencial à verdadeira religião. A partir disto, Kant tam bém argum entou que os milagres não o co rrem . Assim, tal com o outro deísta, Thom as Jefferson, ele foi capaz de rejeitar o relato da Ressurreição ao final dos Evangelhos (Kant, RWLRA, 119). Ao fazer do im perativo m oral o critério para a religião verdadeira, Kant se tornou o precu rsor de Friedrich Schleierm acher (1768-1834). Seguindo os passos subjetivos de Kant e Schleierm acher, Rudolph O tto (1869-1937) se serviu de u m a base irracional para desenvolver a sua alta crítica da Bíblia.
O Romantismo (c. 1780-c. 1840) Nada parecia mais característico, ao final do século XVIII, do que o domínio da razão, o questionamento intelectual que desprezava qualquer tipo de sentimento que varreu todos os abusos e superstições antigas. Contudo, surgiu u m a forte oposição àquela perspectiva fria e tendenciosa, à medida que os clamores pelos sentimentos iam sendo reavivados. Este
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m ovim ento colocou a sua ênfase em celebridades e m ovim entos heróicos do passado, e não em idéias e instituições. O term o genérico “R om an tism o” é geralm ente aplicado a esta m udança com plexa e elusiva que desafiou radicalm ente o velho “Racionalism o”. Ele teve os seus defensores na Literatura, na Música, n a Pintura e n a Filosofia por toda a Europa, antes de seguir o seu ru m o, n o final da década de 1830.0 mais efetivo dos seus proponentes ío ije a n Jacques Rousseau (1712-1778), mas o m ovim en to tom ou mais corpo n a A lem anha, onde dentre os seus adeptos encontram os G otthold Lessing (1729-1781), Johan Wolfgang von G oethe (1749-1832), Johan Cristoph Friedrich von Schiller (1759-1805), e Johann Christian Friedrich Hõlderlin (1770-1843). O R om antism o teve um a influência negativa abrangente sobre o Cristianism o, especialm ente por interm édio de Friedrich Daniel Ernst Schleierm acher (1768-1834), o pai do Liberalismo m oderno. O D eísm o (c . 1625-c. 1800) O D eísm o é igual ao Teísm o m enos os m ilagres, ou ao “N aturalism o teísta”. Ele representa a idéia de que Deus fez o universo m ovim entar-se, e desde então o universo segue o seu próprio ru m o; isto é, Deus é o S en h o r ausente do universo. Alguns dos mais im portantes deístas europeus foram H erbert o f C h erbury (1583-1648, o pai do D eísm o inglês), Jo h n Toland (1670-1722), A nthony Collins (1676-1729), T h om as W oolston (c. 1670-1733), e M atth ew T in d al (c. 1655-1733). Alguns dos mais notáveis deístas am ericanos roram B en jam in Franklin (1706-1790), T hom as Jefferson (1743-1826), S tep hen Hopkins 1707-1785), e T hom as Paine (1737-1809). O utro deísta bem conh ecid o foi o filósofo alem ão acim a m encionado, Im m an u el Kant, c u jo livro God Within the Limits o f Reason Alone (D eus U n icam en te D en tro dos Limites da R azão) é u m clássico da literatu ra deísta. O Ponto de Vista Deísta de Thomas Paine sobre Deus “Acredito em um Deus, e nada mais”, escreveu Paine, um a fé que ele com partilhava com os teístas. A exem plo dos teístas, ele tam bém acreditava que este Deus único era onipotente, onisciente, todo-bondoso, infinito, misericordioso, justo, e incompreensível (veja CW TP, 5, 26-27,201). Entretanto, o seu Deus fez o m undo mas jamais interferiu nele depois da criação. De acordo com Paine, Deus criou o m undo mas nunca interage com ele. O Ataque de Paine à Bíblia E ntretanto, Paine rejeitou todas as form as de revelação sobrenatural, acreditando que elas seriam incognoscíveis. Paine tam bém argum entava que a revelação sobrenatural era im possível em função da inaptidão da linguagem hu m an a em tran sm iti-la; a revelação de D eus precisa ser absolutam ente “im utável e universal” (ibid., 25). Por isso, a linguagem hu m ana, que é em pregada pela Bíblia, não está apta para ser este m eio de com unicação. O Questionamento de Paine de que a Bíblia não E verbalmente Inspirada
Paine rejeitou todas as reivindicações dos grupos religiosos que defendem a revelação verbal da parte de Deus. Em vez disso, ele defendeu que todas essas crenças não passavam de “invenções hum anas, construídas para aterrorizar e escravizar a hum anidade e m onopolizar o poder e o lu cro ” (ibid., 6). A “religião revelada” co n tra a qual Paine tin h a as m aiores desavenças era o Cristianism o. Ele escreveu:
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De todos os sistemas religiosos que jáforam inventados, não existe um que sejamais depreciativo ao Todo-poderoso, mais destrutivo aos homens, mais repugnante à razão, e mais contraditório em si mesmo, do que esta coisa chamada de Cristianismo [...] [o qual é] absurdo demais para se crer, impossível demais para persuadir, e inconsistente demais para ser praticado; o que ele faz é produzir corações apáticos, ou produzir somente ateístas e fanáticos. Ele acrescentou: “A única religião que não foi inventada, e que tem na sua essência todas as evidências da originalidade divina é o puro e simples Deísmo”. Na verdade, o Deísmo “deve ter sido a primeira, e provavelmente será a última a que o hom em haverá de aderir” (ibid., 150). Paine, mais tarde, argum entou: A mudança continuamente progressiva à qual o significado das palavras está sujeito, o desejo de uma linguagem universal que torna a tradução necessária, os erros aos quais as traduções estão sujeitas, os erros dos copistas e dos impressores, além da possibilidade de alterações deliberadas, são, por si mesmos, evidências de que a linguagem humana, seja no discurso ou na sua forma impressa, é inapta para ser o veículo da Palavra de Deus (ibid., 19; cf. 55-56). Os Primeiros Críticos do Deísmo D entre os opositores do Deísmo, incluem -se Thom as Sherlock (1678-1761), Joseph Butler (1692-1752), e William Paley (1743-1805), que atacaram o Deísmo de m aneira racional, bem com o John Wesley (1703-1758), George Whitefield (1714-1770), e Jonathan Edwards (1703-1758), que tam bém acrescentaram u m a dimensão teológica e espiritual à defesa do Cristianismo histórico.
O Transcendentalismo: Georg Wilhelm Friedrich Hegel G. W. F. Hegel (1770-1831) nasceu em W urtenberg, A lem anha, em u m a família luterana. Os seus principais escritos incluem : Philisophy o f History (Filosofia da História), Philosophy o f Nature (Filosofia da N atureza), Encyclopedia (Enciclopédia), Logic (Lógica), Philosophy o f Religion (Filosofia da Religião) (sua obra m aior), Phenomena o f Spirit (Fenôm enos do Espírito), e Philosophy o f Aesthetics (Filosofia da Estética). As Raízes Filosóficas de Hegel C om o a maioria das grandes personalidades, Hegel tam bém se valeu do trabalho de muitos que o antecederam. De Platão, ele aprendeu que o significado do h om em é encontrado no estado, que a filosofia é a mais elevada expressão da realidade, e que toda a determ inação é feita por intermédio da negação. Ele aceitou a visão de Plotino, de que tanto o m undo quanto a consciência são manifestações do Absoluto —u m a form a de Panteísmo. Spinoza o ensinou acerca da inseparabilidade entre Deus e a natureza e, conseqüentemente, do Anti-sobranaturalismo. De Kant, Hegel concluiu que precisamos com eçar com os fenômenos da experiência e utilizar o m étodo transcendental para alcançar a verdade. E, naturalm ente, do seu treinam ento judaico-cristão, ele adquiriu u m a visão linear da história. A Assim Chamada Dialética de Hegel Ao contrário do que se transformou em um mal-entendido generalizado, Hegel não acreditava num a espécie de “dialética” do tipo Marxista, que consistiria do modelo “tese/antítese
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—* síntese”. De fato, ele jamais utilizou a palavra dialética no texto de qualquer um a das suas obras. Ela aparece somente um a vez no prefácio da obra Phenmemhgy o f Mind (Fenomenologia da Mente), no qual ele indicou que ela teria vindo de Kant, e a rejeitou, alegando tratar-se de “u m esquema sem vida” (Meuller, “HLTAS”, in: JH I, 412). Esta lenda está fundamentada na interpretação errônea que Johann Gottlieb Fichte (1762-1814) fez de Hegel, e se espalhou com o uso abrangente que Karl Marx fez dela no seu Materialismo dialético. 0 Argumento Transcendental Seguindo Kant, Hegel argum entou de m aneira transcendental, e não dialética (veja Corduan, “T H ”, in: Geisler, BEIPR). Mas, ao contrário de Kant, Hegel acreditava que tan to o conteúdo quanto a form a de todo conhecim ento eram transcendentalm ente necessários para postular as condições necessárias para o conhecim ento. Sendo assim, ele argum entou que o con hecim en to parcial (relativo) é impossível, porque ele pressupõe o conhecim ento do todo (do absoluto). A Visão Panteista de Hegel sohre Deus A Metafísica de Hegel é u m a espécie de Panteísmo desenvolvimentista (ou Panenteísmo —veja capítulo 2) aplicado ao processo histórico. A História consistiria de pegadas de Deus nas areias do tem po. Ou m elhor, a História é o próprio desdobrar-se de Deus no m undo tem poral, a apropriação progressiva do m undo por parte do Espírito Absoluto. A Visão de Hegel sobre o Cristianismo Hegel entendia o Cristianismo (Luteranism o) co m o a religião absoluta, a mais elevada m anifestação do Absoluto até a sua época. Isto fica particularm ente manifesto na encarnação de Deus em Cristo, pela qual Deus esteve na terra, na form a de um h om em específico, em u m tem po específico. Aqui o Infinito se identificou co m o finito. O cerne da religião é a Encarnação. O Espírito Absoluto está onde a dualidade Deush om em é vencida. Isto ocorre em três estágios: na A rte, na Religião, e na Filosofia, as quais são progressivam ente mais abstratas. A m anifestação mais elevada do Absoluto, então, seria a Filosofia. Ela é a Idéia eterna, a epítom e, o mais pleno e com pleto dos conceitos. Portanto, enquanto na religião Deus se torna homem, na Filosofia o homem de torna Deus. A Visão de Hegel sobre a Bíblia Em u m a tentativa inicial, na obra Life o f Jesus (A Vida de fesus), Hegel apresentou um a visão dessobrenaturalizada de Cristo e form ulou os seus ensinos em term os de u m a ética kantiana, que ele tinha aprendido co m a famosa Religion Within the Limits o f Reason Alone (A Religião U nicam ente D entro dos Limites da Razão), de K a n t. Em sua obra, Hegel passa a im agem de u m Jesus intelectualm ente limitado e obscurantista (em oposição a u m Sócrates intelectualm ente aberto). Além disso, Jesus é apresentado não co m o o fruto de u m nascim ento virginal, e todos os milagres mencionados são interpretados de form a naturalista. O prólogo do Evangelho de João é reinterpretado a ponto de significar: “Pura razão incapaz de todas as limitações da própria Divindade”. Mais tarde, na obra The Spirit o f Christianity and its Fate (O Espírito e o Destino do Cristianismo), Hegel contrastou a ética do am or do evangelho co m a ética judaica e tan tiana da lei, sem jamais abrir m ão da sua visão anti-sobranturalista e m oralm ente
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centrada dos Evangelhos. Hegel tam bém reinterpretou as histórias da m o rte redentora e da ressurreição de Cristo, relatadas nos Evangelhos, em term os da tragédia grega. Em The Positivity o f the Christian Religion (A Positividade da Religião Cristã), Hegel afirma que ao alegar-se o Messias, Jesus estaria m eram en te utilizando a linguagem do ouvinte, u m a form a de teoria da acom odação (veja capítulo 16). E m vez de reverenciar-lhe pelo seu ensino acerca das virtudes, as pessoas passaram a reverenciar os seus ensinos acerca das virtudes, p or causa dos milagres que Ele, supostam ente, teria feito. O Panteísmo Transcendental Posterior de Hegel M esm o mais tarde, em sua Encyclopedia (Enciclopédia), que é dom inada pelo seu Idealismo transcendental ou Panteísmo desenvolvimentista, Hegel foi u m revisionista radical da verdade histórica e literal acerca da m o rte e ressurreição de Cristo. O centro da religião revelada é a Cristologia: Jesus Cristo é o D eus-hom em . C om o tal, Ele m orreu na cruz; assim, tan to Deus quanto o h o m em m o rreram ali. A ressurreição não foi nem de Deus n em do h om em . Mas nela tanto Deus quanto o h o m em surgem em u m Espírito Absoluto. Portanto, no Panteísmo desenvolvimentista de Hegel, podem os en contrar a mais alta m anifestação do Espírito Absoluto. A Influência de Hegel sobre a Crítica Bíblica Moderna De especial interesse para a Apologética cristã é a influência m arcante que Hegel exerceu sobre a crítica bíblica negativa. Por exemplo, seguindo os passos de Hegel, F. C. Baur (17921860) e a sua Escola de Tübingen alegaram que a tensão existente no primeiro século entre a form a judaizante de Pedro e a form a anti-judaizante de Paulo encontrou a sua reconciliação no Evangelho de João, no segundo século, o que preconiza um a data posterior para o Evangelho de João. Além disso, a versão dessobrenaturalizada da vida de Cristo surge a partir da concepção hegeliana de que a realidade espiritual é mais elevada do que a histórica. Dessa forma, com o Rudolph Bultm ann (1884-1976) haveria de afirmar mais tarde, o Cristianismo é u m mito. De form a semelhante, o Panteísmo místico e a hermenêutica de Martin Heidegger (1889-1976), desenvolvidos por Bultm ann e Hans-Georg Gadamer (nascido 1900), também estão fundamentados na ênfase que Hegel colocava na interpretação espiritual da Bíblia. Isto gerou a completamente subjetivista “Nova Hermenêutica” (veja capítulo 10).
O Cientificismo: Augusto Comte (1798-1857) O Naturalismo assumiu muitas formas no m undo m oderno e pós-m oderno, tornando-se u m a concepção predom inantem ente auto-sustentada, independente dos seus progenitores, em um a visão cham ada de Positivismo, e mais descritivamente conhecida com o Cientificismo1. Augusto C om te é o pai desta idéia, que, no seu caso, foi tam bém um a das primeiras formas de H um anism o secular. Vida e Obra de Augusto Comte Augusto C om te nasceu em 1797, em u m a família católica francesa de tendência racionalista. Ele estudou Ciências e foi secretário de Saint-Simone, na Escole Polytechnique. Ele declarou que “deixou de acreditar em Deus n atu ralm en te”, co m quatorze anos.
1 A crença de que a ciência é a única form a válida de conhecim ento.
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C om te é conhecido co m o o pai tan to do Positivismo quanto da Sociologia, ambos os quais são term os cunhados por ele. Ele tam bém fundou u m a seita religiosa hum anista mística (não-teísta) em que instalou a si m esm o co m o su m o sacerdote. As principais obras de C om te foram Cours, The Positive Philosophy o f Auguste Comte (C ours, A Filosofia Positiva de Augusto C o m te) (1830-1842, traduzido em 1853) e The Catechism o f Positive Religion (O C atecism o da Religião Positiva) (1852, traduzido em 1858). Este últim o incluía u m calendário religioso hum anista dos “santos” seculares. Cientificismo Tendo com o ponto de partida epistem ológico o Agnosticismo anti-metafísico de Im m anuel Kant e o Desenvolvimentismo histórico de Hegel, C om te desenvolveu a sua lei do crescim ento, que incluía os três estágios do desenvolvimento h um ano: o teológico (criança) — a antigüidade; o metafísico (jovem ) — a Idade Média; e o positivista (ad u lto) — os tem pos m odernos. O prim eiro representa a crença prim itiva em deuses pessoais, posteriorm ente substituídos pela idéia grega de lei impessoal, para depois ser sobreposta pela cren ça m od ern a (positivista) na unidade m etodológica da ciência. Estes três estágios representam o m itológico (mythos), o metafísico ( logos), e os estágios científicos teorias positivistas) da raça hum ana. De acordo co m C om te, a hum anidade avança da explicação pessoal da n atureza até a lei impessoal, e finalmente até u m m étodo objetivo. Eles fazem o progresso da crença em seres sobrenaturais até a cren ça nas forças naturais, e então até as descrições fenomenais (em píricas). Em vez de espíritos animados ou poderes impessoais, leis naturais são propostas. Neste crescim ento de três estágios, as causas espirituais e depois as racionais são descartadas em detrim ento das descrições puram ente naturais (positivistas). O estágio religioso apresenta a sua própria evolução, no qual u m a fé politeísta personifica a n atureza em deuses, vai se desenvolvendo até chegar ao estágio m onoteísta, que privilegia um deus único. O problem a co m a interpretação religiosa da n atureza é que ela to rn a a realidade algo antropom órfico. O problem a co m o estágio metafísico é que ele to rn a as idéias reais, em vez de m eram en te descrevê-las e relacioná-las, com o ocorre no estágio positivista. O objetivo de C o m te era descobrir u m a lei geral pela qual todos os fenômenos pudessem ser relacionados. U m a lei assim, acreditava ele, seria o resultado ideal da filosofia positivista. E ntretanto, o m elhor resultado provável é a unidade do m étodo científico. A liberdade está n a sujeição racional às leis científicas. U m a lei que leva a sociedade a se desenvolver em direção ao Cientificismo (Positivismo). ^ isões Religiosas C om te não gostava do Protestantism o, alegando que este era negativo e causador de anarquia intelectual. C om o já m encionam os, ele desenvolveu u m a religião hum anista (não-teísta) própria, em que se colocou na posição de sum o sacerdote deste culto à hum anidade; a sua senhora (M adam e Clothilde Vaux) foi proclam ada a sum o sacerdotisa. Além disso, o seu calendário religioso hum anista contendo “santos” incluía algumas pessoas, co m o Frederico, o Grande, Dante, e Shakespeare. Dessa form a, C om te divinizou o m étodo científico, mas ele protestava con tra os que naviam divinizado a natureza. O Cientificismo não era som ente um m étodo de acesso a algum a verdade, mas o m étodo de acesso à verdade. Para isso, ele abraçava crenças
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autodestrutivas no M aterialism o, na negação da Metafísica, e n a rejeição de ou tra m oralidade absoluta, tal co m o a ensinada nas Sagradas Escrituras.
O Evolucionismo: Spencer e Darwin (1860ss.) A E v o lu ção já existia n a Filosofia antes de existir na C iên cia — até m esm o algu n s gregos da an tigü id ad e já a cred itav am n ela. E n tre ta n to , ela n u n ca esteve firm ad a em qualqu er te o ria cien tífica co m p ro v á v e l. A ntes da o b ra On the Origin o f Species (A O rigem das Espécies) (1 859), de D arw in , o filósofo inglês Flerb ert Spence “ad vogou u m a teo ria da ev o lu çã o sim ilar à p o stu lad a p o r D arw in ” (E d w ards, EOP, V olum e 7-8, 523). Herbert Spencer (1820-1903) Seguindo na linha da filosofia positivista de A ugusto C o m te e Joh n S tu art Mill (1806-1873), H erbert Spencer foi o prim eiro a apresentar u m a e stru tu ra filosófica geral que dava su stentação à evolução; até m esm o Charles Darw in o ch am o u de “o nosso grande filósofo H erbert Spencer”. Ele publicou o seu prim eiro livro, Social Statistics (Estatísticas Sociais), em 1850, nove anos, p o rtan to , antes do fam oso livro de Darwin lançar tan to os supostos fundam entos científicos quanto o m od elo filosófico da evolução. Este m odelo foi aplicado à toda a Ciência, e de 1860 a 1893, ele desenvolveu o seu p rojeto: First Principies (Os Princípios Elem entares) (1862), Principies o f Biology (Os Princípios da Biologia) (1864-1867), Principies o f Psychology (Os Princípios da Psicologia) (1870-1872), Principies o f Sociology (Os Princípios da Sociologia) (1876-1896), e Principies o f Ethics (Os Princípios da Ética) (1879-1893). Todos estes trabalhos são o resultado da sua visão sintética da evolução. Apesar da falta de qualquer base científica real para o seu ponto de vista, e fundam entando-se na teoria, hoje desbancada, de que as “características herdadas são geneticam ente transmitidas para os descendentes dos animais”, a visão de Spencer auferiu u m vasto reconhecim ento. Na esteira do Em pirism o de Mill, tudo que lhe restou foi o que ele denom inou de o Incognoscível. O Panteísmo foi rejeitado, juntam ente com o Teísmo, e a Spencer restou o Agnosticismo co m o única alternativa racional na religião e na metafísica. O conhecim ento científico (em pírico) foi considerado co m o a única form a válida de conhecim ento acerca do universo físico, apesar de proporcionar, n a m elh or das hipóteses, som ente leis gerais acerca do seu funcionam ento. Som ente os filósofos lidam com teorias que abrangem o todo; todavia, Spencer acreditava que a hipótese darwiniana poderia ser utilizada no centro genuíno de u m a teoria geral da evolução, que se proporia a explicar todo o universo físico. Charles Darwin (1809-1882) Charles Darwin realizou o que outros que o antecederam (co m o , p o r exem plo, H u m e) ten taram m as não conseguiram , a saber, u m suposto descarte do argum ento do projeto para dar lugar à evolução. C om a substituição do projeto pela seleção natural, finalmente, não havia mais espaço para u m Projetista (Deus); n a ausência de u m Criador sobrenatural, o que restou do Cristianismo sobrenatural tradicional logo tam bém ruiria — pelo m enos, o m odelo dom inante no m undo intelectual. Isto, obviamente, incluía o desm onte da visão tradicional da inspiração divina da Bíblia.
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A Visao de Darwin sobre as Origens O que Darwin fez pela evolução foi dar a ela, aos olhos da com unidade científica, um a base científica plausível no m ecanism o da seleção natural. E fez isso com binando, de form a convincente, as evidências a favor da m icroevolução (m utações em pequena escala dentro de certas form as de vida) pela seleção n atural co m o conhecim ento adquirido a partir da teoria da população, form ulada por Thom as M althus (1766-1834) (assim com o a suposta analogia entre a seleção n atural e a seleção artificial). A partir disso, Darwin concluiu que a m acroevolução (m utações em grande escala entre diferentes form as de 'tida) é verdadeira. Ele sabia que esta era u m a conclusão não justificada p o r evidências fósseis, e a considerava co m o a parte mais frágil da sua teoria ( OOS, 152). Apesar de admitir isso, a sua convicção acerca da verdade da evolução foi se fortalecendo, e n a sua fam osa obra On the Origin o f Species (A Origem das Espécies) (1859) ele lançou a sua hipótese, de que toda a vida animal teria evoluído a partir de u m a ou algumas form as simples de vida. Mais tarde, em The Descent o f Man (A Descendência do H om em ) (1871), ele se aventurou a propor que a hum anidade havia evoluído a partir de rormas inferiores de vida animal. C om o o desenvolvimento das idéias de Darwin sobre religião representa u m m icrocosm o revelador a respeito da sua época, que testem unhou o desmonte de aproxim adam ente dois milênios de crenças ortodoxas tan to em Deus quanto na Bíblia, passaremos a abordar este tem a de form a biográfica. A Formação Religiosa Inicial de Darwin Darwin foi batizado na Igreja Anglicana e, posteriormente, apesar da sua rejeição do Cristianismo, foi sepultado na Abadia de Westminster! M esmo tendo sido educado com o anglicano, Darwin foi enviado para um a escola dirigida por u m ministro unitariano Moore, PDC, 315). Ele, mais tarde, ingressou na Universidade de Cambridge, em 1828, "onde o seu pai havia decidido que ele seria treinado para ser um ministro da igreja” (ibid.) Mesmo ainda jovem, com a ajuda das obras Exposition o f the Creed (Exposição do Credo), de Pearson, Evidence o f Christianity Derived From Its Nature and Reception (Evidência do Cristianismo a Partir da Sua Natureza e Receptividade) (1824), do Bispo Sum ner, “Darwin abandonou rodos os seus escrúpulos restantes acerca da profissão de fé no corpo doutrinário da Igreja” ibid.). Todavia, ele leu minuciosam ente e ficou profundam ente impressionado com os livros de William Paley: A View o f the Evidences o f Christianity (Perspectiva das Evidências do Cristianismo) (1794) e Natural Theology; or, Evidences o f the Existence and Attributes o f the Deity Teologia Natural, ou Evidências da Existência e dos Atributos da Divindade) (1802). Os Princípios Teístas Originais de Darwin Mesmo co m o adulto, Darwin iniciou a sua peregrinação intelectual com o um teísta; ele aceitava, p o r exem plo, o argum ento do projeto, de Paley. Na sua Autobiography Autobiografia), ele chega a citar um a passagem do seu jornal onde descreve u m a experiência de deslumbre da criação que teve no m eio de u m a floresta no Brasil: 'R ecord o da m inh a convicção de que existe mais no h om em do que o m ero fôlego do ;eu corp o” (ACD, 91). Darw in
tam b ém
m en cio n o u
a
“e x tre m a
dificuldade
ou
até
m esm o
a
impossibilidade de con ceber este universo im enso e m aravilh oso, inclusive o n om em , co m a sua capacidade de vislu m b rar a fundo ta n to o seu passado co m o
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o seu fu tu ro , co m o o resu ltad o do acaso cego ou da necessidade”. Assim , “quando reflito, sin to -m e forçado a buscar u m a C ausa P rim eira, u m a m en te in teligente, de alg u m a fo rm a an áloga à do h o m e m ; p o r isso, m e re ço ser ch am ad o de Teísta”. Ele a crescen to u : “Esta con clu são era m u ito fo rte n a m in h a m e n te n a ép oca, pelo que m e lem bro, em que escrevi On the Origin o f Species; e foi a p artir daquela ép o ca que ela c o m e ço u a se fragilizar” (ACD , 92-93). A Rejeição de Darwin ao Cristianismo Por volta de 1835, antes de seguir viagem no navio Beagle, ele continuava sendo u m criacionista. Darwin descreve o seu próprio declínio na religião n a sua Autobiography (Autobiografia): “Enquanto estava a bordo do Beagle [outubro de 1836 a janeiro de 1839], continuei bastante ortod oxo, e m e lem bro de ter sido objeto de ch aco ta p o r parte de vários oficiais (m esm o sendo eles ortodoxos) por citar a Bíblia co m o autoridade inquestionável em pontos de m oralidade”. E n tre ta n to , D arw in não acred itava
que
a
Bíblia fosse
um a
au toridad e
inquestionável no cam p o científico, n a sua ép oca. De aco rd o c o m E rn st M ayr, D arw in se to rn o u u m evolu cion ista em alg u m a ép oca e n tre 1835 e 1837 ( “In tro d u ç ã o ” à Origin, de D arw in, x ): “P or v o lta de 1844, suas opiniões [acerca da evolução] haviam atingido u m a m atu rid ad e considerável, co n fo rm e pode ser visto no seu m an u scrito ‘Essay’ [Ensaio]” (ibid.). O filho e biógrafo de Charles Darwin, Sir Francis Darwin, disse que “em bora Darwin já tivesse praticam ente todas as idéias-chave acerca do Origin em m en te desde 1838, ele as ponderou cuidadosam ente ao longo de vinte anos antes de se co m p ro m eter publicam ente com a evolução” (LLCD, 3.18). Som ente u m a década mais tarde (1848), Darwin ficou totalm en te convencido acerca da evolução, declarando de form a ousada a J. D. Hooker: “Não m e im p orta o que você diga, a m inha teoria das espécies é todo o evangelho” (citado p or M oore, PDC, 211). A decadência da fé cristã de Darwin teve início co m a erosão da sua fé n a confiabilidade da Bíblia. Ainda em 1848, ele havia lido o livro The Evidence o f The Genuineness o f the Gospels (Evidências da Veracidade dos Evangelhos), do professor Andrew N orton, de Harvard, que argum entava que os Evangelhos “p erm an ecem essencialmente da m esm a form a co m o foram originalm ente com p ostos”, e que “eles foram atribuídos aos seus autores verdadeiros” (LLCD, 212). Entretanto, a fé de Darwin no Antigo Testam ento já havia ruído alguns anos antes. A Aceitação da Alta Crítica Negativa Nessa época, gradualmente, comecei a enxergar o Antigo Testamento a partir da sua história claramente falsa a respeito do mundo, com a sua Torre de Babel, o arco como sinal etc., etc., e a partir das atribuições que Ele faz a Deus de sentimentos de um tirano vingativo, concluí que ele não deveria receber da minha parte mais confiança do que os livros sagrados dos hindus, ou as crendices de qualquer um dos povos bárbaros (ACD, 85). A Aceitação do Anti-sobrenaturalismo Tanto B ento Spinoza, em 1670, quanto David H um e, u m século antes, haviam atacado a base da intervenção sobrenatural no m undo. A isso, Darwin acrescentou:
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Depois de refletir que a mais clara evidência seria o requisito para fazer com que qualquer homem são pudesse crer nos milagres que são os pilares do Cristianismo; que quanto mais aprendemos sobre as leis fixas da natureza, tanto mais inacreditáveis os milagres se tornam; que não se pode provar que os Evangelhos tenham sido escritos simultaneamente aos eventos; que eles diferem em muitos detalhes importantes, ao meu ver, importantes demais para serem atribuídos simplesmente a imprecisões das testemunhas —por todas estas reflexões [...] gradativamente passei a descrer no Cristianismo como revelação divina (ibid., 86). Todavia, Darwin prosseguiu: Senti-me muito relutante em abandonar a minha fé [...] assim, a incredulidade chegou a mim de forma muito lenta, mas, por fim, havia se estabelecido por completo. Tudo aconteceu de forma tão lenta, que nem cheguei a sentir qualquer tipo de angústia e, desde então, jamais duvidei, nem por um segundo sequer, de que a minha conclusão estava correta (ibid., 87). A “Doutrina Repugnante” do Inferno Darwin observa o significado da cren ça cristã ortod oxa no inferno co m o tendo exercido u m a influência bastante m arcante na sua rejeição ao Cristianismo: Na verdade, não consigo conceber como alguém pode desejar considerar o Cristianismo verdadeiro; pois, se for levado ao pé da letra, o texto parece mostrar que os homens que não crêem, e dentre estes estão incluídos o meu pai, o meu irmão, e quase todos os meus melhores amigos, receberão o castigo por toda a eternidade. Isto é o que chamo de doutrina repugnante (ibid., 87). A Morte da Filha de Darwin O ceticismo crescente de Darwin recebeu u m impulso com a m orte da sua amada filha, Anne, em 1851. James M oore observa que “dois sentimentos marcantes, a raiva e o pesar, na Autobiography, m arcam o período compreendido entre os anos de 1848 e 1851 com o o período em que Darwin, por fim, renunciou à sua fé” (PDC, 209). Isto, obviamente, foi depois da cristalização da sua posição em relação à evolução (1844-1848), e antes de ele se entregar à redação do seu famoso On the Origin o f Species (A Origem das Espécies) (1859). Darwin colocou-se abertam ente fora do seio do Cristianismo. Referindo-se a si m esm o co m o u m “terrível desgraçado” (u m dos condenados), em m aio (de 1856), ele alertou u m jovem entom ologista: “Ouvi falar que o Unitarianism o é considerado o últim o estágio na queda de u m cristão decadente; e creio que você está exatam ente neste ponto, mas creio que você há de cair ainda mais” (citado por M oore, PDC, 221). U m mês depois, Darwin se referiu a si m esm o co m o “o capelão do Diabo”, u m a figura satírica de linguagem que confirm aria a sua incredulidade (ibid., 222). Darwin Decai para o Deísmo Ainda em 1841, Darwin releu as Evidences (Evidências), de William Paley, e ficou impressionado co m a consistência dos seus argum entos. M esm o assim, Darwin foi gradualm ente descartando o Teísmo e rum ando para o Deísmo, deixando espaço
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som ente para u m único ato de intervenção divina: a criação da prim eira form a ou form as de vida. Esta era, aparentem ente, a sua visão na época do Origin (O rigem ), em que, na sua segunda edição, ele escreveu: Existe uma grandiosidade na visão da vida, com todos os seus poderes, que foi originalmente soprada pelo Criador em algumas poucas formas, ou em uma única forma inicial; e esta forma, enquanto este planeta girava, de acordo com as leis fixas da gravidade, de um início tão simples, formas infinitas das mais belas e variadas evoluíram e estão evoluindo (0 0 5 , 490, segunda edição2, grifo adicionado). A Rejeição do Argumento do Desígnio, de Paley Darwin havia lido e aceito o fam oso argum ento de William Paley a favor do projeto (que pode ser encontrado n a n atureza) e do Projetista (D eus) da natureza. E ntretanto, em função da sua crescente crença na evolução, ele gradualm ente foi descartando essa possibilidade. Em bora Darwin ten h a anteriorm ente aceito u m Deus deísta que havia criado o m undo m as que o havia deixado para que operasse por “leis naturais fixas”, ele gradualm ente foi rejeitando até m esm o a força do argum ento do projeto. Ele disse que foi “levado” a concluir que: O velho argum ento do p rojeto na natureza, conform e apresentado por Paley, e que anteriorm ente me pareceu tão conclusivo, tornou-se falho, agora que a lei da seleção natural foi descoberta [...] A possibilidade de haver um p rojeto na invariabilidade dos seres orgânicos e na ação da seleção natural parece ser a mesma que existe para o curso que os ventos assumem. Tudo na natureza é o resultado de leis fixas ( A C D , 87). O ú n ico p ro jeto envolvido, p o rta n to , foi que u m C riad o r estabeleceu estas leis fixas natu rais. D arw in escreveu : “S in to -m e inclinado a o lh ar tu d o co m o sendo o resu ltado de leis p rojetadas, em seus d etalhes, sejam eles bons ou ruins, e deixadas para o d esenvolvim en to do que p odem os ch a m a r de acaso ” (F. D arw in, LLCD, 1.279; 2. 105). C om isto em m ente, Darwin teve a ousadia de ch am ar a seleção n atural de “m inha divindade”. A creditar em criações m iraculosas ou na “intervenção contínua da força criativa”, declarou ele, “é to rn ar a m inh a ‘divindade da Seleção N atural’ supérflua e apegar-se à Divindade — se é que ela existe — que seria responsável pelos fenôm enos que são corretam en te atribuídos às suas leis magníficas” (citado por M oore, PDC, 322). C om a expressão “se é que ela existe”, Darwin não só afirmou o seu Deísmo, mas tam bém sinalizou o seu Agnosticismo crescente. Já em 1871, n a obra Descent o f Man (A D escendência do H o m e m ), D arw in negou u m a base am p lam en te aceita p ara a cre n ça em u m Deus in finitam en te p oderoso, ao escrever: “Fe em Deus — Religião. Não existe qualquer evidência de que os h om en s te n h a m sido o rigin ariam en te d otad os de u m a fé en o b reced o ra em u m Deus o n ip o ten te” (3, 302). Aqui D arw in dá a en ten d er u m a sim patia pelo D eísm o Finito (veja cap ítu lo 2); seja co m o for, n ão d em o ro u m u ito p ara que D arw in aderisse definitivam ente ao A gnosticism o. 2 A expressão “pelo C riador” não constava da prim eira edição.
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O Agnosticismo Por volta de 1879, D arwin já era u m agnóstico, que escrevia: “A cho que geralm ente 'quanto mais vou ficando velho, sinto isto au m en tar), mas n em sem pre, posso dizer que agnóstico seria a descrição mais co rre ta da m in h a p o stu ra in telectu al” (citado p or M oore, PDC, 204). Depois, ele escreveu: “O m istério do início de todas as coisas é insolúvel p ara nós; e, por isso, devo co n te n ta r-m e em p erm an ecer u m agnóstico” (ibid., 84). Apesar do seu agnosticismo, Darwin nega de m aneira perem ptória ter sido um ateísta3: “M esm o nas m inhas maiores flutuações, jamais cheguei a aceitar o ateísmo, ou a negar a existência de D eus” (ibid., 204). Os estudiosos mais sérios rejeitam as estórias que falam de u m a conversão de Darwin no seu leito de m o rte co m o sendo apócrifa. Mas é interessante n o tar que, já em 1879, vários anos depois de Descent o f Man (A Descendência do H om em ) (1871), Darwin declarou: “Parece-m e u m absurdo duvidar que u m h o m em não possa ser u m Teísta ardoroso e, ao m esm o tem po, u m evolucionista” (C arta 7, m aio de 1879). Entretanto, Darwin estava satisfeito em p erm an ecer u m agnóstico. E difícil superestim ar o tam an h o da influência negativa que as suas idéias tiveram sobre a visão ortod oxa de Deus e da Bíblia. E desnecessário dizer que as suas idéias representam o ponto de virada n a visão m o d ern a liberal da Bíblia. Antes de Darwin, as posições heterodoxas acerca das Sagradas Escrituras jamais tinham conseguido o seu espaço nos quase 1.900 anos de história da Igreja. A partir desse ponto, a Igreja com eçou a ser atacada por todos os lados co m idéias n ão-ortodoxas, e isto teve u m profundo im pacto sobre ela. O Ateísmo Subjacente Em bora Darwin, e m uito darwinistas, neguem co m veem ência que suas idéias sejam, em princípio, ateístas, esta acusação pesa m uito forte sobre eles. O estudioso Charles Hodge, de Princeton, em u m a analise penetrante, levanta e responde a u m a pergunta: O que é o Darwinismo? E Ateísmo. Isto não significa que o próprio Sr. Darwin e todos os que aderem às suas idéias sejam ateístas; mas significa que a sua teoria é ateística, que a exclusão do projeto da natureza é [...] equivalente ao Ateísmo ( WID , 177). A lógica de Hodge é desafiadora. A evolução exclui o projeto, e se não existe u m projeto na natureza, tam bém não há a necessidade de u m Projetista da natureza. Assim, apesar dos protestos, a evolução é, em princípio, u m a teoria ateísta. Até m esm o m uitos dos evolucionistas reconhecem que o cenário criado por Darwin, de u m “pequeno lago m o rn o ” em que a vida foi espontaneam ente gerada, exclui inteiram ente a idéia de Deus do cam po da Biologia. Darwin escreveu: “E co m u m dizer que todas as condições para o prim eiro aparecim ento de u m organism o vivo estão hoje presentes, com o sem pre estiveram ”. Assim, a geração espontânea seria possível se “pudéssemos conceber que em u m pequeno lago m o rn o com todos os tipos de amônias e sais fosfóricos, luz, calor e eletricidade, u m a proteína se fo rm o u e esteve pronta para sofrer m udanças ainda mais com plexas” (citado por F.-Darwin, LLCD, 3.18).
J Um ateísta alega ter certeza de que não existe um Deus, enquanto um agnóstico alega não saber se Ele existe ou não.
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Francis Darwin admitiu que o seu pai “jamais alegou que a sua teoria seria capaz de explicar a origem da vida, mas as implicações estavam lá. Assim, Deus não só fo i expulso da criação das espécies, como de todo o campo da Biologia” (ibid., 3.18). Sendo este o caso, não havia mais permissão para a existência de u m Criador, pelo m enos não no cam po das Ciências Biológicas. Tudo o que se precisa fazer é postular aquilo que m uitos h á m uito tem po já acreditam , que o universo m aterial é eterno e não existe evidência aparente de que existiu qualquer tipo de Causa Primeira para ele. E se não há u m Criador, a Bíblia, por ser u m livro inteiram ente teísta, está com pletam ente desacreditada.
AS RAÍZES RELIGIOSAS DA CRÍTICA BÍBLICA DESTRUTIVA As raízes filosóficas da crítica bíblica nas diferentes form as de N aturalism o foram preconizadas p or certos m ovim entos religiosos que se to rn aram terren o fértil para o seu crescim ento. Estes incluem o Pietismo, o Liberalismo, e o Existencialismo.
O Pietismo (c. 1650-c. 1725) O Pietismo surgiu na Alemanha, sob a liderança de Filipe Jacó Spener (1635-1705) e do seu amigo próxim o Augusto H erm ann Francke (1663-1727). Spener havia publicado o influente livro Pia Desideria (1675) enquanto serviu com o pastor em Frankfurt. Por volta de 1694, eles foram transferidos para Halle, onde iniciaram centros de caridade e fundaram u m a universidade. Mesmo crendo na doutrina tradicional da inspiração das Sagradas Escrituras, a ênfase pietista na experiência pessoal subjetiva eventualmente os levou a um a demolição da autoridade objetiva das Sagradas Escrituras. Nas palavras de Francke: Podemos afirmar com segurança àqueles que lêem a Palavra com devoção e simplicidade, que eles conseguirão mais luz e proveito nessa prática, e em uma meditação assim feita em cima da Bíblia [...] do que poderiam conseguir com o labor intenso dentre uma variedade infinita de detalhes sem importância (AGRSHS, 83). Ao enfatizar a im portância preponderante dos sentim entos, eles esperavam fugir da ortodoxia fria do assim cham ado Escolasticismo protestante, mas, sem perceber, acabaram abrindo as portas para u m inimigo igualm ente perigoso, que ficaria conhecido com o Experim entalism o subjetivo. Apesar de a prim eira geração de pietistas ter sido capaz de recordar e refletir acerca das suas bases nas Sagradas Escrituras, enquanto defendiam, de m aneira válida, a necessidade da experiência individual, a segunda geração se concentrava na necessidade da experiência individual e n orm alm en te negligenciava a base saudável desta experiência n a autoridade das Escrituras. Debaixo da carnificina do N aturalism o, do Racionalismo, e do Evolucionism o, o Pietismo rapidam ente deu lugar ao Deísmo, ao Ceticism o, e à crítica bíblica negativa.
O Liberalismo: Friedrich Schleiermacher (1768-1834) Friedrich Schleierm acher é o pai do Liberalismo m oderno. Ele foi u m teólogo alem ão notável que recebeu o seu treinam ento em instituições morávias (pietistas), foi ordenado, e pregou em Berlim (1796). Posteriorm ente, ele lecionou Teologia em Flalle (1804) e Berlim (1810). As suas duas maiores obras são On Religion (Da Religião) (1799), que tem u m a orientação mais experim ental, e The Christian Faith (A Fé Cristã) (1821-22),
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que apresenta u m a abordagem doutrinária. Ele tam bém escreveu Brief Outline on the Study : f Theology (U m Breve Esboço do Estudo da Teologia), além de u m a publicação póstum a intitulada Hermeneutics (H erm enêutica). .i Importância de Schleiermacher D entre as maiores influências que Schleierm acher sofreu, estão o Pietismo, que enfatizava o devocional acim a do doutrinário, o Rom antism o (segundo Friedrich Schlegel, 1772-1829), que afirmava o Panteísmo em contraste co m o Teísmo, e o Agnosticismo (seguindo a Kant), que valorizava mais a prática do que a teoria. Schleierm acher exerceu u m a trem enda influência sobre os seus seguidores, inclusive sobre os maiores teólogos liberais que o sucederiam : Albrecht Ritschl (1822-1889), que escreveu Criticai History o f the Christian Doctrine ofJustifcation and Reconáliation (História Crítica da D outrina Cristã da Justificação e da Reconciliação) (1870-1874); Adolf von Harnack 1851-1930), que escreveu What is Christianity (O que é o Cristianismo); e Julius Wellhausen 1844-1918), que escreveu Introduction to The History o f Israel (Introdução à História de Israel) (1878), obra na qual ele defendia a fam osa hipótese JEPD para explicar a autoria do Pentateuco (veja capítulo 15). A Visão da Religião Para Schleierm acher, a base da religião se encontra n a experiência. Na sua famosa obra On Religion (Da Religião), ele argum enta que prim eiro precisam os ter, para depois expressar— o locus da religião está no eu; o interior é a chave para o exterior. O objeto da religião é o Todo (que m uitos ch am am de Deus), e a natureza da religião é descoberta em u m sentim ento (u m senso) de dependência absoluta, que é descrito co m o u m senso de ser criatura, u m a consciência de que somos dependentes do Todo, ou u m senso de contingência existencial. Schleierm acher distinguiu a religião da ética e da ciência do seguinte m odo: A ética é u m a m aneira de viver; a ciência é u m a m aneira de pensar; e a religião é u m a m aneira de sentir. Enquanto a ética é u m a m aneira de agir, e a ciência u m a m aneira de conhecer, a religião, em contraste, é u m a m aneira de ser. Assim, a ética é prática, a ciência é contem plativa, e a religião gera atitude. De m aneira similar, a ética seria u m a questão de autocontrole, mas a religião envolveria u m a auto-entrega. A relação entre a religião e a doutrina é a m esm a do som co m o seu eco, ou da experiência com a sua expressão. A religião é encontrada nos sentim entos, e a doutrina não passa de u m a form a de sentim ento. A religião é o “ingrediente”, e a doutrina é a sua estrutura. Primeiro precisam os sentir, depois expressar. A doutrina não é essencial para a experiência religiosa, e talvez n em seja necessária para a sua expressão, já que ela tam bém pode ser expressa de m aneira simbólica. C om relação à universalidade da religião, Schleierm acher cria que todos os homens têm este senso religioso de dependência do Todo; assim, não existiriam ateus verdadeiros. Neste ponto de vista, Schleiermacher foi o precursor de Paul Tillich (1886-1965), que acreditava que todos, inclusive os ateus, tinham u m comprom isso final co m algum a coisa. C om o a religião é, prim ariam ente, u m sentim ento, Schleierm acher acreditava que ela é prim ariam ente com unicada pelo exem plo pessoal — as pessoas se saem m elhor apreendendo os seus princípios do que aprendendo-os. Secundariam ente, a religião poderia ser com unicada por interm édio de símbolos e doutrinas, m as as doutrinas são
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som ente relatos de sentim entos religiosos; são afirmações acerca de sentim entos, não acerca de Deus, de seus atributos, ou de sua natureza. Existem infinitas variedades de expressões religiosas, devidas p rin cip alm ente à diferença de personalidades. A expressão p anteísta re su lta daqueles que go stam das coisas obscuras; já os teístas são aqueles que têm p rop ensão a preferir as coisas mais definidas. O objetivo do liberalista ou o propósito da religião é o a m o r do Todo, o EspíritoM undo. Isto pode ser alcançado por interm édio do am o r ao próxim o; o resultado da religião é a unidade da vida, e a sua influência é m anifesta na moralidade. A religião produz integridade de vida, en tretanto não tem influência específica sobre os atos individuais — nós agimos com religião, mas não a partir dela. De m aneira similar, a influência da religião sobre a ciência não é direta, já que não podem os ser científicos sem ser piedosos. O sentim ento de dependência do Todo rem ove a presunção do conhecim ento, que é a ignorância. O objetivo real da ciência não pode ser atingido sem u m a perspectiva que surge a partir da religião. 0 Teste da Verdade de uma Doutrina S ch le ie rm a ch e r acred itav a que as religiões n ão e ra m n e m verd ad eiras n e m falsas c o m o tais. Verdade e e rro n ão se ap licam à religião, que é u m senso de d ep en d ên cia ab solu ta. Ele defendia que a verd ad e e o e rro se ap licam às idéias, e a verd ad e de u m a idéia p ode ser d e te rm in a d a p o r dois tipos de crité rio s: o cien tífico e o eclesiástico. Os critérios científicos incluem a clareza, a consistência, a coerência e a coesão co m outras doutrinas. O critério eclesiástico prim ário é o valor que u m a d ou trin a tem para a vida da igreja. Na verdade, o co n h ecim en to de Deus é m ediado pela experiência corp orativa da redenção, e não pelo corp o d outrinário, e é p or esta razão que S chleierm acher relegou o seu tra ta m e n to da Trindade a u m apêndice — ele acreditava que se tratasse de u m a especulação que não guardava relação co m a piedade (veja CF, apêndice). O conceito de salvação de Schleierm acher não chegava a ser ortodoxo. Ele entendia a redenção com o a impressão deixada por Jesus; u m a consciência clara sobre a com unidade cristã que substituiu a im agem em pobrecida que tinham de Deus pela deixada por Jesus. A concepção que Schleierm acher tinha dos milagres e da Providência era ambivalente, e a sua ênfase quase que total n a im anência de Deus o fez sujeito à atribuição do defeito de panteísta. 0 Impacto sobre o Liberalismo Schleierm acher oferece m uitas perspectivas notáveis à religião. D entre elas, estão: (1) a sua ênfase n a natureza contingente e dependente de todas as criaturas; (2) a sua ênfase na im portância da experiência religiosa; (3) a utilidade de muitas das suas distinções entre religião, ciência e ética; (4) a sua concepção de que a verdade precisa ser testada; (5) a sua ênfase n a com unidade cristã; e (6) a sua fé na teologia sistemática. E n tretan to , a influência negativa dos pontos de vista liberais de Schleierm acher foi m u ito grande. D entre estes, estão: (1) a sua fo rm a exp erim ental de Panteísm o; (2) a sua aceitação da Epistem ologia kantiana; (3) a distinção que ele fez en tre a experiência e a d outrina; (4) a sua arg u m en tação de que a verdade não se aplica à religião; (5) a
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redução que ele fez de teologia à antropologia; e (6) a sua aceitação da alta crítica negativa (d estrutiva) da Bíblia. A revisão que ele fez da Teologia cristã teve o seu im pacto mais radical na questão da autoridade, pois ele defendeu que n en h u m a autoridade externa, seja ela a Bíblia, a igreja, ou qualquer credo histórico, assume a precedência sobre a experiência imediata dos crentes. Ele tam bém deu a sua contribuição para u m a abordagem mais crítica da Bíblia ao questionar a sua inspiração e a sua autoridade. Além disso, ele rejeitou as doutrinas que acreditava não serem relacionadas co m a experiência religiosa da redenção: por exem plo, o nascim ento virginal de Cristo, aTrindade, e a volta de Cristo. Ele considerava que estes ensinos im plicavam u m conhecim ento cognitivo e indireto em vez de um a consciência im ediata de Deus. S ch leierm ach er influenciou tre m e n d a m e n te o C ristianism o através de três grandes feitos: Primeiro, ele to rn o u a religião socialm en te aceitável p ara aqueles que não levavam mais a sério n e m a Bíblia n em os seus ensinos, m o stran d o o seu apelo às tendências estéticas dos h om en s. Segundo, ele atraiu p ara a teologia u m n ú m ero in con tável de jovens que estavam interessados na religião p rim ariam en te co m o u m a fo rm a de expressar o espírito im aginativo do h o m e m . E terceiro, d u ran te u m ce rto tem p o , ele m u d o u a crítica bíblica da análise h istórica p ara a literária. A sua influência, lim itad a à A lem an h a d u ran te a sua vida, foi e n o rm e sobre os fu tu ro s p rotestantes p or cau sa de A lb rech t R itschl (1822-1889), A d olf von H arnack (18511930), e E rn st T roeitsch (1865-1923). O E x iste n cia lism o : S o re n K ierk eg aard (1813-1855) O pai do Existencialismo m oderno não foi u m ateísta francês do século X X ,Sartre), mas u m cristão dinamarquês do século X IX cham ado Soren Kierkegaard, que era suficientemente o rtodoxo a ponto de subscrever u m a declaração contendo os rundam entos históricos da fé. Ele escreveu: “No seu todo, a doutrina, n a form a co m o é ensinada [na igreja], é inteiram ente sã”. Todavia, poucos dentre os aderentes às fileiras evangélicas fizeram tanto para a destruição m etodológica da ortodoxia cristã quanto Kierkegaard. Na verdade, foi o seu filho na teologia, Karl Barth, quem impulsionou a N eo-ortodoxia. Kierkegaard concluiu que m esm o se supuséssemos que os defensores do Cristianismo têm obtido sucesso ao provar tudo o que qualquer teólogo instruído, no seu momento mais feliz, sempre desejou provar acerca da Bíblia, [a saber,] que estes livros e nenhum outro pertencem ao cânon; que são autênticos; que são completos; que os seus autores são confiáveis —poderíamos dizer que seria como se cada letra da Bíblia fosse inspirada. Kierkegaard, então, pergunta: “Será que alguém que anteriorm ente não tinha fé foi levado a dar u m passo sequer em direção a ela? Não, infelizmente n ão ” ( CUPPF, 29-30). Então, Kierkegaard apresentou o oposto: [Se] os oponentes tivessem conseguido provar o que desejavam acerca das Escrituras, com uma certeza que fosse além do mais ardente desejo da mais apaixonada das hostilidades — como ficaríamos? Será que os nossos oponentes teriam abolido o
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Cristianismo? De forma alguma. Será que o crente teria ficado abalado? Não mesmo, e de forma alguma (ibid., 31). N o m ín im o , a b ifu rcação que K ierkegaard faz e n tre v a lo r e fato está axio lo g icam en te m al c o lo c a d a 4. N a verd ad e, ela foi b ib licam ente desastrosa, c o m o B a r th ,B r u n n e r e B u ltm a n n (e seus segu id ores) d e m o n s tra ra m . S o m en te p recisam os m e n cio n a r estas co n ce p çõ e s inspiradas em K ierkegaard: (1 ) A verd ad e religiosa está localizad a no e n co n tro pessoal (su b jetivid ad e); (2 ) A verd ad e p ro p o sitiva n ão é essencial p ara a fé; (3 ) A a lta crític a n ão é p reju d icial ao C ristian ism o verd ad eiro; (4 ) Deus é “to ta lm e n te o u tr o ” e essen cialm en te in co g n o scív el, m e sm o através da rev elação bíblica. Estas m áxim as dão u m significado ainda m ais p ro fu n d o às ad vertên cias de Paulo sobre to m a r cu id ad o co m “filosofias e vãs su tilezas” (v eja G eisler, “B PW B E”, in: JE T S ).
MANIFESTAÇÕES TEOLÓGICAS DA CRÍTICA BÍBLICA DESTRUTIVA As m an ifestações teológicas da crítica bíblica d estru tiv a refletem as filosofias d estrutivas que elas in co rp o ra ra m , ta n to lógica quanto h isto ricam en te. Isto é c e rta m e n te verdadeiro a respeito do estudioso francês R ichard Sim on (16381712), “o pai da crítica bíblica”, pois suas visões fo ram d iretam en te influenciadas p o r Spinoza. De m an eira sem elh an te, David Strauss (1808-1874), que escreveu a p rim eira obra sobre a vida de C risto dessobrenaturalizada, foi influenciado pelo A n ti-so b ren atu ralism o de David H u m e, e assim p o r diante.
Richard Simon (1638-1712) Depois de estudar extensivam ente as línguas orientais, Richard Sim on publicou a sua Histoire Critique du Vieux Testament ( Historical Critique o f the Old Testament [Crítica H istórica do Antigo T estam ento]) em 1678, p oucos anos depois da publicação do Tractatus (1670), de Spinoza. Mais tarde, ele escreveu a Histoire Critique du Texte du Nuveau Testament (Historical Critique o f the Text o f the New Testament [Crítica H istórica do T exto do N ovo T estam ento]) (1683). Em b ora Sim on acreditasse em seu co ração ter preservado, nestas obras, o interesse do catolicism o ro m an o , ele negou que Moisés ten h a escrito o P entateu co. Ao con trário de Spinoza, en tretan to , ele baseou a sua opinião no que considerou relatos duplos do m esm o incidente, m ediante a observação da variação no estilo da escrita.
Jean Astruc (1684-1766) Jean Astruc foi u m dos primeiros estudiosos a cham ar a atenção para a noção de que Gênesis capítulos 1 e 2 foram escritos por dois autores diferentes. Ele publicou as suas Conjectures (Conjeturas) em 1753, nas quais tentou reconciliar algumas das dificuldades que encontrou no relato de Gênesis. Com o resultado, ele enfatizou as distinções entre palavras com o Elohim, Yahweh Elohim (ou fehovah Elohim), e El-Elyon, ao expor um a visão que, mais tarde, se tornaria popular entre racionalistas alemães com o Johann Gottfried Eichhorn (1752-1827), Karl H. Graf (1815-1869), Abraham Kuenen (1828-1891), Julius Wellhausen (1844-1918), e outros.
4 Axiologia é o estudo dos valores.
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Johann Salomo Semler (1729-1791) Johann Sem ler é freqüentem ente citado co m o o pai do racionalism o alem ão porque foi o prim eiro a defender a assim cham ada teoria da acom odação, que exerce u m papel crucial na teologia liberal. Dessa form a, ele lançou as bases para o surgim ento do m étodo histórico-crítico, sobre o qual Gerhard Maier declara: “A aceitação geral do conceito básico de Semler, de que a Bíblia deve ser tratada co m o qualquer outro livro, afundou a teologia em u m a cadeia de infindáveis perplexidades e contradições internas”5. Sem ler foi criado no Pietismo, antes de adotar u m a perspectiva mais racionalista. Ele fazia distinção entre as verdades permanentes das Escrituras e os elementos ligados à época na qual os livros foram escritos. Ele negava que todas as partes das Escrituras têm valor equivalente, e ensinava que a revelação está na Escritura, mas que a revelação não compreende toda a Escritura. Os credos da igreja são um crescimento. A história da igreja é um desenvolvimento (Walker, HCC, 483).
Gotthold Ephraim Lessing (1729-1781) G otth old Ephraim Lessing, o filho de u m pastor da Saxônia, trabalhou co m o bibliotecário do Duque de Brunsw ick, depois de 1770. Lessing publicou u m a série de Fragments o f an Unknown Wnter (Fragm en tos de u m A u to r D esconhecido), p o pu larm en te conhecidos co m o os Wolfenbuttel Fragments (1774-1778). Esta série foi, n a verdade, u m a defesa e u m a reafirm ação do D eísm o cético de H erm an n Sam uel R eim arus (16941768), a qual incluía o fragm ento intitulado The Goal o f Jesus and His Disciples (O Objetivo de Jesus e de Seus Discípulos). E m b ora não ten h a sido publicado d urante a sua vida, este fragm ento de R eim arus alegava exp or os relatos de Jesus nos Evangelhos co m o sendo m aterial fraud u len to, p o r causa das suas alegadas predições escatológicas n ãocum pridas. Estas opiniões desencadearam u m a to rm e n ta de controvérsias ao serem publicadas por Lessing, e revolu cion aram a im agem de Jesus na teologia m od ern a. Na verdade, este m aterial foi o p onto de p artida para Albert Schw eitzer (1875-1965), na sua fam osa obra Questfor the Historical Jesus (A Busca pelo Jesus H istórico) (1906). O próprio Lessing escreveu u m ensaio de crítica aos Evangelhos que levou o títu lo de New Hypothesis on the Evangelists Considered as Merely Human Historical Writers (N ova Hipótese A cerca dos Evangelistas Considerados M eram ente co m o A utores H um anos H istóricos) (1788), o qual p ostu lou u m a ú nica fonte hebraica ou a ram aicap o r detrás das narrativas dos Evangelhos e retra to u Jesus co m o u m Messias m eram en te h u m an o.
Johann Gottfried Eichhorn (1752-1827) Johann Gottfried H ichhorn foi u m teólogo alem ão que parece ter seguido as idéias de A struc e do estudioso presbiteriano Joseph Priestly (1733-1804) na preparação do cam inho para o surgim ento do m étodo crítico. O term o alta crítica foi utilizado com o sinônimo de crítica histórica por Priestly, que considerou o m étodo histórico com o “u m a das form as mais satisfatórias de argu m en tação” no prefácio da sua obra History o f the Corruptions o f Christianity (História das C orrupções do Cristianismo) (1782).
5 C om o já vimos (n o capítulo 17), a teoria da acom odação afirma que Cristo adaptou a sua linguagem às opiniões vigentes en tre os judeus da sua época acerca das Escrituras do Antigo Testam ento.
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Eichhorn utilizou, na época, o term o “alta crítica” no prefácio da sua obra de três volum es Einleitung ín das Alte Testament (Introdução ao Antigo Testam ento) (1780-1783). Ele foi u m dos primeiros com entaristas a fazer com parações científicas entre os livros bíblicos e outros escritos semíticos; ele tam bém dividiu Gênesis entre as fontes “Jehovista” e “Elohista” e fez distinção entre o código de leis popular e o sacerdotal no Pentateuco. Apesar da imprecisão do seu trabalho, esta obra de Eichhorn se popularizou e serviu com o im pulso para o estudo e a crítica bíblica. A alta crítica, que a sucederia, se identificaria mais com a crítica literária do que co m o m étodo histórico.
Heinrich Eberhard Gottlob Paulus (1761-1851) Na sua obra Life ofJesus (A Vida de Jesus) (1828), Heinrich Paulus tentou conciliar a sua fé na precisão substancial da narrativa do Evangelho com a sua descrença pessoal nos milagres e no sobrenatural. Ele tentou transformar os milagres em fatos corriqueiros e em eventos que haviam sido exagerados ou m esm o mal compreendidos, e tratou os escritores dos Evangelhos com o pessoas acometidas por alucinações, as quais registraram intencionalmente coisas com o visões e milagres. Paulus aplicou os princípios de Eichhorn ao Novo Testamento, m esm o considerando-se u m defensor da causa bíblica contra o ceticismo crescente. A sua influência acabou sobrepujada diante do ceticismo mais radical de David Friedrich Strauss.
Wilhelm Martin Leberecht de Wette (1780-1849) W ilhelm de W ette foi aluno de Heinrich Paulus durante certo tem po, antes de publicar os seus próprios trabalhos sobre crítica bíblica, de 1806 a 1813, quando passou aos estudos teológicos. Ele foi u m racionalista radical no início da sua carreira, mas se to rn o u mais conservador co m a chegada da idade. M esm o sendo u m contrário ao sobrenaturalism o, ele criticou de form a contínua as teorias de Ferdinand Christian B aur (1792-1860) e dos seus discípulos da Escola de Crítica N eotestam entária de Tübingen. De W ette tam bém tentou reconciliar o transcendente co m o finito. Ele foi u m dos mais respeitados teólogos do século X IX , em bora desprezasse os racionalistas, condenando o uso da razão fria, e ofendesse os pietistas, ao duvidar dos milagres bíblicos, reduzindo os relatos do nascim ento, da ressurreição e da ascensão de Cristo a mitos. O em prego de m itos foi a sua tentativa de absolver os escritores bíblicos das acusações de serem lunáticos e desequilibrados, co m o argum ento de que, ao escrever, eles transform aram prosaicam ente as m etáforas e alegorias em fatos.
David Friedrich Strauss (1808-1874) Já arm ados com o seu preconceito anti-sobrenatural antes de analisar as evidências, os estudiosos bíblicos liberais (assim co m o os cientistas), a exem plo de Hum e, u niform em ente dessobrenaturalizavam a revelação de Deus, tan to na sua form a geral quanto na especial. David H u tton, amigo de H um e, foi u m dos prim eiros a fazer isto na ciência (G eologia), da m esm a fo rm a que David Strauss o fez nos estudos da Bíblia. Seguindo o exemplo de Hume, Strauss publicou a sua famosa obra dessobrenaturalizada Life o f Jesus (A Vida de Jesus) (em dois volumes, 1835-1836). Ele rejeitou todos os milagres, alegando que se tratavam de expressão de mitos, e também eventualmente negou Deus e a imortalidade da alma. Ele descartou os milagres, olhando para os Evangelhos com o mitologia não-intencional criada pela piedade do início do segundo século, mergulhada na expectativa
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messiânica do Antigo Testam ento e ansiosa para provar que Jesus era o Messias. Strauss foi o primeiro a aplicar esta tese de form a consistente a todas as partes do Novo Testamento. Em 1840-1841, Strauss publicou a obra History o f Christian Doctrine (H istória da D ou trin a Cristã), u m relato polêm ico da dou trina cristã desde o N ovo Testam ento até a sua dissolução co m Hegel. Em 1862, ele escreveu u m a obra sobre H erm an Sam u el Reim arus, o fam oso crítico bíblico cu ja obra Fragments (Fragm entos) (publicada p o stu m am en te por G otth old Lessing, em 1778) im pulsionou a prim eira busca pelo Jesus histórico. Em 1864, Strauss publicou um a versão ligeiram ente mais positiva da sua obra, sob o títu lo The Life offesu sfor the German People (A Vida de Jesus para o Povo A lem ão). Em 1865, saiu da sua pena The Life o f Christ and the History o f Jesus (A Vida de C risto e a História de Jesus), que era u m ataque à tentativa de Friedrich Sch leierm ach er de com binar a história de Jesus e o C risto dos dogmas. O seu ú ltim o trabalho, The Old Faith and the New (A Velha e a Nova Fé) (1872), é u m cham ado à nova religião da hum anidade, a qual nega a fé n o Teísm o e na im ortalidade em favor do M aterialism o científico. Essa foi a prim eira obra teológica a aceitar o Evolucionism o de Darwin. K arl H e in rich G raf, A b ra h a m K u e n e n e Ju liu s W e llh a u se n Karl G raf (1815-1869), Abraham Kuenen (1828-1891) e Julius W ellhausen (1844-1918) aderiram às idéias de Spinoza, que considerava Esdras com o o com positor final da Torá. Apesar do ponto de vista de Spinoza ter sido largam ente ignorado na sua época, ele se transform ou em um aim p ortan te antecipação da form ulação final da hipótese docum ental (JEPD) proposta por Graf, Kuenen e W ellhausen, na segunda m etade do século XIX. E m bora a hipótese d ocu m en tal ten h a tido Jean A struc com o o seu prim eiro propositor, ela passou ao seu estágio posterior de desenvolvim ento com a obra Einleituncj, de E ich h orn (1780-1783); e o seu terceiro estágio foi atingido n a Dissertation (D issertação) (1805), de De W ette, e em Beitrage zur Einleitung (1806), com a obra de H erm ann Hupfeld que m arcou a sua época, Die Quellen der Genesis (As Fontes de G ênesis), publicada em 1853. G raf acrescentou a esta obra os seus esforços para m o strar que o código sacerdotal do Pentateuco era distinto e mais tardio do que o próprio D eu teronô m io (1866). A braham Keunen refinou o trabalho de G raf na obra De Godsdienst van Israel (A Religião de Israel) (1869). O cenário, p o rtan to , estava preparado para as im portan tes contribuições de W ellhausen, nas obras Die Komposition des Hexateuchs (A C om posição do H exateu co) (1876) e Prolegomena zur Geschichte Israel (Introd ução à H istória de Israel) (1878). Gleason A rcher observa que em bora W ellhausen não te n h a feito n e n h u m a inovação, ele reafirm ou a teoria d ocu m en tal com grande habilidade e persuasão, apoiando a seqüência JEPD sobre u m a base evolucionária. Isto oco rreu na época em que a obra On the Ongin o f Species (A O rigem das Espécies), de Charles Darw in, estava conquistando a confiança do m u nd o científico e intelectual, e a teoria do desenvolvim ento do A nim ism o prim itivo até o M onoteísm o sofisticado, co n fo rm e foi proposta por W ellhausen e seus seguidores, se encaixou bem tan to co m o Evolucionism o darw iniano quanto co m o D ialetism o hegeliano. A época já estava madura o suficiente para receber a teoria documental, e o nome de Wellhausen ficou ligado a ela como o seu expoente clássico. O impacto dos seus escritos logo se fizeram sentir por toda a Alemanha [...] e tiveram aceitação crescente também na Grã-Bretanha e nos Estados LTnidos (Archer, SOTI, 87).
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A C o n tin u id a d e da T ra d iç ã o d e W ellh au sen A publicação da Introduction to the History o f Israel (Introd u ção à H istória de Israel), de W ellhausen, m arca o início do triu n fo da abordagem da Religionsgeschichte ( “história das religiões”) aos estudos do A ntigo T estam ento pelas quatro décadas seguintes. Na Inglaterra, W illiam R ob ertson S m ith (n a obra The Old Testament and the Jewish Church [O A ntigo Testam ento e a Igreja Judaica] [1881]) apresentou a visão de W ellhausen ao grande público, enqu anto Sam u el R. D river (1846-1914) (n a obra Introduction to the Literature o f the Old Testament [Introdução à L iteratura V eterotestam entária]) deu à hipótese d ocu m en tal a sua fo rm u lação inglesa clássica. Sir G eorge Adam S m ith (1856-1942) aplicou esta abordagem aos profetas do A ntigo T estam ento, n a sua contribuição à Expositor’s Bible (Bíblia do Pregador), editada por W. R. N icoll (1887ss.). Nos Estados Unidos, os defensores mais notáveis da nova escola foram Charles Augustus Briggs (1841-1913), que escreveu The Higher Criticism o f the Hexateuch (A A lta C rítica do H exateu co) (1893), e o seu colaborador, H enry Preserved S m ith (1847-1927). D u ran te o século X X , o esboço geral da teoria de W ellhausen con tin u ou a ser ensinado na m aior parte das instituições não-conservadoras, em bora algum as incertezas tam bém fossem expressadas a respeito da datação com parativa dos “d ocu m en tos” feita p or W. O. E. O sterley e T. H. R obinson (Introduction to the Books o f the Old Testament [Introdução aos Livros do A ntigo Testam ento]). Em geral, contud o, os defensores desta idéia, com o Julius A. Bew er (Literature o f the Old Testament [A Literatura do A ntigo T estam ento]) e R obert H. Pfeifer (Introduction to the Old Testament [Introdução ao Antigo Testam ento]), tam bém aderiram à teoria de W ellhausen. N enhum outro relato sistem ático acerca da origem e desenvolvim ento do Antigo Testam ento teve u m a aceitação tão am pla no m undo intelectual. Todavia, um a reação vigorosa à hipótese d ocum ental, que destrói a unidade do Antigo Testam ento, e aos desenvolvimentos posteriores do estudo do Antigo Testam ento cu lm inou em um a afronta provocativa à hipótese d ocu m ental por parte de Isaac M. Kikawada e de A rthur Q uinn. F e rd in a n d C h ris tia n B a u r (1792-1860) O espírito racionalista e natu ralista que invadiu os estudos do N ovo Testam ento tam bém veio da A lem anha, por interm édio das obras de S chleierm acher, E ich h orn e do mais radical de todos os críticos, F. C. Baur. Aplicando a assim cham ada dialética hegeliana da tese, antítese e síntese6, B aur postulava que o Evangelho de João deve ser u m a síntese ocorrida no segundo século en tre a tese de Pedro e a antítese de Paulo, do prim eiro século. Isto, obviam ente, é contrário às fortes evidências históricas opostas (v eja capítulo 26) e se constitu i em u m exem plo de co m o as proposições filosóficas têm influenciado o desenvolvim ento da crítica bíblica destrutiva. B aur tam bém reduziu o que ele acreditava serem as autênticas epístolas paulinas ao n ú m ero de quatro (R o m an os, 1 e 2 C oríntios, e G álatas) e negou a autenticidade da m aioria dos livros do N ovo T estam ento. E m bora a sua opinião crítica te n h a caído em descrédito co m a rejeição da sua recon stru ção e dos seus pressupostos históricos, outros críticos iniciaram o seu trabalho a partir destas suposições tênues. 6 C om o já vimos, o próprio Hegel jamais aderiu a este tipo de dialética, mas, devido a um a interpretação popular errônea originada em Fichte, este m étodo tem sido com um ente atribuído a ele (veja Winfried Corduan, “Transcedentalism: Hegel”, in: N orm an Geisler, ed., Biblical Errancy: Its Philosophical Roots, 81-101).
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R u d o lp h B u ltm a n n (1884-1976) Rud olph B u ltm a n n desenvolveu u m a form a anti-sobrenatural de desm itologização do Novo Testam ento, argum entando que o m u nd o n eotestam entário “é o cenário da atividade sobrenatural de D eus e dos seus anjos, por u m lado, e de Satanás e dos seus dem ônios, por outro. Estas fo rja s sobrenaturais intervém no curso da natu reza e em tudo o que pensam os, desejam os e fazem os” ( K M T D , 1). A D esm itologização do N ovo Testamento
De acordo com B u ltm a n n : Precisam os despir os d o cu m e n to s do N ovo T esta m e n to da sua e stru tu ra m ito ló g ica. Pois tu d o isso se tra ta de lin g u ag em m ito ló g ica e esta é in acred itáv el p ara o h o m e m co n te m p o râ n e o , qu e está co n ven cid o de qu e u m a visão m ítica do m u n d o está obsoleta. A final, to d o o p e n sa m en to dos nossos dias está m o ld ad o p ela ciên cia m o d ern a. Dessa fo rm a , “u m a a ceitação cega do N ovo T esta m e n to en v olv eria o sacrifício do in telecto . Sign ificaria aceitar u m a visão do m u n d o de aco rd o co m a nossa fé e a nossa religião, as quais nós negaríam os n a nossa vida q u o tid ian a” (ibid., 3-4).
C o m u m a confiança sem lim ites, p o rtan to , B u ltm a n n anunciava que as figuras bíblicas dos m ilagres eram coisas impossíveis, pois “o co n h ecim en to e as habilidades hum anas neste m u nd o avançaram de tal fo rm a por interm édio da ciência e da tecnolog ia que não é mais possível que qualquer u m de nós se baseie na visão de m u nd o do N ovo Testam ento —de fato, quase não há mais quem se baseie”. Logo, a ún ica m aneira honesta de recitar os credos é despi-los do caráter m itológ ico da verdade com o qual estão revestidos. Se as figuras bíblicas são m itológicas, com o, então, deveríam os entendê-las? Para B u ltm an n : O o b je tiv o verdadeiro de u m m ito não é ap resen tar u m re tra to o b jetiv o do m u n d o co m o ele re a lm e n te é, m as expressar a co m p reen são que o h o m e m tem de si m e sm o n o m u n d o e m que ele vive. [Portanto,] o m ito deve ser in terp retad o n ão de fo rm a co sm o ló g ica, m as an tro p oló g ica, ou m e lh o r ainda, de fo rm a existen cial. [Ou seja,] o m ito fala do pod er ou poderes que o h o m e m su põe ex p e rim en ta r c o m o a base e o lim ite do seu m u n d o e da sua próp ria atividade e so frim en to . [Em o u tras palavras,] o p ro p ó sito real de u m m ito é falar do p o d er tra n scen d en te qu e co n tro la o m u n d o e o h o m e m , m as esse p ro p ósito é lim ita d o e o b scu recid o pelos próp rios te rm o s utilizad os n a sua expressão (ibid., 10-11).
B u ltm an n conclui de fo rm a confiante: “O bviam ente [a Ressurreição] não é um evento da história passada [...] u m fato histórico que envolva u m a ressurreição dentre os m ortos é cabalm ente inconcebível” (ibid., 38-39). Ele apresenta várias razões para esta sua conclusão anti-sobrenatural. Primeiro, existe a “incredibilidade de u m evento m ítico com o a ressurreição de u m cadáver”. Segundo , “existe a dificuldade de dem on strar a historicidade objetiva da ressurreição, in depend entem ente da quantidade de testem unhas que forem apresentadas”. Terceiro, “a ressurreição é u m artigo de fé, o qual, pela sua natu reza, não pode servir de prova m iracu losa”. Quarto, “m ilagres deste tipo não são desconhecidos na m itologia” (ibid., 39-40).
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O que, então, seria-a; ressurreição, se não u m evento da história objetiva espaçotem poral? Para B ultm an n , é u m evento da história subjetiva; ou seja, é u m evento de fé que o correu no coração dos primeiros discípulos e, com o tal, não está sujeito à verificação histórica nem à refutação, pois não se trata de u m evento real do m undo espaço-tem poral. Cristo não se levantou do tú m u lo de José de Arimatéia; Ele se levantou, pela fé, no coração dos discípulos. O raciocínio de B ultm an n segue esta linha: (1) Os mitos são, por natureza, mais do que verdades objetivas—são verdades transcendentais da fé. (2) Mas o que não é objetivo não pode fazer parte de um mundo espaço-temporal. (3) Logo, os milagres (mitos) não fazem parte do mundo objetivo espaço-temporal. Uma Avaliação do Naturalismo Desmitológico de Bultmann Várias objeções já foram levantadas co n tra estas opiniões, que são basicamente construídas sobre suposições não com provadas. Não é co rreto concluir que, pelo fato de u m evento ser mais do que histórico, ele ten h a que ser necessariam ente menos do que histórico. Os milagres do Evangelho, n a verdade, apresentam m esm o u m “algo mais” ou u m a dimensão transcendente; eles não podem ser reduzidos a m eros eventos históricos. Por exem plo, o nascim ento virginal de Cristo é mais do que biológico; ele nos fala da natureza divina de Cristo e do propósito espiritual da sua missão. Não é u m a simples questão de ciência; ele tam bém é apresentado co m o u m “sinal” (Is 7.14). O m esm o é verdade para a ressurreição de Cristo. Apesar de ela ser apresentada, no m ínim o, co m o u m a simples ressurreição de um cadáver, ela apresenta u m a dimensão divina que im plica tam bém verdades espirituais (R m 4.25; 2 T m 1.10). Primeiro, os milagres podem o co rrer neste m undo sem serem deste m undo. U m milagre pode ter a sua origem no m undo sobrenatural (a sua fonte) e, m esm o assim, o co rrer no m undo n atu ral (a sua esfera). Dessa form a, o evento pode ser objetivo e verificável sem ser reduzível às suas dimensões puram en te factuais. Assim, é possível verificar de form a direta, por meios históricos, a veracidade ou não de o corpo de Jesus ter ressuscitado e ter sido em piricam ente observado (as dimensões objetivas do m ilagre), sem reduzir os aspectos espirituais do evento a m eros dados científicos. Mas ao alegar que milagres co m o a ressurreição não podem o co rrer na história espaço-tem poral, B ultm an n som ente expressa u m preconceito naturalista dogm ático e injustificado. Segundo, fica claro que a base do anti-sobrenaturalism o de B ultm an n não consiste de evidências, n em está aberta ao debate real; o dogm atism o da sua linguagem é revelador. O anti-sobrenaturalism o é algo que ele abraça “independentem ente de quantas testem unhas forem apresentadas” (ibid.) Os milagres são “inacreditáveis”, “irracionais”, “não são mais possíveis”, “cabalmente inconcebíveis”, “sim plesmente impossíveis”, e “intoleráveis”. Assim, a “única m aneira honesta” de o h o m em m od ern o com preender estas coisas é crendo que elas “não passam de coisas espirituais”, e que o m undo físico está “im une a interferências” sobrenaturais. Esta não é a linguagem típica de u m a pessoa aberta às evidências históricas de u m milagre. Parece, m uito mais, co m u m a m ente que não deseja ficar “confundida” co m os fatos. Terceiro, os eventos m ito ló g ico s de B u ltm a n n n ão são verificáveis. Se os m ilagres n ão são eventos h isto ricam en te objetivos, eles n ão são n em verificáveis n em
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refu táveis — pois n ão há u m a fo rm a fa ctu a l de d e te rm in a r n e m a sua veracidade n e m sua falsidade. Mas se isto é verdade, en tã o os m ilagres te rã o sido co lo ca d o s além do cam p o da verdade o b je tiv a e p recisarão ser tratad o s c o m o p u ra m e n te su b jetivos (v e ja Flew, “T F ”, in: N E P T , 98). R e m o d ela n d o a p e rg u n ta de Flew a B u ltm a n n : “Se o cadáver de Jesus de N azaré tivesse sido d esco b erto depois da p rim e ira Páscoa, será que isto re fu ta ria a sua fé n a ressu rreiçã o ?” A resp osta de B u ltm a n n é cla ra m e n te u m “n ã o ”. M as, ao co n trá rio , a resp osta do a p ó sto lo Paulo é cla ra m e n te u m “s im ”, pois para ele “se C risto não ressu scito u , é vã a vossa fé, e ainda p e rm a n e ce is nos vossos p ecad o s” (1 C o 15.17). P o rta n to , é óbvio que a co m p re en sã o que B u ltm a n n tin h a dos m ilagres é co n trá ria à que e n c o n tra m o s em u m dos registros cristãos m ais antigos destes ev en tos, o N ovo T e sta m e n to . A p rim eira ca rta aos C o rín tio s é larg am e n te aceita, até m esm o pelos crítico s da Bíblia, c o m o ten d o sido escrita por Paulo, p o r v o lta de 55 ou 56 d.C. Quarto, os m itos de B u ltm a n n não apresentam valor em term os de evidência. Se os m ilagres não são eventos históricos, eles não têm qualquer poder, e eles nada poderão provar, já que som ente são válidos para as pessoas que querem acreditar neles. Entretanto, os autores do Novo Testam ento reivindicam para eles u m valor evidenciai. Eles os consideram com o “provas convincentes” (A t 1.3), e não co m o “fábulas artificialm ente com postas” (2 Pe 1.16). Paulo declarou: “[Deus] disso deu certeza a todos, ressuscitando-o [Jesus] dos m o rto s” Quinto, a visão d e sm ito ló g ica de B u ltm a n n é n ã o -b íb lic a , e é in ju stific a d a p o r diversas razõ es. Para c o m e ç a r, ela é c o n trá ria às evidên cias irresistív eis a fav or da a u ten ticid a d e dos d o c u m e n to s do N ovo T e s ta m e n to e da co n fia b ilid a d e das te s te m u n h a s . T a m b ém é c o n trá ria à a leg ação que o N ovo T e s ta m e n to faz dele m e sm o c o m o n ão sen d o “fábulas a rtific ia lm e n te c o m p o s ta s ” (2 Pe 1.16), m as u m re la to o c u la r dos a c o n te c im e n to s (cf. Jo 21.24; 1 Jo 1.1-3). P or fim , o N ovo T e sta m e n to n ão faz p a rte do g ê n ero lite rá rio da m ito lo g ia . C o m o v im o s n a p a rte u m , C. S. Lewis o b serv o u que o “D r. B u ltm a n n ja m a is e screv eu u m e v a n g e lh o ” . P or isso, p e rg u n ta : S e rá q u e a e x p e riê n c ia da su a vida [...] a c a d ê m ic a r e a lm e n te lh e d eu a cap acid ad e de e n x e rg a r o q u e se p assou n a m e n te de p essoas qu e m o r r e r a m h á ta n to te m p o [as quais e sc re v e ra m , de fa to , u m ev an g elh o ]? [...] Os “re s u lta d o s in c o n te stá v e is da c rític a m o d e r n a ” , n o qu e se re fe re à su a an á lise da f o r m a c o m o os liv ro s an tig o s fo ra m e sc rito s, são “in c o n te s tá v e is ” , p o d e m o s c o n c lu ir assim , so m e n te p o rq u e os h o m e n s q u e c o n h e c ia m os fa to s já m o r r e r a m e n ã o p o d e m , p o r ta n to , dissipar m ais as gafes c o m e tid a s.
Em sum a, as críticas bíblicas de B u ltm a n n são irrefutáveis som en te porque, com o Lewis argu tam ente observa: “M arcos, au tor do Evangelho, já m o rreu . Q uando eles se en contrarem com Pedro, terão questões urgentes para d iscu tir” (Lewis, C R , 161-63). Os D ese n v o lv im e n to s P ó s -B u ltm a n n Nos anos 1960, dois novos m ovim en tos surgiram a partir da abordagem de B u ltm an n , ao se afastarem do seu ceticism o histórico. Estes “p ó s-bu ltm an n ian os” foram mais além na sua herm en êu tica, p articu larm en te na sua adesão ao Existecialism o,
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e criticaram o entendim ento de B ultm an n da form a que a linguagem assume n a sua busca p or “novos horizontes” e pela crítica textual. Os representantes desses “novos horizontes” buscaram fundam entar alguns aspectos históricos co m o autênticos, sem reto rn ar ao Jesus histórico da velha escola liberal. D entre os porta-vozes dos mais notáveis aderentes ao m ovim ento dos “novos horizontes”, estão Ernst Kásemann, G ünther B orn kam m e Ernst Fuchs. A diversidade de teorias propostas p or estes críticos tem m uito pouco em co m u m , e, na verdade, a sua busca não inspira m u ita confiança. A crítica da redação surgiu diretam ente a partir da crítica da form a e concentra a sua atenção nos evangelistas co m o escritores. Vários estudiosos alemães, inclusive G ünther B orn kam m , Willi M arxsen (que cu n h o u o term o redaktionsgeschichte, “história da form a”), Hans C onzelm ann e Ernst Haenchen, dedicaram a sua atenção a Mateus, M arcos, Lucas e Atos, respectivamente. E m tem pos recentes, o foco se co n cen tro u na crítica da fonte, da form a, da redação, e da tradição. E ainda mais recen tem en te, o E stru tu ralism o e, depois, o D esconstrucionism o tam bém en traram em voga7. O utras influências filosóficas tam bém con tam in aram o m u n d o acadêm ico evangélico, em especial o dos estudos neotestam entários. D entre estas, estão a Fenom enologia, o C onvencionalism o, a Teologia do Processo, o A legorism o, e o M onism o A ntropológico8. Todas tiveram o m esm o im pacto negativo — a negação da historicidade dos d ocum entos neotestam entários e, co m isso, u m desm onte do p róprio alicerce do Cristianism o o rto d o xo . Estes resultados foram popularizados pelo grupo radical au tod enom in ado de “Sem inário de Jesus”, que nega a autenticidade de cerca de 82 p or cen to dos dizeres de Jesus registrados nos Evangelhos (veja capítulo 26).
OS RESULTADOS DA CRÍTICA BÍBLICA DESTRUTIVA Há duas gerações atrás, u m apologistapopular, H arry R im m er, publicou um aim agem forte sob o título: “The Assured Results of Higher C riticism ” (Os Resultados Garantidos da A lta C rítica) — u m a Bíblia devorada por cupins9. Em resum o, a historicidade e a autenticidade da Bíblia haviam sido seriam ente corroídas pela crítica negativa m oderna. Junto co m isso, a autoridade divina tam bém havia sido com pletam ente m inada na m ente daqueles que aceitaram estas form as de crítica destrutiva. M uitos estudiosos evangélicos que aderiram aos pressupostos filosóficos da alta crítica negativa foram expostos em u m excelente novo livro de Robert Thom as, intitulado The Jesus Crisis: The Inroads o f Historical Criticism Into Evangélica Scholarship (A Crise A cerca de Jesus: As Investidas da Crítica Histórica Sobre o Academ icism o Evangélico). A ex-adepta da crítica neotestam entária negativa, Eta Linnem ann, apresenta no seu livro Is There a Sinoptic Prohlem? (Será Que o Problema Sinótico é Real?), com o tam bém em u m artigo intitulado “Is There a Q?” (Haveria um Q?), a com preensão de quem esteve do lado de dentro. No livro e no artigo, ela ataca o alicerce básico da crítica destrutiva m oderna. Mais recentem ente, ela produziu u m a obra acadêm ica cham ada Bihlical Criticism on Trial (A Crítica Bíblica no Tribunal).
7 Para obter um a abordagem excelente das tendências recentes e do seu im pacto sobre os evangélicos, veja Robert Thomas, et al., The Jesus Crisis: The Inroads o f Historical Criticism Into Evangélica Scholarship.
8 Para conhecer um debate acerca deste tema,
veja m eu discurso presidencial dirigido à Sociedade Teológica Evangélica, intitulado: “Beware of Philosophy: A Warning to Biblical Exegetes” (Tenha cuidado com a Filosofia: U m Alerta para os Exegetas Bíblicos), in: The Journal o f the Evangelical Theological Society (1999).
9 Harry Rimm er, Internai Evidence o f Inspiration (Grand Rapids, Mich.: Eerdmans, 1946), 4.
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CO N CLUSÃO Foram muitas as forças que convergiram para que o Liberalismo surgisse e moldasse a sua visão das Sagradas Escrituras. A variedade das visões contrárias pode até disfarçar a unidade subjacente entre elas. E verdade que surgiram m ovim entos co m o o Indutivismo de Bacon, o M aterialism o de Hobbes, o Panteísmo racionalista de Spinoza, o Ceticism o de H um e, o Agnosticismo de Kant, o Rom antism o de Rousseau, o Pietismo de Schleierm acher, o Deísmo de Paine, o Cientificismo de C o m te e Mill, o Evolucionism o de Spencer e Darwin, e as filosofias mais recentes da Fenom enologia, do Convencionalismo e do D esconstrucionism o10. Todavia, é inegável a unidade do Anti-sobrenaturalism o que vêm atacando o Cristianismo orto d o xo na sua raiz. Se os milagres realm ente não ocorressem , então a Bíblia seria m esm o u m em buste, e o Cristianismo histórico não seria digno de credibilidade. Sobre esta premissa injustificada (veja capítulo 3) é que está baseado o Liberalismo m oderno. A sua concepção das Sagradas Escrituras, p ortan to, é tão falha quanto a sua concepção dos milagres. Obviamente, a Bíblia não pode ser u m a revelação sobrenatural de Deus se eventos sobrenaturais não existem. Assim, algum a form a de crítica bíblica negativa, realm ente, vem a ser necessária. FO N T E S Archer, Gleason. A Survey o f Old Testament Introduction. Bacon, Francis. Novum Organum. Bultm an n , Rudolf. Kerygma and Myth: A Theological Debate. C om te, Auguste. The Catechism o f Positive Religion. ________ . Cours, The Positive Philosophy o f Auguste Comte. Hans W erner C om te, ed. Corduan, W. “Transcedentalism: Hegel”, in: N orm an Geisler, ed., Bihlical Errancy: Its Phãosophical Roots. Darwin, Charles. The Autohiography o f Charles Darwin. ________ . The Descent o f Man. ________ . On the Origiti os Species. Darwin, Francis. The Life and Letters o f Charles Darwin (Vol. 3). Edwards, Paul, ed. The Encyclopedia o f Philosophy. Flew, Antony. “Theology and Falsification”, in: New Essays in Philosophical Theology. Geisler, N orm an , “Beware o f Philosophy: A W arning to Biblical Exegetes”, in: The Journal o f the Evangelical Theological Society (1999). ________. Miracles and the Modem Mind. ________. Philosophy o f Religion. ________. ed. Biblical Errancy: Its Philosophical Roots. Hegel, G. W. F. Early Theological Writings. ________. Encyclopedia. ________. Logic. ________. Phenomena o f Spirit.
Jj Para conhecer um debate sobre com o estas filosofias mais recentes afetaram de form a negativa o pensamento evangélico contem porâneo, veja m eu discurso presidencial dirigido à Sociedade Teológica Evangélica, intitulado: “Beware of Philosophy: A Warning to Biblical Exegetes” (Tenha cuidado com a Filosofia: U m Alerta para os Exegetas Bíblicos), in: The Journal o f the Evangelical Theological Society (1999).
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________ . Philosophy o f History. Hobbes, Thom as. Leviathan. Hodge, Charles. What is Darwinism? H um e, David. Enquiry Concerning Human Understanding. Kant, Im m anuel. The Critique o f Pure Reason. ________ . Religion Within the Limits o f Reason Alone. Kierkegaard, Soren. Concluding Unscientific PostScript to Philosophical Fragments.
Lewis, C. S. Christian R efkctions. _________. M iracles.
Linnemann, Eta. Biblical Criticism on Trial. _______ . “Is There a Q?”, in: B iblical Review (outubro 1995). _________. Is There a Sinoptic Problem?
Mayr, Ernst. “Introduction” to Darwin’s Origin (1964 ed.) Meuller, G. E. “The Hegel Legend of Thesis, Antithesis-Synthesis”, in: Journal o f History o f Ideas 19, n.° 3 (Junho de 1958). Moore, James. The Post-Darwinian Controversy. Paine, Thomas. Complete Works o f Thomas Paine. Schleiermacher, Friedrich. The Christian Faith. _________. On Religion.
Spinoza, Bento (Baruch). Ethics. _________. A Theologico-Political Treatise. Walker, William. A History o f the Christian Church (3.a ed., revisado por Robert T. Handy).
C A P I T U L O
V I N T E
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surgim ento do Anti-sobrenaturalism o m od ern o (veja capítulos 3 e 19) abalou a visão ortod oxa histórica das Sagradas Escrituras. Dele surgiu a visão cham ada de “Liberalismo”, que tem suas raízes, no que diz respeito às Escrituras, em nom es tão longínquos co m o Thom as Hobbes e Bento Spinoza (século XVII). Estas raízes foram incorporadas por muitas das visões da alta crítica negativa da Bíblia, a p artir do tem po de Charles Darwin (1860ss., veja capítulo 19). A m anifestação eventual destas visões em púlpito com eço u já no início do século X X , nos Estados Unidos.
A VISÃO LIBERAL CLÁSSICA SOBRE AS ESCRITURAS Existem graus variados no Liberalism o teo ló gico , dos m o d erad o s aos radicais. Q uando co m p arad as co m a posição o rto d o x a , as posições liberais p o d em ser classificadas de duas form as: o Liberalism o Clássico e o N eoclássico. C o m o existe u m a relação direta en tre a visão que tem os de Deus e a que tem o s da Bíblia, as con cepções liberais se desdobram exa ta m e n te a p a rtir do p o n to em que ab raçam u m a visão mais clássica ou n eoclássica a cerca de D eus. D en tre os rep resen tan tes da p rim eira co rre n te , estão H arold D eW olf e H arry E m erson Fosdick, e d en tre os da segunda, S chu b ert O gden e John Cobb. L. Harold DeWolf (1905-) O conhecido teólogo m etodista Harold DeWolf expressou a sua perspectiva em duas obras maiores: The Casefor Theology in Liberal Perspective (Defesa da Teologia na Sua Perspectiva Liberal) e A Theology o f the Living Church (U m a Teologia da Igreja Viva). Ele acreditava que, em função do pensam ento m oderno, era necessário revisar a visão ortod oxa acerca das Escrituras para um a direção mais naturalista. A Base Anti-Sobrenatural da Visão Liberal sobre as Escrituras DeWolf declarou: As questões de os milagres terem realm ente acontecido e, se aconteceram, de como deveriam ser entendidos com relação à ordem natural, são questões que merecem ser posteriorm ente consideradas. [Mas] neste m om ento estamos preocupados
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simplesmente em indicar que, à luz das nossas evidências teístas, se um milagre tivesse que ser chamado apropriadamente de revelação especial, este term o não lhe caberia, pelo fato de ele não ser um ato de Deus diferente do que são os processos com uns da natureza, mas somente porque ele foi mais reveladoramente significativo para os homens (TLC, 66). A Acomodação Cultural É Necessária DeW olf sustentava que “u m certo grau de acom odação à cu ltu ra parece inevitável para que o ensino cristão não se torn e u m a repetição irrelevante de credos antiquados — que são, eles m esm os, produto de u m a certa acom odação ao pensam ento helenístico [grego]” (CTLP, 58). A base p ara esta a co m o d ação cu ltu ra l é a assim ch am ad a visão “cien tífica” do m u n d o, m as, na realidade, tra ta -se de u m a visão n atu ralista e evolu cion ista, a qual se to rn a evidente pela insistência de D eW olf em citar que existem erros científicos na Bíblia: Falando de forma objetiva, o narrador [de Gênesis 30.35-43] simplesmente aceitava a falsa ciência predominante na sua época. De forma similar, alguns dos, ou mesmo todos os, nossos autores bíblicos supunham que a terra era imóvel1, que o movimento real do sol e da lua era de leste para oeste, que havia um espaço acima do firmamento reservado para a habitação de Deus, e que as doenças poderiam ser explicadas por demônios. Estas visões não podem ser inteligentemente aceitas como ensino infalível (TLC, 71). A Crítica Negativa das Sagradas Escrituras Esta concessão a favor de u m a visão “científico-naturalista” leva à adoção de um a crítica negativa das Sagradas Escrituras. DeWolf acreditava que: A correção do texto e a localização histórica dos escritos não passam de diferentes aspectos de uma grande tarefa. A relação íntima e inseparável entre os estudo textuais e históricos da Bíblia parece não ser adequadamente apreciada por alguns dos estudiosos conservadores [...] [Assim,] as críticas histórica e textual estão intrinsecamente ligadas uma à outra e aos estudos arqueológicos, históricos e lingüísticos do mundo secular (ibid., 51-52). Vejamos o que DeWolf declarou acerca da Teologia natural: [Ela] serve para corrigir alguns dos erros produzidos pela Teologia exclusivamente bíblica e tradicional. [Assim,] a palavra de Deus que nos é falada através da Bíblia depende da clareza e da pureza da sua recepção tanto por nossas mentes abertas e atentas quanto da recepção e expressão que receberam dos homens da antigüidade que escreveram as palavras da Bíblia (ibid., 32).
1Na verdade, os autores bíblicos não fizeram qualquer afirmação acerca da imobilidade do globo terrestre; eles somente fizeram o que os cientistas (por exemplo, os meteorologistas) fazem todos os dias — ou seja, falaram de coisas com o o “nascer do sol” ou o “pôr-do-sol”, significando que eles falavam em linguagem quotidiana e baseada no ponto de vista de um observador.
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Ele conclui: A in sistên cia de alg u n s cristão s co n servad o res n o litera lism o bíb lico , qu e é ra cio n a lm e n te ind efensável, e e m u m apelo baseado em “p ro vas” de p rofecias e m ilagres, em op osição às ciências n atu rais e à n o v a co m p reen sã o h istó rica dos tem p o s bíblicos, sem dúvida, deriva da fé cristã de jo v en s in telig en tes qu e n ão se d eixam cegar d ian te de evidências históricas e científicas (ibid., 43).
Por qual critério ju lg am os aquilo que é de D eus nas Escrituras? D eW olf acredita que é o “espírito de C risto ”. Assim, ele adm oesta que “o leitor não treinado fará bem se fizer a sua leitu ra debaixo da direção do espírito e não se to rn a r indevidam ente preocupado co m passagens que parecem contradizer o espírito de C risto ou o co n h ecim en to científico da nossa ép oca” (ibid., 48). O uso de u m a n o rm a m o ral para d eterm inar o que é verdadeiro n a Bíblia corresponde aos princípios de Spinoza e Kant, que o antecederam (v eja capítulo 19). E desnecessário dizer que um a Bíblia despida do sobrenatural continu a sendo um a Bíblia com erros; u m a Bíblia que não é co rreta diante do m u nd o científico não é u m livro inerrante. A Bíblia não E a Palavra de Deus
D eW olf escreveu: “Falando d iretam ente, a Bíblia em si não é a pura Palavra de Deus. Apesar de poderm os, através de u m a figura de associação íntim a, em certas ocasiões, e sem errarm os, cham ar a Bíblia de Palavra de Deus, não devem os utilizar esta term inolog ia no discurso teológico preciso” ( CT LP , 17). A Bíblia E Falível e Contém Erros
O resultado da “acom od ação” cu ltu ra l de D eW olf ao N aturalism o foi que “ao estudante inteligente que está mais p reocupado co m a busca e a proclam ação da verdade do que co m a m an u ten ção de u m dogm a, deve ficar claro que a Bíblia não é, de fo rm a algum a, infalível” (T L C , 68). De acordo co m DeW olf: “O próprio Jesus questionou alguns m and am entos do A ntigo Testam ento (M t 5.21-48)” (C T LP , 48). Ele, ainda, acrescentou: “Mas ao tratarm os da falibilidade das Escrituras, devem os n o ta r que Jesus por diversas vezes não hesitou em desafiar os ensinos do Antigo T estam en to” (T L C , 73). A resp eito dos m u ito s fatos de m e n o r im p o rtâ n cia , existem co n trad içõ es óbvias d en tro da Bíblia. Por e x em p lo , em Ê xod o 37.1-9 lem o s qu e B ezalel co n stru iu a A rca da A liança, ao passo qu e e m D e u te ro n ô m io 10.1-5 M oisés rela ta q u e D eu s o rd en o u qu e ele fizesse a A rca, e M oisés e n tã o diz: “Fiz u m a arca de m ad eira de cetim [...]”. Q u an d o Joabe receb eu a o rd em de efetu ar o cen so , 2 Sa m u el 24.1 n o s diz qu e foi p o r m a n d a m e n to de D eu s, ao passo qu e 1 C rôn icas diz qu e foi p o r o rd em de Satan ás (ibid., 69).
A Origem das Escrituras
Qual será, então, a origem das Sagradas Escrituras, se elas não vieram da parte de Deus por sua divina inspiração? D e acordo co m DeW olf, a designação há m u ito consagrada das Escrituras co m o Palavra de D eus não seria mais apropriada para se referir à Bíblia.
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Vejamos o que ele diz: E evidente que a Bíblia é uma coleção de documentos intensamente humanos. Estes livros foram escritos por homens que tinham a sua educação, interesses, vocabulário e estilos literários característicos. [Portanto,] a maioria dos eventos descritos são atividades de seres humanos que são, obviamente, falíveis. Muitas passagens contradizem umas às outras ou ao conhecimento hoje já bem fundamentado. Muitas das idéias morais e religiosas, especialmente nos documentos mais antigos, são claramente sub-cristãs (ibid., 73).
Em suma, enquanto os conservadores há muito têm defendido que a Bíblia é a Palavra de Deus (veja capítulos 13-18), os liberais insistem que a Bíblia simplesmente contém a Palavra de Deus. Para eles, a inspiração também não é sobrenatural; ela é meramente um aumento divino dos poderes naturais nos seres humanos. 0 Significado de “Inspiração"
De acordo com DeWolf: Esta doutrina é que a redação da Bíblia com o um todo foi realizada por um estímulo extraordinário e um aumento dos poderes dos homens que piamente se renderam à vontade de Deus e buscaram, norm alm ente com um sucesso sem precedentes, transm itir as verdades úteis à salvação dos homens e das nações [...] Isto se tornou possível, principalmente, porque eles tinham uma verdade muitíssimo extraordinária. É sobre estas verdades que devemos colocar a nossa ênfase principal (ibid., 76).
Na verdade: A falibilidade humana da Bíblia não impede a possibilidade de ela ter sido divinamente inspirada, nem de ter uma autoridade moral e religiosa sem paralelos [...] Mesmo tendo sido escrita por homens com traços individuais característicos e falhas humanas típicas, ela, mesmo assim, pode ter sido escrita por homens chamados e impulsionados pelo espírito de Deus (ibid., 75). A Rejeição do Princípio Sola Scriptura
Os protestantes historicamente têm defendido que a Bíblia é a única autoridade escrita e infalível para a nossa fé. Os católicos romanos acrescentam a isso a autoridade doutrinária da igreja; os protestantes liberais como DeWolf misturaram a autoridade bíblica com a da cultura. DeWolf defende que “a autoridade da Bíblia não é de um tipo que seja fortalecido ao ser isolada de todas as outras autoridades”. De fato: Ao longo da história do Cristianismo, os estudiosos cristãos têm organizado visões completas do mundo nas quais as ciências, as inferências filosóficas feitas a partir das evidências da experiência humana comum, e os ensinos da Bíblia têm sido todos interligados em unidade ( CTLP, 57).
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Harry Emerson Fosdick (1878-1969) O popular pregador am ericano H arry E m erson Fosdick prom ov eu u m a fo rm a mais radical de liberalism o a partir do seu pú lpito influente em N ova York e nos seus vários trabalhos escritos. A exem p lo de seus antecessores e colegas liberais, as crenças básicas de Fosdick incluíam o A nti-sobran aturalism o, que foi u m a das duas fortes influências negativas do seu liberalism o, ambas as quais eram por ele reconhecidas. A ou tra era o seu Evolucionism o. A Base Anti-Sobrenatural Fosdick declarou a sua incredulidade nos milagres: Multidões de pessoas, longe de serem tradicionalistas bem estabelecidas, estão todas à deriva no seu pensamento religioso [...] Se estas pessoas fossem forçadas a aceitar a Bíblia na sua form a mais antiga, elas se rebelariam contra ela. Se procurarmos o motivo da sua dificuldade, descobriremos que dirá respeito a categorias bíblicas nas quais elas não acreditam mais — milagres, demônios, a criação a partir da palavra pronunciada por Deus, as esperanças apocalípticas, o inferno eterno, ou a consciência ética ( GUB, 5). A Evolução Naturalista C om o os outros liberais, Fosdick adm itia a influência do Evolucion ism o sobre a sua visão das Escrituras: No cenário moderno e diante dos problemas contemporâneos, a idéia neotestamentária do homem enfrenta sérias dificuldades para se manter de pé. [Assim,] a grande ampliação do cosmos físico, a origem evolucionária do homem, as teorias materialistas que ousam explicá-lo, a brutalidade da vida social, envolvendo concepções inferiores acerca do próprio homem, o grande número de pessoas que se voltam para as velhas formas de cinismo [...] tendem, em muitas mentes, a destruir o legado hebraico-cristão (ibid., 97). C o m u m zelo fervoroso, ele confessou: Por um lado, estamos pagando o preço ao ver a quantidade de igrejas que esperam ser inundadas pelo obscurantismo teológico, pelos pré-milenaristas fanáticos, pela propaganda anti-evolucionária, ou por qualquer outra form a de movimento reacionário no pensamento religioso contra o qual ainda não foram erguidas barreiras de proteção através do ensino consistente e intensivo do nosso novo entendimento a respeito do real significado da religião [...] Por outro lado, nós mesmos estamos preparando o terreno para isso ao perm itir que os nossos jovens mais inteligentes se afastem (ibid., 61). Não é de surpreender que, com este cabedal naturalista, o en ten d im en to que Fosdick tinha das Sagradas Escrituras fosse seriam ente distorcido. C o m o ele acreditava que a Bíblia não expressava as palavras de u m D eus infalível, torna-se tam bém com preensível a sua crença em u m a Bíblia com falhas.
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A Bíblia É Falível e Contém Erros Fosdick alegou: Qualquer idéia de inspiração que implique uma igualdade de valores no ensinamento das Escrituras, ou a inerrância das suas declarações, ou a infalibilidade conclusiva das suas idéias, é irreconciliável com os próprios fatos apresentados neste livro. A inspiração de Deus, felizmente, não foi estereotipada nem mecânica dessa forma (ibid., xiv). Ele acrescentou: “A mais horrenda das crueldades não som ente foi permitida, com o tam bém com andada por Yahweh con tra os rivais de Israel, e na presença de conflitos c o m u n s , os altos ideais de hum anidade som ente tiveram u m a oportunidade de se desenvolver dentro de u m círculo de fraternidade consangüínea” (ibid., 100). O fato de um livro bíblico ser cronologicamente mais tardio que outro não representa, por si só, o menor indício de que seja superior em qualidade — Naum está em um nível espiritual bem inferior a Amós, e o livro do Apocalipse, no Novo Testamento, é moralmente inferior aos escritos do Grande Isaías, no Antigo Testamento [...] [Além do mais,] este livro não apresenta uma seqüência gradual e crescente. Mas, em vez disso, encontramos longas digressões, recrudescências de primitivismo, um decréscimo dos ganhos éticos, e falhas de compreensão espiritual. Nele também encontramos negações peremptórias de verdades nascentes e pontos de vista superiores que permanecem negligenciados há séculos (ibid., xiii). A Bíblia Contém Contradições Além disso, Fosdick sustentava que a Bíblia estava cheia de erros. Vejamos co m o ele resum iu o seu ponto de vista: Por um lado, ela [a crítica bíblica] nos salva da velha e mal-fadada insistência em harmonizar a Bíblia com ela mesma, em fazer com que ela fale com voz unânime, em resolver os seus conflitos e contradições a fim de formar uma unidade artificial e manchada. [Assim,] como poderíamos supor que esta harmonia interna pudesse ser alcançada entre escritos tão vitais e reais, que brotaram do calor das gerações que os trouxeram à luz, e em uma composição que se estendeu por pelo menos mil e duzentos anos? (ibid., 24-25). Ele prosseguiu: Nenhuma abordagem direta desses e de outros fatos similares poderá resolver a sua incompatibilidade, nem ao ponto de parecer que estamos falando de algo consistente. Além do mais, a ênfase destas desarmonias se constitui em um conflito ainda maior, como já vimos, entre duas idéias do corpo ressurrecto de Jesus, uma de um corpo inteiramente carnal, e a outra tão espiritualizada ao ponto de fugir das redes de um organismo material (ibid., 294). A Bíblia Apresenta Erros Científicos Seguindo de form a lógica a sua aceitação acrítica do evolucionism o naturalista, Fosdick concluiu que havia erros científicos na Bíblia:
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Tudo foi feito em seis dias, cada um deles com uma manhã e uma noite, um período anterior curto e mensurável. Esta é a cosmovisão da Bíblia [...] [Além disso,] ela permaneceu a cosmovisão da igreja cristã durante um longo tempo. Agostinho, com uma rigidez inegociável, afirmou a autoridade das Escrituras em questões como esta: “A Escritura, que prova a verdade das suas afirmações históricas através do cumprimento das suas profecias, não nos passa informações falsas”. [Portanto,] os primeiros pais eram fortemente direcionados em função da sua fixação a uma cosmovisão que poderia ter evoluído muito mais cedo do que ocorreu, caso o literalismo deles não lhes tivesse atravancado o caminho. Nesta insistência em uma cosmologia antiquada, entretanto, vejo que eles eram somente filhos da sua época (ibid., 47). Fosdick tam bém ridicularizou M artin h o Lutero por causa da sua visão pré-científica das Sagradas Escrituras ao dizer: “Lutero chegou a ch am ar C opérn ico de to lo p o r sugerir que a terra é que se m ovia, e coroou o seu argu m ento citando que a Bíblia diz que Josué fez o sol parar e não a te rra ” (ibid., 50). A Crítica Negativa das Sagradas Escrituras Fosdick, tal com o os liberais que o antecederam , negava que Moisés escreveu o Pentateuco, aceitando a hipótese docum ental de Julius W ellhausen, a qual propun ha haver pelo m enos quatro diferentes autores para aqueles livros: J, E, P e D (veja capítulo 19). Ele escreveu: Esta passagem [Ex 6.2,3] aparece nos últimos documentos sacerdotais e, além do mais, por causa disso as probabilidades favorecem a sua verdade. Sem uma base sólida nos fatos históricos, um início assim tardio da adoração a Yahweh não teria sido inventado pelas gerações futuras (ibid., 1). A Natureza da Inspiração B élica È com preensível que, em função do seu A n ti-sobran aturalism o e do seu Evolucionism o, a visão que Fosdick tin h a da inspiração estivesse severam ente afetada: “As nossas idéias a respeito do m étod o de inspiração m u daram ; o ditado verbal, os m anu scritos inerrantes, a uniform idade da d ou trina en tre os anos 1000 a.C. e 70 d.C. — todas estas idéias se to rn aram não-críveis em face dos fatos” (ibid., 30-31). Fosdick acreditava que os prim eiros resultados da investigação crítica na Bíblia pareciam incôm odos, rasgando a idéia de u m livro u m a vez unificado e fazendo dele vários d ocu m en tos diferentes, disformes e n o rm a lm en te contraditórios. M esm o assim: “O resultado final m o strou -se construtivo, reunind o a Bíblia n ov am ente com o u m todo, n a verdade, não na velha base de inspiração regular e infalível, mas em u m a base factu alm en te d em onstrável de u m desenvolvim ento co eren te” (ibid., ix). A Imoralidade no Antigo Testamento Fosdick com en tou : O Antigo Testamento exibe muitas atitudes permitidas pelos homens e atribuídas a Deus que representam os estágios primitivos de um grande desenvolvimento, e é, de igual
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forma, intelectualmente danoso e moralmente debilitante tentar harmonizar estes ideais primitivos com as revelações dos grandes profetas e dos Evangelhos. Em lugar disso, o método de Jesus é obviamente aplicável: “Ouvistes o que foi dito na antigüidade [...] eu, porém, vos digo” (ibid., 27). A Teologia da Bíblia E Revisada Para Fosdick: E impossível que um livro escrito de dois a três mil anos atrás possa ser usado no vigésimo século d.C. sem receber algum tipo de adaptação quanto às formas de pensamento e discurso para categorias mais modernas [...] [Portanto, quando] um homem diz: “Acredito na imortalidade da alma, mas não na ressurreição da carne; acredito na vitória de Deus sobre a terra, mas não no retorno físico de Jesus; acredito na realidade do pecado e do mal, mas não na visitação de demônios; [e] acredito na proximidade e na amizade do divino Espírito, mas não penso nesta experiência em termos de anjos pessoais; somente o dogmatismo superficial é capaz de negar que ele, de fato, crê na Bíblia (ibid., 29). De acordo com Fosdick: O Livro não é uma boa floresta para extrair madeira para ser usada na construção de um dogmatismo teísta. As suas idéias acerca de Deus não só estão em constante processo de transformação, como também todas as suas partes estão permeadas de um aprofundamento contínuo na natureza divina, incompreendida e incompreensível (ibid., 53). C om o desistiu de ver na Bíblia u m guia infalível para a verdade, conform e a visão ortodoxa, Fosdick apresentou vários outros testes p ara a verdade. D entre estes, estavam o Espírito de Cristo, a razão hum ana, e a experiência hum ana. O Espírito de Cristo Fosdick declarou que o Espírito de Cristo era o seu teste para o que era verdadeiro na Bíblia. Ele escreveu: “Enquanto u m h om em conhecer a estrada toda e julgar todos os seus passos pelo espírito de Cristo, que é o seu clímax, ele poderá fazer uso de tu d o” (ibid., 30). Não pareceu ocorrer a Fosdick que não seria possível ter certeza a respeito do Espírito de Cristo caso ele se desfizesse da autenticidade das Sagradas Escrituras. Na verdade, ele parecia alheio à circularidade do seu raciocínio, já que sem Escrituras confiáveis não seria possível saber o que é o Espírito de Cristo. Retirar este Espírito da Bíblia, e depois usá-lo para rejeitar a Bíblia, é inconsistente. Além do mais, a sua alegação especial, pela qual ele to m a somente parte do Espírito de Cristo e rejeita outras partes (co m o as declarações de Jesus acerca do inferno), revela que os seus critérios eram realm ente extrabíblicos, jamais bíblicos. A Razão Humana Fosdick acreditava que: O homem que ministra [...] precisa ter uma forma inteligente de manusear a Bíblia. Ele precisa conhecer toda a crítica investigativa à qual as últimas gerações submeteram as
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Escrituras e ser capaz de compreender e aderir às negações a que elas levaram. Sem fechar os olhos para nenhum dos fatos, ele precisa tirar de tudo isso uma atitude produtiva, razoável e positiva para com a Bíblia. Somente dessa forma ele poderá ser útil para resolver as dúvidas das multidão dos nossos dias (ibid., 5-6). A Experiência Humana Fosdick confessou: A ênfase liberal está calcada na experiência; nós consideramos aquela, mais do que fórmulas mentais, como a continuidade permanente do Evangelho; proclamamos a nossa liberdade dos grilhões das fórmulas mentais do passado [e] freqüentemente o resultado total é que a nossa experiência religiosa sem fórmulas, que evita a disciplina do pensamento antiquado e se esquiva da disciplina do novo pensamento, aterrisa no caos. Normalmente, é muito mais fácil descobrir o que os liberais não pensam do que descobrir o que eles pensam (ibid., 183). Um Adendo de Fosdick Fosdick fez algumas sérias revisões na sua visão das Escrituras. Aqui está o que ele escreveu u m a geração mais tarde: Hoje, entretanto, olhando em retrospecto os meus quarenta anos de ministério, percebo uma diferença marcante entre aquela época e o agora, no que diz respeito àquilo que é o padrão e quem deve fazer os ajustes. O que um homem no seu juízo perfeito poderia hoje chamar de padrão para a nossa civilização moderna? [...] Não é a mensagem de Cristo que precisa ser acomodada a este cenário insano; é este cenário insano no qual a nossa civilização caiu que precisa ser julgado e salvo pela mensagem de Cristo. E, Esta é a mudança mais significativa que separa o início do meu ministério do meu momento atual. Naquela época, estávamos tentando ajustar Cristo à nossa civilização científica; hoje, enfrentamos a necessidade desesperada de ajustar a nossa civilização científica a Cristo ( GTBA , 201-02).
A VISÃO LIBERAL NEOCLÁSSICA SOBRE AS ESCRITURAS C om o as outras form as de Liberalismo, existe u m am plo espectro nas form as neoclássicas. O que a maioria delas tem em co m u m , en tretanto, é a visão neoclássica de Deus, ou seja, a Teologia do Processo (Panenteísmo, veja capítulo 2). Ao buscar com preender esta visão, exam inarem os as crenças de Schubert Ogden.
Schubert Ogden (1928-) Trabalhando a partir do legado de Alfred N orth W hitehead (1861-1947), Schubert Ogden representa a form a co m o os novos pensadores liberais consideram as Sagradas Escrituras. C om o u m teólogo do processo, Ogden não acredita que Deus seja infinito, onipotente, ou onisciente. Ele tam bém não acredita que a Bíblia co n ten h a previsões infalíveis acerca do futuro. O utro teólogo do processo, Lewis Ford, observa:
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A divina providência não pode ser compreendida como um desdobramento de um curso predeterminado de eventos. A profecia não é predição, mas a proclamação do propósito divino, que, para a sua concretização, dependerá da presença contínua destas condições que geraram este propósito e do surgimento de meios pelos quais este propósito possa ser cumprido. [Assim,] Deus se toma o grande improvisador e oportunista que procura o tempo inteiro extrair o seu propósito de todas as situações: se não pela mão de Senaqueribe, então pela mão de Nabucodonosor ( “BRPP”, in: I, 206, grifo adicionado). A “Revelação”, então, não é sobrenatural, mas som ente u m a “isca” divina, u m a tentativa de persuadir a hum anidade. Na verdade, co m o escreveu Ogden: “O que a revelação cristã apresenta ao h o m em não é nada novo, já que estas verdades que são por ela explicitadas já lhe devem ser conhecidas, de form a implícita, em todos os m om entos da sua existência” ( “O R ”, in: OCHC). Deus não som ente deixa de in form ar ao h o m em co m antecedência o que irá ocorrer, m as Ele m esm o precisa ser inform ado a respeito. C om o John Rice admite de form a franca: “Deus, por assim dizer, precisa esperar com apreensão até que a decisão seja tomada, não som ente para descobrir qual foi a decisão, mas talvez para ter a situação esclarecida em virtude da decisão daquela ocasião real” (OGBTB, 49, grifo adicionado). Assim, para os neoliberais da tradição do processo, co m o Schubert Ogden, a Bíblia não tem nem autoridade divina n em predições infalíveis. Ela é u m d ocum ento hum ano que tem som ente autoridade instrum ental para levar a salvação aos hom ens. A Natureza das Escrituras Ogden rejeita a visão de que “o que a Bíblia diz, Deus diz”. Ele escreve: Na ortodoxia protestante, portanto, a doutrina desenvolvida da inspiração verbal dos escritos canônicos implicou a afirmação da sua autoridade uniforme e, dessa forma, tom ou possível a alegação desqualificada de que “o que a Bíblia diz, Deus diz”. Mas com o surgimento da teologia liberal protestante, e do seu compromisso com o método histórico-crítico, bem como da sua insistência de que a Bíblia não é, nem pode ser, a nossa autorização suficiente para o significado e para a verdade de afirmativas teológicas, esta reivindicação foi deixada de lado, para jamais voltar a ser feita por aqueles que seguiram os importantes desenvolvimentos subseqüentes da teologia protestante (“AST”). A Crítica Negativa E m função da sua aceitação da alta crítica negativa, não é surpresa ouvir de Ogden a alegação de que “n en h u m dos escritos do Novo Testam ento, no seu form ato atual, é de autoria de u m apóstolo ou de u m de seus discípulos” (ibid., 251). Ogden acredita que a n orm a para a Igreja não é o Novo Testam ento, m as sim o testem u nh o apostólico: “Este testem unho, obviamente, é encontrado no Novo T estam ento, mas não é idêntico ao Novo Testam ento. N u m sentido específico, som ente o testem unho apostólico de Jesus com o sendo a Revelação Divina pode ser descrito co m o can ônico”. Ao rejeitar a autoridade divina das Escrituras, Ogden alega: Nos nossos dias, precisamos, na verdade, reconhecer uma autoridade teológica mais elevada do que o cânon das Escrituras, e, portanto, não podemos mais sustentar que as
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E scritu ras seja m , e m u m ce rto sen tid o, a ú n ica au to rid ad e p rim ária n a T eo lo g ia cristã. [Assim,] a autoridad e teo ló g ica das E scritu ras, p o r m a io r que possa ser, sem p re será u m a autoridad e lim itad a, n o sen tid o de que ela pod eria ser co n ceb iv elm en te m a io r do que ela é — a saber, tão grande qu anto a dos te ste m u n h o s ap o stólicos p elos quais ela m esm o é, e deve ser, au to rizad a (ibid., 251-52).
Para Ogden, aBíblia tem som ente um a autoridade funcional, mas não u m a autoridade essencial (ibid., 246); ela é um a autoridade à medida que traz C risto a nós. A Bíblia é "perfeita” som ente “com respeito ao objetivo da salvação dos h om ens, e no testem u n h o de tudo o que é necessário para o cu m p rim en to deste ob jetiv o” (ibid., 245). A teologia liberal de Ogden é dependente da alta crítica negativa. Dessa form a, ele acredita que ‘“o Cristo histórico e apostólico’, tal com o ‘o Cristo histórico e bíblico’, é, em todos os seus detalhes, tão histórico quanto o chamado ‘Jesus histórico’, e para tanto não há com o a Teologia fugir da dependência do trabalho dos historiadores”. Na verdade, Ogden insiste que “a pesquisa histórico-crítica é teologicam ente necessária e legítima” (ibid., 256). Na sua alegação de que o locus do cânon “não pode estar nos escritos do Novo Testam ento co m o se apresentam , mas som ente pode estar presente nas tradições mais primitivas do testem u n h o cristão, as quais nos são h o je acessíveis por m eio da análise h istórico-crítica destes escritos”, Ogden rejeita o N ovo Testam ento co m o o cânon. Em lugar disso, ele acredita que “o cânon da Igreja, e, conseqüen tem ente, tam bém a sua m aior autoridade para a Teologia, deve agora ser colocad o no que os críticos da fo rm a geralm ente d en om inam de prim eira cam ada da tradição sinótica, ou no que o M arxism o especificam ente den om ina de ‘o Jesus-kerygm a’” (ibid., 258). AVALIAÇÃO DAS VISÕ ES LIB ER A IS S O B R E AS E S C R IT U R A S Em fu nção desta avaliação, o nosso lo co geralm ente será direcionado para os elem entos com u ns dos vários pontos de vista liberais, e, em u m a tentativa de evitar a duplicidade, som ente farem os referências breves aos pontos que serão tratados com m aior m inúcia em outras partes dessa obra. A lg u n s A sp e cto s P o sitivo s das V isões L iberais Os teólogos liberais têm m u itos aspectos positivos a oferecer na busca p o r um a visão com p leta e adequada das Sagradas Escrituras. Na verdade, sem a sua crítica extensiva é i e duvidar que os estudiosos evangélicos tivessem, de fato, desenvolvido u m a visão bem cu stad a da inspiração bíblica. A Enfase sobre o Elemento Humano das Escrituras
Alguns evangélicos e m u itos fundam entalistas, p articu larm en te aqueles pertencentes is correntes mais conservadoras do espectro teológico, tend em a m enosprezar e, às vezes, até a dim inuir o lado h u m an o das Sagradas Escrituras (veja capítulo 15). E ntretanto, i Bíblia é u m livro 100 por cento h u m an o, ao m esm o tem po em que é u m a obra
: om pletam ente divina. Os liberais, então, nos fazem o serviço de enfatizar esta dim ensão h u m ana da Bíblia, pois, tal com o oco rre com Cristo, a Palavra Viva de Deus, a Bíblia é teantrópica; ou seja, am bos são com p letam en te hu m anos e co m p letam en te divinos, e diminuir a natu reza hu m ana de qualquer u m dos dois é u m sério erro.
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0 Foco sobre as Questões da Alta Crítica Ao contrário da concepção sustentada por alguns conservadores extrem istas, a alta crítica bíblica não é u m a busca disparatada e essencialmente anticristã. Na verdade, quase todos os estudiosos conservadores tam bém aderem à alta crítica; qualquer pessoa que pergunte quem escreveu Gênesis, ou Jó, ou Ester, ou co m o estes livros foram escritos, sob quais circunstâncias e co m que propósito, está se engajando em u m a form a de alta crítica. De m aneira sem elhante, a assim cham ada “baixa” crítica, ou crítica textual, que busca dem onstrar, p or interm édio dos estudos dos m anuscritos, o conteúdo do texto original, tam bém não é u m inimigo inerente dos evangélicos, e os estudiosos liberais há m uito tem po assum em u m papel de liderança nestas duas form as de crítica. Uma Compreensão da Necessidade da Filosofia A ênfase liberal na com preensão e no uso da Filosofia a fim de alcançar u m entendim ento adequado da inspiração tam bém é u m elem ento útil. M uitos evangélicos erram ao não ver que as questões básicas por detrás dos estudos bíblicos são de natureza filosófica, e sem u m entendim ento adequado da Filosofia, estas questões não poderão ser resolvidas. Na verdade, os liberais com preendem de form a correta, ao passo que m uitos evangélicos geralm ente não o fazem , que a form a co m o fazemos Filosofia determ inará a form a co m o fazem os a Bibliologia. Esta tam bém é u m a ênfase benéfica que nos foi proporcionada por u m a abordagem liberal às Sagradas Escrituras. A Enfase sobre a Necessidade do Academicismo B élico E m uito com u m , principalmente nas duas últimas gerações, que os liberais tom em a vanguarda do academicismo bíblico. Em função da elevada concepção que o Evangelicalismo tem das Sagradas Escrituras, parece até irônico que tenham os falhado em tom ar a dianteira, justam ente nesta área! Os liberais devem ser felicitados por dem onstrar na prática o que os evangélicos som ente têm confessado na teoria, ou seja, u m a visão tão elevada acerca das Sagradas Escrituras a ponto de a pessoa chegar a dedicar a sua vida inteira ao objetivo de m elhor com preender as línguas e o texto da Bíblia.
Alguns Aspectos Negativos das Visões Liberais Obviamente, toda essa dedicação p or parte dos liberais não é suficiente para afirmar que eles atingiram a co rreta com preensão da origem e da n atu reza das Sagradas Escrituras. Ironicam ente, o que se conseguiu foi dem onstrar que tan to os liberais quanto os evangélicos têm sido inconsistentes co m as suas próprias concepções acerca das Sagradas Escrituras. Por exem plo, por que os liberais, que não crêem na inspiração verbal da Palavra de Deus, deveriam perseguir co m tan ta dedicação e tan to academ icism o o con hecim en to das línguas dos textos originais, se não crêem que elas expressam, de fato, a Palavra de Deus? E, p o r outro lado, por que os evangélicos, que crêem nestas coisas, n orm alm en te vêm sem pre se arrastando atrás deles nestas disciplinas? A s Concepções Liberais São Contrárias às Afirmações Bíblicas Por mais que se possa e n co n tra r p ontos positivos nos p ontos de vista liberais, qualquer leitu ra ju sta e objetiva do te x to rev elará que o liberalism o n ão expressa a
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visão que a Bíblia te m de si m esm a. C o m o já foi d em o n stra d o a n te rio rm e n te (v eja cap ítu lo s 13-16), a B íblia afirm a que as palavras exatas da E scritu ra (cf. 2 S m 23.2; 2 T m 3.16) co m p õ e m a Palavra de D eus n ã o -a n u lá v e l (Jo 10.35), in d e stru tív e l (M t 5.17,18), p o rta d o ra de au torid ad e fin al (M t 15.1-6) e a b so lu ta m e n te verd ad eira (Jo 17.17; cf. Hb 6.18). S ão Contrárias às A firm ações de Cristo
C o m o os estudiosos cristãos liberais alegam ser seguidores de C risto, é incon sisten te, da sua parte, re je ita r o que o próprio C risto ensin ou a respeito da Bíblia. C o m o existem firm es evidências, mais abundantes do que as que existem para ou tros livros da antiguidade, de que os d o cu m en to s do N ovo T estam en to são h isto rica m en te confiáveis (v eja capítulos 4 e 26), u m exam e m in u cioso dos Evangelhos revela que Jesus ensinou que a Bíblia é a Palavra de D eus d ivinam ente inspirada e p o rtad ora de autorid ade (v eja capítulos 13 e 27). E ntão, co m o os liberais p od em se consid erar seguidores dos ensinos de Jesus, se negam u m dos ensinos essenciais de Jesus, a saber, que a Bíblia é a Palavra de Deus? São Contrárias às A firm ações H istóricas da Igreja
Além do mais, a visão liberal, em qualquer um a das suas variações, é contrária à confissão histórica da igreja cristã. C om o ficou dem onstrado anteriorm ente (veja capítulos 17-18), praticam ente todos os Pais e os m aiores m estres da igreja cristã, desde o tem po dos apóstolos até a presente era, têm afirmado que a Bíblia é a divinam ente inspirada, portadora de autoridade suprem a, Palavra escrita de Deus. C om o já vimos, Agostinho fez u m resum o m uito bom dos primeiros quatrocentos anos da igreja ao afirmar: A prendi a ren d er resp eito e h o n ra so m en te aos livros can ô n ico s das Sagradas E scrituras: so m e n te destes acred ito firm em en te qu e os au to res estavam co m p le ta m e n te livres de e rro (ibid., 40) [...] Se ficam os p erp lexos co m qu alqu er co n trad ição ap aren te nas E scritu ras, n ão nos é p erm itid o dizer: O a u to r deste livro está en gan ad o ; m as, antes, ou se tra ta de u m a fa lh a n o m a n u scrito , ou a trad u ção é ru im , ou v o cê n ão co m p reen d e b e m o qu e está len d o (A F, 11.5).
P osterio rm en te, Tom ás de A quino, já na ép oca em que a ig reja estava co m aproxim ad am ente 1.200 anos de história, resu m iu a posição n o rm a tiv a nas seguintes palavras: “O au to r das Santas E scrituras é D eu s” (S T , la. 1,10), pois “as Santas Escrituras apresen tam as coisas co m o elas são d ivinam en te reveladas” (ibid., la. 1,3). Assim, é “nas Santas E scrituras, por in term éd io das quais a vontade divina nos é d eclarad a” ibid., 3a. 1, 3). Tom ás de A quino fala da “E scritu ra d ivinam en te inspirad a” (ibid., la. 1, 1), e depois de insistir que os escritos bíblicos “afirm am a verdade que trazem com tam an h a firm eza que não deixam m arg em para dúvida”, e que todas as pessoas que os rejeita m devem ser consideradas “a n á te m a ”, ainda acrescen ta: “A razão para isso é que somente as Escrituras canônicas são normativos p a r a a f é ” ( C f , 21.6, grifo ad icionado).
M artin h o Lutero tam bém resum iu a visão da época da R eform a nestas palavras enfáticas: “As Escrituras, apesar de tam bém serem escritas por hom ens, não são n em de hom ens n em produzidas a partir deles, m as a partir de D eu s” ( LW , 35:153). C o m o já vimos, ao se referir aos seus oponentes, Lutero afirm ou:
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Eles não crêem que elas são palavras de Deus. Pois se cressem nisso, não as chamariam de palavras pobres e miseráveis, antes respeitariam estas palavras e estes títulos como maiores do que o mundo inteiro; temeriam e tremeriam diante deles, como se estivessem diante do próprio Deus. Pois todo aquele que despreza uma única palavra vinda de Deus, na verdade, não considera nenhuma delas importantes (Reu, LS, 32, itálicos originais). Lutero, ainda, acrescentou: “Aprendi a render respeito e h on ra som ente aos livros canônicos das Sagradas Escrituras, de m od o que som ente destes acredito firm em ente que os autores estavam com pletam ente livres de e rro ” (ibid., 17). Recordem os tam bém a seguinte citação: Meu amigo, a Palavra de Deus é a Palavra de Deus; quanto a isso, não temos muito a negociar! Quando alguém, de modo blasfemo, atribui mentira a Deus em uma só palavra, ou diz que é uma questão mínima se Deus é blasfemado ou chamado de mentiroso, ele blasfema de Deus por completo e traz à luz toda a sua blasfêmia [...] Portanto, é absolutamente verdadeiro e sem exceção que ou se crê em tudo ou não se crê em nada. O Espírito Santo não age de forma dividida, de modo que nos ensinaria uma doutrina da forma certa e outra da forma errada (Vffl, 37:26, 33, itálicos originais). A bem da verdade, até a época de Darwin (por volta do ano 1860), não havia praticamente nenhum desvio significativo acerca da autoridade divina absoluta das Sagradas Escrituras (veja H. D. McDonald, TRHS). Foi somente depois do surgimento do liberalismo moderno que a igreja, depois de mil e novecentos anos de história ortodoxa, se sentiu desafiada na visão da inspiração divina das Escrituras, com a sua rejeição dos milagres a partir do seu próprio seio. Por mais que se possa tecer elogios a seu respeito, um a coisa é líquida e certa: A visão liberal das Sagradas Escrituras é contrária a quase dois milênios de confissão da igreja cristã. São Baseadas em uma Visão Distorcida sobre Deus Na base da rejeição da inspiração divina dos Sagrados Escritos, está u m a visão falha acerca de Deus. Não houve n en h u m desvio na visão da natureza das Escrituras enquanto a igreja não foi influenciada pelo Panteísmo, pelo Deísmo, pelo Deísmo Finito, e até m esm o pelo Agnosticismo e pelo A teísm o2. A lógica exige que a visão que tem os da Palavra de Deus não possa ser m aior do que a visão que tem os do Deus desta Palavra. Assim, não deveríamos nos surpreender se as visões naturalistas acerca de Deus, tais co m o o Panteísmo de Spinoza, ou o Deísmo de Kant, ou o Deísmo Finito de Mill, causassem um a desestruturação na visão o rto d o xa das Sagradas Escrituras, pois, se não existir u m Deus que seja capaz de realizar milagres, a reivindicação que a Bíblia faz de autenticidade sofre u m sério abalo, já que ela está repleta de milagres. A bem da verdade, é exatam ente assim que a negação da visão histórica o rto d o xa das Escrituras ocorreu. Conseqüentem ente, foi a rejeição do Teísmo clássico que levou à abdicação da visão clássica das Sagradas Escrituras, mas, co m o já dem onstram os anteriorm ente (veja capítulo 2), existem razões sólidas que apóiam o Teísmo clássico, as quais, por sua vez, dem andam de nós u m a visão tradicional das Sagradas Escrituras. 2 Nos prim eiro tempos, houve u m a influência panteísta (neoplatônica) sobre a interpretação das Escrituras via Orígenes, mas isto não acarretou nen h u m desafio mais sério por parte de qualquer outro dos Pais ortodoxos sobre a origem e natureza das Sagradas Escrituras.
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Baseadas em um Anti-Sobrenaturalismo Injustificado Além disso, o Liberalismo tem os seus alicerces firmados sobre o A nti-sobrenaturalism o, tanto logicam ente quanto historicam ente. Se u m Deus teísta existe, os milagres são possíveis (veja capítulo 3), pois se há u m Deus capaz de executar atos especiais (isto é, sobrenaturais), tais com o a criação do universo a partir do nada, os atos especiais (sobrenaturais) de Deus podem existir, e se podem existir atos sobrenaturais, os relatos do Evangelho não podem ser sum ariam ente descartados com o não-autênticos. Mas isto é exatam ente o que tem ocorrido, pois logo após o surgim ento do A nti-sobrenaturalism o de David H um e, apareceu a prim eira versão de Life offesus (Vida de Jesus) (escrita por David Strauss, 1835-1836), despida do sobrenaturalism o, e a partir desta obra surgiu a desm itologização do Novo Testam ento, feita por Rudolph B u ltm an n (veja K M ), e então o “Sem inário de Jesus”3. A história do liberalismo revela u m a rejeição contínua da autenticidade dos relatos do Evangelho com base em u m a visão anti-sobrenatural tendenciosa. Entretanto, com o já ficou dem onstrado que não existem bases filosóficas válidas para descartar os milagres (veja capítulo 3), concluím os, portanto, que tam bém não há u m a base válida para a visão liberal anti-sobrenaturalista que nega a autenticidade do Novo Testam ento. Na verdade, ocorre o contrário, a historicidade do Novo Testam ento tem sido solidam ente dem onstrada tanto por evidências externas quanto por internas (veja capítulo 26). Dessa form a, a visão liberal das Escrituras rui ju n to com o A nti-sobrenatutalism o. São Inconsistentes com as suas Próprias Suposições Por fim, a visão clássica liberal das Sagradas Escrituras é circular, pois utiliza a Bíblia com o um a base autêntica para a determ inação do que é o Espírito de Jesus e então utiliza o Espírito de Jesus para atacar a autenticidade de grandes porções do texto da própria Bíblia. N em a tentativa de co n to rn a r este problem a acaba sendo bem -sucedida, porque para fazer isto se argu m enta que as partes dos Evangelhos que co n têm m ilagres devem ser rejeitadas e as narrativas não-m iraculosas devem ser aceitas. As afirm ações mais fortes de Jesus acerca das Escrituras são encontradas nas suas narrativas não-m iraculosas (cf. M t 5.17,18; Jo 10.35), e aceitar ou rejeitar partes dos Evangelhos co m base em outras premissas torna-se algo arbitrário. Na verdade, o en tend im ento que cada u m tem daquilo que pode ou não pode ser au tên tico nos relatos bíblicos se tran sform a n a base para a aceitação ou rejeição do que é e do que não é autêntico. R ESU M O E C O N C L U S Ã O C o m o os teólogos liberais diferem nos seus pontos de vista acerca de Deus, oscilando desde o Teísm o m odificado, passando pelo D eísm o, pelo D eísm o Finito, chegando até a Teologia do Processo, as suas concepções das Sagradas Escrituras abrangem tam bém u m grande espectro. Todavia, todos apresentam m uitas coisas em com u m . Prim eiro e acim a de tudo, está a rejeição da visão cristã ortod oxa das Sagradas Escrituras, o que im plica u m A nti-sobrenatu ralism o consistente, ju n to com u m a aceitação con co m itan te da alta crítica negativa da Bíblia. O Liberalism o clássico acabou aceitando a inspiração parcial das Sagradas Escrituras, para que a Bíblia, pelo m enos, pudesse conter a Palavra de Deus aqui e acolá, em m eio aos seus m u ito erros; logo, as suas teorias para a inspiração tam bém oscilavam desde u m a 3Veja Gregory Boyd, Jesus Under Siege.
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inspiração parcial, passando p o r u m ilum inacionism o divino, e chegando até a m era intuição hum ana. Os liberais neoclássicos, obviamente, co m a sua visão processual de Deus, têm u m a visão totalm en te naturalista dele. Assim, a “inspiração”, supostam ente, não seria mais do que u m a ressonância n atu ral entre os autores hum anos falíveis da Bíblia e u m processo finito em que Deus está tentando atrair os autores para o seu processo de autoperfeição. M esm o havendo algumas características positivas n a abordagem liberal às Sagradas Escrituras, tais co m o o recon h ecim en to do lado hum ano da Bíblia e a necessidade de academ icism o teológico, persistem sérias falhas na negação deliberada que os liberais fazem da fonte sobrenatural, da autoridade absoluta e da confiabilidade histórica com p leta do N ovo Testam ento. FO N T E S Agostinho. Against Faustus. ________ . Commentary on John. Boyd, Gregory. Jesus Under Siege. Bultm an n , Rudolf. Kerygma and Myth: A Theological Debate. DeWolf, Harold. The Case for Theology in Liberal Perspective. ________ . A Theology o f the Living Church. Flew, Antony. “Theology and Falsification”, in: New Essays in Philosophical Theology. Ford, Lewis. “Theology and Falsification”, in: Interpretation. ________ . “Biblical Recital and Process Philosophy”, in: Interpretation. Fosdick, H arry Em erson. Great Time to Be Alive. ________ . A Guide to Understanding the Bible. Geisler, N orm an, and William Nix. A General Introduction to the Bible. Korysmeyer, Jerry. “A Resonance M odel for Revelation”. Lutero, M artinho. Luthers Works. M cDonald, H. D. Theories o f Revelation: A Historical Study —1780-1960. Ogden, Schubert. “The A utority of Scripture for T heology”. ________ . “On Revelation”, in: Our Common History as Christians: Essay in Honor o f Albert C. Outler. Reu, M. Luther on Scripture. Rice, John R. Our God-Breathed Book —The Bible. Tomás de Aquino. Commentary onfohn. ________ . Summa Theologica.
# CAPITULO
VINTE
E UM
A NEO-ORTODOXIA SOBRE A BÍBLIA
visão n eo-o rto d o xa das Sagradas Escrituras surge a partir de u m a reação à ortodoxia m o rta (co m o na reação de S oren Kierkegaard — o avô do m o v im en to ), bem com o a partir de u m a reação ao Liberalismo m o rto (co m o na reação de Karl B a rth — o pai do m o vim en to). No caso de Kierkegaard, teologicam ente falando, ele m esm o tin h a um a visão ortod oxa das Escrituras, m as axiologicam ente falando, ele preparou o palco para a negação da ortod oxia ao m odificar a ênfase da d outrina para a experiência existencial — algo que ele fez ao tentar rebater a rigidez sem vida da Igreja Luterana Escandinava. No caso de B arth , ele foi despertado do seu coch ilo d ogm ático liberal pela realidade da falência do Liberalismo otim ista diante da carnificina ocorrida na Prim eira G u erra M undial. B arth se vo lto u para a Bíblia (especialm ente a carta de R om an os), para M artin h o Lutero, e para S oren Kierkegaard, que o ajud aram a se distanciar u m pouco do Liberalismo em direção à ortodoxia. O P R E C U R S O R D A N E O -O R T O D O X IA : S 0 R E N K IE R K E G A A R D A O r to d o x ia T e o ló g ic a de K ierk eg aard Soren Kierkegaard, expoente literário dinamarquês e teólogo iconoclasta1, tentou incitar a igreja dinamarquesa de volta a um a experiência pessoal com Cristo. Kierkegaard, pessoalmente, aderia a todos os fundamentos da fé, inclusive à Trindade, à divindade de Cristo, ao nascimento virginal, à Expiação, à ressurreição corpórea de Cristo, e à inspiração da Bíblia. Ele escreveu: “No seu todo, a doutrina, naform a com o é ensinada [naigreja] éinteiramente sã. Conseqüentemente, não é a ela que me oponho. A m inha discórdia é que algo deve ser feito com ela” (SKJP, 6:362). A N ã o -O rto d o x ia A x io ló g ic a de K ierk eg aard Axiologia é o estudo dos valores, e Kierkegaard foi bem -sucedido ao m udar o foco do debate da d ou trina (que era a ênfase ortod oxa) para os valores (que a N eo-ortod oxia enfatizaria). Kierkegaard insistia que a confissão destas crenças ortodoxas era insuficiente para salvar u m a pessoa; em vez disso, ele argum entava que estas crenças precisavam de um encontro existencial com o Cristo vivo. Isto poderia ser feito por interm édio de um “salto de fé” que nos tiraria dos estágio estéticos e éticos da vida para um relacionam ento pessoal co m Jesus. Em outras palavras, ele disse: Iconoclasta é a pessoa que fala contra a tradição estabelecida.
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Eu sou e fui um autor religioso, ao ponto de a totalidade da minha obra ser relacionada ao Cristianismo, ao problema de "como se tornar um cristão”, com uma polêmica direta ou indireta acerca da ilusão de que em um país como o nosso todas as pessoas são, de alguma forma, cristãs (PVMWA, 5-6). Em Fear and Trembling (T em or e T rem or), Kierkegaard revela co m o o ético transcende o religioso. Abraão (G n 22), u m h o m em devoto à lei de Deus, que declara: “Não m atarás”, foi requisitado por Deus a oferecer o próprio filho em sacrifício. Incapaz de explicar a sua atitude para qualquer pessoa ou de justificá-la diante de u m tribunal hum ano, Abraão suspendeu o ético e deu u m “salto de fé” em direção ao religioso. Ao fazer isto, ele destronou o ético, sem destruí-lo. Ele foi som ente suspenso de forma temporária, não perm an en tem en te descartado, a fim de m ostrar o valor transcendente do religioso (experim ental) sobre o ético (m oral).
A Verdade como Subjetividade Soren Kierkegaard acreditava que a verdade religiosa era pessoal, e não impessoal; ou seja, era algo que nós somos, e não algo que tem os —precisamos vivê-la, e não somente conhecê-la. Ela era algo que nos apanhava, e não som ente algo que nós apanhávamos. A verdade espiritual não pode ser simplesmente reconhecida; elaprecisa que nos apropriemos dela; não se trata de correspondência, mas de com prom etim ento. Em bora a verdade objetiva exista (por exem plo, na Ciência e na História), de acordo com Kierkegaard, ela é largam ente irrelevante para a verdade religiosa, que é encontrada em um encontro subjetivo com Deus por intermédio da vontade, e não por u m a compreensão objetiva da mente.
A Visão de Kierkegaard sobre a Fé e a Razão Na sua obra Philosophical Fragments (Fragm entos Filosóficos), Kierkegaard expressa a sua opinião acerca da relação entre a fé e a razão, a qual tem por ápice do tem a o ataque da filosofia antropocêntrica. Ele acreditava que, se for deixado p o r si m esm o, o h om em enxergará o Deus cristão co m o u m D esconhecido desorientador. Esta opinião exerceu u m a influência considerável sobre Karl B arth : Se a com u n icação tiver que ocorrer, Deus precisará iniciá-la. Neste caso, duas perguntas surgem: (1) E possível basear a felicidade eterna em conhecimento histórico? (2) Como o Deus transcendente poderia se comunicar conosco?
O Contraste da Revelação e da Razão A diferença entre a revelação de Deus e a razão hum ana é ilustrada ao contrastar Sócrates e Cristo. A sabedoria de Sócrates foi u m a re-coleção de pensam entos anteriores, ao passo que a de Cristo foi u m a antecipação do futuro. O prim eiro levanta a verdade de dentro, o segundo nos dá a verdade de fora. Para Sócrates, a verdade era im anente, enquanto para Cristo, ela é transcendente. De acordo co m Sócrates, a verdade é racional, mas para Cristo, ela é paradoxal. Por ú ltim o, em Sócrates, a verdade vem do h om em sábio, já em Cristo, ela vem do D eus-hom em . As verdades cristãs não são n em auto-evidentes n em perceptíveis pela experiência, porque m esm o que estejam factualm ente corretas, tratam -se de afirmações que não
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te m o grau de certeza que os cristãos alegam que elas têm — elas são paradoxais e só podem ser aceitas por m eio de u m “salto de fé”. Existe u m D eus real tran scend en te a quem os h om ens som en te podem chegar se o esco lh erem na sua auto-revelação; este é u m Deus significativo e real, mas tam bém paradoxal. Ele é o D esconhecid o lim ite do saber que, de fo rm a m agnética, atrai a razão e causa u m a colisão apaixonada co m o h o m em n o paradoxo. A razão não consegue p en etrar em Deus, m as tam b ém não consegue im pedi-lo; até m esm o o zelo dos positivistas2 em elim inar D eus d em on stra a sua preocupação para co m Ele. O suprem o paradoxo de todo p en sam ento é ten tar descobrir algo que o pensam ento não te n h a conseguido alcançar. Inclusive as tentativas do p ensam ento de co m eter suicídio, ou seja, elim inar o pensam ento. K ierkeg aard a cre s c e n ta , em Concluding Unscientific PostScript (P ó s-e sc rito s N ãocie n tífico s C o n clu siv o s), que a razão o b je tiv a ja m a is p o d e rá e n c o n tr a r a verd ad e real. As p ro vas n ã o p o d e m n e m d e m o n s tra r n e m re fu ta r o C ristia n ism o . T e n ta r p ro v ar a e x istê n cia de D eu s é o in s u lto d escarad o de d esp rez á -lo , e re d u z i-lo a u m a p ro bab ilid ad e o b je tiv a seria u m a a m e a ça ao C ris tia n is m o , fazen d o d ele c o m o que u m te so u ro que p o d e ria ser p o ssu íd o de fo rm a d esp reo cu p a d a , ta l c o m o o d in h eiro e m u m b a n co . A fé nos fatos relig iosos, c o m o a E n ca rn a çã o ou a Bíblia, n ão é a fé verd ad eira. A fé verd ad eira é o d o m de D eu s e n ã o é algo que se pode a lca n ça r p o r esforço h u m a n o . A E n ca rn a çã o e a B íb lia são p o n to s de re fe rê n cia o b je tiv o s; e n tre ta n to , não se c o n s titu e m em razões, pois n ão são co n v in cen tes. A fé verd ad eira é u m “s a lto ” em d ireção às rev elaçõ es de D eu s, m as ela n ão se baseia e m evidências e m p írica s3 ou ra cio n a lm e n te ob jetiv as. A razão, e n tre ta n to , te m u m papel n eg ativ o ao nos aju d ar a d istin g u ir o co n tra -se n so do p arad o x o . K ierkegaard e screv eu a resp eito do cristão : “P o rta n to , e le n ã o p o d erá a cred ita r no co n tra -se n so de fo rm a c o n trá ria ao e n te n d im e n to , pois é p re cisa m en te o e n te n d im e n to que d iscern irá o co n tra -se n so e o im p ed irá de acre d ita r n e le ” (PF, 504). A V isão O r to d o x a de K ie rk e g a a rd so b re a Bíblia Kierkegaard acreditava que a Bíblia era a palavra inspirada de Deus. Ele escreveu:
Estar a sós com as Sagradas Escrituras! Eu não ouso! Pois quando abro uma de suas passagens, tudo o que me vem aos olhos me pega instantaneamente, questiona-me (na verdade, é como se o próprio Deus estivesse me perguntando): “Será que tu fazes o que estás lendo aí?”. Ele acrescentou: “Q uerido ouvinte, qual a reverência que tu tens pela Palavra de Deust” (SE, 51). Ele tam bém acreditava que o cânon estava fechado e que Deus não fazia mais
revelações nos dias de h oje, chegando a criticar d u ram ente quem alegasse receber novas revelações nos nossos dias.
2 Positivismo, tam bém conhecido com o Cientificismo, é um a concepção (que se originou com o ateu Augusto Com te, 1798-1857) que insiste no fato de somente as proposições científicas podem ter a sua veracidade verificada.
3 Nos seus
jfum als (Jornais) (à página 581), Kierkegaard, qualificou isto, negando qualquer salto insensato no cam po do sagrado. A fé éTentretanto, um a decisão que não guarda relação com qualquer tipo de evidência.
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A Visão Não-Ortodoxa de Kierkegaard sobre a Historicidade da Bíblia Todavia, Kierkegaard não acreditava ser necessária, nem im portante, a defesa da historicidade com p leta ou da inerrância das Sagradas Escrituras. Isto fica evidente a partir das suas palavras acerca da relação entre o eterno e o tem poral, bem co m o dos seus com entários a respeito da crítica bíblica. De acordo co m ele, o problem a é, co m o u m a salvação eterna pode depender de d ocum entos históricos (e, p o rtan to , incertos)? C om o aquilo que é histórico pode nos p roporcionar u m con hecim en to não-histórico acerca de Deus? A sua resposta é que à m edida que a Bíblia fornece dados empíricos, estes dados se m ostram insuficientes para servirem de base para a cren ça religiosa. Som ente a fé inspirada no Espírito é capaz de en contrar o Deus eterno no Cristo tem poral. Os autores bíblicos não estão, prim ordialm ente, certificando-nos da historicidade da divindade de Cristo, mas da divindade de Cristo na história; logo, a crítica bíblica é irrelevante. O im portan te não é a historicidade de Cristo, mas a sua contem poraneidade co m o u m a pessoa que hoje confronta os hom ens pela fé n a ofensa do Evangelho. O Jesus da história é u m a pressuposição necessária, mas a história não prova a sua messianidade. A única prova da sua messianidade é o nosso discipulado; a “prova” não é empírica, mas espiritual. A fé está centrada em u m evento histórico, m as não está baseada nele. N en h um a contem poraneidade superficial pode ocasionar a fé; som ente a contem poraneidade espiritual o pode: Se a geração contemporânea não tivesse deixado nada depois dela, mas somente estas palavras: “Nós cremos que no ano tal e tal Deus apareceu entre nós na forma de um servo humilde e que habitou e ensinou entre os homens, e depois morreu”, isso já teria sido mais do que suficiente (ibid., 130). P ortan to, dessa form a, o tem po é im aterial para a fé. As testem unhas não-oculares não estão, de form a algum a, em desvantagem; não existe discipulado de segunda m ão. A lém disso, a contem poraneidade não deve ser confundida co m a uniform idade intelectual ao longo dos séculos. A adm iração de Jesus não é religiosa, m as estética; a aliança é necessária.
A Crítica Bíblica É Irrelevante para o Cristianismo Verdadeiro E m u m a citação m u ito clara, Kierkegaard se dirige tan to aos defensores, quanto aos críticos da Bíblia: Todos os defensores da Bíblia, no interesse da fé, já devem ter muito claro para si próprios que, se tiverem um sucesso além do esperado, todo o seu trabalho não terá assegurado nada acerca da fé das pessoas [...] [De igual maneira,] todos os que atacam a Bíblia também precisam ter claro que se, o seu ataque tiver um sucesso acima de todas as medidas, não terá conseguido nada com este resultado filológico'1.
' Filologia, literalm ente o “am or pelo aprendizado”, é u m term o tam bém utilizado na Lingüística.
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Assim, com o já vimos, mesmo se considerarmos que: [Os defensores do Cristianismo] têm obtido sucesso ao provar tudo o que qualquer teólogo instruído, no seu momento mais feliz, sempre desejou provar acerca da Bíblia, que estes livros e nenhum outro pertencem ao cânon; que são autênticos; que são completos; que os seus autores são confiáveis —poderíamos dizer que seria como se cada letra da Bíblia fosse inspirada.
Dessa forma, Kierkegaard pergunta: Será que alguém que anteriormente não tinha fé foi levado a dar um passo sequer em direção a ela? Não, infelizmente não. A fé não é simplesmente o resultado de investigações científicas; ela não acontece assim diretamente, de forma alguma. Pelo contrário, nesta objetividade a nossa tendência é perder aquele interesse pessoal infinito na paixão, que é a condição para a fé (CUP, 29-30).
Portanto, com o já vimos, ele teoricamente presume o contrário: Se os oponentes tivessem conseguido provar o que desejavam acerca das Escrituras, com uma certeza que fosse além do mais ardente desejo da mais apaixonada das hostilidades —como ficaríamos? Será que os nossos oponentes teriam abolido o Cristianismo? De forma alguma. Será que o crente teria ficado abalado? Não mesmo, e de forma alguma, [pois,] se ele tivesse considerado a sua fé em função de alguma prova, estaria prestes a renunciá-la a nós.
Na verdade, Kierkegaard pergunta: “Por que motivo deveríamos procurar alguma prova? A fé não precisa de provas; nem considerar qualquer tipo de prova como inimiga” (ibid., 31). K A R L B A R T H : O PAI D A N E O -O R T O D O X IA
Karl Barth foi despertado de suas concepções liberais na perfeição do ser humano por um a dose muito forte de realidade chamada Primeira G uerra Mundial. Apesar de ele ter ensinado que o mundo estava melhorando, a realidade comprovou o contrário. Ao se voltar para a Bíblia, para os Reformadores, e para Soren Kierkegaard, Barth fez um movim ento do Liberalismo em direção à Ortodoxia, abraçando o Trinitarianismo, o nascimento virginal, a divindade de Cristo, e a ressurreição corpórea. Infelizmente, porém, ele não fez isso assumindo novamente uma visão ortodoxa acerca das Sagradas Escrituras e acabou adotando um a visão não-ortodoxa da salvação conhecida com o Universalismo (veja Volume 3). Enquanto a Ortodoxia proclama que a Bíblia é a Palavra de Deus, e o Liberalismo, na m elhor das hipóteses, afirma que ela contém a Palavra de Deus, a Neo-ortodoxia insiste que a Bíblia é um testemunho humano falível da Palavra de Deus (Cristo) que somente se torna a Palavra de Deus para nós em um encontro existencial com o Cristo que ela exprime. A O rig em das S ag rad as E s c ritu ra s
Para Barth, Deus é a fonte da Bíblia: Certamente, não é a nossa fé que torna a Bíblia a Palavra de Deus [...] O fato de ela ser a Palavra de Deus não é um acidente, nem um acaso da história, nem fruto da nossa vontade própria, mas do Deus de Abraão, Isaque e facó (CD, 1:534).
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Mesmo assim, a Bíblia não é idêntica à Palavra de Deus, pois “a afirmação de que a Bíblia é a Palavra de Deus não pode, portanto, dizer que a Palavra de Deus está ligada à Bíblia. Pelo contrário, o que ela deve dizer é que a Bíblia está ligada à Palavra de Deus” (ibid., 1:513). A Bíblia m eram ente expressa a Palavra de Deus: “Ela ‘contém a palavra de Deus’, da form a com o Lutero, certa vez, se referiu à Bíblia [...] Ela som ente a ‘con tém ’, a encerra, a limita e a envolve: esta é a natureza indireta da identidade entre a revelação e a Bíblia” (ibid., 1:492).
A Tripla Palavra de Deus B arth disse que há três níveis na Palavra de Deus. O prim eiro seria Cristo, a Palavra Viva de Deus5: Isto ocorre primeiramente porque além do próprio Jesus existe ainda outra forma de Palavra de Deus, na qual a Escritura precisa ser a Palavra de Deus, da mesma forma que ela precisa da Escritura. A pregação e os sacramentos da Igreja, na verdade, precisam da base, da autoridade e da autenticidade da Palavra original de Deus nas Escrituras para ser a Palavra de Deus (ibid., 1:501).
O Objetivo da Bíblia A Bíblia não é u m a revelação de Deus co m o tal, mas m eram en te o in strum ento pelo qual Deus revela a sua Palavra. “[As palavras hum anas] são os instrum entos pelos quais [a Bíblia] pretende se to rn ar u m a Palavra que é apreendida pelos hom ens e, p ortan to, u m a Palavra que justifica e santifica os hom ens, pelos quais ela pretende exercer sobre os hom ens a graça de Deus que nela está contida” (ibid., 1:583).
A Bíblia É um Registro da Revelação A Bíblia não é por si m esm a a revelação de Deus; ela é simplesmente u m registro da sua revelação em Cristo: Em todas as eras, portanto, a decisão evangélica terá que ser a favor das Sagradas Escrituras como tal. E como tal, obviamente, ela é somente um sinal. Na verdade, um sinal de um sinal, isto é, do testemunho profético-apostólico da revelação do sinal primeiro, que é Jesus Cristo (ibid., 1:583). Deus não se revela em palavras, mas em eventos: Dentre estes sinais da realidade objetiva da revelação, precisamos compreender certos eventos claros, além de certas relações e ordens dentro do mundo no qual a revelação é uma realidade objetiva e, portanto, dentro do mundo que também é o nosso mundo, o mundo da nossa natureza e da nossa história [...] [Assim,] falar da “Palavra de Deus” é falar da obra de Deus. Não se trata de contemplar um estado ou fato, mas assistir a um evento, e um evento que nos é relevante, um evento que é um ato de Deus, um ato de Deus que está fundamentado em uma livre decisão (ibid., 1:223, 1:527).
3 A Bíblia é a “Palavra de D eus” no sentido secundário, com o um testem unho à revelação prim eira de Deus em Cristo. De form a sem elhante, a pregação a partir da Palavra de Deus é a “Palavra de D eus” no sentido terciário (terceiro).
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U m T e s te m u n h o a fav o r da P alav ra de D eu s A Bíblia é u m testem unho hum ano da revelação de Deus em Cristo. “O que encontramos lá”, nas páginas da Bíblia, é o testemunho da Palavra de Deus, a Palavra de Deus neste testemunho da Bíblia. A que distância encontraremos este testemunho, entretanto, dependerá de incessantes descobertas, de interpretação e identificação (ET, 36). Barth insistiu: Em contrate com todas as formas de literatura similares, estas comunidades aprovaram o cânon como o documento original e fiel acerca do que as testemunhas da ressurreição viram, ouviram e anunciaram. Elas foram as primeiras a reconhecer esta coleção como genuína e como testemunho portador de autoridade da única Palavra de Deus, ao mesmo tempo em que assumiam, com uma naturalidade e tranqüilidade impressionantes, o cânon do Antigo Testamento da sinagoga (ibid., 30). A Bíblia É Falível e A p re s e n ta E rro s Barth acreditava haver “superposições óbvias e contradições—por exemplo, entre a Lei e os Profetas, entre João e os Sinóticos, entre Paulo e Tiago” (CD , 1:2.509). Acima de tudo, existem supostas acomodações culturais nas Sagradas Escrituras: “Cada um [dos autores bíblicos], do seu próprio modo e grau, buscou compartilhar da cultura da sua época e ambiente”. Em vez de falar de “erros” dos autores bíblicos nesta esfera, se quisermos chegar ao coração das questões, é melhor falar somente a respeito da sua “capacidade de erros”, pois, “em última análise, a compreensão e o conhecimento da nossa era poderá não ser divina, nem salomônica, até mesmo em relação à visão geral que temos do mundo e do hom em ” (ibid., 1:2.508-9). Cientificamente falando, B arth defendeu que a Bíblia é falível: O teólogo pós-bíblico poderá, sem dúvida, ter acesso a uma melhor Astronomia, Geografia, Zoologia, Psicologia, Fisiologia, e assim por diante, que os autores bíblicos; mas, no que diz respeito à Paiavra de Deus, não se justifica um comportamento no qual este teólogo posterior se considere como se soubesse mais acerca da Palavra de Deus do que aquelas testemunhas (ET, 31). Assim: [A alta crítica] migra do Antigo Testamento para o Novo e depois faz o caminho reverso, do código Yahwista ao sacerdotal, dos Salmos de Davi aos Provérbios de Salomão, do Evangelho de João aos Evangelhos Sinóticos, da carta aos Gálatas à chamada “epístola de palha” de Tiago, e assim por diante, de forma contínua. Dentro de todos estes escritos, a peregrinação nos leva de um nível de tradição até outro, levando em conta cada estágio da tradição que possa se apresentado ou presumido. Os profetas e os apóstolos como tais [...] foram homens históricos e reais como nós o somos, e, portanto, também pecaram nos seus atos, e tanto foram capazes como, na verdade, foram culpados de erros na sua expressão verbal e escrita da palavra [...] Mas a vulnerabilidade da Bíblia, isto é, a sua capacidade de errar, também se estende ao conteúdo religioso e teológico (CD, 1:2.529, f :509).
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EMIL BRUNNER Em il B ru n n er (1889-1966), ou tro teólogo n eo -o rto d o xo , foi m enos conservador, p orém mais claro que Barth. Ao contrário de Barth, B ru n n er deu m aior valor à razão hum ana, mas, à sem elhança dele, tam bém rejeitou a doutrina o rto d o xa histórica da inspiração divina das Sagradas Escrituras. Para B ru nn er, a Bíblia não é a Palavra de Deus, m as palavras de hom ens a respeito de Deus; a revelação não é encontrada em supostas palavras de Deus, mas em atos de Deus para com os hom ens.
A Bíblia não É a Palavra de Deus De acordo co m B ru nn er: “Existe u m certo perigo na suposição de que a ‘Palavra de D eus’ possa ser equiparada à Sagrada Escritu ra”. Esta visão teria, supostam ente, surgido de u m duplo m al-entendido: prim eiro, de u m a visão acadêm ica da n atu reza da revelação, e segundo, de u m a com preensão judaizante da Bíblia. A Bíblia em si não nos deixa margem para este mal-entendido; ela não apresenta a “revelação” como uma doutrina sobrenaturalmente revelada; nem iguala a “revelação” com uma coleção de livros ou com qualquer livro específico; na Bíblia, “revelação” significa os atos poderosos de Deus a favor da salvação do homem (RR, 118). Dessa form a: O conteúdo da Escritura é verdadeiro, não porque deve ser considerado Palavra de Deus como um todo, mas porque, e à medida que Deus me encontra e me fala, Ele se atesta a Si mesmo para mim como Deus presente e “me decide”: é por isso que chamamos as Sagradas Escrituras de Palavra de Deus (WGMM, 32).
A Bíblia É Palavra de Homem A Bíblia é in trin se ca m e n te h u m a n a : “A p alav ra da E s c ritu ra n ão é p o r si a p alav ra de D eu s, m as p alav ra de h o m e m , assim c o m o a ap arição h istó rica do D e u s-h o m e m p o r si só é a im a g e m de u m h o m e m ” (ibid.). Todavia, a Bíblia tem au to rid ad e divina c o m o u m in s tru m e n to u tilizad o p o r D eus p ara tra n s m itir a sua P alavra p a ra nós. A n a tu re z a da E s c ritu ra c o m o a u to rid a d e divina é in s tru m e n ta l — ela é o m eio pelo qual D eus tra z a sua P alavra (C ris to ) até n ós. D essa fo rm a , a Bíblia n ão ap resen ta q u alqu er tipo de au to rid a d e fo rm a l, s o m e n te u m a au to rid ad e in stru m e n ta l: A Escritura não é uma autoridade formal que exige a fé em todo o seu conteúdo desde o início, mas é uma autoridade instrumental, à medida que contém o elemento diante do qual preciso me dobrar em verdade, e que também desperta no homem a certeza da verdade [...] Isto é o que Lutero quis dizer com a expressão “Palavra de Deus”, que não é, portanto, idêntica à Palavra da Escritura, embora ela somente chegue até mim por intermédio da Escritura, e como a Palavra da Escritura [...] [Portanto,] o conteúdo e a autoridade real da Escritura é Cristo (CDG, 110).
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A B íb lia T em so m e n te u m a A u to rid a d e M a te ria l D e riv a d a Da perspectiva de B runner, a autoridade da Bíblia não é form al, mas m aterial; ela não é intrínseca, mas derivada. Como ocorreu com os Reformadores, também precisamos expressar o nosso primeiro princípio assim: as Escrituras têm a autoridade de uma norma, e a base desse princípio é esta: as Escrituras possuem esta autoridade porque são a testemunha primária da revelação de Deus em Jesus Cristo (ibid., 45). Portanto: Cremos em Cristo, não porque as Escrituras, ou os apóstolos, nos ensinam a respeito dele desta ou daquela maneira, mas cremos nas Escrituras porque, e à medida que, elas nos ensinam sobre Cristo. A autoridade das Escrituras não é formal, mas material: Cristo [éj a revelação (ibid., 110). A B íb lia É u m a A u to rid a d e S u b je tiv a Não existe um a autoridade divina objetiva no texto das Escrituras; ele se to rn a a Palavra de Deus no coração dos crentes: “A palavra na Escritura, Cristo, torna-se o m esm o que a palavra no coração, o Espírito Santo” ( G M , 28). A fé em Jesus Cristo não se baseia em uma fé anterior na Bíblia, mas somente no testemunho do Espírito Santo; este testemunho, [entretanto,] não vem ao nosso socorro por intermédio do testemunho dos apóstolos—aquele testemunho apostólico com o qual guardamos uma relação de liberdade e, mesmo sendo verdadeiro e fundamental para nós, não nos deixa, de forma alguma, com uma obrigação dogmática, no sentido da teoria da Inspiração Verbal (CDC, 34). A B íb lia É Falív el e A p re se n ta E rro s B ru nn er acreditava que: A visão ortodoxa da Bíblia [...] é totalmente irremediável [...] A revelação de Deus não pode ser medida pelo padrão da doutrina teológica. Aprouve a Deus fazer uso de idéias infantis e primitivas para expressar a sua vontade (RR, 291). Existem supostas contradições nas Escrituras, inclusive nos ensinos dos apóstolos. Em certos casos, a variedade na doutrina apostólica [...] é uma contradição irreconciliável. Apesar disso, até mesmo a Epístola de Tiago tem certas coisas a acrescentar a respeito do nosso conhecimento de Cristo que não seriam adquiridas somente com o estudo de Paulo, e que funcionam como um corretivo (ibid., 290). Na verdade: A crítica literária da Bíblia trouxe à luz as milhares de contradições e características humanas que permeiam tanto o Antigo quanto o Novo Testamento. Neste caminho, a autoridade da Bíblia foi completamente abandonada (GM, 36).
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B ru n n er acreditava haver tam bém imprecisões científicas na Bíblia: “A verdade é que as Sagradas Escrituras não con tém oráculos divinos a respeito dos mais diversos fatos cosm ológicos” (R R , 280). De fato: Ao abordar temas do conhecimento secular, a Bíblia não tem autoridade pedagógica. Nem as suas figuras astronômicas e cosmológicas do mundo, nem a sua visão geográfica, nem zoológica, nem etnológica, nem as suas afirmações históricas, nos são normativas, venham elas do Antigo ou do Novo Testamento. Nestes casos, deve ser dado o livre curso à crítica científica racional (CDG, 48). B ru nn er percebeu a similaridade entre a sua visão e a de Karl Barth, ao declarar: Fundamentalmente, a obra Dogmatik [Dogmática], de Karl Barth, apresenta a mesma posição: “A Bíblianão.é um livro de oráculos sagrados; ela não é um órgão de comunicação direta. Ela é uma testemunha real” (1, 2, 562). Nela, ele diz que não devemos ter a expectativa de que os apóstolos e profetas, além do seu encontro com a revelação divina, “devam também ter transmitido a eles um compêndio de [...] Sabedoria divina acerca de todas as coisas existentes no universo” (ibid., 113). A Bíblia É somente um Registro Humano da Revelação De acordo co m B runner, a Bíblia por si m esm a não é u m a revelação da parte de Deus, m as apenas u m registro falível da revelação divina. Ele se queixa da visão histórica das Sagradas Escrituras: A ortodoxia, que compreende a revelação com o doutrina revelada, considera muito fácil estabelecer a doutrina correta. Tudo o que precisamos fazer é formular a doutrina revelada — em um sentido formal — para o propósito de instruir, em um form ato sistemático ou catequético. A doutrina já está lá, na revelação. Consideramos impossível seguir por esse atalho invejável; mas sabemos também o preço que foi pago para a abertura deste atalho, quais as terríveis conseqüências quê dele surgiram, e, na verdade, que estas conseqüências ainda estão gerando os seus frutos (ibid., 28). Além disso: “Não existe esta coisa de revelação-em -si-m esm a, porque a revelação consiste sem pre no fato de que algo é revelado a m im . A revelação é [...] u m ato de Deus, u m evento que envolve duas partes; é u m discurso pessoal” (W G M M , 32). Falando de m aneira mais exata, a revelação é u m a Pessoa. Entre nós e o Antigo Testamento, entretanto, existe uma nova forma de revelação, o cumprimento de tudo o que foi prometido somente n o Antigo Testamento, e o conteúdo real da revelação divina proclamada pelos apóstolos e pela Igreja: o próprio Jesus Cristo. Assim, esta “revelação” não é u m a “Palavra”, mas u m a Pessoa — u m a vida hum ana com p letam en te visível dentro da história, u m destino hum ano tão parecido e, ao m esm o tem po, tão diferente de todos os demais: Jesus de Nazaré (CDG, 23).
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A V erdad e n ã o É Im p e sso al, m as Pessoal [Jesus disse:] “P o rta n to , eu so u a verd ade”. E sta verd ade n ão é algo o b jetiv o e im pessoal, m as u m a verd ade qu e se escreve co m o p ro n o m e pessoal “T u ”. N este ev en to da revelação, n a Pessoa de C risto o T u divino se dirige a m im , e m am o r. D eu s se tra n sm ite a Si m esm o p ara m im n a vida d aquele qu e foi o ú n ico capaz de d eclarar [isto] (R R , 370).
A verdade, prossegue a teoria, não se en con tra em u m p ro nom e im pessoal, mas em u m p ro n om e pessoal, u m “e u ”. Na esteira do filósofo ju d eu M artin B uber (1878-1965), B ru n n er acreditava que a revelação era en contrada em u m a experiência do tipo “eu/ T u ” co m Deus, e n ão em u m a experiência de “eu /alg o” co m u m livro. Ele chegou a se referir à visão p rotestan te ortod oxa das Escrituras co m o u m a fé em u m “papa de papel”. A exem plo de S oren Kierkegaard, para B ru n n er a verdade religiosa não era objetiva, mas subjetiva. N ão E xiste R e v e la çã o V erbal A lém disso, a inspiração verbal deve ser rejeitada, pois, “a bem da verdade [...] esta d ou trina da revelação [inspiração verbal] provou ser a m o rte da fé, e o dogm a da inspiração, o p onto exato onde a ortod oxia finalm en te deu o seu ú ltim o suspiro” (W C M M , 36). A d o u trin a da in sp iração verbal das Sagradas E scritu ras [...] n ão p o d e ser consid erad a co m o u m a fo rm u la çã o adequada da au to rid ad e da Bíblia. Ela é o p ro d u to do [...] Jud aísm o p o sterio r, e n ã o do C ristian ism o . Os escrito s ap o stólicos jam ais reivind icam p ara si u m a insp iração verbal n e ste nível, c o m a infalibilidade n eles im p licad a (R R , 127-28).
B ru n n er acreditava ser fatal considerar a Bíblia co m o verdadeira. Ele escreveu: D epois q u e se dá o passo fatal e m d ireção à idéia de co n sid erar as E scritu ras c o m o verdadeiras p o r si m esm as, fica óbvio q u e esta qualidade se esten d e, de igual fo rm a , a todas as p artes da Bíblia, até m e sm o aos seus m ín im o s d etalhes [...] O d o g m a da inspiração verbal está envolvido, n ão c o m o a cau sa, m as c o m o a co n seq ü ên cia, da n o v a co n cep ção não -esp iritu al. A id en tificação da palavra das E scritu ras co m a palavra de D eu s passa da fo rm a in d ireta p ara a d ireta (W G M M , 34).
JO H N BAILLIE Jo h n B aillie (1886-1960) foi u m n o tá v e l te ó lo g o esco cês. A sua in flu e n te ob ra The Idea o f Revelation in R ecent Thought (A Idéia da R ev ela çã o n o P en sa m e n to R e c e n te )
(1956) é u m a afirm açã o cla ra da visão n e o -o rto d o x a das E scritu ras que a p o rta ra nas Ilhas B ritân icas. A Bíblia n ã o E R e v e la ç ã o Baillie afirm ou que “a fraqueza da ortod oxia p rotestante tem sido a incapacidade de apresentar razões convincentes para a sua insistência na n atu reza plenária da assistência divina sobre os autores da Bíblia sem , ao m esm o tem p o, negá-la com igual firm eza para o in telecto da Igreja nestes ú ltim os tem p o s” (IR R T , 112).
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Baillie com parou e resum iu as posições dos teólogos m odernos acerca do im pacto da doutrina da revelação na vida dos hom ens. Neste livro, ele enfatizou a natureza existencial do papel do h o m em no processo da revelação, em oposição à noção da revelação propositiva (que ele confunde co m o ditado m ecân ico), e sugere que a revelação é essencialmente u m encontro pessoal no presente m o m en to . Ele tam bém criticou as tradições protestante e católica ro m an a p o r sua “identificação simplista da revelação divina co m as Sagradas Escrituras” (ibid., 36, 40).
A Necessidade de um Encontro Pessoal Baillie afirmou: “As proposições nas páginas das Escrituras expressam a resposta do testem u nh o hum ano a eventos divinos, e não u m ditado divino m iracu loso” (ibid., 36). Ele tam bém disse: A maior dificuldade sentida a respeito da equiparação da revelação com as verdades comunicadas é que ela nos oferece algo que é menos do que um encontro e uma comunhão pessoal; e que esta dificuldade não é em nenhum momento diminuída pela proposta de substituir as verdades comunicadas por imagens estabelecidas (ibid., 39).
O Conhecimento Verdadeiro das Sagradas Escrituras É Determinado pelo Homem Baillie sustentou que “todo conhecim ento real é u m con hecim en to determ inado não pelo sujeito [Deus], m as pelo objeto [o h om em ]” (ibid., 20). Além disso: A leitura inteligente da Bíblia, feita em Espírito, mas também com a mente, visando compreender como ela nos transmite Cristo, depende inteiramente da nossa capacidade de distinguir o que é central do que é periférico; de distinguir a sua verdade imutável da roupagem que ela assume nas pré-concepções culturais e cosmológicas dos tempos e épocas em que ela foi escrita. Ela ainda nos ajudaria a: Distinguir entre a sua mensagem essencial e as suas numerosas imperfeições, imprecisões históricas, relatos incorretos ou conflitantes, citações errôneas ou inadequadas do Antigo Testamento no Novo, e coisas do gênero; juntamente com a distinção dos níveis sucessivos de entendimento tanto dentro do Antigo Testamento quanto na transição do Antigo para o Novo (ibid., 120). De form a ainda mais ingênua, ao se referir à inadequação que os eventos retratados nas Escrituras apresentam para servir co m o revelação divina, ele m esm o insiste: Eu inão conseguiria saber se Deus se revelou aos profetas e apóstolos por meio desses eventos se, sem que pela revelação dele mesmo a eles, Ele agora não estivesse se revelando a mim [...] [Conseqüentemente,] eu poderia ter certeza de que eles alegaram ter recebido esta revelação, mas só poderei ter certeza de que esta alegação é justiçada se, ao ler o que eles dizem, eu também me encontrar na presença de Deus (ibid., 105).
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C om o Leon M orris acertad am ente observa, para Baillie e outros da sua tradição: “As proposições apresentadas nas Escrituras não são im portantes, chegando a ser até irrelevantes. O que im p orta é o encon tro do h o m em de fé co m D eu s” ( IB R , 113). A visão n eo -o rto d o xa dificilm ente se com patibiliza co m o que a Bíblia tem a dizer acerca de si m esm a (v eja capítulos 13-16) e co m o que tem sido ensinado pelos cristãos ao lon g o da história da igreja (v eja capítulos 17-18). R esum indo, a N eo-ortod oxia advoga que a Bíblia é u m livro h u m an o falível. Todavia, ela é o in stru m en to da revelação de D eus para nós, pois é u m registro da revelação pessoal de Deus em Cristo. A revelação, en tretan to , é pessoal; a Bíblia não é u m a revelação verbalm ente inspirada por D eus — ela é sim plesm ente u m veículo h u m an o falível por interm édio do qual podem os en con trar a revelação pessoal, que é Cristo. Em si m esm a, ela não é a Palavra de Deus: quando m u ito , to rn a-se a Palavra de Deus para o indivíduo quando este en con tra C risto p o r interm édio dela. A B íb lia C o n té m E rro s Por fim , Baillie aprova a afirm ação de C. H. Dodd, que, depois de citar várias passagens de Isaías, afirma:
Qualquer teoria acerca da inspiração da Bíblia que sugira que devemos reconhecer estas afirmativas como portadoras de autoridade para nós cai, por si mesma, em autocondenação. Elas são relativas à sua época. Mas penso que devemos dizer ainda mais. Elas são falsas e equivocadas ( A B , 128). AVALIAÇÃO D A VISÃO N E O -O R T O D O X A S O B R E AS SA G R A D A S E S C R IT U R A S D a m e sm a fo rm a que as o u tras visões n ã o -o rto d o x a s das Sagradas E scritu ras, os n e o -o rto d o x o s ta m b é m ap resen tam m u itas ca ra cte rística s louváveis, ao lado de algu n s sérios p ro b lem as. A n tes de tu d o , d isco rre rem o s sobre as suas várias características positivas. D entre os aspectos recom endáveis da visão n eo -o rto d o xa da inspiração e da revelação, estão a ênfase na necessidade de u m en con tro pessoal e subjetivo com Deus por interm édio das Escrituras e sua crítica ju sta a u m a fo rm a de bibliolatria que defende u m ditado m ecân ico do texto por parte de Deus. A R e je içã o d o D ita d o M e câ n ico Os adeptos da N e o -o rto d o x ia devem ser reco m en d a d o s p ela sua co n d en ação u n ifo rm e da te o ria d o d itad o m e c â n ic o , q ue eles a trib u e m a u m a v isã o fu n d a m e n ta lista das Sagradas E scritu ras. A re je içã o desta fo rm a de d o ce tism o b íb lico, que d im in u i ou nega o lado h u m a n o da Bíblia, é c o n trá ria ta n to à reiv in d icação q u a n to ao caráte r das E scritu ras em si. A B íblia alega e p ro v a ser u m liv ro c o m p le ta m e n te h u m a n o em tod os os sen tid os p ró p rios da palavra (v e ja ca p ítu lo 15). N esta crítica , os exp o en tes da N e o -o rto d o x ia c o r re ta m e n te p ro p o rcio n a ra m u m co rre tiv o p ara a visão co n serv ad o ra excessiv am en te zelo sa a ce rca da B íblia, a qual é ta c ita m e n te d o cética, se n ão sectária, n a sua exp licação do papel dos a u to res h u m a n o s no processo de rev elação .
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A Ênfase na Centralidade de Cristo O u tra ênfase útil da visão n eo -o rto d o xa é o destaque colocado na centralidade de Jesus Cristo, a Palavra Viva de Deus. A ênfase exagerada na palavra escrita, sem o destaque necessário do seu propósito de transm itir a Palavra Viva (C risto), n a verdade, levou a algumas visões extravagantes por parte dos conservadores de fazer a Palavra de Deus o objeto do seu estudo mais do que o Deus da Palavra. O próprio Jesus deixou u m a advertência co n tra este erro ao se queixar dos judeus: “Examinais as Escrituras, porque vós cuidais ter nelas a vida eterna, e são elas que de m im testificam. E não quereis vir a m im para terdes vida” (Jo 5.39,40). Na verdade, em quatro outras ocasiões Jesus afirmou ser o tem a central da Bíblia (M t 5.17,18; Lc 24.27; 24.44; Hb 10.7). É possível, co m o a Neoortodoxia acertadam ente nos faz lem brar, deixar de lado a pessoa da Palavra Viva de Deus ao superenfatizar as proposições da Palavra escrita de Deus.
A Rejeição da Bibliolatria A N eo-ortodoxia tam bém faz soar u m alarm e útil co n tra a bibliolatria, pois a Bíblia não é divina e não deve ser adorada. Ela é a Palavra de Deus, m as não o próprio Deus, e, dessa form a, ela deve ser tratada co m respeito, m as não co m a reverência que só pode ser prestada ao próprio Deus. A bibliologia é u m a disciplina digna de ser pesquisada, mas a bibliolatria é deplorável. A ortodoxia está co rre ta ao buscar a sua base n a Bíblia, mas errada quando se to rn a bibliocêntrica mais do que cristocêntrica.
A Ênfase na Necessidade do Encontro Pessoal A visão neo-ortodoxa coloca um a ênfase correta na necessidade de um encontro pessoal e existencial com Deus. Ela tenta fugir de um a verdade abstrata para u m relacionamento concreto, e aqui, novamente, Jesus e o restante do Novo Testamento também concordam com este destaque. O nosso Senhor condenou a religião impessoal, fria e formal (cf. M t 6.1-7; Lc 18.1 8), e Paulo falou contra ter a “aparência de piedade, mas negando a eficácia dela” (2 T m 3.5). Seguramente, o objetivo das Escrituras não é que acumulemos cada vez mais conhecimento de verdade propositiva, mas que tenhamos um encontro com a pessoa que é a Verdade (Jo 14.6).
A Revelação de Deus em seus Atos O utra ênfase negligenciada que é revista pela visão que os neo-ortodoxos têm das Escrituras é que Deus se revela a Si próprio nas suas obras. A maior parte do Antigo Testamento é u m a ilustração deste verdade: O Deus da Bíblia é u m Deus que executa atos de poder. A libertação do seu povo do Egito foi u m a grande am ostra destas ações poderosas. A encarnação e a vida de Cristo é u m a dem onstração ainda mais dram ática dos grandes atos de Deus n a história, e a Bíblia declara que estas ações foram u m a form a de revelação. Na verdade, a tão co m u m palavra para “fazer” (heb. asah), no Antigo Testam ento, pode significar, e n orm alm en te significa, “revelar” ou “m o stra r”6. Da m esm a form a, u m a palavra tão n orm al quanto “revelar” (galah), no Antigo Testam ento, está associada co m os atos poderosos de Deus (veja Is 53.1). Deus não precisa falar para se revelar; n orm alm en te, as suas ações falam mais alto do que as suas palavras, co m o foi o caso, por exem plo, co m as dez pragas do Egito (cf. Ex 7—12).
6 Asah recebe esta tradução em vários lugares (por exem plo, Êx 9.16; 2 Sm 2.6).
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A C o n c e n tr a ç a o n a N ecessid ad e da Ilu m in a ç a o Independentem ente do term o que se use para descrevê-la, a N eo-ortodoxia está correta ao nos fazer lem brar que a corrente que nos liga a Deus não está com pleta enquanto nós m esm os não nos apropriarmos da verdade de Deus. A revelação objetiva não é suficiente; é preciso tam bém haver um a descoberta subjetiva da verdade. A lém disso, a Bíblia nos exorta: “E sede cum pridores da palavra e não som ente ouvintes, enganando-vos com falsos discursos” (T g 1.22). M etaforicam ente falando, o couro de cabra (fino) da Bíblia precisa ser traduzido no couro de boi (forte) da experiência. Em linguagem teológica, a revelação objetiva é insuficiente; precisam os da “ilum inação” subjetiva (isto é, da apropriação) desta revelação, pois ela efetuará a transform ação na nossa vida. Apesar das suas m uitas ênfases positivas, a visão n eo -o rto d o xa das Sagradas Escrituras apresenta m uitas deficiências graves. D en tre estas, podem os listar que ela não é bíblica, que é contrária à visão histórica da igreja cristã, e que é inconsistente. A V isão N e o -o r to d o x a so b re as S ag rad as E s c ritu ra s É b ib lica m e n te In fu n d a d a Por mais que se possam levantar vozes em sua defesa, a visão n eo -o rto d o xa da Bíblia não é bíblica — ela é con trária ao que a Bíblia alega sobre si própria, ou seja, que ela é a Palavra de Deus verbal e p len a (veja capítulos 13-14), com p osta de “escritos” (gr. grapha) que são soprados p o r D eus (2 T m 3.16). Na verdade, cada u m a das palavras das Escrituras procede de Deus (2 Sm 23.2; M t 4.4), que se revelou a Si m esm o nestas palavras
1 Co 2.11-13). Os profetas receberam instruções tácitas para não om itir n e n h u m a só palavra que D eus lhes falava (Jr 26.2); de fato, o N ovo T estam ento escrito co m o u m todo é cham ado de “Palavra de D eu s” (Jo 10.34,35). A V isão N e o -o r to d o x a s o b re a Bíblia N ão T e m B ase H istó rica E inútil p ro cu rar apoio para a objeção n eo -o rto d o xa que afirm a que a Bíblia não pode ser identificada com a Palavra de Deus, ou que ela é falível e possui erros (veja capítulos 13-16, 27). A evidência é to ta lm en te inversa. E preciso m endigar aqui e acolá para descobrir u m texto — fora de con tex to — que proporcione u m apoio débil e superficial para a idéia de que os grandes Pais da igreja ensinaram algo diferente da visão ortod oxa de que a Bíblia é a Palavra de D eus divinam ente inspirada, infalível e inerrante. Estes frágeis esforços são inúteis diante do vasto, m ú ltip lo e repetitivo apoio que os Pais i a igreja prestam à visão ortod oxa das Escrituras. Alguns estudiosos, com o Jack Rogers, tentaram fazer isto, mas as suas tentativas foram vãs, pois foram sistemática e minuciosam ente respondidas por outras pessoas7. Por exemplo, à luz das declarações repetidas e enfáticas de M artinho Lutero a favor da inerrância das í agradas Escrituras, o esforço fútil em interpretar a sua ilustração da Bíblia com o sendo o rerço onde dorm e o m enino Jesus (veja capítulo 18), de form a alguma, prova que ele não acreditava na inerrância. De form a sem elhante, a sua rejeição da epístola de Tiago com o sendo inconsistente com a teologia de Paulo não se constitui em um a negação da inerrância; intes, em um a forte afirmação de que a Bíblia não pode errar; visto que, na opinião dele, tudo :u e fosse inconsistente com o contexto m aior da Escritura deveria ser rejeitado.
"Veja John Woodbridge, Biblical Authority, e John Hannah, Inerraticy and the Church.
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A Visão Neo-ortodoxa sobre a Bíblia É filosoficamente Inconsistente U m a das inconsistências interessantes da N e o -o rto d o x ia é a sua objeção de que Deus pode agir n a h istória h u m an a, m as n ão pode fa la r em língua h u m an a. D iante dela, som os inclinados a expandir a analogia do p rofeta e p erg u n tar: “Será que aquele que criou a boca, n ão será capaz de falar?” S eg u ram en te, u m Deus que crio u seres que são capazes de se c o m u n ica r p o r m eio de idiom as tam b ém n ão terá problem as em se co m u n ica r nos idiom as desses seres. N a verdade, a alegação de que D eus pode tran sm itir perfeições que Ele n ão possui se con stitu i em u m a n egação do princípio da analogia (v eja cap ítu lo 9). Seria possível Deus passar aos o u tro s o que Ele m esm o n ão tem ?
A Neo-ortodoxia É cristologicamente Incoerente Para pessoas com o Karl Barth, que aceitam a divindade de Cristo, a negação da n atureza verbal da revelação é incoerente, pois, se Cristo, sendo Deus, assumiu u m a natureza com pletam ente h um ana na Encarnação (Jo 1.14; 1 Jo 4.1,2), torna-se inconsistente afirm ar que esta pessoa (que é Deus), ao falar aqui neste m undo, não falava as palavras de Deus. Ou seja, co m o Cristo possui duas naturezas em u m a só pessoa, as palavras que esta pessoa falava eram tan to palavras de Deus quanto palavras de h om em . Mas se é possível que u m a m esm a palavra seja tan to divina quanto h u m an a por sair da boca de Jesus, por que, então, isto não se aplicaria tam bém às palavras das Escrituras? Em sum a, a visão ortod oxa da Palavra escrita e a visão o rto d o xa da Palavra Viva seguem de m ãos dadas (veja capítulo 15).
A Visão Neo-ortodoxa sobre as Escrituras E axiologicamente Mal Aplicada M esm o que estejam os convencidos de que o avô da N e o -o rto d o x ia defendia u m a visão o rto d o x a da natureza da historicidade e in errân cia das Escritu ras, tam bém é verdade que a visão de Kierkegaard a respeito dos valores destes fatos n ão era o rto d o x a , pois a posição que ele assum iu a ce rca da relativa irrelevân cia de todos os fatos h istóricos, salvos aqueles que fossem claros a respeito da vida de Jesus, era axio logicam en te n ã o -o rto d o x a . A sua alegação de que eventos co m o a R essu rreição, que não faziam p arte deste n ú cleo de fatos claros necessários p ara o C ristianism o, n ão eram im p o rtan tes, é co n trá rio ao que o p róp rio N ovo T estam en to declara. Paulo d eclarou de m an eira en fática que “se C risto n ão ressu scitou, logo é vã a nossa p regação, e tam b ém é vã a vossa fé [...] se C risto n ão ressu scitou, é vã a vossa fé, e ainda p erm an eceis nos vossos p ecad o s” (1 Co 15.14,17). Além disso, ao fazer a separação entre os campos do “fato” e do “valor”, o Existencialismo, seguindo as concepções de Kierkegaard, foi bem -sucedido em preparar o palco para a negação da historicidade da maioria dos Evangelhos, inclusive da Ressurreição, p or outros existencialistas, co m o Rudolph B ultm an n (veja capítulo 19). Mas fato e valor nem sempre podem ser separados. Paulo deixou isto claro quando falou sobre a Ressurreição, e desde o início Deus o deixou claro quando falou sobre o assassinato: m atar u m ou tro ser hum ano não som ente é u m ataque co n tra o “fato” da sua integridade; é tam bém u m ataque co n tra a im agem de Deus (G n 9.6). U m a ação con tra u m corpo (o factual) é tam bém u m ataque sobre u m a pessoa (que tem valor). As duas coisas são inseparáveis neste m undo.
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A V isao N e o -o r to d o x a É u m a F a lá cia L ó g ica G r a n d e p a r t e d a r e je i ç ã o n e o - o r t o d o x a d a v isã o h is tó r ic a o r t o d o x a e s tá b a s e a d a e m d u a s fa lá c ia s ló g ic a s . A fa ls a d is ju n ç ã o é u m a d e la s, e é b a s ta n t e c o m u m ; p o r e x e m p lo : ( 1 ) O u a B íb lia é u m a r e v e la ç ã o p e s s o a l, o u é u m a r e v e la ç ã o p r o p o s itiv a . ( 2 ) A r e v e la ç ã o é p e s s o a l. ( 3 ) L o g o , a r e v e la ç ã o n ã o p o d e s e r p r o p o s itiv a . M a s m e s m o q u e a c e it e m o s a p r e m is s a d e q u e “a r e v e la ç ã o é p e s s o a l” , n ã o é c o r r e t o c h e g a r a e ssa c o n c lu s ã o , p o is e m u m r a c io c ín io d o tip o o u / o u ( is to é, u m s ilo g is m o d is ju n t iv o ) , u m a das d u a s a lte r n a t iv a s p r e c is a s e r n e g a d a p a r a q u e a c o n c lu s ã o s e ja v á lid a . M a s o r a c io c ín io n e o - o r t o d o x o a f ir m a ( e m v e z d e n e g a r ) u m a a lte r n a t iv a , q u e é a fa lá c ia d a afirm ação do alternado. M a s p o r q u e n ã o a m b o s ? N a v e rd a d e , is to é e x a t a m e n t e o q u e a v isã o o r t o d o x a im p lic a , a sa b e r, q u e D e u s n o s e n t r e g o u t a n t o u m a r e v e la ç ã o p e s s o a l ( C r i s t o ) q u a n t o u m a r e v e la ç ã o p r o p o s itiv a (a s S a g ra d a s E s c r it u r a s ), e o p r o p ó s ito d a p a la v r a e s c r ita d e D e u s ( a B íb lia ) é r e v e la r a P a la v ra V iv a d e D e u s ( C r is t o ) . O u t r a f a lá c ia c o m u m n o p e n s a m e n t o n e o - o r t o d o x o a c e r c a d a B íb lia é a f a lá c ia d o H o m e m d e P a lh a . A a c u s a ç ã o d o “p a p a d e p a p e l ” e a a le g a ç ã o d o “d ita d o m e c â n i c o ” sã o e x e m p lo s d is so . P o u c o s , se é q u e h o u v e a l g u m c a s o , t e ó l o g o s e v a n g é lic o s d e r e n o m e n a h i s t ó r i a d a ig r e ja a d e r ir a m à t e o r i a d o d it a d o m e c â n i c o . A b e m d a v e r d a d e , a lg u n s fiz e r a m u s o d e ilu s t r a ç õ e s r u in s q u e , se le v a d a s à s u a c o n c l u s ã o ló g ic a , p o d e m g e r a r e s te r e s u l t a d o . M a s n e n h u m d e le s , d e f a t o , fe z isso , e t o d o s t e r i a m n e g a d o a a c u s a ç ã o de d ita d o m e c â n i c o . P o r e x e m p lo , A g o s tin h o : “Q u a n d o e le s e s c r e v e m o q u e E le e n s in o u e d isse, n ã o se d e v e a f ir m a r q u e n ã o f o i E le o a u t o r d e sta s p a la v ra s , já q u e o s m e m b r o s s o m e n t e e s c r e v e r a m o q u e c o n h e c e r a m p e lo d ita d o [dictis] d a q u e le q u e é o C a b e ç a . P o r t a n t o , tu d o o q u e E le q u is q u e lê s s e m o s a c e r c a d as su as p a la v ra s e fe ito s , E le o r d e n o u a o s d is c íp u lo s , as su a s p r ó p r ia s m ã o s , q u e e s c r e v e s s e m ” . E s ta p o d e s e r u m a ilu s t r a ç ã o in fe liz , m a s n ã o s e r v e p a r a p r o v a r q u e A g o s tin h o , d e fa to , e r a u m a d e r e n t e à t e o r ia d o d ita d o m e c â n i c o . N ó s t a m b é m u s a m o s a p a la v r a “d it a r ” n o m e s m o s e n tid o n ã o - m e c â n i c o h o je , q u a n d o d iz e m o s , p o r e x e m p lo , q u e as leis a q u e o b e d e c e m o s sã o “d ita d a s p e lo p o d e r le g is la tiv o ” . D e f o r m a s e m e lh a n t e , o u t r o s Pais m a is a n tig o s , q u e se r e f e r ir a m a o s a u t o r e s h u m a n o s d a B íb lia c o m o s e n d o “f la u ta s ” to c a d a s p o r D e u s , n ã o tiv e r a m a in t e n ç ã o d e s e r e n te n d id o s d e f o r m a lit e r a l, d a m e s m a f o r m a q u e Je s u s t a m b é m n ã o e s ta v a s e n d o lit e r a l q u a n d o d isse: “E u s o u a p o r t a ” ( Jo 1 0.9).
A V isão N e o -O rto d o x a so b re as S agrad as E s c ritu ra s E In fru tífe ra n a P rá tic a M e s m o q u e a co n ce p ç ã o n e o -o r to d o x a p a re ça m e lh o r do q u e a liberal, ela se re d u z à m e sm a falácia fatal: A a firm a çã o d e q u e a B íb lia n ã o é a Palavra infalível de D eu s, m a s so m e n te
se c o n stitu i e m palavras falíveis de h o m e n s a cerca de D eu s. C o m o a lg u é m p o d eria co n fia r o seu destino e te rn o a en sin o s h u m a n a m e n te falíveis, d os quais se sabe esta re m crivad os de erros? A ilu s tr a ç ã o n e o - o r t o d o x a d o c ã o q u e o u v e a v o z d o se u d o n o e m u m d isco d e v in il i s t o r c i d o n ã o é a p ro p ria d a ; e la é u m a fa lsa a n a lo g ia , p o is e x iste u m a g ra n d e d ife r e n ç a e n tr e u m a p e s s o a o u v ir u m a g ra v a ç ã o d e u m a m e n s a g e m re a l d e u m e n te q u e rid o q u e p a r tiu h á m u ito t e m p o e o u v ir a u m a m e n s a g e m fa ls a e d is to rc id a d e u m im p o s to r . A o c o n t r á r io dos a d e re n te s d o L ib e ra lis m o ( v e ja c a p ítu lo 2 0 ) e da N e o -o r t o d o x ia , o s e v a n g é lic o s fa z e m
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u m a im portante distinção entre a adaptação divina àfinitude (que envolve u m pouco de ruídos de fundo no disco) e a acomodação divina ao em (que distorce a m ensagem em si). A doutrina da analogia (veja capítulo 9) exige que quando u m Deus infinito expressa a verdade a u m a m en te finita, algum a form a de adaptação seja feita, seja na negação, nas figuras de linguagem, nas m etáforas, nas com parações, ou em antropom orfism os. Entretanto, as visões liberal e n eo -o rto d o xa envolvem o entendim ento de que a Bíblia ensina erros, e não som ente que existem “ruídos” no disco que to ca a verdade para nós. H onestam ente falando, ruído demais poderia distorcer a verdade, mas isso é exatam ente o que a doutrina da analogia (veja capítulo 9) nos assegura, ou seja, que a finitude não im plica o erro. Ou, utilizando u m a n om en clatu ra bíblica, a “im agem de Deus” (Gn 1.27), m esm o no h om em decaído (G n 9.6), assegura-nos que a verdade pode ser expressa em term os finitos sem a distorção da sua veracidade.
RESUMO E CONCLUSÃO A visão neo -o rto d o xa das Sagradas Escrituras tem m uitos pontos positivos, dentre eles a rejeição da teoria do ditado m ecânico na transmissão da Palavra de Deus, a sua ênfase na centralidade de Cristo, a rejeição da bibliolatria, a ênfase no encontro pessoal co m Deus, o foco na revelação co m o sendo u m ato de Deus, e a necessidade de ilum inação. Todavia, existem erros graves nesta visão que fazem co m que ela seja insuficiente para explicar todos os dados a que se propõe. Diante de u m m inucioso escrutínio, a N eo-ortodoxia apresentou-se biblicamente infundada, desprovida de base histórica, filosoficamente inconsistente, cristologícam ente incoerente, axiologicam ente m al aplicada, falha no que diz respeito à sua lógica, e infrutífera no que diz respeito à sua prática.
FONTES Baillie, John. The Idea o f Revelation in Recent Thought. B arth , Karl. Church Dogmatics. ________ . Evangelical Theology: An Introduction. B ru nn er, Emil. The Christian Doctrine o f God. ________ . God and Man. ________ . Revelation and Reason. ________ . The Word o f God and Modem Man. Dodd, C. H. The Authority o f the Bible. Geisler, N orm an , e William Nix. A General Introduction to the Bible. Geisler, N orm an , ed. Biblical Errancy. Kierkegaard, Soren. Concluding Unscientific Postscripts. ________ . Tear and Trembling. ________ . My point o f Viewfor My Work as an Author. ________ . Philosofical Fragments. ________ . Self-Examination and Judgefor Yourselves and Three Discourses. ________ . Seren Kierkegaard’sJournals and Papers. Linnem ann, Eta. Biblical Criticism on Trial. Morris, Leon. I Believe in Revelation.
C A P Í T U L O
V I N T E
E
DOIS
O NEO-EVANGELICALISMO SOBRE A BÍBLIA
visão n eo-ev an g élica é assim d en om in ad a po rqu e se co n stitu i em u m desvio do ensino evangélico há m u ito estabelecido acerca das Sagradas E scrituras (veja capítulos 13-18). Ela tam b ém pode ser cham ad a de n eo-reform ad a, já que surge p rin cip alm en te d en tre teólog os de trad ição reform ad a; e n tre ta n to , co m o ou tros evangélicos tam b ém ad otam posições sem elh an tes, é m ais apropriado ch a m á -la de neo-evan g élica. O m ais fam oso de seus p ro p on en tes é o teó lo g o holandês G. C. B erkhou w er. O seu seguidor, o teó lo g o a m erican o Jack R ogers, do F u ller Sem inary, defende su b stan cialm en te a m esm a posição.
A
G. C . B E R K O U W E R (1903-1996) A influência da N eo-ortod oxia européia teve u m efeito m arcan te sobre G. C. Berkouw er. M esm o perm anecend o, n u m a perspectiva geral, dentro da tradição evangélica, suas alterações sutis, mas significativas, na d outrina das Escrituras tiveram u m a vasta influência tan to nos Estados U nidos com o em outros lugares. B erkouw er revelou ter recebido u m a influência significativa da visão n eo-o rto d o xa de Karl B arth acerca do caráter divino da Bíblia com o Palavra de Deus. A sua resposta é u m dialético sim e não. A D istin çã o e n tre a P alav ra d e D eu s e as P alav ras de H o m e n s Berkouw er escreveu: E co m u m d e p a ra rm o -n o s c o m a caracterização das E scritu ras co m o Palavra de D eu s e palavras de h o m e n s. A confiabilidade, é claro , sem p re foi debatida co m relação d ireta a esta q u estão, m ais esp ecificam en te a respeito do asp ecto v erd ad eiram en te h u m a n o das E scrituras.
Ele continu ou : N ão tem o s e m m e n te m e ra m e n te a co n sid eração geral de que o erro p e rte n ce à n atu rez a h u m a n a . A cim a de tu d o , tem o s em m e n te tod os os co n trastes n o rm a lm e n te percebidos nas E scritu ras e n tre a Palavra de D eu s e as palavras de h o m e n s, en tre a co n fian ça em D eu s e a co n fia n ça n o h o m e m (HS, 240).
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C om o B arth , Berkouw er acreditava que a voz de Deus pudesse ser ouvida dentro das Escrituras —u m a confissão que não atende ao padrão da afirmação o rto d o xa clara de que a Bíblia é a Palavra de Deus. Ele declarou: Este “é” não é um postulado dos nossos anseios por certeza, os quais não conseguem resistir aos assaltos dos homens. Mas sim é, verdadeiramente, uma confissão que continua a ser cheia da expectativa de ouvir as muitas vozes dentro da única voz desta Escritura (ibid., 168).
A Bíblia É Entendida de Modo Não-Sobrenatural Berkouw er acreditava ser u m m al-entendido pensar n a Bíblia co m u m a obra sobrenatural de Deus. “Podemos entender assim quando não partim os de u m a com preensão errada acerca da glória de Deus e não querem os interpretar o caráter soprado por Deus de form a sobrenaturalm ente abstrata e ‘m iraculosa’ “ (ibid., 170). Apoiando-se n a sua forte orientação calvinista, Berkouw er considerava as Escrituras mais com o o resultado da soberania de Deus: Ao lermos as Escrituras, encontramos alguns dos questionamentos que o homem levanta sobre [...] sermos os portadores da Palavra de Deus. Moisés não se julgava um homem “eloqüente” (Êx 4.10), e Isaías exclama: “Ai de mim”, porque ele é um homem de lábios impuros (Is 6.5) [...] [Assim,] este envio ao serviço divino apresenta um aspecto de triunfo e soberania, porém não apaga nem a limitação nem a fraqueza da palavra humana. De tempos em tempos, percebemos uma consciência vivida do uso que Deus faz dos seus ‘instrumentos’ humanos frágeis (ibid., 206). Até m esm o a profecia era vista de form a não-sobrenatural, pois “o discurso dos hom ens na profecia é a form a do testem unho confiável de D eus” (ibid., 146).
A Inspiração É Orgânica, Não Verbal e Plena Ao contrário da visão ortodoxa, Berkouw er defendia que a inspiração é orgânica1, mas não verbal e plena. Somos lembrados, pela nossa origem, do que se chama—até mesmo nos livros de catecismo — transição de uma visão mais “mecânica” para outra considerada mais “orgânica” das Escrituras. É evidente que esta também determinará a natureza do nosso relato (ibid., 11). Ligando as suas raízes ao seu antecessor holandês Herman Bavinck (1854-1921), Berkouwer declarou que “para Bavinck [...] a inspiração orgânica [é] o desdobramento e a aplicação do fato central da revelação, a encarnação da Palavra” (ibid., 199). Ele rejeitou a visão ortodoxa: Cada livro da [Bíblia], cada capítulo dela, cada palavra nela contida, cada sílaba, cada uma das suas letras, é a expressão direta do Altíssimo, [alegando que] esta declaração [...] desrespeita todas as nuanças das Sagradas Escrituras (considere os Salmos, Jó, Eclesiastes) como se fossem uma seqüência de afirmações sobrenaturalmente reveladas, desprezando o fato de que a Palavra de Deus passou através da humanidade e incorporou a sua assistência (ibid., 23-24).
1 “Inspiração Orgânica” é a idéia de que a Bíblia é inspirada com o um todo, mas não necessariam ente em todas as partes.
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A In sp ira ça o É E n c o n tra d a n a In te n ç ã o Abraçando um a visão intencionalista da verdade (veja capítulo 7), Berkouwer afirmou: O que está em questão é se e de que forma a fé se relaciona com o evangelho prometido nas Sagradas Escrituras. As Escrituras são centrais por causa da sua natureza e intento. Pois estas Escrituras são somente mencionadas porque o seu sentido e intento é a divina mensagem da salvação (ibid., 147). A exem plo de H erm an Ridderbos, Berkouwer acreditava que “os evangelistas não tiveram a intenção de nos apresentar u m a ‘narrativa histórica das palavras e dos atos de Jesus’, m as u m retrato dele co m o o Cristo. Este é o caráter do nosso evangelho, ou, em outras palavras, não é u m relato, mas u m testem u n h o ” (ibid., 247). Assim, a Bíblia é inspirada som ente naquilo que foi intenção dela com unicar, e isto, supostam ente, nem sempre incluía questões históricas e científicas. As L im itaçõ es H u m a n a s das S ag rad as E s c ritu ra s Berkouw er sugere que as limitações da Bíblia parecem incluir os erros, co m o qualquer outro escrito hum ano: Fica muito bem expresso nas palavras de Bavinck: “Cristo se fez carne, um sem formosura ou graciosidade, o mais desprezado dentre os homens [...] e assim também a Palavra, a revelação de Deus, entrou na criação, na vida e na história dos homens e das pessoas em todas as formas de sonhos e visões, de investigação e meditação, mesmo na forma humana frágil e desprezível; a Palavra se fez Escritura e como Escritura se sujeitou a si mesma ao destino de todos os outros escritos” (ibid., 199, grifo adicionado). Só que o destino de todos os escritos hum anos é apresentar erros. Na verdade, Berkouw er se queixava do Fundam entalism o2 por este não adm itir a total hum anidade das Escrituras: O Fundamentalismo obscurece em muito os contextos nos quais o próprio Deus nos entregou as Escrituras. Por detrás do Fundamentalismo, está um tipo de desejo inconsciente de não permitir que a Palavra de Deus adentre o ambiente das criaturas —ou, usando as palavras de Bavinck, “adentre a base humana frágil e desprezível” —e o desejo de que as Escrituras não devam se sujeitar “como escrito ao destino que os demais escritos têm ” (ibid., 25). Ele acrescentou: Creio que não estou fazendo um julgamento injusto quando afirmo que o Fundamentalismo, na sua ânsia em sustentar a divindade das Sagradas Escrituras, não percebe completamente o significado das Sagradas Escrituras como um testemunho profético-apostólico e, conseqüentemente, humano (ibid., 22).
Berkouwer, com o muitos neo-evangélicos, considera a visão evangélica sobre as Sagradas Escrituras com o fundamentalista”.
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C om o para Berkouwer a Bíblia não é equiparada à Palavra de Deus, mas possui limitações que chegam ao nível do erro, ele precisa adotar um a form a de “acom odacionism o” divino ao erro hum ano em lugar da visão ortodoxa padrão da adaptação divina à finitude hum ana, que exclui o erro. Isto fica evidente em u m a série de afirmações que ele faz acerca das limitações e dos erros hum anos na Bíblia (ibid., 187).
Acomodações Culturais Por exem plo: Paulo, ao contrário, não chega nem perto de fazer proposições perpétuas acerca das mulheres. Antes, o que ele fez foi relatar vários testemunhos e prescrições aplicáveis a situações específicas — e de certa forma transparentes — diante de um cenário que continha uma moral e costumes específicos daquela época. [Conseqüentemente,] esta percepção tem, cada vez mais, penetrado até mesmo nas áreas onde não tem havido relutância em afirmar as Escrituras como a Palavra de Deus (ibid., 187). Citando o teólogo am ericano Bernard R am m (1916-1992), que é conhecido por sua inclinação ao Neo-evangelicalism o nos anos finais da sua vida, Berkouw er afirmou: Ramm escreveu acertadamente [...] que o Espírito Santo “não entregou aos escritores os segredos da ciência moderna”. Vários exemplos excessivos (inclusive as teorias nucleares) são, na sua opinião, “uma má compreensão da natureza da inspiração”, pois não levam em consideração que as Escrituras nos chegaram “nos termos da cultura na qual os escritores estavam inseridos” (ibid., 189).
Acomodações Cientificas Para Berkouwer: O problema do caráter da Escritura como sendo palavras sopradas por Deus e da sua continuidade ganhou um interesse renovado na sua conexão com o nível de conhecimento do autor em um certo período (Ex 20.4; SI 24.2; 2 Sm 22.8; SI 136.6; Jó 26.5; SI 46.3; SI 148.4). [É claro que] isto não significa uma capitulação diante da ciência c o m o instituição oposta à Palavra de Deus, com as suas conclusões de que as Escrituras não são dignas de confiança e que o seu testemunho é inverossímil. [Ao contrário,] significa um grau ainda maior de naturalidade ao falarmos da Bíblia, tendo em vista a sua natureza e propósito. A correção das várias concepções de mundo — a sua composição e o seu lugar no universo —, portanto, não são todas necessárias para garantir a mensagem plena e clara das Escrituras. [Assim,] problemas formais de exatidão (inerrância junto com a infalibilidade) se desintegram diante de tal naturalidade (ibid., 182).
Acomodações Históricas De acordo com Berkouwer: Quem exige que todas as concepções que ocorrem nas Escrituras sejam precisamente corretas com base no seu caráter soprado por Deus já começa com o pressuposto de que
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a voz de D eu s so m en te assim pode ser confiáv el e qu e os au to res bíblicos n ão p o d em ser teste m u n h a s e in s tru m e n to s das E scritu ras sopradas p o r D eus qu and o u tilizam certas co n cep ções lim itad as ao tem p o nos seus escrito s. [Logo,] esta n o çã o de “in e rrâ n c ia ” pode rap id am en te levar à idéia de qu e a "ex a tid ã o ” de todas estas co n cep ção, n a verdade, antecip aria descobertas científicas p o steriores (ibid., 183). B e r k o u w e r n e g o u a i n e r r â n c ia d a B íb lia , a le g a n d o : O co n ceito de erro n o sen tid o de in co rreç ã o está ob v iam en te sendo utilizad o n o m esm o nível que o co n ceito de e rrar n o sen tid o de pecad o e en gan o. E sta distinção é deixada u m ta n to vaga. C o m o c o n s e q ü ê n c ia d isso:
A p ercep ção h istó rica lim itad a d entro de u m a ce rta situação c u ltu r a l e cien tífica é, sem m aio res cond ições, co lo cad a lado a lado co m o e rrar n o sen tid o de m en tir, em op osição à verdade. Se o e rra r é fo rm alizad o desta m an eira, ele não p o d erá m ais ser relacion ad o à verdade n o sen tid o bíblico, m as co n tin u a a fu n cio n a r co m o u m a e stru tu ra fo rm a l de precisão e exatidão. A ssim :
E stam os m u ito distantes da fo rm a séria co m a qual o erro é tratad o nas E scritu ras. Pois nelas o e rro n ão significa o resu ltad o de u m grau lim itad o de c o n h e c im e n to , m as u m desvio da verdade e u m in cô m o d o ã fé ( 2 T m 2.18) (ibid., 181). C o m r e la ç ã o ao s E v a n g e lh o s , B e r k o u w e r c o n c lu iu : Jam ais
reso lv erem o s
o p ro b lem a
dos E van g elh o s
en q u an to
op erarm o s
ind iscri
m in a d a m en te co m o co n ceito da “confiabilidade h is tó rica ”, p re cisam en te p o rq u e dessa fo rm a d eixam os a im p ressão de que n ão p recisam o s resp on d er m ais n e n h u m a o u tra p ergu n ta. C o m o co n seq ü ên cia, tod a reflexão p o sterio r sobre este p o n to estará su je ita à suspeita desde o in ício (ibid., 251). E le a c r e s c e n to u : “M u ito s já in d ic a r a m q u e se r ia im p o s s ív e l e s c r e v e r u m a ‘b io g r a fia ’ d e Je su s c o m b a s e n o s E v a n g e lh o s , n e m m e s m o in s e r in d o n e la o s d a d o s c o n t id o s n o s E v a n g e lh o s d e f o r m a q u e u m c o m p le m e n t a s s e o o u t r o ” (ib id ., 2 4 7 ).
As L im itaçõ es n a C o sm o v isã o N o p a r a d ig m a d e B e r k o u w e r , a B íb lia é fa lív e l a té m e s m o n a c o s m o v is ã o q u e e x p re ss a :
Isto fica b e m ilu strad o nas palavras de Jan R idderbos: “A cim a de tu d o, as E scrituras carreg am as m arcas do p erío d o e do m eio n o qual fo ra m escritas e co m p a rtilh a m , em p arte, estas m arcas c o m a c u ltu r a c o m a qual, de várias m an eiras, Israel ta m b é m interagia. Isto é verdadeiro n a escrita, n a lin g u ag em , n o estilo, nos gên eros literários, nas idéias,
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nas concepçoes [e] na cosmovisão (conforme podemos ver no universo de três camadas mencionado em Êxodo 20.4)” (ibid., 182). Ele tam bém disse de m aneira pouco convincente: “Já foi m ostrado que a autoridade das Escrituras de form a algum a é diminuída em função de operar co m base em um a cosmovisão antiquada; pois não era o propósito das Escrituras apresentar inform ações reveladoras neste nível” (ibid., 181).
Os Mitos nas Sagradas Escrituras Berkouw er chegou ao ponto de alegar a existência de m itos na Bíblia, argum entando que “não podem os assumir u m p ostura contrária às preocupações teológicas de B ultm an n acerca da desmitologização por interm édio de textos co m o 2 Pedro 1.15” [a repetição da história em que Balaão é repreendido po r u m a m ula, citando K. H. Schelke, Die Petrusbnefe (1961)] (ibid., 198): Por “m ito”, Bultmann não quer dizer aqueles mitos que são rejeitados como invenção e são opostos à realidade como sendo mythoi. Na sua concepção, são figuras ligadas a uma cosmovisão mítica. Esta cosmovisão é caracterizada pela presença de três níveis —céu, terra e o mundo inferior —, de forma que a terra é considerada o “cenário da atividade sobrenatural de Deus” [extraído de Bultmann, “New Testament and Mythology”, in: Kerygma and Myth] (ibid., 254).
A respeito dos escritores de os Evangelhos estarem relatando ou criando as palavras e os eventos de Jesus, Berkouw er concluiu: “Se estivermos tratando de u m a fusão entre estória e interpretação, será que não deveríamos aceitar a criatividade dos evangelistas, da qual os eventos fantasiosos poderiam ser extraídos som ente co m grande dificuldade?” (ibid., 248).
A Crítica Bíblica Berkouw er acreditava que a Bíblia não estava acim a das críticas: Por várias razões, os estudantes das Sagradas Escrituras começaram a querer saber mais se as Sagradas Escrituras como Palavra de Deus estão verdadeiramente acima de todas as críticas como a indiscutível vox Dei, como um livro que — apesar de humano — tem a assinatura inconfundível de Deus [...] E comum dedicar muito pouca atenção à possibilidade e legitimidade da investigação bíblica. Uma visão sobrenaturalista da revelação consideraria toda “investigação” humana como algo inconcebível e que gera confusão (ibid., 13, 358).
JACK ROGERS (1934-) C onform e Harold Lindsell d ocum entou no seu livro The Battlefor the Bible (A Batalha Pela Bíblia), o Fuller Sem inary tem encabeçado o m ovim ento em direção à visão neo-evangélica das Sagradas Escrituras. O m ovim ento com eçou nos anos 60, quando a faculdade teve u m cism a a respeito da inerrância da Bíblia, depois de a escola ter eliminado este assunto da sua posição doutrinária. As pessoas que se opuseram a esta
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orientação deixaram o seminário, inclusive evangélicos notáveis, co m o Harold Lindsell, Carl Henry, Charles Woodbridge, Wilbur Sm ith e Gleason A rcher. O m ovim ento con tra a inerrância foi liderado por Daniel Fuller, George Ladd, Paul Jew ett e o presidente do seminário, David Hubbard. A obra mais significativa em defesa da visão neo-evangélica foi posteriorm ente produzida p o r u m m em bro da faculdade cham ado Jack Rogers, e recebeu o título de The Authority and Interpretation o f the Bihle (A Autoridade e a Interpretação da Bíblia). A O rig em das S agrad as E s c ritu ra s C om respeito à origem das Escrituras, Rogers sustenta que “os evangélicos crêem que a Bíblia é a palavra de Deus p ortad ora de autoridade” (BA, 17). Porém , a acom odação à lim itação h um ana e até m esm o ao erro está envolvida neste processo, pois “para se com u n icar efetivamente co m os seres hum anos, Deus aceitou hum ildem ente e se acom odou às categorias hum anas de pensam ento e discurso” (A IB , 10). Assim, nos passos de Berkouwer, a natureza da inspiração não é verbal e plena; antes, é orgânica, significando que a Bíblia é inspirada no seu todo, mas não necessariam ente em todas as suas partes. A In sp ira çã o O rg â n ica De acordo com Rogers: O princípio interpretativo básico da Reforma já havia sido exposto de várias formas: a analogia da fé, ou a Escritura como sua única intérprete. O significado destas frases era que cada parte da Bíblia deveria ser compreendida em relação à mensagem salvífica geral da Escritura [...] Bavinck tentou expressar esta relação das partes com o todo por intermédio da imagem do corpo humano. O seu conceito, ao qual ele chamou de “inspiração orgânica”, chamou a atenção para o fato de haver um centro e uma periferia na Escritura (ibid., 391). In e rr a n te S o m e n te n o P ro p ó sito Rogers estava querendo falar da inerrância da Bíblia, mas ele a redefiniu em term os da sua visão não-tradicional da verdade (veja capítulo 7) co m o intencionalidade e nãocorrespondência. Isto significa dizer que a Bíblia não con tém erros no que ela pretende realizar, m as não em tudo o que afirma. Sem dúvida, é possível definir o significado da inerrância bíblica de acordo com o objetivo salvífico da Bíblia, levando em consideração as formas humanas por intermédio das quais Deus aceitou se revelar (BA, 45). E rro s F a ctu a is Esta “inerrância de propósito mas não de fatos” deixa a Bíblia co m erros históricos e científicos. E uma irresponsabilidade histórica alegar que por dois mil anos os cristãos acreditaram que a autoridade da Bíblia implica um conceito moderno de inerrância nos detalhes científicos e históricos (ibid., 44).
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Portanto, insiste Rogers: Confundir “erro ” no sentido de precisão técnica com a noção bíblica de erro com o sendo o engano deliberado nos desvia do propósito sério das Escrituras. O propósito da Bíblia não é substituir a ciência humana. [Portanto,] o propósito da Bíblia é advertir-nos contra o pecado hum ano e oferecer-nos a salvação de Deus por interm édio de Cristo. A Escritura, infalivelm ente, cum pre este propósito. Não somos chamados a discutir a precisão científica, mas a aceitar a mensagem da salvação (ibid., 46).
O Propósito das Sagradas Escrituras D epois de a in e rrâ n cia te r sido definida em te rm o s de in te n çã o ou p ro p ó sito , e n ão em te rm o s de co rre sp o n d ê n cia ao fa to , o n e o -e v a n g é lico p od e falar do p ro p ó sito salvífico das Sagradas E scritu ra s c o m o sendo h e rm e n e u tica m e n te definitivo em te rm o s do significado da in sp iração . R ogers escrev e, a resp eito desta co n e x ã o : As Escrituras poderiam ser interpretadas por uma mente regenerada à luz do seu propósito de proporcionar-nos a salvação em Cristo [...] As Escrituras não deviam ser utilizadas como fonte de informação científica, como forma de redargüir as descobertas dos estudiosos (ibid., 34). R ein terp retan d o a h istória à luz da sua n ova definição de inspiração e in errância, R ogers afirm a: Para os teólogos de Westminster, o juiz final nas controvérsias da religião não era somente as palavras cruas das Escrituras interpretadas pelo lógica humana, mas o Espírito de Cristo, que nos guiaria pelas Escrituras em direção ao testemunho salvífico central acerca dele (ibid., 35). Isto significa dizer que o propósito determ ina o significado, e co m o o propósito da Bíblia é julgado com o sendo unilateralm ente salvífico (2 T m 3.15), precisam os passar p or cim a de erros factuais m enores nos cam pos da História e Ciência para o bem do seu propósito salvífico central.
A Alta Crítica e a Bíblia Concentrando-se no propósito, e não nos fatos, Rogers é capaz de acom odar a crítica negativa m od ern a da Bíblia. Vejamos o ele m esm o diz: Ao fazer uma distinção entre o central e o periférico nas Escrituras, a tradição de [Abraham] Kuyper e de [Herman] Bavinck libertaram os seus seguidores do academicismo e pelo academicismo. A mensagem salvífica central das Escrituras poderia ser recebida pela fé, sem a necessidade de esperar por razões acadêmicas. O material de apoio das Escrituras, as formas humanas de cultura e linguagem, também estava aberto para a investigação acadêmica ( A IB , 393).
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Rogers acredita que: A crítica bíblica se transformou em um problema, de acordo com Bavinck, somente quando os críticos perderam de vista o propósito das Escrituras. Este propósito, objetivo, ou “destino” das Escrituras, “não era outro senão tornar-nos sábios para a salvação”. N aperspectiva de Bavinck, as Sagradas Escrituras não tinham o propósito de fornecernos inform ações científicas tecnicam ente corretas (BA , 43). R ogers rejeitou clara m e n te a visão o rto d o x a tradicion al de B. B. Warfield (18511921) acerca da in errân cia — ou seja, a in errân cia factual da Bíblia nos m an u scrito s originais, p or ser u m a hipótese n ão -co m p ro v áv el: “Assim, a in errân cia fica confinada aos m an u scrito s originais (que estão perdidos) da Bíblia. C o m o os te x to s originais n ão estavam disponíveis, Warfield parecia te r u m p o n to de vista ap ologético in atacáv el” (ibid., 39). A R evisão de R o g e rs da H istó ria da Ig reja Rejeitando a ortodoxia de Charles Hodge (1797-1878), B. B. Warfield e da escola de Princeton, por acreditar que ela se baseava na velha lógica aristotélica, Rogers prosseguiu na sua filosofia revisionista da história eclesiástica a fim de reinterpretar o passado a favor da sua nova visão evangélica. Ele insistia: Agostinho, Calvino, Rutherford e Bavinck, por exemplo, todos negaram especificamente que a Bíblia deveria ser vista como autoridade em matérias científicas. Citá-las em apoio de uma teoria moderna de inerrância é trivializar a preocupação central deles sobre a Bíblia ser a nossa única autoridade para a salvação e para a forma como levamos a nossa vida cristã (ibid., 44). Rogers escreveu: “E igualm ente irresponsável alegar que a velha teologia de Princeton de Alexander, Hodge e Warfield é a única tradição teológica legitim am ente evangélica, ou reform ada, nos Estado Unidos” (ibid., 45). Em resu m o, a visão n eo-evangélica faz u m a diferenciação en tre a Palavra de Deus (con teú d o divino) e as palavras dos autores hum anos (fo rm a h u m an a) das Sagradas Escrituras. A prim eira é infalível, mas a segunda não; logo, a Bíblia não se constitui em palavras divinas infalíveis, m as som en te em palavras hum anas confiáveis. A exem plo dos adeptos da N eo -orto d o xia (veja capítulo 21), os neo-evangélicos su sten tam que a Bíblia é u m testem u n h o h u m an o da revelação divina. A igreja a confessa co m o Palavra de Deus, m as a Bíblia não expressa verdades eternas sobre m atérias relacionadas à Ciência, História ou até m esm o relações hum anas (tal co m o o papel do h o m em e da m u lh er). Além disso, os neo-evangélicos enxergam a visão evangélica das Escrituras (que eles :h am am de “Fundam entalism o”) co m o u m a defesa da teoria do ditado m ecânico, e esta caricatura é rejeitada em favor da teoria da inspiração orgânica, que sustenta que Sagradas Escrituras refletem m itos e visões científicas obsoletas. A Bíblia, tal com o :u tros livros hum anos, está sujeita a erros e, dessa form a, tam bém precisa ser julgada de form a crítica.
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C. S. LEWIS Para as pessoas mais familiarizadas co m a defesa firme e eloqüente que C. S. Lewis apresenta de m uitos dos princípios básicos do Cristianismo histórico, a sua opinião acerca das Sagradas Escrituras chega co m o u m a grande surpresa. Na verdade, a sua perspectiva quase que desafia u m a categorização, pois com bina elem entos aparentem ente contraditórios das linhas ortodoxa, liberal, n eo -o rto d o xa e neo-evangélica. Alguns o ch am aram de “liberal evangélico”. Mas, co m o ele claram ente não se encaixa n em no m odelo evangélico n em no liberal, o colocam os aqui junto às visões neo-evangélicas, apesar de ele apresentar m uito mais em co m u m co m o liberalismo, particularm en te no que se refere ao Antigo Testam ento. C om o os defensores da N eo-ortodoxia, Lewis cria que a voz de Deus poderia ser ouvida p or interm édio do disco defeituoso do Antigo Testam ento. A origem da m ensagem era divina, m as a tubulação hum ana por interm édio da qual ela nos chegou norm alm ente estava terrivelm ente suja.
A Voz de Deus por Intermédio da Distorção Humana Lewis escreveu: Certamente, parece-me que por ter que alcançar o que realmente é a Voz de Deus nas maldições que leio nos Salmos e por intermédio de todas as distorções horríveis da mediação humana, adquiri algo que não conheceria em uma exposição ética isenta de falhas (RP, 114). Ele acrescentou: “M esm o terrivelm ente distorcida pelo in strum ento h um ano, podese ouvir algo da voz divina nestas passagens” (ibid., 32).
A Elevação Divina do Gênio Humano Lewis parecia adotar u m a visão evolucionária teísta acerca da origem das Escrituras (veja CR, 115), acreditando que o corpo hum ano se desenvolveu gradual e n aturalm ente até que Deus infundiu nela u m a alm a hum ana, estam pando, assim, a Sua im agem nele. As Sagradas Escrituras teriam sido produzidas de m aneira similar: Pois somos ensinados que a própria Encarnação veio “não da conversão da Trindade em carne, mas pelo fato de Deus ter se revestido de humanidade”; nela, a vida humana se torna o veículo da vida divina. Se as Escrituras não provêm da conversão da palavra de Deus em literatura, mas do fato de Deus ter se apropriado de uma literatura para que servisse de veículo da palavra de Deus, isto não é uma anomalia (RP, 116). Isto é verdade porque: Se o Antigo Testamento é uma literatura assim “apropriada”, tornada em veículo daquilo que é mais do que humano, não podemos, obviamente, colocar limites na força da multiplicidade de significados que lhe podem ser atribuídos. Se todo autor pode dizer mais do que sabe, e quiser dizer realmente mais do que disse, então estes escritores terão uma propensão muito especial a fazer isto. E isto não terá sido por acidente (ibid., 117).
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D e a c o r d o c o m Lew is, h a v ia u m c o n flito c o n s t a n te e n tr e o d iv in o e o h u m a n o n a f o r m a ç ã o das E s c ritu ra s , p o is “le m o s [a c e rc a da] e x p e r iê n c ia t o t a l q u e os ju d e u s tiv e r a m c o m a a u t o -r e v e la ç ã o g ra d u a l e g ra d u a d a d e D e u s [de f o r m a qu e] p o d e m o s s e n tir as p ró p ria s lu ta s e n tr e a P a la v ra e o m a te r ia l h u m a n o p o r in t e r m é d io d o q u a l e la o p e r a ” (ib id ., 114).
A S u p erv isão D ivina P a ra L ew is, as S a g ra d a s E s c r itu r a s sã o m u i t o m a is o r e s u lt a d o d a p r o v id ê n c ia d e D e u s d o q u e d a su a in t e r v e n ç ã o s o b r e n a t u r a l: C o nsid ero qu e a totalid ad e do A n tig o T esta m e n to se co n stitu i n o m e sm o tip o de m aterial qu e e n co n tra m o s e m ou tras literatu ras — crô n icas (alg u m as delas ob v iam en te m u ito exatas), p o em as, diatribes m orais e políticas, ro m an ces, e coisas sim ples; tu d o, p o rém , p o sto a serviço da palavra de D eu s. Mas n e m tu d o, eu su p o n h o , da m esm a fo rm a. A ssim : Existem profetas que escrevem co m a m ais clara consciên cia da co m p u lsão divina sobre si m esm os. Há cronistas que po d em ter tido p o r ú n ica in ten ção o registro de aco n tecim en to s. H á poetas, co m o aqueles do livro de Cantares, que provavelm ente n u n ca so n h aram co m u m propósito que ultrapassasse o secular e o n atu ral naquilo que co m p u seram . T am bém : Há (sem qu e isso seja m en o s im p o rta n te ) p rim e ira m e n te a obra dos ju d eu s, e depois da ig reja cristã, na p reservação e can o n ização destes próp rios livros. H á o trab alh o dos red atores e ed itores n a sua m od ificação. T od os estes, eu su p o n h o , so freram u m a pressão divina, de que ce rta m e n te tod os tiv eram co n sciên cia (ibid., 111). A c o n c e p ç ã o d e L ew is a c e r c a d a a u to r id a d e d iv in a d as S a g ra d a s E s c r it u r a s fo i s e v e r a m e n t e m o d ific a d a p e la a c e it a ç ã o d a c r ít ic a lit e r á r ia n e g a tiv a s o b r e ela s. O r e s u lt a d o fo i a su a c o n c lu s ã o d e q u e h a v ia m u ito s e r r o s e c o n t r a d iç õ e s n a B íb lia .
A N a tu re z a S u je ita a E rro d a B íblia L ew is a c r e d ita v a q u e : In d ep en d e n tem en te da opin ião que tivéssem os acerca da au to rid ad e divina das Escrituras, ela deveria abrir espaço para os segu in te fatos: (1) A distinção qu e São Paulo faz em 1 C o rín tio s 7 e n tre [não eu , m as o Sen h o r] (v. 10) e [digo eu , n ão o Sen h o r] (v. 12). (2) As inconsistên cias aparentes e n tre as genealogias em M ateu s 1 e Lucas 3; c o m os relatos da m o rte de Judas em M ateu s 27.5 e A tos 1.18,19. (3) O relato do p ró p rio São Lucas a respeito de co m o obteve a in fo rm a çã o que escreveu (1.1-4). (4) A falta de historicidad e u n iv ersa lm en te aceita (n ã o estou dizendo, o b viam en te, que se tra ta m de m en tiras) de, p elo m en o s, algum as narrativ as das E scritu ras (as parábolas), que ta m b ém p o d em ser aplicadas a Jonas e a Jó. (5) Se to d o b o m e p erfeito d o m vem do Pai das luzes, en tão tod os os escrito s verdadeiros e edificantes, esteja m ou n ão nas E scritu ras, p o d em ser, no m esm o sentid o, inspirados. (6) A inspiração pode o p erar em u m h o m e m ím p io sem que
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ele tome consciência disso, e ele poderá, então, expressar a inverdade que quer [...] bem como a verdade que não quer (veja Jo 11.49-52) (citado por Christensen, CSLS, 98-99)3. Lewis disse: Algumas pessoas consideram os milagres tão difíceis de acreditar que não conseguem imaginar qualquer razão para a minha aceitação deles que não seja uma crença prévia de que todas as frases do Antigo Testamento se constituem em verdade histórica e científica, [Mas] esta não é a minha opinião, da mesma forma que São Jerônimo também não cria assim, quando ele disse que Moisés descreveu a criação “à maneira de um poeta popular” (ou, como diríamos, miticamente), ou que Calvino, quando ele teve dúvidas sobre a história de Jó ser fato ou ficção (RP, 109).
Os Mitos no Antigo Testamento Falando de m aneira geral, a opinião de Lewis acerca do N ovo T estam ento é mais ortod o xa do que a que ele apresenta sobre o Antigo Testam ento, especialmente n a sua visão a respeito da sua historicidade. Isto se deve, em parte, à sua visão singular acerca dos m itos, ou seja, que Deus prim eiro se revela em m itos, e então na história (M , 139). Lewis não tinha dificuldade em aceitar a visão liberal há m uito tem po arraigada de que o relato de Adão e Eva se tratava de u m a descrição m itológica. Ele disse: “Portanto, não ten h o dificuldade algum a em aceitar, digamos, a visão daqueles estudiosos que nos afirm am que o relato da criação em Gênesis deriva de estórias semitas mais antigas que eram pagãs e m íticas” (RP, 110). Quando uma série de tais repetições transforma um relato da criação, que não apresentava de início praticamente nenhum significado religioso ou metafísico, em uma história que atende à idéia da criação real e de um Criador transcendental (como o texto de Gênesis faz), então nada me fará acreditar que alguns dos que passaram este relato para a frente, ou pelo menos uma destas pessoas, não tenham sido guiados por Deus. [Assim,] algo que era, originalmente, puramente natural —o tipo de mito que pode ser encontrado na maioria das nações —terá sido elevado pelo próprio Deus a uma posição maior do que a do relato em si mesmo, terá sido qualificado por Ele e impelido por Ele para servir aos propósitos aos quais, no seu estado anterior, não teria servido (ibid., 110). De m aneira sem elhante, Lewis escreveu: O livro de Jó não me parece representar um relato histórico porque inicia com um homem bastante desconectado com toda a história ou mesmo lenda, não tem genealogia, mora em um país praticamente não mencionado pela Bíblia; porque [...] o autor, parece-me óbvio, escreve da perspectiva de um contador de estórias, e não de um cronista (ibid., 110). Também: A questão de Jonas e o grande peixe não se constitui simplesmente em probabilidade intrínseca. O ponto é que o livro de Jonas inteiro tem para mim um ar de romance moral, 3V eja N orm an Geisler e Thom as Howe, When Critics Asfe.
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que é algo bem diferente, digamos, dos relatos sobre o Rei Davi ou das narrativas do Novo Testamento, pois não está ligado, como estes, a uma situação histórica. Em que sentido a Bíblia “apresenta” o relato de Jonas como “histórico”? Lewis responde: “É claro que ela não diz: ‘Isto é ficção’, m as o nosso Senhor tam bém não diz que o Juiz Injusto, o B om Sam aritano, ou o Filho Pródigo, são ficção. (Eu tam bém incluiria Ester na m esm a categoria que Jonas pela m esm a razão )” (C hristensen, CSLS, 96-97). E rro s H istó rico s n a Bíblia De m aneira sem elhante, Lewis tam bém não tinha qualquer dificuldade em aceitar que havia erros históricos na Bíblia: Parece-me que os pontos 2 e 4 [veja página 367, sob o título “A Natureza Sujeita a Erro da Bíblia”] excluem a visão de que todas as frases das Sagradas Escrituras devem representar verdades históricas. E os pontos 1, 3,5 e 6 excluem a visão de que a inspiração é uma coisa única no sentido de que, se estiver mesmo presente, está sempre presente, do mesmo modo e na mesma intensidade. Portanto: Penso que está excluída a visão de que cada passagem, isoladamente considerada, pode ser considerada inerrante no sentido exato em que qualquer outra: por exemplo, que os números dos exércitos do Antigo Testamento (os quais, diante do tamanho dos países, se verdadeiros, envolvem um milagre contínuo) estejam estatisticamente corretos [...] Que o objetivo geral das Escrituras é transmitir a Palavra de Deus ao leitor (ele também necessita da sua inspiração) que a lê no espírito certo, creio nisso de todo o meu coração. Que ela também apresenta respostas corretas para todas as perguntas (normalmente sem qualquer implicação religiosa) que se possa fazer, não sei. O tipo exato de verdade que hoje exigimos, na minha opinião, nem de longe lembra a aspiração dos homens da antigüidade (RP, 199). Para Lewis: As qualidades humanas das matérias-primas ficam claras. Ingenuidade, erro, contradição, até mesmo impiedade (como no caso dos salmos que contêm maldições), estão presentes. O resultado final não é “a Palavra de Deus” no sentido de que cada uma das suas passagens, por si mesma, nos transmite informações científicas ou históricas impecáveis (ibid., 111-112). As P o rçõ e s A n ti-R e lig io sa s das S ag rad as E s c ritu ra s Ao contrário de m uitos neo-evangélicos, Lewis não lim itou a inerrância das Sagradas Escrituras a assuntos não relacionados à religião. Vejamos o que ele escreveu: Nem eu (hoje) estaria disposto a remover da minha Bíblia algo tão anti-religioso quanto o niilismo que encontro em Eclesiastes. Encontramos ali uma imagem clara e fria da vida do homem sem Deus. São declarações que também fazem parte da palavra de Deus (ibid., 115).
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Da m esm a form a: Encontraremos nos Salmos expressões de crueldade vingativa e justiça própria mais impressionantes do que qualquer coisa que se possa ler nos clássicos. Se desprezarmos estas passagens e lermos somente alguns Salmos favoritos, estaremos perdendo o principal. [Pois] o principal é precisamente isto: que justamente estes hebreus fanáticos e homicidas, e não os povos mais iluminados, repetidas vezes —em breves momentos —alcançam um nível cristão de espiritualidade (CR, 116). Lewis acreditava que alguns Salmos eram desprezíveis e chegavam ao ponto de ser demoníacos: Uma m aneira de lidar com estes salmos terríveis ou (será que poderíamos falar assim?) desprezíveis é simplesmente deixá-los de lado. Mas, infelizmente, as partes ruins “não passarão intactas”; elas podem estar entrelaçadas com as coisas mais maravilhosas (RP, 21-22). Ele acrescentou: È de um simplismo monstruoso ler as maldições dos Salmos sem nenhum tipo de sentimento que não seja o horror diante da falta de sensibilidade dos poetas. Eles foram, na verdade, demoníacos [...] Ainda mais demoníacos em um versículo do, de outra forma belo, Salmo 137, onde uma bênção é proferida sobre todo aquele que pegar um bebê babilônico e bater a sua cabeça contra a calçada até que os seus miolos fiquem expostos (ibid., 25, 20-21).
A Visão Ortodoxa sobre a Inspiração É Rejeitada C. S. Lewis claram ente rejeitou avisão orto d o xa das Sagradas Escrituras, nas seguintes palavras: Podemos respeitar e, em certos momentos, até invejar tanto a visão que os fundamentalistas têm sobre a Bíblia quanto a que os católicos romanos têm sobre a igreja. Existe, porém , um argumento do qual deveríamos estar conscientes antes de aderir a qualquer uma destas posições: Deus deve ter feito o que é m elhor, e isto é o m elhor, portanto Deus assim fez as coisas. Pois somos mortais e não sabemos o que é m elhor para nós, e é perigoso prescrever o que Deus deveria ter feito — especialmente quando não conseguimos ver que Ele, no final das contas, fez tudo isso pelo nosso próprio bem (ibid., 112). Ele prosseguiu: Não somos fundamentalistas, pois consideramos que elementos diferentes neste tipo de teologia apresentam graus diferentes de peso. Quanto mais estes elementos se enquadrem na crítica textual simples, dos velhos tempos [...] mais estaremos dispostos a acreditar no seu conteúdo (ibid., 163).
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A C rític a N eg ativ a das S ag rad as E s c ritu ra s Lewis rejeitou a autoria tradicional de certas porções do Antigo Testam ento, incluindo os Salmos, m esm o que esta sua posição entre em conflito direto co m a opinião de Cristo (cf. M t 22.43-45). “Qual a idade dos Salmos, no form ato que hoje os conhecem os, realm ente é u m a questão que deixo para os estudiosos da área. Fui inform ado de que há u m deles [o Salmo 18] que realm ente pode ter suas origens n a época do próprio Davi; ou seja, no décim o século a.C. A m aior parte deles”, entretanto, “são considerados do período ‘pós-exílico’; o livro foi reunido “quando os hebreus, que tiveram u m longo exílio em Babilônia, foram repatriados p o r Ciro da Pérsia, que foi u m m on arca deveras ilum inado. Isto nos levaria a u m a data posicionada no sexto século. A quantidade de m aterial incorporado no livro, anterior a este período, nos é desconhecida” (CR, 114). A R e je içã o d os M ilagres do A n tig o T e s ta m e n to É profundam ente decepcionante para as pessoas que con hecem a firme defesa que Lewis faz do Sobrenaturalism o em outro excelente livro seu sobre Miracles (Milagres) descobrir que ele não aceita os milagres do Antigo Testam ento: “A consideração dos milagres do Antigo Testam ento vai além da proposta deste livro e requeriria diversas form as de conhecim ento que não possuo de m o m en to ”. Todavia, ele acrescenta: “A minha opinião de momento — que não é conclusiva e está sujeita a correções de toda espécie4 — seria de que da m esm a form a que, do lado factual, u m a longa preparação antecedeu a Encarnação de Deus co m o h om em , assim tam bém , do lado docum ental, a verdade aparece prim eiro em form a m ítica e depois, em u m longo processo de condensação ou de concentração, finalmente se to rn a encarnada co m o História”. E claro que: Isto envolve a crença de que o Mito em geral não é meramente “história mal compreendida” (como pensava Evêmero), nem ilusão diabólica (como pensavam alguns dos Pais), nem mentira sacerdotal (como pensavam os filósofos do Iluminismo), mas, na melhor das hipóteses, um feixe real (embora difuso) da verdade divina que vêm sobre a imaginação humana. Os hebreus, a exemplo de outros povos, também tinham a sua mitologia: mas por serem o povo escolhido, sua mitologia também passa a ser a mitologia escolhida —a mitologia escolhida por Deus para servir de veículo das verdades sacras mais antigas, o primeiro passo no processo que culmina no Novo Testamento, onde a verdade se torna completamente histórica. Lewis, ainda, acrescentou: Se podemos, algum dia, afirmar com exatidão onde qualquer dos relatos específicos do Antigo Testamento se encaixa neste processo de cristalização, é uma outra questão. [Portanto,] considero que as memórias da corte de Davi estão em um lado da balança e são ligeiramente menos históricas que São Marcos ou Atos; e que o Livro de Jonas está no extremo oposto (M, 139). Todavia, Lewis acreditava que “a ressurreição de Cristo é u m evento histórico e muito importante, mas o valor dos outros eventos (por exemplo, o destino da m ulher de Ló) pouco nos importa. E os eventos cuja historicidade realmente im porta são, pela vontade de Deus, aqueles onde ela fica clara” (citado por Kilby, CWCSL, 153). Em outra obra, Lewis explica: 4 Lewis deve ser elogiado por consentir com o fato de que sua visão pode estar errada.
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Uma teologia que nega a historicidade de quase todos os fatos relatados nos Evangelhos [...] que também nega as coisas milagrosas como um todo, ou que, de forma ainda mais estranha, depois de engolir o camelo da ressurreição, se afoga com os mosquitos da multiplicação dos pães e peixes — quando apresentada a homens sem instrução pode gerar somente um ou outro de dois efeitos: Fará dele um católico romano ou um ateu (CR, 153).
A Aceitação da Evolução Teísta E m b o ra existam algu m as evidências de m odificações p o steriores n a sua opinião, Lewis aceitava a evolu ção teísta, em co n trad ição direta co m a in te rp re ta çã o literal do te x to (veja Volum e 2, p arte 2): “Ao lon go de m u ito s séculos, Deus aperfeiçoou a fo rm a do an im al, que se to rn o u o veícu lo da h um anidad e e da sua p ró p ria im a g e m ” (RP, 65): A criatura pode ter existido durante eras e eras neste estágio primitivo, antes de se transform ar no hom em : ela pode inclusive ter sido inteligente o suficiente para fazer coisas que um arqueólogo moderno aceitaria com o provas da sua humanidade. Porém, não passava de um animal, porque toda a sua parte física, bem com o os seus processos físicos, tinha objetivos puram ente naturais e materiais. [Foi então que,] na plenitude dos tempos, Deus fez com que viesse sobre este organismo, tanto no seu lado psicológico quanto fisiológico, um a nova form a de consciência que era capaz de dizer “eu” e “m im ”, e que poderia olha para si mesmo como um objeto que tinha consciência de Deus, que podia fazer juízos acerca da verdade, da beleza e da bondade, e que também estava tão acima do tempo ao ponto de perceber a sua passagem (ibid).
AVALIAÇÃO DA VISÃO NEO-EVANGÉLICA SOBRE AS SAGRADAS ESCRITURAS C om exceção dos pensam entos mais liberais e n eo-ortod oxos de C. S. Lewis acerca das Sagradas Escrituras, os quais foram criticados nas seções anteriores (veja capítulos 20-21), a visão neo-evangélica das Sagradas Escrituras apresenta alguns traços que a distinguem da visão evangélica padrão, de que ela se desvia:
Visão Evangélica da Bíblia
Visão Neo-Evangélica da Bíblia
Verdadeira no seu todo e nas suas partes
Verdadeira no seu todo, mas não nas sueis partes
Verdadeira no sentido espiritual e científico Verdadeira em todos os seus intentos e em todas as suas afirmações A verdade é extraída pelo m étodo da correspondência
Verdadeira no sentido espiritual, mas n em sem pre no científico Verdadeira em todos os seus intentos, mas não em todas as suas afirmações A verdade é extraída por interm édio das intenções
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C om o todas as outras visões distorcidas das Sagradas Escrituras, a posição neoevangélica apresenta tan to dimensões positivas quanto negativas. Algumas características positivas incluem as seguintes: E n fa tiz a a V isão so b re as E s c ritu ra s c o m o u m T o d o O rg â n ico C om o Deus é o au to r final das Sagradas Escrituras, ela é u m todo orgânico. Cada u m a das suas partes precisa ser com preendida à luz do todo, e a nossa com preensão do todo deve se basear na com preensão que tem os de cada parte. C om preender esta relação sistemática entre o todo e a parte é crucial para um a com preensão apropriada das Sagradas Escrituras. Neste sentido, a ênfase na totalidade orgânica das Sagradas Escrituras é u m a contribuição positiva do Neo-evangelicalism o. Além disso, o outro lado desta visão é a rejeição da visão mecânica da teoria do ditado verbal, que é corretamente descartada. O significado, inclusive o significado da Bíblia, não é encontrado nas partes atomisticamente reveladas. As palavras assumem um significado com o partes de um a frase, e as frases são partes de parágrafos, e os parágrafos, por sua vez, assumem o seu significado à luz da totalidade da obra literária que é o livro, e assim por diante. Nenhuma parte isolada pode ser compreendida com o um a ilha hermenêutica em si mesma (vida capítulo 6). A d v e rte c o n tr a V isões F ilo só ficas E s tra n h a s Mesmo que pontos de vista filosóficos específicos possam ser debatidos, não existe desacordo na necessidade de examinar minuciosamente os pressupostos filosóficos necessários à compreensão da inspiração da Bíblia, sejam eles derivados de filósofos da antigüidade ou da era moderna. Os neo-evangélicos estão corretos ao apontar que é necessário cuidado para não adequar as doutrinas da inspiração e da inerrância das Escrituras ao molde de perspectivas filosóficas que são alheias aos ensinos das Sagradas Escrituras. C o n sid e ra c o m S eried ad e a N a tu r e z a H u m a n a das S ag rad as E s c ritu ra s Com o dois dos seus mentores, o Liberalismo e a Neo-ortodoxia, o Neo-evangelicalismo está correto ao afirmar o lado humano da Bíblia. Tal com o Cristo, a Bíblia é tanto divina quanto humana, e a negação de um desses aspectos nos leva a erros significativos. Acerca das Sagradas Escrituras, a negação da sua humanidade integral é um a forma de Docetismo bíblico; aqui o Neo-evangelicalismo também prestou um serviço muito importante para a Igreja5. R e a lça a N ecessid ad e da A d a p ta ç ã o D ivin a Os neo-evangélicos tam bém devem ser saudados por enfatizar a necessidade de Deus se adaptar às situações hum anas na com unicação da verdade nas Sagradas Escrituras. A cim a de tudo, Deus é infinito, e a Bíblia é finita. Na verdade, tudo o que se refere à Bíblia é finito, inclusive as pessoas que a escreveram , as línguas nas quais ela foi escrita, e as culturas pelas quais ela foi expressa. Dessa form a, tudo o que u m a m en te infinita desejar com u n icar a m entes finitas precisará ser, necessariam ente, u m a adaptação da prim eira à segunda. Logo, a doutrina da adaptação divina enfatizada pelos neo-evangélicos é crucial para qualquer com preensão adequada da inspiração das Sagradas Escrituras.
5 Com o já demonstramos, a Bíblia apresenta duas naturezas — é um livro teantrópico, da m esma form a que Cristo é uma pessoa teantrópica. Existe um a similaridade significativa entre a Palavra Viva e a Palavra escrita de Deus (veja capítulo 16).
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Interage com a Crítica Bíblica Contemporânea C o m o a c rítica bíblica faz p a rte da n ossa c u ltu ra , ta m b é m é p reciso in teragir c o m ela p a ra fazer o p len o re c o n h e c im e n to da h u m an id ad e da Bíblia. D esp rezar os fatos trazid os à lu z p o r esta disciplina significa m o s tra d esresp eito p ela v erd ad e de D eus n a rev elação geral, em u m a te n ta tiv a de p re se rv a r a sua verd ad e n a rev elação especial (v eja cap ítu lo s 4 e 2 6). Fatos são fatos, e em u m a te o ria da in sp iração séria to d o s d evem ser levados em co n sid e ra çã o . P o rta n to , os ev an g élico s p recisam in teragir c o m os dados da crític a bíblica, sejam da b aixa crítica (q u e tr a ta do te x to ) ou da a lta c rítica (q u e e x a m in a a fo n te do te x to ). C o m o já vim o s, a ênfase n e o ev an g élica é ú til. Apesar destes pontos positivos, faz-se necessário expressar que o Neo-evagelicalismo apresenta sérios problemas e que estes são em bom n úm ero. Procederem os a u m breve exam e dos mais significativos.
É Contrária às Declarações das Sagradas Escrituras Em prim eiro lugar, e acim a de tudo, qualquer pessoa que alegue utilizar o nom e “evangélico” de form a legítima não pode sustentar u m a posição contrária ao próprio livro que ela considera co m o autoridade divina. C o m o este tópico já foi abordado co m a apresentação de vasta quantidade de dados bíblicos (veja capítulos 13-16, 26), não nos cabe repetir toda a inform ação já disponibilizada ali. É suficiente n o tar as alegações bíblicas de que: (1) Deus não pode errar em nada que afirma (cf. Hb 6.18; T t 1.2). (2) A Bíblia é a Palavra de Deus. Portanto conclui-se (ao contrário da visão neo-evangélica) que (3) A Bíblia não pode errar em nada que afirma (inclusive em História e Ciência). Afirm ar ou tra coisa é negar u m desses dois ensinos biblicamente bem demonstrados.
É Contrária aos Ensinos dos Pais e dos Reformadores C om o este ponto tam bém já foi am plam ente tratado (veja capítulos 17-18), seria redundante abordá-lo novam ente. Basta som ente repetir aqui a conclusão longa história da igreja cristã será m uito raro en contrar u m a única voz, teólogos de renom e, que tivesse negado a visão o rto d o xa da Bíblia acerca da divina, da autoridade absoluta, e da inerrância factual da Palavra escrita de
de que na dentre os inspiração Deus. Isto
representa u m a contradição direta à posição neo-evangélica.
Baseia-se em uma Visão Errônea sobre a Verdade A visão neo-evangélica de G. C. Berkouwer, Jack Rogers e outros está baseada em u m a visão errada da verdade: a concepção de que a verdade representa a intenção do autor. Apesar de isto já ter sido com pletam ente refutado em o u tra parte desta obra (veja capítulo 19), é im portante n o tar aqui os seus erros centrais.
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Primeiro, e la é c o n t r á r i a ao u s o b íb lic o d a p a la v r a “v e r d a d e ” , q u e c l a r a m e n t e im p lic a a v isã o d e c o r r e s p o n d ê n c ia ( v e ja c a p ít u lo 7 ) — a v e r d a d e é a q u ilo q u e c o r r e s p o n d e ao o b je t o c o m u n ic a d o ( c f. G n 4 2 .1 6 ; 1 R s 2 2 .1 6 -2 2 ; A t 5 .1 -4 ; 2 4 .8 -1 1 ). Segundo, o u s o b íb lic o d a p a la v r a “e r r a r ” v a i d e e n c o n t r o à t e o r ia in t e n c io n a lis t a d a v e rd a d e , já q u e e la t a m b é m é u tiliz a d a p a r a “e r r o s ” n ã o - in t e n c io n a is ( c f. Lv 4 .2 ,2 7 e t c .) . C e r to s a to s e r a m e r r a d o s ( is to é , e r a m e r r o s ) , in d e p e n d e n t e m e n t e d a i n t e n ç ã o d o tr a n s g r e s s o r , e, c o n s e q ü e n t e m e n t e , u m a o f e r t a p e la c u lp a e r a n e c e s s á r ia p a r a e x p ia r o se u “e r r o ” ( v e ja c a p ít u lo 7). T ercem , se to d a s as in t e n ç õ e s f o r e m v e rd a d e ir a s , e n tã o to d a s as d e c la r a ç õ e s q u e já t e n h a m sid o fe ita s c o m b o a s in t e n ç õ e s f o r a m v e rd a d e ir a s , a té m e s m o a q u e la s q u e sã o c l a r a m e n t e fa lsa s. Is to é u m a b s u r d o . Quarto, a té m e s m o a t e o r i a in t e n c io n a lis t a d e p e n d e d a v isã o d e c o r r e s p o n d ê n c ia d a v e rd a d e , p o is a le g a t r a n s m i t i r u m a v e rd a d e q u e s o m e n t e s e r á p o s s ív e l se a re a liz a ç ã o c o r r e s p o n d e r à in t e n ç ã o . P o r t a n t o , s e m a c o r r e s p o n d ê n c ia e n t r e as in t e n ç õ e s e os fa to s r e a liz a d o s , n ã o e x is te v e rd a d e . Quinto, a v isõ e s d a v e r d a d e q u e n ã o i m p lic a m a c o r r e s p o n d ê n c ia sã o a u t o d e s t r u tiv a s , p o is to d a s as v isõ e s d e n ã o - c o r r e s p o n d ê n c ia i n c o r p o r a m u m a v isã o d e c o r r e s p o n d ê n c ia d a v e rd a d e n a p r ó p r ia t e n t a t iv a d e n e g a r a v isã o d e c o r r e s p o n d ê n c ia . P o r e x e m p lo , a a le g a ç ã o d e q u e “a v isã o d e n ã o - c o r r e s p o n d ê n c i a é v e r d a d e ir a ” i m p lic a q u e e s ta v isã o c o r r e s p o n d e à r e a lid a d e . A v isã o d e n ã o - c o r r e s p o n d ê n c ia n ã o p o d e , n e m a o m e n o s , se r e x p r e s s a s e m o u s o d a v isã o d e c o r r e s p o n d ê n c ia d a v e rd a d e .
M in a a A u to rid a d e D iv in a d a Bíblia O p ro fesso r a n ti-in e rra n tis ta Paul Je w e tt é u m caso b astan te clássico. N o seu liv ro M an as M ale and Female (O H o m e m c o m o M a c h o e F ê m e a ), ele d efen d eu q u e o a p ó sto lo P aulo a firm o u a su p re m a c ia d o h o m e m so b re a m u lh e r , m a s depois p ro sseg u iu aleg an d o q u e P au lo estava erra d o ! In d e p e n d e n te m e n te d a n o ssa op in ião a ce rca d o q u e P au lo a firm o u , a q u estã o é a m e sm a , e p o d e ser exp ressa d esta m a n e ira : S e a B íb lia a firm a algo, e ela está errad a, ela a u to m a tic a m e n te d eixa de ser a Palavra de D eu s, u m a vez qu e D eu s n ã o e rra (cf. R m 3.4; H b 6.18; T t 1.2). E m o u tra s palavras, se o q u e o a u to r das E scritu ras a firm o u n ã o é aq u ilo q u e D e u s a firm o u , e n tã o n a d a n a B íb lia te m a u to rid a d e divina. N este caso, n ã o im p o rta n d o o qu e o a u to r diz ser verd ad e, n ã o é possível sab er o q u e D e u s a firm o u ; e sta m o s e te r n a m e n te tran cafiad o s e afastados d e q u a lq u er m a n e ira o b je tiv a de d e te r m in a r o q u e D eu s está n o s e n sin a n d o p o r m e io d o te x to . D essa fo rm a , a co n ce p ç ã o n e o -e v a n g é lic a acaba p o r m in a r a a u to rid ad e d ivin a de q u a lq u er en sin o das E scritu ras, ao c o lo c a r u m o b stá cu lo e n tre o q u e o a u to r a firm a ser verd ad eiro e o q u e D eu s a fir m a ser v erd ad eiro. A ssim , a visão n e o -e v a n g é lica d a B íb lia n ã o é m e lh o r q u e a lib eral (v e ja ca p ítu lo 20); o n e o -e v a n g é lico só faz c o m q u e ela se pareça m e lh o r .
R ESU M O E C O N C L U S Ã O A p esa r d o q u e o n o m e p o ssa su g erir, a visão n e o -e v a n g é lic a d a B íb lia n ã o é n e m n o v a n e m ev a n g é lica . E la n ã o é n o v a , p o is à m e d id a q u e se d esvia da visão e v a n g é lic a h is tó ric a , ela p assa a a d o ta r v e lh a s fo r m a s de L ib era lism o o u N e o -o rto d o x ia . E la t a m b é m n ã o é o r to d o x a , já q u e n e g a a visão o r to d o x a h is tó ric a q u e ad v o g a a in s p ira çã o v e rb a l e a in e r r â n c ia fa c tu a l d a P alav ra de D e u s. A c im a d e tu d o , ela n ã o é b íb lica e está fu n d a m e n ta d a e m u m a c o n c e p ç ã o a u to -d e s tr u tiv a d a v erd a d e . E m s u m a , a visão n e o -e v a n g é lic a das Sag rad as E scritu ra s é b ib lic a m e n ie in fu n d a d a , t e o lo g ic a m e n te d efectiv a, e filo s o fic a m e n te in c o e re n te .
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FONTES \Berkouwer, G. C. TLoly Scripture: Studies in Dogmatics. Christensen, M. J. C. S. Lewis on Scripture. Geisler, N orm an, and Thom as Howe. When Critics Ask. Geisler, N orm an and William Nix. A General Introduction to the Bible. Geisler, N orm an, ed. Inerrancy. H annah, John, ed. Inerrancy and the Church. Jewett, Paul. Man as M ale and Female. Kilby, Clyde. The Christian World o f C. S. Lewis. Lewis, C. S. Christian Rejkctions. ________ . Letters to Malcolm: Chiefly on Prayer. ________ . Miracles. ________ . Rejkctions on the Psalms. Rogers, Jack. Bíblical Authority. Rogers, Jack, and Donald M cKim. The Authority and Interpretation o f the Bihle. Woodbridge, John. Bihlical Authority.
C A PITU L O
VINTE
E
TRÊS
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visão evangélica das Sagradas Escrituras é u m a continuidade da visão ortodoxa histórica, conform e esta é expressa nas páginas da Bíblia (veja capítulos 13-16), pelos Pais da igreja (veja capítulo 17), e pelos Reform adores e pós-Reform adores, até a virada do século X X , aproxim adam ente (veja capítulos 18-19). M esmo durante o surgim ento do Liberalismo, e até m esm o no período posterior ao seu aparecim ento, houve u m a posição ortod oxa continuam ente defendida acerca das Sagradas Escrituras, desde Jonathan Edwards até os teólogos da velha escola de Princeton, e estendendo-se até ao International Council on Biblical Inerrancy (ICBI) (Concilio Internacional sobre Inerrância Bíblica), que aconteceu no final do século X X . Isto continua até o presente m o m en to , por interm édio da Evangelical Theological Society (ETS) (Sociedade Teológica Evangélica), que cresce m uito rapidam ente e transcende as fronteiras denominacionais. A partir das evidências apresentadas até o m o m en to (capítulos 13-22), fica claro que o Evangelicalismo m od ern o representa a visão contínua, consistente e ortodoxa das Sagradas Escrituras defendida pela igreja cristã, pois esta afirma a inspiração plena e a inerrância factual dos Escritos Sagrados. Nos Estados Unidos, isto tem sido verdade desde os prim órdios da colonização. FR A N C IS T U R R E T IN O teólogo reform ado Francis Turretin (1623-1687) foi professor em Genebra, e a sua obra Institutes o f Elenctic Theology (Institutas da Teologia C rítica) é u m clássico do Escolasticismo reform ado. Na seção que trata das Sagradas Escrituras, ele resum iu e expressou o ponto de vista o rtodoxo acerca da n atureza e abrangência das Sagradas Escrituras em term os claros, sucintos e categóricos. A O rigem das E s c ritu ra s De a co rd o c o m T u rre tin : “A a u to rid a d e das E s critu ra s d epen d e da sua o rig e m . S im p lesm en te p o r p ro c e d e re m de D eu s, elas se to r n a m a u tê n tica s e d iv in as” ( IE T , 62). D essa fo rm a , “os cristã o s d ev em te r c o m o v erd ad e in e g o ciá v e l o fato de elas se re m in sp irad as p o r D eus ( theopneuston) c o m o o fu n d a m e n to p rim á rio da fé ” (ibid.).
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A Natureza das Escrituras A Infalibilidade da Bíblia Turretin tam bém sustentava que a Bíblia é, ao m esm o tem po, infalível e inerrante: “A verdade divina e infalível destes livros (que têm Deus por au to r) é o fundam ento por que ele tem o mais alto direito de sujeitar os hom ens à fé e à obrigação” (ibid.). A Inerrância da Bíblia Turretin perguntava: “Será que o co rrem contradições reais nas Escrituras? Ou será que existem passagens inexplicáveis (alyta) que não podem ser explicadas ou harmonizadas?” E respondia: “Negativo” (ibid., 70). Por quê? Porque “quando a divindade das Escrituras é com provada, a sua infalibilidade, necessariam ente, vem p o r conseqüência disso” (ibid.). A Bíblia não con tém nem , ao m enos, erros m enores. Algumas pessoas pensam que poderão se livrar de todas as dificuldades afirmando que os autores sagrados poderiam ter lapsos de memória ou mesmo errar em coisas de menor importância; [pessoas como] Socino [...] Castellio [...] e outros. Mas, em vez de isto representar uma defesa contra o ateísmo, acaba sendo a base para o abandono da causa (ibid). “As contradições (antilogia) encontradas nas Sagradas Escrituras são aparentes, e não reais; elas precisam ser compreendidas somente no que diz respeito a nós mesmos, que somos incapazes de entender e perceber a harmonia em todas as partes, mas não na coisa em si” (ibid., 72). Turretin apresentava duas razões básicas para justificar o fato de a Bíblia não conter erros: (1) As Sagradas Escrituras são inspiradas por Deus ( theopneustos, 2 Tm 3.16). A palavra de Deus não pode mentir (SI 19.8,9; Hb 6.18); não pode passar ou ser destruída (Mt 5.18); permanecerá para sempre (1 Pe 1.25); e é a própria verdade (Jo 17.17). Pois como se poderiam afirmar tais coisas a seu respeito, se nela fossem encontradas perigosas contradições, e se Deus estivesse à mercê, ou de erros e lapsos de memória dos autores sagrados, ou de cicatrizes incuráveis no seu conteúdo? (2) Se as Sagradas Escrituras não possuem uma integridade inigualável, não podem ser consideradas a única regra de fé e prática, e aporta estaria escancarada para que os ateus, os libertários, os entusiastas e outras pessoas igualmente profanas pudessem destruir a sua autenticidade e derrubar o fundamento da salvação. E como nada que é falso pode ser objeto de fé, como as Sagradas Escrituras poderiam ser consideradas autênticas e reconhecidas como divinas, se estiverem sujeitas à contradição e à corrupção? (ibid., 71). Somente o Texto Original Está Livre de Erros Os textos originais em hebraico e grego não apresentam erros. Tudo o que os homens de Deus escreveram foi sob a influência do Espírito Santo (2 Pe 1.21), que, para livrá-los das falhas, ditou não somente os assuntos, mas também as palavras, o que não é verdadeiro para nenhuma das outras versões. Eles [os textos hebraico e grego] são o padrão e a regra pelos quais todas as outras versões devem ser aferidas (ibid., 114).
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A A u to rid a d e E x clu siv a das E s c ritu ra s ( S o l a S c r i p t u r á ) A s E s c r it u r a s n ã o s o m e n t e sã o a a u t o r id a d e fin a l, m a s t a m b é m a ú n i c a a u t o r id a d e e s c r ita p a r a o s c r e n t e s : “S e r á q u e as E s c r it u r a s c o n t ê m to d a s as i n f o r m a ç õ e s n e c e s s á r ia s à n o s s a s a lv a ç ã o p e r f e i t a m e n t e e x p r e s s a s , d e f o r m a q u e n ã o e x is ta n e c e s s id a d e d e n e n h u m a o u t r a f o n t e n ã o - e s c r i t a (g r . agraphois) , n e m d e t r a d iç õ e s q u e as a p ó ie m ? ” A r e s p o s ta d e T u r r e t in : “S o m o s c o n t r á r io s a o s p a p is ta s ” (ib id ., 1 34). E, so m e n te re fo rça n d o :
Se as Escrituras (ou Deus falando por intermédio delas) são o juiz supremo e infalível das controvérsias e as intérpretes delas mesmas, ou se a igre ja ou o pontífice romano exercem este papel, afirmamos a primeira alternativa e negamos a segunda, contrariamente aos papistas (ibid., 154). E m s u m a : “S o m e n te as E scritu ras são o ju iz su p re m o n o caso de co n tro v érsia s” (ibid., 155).
A P re se rv a çã o das E s c ritu ra s D e a c o r d o c o m T u r r e t in , D e u s n ã o in s p ir a r ia o q u e n ã o fo s s e c a p a z d e p r e s e r v a r . D e s s a f o r m a , as c ó p ia s , a p e s a r d e a p r e s e n t a r e m e r r o s , e s tã o p r o v id e n c ia lm e n te p re s e rv a d a s . A Preservação Providencial das Sagradas Escrituras T u r r e t in e s c r e v e u :
Também não poderíamos crer que o Deus que ditou e inspirou cada uma das palavras a estes homens inspirados não haveria de cuidar da sua total preservação, [pois] se os homens utilizam o maior dos cuidados na preservação das suas palavras (especialmente se elas tiverem alguma importância, como, por exemplo, um testamento ou um contrato) para que não sejam corrompidas, quanto maior não será o cuidado [assim supomos] tomado por Deus a fim de preservar da corrupção as suas palavras que nos foram deixadas como testamento e selo da sua aliança conosco; especialmente sabendo que ele poderia facilmente prever e evitar este tipo de corrupção a fim de fundamentar a fé da sua igreja? (ibid., 71). A s C ópias não São Inspiradas I s to n ã o s ig n ific a q u e e la s s e ja m p e r fe ita s :
Apesar de considerarmos as Escrituras como detentoras de integridade absoluta, não consideramos que os copistas e impressores também foram inspirados (theopneustous), mas somente que a providência de Deus supervisionou este processo de cópia dos livros sagrados, de forma que, apesar da ocorrência de muitos erros, não se tratam de acontecimentos (ou os manuscritos não incorporaram erros) que não possam ser facilmente corrigidos por intermédio da superposição de outras cópias (ou fazendo uso das próprias Escrituras) (ibid., 72-73). A ssim , “n ã o fo i n e c e s s á r io , p o r t a n t o , c o n s id e r a r to d o s o s e sc rib a s in fa lív e is , m a s fa z e r o d ir e c io n a m e n to c o r r e t o d eles d e f o r m a a s e m p r e o b t e r a le itu r a v e rd a d e ir a ” . T o d a v ia , “e ste liv ro s u p e r a e m m u i t o to d a s as o u tr a s o b ra s n o q u e se r e f e r e à su a p u r e z a ” (ib id ., 7 3 ).
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M esm o assim, os textos atualm ente disponíveis nas línguas hebraica e grega possuem autoridade: Será que o texto hebraico atual é, em certo sentido, tão autêntico e inspirado em coisas e palavras que todas as versões existentes precisem ser por ele avaliadas e, no caso de variações, ser por ele corrigidas? [...] Afirmamos que sim (ibid., 116)1.
JONATHAN EDWARDS Jonathan Edwards (1703-1758) figura entre os teólogos puritanos e as figuras de destaque do Grande D espertam ento do século XVIII no m undo anglo-saxão.
A Origem das Escrituras Edwards cria que a Bíblia era a própria Palavra de Deus: Moisés mantinha conversas tão íntimas com Deus e tão continuamente vivia sob a sua divina conduta, que nem se pode imaginar que não estivesse debaixo da direção divina ao escrever algo tão importante quanto a história da criação e da queda do ser humano, e a história da igreja a partir da criação. Sem dúvida, ele escreveu seguindo a direção de Deus, tal como somos informados que ele escreveu a lei e a história da igreja israelita (Aí, 352). Na verdade: 1 Sam uel 3.7 confirm a que os profetas tiveram , certa vez, tal interação com Deus pela sua revelação imediata que se fam iliarizaram com [Ele] de form a a saber distinguir bem qual era a sua voz e o que era mesmo um a revelação da sua parte (M, 1144). Em sum a, para Edwards a Bíblia é a Palavra de Deus: Deus pode revelar coisas nas Escrituras, da form a com o lhe aprouver. Se pelo que ele ali revelar estiver um a form a claram ente descoberta a ponto de ser o entendim ento ou o olho da m ente, é nossa obrigação recebê-la com o revelação da sua parte (M, 1426). Dessa form a, tanto para Edwards quanto para Turretin, tudo o que a Bíblia diz é o próprio Deus quem diz. Edwards acreditava que os “m inistros não devem pregar coisas sugeridas pela sua própria sabedoria ou sua própria razão, mas as que já lhes foram ditadas pela sabedoria e pelo con hecim en to superior de D eus” ( “OM B”, 27). Ele ocasionalm ente falava em “ditado” e dos autores bíblicos co m o “hom ens da pena” utilizados pelo Espírito Santo. En tretanto, apesar dessas expressões, ele não acreditava no que se costu m a ch am ar de “ditado m ecân ico” das Sagradas Escrituras.
1T urretin chegou ao ponto de afirm ar que os pontos vocálicos “não passavam de meras inovações hum anas introduzidas pelos massoretas”, pelos m enos no que se refere aos seus sons, senão ao seu form ato (ibid., 169).
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O E le m e n to H u m a n o n as E s c ritu ra s E d w a rd s a c r e d ita v a q u e a B íb lia t a m b é m e r a u m liv r o h u m a n o . A o se r e f e r ir a S a l o m ã o , p o r e x e m p lo , e le e s c r e v e u : O Espírito de D eu s fez uso da sua in clin ação am oro sa, j u n to co m a sua disposição filosófica à co n te m p la çã o , de fo rm a a co nd u zi-las n e sta lin h a de im ag in ação e rep resen tar o a m o r que existe en tre C risto e a sua noiva. D eus co n sid erou m u ito necessário e deveras ú til que esta rep resen tação fosse feita (M , 303). A ss im , o “d it a d o ” m e n c i o n a d o p o r E d w a rd s, n a v e rd a d e , se r e f e r e a o p r o d u t o d a in s p ir a ç ã o , q u e é p o r t a d o r d a a u to r id a d e d iv in a , e n ã o a o m e io h u m a n o p e lo q u a l e le fo i p r o d u z id o .
OS V ELH O S P R IN C E T O N IA N O S (1812-1936) G e o r g e W h i t e f ie l d ( 1 7 1 4 - 1 7 7 0 ) e s t e v e t a m b é m i n t i m a m e n t e lig a d o a o G r a n d e A v iv a m e n to
das c o lô n ia s
a m e ric a n a s , m a s n ã o
pôde
a s s u m ir o s e u
p o sto
em
P r in c e to n . O s se u s s u c e s s o r e s h a v e r ia m d e e s ta b e le c e r n a q u e le lu g a r u m b a lu a r te co n serv ad o r, qu and o u m P rin c e to n , e m
s e m i n á r i o g e r a l d a d e n o m i n a ç ã o f o i e s t a b e le c id o
em
1812. O p r im e ir o p r o fe s s o r d o S e m in á r io fo i A r c h ib a ld A le x a n d e r
( 1 7 7 2 - 1 8 5 1 ) ; e l e e C h a r l e s H o d g e ( 1 7 9 7 - 1 8 7 8 ) , s e u d is c íp u l o e c o le g a , se t o r n a r a m os fu n d a d o r e s d a te o lo g ia d e P r in c e to n e os a r q u ite to s d o c o n le s s io n a lis m o r e fo r m a d o d o s e m in á r io . S id n e y A h ls t r o m e s c r e v e u : O S e m in á rio de P rin c e to n [...] m o ld o u u m n o v o co n serv a d o rism o e crio u u m a fo rta le z a qu e d efen d eu o seu te rritó rio d u ra n te u m sé c u lo in teiro . A resp eito da a m p litu d e in te le c tu a l de Edw ards, qu e e ra a b e rta à su sp eita e en carav a o reavivalism o c o m o p o u c o p ro fu n d o , o se m in á rio e sc o lh e u a in e rrâ n c ia b íb lica e o co n fessio n a lism o rígido c o m o o seu m e io de defesa. [Assim ,] a fim de ap oiar esta estratég ia, P rin ce to n foi a p io n e ira n a e x c e lê n c ia d ialética, nos g ran des esfo rço s teo ló g ico s, e n a m ais elevada das eru d içõ e s. E la serviu de abrigo, p ara onde c o rria m ta n to os avivalistas q u a n to os fu n d a m e n ta lista s, qu and o estes se n tira m as suas ten d as ou te m p lo s am eaçad o s pelas idéias de D a rw in ou W ellh a u sen . [Dessa fo rm a,] eles e n sin a ra m a resp on sab ilid ad e te o ló g ica aos a n tiin te le ctu a is de várias d e n o m in a çõ e s em qu e o saber havia caído em d e scréd ito (T A , 251). E ste s h o m e n s f o r a m , a s e u t e m p o , s u c e d id o s p o r A r c h ib a ld A le x a n d e r H o d g e (1 8 2 3 1 8 8 6 ), B e n ja m i n B r e c k in r id g e W a rfie ld (1 8 5 1 -1 9 2 1 ), e J. G r e s h a m M a c h e n (1 8 8 1 -1 9 3 7 ), q u e “g u a r d a r a m a r e p u t a ç ã o d a in s t i t u i ç ã o , d e n ã o f a z e r c o n c e s s õ e s às p re s s õ e s e x t e r n a s e m a n t e r o c o n s e r v a d o r is m o e r u d it o , a té a é p o c a d e 1 9 2 9 -1 9 3 6 , q u a n d o t a n t o o s e m in á r io q u a n t o a d e n o m i n a ç ã o f o r a m a b a la d o s p o r r a c h a s c o n s e r v a d o r e s ” .
C h a rle s H o d g e (1797-1878) O p e n s a m e n t o d e C h a r le s H o d g e r e f le te a p o s iç ã o c e n t r a l d e P r in c e t o n a c e r c a da in s p ir a ç ã o e d a a u t o r id a d e d as S a g ra d a s E s c r it u r a s . A s u a v isã o e r a e x p r e s s a c o m c la r e z a e c o n c is ã o .
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A Origem da Bíblia No seu debate a respeito da “Regra de Fé Protestante”, Hodge argum entou que “todos os protestantes con cord am na doutrin a de que ‘a palavra de Deus, conform e esta está contida nas Escrituras do Antigo e Novo Testam entos, é a única regra infalível de fé e prática’” (ST, 1:151). Ele m encionou a sua aprovação dos Artigos de Smalcald e da Fórmula da Concórdia, da tradição luterana, bem co m o dos vários símbolos das Igrejas Reformadas que ensinam a m esm a “d outrina”, antes de chegar à sua conclusão, que é a seguinte: A partir destas afirmações, ao que me parece, os protestantes sustentam: (1) Que as Sagradas Escrituras do Antigo e Novo Testamentos são a Palavra de Deus, escritas sob a inspiração do Espírito Santo, e são, portanto, infalíveis e portadoras da autoridade divina em todas as coisas que dizem respeito à fé e à prática, e por isso também são livres de qualquer tipo de erro, seja de doutrina, de fatos, ou de preceitos. (2) Que elas contêm todas as revelações naturais existentes que Deus pretendeu que servissem de regra de fé e prática para a sua igreja. (3) Que elas são suficientemente claras aponto de serem compreendidas pelo povo, fazendo uso de meios comuns e com o auxílio do Espírito Santo, em tudo o que é necessário à fé e à prática, sem a necessidade de um intérprete infalível (ibid., 151-52). A Natureza das Sagradas Escrituras H odge afirm ou que “as E scritu ras são infalíveis, isto é, fo ram en tregu es pela inspiração de D eus”, no lugar onde ele d eclara que “a infalibilidade e a au toridad e divina das Sagradas E scritu ras se devem ao fato de elas serem a Palavra de Deus; e elas são a Palavra de Deus p orq ue nos fo ram en tregu es pela inspiração do Espírito S an to ”. P rim eiro, ele debate “A N atu reza da Inspiração — D efinição”, que se to rn a a base da abordagem m ais exten sa que ele faz do te m a co m o u m tod o. Ele escreveu: “A n atu re z a da inspiração p recisa ser aprendida a p artir das E scritu ras, das suas afirm ações didáticas, e dos seus fen ôm en os. E xistem certo s fatos gerais ou princípios que servem co m o p ano de fundo n a Bíblia, os quais são presum idos em todos os seus en sin am en tos e que, p o rta n to , devem ser considerados n a sua in te rp re ta ç ã o ”. P o rtan to , precisam os, p o r exem p lo , considerar: (1) Que Deus não é uma base inconsciente de todas as coisas; nem uma força desprovida de inteligência; nem uma nom enclatura que se emprega para a ordem moral do universo; nem uma mera causalidade; mas um Espírito — um agente autoconsciente, inteligente e voluntário que possui todos os atributos dos nossos espíritos sem limitação e num grau ilimitado. [Nós precisamos, também, considerar:] (2) Que Ele é o criador do mundo, e do extramundano, um ser que existe antes e independentemente dele; não é a sua alma, sua vida ou princípio animador; mas sim o seu criador, preservador e regente. [Além disso, consideramos:] (3) Que, como um espírito, Ele está presente e ativo em todas as partes, preservando e governando todas as suas criaturas e todas as suas ações. [Também consideramos:] (4) Que, apesar de agir tanto no mundo externo quanto no mental de acordo com leis fixas e através de causas secundárias, Ele é livre para agir, e normalmente age, de forma imediata, ou sem a intervenção destas causas, como na criação, na regeneração e nos milagres. [Outrossim, consideramos:]
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(5 ) Q u e a B íblia co n té m u m a rev elação d ivina e so b ren a tu ra l. A presen te qu estão n ão é se a Bíblia é o qu e ela alega ser; m as o qu e ela en sin a acerca da n a tu re z a e dos efeitos da in flu ê n cia sob a qual ela foi escrita?
Hodge conclui: So bre este assu n to , a d o u trin a co m u m da Ig re ja é, e sem p re tem sido, qu e a inspiração foi u m a in flu ê n cia do Espírito S an to so bre a m e n te de certo s h o m e n s seletos, o qual lhes tra n sm itiu os órgãos de D eu s p ara qu e servissem à c o m u n ica çã o da sua m e n te e vontade aos h o m e n s. Eles fo ra m de tal fo rm a os órgãos de D eu s qu e o qu e eles d isseram , o p róprio D eu s disse (ibid., 153-54).
A Oposição à Evolução Hodge percebeu o im pacto que a evolução darwiniana teria sobre a ortodoxia e escreveu u m livro penetrante intitulado What is Darwinism? (O que é o Darwinismo?). C om o já vimos anteriorm ente, a sua resposta foi direta ao ponto: O que é o D arw in ism o? E A teísm o . Isto n ão significa que o p ró p rio Sr. D arw in e tod os os q u e ad erem às suas idéias seja m ateístas; m as significa qu e a sua teo ria é ateística, qu e a e xclu são do p ro je to da n a tu re z a é [...] eq u iv alen te ao A teísm o ( W ID , 177).
C om o já analisamos anteriorm ente (n o capítulo 19), a fé na evolução naturalista haveria de exercer u m a influência devastadora sobre a historicidade e autoridade da Bíblia. Mas Hodge já estava tentando confrontar esta onda devastadora durante a sua passagem.
Archibald Alexander Hodge e B enjam in Breckinridge Warfield Nos prim órdios do im pacto da obra On the Origin o f the Species (A Origem das Espécies) (1859), de Darwin, e do estabelecimento das teorias da alta crítica, segundo as idéias propostas por Karl H. Graf (1815-1869), Abraham Kuenen (1828-1891) e Julius Wellhausen (1844-1918), os cristãos ortodoxos descobriram os líderes para a sua causa no filho de Charles Hodge, A. A. Hodge (1823-1866), e em B. B. Warfield (1851-1921). O d ocum ento feito por eles, intitulado Inspiration (Inspiração), se transform ou em u m a espécie de declaração norm ativa para a m aioria dos cristãos conservadores, desde a época em que foi publicado, em 1881.
A Origem da Bíblia Em contraste co m aqueles que com eçavam a apresentar a idéia de que a Bíblia continha a Palavra de Deus, Hodge e Warfield afirmavam que a Bíblia era a Palavra de Deus, nos seguintes term os: O N ovo T e sta m e n to afirm a c o n tin u a m e n te acerca dos livros do A ntigo T e sta m e n to e de vários livros que fazem p arte dele m esm o qu e eles SÃ O A PALAVRA D E D E U S. O qu e os seus a u to res disseram , D eu s o disse (I, 29, grifo orig in al).
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Para Hodge e Warfield, não m eram en te os pensam entos, m as cada u m a das palavras das Sagradas Escrituras são infalíveis: Cada um dos elementos das Sagradas Escrituras, seja ele doutrinário ou histórico, que recebeu a garantia da sua infalibilidade da parte de Deus, precisa, portanto, ser infalível na sua expressão verbal. Não importa as outras formas utilizadas na sua composição, as Escrituras são o produto do pensamento humano, e todo processo de pensamento humano envolve a linguagem [...] Além disso, As Sagradas Escrituras são um registro de revelações divinas e, dessa forma, consistem de palavras [...] O pensamento infalível precisa ser o pensamento objetivo, e o pensar objetivo implica palavras [...] Independentemente das discrepâncias ou das outras limitações humanas que possam estar ligadas ao registro sagrado, a linha divisória (entre o que é inspirado e o que não é inspirado, entre o falível e o não-falível) jamais poderá ser traçada entre os pensamentos e as-palavras das Escrituras (ibid., 21-23, parêntese e grifo
originais).
O Elemento Humano nas Escrituras Hodge e Warfield argum entavam acerca das Sagradas Escrituras: O resultado da cooperação, de várias maneiras, do agenciamento humano, tanto nas histórias a partir das quais as Escrituras surgiram quanto na sua composição e inscrição imediatas, está aparente em todas as partes, fornecendo substância e forma para a coleção completa dos escritos (ibid., 12). Eles prosseguem afirmando que não desejam: Negar um elemento humano presente em todas as partes das Escrituras. Nenhuma marca do efeito deste elemento humano, portanto, em estilo de pensamento ou fraseamento, pode ser incitado contra a inspiração, a menos que fique demonstrado que ele resulta em inverdades (ibid., 42). A hum anidade óbvia das Escrituras elimina qualquer noção de u m a visão da inspiração baseada em u m “ditado verbal” ou “m ecân ico ”, porque: Cada autor sacro foi especialmente formado, dotado, educado e providencialmente condicionado por Deus, e então recebeu conhecimento natural, sobrenatural ou transmitido por vias espirituais, de forma que ele, e somente ele, pudesse produzir, e livremente produzisse, a porção a ele dedicada (ibid., 14-15).
A Natureza das Escrituras Para Hodge e Warfield, a natureza das Escrituras não é som ente de inspiração verbal total e com pleta, com o tam bém de absoluta inerrância em tudo o que ela afirma.
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A Natureza Verbal Plenária da Inspiração De acordo com Hodge e Warfield, o que os autores bíblicos produziram pela inspiração das Escrituras foi u m livro verbal, pleno, infalível e inerrante: a Bíblia. Eles dão u m indicativo disso na sua definição de plenária, conform e escrevem: “A palavra simplesmente significa ‘total’, ‘com pleta’, perfeitamente adequada para o com prim ento do objetivo a que foi proposta, independentemente de qual seja este objetivo” (ibid., 18). A Inerrânda Factual das Sagradas Escrituras Para Hodge e Warfield, “a expressão inspiração verbal não sustenta que as coisas que os autores sacros não afirmam são infalivelmente verdadeiras, mas som ente que as coisas que eles afirmam, de fato, são infalivelmente verdadeiras” (ibid., 80). As coisas são assim porque: Ao longo do livro como um todo, o Espírito Santo esteve presente, fazendo com que as suas energias fluíssem nos exercícios espontâneos das faculdades dos autores, elevando e direcionando, onde fosse o caso, e assegurando, em todas as partes, a expressão exata na linguagem do pensamento designado por Deus. Este último elemento é o que chamamos de “Inspiração” (ibid., 16). Nem toda cópia das Sagradas Escrituras é inerrante, de acordo co m Hodge e Warfield; eles dizem, por exem plo: “Não afirm am os que o texto co m u m , mas som ente o original autográfico, era inspirado” (ibid., 42). Diante de todos os fatos que nos são conhecidos, afirmamos que uma inspeção simples de todos os fenômenos verificados no texto original das Escrituras não alterarão a fé antiga da Igreja. Em todas as suas afirmações reais, estes livros não apresentam erro (ibid., 27).
Uma Resposta à C rítica Bíblica Negativa Em resposta ao surgim ento da alta crítica destrutiva, apresentada p o r Graf, Kuenen, W ellhausen e outros, Hodge e Warfield declararam : Admitimos livrem ente que a crença tradicional no que diz respeito a datas e à origem dos vários livros pode ser questionada sem a necessidade de duvidar da inspiração destes livros, [contudo eles] afirmam de form a confiante que qualquer teoria acerca da origem e autoria de qualquer livro de qualquer dos Testamentos que lhes atribua uma origem puramente naturalística, ou datas ou autores que não confiram com suas próprias afirmativas naturais, ou com asserções feitas em outras partes das Escrituras, são abertamente inconsistentes com a doutrina da inspiração ensinada pela Igreja (ibid., 39). Além deste trabalho em conjunto, B. B. Warfield produziu vários volum es decisivos em defesa da inspiração total e plena das Escrituras, bem co m o da sua inerrância factual. Dois deles, em especial, são dignos de nota: The Inspiration and Authority o f the Bible (A Inspiração e Autoridade da Bíblia) e Limited Inspiration (Inspiração Limitada) (que é um ou tro term o para a inerrância). A posição de Hodge e Warfield é consistente co m o ensino orto d o xo básico acerca das Escrituras, o qual tem sido defendido desde o prim eiro século até os nossos dias.
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Esta tam bém é a posição m antida por J. G resham M achen e outros até o presente m om en to.
O Concilio Internacional sobre Inerrância Bíblica (ICBI) A posição de Hodge e Warfield é essencialmente a m esm a defendida pelos líderes evangélicos em novem bro de 1978, de acordo co m o que foi definido pelo Concilio Internacional sobre Inerrância Bíblica. Este concilio redigiu u m a declaração mais simplificada e u m a mais detalhada. Primeiro, vejamos a declaração mais simplificada: 1. Deus, que é a própria verdade e fala somente a verdade, inspirou a Sagrada Escritura a fim de se revelar à humanidade perdida por intermédio de Jesus Cristo como Criador e Senhor, Redentor e Juiz. A Sagrada Escritura é o testemunho de Deus de Si mesmo. 2. A Sagrada Escritura, como a própria Palavra de Deus, escrita por homens preparados e acompanhados pelo Seu Espírito, é portadora de autoridade divina infalível em todos os assuntos que menciona; ela deve ser crida, como instrução divina, em tudo o que afirma; obedecida, como mandamento de Deus, em tudo o que requer; aceita, como garantia de Deus, em tudo o que promete. 3. O Espírito Santo, divino autor da Escritura, autentica-a para nós por meio do seu testemunho interior e abre as nossas mentes para que possamos compreender o seu significado. 4. Como é verbal e inteiramente dada por Deus, a Escritura não apresenta erro ou falha em tudo o que ensina, tanto nas coisas que afirma acerca dos atos de Deus na criação, dos eventos da história mundial, e acerca da sua própria origem literária divina, quanto no seu testemunho da graça salvífica de Deus para cada uma das pessoas. 5. A autoridade da Escritura fica inevitavelmente comprometida se esta inerrância divina completa for, de alguma forma, limitada ou desrespeitada, ou tornada relativa a uma visão da verdade contrária à da própria Bíblia; e lapsos como estes trazem sérias conseqüências tanto para o indivíduo quanto para a coletividade da Igreja. Na “D eclaração de Chicago sobre Inerrância Bíblica” (1978), existem dezenove artigos, todos dignos de ponderação. Esta declaração mais com pleta se transform ou em u m padrão entre os evangélicos da nossa época:
ARTIGOS DE AFIRMAÇÃO E NEGAÇÃO Artigo I
Afirmamos que as Sagradas Escrituras devem ser recebidas como portadoras de autoridade por serem a Palavra de Deus. Negamos que as Escrituras recebam a sua autoridade da Igreja, da tradição, ou de qualquer outra fonte humana. Artigo II
Afirmamos que as Escrituras são a norma escrita suprema pela qual Deus sujeita a consciência, e que a autoridade da Igreja está subordinada à das Escrituras. Negamos que os credos, os concílios, ou declarações da Igreja tenham autoridade maior ou igual à da Bíblia.
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Artigo III
Afirmamos que a Palavra escrita é revelação dada por Deus na sua totalidade. Negamos que a Bíblia seja meramente um testemunho da revelação, ou que somente se torne a revelação no encontro, ou dependa da resposta de homens para a sua validade. Artigo IV
Afirmamos que Deus, que criou a humanidade à sua imagem e semelhança, utilizou a linguagem como meio de sua revelação. Negamos que a linguagem humana seja tão limitada pelo fato de ter sido desenvolvida por criaturas, a ponto de tornar-se um veículo inadequado para a revelação divina. Negamos também que a corrupção da cultura e da linguagem humana através do pecado tenha frustrado a obra da inspiração de Deus. Artigo V
Afirmamos que a revelação de Deus nas Sagradas Escrituras foi progressiva. Negamos que revelações posteriores, que podem ser o cumprimento de revelações anteriores, possam corrigir ou contradizer a Bíblia. Negamos também que qualquer revelação normativa tenha sido entregue desde o fechamento dos escritos do Novo Testamento. Artigo VI
Afirmamos que a totalidade das Escrituras, bem como todas as suas partes, chegando até as palavras exatas do original, foram entregues por inspiração divina. Negamos que a inspiração das Escrituras possa ser corretamente afirmada do todo sem afirmar-se o mesmo das partes, ou de algumas partes e não do todo. Artigo V II
Afirmamos que a inspiração foi a obra em que Deus, através do seu Espírito, e por intermédio de autores humanos, nos deu a Sua Palavra. A origem das Escrituras é divina. O modo da inspiração divina ainda permanece, de maneira geral, um mistério para nós. Negamos que a inspiração possa ser reduzida à compreensão humana, ou a qualquer tipo de estado elevado de consciência. Artigo V III
Afirmamos que Deus, na sua obra de inspiração, utilizou as personalidades distintas e os estilos literários dos autores que Ele mesmo escolheu e preparou. Negamos que Deus, ao fazer com que estes autores utilizassem as palavras exatas por Ele escolhidas, tenha desrespeitado suas personalidades. Artigo IX
Afirmamos que a inspiração, embora não confira onisciência aos autores, garantiu a expressão verdadeira e fiel de todos os temas que os autores bíblicos foram movidos a falar e escrever. Negamos que a finitude ou o estado de decadência destes autores, sejapela necessidade ou por qualquer outra coisa, os tenha levado a introduzir distorções ou falsidades na Palavra de Deus.
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Artigo X Afirmamos que a inspiração, rigidamente falando, se aplica somente ao texto autográfico das Escrituras, o qual, pela providência de Deus, pode ser averiguado a partir dos manuscritos disponíveis com grande precisão. Afirmamos também que as cópias e as traduções das Escrituras são Palavra de Deus na medida em que representam fielmente o escrito original. Negamos que qualquer elemento essencial da fé cristã tenha sido afetado pela ausência dos autógrafos. Negamos também que esta ausência faça com que a inerrância bíblica se torne algo inválido ou irrelevante. Artigo XI Afirmamos que as Escrituras, por terem sido entregues por inspiração divina, são infalíveis, de forma que, longe de nos levarem ao engano, são verdadeiras e confiáveis em todos os assuntos que abordam,. Negamos que seja possível à Bíblia ser, ao mesmo tempo, infalível e falha nas suas afirmações. A infalibilidade e a inerrância pode ser distinguidas, mas não separadas. Artigo X II Afirmamos que as Escrituras, na sua totalidade, são inerrantes, estando livres de qualquer espécie de falsidade, fraude ou engano. Negamos que a infalibilidade e a inerrância bíblica estejam limitadas a temas espirituais, religiosos ou que se refiram à redenção, e que não incluam afirmativas nos campos da História e da Ciência. Negamos também que as hipóteses científicas acerca da história do planeta possam ser, de forma adequada, utilizadas para desqualificar o ensino das Escrituras acerca da criação e do dilúvio. Artigo X III Afirmamos a propriedade do uso da inerrância como um termo teológico que faz referência à veracidade completa das Escrituras. Negamos que seja apropriado avaliar as Escrituras levando em conta padrões de verdade e erro que sejam alheios ao seu uso e propósito. Negamos também que a inerrância seja negada pelos fenômenos bíblicos, tais como a falta de precisão técnica moderna, as irregularidades gramaticais ou de grafia, as descrições observacionais da natureza, o relato de mentiras, o uso de hipérboles e de números arredondados, a disposição tópica dos temas, a seleção diferente das informações em relatos paralelos, ou o uso de citações livres. Artigo X IV Afirmamos a unidade e a consistência interna das Escrituras. Negamos que erros e discrepâncias alegados, e ainda não resolvidos, viciem as afirmações de veracidade da Bíblia. Artigo X V Afirmamos que a doutrina da inerrância está fundamentada nos ensinos da Bíblia acerca da inspiração. Negamos que o ensino de Jesus acerca das Escrituras possa ser descartado ao apelar para a acomodação ou para qualquer limitação natural da sua humanidade.
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Artigo X V I A firm a m o s que a d o u trin a da in errâ n cia tem sido p arte in teg ra n te da fé da Ig reja ao lo n g o de to d a a sua história. N egam os que a in errân cia sej a u m a d o u trin a inventada pelo Protestantism o escolástico, ou que se tra te de u m a posição reacionária postulada em resposta à alta crítica negativa.
Artigo X V II A firm a m o s que o Espírito S an to dá te ste m u n h o das E scritu ras, assegurando os cre n tes acerca da veracid ade da Palavra escrita de D eus. N egam os que este te ste m u n h o do E spírito S an to op ere de fo rm a isolada ou co n trária às E scrituras.
Artigo X V III A firm a m o s qu e o te x to das E scritu ras deve ser in terp reta d o p o r in te rm é d io da exegese g ra m á tico -h istó rica , levand o em co n sid eração as suas form as e m ecan ism o s literários, e que as E scritu ras d evem in terp reta r as E scrituras. N egam os a legitim id ade de qu alq u er tra ta m e n to do te x to ou da bu sca p o r fon tes que lh e seja m alheias e que levem à relativização, à d escaracterização da sua historicid ad e, ao d em érito dos seus en sinos, o u à rejeição da au to ria qu e o p ró p rio te x to alega ter.
Artigo X IX A firm am os que u m a confissão da p lena autoridade, infalibilidade e inerrância das Escrituras é vital para u m a sã com preensão da totalidade da fé cristã. A firm am os tam bém que u m a confissão assim deve nos levar a u m a conform idade crescente à im agem de Cristo. N egam os que esta confissão seja necessária à salvação. E n tre ta n to , n eg am o s ta m b ém que a in e rrâ n cia possa ser rejeitad a sem que se in co rra em graves co n seq ü ên cias ta n to no n ível individual q u an to n o nível co letiv o da Igreja. A lé m d e s ta e x t e n s a d e c la r a ç ã o , o C o n c ilio t a m b é m p r o d u z iu u m
c o m e n t á r io a
r e s p e ito d e s te s d e z e n o v e a r tig o s , p a r a q u e e le s n ã o fo s s e m , d e f o r m a a lg u m a , m a l c o m p r e e n d id o s n o s e u s ig n ific a d o 2. A s s im , a d o u t r i n a o r t o d o x a d e q u e a B íb lia é a P a la v ra d e D e u s in f a lív e l, i n e r r a n t e n o s se u s m a n u s c r i t o s o r ig in a is , t e m sid o u m a r e a lid a d e d e sd e o p r im e ir o s é c u lo a té o p r e s e n t e . E s ta p o s iç ã o d e fe n d e q u e a B íb lia n ã o c o n t é m e r r o s e m tu d o o q u e a fir m a . N a v e rd a d e , de a c o r d o c o m o e n s in o t r a d ic io n a l d a ig r e ja c r is tã , o q u e a B íb lia d iz, o p r ó p r io D e u s diz. Is to in c lu i to d o s os t e m a s r e la tiv o s à H is tó r ia e à C iê n c ia e q u a lq u e r o u t r o e l e m e n t o a o q u a l e la se re fira . Q u a is q u e r r e s u lt a d o s a d v in d o s d a a lta c r ít ic a q u e s e ja m c o n t r á r io s a e s te e n s in o s e r ã o in c o m p a tív e is c o m a d o u t r in a tr a d ic io n a l d a in s p ir a ç ã o e d a a u to r id a d e d as S a g ra d a s E s c r it u r a s , ta l c o m o e s t a t e m sid o d e fe n d id a a o l o n g o d e t o d a a h is tó r ia e c le s iá s tic a .
A Sociedade Teológica Evangélica (ETS) (1950-presente) U m a d as m a io r e s s o c ie d a d e s t e o ló g ic a s d o m u n d o é u m g r u p o t r a n s d e n o m i n a c i o n a l d e e s tu d io s o s c o n s e r v a d o r e s f u n d a d o s o b a d e c la r a ç ã o d e q u e “a B íb lia s o m e n t e e a B íb lia n a s u a to ta lid a d e é a P a la v ra e s c r ita d e D e u s , e é, p o r t a n t o , i n e r r a n t e n o s s e u s o r ig in a is ” . 2Veja R. C. Sproul, Explaimng Inerrancy: A Commentary (ICBI, 1980).
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C om este firme com prom isso doutrinário, a Sociedade Teológica Evangélica continua a crescer, já tendo atingido a casa dos mais de três mil estudiosos associados. Apesar de a Sociedade não ter oficialmente definido a inerrância em maiores detalhes, u m a com preensão do ponto de vista dos seus fundadores, bem co m o da disciplina que ela tem usado para com o os desvios, nos leva à firme conclusão de que o significado da sua declaração está diretam ente alinhado co m o pensam ento de Hodge-Warfield e co m a posição do Concilio, a qual, por sua vez, é a visão ortod oxa consistente da Igreja cristã desde os seus prim órdios.
AVALIAÇÃO DA VISÃO EVANGÉLICA SOBRE AS ESCRITURAS A visão evan g élica das Sagradas E scritu ra s foi m u ito a ta ca d a p elo Liberalism o (v eja cap ítu lo s 19-20), p e la N e o -O rto d o x ia (c a p ítu lo 2 1 ), e pelo N eo -ev an g elicalism o (ca p ítu lo 22). M as, c o m o estas objeções já fo ra m tra ta d a s, é d esnecessário to r n a r a elas n este m o m e n to . B asta-n o s dizer que sem a in c o rp o ra ç ã o de falsas prem issas an ti-so b ren atu rais e filosóficas, n ão existe n e n h u m a base real p a ra elas. O te ste m u n h o das E scritu ra s, a ig reja h istó rica e o b o m ra cio cín io se u n e m p a ra defen der a visão o rto d o x a das Sagradas E scritu ra s. T an to a h isto ricid ad e (v eja cap ítu lo s 2 5 -2 6 ) q uan to a in errâ n cia p len a (v e ja ca p ítu lo 27) das E scritu ra s estão apoiadas em bases firm es. Existem duas razões básicas p o r que a visão o rto d o x a m ilen ar da inspiração plena e da in errância factual tem sido freqü en tem en te rejeitada nos tem pos m od ern os: Primeiro, a aceitação desnecessária e injustificada do A n ti-sobrenaturalism o; segundo, a aceitação acrítica e n ão-fu n dam entada de pressuposições filosóficas alheias à Bíblia.
A A ceitação do A nti-Sobrenaturalism o C o m o já tra ta m o s exau stiv am en te da aceitação infundada do A ntisobren atu ralism o (veja cap ítu lo 3), so m en te farem os u m resu m o n esta p arte. E xistem duas considerações im p o rtan tes a fazer. Primeiro, filosoficam ente, se aceitam os o Teísm o, os m ilagres se to rn a m possíveis, pois se o m u n d o foi criado a p a rtir do nada (o m aio r de todos os m ilagres), c o m o m o stra m as evidências científicas e filosóficas (veja cap ítu lo 2), en tão não so m en te existe u m Ser so b ren atu ral que pode in tervir n este m u n d o, m as é u m fato que Ele já d em o n stro u o seu p oder ao criá-lo . Em su m a: Se há Deus, en tão tam b ém há m ilagres. Segundo, h isto rica m e n te , a rejeição da visão o rto d o x a da in sp iração veio logo após a n eg ação da in te rv e n çã o so b re n a tu ra l. Os p rim eiro s crítico s n eg ativ o s, c o m o T h o m as Hobbes e B en to Spinoza, fazem u m a ligação d ire ta e n tre as duas coisas, c o m o tam b ém o fizeram o u tro s crítico s que se seg u iram , desde David S trau ss a R u d o lp h B u ltm a n n (v eja ca p ítu lo 19). C o n se q ü e n te m e n te , depois de c o m p ro v a r que o A n ti-so b re n a tu ra lism o , sobre o qual a crític a n eg ativ a foi edificada, é falso, c o m o já foi visto (v eja ca p ítu lo 3 ), te m o s que a c rítica n eg ativ a ta m b é m vem abaixo. A bem da verdade, os críticos posteriores descobriram bases literárias e outras mais para rejeitar a visão o rto d o x a acerca das Escrituras, m as todas se baseiam, co m o verem os, em premissas filosóficas injustificadas.
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A A ceitaçao de Visoes Filosóficas Alheias à Bíblia Ironicamente, durante a m esm a época em que as visões da crítica destrutiva da Bíblia com eçavam a florescer, ou seja, no período entre o final do século X IX e o início do século X X e anos posteriores, tam bém com eçavam a surgir as maiores evidências factuais a favor da historicidade do texto bíblico. Foi durante esta época que a Arqueologia com o ciência com eçou a desenterrar milhares de achados que apoiavam a historicidade geral da Bíblia e, em muitos casos, até m esm o centenas de detalhes minuciosos (veja capítulos 25-26). Premissas Filosóficas sem Fundamento William F. Albright (1891-1971), ex-crítico das Sagradas Escrituras e arqueólogo renom ado, resum iu a sua própria jornada de u m ponto de vista mais liberal para u m mais conservador acerca da historicidade da Bíblia: A “au to rid ad e das E scritu ras” é u m p rin cíp io teo ló g ico válido, visto qu e a “E sco la de W e llh a u sen ” rep resen ta so m e n te u m d en tre vários sistem as id eo ló g icos co n stru íd o s sobre p o stu lad o s filosóficos arb itrários e p ressu p osto s h istó rico s n ão -fu n d am en tad o s ( “T M C V ”, in : CT, [360] 4).
A adm oestação do apóstolo Paulo neste caso é m uito apropriada: “Tende cuidado para que ninguém vos faça presa sua, p o r m eio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos hom ens, segundo os rudim entos do m undo e não segundo C risto” (Cl 2.8). A falha por negligenciar esta adm oestação já desviou muitos da visão evangélica histórica das Sagradas Escrituras. C om o tam bém já analisamos este assunto em profundidade (veja capítulo 19), som ente farem os breves com entários aqui. As pressuposições filosóficas estão na base da rejeição m od ern a à visão ortodoxa histórica das Escrituras. D entre elas, estão o Anti-sobrenaturalism o de Spinoza e H um e, o Indutivismo de Bacon, o M aterialism o de Hobbes, o Racionalismo de Spinoza, o Ceticism o de H um e, o Agnosticismo de Kant, o Positivismo de C o m te e Mill, o Rom antism o de Rousseau, o Pietismo de Schleierm acher, o Deísmo de Paine, e o Evolucionism o de Spencer e Darwin. Além disso, poderíam os tam bém acrescentar o Convencionalismo de W ittgenstein, o Progressismo de Hegel, o Existencialismo de Kierkegaard, e o Processismo de W hitehead (veja capítulo 19, para u m a discussão mais detalhada destes tem as). Vamos, então, rever alguns exem plos de co m o estas posições podem abalar u m a visão elevada das Sagradas Escrituras. 0 Anti-Sobrenaturalismo O Anti-sobrenaturalismo é com u m a quase todas as formas de crítica negativa, pelo menos na sua origem. A negação dos milagres da Bíblia com eçou com Thomas Hobbes (1588-1679), foi sistematicamente tratada por Bento Spinoza (1632-1677), e foi largamente expandida por David Hume (1711-1776). Depois que esta abordagem às Escrituras se tom ou amplamente aceita, foi só um a questão de tem po até que os próprios fundamentos da visão ortodoxa das Escrituras fossem atacados, pois até m esm o a historicidade dos documentos foi questionada, já que os numerosos milagres neles registrados não poderiam mais ser aceitos.
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0 Evoluáonísmo Qualquer análise gram ático-histórica de Gênesis, bem co m o de outras centenas de versículos que tratam da Criação (veja Geisler, K TA C , 149-51), revela que Deus criou o cosm os, os prim eiro seres hum anos, e todas as form as básicas de vida. En tretanto, se a hipótese darwiniana estiver correta, o livro de Gênesis estará, necessariam ente, errado. C om o a visão de Darwin foi am plam ente aceita a partir de 1860, não é de surpreender que, ao m esm o tem po, a historicidade da Bíblia tenha sido crescentem ente rejeitada, e, assim, a necessidade de responder ao alerta do apóstolo e to m ar cuidado co m a filosofia do Evolucionism o ficou mais prem ente. O fato triste é que o que Darwin cham ou de “teoria da evolução” não é necessário, n em do ponto de vista factual nem do filosófico. C o m o o próprio Darwin declarou, na introdução do seu livro On the Origin o f Speáes (A Origem das Espécies): Pois estou bem consciente de que talvez nenhum dos tópicos que são abordados nesta obra, sobre os quais não se possam apresentar fatos, normalmente levam, ao que parece, a conclusões diretamente contrárias às que cheguei. Ele acrescentou: “U m resultado justo som ente poderá ser obtido ao se apresentar e se equilibrar, n a sua totalidade, tanto os fatos quanto os argum entos dos dois lados de cada questão; e isto é impossível de ser feito aqui”. M uitos outros evolucionistas adm itiram que a teoria geral da m acroevolução (m utações de larga escala entre espécies) é realm ente u m a tautologia — ou seja, u m a afirmação vazia, que não pode ser refutada. Com o já vimos, um a coisa é certa: A m acroevolução não é necessária, nem do ponto de vista filosófico nem do factual; u m a visão alternativa é logicamente possível. Na verdade, com o o presente m ovim ento a favor do projeto inteligente já dem onstrou, sem a ajuda de u m pressuposto filosófico naturalista que exija m etodologicam ente que todas as explicações científicas verdadeiras sejam naturalistas, a assim cham ada base factual para a m acroevolução se esfacela (veja Volume 2). De qualquer form a, se não há necessidade de aceitar a evolução, que é contrária ao Gênesis e ao restante das Escrituras, tam bém não há razão para rejeitar a historicidade destas passagens em função da teoria da evolução. O Progressismo A m aior parte do academ icism o bíblico m od ern o foi tragada pela filosofia do Historicismo, no raiar do Panteísmo desenvolvimentista de G. W. F. Hegel (1770-1831). Na sua obra exaustiva The Phenomenology o f Spirit (A Fenom enologia do Espírito) e na sua obra posterior Encyclopedia o f Philosophy (Enciclopédia de Filosofia), Hegel expressou o seu Progressismo histórico no que ficou conhecido, através da interpretação equivocada de Johann Gottlieb Fichte (1762-1814), co m o a dialética da tese, antítese e síntese. Todavia, Hegel afirmou que a história é o desdobram ento do Espírito Absoluto em u m a dialética desenvolvimentista. Os resultados do que ficou conhecido com o “Hegelianismo” para o academicismo bíblico foram desastrosos. A Escola de Tübingen, de F. C. Baur (1792-1860), argumentava que o Evangelho de João deveria ser visto com o u m a síntese alcançada no segundo século entre a tese e a antítese representadas pelas idéias de Pedro e Paulo, que lhe antecederam. Esta conclusão foi tirada quase que totalm ente à revelia das evidências internas e externas a respeito de um a datação do Evangelho de João mais antiga dentro do primeiro século. As
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a ssim c h a m a d a s c o n c lu s õ e s “e x e g é tic a s ” , m e s m o e x a u stiv a s e a c a d ê m ic a s , e r a m la r g a m e n te d e te r m in a d a s p e lo p r e v a le c e n te e sp írito d e é p o c a . C o m o já v im o s , o e x e g e ta b íb lic o d eve le v a r a sé r io o a le r ta p a r a t o m a r c u id a d o c o m as “filo so fia s e v ãs s u tile z a s ” d as é p o ca s. 0 Existencialism o O p a i d o E x i s t e n c i a l i s m o m o d e r n o n ã o f o i u m a t e ís t a f r a n c ê s d o s é c u l o X X ( J e a n P a u l S a r t r e ) , m a s u m c r i s t ã o d in a m a r q u ê s , S o r e n K ie r k e g a a r d ( 1 8 1 3 - 1 8 5 5 ) , q u e c r ia q u e , n o g e r a l , a d o u t r i n a q u e e r a e n s i n a d a n a i g r e j a e r a t o t a l m e n t e sã. T o d a v ia , p o u c a s p e s s o a s c o n s e g u i r a m c a u s a r t a n t o d a n o q u a n t o e l e a p a r t i r d o s e io d a p r ó p r i a i g r e ja ; l e m b r e - s e d e q u e f o i o s e u d is c íp u l o f i l o s ó f i c o , K a r l B a r t h ( 1 8 8 6 - 1 9 6 8 ) , q u e i n i c i o u a N e o - o r t o d o x i a . K ie r k e g a a r d c o n c l u i u q u e m e s m o q u e c o n s i d e r á s s e m o s q u e o s d e f e n s o r e s d o C r i s t i a n i s m o t e n h a m s id o b e m - s u c e d i d o s e m p r o v a r t u d o o q u e p o d i a m a r e s p e i t o d a B íb lia , n i n g u é m c h e g a r i a à fé p o r m e io d e s t e p r o c e s s o . D e p o is , e le a r g u m e n t o u q u e m e s m o q u e c o n s id e r á s s e m o s q u e os o p o n e n t e s d o C r is tia n is m o t e n h a m c o n s e g u id o p r o v a r o q u e eles q u e r ia m d e m o n s t r a r a c e r c a d a B íb lia , a fé c r is tã n ã o s e r ia m in i m a m e n t e a b a la d a . E n t r e t a n t o , as id é ia s d e K ie r k e g a a rd n ã o são c o r r e t a s , e m n e n h u m a d as d u a s fo r m a s . A o c o n s id e r a r os e fe ito s d a n o s o s , b a s ta - n o s m e n c i o n a r as c r e n ç a s d e K ie r k e g a a rd : (1) A verdade religiosa está localizad a em u m e n co n tro pessoal (subjetividad e). (2 ) A verdade propositiva não é essencial à fé. (3 ) A alta crítica d estru tiva n ão é d anosa ao C ristian ism o . (4 ) D eu s é “to ta lm e n te o u t r o ” e esse n cia lm e n te in co g n o scív el, m e sm o através da re v e la çã o bíblica. E sta s c o n c e p ç õ e s a p r e s e n t a m u m s ig n ific a d o a in d a m a is p r o f u n d o à a d v e r tê n c ia de P a u lo p a r a q u e t o m e m o s c u id a d o c o m as “filo so fia s e v ãs s u tile z a s ” . E x is te m
m u ita s
o u tra s
p o s iç õ e s
f il o s ó f i c a s
qu e,
in te n c io n a l
ou
não
i n t e n c i o n a l m e n t e , f o r a m a b s o r v id a s p e l o s e s t u d i o s o s b í b li c o s d a e r a m o d e r n a e m d e t r i m e n t o d a s u a v is ã o d as S a g r a d a s E s c r i t u r a s . E la s j á f o r a m d e t a l h a d a s e a n a lis a d a s e m o u t r a o b r a ( v e ja G e i s l e r , “ B P W B E ” , i n : J E T S , 1 9 9 9 ) e i n c l u e m o A r i s t o t e l i a n i s m o , o P la to n is m o , o N o m in a lis m o , o A g n o s tic is m o , e o M o n is m o A n tr o p o ló g ic o . A v e r d a d e é q u e q u a l q u e r f il o s o f i a a l h e i a a o T e í s m o b í b li c o a c a b a r á p o r m i n a r a n o s s a c o n fia n ç a n a s E s c r itu r a s .
REFORMULAÇÃO DE UMA DEFESA A FAVOR DA VISÃO EVANGÉLICA Defesa Bíblica A b a s e b íb lic a d a v isã o e v a n g é lic a d as S a g ra d a s E s c r it u r a s é f ir m e ( v e ja c a p ít u lo s 1316). In d e p e n d e n t e m e n t e d o q u e se d ig a a r e s p e ito d a v e rd a d e o u fa ls id a d e d o q u e a B íb lia e n s in a a c e r c a d e si m e s m a , u m f a to p a r e c e in d is c u t ív e l, a sa b e r, e la a f ir m a s e r a P a la v ra de D e u s p o r E le s o p r a d a (2 T m 3 .1 6 ), in d e s t r u tív e l ( M t 5 .1 7 ,1 8 ), a b s o lu t a m e n t e v e rd a d e ir a ( Jo 1 7 .1 7 ) e n ã o - a n u lá v e l ( Jo 10.35).
Defesa Histórica A d e fe s a h is t ó r ic a d a v isã o o r t o d o x a d as E s c r it u r a s t a m b é m é m u i t o c o n s is t e n te . Já fo i d e m o n s t r a d o q u e e s ta fo i a v isã o d o m in a n t e , s e n ã o e x c lu s iv a , d e to d o s os Pais e
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Reform adores da igreja cristã, ao longo de aproxim adam ente 1.900 anos (veja capítulos 17-18). Os desvios foram considerados não-ortodoxos, e os mais significativos são posteriores e filosoficamente injustificados (veja capítulos 19-22).
Defesa Filosófica De m aneira negativa, n en h u m a premissa filosófica que abale a visão evangélica das Sagradas Escrituras é necessária, e todas são refutáveis. De m aneira positiva, u m Teísmo realista, para o qual existem boas justificativas filosóficas (veja capítulos 1-11), é capaz de rech açar aos maiores ataques feitos à visão evangélica das Sagradas Escrituras.
Defesa Prática Se crem os que as idéias geram conseqüências, o que é confirm ado tan to pela história quanto pela experiência pessoal, não será difícil defender a tese de que a crítica negativa m od ern a da Bíblia deixou o segm ento não-evangélico da Igreja desprovido de u m a autoridade divina objetiva para a fé e prática. Os resultados disto estão manifestos na vida da igreja, tanto no nível pessoal quanto no social. Não precisam os recitar a ladainha da decadência m oral que experim entam os desde o (e, logicam ente, por causa do) desm oronam ento da autoridade divina objetiva. C om o disse o salmista: “Que já os fundam entos se transtorn am ; que pode fazer o justo?” (SI 11.3).
FONTES Ahlstrom, Sidney E. Theology in America: The Major Protestant Voíces From Puritanism to Neo-Ortodoxy. Albright, W illiamF. “William Albright:Toward aM ore ConservativeView”, in: Christianity Today (18 de janeiro de 1963). Bacon, Francis. Novum Organum. C om te, Auguste. The Catechism o f Positive Religion. . Cours, The Positive Philosophy o f Auguste Comte. Darwin, Charles. On the Origin o f Species. Edwards, Jonathan. Miscellanies. ________ . “Ordination of Mr. Billing” (7 de m aio de 1740), citada por John Gerstner, in: The Nature o f Inspiration. Edwards, Paul, ed. “C om te, A uguste”, in: The Encyclopedia o f Philosophy. Geisler, N orm an , “Beware of Philosophy: A W arning to Biblical Exegetes”, in: The Journal o f the Evangelical Theological Society (1999). ________ . Knowing the Truth Ahout Creation. Geisler, N orm an e William Nix. A General Introduction to the Bible. ________ . ed. Errancy: Its Philosophical Roots. ________ . ed. Inerrancy. Gerstner, John. “Jonathan Edwards and th e Bible”, in: Tenth: an Evangelical Quarterly.
O EVANGELICALISMO SOBRE A BÍBLIA
H o b b e s , T h o m a s . Leviathan. H o d g e , A . A ., e B . B , W a rfie ld . Inspiration.
________ . What is Darwinism? K a n t, I m m a n u e l . God Within the Limits o f Reason Alone. L ew is, C . S . Miracles. L e v y -B r u h l, L u c ie n . The Philosophy o f Auguste Comte. M ill, J o h n S t u a r t . Auguste Comte and Posítivism. P a in e , T h o m a s . Complete Works o f Thomas Paine. S p in o z a , B e n t o ( B a r u c h ) A Theologico-Political Treatise. S p r o u l, R. C . Explaining Inerrancy: A Commentary. T u r r e t in , F r a n c is . The Doctrine o f Scripture.
________ . Institutes o f Elenctic Theology. W a rfie ld , B . B . The Inspiration and Authority o f the Bible.
________ . Limited Inspiration.
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C A P I T U L O
V I N T E
E
Q U A T R O
O FUNDAMENTALISMO SOBRE A BÍBLIA
te rm o
“f u n d a m e n t a l is m o ”
abran g e
um a
a m p la
v a rie d a d e
de
cre n ças
a
r e s p e ito d a in s p ir a ç ã o . M u it o s t e ó lo g o s c o n t e m p o r â n e o s q u e se c o n s id e r a r ia m f u n d a m e n t a lis ta s a c e it a m os m e s m o s p o n t o s d e v is ta e x p r e s s o s n a p o s iç ã o c la ss ific a d a a q u i c o m o “e v a n g é lic a ” ( v e ja c a p ít u lo 2 3 ). O s d o is g r u p o s , t a n t o o s e v a n g é lic o s q u a n t o os f u n d a m e n t a lis ta s , r e c o n h e c e m as su as o r ig e n s e m C h a r le s H o d g e , A . A . H o d g e , B . B W a rfie ld e J. G r e s h a m M a c h e n , q u e fa z ia m p a r t e d e u m g r u p o q u e a t u o u n o f in a l d o s é c u lo X I X e in íc io d o s é c u l o X X e fo i d e n o m in a d o d e f u n d a m e n t a lis t a h is t ó r ic o . D e n t r e o s d e m a is q u e t a m b é m se d e n o m i n a m f u n d a m e n t a lis ta s , e x is t e m p e lo m e n o s d u as v isõ e s p r e d o m in a n te s : a p o s iç ã o q u e d e fe n d e o d ita d o v e r b a l, e a p o s iç ã o q u e d e fe n d e a in s p ir a ç ã o d a v e r s ã o K in g Ja m e s ( R e i T ia g o ) d a B íb lia in g le s a .
O Fundam entalism o Histórico O F u n d a m e n t a lis m o h is t ó r ic o , q u e s u r g iu a p a r t ir d a c o n t r o v é r s ia e n t r e os g r u p o s c o n s e r v a d o r e s e os lib e ra is d a I g r e ja P r e s b ite r ia n a e d o S e m i n á r io d e P r in c e t o n , d e fe n d ia a v isã o o r t o d o x a p a d r ã o d as E s c r it u r a s , a m e s m a d o s Pais e d o s R e f o r m a d o r e s d a I g r e ja ( v e ja c a p ít u lo 1 7 -1 8 ). A p o s iç ã o d e le s e r a e s s e n c ia lm e n t e a m e s m a d e s c r it a p a r a o q u e c h a m a m o s d e “e v a n g é lic o s ” ( n o c a p ít u lo 2 3 ): A B íb lia é a P a la v ra d e D e u s in s p ir a d a , in f a lív e l e in e r r a n t e , e a s u a in s p ir a ç ã o é t a n t o v e r b a l q u a n t o p le n a . E m s u m a , a B íb lia é t a n t o P a la v ra d e D e u s q u a n t o p a la v r a d e h o m e n s . O s e r r o s e x is t e m s o m e n t e n a s c ó p ia s , m a s n ã o n o s o r ig in a is . T u d o o q u e a B íb lia a fir m a , s e ja n o c a m p o d a T e o lo g ia , o u n o d a C iê n c ia e d a H is tó r ia , e la o fa z s e m e r r a r .
O Fundam entalism o Contem porâneo As pessoas qu e h o je são ch a m a d a s d e “fu n d a m e n ta lis ta s” (p o r si m e sm a s o u p elos ev a n g é lico s) n ã o a p re se n ta m tod as u m a visão m o n o lític a das Sagradas E scritu ras. Elas v ariam desde u m a cre n ç a e m u m a visão ev an g é lica p a d rã o até u m a p o sição favoráv el ao p o n to de vista d o d itad o v erb al, o u a té m e s m o de q u e s o m e n te a v ersão K in g Ja m es seria re a lm e n te inspirada.
O PONTO DE VISTA DO DITADO VERBAL A a c u s a ç ã o t íp ic a f e it a p e lo s n ã o - e v a n g é lic o s c o n t r a a m a io r p a r t e d as f o r m a s d e f u n d a m e n í a l is m o c o n t e m p o r â n e o n ã o é e x a ta . P e lo q u e se sa b e, n e n h u m d o s d e fe n s o r e s
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do que se rotulou de “fundam entalism o” confessa acreditar em u m a espécie de “ditado m ecân ico ” para a com posição da Bíblia, o que implicaria u m a visão sem elhante à do Islamismo, em que Deus teria ditado palavra p or palavra aos autores bíblicos, que serviram m eram en te co m o secretários e registraram precisam ente o que receberam . E m esm o o pequeno n úm ero de fundamentalistas que são favoráveis ao uso da expressão “ditado verbal” se recusam a cham á-lo de “ditado mecânico”.
A Base para a Falsa Acusação de Ditado Mecânico A base para esta falsa acusação surge de diversos m al-entendidos da parte dos nãoevangélicos, e o primeiro deles se refere a u m a questão sem ântica. Todos os fundamentalistas e a m aior parte dos evangélicos acreditam que as palavras exatas da Bíblia são inspiradas: “Toda Escritura [a sua própria com posição é] divinamente inspirada” (2 T m 3.16). Assim, cada palavra (co m o parte de u m a frase e dentro do seu con texto literário) é a própria palavra que Deus afirmou em concordância co m o au tor h um ano da Escritura (veja capítulos 13-15). Isto eqüivale a dizer que cada palavra é holisticamente inspirada p o r Deus, na medida em que faz parte de u m a unidade literária da qual é inseparável. Infelizmente, a alegação dos fundamentalistas é n o rm alm en te com preendida no sentido de que cada u m a das palavras foi m esm o atomisticamente soprada — separada e individualmente. Entretanto, co m o as palavras não têm significado separadas e individualmente (veja capítulo 6), mas som ente quando fazem parte de u m a frase, que é a m en o r unidade de significado, não existe algo co m o palavras inspiradas no sentido individual e atom ístico. As palavras apresentam significado potencial e podem ser agrupadas em frases com sentido, mas individualmente e sozinhas elas não tem significado algum . Segundo, os não-evangélicos n orm alm en te indicam declarações dos Pais da igreja e dos Reform adores (veja capítulo 17-18), que fazem uso da palavra ditado para se referir às Escrituras. Entretanto, as suas afirmações n orm alm en te são avaliadas fora do con texto correto: O vocábulo latino dictus, que gera as palavras “d itar” ou “ditado”, a exem plo do verbo ditar n a língua portuguesa, nem sem pre expressa a transmissão de u m a m ensagem palavra p or palavra. Só para reform ular u m exem plo anterior, quando dizemos que u m a lei específica foi ditada pelo Congresso, não estam os necessariam ente falando que a recebem os palavra-por-palavra do Parlam ento, m as sim plesmente que pela autoridade do Congresso u m a lei foi aprovada e tem os u m a breve noção do que ela trata. Ou, colocando de ou tram aneira, se os evangélicos tiverem de ser acusados de acreditar no ditado “verbal” em algum sentido, então os Pais da igreja e os Reform adores tam bém m erecem esta m esm a acusação. Mas, neste caso, em função do testem unho claro dos Pais e dos Reform adores, sabemos que eles não acreditavam em u m ditado m ecânico palavra-por-palavra, que não leva em consideração a personalidade e o vocabulário do au tor bíblico (veja capítulo 15). Terceiro, os Pais da igreja antiga n o rm alm en te utilizavam ilustrações incom pletas a respeito do uso que o Espírito Santo fez dos autores na com posição das Escrituras. Ao descrevê-los co m o instrum entos musicais pelos quais Deus expressou a sua m ensagem , é fácil errar na com preensão e considerar que eles não passavam de meros instrum entos m ecânicos utilizados por Deus para produzir u m produto palavra-porpalavra. Mas m esm o a ilustração tendo sido u m tan to infeliz, o seu significado não deve ser com preendido de form a a negar a natureza hum ana das Escrituras. A exem plo do que ocorre co m as ilustrações (parábolas) utilizadas por Jesus (cf. Lc 18), devemos nos
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c o n c e n t r a r n o t e m a c e n t r a l q u e n o s e s tá s e n d o t r a n s m it id o , e n ã o t e n t a r c o m p r e e n d e r to d o s o s se u s p o r m e n o r e s . O f a to é q u e q u a se to d o s o s f u n d a m e n t a lis ta s n e g a m a v isã o d o d ita d o m e c â n i c o das E s c r itu r a s , e m u i t o p o u c o s c h e g a m a f a la r e m q u a lq u e r tip o d e d ita d o v e r b a l. O f a m o s o e v a n g e lis ta n o r t e - a m e r ic a n o J o h n R . R ic e e r a u m a e x c e ç ã o .
A Visão do Ditado Verbal de Joh n R. Rice J o h n R . R ic e ( 1 8 9 5 -1 9 8 0 ) é u m e x e m p lo e m b l e m á t i c o d e u m F u n d a m e n t a lis m o q u e a b r a ç o u u m a v isã o c h a m a d a d e “d ita d o v e r b a l” . ‘“ T o d a E s c r i t u r a é d iv in a m e n te i n s p ir a d a ’, o u s e ja , a E s c r i t u r a e m si é s o p r a d a p e lo p r ó p r io D e u s .” E e le m e s m o p e r g u n t a : “S e fo i o p r ó p r io D e u s q u e s o p r o u as p a la v ra s d a B íb lia , n ã o p o s s o c h a m a r isso d e u m d ita d o ? ” ( O G B B , 2 8 6 ). E n t r e t a n t o , R ic e se a p re ssa v a e m d iz e r q u e n ã o se tr a t a v a d e u m d ita d o mecânico-, e r a s im p le s m e n t e u m d ita d o verbal. A r e s p o s ta q u e e le d a v a p a r a d is tin g u ir u m a c o is a d a o u t r a e ra : Esta acu sação de “ditado m e c â n ic o ” que é feita co n tra os cren tes consid erad os fu n d am en talistas bíblicos é u m a falsidade desonesta. [Afinal,] n e n h u m secretário fica en v erg on h ad o p o r a n o ta r o ditado feito p o r u m su perior. E n tão , p o r que u m p ro feta deveria se en v erg o n h ar de a n o ta r o ditado feito p o r Deus? (ibid., 265, 287). D e a c o r d o c o m R ic e , a f ir m a r q u e a B íb lia é v e r b a l m e n t e d ita d a n ã o s ig n ific a q u e e la n ã o a p r e s e n ta u m a d im e n s ã o h u m a n a . “C e r t a m e n t e , a d m it im o s t r a n q ü i l a m e n t e a e x is tê n c ia d e u m ‘la d o h u m a n o d a B íb lia e m t e r m o s d e e s tilo , lin g u a g e m , c o m p o s iç ã o , h is tó r ia e c u l t u r a ”’ (ib id ., 141). M a s , c o m o s e r á q u e D e u s fe z o r e g is tr o d e u m d ita d o v e r b a l, p a la v r a - p o r -p a la v r a , e , a o m e s m o t e m p o , se u t iliz o u d o s d ife r e n te s e s tilo s d o s a u t o r e s b íb lico s? D eu s p la n e jo u tu d o de fo rm a que cada u m dos au to res foi esco lh id o antes de n ascer e, dessa fo rm a , serviu p ara ser o in s tru m e n to que D eu s qu eria usar. Os estilos variados são tod os estilos de D eu s n a Bíblia. D eu s crio u ta n to os h o m e n s q u an to os estilos, e a am bos usou , de aco rd o co m o seu p lan o (ibid., 206). A c e r t a d a m e n te , e n tã o : “A B íb lia n ã o s im p le s m e n t e ‘c o n t é m a P a la v ra d e D e u s ’ e m a lg u m a s p a r te s ; a B íb lia é a P a la v ra d e D e u s ” . Is to s ig n ific a q u e a B íb lia e s tá a b s o lu t a m e n t e c o r r e t a q u a n d o fa la d e a s s u n to s r e f e r e n t e s à H is tó r ia o u à G e o g r a f ia ” . A in e r r â n c ia n ã o se e s te n d e a to d a s as su a s có p ia s : “O s e s c r ito s o r ig in a is d as E s c r it u r a s e r a m i n f a liv e lm e n t e c o r r e t o s ” (ib id ., 8 8 ). A ss im , R ic e r e je i t o u t o d a a “a lta a r ít ic a ” d a B íb lia , d iz e n d o : “A a lta c r ít ic a t e n d e a le v a r a P a la v ra d e D e u s a ju l g a m e n t o e fa z c o m q u e p o b r e s h o m e n s m o r t a is , p e c a d o r e s , frá g e is, ig n o r a n t e s , f a ç a m o s e u ju l g a m e n t o a c e r c a d a P a la v ra d e D e u s ” (ib id ., 136). R ic e d e fe n d ia u m liv r o v e r b a l m e n t e d ita d o e i n e r r a n t e — a B íb lia —, e m v e z d e u m a m e n s a g e m fa lív e l e m u tila d a .
O PONTO DE VISTA DA INSPIRAÇÃO DA VERSÃO KING JAMES A m a io r p a r t e d o s f u n d a m e n t a l is t a s n o s p a íse s d e l ín g u a in g le s a c r e s c e u c o m a v e r s ã o K in g J a m e s d a B íb lia . N a v e r d a d e , m e s m o d e p o is d e q u a s e q u a t r o c e n t o s a n o s ,
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esta é u m a das tradu ções mais populares do m u n do, e isto não o co rre p o r acidente. Em 1611, quando esta trad u ção foi feita, a língua inglesa estava no seu ápice. Os tradu tores da versão King Jam es u tilizaram a beleza, o ritm o , a cadência, e tod o o poder descritivo possível, p or m eio deste estilo elisabetano, p ara produzir u m a trad u ção d u rad ou ra e cativante da Palavra de Deus. Dessa form a, é possível com p reen d er co m o as pessoas que se aco stu m aram co m a versão King James reverenciem a sua fo rm a m ajestosa de expressar as verdades de Deus.
A Reivindicação de Inspiração para a Versão King James Entretanto, algumas pessoas levaram estas coisas longe demais ao idolatrar esta tradução esteticam ente atraente. Na verdade, estas pessoas congelaram a verdade dos textos hebraico e grego originais da Bíblia dentro deste livro, editado no século XVII, enquanto o tem po continuou o seu curso norm al. Ao fazer isso, elas acabaram perdendo o verdadeiro significado da Palavra de Deus, p or se apegar a u m a linguagem que perdeu grande parte do seu significado para u m leitor do século XXI. O mais fam oso d efen sor d esta p osição é P eter R u ck m a n , que já ed ito u vários livros a esse resp eito , inclusive The Christian’s Handbook o f Manuscript Evidence (M an u al C ristão de Evidências M a n u scrita s) e Why I Believe the King Jam es Version Is the Word o f God (P orq u e A cred ito que aV ersão King Jam es é a P alavra de D eu s). A tese ce n tra l desta idéia é que “s o m e n te a Bíblia King Jam es = s o m e n te a Palavra de D eu s” (W h ite, K JO C , 3). O u tros livros p opu lares que defendem m od elos u n icam en te baseados n a versão King Jam es e a tacam o u tras trad u çõ es co m o sendo dem on íacas são New Age Bible Versions (Versões Bíblicas da N ova E ra ), de Gail Riplinger, e Which Bible is G od’s Word? (Q ual das Bíblias é a Palavra de D eus?). Poucos estudiosos, m esm o d en tre os evangélicos, levam estas idéias a sério. Jam es W hite escreveu u m a crítica excelen te na obra The King Jam es Only Controversy (A C o n tro v érsia da Exclusividade da Versão King Jam es). P eter R u ck m a n vai ainda m ais lo n g e ao afirm ar que o te x to g reg o deve ser co rrig id o p ela versão King Jam es ( C H M E , 115-38). Veja que in teressan te esta sua afirm ação : “Os erro s da Versão A u to rizad a, de 1611, se tra ta m de rev elação av an çad a”. Nessa lin h a, ele a cre sce n ta : “nos casos excep cio n ais, onde a m a io r p a rte dos m a n u scrito s gregos divergir da V ersão A u to rizad a, de 1611, é m e lh o r jo g ar estes m a n u scrito s n a ce sta de lix o ” (ibid., 126, 130). R u ck m a n p arece acre d ita r que o te x to inglês da versão King Jam es é u m a versão in e rra n te e “re in sp irad a”. M u nidos d esta p ressu p osição , os ad eren tes d esta p o sição tr a ta m as o u tra s tra d u çõ e s da Bíblia c o m o se fossem “p erv ersõ es da Bíblia” , e as pessoas que u sam estas tra d u çõ e s, c o m o “inim igas da Bíblia” .
Uma Crítica à Reivindicação de Inspiração para a Versão King James Existem diversas razões para rejeitar as reivindicações feitas pelos adeptos da exclusividade da inspiração da versão King James. D entre elas, as que descreverem os abaixo são dignas de nota: Primeiro, a escolha das versões é arbitrária. Por que u m a Bíblia em inglês, e não u m a em alem ão, francês, espanhol, russo ou chinês? Além disso, por que logo a versão King James, quando tem os tantas outras traduções fiéis da Bíblia na língua inglesa? C erca
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de mil e duzentas versões diferentes da Bíblia (co m o u m todo ou em partes) já foram publicadas em inglês (Geisler e Nix, GIB, 605-35). Segundo, por que escolher som ente esta Bíblia co m o a única inspirada n a língua inglesa? C ertam ente, não é porque ela é a mais popular — a NIV, hoje, é m uito mais utilizada. Tam bém não é porque esta é a versão que existe há mais tem po, pois o texto grego é mais antigo, e a tradução Vulgata Latina existe há m uito mais tem po do que a versão King James, ou seja, mais de m il anos antes. Terceiro, p o r que h averia a necessidade de ed itar u m a versão mais atualizada da Bíblia King James? Por que não ficar co m a versão original? A versão King Jam es sofreu várias m u d anças editoriais; a versão original tinh a u m a quantidade in u m erável de erros. Por exem p lo , em M ateus 26.36, o n o m e “Judas” foi utilizado no lugar de “Jesus” . N a segunda edição, em Ê xod o 14.10, existe a rep etição de vinte palavras. A té m esm o as duas edições lançadas em 1611 ap resen tam diferenças en tre si (Lewis, EB, 37). Tiragens posteriores da Versão King James produziram o que ficou conhecido com o a “Bíblia ím pia”, que foi impressa sem a negativa na frase: “Não adulterarás” (Ex 20.14). M udanças intencionais foram feitas nas edições de 1612 e 1613 (ibid., 38). Em 1659, William Kilburne alegou ter descoberto vinte mil erros que haviam passado em seis edições diferentes n a década de 1650. Em 1769, Benjam in Blayney modificou a grafia e a pontuação. Palavras co m o Hierusalem, Marie, assone, Foorth, shalbe, et, creeple,fift, sixt, ioy, middes e charet deixaram de ser usadas*. U m estudo abrangente destas mudanças foi realizado por F. H. Scrivener, n a obra The Authorized Edition o f the English Bible (1611) (A Edição Autorizada da Bíblia Inglesa de 1611). Quarto, a versão original da King James continha os livros apócrifos. Eles não foram retirados do con ju nto de livros até a edição de 1629, mas este costu m e não se generalizou até o século X IX (Lewis, EB, 38). Se a versão King James original fosse inspirada, por que será que conteria os livros apócrifos? Todos os fundamentalistas rejeitam estes livros e refutam a sua inspiração. Quinto, considerar a versão King James co m o u m a tradução inspirada é confessar que m uitas coisas que con stam nela não fazem sentido e/ou são falsas. Muitas palavras na língua inglesa não só perderam o seu significado desde 1611, co m o até tiveram o seu significado invertido. A frase em inglês: “We do you to w it” (2 Co 8.1, KJV) não é u m a linguagem n orm alm en te reconhecida pelo inglês m od ern o —ela significa: “We w ant you to know ” (Q uerem os que vocês con heçam ). Da m esm a form a: “I trow n o t” (C reio que não) (Lc 17.9, KJV) não faz qualquer sentido para os leitores atuais; conseqüentem ente, faz-se necessária u m a nova tradução para u m a linguagem mais atual, com o, p o r exem plo: “I think n o t” (Penso que não) (NKJV) . Em u m exemplo clássico, u m a das palavras teve o seu sentido literalmente invertido, desde o século XVII. Na versão King James (em 2 Ts 2.7), consta: “he who now letteth, will let” (aquele que agora impede, impedirá). Naquela época, a palavra let significava “impedir”; no inglês m oderno, ela significa o contrário, “perm itir”. Outro exemplo é a palavraprevent ( “evitar”) (cf. 1 Ts 4.15; A m 9.10), que significava “preceder”, em 1611. Dessa form a, as pessoas que se apegam demais à King James, n a verdade, inverteram o significado das Sagradas Escrituras inspiradas nestes casos e as distorceram em muitos outros. * N . do T .: Trata-se de arcaísmos de grafia ou estrangeirismos.
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U m a coisa é receber, co m o este a u to r o faz, a beleza e a m ajestade da versão King Jam es, mas o u tra com p letam en te diferente é alegar que ela é o original inspirado pelo qual todas as demais versões devam ser calibradas. C o m o Jack Lewis co rretam en te afirm ou: “As pessoas que ach am que p odem se livrar do p roblem a das traduções refugiando-se n a cidadela da versão King James te m u m zelo p o r Deus que está em desacordo co m o co n h ecim e n to ” (EB, 6 7)1.
A FALHA DA VISÃO FUNDAMENTALISTA EXTREMADA SOBRE AS ESCRITURAS Em geral, a visão que o Fundam entalism o tem das Escrituras pode apresentar falhas em vários níveis, mas duas delas se destacam : O m enosprezo à natureza hum ana das Sagradas Escrituras e a falha em interagir co m a cu ltu ra. Apesar de nem todas as críticas que se seguirão serem aplicadas a todos que se denom inam fundamentalistas (já que alguns deles sustentam u m a visão evangélica das Sagradas Escrituras), m uitos estão sujeitos a, pelo m enos, u m a destas críticas.
A Acusação de Docetismo Bíblico —Menosprezo à Humanidade das Escrituras U m a acu sação que é feita de fo rm a ju sta à visão fu n d am en talista radical é a de D o cetism o bíblico. O D o cetism o foi u m a heresia das p rim eiras épocas da Igreja que, ao afirm ar a divindade p len a de C risto, n egava a sua h um anidad e plen a — C risto era verdadeiramente D eus, m as h u m a n o so m en te na aparência. Dessa fo rm a, o D ocetism o bíblico é u m a visão n ã o -o rto d o x a d a s Sagradas Escritu ras, já que tam b ém m en o sp reza 0 lado h u m an o delas. Isto, às vezes, não é feito em princípio, m as so m en te na p rática, m as m esm o assim acaba o co rre n d o , de qualquer fo rm a (veja cap ítu lo 15). O m enosprezo ao lado h um ano da Bíblia é feito de diversas maneiras, u m a das quais é a simples negligência desta hum anidade nas Escrituras. O u tra é a defesa de coisas que são inconsistentes co m o texto. Em term os mais específicos, co m o vimos no capítulo 15, a negação da hum anidade da Bíblia é u m a falha em recon h ecer u m a ou mais características hum anas das Escrituras, as quais listaremos a seguir: Primeiro, co m o todos os outros livros hum anos, a Bíblia tem autores hum anos, cerca de quarenta ao todo, incluindo-se aqui Moisés, Isaías, Jeremias, Daniel, M ateus, M arcos, Lucas, João, Paulo e Pedro. Segundo, a Bíblia foi escrita em línguas hum anas: o hebraico, no Antigo Testam ento (co m pequenas porções em aram aico), e o grego, no Novo Testam ento, que era a língua co m u m dos negócios no prim eiro século. Terceiro, a Bíblia tam bém faz uso de diferentes estilo literários, desde o linguajar de u m agricultor do sul de Israel (A m ós) até o lirismo poético de Isaías e a form ação sofisticada na cu ltu ra helênica do m édico Lucas. Quarto, a Bíblia utiliza diferentes form as literárias. Estas form as hum anas diferenciadas de expressão incluem a narração (co m o em Samuel e Reis), a poesia (co m o em Jó e nos Salmos), as parábolas (co m o nos Evangelhos Sinópticos), algumas alegorias (co m o em G1 4), e o uso de símbolos (co m o em Apocalipse). M etáforas e ilustrações tam bém são 1 O debate acerca da inspiração da versão King James, de form a algum a, deve ser confundido com o outro debate que se faz sobre o texto da King James ser m esm o, na sua m aior parte, superior às outras traduções. Nem todos os defensores da visão da exatidão do texto, na sua maioria, se identificam com o fundamentalistas. Além disso, a m aioria dos estudiosos que defendem a posição da superioridade do texto com o um todo não sustentam a idéia de que a versão King James é inspirada. Para mais inform ações acerca desse debate, veja D. A. Carson, The King James Debate.
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m uito abundantes nas Sagradas Escrituras (cf. Tg 1—2), e até m esm o a sátira (M t 19.24) e a hipérbole são encontradas (C l 1.23). Quinto, a Bíblia reflete perspectivas hum anas diferentes, desde o ponto de vista de u m pastor de ovelhas (Salm o 23), de u m profeta (D aniel), de um pastor (2 T im óteo), de um cronista (1 Crônicas), de u m historiador (cf. Lc 1.1-4). Além disso, co m o já vimos, os autores bíblicos falam da perspectiva de observadores dos fenôm enos, com o quando, por exem plo, escrevem a respeito do nascer ou do p ôr-do-sol (Js 1.15; cf. 10.13), e até m esm o núm eros arredondados são utilizados (Js 3.4; 4.13; 2 C r 4.2). Sexto, a Bíblia revela modelos e processos de raciocínio hum ano, inclusive a argumentação hum ana. A carta aos Romanos, por exemplo, é u m tratado lógico rigidamente exposto, o qual tem sido usado para dem onstrar tanto os princípios quanto os processos do pensam ento racional (cf. A t 17.2); As Sagradas Escrituras chegam ao ponto de registrar um lapso de m em ória (1 Co 1.14-16). Sétimo, a Bíblia revela emoções humanas, dentre elas o profundo pesar (R m 9.2), a raiva (G13.1), a melancolia e a solidão (2 T m 4.9-16), junto com a alegria (Fp 1.4) e muitas outras. Oitavo, a Bíblia manifesta interesses hum anos específicos. Por exem plo, Lucas tinha u m interesse por assuntos relacionados à medicina, conform e se pode auferir pelo uso que ele faz de term os médicos. Oséias tinha interesses por tem as agrários, e Davi tinha a perspectiva de um pastor de ovelhas. A apresentação dos tem as em cada u m dos livros recebe a coloração das experiências e dos interesses do autor. Nono, com o já dem onstram os, a Bíblia expressa a cu ltu ra hum ana, no caso dela, um a cultura basicamente semita. Isto incluía a form a co m u m de cum prim entar u m a pessoa, pelo “ósculo” ou beijo (1 Ts 5.26). De maneira semelhante, o véu feminino com o sinal do respeito dela por seu marido é um a manifestação da cu ltu ra (1 Co 11.5). Várias outras práticas culturais do Oriente Médio são expressas na Bíblia, incluindo-se aí o lavar dos pés ao entrar em um a residência (Lc 7.44; cf. Jo 13), o sacudir a poeira dos pés com o sinal de condenação (Lc 10.11), e o reclinar-se (não o assentar-se) durante as refeições (Jo 13.23). Décimo, a Bíblia tam bém faz uso de outras fontes escritas do m undo secular, inclusive o “Livro do R eto” (Js 10.13), o “Livro das Guerras do Senhor” (N m 21.14), e as “crônicas de Samuel, o vidente [...] do profeta Natã [...] de Gade, o vidente” (1 Cr 29.29). Ela até m esm o cita poetas não-cristãos em três ocasiões (A t 17.28; 1 Co 15.33; T t 1.12), e Judas cita material de livros não-canônicos, com o o “Assunção de Moisés” e o “Livro de Enoque” (Jd 9,14). A falha em levar a sério estes e outros traços hum anos da Bíblia é u m a característica da concepção fundam entalista das Sagradas Escrituras. Além da sua fonte divina, a Bíblia chegou até nós por interm édio de instrum entos com pletam ente hum anos. A negação ou o desprezo desta realidade é u m traço docético que pode ser observado na m aior parte dos fundamentalistas. A A c u s a ç ã o de F a lh a de In te r a ç ã o c o m a C u ltu r a In te le c tu a l A visão fundamentalista radical das Sagradas Escrituras tam bém tende a ser antiintelectual, pois é negligente no estudo aprofundado e em obter respostas significativas aos questionamentos levantados pela cultura contem porânea. Com m edo de fazes concessões ao espírito de época, os adeptos do fundamentalismo radical fazem o m ovim ento contrário: optam pelo isolamento. Este isolamento é manifesto na sua ignorância às filosofias e ideologias opostas ao Cristianismo que ocorrem no nosso meio intelectual. Ao contrário do apóstolo Paulo, que interagia de form a m uito bem
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sucedida co m os filósofos anticristãos da sua época (veja A t 17), m uitos fundamentalistas contem porâneos se contentam simplesmente co m u m a mentalidade que gira somente em torno da Bíblia, a qual não som ente despreza a revelação geral de Deus, co m o tam bém acredita ser possível fazer u m a proclam ação efetiva da Palavra ao m undo sem que se tenha um a com preensão adequada do m undo ao qual a m ensagem será dirigida. Estas pessoas se concentram na mensagem, mas negligenciam o ambiente no qual tam bém estão incluídos. Isto norm alm ente leva a u m a mentalidade fechada e a u m a irrelevância cada vez mais crescente aos olhos das pessoas que eles mesm os gostariam de alcançar com o evangelho.
CONCLUSÃO Os fundamentalistas mais m oderados adotaram u m a visão evangélica das Escrituras que se assemelha à dos fundamentalistas históricos da virada do século X X . Entretanto, os fundamentalistas mais extrem ados preferiram u m a visão de ditado verbal, ou, pior, acabaram por canonizar a versão King James. O separatismo extrem o tem levado estes grupos a cair no ostracism o cu ltu ral e a deixar de interagir intelectualm ente co m as ideologias que am eaçam a visão conservadora das Sagradas Escrituras. Além disso, eles tendem a adotar u m docetism o bíblico, que desm erece o elem ento hum ano das Sagradas Escrituras e superenfatiza o elem ento divino. Em resumo, os liberais alegam que a Bíblia chegou até nos via intuição hum ana, por intermédio de processos naturais, ao passo que os liberais evangélicos insistem que a elevação divina da literatura hum ana explicaria a fonte das Sagradas Escrituras. Ao m esm o tempo, os adeptos da Neo-ortodoxia enxergam as Sagradas Escrituras com u m registro hum ano falível de eventos revelacionais, enquanto os neo-evangélicos entendem a inspiração somente onde o texto contém verdades ou propósitos de redenção. Os fundamentalistas radicais vão para o extrem o oposto do espectro e alegam que a Bíblia foi verbalmente ditada. Entre estes extremos, está a visão evangélica, histórica e ortodoxa, que afirma tanto a divindade plena quanto a humanidade plena das Sagradas Escrituras de form a concomitante, na qual as palavras de Deus e as dos autores humanos foram coordenadas (2 Pe 1.20,21), a fim de que obtivéssemos u m produto final soprado por Deus (2 T m 3.16).
FONTES Carson, D. A. The King Jam es Debate. Geisler, N orm an e William Nix. A General Introduction to the Bible. Geisler, N orm an e Abdul Saleeb. Answering Islam. Geisler, N orm an , ed. Inerrancy. Hodge, A. A., e B. B. Warfield. Inspiration. Lewis, Jack. The English Bible: From K JV to N IV . Rice, John R. O ur God-Breathed Book —The Bible. Riplinger, Gail. New Age Bible Versions. ________ . Which Bible Is God’s Word? R uckm an, Peter. The Christians Handbook o f Manuscript Evidence. ________ . Why I Believe the King Jam es Version Is The Word o f God. Scrivener. F. H. The Authorized Edition o f the English Bible (1611). W hite, James. The King Jam es Only Controversy.
SEÇÃO
TRÊS
TEOLÓGICA
CAPITULO
VINTE
E
CINCO
A HISTORICIDADE DO ANTIGO TESTAMENTO
Cristianismo é u m a religião histórica, e os principais eventos sobre os quais ela é baseada, tais com o a Criação e a vida, m orte e ressurreição de Jesus Cristo, são considerados eventos espaço-temporais que ocorreram , de fato, no m undo objetivo. Além disso, o Novo Testamento pressupõe a historicidade do Antigo; muitos dos seus ensinos mais cruciais estão baseados nela. Portanto, a integridade destas duas alianças está intim am ente ligada. Jesus mencionou muitas das passagens mais questionadas do Antigo Testamento com o se estas possuíssem valor histórico real, dentre as quais: a criação de Adão e Eva (M t 19.4,5), Jonas e 0 peixe (M t 12.40,41), e o dilúvio (M t 24.37-39). Na verdade, tanto Ele com o os escritores do Novo Testamento citam pessoas e episódios de todos os capítulos mais controvertidos de Gênesis, os capítulos 1 a 22, além de vários outros do restante do Antigo Testamento (veja capítulo 16). A historicidade do Antigo Testamento baseia-se em dois fatores preponderantes: A confiabilidade do texto veterotestamentário, e a confiabilidade das pessoas que o compuseram. A C O N FIA B ILID A D E D O S M A N U S C R IT O S V E T E R O T E S T A M E N T Á R IO S A confiabilidade dos manuscritos do Antigo Testamento está baseada em três fatores: a abundância dos manuscritos, adatação dos manuscritos, e aprecisão dos manuscritos. A precisão se baseia, em parte, na reputação dos escribas judeus, em função do seu trabalho meticuloso e da sua habilidade em fazer a comparação do seu trabalho por vias internas e externas1.
1 Lembre-se de que todos os manuscritos e fragmentos disponíveis são cópias. Os originais (ou autógrafos) nunca foram encontrados.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
A Abundância dos Manuscritos Veterotestamentários Considerando-se a escassez de m anuscritos para outras obras da antigüidade, m esm o antes das descobertas m odernas havia u m n úm ero significativo de m anuscritos do Antigo Testam ento. Por exem plo, a maioria das obras da antigüidade som ente sobrevive p or causa de u m punhado de m anuscritos restantes: Existem som ente sete cópias de Platão, oito de Tucídides, oito de H eródoto, dez das Guerras das Gálias de César, e vinte das obras de Tácito. Som ente as obras de Dem óstenes e H om ero chegam à casa das centenas2. C ontudo, já no final do século XVIII, Benjam in K ennicott divulgou 615 m anuscritos do Antigo, e alguns anos mais tarde, Giovanni de Rossi tam bém divulgou u m total de 731 m anuscritos (Geisler e Nix, GIB, 408). A lém disso, com eçando p o r volta de 1890, cerca de dez mil m anuscritos do Antigo T estam ento foram encontrados em Genizá, no Cairo, e desde 1947, as cavernas de Q u m ran, no m ar M orto, jános proporcionaram mais deseiscentos m anuscritos do Antigo Testam ento. A m aior coleção de m anuscritos do m u ndo, a Segunda Coleção Firkowitch de Leningrado, con tém 1.582 itens da Bíblia e dos massoretas3 em pergam inhos, além de mil e duzentos fragm entos hebraicos (ibid., 257-58).
A Datação dos Manuscritos Veterotestamentários Não é só a quantidade, mas tam bém a datação destes m anuscritos que atesta a sua precisão. Enquanto os conservadores colocam o últim o livro do Antigo Testam ento por volta do ano 400 a.C. (e os liberais colocam Daniel p o r volta do ano 165 a.C .), alguns m anuscritos do Antigo Testam ento são ainda mais antigos que a data proposta pelos liberais. Por exem plo, certos Rolos do M ar M orto rem o n tam ao terceiro século a.C., e o Papiro Nash é datado entre o segundo século a.C. e o prim eiro século d.C .4. Mesmo que a m aior parte dos manuscritos do Antigo Testamento sejam datados entre os anos 800-1100 d.C., com o descobrimento dos Rolos do Mar M orto a precisão geral dos m anuscritos posteriores foi confirmada. Estes m anuscritos do Antigo Testamento incluem grandes docum entos, com o o Oriental 4445 (que contém a m aior parte do Pentateuco), o Códice do Cairo (a m aior parte do restante do Antigo Testamento), o Códice de Leningrado (o Antigo Testamento com pleto), o Códice Babilônico (dos Profetas Posteriores), o Códice Reuchlin (dos Profetas), os dez mil m anuscritos de Genizá do Cairo, e mais de seiscentos manuscritos oriundos dos Rolos do M ar M orto, os quais incluem partes de cada u m dos livros do Antigo Testamento, co m exceção para Ester (ibid., 358-65).
A Precisão dos Manuscritos Veterotestamentários A precisão desta fartu ra de m anuscritos pode ser aferida tanto p o r evidências internas quanto por externas. As evidências internas vêm dos Rolos do M ar M orto, que proporcionam u m a com paração da precisão dos m anuscritos que foram copiados ao longo de u m período de mil anos, já que os m anuscritos do m ar M orto antecedem em mil anos os m anuscritos anteriores (m assoréticos) (ibid. 380-82). 2Existem 200 manuscritos de Demóstenes e 643 da Ilíada de Homero. 3Massoretas foram escribas judeus, entre os séculos V e IX, que padronizaram o texto hebraico das Escrituras (chamado o Texto Massorético).
4 A importância disto é óbvia: Se as cópias existentes recebem uma datação
anterior à estimativa feita pelos liberais, quanto mais antigos não seriam os originais?
A HISTORICIDADE DO ANTIGO TESTAMENTO
Prim eiro, a r e v e r ê n c ia q u e o s ju d e u s t i n h a m
p e la s E s c r it u r a s fe z c o m
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q u e eles
t r a n s m it is s e m o A n tig o T e s t a m e n t o c o m c u id a d o . O T a im u d e r e v e la as ríg id a s r e g r a s a q u e o s e s c rib a s ju d e u s t in h a m q u e se s u je it a r , d e n t r e as q u a is e s ta v a a c o n t a g e m d e to d a s as le tr a s e lin h a s p a r a c e r tif ic a r - s e de q u e e la s e s ta v a m n a p o s iç ã o c o r r e t a . O s m a n u s c r it o s q u e c o n t in h a m u m e r r o s o m e n t e e r a m d e s c a r ta d o s (ib id ., c a p ít u lo 2 0 ). Segundo, e x is t e m m u ita s p a ss a g e n s d u p la s n o A n tig o T e s t a m e n t o . A lg u n s s a lm o s o c o r r e m d u a s v e z e s ( p o r e x e m p lo , 14 e 5 3 ); a m a io r p a r t e d o c o n t e ú d o d e Isaías 36— 3 9 p o d e s e r e n c o n t r a d o e m 2 R e is 18—2 0; Isaías 2 .2 -4 e M iq u é ia s 4 .1 -3 sã o p r a t ic a m e n t e id ê n tic o s ; e Je r e m ia s 5 2 é u m a r e p e tiç ã o d e 2 R e is 2 5 . U m e x a m e d e sta s p a s s a g e n s r e v e la n ã o s o m e n t e u m a c o n c o r d â n c ia s u b s ta n c ia l, c o m o t a m b é m u m a c o r r e s p o n d ê n c ia de q u a se p a la v r a - p o r -p a la v r a , o q u e r e v e la a p r e c is ã o c o m q u e e la s f o r a m c o p ia d a s a o lo n g o d o s s é c u lo s . T e r c e m , o A n tig o T e s t a m e n t o h e b r a ic o te v e su a t r a d u ç ã o p a r a o g r e g o in ic ia d a p o r v o lt a d o a n o 2 5 0 a .C . E s ta t r a d u ç ã o , c o n h e c id a c o m o S e p tu a g in t a ( L X X , o u “s e t e n t a ”), t a m b é m f u n c io n a n a c o m p a r a ç ã o a c e r c a d a p r e c is ã o c o m q u e o A n tig o T e s t a m e n t o fo i t r a n s m it id o . A e x c e ç ã o d e v a r ia n te s m e n o r e s q u e n ã o a f e ta m a m e n s a g e m c o m o u m t o d o , e x is te u m a c o n c o r d â n c ia s u b s ta n c ia l e n t r e as t r a d u ç õ e s h e b r a ic a e g re g a d o A n tig o T e s t a m e n t o . N a v e rd a d e , a m a io r p a r t e das c it a ç õ e s q u e o N o v o T e s t a m e n t o faz p r o v é m d a g r e g a S e p tu a g in t a ( L X X ) . Quarto, a re s p e ito d o s C in c o L iv ro s d e M o is é s , o P e n t a t e u c o S a m a r i t a n o p r o p o r c io n a um
a p o io s u b s ta n c ia l a o A n tig o T e s t a m e n t o h e b r a ic o . A p e s a r d e e x is t ir e m m u ita s
v a r ia n te s m e n o r e s , e m t e r m o s d e c a p ít u lo a p ó s c a p ít u lo e v e r s íc u lo a p ó s v e r s íc u lo , o P e n t a t e u c o S a m a r i t a n o é u m a c o n f ir m a ç ã o d o t e x t o g e r a l d o A n tig o T e s t a m e n t o . Quinto, a m a is i m p o r t a n t e c o m p a r a ç ã o d a p r e c is ã o n a t r a n s m is s ã o d o A n tig o T e s t a m e n t o h e b r a ic o a o lo n g o d o s s é c u lo s , in ig u a lá v e l n o se u v a lo r , é a q u e fo i p r o p o r c io n a d a p e lo s R o lo s d o M a r M o r t o , p o is e le s p r o v e r a m m a n u s c r i t o s q u e a n t e c e d e m e m m il a n o s os q u e f o r a m u t iliz a d o s p a r a e s t a b e le c e r o t e x t o h e b r a ic o . E s tu d o s c o m p a r a tiv o s f o r a m fe ito s , e os r e s u lt a d o s r e v e la m u m a id e n tid a d e c o m p a r t ilh a d a d e 95 p o r c e n t o , q u a n d o o t e x t o fo i v e r ific a d o p a la v r a - p o r -p a la v r a ; as v a r ia n te s m e n o r e s c o n s is t e m p r in c ip a lm e n t e e m d e sliz e s d a p e n a , o u p r o b le m a s d e g ra fia . P a ra s e r m o s m a is e s p e c ífic o s , o R o l o
d e Isaías le v o u o s t r a d u t o r e s d o A n tig o
T e s t a m e n t o , n a R e v is e d S t a n d a r d V e rs io n (V e rs ã o P a d rã o R e v is a d a ) e m lín g u a in g le s a , a im p l e m e n t a r e m s o m e n t e t r e z e m u d a n ç a s m e n o r e s n o liv r o c o m o u m t o d o , d as qu ais o it o já e r a m c o n h e c id a s a p a r t ir d e o u t r a s f o n te s . P o r é m , e m in v e s tig a ç õ e s p o s t e r io r e s , e s te n ú m e r o b a ix o u p a r a s o m e n t e três (K a ise r, O T D A T R , 4 6 ). D e f o r m a a in d a m a is e s p e c ífic a , p a r a u t iliz a r Isaías 53 c o m o e x e m p lo , f o r a a lg u m a s m u d a n ç a s d e g ra fia e d e e s tilo o c o r r id a s , e x is te s o m e n t e u m a p a la v r a ( “le v e ” , n o v e r s íc u lo 11) de d ife r e n ç a n o t e x t o t o d o . E m s u m a , não houve qualquer mudança de significado, depois de m il anos de cópias, e relativamente poucas mudanças na grafia das palavras! ( G e is le r e N ix , G IB , 3 8 2 ). O p r o f e s s o r W a lte r K a is e r r e s u m iu m u i t o b e m o v a lo r d e sta s e v id ê n c ia s , c ita n d o D o u g la s S t u a r t :
E justo afirmar que os versículos, os capítulos e os livros da Bíblia teriam, em grande parte, o mesmo conteúdo, e deixariam a mesma impressão sobre o leitor, mesmo se adotássemos praticamente todas as leituras alternativas possíveis àquelas que hoje servem de base para as traduções inglesas atuais ( OTDATR , 48).
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A CONFIABILIDADE DOS AUTORES DO ANTIGO TESTAMENTO A lém da confiabilidade dos m an u scrito s do A ntigo T estam en to , existem tam b ém fortes evidências a favor da confiabilidade dos au to res do A ntigo T estam en to . Os seus relatos h istóricos tam b ém têm recebido u m a crescen te aceitação en tre no m u n d o acad êm ico.
A Historicidade de Seções Específicas do Antigo Testamento A cerca da historicidade do Antigo Testam ento em geral, o arqueólogo m undialm ente fam oso William F. Albright (1891-1971) escreveu: “Não pode haver qualquer som bra de dúvida acerca de a Arqueologia ter confirm ado a historicidade substancial da tradição do Antigo T estam ento” (A R I, 176). Ele, ainda, acrescentou: A medida que os estudos críticos forem cada vez mais sendo influenciados pela riqueza dos materiais recém-descobertos no Oriente Médio, veremos um aumento no respeito pelo significado histórico de passagens e detalhes que hoje são desprezadas ou negligenciadas do Antigo e do Novo Testamento ( FSAC , 81). Até m esm o fontes n orm alm en te liberais agora adm item a confiabilidade histórica geral do Antigo Testam ento. Citando o seu livro Is the Bible True? (Será Que a Bíblia é Verdadeira?), JefFery L. Sheler faz a seguinte observação para o jornal U.S. News & World Report (Notícias dos Estados Unidos & Relato M undial): De maneiras extraordinárias, a arqueologia têm afirmado o núcleo histórico do Antigo Testamento — confirmando relatos centrais acerca dos patriarcas de Israel, do Êxodo, da monarquia davídica, bem com o da vida e da época de Jesus (25 de outubro de 1999, 52).
A Historicidade de Adão e Eva (Gênesis 1—3) Muitos estudiosos críticos consideram os primeiros capítulos de Gênesis com o m itologia e não História. Eles apontam para a natu reza poética do texto, para o paralelo entre os capítulos iniciais de Gênesis e os m itos da antigüidade que foram vigentes nos outros povos, para a suposta contradição do texto co m a ciência, e para a data tardia para Adão n a Bíblia, a qual se opõe à datação científica que co lo ca os primeiros seres hum anos m u ito antes no planeta. A s Evidências a favor da Historicidade de Adão e Eva En tretanto, a Bíblia apresenta Adão e Eva co m o pessoas literais que tiveram filhos literais e de quem o resto da hum anidade literalm ente descende (cf. Gn 5.1ss.). Há boas razões para acreditarm os que Adão e Eva foram pessoas históricas reais. Primeiro, Gênesis 1—2 os apresenta co m o pessoas reais e até m esm o n arra eventos im portantes da vida deles. Segundo, eles tiveram filhos reais, que tam bém tiveram filhos reais (G n 4.1,25; 5.1ss.). Terceiro, a expressão “estas são as gerações de” (e suas variantes), utilizada para registrar histórias mais tardias em Gênesis (6.9; 10.1,32; 11.10,27; 25.12,19 etc.), é utilizada para se referir a Adão e Eva e aos seus descendentes (G n 5.1).
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Quarto, u m c r o n o lo g ia p o s t e r io r d as p e r s o n a g e n s h is tó r ic a s d o A n tig o T e s t a m e n t o c o lo c a A d ã o n o t o p o d a lis ta (1 C r 1.1). Quinto, o N o v o T e s t a m e n t o c o lo c a A d ã o e E v a n o in íc io d a lis ta d o s a n c e s tr a is lite r a is d e Je su s (L c 3 .3 8 ). Sexto, Je s u s c it o u A d ã o e E v a c o m o o p r im e ir o c a sa l r e a l, f a z e n d o d a u n iã o fís ic a d o s d o is a b a s e p a r a o s e u e n s in o a c e r c a d o c a s a m e n to ( M t 1 9 .4 ,5 ). Sétimo, a c a r t a a os R o m a n o s d e c la r a q u e a m o r t e , n o s e n tid o l it e r a l, e n t r o u n o m u n d o p e la a ç ã o d e u m “A d ã o ” lit e r a l ( R m 5 .1 4 ). Oitavo, a c o m p a r a ç ã o d e A d ã o ( o “p r im e ir o A d ã o ”) c o m C r is to ( o “s e g u n d o A d ã o ”) q u e é fe ita e m
1 C o r ín t io s 1 5 .45 d e ix a c la r o q u e A d ã o e r a e n te n d id o c o m o u m ser
h is t ó r ic o e re a l. Nono, a a f ir m a ç ã o d e P a u lo d e q u e “p r im e ir o fo i f o r m a d o A d ã o , d e p o is E v a ” (1 T m 2 .1 3 .1 4 ) r e v e la q u e e le fa la v a d e p e s so a s re a is. D écim o, lo g ic a m e n te , e ra p r e c is o h a v e r u m ca sa l in ic ia l d e seres h u m a n o s , m a c h o e fê m e a , d o c o n t r á r io a r a ç a h u m a n a n ã o t e r ia tid o c o n tin u id a d e . A B íb lia c h a m a e s te casal lite r a l d e “A d ã o e E v a ”, e n ã o e x is te ra z ã o n e n h u m a p a r a d u v id a r d a su a e x is tê n c ia re a l.
R e sp o sta a A lg u m as O b je çõ e s à H isto ricid a d e de A d ão A s o b je ç õ e s à h is to r ic id a d e d e A d ã o e E v a sã o b a s ta n t e d e fic ie n te s . E las s e r ã o a b o rd a d a s u m a a u m a , a se g u ir :
A Suposta N atureza Poética de Gênesis 1 M u ita s ra z õ e s p o d e m s e r a p r e s e n ta d a s p a r a r e je i t a r a a f ir m a ç ã o d e q u e o r e l a t o d e G ê n e s is 1—2 é p o é tic o : Primeiro, m e s m o s e n d o p o s s ív e l h a v e r u m
c e r t o p a r a le lis m o d e id éias e n t r e os
p r im e ir o s tr ê s e os ú l t i m o s t r ê s d ias, G ê n e s is 1 n ã o é a f o r m a típ ic a d e p o e s ia h e b r a ic a , q u e e n v o lv e c o p ia s d is p o s ta s d e f o r m a p a r a le la . U m a c o m p a r a ç ã o c o m o s S a lm o s e o liv r o d e P r o v é r b io s d e ix a e s ta d if e r e n ç a b a s ta n t e a p a r e n te . Segundo, G ê n e s is 2 é p a r t e d o r e l a t o d a c r i a ç ã o e n ã o a p r e s e n t a p a r a l e l i s m o p o é t i c o . Terceiro, o r e la t o d a c r ia ç ã o é u m a n a r r a t iv a o b je tiv a , c o m o q u a lq u e r o u t r a n a r r a t iv a h is t ó r ic a d o A n tig o T e s t a m e n t o . Quarto, o r e la t o d a c r ia ç ã o é in t r o d u z id o c o m o to d o s os o u t r o s r e la t o s d e G ê n e s is — c o m a e x p r e s s ã o : “E sta s sã o as o r ig e n s [...]” ( G n 2 .4 ; 5 .1 ). Q uinto, t a n t o J e s u s q u a n t o o s e s c r i t o r e s d o N o v o T e s t a m e n t o se r e f e r e m
aos
e v e n t o s d a C r i a ç ã o c o m o f a t o s h i s t ó r i c o s ( c f . M t 1 9 .4 ; R m 5 .1 4 ; 1 C o 1 5 .4 5 ; 1 T m 2 .1 3 .1 4 ) . Sexto, as ta b u le t a s d e E b la 5 c o n f ir m a m o r e la t o d e G ê n e s is a r e s p e ito d e u m a c r ia ç ã o m o n o t e ís t a ex nihilo. E la s t ê m a in s c r iç ã o : “S e n h o r d o s c é u s e d a t e r r a : a t e r r a n ã o e ra , T u a c r ia s te ; a lu z d o d ia n ã o e r a , T u a c r ia s te ; T u [ain d a] n ã o t in h a s f e it o c o m q u e a lu z d a m a n h ã e x is tis s e ” ( E bla A rchives, 2 5 9 ). S é t im o , e m c o m p a r a ç ã o c o m m it o s d a a n tig ü id a d e , o r e l a t o d e G ê n e s is r e v e la - s e c o m o o o r ig in a l, já q u e é o m a is s im p le s e m e n o s a d o r n a d o d e to d o s . C o m o d e c la r o u o r e n o m a d o e s tu d io s o d o A n tig o T e s t a m e n t o K e n n e t h A . K it c h e n :
5 De origem síria, elas ilustravam a civilizaçao desde a metade do terceiro milênio a.C. para trás.
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A suposição com um de que o relato hebraico não passa de um a versão sucinta e simplificada das lendas babilônicas é [...] falaz quando visto por bases m etodológicas. No antigo Oriente Próximo, a regra era que relatos ou tradições simples sempre davam lugar (por increm ento e em belezam ento) a lendas elaboradas, mas não o contrário. No antigo Oriente, as lendas não eram simplificadas, nem se transform avam em pseudo-história ( “historificadas”), com o se tem sugerido no caso de Gênesis (AOOT, 89). A Suposta Contradição com a Ciência O relato da criação de Gênesis é contraditório à m acroevolução, por diversas razões (veja Volum e 2, parte 2)1 Primeiro, ele fala da criação de Adão a partir do pó da terra, não da sua evolução oriunda de outros animais (G n 2.7). Segundo, ele fala da criação direta e im ediata diante do com ando de Deus, e não de longos processos naturais (cf. Gn. 1.1,3,6,9,21,27). Terceiro, de acordo co m Gênesis, Eva foi criada a p artir de Adão; ela não evolui de form a separada. Quarto, Adão foi u m ser inteligente que falou u m a língua, estudou e deu n om e aos animais, bem com o tom o u parte em atividades que visavam a sua própria subsistência. Ele não era u m a criatu ra ignorante, n em u m m eio-m acaco. Entretanto, pelo fato de ficar claro que o relato de Gênesis conflita co m a m acroevolução, afirmar que ele é errado só p o r este m otivo é utilizar de u m a argum entação viciada. Na verdade, existem evidências científicas substanciais para dem onstrar que a m acroevolução não é verdadeira (veja Volume2, parte 2). A Suposta Data Tardia para o Aparecimento de Adão De acord o co m esta objeção, a su posta d ata bíblica p ara o ap arecim en to de Adão n a te rra (c. 4000 a.C .) é dem asiado tardia p ara se en caixar nas evidências fósseis do h o m e m p rim itivo, que vai desde dezenas de m ilh ares a cen ten as de m ilh ares de anos. C o m o a data inicial do ap arecim en to da h um anidad e deve ser baseada em evidências científicas, a historicidade do relato de Gênesis deve ser, pelo que se supõe, rejeitada. En tretanto, existem várias suposições falsas ou discutíveis nesta objeção. Primeiro, ela supõe que é possível sim plesm ente som ar todos os relatos genealógicos de Gênesis 5 e 11 e chegar a u m a data bíblica de ap roxim adam ente 4000 a.C. para a criação de Adão. Mas isto se baseia em u m a falsa concepção de que não existem lacunas nestas listas, o que não é verdade (veja Geisler, “G, O C ”, in: B E C A ). Três gerações, por exem p lo, estão faltando em M ateus 1.8,9 (cf. 1 C r 3.11-14), e, pelo m enos, u m a está faltando no relato de Gênesis 11.12, já que o n om e de C anaã não está ali (c o m o está em Lc 3.35,36). Segundo, presum e-se que o m étodo de datação para os fósseis primitivos de características hum anas seja preciso; en tretanto, estes m étodos de datação estão sujeitos a m uitas variáveis, inclusive as mudanças na atm osfera, a contam inação da am ostra, e m udanças na taxa de decom posição. 6Veja também Norman Geisler, “Science and the Bible”, in: Baker Enclycbpedia o f Christian Apologetics.
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Terceiro, p resum e-se que o fóssil mais antigo co m características hum anas (an terior a 10000 a.C .) fosse m esm o de u m ser h um ano criado à im agem de Deus. Mas esta tam bém é u m a suposição questionável, de diversas form as. Por u m lado, m uitos destes achados são fragm entários e a sua reco n stru ção é altam en te especulativa. O cham ado “H om em de Nebraska”, depois de u m escrutínio mais sério, acabou não passando de u m dente de p orco extinto, e o “H o m em de Piltdow n” ficou co m p ro v ad o co m o sendo u m a fraude com p leta. C o m o j á vim os, a identificação de u m a criatu ra a p artir de ossos, especialm ente quando se tra ta de u m fragm ento de osso, é e x tre m a m e n te questionável (v ejalu b en o w , BC). N oventa e nove p o r cen to das in form ações acerca de u m a criatu ra vêm do seu tecido biológico m acio, o qual, infelizm ente, não fica preservado nas rochas. A lém disso, é errado supor que criaturas que foram m orfologicam ente sem elhantes aos seres hum anos devem ter sido seres h um anos criados à im agem e sem elhan ça de Deus. Afinal, a estru tu ra óssea não pode p rovar que havia nela u m a alm a im o rtal, esta sim feita à im agem e sem elhan ça do C riador. T am bém é in co rreto supor que as evidências do desenvolvim ento de ferram entas simples p rova a hum anidade de u m a criatu ra. Alguns animais (tal co m o os m acacos, focas e pássaros), sabidam ente, fazem uso de ferram entas simples. Quarto, supõe-se que os “dias” de Gênesis fossem períodos de vinte e quatro horas (dias solares), em vez de longos períodos de tem po. Mas isto não é garantido, já que a palavra dia em Gênesis é utilizada em todos os seis dias (cf. Gn 1.1—2.3), e o sétim o dia, no qual o Senhor descansou, ainda haveria de durar m uitos milhares de anos depois da criação, já que Deus continua ainda no seu descanso sabático da criação (cf. Hb 4.4-10). Som e-se a isso o fato de haver outros indicativos de que os “dias” de Gênesis podem ser longos períodos de tem po (veja Volume 2, parte 2). Diante destas suposições não com provadas, questionáveis ou falsas, é impossível afirmar que o relato de Gênesis não é histórico. Na verdade, diante da história de m al entendidos “científicos” acerca dos fósseis supostam ente hum anos e da suposição falsa de que não existem lacunas nas genealogias bíblicas de Gênesis 5 e 11, os argum entos contrários à historicidade de Adão e Eva acabam p o r sucum bir. O que é mais im portante: Existem argum entos substanciais a favor da historicidade tan to de Gênesis 1—11 quanto do restante do Antigo Testam ento. A H isto ricid a d e d e N o é e d o D ilú v io (G ênesis 6—9) O relato do Dilúvio, em Gênesis 6—9, já foi m otivo de vários questionam entos sérios na m ente de m uitos críticos da Bíblia. M uitos deles há m uito acreditam que a história não passa de u m a lenda, mas existem fartas evidências em contrário. Argumentos a favor da Historicidade do Dilúvio Primeiro, o relato se apresenta co m o sendo histórico e não m itológico. Ele m enciona nom es viáveis de pessoas (Noé, Sem, C am e Jafé) e u m local identificável, o m onte Ararate (G n 8.4). Segundo, ela faz parte de u m relato histórico mais am plo, sendo ligado por expressões conectivas com o “este é o registro de N oé” (G n 6.9, NIV) e “este é o registro de Sem, C am e Jafé” (G n 10.1, NIV). Terceiro, ele é imediatamente seguido de u m a lista de nações e cidades que, sabidamente, são daquela área do m undo, dentre as quais estão Assíria, Níneve e Babilônia (Gn 10.9-12).
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Quarto, Noé e os seus filhos estão listados em u m registro genealógico posterior no livro histórico de 1 Crônicas (1.3,4). Quinto, o profeta Isaías se referiu a Noé e ao Dilúvio co m o fatos históricos (Is 54.9). Sexto, durante o tem po do profeta Ezequiel, Noé continuava sendo considerado u m a das grandes figuras da história dos judeus (Ez 14.14,20). Sétimo, Jesus afirmou que Noé, o Dilúvio e os detalhes que os cercavam eram históricos (M t 24.37,38). Oitavo, o au to r de Hebreus colocou Noé na sua grande galeria da fam a da fé, junto co m outras figuras históricas, co m o Abraão, Moisés e Davi (Hb 11.7). Nono, o ap ó sto lo Pedro cita N oé e o D ilúvio p o r duas vezes c o m o sendo u m a pessoa e u m ev en to literal ( l Pe 3.20; 2 Pe 2 .5 ), ch eg an d o a c o m p a ra r o D ilúvio c o m a d estru ição litera l do m u n d o pelo fogo que o c o rr e rá n o final dos tem p o s (2 Pe 3 .5 -1 3 ). Décimo, existem fartas evidências científicas de que a água já cobriu a terrà por com p leto, inclusive as m ontanhas e os pólos, em função de restos vida m arin ha e nâopolar que já foram descobertos no m undo todo. Décimo primeiro,, a ocorrência mundial de relatos acerca de u m a grande enchente em diversas culturas e países tam bém representa u m testem unho à historicidade de Noé e do Dilúvio. A séria consideração de historicidade de Gênesis te m gerado várias críticas. Por u m lado, co m o u m a barcaça pequena poderia su p o rtar centenas de m ilhares de espécies? A lém disso, co m o u m a em b arcação de m ad eira poderia agüentar u m a tem pestade tão violenta? E mais, co m o N oé e todos os animais p oderiam ter sobrevivido tan to tem po n a Arca? O Problema da Capacidade da Arca O prim eiro problem a se refere a co m o u m a em barcação de pequeno porte poderia transp ortar todas as espécies animais da terra. Segundo o que se costu m a aceitar, u m cúbito tem cerca de quarenta e seis centím etros. A arca de Noé, dessa form a, teria som ente 13,7 m etros de altura p o r 22,9 m etros de largura por 137,2 m etros de com p rim en to (G n 6.15). Noé recebeu instruções para to m ar dois exemplares de cada tipo de animal im puro e sete exem plares dos animais puros (G n 6.19-21; 7.2,3), mas os cientistas nos inform am que existe u m n ú m ero que varia entre m eio bilhão a mais de u m bilhão de espécies de animais. Os estudiosos bíblicos apresentaram duas soluções para esta questão. Alguns sustentam que o Dilúvio foi som ente u m evento local; se for assim, Noé som ente teria que resgatar os animais principais daquela área, para fins de alim entação, sacrifício e repopulação da área atingida pelo Dilúvio. A Teoria do Dilúvio Restrito. De acordo co m esta visão, o Dilúvio de Gênesis não cobriu a terra p or com p leto; p ortan to, Noé não precisou colocar todas as espécies do m undo inteiro dentro da arca. C o m o evidência de que o Dilúvio não foi universal, são apresentados os argum entos seguintes7. 7Veja Arthur Custance, The Flood: Local or Global?.
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Primeiro, o m esm o tipo de linguagem geral de Gênesis 6—9 é utilizado em outras partes da Bíblia para se referir a algo diferente de o “m u n do inteiro”. Por exem plo, no dia de Pentecoste, a Bíblia relata que havia ali pessoas “de todas as nações que estão debaixo do céu ” (A t 2.5), para, a seguir, listar as nações ali representadas. O corre que nesta lista não estão incluídas nações da A m érica do N orte ou do Sul, n em da Austrália, ou da China. Da m esm a form a, em Colossenses 1.23, Paulo disse: “Se, na verdade, perm anecerdes fundados e firmes na fé e não vos moverdes da esperança do evangelho que tendes ouvido, o qual fo i pregado a toda criatura que há debaixo do céu [...]”, quando as suas viagens em Atos m ostram que ele som ente circulou pela área do M editerrâneo (A t 13—28). Segundo, os depósitos de sedimentos que u m dilúvio similar ao dos tem pos de Noé deveria ter deixado são encontrados som ente no vale da M esopotâmia, e não em outras áreas do m undo. Terceiro, haveria problemas astronôm icos co m a rotação da terra caso houvesse água suficiente para encobrir o cu m e de todas as m ontanhas. C ontudo, é isso o que Gênesis (7.20) parece sugerir. A Teoria do Dilúvio Universal. M uitos estudiosos do Antigo Testam ento acreditam que o Dilúvio foi universal. Eles apresentam várias razões para apoiar o seu ponto de vista. Primeiro, a linguagem de Gênesis é mais intensa que a das citações usadas para apoiar a teoria de dilúvio restrito (cf. Gn 6.17; 7.23). Além disso, outras partes da Bíblia deixam claro que o m undo foi inundado e que som ente oito pessoas foram salvas (cf. 2 Pe 3.5-7). Segundo, a ordem de Deus para to m ar animais de todos os tipos não faria sentido se o Dilúvio som ente cobrisse u m a área geograficam ente restrita. Os animais poderiam ter m igrado novam ente de outras áreas depois de as águas baixarem. Além disso, se o Dilúvio for recente, então a teoria, hoje am plam ente aceita, da flutuação das placas continentais poderia explicar a dispersão dos animais. Terceiro, co m o toda a água do Dilúvio já estava no ar (em form a de u m a cobertura de vapor) ou debaixo da terra (nas “fontes do abismo”), não haveria um aum ento significativo no peso de form a a provocar u m a oscilação na rotação do planeta, ou um a catástrofe astronôm ica. Quarto, Gênesis 10.32 declara que, depois do Dilúvio, o m undo inteiro foi repovoado a partir das oito pessoas que estavam n a arca. Esta afirm ação não seria verdadeira se houvesse outras pessoas fora desta área e que não houvessem m orrid o afogadas. Pedro confirm a este fato (2 Pe 2.5). Quinto, existem evidências geológicas em apoio a u m a grande en chen te em escala global. Esqueletos parciais de animais recentes são encontrados em fissuras profundas em várias partes do m u n do, e o Dilúvio parece ser a m e lh o r explicação p ara eles. Isto tam bém explicaria a o co rrên cia destas fissuras em m on tes de altitude considerável — elas o co rre m desde a altu ra de 42 até cerca de 300 m etros de altura. C o m o n en h u m destes esqueletos está co m p leto , é seguro con clu ir que n en h u m destes animais (m am u tes, ursos, lobos, bois, hienas, rinocerontes, auroques, gam os e ou tros m am íferos m en ores) caiu vivo nestas fissuras, n em foram ali precipitados p o r corren tes de água. E m função da cem en tação de calcita que envolve todos estes ossos, eles devem ter sido depositados ali debaixo da água. Este é exatam en te o tipo de evidência que se esperaria en co n trar em u m episódio breve, m as violento, co m o o Dilúvio, em u m período cu rto de cerca de u m ano.
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M esm o admitindo que o Dilúvio ten h a sido universal, a solução para o dilema de co m o Noé conseguiria acom od ar tantos animais em u m a barcaça tão pequena parece não ser tão com plicada assim. Primeiro, a arca de N oé era do tam anh o de u m transatlântico m oderno; além disso, tinha três pisos (G n 6.13-16) e u m a capacidade de carga de quase m eio m ilhão de m etros cúbicos. Segundo, o co n ce ito m o d e rn o de “esp écies” n ão é o m e sm o que os “tip o s” citad o s n a Bíblia. Pode te r havido so m e n te alg u m as ce n te n a s de tipos de anim ais te rre stre s, os quais p o d eriam ser fa cilm e n te aco m o d ad o s n a arca. Os anim ais aquáticos p e rm a n e ce ra m no m a r, e m u itas espécies p o d em te r sobrevivido na fo rm a de ovos. Terceiro, Noé pode ter levado variedades mais jovens ou m enores dos animais maiores. Em função de todos estes fatores, pode ter havido espaço de sobra para todos os animais, para a com ida e p ara os seres hum anos a bordo. 0 Problema de uma Embarcação de Madeira em uma Enchente de Grandes Proporções C om o a A rca era feita som ente de madeira e levava u m a carga m uito pesada, u m a enchente de proporções planetárias teria gerado águas m uito violentas, as quais teriam feita a em barcação em pedaços (cf. Gn 7.4,11). E m resposta, os eruditos bíblicos colocam alguns pontos a serem considerados. Primeiro, a arca era feita de u m m aterial forte e flexível (m adeira de gofer) que se enverga sem quebrar. Segundo, a carga pesada era u m a vantagem , pois fornecia estabilidade à arca. Terceiro, os p rojetistas navais já d e m o n stra ra m que u m caixo te flu tu an te de tra n sp o rte, tal co m o a a rca se apresentava, é o tipo de em b arcação mais estável em águas tu rb u len tas. U tilizando os quatro padrões básicos de estabilidade na arq u itetu ra naval da G uarda C osteira N o rte -a m e rica n a , u m e x -p ro je tista naval con clu iu : “A A rca de N oé era e x tre m a m e n te estável e, de fato, mais estável que as em b arcações m o d ern a s”8. N a verdade, os tran satlân tico s m o d ern o s seguem as m esm as dim ensões básicas ou p ro p o rçõ es que e n co n tra m o s na arca de Noé. E n tre ta n to , a sua estabilidade é dim inuída pela necessidade de su lcar a água a fim de atingir u m a m aio r velocidade. P o rta n to , n ão existe razão té cn ica pela qual a A rca de N oé n ão possa te r sobrevivido a u m m a r tem p estu o so de u m a en ch en te gigantesca, talvez de escala plan etária. 0 Problema da Sobrevivência em um Longo Período de Tempo
Alguns questionam entos são levantados acerca da duração do Dilúvio. Gênesis (7.24; 8.3) fala que as águas do Dilúvio tiveram a duração de 150 dias, mas outros versículos parecem dizer que foram som ente 40 dias (G n 7.4,12,17), e u m versículo indica que a duração foi de u m ano (G n 8.13,14; cf. Gn 7.6). Estas afirmações são facilmente reconciliadas, já que os núm eros se referem a coisas diferentes.
8Veja David Collins, “Was Noah’s Ark Stable?”, in: Creation Research Society Quarterly (Vol. 14, setembro de 1977), 86.
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Os 40 dias se referem ao tem po de duração da chuva (G n 7.12), e os 150 dias falam do tem po em que as águas do Dilúvio prevaleceram (Gn 8.3; cf. 7.24). Foi som ente depois do quinto m ês depois do início das chuvas que as águas com eçaram a baixar (G n 8.13). Exatam ente u m ano e dez dias depois do início do dilúvio, Noé e sua família desceram em terra seca (G n 8.14). Mas com o todos estes animais e seres humanos conseguiriam sobreviver durante um ano todo, juntos em um a só embarcação? A resposta é que os organismos vivos podem fazer quase tudo para sobreviver, desde que tenham água e comida suficientes. Muitos animais podem ter entrado em estado de hibernação ou semi-hibernação, e, com o já demonstramos, Noé tinha espaço de sobra para armazenar comida no seu zoológico flutuante de quase meio milhão de metros cúbicos. C om relação à água, pelo visto, ele tinha mais do que necessário para armazenar ao longo destes quarenta dias de chuva copiosa, sem falar das correntes de água fresca criadas pela chuva e pelas “fontes do abismo” que existiam do lado de fora. A Questão da M itologia da A ntigüidade
Alguns críticos alegam que a história do Dilúvio relatada em Gênesis 6—9 apresenta similaridades com outros m itos de grandes cheias que teriam acom etido o imaginário do m undo antigo. Este argum ento é utilizado para sugerir que o relato bíblico tam bém não passa de u m m ito. E ntretanto, não existem som ente diferenças m arcantes entre aqueles relatos e o relato bíblico, mas tam bém as outras histórias apresentam evidências de serem desenvolvimento m íticos criados a partir da história do Dilúvio registrada no livro de Gênesis. Tal com o ocorre co m os relatos da C riação, a narrativa do Dilúvio apresenta-se realista e não-m itológica, quando com parada co m outras versões da antigüidade. As similaridades superficiais não são indicativo de plágio da parte do texto hebraico, mas sim que u m núcleo de eventos históricos precisam ente registrados em Gênesis foi, posteriorm ente, distorcido por outros relatos antigos. M esm o que os nom es possam m udar (N oé é cham ado de Ziusudra pelos sumérios e U tnapstim pelos Babilônios), a história básica é sem elhante: U m h om em recebe a ordem de construir u m barco com dimensões específicas, porque Deus (ou os deuses) irá enviar um a grande enchente sobre o m undo. Ele cum pre a ordem , salva-se da enchente, e oferece sacrifícios ao sair do barco. A Divindade (ou divindades) respondem co m rem orso diante da destruição da vida e faz u m a aliança co m este h om em . Este núcleo de eventos corresponde à base histórica do relato de Gênesis. Relatos similares de u m a enchente são encontrados no m undo inteiro. A história do Dilúvio é contada pelos gregos, hindus, chineses, m exicanos, algonquis e havaianos. Além disso, u m relato de u m a dinastia de reis sumérios trata o Dilúvio co m o u m evento real — depois de listar oito reis que tiveram vidas extraordinariam ente longas (dezenas de milhares de anos), esta frase interrom pe a lista: “[E então] a enchente varreu toda a terra e quando o reinado foi [novamente] abaixado do céu, o reinado esteve prim eiro co m Kish” (Pritchard, A N E T , 265). Existem boas razões para acreditar que Gênesis con tém o relato original. Primeiro, as outras verões con tém expansões e apresentam corruptelas da história
inicial. Segundo, som en te o relato de Gênesis fornece o ano em que o Dilúvio o co rreu , bem co m o as datas da cronologia co m p leta da vida de Noé. Na verdade, o relato de
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Gênesis se parece mais co m u m diário de bordo que registra os acon tecim entos da em barcação. Terceiro, a em barcação babilônica em fo rm a de cubo não poderia ter salvado ninguém do Dilúvio. As águas bravias poderiam estar girando esta estranha em barcação a todo o m om en to. Entretanto, a arca descrita pela Bíblia é retangular — com prida, larga e baixa (n a m esm a proporção que os m odernos transatlânticos) —, de m od o que poderia flutuar bem em mares bravios. Quarto, a duração da precipitação das chuvas nos relatos pagãos (sete dias) não seria suficiente para a devastação que eles descrevem. As águas teriam que se erguer, pelo m enos, até a m aioria das m ontanhas, a u m a altura de mais de cinco m il m etros, e é razoável considerar que u m período m aior seria necessário p ara a precipitação das águas. A idéia de que todas as águas do dilúvio teriam desaparecido em u m único dia é igualm ente absurda. Quinto, o u tra diferença m arcante entre o livro de Gênesis e as outras versões é que em relatos pagãos o herói recebe a im ortalidade e é exaltado, ao passo que na Bíblia lem os que Noé continuou u m pecador. Som ente u m a versão que p rocu re inform ar a verdade seria capaz de incluir este recon h ecim en to realista. Sexto, as evidências físicas (analisadas acim a) dem onstram que houve, na realidade, u m Dilúvio universal. Em resum o, se o Dilúvio foi som ente local, não há problem a em considerá-lo co m o u m fato histórico literal. Mas m esm o que ten h a sido universal, não existem dificuldades instransponíveis acerca da historicidade de u m a catástrofe planetária conform e lem os em Gênesis 6—9. Na verdade, a séria consideração da sua historicidade se encaixa tanto com fatos históricos e geológicos conhecidos co m o co m o restante do que é dito nas Sagradas Escrituras (cf. 2 Pe 3.5-7).
A Historicidade da Torre de Babel (Gênesis 11) Gênesis 11.1-4 afirma: E era toda a terra de uma mesma língua e de uma mesma fala. E aconteceu que, partindo eles do Oriente, acharam um vale na terra de Sinar; e habitaram ali. E disseram uns aos outros: Eia, façamos tijolos e queimemo-los bem. E foi-lhes o tijolo por pedra, e o betume, por cal. E disseram: Eia, edifiquemos nós uma cidade e uma torre cujo cume toque nos céus e façamo-nos um nome, para que não sejamos espalhados sobre a face de toda a terra. As descobertas arqueológicas a ce rca da S u m éria feitas n esta área apóiam a historicidade do te x to . No que diz respeito à T o rre de Babel, a A rqu eologia revelou que U r-N a m m u , Rei de U r, p o r vo lta de 2044 a 2007 a.C ., teria su p o stam en te recebido ordens p ara erigir u m grande zigu rate (te m p lo em fo rm a de to r re ) co m o u m ato de ad o ração ao deus-lua N an n at. U m a esteia (m o n u m e n to ) c o m ce rca de 1,5 m etro s de larg u ra p o r 3 m etro s de a ltu ra revela as atividades de U r-N a m m u . U m painel o ap resen ta co m u m cesto de argam assa p ro n to p ara iniciar a co n stru çã o de u m a grande to rre , m o stran d o assim a sua aliança co m os deuses ao to m a r o seu lugar c o m o u m h um ilde trab alh ad or. O u tra tab u leta de barro afirm a que a c o n stru çã o da to rre ofendeu os deuses, e que estes, p o r sua vez, h aviam lan çad o abaixo a obra das
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m ãos dos h om en s, espalhando-os p o r o u tras n ações e con fu nd id o o seu m o d o de falar. Isto lem b ra em m u ito o relato bíblico9. 0 Problema da Escrita neste Período Primitivo Críticas anteriores apontavam para o fato de não haver línguas escritas naquele período, e, p ortan to, ninguém poderia ter escrito estes eventos. En tretanto, hoje é largam ente aceito que as línguas escritas rem o n tam a u m período tão antigo quanto o ano 3500 a.C. Quanto a quem prim eiro as registrou e quando fez isso, existem duas possibilidades. A prim eira é que Deus pode tê-las revelado mais tarde diretam ente a Moisés, o au tor de Gênesis. Da m esm a form a que Deus pode revelar o futuro por revelação profética, Ele pode revelar o passado p or interm édio de revelação retrospectiva. A negação desta possibilidade está baseada em u m a rejeição injustificada do Teísmo e dos milagres (veja capítulos 2-3). E mais provável, entretanto, que Moisés tenha som ente com pilado e editado relatos anteriores destes eventos. Isto não é contrário à prática bíblica; m uitos estudiosos acreditam que o au to r de Lucas possa ter feito o m esm o no seu evangelho (Lc 1.1-4). Na verdade, existem m uitos outros registros históricos citados no Antigo T estam ento que podem ter sido fontes de inform ação para os autores bíblicos10. P. J. W iseman tem argum entado de m aneira convincente que a história de Gênesis foi originalm ente escrita em tabuletas de barro e passada adiante, de geração a geração, de form a que cada líder de clã seria responsável pela guarda e atualização das inform ações ( ARSG , 74). A principal pista bíblica que W iseman encontrou em apoio à sua tese é a repetição periódica de palavras e expressões, especialmente a expressão: “Estas são as origens [...]” (cf. Gn 2.4; 6.9; 10.1; 11.10 etc.). Muitas tabuletas antigas eram guardadas fazendo-se as primeiras palavras de u m a nova tabuleta u m a repetição das últimas palavras da tabuleta anterior. U m a avaliação literária de Gênesis feita em com paração co m outras obras literárias da antigüidade indica que o livro foi com pilado ainda na época de Moisés, e que é bastante possível que o livro se trate de u m a história familiar registrada pelos próprios patriarcas e editada no seu form ato final por Moisés. A Historicidade dos Patriarcas (G n 12—50) William F. Albright (1891-1971) escreveu: Graças às pesquisas modernas, hoje reconhecemos a sua historicidade substancial [da Bíblia]. As narrativas dos patriarcas, de Moisés e do Êxodo, da conquista de Canaã, dos juizes, da monarquia, do exílio e da restauração, foram todas confirmadas e ilustradas de tal forma que eu consideraria impossível há anos atrás (CC, 1329).
9Veja Clifford Wilson, Rocks, Relics, and Biblical Rdiability, 29.
10Como já vimos, alguns exemplos de fontes
extrabíblicas incluem o “Livro do Reto” (Js 10.13) e o “Livro das Guerras do Senhor” (Nm 21.14). Os “Relatos de Samuel, o vidente [...] do profetaNatã [...] das crônicas de Gade, o vidente” (1 Cr 29.29) também podem se encaixar nesta categoria. Paulo citou poetas não-cristãos três vezes (At 17.28; 1 Co 15.33; Tt 1.12); Judas citou material contido no Livro da Assunção de Moisés e no Livro de Enoque Qd 9,14).
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Desde o tem po de Abraão, tem sido encontrados códigos legais que m o stram porque o patriarca teria relutado em expulsar Agar do seu acam pam ento, pois ele estava legalm ente com prom etido a cuidar dela. Som ente quando u m a lei m aior veio da parte de Deus, Abraão pôde, então, dar cabo ao seu desejo de expulsá-la. A descoberta das Cartas de M ari11 revela nom es co m o A bam -ram (A braão), Jacob-el, e benjaminitas. E m esm o que estes nom es não se refiram às personagens bíblicas, eles, pelo m enos, m ostram que estes nom es estavam em voga. Estas cartas tam bém confirm am o registro de u m a gu erra em Gênesis 14, onde cinco reis lutaram co n tra outros quatro. Os nom es dos reis parecem corresponder a nações im portantes da época; por exem plo, Gênesis 14 m enciona u m rei am orreu , Arioque; nos docum entos de Mari, ele é cham ado de Ariwwuk. Todas estas evidências nos levam à conclusão de que o m aterial-fonte de Gênesis veio de relatos de prim eira m ão de alguém que realm ente viveu no tem po de Abraão. A respeito da história dos patriarcas, Albright disse: Com exceção de alguns ultraconservadores entre os estudiosos mais idosos, é difícil encontrar um único historiador que não tenha se impressionado pelo acúmulo rápido de dados em apoio da historicidade substancial da tradição patriarcal (Albright, BP, 1). Em resum o, Albright afirmou: Abraão, Isaque e Jacó não parecem mais figuras isoladas, muito menos uma reflexão da história posterior dos israelitas; eles agora parecem filhos reais da sua época, que usavam o mesmo nome, moviam-se aproximadamente no mesmo território, visitavam as mesmas cidades (especialmente Arã e Naor), praticavam os mesmos costumes dos seus contemporâneos. [Em outras palavras,] as narrativas patriarcais apresentam um núcleo histórico contínuo, apesar de, provavelmente, o longo tempo de transmissão oral dos poemas originais e as sagas de prosa posteriores que subsistem no texto presente de Gênesis terem se refletido consideravelmente nos eventos originais (AP, 236). Walter Kaiser acrescenta: A quantidade de material epigráfico deste período da história é impressionante. A maior parte deste material ainda aguarda mais estudo e publicação. Neste ínterim, um grau cada vez maior de probabilidade e evidências confirmatórias continuam a se somar a partir das evidências externas a ponto de o argumento a favor da veracidade das histórias patriarcais se tornar verdadeiramente forte ( OTDATR, 96).
A Historicidade de Sodoma e Gomorra (Gênesis 18—19) A destruição de Sodom a e G om orra era considerada espúria até que as evidências revelaram que todas as cinco cidades mencionadas n a Bíblia eram , de fato, centros de com ércio naquela área e estavam geograficam ente situadas onde as Escrituras afirmam. A descrição bíblica da sua destruição parece não ser m enos precisa: As evidências sugerem ter havido u m abalo sísmico naquela região e que várias camadas de terra foram rompidas 11 Milhares de tabuletas descobertas na Síria (1834ss.) que ilustram como era a vida por volta da época dos patriarcas em Gênesis.
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e lançadas ao ar. O b etu m e é abundante nesta região, e u m a boa ilustração seria dizer que o enxofre (ou piche betu m in oso) foi atirado sobre estas cidades que rejeitaram Deus. Existem outras evidências de que as camadas de rochas sedimentares ten h am se unido pela ação do calor intenso; evidências de u m calor assim foi encontrada no cum e de Jebel U sdum (m onte Sodom a). Existem ali resíduos perm anentes de um a grande conflagração que ocorreu em u m passado m u ito distante, possivelm ente quando u m cam po de petróleo situado abaixo do m ar M orto incendiou e entrou em erupção. Esta explicação, de form a alguma, m enospreza a qualidade providencial especial do evento, pois Deus certam ente tam bém está no controle das causas naturais. A época do evento, no contexto das advertências e visitações dos anjos, revela que sua origem foi m esm o divina. A H IS T O R IC ID A D E D O P ER ÍO D O M O SA IC O (Ê X O D O -D E U T E R O N Ô M IO ) A respeito da objeção dos críticos, de que M oisés não poderia ter escrito os relatos a ele atribuídos, W illiam F. A lbright rebateu: A “au to rid ad e das E scritu ras” é u m p rin cíp io teo ló g ico válido, v isto que a “E sco la de W e llh a u sen ” rep resen ta so m en te u m d en tre vários sistem as id eo ló g icos co n stru íd o s sobre p o stu lad o s filosóficos arb itrários e p ressu p osto s h istó rico s n ão fu n d am en tad o s ( “W F A T M C V ”, in: CT, 36).
E ainda acrescentou: O co n teú d o do P e n ta teu co é, em geral, m u ito m ais antig o qu e a d ata da sua ed ição final; novas d escob ertas co n tin u a m a co n firm a r a precisão h istó rica o u antigüidad e literária de tod os os seus d etalhes. [Assim,] m esm o qu and o é necessário su p o r acréscim o s p o steriores ao n ú cle o o rig in al da trad ição m osaica, estes acréscim o s reflete m a exp an são n o rm a l das in stitu içõ e s e das p ráticas da antigüidade, ou o esforço feito p o r escribas p o sterio res para salvar o m á x im o possível das tradições existen tes a cerca de M oisés. [Dessa fo rm a,] é [...] p u ra im p licâ n cia n e gar o cará ter su b stan cialm en te m o saico da trad ição do P en ta teu co (A P , 225).
A D a ta ç ã o d o Ê x o d o (Ê x 12) Apesar de a m aioria dos estudiosos n ão duvidar da fuga da nação de Israel do Egito para a Palestina, m u ito s n ão con cord am c o m as afirm ações bíblicas a respeito da época em que esta fuga te n h a o co rrid o . A data g eralm en te aceita para a entrad a em C anaã gira em to rn o de 1230-1220 a.C .; m as a Bíblia, p o r o u tro lado, ensina em quatro lugares diferentes (Ê x 12.40; 1 Rs 6.1; Jz 11.26; A t 13.19,20) que o Êxodo o c o rre u p o r v o lta de 1400 a.C ., e a entrad a em C anaã, q u aren ta anos depois. E xistem m uitas m aneiras de resolver este con flito; p o rta n to , não existe m o tiv o para aceitar 1200 a.C. co m o a data co rreta. A Confusão acerca de Ramesés A p rim eira possibilidade é que a data de 1200 a.C. esteja baseada n a falsa suposição de que o “R am esés” de Ê xodo 1.11 seja o faraó R am esés, o G rande, pelo fato de não haver n e n h u m a obra m a jesto sa em and am en to n o D elta do N ilo antes do ano 1300,
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e de não haver n en h u m a civilização im p o rtan te em C anaã do século X IX a.C até o século XIII a.C. Tudo isso, se verdadeiro, to rn aria impossíveis as condições descritas em Êxodo antes do ano 1300 a.C. E n tretan to , o n om e Ramesés não é in co m u m na h istória egípcia e pode ter sido usado p o r u m o u tro nobre. C o m o Ram esés, o Grande, é Ram esés II, deve te r havido u m Ramesés I. D a m esm a form a, em Gênesis 47.11, o n o m e Ramesés é usado p ara descrever a área do D elta do Nilo onde Jacó e os seus descendentes se estabeleceram . Este pode ser o n om e que Moisés n o rm alm en te utilizava p ara se referir àquela área. A Mudança na Data da Idade Média do Bronze Outros argum entam que u m a m udança n a data da Idade Média do Bronze dem onstraria que a destruição perpetrada sobre as cidades de Canaã foi feita pelos israelitas, e não pelos egípcios. As evidências surgiram a p artir de escavações recentes que m ostraram que a últim a fase da Idade Média do Bronze é mais extensa do que se imaginava, de form a que o seu térm ino é mais próxim o do ano 1400 a.C do que do ano 1550 a.C. O resultado seria que dois eventos anteriorm ente separados por séculos passam a estar ligados: A queda das cidades cananéias da Segunda Idade Média do Bronze se transform a nas evidências arqueológicas para a conquista. Isto representaria u m encaixe quase que perfeito entre as evidências arqueológicas e o relato bíblico. A Revisão da Cronologia Egípcia Tradicional U m a terceira solução possível diz respeito a u m problem a co m a visão tradicional da história do Egito. A cronologia de todo o m undo antigo está baseada na ordem de datas dos reis egípcios, que eram geralm ente consideradas co m o fixas. En tretanto, Im m anuel Velikovsky (1895-1979) e D onovan Courville afirm am que existem seiscentos anos deixados de lado p or esta cronologia, o que modifica as datas de todos os eventos que oco rreram no Oriente Médio. O uso que Velikovsky faz desta cronologia desacreditou a sua teoria, mas Courville dem onstrou que as listas de reis egípcios não deve ser com preendida de fo rm a com p letam en te consecutiva. Ele argum enta que alguns dos “reis” listados não eram Faraós, mas regentes locais ou altos oficiais. Os historiadores têm suposto que cada dinastia tem se seguido à anterior, quando, na verdade, muitas dinastias listam sub-regentes que viveram n a m esm a época que a dinastia anterior. O desenvolvimento desta cronologia situa o Êxodo por v o lta do ano 1440 a.C. e faria co m que os outros períodos da historia de Israel tam bém se alinhasse co m os dos reis egípcios m encionados. As evidências geralm ente não são consideradas co m o sendo definitivas a favor de u m a dessas visões e contrárias à outra. A questão im portante é que não existe n en h u m a razão m aior para aceitar a data posterior para o Êxodo, e que é possível chegar a u m a resolução acerca da explicação da data bíblica de 1400 a.C.
A Autoria Mosaica do Deuteronômio A data tardia que m uitos críticos atribuem ao D euteronôm io (século VII a.C .) tem sido com pletam ente desacreditada pela erudição magnífica de M eredith Kline, n a sua m arcante obra sobre The Treaty o f the Great King (O Tratado do Grande R ei)12, em que
12Veja também Gleason Archer, SOTI, 253-62.
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ele d em onstra que o D eu teron ô m io segue o típico tratado de suserania dos hititas no segundo m ilên io a.C. — exatam en te na época em que a tradição nos in fo rm a que Moisés escreveu o D eu teronô m io. Jo su é e Je ric ó (Js 6) Josu é 6 relata a co n q u ista e a d estru ição da cidade de Jericó. Se o rela to deste even to m o n u m e n ta l estiver c o rre to , a A rqu eologia m o d ern a, ap aren tem en te, deveria te r d escoberto algum tipo de evidência nas suas escavações. E n tre ta n to , os críticos insistem que n u n ca se d esen terro u evidências desta ép oca do livro de Josué. D urante m u itos anos, a visão pred om inante dos estudiosos críticos foi contrária à existência de Jericó n a época em que se supõe que Josué adentrou Canaã. Apesar de investigações anteriores feitas pela notável arqueóloga britân ica K athleen Kenyon terem confirm ad o a existência da antiga cidade de Jericó, bem co m o a sua repen tina destruição, os seus achados a levaram a conclu ir que a cidade não poderiam ter existido depois do ano 1550 a.C., u m a data m u ito anterior para que Josué e os filhos de Israel ten h a m tom ad o parte na sua derrocada. E n tr e ta n to , u m n o v o e x a m e r e c e n te fe ito n e stes p rim e iro s ach a d o s, e u m a o b serv a ção m ais ag u çad a n as ev id ên cias, in d ica n ã o s o m e n te a e x is tê n c ia de u m a cidad e que se e n q u ad ra n a c ro n o lo g ia b íb lica, m as ta m b é m que os seus d e trito s co in cid e m c o m o re la to b íb lico da d e stru iç ã o d esta fo rta le z a m u ra d a . E m u m a rtig o p u b lica d o n a B ib lica l A rcheology Review (R e v is ta de A rq u e o lo g ia B íb lic a ) (e d içã o de m a rç o /a b ril de 1990), B ry a n t G. W ood, p ro fe sso r v isita n te do d e p a rta m e n to de estu d o s do O rie n te M éd io n a U n iv ersid ad e de T o r o n to , a p re se n to u evidên cias a fav o r da p re cisã o do re la to b íb lic o . A sua in v e stig a çã o d eta lh a d a o lev o u às seg u in tes co n clu sõ es: Primeiro, a cidade que u m a vez existiu neste lugar era poderosam ente fortificada, o que está de acordo co m o relato bíblico de Josué 2.6,7,15; 6.5,20. Segundo, as ruínas m o stra m evidências de que a cidade foi atacada depois da época da co lh eita n a prim avera, o que está de acordo co m o relato bíblico de Josué 2.6; 3.15; 5.10. Terceiro, con form e inform ad o em Josué 6.1, os habitantes da cidade não tiveram oportunidade de fugir com os seus alim entos do exército invasor. Quarto, o cerco durou p ou co tem po, pois os m oradores não tiveram tem po de con su m ir os alim entos estocados dentro da cidade, con form e indica Josué 6.15. Quinto, as m u ralhas fo ram derrubadas de tal fo rm a que p erm itiram o acesso direto dos invasores à cidade, co n fo rm e registra Josué 6.20. Sexto, a cidade não foi saqueada13 pelos invasores, de acordo co m as instru çõ es passadas por Deus em Josué 6.17,18. Sétimo, a cidade foi queim ada depois da queda das m uralhas, exatam en te co m o relata Josué 6.24. Apesar de alguns q uestionarem que estes achados não se encaixam no período correto, as fortes sem elhanças serviriam de argu m ento favorável. A lém disso, os períodos de tem po não são definidos com certeza absoluta e estão sujeitos a revisão, con form e sugerem alguns estudiosos. Seja com o for, a possibilidade de que estas sejam m esm o as
13 Isto é, eles n ã o reserv aram os bens p ara eles m esm o s, m as, antes, os to m a ra m p ara o tesou ro
do S e n h o r.
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ruínas de Jericó não foi refutada, e n en h u m a prova científica contrária ao relato bíblico de Jericó se m ostrou consistente. E mais, m esm o que não houvesse qualquer tipo de evidência restante, não haveria prova de que o evento não ocorreu. E possível que as evidências ten h am sido destruídas ou que estejam em outro local. O argum ento de que “co m o n en h u m a evidência foi encontrada, conclui-se que não deve haver evidência algum a” é, na m elh or das hipóteses, frágil, e envolve a conhecida falácia do argum ento que parte da ignorância.
A HISTORICIDADE DA MONARQUIA DE ISRAEL (1 SAMUEL-2 CRÔNICAS) Saul se tornou o prim eiro rei de Israel, e a sua fortaleza em Gibeá foi encontrada e escavada. U m dos achados mais impressionantes foi que os estilingues eram u m a das arm as mais im portantes da época. Isto guarda relação não só co m a vitória de Davi sobre Golias, mas tam bém faz alusão a Juizes 20.16, que fala dos setecentos atiradores que eram capazes de atirar “co m a funda u m a pedra a u m cabelo e não erravam ”. C om a m o rte de Saul, Samuel nos relata que a arm adu ra de Saul foi levada ao tem plo de A starote (u m a deusa da fertilidade dos cananeus), em Bete-Seã (1 Sm 31.10), ao passo que Crônicas diz que a sua cabeça foi colocada no tem plo de D agom , o deus filisteu do m ilho (1 C r 10.10). Achava-se que isto se tratava de u m erro, porque parecia improvável que povos inimigos (os cananeus e os filisteus) teriam tem plos no m esm o lugar e na m esm a época. En tretanto, as escavações revelaram a existência de dois tem plos neste local, os quais eram separados por u m co rred o r aberto — u m dedicado a D agom e outro a Astarote. Parece que os filisteus haviam adotado a deusa cananéia co m o sua tam bém . U m dos maiores feitos do reinado de Davi foi a tom ada de Jerusalém. Isto era problem ático porque as Sagradas Escrituras diziam que os israelitas haviam entrado na cidade através de u m túnel que levava até o poço de Siloé. Porém , pensava-se que este p oço ficava do lado de fora da cidade naquela época; en tretanto, nos anos 60, escavações feitas m ostraram finalm ente que a m u ralha da cidade, na verdade, se estendia m uito além do poço. Evidências arqueológicas agora existem acerca do Rei Davi. U m a inscrição datada do nono século fala da “Casa de Davi”, o que faz calar os questionam entos dos céticos de que ele seria u m a lenda inventada durante o exílio Babilônico. O que reforça a evidência é que esta inscrição não foi feita por escribas hebreus, mas p o r inimigos de Israel, pouco mais de u m século depois da sua m o rte (Sheler, IBT, 50-51). N orm alm ente, diz-se que os salmos atribuídos a Davi foram escritos m uito mais tarde, porque a dedicatória deles sugere a existência de associações de m úsicos (por exem plo, os filhos de C orá), as quais, segundo se acredita, não existiam naquela época. Estas associações levaram m uitos a pensar que este hinos deveriam ser datados na época dos macabeus, no segundo século a.C. Depois das escavações em Rãs Sham ra, e co m inform ação que tem os hoje de que associações sem elhantes existiam n a Síria e na Palestina n a época de Davi, não é razoável atribuir estes salmos a outros períodos. A época de Salom ão tam bém apresenta u m alto índice de atestação arqueológica. O local do Tem plo não pode ser escavado, porque fica próxim o a u m local sagrado para os m u çu lm an os, a “C úpula da R o ch a”. Entretanto, o que se sabe a respeito do tem plo filisteu construído n a época de Salom ão se encaixa co m o projeto, a decoração e os
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m ateriais descritos n a Bíblia. A ú n ica evidência existente a respeito do T em plo m esm o é u m pequ eno orn am en to , u m a rom ã, que ficava n a extrem idade de u m galho, que co n tém u m a inscrição: “Pertence ao Tem plo de Y ahw eh”. Ela foi vista pela prim eira vez em u m a lo ja de Jerusalém em 1979, foi averiguada em 1984, e depois adquirida pelo M useu de Israel em 1988. A escavação de G ézer em 1969 foi feita através de u m a densa cam ada de cinzas que cobria a m aior parte do sítio, de onde fo ram peneiradas peças de artefatos hebraicos, egípcios e filisteus. A p arentem ente, todas as três cu ltu ras haviam estado n aquele local ao m esm o tem po, o que confund iu m u ito os pesquisadores até que eles perceberam que a Bíblia dizia exatam ente o que eles haviam encontrado. P orq u e F araó, rei do E gito, su biu, e to m o u a G ézer, e a q u eim o u , e m a to u os can an eu s q u e m o ra v a m n a cidade, e a deu em d o te a sua filh a, m u lh e r de S a lo m ã o (1 R s 9.16).
A H isto ricid ad e da In v a sã o A ssíria (2 R s 17) M u ito se sabe a respeito dos Assírios porque das 26.000 tabuletas encontradas n o palácio de Asurbanipal, filho de Esaradom , que levou o reino setentrional de Israel ao cativeiro em 722 a.C. Estas tabuletas falam das várias conquistas do Im pério Assírio e registram com h on ra os castigos cruéis e violentos que eram perpetrados aos conquistados. Vários destes registros confirm am aexatidão daBíblia; todas as referências feitas no Antigo Testam ento aos reis assírios se m ostraram corretas. Apesar de Sargão ser desconhecido por u m certo tem po, quando o seu palácio foi encontrado e escavado, achou-se tam bém u m a pintura na parede que m ostrava a batalha m encionada em Isaías 20. A lém disso, o Obelisco Negro de Salm aneser vem aum entar o nosso conh ecim ento de figuras bíblicas ao apresentar Jeú (ou o seu emissário) encurvando-se diante do rei da Assíria. Kaiser lista u m a confirm ação detalhada deste período com u m a com paração p on to-a-p on to en tre os achados arqueológicos e o texto bíblico. C o m o conclusão, ele acrescenta: Os fato s, in d e p e n d en tem en te da fo n te, qu and o são p le n a m e n te co n h ecid o s, têm d em o n stra d o de fo rm a co n sisten te u m a co n firm a çã o esp antosa dos d etalhes das pessoas, dos povos e dos lugares do A n tig o T esta m e n to , p o r in term éd io das evidências extraídas dos resto s artificiais, estratig ráfico s e epigráficos d escob ertos ali (O TD A T R , 108).
D en tre os achados mais interessantes, está o relato do cerco a Jeru salém feito por Senaqueribe. M ilhares de h om en s m o rrera m e os demais foram dispersos quando ele ten tou to m ar a cidade, e, co m o predisse Isaías, ele não conseguiu cu m p rir o seu intento. C o m o não podia se vangloriar de u m a grande vitória, Senaqueribe en con trou um a m aneira de se sair bem sem adm itir a derrota: C o m rela çã o a Ezequias, o ju d eu , ele n ã o ced eu às m in h a s pressões. Por isso, sitiei 46 das suas cidades m ais im p o rta n te s, fortalezas m u rad as e u m n ú m e ro in co n táv el de pequen as vilas n a região [...] D elas, retirei 200.150 pessoas, jo v en s e v elh o s, h o m e n s e m u lh eres, cavalos, m u las, asnos, cam elo s, gado p eq u en o e g ran de, além do que se possa co n tar, e a tu d o isso co n sid erei c o m o esp ólio de g u erra. E q u an to a ele, eu o fiz p risio n eiro em
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Jeru sa lé m , n a sua resid ên cia real, c o m o u m pássaro qu e n ã o pode sair da sua gaiola (P rich ard , A N E T , 288).
A Historicidade do Cativeiro Babilônico (2 Rs 24—25; 2 Cr 36) Várias facetas da história do Antigo Testam ento acerca do cativeiro já foram confirmadas. Registros encontrados nos famosos Jardins Suspensos da Babilônia m ostram que Joaquim e os seus cinco filhos recebiam u m a ração m ensal, u m local para viver, e foram tratados de form a adequada (2 Rs 25.27-30). O nom e Belsazar (de Dn 5) era problemático, porque além de não haver qualquer m enção a ele, tam bém não havia espaço para ele na lista dos reis babilônicos. Entretanto, descobriu-se que Nabonido, o seu pai, indicou Belsazar para reinar durante alguns anos na sua ausência. Portanto, Nabonido continuava a ser o rei, mas era Belsazar quem, na prática, comandava a capital. Além disso, o édito de Ciro, conform e está registrado por Esdras, parecia corresponder à figura das profecias de Isaías de form a m uito com pleta para ser verdadeiro, até que u m cilindro que confirmava o decreto em todos os seus detalhes im portantes foi descoberto. Em todos os períodos da história do Antigo Testam ento, encontram os boas evidências arqueológicas a favor da confiabilidade das Sagradas Escrituras. E m m uitos exem plos, a Bíblia até m esm o apresenta u m con hecim en to de prim eira m ão das épocas e costum es descritos. Apesar de m uitas pessoas duvidarem da exatidão da Bíblia, o tem po e as pesquisas contínuas têm confirm ado de form a consistente que a Palavra de Deus está mais bem inform ada que os críticos.
A HISTORICIDADE DO PERÍODO PÓS-CATIVEIRO (ESDRAS-NEEMIAS) Os livros bíblicos que abrangem este período de tem po incluem Esdras, Neemias, Ester, Ageu, Zacarias e Malaquias. (Os últim os três foram profetas durante a época de Esdras e Neem ias.) A história deste período é bem atestada, já que ele se intercala co m o ápice do Im pério M edo-persa; os reis e as outras figuras deste período são bem conhecidos dos historiadores da antigüidade, tais co m o Ciro (Ed 1.2), Dário (Ed 6.1), A rtaxerxes (Ed 7.1) e Sambalate (N e 4.1). Muitas descobertas arqueológicas apóiam os relatos bíblicos, inclusive os Papiros Elefantinos, que mencionam Joanão, o sumo-sacerdote, e Sambalate, governador da Suméria. Além disso, o palácio de Susã, cenário do livro de Ester e do Rei Xerxes (Et 1.1,2), foi descoberto em escavações14. Os problemas da datação precisa de Esdras e Neemias não afetam a sua historicidade neste período geral de tem po e já foram satisfatoriamente respondidas por estudiosos notáveis do Antigo Testamento, com o Gleason A rcher13e John W hitcom b16.
CONCLUSÃO A alta crítica negativa do Antigo Testam ento, por ser baseada em pressupostos filosóficos e não em dados factuais, acaba ruindo diante dos fatos representados pelos descobrimentos arqueológicos. C o m o já vimos, co m o dem onstrou o deão dos arqueólogos do século X X : “Não pode haver qualquer sombra de dúvida acerca de a Arqueologia ter confirmado a historicidade substancial da tradição do Antigo Testamento” (Albright, A R I, 176) 14 V eja G leason A rcher, A Survey o f Old Testament Introductim, 418-20.
15 Ibid., 410ss.
16Veja Darius the Mede.
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N a verdade, enquanto m ilhares de achados literalm en te têm validado a estru tu ra apresentada pelo A ntigo T estam ento, nada foi achado em contrário. O respeitado erudito bíblico D onald J. W isem an afirm ou: A geografia das terras bíblicas e os restos visíveis da antigüidad e fo ra m g rad u alm e n te registrad os, e, até h o je , m ais de 25.000 sítios d en tro d esta região e que re m o n ta m aos tem p o s do A n tig o T esta m e n to , n o sen tid o m ais am p lo , já fo ra m localizad os ( “A C O T ”, in : RB, 301-02).
Por fim , N elson G lu eck declara, de fo rm a contund ente: A b em da verdade [...] p o d em o s afirm ar cate g o rica m e n te qu e nenhuma descoberta arqueológica
chegou a se contrapor às referências bíblicas. Vários achados arq u eo ló g icos já fo ra m feitos de fo rm a a co n firm a r u m esb oço claro ou afirm açõ es h istó ricas ex a ta m e n te d etalhad as pela Bíblia ( RD , 31, grifo ad icionad o).
FO N T E S
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C A P Í T U L O
V I N T E
E
SEIS
A HISTORICIDADE DO NOVO TESTAMENTO
o u c o s e s t u d io s o s n e g a m
P
m esm o
R u d o lp h
a h is t o r ic id a d e c o m p l e t a d o N o v o T e s t a m e n t o 1. A té
B u ltm a n n
( 1 8 8 4 -1 9 7 6 ) , n a s u a d e s m it o l o g i z a ç ã o s i s t e m á t i c a
d o N o v o T e s t a m e n t o , d e c la r o u : “D e f o r m a a l g u m a e s t a m o s à m e r c ê d a q u e le s q u e d u v id a m o u n e g a m q u e J e s u s t e n h a e x i s t i d o ” ( “S S G ” , in : F C , 6 0 ). A r a z ã o p o r q u e o n ú m e r o d e h is t o r ia d o r e s e e s t u d io s o s b íb lic o s q u e n e g a m a h is to r ic id a d e d o N o v o T e s t a m e n t o é t ã o p e q u e n o f ic a r á c la r a à m e d id a q u e a n a l i s a r m o s o v o l u m e e n o r m e de e v id ê n c ia s a s e u fa v o r . A
h is to r ic id a d e
do
N ovo
T e sta m e n to
é
b a s ic a m e n te
a
h is to ric id a d e
dos
E v a n g e l h o s , d o l iv r o d e A t o s , e d as p r i m e i r a s e p ís t o la s d e P a u lo , já q u e o s d o c u m e n t o s e s c r i t o s d e p o is d o f in a l d e A t o s n ã o s ã o d e c is iv o s n a d e m o n s t r a ç ã o d a v id a , m o r t e e r e s s u r r e iç ã o d e C r is to , q u e e s tã o n o c o r a ç ã o d a q u e s tã o a r e s p e ito d a h is to r ic id a d e d o N o v o T e sta m e n to . A m a io r p a r t e d a c r ít ic a n e g a tiv a é p r é -a r q u e o ló g ic a , b a s e a d a e m p r e s s u p o s iç õ e s filo s ó fic a s n ã o
co m p ro v ad as e q u e fo ra m
A r q u e o lo g ia . C o m o
com
p o s te r io r m e n te
to r n a d a s o b s o le ta s p e la
o A n tig o T e s t a m e n t o , o a r g u m e n t o p o s itiv o a fa v o r d a
c o n fia b ilid a d e h is t ó r ic a d o s m a n u s c r i t o s d o N o v o T e s t a m e n t o e s tá b a s e a d a e m d o is p o n t o s p rin c ip a is : a c o n fia b ilid a d e d o s m a n u s c r i t o s d o N o v o T e s t a m e n t o e a c o n fia b ilid a d e das te ste m u n h a s d o N o v o T e sta m e n to . O b v ia m e n t e , t o d o e s te d e b a te é f e it o s o b r e a p r e m is s a b á s ic a d e q u e a h is tó r ia é v e r ific á v e l, u m a p r e m is s a q u e t e m sid o c r e s c e n t e m e n t e a ta c a d a n e s t e n o s s o m u n d o p ó s m o d e r n o . C o m o a o b je tiv id a d e d a h is tó r ia já fo i a b o r d a d a e m o u t r a p a r t e d e sta o b r a ( v e ja c a p ít u lo 11), n ã o t r a t a r e m o s d e s te a s s u n to a q u i.
A C O N FIA B ILID A D E D O S M A N U S C R IT O S D O N O V O T E ST A M E N T O H á v á ria s lin h a s d e e v id ê n c ia q u e a p ó ia m a c o n fia b ilid a d e d o s m a n u s c r i t o s d o N o v o T e s t a m e n t o . D e n t r e e la s, t e m o s o n ú m e r o , a d a ta ç ã o , a p r e c is ã o e a c o n f ir m a ç ã o d o s m a n u s c r i t o s d is p o n ív e is .
'U m a rara exceção é G. A. Wells, que sugere a possibilidade de Jesus jamais ter existido, apesar de admitir que Ele pode ter sido um hom em obscuro que talvez tenha vivido alguns séculos antes da época de Paulo (Did Jesus Ever Existi’, capítulo 5). O filósofo Michael Martin apóia a visão de que é justo questionar friamente todos os dados a respeito do Jesus histórico (veja The Case Against Christianity, capítulo 2).
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O Número de Manuscritos do Novo Testamento Da m esm a form a que o corre co m o Antigo Testam ento, o n úm ero de m anuscritos é surpreendente quando com parado co m u m a obra típica da antigüidade, a qual n orm alm en te apresentará de sete a dez cópias m anuscritas disponíveis. E m contraste, o N ovo Testam ento apresenta quase 5.700 m anuscritos gregos disponíveis nos nossos dias — isto faz dele o livro mais bem atestado da antigüidade. C om o m encionam os anteriorm ente, o ou tro livro que mais se aproxim a é a Ilíada de H om ero, co m 643 m anuscritos (veja Geisler e Nix, GIB, capítulo 22).
A Data Antiga dos Manuscritos do Novo Testamento O m anuscrito inquestionavelm ente mais antigo de u m livro do Novo Testam ento é o Papiro John Rylands (P52, datado de 117-138 d.C), que sobrevive co m u m a lacu n a de tem po de cerca de u m a geração da época em que a maioria dos estudiosos acredita em que ele ten h a sido escrito (c. 95 d.C.). C o m o ele foi escrito n a Ásia M enor e descoberto no Egito, a necessidade de considerar u m certo tem po para a sua circulação colocaria a sua com posição no prim eiro século. Livros inteiros do Novo Testam ento (p or exem plo, no Papiro B odm er) estão disponíveis co m data de 200 d.C., e a m aior parte do N ovo Testam ento, incluindo todos os Evangelhos, estão disponíveis nos Papiros C hester Beatty, datados do ano 150 d.C., poucos anos depois do térm ino da com posição do Novo Testam ento (isto é, cerca de 250 d.C.). O respeitado estudioso britânico de m anuscritos, Sir Frederick Kenyon, escreveu: O intervalo entre as datas da composição original e a evidência mais antiga disponível se torna tão pequeno que pode ser considerado insignificante, e o último fundamento de qualquer dúvida acerca das Sagradas Escrituras terem chegado a nós substancialmente da forma como foram escritas foi agora removido. [Dessa forma,] tanto a autenticidade quanto a integridade geral dos livros do Novo Testamento podem ser consideradas como finalmente demonstradas (BA, 288ss.). Nenhum outro livro do mundo antigo apresenta uma lacuna de tempo tão pequena (entre a sua composição e as cópias manuscritas mais antigas) como o Novo Testamento.
A Precisão dos Manuscritos do Novo Testamento Além disso, não som ente existem u m n úm ero m aior e u m a data mais antiga para os m anuscritos do N ovo Testam ento, mas eles tam bém são copiados de form a mais precisa do que outros livros da m undo antigo. John A. T. Robinson, estudioso do Novo Testam ento (1919-1981), declarou: A riqueza de manuscritos e, acima de tudo, o breve intervalo de tempo entre a composição e a cópia mais antiga disponível fazem dele o escrito mais bem atestado do mundo antigo (CWTNT, 36). B ru ce M etzger, u m grande estudioso do N ovo T estam en to e p rofessor de P rin ceton , fez u m a co m p a ra çã o en tre a Iliada, de H o m ero , a.Mahabarata, do H induísm o, e o N ovo T estam en to . Ele descobriu que o te x to da M ahabarata rep resen ta 90 p o r
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c e n to do orig in al (10 p o r c e n to re p re sen ta ria m c o rru p ç ã o te x tu a l); o te x to da Ilíada ap resen taria 95 p o r c e n to de in teg rid ad e, e o N ovo T e sta m e n to te ria s o m e n te m eio p o r ce n to de co rru p çã o , ou seja, estaria 99,5 p o r ce n to in ta c to (C H N T T C , 144ss.). Jo h n A. T . R o b in so n e stim o u que a p re o cu p a çã o g eral da c rític a te x tu a l n ã o se refere a m ais do que “u m a m ilé sim a p a rte do te x to c o m p le to ” ( IT C N T , 14). Isto colocaria a precisão do Novo Testamento em um índice de 99,9 por cento — contra o melhor que se sahe acerca de qualquer livro do mundo antigo2. A lém disso, p o rçõ e s sig n ificativ as de a lg u n s liv ros a n tig o s sim p le s m e n te se p e rd era m ; p o r e x e m p lo , “107 dos 142 liv ro s de T ito Lívio a re sp e ito da H istó ria de R o m a e stão p erd id os. Das H istórias e A nais de T á c ito , s o m e n te re sta m ce rca da m e ta d e ”3. C o n tu d o , todos os liv ro s do N ov o T e s ta m e n to fo ra m p reserv a d o s e n e n h u m a p o rçã o sig n ifica tiv a do N ovo T e s ta m e n to e stá perd id a. S ir F re d e ric k K en y on observa: O n ú m e ro de m a n u scrito s do N ovo T esta m e n to , de suas trad u çõ e s prim itivas, e de suas citações feitas p elos escrito res m ais antigos da Ig reja é tã o g ran d e que é p ra tica m en te c e rto qu e a le itu ra real de cada passagem duvidosa e ste ja preservad a em u m a ou o u tra destas autoridad es antigas. Isto n ão pode ser afirm ad o acerca de n e n h u m o u tro livro n o m u n d o (OBAAÍ, 55).
A Confirmação dos Manuscritos do Novo Testam ento pelos Pais da Igreja Antiga Faland o a resp eito dos q u atro E v an g elh os e m esp ecífico, existem 19.368 citações dos Pais desde o fin al do p rim e iro sécu lo para a fre n te . Isto in clu i 268 feitas p o r Ju stin o M ártir, 1.038 p o r Ire n e u , 1.017 p o r C le m e n te de A lexan d ria, 9.231 p o r O rígenes, 3.822 p o r T e rtu lia n o , 734 p o r H ip ó lito , e 3.258 p o r Eusébio (G eisler e N ix, GIB, 431). M esm o antes destes h o m e n s, já haviam cita çõ es: O P seu d o -B arn ab é (70-130 d .C .) c ito u M ateu s, M arcos e Lucas; C le m e n te de R o m a (c . 95-97 d .C .) cito u M ateu s, João e 1 C o rín tio s; In á cio (c. 110 d .C .) se re fe riu às ep ístolas de P aulo; P olicarp o (c. 110150 d .C .) cito u tod os os q u atro E v an g elh os, A tos e a m a io r p a rte das ep ístolas de P aulo; O Pastor de H erm as (115-140 d .C .) c ito u M ateu s, M arco s, A tos, 1 C o rín tio s e o u tro s liv ros; o D id aquê (c . 120-150 d .C .) re fe riu -se a M a teu s, Lucas, 1 C o rín tio s e o u tro s livros; e Papias, co m p a n h e iro de P o lica rp o , que foi d iscípulo do a p ó sto lo Jo ão , cita o seu E v an g elh o. Todas estas evidências têm u m peso m u ito grande em favor da existência dos Evangelhos antes m esm o de eles terem sido citados, o que os colocaria bem antes do final do prim eiro século, em u m a época em que algum as testem u nhas oculares (co m o João) estariam ainda vivas. A lém disso, o fato de alguns destes Pais, na verdade, se intercalarem cronologicam en te com o ú ltim o livro do N ovo Testam ento, o Evangelho de João, que é largam ente aceito co m o tendo sua data de com posição no ano de 95 d.C., p raticam ente elim ina qualquer lacu n a de tem po entre o fech am en to do Novo Testam ento e as prim eiras citações dele.
2 Os m uçulm anos alegam que o texto do Alcorão é perfeito, mas isto não é contrário às nossas conclusões por duas razões: Primeiro, o Alcorão não pertence ao m undo antigo, mas ao m undo medieval (século VII); segundo, existem imperfeições textuais no Alcorão (veja Geisler e Saleeb, Answering Islam, 191-92).
3 Veja Gary Habermas, “Why I Believe the New
Testament is Historically Reliable?”, in: N orm an Geisler e Paul HofFman, eds., Why I Am a Christian, 148.
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A CONFIABILIDADE DOS RELATOS DO NOVO TESTAMENTO Não som ente existe u m a tradição de m anuscritos extrem am en te forte em apoio à conclusão de que o texto atual do Novo Testam ento é u m a representação altam ente precisa dos originais, co m o tam bém existem evidências em abundância acerca da historicidade confiável do relato da vida de Cristo nele contida. C om o as evidências a favor da confiabilidade histórica do livro de Atos são as mais fortes, com eçarem os por este livro.
A Historicidade de Atos A data e a autenticidade do livro de A tos é cru cial p ara a historicidade do C ristianism o p rim itivo, e, dessa fo rm a, tam b ém p ara a A p o lo g ética em geral. Se A tos foi escrito antes do ano 70 d .C ., en qu an to as testem u n h as o cu lares ainda estavam vivas, ele en tão ap resen ta grande v alo r h istó rico ao nos in fo rm a r a respeito das cren ças cristãs mais prim itivas. A lém disso, se A tos foi escrito p o r Lucas, o co m p an h eiro do apóstolo Paulo, ele pode ser posicionado no círcu lo apostólico dos prim eiros discípulos de Jesus. Se A to s foi escrito p o r v o lta de 62 d.C . (a d ata tra d icio n a l), ele, en tã o , o foi p o r u m c o n te m p o râ n e o de Jesus (q u e m o r re u em 33 d .C .). E se A to s se ap resen ta c o m o u m d o cu m e n to p reciso em te rm o s h istó rico s, ele co n ced e credibilidade aos seus re la to s a ce rc a das cre n ça s cristãs m ais básicas nos m ilagres (A t 2 .2 2 ), n a m o r te (A t 2 .2 3 ), n a re ssu rre içã o (A t 2 .2 4 ,2 9 -3 2 ) e n a ascen são de C risto (A t 1.9,10). A lém disso, se Lucas escrev eu A to s, en tão o seu “p rim e iro tr a ta d o ” (A t 1.1), o E v an g elh o de Lucas, deve tam b ém re ce b e r a m e sm a credibilidade co n ced id a ao livro de A tos. Fortes Evidências para uma Data Antiga para Atos Colin Hem er, estudioso da história rom ana, en um era dezessete razões para a aceitação de u m a data antiga para o livro de Atos (durante a vida dos contem porâneos dos eventos). Estas razões apóiam fortem ente a historicidade de Atos e, indiretam ente, a historicidade do Evangelho de Lucas (cf. Lc 1.1-4 e A t 1.1). Os prim eiros cinco argum entos de H em er são suficientes para m o strar que Atos foi escrito em 62 d.C. (1 ) A tos n ã o m e n cio n a o ev en to cru cial da queda de Jeru salé m , n o an o 70 d .C ., o que p o sicion aria o livro antes d este even to . (2 ) N ão existe n e n h u m in d icativo do in ício da G u e rra dos Jud eus n o ano 66 d .C ., ou de qu alq u er d ete rio ra çã o m ais séria e esp ecífica e n tr e os ro m a n o s e os ju d eu s, o que im p lica qu e o livro te n h a sido e scrito antes d aquela época. (3 ) N ão existe n e n h u m ind icativo de u m a d eterio ração m ais im ed iata das relaçõ es dos cristãos co m R o m a qu e diga resp eito à p erseg u ição p erp etrad a p o r N ero, n o fin al dos anos 60 d.C. (4 ) N ão existe n e n h u m in d icativo acerca da m o r te de T iago nas m ão s do Sin éd rio , n o an o 62 d.C ., qu e foi registrad a p o r Flávio Joséfo (A n tiq u ities, 20.9.1.200). (5 ) C o m o o a p ó sto lo Paulo aind a estava vivo (A t 28), ele deve te r sido e scrito antes da sua m o rte (c. 65 d .C .).
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Considere tam bém alguns ou tros argum entos: (1 ) A tos u tiliza u m a fo rm u la çã o p rim itiv a da te rm in o lo g ia cristã, qu e reflete u m p erío d o m u ito an tig o. (H arn ack lista u m a série de títu lo s cristo ló g ico s: Iesous [Jesus] e h o k u rio s [o Se n h o r] são utilizad os c o m freq ü ên cia, en q u an to qu e h o C h risto s sem p re designa “o M essias”, e n ão u m n o m e p ró p rio , e C h risto s é u tilizad o em o u tras p artes so m e n te e m co m b in a çõ es fo rm ais.) (2 ) R a ck h a m ap o n ta p ara o to m o tim ista de A tos, qu e n ão estaria p resen te depois da d estru ição do Ju d aísm o e do m a rtírio dos cristãos nas perseg u ições de N ero, n o final dos anos 60 d.C. (3 ) O fim a b ru p to do livro de A tos é u m fato r. C e rta m e n te , se Paulo tivesse m o rrid o até aqu ele m o m e n to , p o r e x em p lo , isto teria sido m en cio n ad o (cf. 2 T m 4.6-8). (4 ) A “im in ê n cia ” de A tos 27—28 en tra em qu estão. (5 ) O p re d o m ín io de d etalh es in sig n ifican tes do m eio c u ltu ra l de u m a d ata antiga, até m esm o ju lio -cla u d ia n a , m o stra evidências. (6 ) E xistem áreas de co n tro v érsia d en tro do livro de A tos que p ressu p õ em a relevân cia de u m c o n te x to ju d a ico p rim itiv o, en q u a n to o T em p lo ainda estava de pé (v e ja C o lin H em er, T h e B o o k o f A cts in th e S e ttin g o f H ellen istic H istory [W ynona Lake, Ind.: E in sen b ra u n , 1990], 376-87).
E m com paração, alegar que Atos foi escrito depois do ano 62 d.C. é o m esm o que alegar que u m livro sobre a vida de Jo h n F. K ennedy foi escrito depois de 1963 (quando ele foi assassinado) sem jam ais m en cion ar a sua m o rte; pois, se o eventojá tivesse acontecido, ele seria demasiadamente importante para terficado defora. D a m esm a form a, qualquer livro com o Atos que te n h a sido escrito depois da m o rte do apóstolo Paulo (c. 65 d.C.), ou da destruição de Jerusalém (70 d.C.), certam en te teria m encionad o estes eventos im portantíssim os. Evidências de que o Autor de Atos Foi um Historiador de Primeira Grandeza A lém dos argum entos a favor de u m a data antiga para Atos, H em er d em on stra que o au tor foi u m historiador qualificado. Estes pontos inclu em : (1 ) iten s relativos a d etalh es geográficos e sim ilares, qu e p o d em ser consid erad os c o m o g era lm e n te co n h ecid o s; (2 ) d etalh es m ais especializados, que p o d em ter sido larg am en te co n h ecid o s p o r aqueles que p ossu íam exp e riên cia relev an te: títu lo s de g overn ad ores, n o m es de unidades m ilitares, ro tas co m erciais principais etc. [...] qu e p o d em te r sido acessíveis a v iajantes o u estavam envolvidos n a ad m in istração , m as talvez n ão àqu eles que n ão tivessem esse prep aro; (3 ) especificidades acerca de ro tas locais, fron teiras, títu lo s de m agistrad os de cidades e sim ilares, qu e p o d em n ão ser in tim a m e n te co ntroláveis n a data, m as que p ro v av elm en te n ã o seriam co n h ecid as, salvo p o r u m esc rito r que tivesse visitado as áreas; (4 ) a co rre la çã o das datas de reis e g ov ern ad ores co n h ecid o s c o m a cro n o lo g ia osten siva da e stru tu ra de A tos; (5 ) d etalhes apropriados à ép o ca de Paulo, m as n ão apropriad os às co nd içõ es de u m a data a n terio r, m u ito m e n o s de u m a data p o sterio r; (6 ) “coin cidên cias im p rev istas” e n tre A tos e as Epístolas P aulinas aceitas; (7 ) C o rre la çõ e s in te rn a s la ten tes d en tro do livro de A tos;
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(8) Detalhes independentemente atestados que concordam com o texto Alexandrino, e não com o texto Ocidental (ou o contrário), e que podem, dessa forma, relacioná-lo a estágios da tradição textual de Atos; (9) Questões de conhecimento geográfico comum ou similares, mencionadas de forma alusiva ou informal, com uma precisão não estudada, o que sugere uma certa familiaridade com as informações. (10) diferenças na formulação interna do livro de Atos, o que pode ser um possível indicativo de diferentes categorias de fontes; (11) peculiaridades na seleção de detalhes, tal como a inclusão de detalhes teologicamente não importantes, mas explicáveis de outras maneiras, que podem ser apoiados na questão histórica; (12) como um caso particular de antecipação, detalhes cuja “proximidade imediata” sugerem que o autor está reproduzindo uma experiência recente que não é prontamente explanável como produto de reflexão e edição da história feitas a longo prazo. (13) itens que refletem a cultura ou expressões que sugerem um ambiente do primeiro século da era cristã, mais do que do segundo; (14) complexos inter-relacionados nos quais duas ou mais correlações são combinadas, ou onde os detalhes relacionados mostram, cada um, correlações separadas, de forma que haja a possibilidade de construir um fragmento maior de reconstrução histórica a partir do emaranhado de unidades interligadas; (15) casos onde o progresso do descobrimento e do conhecimento simplesmenteproporcionam novas informações contextuais para o uso de um comentarista, a partir de qualquer ponto de vista, apesar de não serem tão dependentes da questão da historicidade; (16) detalhes precisos que se encaixam dentro do alcance das possibilidades contemporâneas, mas cuja precisão específica não pode ser averiguada, de uma forma ou de outra (ASHH, capítulo 5). Além de tudo isso, o autor de Atos d em onstra u m conhecim ento detalhado de nom es, lugares, pessoas da história, bem co m o de eventos da época. Conhecimento Comum O título de “A ugusto” dado ao im perador é escrito de m aneira form al co m o Sebastos, em palavras atribuídas a u m oficial rom ano (A t 25.21,25), ao passo que “A ugusto” com o o n om e conferido ao prim eiro im perador é transliterado co m o Augoustos, em Lucas 2.1. Fatos gerais a respeito da navegação e do abastecim ento de grãos são exemplificados pela viagem de u m navio alexandrino ao p o rto italiano de Puteóli, seguida da instituição de u m sistema estatal de abastecim ento feito por Cláudio, e que perm ite a sua ilustração em vários níveis. Os limites de categoria podem ser ilustrados ao notar-se onde Lucas considera ou não necessário explicar os term os ao seu leitor. Assim, pontos da topografia da Judéia ou nom enclaturas semitas são destacados ou explicados (A t 1.12,19 etc.), enquanto que as instituições judaicas não são (A t 1.12, tam bém em 2.1; 4.1 etc.). Conhecimento Especializado Atos 1.12,19; 3.2,11 etc. dem onstram u m conhecim ento da topografia de Jerusalém. Em Atos 4.6, Anás é apresentado co m o alguém que continuava a ter u m grande prestígio
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e que ostentava o título de “sum o sacerdote” depois da deposição do cargo feita pelos rom anos e da indicação de Caifás (cf. Lc 3.2; cf. Joséfo, A , 18.2.2.34-35; 20.9.1.198). Além disso, Lucas (em A t 12.4) fornece detalhes da organização de u m a guarda militar (cf. Vegetius, De Re Milit [3.8]); em Atos 13.7, ele identifica corretam ente Chipre com o um a província proconsular (senatorial) àquela época, com o procônsul residindo em Pafos (v. 6); em Atos 16.8ss., ele reconhece o papel desempenhado por Trôade no sistema de com unicação (cf. seção C, 112ss. ad 16.11); em Atos 17.1, Anfípolis e Apolônia são conhecidas com o estações (e possivelmente paradas noturnas) na via Ignácia, de Filipos a Tessalônica. Os capítulos 27—28 contém muitos detalhes da geografia e detalhes de navegação da viagem para Rom a, os quais serão analisados, de m aneira mais específica, sob outros subtítulos. Conhecimento Local Específico Além disso, Lucas manifesta u m vasto conhecim ento de lugares, nom es, condições, costum es e circunstâncias que só seriam possíveis a u m a testem u nh a ocular da época e dos eventos. Todas as coisas já foram confirmadas por pesquisas históricas e arqueológicas, ou seja, as pessoas, as épocas e os lugares m encionados por Lucas são verdadeiros. Isto inclui o con hecim en to de: uma passagem natural entre portos corretamente designados (13.4,5); o porto correto ao longo do destino de um navio que atravessa a partir de Chipre (13.13); a localização correta de Licaônia (14.6); a declinação incomum, porém, correta da palavra Listra (14.6); a língua correta falada em Listra (a licaônica, 14.11); dois deuses conhecidos por sua associação (Zeus e Hermes, 14.12); o porto correto, Atália, que os viajantes em retorno deveriam usar (14.25); o roteiro normal de quem chega dos Portais da Cilícia: primeiro em Derbe, depois em Listra (16.1); (9 a forma correta do nome Trôade (16.8);
(10 o ponto de referência de um marujo experiente, a Samotrácia (16.11); (11 a descrição correta de Filipos como uma colônia romana (16.12);
(12 a localização correta de um rio (rio Gangites) próximo a Filipos (16.13); (13 a referência correta feita a Tiatira como um centro famoso de tingimento de tecidos (16.14); (14 a designação correta para os magistrados e da colônia (16.22); (15 a localização correta (Anfípólis e Apolônia) de onde os viajantes poderiam pernoitar várias noites durante a viagem (17.1); (16 a presença de uma sinagoga em Tessalônica (17.1); (17 o título correto, “politarca”, utilizado para os magistrados daquele lugar (17.6); (18 a implicação correta de que as viagens marítimas seriam a maneira mais conveniente de chegar a Atenas, com ventos do leste favoráveis ao velejar no verão (17.14); (19 a grande quantidade de imagens em Atenas (17.16); (20 a referência à sinagoga em Atenas (17.17); (21 a descrição da vida ateniense com os seus debates filosóficos na Agora (17.17);
(22 o uso da gíria correta aplicada pelos atenienses a Paulo, um spermologos (17.18), bem como a designação correta do anfiteatro onde os filósofos se encontravam (areios pagos);
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(23) a caracterização correta do espírito ateniense (17.21); (24) um altar a um “deus desconhecido” (17.23); (25) a reação correta dos filósofos gregos que negavam a ressurreição corpórea (17.32); (26) areopagita como o título correto para um membro da assembléia que se reunia (17.34); (27) uma sinagoga de Corinto (18.4); (28) a designação correta de Gálio como procônsul e residente em Corinto (18.12); (29) a posição correta do bema, que contemplava do alto o tribunal de Corinto (18.16ss.); (30) o nome “Tirano”, conforme se pode verificar em inscrições do primeiro século encontradas em Efeso (19.9); (31) os conhecidos altares e imagens de Ártemis (19.24); (32) a referência à consagrada “grande deusa Diana” (ou Ártemis) (19.24); (33) o teatro de Efeso como lugar de encontro da cidade (19.29); (34) o uso do título correto, grammateus, para o escrivão da cidade de Éfeso (19.35); (35) a menção do título honorífico correto, neokoros, autorizado pelos romanos (19.35); (36) o nome correto para designar a deusa (19.37); (37) o vocabulário jurídico correto para uso em tribunais (19.38); (38) o uso do plural, anthupatoi, que pode ser uma referência marcante ao fato de que dois homens estavam exercendo a função de procônsul concomitantemente naquela época (19.38); (39) a assembléia “regular” (ou “legítimo ajuntamento”) como expressão exata que é confirmada em outros lugares; (40) o uso de designação étnica precisa, beroiaios (20.4); (41) o emprego do termo étnico asiano (20.4); (42) o reconhecimento implícito da importância estratégica atribuída à cidade de Trôade (20.7ss.); (43) o perigo de uma viagem na costa desta região (20.13); (44) o conhecimento correto da seqüência de lugares (20.14,15); (45) o nome correto da cidade como um plural neutro (Patara) (21.1); (46) a rota apropriada que cortava o mar aberto ao sul de Chipre, favorecida por constantes ventos do nordeste; (47) a distância plausível entre estas cidades (21.7,8); (48) um ato de piedade característico dos judeus (21.24); (49) a lei judaica acerca do uso das dependências do templo pelos gentios (21.28); (50) a presença permanente de um destacamento romano em Antônia, para reprimir qualquer motim em épocas festivas (21.31); (51) as escadarias utilizadas pela guarda (21.31,35); (52) a forma normal de obter a cidadania romana naquela época (22.28); (53) o conhecimento de que um tribunal se impressionaria mais com uma cidadania romana do que com a tarsiana (22.29); (54) o fato de Ananias ser o sumo sacerdote naquela época (23.2); (55) o fato de Félix ser o governador naquela época (23.24); (56) o ponto de parada natural no caminho para Cesaréia (23.31); (57) a jurisdição a que Cilícia pertencia à época (23.34); (58) o procedimento penal da província à época (24.1-9); (59) o fato de o nome “Pórcio Festo” concordar exatamente com o nome dado por Flávio Joséfo (24.27);
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(60) o direito de apelação dos cidadãos romanos (25.11); (61) a fórmula legal de quibus cognoscere volebam (25.18); (62) a forma característica de referir-se ao imperador naquela época (25.26); (63) as melhores rotas marítimas da época (27.4ss.); (64) os laços comuns entre a Cilícia e a Panfília (27.5); (65) o porto principal onde se encontraria um navio rumo à Itália (27.5); (66) a lentidão na travessia de Cnido em função do típico vento nordeste (27.7); (67) a rota correta para velejar em face dos ventos predominantes (27.7); (68) a localização de Bons Portos e da localidade vizinha de Laséia (27.8); (69) o fato de Bons Portos não ser um ancoradouro muito seguro (27.12); (70) a percepção de que naquelas regiões o vento do sul poderia mudar, repentinamente, para um violento vento do nordeste, famoso pelo nome de gregale (27.13); (71) a natureza de um velho veleiro de velas quadradas, impotente diante de uma rajada de ventos, tendo somente que se deixar levar (27.16,17); (72) o lugar e o nome preciso desta ilha (27.16); (73) as manobras corretas para a segurança de um navio em uma situação específica (27.16ss.); (74) a décima quarta noite conhecida por um cálculo brilhante, baseado inevitavelmente em uma junção de estimativas e probabilidades e confirmado pelo julgamento de navegadores experientes do Mediterrâneo (27.27); (75) o termo apropriado da época utilizado para designar o mar Adriático (27.27); (76) o termo exato (bolisantes) utilizado para a tomada de sondagens de profundidade (27.28); (77) a posição que admiravelmente seria a provável linha de aproximação de um navio que içasse âncora para deixar-se levar por um vento do leste (27.39); (78) a pesada responsabilidade dos guardas que permitissem a fuga de prisioneiros (27.42); (79) o povo da região e as superstições da época (28.4-6); (80) o título correto de protos (tes nesou) (28.7); (81) Régio como um local de refúgio onde se aguardava um vento meridional que os levaria através do estreito (28.23); (82) A praça de Apio e Três Vendas como indicação correta de locais de parada na via Apia (28.15); (83) Um meio apropriado de custódia aceito pelos soldados romanos (28.16); (84) As condições de cárcere, vivendo “na sua própria habitação que alugara” (28.30,31). Conclusão A h is to r ic id a d e d o liv r o d e A to s é c o n f ir m a d a p o r e v id ê n c ia s irre s is tív e is . N a d a q u e se c o m p a r e a e s ta q u a n tid a d e d e c o n f ir m a ç õ e s d e ta lh a d a s p o d e se r a p r e s e n ta d o p a ra q u a lq u e r o u t r o liv r o d a a n tig ü id a d e . A to s n ã o é s o m e n t e u m a c o n f ir m a ç ã o d ir e ta d a fé c r is tã p r im itiv a n a m o r t e e n a r e s s u r r e iç ã o d e C r is to , c o m o t a m b é m , i n d ir e t a m e n t e , d o r e g is tr o d o E v a n g e lh o , p o is o m e s m o a u t o r ( L u c a s ) e s c r e v e u t a m b é m u m E v a n g e lh o ( v e ja n a p á g in a s e g u in t e ). A lé m d isso , o s m e s m o s e v e n to s b á s ic o s, s u b s ta n c ia lm e n t e fa la n d o , e s tã o r e g is tr a d o s e m d o is o u t r o s E v a n g e lh o s ( M a t e u s e M a r c o s ), e p o r e s ta ra z ã o o E v a n g e lh o de J o ã o a p r e s e n t a a m e s m a d e s c r iç ã o d o s e v e n to s m a is c r u c ia is , o u se ja , a m o r t e e r e s s u r r e iç ã o d e C r is to . A s s im , a h is to r ic id a d e d o s e v e n to s m a is c r u c ia is ao C r is tia n is m o o r t o d o x o e stá , p o r t a n t o , d e m o n s t r a d a .
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O utro historiador rom ano notável, A. N. Sherwin-W hite, ch am a a visão m itológica de “inacreditável” ( RSRLN T, 189). A razão para isto é que as evidências a favor do livro de Atos são m uito mais consistentes do que as que se apresentam para a história de R om a daquele período.
A Historicidade dos Relatos do Evangelho C om o Mateus e M arcos apresentam os m esm os dados básicos a respeito da vida, do ensino, da m o rte e da ressurreição de Cristo, o que serve de base para a autenticidade de u m tam bém serve para confirm ar a historicidade do ou tro. Dessa form a, nos con centrarem os em Lucas, visto que há vários argum entos a favor da sua historicidade. 0 Autor do Evangelho de Lucas E Conhecido como um Historiador Preciso O Dr. Lucas, companheiro de viagens do apóstolo Paulo, é amplamente conhecido com o sendo o autor do Evangelho de Lucas, por razões m uito boas. Primeiro, o autor de Atos: (1) tinha um nível de instrução elevado, a julgar pelo bom nível do grego empregado (cf. Lc 1.1-4); (2) não foi um dos doze apóstolos (Lc 1.2); (3) tomou parte pessoalmente em muitos dos eventos (Lc 1.3); (4) foi bem informado acerca do apóstolo Paulo; (5) conheceu e citou o Antigo Testamento em grego; (6) teve um bom conhecimento da situação política e social no primeiro século; (7) viajou, algumas vezes, na companhia do apóstolo Paulo, conforme o pronome plural “nós” deixa transparecer em algumas seções do livro (At 16.10-17; 20.5—21.18; 27.1—28.16); (8) não foi Timóteo, Sópatro, Aristarco, Segundo, Gaio, Tíquico ou Trófimo, que são excluídos por Atos 20.4; (9) teve conhecimento de medicina, conforme indicado pelo emprego que faz de termos e referências médicas. O único companheiro conhecido de Paulo que poderia se encaixar em todas estas características era “Lucas, o médico amado” (Cl 4.14)4. En tretanto, o im portante não é a questão de quem escreveu o livro, m as se esta pessoa era ou não u m a fonte confiável. C om o R. T. France co lo co u co m propriedade: “A autoria [...] não é u m fator decisivo na nossa investigação da confiabilidade dos Evangelhos” (T E ], 124). Segundo, a mesma pessoa que escreveu Atos também escreveu o Evangelho de Lucas, já que: (1) ambos foram escritos para “Teófilo” (cf. Lc 1.3 e At 1.1); (2) ambos foram escritos em grego de alto nível; (3) ambos apresentam interesse na área médica; (4) Atos menciona um “primeiro relato” que o autor havia escrito a respeito de Jesus (Atos 1.1); (5) existe uma tradição não quebrada e praticamente não questionada desde a época da igreja primitiva até os tempos modernos que atribui o livro ao Dr. Lucas.
4 As evidências externas a favor de Atos tam bém são boas, pois o livro foi citado pelo Didaquê, por Tatiano, Ireneu, T ertuliano, C lem ente de Alexandria, Eusébio bem com o foi listado no Canon M uratoriano (veja D.A. Carson, et al., An Introduction to the New Testamen, 185-86).
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T erceiro , o a u t o r d e A t o s é c o n h e c i d o c o m o u m h i s t o r i a d o r d e p r i m e i r a g r a n d e z a ( v e j a a c i m a ) , u m f a t o e s t a b e l e c i d o t a n t o p o r S i r W i l l i a m R a m s e y , n a o b r a St. P au l the T ra v eler an d the R om an C itiz en ( S ã o P a u l o , V i a j a n t e e C i d a d ã o R o m a n o ) , c o m o , m a is r e c e n t e m e n t e p o r C o l i n H e m e r , n a o b r a T h e B ook o f A c t s in the S ettin g o f H e lle n is tic H istory ( O
L iv r o d e A t o s n o C o n t e x t o
d a H i s t ó r i a H e l ê n i c a ) 5. O u t r o
e s tu d io s o
n o t á v e l d a h i s t ó r i a d e R o m a a p ó ia f i r m e m e n t e a h i s t o r i c i d a d e d o s E v a n g e l h o s , a f ir m a d o :
Portanto, é surpreendente que enquanto os historiadores greco-romanos tenham aumentado a sua confiança, o estudo da narrativa do evangelho no século vinte, que também parte de um material igualmente promissor, tenha se enveredado por caminhos tão sombrios no desenvolvimento da crítica da forma [...] que o Cristo histórico tenha ficado irreconhecível e a história da sua missão não possa mais ser escrita. Isto me parece muito curioso (Sherwin-White, RSRNT, 187). D e s s a f o r m a , a c r e n ç a s u p r a - m e n c io n a d a a c e r c a d o c a r á t e r le n d á r io d essa id é ia é s im p le s m e n t e “i n a c r e d it á v e l” (ib id ., 1 8 8 -9 1 ). 0 Evangelho de Lucas Foi Escrito por volta do A n o 60 d. C. A p a r t ir d e to d a s e sta s i n f o r m a ç õ e s , p o d e m o s c h e g a r à c o n c lu s ã o d e q u e o E v a n g e lh o d e L u c a s é t a m b é m u m t r a b a lh o h is t ó r ic o e x c e le n te , e s c r ito p o r v o lt a d o a n o d e 60 d .C . C o m o M a t e u s , M a r c o s e J o ã o a p r e s e n t a m a m e s m a d e s c r iç ã o b á s ic a d e C r is to , e le s t a m b é m sã o h i s t o r i c a m e n t e c o n fiá v e is 6. E s ta c o n c lu s ã o é a in d a r e f o r ç a d a p e lo f a to d e L u c a s a f ir m a r o s e u in t e r e s s e h is tó r ic o , n o p r ó lo g o d o E v a n g e lh o (L c 1 .1 -4 ), a le g a n d o q u e :
(1) ele está ciente de outros relatos escritos anteriores a respeito da vida de Cristo; (2) o Evangelho de Lucas está baseado em testemunhas oculares; (3) ele havia se “informado minuciosamente de tudo desde o princípio”. A lé m d is so , L u c a s p r o v a o s e u in t e r e s s e h i s t ó r i c o a o c o r r e l a c i o n a r a s u a n a r r a t iv a d a v id a d e C r is t o c o m a h i s t ó r i a s e c u l a r e as d a ta s p r e c is a s . E le n ã o só n o s c o n t a q u a n d o Je s u s n a s c e u ( q u a n d o “C é s a r A u g u s t o ” e r a r e i, L c 2 .1 ) c o m o t a m b é m n o s r e v e la o a n o e x a t o e m q u e J e s u s i n i c i o u o s e u m in i s t é r i o , a s a b e r , “n o a n o q u in z e d o i m p é r io d e T i b é r i o C é s a r , s e n d o P ô n c io P ila to s g o v e r n a d o r d a J u d é ia , e H e r o d e s , t e t r a r c a da G a lilé ia , e s e u i r m ã o F ilip e , t e t r a r c a d a I t u r é ia e d a p r o v ín c ia d e T r a c o n i t e s , e L is â n ia s, t e t r a r c a d e A b ile n e , s e n d o A n á s e C a ifá s s u m o s s a c e r d o te s , v e io n o d e s e r t o a p a la v r a d e D e u s a J o ã o , f ilh o d e Z a c a r i a s ” (L c 3 .1 ,2 ) . T o d a s e s ta s i n f o r m a ç õ e s c o n t e r e m c o m a h is tó r ia s e c u la r d a é p o ca . E m a is , C o lin H e m e r a p r e s e n t o u a r g u m e n to s c o n s is t e n te s a fa v o r d e A to s t e r sid o c o m p o s t o p o r v o lt a d o a n o 62 d .C ( v e ja a c im a ) , e c o m o L u c a s fo i e s c r ito a n te s d e A to s (c f. L c 1.3 e A t 1 .1 ), c o n c lu i- s e q u e o E v a n g e lh o de L u c a s fo i e s c r ito p o r v o lt a d o a n o 60 d .C . O ra , is t o s ig n ific a a p e n a s v in t e e s e te a n o s d e p o is d a m o r t e e d a r e s s u r r e iç ã o d e C r is to , o q u e , p o r su a v e z , s ig n ific a q u e m u ito s d a g e r a ç ã o q u e t e s t e m u n h o u o c u l a r m e n t e a 5Veja Colin Hemer, ibid., e William Ramsey, St. Paul the Traveler and the Roman Citizen. 6 Para obter um a explicação acerca das diferenças entre João e os Evangelhos Sinóticos, veja Norm an Geisler, “John, Gospel of”, in: BECA.
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C r is to , e d a q u a l L u c a s fa la (L c 1 .2 ), c o n t in u a v a m m e s m o v iv o s q u a n d o e le e s c r e v e u o se u E v a n g e lh o , u m f o r t e in d ic a tiv o d a s u a c o n fia b ilid a d e h is t ó r ic a 7.
W illiam F. A lb rig h t (1891-1971) so b re a H isto ricid a d e d os E v a n g e lh o s C o m u m a vid a in te ira d ed icad a às pesquisas, o d eão da A rq u e o lo g ia d o sé c u lo X X escrev eu :
Em suma, graças às descobertas de Qumran, o Novo Testamento mostra que é mesmo aquilo que anteriormente já se considerava que ele fosse: os ensinos de Cristo e de seus seguidores imediatos entre os anos 25 d.C e 80 d.C. ( FSA C , 23). A lb r ig h t , a in d a , a f ir m o u d e f o r m a m a is e s p e c ífic a :
Eu deveria responder que, na minha opinião, todos os livros do Novo Testamento foram escritos por um judeu batizado entre os anos quarenta e oitenta do primeiro século d.C. (muito provavelmente, em alguma época entre 50 e 75 d. C.) ( “WATMCV”, in: CT, 359, grifo adicionado). E le c h e g o u a o p o n t o d e d iz e r:
As evidências da comunidade de Qumran demonstram que os conceitos, as terminologias e a concepção do evangelho de João são provavelmente do início do primeiro século (Davies e Daube, “RPGSJ”, in: B N T IE ). A lb r ig h t t a m b é m a c r e d ita v a q u e :
Os dados históricos bíblicos apresentam uma precisão que excede a da concepção de qualquer estudante crítico moderno, que normalmente erra por conta de uma atitude demasiadamente crítica (AP, 229). C o m o Je su s m o r r e u p o r v o lt a d o a n o 33 d .C ., a c o lo c a ç ã o d e a lg u n s liv ro s n o s a n o s 50 e 6 0 d o p r im e ir o s é c u lo s ig n ific a ria q u e estes livros foram escritos num espaço de vinte cm trinta anos após a ocorrência do evento — o u se ja , e n q u a n t o a m a io r p a r te das t e s t e m u n h a s a in d a e sta v a viva! O f a to d e h a v e r u m a m u ltip lic id a d e d e r e la to s e n v o lv id o s ( o ito o u n o v e a u to r e s p a ra os v in te e se te liv ro s ) p r o p o r c io n a u m a b ase só lid a p a r a a h is to ric id a d e d o s seu s e sc rito s.
A C o n firm a ç ã o do N o v o T e s ta m e n to p o r u m C rític o L ib eral J o h n A . T . R o b in s o n , u m e s tu d io s o d o N o v o T e s t a m e n t o , f ic o u f a m o s o p e lo p a p e l d e c is iv o q u e e x e r c e u n a p r o p a g a ç ã o d o m o v i m e n t o d a “M o r t e d e D e u s ” n o s é c u lo X X . A n te s de m o r r e r , e s e m r e n u n c i a r à s u a v isã o n e g a tiv a a r e s p e ito d as S a g ra d a s E s c r itu r a s , o B is p o R o b in s o n e s c r e v e u u m liv r o r e v e la d o r q u e r e c e b e u o t ít u l o d e Redating the N ew Testament ( U m a N o v a D a t a ç ã o p a r a o N o v o T e s t a m e n t o ) . N e s ta o b r a , e le c o lo c a M a t e u s e m 4 0 - 6 0 + d .C .; M a r c o s , e m 4 5 -6 0 d .C .; L u c a s, e m 5 7 - 6 0 + d .C .; e Jo ã o , e m 4 0 - 6 5 + d .C . ( R N T , 3 5 2 -3 5 4 ). Is to s ig n ific a r ia q u e alguns Evangelhos podem ser tão antigos a ponto de terem um lapso de somente doze anos após a época da morte de Jesus! M e s m o q u e lim ite s m a is a m p lo s s e ja m 7Isto é um “forte indicativo da sua confiabilidade histórica”, porque, se Lucas foi escrito enquanto as testem unhas oculares ainda estavam vivas, a obra teria sido refutada caso contivesse informações falsas.
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considerados, todos foram com postos no espaço de tem po que com preende a vida das testem unhas oculares e os contem porâneos dos eventos. Esta proxim idade impede que neguem os a sua historicidade básica. Possíveis C o n firm a ç õ e s p o r F ra g m e n to s A n tig o s de E v a n g e lh o s Jose 0 ’C alahan, u m paleógrafo espanhol, fez notícia no m u n do todo em 1972, após ter identificado u m fragm ento de m an u scrito de Q u m ran co m o sendo o pedaço mais antigo do Evangelho de M arcos. Fragm entos da cavern a sete haviam sido an teriorm en te datados en tre os anos 50 a.C e 50 d.C., listados co m o “não identificados” e classificados co m o “Textos Bíblicos?” Servindo-se dos m étodos aceitos n a Papirologia e n a Paleografia, 0 ’C alahan even tualm ente identificou vários fragm entos de Q u m ran, con form e abaixo: Marcos 4.28 7Q6? 50 d.C. Marcos 6.48 7Q15 ? d.C. Marcos 6.52,53 7Q5 50 d.C. Marcos 12.17 7Q7 50 d.C. Atos 27.38 7Q6? 60+ d.C.8 Tantos os amigos quanto os críticos recon h ecem que, se forem válidas, as conclusões de 0 ’Callahan revolucionariam as teorias vigentes acerca do N ovo Testam ento. O jornal The New York Times noticiou: Se a teoria do Padre 0 ’Callahan fosse aceita, ela provaria que pelo menos um dos evangelhos —o de São Marcos —foi escrito poucos anos depois da morte de Jesus. A UPI (United Press International [Imprensa Unida Internacional]) observou que as descobertas de 0 ’Callahan indicavam que “as pessoas mais próxim as aos eventos — os seguidores iniciais de Jesus — consideravam o relato de M arcos exato e confiável, não u m m ito, mas história real” (Estrada e W hite, FNT, 137). A revista Time citou estudiosos que concordam co m as afirmações de 0 ’Callahan: “Elas podem fazer u m a fogueira de setenta toneladas co m as afirmações indigeríveis do m undo acadêm ico alem ão” (ibid). As datas mais antigas (listadas acim a) estão apoiadas pelas seguintes linhas de evidências: (1) Elas não foram datadas por 0 ’Callahan, mas por outros estudiosos, antes de serem identificadas como fragmentos do Novo Testamento. (2) Estas datas jamais foram objeto de questionamento sério desde aquela época. (3) Elas conferem com as datas determinadas para outros manuscritos descobertos na mesma área de Qumran. (4) Os arqueólogos que descobriram a caverna (número sete) cio do primeiro século. E claro que os críticos levantam objeções, mas muitas razões são dadas em apoio ao trabalho de identificação que 0 ’Callahan fez destes textos co m o sendo do Novo Testam ento, especialmente os dois primeiros. 8 O núm ero com “Q” indica o núm ero da caverna de Q um ran onde o fragmento foi encontrado.
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Primeiro, os critérios para a identificação destes fragm entos co m o parte do Novo T estam ento são norm ais e aceitáveis, utilizados pelos paleógrafos. Segundo, as letras com pletas utilizadas no texto (e a m aior parte das letras parcialm ente identificadas) foram identificadas por outros estudiosos antes de 0 ’Callahan ter tido acesso a elas. Terceiro, 0 ’Callahan é u m paleógrafo respeitado que fez muitas identificações corretas de textos antigos, antes e depois desta descoberta. Quarto, a sua identificação dos textos se encaixa perfeitam ente co m estas passagens do N ovo Testam ento. Quinto, não foi feita n en h u m a o u tra identificação viável destes fragm entos com qualquer ou tro texto. Sexto, a probabilidade de esta seqüência de letras representar algum ou tro texto é incrivelm ente baixa. Dois estudiosos calcu laram u m a probabilidade de 1 em 2,25 multiplicados p o r 1063! Se a identificação de pelo m enos alguns destes fragm entos for válida, a historicidade do N ovo Testam ento passa a ser enorm e. E m prim eiro lugar e acim a de tudo, ela m o stra que o Evangelho de M arcos e o livro de Atos foram escritos dentro do tem po de vida dos apóstolos e de outros contem porâneos dos eventos. Tam bém , esta data antiga (anterior a 50 d.C.) não deixa espaço para a inclusão de adornos m itológicos nos relatos; eles precisam ser aceitos co m o históricos. Além disso, ela vai co n tra u m a data posterior para o Evangelho de M arcos, dem onstrando que ele foi u m dos prim eiros Evangelhos escritos. Por fim, co m o estes m anuscritos não são os originais, mas se tratam de cópias, o achado nos revela que o Novo Testam ento já havia sido “publicado”, ou seja, copiado e disseminado m esm o no tem po de vida dos autores.
Os Evangelhos São muito Antigos para Ser Mitológicos Julius M uller desafiou os eruditos da sua época (c. 1844) a apresentarem u m único exem plo de que, em u m a única geração, ten h a sido criado u m m ito no qual todos os seus elem entos mais im portantes tam bém sejam m itos ( T M , 29). N inguém jamais aceitou o desafio, porque não h á n en h u m caso deste tipo. Sherwin-W hite observou: Heródoto nos capacita a testar o tempo de desenvolvimento do processo de mitificação, e os testes sugerem que até mesmo duas gerações representam um espaço muito curto para que a tendência à mitificação se instale sobre o rígido núcleo histórico da tradição oral ( RSRLNT, 190). Ao com en tar este fato, William Craig n otou que isto nos capacita a determ inar a taxa de desenvolvimento de u m a lenda: “Os testes m o stram que m esm o duas gerações representam u m período m uito cu rto para perm itir que as tendências lendárias varram por com pleto o rígido núcleo histórico dos fatos” ÇKTAR, 101).
A Confirmação Arqueológica dos Evangelhos Qualquer pessoa familiarizada co m a cu ltu ra judaica do prim eiro século im ediatam ente recon h ecerá que os relatos dos Evangelhos respiram o m esm o ar. As m enções feitas aos fariseus, aos saduceus, às tradições judaicas, aos costum es, e m esm o o
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Primeiro, o s critérios para a identificação destes fragm entos co m o parte do Novo Testam ento são norm ais e aceitáveis, utilizados pelos paleógrafos. Segundo, as letras com pletas utilizadas no texto (e a m aior parte das letras parcialm ente identificadas) foram identificadas p o r outros estudiosos antes de 0 ’Callahan ter tido acesso a elas. Terceiro, 0 ’Callahan é u m paleógrafo respeitado que fez m uitas identificações corretas de textos antigos, antes e depois desta descoberta. Quarto, a sua identificação dos textos se encaixa perfeitam ente co m estas passagens do N ovo Testam ento. Quinto, não foi feita n en h u m a o u tra identificação viável destes fragm entos com qualquer o u tro texto. Sexto, a probabilidade de esta seqüência de letras representar algum ou tro texto é incrivelm ente baixa. Dois estudiosos calcularam u m a probabilidade de 1 em 2,25 multiplicados p o r 1065! Se a identificação de pelo m enos alguns destes fragm entos for válida, a historicidade do Novo Testam ento passa a ser enorm e. E m prim eiro lugar e acim a de tudo, ela m o stra que o Evangelho de M arcos e o livro de Atos foram escritos dentro do tem po de vida dos apóstolos e de outros contem porâneos dos eventos. Tam bém , esta data antiga (anterior a 50 d.C.) não deixa espaço para a inclusão de adornos m itológicos nos relatos; eles precisam ser aceitos co m o históricos. Além disso, ela vai co n tra u m a data posterior p ara o Evangelho de M arcos, dem onstrando que ele foi u m dos prim eiros Evangelhos escritos. Por fim, com o estes m anuscritos não são os originais, mas se tratam de cópias, o achado nos revela que o N ovo Testam ento já havia sido “publicado”, ou seja, copiado e disseminado m esm o no tem po de vida dos autores.
Os Evangelhos São muito Antigos para Ser Mitológicos Julius M uller desafiou os eruditos da sua época (c. 1844) a apresentarem u m único exem plo de que, em u m a única geração, ten h a sido criado u m m ito no qual todos os seus elem entos mais im portantes tam bém sejam m itos (T M , 29). N inguém jamais aceitou o desafio, porque não há n en h u m caso deste tipo. Sherwin-W hite observou: Heródoto nos capacita a testar o tempo de desenvolvimento do processo de mitificação, e os testes sugerem que até mesmo duas gerações representam um espaço muito curto para que a tendência à mitificação se instale sobre o rígido núcleo histórico da tradição oral (RSRLNT, 190). Ao com en tar este fato, William Craig n otou que isto nos capacita a determ inar a taxa de desenvolvimento de u m a lenda: “Os testes m o stram que m esm o duas gerações representam u m período m uito cu rto para perm itir que as tendências lendárias varram p or com pleto o rígido núcleo histórico dos fatos” ( K T A R , 101).
A Confirmação Arqueológica dos Evangelhos Qualquer pessoa familiarizada co m a cu ltu ra judaica do prim eiro século im ediatam ente recon h ecerá que os relatos dos Evangelhos respiram o m esm o ar. As m enções feitas aos fariseus, aos saduceus, às tradições judaicas, aos costum es, e m esm o o
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u s o d e c e r ta s p a la v ra s a r a m a ic a s ( c f. M t 2 7 .4 6 ; A t 9 .3 6 ), ju n t o c o m as c id a d e s e a t o p o g r a fia d a re g iã o , sã o to d o s c o m u n s e m o u t r o s d o c u m e n t o s d o ju d a ís m o d o p r im e ir o s é c u lo , c o n f o r m e r e g is tr a d o p o r Jo s é fo e o u t r o s . A lé m
d isso , o N o v o T e s t a m e n t o m e n c i o n a p e r s o n a g e n s h is tó r ic a s c o m o C é s a r
A u g u s t o (L c 2 .1 ), T ib é r io C é s a r (L c 3 .1 ), Q u ir in o , g o v e r n a d o r d a S ír ia (L c 2 .2 ) , o R e i H e ro d e s ( M t 2 .3 ), P ô n c io P ila to s ( M t 2 7 .2 ), A n á s e C a ifá s, os s u m o s s a c e r d o te s (L c 3 .2 ), J o ã o B a tis ta , e o u t r o s . É sa b id o q u e to d o s e x is t ir a m e d e s e m p e n h a r a m as su as f u n ç õ e s n a é p o c a e n o s lo c a is o n d e o N o v o T e s t a m e n t o os situ a . E m a is , a lé m d a f u n d a m e n t a ç ã o a r q u e o ló g ic a c o n s is t e n t e e x is t e n te p a r a e s ta é p o c a e m g e r a l ( v e ja a c im a ) , e x is t e m r e fe r ê n c ia s n o s E v a n g e lh o s q u e sã o b a se a d a s e m a c h a d o s a r q u e o ló g ic o s e s p e c ífic o s , ta is c o m o o p o ç o d e S ilo é , o p o ç o de B e te s d a , a s in a g o g a de C a f a r n a u m , os a lic e r c e s d o T e m p lo d e H e ro d e s , o P r e t ó r io d e P ô n c io P ila to s , os a r r e d o r e s d o G ó l g o t a e o Ja r d im d o T ú m u l o . D e f o r m a s e m e lh a n t e , o “T i t u lu s V e n e t u s ” la n ç a lu z s o b r e o c e n s o d e A u g u s t o ( c ita d o e m L c 2. ls s .) . U m a p la c a fo i e n c o n tr a d a c o n t e n d o u m a i n s c r iç ã o e m l a tim q u e d izia: “P ô n c io P ila to s , P r e f e ito d a J u d é ia ” . A té m e s m o o s o sso s d e u m a v ítim a e x e c u t a d a p o r c r u c if ic a ç ã o n o p r im e ir o s é c u lo , q u e se c h a m a v a Y o h a n a n , o s q u a is f o r a m e n c o n tr a d o s , f u n d a m e n t a m a f o r m a h o r r ív e l c o m o a m o r t e d e Je su s é d e s c r ita . E o D e c r e t o N a z a r e n o ( d e s c o b e r t o e m 187 8 ), q u e ta lv e z t e n h a c ir c u la d o e n tr e 41 e 5 4 d .C ., é c u r io s o e m fa c e d a a le g a ç ã o q u e os ju d e u s f iz e r a m a r e s p e ito d o r o u b o d o c o r p o d e Je su s , p a r a c o n t r a r i a r a v e rd a d e d a r e s s u r r e iç ã o ( c f. M t 2 8 .1 2 ,1 3 ). C o m o to d o s o s p r o c e s s o s r o m a n o s a n t e r io r e s d a q u e la n a t u r e z a r e d u n d a v a m s o m e n t e e m m u l t a , p o r q u e u m a p u n iç ã o tã o s e v e r a fo i d e c r e t a d a n a P a le s tin a lo g o a p ó s a m o r t e d e Je su s e o r e l a t o d a su a r e s s u r r e iç ã o , e c o m os se u s d is c íp u lo s d a n d o in íc io a u m a d is se n s ã o n a P a le stin a ? ( v e ja G a r y H a b e r m a s , H J, 154). T al co m o o co rre co m
o r e s ta n t e d as E s c r it u r a s , a v id a d e C r is to r e t r a t a d a n o s
E v a n g e lh o s se e n c a ix a p e r f e i t a m e n t e c o m
os fa to s d e s c o b e r t o s p e lo s a r q u e ó lo g o s
q u e p e s q u is a r a m a q u e la é p o c a . N a d a fo i e n c o n t r a d o p a r a c o n t r a d iz e r os r e la t o s d o s E v a n g e lh o s , m a s , a o c o n t r á r i o , m u ito s a c h a d o s o s f u n d a m e n t a m .
A E v id ên cia a fav o r da H isto ricid a d e das P rim eiras E p ísto la s de P au lo A té m e s m o
os c r ít ic o s lib e ra is q u e r e je i t a m
as e p ís to la s p o s t e r io r e s d e P a u lo ,
g e r a l m e n t e c o n c o r d a m q u e é d e le a a u t o r ia d a p r im e ir a c a r t a ao s C o r ín t io s e q u e su a c o m p o s iç ã o se d e u p o r v o lt a d o a n o 55 d .C . D . A . C a r s o n r e s u m e b e m e sta s e v id ê n c ia s:
Existe um a inscrição que registra um edito do Im perador Cláudio ao povo de Delfos no qual ele m enciona Gálio com o tendo o posto de procônsul na Acaia, durante o período da vigésima sexta aclam ação de Cláudio com o imperador — um período, conhecido a partir de outras inscrições, que representava os sete primeiros meses do ano 52 d.C. [...] A perm anência de dois anos e m eio que Paulo teve em Efeso o colocariam no outono do ano 55 d.C. (IN T , 282-83). F o i e m E fe s o q u e P a u lo e s c r e v e u 1 C o r ín t io s , u m p o u c o a n te s d a fe s t a d e P e n t e c o s te (1 6 .8 ). E m f u n ç ã o d e u m p o s s ív e l a ju s te d e u m a n o n o in íc io d o p r o c o n s u la d o d e G á lio , a d a ta d e 1 C o r ín t io s p o d e s e r d e 56 d .C . A p r im e ir a c a r t a a o s C o r ín t io s a p r e s e n ta as m e s m a s i n f o r m a ç õ e s b á s ica s e n c o n tr a d a s n o s E v a n g e lh o s a c e r c a d e C r is to , c o m c e r c a d e c in c o a n o s d e a n t e c e d ê n c ia c o m r e la ç ã o a
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Lucas. Isto coloca estes documentos, como o fundamento da historicidade da morte e da ressurreição de Cristo, dentro do espaço de vinte e dois anos a contar do tempo real em que eles ocorreram! Paulo escreveu: Também vos notifico, irmãos, o evangelho que já vos tenho anunciado, o qual também recebestes e no qual também permaneceis; pelo qual também sois salvos, se o retiverdes tal como vo-lo tenho anunciado, se não é que crestes em vão. Porque primeiramente vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado, e que ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras, e que foi visto por Cefas e depois pelos doze. Depois, foi visto, uma vez, por mais de quinhentos irmãos, dos quais vive ainda a maior parte, mas alguns já dormem também (1 Co 15.1-6). Vários fatos im portantes surgem a partir desta passagem. Primeiro, a essência da m ensagem cristã é a m o rte e ressurreição de Cristo — o m esm o núcleo que é enfatizado nos quatro Evangelhos. Segundo, Paulo declarou que esta m ensagem foi “recebida”, ou seja, repassada a ele, sugerindo que a inform ação já estivesse em circulação u m p ouco antes de ele ter tido acesso a ela. Alguns estudiosos do N ovo T estam ento postulam que a m ensagem original repassada a Paulo possa ter existido em form a de u m credo, que teria surgido som ente alguns anos após a m o rte de Cristo. Se for assim, a m ensagem central do evangelho estaria posicionada além de qualquer dúvida histórica (veja “C redos”, página 446). Terceiro, as evidências a favor da ressurreição de Cristo se baseavam em cerca de quinhentas testem unhas oculares, u m fato que aexclu id acategoriad as dúvidas razoáveis. Paulo m enciona mais de duzentas e cinqüenta testem unhas oculares da ressurreição que continuavam vivas na data em que ele escrevia (15.6), “os doze” (apóstolos), e Tiago, 0 irm ão de Jesus. E isto representa boa evidência a favor de u m a data m uito antiga para 1 Coríntios. Quarto, os leitores de 1 Coríntios eram contem porâneos ou m esm o testem unhas oculares da ressurreição, e, ao escrever o relato, Paulo lhes sugere o desafio de verificar a veracidade das inform ações, na qualidade de testem unhas oculares, já que ele m esm o diz que “dos quais vive ainda a m aior p arte” (15.6). Quinto, as evidências internas incluem: (1) a reivindicação repetida que o livro faz de ser um escrito paulino (1.1,12-17; 3.4,6,22; 16.21); (2) as várias passagens paralelas com o livro de Atos; (3) o tom de autenticidade do início ao fim; (4) a menção de quinhentas pessoas que teriam visto Cristo, cuja maior parte continuava viva e poderia averiguar as afirmações de Paulo (15.6); (5) a harmonia do seu conteúdo com o que se conhecia a respeito de Corinto à época. De m aneira sem elhante, existem tam bém firmes evidências externas, tan to do prim eiro quanto do segundo século: (1) a Epístola de Clemente de Roma aos Coríntios (capítulo 47); (2) a Epístola de Barnabé (capítulo 4);
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(3) o Didaquê (capítulo 10); (4) o Pastor de Hermas (capítulo 4). Existem quase seiscentas citações desta epístola feitas só por freneu, C lem ente de Alexandria e Tertuliano, o que faz deste um dos livros mais bem atestados daquele período da história. Sexto, a p r im e ir a c a r t a a o s C o r ín t io s , ju n t o c o m a s e g u n d a , c o m G á la ta s e F ilip e n s e s ( q u e sã o t a m b é m o b ra s b e m a te s ta d a s ), n ã o s o m e n t e r e v e la u m in t e r e s s e h is t ó r ic o n o s e v e n to s d a v id a d e Je s u s , c o m o t a m b é m p r o p o r c i o n a u m a g r a n d e q u a n tid a d e d e d e ta lh e s a c e r c a d e la , o s q u a is t a m b é m sã o e n c o n tr a d o s n o s r e la t o s d o s E v a n g e lh o s . P a u lo f a la q u e
Jesus tev e: (1 ancestralidade judaica (Gl. 3.16); (2 descendência de Davi (R m 1.3); (3 nascim ento virginal (G l 4.4); (4 vida debaixo da lei dos judeus (G l 4.4); (5 irmãos (1 Co 9.5); (6 doze discípulos (1 Co 15.7), (7 um dos quais um tinha o nom e de Tiago (1 Co 15.7); (8 alguns discípulos que tinham esposas (1 Co 9.5), (9 e que Paulo conhecia Pedro e Tiago (Gl 1.18—2.16); (10 pobreza (2 Co 8.9); (11 humildade (Fp 2.5-7); (12 mansidão e benignidade (2 Co 10.1); (13 abuso por parte de outras pessoas (R m 15.3); (14 ensino sobre o divórcio e um novo casam ento (1 Co 7.10,11); (15 sobre a rem uneração dos ministros (1 Co 9.14); (16 sobre o pagam ento de impostos (R m 13.6,7); (17 sobre a necessidade de amar o próxim o (R m 13.9); (18 sobre a im pureza cerim onial dos judeus (R m 14.14); (19 sobre os Seus títulos de divindade (R m 1.3,4; 10.9); (20 sobre a prontidão diante da segunda vinda de Jesus (1 Ts 4.15), (21 que seria com o um ladrão à noite (1 Ts 5.2-11); (22 sobre a Ceia do Senhor (1 Co 11.23-25); (23 vida ilibada (2 Co 5.21); (24 m orte na cruz (R m 4.25; 5.8; Gl 3.13; 1 Co 15.3), (25 especificamente por m eio de crucificação (R m 6.6; Gl 2.20); (26 por instigação dos judeus (1 Ts 2.14,15); (27 sepultam ento (1 Co 15.4); (28 ressurreição ao “terceiro dia” (1 Co 15.4); (29 aparições aos apóstolos depois da ressurreição (1 Co 15.5-8), (30 e a outras testem unhas oculares (1 Co 15.6); e (31 sua posição atual à direita do Pai (R m 8.34). E ste s d e ta lh e s sã o u m f o r t e f u n d a m e n t o p a r a a h is to r ic id a d e d o s E v a n g e lh o s , q u e r e l a t a m os m e s m o s fa to s . Sétimo, P a u lo c o lo c a a p r ó p r ia v e rd a d e d o C r is tia n is m o e m c im a d a h is to ric id a d e d a r e s s u r r e iç ã o (1 C o 15.12ss.) e, p o r isso , f o r n e c e d e ta lh e s h is tó r ic o s so b r e os c o n t e m p o r â n e o s
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de Jesus, os apóstolos (1 Co 15.5-8), inclusive sobre os seus encontros particulares co m Pedro e os demais (Gl 1.18ss.; 2.1ss.). Além disso, ele inform a que mais de duzentas e cinqüenta testemunhas ainda estavam vivas na época em que escreveu a prim eira carta aos Coríntios, colocando sobre eles o desafio implícito de contestarem as suas afirmativas, caso fossem infundadas (1 Co 15.6). Seria difícil perguntar por m elhores evidências acerca das verdades históricas do Cristianismo do que as que estão relatadas nos quatro Evangelhos co m tantos detalhes.
A Confirmação do Novo Testamento por Credos ou Tradições Antigas U m n úm ero de estudiosos aponta para evidências de credos ou tradições primitivas no Novo Testam ento que são indicativos de historicidade da m ensagem básica dos Evangelhos. C om o a m aioria das pessoas no prim eiro século eram iletradas, declarações curtas e memorizáveis a respeito de Cristo eram u m a boa form a de transm itir a verdade. Estes “credos” apontam p ara indicadores, tal co m o o ritm o e os modelos repetitivos, e até m esm o os autores percebem que se trata de tradição. Possíveis exem plos são encontrados em Lucas 24.34; Atos 2.22-24,30-32; 3.13-15; 4.10-12; 5.29-32; 10.39-41; 13.3739; Rom anos 1.3,4; 4.25; 10.9; 1 Coríntios 11.23ss.; 15.3-8; Filipenses 2.6-11; 1 T im óteo 2.6; 3.16; 6.13; 2 T im óteo 2.8; 1 Pedro 3.18; e 1 João 4.29. O mais interessante destes é encontrado em 1 Coríntios 15.3-8, que afirma: Porque primeiramente vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado, e que ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras, e que foi visto por Cefas e depois pelos doze. Depois, foi visto, uma vez, por mais de quinhentos irmãos, dos quais vive ainda a maior parte, mas alguns já dormem também. Depois, foi visto por Tiago, depois, por todos os apóstolos e, por derradeiro de todos, me apareceu também a mim, como a um abortivo (grifo adicionado). O interessante aqui é que existe u m ensino que Paulo “recebeu” de outros —isto implica que este ensino já existia por algum tem po. Habemas percebe que vários estudiosos críticos concordam co m u m a data surpreendentemente antiga: “No que diz respeito ao tem po mais exato, é m uito com u m datar este credo em meados dos anos 30 d.C .” (H J, 154). Contudo, Paulo está escrevendo por volta do ano 55-56 d.C. C om o já vimos, isto colocaria a origem deste ensino sobre a morte, o sepultamento, a ressurreição e as aparições de Jesus a centenas de pessoas, em estimativas conservadoras, dentro do espaço de apenas alguns anos a partir do momento em que efetivamente ocorreram.
A Confirmação do Novo Testamento a partir da Posição de Fatos Básicos O professor Habermas argum entou a partir do que pode ser cham ado de posição de fatos básicos. C om eçando co m as verdades co m as quais quase todos os estudiosos críticos do N ovo Testam ento concordam , ele sustenta que a m elh or explicação é que Jesus viveu, m o rreu e ressuscitou dentre os m ortos — tudo isto está no cerne da historicidade do Novo Testam ento. Ele lista “pelo m enos doze fatos separados [sobre os quais] existe consenso da sua história verificável” por “praticam ente todos os estudiosos críticos” (H J, 158). Estes incluem :
9 Esta lista é fornecida por Habermas, ibid., 307, n ota 80. Para um a abordagem mais abrangente, veja The Historical Jesus: Ancietit Evidencefor the Life o f Christ, capítulo 7, onde ele lista quarenta e um destes supostos credos.
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(1 ) Jesus m o rr e u p o r m eio de cru cificação . (2 ) Jesus foi sep u ltad o. (3 ) Os discípulos caíram em desespero. (4 ) O sep u lcro foi, m ais tarde, d esco b erto vazio. (5 ) Os d iscíp ulos criam te r visto, m ais tarde, aparições de Jesus. (6 ) Eles fo ra m
tran sfo rm ad o s de duvidosos para an u n ciad ores ousados da Sua
ressu rreição. (7 ) E sta m e n sa g e m era o c e n tro da sua pregação p rim itiva. (8 ) Eles p re g aram isto em Jeru salé m p o u co te m p o depois de os fatos te re m o c o rrid o . (9 ) A ig re ja n a sceu e cre sceu rap id am en te. (10) O d o m in g o era o prin cip al dia de ad oração. (11) T o m é foi co n v ertid o do ceticism o à fé n a ressu rreição de Jesus. (12) A lg u n s anos m ais tarde, Paulo se co n v erteu , e ta m b é m passou a an u n cia r qu e havia visto o C risto ressuscitad o.
Nesta base, pode ser dito que nenhum a teoria puram ente naturalista explica todos estes fatos e que ressurreição corpórea real de Jesus é a m elhor explicação para todos estes fatos. Além do mais, tom ando-se pelo m enos quatro destes fatos que são aceitos por praticam ente todos os estudiosos críticos (1, 5, 6 e 12), o argum ento que postula a ressurreição co m o a m elh or explicação para estes fatos ainda continuará de pé (H J, 16264). Habermas conclui: Estes fato s básicos ta m b é m p ro p o rcio n a m as m aio res evidências positivas a fav or da ressu rreiçã o litera l e das ap arições de Jesus [...] D essa fo rm a , estes fatos h istó rico s básicos p ro p o rcio n a m evidências positivas que, m ais tarde, serv em p ara verificação das alegações dos d iscíp ulos a resp eito da ressu rreição litera l de Jesus, esp ecialm en te n aq u ilo q u e estes a rg u m en to s não fo ra m exp licad os de fo rm a n atu ra lística (ibid., 165).
As Evidências Naturais a favor da Historicidade dos Evangelhos Além das evidências externas consistentes provindas da datação anterior, dos achados arqueológicos, e do testem u nh o m últiplo de testem unhas oculares, existem evidências internas fortes a favor da autenticidade dos relatos do evangelho. Depois que os livros são datados dentro do espaço da vida dos discípulos imediatos de Jesus, a questão que vem à ton a é a autoria real dos Evangelhos. Na verdade, não existem razões plausíveis para não aceitar a autoria tradicional, que é bem atestada pela história da igreja primitiva co m sendo de M ateus, M arcos, Lucas e João. Seja co m o for, os d ocum entos foram com postos por discípulos do prim eiro século que foram testem unhas oculares de Jesus e contem porâneos dos eventos. Sendo este o caso, passemos a analisar as evidências internas a respeito da autenticidade dos relatos. Os Autores dos Evangelhos não Fizeram qualquer Tentativa para Harmonizar os seus Relatos
Testem unhas que apresentam relatos fiéis raram en te con tam a m esm a história palavra por palavra. Redundâncias em pontos cruciais sem pre são esperadas, mas a exatidão nos detalhes é rara. E exatam ente isto o que tem os nos Evangelhos; existe unanim idade nos fatos centrais a respeito da vida, m o rte e ressurreição de Cristo, junto co m diferenças significativas, mas conciliáveis, nos detalhes.
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Às vezes, nos deparam os co m aparentes contradições entre u m relato e outro. Por exem plo, havia u m anjo no sepulcro em M ateus (28.2,3), e dois em João (20.12). Mateus 27.5 afirma que Judas se enforcou, mas Atos afirma que ele caiu num as penhas e co m a queda as suas vísceras ficaram expostas (A t 1.18). M ateus (9.27) afirma que Jesus cu rou dois cegos, já Lucas (18.35ss.) afirma que Ele cu rou som ente u m . Até m esm o algo tão simples quanto as inscrições da placa colocada na cru z apresentam quatro versões diferentes nos quatro Evangelhos (cf. M t 27.37; M c 15.26; Lc 23.38; Jo 19.19). C ertam ente, u m conluio entre os autores teria evitado estas aparentes contradições entre os relatos. Apesar de n un ca se ter dem onstrado na prática que estas são contradições reais10, u m a coisa é certa: os autores não estavam combinados para contar u m a m esm a história que não fosse verdadeira. Os Autores do Evangelho Incluíram Passagens que Colocam Jesus em Situações Questionáveis O u tra evidência interna da autenticidade é o fato de os autores do Evangelho não hesitarem em incluir nos seus relatos situações que apresentavam Jesus, para quem estes passagens eram direcionadas, em situações estranhas. D entre estas, podem os citar o fato de Ele ser cham ado de “beberrão” (M t 11.19), de louco (Jo 10.10), possuído p o r demônios (Jo 8.48), e da descrição de que n em os seus irm ãos acreditavam nele (Jo 7.5). Alguém que estivesse tentando passar u m a descrição perfeita ou falar de u m m ito, co m certeza, não teria perm itido que algo assim perm anecesse no seu relato de u m grande herói, quanto mais se isto se referisse àquele que eles considerassem o próprio Filho de Deus. Os Autores dos Evangelhos Deixaram Passagens Difíceis no Texto Até m esm o os seguidores honestos de Cristo adm item que seria mais fácil defender as alegações de Jesus, de ser o Filho de Deus, caso o texto não contivesse algumas coisas ditas p or Jesus que são de difícil explicação. Por exem plo, se Jesus é m esm o Deus, co m o registra o relato (M c 14.61,62; Jo 5.23; 8.58; 10.30; 17.5), então por que esta afirm ação foi deixada nos Evangelhos: “o Pai é m aior do que eu ” (Jo 14.28), e: “Porém daquele Dia e hora ninguém sabe, n em os anjos dos céus, n em o Filho, mas u nicam ente m eu Pai” (M t 24.36)? Além disso, p or que Ele repreendeu o jovem rico, que lhe cham ou de “Bom M estre”, insistindo que som ente Deus era bom (de quem , naquele m o m en to , Ele parecia estar se dissociando)? Por que eles deixaram no texto estas passagens estranhas, das quais os agnósticos se apropriam para fazer Jesus parecer u m tolo, p o r exem plo, ao amaldiçoar u m a figueira por não ter frutos, fora da época da frutificação (M t 21.18ss.)? Por que eles deixaram nos relatos passagens onde Cristo parece dizer que voltaria à terra em u m a geração, quando isto não aconteceu (M t 24.34), especialmente se aceitarm os, co m o a maioria dos críticos o fazem, que estes relatos foram escritos depois do tem po em que a suposta predição já teria de estar cum prida e, claram ente, seria então falsa? A razão mais plausível é que eles estavam realm ente relatando o que Ele disse e não floreando as palavras, de form a afazer co m que elas m elh or se encaixassem co m a ocasião ou pudessem causar u m a m elhor impressão a quem lesse. Em sum a, tudo isto corrobora a confiabilidade dos autores dos Evangelhos.
10 Para u m a defesa do fato de estes conflitos serem som ente aparentes e não reais, vide N orm an Geisler e Thom as Howe, When Critics Ask.
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Os Autores dos Evangelhos Registraram Histórias Auto-Incriminatórias Visto que u m ou mais apóstolos escreveram u m Evangelho (digamos, Mateus e/ou loão), ou que, pelo menos, exerceram grande influência sobre o autor de um Evangelho com o Paulo sobre Lucas, ou Pedro sobre Marcos, que eram com panheiros), então por que perm itiram que passagens auto-incriminatórias fossem deixadas nos relatos? Vejamos: (1 ) tod os os d iscíp ulos caíram n o so n o m esm o qu and o Jesus ped iu qu e vigiassem e orassem (M c 14.32-41); (2 ) Pedro foi ch a m ad o de “S a tan ás” p o r Jesus (M t 16.23); (3 ) Pedro n e g o u Jesus em três ocasiões (Lc 22.34); (4 ) os d iscíp ulos fu g iram qu and o a situação fu g iu co m p le ta m e n te ao co n tro le (n a C ru cifica çã o , M c 14.50); (5 ) Pedro c o rto u a o re lh a do servo do su m o sacerd o te (M c 14.47); ou (6 ) apesar do en sin o in sisten te de qu e iria ressu scitar d en tre os m o rto s (Jo 2.18; 3.14-18; M t 12.39-41; 17.9,22,23), os d iscíp ulos co n tin u a ra m duvidosos e d escren tes ao ouvir falar da ressu rreição.
C om o jávimos, am elh o r explicação para estas inclusões auto-incriminatórias é que elas, de fato, aconteceram , e os autores dos Evangelhos simplesmente relataram a verdade. Os Autores do Evangelho Distinguiram claramente as Palavras de Jesus das suas Qualquer jovem adulto letrado é capaz de apanhar um a versão normal (em letras pretas) dos Evangelhos e colocar aspas, de forma precisa, nas palavras de Jesus, e isto poderia ser feito de forma tão clara que as palavras de Jesus e as dos autores ficassem bem distintas. O fato de as Bíblias que contém as palavras de Jesus em letras vermelhas serem praticamente todas idênticas ilustra de forma bem clara com o esta distinção pode ser feita. Mas, por que os autores dos Evangelhos teriam sido tão cuidadosos em distinguir as palavras de Jesus das suas próprias, se estivessem simplesmente colocando palavras na boca de Jesus? Esta própria distinção demonstra que, ao contrário do que apregoam os defensores da critica da redação e da forma (veja capítulo 19), eles estavam, de fato, relatando e não inventando as palavras de Jesus. Da m esm a form a, Paulo fez cuidadosam ente a m esm a distinção nas suas epístolas e no livro de Atos: T en h o -v o s m o stra d o em tu d o que, trab alh an d o assim , é n ecessário au x iliar os en ferm o s e reco rd a r as palavras do S e n h o r Jesus, qu e disse: M ais b e m -av en tu rad a co isa é dar do qu e receb e r (A t 20.35).
E ele disse aos Coríntios: “Todavia, aos casados, m ando, não eu, mas o Senhor”. C ontudo, dois versículos depois ele escreveu: “Mas, aos outros, digo eu, não o Senhor” (1 Co 7.10,12, grifo adicionado)11.
11 Obviamente, a maioria dos estudiosos acredita que Jesus, na verdade, falava aramaico; e sendo isto verdadeiro, com o o Novo Testamento foi escrito em grego, trata-se som ente de um a tradução das palavras de Jesus. As vezes, também, pode parecer um resum o ou epítome das palavras de Jesus, e não das palavras do apóstolo. Dessa form a, apesar de não estarmos alegando possuir as palavras exatas ( ipsissima verba) de Jesus (em aram aico) nos Evangelhos, todavia, os autores nos apresentam o seu significado exato (ipsissima vox).
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Os Autores dos Evangelhos Não Negaram o Seu Testemunho Mesmo Diante da Perseguição e da Ameaça de Morte U m a m a n e ira g aran tid a de saber se u m a pessoa está faland o m e sm o a verd ad e é p erseg u i-la ou am e a ça r m a tá -la se n ão m u d a r de op in ião. E sabido que os p rim eiro s cristão s, d en tre os quais estav am os a u to re s dos E v an g elh o s, fo ra m c o lo ca d o s, diversas vezes, n esta situ ação ; A tos 4, 5, 7 e 8 são e xem p lo s n otáveis de c o m o isto o c o rr e u n a igreja p rim itiv a. Paulo nos fala dos incríveis m a rtírio s que sofreu p o r cau sa de C risto : Recebi dos judeus cinco quarentenas de açoites menos um; três vezes fui açoitado com varas, uma vez fui apedrejado, três vezes sofri naufrágio, uma noite e um dia passei no abismo; em viagens, muitas vezes; em perigos de rios, em perigos de salteadores, em perigos dos da minha nação, em perigos dos gentios, em perigos na cidade, em perigos no deserto, em perigos no mar, em perigos entre os falsos irmãos; em trabalhos e fadiga, em vigílias, muitas vezes, em fome e sede, em jejum, muitas vezes, em frio e nudez. Além das coisas exteriores, me oprime cada dia o cuidado de todas as igrejas (2 Co 11.24-28). E fato psicológico que poucas pessoas, se é que algum a, enfrentariam estas experiências se soubessem que estavam correndo risco de vida p o r u m a m entira. Os Autores dos Evangelhos Alegam Ter-se Baseado em Testemunhas Oculares C ertam ente, se o que os autores dos Evangelhos afirm aram fosse u m a fraude, por mais que fossem devotos a u m a causa, algum deles teria sucum bido diante da pressão e renunciado a u m a suposta m entira. Só que n en h u m deles fez isso. Este fato, por si só, é u m poderoso testem unho da verdade dos relatos evangélicos. Primeiro, o Evanselho de Lucas faz u m a reivindicação clara de historicidade. Lucas 1.1-4 diz: Tendo, pois, muitos empreendido pôr em ordem a narração dos fatos que entre nós se cumpriram, segundo nos transmitiram os mesmos que os presenciaram desde o princípio e foram ministros da palavra, pareceu-me também a mim conveniente descrevê-los a ti, ó excelentíssimo Teófilo, por sua ordem, havendo-me já informado minuciosamente de tudo desde o princípio, para que conheças a certeza das coisas de que já estás informado. A lém disso, não se trata de u m a simples alegação, já que o au to r apresenta credenciais de u m exím io historiador (veja página 436). Segundo, o au to r de João alega ter sido testem u nh a ocu lar dos eventos p o r ele relatados: “Este é o discípulo que testifica dessas coisas e as escreveu; e sabemos que o seu testem unho é verdadeiro” (Jo 21.24, grifo adicionado). Por u m processo de eliminação, o au to r parece ser o apóstolo João, já que pertencia ao círculo íntim o dos discípulos de Jesus (Jo 13.2325), que incluía Pedro, Tiago e João (M t 17.1). Tiago m o rre u m uito antes (A t 12.2), e Pedro é distinguido do au tor pelo n om e apresentado (cf. 1.41,42; 13.6,8; 21.20-24). O utro livro do N ovo Testam ento, escrito p o r volta da m esm a época e no m esm o estilo, tam bém atribuído ao apóstolo João, afirma:
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O qu e era desde o prin cíp io, o qu e temos ouvido, o qu e temos visto com os nossos próprios olhos, o q u e contemplamos, e as nossas mãos apalparam, co ra resp eito ao V erbo da vida (1 Jo 1.1, R A , grifo ad icionad o).
Terceiro, o au tor de 2 Pedro tam bém alega ser u m a testem u nh a ocular de Cristo: Porque não vos fizemos saber a v irtu d e e a vinda de nosso S e n h o r Jesus C risto , seg u in d o fábulas artificialmente compostas, m as nós mesmos vimos a sua m ajestad e (2 Pe 1.16, grifo ad icionad o).
Quarto, o relato do Novo Testam ento con tém integralm ente m uitos indicativos de ser u m relato testem unhai, pois apresenta u m a proxim idade viva co m os fatos e sugere ser u m a descrição de testem unha, pois dem onstra u m con hecim en to de lugares, pessoas, costum es, topografia e geografia do prim eiro século. Há referências a cidades que podem ser averiguadas, com o Belém , Jerusalém e tantas outras da região da Palestina do prim eiro século, além de u m conhecim ento religioso sobre os fariseus e saduceus. Fontes Não-Cristãs confirmam o Relato dos Evangelhos Além dos dados bíblicos, existem fontes não-cristãs que tam bém descrevem a vida de Cristo, incluindo historiadores co m o Tácito, Suetônio, Talo, o Talm ude judaico e Flávio Joséfo. As citações deles estão contidas n a excelente obra do notável estudioso inglês do Novo Testam ento, F. F. B ru ce (Jesus and Christian Origins Outside the New Testament [Jesus e as Origens Cristãs Fora do Novo Testam ento]), e n a obra The Historical Jesus (O Jesus Histórico), de Gary Habermas. Seguindo o raciocínio de Habermas, muitas coisas im portantes podem ser verificadas a partir da sua obra: (1 ) Jesus e ra ad orad o p elos cristãos. (2 ) Jesus in tro d u z iu n ovos en sin a m en to s n a T erra San ta. (3 ) Jesus fo i cru cificad o p elos seus e n sin am en to s, qu e in clu íam : (4 ) a co m u n h ã o de tod os os cren tes, (5 ) a im p o rtâ n c ia da conversão, e (6 ) a im p o rtâ n c ia da n eg ação dos deuses da G récia. Os cristãos (7 ) ad oravam Jesus e (8 ) viviam de aco rd o c o m as suas leis. A lém disso, os seguidores de Jesus (9 ) acred itav am ser im o rtais e eram caracterizad os p elo (10) desprezo pela m o rte , (11) a u to d ev o çã o vo lu n tária, e (1 2 ) re n ú n cia aos bens m ateriais.
Habermas m ostra que os escritos das fontes não-cristãs mais antigas a respeito de Cristo são de entre vinte a cento e cinqüenta anos, aproxim adam ente, depois da m o rte de Jesus, o que é considerado m uito próxim o, segundo os padrões da historiografia da antigüidade. Além disso, “pelo m enos dezessete escritos não-cristãos registram mais de cinqüenta detalhes a respeito da vida, dos ensinos, da m o rte e da ressurreição de Jesus, além de detalhes acerca do período inicial da igreja” (H J, 150). E se incluirm os tam bém as fontes não-bíblicas, existem, então, cerca de cento e vinte e nove fatos a respeito da vida
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de Cristo registrados fora do Novo Testam ento (ibid., 243-50). Esta é u m a confirm ação consistente da historicidade do N ovo Testam ento vinda de fontes extrabíblicas.
OBJEÇÕES À HISTORICIDADE DO NOVO TESTAMENTO Apesar das fartas evidências a respeito da historicidade do Novo Testam ento, algumas pessoas continuam a lançar dúvidas sobre a sua confiabilidade. As duas razões mais freqüentem ente levantadas são duas: a impossibilidade de con hecer o passado, e a incerteza a respeito dos relatos miraculosos.
A História É Cognoscível: Alguns estudiosos críticos questionam se a história em geral é cognoscível. Esta objeção, que parte dos relativistas históricos, já foi refutada anteriorm ente (veja ca p ítu lo ll).
Os Relatos Miraculosos não São Confiáveis'! C om o a credibilidade dos milagres já foi tratada (veja capítulo 3), ela será analisada aqui som ente de form a breve. Primeiro, ninguém até hoje apresentou u m argum ento definitivo que demonstrasse a impossibilidade dos milagres (novam ente, veja capítulo 3). Todas as tentativas partem sempre de argum entação viciada ao se definir os milagres com o impossíveis. Segundo, se u m Deus teísta existe, os milagres passam a ser possíveis, pois u m milagre é u m ato especial de Deus, e se u m Deus teísta existe, o qual realizou o ato sobrenatural da criação deste m undo a partir do nada, outros milagres são, portanto, tam bém possíveis. Terceiro, tem os que a única maneira de provar a impossibilidade dos milagres é provar a inexistência Deus, e apesar de todas as tentativas de lançar dúvida acerca da sua existência, ninguém até hoje conseguiu apresentar u m a prova absoluta (ou m esm o um a prova convincente) da inexistência de Deus (veja Geisler, “G, AD”, in: BECA). Além disso, existe u m a inconsistência nos argum entos dos críticos. Os historiadores antigos aceitam a confiabilidade de outros relatos antigos de eventos que fazem alegações m iraculosas. C om o Habermas coloca: As histórias antigas regularmente reproduziam relatos de toda espécie, incluindo bons e mais presságios, profecias, milagres de cura, vários tipos de intervenção divina, bem como atividade demoníaca. Por exem plo: No seu famoso relato acerca de Alexandre, o Grande, Plutarco começa informando que Alexandre provavelmente descende de Hércules. Mais adiante, Alexandre conversa com um sacerdote que alega ser filho do deus Amom, e depois com o próprio Amom. [Na verdade,] próximo do fim da sua vida, Alexandre considerava sobrenaturais quase todos os eventos incomuns, cercando-se de adivinhadores e outras pessoas que previam o futuro (HJ, 154). A inclusão de supostos milagres tam bém faz parte da obra de Tácito e Suetônio, cujos relatos são am plam ente aceitos pelos historiadores m odernos co m o portadores de relatos históricos confiáveis.
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Alegações Incom uns Exigem Evidências Incomuns? U m a c r í t i c a s e m e lh a n t e , e m b o r a m e n o s ó b v ia , é o b o r d ã o n o r m a l m e n t e r e p e tid o : “A le g a ç õ e s in c o m u n s e x ig e m e v id ê n c ia s i n c o m u n s ” . O N o v o T e s t a m e n t o fa z a le g a ç õ e s in c o m u n s ; lo g o , e le e x ig e e v id ê n c ia s in c o m u n s . E n t r e t a n t o , h á v á ria s fa lh a s sé ria s n e s t a a le g a ç ã o q u a n d o e la se r e f e r e à h is to r ic id a d e d o N o v o T e s t a m e n t o . Primeiro, a p a la v ra incomum é am b íg u a . S e rá q u e e la é e q u iv a le n te a s o b re n a tu ra l? Se fo r, e n tã o e s ta m o s d ia n te de u m a a r g u m e n ta ç ã o v iciad a, p o is e s ta a fir m a ç ã o e q ü iv a le a d izer: “U m a a le g a çã o m ir a c u lo s a ex ig e u m a ev id ên cia m ir a c u lo s a ”. M a s se, e n tã o , a p re se n tá ss e m o s u m a e v id ê n cia m ir a c u lo s a a se u fav o r, o q u e s tio n a d o r n o s p ed iria m a is u m a ev id ên cia m ir a c u lo s a p a ra este se g u n d o m ila g re , e assim se g u iría m o s in fin ita m e n te . N e ste caso , ja m a is seria p o ssível av e rig u a r q u a lq u e r co is a n a base d e a p re se n ta ç ã o d e fu n d a m e n ta ç õ e s m ira c u lo s a s. Segundo, se “i n c o m u m ” s im p le s m e n te sig n ifica “a c im a d o n o r m a l ”, e n tã o os a u to re s do N o v o T e s ta m e n to c u m p r e m o d esafio , já q u e e x is te m m a is m a n u s c r ito s , os m a is an tig o s, co p ia d o s c o m m a io r p re cisã o , c o m m a io r n ú m e r o d e te s te m u n h a s , e m a is a testa d o s p o r fo n te s e x te rn a s , e m fa v o r d o N o v o T e s ta m e n to , d o q u e q u a lq u e r o u tr o liv ro d a a n tig ü id ad e. Terceiro, a p a la v r a i n c o m u m é im p r e c is a . D e q u e m a n e i r a as e v id ê n c ia s d e v e m se r in c o m u n s ? Q u e m d e t e r m i n a o s e u sig n ific a d o ? Q u a is sã o o s c r it é r io s o b je tiv o s p a r a q u e e la s e ja d e fin id a c o m o “i n c o m u m ” ? S e r á q u e e ste s c r it é r io s t a m b é m sã o c o n s i s t e n t e m e n t e a p lic a d o s a o u t r a s a f ir m a ç õ e s h is tó r ic a s e e m o u t r a s d iscip lin a s? Quarto, m u it a s c o n c e p ç õ e s q u e sã o i n c o m u n s f o r a m a c e it a s p e l a c i ê n c ia m o d e r n a . A t e o r i a d o Big Bang é u m d o s c a s o s : P e lo s p a d r õ e s v ig e n t e s n a c i ê n c ia m o d e r n a , a e x p lo s ã o
do
u n iv e r s o , a p a r t i r d o n a d a ,
c o n s titu i-s e e m
um
e v e n to
a lta m e n te
i n c o m u m 12. C o n t u d o , b a s t o u a a p r e s e n t a ç ã o d e e v id ê n c ia s c ie n t ífic a s n o r m a i s p a r a q u e a t e o r i a e n c o n t r a s s e a c e i t a ç ã o , t a l c o m o a s e g u n d a le i d a t e r m o d i n â m i c a , u m a e x p a n s ã o o b s e r v á v e l d o u n iv e r s o e t c . ( v e ja c a p í t u l o 2 ). Quinto, m u ito s e v e n to s p u r a m e n t e n a t u r a is sã o a l t a m e n t e in c o m u n s ; p o r e x e m p lo , p r a t i c a m e n t e t u d o n a n a t u r e z a se c o n t r a i a o fic a r m a is tr io , c o n t u d o a á g u a , q u a n d o a tin g e a t e m p e r a t u r a d e 0 o C e ls iu s , se e x p a n d e . O s c ie n tis ta s n ã o e x ig e m n e n h u m tip o d e e v id ê n c ia e s p e c ia l a esse re s p e ito — a o b s e r v a ç ã o e m p ír ic a é s u fic ie n te p a r a q u e is t o s e ja tid o c o m o u m e v e n to n a t u r a l . E m s u m a , a a le g a ç ã o d e q u e “e v e n to s in c o m u n s e x ig e m e v id ê n c ia s i n c o m u n s ” é u m a a f ir m a ç ã o i n c o m u m q u e t a m b é m n e c e s s it a d e e v id ê n c ia s i n c o m u n s p a r a s e r a c e ita . A ss im , e la é in a d e q u a d a à b u s c a d a h is to r ic id a d e d o N o v o T e s t a m e n t o ; e x is t e m u i t o m a is d o q u e fa r ta s e v id ê n c ia s p a r a d e m o n s t r a r o s r e la t o s m ir a c u lo s o s q u e e le c o n t é m . O u t r a s o b je ç õ e s , c o m o , p o r e x e m p lo : “S e r á q u e a H is tó r ia é c o g n o s c ív e l? ” , e: “S e r á q u e as m o t iv a ç õ e s r e lig io s a s d e p õ e m c o n t r a a c re d ib ilid a d e d a H is tó r ia ? ” já f o r a m tr a ta d a s e m o u t r a p a r t e d e s ta o b r a ( v e ja c a p ít u lo 11). B a s t a -n o s a q u i m e n c i o n a r q u e e s ta s a f ir m a ç õ e s , o u se c o n s t i t u e m e m a r g u m e n t a ç ã o v icia d a , o u sã o a u t o d e s t r u tiv a s .
Temos as Palavras Exatas de Jesus? M e s m o c o n sid e ra n d o a co n fia b ilid a d e g e ra l d o N o v o T e s ta m e n to , a lg u m a s p essoas in s is te m q u e n ã o te m o s n e le o re g istro das p alav ras e x a ta s p ro ferid a s p o r Jesu s, e, n a co n c e p ç ã o d estas p essoas, isto e n fra q u e c e ria o a r g u m e n to a fa v o r da o b je tiv id a d e h is tó ric a d o N o v o T e s ta m e n to . S e n d o assim , os a rg u m e n to s a fa v o r d este se rã o m e n c io n a d o s e avaliados: 12Veja o relato acerca do caráter extraordinário da teoria do Big Bang e da reação incom um de m uitos cientistas no livro God and the Astronotners (Deus e os Astrônomos), de Robert Jastrow.
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As Palavras de Jesus em Aramaico Foram Traduzidas para o Grego A prim eira objeção é que Jesus provavelm ente falava aram aico, conform e se pode verificar a partir de algumas palavras que foram preservadas nesta língua (cf. M t 27.46). Entretanto, o N ovo T estam ento foi escrito em grego; logo, trata-se de u m a tradução das suas palavras. Em resposta, várias observações podem ser feitas. Primeiro, m esm o que Jesus falasse aram aico, não podem os concluir que os autores do evangelho não traduziram de form a fiel as suas palavras. Segundo, alguns estudiosos argum entam que, co m o Jesus falava pelo m enos duas línguas, Ele pode m u ito bem ter falado grego co m os seus discípulos (vejaT h om as, JC , 367ss.), dispensando, neste caso, qualquer tipo de tradução. Terceiro, o fato de Jesus, ocasionalm ente, falar aram aico, co m o o correu co m as poucas palavras que Ele bradou da cru z (M t 27.46), não é suficiente para provar que Ele falava este idioma nos seus discursos. Quarto, m esm o que os seus discursos ten h am sido feitos em aram aico, a confiabilidade histórica do N ovo Testam ento não depende de term os as palavras exatas ( ipssima verba), desde que as traduções para o grego ten h am preservado o sentido exato destas palavras ( ipssima vox). E, ao contrário das especulações dos críticos, que se baseiam em pressuposições questionáveis, não existe qualquer evidência factual com provando que o significado das palavras de Jesus não esteja corretam en te preservado nos relatos dos Evangelhos. Quinto, co m o as cópias mais antigas dos Evangelhos que se co n h ecem são em grego, e com o foi o original em grego que foi inspirado (2 T m 3.16), não im p orta que Ele ten h a pronunciado as suas palavras originalm ente em aram aico. C om o a versão grega é a inspirada, ela foi, dessa form a, preservada de todos os tipos de erros (veja capítulo 27). Relatos Paralelos dos Evangelhos não Contêm exatamente as mesmas Palavras Os críticos tam bém observam que as palavras faladas p o r Jesus em u m a m esm a ocasião diferem de u m Evangelho para outro. Portanto, conclui-se daí que estes relatos não podem corresponder às suas palavras exatas. Em resposta, esta objeção tam bém é incapaz de provar o conteúdo da sua afirmação por várias razões. Primeiro, na m aioria dos casos (senão em todos), u m relato pode simplesmente estar transm itindo u m a m aior quantidade das suas palavras exatas do que o outro. Por exem plo, n a fam osa confissão de Pedro, podem os ver que o relato de M ateus é mais extenso do que o de M arcos, e o de Lucas m enos extenso. M ateus registrou: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (16.16); o relato de M arcos nos apresenta som ente u m a parte desta afirm ação, a saber: “Tu és o C risto” (8.29); Lucas escreveu: “[Tu és] o Cristo de Deus” (9.20). Segundo, outras diferenças nos relatos dos Evangelhos podem ser explicadas pelas suposições razoáveis de que Jesus teria dito: (1) coisas semelhantes em ocasiões diferentes; (2) mais coisas, em certas ocasiões, do que um dos autores dos Evangelhos, ou mesmo todos, tenham registrado; (3) a mesma coisa de formas diferentes, na mesma ocasião (cf. Mc 10.23,24).
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Terceiro, e m q u a lq u e r e v e n to , p a r a q u e u m r e l a t o h is t ó r ic o fid e d ig n o s e ja f e it o , n ã o é n e c e s s á r io q u e se t r a n s c r e v a e x a t a m e n t e as p a la v ra s p r o n u n c ia d a s p e lo s p r o ta g o n is ta s d o f a to , m a s s im q u e o s e n t id o e x a t o d o q u e f o i d ito s e ja t r a n s m it id o .
Discursos Tão Longos Não Poderiam Ter Sido Recordados Tantos Anos Depois E x is t e m m u i t o s d is c u r s o s e x t e n s o s f e ito s p o r Je s u s q u e sã o r e la t a d o s n o N o v o T e s t a m e n t o , d e n t r e e le s o S e r m ã o d o M o n t e ( M t 5—7 ), as p a r á b o la s ( p o r e x e m p lo , M t 13), a d e n ú n c ia d o s líd e re s ju d e u s ( M t 2 3 ), o d is c u r s o n o M o n t e d as O liv e ir a s ( M t 24—2 5 ), o d is c u r s o f e it o n o c e n á c u l o m o b ilia d o ( J o 14—17), e a s u a o r a ç ã o s a c e r d o ta l ( Jo 17). A le g a se q u e s e r ia m u i t o im p r o v á v e l q u e a to ta lid a d e d e sta s p a la v ra s , o u p r o n u n c i a m e n t o s , fo ss e le m b r a d a p a la v r a p o r p a la v r a u m a g e r a ç ã o d e p o is, o u m a is , n a é p o c a e m q u e f o r a m re g is tra d a s . E m r e s p o s ta , p e r c e b e m o s q u e o s c r ít ic o s d e s c o n s id e r a m v á rio s fa to s im p o r t a n t e s .
Primeiro, a d a ta q u e e le s p o s t u l a m p a r a o s E v a n g e lh o s é d e m a s ia d a m e n t e ta r d ia ( v e ja p á g in a 4 3 9 ). H á e v id ê n c ia s d e q u e o s e s c r ito s sã o m u i t o m a is p r ó x im o s d o s e v e n to s d o q u e a n t e r io r m e n t e se p e n s a v a , c h e g a n d o - s e a té m e s m o à c a s a d o s d e z a n o s d e p o is d o s a c o n t e c i m e n t o s , d e a c o r d o c o m a lg u n s c r ít ic o s ( c o m o o lib e r a l J o h n A . T . R o b in s o n ) .
Segundo, a m e m ó r i a d as p e s so a s e r a a l t a m e n t e d e s e n v o lv id a n e s t a c u l t u r a p r é - lite r á r ia , o q u e t o r n a v iá v e l a m e m o r i z a ç ã o d e s ta g r a n d e q u a n tid a d e d e in f o r m a ç ã o .
Terceiro, a té m e s m o n o s n o s s o s dias a lg u m a s p e s so a s t ê m m e m o r iz a d o m u i t o m a is d o q u e is t o , a té m e s m o a t o t a lid a d e d o s E v a n g e lh o s .
Quarto, M a t e u s , q u e r e g is t r o u a m a io r ia d o s g r a n d e s d is c u r s o s , e ra , p o r v o c a ç ã o , u m a n o t a d o r d e i n f o r m a ç õ e s . E le p o d e m u i t o b e m t e r g u a r d a d o o s r e g is tr o s d as p a la v ra s e x a ta s d e Je su s , q u e t e r i a m s id o , m a is ta r d e , d is p o n ib iliz a d a s a o s o u t r o s , t a l c o m o d e c la r o u P ap ias, u m e s c r i t o r d a ig r e ja p r im itiv a ( v e ja E u s é b io , EH, 3 .2 4 .6 ).
Quinto, m e s m o q u e e s te s lo n g o s d is c u r s o s s e ja m r e s u m o s o u p a rá fra s e s d as p a la v ra s e x a ta s d e Je su s , n ã o e x is t e m e v id ê n c ia s n o s e n tid o d e q u e n ã o s e ja m u m a e x p r e s s ã o c o r r e t a d o q u e E le f a lo u . N a v e rd a d e , c o m o já v im o s a c im a , to d a s as e v id ê n c ia s in d ic a m o c o n t r á r io .
Sexto, Je s u s p r o m e t e u q u e a tiv a r ia d e f o r m a s o b r e n a t u r a l a m e m ó r i a d o s d is c íp u lo s a o p r o m e t e r : “M a s a q u e le C o n s o la d o r , o E s p ír ito S a n t o , q u e o Pai e n v ia r á e m m e u n o m e , v o s e n s in a r á to d a s as co is a s e v o s fa r á l e m b r a r d e t u d o q u a n t o v o s t e n h o d it o ” ( Jo 1 4 .2 6 ).
João Registra Jesus Afirmando Coisas Diferentes E x is te p o u c a d ú v id a d e q u e o E v a n g e lh o d e J o ã o a p r e s e n t a u m r e l a t o d if e r e n te d o s d e m a is . A s fa m o s a s a f ir m a ç õ e s d e “E u s o u ” s o m e n t e o c o r r e m e m J o ã o ( p o r e x e m p lo , 4 .2 6 ; 6 .3 5 ; 8 .1 2 ,5 8 ; 1 0 .9 ,1 1 ; 1 1 .25; 1 4 .6 ). A e x p r e s s ã o “n a v e rd a d e , n a v e r d a d e ” ( o u “e m v e rd a d e , e m v e r d a d e ”) o c o r r e s o m e n t e e m J o ã o ( c f . 1.51; 3 .3 ,5 ,1 1 ; 5 .1 9 ,2 4 ,2 5 ; 6 .2 6 ,3 2 ,4 7 ,5 3 ; 8 .3 4 ,5 1 ,5 8 ; 1 0 .1 ,7 ; 1 2 .2 4 ; 1 3 .1 6 ,2 0 ,2 1 ,3 8 ; 14.12; 1 6 .2 0 ,2 3 ; 2 1 .1 8 ). Q u e s t io n a - s e d e m a n e i r a v e e m e n t e q u e is to p o s s a , d e a lg u m a f o r m a , a b a la r a c o n fia b ilid a d e d o r e l a t o d o E v a n g e lh o ( v e ja G e is le r , “J, G O ” , i n : BECA, 3 8 8 ss .). E x is t e m só lid a s r a z õ e s q u e e x p lic a m as d ife r e n ç a s e m J o ã o . O s s e u s d e sv io s d o s E v a n g e lh o s S in ó p t ic o s ( M a t e u s , M a r c o s e L u c a s ) p o d e m s e r e x p lic a d o s , e m g r a n d e p a r t e , p e la lo c a liz a ç ã o ( Ju d é ia ), p e la d a ta ( m i n i s t é r io a n t e r io r e p o s t e r i o r ) , e p e la n a t u r e z a (m u it a s c o n v e r s a s p a r t ic u la r e s ) d as p a la v ra s d e Je su s . A s a f ir m a ç õ e s n o e s t ilo “E u s o u ”
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
podem ser compreendidas co m o declarações breves e mais simples que Ele teria feito às pessoas que, n u m prim eiro m o m en to , não lhe com preenderam . Na verdade, o fato de o relato de João apresentar-se tão íntim o, tão exato e tão detalhado corrobora em m uito a defesa da sua autenticidade. As afirmações no estilo “na verdade, na verdade” apresentam paralelos tanto em Marcos quanto em Mateus, que declaram: “Em verdade te digo” (M t 26.34; M c 14.30); a repetição da expressão ocorre por ênfase (veja Blomberg, HRG, 159). Além disso, quando João afirma que Jesus utilizou “na verdade, na verdade”, ele está relatando as palavras de Jesus em ocasiões diferentes das relatadas nos Evangelhos Sinópticos. Durante o seu ministério, Jesus evitou fazer declarações públicas acerca de ser o Messias, mas não hesitou em fazer isso em situações específicas, com o no caso em que conversou co m a m ulher samaritana (Jo 4.25,26). Tam bém não existe n en h u m exem plo em que Jesus ten h a dito “na verdade” som ente u m a vez nos Sinópticos, e João ten h a duplicado a expressão. Na verdade, João é o único evangelho que alega ter sido escrito pelo testem unho ocular de u m apóstolo (Jo 21.24,25). A conclusão de Carson é correta: No geral, é plausível afirmar que Jesus tenha se expressado da forma que ficou consagrada como sendo o “estilo joanino”, e que o estilo de João foi, de certaforma, influenciado pelo próprio Jesus. [Assim,] quando analisamos o conjunto das evidências, não é difícil crer que quando ouvimos a voz do evangelista descrever o que Jesus disse, estamos ouvindo o próprio Jesus (GAJ, 48). Em resum o, não existem evidências firmes para afirmar que os Evangelhos não transm item as mesm as verdades ditas p o r Jesus, m esm o que se possa m ostrar que em certos casos as suas palavras não foram representadas co m exatidão. O que é certo é: Os autores dos Evangelhos não criaram n em o s ensinos n em as ações de Jesus, mas sim plesmente os relataram. M esm o que alguns (ou todos) ten h am sido originalm ente falados em aram aico e depois traduzidos para o grego, eles foram traduzidos com precisão p o r testem unhas e contem porâneos dos eventos que tiveram tan to as suas vidas quanto as suas m em órias d ram aticam ente im pactadas e transform adas por Ele. Essa pessoas tam bém con taram co m a ajuda sobrenatural do Espírito Santo no processo de reativação das inform ações. A lém disso, a historicidade destas inform ações é confirm ada por m últiplos relatos, por descobertas arqueológicas, por evidências de m anuscritos antigos, e pela m oralidade e dedicação dos autores. Não existe u m a com binação tão com p leta de evidências para n en h u m ou tro livro do m undo antigo.
CONCLUSÃO A historicidade do Novo T estam ento está baseada em evidências mais firmes do que qualquer ou tro evento da sua época, pois n en h u m ou tro evento está baseado em m aior núm ero de m anuscritos que ten h am sido tão precisam ente copiados, ou que tenham sido escritos por u m n úm ero m aior de testem unhas oculares que registraram os eventos ainda dentro do tem po de vida de seus contem porâneos. Não fosse p o r u m preconceito anti-sobrenatural infundado por parte dos seus críticos (veja capítulo 3), os relatos dos Evangelhos jamais teriam sido questionados quanto à sua historicidade, tal com o ocorreu entre os estudiosos da Bíblia p o r cerca de 1.800 anos depois dos eventos (veja capítulos 15-18).
A HISTORICIDADE DO NOVO TESTAMENTO
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C A P Í T U L O
V I N T E
E
SETE
AINERRÂNCIA DA BÍBLIA
A
pesar de ser u m a im plicaçao lógica, a doutrina da inerrância não é diretam ente ensinada nas Escrituras. Duas coisas, en tretanto, são diretam ente ensinadas:
(1) Que a Bíblia é a Palavra de Deus (veja capítulos 13-14). (2) Que Deus não pode errar (Hb 6.18; Tt 1.2; Rm 3.4). O resu ltad o lógico necessário destas duas prem issas é que: (3 ) A Bíblia não pode errar.
ALGUMAS DEFINIÇÕES IMPORTANTES Os term o s inspiração, infalibilidade e in errân cia gu ard am u m a relação en tre si. Inspiração significa “sop rad o p o r D eus” , “aquilo que p ro v ém do p ró p rio D eu s” (veja 2 T m 3.16,17). Infalibilidade significa “aquilo que te m au toridad e divina”, “o que não pode ser an u lad o ” (Jo 10.34,35). Inerrância significa “aquilo que não c o n té m e rr o ”, “in tegralm en te verd ad eiro” . O que é inspirado é infalível, pois inspirado significa ter sido soprado por Deus, e o que é soprado por Deus não pode conter erros. De form a sem elhante, o que é infalível, por possuir autoridade divina, tam bém precisa ser inerrante — u m erro portad or de autoridade divina é u m a contradição term inológica. C ontudo, nem tudo o que é inerrante possui autoridade divina. U m a lista telefônica pode não conter erros, mas nem por isso possuirá autoridade divina. Logo, a inerrância é implicada dentro de u m a com preensão co rreta de infalibilidade, mas a infalibilidade não é u m a conseqüência direta da inerrância.
A BASE BÍBLICA PARA A INERRÂNCIA A base bíblica para a inerrância é claram ente proposta na Bíblia por interm édio das duas premissas anteriorm ente citadas: (1) A Bíblia é a Palavra de Deus. (2) Deus não pode errar.
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A Bíblia É a Palavra de Deus Podemos afirmar que a Bíblia é a Palavra de Deus a partir de várias afirmações bíblicas:
(1) de que ela é soprada por Deus; (2) de que ela é um escrito profético; (3) de que ela é portadora de autoridade divina; (4) de que ela é o que Deus diz; (5) de que ela é chamada de “Palavra de Deus”, ou expressões similares. A Bíblia E Soprada por Deus Paulo declarou que: “Toda Escritura divinamente inspirada é proveitosa p ara ensinar, para redargüir, para corrigir, para instruir em justiça” (2 T m 3.16). Esta palavra, n orm alm en te traduzida co m o “inspirada”, significa “soprada” por Deus. U m a idéia sem elhante pode ser encontrada nas palavras de Jesus: “Nem só de pão viverá o h om em , mas de toda a palavra que sai da boca de Deus" (M t 4.4). A Natureza de um Profeta C onform e vimos anteriorm ente, a Bíblia alega ser u m escrito profético (Hb 1.1; 2 Pe 1.20,21); os profetas, co m o porta-vozes de Deus, falavam som ente o que Deus pu n h a em suas bocas (D t 18.18; 2 Sm 23.2; Is 59.21; cf. D t 4.2). A Autoridade Divina da Bíblia A n atu reza da Bíblia co m o Palavra de Deus pode tam bém ser determ inada a partir do fato de ela possuir autoridade divina (M t 5.17,18). Jesus disse que ela deve ser exaltada acim a de todas autoridades hum anas (M t 15.3-6). A Bíblia E " 0 que Deus D iz” N orm alm ente, as palavras dos autores das Sagradas Escrituras são equiparadas às palavras do próprio Deus. Por exem plo, a com paração de Gênesis 12.1-3 co m Gálatas 3.8, e de Êxodo 9.16 com Rom anos 9.17, e de outros versículos sem elhantes (veja capítulo 13), servem de base para a afirmação: “O que a Bíblia diz, Deus diz”. A Bíblia E chamada de ‘‘Palavra de Deus” Esta m esm a expressão, ou u m a equivalente, é usada várias vezes a respeito da Bíblia, no todo ou em partes. E m 2 Crônicas 34.14, lem os acerca do “livro da Lei do SENHOR, dada pelas m ãos de Moisés; Zacarias 7.12 cita “as palavras que o SENHOR dos Exércitos enviara pelo seu Espírito, mediante os profetas precedentes”. (Veja tam bém M t 15.6; Jo 10.35; R m 9.6; Hb 4.12.)
Deus não Pode Errar Existem duas linhas de evidência a favor desta tese: a revelação geral e a revelação especial.
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0
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0 Argumento a favor da Veracidade de Deus a partir da Revelação Geral A revelação geral está escrita no coração dos hom ens (R m 2.12-15), e o argum ento m oral a favor da existência de Deus está baseado nela (veja capítulo 2). Isto pode ser expresso da seguinte form a: (1 ) T od a lei m o ra l te m u m Legislador M o ral. (2 ) Existe u m a lei m o ra l absoluta. (3 ) Logo, existe u m Legislador M o ra l absolu to.
Até m esm o o argum ento-padrão co n tra Deus que parte da injustiça no m undo pressupõe a existência dele, pois não se pode saber o que é im -perfeito (isto é, não perfeito) sem saber o que é perfeito. Portanto, para saber o que é imperfeito, é preciso que, em prim eiro lugar, u m padrão de perfeição seja postulado por base. Porém , todas as criaturas morais racionais sabem intuitivam ente que a m entira se constitui em um a im perfeição m oral. Logo, o Legislador M oral perfeito não pode m entir ou transm itir inform ações que Ele conhece que são falsas. 0 Argumento a favor da Veracidade de Deus a partir da Revelação Especial As Sagradas Escrituras confirm am o que a revelação geral nos ensina acerca da veracidade absoluta de Deus, ao declararem enfaticam ente que “é impossível que Deus m inta” (Hb 6.18). Paulo fala do “Deus que não pode m en tir” (T t 1.2), u m Deus que, m esm o “se form os infiéis, ele perm anece fiel; não pode negar-se a si m esm o ” (2 T m 2.13). Deus é a verdade (Jo 14.6), e a sua Palavra, da m esm a form a, tam bém é a verdade; Jesus disse ao Pai: “A tua palavra é a Verdade” 0 o 17.17). O salmista exclam ou: “A tua palavra é a verdade desde o princípio, e cada u m dos teus juízos dura para sem pre” (SI 119.160; cf. R m 3 .4 ).
Portanto, a Bíblia não Pode Errar C om o a Bíblia é a Palavra de Deus e Deus não pode errar, concluím os que a Bíblia tam bém não pode errar. A única form a de negar esta conclusão é refutando um a ou as duas premissas. Mas, co m o vimos acima, a Bíblia ensina claram ente estas duas premissas; logo, concluím os que a Bíblia ensina (p o r im plicação lógica) a sua própria inerrância. A Verdade E aquilo que Corresponde aos Fatos É im portante lem brar que por “verdadeiro” tem os aquilo que corresponde aos fatos (veja capítulo 7). Assim, quando falamos a respeito da inerrância (ou ausência de erros) da Bíblia, estam os querendo expressar que ela é verdadeiram ente co rreta em term os de atos e fatos naquilo que afirma. Não existem erros ou afirmações incorretas na Bíblia. Isto significa que o que a Bíblia diz ser verdadeiro, é verdadeiro; e o que ela diz ser falso, é falso. A Bíblia não Contém Erros de qualquer Espécie Algum as pessoas supõem ter escapado à lógica da inerrância ao afirm ar que a Bíblia é inerrante som ente em questões de redenção, não em assuntos que digam respeito
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à Ciência e à História. Mas isto não está co rreto . Em prim eiro lugar, o que quer que Deus afirme ser verdadeiro, é verdadeiro, independentem ente da disciplina a que esta afirmação diga respeito; Deus não pode errar em n en h u m a questão. Além disso, a Bíblia faz declarações a respeito da História e do m undo científico; assim, todas estas declarações precisam ser verdadeiras, já que Deus afirma tudo o que a Bíblia afirma. Além do mais, a Bíblia não faz esta separação entre as suas afirmações de redenção e as de não-redenção. Na verdade, as questões de redenção e as de ciência, bem com o as de redenção e as de História, normalmente são inseparáveis. A afirmação: “Cristo m orreu pelos nossos pecados” se refere à redenção, mas na mesma passagem vemos que Ele foi “sepultado” e “ressuscitou ao terceiro dia”, que são afirmativas históricas. De maneira semelhante, o nascimento virginal de Jesus, além de ser um “sinal” espiritual (Is 7.14; cf. M t 1.23), foi também um fato biológico, já que José “não a [referindo-se à Maria] conheceu [sexualmente] até que deu à luz seu filho” (Mt 1.25). Da mesma forma, a ressurreição de Jesus foi u m grande evento redentor, sem o qual não podemos ser salvos (R m 4.25;10.9; 1 Co 15.14-19), contudo a Ressurreição foi um evento literal da história que deixou para trás u m túmulo vazio (M t 28.6; Jo 20.1-8), e Cristo apareceu no mesmo corpo físico ainda com as marcas dos cravos nas mãos (Lc 24.39-43; Jo 20.27,28).
DEFINIÇÕES TEOLÓGICAS DE INSPIRAÇÃO E INERRÂNCIA Muitas definições de inspiração e inerrância já foram propostas. B. B. Warfield declarou: “A inspiração é a influência sobrenatural exercida sobre os santos escritores por parte do Espírito Santo de Deus, por intermédio da qual os seus escritos recebem a credibilidade divina”. Em um a definição mais abrangente, Louis Gaussen (1790-1863) afirmou: A inspiração é aquele poder inexplicável que o Espírito Divino colocou sobre os autores das Sagradas Escrituras para lhes dar a direção, inclusive no emprego das palavras que eles utilizaram, e para impedi-los de incorrer em erros ou em omissões (T).
Os Elementos Essenciais de uma Definição A parentem ente, existem, pelo m enos, seis elem entos cruciais na com posição com p leta da inspiração e da inerrância da Bíblia: (1) sua origem divina (vinda de Deus); (2) sua intermediação humana (através do homem); (3) seu locus escrito (em palavras); (4) seu formato original (nos autógrafos, ou texto original); (5) sua autoridade final, normativa (para os crentes); (6) sua natureza inerrante (isenta de erros).
Uma Sugestão de Definição Fazendo a com binação de todos estes elem entos em u m a só definição, tem os: A inspiração da Escritura é a operação sobrenatural do Espírito Santo, que, por intermédio de diferentes personalidades e estilos literários dos autores humanos escolhidos, investiu as palavras exatas dos livros originais das Sagradas Escrituras, em separado ou no seu conjunto, como a própria Palavra de Deus, isenta de erro em tudo o que ensina (inclusive em matérias de História e Ciência), e é, dessa forma, a regra infalível e a autoridade final de f é e prática para todos os crentes.
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A A b ra n g ê n cia da In e rr â n c ia B íb lica Até onde vai a inerrância da Bíblia? Será que ela é inerrante de todas as formas e em todos os assuntos, ou som ente em term os de teologia e ética? Algumas pessoas sugerem que sempre podemos confiar na Bíblia em questões morais, mas que ela nem sempre está correta em questões históricas; estas pessoas confiam nas Escrituras no que diz respeito ao domínio espiritual, mas não no que se refere à esfera da ciência. Se isto estiver correto, entretanto, a Bíblia se torna ineficaz em term os de autoridade divina, já que nela o espiritual norm alm ente está intim am ente entrelaçado com o histórico e o científico. U m exam e mais detalhado das Sagradas Escrituras revela que as verdades científicas (factuais) e as espirituais da Bíblia n orm alm en te são inseparáveis; p or exem plo, não se pode separar a verdade espiritual da ressurreição de Cristo do fato de seu corpo ter deixado aquele tú m u lo perm anentem ente vazio e, mais tarde, ter aparecido de form a corpórea (M t 28.6; 1 Co 15.13-19). De form a sem elhante, se Jesus não nasceu de um a virgem biológica, Ele em nada difere do resto da hum anidade, sobre quem o estigma do pecado de Adão ainda perm an ece (R m 5.12). A lém disso, a m o rte de Cristo pelos nossos pecados não pode ser separada do d erram am ento literal do seu sangue na cruz, pois “sem derram am ento de sangue não há rem issão” (Hb 9.22). E, n em a queda nem a existência de Adão podem ser m itos, pois se não houvesse u m Adão literal, n em um a queda literal, os ensinam entos espirituais a respeito do pecado herdado e da m o rte física ou eventual estariam errados (R m 5.12). A realidade histórica e a doutrina teológica p erm an ecem de pé, ou caem , em conjunto. A doutrina da Encarnação tam bém é inseparável da verdade histórica a respeito de Jesus de Nazaré (Jo 1.1,14). Além disso, os ensinos morais de Jesus acerca do casam ento estavam baseados n a união de u m Adão e u m aE v a literais (M t 19.4,5). Em cada u m destes casos, o ensinam ento m oral ou teológico fica desprovido do seu significado se for visto de m aneira separada do evento histórico ou factual que lhe serve de fundam ento. Se negarm os que os eventos literais tenham ocorrido no tem po-espaço, então não existirá mais base para se crer nas doutrinas bíblicas que são construídas a partir deles. Jesus n o rm alm en te com parava de m aneira direta os eventos do Antigo Testam ento co m verdades espirituais im portantes, tais co m o a sua m o rte e ressurreição, que são relacionadas a Jonas e o peixe (M t 12.40), ou a sua segunda vinda, que é com parada aos dias de Noé (M t 24.37-39). Tanto a ocasião quanto o m od o utilizado n a com paração deixam claro que Jesus estava afirmando a historicidade daqueles eventos veterotestam entários. N a verdade, Jesus questionou Nicodem os: “Se vos falei de coisas terrestres, e não crestes, com o crereis, se vos falar das celestiais?” (Jo 3.12). Em sum a, se a Bíblia não fala de form a verdadeira a respeito do m undo físico, ela tam bém não será digna da nossa confiança quando abordar os tem as relativos ao m undo espiritual. A inspiração inclui não som ente tudo o que a Bíblia ensina de m odo explícito, m as tam bém tudo o mais que ela aborda. Tudo o que a Bíblia declara é verdadeiro, independentem ente da im portância do tópico abordado. A Bíblia é a Palavra de Deus, e Deus não se desvia da verdade em m o m en to algum . Todas as partes são verdadeiras, bem com o o con ju nto por elas form ado. RESPO STA A A LG U M A S O B JE Ç Õ E S À IN E R R Â N C IA Muitas objeções já foram levantadas contra a doutrina da inerrância. As mais im portantes serão aqui avaliadas:
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A Objeção de que a Inerrância nao É Ensinada na Bíblia Alguns críticos alegam que a inerrância não é ensinada na Bíblia. Esta alegação pode ser dividida em duas partes. Primeiro, alguns afirm am que o term o “inerrância” não aparece em n en h u m lugar da Bíblia. Essa afirm ação, p orém , é u m a falácia: O term o “Trindade” não aparece em parte algum a da Bíblia, co m o a expressão “expiação substitutiva” tam bém não aparece. En tretanto, ninguém rejeita estas doutrinas pela ausência da sua n om en clatu ra exata no texto bíblico; a questão não é se o termo inerrância é utilizado, m as se a verdade a respeito da inerrância é ensinada. Nem m esm o a palavra “Bíblia” aparece n a Bíblia! Segundo, fica implícito que se a doutrina da inerrância não é explicitamente ensinada, ela não é ensinada de form a alguma. E certo que a inerrância não é ensinada nem de maneira formal, nem de maneira explicita, na Bíblia; entretanto, isto não significa que a inerrância não seja ensinada de maneira lógica e implícita. A Trindade também não é explicitamente ensinada, mas torna-se um a dedução lógica necessária a partir daquilo que é ensinado, o seja: (1) Existe somente um Deus. (2) Existem três pessoas distintas (Pai, Filho e Espírito Santo) que são Deus. A partir destas premissas, concluím os necessariam ente que: (3) Existem três pessoas que compõem um único Deus. De igual m odo, co m o já vimos, a inerrância é u m a dedução lógica a p artir destas duas premissas que estão claram ente expostas n a Bíblia, a saber: (1) Deus não pode errar. (2) A Bíblia é a Palavra de Deus. Dessa form a, a exem plo do que o corre co m a Trindade, a inerrância é ensinada de form a im plícita e lógica, m esm o não o sendo de form a form al e explícita.
A Objeção de que a Inerrância É uma Invenção Recente Os críticos da inerrância alegam que ela não passa de u m a invenção do século X IX utilizada pelos teólogos da velha escola de Princeton (co m o Charles Hodge e B. B. Warfield) para fins apologéticos, a fim de refutar o crescente Liberalismo que ameaçava assenhorear-se da igreja e m inar as suas convicções ortodoxas (veja Rogers, A IS ). C om o m ostrou u m a investigação feita na história da doutrina das Sagradas Escrituras (veja capítulos 17 e 18), esta acusação não tem fundam ento. Na verdade, a infalibilidade e a inerrância das Sagradas Escrituras têm sido u m ensino praticam ente unânim e entre os grandes Pais da igreja cristã, ao longo dos séculos, até os tem pos m odernos. Alguns exemplos cruciais que antecedem o tem po de Warfield ilustrarão este tópico. Agostinho (354-430) Na sua obra The City o f God (A Cidade de Deus), Agostinho utilizou a expressão “Sacras Escrituras” (9.5), “as palavras de Deus” (10.1), “Infalíveis Escrituras” (11.6), “revelação
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divina” (13.2), e “Sagrada Escritura” (15.8). Em outros lugares, ele se referiu à Bíblia com o sendo os “oráculos de D eus”, a “Palavra de D eus”, os “oráculos divinos”, e a “Escritura Divina”. C o m aen o rm e influência que ele exerceu ao longo dos séculos, o seu testem unho perm aneceu com o um a referência constante à alta estima dada às Escrituras n a Igreja. Ao se referir aos autores do Evangelho, A gostinho disse: Quando eles escrevem o que Ele ensinou e disse, não se deve afirmar que não foi Ele o autor destas palavras, já que os m em bros som ente escreveram o que conheceram pelo ditado [dictis] daquele que é o Cabeça. [Portanto,] tudo o que Ele quis que lêssemos acerca das suas palavras e feitos, Ele ordenou aos discípulos, as suas próprias mãos, que escrevessem. Conseqüentem ente, nada mais podemos fazer, senão receber o que lemos nos Evangelhos, m esm o através das mãos dos discípulos, com o se tivesse sido escrito pela mão do próprio Senhor (HG, 1.35.54).
A gostinho acrescentou: “Aprendi a render respeito e h on ra som en te aos livros canônicos das Sagradas Escrituras: som ente destes acredito firm em en te que os autores estavam co m p letam en te livres de e rro ” (L, 82.1.3). Tomás de Aquino (1225-1274)
Na m esm a linha de A gostinho, Tom ás de A quino fez a seguinte confissão a respeito das Sagradas Escrituras: “Creio firm em ente que n e n h u m dos autores co m eteu erros na com posição delas” (ST , la .l, 8). Nesta m esm a passagem, Tom ás de A quino se referiu às Escrituras com o “verdade infalível”. Ele p rosseguiu afirm an d o : “D eve-se re c o n h e c e r que D eus é o a u to r da Sagradas E scritu ra s”. U m a vez m ais: “O a u to r das Sagradas E scritu ra s é D e u s” (ib id ., l a .l , 10). D eus falo u p o r in te rm é d io dos p rofetas: “A p ro fecia im p lica u m a c e rta visão acerca de algum as verdades so b re n a tu ra is que vão além do nosso a lca n c e ” (ibid., 2a2ae. 174,5). P o rta n to , “u m p ro feta verd ad eiro sem p re será inspirad o p elo esp írito da v erd ad e” (ibid., 2a2ae, 172, 6 ad 2); assim , a sua m en sa g em é p erfeita. Isto é possível p o r cau sa da p erfeição da C ausa p rin cip al ou p rim á ria (D e u s) que agiu sob re um a cau sa secu n d ária im p erfeita. No seu com en tário sobre J o b (Jó), Tom ás de Aquino declarou: “C onstitui-se um a heresia afirm ar que qualquer falsidade possa estar contida nos evangelhos ou em qualquer ou tra obra can ôn ica” ( CBJ, 13, 1). Em ou tra parte, ele insistiu que “u m profeta verdadeiro sem pre é inspirado pelo espírito da verdade, no qual não subsiste qualquer traço de falsidade, e, por isso, ele jam ais expressa inverdades” (ST , 2a2ae. 172, 6 ad 2). Ele acrescentou: “N en h u m a espécie de falsidade pode estar por debaixo do sentido literal das E scrituras” (ibid., la .l, 10 ad 3). C onseqüen tem ente, “a verdade das proclam ações proféticas precisa ser a m esm a encontrada n o divino con h ecim en to. E a falsidade [...] não pode ser incorporada à profecia” (ibid., Ia. 14, 3). João Calvino (1509-1564)
João Calvino tam bém afirm ou a inerrância, declarando: “Pois a nossa sabedoria deve consistir em abraçar com suave docilidade, e sem qualquer exceção, tudo o que é entregue pelas Santas E scrituras” ( IC R , 1.18.4). A Escritura é a “regra certa e isenta de erros” (C C , SI 5.11).
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Calvino tam bém afirmou: Pois se refletirmos acerca da propensão da mente humana para se esquecer de Deus, acerca da facilidade com que ela se deixa levar por todo tipo de engano, acerca de como ela é inclinada, em todos os momentos, a arquitetar religiões novas e fictícias, será fácil compreender como foi necessário criar um depositório doutrinário desta espécie, o qual a protegeria da deterioração pela nossa negligência, da extinção em meio aos nossos erros, ou de ser corrompida pela audácia presunçosa dos homens (ICR, 1.6.3). Enquanto a sua mente se distrair com reservas acerca da veracidade da palavra de Deus, a sua autoridade será fraca e dúbia, ou mesmo será completamente nula. Também não será suficiente crer que Deus é verdadeiro, e que Ele não pode mentir ou enganar, se não estiver firmemente persuadido de que cada uma das palavras que procedem dele são sacras, são verdade inviolável (ibid., 3.2.6). Martinho Lutero (1483-1546) C om o já vimos, M artinho Lutero foi ainda mais enfático acerca da inerrância das Escrituras, ao insistir: Quando alguém, de modo blasfemo, atribui mentira a Deus em uma só palavra, ou diz que é uma questão mínima se Deus é blasfemado ou chamado de mentiroso, ele blasfema de Deus por completo e traz à luz toda a sua blasfêmia ( WL, 37:26). Ele acrescenta: Portanto, o Espírito Santo tem sido obrigado a carregar a culpa por não ser capaz de falar corretamente, mas como um bêbado ou tolo Ele confunde tudo e utiliza palavras e expressões que são estranhas e hostis. Mas quando não compreendemos nem a linguagem nem o estilo dos profetas, é por culpa nossa. E não pode ser diferente, porque o Espírito Santo é sábio e também torna sábios os profetas, e quem é sábio é capaz de falar de forma correta, sem errar. Somente aqueles que não ouvem bem ou não conhecem bem a sua língua podem bem pensar que Ele fala de forma pouco clara, porque, na verdade, estas são as pessoas que mal conseguem ouvir ou entender a metade das palavras (Reu, LS, 44). Lutero chegou ao ponto de afirmar que a inerrância era um a questão de tudo ou nada: Qualquer pessoa que seja atrevida ao ponto de acusar Deus de fraude e engano em uma só palavra e faz isso de forma repetida e deliberada depois de ser advertido e instruído uma ou duas vezes, certamente se atreverá também a acusar Deus de cometer fraude e engano em todas as suas palavras. Portanto, é absolutamente verdadeiro e sem exceção que ou se crê em tudo ou não se crê em nada. O Espírito Santo não age de forma separada ou dividida, de modo que nos ensinasse uma doutrina da forma certa e outra da forma errada (ibid., 33, itálicos originais). A afirmação clara, enfática e repetida da inerrância das Sagradas Escrituras feita pelos grandes Pais e pelos Reform adores refuta a acusação de que a inerrância foi u m a
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criação do final do século X IX ; p ortan to, esta alegação é totalm en te infundada (veja Woodbridge, RMP). A O b je çã o de q ue a I n e rr â n c ia se B aseia em O rig in ais In e x is te n te s Algum as pessoas questionam a inerrância porque ela afirma que som ente o texto original é inerrante (adm itindo-se erros nas cópias), sendo que estes originais estão perdidos. Conseqüentem ente, toda a doutrina da inerrância, na verdade, fornece um a autoridade não-existente; supostam ente falando, isto é o m esm o que não term os a própria Bíblia. Esta alegação não tem fundam ento. E m prim eiro lugar, porque não é verdade que não possuímos o texto original. Nós o possuímos bem preservado nas cópias; o que não tem os são os manuscritos originais. Nós tem os u m a cópia precisa do texto original representada nestes m anuscritos (veja Geisler e Nix, GIB, capítulo 11); os quase 5.700 m anuscritos do Novo Testam ento que possuímos con tém todo, ou praticam ente todo, o texto original, e podem os reconstituir o texto original co m u m a precisão de aproxim adam ente 99 por cento. Além disso, existe u m a diferença en tre o texto e a verdade do texto. Apesar de o texto exato do original poder ser reconstituído n um nível de aproxim adam ente 99 por cento do seu conteúdo, todavia 100 por cento da verdade chega até nós. Por exem plo, lem brese do exem plo que citam os, no qual você teria recebido u m telegram a inform ando: “V # c ê acaba de ganhar dez milhões de dólares”. Obviamente, você não teria problemas em com preender 100 p o r cento da m ensagem , m esm o que o texto apresente cerca de 2,8 p or cento de erros (1 letra dentre 36). Para ilustrar, m esm o que a Constituição Original dos Estados Unidos fosse destruída, não perderíam os a autoridade constitucional do nosso país, m esm o que tudo o que nos restasse fossem cópias que contivessem algumas falhas. A original poderia ser reconstituída com u m grau suficiente de certeza para garantir a continuação da nossa república constitucional. O m esm o é verdade para a Bíblia que tem os em m ãos. M esm o que ela seja baseada em cópias, tratam -se de cópias precisas que nos transm item 100 por cento das verdades essenciais contidas nos originais. Em sum a, a Bíblia que tem os em m ãos é a Palavra de Deus infalível e inerrante na medida em que foi co rretam en te copiada. E ocorre que ela fo i copiada de form a m uito precisa, a ponto de nos assegurar que n en h u m ponto da sua m ensagem essencial foi perdido (veja Geisler e Nix, GIB, capítulos 22 e 26). A O b je çã o de q u e a In e rr â n c ia É d e sn e ce ssá ria As respostas às objeções prévias nos levam à o u tra objeção: Se cópias dos originais que con tém erros são suficientes, então qual a necessidade de Deus inspirar os originais impecáveis? Se u m disco arranhado é capaz de transm itir m úsica ao seu proprietário, então u m a Bíblia co m falhas tam bém é capaz de nos transm itir as verdades do Mestre. A resposta a esta objeção é simples. A razão de não ser possível que o texto original con ten ha erros é que ele foi soprado p o r Deus, um Deus que não pode errar. As cópias, apesar de já term os visto que foram providencialm ente preservadas de erros substanciais, não foram sopradas p or Deus. Assim, elas podem conter erro. Para ilustrar isso, todos os seres humanos são cópias imperfeitas de Adão, que foi o único criado diretamente por Deus. Todavia, apesar de sermos cópias imperfeitas, continuamos 100
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por cento humanos. Adão não era mais hum ano do que nós, contudo existe um a diferença significativa entre Adão, que foi criação direta de das mãos de Deus, e que não possuía nenhum tipo de imperfeição, e as cópias imperfeitas do Adão original, que somos nós. Não se pode conceber Deus soprando u m texto original imperfeito, da m esm a form a que não se pode conceber Deus soprando o seu fôlego de vida em um Adão imperfeito. Tudo o que vem diretamente das mãos (ou da boca) do Criador é, necessariamente, perfeito, e somente as cópias posteriores podem apresentar defeitos. Alegar erros em Adão ou na versão original da Bíblia é o m esm o que alegar que existem falhas na natureza do próprio Deus.
A Objeção de que a Inerrância É uma Visão Irrefutável Alguns críticos alegam que os inerrantistas colocaram o seu ponto de vista em um a redom a tão inacessível, que se to rn a impossível provar a existência de algum erro na Bíblia, e que ele é, p ortan to, irrefutável; ou seja, os padrões de refutação são tão elevados que a própria refutação se to rn a impossível. Em resposta a esta acusação, podem os apresentar várias coisas. Primeiro, o próprio princípio da refutação pode ser questionado. Seria o princípio em si tam bém refutável? Se não for, ele se to rn a autodestrutivo. Segundo, até m esm o as pessoas que defendem este princípio n orm alm en te fazem u m a distinção entre o que é refutável em princípio e o que é refutável por interm édio de fatos (veja Flew, “M ”, in: Edwards, EP). Por exem plo, a afirmação de que “não existe vida inteligente no espaço sideral” é refutável em princípio, ou seria, se pudéssemos exam inar em detalhe toda a vastidão do cosm os. Mas, co m o isto no presente não é possível, esta afirmação não é refutável por interm édio de fatos. Terceiro, a d ou trin a da inerrância é refutável p o r interm édio de fatos. Tudo o que se precisa é: (1) Encontrar um erro real em uma cópia existente, mas precisa, das Escrituras; (2) Encontrar um manuscrito original que contenha um erro. Incidentalm ente, co m o os m anuscritos anteriores (de outras obras) que não são os originais (das Escrituras) já foram encontrados, não é totalm en te impossível que os originais sejam encontrados. Quarto, existe u m a m aneira ainda mais decisiva de refutar o Cristianismo evangélico —descobrindo o corpo de Jesus. Se isto pudesse ser feito, de acordo co m a própria Bíblia, continuaríam os nos nossos pecados e a nossa fé seria vã (1 Co 15.14-18). A verdade é que não é a visão evangélica que é irrefutável, mas a visão não-evangélica, pois, de acordo co m os não-evangélicos, encontrar o cadáver de Jesus no sepulcro ou m esm o os m anuscritos originais co m erros em nada afetará a fé deles, já que não acreditam n em na ressurreição de Jesus n em n a inerrância das Escrituras. Se não acreditam os em nada, nada na nossa fé poderá, de fato, ser refutado.
A Objeção de que a Inerrância não É uma Doutrina Fundamental Tam bém tem sido questionado que a doutrina da inerrância não se constitui em um a verdade fundam ental para a fé cristã; logo, m esm o que sej a verdadeira, a sua im portância está sendo superestimada. Caso fosse u m a verdade não tão im portante, supostam ente, ela não receberia tan ta atenção.
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P o r u m la d o , a t í t u l o d e r e s p o s ta , e m q u a se to d a s as d e c la r a ç õ e s a c e r c a d o s f u n d a m e n t o s d a fé, a in fa lib ilid a d e e a i n e r r â n c ia d as E s c r it u r a s p r e c is a m s e r in c lu íd a s , p o is f o r m a m o f u n d a m e n t o d e to d a s as o u t r a s d o u t r in a s . T o d o s o s d e m a is p o n t o s f u n d a m e n t a is da fé c r is tã e s tã o b a s e a d o s n a s E s c r itu r a s — se e la n ã o t iv e r a u to r id a d e d iv in a , p e r d e m o s a a u to r id a d e d iv in a p a r a to d a s as o u tr a s d o u t r in a s q u e d e fe n d e m o s . C o m o a b a s e p a r a to d a s as d e m a is d o u t r in a s , a in e r r â n c ia d a B íb lia é o f u n d a m e n t o d o s f u n d a m e n t o s , e se o f u n d a m e n t o d o s f u n d a m e n t o s n ã o f o r f u n d a m e n t a l, e n tã o p o d e m o s p e r g u n t a r : O q u e é f u n d a m e n t a l? A r e s p o s ta é: F u n d a m e n t a l m e n t e , n a d a . A lé m d isso , a d o u t r in a d a i n e r r â n c ia n ã o fo i s o m e n t e a fir m a d a p o r p r a t ic a m e n t e to d o s o s g r a n d e Pais d a ig r e ja ( v e ja c a p ít u lo 16 e 17), m a s é t a m b é m o a lic e r c e d e to d o s os c r e d o s , c o n c ílio s e c o n fis s õ e s d e to d a s as ig r e ja s . V is to q u e os e n s in o s d a ig r e ja f o r m a m a b a s e d o q u e c h a m a m o s d e o r to d o x ia , o m e s m o d e v e se d a r c o m a a u t o r id a d e das S a g ra d a s E s c r itu r a s , s o b r e a q u a l os Pais d a ig r e ja b a s e a r a m as su as a fir m a ç õ e s .
A O b je çã o de q u e a In e rr â n c ia n ã o D eve S er u m T e ste p a ra a O rto d o x ia E s ta o b je ç ã o v e m n a s e q ü ê n c ia d a a n t e r io r . P o is, se a i n e r r â n c ia n ã o é u m a d o u t r in a i m p o r t a n t e , e la t a m b é m
n ã o p o d e ser u m
te s t e p a r a a v a lia r o g r a u d e o r to d o x ia .
E n t r e t a n t o , c o m o v im o s , e la é u m e n s in o im p o r t a n t ís s im o das S a g ra d a s E s c r itu r a s e, s e n d o a ss im , d e v e s e r c o n s id e r a d a u m te s t e p a r a a o r to d o x ia . E c la r o q u e a i n e r r â n c ia n ã o r e p r e s e n ta u m te s t e p a r a a s a lv a ç ã o — é p o s s ív e l n e g a r a in e r r â n c ia s e m p e r d e r a s a lv a ç ã o . A s a lv a ç ã o d e p e n d a d a n o s s a fé e m c e r ta s v e rd a d e s s o te r io ló g ic a s , ta l c o m o a m o r t e e r e s s u r r e iç ã o de C r is to p e lo s n o s s o s p e c a d o s ( v e ja 1 C o 1 5 .1 -4 ; R m 1 0 .9 ), e n ã o d a a c e it a ç ã o d e to d a s as d o u t r in a s f u n d a m e n t a is ( p o r e x e m p lo , a in s p ir a ç ã o d as E s c r it u r a s , o u a s e g u n d a v in d a d e C r is to ). E p o s s ív e l s e r sa lv o e n ã o c r e r e m to d a s as d o u t r in a s e ss e n c ia is à o r to d o x ia , m a s n ã o é p o s s ív e l se r consistentemente e v a n g é lic o s e m a b r a ç a r a to d a s esta s d o u tr in a s . U m a o u t r a d is tin ç ã o se fa z i m p o r t a n t e a q u i. U m a p e s s o a p o d e s e r e v a n g é lic a o u o r t o d o x a e m to d o s o s o u t r o s f u n d a m e n t o s d a fé e c o n t in u a r n ã o - o r t o d o x a n e s t e p o n t o e s p e c ífic o , p o r m a is in c o n s is t e n t e q u e is t o p o s s a p a r e c e r . P o r e x e m p lo , o t e ó l o g o n e o o r t o d o x o K a rl B a r t h a fir m a v a o n a s c i m e n t o v ir g in a l, a T r in d a d e , a d iv in d a d e d e C r is to , e a r e s s u r r e iç ã o c o r p ó r e a d e C r is to , c o n t u d o n e g a v a a in s p ir a ç ã o e a in e r r â n c ia das E s c r it u r a s . A s s im , e le e r a o r t o d o x o e m to d o s e s te s f u n d a m e n t o s , p o r é m n ã o - o r t o d o x o n a su a v isã o a c e r c a d as S a g ra d a s E s c r itu r a s .
A O b je çã o de q u e a In e rr â n c ia É u m a D o u trin a D iv iso ra N ã o é i n c o m u m o u v ir a a c u s a ç ã o d e q u e a in e r r â n c ia é u m a d o u t r in a d iv iso ra , q u e g e r a u m c o n f lit o e u m a s e p a r a ç ã o d e s n e c e s s á r ia d e u m ir m ã o p a r a c o m o o u t r o , o q u e ir ia de e n c o n t r o a o c h a m a d o d a B íb lia p a r a q u e to d o s os c r is tã o s v iv a m e m u n id a d e ( E f 4 .3 -6 ). T ir a n d o a c o n o t a ç ã o e m o c i o n a l d a p a la v r a divisora, e s ta a le g a ç ã o t a m b é m d e v e se r r e je it a d a p o r v á ria s o u t r a s ra z õ e s . Primeiro, n e m t u d o o q u e d iv id e é d iv iso r. LTm c o r r e d o r c e n t r a l d e u m a ig r e ja d iv id e u m la d o d o o u t r o , m a s n e m p o r isso é d iv iso r. O c a s a m e n to n o s d iv id e d e to d a s as o u t r a s p e s so a s d o s e x o o p o s t o , m a s n ã o n e c e s s a r ia m e n te n o s fa z d iv iso re s p a r a c o m a q u e le c o n ju n t o d e p e s so a s . D a m e s m a f o r m a , a d o u t r i n a d iv id e a q u e le s q u e c o n c o r d a m d a q u e le s q u e d is c o r d a m d a in e r r â n c ia , m a s is to n ã o s ig n ific a q u e e la s e ja d iv iso ra .
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Segundo, m esm o que u m a doutrina fosse divisora pelo simples fato de separar estes dois grupos, aqueles que afirmam a doutrina orto d o xa não devem ser considerados divisores, m as sim aqueles que a negam. Por exem plo, não se deve ch am ar de divisores os evangélicos que aderem à divindade de Cristo, mas sim as Testem unhas de Jeová, que a rejeitam ; da m esm a form a, não são os defensores da Trindade que devem ser considerados divisores, m as os Pentecostais Unitaristas (que defendem a divindade som ente do Filho), que a descartam . Que se calce os sapatos co m os núm eros certos. Terceiro, se a tom ada de posição diante de u m a doutrina autom aticam en te a to rn a divisora e, p ortan to, errada, então todos os posicionam entos a favor de qualquer doutrina seriam errados, pois não existe u m a só doutrina dafé cristã que não seja negada p or algum tipo de heresia, em algum a parte. Quarto, em últim a instância, é m elh or estar dividido pela verdade do que unido pelo erro. Toda a verdade nos separa do erro; o problem a real não é as pessoas que prom ovem a separação ao enfatizar a verdade, mas aqueles que dividem p o r cair no erro. Aquele velho ditado pode m uito bem ser aqui aplicado: “Nas questões essenciais, unidade; nas não-essenciais, liberdade; em todas as coisas, a m o r”. Porém , independentem ente do p arâm etro que utilizemos para aferir a sua consistência, as doutrinas da inspiração e da inerrância das Sagradas Escrituras se apresentam co m o u m p onto essencial da fé cristã.
A Objeção ao Termo “Inerrância” M esm o algumas pessoas que acreditam que a Bíblia seja isenta de erros questionam o uso do term o “inerrância”, por considerá-lo dem asiadamente negativo ou excessivam ente técnico. En tretanto, estes dois m otivos não fazem m uito sentido. Em prim eiro lugar, m esm o que o term o inerrância possa apresentar u m a conotação técnico-científica, isto não necessariam ente precisa ocorrer. A exem plo da m aioria das outras palavras, existe u m espectro para o seu uso que pode ser determ inado pelo con texto no qual ele é usado. Isto não significa dizer que n enh u m ou tro seja aceitável. Podem os tam bém falar em “ausência de erros” n a Bíblia, ou que as Sagradas Escrituras “não apresentam erros”. O cerne da questão não é a insistência em u m termo, m as na verdade que este term o nos transm ite. A lém disso, acerca do aspecto negativo do term o (nío-errante), é im portante observar duas coisas. Primeiro, grande parte dos Dez M andam entos é negativa; n em por isso devemos rejeitá-los. M uitos dos term os que tam bém utilizamos co m o atributos de Deus carregam u m a con otação negativa, tais co m o in-finito (não-finito) e i-mutável (que não m uda). Por ou tro lado, os term os negativos n o rm alm en te são mais claros que os seus equivalentes positivos. Tente dizer: “Não adulterarás”, utilizando som ente term os positivos. Considere estas duas expressões: “A Bíblia é verdadeira” e “A Bíblia não con tém erros”. A segunda é mais clara que a prim eira, já que “verdadeiro” pode significar tanto “com p letam en te verdadeiro” quanto “parcialm ente verdadeiro”, ao passo que “não con tém erros” significa som ente “com pletam ente verdadeiro”.
A Objeção de que a Inerrância É Contrária ao Fato Por fim, algumas pessoas insistem que a doutrina da inerrância é contrária ao fato — pois existem erros demonstráveis na Bíblia.
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E s ta v isã o , c o n t u d o , a p r e s e n t a e r r o s e m si m e s m a . O f a to é q u e n i n g u é m a té h o je c o n s e g u iu d e m o n s t r a r q u e e x is t e m e r r o s n o t e x t o o r ig in a l d a B íb lia ; ao c o n t r á r io , p e r c e b e - s e q u e as p e s so a s q u e a le g a m e r r o s n a B íb lia é q u e e s tã o e rr a d a s . A q u i e s tá u m a lis ta d o s e q u ív o c o s d as p e s so a s q u e a le g a m t e r e n c o n t r a d o e r r o s n a B íb lia ( G e is le r e H o w e , W C A , c a p ít u lo 1): Erro 1: Presumir que as Coisas não E xplicadas São Inexplicáveis N e n h u m c ie n t is t a c o n s id e r a r ia q u e co is a s n ã o e x p lic a d a s d a n a t u r e z a sã o in e x p lic á v e is ; e m v e z d isso , o c ie n t is t a p r o s s e g u e c o m as su as p e s q u isa s . D a m e s m a f o r m a , n e n h u m c r ít ic o d a B íb lia d e v e ria p r e s u m ir q u e as c o is a s a in d a n ã o e x p lic a d a s n a B íb lia ja m a is se r ã o e x p lic a d a s . T a n t o o s c ie n tis ta s q u a n t o os e r u d it o s b íb lic o s d e v e m c o n t in u a r te n t a n d o o b t e r u m a re s p o s ta . Erro 2: Presumir que a B íblia E C ulpada até que se Prove o Contrário A e x e m p lo d e u m c id a d ã o a m e r ic a n o a c u s a d o d e a lg u m d e lito , a B íb lia t e r ia o d ir e ito à p r e s u n ç ã o d e i n o c ê n c i a a té q u e o c o n t r á r i o fo ss e p r o v a d o . N ã o é q u a lq u e r c o is a e s p e c ia l p e d ir q u e is to t a m b é m s e ja a p lic a d o à B íb lia ; é a f o r m a c o m q u e a b o r d a m o s t o d a a c o m u n i c a ç ã o e n t r e o s se r e s h u m a n o s . S e n ã o fo ss e a ss im , a v id a se t o r n a r i a im p o s s ív e l; p o r e x e m p lo , se c o n s id e r á s s e m o s q u e as p la c a s d e t r â n s it o e os s e m á fo r o s n ã o e s tiv e s s e m c o m u n i c a n d o d e f o r m a c o r r e t a , p r o v a v e lm e n t e e s t a r ía m o s m o r t o s a n te s d e e x p e r im e n t a r q u e e s ta v a m . Erro 3: Confundir as nossas Interpretações Falíveis com a R evelação Infalível de Deus O s se re s h u m a n o s , s e ja m
e le s c ie n tis ta s o u e s tu d io s o s d a B íb lia , sã o lim ita d o s ,
e se re s lim ita d o s c o m e t e m e r r o s . E p o r isso q u e e x is t e m as b o r r a c h a s n a s p o n t a s d o s lá p is, líq u id o s c o r r e t iv o s p a r a m á q u in a s d e e s c r e v e r , e a t e c la " d e l e t e ” n o s t e c la d o s d o s c o m p u ta d o r e s . E a p e s a r d e a P a la v ra d e D e u s se r p e r fe it a ( S I 1 9 .7 ), e p e lo f a to d e os se re s h u m a n o s s e r e m im p e r fe it o s , s e m p r e h a v e r á i n t e r p r e t a ç õ e s e r r ô n e a s d a P a la v ra d e D e u s , b e m c o m o v isõ e s d is to rc id a s a c e r c a d o s e u m u n d o . N a d a d isso p r o v a q u e e x is t e m fa lh a s n a s r e v e la ç õ e s d e D e u s , m a s s o m e n t e q u e e x is t e m e r r o s n a s i n t e r p r e t a ç õ e s q u e fa z e m o s d elas. Erro 4: Falhar na Compreensão do Contexto da Passagem T a lv e z o e r r o m a is c o m u m c o m e t i d o p e lo s c r ít ic o s s e ja c o n s id e r a r u m t e x t o f o r a d o se u c o n t e x t o a d e q u a d o . C o m o d iz o a d á g io : “U m t e x t o f o r a d o c o n t e x t o é u m p r e t e x t o ” . E p o s s ív e l p r o v a r q u a lq u e r c o is a q u e se im a g in a a p a r t ir d e p r o c e d im e n t o s f r a u d u le n to s e m c im a d o t e x t o b íb lic o . A B íb lia d iz: “N ã o h á D e u s ” (S I 1 4 .1 ). O b v ia m e n t e , o c o n t e x t o d e s ta a f ir m a ç ã o é: “D is s e r a m os n é s c io s n o se u c o r a ç ã o : N ã o h á D e u s ” .
Erro 5: N egligen ciar a Interpretação das Passagens Obscuras à lu z das Passagens C laras A lg u m a s p a ss a g e n s d as S a g ra d a s E s c r it u r a s sã o d ifíceis d e c o m p r e e n d e r . À s v e z e s, a d ific u ld a d e v e m d a su a o b s c u r id a d e ; o u t r a v e z e s , v e m d o f a to de a lg u m a s p a ss a g e n s a p a r e n t e m e n t e e s t a r e m e n s in a n d o a lg o c o n t r á r io a o q u e o u t r a p a r t e d a B íb lia e s tá m o s t r a n d o d e f o r m a c la r a . P o r e x e m p lo , T ia g o p a r e c e e s ta r d iz e n d o q u e a s a lv a ç ã o
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acontece p or interm édio das obras (T g 2.14-26), ao passo que Paulo ensina claram ente que ela acontece por m eio da graça (R m 4.5; T t 3.5-7; Ef 2.8,9). Neste caso, Tiago não deve ser exposto de form a a contradizer Paulo —Paulo está falando da justificação diante de Deus (que se dá som ente pela fé), ao passo que Tiago está se referindo à justificação diante dos homens (que não conseguem enxergar a nossa fé, mas som ente as nossas obras). Erro 6: Basear um Ensino em um Passagem Obscura Algumas passagens daBíbliasão difíceis porque o seu sentido é obscuro, normalmente porque o contexto não é claro. Isto ocorre em 1 Coríntios 15.29, onde Paulo diz: “Doutra maneira, que farão os que se batizam pelos mortos, se absolutamente os mortos não ressuscitam? Por que se batizam eles, então, pelos mortos?”. Como o contexto não é claro, podemos ter certeza de que Paulo não está reaimmkmcb esta prática; ele poderia estar simplesmente fazendo uma alusão ao que algumas pessoas estavam fazendo de forma errada (pois a expressão “os que se batizam” dá a idéia de que esta era a prática “deles”, e não “a nossa”). De qualquer forma, com o o contexto não é claro, é u m erro considerar que Paulo está recomendando um a prática que vai contra todos os ensinos claros das Sagradas Escrituras, tal com o a salvação somente pela graça, somente por intermédio da fé (R m 4.5; Ef 2.8,9; T t 3.5-7). Erro 7: Esquecer que a Bíblia E um Livro Humano e com Características Humanas Além de possuir autoria divina, a Bíblia foi escrita por seres hum anos, cada u m co m o seu estilo e idiossincrasias próprias. Estes autores humanos, cerca de quarenta ao todo, às vezes utilizavam fontes humanas para obtenção de suas informações (Js 10.13; At 17.28; 1 Co 15.33; T t 1.12). Eles manifestam diferentes estilos literários hum anos, desde a m étrica lamuriosa do livro de Lamentações até a poesia esplêndida de Isaías, passando pela gram ática simples de João. Eles tam bém manifestam pontos de vista humanos co m relação aos fatos que descrevem, seja o de u m pastor de ovelhas (Davi), de u m legislador (Moisés), de u m profeta (Daniel), ou de u m sacerdote (livros de Crônicas). Eles tam bém revelam modelos de pensamento humano, inclusive lapsos de m em ória (1 Co 1.14-16) e emoções (G 14.14). A Bíblia revela interesses humanos específicos, tais com o a preferência pelo meio agrícola (Am ós), pelo m undo da medicina (Lucas), pelo m undo natural (Tiago), ou pelo contexto político (livros de Reis)1. Entretanto, tal com o o corre co m Cristo, a Palavra Viva, a Palavra escrita de Deus tam bém é com pletam ente hum ana, e ao m esm o tem po sem erros. O m enosprezo da hum anidade pelas Sagradas Escrituras pode levar a u m a falsa im pugnação da sua integridade, ao se esperar que ela apresente u m nível de expressão mais elevado do que 0 n orm al para os docum entos hum anos. Erro 8: Presumir que um Relato Parcial E um Relato Fãlso Os quatro Evangelhos relatam a m esm a história de form as diferentes, p ara diferentes públicos, e, às vezes, chegam a fazer a m esm a citação co m palavras diferentes. Por exem plo, M ateus registra Pedro dizendo: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (16.16); 1 D entre os autores bíblicos, tem os um legislador (Moisés), um general (Josué), profetas (Sam uel, Isaías et al.), reis (Davi e Salom ão), um m úsico (Asafe), um pastor (Am ós), um príncipe e estadista (D aniel), um sacerdote (Esdras), um cobrador de im postos (M ateus), um m édico (Lucas), u m erudito (Paulo), dois pescadores (Pedro e João). C om u m a variedade tão grande de ocupações representada pelos escritores bíblicos, é bastante natural que os seus interesses pessoais e as suas diferenças se reflitam nos seus escritos.
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M arcos escreveu: “Tu és o C risto” (8.29); e Lucas disse: “O Cristo de D eus” (9.20). Estas diferenças não são contradições, mas complem entaridades; cada u m a fornece u m a parte e n en h u m a a inform ação p or com pleto. Erro 9: Exigir que as Citações do Antigo Testamento no Novo São sempre Literais
Os críticos às vezes p resum em de form a errônea que todas as citações n o Novo Testam ento precisam representar u m a reprodução literal da fonte original no Antigo Testam ento. Mesmo nos nossos dias, aceita-se a prática de citar a essência de um a afirmativa sem que se utilize precisam ente as mesm as palavras do au tor original. O m esm o significado pode ser transm itido sem que se faça uso das m esm as expressões verbais. As vezes, o Novo T estam ento se utiliza de paráfrases ou resum e as passagens do Antigo Testam ento (p or exem plo, M t 2.6; cf. M q 5.2); outras vezes, o co rre u m a m istura de dois textos em u m a só citação (M t 27.9,10; cf. Jr 32.6-9); vez por outra, u m a verdade geral é m encionada sem que a fonte de origem seja citada (M t 2.23; cf. Zc 11.12,13). Existem tam bém exem plos nos quais o Novo Testam ento aplica u m texto de m aneira diferente à utilizada no Antigo Testam ento (M t 2.15; cf. Os 11.1), mas em n enh u m dos casos o N ovo Testam ento interpreta de form a errônea ou faz u m a aplicação indevida do Antigo Testam ento (veja Archer, O TQ N T ). Erro 10: Presumir que Relatos Divergentes São Falsos Os críticos também erram ao supor que por encontrarem diferenças em dois ou mais relatos do mesmo evento, eles sejam mutuamente excludentes. Por exemplo, Mateus diz que
havia um anjo no sepulcro depois da ressurreição (28.5), enquanto que João nos informa que havia dois (20.12). Estes relatos não são contraditórios. Na verdade, existe um a regra matemática infalível que facilmente explica este problema: Onde quer que haja dois, sempre há u m —isto nunca será errado! Mateus não disse que havia somente um anjo; é preciso que acrescentemos a palavra “somente” ao relato de Mateus para torná-lo contraditório ao de João. Se o crítico vai à Bíblia para mostrar que ela erra, então o erro não está na Bíblia, mas sim no crítico. Erro 11: Presumir que a Bíblia Aprova tudo que ela Relata
E u m erro considerar que tudo que está registrado na Bíblia é aprovado por ela. Por exemplo, ela registra as palavras de Satanás (Gn 3.4; cf. Jo 8.44), mas não as aprova; o que a Bíblia faz é fornecer u m relato verdadeiro da m entira que Satanás proferiu, sem implicar que esta m entira seja verdadeira. De maneira semelhante, a Bíblia registra o adultério de Davi (2 Sm 12) e a poligamia de Salomão (1 Rs 11), sem endossar estas duas coisas. Erro 12: Esquecer que a Bíblia Utiliza Linguagem Quotidiana e Informal
Para ser verdadeira, u m a fonte não necessita utilizar term inologia erudita, técnica, ou o que se convencionou ch am ar de term inologia “científica”. A Bíblia foi escrita para as pessoas com uns de todas as gerações, e por isso ela faz uso da linguagem quotidiana. O uso de linguagem observacional e não-científica não é anhcientífico, esta é m eram ente umaform apré-científica de abordar os fenôm enos. Não é anticientífico falar no “nascente” do sol (Js 1.15), da m esm a form a que falar que o sol “se deteve” tam bém não é (Js 10.12). Os meteorologistas ainda falam diariamente no “nascer do sol” e no “p ô r-d o -so l” nos dias de hoje.
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Erro 13: Considerar que Números Arredondados São Falsos Outro erro que os críticos da Bíblia às vezes com etem é alegar que os núm eros arredondados são falsos. Mas não é assim. C om o ocorre na maioria das conversas informais, a Bíblia tam bém utiliza núm eros redondos (1 C r 19.18; 21.5); por exemplo, ela se refere ao diâmetro de u m objeto redondo com o sendo cerca de u m terço da sua circunferência (1 Rs 7.23). Pode parecer impreciso, do ponto de vista da nossa sociedade tecnológica contem porânea, referir-se ao núm ero n (3,14159265 [...]) com o sendo 3, mas para u m a sociedade da antigüidade e pré-tecnológica não era. De qualquer m odo, 3,14... pode ser arredondado para 3. Erro 14: Negligenciar os Diferentes Mecanismos Literários de que se Utiliza a Bíblia Com o um livro humano, a Bíblia utiliza vários mecanismos literários. U m núm ero enorme de obras já foi escrito a respeito do estilo poético (por exemplo, de Jó, dos Salmos, e dos Provérbios); os Evangelhos Sinópticos estão repletos de parábolas; em Gálatas 4, Paulo utiliza um a alegoria-, o Novo Testamento também está cheio de metáforas (por exemplo, 2 Co 3.2,3; Tg 3.6) e comparações (cf. M t 20.1; Tg 1.6); hipérboles também podem ser encontradas (por exemplo, Cl 1.23; Jo 21.25; 2 Co 3.2), e possivelmente até mesmo figuras poéticas 0 ó 41.1); Jesus empregou elementos de sátira (Mt 19.24 junto com 23.24); e figuras de linguagem são também comuns. E incorreto considerar que todos estes mecanismos lingüísticos devam ser interpretados de maneira literal, o que nos levaria a contradições. A Bíblia inteira é literalmente verdadeira, mas nem tudo na Bíblia é verdadeiro literalmente (ou seja, desconsiderando a sua linguagem figurativa). Erro 15: Esquecer que somente o Texto Original, e não todas as Cópias das Escrituras, não Contém Erro Quando os críticos apresentam u m erro genuíno em u m a cópia de u m m anuscrito bíblico, eles com etem ou tro erro — considerar que este erro fazia parte do texto original inspirado das Escrituras. Eles se esquecem de que Deus transm itiu som ente o texto original das Escrituras, e não as suas cópias imperfeitas. A inspiração não garante que todas as cópias dos originais são emitidas sem erro, e, p ortan to, devemos esperar que erros m enores sejam realm ente encontrados nas cópias manuscritas. Quando nos deparam os co m u m assim cham ado “e rro ” na Bíblia, precisam os considerar u m a destas duas coisas: ou o m anuscrito não foi co rretam en te copiado, ou não com preendem os corretam en te o que estam os lendo. O que não podem os jamais considerar é que Deus ten h a com etido u m erro ao inspirar o texto original. Várias coisas devem ser observadas acerca destes erros de copistas. Primeiro, sem pre se tratam de erros nas cópias, e não nos originais. Jamais foi encontrado u m m anuscrito original contendo u m erro. Segundo, são erros m enores (n o rm alm en te em nom es ou n úm eros), os quais não afetam n en h u m a doutrina da fé cristã. Terceiro, estes erros de copistas o co rrem em n úm ero relativam ente pequeno. Quarto, n orm alm en te pelo con texto, ou por interm édio de o u tra passagem bíblica, é possível saber onde está o erro. Erro 16: Confundir Declarações Gerais com Declarações Universais Os críticos norm alm ente se apressam em concluir que declarações não-pertinentes não admitem exceções. Por exemplo, as orientações dos provérbios, pela sua própria natureza,
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n o s a p re s e n ta m s o m e n te d iretrizes gerais, e ja m a is u m a c e r te z a u n iv e rsa l. P ro v érb io s 16.7 p o d e ser u m a b o a ilu stra ç ã o : “S e n d o os c a m in h o s d o h o m e m agrad áveis ao S E N H O R , até a seu s in im ig o s faz q u e t e n h a m p a z c o m e le ” . E sta a firm a ç ã o , o b v ia m e n te , n ã o tin h a a in te n ç ã o d e se r u m a v erd a d e u n iv e rsa l, p o is o p ró p rio a p ó s to lo P au lo e ra u m h o m e m q u e agrad ava ao S e n h o r n o seu p r o c e d im e n to , e n e m p o r isso fo i p o u p a d o d e a p e d r e ja m e n to p o r p a rte d os seu s in im ig o s (v e ja A t 14.19), da m e s m a f o r m a q u e C ris to ta m b é m fo i u m h o m e m qu e a g ra d o u ao Pai e te r m in o u a su a vid a te r r e n a sen d o c ru c ific a d o p e lo s seu s in im ig o s. E u m e rr o c o n sid e ra r u m a d e c la ra ç ã o g e ra l c o m o se n d o ap licáv el a cad a caso esp ecífico . Erro 17: E squecer que a R evelação Posterior se Sobrepõe à R evelação A nterior A s v e z e s , os c r ít ic o s das E s c r it u r a s se e s q u e c e m d o p r in c íp io d a r e v e la ç ã o p ro g re s s iv a . D e u s n ã o r e v e la to d a s as co is a s d e u m a só v e z , n e m a p r e s e n t a as m e s m a s c o n d iç õ e s p a r a d ife r e n te s é p o c a s . P o r t a n t o , a lg u m a s d as r e v e la ç õ e s p o s t e r io r e s se s o b r e p õ e m às d e c la r a ç õ e s a n t e r io r m e n t e fe ita s . M a s e s ta é u m a m u d a n ç a de r e v e la ç ã o , e n ã o u m a m u d a n ç a na r e v e la ç ã o . O s c r ít ic o s d a B íb lia às v e z e s c o n f u n d e m u m a m u d a n ç a n a r e v e la ç ã o c o m u m erro. P o r e x e m p lo , o f a to de o s p ais p e r m i t ir e m q u e u m a c r ia n ç a p e q u e n a c o m a c o m as m ã o s e s o m e n t e d e p o is d e u m a c e r t a id a d e a o r ie n t a r e m a u s a r u m a c o lh e r n ã o é u m a c o n t r a d iç ã o . O s p ais t a m b é m n ã o e s ta r ã o se c o n t r a d iz e n d o a o p e d ir , m a is ta rd e , q u e o f ilh o t r o q u e a c o lh e r p e lo g a r fo a o c o m e r v e g e ta is . E s te é u m e x e m p lo d e r e v e la ç ã o p ro g re s s iv a , c a d a c o m a n d o é d a d o a fim d e c u m p r ir u m d e te r m in a d o p r o p ó s ito e m u m a c ir c u n s t â n c ia e s p e c ífic a , e m q u e a p e s s o a se e n c o n tr a . H o u v e u m a é p o c a e m q u e D e u s t e s t o u o s se re s h u m a n o s a o p r o ib i-lo s d e c o n s u m i r u m f r u t o e s p e c ífic o e m u m a das á rv o r e s d o ja r d im d o É d e n ( G n 2 .1 6 ,1 7 ). E s te m a n d a m e n t o n ã o e s tá m a is e m v ig o r, m a s a r e v e la ç ã o p o s t e r io r n ã o c o n t r a d iz a r e v e la ç ã o a n t e r io r — e la s im p le s m e n t e a s u c e d e e se s o b r e p õ e a e la . A lé m d isso , h o u v e u m p e r ío d o (d e b a ix o d a Lei d e M o is é s ) e m q u e D e u s o r d e n o u q u e a n im a is fo s s e m s a c r ific a d o s p a r a q u e o s p e c a d o s d o p o v o fo s s e m e x p ia d o s. E n t r e t a n t o , c o m o C r is to já se o f e r e c e u c o m o o s a c r ifíc io p e r fe ito p e lo s p e c a d o s d o m u n d o (H b
1 0 .1 1 -1 4 ), e s te m a n d a m e n t o d o A n t ig o T e s t a m e n t o
t a m b é m p e r d e u o se u e fe ito . C o m o já v im o s , n ã o e x is te q u a lq u e r c o n t r a d iç ã o e n t r e o p r im e ir o e o ú l t i m o m a n d a m e n t o ; e x is te s im p le s m e n t e u m a m u d a n ç a d e r e v e la ç ã o , p o is n o v a s i n s t r u ç õ e s f o r a m a p re s e n ta d a s p a r a o r ie n t a r a v id a d o p o v o d e D e u s . N ã o se esq u eça d o c o n se lh o d e A g o stin h o a cerca dos su p o sto s erro s e n co n tra d o s n a Bíblia:
Se ficamos perplexos com qualquer contradição aparente nas Escrituras, não nos é perm itido dizer: O autor deste livro está enganado; mas, antes, ou se trata de um a falha no m anuscrito, ou a tradução é ruim , ou você não com preende bem o que está lendo2. O s e rr o s n ã o e s tã o n a r e v e la ç ã o d e D e u s , m a s n a m á in t e r p r e ta ç ã o d o s h o m e n s ; a B íb lia n ã o a p re s e n ta e rr o s , e n q u a n t o q u e so b r e os c r ític o s d e la n ã o se p o d e a fir m a r o m e s m o . Erro 18: A A leg a ção de que Irregularidades G ram aticais São Erros C o m o a m a io r p a rte das o b ras literá ria s h u m a n a s , a B íb lia a p re se n ta c o n s tr u ç õ e s g ra m a tica is irre g u la re s. E u m e rr o , e n tr e ta n to , p re s u m ir q u e estas se c o n s titu e m e m erro s.
2 Agostinho, Reply to Faustus the Manichaean 11.5, in: Philip Schaff, A Select Library o f the Nicene and Ante-Nicene Fathers o f the Christian Church, Vol. 4.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Primeiro, não existe u m padrão absoluto para a gram ática. Existem usos regulares e irregulares, m as não erros gramaticais reais. Segundo, a gram ática assim vista não se refere à verdade, mas som ente à form a pela qual a verdade verbal é expressa. Dessa form a, u m erro poderia ser expresso por um a boa (regular) gramática, e a verdade poderia ser expressa por um a gram ática pobre (irregular). Terceiro, a gram ática irregular n orm alm en te é u m a form a mais contundente de expressar u m a idéia, tal co m o podem os observar no uso das gírias. Em suma, todas as objeções à inerrância mostraram-se falhas. A Bíblia é tão impecável quanto o Deus que a inspirou. Com o vimos, não é a Bíblia que erra, mas sim os seus críticos.
CONCLUSÃO Por diversas linhasdeevidências(vejacapítulo 29), aBíbliacontém todas as marcasdeumaobra que possui origem divina: a santidade, a autoridade divina, a infalibilidade, a indestrutibiüdade, a infatigabilidade, a insuperabilidade, e a inerrância. Ela é o único livro com estas características e continua sendo o campeão de vendas de todas as épocas, em todo o mundo.
FONTES A rcher, Gleason. The Old Testament Quoting the New Testament. Agostinho. Harmony o f the Gospels. ________ . Letters. ________ . Reply to Faustus The Manichaean, in: Philip Schaff, A Select Lihrary o f the Nicene and AnteNicene Fathers o f the Christian Church, vol. 4. Calvino, João. Calvirís Commentaríes. ________ . Institutes o f the Christian Religion. Clark, Gordon. God’s Hammer: The Bible and Its Critics. Flew Antony. “M iracles”, in: Paul Edwards, ed. The Encyclopedia ofPhilosophy. Gaussen. Louis. Theopneustia. Geisler, N orm an e Thom as Howe. When Critics Ask. Geisler, N orm an e William Nix. A General Introduction to the Bible. Geisler, N orm an, ed. Inerrancy. Henry, Carl F. H. Ed. Revelation and the Bible. Hodge, Charles e B. B. Warfield. Inspiration. Johnson, S. Lewis. The Olá Testament in the New. Lindsell, Harold. The Battlefor the Bible. Lutero, M artinho. The Works o f Luther. Nash, Ronald. The Word o f God and the Mind o f Man. Packer, J. I. “Fundamentahsm” and the Word o f God. Pasche, Rene. The Inspiration and Authority o f Scripture. Reu, M. Luther on the Scriptures. Rogers, Jack. The Authority and Interpretation o f the Bible. Tomás de Aquino. Commentary on the Book o f Job. ________ . Summa Theologica. T urretin, Francis. The Doctrine o f Scnpture. Warfield, B. B. The Inspiration and Authority o f the Bible. ________ . Limited Lnspiration. Woodbridge, John. The Roger-McKim Proposal.
C A P Í T U L O
V I N T E
E
OITO
A CANONICIDADE DA BÍBLIA
s e v a n g é lic o s n ã o s o m e n t e c r ê e m q u e o t e x t o o r ig in a l d a B íb lia e s tá fie l e p r e c is a m e n te r e p r o d u z id o n a s tr a d u ç õ e s -p a d r ã o d a n o ss a lín g u a , c o m o t a m b é m q u e n e n h u m d o s liv ro s d a v e rs ã o o r ig in a l d a B íb lia e s tá a u s e n te n e ssa s tr a d u ç õ e s . (Is to é v e rd a d e ta n t o p a ra o A n tig o T e s t a m e n t o q u a n to p a ra o N o v o .) O s e v a n g é lic o s t a m b é m d e fe n d e m q u e o C â n o n ( o u a c o le ç ã o n o r m a tiv a ) das S a g ra d a s E s c ritu ra s , q u e e sta v a c o m p le t o p o r v o lt a d o p r im e ir o s é c u lo , e s tá fe c h a d o ; is to é, q u e n o s se s se n ta e seis liv ro s d a B íb lia p o s s u ím o s tu d o o q u e D e u s qu is n o s re v e la r , a c e r c a das é p o c a s d o A n tig o e d o N o v o T e s t a m e n t o . A lé m d isso, s u s te n ta m o s q u e D e u s ja m a is qu is a c r e s c e n ta r o u t r o s liv ro s à B íb lia.
O CÂNO N COM UM A p a la v r a cânon s ig n ific a r e g r a o u n o r m a , e q u a n d o se a p lic a à B íb lia s ig n ific a q u ais sã o o s liv ro s n o r m a t iv o s p a r a a fé e a p r á t ic a c r is tã . O s liv ro s c o n s id e r a d o s c a n ô n ic o s são a q u e le s in s p ir a d o s p o r D e u s (2 T m 3 .1 6 ); t r a t a m - s e d o s liv ro s e s c r ito s p o r p r o f e ta s o u a p ó s t o lo s (2 P e 1 .2 0 ,2 1 ; E f 2 .2 0 ; 2 P e 3 .1 5 -1 7 ). O Ju d a ís m o , o C a t o lic is m o e o P r o t e s t a n t is m o c o n c o r d a m a c e r c a d o c â n o n c o m u m d o A n tig o T e s t a m e n t o ( ju d a i c o ) , o q u a l c o n s is t e d e t r i n t a e n o v e liv ro s ( q u e n a s B íb lia s ju d a ic a s p e r fa z e m o n ú m e r o d e v in t e e q u a tr o ) . E s te p o d e s e r c h a m a d o d e cânon comum. E n t r e t a n t o , u m a d iv e r g ê n c ia c r u c ia l s u r g e d e n t r o d a C r is ta n d a d e a c e r c a d e o n z e o b ra s lite r á r ia s d o p e r ío d o d o A n tig o T e s t a m e n t o ( s e t e liv ro s e q u a tr o p a r te s d e o u t r o s liv r o s ) o s q u a is a I g r e ja C a t ó l i c a d e c la r o u “i n f a l iv e l m e n t e ” c o m o p a r t e d o c â n o n n o a n o d e 1546 d .C ., n o C o n c ilio d e T r e n t o . E ste s liv ro s sã o c o n h e c id o s p e lo s p r o t e s t a n t e s c o m o o s a p ó c r ifo s e p e lo s c a t ó lic o s c o m o o s liv ro s d e u t e r o c a n ô n i c o s ( lit . “o s e g u n d o c â n o n ”). D e p o is d e lis ta r o s liv ro s ( v e ja a b a ix o ), in c lu s iv e o s o n z e liv ro s a p ó c r ifo s , o C o n c ilio d e T r e n t o d e c la r o u :
Se alg u ém , e n tre ta n to , n ã o aceitar os referid os livros c o m o sagrados e can ô n ico s, p o r in te iro e c o m todas as suas p artes [...] e se de fo rm a co n scien te e deliberada esta pessoa co n d en a r a trad ição su p ram en cio n ad a, que seja an á tem a [e tern a m en te am ald içoad o] (D en zig er, SCD, n ú m e ro 784).
O C o n c ilio V a t ic a n o II r e p e t iu a m e s m a lin g u a g e m , a f ir m a n d o q u e o s a p ó c r ifo s e r a m p a r t e d a P a la v ra d e D e u s in s p ir a d a .
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O DEBATE SOBRE OS LIVROS APÓCRIFOS Desde a época da Reform a, tem havido u m sério debate sobre a coleção dos livros conhecidos co m o apócrifos pertencer ou não à Bíblia. Os judeus e os protestantes u nanim em ente os consideram co m o não-canônicos, e os católicos rom anos os declararam canônicos no Concilio de Trento (1546).
Os Nomes dos Livros Apócrifos Os apócrifos incluem onze livros1. D entre eles, estão todos os quatorze (ou quinze) livros dos apócrifos protestantes, m enos a Oração de Manasses e 1 e 2 Esdras (cham ado de 3 e 4 Esdras pelos católicos, já que os Esdras e Neemias dos protestantes são cham ados de 1 e 2 Esdras pelos católicos).
.
R e v is e d S t a n d a r d V ersion —Apócrifos
1
Sabedoria de Salomão (c. 30 a.C.)
2. 3. 4. 5. 6. 7. 8.
Eclesiástico (Siraque, 132 a.C.) Tobias (c. 200 a.C.) Judite (c. 150 a.C.) 1 Esdras (c. 150-100 a.C.)
9. 10.
Carta de Jeremias (c. 300-100 a.C.) 2 Esdras (c. 100 d.C.) Acréscimos a Ester (140-130 a.C.)
11. 12. 13. 14. 15.
1 Macabeus (c. 110 a.C.) 2 Macabeus (c. 110-170 a.C.) Baruque (c. 150-50 a.C.)
Oração de Azarias (século I a.C.) Susana (século I ou II a.C.) Bel e o Dragão (c. 100 a.C.) Oração de Manassés (séculos I-II a.C.)
N e w A m e r ic a n B ib le Livro da Sabedoria Siraque Tobias Judite 3 Esdras* 1 Macabeus 2 Macabeus Baruque 1—5 Baruque 6 4 Esdras* Ester 10.4-16.24 Daniel 3.24-90 (Cântico dos Três Jovens) Daniel 13 Daniel 14 Oração de Manasses*
Estes livros foram rejeitados no Concilio de Trento.
A pesar de o cân o n c a tó lico ro m a n o p ossuir o n ze livros a mais que a Bíblia p ro te sta n te , so m en te sete livros a m ais ficam ap aren tes no índice das Bíblias cató licas (p o r exem p lo , The New American Bible [N ova Bíblia A m e rica n a ]), p erfazen d o u m to ta l de q u aren ta e seis2. Os q u atro livros ou obras literárias que n ão a p a re ce m no índice são: os A créscim o s a E ster, que são co lo ca d o s n o final do livro de E ster (E t 10.4ss.); a O ração de A zarias, in serida e n tre D aniel 3.23 e 24 do A n tigo T e sta m e n to h eb raico (o que esten d e o livro de D aniel p a ra D aniel 3.2 4 -9 0 , nas Bíblias cató licas ro m a n a s); S usan a, que é c o lo ca d o no final do d écim o segu nd o ca p ítu lo do livro de D aniel, nas versões ju d aica e p ro te s ta n te (c o m o ca p ítu lo 13); e Bel e o D ragão (ca p ítu lo 14 de D an iel).
1 Ou doze livros, dependendo de se o livro de Baruque (1—6) é considerado com o um ou dois livros, consistindo de: Baruque 1—5 e a Carta de Jeremias (Baruque 6). sete livros com pletos.
2 Os trin ta e nove do Antigo Testam ento judaico-protestante mais os
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R a z õ e s L ev an tad a s p a ra a A c e ita ç ã o d o s A p ó c rifo s O cânon mais extenso é m uitas vezes cham ado de “Cânon de Alexandria”, em oposição ao “Cânon da Palestina” (que não con tém os apócrifos), porque se alega que os livros a mais faziam parte da tradução grega do Antigo Testam ento (a Septuaginta, ou “Setenta” [LXX]), que foi feita em Alexandria, no Egito, tendo sido iniciada no terceiro século a.C. As razões geralm ente propostas a favor desta lista expandida de livros feita em Alexandria, aceita pelos católicos rom anos, a qual inclui os apócrifos, são as seguintes3: (1 ) O N o v o T e s ta m e n to r e fle te o p e n s a m e n to dos a p ó crifo s, e a té m e s m o faz c ita ç ã o d o c o n te ú d o d eles (c f. H b 11.35 c o m 2 M a c a b e u s 7; 12). (2 ) O N ovo T esta m e n to cita c o m m a io r freq ü ên cia o A n tig o T esta m e n to grego ( “S ep tu a g in ta”, o u L X X ), qu e co n tin h a os apócrifos. Isto p ro p o rcio n a u m a aprovação tá cita do te x to c o m o u m to d o , inclu sive dos apócrifos. (3 ) A lg u n s dos Pais da ig reja antiga citavam e usavam os ap ó crifo s c o m o p a rte das Sagradas E scritu ras n o c u lto p ú blico. (4 ) A lg u n s dos Pais da ig re ja antiga — p o r e x em p lo , Ire n e u , T e rtu lia n o e C le m e n te de A lexan d ria — aceitavam tod os os livros apócrifos c o m o sen d o can ôn ico s. (5 ) As ca ta cu m b as cristãs do p erío d o p rim itiv o ap resen tam p in tu ras de episódios citados n o s apócrifos, o qu e é p ro v a de qu e eles faziam p a rte da vida religiosa dos cristãos p rim itiv os. S e n ão p o r cau sa da sua inspiração, isto p elo m e n o s rev ela u m grande respeito q u e se tin h a p elos apócrifos. (6) Os m elhores m anuscritos gregos interpõem os apócrifos entre os livros do Antigo Testam ento. Isto revela que eles faziam parte da tradução greco-judaica do Antigo Testam ento (LX X). (7 ) Vários co n cílio s da ig reja antiga aceitaram os apócrifos: p o r e x em p lo , o C o n cilio de R o m a (382 d .C .), o C o n cilio de H ip o na (393), e o C o n cilio de C artag o (397). (8 ) A Ig re ja O rto d o x a O rien ta l aceita os ap ócrifos, revelan d o qu e eles são p a rte in teg ran te da fé cristã co m p artilh ad a, e n ã o sim p lesm en te u m d o g m a cató lico . (9 ) A Ig re ja C a tó lica R o m a n a p ro cla m o u os apócrifos c o m o can ô n ico s n o C o n cilio de T re n to (1546). Este p ro ce d im e n to está de aco rd o c o m os p ro n u n cia m e n to s de C o n cílios a n terio res (v eja p o n to 7, a cim a), c o m o ta m b é m c o m o C o n cilio de F lo ren ça , qu e o c o rr e u u m p o u co antes da R e fo rm a P ro testan te (c. 1442). (10) Os livros apócrifos co n tin u a ra m a fazer p a rte das Bíblias p ro testan tes até o sécu lo X IX . Isto é u m ind icativo de qu e m e sm o os p ro testan tes aceitavam os ap ó crifo s até u m a d ata rela tiv a m en te recen te. (11) A lguns livros apócrifos escritos em hebraico fo ra m en con trad os en tre os livros can ôn icos do A ntigo T estam en to na co m u n id ad e que deixou os seus vestígios em Q u m ran , no m a r M o rto . Isto co m p ro v a que eles orig in alm en te faziam p arte do C ân o n hebraico.
A VISÃO P R O T E S T A N T E S O B R E OS A P Ó C R IFO S Em resposta às razões alegadas para a aceitação dos livros apócrifos com o parte do cânon, faremos duas coisas. Primeiro, responderemos a cada u m dos argumentos católicos a favor dos apócrifos, mostrando que eles se mostram falhos. Segundo, desenvolveremos um a argumentação construtiva a favor dos cânons judaico e protestante, que excluem os livros apócrifos.
3 O debate aqui exposto segue as linhas gerais propostas por N orm an Geisler e William Nix em A General Introduction to the Bible (Introdução Geral à Bíblia), capítulo 15.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Resposta aos Argumentos Católicos a favor dos Apócrifos Nossa resposta seguirá a ordem dos argum entos levantados pelos católicos, conform e exposição acim a, ponto por ponto. (1) Pode haver alusões aos apócrifos no N ovo T estam ento, m as não existem citações claras extraídas deles — não existe nenhuma citação clara feita a p artir de qualquer livro apócrifo aceito pela Igreja C atólica R om an a. Existem , obviam ente, alusões às obras pseudo-epigráficas, que são rejeitadas tan to pelos católicos quanto pelos protestantes, co m o , por exem p lo, o Livro de Enoque (Jd 14,15) e a Assunção C o rp ó rea de Moisés (Jd 9). Existem , tam bém , citações feitas a p artir de poetas e filósofos pagãos (A t 17.28; T t 1.12; 1 Co 15.33), m as n en h u m a dessas é citada co m o sendo Escritu ra. O N ovo T estam en to sim plesm ente faz m en ção a verdades contidas em ou tros livros, os quais podem co n ter erros (e n a verdade co n té m ). Os católicos romanos concordam. A lém disso, o N ovo T estam ento jam ais se refere a qualquer u m dos quatorze (o u quinze) livros apócrifos co m o portad ores de autoridade ou co m o tendo status can ônico; p or exem plo, eles jamais são citados co m expressões introdu tórias do tipo “assim diz o S en h o r”, ou “co m o está escrito e m ”, ou “As Escrituras dizem e m ”, tal co m o podem os observar nas m en ções ao m aterial canônico. (2 ) O fato de o Novo T estam ento n o rm a lm e n te fazer citações do Antigo T estam ento grego de fo rm a algu m a serve co m o prova de que os apócrifos contidos nos m an u scritos gregos do Antigo T estam ento são inspirados. Primeiro, não se te m certeza de que o Antigo T estam ento grego (L X X ) do prim eiro século d.C. co n tin h a m esm o os apócrifos; os m an u scritos mais antigos que incluem estes livros são datados de a partir do quarto século d.C. A lém disso, m esm o que estes livros estivessem n a L X X da era apostólica, Jesus e os apóstolos jamais fizeram sequer u m a m en ção a eles, apesar de eles estarem , supostam ente, inclusos n a versão exata do Antigo T estam en to (a L X X ) que eles co stu m avam citar. Por fim, até m esm o as notas da Bíblia cató lica ro m an a atual (N A B) adm ite, de fo rm a reveladora, que os apócrifos são “livros religiosos, utilizados tan to por judeus quanto por cristãos, que não faziam p arte da coleção de escritos inspirados”. Antes, eles foram tardiam ente incluídos na coleção de livros que fo rm am a Bíblia. Os católicos os d enom in am de livros ‘d eu terocan ôn icos’ (segundo câ n o n )” (veja a St. Joseph Edition o fT h e New American Bible (edição de S. Joseph da New A m erican Bible, p. 413). (3 ) As citações feitas pelos Pais da igreja que apoiariam a canonicidade dos apócrifos são seletivas e induzem ao erro. E m b ora alguns Pais p areçam aceitar a inspiração daqueles livros, outros os utilizavam som en te p ara fins devocionais ou hom iléticos (de pregação), sem os aceitar co m o canônicos. Vejamos o que R oger Beckw ith, u m a autoridade no assunto dos apócrifos, declarou: Quando examinamos as passagens dos antigos Pais que, supostamente, demonstram a canonicidade dos apócrifos, descobrimos que algumas delas foram tiradas do texto alternativo de Esdras (1 Esdras), ou de acréscimos ou apêndices feitos a Daniel, Jeremias ou outros livros canônicos, os quais [...] não são, de fato, relevantes; que outras delas, na verdade, nem se tratam de citações dos apócrifos; e das que se referem aos apócrifos, muitas não apresentam nenhuma indicação de que o livro fosse considerado como Escritura ( OTCNTC, 387).
A CANONICIDADE DA BÍBLIA
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Por exem plo: A Epístola de Barmbé 6.7 e Tertuliano (veja), em Contra Marcião 3.22.5, não estão citando Sabedoria 2.12, mas sim Isaías 3.10 LXX, e Tertuliano, em Da Alma 15, não está citando Sabedoria 1.6, mas o Salmo 139.23, como um cotejamento das passagens claramente mostra. De maneira similar, Justino Mártir (veja), em Diálogo com Trifo 129, de maneira muito clara, não está citando Sabedoria, mas sim Provérbios 8.21-5 LXX. O fato de ele chamar o livro de Provérbios de “Sabedoria” está de acordo com a nomenclatura vigente na época dos mais antigos Pais (ibid., 427). Dessa form a, o pleito que os católicos fazem ao uso dos apócrifos não tem fundam entação. Em m uitos casos, os Pais não estavam reivindicando autoridade divina para um , ou mais, dos onze livros canonizados pelo Concilio de Trento; antes, eles preferiam as citações de livros que faziam parte do cânon hebraico ou não citavam os apócrifos co m o sendo Escritos Sagrados4. (4) Apesar de algumas pessoas na Igreja antiga terem tido os apócrifos em alta conta, havia tam bém pessoas que os repugnavam co m veemência. Por exem plo, Atanásio, Cirilo de Jerusalém , Orígenes, e Jerônim o, u m grande erudito da Bíblia e trad u to r da Vulgata Latina, todos se opunham aos apócrifos. Até m esm o a Igreja Siríaca antiga não aceitava os apócrifos; no segundo século d.C., a Bíblia Siríaca (a Peshitta) não os continha (Geisler e Nix, GIB, capítulos 27-28). (5) C om o m uitos dos eruditos católicos adm item , as cenas pintadas n a catacum bas não provam a canonicidade dos livros representados nas pinturas. Estas cenas indicam apenas que se tratavam de passagens significativas para a religiosidade dos cristãos primitivos; n a m elh o r das hipóteses, elas m o stram sim plesmente u m respeito pelos livros que relatavam estes eventos, não u m recon h ecim en to de sua inspiração divina. (6) N enhum dos m elhores m anuscritos gregos con tém os livros apócrifos. Na verdade, som ente quatro —Tobias, Judite, Sabedoria e Siraque (Eclesiástico) —são encontrados em todos eles, e os m anuscritos mais antigos excluem totalm en te o livro dos Macabeus. M esm o assim, os católicos apelam para estes m anuscritos co m o prova da canonicidade dos seus livros deuterocanônicos, dentre os quais os apócrifos estão incluídos. A cim a de tudo, n en h u m m anuscrito grego apresenta a m esm a lista de livros apócrifos aceitos pelo Concilio de T rento (Beckwith, OTCNTC, 194, 382-83). (7) Existem algumas razões im portantes que nos fazem acreditar que a m enção aos concílios da igreja não provam a canonicidade dos apócrifos. Primeiro, estes concílios tinham apenas caráter regional e não deliberavam pela igreja com o um todo, e os concílios locais normalmente erravam em suas decisões, as quais eram, posteriormente, anuladas pela igreja universal. Alguns apologistas católicos argumentam que, apesar de um concilio não ser ecumênico, as suas deliberações devem ser observadas, caso tenham sido confirmadas por um papa; entretanto, eles também reconhecem que não existe um a forma infalível para saber quais declarações dos papas são infalíveis e quais não são. Na verdade, estes apologistas admitem que algumas declarações feitas por alguns papas chegaram a ser heréticas, tal com o o ensino da heresia monotelita5 por parte do Papa Honório I. Segundo, estes livros não faziam p arte dos escritos cristãos (do período n eotestam en tário), e, con seqüentem ente, não estavam debaixo da guarda da igreja 4 A Bíblia cita muitas outras obras de m aneira similar, mas isto não significa sua inspiração divina e, por conseqüência, seu caráter canônico.
5 A idéia de que havia somente um a vontade em Cristo, e não um a vontade divina e um a humana,
com o o próprio Cristo manifestou (cf. M t 26.39).
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cristã. Eles p erten ciam à esfera da com unidade judaica, que os escreveu e que, séculos antes, tam bém os havia rejeitado, deixando-os de fora do seu cânon. Terceiro, os livros aceitos por estes concílios cristãos podem não ter sido os m esm os em cada caso; logo, eles não podem ser usados co m o prova do cânon exato posteriorm ente proclam ado pela Igreja C atólica R om an a (em Trento). Quarto, o s concílios locais de Hipona e C ártago, no n o rte da África, foram influenciados p or Agostinho, que é a voz antiga mais im portante a aceitar os m esm os livros apócrifos posteriorm ente canonizados pelo Concilio de Trento. Entretanto, aposição de Agostinho é m al fundam entada p o r diversas razões; A. jerônim o, u m contem porâneo seu, e que possui u m a autoridade m aior do que a de Agostinho no que se refere ao texto bíblico, rejeitava os apócrifos (veja página X X ). B. O próprio Agostinho reconhecia que os judeus não aceitavam estes livros com o parte do seu cânon (CG, 19.36-38). C. Agostinho argum entou erroneam ente que estes livros deveriam estar na Bíblia porque m encionam “sofrimentos extrem os e maravilhosos de certos m ártires” (ibid., 18.36). Mas, se este é o critério, o Foxes Book o f Martyrs (Livro dos M ártires, de Foxe) tam bém deveria ser incorporado à Bíblia. D. Agostinho foi inconsistente, já que rejeitou livros que não foram escritos por profetas, mas aceitou u m livro que, aparentemente, nega ter autoria profética (1 Macabeus 9.27). E. A aceitação errônea que Agostinho deu aos apócrifos parece estar ligada à sua visão distorcida acerca da inspiração da Septuaginta (LXX), que também era defendida em outros manuscritos gregos. Entretanto, mais tarde, o próprio Agostinho reconheceu a superioridade do texto hebraico de Jerônimo sobre o texto grego da Septuaginta, o que também deve tê-lo levado a aceitar a superioridade do cânon hebraico de Jerônimo, que não continha os apócrifos. O Concilio de R om a, que o correu mais tarde (382 d.C.), aceitou os livros apócrifos, mas não listou os m esm os livros aceitos p o r Hipona ou p or C artago; ele não registra Baruque, listando assim som ente seis, e não sete, livros apócrifos, os quais posteriorm ente foram considerados canônicos pela Igreja C atólica R om ana. Até m esm o Trento cita Baruque co m o u m livro separado (D enzinger, SCD, n ú m ero 84). (8) A Igreja Ortodoxa Grega nem sempre aceitou os apócrifos, e a sua posição presente não está acim a de enganos. Nos sínodos de Constantinopla (1638 d.C.), de Jaffa (1642), e de Jerusalém (1672), estes livros foram declarados canônicos. Mas, ainda em 1839, o Catecismo Maior da igreja omitia os apócrifos, alegando que eles não faziam parte da Bíblia hebraica. (9) No Concilio de Trento, um a proclamação infalível foi feita acerca da aceitação dos apócrifos com o parte da Palavra inspirada de Deus. Mas alguns eruditos católicos alegam que o Concilio de Florença (1442), portanto anterior, fez o m esm o pronunciamento; entretanto, ele não foi infalível, nem tinha qualquer base na história dos judeus, no Novo Testamento, ou na história da igreja primitiva. Infelizmente, a decisão “infalível” de Trento chegou um milênio e meio depois que os livros foram escritos, e em meio a um a polêmica óbvia em reação ao Protestantismo e à Reforma. Mesmo antes de M artinho Lutero, o Concilio de Florença havia proclamado a inspiração dos apócrifos, o que ajudou a impulsionar a doutrina do purgatório, que já florescia no Catolicismo. Entretanto, as manifestações desta crença na venda das indulgências chegou ao seu ponto intolerável nos dias de Lutero, e a proclamação que o Concilio de Trento fez, canonizando os livros apócrifos, foi, desta forma, um a clara reação contra os ensinamentos de Lutero. Além disso, o acréscimo oficial dos livros que sustentam a intercessão pelos m ortos é altamente suspeita, já que vieram pouco tem po depois de Lutero ter protestado exatamente contra esta doutrina. A decisão do Concilio de
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T r e n to t e m to d o s os c o n t o r n o s d e u m a te n ta tiv a d e p r o p o r c io n a r u m a p o io in fa lív e l p a ra as d o u trin a s c a tó lica s q u e c a r e c e m de base b íb lica c o n c re ta . 10) O s liv ro s a p ó c r ifo s a p a r e c e r a m n a s B íb lia s p r o t e s t a n t e s a n te s d o C o n c ilio de T r e n t o , e e le e r a m g e r a l m e n t e c o lo c a d o s e m u m a s e ç ã o s e p a r a d a p o r n ã o s e r e m r e p u ta d o s c o m a m e s m a a u to r id a d e . A p e s a r d e a lg u n s a n g lic a n o s e a lg u n s o u t r o s g r u p o s n ã o c a t ó lic o s c o n t in u a r e m m a n t e n d o o s a p ó c r ifo s e m a lta r e p u t a ç ã o p e lo s e u v a lo r h is tó r ic o
e in s p ir a d o r , e le s n ã o o s c o n s id e r a m in s p ir a d o s o u p o r t a d o r e s d a m e s m a a u to r id a d e que as S a g ra d a s E s c r it u r a s . A t é m e s m o os e r u d it o s c a t ó lic o s , a o l o n g o d o p e r ío d o d a R e f o r m a , f a z ia m u m a d is tin ç ã o e n t r e o s a p ó c r ifo s e o c â n o n . O C a r d e a l X i m e n e s fe z e s ta d is tin ç ã o n a su a Poliglota Complutensiana (1 5 1 4 -1 5 1 7 d .C .) , às v é s p e ra s d a R e f o r m a ; o C a r d e a l C a je t a n , q u e m a is ta r d e se o p ô s a L u t e r o e m A u g s b u r g o , n o a n o d e 1518, p u b lic o u u m Commentary on A li the A uthentic H istorical Books o f the O ld Testament ( C o m e n t á r i o S o b r e T o d o s o s L iv ro s H is tó r ic o s A u t ê n tic o s d o A n tig o T e s t a m e n t o ) (1 5 3 2 ), m u ito s a n o s d e p o is d o in íc io d a R e f o r m a , e e s ta o b r a t a m b é m n ã o c o n t in h a o s a p ó c r ifo s . L u t e r o f a lo u c o n t r a os a p ó c r ifo s e m 1543, c o lo c a n d o e ste s liv ro s a o f in a l d a s u a B íb lia ( M e t z g e r , I A , I S ls s .) . (1 1 )
A d e s c o b e r ta d o s R o lo s d o M a r M o r t o , e m Q u m r a n , in c lu iu n ã o s o m e n t e a
B íb lia d a q u e la c o m u n id a d e ( o A n tig o T e s t a m e n t o ) , c o m o t a m b é m a su a b ib lio te c a , c o m f r a g m e n t o s de c e n te n a s de liv ro s d ife re n te s . D e n t r e e stes, e sta v a m a lg u n s liv ro s a p ó c rifo s d o A n tig o T e s t a m e n t o , m a s o f a to d e n ã o e x is tir e m c o m e n tá r io s so b r e estes a p ó c rifo s, e de q u e s o m e n t e o s liv ro s c a n ô n ic o s , e n ã o os a p ó c rifo s, f o r a m e n c o n tr a d o s e m p e r g a m in h o e e s c r ita e sp e cia l, in d ic a q u e os liv ro s a p ó c rifo s n ã o e r a m v isto s c o m o c a n ô n ic o s p e la c o m u n id a d e de Q u m r a n . M e n a h e m M a n s o o r lis ta os s e g u in te s fr a g m e n t o s d o s a p ó c rifo s e P se u d e p íg ra fo s: T o b ia s, e m h e b r a ic o e a r a m a ic o ; E n o q u e , e m a r a m a ic o ; o L iv ro d os Ju b ile u s , e m h e b r a ic o ; o T e s t a m e n t o d e L evi e N a fta li, e m a r a m a ic o ; lit e r a tu r a a p ó c rifa de D a n ie l, e m h e b r a ic o e a r a m a ic o ; e os S a lm o s de Jo s u é ( DSS, 2 0 3 ). M illa r B u r r o w s , n o tá v e l e s tu d io s o d o s R o lo s d o M a r M o r t o , c o n c lu iu : “N ã o e x iste ra z ã o p a ra p e n s a r q u e q u a lq u e r u m a d esta s o b ra s fo sse v e n e r a d a c o m o E s c r it u r a S a c r a ” ( AíLDSS, 178). N a m e lh o r das h ip ó teses, tu d o o q u e os a rg u m e n to s lev an tad o s a fav o r da can o n icid ad e d os ap ó crifo s co n se g u e p ro v a r é q u e vários livros ap ó crifo s re c e b ia m u m g ra u v ariad o de e stim a p o r d iferen tes tip os d e pessoas d e n tro da ig reja cristã, n o r m a lm e n te fica n d o fo ra das d ecla ra çõ es de ca n o n icid ad e. S o m e n te depois q u e A g o s tin h o e os co n cílio s locais q u e ele d o m in o u e rr o n e a m e n te d e cla ra ra m a su a in sp iração , eles p assaram a s e r a m p la m e n te u tilizad os e, e v e n tu a lm e n te , a ceito s c o m o “infalíveis” p e la Ig re ja C a tó lica R o m a n a e m T re n to . Isto n ã o a lca n ç a os p ad rões d e r e c o n h e c im e n to in icial, c o n tín u o e c o m p le to dos liv ros ca n ô n ico s do A n tig o T e s ta m e n to p ro te sta n te e d a T o r á j u d aica (q u e e x c lu e m os ap ó crifo s) p e la ig rej a cristã. Este, p o rta n to , é m a is u m e x e m p lo de c o m o o Magisterium de en sin o da Ig re ja C a tó lica R o m a n a p ro c la m a c o m o in falível u m a tra d içã o e m d e tr im e n to de sólidas evidências a favor d e u m a tra d içã o o p o sta, p o rq u e ju s ta m e n te apóia u m a d o u trin a q u e é d esprovida de apoio su b sta n cia l n o s livros ca n ô n ico s. O s livros (proto) ca n ô n ico s reais fo r a m imediatamente aceitos p e lo p o v o d e D e u s n o c â n o n da B íb lia q u e aind a estava e m fo r m a ç ã o (G e isler e N ix, C,IB, ca p ítu lo 13). O d eb a te p o ste rio r se d eu e n tre pessoas q u e n ã o estav am e m p o sição d e saber se os livros e ra m m e s m o atribu íd os a u m a p ó sto lo o u a u m p ro feta, c o m o estav am os p rim e iro s ou v in tes d a m e n sa g e m . A ssim , este d ebate p o ste rio r a cerca dos antilegmnenos6 se d eu d ire ta m e n te a resp eito d a su a autenticidade, e n ã o d a su a can o n icid ad e. Estes livros já estav am n o câ n o n , o q u e alg u m as
6 Expressão grega que significa “falar contra”; ou seja, os livros que foram questionados por alguns, durante um certo período, mas depois areitos por todos.
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pessoas, algumas gerações mais tarde, questionaram foi se era justo que eles ali estivessem. Eventualmente, todos os antilegomems foram mantidos no cânon, o que não é verdadeiro para os apócrifos, pois os protestantes rejeitam todas as obras apócrifas, e até mesmo os católicos rejeitam algumas delas (por exemplo, 3 e 4 Esdras e a Oração de Manasses).
Argumentos a favor do Cânon Judaico/Protestante do Antigo Testamento As evidências indicam que o cânon judaico-protestante, com posto p or trinta e nove livros, equivalente à Bíblia hebraica (o Antigo Testam ento protestante), que exclui os livros apócrifos, é o cânon verdadeiro7. Os judeus da Palestina representavam a ortodoxia judaica; por isso, o seu cânon foi reconhecido co m o o verdadeiro cânon ortodoxo. Este tam bém era o cânon utilizado por Jesus (Geisler e Nix, GIB, capítulo 5), Joséfo e Jerônim o, e por isso tam bém era o cânon de m uitos dos Pais da igreja antiga, inclusive Orígenes, Cirilo de Jerusalém e Atanásio. Os argum entos em apoio do cânon protestante podem ser divididos em duas categorias: a histórica e a doutrinária. 0 Teste Verdadeiro de Canonicidade Ao contrário do argumento católico a partir do uso pela comunidade cristã, o verdadeiro teste de canonicidade é a “profeticidade”. Ou seja, a “profeticidade” determina a canonicidade: Deus determinou quais livros seriam inclusos na Bíblia ao entregar a sua mensagem a u m profeta. Dessa forma, somente os livros escritos por u m profeta, ou u m dos seus representantes autorizados por Deus, são inspirados e fazem parte do cânon das Escrituras. Obviamente, m esm o Deus tendo determinado a canonicidade por meio da “profeticidade”, o povo de Deus tinha que descobrir quais destes livros eram m esm o proféticos. Isto foi feito de form a imediata pelo povo de Deus a quem o profeta escrevia, e não séculos mais tarde por pessoas que não tiveram acesso a ele ou não tinham mais os meios de verificar as suas credenciais proféticas. Por exem plo, os livros de Moisés foram aceitos imediatamente e guardados em u m lugar sagrado (D t 31.26); de m odo semelhante, os livros de Josué foram imediatamente aceitos e preservados junto co m a Lei de Moisés (Js 24.26). Samuel escreveu u m livro e o juntou a esta coleção (1 Sm 10.25); Daniel já tinha u m a cópia do profeta Jeremias, seu contem porâneo (Dn 9.2,11,13); Paulo incentivava a igreja a fazer circular as suas epístolas inspiradas (Cl 4.16); e Pedro tinha u m a coleção dos escritos de Paulo, à qual cham ava de “Escrituras”, em pé de igualdade com o Antigo Testamento (2 Pe 3.15,16). Existem várias form as de os contem porâneos imediatos confirm arem se u m a pessoa era ou não u m profeta de Deus; dentre estas, estão as confirm ações sobrenaturais (cf. Ex 3.1ss.; A t 2.22; Hb 2.3,4; 2 Co 12.12). As vezes, estas confirm ações vêm p o r interm édio de intervenções no curso n orm al da natureza, e outras vezes, p o r interm édio de profecia preditiva. Na verdade, os falsos profetas eram descartados quando as suas predições não se cu m p riam (D t 18.22). E claro, tam bém , que supostas revelações que contrariassem verdades previam ente reveladas eram igualm ente rejeitadas (D t 13.1-3). As evidências de que havia u m cânon em crescente form ação de livros que eram im ediatam ente aceitos p o r contem porâneos que tinham condição de confirm ar a sua autenticidade profética vêm do fato de livros posteriores fazerem citações dos livros 7 Na Bíblia judaica, o número de livros é reduzido de trinta e nove para vinte e quatro, pela combinação dos seguintes livros em um só: 1 e 2 Samuel; 1 e 2 Reis; 1 e 2 Crônicas; Esdras e Neemias (isso retira quatro do núm ero total), e pela contagem de todos os Profetas Menores com o um único livro (isso retira mais onze do núm ero total). Assim, subtraindo-se quinze (quatro mais onze) de trinta e nove, que é o número aceito pelos protestantes, chegamos a vinte e quatro.
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anteriores. Os escritos de Moisés são citados ao longo do Antigo Testam ento, a com eçar pelo seu sucessor im ediato, Josué (Js 1.7; 1 Rs 2.3; 2 Rs 14.6; 2 C r 17.9; Jr 8.8; Ed 6.18; Ne 13.1; Ml 4.4). De m od o sem elhante, os profetas posteriores tam bém citavam os anteriores (p or exem plo, Jr 26.18; Ez 14.14,20; Dn 9.2; Jn 2.2-9; Mq 4.1-3). No Novo Testam ento, Paulo cita Lucas (1 T m 5.18); Pedro recon h ece as epístolas de Paulo (2 Pe 3.15,16); e Judas (4-12) cita 2 Pedro. E o livro do Apocalipse está recheado de ilustrações e idéias tiradas de outras passagens das Escrituras, especialmente do livro de Daniel (cf. Ap 13). Na verdade, toda a totalidade da Bíblia judaica/Antigo Testamento protestante é considerada profética. Moisés, que escreveu os cinco primeiros livros, era u m profeta (D t 18.15), e o restante dos livros do Antigo Testamento era conhecido co m o “os Profetas” (M t 5.17; Lc 24.27). “Os Profetas” foram mais tarde divididos em Profetas e Escritos. As razões não eram claras, mas alguns acreditam que esta divisão se baseava no fato de o autor ser u m profeta por ofício ou som ente por dom , ao passo que outros alegam que ela se deu para uso específico nos festivais judaicos. Alguns argum entam que os livros foram organizados de form a cronológica em ordem decrescente de tam anho (Geisler e Nix, GIB, 244-45), mas, independentemente da razão, está claro que o original (cf. Z c 7.12; Dn 9.2) e a form a contínua de se referir ao Antigo Testamento inteiro até a época de Cristo era a divisão dupla de “Lei e Profetas”. Da m esm a form a, os “apóstolos e profetas” (Ef 2.20; cf. 3.5) com punham a totalidade Novo Testamento; logo, a Bíblia toda é u m livro profético, inclusive o seu últim o livro (cf. Ap 22.7,9,10,19). Mas, com o ainda veremos, isto não pode ser dito acerca dos livros apócrifos. Existem fortes indícios de que os livros apócrifos não são proféticos. C o m o a “profeticidade” é o teste da canonicidade, isto os excluiria do cânon. Primeiro, n en h u m livro apócrifo alega ter sido escrito por u m profeta. Na verdade,
co m o já vimos anteriorm ente, u m dos livros apócrifos até m esm o nega ter autoria profética (1 Macabeus 9.27). Segundo, não existe confirm ação sobrenatural para n enh u m dos autores dos livros apócrifos, com o existe para os profetas que escreveram o m aterial canônico. Terceiro, não existe profecia preditiva (veja “P, PB”, in: B E C A ) nos apócrifos, tal co m o
tem os nos livros canônicos (p or exem plo, Is 53; Dn 9; Mq 5.2), o que é u m a clara indicação do seu caráter profético. Quarto, não existe n en h u m a nova verdade messiânica nos apócrifos; além disso, eles nada agregam às verdades messiânicas do Novo Testam ento. Quinto, a própria com unidade judaica, a quem estes livros pertenciam , reconhecia
que os dons proféticos haviam cessado em Israel antes da com posição dos apócrifos. Sexto, os livros apócrifos jamais foram listados n a Bíblia judaica junto co m os “Profetas”, ou em qualquer o u tra seção afim. Sétimo, jamais um dos escritos apócrifos foi citado com o portador de autoridade por
um livro profético escrito depois dele. Se considerarmos o conjunto destas informações, estaremos diante de fartas evidências que apontam para o caráter não-profético dos apócrifos, e de que eles, por essa razão, devem ser excluídos do cânon das Sagradas Escrituras. O Testemunho Contínuo da Antigüidade
Além das evidências a favor de o caráter profético ser restrito som ente aos livros da Bíblia judaica/Antigo Testam ento protestante (que excluem os apócrifos), existe u m a linha praticam ente contínua de apoio à rejeição dos apócrifos co m o parte do cânon,
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desde a antigüidade até os tem pos m odernos. Isto é verdade tanto para o rabinos judeus quanto para os Pais cristãos. (1) Filo (20 a.C-40 d.C .), u m m estre judeu de Alexandria, citou prolificamente o Antigo Testam ento a partir de praticam ente todos os livros canônicos, sem jamais m encionar u m Apócrifo co m o literatu ra inspirada. (2) Flávio Joséfo (30-100 d.C.), u m historiador judeu, exclui explicitam ente os apócrifos, enum erando os livros do Antigo Testam ento co m o vinte e dois (os trin ta e nove do Antigo Testam ento protestante). Flávio Joséfo tam bém em m o m en to algum cita literaturas apócrifas co m o sendo Escrituras, apesar de estar familiarizado co m elas. N a obra “Against Apion” (C o n tra Apio) (1.8), ele escreveu: Pois não temos uma multidão inumerável de livros entre nós, que discordam entre si e que se contradizem mutuamente [como os gregos têm,] mas somente vinte e dois livros, que são tidos, de forma justa, como divinos; e dentre eles, cinco pertencem a Moisés, os quais contêm a sua lei e as tradições da origem da humanidade até a sua morte. Este intervalo de tempo foi pouco menor do que três mil anos; mas do tempo da m orte de Moisés até o reinado de Artaxerxes, rei da Pérsia, que reinou como Xerxes, os profetas, que vieram depois de Moisés, escreveram o que ocorreu no tempo deles em treze livros. Os quatro livros restantes contêm hinos a Deus e preceitos para a conduta da vida humana (grifo adicionado). Estes m esm os livros correspondem exatam ente à Bíblia judaica atual, bem co m o ao Antigo T estam ento protestante. (3) Os mestres judeus reconheciam que a sua linhagem profética term inava no quarto século antes de Cristo. C ontudo, até m esm o os católicos recon h ecem que os livros apócrifos foram escritos depois desta época. Flávio Joséfo escreveu: De Artaxerxes até a nossa época, tudo foi registrado, mas não considerado digno do mesmo tipo de crédito dado aos escritos anteriores, porque a sucessão exata dos profetas cessou (ibid). Declarações adicionais da parte do rabinos acerca do fim da atividade profética também servem de apoio a esta tese (veja Beckwith, OTCNTC, 370). Seder Olam Rabbah 30 declara: Até aquele momento [a ascensão de Alexandre, o Grande,] os profetas profetizavam por intermédio do Espírito Santo. Dali em diante: “Inclina os teus ouvidos e ouve as palavras dos sábios”. Baba B ath ra 12b afirma: Desde os dias da destruição do Templo, a profecia foi retirada dos profetas e entregue aos sábios. O rabino Samuel bar Inia disse: No Segundo Templo, faltavam cinco coisas que o Primeiro tinha, a saber, o fogo, a arca, o Urim e o Tumim, o óleo da unção e o Espírito Santo [de profecia]. Assim, os pais judeus (os rabinos) reconheciam que o período durante o qual os apócrifos foram escritos foi um a época em que o Deus não estava entregando mensagens inspiradas.
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(4) Nem Jesus nem os autores do Novo T estam ento citaram , nem u m a vez sequer, os apócrifos com o sendo Escrituras, apesar de terem conhecim ento deles e até m esm o fazerem alusão a eles em algumas passagens (p or exem plo, Hebreus 11.35 pode ser um a alusão a 2 Macabeus 7 ,1 2 , apesar de tam bém poder ser u m a referência ao livro canônico de Reis — veja 1 Reis 17.22). Por outro lado, os autores do N ovo Testam ento fazem centenas de citações de todos os livros canônicos do Antigo Testam ento, e a m aneira pela qual são citados co m autoridade indica que eles eram tidos co m o parte da “Lei e dos Profetas” [isto é, o Antigo Testam ento co m o u m todo], que, por sua vez, era tido co m o Palavra inspirada e infalível de Deus (M t 5.17,18; cf. Jo 10.35). Na verdade, Jesus citou especificamente livros destas duas partes do Antigo Testam ento —a “Lei e os Profetas”, que Ele cham ava de “todas as Escrituras” (Lc 24.27). Havia tam bém u m a divisão tripartida do Antigo Testam ento em Lei, Profetas e Escritos, mas isto sim plesmente dividia os profetas em duas seções chamadas de “Profetas e Escritos” (Geisler e Nix, GIB, capítulo 14). (5) Os estudiosos judeus de Jamnia (c. 90 d.C.) não aceitavam os apócrifos com o parte do cânon judaico divinamente inspirado (veja Beckwith, OTCNTC, 276-277). C om o o Novo Testamento afirma explicitamente que os oráculos de Deus haviam sido confiados a Israel, e que ele era, portanto, o destinatário das alianças e da lei (R m 3.2), os judeus deveriam ser considerados os detentores do limite do seu próprio cânon. E eles sempre rejeitaram os apócrifos. (6) N en h um a lista canônica ou concilio da igreja cristã aceitou a inspiração dos apócrifos, por quase quatro séculos. Este fato assume u m significado im portante, já que todas as listas disponíveis e a maioria dos Pais daquele período rejeitavam os apócrifos. O prim eiro concilio a aceitar os apócrifos tinha abrangência local, sem força ecum ênica8. A alegação católica de que o Concilio de R om a (382 d.C.), apesar de não ter sido ecum ênico, foi válido para toda a igreja, em função da ratificação das suas deliberações feita pelo Papa Damaso (c. 305-384 d.C.), não tem fundam ento. Primeiro, p o r se tratar de u m a argum entação viciada ao considerar que Damaso era u m papa co m autoridade infalível. Segundo, até mesmo os católicos reconhecem que este concilio não teve caráter ecumênico. Terceiro, nem todos os católicos concordam que declarações papais são infalíveis. Não existem listas infalíveis de declarações papais infalíveis, m uito m enos critérios unânim es entre todos os católicos, que levem a conclusões em questões deste gênero. Quarto, apelar para a sanção papal a fim de to rn ar u m a decisão local u m a sentença infalível é u m a espada de dois gum es. Os próprios estudiosos católicos adm item que alguns papas ensinaram erros, chegando ao ponto de serem heréticos (veja Geisler e McKenzie, RCF, capítulo 11). (7) Muitos dos antigos Pais da igreja cristã se pronunciaram co n tra os apócrifos. Dentre eles, estão Orígenes, Cirilo de Jerusalém, Atanásio, e o grande trad u to r da Bíblia católica rom ana para o latim, Jerônim o. (8) Jerônim o (340-420 d.C .) foi o m aior erudito bíblico do início do período medieval, tendo sido o responsável pela tradução da Vulgata Latina. Ele rejeitava abertam ente a inclusão dos apócrifos no cânon do Antigo Testam ento. Ele declarou que a igreja os lia “para fins de exem plo e de instrução de m aneiras”, m as “não os aplicava na determ inação de qualquer tipo de doutrina” (Beckwith, OTCNTC, 343, citando o prefácio que o próprio Jerônim o escreveu para a sua versão da Vulgata do Livro de Salom ão). Na verdade, ele se opôs à aceitação injustificada que Agostinho deu a estes livros. Prim eiram ente, Jerônimo 8 C om significado de inclusão de todos os segmentos do Cristianismo ortodoxo
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chegou ao ponto de se recusar a traduzir ao apócrifos para o latim , mas depois fez um a tradução às pressas de alguns livros. Depois de listar os livros exatos dos judeus e do Antigo Testam ento protestante (sem a inclusão dos apócrifos), Jerônim o concluiu: E assim, ao todo, chegamos a 22 livros da velha Lei [de acordo com as letras do alfabeto hebraico], ou seja, cinco de Moisés, oito dos Profetas, e nove dos Hagiógrafos [santos escritos], Embora alguns estejam aí incluídos [...] Rute e Cinote entre os Hagiógrafos, considero que estes livros devem ser contados (de forma separada) no seu cômputo, e que existem, dessa forma, 24 livros compondo a velha Lei; estes, o Apocalipse de João representa como os 24 anciãos que adoram o Cordeiro. Ele acrescentou: Este prólogo também pode servir como uma espécie de elmo protetor (isto é, contra os assaltantes) introdutório a todos os livros bíblicos que foram traduzidos do hebraico para o latim, de forma que possamos saber que tudo que aqui nãofoi induido deve ser alocadojunto com os apócrifos (ibid). No seu prefácio a Daniel, Jerônim o claram ente rejeitou os acréscim os apócrifos feitos a este livro (Bel e o Dragão, e Susana) e fez o seu pleito unicam ente a favor da canonicidade dos livros encontrados na Bíblia hebraica: Os relatos de Susana e de Bel e o Dragão não estão contidos no hebraico [...] exatamente por esta razão, ao traduzir Daniel, muitos anos atrás, marquei estas visões com um símbolo crítico a fim de mostrar a sua ausência nos escritos hebraicos [...] Além de tudo, tanto Orígenes quanto Eusébio e Apolinário, bem como outros homens notáveis e mestres da Grécia, reconhecem que, como eu disse, estas visões não estão presentes no hebraico, e, por essa razão, eles não estão obrigados a responder a Porfírio a respeito destas porções que não apresentam qualquer autoridade como Escritura Sagrada (ibid). A sugestão de que Jerônim o, n a verdade, havia favorecido os livros apócrifos e que som ente estava argum entando que os judeus eram quem os rejeitava é descabida. Por u m lado, na citação acim a ele diz, de fo rm a clara: “estas porções que não apresentam qualquer autoridade como Escritura Sagrada". Além disso, ele jamais se retrato u de ter rejeitado os apócrifos; ademais, ele chegou a afirm ar (em Against Rufinius [Contra Rufínio], 33) que havia “seguido o juízo das igrejas” nesta questão, e a sua declaração: “Eu não estava seguindo as m inhas visões pessoais” parece se referir aos “com entários que eles [os inimigos do Cristianismo] estão habituados a fazer co n tra nos”. Seja co m o for, ele jamais chegou a se retratar das várias declarações que fez co n tra os apócrifos. Por últim o, o fato de Jerônim o ter feito citações dos livros apócrifos não significa que ele os aceitava, pois esta era u m a prática generalizada de m uitos Pais da igreja. O im portante é n otar que ele jamais se retratou das suas declarações de que a igreja os lia “para fins de exem plo e de instrução de m aneiras”, mas “não os aplicava na determ inação de qualquer tipo de d outrina”. (9) Os apócrifos chegaram até a ser rejeitados p o r célebres eruditos católicos, co m o o Cardeal Cajetan, durante a época da Reform a, que foi u m dos oponentes de M artinho Lutero. C om o já vimos, C ajetan escreveu u m a obra que recebeu o título de C om m en tary on Ali the Authentic Historical Books o f th e Old Testam ent (C om en tário sobre Todos os
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L iv ro s H is tó r ic o s A u t ê n tic o s d o A n tig o T e s t a m e n t o ) (1 5 3 2 ), q u e e x c lu ía o s a p ó c r ifo s . S e e le a c r e d ita s s e q u e e le s e r a m a u t ê n tic o s , e le s s e g u r a m e n t e e s t a r ia m e m u m a o b r a q u e se p r o p u n h a a t r a t a r d e “to d o s o s liv ro s a u t ê n t i c o s ” d o A n tig o T e s t a m e n t o . (1 0 )
M a r t i n h o L u t e r o , J o ã o C a lv in o e o u t r o s R e f o r m a d o r e s r e je i t a r a m a c a n o n ic id a d e
d o a p ó c r ifo s . O s L u t e r a n o s e A n g lic a n o s s o m e n t e os u tiliz a v a m e m q u e s tõ e s é tic a s / d e v o c io n a is , m a s ja m a is o s c o n s id e r a v a m c o m a u to r id a d e n a s q u e s tõ e s d e fé . A s ig r e ja s r e f o r m a d a s s e g u ir a m a C o n fis s ã o d e F é d e W e s t m in s t e r (1 6 4 7 ), q u e d e c la r a v a :
Os livros norm alm ente chamados de apócrifos, por não terem inspiração divina, não fazem parte do cânon das Escrituras; e, portanto, não possuem autoridade na Igreja de Deus, nem devem ser aprovados ou utilizados de outra form a, mais do que quaisquer outros escritos hum anos. Em
s u m a , a i g r e ja c r is tã u n iv e r s a l n ã o t e m
a c e ita d o o s liv ro s a p ó c r ifo s c o m o
p a r t e d o s e u c â n o n a té a p r e s e n t e d a ta . A ig r e ja r e je i t a os a p ó c r ifo s p o r q u e e le s n ã o p o s s u e m o f a t o r p r im á r io d e c a n o n ic id a d e , q u e é a “p r o f e tic id a d e ” ; o u s e ja , o s liv ro s a p ó c r ifo s n ã o a p r e s e n t a m e v id ê n c ia s d e t e r e m sid o e s c r ito s p o r p r o fe ta s r e c o n h e c id o s p o r D e u s . O u t r a s e v id ê n c ia s a d v ê m d o f a to d e e ste s liv ro s ja m a is t e r e m sid o c ita d o s n o N o v o T e s t a m e n t o c o m o p a ss a g e n s d a E s c r it u r a p o r t a d o r a s d e a u to r id a d e ; o s a p ó c r ifo s t a m b é m ja m a is f iz e r a m p a r t e d o c â n o n h e b r a ic o , a q u e le g it i m a m e n t e p e r t e n c e m , e a ig r e ja a n tig a ja m a is o s a c e it o u c o m o liv ro s in s p ir a d o s .
O E rro d o C o n c ilio de T re n to O p r o n u n c i a m e n t o “i n f a lív e l” f e it o p e lo C o n c ilio d e T r e n t o a c e r c a d a in c lu s ã o d o s a p ó c r ifo s c o m o P a la v ra in s p ir a d a d e D e u s se m o s t r a in f u n d a d o , p o r v á ria s r a z õ e s . E le , n a v e rd a d e , r e v e la c o m o u m a d e c la r a ç ã o s u p o s t a m e n t e in f a lív e l p o d e se r fa lív e l, p o r se r h i s t o r i c a m e n t e in f u n d a d a e p o r r e p r e s e n ta r u m a r e a ç ã o e x a g e r a d a e p o lê m ic a , a lé m d e e n v o lv e r u m a e x c lu s ã o d o g m á tic a . Inconsistência Profética C o m o já v im o s , o te s t e v e r d a d e ir o d a c a n o n ic id a d e é a “p r o f e tic id a d e ” d e u m e s c r ito , e, c o m o a c a b a m o s d e v e r ific a r , n ã o e x is t e m e v id ê n c ia s a esse r e s p e ito p a r a os liv ro s a p ó c r ifo s . F a lta - lh e s a a u t o r ia p r o f é tic a , o c o n t e ú d o p r o f é tic o , e a c o n f ir m a ç ã o p r o fé tic a . Falta de Fundamentação H istórica A lé m d isso , c o m o já fo i v e r ific a d o , o p r o n u n c i a m e n t o d e T r e n t o v e io c o n t r a u m a l in h a c o n t ín u a de e n s in a m e n t o s d esd e a a n tig ü id a d e a té os te m p o s m o d e r n o s , a q u a l in c lu i t a n t o ju d e u s q u a n t o Pais c r is tã o s , ta is c o m o F ilo , Jo s é fo , C ir ilo d e J e r u s a lé m , A ta n á s io e J e r ô n im o . R eação E xagerada e Polêm ica O m o m e n t o d o p r o n u n c i a m e n t o d e T r e n t o a c e r c a d o s a p ó c r ifo s fa z ia p a r t e d e u m a a ç ã o p o lê m ic a c o n t r a L u t e r o , a q u a l a p o ia v a o s e n s in o s q u e e le t in h a a t a c a d o ( t a l c o m o a in te r c e s s ã o p e lo s m o r t o s — cf. 2 M a c a b e u s 1 2 .4 5 ,4 6 , q u e diz: “A s s im , e le fe z e x p ia ç ã o p e lo m o r t o p a r a q u e e le s p u d e s s e m s e r lib e r ta d o s d o s e u p e c a d o ” ).
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Decisão Arbitrária N em todos os apócrifos foram aceitos por R om a em Trento. Na verdade, o concilio arbitrariam ente aceitou u m livro que dava base para a intercessão pelos m ortos (2 M acabeus) e rejeitou ou tro que se opunha à intercessão pelos m ortos (2 [ou 4] Esdras; cf. 7.105)9. Havia quatorze livros, contudo som ente onze foram selecionados para o cânon. Exclusão Dogmática Na verdade, a própria história desta seção de 2 (4) Esdras revela a arbitrariedade da decisão de Trento. O segundo (4.°) livro de Esdras foi escrito em aram aico por um judeu desconhecido (c. 100 d.C .) e circulava em versões em latim arcaico (c. 200 d.C.). A Vulgata Latina o inseriu co m o u m apêndice ao Novo Testam ento (c. 400 d.C.), e o livro desapareceu das Bíblias até que Johann Haug (1726-1742) com eçou a im prim i-lo junto co m os apócrifos, baseado nos textos aram aicos, já que o livro não estava junto aos m anuscritos latinos daquela época. Entretanto, em 1874, u m a longa seção em latim (setenta versículos do capítulo 7) foi encontrada por Robert Bently, em u m a biblioteca em Amiens, França. B ruce M etzger observa: E provável que a seção perdida tivesse sido intencionalmente cortada de um antecessor dos Manuscritos Latinos mais recentes, por razões dogmáticas, pois esta passagem contém uma negação enfática do valor das orações pelos mortos (IA). Alguns católicos reagem dizendo que esta não-seleção não foi arbitrária porque: (1) O segundo (4.°) livro de Esdras não fazia parte das listas deuterocanônicas anteriores. (2) O livro foi escrito depois da época de Cristo. (3) Ele foi relegado a uma posição secundária na Vulgata. (4) Ele somente foi incluído entre os apócrifos pelos protestantes, no século XVIII. Este argum ento não é convincente. Primeiro, 2 (4) Esdras fazia parte de u m a lista mais antiga de livros que não eram considerados totalm en te canônicos, co m o até m esm o os católicos recon h ecem . Segundo, de acordo co m o critério católico de datação, a data do livro não guarda relação co m a sua presença entre os apócrifos judaicos, mas sim co m o fato de ele ter sido utilizado pelos cristãos primitivos. E ele foi, de fato, utilizado tal co m o os outros livros apócrifos tam bém o foram . Terceiro, 2 (4) Esdras não devia ter sido rejeitado sim plesmente porque foi relegado a u m a posição secundária na Vulgata. Se fosse assim, os católicos teriam que rejeitar todos os apócrifos, já que Jerônim o, o trad u to r da Vulgata, deu u m tratam en to inferior a todos os apócrifos, indistintamente. Quarto, a razão por que eles não reaparecem em latim até o século XVIII é porque aparentem ente, no início, alguns monges católicos rem overam esta seção contrária à oração pelos m ortos. Apesar do testem u nh o contrário da antigüidade, no ano de 1546 d.C., apenas vinte e nove anos depois de Lutero ter afixado as suas Noventa e Cinco Teses, em u m a tentativa de revidar os seus ataques à venda de indulgências, o que eventualm ente levou a um a 9 C om o já vimos, os protestantes cham am este livro de 2 Esdras, e os católicos, de 4 Esdras. C om o os católicos cham am os livros de Esdras e Neemias pelos nom es de 1 e 2 Esdras, eles, então, cham am 1 e 2 Esdras de 3 e 4 Esdras, respectivam ente.
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rejeição das orações pelos m ortos e do purgatório, a Igreja C atólica R om an a proclam ou que estes livros apócrifos estavam no m esm o nível das demais Escrituras, declarando: O Sínodo [...] recebe e venera [...] todos os livros [inclusive os apócrifos] tanto do Antigo quanto do Novo Testamento — entendendo que um só Deus é o autor de ambos [...] tendo sido ditados, ou pela palavra direta de Cristo, ou pelo Espírito Santo [...] se alguém não receber como santos e canônicos os referidos livros, inteiros ou em suas partes, da maneira como eles normalmente são usados e lidos na Igreja Católica [...] que seja anátema (Schaff, CC, 2.81). 0 Teste Errado de Canonicidade Dito tudo isto, convém lem brar que a Igreja Católica R om an a utiliza o teste errado para aferir a canonicidade de u m livro. O teste co rreto daquilo que determ ina a canonicidade pode ser contrastado co m o in correto na tabela a seguir (veja Geisler e Nix, GIB, 221): Visão Incorreta do Cânon
Visão C o rreta do Cânon
A igreja determina o Cânon A igreja é mãe do Cânon A igreja é magistrada do Cânon
A igreja descobre o Cânon A igreja é filha do Cânon A igreja é ministra do Cânon
A igreja regula o Cânon A igreja é juíza do Cânon A igreja é mestra do Cânon
A igreja reconhece o Cânon A igreja é testemunha do Cânon A igreja é serva do Cânon
Apesar de fontes católicas apoiarem u m a visão m uito próxim a da “visão co rre ta ” acim a citada, os apologistas católicos n o rm alm en te se equivocam nesta questão. Peter Kreeft, por exem plo, argum enta que a igreja precisa ser infalível, se a Bíblia o é, um a vez que o efeito não pode ser m aior do que a causa, e u m a vez que a Igreja foi a causa do cânon. Mas se a Igreja é regulada pelo cânon, e não a sua regente, a igreja deixa de ser a causa do cânon. Outros defensores do Catolicism o co m etem o m esm o erro, por u m lado, apoiando o fato de a igreja som ente descobrir o cânon, e por ou tro lado, construindo u m argum ento que postula a igreja co m o fator determ inador do cânon. Eles negligenciam o fato de que foi Deus quem originou (pela inspiração) as Escrituras canônicas, e não a igreja. Este m al-entendido fica, por vezes, evidente no uso equivocado da palavra testemunha. Quando falamos da igreja co m o testem u nh a do cânon (depois da época em que ele foi escrito), não o fazemos no sentido de ser u m a testem u nh a ocular (isto é, ela m esm a u m a evidência de prim eira m ão). Som ente o povo de Deus que foi contem porâneo dos eventos pode ser considerado testem unha de prim eira m ão. A igreja posterior, som ente pode ser testem u nh a das evidências no sentido de que ela revisou as evidências históricas a favor da autenticidade dos livros canônicos e os confirm ou co m o tendo vindo m esm o dos apóstolos e profetas. A igrej a não é um a evidência por si m esm a; ela m eram ente revisa as evidências. C ontudo, quando os católicos falam do papel da igreja na determ inação do cânon, eles dão a ela u m papel — de ser u m a evidência p or si m esm a — que ela não possui. Vários pontos ajudarão no esclarecim ento do papel adequado da igreja cristã no descobrim ento dos livros que pertenciam ao cânon.
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Primeiro, som ente os contem porâneos da com posição dos livros da Bíblia podem ser considerados testem unhas reais das evidências. Som ente eles foram testem unhas do cânon enquanto este ia se desenvolvendo, e som ente eles podem testificar acerca das evidências da “profeticidade” dos livros bíblicos, que é fator determ inante da sua canonicidade. Segundo, a igreja posterior não é u m a testem u nh a do cânon no sentido de representar u m a evidência por si m esm a; ela não cria, nem constitui, evidência acerca do cânon. Ela é som ente u m a descobridora e u m a observadora das evidências que perm anecem da confirm ação original da “profeticidade” dos livros canônicos. A suposição de que a Igreja é u m a evidência em si m esm a e p o r si m esm a é o erro que está p or detrás da visão católica rom an a a favor da canonicidade dos apócrifos. Terceiro, n em a igreja prim itiva n em a igreja posterior são o juiz do cânon. A igreja não é, com o são os juizes, a autoridade final para ditar os critérios sobre o que deve ser admitido com o evidência; ou seja, ela não determ ina as regras da canonicidade. C om o a Bíblia é a Palavra de Deus, som ente Deus pode determ inar os critérios do nosso descobrim ento daquilo que é a Sua Palavra. Ou, em outras palavras, tudo o que é de Deus carrega consigo as impressões digitais dele, e som ente Deus pode nos m o strar co m o é que são as suas digitais. Quarto, tan to a igreja prim itiva co m o a igreja posterior são m uito mais co m o u m júri do que u m juiz. O papel de u m júri é: (1) ouvir as evidências, e não criá-las ou tentar se fazer de evidências; (2) pesar as evidências, não criá-las ou constituí-las; e (3) dar o seu veredito, de acordo com as evidências. C om o já vimos anteriormente, isto é precisamente o que a igreja cristã tem feito ao dar o seu veredito acerca da exclusão dos livros apócrifos da coleção de Escritos Sagrados. A igreja contem porânea (do prim eiro século) presenciava as evidências de prim eira m ão a favor da “profeticidade” (m ilagres etc.), e a igrej a histórica tem revisto as evidências a favor da autenticidade destes livros, que foram confirmados diretam ente por Deus quando foram escritos. Existe, obviamente, u m certo sentido em que a igreja é m esm o u m “juiz” do cânon, a saber, ela é convocada, co m o os júris tam bém o são, para to m ar parte em u m uso intenso da sua m ente na triagem e avaliação das evidências e na com unicação do seu veredito. Mas isto está longe daquilo que os católicos rom anos acreditam , na prática, senão n a teoria, ou seja, que a igreja assume u m papel magisterial n a determ inação do cânon. Afinal, este é o significado do “magisterium de ensino” da Igreja R om ana. A hierarquia da Igreja C atólica não é m eram en te ministerial; é tam bém é m agistrativa — ou seja, apresenta u m papel judicial, e não som ente administrativo. Ela não é som ente u m júri em busca de evidências; ela é u m juiz que determ ina o que vale e o que não vale com o evidência. E é aí que está o problema. No exercício do seu papel magistrativo, a Igreja C atólica R om an a escolheu o cam inho errado ao decidir-se a favor dos apócrifos, m ostrando assim abertam ente a sua falibilidade. Primeiro, ela decidiu seguir o critério errado: o uso cristão em vez do seu caráter profético.
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Segundo, e la u t iliz o u e v id ê n c ia s d e s e g u n d a m ã o d e e s c r ito r e s p o s t e r io r e s , e m v e z d e s o m e n t e e v id ê n c ia s de p r im e ir a m ã o , a fa v o r d a c a n o n ic id a d e ( c o n f i r m a ç ã o d iv in a d a “p r o f e tic id a d e ” d o a u t o r ) . Terceiro, e la n ã o u t iliz o u a c o n f ir m a ç ã o im e d ia ta p o r p a r t e d o s c o n t e m p o r â n e o s d o s e v e n to s , m a s d e c la r a ç õ e s p o s t e r io r e s , fe ita s p o r p e s so a s q u e e s ta v a m se p a ra d a s p o r g e r a ç õ e s , o u s é c u lo s , d o s e v e n to s . T o d o s e s te s e n g a n o s s u r g ir a m d e u m a m á c o n c e p ç ã o d o p a p e l d a p r ó p r ia ig r e ja c o m o ju íz a e m v e z d e jú r i, c o m o m a g is tr a d a e m v e z d e m in is t r a , e c o m o s o b e r a n a sobre o c â n o n e m v e z d e s e r v a dele. E m c o n t r a s t e , a r e je i ç ã o p r o t e s t a n t e d o s a p ó c r ifo s fo i b a s e a d a e m u m e n t e n d i m e n t o a d e q u a d o d o p a p e l d as t e s t e m u n h a s c o n t e m p o r â n e a s e m r e la ç ã o às e v id ê n c ia s d a “p r o f e tic id a d e ” e d a ig r e ja s u c e s s o r a c o m o s e n d o p o s s u id o r a d e e v id ê n c ia s h is tó r ic a s a f a v o r d a a u t e n tic id a d e d o s liv ro s p r o f é tic o s . A s d ife r e n ç a s a c e r c a d o s a p ó c r ifo s sã o c r u c ia is n a d e t e r m in a ç ã o d as d ife re n ç a s d o u t r in á r ia s e n t r e c a t ó lic o s e p r o t e s t a n t e s , t a l c o m o a c r e n ç a n o p u r g a tó r io e n a o r a ç ã o p e lo s m o r t o s . A o r e s p o n d e r às p e r g u n t a s a r e s p e ito d essas d ife r e n ç a s , c o m o v im o s a c im a , n ã o e x is t e m e v id ê n c ia s d e q u e o s liv ro s a p ó c r ifo s sã o in s p ir a d o s e, p o r t a n t o , d e q u e d e v e m f a z e r p a r t e d o c â n o n in s p ir a d o d as S a g r a d a s E s c r itu r a s . E le s n ã o a le g a m se r in s p ir a d o s , n e m a c o m u n id a d e ju d a ic a , q u e o s p r o d u z iu , faz t a l r e iv in d ic a ç ã o s o b r e eles. N a v e rd a d e , e le s ja m a is sã o c ita d o s c o m o E s c r it u r a n o N o v o T e s t a m e n t o , e m u it o s d o s a n tig o s Pais, in c lu s iv e o e r u d it o b íb lic o c a t ó l i c o J e r ô n im o , o s r e je i t a r a m c a t e g o r ic a m e n t e . O a c r é s c im o d e le s à B íb lia , p o r m e io d e u m d e c r e t o in f a lív e l n o C o n c ilio d e T r e n t o , se c o n s t i t u i e m u m a d e m o n s t r a ç ã o d e a f ir m a ç ã o p o lê m ic a , c a lc u la d a p a r a d a r s u s t e n t a ç ã o a d o u t r in a s q u e n ã o a p r e s e n t a m u m a lic e r c e fir m e e m n e n h u m d o s s e s s e n ta e seis liv ro s c a n ô n ic o s . D i a n t e d e s ta s s ó lid a s e v id ê n c ia s c o n t r á r i a s a o s a p ó c r i f o s , a d e c is ã o c a t ó l i c a e m c o n s i d e r á - l o s p a r t e d o s liv r o s c a n ô n i c o s se a p r e s e n t a i n f u n d a d a e é , p o r t a n t o , r e je i t a d a p e l o p r o t e s t a n t i s m o o r t o d o x o . A l é m d is s o , a a d m is s ã o d e m a t e r i a l n ã o r e v e l a c i o n a l n a P a la v r a e s c r i t a d e D e u s se c o n s t i t u i e m g r a v e e r r o , p o is c o r r o m p e a r e v e la ç ã o d e D e u s e , d e s s e m o d o , a b a la a a u t o r i d a d e d iv in a d as S a g r a d a s E s c r i t u r a s ( v e ja R a m m , P R A , 6 5 ) .
O C Â N O N D O N O V O T E S T A M E N T O ESTÁ C O M PLET O O N o v o T e s t a m e n t o fo i e s c r ito p o r v o lt a d o s a n o s 50 e 90 d .C ., e to d a s as c o r r e n t e s m a jo r i t á r i a s d o C r is tia n is m o a c e it a m o s se u s v in t e e s e te liv ro s c o m o in s p ir a d o s e c a n ô n ic o s . E x is t e m v á ria s lin h a s d e e v id ê n c ia s q u e a p ó ia m a c o n c e p ç ã o e v a n g é lic a d e q u e o c â n o n d o N o v o T e s t a m e n t o e s tá f e c h a d o . P r im e ir a m e n t e , Je s u s p r o m e t e u u m c â n o n f e c h a d o a o lim i t a r a a u to r id a d e de e n s in o a o s a p ó s to lo s , q u e m o r r e r a m to d o s a n te s d o f in a l d o p r im e ir o s é c u lo .
As E v id ên cias a fav o r d o E n c e r r a m e n to d o C â n o n do N o v o T e s ta m e n to A s r a z õ e s p a r a c r e r q u e os v in te e s e te liv ro s d o N o v o T e s t a m e n t o a tu a l, e s o m e n t e e s te s liv ro s , p e r t e n c e m a o c â n o n c r is tã o sã o m u i t o só lid a s. A s e v id ê n c ia s i n c l u e m a p r o m e s s a d e Je su s , a p r o v id ê n c ia d e D e u s , a p r e s e r v a ç ã o fe it a p e lo p o v o d e D e u s , e a p r o c l a m a ç ã o d a ig r e ja .
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A Promessa de Jesus Existem indicações claras no Novo Testam ento de que o Espírito da revelação de Cristo aos apóstolos com pletaria a revelação bíblica. Primeiro, Jesus foi a revelação total e com p leta do Antigo Testam ento (M t 5.17). Na verdade, a carta aos Hebreus nos ensina que Jesus é a revelação final e com pleta de Deus nos “últim os dias” (Hb 1.1,2). Além disso, a carta se refere a Cristo co m o “mais excelente” do que os anjos (Hb 1.4), “m elh o r” do que a lei (Hb 7.19), e “m elh or do que” a lei do Antigo Testam ento e o sacerdócio (Hb 9.23). Na verdade, da sua revelação e da sua redenção se diz que são “eternas” (Hb 5.9; 9.12,15) e “de u m a vez por todas” (9.28; 10.1214). Dessa form a, Jesus foi a revelação com p leta e final de Deus para a hum anidade; som ente Ele podia dizer: “Q uem m e vê a m im vê o Pai” (Jo 14.9), e som ente dele se pode afirm ar : “nele habita corporalm ente toda a plenitude da divindade” (C l 2.9). Segundo, Jesus escolheu, cham ou e deu credenciais a doze apóstolos (cf. Hb 2.3,4), para que ensinassem a sua revelação plena e final que a eles fora confiada (M t lO.lss.), e antes de sua partida desse m undo prom eteu que guiaria estes apóstolos em toda a verdade, afirmando: “o Espírito Santo [...] vos ensinará todas as coisas e vos fará lem brar de tudo quanto vos tenho dito” (Jo 14.26). E: “quando vier aquele Espírito da verdade, ele vos guiará em toda a verdade” (Jo 16.13). E por isso que se diz que a igreja está edificada “sobre o fundam ento dos apóstolos e dos profetas” (E f 2.20), e que, nos seus prim eiros tem pos, a igreja “perseverava na doutrina dos apóstolos” (cf. A t 2.42). Se os apóstolos de Jesus não ensinassem esta revelação com pleta de Deus, então Jesus estaria enganado. Mas com o Filho de Deus, Ele não poderia estar errado em nada do que ensinou; logo, a revelação com pleta e final de Deus em Cristo foi realm ente entregue aos apóstolos. Terceiro,
os
apóstolos
de
Cristo viveram
e m o rreram
no
prim eiro
século;
conseqüentem ente, o registro desta revelação com p leta e final de Cristo aos apóstolos foi com pletada no prim eiro século. Na verdade, u m a das qualificações de u m apóstolo era que ele tivesse sido u m testem u nh a ocular da ressurreição de Cristo, o que ocorreu no prim eiro século (A t 1.22). Quando as credenciais de Paulo co m o apóstolo foram questionadas, ele replicou: “Não sou eu apóstolo? [...] Não vi eu a Jesus Cristo, Senhor nosso?” (1 Co 9.1). Na verdade, ele é listado ju n to co m os outros apóstolos co m o o “ú ltim o” a ter “visto” o Cristo ressuscitado (1 Co 15.6-8). Quarto, e para que não houvesse qualquer dúvida a respeito de quem era autorizado a ensinar esta revelação com pleta e final de Deus em Cristo, Deus concedeu poderes sobrenaturais especiais aos apóstolos (que, por sua vez, os repassaram aos seus com panheiros — A t 6.6; 8.15-18; 2 T m 1.6). Está claro que estes poderes eram exclusivos dos apóstolos pelo fato de serem cham ados de “sinais apostólicos” (2 Co 12.12), e que certas coisas poderiam o co rrer som ente p o r interm édio da “imposição das m ãos dos apóstolos” (A t 1.1,8). Além disso, este “p oder” foi prom etido aos apóstolos (A t 1.1,8), e depois do ministério de Jesus (cf. Jo 14.12) eles exerceram funções e poderes apostólicos especiais, inclusive o fulm inar imediato de pessoas que m entiam ao Espírito Santo (cf. At 5.9-11) e a realização de sinais e maravilhas especiais (A t 5.12; Hb 2.4; 2 Co 12.12), que incluía até m esm o a ressurreição de m o rto s ao seu com ando (M t 10.8; A t 20.7-12). Quinto, existe som ente u m registro autêntico do ensino apostólico nos nossos dias, e este registro está restrito aos vinte e sete livros do Novo Testamento. Todos os outros livros que alegam inspiração são originados no segundo século ou mais tarde; são os livros apócrifos do Novo Testamento, e neles se pode ver claram ente a falta de autoria apostólica,
A CANONICIDADE DA BÍBLIA
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493
já q u e to d o s os a p ó s to lo s m o r r e r a m a n te s d o fin a l d o p r im e ir o s é c u lo . C o m o s a b e m o s q u e os liv ro s d o N o v o T e s t a m e n t o f o r a m c o r r e t a m e n t e c o p ia d o s d esd e o p r in c íp io d a su a c o m p o s iç ã o (v e ja c a p ítu lo 2 6 ), a ú n ic a q u e s tã o q u e n o s r e s ta é sa b e r se to d o s os e sc rito s a p o s tó lic o s d esd e o p r im e ir o s é c u lo f o r a m m e s m o p re se rv a d o s . S e eles o f o r a m , e n tã o estes v in te e s e te liv ro s c o m p le t a m o c â n o n das S a g ra d a s E s c ritu ra s , e n a d a d o q u e t e n h a sido e s c r ito d e p o is d e les p o d e se r c o n s id e ra d o r e v e la ç ã o de D e u s à ig re ja . E x is t e m
d u a s lin h a s d e e v id ê n c ia s a fa v o r d a p r e s e r v a ç ã o d e to d o s o s e s c r ito s
in s p ir a d o s d o s a p ó s t o lo s e d o s se u s c o m p a n h e ir o s n o c o n ju n t o d o s v in t e e s e te liv ro s d o N o v o T e s t a m e n t o . A p r im e ir a ra z ã o e s tá b a s e a d a n o c a r á t e r d e D e u s , e a s e g u n d a , n o c u id a d o e n o t e s t e m u n h o d a ig r e ja . A P ro v id ên cia de D eu s C o m o o D e u s d a B íb lia é o n is c ie n t e (S I 1 3 9 .1 -6 ; 14 7 .5 ), t o d o - a m o r o s o ( M t 5 .4 8 ; 1 Jo 4 .1 6 ), e o n i p o t e n t e ( G n 1.1; M t 1 9 .2 6 ), c o n c lu i- s e q u e E le n ã o in s p ir a r ia liv ro s q u e s e r v ir ia m p a r a a fé e p r á t ic a d a ig r e ja a o lo n g o d o s s é c u lo s , s e m q u e tiv e sse c o n d iç ã o d e p r e s e r v á - lo s . A p e r d a d e liv ro s in s p ir a d o s s e r ia u m la p s o d a p r o v id ê n c ia d e D e u s . O D e u s q u e c u id a d o s p a rd a is c e r t a m e n t e n ã o d e s c u id a r ia d e su a P a la v ra , e o D e u s q u e p r e s e r v o u a s u a r e v e la ç ã o n a n a t u r e z a ( R m 1 .1 9 ,2 0 ), c e r t a m e n t e n ã o f a lh a r ia e m p r e s e r v a r a su a r e v e la ç ã o e s p e c ia l n a s S a g ra d a s E s c r it u r a s ( R m 3 .2 ). E m s u m a , se D e u s in s p ir o u a su a P a la v ra (2 T m 3 .1 6 ), E le t a m b é m a p re s e r v a r á . A P re se rv a çã o p ela Ig reja A p r o v id ê n c ia d iv in a n ã o
so m e n te p r o m e te
a p re serv ação
d e to d o s
os liv ro s
in s p ir a d o s , c o m o a p r e s e r v a ç ã o r e a l d e le s fe it a p e la ig r e ja c o n f ir m a isso . E s ta p r e s e r v a ç ã o f ic a m a n if e s t a d e v á ria s f o r m a s . Primeiro, u m a c o le ç ã o d e ste s liv r o fo i f e it a d esd e os p r im ó r d io s ; a té m e s m o d e n t r o d o p r ó p r io N o v o T e s t a m e n t o e s te p r o c e s s o de p r e s e r v a ç ã o fo i c o lo c a d o e m a ç ã o . L u ca s se r e f e r e a o u t r o s re g is tr o s e s c r ito s d a v id a d e C r is to (L c 1 .1 -4 ), p o s s iv e lm e n t e M a t e u s e M a r c o s . N a e p ís to la d e 1 T i m ó t e o ( 5 .1 8 ), P a u lo c ita o E v a n g e lh o d e L u c a s ( 1 0 .7 ). P e d ro se r e f e r e à c o le ç ã o das e p ís to la s d e P a u lo (2 Pe 3 .1 5 ,1 6 ). P a u lo e x o r t o u q u e a su a e p ís to la d e 1 T e s s a lo n ic e n s e s fo ss e “lid a a to d o s o s s a n to s i r m ã o s ” (1 T s 5 .2 7 ), e o r d e n o u à ig r e ja d e C o lo s s o s : “E , q u a n d o e s ta e p ís to la t iv e r sid o lid a e n t r e v ó s , fa z e i q u e t a m b é m o s e ja n a ig r e ja d o s la o d ic e n s e s ” ( C l 4 .1 6 ). Ju d a s ( 6 ,7 ,1 7 ) a p a r e n t e m e n t e m o s t r a q u e te v e a ce s so a 2 P e d ro (2 P e 2 .4 - 6 ), e o A p o c a lip s e d e J o ã o c i r c u lo u p e la s ig r e ja s d a Á sia M e n o r (A p 1 .4 ). D e s s a f o r m a , a p r ó p r ia ig r e ja a p o s t ó lic a e sta v a e n v o lv id a p e lo im p e r a t iv o d iv in o d a p r e s e r v a ç ã o d o s e s c r ito s a p o s tó lic o s . Segundo, os c o n t e m p o r â n e o s d o s a p ó s t o lo s d e m o n s t r a r a m u m a c o n s c iê n c ia e le v a d a a r e s p e ito d o s e s c r ito s d o s s e u s m e n t o r e s , fa z e n d o c it a ç õ e s p r o lífic a s d e le s ( v e ja c a p ít u lo 17). D e p o is d e le s , os Pais d o p e r ío d o c o m p r e e n d id o e n t r e o s e g u n d o e o q u a r t o s é c u lo f iz e r a m c e r c a d e 3 6 .8 2 9 c it a ç õ e s d o N o v o T e s t a m e n t o , i n c lu in d o t o d o s o s v e r s íc u lo s , à e x c e ç ã o d e 11! D e n t r e esta s, e s tã o 19.368 c it a ç õ e s d o s E v a n g e lh o s , 1.352 d o liv r o d e A to s , 1 4 .0 3 5 d as e p ís to la s d e P a u lo , 8 7 0 das e p ís to la s g e ra is, e 66 4 d o A p o c a lip s e ( v e ja G e is le r e N ix , G IB , c a p ít u lo 2 4 ). S o m e n t e os Pais d o s e g u n d o s é c u lo c it a r a m to d o s o s liv ro s d o N o v o T e s t a m e n t o , à e x c e ç ã o d e u m (3 J o ã o ) , o q u e ta lv e z n ã o t e n h a m f e it o p o r f a lt a de o p o r t u n id a d e . A lé m d o g r a n d e r e s p e ito q u e e le s t in h a m p e lo s e s c r ito s , is to t a m b é m r e v e la u m a r d e n te d e s e jo d e p r e s e r v a r as p a la v ra s a p o s tó lic a s p o r e s c r ito .
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Terceiro, quando foi desafiada pelo ensino herético, co m o o de M arcião, o gnóstico (85-160 d .C .), que som ente aceitava parte do Evangelho de Lucas e dez epístolas paulinas (todas m enos as epístolas pastorais — 1 e 2 T im óteo e T ito), a igreja respondeu co m a definição oficial da abrangência do cânon. Desde os primeiros tem pos, já existiam listas dos livros apostólicos e coleções dos seus escritos, a partir do segundo século. D entre estas listas, estão o C ânon M uratoriano (170 d.C.), o Cânon Apostólico (c. 300), o Cânon de C helten ham (c. 360), e o C ânon Atanasiano (c. 367), bem co m o a tradução no antigo latim (c. 200). Este processo culm inou p or volta do final do quarto e início do quinto século, nos Concílios de Hipona (393) e Cartago (410), os quais confirm aram a lista de vinte e sete livros com o o cânon com pleto do Novo Testam ento. Todas as correntes m ajoritárias da Cristandade aceitam esta confirm ação co m o o veredito perm anente da igreja. Os protestantes evangélicos concordam que o cânon está fechado.
A Proclamação da Igreja M esm o havendo u m certo debate acerca dos livros que foram inicialm ente aceitos pela igreja do Novo Testam ento, em u m certo m o m en to , a igreja cristã universal chegou a u m a unanim idade a respeito dos vinte e sete livros do cânon atual do Novo Testam ento. Não tem havido qualquer debate significativo a respeito deste tem a desde os anos 400 d.C., aproxim adam ente.
O DEBATE SOBRE O CÂNON DO NOVO TESTAMENTO Ao contrário do que ocorreu co m o Antigo Testamento, livros adicionais jamais foram aceitos no cânon do Novo Testamento, m uito tem po depois da sua composição inicial. Além disso, nunca houve qualquer controvérsia séria e duradoura acerca dos livros que foram incorporados ao cânon. Todavia, durante u m certo período, houve questionamentos acerca de alguns livros; estes livros serão chamados de apócrifos do Novo Testamento.
A Lista de Apócrifos do Novo Testamento Os apócrifos do Novo Testam ento incluem a Epístola do Pseudo-Barnabé (c. 70-79 d.C .); a Epístola aos Coríntios (c. 96); o Evangelho de A cordo co m os Hebreus (65-100); a Epístola de Policarpo aos Filipenses (c. 108); o Didaquê, ou o Ensino dos Doze Apóstolos (c. 100-120); As sete Epístolas de Inácio (c. 110); a Antiga Homilia, ou a Segunda Epístola de C lem ente (c. 120-140); o Pastor de Hermas (c. 115-140); o Apocalipse de Pedro (c. 150); e a Epístola aos Laodicenses (século IV?). Às vezes, u m con ju nto de livros conhecidos co m o os Pseudepígrafos (lit. “falsos escritos”) do Novo Testam ento tam bém são cham ados de apócrifos. Estes livros foram e são universalm ente rejeitados pela igreja cristã. Eles incluem os livros do segundo século, co m o o Evangelho de Tom é (u m a obra gnóstica), o Evangelho de Pedro (que con tém heresias docéticas), o Proto-evangelho de Tiago (que con tém u m a devoção prim itiva a M aria), o Evangelho dos Hebreus, e o Evangelho dos Egípcios, bem co m o outros escritos (veja Geisler e Nix, GIB, capítulo 17).
Razões para a Rejeição dos Apócrifos do Novo Testamento Existem várias razões para a rejeição destes livros e a inclusão deles entre os nãocanônicos.
A CANONICIDADE DA BÍBLIA
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Primeiro, n e n h u m d e le s c o n t o u c o m u m a a c e it a ç ã o q u e fo ss e a lé m d o n ív e l l o c a l o u te m p o r á r io . Segundo, a m a io r p a r t e d e le s g o z a v a , n a m e l h o r d as h ip ó te s e s , d e u m status s e m ic a n ô n ic o , n ã o p a s s a n d o d e a p ê n d ic e s d e v á r io s m a n u s c r i t o s o u d e n o m e s lis ta d o s ju n t o s n a ta b e la d e c o n t e ú d o . Terceiro, n e n h u m c â n o n d e i m p o r t â n c ia o u c o n c ilio e c le s iá s tic o o s a c e it o u c o m o p a r t e d a P a la v ra in s p ir a d a d e D e u s ( v e ja “B , I O ” , in : B E C A ). Quarto, a s u a a c e it a ç ã o lim ita d a e t e m p o r á r ia é e x p lic á v e l c o m b a s e n a c r e n ç a e r r ô n e a d e q u e e le s ( 1 ) t e r ia m sid o e s c r ito s p o r u m a p ó s t o lo , o u ( 2 ) h a v ia m sid o c ita d o s c o m o liv ro s in s p ir a d o s ( p o r e x e m p l o , C l 4 .1 6 ). D e p o is q u e e sta s c o m p r e e n s õ e s e r r ô n e a s f o r a m d issip a d a s, e s te s liv ro s f o r a m c o m p l e t a e p e r m a n e n t e m e n t e r e je it a d o s p e la ig r e ja c r is tã .
O FE C H A M E N T O D O C Â N O N BÍBLICO N ã o e x is te q u a lq u e r e v id ê n c ia d e q u e q u a lq u e r e s c r ito in s p ir a d o t e n h a se p e r d id o . I s to p o d e s e r c o n f ir m a d o p o r :
(1) a providência de Deus, (2) a preservação imediata e cuidadosa da igreja, e (3) a ausência de qualquer evidência de qualquer outro livro profético ou apostólico. S u p o s to s e x e m p lo s c o n t r á r io s sã o f a c i lm e n t e e x p lic a d o s c o m o s e n d o :
(4) obras não-inspiradas às quais o autor bíblico fez referência, ou (5) obras inspiradas contidas nos sessenta e seis livros inspirados que recebem, porém, outro nome. A ta b e la a b a ix o n o s a p r e s e n t a u m p a n o r a m a g e r a l d e sta s i n f o r m a ç õ e s .
A C o n firm a ç ã o d o C â n o n A o c o n t r á r i o d o q u e o c o r r e c o m o u t r o s liv ro s tid o s c o m o sa g r a d o s , in c lu s iv e o A lc o r ã o ( v e ja G e is le r e S a le e b , A I , c a p ít u lo 9 ) e o L iv ro d e M ó r m o n ( v e ja G e is le r, C G M ), s o m e n t e a B íb lia é s o b r e n a t u r a l m e n t e c o n f ir m a d a c o m o a P a la v ra d e D e u s , p o is s o m e n t e e la fo i e s c r ita p o r p r o fe ta s q u e t iv e r a m u m a s a n ç ã o s o b r e n a t u r a l a d v in d a de s in a is e m a r a v ilh a s . Q u a n d o M o is é s q u e s t io n o u a D e u s a c e r c a d e c o m o fa r ia p a r a q u e a s u a m e n s a g e m fo ss e a c e ita , D e u s r e s p o n d e u r e a liz a n d o m ila g r e s a tra v é s d e le , “p a r a q u e c r e ia m q u e t e a p a r e c e u o S E N H O R , o D e u s d e s e u s p a is, o D e u s d e A b r a ã o , o D e u s d e Is a q u e e o D e u s d e J a c ó ” ( E x 4 .5 ). P o s t e r io r m e n t e , q u a n d o C o r á se l e v a n t o u p a r a d e sa fia r M o is é s , D e u s n o v a m e n t e in t e r v e io m ir a c u l o s a m e n t e p a r a d e fe n d e r o s e u p r o f e ta ( N m 16). S e m e l h a n t e m e n t e , E lias fo i id e n tific a d o c o m o p r o f e ta d e D e u s p o r m e io d a i n t e r v e n ç ã o s o b r e n a t u r a l f e it a p o r D e u s n o m o n t e C a r m e l o (1 R s 18). N o s E v a n g e lh o s , a té m e s m o N ic o d e m o s , u m m e s t r e d e n t r e o s ju d e u s , d isse a Je su s : “R a b i, b e m s a b e m o s q u e és m e s t r e v in d o d e D e u s , p o r q u e n i n g u é m p o d e f a z e r e ste s s in a is q u e t u fa z e s, se D e u s n ã o f o r c o m e l e ” ( Jo 3 .2 ; c f. Lc 7 .2 2 ). L u c a s r e g is tr o u : “J e su s N a z a r e n o , v a r ã o a p r o v a d o p o r D e u s e n t r e v ó s c o m m a r a v ilh a s , p r o d íg io s e sin a is , q u e D e u s p o r e le fe z n o m e io d e v ó s , c o m o v ó s m e s m o s b e m sa b e is” ( A t 2 .2 2 ). H e b r e u s a f ir m a q u e D e u s t a m b é m t e s t if ic o u “c o m e le s , p o r sin a is , e m ila g r e s , e v á ria s m a r a v ilh a s , e d o n s
X
X X X
X X
X
X
X
X
PSEUDO-BARNABÉ (c. 70-130 d.C.)
X
CLEMENTE DE ROMA (c. 95-97 d.C.) INÁCIO (c. 110 d.C.)
X X
X
X
X
X X
X
X
P0LICARP0 (c. 110-150 d.C.)
X
HERMAS (c. 115-140 d.C.)
X
DIDAQUÊ (c. 120-150 d.C.)
X X o
X
o
X
x
X
X
X
o
DIOGNETO (c. 150 d.C.)
X X X X X X o X X
X X
X
X
X X X X X X X X X X X X X X X X
X
TERTULIANO (c. 150-220 d.C.)
o
-
X X X X X X X X X X X X X X X X
X
ORÍGENES (c. 185-254 d.C.)
o o o
o
CIRIL0 DE JERUSALÉM (c. 315-386 d.C.)
o o o o
o
EUSÉBIO (c. 325-340 d.C.)
-
-
o
o
C? o o o o o o o - o o o o o o o o o o o o o o o o o
o o o
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o o o o o o o o
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o
o o o o o o
o o o o
JERÔNIMO (c. 340-420 d.C.) AGOSTINHO (c. 400 D.C.)
o
MURATÓRIO (c. 170 d.C.)
o o o o o
o
APOSTÓLICO (c. 300 d.C.)
o
CHELTENHAM (c. 360 d.C.)
©o o o o o o o
DIATESSARON, DE TACIAN0
ANTIGA LATINA (c. 200 d.C.)
o
o o o o o o
o
o .„ o
o o o o o o
o
o o o o o o o ©o o o
NICÉIA (c. 325-340 d.C.)
o o o o o © o o o o
HIPONA (c. 393 d.C.)
o o o o o o o o
o o o o o o o o o
o o o o o o* o o o o o o
o o
o o o o o o o
o
o o o o o o o
o o o o o o
o o
o o o o
o
ANTIGA SIRÍACA (c. 400 d.C.)
o
CÁRTAG0 (c. 397 d.C.)
o
CÁRTAGO (c. 419 d.C.)
CDIUiajod OUIOD OpBp = l couu ainE ouiod op-ep = q
oísn p no o j Sb j p = x
s o j a o ^ s s o j p u i u j o j^ ie ri^ ) s o 9 ^ u ie jn Q o ^ u 9 in ie is 0 x
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(c. 170 d.C.)
o o o o o o
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ATANASIANO (c. 367 d.C.)
o o o
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£> O
o
o o o o
c O co
(c. 150-215 d.C.)
o o o
o o o o o o o o o o
g < a'
MARCIÃO (c. 140 d.C.)
o o o o o
CLEMENTE DE ALEXANDRIA
X X o o X o o o o X X X X
o
o
o
JUSTIN0 MÁRTIR (c. 150-155 d.C.)
o
5 -o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o C
-
IRENEU (c. 130-202 d.C.)
o
o
o
X X
X X X
X o
PAPIAS (c. 130-140 d.C.)
X X X o o o o o o o o o o o o o o X
x
X X X
o
o
Mateus
o
X
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Utilizada sob permissão, de A General Introáuction to the Bible, Geisler e Nix, p. 294.
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A CANONICIDADE DA BÍBLIA
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do Espírito Santo, distribuídos por sua vontade” (Hb 2.3,4). E o apóstolo Paulo provou o seu apostolado ao afirmar que “os sinais do meu apostolado foram manifestados entre vós, com toda a paciência, por sinais, prodígios e maravilhas” (2 Co 12.12). Nenhum outro livro neste mundo tem autores que foram confirmados desta maneira miraculosa. De todos os líderes religiosos do mundo, nem Confúcio, nem Buda, nem Maomé, muito menos Joseph Smith, foram sancionados por milagres verificados por testemunhas contemporâneas e dignas de confiança10. Som ente a Bíblia apresenta provas de ser a Palavra de Deus escrita por profetas e apóstolos de Deus, os quais foram confirmados por atos especiais (milagres) de Deus (veja capítulo 29). CON CLUSÃO
A Bíblia é a única revelação escrita infalível de Deus ao hom em . Ela é completa, já que tanto o Antigo quanto o Novo Testamento contêm todos os livros que Deus inspirou para a fé e a prática das gerações futuras. Isto é confirmado pela promessa de Cristo, pela providência de Deus, pela preservação por parte do povo de Deus, e pela proclamação da igreja primitiva. Além disso, a Bíblia é suficiente para a fé e prática; nada mais é necessário; o guia espiritual das nossas vidas não precisa de novos capítulos. O Autor inspirou um manual com pleto desde o início e o preservou intacto, na sua totalidade. FO N TES
Andrews, Herbert. An Introáuction to the Apocriphal Books o f the Olá and New Testaments. Agostinho. The City o f Goá. Beckwith, Roger. The Old Testament Canon o f the New Testament Church and Its Backgrouná in Early Juáaism.
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10Veja Geisler e Saleeb, A I, capítulo 8.
C A P Í T U L O
V I N T E
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RESUMO DAS EVIDENCIAS A FAVOR DA BÍBLIA
alicerce da Apologética está no que se denomina de prolegômenos (veja parte 1). A Bíblia não pode ser a Palavra de Deus se não existir um Deus (veja capítulo 2). Ela também não pode ser sobrenaturalmente confirmada como a Palavra de Deus se não existirem atos sobrenaturais de Deus, tais como os milagres (veja capítulo 3). Todavia, dentro deste contexto, existem muitas linhas de evidências que apóiam a afirmação de que a Bíblia é a Palavra de Deus. Como vimos anteriormente (veja capítulo 2), a ciência tem demonstrado que existe um Criador sobrenatural e superinteligente do universo, da mesma form a como declara o livro de Gênesis (1.1,27; 2.4). Além disso, a Bíblia previu muitas coisas que somente foram descobertas séculos depois pela ciência.
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E V ID Ê N C IA S C IE N T ÍFIC A S A FA V O R D E U M A C A U SA S O B R E N A T U R A L PA R A O U N IV E R S O
Com base em uma verdade óbvia intuitiva de que cada coisa que vêm à existência tem uma causa, a ciência moderna têm mostrado que o universo também deve ter tido uma Causa, já que o universo material passou a existir. Todas as evidências a favor de um começo para o universo apóiam esta conclusão, inclusive a segunda lei da Termodinâmica, a expansão do universo, o eco da radiação, a descoberta pelo Telescópio Espacial Hubble de uma grande massa de energia predita na teoria do Big Bang , a teoria geral da relatividade de Einstein, e a impossibilidade de um número infinito de momentos antes de hoje1. Como vimos anteriormente, à luz de fartas evidências científicas, o astrônomo agnóstico Robert Jastrow escreveu: “Que existem o que eu ou outra pessoa qualquer cham am de forças sobrenaturais em ação, é, no momento, no meu modo de ver, um fato cientificamente comprovado” (“SCBTF”, in: CT, 15,18, grifo adicionado). O físico britânico Edmund Whittaker acrescenta ainda: “E mais simples postular a criação ex nihilo —a vontade divina constituindo a natureza a partir do nada” ( G A , 111)2. E V ID Ê N C IA S C IE N T ÍFIC A S A FA VO R D E U M A C A U SA S U P E R IN T E L IG E N T E PA R A O U N IV E R SO
Existes dois sólidos argumentos a favor de uma Causa superinteligente para o universo e todos os seres vivos. O primeiro vem da Astronomia e o segundo da Microbiologia. 1 Veja Fred Heeren, Show me God: What the Message From Space Is Telling Us About God. evidências.
2 Veja capítulo 2, para obter outras
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
O Princípio Antrópico —Astronomia O princípio antrópico (gr. anthropos, “ser h u m an o ”) postula que o universo foi desenvolvido desde o seu prim eiro m o m en to de existência para perm itir o surgim ento da vida em geral e da vida hum ana, mais especificamente. C o m o observou Roberto Jastrow, o universo foi incrivelm ente pré-adaptado para o aparecim ento eventual da hum anidade, pois se houvesse variações m ínim as no m o m en to do Big Bang, as condições que perm item a vida hum ana não teriam sido possíveis. Se as condições neste nosso universo fossem diferentes, m esm o que n u m grau ínfimo, não seria possível a existência de n en h u m tipo devida. Para que a vida possa ser possível nos dias de hoje, u m conjunto incrível de exigências deve ter estado presente no universo prim itivo — e ele, de fato, estava ( “SCBTF”, in: CT, obra com pleta). As Implicações Teístas do Princípio Antrópico O equilíbrio incrível de m últiplos fatores no universo que to rn o u a vida possível n a terra (e até onde sabemos, em n en h u m ou tro lugar) sugere u m a regulagem precisa realizadapor u m Ser inteligente. C om o até m esm o os cientistas agnósticos jáperceberam , as condições que p roporcionam o surgim ento do princípio antrópico são tais que nos levariam a crer que o universo foi “providencialm ente produzido nos seus detalhes” para o nosso benefício. C om o disse Robert Jastrow, trata-se de u m princípio “teísta”. Nada que seja do con hecim en to dos seres hum anos, além de u m Criador inteligente, seria capaz de pré-ajustar as condições do universo a fim de possibilitar o surgim ento da vida. Ou, em outras palavras, o tipo de especificidade e de ordem no universo que to rn a a vida na terra possível é exatam ente o tipo de efeito que vem , ao que se sabe, de u m a Causa inteligente. Alan Sandage, u m fam oso astrônom o observou:
Como eu já havia dito, o mundo é demasiadamente complicado em todos os seus detalhes para que a sua existência seja atribuída simplesmente ao acaso. Estou convencido de que a existência de vida sobre este planeta, com toda a ordenação que vemos em cada um dos organismos, é simplesmente muito boa, vista como um todo [...] Quanto mais se aprende de bioquímica, mais inacreditável ela se torna, a não ser que se tenha algum tipo de princípio organizador —um arquiteto, para os que crêem [...] (“SRRB”, in: T, 54). Robert Jastrow resum iu:
O princípio antrópico é o desenvolvimento mais interessante a se aproximar de uma prova da criação, e ele é ainda mais interessante porque parece dizer que a ciência por si mesma provou, como umfirme fato, que este universofoi feito e projetado para que o homem nele habitasse. 0 resultado é sobremaneira teísta (“SCBTF”, in: CT, 17).
O Projeto Inteligente Explica a Origem das Formas Complexas de Vida — Microbiologia Ao contrário das afirmações dos evolucionistas modernos, a Bíblia já declarava há séculos que a vida não surge a partir de leis naturais não-inteligentes. A única causa conhecida pelos cientistas capaz de produzir um a complexidade incrível, até m esm o a vida unicelular mais básica, é um a superinteligência. O ex-ateísta Sir Fred Hoyle (1915-2001) afirmou:
RESUMO DAS EVIDÊNCIAS A FAVOR DA BÍBLIA
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Os sistemas bioquímicos são demasiadamente complexos, e esta complexidade é tamanha que a chance de eles terem sido formados por mutações aleatórias de moléculas orgânicas é excessivamente ínfima, a ponto de, na verdade, serem insensivelmente diferentes de zero [...] [Assim, a existência de] uma inteligência, que projetou a bioquímica e fez surgir a origem da vida carbonácea (EFS, 3, 143). A Microbiologia já dem onstrou: (1) Que o código genético da vida é matematicamente idêntico ao da linguagem humana. (2) Que a complexidade especificada de um ser unicelular é igual a trinta volumes da Encyclopedia Brittanica (Enciclopédia Britânica). Alguns dos próprios cientistas naturalistas que rejeitam o fato de u m ser unicelular ter sido criado por u m Ser Superinteligente acreditam, todavia, de form a inconsistente, que um a pequena m ensagem que nos seja enviada do espaço exterior seria suficiente para provar a existência de vida inteligente extraterrestre. O astrônom o Carl Sagan (19341996), por exem plo, acreditava que “o recebimento de um a única mensagem do espaço mostraria que é possível viver através desta adolescência tecnológica” (BB, 275). Contudo, o próprio Sagan observou, em outra ocasião, que a informação genética contida no cérebro hum ano, expressa em bits, era provavelmente comparável ao núm ero total de conexões entre os neurônios — cerca de cem trilhões, 10H bits. Se fossem escritas em inglês, estas informações preencheriam algo em torno de vinte milhões de volumes, suficientes para encher as maiores bibliotecas do m undo. “O equivalente a vinte milhões de livros está contido na cabeça de cada u m de nós. O cérebro é u m lugar m uito grande que se localiza em u m espaço m uito pequeno”. Sagan prossegue, observando que “a neuroquím ica do cérebro é incrivelmente com plexa, com um a rede de circuitos mais maravilhosa do que a de qualquer máquina criada pelos seres hum anos” (Sagan, C, 278). Mas, se for assim, então por que o cérebro hum ano não precisa de u m Criador inteligente, da m esm a form a que aquelas maravilhosas máquinas (co m o os com putadores) desenvolvidas pelos seres humanos? O excelente livro de M ichael Behe, intitulado Darwins Black Box (A Caixa Preta de Darwin), a partir da análise da n atureza de u m a célula viva, proporciona fortes evidências a favor de que ela jamais poderia ter surgido sem que houvesse u m projeto inteligente p or detrás de tudo. A célula representa u m a complexidade irredutível, que não pode ser explicada por interm édio das m utações progressivas alegadas pelos adeptos da teoria da evolução. C om o já vimos, Charles Darwin admitiu: Se alguém pudesse demonstrar que qualquer um dos órgãos complexos que existem não pudessem ser formados por uma enorme série de mutações sucessivas e graduais, a minha teoria estaria completamente arruinada (OOS, 6.a edição, 154). Até m esm o o evolucionista Richard Dawkins concorda: A evolução muito possivelmente, na realidade, não é sempre gradual. Ela, porém, precisa ser gradual quando é usada para explicar a aparição de objetos complicados e aparentemente projetados, como os olhos. Pois, se não for gradual, nestes casos, ela deixa de apresentar qualquer poder persuasivo. Sem a gradualidade, nestes casos, estaremos
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de volta ao tempo dos milagres, o que é sinônimo da total falta de qualquer tipo de explicação [naturalista] (BW, 83). Mas Behe apresenta vários exem plos de complexidades irredutíveis que não podem se desenvolver em pequenas etapas. Veja a sua conclusão: Ninguém na Universidade de Harvard, ninguém nos Institutos Nacionais de Saúde Pública, nenhum membro da Academia Nacional de Ciências, nenhum vencedor do Prêmio Nobel —ninguém em absoluto é capaz de fornecer um relato detalhado sobre como um cílio, a visão, a coagulação sangüínea, ou qualquer outro processo bioquímico complexo, possa ter ocorrido nos moldes da teoria proposta por Darwin. Só que aqui estamos nós. Todas estas coisas chegaram até aqui de alguma maneira; se não foi nos moldes propostos por Darwin, como foi? (DBB, 187). Além disso: São numerosos os outros exemplos de complexidade irredutível, incluindo aspectos da reduplicação do DNA, do transporte de elétrons, da síntese dos telômeros, da fotossíntese, da regulação da transcrição, e mais [...] [Portanto,] a vida na terra no seu nível mais fundamental, nos seus componentes mais críticos, é o produto de uma atividade inteligente (ibid., 160, 193). Behe acrescenta: A conclusão do projeto inteligente flui naturalmente dos próprios dados apresentados — não dos livros sagrados ou de crendices sectárias. A inferência de que os sistemas bioquímicos foram desenvolvidos por um agente inteligente é um processo enfadonho que não requer quaisquer tipos de novos princípios de lógica ou ciência (ibid.). Portanto: O resultado destes esforços cumulativos para a investigação celular —para a investigação da vida a nível molecular—é um grito alto, claro e direto de “projeto!”. O resultado é tão objetivo e tão signifkante que precisa ser considerado como uma das maiores conquistas da história da ciência. Uma descoberta que rivaliza com as de Newton e Einstein (ibid, 232-33).
CONHECIMENTO CIENTÍFICO AVANÇADO DENTRO DA BÍBLIA A Ordem Exata dos Eventos Conhecidos pela Ciência Moderna A lém disso, em u m a época em que os antigos m itos politeístas predom inavam , o au tor de Gênesis declarava que o universo veio à existência a partir do nada p o r u m ato de u m Deus teísta na ordem exata em que a ciência m od ern a haveria de descobrir, u m m ilênio e m eio depois. O universo veio prim eiro (Gn 1.1a), a seguir a terra (1.1b), então os continentes e os mares (1.10). Depois disso, a vida no m ar passou a existir (1.21), depois os animais terrestres (1.24,25), e por fim, depois de tudo o mais, os seres hum anos (1-27). Isto tam bém confirm a a hipótese de que o au to r de Gênesis teve acesso a algum tipo de inteligência que detinha as inform ações acerca da form ação do universo.
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Tudo se Reproduz segundo a sua Espécie Além disso, o prim eiro capítulo de Gênesis tam bém nos in form a que tu d o se reproduz “segundo a sua espécie”, u m fato científico co n trário a m uitas concepções antiquadas, ou até m esm o m odernas, dos “prováveis m o n stren g o s”, as quais advogam , na prática, que u m réptil pode co lo car u m ovo e u m pinto eclodir dele. Porém , tan to a observação repetida quanto o registro fóssil d em on stram que cada tipo de vida produz vida da sua m esm a espécie. N a verdade, até m esm o Stephen }. Gould, reconhecido evolucionista, declarou: A maioria das espécies não apresenta mutações direcionais durante a sua existência neste planeta. Nos registros fósseis, elas apresentam praticamente o mesmo aspecto de quando desapareceram; a mutação morfológica é normalmente limitada e sem direção definida. [Além disso,] em qualquer área localizada, uma espécie não surge gradualmente por intermédio da contínua transformação dos seus ancestrais: ela aparece de forma abrupta e “completamente formada” (“EEP”, in: NH, 13-14).
Os Corpos Humanos Foram Criados a partir da Terra M uitas cren ças politeístas antigas alegam que os seres h u m an os descendem dos deuses ou que eles evolu íram de anim ais inferiores. A ciência n atu ralista m o d e rn a co n co rd a co m os ú ltim o s, apesar do m eio de ev o lu ção te r sido m odificado. O u tros livros religiosos tam b ém alegam pontos de vista n ão-cien tíficos. O A lco rão , p o r exem p lo, ensina que os seres h u m an os fo ram criados a p artir de u m “coágu lo san gü ín eo” (S u ra 23.14). Ao contrário, a Bíblia declara: “E form ou o SENHOR Deus o h om em do pó da terra e soprou em seus narizes o fôlego da vida; e o h o m em foi feito alm a vivente” (G n 2.7). Salom ão acrescentou que na m orte: “E o pó volte à terra, co m o o era, e o espírito volte a Deus, que o deu” (Ec 12.7). A ciência m od ern a confirm a o relato bíblico m ostrando que, além de ser com p osto, na sua m aior parte, por água, o corpo hum ano é feito dos m esm os elem entos encontrados no solo.
A Água da Chuva R etorna à sua Fonte O processo que conhecem os co m o evaporação, condensação e precipitação foi descrito na Bíblia nestes term os, séculos antes de os cientistas con hecerem o seu funcionam ento: “Todos os ribeiros vão para o m ar, e, contudo, o m ar não se enche; para o lugar para onde os ribeiros vão, para aí to rn am eles a ir” (Ec 1.7). Antes de haver chovido no jardim do Éden, a Bíblia afirmou: Um vapor, porém, subia da terra e regava toda a face da terra. E formou o SENHOR Deus o homem do pó da terra e soprou em seus narizes o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente (Gn 2.6,7). Aqui, novam ente, a descrição do au tor bíblico, talvez desconhecendo as particularidades da tecnologia m oderna, está em perfeito acordo co m o que a ciência declarou m uitos séculos depois.
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A Terra É Redonda e Está Suspensa no Espaço Ao contrário da antiga concepção que prop un h a que a terra fosse quadrada, a Bíblia declara que a terra é redonda. Isaías escreveu: “Ele é o que está assentado sobre o globo da terra, cujos m oradores são para ele com o gafanhotos; ele é o que estende os céus com o cortin a e os desenrola co m o tenda para neles habitar” (Is 40.22). U m dos livros mais antigos da Bíblia, cujo relato rem on ta a cerca de quatro mil anos atrás, declara que a te rra está suspensa no espaço. Enquanto outras mitologias do m undo antigo defendiam que a terra estava colocada sobre as costas de Hércules ou estava firmada sobre pilares, vejam os o que Jó declarou a respeito de Deus: “O norte estende sobre o vazio; suspende a terra sobre o nada” (Jó 26.7).
A Vida Está no Sangue O utro segredo da ciência m oderna, esquecido há séculos, foi anunciado há cerca de três mil anos pela Bíblia. Moisés escreveu, em Levítico (17.11): “Porque a alm a da carne está no sangue, pelo que vo-lo ten h o dado sobre o altar, para fazer expiação pela vossa alm a, porquanto é o sangue que fará expiação pela alm a”. De form a similar, a ciência m od ern a sabe que a vida está no sangue, u m fato que é atestado pelo fato de que a perda de grande quantidade de sangue leva à m orte.
O Mar Tem Caminhos e Fronteiras A Bíblia tam bém inform avabem antes da ciência m od ern a que o m ar tinh a cam inhos. O Salmo 8.8 escreveu sobre “as aves dos céus, e os peixes do m ar, e tudo o que passa pelas veredas dos m ares”. Provérbios 8.29 acrescenta: “Quando p u n h a ao m ar o seu term o, para que as águas não trespassassem o seu m ando; quando co m p u n h a os fundam entos da terra”. A plataform a continental que to rn a isto possível é u m a descoberta m uito recente da ciência m oderna.
As Leis Sanitárias O livro de Levítico, m uito antes de se con hecer as bactérias e os germes, prescrevia leis de higiene e limpeza que pressupõem u m conhecim ento de que as doenças se espalham p or germ es que são invisíveis a olho nu (cf. Lv 12—15). A lavagem das m ãos, dos pratos e das roupas, bem co m o leis que tratam do tratam en to co rreto a ser dado aos dejetos hum anos, revelam , no seu con ju nto, u m a fonte que tinha acesso a u m conhecim ento som ente detido pelo Criador. Apesar de a ciência m o d ern a já ter dem onstrado que existe u m Criador sobrenatural e superinteligente do universo, o au to r de Gênesis, co m milhares de anos de antecedência, já havia tido acesso a estas inform ações (veja, M c Millen, N TD ).
O TESTEMUNHO DOS ROLOS C om o já foi dem onstrado nos capítulos 24 e 25, n en h u m livro do m undo antigo apresenta u m a apoio tão significativo em term os de m anuscritos do que a Bíblia. Apesar de os m anuscritos originais não estarem mais disponíveis, as cópias são altam ente confiáveis no sentido de que as possuímos em m aior quantidade, co m data mais antiga, e com m elhor qualidade de transcrição, do que qualquer ou tro livro do m undo antigo.
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Os M a n u sc rito s d o N o v o T e s ta m e n to São m ais N u m e ro so s M uitos dos grandes clássicos da antigüidade sobrevivem so m en te a p artir de u m p u n h ad o de cópias m an u scritas. De aco rd o co m o grande eru d ito F. F. B ru ce (19101991), de M an chester, tem o s nove ou dez boas cópias da Guerras das Gálias, vinte cópias da História de Roma, de T ito Lívio, duas cópias dos Anais de T ácito , e oito m an u scrito s da obra História de Tucídides (N T D , 16). C o m o já vim os, a obra secu lar mais bem d o cu m en tad a do m u n d o antigo é a Iliada de H o m ero , que sobrevive em c e rca de seiscentos e q u arenta e três cópias m an u scritas. E m co n tra ste , existem m ilh ares de m an u scrito s gregos do N ovo T estam en to . 0 Novo Testamento é, de longe, o livro mais bem atestado do mundo antigo. Os M a n u sc rito s d o N o v o T e s ta m e n to S ão A n te rio re s G eralm en te, quanto mais velh o, m e lh o r, já que quanto mais p róxim os ch eg arm os da data original de co m p o sição , m e n o r a probabilidade de degeneração do te x to . A m aio ria dos livros do m u n d o antigo sobrevive n ão so m en te p o r m eio de u m p u n h ad o de m an u scrito s, m as tam b ém em m an u scrito s que fo ram copiados cerca de mil anos depois da co m p o sição original da obra. O m a n u scrito mais antigo das Guerras das Gálias vem de ce rca de novecentos anos depois da ép oca de César. Os dois m an u scrito s de T ácito fo ram produzidos oito e dez séculos depois, resp ectivam en te, dos originais. No caso de Tucídides e H eró d o to , o m a n u scrito mais antigo disponível foi p roduzido cerca de mil e trezentos anos depois dos autógrafos. Mas co m o N ovo T estam en to a coisa m u d a c o m p le ta m e n te de figura (B ru ce , N TD , 16-20). A lém dos m an u scrito s co m p leto s datados de so m en te trezentos anos depois da com p osição original, a m aio r p arte do N ovo T estam en to está preservad a em m an u scrito s co m data in ferior a duzentos anos a p a rtir da data do original (P45, P46, P47), alguns livros do N ovo T estam en to ch egam a ap resen tar data p o u co su perior a cem anos após a com p osição (P66), e u m frag m en to (P52) tem apenas uma geração a p a rtir do p rim eiro século. Sobre o u tras fon tes, é ra ro te r, c o m o no caso da Odisséia, u m m a n u scrito cop iad o so m en te quinhentos anos depois do original. C o n tra sta n d o c o m isso, o N ovo T estam en to sobrevive em livros c o m p le to s co m d ata de p o u c o m ais de cem anos depois da sua co m p o siçã o . C o m o m e n cio n a m o s, o Papiro Jo h n Rylands (P52) ap resen ta d ata de 117-138 d .C . e sobrevive co m o espaço de apenas u m a g eração , a p a rtir da é p o ca da co m p o siçã o original da obra. Livros c o m p le to s (o Papiro B o d m e r) estão disponíveis a p a rtir de 200 d .C ., e a m a io r p a rte do N ovo T estam en to , inclusive to d o s os E v an g elh o s, está disponível no Papiro C h ester B eatty , escrito 150 anos depois do fe ch a m e n to do N ovo T e sta m e n to (isto é, c. 250 d .C .). C o m eçan d o pelo ano 350 d .C ., os grandes m an u scrito s do N ovo T estam en to con hecid os co m o o C ódice V aticano e o C ódice Sinaitico nos ap resentam p raticam en te o N ovo T estam en to co m p le to . Nenhum outro livro do mundo antigo apresenta um lapso tão pequeno de tempo (entre a composição e cópia manuscrita mais antiga) como o Novo Testamento3.
3 C onform e já vimos, o Alcorão apresenta um intervalo m enor do que a maioria dos livros, contudo ele nao é literatura do mundo antigo, mas sim do período medieval, cerca de setecentos anos depois do Novo Testamento.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Os Manuscritos do Novo Testamento Foram Copiados com Maior Exatidão O Novo Testam ento (prim eiro século) é o livro mais precisam ente copiado do m undo antigo. W estcott e H ort, famosos eruditos textuais, estim aram que som ente u m sessenta avos das suas variações passam do nível da “trivialidade”, o que deixaria o texto 98,33 por cento puro. O grande erudito John A. T. Robertson declarou que a preocupação real se estende a u m a “milésima parte do texto com p leto” ( IT C N T , 22), o que tornaria o Novo T estam ento 99,9 por cento livre de variações. Philip Schaff, u m fam oso historiador, calculou que das 150.000 variantes conhecidas na sua época, som ente quatrocentos e cinqüenta afetavam o significado de u m a passagem, das quais som ente cinqüenta eram m udanças significativas e nenhuma sequer afetava qualquer “artigo de fé ou preceito m oral que não estivesse m aciçam ente sustentado p o r outras passagens inquestionáveis, ou pelo teor com pleto dos ensinos das Escrituras” ( C G T E V, 177). Cem por cento da mensagem do Novo Testamento estão preservados nos seus manuscritos! Sir Frederick Kenyon, u m a autoridade no assunto, concluiu: O número de manuscritos do Novo Testamento, de suas traduções iniciais, e de suas citações feitas pelos escritores mais antigos da Igreja, é tão grande que é praticamente certo que a leitura verdadeira de cada uma das passagens controvertidas este ja preservada em uma ou outra destas autoridades antigas [...] Isto não pode ser dito de nenhum outro livro do mundo (OBAM, 55).
Os Manuscritos do Novo Testamento Foram Escritos por Testemunhas Oculares e Contemporâneos dos Fatos As cópias dos m anuscritos não se apresentam som ente em m aior quantidade, co m data antiga, e com m elh or qualidade, m as são tão antigas ap onto de confirm arem o fato de terem sido escritas por testem unhas oculares e contem porâneos dos acontecim entos. O próprio N ovo Testam ento alega ter vindo do testem unho de testem unhas oculares. Leiamos novam ente o que Lucas escreveu: Tendo, pois, muito empreendido pôr em ordem a narração dos fatos que entre nós se cumpriram, segundo nos transmitiram os mesmos que os presenciaram desde o princípio e foram ministros da palavra, pareceu-me também a mim conveniente descrevê-los a ti, ó excelentíssimo Teófilo, por sua ordem, havendo-me já informado minuciosamente de tudo desde o princípio, para que conheças a certeza das coisas de que já estás informado (Lc 1.1-4). N a verdade, Colin H em er (A SH H , obra com pleta) dem onstrou que Lucas deve ter com posto o seu Evangelho por volta do ano 60 d.C., u m pouco antes de Atos (cf. A t 1.1 e Lc 1.1). C om o Jesus m o rre u por volta do ano 33 d.C., isto colocaria Lucas som ente vinte e sete anos depois dos acontecim entos, n u m a época em que a maioria das testem unhas oculares ainda estava viva. Paulo fala em mais de quinhentas testem unhas oculares da ressurreição ao escrever 1 Coríntios, que é datada, até m esm o pelos críticos, por volta dos anos 55-56 d.C. Isto representa som ente vinte e dois ou vinte e três anos depois dos eventos descritos naquela carta (1 Co 15.6). O apóstolo João tam bém alegou ser u m a testem u nh a ocu lar nos seus escritos:
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O que era desde o p rin cíp io , o qu e vim os co m os nossos o lh o s, o que tem o s co n tem p lad o , e as nossas m ãos to ca ra m da Palavra da vida [...] (1 Jo 1.1,2; cf. Jo 21.22-25).
Pedro acrescentou: Porque n ã o vos fizem os saber a v irtu d e e a vinda de nosso S e n h o r Jesus C risto , seguindo fábulas a rtificia lm en te co m p o stas, m as nós m esm o s vim os a sua m ajestad e (2 Pe 1.16).
M uitos estudiosos notáveis, inclusive alguns críticos, têm questionado de fo rm a convincente que os livros do Novo Testam ento foram escritos durante o tem po de vida das testem unhas oculares. W illiam A lbright, u m arqueólogo liberal falecido, escreveu: Todos os livros do N ovo T esta m e n to fo ra m escritos p o r u m ju d eu batizado en tre os anos q u aren ta e o ite n ta do p rim eiro sécu lo d.C. (m u ito p ro v av elm en te, em alg u m a época e n tre 50 e 75 d .C .) ( “WA”, in : CT, 359).
Fam oso pelo seu papel no lançam ento do m o vim en to da “M o rte de D eu s”, o Bispo Jo h n R obertson escreveu u m livro revolucionário intitulado Redating the New Testament (U m a Nova D atação Para o N ovo T estam en to), no qual ele postula um a revisão nas datas de form ação dos d ocu m en tos neotestam en tários que os colocam em datas anteriores às aceitas até m esm o pela m aioria dos estudiosos conservadores. Lem bre-se de que ele coloco u M ateus em c. 4 0 -6 0 + ; M arcos, em c. 45-60; Lucas, em c. 5 7 -6 0 + ; e João, em 406 5 + ( R N T , 352-354). Isto significaria que alguns Evangelhos poderiam ser tão antigos a ponto de terem sido escritos apenas sete anos depois da m o rte de Jesus, bem com o colocaria a confiabilidade dos d ocu m en tos do N ovo T estam en to acim a de qualquer suspeita razoável. O T E S T E M U N H O D O S E S C R IB A S O u tra fo rte lin h a de evidência acerca da origem divina da Bíblia é o testem u n h o dos autores. Estes hom ens não som ente ensinaram , mas tam bém viveram e m o rreram pelo mais alto padrão de m oralidade e honestidade con h ecid o pela hum anidade. Apesar da perseguição e da m o rte (Hb 11.32-38), eles insistiram em p roclam ar o que consideravam ser a m ensagem de Deus. A N a tu re z a de u m P ro fe ta c o m o P o r ta -v o z de D eu s U m p ro feta b íb lico é d escrito nestes te rm o s vividos: “F alou o S e n h o r JEOVÁ, q u em n ão p ro fetizará?” (A m 3.8). Ele é aq u ele que fa la “todas as palavras que o S e n h o r fa lo u ” (cf. Ex 4.30). D eus d eclaro u as segu in tes palavras a M oisés acerca dos p rofetas: “P orei as m in h a s palavras n a sua b oca, e ele lhes falará tu d o o que eu lhe o rd e n a r” (D t 18.18). Ele a cre scen to u : “N ada a cre scen ta reis à palavra que vos m an d o, n e m d im in u ireis d ela ” (D t 4.2). Jerem ias receb eu a seg u in te o rd em : “A ssim diz o SEN H O R: P õ e-te no á trio da Casa do SE N H O R e dize a todas as cidades [...] todas as palavras que te m an d ei que lh es dissesses; não esqueças n e m u m a p a lav ra” (Jr 26.2). E m su m a, u m p ro fe ta era alg u ém que dizia “o que D eus lh e dizia p ara d izer”, nada m ais nad a m en os.
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Os Profetas Afirmavam Ser Movidos pelo Espírito de Deus Ao longo de toda a Escritura, os autores afirm aram estar sob a direção do Espírito Santo (2 Sm 23.2; 2 Pe 1.21), mas nem todos os profetas eram conhecidos pelo nom e de profeta. Alguns eram reis, co m o Davi, e m esm o assim ele não deixou de ser u m p ortavoz de Deus'1. Outros foram legisladores, co m o Moisés, m as ele tam bém foi u m profeta e porta-voz de Deus (D t 18.18). Alguns escritores da Bíblia chegam a negar o titulo de profeta (A m 7.14,15), querendo dizer co m isso que não profetizavam por profissão, com o Samuel e a sua escola de profetas (1 Sm 19.20). Todavia, m esm o que não ten h a sido u m profeta por ofício, Am ós certam en te foi u m profeta p o r d om divino (cf. A m 7.14,15). Ou seja, os profetas eram usados co m o porta-vozes de Deus.
“Assim diz o Senhor” N em todos os profetas falavam sem pre no estilo em prim eira pessoa de u m explícito “Assim disse o Senhor”. Expressões co m o esta (Is 1.11,18; Jr 2.3,5), “Disse D eus” (Gn 1.3,6 etc.), “Veio a m im a palavra do SENHOR” (Jr 32.6; Ez 30.1 etc.), ou similares, são encontradas centenas de vezes nas Sagradas Escrituras. Elas revelam , acim a de qualquer dúvida, que os autores afirmavam estar entregando a própria Palavra de Deus. Aqueles que escreviam livros históricos, co m o o profeta Jeremias (Reis), falavam de form a a sugerir a ação de Deus: “Assim fez o Senhor”. Estes escreviam u m a m ensagem que tratava mais dos atos de Deus em favor do seu povo do que das palavras de Deus a seu povo. Todavia, todos os autores bíblicos foram vasos por m eio dos quais Deus transm itiu a sua m ensagem à hum anidade.
As Escrituras Afirmam Ter Sido Sopradas por Deus Escrevendo sobre o cânon do Antigo Testamento com o um todo, o apóstolo Paulo declarou: “Toda Escritura divinamente inspirada é proveitosa para ensinar, para redargüir, para corrigir, para instruir em justiça, para que o hom em de Deus seja perfeito e perfeitamente instruído para toda boa obra” (2 T m 3.16,17). Jesus descreveu as Escrituras com o a própria “palavra que sai da boca de Deus” (M t 4.4). Elas foram escritas por homens que falavam da parte de Deus. Paulo disse que os seus escritos eram “palavras [...] que o Espírito Santo ensina” (1 Co 2.13).
O que a Bíblia diz, Deus diz C om o tem os estabelecido, o u tra form a pela qual a Bíblia alega ser a Palavra de Deus é expressa na fórm ula: “O que a Bíblia diz, Deus diz”. Isto fica manifesto no fato de que freqüentem ente passagens do Antigo Testam ento reivindicam que Deus é quem falou; contudo, quando estas mesm as passagens são citadas no N ovo Testam ento, este afirma que “as Escrituras” é que o disseram. E algumas vezes o oposto é verdadeiro, a saber, que no Antigo Testam ento é a Bíblia que registra o que se diz, m as o Novo Testam ento declara que foi Deus quem o disse (cf. Gn 12.3 e G 13.8; Gn 2.24 e M t 19.4,5).
A Bíblia Afirma Ser a “Palavra de Deus” Por diversas vezes, a Bíblia afirma ser “a Palavra de Deus”, nestes próprios termos (M t 15.6). Paulo se refere às Sagradas Escrituras com o sendo os “oráculos de Deus” (R m 3.2, BJ), e Pedro declara: 4 Mesmo assim, Davi é também chamado de “profeta” em Atos 2.29-39.
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“sendo de novo gerados, não de semente corruptível, mas da incorruptível, pela palavra de Deus, viva e que permanece para sempre” (1 Pe 1.23; veja tam bém Hb 4.12, grifo adicionado em tudo). C o m o existem sólidas evidências de que os autores bíblicos eram h om ens verdadeiros (eles não só ensinavam a m ais elevada ética, co m o viviam esta ética e estavam dispostos a m o rre r p o r ela), quando declaravam que a Bíblia tin h a origem divina e não hu m ana, existe u m a boa razão para acreditar n o que eles falavam . Na verdade, a verdade nos seus escritos pode ser verificada em evidências posteriores, p o r m eio dos m ilagres (sobrenatu rais) e da A rqueologia (as pedras). O TESTEM U N H O DO SO BREN A TU RA L A Bíblia é u m livro sobrenatural, o qual faz predições sobrenaturais e co n tém confirm ações sobrenaturais. P red içõ es S o b re n a tu ra is n a Bíblia A Bíblia co n tém aproxim adam ente trezentas profecias acerca de Cristo. A té m esm o os críticos concord am que as m ais recentes são de aproxim ad am ente duzentos anos antes da sua época; m uitas fo ram entregues centenas de anos antes do seu n ascim en to. Cada u m a delas se cu m priu co n fo rm e foi predita, e elas são n o rm alm en te claras e específicas. Elas nos diziam que Jesus seria: (1) nascido de mulher (Gn 3.15; cf. G1 4.4); (2) nascido de uma virgem (Is 7.14; cf. Mt 1.21ss.); (3) “cortado” (m orto) 483 anos depois da declaração para a reconstrução do Templo, em 444 a.C. (Dn 9.24ss.). (Esta profecia se cumpriu no ano exato [Hoehner, CALC, 115-38].); (4) da descendência de Abraão (Gn 12.1-3 e 22.18; cf. M t 1.1 e G13.16); (5) da tribo de Judá (Gn 49.10; cf. Lc 3.23,34 e Hb 7.14); (6) da casa de Davi (2 Sm 7.12ss.; cf. Mt 1.1); (7) nascido em Belém (Mq 5.2; cf. Mt 2.1 e Lc 2.4-7); (8) ungido pelo Espírito Santo (Is 11.2; cf. Mt 3.16,17); (9) precedido por um mensageiro do Senhor (Is 40.3 e Ml 3.1; cf. M t 3.1,2); (10) um realizador de milagres (Is 35.5,6; cf. Mt 9.35); (11) um purificador do Templo (Ml 3.1-3; cf. Mt 21.12ss.); (12) rejeitado pelos judeus (SI 118.22; cf. 1 Pe 2.7); (13) sofreria uma morte humilhante (SI 22 e Is 53; cf. Mt 27.31ss.), envolvendo: A. a rejeição por parte do seu próprio povo (Is 53.3; cf. Jo 1.10,11; 7.5,48); B. o silêncio diante dos seus acusadores (Is 53.7; cf. Mt 7.12-19); C. o escárnio por parte das pessoas (SI 22); D. a perfuração das suas mãos e pés (SI 22.16; cf. Lc 23.33); E. a crucificação junto com pecadores (Is 53.12; cf. Mc 15.2728 e Mt 27.38); F . a oração pelos seus perseguidores (Is 53.12; Lc 23.34); G. a perfuração na lateral do seu abdômen (Zc 12.10; cf. Jo 19.34); H. o seu sepultamento em um túmulo de pessoa abastada (Is 53.9; cf. Mt 27.57-60); I. o lançamento de sortes para decidir quem ficaria com as suas vestes (SI 22.18; cf. Lc 23.24 e Jo 19.23,24);
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(14) ressuscitado dentre os mortos (SI 2.7; 16.10; cf. At 2.31 e Mc 16.6); (15) ascenderia aos céus (SI 68.18; cf. At 1.9); e (16) sentaria à direita de Deus (SI 110.1; cf. Hb 1.3). Ao contrário das predições mediúnicas, que geralm ente são de cu rto prazo, apresentam u m caráter geral, e n orm alm en te são falsas (veja Geisler, “PAPB”, in: BEC A ), estas predições bíblicas n orm alm en te eram específicas, sem pre de longo prazo, e jamais falharam . U m estudo feito co m médiuns famosos ( The Peopless Almanac [Almanaque Popular], 1976) revelou que eles estavam errados em 92 p o r cento dos casos. Jeanne Dixon, por exem plo, n orm alm en te falhava, e a sua biógrafa,'Ru th M ontgom ery, admitiu que ela entregou profecias falsas. Dixon “predisse que a C hina Verm elha m ergulharia o m undo em u m a gu erra por Q uem oy e M atsu em outubro de 1958; ela tam bém pensou que o líder trabalhista W alter R eu th er tentaria ativam ente a presidência no ano de 1964”. Em 19 de outubro de 1968, ela deu certeza de que Jacqueline Kennedy não estava pensando em se casar; no dia seguinte, ela se casou co m Aristóteles Onassis. Ela tam bém disse que a Terceira G uerra Mundial com eçaria em 1954, que a G uerra do Vietnã term inaria em 1966, e que Fidel Castro seria expulso de Cuba em 1970. U m estudo das previsões feitas p o r médiuns em 1975, e observadas até 1981, inclusive as projeções de Jeanne Dixon, m ostrou que das setenta e duas previsões, som ente seis se realizaram , de u m a m aneira ou de outra. Destas seis, duas eram vagas e duas outras eram coisas óbvias —os Estados Unidos e a Rússia perm aneceriam co m o as duas superpotências do m undo e não haveria n en h u m a gu erra mundial (veja Geisler, “PAPB”, in: BECA ). C om u m índice de acerto de som ente 8 p o r cento, co m o alguém poderia levar esta gente a sério? M esm o esta percentagem poderia facilm ente ser explicada co m o acaso ou conhecim ento geral das circunstâncias. Até m esm o a previsão de Jeanne Dixon a respeito da m o rte de John Kennedy era vaga, errada (ela disse que a eleição de 1960 seria dom inada pelo partido trabalhista, o que não o co rreu ), e contradizendo outras previsões dela m esm o — ela disse que Nixon deveria vencer e isto não aconteceu. C ertam ente, não havia nada de m ilagroso nisso. Primeiro, Jeanne Dixon jamais citou o n om e de “Kennedy”, ao passo que a profecia da Bíblia (forçando aqui u m a com paração co m as “predições” dela) citou o n om e do Rei Ciro u m século e m eio antes de ele nascer e disse o que ele realizaria (veja Is 45.1). Segundo, Jeanne não deu n en h u m detalham ento de co m o , onde ou quando Kennedy seria m o rto (cf. a especificidade das previsões bíblicas quanto ao local, à época e à m aneira do nascim ento e da m o rte de Cristo). Terceiro, as predições de Jenne Dixon era gerais. Tudo o que ela adivinhou foi que u m presidente d em ocrata m o rreria no cu m p rim ento do seu ofício. C om o existe um a chance de aproxim adam ente 50 por cento de haver u m presidente dem ocrata, e u m a chance razoável de que ele possa receber u m tiro durante u m m andato duplo (reeleição esperada), não há nada de anorm al nas suas previsões. A lém disso, há cerca de u m século, a cada vinte anos, aproxim adam ente, u m presidente era m o rto a bala. A té m esm o Ronald Reagan, mais tarde, quase foi m o rto no exercício da presidência. Sem elhantem ente, as previsões altam ente “respeitadas” de Nostradam us nada têm de surpreendentes. Ao contrário da crendice popular, ele n orm alm en te falhava quando entrava nos detalhes, n orm alm en te era vago, e jamais previu algumas das coisas a ele atribuídas (veja Geisler, “N ”, in: BEC A ). Por exem plo, ele jamais previu o local ou o ano do grande terrem o to da Califórnia, e a data posteriorm ente acrescentada não se
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cum priu. A m aior parte das suas previsões “fam osas”, co m o o surgim ento de Hitler, tam bém se m ostra com pletam ente despropositada. Ele m encionou “h ister” (u m lugar), e não Hitler (u m a pessoa). Som ente a Bíblia faz previsões específicas, de longo prazo, e que se cu m p rem em detalhes. Isto representa mais u m a evidência da origem divina da Bíblia. C o n firm a çõ e s S o b re n a tu ra is n a B íblia Além das previsões sobrenaturais contidas na Bíblia, nela tam bém existem várias confirm ações sobrenaturais. Sempre que houve necessidade, os profetas de Deus recebiam u m a confirm ação divina especial. Moisés recebeu habilidades para execu tar milagres (Ex 4.1ss.), incluindo a capacidade de criar a vida a partir do pó (E x 8.16,17) e de dividir as águas do m ar Vermelho (Ex 14). Elias foi confirm ado p o r Deus co m o profeta ao fazer descer fogo do céu (1 Rs 18), e Eliseu realizou m uitos milagres para provar que era u m profeta, inclusive a ressurreição de um m o rto (2 Rs 4.8-37). O Novo Testam ento nos relata que foi, “Jesus N azareno, varão aprovado p or Deus entre vós com maravilhas, prodígios e sinais, que Deus por ele fez no m eio de vós, com o vós m esm os bem sabeis” (A t 2.22). Na verdade, o líder judeu duvidoso, N icodem os, disse a Jesus: “Rabi, bem sabemos que és m estre vindo de Deus, porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não for co m ele” (Jo 3.2). Paulo declarou ter os sinais m iraculosos de u m apóstolo (2 Co 2.12). O au to r dos Hebreus tam bém afirmou: C o m o escap arem os nós, se n ão a ten ta rm o s p ara u m a tão gran de salvação, a qual, co m eça n d o a ser an u n ciad a p elo S e n h o r, fo i-n o s, depois, co n firm ad a p elos qu e a ou viram ; testificand o ta m b é m D eu s c o m eles, p o r sinais, e m ilagres, e várias m aravilh as, e dons do Espírito S an to , distribuídos p o r su a vontade? (H b 2.3,4).
Até m esm o o A lcorão reconhece que Jesus teve a confirm ação do seu ministério profético pela execução de milagres, incluindo a ressurreição de u m a pessoa (Sura 5.113). O próprio profeta M aom é se recusou a realizar milagres co m o os profetas que o antecederam (Sura 6.37). A verdade é que não existe ou tro livro no m undo cujas verdades sejam confirmadas por eventos sobrenaturais historicam ente críveis. O T E S T E M U N H O D A E S T R U T U R A (D A BÍBLIA ) U m a das linhas de apoio das evidências a favor da origem divina da Bíblia é a sua incrível unidade em m eio à sua vasta diversidade. Ou seja, apesar de a Bíblia ter sido com posta p or várias pessoas co m origens diferentes e em diferentes períodos, ela consegue, contudo, apresentar evidências espantosas de ser obra de u m a só M ente que perm eia todo o seu conteúdo. Considere, prim eiram ente, a incrível diversidade da Bíblia. Prim em , ela foi escrita ao longo de um período de, aproximadamente, mil e quinhentos anos ou mais (desde, pelo m enos, 1400 a.C até, aproxim adam ente, 100 d.C.). Segundo, ela é com posta por sessenta e seis livros diferentes. Terceiro, seus livros foram escritos p o r cerca de quarenta autores diferentes. Quarto, ela foi com posta em três idiomas diferentes — hebraico, grego, e porções em aram aico.
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Quinto, ela con tém centenas de temas diferentes. Sexto, ela foi escrita em u m a variedade de estilos literários, incluindo m aterial histórico, didático, poesias, parábolas, alegorias, literatu ra apocalíptica, e literatu ra épica. Sétimo, ela foi com p osta por autores que exerciam profissões diferentes. Mesmo assim, apesar de toda esta diversidade, a Bíblia revela um a unidade impressionante. Primeiro, ela apresenta u m dram a contínuo de redenção, de Gênesis a Apocalipse, do Paraíso perdido ao Paraíso Reconquistado; da criação de todas as coisas à consum ação de todas as coisas (Sauer, DW R e TC, obra com pleta). Segundo, a Bíblia tem u m tem a central: a pessoa de Jesus Cristo (Lc 24.27,44). No Antigo Testamento, Cristo é visto co m expectativa; no Novo, co m realismo. No Antigo Testamento, Ele é predito; no Novo, Ele se torna presente (M t 5.17,18). A expectativa histórica do Antigo Testamento se transform ou em u m a realização histórica no N ovo Testamento. Terceiro, a Bíblia tem u m a mensagem unificada: O problema da humanidade é o pecado, e a solução é a salvação por intermédio de Cristo (Lc 19.10; M c 10.45). U m a unidade tão incrível em meio a um a diversidade tão grande só pode ser corretam ente explicada pela sua divindade. A m esm a M ente que os escritores da Bíblia alegam ter-lhes inspirado parece tê-los supervisionado, costurando todas as suas peças em u m mosaico m aior da verdade. Os críticos alegam que isto não é assim tão surpreendente considerando que os autores que foram se sucedendo sem pre tinham con hecim en to do conteúdo deixado pelos anteriores, e que, p ortan to, eles podiam construir sobre o fundam ento deixado sem contradizê-lo. Ou que as gerações posteriores som ente aceitaram no cânon em form ação os livro de autores que pareciam se encaixar co m os demais. En tretanto, estas objeções desconsideram vários fatos im portantes. Primeiro, n em todos os autores bíblicos possuíam todos os outros livros ao escrever o deles. Alguns escreveram no exílio (Ezequiel). Outros escreveram em países estrangeiros (Ester). Alguns foram escritos no Oriente (Hebreus), ao passo que outros vieram da Ásia M enor (João) ou de R om a (2 T im óteo). Segundo, n em todos os autores de livros bíblicos estavam conscientes do fato de que as suas obras seriam incluídas no cân on, da m an eira co m o o co rre u (p o r exem plo, C antares de Salom ão ou Provérbios). Logo, eles não poderiam ter direcionado a sua obra naquela direção. Terceiro, os livros não foram aceitos no cânon centenas de anos mais tarde por pessoas que estavam à procura de livros que serviriam ao cânon. Apesar de algumas gerações posteriores terem levantado dúvidas legítimas acerca de com o algumas obras vieram a fazer parte do cânon, existem evidências de que os livros foram aceitos de imediato pelos contem porâneos, da form a com o foram escritos. Por exem plo, quando Moisés escreveu, seus livros foram colocados próxim os à arca da aliança (D t 31.26). Posteriormente, quando Josué escreveu, os seus livros foram colocados junto co m os de Moisés. De maneira semelhante, Daniel possuía u m a cópia de Moisés e dos profetas que o precederam , inclusive de u m contem porâneo seu cham ado Jeremias (Dn. 9.2). No Novo Testamento, Paulo cita Lucas (1 T m 5.18; cf. Lc 10.7), e Pedro tinha consigo as epístolas de Paulo (2 Pe 3.15,16). Apesar de nem todos os cristãos possuírem todos os livros em todos os lugares, de form a imediata, os destinatários dos livros os aceitaram de form a imediata, com o tam bém as outras igrejas os iam aceitando paulatinamente, à medida que confirmavam a sua autenticidade.
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Quarto, m e s m o se t o d o s os a u t o r e s b íb lic o s p o s s u ís s e m to d o s os o u t r o liv ro s a n te s d e r e d ig ir e m o se u t r a b a lh o , a B íb lia c o n t in u a r ia t e n d o u m a u n id a d e q u e t r a n s c e n d e a c a p a c id a d e h u m a n a n o r m a l . N a v e rd a d e , t e r ía m o s q u e s u p o r ( a o c o n t r á r i o d o s fa to s ) q u e to d o s o s a u t o r e s d a B íb lia e r a m g ê n io s e m lit e r a t u r a , o s q u ais tiv e r a m , a o m e s m o t e m p o , a c a p a c id a d e d e e n x e r g a r a u n id a d e m a is a m p la e o “p l a n o ” d as S a g ra d a s E s c r itu r a s , ju n t o c o m o p a p e l q u e a su a o b r a e x e r c e r ia n o to d o , d e f o r m a q u e o f in a l im p r e v is t o o c o r r e s s e s e m q u e e le m e s m o p u d e s s e p r e v e r q u a l se ria . É s im p le s m e n t e m a is fá c il p o s t u l a r q u e u m a M e n t e ú n ic a e s u p e r v is o r a e sta v a p o r d e tr á s d e t u d o , u m a M e n t e q u e fe z o p la n o e o e s q u e m a , b e m c o m o a f o r m a c o m o t u d o o c o r r e r ia , d esd e o p r in c íp io (Is 4 6 .1 0 ). P a ra ilu s t r a r a i n c r ív e l u n id a d e d a B íb lia , s u p o n h a m o s , p o r e x e m p lo , q u e u m liv ro d e a c o n s e l h a m e n t o m é d ic o tiv e sse sid o e s c r it o p a r a u m a fa m ília , re d ig id o p o r q u a r e n ta m é d ic o s , a o lo n g o d e 1.500 a n o s , o s q u ais f a la v a m id io m a s d ife r e n te s e t in h a m tr a t a d o d e c e n te n a s d e tó p ic o s d ife r e n te s e t c . Q u e tip o d e u n id a d e h a v e r ía m o s d e e sp e ra r? U m c a p ít u lo d ir ia q u e to d a s as d o e n ç a s sã o c a u sa d a s p o r d e m ô n io s q u e p r e c is a m se r e x o r c iz a d o s . O u t r o a le g a ria q u e to d a s as d o e n ç a s e s tã o n o s a n g u e , q u e p r e c is a r ia s e r r e t ir a d o d o c o r p o ( p o r isso , a té h o je o s t o t e n s d e b a r b e a r ia s n o s E s ta d o s U n id o s e I n g la t e r r a t ê m u m a lis tr a v e r m e l h a , p o r s e r e m e le s q u e f a z ia m a s a n g r ia d as p e s s o a s ), e n q u a n t o o u t r o a le g a ria q u e a d o e n ç a é p s ic o s s o m á t ic a , u m a q u e s tã o d e c o n t r o l e da m e n t e s o b r e o c o r p o . U m liv r o a ssim d e ix a ria m u i t o a d e s e ja r e m t e r m o s d e u n id a d e e c o n t in u id a d e , e n i n g u é m s e r ia m e n te o c o n s id e r a r ia u m a f o n t e d e fin itiv a o n d e p u d e s s e o b t e r as r e s p o s ta s s o b r e a c a u s a e a c u r a d as d o e n ç a s . C o n t u d o , a B íb lia , m e s m o t e n d o u m a d iv e rsid a d e a in d a m a io r , é o liv r o m a is v e n d id o d o m u n d o , p r o c u r a d o a in d a p o r in c o n tá v e is m u ltid õ e s c o m o a s o lu ç ã o p a r a os m a le s e s p ir itu a is d a h u m a n id a d e . D e to d o s o s liv ro s , s o m e n t e e la p r e c is a d o f a t o r D e u s p a r a e x p lic a r a su a in c r ív e l u n id a d e e m m e io à su a d iv e rsid a d e d e b e le z a s . E c o m o e x is t e m e v id ê n c ia s de q u e e s ta D iv in d a d e e x is te ( v e ja c a p ít u lo 2 ), a u n id a d e d a B íb lia s e r v e d e e v id ê n c ia d e q u e e la é o S e u L iv ro .
O T E S T E M U N H O DAS PED R A S A s p e d ra s c la m a m e m a p o io à h is to r ic id a d e e a u te n tic id a d e d a B íb lia . N e n h u m a d e s c o b e r t a a r q u e o ló g ic a ja m a is r e f u t o u q u a lq u e r a f ir m a ç ã o b íb lic a , ao p a ss o q u e m ilh a r e s d e a c h a d o s c o n f ir m a m , t a n t o n o g e r a l q u a n t o n o s d e ta lh e s , o r e la t o b íb lic o . C o m o já le m o s a n t e r io r m e n t e , o r e n o m a d o a r q u e ó lo g o N e ls o n G lu e c k a f ir m o u o u s a d a m e n t e : A b e m da verdade [...] p o d em os afirm ar categ o rica m en te que n e n h u m a d escob erta arq u eo ló g ica ch eg ou ase co n tra p o r às referên cias bíblicas. Vários achados arq u eo ló g icos já fo ra m feitos de fo rm a a co n firm a r u m esb oço claro ou afirm açõ es h istó ricas ex a ta m en te d etalhad as p ela Bíblia ( RD, 31). W illia m F. A lb r ig h t c o n c lu iu : “N ã o p o d e h a v e r d ú v id a d e q u e a A r q u e o lo g ia t e m c o n f ir m a d o a h is to r ic id a d e s u b s ta n c ia l d a tr a d iç ã o v e t e r o t e s t a m e n t á r i a ” ( A R I , 176). A lé m d isso: A m edida que os estu d os críticos fo re m cada vez m ais sendo influen ciad os p ela riqueza dos m ateriais re cé m -d e sco b erto s n o O rien te M éd io, v ere m o s u m a u m e n to n o resp eito pelo significado h istó rico de passagens e d etalhes que h o je são desprezadas ou negligenciadas do A ntigo e do N ovo T esta m e n to (FSAC, 81).
514 #
TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Para o Antigo Testam ento, as confirm ações arqueológicas chegaram até ao relato da Criação (G n 1—2), nas Tabuletas de Ebla5, inclusive ao Dilúvio de Noé (G n 7—9), à Torre de Babel (G n 11), à história dos patriarcas (G n 12—50), a Sodom a e G o m o rra (G n 18—19), à queda de Jericó (Js 6), ao rei Davi (2 Sm ), e ao cativeiro assírio (Is 20). Som ente no livro de Atos, no Novo Testam ento, existem literalm ente centenas de confirm ações arqueológicas acerca de detalhes inumeráveis da n arração. SherwinW hite, renom ado estudioso da historia de R om a, declarou, a respeito de Lucas: Para Atos, existe uma confirmação impressionante de historicidade [...] Qualquer tentativa de rejeitar a sua historicidade básica, mesmo em questões de detalhes, agora deve parecer absurda. Os historiadores romanos há muito tempo já levaram em conta esta historicidade (RSRI, 189). Na verdade, durante décadas de pesquisa na área, Sir William Ramsay escreveu: Sempre vim a ter contato com o livro de Atos como autoridade acerca da topografia, das antigüidades e da sociedade da Ásia Menor. Gradualmente, fui percebendo que, nos seus vários detalhes, a narrativa apresentava uma maravilhosa veracidade (SPTRC, 8). Colin H em er detalhou todas estas coisas na sua obra The Book o f Acts in the Setting o f Hellenistk History (O Livro de Atos no C ontexto da História Helenística). Elas incluem o conhecim ento geral, o conhecim ento especializado, e até m esm o o conhecim ento detalhado da topografia da região (veja capítulo 26). Além disso, Lucas manifesta u m vasto conhecim ento acerca dos lugares, dos nomes, das condições, dos costum es e das circunstâncias que é típico de quem foi testem unha ocu lar e contem porâneo dos eventos —tudo sem co m eter u m só engano. E isto para não m encionar os vários outros lugares, nom es e eventos bíblicos que foram confirmados pela Arqueologia (vejaY am auchi, SS, 115-19).
O TESTEMUNHO DO SALVADOR Jesus alegou ser o Filho de Deus (Jo 8.58; M t 16.16-18; 26.63,64), e esta alegação foi confirm ada pelos atos de Deus (Jo 3.2; A t 2.22). Mas Jesus disse que a Bíblia é a Palavra de Deus (veja capítulo 16); conseqüentem ente, ou a Bíblia é a Palavra de Deus, ou Jesus não é o Filho de Deus. Se Jesus é o Filho de Deus, de acordo co m a confirm ação sobrenatural obtida, a Bíblia tam bém é a Palavra de Deus.
Jesus Confirmou que o Antigo Testamento Era a Palavra de Deus Jesus declarou que o Antigo Testam ento possuía autoridade divina (M t 4.4,7,10); que era indestrutível (M t 5.17,18); infalível (Jo 10.35); inerrante (M t 22.29; Jo 17.17); historicam ente confiável (M t 12.40; 24.37,38); cientificamente preciso (M t 19.4,5; Jo 3.12); e suprem o (M t 15.3,6). Na verdade, muitas das coisas que são negadas pelos críticos da Bíblia foram pessoalmente afirmadas por Jesus com o sendo verdadeiras, incluindo que: 5 As Tabuletas de Ebla afirmam a criação a partir do nada, ao declarar: “Senhor dos céus e da terra: a terra não era, tu a criaste, a luz do dia não era, tu a criaste, a luz da m anhã [ainda] não havia feito existir” (Ebla Archives, 259, citado por Eugene Merrill, “Ebla and Bibical Historical Inerrancy”, in: Bibliotheca Sacra [outubro/dezembro de 1983]).
RESUMO DAS EVIDÊNCIAS A FAVOR DA BÍBLIA
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(1 ) D an iel foi u m p ro feta, e não u m m e ro h isto riad o r (M t 24.15). (2 ) D eu s crio u u m A dão e u m a Eva literais (M t 19.4). (3 ) Jonas foi lite ra lm e n te en go lid o p o r u m gran de peixe (M t 12.40). (4 ) O m u n d o foi m e sm o d estruíd o p o r u m dilúvio (M t 24.39). (5 ) H ouve so m en te u m p ro feta Isaías (n ã o dois ou três), que escreveu o co n teú d o c o m p le to do livro de Isaías (1—39 e 40—66; veja Lc 4.17-20 e M c 7.6).
Jesus P ro m e te u q u e o N o v o T e s ta m e n to Seria a P alav ra d e D eu s Jesus não som ente con firm ou o A ntigo Testam ento com o Palavra de Deus, com o tam bém p ro m eteu que o Novo Testam ento seria tam bém Palavra de Deus. Ele declarou que o Espírito Santo ensinaria os apóstolos “todas as coisas” e os guiaria em “toda a verdade” (Jo 14.26; 16.13). Os apóstolos afirm aram esta autoridade divina nas suas palavras (Jo 20.31; 1 [o 1.1; 4.1. 5,6) — o apóstolo Pedro recon h eceu os escritos de Paulo co m o “E scritu ra” (2 Pe 3.15,16). C o m o o N ovo Testam ento é o ún ico registro au têntico e infalível dos ensinos apostólicos, ele se to rn a autom aticam en te “toda a verdade” que Jesus p ro m eteu por interm édio dos apóstolos. Assim, Jesus ensinou que tan to o Antigo quanto o N ovo Testam ento são igualm ente a Palavra de Deus (veja capítulo 28). O T E S T E M U N H O D O ESPÍR IT O Não haverá quantidade suficiente de evidências para convencer alguém a respeito do significado de a Bíblia ser a Palavra de Deus se isto não fo r feito por obra do Espírito Santo. A Bíblia nos diz: “O m esm o Espírito testifica com o nosso espírito que som os filhos de D eu s” (R m 8.16). Isto, obviam ente, é baseado no testem u n h o da Palavra de Deus, pois “a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de D eus” (R m 10.17). João, ainda, acrescenta: “Estas coisas vos escrevi, para que saibais que tendes a vida eterna e para que creiais no n o m e do Filho de D eu s” (1 Jo 5.13). Deus não som ente dá o seu testem u n h o acerca de que C risto é o Filho de Deus, co m o tam bém de que a Bíblia é a Palavra de Deus. João escreveu: Se receb em o s o te ste m u n h o dos h o m en s, o te ste m u n h o de D eu s é m aio r; p o rqu e o te ste m u n h o de D eu s é este, qu e de seu F ilh o testificou . Q u e m crê n o F ilh o de D eu s em si m e sm o te m o te ste m u n h o ; q u em em D eu s n ão crê m en tiro so o fez, p o rq u an to n ão creu no te ste m u n h o que D eu s de seu F ilh o deu (1 Jo 5.9,10).
O testem u nho , obviam ente, é a Bíblia. João prosseguiu, dizendo: “Estas coisas vos escrevi, para que saibais que tendes a vida etern a e para que creiais no n om e do Filho de D eu s” (1 Jo 5.13). Na verdade: “Estes, porém , foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu n o m e ” (Jo 20.31). Dessa form a, o Espírito de Deus dá testem u n h o de que a Bíblia é a Palavra de Deus e de que o Cristo nela revelado é o Filho de Deus. O testem u n h o de Deus, en tretan to , se dá por interm édio da Palavra, e não à parte dela. Ele proporciona a certeza subjetiva por m eio da Palavra objetiva e das evidências objetivas a favor da sua Palavra. No cam inho do coração, D eus não deixa de passar pela nossa cabeça. Ele disse: "Vinde, então, e argüi-m e, diz o SENHOR; ainda que os vossos pecados sejam com o a escarlata, eles se tornarão brancos com o a neve; ainda que sejam verm elhos com o o carm esim , se to rn arão com o a branca lã ” (Is 1.18).
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
O T E S T E M U N H O D O S SALVOS O poder que a Bíblia tem de transform ar vidas é am plam ente conhecido. Blasfemadores, assassinos, prostitutas, adúlteros, abandonados, viciados e pecadores de todas as estirpes são transformados pela sua mensagem. U m exemplo m arcante foi o próprio Saulo de Tarso, odioso perseguidor de Cristo e dos cristãos, o qual tem a sua conversão m iraculosa descrita em Atos 9. Mais tarde, ele m esm o escreveu: “Porque não m e envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e tam bém do grego” (R m 1.16). Literalm ente, milhões de pessoas no m undo inteiro, desde pagãos que ainda vivem na idade da pedra até cientistas da era m oderna, testificam o poder da Palavra de Deus de fazer de todos filhos de Deus. Muitas organizações sociais, tal com o o Exército de Salvação e o Inner City Ministries (M inistério de C entro das Cidades), podem confirm ar o fato de que “a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais penetrante do que qualquer espada de dois gum es, e penetra até à divisão da alm a, e do espírito, e das juntas e medulas, e é apta para discernir os pensam entos e intenções do co ração ” (Hb 4.12). O apóstolo Pedro acrescentou: “Sendo de novo gerados, não de sem ente corruptível, mas da incorruptível, pela palavra de Deus, viva e que p erm anece para sem pre” (1 Pe 1.23). Enquanto o Islamismo inicialm ente apresentou a sua m aior expansão debaixo do fio da espada dos exércitos, o Cristianismo inicialm ente se expandiu pela “espada do Espírito, que é a palavra de Deus” (Ef 6.17). O Cristianismo dom inou o antigo Im pério R om an o não pelo seu poder m ilitar (pois não tinha n en h u m ), mas pelo poder do Espírito de Deus, que agia por interm édio da Palavra de Deus (Z c 4.6). O grande apologista cristão William Paley (1743-1805) resum iu as diferenças entre o crescim ento do Cristianismo e do Islamismo nesta com paração m arcante: Afinal, o que estamos comparando? Um camponês da Galiléia (Jesus), acompanhado de um punhado de pescadores, com um conquistador que liderava um exército (Maomé). Estamos comparando Jesus, fraco e impotente, sem apoio, sem uma circunstância externa atraente ou influente, prevalecendo sobre os preconceitos, a intelectualidade, a hierarquia do seu país, contra as antigas visões religiosas, os ritos religiosos cheios de pompa, a filosofia, a sabedoria, a autoridade do Império Romano, no seu período mais educado e iluminado —com [Maomé] abrindo caminho no meio dos árabes; colhendo flores em meio a conquistas e triunfos, nas eras e nos países mais obscuros do mundo, e para o qual o sucesso nas armas não somente era obtido pelo comando da vontade dos homens e das pessoas que tomavam parte nestes prósperos combates, mas também era considerado um claro testemunho da divina aprovação daquelas investidas militares. O fato de multidões, persuadidas por este argumento, se juntarem às fileiras de um líder vitorioso; e de multidões ainda maiores, sem nenhum tipo de argumento, se juntarem e se dobrarem diante de um poder irresistível —é uma conduta de que não podemos nos surpreender muito; em que nada podemos ver que sirva de comparação com as causas que influenciaram o estabelecimento do Cristianismo (EC, 257)6. 6 Muitos críticos m uçulm anos questionam que a expansão cristã em muitas partes seguramente não foi sempre em função de evangelismo pacifista, mas tam bém por meio do poderio militar. Apesar de isto poder ser verdadeiro a respeito de períodos posteriores, tal com o na época das Cruzadas, com certeza não era verdadeiro no Cristianismo primitivo (dos séculos I ao III), quando ele cresceu a partir de um núm ero de 120 pessoas (Atos 1—2) até se tornar a força espiritual dom inante no m undo rom ano, antes da conversão de Constantino, no ano 313 d.C.
RESUMO DAS EVIDÊNCIAS A FAVOR DA BÍBLIA
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R ESU M O E C O N C L U S Ã O A Bíblia é o único livro conhecido do m undo que alega e prova ser a Palavra de Deus7. As evidências em apoio a esta alegação já foram resumidas neste capítulo: o testem unho da ciência que a dem onstrou, dos rolos que a transm itiram , dos escribas que a escreveram , do sobrenatural que a confirm ou, da estru tu ra que a manifestou, das pedras que a apoiaram , do Salvador que a confirm ou, do Espírito que deu testem unho dela, e dos salvos que foram transform ados por ela. Estes testem unhos combinados confirm am que a Bíblia é exatam ente aquilo que ela afirma ser — a Palavra de Deus inerrante, infalível e divinamente inspirada (veja capítulos 13-14, 27). FO N T ES Albright, William F. Archaelogy and the Religion o f Israel. ________. A rchaeology of Palestine. ________ . From Stone Age to Christianity. ________ . “William Albright: Toward a M ore Conservative View”, in: Christianity Today (18 de janeiro de 1963). ________ . Behe, Michael J. Darwin 's Black Box. B ruce, F. F. The New Testament Documents, Are They Reliable? Darwin, Charles. On the Origin o f Species. Dawkins, Richard. The Blind Watchmaker. D enton, Michael. Evolution: A Theory in Crisis. Einstein, Albert. Ideas and Opinions —The World as I See It. Geisler, N orm an. “N ostradam us”, in: Baker Encyclopedia o f Christian Apologetics. ________ . “Prophecy, As Proof of the Bible”, in: Baker Encyclopedia o f Christian Apologetics. Geisler, N orm an e William Nix. A General Introduction to the Bihle. Geisler, N orm an e Abdul Saleeb. Answering Islam: The Crescent in the Light o f the Cross. Glueck, Nelson. Rivers in the Desert. Gould, Stephen. “Evolution’s Erratic Pace”, in: Natural History. Hawking, Stephen. A B rief History ofTime. Heeren, Fred. Show me God. H em er, Colin. The Book o f Acts in the Setting o f Hellenistic History. H oehner, Harold. Chronological Aspects o f the Life o f Christ. Fioyle, Sir Fred. Evolution From Space. ________ . The Intelligent Universe. H um e, David. An Enquiry Concerning Human Understanding. Jastrow, Robert. God and the Astronomers. ________ . “A Scientist C augh t Between Two Faiths: Interview with Robert Jastrow”, in: Christianity Today (6 de agosto de 1982). Kenyon, Sir Frederick. The Bible and Archaelogy. Kitchen, Kenneth. Ancient Onent and Old Testament. McMillen, S. I. None ofThese Diseases. Merrill, Eugene. “Ebla and Biblical Historical Inerrancy”, in: Bibliotheca Sacra (ou tu b rodezembro de 1983). M etzger, Bruce. Chapters in the History o f New Testament Textual Criticism.
7 Esta alegação da Bíblia foi m inuciosamente exposto nos capítulos 13-16.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
________ . Manuscripts o f the Greek Bible. ________ . Text o f the New Testament. Orgel, Leslie. The Origin o f Life. Paley, William. Evidences o f Christianity. Polanyi, Michael. “Life Transcending Physics and C hem istry”, in: Chemical Engineering News. Pritchard, James B., ed. Ancient Near East Texts. Ramsay, Sir William. St. Paul the Traveler and the Roman Citizen. Robertson, John. A. T. An Introáuction to the Textual Criticism o f the New Testament. ________ . Redating the New Testament. Ross, Hugh. The Fingerprints o f God. Sagan, Carl. Broca 's Brain. ________ . Cosmos. Sandage, Alan. “A Scientist Reflects on Religious Belief”, in: Truth (1985). Sauer, Eric. The Dawn o f World Redemption. ________ . The Triumph o f the Cruafed. Schaff, Philip. Companion to the Greek Testament and English Version. Sherwin-W hite, A. N. Roman Society and Roman Law in the New Testament. Thaxton, Charles, et al. The Mystery o f Lifes Origin. Warfield, Benjam in B. The Inspiration and Authority o f the Bible. Weinberg, Steven. Dreams o f a Final Theory — The Searchfor the Fundamental Laws o f Nature. Wilson, Clifford. Rocks, Relics, and Reliability. Yam auchi, Edwin. The Stones and the Scriptures. Yockey, Hubert P. “Self-Organizatiion, Origin o f Life Scenarios, and Inform ation T heory”, in: fournal o f Theoretical Biology, 1981.
A P Ê N D I C E
UM
OBJEÇÕES CONTRA OS ARGUMENTOS TEÍSTAS
N
o c a p ít u lo 2, o s a r g u m e n to s te ís ta s tr a d ic io n a is f o r a m e x p o s to s . D e s d e a é p o c a de D a v id H u m e ( 1 7 1 1 -1 7 7 6 ) e I m m a n u e l K a n t (1 7 2 4 -1 8 0 4 ), m u ita s o b je ç õ e s f o r a m
le v a n ta d a s c o n t r a e ste s a r g u m e n to s . A m a io r p a r t e d e la s n ã o a p r e s e n ta m é r i t o , e n e n h u m a d e la s é e fic a z ; to d a v ia , a b o r d a r e m o s c a d a u m a d e la s d e f o r m a b r e v e .
O b je çã o U m : T a lv e z D eu s T e n h a E x istid o , m as n ã o E x ista m ais O
a rg u m e n to
c o s m o ló g ic o
kalam ( h o r i z o n t a l ) ( v e ja C r a ig , K C A ) p o s t u la u m a
P r im e ir a C a u s a p a r a e x p lic a r c o m o u m u n iv e r s o q u e te v e u m p r in c íp io e n tr o u e m a ç ã o . E m re s p o s ta , a lg u m a s p e s so a s a r g u m e n t a r a m q u e , n a m e l h o r d as h ip ó te s e s , is to s o m e n t e n o s m o s t r a a n e c e s s id a d e d e u m a C a u s a p a r a o p r in c íp io d o u n iv e r s o ; is t o n ã o p r o v a q u e e s ta C a u s a ( D e u s ) e x ista .
R e sp o sta à O b je çã o U m P r im e ir a m e n t e , n a m e l h o r das h ip ó te s e s , e s ta o b je ç ã o s o m e n t e se a p lic a à f o r m a kalam ( h o r i z o n t a l ) d o a r g u m e n t o c o s m o ló g ic o , e n ã o à f o r m a v e r t ic a l, p r o p o s ta p o r T o m á s de A q u in o (S T , 1 .2 .3 ), q u e a r g u m e n t a a p a r t ir d a e x is t ê n c ia d e u m se r p r e s e n t e c o n t in g e n t e ( o u m u t á v e l) a té u m S e r N e c e s s á r io p r e s e n te . A lé m d isso , m e s m o o a r g u m e n t o kalam p o d e se r e x p a n d id o fa z e n d o o a c r é s c im o ( c o m o se faz n o a r g u m e n t o c o s m o l ó g i c o v e r t ic a l) d e q u e a C a u s a P r im e ir a d e v e se r u m S e r N e c e s s á r io , já q u e e s ta é a ú n i c a f o r m a d e C a u s a q u e p o d e p r o d u z ir u m se r c o n t in g e n t e , ta l c o m o o u n iv e r s o se a p r e s e n ta . U m S e r N e c e s s á r io n ã o p o d e d e ix a r de e x is tir ; lo g o , e le p r e c is a r e x is tir n e s t e e x a t o m o m e n t o .
O b je çã o D ois: S eres F in ito s P recisam s o m e n te de u m a C au sa F in ita N a esteira de D avid H u m e (v e ja D C N R ), a lg u m as pessoas a rg u m e n ta m q u e u m a cau sa fin ita é su ficien te p a ra e xp lica r u m efeito fin ito , tal c o m o o u n iv e rso se ap resen ta. A p ressu p o sição de u m a cau sa in fin ita é desnecessária, a p re sen tan d o -se c o m o u m a esp écie de exag ero m etafísico .
R e sp o sta à O b je çã o D ois E m re s p o s ta , o b s e r v a -s e q u e , d e a c o r d o c o m o p r in c íp io d a c a u s a lid a d e , todo s e r fin ito ( lim it a d o ) o u e f e ito é c a u s a d o a e x is tir. A s s im , e s ta C a u s a d e to d o s o s se r e s fin ito s n ã o
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
pode ser finita. Ela é o Limitador Ilimitado de toda coisa limitada que existe; assim, a Causa Primeira não pode ser finita ou limitada, porque, se assim o fosse (isto é, causada), ela precisaria de u m a causa além dela para fundam entar a sua existência limitada. Portanto, se existe u m a existência limitada, Algo precisa estar determ inando esta lim itação, e este Algo é p or si m esm o Ilimitado.
Objeção Três: Se tudo Precisa de uma Causa, então Isto também Vale para Deus Bertrand Russell (1872-1970) alegou que tudo necessita de um a causa, inclusive Deus. Se todas as coisas não necessitam de um a causa, o m undo tam bém não necessita de uma. Dessa forma, em qualquer u m dos casos, não existe necessidade para Deus (veja W IANC).
Resposta ã Objeção Três Este dilema, no entanto, está baseado em u m a m á com preensão do princípio da causalidade, que não afirma que “tudo necessita de u m a causa”, mas som ente que “todo ser finito (ou contingente) necessita de u m a causa”. U m ser que não é finito (isto é, que é infinito) não necessita de u m a causa, da m esm a form a que u m ser que não é contingente (isto é, necessário) tam bém não necessita de u m a causa. C om o o universo físico é finito, ele necessita, sim, de u m a causa. De m aneira sem elhante, n em tudo que é eterno necessita de u m a causa (p o r exem plo, Deus), mas tudo que teve u m com eço necessita de u m a causa. C om o o universo físico teve u m com eço, ele deve ter tido u m a Causa.
Objeção Quatro: O Universo como um todo não Necessita de uma Causa Alguns antiteístas alegam que o universo com o u m todo não necessita de um a causa; somente as suas partes necessitam, pois afirmar o contrário, supostamente, seria incorrer na falácia da composição, considerando que o todo precisa ter as características das partes.
Resposta à Objeção Quatro Este não é o caso, co m o foi previam ente dem onstrado (veja capítulo 2, sobre o argum ento cosm ológico vertical).
Objeção Cinco: O Acaso Pode Explicar a Origem de todas as Coisas Seguindo as idéias de H um e, m uitos apelam ao acaso para explicar o aparente projeto presente no m undo. Eventos improváveis acontecem , da m esm a form a que u m a lançam ento improvável de dados acontece, e co m o o universo é eterno, mais cedo ou mais tarde qualquer com binação provável de eventos acabaria ocorrendo.
Resposta à Objeção Cinco Primeiro, à medida que é direcionado à necessidade de u m a causa inteligente, este argum ento viola u m a lei fundam ental do raciocínio. U m efeito não pode ser m aior do que a sua causa; a Causa de seres inteligentes precisa ser inteligente, pois não pode transm itir perfeições que não possui. Segundo, o acaso não tem poder causai — ele é meram ente a intersecção de linhas de causalidade. Existem causas naturais e causas inteligentes, mas não existem causas ao acaso.
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Terceiro, as evidências não corroboram o sentido de haver u m a causa ao acaso para o universo. N enhum cientista alegaria que os rostos dos presidentes no m on te R oshm ore foram o resultado do acaso; som ente u m a intervenção inteligente explica, de form a adequada, estes resultados. De m aneira sem elhante, existe mais inform ação no DNA, a form a mais simples de vida, do que nas palavras do cético ou no m on te Roshm ore. Som ente um Criador inteligente se to rn a um a explicação adequada para esta vasta complexidade de inform ação no código da vida. Quarto, u m agnóstico não concordaria que as palavras exatas que ele utilizou para expressar as suas visões seriam puram ente u m produto do acaso, em vez de um a expressão de u m ser inteligente. Se ele afirmasse isto, suas palavras não teriam qualquer significado e, p ortan to, n en h u m valor de verdade para refutar o Teísmo.
O bjeção Seis: O Princípio da Causalidade É Improvável C om o todas ais form as de argum ento cosm ológico dependem do princípio da causalidade, o argum ento cosm ológico desm oronaria se o princípio da causalidade não estivesse firme. David H um e insistia que, ou ele é baseado na experim entação (o que poderia ser, de o u tra form a), ou ele é u m a m era tautologia (afirm ação vazia) que é verdadeira som ente por definição.
Resposta à O bjeção Seis Prim eiram ente, o argum ento de H um e é baseado no seu A tom ism o epistem ológico — a idéia de que todas as impressões empíricas (co m base na experim entação) são “inteiram ente soltas e separadas” (veja ECH U ), o que é u m a concepção autodestrutiva, pois, se todos os eventos fossem inteiram ente soltos e separados, não haveria form a de conhecê-los. Além disso, o argum ento cosm ológico não está fundam entado na observação m eram en te empírica, mas na necessidade metafísica. Por exem plo, u m ser contingente é aquele que, por necessidade, pode não ser, e u m Ser Necessário é, por necessidade, Aquele que não pode não ser. E impossível que algum a coisa ten h a surgido a partir do nada; o princípio da causalidade é de que “todo ser limitado tem u m a causa para a sua existência”. Este princípio não está baseado em qualquer m era necessidade de conceito ou definição, mas na realidade fundam ental de que a não-existência não pode causar a existência. Ademais, o próprio H um e negou enfaticam ente que as coisas não ten h am u m a causa para a sua existência (LDH, 1:187). Por últim o, a razão pela qual todos os seres finitos e contingentes precisam de um a causa é que “contingente” significa “o que não poderia ser”, e se todos os seres contingentes não pudessem ser, na verdade, nada existiria. E ntretanto, as coisas existem; logo, u m estado de vácuo total, n a verdade, não é possível. E preciso haver u m a Causa não-contingente (isto é, necessária) para todos os seres contingentes.
O bjeção Sete: O A rgum ento Cosm ológico Com ete a Falácia P o s t H o c David Hum e argum entou que não podem os ter certeza de quais efeitos são originados por tais causas, já que a faláciajwsí hoc sem pre será possível; ou sej a, não podem os concluir, de form a lógica, que algo acontece por causa de algum a coisa simplesmente porque um a
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coisa sem pre ocorre depois de outra. Portanto, não podem os inferir que o universo se originou a partir de u m a Causa sobrenatural inteligente.
Resposta à Objeção Sete É verdade que, às vezes, é em piricam ente difícil, em bora não na prática, determ inar qual foi a causa de determ inado efeito. Todavia, esta conclusão a-teísta não é correta, por muitas razões. Primeiro, o argum ento cosm ológico não infere u m a causa específica (isto é, finita) de u m efeito específico. Ela infere u m a Causa infinita para todos os efeitos finitos. Segundo, m esm o nasuabase empírica, H um e estavapropenso a admitir que algumas coisas ocorrem tão regularm ente em conexão com outras que ficamos diante de u m a “prova” prática (E CH U , VI) da ligação entre ambas. Sabemos que som ente causas inteligentes, regular e repetidamente, produzem um a complexidade específica; conseqüentemente, a incrível complexidade do universo é u m indicativo de u m a Causa inteligente. Terceiro, com o vimos acima, H um e jamais negou a existência de u m a conexão causai, isto é, que eventos precisam de causas. Ele simplesmente questionava a base sobre a qual as pessoas argum entam a favor disso. Mas, novamente, até ele admitia que algumas coisas estão tão regularm ente conectadas, que esta conexão pode ser considerada u m a “prova”. Quarto, apesar de não poderm os saber sem pre qual causa finita produz tal efeito, este não é u m raciocínio válido para u m a Causa infinita, pois pode haver som ente u m Ser infinito. Não pode haver dois “Todos”, n em pode haver dois Seres absolutam ente perfeitos, porque para serem dois, eles teriam que se diferenciar. C ontudo, se u m deles não tivesse algum a perfeição que o outro possuísse, ele, autom aticam en te, não seria absolutam ente perfeito. Quinto, se não pudéssemos discernir que espécie de causa está por detrás de u m tipo específico de efeito, não poderíam os inferir, de form a adequada, que há u m a m ente ateísta por detrás de u m raciocínio ateísta na própria objeção que ele apresenta. Além disso, até m esm o o ateísta pressupõe que existe u m a m en te teísta real (causa) p o r detrás dos escritos teístas (efeito).
Objeção Oito: É Possível Haver uma Série Infinita de Causas Os críticos n orm alm en te questionam que u m a Causa Primeira é inválida porque poderia haver u m a série infinita de causas, cada u m a tendo sido causada p o r o u tra que a antecedeu.
Resposta à Objeção Oito C om o é bem conhecido no m undo da M atem ática, os núm eros infinitos são possíveis; contudo, várias considerações im portantes to rn am esta crítica inválida. Em prim eiro lugar, os infinitos m atem áticos são abstratos, e não concretos. C om o já foi dem onstrado, existe u m n úm ero infinito de pontos entre u m ponto A e outro ponto B, mas não se pode colocar u m núm ero infinito de folhas de papel en tre estes dois pontos, independentem ente de quão fina seja esta folha. De m aneira sem elhante, u m n úm ero infinito de m om entos não é possível antes de ontem (veja capítulo 2), pois, se assim fosse, o hoje jamais teria chegado. Portanto, u m a série tem poral de causas infinitas em direção ao passado tam bém não é possível.
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Além disso, na form a vertical do argum ento cosm ológico de Tomás de Aquino, a causa primeiríssima exterior a u m ser finito, contingente e m utável precisa ser infinita e não-causada. E dessa form a porque todo ser finito precisa de u m a causa; logo, u m ser finito não pode causar a existência de outro. Portanto, não pode haver nem sequer um a ligação causai intermediária eficiente entre o Criador e as suas criaturas. A causa eficiente primeiríssima exterior a seres cuja existência é atualizada (causada) po r ou tro ser precisa ser o Atualizador de todas as outras coisas. Ademais, u m a série infinita de causas simultâneas e existencialm ente dependentes não é possível. E preciso haver u m a base aqui-e-agora para u m a série sim ultânea de causas, do contrário n en h u m a delas teria u m a base de sustentação para a sua existência. U m a regressão infinita e infundada é equivalente a afirmar que a existência na série surge da não-existência, já que n en h u m a causa da série apresenta u m a base real para a sua existência. Ou, se u m a causa na série serve de base para a existência das outras, ela se to rn a a Causa Primeira (e a série, conseqüentem ente, não é mais infinita). De ou tra form a, estaríamos diante de u m a causa que causa a sua própria existência (o que é impossível), já que ela está causando a existência de tudo o mais n a série.
O bjeção Nove: O C onceito de um Ser Não-Causado não Faz Sentido Alguns críticos propõem que term os co m o “Ser N ão-Causado” ou “Ser Necessário” não fazem sentido, já que, n a nossa experiência, não tem os nada que lhes sirva de correspondência.
Resposta à O bjeção Nove Esta não é u m a objeção válida por várias razões. Por u m lado, se u m Deus nãocausado não faz sentido, u m universo não-causado, tal co m o é proposto por muitos ateístas, tam bém não faz sentido. C o m o o nada é incapaz de produzir algum a coisa, em últim a análise, algum a coisa precisa ser não-causada — seja o universo ou a sua Causa. Mas, com o já foi dem onstrado, o universo não pode ser eterno, já que está em declínio. Além disso, a própria frase: “U m Ser Necessário não faz sentido”, não faria sentido se não houvesse sentido na expressão “ser necessário”. Em sum a, o ateísta considera que a expressão tem sentido, do contrário a sua alegação de que ela não faz sentido passa a ser autodestrutiva. Ademais, não há nada de incoerente no term o , já que ele não é contraditório. Sabemos o significado de “ser contingente” (isto é, aquilo que existe mas pode não existir), e “necessário” não passa do antônim o de “contingente” (ou seja, aquilo que não pode não existir). Por fim, o significado destes term os deriva do relacionam ento que eles m an tém com aquilo que depende deles, e este significado é duplo: Primeiro, term os co m o necessário ou infinito são negativos; eles descrevem o que Deus não é. Deus não é limitado (é ilimitado) e não é contingente (é necessário). Segundo, pela experiência sabemos do que se tratam estas limitações, e assim, p or contraste, sabemos que Deus não tem n en h u m a destas limitações. E im portante m encionar que u m term o negativo não denota u m atributo negativo. Ele não é u m a afirm ação de nada; pelo contrário, é a negação de toda contingência e limitação na Causa Primeira. O conteúdo positivo daquilo que Deus é deriva do princípio causai; Ele é Atualidade porque Ele é o causador de toda atualidade; Ele é u m Ser, já que
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é a causa de todos os seres. Entretanto, co m o a Causa de todos os seres, o seu Ser não pode ser causado; com o a base de todos os seres contingentes, Ele m esm o não pode ser u m ser contingente.
Objeção Dez: É Possível que nada Tenha Existido, Inclusive Deus Os antiteístas acertadam ente insistem que, se há u m Ser Necessário, torna-se impossível para Ele não existir. Entretanto, supõe-se, para u m Ser Necessário não é necessário existir; apesar de algo existir neste m o m en to , é logicam ente possível que nada ten h a existido, e isto inclui Deus. E m sum a, o argum ento ontológico — de que é logicam ente necessário que u m Ser Necessário exista — é inválido.
Resposta à Objeção Dez Em resposta, reconhecem os que isto é verdadeiro e que esta é u m a crítica válida ao argum ento ontológico. En tretanto, este raciocínio não funciona con tra o argum ento cosm ológico, que inicia co m algo que, n a verdade, existe, a saber, u m ser contingente. E se pelo m enos u m ser contingente (dependente) existe, então deve existir u m Ser Necessário do qual ele depende para a sua existência. Além disso, se u m Ser Necessário existe, a sua inexistência tam bém se to rn a impossível, pois a única form a pela qual u m Ser Necessário pode existir é existir de form a necessária. De m aneira sem elhante, não há necessidade de existir figuras em form ato de triângulo, m as se elas existirem, precisam necessariam ente apresentar três lados. Portanto, a objeção do ateísta ao conceito de u m Ser Necessário se aplica só a u m ser logicam ente necessário, e não a u m Ser atualm ente Necessário, que precisa existir para explicar o(s) ser(es) contingente(s) real(is) que existe(m ).
Objeção Onze: O Argumento Cosmológico Depende do Argumento Ontológico Inválido Seguindo a concepção kantiana, m uitos críticos do Teísmo acreditam que existe u m a ilusão baseada na im portação da existência de u m Ser Necessário para todos os argum entos cosm ológicos, o que representa u m m ovim ento ilegítimo da experiência em direção à necessidade lógica.
Resposta à Objeção Onze Entretanto, esta crítica não se aplica à form a metafísica do argum ento cosm ológico. Em prim eiro lugar, o argum ento ontológico não precisa pressupor que a existência seja u m a perfeição ou predicado que se acrescenta ao conceito do sujeito. A existência não precisa ser u m predicado; é possível sim plesmente dizer que tudo o que existe deve ser predicado de acordo co m u m ou mais m odos de existência (p o r exem plo, de form a contingente, de form a necessária, ou de form a impossível). Por ou tro lado, com o o argum ento cosm ológico com eça co m a existência e não com o pensam ento, ele não precisa fazer contrabando da questão da existência. A prim eira premissa é: “Algo existe”, e não a idéia de u m Ser Necessário —co m a qual Anselm o (veja BW , 2ss.) iniciou o seu argum ento ontológico. Além disso, o argum ento cosm ológico se desenvolve co m princípios que estão fundam entados na realidade, não no m ero pensar; ou seja, estes princípios são
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ontologicam ente alicerçados, e não são simplesmente idéias racionalm ente inevitáveis. O argum ento cosm ológico está baseado na verdade metafísica de que: “O nada não pode causar coisa algum a”, e não na afirmativa racionalista de que: “Tudo precisa ter u m a razão suficiente”. Por últim o, o argum ento cosm ológico term ina co m u m a Base Atual para todos os seres finitos, e não som ente co m u m Ser logicam ente Necessário; ou seja, ele term ina co m a Pura Atualidade sendo a causa da existência de toda existência limitada, em oposição a u m Ser que, logicam ente, não pode não ser. Em outras palavras, o argum ento cosm ológico não se baseia no argum ento ontológico inválido.
Objeção Doze: A Necessidade Não se Aplica à Existência, mas Somente a Conceitos De acordo co m esta objeção, u m Ser Necessário é u m a m á aplicação do term o “necessário”, pois a necessidade se aplica som ente a conceitos e idéias, n unca à realidade verdadeira.
Resposta à O bjeção Doze Este argum ento é falho por duas razões básicas. Primeiro, u m a coisanãoprecisaser necessariam ente verdadeira para que sejaverdadeira. Existem diferentes graus de certeza acerca de proposições verdadeiras. A m aior parte dos teístas (exceto aqueles que defendem o argum ento ontológico) concorda que a existência de Deus não é percebida co m inevitabilidade lógica. Alguns, entretanto, crêem que ela pode ser dem onstrada co m u m a inegabilidade real. Além disso, a objeção é autodestrutiva, pois, ou a afirm ação: “A necessidade não se aplica à existência” é, p o r si m esm a, u m a afirm ação acerca da existência, ou não é. Se ela é u m a afirm ação acerca da existência, ela passa a ser au tod estru tiva, pois alega ser, ao m esm o tem po, necessária e referente à realidade, enquanto afirm a que n en h u m a afirm ação necessária pode ser feita acerca da realidade. Por o u tro lado, se ela é m eram en te u m a m eta-afirm ação, ou u m a afirm ação acerca de afirm ações (e, na verdade, não u m a afirm ação acerca da realidade), ela não pode ter autoridade sobre quais tipos de afirm ações p odem e quais não podem ser feitas acerca da realidade. Em sum a, a única fo rm a de negar a possibilidade das afirm ações existencialm ente necessárias é fazendo (ou im plicando) u m a n a própria negativa que p ropuserm os, o que passa a ser u m a au to -refu tação . Segundo, esta crítica parte de u m a argum entação viciada: C om o estes críticos podem saber que a necessidade não se aplica ao ser? Por que não existe u m Ser Necessário? Não existe u m a m aneira válida antes de analisar o argum ento a favor da existência de Deus a fim de descobrir se u m Ser Necessário existe. O conceito não é contraditório; ele simplesmente significa não-contingente, o que é u m a idéia coerente. E se não existe um a form a prévia de saber se u m Ser Necessário não pode existir, então se to rn a possível que a necessidade possa ser aplicada ao ser, a saber, se u m Ser Necessário, de fato, existe.
O bjeção Treze: Os Argum entos Teístas Levam a Contradições Metafísicas Im m anuel Kant apresentou várias supostas contradições, ou antinomias, que, na sua concepção, eram o resultado da aplicação da argum entação cosm ológica à realidade. Pelo m enos três destas antinomias se aplicam ao argum ento cosm ológico.
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Resposta à Objeção Treze A Antinomia acerca do Tempo Se considerarm os que o tem po se aplica à realidade, então aparentem ente estarem os diante de u m a contradição, à m edida que o m undo é, simultaneamente, tem poral e eterno. Tese: O m undo deve ter com eçado dentro do tem po, do contrário u m a infinidade de m om entos deve ter ocorrido antes do seu com eço, e isto é impossível (já que um a infinidade de m om entos jamais term inaria). Antítese; O m undo não pode ter com eçado dentro do tem po, pois isto implicaria que houve u m tem po antes do tem po existir, e isto é u m a contradição. Em resposta, percebem os que a tese de Kant está co rreta; u m n ú m ero infinito de m om en to s não é possível antes do hoje. E n tretan to , a sua antítese é errônea, já que não se pode concluir que houve u m tem po anterior à existência do tem po, caso o m u n do ten h a tido u m co m e ço . A ú nica coisa anterior ao tem p o é o E te rn o (isto é, Deus). Em outras palavras, pode ter havido u m a criação do tem po, mas não u m a criação dentro do tem po. A Antinomia acerca da Causalidade Esta antinom ia é construída a partir da suposição de que é verdadeiro que o m undo, ao m esm o tem po, ten h a u m a Causa Primeira e não ten h a u m a Causa Primeira. Tese: N em toda causa tem u m a causa, do contrário u m a série de causas não com eçaria a causar, o que, de fato, ocorre. Antítese: U m a série de causas não pode ter u m com eço, já que tudo precisa ter um a causa. Logo, a série precisa continuar ato o infinito. Novam ente, a “antítese” deste suposto dilema é incorreta ao afirmar que toda causa precisa de u m a causa. De acordo com o principio da causalidade, nem toda causa precisa de u m a causa; som ente as coisas finitas precisam de um a causa. Assim, a série não precisa prosseguir ao infinito —pode haver um a Causa Não-Causada para todas as outras coisas. A Antinomia acerca da Contingência Kant insistia que tudo precisa ser, sim ultaneam ente, contingente e não-contingente, se supuserm os que estes conceitos se aplicam à realidade. Tese: N em todas as coisas são con tin gen tes, do co n trá rio não h averia condição p ara a con tin gên cia. E m o u tras palavras, aquilo que depende p recisa depender de algo que não é dependente. Antítese: Tudo precisa ser contingente, pois a necessidade se aplica unicam ente aos conceitos e não às coisas. Esta objeção é falha, pois, co m o vimos acim a, não existe u m a form a de negar que a necessidade pode ser aplicada à realidade sem fazer uso de u m a afirmação necessária acerca da realidade. Som ente u m a refutação ontológica poderia fundam entar o argum ento de Kant, m as a refutação ontológica tam bém ruiria, já que tam bém faria uso de afirmações acerca da existência. Além disso, o argum ento cosm ológico conclui que algo necessariam ente existe, o que tam bém é u m a refutação ao questionam ento de Kant de que a necessidade não se aplica à existência.
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O b je çã o Q u a to rz e : N ão E x iste a N ecessid ad e de u m a C a u sa A q u i-e -A g o ra p a ra o U n iv e rso Alguns críticos sustentam que m esm o que Deus seja a Causa originadora do universo, Ele não é a Causa sustentadora dele. Deus trouxe o m u nd o à existência, mas não é mais necessário para que essa existência ten h a continuidade. R e sp o sta à O b je çã o Q u a to rz e Primeiro , já vim os acim a que Deus não teria causado o universo para depois deixar de
existir. Isto é um a impossibilidade, porque um Deus teísta é um Ser Necessário, e u m Ser Necessário não pode deixar de ser — se ele existe, faz parte da sua própria natu reza que exista de fo rm a necessária. U m Ser N ecessário não pode existir de fo rm a contingente, da m esm a form a que não pode existir u m quadrado sem os quatro lados. Segundo, u m Ser N ecessário precisa estar causando u m ser contingente o tem po
inteiro, pois um ser contin gente precisa sem pre ser contingen te enquanto existir, já que é impossível que se to rn e u m Ser Necessário (que, pela sua própria natureza, não pode passar a existir, ou deixar de existir). Fora da extinção da sua existência, esta é a única alternativa restante para u m ser contingente, mas, se u m ser contin gente é sem pre contingente, ele sem pre precisará de u m Ser Necessário do qual dependa a sua existência. C om o n e n h u m ser contingente é capaz de existir por si m esm o, ele precisa de u m Ser Necessário que o im peça de cair na não-existência — o tem po inteiro. Terceiro , é im p ortan te perceber que a suposição ocu lta desta objeção é que a causalidade
sim ultânea não faz sentido. E n tretanto, não há contradição em alegar que u m efeito está sendo efetuado no m esm o instante que está sendo causado. Este é, claram ente, o que se dá com a relação entre as premissas (causa) e a conclusão (efeito) de u m silogism o. Causa e efeito são sim ultâneos, pois, no instante que retiram os a(s) prem issa(s), a conclusão tam bém deixa de ser válida, sim ultaneam ente. De m aneira sem elhante, a relação causai entre o nosso rosto e a im agem no espelho tam bém é sim ultânea. M uitas pessoas que com preend em m al a natu reza sim ultânea da causalidade confund em u m efeito com u m pós-efeito. Por exem plo, quando um a bola é arremessada, ela continua a se m over m esm o depois de o arrem essador ter ficado im óvel, da m esm a form a que u m relógio continu a a se m over depois de darm os corda nele. E ntretanto, nestes dois casos e em outros exem plos sim ilares, o pós-eteito está sendo, direta e sim ultaneam ente, efetuado por algum a causa, depois de a causa original não mais o estar causando. Por exem plo, a força de inércia m an tém a bola em m o vim en to depois que o arrem essador lança a bola, e as forças de tensão e reação m an têm a corda do relógio em ação m esm o depois de a pessoa ter cessado o seu m o vim en to de dar corda. Mas, se qualquer um a destas forças deixasse de existir, neste exato instante o pás- efeito tam b ém cessaria. Por exem plo, se a inércia cessasse no exato instante que a bola sai da m ão do arrem essador, a bola pararia, instantaneam ente, no m eio do ar; da m esm a form a, o relógio pararia de fu ncionar sem que as leis físicas que “efetu am ” o m o vim en to deixassem de operar. Todos os assim cham ados pós-efeitos sem pre são efeitos de algum a(s) ou tra(s) causa(s). Não existem pós-efeitos existenciais: Tudo o que existe, existe aqui-e-agora, e tudo o que está sendo causado a existir neste exato m o m en to depende de algo que esteja causando a sua existência neste exato m o m en to . U m a distinção básica ajudará a ilustrar este tópico. O artista não é a causa do ser de u m quadro; ele é som ente a causa do tornar-se
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(ou vir a ser) do quadro. O quadro continua a ser depois que o artista retira a sua m ão dele. De m aneira sem elhante, a m ãe não causa o ser do seu filho, mas som ente o seu tornar-se, pois m esm o que a m ãe m o rra, o filho continuará a viver. Agora, é necessário que seres finitos ten h am u m a causa não som ente para o seu tornar-se, com o tam bém para o seu ser aqui-e-agora, pois em todos os m om entos da sua existência eles são dependentes de ou tro ser para a sua existência. Eles n unca deixam de ser seres limitados, finitos e contingentes, e com o tais, dem andam u m a causa para a sua existência. Todo ser finito é causado; por isso, não im porta em que m o m en to (m 1, m 2 m 3 etc.) da sua existência ele esteja — ele continuará recebendo a sua existência de algo que o transcende. A m udança do m o m en to da sua existência dependente não fará dele u m existente não-dependente. Parte do problem a seria eliminada se não falássemos em exist-ência (apesar de que seria u m pacote com pleto recebido de u m a só vez), mas em exist-enfe (que é u m processo m o m en to-ap ós-m om en to ). A palavra “ser” pode nos induzir ainda mais ao erro neste aspecto. Ninguém recebe a totalidade do seu ser de u m a vez só, nem m esm o o instante próxim o é assim. Cada criatura tem u m estado presente de “estar-sendo”, e em cada m o m en to de u m estar-sendo dependente é preciso haver algum Ser independente do qual ele é dependente naquele m om ento. Neste respeito, a distinção que o latim faz de esse (ser) e ens (u m ente, u m ser) é bastante útil. Deus é puro Esse, e o nosso esse presente (existência) é dependente dele. A Pura Existência precisa “existencializar” a nossa existência contínua; do contrário, cessaríamos de existir. Deus, co m o Pura Atualidade, está atualizando tu d o o que é atual; conseqüentem ente, Ele é a atualidade presente de tudo o que é atual, de tudo que dem anda u m a base causai.
Objeção Quinze: Os Modelos de Ato/Potência ou Necessário/Contingente São Arbitrários Esta objeção afirma que os m odelos de ato/potência ou necessário/contingente utilizados para concluir a existência de u m Deus teísta são arbitrários. A realidade pode ser concebida de outras m aneiras que não levam a Deus.
Resposta à Objeção Quinze Em resposta, os teístas indicam que o m odelo necessidade/contingência não é arbitrário, m as logicam ente exaustivo. Ou existe som ente u m Ser Necessário, ou existe u m ser contingente (ou seres) ao lado de u m Ser Necessário. Mas não pode haver simplesmente seres contingentes, pois seres contingentes não são capazes de dar conta da sua própria existência, já que eles são, mas podem não ser. Semelhantemente, ou tudo é u m a Atualidade pura e não-diferenciada, ou pura potencialidade, ou um acom binação de atualidade epotencialidade. Não existe outrapssibilidade. Contudo, não pode haver dois Puros Atos, já que u m ato dessa natureza é ilimitado e único; não pode haver duas Causas Ultimas ou dois Seres Infinitos, portanto tudo o mais que existir deve ser u m a combinação de atualidade e potencialidade. C om o nenhum a potencialidade pode atualizar-se, todo tipo de ser que existir, com posto de atualidade e potencialidade, deve ser atualizado pela Pura Atualidade. Assim, absolutamente nada existe de arbitrário a respeito destes modelos; eles são logicamente exaustivos.
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O bjeção Dezesseis: O Argum ento C osm ológico Com ete Falácias Modais A lógica m odal é baseada na distinção entre o que é possível e o que é necessário. Esta form a de raciocínio desenvolveu a sua própria lista de falácias; p o r exem plo, alguns lógicos modais argum entam que pelo fato de ser possível que todas as peças do m eu carro enguicem ao m esm o tem po, não podem os concluir que seja necessário que todas as peças enguicem ao m esm o tem po. Assim, em bora todos os seres contingentes possivelmente não-existam , eles não necessariam ente não-existem de u m a só vez e, dessa form a, não necessitariam de u m a causa universal para a sua existência.
Resposta à O bjeção Dezesseis Em resposta, dois pontos são im portantes: Primeiro, a lógica m odal tem certos pressupostos que precisam ser aceitos. Por exem plo, ela pressupõe que u m “n ão -m u n d o ” não é u m m undo possível. Logo, ela chega à conclusão infundada, por interm édio de u m argum ento ontológico, que u m Ser Necessário precisa existir. Segundo, m esm o assumindo os pressupostos da lógica m odal, esta objeção som ente lançaria dúvida sobre algumas form as do argum ento a partir da contingência. Ela não se aplica ao argum ento cosm ológico a partir da contingência conform e ele foi exposto acim a, já que não está preocupado em m o strar que todas as coisas que poderiam nãoexistir precisaram de u m a Causa para produzir a sua existência, mas que todas as coisas que existem (apesar de elas poderem não-existir) precisam de u m a causa para a sua existência presente, individualmente ou co m o u m todo. O utra possível acusação de falácia m odal é a ilegitimidade de supor, a partir do fato de que o m undo necessariam ente precisa de u m ser co m o sua Causa Primeira, que o m undo precisa de u m Ser Necessário co m o Causa Primeira. C om o j á vimos, esta acusação seria correta em algumas form as de argum ento, mas não na form a que usamos acim a (segundo o m odelo de Tomás de Aquino), pois nela Deus não é considerado u m Ser Necessário, porque o argum ento dem onstra necessariam ente o seu ser —Ele é cham ado de Ser necessário porque ontologicam ente Ele não pode não ser. Aprendem os acerca do seu Ser Necessário não a partir do rigor das nossas premissas, mas porque a Causa de todo ser contingente não pode ser outro ser contingente —Ele precisa ser necessário. O erro de m uitos teístas, especialmente a partir da época de Gottfried W ilhelm Leibniz (1646-1716), é lançar o argum ento cosm ológico em u m con texto de necessidade lógica com base no princípio da razão suficiente. Isto, em últim a análise, leva a contradições e a um a invalidação do argum ento. Em contraste co m este procedim ento, outros teístas (co m o Tomás de Aquino) utilizaram o princípio da causalidade existencial para supor a existência de u m a Causa ilimitada ou u m Atualizador de toda a existência. Esta conclusão não é racionalm ente inevitável, mas é verdadeiram ente inegável. Em sum a, se qualquer ser contingente existir, tem os que u m Ser Necessário tam bém existe; se qualquer ser com potencialidade para não existir, de fato, existir, então u m Ser com n en h u m a potencialidade para não existir deve existir.
O bjeção Dezessete: Um Mundo Im perfeito Não Precisa de uma Causa Perfeita Segundo a concepção de David H um e (D C N R ), tam bém se questiona que se existe u m a causa para o universo, ela não precisa ser perfeita, já que o m undo é im perfeito. Se
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u m a causa é sem elhante ao seu efeito, parece que o m undo deve ter sido causado por u m con ju nto de deuses masculinos e femininos, imperfeitos e finitos, pois isto é o que concebem os co m o causa das coisa imperfeitas similares às que conhecem os em nossa experiência.
Resposta à Objeção Dezessete Primeiro, a Causa Final não pode ser im -perfeita (não-perfeita), já que o não-perfeito som ente pode ser conhecido se houver algo Perfeito que lhe sirva de p arâm etro para a sua imperfeição. Segundo, a causa não precisa ser igual ao seu efeito. A causa não pode ser inferior ao efeito (já que n en h u m efeito pode ser m aior do que sua causa), mas ela pode ser superior ao seu efeito. Terceiro, a Causa dos seres finitos não pode ser imperfeita, já que ela é u m Ser por si m esm o ou Pura Atualidade; som ente a Pura Atualidade pode atualizar u m a potência (potencialidade) para a existência, e n en h u m a potência para a existência pode atualizarse a si m esm a, pois se pudesse fazer isto, então o nada poderia produzir algum a coisa. Logo, a Causa do ser precisa ser perfeita no seu Ser, já que não apresenta potência, limitações ou qualquer privação que possa se constituir em u m a imperfeição.
Objeção Dezoito: O que É logicamente Necessário não necessariamente Existe Alguns antiteístas argum entam que é logicam ente necessário que u m triângulo ten h a três lados, p orém não é necessário que u m a figura de três lados exista. Portanto, m esm o se a existência de Deus fosse logicam ente necessária, isto não significaria que Ele, n a verdade, existe.
Resposta à Objeção Dezoito Na m elhor das hipóteses, esta é som ente u m a objeção ao argum ento ontológico, e não aos argum entos cosm ológico e teleológico (veja capítulo 2). Além disso, os teístas não precisam , e a m aioria deles não o faz, conceber Deus co m o u m Ser logicamente Necessário, mas com o u m Ser verdadeiramente Necessário. Ou seja, é logicam ente possível que Deus não exista, m as se Ele existe, então é, na verdade, necessário que ele exista, da m esm a form a que é logicam ente possível que não existam triângulos, mas se u m deles existir, será, na verdade, necessário que ele possua três lados. De m od o sem elhante, é logicam ente possível que não haja u m Ser Necessário, mas se u m Ser Necessário existe, é, na verdade, necessário que ele exista, porque ele é u m Ser Necessário, p ortan to, pela sua própria natureza, ele precisa necessariam ente existir.
Objeção Dezenove: Causas Reais não Podem Ser Inferidas de Efeitos Observados Im m an u el Kant (C PR ) a rg u m en to u que não p odem os inferir, de fo rm a válida, u m a causa real a p a rtir de efeitos que exp erim en tam o s. Existe u m abismo intransp on ível en tre a co isa-p ara-m im (phenomena, ou o que é p erceb id o) e a coisaem -si-m esm a ( noumena, ou o que é real). Não som os capazes de co n h e ce r esta segunda; so m en te co n h ecem o s as coisas tal co m o elas nos p arecem , m as não co m o elas realm en te são.
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R e sp o sta à O b je çã o D e z e n o v e Primeiro, esta objeção, ou se trata de argumentação viciada, ou acaba se tornando autodestrutiva. Ela se apresenta com o argumento viciado caso suponha que os nossos sentidos não nos proporcionam informações acerca do m undo real, considerando erroneamente que sentimos somente sensações em vez de sentirmos a realidade por meio das sensações. Ou, em outras palavras, este argumento erroneamente leva em consideração que somente conhecemos as nossas idéias em vez de conhecermos a realidade por intermédio das nossas idéias. Segundo, se esta objeção alega que não somos capazes de conhecer a realidade, o propositor agnóstico está fazendo um a declaração acerca da realidade, ao alegar conhecer o suficiente acerca da realidade a ponto de ter certeza de que não se pode saber nada acerca dela. Só que esta é um a alegação autodestrutiva. Colocando em term os de causalidade simples, com o Kant pode conhecer a realidade que está causando as nossas experiências se não há um a conexão causai válida entre o m undo real (noumenal) da causa e o m undo aparente (phenomenal) das nossas experiências? Além disso, nem ao m enos seria possível saber se as suas idéias e as suas palavras eram o resultado da sua m ente, a m enos que houvesse um a conexão real entre a causa (sua m ente) e o efeito (suas idéias). Se fosse assim, ele tam bém não escreveria livros, com o fazem os agnósticos, considerando que os leitores olharão para os efeitos fenomenais (palavras) e serão capazes de conhecer algo acerca da causa (sua m ente) noumenal (real). O b je çã o V in te: A E x is tê n c ia de u m D eu s T o d o -p o d e ro s o É Im possível Os teístas alegam que D eus é todo-poderoso, m as m u itos não-teístas insistem que isto é impossível. A lógica da sua argum entação pode ser esboçada da seguinte form a: (1) Se Deus fosse todo-poderoso, Ele poderia fazer qualquer coisa. (2) Se Deus pudesse fazer qualquer coisa, Ele poderia criar uma rocha tão grande que nem Ele pudesse movê-la. (3) Mas, se Deus não pudesse mover esta rocha, então Ele não poderia fazer qualquer coisa. (4) Um Deus todo-poderoso, que pode fazer qualquer coisa, não pode fazer uma rocha tão pesada que Ele mesmo não possa levantar. Logo, o Deus teísta (que é todo-poderoso) não pode existir. R e sp o sta à O b je çã o V in te C olocado desta m aneira, o teísta rejeita a prim eira prem issa, já que é u m a definição inapropriada para a onipotência. Deus não pode fazer literalm en te tudo; Ele só pode fazer o que é possível fazer. Há m uitas coisas que D eus não pode fazer: Ele não pode fazer o que é logicam ente im possível; Ele não pode fazer o que é verdadeiram ente impossível (co m o , p o r exem plo, forçar alguém a am á-lo liv rem ente). De m odo sem elhante, Deus não pode fazer um a ro ch a tão pesada que n em Ele m esm o não possa levantar pela simples razão de que qualquer coisa que Ele pode fazer é finita, e tudo que é finito pode ser m ovido por Ele em função do seu poder infinito. Se Ele pode criar, Ele tam bém pode m over. O b je çã o V in te e U m : Se D eu s É In fin ito , e n tã o E le A ca b a se n d o C oisas C o n tra d itó ria s Se Deus é infinito, Ele, então, é tudo, incluindo os opostos, mas isto é im possível, pois, dessa fo rm a, u m Deus in fin ito seria, ao m esm o tem po, b om e m au , perfeito e im perfeito,
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ser e não-ser. Estas coisas são opostas, e Deus não pode ser, sim ultaneam ente, coisas opostas. Além disso, o teísta não pode adm itir que Deus é m al e não-existente. Logo, o Deus teísta não existe.
Resposta à Objeção Vinte e Um O teísta responde rejeitando a premissa de que Deus é tudo; Ele é som ente o que Ele é —u m Ser absolutam ente perfeito. Deus não é o que Ele não é — u m ser im perfeito; Deus é existência Pura e Necessária; assim, Ele não pode ser não-existente. Quando dizemos que Deus é ilimitado ou infinito, não querem os dizer que Ele é tudo. Deus não é u m a criatura, por exem plo —Ele fez tudo, m as não é tudo. C om isso, não querem os dizer, por exem plo, que Deus é, ao m esm o tem po, limitado e infinito; o ilimitado não pode ser limitado, e o Criador não-criado não pode ser u m a criatura criada. Tam bém não querem os dizer que Deus é imperfeito —co m o u m ser ilimitado, Deus não pode ser limitado na sua perfeição, e o m al não é u m a perfeição, mas u m a im perfeição. O padrão de todo bem não pode ser m au ; o Perfeito não pode ser imperfeito.
Objeção Vinte e Dois: Deus não Passa de uma Projeção da nossa Imaginação Ludwig Feuerbach (1804-1872) questionou que o h om em criou Deus à sua imagem e semelhança (£C ), que Deus não passa de u m a projeção daquilo que pensamos de nós mesm os, nada além disso. Todas as nossa idéias acerca de Deus vem das nossas idéias acerca dos seres hum anos; logo, Deus não passa de u m a projeção destas idéias, e, fora delas, Ele não existe. A essência do argum ento de Feuerbach pode ser exposta desta forma:
(1) Deus existe na consciência humana. (2) Mas os seres humanos não podem ir além da sua consciência. (3) Logo, Deus não existe fora da nossa consciência.
Resposta à Objeção Vinte e Dois Por u m lado, esta objeção é falha, porque Deus não é u m a m era projeção da im aginação hum ana. C om o os argum entos teístas dem onstram (veja capítulo 2), a existência de Deus está apoiada em explicações racionais convincentes. Além disso, o problem a co m este argum ento é a segunda premissa — o fato de não podem os ir além da nossa consciência não significa que nada exista além da nossa consciência. Eu não posso ir além da m inh a m ente, mas sei que existem outras m entes além da m inha, co m as quais posso m e com unicar. A lém disso, se não puderm os ir além das nossas consciências, o próprio Feuerbach não poderia ter afirmado: “Deus não existe fora da nossa consciência”. C om o ele pode saber que não existe u m Deus lá fora, se a sua percepção não pode exceder o lim ita da sua consciência? Para dar u m novo form ato à crítica, fazer declarações do tipo “nada senão” (p or exem plo: “Deus não é nada senão u m a projeção da nossa im aginação”) é im plicar u m conhecim ento “mais do que”. C om o alguém poderia saber se Deus não passa de u m a projeção da sua im aginação sem saber mais do que con tém a sua imaginação? Por fim, o fato de não poderm os exceder o limite da nossa própria consciência não significa que a nossa consciência não possa conter coisas que vão além de nós. Obviamente, não podem os sair de nós m esm os, mas podem os alcançar coisas que vão além de nós. E
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isto é precisam ente o que o conhecim ento faz. A consciência não é simplesmente autoconsciência; tam bém som os conscientes dos outros. Quando lem os u m livro, não estam os sim plesmente conscientes das nossas próprias idéias; estam os conscientes de que existe u m a outra m ente que expressou palavras, das quais tiram os idéias. O b je çã o V in te e T rês: D eu s n ã o Passa de u m a Ilu são Sigmund Freud (1856-1939) insistia que Deus é u m a ilusão —alguém que gostaríamos que existisse, m esm o não tendo bases que vão além dos nossos desejos. Deus é um a neurose infantil que n unca superam os, o resultado de u m desejo por u m Consolador Cósm ico, u m a espécie de Lençol Celestial de Linho. Mas o fato de desejarmos u m pote de ouro no final do arco-íris não significa que ele está lá. De m odo sem elhante, o desejo por u m Pai Celestial que nos console nas torm entas da vida é ilusório (Fí). R e sp o sta à O b je çã o V in te e T rês Existem muitas form as de responder à objeção que Freud fez acerca de Deus. Por um lado, é m uito difícil expor este pensam ento em qualquer form ato de argum ento cujas premissas não possam ser facilm ente questionadas. Talvez ele ten h a desejado expressar o seguinte: (1) Uma ilusão é algo baseado somente nos nossos desejos, e não na realidade. (2) A fé em Deus tem as características de uma ilusão. (3) Portanto, a fé em Deus é um desejo sem bases na realidade. E claro que neste form ato o teísta tem muitas bases para desafiar a premissa m enor. Prim eiram ente, nem todas as pessoas que crêem em Deus fazem isso simplesmente porque desejam u m C onsolador Cósm ico. Alguns descobrem Deus p o r causa da sua sede pela realidade, e m uitos o en contram porque estão interessados na verdade, e não simplesmente porque estão preocupados em se sentir bem. Além disso, existem várias dimensões desconfortáveis na fé cristã em Deus. Deus não é som ente u m Provedor Celestial; Ele tam bém é u m Juiz que pune. Os cristãos acreditam no inferno, e ninguém , na verdade, desejaria que esta fosse u m a realidade. Freud, tam bém , pode ver por outro ângulo. Talvez as nossas imagens dos pais terrenos sejam moldadas por Deus, e não o inverso. Talvez isto o co rra porque Deus nos criou à sua im agem e sem elhança, e não o oposto. Ademais, o simples desejo hum ano p o r Deus não é a única base para crer que Deus existe. O argum ento de Freud, na m elh or das hipóteses, som ente se aplicaria àquelas pessoas que não têm o u tra base, além do seu próprio desejo, para a existência de Deus. Além do que Deus pode existir m esm o que m uitas (ou até m esm o que todas as) pessoas tivessem a razão errada (o seu próprio desejo) para crer que Ele existe. O fato de desejarmos ganhar na loteria não significa que não ganharem os — já que algumas pessoas, de fato, ganham . O fato de m uitos desejarem u m a vida m elh or não significa que ela não seja alcançável — m uitos a alcançam . Além de tudo, Freud confunde desejo co m necessidade. E se, co m o adm item m uitos ateístas, existir u m a necessidade real por Deus no coração hum ano? As pessoas podem querer u m filé-mignon co m vinho, mas precisam som ente de pão e água. As crianças querem balas, mas o que, na verdade, precisam é de com ida nutritiva. Se o desejo por
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Deus é u m a necessidade, e não m eram en te u m a vontade, concluím os que a análise de Freud acerca da experiência religiosa é inadequada. Por fim, pode ser que a própria cren ça de Freud a respeito da inexistência de Deus seja u m a ilusão. Pois, se não desejamos seguir e obedecer a Deus, não seria m uito mais fácil acreditar que Deus não existe? Na verdade, para quem vive no pecado e em rebeldia co n tra Deus, é m uito mais consolador acreditar que n em Deus n em o inferno são reais (cf. SI 14.1; Rm 1.18ss.). E, no m ínim o, tão provável que o ateísta ten h a m atado o Pai quanto é provável que o teísta o ten h a inventado.
Objeção Vinte e Quatro: Os Argumentos Teístas não São Persuasivos Algum as pessoas argu m en tam que os argum entos teístas som ente são persuasivos para aqueles que já crêem , e os que crêem não precisam destes argum entos. Por isso, eles são inúteis.
Resposta à Objeção Vinte e Quatro Esta objeção é falha p or diversas razões. O fato de a pessoa se deixar convencer pelos argum entos depende de diversos fatores. Por u m lado, m esm o que o argum ento seja coerente, a persuasão dependerá, em parte, da co rreta com preensão por parte do leitor. Além disso, depois que a m ente com preender o argum ento, a nossa adesão a ele é u m a questão de vontade. N inguém jamais será forçado a acreditar em Deus simplesmente porque a sua m ente entendeu que existe u m Deus; pode haver outros fatores pessoais por detrás da análise aqui que levem u m h o m em a perm an ecer descom prom etido co m a fé em Deus. Os argum entos teístas não convertem autom aticam en te os descrentes, mas pessoas de boa-vontade que com preendem os argum entos deveriam aceitá-los co m o verdadeiros. Se elas não aceitarem , não significa que os argum entos estejam errados; isto sim plesmente m ostra que elas não estão dispostas a aceitá-los.
Objeção Vinte e Cinco: Se Deus Conhece tudo, então o Homem não É Livre De acordo co m o Teísmo, o conhecim ento de Deus é infinito, mas se Deus tudo conhece, inclusive o futuro, então não somos, de fato, livres, pois tudo o que u m Deus onisciente con hece precisa necessariam ente acontecer (está determ inado).
Resposta à Objeção Vinte e Cinco Prim eiram ente, saber o que os hom ens irão fazer co m a sua liberdade não é o m esm o que preordenar o que eles precisam fazer. O con hecim en to de Deus não é incom patível co m o nosso livre-arbítrio; não existe contradição em Deus con hecer antecipadam ente o que farem os co m a nossa liberdade. Deus é responsável pelo fato da liberdade, mas os hom ens são responsáveis pelos atos da liberdade. Além disso, Deus, na sua presciência, poderia até persuadir os hom ens a to m ar certas decisões, mas não existe razão para supor que Ele nos coagiria a to m ar certas decisões, pois co m isto estaria destruindo a nossa liberdade. Ele opera por persuasão, e não por coação. Ademais, u m e o m esm o ato pode ser determ inado do ponto de vista do conhecim ento de Deus e, contudo, ser livre do ponto de vista da nossa escolha. Deus pode saber co m
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certeza (p ortanto, está determ inado) o que farem os por decisão própria (p ortanto, som os livres). Além do mais, co m o u m Ser E terno, Deus, na verdade, não pre-conhece qualquer coisa. Por ser eterno, Ele sim plesmente conhece no presente eterno tudo o que precisa saber. Deus enxerga a totalidade da linha do tem po — passado, presente e futuro — do alto do seu m ajestoso trono eterno; ao passo que os seres hum anos, ao olharem através do túnel do seu tem po, som ente conseguem enxergar o presente. Se Deus nãopré-conhece (m as simplesmente conhece a totalidade da linha do tem po no seu presente eterno), então as nossas livres escolhas não são previam ente determinadas; Ele sim plesmente as está vendo no seu presente. Por últim o, co m o a Causa Primeira de todas as coisas, Deus não precisa esperar para vê-las, pois o efeito preexiste na sua causa. Logo, Deus conhece o futuro por reconhecer em Si m esm o a sua Causa. CON CLUSÃO Muitas objeções têm sido propostas con tra as provas a favor da existência de Deus. A m aioria delas se trata de argum entação no estilo “h om em de palha”, ou estão baseadas em u m a m á com preensão da prova a favor da existência de Deus, e n en h u m a delas é efetiva em desm erecer as provas clássicas a favor de Deus. Estes argum entos respeitáveis p erm anecem firmes, e continuam resistindo ao teste do tem po. FO N T ES Anselm o, Basic Writings. Craig, William. The Kalam Cosmological Argument. Eslick, L. J. “The Real D istinction”, M odem Schoolman 38 (janeiro de 1961). Feuerbach, Ludwig. The Essence o f Christianity. Findlay, J. N. “Can G od’s Existence Be Disproved?”, in: The Ontological Argument, Alvin Platinga, ed. Flint, Robert. Agnosticism. Freud, Sigmund. The Future o f an Illusion. G arrigou-LaGrange, Reginald. God: Hts Existence and H is Nature. Geisler, N orm an. Baker Encyclopedia o f Christian Apologetics. Geisler, N orm an e W. Corduan. Philosophy o f Religion. Hoyle, Sir Fred, et al. Evolution From Space. H um e, David. Dialogues Concerning Natural Religion. ________ . A n Enquiry Concerning Human Understanding. ________ . The Letters o f David Hume. Jastrow, Robert. God and the Astronomers. ________ . “A Scientist C aught Between Two Faiths: Interview with Robert Jastrow”, in: Christianity Today (6 de agosto de 1982). Kant, Im m anuel. A Critique o f Fure Reason. Kenny, Anthony. Five Ways. Parmênides. Froem. Platão. Parmemdes. ________ . Sophists. Russel, Bertrand. Why I Am N ot a Christian.
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Sproul, R. C. Not a Chance: The Míth o f Chance in Modem Science and Cosmology. Teske, R. J. “Plato’s Later D ialectic”, in: Modem Schoolman 38 (m arço de 1961). Tomás de Aquino. On Being and Essence. ________ . Summa Theologica.
A P Ê N D I C E
DOIS
SERÁ QUE OS FATOS HISTÓRICOS NÃO FALAM POR SI MESMOS?
S
e r á q u e o s fa to s d a h is tó r ia n ã o f a la m
p o r si m e s m o s , o u
e le s p r e c is a m
se r
in te r p r e ta d o s ? S e a r e s p o s ta f o r a s e g u n d a p o ssib ilid a d e , n ã o h a v e r ia m a is d e u m a
m a n e i r a d e in t e r p r e tá - lo s ? Q u e p a p e l a n o s s a c o s m o v is ã o e x e r c e n a i n t e r p r e t a ç ã o d os fa to s? E x is tir ia u m a m a n e i r a d e d e c id ir m o s e n tr e u m a c o s m o v is ã o e o u tra ? S e os f a to s n ã o f a la m p o r si m e s m o s , e n tã o c o m o p o d e r ía m o s a r g u m e n t a r a p a r t ir d e fa to s b io ló g ic o s , c o m o a c o m p le x id a d e ir r e d u t ív e l, e m d ir e ç ã o a u m C r ia d o r ? O u a p a r t ir d o f a t o d a o r ig e m d o u n iv e r s o e m d ir e ç ã o a u m C r ia d o r ? ( v e ja c a p ít u lo 2 ). N ã o s e r ia in c o n s is te n t e a r g u m e n t a r a p a r t ir d o f a to d a s e g u n d a le i d a T e r m o d in â m ic a , o u a p a r t ir d a c o m p le x id a d e e s p e c ific a d a e m d ir e ç ã o a u m D e u s n a c o n c e p ç ã o te ís ta , e c o n t in u a r r e je it a n d o a v isã o d e q u e os f a to s d a h is tó r ia t a m b é m r e v e la m u m D e u s teísta ? D e f o r m a m a is e s p e c ífic a , se p u d e r m o s a r g u m e n t a r a p a r t ir d a s in g u la r id a d e d a o r ig e m d o u n iv e r s o e m d ir e ç ã o a u m C r ia d o r , e n t ã o p o r q u e n ã o p o d e r ía m o s a r g u m e n t a r a p a r t ir d a s in g u la r id a d e d a r e s s u r r e iç ã o C r is to e m d ir e ç ã o à e x is tê n c ia d e D eu s? Várias respostas possíveis se a p re sen ta m . A m a io ria delas é in co m p a tív e l c o m a visão de q u e os fatos h istó rico s fa la m p o r si m e sm o s; esta visão p a rte de a rg u m e n ta ç ã o p re v ia m e n te viciada.
A PR IM E IR A RESPO STA POSSÍVEL A lg u m a s p esso a s a le g a m q u e fa to s n ã o p r e c is a m d e u m a e s t r u t u r a in t e r p r e ta tiv a g e ra l ( c o m o o T e ís m o ) p a ra q u e v e ja m o s q u e eles n o s le v a m e m d ir e ç ã o a u m C r ia d o r in te lig e n te . A té m e s m o u m d e s c r e n te é ca p a z d e p e r c e b e r q u e u m a c o m p le x id a d e ir r e d u tív e l c o m o , p o r e x e m p lo , a e n c o n tr a d a n o o lh o h u m a n o , e x ije a e x is tê n c ia d e u m C r ia d o r .
P ro b lem as c o m a P rim e ira R e sp o sta E x is t e m v á ria s d ific u ld a d e s c o m e s ta re s p o s ta . Primeiro, p o u c o s d e scre n te s a d m itir ia m isto . D a r w in r e c o n h e c e u q u e o o lh o e ra alg o d ifícil d e se r e x p lica d o , m a s ele c o n c lu iu q u e n ã o e ra n e ce ssá ria a p o s tu la ç ã o d e u m C r ia d o r p a ra e x p lic á -lo (v e ja 0 0 5 ) . S e os d e scre n te s tiv e sse m q u e s u s te n ta r a n e cessid a d e d a p o s tu la ç ã o de u m a C a u sa in te lig e n te p a ra ex p lic a r a c o m p le x id a d e d o o lh o , d e ix a ria m d e ser d e scre n te s e m D e u s. R ic h a rd D a w k in s, u m d e sc re n te , p o s tu lo u u m “ce g o q u e c o n s tr u ía r e ló g io s ”, o u seja, a lei n a tu r a l, q u e e x p lica ria o o lh o e to d as as o u tra s co m p le x id a d e s d a n a tu r e z a (B W ). Segundo, s u p o n h a m o s q u e to d a s as p e s so a s ra z o á v e is a c e it e m o u d e v a m a c e it a r a c o n c lu s ã o de q u e a c o m p le x id a d e ir r e d u t ív e l d o o l h o h u m a n o o u a in c r ív e l c o m p le x id a d e
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especificada de u m organism o unicelular exige u m a causa inteligente. M esm o assim, esta causa não precisa transcender o universo (co m o no Teísmo); ela poderia estar dentro do universo (co m o no Panenteísmo ou no Panteísmo). Portanto, m esm o neste caso, estes fatos não levam a u m a concepção teísta. Terceiro, pela natureza do caso, é altamente questionável que qualquer fato, ou fatos, dentro do universo logicamente exijam um a Causa inteligente que transcenda o universo. Isto parece ser verdadeiro por duas razões. Por u m lado, um a cosmovisão (com o o Teísmo) é um a interpretação do universo com o u m todo. Entretanto, nem u m fato sequer dentro do universo que tom e o seu significado da sua participação no todo pode ser utilizado sem que se faça uso de argumentação viciada na interpretação do todo do qual este fato faz parte. Além disso, existem outras form as possíveis de interpretar estes fatos dentro do universo sem apelar para u m Deus teísta (p or exem plo, com o causas naturais ou co m o p u ra anom alia). Enquanto algum a o u tra interpretação for logicam ente possível, u m a explicação teísta não será logicam ente necessária. Por exem plo, co m relação à afirmação de que a ressurreição de Cristo exige u m a concepção teísta de Deus com o explicação, o descrente responderia co m o seguinte questionam ento:
(1) Caso Ele tenha realmente morrido; (2) Caso Ele tenha realmente ressuscitado; (3) Caso a ressurreição exija uma Causa sobrenatural, diferente de (a) uma causa natural ainda desconhecida, ou (b) uma causa restrita aos limites do universo. Sem que estas alternativas possam ser dem onstradas com o impossíveis, os assim cham ados “fatos” acerca da Ressurreição não falam p o r si m esm os.
OUTRA RESPOSTA POSSÍVEL Outros questionam que os fatos precisam falar por si m esm os, do contrário não seria possível argum entar a partir dos fatos deste m undo em direção a Deus, que é a visão tida com o possível pelos proponentes dos argum entos cosm ológico, teleológico e m oral. Por exemplo, os proponentes do argumento cosmológico kalam alegam que um a grande quantidade de evidências científicas aponta em direção a u m com eço para o universo, e com o nada pode surgir sem um a causa, deve haver um a causa para o universo com o um todo. Entretanto, qualquer causa que tenha existido anterior e exteriormente ao mundo natural é, por definição, um a causa sobrenatural. Logo, um a argumentação que parte de fatos científicos (com o a segunda lei da Termodinâmica) pode levar a um a conclusão teísta.
Uma Resposta à Segunda Solução Proposta Superficialmente, poderíam os ter a impressão de que esta posição dem onstra que podem os partir de fatos e argum entar retrospectivam ente em direção ao Teísmo. E n tretanto, u m a análise mais detida m o stra que existe u m equívoco acerca do term o fatos. Os fatos que não levam logicam ente ao Teísmo são fatos que estão dentro do universo, fazem parte do todo, mas não são o todo. Os fatos que levam a u m a conclusão teísta são fatos do universo com o u m todo, e não dizem respeito som ente às suas partes. Por exem plo, na form a válida do argum ento cosm ológico, os fatos são as condições que proporcionam a existência do universo como um todo, e não som ente de parte dele. De
SERÁ QUE OS FATOS HISTÓRICOS NÃO FALAM POR SI MESMOS ?
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m a n e ir a s e m e lh a n t e , se is o la r m o s u m o l h o o u u m a n im a l u n i c e l u l a r e a r g u m e n t a r m o s a p a r t ir d a c o m p le x id a d e d o s e u p r o je t o , n ã o p r o v a r e m o s a e x is tê n c ia d e u m P r o je t is t a q u e t r a n s c e n d e o u n iv e r s o . E n t r e t a n t o , se p u d e r m o s d e m o n s t r a r q u e o u n iv e r s o c o m o u m to d o é a m a n ife s t a ç ã o d e u m p r o je t o ( c o m o o p r in c ip io a n t r ó p ic o fa z ), is to a p o n ta r ia e m d ir e ç ã o a u m P r o je t is t a t e ís ta q u e t r a n s c e n d e o u n iv e r s o . E m s u m a , e x is t e m d u as ra z õ e s p o r q u e o s f a to s d e n t r o d o u n iv e r s o , in d e p e n d e n t e m e n t e d o g r a u e m q u e e le s a p o n t e m p a r a u m a C a u s a , n ã o p o d e m s e r u s a d o s , d essa f o r m a , p a r a d e m o n s t r a r a e x is t ê n c ia d e u m D e u s te ís ta . Primeiro, a C a u s a p o d e r ia e s ta r d e n t r o d o u n iv e r s o , e n ã o f o r a d e le . Segundo, a C a u sa é n e ce ssá ria p a ra e x p lic a r s o m e n te u m a p a rte d ele, m a s n ã o a sua to ta lid a d e , a o passo q u e e m u m u n iv e rso te ís ta h á a n e cessid ad e d e u m a C a u sa p a ra e x p lica r o to d o . N a verd ad e , a ca u sa n e ce ssá ria p a ra e x p lica r s o m e n te u m a p a rte d o u n iv e rs o p o d e ser o u n iv e rso c o m o u m to d o , m a s n e n h u m te ís ta c o n c o rd a r ia q u e o u n iv e rso n a t u r a l é D eu s.
U M A T E R C E IR A RESPO STA POSSÍVEL E c la r o q u e p o d e r ía m o s s im p le s m e n t e p r e s s u p o r , s e m q u a lq u e r ra z ã o o u a r g u m e n t o , q u e a v isã o t e ís ta é a c o r r e t a e q u e n e n h u m f a t o d o i n t e r i o r d o u n iv e r s o fa la r ia p o r si m e s m o . N e s te c a s o , n e n h u m f a to n o m u n d o fa la r ia p o r si m e s m o , p o is to d o s o s fa to s c r u s n ã o a p r e s e n t a m s ig n ific a d o , e to d o s os fa to s i n t e r p r e ta d o s p r e c is a m s e r r e in te r p r e t a d o s a p a r t ir d a e s t r u t u r a p r e s s u p o s ta d e c o s m o v is ã o ( t a l c o m o o T e ís m o ) . O p r o b le m a c o m e s ta c o n c e p ç ã o n ã o e s tá n a a le g a ç ã o d e q u e os f a to s n ã o f a la m p o r si m e s m o s , m a s n a a le g a ç ã o de q u e n ã o e x iste u m a f o r m a d e r e s o lv e r os c o n flito s e n tr e as c o s m o v is õ e s . N e s te c a so , n e n h u m fa to o u a r g u m e n to , se ja e le h is tó r ic o o u d e q u a lq u e r o u t r a n a tu r e z a , p o d e se r u s a d o p a ra d e fe n d e r u m a c o s m o v is ã o e m d e tr im e n t o d a o u tr a ; to d o s e s tã o fa la n d o d o s m e s m o s fa to s c o m re fe re n c ia is in t e ir a m e n t e d is tin to s. N ã o e x iste u m a c o m u n ic a ç ã o re a l e n tr e as c o s m o v is õ e s d ife re n te s , n e n h u m t e r r e n o c o m u m so b r e o q u a l p o s s a m o s fic a r d e p é , e n ã o h á f o r m a d e d e m o n s t r a r a s u p e r io r id a d e de u m a c o s m o v is ã o s o b r e a o u tr a . M a s, n e s te ca so , o u to d a s as c o s m o v is õ e s são v e rd a d e ira s — a té m e s m o as q u e se c o n tr a d iz e m , o q u e é u m a im p o ss ib ilid a d e —, o u n e n h u m a d elas é v e rd a d e ira , o q u e é ir r a c io n a l, já q u e p e lo m e n o s u m p o n t o d e v ista p re c is a c o r r e s p o n d e r à re a lid a d e (is to é, ser v e rd a d e ir o ). N ã o é p o ssív e l q u e to d a s as c o s m o v is õ e s s e ja m falsas ( v e ja c a p ítu lo 8).
O U T R A A LT ER N A T IV A : OS FA TO S FALAM P O R SI M ESM OS, IN D E P E N D E N T E M E N T E D E U M A CO SM O VISÃ O P o r ú l t i m o , p o d e r ía m o s a r g u m e n ta r , c o m o fa z e m a lg u n s a p o lo g is ta s h is tó r ic o s , q u e o s fa to s f a la m p o r si m e s m o s , in d e p e n d e n t e m e n t e d e p r e s s u p o r m o s ( o u p r o v a r m o s ) q u e u m a c o s m o v is ã o é s u p e r io r à o u t r a . U m a r g u m e n t o p r o p o s to a fa v o r d e s te p o n t o d e v is ta v a i n a s e g u in te l in h a : E a u t o d e s t r u t iv o a f ir m a r q u e e x is t e m fa to s s e m sig n ific a d o , já q u e a p r ó p r ia a f ir m a ç ã o a c e r c a d e u m f a to s e m s ig n ific a d o se t r a t a d e u m a a f ir m a ç ã o a c e r c a d o f a to e q u e p o s s u i s ig n ific a d o . P o r t a n t o , to d o s o s f a to s p o s s u e m s ig n ific a d o ; n ã o e x is t e m o s a ssim c h a m a d o s f a to s c r u s . E n t r e t a n t o , e s te a r g u m e n t o , n a v e rd a d e , n ã o p r o v a q u e o s fa to s f a la m p o r si m e s m o s ; a n te s , m e r a m e n t e d e m o n s t r a q u e o s f a to s p o d e m c a r r e g a r , e v e r d a d e ir a m e n te c a r r e g a m , u m sig n ific a d o . M a s o q u e o a r g u m e n t o p r e c is a p r o v a r ( e n is to e le é f a lh o ) é q u e os f a to s só p o d e m t e r u m sig n ific a d o , e q u e e s te s ig n ific a d o fic a a b e r t a m e n t e m a n ife s t o . T o d a v ia é e v id e n te q u e a f ir m a ç õ e s p ro v id a s d e s ig n ific a d o a c e r c a d e fa to s p o d e m se r
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feitas sem que se atribua u m significado específico aos fatos em si, e isto não prova que o significado é inerente aos fatos. E possível que o significado ten h a sido atribuído aos fatos pela pessoa que fez a afirmação portando o significado acerca deles. Na verdade, som ente os “significadores” (isto é, as m entes) podem fornecer o significado. Além disso, não está claro em que sentido u m fato objetivo pode significar alguma coisa em ou por si mesmo. U m sujeito (isto é, um a m ente) é quem expressa o significado a respeito de objetos (ou a respeito de outros objetos), mas os objetos em si não expressam significado por si mesmos. Isto é verdadeiro, a menos que consideremos que todos os fatos objetivos sejam realmente pequenos transmissores de significado ou pensamento a partir de alguma Mente que com unicou este significado por intermédio deles. Mas esta suposição seria fazer uso de um a cosmovisão específica em detrimento das outras, a fim de provar que “os fatos falam por si mesm os”. E m esm o assim, se poderia questionar que os fatos não estão falando por si mesmos, mas pela Mente (Deus) que está falando por intermédio deles. Portanto, parece-nos melhor concluir que este tipo de fato objetivo e isolado acaba não falando por si mesmo. Mentes finitas podem lhes atribuir diferentes interpretações ou um a Mente infinita pode lhes atribuir um a interpretação absoluta, mas os fatos por si mesmos não emanam qualquer significado de e a partir de si mesmos. Obviamente, se há um a Mente absoluta, de cuja perspectiva os fatos recebem u m significado final ou absoluto, então há um a interpretação objetiva destes fatos, com a qual todas as mentes finitas deveriam concordar com o sendo o significado final. Se esta é a cosmovisão correta, então há u m significado objetivo para todos os fatos no mundo. Todos os fatos são fatos teísticos, e nenhum a forma não-teística de interpretação será objetiva ou verdadeira. Logo, é possível haver objetividade na história, já que em u m mundo pautado pela cosmovisão teísta, a história seria a Sua-história. Dessa forma, a objetividade somente será possível a partir de um a cosmovisão teísta pressuposta. Além disso, com o já vimos (veja capítulo 2), existem alguns fatos gerais a respeito do universo co m o u m todo a partir dos quais se pode inferir racionalm ente u m a cosmovisão teísta. Por exem plo: (1) seu surgim ento; (2) sua contingência; e (3) sua natureza antrópica a partir da concepção. Depois que este con texto teísta é estabelecido, os fatos específicos e isolados, que não apresentam significado em si m esm os, adquirem u m significado a partir desta estru tu ra teística maior.
CONCLUSÃO O resum o da questão, no que se refere à História, é que ela é objetivam ente cognoscível, m esm o que postulem os u m a cosmovisão para fundam entar a interpretação dos fatos. Ou os fatos da história “falam p or si m esm os” e, p ortan to, são objetivam ente cognoscíveis, ou não falam. Se não falam, existe u m a m aneira racional de d em onstrar a cosmovisão básica correta pela qual eles devem ser interpretados. En tretanto, o Teísmo está alicerçado em razões sólidas (veja capítulo 2), e nos proporciona u m a m aneira apropriada para com preender e inter-relacionar os fatos da história e, dessa form a, evitar o subjetivismo puram en te histórico.
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SUMARIO VOLUME DOIS: DEUS E A CRIAÇÃO
P a rte U m : D eu s (T e o lo g ia P ro p ria m e n te D ita) Capítulo Capítulo Capítulo Capítulo Capítulo Capítulo
U m : In tro d u çã o ...................................................................................................................... 559 Dois: A Pura Realidade e a Simplicidade de D e u s .....................................................571 Três: A Asseidade e a Necessidade de D e u s.................................................................. 595 Quatro: A Imutabilidade e a Eternidade de D eu s......................................................609 Cinco: A Impassibilidade e a Infinidade de D e u s....................................................... 643 Seis: A Imaterialidade e a Imensidade de D eu s...........................................................665
Capítulo Capítulo Capítulo Capítulo Capítulo Capítulo Capítulo Capítulo Capítulo Capítulo Capítulo
Sete: A Onipotência e a Onipresença de D eu s............................................................683 Oito: A Onisciência de D eus...............................................................................................703 Nove: A Sabedoria e a Luz de D eus..................................................................................733 Dez: A Majestade, a Beleza e a Inefabilidade de D e u s ..............................................751 Onze: A Vida e a Imortalidade de D eus......................................................................... 769 Doze: A Unidade e a Trindade de D eu s......................................................................... 783 Treze: A Santidade e a Justiça de D e u s...........................................................................821 Q uatorze: O Ciúm e e a Perfeição de D eu s................................................................... 843 Quinze: A Veracidade e a Bondade (A m o r) de D eus................................................859 Dezesseis: A Misericórdia e a Ira de D eu s..................................................................... 883 Dezessete: U m a Resposta aos Atributos de D eu s......................................................903
P a rte D ois: A C ria ç ã o Capítulo Dezoito: Visões Alternativas sobre a C riação.............................................................. 917 Capítulo Dezenove: A Origem da Criação M aterial................................................................... 933 Capítulo Vinte: A Criação das Criaturas Espirituais (Os A n jo s )............................................ 963 Capítulo Vinte e Um : O Sustento da C riação................................................................................ 985 Capítulo Vinte e Dois: A Transcendência e a Im anência de Deus na C riação ................. 1001 Capítulo Vinte e Três: A Soberania de Deus na C ria çã o .......................................................... 1017 Capítulo Vinte e Quatro: A Providência de Deus na C ria çã o ................................................ 1041 A p ên d ices Apêndice U m : Cristologia..................................................................................................................1069 Apêndice Dois: Referências Bíblicas à C riação........................................................................... 1101
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Apêndice Três: Visões sobre as O rigens.......................................................................................... 1103 Apêndice Quatro: Visões sobre os “Dias” de G ênesis................................................................1105 Apêndice Cinco: A Idade da T e rra .................................................................................................... 1115 Apêndice Seis: A Evidência Científica para a C riação................................................................1119 Apêndice Sete: Pneum atologia.......................................................................................................... 1141 B ib lio g ra fia ............................................................................................................................................ 1145
RECONHECIMENTO
Cinco pessoas m erecem recon h ecim en to especial pelo estado final deste volum e. Em prim eiro lugar, m inh a esposa, Barbara, revisou detalhada e m eticulosam ente o m anuscrito inteiro. De igual m odo, m eus assistentes, D oug B eaum ont, Mike Jackson e Jason Reed fizeram pesquisa volum osa e criteriosa para as citações dos grandes mestres da igreja. Por fim, Christopher Soderstrom , da Bethany House, fez a edição especializada, bondosa e extensa de cada página. A cada um a, expresso o m eu sincero e profundo agradecimento.
SINOPSE DO VOLUME DOIS
PARTE UM: DEUS (TEOLOGIA PROPRIAMENTE DITA) No Volume 1, analisamos os aspectos introdutórios da Teologia (Prolegôm enos), e a doutrina da Bíblia (Bibliologia). Estes tem as, co m o foi provado, servem de m étodo e base para elaboram os u m a Teologia Sistemática. Neste Volume (2), focalizaremos a Teologia Propriam ente Dita, expressão teológica que se refere ao estudo dos quer dizer, os atributos e atividades de Deus. Na prim eira m etade, centralizarem os a atenção em Deus m esm o — os seus atributos e as suas características. Este tem a abrange os atributos amorais (metafísicos) [naturais (metafísicos)] de Deus (capítulos 1— 12) bem co m o os seus atributos m orais (capítulos 13— 17). Depois de tratarm os quem Deus é, na segunda m etade analisaremos o que Deus faz (em relação à criação).
PARTE DOIS: A CRIAÇÃO Repetindo, na segunda m etade deste volum e nossa atenção se afastará do que Deus é (os seus atributos) para centralizar-se no que Deus faz (a sua atividade). Há várias áreas da atividade de Deus: Primeiro, a criação de todas as coisas materiais (capítulos 18— 19); Segundo, a origem da criação espiritual (capítulo 20); Terceiro, o sustento de toda a criação (capítulo 21); Quarto, a relação de Deus co m a criação, sua transcendência sobre ela e a im anência nela (capítulo 22), seu controle soberano sobre toda a criação (capítulo 23) e a sua providência para o universo (capítulo 24). Este volum e com pletará a pesquisa da atividade de Deus na criação, no entanto, difere-se dos seus atos de redenção, os quais serão tratados no Volume 3: O Pecado e a Salvação.
PARTE
UM
DEUS (TEOLOGIA PROPRIAMENTE DITA)
CAPITULO
UM
INTRODUÇÃO
O QUE É UM ATRIBUTO DE DEUS? or “atributo”, quero dizer algumas características que podem ser atribuídas à natureza de Deus — um a característica essencial de Deus. Outros term os para atributo são “propriedade”, “perfeição” ou “n o m e”. ( “Nomes de D eus” é u m term o mais antigo; ver Tomás de Aquino, ST, la.13.1.)1 Usarei “atributo”, porque é algo atribuível a Deus e
P
porque é u m term o habitual. Poucos (se é que há) estudos são mais im portantes do que o estudo dos atributos de Deus. Há muitas razões para isto, inclusive as seguintes.
Toda Verdade Teológica Básica Depende dos Atributos de Deus Praticam ente toda im portante doutrina da fé está baseada na doutrina de Deus. Por exem plo, as afirmações que a Bíblia é a Palavra de Deus e que Jesus Cristo é o Filho de Deus dependem com pletam ente do que entendem os por Deus, de que a Bíblia é a Palavra e Cristo, o Filho. Sem elhantem ente, u m milagre pode ser definido co m o u m ato especial de Deus (ver Geisler, “M, D ”, em BECA ), mas não pode haver atos de Deus, a m enos que haja u m Deus que possa agir, e só u m conform e definido pelo teísmo cristão pode fazer estes atos especiais conhecidos por milagres (ver Geisler, Teologia Sistemática, Volume 1, capítulo 3). Até doutrinas co m o a escatologia dependem de u m Deus que pode infalivelmente predizer o futuro e que tem o poder onipotente de ocasionar o que Ele deseja que aconteça. O m esm o é verdade acerca da doutrina da expiação: Os significados de reconciliação, propiciação, satisfação divina (ver Volume 3), e m uitos outros aspectos da redenção dependem de u m Deus cujos atos salvíficos estabeleçam esses elem entos com o necessários à salvação. Por exemplo, se Deus não for absolutamente justo, então a necessidade da expiação de Cristo e da justificação do inferno (ver Volume 4) fica arruinada. O fato é que todo ensino cristão essencial depende para sua validez da doutrina ortodoxa de Deus. Por conseguinte, u m estudo dos seus atributos é fundamental para o restante da teologia evangélica. 1N d o E.: Todas as abreviaturas utilizadas pelo autor, refere-se às iniciais de suas fontes de consulta, apresentadas no final de cada capítulo. “BECA”, por exem plo, é abreviatura de Baker Encyclopedia o f Christian Apologetics. “M, D”, é abreviatura da definição de “Miracles, Definition of”. No caso específico, ST são as iniciais de Suma Teológica e os núm eros indicam onde se encontra a referência.
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Não Podemos Reconhecer os Falsos “Deuses” sem Conhecer o Verdadeiro Deus A Bíblia sem pre exo rta os crentes a precaverem -se dos falsos profetas (M t 7.15), p rovarem os espíritos (1 Jo 4.1) e estarem atentos às doutrinas de demônios (1 T m 4.1). Mas não há m eio de recon h ecer o erro, a m enos que conheçam os a verdade; não podem os descobrir as falsificações, a menos que conheçam os o artigo genuíno. Sem elhantem ente, não há m odo de determ inar o que é lalso sobre Deus, a m enos que conheçam os o que é a verdade sobre Ele. Jesus disse: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8.32). U m estudo dos atributos do verdadeiro Deus é essencial para o cu m p rim ento da tarefa apologética de defender afé cristã (Fp 1.7; 1 Pe 3.15; Jd 3).
O Erro Tem Conseqüências Práticas No excelente livro Ideas Have Consequences (Idéias têm Conseqüências), Richard Weaver esboça u m a resposta à pergunta acerca da im portância das crenças. (O seu raciocínio aplica-se co m m aior força às idéias sobre Deus.) U m breve olhar na História m ostra o quanto muitas vezes é trágico os resultados das crenças. As idéias fascistas de Hitler custaram mais de doze milhões de vidas durante o H olocausto. As idéias marxistas de Stalin liquidaram pelo menos dezoito milhões de pessoas. As idéias com unistas do presidente M ao elim inaram cerca de trinta milhões de pessoas. E quando as crenças envolvem Deus, um a conseqüência m uito mais im portante está em jogo — a alma infinita de bilhões de pessoas. As idéias teológicas têm conseqüências mais duradouras do que m eras idéias políticas — conseqüências eternas (M c 8.36).
O nosso Crescimento Espiritual Dependente do Conceito que Fazemos de Deus A. W. Tozer (1897— 1963) disse: “O que você pensa sobre Deus é a coisa mais im portante sobre você” ( K H , p. 1). Em nossa vida espiritual, não podem os transcender o Deus que adoram os; não podem os ir além daquilo que crem os ser o mais elevado. O conceito que fazemos de Deus terá u m efeito m arcante na vida prática que levamos [em nossa vida cotidiana], E fato psicológico que tendem os a tornar-n os o que (ou quem ) mais adm iram os. O cu lto a heróis produz seguidores que tendem a seguir os passos dos seus ídolos, sejam atletas, sejam santos, ou m esm o deuses. Porque os adoradores to m am para si as qualidades atribuídas aos deuses que adoram , a nossa religiosidade tende a tornar-se o nosso Deus. Portanto, o conceito que fazemos de Deus define os limites de nossa religiosidade.
Um Compromisso com o que É menos do que a Vontade Última não É absolutamente Satisfatório Ninguém sabia disso m elhor do que o h o m em mais sábio que já viveu. Salomão provou de tudo que havia “debaixo do sol” para satisfazer-se, quer fosse vinho, m ulher, riqueza, m undanism o, sabedoria, trabalho ou maldade, ele concluiu que, sem Deus, tudo é “vaidade” e "aflição de espírito” (Ec 1— 2). A verdadeira satisfação não se acha debaixo do sol, mas além do sol — no Filho (Ec 12.1). Só o Eterno pode encher o grande vazio do coração hum ano que é do tam anho de Deus. N inguém achará satisfação últim a em qualquer coisa que não seja no Ú ltim o (Tillich, UC). A busca pelo prazer eterno nunca será encontrada em qualquer coisa, exceto no Eterno. E o desejo de felicidade infinita não pode ser satisfeito em qualquer coisa fora do Deus Infinito. Por conseguinte, toda
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opinião falsa sobre Deus que postule m enos que o Ú ltim o, o Infinito e o Eterno não trará beatitude (bem -aventurança) para a alma. C om o declarou Agostinho, a alm a está inquieta até que en contra descanso em Deus — o Deus vivo e verdadeiro (C).
OS ATRIBUTOS DE DEUS SÃO UM OU MUITOS’ Quantos atributos Deus têm? A maioria dos teólogos, sobretudo na tradição evangélica, opina que Deus tem m uitos atributos. Todavia, isto cria u m dilema para o teísmo clássico, que advoga que Deus é u m Ser simples (indivisível) (ver capítulo 2).
O Problema Declarado Resum idam ente, a questão é esta: Se Deus é simples (absolutam ente u m ) em sua essência, co m o pode ter m uitos atributos? Se Ele é mais de u m a coisa, co m o pode ser só u m Ser? Se a sua essência tem mais de u m a característica, co m o evitar ter algum tipo de multiplicidade nisto?
Uma Resposta para o Problema A resposta acha-se no fato de que enquanto muitas coisas estão sendo ditas sobre Deus, elas estão sendo afirmadas acerca de u m só Ser. Deus não é m uitos seres, Ele é u m só Ser. C ontudo Deus tem muitas características diferentes que são verdades sobre o seu único Ser. Isto o co rre porque não há um a única coisa dita sobre o Senhor que seja exaustiva. Pelo contrário, muitas coisas têm de ser ditas sobre o Eterno para que tenham os u m conhecim ento mais com pleto acerca de sua natureza. Portanto, Deus é u m Ser (essência), m as tem m uitos atributos (propriedades).
TODOS OS ATRIBUTOS DE DEUS SÃO SINÔNIMOS? O utra questão que se levanta acerca dos atributos do Senhor é se eles são todos sinônimos. Em outras palavras, todos eles não significam a m esm a coisa?
O Problema Declarado Considerando, então, que há u m só Deus, todas as características atribuídas a Ele referem -se a u m e ao m esm o Ser. Mas apareceria que tudo dito sobre a m esm a coisa está dizendo a m esm a coisa, e o que está dizendo a m esm a coisa é sinônimo. Faz-se, então, necessário concluir que todos os atributos de Deus são sinônimos.
Uma Resposta para o Problema A conclusão acim a não procede, pois m uitas coisas diferentes p odem ser ditas sobre a m esm a coisa. Por exem plo, u m a pedra é sólida, e redonda, e pesada, e, não obstante, h á só u m a pedra sobre a qual estas coisas estão sendo ditas. Estas características diferentes não são as m esm as. Por exem p lo, solidez não é arredon d am en to, e peso não é solidez. Por conseguinte, m uitas características diferentes p odem ser atribuídas a u m e ao m esm o Ser, Deus. Da m esm a m an eira que o cen tro único de u m círculo tem m uitos raios diferentes que saem dele, m esm o assim a n atu reza ú nica de Deus tem m uitos atributos previsíveis dela (ver Tom ás de Aquino, ST, la.13.4).
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QUANTOS SÃO OS ATRIBU TO S D E DEUS? T eólogos diferentes listam n ú m e ro s d iferentes. E assim , (1 ) em p a rte , devido ao fato de que algu n s te ó lo g o s n ão estão te n ta n d o d ar u m a lista inclusiva; (2 ) de o u tro m o d o , p orq u e algu n s teó lo g o s co m b in a m c e rto s a trib u to s c o m o u tro s ; (3 ) em ce rto s círcu lo s, devido à d isco rd ân cia sobre se alguns atrib u to s são re a lm e n te a trib u to s ou se são atividades de D eus (p o r e x e m p lo , a m ise ricó rd ia ); e (4 ) em p a rte , p orq u e algu n s teó lo g o s n ão d istin g u em e n tre atributo (q u e é da essên cia de D eus, c o m o a san tid ad e) e característica (q u e n ão é a trib u to , m as é algo que p e rte n ce em geral a D eus, c o m o a inefabilidade [ver ca p ítu lo 10]). A lista ap resen tad a a seguir p ro c u ra ser in clu siva e n ã o -so b re p o sta . H á vin te atrib u tos absolutos de D eus, cin co ca ra cte rística s ab solu tos de D eus, seis atrib u to s m orais de D eus e três ca ra cte rística s m o rais de D eus.
Os A tributos Absolutos de Deus Os atrib u tos absolutos de Deus são, ao m en o s, os segu in tes: p u ra realidade e sim plicidade (v e r ca p ítu lo 2), asseidade ( “n ã o -ca u sa d o p o r o u tr o ”) e necessidade (v e r cap ítu lo 3 ), im utabilid ad e e e tern id ad e (v e r ca p ítu lo 4 ), im passibilidade e infinidade (v e r cap ítu lo 5), im aterialid ad e e im ensidad e (v e r ca p ítu lo 6), o n ip o tên cia e on ip resen ça (v e r ca p ítu lo 7), on isciên cia (v e r cap ítu lo 8 ), sabedoria e luz (v e r cap ítu lo 9 ), m ajestad e, beleza, e inefabilidade (v e r ca p ítu lo 10), vida e im o rtalid ad e (v e r ca p ítu lo 11), e unidad e e trin d ad e (v e r ca p ítu lo 12).
Outras Características Metafísicas de Deus T am b ém h á alg u m as c a ra cte rística s m etafísicas que d istin g u em D eus. Estas d izem resp eito a c o m o D eus, nos seus atrib u to s essenciais, se re la cio n a co m as cria tu ra s. E n tre elas in clu e m -se a sob eran ia, a tra n sce n d ê n cia , a im an ên cia, e on ip resen ça.
Os Atributos Morais de Deus H á pelo m en os seis atributos m orais de Deus: santidade, justiça, ciúm e (ZELO ), perfeição, veracidade e bondade (a m o r).2 Estes são essenciais à n atu reza de Deus.
Outras Características Morais de Deus A lém desses atributos m orais, Deus tem outras características m orais em relação às suas criaturas. Duas destas são a m isericórdia e a ira, que são atividades que resultam ou estão arraigadas na sua n atu reza (co m o am oroso e justo, resp ectivam ente), mas não são intrínsecas à sua n atu reza co m o tal. A inefabilidade (v er capítulo 10) é u m a característica global da essência de Deus, p articu larm en te dos seus atributos metafísicos ( “acim a” ou “a lém ” dos atributos físicos), em relação às criaturas.
2Certos teólogos opinam que a bondade é u m atributo de Deus e que o am or é um fluxo de atividade proveniente da sua bondade. A Bíblia, porém , diz: “Deus
é am or” (1 Jo 4.16, ARA). De qualquer m odo, se definirmos o am or com o
bem do outro, então é apropriado tratarm os o am or e a bondade juntos. linguagem unívoca, equívoca e análoga, ver Volume 1, capítulo 9.
desejar o
3 Para inteirar-se de u m estudo com pleto sobre
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COMO SÃO PREDICADOS OS A TRIBUTO S DE DEUS? Há só três m odos possíveis de predicar (atribuir) os atributos de Deus: unívoca, equivoca e analogam ente. Predicação unívoca significa atribuir características a Deus exatamente do mesmo modo que se atribui às criaturas. Predicação equívoca significa usá-las acerca de Deus de modo completamente diferente. E predicação análoga significa aplicá-las a Deus de modo semelhante3.
As Predicações Equívocas sobre Deus nos Deixam no Ceticism o Se todas as declarações sobre Deus fossem afirmadas equivocamente — de m odo com pletam ente diferente do aplicado às criaturas — , seriamos deixadòs no ceticismo sobre Ele. Este tipo de Deus incognoscível se acha em algumas formas de misticismo, que acentuam só o conhecim ento negativo (o qu e não pode ser conhecido) de Deus (ver Plotinus, E), e em algumas formas de neo-ortodoxia, que enfatiza que Deusi é “com pletam ente ou tro”, com pletam ente diferente, sem semelhança (ver Kierkegaard, CUP). Repetindo, “equívoco” significa “de m odo com pletam ente diferente”. C ontudo o que é com pletam ente diferente do ser é o não-ser. O que é com pletam ente diferente do bom é o não-bom e o que é com pletam ente diferente do verdadeiro é o falso. Por conseguinte, atribuir equivocam ente o ser a Deus (ou seja, de m odo com pletam ente diferente do que é atribuído para u m a criatu ra) significaria que Ele não é o ser. Sem elhantem ente, afirm ar equivocam ente a bondade de Deüs significaria que Ele não é bòm , e afirmar equivocam ente a verdade de Deus significaria que Ele não é verdadeiro, Em sum a, as atribuições equívocas a Deus nos deixam totalm en te ignorantes do que Deus realm ente é. Tudo que podem os saber é que Ele não é o que qualquer determ inado term o significa quando aplicado às criaturas (ver Scotus, PW). Se as atribuições equívocas sobre Deus nos deixam na ignorância de co m o Deus é, então som os deixados no agnosticismo. E o agnosticismo é autodestrutivo, visto que (1) reivindica saber que não podem os saber, e (2) reivindica saber o bastante de Deus para dizer que não podem os saber nada Dele. Portanto, as atribuições equívocas co m o meio de con hecer Deus são inaceitáveis.
As A tribuições Unívocas sobre Deus São Impossíveis “U nívoco” quer dizer “com pletam ente o m esm o”. Mas não podemos atribuir coisas a Deus univocamente. Há um a diferença infinita entre u m Ser infinito e u m ser finito (ver capítulo 5). Por conseguinte, os atributos sobre u m Ser infinito têm d eser afirmados infinitamente acerca Dele, e os atributos sobre seres finitos têm de ser finitamente afirmados acerca deles. Por conseguinte, não podemos atribuir univocam ente coisas a Deus e às criaturas. Se o fizéssemos, então, ou Deus seria finito, ou as criaturas seriam infinitas.
A A tribuição Análoga sobre Deus E a Única Alternativa Todas as coisas atribuídas a Deus devem ser feitas ou equivocam ente (com pletam ente diferentes), univocam ente (com pletam en te as m esm as) ou analogicam ente (sem elhantem ente). A predicação equívoca é autodestrutiva, e a predicação unívoca é impossível. Logo, todas as declarações apropriadas sobre Deus têm de ser análogas. A conversa análoga sobre Deus é o único m odo significativo de falar sobre Ele (ver Volum e 1, capítulo 9). Isto posto, todos os nom es ou atributos de Deus são aplicados a Ele analogam ente (ver M ondin, PAPCT).
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RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES SOBRE ANALOGIA Há várias objeções levantadas co n tra o ensino da analogia. Estas se baseiam n u m a m á com preensão do que isso significa.
A Objeção que a Analogia Leva ao Agnosticismo John Duns Scotus (1266-1308) argum entou que em toda analogia há u m elem ento de uniform idade e u m elem ento de diferença, visto que a analogia é exatam ente isso (PW ). Se fosse com pletam ente a m esm a, seria unívoca, e se fosse com pletam ente diferente, seria equívoca. Claro que esta uniform idade na analogia deve ser entendida ou univocam ente (com pletam en te a m esm a) ou analogam ente (sem elhante). Mas se for univocam ente entendida, então a analogia é redutível à predicação unívoca e não é verdadeiram ente análoga. E se for analogam ente entendida e assim p o r diante infinitam ente, n unca chegarem os a u m a base para saber o que é a m esm a na analogia. U m regresso infinito leva ao agnosticismo, quer dizer, a n en h u m conhecim ento sobre Deus. Portanto, a analogia conduz supostam ente ao agnosticismo.
Resposta à Objeção que a Analogia Leva ao Agnosticismo Esta objeção confunde o conceito an álogo co m a predicação análoga. C onfun d e o entendimento de u m te rm o co m a aplicação desse te rm o . C laro que tod o te rm o usado co rre ta m e n te a cerca de Deus e das criatu ras te m de ser definido do m e sm o m o d o (o u seja, u n iv o cam e n te ). Todavia n ão p ode ser afirmado do m esm o m o d o . Deus é infinito, e as criatu ras são finitas (v e r cap ítu lo 5); p o r con seguinte, o m esm o co n ceito (u n ív o co ) te m de ser p redicado a ce rca de D eus de m o d o n ã o -u n ív o co (ou seja, an álo g o ). E m re su m o , a coisa significada é a m esm a, m as o modo do significado é diferente. O con ceito an álogo levaria ao agn osticism o. Mas te rm o s u n iv o cam en te concebidos, ou definidos, aplicados (p red icad os) a Deus, de m o d o an álogo, não levam ao agnosticism o.
A Objeção que a Analogia E Redutível à Univocidade O utra objeção à conversa análoga sobre Deus é que toda analogia tem u m elem ento que é co m u m (ou a m esm o) em ambas as coisas — diz-se que isto é análogo. Mas, “m esm o” significa unívoco, pois se a definição tiver um elem ento de uniformidade, então este elem ento é unívoco. Analogia significa “em parte o m esm o ”, contudo, repetindo, “m esm o ” significa unívoco. Por conseguinte, a conversa análoga reduz supostam ente a conversa unívoca sobre Deus.
Resposta à Objeção que a Analogia Reduz à Univocidade C om o com entado acim a, esta objeção confunde a definição (con ceito) análoga e a afirmação (predicação) análoga. E verdade que as definições análogas reduzem às definições unívocas, pois os term os (p or exem plo, “ser”, “b om ”, “verdadeiro”) usados acerca de Deus e criaturas, devem ser definidos do m esm o m odo quando usados acerca de Deus e acerca dos hom ens. Esses term os, no entanto, não podem ser afirmados do m esm o m od o acerca de Deus e acerca dos hom ens, pois Deus é infinito e as criaturas são finitas. Por conseguinte, u m term o (p or exem plo, “b o m ”) deve ser afirmado infinitamente acerca de Deus e finitamente acerca dos hom ens, pois Deus é infinitam ente bom e os
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hom ens são apenas finitam ente bons. Portanto, u m term o tem de ser entendido do m esm o m od o (univocam ente) acerca de Deus e acerca dos hom ens, mas tem de ser aplicado diferentem ente (analogam ente) a ambos. 0 que se diz é o m esm o, mas como se diz acerca de Deus e acerca das criaturas é diferente.
QUAL É A BASE PARA A PREDICAÇÃO ANÁLOGA SO BRE DEUS? A base para a analogia entre Deus e as criaturas se acha na sem elhança. Deus criou coisas sem elhantes a Ele m esm o; p ortan to, podem os estudar a criatu ra e aprender algo do Criador. Por exem plo, u m dos atributos básicos de Deus é a p ura realidade (ver capítulo 2). Mas a Pura Realidade (D eus) não pode criar o u tra Pura Realidade. A Pura realidade co m o atributo não tem potencialidade (potência/lim itação). Tudo que é criado tem a potencialidade para não existir (p o r exem plo, não existia antes que fosse criado). Portanto, o Puro Ato não pode fazer ou tro Puro A to (do m esm o m od o que u m ser incriado não pode criar ou tro ser incriado). Por conseguinte, tudo que o Puro Ato faz, tem o ato e a potência (ao passo que o Puro Ato tem só a potência). O Puro A to só é análogo a u m ser com posto de ato/potência. O ato em ato/potência é sem elhante ao Puro A to, m as a potência que isso tem é diferente do ato. Portanto, as criaturas são semelhantes e diferentes do Criador: São semelhantes n a sua realidade, mas são diferentes em sua potência (o ato é igual ao Ato, m as a potência é desigual ao A to). A potência é o fator limitante. Por conseguinte, Deus não é igual às limitações (potência) nas criaturas — Ele só é igual na realidade delas.
QUE TIPO DE ANALOGIA EXISTE EN TRE DEUS E AS CRIATURAS? Há dois tipos básicos de analogia: extrínseca e intrínseca. Analogia extrínseca é um a analogia onde só o efeito, não a causa, tem a característica corretamente. Por exem plo, a água quente faz (causa) o ovo ficar duro. A água não é dura; só produz a dureza. C ontud o, u m a analogia intrínseca é u m a analogia em que tanto o efeito quanto a causa possuem a característica. Por exem p lo, a água quente p rod uz u m ovo quente. O ovo e a água são quentes. O efeito recebe a característica da causa — calo r co m u n ica calor. Agora, ambos os tipos de analogia se aplicam à relação entre Deus e as criaturas. A analogia intrínseca se aplica, visto que a Causa não pode dar o que não tem ; não pode produzir o que não possui; não pode com partilhar o que não tem para com partilhar. Contudo, a analogia extrínseca tam bém se aplica, visto que Deus não pode dar o que é impossível de dar, isto é, infinidade, não-causalidade, necessidade, etc. Repetindo, um Criador não pode criar ou tro Ser incriado. O Puro A to não pode fazer u m ser sem potência. U m Ser Infinito não pode fazer ou tro Ser Infinito. Em sum a, o Puro Ato pode causar o ato, mas o Puro Ato não pode causar ou tro Puro Ato. Quando o A to causa o ato, tam bém tem de causar a sua potência. O ato causado tem de ser igual ao A to que o causa, mas a potência causada não pode ser igual ao Ato que a causa (visto que o Puro A to não tem potência).
RESPONDENDO MAIS OBJEÇÕES À ANALOGIA Mais outras objeções foram levantadas à doutrina da analogia. U m a resposta breve a cada u m a é apropriada (ver Geisler, “RL”, em BECÁ ).
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Objeção Um Objeta-se que mosquitos produzem m alária sem serem iguais à malária. Os mosquitos, no entanto, não são a causa eficiente da malária, mas só a causa instrumental (para inteirar-se de u m a explicação dos tipos diferentes de causas, ver Volume 1, capítulo 10). Os parasitas da malária são a causa eficiente dos outros parasitas da malária, e os parasitas da malária são iguais aos parasitas da m alária que eles causam . Por exem plo, a prova de u m aluno não é igual à caneta co m a qual ele fez a prova; a can eta é só u m a causa instrumental. Mas é igual à mente do aluno, a qual é a causa eficiente da prova que ele fez.
Objeção Dois Objeta-se que m artelos quebram espelhos sem serem iguais aos cacos quebrados. Isto é verdade, mas repetindo, m artelos são causas instrum entais e não causas eficientes. O movimento (a causa eficiente) do braço que usa o m artelo causa o m ovim ento no espelho (e o m ovim ento é igual ao m ovim ento).
Objeção Três De volta à analogia: A água quente faz o ovo ficar duro, m as a dureza não é igual a água quente que é macia. Isto é assim, mas tem os de lem brar que a dureza do ovo é devido à sua causa material e não à sua causa eficiente. O calor do ovo é sem elhante ao calor da água (a sua causa eficiente). C oncluindo, os efeitos são necessariam ente iguais à sua causa eficiente, m as não necessariam ente iguais à sua causa instrum ental ou m aterial. São tam bém iguais à sua causa exem plar (ver Volume 1, capítulo 10).
POR QUE HÁ MUITOS ATRIBUTOS DE DEUS QUE SÃO NEGATIVOS? U m exam e cuidadoso dos atributos absolutos (metafísicos) de Deus revela que eles são negativos. Por exem plo, ín-finito significa “não-finito”, i-m utável significa “n ão-m u tável”, in-divisível significa “não-divisível”, etc. Isto é verdade acerca de todos os atributos metafísicos de Deus, quer a etim ologia do term o indique isto ou não. Por exem plo, necessário significa realm ente “não-con tin gen te”, e asseidade significa “nãocausado por o u tro ”. Todavia o que é im portante lem brar é que, ainda que o term o usado seja negativo, o efeito não é negativo em referência a Deus. A natureza da atribuição negativa é assegurar que toda finitude seja negada acerca de u m atributo antes de ser predicada acerca de Deus. Isto se ch am a a via negativa (o cam inho da negação). Tem os de retirar toda a lim itação (potência) do term o antes que a sua característica positiva (a sua realidade) seja aplicada ao Ser ilimitado (ver Geisler and Corduan, PR, capítulo 11). A razão para o cam inho da negação é que todas as características que conhecem os se acham no m odo finito e limitado. Mas o Ser de Deus é ilimitado (infinito). Portanto, o m od o limitado da característica tem de ser negado antes de ser aplicado corretam en te a Deus. Estes atributos ditos negativos insinuam características positivas. Repetindo, a negação só retira a limitação das perfeições (p o r exem plo, ser, bondade, verdade, retidão) que está sendo aplicada a Deus. Não elimina a perfeição, antes a.purifica.
INTRODUÇÃO
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QUAIS ATRIBU TO S DE DEUS SAO POSITIVOS? Todas as negações insinuam u m a afirmação; não podem os saber que Deus “não isso”, a m enos que saibamos o que é “isso”. A natureza dos atributos positivos se baseia n a relação causai entre a Causa (D eus) e o seu efeito (criaturas). C om o previam ente m encionado, a Causa não pode dar o que não tem . Não pode com partilhar o que não tem para com partilhar. Mas a Causa é ilimitada, e o efeito é, por natureza, limitado. Neste caso, só os term os cujas definições não insinuem necessariam ente lim itação (potência) podem ser aplicados a Deus de m odo metafísico (ou seja, literal). Por exem plo, Deus é Ser, Bondade, Verdade, Santidade, Perfeição, etc. Mas Ele é o Ser infinito, a Bondade infinita, a Verdade infinita, etc. Portanto, sem pre que estes term os positivos forem aplicados a Deus, eles devem ser aplicados de m odo semelhante (análogo) e não de m odo idêntico (u n ívoco). C o m o previam ente estabelecido, os fatores limitadores nos term os têm de ser negados antes de serem aplicados corretam en te a Deus. Temos de distinguir entre a natureza (característica) em si, e o modo no qual ela existe. A bondade é aquilo que é desejável para o seu próprio bem. A natureza da bondade não é necessariam ente limitada, mas o modo da bondade que existe nas criaturas é necessariam ente limitado. Sem elhantem ente, ser é aquilo que é. A natureza do ser não está necessariam ente limitada, mas o modo do ser que existe nas criaturas está necessariam ente limitado (p o r sua potência). A via negativa som ente retira o m od o da lim itação antes que a perfeição ilimitada seja atribuída a Deus.
QUAL É A DIFERENÇA ENTRE A TRIBU TO S ABSOLUTOS E ATRIBUTO S METAFÓRICOS DE DEUS? N em to d a lin g u ag em sobre D eus n a Bíblia é m etafísica (o u lite ra l). As E scritu ra s em p reg am m u itas d escrições m e ta fó rica s e a n tro p o ló g ica s a ce rca de (atrib u içõ es a) D eus. Está escrito que D eus te m “b ra ço s” (D t 33 .2 7 ), “o lh o s ” (H b 4.1 3) e até “asas” (Ê x 19.4). Ele é ch a m a d o de “r o c h a ” (1 Sm 2 .2 ), “t o r r e ” (Pv 18.10) e “e sc u d o ” (G n 15.1). A diferença en tre atribuições m etafóricas e m etafísicas de D eus está na n a tu re z a do S en h or e no que está sendo dito a ce rca Dele. A atribuição metafísica se baseia no m o d o que Deus de fato é — , p o rta n to , é o resu ltad o da sua causalidade eficiente. E igual à sua C ausa; está baseada em u m a relação causai in trín seca en tre a causa eficiente e o seu efeito. (Ver acim a a seção: “Que Tipo de A nalogia Existe en tre Deus e as C riatu ras?”) C ontudo, u m a atribuição metafórica de Deus não é o m odo que Deus de fato é. Está baseada em u m a relação causai extrínseca; não é igual à sua Causa. Por que, então, usamos as metáforas?
As Razões para Metáforas Há diversas razões para usarm os expressões m etafóricas acerca de Deus. Primeiro, as m etáforas nos inform am o que Deus pode fazer e não o que Ele é. Descrevem as suas habilidades e não os seus atributos. Portanto, Ele é com o u m a torre forte ou escudo que nos protege, ou Ele tem asas sobre as quais pode nos levar, etc. Segundo, as m etáforas com u n icam o que Deus é de m odo indireto e não-literal. A verdade é que o não-literal depende do literal. Sabemos que Deus não é literalm ente u m a rocha, visto que sabemos que Ele é literalm ente u m Espírito infinito, e u m a ro ch a não pode ser
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infinita nem espírito. Mas assim que sabemos que Deus não é literalm ente u m a rocha, a m etáfora nos diz o que Ele é literalm ente, ou seja, estável e imóvel. Terceiro, as m etáforas (símiles e outras figuras de linguagem ) são evocativas, em bora não sejam literalm ente descritivas, ou seja, elas não descrevem literal e diretam ente Deus. M esm o assim, elas evocam u m a resposta para Ele (ao passo que as descrições metafísicas quase sem pre não evocam ). Por conseguinte, a Bíblia con tém m etáforas, porque Deus quer u m a resposta de nós. Por exem plo, com pare o poder evocativo de u m a declaração m etafórica versus u m a declaração metafísica sobre Deus: • Declaração metafísica: Deus é a Causa não-causada de nosso ser. • D eclaração m etafórica: “Por baixo de ti estejam os braços eternos” (D t 33.27). • D eclaração metafísica: Deus é onipotente. • D eclaração m etafórica: “Porque quem é sem elhante a mim? E quem m e emprazaria? E quem é o pastor que subsistiria perante m im ?” (Jr 49.19). • D eclaração metafísica: Deus é onisciente. • D eclaração m etafórica: “Todas as coisas estão nuas e patentes aos olhos daquele co m quem tem os de tra ta r” (Hb 4.13).
Os Vários Tipos de Descrições Metafóricas sobre Deus Além das figuras de linguagem, a Bíblia em prega três tipos básicos de declarações m etafóricas sobre Deus. Em prim eiro lugar, há antropomorjismos que descrevem Deus em form a hum ana, co m o tendo olhos (p o r exem plo, Hb 4.13), ouvidos (2 C r 6.40) e braço (D t 5.15). Depois, há antropopatismos que descrevem Deus tendo sentim entos hum anos variáveis, co m o ira e tristeza (E f 4.30). Por fim, há antropoieses que atribuem a Deus ações hum anas co m o arrepender-se (G n 6.6) e esquecer-se (Is 43.25). N en h um a destas descrições tem a intenção de ser literalm ente verdadeira, e considerá-las assim pode conduzir a erro sério.
O Perigo das Descrições Metafóricas sobre Deus As metáforas são poderosas, m as tam bém podem ser prejudiciais. Se forem consideradas literalm ente, podem conduzir a erro grave e até heresia. A lista apresentada a seguir é u m a am ostra do que pode acontecer se as m etáforas não forem devidamente entendidas e assim, acabarem consideradas literalm ente: • “O Sen h o r arrependeu-se” (E x 32.14). Pode levar à negação da imutabilidade de Deus. • “Aos olhos daquele” (Hb 4.13). Pode levar à negação da im aterialidade de Deus. • “Ele é a R och a” (D t 32.4). Pode levar à negação da infinitude de Deus. • “A quem [Deus] de antem ão co n h eceu ” (R m 11.2, ARA). Pode levar à negação da eternidade de Deus. • “O Sen h o r se indignou” (1 Rs 11.9). Pode levar à negação da impassibilidade de Deus. • “Desceu o S en h o r para v er” (G n 11.5). Pode levar à negação da onisciência de Deus.
INTRODUÇÃO
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CONCLUSÃO C om o estabelecemos anteriorm ente, nada é mais im portante do que aquilo que pensam os sobre Deus. As características — encontradas nas criaturas — , que atribuímos a Ele, devem ser prim eiram ente purificadas de toda imperfeição ou lim itação para depois serem aplicadas ao Eterno de m odo ilimitado. Todo term o que perde o seu significado quando privado da sua finitude não pode ser aplicado literalm ente a Deus, mas só m etaforicam ente. Considerar literalm ente as descrições metafóricas sobre Deus conduz a opiniões heréticas sobre Ele. Nada m enos que o verdadeiro Deus pode trazer satisfação últim a ou espiritualidade com p leta em nossa vida. Por conseguinte, o estudo do verdadeiro Deus e dos seus atributos é o em penho mais im portante que a m ente finita pode entreter. Este é o projeto deste volum e.
FONTES AQUINAS, Thom as. Summa Theologica. [Edição brasileira: Tomás de Aquino. Suma Teológica: M istério da Encarnação (São Paulo: Loyola, 2001).] AUGUSTINE. Confessions. [Edição brasileira: Agostinho. Confissões (São Paulo: Paulus,
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_____________ . “Religious Language”, in: Baker Encyclopedia o f Christian Apologetics (B E C A ). GEISLER, N orm an, and Winfried Corduan. Philosophy o f Religion (Part. 3). KIERKEGAARD, Soren. Concluding Unscientific Postscripts. KREEFT, Peter. The Summa o f the Summa. MONDIN, Battista. The Principie o f Analogy in Protestant and Catholic Theology. PLOTINUS. The Enneads. [Edição brasileira: Plotino. Tratados das Enéadas (São Paulo: Polar,
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SCOTUS, John Duns. Philosophical Wntings. [Edição brasileira: Escritos Filosóficos (São Paulo: Nova C ultural, 1989).] TILLICH, Paul. Ultimate Concern. TOZER, A. W. The Knowledge o f the Holy. WEAVER, Richard. Ideas Have Consequences.
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il—
C A P Í T U L O
DOIS
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INTRODUÇÃO
O
s atributos absolutos de Deus tam bém são cham ados atributos metafísicos. Eles são a estru tu ra na qual os atributos m orais se ajustam . Por exem plo, Deus não é só am or (u m atributo m oral), mas tam bém é infinito (u m atributo metafísico). Por conseguinte, Ele é am or infinito. Sem elhantem ente, Deus não só é perfeito, mas im utavelm ente perfeito (ver capítulo 4), e assim por diante. Dois atributos fundam entais de Deus são a p ura realidade e a simplicidade. A pura realidade é o atributo do qual os outros atributos metafísicos podem ser logicam ente deduzidos, em bora todos estejam usando u m a base bíblica própria. Da m esm a m aneira, a simplicidade, que pode ser deduzida da pura realidade, é a base para entenderm os m uitos dos outros atributos absolutos de Deus.
DEUS É PURA REALIDADE Por “realidade” quero dizer aquilo que é em ato ou aquilo que é (existência). Isto está em contraste co m a potencialidade (ver capítulo 1) — aquilo que pode ser (isto é, o potencial para a existência). A pura realidade, então, é aquilo que é (existência) sem possibilidade de não existir ou ser qualquer coisa diferente do que é — existência, pura e simples. A p ura realidade não tem potencial p ara a não-existência e não tem potencial para a m udança. Se pudesse m udar, então teria de sair da existência. Mas nada pode experim entar a m udança para sair da existência, a m enos que ten h a esse potencial. A p ura realidade não tem potencial de qualquer tipo, para dizer nada do potencial para deixar de existir. E puro ato. Há bases bíblicas, teológicas e históricas para a p ura realidade de Deus. Estas serão apresentadas na ordem respectiva.
A BASE BÍBLICA PARA A PURA REALIDADE DE DEUS Há muitas linhas de ensino bíblico que são entretecidas para apoiar a p ura existência de Deus. N otem os alguns fios fundamentais.
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Deus Existe independentemente de tudo o mais “No princípio, [...] D eus” (G n 1.1). “Ele é antes de todas as coisas” (C l 1.17). “Antes que os m ontes nascessem, ou que tu formasses a terra e o m u ndo, sim, de eternidade a eternidade, tu és Deus” (SI 90.2). “Eu sou o Alfa e o O m ega” (Ap 1.8). “Eu sou o Primeiro e o U ltim o ” (Ap 1.17). “E, agora, glorifica-m e tu, ó Pai, junto de ti m esm o, co m aquela glória que tinha contigo antes que o m undo existisse” (Jo 17.5; cf. Jo 17.24; Ap 13.8; 17.8). Deus existia antes e independentem ente de qualquer o u tra coisa. Todas as outras coisas que existem dependem Dele, enquanto que o Senhor não depende de nada para a sua existência.
Deus Dá a Existência para todos os outros Deus não só existe antes de tudo o mais que existe, m as ele tam bém é a causa de tudo que há em existência. “No princípio, criou Deus os céus e a terra” (G n 1.1). “Criou, pois, Deus [...] todos os seres viventes” (G n 1.21, A R A ). “Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez” (Jo 1.3). “Porque nele foram criadas todas as coisas [...]; tudo foi criado por ele e para ele” (Cl 1.16). “Tu criaste todas as coisas, e por tua vontade são e foram criadas” (Ap 4.11). “Nem tam pou co é servido p or m ãos de hom ens, com o que necessitando de algum a coisa; pois ele m esm o é quem dá a todos a vida, a respiração e todas as coisas” (A t 17.25). “Porque Dele, e p o r ele, e para ele são todas as coisas” (R m 11.36). “Todavia, para nós há u m só Deus, o Pai, de quem é tudo e para quem nós vivemos; e u m só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós por ele” (1 C o 8.6). “Ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele” (C l 1.17). “A nós falou-nos, nestes últim os dias, pelo Filho” (Hb 1.1). “C onvinha que aquele, para quem são todas as coisas e m ediante quem tudo existe” (Hb 2.10). O Deus da Bíblia não só existia antes de todas as coisas, mas todas as coisas tam bém existem por causa Dele. Ele é a Pura Existência, que deu existência a tudo que existe. Sem Ele, nada mais haveria.
Deus é a Pura Existência (o Puro “Estado de EU SOU”) C ertos textos bíblicos descrevem Deus co m o Pura Existência. Quando Moisés perguntou o n om e de Deus em Êxodo 3.14, diz a Bíblia: “Disse Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU”. Deus é o puro “Estado de EU SOU”; Ele é o A uto-Existente que não depende de ninguém mais para ser. Este entendim ento tradicional de Êxodo 3.14 é confirm ado pelo uso que Jesus fez desta declaração em João 8.58, quando declarou: “Antes que Abraão existisse, eu sou”. Os judeus que ouviram estas palavras não só entenderam a declaração, mas tam bém responderam à altura: “Então, pegaram em pedras para lhe atirarem ” (Jo 8.59), porque só Deus pode fazer tal declaração.
A BASE TEOLÓGICA PARA A PURA REALIDADE DE DEUS Não só a Bíblia descreve o Senhor co m o a Pura Existência sem potencial para a não-existência, m as tam bém há m uitos argum entos teológicos sólidos que apóiam a m esm a conclusão. A pura realidade de Deus pode ser deduzida da sua não-causalidade e necessidade (ver capítulo 3). Cada u m destes — não-causalidade e necessidade — é u m atributo de Deus que se deriva de duas form as diferentes do argum ento cosm ológico (vertical e horizontal; ver Volume 1, capítulo 2).
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A Pura Realidade se Segue da Não-Causalidade A p u ra realidade de D eus se depreende do a rg u m e n to co sm o ló gico em p ro l da sua existência, pois co m o já foi d em o n strad o (n o V olum e 1, cap ítu lo 2), Deus é a Causa n ão -cau sad a de tu d o o mais que existe. O que n ão te m cau sa da sua existência n ão é realizado (cau sad o ) p o r o u tro . E o que n ão é realizado não te m p otencialidade, pois a potencialidade p ara a realidade é u m a con dição p ara ser realizado. P o rta n to , Deus co m o a C ausa n ão -cau sad a de tu d o o mais que existe não teve potencialidade p ara a existência ou p ara a n ão -existên cia. Ele tã o -so m e n te existe, p u ra e sim plesm ente. O a rg u m en to em p rol de Deus co m o o Puro Realizador de tu d o o mais que te m realidade co m e ça na real m u d an ça que exp erim en tam o s. Toda real m u d an ça envolve o tran scu rso de u m estado de potencialidade p ara essa m u d a n ça chegando à p róp ria m u d an ça de fato. C o n tu d o , nada passa da potencialidade p ara a realidade, ex ce to alg u m a cau sa real efetuando essa potencialidade. N ão h á potencialidade p ara a existência que possa realizar a sua p ró p ria existência. P o rta n to , no final das con tas, tem de h aver u m Realizador Prim eiro e N ão-R ealizado de todos os o u tros seres que são realizados. Este Realizador Prim eiro e N ão-R ealizado te m de ser a Pura Realidade, pois se tivesse alg u m a p otencialidade, en tão teria tido a necessidade de u m realizador. C o n tu d o , repetindo, nada pode realizar a sua p róp ria existência, visto que u m ser au to cau sad o é im possível. (U m a causa é o n to lo g ica m e n te antes do seu efeito, e nada pode ser antes de si m e sm o .) N em pode h aver u m regresso infinito de seres que fo ram realizados, pois nesse caso não h averia nada p ara p ô r a realidade n a seqüência. Por con seguinte, tem de h aver u m Realizador Prim eiro e N ão-R ealizad o que n ão te n h a potencialidade em seu ser, que é a P ura Realidade (T om ás de A quino, ST, la.2.3). Em resum o, Deus é a Causa não-causada de tudo que existe. A Causa não-causada não tem potencial de não existir, e o que existe sem potencial para não existir é a Pura Existência. Ele é u m Ser necessário (ver capítulo 3), e co m o tal Ele não tem potencialidade para não existir. E m sum a, Deus é a Pura Realidade sem potência para a não-existência, ao passo que as criaturas são tanto o ato quanto a potência, tendo o potencial para a nãoexistência (ou seja, elas não existiram antes de serem criadas).
A Pura Realidade se Segue da Necessidade O u tra form a do argum ento cosm ológico raciocina do ser ou seres contingentes para u m Ser necessário. U m Ser necessário é por definição aquele que não pode não existir (se existe de algum a m aneira). Mas o que não pode não existir não tem potencial para a não-existência. E o que existe sem potencial para não existir é a Pura Existência. Portanto, se até u m ser contingente existe, então u m Ser necessário tem de existir, pois n en h u m ser contingente (a saber, aquele que pode não existir) pode causar a sua própria existência, pois o m ero potencial para ser não explica por que tal ser existe. Por conseguinte, no final das contas, tem de haver u m Ser que não pode não existir para dar base a todos os seres que podem não existir, m as existem (ou seja, os seres hum anos). Para declarar o argum ento de outro m odo, se u m ser contingente existe, então um Ser necessário tem de existir. Caso contrário, a não-existência poderia ser a causa da existência, pois se ou tro ser, que não pode existir, for a causa de u m que existe, então é possível para o nada ser a causa de algo. Mas isto é absurdo, visto que o nada não pode causar algo — é nada. Só algo que existe pode causar existência.
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Neste caso, se Deus é u m Ser necessário (u m que não tem potencial de não ser), então ele tem de ser a Pura Realidade. C om o vimos, u m Ser sem potencialidade para a não-existência é a Pura Existência.
A Pura Realidade e outros Atributos Metafísicos de Deus Podemos deduzir conclusões im portantes da p ura realidade de Deus co m relação aos seus outros atributos.. Basicam ente, todos os outros atributos metafísicos essenciais de Deus se depreendem da sua p ura realidade, incluindo a simplicidade, asseidade (ver capítulo 3), necessidade; imutabilidade (ver capítulo 4), eternidade e infinidade. A Simplicidade, se Segue da Pura Realidade A simplicidade (indivisibilidade) de Deus se depreende logicam ente da sua p ura realidade, pois o Puro A to não pode ser dividido — não tem potencialidade. Tudo que não tem potencialidade de ser dividido não pode ser dividido; não há nada pelo qual possa ser dividido. Tudo que não pode ser dividido é indivisível. Portanto, a pura realidade é indivisível. A lém disso, arealidadepuranãotem potencialidade; p ortan to, não tem potencialidade para m udar. O que m uda tem partes, visto que parte disso m u d a e parte não muda. E o que tem partes pode m udar — pode se desprender. Por conseguinte, Deus não pode ter partes (que é simplicidade), visto que Ele não tem potencialidade para m udar. A lém do mais, o Puro A to não pode ser diferenciado, pois a realidade co m o tal deve ser idêntica à realidade co m o tal. Para diferir, tem de haver diferença. Mas para diferir, não há m odo de diferir sem potencialidade: Tem de ser idêntico a si m esm o. O que é idêntico a si m esm o é simples. Portanto, u m Ser de p u ra realidade é simples, e, por conseguinte, indivisível. (Para inteirar-se de mais detalhes sobre a simplicidade de Deus, ver mais adiante a seção “A Base Histórica p ara a Pura Realidade de D eus”.) A Asseidade se Segue da Pura Realidade U m Ser que é existência, p ura e simples, não pode ter entrado em existência. Nem pode deixar de existir, visto que é a própria existência. Deus é existência; tudo o mais som ente tem existência. Tal Ser tem auto-existência, quer dizer, existência em si m esm o e de si m esm o. Esta auto-existência é conhecida p o r asseidade. A Imutabilidade se Segue da Pura Realidade C om o previam ente estabelecido, a p ura realidade não tem potencialidade seja para o que for. Portanto, não tem potencialidade para m udar (m udança é o transcurso da potencialidade para a realidade); é im utável. U m Ser de Pura Realidade é u m Ser simples, sem partes. O que tem partes, en tretanto, pode se desprender. Por conseguinte, Deus não pode ter partes: Ele é absolutam ente u m (simples). A Necessidade se Segue da Pura Realidade A Pura Realidade não tem potencial de não existir, e u m Ser sem potencial para não existir tem necessariam ente de existir. E o que necessariam ente tem de existir é u m Ser necessário.
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A Eternidade (Atemporalidade) se Segue da Pura Realidade
Tem po acarreta m udança (de u m m o m en to para o ou tro). Mas a Pura Realidade não pode m udar. Portanto, a Pura Realidade não está no tem po, pois é eterna. A Infinidade se Segue da Pura Realidade
Infinidade significa sem limites. O que é Pura Realidade não tem limites, não tem potencialidade para qualquer tipo de lim itação. A potencialidade é o que limita o ser. Considerando que u m Ser sem potencialidade não tem limites, a Pura Realidade é infinita. Em sum a, todos os atributos metafísicos básicos de Deus se depreendem logicam ente da sua p ura realidade, e a sua p ura realidade se depreende de Ele ser a Causa Primeira N ão-Causada de tudo o mais que existe.
A BASE HISTÓRICA PARA A PURA REALIDADE DE DEUS A base histórica para a pura realidade de Deus é antiga e contínua. C om eça co m os primeiros Pais da Igreja e continua praticam ente sem interrupção em nossa época. Considerando que m uitas das mesm as citações se acham na categoria da asseidade e necessidade de Deus (ver capítulo 3), elas não serão declaradas aqui. E suficiente com en tar que desde o início da fé cristã Deus tem sido considerado a Pura Existência, sem qualquer possibilidade ou potencialidade para a não-existência. As referências típicas deste argum ento são as de Agostinho e Tomás de Aquino.
Os Teólogos Falaram sobre a Pura Realidade de Deus Agostinho (354-430)
É esse absoluto “É ”, esse verdadeiro “É ”, que “É ” no verdadeiro sentido da palavra que eu anseio; esse “E”; que “é ” naquela “Jerusalém ” que é “a Noiva” do m eu Senhor; onde não haverá m orte, nem haverá imperfeição. (EBP, 39.8) “Pois Deus é o Ser Absoluto e, p o rtan to , todos os outros seres que são relativos foram feitos por Ele” (C, 11.5). “Porque eu disse: ‘EU SOU O QUE SOU’ [Êx 3.14], [...] tu entendeste o que é o Ser, e tu te desesperas em apoderar-te disso” (SN T L, 7.7). Tomás de Aquino (1225-1274)
“Foi mostrado acima que há um primeiro ser, a quem chamamos Deus; e que este primeiro ser deve ser puro ato, sem qualquer mescla de qualquer potencialidade”. (ST, la.9.1) O p rim eiro ser te m de in ev itav elm en te ser em ato, e de m a n e ira alg u m a em p o ten cialid ad e [...] falan d o em te rm o s absolu tos, a realidade é antes da p o ten cialid ad e; pois tu d o que está e m p o ten cialid ad e só p o d e ser red uzid o à realidade p o r alg u m ser e m realidade. A g ora já foi provado qu e D eu s é o Se r P rim eiro . P o rta n to , é im possível que e m D eu s h a ja poten cialid ade. (ST, la .3 .1 )
Além disso, “não só Deus é a sua própria essência, [...] mas Ele é tam bém a sua própria existência (esse)” (ST , la.3.4). Além do mais:
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P rov en ien te do fa to de que D eu s é n e cessariam en te e te rn o , co n clu i-se qu e E le n ão está e m p o ten cialid ad e; pois qu alq u er coisa c u ja su bstân cia te n h a p o ten cialid ad e é capaz p o r cau sa d esta p o ten cialid ad e de n ão existir, visto qu e a possibilidade p ara ser é ta m b é m a possibilidade p ara n ão ser. (SCT, 1.16)
Deus é, então, a Pura Realidade. Ele é o Ser. Tudo o mais m eram en te tem o ser. A maioria dos prim eiros e até dos últim os Pais identifica isto co m a auto-revelação de Deus a Moisés (Ex 3.14) co m o o grande EU SOU ou o A uto-Existente (cf. Jo 8.58). Etienne Gilson observou criteriosam ente que os gregos, diferentem ente dos cristãos, n un ca reu n iram os seus deuses e os seus princípios metafísicos (GF, capítulo 1). Não fazer isto significaria que Deus não é o ú ltim o, m as está sujeito a u m a realidade mais últim a que Ele é.
RESPONDENDO ÀS OBJEÇÕES À PURA REALIDADE DE DEUS Os oponentes da Pura Realidade do ser de Deus, incluindo várias form as do pensam ento do processo, tan to panenteístas quanto neoteístas (ver Volum e 1, capítulos 2, 4, 5 e 8), fazem objeções a este atributo.
Objeção Um: Baseada no Potencial para Criar Se Deus não tem potencialidade, então co m o Ele teve o potencial para criar? Ele criou, e seja o que for que criou, Ele deve ter tido o potencial para fazer.
Resposta à Objeção Um Deus não tem potência passiva: Ele não tem possibilidade de ser o que não é. Mas Ele tem potência ativa (poder para fazer o que Ele não fez). Por conseguinte, o potencial para criar existia no poder ativo de Deus para criar, da m esm a m aneira que o potencial para m over u m livro preexiste em nossos m úsculos antes de m ovê-lo.
Objeção Dois: Baseada no Potencial para Existir Se as criaturas tivessem o potencial para existir antes de existirem, então este potencial tinha de ter estado em Deus. Não poderia ter existido fora de Deus, pois isto seria dualismo e não teísmo. Se estava em Deus, então havia potenciais em Deus, e Ele não é, então, Pura Realidade.
Resposta à Objeção Dois A nossa potencialidade para existir foi co-criada co m a nossa realidade. Entram os em existência co m o nosso potencial para existir. O potencial p ara existir não existia antes que existíssemos, exceto na medida em que preexistia no poder ativo de Deus. Mas o poder ativo de Deus não é potencialidade passiva. Não há potência passiva em Deus.
Objeção Três: Baseada na Habilidade para Agir Se Deus não tem potencialidade, então co m o Ele pode agir no m u n do que tem potencialidade (p or exem plo, u m m undo de m udanças). Todo ato em u m m undo m utável é m utável. Deus age em u m m undo m utável. Por conseguinte, Deus muda.
A PURA REALIDADE E A SIMPLICIDADE DE DEUS
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Resposta à O bjeção Três Is to c o n f u n d e o q u e D e u s é c o m o q u e E le faz. D e u s é im u tá v e l n o s se u s atributos, m a s se o c u p a d e ações m u tá v e is . D e u s ag e a p a r t ir d e fo r a do t e m p o , m a s o s se u s a to s sã o dentro do t e m p o . E le c a u s a a p a r t ir d a e t e r n id a d e , m a s os e fe ito s q u e E le c a u s a sã o n a t e m p o r a lid a d e . E le é a C a u s a I m u t á v e l d as co is a s m u tá v e is . A Causa é in c r ia d a , m a s só o efeito é c r ia d o . D a m e s m a m a n e i r a q u e a m e n t e p o d e ag ir n a m a té r ia s e m s e r m a té r ia , a ss im D e u s p o d e a g ir n o t e m p o s e m se r t e m p o r a l.
O bjeção Quatro: Baseada na Suposta Interpretação Errônea de Êxodo 3.14 M u ito s n e o t e ís ta s ( v e r V o lu m e 1, c a p ít u lo s 2, 4, 5 e 8 ) c h a m a m a t e n ç ã o p a r a a id é ia d e q u e “d e c la r a ç õ e s b íb lic a s c o m o ‘E U S O U O Q U E S O U ’ (É x 3 .1 4 ) sã o m a l- in t e r p r e ta d a s p e lo s te ís ta s c lá s s ic o s p a r a e x p r e s s a r a v e rd a d e ir a n a t u r e z a d iv in a c o m o p u r a re a lid a d e , d a q u a l a s im p lic id a d e é d e riv a d a , a o m e s m o t e m p o e m q u e d e c la r a ç õ e s c o m o as q u e d e s c r e v e m D e u s c o m o ‘a q u e le q u e é, e q u e e r a , e q u e h á d e v ir ’ (A p 1 .4 ) sã o ig n o r a d a s o u d e s c a rta d a s c o m o fig u ra s d e l in g u a g e m ” ( P in n o c k , OC, p . 9 9 ).
Resposta à O bjeção Quatro Primeiro, e sta s e x p r e s s õ e s sã o d e c la r a d a s d o p o n t o d e v is ta h u m a n o —
n o te m p o .
N ã o é n e c e s s á r io c o n s id e r á - la s l it e r a lm e n t e a c e r c a d e D e u s m a is d o q u e é n e c e s s á r io c o n s id e r a r lit e r a lm e n t e as d e c la r a ç õ e s q u e d iz e m q u e D e u s t e m m ã o s , b r a ç o s o u asas. Segundo, e ste s d o is t e x t o s n ã o se c o n t r a d iz e m . A f ir m a r q u e D e u s s e m p r e “é ” ( t e m p o p r e s e n t e ) n ã o in s in u a q u e E le n ã o e x is tia e m n o s s o p a ss a d o o u n ã o e s t a r á e m n o s s o f u t u r o . P e lo c o n t r á r io , d e c la r a q u e E le sempre é — o q u e é c o m p a t ív e l c o m o se u “E s ta d o de EU S O U ”. Terceiro, u m a v e z q u e n ã o h á c o n t r a d iç ã o n a B íb lia ( v e r V o lu m e 1, p a r t e 2 ), a q u e s tã o é: Q u a l p a s s a g e m d e v e s e r c o n s id e r a d a l i t e r a lm e n t e ( m e t a f is ic a m e n t e ) e q u a l n ã o deve? D u a s c h a v e s h e r m e n ê u t i c a s in d ic a m q u e D e u s é o “E U S O U ” , is to é, o E t e r n o , A u t o E x is te n te . E m p r im e ir o lu g a r , n a p a s s a g e m d e Ê x o d o a p e r g u n t a fo i fe ita e s p e c if ic a m e n t e : “Q u a l é o s e u n o m e [c a r á te r , e s s ê n c ia ]” ? (É x 3 .1 3 ), a o p a sso q u e A p o c a lip s e 1.4 é a m e r a d e s c r iç ã o d e J o ã o a c e r c a d o D e u s q u e , d o p o n t o d e v a n ta g e m t e m p o r a l , s e m p r e e r a , é e se rá . A lé m d isso , q u a n d o D e u s fa la n a p a s s a g e m d e A p o c a lip s e , E le d iz q u e é o “e u sou” ( t e m p o p r e s e n t e ) q u e , n ã o o b s t a n t e , é “o P r in c íp io ” e é “o F i m ” . D e f a to , E le está n o p a ss a d o , E le está n o p r e s e n t e e E le está n o f u t u r o . N a v e rd a d e , E le s e m p r e é: D e o n d e se c o n c lu i q u e E le é a q u e le “q u e é, e q u e e ra , e q u e h á d e v i r ” (A p 1.8). Quarto,
quando
d u as
p a ss a g e n s
[ a p a r e n te m e n t e
se
c o n t r a d iz e m ] ,
a q u e la
a ser
c o n s id e r a d a lit e r a lm e n t e é a q u e p o d e e x p lic a r m e l h o r a o u t r a q u e n ã o e s tá s e n d o c o n s id e r a d a lit e r a lm e n t e . P o r e x e m p lo , Jo ã o 4 .2 4 diz: “D e u s é E s p ír ito ” . C o n t u d o , a B íb lia t a m b é m d iz q u e D e u s t e m o lh o s , b r a ç o s e p e r n a s , e é c o m o u m a t o r r e , u m a r o c h a . N ã o fa z s e n tid o d iz e r q u e E le é, lit e r a lm e n t e , to d a s esta s ú lt im a s c o is a s e, f ig u r a t iv a m e n te , E s p ír ito . N ã o é p r á t ic a i n c o m u m e n te n d e r c e r ta s c o is a s f ig u r a t iv a m e n te n a B íb lia . Quinto, os a p e lo s às a tu a is te n d ê n c ia s d a l in g ü ís t ic a p a r a in t e r p r e t a r q u e Ê x o d o 3 .1 4 e s tá d iz e n d o : “E U S E R E I O Q U E S E R E I ” sã o in s u f ic ie n te s p o r m u ita s r a z õ e s . P a ra c o m e ç a r , o c o n t e x t o se o p õ e a is to , v is to q u e o p e d id o é q u e D e u s d ê o se u “n o m e ” ( c a r á t e r o u e s s ê n c ia ). A lé m d isso , a h is tó r ia d a i n t e r p r e t a ç ã o ju d a ic a e c r is tã d e s te t e x t o é
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avassaladoramente a favor da interpretação clássica. A lém do mais, a tradução grega do Antigo Testam ento (a Septuaginta — L X X ), que até os proponentes neoteístas aceitam, favorece a visão da asseidade tradicional. Essa versão traduz o hebraico “EU SOU O QUE SOU” (ekyeh ser ehyeK) p o r ho on, que significa “aquele que é”. A tradução “EU SEREI O QUE SEREI”, ainda que gram aticam ente possível, é contextualm ente improvável e historicam ente recente, em ergindo após a teologia do processo1. Ironicam ente, para os que afirm am que o teísm o clássico foi influenciado pela filosofia (grega) dos seus dias, com prova-se que a visão Deles foi m oldada pela filosofia (processo) de nossos dias. Ademais, o próprio nom e Jeová (YHW H ), em geral traduzido por S e n h o r no Antigo Testam ento, é provavelm ente a contração de “EU SOU O QUE SOU”. R. Alan Cole, com entarista do Antigo Testam ento, diz: “Esta cláusula expressiva [“EU SOU O QUE SOU”] é claram ente u m a referência ao n om e YHW H. Considera-se que a palavra ‘Jeová’ seja a redução da frase inteira, e a reunião da frase em u m a palavra” ( E, p. 69). Até o Dicionário Teológico do Novo Testamento (The Theological Dictionary o f the New Testament, TD N T) reconhece: “Considera-se, geralm ente, que o n om e é u m a form a verbal derivada da raiz hebraica hwy [hayah], ‘ser/estar à m ã o ’, ‘ser/estar p erto ’, ‘existir’, ‘vir a acon tecer’, ‘acon tecer’” (verbete “YHW H”, p. 500, grifos m eus). A rth u r Preuss resum e tudo m uito bem: A opinião mais geral e mais antiga entre os teólogos favorece a visão de que a asseidade constitui a essência metafísica de Deus. Por conseguinte, estaremos agindo com prudência em adotar esta teoria, sobretudo visto que está bem fundamentada nas Sagradas Escrituras e na tradição, e pode ser defendida com sólidos argumentos filosóficos. [...] As Sagradas Escrituras definem YHWH como ho on, e, portanto, esta definição está autorizada para a aceitação universal. (GHKEA, p. 172) Repetindo, este processo do entendim ento (neoteísta) é contrário ao uso que Jesus fez em João 8.58. “Antes que Abraão existisse, eu sou”. N ote que Ele não afirm ou: “Antes que Abraão fosse, eu serei o que serei”, co m o Ele teria dito se o entendim ento neoteísta deste texto estivesse co rreto . Para o seguidor de Cristo, o entendim ento de Jesus do texto em questão tem de ser indiscutível. Sexto e últim o, m esm o que pudesse ser provado que Êxodo 3.14 não apóia a afirmação em prol da auto-existência e simplicidade de Deus, há m uitos outros textos e argum entos que a apóiam (co m o foi m ostrado acim a).
A SIMPLICIDADE DE DEUS — DEUS É ABSOLUTAMENTE SIMPLES “Simples” significa sem partes, pois o que tem partes pode se desprender. Simples tam bém significa indivisível, quer dizer, Deus não é capaz de ser dividido. Não há “costu ra” em Deus, p ortan to não há lugar no qual o tecido do seu Ser possa ser rasgado ou ser descosturado. Além disso, a simplicidade de Deus significa que Ele é absolutam ente 1N do E : “Teólogos do Processo” são adeptos de um m ovim ento herético conhecido por diferentes nomes: “Visão Aberta de Deus”; Teologia do Processo; neoteísmo; teísmo neoclássico e, o mais conhecido no Brasil, “Teísmo Aberto”. Algumas de suas principais aberrações doutrinárias — segundo N orm an Geisler — , são: “1) um a visão libertária do livre-arbítrio; 2) limitações sobre a presciência infalível de Deus; 3) um futuro parcialmente aberto (não-determ inado), onde atos livres estão envolvidos; 4) a convicção de que a natureza de Deus pode m udar; 5) que Deus é influenciado pelo tem po; 6) e a implicação de que Deus não é simples (indivisível) em sua essência” (Revista Resposta Fiel, n°24, CPAD, 2007).
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u m : E le n ã o só t e m u n id a d e , m a s E le é u n id a d e a b s o lu ta . N ã o é u n id a d e d e n t r o da m u ltip lic id a d e ; é u n id a d e s e m m u ltip lic id a d e n o se u S e r (e s s ê n c ia ), e m b o r a h a ja u m a p lu r a lid a d e d e p e s so a s ( v e r c a p ít u lo 12).
A BASE BÍBLICA PARA A SIMPLICIDADE DE DEUS R e p e tin d o , h á bases b íb lic a s , t e o ló g ic a s e h is tó r ic a s p a r a a s im p lic id a d e de D e u s . A b a s e b íb lic a se a c h a e m v á rio s g r u p o s d e v e r s íc u lo s .
Versículos que Falam sobre a Unidade Absoluta de Deus A B íb lia a f ir m a q u e D e u s é u m , n ã o m ú l t i p l o , n o s e u S e r . E s ta u n id a d e a b s o lu ta de e s s ê n c ia , ju n t o c o m a su a im a te r ia lid a d e , a p ó ia o c o n c e it o d a s im p lic id a d e d e D e u s . “N ã o t e r á s o u t r o s d e u se s d ia n te d e m i m ” ( E x 2 0 .3 ). “O u v e , Is ra e l, o S e n h o r , n o s s o D e u s , é o único S e n h o r ” ( D t 6 .4 ). “O S e n h o r d o s E x é r c it o s , D e u s d e Is r a e l, q u e h a b ita s e n t r e o s q u e r u b in s ; t u és o D e u s , tu somente, d e to d o s os r e in o s d a t e r r a ; t u fiz e s te os c é u s e a t e r r a . [...] p a r a q u e to d o s o s r e in o s d a t e r r a c o n h e ç a m q u e só tu és o S e n h o r ” (Is 3 7 .1 6 ,2 0 ). “E u s o u o S e n h o r , e n ã o h á o u t r o ” (Is 4 5 .1 8 ). “N ã o n o s c r io u um mesmo Deus? P o r q u e s e r e m o s d e sle a is u n s p a ra c o m os o u t r o s , p r o f a n a n d o o c o n c e r t o d e n o s s o s p ais?” ( M l 2 .1 0 ). “O p r im e ir o d e to d o s os m a n d a m e n t o s é: O u v e , Is r a e l, o S e n h o r , n o s s o D e u s , é o único Senhor” ( M c 1 2 .2 9 ). “V is to q u e D eus é um só, o q u a l ju s tif ic a r á , p o r fé , o c ir c u n c is o e, m e d ia n t e a fé , o in c i r c u n c is o ” ( R m 3 .3 0 , A R A ) . “S a b e m o s q u e o íd o lo n a d a é n o m u n d o e q u e não há outro Deus, senão um só. P o r q u e , a in d a q u e h a ja t a m b é m a lg u n s q u e se c h a m e m d e u se s , [...], to d a v ia , p a r a n ó s h á um só Deus, o Pai, d e q u e m é tu d o e p a ra q u e m n ó s v iv e m o s ” (1 C o 8 .4 -6 ). [Há] “um só Deus e Pai d e t o d o s , o q u a l é s o b r e to d o s , e p o r to d o s , e e m t o d o s ” ( E f 4 .6 ). “P o r q u e h á um só D eus e u m só m e d ia d o r e n t r e D e u s e os h o m e n s , Je s u s C r is to , h o m e m ” (1 T m 2 .5 ). “T u c r ê s q u e h á um só D eust F a z es b e m ” ( T g 2 .1 9 ). (G r ifo s d o a u t o r n a s c it a ç õ e s c o n s t a n te s n e s t e p a r á g r a fo .) E m s u m a , p o r e ste s m u ito s v e r s íc u lo s é e v id e n te q u e h á , a b s o lu t a m e n t e , u m só D e u s . M a s se D e u s é a b s o lu t a m e n t e u m , e n tã o E le n ã o p o d e se r d iv id id o e m m u ito s d e u se s . C o m b in a d o c o m a im a te r ia lid a d e d e D e u s ( v e r c a p ít u lo 6 ), is t o d á m a is a p o io à su a s im p lic id a d e . E m b o r a a p a la v r a h e b r a ic a tr a d u z id a p o r “u m ” ( echad) d ê e s p a ç o a u m a p lu r a lid a d e d e p e s so a s dentro de uma unidade de substância,2 n o c o n t e x t o m o n o t e ís t a e a n t i- p o lite ís t a e m q u e e r a u sa d a , n ã o h á d e d u ç ã o d e plu ralidade de seres o u partes dentro de um ser. Is to s e r ia e q u iv a le n t e a o p o lit e ís m o , a o q u a l o m o n o t e ís m o ju d a ic o se o p u n h a v e e m e n t e m e n t e d esd e o in íc io ( c f. E x 2 0 .3 ; D t 6 .4 ).
Versículos que Falam sobre a Im aterialidade de Deus O s se r e s m a te r ia is sã o f e ito s d e p a r te s . C o n s id e r a n d o q u e D e u s é im a t e r ia l, D e u s n ã o p o d e t e r p a r t e m a te r ia l. “V ed e as m in h a s m ã o s e o s m e u s p é s , q u e so u e u m e s m o ; t o c a i m e e v e d e , p o is u m e s p ír ito não tem carne nem ossos, c o m o v e d e s q u e e u t e n h o ” (L c 2 4 .3 9 ). “D eus nunca f o i visto por alguém" (Jo 1 .18). “Deus é Espírito, e i m p o r t a q u e o s q u e o a d o r a m o a d o r e m e m e s p ír ito e e m v e r d a d e ” (Jo 4 .2 4 ). “P o r q u e as suas coisas invisíveis, d esd e a c r ia ç ã o d o m u n d o , t a n t o o se u e t e r n o p o d e r c o m o a su a d iv in d a d e , se e n t e n d e m e c l a r a m e n t e
2Ainda que a doutrina da Trindade não seja ensinada explicitamente no Antigo Testamento, com o é encontram os em o Novo (M t 3.15-17; 28.18-20; 2 Co 13.13), no entanto, está implicitamente contida no fato de que duas ou mais pessoas são identificadas com o Deus e que, às vezes, até falam entre si (por exemplo, SI 45.6; 110.1; Z c 1.12; cf. Is 63.7-10).
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se vêem pelas coisas que estão criadas” (R m 1.20). “[Cristo] é im agem do Deus invisível, o prim ogênito de toda a criação” (C l 1.15). “Ora, ao Rei dos séculos, imortal, invisível, ao único Deus seja h onra e glória para todo o sem pre” (1 T m 1.17). “Não nos sujeitaremos m uito mais ao Pai dos espíritos, para vivermos?” (Hb 12.9). (Grifos do au tor nas citações constantes neste parágrafo.) De acordo co m estes versículos, Deus é invisível, im aterial e espírito im ortal. C om o tal, Ele não tem partes tem porais ou materiais pelas quais Ele possa ser dividido ou destruído. Portanto, em contraste co m as coisas materiais, Ele é simples, e em contraste co m as coisas tem porais, Ele é imperecível (cf. Hb 1.11,12). Consideradas globalm ente, estas passagens apresentam fortes argum entos a favor da simplicidade (indivisibilidade) de Deus.
Versículos que Falam sobre a Asseidade (Auto-Existência) de Deus Os neoteístas contem porâneos afirm am o contrário (ver Volum e 1, capítulo 3). Todavia a auto-identidade de Deus co m o o grande “EU SOU” em Êxodo 3.14 é u m a declaração da sua auto-existência, da sua Pura Realidade. Quando Moisés pediu que Deus lhe dissesse o nom e, a resposta foi: “EU SOU O QUE S O U [...] Assim dirás aos filhos de Israel: EU SOU m e enviou a v ó s ”. Repetindo, o nom e Jeová (YHW H ), em geral traduzido p o r S e n h o r no Antigo Testam ento, é provavelm ente a contração de “EU SOU O QUE SOU” (ver a subseção “Resposta à Objeção Q u atro”, acim a). A quem, pois, fareis semelhante a Deus ou com que o comparareis? Ele é o que está assentado sobre o globo da terra. [...] A quem pois me fareis semelhante, para que lhe seja semelhante? — diz o Santo. Levantai ao alto os olhos e vede quem criou estas coisas, quem produz por conta o seu exército, quem a todas chama pelo seu nome; por causa da grandeza das suas forças e pela fortaleza do seu poder, nenhuma faltará. Não sabes, não ouviste que o eterno Deus, o S e n h o r , o Criador dos confins da terra (Is 40.18,22,25,26,28, grifos meus). Este sublime quadro de Deus fala que Ele é o Criador eterno e auto-suficiente de todas as coisas. Ele é o Criador Incriado, o Auto-Existente e Incom parável que não tem igual. “N em tam pou co é servido p o r m ãos de hom ens, co m o que necessitando de algum a coisa; pois ele m esm o é quem dá a todos a vida, a respiração e todas as coisas” (A t 17.25). Este é u m Deus que dá vida e existência a todos, mas tem — é — a vida em si m esm o e de si m esm o: “Porque nele vivemos, e nos m ovem os, e existimos” (A t 17.28, grifos m eus), mas Ele é a existência. Nós somos a sua “geração” (A t 17.29), mas Ele não é a geração de ninguém . Ele simplesmente é, e sem pre era, o Auto-Existente. Porque nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades; tudo foi criado por ele e para ele. E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele. (Cl 1.16,17, grifos meus) “Digno és, Senhor, de receber glória, e honra, e poder, porque tu criaste todas as coisas, e p or tua vontade são e foram criadas” (Ap 4.11). “Eu sou o Alfa e o Omega, o Princípio e o Fim, diz o Senhor, que é, e que era, e que há de vir, o T odo-poderoso” (Ap 1.8). Deus sem pre era, sem pre é e sem pre será. Ele n em entrou em existência n em sairá de existência. Ele simplesmente é existência.
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V ersícu lo s q u e F a la m s o b re D eu s c o m o in trin s e c a m e n te Im o rta l “Ora, ao Rei dos séculos, im ortal, invisível, ao único Deus seja honra e glória para todo o sempre. A m ém !” (1 T m 1.17). “Aquele que tem , ele só, a im ortalidade e habita na luz inacessível; a quem n enh u m dos hom ens viu n em pode ver; ao qual seja h onra e poder sem piterno. A m ém !” (1 T m 6.16). Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder como a sua divindade, se entendem e claramente se vêem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos. E mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, e de aves, e de quadrúpedes, e de répteis (Rm 1.20,22,23). De acordo com estes versículos, Deus não só é absolutam ente um , mas tam bém é intrinsecam ente e essencialmente im ortal. Ele é espiritual e incorruptível. Em contraste co m a im ortalidade intrínseca de Deus, a nossa é u m presente extrínseco que Dele recebemos (R m 2.7; 2 T m 1.10; 1 Co 15.52-54). Só Deus é im ortal co m o descrito, e tudo o que for im ortal é indivisível. Portanto, Deus é indivisível. R e su m o das V erdades de to d o s estes V ersícu lo s A doutrina da simplicidade de Deus se baseia em todos os versículos que apóiam a sua unidade, imaterialidade, p ura realidade e imortalidade. Tudo o mais que existe provém Dele (Jo 1.3; Cl 1.16), e o que existe é m aterial, m últiplo e destrutível. Deus não pode ser n enh u m destes, visto que Ele é a Causa deles. Se Deus tivesse estas características, então ele tam bém precisaria de u m a causa. Por isso, Deus tem de ser não só im aterial e im ortal, mas tam bém indivisível. Ao contrário das suas criaturas, Deus não tem potencialidade, e tudo que não tem potencialidade não pode ser separado em diversas partes — não há nada pelo qual a Pura Realidade possa ser dividida. Tudo que não pode ser dividido é indivisível. Por conseguinte, Deus é indivisível. A BA SE T E O L Ó G IC A PA R A A SIM PLICID AD E D E D E U S Baseadas em outros atributos fundam entados n a Bíblia, há muitas razões teológicas para aceitarm os a doutrina clássica da simplicidade de Deus. Farei u m a lista cu rta de várias delas. Para inteirar-se de u m a análise mais detalhada, veja mais adiante os argum entos de Tomás de Aquino. A S im p licid ad e se S eg u e d a P u ra R ealid ad e C om o expendido anteriorm ente, o Deus da Bíblia é auto-existente, não tendo potencialidade para a não-existência. O que não tem potencialidade para a não-existência não pode ser dividido, visto que não tem potencial, inclusive não tem potencial para a divisão ou a destruição. E o que não tem possibilidade de divisão é indivisível (ou seja, é simples). A Pura Realidade é ilimitada e sem igual; é única. Para declarar a m esm a coisa de ou tro m odo, dizemos que não pode haver dois seres que sejam com pletam ente os m esm os — o que é com pletam ente o m esm o é absolutam ente um , e o que é absolutam ente u m é simples (indivisível). Portanto, Deus tem simplicidade absoluta. C om o Pura Realidade, sem m escla de qualquer o u tra coisa, Deus tem de ser simples.
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Os únicos dois m odos que u m ser pode diferir são ou existir ou não existir (ver Volume 1, capítulo 2). C ontudo, diferir não existindo é não diferir em nada, e não diferir em nada é não diferir de jeito nenh u m . Além disso, esta é a razão de não poder haver dois seres que sejam absolutam ente os m esm os: para serem dois, eles têm de diferir. Conclui-se que u m Deus de p ura realidade, sem potencialidade, tem de ser absolutam ente um .
A Simplicidade se Segue da Imutabilidade A imutabilidade (falta de mutabilidade) de Deus está solidam ente fundam entada na Bíblia e no bom senso (ver capítulo 4). Deus não pode m u d ar (M l 3.6; Hb 1.12; Tg 1.17), e tudo que não pode m u d ar não pode ser dividido, pois divisão é u m a form a de mudança. Quando algum a coisa m uda tem de haver u m a divisão entre o que perm anece o m esm o e o que não p erm anece o m esm o. Caso contrário, não haveria m udança, perm aneceria o m esm o. Em outras palavras, o que é inalterável é indivisível. Deus é inalterável e, logo, Deus é indivisível. Portanto, a simplicidade de Deus flui da sua imutabilidade.
A Simplicidade se Segue da Infinidade Deus é infinito no seu Ser (ver capítulo 5); neste ponto concordam os teístas clássicos e os neoteístas. U m Ser infinito não pode ser dividido — se pudesse, teria de ter partes. Não pode haver u m núm ero infinito de partes, visto que não im porta quantas ajam , um a a mais sem pre pode ser acrescentada e não pode haver u m a a mais do que a infinidade. Por conseguinte, u m Ser infinito não pode ter partes, u m a vez que é absolutam ente simples.
A Simplicidade se Segue da Não-Causalidade Os teístas clássicos e neoteístas aceitam o fato de que Deus é a Causa Não-Causada de tudo que existe. C om o a Causa Primeira, Deus não tem causa de si m esm o.3 Todo ser com posto tem u m a causa, pois as coisas diversas em si mesm as não podem se unir a m enos que algo as levem a unir-se. Considerando que Deus é não-causado, Ele não pode ter elem entos diversos em si m esm o. Para reform ular a frase em term os mais contem porâneos, m uitos pensadores evangélicos, inclusive os neoteístas que rejeitam a simplicidade de Deus, são os proponentes de certa form a de teoria do desígnio inteligente (intelligent design) (ver Volume 3), independente de quanta evolução n atu ral eles possam perm itir com o resultado deste desígnio inteligente (ver Behe, DBS). Porém , os proponentes do desígnio inteligente destacam essa complexidade irredutível, tal co m o se acha até nos m enores seres vivos, é evidência de u m Designer Inteligente. Se for assim, então Deus não pode ter com plexidade, ou então Ele deve ter sido projetado p o r algum a coisa acim a e além Dele. C om o concordam todos os teístas que Deus é a Causa Prim eira e que não h á causa além Dele, concluir-se-ia, então, que Deus não pode ser com plexo. Se Ele fosse com plexo, Ele teria sido projetado p o r u m designer inteligente além Dele. Não há tal ser (ver Volume 1, capítulo 2), p ortan to, Deus não pode ser com plexo — Ele tem de ser absolutam ente simples. 3 Deus não pode ser auto-causado, porque um a causa é antes do seu efeito no ser, se não no tem po. Nada pode ser antes de si m esmo.
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A B A SE H IS T Ó R IC A PA RA A SIM PLICID AD E D E D E U S O a rg u m e n to e m p ro l da sim p licid ad e de D eu s te m apoio an tig o , firm e e c o n tín u o n a h is tó ria da Ig re ja C ristã. E ste ap oio c o m e ç a c o m os Pais e cre d o s p a trístico s. O s p rim e iro s Pais da Ig re ja fa la ra m a u m a v o z a fav o r d a indivisibilidade (sim p licid ad e) de D eu s. Isto é v erd ad e a c e rca dos Pais o rie n ta is e o cid e n ta is.4
Os P rim eiro s Pais da Ig re ja F a la ra m so b re a S im p licid ad e de D eu s Irineu (c. 125-c. 202) Pela maneira de falar, eles designam essas coisas que se aplicam aos homens ao Pai de todos, sobre quem eles também declaram ser desconhecido de todos; e eles negam que Ele fizesse o mundo para esquivar-se de ter de atribuir falta de poder (1) a Ele; enquanto que, ao mesmo tempo, eles o dotam de afetos e emoções comuns aos seres humanos. Mas se eles tivessem conhecido as Escrituras e sido ensinados pela verdade, eles teriam sabido, sem dúvida, que Deus não é como os homens são; e que os seus pensamentos não são como os pensamentos dos homens. (2) Pois o Pai de todos está à vasta distância desses afetos e emoções que operam entre os homens. Ele é um Ser simples, nãocomposto, sem membros diversos, (3) e completamente igual e semelhante a Ele, visto que Ele é completamente entendimento, e completamente espírito, e completamente pensamento, e completamente inteligência, e completamente razão, e completamente audição, e completamente visão, e completamente luz, e a fonte completa de tudo que é bom — até como os religiosos e piedosos estão habituados a falar acerca de Deus. (AH, 2.13.3, em Roberts and Donaldson, ANF, I) Clemente de Alexandria (150-c. 215) Nem qualquer parte a ser predicada a Ele. Pois o Um é indivisível; portanto, também é infinito, não considerado com referência à inescrutabilidade, mas com referência ao seu ser sem dimensões e limites. E, portanto, é sem forma e nome. E se o nomearmos; não o faremos tão corretamente, chamando-o ou o Um, ou o Bem, ou a Mente, ou o Ser Absoluto, ou Pai, ou Deus, ou Criador ou Senhor. (S, 5.12, em Roberts and Donaldson, ANF, II) Orígenes (c. 185-c. 254) Portanto, não devemos pensar que Deus é um corpo ou existe em um corpo, mas é uma natureza intelectual não-composta, não admitindo dentro de si adição de qualquer tipo de forma que não podemos crer que Ele tenha dentro de si um maior e um menor, mas é tal que Ele está em todas as partes, e é a mente e a fonte da qual toda a natureza intelectual ou mente tem o seu começo. Mas a mente, para os seus movimentos ou operações, não precisa de espaço físico, nem magnitude sensível, nem forma física, nem cor, nem qualquer outro desses suplementos que são as propriedades do corpo ou da matéria. Portanto, essa natureza simples e completamente intelectual (1) não pode admitir atraso ou hesitação em seus movimentos ou operações, para que a simplicidade da natureza divina não pareça estar circunscrita ou em certo grau impedida por tais suplementos, e para que aquilo que é o começo de todas as coisas não seja achado composto e diferindo 4 Os grifos em todas as citações feitas a seguir são meus.
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[...]. Mas Deus, que é o começo de todas as coisas, não deve ser considerado como um ser composto, para que por acaso não seja achado existir elementos antes do próprio começo, fora do qual tudo é composto. (DP, 1.1.6, em Roberts and Donaldson, ANF, IV) Apolinário (c. 310-c. 390) “O espírito divino [...] é um, de forma simples, caráter simples, sustância simples, indivisível” (Prestige, GPT, p. 10). Gregário de Nazianzeno (c. 329-c. 389) “Ser totalm en te sem pecado pertence a Deus, e à natureza prim eira e não-com p osta (pois a simplicidade é pacífica, e não está sujeita à dissensão)” (JTO, XL, em Schaff, NPNF, 2: VII). Gregário de Nissa (c. 335-c. 395) Gregório acreditava e ensinava que tan to o Deus Pai quanto o Deus Filho são simples, o que ele entendia ser “livre de toda natureza composta" (A E , em Schaff, NPNF, 2:V). Mas pelo nome de Agerado fomos ensinados que Aquele que é assim nomeado é sem origem, e pelo nome de simples, que Ele é livre de toda a mescla (ou composição), e estes termos não podem ser substituídos um pelo outro. Não há, portanto, necessidade disso, porque a Divindade é por sua natureza simples, essa natureza deveria ser chamada ageração; mas nisso Ele é indivisível e sem composição, Ele é falado como simples, enquanto nisso Ele não foi gerado, Ele é falado como agerado. Além disso, sustentamos que somos presos a crer que o Filho de Deus, sendo Ele mesmo Deus, também é Ele mesmo simples, porque Deus é livre de toda natureza composta; e de certa forma também falando Dele pelo nome de Filho nem denotamos simplicidade de substância, nem na simplicidade incluímos a noção de Filho, mas o termo Filho que sustentamos indica que Ele é da substância do Pai, e o termo simples que sustentamos significa o que a palavra diz que é. Considerando, então, o significado do termo simples com respeito à essência é um e o mesmo que dito do Pai ou do Filho, não diferindo em grau, enquanto haja vasta diferença entre gerar e agerar (um contendo a noção não contida no outro), por isto afirmamos que não há necessidade que, sendo o Pai agerado, a sua essência deva, porque essa essência é simples, e pode ser definida pelo termo agerado (AE, em Schaff, NPNF, 2:V). Ambrásio (339-397) Os arianos blasfemam de Cristo, se com as palavras “criado” e “gerado” eles querem dizer e entender uma e a mesma coisa. Contudo, se eles consideram as palavras de significado distinto, eles não devem falar Dele, de quem leram eles que Ele foi gerado, como se Ele fosse um ser criado. Esta regra é apoiada pelo testemunho de Paulo que, professando-se servo de Cristo, proibiu a adoração de um ser criado. Deus sendo uma substância pura e não-composta, não há Nele natureza criada; além disso, o Filho não terá sido degradado ao nível das coisas criadas, visto que Nele o Pai se compraz. (DF, 1.16 em ibid., 2:X) As emoções e habilidades humanas que são designadas ao Deus imutável e incorpóreo,
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[...] sem profanação horrível estas coisas não podem ser entendidas literalmente acerca Dele, sobre quem a autoridade das Sagradas Escrituras declara ser invisível, inefável, incompreensível, inestimável, simples e não-composto. Portanto, nem a emoção da raiva e ira pode ser atribuída a essa natureza imutável sem cometer blasfêmia temerária. (Cassiano, TBJC, 8.4, em ibid., XI)
Os Credos Patrísticos Falaram sobre a Simplicidade de Deus Não só os p rim itivos Pais da Igreja, m as tam b ém os p rim eiros cred os da cris tandade afirm am a sim plicidade absoluta de D eus. Isto c o m e ça antes m esm o do C oncilio de Nicéia (325 d .C .): u m cred o an tin icen o (270 d .C .), de G regório de T a u m a tu rg o , d eclara: “H á u m D eus, [...] u m a Trindade p erfeita e indivísa”. Mais tarde, o C redo A tanasiano (373 d .C .) fala de “n em co n fu nd ir as Pessoas, nem dividir a substância [da Trindade]”. G regório de Nissa cria e ensinava que tan to Deus Pai quanto Deus Filho são simples, pelo que ele entendia ser “livre de tod a n atu reza co m p o sta” ( A E , em Schaff, NPNF, p. 2). Alguns dos prim eiros credos tam bém falam da substância de Deus co m o n ãodividida.
Os Pais da Igreja Medieval Falaram sobre a Simplicidade de Deus Os grandes teólogos da Idade Média expuseram a defesa da simplicidade de Deus em term os bem claros. Isto é particularm ente verdade acerca de Agostinho, Anselm o e Tomás de Aquino. Agostinho (354-430) A gostin ho afirm ou que nada “pode te r existência fora Dele, cuja existência é simples e indivisível”. Ele d eclarou : “Eu digo ‘diferente de’, porque, igu alm en te co m eles, ele é o Deus simples, in alterável e co -e te rn o . E sta Trindade é u m Deus. E, em b o ra seja u m a Trindade, é, no e n tan to , simples” . P o rta n to , “a nossa razão p ara dizer que isso é simples, é porque é o que te m co m a exceção das relações reais nas quais as Pessoas estão um as co m as o u tra s ” (CG, 11.10). E acrescen to u : “Esta Trindade é indivisível e cada u m a das Pessoas é substancial, em b o ra n ão haja três deuses, m as apenas o Deus ú n ico ” (ibid., 11.29). Anselmo (1033-1109) Anselm o tam bém afirmou que Deus é absolutam ente indivisível. A imutabilidade e a simplicidade estão diretam ente relacionadas, pois a “N atureza suprem a de form a algum a é com posta, mas é suprem am ente simples, suprem am ente im utável” (SA BW , p. 77). “Mas, se [o Ser suprem o] existe por partes em lugares ou tem pos individuais, não está isento de com posição e divisão de partes, que em elevado grau se achou ser estranho à N atureza suprem a” (ibid., p. 74). “A N atureza suprem a deforma alguma é composta, mas é supremamente simples, suprem am ente im utável” (ibid., p. 77), pois sua “eternidade, que é nada mais que ela m esm a, é im utável e sem partes” (ibid., p. 83). E m resum o, “é evidente que esta Substância suprem a é sem com eço e sem fim. [...] E im utável e sem partes” (ibid.).
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Tomás de Aquino (1225-1274) Tomás de Aquino alistou não m enos que cinco argum entos a favor da simplicidade de Deus em sua grandiosa obra, Suma Teológica.5 Ele declarou categoricam ente: Respondo que a simplicidade absoluta de Deus pode ser mostrada de muitas maneiras. Primeiro, [...] [visto que não há modo de Deus diferir] está claro que Deus de modo nenhum
é composto, mas é completamente simples. Segundo, [...] toda composição é posterior às suas partes componentes, e é dependente delas; mas Deus é o primeiro ser, como foi mostrado acima. Terceiro, [...] toda composição tem uma causa, pois as coisas em si mesmas diversas não podem se unir a menos que algo as leve a unir-se. Mas Deus é não-causado, [...] visto que Ele é a causa primeira eficiente. Quarto, [...] em toda composição tem de haver potencialidade e realidade (isto não se aplica a Deus). [...] Quinto, [...] nada composto pode ser predicado a qualquer uma das suas partes. [...] E, portanto, visto que Deus é forma absoluta, ou mais exatamente ser, de maneira alguma Ele pode ser composto (ST, 1.3.7).
A Visão Reformada Fala sobre a Simplicidade de Deus Os grandes reform adores não divergiram dos seus antecessores patrísticos e medievais acerca da indivisibilidade (simplicidade) absoluta de Deus. Mais exatam ente, eles praticam ente m antiveram a tradição incólum e. Martinho Lutero (1483-1546) M artinho Lutero afirmou a simplicidade de Deus insistindo que “o artigo sagrado da santa Trindade nos ensina a crer e dizer que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são três pessoas distintas, ainda que cada pessoa seja o único D eus” (ibid., 37.297). João Calvino (1509-1564) Calvino declarou: “Quando professamos crer em u m Deus, sob o n om e de Deus se entende u m a essência única e simples, n a qual entendem os três pessoas ou hipóstases” (.IC R , 1.20). ja c ó Armínio (1560-1609) A rm ínio insistia: A simplicidade é um modo preeminente da essência de Deus, pela qual Ele está isento de toda composição e de partes componentes, quer pertençam aos sentimentos ou ao entendimento. Ele é sem composição, porque é sem causa externa; e Ele é sem partes componentes, porque é sem causa interna ( W JA, 2:115). Além disso, a “essência de Deus é destituída de toda causa, desta circunstância surge, em primeiro lugar, a simplicidade e a infinidade do Ser na essência de Deus” (ibid.). “Ademais, aquele Deus é destituído de todo m ovim ento na sua essência, porque Ele é im ortal; no seu poder, porque Ele é pura e simples ação; e no intelecto” (ibid., Volume 3: “A Resposta de 5Em On the Power o f God (Sobre o Poder de Deus), Tomás de Aquino faz um a análise m uito mais extensa sobre a simplicidade, em bora ali ele esteja apenas resumindo os seus argumentos.
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Junius à Sexta Proposição”). “Pois visto que a essência de Deus é com pletam ente simples, justiça, natureza, essência e os seus outros atributos são, na realidade, u m , em bora se faça u m a distinção neles em nosso uso” (ibid., “A Resposta de Junius à Vigésima Proposição”). Resumindo m uitos dos atributos metafísicos de Deus, Arm ínio escreveu: Por conseguinte, conclui-se que esta essência é simples e infinita; disto, que é eterno e imensurável; e, por fim, que é inalterável, intransitável e incorruptível, da maneira na qual foi provado por nós em nossas teses públicas sobre este assunto. (Ibid., Volume 2, Disputation 15.7)
A Visão Pós-Reformada Fala sobre a Simplicidade de Deus Os discípulos dos reform adores tam bém afirm aram a simplicidade de Deus, com o ainda se afirma nos dias atuais. M esm o os credos da R eform a fizeram referência a este tem a. A Confissão de Augsburg (1530) diz: “Há u m a essência divina que se ch am a Deus [...] indivisível”. A Confssão Francesa (1559) fala: “C rem os e confessamos que há u m Deus, que é u m a essência exclusiva e simples”. A Confissão de Fé de Westminster (1648) declara: “Não há senão u m Deus, que é infinito em ser e perfeição, o mais puro espírito, invisível, sem corpo, partes ou em oções, imutável, im enso, etern o ” (em Schaff, CG). Stephen Charnock (1628-1680) Charnock, o grande teólogo puritano, assegurou: Deus é o ser mais simples; pois aquilo que é primeiro em natureza, não tendo nada além disso, não pode de forma alguma ser considerado composto, pois seja o que for assim, depende das partes das quais é composto, e assim não é o primeiro ser: agora Deus é infinitamente simples [...], Ele é a sua própria essência e existência ( EAG , 1:333). E acrescentou: “Considerando, então, que Deus é sem toda com posição, [...] o seu entendim ento não é distinto da sua essência” (ibid., 1:328). “Deus, sendo infinitamente simples, não tem nada em si m esm o que não sej a Ele m esm o, e então não pode determ inar n en h u m a m udança em si, sendo Ele a própria essência e existência” (ibid., 1:333). Portanto, [é] impossível [para Deus] ser reduzido a qualquer partícula da sua essência; nem pode ser reduzido por qualquer coisa na sua própria natureza, porque a sua simplicidade infinita não admite nada que seja distinto Dele mesmo ou ao contrário a Ele. (ibid., 1:321) Francis Turretin (1623-1687) Francis Turretin sistematizou a visão reform ada sobre a simplicidade nestas palavras: A simplicidade de Deus considerada não moralmente, mas naturalmente, é o seu atributo incomunicável pelo qual a natureza divina é concebida por nós não só como
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livre de toda composição e divisão, mas também como incapaz de composição e divisibilidade. E apresentou argum entos a favor: (1) Da sua independência, porque a com posição é da razão form al de u m ser originado e dependente (visto que nada pode ser com posto por si só, mas tudo que é com posto tem de ser necessariam ente com posto por outro. Agora, Deus é o ser prim eiro e independente, não reconhecendo n en h u m outro antes Dele); (2) da sua unidade, porque Aquele que é absolutam ente u m tam bém é absolutam ente simples e, p ortan to, não pode ser dividido n em com posto; (3) da sua perfeição, porque a com posição insinua imperfeição, já que supõe poder passivo, dependência e mutabilidade; (4) da sua atividade, porque Deus é o mais puro ato não tendo m escla passiva e, p ortan to, rejeitando toda com posição (porque em Deus não há nada que precise ser feito perfeito ou receber perfeição de qualquer outro, mas Ele é tudo que pode e não pode ser diferente do que Ele é). [...] Ele é n orm alm en te descrito não só por substantivos concretos, mas tam bém por substantivos abstratos — vida, luz, verdade, etc. (IET, 1:191-192) William G. T. Shedd (1820-1894) A Simplicidade de Deus denota que o seu ser é incomposto, incomplexo e indivisível: “O mais puro espírito, sem partes”. A simplicidade não pertence a anjos e a homens. Eles são complexos, sendo compostos de alma e de corpo: duas substâncias, não uma. Eles não são incorpóreos e meros espíritos. Os anjos, como os remidos depois da ressurreição, têm um corpo espiritual, que não significa um corpo feito de espírito, mas um corpo adaptado para o mundo espiritual. O corpo espiritual pertence ao mundo da forma ampliada, não da mente não-ampliada. A simplicidade do ser Divino não é contraditória à Trindade ou à sua essência, porque a Trindade não denota três essências diferentes, mas uma essência que subsiste em três Pessoas. As distinções trinitárias não conflitam com a simplicidade da essência mais do que com os atributos. A essência não é dividida em hipóstases ou atributos. A essência inteira está em cada pessoa e em cada atributo. A teoria da emanação externa é incompatível com a simplicidade da essência divina. A substância que pela efluência das partículas pode fluir em formas novas, como os raios do sol, é composta e complexa. Quando diz em Romanos 11.36 que “Dele [...] são todas as coisas”, não quer dizer que o universo é uma porção efluente da essência Divina, mas que se origina Dele como seu criador. Quando em Atos 17.29 diz que o homem é a “geração (genos) de Deus”, não quer dizer que o homem participa da essência divina, mas que possui uma natureza semelhante à de Deus. (DT, p. 339) Herman Bavinck (1854-1921) “Todo atributo é idêntico ao ser de Deus. Ele é o que Ele tem [...]. Quando falamos sobre Deus, tem os de sustentar que cada u m dos seus atributos é idêntico ao seu ser [...]. Seja o que for que Deus é Ele é com pletam ente e sim ultaneam ente” (DG, I, p. 121).
ALGUMAS OBJEÇÕES À SIMPLICIDADE DE DEUS Apesar da forte base bíblica e teológica, co m o tam bém a confirm ação contínua pelos Pais da Igreja, m uitos teólogos contem porâneos, inclusive alguns evangélicos, têm levantado fortes objeções em relação à doutrina da simplicidade divina.
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O bjeção Um: Baseada em sua Suposta Ininteligibilidade Certos estudiosos protestam que a “atem poralidade divina é fortem ente dependente [...] da simplicidade divina (cu ja inteligibilidade tem sido fortem ente questionada)” (Pinnock, OG, p. 129). As bases para a suposta ininteligibilidade não são expostas aqui. Pode ser u m a ou mais das razões relacionadas abaixo. E m todo caso, esta objeção falha p or diversas razões.
Resposta à O bjeção Um Primeiro, a simplicidade divina não pode ser ininteligível em sentido absoluto, pois o próprio fato de negá-la é evidência a favor da inteligibilidade da simplicidade divina. Caso contrário, eles estão negando aquilo que não entendem . Segundo, algo pode não ser totalm en te compreensível (p o r exem plo, a não-causalidade, infinidade, necessidade, eternidade, imutabilidade, simplicidade de Deus, etc.), mas isto não significa que não seja apreensível. Até m uitos discordantes adm item que pelo menos os três primeiros desta lista são inteligíveis. Por exem plo, a infinidade não pode ser com preendida (em bora não possa ser apreendida) por u m a m ente finita, contudo todos os teístas afirm am que Deus é infinito. Terceiro, u m a coisa pode ser ininteligível em u m de dois m odos. Pode ser ininteligível em si mesmo, co m o u m círculo quadrado, ou pode nos ser ininteligível (Tom ás de Aquino, ST, la.2.1), com o no caso de u m enunciado feito em u m idiom a que não entendem os. Por conseguinte, apenas afirm ar que a simplicidade divina é ininteligível não demonstra que é ininteligível em si m esm a. Na m elhor das hipóteses, som ente m ostra que é ininteligível àqueles que estão fazendo a afirmação.
O bjeção Dois: Baseada na Suposta Identidade de todas as Propriedades Alvin Plantinga afirma: Há duas dificuldades, uma substancial e a outra verdadeiramente monumental. Em primeiro lugar, se Deus for idêntico a cada uma das suas propriedades, então cada uma das suas propriedades é idêntica a cada uma das suas propriedades. Isto é categoricamente incompatível com o fato óbvio de que Deus tem várias propriedades. (DGHN, p. 47; ver a segunda “dificuldade” na subseção “Objeção Três” mais adiante)
Resposta à O bjeção Dois Tomás de Aquino tratou desta objeção há mais de setecentos anos (em OPG, p. 7). Ele m ostrou que não há contradição em afirm ar que Deus ten h a m uitos atributos e só um a essência, pois muitas coisas podem ser verdades de u m e o m esm o objeto. Para citar um exem plo que já analisamos, u m a pedra pode ser dura, redonda e cinza. N enhum destes é o m esm o atributo, mas cada u m se refere a u m a e a m esm a pedra. Da m esm a m aneira, os m uitos atributos de Deus não são os m esm os, mas o m esm o Deus tem todos estes atributos. Considerando que nem u m a única atribuição revela tudo sobre a sua n atureza infinita, é necessário dizer muitas coisas de Deus para entendê-lo m elhor. Q uer dizer, a razão que tem os para atribuir muitas coisas diferentes a Deus é que n enh u m conceito finito pode esvaziar o que pode ser sabido sobre a sua natureza infinita. Portanto, para sabermos mais de Deus, tem os de verdadeiram ente predicar mais coisas a Ele.
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Ainda que estes m uitos atributos não sejam sinônimos, eles são coordenados Nele. Deus é tan to am oroso quanto santo. Portanto, Ele é santidade am orosa e am or santo. Assim, os m uitos atributos em Deus podem ser diferentes e, ao m esm o tem po, podem se referir a u m a e a m esm a coisa. Repetindo, os m uitos raios têm referência a u m e o m esm o centro do círculo. Por fim, co m o m uitos outros filósofos con tem p orân eos, Plantinga não vê a coerência da simplicidade de Deus co m os seus m uitos atributos, porque ele presum e que todos os atributos são predicados a Deus univocamente e, p o rtan to , têm de significar a m esm a coisa. Porém , se, co m o co m e n to u Tom ás de Aquino, os m uitos atributos de Deus são analogamente predicados à sua única essência, então a suposta incoerência desaparece (ver Volum e 1, capítulo 9). Por conseguinte, p ara d em o n strar a incoerência intrínseca da simplicidade de Deus, tem os de d em on strar que a predicação análoga é contraditória. Mas n e m Plantinga n e m qualquer o u tro conseguiu este feito. Na realidade, Plantinga passa p o r cim a deste assunto crucial, contentando-se co m a afirm ação de que os proponentes da simplicidade tam bém têm de ter u m a com p reen são análoga da simplicidade ( D G H N , p. 59). De fo rm a algu m a isto destrói a sua coerência ou inteligibilidade.
Objeção Três: Baseada na Incompatibilidade da Propriedade e Pessoa P lantinga oferece o que ele ch a m a u m a objeção “verd ad eiram en te m o n u m e n ta l” à sim plicidade de D eus, qual seja: “Se Deus é id ên tico a cada u m a das suas propriedades, en tão, visto que cada u m a das suas propriedades é u m a propriedade, Ele é u m a p ropriedade — u m a propriedade au to-exem plificad a. Por con seguinte, Deus tem só u m a propriedade: Ele m e sm o ”. Plantinga acred ita que “esta visão está sujeita a u m a dificuldade óbvia e avassaladora. N en h u m a propriedade p oderia ter criado o m u n d o ; n e n h u m a propriedade poderia ser onisciente, ou, de fato, saber qualquer coisa”. E m resu m o , “se Deus é u m a p ropriedade, en tão Ele n ão é u m a pessoa, m as u m m ero objeto ab strato; Ele não te m co n h e cim e n to , consciência, p oder, am o r ou vida. Assim con sid erad o, a d o u trin a da sim plicidade é u m en gano ab solu to” (ibid., p. 47).
Resposta à Objeção Três A chave p ara esta resp osta é a expressão de Plantinga “assim con sid erad o” . O fato sim ples é que não tem o s de con sid erar a p ropriedade e a pessoa do m o d o que Plantinga faz. C laro que se Deus é u m a pessoa, en tão ele não pode ser u m objeto ab strato, e se u m a propriedade é u m objeto ab strato, en tão Deus n ão pode ter propriedades. Todavia, em vez de ser u m a objeção à sim plicidade (c o m o é trad icion alm en te co m p reen d id a), esta pode ser u m a revelação da in co erên cia da visão do discordante. P or o u tro lado, se “p rop ried ad e” for co m p reen d id a c o m o atrib uto de coisas reais que são predicadas (atribuídas) a Deus em sentido an álogo (p orq u e Ele é o C riad or delas e, assim, elas têm de se assem elhar a Ele de alg u m a m an eira — o efeito preexiste em sua C ausa eficiente [ver V olum e 1, cap ítu lo 10]), en tão não há razão p ara Deus não p od er te r m uitas “p rop ried ad es” ou atributos. Só se as propriedades fo rem consideradas ato m ica m e n te separadas e as realidades diferentes (q u e existem n ecessariam ente e e te rn a m e n te em si m esm as) é que terem o s a dificuldade que
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Plantinga antevê. Mais p rovavelm en te este é u m p ro b lem a c o m a sua p ró p ria fo rm a de p laton ism o (ver V olum e 1, cap ítu lo 2) do que co m a sim plicidade de D eus.6 Por fim, há u m sério problem a de incoerência no sistema de Plantinga, que é usado com o base para criticar a simplicidade de Deus. Ele tem grande dificuldade em explicar com o Deus tem u m a natureza em lugar de ser u m m ero pacote de propriedades. A solução que ele dá é afirm ar que “a natureza de u m objeto pode ser pensada com o um a propriedade conjuntiva, incluindo com o mem bros de u m a conjunção som ente as propriedades essenciais àquele objeto” (D G H N , p. 7). Mas o que é “propriedade conjuntiva”? C om o propriedades que são essencialmente diferentes se conjuntam ? C om o isto se esquiva da acusação de incoerência que Plantinga levantou con tra Tomás de Aquino: que coisas diferentes não podem ser as mesm as e a m esm a coisa não pode ser diferente? Pelo visto, em um conceito unívoco de “propriedades” ou atributos (com o Plantinga adota) não pode haver um a “propriedade conjuntiva” diferente do sentido vago que esta frase é um m odo de descrever um a mera coletânea de propriedades. Mas neste sentido não há unidade última em Deus, e não há m odo de explicar por que estes componentes são compostos. C om o eles foram compostos sem um Compositor (que não é composto)? Em suma, somos levados de volta direto ao argumento básico a favor da simplicidade de Deus.
O bjeção Quatro: Baseada na Trindade Os teístas trinitários afirm am u m a multiplicidade de três pessoas em Deus: Pai, Filho e Espírito Santo. Por conseguinte, pareceria que Deus não pode ser absolutam ente Um , ou então que Ele tam bém não pode ser três pessoas, pois se as pessoas forem realm ente diferentes, então Deus não pode ser absolutam ente o m esm o. Se as pessoas não são verdadeiram ente distintas (m as só distintas em nossa m en te), então a conclusão é o m odalism o7 (sabelianismo8) e não o trinitarianism o9.
Resposta à O bjeção Quatro A prim eira coisa a com en tar sobre esta objeção é que ela confunde pessoa com essência. A simplicidade só se refere à essência de Deus; é claro que a visão ortodoxa da Trindade tem u m a pluralidade de pessoas dentro da unidade de u m a essência. Os primeiros credos tiveram m uito cuidado em distinguir as pessoas na divindade sem dividir a sua essência (Schaff, CG, I). C om o com en tou Tomás de Aquino em referência à essência divina, cada pessoa é idêntica à essência, enquanto que co m respeito umas às outras, cada pessoa é m utu am en te distinta e não unida entre si (OPG, 3.7.1). Então, a Trindade e a simplicidade não são contraditórias. Os teístas clássicos não negam os relacionam entos em Deus; os relacionam entos realm ente existem Nele. As distinções em Deus não são de acordo co m a essência, mas 6 0 espaço não permite fazer mais elaborações sobre este ponto. Basta com entar que Plantinga em nenhum a parte apresenta um argumento forte a favor da existência de propriedades em sentido platônico, nem oferece refutação aos argumentos em prol da analogia (repetindo, ver Volume 1, capítulo 9 para inteirar-se da defesa da linguagem análoga) 7N do E: “[Do lat. modalismus] Heresia do II século. Ensinava que as pessoas daTrindade eram , na realidade, três modalidades, ou aspectos, de a divindade apresentar-se ao ser hum ano” (Dicionário Teológico, CPAD, 1998, p.215).
SN d o E: “Heresia
pregada por Sabélio, no III século, cuja principal tônica era a negação da Santíssima Trindade” ( Dicionário Teológico, CPAD, 1998, p.257).
9N do E: Doutrina da Trindade.
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de acordo co m o que é relativo, a saber, co m a pessoalidade. Então, a relacionalidade em Deus não requer com posição (ST, la.28.3).
Objeção Cinco: Baseada em Muitos Atributos Nesta m esm a linha de pensam ento, objeta-se que todas as coisas idênticas à m esm a coisa são idênticas umas às outras. Por exem plo, se A é idêntico a B, e C é idêntico a B, então A tem de ser idêntico a C. Mas todos os m em bros da divindade são idênticos à m esm a coisa (a saber, a essência de Deus). Por conseguinte, conclui-se que todos os m em bros da Trindade são idênticos uns aos outros.
Resposta à Objeção Cinco Primeiro, n en h u m trinitário (co m o professam ser os neoteístas) quererá fazer esta afirmação, pois nega a pluralidade de pessoas em Deus. Na realidade, é a afirmação feita pelos hereges modalistas. Segundo, Tomás de Aquino respondeu a esta m esm a objeção na Suma Teológica (la.28.4). Citando Aristóteles, Tomás de Aquino com en tou que esta objeção está só dizendo onde h á identidade entre objeto e significado. Mas tal não é o caso em relação a Deus, pois ainda que Paternidade e Filiação na realidade se refiram à m esm a coisa, contudo o seu significado insinua relacionam entos opostos. Terceiro, Deus pode ser u m e pode ter duas ou mais relações da m esm a form a que pode haver u m a estrada entre duas cidades diferentes. A relação entre o Pai e o Filho é o m esm o relacionam ento, contudo o Pai e o Filho não são os m esm os (ibid.): Eles são pessoas diferentes dentro do m esm o Deus. Sem elhantem ente, u m e o m esm o triângulo tem três ângulos. Este fato não destrói a unidade da n atureza do triângulo, n em a unidade anula os seus três ângulos. O m esm o é verdade acerca da Trindade.
Objeção Seis: Baseada nas muitas Ações de Deus C om o Deus pode ser absolutam ente u m e fazer muitas coisas? Se Ele é u m , então Ele não pode ter m uitos atos, pois cada ato em ana da sua natureza que é absolutam ente u m [simples].
Resposta à Objeção Seis Todas as muitas coisas que Deus faz vêm do u m único Ser que Ele é. Portanto, estas ações são u m a em sua fonte, mas muitas nos seus [atos] conseqüentes: A causa delas é um a, mas os seus efeitos são m uitos. As muitas ações de Deus em anam da unidade de si m esm o. O m édico pode determ inar tudo de u m a vez (e de antem ão) a cu ra do paciente, planejando para o paciente to m ar u m com prim ido por dia durante sete dias. Em bora as ações do paciente aconteçam em sete dias sucessivos, eles eram determ inados de u m a vez antes de acontecerem . Sem elhantem ente, Deus determ inou em u m decreto — desde toda a eternidade — tudo das m uitas coisas que acontecerão em m om entos sucessivos no tem po.
Objeção Sete: Baseada em uma Suposta Fonte na Filosofia Grega De acordo co m os neoteístas, o filósofo judeu Fílon, conhecido por suas inclinações platônicas, deu erroneam ente a seguinte interpretação de Êxodo 3.14: “A m inh a natureza
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é ser, não ser descrito por u m n o m e ” (Pinnock, OG, p. 69). Ainda segundo os neoteístas, Orígenes foi o responsável por passar esta visão (supostam ente falsa) aos Pais da Igreja subseqüentes (ibid., p. 106). A raiz disto foi supostam ente a tradução grega (Septuaginta) do dinâmico “EU SOU” do texto hebraico: Tornou-se o impessoal “O Ser que ali está” (ibid., p. 108). Diz-se que isto preparou o terren o para u m a visão “estática” de Deus em term os de Ser eterno, inalterável e simples.
Resposta à O bjeção Sete Há muitas razões para rejeitar este argum ento. Primeiro, a maioria dos grandes m ovim entos na filosofia hodierna tem a fonte na filosofia grega, p articularm ente a visão da qual em ana esta objeção (O neoteísm o é u m descendente do pensam ento do processo em Heráclito [c. 504/501 a.C .-c. 444/441 a.C.]). Segundo, é u m a falácia genética rejeitar algo simplesmente p o r causa da sua fonte. A questão não é se a visão é helenista, mas se é autêntica. A vasta maioria de todos os filósofos aceita a lei da não-contradição, em bora venha da filosofia grega de Aristóteles. Terceiro, se a dedução é que tem os de rejeitar esta suposta visão grega por ela ser antiga, então o opositor se envolveu na “falácia do esnobismo cronológico”. A verdade de u m a visão não é dada por sua idade; a questão não é de tem po, m as de verdade. Quarto e últim o, a visão cristã de Deus não é de origem grega. N enhum grego jamais teve um a Trindade em u m a essência eterna. De fato, n en h u m filósofo grego jamais identificou o seu princípio metafísico últim o co m o seu deus ou deuses (ver Gilson, GP, capítulo 1). Esta foi a contribuição exclusiva dos pensadores teístas.
CONCLUSÃO A p ura realidade de Deus é fundam ental à visão ortod oxa clássica de Deus; dela podem ser depreendidos todos os outros atributos metafísicos básicos. Tem u m a base firme tanto nas Escrituras quanto na Teologia. A sua expressão na História da Igreja é praticam ente unânim e desde o princípio até os tem pos atuais com o surgim ento da teologia liberal do processo. A simplicidade (indivisibilidade) de Deus tam bém é u m atributo fundam ental do teísmo clássico. A simplicidade reforça não só m uitos dos outros atributos cruciais de Deus, mas tam bém todas as outras doutrinas baseadas neles. Apesar da rejeição que vem tendo pelo pensam ento do processo contem porâneo (e pelo neoteísm o), este atributo está fundam entado em sólidos argum entos bíblicos e teológicos, e desfruta de longa e respeitável tradição. Desde os tem pos patrísticos aos medievais, chegando aos tem pos m odernos, os teólogos católicos e protestantes defendem da m esm a form a esta doutrina. E em bora as objeções continuem surgindo até hoje, ninguém dem onstrou a sua incoerência filosófica ou a sua falta de fundam entação bíblica e teológica.
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CAPÍTULO
TRÊS
A ASSEIDADE E A NECESSIDADE DE DEUS
A
asseidade e a necessidade são atributos congêneres. A asseidade tem a ver co m a existência de Deus, e a necessidade co m a impossibilidade da sua não-existência.
DEFINIÇÃO DA ASSEIDADE DE DEUS “Asseidade” vem do latim aseite, e significa, literalm ente, “de si m e sm o ”. Usado em relação a Deus, o te rm o denota que Ele existe em si m esm o e de si m esm o, independente de qualquer o u tra coisa. Ele é au to-existen te. Todavia, ser auto-existen te não é igual a ser autocausado ( causa sui). E impossível causar a própria existência, visto que, repito, u m a causa é on tologicam ente antes do seu efeito, e algo não pode ser on tologicam ente antes de si m esm o. P ortan to, u m Ser au to-existen te (u m Ser co m asseidade) não é u m ser autocausado, mais exatam en te, u m Ser au to-existen te é u m Ser não-causado. N ão tem causa, visto que som en te seres que p odem não ser necessitam de u m a causa. Por conseguinte, u m Ser que não pode não ser tem de ser u m Ser nãocausado (necessário).
A BASE BÍBLICA PARA A ASSEIDADE DE DEUS A base bíblica para a asseidade de Deus se acha nos fatos de que (1) Ele existiu antes e independente da criação e (2) Ele trouxe à existência e sustenta em existência tudo o mais que existe. Muitos dos versículos que apóiam a asseidade de Deus já foram utilizados para dem onstrar a pura realidade. “No princípio, [...] Deus” (Gn 1.1). “Antes que os m ontes nascessem, ou que tu formasses a terra e o m undo, sim, de eternidade a eternidade, tu és Deus” (SI 90.2). “No princípio, era o Verbo, e o Verbo estava co m Deus, e o Verbo era Deus. Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez” (Jo 1.1,3). “N em tam pou co é servido por m ãos de hom ens, co m o que necessitando de algum a coisa; pois ele m esm o é quem dá a todos a vida, a respiração e todas as coisas” (A t 17.25). “Porque Dele, e por ele, e para ele são todas as coisas” (R m 11.36). “E ele é antes de todas as coisas” (Cl 1.17). “[Ele] nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual tam bém fez o universo” (Hb 1.2, ARA). “[...] Deus, p o r causa de quem e p o r m eio de quem tudo existe” (Hb 2.10, NVI). “Por tu a vontade elas foram criadas e existem ” (Ap 4.11, NTLH).
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A BASE TEOLÓGICA PARA A ASSEIDADE DE DEUS A asseidade de Deus depreende-se de vários dos seus outros atributos. Entre eles citam os a pura realidade, a não-causalidade, a necessidade e a imutabilidade.
A Asseidade se Segue da Pura Realidade C om o já foi m ostrado (n o capítulo 2), Deus, co m o a Pura Realidade, não tem potencialidade para não existir. O que não tem potencial para a não-existência tem de existir em si m esm o e de si m esm o, quer dizer, é auto-existente. Portanto, Deus é au toexistente, que é o que se quer dizer por asseidade.
A Asseidade se Segue da Não-Causalidade C om o a Causa Primeira de todas as coisas (ver parte dois: “A C riação”), Deus é u m Ser não-causado. O que é não-causado existe em si m esm o e de si m esm o, que é o que se quer dizer por asseidade.
A Asseidade se Segue da Necessidade Deus é u m Ser necessário (ver nas principais seções e subseções mais adiante). U m Ser necessário é por natureza u m que não pode não existir, e o que não pode não existir tem existência em si m esm o e de si m esm o. Por conseguinte, Deus é auto-existente (tem asseidade).
A Asseidade se Segue da Imutabilidade U m Ser im utável não pode m u d ar (ver capítulo 4). Deixar de ser é u m a form a de m udança; na realidade, é u m a m udança substancial. Portanto, u m Ser im utável não pode deixar de existir. Além disso, o que não pode deixar de existir tem que existir em si m esm o e de si m esm o. O que existe em si m esm o e de si m esm o tem asseidade.
A BASE HISTÓRICA PARA A ASSEIDADE DE DEUS Há forte base histórica para a crença cristã de que Deus é a Causa auto-existente e não-causada de tudo que existe. C om eça co m os primeiros Pais Antinicenos da Igreja e prossegue até os dias atuais.
Os Primeiros Pais da Igreja Falaram sobre a Asseidade de Deus Matetes (c. 130) Pois, os gentios, oferecendo tais coisas aos que são destituídos de sentimento e audição, dão exemplo de loucura; por outro lado, pensando que oferecem coisas a Deus como se Ele precisasse delas, poderiam considerar acertadamente que é um ato de loucura em vez de adoração a Deus. Pois Aquele que fez o céu e a terra, e tudo o que neles há, e dá a todos as coisas das quais precisamos, certamente não exige essas coisas as quais Ele próprio dá aos tais, ao ponto de pensarem em fornecê-las a Ele. ( EMD , 3, em Roberts and Donaldson, ANF, I)
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Inácio (110 d. C.) “H onra de verdade ao teu Deus, co m o o A u tor e Senhor de todas as coisas. [...] Pois não há ninguém superior a Deus, ou m esm o igual a Ele, entre todos os seres que existem ” (EIS, 9, ibid.). “Olha para Aquele que está acim a dos tem pos, para Aquele que não tem tem pos” ( SV IE , 3, ibid.). Irineu (c. 125-c. 202) E apropriado, então, que eu comece com a cabeça primeira e mais importante, isto é, o Deus Criador que fez o céu e a terra e todas as coisas que neles há (a quem estes homens com blasfêmia chamam o fruto de um defeito), e para demonstrar que ou não há nada acima Dele ou depois Dele; nem que, influenciado por quem quer que seja, mas por livre e espontânea vontade, Ele criou todas as coisas, visto que Ele é o único Deus, o único Senhor, o único Criador, o único Pai, o único que contém todas as coisas e que ordena todas as coisas à existência. (AH, 2.1.1, ibid.) Taciano (120-173) “Nem m esm o deve o inefável Deus ser apresentado co m dádivas; porque Aquele que não tem necessidade de nada não deve ser deturpado por nós co m o se Ele fosse indigente” (A TG , 4.2, ibid.).
Os Pais da Igreja Medieval Falaram sobre a Asseidade de Deus D urante a Idade Média, a doutrina da auto-existência de Deus foi elaborada com m aior sofisticação filosófica. Isto é cada vez mais verdadeiro acerca dos Pais medievais, de Agostinho a Tomás de Aquino. Agostinho (354-430) Portanto, Deus é o Ser Absoluto e, portanto, todos os outros seres que são relativos foram feitos por Ele. Nenhum ser que foi feito do nada pode estar no mesmo nível que Deus, nem pode ao menos existir, não tivesse sido feito por Ele. (C, 11.5) Tomás de Aquino (1225-1274) Portanto, considerando que o ser divino não é um ser recebido em qualquer coisa, mas Ele é o seu próprio ser subsistente, [...] fica claro que o próprio Deus é infinito e perfeito (ST, la.7.1). Além do mais, o fato de o ser de Deus ser auto-subsistente, não recebido em qualquer outro, e é assim chamado infinito, mostra que Ele tem de ser diferenciado de todos os outros seres, e todos os outros têm de estar àparte Dele. (ibid., 7.1.3)
João Calvino (1509-1564), o Reform ador, Fala sobre a Asseidade de Deus A partir do poder de Deus somos levados logicamente a considerar a sua eternidade, considerando que disso todas as outras coisas derivam, a origem tem de necessariamente ser auto-existente e eterno. Além disso, se perguntarmos que causa o induziu no princípio a criar todas as coisas e agora o inclina a sustentá-las, descobriremos que não pode haver outra causa senão a sua própria bondade. (ICR, 1.5.6)
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Aqui podemos observar: primeiro, que a sua eternidade e auto-existência são declaradas pela repetição dupla do seu nome magnífico; e, segundo, que na enumeração das suas perfeições, não está descrito como Ele é em si mesmo, mas em relação a nós, para que o nosso reconhecimento Dele seja mais uma verdadeira impressão vivida do que especulação visionária vazia, (ibid., 1.10.2)
Os Teólogos da Pós-Reforma Falaram sobre a Asseidade de Deus Depois dos reform adores e chegando aos tem pos m odernos, não há divergência significativa n a doutrina da asseidade de Deus. De fato, é am plam ente aceita. ja c ó Armínio (1560-1609) Ele é sem começo e sem causa externa ou interna. Pois, visto que não pode haver avanço in infinitutn (pois se pudesse, não haveria Essência, nem Conhecimento), tem de haver uma Essência, acima e antes da qual nenhuma outra pode existir. Mas tal Essência tem de ser a de Deus; pois, seja o que a esta Essência se atribua será pelo mesmo ato de atribuição ser ao próprio Deus. (W JA , Vol. II, pp. 114, 115) Francis Turretin (1623-1687) A natureza comprova o ser de Deus, visto que proclama que ela não somente é, mas é de outro e não pode ser sem outro. Pois se é certo e indubitável que do nada, não é feito e que nada pode ser a causa de si mesmo (pois então seria antes e depois de si mesmo), também é certo que temos de conceder um ser primeiro e não-produzido de quem todas as coisas são, mas que de si mesmo não é de ninguém. ( IET , p. 170) ‘“De eternidade a eternidade tu és Deus.’ Tu sempre tens sido Deus, e não há tempo que possa ser designado como o começo do teu ser”, (em Charnock, EAG, 1:277) Stephen Charnock (1628-1680) Deus é sem começo. “No princípio” Deus criou o mundo [Gn 1.1]. Deus era, então, antes do começo do mundo; e que ponto pode ser fixado em que Deus começou, se Ele era antes do começo das coisas criadas? Deus era sem começo, entretanto, todas as outras coisas tiveram o tempo e o começo Dele. (ibid., 1:281) Deus é de si mesmo e de nenhum outro. As naturezas, que são feitas por Deus, podem aumentar, porque elas começaram a ser; elas podem diminuir, porque elas foram feitas do nada e, portanto, tendem ao nada; a condição do seu original as leva a apresentar defeitos, e o poder do seu Criador as faz aumentar. Mas Deus não tem original; Ele não tem defeito, porque Ele não foi feito do nada; Ele não tem aumento, porque Ele não teve começo. Ele era antes de todas as coisas, e, portanto, não depende de outra coisa que, por sua própria mudança, cause mudança Nele. (ibid., 1:321) Aquele que não tem o ser de outro, não pode deixar de ser sempre o que ele é: Deus é o primeiro Ser, um Ser independente. Ele não foi produzido de si mesmo, ou de qualquer outro, mas por natureza sempre tem sido, e, portanto, não pode por si mesmo ou por qualquer outro, ser mudado do que Ele é na sua própria natureza, (ibid., 1:319) John Miley (1813-1895) Deus é para o pensamento humano um Ser incompreensível, existindo em absoluta unicidade, à parte de categorias de gênero e espécie. (ST, I, p. 59)
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Wilham G. T. Shedd (1820-1894) A au to -e x istê n cia de D eu s d en o ta que a base do seu ser está N ele. N a referên cia, se diz às vezes qu e D eu s é a sua pró p ria causa. M as esta é lin g u ag em cen su ráv el. D eu s é o Se r n ã o causado, e n e ste aspecto, difere de tod os os ou tro s seres. (D T, p. 338)
Herman Bavinck (1854-1921) T od o a trib u to é id ên tico ao ser de D eus. Ele é o qu e Ele tem. [...] Q u an d o falam os sobre D eu s, tem o s de su sten tar qu e cada u m dos seus atrib u to s é id ên tico ao seu ser. [...] S e ja que D eu s E le seja, E le é co m p le ta m e n te e sim u lta n ea m en te. (DG, I, p. 121)
OBJEÇÕES À ASSEIDADE DE DEUS As objeções à auto-existência de Deus não são tão num erosas quanto às objeções a alguns dos seus outros atributos. Isto se deve prim ariam ente ao fato de que a asseidade de Deus flui da mais básica crença cristã que Deus é a Causa Primeira de tudo o mais que existe. No entanto, a asseidade nos dias atuais tem levado alguns a contestar indo ao ponto do ateísmo.
O bjeção Um: Baseada na Idéia de que a Asseidade Leva a uma Contradição Lógica C om eçando pelo menos já co m Im m anuel Kant (1724-1804), tem -se argum entado que falar de Deus co m o u m Ser não-causado conduz a u m paradoxo (ver CPR). Se tudo precisa de u m a causa, então tem de haver u m a Causa Primeira para co m eçar a causa. Por outro lado, se tudo precisa de u m a causa, então a Causa Primeira tam bém precisa, e assim por diante para sempre. Portanto, postular Deus co m o a Causa Primeira nãocausada tam bém conduz a postular que não há Causa Primeira não-causada — um a antinom ia de contradição lógica.
Resposta à O bjeção Um O paradoxo de Kant que ele ch am ou antinom ia está baseado em u m a visão equivocada da causalidade. Esta lei fundam ental de pensam ento não declara que, com o sugeriu Kant, “tudo precisa de u m a causa”. Mais exatam ente, afirma que “tudo o que é finito, contingente ou tem u m com eço precisa de u m a causa”. Quando declarado em sua form a correta, não há contradição. Se só as coisas finitas precisam de u m a causa, então quando chegam os a u m a Causa infinita não há necessidade de um a causa adicional.
O bjeção Dois: Baseada na Impossibilidade da A uto-Existência O utra objeção à asseidade de Deus está baseada na natureza da própria asseidade. De acordo co m esta objeção, u m Ser auto-existente é u m Ser autocausado. Mas u m Ser autocausado é impossível, pois seria ontologicam ente antes de si m esm o. Portanto, a auto-existência é impossível.
Resposta à O bjeção Dois A falácia nesta objeção é a definição equivocada de Ser auto-existente. Deus não é um Ser autocausado (o que é impossível), mas u m Ser não-causado (o que é possível). U m Ser
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autocausado é contraditório, mas a existência autocausada não é igual a auto-existência. Deus existe em si m esm o, mas não de si m esm o, quer dizer, u m Ser auto-existente não é a causa de si m esm o, porque Ele não precisa de causa de si m esm o. Em resum o, Deus é a Causa não-causada de tudo o mais que existe. Ele não é a Causa autocausada da sua própria existência.
A NECESSIDADE DE DEUS Repetindo, a asseidade e a necessidade estão intim am ente relacionadas: As duas são atributos incomunicáveis ou não transferíveis de Deus. As duas tam bém se referem ao tipo inigualável do Ser de Deus. A maioria dos teólogos junta a asseidade e a necessidade, em bora sejam conceitos distinguíveis. U m Ser necessário é u m ser cu ja não-existência é impossível, quer dizer, se u m Ser necessário existe, então Ele necessariam ente tem de existir. Existem quatro form as para declaram os esta verdade. U m Ser necessário é: (1) u m Ser cuja não-existência não é possível; (2) u m Ser cu ja existência é essencial; (3) u m Ser cu ja essência é existir; (4) u m Ser cu ja essência e existência são idênticas. Em contraste co m u m Ser necessário, u m ser contingente é: (1) u m ser cu ja não-existência é possível; (2) u m ser cu ja existência não é essencial; (3) u m ser cu ja essência é não existir; (4) u m ser cu ja essência e existência não são idênticas. Por conseguinte, u m Ser necessário é u m ser que não é contingente, e u m ser contingente é u m ser que não é necessário. U m ser contingente é u m ser que. pode não existir, e u m Ser Necessário é u m ser que não pode não existir.
A BASE BÍBLICA PARA A NECESSIDADE DE DEUS A base bíblica para a necessidade de Deus acha-se nos m esm os versículos que falam da sua asseidade (ver nas principais seções acim a). Deus é o C om eçador que não teve com eço (G n 1.1; Jo 1.3). Ele trouxe tudo o mais à existência, m as Ele n unca veio à existência (SI 90.2; Jo 1.3; Cl 1.16). Ele é o Ser Primeiro absoluto, antes do qual nada mais havia (C l 1.17; Ap 1.8; 3.14). Ele é totalm en te auto-suficiente, não precisando de nada ou de ninguém (A t 17.25): “Dele, e por ele, e para ele são todas as coisas” (R m 11.36). Tal Ser que é a base de todos os outros seres, mas que não necessita de base para o seu ser é u m Ser necessário.
A BASE TEOLÓGICA PARA A NECESSIDADE DE DEUS A necessidade de Deus se depreende de vários dos seus outros atributos. Entre estes se incluem a sua p ura realidade, a sua não-causalidade, a sua asseidade e a sua imutabilidade.
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A Necessidade se Segue da Pura Realidade Deus é Pura Realidade sem potencialidade passiva de qualquer tipo (ver capítulo 2). A p ura realidade não tem potencial para não existir, e o que não tem potencial para a nãoexistência tem de existir. Portanto, o que é p ura realidade é u m a existência necessária; Deus é u m a existência necessária.
A Necessidade se Segue da Não-Causalidade A necessidade do Ser de Deus tam bém se depreende do fato de Ele ser um Ser não-causado. O que é não-causado existe independentem ente, e o que existe independentem ente é u m a existência necessária. Por conseguinte, Deus é u m a existência necessária.
A Necessidade se Segue da Asseidade O fato de Deus ser um Ser necessário tam bém se depreende do fato de Ele ter au toexistência ou asseidade (ver acim a). Deus com o Ser auto-existente é u m Ser independente, e o que tem u m a existência independente é u m a existência necessária. Por conseguinte, Deus é u m a existência necessária.
A Necessidade se Segue da Im utabilidade U m Ser im utável não pode m udar. Repetindo, deixar de ser é u m a form a de m udar. Portanto, u m Ser im utável não pode deixar de existir, e o que não pode deixar de existir tem de existir. O que tem de existir (ou seja, não pode não existir) é u m Ser necessário.
A BASE HISTÓRICA PARA A NECESSIDADE DE DEUS O conceito de u m Ser necessário estava im plícito desde os tem pos mais antigos do cristianismo. A doutrina da necessidade de Deus tornou-se explícita no pensam ento dos teístas clássicos.
Os Primeiros Pais da Igreja Falaram sobre a Necessidade de Deus Irineu (c. 125-c. 202) Como pode haver alguma outra Plenitude, ou Princípio, ou Poder, ou Deus, acima Dele, visto que é questão de necessidade que Deus, o Pleroma (Plenitude) de todos estes, deveria conter todas as coisas na sua imensidade, e não deveria ser contido por ninguém? E acrescentou: De certa forma, há a necessidade absoluta que Ele experimente a mesma coisa em todos os outros pontos, e que seja contido, encerrado e incluído por essas existências que estão fora Dele. Pois esse ser que é o fim para baixo, necessariamente circunscreve e cerca aquele que encontra o seu fim nisto. (AH, 2.1.2, em Roberts and Donaldson, ANF) Inácio (110 d. C.) "H onra de verdade ao teu Deus, co m o o A u tor e Senhor de todas as coisas. [...] Pois não há ninguém superior a Deus, ou m esm o igual a Ele, entre todos os seres que
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existem ." (EIS, 9, ibid.) Olha para Aquele que está acim a dos tem pos, para Aquele que não tem tem pos. (SVIE, 3, ibid.) Matetes (c. 130) Pois, os gentios, oferecendo tais coisas aos que são destituídos de sentim ento e audição, dão exem plo de loucura; por outro lado, pensando que oferecem coisas a Deus com o se Ele precisasse delas, poderiam considerar acertadam ente que é u m ato de lou cu ra em vez de adoração a Deus. Pois Aquele que fez o céu e a terra, e tudo o que neles há, e dá a todos as coisas das quais precisam os, certam ente não exige essas coisas as quais Ele próprio dá aos tais, ao ponto de pensarem em fornecê-las a Ele. (EM D, 3, em ibid.)
Os Pais da Igreja Medieval Falaram sobre a Necessidade de Deus A necessidade de Deus figurou com o doutrina durante a Idade Média. U m a vez que se trata de u m atributo que se manifesta sim ultaneamente com o da asseidade, os grandes teólogos da Igreja Medieval deram redobrada atenção a este atributo metafísico crucial. Agostinho (354-430) Toda e qualquer coisa, pouco importando quão excelente seja, se for mutável não tem o verdadeiro ser, pois o verdadeiro ser não será achado onde também haja o não-ser. Tudo que tem em si a possibilidade de mudar, sendo mudado não é o que era. Se é isso que não é, um tipo de morte ocorreu ali; algo que estava ali e não está, foi destruído [...]. Algo é mudado e é isso que não era. Vejo que há um tipo de vida nisso que é e a morte no que foi [...]. Examina as mutações das coisas e tu acharás em todos os lugares “foi” e “será”. Pensa em Deus e tu acharás “é” onde “foi” e “será” não pode ser. (OGJ, 38.10) Pois toda a substância que não é uma coisa criada é Deus, e tudo que não é criado é Deus. (OT, 1.6) Considerando que Deus é o Ser supremo, quer dizer, visto que Ele supremamente é, e, portanto, é imutável, conclui-se que Ele deu o “ser” a tudo aquilo que Ele criou do nada, não, entretanto, o Ser absoluto. (C, 11.2) Anselmo (1033-1109) No seu fam oso argum ento ontológico a favor da existência de Deus, Anselm o falou de Deus com o u m Ser necessário. “E co m certeza existe tão verdadeiram ente, que não pode ser concebido para não existir” (SABW , p. 8). E continuou: “Portanto, ninguém que entende o que Deus é pode conceber que Deus não existe” (ibid., p. 10). “Só este ser [...] não pode ser concebido para não existir [...]. Portanto, só de Deus seja dito que é impossível conceber da sua não-existência” (ibid., pp. 160, 161). E continuou: Portanto, visto que todas as coisas existem por meio desta única coisa, não há que duvidar que esta uma coisa exista por si mesma. Portanto, todas as outras coisas existem por algo diferente delas, ao passo que só esta existe por si mesma. Mas o que existe por algo diferente de si mesmo é menos do que aquilo pelo qual todas as outras coisas existem, e a qual só existe por si mesma.
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A lé m disso: A quilo qu e existe p o r si m e sm o existe m ais do qu e tu d o. P o rtan to , existe u m a coisa que só ela de todas as coisas m ais existe e existe su p rem a m e n te. M as aqu ilo que existe m ais de tod os, aqu ilo pelo qual tu d o qu e é bem é b o m , tu d o que é grande é grande, e re a lm e n te p elo qual tu d o que existe, existe — este é n ecessariam en te su p rem a m e n te b o m , su p re m a m e n te grande, e é de todas as coisas que existem , o su p rem o . P o rtan to , há alg u m a coisa qu e, q u er seja ch am ad o u m a essência, u m a su bstân cia ou u m a n atu reza, é o m e lh o r e o m aio r, e de todas as coisas que são, o su p rem o . (A C M W , 4) E so m e n te à essência su p rem a que d am os c o rre ta m e n te o n o m e de D eus. Pois se v o cê diz que D eu s existe, in d ep en d en te de vo cê dizer que exista u m ou m u ito s deuses, esta é u m a idéia qu e vo cê não pode fazer sentid o, a m en o s qu e vo cê pense em D eu s co m o aqu ela su bstân cia que é su p erio r a tod a n atu rez a qu e n ão é D eus [...]. Pois a essência su p rem a só é aqu ela p ela qual qu alqu er coisa boa é boa, sem a qual nada é b o m e fo ra da qual, pela qual e n a qual todas as coisas existem , (ibid., pp. 210, 211)
Tomás de Aquitto (1225-1274) N o seu “te rc e iro m o d o ” p ara p ro v a r a ex istê n cia de D eu s, T o m á s de A q u in o co n clu iu : “P o rta n to , n e m to d o s os seres são m e r a m e n te possíveis, m as te m de existir algo da e x istê n cia da qu al é n e ce ssá ria ” . E a c re sc e n to u : “P o rta n to , n ão p o d e m o s d eixar de a d m itir a e x istê n cia de a lg u m ser te n d o de si m e s m o a sua p ró p ria necessid ad e, e n ã o a re ce b en d o de o u tr o ” (ST , la .2 .3 ). E c o n tin u o u e m o u tr o lu g ar: “P o rta n to , co n sid eran d o q u e o ser d ivino n ã o é u m ser rece b id o e m q u a lq u er coisa, m as E le é o seu próprio subsistente, f...] fica cla ro q u e o p ró p rio D e u s é in fin ito e p e rfe ito ” (ibid., la .7 .1 ). A lé m d o m ais, “o fa to de o ser de D eu s ser a u to -su b siste n te , n ã o receb id o e m q u alq u er o u tr o , e é assim c h a m a d o in fin ito , m o s tra q u e E le te m de ser d iferen ciad o de to d o s os o u tro s seres, e to d o s os o u tro s tê m de e sta r à p a rte D e le ” (ibid .). E c o n tin u o u : “É c o n tra a n a tu re z a de u m a coisa fe ita p ara a sua essência ser a sua p ró p ria e xistên cia; p o rq u e u m ser su b sisten te n ã o é u m ser criad o , p o r co n se g u in te , é c o n tra a n a tu re z a de u m a coisa fe ita ser a b s o lu ta m e n te in fin ita ”. P o rta n to , v isto q u e D eu s, e m b o ra te n h a p o d e r in fin ito , n ã o p od e fazer u m a coisa p ara n ã o ser fe ita [...], p o r ta n to , do m e s m o m o d o , E le n ã o p od e faze r n ad a q u e seja a b s o lu ta m e n te in fin ito (ibid., la .7 .2 , ad 1).
Os Teólogos da Reform a e da Pós-Reform a Falaram sobre a Necessidade de Deus C o m o os v ários o u tro s a trib u to s m e tafísico s de D eu s, os re fo rm a d o re s passaram p o u c o te m p o e x p lica n d o a n ecessid ad e de D eu s. E m g eral, eles tã o -s o m e n te a ssu m ira m o seu sig n ificad o e validade. Martinho Lutero (1483-1546) D eu s n ã o tem de ser exclu íd o ou lim itad o a qu alqu er lugar. Ele está em tod os os lugares e em n e n h u m a p arte. Se p erg u n tarem se Ele está em tod os os lugares so m en te de acord o co m o exercício do seu p o d er (potentialiter) ou de aco rd o co m a sua essência (.substantialiter), eu respondo: Ele está em toda cria tu ra de am bos os m od os, pois en q u an to a c ria tu ra age através do seu a trib u to (per qualitatem), D eus n ão age através do seu atrib u to , m as através da sua essência (essentialiter). (W LS, pp. 543, 544)
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João Calvino (1509-1564) A sua essência, é realmente incompreensível, transcendendo totalmente o pensamento humano. Mas em cada uma das suas obras a sua glória está cravejada no caráter tão brilhantemente, tão distintamente e tão ilustremente, que ninguém, por mais que seja estúpido e iletrado, pode se servir da ignorância como desculpa. ( IC R , 1.1) E Calvino acrescentou: A partir do poder de Deus somos levados logicamente a considerar a sua eternidade, considerando que disso todas as outras coisas derivam a origem, tem de necessariamente ser auto-existente e eterno. Além disso, se perguntarmos que causa o induziu no princípio a criar todas as coisas e agora o inclina a sustentá-las, descobriremos que não pode haver outra causa senão a sua própria bondade. Mas se esta é a única causa, nada mais deve ser exigido para atrair o nosso amor por Ele; cada criatura, como o salmista nos lembra, participando da sua misericórdia. “As suas misericórdias são sobre todas as suas obras” [SI 145.9]. (ibid.) Ja c ó Armínio (1560-1609) Como deveríamos enunciar negativamente o modo pelo qual a Essência de Deus é e está preeminentemente espiritual sobre a excelência ou todas as essências mesmo das que são espirituais. Assim isto pode ser feito primeiro e imediatamente em uma única frase: “Ele é [...] sem começo e sem causa externa ou interna”. [...] Pois, visto que não pode haver avanço in ihfinitum (pois se pudesse, não haveria Essência, nem Conhecimento), tem de haver uma Essência, acima e antes da qual nenhuma outra pode existir: Mas tal Essência tem de ser a de Deus, pois, seja o que for atribuído a esta Essência, será pelo mesmo ato de atribuição ser ao próprio Deus. (WJA, II, pp. 114, 115)
Os Teólogos da Pós-Reforma Falaram sobre a Necessidade de Deus Alguns detalhes a argumento argumento
dos pós-reformadores discutiram a necessidade de Deus com alguns mais. Este tema tornou-se de particular interesse aos que usavam o da contingência a favor da existência de Deus ou a segunda forma do ontológico.
Francis Turretin (1623-1687) A novidade do mundo com o começo do movimento e do tempo, prova a existência necessária de Deus. Pois se o mundo começou, tem de ter necessariamente recebido o seu começo de alguém. Já que não pode ser de si mesmo, não pode ser de ninguém mais que Deus. (IET, p. 170) Jonathan Edwards (1703-1758) Já não se discute qualquer dependência da Vontade de Deus, que a sua volição supremamente sábia é necessária, do que se discute uma dependência do seu ser, que a sua existência é necessária. (WJE, I, p. 71)
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Stephen Charnock (1628-1680) ‘“ D e e te r n id a d e a e t e r n id a d e t u és D e u s .’ T u s e m p r e t e n s sid o D e u s , e n ã o h á t e m p o q u e p o s s a se r d e s ig n a d o c o m o o c o m e ç o d o te u s e r ” ( E A G , 1:2 7 7 ).
A lé m d isso: D eu s é de si m e sm o e de n e n h u m o u tro . As n atu rezas, que são feitas p o r D eu s, p o d em a u m en ta r, p o rqu e elas c o m e ça ra m a ser. Elas p o d em d im inu ir, p o rq u e elas fo ra m feitos do nada e, p o rta n to , ten d em ao nada. A co nd ição do seu orig in al as leva a apresentar defeitos, e o pod er do seu C riad or as faz au m en tar. M as D eu s n ão tem orig in al. Ele não te m d efeito, p o rqu e E le não foi feito do nada. Ele n ão tem au m en to , p o rqu e Ele n ão teve co m e ço . Ele era antes de todas as coisas, e, p o rta n to , n ão depende de o u tra coisa que, p o r sua p ró p ria m u d an ça, cau se m u d an ça N ele. (ibid., 1:321)
Charles Hodge (1797-1878) O p rim e iro a rg u m en to para pro var que o m u n d o co m o u m to d o n ão é a u to -e x iste n te e ete rn o , é que todas as suas partes, tu d o que en tra em sua co m p o sição , são d epend entes e m utáveis. U m tod o n ão pode ser essen cialm en te d iferen te das suas p artes co n stitu in tes. U m n ú m e ro in fin ito de efeitos n ão pode ser a u to -ex isten te. Se u m a cadeia de três ligações n ã o pode se su sten tar, m u ito m en o s u m a cadeia de u m m ilh ã o de ligações. Nada m u ltip lica d o p o r u m a infinidad e ainda n ão é nada. Se n ão ach am o s a cau sa de nossa existên cia em nós m esm o s, n e m os nossos pais neles m esm o s, n e m os seus p ro g en ito res neles m esm o s, v o ltan d o ad infinitum é apenas acrescen tan d o nad a ao nada. O que a m e n te exige é u m a cau sa su ficien te, e n e n h u m a abord agem aisto se faz vo ltan d o in d efin id am en te de u m efeito ao o u tro . P o rtan to , so m o s forçad os pelas leis da nossa n atu rez a racio n al, a assum ir a existên cia de u m a causa au to -ex isten te, ou seja, u m S e r d otad o co m pod er adequado p ara pro d u zir este m u n d o fe n o m e n a l m arcad o p o r m u d anças co ntín u as. (ST, I, p. 211)
R. L. Dabney (1820-1898) [O a rg u m e n to do desígnio] nos aju d a a m o stra r a person alid ade de D eus, co m o u m ser de in telig ên cia e vontad e, e g ran d em en te fo rta le ce o ataqu e a qu e estam os habilitados a fazer ao p a n teísm o , m o stra n d o , a m en o s que h a ja u m a C ausa p rim eira pessoal e divina antes do u n iverso , isto te m de ser de si, n ão só n ão -cau sad o , e te rn o , ind ep en d en te, necessariamente existente, m as d otad o de in telig ên cia. (LST, 1.14)
Herman Bavinck (1854-1921) T od o a trib u to é id ên tico ao ser de D eu s. E le é o que E le tem [...]. Q u an d o falam os sobre D eu s, tem o s de su sten tar qu e cada dos seus atrib u to s é id ên tico ao seu ser [...]. S e ja que D eu s E le seja, Ele é co m p le ta m e n te e sim u lta n ea m en te. (DG, p. 121)
OBJEÇÕES À NECESSIDADE DE DEUS V á ria s o b je ç õ e s a D e u s c o m o u m a e x is t ê n c ia n e c e s s á r ia e m e r g ir a m m o d e r n a . A s d u a s m a is i m p o r t a n t e s sã o as s e g u in te s .
n a filo s o fia
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Objeção Um: Baseada na Idéia de que Necessidade Aplica-se à Lógica, mas não ao Ser Há u m a refutação proposta baseada na seguinte premissa (ver Findlay, “CGED”, em Plantinga, OA): Deus é p o r definição u m Ser necessário. A necessidade é u m term o que não pode se aplicar ao ser, mas só a conceitos. Portanto, não pode haver Deus.
Resposta à Objeção Um O erro nesta objeção está exposto na natureza autodestrutiva da premissa básica. A declaração que a “necessidade não pode ser aplicada à existência” (ou ao “ser”) é em si u m a declaração necessária sobre a existência. Portanto, é autodestrutiva, visto que não pode evitar fazer em si o que diz que não pode ser feito, isto é, fazer declarações necessárias sobre a existência. Além disso, falar sobre u m a existência necessária não é mais sem sentido do que falar sobre u m a existência contingente; necessário significa “não contingente”. C om o já foi m ostrado (n o capítulo 1), o m od o da negação (via negativa) é necessário se quando tratam os de u m Ser infinito. Temos de rem over toda a lim itação de nossos conceitos antes de serem aplicados corretam en te a u m Ser infinito.
Objeção Dois: Baseada na suposta Falta de Sentido do Conceito de Ser Necessário Esta objeção está fundam entada no argum ento de que não tem os nada em nossa experiência que seja necessária. Considerando que todas as declarações significativas têm de ter algum a referência para sabermos por experiência, conclui-se que o conceito de Ser necessário não faz sentido.
Resposta à Objeção Dois Este m esm o argum ento é apresentado con tra o
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Em prim eiro lugar, term os co m o “necessário” ou “infinito” são term os negativos, pois eles descrevem o que Deus não é. Deus não é limitado (Ele é ilimitado) e não é contingente (Ele é necessário). Além disso, sabemos o que estas limitações significam por experiência e, assim, por contraste, sabemos que Deus não tem n enh u m a destas limitações. É im portante m encionar aqui mais u m a vez que u m term o negativo não denota u m atributo negativo. Não é a afirmação de nada, mais exatam ente, é a negação de toda contingência e limitação na Causa Primeira. O conteúdo positivo do que Deus é derivase do princípio causai. Ele é realidade, porque Ele causa toda a realidade. Ele é o Ser, visto que Ele é a Causa de todo o ser. Todavia co m o a Causa de todo o ser, Ele não pode ter causado o seu Ser. C om o a base de todo ser contingente, Ele não pode ser u m ser contingente.
RESUMO Deus tem asseidade e necessidade. A sua existência é inerente e necessária. Ele existe em si m esm o, e Ele não pode não existir. Diferente das criaturas, cuja existência é derivada de ou tra e é contingente, a existência de Deus é não-causada e independente. Estas características estão fundam entadas em sólidas bases bíblicas, teológicas e históricas. As objeções para estes atributos clássicos são infundadas e autodestrutivas.
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CA PÍTU L O
Q UATRO
A IMUTABILIDADE E A ETERNIDADE DE DEUS
im u ta b ilid a d e e a e t e r n id a d e sa o d o is a t r ib u to s de D e u s m a is a c a lo r a d a m e n t e d e b a tid o s n a t e o lo g ia c o n t e m p o r â n e a . M a s t a l n ã o o c o r r e u d u r a n te o s p r im e ir o s m il e n o v e c e n t o s a n o s d a H is tó r ia d a Ig r e ja . A s d u as p r o p r ie d a d e s f o r a m c o n s id e ra d a s e ss e n c ia is a o t e ís m o o r t o d o x o a o lo n g o d o s s é c u lo s . E s ta c r e n ç a h is t ó r ic a e s tá b e m fu n d a m e n t a d a n o r a c io c ín io b íb lic o e t e o ló g ic o .
A IMUTABILIDADE DE DEUS D e u s é in a lt e r á v e l n a su a n a t u r e z a e essa v e rd a d e d e s fr u ta d e a p o io s ó lid o n a T e o lo g ia B íb lic a , h is t ó r ic a e filo s ó fic a . A p e s a r d e m u ita s e x p r e s s õ e s a n t r o p o m ó r f ic a s ( v e r c a p ít u lo 1), a B íb lia t e m r e f e r ê n c ia s c la ra s e r e p e tid a s à im u ta b ilid a d e d e D e u s .
A BASE BÍBLICA PARA A IMUTABILIDADE DE DEUS A b a se b íb lic a p a ra a im u ta b ilid a d e de D e u s se a c h a e m n u m e r o s o s te x to s . C o n s id e re o s se g u in te s: “D e u s n ã o é h o m e m , p a r a q u e m in ta ; n e m filh o d e h o m e m , p a ra q u e se a r r e p e n d a ” ( N m 2 3 .1 9 ). “[...] A q u e le q u e é a F o r ç a d e Is ra e l n ã o m e n t e n e m se a rr e p e n d e ; p o r q u a n t o n ã o é u m h o m e m , p a r a q u e se a r r e p e n d a ” (1 S m 15.29). “E le s p e r e c e r ã o , m a s t u p e r m a n e c e r á s ; to d o s eles, c o m o u m a v e s te [...]” . M a s tu és o m e s m o , e o s te u s a n o s n u n c a te r ã o f im ” (SI 102.26,27; cf. H b 1 .1 0 -1 2 ). “[...] E u , o S en h o r , n ã o m u d o ; p o r isso , v ó s, ó filh o s d e Ja c ó , n ã o sois c o n s u m id o s ” ( M l 3 .6 ). “E m u d a r a m a g ló r ia d o Deus incorruptível e m s e m e lh a n ç a d a im a g e m de h o m e m c o r r u p tív e l, e de aves, e d e q u a d rú p e d e s, e d e r é p te is ” ( R m 1.23, g rifo m e u ) . “P ara q u e p o r d u as co isas im u tá v e is , n a s qu ais é im p o s s ív e l q u e D e u s m in t a [...]” (H b 6 .1 8 ). “Je su s C r is to é o m e s m o o n t e m , e h o je , e e t e r n a m e n t e ” (H b 13.8). “E m e s p e ra n ç a d a v id a e t e r n a , a q u a l D e u s , q u e n ã o p o d e m e n t ir , p r o m e te u a n te s d os te m p o s d o s s é c u lo s ” ( T t 1.2). “T o d a b o a d ád iv a e to d o d o m p e r fe ito v ê m d o a lto , d e s c e n d o d o Pai das lu z e s, e m q u e m n ã o h á m u d a n ç a , n e m s o m b r a de v a r ia ç ã o ” ( T g 1.17). P o r e ste s v e r s íc u lo s , e s tá c la r o q u e D e u s n ã o só n ã o m u d a , m a s t a m b é m é impossível E le m u d a r . H á co is a s q u e E le não pode fa z e r, is to é, E le n ã o p o d e a g ir a o c o n t r á r i o d a su a n a t u r e z a im u tá v e l ( in a lte r á v e l).
O Uso do A ntropom orfism o e Figuras de Linguagem T e m o s d e a d m it ir q u e a B íb lia f a la d e D e u s e m t e r m o s t e m p o r a is , m a s is t o é d o p o n t o d e v is ta h u m a n o . E s tá e s c r ito q u e D e u s “de antemão c o n h e c e u ” ( R m 8 .2 9 , A R A ;
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grifos m eus), com o se Ele estivesse em determ inado m o m en to do tem po e estivesse esperando o futuro. Todavia estas expressões são antropom orfism os (falar de Deus em term os hum anos) que não devem ser consideradas mais literalm ente do que, co m o vimos, quando o texto bíblico diz que Deus tem “asas” (Êx 19.4), “m ã o ” (N m 11.23) ou “olhos” (Hb 4.13). Sem elhantem ente, o “arrependim ento” de Deus (G n 6.6) não deve ser considerado mais literalm ente do que o “esquecim ento” de Deus (Is 43.25). Não há critério objetivo pelo qual possamos aceitar que u m a destas declarações seja literal e a o u tra seja antropom órfica. O neoteísta Greg Boyd oferece a “ridiculização” com o critério para determ inar o que é figurativo e o que não é. Mas este é u m critério subjetivo. O que é ridículo para u m a pessoa de certa perspectiva não é necessariam ente ridículo para ou tra pessoa de o u tra perspectiva. Claro que somos pressionados a considerar que o “arrependim ento” de Deus é m uito m enos ridículo (se tom ado literalm ente) do que o seu “esquecim ento”. Isto é particularm en te verdade, visto que a Bíblia diz que Deus “não é u m h om em , para que se arrependa” (1 Sm 15.29; cf. N m 23.19). Se isto é literal, então é ridículo dizer que Deus n a verdade se arrepende. Além disso, se considerarm os literalm ente a pergunta que Deus fez a Adão: “Onde estás?” (Gn 3.9), então tem os de chegar à conclusão surpreendente de que Deus não é onisciente; afinal de contas, em tal caso, Ele não sabia onde Adão estava escondido no Jardim do Èden. Subitamente, através do pensam ento neoteísta, u m grupo inteiro de atributos ortodoxos de Deus veio se desm oronando, desnudando u m Deus finito por trás da reivindicação de crer em u m infinito. Falar que Deus conhece de antemão é ou tro exem plo de linguagem antropom órfica. Claro que u m Deus eterno realm ente não conhece de antemão; Ele simplesmente sabe no seu presente eterno. A linguagem bíblica que o apresenta co m o con heced or de antemão está falando da perspectiva hum ana. Isto não é mais difícil de explicar do que os outros antropom orfism os aceitos pelos neoteístas, co m o Deus tendo braços, pernas, olhos ou até asas. Esperaríamos que u m livro escrito por hum anos e para hum anos falasse com hum anos da perspectiva hum ana. (Ver Volume 1, capítulos 13 e 27, sobre as doutrinas da inspiração e inerrância bíblica.)
A BASE TEOLÓGICA PARA A IMUTABILIDADE DE DEUS Os grandes Pais da Igreja, especialmente Tomás de Aquino, apresentaram argumentos sólidos a favor da imutabilidade de Deus. Vários desses argumentos estão resumidos aqui.
O Argumento da Pura Realidade Tomás de Aquino ofereceu vários argum entos a favor da imutabilidade de Deus (ST, la.13.7). O prim eiro argum ento está baseado no fato de que u m Deus de p ura realidade ( “Estado de EU SOU”) não tem potencialidade. Tudo que m u d a tem potencialidade, mas não pode haver potencialidade em Deus, porque Ele é Pura Realidade. Portanto, conclui-se que Deus não pode m udar.
O Argumento da Simplicidade O segundo argum ento a favor da imutabilidade de Deus se depreende da sua simplicidade. Tudo que m uda é com posto do que m uda e do que não m uda. Mas não pode haver com posição em Deus Ele é u m ser absolutam ente simples. Por conseguinte, Deus não pode m udar.
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O Argum ento da Perfeição O terceiro argu m en to a favor da imutabilidade de Deus infere-se da sua perfeição absoluta. Em poucas palavras, toda m udança obtém algo novo. Deus não pode obter nada novo, visto que Ele é absolutam ente perfeito; Ele não pode de form a qualquer ser m elhor. Portanto, Deus não pode m udar.
O Argum ento da Infinidade Há outro atributo pelo qual podem os inferir razões a favor da imutabilidade, a saber, o atributo da infinidade. U m Ser infinito não tem partes; se tivesse, não seria infinito, visto que u m n úm ero infinito de partes é impossível. Pouco im portando quantas partes se tenha, sem pre é possível adicionar mais um a. Mas não pode haver mais que u m núm ero infinito de partes. Portanto, não é possível u m Ser infinito ter partes. E o que não tem partes não pode m udar, pois m udança envolve a perda ou ganho de partes. U m Ser infinito não pode m udar.
O Argum ento da Necessidade Além do mais, a imutabilidade se entende da necessidade, pois u m Ser necessário não pode m u d ar em seu ser. O ser que tem , tem necessariam ente. Se não tivesse o ser necessariam ente, então não seria u m Ser necessário. Portanto, conclui-se que u m Ser necessário não pode m udar. Claro que se pode argum entar que Deus pode ter o ser necessariam ente, mas pode haver outras características que Ele só ten h a acidentalm ente. Isto pode ser rejeitado por dois motivos diferentes. Primeiro, Deus é simples e não pode ter partes (ver capítulo 2). Segundo, m esm o que se cogite que Deus ten h a acidentes, Ele ainda tem de ser necessário em seu Ser básico, pois é o que significa u m Ser necessário. Se Deus é necessário no seu Ser, então Ele tem de ser im utável no seu Ser, co m o m ostram os argum entos anteriores. U m acidente é o que não é essencial a u m ser, p ortan to, Deus ainda tem de ser invariável no seu Ser essencial.
O Argum ento da Mudança Tomás de Aquino argum entou que toda m udança passa de u m estado de potencialidade para essa m udança, para o estado de ser m udado de fato (ST, 1.2.3). Não há potencialidade para o ser que possa se realizar. Por exem plo, os pigm entos e a tela têm o potencial de ser u m a grande pintura, m as eles não podem se realizar; é preciso u m a causa (o artista) fora desse potencial para realizar a pintura. O m ero potencial para u m a coisa m utável p ara m u d ar não explica a m udança; tem de haver u m realizador fora do potencial para realizá-la. No final das contas, então, este realizador não pode ter o potencial p ara a m u dança, pois se tivesse, então precisaria de u m a causa tam bém . Não pode haver u m regresso infinito a tais causas, visto que não haveria nada p ara fazer a realização, toda causa sendo realizada, m as n ada fazendo a realização. Por conseguinte, tem de haver u m Prim eiro Realizador de toda m udança.
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A BASE HISTÓ RICA PARA A IMUTABILIDADE D E DEUS A História da Igreja Cristã é praticam ente unânim e sobre a imutabilidade da n atureza de Deus, desde o princípio até os tem pos m odernos. Ainda que debate veem ente tenha ocorrido sobre com o Deus se relaciona co m u m m undo m utável, p articularm ente nos dias de hoje, no entanto, tem havido unidade sobre a imutabilidade de Deus.
A Visão Patrística da Imutabilidade de Deus Em bora os primeiros Pais estivessem engajados em outros assuntos, eles se referiram à imutabilidade de Deus. Este fato é evidente pelas citações feitas a seguir. Novaciano (c. 200-c. 258) N ovaciano disse que Deus n un ca m uda “em si para qualquer form a, para que pela m udança Ele não pareça ser m o rta l”. Portanto, nunca há nEle qualquer ascensão ou aumento de qualquer parte ou honra, para que não pareça jamais ter estado algo faltando à sua perfeição, nem qualquer perda é mantida nEle, para que não pareça que Ele tenha experimentado qualquer grau de mortalidade. (CT, 4, em Roberts and Donaldson, ANF, V) Esta imutabilidade é verdade, porque [...] o que Ele é, Ele sempre é; e quem Ele é, Ele sempre é em si mesmo; e seja qual for a característica que Ele tenha, Ele sempre tem [...]. E, portanto, Ele diz: “Eu sou Deus, eu não mudo”; nisso, o que não nasce não pode experimentar mudança, sempre mantendo a sua condição. Pois seja o que for que esteja nEle que constitua divindade, tem de necessariamente sempre existir, mantendo-se por seus próprios poderes, de forma que Ele sempre seja Deus. (ibid.) Portanto, Ele também é imortal e incorruptível, não consciente de qualquer tipo de perda ou fim. Pois visto que Ele é incorruptível, Ele é então imortal; e visto que Ele é imortal, Ele com certeza também é incorruptível, cada um sendo envolvido por turnos no outro, consigo mesmo e em si mesmo, por uma conexão mútua e prolongada por uma concatenação vicária à condição de eternidade; a imortalidade surgindo da incorruptibilidade, como também a incorruptibilidade vindo da imortalidade, (ibid.) Pois para Deus experim entar m udança significa que Ele deixa de ser Deus: Porque se Ele não contém tudo aquilo que é, seja o que for que seja — vendo que o que se acha nisso por meio do qual é contido se acha ser menos do que por meio do qual é contido — , Ele deixará de ser Deus, sendo reduzido ao poder do outro, em cuja grandeza Ele, sendo menor, terá sido incluído. E então o que o conteve reclamaria que é Deus. (ibid.) Aristides (Século II) Aristides distinguiu a imutabilidade co m o evidência de que alguém verdadeiram ente é u m deus. Ele falou sobre aqueles que:
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[...] não são deuses, mas uma coisa criada, sujeita à ruína e mudança que é da mesma natureza que o homem; considerando que Deus é imperecível, invariável [imutável] e invisível, ao mesmo tempo em que Ele vê, predomina e transforma todas as coisas. (AAP, 4, em ibid. X) Melito de Sardes (Século II) M elito tinha u m padrão sem elhante (co m o tinha C lem ente de Alexandria). Ele repreendeu indivíduos por servirem o que n a verdade não existe, em contraste co m o verdadeiro Deus: Ele, afirmo, realmente existe, e pelo seu poder subsiste tudo. De forma alguma este ser foi feito, nem Ele jamais entrou em ser; mas Ele existe desde a eternidade e continuará existindo para sempre e sempre. Ele não muda, ao passo que tudo o mais muda. ( PRSTC, 1, ibid., VIII) Gregário de Taumaturgo (c. 213-275) Gregório de T aum aturgo disse que os sentim entos hum anos norm ais da aflição e angústia não são propriedades “da divindade im utável”. O Verbo Encarnado [...] exibiu em si mesmo o exercício dos afetos e suscetibilidades próprios de nós, tendo se dotado com a nossa passibilidade, conforme está escrito, que “ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si” [Is 53.4]. (TTF, 11, em ibid., VI) Alexandre, Bispo de Alexandria (m. 328) Alexandre disse: C oncernente a quem crem os assim, m esm o co m o crê a Igreja Apostólica, em u m Pai auto-existente, que não tem de ninguém a causa do seu Ser, que é inalterável e imutável, que sem pre é o m esm o e que não admite aum ento ou diminuição. Além disso, o Filho, co m o da essência do Pai, tam bém é im utável: “Ele é igualmente co m o Pai inalterável e im utável, não faltando em nada” (E A H , 1.12, Roberts and Donaldson, A NF, VI).
A Visão Medieval da Im utabilidade de Deus A doutrina da imutabilidade divina surgiu co m o tal na Idade Média. Dos escritos grandiosos de Agostinho, Anselm o e Tomás de Aquino, esta recebeu um lugar p erm anente n a teologia ortodoxa. Vindo depois a Teologia do Processo (neoteísm o), alguns evangélicos desafiaram a doutrina histórica da imutabilidade de Deus. Agostinho (354-430) A gostinho afirm ou que Deus é o im utável E, o EU SOU de Êxodo 3.14. Pois, “Deus é o ser su prem o, quer dizer, visto que Ele é su prem am en te e, então, é im utável” (CG, 12.2). “Há u m B em que só Ele é simples e, p o rta n to , o qual só Ele é inalterável — e este é D eus.” A lém disso, “este B em criou todos os bens; m as estes não são simples e, p o rtan to , são m utáveis” (ibid., 11.10). “Pois o que m u d a não re té m o seu próprio ser [...]. E, p ortan to , aquilo que não apenas não m uda, mas tam bém é até m esm o incapaz
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de m udar, só Ele se classifica verdadeiram ente e indubitavelm ente n a categoria do Ser” (OT, 5.2). Só Deus é im utável, pois “n ão há n atu reza criada que possa ser im utável. Na verdade, tod a tal n atu reza é feita por Deus, o su prem o e im utável Bem que fez todas as coisas” (CG, 22.1). “P o rtan to , não pode haver bem inalterável exceto o nosso único, verdadeiro e bendito D eus” (ibid., 21.1). A gostinho arg u m en to u que “deve haver u m p ou co de realidade n a qual a fo rm a era últim a, im utável e, p o rtan to , não suscetível a grau s” (ibid., 8.6). Sem elhantem ente, a m ente de Deus não pode m udar, pois “todo pensam ento que varia assim é m utável, e nada que seja m utável é eterno; mas o nosso Deus é etern o ” (C, 12.15). N em a vontade de Deus pode m udar, pois “a vontade de Deus, neste caso, pertence à sua própria Substância. Mas se algo surge na Substância de Deus o qual não havia antes, essa Substância não se ch am a verdadeiram ente etern a” (ibid., 11.10). Portanto, Deus sem pre é idêntico a si m esm o: “O que, então, é ‘o m esm o’, exceto aquilo que e i O que é aquilo que é? Aquilo que é perpétuo Vê ‘O M esmo: EU SOU O QUE SOU’” (EBP, 122.5). Anselmo (1033-1109) Anselm o afirm ou que a imutabilidade absoluta de Deus está fundam entada na sua perfeição, pois se Deus mudasse Ele teria de ganhar ou perder algo da perfeição que Ele tem . U m Ser absolutam ente perfeito não pode ganhar ou perder perfeição. Por conseguinte, Deus não pode m u d ar (M, em SABW , 2). “Sem elhantem ente, a imutabilidade e a simplicidade estão diretam ente relacionadas, pois a suprem a N atureza não é de form a algum a com posta, mas é suprem am ente simples, suprem am ente im utável” (SABW , p. 77). Além disso, a imutabilidade é a base para a eternidade de Deus: E claro que esta Substância suprema é sem começo e sem fim; que não tem nem passado, nem futuro, nem o temporal, quer dizer, o presente passageiro no qual vivemos; visto que desde a sua era, ou eternidade, que não é nada mais que ela própria, é imutável e sem partes, (ibid., p. 83) Portanto, “a Essência [de Deus] sem pre é, em todos os sentidos, substancialmente idêntica a si m esm a; e n unca é de qualquer form a diferente de si m esm a, m esm o acidentalm ente” (ibid., p. 85). Tomás de Aquino (1225-1274) No épico Suma Teológica, Tom ás de Aquino p ergu ntou “Se Deus é C om p letam en te Im utável” (la .1 3 .7 ) e ofereceu três argum entos básicos a favor da m utabilidade de Deus (ver mais adiante). A lém disso, ele tam bém argu m en tou que só Deus é im utável (ibid.); isto é necessário, visto que todas as criatu ras só existem p o r causa da vontade do C riador. Foi o seu poder que as tro u xe à existência, e é o seu p oder que as m an tém em existência. P ortan to, se Ele retirar o seu poder, elas deixarão de existir. Tudo que pode deixar de existir não é im utável, pois deixar de existir é u m a m u dança, e os seres im utáveis não p odem m udar. P ortan to, só Deus é im utável; tu d o o mais pode deixar de existir.
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Nas próprias palavras de Tomás de Aquino: Foi mostrado acima que há um ser primeiro, a quem chamamos Deus; e que este ser primeiro deve ser puro ato, sem qualquer mescla de qualquer potencialidade, pela razão de que, absolutamente, a potencialidade é antes do ato. Agora, tudo que de alguma form a é mudado, está de algum modo em potencialidade. Por conseguinte, é evidente que é impossível Deus ser de qualquer form a mutável, (ibid., la.9.1) Portanto, em toda criatura há a potencialidade para mudar ou com relação ao ser substancial, com o no caso das coisas corruptíveis; ou com relação somente à localidade, com o no caso dos corpos celestiais; ou com relação à ordem para o seu fim, e à aplicação dos seus poderes aos objetos diversos, com o é o caso com os anjos; e universalmente todas as criaturas geralm ente são mutáveis pelo poder do Criador, em cujo poder está a sua existência e não-existência. Por conseguinte, visto que Deus não é mutável em nenhum a destas formas, pertence só a Ele ser com pletam ente imutável, (ibid., la.9.2) A eternidade não é nada mais que o próprio Deus. Por conseguinte, Deus não é chamado eterno, com o se Ele fosse de alguma form a mensurado; mas a idéia da medida só é tomada de acordo com a apreensão de nossa mente, (ibid., la.10.2) A eternidade verdadeiramente e corretam ente assim chamada está somente em Deus, porque a eternidade se depreende da imutabilidade; com o aparece do primeiro artigo. Mas só Deus é imutável, com o foi mostrado acima [Q. 9, A. 1]. (ibid.)
Os Reform adores Falaram sobre a Im utabilidade de Deus Calvino e Lutero não divergiram sobre a imutabilidade de Deus. Pelo contrário, eles destacaram a imutabilidade essencial de Deus. Martinho Lutero (1483-1546) M artinho Lutero falou sobre “a verdade im utável de Deus de form a que a verdade da am eaça de Deus é a causa de contrição, e a verdade da sua prom essa a causa de consolação, se for crido” (1955-1986, WL, 3.178). Ele tam bém escreveu sobre “a verdade im utável da am eaça e prom essa de Deus para o despertam ento da fé -— , de form a que os hom ens aprendam a dar mais atenção à verdade de Deus” (ibid.). E acrescentou: Deus não é aumentado por nós tanto quanto no que diz respeito à sua natureza — Ele é inalterável — , mas Ele é aumentado em nosso conhecimento e experiência, quando nós o estimamos grandemente e o consideramos em elevada conta, sobretudo no que tange à sua graça e bondade, (ibid., p. 86, 3.117) João Calvino (1509-1564) João Calvino escreveu: Pois [o apóstolo] João [no seu evangelho] imediatamente atribui à Palavra uma essência sólida e permanente, e designa algo exclusivamente seu próprio e mostra claramente como Deus, falando, foi o Criador do universo. Inalterável, a Palavra permanece eternamente um e o mesmo com Deus, e é o próprio Deus. ( IC R , 1.13.7)
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E acrescentou: Aqui, [o salmista] afirma que, pouco importando quantos inimigos fortes maquinem destruir a igreja, eles não têm força suficiente para prevalecer o decreto imutável de Deus pelo qual Ele nomeou o seu Filho o Rei eterno. Por conseguinte, conclui-se que o Diabo, com todos os recursos do mundo, nunca pode acabar com a igreja, pois está fundada no trono eterno de Cristo, (ibid., 2.15) Calvino ensinou: “Orai de acordo co m a vontade dEle, não a vontade o cu lta e inalterável, m as a vontade que Ele inspira neles, para que Ele os ouça de ou tro m odo, com o sabiamente decidir” (ibid., 3.20).
Os Pós-Reformadores Falaram sobre a Imutabilidade de Deus A forte tradição teológica sobre a imutabilidade de Deus, desde os tem pos antigos até aos atuais, continua depois da Reform a. Isto é verdade para os calvinistas e arminianos. Jacó Armínio (1560-1609) A imutabilidade é um modo preeminente da Essência de Deus, pela qual ela está isenta de toda mudança; de ser transferido de lugar para lugar, porque é em si mesma o seu próprio fim e bem, e porque é imensa; de geração em corrupção; de alteração; de aumento e diminuição; pela mesma razão pela qual é incapaz de sofrer [SI 102.27; Ml 3.6; Tg 1.17]. (W JA , I, p. 440,441)
Francis Turretin (1623-1687) Sobre a epístola de Tiago, Turretin afirmou que “não só a m udança lhe é negada, mas até m esm o a sombra de variação [...]. A imutabilidade da vontade e conselho divino em particular é afirmada muitas vezes”, com o em Números 23.19 (1992 ET, 1.11.3.205). Além do mais, “a razão a confirma, porque Ele é Jeová, e assim u m ser necessário e independente que não pode ser mudado por ninguém ” (Dialogus Contra Manichaeos, 68 PG, 94.1568). Deus é imutável, porque “Ele não pode ser mudado para m elhor (porque Ele é o m elhor) nem para pior (porque Ele deixaria de ser o mais perfeito)” (op. cit., 1.11.4.205). Turretin com en tou : “A criação do m undo por Deus não lhe traz m udança, mas traz m udança às criaturas que passam da não-existência para a existência”. Quando Deus se tornou o Criador, Ele não mudou em si mesmo (pois nada de novo aconteceu com Ele, pois desde a eternidade Ele teve a vontade eficaz de criar o mundo no tempo), mas somente em ordem para a criatura (porque uma nova relação aconteceu com ela), (ibid., 1.11.5.205) Sem elhantem ente na Encarnação, Deus não m udou em si m esm o: “A Palavra (logos) se fez carne, não pela conversão da Palavra (tou logou) em carne, mas pela apropriação da carne para a hipóstase da Palavra [querendo dizer, Jesus não m udou de ser divino para ser h um ano, Ele, mais exatam ente, acrescentou a hum anidade à sua divindade]” (ibid., 1.11.6.205).
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D a m e s m a m a n e ir a :
Deus pode querer mudar várias coisas (com o fez com a instituição e ab-rogação da adoração levítica) sem causar dano à imutabilidade da sua vontade, porque m esmo da eternidade Ele tinha decretado tal mudança. [...] [Portanto], desde a eternidade Ele decretou criar o m undo e conservá-lo até certo tem po, mas depois destruí-lo com um dilúvio. Da m esm a maneira, temos de argum entar a respeito do seu conhecim ento. O conhecim ento de Deus não muda com a coisa conhecida, porque Deus que a conhece não só sabia que esta mudança aconteceria, mas até m esm o a decretou, (ibid., 1.11.7.205,206) F a la n d o s o b r e D e u s q u e n ã o m u d a d e o p in iã o , d isse T u r r e t in :
O arrependim ento é atribuído a Deus segundo a m aneira dos hom ens ( antropopatia), mas deve ser entendido segundo a m aneira de Deus ( teoprepos): não com respeito ao seu conselho, mas ao acontecim ento; não em referência à sua vontade, mas à coisa querida; não acerca do afeto e aflição interior, mas do efeito e trabalho exterior, (ibid., 1.12.11.206) S e m e l h a n t e m e n t e , o f a to d e D e u s n ã o t e r c u m p r id o a lg u m a s p r o m e s s a s e a m e a ç a s n ã o s ig n ific a q u e E le m u d o u , p o is “e m b o r a a c o n d iç ã o p o s s a n ã o s e r e x p r e s s a , d e v e se r e n te n d id a c o m o t á c i t a e im p l í c i t a ” (ib id ., 1 .1 2 .1 2 .2 0 6 ). P o r t a n t o , q u a n d o Isaías p re d isse a m o r t e d e E z e q u ia s e D e u s c o n c e d e u a o re i m a is q u in z e a n o s,
[...] não houve a declaração do que aconteceria de acordo com a vontade de Deus, mas do que (de acordo com a natureza das causas segundas) aconteceria a menos que Deus se interpusesse, (ibid., 1.12.12.206) Jon ath an Edwards (1 7 0 3 -1 7 5 8 ) J o n a t h a n E d w a rd s m o s t r o u a fu tilid a d e d a id é ia d e u m D e u s m u t á v e l:
Sobre esta noção [...] [de que] Deus é passível de sempre arrepender-se do que faz, de m odo que Ele deve estar constantem ente em perigo de mudar de m ente e intenções sobre a sua conduta futura; alterando as suas medidas, renunciando aos seus antigos desígnios e form ando novos planos e projeções. (FW , 2.11.4.111) S e n d o as c o n s e q ü ê n c ia s d e D e u s m u tá v e is , s ig n ific a r ia q u e
Ele tem de estar sempre corrigindo o seu sistema, com o que a pôr as coisas em ordem, pela contingência das ações de agentes morais: Ele tem de ser um Ser que, em vez de ser absolutam ente imutável, tem de ser necessariam ente o sujeito dos mais num erosos atos infinitos de arrependim ento e mudanças de intenção, seja de qualquer ser que seja; por esta razão clara: que a sua incum bência im ensam ente extensa abrange um núm ero infinitam ente m aior dessas coisas que são a Ele contingentes e incertas. Ele tem de ter pouco mais a fazer, exceto consertar títulos quebrados da m elhor form a que puder, e estar retificando a sua estrutura desconjuntada e m ovim entos desordenados, da m elhor m aneira que lhe perm ita o caso. (ibid., 2.11.4.111)
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John Wesley (1703-1791) John Wesley falou do “grande decreto, eterno e inalterável de Deus” (C W , p. 336). Stephen Chamock (1628-1680) C harnock escreveu: Portanto, visto que a mutabilidade é essencial a uma criatura como criatura, esta sujeição à mudança não pode ser corretamente reputada a Deus como o seu autor; pois não era o termo do ato criativo de Deus, mas necessariamente foi o resultado da natureza da criatura, como a imutabilidade é o resultado da essência de Deus. ( EAG , 2:141) Deus é inalterável na sua essência. Ele é inalteravelmente fixo no seu ser, de forma que nem uma partícula pode ser perdida disto, nem um pouquinho acrescentado a isto. [...] Ele que não tem o ser do outro, não pode jamais deixar de ser o que é: Deus é o Ser primeiro, um Ser independente; Ele não foi produzido de si mesmo, ou de qualquer outro, mas por natureza sempre é, e, portanto, não pode por si mesmo, ou por qualquer outro, ser mudado do que Ele é na sua própria natureza, (ibid., 1:319) Tudo aquilo que nós consideramos em Deus é inalterável, pois a sua essência e propriedades são as mesmas, e, portanto, o que é necessariamente pertencente à essência de Deus, também pertence a toda perfeição da natureza de Deus; nenhuma delas pode receber qualquer adição ou diminuição, (ibid., 1:318) Mais adiante: Deus é imutável com respeito ao conhecimento. Deus conhece desde toda a eternidade tudo o que Ele pode saber, de forma que nada está oculto dEle. Ele não sabe mais no presente do que sabia na eternidade: e que aquilo que Ele sabe agora Ele sempre sabe: “Nada, em toda a criação, está oculto aos olhos de Deus” [Hb 4.13, NVI], (ibid., 1:321-322) J . I. Packer [Deus] existe para sempre e é sempre o mesmo. Deus não envelhece, sua vida não aumenta nem diminui. Ele não ganha novas forças nem perde as que possui. Não amadurece ou se desenvolve. Ele não se torna mais forte nem mais fraco, nem mais sábio à medida que o tempo passa. “Ele não pode mudar para melhor”, escreveu Arthur W. Pink, “pois já é perfeito; e sendo perfeito não pode mudar para pior”. (KG, p. 77)
OBJEÇÕES À IMUTABILIDADE DE DEUS Muitos argum entos foram oferecidos co n tra a imutabilidade de Deus, alguns bíblicos e outros teológicos.
Objeção Um: Baseada no Suposto Arrependimento de Deus A Bíblia diz em m uitos lugares que Deus “arrependeu-se”. Ele arrependeu-se de ter criado os seres hum anos (Gn 6.6); Ele arrependeu-se de ter feito Saul rei (1 Sm 15.11); Ele arrependeu-se da prom essa que fez de destruir Nínive (Jn 3.10). O arrependim ento envolve u m a m udança de m ente; p o r conseguinte, a Bíblia dá a entender que Deus muda.
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Resposta à O bjeção Um Q u a n d o a B íb lia d iz q u e D e u s “se a r r e p e n d e ” , e s tá ta la n d o a n t r o p o p a t ic a m e n t e , q u e r d iz e r, e m t e r m o s h u m a n o s . D e u s p arece m u d a r , q u a n d o a v e rd a d e é q u e o s seres h u m a n o s m u d a m , d a m e s m a m a n e i r a q u e o v e n to p a r e c e m u d a r q u a n d o n o s v o lt a m o s e m d ir e ç ã o o p o s ta . D e u s t e m ir a im u t á v e l d o n o s s o p e c a d o e p r a z e r im u t á v e l e m n o s s o a r r e p e n d im e n to . Q u a n d o
n o s a r r e p e n d e m o s , n ó s s im p le s m e n t e p a s s a m o s d e u m
a t r ib u to i m u tá v e l d e D e u s p a r a o u t r o . Q u a n d o a p e s s o a se m o v e e m r e la ç ã o a u m p o s te , o p o s t e n ã o se m o v e .
O bjeção Dois: Baseada na Oração S e D e u s n ã o p o d e m u d a r , e n t ã o p o r q u e o ra r? A fin a l d e c o n t a s , a B íb lia a fir m a : “A o r a ç ã o f e it a p o r u m ju s t o p o d e m u i t o e m s e u s e f e it o s ” ( T g 5 .1 6 ). N a v e rd a d e , Je su s d isse: “[...] a fim d e q u e t u d o q u a n t o e m m e u n o m e p e d ir d e s a o Pai e le v o s c o n c e d a ” (Jo 15 .1 6 ). Q u a n d o M o is é s o r o u , D e u s m u d o u d e o p in iã o a c e r c a d e d e s t r u ir Is r a e l ( E x 3 2 .3 2 ,3 3 ).
Resposta à O bjeção Dois D e u s é o n is c ie n t e ( v e r c a p ít u lo 8 ), e u m S e r o n is c ie n t e n ã o p o d e m u d a r d e o p in iã o . S e m u d a s s e , e le n ã o se r ia r e a l m e n t e o n is c ie n t e . P o r t a n t o , D e u s n ã o p o d e m u d a r d e o p in iã o e m r e s p o s ta à o r a ç ã o . Q u a n d o o r a m o s ( o u e s t a m o s o r a n d o ) , D e u s n ã o a p e n a s sa b e o q u e ía m o s o r a r , m a s E le ordenou q u e a n o s s a o r a ç ã o fo ss e u m m e io d e r e a liz a r o seu p r o p ó s ito . A o r a ç ã o n ã o é u m m e io p e lo q u a l m u d a m o s D e u s ; é u m m e io p e lo q u a l D e u s n o s m u d a . A o r a ç ã o n ã o é u m m e io d e v e n c e r m o s a r e lu t â n c i a d e D e u s ; é u m m e io d e D e u s a p o d e r a r -s e d e n o s s a v o n ta d e . A o r a ç ã o n ã o é u m m e io d e f a z e r q u e a n o s s a v o n ta d e s e ja fe it a n o c é u , m a s u m m e io d e D e u s f a z e r a s u a v o n ta d e n a te r r a .
O bjeção Três: Baseada na Noção de que um Deus Imutável não E Pessoal T a m b é m se c o n t e s t a q u e u m D e u s im u tá v e l é im p e s s o a l e in a b o r d á v e l. P o r q u e c h e g a r a a lg u é m q u e v o c ê sa b e c o m a n t e c e d ê n c ia q u e n ã o m u d a r á d e o p in iã o ? T a l D e u s é im p e s s o a l, v is to q u e E le n ã o p o d e r e s p o n d e r às n o ss a s n e c e s s id a d e s p e s so a is.
Resposta à O bjeção Três E s ta o b je ç ã o p r e s u m e e r r o n e a m e n t e q u e D e u s n ã o c o n h e c e as n o ss a s n e c e s s id a d e s e q u e E le , m e s m o d e p o is d e as a p r e s e n t a r m o s , n ã o se i m p o r t a c o m ela s. P e lo c o n t r á r io , a B íb lia d e c la r a q u e D e u s é o n is c ie n t e (S I 1 4 7 .5 ), a t e n c io s o e c a r id o s o (1 J o 4 .1 6 ; 1 P e 5 .7 ); E le a té r e s p o n d e a n te s m e s m o d e c la m a r m o s a E le (Is 6 5 .2 4 ). D e u s n ã o é r e l u t a n t e e m r e s p o n d e r ; m a is e x a t a m e n t e , n ó s é q u e s o m o s r e lu t a n t e s e m p e d ir. A B íb lia d iz: “N a d a te n d e s , p o r q u e n ã o p e d is ” ( T g 4 .2 ). A lé m d isso, D e u s é a m o r im u tá v e l (1 Jo 4 .1 6 ), e, c o m o ta l, E le é e m in e n t e m e n t e acessív el. P o d e m o s te r m a is c o n f ia n ç a e m u m D e u s q u e n ã o m u d a d o q u e e m u m q u e m u d a . M a la q u ia s p r o c la m o u , n o n o m e d e D e u s : “[...] e u , o S e n h o r , n ã o m u d o ; p o r isso, v ó s, ó filh o s d e Ja c ó , n ã o so is c o n s u m id o s ” ( M l 3 .6 ). O e s c r ito r ao s E le b re u s d e c la r o u : “P ara q u e p o r d u as co isa s im u tá v e is , n a s qu ais é im p o s s ív e l q u e D e u s m in ta , t e n h a m o s a fir m e c o n s o la ç ã o , n ó s , os q u e p o m o s o n o s s o r e fú g io e m r e t e r a e s p e r a n ç a p r o p o s ta ; a q u a l t e m o s c o m o â n c o r a d a a lm a se g u ra e fir m e e q u e p e n e tr a a té ao in t e r io r d o v é u ” (H b 6 .1 8 ,1 9 ). E ló g ic o q u e a m a p e s so a in f in ita m e n te a m o r o s a e im u tá v e l é a m a is p e s so a l d e to d a s.
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Objeção Quatro: Baseada em a Imutabilidade Estar Fundamentada na Filosofia Grega De acordo co m certos teólogos, a crença de que Deus é im utável se baseia na filosofia grega e não na teologia bíblica. Afirma-se que Fílon, filósofo judeu platônico, entendeu erroneam ente Êxodo 3.14 co m o referência ao Ser im utável de Deus (ver Pinnock, OG, p. 69). C om o já vimos, afirm am que Orígenes foi o responsável p o r passar esta visão ao teísm o cristão, e supostam ente os outros primeiros Pais se uniram a ele (ibid., p. 106). Os neoteístas afirm am que “os filósofos gregos estavam procu ran do algo que fosse estável e seguro em contraste co m o m undo terren o da causalidade. [...] Isto conduz à distinção entre ser e tornar-se ou realidade e aparência” (ibid., p. 6, 66, 106). Portanto, presum e-se que na tradução grega do Antigo Testam ento (L X X ), o dinâm ico “EU SOU” do texto hebraico se torn o u o impessoal “Ser que ali está” (ibid., p. 108). Isto preparou o cam inho para u m a visão estática (im utável) de Deus em term os de u m Ser imutável.
Resposta à Objeção Quatro A análise cuidadosa deste argum ento da filosofia grega expõe erros crassos. Primeiro, com o já dem onstrado acim a, há sólida base na Bíblia para atribuir a imutabilidade a Deus. Portanto, não precisam os p rocu rar o u tra fonte. De fato, os prim eiros Pais da Igreja ofereceram apoio bíblico, e não apenas argum entos filosóficos para as suas opiniões. Só o Novo T estam ento foi citado pelos Pais dos primeiros séculos mais de trinta e seis m il vezes, inclusive todos os versículos exceto onze! (veja Geisler and Nix, GIB, p. 431). Segundo, os teólogos cristãos de todas as épocas foram influenciados em certo grau pela filosofia prevalecente dos seus dias. Mas os neoteístas não estão im unes a isto: Eles revelam a influência da Teologia do Processo prevalecente em nossos tem pos. Este fato p or si não to rn a errôneo a visão que eles ten h am de Deus; n em qualquer influência da filosofia grega to m a errônea a visão clássica de Deus. Seja co m o for, a questão é se foi u m a influência boa ou ruim — há bases bíblicas e racionais para isto ou não. Rejeitar u m a visão por causa da sua fonte é falácia genética. Não é questão de se a razão é grega, m as se é boa. Terceiro, até os que contestam a imutabilidade aceitam visões defendidas pela filosofia grega. Isto inclui as suas idéias do processo que estão fundam entadas em Heráclito, que disse: “N enhum h o m em en tra duas vezes no m esm o rio”. Sem elhantem ente, eles usam a lógica cu ja fonte é o filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C .). Eles tam bém levaram adiante a tradição de Platão (c. 427-347 a.C .) ao crerem em u m m undo eterno de propriedades (form as). De fato, o pai da Teologia do Processo, Alfred N orth W hitehead, com en tou que o pensam ento ocidental é, em grande parte, “u m a série de notas de rodapé a Platão” (PR, p. 63). Quarto, há muitas coisas sobre a visão cristã tradicional de Deus que é contrária ao pensam ento grego, inclusive o conceito de u m a trindade de u m a essência e três pessoas. Além disso, os gregos nunca identificaram o seu deus ou deuses com o seu princípio metafísico último. O últim o, no sistema de Platão, não era Deus (o Demiurgo), mas o Bem (o Agato). Sem elhantemente, Aristóteles nunca considerou que os muitos movedores nãomóveis tinham de ser objetos de adoração, mas ser apenas a explicação para o m ovim ento no universo. A única (mas não grega) contribuição dos pensadores cristãos foi identificar o princípio metafísico últim o co m o Deus que eles cultuavam (ver Gilson, GP, capítulo 1).
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Em sum a, o argu m en to da filosofia grega é falho. Formalmente, é u m a falácia genética. Realmente, é infundada. E substancialmente, reduz-se não a se o raciocínio p o r trás da visão clássica de Deus é helenista, m as se é au tên tico. Este p onto deve ser determ inado pela Bíblia e pelo bom senso.
O bjeção C inco: Baseada no Desafio ao A rgum ento de Ser Perfeito U m argu m en to usado pelos teístas clássicos para estabelecer a imutabilidade de Deus (ainda que de fo rm a algu m a seja a ú nica) é o argu m en to dos graus de perfeição no m u n do. A nselm o e Tom ás de Aquino usaram form as disso (veja Tom ás de Aquino, ST, 1.2.3). Todavia, certos teólogos rejeitam a visão clássica da im utabilidade de Deus, por causa do que eles in titu lam de “as dificuldades de u m a teologia ser perfeita” (Pinnock, OG, p. 132). Eles arg u m en tam : “Baseia-se na suposição de que toda m u d ança é para m elh o r ou para pior, u m a suposição que é sim plesm ente falsa” (ibid., p. 132). Eles oferecem a ilustração do “relógio im u tável” co m o co n tra-exem p lo : Ele registra a m esm a hora, diariam ente, porque está parado. Em con trap artid a, o “relógio extrem am en te preciso” registra sem pre a h o ra certa, em b ora esteja con stan tem en te m udando. Quando m uda, a m u d ança não é p ara m elh o r ou p ara pior: P erm an ece o m esm o em suas m udanças, ou seja, é u m relógio extrem am en te preciso.
Resposta à O bjeção C inco Esta objeção está baseada em u m a confusão de categorias com p aran d o u m ser m utável co m u m Ser im utável: Só m o stra co m o u m a coisa m utável (o relógio) não é m elh o r que o u tra coisa m u tável (o tem p o ). Isto levanta a questão a favor de u m a visão n ão-im utável de Deus. A ilustração do relógio não funciona se presu m irm os que Deus não m uda, pois nesse caso qualquer coisa que o representasse co m o m utável seria in exato porque m uda. A lém disso, até o opositor dá a entender que Deus realm en te não m uda, afirm ando que qualquer m u d an ça em Deus é “consistente e/ou requerida p o r u m estado constante de excelência” (Pinnock, OG, p. 133, grifos m eu s). O que é este “estado con stan te de excelên cia”, senão o equivalente de u m a n atu reza imutável? Além disso, os neoteístas falam da possibilidade de u m Deus im utável sofrer de “im perfeição” (ibid., p. 132), porque u m adorador pode ficar desapontado em adorar u m Deus que não m uda. Mas com o saber que Deus era imperfeito a m enos que Ele pressupusesse u m padrão absoluto e im utável de perfeição (que os teístas afirm am que Deus é)? Por fim, m esm o que concordássem os que o argu m en to da perfeição tem dificuldades, não é o único argu m en to a favor da imutabilidade no arsenal do teísta. Há os ou tros argum entos declarados acim a sobre a simplicidade, a infinidade, a necessidade e a p u ra realidade. Considerados con ju n tam en te, os argum entos bíblicos, teológicos e históricos rep resen tam u m a defesa form idável a favor da imutabilidade de Deus.
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Objeção Seis: Baseada na Suposta Não-Relacionalidade de Deus com um Mundo Mutável O utro argum ento usado pelos pensadores do processo é que u m Deus eterno e im utável não pode ter u m relacionam ento verdadeiro co m u m m undo m utável, com o o Deus da Bíblia tem . A essência do argum ento é esta: (1) Todas as relações reais envolvem m udança. (2) U m Deus im utável não pode m udar. (3) Portanto, u m Deus im utável não pode ter u m a relação real co m u m m undo m utável. Eles até citam Tomás de Aquino que disse que a relação de Deus co m o m undo não é real, mas só ideal.
Resposta à Objeção Seis Tom ás de Aquino se antecipou a esta objeção e a trato u extensivam ente. Prim eiro, ele argu m en tou que há u m a relação real en tre o m u n d o m u tável e o m u n d o im utável (ST, la.13.7). Ele observou que há três tipos de relações: u m a em que ambas as condições são idéias (p o r exem p lo, o m esm o é o m esm o co m o a si m esm o ); o u tra em que ambas as condições são reais (p o r exem p lo, u m a coisa pequena com p arad a a u m a coisa grande); e u m a em que u m a condição é real e a o u tra é u m a idéia (p o r exem plo, ao lado direito). Agora, visto que as criaturas são realm ente dependentes de Deus, mas Deus não é realm ente dependente delas, elas têm u m a relação real co m u m a idéia. Q uer dizer, Deus sabe sobre a relação de dependência, mas Ele não a tem. Só a criatura tem dependência ontológica; p o rtan to, quando houver u m a m udança na dependência da criatura em Deus, não há m udança em Deus. Da m esm a m aneira que u m a pessoa m uda de posição de u m lado do poste para o outro, o poste não m uda; só a pessoa m uda em relação ao poste. Portanto, ainda que a relação entre Deus e as criaturas seja real, de form a n en h u m a Deus é dependente dessa relação. E im portante observar que Tomás de Aquino só está negando u m a relação dependente e não todas as relações reais. Ele está negando que Deus m u d a n a sua relação co m o m undo, mas não que não haja real m udança na relação do m undo co m Deus. A relação da pessoa co m o poste m uda quando ela se m ove, mas o poste não m uda. Mas quando a pessoa se m ove, não há mais a m esm a relação co m o poste. Os neoteístas não deveriam ter qualquer dificuldade em entender este ponto, visto que eles acreditam em criação ex nihilo ( “do nada”), n a qual Deus não se relacionava com o m undo antes que este fosse criado, mas que se relacionava depois. C ontudo, eles acreditam que tan to antes quanto depois da criação, Deus é independente do m undo. Q uer dizer, co m o o chão de con creto do qual a cadeira depende não m uda quando a cadeira é deslocada de u m lugar para o ou tro, assim Deus p erm anece independente da criação tanto antes quanto depois da criação. O fato de haver m udança de não havendo criação para havendo criação não m u d a o Criador. Assim que as criaturas são criadas (m as não antes), Deus realm ente se relaciona co m as suas criaturas co m o Criador. E as criaturas realm ente se relacionam co m Deus, porque Ele é o Criador delas. Todavia a relação real de dependência está na criatu ra e não no
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Criador. Portanto, a relação das criaturas co m Deus é real e não m eram ente ideal. No entanto, é u m a relação real de dependência por parte das criaturas, mas de n enh u m a dependência por parte de Deus (ibid., Ia. 13.7 ad 5).
O bjeção Sete: Baseada na Suposta Incapacidade de Deus C onhecer um Mundo Mutável Se Deus é absolutam ente im utável, co m o Ele pode con h ecer u m m undo mutável? De acordo co m o teísmo clássico, o conhecim ento de Deus é idêntico a si m esm o. C ontudo, dizem que Ele é im utável. Por conseguinte, o seu conhecim ento tam bém teria de ser im utável. Mas com o Ele pode ter conhecim ento im utável do que está mudando? Por exem plo, quando o tem po m uda, o conhecim ento de Deus tam bém teria de m udar, caso contrário, Ele não saberia que tem po é. E se Ele não sabe que tem po é, então Ele não seria onisciente. Por conseguinte, Deus não pode ser onisciente e im utável e, m esm o assim, con hecer u m m undo m utável.
Resposta à O bjeção Sete Deus é im utável e o seu conhecim ento é idêntico à sua essência, mas será que isto significa que Deus não pode saber de coisas mutáveis? Deus sabe tudo em u m eterno Agora, inclusive o passado, o presente e o futuro. Deus conhece o futuro antes de acontecer no tem po. Portanto, quando o tem po muda, o conhecim ento de Deus não m uda, visto que antecipadam ente Ele tinha conhecim ento im utável de que o tem po m udaria. Em outras palavras, Deus sabe o que fazemos, mas não da m esm a maneira que sabemos, ou seja, em sucessivos quadros de tem po. Desde a eternidade (ou na eternidade), Deus conhece o todo do tem po, mas Ele sabe o que está antes e o que está depois do tem poral agora da história hum ana (Tom ás de Aquino, ST, la. 14,15). Deus está, por assim dizer, olhando “para baixo” n a totalidade do calendário do tem po, no qual Ele vê que dias estão antes e depois dos outros. Mas Deus não está parado no dia de hoje do calendário olhando para trás, aos dias que passaram, e para frente, aos dias que ainda virão.1 Portanto, Deus con hece os tem pos mutáveis, mas Ele não os conhece de m odo m utável. Ele tem con hecim en to im utável do m utável e con hecim en to eterno do tem poral. Cada ser tem de con hecer conform e o seu próprio ser: Os seres tem porais con hecem de m odo tem poral, e u m Ser im utável conhece de m od o im utável. Além do mais, com o a causa de todas as coisas, Deus conhece todas as coisas conform e elas preexistem nEle. Portanto, o seu conhecim ento do tem po não é afetado pelo tem po. Ele conhece o tem po de fora do tem po e não de dentro do tem po. Ele conhece o tem poral no seu Eu eterno co m o a causa disso. Portanto, Ele conhece o m undo m utável de m odo im utável, visto que é conhecido na sua n atureza im utável co m o o efeito que pode e fluirá da sua causa. C onhecendo-se perfeitam ente, Deus sabe tudo que Ele criará que por m eio disso participará da sua sem elhança de algum m odo. Por conseguinte, Deus não tem de “esperar” o tem po para m u d ar antes de Ele saber o que é que tem ; mais exatam ente, Ele conhece a totalidade do tem po, co m todas as suas seqüências mutáveis, no seu Eu im utável desde toda a eternidade. 1 A verdade é que Deus não está olhando “para baixo”, mas “para dentro”, visto que Ele sabe todas as coisas conform e elas preexistem nEle, a Causa últim a delas. Todos os efeitos preexistem na sua causa; por conseguinte, Deus sabe o futuro conform e preexiste nEle. Ele não tem de “esperar” que aconteça para saber.
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Objeção Oito: Baseada no Livre-Arbítrio de Deus O utra objeção à natureza im utável de Deus baseia-se na cren ça do teísta clássico de que, visto que Deus é simples (ver capítulo 2), a vontade de Deus é idêntica à sua natureza. Mas se a sua n atureza é necessária, então a sua vontade tem de ser necessária. E se é necessária, então a sua vontade, que é idêntica a isto, não pode ser livre. Por conseguinte, se Deus é livre, então Ele não pode ser u m Ser imutável.
Resposta à Objeção Oito Em resposta, o teísta clássico destaca que aquilo que é livrem ente querido tam bém pode ser necessário. Há u m a diferença entre a necessidade antecedente, que elimina o livre-arbítrio, e a necessidade conseqüente, que não a elimina. A vontade de Deus tem liberdade antecedente, isto é, Ele poderia ter feito de ou tro jeito. C ontudo, assim que Ele deseja algo, então é, por conseguinte, necessário que aconteça. Não havia necessidade antecedente para Deus querer as coisas do m od o que Ele quis. Entretanto, assim que Ele livrem ente as desejou, então é necessário que aconteçam . Da m esm a maneira, a vontade de Deus é im utável, assim que Ele a queira, mas não era necessário que Ele a quisesse desse m od o em que com eçou. Quanto ao m odo em que o livre-arbítrio pode ser idêntico à natureza imutável de Deus, pode ser um a parte necessária da natureza de Deus que Ele pode fazer certas coisas livremente, com o criar. Semelhantemente, a sua vontade pode ser livre, mas ainda imutável. O que Ele livremente deseja é desejado imutavelmente. Deus tom ou decisões livres, mas inalteráveis desde toda a eternidade que as coisas mudariam da maneira e na ordem em que mudam. Portanto, a mudança pode ser desejada por Deus sem que Ele mude. Claro que Deus deseja outras coisas por causa da sua bondade, mas não co m o se necessitasse delas. Deus pode existir sem desejar outras coisas; Deus só precisa desejar a sua própria bondade necessariam ente e as outras coisas contingentem ente. Portanto, estas outras coisas não precisam ser desejadas co m necessidade absoluta. Temos de adm itir que é necessário para a vontade de Deus que Ele deseje a sua própria natureza necessariam ente, mas não é necessário para a vontade de Deus que Ele deseje bens criados necessariam ente. Por conseguinte, não era necessário que Deus desejasse o u tra coisa que não a sua vontade. Entretanto, Deus desejou coisas diferentes de si m esm o. Deus desejou estas outras coisas voluntariam ente (ver Tomás de Aquino, ST, la.19.3, ad 3). Além disso, a vontade de Deus é im utável, porque Ele é onisciente, e assim o que Ele sabe que será, será. A vontade de Deus está em perfeito acordo co m o seu conhecim ento; p ortan to, a vontade de Deus é im utável. Isto não significa que Deus não deseje que algumas coisas m udem — significa que a vontade de Deus não muda, m esm o que Ele deseje que outras coisas m udem (ibid., la.19.7). Claro que a Bíblia fala que Deus se arrepende, mas Deus só se arrepende em sentido m etafórico, co m o os hum anos o vêem . De fato, Deus sabe desde a eternidade se as pessoas se arrependeriam , e a vontade de Deus inclui causas intermediárias, co m o a livre escolha (ou livre-arbítrio) hum ana. Deus sabe o que as causas intermediárias escolherão fazer, e a vontade de Deus está de acordo co m o seu con hecim en to im utável. Portanto, a vontade de Deus n unca m uda, visto que Ele deseja o que Ele sabe que acontecerá. Quer dizer, o que é desejado por necessidade condicional não viola a liberdade hum ana, visto que o que é desejado está condicionado aos seres hum anos livrem ente escolhendo-o. Portanto, Deus pode desejar im utavelm ente coisas que podem m udar.
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O bjeção Nove: Baseada na Natureza do Amor de Deus Certos neoteístas afirm am que “a declaração Deus é amor é tão próxim a quanto a Bíblia chega a nos dar u m a definição da realidade divina” (Pinnock, OG, p. 18). Repetindo, “o am or é a essência da realidade divina, a fonte básica da qual todos os atributos de Deus surgem ” (ibid., p. 21). O argum ento a favor da possibilidade de m udança em u m Deus de am or é mais ou m enos este: (1) Essencialmente, Deus é am or. (2) O am or, necessariam ente, envolve a possibilidade de mudança. (3) Portanto, o am or de Deus necessita a possibilidade de mudança. A segunda premissa crucial é apoiada por muitos esforços em m ostrar que o am or de Deus é um a atividade dinâmica e interativa, por meio do qual Deus se engaja em um a interação de “tom a lá dá cá” co m as suas criaturas. O am or sofre com o ser amado (ibid., p. 46), e, por conseguinte, Deus não pode ser impassível, com o afirma o teísmo tradicional.
Resposta à O bjeção Nove Para com eçar, há algo esquisitamente autodestrutivo neste argum ento co n tra a imutabilidade de Deus — a prim eira premissa co m eça co m u m Deus que não pode m udar: Deus é “essencialm ente” am or. Se Deus por sua n atu reza é a m o r e não pode ser de ou tra form a, então Deus não pode m udar na sua natureza. De fato, os neoteístas adm item o m esm o quando eles afirm am que “a natureza essencial de Deus e o seu propósito últim o não m u d aram ” (ibid., p. 28). Mas a premissa: “Deus não pode m udar n a sua natureza essencial co m o o a m o r”, é consistente co m a conclusão que tiram desta premissa: Deus tem de poder m u d ar porque Ele é amor? Além disso, a segunda premissa m ostra-se u m exem plo clássico da sátira que Deus fez o h om em segundo a sua im agem e o h o m em lhe devolveu o elogio! Q uem disse que Deus tem de am ar do m od o que amamos? Temos de adm itir que o am or hum ano m uda, porque os seres hum anos são seres mutáveis. Porém o teísmo afirma que Deus é u m Ser im utável e, p ortan to, Ele tem de am ar de m odo im utável. Deus pode fazer qualquer bem que podem os fazer, mas Ele não o faz do modo que o fazemos. Ele o faz de m odo infinitam ente m elh or que nós; u m m odo im utável. Até os neoteístas recon h ecem que Deus é infinito, ontologicam ente independente, incriado e transcendente. Mas m esm o que concordem os que Deus é infinito, som os forçados a considerar que Ele é e faz coisas diferentem ente do que os seres finitos fazem. Por conseguinte, o argum ento co n tra a imutabilidade da n atureza do am or de Deus não prova o seu ponto de vista.
A ETERNIDADE DE DEUS O utra frente de com bate na discussão hodierna sobre a natureza de Deus é o atributo tradicional da eternidade (ou não-tem poralidade). O teísmo clássico afirma que Deus está acim a e fora do tem po. Repetindo, Deus não tem passado, presente ou futuro; Ele tem u m presente eterno e duradouro. Este atributo da não-tem poralidade é unanim em ente rejeitado pelo pensam ento de processo contem porâneo, tanto fora quanto dentro do evangelicalismo.
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DEFINIÇÃO D E ETERNIDADE Para o teísm o tradicional, a eternidade não significa tem po sem com eço e sem fim. U m n úm ero infinito de m om entos é impossível: Se u m n úm ero infinito de m om entos acontecesse antes de hoje, então o hoje n un ca teria chegado, visto que é impossível atravessar u m n úm ero infinito de m om entos (con tu d o, o tem po até hoje tem sido atravessado). Não há fim de u m infinito, mas hoje é o fim de todos os m om entos anteriores. O hoje chegou; por conseguinte, u m n úm ero infinito de m om entos não poderia ter acontecido antes de hoje. A eternidade quer dizer não-tem poralidade ou atem poralidade ou eterno.
A BASE BÍBLICA PARA A ETERNIDADE DE DEUS Do princípio ao fim, a Bíblia declara que Deus está fora do tem po. Desde o prim eiro versículo bíblico está claro que Deus existe fora do tem po: “No princípio, criou Deus os céus e a te rra ” (G n 1.1). Visto que o tem po com eça co m o com eço do universo, isto coloca Deus fora do tem po. De fato, de acordo co m Hebreus, Deus criou o tem po: “A nós falou-nos, nestes últim os dias, pelo Filho, [...] por quem ele m oldou as eras” (Hb 1.2, versão de R oterdã). A palavra eras (em grego, aionos) não é referência à natu reza m aterial do universo (em grego, hosmos), m as aos seus períodos tem porais de desdobram ento. Em Êxodo 3.14, Deus disse a Moisés: “EU SOU O QUE SOU”. E m contraste co m m uitos lingüistas contem porâneos (que são expressivamente influenciados pelo pensam ento da Teologia do Processo), isto é mais bem considerado co m o referência à auto-existência de Deus. Jesus sancionou este significado quando disse: “Antes que Abraão existisse, eu sou” (Jo 8.58). Não teria feito sentido dizer: “Antes que Abraão existisse, eu m e tornarei o que eu m e tornarei”, co m o m uitos estudiosos atuais gostariam de traduzir Exodo 3.14. C om o o A uto-Existente antes de tudo o mais que existiu, Deus é antes do tem po (atem p oral). O Salmo 90.2 diz: “Antes que os m ontes nascessem, ou que tu formasses a terra e o m u ndo, sim, de eternidade a eternidade, tu és D eus”. Isaías 57.15 declara: “Porque assim diz o Alto e o Sublime, que habita na eternidade”. Em 1 Coríntios 2.7 diz: “Mas falamos a sabedoria de Deus, oculta em mistério, a qual Deus ordenou antes dos séculos para nossa glória”. Em João 17.5, na oração sacerdotal de Jesus, ele declarou: “E, agora, glorifica-me tu, ó Pai, junto de ti m esm o, com aquela glória que tinha contigo antes que o m undo existisse”. Antes da existência do m undo é antes do com eço do tem po; portanto, Jesus está proclam ando a atemporalidade de Deus. Paulo falou desta “graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tem pos dos séculos” (2 T m 1.9). Ele tam bém falou da “esperança da vida eterna, a qual Deus, que não pode m entir, p rom eteu antes dos tem pos dos séculos” (T t 1.2). A palavra séculos (em grego, chronos) é o tem po co m o o experim entam os, quer dizer, u m a seqüência de m om entos mutáveis que form a u m passado, u m presente e u m futuro. Cristo é antes de tudo isso; Ele é literalm ente eterno (n ão-tem p oral); Ele trouxe o m undo tem poral à existência (Jo 1.3; Cl 1.16). Hebreus 1.1,2 (A RA ), inform a que “nestes últim os dias, nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual tam bém fez o universo” (literalm ente, “m oldou as eras”). Judas v. 25 proclam a a eternidade de Deus nestas palavras: “Ao único Deus, Salvador nosso, por Jesus Cristo, nosso Senhor, seja glória e majestade, dom ínio e poder, antes de todos os séculos, agora e para todo o sem pre” (grifos m eus).
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D e u s n ã o só c r io u o s s é c u lo s , m a s E le t a m b é m e r a a n te s d o s s é c u lo s . E s ta r a n te s d o t e m p o e t e r f e it o o t e m p o n ã o é e s ta r n o t e m p o . P o r t a n t o , a B íb lia e n s in a q u e n ã o fo i u m a c r ia ç ã o no t e m p o , m a s u m a c r ia ç ã o do t e m p o q u e D e u s r e a liz o u n o p r in c íp io . O C r ia d o r d o t e m p o n ã o p o d e s e r m a is t e m p o r a l d o q u e o C r ia d o r d o c o n t in g e n t e p o d e s e r c o n t in g e n t e o u o C r ia d o r d e u m e f e it o p o d e s e r o p r ó p r io e fe ito .
A BASE TEOLÓGICA PARA A ETERNIDADE DE DEUS A e t e r n id a d e d e D e u s p o d e s e r p r e s s u p o s ta d e v á r io s o u t r o s d o s se u s a t r ib u to s . E n t r e e le s se i n c l u e m a im u ta b ilid a d e , a in f in id a d e , a p u r a r e a lid a d e e a n e c e s s id a d e . O t e m p o a c a r r e t a c a r a c te r ís tic a s q u e sã o in c o m p a tív e is c o m e s te s a tr ib u to s .
A Eternidade se Segue da Im utabilidade D e u s é u m S e r i m u tá v e l ( v e r as s e ç õ e s p r in c ip a is a c im a ) , e u m S e r im u t á v e l n ã o p o d e m u d a r . T u d o q u e e s tá n o t e m p o m u d a , p o is o t e m p o é u m a m e d id a b a s e a d a n a m u d a n ç a . P o r t a n t o , D e u s n ã o p o d e e s t a r n o t e m p o ; se E le e s tiv e ss e , e n t ã o E le e s ta r ia m udando.
A Eternidade se Segue da Infinidade A lé m d isso , D e u s é u m S e r in f i n i t o , e u m S e r in f i n i t o n ã o t e m lim ite s . U m se r t e m p o r a l t e m lim ite s ; e s tá lim ita d o p e lo t e m p o . P o r c o n s e g u in t e , D e u s n ã o p o d e se r t e m p o r a l — E le t e m d e se r n ã o - t e m p o r a l.
A Eternidade se Segue da Pura Realidade D e u s é P u r a R e a lid a d e ; c o m o ta l, E le n ã o t e m p o te n c ia lid a d e . T u d o q u e é t e m p o r a l t e m p o te n c ia lid a d e ; p o r t a n t o , D e u s n ã o é t e m p o r a l — se E le o fo ss e , e n t ã o E le t a m b é m te r ia p o te n c ia lid a d e q u e u m S e r d e p u r a re a lid a d e n ã o t e m . P o r t a n t o , d if e r e n te d o t e m p o , D e u s n ã o t e m p a ss a d o o u f u t u r o , só o p r e s e n t e : E le é o e t e r n o A g o r a . P o r c o n s e g u in t e , D e u s n ã o p r e v ê o f u t u r o ; E le v ê o f u t u r o n o s e u e t e r n o p r e s e n t e ( o u e t e r n o A g o r a ).
A Eternidade se Segue da Necessidade U m S e r n e c e s s á r io n ã o t e m p o ssib ilid a d e ( p o t e n c ia lid a d e ) e m s e u s e r d e n ã o e x istir. O q u e n ã o t e m p o te n c ia lid a d e e m s e u s e r n ã o p o d e m u d a r . T e m p o e n v o lv e m u d a n ç a ; p o r t a n t o , c o n c lu i- s e q u e u m S e r n e c e s s á r io n ã o p o d e s e r t e m p o r a l . T e m d e s e r e t e r n o .
A BASE HISTÓRICA PARA A ETERNIDADE DE DEUS D e s d e o s p r im e ir o s t e m p o s , o s Pais d a I g r e ja t ê m sid o p r a t i c a m e n t e u n â n im e s n a d e c la r a ç ã o d e q u e D e u s é u m S e r a t e m p o r a l. Is to se m o s t r a c l a r a m e n t e n o s s e u s e s c r ito s c o m o t a m b é m n o s s e u s c re d o s .
A Visão Patrística da Eternidade de Deus Irineu (c. 125-c. 2 0 2 ) I r in e u d isse: “O l h a p a r a a q u e le q u e e s tá a c im a d o s t e m p o s , p a r a a q u e le q u e n ã o t e m t e m p o s ” ( S V I E , 3, e m R o b e r t s a n d D o n a ld s o n , A N F , I).
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Clemente de Alexandria (150-c. 2 1 5 d.C.) C lem ente disse: “Deus não tem com eço, e produz o co m eço e o fim” (5, 5.14). Tertuliano (c. 155-c. 225) Tertuliano se referiu à eternidade de Deus n a sua análise sobre o jejum : “Se o Deus eterno não sente fom e, co m o Ele testem u nh a através de Isaías [40.28, LXX], este será o tem po para o h om em ser feito igual a Deus, quando ele viver sem com ida” (OF, 8.6). Pedro, Bispo de Alexandria (m. 311) Pedro disse: “Pois então, co m o dizem, tam bém o nosso Deus eterno, o Feitor e C riador de todas as coisas, form ou todas as coisas” (Tertuliano, OF, em Roberts and Donaldson, ANF, IV). Várias orações de ação de graças, orações fúnebres e outras formas de oração são feitas a Deus, tratan do-o de “Deus e te rn o ” ( C H A , 8.2.5, 8.2.9, 8.2.12,8.3.20, 8.3.22, 8.4.38). Pedro acrescentou: Visto que esta [a eternidade] é a propriedade de Deus, pertencerá somente a Deus, cuja propriedade é — claro que, por esta razão, que se pode ser atribuído a qualquer outro ser, já não será a propriedade de Deus, mas pertencerá, junto com Ele, também a esse ser para o qual foi atribuído, (em Tertuliano, AH, 3, em Roberts and Donaldson, ANF, III) Dionisio, o Grande (c. 200-264) Dionísio ensinou: Agora este [...] “eu sou” [em grego, ego eitni, em Jo 8.58] expressa a sua subsistência eterna. Pois se Ele for a reflexão da luz eterna, Ele também tem de ser o próprio eterno. [...] Deus é luz eterna, não tendo nem começo nem fim. E junto com Ele há a reflexão, também sem começo, e perpétua. O Pai, então, sendo eterno, o Filho também é eterno, sendo luz da luz; e se Deus é a luz, Cristo é a reflexão. (OJ, 8) Alcuíno (c. 732-804) Alcuíno escreveu que a Palavra de Deus, que “é co -etern a co m Deus Pai, era antes de todo o tem p o” (em Tomás de Aquino, Catena Aurea, John 11). Cirilo de Jerusalém (c. 315-c. 387) Cirilo disse: “Deus é o único e único não gerado, sem com eço, m udança ou variação; não gerado de outro, não tendo ou tro para sucedê-lo na vida; que nem com eçou a viver no tem po, n em jamais term in ará de viver” (CL, 2.7, 4.4). O fato de Deus ficar fora do tem po e de ser o Criador dele co lo ca estes Pais em sincronia direta co m o testem unho que tem os visto nas Escrituras hebraicas.
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Cirilo argu m entou sobre Cristo: Ele tem dois pais: um, Davi, de acordo com a carne, e outro, Deus, o seu Pai de maneira divina. Como Filho de Davi, Ele está sujeito ao tempo, ao controle e à descendência genealógica: mas como Filho de acordo com a divindade, Ele não está sujeito nem a tempo, nem a lugar, nem a descendência genealógica: pois a sua geração que declarará Deus é um Espírito. “[Pois] o próprio Filho diz do Pai: ‘O S e n h o r me disse: Tu és meu Filho; eu hoje te gerei’. Agora este hoje não é recente, mas eterno: um hoje atemporal, antes de todas as eras. Desde o útero, antes da estrela da manhã, eu te gerei”. (First Catechetical Lecture o f Our Holy Father Cyril, 11.5, em Schaff, NPNF, II, 7:208) Inácio (110 d. C .)
Inácio declarou que Jesus C risto, co m o o Filho un igênito e a Palavra (o Verbo), existiu “antes que o tem p o com eçasse, mas que depois tam bém se to rn o u h om em , filho de M aria”. Pois, “o Verbo [ou Palavra] se fez carne”. Sendo incorpóreo, Ele estava no corpo; sendo impassível, Ele estava em um corpo passível; sendo imortal, Ele estava em um corpo mortal; sendo vida, Ele se tornou sujeito à corrupção, para que Ele livrasse a nossa alma da morte e corrupção. Inácio disse tam bém que o Filho de D eus “foi gerado antes do co m eço do tem po, e estabeleceu todas as coisas de acordo co m a vontade do Pai” (T E , 7). H ilário de Potiers (c. 315-c. 367)
H ilário afirm ou: A sua natureza [de Cristo] nos proíbe que digamos que Ele jamais começou a ser, pois o seu nascimento se acha além do começo do tempo. Mas ainda que o confessarmos existente antes de todas as eras, não hesitamos em pronunciá-lo nascido na eternidade atemporal, porque cremos no seu nascimento, embora saibamos que nunca teve um começo. (OT, 9.57, em Schaff, NPNF, 2:IX) Hilário acrescentou: “Tudo que [...] foi criado foi feito no princípio, [...] [mas] a Palavra era o que é, e não está presa pelo tem po, n em com eço u dessa m aneira, vendo que não foi feito no princípio, mas era” (ibid., 100.13, em ibid.). Jo ã o Crisóstomo (347-407)
Falando sobre Jesus com respeito a João 1.1, C risóstom o disse: Mas “se fez” e “era” não são completamente diferentes? Pois, de certa forma como a palavra é, quando falado acerca do homem, significa só o presente, mas quando aplicada a Deus, aquele que sempre e eternamente é; assim também foi, predicado à nossa natureza, significa o passado, mas predicada a Deus, eternidade, (em Tomás de Aquino, CA, John, 7)
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A Visão Medieval da Eternidade de Deus Desde o século IV ao século XIII (em diante), tem havido consentim ento praticam ente unânim e sobre a n atu reza de Deus co m o u m Ser atem poral. Agostinho fixou a base co m as suas extensas referências à eternidade de Deus. Agostinho (354-430) De acordo co m Agostinho, Deus possui eternidade, porque Ele possui asseidade (auto-existência). “O que é ‘aquilo que e ? Aquilo que é perpétuo. [...] Mas o que é aquilo ‘que e , senão aquele que quando enviou Moisés, lhe disse: EU SOU O QUE SOU (Êx 3.14)”? (EBP, 121.5). “Deus sem pre é, nem Ele foi e não é, nem é m as não foi, mas com o Ele nunca será; assim Ele n unca não era” (OT, 14.15). Quanto à form a que Deus se relaciona co m o tem po, Agostinho afirmou: A marca distintiva entre o tempo e a eternidade é que o tempo não existe sem movimento e mudança, ao passo que na eternidade não há mudança de jeito nenhum. Agora, [...] visto que Deus, em cuja eternidade não há mudança de jeito nenhum, é o Criador e o Controlador do tempo, não vejo como podemos dizer que Ele criou o mundo depois que um espaço de tempo tivesse decorrido, a menos que admitamos também que previamente alguma criatura tivesse existido cujos movimentos marcariam o curso do tempo. (CG, 11.6) Deus não criou no tem po, pois não havia tem po antes de Ele criar u m m undo m utável. O seu ato não foi u m a criação no tem po, mas u m a criação do tem po. Agostinho declarou: O mundo não foi feito no tempo, mas junto com o tempo. Pois, o que é feito no tempo é feito depois de um período de tempo e antes de outro, isto é, depois de um tempo passado e antes de um tempo futuro. Mas, poderia não ter hàvido tempo passado, visto que não houve nada criado por cujos movimentos e mudança de tempo pudesse ser medido, (ibid., 11.6) A eternidade de Deus é qualitativamente diferente do tem po: No Eterno nada se extinguiu, mas isso tudo está presente; mas nenhum tempo está completamente presente; e que Ele veja que [...] o passado e o futuro [são] criados e flui do que sempre é presente. (C, 11.11) O que Deus faz no tempo Ele desejou desde a eternidade: Então, tu nos chamaste para entender a Palavra, Deus contigo, Deus, que é falado eternamente e por ela são todas as coisas faladas eternamente. Pois o que foi falado não foi terminado, e outros falados até todos serem falados; mas todas as coisas imediatamente
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e para sempre. Pois, caso contrário, temos tempo e mudança, e nao uma verdadeira eternidade nem uma verdadeira imortalidade, (ibid., 11.7) Assim, Deus criou o tem po a partir da eternidade. A gostinho perguntou: Pois de onde as eras inumeráveis poderiam vir pelo que tu não fizeste, visto que tu és o Autor e Criador de todas as eras? Ou que tempos seriam esses que não fossem os feitos por ti? Ou como eles poderiam vir se não tivessem sido? [Mas] se antes do céu e da terra não havia tempo, por que se pergunta: Que tu fizeste então? Pois não havia “então” quando não havia tempo, (ibid., 11.13) A criação tem poral “é com patível co m a imutabilidade da decisão de Deus. Sendo assim, eles tam bém deveriam acreditar que o m undo pudesse ser feito no tem po sem Deus, que o fez tendo-o de m udar a decisão eterna da sua vontade” (CG, 11.4). C om o o Criador do tem po, Deus existia fora do tem po, mas não no tem po. Agostinho escreveu: Nem tu pelo tempo precedeste o tempo; de outra forma tu não precedeste todos os tempos. Mas na excelência de uma eternidade sempre presente tu precedeste todos os tempos passados e sobreviveste todos os tempos futuros. [...] [Por conseguinte], é tolo para eles excogitarem um tempo passado durante o qual Deus estava desocupado, pela razão simples de que não havia tal coisa como tempo antes que o universo fosse feito, (ibid., 11.5) A lém disso, de acordo co m A gostinho: Deus não vê as coisas no tempo. [...] Deus declarou: “Ó homem, que minha Escritura disse, eu digo; e ainda fazes que falas no tempo; mas o tempo não tem referência para a minha Palavra, porque a minha Palavra existe em igual eternidade comigo. [...] E assim quando vós vedes essas coisas no tempo, eu não as vejo no tempo; como quando vós falais no tempo, eu não as falo no tempo”. (C, 13.29) A lém disso, o co n h ecim en to de Deus é independente do tem po: Nem a sua atenção passa de pensamento para pensamento, pois o seu conhecimento abraça tudo em uma única constituição espiritual. O seu conhecimento do que acontece no tempo, como o seu movimento do que muda no tempo, é completamente independente do tempo. [...] Ele não poderia ter sido tão perfeito Criador sem ter tão perfeito conhecimento que nada poderia ser acrescentado a isso vendo o que Ele criou. (CG, 11.21) Anselmo (1033-1109) A nselm o argum entou: E evidente que esta Substância suprema é sem começo e sem fim; que não tem nem passado, nem futuro, nem o temporal, quer dizer, o presente passageiro no qual vivemos; visto que a sua era, ou eternidade, que é nada mais do que ela mesma, é imutável e sem partes. (SABW, p. 83)
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P ortanto, “ele existe antes de todas as coisas e transcend e todas as coisas. [...] A eternidade de D eus está presente co m o u m todo co m Ele, ao passo que as outras coisas ainda não têm essa parte da eternidade, que ainda vai ser e não tem mais aquela parte que é passada” (ibid., p. 26). Deus “não existe finitam ente, em algum lugar ou às vezes, tem de existir em todos os lugares e sem pre, quer dizer, em todos os lugares e em todo te m p o ” (ibid., p. 73). Para A nselm o: A verdadeira eternidade só pertence àquela substância que só, como temos provado, não foi criado, mas é o criador, visto que é concebida a verdadeira eternidade ser livre das limitações de começo e fim; e isto é provado ser consistente com a natureza de nenhum ser criado, do mesmo fato que todo tal não foi criado de nada. (ibid., p. 83) A lém disso, o que D eus sabe é etern am en te conhecid o: E verdade quer a vontade e a causa de Deus sejam compreendidas em termos do presente imutável da eternidade ou em termos da ordem temporal. De acordo com o primeiro, nada é passado ou futuro, mas tudo existe junto sem qualquer mudança. ( TIR, p. 159) Pois “todas as coisas estão sem pre presentes com Ele, e assim Ele não te m presciêncía das coisas futuras, mas ciência das coisas presen tes” (THE, p. 185). O presente de Deus é com o o nosso passado: Sob este aspecto, o passado temporal é mais como o presente eterno do que é o presente temporal. Pois o que é temporalmente passado nunca pode ser não-passado, da mesma maneira que o que é eternamente presente nunca pode ser não-presente; mas todas as coisas temporalmente presentes que se extinguem com o tempo se tornam nãopresentes. (TIR, p. 162) A lém disso: A existência de uma coisa no tempo é tão diferente da sua existência na eternidade que em dado momento algo pode não estar presente no tempo que está presente na eternidade, ou algo pode não estar presente no tempo estando presente na eternidade, ou algo pode ser passado no tempo sem ser passado na eternidade, ou pode ser no tempo futuro sem ser futuro na eternidade. [Portanto], quando nos damos conta disso, não temos base para negar que algo possa ser mutável no tempo enquanto é imutável na eternidade, (ibid., p. 163) D eus vê tudo im ed iatam ente no tem po: “Isto é devido à própria n atu reza da eternidade, que abrange todo o tem p o e tu do o que fo r que exista em determ inado te m p o ” (ibid., p. 164). “Pois on tem e h o je e am anh ã n ão tê m existência, exceto no tem po; mas tu, em bora nada exista sem ti, não obstante tu não existes no espaço ou no tem po, mas todas as coisas existem em ti” (S A B W , p. 25). Como uma era do tempo contém todas as coisas temporais, assim a tua eternidade contém até as eras do próprio tempo. E estas eras são na verdade uma era, por causa da sua unidade indivisível; mas eras, por causa da sua infinitude (ibid., p. 27).
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Tomás de Aquino (1225-1274)
Tom ás de Aquino afirm ou que a “eternidade é nada senão o próprio Deus. Por conseguinte, D eus não é cham ado etern o, co m o se Ele fosse de qualquer fo rm a m edido; mas a idéia de medida é tom ad a de acordo co m a apreensão de nossa m e n te ” (ST, la.10.2). “A eternidade verdadeiram ente e co rretam en te assim cham ada está só em Deus, porque a eternidade se depreende da im utabilidade; co m o aparece do prim eiro artigo. Mas só Deus é im u táv el” (ibid.). Tom ás de Aquino ofereceu vários argum entos em defesa desta conclusão. O prim eiro argu m ento diz assim: Tudo que existe no tem p o pode ser com p u tad o de acordo com seus antes e depois. E n tretan to , u m Ser im utável não tem antes ou depois; é sem pre o m esm o. Por conseguinte, D eus tem de ser in finito. O tem po é duração caracterizada p o r m udanças substanciais (por exem plo, m adeira queim ando) e m udanças acidentais; eviternidade (o u evo) é duração caracterizada por m udanças acidentais (por exem plo, os anjos podem au m en tar em con h ecim en to através da infusão divina, e eles têm im utabilidade com respeito a escolha, inteligência, afetos e lugares, ST, la.10.6, corp o), m as sem m udanças substanciais n a eviternidade (os anjos são im utáveis no seu nível de graça e caridade). O que é verdade acerca dos anjos tam bém é verdade acerca dos eleitos no céu. R epetindo, o tem po é definido co m o u m a m edida em term os de antes e de depois. Deus não tem antes ou depois, visto que Ele é im utável. Conclui-se, então, que Ele deve ser atem poral, pois se Ele estivesse n o tem po, Ele poderia ser m edido de acordo co m u m antes e u m depois, o que insinua m udança. A lém disso, tudo que está no tem p o tem seqüência de u m estado depois do outro. Considerando que Tom ás de A quino concluiu que tudo que é im utável não é tem poral. Este argu m ento acentua ou tro aspecto do tem po: Tudo que é tem poral tem estados seqüenciais, u m depois do ou tro. Mas co m o u m ser im utável, Deus não tem estado m utável, u m depois do ou tro; p o rtan to , D eus não pode ser tem poral. Em resum o, a im utabilidade total necessariam ente insinua eternidade (ibid., la.10.2), pois tu do que m uda substancialm ente está no tem p o e pode ser com putad o de acordo co m antes e depois. Tudo que não m uda não pode estar n o tem po, visto que não tem estados diferentes pelos quais antes e depois possam ser com putados; todos são os m esm os — nu n ca m uda. P ortanto, tu do que não m uda não é tem poral; D eus é etern o. Deus não só é etern o, m as somente Ele é etern o (ibid., la.10.3). A razão para isto é que só D eus é essencialm ente im utável, visto que todas as criaturas podem deixar de existir. Mas, com o vim os, a eternidade necessariam ente se depreende da im utabilidade, e desta, que só D eus é essencialm ente eterno. Tom ás de A quino (ibid., la.10.4) diferencia a eternidade do tem po im utável por diversas razões (ver Geisler, T A E A , capítulo 8). Primeiro, tudo que é essencialm ente inteiro é essencialm ente diferente do que tem partes. A eternidade difere do tem po deste m odo (eternidade é u m Agora; o tem po tem u m agora e depois); por conseguinte, a eternidade é essencialm ente diferente do tem po. Em outras palavras, a eternidade de D eus não é dividida; está to ta lm en te presente a Ele dentro do seu eterno Agora. P ortan to, tem de ser essencialm ente diferente do tem po, no qual só o co rre um m o m en to no tem po. Segundo, o tem po sem fim não é eternidade; é sim plesm ente m ais do tem po. A eternidade difere em tipo do tem po, quer dizer, difere essencialm ente, não m eram en te
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acidentalm ente, do tem po. O tem po sem fim só difere acidentalm ente do tem po, porque só é u m alongam ento do tem po. Visto que o tem po sem fim é sim plesmente tem po — só mais adição de tem po — , a eternidade tem de diferir essencialmente disso. Para declarar a idéia de ou tro m odo, mais da m esm a coisa é essencialmente a m esm a coisa; p ortan to, tem po sem fim não difere essencialmente do tem po. Terceiro, u m Ser eterno não pode m udar, porquanto tem po acarreta m udança pela qual se pode to m ar a medida do antes e do depois. Portanto, u m Ser eterno, co m o é Deus, não pode m udar. Em outras palavras: (1) Tudo que pode ser com putado de acordo co m antes e depois não é eterno. (2) O tem po sem fim pode ser com putado de acordo co m antes e depois. (3) Por conseguinte, o tem po sem fim não é igual à eternidade. O eterno é im utável, mas o que pode ser com putado por seus antes e depois m uda. Conclui-se, então, que o eterno não pode ser tem po sem fim. Deve ser algo qualitativamente diferente, não apenas diferente em quantidade. Quarto, Tomás de Aquino argum entou que há diferença crucial no “agora” do tem po e no “A gora” da eternidade (ibid., la.10.4, ad 2). O agora do tem po é m óvel, mas o Agora da eternidade não é. A eternidade não é m óvel de form a algum a; p ortan to, o Agora da eternidade não é igual ao agora do tem po. O Agora eterno é im utável, ao passo que o agora do tem po sem pre é m utável. Há som ente u m a analogia en tre tem po e eternidade, não u m a identidade. O Agora de Deus não tem passado ou fu tu ro; o agora do tem po tem . Deus é Puro Ato (Realidade) co m o tal, não-m edido por qualquer potencialidade. Os anjos são atos com o recebidos nas puras form as que com pletam ente recebem a sua realidade da criação. Os hom ens são atos co m o recebidos em form a/m atéria (alm a/corp o) que progressivam ente recebem a sua realidade. Em sum a, Deus na verdade subsiste, mas Ele subsiste com o Pura Realidade. Considerando que Ele não tem potencialidade, Ele não pode subsistir progressivamente. Ele subsiste de m od o m uito mais alto. O utro m od o de entender a diferença entre a eternidade de Deus e o tem po é recon h ecer que tem po é u m a m udança acidental, não u m a m udança substancial. U m a m udança substancial é u m a m udança n a qual algo é; u m a m udança acidental é u m a m udança n a qual algo tem. Tomás de Aquino m ostrou que tem po é u m a m udança acidental, e som ente a hum anidade, não Deus ou anjos, tem m udança acidental. Portanto, só a hum anidade está no tem po. Os anjos passam p o r m udança substancial (criação), mas isto não envolve tem po. O único m od o de ser que existia antes de os anjos com eçarem a existir era u m m od o eterno (Deus). U m a m udança substancial (para os hom ens ou para os anjos) não é u m a m udança no tem po, porque n en h u m a m udança substancial tem u m antes e u m depois do tem po. A eternidade é u m pólo e o tem po o outro. Por conseguinte, a m udança substancial para o h om em é u m a m udança para ou fora do tem po, mas não u m a m udança no tem po. Deus não pode m udar substancialmente ou acidentalm ente. Considerando que Ele é u m Ser necessário, Ele não pode sair da existência. Considerando que Ele é u m Ser simples, Ele não tem acidente. Portanto, Deus não pode ser de qualquer form a tem poral, visto que o tem po envolve mudança.
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Os R e fo rm a d o re s F a la ra m so b re a E te rn id a d e de D eu s Os R eform adores são consistentes com as visões dos teólogos ortod oxos mais antigos. Eles insistiram que D eus está além do tem po e não experim enta m udança seqüencial. Martinho Lutero (1483-1546)
M artin h o Lutero explicou que Deus não con ta o tem po em seqüência ou consecutivam en te, u m ano antes do outro: D eus capta tu d o e m u m m o m e n to , o co m e ço , o m eio e o fim de tod a a raça h u m a n a e de tod o o tem p o . E o que co n sid eram os e m ed im o s de aco rd o c o m a su cessão de tem p o c o m o u m a fita m é tric a m u ito lo n g a e exten sa, Ele vê em sua totalid ad e, co m o se estivesse en ro la d a em u m ro lo . E assim , p ara Ele, a vida e a m o rte do ú ltim o e do p rim eiro ser h u m a n o n ã o estão m ais distantes do qu e u m ú n ico m o m e n to . (W LS, p. 542)
E acrescentou: O lh e tra n sv e rsa lm en te u m a árvo re co m p rid a qu e está d iante de você. C o lo q u e n o m e sm o â m b ito de visão as duas pontas. V ocê n ão co n seg u irá fazer isso, se estiver olh an d o lo n g itu d in a lm e n te para a árvore. Pela m esm a razão, só p o d em os o lh a r o tem p o de acord o co m a sua d u ração (nach der Lange). T em o s de co n ta r u m an o depois do o u tro desde A dão até a h istó ria do ú ltim o dia. M as p ara D eus tu d o está em u m p o n to . ( WL, p. 542)
João Calvino (1509-1564)
João C alvino com parou tal visão com a da história bíblica na qual a “fé da Igreja poderia se inclinar sem buscar ou tro Deus que não Aquele a quem M oisés apresentou co m o o Criador e A rquiteto do m u n d o ”. Em seguida, disse que esta história pode ser com parada com as fábulas do m u nd o antigo “com o m eio de dar u m a m anifestação mais clara da eternidade de Deus, co n fo rm e é contrastada com o nascim en to da criação, e, por m eio disso, nos inspirar com adm iração mais alta” ( IC R , 1.14.1). E acrescentou: E n ten d em o s n e cessariam en te qu e a Palavra foi gerada do Pai antes de todas as eras. [Os apóstolos] falam que os m u n d o s fo ra m criados p elo Filh o, e qu e Ele su sten ta todas as coisas pela sua palavra p o d ero sa (H b 1.2,3). Pois aqui vem os qu e a palavra é usada para o acen o ou ord em do F ilh o, qu e é Ele m esm o a Palavra etern a e essencial do Pai. (ibid., 1.13.7)
Os T e ó lo g o s da P ó s -R e fo rm a F a la ra m so b re a E te rn id a d e de D eus Até h o je no m u nd o hodierno, a visão tradicional da eternidade de D eus m an tém -se firm e. Isto é verdade acerca dos R eform adores até o surgim ento da Teologia do Processo no século X X . De fato, a m aioria dos grandes teólogos entende que a eternidade de Deus e a sua imutabilidade andam de m ãos dadas. N enhum a interru p ção significativa nesta posição é observável até que Alfred N orth W hitehead apresentou a Teologia do Processo.
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Ja c ó Armínio (1560-1609) Jacó Arm ínio escreveu: “De form a que o h o m em co m o sem pre é cham ado no tem po, era de toda a eternidade predestinado a ser cham ado e ser cham ado nesse estado, tem po, lugar, m odo e co m essa eficácia, em e co m o que ele era predestinado” [Ef 3.5,6,911; T g 1,17,18; 2 T m 1.9] (D, 16.15). E anexou a p ro v a de Atos 15.18 e Efésios 1.4 de que os decretos de Deus são desde o princípio do m undo. “Se não fosse assim, Deus poderia ser acusado de mutabilidade” (ibid.). Francis Turretin (1623-1687) Francis Turretin disse: A infinidade de Deus se depreende da sua simplicidade e é igualmente difundida pelos outros atributos de Deus, e, por meio disso, concebe-se que a natureza divina é livre de todo o limite na imperfeição: quanto à essência (pela incompreensibilidade), quanto à duração (pela eternidade) e quanto à circunscrição, em referência ao lugar (pela imensidade). (IET, 1.3.8.1) E ele cria que o conceito de eternidade está relacionado com a imensidade do Ser de Deus: Depois da infinidade de Deus com respeito à essência, o mesmo será considerado com respeito ao lugar e tempo, pelos quais concebemos que Ele é não-circunscrito por qualquer limite (aperigraptos) de lugar ou tempo. O primeiro se chama imensidade, o último, a eternidade, (ibid., 1.3.9.1) E acrescentou: “Sustentam os que Deus é livre de toda diferença de tem po, e não m enos de sucessão do que do co m eço e fim ” (ibid., 1.3.10.1). Em ou tro lugar, ele aprim orou: A eternidade de Deus não pode ter seqüência, porque a sua essência, com que ela é realmente identificada, não admite nada. E assim, porque ela é perfeitamente simples e imutável (e, portanto, rejeita a mudança do primeiro no último, do passado em presente, do presente em futuro, o que envolve sucessão), e porque ela é não-mensurável, como sendo a primeirá e independente. Entretanto, aquilo que continua por sucessão pode de algum modo ser medido, (ibid., 1.3.10.5) Jonathan Edwards (1703-1758) Jonathan Edwards declarou: Corolário 1: Como é impossível, que o mundo existisse desde a eternidade, estar sem uma mente. Corolário 2: Visto que é assim, e que o Nada absoluto é tal terrível contradição; por conseguinte, aprendemos a necessidade da Existência Eterna de uma Mente TodoAbrangente; e que é a complicação de todas as contradições para negar tal mente. (NM, p. 28)
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E m ou tro lugar, ele acrescentou: Porque é evidente, pela Bíblia e pela razão, que Deus é infinitamente, eternamente, imutavelmente e independentemente glorioso e feliz: que Ele não pode se beneficiar ou recebe qualquer coisa da criatura; ou ser o sujeito de qualquer sofrimento ou diminuição da sua glória e felicidade, de qualquer outro ser. (EWGCW, em WJE, p. 97) John Wesley (1703-1791) Jo h n Wesley cria que D eus é etern o. C o m o vim os, ele escreveu: “D u ran te a noite, eu publiquei o grande d ecreto de Deus, etern o e inalteráv el” ( C W , p. 336). Stephen Charnock (1628-1680) Ele [Deus] nem começou com o começo do tempo, nem expirará com o fim do tempo; Ele não começou, quando Ele se fez conhecido aos nossos pais, mas o seu ser precedeu a criação do mundo, antes que qualquer ser criado fosse formado e o tempo fosse estabelecido. (EAG, 1:278) A sua eternidade é evidente, pelo nome que Deus se dá: “E disse Deus a Moisés: EU SOU O Q.UE SOU. Disse mais: Assim dirás aos filhos de Israel: EU SOU me enviou a vós” [Ex 3.14], Este é o nome por meio do qual Ele é distinto de todas as criaturas; Eu Sou é o seu nome próprio. Esta descrição que está no tempo presente, mostra que a sua essência não conhece passado e nem futuro; se fosse eu era, daria a entender que Ele não é agora o que Ele foi outrora; se fosse eu serei, daria a entender que Ele ainda não é o que Ele será; mas é Eu Sou-, eu sou o único ser, a raiz de todos os seres; Ele está, então, à maior distância de não ser, e isso é eterno, (ibid., 1:287) Além disso: A eternidade é uma duração perpétua, que não tem começo nem fim. Dizem que essas coisas são tempo que tem um começo, aumenta por graus, tem sucessão de partes; a eternidade é o oposto do tempo, e é então um estado permanente e imutável; uma posse perfeita de vida sem qualquer variação; abrange em si mesmo todos os anos, todas as eras, todos os períodos de eras; nunca começa; subsiste depois de toda duração de tempo e nunca cessa; faz tanto quanto que ultrapassar o tempo, como se fosse antes do seu começo: o tempo supõe algo anterior a isso; mas não pode haver nada antes da eternidade; pois, então, não seria eternidade, (ibid., 1:279, 280)
OBJEÇÕES À ETERNIDADE DE DEUS P raticam ente todas as objeções levantadas co n tra a eternidade atem poral de Deus são sim ilares às levantadas co n tra a sua im utabilidade (ver seções principais acim a). O cern e das objeções co n tra D eus relativas ao tem p o é que u m Ser im utável não pode se relacionar co m u m m u n d o m utável. Porém tem p o é u m a com p u tação baseada em m udança; por conseguinte, se D eus pode relacionar-se com u m m u nd o m utável, Ele não tem n e n h u m problem a em relacionar-se co m u m m u nd o tem poral, que é um m u nd o de m udança. O utras objeções ainda podem ser levantadas sobre este assunto.
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Objeção Um: Baseada na Criação de um Mundo Temporal En tre outras coisas, todas as form as de teísmo crêem “que Deus tem o poder de intervir no m undo, interrom pendo (se necessário) as sucessões causais norm ais” (Pinnock, OG, p. 109). Mas se Deus pode agir no tem po, então, argum entam os neoteístas, Deus tem de ser tem poral, pois tudo que age no m undo tem poral faz parte do processo tem poral, e o processo tem poral envolve u m passado, u m presente e u m futuro. Quando Deus agiu tirando Israel do Egito, houve u m tem po antes e u m tem po depois desse ato de redenção. Portanto, Deus é corrom pido pelo tem po pelo m esm o fato que Ele age no tem po.
Resposta à Objeção Um Em prim eiro lugar, tem os de ressaltar que há diferença entre dizer que Deus criou no tem po e que Ele é o Criador do tem po. Não havia tem po antes de Deus fazer o m undo tem poral; o tem po com eçou co m a sua criação. Deus “m oldou as eras” (Hb 1.2, versão de Roterdã; cf. Jo 17.5), p ortan to, Deus estava ontologicamente antes do tem po, m as não estava cronologicamente antes. Portanto, este não é im pedim ento para Deus criar u m m undo no tem po sem Ele m esm o ser tem poral. Não existia quantidade contínua tem poral antes que Ele criasse o m undo; por conseguinte, não era necessário Ele escolher u m m o m en to no tem po no qual criar. Mais exatam ente, desde toda a eternidade, Deus escolheu criar a própria quantidade contínua tem poral que tem com eço. Tam bém é digno de n ota que é igualm ente incoerente falar que Deus é eterno antes da criação e tem poral depois da criação.2 Para o teísta, criar o m undo não m uda a natureza de Deus. O m undo não é criado ex deo ( “fora de Deus”); isso é panteísm o. E para o teísm o, o m undo é criado ex nihílo ( “fora do nada”). Por conseguinte, Deus não m uda “interiorm en te”, quer dizer, na sua essência, criando algum a o u tra coisa. A única coisa que m uda é “extern a”, a relação do m undo co m Ele. Antes da criação, o m undo não tinha relação co m Deus, visto que o m undo não existia. Na criação e a seguir, Deus se to rn o u “o Criador” pela prim eira vez. (N ão é possível Deus ser Criador até Ele criar algo.) Antes da criação, Ele era Deus, mas não Criador. Q uer dizer, na criação Deus ganhou u m a nova relação, mas n en h u m novo atributo. Ele não m u d ou em Sua essência, mas em sua atividade externa. Não há m udança no que Deus é, mas no que Ele faz. A m udança é som ente no efeito, não n a Causa (D eus), visto que Ele causou desde a eternidade tudo que seria efetuado no tem po. Não fazer esta distinção leva à confusão neoteísta de falar de Deus m u d ar em sua n atureza não-essencial. Além disso, esta objeção com ete os m esm os erros que foram observados na resposta anterior. Presum e que agir no tem po é ser tem poral. Não dem onstra que o Ator é tem poral; só que os seus atos são tem porais. Os teístas clássicos não negam que as ações de Deus sejam tem porais — eles só insistem que os atributos de Deus não são temporais. Deus não pode ter u m a n atu reza “não-essencial”. “Não-essencial” significa algo que Deus tem , mas não precisa ter. A “n atu reza” é o que é essencial a u m a coisa. Por exem plo, a
2William Craig escreveu: “Chegamos, portanto, à conclusão de um Criador pessoal do universo que existe imutavelmente e independentemente antes da criação e no tem po subseqüente à criação” (KCA). Entretanto, se isto significa que Deus é tem poral em seu Ser depois da criação, então é difícil dar sentido a isso. C om o pode um Deus que é imutável em seu Ser m udar em seu Ser? Se isto significa que Deus é atem poral em sua essência, mas pode criar um m undo tem poral que se relaciona com Ele depois que é criado, então é o que Tomás de Aquino quis dizer.
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natureza h um ana é essencial aos seres hum anos; sem ela não seriamos seres hum anos. Portanto, u m a n atureza não-essencial é u m a contradição de term os. Considerando que natureza significa essência, seria u m a essência não-essencial, o que é tolice. Para declarar o ponto de outro m odo, até os neoteístas recon h ecem que há um a real diferença entre u m Criador incriado e u m m undo criado. U m não tem com eço e o ou tro tem . U m não tem ponto de partida tem poral e o outro tem . Deste m esm o m odo, os teístas clássicos insistem que Deus está fora do tem po, em bora Ele fizesse o tem po. Isto não deve ser difícil de entender. Afinal de contas, todo criador está fora da sua criação do m odo em que u m pintor está fora da sua pintura ou um com positor está fora da sua com posição. C om o disse Stephen C harnock: A eternidade desta [criação] decretada não faz o mundo estar em existência e de fato criou desde a eternidade; portanto, Deus decretou imutavelmente que o mundo assim criado deveria continuar durante tal tempo; o decreto é imutável se o mundo perece naquele tempo, e não seria imutável se o mundo subsistisse além daquele tempo que Deus fixou para a sua duração. [...] Embora haja uma mudança nos efeitos, não há mudança na vontade [de Deus], ( EAG , 1:328) O b je çã o D o is: B asead a n a N o ç ã o de q u e n ã o se P o d em F a z e r D e c la ra ç õ e s so b re u m D eu s A te m p o ra l Há quem argum ente que não se pode fazer referência algum a a partir de nossa perspectiva tem poral a u m Ser atem poral: (1) Todas as declarações feitas por u m ser tem poral são tem porais; (2) Mas Deus é atem poral; (3) Portanto, n en h u m a de nossas declarações sobre Deus pode realm ente aplicar-se a Ele. (C on tu do, crem os que nos é perm itido fazer declarações sobre Deus, co m o as que estão na revelação especial [a Bíblia] e na revelação geral, conform e Rom anos 1.19,20; Atos 14.17. Ver Volume 1, capítulo 4.) R e sp o sta à O b je çã o D ois Esta objeção não percebe que não é realm ente u m argum ento co n tra toda conversa sobre Deus, mas só con tra falar sobre Ele em term os tem porais. Claro que u m Ser atem poral não pode ser corretam en te referido em term os tem porais. Nem u m Ser incriado pode ser referido em term os apropriados som ente para as criaturas. Mas os opositores acreditam que o Criador pode ser m encionado usando certos term os. Portanto, em lugar de elim inar toda a conversa sobre Deus, requer-se u m conversa análoga sobre Deus (ver Volume 1, capítulo 9). A linguagem tem poral não se ajusta a um Ser atem poral. Mas disto não se conclui que n en h u m a linguagem seja apropriadamente usada acerca de u m Deus atem poral. E verdade que não podem os aplicar declarações tem porais a Deus univocam ente. Se pudéssemos, então Deus teria de ser atem poral. Por ou tro lado, a m enos que estejamos dispostos a aceitar a total (e autodestrutiva) visão agnóstica que diz que não podem os
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fazer n en h u m a declaração sobre u m Deus eterno (inclusive esta declaração), então tem os de aceitar algum a form a de analogia. E precisam ente o que os teístas clássicos argum entam , isto é, que tem os de retirar todos os term os tem porais, que são finitos e limitados, de u m term o antes de aplicá-lo a Deus. Por conseguinte, se dizemos que Deus é bom , Ele não pode ser bom em qualquer sentido tem poral ou m utável do term o — Ele só pode ser eternam ente e im utavelm ente bom.
Objeção Três: Baseada na Encarnação A Bíblia declara que Jesus é Deus (C l 2.9; Hb 1.8) e que Ele entrou neste m undo tem poral (Jo 1.14; 1 T m 3.16). Por lógica simples, conclui-se que, em Cristo, Deus viveu u m a vida tem poral: Negar isto seria negar a deidade de Cristo. Mas isto significaria que Deus é u m ser tem poral — aqui o Criador se to rn o u parte da criação. Por conseguinte, a Encarnação de Deus em carne h um ana é evidência que Deus, pelo m enos em Cristo, se torn ou u m ser tem poral. De fato, as premissas se m o stram verdadeiras (de acordo co m o cristianismo ortod oxo ), e a conclusão é validam ente tirada delas: (1) Deus se tornou h um ano na encarnação de Cristo. (2) Os seres hum anos são por n atureza seres tem porais. (3) Portanto, Deus se to rn o u por n atu reza u m ser tem poral na encarnação.
Resposta à Obj eção Três Por mais que este argum ento p areça persuasivo, está baseado em u m a premissa nãoortodoxa, qual seja, que a n atureza divina se to rn o u hum ana na Encarnação. O Eterno não se to rn a tem poral, n em a n atu reza divina se to rn o u h um ana n a Encarnação não mais do que a n atu reza h um ana se tornou divina. De fato, esta é a heresia monofisista3 condenada no Concilio de Calcedônia em 454 d.C. É u m a confusão das duas naturezas de Cristo. Na Encarnação, a n atu reza divina não se to rn o u n atu reza h um ana ou viceversa. Mais exatam ente, a pessoa divina — a Segunda Pessoa da Trindade — se tornou hum ana, quer dizer, Ele assumiu u m a n atu reza h u m an a além da sua natureza divina. N ote cuidadosam ente as palavras da Bíblia: “O Verbo [Palavra] era Deus. E o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1.1,14, grifos m eus). Não diz que Deus se to rn o u carne. E tão impossível Deus se to rn a r h o m em co m o é para u m ser infinito tornar-se u m ser finito ou u m ser incriado tornar-se u m ser criado. C o m o diria Atanásio (c. 293-373), a Encarnação não foi a subtração da deidade, m as a adição da hum anidade. O Deus Filho não m udou a sua natureza divina; mais exatam ente, Ele acrescentou a n atu reza h um ana distinta à natureza divina. Portanto, a plausibilidade do argu m en to neoteísta baseia-se em heresia. Assim que rejeitam os o erro sem elhantem ente monofisita, este argum ento co n tra a imutabilidade de Deus desaba.
CONCLUSÃO A imutabilidade e eternidade de Deus estão firm em ente fundam entadas na Bíblia, na História da Igreja e na razão. Os esforços contem porâneos para arruinar estes ensinam entos fundamentais sobre Deus são insatisfatórios e inadequados. Diferente do procedim ento enganador de entender literalm ente o antropom orfism o ou o antropopatism o, não há apoio bíblico para u m Deus m utável. Pelo contrário, há num erosas afirmações que dizem que Deus não m u d a e não pode m udar. Além disso,
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em toda a História da Igreja Cristã até aos tem pos m odernos, há quem p rocu re em vão algum im portante m estre ortodoxo que afirme que a vontade de Deus pode m u d ar em sua natureza. A verdade é que há sólidos argum entos bíblicos, filosóficos e históricos a favor da pura realidade, simplicidade, necessidade, infinidade e perfeição de Deus, que Deus é, por natureza, im utável e eterno.
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C A P Í T U L O
C I N C O
AIMPASSIBILIDADE E A INFINIDADE DE DEUS
A
impassibilidade trata-se de u m atributo de Deus que é grandem ente mal-entendido e, hoje em dia, tem sido alvo de acalorados debates. A impassibilidade afirma que Deus não tem emoções variáveis, mas não nega que Ele ten h a sentimentos diferentes. D E FIN IÇ Ã O D E IM PASSIBILID AD E O significado básico de “impassibilidade” é que Deus não é passível ou sujeito a em oção (o elem ento m , significa “n ão ”, e passível, significa “ter em o çã o ”). Deus não tem em oção ou sotre; nada no universo criado pode fazer Deus sentir dor ou infligir-lhe sofrimento. Isto não significa que Deus não tenha sentim entos, mas tão-som ente que estes não são os resultados de ações impostas NEle pelos outros. Os seus sentimentos fluem da sua natureza eterna e im utável (ver capítulo 4). Impassível tam bém não significa imóvel: Deus pode e age. Todavia, os outros não o m ovem a agir, porque Ele é o M ovedor Imovível de tudo o mais. Nem Deus é “o M ovedor Mais M ovível” (ver Pinnock, MMM); mais exatam ente, Ele é o M ovedor Mais M ovente, visto que no final das contas tudo é m ovido por Ele. Toda a ação no universo em ana no final das contas de Deus: “[...] NEle vivemos, e nos m ovem os, e existim os” (A t 17.28). “Nem tam pou co é servido por mãos de hom ens, como que necessitando de alguma coisa; pois ele m esm o é quem dá a todos a vida, a respiração e todas as coisas” (A t 17.25, grifos m eus). A BA SE B ÍB LIC A PA R A A IM PASSIBILID AD E D E D E U S A base bíblica para a impassibilidade consta em m uitos versículos que falam sobre a suficiência da sua auto-suficiência e imutabilidade. V ersícu lo s q u e F alam so b re a A u to -S u fic iê n c ia de D eu s Firmados em parte na auto-suficiência divina, podem os afirmar que Deus não pode ser m udado por causas externas. A Bíblia afirma repetidam ente que Deus não precisa de absolutam ente nada. “Eis que os céus e os céus dos céus são do S e n h o r , teu Deus, a terra e tudo o que nela h á” (D t 10.14). “Porque tudo vem de ti, e da tua m ão to dam os” (1 C r 29.14). “Porventura, o h o m em será de algum proveito a Deus? Antes, a si m esm o o prudente será proveitoso. Ou tem o Todo-poderoso prazer em que tu sejas justo, ou lucro algum em que tu faças perfeitos os teus cam inhos?” (Jó 22.2,3). “Se pecares,
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que efetuarás co n tra ele? Se as tuas transgressões se m ultiplicarem , que lhe farás? Se fores justo, que lhe darás, ou que receberá da tu a m ão?” (Jó 35.6,7). “Do Senhor é a terra e a sua plenitude, o m undo e aqueles que NEle habitam ” (SI 24.1). “Porque m eu é todo anim al da selva e as alimárias sobre m ilhares de m ontanhas. C onh eço todas as aves dos m ontes; e m inhas são todas as feras do cam po. Se eu tivesse fom e, não to diria, pois m eu é o m undo e a sua plenitude” (SI 50.10-12). “Q uem guiou o Espírito do Senhor ? E que conselheiro o ensinou? C o m quem to m o u conselho, para que lhe desse entendim ento, e lhe m ostrasse as veredas do juízo, e lhe ensinasse sabedoria, e lhe fizesse n otório o cam inho da ciência? Não sabes, não ouviste que o eterno Deus, o Senhor , o C riador dos confins da terra, n em se cansa, n em se fatiga? Não há esquadrinhação do seu entendim ento” (Is 40.13,14,28). “Ou quem lhe deu prim eiro a ele, para que lhe seja recom pensado? Porque dEle, e p o r ele, e para ele são todas as coisas; glória, pois, a ele eternam ente. A m ém !” (R m 11.35,36).
Versículos que Falam sobre a Imutabilidade de Deus Deus é tão auto-suficiente que Ele não é afetado por nada ou por ninguém . Ele tam bém é com pletam ente im utável no seu ser, vontade e propósitos. “Deus não é h om em , para que m inta; n em filho de h o m em , para que se arrependa; p orventura, diria ele e não o faria? Ou falaria e não o confirm aria?” (N m 23.19). De fato, “é impossível que Deus m inta” (Hb 6.18) ou m ude qualquer ou tro atributo (ver capítulo 4). Por conseguinte, Deus não tem sentim entos variáveis. C o m o Ele sente é determ inado pelo seu próprio Ser im utável.
A BASE TEOLÓGICA PARA A IMPASSIBILIDADE DE DEUS Além da base bíblica para a impassibilidade, há m uitas razões teológicas que afirm am que Deus não experim enta em oção, sofrim ento ou qualquer o u tra m udança. As razões mais básicas são as seguintes.
A Impassibilidade se Segue da Perfeição Absoluta Toda a em oção envolve u m desejo do que está faltando. C ontudo, Deus não tem falta de nada, visto que Ele é absolutam ente perfeito (ver capítulo 14). Conclui-se, então, que Deus não pode ter em oção. Portanto, Deus é impassível naquilo que Ele não pode sofrer ação em si feita por ou trem . Ele tam bém é impassível no sentido de que Ele não tem em oção ou alm eja algo que não possui. C om o Ser absolutam ente perfeito, Deus não tem falta de nada e, por conseguinte, não alm eja nada. Em resposta à pergunta: “O que damos para alguém que tem tudo?” A resposta mais apropriada é “A dm iração!” O que podem os dar para o Deus que tem tudo? Adoração! É tudo que podem os lhe dar, e é tudo que Ele quer (Jo 4.24). U m a coisa é certa: Nada podem os acrescentar aos atributos ou perfeições de Deus por m eio de algum a coisa que façam os. Podem os exaltá-los, mas não podem os m ultiplicá-los.
A Impassibilidade se Segue da Soberania C om o observaremos em ou tro lugar (ver capítulo 23), Deus está no controle soberano do universo inteiro. Deus está em cim a de todas as coisas e não está debaixo do que quer que seja. O que é passível está debaixo de algo; p o rtan to , Deus não é passível. Dito de
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ou tro m odo, Deus con trola toda a criação, mas a criação não o controla. Aquilo que não é controlado por o u tra coisa não pode ser subjugado por qualquer o u tra coisa. Por conseguinte, Deus não experim enta subjugação de qualquer criatura. Ele é literalm ente impassível. A Im passibilid ad e se S eg u e d a N ã o -C a u sa lid a d e Considerando que Deus é a Causa de todas as coisas (inclusive o poder da livre escolha),1 Ele não pode ser causado por nada. Ele é a Causa não-causada, e co m o tal Ele não é causado por qualquer o u tra coisa. Nada pode agir sobre u m a Causa não-causada; mais exatam ente, u m a Causa não-causada age sobre as outras coisas. Tudo que sofre é porque algo agiu sobre isso, p ortan to, Deus não pode sofrer — Ele é impassível. A Im passibilid ad e se S eg u e da P u ra R ealid ad e C om o já foi dem onstrado (no capítulo 2), Deus é Pura Realidade. Ele não tem potencialidade. Tudo que não tem potencialidade não pode receber ação feita p or outro, pois receber ação feita por o u tra causa é ter potencialidade que pode ser realizada. Deus não tem potencialidade para ser realizada; p ortan to, conclui-se que Deus, co m o Pura Realidade, não pode experim entar em oção ou sofrim ento. A im p assib ilid ad e se S eg u e da Im u ta b ilid a d e C om o tam bém já foi com en tad o acim a, Deus não pode m udar. Todo sofrim ento envolve m udança no sofredor. Por conseguinte, Deus não pode experim entar sofrim ento. O sofrim ento envolve m udança, idéia que está clara pelo fato de que u m estado de não-sofrim ento é diferente de u m estado de sofrim ento. Tudo que m uda passa de u m estado de potencialidade para u m estado de realidade, e visto que Deus não pode m udar, conclui-se que Ele não pode sofrer. Além das fortes bases bíblicas e teológicas a favor da impassibilidade de Deus, há confirm ação histórica m uito substancial desta doutrina. As evidências co m eçam co m os primeiros Pais e continuam co m alguns equívocos e poucas interrupções até os tem pos atuais. A B A SE H IS T Ó R IC A PA RA A IM PASSIBILID AD E D E D E U S C om o se deu co m os outros atributos de Deus, a doutrina da impassibilidade é analisada por num erosos Pais da Igreja co m o tam bém pelos Reform adores e pelos escritores puritanos. Ao contrário do que os oponentes estejam dizendo hoje em dia, as evidências da História da Igreja m ostram que a impassibilidade foi defendida co m o verdade.
1 O livre-arbítrio é um dom de Deus: Ele dá o fato da liberdade às suas criaturas morais, e elas, por sua vez, executam os atos de liberdade. Porquanto os atos são nossos, o poder para executar esses atos vem de Deus, “porque Deus é o que opera em vós tanto o querer com o o efetuar, segundo a sua boa vontade” (F 12.13; ver análise adicional sobre a soberania e o livre-arbítrio no Volume 3). A Confissão de Fé de Westminster (1646) declara: “Embora em relação à presciência e decreto de Deus, a causa primeira, que todas as coisas ocorrem im utavelmente e infalivelmente, contudo, pela m esm a providência, Ele as ordenou que acontecessem, de acordo com a natureza das causas segundas, quer necessariamente, livremente ou contingentem ente”.
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Os Primeiros Pais da Igreja Falaram sobre a Impassibilidade de Deus C om insight recom endável, até os primeiros Pais da Igreja viram a im portância da d outrina da impassibilidade de Deus. C om freqüência, isto foi p o r causa das negações que os não-cristãos fizeram deste ensino. Inácio (110 d. C.) N a Epístola a Policarpo, Inácio escreveu: “Olha para aquele que está acim a de todo o tem po, eterno e invisível, mas que se to rn o u visível por nossa causa; impalpável e impassível, m as que se tornou passível [na sua n atureza hum ana] p o r nossa causa” (LP, 3 em Roberts and Donaldson, A NF, I). Clemente de Alexandria ( 150-c. 215 d. C.) Em Miscellanies (Miscelâneas), C lem ente escreveu: “Sede vós perfeitos co m o é o vosso pai, perfeitam ente, perdoando os pecados, esquecendo os prejuízos e vivendo no hábito da impassibilidade” (Aí, 7:15, em ibid., II). Orígenes (c. 185-c. 254) Orígenes afirmou que “Deus é com pletam ente impassível, e tem de ser considerado com p letam en te livre de todos os afetos desse tipo” ( A FC , em DP, 2.4.4, Vol. 4, p. 277). E acrescentou: Todas as declarações que dizem que Deus se entristece, ou se alegra, ou odeia, ou está contente, têm de ser entendidas que são como as Escrituras as proferiram conforme a maneira alegórica e humana. A natureza divina está completamente separada de toda tendência de emoção e mudança, e permanece impassível e inabalável sempre nesse ápice da bem-aventurança. (HN, 23.2, em Mozley, IG, p. 62) Irineu (c. 125-c. 202) Irineu escreveu contra hereges que [...] o dotam [Deus] com afetos e emoções humanos. Mas se eles tivessem conhecido as Escrituras e sido ensinados pela verdade, sem dúvida, eles teriam sabido que Deus não é como os homens, [...] pois o Pai de todos está à vasta distância dos afetos e emoções que operam entre os homens. (AH, 2.13.3, em Roberts and Donaldson, ANF, I) Tertuliano (c. 155-c. 225) Em Against Praxis (C o n tra a Práxis), Tertuliano dedicou u m capítulo inteiro para explicar que o Pai não sofre e não pode sofrer em si m esm o, mas todo sofrim ento foi suportado pelo Filho (AP, 1.6, em Roberts and Donaldson, ANF, III). Atenágoras (Século II) Atenágoras declarou: “Deus é incriado, e, impassível, e indivisível” ( WAPC, 8, em Roberts and Donaldson, ANF, II).
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D ionísio de A lex an d ria (c. 2 0 0 -2 6 4 ) D io n ís io in s is tiu q u e “D e u s é im p a s s ív e l, im u tá v e l, in a b a lá v e l, a tiv o n o t r a b a lh o , m a s n a m a t é r ia p e lo c o n t r á r i o s u je it o à e m o ç ã o , m u t á v e l, in s tá v e l, e x p e r im e n ta n d o m o d if i c a ç ã o ” ( e m M o z le y , IG , p. 72 Gregário de Taumaturgo (c. 2 1 3 -c. 2 7 0 ) E m Twelve Topics on the Faith ( D o z e T ó p ic o s s o b r e a F é ) , G r e g ó r io d e T a u m a t u r g o 2 t r a t a e x p l i c i t a m e n t e d a q u e s tã o “D e u s é im p a s s ív e l? ” c o m esta s p a la v ra s :
Se alguém afirma que aquele que sofreu é um e que aquele que sofreu não é outro, e se recusa a reconhecer que a Palavra, que é Ele m esm o o Deus im utável e impassível, sofreu na carne o que Ele realm ente tinha assumido, mas sem sofrer m utação, m esm o com o está escrito, que seja anátem a ( TIF, 6, em Roberts and Donaldson, A N F, VI). N ovaciano (c. 2 0 0 -c. 2 5 8 ) N o c a p ít u lo 5 d o t r a t a d o s o b r e a T r in d a d e , N o v a c ia n o a r g u m e n t o u q u e D e u s n ã o é c o r r o m p id o m o r a l m e n t e p o r e m o ç õ e s c o m o ra iv a , ir a o u in d ig n a ç ã o ( C T , 5, e m R o b e r ts a n d D o n a ld s o n , A N F , V ) . M etódio (c. 8 2 7 -8 6 9 ) M e t ó d io ,
d escrev en d o
so b re
a
en ca rn a çã o ,
a fir m a :
“C o m
poder
E le
s o fr e u ,
p e r m a n e c e n d o im p a s s ív e l” ( T F H C P C , 3, e m R o b e r ts a n d D o n a ld s o n , A N F , V ). Lactâncw (c. 2 4 0 -c. 3 2 0 ) L a c tâ n c io c o n f ir m o u “a p e r fe iç ã o d e D e u s , a su a in c o r r u p t ib ilid a d e , im p a s sib ilid a d e e lib e rd a d e d e to d o c o n t r o l e e x t e r n o ” ( e m M o z le y , IG , p p . 4 8, 4 9 ). E a c r e s c e n t o u : “H á, e n tã o , u m D e u s , p e r f e it o , e t e r n o , in c o r r u p t ív e l, in c a p a z d e s o f r im e n t o , n ã o s u je it o à c ir c u n s t â n c ia o u p o d e r ” (E D I, 3, e m o p . c it., V II). A rnóbio ( Século I V ) E m Seven Books o f A rnobius A gain st the H eathen ( S e t e L iv ro s d e A r n ó b io c o n t r a os P a g ã o s), A r n ó b io d e c la r o u : “A n o s s a s a lv a ç ã o n ã o é n e c e s s á r ia a E le , d e f o r m a q u e E le g a n h e a lg o o u s o fr a a p e r d a d e a lg o , se E le o u n o s fizesse d iv in o s, o u n o s p e r m itis s e s e r a n iq u ila d o s e d e s tr u íd o s p e la c o r r u p ç ã o ” ( S B A A H , 2 .6 4 , e m ib id ., V I). Salviano, o Presbítero (c. 4 0 0 -4 8 0 ) S a lv ia n o , fa z e n d o u m c o m e n t á r io s o b r e o s u p o s to a r r e p e n d im e n t o d e D e u s ( e m G n
6 ), a f ir m o u : “Is to n ã o s ig n ific a q u e D e u s é a fe ta d o p o r e m o ç ã o o u e s tá s u je it o a q u a lq u e r p a ix ã o ” ( e m L o u t h , A C C S O T , 1.1 2 7 ).
2 Para inteirar-se de um a análise sólida sobre a conversa entre Gregório e Teopompus, ver Mozley, IG, pp. 63-72. Infelizmente, o tratado de Gregório só está disponível em siríaco e em latim. Mozley oferece um a tradução inglesa concisa, mas incompleta.
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Os Pais da Igreja Medieval Falaram sobre a Impassibilidade de Deus A doutrina da impassibilidade de Deus foi defendida fortem ente pelos grandes Pais da Idade Média. Desde Agostinho, passando por Anselm o e culm inando em Tomás de Aquino, tem havido u m a seqüência irrom pível de louvor a este atributo de Deus. Agostinho (354-430) Agostinho declarou: Embora em Deus não haja sofrimento, (1) e “paciência” tem o seu nome em patiendo, derivado de sofrimento, contudo um Deus paciente não só cremos fielmente, mas também confessamos saudavelmente. Mas a paciência de Deus, quem pode explicar em palavras de que tipo e de que tamanho é, a Ele, a quem dizemos ser impassível, (2) contudo, não impaciente, porém mais ainda paciente? Inefável é, então, essa paciência, como é o seu ciúme, como a sua ira e tudo que há semelhante a estes. E acrescentou: Mas longe de nós esteja imaginar que a natureza impassível de Deus seja sujeita a molestamento. Mas como Ele é ciumento sem obscurecer o espírito, (3) irado sem perturbar-se, compassivo sem doer-se, arrependido sem haver incorreção NEle para ser endireitada; assim Ele é o paciente sem partícula de emoção. (OP, 1) Anselmo (1033-1109) Anselm o disse: Afirmamos que a natureza divina é sem dúvida impassível, e que Deus não pode ser derrubado da sua exaltação, nem labuta em qualquer coisa que Ele deseje efetuar. Mas dizemos que o Senhor Jesus Cristo é o próprio Deus e o próprio homem, uma pessoa em duas naturezas e duas naturezas em uma pessoa. [Portanto, quando] falamos que Deus experimenta humilhação ou fraqueza, não estamos nos referindo à majestade dessa natureza que não pode sofrer; mas à fragilidade da constituição humana que Ele assumiu. E assim não resta base de objeção contra a nossa fé. Deste modo, não tencionamos humilhação da natureza divina, mas ensinamos que uma pessoa é tanto divina quanto humana. Na encarnação de Deus não há abaixamento da deidade; mas cremos que a natureza do homem foi exaltada. ( CDH, Livro 1, capítulo 8) Tomás de Aquino (1225-1274) Tomás de Aquino escreveu: As emoções em questão estão nos pecadores, de um modo; nos justos, tanto perfeitos quanto imperfeitos, de outro modo; em Cristo, como homem, de outro; e no primeiro homem e no bem-aventurado, ainda de outro. Elas não estão nos anjos ou em Deus de jeito nenhum, porque nEles não há senso de apetite, do qual tais emoções são movimentos. (OT, 26, 8)
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Os T e ó lo g o s da R e fo rm a e da P ó s -R e fo rm a F a la ra m so b re a Im p assib ilid ad e de D eu s A doutrina da impassibilidade de Deus não está limitada aos primeiros Pais e aos Pais medievais. C ontinuou pela R eform a adentro, chegando até aos tem pos atuais. Martinho Lutero (1483-1546) As declarações de M artinho Lutero sobre este assunto não são fáceis de harm onizar. De acordo com a sua denom inada “teologia da cru z ”, não há Deus além do Deus revelado em Jesus. Ele afirma ousadam ente que em Jesus de Nazaré, Deus sofreu e foi crucificado. Ele sabe m uito bem que esta é u m a afronta ao pensam ento filosófico e à experiência política, assim com o os reis não sofrem voluntariam ente pelos seus súditos. Certos estudiosos crêem que essa teologia da cruz perm ite que Lutero volte à “paternidade” de Deus, pelo qual ele contrasta o Deus da Bíblia co m o Deus da metafísica grega. Por um lado, há Deus em si m esm o, o Deus absoluto à parte do m undo. Por outro lado, há o Deus de Israel, que se revela a nós, liga-se à sua Palavra, manifesta-se em Jesus e limita-se a si m esm o ao nosso entendim ento. Tudo isso é feito para nós, enfatizando assim a relação am orosa de Deus para co m as criaturas (Geisler, BFG, pp. 180, 181). O foco de Lutero na “teologia da cru z ” e a sua forte ênfase em Deus en trar na existência h um ana o expôs à acusação de crer que Deus fora passível, em lugar de impassível, n a encarnação de Cristo. A prim eira vista, Lutero parece afirm ar que Deus pode sofrer e pode m orrer. Ele disse: N ós cristão s te m o s de p e rm itir a idiomata [linguagem ] das duas n atu rezas de C risto , as pessoas, ig u a lm en te e to ta lm e n te . E m co n seq ü ên cia disso, tu d o q u e se diz sobre Ele c o m o ser h u m a n o ta m b é m deve ser d ito sobre E le c o m o D eu s, isto é, “C risto m o r r e u ” — ‘ n ão D eu s e m iso la m en to [de abgesonderte Gott], m as D eu s u n id o c o m a h u m an id ad e. [...] Pois n e n h u m a das d eclarações “C risto é D e u s” e “D eus m o r r e u ” é verd adeira n o caso de D eu s em iso la m e n to ; am bas são falsas, pois en tão D eu s n ão é ser h u m a n o . Se soa e stra n h o a N estó rio qu e D eu s m o rresse, en tã o ele d everia a ch a r da m e sm a m a n e ira estra n h o qu e D eu s se to rn asse ser h u m a n o ; pois fazend o assim , o D eu s im o rta l se to rn a aqu ilo que te m de m o rr e r e te m de so frer, e tem to d o a idiomata. h u m a n a . [...] Se este n ã o fosse o caso, a qu e tip o de ser h u m a n o teria se u n id o D eu s, se n ão tivesse a idiomata v erd ad e iram en te h u m an a. Seria u m fan ta sm a [Gespenst], c o m o an tig am en te e n sin a ra m os m an iqu eístas. P or o u tro lado, tu d o q u e se diz de D eu s ta m b é m deve ser atribu íd o ao ser h u m a n o . [...] “D eu s crio u o m u n d o e é T od o -p o d ero so , e o ser h u m a n o C risto é D eu s; p o rta n to , o ser h u m a n o C risto crio u o m u n d o e é to d o -p o d ero so .” A razão p ara isto é que, visto qu e D eu s e o ser h u m a n o se to rn a ra m u m a pessoa, p o r co n seg u in te, esta pessoa traz a idiomata de am bas as n atu rezas (L u tero 1959, ET, p. 175).
Em ou tro lugar, ele acrescentou que “pelo fato de a divindade e a hum anidade serem u m a Pessoa em Cristo, a Bíblia, por causa desta união pessoal, também designa a divindade a tudo o que acontece à humanidade e vice-versa” (ibid., p. 170). De m od o oposto, en tretanto, Lutero faz este esclarecim ento em ou tro lugar: “Você tem de dizer im ediatam ente que a Pessoa (significando Cristo) sofre e morre. A gora, a Pessoa é o verdadeiro Deus; p o rtan to , se diz corretam en te: O Filho de Deus sofre. Pois em bora a
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única p arte,3 [...], isto é, a divindade, não sofra, contudo a Pessoa, que é Deus, sofre n a o u tra parte, isto é, na sua hum anidade” (ibid., pp. 170,171, grifos m eus). Não fosse p or esta explicação de Lutero, poderíam os entender que ele não foi o rtodoxo n a questão da impassibilidade de Deus. A confusão está co m as fortes palavras que ele usa co n tra o nestorianism o e a sua discordância co m Ulrico Zwínglio (1484-1531) sobre alloeosis, de form a que ele não se expressou tão claram ente quanto desejaríamos, m as não h á dúvida nas palavras subseqüentes de Lutero que ele defendia o ensino histórico da Igreja e as Escrituras sobre a doutrina da impassibilidade de Deus. Francis Pieper, teólogo luterano, fala sobre a visão de Lutero: Estas doutrinas definidas das Escrituras e não da especulação humana é o que ensinam a Fórmula do Acordo, Lutero e os dogmatistas luteranos, quando, segundo as passagens da Bíblia, designam o sofrimento e a morte do Filho de Deus. Entretanto, este sofrimento, na natureza humana assumida, é o sofrimento do Filho de Deus, visto que a natureza humana não constitui uma pessoa separada, mas pertence à Pessoa do Filho de Deus (CD, Volume 2, p. 140, grifos meus). Em outras palavras, Lutero afirmou que a pessoa de Cristo sofreu através da sua natureza hum ana. Ao dizer isso, Lutero não estava afirmando a noção herética do patripassianismo (que o Pai sofreu),4 pelo contrário, ele estava afirmando a noção ortod oxa de Cristo sofrendo na carne. Portanto, quando u m a pessoa declara “Deus sofreu”, é verdade em u m sentido e falso em ou tro. E verdade no sentido de que a Segunda Pessoa da Divindade, Cristo, sofreu através da sua n atu reza hum ana. Todavia, é falso, se o significado é que qualquer o u tra Pessoa n a Divindade sofreu, pois a natureza divina é impassível, e n em o Pai n em o Espírito Santo tem u m a n atu reza h u m an a pela qual qualquer u m dEles possa sofrer. foão Calvino (1509-1564) João Calvino explicou as expressões bíblicas que falam sobre o sofrim ento de Deus, dizendo que são antropopatismos, e reivindicando que o arrependim ento de Deus é exatamente o mesmo que é significado pelas outras formas de expressão, pelas quais Deus é descrito conosco humanamente. Pelo fato de a nossa fraqueza não poder alcançar a sua altura, toda descrição que recebemos dEle tem de ser abaixada ao nível de nossa capacidade para ser inteligível. E o modo de abaixamento é representá-lo não como Ele realmente é, mas como nós o concebemos. Sem elhantem ente: EmboraEle sejaincapaz de todo sentimento de perturbação, Ele declara que es tá irado com os ímpios. Portanto, quando ouvimos que Deus está bravo, não devemos imaginar que haja emoção nEle, mas temos de considerar o modo de fala acomodado ao nosso sentido, Deus nos parecendo como uma pessoa inflamada e irritada sempre que Ele exercita julgamento, assim não devemos imaginar coisa mais abaixo do termo arrependimento 3 Quando Lutero diz “parte”, ele quer dizer natureza.
4 O patripassianismo é um a heresia teológica que surgiu durante o
século III. Esta falsa crença declarava que quando Cristo sofreu, o Pai tam bém sofreu.
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do que uma mudança de ação, os homens sendo habituados a testemunhar do seu descontentamento por tal mudança. (ICR, 1.17.12, 13) Ja có Armínio (1560-1609) Resum indo m uitos dos atributos metafísicos de Deus, A rm ínio escreveu: Conclui-se que esta essência é simples e infinita; disto, que é eterno e imensurável; e, por último, que é imutável, impassível e incorruptível, da maneira na qual foi provado por nós em nossas teses públicas sobre este assunto. ( WJA, Volume 2, Discussão 15.7) Na Discussão IV, Artigo XVII, Arm ínio disse: A impassibilidade é um modo preeminente da essência de Deus, de acordo com a qual é destituído de todo o sofrimento ou sentimento; não só porque nada pode agir contra esta essência, pois é de Ser infinito e destituído de uma causa externa, mas semelhantemente porque não pode receber o ato de qualquer coisa, pois é de entidade simples. Portanto, Cristo não sofreu de acordo com a essência da sua deidade. (ibid., 2:117) Diz o Artigo XIII: Da simplicidade e infinidade do sentido divino, surge a infinidade com respeito ao tempo, que é chamada “eternidade”; e com respeito a lugar, que é chamada “imensidade”, impassibilidade, imutabilidade e incorruptibilidade, (ibid., 2:116) Francis Turretin (1623-1687) O teólogo reform ado Francis Turretin com partilhava co m João Calvino da m esm a com preensão básica do suposto arrependim ento de Deus: Atribui-se arrependimento a Deus segundo a maneira dos homens (antropopatia), mas tem de ser entendido segundo a maneira de Deus (teoprepos): não com respeito ao seu conselho, mas ao evento; não em referência à sua vontade, mas à coisa desejada; não ao afeto e aflição interna, mas ao efeito e trabalho externo, porque Ele faz o que o homem penitente normalmente faz. Se arrependimento relativo à criação do homem (a qual Ele não pôde desfazer) é atribuído a Deus (Gn 6.6,7), não deve ser entendido pateticamente, mas energeticamente. (IET, 1:206.XI) Jonathan Edwards (1703-1758) Em bora Jonathan Edwards não tratasse do tópico co m o tal, ele sustentou que o conselho de Deus p erm anece firme, e assim faz a sua felicidade. Edwards ensinou que a vontade de Deus sem pre é feita, logo, conclui-se que Deus é infinitam ente feliz. Portanto, a desgraça dos hom ens, que tem de en trar na vontade de Deus, não pode destruir a felicidade divina, mas tem de ser parte dela (em Gerstner, RBTJE, 2:61).
OBJEÇÕES À IMPASSIBILIDADE DE DEUS Ainda que ten h a havido m al-entendidos e descasos sobre este im p o rtan te atributo de Deus, sobretudo em tem pos mais recentes, no en tan to , desde o princípio tem
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sido parte consistente e confessional da cren ça o rto d o x a sobre Deus. Foi som en te co m as recentes invasões da teologia do processo no cristianism o que houve esforços com binados p ara arru in ar este ensino. Estas tentativas vieram principalm ente dos que foram influenciados pelo panenteísm o5 e n eoteísm o (ver Volum e 1, capítulos 2 e 5).
Objeção Um: Baseada na Expiação de Cristo Os evangélicos su sten tam que C risto é Deus (Jo 1.1; Hb 1.8; C l 2.9) e afirm am que Ele sofreu n a cru z (1 Pe 2.24; 3.18; Is 5 3 .3-5).6 C onsiderando que estas duas declarações são verdadeiras, certos estudiosos insistem que Deus sofreu n a cru z. E se Ele sofreu, então Deus não é impassível. A firm am ainda que a impassibilidade é o mais duvidoso dos atributos divinos, porque dá a en tender que Deus não exp erim enta tristeza, sofrim ento ou dor. A impassibilidade nega que Deus seja tocad o pelos sentim entos das nossas fraquezas, apesar do que a Bíblia diz sobre o seu a m o r e a sua tristeza. C o m o pode Deus am ar e ao m esm o tem po não se doer pelo mal? C o m o pode Deus p erm an ecer impassível, quando Deus Filho experim entava sofrim ento e m orte? (ver Pinnock, OG, p. 118).
Resposta à Objeção Um E m resposta a esta objeção, precisam os ressaltar a cren ça o rto d o x a na “união h ipostática”, isto é, nas duas naturezas, divina e h um an a, coexistindo em u m a só pessoa. Os credos históricos afirm am que estas naturezas não devem ser n em separadas (co m o no nestorianism o), e m u ito m enos m escladas (co m o no m onofisism o). Jesus tinh a duas naturezas distintas, u m a divina e a o u tra h um an a. Ele sofreu em sua n atu reza h u m an a e através dela, e não em sua n atu reza divina. Aquele que sofreu era o D eu s-H om em , con tu d o, Ele não sofreu co m o Deus, m as co m o h o m em . C om o previam ente m encionado, esta objeção é sem elhante à heresia do século III ch am ad a patripassianism o (literalm en te, “Pai-sofrim ento”), que afirm a que o Pai sofreu na cru z quando Jesus sofreu. Este p on to de vista não reco n h ece que a natureza divina não exp erim entou sofrim ento; só u m a pessoa (C risto ), que tam bém com p artilh a a n atu reza divina co m o Pai e o Espírito Santo, sofreu n a cru z — e isso n a sua n atu reza h um ana. Deus não sofreu n a cru z; só a Segunda Pessoa da Divindade sofreu. Afirm ar o con trário é confundir as duas n aturezas de C risto e en trar em heresia.
Objeção Dois: Baseada na Pessoalidade de Deus A definição co m u m en te aceita de pessoa diz que u m a pessoa é a que tem intelecto, em oções (sen tim en tos) e vontade. Am bos os lados da disputa da impassibilidade con cord am que há pessoalidade em Deus. Todos os três m em bros da Trindade são pessoas, e sendo assim, a Trindade, co m o pessoas, têm de poder exp erim entar em oções (inclusive sofrim en to). Por conseguinte, reco n h ecer a pessoalidade em Deus é u m acordo tácito de que Deus — todas as Três Pessoas — podem sofrer.
5N d o E: “Sistem a filosófico criado pelo alem ão Karl Christian Friedrick Krause (1781-1832), que vê todos os seres em Deus e Deus em todos os seres. (Diverge de panteísm o: adoração da natureza, por adm itir que Deus está em toda a n atureza)” ([Teologia Contemporânea, CPAD, 2002, p .131).
6 Quanto aos outros versículos que afirm am que Jesus de fato
sofreu, ver M ateus 17.12; Atos 3.18; 26.23; Hebreus 2.10; 5.7,8.
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R e sp o sta à O b je çã o D ois Em resposta a esta objeção, duas coisas devem ser notadas. Primeiro, tem os de concordar que Deus tem sentim entos, co m o indicam num erosos versículos. Segundo, é igualm ente im portante m o strar que Deus não m uda (ver capítulo 4). Disto, conclui-se que Deus não pode experim entar sentim entos mutáveis, quer dizer, Deus é impassível. Contudo, isto não significa que Deus não ten h a sentim entos: Ele tem sentim entos imutáveis. De fato, Ele até tem sentim entos diferentes. Ele sem pre se sente bem co m o nosso sentim ento bom , e Ele sem pre se sente m al co m o nosso sentim ento m al. Além disso, Deus não m uda quando nos arrependem os: Ele sem pre sente o m esm o sobre o m esm o. Quando m udam os, Deus não muda. Nós sim plesmente passamos de u m para ou tro atributo inalterável de Deus. Por exem plo, Deus se sente m al co m a nossa maldade; quando m udam os, Deus se sente bem co m o nosso novo estado de ser bom . C o m o já com entado, Deus experim enta sentim entos, mas não do m odo que os experim entam os. Ele os experim enta conform e a sua própria natu reza — de m od o ativo, eterno e impassível. Em sum a, co m o as outras relações co m as suas criaturas, Deus não é reativo, mas proativo nos seus sentim entos. O b je çã o T rês: B asead a n as D e c la ra ç õ e s B íb licas so b re os S e n tim e n to s de D eu s A Bíblia deixa claro que Deus tem sentim entos: O Espírito de Deus se entristece pelo pecado (Ef 4.30); Deus odeia o m al (SI 45.7); o ciúm e (zelo) de Deus arde de raiva con tra o pecado (D t 29.20). Zacarias declarou: “Assim diz o S en h o r dos Exércitos: Zelei po r Sião co m grande zelo e co m grande indignação zelei por ela” (Z c 8.2). Além disso, a Bíblia diz que Deus se agrada co m a nossa fé (Hb 11.6). C om o pode, então, Deus ser impassível (sem em oção)? R e sp o sta à O b je çã o T rês Em resposta, precisam os enfatizar mais u m a vez que Deus tem sentim entos, mas que estes são inalteráveis. Há dois sentidos diferentes nos quais Deus tem sentim entos. Ele sente no sentido de percepção, mas não no sentido de emoção. Ele tem sensibilidade, mas não sentimentalidade. E m sum a, Ele tem sentim entos imutáveis, mas não sentim entos mutáveis. O b je çã o Q u a tro : B asead a n a S u p o sta O rig em n a Filo so fia g re g a
Os çtoçonentes da. çassibilidade de Deus tentam defender a sua visão historicam ente de dois modos. Primeiro, em gera\ e\es argum entam que affioso&agtega, e m o a^íoVia, visão do teísmo clássico sobre a impassibilidade. Segundo, eles tentam achar alguns antecedentes para apoiar essa visão dissidente dos escritos dos Pais da Igreja. Destes dois m odos eles p ro cu ram justificar a negação da impassibilidade de Deus. R e sp o sta à O b je çã o Q u a tro Os m esm os argum entos são usados co n tra a eternidade e imutabilidade de Deus,
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para as quais a resposta já foi dada (ver capítulo 4). É suficiente n otar aqui que esta visão não é verdadeira. C om o m ostrado acim a, a impassibilidade de Deus se depreende do entendim ento sadio dos dados bíblicos e teológicos, independente de qualquer pensam ento copiado da teologia grega. Além disso, as raízes do teísmo bíblico não se acham em parte algum a no pensam ento grego; co m o vimos, os gregos não tinham u m Deus pessoal e infinito, m uito m enos u m Deus trino: Pai, Filho e Espírito Santo.
Objeção Cinco: Baseada na “Teologia da Cruz” de Lutero C o m o com entado acim a, M artinho Lutero se referiu ao sofrim ento de Cristo, que é inclusivo da sua n atureza divina, co m o tam bém da sua n atureza hum ana.
Resposta à Objeção Cinco Este é u m apoio histórico m uito fraco a favor da passibilidade de Deus por várias razões. Primeiro, m esm o que ten h a sido isto o que Lutero quis dizer, ele teria sido o prim eiro im portante m estre ortodoxo da história do cristianismo a sustentar tal visão. Segundo, não está claro que Lutero quis afirm ar a passibilidade de Deus tanto quanto refutar o nestorianism o, que negava que u m e o m esm o Jesus que m o rreram eram Deus e h om em . Terceiro, Lutero faz outras declarações contrárias (ver acima). Quarto, co m o já m ostrado, os teólogos luteranos, co m o Francis Pieper, negam esta visão e afirm am a impassibilidade de Deus.
A INFINIDADE DE DEUS O Significado da Infinidade de Deus O term o infinito ( “não^fmito”) é de form a negativa, mas denota u m atributo positivo de Deus. Deus é literalm ente ilimitado no seu Ser: Ele é sem limites, u m Ser além dos limites do universo criado. É só p or causa da natureza finita de nossos conceitos que este atributo positivo tem de ser expresso em term os negativos (ver capítulo 1). A infinidade de Deus deve ser diferenciada dos outros conceitos de “infinito”. Deus não é u m infinito co m o se acha na m atem ática, em que há u m n úm ero infinito de pontos entre A e B; este é um' infinito abstrato, não u m infinito con creto, co m o Deus é. Deus é infinito de m odo metafísico, não de m odo m atem ático; Ele é u m Ser infinito real, não u m Ser infinito abstrato. Além disso, Deus não é u m a série infinita de coisas reais; Ele não é u m a série infinita de m om entos, por exem plo, de u m m o m en to depois do outro. N a m elhor das hipóteses, este seria só u m potencial infinito, no qual mais u m m o m en to sem pre podia ser acrescentado. Deus tam bém não é u m a série de m om entos nem pode ser acrescentado a eles. Ele é o Ser realm ente Infinito (não u m a série) e nada pode lhe ser adicionado de algum a form a.
A BASE BÍBLICA PARA A INFINIDADE DE DEUS As bases bíblicas p ara a infinidade de Deus se derivam do fato de que Ele está além do m u n d o finito — Ele é o C riad o r e seu S usten tad or. “No princípio, crio u D eus os céus e a te r ra ” (G n 1.1). “Mas, na verdade, habitaria Deus n a terra? Eis que
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o s c é u s e a t é o c é u d o s c é u s t e n ã o p o d e r i a m c o n t e r ” (1 R s 8 .2 7 ) . “G r a n d e é o n o s s o S e n h o r e d e g r a n d e p o d e r ; o s e u e n t e n d i m e n t o é i n f i n i t o ” ( S I 1 4 7 .5 ). “P o r v e n t u r a , a lc a n ç a r á s os c a m in h o s de D e u s o u c h e g a rá s à p e r fe iç ã o d o T o d o -p o d e r o s o ? C o m o as a l t u r a s d o s c é u s é a s u a s a b e d o r ia ; q u e p o d e r á s t u fa z e r? M a is p r o f u n d a é e la d o q u e o i n f e r n o ; q u e p o d e r á s t u sa b e r? M a is c o m p r i d a é a s u a m e d i d a d o q u e a t e r r a ; e m a is la r g a d o q u e o m a r ” ( J ó
1 1 .7 - 9 ). “ N o a n o e m q u e m o r r e u o r e i U z ia s , e u
v i a o S e n h o r a s s e n ta d o s o b r e u m a lto e s u b lim e tr o n o ; e o se u s é q u ito e n c h ia o t e m p l o ” (Is 6 .1 ) . “Q u e m m e d i u c o m o s e u p u n h o as á g u a s , e t o m o u a m e d i d a d o s c é u s ao s p a lm o s , e r e c o lh e u e m u m a m e d id a o p ó d a te r r a , e p e s o u os m o n te s e os o u t e ir o s e m b a l a n ç a s ? ” (Is 4 0 .1 2 ) . “P o r q u e o s m e u s p e n s a m e n t o s n ã o s ã o o s v o s s o s p e n s a m e n t o s , n e m o s v o s s o s c a m i n h o s , o s m e u s c a m i n h o s , d iz o S e n h o r . P o r q u e , a s s im c o m o o s c é u s sã o m a is a l t o s d o q u e a t e r r a , a s s im s ã o o s m e u s c a m i n h o s m a is a l t o s d o q u e o s v o s s o s c a m i n h o s , e o s m e u s p e n s a m e n t o s , m a is a l t o s d o q u e os v o s s o s p e n s a m e n t o s ” (Is 5 5 .8 ,9 ) . “P o r q u e a s s im d iz o A l t o e o S u b l i m e , q u e h a b i t a n a e t e r n i d a d e e c u jo n o m e é S a n t o ” (Is 5 7 .1 5 ) . “A s s im d iz o S e n h o r : O c é u é o m e u t r o n o , e a t e r r a , o e s c a b e l o d o s m e u s p é s . Q u e c a s a m e e d if ic a r íe is v ó s? E q u e l u g a r s e r ia o d o m e u d e s c a n s o ? P o r q u e a m i n h a m ã o fe z t o d a s e s ta s c o is a s , e t o d a s e s ta s c o is a s f o r a m f e it a s , d iz o S e n h o r ” (Is 6 6 .1 ,2 ) . “ O p r o f u n d i d a d e d a s r iq u e z a s , t a n t o d a s a b e d o r ia , c o m o d a c i ê n c ia d e D e u s ! Q u ã o in s o n d á v e is s ã o o s s e u s ju í z o s , e q u ã o in e s c ru tá v e is , os seu s c a m in h o s !” (R m
1 1 .3 3 ). “E e le é a n t e s d e t o d a s as c o is a s , e
to d a s as c o is a s s u b s is t e m p o r e l e ” ( C l 1 .1 7 ).
A BA SE T E O L Ó G IC A PA R A A IN FIN ID A D E D E D E U S A in fin id a d e d e D e u s flu i d e v á rio s o u t r o s d e se u s a t r ib u to s , c o m o a p u r a r e a lid a d e , a n ã o - c a u s a lid a d e , a s im p lic id a d e , a o n ip o t ê n c ia e a o n is c iê n c ia .
A In fin id ad e se S egu e da P u ra R ealid ad e D e u s é P u r a R e a lid a d e ( v e r c a p ít u lo 2 ), e p u r a r e a lid a d e n ã o t e m p o te n c ia lid a d e ( p o t ê n c ia ) — se tiv e sse , n ã o se r ia p u r a re a lid a d e . A p o t ê n c ia é o q u e l im i t a a re a lid a d e , v is to q u e a r e a lid a d e c o m o ta l é ilim ita d a e ú n ic a . P o r e x e m p lo , o q u e l im i t a a q u a n tid a d e d e á g u a q u e u m ja r r o d e u m lit r o p o d e c o n t e r é a s u a p o te n c ia lid a d e p a r a c o n t e r s o m e n t e u m lit r o e n a d a m a is . Q u a n d o to d o s os lim ite s sã o a fa sta d o s, a c a p a c id a d e é ilim ita d a . P o r n a t u r e z a , a p u r a re a lid a d e n ã o t e m lim ite s — é in f in ita .
A In fin id ad e se S egu e d a N ã o -C a u sa lid a d e T u d o o q u e é c a u s a d o é lim ita d o , p o is se se r c a u s a d o s ig n ific a t e r p o te n c ia lid a d e r e a liz a d a , e n tã o t u d o q u e é c a u s a d o t e m l im ita ç ã o . T u d o q u e é n ã o - c a u s a d o é ilim ita d o . P o r c o n s e g u in t e , D e u s , c o m o a C a u s a n ã o - c a u s a d a d e tu d o q u e é c a u s a d o p a r a e x istir, t e m d e s e r ilim ita d o n a su a e x is tê n c ia . C o m o p r e v ia m e n t e e s ta b e le c id o , t u d o o m a is q u e e x is te m e r a m e n t e tem e x is tê n c ia ; só D e u s é e x is tê n c ia , p u r a e s im p le s . O q u e é e x is tê n c ia é ilim ita d o e m su a e x is tê n c ia ; p o r t a n t o , D e u s é e x is t ê n c ia ilim ita d a o u in f in ita .
A In fin id ad e se S egue da S im p licid ad e D e u s é u m S e r s im p le s ( o u n ã o - c o m p o s t o ) : E le n ã o t e m p a r te s , p ó lo s o u d im e n s õ e s , e E le é s e m p a r te s o u p a r t íc u la s . O q u e E le é, o é d e m o d o n ã o -d iv id id o e n ã o - c o m p o s t o
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(ver capítulo 2). Sendo assim, tudo que Deus “te m ”, isso Ele é. Se Ele “te m ” conhecim ento, então Ele é conhecim ento, e se Ele “te m ” poder, então Ele é poder, e assim por diante. Deus “te m ” o ser, quer dizer, Ele existe. Por conseguinte, Deus é Ser (existência) de m odo ilimitado (infinito).
A Infinidade se Segue da Onipotência O que é onipotente é de poder infinito. A Bíblia descreve Deus co m o sendo de poder infinito, isto é, onipotente (ver capítulo 7). P orém se Deus é simples, o seu poder é idêntico ao seu Ser, pois, repetindo, tudo que Deus “te m ”, isso Ele é. Portanto, se Deus é infinito em seu poder, então Ele tem de ser infinito no seu Ser.
A Infinidade se Segue da Onisciência O m esm o argum ento pode ser feito acerca da onisciência de Deus. A Bíblia afirma que Deus é infinito em seu conhecim ento (ver capítulo 8). O seu con hecim en to é idêntico ao seu Ser; p or conseguinte, Deus tem de ser infinito em seu Ser. C om o disse Stephen C harnock: “Deus conhece todas as coisas desde a eternidade, e, p ortan to, perpetuam ente as conhece; a razão é porque o con hecim en to divino é infinito, e, p ortan to, com preende todas as verdades conhecíveis im ediatam ente” (T urretin, IET, p. 323).
A BASE HISTÓRICA PARA A INFINIDADE DE DEUS Os “deuses” gregos de Platão e Aristóteles eram seres finitos: Eles estavam limitados em sua própria natureza. N a realidade, eles n em eram deuses, visto que não eram para ser adorados; mais exatam ente, eles eram princípios metafísicos últim os. Por contraste, o Deus dos profetas e apóstolos bíblicos é infinito (ilim itado) em seu Ser. Esta crença está firm em ente arraigada na Bíblia e no bom senso, co m o tam bém por unanim idade é expressa pelos Pais ortodoxos da Igreja.
Os Primeiros Pais da Igreja Falaram sobre a Infinidade de Deus Os doutores patrísticos podem não ter sido teólogos sistemáticos, m as eram mais teologicam ente perspicazes do que se reconhece. O deísmo finito (ver Volum e 1, capítulo 2) era de origem grega, e os primeiros Pais viram claram ente que era não-cristão. Inácio (110 d. C.) Inácio disse: “Não h á ninguém superior a Deus, ou m esm o igual a Ele, entre todos os seres que existem ” (EIS, 9, em Roberts and Donaldson, ANF, I). Irineu (c. 125-c. 202) Irineu afirmou: Contudo se qualquer um não descobre a causa de todas essas coisas, que se tornam objetos de investigação, que ele reflita que o homem é infinitamente inferior a Deus; que ele só recebeu em parte graça, e ainda não é igual ou semelhante ao seu Criador; e, além disso, que ele não pode ter experiência ou formar uma concepção de todas as coisas como Deus faz. (AH, em ibid., 2.25.3)
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Taciano (1 2 0 -1 7 3 ) T a c ia n o e s c r e v e u :
O nosso Deus não com eçou no tem po: só Ele é sem com eço, e Ele é o com eço de todas as coisas. Deus é Espírito, não m atéria im pregnante, mas o Criador dos espíritos materiais e das formas que estão na m atéria, Ele é invisível, impalpável, sendo Ele m esm o o Pai das coisas sensatas e invisíveis. A Ele conhecem os da sua criação, e tem em os o seu poder invisível através das suas obras. (A G , 4, em ibid., 2.119) T eófdo (m. 180) T e ó f ilo a f ir m o u :
Ele [Deus] é sem com eço, porque Ele é não-gerado; e Ele é imutável, porque Ele é im ortal. E Ele é cham ado Deus porque Ele colocou todas as coisas em segurança dispostas por Ele m esm o. [...] Mas Ele é Senhor, porque Ele rege sobre o universo; Pai, porque Ele é antes de todas as coisas; Produtor e Criador, porque Ele é o criador e fabricante do universo; o Altíssimo, porque Ele está acima de tudo. (T A , 1.4, em ibid., 2.163)
Os Pais da Ig re ja M ed ieval F a la ra m so b re a In fin id ad e de D eu s A in fin id a d e d e D e u s é a p r e s e n ta d a c la r a e e n f a t i c a m e n t e p e lo s g r a n d e s m e s t r e s d a Id a d e M é d ia . D e s d e A g o s tin h o a té T o m á s d e A q u in o , a d o u t r i n a f o i d e c la r a d a e d e fe n d id a . Agostinho (3 5 4 -4 3 0 ) C o m o v im o s , A g o s tin h o a f ir m o u :
E esse absoluto “E”, esse verdadeiro “E ”, que “E” no verdadeiro sentido da palavra que eu anseio; esse “É ”; que “é ” naquela “Jeru salém ” que é “a N oiva” do m eu Senhor; onde não haverá m orte, nem haverá im perfeição; haverá um dia que não passará, mas continuará: que nem tem um ontem para precedê-lo, nem um am anhã para pressioná-lo. (EBP, 39.8) E a c r e s c e n to u :
Porque eu disse: “EU SOU O QUE SO U ” [...] tu entendeste o que é o Ser, e tu te desesperas em apoderar-te disso. Tem esperança: “Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó”; portanto, Eu sou o que sou, portanto, Eu sou o próprio Ser, portanto, Eu estou com o próprio Ser, de form a que Eu possa não querer estar necessitado de hom ens. (SNTL, 7.7) Pois toda a substância que não é um a coisa criada é Deus, e tudo que não é
criado é Deus. (OT, 1.6) Tomás de A quino (1 2 2 5 -1 2 7 4 )
E contra a natureza de um a coisa feita para a sua essência ser a sua própria existência; porque o ser subsistente não é um ser criado; por conseguinte, é contra a natureza de um a coisa criada ser absolutam ente infinita. Portanto, com o Deus, em bora Ele tenha poder
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infinito, não pode fazer uma coisa para nao ser feita, [...] portanto, semelhantemente, Ele não pode fazer nada para ser absolutamente infinito. (ST, la.7.2, ad 1) Tomás de Aquino continuou: O fato de o ser de Deus ser auto-subsistente, não recebido de qualquer outro, e ser assim cham ado infinito, m ostra que Ele é distinto de todos os outros seres, e todos os outros têm de estar à parte dEle. (ibid., la.7.1, ad 3)
Os Mestres da Reforma Falaram sobre a Infinidade de Deus Os Reform adores não tiveram razão para questionar a infinidade de Deus e nem a questionaram . Na realidade, eles repetiram a verdade e im portância do que os seus antecessores teológicos tinham expostos antes deles. Martinho Lutero (1483-1546) M artinho Lutero escreveu: Este espírito orgulhoso e convencido [...] revela as suas idéias imaturas e estúpidas, quando concebe da onipresença de Deus como se Deus fosse um Ser imenso e expansivo que enche o mundo inteiro e se estende até para fora dEle, como um saco tão cheio de palha que a palha se projeta do topo e do fundo; da mesma maneira como se Deus estivesse presente em todos os lugares de acordo com o primeiro, a maneira corpórea e compreensível. [...] Mas esta não é a nossa linguagem. Pelo contrário, negamos que Deus seja tal Ser estendido, comprido, largo, grosso, alto e baixo. Defendemos, mais exatamente, que Deus é um Ser sobrenatural e insondável, que a um e o mesmo tempo está em cada pequeno núcleo de grão e também dentro, sobre e fora de todas as criaturas. [...] Nada tão grande que Deus não seja ainda maior; nada tão curto que Deus não seja ainda mais curto; nada tão comprido que Deus não seja ainda mais comprido; nada tão largo que Deus não seja ainda mais largo; nada tão estreito que Deus não seja ainda mais estreito etc. Em uma palavra, Deus é um Ser inexprimível, acima e além de tudo o que possa ser dito ou pensado. (LW, pp. 542, 543) João Calvino (1509-1564) João Calvino afirmou: “Deus, em sua infinita misericórdia, tendo determ inado nos resgatar, se tornou o nosso Redentor na Pessoa do seu único Filho gerado” (IC R ,
2.12.2). O seu objetivo [de Paulo] era declarar, que o que a nossa mente abraça por fé é de todo modo infinito, que este tipo de conhecimento ultrapassa de longe toda a compreensão. [...] “o mistério que esteve oculto desde todos os séculos e em todas as gerações [...], agora foi manifesto aos seus santos”. (Colossenses 1.26; ibid., 3.2.14) Calvino continuou: A natureza de Deus é em si infinita, invisível, eterna, todo-poderosa; de onde se conclui que se enganam os que atribuem a Deus uma forma visível. Na sua única essência há três pessoas, o Pai, o Filho e o Espírito Santo. (ICR, p. 100, “Aphorisms” [Provérbios], 1.8, grifos meus)
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Os M estres da P ó s -R e fo rm a F a la ra m s o b re a In fin id ad e d e D eu s A f o r t e tr a d iç ã o q u e a fir m a v a a in fin id a d e d e D e u s s e g u iu -s e ap ó s a R e f o r m a e c o n t in u a n o s t e m p o s h o d ie r n o s . S o b a in f lu ê n c ia d a t e o lo g ia d o p r o c e s s o c o n t e m p o r â n e a , c e r to s e v a n g é lic o s a t a c a r a m e s te a t r ib u to c lá s s ic o ; n o e n t a n t o , o s se u s a n t e c e s s o r e s n o p e r ío d o d a p ó s - r e f o r m a d e fe n d e r a m f o r t e m e n t e a a t e m p o r a lid a d e d e D e u s .
Jacó A rm ínio (1 5 6 0 -1 6 0 9 ) Ja có A rm ín io e sc re v e u :
Por conseguinte, conclui-se que esta essência é simples e infinita; disto, que é eterno e imensurável; e, por fim, que é inalterável, intransitável e incorruptível, da m aneira na qual foi provado por nós em nossas teses públicas sobre este assunto. ( W JA , 2:117) Jonathan Edwards (1 7 0 3 -1 7 5 8 ) J o n a t h a n E d w a rd s d e c la r o u :
Reunindo estas coisas, o Deus infinitam ente santo [...] é um Ser que é toda virtude possível, na mais absoluta pureza e perfeição, brilho e amabilidade, o padrão mais perfeito de virtude, e de quem toda a virtude de outro não passa de m ero raio de sol. (W JE , 1.41) Francis Turretin (1 6 2 3 -1 6 8 7 ) U m a v e z m a is , T u r r e t in a f ir m o u :
A infinidade de Deus se depreende da sua simplicidade e é igualm ente difundida pelos outros atributos de Deus, e, por m eio disso, concebe-se que a natureza divina é livre de todo o lim ite da imperfeição: quanto à essência (pela incom preensibilidade), quanto à duração (pela eternidade) e quanto à circunscrição, em referência ao lugar (pela imensidade). Aqui tratam os o primeiro, deixando os outros para considerações futuras. ( IE T , p. 194) E a c r e s c e n to u :
O atributo ortodoxo da infinidade absoluta a Deus com respeito à essência. Em primeiro lugar, a Bíblia ensina isto claram ente: “Grande é o
Senhor,
e m ui digno de ser louvado”
(1 Crônicas 16.25), e acerca da sua grandeza há aplicação ao Deus mais simples, mas acerca da grandeza, ou m elhor da infinidade, da essência e virtude, (ibid., p. 195) Is to se sa b e a c e r c a d a p e r fe iç ã o d e D e u s :
Pois visto que Ele tem toda perfeição que pode ser possuída, é evidente que nada pode ser concebido m elhor e mais perfeito. Portanto, Ele tem de necessariam ente ser infinito, porque um bem infinito é m elhor que um bem finito, (ibid.)
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Stephen Charnock (1628-1680) Stephen C harnock insistiu: Se Deus não fosse Espírito, Ele não poderia ser infinito. Todos os corpos são de natureza finita; todo o mundo é material, e toda coisa material acaba. O sol, um enorme corpo, tem uma grandeza delimitada; os céus de tamanho grandioso, ainda têm os seus limites. Se Deus tivesse um corpo, Ele tinha de consistir-se de partes, essas partes seriam delimitadas e limitadas, e tudo que é limitado é de virtude finita, e, portanto, está abaixo de uma natureza infinita. A razão então nos diz que a natureza mais excelente, como Deus é, não pode ser de estado corpóreo; por causa da limitação e de outras ações que pertencem a todo corpo. (EAG, 1:185, 186) C harnock afirmou: Não podemos ter uma concepção adequada ou satisfatória de Deus: Ele mora na luz inacessível; inacessível à agudez de nossa imaginação, como também à fraqueza de nosso sentimento. Se pudéssemos ter pensamentos sobre Ele, tão altos e excelentes quanto a sua natureza, as nossas concepções têm de ser tão infinitas quanto à sua natureza. (EAG, 1:196) Resum indo, acerca da declaração que Deus fez a Jó, C harnock escreveu: ‘“Eu sou o que sou’; u m ser simples, puro, não-com p osto, sem qualquer m istura criada; tão infinitam ente acim a do ser das criaturas quanto acim a das concepções das criaturas [Jó 37.23]” (ibid., 1:182-183). E acrescentou: O nosso tempo é senão uma pequena gota, como a areia para todos os átomos e partículas dos quais é feito o mundo; mas Deus é um mar ilimitado de ser. “Eu sou o que sou”, ou seja, uma vida infinita; Eu não a tenho agora, a qual Eu não tive antigamente; Eu não terei depois o que Eu não tenho agora; Eu sou isso em todo momento que Eu era e serei em todos os momentos do tempo, (ibid., 1:287) R. L. Dabney (1820-1898) Dabney disse: Os atributos são completamente sem limites. De fato, alguns teólogos das escolas modernas negariam o que queremos dizer pelo termo, afirmando que a infinidade é uma idéia que a mente humana não pode absolutamente ter. Eles empregam o famoso argumento de Sir W. Hamilton, que diz que “a mente finita não pode pensar o incondicionado; porque pensar nisso é limitá-lo”. Sempre me pareceu que a verdade clara sobre este assunto é que a mente humana não apreende a idéia da infinidade (ou por que razão a palavra?), mas que não pode compreendê-la. A mente sabe que há o infinito; não pode saber bem o que é. Deus é absolutamente sem limites, quanto à sua substância (imenso), quanto à sua duração (eterno), quanto ao seu conhecimento (onisciência), quanto à sua vontade (onipotência), quanto às suas perfeições morais (santidade). E uma essência infinita. (LST, p. 173)
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William G. T. Shedd (1820-1894) Shedd assegurou: A infinidade de Deus é a sua essência divina vista como não tendo fronteiras ou limites. E visto que limitação insinua imperfeição, a infinidade de Deus insinua que sob todos os aspectos Ele é perfeito no que Ele é infinito. Se conhecimento em qualquer ser tem limites, é conhecimento imperfeito; se a santidade tiver graus ou limites em qualquer espírito racional, é santidade imperfeita. Entretanto, a santidade finita é excelência real, e conhecimento limitado é conhecimento real. A finitude da santidade não a converte em pecado; nem a limitação do conhecimento a converte em erro ou mentira. A imperfeição ou limitação do finito não se relaciona com a qualidade, mas com a quantidade. A infinidade é um termo geral que denota uma característica pertencente a todos os atributos comunicáveis de Deus. O seu poder, o seu conhecimento, a sua veracidade é infinita. Também caracteriza o ser de Deus, como também os seus atributos. A sua essência é infinita. Sob este aspecto, a infinidade é como a eternidade e a imutabilidade. Esta última, como a primeira, impregna a essência e todos os atributos comunicáveis. (DT, p. 339) 0 Catecismo Menor de Westminster Este catecism o (Q. 4) define que Deus é u m Espírito, que é “infinito, eterno e im utável”, prim eiro em “ser” essencial, depois em sua “sabedoria, poder, santidade, justiça, bondade e verdade”. A infinidade divina é ensinada em Jó 11.7-9: “Porventura, alcançarás os cam inhos de Deus ou chegarás à perfeição do Todo-poderoso? C o m o as alturas dos céus é a sua sabedoria; que poderás tu fazer? Mais profunda é ela do que o inferno; que poderás tu saber? Mais com prida é a sua medida do que a terra; e mais larga do que o m a r”. John Miley (1813-1895) John Miley disse: A doutrina da essência infinita do ser deve, cuidadosam ente, ser vigiada no pensam ento e expressão. Caso contrário, pode se to rn ar a fundação para o panteísmo. Em todo o verdadeiro teísm o, a essência divina é espírito puro e absoluto. Todo o sentido de m agnitude ou extensão espacial é estranho a tal natureza, e deveria ser excluído de nossa noção da onipresença divina. (ST, p. 218) O B JE Ç Õ E S À IN FIN ID A D E D E D E U S Muitas objeções foram levantadas con tra a infinidade de Deus. Entre estas, as seguintes são as mais significativas. Todas têm respostas segundo a perspectiva teísta bíblica. O b je çã o U m : B asead a n a Im p o ssib ilid ad e de o u tr o S er Os monistas (ver Volume 1, capítulo 2) argum entam que se Deus é infinito, não pode haver nada mais, pois é impossível ter mais que u m infinito, o que haveria se houvesse um Ser infinito mais ou mais seres. Há outros seres diferentes de Deus — por exem plo, eu. A m inh a existência é inegável, visto que eu não posso negá-la sem existir para fazer a negação.
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Além disso, está claro que eu não sou infinito em m eu conhecim ento, visto que duvido, com eto erros, aprendo e fico sabendo. Mas u m a Inteligência infinita não pode fazer n en h u m a destas coisas, e se u m a M ente infinita (D eus) e u m a m ente finita (eu) existem , então h á mais de u m infinito. Isto é impossível; p o r conseguinte, se eu (que tenho u m a m ente finita) existo, então Deus não pode ser infinito. Em outras palavras, para ter dois ou mais seres no universo, ambos têm de ser finitos: Se houver u m Ser infinito, então não há lugar para outro ser. Em sum a, infinito significa Tudo, e é impossível ter mais que Tudo.
Resposta à Objeção Um Em resposta, as criaturas finitas não são mais do que Deus; elas sim plesm ente são diferentes de Deus. Portanto, não há mais que Tudo. Além disso, quando u m Ser infinito cria outros seres, não há mais seres; há som ente mais que têm o ser. Da m esm a m aneira, quando u m professor dá u m a aula, não há mais conhecim ento, só há mais quem o tem . Todos os seres finitos só com partilham o ser, porque Deus o deu a eles: “[...] nEle vivemos, e nos m ovem os, e existim os” (A t 17.28). Deus dá o ser (a existência), mas Ele não entrega o ser, da m esm a m aneira que u m professor dá conhecim ento, mas não abre mão do seu conhecim ento. Quando um a criatu ra recebe o ser, ela recebe por participação, quer dizer, ela o tem co m o u m efeito de Deus, não co m o sendo parte da Causa infinita (D eus). U m Ser infinito não pode ter partes, com o u m n úm ero infinito de partes não é possível. Por conseguinte, seres finitos são diferentes de Deus, mas eles não são mais que Deus. Na realidade, a própria idéia de “mais” insinua que Deus realm ente não é u m Ser infinito, pois u m Ser infinito não tem partes ou quantidades de ser: Ele é Ser, puro e simples. Por conseguinte, não faz sentido falar de “mais que D eus”. Pode haver, entretanto, seres que são diferentes de Deus sem serem mais, visto que está se falando de tipo de ser, não de quantidade de ser. Não há contradição em ter u m ser finito e u m Ser Infinito, visto que eles são de tipos diferentes. Só pode haver u m Ser co m pura realidade, mas pode haver m uitos seres se os outros são com postos de realidade e potencialidade, visto que cada u m tem u m a potencialidade diferente.
Objeção Dois: Baseada em um Infinito como a Classe de Um Devemos lem brar (do Volume 1, capítulo 2) que o m onista Parmênides (c. 485 a.C .) argum entou que é impossível ter dois ou mais seres, visto que eles não têm nada pelo qual possam diferir. Se havia dois seres, eles teriam de diferir ou sendo ou não-sendo. Mas eles não podem diferir em nada, visto que diferir em nada é não diferir.
Resposta à Objeção Dois Já m ostram os que este argum ento não procede, visto que presum e (sem prova) que todos os seres são os m esm os, quer dizer, presum e u m conceito unívoco de ser versus u m conceito análogo de ser (ver Volume 1, capítulo 9). Se há tipos diferentes de ser (por exem plo, infinito e finito) que são análogos, mas não idênticos, então pode haver mais de u m ser: U m pode ser infinito e o outro (ou outros) finito; u m pode ser Pura Realidade e o outro (ou outros) u m a com posição de realidade e potencialidade; u m pode ser o Ser e o ou tro (ou outros) tem o ser.
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R ESU M O E C O N C L U S Ã O Junto co m os outros atributos clássicos de Deus, sua impassibilidade e infinidade têm firme fundam entação na Bíblia, teologia e história da Igrej a —as e x c e ç õ e s são explicáveis e recentes. De fato, negar estes atributos dizendo que Deus é finito ou que Ele experim enta sentim entos mutáveis é n ão -o rto d o xo . As objeções contem porâneas a estes atributos estão fundam entadas em u m a teologia do processo injustificada e antropom orfism o mconfváveis.Ülas são leíutáveis, co m o m o stra a análise íeita acim a.
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C A P Í T U L O
SEIS
AIMATERIALIDADE E A IMENSIDADE DE DEUS
A
lém de ser eterno, Deus tam bém é imaterial. Junto co m ser n ão-tem poral, Deus tam bém é não-espacial. Ele é Espírito absoluto, e, com o tal, Ele não tem corpo e não está estendido no espaço. Enquanto que todos os cristãos ortodoxos confessam a imaterialidade de Deus, m uitas seitas a negam. A IM A TER IA LID A D E D E D EU S Deus é puro Espírito. Os crentes são proibidos de fazer im agem física de Deus (Ex 20.4). Deus não é com posto de matéria, nem é corpóreo (feito de corpo). Poucos (quiçá n en h u m ) estudiosos ortodoxos já desafiaram esta posição. Estranham ente, u m evangélico de destaque aventurou-se recentem ente a quebrar esta tradição venerável co m u m a inovação teológica chocante: “Se ele [Deus] está conosco no m undo, se tem os de levar a sério as m etáforas bíblicas, será que Deus de algum modo se corporifcoul” Ele responde afirm ativam ente: “Eu não creio que a idéia seja tão estranha para a Bíblia quanto presum im os”. Além disso: “Será que há algo em Deus que corresponde à corporificação? Lógico que ter u m corpo não é u m a coisa negativa, porque nos torn a possível serm os agentes. Talvez fosse mais fácil contem plar a agência de Deus, se de algum modo Ele fosse corpóreo” . E acrescenta: “Eu não me sinto obrigado a presumir que Deus seja um ser puramente espiritual, quando a sua auto-revelação não sugere isso” (Pinnock, MMM, pp. 33,34, grifos m eus). A evidência, com o verem os, é avassaladoramente oposta. A D E FIN IÇ Ã O D E IM A TER IA LID A D E Imaterial significa literalm ente não-m aterial. Claro que isso levanta a questão sobre o que é m atéria. O que a hum anidade entende por m atéria tem sofrido mudanças consideráveis ao longo dos séculos. Certos filósofos gregos (cham ados atom istas) rep u taram que a m atéria fosse com posta de bolinhas duras da realidade conhecidas por átom os. A ciência m od ern a tem eliminado m uita coisa do assunto da m atéria, falando dela mais em term os de energia física. O fam oso e - m c 2 de Einstein declara que energia é igual a massa vezes a velocidade da luz ao quadrado. A despeito da natureza exata da m atéria, o que com u m en te entendem os por m atéria tem certas características, as quais nos perm item entender o que Deus não é, quando dizemos que Ele é não-m aterial. Além de ser finita (lim itada), dizemos que a m atéria se estende no espaço, e isto, tradicionalm ente, significava ter parte fora da parte. M atéria é
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aquilo que ocupa espaço; duas partículas não podem ocu par o m esm o lugar. Atualm ente, a concepção de m atéria é mais co m o u m queijo suíço. M esmo assim, con tém massa e partículas que a causam a estender-se no espaço. O utra propriedade da m atéria, co m o hoje em dia se concebe, é que está sujeita à segunda lei da term odinâm ica: O universo m aterial está esgotando a energia utilizável. Além de massa e energia física, a luz e forças físicas (co m o a gravidade e o m agnetism o) tam bém são parte do universo físico. Em todos estes sentidos da palavra material, Deus não é m aterial. De certo ponto de vista observacional, m uito da m atéria é visível; por conseguinte, quando a Bíblia descreve que Deus é “invisível” (C l 1.15; Hb 11.3) tam bém está insinuando que Ele é imaterial.
A BASE BÍBLICA PARA A IMATERIALIDADE DE DEUS M uitos textos bíblicos afirm am que Deus é im aterial. Além disso, todos estes versículos indicam que Deus está fora do m undo (ver capítulo 22); o próprio fato de Ele ter criado o universo m aterial confirm a o fato de que Ele não é m aterial. “No princípio, criou Deus os céus e a terra” (Gn 1.1). “Não farás para ti im agem de escultura, nem algum a sem elhança do que há em cim a nos céus, n em em baixo na terra, n em nas águas debaixo da terra” (Ex 20.4). Deus disse: “Não poderás ver a m inha face, porquanto h o m em n en h u m verá a m inha face e viverá” (Ex 33.20). “Mas, na verdade, habitaria Deus na terra? Eis que os céus e até o céu dos céus te não poderiam co n ter” (1 Rs 8.27). “Assim diz o Senhor: O céu é o m eu trono, e a terra, o escabelo dos m eus pés. Que casa m e edificaríeis vós? E que lugar seria o do m eu descanso? Porque a m inha m ão fez todas estas coisas, e todas estas coisas foram feitas, diz o Senhor; mas eis para quem olharei: para o pobre e abatido de espírito e que trem e diante da m inh a palavra” (Is 66.1,2). “Vede as m inhas m ãos e os m eus pés, que sou eu m esm o [Jesus]; tocai-m e e vede, pois u m espírito não tem carne n em ossos, co m o vedes que eu ten h o ” (Lc 24.39). “N inguém jamais viu a D eus” (Jo 1.18, ARA). “Deus é Espírito, e im porta que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade” (Jo 4.24). “Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do m undo, tan to o seu eterno poder com o a sua divindade, se entendem e claram ente se vêem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis” (R m 1.20). “O qual [Jesus] é im agem do Deus invisível, o prim ogênito de toda a criação” (C l 1.15). “Ora, ao Rei dos séculos, im ortal, invisível, ao único Deus seja h onra e glória para todo o sempre. A m ém !” (1 T m 1.17). “Pela fé, deixou o Egito, não tem endo a ira do rei; porque ficou firme, co m o vendo o invisível” (Hb 11.27). “Além do que, tivemos nossos pais segundo a carne, para nos corrigirem , e nós os reverenciam os; não nos sujeitarem os m uito mais ao Pai dos espíritos, para vivermos?” (Hb 12.9). “Mas chegastes [...] aD eus, o Juiz de todos, e aos espíritos dos justos aperfeiçoados” (Hb 12.22,23).
A BASE TEOLÓGICA PARA A TMATER TATIDADF, DE DEUS Não só a Bíblia, mas o raciocínio sadio apóia a crença de que Deus é im aterial. Esta conclusão pode ser tirada de vários outros atributos de Deus.
A Pura Realidade se Segue da Imaterialidade Deus é Pura Realidade (ver capítulo 2). O Puro A to não tem potencialidade, ao passo que a m atéria tem o potencial para m udar (e sofrer m udanças). Por exem plo, a m atéria
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m uda de energia utilizável para energia não-utilizável sob as forças descritas pela segunda lei da term odinâm ica. P ortanto, Deus não pode ser m aterial: Se Ele fosse, então teria potencialidade para m udar, da m esm a m aneira que o universo tem (e m uda). A Im u tab ilid ad e se S eg u e d a Im a te ria lid a d e Por razões sem elhantes, Deus não pode ser m aterial, porque Ele não pode m udar (ver capítulo 4). A m atéria pode e m uda; por conseguinte, D eus não pode ser m aterial. Se Deus fosse m aterial, estaria su jeito à segunda lei da term odinâm ica, significando que Ele estaria se consu m indo. Considerando que D eus é infinito, eterno e im utável, não pode estar se acabando. P ortanto, Ele não pode ser m aterial com o o universo é (cf. Hb
1.11,12). A S im p licid ad e se S eg u e da Im a te ria lid a d e Deus é simples (ou indivisível, ver capítulo 2). O que é simples não tem partes (ou divisibilidade), mas a m atéria tem partes; é divisível. P ortanto, Deus não é m aterial. A In fin id ad e se S eg u e da Im a te ria lid a d e Deus é o Ser infinito (ver capítulo 5), e o infinito não pode ser dividido em partes ou unidades discretas. Não há n ú m ero de partes ou unidades que possa ser acrescentado a u m infinito, visto que, não im p o rta quantos haja, sem pre mais u m pode ser acrescentado. Não pode haver mais do que u m infinito. C ontudo, u m ser m aterial tem partes ou unidades. Conclui-se que u m ser infinito não pode ser m aterial. A E te rn id a d e se S eg u e d a Im a te ria lid a d e Deus é etern o ou não-tem p oral (ver capítulo 4). O que é tem poral tam b ém é espacial e m aterial, pois de acordo com a ciência con tem porânea, não há tem po sem espaço e m atéria. P ortanto, o que é n ão-tem p oral tam bém é não-espacial e não-m aterial. Por conseguinte, Deus que é não-tem p oral e não-espacial tam bém tem de ser nãom aterial. A BA SE H IS T Ó R IC A PA RA A IM A TER IA LID A D E D E D E U S D eus é puro Espírito, o que é reconhecid o desde o princípio da teologia cristã. Esta era um a diferença clara entre a visão bíblica de Deus e a cosm ovisão dos ídolos pagãos. D eus jam ais foi visível ou m aterial. Os P rim eiro s Pais d a Ig re ja F a la ra m s o b re a Im a te ria lid a d e de D eu s Os prim eiros Pais estavam atarefados em com bater os politeístas e adoradores de ídolos. C o m o tais, eles claram ente distinguiram o Deus da Bíblia co m o u m Deus que não tem m atéria no seu Ser. N em é apropriado concebê-lo nesses term o s ou adorar qualquer sem elhança física dEle. Taciano (120-173) D eus é E spírito, n ão m a téria im p reg n an te, m as o C riad or dos espíritos m ateriais e das form as que estão n a m atéria. E le é invisível, im palpável, sendo Ele m esm o o Pai das coisas
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lógicas e invisíveis. Nós o conhecemos por meio da sua criação, e apreendemos o seu poder invisível por meio das suas obras. Recuso-me a adorar esse artesanato que Ele fez por nossa causa. O sol e a lua foram feitos para nós: como posso, então, adorar os meus próprios servos? Como posso falar de paus e pedras como deuses? [...] Nem sequer deve o Deus inefável ser apresentado com presentes; porque Ele, que não tem necessidade de nada, não deve ser distorcido por nós como se fosse indigente. (ATC, 4, em Roberts and Donaldson, ANF, II) Orígenes (c. 185-c. 254) Portanto, não devemos pensar que Deus tenha um corpo ou que Ele exista em um corpo, mas que Ele é uma natureza intelectual não-composta, não admitindo nEle nenhum acréscimo de qualquer tipo; de forma que não podemos acreditar que Ele tenha em si um maior e um menor, mas que Ele é isso que é em todas as partes. (DP, 1.1.6, em ibid., IV) Sei que alguns tentarão dizer que, mesmo de acordo com as declarações de nossas Escrituras, Deus é um corpo, porque nos escritos de Moisés temos a passagem que diz que “o nosso Deus é um fogo consumidor” [Hb 12.29; cf. Ex 24.17]; e no Evangelho de João, que "Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade” [Jo 4.24], Fogo e espírito, de acordo com eles, têm de ser considerados nada mais nada menos que um corpo. (DP, 1.1.1, ibid.)
Os Pais da Igreja Medieval Falaram sobre a Imaterialidade de Deus C om ajuda da filosofia, os Pais da Igreja da Idade Média ach aram apoio para a sua crença bíblica de que Deus é puro Espírito. Agostinho encontrou ajuda nos seguidores de Platão, p articularm ente em Plotino (205-270 d.C.), para conceber que Deus é imaterial. Agostinho (354-430) Os filósofos platônicos tão merecidamente se consideravam superiores a todos os outros em reputação e realização, entendendo muito bem que Deus não pode ter corpo e que, portanto, para encontrá-lo, eles subiram acima de todas as coisas materiais. Convencidos de que nenhuma realidade mutável pode ser o Altíssimo, eles transcenderam toda alma e espírito sujeitos à mudança na sua busca por Deus. Eles perceberam que nenhuma forma determinante pela qual o ser mutável é o que é — seja qual for a realidade, modo ou natureza dessa forma — , pode ter qualquer existência à parte daquele que verdadeiramente existe porque a sua existência é imutável. (CG, 8.6) Além disso, “de todas as coisas visíveis, o universo é o m aior; de todas as realidades invisíveis, o m aior é Deus. Que o m undo existe podem os ver; crem os na existência de Deus” (ibid., 11.4). E acrescentou: Esta é a questão que pretendo debater mais tarde com estes filósofos. Contudo, preferimos a eles aos demais na medida em que concordam conosco em relação a um Deus, o Criador do universo, que não só é íncorpóreo, transcendendo todos os seres corpóreos, mas também incorruptível, ultrapassando todo tipo de alma — nossa fonte, nossa luz, nossa meta. (ibid., 8.10)
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Anselmo (1033-1109)
Visto que é melhor ser perceptivo, onipotente, misericordioso, impassível do que não ser, como tu podes perceber se tu não fores um corpo; ou como é que tu és onipotente, se tu não podes fazer tudo; ou como é que tu és misericordioso e impassível ao mesmo tempo? Pois se só as coisas corpóreas são capazes de percepção, visto que os sentidos estão envolvidos com o corpo e no corpo, como é que tu és perceptivo, visto que tu não és corpo, mas o espírito supremo que não é melhor que qualquer corpo? Mas se para perceber é nada mais que saber, ou se é dirigido a saber, [...] não podemos dizer inapropriadamente que tudo que sabe de qualquer forma também de algum modo percebe. Assim é Senhor, que embora tu não sejas um corpo que tu és supremamente perceptivo, no sentido de que tu sabes todas as coisas supremamente e não no sentido do qual um animal sabe através das faculdades físicas. ( ACM W , pp. 89, 90) Tomás de Aquino (1225-1274)
Não há composição ou partes quantitativas em Deus, visto que Ele não é corpo; nem há composição de forma e matéria em Deus; nem a sua natureza difere da sua suppositum; nem a sua essência, da sua existência; nem há nEle composição de gênero e diferença, nem matéria e acidente. Portanto, está claro que de forma alguma Deus não é composto, mas é completamente simples. (ST, la.3.7) Além disso: Deus enche todo lugar; não, realmente, como um corpo, porque se afirma que um corpo enche um lugar na mesma medida em que exclui a co-presença de outro corpo; ao passo que Deus está em um lugar, mas os outros não são excluídos desse lugar; de fato, pelo próprio fato de que Ele dá o ser às coisas que enchem todo lugar, Ele mesmo enche todo lugar, (ibid., la.8.2) O fato de o ser de Deus ser auto-subsistente, não recebido de outro, e é assim chamado infinito, mostra que Ele tem de ser distinguido de todos os outros seres, e todos os outros têm de estar à parte dEle (ibid., la.7.1, ad 3). Portanto, é impossível que em Deus haja potencialidade. Mas todo corpo está em potencialidade, porque o contínuo, como tal, é divisível à infinidade; é, então, impossível que Deus seja um corpo, (ibid., la.3.1)
Os Pais da Reform a e da Pós-Reform a Falaram sobre a Imaterialidade de Deus Os Reform adores não divergiram dos seus antecessores teológicos sobre a imaterialidade de Deus. A doutrina foi firm em ente estabelecida em com entários e credos. Martinho Lutero (1483-1546)
C om o já com en tam os, M artinho Lutero disse: Negamos que Deus seja tal Ser estendido, comprido, largo, grosso, alto e baixo. Defendemos, mais exatamente, que Deus é um Ser sobrenatural e insondável, que a um e o mesmo tempo está em cada pequeno núcleo de grão e também dentro, sobre e fora de
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todas as criaturas. Pensar em qualquer limitação aqui, como os falsos sonhos do espírito, é inadequado. Pois o corpo humano é muito, muito grande para a divindade, e muitos milhares de divindades poderiam estar nele. Por outro lado, é muito, muito pequeno para só uma divindade. Nada tão grande que Deus não seja ainda maior; nada tão curto que Deus não seja ainda mais curto; nada tão comprido que Deus não seja ainda mais comprido; nada tão largo que Deus não seja ainda mais largo; nada tão estreito que Deus não seja ainda mais estreito etc. Em uma palavra, Deus é um Ser inexprimível, acima e além de tudo o que possa ser dito ou pensado. (WLS, pp. 542, 543) João Calvino (1509-1564) As palavras a seguir são “que estás nos céus”. Disto, não devemos deduzir que Ele está incluso e limitado à circunferência do céu, como por um tipo de limite. Por conseguinte, Salomão confessa: “[...] Os céus e até o céu dos céus te não poderiam conter” (1 Rs 8.27); e ele mesmo diz pelo profeta: “O céu é o meu trono, e a terra, o escabelo dos meus pés” (Is 66.1); dando a entender assim, que a sua presença, não limitada a qualquer região, está difundida por todo o espaço. Mas, como a nossa mente total não pode conceber a sua glória inefável, é designada a nós através do céu, nada que os nossos olhos possam ver é tão cheio de esplendor e majestade. Enquanto que estamos acostumados a considerar todo objeto como limitado ao lugar onde os nossos sentidos o discernem, nenhum lugar pode ser designado a Deus; e, por conseguinte, se nós o buscarmos, temos de subir mais alto do que todo discernimento corpóreo ou mental. Repetindo, esta forma de expressão nos lembra que Ele está muito além do alcance de mudança ou corrupção; que Ele mantém o universo inteiro sob o seu domínio e o rege pelo seu poder. (ICR, IH, xx., p. 40) Ja có Armínio (1560-1609) Por esta razão, separamos de Deus a essência corpórea segundo o modo de remoção, e, ao mesmo tempo, todas as coisas que pertencem a uma essência corpórea como tal, quer sejam simples, quer compostas — como a magnitude, a figura, o lugar ou a arte, quer lógico, quer imaginável. De onde também Ele não pode ser percebido pelos sentidos físicos, ou pelos que são externos ou pelos que são internos, visto que Ele é invisível, intangível e inimaginavelmente incapaz de ser representado (Dt 4.12; 1 Rs 8.27; Lc 24.39; Jo 4.24; 1 Tm 1.17), mas designamos a Ele uma essência espiritual, e isso no modo de preeminência, como o “Pai dos Espíritos” (Hb 12.9). ( WJA, I, p. 437) Stephen Charnock (1628-1680) Deus é espírito, quer dizer, Ele não tem nada corpóreo, sem mistura de matéria, nem substância visível, uma forma física. Ele é Espírito, não uma substância espiritual bruta, mas um compreensivo e disposto Espírito, santo, sábio, bom e justo. (EAG, 1:178) Além disso: Se admitimos que Deus é, temos de necessariamente admitir que Ele não pode ser corpóreo, porque um corpo é de natureza imperfeita. Quer nos parecer incrível que reconhecer que Deus é o primeiro Ser e Criador de todas as coisas, que Ele fosse um corpo massivo e pesado, e tivesse olhos, ouvidos, pés e mãos, como nós temos. Deus é puro Espírito, Ele não tem nada da natureza e essência de corpo. Portanto,
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todo aquele que conceber que Ele tem uma forma física, embora imagine o corpo mais bonito e gracioso, em vez de possuir a sua dignidade, estará diminuindo da excelência sobreeminente da natureza e bem-aventurança dEle. (ibid., 1.181,198) R. L. Dabney (1820-1898)
A Causa primeira, então, refere-se à classe de espíritos? Sim; porque a descobrimos possuída, no mais alto grau possível, de cada um dos atributos pelos quais reconhecemos um espírito. Ela pensa; como sabemos através de dois sinais. Ela produz em nós, que pensamos; e não pode haver mais no efeito do que estava na causa. Ela enche o universo de idéias, os resultados do pensamento. Ela escolhe; pois esta seleção de idéias insinua escolha. E repetindo, de onde as criaturas derivam o poder de escolha, se não dEla? E a Causa primeira da vida; mas este é obviamente um atributo do espírito, porque não achamos vida plena em parte alguma, exceto que vemos sinais de espírito junto com Ela. A Causa primeira é a fonte de força e de movimento. Mas a matéria não nos mostra, de forma alguma, qualquer poder para originar movimento. A inércia é sua condição normal. Encontraremos o poder e presença de Deus penetrando e habitando todos os corpos materiais; mas a matéria tem um poder deslocador sobre todas as outras matérias. Aquilo que é obviamente impenetrável não é onipresente. A espiritualidade de Deus que discutimos racionalmente, primeiro, do fato de que Ele é a causa primeira inteligente e voluntária; pois a nossa compreensão é, propriamente dita, incapaz de atribuir estas qualidades a qualquer outra substância que não a espiritual. Temos a mesma conclusão emanando necessariamente do fato que Deus é a fonte de toda a força. Está implícito em sua imensidade e onipresença. Ele é Espírito, a fonte de vida. Isto também é confirmado enfaticamente pelas Escrituras. Esta evidência é grandemente fortalecida pelo fato que não só é o Pai, mas a natureza divina em Cristo, e o Espírito Santo, também chamados repetidas vezes Espírito. (LST, pp. 43,151) John M iley (1813-1895)
Deus não só é o nosso Criador, mas o Pai de nosso espírito. Somos a sua descendência. A verdade da espiritualidade em Deus se revela assim em nosso próprio ser espiritual. A mesma verdade é profundamente forjada no segundo mandamento. O pleno sentido da Bíblia é completado nas palavras explícitas de nosso Senhor: “Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade” [Jo 4.24]. A lógica inevitável do materialismo é o ateísmo. (ST, p. 145) Charles Hodge (1797-1878)
Portanto, é impossível superestimar a importância da verdade contida na simples proposição: Deus é Espírito. Está implícito na proposição de que Deus é imaterial. Nenhuma das propriedades da matéria pode a Ele ser predicada. Ele não é estendido ou divisível, ou composto, ou visível, ou tangível. Ele nem tem massa nem forma. A Bíblia reconhece em todos os lugares como verdadeira as crenças intuitivas dos homens. Uma dessas crenças é que o espírito não é matéria ou espírito material; esses atributos diferentes e incompatíveis não podem pertencer à mesma substância. Ao nos revelar que Deus é Espírito, revela-nos também que nenhum atributo da matéria pode ser predicado à essência divina. O dualismo realístico que jaz ao fundo de todas as crenças humanas, também está por baixo de todas as revelações da Bíblia. (ST, I, pp. 378, 379)
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(Para inteirar-se das objeções e respostas à im aterialidade de Deus, ver mais adiante, logo após o apoio bíblico, teológico e histórico a favor da imensidade de D eus.)
A IMENSIDADE DE DEUS Imensidade é u m dos atributos m enos conhecidos de Deus. De fato, às vezes é confundido com o atributo da imaterialidade. Imensidade significa literalm ente, “nãom ensurável”, quer dizer, Deus é ilimitado em extensão (ou não-espacial). Deus não está no espaço, n em é limitado pelo espaço: Ele está presente em todos os pontos do espaço, mas não faz parte do espaço ou está limitado a ele. De fato, Ele transcende todo o espaço e tem po (ver capítulo 22).
A BASE BÍBLICA PARA A IMENSIDADE DE DEUS A base bíblica para a imensidade de Deus consta nos versículos que falam que Ele é Criador, Transcendente, Im aterial e Espírito.
Versículos que Falam de Deus Criar o Mundo Material Deus não pode estar no espaço, tem po ou m atéria, visto que Ele existiu antes do m undo m aterial tem po-espacial e o trouxe à existência: “No princípio, criou Deus os céus e a terra” (G n 1.1). “Todas as coisas foram feitas p o r ele, e sem ele nada do que foi feito se fez” (Jo 1.3). “Porque nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e n a terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dom inações, sejam principados, sejam potestades; tudo foi criado p o r ele e para ele” (Cl 1.16). “Pela fé, entendem os que os m undos, pela palavra de Deus, foram criados; de m aneira que aquilo que se vê não foi feito do que é aparente” (Hb 11.3).
Versículos que Falam de Deus Transcender o Mundo Material Tempo-Espacial Deus não só é antes do m u n d o m aterial, mas Ele está além (fora) dele. C o m o transcen d en te sobre a m atéria, Deus não pode ser m aterial. “P orven tu ra, alcançarás os cam inhos de Deus ou chegarás à perfeição do Todo-poderoso? C o m o as alturas dos céus é a sua sabedoria; que poderás tu fazer? Mais profunda é ela do que o inferno; que poderás tu saber?” (Jó 11.7,8). “O Senhor, S enh or nosso, quão adm irável é o teu n o m e em tod a a terra, pois puseste a tu a glória sobre os céu s!” (SI 8.1). “Sê exaltado, ó Deus, sobre os céus; seja a tu a glória sobre toda a te rra ” (SI 57.5). “Pois tu , Senhor, és o Altíssimo em toda a te rra ” (SI 97.9). “Assim diz o S enh or: O céu é o m eu tro n o , e a terra, o escabelo dos m eus pés. [...]. Porque a m in h a m ão fez todas estas coisas, e todas estas coisas foram feitas” (Is 66.1,2). “[Há] u m só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e p o r todos, e em to d o s” (E f 4.6). “E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem p o r ele” (C l 1.17).
Versículos que Falam de Deus como Espírito — Imaterial e Não-Espacial A Bíblia descreve Deus co m o p uro Espírito, que se diz que é im aterial. “Deus é Espírito, e im p orta que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade” (Jo 4.24). “Vede as m inhas m ãos e os m eus pés, que sou eu m esm o; tocai-m e e vede, pois u m espírito não tem carne nem ossos, co m o vedes que eu te n h o ” (Lc 24.39; ver mais versículos acim a, no tópico “A Base Histórica para a Imaterialidade de D eus”).
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Em sum a, Deus não pode ser feito de m atéria — Ele fez a m atéria. Ele não pode ser m aterial, visto que está acim a de todas as coisas m ateriais. Ele é pu ro Espírito, que é im aterial, e se Ele não é m aterial, então Ele não é espacial. Ele é literalm en te im enso, estando além de m edida e além de espaço. A B A SE T E O L Ó G IC A PA R A A IM EN SID A D E D E D E U S A imensidade de Deus pode ser derivada logicam ente de vários outros atributos. Entre eles se incluem a infinidade, a eternidade, a simplicidade e a imaterialidade de Deus. A Im en sid ad e se S eg u e da In finidad e Espaço infinito é im possível, da m esm a m an eira que tem p o infinito é im possível, pois não im p orta quanto espaço haja, sem pre pode haver mais. Mais que u m infinito não é possível; en tretan to , D eus é infin ito. Por conseguinte, é im possível D eus ser espacial: Se Ele fosse, então seria lim itado. D eus tem de ser im enso. A Im en sid ad e se S eg u e da E te rn id a d e A imensidade tam bém pode ser derivada da eternidade de Deus. De acordo com a física, o que é não-tem p oral é tam bém não-espacial. Deus é n ão-tem p oral (ver capítulo 4); conclui-se, p o rtan to , que D eus tam bém é não-espacial. A Im en sid ad e se S eg u e da S im p licid ad e D eus é u m Ser sim ples (ver capítulo 2), que não tem partes, m ateriais ou outros. Coisas m ateriais diferentes estão em partes diferentes do espaço, quer dizer, tudo que tem partes m ateriais é espacial. E n tretan to, Deus não pode ter partes m ateriais; portanto, D eus não é espacial. Ele é im enso. A Im en sid ad e se S eg u e d a Im a te ria lid a d e C o m o com entad o acim a, o que é im aterial, co m o D eus é, tam bém tem de ser não-espacial. Deus é im aterial. P ortanto, ele tam bém tem de ser não-espacial. Se Deus estivesse no espaço, então Ele teria de ser m aterial. Mas Deus não é m aterial. Portanto, Ele não pode estar no espaço. Im p lica çõ e s da Im en sid ad e de D eu s M uitas im plicações se depreendem da dou trina da im ensidade de Deus. Primeiro, D eus não está lim itado pelo espaço. Segundo, Deus não está estendido, com parte fora da parte. Terceiro, D eus n ão é te m p o ra l, visto que esp aço e te m p o vão ju n to s . D eus não
é m a te ria l, visto que n a física m o d e rn a a m a té ria sem p re
seach a c o m esp aço
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tem p o . Quarto e ú ltim o, se D eus fosse espacial, então Ele tam bém seria m aterial. Se Deus fosse
espacial, não poderia pensar ou m over-se mais rápido que a velocidade da luz. E se Deus é m aterial, então Ele está su jeito à segunda lei da term o d in âm ica (decom posição), com o
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A BASE HISTÓRICA PARA A IMENSIDADE DE DEUS Considerando que a imaterialidade e a imensidade estão relacionadas, a maioria das citações anteriores a favor da imaterialidade de Deus tam bém se aplica à sua imensidade. Todavia muitas outras citações falam diretam ente co m o atributo da imensidade.
Os Primeiros Pais da Igreja Falaram sobre a Imensidade de Deus Em contraste com as concepções materialistas das religiões pagãs, os primeiros Pais distinguiram claram ente o Deus da Bíblia, afirmando que Ele é im aterial e im enso. Irineu (c. 125-c. 202) Como pode haver alguma outra Plenitude, ou Princípio, ou Poder, ou Deus, acima dEle, visto que é questão de necessidade que Deus, o Pleroma (Plenitude) de todos estes, deveria conter todas as coisas na sua imensidade, e não deveria ser contido por ninguém? Mas se houver algo além dEle, então Ele não é o Pleroma de tudo, nem contém tudo. Pois o que eles declaram estar além dEle estará faltando ao Pleroma, ou, [em outras palavras], para aquele Deus que está acima de todas as coisas. Mas aquilo que está faltando e fica aquém das expectativas, não é o Pleroma de todas as coisas. Em tal caso, Ele teria começo, meio e fim com respeito a essas coisas que estão além dEle. E se Ele tiver um fim com respeito a essas coisas abaixo, Ele também tem um começo com respeito a essas coisas que estão acima. (AH, 2.1.2, em Roberts and Donaldson, ANF, I, grifos meus) Teójilo (m. 180) Você, então, me dirá: “Você disse que Deus não deve ser contido em um lugar, e como diz agora que Ele entrou no Paraíso?” Ouça o que eu digo. De fato, o Deus e Pai de todos não pode ser contido e não se acha em um lugar, pois não há lugar do seu descanso; mas a sua Palavra, por quem Ele fez todas as coisas. (TA, 2.22, em ibid., II, grifos meus) Clemente de Alexandria ( 150-c. 215) Se, então, resumindo tudo que pertence a corpos e coisas chamadas incorpóreas, nos lançamos na grandeza de Cristo e, por meio disso, aumentamos em imensidade pela santidade, podemos de alguma maneira alcançar a concepção do Todo-poderoso, não sabendo o que Ele é, mas o que Ele não é. E forma e movimento, ou posição, ou um trono, ou um lugar, ou uma mão direita ou esquerda não devem ser concebidos como pertencentes ao Pai do universo, embora esteja escrito assim. Mas o que cada uma destas descrições significa será mostrado em seu devido lugar. A Causa Primeira não está, então, no espaço, mas acima do espaço, e do tempo, e do nome, e da concepção. (S, 5.11, em ibid., II, grifos meus) Por causa da sua grandeza, Ele é classificado como o Tudo e é o Pai do universo. Nem devem quaisquer partes ser predicadas a Ele. Pois o Um é indivisível; portanto, também é infinito, não considerado com referência à inescrutabilidade, mas com referência ao seu ser sem dimensões e não tendo limites. (S, 5.12, em ibid., II, grifos meus) Orígenes (c. 185-c. 254) Esta comparação, claro, com estátuas, como pertencentes a coisas materiais, é empregada com o único propósito de mostrar que o Filho de Deus, embora colocado na forma
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muito insignificante de corpo humano, por causa da semelhança das suas obras e poder ao Pai, mostrou que havia nEle uma grandeza imensa e invisível, já que Ele disse aos discípulos: “Quem me vê a mim vê o Pai” e “Eu e o Pai somos um ” [Jo 14.9; 10.30], (DP, 1.2.8, em ibid., IV, grifos meus)
Os Pais da Igreja Medieval Falaram sobre a Imensidade de Deus A doutrina da imensidade de Deus foi elaborada co m mais requinte na Idade Média. C om eçando com Agostinho, há afirmações fortes de que Deus não é espacial. Agostinho (354-430) Ao contrário do m undo m utável, Deus não tem espaço ou m atéria que esteja sujeito à m udança: Seja o que for, pouco importando o quanto excelente seja, se for mutável não tem o verdadeiro ser; pois o verdadeiro ser não se acha onde também haja o não-ser. Tudo que tem a possibilidade de mudar, sendo mudado não é o que era. Se aquilo que não é, um tipo de morte ocorreu; algo que havia, e não é, foi destruído. [...] Algo mudou e é o que não era. [...] Examina as mutações das coisas e tu sempre encontrarás em todos os lugares “foi” e “será”. Pensa em Deus e tu acharás “é” onde “foi” e “será” não pode ser. (OG/, 38.10) Anselmo (1033-1109) Note o seguinte novam ente: Visto que é melhor ser perceptivo, onipotente, misericordioso, impassível do que não ser, como tu podes perceber se tu não fores um corpo; ou como é que tu és onipotente, se tu não podes fazer tudo; ou como é que tu és misericordioso e impassível ao mesmo tempo? Pois se só as coisas corpóreas são capazes de percepção, visto que os sentidos estão envolvidos com o corpo e no corpo, como é que tu és perceptivo, visto que tu não és corpo, mas o espírito supremo que não é melhor que qualquer corpo? Mas se para perceber é nada mais que saber, ou se é dirigido a saber, [...] não podemos dizer inapropriadamente que tudo que sabe de qualquer forma também de algum modo percebe. Assim é Senhor, que embora tu não sejas um corpo que tu és supremamente perceptivo, no sentido de que tu sabes todas as coisas supremamente e não no sentido do qual um animal sabe através das faculdades físicas. (ACMW, pp. 89,90) Tomás de Aquino (1225-1274) C om o vimos, Tomás de Aquino escreveu: Não há composição ou partes quantitativas em Deus, visto que Ele não é corpo; nem composição de forma e matéria em Deus; nem a sua natureza difere da sua suppositum; nem a sua essência, da sua existência; nem há nEle composição de gênero e diferença, nem matéria e acidente. Portanto, está claro que de forma alguma Deus não é composto, mas é completamente simples (ST, la.3.7). Deus enche todos os lugares; realmente, não como um corpo, porque na medida em que se diz que um corpo enche um lugar vai excluindo a co-presença de outro corpo;
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ao passo que por Deus estar em um lugar, os outros não estão excluídos desse lugar; realmente, pelo mesmo fato que Ele dá o ser às coisas que enchem todos os lugares, Ele mesmo enche todos os lugares, (ibid., la.8.2)
Os Pais da Reforma Falaram sobre a Imensidade de Deus D urante a Reform a, o conceito de Deus não estar no espaço assumiu nova significação em virtude da doutrina católica de transubstanciação (ver Volume 4). No entanto, os Reform adores não vacilaram no ensino tradicional de que a essência de Deus é nãoespacial. Martinho Lutero (1483-1546) Leia esta citação novam ente: Negamos que Deus seja tal Ser estendido, comprido, largo, grosso, alto e baixo. Defendemos, mais exatamente, que Deus é um Ser sobrenatural e insondável, que a um e o mesmo tempo está em cada pequeno núcleo de grão e também dentro, sobre e fora de todas as criaturas. Pensar em qualquer limitação aqui, como os falsos sonhos do espírito, é inadequado. Pois o corpo humano é muito, muito grande para a divindade, e muitos milhares de divindades poderiam estar nele. Por outro lado, é muito, muito pequeno para só uma divindade. Nada tão grande que Deus não seja ainda maior; nada tão curto que Deus não seja ainda mais curto; nada tão comprido que Deus não seja ainda mais comprido; nada tão largo que Deus não seja ainda mais largo; nada tão estreito que Deus não seja ainda mais estreito, etc. Em uma palavra, Deus é um Ser inexprimível, acima e além de tudo o que possa ser dito ou pensado. (WSL, pp. 542, 543) João Calvino (1509-1564) Uma criatura nascida na terra, que expira a vida quase que a todo momento é capaz pelo seu próprio dispositivo conferir o nome e a honra da deidade a um tronco inanimado. [...] Por conseguinte, o mesmo profeta [Isaías], em outro lugar, não só acusa os idólatras de culpados aos olhos da lei, mas os censura por não aprenderem das fundações da terra, nada que é mais incongruente que reduzir a deidade imensa e incompreensível à estatura de alguns centímetros. (ICR, 1.11.4, grifos meus) “A Bíblia, ao ensinar que a essência de Deus é imensa e espiritual, não só refuta os idólatras e a sabedoria tola do m undo, mas tam bém os maniqueístas e antropom orfistas” (ibid., 1.13, introdução, grifos m eus). Além disso: A doutrina bíblica relativa à imensidade e à espiritualidade da essência de Deus, não só deve ter o efeito de dissipar os sonhos selvagens do vulgo, mas também o de refutar as sutilezas de uma filosofia profana, (ibid., 1.13.1, grifos meus)
Os Mestres da Pós-Reforma Falaram sobre a Imensidade de Deus Depois da Reform a, há declarações claras e repetidas sobre a imensidade de Deus. Isto com eça co m os próprios [pré] reform adores e chega até aos nossos dias, sendo
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interrom pid o apenas pelos ensinos aberrantes da teologia do processo que atribui a Deus u m corpo. Ja có Armínio (1560-1609) A imensidade é um modo preeminente da essência de Deus, pela qual ela está destituída de lugar de acordo com espaço e limites: Sendo espaço co-estendido, porque pertence à entidade simples, não tendo parte e parte, portanto, não tendo parte além da parte: Sendo também os seus próprios limites circundantes, ou além do que não tem existência, porque é de entidade infinita: E, antes de todas as coisas, só Deus era o mundo, o lugar e todas as coisas para si mesmo; mas Ele estava só, porque não havia nada [extrinsecus] exteriormente além, exceto Ele mesmo. ( WJA, p. 117, grifos meus) Francis Turretin (1623-1687) “Os ortodoxos acreditam e confessam a imensidade e onipresença de Deus, não só quanto à virtude e operação, mas principalmente no que tange àessência” (IET, p. 198). Pois: Quando se diz que Deus é imenso (como está em todos os lugares do mundo, mas não está incluso no mundo, que é finito, mas pode ser concebido estar também além do mundo), não devemos entender positivamente (como se certos espaços tivessem de ser imaginados de além do mundo que Deus enche completamente pela sua presença), mas negativamente (já que os espaços universais do mundo não esvaziam a imensidade de Deus quanto a estar contido dentro e circunscrito por eles). Portanto, se diz que Ele está além do mundo, porque [Ele está] incluso nele, não como estando em certos lugares imaginários, mas nEle mesmo pela infinidade da sua própria essência, como Ele era antes da criação do mundo nEle mesmo, (ibid., p. 200) Stephen Charnock (1628-1680) Se Deus não fosse Espírito, Ele não poderia ser infinito. Todos os corpos são de natureza finita; todo corpo é material e toda coisa material acaba. O sol, um corpo vasto, abunda grandeza; os céus são de tamanho tremendo, contudo têm os seus limites. Se Deus tivesse um corpo, Ele tinha de consistir em partes, cujas partes seriam delimitadas e limitadas, e tudo que é limitado é de virtude finita, e, portanto, está abaixo da natureza infinita. A razão nos fala, então, que a natureza mais excelente, como Deus é, não pode ser de condição corpórea; por causa da limitação e outras ações pertencentes a todo corpo (EAG, I, pp. 185, 186). Charles Hodge (1797-1878) A infinidade de Deus, no que concerne ao espaço, inclui a sua imensidade e a sua onipresença. Estes não são atributos diferentes, mas um e o mesmo atributo, vistos sob aspectos diferentes. A sua imensidade é a infinidade do seu ser, vista como pertencente à sua natureza desde a eternidade. Ele enche a imensidade com a sua presença. A sua onipresença é a infinidade do seu ser, vista em relação às suas criaturas. Ele está de igual maneira presente com todas as suas criaturas, a toda hora e em todos os lugares. Ele não está longe de nenhum de nós. “O Senhor está neste lugar”, pode ser dito com igual verdade e confiança em todos os lugares.
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Os teólogos estão acostumados a distinguir os três modos da presença no espaço. Os corpos estão circunscritivamente no espaço. Eles estão limitados por ele. Os espíritos estão definitivamente no espaço. Eles têm um lugar. Eles não estão em todos os lugares, mas só em algum lugar. Deus, no entanto, está repletamente no espaço. Ele enche todo o espaço. Em outras palavras, as limitações de espaço não têm referência a Ele. Ele não está ausente de qualquer porção do espaço, nem mais presente em determinada porção que outra. Claro que não devemos entender como extensão ou difusão. A extensão é uma propriedade da matéria, e não pode ser predicada a Deus. Se fosse estendido, Ele seria capaz de divisão e separação; e parte de Deus estaria aqui e parte em outro lugar. Nem esta onipresença tem de ser entendida como mera presença sem conhecimento e poder. E uma onipresença da essência divina. Caso contrário, a essência de Deus seria limitada. [...] Como Deus age em todos os lugares, Ele está presente em todos os lugares; pois, como dizem os teólogos, um ser não pode agir onde Ele não está não mais do que estar onde Ele não está. (ST, I, pp. 888,889) William G. T. Shedd (1820-1894)
“Deus é substância não-estendida, e a sua imensidade é mais vasta do que a do universo finito inteiro” (DT, p. 170). A imensidade (in inensum) de Deus é a sua essência conforme se relaciona com o espaço. A essência divina não é mensurável, porque não [está] inclusa em qualquer limite de lugar. “O céu dos céus não te podem conter” (1 Rs 8.27, ARA; 2 Cr 2.6; Jr 23.24). A imensidade de Deus é espiritual, não tendo nenhuma extensão de substância, (ibid., p. 339) R. L. Dabney (1820-1898)
Infinidade significa o caráter absolutamente ilimitado da essência de Deus. Imensidade [significa] o ser absolutamente ilimitado da sua substância. O seu ser, como eterno, em nenhum sentido está circunscrito pelo tempo; como imenso, de nenhum modo está circunscrito pelo espaço. Mas não nos permitamos imaginar que seja repleção de espaço infinito por difusão de partículas: como, por exemplo, um gás elástico liberado no vácuo, A fórmula escolástica era: “A substância inteira, em toda a sua essência, está simultaneamente presente em todos os pontos do espaço infinito, contudo sem multiplicação de si mesmo”. Isto é ininteligível (mas assim é a sua imensidade); pode ajudar a excluir a idéia de extensão material. [...] Mas assim que a razão compreende a sua imensidade, me parece que é uma dedução da sua onipresença. (LST, p. 44)
OBJEÇÕES À IMATERIALIDADE E IMENSIDADE DE DEUS As objeções à imaterialidade e imensidade de Deus partem de dentro e de fora da teologia evangélica. De dentro, há a antiga objeção de que a imaterialidade é um termo negativo que não transmite um significado real. De fora, há os ataques materialistas que dizem não fazer sentido falar de um ser imaterial.
Objeção Um: Baseada na Idéia de que Imaterialidade É um Conceito puramente Negativo Os místicos cristãos e não-cristãos insistem no ataque. Supostamente, os conceitos negativos não transmitem conhecimento; eles nos dizem o que o objeto não é em vez de nos informar o que é. Não podemos saber não isso a menos que saibamos o que é “isso”.
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Resposta à O bjeção Um Esta objeção já foi analisada mais com pletam ente (n o Volume 1, capítulo 9), onde m ostram os que conceitos negativos fazem u m papel im portante em nosso conhecim ento de Deus. Primeiro, é verdade que u m negativo pressupõe u m positivo; contudo, h á afirmações positivas (análogas) que podem ser feitas acerca de Deus (tais com o ser, bondade, verdade, etc.). Segundo, term os negativos desem penham papel crucial no ponto em que eles negam toda finitude e lim itação de term o antes de ser aplicado a Deus. Por exem plo, Deus é am or (positivo), mas Ele não é am or finito (negativo). Isto quer dizer que Ele é am or infinito, e assim por diante. E verdade que term os com pletam ente negativos não dizem nada de positivo sobre Deus. C ontudo eles purificam as nossas idéias positivas de toda limitação antes de serem adequadamente aplicados a Deus.
O bjeção Dois: Baseada na Pressuposição de que tudo E Matéria Os materialistas rígidos negam que haja qualquer coisa que não seja m atéria. Se for verdade, então Deus, co m o puro Espírito, não pode existir. Thom as Hobbes afirmou que “toda parte do universo é corpo, e aquilo que não é corpo não faz parte do universo: e porque o universo é tudo, aquilo que não faz parte disto não é nada, e, por conseguinte, não está em lugar algu m ” (I, p. 269). Carl Sagan afirmou que “o cosm o é tudo o que era, é ou sem pre será” (C). Os materialistas tradicionais afirm am que a m atéria é eterna, visto que, de acordo com a prim eira lei da term odinâm ica: “A energia não pode ser criada n em destruída”.
Resposta à O bjeção Dois M uita coisa aconteceu na últim a geração para p ô r a nu os pontos fracos do materialism o (ver Sullivan, LS). E m prim eiro lugar, a evidência do big bang (ver Volume 1, capítulo 2) indica u m universo que não é eterno, mas explodiu do nada para vir à existência há supostos alguns bilhões de anos por u m a força sobrenatural, ou seja, nãom aterial (ver Jastrow, GA). Além disso, o princípio antrópico (que o universo foi bem afinado desde o seu com eço para o aparecim ento da vida h um ana) revela u m desígnio im posto na m atéria para o que não é intrínseco a ele. Isto dá a entender que há u m a M ente m uito racional por trás da m atéria (ver Barrow, ACP). O m esm o é verdade acerca da descoberta da microbiologia, que diz que a complexidade irredutível1 da vida é mais bem explicada por u m a Causa inteligente (ver Behe, DBB).
1N do E : Por que você acha que Darwin sentia arrepios ao pensar no olho? É simples, a complexidade da estrutura ou do sistema biológico ocular não poderia ter surgido de form a gradual simplesmente porque se tirarm os um a de suas partes, o todo não funciona mais. É o que chamam os de complexidade irredutível. O princípio básico da complexidade irredutível m ostra que existem sistemas biológicos que são considerados irredutivelmente complexos, dentro os quais está o olho. Isso significa que esses sistemas dependem de interação com várias partes para poder funcionar. E impossível que essas partes tenham se desenvolvido de form a gradual, pois, se tirarmos um a delas o todo não funciona. C om o o evolucionismo defende que a evolução de sistemas complexos ocorreu através de numerosas, sucessivas e ligeiras modificações, é impossível que um ser vivo tenha se desenvolvido ou evoluído sem a presença do todo” ( 0 Mundo de Rebeca, CPAD, 2007, pp. 127-8).
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Além disso, a rígida visão m aterialista é autodestrutiva (ver Lewís, M, capítulo 3). Lógico que a teoria m aterialista não é com posta de m atéria, quer dizer, a teoria acerca da m atéria não tem m atéria em si. A idéia de que tudo é feito de m olécula não consiste ela m esm a de m oléculas. M esm o nas form as menos rígidas de materialism o, nas quais a m ente existe algo mais que m atéria, mas é dependente dela, há u m problem a sério, pois a declaração de que “a m ente é dependente da m atéria” não afirma depender da sua verdade n a m atéria. Na realidade, afirma ser u m a verdade acerca da m atéria. N enhum a verdade acerca de toda m atéria pode ser dependente para a sua verdade no assunto, pois não podem os ficar fora de toda a m atéria para fazer u m a afirmação acerca de toda a m atéria e, sim ultaneam ente, afirm ar que estam os realm ente dentro da m atéria, sendo dependente dela.
Objeção Três: Baseada na Noção de Dependência da Consciência no Cérebro Os materialistas argum entam que para haver u m a dimensão espiritual para a vida, o espírito ou a m ente tem de sobreviver à m o rte conscientem ente, contudo eles insistem que a m ente é dependente do cérebro para esta função — sem o cérebro, não pode haver consciência. Todavia na m orte, o cérebro deixa de funcionar. Por conseguinte, a consciência tem de cessar tam bém neste m o m en to . Nesta form a modificada de m aterialism o (conhecido por epifenomenalismo2), a m ente não é idêntica ao cérebro, mas é dependente do cérebro físico do m odo em que a som bra é dependente da árvore.
Resposta à Objeção Três Este argum ento m aterialista faz diversas suposições falsas. Primeiro, presum e que a consciência é u m a função física, que “m en te” é u m a função da m atéria, u m processo no interior do cérebro. Mas não oferece verdadeira prova desta suposição. Segundo, presum e in corretam en te que só porque a m ente e o cérebro funcionam juntos eles devem ser idênticos. Não é necessariam ente assim; eles podem interagir sem serem os m esm os. Terceiro, presum e que eu (m in ha m en te) sou nada mais que m eu cérebro. Esta é u m a falácia reducionista. Coisas que estão juntas não são necessariam ente as mesm as, não mais que as m inhas idéias expressadas nestas palavras são iguais a estas palavras. Quarto, o argum ento m aterialista é autodestrutivo, pois declarações “nada mais que”, p resum em u m conhecim ento “mais que”. C om o eu poderia saber que sou nada além do m eu cérebro, a m enos que eu fosse mais que ele? Eu não posso pôr o m eu cérebro em u m tubo de ensaio para analisá-lo a m enos que eu (a m inha m en te) esteja do lado de fora do tubo de ensaio. Quinto, há várias razões para acreditar que a m ente não pode ser reduzida à matéria. Tudo que é m aterial é limitado a u m a região particular de espaço e tem po: Se se m ove, m u d a no espaço e no tem po. Mas a m ente não é tão limitada — peram bula pelo universo sem deixar o lugar. Até os materialistas falam de “seus” pensam entos, e eu
2N d o E :
D outrina dualista acerca do problema da m ente-corpo segundo a qual a direção da causalidade é apenas do
domínio do físico para o domínio do mental: não é o caso de que estados e eventos mentais possam ser causas de estados e eventos físicos, mas é o caso de que estados e eventos do primeiro gênero possam ser efeitos de estados e eventos do segundo gênero” (Enciclopédia de termos lógico-filosóficos, Martins Fontes, 2006, p.280).
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falo de “m eus” pensam entos. Se o m aterialismo rígido estivesse co rreto , eu não teria pensam ento discreto: Eles seriam m ero fluxo de elétrons ou outras partículas materiais. Só u m ser autoconsciente pode torná-los os seus pensam entos. Sexto e últim o, os materialistas afirm am que a sua doutrina é verdadeira e querem que os outros concordem co m as suas conclusões. Isto dá a entender que eles são livres para considerar os seus argum entos e m udar de opinião. E ntretanto, tal não seria possível se eles fossem m eros processos materiais e não seres livres.
O bjeção Quatro: Baseada na Teoria de que os Opostos não Podem se Relacionar Alguns insistem que os opostos não podem se relacionar. Supõem que se a M ente (D eus) fez a m atéria e é o oposto da m atéria, então os dois n un ca podem se relacionar. Os cristãos afirm am que a M ente (Deus) fez a m atéria e se relaciona co m o universo m aterial. De fato, crem os que a m ente e a m atéria se relacionam nos seres hum anos, n orm alm en te chamadas alm a e corpo. Mas essa relação é impossível, se a m ente e a m atéria são opostas. Resposta à Objeção Quatro Esta objeção supõe que a m ente e a m atéria não podem se relacionar, porque elas são opostas que não têm nada em co m u m . Todavia, o m aterial e o im aterial têm algo em co m u m — ambos existem; ambos têm o ser. O fato que o im aterial e o m aterial se relacionam não deveria surpreender a quem acredita que ambos existem . E, co m o m ostram os acima, m atéria não é tudo que existe. Há u m a M ente que fez a m atéria e há m entes que a con hecem . Se tem os m ente e m atéria, alm a e corpo, então o m aterial e o im aterial podem e se relacionam (ver Volume 3, capítulo 2). Negar isto é autodestrutivo, visto que o m aterialism o em si é u m a idéia que a m ente tem acerca da m atéria. Além disso, a m inha m ente está com andando o m eu corpo (braço e dedos) para escrever estas palavras. Q uem nega isto tem de usar a m ão ou a boca para expressar estas idéias da sua m en te — o que é autodestrutivo novam ente.
CONCLUSÃO Deus é im aterial e im enso. Ele não é m aterial e não é espacial. A m atéria é finita, e Deus não é finito. Porém eles se relacionam co m o a Causa co m o efeito, visto que a M ente (Deus) fez a m atéria. A m atéria não é eterna; veio à existência. Nada não pode causar algo; por conseguinte, deve haver algo que não é m atéria (a saber, a M ente) que fez a m atéria. C o m o o seu Criador, Deus se relaciona co m ela co m o a Causa co m o efeito, tanto trazendo à existência (criação) quanto causando para continuar existindo (sustento). Não há mais problem a com o Deus im aterial em se relacionar co m a criação m aterial do que há co m u m Deus infinito em se relacionar co m u m a criação finita, ou u m Criador não-causado em se relacionar com u m a criação causada, ou u m Ser necessário em servir co m o a base de u m ser contingente. A relação se acha no fato de que ambos têm o ser e que u m é a Causa do outro.
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CATÍTTJLO
S t T í
A ONIPOTÊNCIA E A ONIPRESENÇA DE DEUS
E
ste capítulo analisa mais duas propriedades metafísicas de Deus: a onipotência e a onisciência. Deus é Todo-poderoso e está presente em todos os lugares. M uito da teologia contem porânea tem questionado fortem ente estes dois atributos. Tradicionalm ente, no entanto, eles estão no cerne das características distintivas do Deus do teísmo clássico (que é a base da teologia ortodoxa). Em sum a, negar qualquer u m a destas características é posicionar-se fora da visão ortodoxa de Deus. Há certas concepções populares erradas sobre a onipotência de Deus. Portanto, precisam os definir a onipotência cuidadosam ente antes de analisá-la. Primeiro, declararem os o que é, depois, o que não é.
A DEFINIÇÃO DE ONIPOTÊNCIA Onipotência significa, literalm ente, que Deus tem poder ilimitado (oni significa “tod o”, potente significa “poderoso”). De acordo com o léxico hebraico padrão, a palavra shadday (shaddai) significa “auto-suficiente” ou “todo-poderoso” (Gesenius, HELOT, p. 994). Outros concordam (Harris, et. al., TWOT, p. 907).1 A Septuaginta (L X X ) traduziu essa palavra hebraica pelo vocábulo grego pantokrator, que significa “todo-poderoso”. O m esm o o corre nas páginas do Novo Testam ento, onde pantokrator significa “todopoderoso” ou “onipotente” (ver Arndt, GELNT, p. 613). No sentido teológico, “onipotente” significa que Deus pode fazer tudo que é possível fazer. Ou, Deus pode fazer o que não é impossível fazer. O seu poder é ilimitado e desinibido por qualquer outra coisa. Negativamente, onipotência não significa que Deus possa fazer o que é contraditório. A Bíblia afirma que Deus não pode contradizer a sua natureza (Hb 6.18; 2 T m 2.13; T t 1.2). Ele não pode forçar a liberdade (veja, por exem plo, M t 23.37). Ele trabalha persuasivamente, mas não coercivam ente (ver Volume 3, capítulo 2). Além disso, onipotência não significa que Deus tem de fazer tudo que Ele pode fazer: Significa que Ele tem o poder de fazer tudo que é possível, m esmo que decida não fazer certas coisas. Deus é livre para não usar a sua onipotência sempre que Ele desejar, quer dizer, Deus é livre para limitar o uso do seu poder, mas Ele não é livre para limitar a extensão do seu poder. Deus tem de saber tudo que sabe, mas Deus não tem de fazer tudo que Ele pode fazer. ‘Contudo certos estudiosos fazem a sugestão improvável que significa “o Destruidor” (derivado de shadad) ou “o Deus das M ontanhas” (derivado do acadiano, Sadu; cf. SI 121.1,2) ou “Deus dos seios”, quer dizer, o Provedor Abundante ( TDOT).
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A BASE BÍBLICA PARA A ONIPOTÊNCIA D E DEUS A base bíblica para a onipotência apóia-se em diversos fatos: o uso das palavras todopoderoso e infinito em referência a Deus —frases que indicam que Ele tem todo o domínio e atos que vinculam o seu poder ilimitado.
“Todo-Poderoso” Significa “Onipotente” Há diversas razões para tom arm os as palavras bíblicas traduzidas por “todo-poderoso” com o significando de onipotente. Primeiro, “todo-poderoso” é a tradução usual de shadday (shaddai) no Antigo Testam ento. Segundo, a palavra grega pantokrator, pela qual o term o hebraico é traduzido na Septuaginta, significa “todo-poderoso”. Terceiro, o significado de pantokrator, traduzido por “Todo-Poderoso” nos textos neotestam entários, significa onipotente em cada vez que o corre em o N ovo Testam ento (2 Co 6.18; Ap 1.8; 4.8; 11.17; 15.3; 16.7,14; 19.6,15; 21.22). Quarto, a Vulgata Latina usa a palavra omnipotens para referir-se a Deus, term o que dá origem ao vocábulo onipotente. Quinto e últim o, o uso bíblico da palavra apóia o significado de “todo-poderoso” (ver mais adiante).
O Uso da Palavra infinito em Referência a Deus Pelo m enos u m a vez, a Bíblia diz que Deus é “infinito” em seu entendim ento (SI 147.5). O seu conhecim ento é idêntico ao seu Ser e o seu poder, visto que seja o que for que Deus “ten h a”, isso Ele é: Todos os seus atributos se referem à sua essência única (ver capítulo 1). Por conseguinte, se Deus for infinito em u m atributo, Ele tem de ser infinito em todos os outros atributos, visto que Ele é u m Ser simples, ou seja, indivisível (ver capítulo 2). O uso da palavra todo-poderoso na Bíblia revela que o seu significado é, de fato, “onipotente”. O Deus “T odo-poderoso” é exaltado acim a das criaturas (grandes) em poder (Jó 37.23; cf. Ap 1.8). Ele não tem limites (Jó 11.7-11). Ele tem o poder para cum prir todas as suas promessas (G n 28.3,4). N inguém pode contender co m ele (Jó 40.2). Ele pode estabelecer u m con certo perpétuo (G n 17.1,7). Ele opera co m justiça perfeita (Jó 8.3). Ele tem poder para execu tar a ira final no m undo (Ap 19.15). Ele opera de u m a posição de suprem acia (Jó 31.2). Ele pode fazer milagres (Ap 15.3). E m sum a, Ele não tem limites no seu poder com o tam bém no seu conhecim ento (SI 147.5).
Frases que Indicam a Onipotência de Deus Numerosas passagens bíblicas dão a entender que Deus é Todo-poderoso. O salmista escreveu: “[...] o nosso Deus está nos céus e faz tudo o que lhe apraz” (SI 115.3). Repetindo: “Tudo o que o Senhor quis, ele o fez, nos céus e na terra, nos mares e em todos os abismos” (SI 135.6). A cerca do Senhor, Isaías declarou: “[...] ninguém há que possa fazer escapar das m inhas m ãos; operando eu, quem impedirá?” (Is 43.13). Jeremias acrescentou: “Ah! Senhor Jeová! Eis que tu fizeste os céus e a terra co m o teu grande poder e co m o teu braço estendido; não te é m aravilhosa demais coisa algum a” (Jr 32.17). Deus perguntou: “Q uem pode se com p arar comigo? Q uem tem coragem de m e
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desafiar?” (Jr 49.19, NTLH). A Bíblia tam bém fala sobre “a sobreexcelente grandeza do seu poder” (E f 1.19) e que Ele sustenta “todas as coisas pela palavra do seu p oder” (Hb 1.3): “As coisas que são impossíveis aos hom ens são possíveis a Deus” (Lc 18.27). A to s q u e In d ica m a O n ip o tê n cia (P o d e r Ilim ita d o ) de D eu s Muitas ações realizadas por Deus dão a entender que o seu poder é ilimitado. T ratam se da criação [a partir] do nada (ex nihilo, Gn 1.1; Jo 1.3; 2 Co 4.6; Cl 1.16,17; Ap 4.11), dos atos verdadeiram ente sobrenaturais (Jo 2.7-11; 6.15ss.; 10.18) e da realização de nossa salvação (Is 46.10,11; R m 1.16; Ef 1.19). N enhum a destas atividades pode ser realizada por u m poder finito. A BA SE T E O L Ó G IC A PA R A A O N IP O T Ê N C IA D E D EU S A onipotência de Deus se deriva logicam ente de outros atributos. Entre estes estão as suas propriedades de p ura realidade, infinidade e simplicidade. A O n ip o tê n c ia se S eg u e d a P u ra R ealid ad e C om o já m ostrado, Deus não tem potencialidade; só pura realidade. O que não tem potencialidade não tem limites, visto que o potencial é o que limita o ser. Portanto, concluise que Deus não tem limites de qualquer tipo. Ele é ilimitado em seu poder. (Q uer dizer, Ele é ilimitado em seu poder de acordo com a sua natureza a qual não pode violar.) A O n ip o tê n c ia se S eg u e d a In finidad e Deus é infinito em seu Ser (ver capítulo 5). Ele possui poder, com o é indicado pelos seus atos poderosos. Todavia, co m o observamos, tudo que Deus “te m ”, isso Ele é, porque Ele é absolutam ente u m . Portanto, tudo que se aplica a Ele, se aplica ao seu Ser inteiro e não apenas a u m a parte sua. Por conseguinte, se Deus é infinito e poderoso, então Ele tem de ser infinitamente poderoso. A O n ip o tê n c ia se S eg u e da S im p licid ad e Deus tam bém é u m Ser simples (ver capítulo 2). Considerando que Deus tem poder, Deus é poder, p u ra e simplesmente. Tudo que é poder, p ura e sim plesmente, é infinitamente poderoso, pois o que tem poder é limitado — é limitado ao poder que tem . O que é Poder em si não é limitado em poder. O poder de Deus é ilimitado. Im p lica çõ e s Im p o rta n te s so b re a O n ip o tê n c ia Muitos elem entos significativos em anam da onipotência de Deus; dois são dignos de n ota aqui. A onipotência ajuda a solucionar o problem a do m al, e nos dá a garantia de que Deus pode realizar o que Ele proclam a. A Onipotência soluciona o Problema do M al A declaração clássica do problem a do m al é a seguinte: (1) U m Deus Todo-bom derrotaria o mal. (2) U m Deus Todo-poderoso pode derrotar o mal.
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(3) Mas o m al não é derrotado. (4) Por conseguinte, não pode existir tal Deus. C ontudo, este argum ento desconsidera u m fator im portante implícito na onipotência que pode ser redeclarado deste m odo: (1) U m Deus Todo-bom derrotaria o mal. (2) U m Deus Todo-poderoso pode derrotar o m al. (3) Mas o m al ainda não está derrotado. (4) Por conseguinte, o m al ainda será derrotado. E fato que u m Deus Todo-bom e Todo-poderoso nos garante que isto acontecerá. E m sum a, visto que Deus é Todo-bom e Todo-poderoso, o m al será derrotado. Dito de o u tro m od o, visto que Deus é Todo-bom , Ele tem o desejo de derrotar o mal. Considerando que Ele é Todo-poderoso, Ele tem a capacidade para derrotar o m al. Todo aquele que tem desejo e capacidade para d errotar o m al, o derrotará. A Onipotência garante que Deus cumprirá a sua Palavra A onipotência tam bém nos proporciona a garantia de que Deus cum prirá a sua Palavra, quer se refira a predições sobre o futuro, quer diga respeito a promessas para nós no presente. Por exem plo, u m Deus onisciente pode predizer o futuro, mas só u m Deus onipotente pode execu tar o que Ele predisse. Sem elhantem ente, u m Deus Todoam oroso pode p rom eter salvação, m as só u m Deus Todo-poderoso pode realizar o que p rom eteu (cf. 2 T m 1.12). Em sum a, as predições e promessas de Deus não são m elhores do que o seu poder para realizá-las. Sem todo o poder, Deus não pode realizar todas as predições e promessas que faz. Deus é todo poder; Ele é Todo-bom .
A BASE HISTÓRICA PARA A ONIPOTÊNCIA DE DEUS Deus é Todo-poderoso, fato não questionado seriam ente no cristianismo durante quase os primeiros m il e novecentos anos de sua existência. Só co m o surgim ento da teologia do processo, proposta por Alfred N orth W hitehead (1861-1947), foi que a onipotência de Deus foi questionada (Volum e 1, capítulo 2).
Os Primeiros Pais da Igreja Falaram sobre a Onipotência de Deus Desde os primeiros tem pos houve u m a voz praticam ente unânim e a favor do poder ilimitado de Deus. A sua capacidade incrível de criar o m undo é a evidência. Matetes (c. 130) Pois, os gentios, oferecendo tais coisas aos que são destituídos de sentimento e audição, dão exemplo de loucura; por outro lado, pensando que oferecem coisas a Deus como se Ele precisasse delas, poderiam considerar acertadamente que é um ato de loucura em vez de adoração a Deus. Pois aquEle que fez o céu e a terra, e tudo o que neles há, e dá a todos as coisas das quais precisamos, certamente não exige essas coisas as quais Ele próprio dá aos tais, ao ponto de pensarem em fornecê-las a Ele. (EMD, 3, em Roberts and Donaldson, ANF, I)
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Justino Mártir (c. 100-c. 165) “Deus dirige o governo do universo neste dia igualm ente com o em todos os o u tro s” (D ], 29, em ibid., 1.396). Orígenes (c. 185-c. 254) Não nos apoiamos em um canto mais absurdo, dizendo que com Deus todas as coisas são possíveis. Porque sabemos entender a palavra todas N não se refere a coisas que são não-existentes ou a coisas que são inconcebíveis. Por exemplo, sustentamos que Deus não pode fazer o que é infame, pois então Ele poderia deixar de ser Deus. Pois se Ele fizer qualquer coisa que seja infame, então não é Deus. (Bercot, editor, DECB, p. 311) Tertuliano (c. 155-c. 225) Não devemos também considerar bem o poder, e a força, e a competência do próprio Deus, quer Ele seja tão grande quanto a reconstruir e restabelecer o edifício da carne, que fora dilapidado e bloqueado, e de todo jeito possível deslocado? — quer Ele promulgue nos domínios públicos da natureza qualquer analogia para nos convencer do seu poder sob este aspecto, para que não aconteça ainda estarmos com sede do conhecimento de Deus, quando a fé nEle tem de descansar em nenhuma outra base que a crença que Ele pode fazer todas as coisas? (RF, 11, em op. cit. III) Os Pais da Ig re ja M edieval fa la ra m s o b re a O n ip o tê n c ia de D eu s D urante a Idade Média, os grandes teólogos da Igreja fizeram defesa enfática e articulada sobre a onipotência de Deus. C om ecem os com o “m o n ó lito m edieval”: A gostinho. Agostinho (354-430) Não pomos a vida de Deus e a sua presciência sob qualquer necessidade, quando dizemos que Ele tem de viver uma vida eterna e tem de saber todas as coisas. Nem minoramos o seu poder, quando dizemos que Ele é incapaz de morrer ou ser enganado. Este é o tipo de incapacidade que, se retirada, tornaria Deus menos poderoso do que Ele é. Deus é com razão chamado onipotente, embora Ele seja incapaz de morrer ou ser enganado. Nós o chamamos onipotente, porque Ele faz tudo o que quer fazer e não sofre nada do que não quer sofrer. Claro que Ele não seria onipotente, se tivesse de sofrer qualquer coisa contra a sua vontade. E precisamente porque Ele é onipotente que para Ele algumas coisas são impossíveis. (CG, 5.10) Anselmo (1033-1109) Repetindo, como tu és onipotente, se tu não podes fazer todas as coisas? Mas, como tu podes fazer todas as coisas se tu não podes ser corrompido, ou dizer mentiras, ou tom ar o verdadeiro em falso (tal como a desfazer o que foi feito) e muitas outras coisas semelhantes? Ou é a capacidade de fazer estas coisas não poder, mas impotência? Pois aquele que pode fazer estas coisas pode fazer o que não é bom para si mesmo e o que ele não deve fazer. E quanto mais ele pode fazer estas coisas, mais adversidade e perversidade de poder têm sobre ele, e quanto menos ele tem contra eles. Portanto, aquele que pode fazer estas coisas, não as pode fazer por poder, mas por impotência. Dizem, então, que
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ele “pode”, não porque ele pode fazê-los, mas porque a sua impotência dá outro poder contra ele [...]. Quando alguém diz que tem o “poder” de fazer ou sofrer algo que não é para vantagem própria ou o que ele não deve fazer, então por “poder” aqui queremos dizer “impotência”, pois quanto mais ele tem este “poder”, mais adversidade e perversidade têm poder sobre ele e quanto mais ele é impotente contra eles. Portanto, Senhor Deus, tu és o mais verdadeiramente onipotente, visto que tu não podes fazer nada por impotência e nada pode ter poder contra ti. (ACMW, p. 90) Tomás de Aquino (1225-1274) “É filosoficamente impossível a fé divina professar o que a razão tem de considerar falso: n em m esm o a onipotência divina pode fazer isto de o u tra fo rm a” (De Unitate Intellectus, em Gilby, STATTA, p. 38). Além disso: Certo povo religioso sustentou qúe a onipotência de Deus pode desfazer o passado, no sentido de que o que aconteceu já não acontece realmente. A opinião não é herética; não obstante, se envolve contradição, é falsa (De Aetemitate Mundi, em ibid., p. 585). O ser de Deus, visto que não é recebido de nada, mas é puro ser, não é limitado a qualquer modo particular de perfeição de ser, mas contém todo o ser dentro de si mesmo; e assim, como sendo tomado em seu sentido mais amplo pode estender a uma infinidade de coisas, assim o ser divino é infinito; e, por conseguinte, está claro que a sua força ou o seu poder ativo é infinito. (OPG, 1.2)
Os Mestres da Reforma e Pós-Reforma Falaram sobre a Onipotência de Deus Em bora os Reform adores questionassem certos ensinos soteriológicos prevalecentes em seus dias, m esm o assim, deram pleno apoio à teologia co rreta da Igreja. Isto é p articularm ente verdadeiro relativo à onipotência de Deus. João Calvino (1509-1564) Julgamos que Deus é onipotente, não porque Ele possa agir, embora possa escolher ser inativo, ou porque por instinto geral, Ele continue a ordem da natureza previamente designada; mas porque, governando o céu e a terra pela sua providência, Ele assim predomina todas as coisas que nada acontece sem a sua deliberação. Pois quando diz o Salmo: “Deus [...] faz tudo o que lhe apraz” (SI 115.3), a coisa significada é o seu propósito seguro e deliberado. (1CR, 1.16.3) Ja có Armínio (1560-1609) O poder ou capacidade de Deus são infinitos, porque pode não só fazer todas as coisas possíveis (que são inumeráveis, de forma que elas não podem ser consideradas para ser tal número, sem a possibilidade da existência delas ainda mais), mas semelhantemente porque nada pode resistir a isto. Pois todas as coisas criadas dependem do poder divino, como no seu princípio eficiente, como é a frase [vire nisso, vire em conservari], tanto no seu ser quanto na sua preservação; de onde se atribui onipotência merecidamente a Ele. Essas coisas são impossíveis a Deus que envolve uma contradição, quanto a fazer outro Deus, ser mutável, pecar, mentir, causar algo imediatamente para ser e não ser, ter sido
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e não ter sido, etc., que esta coisa deveria ser e esta não deveria ser, que isto e o seu contrário deveria ser, que um acidente deveria ser sem seu sujeito, que uma substância deveria ser mudada em uma substância preexistente, [...] que um corpo deveria possuir onipresença, etc. ( WJA, p. 353) Francis Turretm (1623-1687) “O poder de Deus (o princípio executan te das operações divinas) é nada diferente da própria essência divina produtiva exteriorm en te (pela qual Ele é concebido co m o capaz de fazer tu do que quer ou deseja)” (IE T , p. 244). Agora, Impossível e possível são usados de três modos: (1) sobrenaturalmente; (2) naturalmente; e (3) moralmente. O sobrenaturalmente impossível é o que não pode ser feito nem sequer pelo poder divino (como uma pedra sensível, um homem irracional). O sobrenaturalmente possível é o que pode acontecer pelo menos divinamente (como a ressurreição dos mortos). O naturalmente impossível é o que não pode ser feito pelos poderes da natureza e causas segundas, mas ainda pode ser feito pelo poder sobrenatural (como a criação de um mundo, a concepção de uma virgem, etc.). Mas o naturalmente possível é o que não excede os poderes da natureza finita. O moralmente impossível é o que não pode ser feito de acordo com as leis da santidade; mas o moralmente possível é o que é agradável às leis da virtude. Deus realmente pode fazer o naturalmente impossível, mas não o que se considera moralmente ou sobrenaturalmente, (ibid., pp. 245, 246) Jonathan Edwards (1703-1758) Na realidade, Deus é o juiz supremo do mundo. Ele tem poder suficiente para defender o seu próprio direito. Como Ele tem o direito que não pode ser disputado, assim tem o poder que não pode ser controlado. Ele é possesso de onipotência, com o qual mantém o seu domínio sobre o mundo; e Ele tem domínio no mundo moral como também no mundo natural. ( WJE, II, p. 191) R. L. Dabney (1820-1898) Quando investigamos o poder de Deus, queremos dizer aqui, não o seu potestas ou autoridade, mas a sua potentia. Quando dizemos: Ele pode fazer todas as coisas, não queremos dizer que pode sofrer, ou ser mudado, ou ser ferido; pois a capacidade passiva destas coisas não é poder, mas fraqueza ou defeito. Não designamos a Deus nenhum poder passivo. Quando dizemos que o poder de Deus é onipotência, queremos dizer que o seu objeto é só o possível, não o absolutamente impossível. Entretanto, aqui temos de definir novamente, que pelo absolutamente impossível, não queremos dizer o fisicamente impossível. Porque vemos Deus fazer muitas coisas acima da natureza, quer dizer, acima do que a natureza material, ou humana, ou angelical pode efetuar. Mas queremos dizer o fazer daquilo que insinua uma contradição inevitável. Popularmente, a onipotência de Deus pode ser definida como a sua capacidade de fazer todas as coisas. Agora, de dois incompatíveis, ambos não podem se tornar entidades conjuntas; pois, pelos termos do caso, a entidade de um destrói a de outro. Mas se eles não são e não podem ser ambas as coisas, o poder de fazer todas as coisas não abarca o fazer dos incompatíveis. Mas em segundo lugar e mais conclusivamente; se até a onipotência pode
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efetuar ambos os contraditórios, então o auto-contraditório se tornaria o verdadeiro; o que é impossível o homem acreditar. Por conseguinte, em terceiro lugar, a afirmação infringiria o princípio da fundação de toda a verdade; que uma coisa não pode ser assim e não ser assim no mesmo sentido e ao mesmo tempo. (LST, p. 46) John Miley (1813-1895) Como Deus é um ser espiritual, o seu poder tem de ser puramente espiritual. Todavia, isto não lhe nega o poder sobre a natureza física. Como Ele é um ser espiritual e pessoal, o poder tem de ser o de vontade pessoal. Esta é imediatamente a lógica dos fatos relativos e o sentido das Escrituras. Este sentido aparecerá claramente tratando a onipotência da vontade divina. A onipotência de Deus se manifesta em suas obras da criação. A concentração de todas as forças finitas em um único ponto de energia seria infinitamente insuficiente para a criação de um único átomo. Nas palavras sublimes: “No princípio, criou Deus os céus e a terra” [Gn 1.1], há a agência de uma vontade pessoal e onipotente. Só tal vontade é igual à criação do universo, e à providência divina que rege nos reinos físicos e morais universais. (ST, p. 213) William G. T. Shedd (1820-1894) O poder divino é onipotência. [...]. A onipotência se manifestada nas obras da criação vigente, mas não se exaure por elas. Deus pode, se Ele quiser, criar mais do que Ele tem. Ele pode fazer mais do que fez, fosse esta a sua vontade. Ele poderia ter criado filhos a Abraão das pedras do leito do rio Jordão; poderia ter enviado a ajuda de doze legiões de anjos para o Redentor que sofria. O poder divino só está limitado pelo absurdo e auto-contraditório. Deus pode fazer qualquer coisa que não insinue impossibilidade lógica. Uma impossibilidade lógica significa que o predicado é contraditório ao sujeito; por exemplo, um espírito material, uma deidade corpórea, uma pedra sensível, um homem irracional, um corpo sem membros ou extensão, um triângulo quadrado. Estes não são objetos de poder e, portanto, não há limitação da onipotência divina para dizer que não pode criá-los. Eles envolvem o absurdo que uma coisa pode ser e não pode ser ao mesmo tempo. Uma impossibilidade lógica é, na verdade, uma não-entidade; e dizer que Deus não pode criar uma não-entidade, não é limitação ou negação de poder. Pois poder é a capacidade de criar entidade. (DT, p. 359) Charles Hodge (1797-1878) E removendo todas as limitações de poder, como existe em nós, que temos a idéia da onipotência de Deus. Entretanto, não perdemos a própria idéia em si. O poder todopoderoso não deixa de ser poder. Podemos fazer muito pouco. Deus pode fazer tudo que deseja. Nós, além de limites muito estreitos, temos de usar meios para realizar os nossos fins. Com Deus os meios são desnecessários. Ele deseja e é feito. Ele disse: “Haja luz. E houve luz” [Gn 1.3]. Ele, por volição, criou os céus e a terra. À volição de Cristo, “o vento se aquietou, e houve grande bonança” [Mc 4.39]. Por um ato da vontade, Ele curou os doentes, abriu os olhos dos cegos e ressuscitou os mortos. Esta simples idéia da onipotência de Deus, que Ele pode fazer sem esforço e por volição tudo que desejar, é a idéia concebível mais alta de poder, e é o que está claramente apresentado nas Escrituras. (ST, p. 407)
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J . I. P ad er
“Ele m esm o se den om ina E l Shaddai, ‘D eus Altíssim o [Todo-Poderoso]’, e todas suas ações ilu stram a onipotência proclam ada p o r seu n o m e ” ( K G , p. 67 [Editora M undo C ristão, p. 100]). O B JE Ç Õ E S À O N IPO T Ê N C IA D E D E U S O b je çã o U m : B asead a n a N o ç ã o de q u e a O n ip o tê n c ia É C o n tra d itó ria Os céticos argum entam : (1) U m D eus Todo-poderoso pode fazer qualquer coisa. (2) U m D eus Todo-poderoso pode fazer um a pedra m u ito pesada para Ele erguer. (3) Mas se Deus não puder erguê-la, então Ele não pode fazer tudo. (4) P ortanto, Deus não é onipotente. R e sp o sta à O b je çã o U m C o m respeito a esta objeção, tem sido salientado que as premissas são falsas. Prim eiro, u m Deus Todo-poderoso não pode fazer o que é im possível. O nip otência significa que D eus pode fazer tudo que é sobren atu ralm ente, n atu ralm en te e m o ralm en te possível fazer. D eus não pode fazer o que é logica ou realm en te impossível fazer. A lém disso, é impossível D eus fazer u m a pedra pesada dem ais para Ele erguer, pois tu do que D eus pode fazer, Ele pode m over. O que D eus pode criar pode igualm ente destruir e pode recriar em o u tro lugar. D eus não pode fazer ou tro infinito, e o que é finito Ele pode m over. D eus não pode fazer nada infinito (só Ele é infinito), e tudo que é finito Ele pode erguer. P ortanto, é impossível Ele fazer u m a pedra que não possa erguer. O b je çã o D ois: B asead a n a L ib erd ad e de D eu s A rgum enta-se que se D eus é livre para escolh er não usar o seu poder, então por que Ele não é livre para não saber o seu conh ecim ento? Q uer dizer, se Deus pode ter mais poder do que Ele usa, então por que não pode ter m ais con h ecim en to do que Ele sabe? R e sp o sta à O b je çã o D ois Esta afirm ação a respeito dos atributos de D eus é contraditória. A resposta para esta objeção está em um a distinção m u ito im p ortante. D eus pode te r mais poder do que Ele usa, mas não pode ter mais poder do que Ele já tem. Sem elh an tem en te, Ele pode ter mais co n h ecim en to do que usa, m as não pode ter mais co n h ecim en to do que já possui. O fato de Deus ser Todo-poderoso não significa que Ele tem de fazer tudo o que pode fazer. Deus é livre, e Ele pode escolh er livrem ente, co n fo rm e a sua natu reza, usar só o poder que escolhe exercer. O b je çã o T rês: B asead a n o A m o r de D eu s A Bíblia ensina que Deus é onibenevolente (Todo-am oroso, T od o-bom , ver capítulo 15). C o m o tal, D eus deseja salvar todas as pessoas (1 T m 2.4; 2 Pe 3.9). Porém n em todas as pessoas serão salvas (M t 25.40,41; 2 Ts 1.7-9; Ap 20). Por conseguinte, D eus não pode ser
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Todo-poderoso. Se o fosse, então poderia realizar tudo aquilo que Ele deseja, inclusive a salvação de todas as pessoas.
Resposta à Objeção Três Em resposta, novam ente, Deus não pode fazer qualquer coisa; por exem plo, Ele não pode fazer o que é logicam ente ou m oralm en te impossível. E impossível salvar as pessoas con tra a vontade delas. Liberdade forçada é u m a contradição de term os. C om o previam ente m encionado, o am or de Deus trabalha persuasivamente e não coercivam ente. Portanto, se Deus é am or, m as o h o m em é livre, então Deus não pode salvar todos os que deseja salvar — Ele só pode salvar os que querem ser salvos. Jesus disse: “Jerusalém , Jerusalém , que m atas os profetas e apedrejas os que te são enviados! Quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, co m o a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e tu não quiseste!” (M t 23.37, grifos m eus).
Objeção Quatro: Baseada na Bíblia Os críticos tam bém oferecem objeção con tra a onipotência da Bíblia. Jesus disse: “Aos hom ens é isso impossível, mas a Deus tudo é possível” (M t 19.26). Se isto é assim, então a objeção ainda perm anece, ou seja, Ele pode fazer u m a pedra pesada demais para erguer.
Resposta à Objeção Quatro Em resposta, o con texto desta passagem m ostra claram ente que só Deus pode fazer o que é humanamente impossível, não o que é realmente impossível (Lc 18.27). O utros versículos dizem que Deus não pode fazer o que é realm ente impossível; por exem plo, Hebreus declara: “[...] é impossível que Deus m inta” (Hb 6.18). Todos os teístas esclarecidos concordam que Deus não pode fazer o que é logicam ente ou realm ente impossível. A onipotência só afirma que Deus pode fazer tudo que é possível, não o que é impossível.
A ONIPRESENÇA DE DEUS Falando tecnicam ente, a onipresença não é u m atributo de Deus, mas, mais exatam ente, flui dos seus atributos. A onipresença é o resultado da sua relação co m a criação, co m o a transcendência e a im anência (ver capítulo 22). Se não houver criação, então não há nada co m o que Deus possa estar presente. Todavia, visto que Deus é infinito em si m esm o, a onipresença expressa certa característica sua que se to rn a manifesta quando há u m a criação para a qual Ele possa estar presente em todos os lugares. Onipresença é parte de u m agrupam ento clássico das características de Deus que distinguem o Deus da teologia ortod oxa das visões contem porâneas n ão-ortodoxas, com o o panenteísm o e a teologia do processo (ver Volum e 1, capítulos 2, 4, 5 e 8).
A DEFINIÇÃO DE ONIPRESENÇA Onipresença significa, literalm ente, que Deus está presente em todos os lugares ao m esm o tem po (oni significa “todos os lugares” e presente). Negativam ente declarado, não h á lugar em que Deus esteja ausente. O term o “ubíquo” é às vezes usado intercam biavelm ente co m “onipresença”; o significado da raiz de “onipresença” é derivado do latim ubíque, que quer dizer “em toda p arte”.
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E proveitoso verm os o que onipresença não significa. Não significa que Deus é a criação; isto é panteísm o (ver V olum e 1, capítulo 2). No teísm o, Deus f e z o m undo; no panteísm o, Deus é o m u nd o. N em onipresença significa que Deus está na criação, isto é panenteísm o. C om o vim os nos capítulos anteriores, Deus não está no espaço (Ele é nãoespacial); n em está no tem po (Ele é n ão-tem p oral). N em Deus está na m atéria, visto que Ele é im aterial — puro Espírito. O que, então, significa onipresença? Significa que tudo de D eus está em todos os lugares ao mesmo tempo. C om o Ser indivisível, Deus não tem uma parte aqui e outra parte ali, porque Ele
não tem partes. Deus está presente, mas não é parte da criação. Deus está em todos os lugares, mas Ele não é parte alguma. Ele está em todo ponto do espaço, mas não é espacial. Ele está em todo ponto do espaço, mas não é de ponto algum do espaço. Claro que há o sentido n o qual Deus está “n o ” universo, mas não é “d o” universo: Ele está “n o ” universo (m elh o r ainda, o universo está em D eus) co m o a sua Causa (C l 1.16). C ontu do Ele não é parte do efeito. Tudo de Deus está em todos os lugares, contudo nenhuma p arte de D eus está em qualquer lugar, visto que Ele não tem parte algum a.
Algum as ilustrações da onipresença são boas, outras não. Por exem plo, D eus não está presente no universo inteiro do m odo em que o ar enche u m quarto, visto que algum as m oléculas estão em u m lugar do quarto, ao passo que outras estão em outro lugar. Tudo de Deus está em todos os lugares. U m a ilustração m elh o r é que Deus está “d en tro ” ou presente no universo inteiro do m odo em que um a m en te está em seu cérebro, ou a m aneira na qual a beleza está presente em um a obra-de-arte, ou determ inado pensam ento está em um a frase. Em cada caso, o u m está presente e p en etra o todo sem que u m a parte dela esteja em um a parte do outro. A BA SE B ÍB LIC A PA R A A O N IPR E SE N Ç A D E D E U S M uitos versículos descrevem que Deus está presente na sua criação inteira. Considere os seguintes versículos: “Mas, na verdade, habitaria Deus na terra? Eis que os céus e até o céu dos céus te não poderiam c o n ter” (1 Rs 8.27). “Porque o Sen h or é Deus grande e Rei grande acim a de todos os deuses. Nas suas m ãos estão as profundezas da terra, e as alturas dos m ontes são suas. Seu é o m ar, pois ele o fez, e as suas m ãos fo rm aram a terra seca” (SI 95.3-5). “Para onde m e irei do teu Espírito ou para onde fugirei da tua face? Se subir ao céu, tu aí estás; se fizer no Seol a m in h a cam a, eis que tu ali estás tam bém ; se to m ar as asas da alva, se habitar nas extrem idades do m ar, até ali a tua m ão m e guiará e a tua destra m e susterá” (SI 139.7-10). “Sou eu apenas Deus de perto, diz o Senhor, e não tam bém Deus de longe? Esconder-se-ia alguém em esconderijos, de m od o que eu não o veja? — diz o Senhor. P orventura, não encho eu os céus e a terra? — diz o S e n h o r” (Jr 23.23,24). “Mas tu, quando orares, entra no teu aposento e, fechando a tua porta, ora a teu Pai, que vê o que está o cu lto ; e teu Pai, que vê o que está o cu lto, te recom p en sará” (M t 6.6). “Para que buscassem ao Senhor, se, porventu ra, tateando, o pudessem achar, ainda que não está longe de cada u m de nós; porque nele vivem os, e nos m ovem os, e existim os, com o tam bém alguns dos vossos poetas disseram: Pois som os tam bém sua geração” (A t 17.27,28). M u itos ou tros versículos falam que D eus está d entro do universo co m o a sua real Causa sustentad ora: “[...] todas as coisas subsistem por e le” (C l 1.17). “[O FilhoJ, sendo o resplend or da sua glória, e a expressa im agem da sua pessoa, e su sten tan d o todas as coisas pela palavra do seu p o d er” (Hb 1.3). “D ign o és, S en h o r, de receber glória,
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e h onra, e poder, porque tu criaste todas as coisas, e p o r tu a vontade são e foram criadas” (Ap 4.11). Portanto, Deus está presente em toda a criação co m o Criador, mas não co m o se estivesse fazendo parte dela. Ele é o Criador e Sustentador de tudo que foi feito. Na sua infinidade, Deus não está excluído de n en h u m lugar da criação. Na verdade, não fosse pela sua presença causai, a criação não existiria.
A BASE TEOLÓGICA PARA A ONIPRESENÇA DE DEUS Há m uitos argum entos básicos para a onipresença de Deus. Eles em an am da causalidade, infinidade e simplicidade de Deus.
A Onipresença se Segue da Causalidade Corrente C om o já com entado, Deus é a Causa e o Sustentador de todo o ser, e a Causa de todo o ser está presente em todos os seres criados co m o a Causa corrente e sustentadora. O que está presente em todos os seres criados é onipresente, pois não há ser finito em n en h u m lugar do qual Deus não seja a sua Causa sustentadora e corrente. Portanto, Deus está presente em todos os lugares.
A Onipresença se Segue da Infinidade Deus é infinito ou sem limites no seu Ser, e o que é sem limites no seu Ser não está limitado por determ inado lugar. O que não está limitado por determ inado lugar está em todos os lugares. Por conseguinte, conclui-se que Deus está em todos os lugares. Se houvesse algum lugar que Deus não estivesse, então estaria limitado quanto ao lugar onde Ele está. Mas Deus não é de form a algum a limitado.
A Onipresença se Segue da Simplicidade Deus é o Ser simples que não tem partes. O que não tem partes, não pode estar parcialm ente em algum lugar. Além disso, o que não tem partes não pode ser finito, e o que tem partes não pode ser infinito, visto que mais um a parte sem pre pode ser adicionada. C om o vimos, é impossível ter mais que u m infinito. Portanto, u m Ser que não tem partes tem de ser u m Ser infinito, e u m Ser infinito tem de estar em todos os lugares. Conclui-se que tudo de Deus está em todos os lugares.
A BASE HISTÓRICA PARA A ONIPRESENÇA DE DEUS C om o os outros grandes atributos de Deus, a onipresença está firm em ente arraigada na história da Igreja. C om eçando co m os primeiros Pais e chegando aos dias de hoje, a onipresença de Deus foi reconhecida universalm ente.
Os Primeiros Pais da Igreja Falaram sobre a Onipresença de Deus Os primeiros Pais, do oriente e do ocidente, declararam que Deus está presente — co m o conseqüência n atural de sua infinidade — em todos os lugares no universo. Teófilo (m. 180) Este é o atributo de Deus, o Altíssimo e Todo-Poderoso, e o Deus vivo: não só estar presente em todos os lugares, mas também ver todas as coisas e ouvir todas as coisas.
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De forma nenhuma Ele está limitado a u m lugar, pois se estivesse, então o lugar que o contém seria maior que Ele. [...] Pois Deus não está contido, mas é Ele mesmo o lugar de todos. (TA, 2.3, em Roberts and Donaldson, ANF, II) Irineu (c. 125-c. 202) Eles são ignorantes quanto ao que a expressão significa, que o céu é o seu trono e a terra o escabelo dos seus pés. Porque eles não sabem o que Deus é. Mais exatamente, eles imaginam que Ele se assenta como um homem. Eles pensam que Ele está contido dentro de limites, mas não contém. (AH, 4.3.1, em ibid., I) Clemente de Alexandria (150-c. 215) Deus não está na escuridão ou em um lugar, mas está acima do espaço e do tempo, e qualidades de objetos. Por isso, nem Ele não está em determinada parte — ou se o contivesse ou fosse contido por Ele, quer por limitação ou por seção. [...] Embora o céu seja chamado o seu trono, nem mesmo lá Ele é contido. (5, 2.2, em ibid., II) Marcos Minúcio Félix (m. c. 250 d. C.) Onde está Deus bem longe, quando todas as coisas divinas e terrenas [...] são conhecidas a Deus e estão cheias de Deus? Em todos os lugares, Ele não só está muito perto de nós, mas está infundido em nós. Por conseguinte, olhe mais uma vez o sol. Ele está bem fixo no céu, contudo está difundido por todas as terras igualmente. [...] Quanto mais está Deus? (OMF, 32, em ibid., IV) Tertuliano (c. 155-c. 225) “Se há nos seres criados alguma porção de espaço em qualquer lugar vazio de Deus, esse vazio é claramente uma falsa deidade” ( FBAM , 1.11, em ibid., III). Orígenes (c. 185-c. 254) O Deus do universo pode, pelo seu poder, descer com Jesus na vida dos homens. A Palavra que estava no princípio com Deus (que também é o próprio Deus) pode vir a nós. Porém Ele não abandona o seu lugar ou desocupa o seu assento para fazer isso. Não é que aquele lugar fica vazio dEle. Ou que o outro lugar que não o conteve anteriormente agora está cheio. (AC, 4.5, em ibid., IV)
Por conseguinte: Não fazemos a pergunta: “Como iremos a Deus?”, como se pensássemos que Deus existisse em algum lugar. Deus é de natureza mui excelente para qualquer lugar. Ele mantém todas as coisas no seu poder, e Ele não está limitado por nada seja o que for. (AC, 4.34, em ibid.) Os Pais da Ig reja M edieval F a la ra m so b re a O n ip re s e n ç a d e D eu s
Como era típico de outros atributos de Deus, os grandes teólogos da Idade Média trataram a onipresença com muito mais elaboração teológica do que os seus antecessores.
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Agostinho (354-430) A verdade é que todas estas ações e energias pertencem ao único Deus verdadeiro, que é realmente o Deus que está completamente presente em todos os lugares. Ele não está limitado por fronteira e limite por nenhum obstáculo. E indivisível e imutável, e, pela sua natureza não tem necessidade do céu ou da terra, Ele os enche da sua presença e do seu poder. (CG, 7.30) Agostinho ilustrou a onipresença desta maneira: O que é mais maravilhoso do que o que acontece com relação ao som de nossas vozes e nossas palavras, uma coisa, não seria que passa em um momento? Pois quando falamos, não há lugar para a próxima sílaba senão depois que a precedente deixa de soar. Não obstante, se o ouvinte está presente, ele ouve o todo do que dizemos, e se dois ouvintes estão presentes, ambos ouvem o mesmo, e a cada um deles é o todo; e se uma multidão ouve em silêncio, eles não separam os sons como fatias de pães para serem distribuídos individualmente entre eles, mas tudo que é proferido é dado a todos e para cada um em sua totalidade. Considere isto e diga se não é mais incrível que a permanente Palavra de Deus não deveria realizar no universo o que a transitória palavra do homem realiza no ouvido dos ouvintes, isto é, que como a palavra do homem está presente em sua totalidade para cada um e todos os ouvintes, assim a Palavra de Deus deve estar presente na totalidade do seu ser em todos os lugares e no mesmo momento. (L, 137.2) Anselm o (1033-1109) Claro que pertence à substância divina, que sempre e em todos os lugares existe, de forma que nada ou nenhum lugar está à parte da sua presença. Caso contrário, não está de nenhuma maneira em todos os lugares e é sempre poderoso, e o que não está em todos os lugares e não é sempre poderoso não é, de nenhuma maneira, Deus. (SABW, p. 247) Tomás de Aquino (1225-1274) Portanto, pertence a uma coisa estar em todos os lugares absolutamente, quando, em qualquer suposição, deve estar em todos os lugares. Isto pertence corretamente só a Deus. Pois seja qual for o número de lugares que se suponha, mesmo que se suponha existir um número infinito além do que já existe, seria necessário que Deus estivesse em todos eles, pois nada pode existir exceto por Ele. Portanto, estar em todos os lugares primariamente e absolutamente pertence a Deus e é próprio dEle, porque seja qual for o número de lugares que se suponha existir, Deus deve estar em todos eles, não como uma parte dEle, mas quanto ao seu próprio Eu. (ST, la.8.4) Deus enche todos os lugares. Realmente, não como um corpo, porque na medida em que se diz que um corpo enche um lugar vai excluindo a co-presença de outro corpo; ao passo que por Deus estar em um lugar, os outros não estão excluídos desse lugar. Realmente, pelo mesmo fato que Ele dá o ser às coisas que enchem todos os lugares, Ele mesmo enche todos os lugares, (ibid., la.8.2)
Os Pais da Reforma e da Pós-Reforma Falaram sobre a Onipresença de Deus Os Reform adores não tiveram razão para divergir sobre a onipresença de Deus. A visão que eles tinham de Deus era idêntica à visão dos seus antepassados medievais acerca de todos os atributos metafísicos básicos de Deus.
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Martinho Lutero (1483-1546)
Repetindo: Este espírito orgulhoso e convencido [...] revela as suas idéias imaturas e estúpidas, quando concebe da onipresença de Deus como se Deus fosse um Ser imenso e expansivo que enche o mundo inteiro e se estende até para fora dele, como um saco tão cheio de palha que a palha se projeta do topo e do fundo; da mesma maneira como se Deus estivesse presente em todos os lugares de acordo com o primeiro, a maneira corpórea e compreensível. Naquele evento, claro que o corpo de Cristo seria mera invenção ou fantasma, um imenso saco de palha contendo Deus junto com o céu e a terra. Tais idéias de Deus não seriam muito cruas? Mas esta não é a nossa linguagem. Pelo contrário, negamos que Deus seja tal Ser estendido, comprido, largo, grosso, alto e baixo. Defendemos, mais exatamente, que Deus é um Ser sobrenatural e insondável, que a um e o mesmo tempo está em cada pequeno núcleo de grão e também dentro, sobre e fora de todas as criaturas. (WL, p. 542-3) João Calvino (1509-1564)
Deus está presente em todos os lugares, pois [...] depois de aprender que há um Criador, temos de deduzir imediatamente que Ele também é o Governador e o Conservador, e que, não produzindo um tipo de movimento geral na máquina do globo como também em cada uma das suas partes, mas pela Providência especial sustentando, apreciando, superintendendo todas as coisas que Ele fez, ao mais insignificante, até para um pardal. (ÍCR, 1.16.1) Enquanto estamos acostumados a considerar todo objeto como limitado ao lugar em que os nossos sentidos o discerne, nenhum lugar pode ser designado a Deus. Por conseguinte, se o buscarmos, temos de subir mais alto que todo discernimento corpóreo ou mental, (ibid., 3.20.40, grifos meus) Jacó Armínio (1560-1609) Depois que as criaturas, e lugares nos quais as criaturas estão contidas, receberam ter uma existência, desta imensidade se segue a onipresença ou ubiqüidade da essência de Deus, de acordo com a qual está completamente qualquer criatura ou qualquer lugar, e isto em semelhança exata a um ponto [matemático], que está totalmente presente na circunferência inteira e em cada uma das suas partes, e, mesmo assim, sem circunscrição. Se há qualquer diferença, surge da vontade, a capacidade e o ato de Deus. ( WJA, p. 117) Francis Turretin (1623-1687) Podemos dizer que Deus está presente com todas as coisas de três modos: (1) por poder e operação; (2) por conhecimento; (3) por essência. Isto é normalmente expresso pelos escolásticos no verso: Inter, praesenter Deus est, et ubique potenter. Enquanto isso, Deus está presente e em todos os lugares poderosamente. Diz-se que Ele está em todos os lugares pelo seu poder, porque Ele produz e governa todas as coisas e opera todas as coisas em tudo (em cujo sentido Paulo diz: “[...] nele vivemos, e nos movemos, e existimos”, At 17.28). Ele está presente em tudo pelo seu conhecimento, porque ele vê e contempla todas as coisas que são e se tornam em todo lugar como intimamente presente e colocado
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diante dEle. Por conseguinte, dizemos que “todas as coisas estão nuas e patentes aos olhos daquele com quem temos de tratar” e “não há criatura alguma encoberta diante dele” (Hb 4.13). Por fim, Ele está em todos os lugares pela sua essência, porque a sua essência penetra todas as coisas e por si só está intimamente presente em cada e toda coisa. Agora é desta última presença que tratamos aqui corretamente, pois os nossos adversários não negam que Deus está presente em todos os lugares pelo seu poder e conhecimento (como já dissemos). (IET, p. 197) John Miley (1813-1895) Nestes termos, encontramos a realidade e o poder absoluto desta onipresença na onisciência de Deus e na onipotência da sua vontade. Deus mora no céu, mas também mora com os arrependidos e humildes de espírito para reavivá-los e consolá-los. Estes são ministérios puramente pessoais, e, portanto, significa uma presença de Deus com os arrependidos e humildes na sua agência pessoal. [...] Aqui está primeiro a expressão da grandeza e majestade de Deus. Portanto, a expressão do seu governo real. Ele está empossado no céu e rege sobre todos os reinos da existência. Na representação, Deus é pessoalmente local, mas a sua agência pessoal é operativa em todos os lugares. Portanto, Ele está presente em todo o universo na compreensão do seu conhecimento e na potência infinita da sua vontade. (ST, p. 220) Charles Hodge (1797-1878)
A infinidade de Deus, no que concerne ao espaço, inclui a sua imensidade e a sua onipresença. Estes não são atributos diferentes, mas um e o mesmo atributo, vistos sob aspectos diferentes. A sua imensidade é a infinidade do seu ser, vista como pertencente à sua natureza desde a eternidade. Ele enche a imensidade com a sua presença. A sua onipresença é a infinidade do seu ser, vista em relação às suas criaturas. Ele está igualmente presente com todas as suas criaturas, a toda hora e em todos os lugares. (ST, pp. 383, 384)
Além disso: Os teólogos estão acostumados a distinguir os três modos da presença no espaço. Os corpos estão circunscritivamente no espaço. Eles estão limitados por ele. Os espíritos estão definitivamente no espaço. Eles têm um lugar. Eles não estão em todos os lugares, mas só em algum lugar. Deus está repletamente no espaço. Ele enche todo o espaço. Em outras palavras, as limitações de espaço não têm referência a Ele. Deus não está ausente de qualquer porção do espaço, nem mais presente em determinada porção que outra. Claro que não devemos entender como extensão ou difusão. A extensão é uma propriedade da matéria, e não pode ser predicada a Deus. Se fosse estendido, Ele seria capaz de divisão e separação; e parte de Deus estaria aqui e parte em outro lugar. Nem esta onipresença tem de ser entendida como mera presença sem conhecimento e poder. E uma onipresença da essência divina. Caso contrário, a essência de Deus seria limitada. (ST, I, pp. 383, 384)
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William G. T. Shedd (1820-1894) Em virtude da imensidade de Deus, Ele é onipresente. A imensidade e a onipresença estão assim inseparavelmente relacionadas, e são mais bem consideradas em referência uma à outra. A onipresença diz respeito ao universo dos seres e coisas criadas; espaçar como cheio. A imensidade tem referência a isto e ao que está além; espaçar como vazio: o extra flatnmantia rnoenia mundi, de Lucrécio. (De Natura, em I, p. 74) Dizemos que Deus está além (fora) do universo (extra mundum), não no sentido que há espaços além (fora) do universo que enche por extensão de substância, mas no sentido de que o universo não esvazia a sua imensidade ou é igual a ela. A presença da mente é completamente diferente da presença da matéria. A substância espiritual está presente, onde quer que esteja presente, como um todo completo em todo ponto. Por exemplo, a alma humana está presente como uma unidade e totalidade em todo ponto do corpo. Não está presente como o corpo é, partitivamente, ou por divisão de substância. Deus, também, como o Espírito infinito, está presente em todo ponto do espaço como uma totalidade. Ele não está presente no universo por divisão de substância, mas como unidade, simples e não-dividida. Aprendemos isto pelo dito: “A alma é tudo em toda parte; Deus é um círculo cujo centro está em todos os lugares e cuja circunferência não está em parte alguma”. (DT, 1.340) J . I. Packer “Deus é espírito”. Quando nosso Senhor disse isso, Ele procurava fazer a samaritana abandonar a idéia de que havia apenas um lugar adequado para a adoração, como se Deus estivesse confinado de algum modo a algum lugar. “Espírito” contrasta com a “carne”. A idéia central de Cristo era que o homem, sendo “carne”, só pode estar presente em um lugar de cada vez. Deus, porém, sendo “espírito”, não está assim limitado.Deus não
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material, não tem corpo, portanto, não fica confinado a um lugar. Deus não tem corpo— portanto, como jádissemos, Ele está livre das limitações do espaço e da distância, e é onipresente. Deus não tem partes — isto significa que a sua personalidade, poderes e qualidades estão perfeitamente integrados, assim nada nEle se altera (KG, pp. 120, 121 [Editora Mundo Cristão, p. 145]).
OBJEÇÕES À ONIPRESENÇA DE DEUS Os críticos da visão cristã ortod oxa ofereceram diversas objeções à doutrina da onisciência de Deus. Duas são p articularm ente dignas de m enção.
O bjeção Um: Baseada na Encarnação De acordo com a teologia ortodoxa, Jesus encarnado é Deus (ver capítulo 12 e apêndice 1), e m esm o assim, Ele não era onipresente — Ele ficava situado em u m lugar de cada vez. Portanto, o Deus encarnado não é onipresente.
Resposta à O bjeção Um E im portante ressaltar que Jesus como Deus estava em todos os lugares ao m esm o tem po, ao passo que Jesus como homem estava em u m lugar de cada vez. Jesus tem duas naturezas,
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as quais não devem ser confundidas — o que é verdade de u m a não é necessariam ente verdade da ou tra. Por exem plo, Jesus era infinito e incriado em sua natureza divina, mas Ele era finito e criado em sua natureza hum ana. Sem elhantem ente, co m o Deus, Jesus era onipresente, mas, co m o h om em , não o era.
Objeção Dois: Baseada na Invocação da sua Presença Tam bém se objeta que se Deus está em todos os lugares, então por que lhe pedir para estar conosco? Isto é o que Jesus nos ordena fazer, ao m esm o tem po prom etendo que, “onde estiverem dois ou três reunidos em m eu nom e, aí estou eu no m eio deles” (M t 18.20).
Resposta à Objeção Dois A resposta para esta objeção é distinguir os m odos diferentes em que Jesus está conosco. De m odo geral, Ele sem pre está conosco co m o o nosso Sustentador. Todavia de m od o especial, a Bíblia fala que Jesus está conosco p ara julgar, responder as orações ou abençoar. Considerando que Jesus pode estar conosco em mais de u m m odo, não há contradição aqui.
CONCLUSÃO As bases para a onipotência e onisciência de Deus estão bíblica, teológica e historicam ente afirmadas, e os argum entos contrários são incapazes de invalidar essa doutrina. Deus é Todo-poderoso e está presente em todos os lugares. Por conseguinte, Ele sabe tudo que há para saber sobre tudo que há para saber, e Ele tem todo o poder que precisa para execu tar tudo que Ele deseja executar, quer dizer, tudo o que não for u m a contradição.
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CAPÍTULO
OITO
A ONISCIENCIA DE DEUS
D EFIN IÇ Ã O D E O N ISC IÊN C IA
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istoricam ente, a onisciência de Deus era u m a doutrina clara e direta. Deus conhece tudo — passado, presente e futuro; Ele conhece o real e o possível; só o impossível (o contraditório) está fora do conhecim ento de Deus. O debate contem porâneo, en tretanto, m udou a paisagem teológica desta doutrina. Hoje, o conhecim ento ilimitado de Deus é supostam ente limitado; a sua onisciência já não é o conhecim ento de tudo. Se concordarm os co m isto, ficaremos co m a visão contraditória da onisciência limitada. O ataque à onisciência tradicional parte de fora e de dentro do evangelicalismo. A BA SE B ÍB LIC A PA R A A O N IS C IÊ N C IA D E D EU S “E viu o Senhor que a maldade do h o m em se m ultiplicara sobre a te rra e que toda im aginação dos pensam entos de seu coração era só m á continuam ente” (G n 6.5). “Porventura, a Deus se ensinaria ciência”? (Jó 21.22). “Na verdade, as m inhas palavras não são falsas; contigo está alguém cujo conhecim ento é perfeito” (Jó 36.4, AEC). “Tens tu notícia do equilíbrio das grossas nuvens e das maravilhas daquele que é perfeito nos conhecim entos?” (Jó 37.16). “Tu conheces o m eu assentar e o m eu levantar; de longe entendes o m eu pensam ento. Cercas o m eu andar e o m eu deitar; e conheces todos os m eus cam inhos. Sem que haja u m a palavra na m inh a língua, eis que, ó Senhor, tudo conheces” (SI 139.2-4). “E quão preciosos são para m im , ó Deus, os teus pensam entos! Quão grande é a som a deles! Se os contasse, seriam em m aior núm ero do que a areia; quando acordo, ainda estou contigo” (SI 139.17,18). “[Ele] conta o n úm ero das estrelas, cham ando-as a todas pelos seus nom es. Grande é o nosso Senhor e de grande poder; o seu entendim ento é infinito” (SI 147.4,5). “[Eu] anuncio o fim desde o princípio e, desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam ; que digo: o m eu conselho será firme, e farei toda a m inh a vontade” (Is 46.10). “Não há esquadrinhação do seu entendim ento” (Is 40.28). “Eis que as primeiras coisas passaram, e novas coisas eu vos anuncio, e, antes que venham à luz, vo-las faço ouvir” (Is 42.9). “[...] vosso Pai sabe o que vos é necessário antes de vós lho pedirdes” (M t 6.8). “Não se vendem dois passarinhos por u m ceitil? E n en h u m deles cairá em terra sem a vontade de vosso Pai. E até m esm o os cabelos da vossa cabeça estão todos contados” (M t 10.29,30). “[...] o Senhor [...] faz todas estas coisas que são conhecidas desde toda a eternidade” (A t 15.17,18). “O profundidade das riquezas, tan to da sabedoria, co m o da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão
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inescrutáveis, os seus cam inhos!” (R m 11.33). “Porque os que dantes conheceu, [Deus] tam bém os predestinou para serem conform es à im agem de seu Filho” (R m 8.29). “Nele, digo, em quem tam bém fom os feitos herança, havendo sido predestinados conform e o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade” (Ef 1.11). “E não há criatu ra algum a encoberta diante dele; antes, todas as coisas estão nuas e patentes aos olhos daquele co m quem tem os de tra ta r” (Hb 4.13).
A BASE TEOLÓGICA PARA A ONISCIÊNCIA DE DEUS Dado que Deus tem conhecim ento, a sua onisciência pode ser derivada de vários dos seus outros atributos. Entre eles se incluem a sua infinidade, causalidade, necessidade, con hecim en to da realidade, eternidade e perfeição absoluta.
O Argumento da Infinidade de Deus Todos os teístas concordam que Deus é infinito (sem limites), e o con hecim en to de Deus é idêntico à sua natureza, visto que Ele é simples (ver capítulo 2). Deus tem de con hecer de acordo co m o seu Ser; p ortan to, Deus tem de con h ecer infinitam ente. Ser limitado no conhecim ento do futuro é não con hecer infinitamente. Por conseguinte, o con hecim en to infinito de Deus tem de incluir tudo, inclusive todos os eventos futuros. Se não, Ele estaria limitado no seu conhecim ento.
O Argumento da Causalidade de Deus Todos os efeitos preexistem n a sua causa eficiente (ver Volum e 1, capítulo 10), visto que u m a causa não pode produzir o que não possui — não pode dar o que não tem para dar.1 Deus é a Causa prim eira de tudo que existe ou existirá. Portanto, o futuro (incluindo todas as suas ações livres) preexiste em Deus. Portanto, conhecendo a si m esm o, Deus conhece todas as ações livres futuras. Deus se conhece infalivelmente e eternam ente. Por conseguinte, Deus tem conhecim ento infalível e eterno de todas as ações livres que acontecerão.
O Argumento da Necessidade de Deus Além disso, todos os teístas concordam que Deus é u m Ser necessário. U m Ser necessário não tem possibilidade de não existir, e o que não tem possibilidade de não existir é p u ra existência. A Pura Existência (ou Pura Realidade) não tem potencialidade, e visto que potencialidade é u m a lim itação no ser, u m Ser de pura realidade não tem lim itação. O conhecim ento de Deus é idêntico ao seu Ser. Portanto, o conhecim ento de Deus tem de ser sem lim itação, ou seja, é infinito.
0 Argumento da Natureza da Realidade A realidade inclui o real e o possível. Só o impossível não é real, e o conhecim ento de Deus se estende a tudo o que é real; se não, Ele não seria então onisciente, visto que haveria algo que foge ao seu conhecim ento. Mas se Deus sabe o possível co m o tam bém o real, então Ele tem de con h ecer o futuro, visto que o futuro é possível e não impossível, 1 O efeito preexiste em Deus (sua Causa) de dois modos. Com o Causa eficiente, Ele não pode produzir o que não possuí; Ele não pode com partilhar o que não tem para compartilhar. Além disso, com o a Causa exem plar últim a de tudo, Deus contém a idéia ou padrão de tudo que vêm dEle. Portanto, toda criação preexistiu na m ente do Criador antes que Ele a fizesse.
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Se fosse impossível, então n unca aconteceria. Portanto, Deus tem de con hecer tudo que será realizado no futuro, inclusive todos os atos livres futuros. O A r g u m e n to da E te rn id a d e de D eu s Deus é o Ser eterno: O seu conhecim ento do m undo é desde a eternidade. U m Ser eterno conhece eternam ente, e o conhecim ento eterno não está limitado pelo tem po. Portanto, o conhecim ento de Deus não está limitado pelo tem po. Ele conhece o futuro co m o m esm o olhar eterno pelo qual sabe o passado e o presente. Por conseguinte, não há problem a em prever eventos futuros antes de eles acontecerem . Deus os vê em seu eterno presente. O A r g u m e n to da P e rfe içã o de D eu s Deus é u m Ser absolutam ente perfeito. Por conseguinte, o seu conhecim ento, sendo idêntico ao seu Ser, tam bém tem de ser absolutam ente perfeito. C om o o Ser absolutam ente perfeito, Deus tem de conhecer-se perfeitam ente e conhecer-se perfeitam ente significa não só con hecer a sua própria natureza, mas con hecer todos os possíveis modos em que os outros podem participar nas perfeições dessa natureza. Isto significa que o conhecim ento perfeito de Deus inclui todos os m odos em que as criaturas podem e participarão das perfeições de Deus. Portanto, nada nos futuros atos livres da hum anidade pode ser desconhecido a Deus desde a eternidade. Se fosse, então o conhecim ento que Deus tem de si m esm o não seria perfeito. O A rgum ento do Teste para o Falso Profeta O utro argum ento a favor da presciência infalível de Deus é o teste para o falso profeta apresentado em D euteronôm io 18.22, onde Deus declara: “Quando o tal profeta falar em n om e do Senhor, e tal palavra se não cumprir, nem suceder assim, esta é palavra que o Senhor não falo u ; com soberba a falou o tal profeta; não tenhas tem o r dele” (grifos m eus). Isto dá a
entender que as profecias verdadeiras são infalíveis, e que só as falsas são falíveis. Quer dizer, todas as profecias que vêm de Deus têm de acontecer, e todas as profecias que não acontecem não vieram de Deus. A razão é óbvia: Só u m Ser onisciente não pode estar errado sobre qualquer coisa, inclusive o futuro. Todo aquele que não sabe co m certeza o futuro, pode e vai acabar errando, sobretudo se faz predições específicas sobre o futuro (particularm ente o fu tu ro distante). Sem presciência infalível, ele está na m elhor das hipóteses som ente fazendo boas suposições, e ninguém pode estar certo o tem po todo quando está adivinhando na maioria das vezes. Só as predições feitas por u m a M ente onisciente sem pre acontecerão. A resposta dos neoteístas é afirmar que as predições bíblicas sobre os atos livres futuros não são infalíveis. Mais exatam ente, são meras previsões probabilísticas. U m a previsão probabilística não-infalível jamais está errada, visto que era só isso — apenas u m a previsão provável. Considerando que nada foi afirmado co m certeza, quando a previsão não ocorre, aquele que faz o prognóstico não pode ser acusado de falsa predição. Este raciocínio é claram ente enganador em várias bases. Primeiro, se verdadeiro, então n en h u m falso profeta jamais deveria ter sido apedrejado, com o D euteronôm io 18.22 diz que deveria ter sido. De fato, nesta definição de profecia
com o som ente um a “previsão probabilística”, jamais pode haver verdadeiram ente tal coisa co m o falsa profecia. Isto é absurdo, visto que u m a predição ou o corre ou não ocorre. Se ocorre, então é verdadeira (visto que corresponde ao que foi predito), e se não
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ocorre, então é falsa (visto que não corresponde ao que foi predito). A Bíblia declara que pode haver e houve falsas profecias, e condena quem as faz. Por conseguinte, ainda que a resposta dos neoteístas seja bem engendrada, é enganosa. Segundo, de acordo co m esta definição “esperta” de profecia, o teste de Deus p ara a falsa profecia era falso. Por exem plo, Clark Pinnock alista m eia dúzia de tais predições que não se cu m p riram (M M M , p. 51). Mas, co m o vim os, isto significaria que Deus violou o teste do falso profeta, porque Ele disse que qualquer predição não-realizada era falsa e, p o rtan to , te m base para ser apedrejado. C onsiderando que Jesus, co m o judeu vivendo sob a lei judaica, fez u m a predição que não se cu m p riu (de acordo co m Pinnock), Ele deveria ter sido apedrejado. Considerando que isto é obviam ente absurdo, Deus tem de te r co n h ecim en to infalível de todos os atos fu tu ros, inclusive dos atos livres. Terceiro e últim o, esta visão probabilística de profecia é oposta ao que Deus diz sobre a sua capacidade infalível de predizer o fu tu ro co m o prova da sua presciência infalível. Isaías disse que Deus, e som ente Ele é quem pode anunciar “o fim desde o princípio”. Só Deus pode dizer: “[...] porque assim o disse, e assim acontecerá; eu o determ inei e tam bém o farei” (Is 46.10,11). Mais tarde, Deus alista a sua capacidade de fazer predições infalíveis com o evidência irrefutável de que Ele é o verdadeiro Deus e que os outros deuses não são, dizendo: As primeiras coisas, desde a antiguidade, as anunciei; sim, pronunciou-as a minha boca, e eu as fiz ouvir; apressadamente as fiz, e passaram. Por isso, to anunciei desde então e to fiz ouvir antes que acontecesse, para que não dissesses: O meu ídolo fez estas coisas, ou a minha imagem de escultura, ou a minha imagem de fundição as mandou. (Is 48.3,5) Repetindo, a m anobra dos neoteístas é u m caso clássico de apelo especial, pois é a afirmação de que Deus tem a capacidade seletiva de fazer isto em certas ocasiões, e não em outras, que é a visão teísta tradicional que eles rejeitam . Além disso, arruina o argum ento dos neoteístas de que este tipo de garantia infalível de atos livres futuros é incom patível co m a livre vontade referente à doutrina do livre-arbítrio. Eles não podem ter isto de ambos os m odos.
O Argumento da Infalibilidade e Inerrância da Bíblia Há argum entos fortes a favor da infalibilidade e inerrância da Bíblia (ver Volume 1, capítulos 13, 14 e 27). De fato, até m esm o m uitos neoteístas que negam a presciência infalível de Deus acerca de atos livres futuros, todavia, crêem nainerrância: Clark Pinnock, John Sanders e G regory Boyd são bons exemplos. C ontudo se a Bíblia é infalível, então todas as suas predições têm de ser infalíveis, e as suas predições não podem ser infalíveis, a menos que o conhecim ento de Deus sobre o futuro seja infalível — que é o ponto que eles negam . Por conseguinte, ou Deus é infalível ou a Bíblia não é. Mas, inversamente, se a Bíblia é infalível, então assim é a presciência de Deus acerca dos eventos livres futuros que Ele prediz. Em sum a, isto manifesta u m a inconsistência entre a crença dos neoteístas n a infalibilidade da Bíblia e a negação que fazem da infalibilidade do conhecim ento de Deus sobre o futuro. A Bíblia declara que Deus não pode errar (R m 3.4; T t 1.2; Hb 6.18). E se Deus não pode errar, e se Deus é a fonte últim a da Bíblia (M t 4.7; 2 T m 3.16; 2 Pe 1.20,21, etc.), co m “toda a palavra que sai da boca de D eus” (M t 4.4; cf. 2 Sm 23.2), então Ele tem de
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ter conhecim ento infalível dos atos livres futuros, pois a Bíblia está repleta de predições que Deus fez sobre o passado, o presente e o futuro. Todo ser com só conhecim ento falível sobre todos estes assuntos já teria com etido erros. Não obstante, a Bíblia, m esm o de acordo co m as afirmações dos neoteístas, não tem erro. Neste caso, Deus tem de ter conhecim ento infalível (inerrante) sobre todos estes eventos. Em sum a, negar que a onisciência de Deus inclui presciência infalível de eventos livres futuros, é u m a negação da infalibilidade e inerrância da Bíblia. A BA SE H IS T Ó R IC A PA RA A O N IS C IÊ N C IA D E D EU S A visão clássica da onisciência de Deus não só está firm em ente fundam entada na Bíblia, mas os Pais da Igreja tam bém a apoiaram praticam ente por unanimidade. Isto foi verdade desde o com eço. Os P rim eiro s Pais d a Ig re ja F a la ra m s o b re a O n isciê n cia de D eu s Os primeiros Pais, apologistas e teólogos da Igreja são uníssonos em afirmar a onisciência de Deus. Esta constatação está particularm ente clara no ensino sobre a presciência infalível de Deus. Justino M ártir (c. 100-165)2
Justino M ártir disse que Deus predeterm inou que Jesus perm aneceria no céu até que “o núm ero daqueles que são previstos por Ele co m o bons e virtuosos se completasse e, por cuja causa Ele tem adiado a con sum ação” (FA , 45, em Roberts and Donaldson, A N F , 1.178). Deus conhece de antem ão as pessoas que serão salvas pelo arrependim ento,
algumas que nem m esm o ainda nasceram (28, em ibid., 1.172). Justino tam bém afirmou que não se trata de fatalismo, m as “Deus prevendo que tudo será feito por todos os hom ens, e sendo o seu decreto que as ações futuras dos hom ens serão todas recom pensadas de acordo co m os seus valores diversos” (44, em ibid., 1.177). Além disso, Justino falou da perseguição con tra os cristãos, dizendo: “Estava previsto que estas coisas infames deveriam ser proferidas con tra os que confessam Cristo e os que o caluniam ” (49, em ibid., 1.179). Taciano (120-173)
Taciano, discípulo de Justino, atribui a presciência de Deus, por profecia, co m o um a das razões para a sua conversão ao cristianismo: “Eu fui levado a pôr a fé nestes pela [...] presciência m ostrada acerca dos eventos fu tu ros” (A G , 29, em ibid., 2.77, grifos meus). Cipriano (200-258)
Cipriano disse que a presciência de Deus pelo Espírito Santo através dos apóstolos serve a Igreja para ensinar co m o viver por Cristo (E C P T , 55.6, em ibid., 5.349).
2 As datas variam acerca dos primeiros Pais. Escolhi usar essas datas que constam em Merriam-Websters Biographical Dictionary (Dicionário Biográfico de Merriam-Webster). Considerando que todos estes escritos são dos primeiros Pais da Igreja, dispensamos o uso de d.C. (depois de Cristo).
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Irineu (c. 120-c. 202) Irineu disse que Deus previu as doutrinas dos m aus m estres (A H , 3.21.9, em ibid., 1.454). Além disso: Deus, sabendo o número dos que não crerão, visto que Ele prevê todas as coisas, os entregou à incredulidade, e desviou a face dos homens deste tipo, deixando-os na escuridão que eles mesmos escolheram para si (4.29.2, em ibid., 1.502). A lém do mais, “para que a nossa fé pudesse ser firm em ente estabelecida; e contida u m a profecia de coisas a acontecer, para que o h o m em pudesse aprender que Deus tem presciência de todas as coisas” (4.32.2, em ibid., 1.506, grifos m eus). Clemente de Alexandria (150-215) C lem ente disse: “Ele m o stra ambas as coisas: a sua divindade na sua presciência do que aconteceria” ( 1 ,1.9, em ibid., 2.228, grifos m eus). Outros Pais estão de co m u m acordo que Deus habita na eternidade e sabe todas as coisas futuras desde esse fulcro eterno. Tertuliano (c. 155-c. 225) Tertuliano afirmou que “foi p o r este m esm o atributo que Ele previu todas as coisas quando as designou aos seus lugares, e as designou aos seus lugares quando Ele as previu” (A M , 2.5, em ibid., 3.301). C ontudo esta presciência não interferiu co m o dom da liberdade de escolha dado p o r Deus a Judas (2.7, em ibid., 3.303), até m esm o perecer pela sua escolha do pecado. A presciência de Deus incluiu o ato de Judas trair Jesus (4.41, em ibid., 3.419). Orígenes (185-254) Orígenes, no seu escrito co n tra Celso, defendeu que Deus, na sua presciência, observou aqueles que andariam dignos dEle e que o serviriam fielmente até a m o rte (A C , 7.44, em ibid., 4.629). Deus conhece o futuro de todas as coisas, inclusive os pecados da hum anidade (Ambrosiaster, CPE, 81.24, em Oden, A CCSN T, p. 235).3 Hipólito (c. 170-c. 235) Hipólito disse que Deus está “plenam ente familiarizado co m tudo que está a ponto de acontecer, pois a presciência tam bém lhe está presente” (R A H , 10.28, em Roberts and Donaldson, ANF). Gregário de Taumaturgo (c. 213-c. 270) S em elh an tem en te, G regório de T a u m a tu rg o indica que, p ara D eus, é c o m o se o que está a p o n to de a co n te ce r já aco n te ce u (c o m respeito à sua p resciên cia), p orq ue 3 Quando Orígenes negou que Deus previu o m al, ele não estava negando a onisciência. Antes, estava apenas observando que “na Bíblia, palavras com o previu e predestinado e outras relacionadas não se aplicam igualmente ao bem e ao mal. Pois o pesquisador cuidadoso da Bíblia perceberá que estas palavras s ó são usadas acerca do bem. [...] Quando Deus fala das pessoas más, Ele diz que nunca as conheceu. [...] Não se diz que elas são previstas, não porque haja algo que possa escapar ao conhecim ento de Deus que está em todos os lugares presente e em nenhum a parte ausente, mas porque se considera que tudo que é m al é indigno do seu conhecim ento ou da sua presciência” (CER, 4 .8 6 ,8 8 ,9 0 , em ibid., 6.235).
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todos os eventos fo ram feitos ce rto p o r Ele ( M B E , 3, em Roberts and D onaldson, ANF, 6.11). Os Pais da Ig re ja M edieval F a la ra m so b re a O n isciê n cia de D eu s Os Pais da Igreja Medieval foram praticam ente unânim es na visão que tinham sobre a onisciência. De Agostinho a Tomás de Aquino, eles entenderam a onisciência no sentido forte de conhecim ento com pleto e infalível de todas as coisas reais e possíveis, presentes e futuras.4 Agostinho (354-430) A sua visão [de Deus] é totalm ente inalterável. Portanto, Ele com preende tudo o que acontece no tem po — o futuro ainda não existente, o presente existente e o passado já não existente — em um presente im utável e eterno. (CG, 11.21)
Além do mais: Nem a sua atenção passa de pensam ento para pensam ento, pois o seu conhecim ento abarca tudo em um a única constituição espiritual. [Portanto], o seu conhecim ento do que acontece no tem po, com o o seu m ovim ento do que muda no tem po, é com pletam ente independente do tem po, (ibid., 11.1)
Quanto à relação entre a presciência absoluta e inalterável de Deus e o livre-arbítrio do h om em , Agostinho assegurou que “a presciência [de Deus] não pode ser enganada” (ibid., 5.10), pois Deus prevê, de form a infalível, exatam ente co m o vam os usar o nosso livre-arbítrio. Portanto: A conclusão é que de m odo nenh u m estamos sob a com pulsão de abandonar o livrearbítrio a favor da presciência divina, nem precisamos negar — Deus não permita! — que Deus conhece o futuro, com o condição para defender o livre-arbítrio. (ibid., 5.10)
Por conseguinte: O hom em não peca, porque Deus prevê que ele peca. Mais ainda, não pode ser duvidado que é o próprio hom em que peca quando peca, porque aquele cuja presciência é infalivelm ente infalível previu [...] que o próprio hom em peca, mas que, se ele não quiser, não peca. Mas se ele não quiser pecar, m esm o isto Deus previu, (ibid.) Anselmo (1033-1109)
“Ele prevê todo acontecim ento futuro. Mas o que Deus prevê necessariam ente acontecerá da m esm a m aneira que Ele prevê que acon tece” ( T IR , p. 153). Esta presciência infalível inclui os atos livres: “Deus, que prevê o que você voluntariam ente vai fazer, previu que a sua vontade não seja forçada ou evitada por qualquer o u tra coisa; por 4Parece que Jerônimo foi o único im portante Pai ortodoxo da Idade Média acusado de diminuir a onisciência de Deus, afirmando que é “indigno da majestade divina deixar chegar a esse ponto, que soubesse quantos mosquitos nascem ou m orrem a todo m om ento, o núm ero de cintos de selas e pulgas que há na terra” (ver Turretin, IET, p. 207).
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conseguinte, esta atividade da vontade é livre” (ibid., p. 154). Portanto, “prever insinua algo que essa coisa vai acontecer. [...] E assim, se Deus prevê algo, então é necessário que a coisa aconteça” (ibid., pp. 157, 158). Todavia “em bora Ele preveja todos os acontecim ento futuros, Ele não prevê que todo acontecim ento fu tu ro tem de acontecer por necessidade”. Porque, “Ele prevê que algumas coisas vão acontecer pelo livre-arbítrio das criaturas racionais” (ibid., p. 158). E “ele vê o que é verdadeiro — quer seja o resultado da necessidade ou da liberdade” (ibid., p. 161). Portanto, o conhecim ento que Deus tem de tudo, incluindo os atos livres futuros, é “necessário”, “inalterável”, “etern o ” e “im utável” (ibid., pp. 162, 163). Porém “todas as coisas estão sem pre presentes a Ele, e assim Ele não tem presciência das coisas futuras, m as ciência das coisas presentes” (TFE, p. 185). Toda a verdade existe eternam ente na “Verdade Suprem a [que] não tem co m eço n em fim” (ibid., p. 92), porque “Ele próprio é a verdade” ( CD H , p. 274). Portanto, toda predição que Deus faz dos acontecim entos livres foram feitos infalivelmente e co m necessidade: Se, então, se diz que era necessário que Ele [Cristo] morresse da sua única escolha, porque a antecedente fé e profecia eram verdades, isto não é mais que dizer que tinha de ser porque era para ser. Há a necessidade antecedente, que é a causa de uma coisa, e também há a necessidade subseqüente que surge da própria coisa. [Agora], onde quer que haja a necessidade antecedente, também há uma subseqüente; mas não vice-versa. [...] Por esta necessidade subseqüente e imperativa, era necessário (visto que a convicção e profecia relativa a Cristo era verdade, que Ele morreria por seu próprio livre-arbítrio) que fosse assim? (ibid., p. 276,277) Tomás de Aquino (1225-1274) Tomás de Aquino argum entou que todo conhecim ento envolve u m C onhecedor e u m conhecido. Todaviano au tocon hecim en to o C onhecedor e o conhecido são idênticos. Por conseguinte, Deus só pode con hecer a si m esm o por si m esm o (ST, la.14.2). Deus conhece a si m esm o por si m esm o e em si m esm o. E visto que Deus é eterno, im utável e simples, conclui-se que Ele, im utavelm ente, se conhece eternam ente e simplesmente. Além disso, Deus conhece a si m esm o perfeitam ente. Algo é perfeitam ente conhecido quando o seu potencial a ser conhecido é com pletam ente percebido e não há potencialidade não-realizada em Deus, visto que Ele é realidade com p leta — Pura Existência. Portanto, Deus se conhece perfeitam ente. O seu au tocon hecim en to é com pletam ente real (ibid., la.14.3). A lém disso, para Tomás de Aquino, o conhecim ento de Deus é idêntico à sua essência, pois se os atos do conhecim ento de Deus fossem realm ente distintos da sua essência, então eles seriam relacionados co m o realidade para a potencialidade. Mas não pode haver potencialidade em Deus; Ele é Pura Realidade. Portanto, o conhecim ento e a essência de Deus são realm ente idênticos (ibid., la.14.4). Isto não significa que Deus não possa con hecer outras coisas que não a Ele m esm o, pois Deus é a Causa eficiente (ver Volume 2, capítulos 18 e 19) de todas as coisas. Todos os efeitos preexistem n a sua causa eficiente; por conseguinte, tudo que existe tem de preexistir em Deus, a sua Causa eficiente. Portanto, Deus se con hece perfeitam ente. C ontudo, conhecer-se perfeitam ente requer con hecer todos os vários tipos de perfeição nEle m esm o co m o tam bém nos que
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podem participar na sua sem elhança. P ortan to, conclui-se que D eus co n h ece tudo que existe perfeitam ente na medida em que tudo preexiste nEle (ibid., la.14.5). A lém disso, sim plesm ente recon h ecer que D eus é im utável não significa que Ele não possa saber das coisas m utáveis. Deus con h ece tu do em u m eterno agora, inclusive o passado, o presente e o fu tu ro. Deus con h ece o fu tu ro antes de acontecer no tem po. Portanto, quando o tem p o m uda, o co n h ecim en to de Deus não m uda, visto que Ele con h eceu com antecedência que m udaria. Em outras palavras, Deus con h ece o que fazem os, mas não da mesma forma que conh ecem os, quer dizer, em cenas sucessivas. Deus con h ece o todo do tem po desde a eternidade (n a eternidade), mas Ele con h ece o que está antes e o que está depois do tem poral agora da história h u m an a (ibid., la.14.15). O co n h ecim en to de Deus não é apenas do real; Ele tam bém co n h ece o potencial — Ele con h ece o que é e o que poderia ser. Deus pode co n h ecer tudo que é de qualquer fo rm a real que possa ser conhecido. Agora am bos, o real e o potencial, são reais. Só o impossível não tem realidade (ibid., la.14.9). Por conseguinte, D eus não pode conh ecer o que é impossível conh ecer, visto que as contradições não entram na categoria da onisciência de Deus. Deus pode, en tretan to , co n h ecer contingentes fu turos, quer dizer, coisas que são dependentes do livre-arbítrio. Isto é verdade, porque o fu tu ro é um potencial que preexiste em Deus, e Deus con h ece tudo que existe nEle co m o a Causa dessas coisas (ibid., la.14.13). Claro que tudo que Deus con h ece é infalivelm ente conhecid o, visto que Deus não pode errar em seu con h ecim en to. E visto que D eus con h ece contingentes futuros, conclui-se que eles tam b ém são in falivelm ente conhecidos por Deus. São contingentes com respeito à sua causa im ediata (o livre-arbítrio h u m an o), mas necessárias com respeito ao con h ecim en to de Deus. Ele pode fazer isto sem elim inar o livre-arbítrio, pois o Ser onisciente pode co n h ecer tudo que não é im possível conh ecer, e não é impossível o Ser atem poral con h ecer u m fim necessário que é causado por u m m eio contingente. Portanto, a declaração: “Tudo que é conhecid o por Deus tem de necessariam ente ser”, é verdade se se refere à declaração da verdade do co n h ecim en to de Deus, m as é falsa se diz respeito à necessidade dos acontecim entos contingentes (ibid., la.14.4). Nas palavras de Tom ás de Aquino: Em bora as coisas contingentes se tornem sucessivamente reais, Deus conhece as coisas contingentes não sucessivamente — com o elas estão no seu próprio ser, com o nós — , mas sim ultaneam ente. A razão é porque o seu conhecim ento é medido pela eternidade, com o tam bém é o seu ser; e a eternidade sendo sim ultaneam ente inteira inclui todo o tem po, com o dito acim a [Q. 10, A.2], Por conseguinte, tudo que está no tem po está presente em Deus desde a eternidade, não só porque Ele tem os tipos de coisas presentes em si m esm o, com o alguns dizem, mas porque o seu olhar varre desde a eternidade sobre todas as coisas conform e estão na sua presencialidade. Por conseguinte, é m anifesto que coisas contingentes são infalivelm ente conhecidas por Deus, já que elas estão sujeitas à visão divina na sua presencialidade. Contudo, elas são contingentes futuros em relação às suas próprias causas, (ibid., la.14.13)
Os Pais d a R e fo rm a F a la ra m so b re a O n isciê n cia de D eu s Os Reform adores seguiram o pensam ento de A gostinho n a form u lação sobre a onisciência de Deus (ver acim a). Para eles, o co n h ecim en to de D eus é de todas as coisas — passado, presente e fu turo.
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Martinho Lutero (1483-1546) M artinho Lutero afirmou que Deus “não prevê nada contingentem ente, mas que Ele prevê, propõe e faz todas as coisas de acordo co m a sua própria imutabilidade, vontade eterna e infalível” (BW , p. 80). O uso que Lutero faz de “contingentem ente” não significa que o conhecim ento de Deus sem pre seja scientia neccesitia (con h ecim en to necessário) e não scientia libera (con h ecim en to contingente). Lutero, de m aneira mais específica, usa “contingentem ente” para falar das ações hum anas que são independentes das determ inações de Deus, co m o o conceito grego de destino (ibid., p. 80, 81). O seu significado está claro na sua discussão do latim: Para que não nos enganemos com os nossos termos, deixe-me explicar que ser contingentemente feito não significa, em latim, que a coisa feita é ela mesma contingente, mas que é feita por uma vontade contingente e mutável — tal como não se achará em Deus! (ibid., p. 81) L u tero tam b ém cria que D eus sabe to d a a realidade c o n c e rn e n te a si m e sm o e a tod as as coisas fo ra dEle, p o rq u e a verd ad e é que D eus deseja tu d o ,5 e não que a o rd em criad a possui co m p le ta in d epen d ên cia e só D eus co n h e c e p ela observância em vez de p elo en v o lv im e n to . A lém disso, D eus, decidindo o fu tu ro que Ele co n h e ce , n ão co n h e c e p o r “n ecessid ad e” , no sentido de co m p u lsã o , ou seja, c o n tra a sua v o n tad e que é livre (ibid.). E m su m a, D eus te m p resciên cia co m p le ta e infalível de tod os os a co n te cim e n to s fu tu ro s, in clu in d o os que e m a n a m do livrearb ítrio. fo ã o Calvino (1509-1564) Calvino disse: “Por conseguinte, deduzimos que Deus não encara indolentem ente a questão fortuita das coisas, co m o a maioria dos filósofos vaidosamente fala. Mas que Ele determ ina, à sua vontade, o que acontecerá”. E continuou: Portanto, ao predizer acontecimentos, Ele não está dando uma resposta das mesas de sorte, como os poetas fingem concernente ao Apoio, a quem eles consideram profeta dos acontecimentos que não estão sob seu poder, mas declara que tudo que acontecerá será o seu próprio trabalho [Is 45.7]. (CG, p. 658)
5 Marcos Chavalas distingue o exercício da vontade divina e os tipos de causação: “Muitos pensam em vontade divina e causação natural em term os exclusivos. Eles não podem existir juntos. Mas procurar um a origem divina para um acontecim ento por causa da inaptidão de nosso entendimento em prover um a explicação natural satisfatória é um a falácia. Esta é um a determ inação a ser feita do outro lado da onisciência. Ver um efeito divino não significa o término das causas naturais. As explicações de um acontecim ento em term os naturais e antinaturais não são restritivas, mas compatíveis. No antigo Oriente Próximo, com o também em Israel, os reis im punham vitória aos deuses sem negar que os agentes humanos tom avam parte. A causação divina na Bíblia não era os acontecimentos que interrom piam a seqüência de causas naturais, m as os acontecimentos que m ostravam com o Deus estava em ação neles. Mas precisamos encontrar o equilíbrio para entender com o interpretar um acontecim ento historicamente” ( “The Historian, the Believer, and the Study of the Supposed Conflict of Faith and Reason” [O Historiador, o Crente e o Estudo do Suposto Conflito entre Fé e Razão”], em JE T S , 36.2 [Junho de 1993]: pp. 145-162).
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A lém disso, “D eus previu qual seria o fim antes de fazê-lo, e assim previu o que estava ordenado pelo seu d ecreto .6 Se alguém atacar veem en tem en te a presciência de Deus, estará fazendo-o im p ru d entem ente e irrefletid am en te” ( I C R , 3.23.7). Por fim , para Calvino, a presciência não significa cond icionam ento pela criatura: Quando atribuímos presciência a Deus, querem os dizer que todas as coisas sempre estavam e continuam a estar sob os seus olhos; que no seu conhecim ento não há passado ou futuro, mas todas as coisas estão presentes, e tão realm ente presentes, que não é m eram ente a idéia delas que está diante dEle (com o estão os objetos que retem os na m em ória), mas que Ele verdadeiramente as vè e as contem pla com o estando sob a sua inspeção imediata. Esta presciência se estende ao circuito inteiro do m undo e a todas as criaturas, (ibid., 3.21.5)
Os T e ó lo g o s da P ó s-R e fo rm a F a la ra m so b re a O n isciê n cia de D eu s Os grandes m estres da Igreja depois da R eform a não estavam m enos com prom etid os com a onisciência de Deus do que os seus antepassados. Esta constatação é evidente pelas seguintes citações. Jacó A rm ínio (1 5 6 0 -1 6 0 9 )
A rm ínio acreditava que Deus entende todas as coisas, seja o co n h ecim en to de Deus de si m esm o,7 seja o seu con h ecim en to das ações das suas criaturas no passado, presente ou fu tu ro, necessário e contingente, bom e ruim . A rm ínio expressou a onisciência de Deus em term os eloqüentes e precisos: Ele conhece as coisas substanciais e acidentais de todo tipo; as ações e emoções, os modos e circunstâncias de todas as coisas; palavras e ações externas, pensam entos, opiniões, deliberações e determ inações internas e as entidades da razão, quer sejam complexas ou simples. Todas estas coisas, sendo con jun tam ente atribuídas à com preensão de Deus, leva à conclusão justa de que Deus conhece as coisas infinitam ente. ( W JA , 1.444)
Este co n h ecim en to não é aprendido, mas é in finitam ente intuitivo, n a eternidade n ão-tem p o, im ensurável e im utável, por u m ato ún ico e não-dividido (ibid., 1.445). Francis Turretin (1 6 2 3 -1 6 8 7 )
T u rretin apresentou quatro aspectos sobre o con h ecim en to de Deus, isto é, que é perfeito, não-dividido, distinto e im utável (IE T , p. 207). O con h ecim en to de D eus é perfeito, porque Ele con h ece todas as coisas por si m esm o, pela sua essência, e o seu con h ecim en to está na eternidade e não no tem po (ibid.). O seu con h ecim en to é não-dividido, porque Ele con h ece todas as coisas intuitivam ente e n oeticam en te (co n h ecim en to im ediato) em vez de aprender ou raciocinar (discursivam ente e n oeticam ente — co n h ecim en to indireto). O seu con h ecim en to é distinto, porque Ele con h ece tudo im ed iatam ente em u m único 6 Pelo visto, Calvino com partilha a perspectiva de Strong, Shedd e Turretin a respeito da relação lógica entre o decreto e a presciência de Deus.
7 Deus se conhece com pletam ente e adequadamente. Ele tam bém conhece com pletam ente as
outras coisas; excelentem ente, com o elas estão nEle e na sua compreensão; adequadamente, com o elas estão nas suas próprias naturezas.
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olhar, de form a que nada, nem m esm o a m en or coisa, escapa do seu conhecim ento. Por fim, o seu conhecim ento é imutável, porque não há m udança. Ele conhece tudo em todas as facetas através da cognição im utável (ibid.). Turretin disse que negar que Deus conhece todo particular m inucioso do universo é m u ito prejudicial para Ele (ibid). Deus conhece o n úm ero de fios de cabelo de nossa cabeça e os passarinhos que caem em terra (M t 10.29,30). Todas as coisas lhe estão nuas e patentes e expostas à sua visão (Hb 4.13). E ele conhece o n úm ero das estrelas e as cham a pelo n om e (SI 147.4). Turretin concluiu: E verdade, visto que todas as coisas (até as maiores) são as menores diante dEle em comparação com a sua infinidade (como diz magnificamente Isaías 40.15) e, por assim dizer, nada deveria ser negado ao seu conhecimento de todas as coisas, se até as menores coisas forem afastadas da sua notificação, (ibid., p. 208) E m seguida, Turretin fornece u m a análise extensa sobre o conhecim ento contingente (ibid., p. 208-212), descobrindo que [...] quando Deus concebe as coisas contingentes e futuras como certamente futuras, Ele não as concebe ao contrário do que elas são. Mas Ele as conhece relativamente ao decreto como necessariamente prestes a ocorrer e determinar que, em relação à causa dessas coisas, Ele conhece como futuro indeterminado e contingentemente, (ibid., p. 212) C om o Tomás de Aquino, Turretin explicou a contingência p o r causas primárias e secundárias: Deus as prevê em si mesmo e no seu decreto (como a causa primeira), e assim elas são necessárias por causa da imutabilidade do decreto e por causa da infalibilidade da presciência. Deus as prevê nas causas segundas das quais elas proximamente e imediatamente dependem, que em si são indefinidas e, assim, elas são coisas contingentes, (ibid.) Jonathan Edwards (1703-1758) Jonathan Edwards com partilhou a visão o rto d o xa histórica do conhecim ento exaustivo de Deus, p articularm ente a presciência, vendo-a que co m o um a das “evidências da [...] glória peculiar [de Deus], distinguindo-a grandem ente de todos os outros seres” (.FW, 11.1.4.109). E m referência à natureza da presciência de Deus, Edwards afirmou que para Deus não saber de antem ão é negar a Deus a capacidade de predizer o futuro. Ao invés disso, Deus estaria limitado a suposições incertas, pois se Deus não prevê “as volições futuras dos agentes m orais, então Ele tam bém não prevê os acontecim entos que são conseqüentes e dependentes destas volições” (ibid., 2.11.96, 97). A d icio n alm en te, reagin d o à idéia de que D eus n ão co n h e ce as ações das suas cria tu ra s livres, Edw ards disse que D eus “te m de te r p o u co m ais co n s e rta r ligações rom pidas da m e lh o r fo rm a que p u d er, e retificar d e sco n ju n ta d a e m o v im e n to s d esord enad os da m e lh o r m a n e ira caso p e rm ita ” (ibid., 11.4.111). E m seguida, Edw ards refletiu sobre
a fazer do que a sua e s tr u tu r a possível que o as tre m e n d a s e
m iseráveis d esvantagens de D eus g o v e rn a r o m u n d o sem p o d er d escob rir coisas
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im p o r ta n te s que p o d e m a c o n te c e r ao seu m u n d o , p o r c u jo c o n h e c im e n to Ele p o d eria p la n e ja r (ib id .). Stephen Charnock (1628-1680)
Stephen C h arn o ck afirm ou que Deus é im utável co m respeito ao con h ecim en to: Deus conhece desde toda a eternidade tudo o que Ele pode conhecer, de form a que nada lhe é ocu lto. Ele não conhece mais agora do que conhece desde a eternidade. E aquilo que conhece agora, Ele sempre conheceu: “[...] antes, todas as coisas estão nuas e patentes aos olhos daquele...” [Hb 4.13] (EA G , 1.321, 322). Embora a presciência de Deus seja infalível, isto não obriga a criatura a agir. Estava certo desde a eternidade que Adão cairia, que os hom ens fariam tais e tais ações, que Judas trairia o nosso Salvador; Deus previu todas essas coisas desde a eternidade. Mas, é tão certo que esta presciência não necessitou a vontade de Adão, ou qualquer outra ramificação da sua posteridade, ao fazer essas ações que foram previstas por Deus; eles voluntariam ente trilham em tais percursos, não por impulsão. O conhecim ento de Deus não estava suspenso entre certeza e incerteza. Ele previu que a sua lei seria quebrada por Adão; previu no seu próprio decreto de não im pedi-lo, dando a Adão a graça eficaz, a qual infalivelm ente o teria prevenido (ibid., 2.145). Considerando que Deus conhece o tem po, Ele conhece todas as coisas com o estão no tem po, ao m esm o tem po o que é, foi e será. Todas as coisas são passado, presente e futuro em consideração à sua existência. Mas não há passado, presente e futuro em consideração ao conhecim ento que Deus tem dessas coisas, porque Ele vê e não conhece por outrem , mas por si m esm o. Ele é a sua própria luz pela qual Ele vê, a sua própria janela através da qual Ele vê. Vendo a si m esm o, Ele vê todas as coisas, (ibid., 1.285)
O B JE Ç Õ E S À O N IS C IÊ N C IA D E D E U S Os teólogos contem porâneos fizeram protestos sérios con tra a visão tradicional da onisciência de Deus, tanto de dentro quanto de fora da perspectiva evangélica. As objeções mais im portantes são consideradas aqui. O b je çã o U m : B asead a n a N a tu re z a In s e g u ra d o F u tu ro Certos críticos da onisciência argu m entam que os teólogos tradicionais têm de estar errados por to m arem literalm ente as passagens da Bíblia, em que falam que Deus co n h ece e con trola o fu tu ro. (Estes pensadores, por sua vez, negam o significado literal de outras passagens que falam de Deus co n h ecer o fu tu ro só em term os de possibilidades ou em m u dança de opinião; ver Boyd, GP, p. 14.) Eles insistem que “se não presum im os que o fu tu ro já está inteiram ente estabelecido, há u m m odo fácil de integrar o m otivo do d eterm inism o fu tu ro com o m otivo da franqueza fu tu ra ” (ibid., p. 14,15). P ortanto, o fu tu ro supostam ente “consiste parcialm ente em realidades estabelecidas e parcialm ente em realidades não-estabelecidas” (ibid., p. 16). R e sp o sta à O b je çã o U m Primeiro, a relutância que d em onstram em reco n h ecer o uso legítim o de antropom orfism os em relação ao con h ecim en to de D eus leva os neoteístas a conclusões que eles não previram . D esprezar o uso da linguagem m etafórica na Bíblia não só
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deixa Deus sem conhecim ento exaustivo do futuro, mas tam bém sem conhecim ento exaustivo do presente. Tem os u m exem plo na interação entre Jeová e Abraão em Gênesis 18.20-33.0 texto descreve que Deus não tem inform ação adequada do presente quanto ao n úm ero suficiente de justos para poupar Sodom a. Portanto, Abraão negocia co m Deus, baixando de cinqüenta para dez o n úm ero de justos necessários para poupar a cidade. C om certeza, Deus, co m o todo bom negociador, conhece até onde pode ir antes de com eçar a negociar. O utro exem plo de aparente conhecim ento imperfeito do presente consta em Isaías 6.8: “Depois disso, ouvi a voz do Senhor, que dizia: A quem enviarei, e quem há de ir por nós? Então, disse eu: eis-me aqui, envia-me a m im ”. Claro que não devemos supor por tais exem plos que Deus está tão limitado no seu conhecim ento que não conhece o presente. Há certas razões para que alguns estudiosos assumissem esta posição insustentável. Primeiro, esses estudiosos não entendem que Deus pode nos parecer indefinido, porque deseja falar em term os que instiguem a nossa resposta e não para receber u m a resposta a algo que Ele ainda não sabe. O Deus infinito usa linguajar (aqui e em outros lugares) de pensam ento e indecisão seqüencial co m a finalidade de com unicação, não p or falta em seu conhecim ento, mas por falta em nossa capacidade de saber. Segundo, se os neoteístas persistem em to m ar estes antropom orfism os co m o descrições literais de Deus, então eles o reduzem a u m ser finito em lugar de u m Ser infinito, que busca condescender a term os e padrões de pensam ento hum anos, co m a finalidade de com unicação. Se eles desejam falar de Deus com o infinito ou co m o onisciente, m as infinito no seu conhecim ento de som ente certas porções do futuro, então estão fraudando no significado de “onisciente”. Por exem plo, se u m aluno disse: “M inha professora de m atem ática é onisciente”, mas, ao questioná-lo, descobrimos que ele quis dizer que ela tinha u m conhecim ento ilimitado da m atéria que ela ensinou (isto é, a tabuada do três), não íam os pensar que ele alterara o significado da palavra? Terceiro, o tipo de interpretação que os críticos da onisciência colocam nestes textos bíblicos conduz a outros problemas teológicos sérios, com o, por exem plo, Deus não sendo onipresente, pois Deus tam bém interage co m os seres hum anos na linguagem do espaço. Deus perguntou a Adão e Eva: “Onde estás?” (G n 3.9). Será que isso significa que Ele não sabia onde eles estavam quando indagou o paradeiro do casal no jardim do Éden? Todavia se u m Deus não-espacial soubesse onde Adão e Eva estavam, mas achasse necessário en trar neste diálogo espacial para ter u m a conversa adequada co m criaturas espaciais, então por que não pode o m esm o ser verdade acerca de u m Deus não-tem poral m antendo u m diálogo co m criaturas temporais? Im plicitam ente, a onipresença de Deus está em risco se não entenderm os esta passagem em u m sentido não-literal relativo aos atributos de Deus. Quarto, acom p an han d o a in terpretação literalista de antrop om orfism o, teríam os de concluir que Deus se m ovim en ta de lugar p ara lugar. E m Êxodo 3.7,8, Jeová en con tra Moisés no m o n te Horebe, revelando que Ele tem observado os filhos de Israel no Egito e tido em patia co m o sofrim ento deles. Depois, Ele revela que “d esceu” p ara libertálos. Claro que não deveríam os en tender que isto significa que Deus se m ovim enta literalm ente de u m lugar para o o u tro . U m Ser onipresente não tem de se m over, visto que Ele já está lá. Deus não é u m Ser espacial e não se m ove no tem po e no espaço, m as, co m a finalidade de co m u n icação , usa expressões que são com preensíveis a seres hum anos finitos que se m o v em no tem p o e no espaço. Tais descrições não-literais de atividade divina revelam in teração pessoal co m a hum anidade.
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Quinto e ú ltim o, será que tem os de supor que D eus sofre de am nésia divina, quando
perdoa os nossos pecados, porque Deus disse: “Eu, eu m esm o [...] dos teus pecados m e não lem b ro ” (Is 43.25)? O b je çã o D ois: B asead a n o S u p o sto C o n h e c im e n to L im itad o de D eu s De acordo com os atacantes da onisciência tradicional, Deus con h ece todas as coisas que Ele p lan ejou ou d eterm inou, mas não outros assuntos que Ele escolheu não d eterm inar ou planejar, isto é, as escolhas livres dos seres hu m anos. Buscando defender este ponto de vista, os neoteístas se v o ltam a duas passagens im portantes sobre a soberania e onisciência de Deus: Isaías 46 e 48. Lem os em Isaías 46.9,10: “Lem brai-vos das coisas passadas desde a antiguidade: que eu sou Deus, e não há ou tro Deus, não há ou tro sem elhante a m im ; que anuncio o fim desde o princípio e, desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam ; que digo: o m eu conselho será firm e, e farei toda a m in h a vontade”. Isaías 48.3 diz: “As prim eiras coisas, desde a antiguidade, as anunciei; sim, pronunciou-as a m in h a boca, e eu as fiz ouvir; apressadam ente as fiz, e passaram ”. E estranho eles declararem que estes textos não revelam u m Deus que con h ece a totalidade do fu tu ro, mas um Deus que con h ece que parte do fu tu ro que Ele decidiu controlar de acordo co m o seu propósito: Ele prevê que certas coisas vão acontecer, porque Ele sabe o seu propósito e intenção para provocar estes eventos. Com o Deus soberano da história, Ele decidiu estabelecer tudo isso quanto ao futuro. (Boyd, GP, p. 30, grifos m eus)
Q uanto à predição que Judas trairia Jesus, Greg Boyd afirm a que se ele não tivesse escolhido ser o traidor, então as probabilidades seriam que Jesus poderia ter encontrado outrapessoa. (Isto, en tretan to , não é provável com o rei Ciro [Is 45.1,2], visto que o n ú m ero de reis disponível para conquistar Israel não era tão n u m eroso.) Para dem onstrar a sua posição, Boyd apresenta cinco categorias de acontecim entos fu turos que Deus con h ece antecipadam ente: (1) O seu co n h ecim en to do povo escolhido, (2) o seu con h ecim en to dos indivíduos, (3) o seu con h ecim en to do m inistério de Cristo, (4) o seu con h ecim en to dos eleitos e (5) o seu con h ecim en to dos fins dos tem pos. R e sp o sta à O b je çã o D ois Em prim eiro lugar, esta objeção confunde a d eterm inação de Deus com a causação \iireta. U m apessoa pode saber algo sem causá-lo de tal m odo a excluir a autod eterm inação
hu m ana, e o m esm o pode fazer Deus. U m a pessoa que está no topo de u m edifício vendo dois carros, não visíveis u m ao outro, prestes a ch ocarem -se, não causa a colisão, mas só a prevê. A lém disso, eles crêem estran h am en te que a soberania de Deus é expressa por Ele não exercer con trole em vez de fazê-lo. Boyd diz: De fato, Deus tem tanta confiança na sua soberania que, afirmamos, Ele não precisa administrar m eticulosam ente tudo. Ele podia, se quisesse, mas isto hum ilharia a sua soberania. Portanto, Ele escolhe deixar algumas coisas do futuro abertas a possibilidades, perm itindo que sejam resolvidas pelas decisões dos agentes livres. É preciso um Deus m aior para orientar um m undo povoado de agentes livres do que orientar um mundo de autôm atos pré-programados. (ibid., p. 31)
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Antes de mais nada, a visão o rto d o x a clássica da soberania de Deus não sustenta que os serem h um anos sejam “au tô m ato s p ré-p ro g ram ad o s”. Por o u tro lado, Boyd se equivoca ao afirm ar que Deus está “tan to no co n tro le” que Ele decide não estar no con trole. A lém do mais, ele diz que Deus está de algu m a m an eira no con trole dirigindo o m u n d o, pelo m enos em algum sentido. Se co n tro lar tudo do fu tu ro seria hum ilh an te, então p o r que tam bém não seria h um ilh an te o con trole to ta l de alguma parte do futuro? Este é u m parad oxo, afirm ar que Deus lim itou a onisciência e lim itou a infinidade. Além disso, certos críticos afirm am que em vários elem entos do fu tu ro Deus tem intenções definidas e verdadeiram ente as conhece de antem ão, mas na m aioria das outras coisas não. A m enos que a Bíblia especificamente m encione coisas que Ele especificamente conhece, elas são relegadas para o lado co m o coisas que Ele não sabe co m certeza. Usando este tipo de lógica e m éto d o interpretativo, quando a Bíblia diz que até os fios de cabelos de nossa cabeça estão num erados, ou que Deus conhece os pássaros que caem ao chão, poderíam os concluir que o erro de citar o n úm ero de pêlos de m eus braços ou os outros animais que caem ao chão significaria que Deus não tem conhecim ento perfeito destas coisas. Claro que são exem plos de representações do conhecim ento infinito de Deus. A Bíblia não é exaustiva acerca de todos os fatos que Deus prevê, o que de form a algum a significa que Ele não está plenam ente ciente de tais fatos. Por con traste, o Deus da Bíblia d eterm in a todas as coisas e, assim, con h ece todas as coisas que Ele de fato determ in ou, co m o tam bém todas as ou tras coisas que Ele não d eterm in ou que acontecessem . E m sua d eterm in ação de todas as coisas, Deus escolheu ser proativo em situações específicas, m as geralm ente se abster de agir, preservando os atos livres dos seres h um anos consistente co m as suas naturezas, e assim realizar co m p letam en te a sua vontade em referência a estas ações.
Objeção Três: Baseada no Conhecimento de Deus do Caráter de Pedro C ertos estudiosos que rejeitam a onisciência com p leta de Deus argum entam que Ele pode predizer co m grande precisão sem presciência infalível, baseado no seu conhecim ento do caráter das pessoas que execu ta os atos: O nosso Criácfòr onisciente nos conhece perfeitamente, muito melhor que nós mesmos. Por conseguinte, podemos presumir que Deus pode predizer muito mais extensivamente e com precisão nosso comportamento do que poderíamos predizê-lo nós mesmos. Isto não significa que tudo o que fazemos sempre seja previsível, pois o nosso caráter não determina o todo do nosso futuro. Mas significa que o nosso comportamento é previsível na medida em que o nosso caráter é solidificado e as circunstâncias futuras que nos afetarão estiverem ocorrendo. (Boyd, GP, p. 35) Para ilustrar esta visão, Pedro e Judas são analisados. Boyd diz que o conhecim ento absoluto do futuro não era necessário para Jesus predizer que Pedro o negaria três vezes (M t 26.33-35): Ao contrário da suposição de muitos, não precisamos crer que o futuro esteja exaustivamente estabelecido para explicar esta predição. Só precisamos crer que Deus Pai sabia e revelou a Jesus um aspecto muito previsível do caráter de Pedro. Qualquer um que conhecesse perfeitamente o caráter de Pedro poderia ter predito que sob certas
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circunstâncias altamente prementes (que Deus poderia orquestrar facilmente), ele agiria do modo que agiu. (ibid.) R e sp o sta à O b je çã o T rês Primeiro, esta visão supõe que o ca rá te r de u m ap esso ap o ssa levar in evitavelm en te a d eterm in ad a ação que pode ser co n h e cid a p o r D eus: Quando diante das circun stân cias certas, esco lh erem o s agir de d eterm in ad o m o d o — sem falta. Mas co m o esta idéia evita u m a fo rm a de d eterm in ism o que eles negam ? Se Pedro tivesse g en u in am en te o direito à au to d ete rm in a çã o (ch a m a d o livre-arb ítrio ), en tão p o u co im p o rtaria quais fossem as circun stân cias ele teria feito a escolh a que desejasse, co n trá ria às circun stân cias. Se ele pudesse ter feito isto, en tão D eus não poderia te r sabido co m certeza se ele faria ou n ão. Por con seguinte, segundo esta perspectiva, Deus não pode infalivelm ente p redizer apenas baseado no c o n h e cim e n to de caráter. Segundo, tem os de observar que n em sequer o c o n h e cim e n to p erfeito de ca rá te r n ão pode p redizer o que D eus fez no caso de Pedro. C o m o o c o n h e cim e n to de ca rá te r revelaria não só que ele negaria Jesus, m as que o n egaria especificam ente três vezes? Não u m a, duas ou quatro, m as exa ta m e n te três! A gora, Boyd pode responder que Deus enviou três pessoas diferentes a Pedro p ara garan tir que o co rressem as três vezes específicas para cu m p rir a profecia, m as Pedro tem de fracassar em cada u m a delas co m certeza? C o m o Deus poderia garan tir que u m a q u arta pessoa tam bém não falaria co m Pedro e, assim , co n trad iria a profecia, ou talvez surgisse u m a pessoa que o incentivasse e o retirasse deste cam inho? Terceiro, a predição n ão era só que Pedro n egaria Jesus e que o n egaria três vezes, m as que o fato o co rre ria antes do ca n ta r do galo. Boyd so m en te diz: “antes da m a n h ã ”, m as n a predição há mais elem entos que a m an h ã. As negações a co n te ce ra m im ed iatam en te antes de u m galo can tar. C o m o D eus anteciparia os atos de u m ser am o ral e sem livre-arb ítrio nesta predição? E ser créd u lo demais ad otar esta posição. Quarto e ú ltim o , o co n h e cim e n to de ca rá te r, p o u co im p o rtan d o quão b om é, não pode pred izer aco n tecim en to s infalivelm ente. Mas o N ovo T estam en to revela que aco n tecim en to s co m o a traição e m o rte de Jesus fo ram firm em en te determ inadas antes de a co n tecerem (cf. Jo 6.64; A t 2.23). Isto é p a rticu la rm e n te assim em u m a visão libertária de liberdade, ou seja, u m a visão p ertin en te à d o u trin a do livrearbítrio, na qual a esco lh a sem pre poderia ter sido o u tra. O b je çã o Q u a tro : B asead a n a Possib ilidad e de q u e Ju d as n ã o T ra iria Jesus Certos rejeitadores da presciência infalível acreditam que a traição de Judas não foi determ inada na eternidade. Qualquer u m dos discípulos poderia ter sido supostam ente o traidor (GP, p. 37). Boyd apóia o argum ento de três m odos. Primeiro, ele questiona que João 6.64 ensina que Jesus soube na eternidade (ou no início do seu m inistério) que Judas o trairia. Ele afirma que a palavra grega arche, usada aqui, não insinua que Jesus sabia quem o trairia algum tem po antes de a pessoa decidir no seu coração fazer isso. C om o em Filipenses 4.15, arche pode significar “no princípio”. Portanto, dizem que João 6.64 sugere que Jesus soube quem o trairia no m o m en to em que esta pessoa resolveu traí-lo, ou no tem po em que Jesus o escolheu co m o discípulo — mas não desde a eternidade (ibid.).
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Segundo, os neoteístas negam que o term o “filho da perdição” se refira especificamente a Judas em João 17.12: Muitos presumem que quando Jesus se referiu a Judas como aquele que estava “destinado à perdição” [cf. NVI], Ele quis dizer que Judas estava condenado desde o princípio dos tempos (Jo 17.12). Todavia, eles insistem que o versículo não diz isso. O termo grego traduzido por “destinado à perdição” [traduzido por quem, eu não sei] diz, literalmente, “filho da perdição”, sem indicação de quando Judas se tornara isto. Só sabemos que quando Jesus proferiu essas palavras, Judas, por livre-arbítrio, se tornara próprio para a destruição, (ibid.) Terceiro, tam bém arg u m en tam que Judas cu m p riu as Escrituras, não que Judas era aquele que tinha de cu m p rir as E scrituras. Boyd afirm a que tem os toda razão p ara supor que bem no início Judas poderia ter (e deveria te r) escolhido u m cam inh o diferente p ara a sua vida, m as co m o agente m o ral livre, Judas tragicam en te escolheu o cam inho da au tod estru ição. Caso ele tivesse se to rn ad o u m tipo diferente de pessoa, não teria sido u m candidato para cu m p rir a profecia da traição do Senhor. Neste caso, o Senhor teria achado o u tra pessoa já prevista p o r Deus p ara cu m p rir este papel livrem ente (ibid., p. 38). Certos estudiosos argum entam que Jesus não sabia que Judas o trairia até o m om ento em que de fato o traiu. John Sanders raciocina que quando Jesus anunciou na refeição da Páscoa que u m dos discípulos o trairia — o “entregaria” (paradidomi) às autoridades do tem plo — , estaríamos errados em crer que Judas de fato traiu Jesus. Apoiando-se no trabalho de William Klassen, Sanders insiste que na U ltim a Ceia n en h u m dos discípulos considerou que Judas fosse o traidor, e que Judas m antinha relações amigáveis co m Jesus. Sanders diz que “entregar” (paradidomi) não significa “trair” (GW R, p. 98). Ao invés disso, Judas estava tentando induzir Jesus a confrontar o sum o sacerdote para que estes acabassem co m as suas diferenças (ibid.). Quando Jesus despediu Judas da Ú ltim a Ceia (Jo 13.27-30), não era para que o traísse, pois seria errado Jesus dizer para u m judeu ir e deliberadamente com eter u m pecado. Mais exatam ente, dizem que Ele estava estendendo a m ão para ajudar Judas, tentando fazer co m que ele decidisse que tipo de Messias ele esperava que Jesus fosse (ibid., p. 99).
Resposta à Objeção Quatro Este raciocínio dá a entender que Jesus não tinha conhecim ento prévio da intenção de Judas o trair quando Ele o escolheu co m o discípulo. Jesus só descobriu isso n a hora que Judas optou pela traição mais tarde nas narrativas do Evangelho, ou no m o m en to exato em que Ele escolheu Judas co m o discípulo. Ficam os imaginando p o r que a suposta avaliação antecipada e infalível que Deus faz do caráter h um ano, co m o já analisamos em referência a Pedro, não é usada aqui. Neste caso, não seria necessário o conhecim ento absoluto do futuro, co m o Boyd p ro cu ra descartar aqui. O texto , no entanto, revela que o con hecim en to de Jesus de que cria nEle e especificamente de quem o trairia não fala do seu ministério posterior ou m esm o necessariam ente da sua escolha de Judas. Nada no sexto capítulo de João indica isso. Primeiro, a palavra grega arche é usada em João co m o significado de “eternidade” (Jo 1.1,2; 8.25) e com o significado de com eço do ministério de Jesus co m os doze (Jo 8.25;
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15.27; 16.4). O texto não diz que significado deve ser entendido aqui em João 6.64, mas há outras evidências no con tex to que sugerem a prim eira opção. N ote que o versículo seguinte a este p ronu nciam en to tem o conclusivo “por isso”: “Por isso, eu vos disse que nin gu ém pode vir a m im , se por m eu Pai lhe não for concedido” (Jo 6.65). A razão de Jesus ter co n h ecim en to dos verdadeiros crentes, e do traidor, diz respeito ao fato da eleição de Deus, que é eterna. Segundo, com respeito a trocar “o filho da perdição” por “destinado à perdição”, tem os de observar que ainda que seja g ram aticalm ente possível, é con textu alm en te im provável. Não disputam os que os seres hum anos estejam perdidos, porque eles são próprios para a destruição, com o ensina Paulo em R om anos 9.22. C ontu do é com o terceiro ponto que encontram os a m aior discordância, pois Boyd diz que a traição de Judas não toi u m cu m p rim en to específico das Escrituras e que ou tra pessoa poderia ter traído Jesus (co m o um cu m p rim en to das Escrituras). Por u m lado, não é simples en con trar alguém para trair Jesus e, assim, cu m prir as Escrituras. Por ou tro lado, o com en tário de Boyd que Jesus não diz que Judas tinha de cu m prir as Escrituras, só que ele as cu m p riu , m ostra que ele não está percebendo o sentido exato do texto. Ainda que seja verdade que Jesus não disse isso, Pedro disse. N ote as palavras que o apóstolo disse aos cento e vinte no cenáculo: Varões irmãos, co n v in h a que se cu m p risse a E scritu ra qu e o E spírito S an to predisse pela b o ca de Davi, acerca de Judas [...]. P orque n o Livro dos Salm o s está escrito : F ique deserta a sua h ab itação , e n ão h a ja q u em n e la habite; e: T o m e o u tro o seu bispado. (A to s 1.16,20, grifo m e u )
Portanto, a visão n eoteísta contradiz diretam ente o significado literal do texto. Terceiro, a visão de Sanders sobre a traição de Judas é u m a interpretação forçada. O texto de João 13.11, falado na noite em que Jesus foi traído no cenácu lo, diz claram ente: “Porque bem sabia ele quem o havia de trair; por isso, disse: N em todos estais lim p os”. Na excelente revisão do livro de Sanders, Ardei B. Caneday diz que na análise que Sanders faz sobre “en treg ar” {paradidomi ), “ele com ete duas falácias: a falácia da raiz e a falácia prescritiya. [...] Ele presum e que a etim ologia da palavra estabelece o significado e prescreve esse significado ( ‘en tregar’) para todo o uso da palavra” (Caneday, “P G R ”, xx, em T J). Sanders não aprende com os argum entos de Jam es B arr no im p ortan te livro que ele escreveu The Semantics o f Biblical Language (A Sem ântica da Linguagem Bíblica): As palavras se apóiam no con texto e não n a etim ologia ( SBL, pp. 217, 218).8 Quarto e ú ltim o, em bora Sanders insista que o ato de Jesus m o lh a r o pão no prato e dá-lo a Judas fosse um ato de amizade e não de sinal de que ele fosse o traidor, isto é oposto às palavras das Escrituras, que m o stram que Ele especificam ente m o lh o u o bocado no prato para identificar Judas co m o o traidor, apaziguando o d esconforto de pelo m enos dois de seus discípulos que consideraram o anú ncio de haver u m traidor entre eles. Depois de m o lh a r o bocado e dá-lo a Judas, o texto narra que Satanás entrou em Judas para co m eter a ação covarde (Jo 13.21-27). E apelação especial argu m entar que, quando Judas p ro cu ra entregar Jesus às autoridades, não é u m a quebra de confiança e, p o rtan to , u m a traição. 8 Barr diz: “O erro que surge, quando o ‘significado’ de um a palavra (com preendida com o a série total de relações nas quais se usa n a literatura) é lido em um determ inado caso com o o seu sentido e conotação ali, pode-se dizer que é um a ‘transferência ilegítima de identidade”’ (SBL, p. 218).
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Objeção Cinco: Baseada na^Supostas Decisões Ruins por Deus Não causa surpresa que certos críticos da onisciência com pleta de Deus afirmem que Ele ten h a conhecim ento limitado, e insinuem que tam bém tom e algumas decisões ruins ou pouco inteligentes!
Resposta à Objeção Cinco Duas considerações levam a u m a resposta negativa para esta pergunta. Primeiro, é m elh or deixar a Bíblia nos inform ar em relação à n atureza da sabedoria divina do que reinterpretar u m novo m otivo para enquadrá-lo aos nossos preconceitos de sabedoria divina. Se! Deus diz que Ele se arrependeu de u m a decisão e se a Bíblia fala que Deus é perfeitam ente sábio, então tem os de concluir que u m a pessoa pode ser perfeitam ente sábia e, m esm o assim, arrepender-se de u m a decisão tom ada. Segundo, m esm o que. isto nos seja u m mistério, é m elh or perm itir que o mistério perm an eça do que presum ir que sabemos o que a sabedoria de Deus é e concluir, baseado nisso, que Deus não quer dizer o que Ele está claram ente dizendo (co m o faz Boyd, GP, p. 57). Além disso, o arrependim ento de Deus não precisa se referir à condição original, mas a u m estado posterior que não envolveria contradição. Terceiro e últim o, há três razões para este tipo de interpretação ser difícil de reconciliar co m o Deus onisciente (Todo-sábio) da Bíblia. Por u m lado, está em conflito co m o ensino claro da Bíblia que diz que o entendim ento de Deus é “infinito” (Sl 147.5); que Ele conhece o fim desde o princípio (Is 46.10); e que a sua sabedoria é a base de toda a sabedoria hum ana objetivada p ara evitar decisões ruins (cf. Provérbios). C o m o é que Deus pode ser a fonte, a fundação e o repositório de toda a sabedoria (Pv 1.7; Cl 2:3) e ser tão tolo? Por outro lado, esta visão arruina o ensino bíblico de que Deus é absolutam ente perfeito. O salmista escreveu: “A lei do Senhor é perfeita e refrigera a alma; o testem unho do Senhor é fiel e dá sabedoria aos símplices” (Sl 19.7). “Tens tu notícia do equilíbrio das grossas nuvens e das maravilhas daquele que é perfeito nos conhecim entos?” (Jó 37.16). C om o pode Deus ser perfeito em conhecim ento e sabedoria e, m esm o assim, com eter erros? Por últim o, é desnecessário to m ar literalm ente estas expressões antropom orfas. C om o todos adm item , a Bíblia está repleta de antropom orfism os. Por que, então, estas expressões não devem ser entendidas antropom orficam ente?
Objeção Seis: Baseada na Suposta Impossibilidade de conhecer os Atos Livres Futuros A objeção da “onisciência lim itada” é esta: (1) Deus conhece infalivelmente tudo que é possível conhecer. (2) Não é possível con hecer infalivelmente os atos livres futuros. (3) Portanto, Deus não con hece os atos livres futuros infalivelmente.
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Sanders declara: Embora o conhecimento de Deus seja de igual extensão com a realidade em que Deus conhece tudo o que pode ser conhecido, as ações livres futuras das criaturas livres ainda não são realidade. Portanto, não há nada para ser conhecido. (GWR, p. 198, 199) Isto se ch am a onisciência qualificada ou lim itada, em con traste co m a onisciência clássica que é ilimitada. Nesta visão, o co n h ecim en to de Deus dos atos livres futuros é falível: “No en tan to, isto [Deus não co n h ecer o futuro] deixa aberta a possibilidade de que Deus pode se equivocar em alguns pontos, co m o reco n h ece o registro bíblico” (ibid., p. 132). C om relação às livres-escolhas, os neoteístas acreditam que, baseado som ente no seu vasto conhecim ento do caráter h um ano, Deus prognostica os acontecim entos e tendências do que as criaturas livres são prováveis de fazer. Ele não pode ter absoluta certeza do que elas farão, diz Sanders: Dada a profundidade e largura.dbiconhecimento de Deus da situação atual, Ele prevê o que acha que acontecerá. Sob este aspecto, Deus é o perfeito cientista social que prediz o que acontecerá, (ibid., p. 131) Porém estes oponentes da onisciência com p leta fazem u m a exceção im portante: Tudo que Deus deseja con hecer absolutam ente e controlar com pletam ente sobre o futuro, no que toca a realizar o seu plano últim o, Ele pode fazer através da intervenção divina. Q uer dizer, Deus pode m exer indevidamente na liberdade hum ana (se necessário e ocasionalm ente for) para determ inar o resultado final das coisas. Ordinariamente, argum enta-se que Deus não faz isto. Por conseguinte, as criaturas são livres para fazer o que até o próprio Deus não sabe infalivelmente o que elas farão. Boyd declara: Muitas profecias pertinentes a indivíduos também podem ser entendidas como exemplos de o Senhor estabelecer de antemão determinados parâmetros. Os dois exemplos mais impressionantes são Josias e Ciro. Como sinal sobrenatural para o seu povo, Deus chamou por nome Josias ( “o Senhor fortalece”) e Ciro, e declarou antes de eles nascerem quais realizações tais indivíduos fariam. Este decreto obviamente fixou parâmetros acerca da liberdade de os pais darem nomes a esses indivíduos (ver também Lc 1.11-23). Também restringiu a extensão da liberdade que estes indivíduos poderiam exercer no que diz respeito a certas atividades predeterminadas. Sob outros aspectos, porém, estes dois indivíduos e os seus respectivos pais permaneceram agentes autodeterminados. (GP, p. 34, grifos meus) R e sp o sta à O b je çã o Seis Os teístas clássicos não têm dificuldade co m a form a lógica deste argum ento básico sobre a onisciência de Deus. Claro que Deus não pode con h ecer o impossível. A discordância está co m o conteúdo da segunda premissa. Não é possível conhecer infalivelmente os atos livres futuros. Os teístas tradicionais sustentam que a defesa dada para esta premissa é deficiente. O exam e a seguir de cada u m dos argum entos da teologia do processo revelará por quê.
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Objeção Sete: Baseada na Natureza do Livre-Arbítrio Esta objeção é co m o segue: (1) Atos livres são os que poderiam ter sido de ou tro m odo. (2) O conhecim ento infalível de Deus acerca dos acontecim entos significa que eles não podem ser de ou tro m od o (pois se pudessem, então Deus teria se enganado e não seria infalível no seu conhecim ento). (3) Por conseguinte, o conhecim ento infalível dos atos livres é impossível.
Resposta à Objeção Sete Esta conclusão pode ser contestada em pelo m enos duas maneiras. Primeiro, presum e u m a visão particular do livre-arbítrio, cham ada libertarianismo9 a qual nem todos os teístas aceitam . M uitos, p articularm ente na forte tradição calvinista (co m o Jonathan Edwards),10 argum entam que nos atos livres a pessoa faz o que deseja, e que Deus é capaz de dar aos agentes livres os desejos que Ele decreta. Por conseguinte, os atos livres futuros (n o sentido de Edwards) podem ser livres e, ao m esm o tem po, determ inados, sendo, p ortan to, infalivelmente conhecidos co m antecedência. Segundo, outros teístas clássicos co m o Tomás de Aquino destacam que não há contradição em afirmar que (1) u m ato livre futuro é determ inado a partir da relação da presciência infalível de Deus e (2), contudo, tam bém é livre quando visto da relação de nosso livre-arbítrio (n o sentido de poder fazer de ou tro m od o). Portanto, a presciência infalível e o livre-arbítrio não são contraditórios, pois a lei da não-contradição demanda que, para serem contraditórias, duas proposições têm de afirm ar e negar a m esm a coisa no m esm o sentido e na mesma relação (ver Volume 1, capítulo 5). C ontudo, neste caso, u m e o m esm o acontecim ento é determ inado em u m a relação, m as não determ inado em uma relação diferente — u m a em relação ao con hecim en to de Deus e a o u tra em relação ao nosso livre-arbítrio.
Objeção Oito: Baseada na Natureza da Verdade De acordo com esta linha de raciocínio, os acontecim entos futuros ainda não aconteceram . U m a declaração verdadeira é a que corresponde ao que aconteceu. Portanto, não há declaração sobre o fu tu ro que seja verdadeira (visto que o futuro ainda não aconteceu). Q uer dizer, não faz sentido falar sobre con h ecer se algum a coisa é verdadeira antes que aconteça, visto que não pode ser fato realm ente verdadeiro até que aconteça. 9 N do E : “Libertarianismo — [Do fr. Libértaire + ismo] Espécie de antinom ianism o. Ênfase à liberdade irresponsável, em detrim ento à responsabilidade do hom em diante de seus sem elhantes e, principalmente diante de Deus” (Dicionário Teológico, 1998, CPAD, p.206).
10 Edwards definiu liberdade nesses term os: “O significado claro e óbvio da palavra
liberdade, na fala co m u m , é poder, oportunidade ou vantagem que qualquer um tem para fazer como lhe agrada” (JES, p. 279; cf. p. 311, grifos m eus). Claro que, dando continuidade aos seus argum entos, ele diz que só Deus dá o desejo para fazer o bem às suas criaturas. Portanto, os seres hum anos caídos não são livres para fazer o que eles decidem (co m o poder da escolha contrária), mas o que eles desejam quando Deus dá o desejo de fazer o bem ou fazer o m al, conform e exige a natureza caída dessas pessoas. Edwards não soube explicar quanto à razão de as criaturas não-caídas, co m o Lúcifer e Adão, poderem desejar escolher o m al, visto que Deus com certeza não lhes dá este desejo e eles não tinham um a natureza caída (Ver Volume 3, capítulo 3.).
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R e sp o sta à O b je çã o O ito Em resposta, várias coisas são im portantes a observar. Primeiro, o argum ento prova demais. Pois, nesse caso, Deus não pode sabe qualquer coisa de antem ão — inclusive os acontecim entos necessários — , visto que eles ainda não aconteceram . C ontudo, até m esm o os críticos da onisciência tradicional adm item que Deus possui presciência infalível dos acontecim entos necessários. Portanto, eles não podem contestar a possibilidade de Deus con h ecer os acontecim entos livres futuros com base na n atureza da verdade. Segundo, podem os evitar este problem a ressaltando que é verdade que Deus conhece de antem ão que o acontecim ento ocorrerá. Há diferença entre afirm ar (1) é verdade co m antecedência e (2) Deus sabe co m antecedência que depois será verdade. Em qualquer caso, Deus pode con hecer o que vai acontecer — que é tudo que é necessário para defender a visão clássica da onipotência. Terceiro, o problem a está solucionado para o teísta clássico, visto que Deus é eterno (ver capítulo 4) e não há indicadores de tem po no seu conhecim ento. U m Deus eterno não prevê-, Ele vê desde toda a eternidade tudo do ponto de vista tem poral de era, é e será. Todos os acontecim entos futuros estão presentes para Ele no seu eterno “A gora”. Portanto, Deus sabe o que sabemos, mas Ele não o sabe do m esm o modo que o sabemos. Sabemos as coisas co m o passado, presente ou futuro, mas Deus sabe o nosso passado, presente e futuro no seu eterno Presente. Portanto, para dem onstrar que é impossível o Senhor onisciente saber o futuro, os neoteístas teriam de provar que Deus não é eterno (atem poral). C om o vimos, tal prova jamais foi dada. O b je çã o N ov e: B asead a n o Irre a lism o d o F u tu r o No livro The God Who Risks (O Deus que se Arrisca), John Sanders discute que Deus não pode con hecer o futuro, visto que: (1) O futuro não é real (porque ainda não aconteceu). (2) Deus só pode con hecer o que é real. (3) Por conseguinte, Deus não pode con h ecer o futuro. C om o já lem os, Sanders escreveu: “Em bora o conhecim ento de Deus seja de igual extensão com a realidade em que Deus conhece tudo o que pode ser conhecido, as ações livres futuras das criaturas livres ainda não são realidade. Portanto, não há nada para ser conhecido” (G W R, p. 198). Sanders antecipa duas objeções. Primeiro, “não pode ser u m a im perfeição não con hecer o que não é por si m esm o conhecível, ou seja, o futuro, o ainda não-real, pelo m enos em seus aspectos livres ou ainda não-determ inados”. Segundo, esta visão não passa supostam ente de mais u m entendim ento “atenuado” ou “lim itado” de onisciência sem elhante à visão de Tomás de Aquino, visto que ele definiu onipotência com o a habilidade de fazer tudo o que é logicam ente possível, e con hecer o que não é real não é logicam ente possível (ibid., p. 199). R e sp o sta à O b je çã o N o v e Tomás de Aquino respondeu esta objeção há quase oitocentos anos, ressaltando que o futuro é real, visto que a realidade é com posta do real e do potencial — só o impossível
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não é real. O futuro é u m a potencialidade; ainda não aconteceu, mas pode acontecer e ainda acontecerá. Portanto, conhecendo o futuro, Deus conhece o que é real, isto é, o que é realm ente possível. A lém disso, para o teísta clássico o fu tu ro preexiste em Deus, que é a Causa últim a do futuro. Considerando que o fu tu ro preexiste em Deus, Ele pode e o conhece nEle co m o u m a das coisas que Ele fará acontecer, e não há contradição em afirmar que o Ser onisciente pode con hecer tudo o que existe nele. Ademais, enquanto que formalmente a lógica é a m esm a para o teísta clássico sobre a definição de onisciência, na prática há u m a en orm e diferença sobre o que a onisciência conhece. Os críticos crêem que Deus não tem con hecim en to infalível das livres escolhas futuras, e os teístas clássicos afirm am que Ele tem . Por fim, com o n otou Tomás de Aquino, seria u m a im perfeição u m Ser onisciente não con hecer tudo, visto que tudo o que Ele conhece é conhecido n a sua própria n atureza e pela sua própria natureza. Considerando que a sua natureza é absolutam ente perfeita, conclui-se que tudo o que Deus conhece, incluindo a sua própria n atu reza e todos os m odos em que as suas criaturas podem participar nas perfeições dEle, deve ser conhecido perfeitam ente. Portanto, não saber alguns m odos em que algumas criaturas podem (e vão) participar nela seria u m a im perfeição no conhecim ento de Deus.
Objeção Dez: Baseada na Suposta Impossibilidade das Ações Divinas Sanders argum enta que u m Deus onisciente não pode intervir no que Ele infalivelmente prevê: (1) (2) (3) (4)
O que é infalivelmente previsto está determ inado. Deus prevê o que n a verdade vai acontecer. Mas se na verdade vai acontecer, então Ele não pode intervir para m udar. Portanto, Deus não pode intervir em u m m undo que ele prevê o que vai acontecer.
Sanders afirma: O problema surge por causa do fato de que o que Deus prevê é o que na verdade acontecerá. A presciência divina, por definição, sempre é a correta. Se o que na verdade vai acontecer é, por exemplo, o Holocausto, então Deus conhece que vai acontecer e não pode impedir que aconteça, visto que a sua presciência nunca está equivocada. (GWR, p. 201)
Além disso, Sanders escreveu: Se o que Deus previu é toda a história humana de uma vez, então a dificuldade é permitir a intervenção de Deus de alguma maneira nessa história. Isto levanta um problema sério. A presciência simples implica que Deus prevê as suas próprias decisões e ações? Quer dizer, se Deus tiver “presciência” infalível das suas próprias ações, então o problema é explicar como a presciência pode ser a base para as ações quando já inclui as ações, (ibid.) E explica: E impossível que Deus use uma presciência derivada da ocorrência atual dos acontecimentos futuros para determinar as suas próprias ações anteriores no controle
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providencial do mundo. Tal deidade saberia o que vai fazer antes de decidir o que fazer. [Tal Deus] [...] não poderia planejar, antecipar ou decidir; Ele simplesmente saberia. Isto parece pôr em dúvida a liberdade divina, tornando Deus prisioneiro da sua própria onipresciência, faltando liberdade perfeita, (ibid.) R e sp o sta à O b je çã o D e z Esta objeção levanta u m problem a para os molinistas (ver Craig, OWG, p. 127-152), mas não para os tom istas (ver Volume 1, capítulo 8). Luís de M olina (1535-1600) insistiu que as decisões de Deus estão baseadas no que Ele prevê que vai realm ente acontecer, caso escolhesse criar esse tipo de m undo — este é o con hecim en to dependente. Todavia, os teístas clássicos afirmam: (1) Na verdade, Deus não tem presciência; Ele apenas conhece em u m eterno Agora. (2) O conhecim ento de Deus não está baseado em nada fora dEle m esm o. O conhecim ento de Deus de todas as coisas está baseado em Ele con hecer a si m esm o e todas as outras coisas conform e preexistem nEle m esm o co m o a Causa prim ária delas. O argum ento básico a favor da visão do teísta clássico é esta: (1) Deus é u m Ser independente. (2) O conhecim ento de Deus é idêntico ao seu Ser (visto que Ele é simples). (3) Por conseguinte, o conhecim ento de Deus é independente. Sendo assim, a crença que Deus tem conhecim ento dependente (co m o no m olinism o) é falsa. Todo o Seu conhecim ento tem de ser parte do seu Ser independente. Isto quer dizer que Ele tem de saber tudo em Si m esm o e p o r Si m esm o e não por qualquer coisa que seja contingente. O b je çã o O n ze: B asead a em u m F u tu r o Livre Pelas m esm as razões acim a descritas, alguns argum entam que é impossível o futuro estar verdadeiram ente livre se Deus infalivelmente o conhece. Se Deus conhece o futuro infalivelmente, então tem de acontecer do m od o em que Ele o conhece, ou então Ele estará errado no que sabe a respeito disso. Mas se tem de acontecer desse m odo, então Deus não está livre para m udá-lo. Por conseguinte, u m Deus que conhece infalivelmente o futuro não é realm ente livre (n o sentido de que Ele poderia ter feito de ou tro m odo). O argum ento pode ser declarado deste m odo: Se Deus já sabe o que acontecerá no futuro, então o conhecimento de Deus disso já é parte do passado e agora está fixo e impossível de mudar. [...] [E] visto que Deus é infalível, é completamente impossível que as coisas se dêem diferentemente do que Deus as espera. [...] [Mas] se Deus conhece que uma pessoa vai executá-la, então é impossível que a pessoa não a execute — portanto, a pessoa não tem a livre escolha quer ou não para executá-la. (Pinnock, OC, p. 147)
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Resposta à Objeção Onze Claro que Deus pode ser livre em ou tro sentido (não-libertário) de fazer o que Ele deseja. Este ponto de vista está aberto aos ultracalvinistas na tradição de Jonathan Edwards. A lém disso, u m calvinista m oderado pode argum entar que Deus é livre em u m sentido autodeterm inado, sem ter o poder de escolha contrária, o m odo que Deus determ ina u m bem sem ter a capacidade de escolher o m al. C ontudo há o u tra alternativa possível para os que aceitam u m conceito libertário de liberdade, conform e observou Anselm o (acim a), isto é, que existe diferença entre necessidade antecedente e necessidade conseqüente. Se Deus deseja que o futuro seja de certo m odo, então por necessidade conseqüente tem de ser desse m od o. Mas Deus pode ter sido livre para não desejá-lo desse m odo. Portanto, Ele teve liberdade antecedente co m respeito a qual m od o em que o futuro seria. Deus poderia ter escolhido criar u m m undo diferente, contudo quando Deus decide fazer certo m undo, a sua onisciência conhece que seria desse m odo p or necessidade conseqüente. C om o Ser simples, a vontade e conhecim ento de Deus estão coordenados. Ele conhece o que deseja e deseja o que conhece. Na realidade, Ele conhece eternam ente o que deseja eternam ente, e Ele deseja eternam ente o que conhece eternam ente. U m não é subseqüente ao ou tro, tanto cronológica (visto que Ele é n ão-tem poral e não preso pelo tem p o) quanto logicam ente (visto que Ele conhece intuitivam ente e não consecutivam ente). Além disso, este argum ento presum e erroneam ente que Deus não apenas sabe o que sabemos, mas tam bém o modo que sabemos e desejamos, isto é, por presciência e reação. Mas o Ser eterno não prevê u m a coisa co m o fu tu ro; Ele a conhece no seu eterno Presente. Além do mais, u m Ser com pletam ente independente não reage ao que Ele sabe, visto que não é dependente de qualquer coisa fora do seu Ser para decidir ou agir. Ele não reage; age desde a eternidade, antes de qualquer acontecim ento acontecer. Em sum a, u m a vez mais, Deus é proativo e não reativo, na sua presciência infalível e escolhas concom itantes.
Objeção Doze: Baseada em Deus voluntariamente Limitar o seu Conhecimento U m a objeção mais recente é apresentada pelo filósofo Dallas Willard que afirma que se Deus é onipotente e pode fazer qualquer coisa que é possível, então Ele pode lim itar a sua própria onisciência. Deste m odo, supostam ente, Deus continua conhecendo tudo, inclusive os atos livres futuros, visto que Ele pode escolher ignorar da sua consciência algumas coisas que Ele conhece. C om o tal, Deus pode se ocupar de interação genuína com as suas criaturas livres sem, por assim dizer, ter a m ente ajustada co m antecedência. Portanto, diferente das sugestões do neoteísm o que nega que Deus tem ou pode ter conhecim ento infalível de tudo, Deus pode “ter o seu bolo e tam bém co m ê -lo ”. Quer dizer, Deus pode ser com p leta e verdadeiram ente onisciente e, ainda assim, estar inconsciente de algumas coisas — as coisas que Ele decide que não quer saber.
Resposta à Objeção Doze Por mais criativa e engenhosa que esta visão pareça, está repleta de dificuldades superáveis, bíblica e filosoficamente. Primeiro, com o visto acim a, não há verdadeira base bíblica para esta visão, exceto quando tom a as figuras de linguagem literalm ente.
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Segundo, a ssim q u e t o m a m o s e ste s a n t r o p o m o r f is m o s lit e r a lm e n t e , n ã o h á fim aos a b s u r d o s q u e se s e g u e m , c o m o D e u s t e n d o m e s m o u m c o r p o , m ã o s , b r a ç o s , p e r n a s e a té asas. Terceiro, c o m o p r e v ia m e n t e d e m o n s t r a d o , h á f o r t e b a se b íb lic a p a r a D e u s e s ta r c ie n te d e a n t e m ã o d e a to s liv re s f u t u r o s . A lé m d o m a is , s e m is to , a su a p r e d e s t in a ç ã o d o s e le ito s , a su a p r e d e t e r m in a ç ã o d a c r u z e as su as p r e d iç õ e s in fa lív e is n ã o fa z e m s e n tid o re a l. Quarto, se D e u s é u m S e r s im p le s , e, p o r t a n t o , E le n ã o p o d e se r c o m p a r t i m e n t a d o e m u m a s e ç ã o q u e c o n h e c e t u d o e e m o u t r a s e ç ã o q u e n ã o e s tá c ie n t e d e t u d o q u e E le c o n h e c e . C o m o u m S e r s im p le s e in d iv is ív e l s e m p a r t e s s e ja q u a l fo r, c o n c lu i- s e q u e s e ja o q u e f o r q u e D e u s c o n h e ç a , q u e E le e s tá c ie n t e , e s e ja o q u e f o r q u e E le e s t e ja c ie n te , E le sa b e. Quinto, se D e u s é u m a c o m p le x id a d e d e p a r te s é, c o m o u m a p a r t e q u e c o n h e c e t u d o e o u t r a p a r t e q u e n ã o e s tá c ie n t e d e t u d o q u e sa b e E le , e n tã o q u e m o c o m p ô s ? C o m o d e m o n s t r o u o m o v i m e n t o d o d e s íg n io in t e lig e n t e , t o d o s e r c o m c o m p le x id a d e ir r e d u t ív e l t e m u m D e s ig n e r . S e e s te D e u s q u e o p r o f e s s o r W illa r d p o s t u la t e m u m D e s ig n e r , e n tã o o u h á u m r e g r e s s o in f i n i t o d e d e s ig n e rs , o q u e é im p o s s ív e l, o u h á u m D e s ig n e r P r im e ir o e n ã o - p r o je t a d o q u e n ã o é c o m p l e x o , m a s é a b s o lu t a m e n t e s im p le s , q u e é a a f ir m a ç ã o d o t e ís m o c lá s s ic o . Sexto, se D e u s t e m c o m p a r t i m e n t o s o u p a r te s , e n tã o E le n ã o p o d e se r i n f in it o , o q u e to d o s o s v e rd a d e ir o s te ís ta s e a té os n e o t e ís ta s c r ê e m q u e E le é. Q u a lq u e r D e u s c o m p a r te s t e m d e s e r f in ito , v is to q u e n ã o p o d e h a v e r u m n ú m e r o i n f in it o d e p a r te s , p e la r a z ã o s im p le s d e q u e n ã o i m p o r t a q u a n ta s p a r te s h a ja , s e m p r e u m a a m a is p o d e se r a c r e s c e n ta d a , e n ã o p o d e h a v e r m a is q u e u m i n f in it o . P o r t a n t o , p o r m a is n o b r e s e b r ilh a n t e s q u e s e ja m os e s fo r ç o s d o s n e o t e ís ta s e d o s n e o t e ís ta s m o d ific a d o s , a “c u r a ” é p io r q u e a d o e n ç a . É m a is ló g ic o c r e r q u e D e u s é s im p le s . E , r e p e tin d o , se E le é s im p le s , E le t e m d e e s ta r c ie n t e d e tu d o q u e c o n h e c e e c o n h e c e r tu d o d e q u e e s tá c ie n te . Sétimo e ú l t i m o , n i n g u é m a in d a d e m o n s t r o u u m a n e c e s s id a d e r e a l p a r a r e c o r r e r a e sta s o p ç õ e s . N ã o h á c o n t r a d iç ã o in e r e n t e e m c r e r q u e D e u s é s im p le s e a b s o lu t a m e n t e o n is c ie n t e s o b r e to d a s as c o is a s, in c lu in d o os a to s liv re s f u t u r o s . P o r c o n s e g u in t e , n ã o h á ra z ã o p a r a n e g a r a s u a p r e s c iê n c ia a b s o lu ta , c o m p l e t a e in fa lív e l d e to d o s os a c o n t e c i m e n t o s f u t u r o s , in c lu s iv e to d o s os a to s liv re s.
C O N C LU SÃ O A visão teísta clássica da p re sciê n cia infalível de D eu s que d o m in o u a igreja cristã o r to d o x a desde o c o m e ç o n ã o te m ra z ã o p a ra ir p a ra o lad o de q u alq u er visão re c e n te sobre a p re sciê n cia lim itad a, seja e m bases bíblicas, seja e m bases teo ló gicas. D e fato , h á bons a rg u m e n to s bíblicos, h istó rico s, te o ló g ico s e filosóficos p a ra m a n tê -la . A teo lo g ia liberal do p ro ce sso a rru in a se ria m e n te o cristia n ism o h istó rico . Os crítico s evan gélicos da on isciên cia tra d icio n a l cria ra m u m p a ra d ig m a p erig o so de D eus baseado e m a n tro p o m o rfis m o e co n clu sõ e s esp ecu lativ as copiadas e m g ran d e p a rte da te o lo g ia do p ro ce sso c o n te m p o râ n e a . C e rta m e n te a visão glob al que te m o s de D eu s o rie n ta a n ossa in te rp re ta ç ã o ; isto n ã o é algo n o v o . E n te n d e m o s as d ecla ra çõ e s sob re a fisicidade de D eu s — o lh o s, ou vid os e m ã o s — c o m o m e tá fo ra s das suas açõ es e cap acid ad es. S e m e lh a n te m e n te , e n te n d e m o s as lim itaçõ es m en ta is de D eu s — a rre p e n d e r-se , e sq u e ce r-se , m u d a r de op in ião
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— tam bém com o m etáforas.11 É a diferença entre ver Deus de baixo e vê-lo de cima. Entender de outro m odo é inevitavelm ente, apesar dos protestos do neoteísm o, criar um Deus finito. FONTES Ambrosiaster. “C om m en tary on Paul’s Epistles”, in: Thom as Oden, ed., Ancient Christian Commentary on Scripture: New Testament VII. Anselm . Cur Deus Homo. _____________ . Saint Anselm: Basic Writings. _____________ . Trínity, Incarnation, and Redemption. _____________ . Truth, Freedom, and Evil. Aquinas, Thom as. Summa Theologica. [Edição brasileira: Tomás de Aquino. Suma Teológica: o Mistério da Encarnação (São Paulo: Loyola, 2001).] Arm inius, Jacob. The Writings o f James Arminius. Augustine. The City o f God. [Edição brasileira: Agostinho. A Cidade de Deus (Petrópolis: Vozes, 2000).] _____________ . Confessions. [Edição brasileira: Agostinho. Confissões (São Paulo: Paulus, 1997).] Barr, James. The Semantics o f Biblical Language. Boyd, Gregory. God o f the Possible. Brow n, F., S. Driver, and C. Briggs. Enhanced Brown-Driver-Briggs Hebrew and English Lexicon. Calvin, John. Commentary on Genesis. _____________ . Institutes o f the Christian Religion. [Edição brasileira: João Calvino. As Institutos da Religião Cristã (São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1995).] Chafer, Lewis Sperry. Systematic Theology, Volume I. [Edição brasileira: Teologia Sistemática (São Paulo: Hagnos, 2003).] C harnock, Stephen. The Existence and Attributes o f God. Chase, Ira, trans. The Constitutions o f the Holy Apostles. Chavalas, M ark W. “The Historian, the Believer, and th e Study of th e Supposed Conflict of Faith and Reason”, in: Journal o f the Evangelical Theological Society. C lem ent of Alexandria. “T he In stru cto r”, in: Roberts and Donaldson, The Ante-Nicene Fathers. C lem ent of Rom e. “C lem entine H om ily”, in: Roberts and Donaldson, The Ante-Nicene Fathers. Craig, William. The Only Wise God. Cyprian. “The Epistles of Cyprian, to the People ofThibaris”, in: Roberts and Donaldson, The Ante-Nicene Fathers. Edwards, Jonathan. A Careful and Strict Inquiry Into the Modem Prevailing Notions o f the Freedom o f
mu. _____________ . The Freedom o f the Will. _____________ .Jonathan Edwards: Selections. Gaebelein, Frank E. Expositors Bible Commentary. Geisler, N orm an. “Middle Knowledge”, in: Baker Encyclopedia o f Christian Apologetics.
11A respeito dos antropomorfismos, antropopatismo ou hebraísmos consulte BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. 8. ed., Rio de Janeiro: CPAD, 2008.
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CAPÍTULO
NOVE
A SABEDORIA E A LUZ DE DEUS
S
abedoria e luz são atributos absolutos ou metafísicos de Deus estreitam ente
relacionados. Considerando que Deus é infinitamente sábio, a sabedoria é realm ente o atributo da onissapiência (Deus sendo Todo-sábio). O atributo da luz está relacionado no ponto em que é na sua Luz que vem os a luz. A D E FIN IÇ Ã O D A S A B E D O R IA D E D EU S A palavra hebraica básica para sabedoria é chokam ( chakam); a palavra grega é sophia. Ambas as palavras significam “sabedoria” ou “habilidade”. A sabedoria tem a ver com a habilidade de escolher os meios certos para os fins desejados. O conhecim ento é a apreensão da verdade pela m ente, ao passo que a sabedoria é a aplicação da verdade à vida, com o o livro de Provérbios am plam ente ilustra (ver tam bém Tg 1.5). Considerando que Deus é infinito e sábio, Ele tem de ser infinitam ente sábio: Isto se ch am a onissapiência. Assim aplicada a Deus, a sabedoria se refere à sua habilidade infalível de escolher os m elhores meios para realizar os m elhores fins. C om o tal, a sabedoria de Deus está arraigada em vários outros atributos. A sua onisciência fornece o conhecim ento para as suas escolhas sábias; a sua onibenevolência assegura que elas serão escolhas boas; e a sua onipotência lhe perm ite alcançar os seus fins pelos meios que Ele escolhe. A BA SE B ÍB LIC A PA R A A S A B E D O R IA D E D EU S A fundam entação bíblica para a sabedoria de Deus se acha em que Ele é cham ado sábio, têm palavras sábias, faz ações sábias e é a fonte de toda a verdadeira sabedoria. D eu s É Sábio “E tu, Esdras, con form e a sabedoria do teu Deus, que está na tua m ão, põe regedores e juizes que julguem a todo o p ovo” (Ed 7.25). “C om ele está a sabedoria e a força; conselho e entendim ento te m ” (Jó 12.13). “Seja bendito o nom e de Deus para todo o sempre, porque dele é a sabedoria e a força” (Dn 2.20). “Por isso, diz tam bém a sabedoria de Deus: Profetas e apóstolos lhes m andarei” (Lc 11.49). “Ao único Deus, sábio, seja dada glória por Jesus Cristo para todo o sempre. A m ém !” (R m 16.27). “Mas, para os que são cham ados, tan to judeus co m o gregos, lhes pregam os a Cristo, poder de Deus e sabedoria
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de Deus” (1 Co 1.24). “Mas falamos a sabedoria de Deus, o cu lta em mistério, a qual Deus ordenou antes dos séculos para nossa glória” (1 Co 2.7). “Para que, agora, pela igreja, a m ultiform e sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e potestades nos céus” (Ef 3.10). “[...] A m ém ! Louvor, e glória, e sabedoria, e ações de graças, e honra, e poder, e força ao nosso Deus, para todo o sempre. A m ém !” (Ap 7.12).
As Palavras de Deus São Sábias “A lei do Senhor é perfeita e refrigera a alm a; o; testem unho do Senhor é fiel e dá sabedoria aos símplices” (Sl 19.7). “Os sábios foram envergoáhados, foram espantados e presos; eis que rejeitaram a palavra do Senhor; que sabedoria, pois, teriam ?” (Jr 8.9).
Os Atos de Deus São Sábios “0 Senhor, quão variadas são as tuas obras! Todas as coisas fizeste co m sabedoria; cheia está a terra das tuas riquezas” (Sl 104.24). “O Senhor, co m sabedoria, fundou a terra; preparou os céus co m inteligência” (Pv 3.19). “Ele fez ai terra pelo seu poder; ele estabeleceu o m undo p or sua sabedoria e co m a sua inteligência estendeu os céus” (Jr 10.12). “Q uem é sábio, para que entenda estas coisas? Prudente, para que as saiba? Porque os cam inhos do Senhor são retos, e os justos andarão neles, mas os transgressores neles cairão” (Os 14.9).
Deus É a Fonte de toda Sabedoria “Porque o Senhor dáasabedoria, e dasua boca vem o conhecim ento e o entendim ento” (Pv 2.6). “Depois, disse Faraó a José: Pois que Deus te fez saber tudo isto, ninguém há tão entendido e sábio com o tu ” (Gn 41.39). “E todo o Israel ouviu a sentença que dera o rei e tem eu ao rei, porque viram que havia nele a sabedoria de Deus, para fazer justiça” (1 Rs 3.28). “E deu Deus a Salom ão sabedoria, e muitíssimo entendim ento, e largueza de coração, co m o a areia que está na praia do m a r” (1 Rs 4.29). “Bendito seja o Senhor, Deus de Israel, que fez os céus e a terra; que deu ao rei Davi u m filho sábio, de grande prudência e entendim ento, que edifique casa ao Senhor e para o seu reino” (2 C r 2.12). “0 Deus de m eus pais, eu te louvo e celebro porque m e deste sabedoria e força; e, agora, m e fizeste saber o que te pedimos, porque nos fizeste saber este assunto do rei” (D n 2.23). “Porque ao h om em que é bom diante dele, dá Deus sabedoria, e conhecim ento, e alegria” (Ec 2.26). “E o m enino crescia e se fortalecia em espírito, cheio de sabedoria; e a graça de Deus estava sobre ele” (Lc 2.40). “Não cesso de dar graças a Deus por vós, lem brandom e de vós nas m inhas orações, para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos dê em seu conhecim ento o espírito de sabedoria e de revelação” (E f 1.16,17). “Por esta razão, nós tam bém , desde o dia em que o ouvim os, não cessamos de orar por vós e de pedir que sejais cheios do conhecim ento da sua vontade, em toda a sabedoria e inteligência espiritual” (C l 1.9). “E m quem [Cristo] estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência” (C l 2.3). “E, se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente e não o lança em rosto; e ser-lhe-á dada” (T g 1.5). “[...] Tende por salvação a longanimidade de nosso Senhor, co m o tam bém o nosso am ado irm ão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada” (2 Pe 3.15). Em sum a, visto que Deus é sabedoria, as suas palavras e atos são sábios. A lém disso, Ele é a fonte de toda a verdadeira sabedoria, pois todos os seres que têm sabedoria a receberam dEle que é a sabedoria. O h o m em mais sábio que já viveu orou: “A teu
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servo, pois, dá u m co ração entendido p ara julgar a teu p ovo, para que p ru den tem ente discirna en tre o bem e o m al; porque quem poderia julgar a este teu tão grande povo?” (1 Rs 3.9). A B A SE T E O L Ó G IC A PA R A A S A B E D O R IA D E D E U S Além dos dados bíblicos, há argum entos teológicos sadios a favor da sabedoria de Deus. De fato, eles apóiam a onissapiência, isto é, que Ele tem toda a sabedoria — e é infinitamente sábio. A S ab ed o ria E stá b asead a n a O n isciê n cia Deus é onisciente ou to d o-con h ecedor (ver capítulo 8). O Deus onisciente conhece todos os fins e todos os meios. Além disso, Ele conhece quais destes meios são os mais eficazes para alcançar estes fins. Conclui-se que a onisciência de Deus o capacita a ser sábio, quer dizer, é a condição necessária para a onibenevolência (Deus ser Todo-bom ou T odo-am oroso). Além do mais, a sua onibenevolência garante que Ele escolherá os m elhores meios para os m elhores fins. Por fim, a sua onipotência o capacita a alcançar os seus fins pelos meios que Ele escolhe. A S ab ed o ria E stá b asead a n a O n ib e n e v o lê n cia Deus não só é T odo-conhecedor, Ele tam bém é Todo-bom (ver capítulo 15). A onisciência é som ente a condição necessária para a sabedoria, não a condição suficiente — a onibenevolência tam bém é integrante. A pessoa sábia não só conhece quais são os meios mais eficazes para alcançar quais fins, mas Ele tam bém sabe quais são os melhores meios para o m elh or fim. Por conseguinte, u m Deus que é Todo-conhecedor e Todobom é verdadeiram ente Todo-sábio (onissapiente). A S ab ed o ria E stá b asead a n a O n ip o tê n c ia Para que a onibenevolência de Deus seja operativa, Ele tam bém tem de ser Todopoderoso, pois m esm o que Ele con heça os meios mais eficazes para u m fim (n a sua onisciência) e os m elhores meios p ara os m elhores fins (n a sua onibenevolência), Ele tam bém tem de ser Todo-poderoso para alcançar os seus fins desejados. Im p lica çõ e s da S ab ed o ria de D eu s Duas implicações da sabedoria de Deus são dignas de nota: U m a diz respeito à sua providência e a ou tra à sua relação co m o bom (ou m elhor). A Sabedoria de Deus E a Base para a sua Providência A providência de Deus está baseada em sua sabedoria. A sua providência é a sua superintendência de toda a criação (ver capítulo 24). U m Ser Todo-sábio sabe os m elhores meios para o m elhor fim, e tal Ser é capaz de superintender e prover o m elhor cuidado para toda a sua criação. Portanto, é a sabedoria de Deus que to rn a possível Ele fornecer a superintendência providencial últim a da sua criação e o cuidado por ela.
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A Vontade de Deus Está baseada em sua Sabedoria U m Deus Todo-sábio conhece os m elhores meios para o m elh o r fim para tudo. Os m elhores meios para o m elhor fim para cada criatu ra é a vontade de Deus para essa criatura. Portanto, Deus sabe o m elh or m eio para toda criatu ra alcançar o m elh or fim. Isto é o que se ch am a “vontade de Deus”. Então, a vontade de Deus para cada criatu ra é o que é m elh or para essa criatura (cf. R m 12.1,2; Tg 1.5).
A BASE HISTÓRICA PARA A SABEDORIA DE DEUS O fato de Deus ser Todo-sábio é u m atributo m uito bem confirm ado na história da Igreja. O testem unho a favor da sabedoria de Deus co m eça no período mais antigo.
Os Primeiros Pais da Igreja Falaram sobre a Sabedoria de Deus Os herdeiros imediatos do ensino apostólico estavam cientes da onissapiência de Deus, sem pre falando da sua sabedoria infinita. Inácio (110 d. C.) Eu glorifico a Deus, até Jesus Cristo, que lhe deu tal sabedoria. Porque observo que vós sois aperfeiçoados em uma fé firme, como se vós estivésseis pregados à cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, tanto na carne quanto no espírito, e estivésseis estabelecidos em amor pelo sangue de Cristo, estando plenamente persuadidos com respeito a nosso Deus, que Ele verdadeiramente era da descendência de Davi de acordo com a carne, e o Filho de Deus de acordo com a vontade e poder de Deus. (ES, em Roberts and Donaldson, ANF, 1.86) Inácio acrescentou: “Passai bem n a graça de Deus e de nosso Senhor Jesus Cristo, estando cheio co m o Espírito Santo e co m a sabedoria divina e sagrada” (ibid., 1.92). Justino Mártir (c. 100-c. 165) Orai para que, acima de todas as coisas, as portas da luz possam ser abertas para vós; porque estas coisas não podem ser percebidas ou entendidas por todos, mas só pelo homem para quem Deus e o seu Cristo deram sabedoria. (DT, 7, em ibid., 1.371,1) Teófilo (m. ISO) Os homens de Deus, levando em si o Espírito Santo e tornando-se profetas, estando inspirados e tornados sábios por Deus, foram ensinados por Deus, e santos e justos. Portanto, eles também foram julgados dignos de receber esta recompensa para que se tornem instrumentos de Deus e contenham a sabedoria que vem dEle, por cuja sabedoria eles proferiram o que consideraram a criação do mundo e todas as outras coisas. (TA, 2.9, em ibid., II) Tertuliano (c. 155-c. 225) Como prova de que a palavra grega [arche\ significa nada mais que começar, e que começar não admite outro sentido que o inicial, temos que (Ser) mesmo reconhecendo tal começo, que diz: “O Senhor me possuiu no princípio de seus caminhos e antes de suas obras mais antigas” [Pv 8.22]. Pois visto que todas as coisas foram feitas pela Sabedoria de
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Deus, conclui-se que, quando Deus fez o céu e a terra in principio, ou seja, no princípio, Ele os fez na sua Sabedoria. [...] Porém quando a Sabedoria foi mencionada, estava bastante certo dizer: no princípio. Pois foi na Sabedoria que Ele fez todas as coisas no princípio, porque meditando e organizando os seus planos nisso, na realidade Ele já fizera (a obra da criação ) [...] esta meditação e arranjo sendo a operação primitiva da Sabedoria, abrindo com o abre o cam inho para as obras pelo ato da meditação e pensam ento. (AH, 20, em ibid., III)
Os Pais d a Ig reja M edieval F a la ra m so b re a S ab ed o ria de D eu s C o m o o s s e u s a n t e c e s s o r e s p a tr ís tic o s , o s g r a n d e s m e s t r e s d a I g r e ja d a Id a d e M é d ia f o r a m u n â n im e s s o b r e a o n is s a p iê n c ia d e D e u s . A g o s tin h o lid e r o u o c a m in h o .
Agostinho (354-430) Aqueles que dizem estas coisas ainda não te entendem , ó tu, Sabedoria de Deus, tu, luz das almas. Ainda não entendem com o estas coisas são feitas por ti e em ti. Eles até se esforçam para com preender as coisas eternas; mas até agora o coração foge nos m ovim entos passados e futuros das coisas e ainda está vacilando ( C, 11.11). Em bora sempre seja sábio quando remidos na eternidade, contudo só será sábio participando na Sabedoria im utável que não é a própria alma [...] Se nunca fosse privado da sua luz infusa, ainda não seria idêntica à luz pela qual é iluminada. (CG , XI, p. 10) Anselmo (1033-1109) Mas não se entenderia’ E até m esm o possível conceber da sabedoria suprem a não se entender? Afinal de contas, a m ente racional pode estar consciente de si m esm a e tam bém da sabedoria suprema, e pode pensar inteligivelm ente de ambas. Com o a m ente racional, portanto, o espírito suprem o está consciente de si m esm o e se entende. (A C M W , p. 48) Tomás de Aquino (1225-1274) E impossível Deus desejar qualquer coisa que não o que a sua sabedoria aprova. Ou seja, por assim dizer, a sua lei de justiça em concordância com a qual a sua vontade é reta e justa. Por conseguinte, o que Ele faz de acordo com a sua vontade Ele faz com justiça: com o fazemos com justiça o que fazemos de acordo com a lei. Mas considerando que a lei nos vem de um poder mais alto, Deus é a lei para si m esm o. (ST, la.21,1)
Os Pais d a R e fo rm a F a la ra m so b re a S ab ed o ria de D eu s A c o m p a n h a n d o o s g r a n d e s Pais d a I g r e ja P r im itiv a , o s in te r e s s a d o s e m r e f o r m a r a Ig r e ja C a t ó l i c a R o m a n a n a d o u t r in a d a s a lv a ç ã o m a n t iv e r a m a v isã o ríg id a d a I g r e ja s o b r e a n a t u r e z a de D e u s . Is to in c lu ía a s u a o n is s a p iê n c ia .
Martinho Lutero (1483-1546) Por este meio, [o apóstolo] João não só m ostra que Cristo é Deus e era para sem pre e sempre, desde a eternidade, antes do com eço do m undo e de todas as coisas, mas que Deus não só criou o m undo e todas as criaturas pela Palavra, o seu único gerado Filho e Sabedoria divina, mas tam bém constantem ente, até ao fim do m undo, governa-os e
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sustenta-os por meio dEle; portanto, que o Filho de Deus é o co-criador do céu e da terra com o Pai. Deus, entretanto, não é um Mestre que age como um carpinteiro ou construtor, que, quando prepara, termina e finaliza uma casa, navio, ou seja, qual for o tipo de construção, deixa a casa para o dono viver ou encaminha o navio para os barqueiros e a tripulação velejarem pelo mar, enquanto Ele, o construtor, vai para onde quer que lhe agrade. Isto é o que todos os outros artesãos fazem. Quando terminam o trabalho ou fazem o serviço, eles partem e não prestam mais atenção ao trabalho e produto que fizeram, deixando-o onde quer que estejam. (WL, p. 1.150) João Calvino (1509-1564) Assim que começamos a elevar os nossos pensamentos a Deus e a refletir no tipo de Ser que Ele é, e como é absoluta a perfeição dessa justiça, sabedoria e virtude, à qual, como padrão, estamos ligados para sermos conformados, o que antigamente nos deleitava por sua falsa demonstração de justiça, será poluído com a maior iniqüidade; o que estranhamente nos impunha o nome de sabedoria, repugnará por sua loucura extrema; e o que apresentou o aparecimento da energia virtuosa, será condenado como a impotência mais miserável. (ICR, 1.2.2)
Os Teólogos da Pós-Reforma Falaram sobre a Sabedoria de Deus Os seguidores da R eform a não foram exceção à regra. Há praticam ente u m a tradição irrom pível desde o princípio até os dias atuais sobre a onissapiência de Deus. Só co m o surgim ento e influência da teologia do processo é que houve exceção significativa a isto. Stephen Charnock (1628-1680) Ele não pode, por causa da sua natureza, senão amar aquilo que concorda com a sua natureza, aquilo que é a aspiração curiosa da sua própria sabedoria e pureza: Ele não pode senão se deleitar com uma cópia de si mesmo; Ele não teria uma natureza santa, se não amasse a santidade em toda natureza; a sua própria natureza seria negada por Ele, se Ele não afetasse tudo que tivesse o selo da sua própria natureza. (EAG, 2.122) R. L. Dabney (1820-1898) Ninguém que acredita em Deus jamais lhe negou conhecimento e sabedoria. Sabedoria é o emprego de coisas conhecidas com referência judiciosa aos fins próprios. Agora, Deus é Espírito: mas pensar, saber, escolher são as faculdades dos espíritos. O universo está cheio de idéias bonitas. Estas exibem conhecimento, sabedoria, de igual duração com o agregado do todo. Todas as obras, de Deus revelam as marcas do seu conhecimento, pensamento e sabedoria. Mas estas obras são tão vastas, tão variadas, tão cheias de idéia, que elas nos desvendam um conhecimento praticamente ilimitado. (LST, pp. 47,48) William G. T. Shedd (1820-1894) A sabedoria é um aspecto particular do conhecimento divino. [...] E a inteligência de Deus como se manifesta na adaptação dos meios aos fins. E vista: (1) Na criação. Salmo 19.1-7: “Os céus manifestam a glória de Deus” [v. 1]; Salmo 104.1-34: “O Senhor, quão variadas são as tuas obras! Todas as coisas fizeste com sabedoria; cheia está a terra das tuas
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riquezas” [v. 24]; Jó 38.5: “Quem lhe pôs as medidas, se tu o sabes?” (2) Na providência: Salmo 33.10,11: “O Senhor desfaz o conselho das nações” [v. 10]; Romanos 8.28: “E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem”. (3) Na redenção: 1 Coríntios 2.7: “Mas falamos a sabedoria de Deus, oculta em mistério, a qual Deus ordenou antes dos séculos para nossa glória”; Romanos 11.33: “O profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus!”; Efésios 3.10: “[...] a multiforme sabedoria de Deus”. A sabedoria de Deus é chamada “a loucura de Deus” (1 Co 1.25) para exibir a sua superioridade infinita em relação à sabedoria humana. O mais baixo grau da sabedoria divina, tão baixo quanto a ser chamado loucura em comparação com o mais alto grau [da sabedoria humana], é mais sábio que os homens. (DT, p. 356)
OBJEÇÕES À SABEDORIA DE DEUS Objeção Um: Baseada no Problema do Mal A prim eira objeção à sabedoria infinita de Deus é o problem a do m al. Pode ser declarada deste m odo: (1) U m Deus Todo-sábio (e Todo-poderoso) teria feito o m elh or m undo possível. (2) Este m undo m au não é o m elhor m undo possível (até m esm o u m crim e a m enos tornaria o m undo m elhor). (3) Por conseguinte, este não é o m elhor m undo possível. (4) Portanto, n enh u m Deus Todo-sábio fez este m undo.
Resposta à Objeção Um C om respeito a esta objeção, os teístas podem to m ar u m a de duas opções básicas. Podemos dizer que estas são, respectivam ente: a explicação do mundo m elh or e a explicação do modo m elhor. A Explicação do Mundo Melhor C ertos teístas, com o Agostinho (em On the Nature o f the Good [Sobre a N atureza do Bem ]) e Gottfried W ilhelm Leibniz (1646-1716, em Theodicy), afirm aram que tem os de concordar que este m undo não é o m elh or m undo concebível, mas é o m elh or m od o para o m elhor m undo alcançável. Considere o seguinte raciocínio: (1) O m elh or m undo concebível nem sem pre é o m elh or m undo alcançável. (2) U m Deus Todo-sábio e Todo-poderoso fará o m elhor m undo alcançável. (3) Este m undo foi feito por Deus. (4) Por conseguinte, este é o m elh or m undo alcançável. A premissa crucial a defender é a prim eira. Está baseada no fato de que este é u m m undo livre (u m m undo co m agentes m orais livres). Ainda que seja possível que u m ou mais desses agentes m orais livres em determ inado dia escolhe fazer u m ato m au a m enos, no entanto, visto que eles não escolheram fazer assim, então, em bora u m m undo m elh or seja logicam ente possível, não é realm ente alcançável, visto o que as criaturas livres escolheram fazer.
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Ao que parece, n em todas as condições que sâo concebíveis são alcançáveis co m criaturas livres sem forçar a liberdade delas (ver Plantinga, GE). C om o já previam ente m encionado, a liberdade forçada é u m a contradição de term os. Até u m Deus onipotente não pode fazer o que é contraditório (ver capítulo 7). Por conseguinte, pode ser que este é o m elh or de todos os m undos realizáveis possíveis, em bora não seja o m elh o r m undo alcançável. A Explicação do Modo Melhor O utra opção para os teístas é adm itir que este não é o m elh or m undo possível. Poderia haver m enos m al, e se nos esforçássemos bastante sem forçar a liberdade de quem quer que seja, poderíam os torn á-lo m elh or am anhã. Mas m esm o que aceitem os isso, o resultado dos opositores não é garantido, pois pode não ser o m elh o r de todos os m undos possíveis, m as pode ser o m elh or de todos os modos possíveis para o m elh or de todos os m undos alcançáveis possíveis. Q uer dizer, é logicam ente possível que o m elhor m undo ainda está p o r vir — de fato, é exatam ente o que a Bíblia diz sobre o assunto em consideração (ver Ap 21— 22). Verdadeiramente, o fato que Deus é Todo-sábio e Todo-poderoso garante que este m undo m elhor virá. A lógica do argum ento pode ser declarada deste m odo: (1) Se Deus é Todo-sábio, Ele quer o m elh or m undo alcançável. (2) Se Deus é Todo-poderoso, Ele pode alcançar o que quer. (3) Este não é o m elh or m undo alcançável. (4) Portanto, o m elh or m undo alcançável ainda está por vir. Dado que Deus tam bém é T odo-conhecedor e Todo-bom , conclui-se que Ele conhece os m elhores meios para o m elhor fim. Por conseguinte, este m undo de hoje presente, que não é o m elhor m undo alcançável, deve ser o m elh or m eio p ara o m elh or m undo alcançável. De fato, há muitas coisas na Bíblia e na vida que apóiam que Deus perm ite o m al para alcançar u m bem m aior (G n 50.20; R m 5.3-5; 2 Co 4.17; Tiago 1.2-4). Se não fosse assim, então Deus não o teria perm itido. Em outras palavras, u m Deus Todo-sábio conhece o m elh or m od o para o m elhor m undo. Portanto, Deus deve ter perm itido que este m undo fosse assim (que não é o m elh or m u n do) para produzir o m elh or m undo possível. Portanto, este m undo presente é o m elhor m odo para o m elh or m undo possível.
Objeção Dois: Baseada na Existência do Inferno U m a form a mais intensa desta objeção tam bém requer nossa atenção. Dado que u m Deus T odo-conhecedor, T odo-bom e Todo-sábio faria o m elh or m undo alcançável, p or que, então, alguém estaria no inferno? U m m undo co m ninguém no inferno, ou m esm o co m m enos pessoas no inferno, seria u m m undo m elhor, e o m elh or m undo possível não teria ninguém no inferno. Todavia, de acordo co m a Bíblia, alguns estarão no inferno (M t 25.40,41; Ap 20.11-15). Portanto, conclui-se que Deus não é Todo-sábio.
Resposta à Objeção Dois A resposta aqui aponta u m a diferença crucial en tre o que é logicamente possível e o que é realmente possível. Quer dizer, n em tudo que é logicamente possível é realmente alcançável. Nem
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s e q u e r u m D e u s T o d o - s á b io e T o d o - p o d e r o s o p o d e fa z e r o q u e é r e a l m e n t e im p o s s ív e l, e é r e a l m e n t e im p o s s ív e l f a z e r u m m u n d o e m q u e to d a s as c r ia t u r a s liv re s v ã o p a r a o c é u ,
se alguma dessas criaturas livres escolherem livremente não ir. E c o n t r a d it ó r io f o r ç a r o s a to s liv re s , e D e u s n ã o p o d e f a z e r o q u e é c o n t r a d it ó r io . V iv e m o s e m u m m u n d o v e r d a d e ir a m e n te liv r e ( c f. M t 2 3 .3 7 ; 2 Pe 3 .9 ). P o r t a n t o , o in f e r n o n ã o é o p o s t o a u m D e u s T o d o -s á b io . É d ig n o d e n o t a q u e e s ta s o lu ç ã o d o “l iv r e - a r b í t r i o ” n ã o e s tá a b e r ta a o s u lt r a c a lv in is t a s , q u e n e g a m q u e as c r ia t u r a s caíd as s e ja m v e r d a d e ir a m e n te liv re s . P ara “s o l u c i o n a r ” o p r o b le m a , e le s t ê m d e n e g a r a o n ib e n e v o lê n c ia d e D e u s , p o r q u e u m D e u s T o d o - b o m t e m o d e s e jo d e s a lv a r to d o s . U m D e u s q u e u s a a “g r a ç a ir r e s is tív e l” n o s r e lu ta n te s t e m a c a p a c id a d e d e s a lv a r t o d o s ; p o r t a n t o , to d o s s e r ia m sa lv o s. E m s u m a , v is to q u e os u lt r a c a lv in is t a s n e g a m q u e D e u s s a lv a rá to d o s ( u n iv e r s a l i s m o 1) , e le s t ê m d e n e g a r q u e D e u s s e ja T o d o - b o m e, d e c e r t o m o d o , s a lv a d o r o u s a lv íf k o .
O b je çã o T rês: B asead a n a D is te le o lo g ia 2 n o M u n d o O s n ã o teístas a p o n ta m a sp e cto s d o m u n d o q u e, a in d a q u e n ã o s e ja m m a u s (p e lo m e n o s n o se n tid o m o r a l) , m o s t r a m fa lta de d esíg n io p e rfe ito . C o m o p o d e ria h a v e r u m D e s ig n e r p e r fe ito se a lg o fo i im p e r fe ita m e n te p ro je ta d o ? E les fa z e m re fe rê n c ia à a p a re n te ale a to rie d a d e , d e sp erd ício n a n a tu re z a , d esastres n a tu ra is, ó rg ão s vestigiais3 e a fa lta de d esíg n io m á x im o c o m o p ro v a d a fa lta d e u m D e s ig n e r p e rfe ito . O a r g u m e n to p o d e ser d e cla ra d o assim : ( 1 ) A n a t u r e z a n ã o m o s t r a d e s íg n io p e r fe ito . ( 2 ) U m D e s ig n e r p e r fe it o te r ia p r o d u z id o u m d e s íg n io p e r fe ito . ( 3 ) P o r c o n s e g u in t e , n ã o h á u m D e s ig n e r p e r fe it o d a n a t u r e z a .
R e sp o sta à O b je çã o T rês A s p re m is s a s p o d e m s e r c o n te s ta d a s p e lo s te ís ta s .
Resposta à Premissa Um: Que a Natureza não tem um Desígnio Perfeito O m e l h o r q u e a o b je ç ã o d o d e s íg n io antiperfeito p o d e p r o v a r é q u e h á u m a f a lt a aparente d e d e s íg n io p e r fe it o , e n ã o u m a f a lt a real d e d e s íg n io . M u ita s c o is a s p a r a as q u a is o u t r o r a n ã o h a v ia d e s íg n io c o n h e c id o t ê m - s e s u b s e q ü e n t e m e n t e d e s c o b e r t o q u e h á d e s íg n io : O s m u ito s ó r g ã o s v e stig ia is ( q u e sã o s u p o s to s r e m a n e s c e n t e s d as p r im e ir a s fases d a e v o lu ç ã o ) é u m e x e m p lo . A lis ta d o s ó r g ã o s v e stig ia is c a iu d e c e r c a d e c e m — q u a n d o a id é ia fo i in i c i a l m e n t e p r o p o s t a — p a r a e m t o r n o d e m e ia d ú z ia h o je . E m e s m o e s te s t ê m a lg u m a s f u n ç õ e s c o n h e c id a s .4
1N d o E : “Universalismo —[Do lat. universalitatem + ismo] D outrina segundo a qual Deus, no final dos tempos, reconciliará todos os seres humanos a si, independentemente das obras, méritos e intenções de cada u m ” (Dicionário Teológico, 1998, CPAD, p.283).
2 “Disteleologia” é o estudo da falta de objetivo (ou falta de propósito claro) na natureza. 3 Órgãos
vestigiais são órgãos sem propósito claro. 4 Por exemplo, as amídalas podem ter sido mais importantes em um a fase mais inicial do desenvolvimento do indivíduo, com o, por exem plo, na primeira infância para ajudar no com bate às doenças. O apêndice pode ajudar na digestão ou tam bém ajudar no com bate às doenças. A “terceira pálpebra” ou m embrana nictitante é usada nos seres humanos para coletar o material estranho que entra nos olhos. O assim chamado “rabo” ou cóccix é necessário para o ser hum ano sentar-se com conforto. Hoje se sabe que as glândulas endócrinas são de grande importância com o produtoras de hormônios. Já foi descoberto que o tim o está envolvido na proteção do corpo contra as doenças. O m úsculo do ouvido externo é útil em climas mais frios para proteção contra o congelam ento.
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Muitas outras coisas que parecem não ter propósito foram planejadas para fins bons. Por exem plo, a denom inada m istura fortuita de m oléculas de ar não é sem desígnio, pois se não fosse assim, o gás carbônico que expiram os seria respirado de volta e logo acabaríamos nos sufocando. Q uem vai dizer que não há u m propósito o cu lto para m uitas das outras coisas na natureza que têm u m a aparente falta de desígnio? Resposta à Premissa Dois: Que um Designer Perfeito Teria Produzido um Desígnio Perfeito Não é necessário que tudo feito p o r u m Designer perfeito ten h a u m desígnio m áxim o: U m Designer perfeito não tem de fazer u m projeto m áxim o não mais que M ichelangelo precisou para pintar u m retrato perfeito do seu neto quando só u m esboço bastaria. U m Designer perfeito pode ter tido u m propósito perfeitam ente bom não fazendo u m m undo m axim am ente projetado. Em prim eiro lugar, Ele poderia ter feito assim em antecipação da Queda da hum anidade. O utro exem plo seria que a segunda lei da term odinâm ica (o fato de que o m undo está se desgastando) pode ter estado em operação antes da Queda, em antecipação a ela. Por fim, há a suposição injustificada n a objeção disteleológica de que este m undo é hoje do m od o em que Deus o fez. Não é. A própria Queda colocou a criação em escravidão (G n 3; R m 8). Algum as (se não todas as) faltas de desígnio são resultados da Queda. De qualquer m odo, não há razão para concluir que Deus não é Todo-sábio, só porque não podem os explicar todo exem plo de aparente falta de desígnio. Dada a evidência a favor da inteligência incrível que foi necessária para fazer este m undo, a própria vida e o cérebro h um ano, contendo co m o faz u m a “Biblioteca de Congresso” cheia de inform ação genética (Sagan, C, p. 278), as probabilidades são que não é a inteligência de Deus que está faltando para fazer o desígnio, mas, antes, o nosso entendimento disso.
RESUMO DA SABEDORIA DE DEUS O onissapiência de Deus é a sua capacidade infalível de escolher os m elhores meios para os m elhores fins. Este atributo está arraigado em vários outros: onisciência, onibenevolência e onipotência. C om o onisciente, Deus conhece todos os fins e todos os meios. Além disso, Ele sabe quais destes meios são os mais eficazes para alcançar estes fins. Além do mais, a sua onibenevolência assegura que Ele escolherá os m elhores meios para os m elhores fins. Por fim, a sua onipotência perm ite que Ele alcance os seus fins pelos meios que Ele escolher. Tal onissapiência está firm em ente arraigada n a Bíblia, no raciocínio teológico sadio e nos ensinos dos grandes Pais da Igreja.
DEUS É LUZ A luz é u m dos atributos mais interessantes de Deus. A prim eira vista, parece que é u m a figura de linguagem óbvia, co m o se diz que Deus é u m a “ro ch a”. Porém , sob exam e há mais do que isto: A luz é u m atributo de Deus.
A DEFINIÇÃO DE DEUS COMO LUZ A Bíblia declara que Deus é luz. Isto, entretanto, não significa que Deus é luz física, visto que Deus é p ura luz de espírito (Jo 4.24). Deus fez a luz física (G n 1.3; Is 45.7), p ortan to Ele tem de estar além ou fora dela da m esm a m aneira n a qual Ele fez a m atéria (G n 1.1), mas não é em si m esm o m aterial (ver capítulo 6).
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O que a Bíblia quer dizer por D eus é luz? Em hebraico, as palavras são or (Gesenius, H ELO T, p. 21c): “luz”, “dar lu z”, “luz para fo ra ”, “ilu m in ar”, e rnaor (ibid., p. 22c):
“portad or de lu z”, “corpo lu m in oso”, “lâm pada”. Em grego, as palavras são phos (A rndt, G E LN T , p. 880): “lu z”, “p ortad or de lu z”; “o elem en to e esfera do divino”; “luz, pura e
sim ples”; phosphoros ( “estrela da m an h ã e lum inosa — o que traz lu z ”): “trazendo lu z” ou “dando lu z” (ibid.; cf. 2 Pe 1.19); photeinos: “b rilh an te”, “lu m in o so ”, “radiante” (M t 17.5); photizo ( “dar lu z”): “dar luz a”, “ilu m in a r”, “clarear” (cf. Ap 21.23; 22.5). Em sum a, quando aplicadas a Deus, estas palavras significam que Ele é pu ra luz, o Grande Ilu m inad or — o B rilhante. A BA SE B ÍB LIC A PA R A D E U S C O M O L U Z
Há m uitas dim ensões ao que significa Deus ser luz. Ele é luz espiritual, ele é o Grande Ilum inador, ele é a glória brilhante e ele é o D oador de luz espiritual. D eu s É L u z E sp iritu a l C o m o atributo de Deus, a luz é usada em seu sentido mais puro; Ele é luz espiritual. “Porque tu , Sen h or, és a m in h a candeia; e o S en h o r clareia as m inhas trevas” (2 Sm 22.29). “Senhor, exalta sobre nós a luz do teu ro sto ” (SI 4.6). “O S en h o r é a m in h a luz e a m in h a salvação; a quem tem erei?” (SI 27.1). “Vinde, ó casa de ]acó, e andem os na luz do S e n h o r” (Is 2.5). “Porque a Luz de Israel virá a ser com o fogo, e o seu Santo, com o labareda que abrase e con su m a os seus espinheiros e as suas sarças em u m dia” (Is 10.17). “N unca mais te servirá o sol para luz do dia, n e m co m o seu resplendor a lua te alum iará; mas o S en h or será a tua luz perpétua, e o teu Deus, a tua glória. N unca mais se porá o teu sol, n em a tua lua m inguará, porque o S en h or será a tua luz perpétua, e os dias do teu lu to findarão” (Is 60.19,20). “[...] ainda que eu te n h a caído, levantar-m e-ei; se m o rar nas trevas, o S en h or será a m in h a luz” (M q 7.8). D eu s E o G ra n d e Ilu m in a d o r “E, estando ele ainda a falar, eis que u m a nuvem lum inosa os cobriu. E da nuvem saiu um a voz que dizia: Este é o m eu Filho am ado, em quem m e com prazo; escu tai-o” (M t 17.5). “Eu sou a luz do m undo; quem m e segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida” (Jo 8.12; cf. 9.5; 12.46). “Aquele que tem , ele só, a im ortalidade e habita na luz inacessível; a quem n e n h u m dos hom ens viu n em pode ver; ao qual seja h on ra e poder sem piterno. A m ém !” (1 T m 6.16). “E tem os, m u i firm e, a palavra dos profetas, [...], com o a u m a luz que alum ia em lugar escuro, até que o dia esclareça, e a estrela da alva apareça em vosso coração” (2 Pe 1.19). “E esta é a m ensagem que dele ouvim os e vos anunciam os: que Deus é luz, e não há nele treva n e n h u m a ” (1 Jo 1.5). “Mas, se andarm os na luz, com o ele na luz está, tem os co m u n h ão uns com os outros, e o sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo pecad o” (1 Jo 1.7). “E a cidade não necessita de sol n em de lua, para que nela resplandeçam , porque a glória de D eus a tem alum iado, e o Cordeiro é a sua lâm pada” (Ap 21.23). “E ali não haverá mais noite, e não necessitarão de lâm pada n em de luz do sol, porque o S en h or Deus os alum ia, e reinarão para todo o sem p re” (Ap 22.5).
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A Luz de Deus É a Glória Brilhante A glória de Deus é o brilho externo da sua natureza, e nesta luz é exibida a expressão extern a do caráter interior de Deus. “E o Senhor ia adiante deles, de dia n u m a coluna de nuvem , para os guiar pelo cam inho, e de noite n um a coluna de fogo, para os alumiar, para que cam inhassem de dia e de noite” (Êx 13.21). “Levanta-te, resplandece, porque já vem a tua luz, e a glória do Senhor vai nascendo sobre ti” (Is 60.1).
Deus É o Doador de Luz Espiritual Deus não só é luz n a sua própria essência, mas Ele é a fonte de toda a luz espiritual: Todos que são verdadeiram ente ilum inados são ilum inados p o r Deus. “[...] alum ia os m eus olhos para que eu não ad o rm eça n a m o rte ” (SI 13.3). “Os preceitos do Senhor são retos e alegram o co ração ; o m an d am en to do Senhor é p uro e alum ia os olh os” (SI 19.8). “O S enh or é a m in h a luz e a m in h a salvação; a quem tem erei?” (SI 27.1). “Para lhes abrires os olhos e das trevas os converteres à luz e do poder de Satanás a Deus, a fim de que recebam a rem issão dos pecados e sorte en tre os santificados pela fé em m im ” (A t 26.18). “[...] o deus deste século cegou os entendim entos dos incrédulos, para que não lhes resplandeça a luz do evangelho da glória de C risto, que é a im agem de D eus” (2 Co 4.4). Em sum a, Deus é luz espiritual por sua própria natureza. A resplandecência desta natureza, cham ada a glória de Deus, tam bém é descrita co m o luz. Sendo a Fonte de toda a luz, Deus tam bém dá luz (ilum inação) para as suas criaturas: Nós vem os a luz na sua luz.
A BASE TEOLÓGICA PARA DEUS COMO LUZ Há dois atributos principais dos quais se deriva o atributo de luz de Deus. O prim eiro é a pura realidade e o segundo é a onisciência.
A Luz Pode Ser derivada da Pura Realidade Considerando que a Bíblia declara que “Deus é luz”, este atributo é da sua própria essência. Mas a essência de Deus é pura realidade; de fato, da p ura realidade podem ser derivados os outros atributos metafísicos essenciais de Deus. Por conseguinte, Deus co m o luz pode ser derivado da sua p ura realidade.
A Luz Pode Ser derivada da Onisciência U m a das características da luz de Deus é a capacidade de ilum inar. Esta ilum inação é u m ato do intelecto por parte da ilum inação e do ilum inado. Portanto, o atributo de Deus da luz se baseia na sua onisciência que perm ite que Ele ilum ine outras m entes.
A BASE HISTÓRICA PARA DEUS COMO LUZ Os grandes mestres e confissões da Igreja Cristã, ao longo dos séculos, se referem a Deus co m o luz. Isto com eçou desde os primeiros tem pos e continua até hoje.
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Os P rim eiro s Pais d a Ig re ja F a la ra m so b re D eu s c o m o L u z D eus é luz é u m n o m e d a d o a D e u s p e la s S a g ra d a s E s c r it u r a s . F u n d a m e n t a d o n a B íb lia , f o i c o n t in u a d o p e lo s p r im e ir o s Pais e c o n f ir m a d o p e lo s q u e os s e g u ir a m . Justin o M ártir (c. 100-c. 165) D e fa to , as coisas que v o cê faz ab e rtam en te e c o m aplauso, co m o se a luz d ivina estivesse tra n sto rn a d a e exting u id a, estes qu e tu co lo cas sobre nós; os quais, n a verdade, não nos cau sam dano qu e evitam fazer tal coisa, m as só para esses que os fazem e dão falsos te ste m u n h o s co n tra nós. (FA , 27, em R o b erts and D o n ald so n , A N F, I) Irineu (c. 125-c. 2 0 2 ) M as visto que D eu s é tod o m e n te , to d o razão, to d o esp írito ativo, to d o luz e sem p re existe u m e o m e sm o , c o m o é ben éfico p ara nós p en sarm o s em D eus, e co m o ap rend em os e m relação a Ele das E scritu ras, tais sen tim en to s e divisões [de op eração] n ão p o d em ser ad equ ad am ente designados a Ele. (A H , 2.28.4, em ibid., I) A tenágoras ÇSéculo I I ) P o rta n to , que n ão so m o s ateus, visto que re c o n h e ce m o s u m D eu s in criad o, e tern o , invisível, im passível, in co m p reen sív el, ilim itáv el, que é apreendido só p elo en te n d im e n to e p ela razão, que é cercad o p o r luz, beleza, espírito e p o d er inefável, p o r q u em o u n iverso foi criado p elo seu Logos, co lo cad o em o rd em e m an tid o em existên cia — d em o n strei su ficien tem en te. (W A, 10, em ibid., II) M arcos M inúcio Félix (m. c. 2 5 0 d. C .) Ele ord en a tu d o, seja o qu e for, p o r u m a palavra; o rg aniza-o p ela sua sabedoria; a p erfeiço a-o pelo seu poder. E le n ão pode ser visto — Ele é m ais lu m in o so qu e a luz; n e m pode ser en ten d id o — Ele é m ais p u ro que o to q u e; n e m avaliado; Ele é m aio r que todas as p ercep ções; in fin ito , im en so e quão gran de é co n h ecid o so m e n te a Ele. ( 0 , 18, e m ibid., IV ) Orígenes (c. 185-c. 2 5 4 ) Visto que Ele é cham ado o Filho do (seu) am or, vai aparecer absurdo se deste m od o Ele for cham ado o Filho da (sua) vontade. Não som en te isso, mais João tam b ém indica que ‘D e u s é lu z” [1 Jo 1.5], e Paulo tam b ém declara que o Filho é o esplendor da luz perpétua. C o m o a luz, n u n ca poderia existir sem esplendor, assim tam bém se entende que o Filho não pode existir sem o Pai; porque Ele é cham ado a “expressa im agem da sua pessoa” [Hb 1.3], e a Palavra e a Sabedoria. (DF, 4.1.28, em ibid.) Agora, gostaria de perguntar a estas pessoas o que elas têm a dizer co m relação à passagem em que é declarado que Deus é luz, co m o João escreve na sua epístola: “[...] Deus é luz, não há nele treva n e n h u m a ” [1 Jo 1.5], Verdadeiram ente Ele é a luz que ilu m ina todo o entendim ento dos que podem receber a verdade, co m o diz o Salm o 36.9: “[...] na tua luz verem os a lu z”. Pois que outra luz de Deus pode ser nom eada, “na qual qualquer u m vê a luz”, salvo u m a influência de Deus, pela qual o h o m em , sendo ilum inado, vê a verdade de todas as coisas com pletam en te, ou vem a co n h ecer o próprio Deus, quem é cham ado à verdade? (DP, 1.1.1, em ibid.)
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Os Pais da Igreja Medieval Falaram sobre Deus como Luz Deus co m o luz se tornou tem a significativo nos escritos dos Pais da Igreja n a Idade Média. Isto é evidente nos escritos de praticam ente todos os principais mestres deste período. Agostinho (354-430) Aqueles que dizem estas coisas ainda não te entendem, ó tu, Sabedoria de Deus, tu, luz das almas, ainda não entendem como estas coisas são feitas por ti e em ti. Eles até se esforçam para compreender as coisas eternas, mas até agora o coração foge nos movimentos passados e futuros das coisas e ainda está vacilando. (C, 11.11) Anselmo (1033-1109) Verdadeiramente, Senhor, esta é a luz inacessível na qual tu habitas. Pois verdadeiramente não há nada mais que possa penetrar através dela de forma que possa te descobrir lá. Verdadeiramente, não vejo esta luz visto que é muito para mim; e tudo que vejo, vejo por meio dela, da mesma maneira que os olhos que são fracos vêem o que vêem pela luz do sol, que não podem olhar ao próprio sol. A minha compreensão não é capaz [de atingir] a isso [a luz]. Brilha muito e [minha compreensão] não a entende nem o olho de minha alma se permite ser voltado muito tempo para isto. E deslumbrante pelo seu esplendor, superada por sua abundância, subjugada por sua imensidade, confundida por sua extensão. A luz suprema e inacessível; ó verdade inteira e bem-aventurada, como tu estás distante de mim que estou tão perto de ti! Como tu estás distante da minha visão enquanto eu estou tão presente na tua visão! (ACMW, p. 96, 97) Tomás de Aquino (1225-1274) “Visto que Deus é form a absoluta, ou, mais exatam ente, ser absoluto, de form a algum a Ele pode ser com posto. Hilário insinua este argum ento, quando diz (De Trin., vii): Deus, que é força, não é form ado de coisas que são fracas; n em Ele é aquele que é luz, com posto de coisas que são escuras” (ST, la.3,7). “Deste m od o, Dionísio (Cael. Hier., i) expõe o assunto, que toda procedência da m anifestação divina nos vem do m ovim ento do Pai das luzes” (ST, la.9, 1, ad. 2). Aqui, observemos prim eiram ente que, de acordo co m Agostinho e m uitos outros, luz é mais corretam en te dita de coisas espirituais do que de coisas concretas. Ambrósio (339-397), p orém , pensava que o brilho se disse m etaforicam ente acerca de Deus. “Este não é u m assunto'im portante, pois seja de que form a que o n om e ‘luz’ seja usado, insinua um a manifestação, quer essa manifestação diga respeito a coisas inteligíveis, quer sensatas”. (Tom ás de Aquino, CGJ, I, discurso 3)
Os Pais da Reforma Falaram sobre Deus como Luz O atributo da luz de Deus brilha nos Reform adores co m o tam bém nos seus seguidores até chegar ao m undo m oderno. Lutero e Calvino recon h eceram este atributo de Deus. Mortinho Lutero (1483-1546) “A grande ingratidão e desprezo da Palavra de Deus e a m á intenção do m undo m e fazem tem er que a luz divina logo deixará de brilhar no h om em , pois a Palavra de Deus
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sem pre tem o seu curso c e rto ” ( T T , p. 11). “A Palavra de Deus é u m a luz que brilha em lugar escuro; com o m o stram todos os exem plos de fé” (ibid., p. 39). A lém disso: A que o b jetiv o nós pobres m iseráveis apontam os? N ós que até agora n ão p o d em os co m p re en d e r co m a nossa fé as m ais m in ú scu las faíscas das prom essas de D eus, o resp len d or d esnu do dos seus m a n d a m en to s e obras, [...] p re su n ço sa m en te b u scam os en te n d er a m a jesta d e in co m p reen sív el da lu z in co m p reen sív el das m aravilh as de D eus. (ibid., p. 56)
A lém do mais: T em o s de saber qu e E le h ab ita em luz p ara a qual as criatu ras h u m an as n ão p o d em ir, e m esm o assim co n tin u am o s e te n ta m o s alcan çá-la. [...] O lh am o s, c o m olh o s cegos co m o u m a v erru g a, a m a jestad e de D eu s, e depois dessa luz qu e n ão é m o strad a em palavras n e m em m ilagres, m as só significada; p o r cu riosid ade e in ten cio n alid ad e veríam o s a m ais su blim e e m a io r lu z do sol celestial antes qu e v ejam o s a estrela da m a n h ã . B rilh e a estrela da m a n h ã , c o m o Pedro diz, e n tre p rim eiro em nosso co ra çã o p ara en tã o v erm o s o sol n o esp len d o r do m eio -d ia. (ibid., p. 56, 57)
João Calvino (1509-1564) “Conclui-se, por conseguinte, que som os cegos quanto à luz de Deus, até que Cristo brilhe sobre n ós” (EH, p. 34). Os T e ó lo g o s d a P ó s-R e fo rm a F a la ra m so b re D eu s c o m o L u z Depois da R eform a, o conceito de D eus co m o luz continu ou . M uitos teólogos m odernos de destaque deram prosseguim ento a este tem a; algum as citações seletas confirm am a observação. Stephen Charnock (1628-1680) ]Não p o d em o s te r u m a co n cep ção adequada ou satisfatória de D eu s. E le m o ra n a luz inacessível; inacessível à perspicácia de nossa fantasia, c o m o ta m b é m à fraqu eza de nossos sentidos. Se pu déssem os te r os seus p en sam en to s, tão altos e ex ce len te s q u an to à sua n a tu rez a , as nossas co n cep ções teriam de ser tão in finitas q u an to à sua n atu reza. ( E A G , 1.196) C o nsid eran d o que D eu s co n h e ce o tem p o , Ele co n h e ce todas as coisas co m o elas estão n o tem p o ; Ele n ã o co n h e ce todas as coisas serem im ed iatam en te, em b o ra E le saiba ao m esm o te m p o o que é, foi e será. [...] E le é a sua p ró p ria luz p ela qual vê, o seu p ró p rio esp elh o n o qual E le vê; ven d o-se, E le vê todas as coisas, (ibid., 1.285)
Jonathan Edwards (1703-1758) Deus é o doador da luz, pois [...] os h o m e n s em co nd ição n a tu ra l p o d em te r convicções da cu lp a que estão sobre eles e da ira de D eu s, e o perig o qu e co rre m da v ing an ça divina. Tais co n vicçõ es são da luz da
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A u g u s tin e . The City o f God. [E d iç a o b r a s ile ir a : A g o s tin h o . A C idade de D eus (P e tr ó p o lis : V o z e s, 2 0 0 0 ).] _______________ . Confessions. [E d iç ã o b r a s ile ir a : A g o s tin h o . Confissões ( S ã o P a u lo : P a u lu s, 1997).] _______________ . “O n t h e N a t u r e o f t h e G o o d ” , in : Sch afF , The N icen e and P ost-N icen e Fathers. C a lv in , J o h n . C alv in s N ew Testament Commentaries. _______________ . Epistle to the Hebrews. _______________ . Institutes oj the Christian Religw n. [E d iç ã o b r a s ile ir a : J o ã o C a lv in o . A í Institutas da R elig ião C ristã ( S ã o P a u lo : C a s a E d ito r a P r e s b ite r ia n a , 1995).] C a n e d a y , A r d e i B . “P u t t in g G o d a t R is k : A C r it iq u e o f J o h n S a n d e r s ’ V ie w s o f P r o v id e n c e ” , in : Trinity Journal. C h a r n o c k , S t e p h e n . The Existetice and Attrihutes o f God. C l e m e n t o f A le x a n d r ia . “W h o Is t h e R ic h M a n ? ” , in : R o b e r ts a n d D o n a ld s o n , The A n teN icen e Fathers. D a b n e y , R o b e r t L. Lectures on System atic Theology. E d w a rd s, J o n a t h a n . The Works oj Jonathan Edwards. G e s e n iu s , W illia m . H ebrew and English Lexicon o f the Old Testament. E d w a rd R o b in s o n , tr a n s . Ig n a tiu s . “E p is tle o f t h e S m y r n a e a n s ” , in : R o b e r ts a n d D o n a ld s o n , The A n te-N icen e Fathers. Ir e n a e u s . “A g a in s t H e r e s ie s ” , in : R o b e r ts a n d D o n a ld s o n , The A n te-N icen e Fathers. J u s t in M a r ty r . “D ia lo g u e W ith T r y p h o ” , in : R o b e r ts a n d D o n a ld s o n , The A n te-N icen e Fathers. _______________ . “F irs t A p o lo g y ” , in : R o b e r ts a n d D o n a ld s o n , The A n te-N icen e Fathers. L e ib n iz , G o t t f r ie d . Theodicy. L u t h e r , M a r t in . T able Talks. _______________ . The Works o f Luther. M a r k M in u c iu s F e lix . “O c t a v iu s ” , in : R o b e r ts a n d D o n a ld s o n , The A n te-N icen e Fathers. O r ig e n . “D e P rin áp iis” , in : R o b e r t s a n d D o n a ld s o n , The A n te-N icen e Fathers. P la n tin g a , A lv in . G od and Evil. R o b e r ts , A le x a n d e r , a n d Ja m e s D o n a ld s o n . The A n te-N icen e Fathers. S a g a n , C a r l. Brocas Brain. _______________ . Cosmos. [E d iç ã o b r a s ile ir a : Cosmos ( R io d e J a n e ir o : F r a n c is c o A lv e s, 1989).] S h e d d , W illia m G . T . D ogm atic Theology. T e r t u l l ia n . “A g a in s t H e r m o g e n e s ” , in : R o b e r ts a n d D o n a ld s o n , T he A n te-N icen e Fathers. T h e o p h ilu s . “T h e o p h ilu s t o A u t o ly c u s ” , in R o b e r ts a n d D o n a ld s o n , The A n te-N icen e Fathers.
CAPÍTULO
DEZ
A MAJESTADE, A BELEZA E A INEFABILIDADE DE DEUS
B
eleza e m ajestade são atributos absolutos de D eus estreitam ente relacionados. A sua beleza é parte da sua m ajestade, e a sua m ajestade é constitu íd a em parte pela sua beleza inexprim ível. Am bos os atributos, ju n to com a sua infinidade e transcendência, são a razão para a sua inefabilidade (ver m ais adiante), significando que Ele vai m u ito além de nossa capacidade finita de com preend er ou expressar. D E FIN IÇ Ã O D A M A JEST A D E D E D E U S M uitas palavras hebraicas representam o conceito de “m ajestad e” ou “m ajesto so ”.1A gam a de significados das frases nas quais elas são usadas inclui “m ajestad e”, “excelência”, “exaltação”, “esplendor”, “em in ên cia” e “glória”. Duas palavras gregas megaleiotes e megalosune têm o significado de “esplendor”, “m agnificência”, “grandeza” e “m ajestad e”. O uso d om inante destas palavras diz respeito a Deus, em bo ra às vezes sejam usadas em referência às criaturas. Pelo m odo em que as palavras co m o sentido de m ajestade são usadas acerca de Deus, podem os fo rm u lar um a definição. A m ajestade de Deus consiste na grandeza insuperável, em in ência altíssima, exaltação inigualável e glória incom parável. A BA SE B ÍB LIC A PA RA A M A JEST A D E D E D EU S Na Bíblia, a m ajestade está associada com a h on ra e força de Deus (1 Cr 16.27); grandeza, poder, glória e vitória (1 Cr 29.11); voz tro vejan te (Jó 37.4); esplendor dourado e qualidade de ser tem eroso (Jó 37.22); voz poderosa (SI 29.4); fo rça e glória (SI 45.3); verdade, hum ildade e retidão (SI 45.4); força, estabilidade e soberania (SI 93.1); honra, força e beleza (SI 96.6); esplendor e m ajestade (SI 104.1); esplendor glorioso e obras m aravilhosas (SI 145.5); atos poderosos e glória (SI 145.12); terro r e glória (Is 2.19-21); 1As palavras hebraicas que significam “m ajestoso” são gaavah (derivada degaah: “m ajestade”, “orgulho”, “levantar-se”, “ser exaltado”, “altam ente”); gaon ( “exaltação”, “eminência”, “excelente”, “glória”, “pom pa”, “majestoso”, “orgulho”); gueth ( “majestade”, “excelente”, “orgulhoso”); gedullah ( “grandeza”, “dignidade”, “majestade”); hadar ( “honra”, “esplendor”, “dignidade”, “majestoso”, “majestade”, “ornam ento”); hod ( “esplendor”, “majestade”, “beleza”, “glória”, “honra”, “cor natural”, “vigor”); seeth ( “exaltação”, “dignidade”, “alta posição”, “elevado”, “majestoso”, “aum entos”); adar ( “largo”, “grande”, “glorioso”, “majestoso”); e addir (“majestoso”, “glorioso”, “magnificente”, “m estre”, “grandioso”, “poderoso”, “im ponente”).
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juízo e glória (Is 24.14,15); justiça e retidão (Is 26.10); beleza, estabilidade e graça (Is 33.20,21); força e grandeza (Mq 5.4); m aravilha e assombro (Lc 9.43); brilho de glória e expressa im agem (Hb 1.3); trono do céu (Hb 8.1); transfiguração do seu Filho (2 Pe 1.16); e sabedoria, glória, dom ínio e poder (Jd 25). A resposta apropriada para a m ajestade de Deus é inform ativa do seu significado e significação. As Escrituras d eclaram que Deus deve ser trem en d am en te louvado pela sua grandeza: “G rande é o S enh or e m ui digno de lou vor na cidade do nosso Deus, no seu m o n te san to ” (SI 48.1). Ele deve ser repetidam ente bendito pela sua bem -aven tu ran ça: “Bendize, ó m in h a alm a, ao Senhor! Senhor, Deus m eu , tu és magnificentíssim o; estás vestido de glória e de m ajestade” (SI 104.1). Deus sem pre deve ser reverenciado pela sua qualidade de tem eroso: “O Senhor, Senhor nosso, quão adm irável é o teu n om e em tod a a terra, pois puseste a tu a glória sobre os céu s!” (SI 8.1). E a Ele deve ser dada a mais elevada h o n ra pela sua honorabilidade: “Digno és, Senhor, de receber glória, e h onra, e poder, porque tu criaste todas as coisas, e p o r tua vontade são e foram criadas” (Ap 4.11). Isaías pincelou u m quadro incrível da majestade e beleza régia de Deus e exemplifica a reação apropriada à cena: No ano em que morreu o rei Uzias, eu vi ao Senhor assentado sobre um alto e sublime trono; e o seu séquito enchia o templo. Os serafins estavam acima dele; cada um tinha seis asas: com duas cobriam o rosto, e com duas cobriam os pés, e com duas voavam. E clamavam uns para os outros, dizendo: Santo, Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória. E os umbrais das portas se moveram com a voz do que clamava, e a casa se encheu de fum aja. Então, disse eu: ai de mim, que vou perecendo! Porque eu sou um homem de lábios impuros e habito no meio de um povo de impuros lábios; e os meus olhos viram o rei, o Senhor dos Exércitos! (Is 6.1-5)
A BASE TEOLÓGICA PARA A MAJESTADE DE DEUS A majestade de Deus está arraigada ou associada co m vários outros atributos. Entre eles estão: a infinidade, a transcendência e a beleza.
A Majestade se Segue da Infinidade A infinidade de Deus é o pano de fundo da sua majestade. C om o a majestade do m on te McKinley2, é porque Deus é tão grande que Ele é m ajestoso. Nós nos levantamos em tem o r porque Ele é tão tem eroso. A majestade está arraigada na infinidade.
A Majestade se Segue da Transcendência Sem elhantem ente, o fato que Deus transcende (está acim a e além de) toda a criação tem o m ajestoso poder de atração. Se Deus tivesse dois m etros e m eio de altura, Ele não causaria o tipo de respeito que causa. Na realidade, se as estrelas estivessem apenas a alguns m etros de distância, não ficaríamos espantados co m o universo.
2 N do T : O m onte McKinley, tam bém conhecido por Denali, localiza-se no Alasca, Estados Unidos, e é a m ontanha mais alta da América do Norte, com seus 6.194 m etros de altitude.
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A M ajestad e E stá asso cia d a c o m a B e le z a N em todas as coisas bonitas são m ajestosas, mas toda m ajestade tem beleza — e a m ajestade de Deus tem beleza incrível. U m ser m ajestoso feio é u m oxím oro; a beleza é um a característica essencial da m ajestade. Coisas grandes e bonitas têm m ajestade, e o D eus im pressionante do universo é grande e bonito em grau infinito. A B A SE H IS T Ó R IC A PA R A A M A JEST A D E D E D E U S O atribu to da m ajestade de Deus é confirm ado pelos grandes m estres da Igreja, com eçand o desde os tem pos mais antigos. A presento u m breve resum o dos seus com entários. Os P rim eiro s Pais d a Ig re ja F a la ra m so b re a M ajestad e de D eus Os prim eiros Pais da Ig reja usaram term os diferentes para descrever a m ajestade, mas m esm o assim ela foi reconhecida. Irineu (c. 125-c. 202) E próprio, en tão, que eu co m ece co m o prim eiro e m ais im p o rtan te tópico, isto é, Deus C riador que fez o céu e a terra e todas as coisas que neles há, [...] visto que Ele é o ú n ico Deus, o ú n ico Se n h o r, o ú n ico Criador, o ú n ico Pai, o ún ico que co n tém todas as coisas e Ele que ordena todas as coisas à existência. ( A H , 2.1.1, em R oberts and D onald son , A N F , I) Se, entretan to, não descobrim os a causa de todas essas coisas que se to rn am objetos de investigação, que reflitam os que o h o m em é infinitam en te inferior a Deus; que ele só recebeu em parte graça e que ainda não é igual ou sem elhan te ao Criador. (A H , 2.25.3, em ibid.)
T eóflo (m. 180) D eus, pela sua próp ria palavra e sabedoria, fez todas as coisas; pois pela “palavra do S e n h o r fo ra m feitos os céus; e tod o o ex ército deles, p elo espírito da sua b o ca” [SI 33.6], Mais e x ce le n te é a sua sabedoria. Pela sua sabedoria D eu s fu n d o u a terra; pelo c o n h e c im e n to Ele p rep arou os céus; e p elo en te n d im e n to fo ra m as fon tes do gran de abism o fragm en tadas, e as n u v en s d esp ejaram os seus orvalhos. (TA , p. 67, e m ibid., II)
Atenágoras (Século II)
“[Deus] o prim eiro e [...] o ú ltim o, e fo ra de m im não há D eu s” [Is 44.6], D a m esm a form a: “[...] antes de m im deus n e n h u m [houve], e depois de m im n e n h u m haverá. Eu, eu sou [Deus], e fora de m im não há [outro]” [Is 43.10,11]. E sobre a sua grandeza: “O céu é o m eu tro n o, e a terra, o escabelo dos m eus pés. Q ue casa m e edificaríeis vós? E que lugar seria o do m eu descanso?” [Is 66.1] (W A , 9, em ibid., II). Os Pais d a Ig re ja M ed ieval F a la ra m so b re a M a jestad e de D eu s Agostinho (354-430) Q u e o S e n h o r, p o rta n to , te co n so le, qu e tu possas ver as boas coisas de Jeru salé m (SI 128.5). Pois boas são estas coisas. Por que são? Porque são perpétu as. Por que são? Porque o Rei está ali, o ELI SO U O Q.UE SO U (Ê x 3.14). (.EP, C IX , 20, em Przyw ara, A S, p. 90) Todas as coisas que Ele fez são boas, p o rq u e elas fo ra m feitas p o r Ele, m as elas estão su jeitas à
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mudança, porque não foram feitas dEle, mas do nada. Embora não sejam supremamente boas, visto que Deus é o maior bem do que elas, estas coisas são mutáveis, nada menos, altamente boas por causa da sua capacidade de união com [Deus] (CG, 12.1). Anselmo (1033-1109)
Tu penetras e abarcas todas as coisas. Tu és antes e estás além de todas as coisas. Claro que tu és antes de todas as coisas, visto que, antes que viessem à existência, tu já és. Mas com o tu estás além de todas as coisas? Pois de que m odo tu estás além dessas coisas que n unca terão fim? [...] É porque de n en h u m a m aneira estas coisas podem existir sem ti, em bora tu não existas quanto m enos se elas voltarem à inexistência? Pois deste m odo, de certo m odo, tu estás além delas. Ou tam bém é que podem os pensar que elas têm u m fim, enquanto que tu não podes de form a alguma? Pois deste m odo, de certo m odo, elas têm u m fim, mas tu não fazes em qualquer sentido. E seguram ente aquilo que não tem fim de form a algum a está além daquilo que chega a u m fim de algum m odo. (A C M W , p. 99) Tomás de Aquino (1225-1274) “Pois este tipo de sacrifício [holocausto] era oferecido especialmente a Deus para m o strar reverência à sua majestade, e am or da sua bondade. Tipificava o estado de perfeição no que tange ao cu m p rim ento das suas deliberações” (ST, la2ae. 102-103 ad 8). “Portanto, a prim eira distinção em questões de fé é que algo diz respeito à majestade da divindade, enquanto que outros dizem respeito ao mistério da n atu reza hum ana de Cristo, que é o mistério da piedade (1 T m 3 .1 6 )” (ibid., 2a2ae.l.8). “Toda excelência divina está inclusa na sua majestade: a qual concerne que sejamos feitos felizes nEle co m o no soberano bem ” (ibid., 2a2ae.84.1 ad 2).
Os Pais da Reforma Falaram sobre a Majestade de Deus Martinho Lutero (1483-1546) O nosso Deus está fora, em baixo e em cima de toda criatura. Mas não podemos nos reconciliar a este pensamento. [...] Deus, então, está fora de tudo que existe, porque Ele diz: “O céu é o meu trono”. Portanto, Ele tem de se estender muito longe do céu. “E a terra, o escabelo dos meus pés” (Is 66.1). Portanto, Ele também tem de estar no mundo inteiro. “Aquele [...] que subiu acima de todos os céus, para cumprir todas as coisas” (Ef 4.10). [...] Portanto, disse certo filósofo: Deus é um Círculo, o centro do qual está em todos os lugares e a circunferência em nenhuma parte. ( WLS, p. 544) João Calvino (1509-1564) [Deus] está muito além do alcance de mudança ou corrupção, [...] Ele mantém o universo inteiro no seu domínio, e o governa pelo seu poder. Portanto, o efeito das expressões é o mesmo que tivesse sido dito que Ele é de majestade infinita, essência incompreensível, poder ilimitado e duração eterna. (ICR, 3.20.40)
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“Não farás para ti imagem de escultura, nem alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra” (Ex 20.4). Por estas palavras, Ele restringe toda tentativa licenciosa de representá-lo por forma visível, e resumidamente enumerar todas as formas pelas quais a superstição começara, há muito tempo, para transformar a sua verdade em mentira. [...] Mas Deus não faz comparação entre imagens, como se um fosse mais e outro fosse menos próprio. Ele rejeita, sem exceção, todas as formas, quadros e outros símbolos pelos quais os supersticiosos imaginam que possam trazê-lo perto de si. (ibid., la.11.1)
Os Pais d a P ó s-R e fo rm a F a la ra m so b re a M ajestad e de D eu s Logo após a Reform a, houve u m coro antifônico de louvores a Deus p o r sua majestade. Isto com eça co m Jacob Arminius e reverbera até aos dias de hoje. Ja có Armínio (1560-1609) Esta Perfeição de Deus excede infinitamente a perfeição de todas as criaturas, em uma narrativa em três partes. Pois possui todas as coisas de modo muito perfeito, e não as deriva de outro. Mas a perfeição que as criaturas possuem, elas derivam de Deus, e está tenuamente sombreado segundo o seu arquétipo. (W JA , 1.136) Jonathan Edwards (1703-1758) Ele é um ser de infinita grandeza, majestade e glória; e, portanto, Ele é infinitamente honrável. Ele está infinitamente exaltado acima dos maiores potentados da terra e dos mais altos anjos no céu; e, portanto, Ele é infinitamente mais honrável que eles. A sua autoridade sobre nós é infinita; e a base do seu direito para a nossa obediência, e temos dependência absoluta, universal e infinita nEle. ( WJE , I, p. 669) J. I. Paáer Quando a palavra majestade é aplicada a Deus, declara-lhe sua grandeza e convidanos à adoração. [...] Ele está m uito acima de nós em grandeza e, portanto, deve ser adorado. Nossos pensamentos a respeito de Deus não são suficientemente grandes; deixamos de reconhecer a realidade de seu poder e sabedoria ilimitados. Como somos finitos e fracos, pensamos que, em alguns pontos, Deus também o seja, e achamos difícil crer de modo diferente. Pensamos em um Deus muito semelhante a nós. Corrija este engano, diz Deus; aprenda a reconhecer a majestade total de nosso incomparável Deus e Salvador. ( KG , p. 83,88) A B E L E Z A D E D EU S C om o vimos, a beleza de Deus está estreitam ente associada co m a sua majestade. De fato, a beleza é u m elem ento essencial da majestade, em bora seja u m atributo de Deus por seu próprio direito.
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DEFINIÇÃO DA BELEZA D E DEUS Muitas palavras hebraicas3 e gregas4 transm item a idéia de beleza. Entre a gam a de significados tem os “bonito”, “b o m ”, “agradável”, “esplendoroso”, “aprazível”, “delicioso” e “adorável”. A essência da beleza é: aquilo que está sendo percebido agrada. Sendo aplicado a Deus, a beleza é o atributo essencial da bondade que produz no observador u m sentim ento avassalador de prazer.
A BASE BÍBLICA PARA A BELEZA DE DEUS A beleza é usada de vários modos em relação a Deus. A Bíblia fala que a santidade, a realeza, o Templo e a cidade (Sião) de Deus são bonitos. “Dai ao Senhor a glória de seu nom e; trazei presentes e vinde perante ele; adorai ao Senhor na beleza da sua santidade” (1 C r 16.29; cf. SI 96.9). “E aconselhou-se co m o povo e ordenou cantores para o Senhor, que louvassem a majestade [beleza] santa” (2 C r 20.21). “Dai ao Senhor a glória devida ao seu nom e; adorai o Senhor na beleza da sua santidade” (SI 29.2). “Os teus olhos verão o Rei na sua form osura e verão a terra que está longe” (Is 33.17). A beleza de Deus se manifesta no seu Templo: “Glória e majestade estão ante a sua face; força e form osura, no seu santuário” (SI 96.6). “U m a coisa pedi ao Senhor e a buscarei: que possa m o rar na Casa do Senhor todos os dias da m inha vida, para contem plar a form osura do Senhor e aprender no seu tem plo” (SI 27.4). “Orna-te, pois, de excelência e alteza; e veste-te de majestade e de glória” (Jó 40.10). “Adorai ao Senhor na beleza da santidade; trem ei diante dele todos os m oradores da terra” (SI 96.9). Deus não só é bonito, mas Ele dá beleza à sua criação: “E correu a tua fam a entre as nações, p o r causa da tua form osura, pois era perfeita, por causa da m inha glória que eu tinha posto sobre ti, diz o Senhor Jeová” (Ez 16.14). “Tudo fez form oso em seu tem p o ” (Ec 3.11). “E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era m uito b o m ” (G n 1.31).
A BASE TEOLÓGICA PARA A BELEZA DE DEUS T eologicam ente, o atributo da beleza em Deus está baseado na idéia do ser. Tam bém pode ser derivado da conexão causai co m a sua criação.
Beleza e Ser Ser (realidade), na medida em que é conhecível, é verdade. Ser, n a medida em que é desejável, é bom. E Ser, na medida em que é aprazível, é beleza. Portanto, repetindo, a beleza em Deus é o aspecto do seu Ser que, quando percebido pelas suas criaturas, dá um sentim ento de prazer e delícia avassalador.
Beleza e Criação A beleza de Deus é conhecida a partir da sua criação. A criação é bonita; isto é evidente p or tudo que nos cerca desde u m a flor m inúscula (M t 6.28,29) ao magnífico céu n otu rn o 3 Entre elas, tem osyophi ( “beleza”); tsebi ( “beleza”, “honra”, “glória” [do Senhor, Is 4.2; 28.5]); tob ( “agradável”, “aprazível”, “bom ”); tipharah ( “beleza”, “glória”); e naem ( “agradável”, “delicioso”, “adorável” [do Senhor], SI 2 7 .4 ).4 Entre elas, temos horaios ( “de acordo com a estação”, “oportu no”, “bonito”); kalos ( “bonito”, “bom ”); asteios ( “cortês”, “elegante”, “bonito”, “adorável”); e euprepeia ( “aparência agradável”, “bonito”).
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(SI 19.1). O efeito deriva suas perfeições da sua Causa. C om o vim os, D eus não pode dar o que Ele não tem — e não pode produzir o que Ele não possui. P ortanto, Deus é bonito; a sua criação é som ente u m reflexo da sua beleza. U m a Im p lica çã o da B e le z a de D eu s Toda beleza vem de Deus. Por conseguinte, toda beleza é sem elhante a Deus. Tudo que cria beleza im ita Deus. Pensam os os pensam entos de Deus após Ele, e pintam os as suas pinturas depois dEle. Não há obra-de-arte que não ten h a aparecido prim eiram en te na m en te infinita do Criador de todas as coisas. Os artistas hu m anos são, n a m elh o r das hipóteses, sub-criadores que im itam o Sup er-C riad or (ver Sayers, M M ). Eles pensam os seus pensam entos depois dEle, fo rm am as suas esculturas depois dEle e cantam as suas canções depois dEle, etc. Não há nada na m en te da criatura que não ten h a estado prim eiro na m en te do Criador. Mais u m a vez, todos os efeitos preexistem na sua Causa. A Visão Beatífica: A Suprema Experiência Estética
A Bíblia declara que, nesta vida, n en h u m m ortal pode ver Deus. João escreveu: “Deus nunca foi visto por alguém. O Filho unigênito, que está no seio do Pai, este o fez con h ecer” (Jo 1.18). Moisés pediu para ver a face de Deus, mas o Sen h or disse: “Não poderás ver a m inha face, porquanto h om em n en h u m verá a m inha face e viverá” (Ex 33.20). Contudo depois da nossa ressurreição, o h om em im ortal, no seu corpo glorificado, verá a Deus face a face. Escrevendo sobre esta experiência, João disse: “E ali nu nca mais haverá m aldição contra alguém ; e nela estará o trono de Deus e do Cordeiro, e os seus servos o servirão. E verão o seu rosto, e na sua testa estará o seu n o m e ” (Ap 22.3,4). Paulo acrescentou: “Mas, quando vier o que é perfeito, então, o que o é em parte será aniquilado. Porque, agora, vem os por espelho em enigm a; mas, então, verem os face a face; agora, conh eço em parte, mas, então, conhecerei com o tam bém sou conh ecid o” (1 Co 13.10,12). Esta experiência é conh ecida por visão beatífica (bem -aventurada). Neste m o m en to, o crente será glorificado. A respeito disso, João disse: “Am ados, agora som os filhos de Deus, e ainda não é m anifesto o que havem os de ser. Mas sabemos que, quando ele se m anifestar, serem os sem elhantes a ele; porque assim com o é o verem os” (1 Jo 3.2). Além de verm os Deus co m o o bem suprem o e infin ito, nós o verem os com o a beleza suprem a e infinita. Será a suprem a experiência estética. Não há m onte, por m aior que seja, n em arco-íris, por mais lum inoso que seja e n em p ôr-d o-sol, por mais brilhante que seja que se com param com esta explosão infinita de Beleza suprem a! A BA SE H IS T Ó R IC A PA RA A B E L E Z A D E D E U S E m bora não ten h a recebido m u ita atenção, o atribu to da beleza divina é atestado nos escritos dos Pais. C om eçand o com a patrística, passando pelos períodos da Idade Média, da R eform a e da Pós-R eform a, há um a seqüência inin terru p ta de citações que atestam esta característica gloriosa de Deus. Os P rim eiro s Pais da Ig re ja F a la ra m so b re a B e le z a de D eu s Ainda que estivessem ocupados com assuntos hum anos e terrenos, os grandes m estres da Igrej a Prim itiva não negligenciaram os mais elevados a respeito de contem plar a beleza de Deus, o Criador de todas as coisas.
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Origenes (c. 185-c. 254) Como, então, a nossa compreensão é incapaz de si mesma ver o próprio Deus como Ele é, conhece o Pai do mundo da beleza das suas obras e da beleza das suas criaturas. Portanto, ou não se deve pensar que Deus tenha corpo ou exista em um corpo, mas como natureza intelectual não-composta, não admitindo em si nenhuma adição de qualquer tipo; de forma que não se creia que Ele tenha dentro de si um maior e um menor, mas Ele é tal como Ele é em todas as partes. Os nossos olhos não podem olhar a natureza da luz em si, isto é, a substância do sol; mas quando vemos o seu esplendor ou os raios entrando, talvez, pela janela ou por uma aberturazinha que deixa a luz passar, podemos refletir como é grande a provisão e fonte da luz do corpo. (DP, 1.1.6, em ibid., IV) Tertuliano (c. 155-c. 225) “Portanto, neste sentido tam bém , o co m eço pode ser tom ado por autoridade e poder magníficos. Estava na sua autoridade e poder transcendentes, que Deus fez o céu e a terra” (A H , 2.3.19, ibid., III).
Os Pais da Igreja Medieval Falaram sobre a Beleza de Deus D u ran te a Idade Média, co m o declarado, os grandes m estres da Igrej a ap rim oraram as exposições sobre a beleza, co m o atributo de Deus. Os seus insights filosóficos deram nova profundidade ao significado desta característica m aravilhosa de Deus. Agostinho (354-430) Indubitavelmente, qualquer coisa suscetível de graus é mutável, e por isto, os filósofos mais hábeis, instruídos e experientes concluíram prontamente que a primeira forma de tudo não poderia estar em qualquer uma destas coisas nas quais a forma era claramente mutável. Assim que perceberam graus diversos de beleza no corpo e na mente, eles perceberam que, se toda forma estivesse faltando, a própria existência deles terminaria. Portanto, eles arrazoaram que deve haver um pouco de realidade na qual a forma era última, imutável e, então, não suscetível de graus. Eles concluíram corretamente que tinha de haver uma realidade na qual todas as outras realidades se originassem para ser o princípio último das coisas. (CG, 8.6) Anselmo (1033-1109) Como é grande a luz da qual brilha toda verdade que dá luz à compreensão! Como é completo que a verdade na qual está tudo o que é verdade e fora da qual nada existe exceto o nada e falsidade! Como é ilimitado aquilo que em um olhar vê tudo o que foi feito, e por quem e através de quem e de que maneira não foi feito do nada! Que pureza, que simplicidade, que certeza e esplendor há! Verdadeiramente há mais do que possamos entender por qualquer criatura. Contudo, tu te escondes, Senhor, da minha alma em tua luz e bem-aventurança, e assim
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ela habita n a escuridão e m iséria. Pois ela o lh a ao red or e não vê a tua beleza. O uve e não ouve a tua h arm onia. C h eira e não sen te a tu a fragrância. Prova e não reco n h ece o teu sabor. Sente e não sente a tu a suavidade. Pois tu tens em ti m esm o, Sen h o r, da tua própria m an eira inefável, essas [qualidades] que tu deste às coisas criadas po r m eio de ti de acordo c o m a própria m an eira sensível delas. M as os sentidos da m in h a alm a, p o rca u s a d a fraqueza antiga do pecado, fo ram endurecidos, entorpecid os e obstruídos. ( A C M W , p. 9 6 ,9 7 )
Tomás de Aquino (1225-1274) Pois beleza inclu i três cond ições: “in teg rid ad e” ou “p erfeição ”, visto que as coisas que são preju d icad as são p elo p ró p rio fato feias; “p ro p o rçã o ” ou “h a rm o n ia ” devida; e p o r ú ltim o , “b rilh o ” ou “clarid ad e”, de onde são ch am ad as as coisas bonitas qu e têm u m a co r lu m in o sa (ST, la.39.8). Beleza e bondade em u m a coisa são fu n d am en talm en te idênticas; porqu e elas estão baseadas n a m esm a coisa, isto é, na form a; e, po r conseguinte, é elogiada a bondade co m o beleza. Mas elas d iferem log icam ente, pois bondade co rreta m e n te se relacion a co m apetite (bondade que é o que todas as coisas desejam ); e en tão tem o aspecto de u m fim (o apetite sendo u m tipo de m o v im e n to para u m a coisa). Por ou tro lado, a beleza se relacion a co m a faculdade cognitiva; pois as coisas bonitas são as que agradam quando são vistas. Por conseguinte, beleza consiste em p roporção devida; porqu e os sentidos se en can tam apropriad am ente em coisas proporcionadas, co m o na que busca do seu próprio tipo, porqu e até m esm o o sentido é u m tipo de razão, da m esm a m an eira que é tod a faculdade cognitiva. A gora, visto que o co n h ecim e n to é p o r assim ilação, e a sem elh an ça se relaciona co m a fo rm a, a beleza perten ce co rre ta m e n te à n atu reza de u m a causa form al, (ibid., la.5.4)
Os Pais da R e fo rm a F a la ra m s o b re a B e le z a de D eu s Os R eform adores não divergiram dos seus antepassados quanto à beleza de Deus. Eles a viram com o parte da grande transcendência de Deus sobre a sua criação. Martinho Lutero (1483-1546) D eu s re a lm e n te dá a alguns m u itas coisas boas e rica m en te os ad orna, c o m o Ele fez co m L úcifer n o céu . Ele espalha as suas dádivas e x ten siv am en te e n tre a m u ltid ão ; m as E le não as co n sid era en tão . As suas coisas boas são dádivas qu e d u ram n ão m ais qu e u m a estação; m as a sua g raça e co nsid eração são a h e ra n ça que d u ra para sem pre. (W L, 3.159)
João Calvino (1509-1564) C om o vim os, Calvino escreveu: As palavras a seguir são “que estás nos céus”. Disto, não devemos deduzir que Ele está incluso e lim itado à circunferência do céu, co m o por u m tipo de limite. Por conseguinte, Salom ão confessa: “[...] os céus e até o céu dos céus te não poderiam conter” (1 Rs 8.27); e Ele m esm o diz pelo profeta: “O céu é o m eu trono, e a terra, o escabelo dos m eus pés” (Is 66.1); dando a entender assim, que a sua presença, não lim itada a qualquer região, está difundida por todo o espaço. Mas, co m o a nossa m ente total não pode conceber a sua glória inefável, é designada a nós através do céu, nada que os nossos olhos possam ver ser tão cheio de esplendor e majestade. Enquanto que estam os acostum ados a considerar todo objeto co m o limitado ao lugar onde os nossos sentidos
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o discernem, nenhum lugar pode ser designado a Deus; e, por conseguinte, se nós o buscarmos, temos de subir mais alto do que todo discernimento corpóreo ou mental. (ICR, 3.20.40)
Os Mestres da Pós-Reforma Falaram sobre a Beleza de Deus A ênfase na beleza de Deus continua no período após a Reform a. Alguns exemplos bastarão. Ja có Arminio (1560-1609) Deus se conhece completamente e adequadamente: Pois Ele é todo Ser, Luz e Olhos. Ele também conhece completamente as outras coisas; mas excelentemente, como elas estão nEle e na sua Compreensão; adequadamente, como elas estão nas suas próprias naturezas (1 Co 2.11; SI 94.9,10). ( WJA, 1.445) Jonathan Edwards (1703-1758) Deus é um ser infinitamente adorável, porque Ele tem excelência e beleza infinitas. Ter excelência e beleza infinitas é a mesma coisa que ter encanto infinito. Ele é um ser de grandeza, majestade e glória infinitas; e, portanto, Ele é infinitamente honrável. Ele é infinitamente exaltado sobre os maiores potentados da terra, e anjos mais altos no céu; e, portanto, Ele é infinitamente mais honrável que eles. (WJE, I, p. 669)
OBJEÇÕES À BELEZA DE DEUS Duas objeções principais foram levantadas co n tra a beleza de Deus. A prim eira é a crença co m u m de que a beleza é p uram ente subjetiva, e a segunda é a presença do m al no m undo.
Objeção Um: Baseada na Idéia de que a Beleza É Subjetiva Os atributos são aspectos objetivos do Ser de Deus. Não obstante, afirma-se am plam ente que a beleza é subjetiva, co m o diz o provérbio com u m : “A beleza está nos olhos de quem vê”. O que é bonito para u m a pessoa é feio para outra. A beleza é cu ltu ralm en te relativa.
Resposta à Objeção Um E m resposta, ressaltem os que a beleza tem dois lados:5 O adm irável (o lado objetivo) e o agradável (o lado subjetivo). N em tu d o que é agradável é admirável, m as tu d o que é adm irável é agradável. Essa beleza tem u m elem ento objetivo, e isto é evidente por estes fatos: (1) Há acordo co m u m que certas coisas são bonitas (p or exem plo, o arco-íris, o p ô rdo-sol, o sorriso). (2) A beleza tem fatores identificáveis (p or exem plo, unidade, ordem , equilíbrio). (3) Estudos recentes m ostram u m elem ento transcultural para a beleza hum ana. (4) O fato de certas coisas serem mais bonitas que outras (p or exem plo, rosas são 5Ver M ortim er f. Adler, SGI, capítulos 15 a 17.
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mais bonitas que lixo) revela u m padrão objetivo. A natu reza objetiva de Deus com o bonito é a base fu nd am ental para saberm os o que é bonito. O b je çã o D ois: B asead a n a P re se n ça d o M al C om o pode Deus ser bonito e fazer u m m u nd o co m tal feiúra (o mal)? Se Ele é perfeito, por que o m u nd o é tão im perfeito? R e sp o sta à O b je çã o D ois Façam os duas observações im portantes. Prim eiro , Deus não fez este m u nd o do jeito que está: Ele o fez perfeito (G n 1.31; Ec 7.29). Foi a Q ueda da hum anidade que trouxe feiúra ao m undo (G n 3; R m 5 e S). Portanto, Deus não é responsável pela feiúra do m undo, só pela beleza. Segundo, não conseguiríam os recon h ecer o m al a m enos que tivéssemos um entend im ento objetivo do bem . Não conh eceríam os o feio a m enos que tivéssemos um conceito do bonito. Por conseguinte, o fato de saberm os que há aspectos deste m undo que sãos m aus e feios m o stra que, no final das contas, tem de haver algum padrão objetivo para o bom e o bonito — esse padrão é Deus. R ESU M O S O B R E A B E L E Z A D E D E U S Deus é bonito. Na realidade, Ele é o padrão ú ltim o de toda a beleza. Tudo que é bonito o é porque é com o Ele. Toda a beleza tem ordem e unidade. Deus é a fonte de toda ordem e unidade. Logo, Deus é a fonte de toda beleza. Q uando o virm os que com o Ele é, nós verem os beleza — beleza últim a, infinita e não adulterada — , co m o ela é verdadeiram ente. A IN EFA B ILID A D E D E D EU S A m ajestad e e beleza de D eus são tão grandes que elas são p ratica m en te indescritíveis — os seus atribu tos, sendo infin itos, vão m u ito além de nossa capacidade finita de en ten d er que eles são inefáveis. A inefabilidade n ão é em si u m atribu to de D eus, visto que não descreve u m a característica in trín seca de D eus. A n a tu reza de D eus não é inefável a E le; só é inefável a nós, visto que estam os lim itad os em nossa capacidade de entendê-la. D E FIN IÇ Ã O D A IN EFA B ILID A D E D E D E U S “Inefável” significa literalm en te “incapaz de ser expresso” (do latim , in effabilis: in, que significa “n ã o ”, mais effahilis, que significa “capaz de ser expresso”). Teologicam ente, a inefabilidade se refere às características transcendentes de Deus que não podem ser adequadam ente expressas em linguajar hu m ano. Todavia, é im portante observar que “inefável” não significa que não podem os entender os atributos de Deus. Esta é um a declaração autodestrutiva. N em podem os saber que não podem os conhecer Deus (co m o podemos saber que Deus não pode ser expresso;) — isto tam bém é autodestrutivo. Não há m odo de expressar, de Deus, que Ele não possa ser expresso de qualquer form a, pois esta m esm a declaração é u m a expressão sobre Deus. Isto não quer dizer que Deus possa ser expresso perfeitam ente, com p letam en te e abrangentem ente; Ele não pode. Este é o significado de “inefável”. E m bora Deus possa ser apreendido, Ele não pode ser compreendido, pois, repetindo: “Porque, em parte, conh ecem os e, em p aite, profetizam os. Mas, quando vier o que é perfeito, então, o que o é em parte
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será aniquilado. [...] agora, con heço em parte, mas, então, conhecerei co m o tam bém sou conhecido” (1 Co 13.9,10,12).
A BASE BÍBLICA PARA A INEFABILIDADE DE DEUS Há muitos versículos que descrevem a inefabilidade de Deus, e entre estes destacamos os seguintes: “As coisas encobertas são para o Senhor, nosso Deus; p orém as reveladas são para nós e para nossos filhos, para sempre, para cum prirm os todas as palavras desta lei” (D t 29.29). “Porventura, alcançarás os caminhos de Deus ou chegarás à perfeição do Todopoderoso?” (Jó 11.7). “Tal ciência é para m im maravilhosíssima; tão alta, que não a posso atingir” (SI 139.6). “Porque os m eus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos, os meus caminhos, diz o Senhor” (Is 55.8). “O profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, com o da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus cam inhos!” (R m 11.33). “E, sem dúvida alguma, grande é o mistério da piedade: Aquele que se manifestou em carne foi justificado em espírito, visto dos anjos, pregado aos gentios, crido no m undo e recebido acima, na glória” (1 T m 3.16).
A BASE TEOLÓGICA PARA A INEFABILIDADE DE DEUS A base teológica para a inefabilidade de Deus apóia-se na sua infinidade e transcendência.
A Inefabilidade se Segue da Infinidade C om o já foi m ostrado (ver capítulo 5), Deus é infinito, quer dizer, Ele é sem fronteiras ou limites de qualquer tipo. Em contrapartida, todas as criaturas são finitas. Até o ser h um ano, a coroa da criação de Deus (G n 1.27), é de entendim ento limitado. Por conseguinte, com o criaturas finitas, não podem os com preender o infinito. O que não pode ser com preendido é inefável. Portanto, o Deus infinito nos é inefável, pois há u m a distância infinita entre o Ser infinito e u m ser finito.
A Inefabilidade se Segue da Transcendência Deus é transcendente ou está m uito acim a da criação (ver capítulo 22). Não podem os com preender com pletam ente o que está m uito acim a de nós. Portanto, não podem os com preender Deus. E por isso que Deus é conhecido apenas analogam ente (ver Volume 1, capítulo 9). Da m esm a m aneira que podem os agarrar u m a corda extrem am en te longa sem poder ver o fim dela, assim podem os con hecer Deus sem o conhecer com pletam ente.
A BASE HISTÓRICA PARA A INEFABILIDADE DE DEUS A doutrina da inefabilidade de Deus foi reconhecida desde os primeiros tem pos. U m levantam ento feito sobre os Pais da Igreja revela que esta característica de Deus está firm em ente fundam entada em nossa história.
Os Primeiros Pais da Igreja Falaram sobre a Inefabilidade de Deus Irineu (c. 125-c. 202) Se, entretanto, não podemos descobrir as explicações de todas essas coisas nas Escrituras, que foram assunto de investigação, não nos deixemos por conta disso buscar outro
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Deus além daquele que realmente existe. Pois esta é a maior irreverência. Devemos as coisas dessa natureza a Deus que nos criou, estando adequadamente certos de que as Escrituras realmente são perfeitas, visto que elas foram faladas pela Palavra de Deus e pelo seu Espírito. Mas nós, já que somos inferiores e mais tardios em existência do que são a Palavra de Deus e o seu Espírito, somos por conta disso, faltos do conhecimento dos seus mistérios. (A H , 2.28.2, em Roberts and Donaldson, ANF, I) A tenágoras (Século I I )
Portanto, que não somos ateus, visto que reconhecemos um Deus incriado, eterno, invisível, impassível, incompreensível, ilimitável, que é apreendido só pelo entendimento e pela razão, que é cercado por luz, beleza, espírito e poder inefável, por quem o universo foi criado pelo seu Logos, colocado em ordem e mantido em existência — demonstrei suficientemente. (WA, 10, em ibid., II) Taciano (1 2 0 -1 7 3 )
Deus é Espírito, não matéria impregnante, mas o Criador dos espíritos materiais e das formas que estão na matéria. Ele é invisível, impalpável, sendo Ele mesmo o Pai das coisas lógicas e invisíveis. Nós o conhecemos por meio da sua criação, e apreendemos o seu poder invisível por meio das suas obras. Recuso-me a adorar esse artesanato que Ele fez por nossa causa. O sol e a lua foram feitos para nós: como posso, então, adorar os meus próprios servos? Como posso falar de paus e pedras como deuses? [...] Nem sequer deve o Deus inefável ser apresentado com presentes; porque Ele, que não tem necessidade de nada, não deve ser distorcido por nós como se fosse indigente. (AG, 4 em ibid.) C lem ente de A lexan dria (1 5 0 -c. 2 1 5 )
Este discurso a respeito de Deus é muito difícil de lidar. Pois visto que o primeiro princípio de tudo é difícil de descobrir, o absolutamente primeiro e princípio mais antigo, que é a causa de todas as outras coisas que é e foi é difícil exibir. Pois como pode isso ser expresso que não é gênero, nem diferença, nem espécie, nem individual, nem número. Não somente isso, mas nem é evento, nem aquilo ao qual acontece um evento? Ninguém pode expressar corretamente tudo. Pois por causa da sua grandeza Ele é categorizado como o Tudo, e é o Pai do universo. [...] Não falamos como que lhe dando o nome. Mas por necessidade, usamos nomes bons, para que a mente possa ter estes como pontos de apoio, para não errar em outros aspectos. Pois cada um por si só não expressa Deus. Mas todos juntos indicam o poder do Onipotente. Pois os predicados são expressos ou do que pertence às próprias coisas, ou da relação mútua delas. (S, 5.12, em ibid.) P o r t a n t o , “n a s u a e s s ê n c ia in e fá v e l E le é P ai” ( W R M , 3 7 , e m ib id .). Orígenes (c. 185-c. 2 5 4 ) R e p e tin d o :
Os nossos olhos não podem olhar a natureza da luz em si, isto é, a substância do sol; mas quando vemos o seu esplendor ou os raios entrando, talvez, pela janela ou por uma aberturazinha que deixa a luz passar, podemos refletir como é grande a provisão e fonte da luz do corpo. Assim, de certa forma, as obras da Providência divina e o plano
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deste mundo inteiro são um tipo de raios, por assim dizer, da natureza de Deus, em comparação com a sua real substância e ser. Como, portanto, o nosso entendimento é incapaz de si mesmo ver o próprio Deus como Ele é, conhece o Pai do mundo da beleza das suas obras e da beleza das suas criaturas. (DP, 1.6, em ibid., II)
Os Pais da Igreja Medieval Falaram sobre a Inefabilidade de Deus Agostinho (354-430) Eles até se esforçam para compreender as coisas eternas. Mas até agora o seu coração foge nos movimentos passados e futuros das coisas, e ainda está vacilando. Quem o sustentará e o concertará, para que descanse um pouco, e através de graus capte a glória da eternidade sempre permanente e a compare com as vezes que nunca permanece, e veja que é incomparável. (C, 11.10,11) Anselmo (1033-1109) Contudo, tu te escondes, Senhor, da minha alma em tua luz e bem-aventurança, e assim ela habita na escuridão e miséria. Pois ela olha ao redor e não vê a tua beleza. Ouve e não ouve a tua harmonia. Cheira e não sente a tua fragrância. Prova e não reconhece o teu sabor. Sente e não sente a tua suavidade. Pois tu tens em ti mesmo, Senhor, da tua própria maneira inefável, essas [qualidades] que tu deste às coisas criadas por meio de ti de acordo com a própria maneira sensível delas. Mas os sentidos da minha alma, por causa da fraqueza antiga do pecado, foram endurecidos, entorpecidos e obstruídos. (ACMW, p. 97) Tomás de Aquino (1225-1274) Tomás de Aquino foi tão longe quanto dizer que o nosso conhecim ento de Deus é quase equívoco (SCG, pp. 33, 34). A sua doutrina da analogia (ver Volum e 1, capítulo 9) estava parcialm ente baseada na inefabilidade de Deus. Fosse a essência de Deus conhecível em si m esm a, não haveria necessidade de falar de sem elhança co m Ele. De fato, é por causa da inefabilidade de Deus que é necessário usar a via negativa (o m odo de negação) e falar dos atributos metafísicos de Deus em term os hum anos.
Os Pais da Reforma Falaram sobre a Inefabilidade de Deus E ra n atu ral que os grandes Reform adores, co m sua ênfase na soberania de Deus, vissem o Senhor transcendente co m o inefável. De fato, alguns, co m o Soren Kierkegaard (1813-1855), viram Deus co m o “completamente o u tro ”. Martinho Lutero (1483-1546) Os filósofos do passado definiram Deus assim: Deus é um círculo cujo centro está em todos os lugares e cuja circunferência não está em parte alguma. O nosso Senhor Deus está em todos os lugares e, contudo, não pode ser compreendido. Nada é tão pequeno, que Deus não seja ainda mais pequeno; nada tão grande que Deus não seja ainda maior; nada tão curto que Deus não seja ainda mais curto; nada tão comprido que Deus não seja ainda mais comprido; nada tão largo que Deus não seja ainda mais largo; nada tão estreito que Deus não sej a ainda mais estreito, etc. Em uma palavra, Deus é um Ser inexprimível, acima e além de tudo o que possa ser dito ou pensado. (WLS, pp. 542,543)
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Joao Calvino (1509-1564) De fato, a sua essência é incom preensível, transcendendo totalm ente o pensam ento hum ano. Mas em cada um a das suas obras a sua glória está esculpida em caracteres tão lum inosos, tão distintos e tão ilustres, que ninguém , por mais estúpido e analfabeto, pode dar a desculpa de dizer que não sabe. ( ICR, 1.5.1)
Deus assim transcende o pensamento humano que Ele tem de acomodar-se a um nível hum ano de form a que possamos entendê-lo. Portanto, embora seja invariável, Ele parece mudar de opinião: O que significa o term o arrependimento? O m esm o que significa as outras form as de expressão pelas quais Deus nos é descrito hum anam ente. Porque a nossa fraqueza não pode alcançar a altura dEle, qualquer descrição que recebem os dEle deve ser abaixada à nossa capacidade para que seja inteligível. E o m odo de abaixar é representá-lo não com o Ele realm ente é, mas com o nós concebem os que Ele seja. (ibid., 1.17.13)
Os T e ó lo g o s d a P ó s -R e fo rm a F a la ra m so b re a In efab ilid ad e d e D eu s
Como já comentado, a inefabilidade de Deus se depreende de vários outros atributos. Os mestres da pós-reforma viram isto e acentuaram as características diferentes de Deus para apoiar a sua inefabilidade. Jacó Armínio (1560-1609) Com o não podemos conhecer a natureza de Deus em si mesma, podemos em certa medida alcançar algum conhecim ento da analogia da natureza que está nas coisas criadas, e principalmente aquilo que está em nós mesmos que é criado segundo a imagem de Deus; enquanto sempre acrescentamos um modo de eminência a esta analogia de acordo com a qual Deus é entendido exceder infinitam ente as perfeições das coisas criadas. ('WJA, 2.33)
Stephen Charnock (1628-1680)
Não podemos ter um a concepção adequada ou satisfatória de Deus. Ele m ora na luz inacessível; inacessível à agudez de nossa imaginação, com o tam bém a fraqueza de nossos sentidos. Se podemos ter pensam entos sobre Ele, tão altos e excelentes quanto à sua natureza, a nossa concepção tem de ser tão infinita quanto à sua natureza. (EAG, 1.196)
R. L. Dabney (1820-1898) Infinidade significa o caráter absolutam ente ilimitado da essência de Deus. Imensidade, o ser absolutam ente ilimitado da sua substância. O seu ser, com o eterno, não está em n enh u m sentido circunscrito pelo tem po; tão im enso, de form a alguma circunscrito pelo espaço. [...] A fórm ula escolástica era: “A substância inteira, em sua essência inteira, está sim ultaneam ente presente em todo ponto do espaço infinito, contudo sem m ultiplicação de si m esm a”. Isto é ininteligível, mas assim é a sua imensidade. ( LST, p. 44)
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William G. T. Shedd (1820-1894) O homem conhece a natureza do espírito finito pela sua própria autoconsciência, mas ele conhece isso do espírito Infinito apenas analogamente. Por conseguinte, algumas das características da natureza divina não podem ser conhecidas pela inteligência finita. Por exemplo, como Deus pode ser independente das limitações de tempo, e ter um modo eterno de consciência que é sem seqüência, inclusive todos os acontecimentos simultaneamente em uma intuição onisciente, é inescrutável ao homem, porque ele não tem tal consciência. O mesmo é verdade acerca da onipresença de Deus. Como Ele pode estar em todos os pontos do espaço universal, confunde a compreensão humana, embora haja um certo entendimento nisso o fato de que a alma humana está totalmente em todo ponto do corpo. Portanto, “o ser divino é de u m a essência cuja espirituálidade transcende a dos outros espíritos, h um ano, angelical ou arcangelical;.até m esm o co m o a sua imortalidade transcende a dos h om ens ou dos anjos” '(©T,:p. 152).
A NATUREZA DE UM MISTÉRIO VERSUS UM PROBLEMA Gabriel Mareei (ver MB) fez u m a distinção útil en tre u m problem a e u m mistério, dando insight significativo sobre co m o abordar a questão da inefabilidade de Deus. Combinado co m u m contraste entre estes e u m paradoxo, algumas conclusões im portantes surgem de nosso estudo sobre os atributos de Deus.
Paradoxo e Antinomia Em nível popular, as palavras paradoxo e mistério são usadas intercam biavelm ente. Todavia, histórica e, mais precisam ente, há u m a distinção m uito im portante. Em uso mais técnico feito pelo filósofo grego Zeno (c. 495 a.C .-c. 430 a.C .) passando p o r Im m anuel Kant (1724-1804) e chegando aos tem pos m odernos, a palavra paradoxo (ou antinomia) significava u m a contradição lógica. Para todos os pensadores racionais, paradoxo era algo que violava a lei da não-contradição e tinha de ser rejeitado. Para evitar confusão, é m elhor não usar a palavra de ou tro m odo, sobretudo para descrever os mistérios da fé cristã, com o a Trindade e a Encarnação. U m a palavra relacionada, antítese (derivada do grego anthiteses), tam bém usada por Kant para descrever u m a contradição lógica, tam bém deve ser evitada pelos cristãos para descrever Deus ou qualquer item cristão. De fato, o Novo Testam ento diz explicitam ente que evitemos as contradições (1 T m 6.20, ARA). Não há contradições no cristianismo, em bora haja mistérios.
Mistério versus Paradoxo A palavra bíblica e histórica que mais adequadamente descreve os aspectos inefáveis de Deus é “m istério”. Teologicam ente, u m m istério (co m o a Trindade, a Encarnação ou a transcendência de Deus) é algo que não vai contra a razão, mas vai além da razão. Em sum a, por u m lado, não viola a lei da não-contradição, e, por o u tro lado, é algo que, ainda que possamos apreendê-lo, não podem os com preendê-lo com pletam ente.
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—Mistério versus Problema Uma das dificuldades, sobretudo na teologia ocidental,6 é que os mistérios são tratados com o se fossem problemas. Neste ponto, a distinção de Gabriel Mareei é muito útil. Ele observa que problemas exigem solução, mas mistérios exigem meditação. Problemas requerem estudo extensivo (com o saber mais palavras para solucionar palavras cruzadas), ao passo que mistérios requerem estudo intensivo. A virtude desta distinção é que devemos tratar a Trindade como mistério e não como problema. Assim que os elementos básicos sejam compreendidos, não devemos tentar destrinchar o inescrutável. Não devemos analisá-la, mas admirá-la; não devemos dissecá-la, mas nos dedicar a ela. E um objeto de adoração e não de erudição. Como já se disse muito bem, se procurarmos entendê-la completamente (como problema), podemos perder a cabeça, mais se não crermos nela sinceramente, podemos perder a alma! Assim que entendamos os atributos e a natureza inefável de Deus, precisamos de mais reverência, e não de mais pesquisa. Ao que parece, há lugar para o intelectual e o místico. Racionalmente, precisamos classificar as crenças falsas e as verdadeiras sobre Deus. Além disso, precisamos demonstrar que o que acreditamos sobre Deus não é contraditório. Contudo, assim que os limites da ortodoxia estejam fixados, baseados na Bíblia e no bom senso, temos de nos contentar para desfrutar o mistério da inefabilidade de Deus.
RESUMO E CONCLUSÃO Todas as criaturas racionais têm um senso do supremo e um senso do sublime (SI 19.1; Rm 1.19,20). A majestade de Deus proporciona um senso do supremo; a beleza de Deus dá um senso do sublime. Devemos desfrutar toda beleza como um presente de Deus (Tg 1.17), sabendo que a inefabilidade é parte da fascinação e mistério para ponderar. Fazendo assim, estamos antegozando a beleza incrível e últim a do céu — a visão beatífica — , vendo Deus face a face (Ap 22.4; 1 Co 13.10-12; cf. Êx 33.22,23). Enquanto isso, Deus nos permanece inefável; nós só o conhecemos em parte, indiretamente — não inteiramente ou face a face.
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CAPÍTULO
ONZE
A VIDA E A IMORTALIDADE DE DEUS
O
s atributos de vida e imortalidade de Deus estão estreitamente relacionados; o último é uma versão eterna do primeiro. Considerando que Deus é intrinsecamente vida, conclui-se que Ele também é im ortal. Porém, com o muitas outras coisas, a vida é mais fácil de reconhecer do que de definir, pelo menos de maneira precisa.
A DEFINIÇÃO DA VIDA DE DEUS Em geral, as palavras bíblicas referentes à vida significam, literalm ente, “estar vivo”, “ativo”, “movendo”, “fluindo”. A palavra hebraica chay, com um ente traduzida por “vida”, significa “o vivo”, “fonte de vida” (Gesenius, H E L O T , p. 311); “vivendo”, “vivo”, “fluindo de água fresca” (cf. Jo 4.10; Archer, et. al., T W O T , 1.644). A palavra grega zoe, com um ente traduzida por “vida”, significa “vivo”, “vivendo”, “de seres que na realidade [...] não estão sujeitos à m orte [por exemplo, Deus]” (Arndt e Gingrich, G E L N T , p. 336). Teologicamente, falar de Deus com o vida é dizer duas coisas básicas: Deus está vivo e Ele é a Fonte de todas as outras vidas. Ele tem vida intrinsecamente. Ele é vida, ao passo que todas as outras coisas têm vida com o um presente dEle. A dificuldade está em definir mais precisamente o que é vida. Independente de tudo o mais que possa ser, vida envolve auto-atividade imanente. As muitas referências bíblicas ajudam a descrever vida pelo menos mais amplamente.
A BASE BÍBLICA DO ATRIBU TO DE VIDA DE DEUS A Bíblia descreve Deus com o vivo e com o a Fonte de todos os outros seres vivos. Em geral, isto diz respeito a ser vivo ativo e movente. Vida é o oposto de m orte, o que acarreta em falta de vida, atividade e movimento.
Deus com o o Vivente Numerosos textos do Antigo Testamento se referem ao “Deus vivo” ou assemelhados. “Porque, quem há, de toda a carne, que ouviu a voz do Deus vivente falando do meio do fogo, com o nós, e ficou vivo?” (Dt 5.26). “Dize-lhes: Assim como eu vivo, diz o Senhor, que, com o falastes aos meus ouvidos, assim farei a vós outros” (Nm 14.28). “Nisto conhecereis que o Deus vivo está no meio de vós e que de todo lançará de diante de vós” (Js 3.10). “Quem é, pois, este incircunciso filisteu, para afrontar os exércitos do
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Deus vivo?” (1 Sm 17.26; cf. 17.36). “B em pode ser que o Senhor, teu Deus, ou ça todas as palavras de Rabsaqué, a quem enviou o seu senhor, o rei da Assíria, para afrontar o Deus vivo e para vituperá-lo co m as palavras que o Senhor, teu Deus, tem ouvido” (2 Rs 19.4; cf. Is 37.4,17). “A m inh a alm a tem sede de Deus, do Deus vivo” (SI 42.2). “[...] o m eu coração e a m inh a carne clam am pelo Deus vivo” (SI 84.2). “Mas o Senhor Deus é a verdade; ele m esm o é o Deus vivo e o Rei etern o ” (Jr 10.10). porque a cada u m lhe servirá de peso a sua própria palavra. Vós torceis as palavras do Deus vivo, do Senhor dos Exércitos, o nosso D eus” (Jr 23.36). “Daniel, servo do Deus vivo! Dar-se-ia o caso que o teu Deus, a quem tu continuam ente serves, ten h a podido livrar-te dos leões?” (D n 6.20). “[...] ele é o Deus vivo e para sem pre perm anente, e o seu reino não se pode destruir; o seu dom ínio é até ao fim ” (D n 6.26). “E ouvi o h o m em [...] quando [...] jurou, por aquele que vive eternam ente” (D n 12.7). “Todavia, [...] se lhes dirá: Vós sois filhos do Deus vivo” (Os 1.10; cf. R m 9.26). O Novo Testam ento tam bém se refere m uitas vezes ao “Deus vivo” ou equivalentes. “E Simão Pedro, respondendo, disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (M t 16.16). “Assim co m o o Pai, que vive, m e enviou, e eu vivo pelo Pai, assim quem de m im se alim enta tam bém viverá por m im ” (Jo 6.57; cf. Jo 14.12). “Nós [...] vos anunciam os que vos convertais dessas vaidades ao Deus vivo, que fez o céu, e a terra, e o m ar, e tudo quanto há neles” (A t 14.15). “Porque já é manifesto que vós sois a carta de Cristo, ministrada p or nós e escrita não co m tinta, m as co m o Espírito do Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas nas tábuas de carne do co ração ” (2 Co 3.3). “E que consenso tem o tem plo de Deus com os ídolos? Porque vós sois o tem plo do Deus vivente” (2 Co 6.16). “[...] eles m esm os anunciam [...] co m o dos ídolos vos convertestes a Deus, para servir ao Deus vivo e verdadeiro” (1 Ts 1.9). “Mas, se tardar, para que saibas co m o convém andar n a casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, a colu n a e firmeza da verdade” (1 T m 3.15). “Porque para isto trabalham os e lutam os, pois esperamos no Deus vivo, que é o Salvador de todos os hom ens, principalm ente dos fiéis” (1 T m 4.10). “Vede, irm ãos, que n unca haja em qualquer de vós u m coração m au e infiel, para se apartar do Deus vivo” (Hb 3.12). “Q uanto mais o sangue de Cristo, que, pelo Espírito eterno, se ofereceu a si m esm o im aculado a Deus, purificará a vossa consciência das obras m ortas, p ara servirdes ao Deus vivo?” (Hb 9.14). “H orrenda coisa é cair nas m ãos do Deus vivo” (Hb 10.31). “Mas chegastes ao m on te Sião, e à cidade do Deus vivo, à Jerusalém celestial, e aos m uitos milhares de anjos” (Hb 12.22). “E, chegando-vos para ele, a pedra viva, reprovada, na verdade, pelos hom ens, mas para co m Deus eleita e preciosa” (1 Pe 2.4). “E o que vive; fui m o rto , mas eis aqui estou vivo para todo o sempre. A m ém ! E ten h o as chaves da m o rte e do inferno” (Ap 1.18). “E vi outro anjo subir da banda do sol nascente, e que tinha o selo do Deus vivo; e clam ou co m grande voz aos quatro anjos, a quem fora dado o poder de danificar a terra e o m a r” (Ap 7.2).
Deus como a Fonte de Vida Repetindo, o Deus vivo é a Fonte de todas as outras vidas. “[...] Deus criou [...] todo réptil de alm a vivente que as águas abundantem ente produziram conform e as suas espécies” (G n 1.21). “Assim vou acabar co m todos os seres vivos que criei” (Gn 7.4, NTLH). “Vede, agora, que eu, eu o sou, e mais n en h u m deus com igo; eu m ato e eu faço viver; eu firo e eu saro; e ninguém há que escape da m inh a m ã o ” (D t 32.39). “[...] o Senhor o deu e o Senhor o to m o u ; bendito seja o n om e do S enh or” (Jó 1.21). “Todos
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aqueles que te deixam serão envergonhados; os que se apartam de mim serão escritos sobre a terra; porque abandonam o Senhor, a fonte das águas vivas” (Jr 17.13). “[...] Deus vos declarou, dizendo: Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó? Ora, Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos” (M t 22.31,32; cf. Mc 12.27). “Foi para isto que m orreu Cristo e tornou a viver; para ser Senhor tanto dos m ortos com o dos vivos” (R m 14.9).
Deus com o o Ressuscitador dos M ortos Outra indicação de que Deus tem vida intrínseca e exclusivamente é que Ele pode ressuscitar os mortos. No Antigo Testamento, Jó declarou: “Porque eu sei que o meu Redentor vive, e que por fim se levantará sobre a terra. E depois de consumida a m inha pele, ainda em m inha carne verei a Deus” (Jó 19.25,26; cf. SI 16.10; Dn 12.1,2). Esta verdade também é repetida no Novo Testamento. Jesus disse: “Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja m orto, viverá; e todo aquele que vive e crê em mim nunca morrerá. Crês tu isso?” (Jo 11.25,26). E em outro lugar acrescentou: “Em verdade, em verdade vos digo que vem a hora, e agora é, em que os m ortos ouvirão a voz do Filho de Deus, e os que a ouvirem viverão” (Jo 5.25).
Deus com o o Doador do Pão Vivo e da Água Viva “Se tu conheceras o dom de Deus e quem é o que te diz: Dá-me de beber, tu lhe pedirias, e ele te daria água viva” (Jo 4.10; cf. 4.11). “Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém com er desse pão, viverá para sempre” (Jo 6.51).
Deus com o a Fonte das Palavras de Vida Como Deus vivo, Ele tem palavras vivas: “Este é o que esteve entre a congregação no deserto, com o anjo que lhe falava no m onte Sinai, e com nossos pais, o qual recebeu as palavras de vida para no-las dar” (At 7.38). “Porque a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais penetrante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até à divisão da alma, e do espírito, e das juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e intenções do coração” (Hb 4.12). “Os quais hão de dar conta ao que está preparado para julgar os vivos e os m ortos” (1 Pe 4.5).
A BASE TEOLÓGICA PARA A VIDA DE DEUS O atributo da vida de Deus se depreende de dois outros atributos: A pura realidade e a não-causalidade. Deus é o Movedor Imovível, mão não é o movedor imóvel. Ele é imovível, mas não imóvel. Todos os movimentos e atividades começam no final das contas com Ele com o o Movedor Primário.
A Vida se Segue da Pura Realidade Deus é Pura Realidade (ver capítulo 2), e a vida é uma form a de ser ou realidade. Seja qual for a realidade que Deus dê, Ele tem; por conseguinte, Deus tem vida (ou seja, Deus é vida). Só Vida pode criar vida, visto que Ele não pode com partilhar o que não tem para com partilhar. Não pode haver um regresso infinito em que tudo esteja recebendo vida, mas nada a esteja dando. Portanto, no final das contas tem de haver
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algo que é vida em si m esm o e de si m esm o e que não a ten h a recebido de ninguém . Esta vida é Deus.
A Vida se Segue da Não-causalidade U m a das características essenciais da vida é m ovim ento, pois toda vida tem algum a form a de m ovim ento ou crescim ento. Tudo que se m ove (co m o as coisas vivas) é m ovido por outro, e não pode haver u m regresso infinito de m ovedores. Portanto, há u m M ovedor Primeiro e Imovível (D eus). Este M ovedor Primeiro de coisas vivas tem de estar vivendo.
A BASE HISTÓRICA PARA A VIDA DE DEUS A n atu reza de Deus co m o a própria vida nunca foi duvidada seriam ente na trajetória da Igreja Cristã histórica. Trata-se de u m a verdade desde os primeiríssimos tem pos.
Os Primeiros Pais da Igreja Falaram sobre a Vida de Deus Justino Mártir (c. 100-c. 165) Impelido pelo desejo da vida eterna e pura, buscamos o domicílio que está com Deus, o Pai e Criador de todos, e nos apressamos a confessar a nossa fé, persuadidos e convencidos como estamos de que eles provam Deus pelas obras que o seguem. (EA, 1.8, em Roberts and Donaldson, A N í, I) Irineu (c. 125-c. 202) E um e o mesmo Criador que formou o útero e criou o sol; e um e o mesmo Senhor que criou o talo de trigo, aumentou e multiplicou o trigo e preparou o celeiro. (AH, 2.34.3, em ibid.) Como o céu que está sobre nós, o firmamento, o sol, a lua, o restante das estrelas e toda a sua grandeza, embora não tivessem existência prévia, foram chamados à existência e continuam ao longo de um curso de tempo de acordo com a vontade de Deus, assim também qualquer um que pensa assim com respeito a almas e espíritos, e, na realidade, concernente a todas as coisas criadas, de modo nenhum se desviará. [...] Pois a vida não surge de nós, nem de nossa própria natureza; mas é dada de acordo com a graça de Deus. E aquele que conserva a vida que lhe foi dada e dá graças a Ele que a deu, também receberá para sempre e sempre duração de dias. Quando Deus der vida e duração perpétua, sucederá que até as almas que previamente não existiam permanecerão daqui em diante [para sempre], visto que Deus quis que elas existissem e continuassem em existência. (AH, 2.35.4, em ibid.) Teófilo (m. 180) Quando tu tiveres despido o mortal e vestido a incorrupção, então verás Deus meritoriamente. Pois Deus levantará imortal a tua carne com a tua alma; e então, tendo ficado imortal, tu verás o Imortal, se agora tu creres nEle; e então saberás que tu falaste injustamente contra Ele. (TA, 1.7, em ibid., II)
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Os Pais d a Ig reja M edieval F a la ra m s o b re a V ida de D eu s Agostinho (354-430) N em o u n iv erso in teiro , co m a sua estru tu ra , figuras, qualidades e m o v im e n to ordenados, tod os os e le m e n to s e co rp os organizados n os céu s e n a terra, n e m qu alqu er vida [...] pode te r existên cia à p a rte d aquele c u ja existên cia é sim ples e indivisível. Pois, em D eu s, ser não é u m a coisa e viver o u tra — c o m o se Ele pudesse e n ão pudesse estar vivendo. N em em D eus é u m a coisa viver e o u tra en ten d er — c o m o se Ele pudesse viver sem en ten d er. N em n E le é u m a coisa saber e o u tra ser abenço ad o — co m o se E le pudesse saber e não abençoar. Pois, e m D eu s, viver, saber, ser abençoad o é u m e o m esm o qu e ser. (CG, 8.6) Pois en tã o “qu and o ele se m an ifestar, serem o s sem elh an tes a ele; p o rqu e assim co m o é o v e re m o s” [1 Jo 3.2], Esta é a vida etern a. Pois tu d o qu e já dissem os n ão é nad a p ara essa vida. Q u e vivem os, o qu e é isso? Q u e estam os co m saúde, o qu e é isso? Q u e verem o s a D eu s é a grande coisa. Esta é a vida etern a; é o que Ele m esm o disse: “E a vida e te rn a é esta: que co n h e ça m a ti só p o r ú n ico D eus verdadeiro e a Jesus C risto , a q u em en viaste” [Jo 17.3]. (A u g u stin e, Sermons on N T Lessons [Serm ões em Lições do N T], 77.13)
Anselmo (1033-1109) D eu s é a próp ria vida pela qual Ele vive, e [...] os m esm os co n tro les p ara atribu to s sem elh a n tes. M as cla ra m en te, seja o que tu fores, tu n ão és isso p o r o u tre m , m as p o r teu p ró p rio ser. Tu és en tão a próp ria vida pela qual tu vives, a sabedoria pela qual tu és sábio, a p ró p ria bond ade pela qual tu és b o m a h o m e n s bons e m au s, e os m esm o s co n tro les para atrib u to s sem elh an tes. ( A C M W , p. 94)
Tomás de Aquino (1225-1274) “A vida está corretam en te no grau mais alto em D eu s” (ST , la.18.3). M as em b o ra o nosso in te le c to se m o v a a algum as coisas, ou tro s são providos pela n atu rez a , co m o são prin cípios p rim eiros que n ão p o d em duvidar; e o fim ú ltim o que não p o d e sen ão qu erer. Por co n seg u in te, em b o ra co m relação a algum as coisas se m ova, co m relação a o u tras coisas deve ser m ov id o p o r o u tro . P o rtan to , aqu ele ser c u jo ato de en te n d e r é a sua p ró p ria n atu reza, e qu e, n o que possui n a tu ra lm e n te , n ão é dado p o r o u tro , te m de ter vida n o g rau m ais p erfeito. T al é D eus; e, p o r co n seg u in te, nE le p rin cip a lm en te está a vida. D isto o filósofo co n clu i (Metaph. xii, p. 51), depois de m o stra r que D eu s é in telig en te, qu e D eu s te m a vida m ais perfeita e etern a, visto qu e o seu in te le cto é m u ito p erfeito e sem p re em ato. (ibid.) E m D eu s, viver é en ten d er, c o m o a n te rio rm e n te d eclarado (A . 3). E m D eu s, o in telecto , a coisa en ten d id a e o ato de en ten d er são u m e o m esm o . Por co n seg u in te, tu d o que está e m D eus c o m o co m p reen d id o é o p ró p rio viver ou vida de D eu s. A gora, p o rta n to , visto qu e todas as coisas qu e fo ra m feitas p o r D eu s estão n E le c o m o coisas entendid as, co n clu ise que todas as coisas qu e n E le estão são a p ró p ria vida divina, (ibid., la.18,4)
Os Pais da R e fo rm a F a la ra m so b re a V ida de D eu s Martinho Lutero (1483-1546) T em o s de fazer a devida d iferen ça en tre este deus e o D eu s re to e verdadeiro qu e é o D eus da vida, co n so lo , salvação, ju stificação e tod a bondade; pois h á m u itas palavras que n ão
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testemunham certos significados, e a equivocação sempre é a mãe do erro. (TT, p. 40) Deus, em todas as Santas Escrituras, se nomeia um Deus de vida, de paz, de consolo e alegria, por causa de Cristo. Eu me odeio por não crer tão constantemente e seguramente como deveria; mas nenhuma criatura humana pode saber com justiça como misericordiosamente Deus está inclinado àqueles que firmemente crêem em Cristo, (ibid., p. 54)
Os Teólogos da Pós-Reforma Falaram sobre a Vida de Deus Deus com o “Vida” é tratado freqüentem ente sob o tem a da sua eternidade e/ou im ortalidade. Stephen C harnock ilustra o ponto: Deus, sendo Espírito, é im ortal. Ele sendo im ortal e sendo invisível estão unidos. Por natureza, os espíritos são incorruptíveis; só podem perecer pela mão que os formou. Toda coisa composta está sujeita à m utação; mas Deus, sendo Espírito puro e simples, é sem corrupção, sem sombra de mudança. O mundo perece; os amigos mudam e são dissolvidos; os corpos apodrecem, porque são mutáveis. Deus é Espírito da mais alta excelência e glória de espíritos; nada está além dEle; nada está acima dEle; não há inconsistência nEle. Este é o nosso consolo, se nos dedicamos a Ele; este é o nosso Deus; este Espírito é o nosso Espírito; este é o nosso todo, o nosso sustento imutável e nosso incorruptível; um Espírito que não pode m orrer e nos deixar. (EAG, 1.202)
OBJEÇÕES À VIDA DE DEUS Há duas objeções principais a atribuir vida a Deus. Primeiro, toda vida é com plexa, e Deus é absolutam ente simples (ver capítulo 2). Segundo, toda vida envolve m ovim ento, e Deus é o M ovedor U ltim o de todas as coisas.
Objeção Um: Baseada na Complexidade da Vida É bem sabido pela ciência que a vida biológica envolve com plexidade especificada. Até m esm o a fo rm a mais simples de vida é inacreditavelm ente com plexa, envolvendo m uita inform ação em u m anim al unicelular para encher m il volum es de u m a enciclopédia. Deus, entretanto, é u m Ser absolutam ente simples (ver capítulo 2). Por conseguinte, conclui-se que não se pode dizer que Deus está vivo em qualquer sentido literal do term o.
Resposta à Objeção Um E m resposta, é notável que todos os term o s até os n ão-m etafóricos são aplicados a Deus só analogam ente, não u n ivocam en te (ver capítulo 1). P o rtan to , “viver” se aplica a Deus de m od o semelhante, quer dizer, em p arte o m esm o e em p arte diferente. Deus é sem elhante à vida criada no que tange a Ele ser ativo e dinâm ico. Todavia é diferente no p onto em que Ele é simples, enquanto que a vida é com p lexa. Se Ele fosse com p lexo, então Deus tam bém teria de ter sido criado. Isto é impossível, visto que Ele é o C riador incriado de todas as criaturas. A vida se aplica a Deus, não porque Ele é co m p lexo, m as porque é m óvel. Na realidade, Ele dá vida e m ovim en to a todos os ou tros que a tem .
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O b je çã o D ois: B asead a n a M u d a n ça n as C oisas Vivas A vida está con stan tem en te em m udança, ao passo que Deus é im utável (ver capítulo 4). Sup ostam ente, se a m udança fo r da essência da vida, então Deus não pode estar vivendo. R e sp o sta à O b je çã o D ois Esta objeção tam bém não lem bra que todos os nossos term os se aplicam a Deus só analogam ente. Deus é como a vida criada no que tange ao fato de que Ele existe, perm anece e é dinâm ico. Mas Ele é diferente da vida criada no que tange que a vida m uda, ao passo que Ele não. Ele é o M udador im utável de tudo o mais que m uda. Ele é im ovível (por ou tro), m as não é im óvel. Ele é Pura Realidade dinâm ica (ver V olum e 1, capítulo 1). R ESU M O D eus é vida. Ele é a Fonte de todas as outras vidas. C om o vida, D eus é o Ser mais ativo, dinâm ico e m ovente do universo. Ele não é im óvel, estático ou m o rto : Ele é o M ovedor Mais M ovente, contud o perm anece o M ovedor Im ovível em que nada mais no universo o m ove. C o m o Pura Realidade, Ele não tem potencialidade para ser realizado. Ele é o Realizador ú ltim o de todas as coisas. A IM O RTA LID A D E D E D E U S Deus não é sim plesm ente vida; Ele é vida imortal. Na realidade, Ele só possui imortalidade intrinsecam ente. Todos os outros que a têm , a possuem com o presente dEle. A D E FIN IÇ Ã O D A IM O RTA LID A D E D E D E U S Apalavragregaatlía/!asía(“im ortaP ’),sig m ficaliteralm en te “sem m o rte ”, “im perecível” e “incorru p tível” (cf. 1 T m 6.16; 1 C o 15.5-54). A lém disso, aphthanarsia, con form e ocorre em R om anos 2.7 e 2 T im ó teo 1.10, significa “mais que im ortalidade, sugere a qualidade da vida desfrutada, com o está claro em 2 Co 5.4; para o cren te, o que é m o rtal será tragado pela vida” (ver V ine, E D N T W , p. 579. [Edição Brasileira: Dicionário Vine (R io de Janeiro: CPAD, 2002), p. 703]). Teologicam ente, im ortalidade con form e é aplicado a Deus significa que Ele possui vida in trinsecam ente e etern am en te. Deus é vida; todos os outros seres som ente têm vida. C o m o a própria vida, Ele é a Fonte de todas as outras vidas. A BA SE B ÍB LIC A PA R A A IM O RTA LID A D E D E D E U S A Bíblia usa a palavra imortal m uitas vezes para referir-se a Deus. A palavra tam bém é usada algum as vezes acerca de seres hu m anos, visto que eles recebem a im ortalidade de Deus. Em grego, a palavra aphthartos ( “im ortalidade”) significa “im o rred o u ro ”, “im perecível” ou “incorru p tível”. Q uando aplicada a Deus, a incorruptibilidade está intrínseca. D eu s E Im o rta l “Ora, ao Rei dos séculos, im ortal, invisível, ao ún ico D eus seja h on ra e glória para todo o sem pre. A m ém !” (1 T m 1.17). “Aquele que tem , ele só, a im ortalidade e habita
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na luz inacessível; a quem n enh u m dos hom ens viu n em pode ver; ao qual seja honra e poder sem piterno. A m ém !” (1 T m 6.16). “E m udaram a glória do Deus incorruptível em sem elhança da im agem de h o m em corruptível, e de aves, e de quadrúpedes, e de répteis” (R m 1.23).
Deus Dá Imortalidade para algumas Criaturas No Novo Testam ento, a im ortalidade é palavra usada som ente para referir-se aos salvos, e só ao seu estado ressuscitado (físico). “A saber; a vida eterna aos que, co m perseverança em fazer bem, p ro cu ram glória, e honra, e in corrup ção” (R m 2.7). “E que é manifesta, agora, pela aparição de nosso Salvador Jesus Cristo, o qual aboliu a m o rte e trouxe à luz a vida e a incorrupção, pelo evangelho” (2 T m 1.10). “Porque convém que isto que é corruptível se revista da incorruptibilidade e que isto que é m o rtal se revista da im ortalidade. E, quando isto que é corruptível se revestir da incorruptibilidade, e isto que é m o rtal se revestir da imortalidade. [...] então, cu m prir-se-á a palavra que está escrita: Tragada foi a m o rte n a vitória” (1 Co 15.53,54). U m a idéia paralela de “im o rtal”, a saber, “incorruptível”, se acha em outros textos do N ovo Testam ento. Deus dá u m a “coroa incorruptível” aos fiéis (1 Co 9.25) e u m a “herança incorruptível” aos crentes (1 Pe 1.4), e tem u m a “palavra” incorruptível, pela qual somos salvos (1 Pe 1.23).
Deus E o Doador da Vida Eterna Num erosas Escrituras se referem a Deus co m o o D oador da vida eterna para todos os que crêem . Algumas am ostras bastarão: “Porque Deus am ou o m undo de tal m aneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, m as tenha a vida etern a” (Jo 3.16). “Na verdade, na verdade vos digo que quem ouve a m inh a palavra e crê naquele que m e enviou tem a vida eterna e não en trará em condenação, mas passou da m o rte para a vida” 0 o 5.24; cf. 3.36). Repetindo, ninguém pode passar para ou trem o que não possui. Por conseguinte, Deus tem de possuir vida eterna essencialmente e intrinsecam ente.
A BASE TEOLÓGICA PARA A IMORTALIDADE DE DEUS A im ortalidade de Deus pode ser derivada de vários outros atributos. Entres estes, incluem -se a vida, a p ura realidade, a necessidade e a simplicidade de Deus.
A Imortalidade se Segue da Vida C om o m ostrado acim a, Deus tem vida essencialmente. O que tem vida essencialmente não pode m orrer. Portanto, Deus é essencialmente im ortal. Deus é vida, e o que é vida não pode m o rrer. Ele não pode perdê-la, visto que nunca lhe foi dada.
A Imortalidade se Segue da Pura Realidade Deus é Pura Realidade, sem potencialidade, seja de que tipo for, em seu Ser. Os que não têm potencialidade não podem ser realizados por qualquer o u tra coisa: Deus é o Realizador de todas as outras coisas que são reais. A vida envolve aquilo que é real e tem atividade, que é característica definida de vida. Além disso, a vida de Deus tem de ser
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eterna, visto que Ele nao pode ser realizado por qualquer o u tra coisa. P ortan to, Deus é vida im ortal. A Im o rta lid a d e se S eg u e da N ecessid ad e Deus é u m Ser necessário (ver capítulo 3). U m Ser necessário não pode não existir, e Deus tam bém é u m Ser vivo. Por conseguinte, a vida de Deus não pode não existir, visto que Ele é essencialm ente e etern am en te vida. Deus é vida im ortal. A Im o rta lid a d e se S eg u e d a S im p licid ade Deus é u m Ser vivo, e Deus é u m Ser sim ples. U m Ser sim ples não pode ser destruído, pois não tem com posição e, p o rtan to , não pode ser decom posto. C onclui-se que a vida de D eus não pode ser destruída: E essencialm ente im ortal. Im p lica çõ e s d a Im o rta lid a d e de D eu s Duas im plicações principais se derivam da im ortalidade de Deus: Só Deus tem im ortalidade in trinsecam ente, e todas as criaturas só a têm co m o u m presente de Deus (é extrínseca para elas). Deus Tem Imortalidade Intrinsecamente
A Bíblia declara que D eus “tem , ele só, a im ortalidade e habita na luz inacessível; a quem n e n h u m dos h om ens viu n em pode ver; ao qual seja h on ra e poder sem piterno. A m ém !” (1 T m 6.16). Ele só é o “Rei e te rn o ” (1 T m 1.17, A RA ) e o “Deus in corru p tív el” (R m 1.23). A Imortalidade E um Presente de Deus para as Criaturas
Todas as criaturas vieram à existência por D eus (G n 1.1,21; Jo 1.3; 1 Co 8.6), e todas as criaturas continuam existindo p o r Deus (1 Co 8.6; Cl 1.17; Hb 1.3): “Digno és, Senhor, de receber glória, e honra, e poder, porque tu criaste todas as coisas, e por tua vontade são e foram criadas” (Ap 4.11). A lém disso, as criaturas sem pre terão vida continuada só com o u m presente de Deus (2 T m 1.10; R m 2.7; 1 Co 15.53,54).1 E digno de nota que “im ortalidad e”, con form e a palavra é usada em referência aos seres hu m anos no Novo T estam ento, não se refere som en te à alm a, mas à pessoa inteira, corpo e alm a, n o estado ressuscitado. Isto está em contraste com a visão platônica que rem ete a im ortalidade som ente à alm a. Portan to, o ponto devista platônico da im ortalidade da alm a não é bíblico por, pelo m enos, três razões: (1) A alm a não é indestrutível. (2) A im ortalidade se refere ao corpo co m o tam b ém à alma. (3) Não há dualidade da alm a e do corpo, mas u m a unidade dosdois (ver Ladd, “G V H V M ”, em P T M ).
1 Ainda que até os não-salvos venham a viver para sempre, a sua existência nunca é chamada “im ortal” (ver Jo 5.28,29). Ainda que os anjos também venham a viver para sempre (Lc 20.36), eles não são chamados “imortais”, visto que aplicado aos seres humanos a palavra abrange um corpo ressuscitado, e os anjos não têm corpo (M t 22.30; Hb 1.14; Lc 24.39).
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A BASE HISTÓRICA PARA A IMORTALIDADE DE DEUS Os Primeiros Pais da Igreja Falaram sobre a Imortalidade Inácio (110 d. C.) Sê alerta como atleta de Deus. Aquilo que nos é prometido é vida eterna que não pode ser corrompida, da qual coisas tu és também persuadido. Em tudo eu estarei em vez da tua alma, e meus laços que tu amaste. (EP, 2, em Roberts and Donaldson, ANF, I) Justino Mártir (c. 100-c. 165) Im ediatam ente recon h ecem os a presença de Deus que se segue da oração — u m Deus inconquistável e indestrutível ( FA, 1.68, em ibid., I). Inneu (c. 125-c. 202) E então a doutrina relativa à ressurreição dos corpos que cremos, emergirá o verdadeiro e certo [do sistema deles]-, visto que [como sustentamos], Deus, quando Ele ressuscitar o nosso corpo mortal que conservou a justiça, o fará incorruptível e imortal. Pois Deus é superior à natureza, e tem em si mesmo a disposição [para mostrar bondade], porque Ele é bom; e a capacidade para fazer isso, porque Ele é poderoso; e a faculdade de executar o seu propósito completamente, porque Ele é rico e perfeito. (AH, 2.29.2, em ibid., I) Orígenes (c. 185-c. 254) Sei que alguns tentarão dizer que, mesmo de acordo com as declarações de nossas Escrituras, Deus é um corpo, porque nos escritos de Moisés temos a passagem que diz que “o nosso Deus é um fogo consumidor” [Hb 12.29; cf. Ex 24.17]; e no Evangelho de João, que “Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade” [Jo 4.24], Fogo e espírito, de acordo com eles, têm de ser considerados nada mais nada menos que um corpo. Agora, gostaria de perguntar a estas pessoas o que elas têm a dizer com relação à passagem em que é declarado que Deus é luz; como João escreve na sua epístola: "Deus é luz, não há nele treva nenhuma” [1 Jo 1.5]. Verdadeiramente Ele é a luz que ilumina todo o entendimento dos que podem receber a verdade, como diz o Salmo 36.9: “[...] na tua luz veremos a luz”. (DP, 1.1.1 em ibid., IV)
Os Pais da Igreja Medieval Falaram sobre a Imortalidade de Deus Os principais m estres da igreja n a Idade Média concordam co m os primeiros Pais no atributo da im ortalidade de Deus. De Agostinho a Tomás de Aquino há u m a só voz. Agostinho (354-430) Não se suponha que nesta Trindade haja separação em relação a tempo ou lugar, mas que estes três são iguais, co-eternos e absolutamente de uma natureza: e que as criaturas foram feitas, não algumas pelo Pai, algumas pelo Filho e algumas pelo Espírito Santo, mas que cada uma e todas que foram ou são criadas agora subsistem na Trindade como o seu Criador; e que ninguém é salvo pelo Pai sem o Filho e o Espírito Santo, ou pelo Filho sem o Pai e o Espírito Santo, ou pelo Espírito Santo sem o Pai e o Filho, mas pelo Pai, Filho e Espírito Santo, o único, verdadeiro e verdadeiramente imortal (quer dizer, absolutamente imutável) Deus. (I, 169.2)
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Anselmo (1033-1109) R e p e tin d o :
Tu penetras e abarcas todas as coisas; tu és antes e estás além de todas as coisas. Claro que tu és antes de todas as coisas, visto que, antes que viessem à existência, tu já és. Mas como tu estás além de todas as coisas? Pois de que modo tu estás além dessas coisas que nunca terão fim? E porque de nenhuma maneira estas coisas podem existir sem ti, embora tu não existas quanto menos se elas voltarem à inexistência? Pois deste modo, de certo modo, tu estás além deles. Ou também é que podemos pensar que elas têm um fim, enquanto que tu não podes de forma alguma? Pois deste modo, de certo modo, elas têm um fim, mas tu não fazes em qualquer sentido. E seguramente aquilo que não tem fim de forma alguma está além daquilo que chega a um fim de algum modo. E também deste modo que tu ultrapassa até todas as coisas eternas, visto a tua eternidade e a delas está completamente presente a ti, embora elas não tenham a parte da eternidade que ainda está para vir da mesma maneira que elas não têm o que agora é passado? Deste modo, realmente, tu estás sempre além dessas coisas, porque tu sempre estás presente nesse ponto (ou porque tu sempre estás presente em ti) o qual eles ainda não alcançaram. ( A CM W , p. 99) Claro que pertence à substância divina, que sempre e em todos os lugares existe, de forma que nada ou nenhum lugar está à parte da sua presença. Caso contrário, não está de nenhuma maneira em todos os lugares e é sempre poderoso, e o que não está em todos os lugares e não é sempre poderoso não é, de nenhuma maneira, Deus. ( SABW , p. 247) Tomás de Aquino (1225-1274) T o m á s d e A q u in o a f ir m o u :
Vida é um termo abstrato, significando o próprio viver do que está vivo. Dizemos que um animal está vivo por causa da sua alma; o seu viver é o tipo de existência que vem disso, a sua devida forma. Deus, porém, é a sua existência, e, portanto, o seu viver e a sua vida. ( SCG , p. 97) O viver de Deus é o seu saber. O seu poder de entendimento, o objeto entendido e o seu ato de entender são todos idênticos. Seja o que for que entendamos, em Deus está o seu viver e a sua vida. Todas as coisas que Ele faz, Ele entende. Portanto, como existentes nEle elas são a vida dEle. (ST, la.18.4) U m Pai da R e fo rm a F a lo u so b re a Im o rta lid a d e de D eu s João Calvino (1509-1564)
A partir do poder de Deus somos naturalmente levados a considerar a sua eternidade, visto que disso todas as outras coisas derivam, a sua origem tem de ser necessariamente auto-existente e eterna. Além disso, se perguntarmos que causa no princípio o induziu a criar todas as coisas, e agora o inclina a preservá-las, descobriremos que não poderia haver outra causa senão a sua própria bondade. (ICR, 1.5.6) Aqui podemos observar, primeiro, que a sua eternidade e auto-existência são declaradas pelo seu nome magnífico repetido duas vezes; segundo, e que na enumeração das suas perfeições, não há a descrição de como Ele é em si mesmo, mas em relação a nós, para
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que o nosso reconhecimento dEle possa ser mais uma impressão real vivida do que especulação visionária vazia, (ibid., 1.10.2)
Os Mestres da Pós-Reforma Falaram sobre a Imortalidade de Deus Os grandes teólogos que surgiram depois dos Reformadores estavam cientes de que a imortalidade de Deus está associada com outros atributos como a imutabilidade e a incorruptibilidade. As seguintes citações seletas ilustram o que quero dizer. Ja c ó Armínio (1560-1609) A vida de Deus é a sua própria essência, e o seu próprio ser; porque a essência divina está em cada aspecto simples, como também infinita, e, portanto, é eterna e imutável. Por conta disso, a isso, e realmente só a isso é atribuída a imortalidade que, portanto, não pode ser comunicada a qualquer criatura. ( WJA, 1.391) Stephen Chamock (1628-1680) ‘“De eternidade a eternidade tu és Deus.’ Tu sempre tens sido Deus, e não há tempo que possa ser designado como o começo do teu ser” (em Charnock, EAG, 1:277). Repetindo: Deus é sem começo. “No princípio” Deus criou o mundo [Gn 1.1]. Deus era, então, antes do começo do mundo; e que ponto pode ser fixado em que Deus começou, se Ele era antes do começo das coisas criadas? Deus era sem começo, entretanto, todas as outras coisas tiveram o tempo e o começo dEle. (ibid., 1:281) Deus é de si mesmo e de nenhum outro. As naturezas, que são feitas por Deus, podem aumentar, porque elas começaram a ser; elas podem diminuir, porque elas foram feitas do nada e, portanto, tendem ao nada; a condição do seu original as leva a apresentar defeitos, e o poder do seu Criador as faz aumentar. Mas Deus não tem original; Ele não tem defeito, porque não foi feito do nada; Ele não tem aumento, porque não teve começo. Ele era antes de todas as coisas, e, portanto, não depende de outra coisa que, por sua própria mudança, cause mudança nEle. (ibid., 1.281, 1.321) William G. T. Shedd (1820-1894) A auto-existência de Deus denota que a base do seu ser está nEle. Esta referência, às vezes, diz que Deus é a sua própria causa. Mas esta é linguagem censurável. Deus é o Ser nãocausado, e sob este aspecto difere de todos os outros seres. A categoria de causa e efeito é inaplicável à existência de um Ser necessário e eterno. (DT, p. 338)
RESUMO E CONCLUSÃO Em bora a palavra “vida” seja concebida em term os biológicos, tam bém tem u m significado espiritual essencial. Quando aplicadas a Deus, “vida” e “im o rtal” significam que Deus é o Ator, M ovedor e Realizador últim o e intrínseco do universo. Ele é vida; tudo o mais som ente tem vida. Ele possui vida intrinsecam ente; todos os outros seres vivos só a tem extrinsecam ente. Estes atributos de Deus — vida e vida im ortal -— estão solidamente fundam entados na Bíblia, n a Teologia e na História da Igreja.
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CAPÍTULO
DOZE
A UNIDADE E A TRINDADE DE DEUS
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eus é u m , e só um . Este é o grande brado do judaísmo cham ado Shema. Baseia-se em D euteronôm io 6.4 — “o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor” — e foi repetido por Jesus no Novo Testam ento. Quando os escribas judeus perguntaram a Jesus qual era o m aior m andam ento, Ele respondeu: “0 prim eiro de todos os m andam entos é: Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único S enh or” (M c 12.29).
A DEFINIÇÃO DA UNIDADE DE DEUS “Unidade” significa literalm ente “estado” ou “qualidade de u m ”. Deus é u m Ser, em com paração aos m uitos seres. Há u m e só u m Deus (m onoteísm o) ao invés de m uitos deuses (politeísm o). Há três palavras relacionadas que devem ser distinguidas: (1) Unidade: Não há dois ou mais deuses. (2) Simplicidade: Não há duas ou mais partes em Deus. (3) Trindade: Há três pessoas no único Deus.
A BASE BÍBLICA PARA A UNIDADE DE DEUS Desde o princípio até ao fim, as Escrituras afirm am a unidade absoluta de Deus. “No princípio, criou Deus [não deuses] os céus e a terra” (Gn 1.1). “Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único S enh or” (D t 6.4). “Não terás outros deuses diante de m im ” (Êx 20.3). “Eu sou o prim eiro e eu sou o últim o, e fora de m im não há D eus” (Is 44.6). “Eu sou o Senhor, e não há o u tro ” (Is 45.18). “O prim eiro de todos os m andam entos é: Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor” (M c 12.29). “[...] sabemos que o ídolo nada é no m undo e que não há outro Deus, senão u m só” (1 Co 8.4). “[Há] u m só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos, e em todos” (Ef 4.6). “Porque há u m só Deus e u m só m ediador entre Deus e os hom ens, Jesus Cristo, h o m em ” (1 T m 2.5). O texto está bastante claro: Há u m e só u m Deus, ao invés de mais de u m . A unidade da divindade é u m dos ensinos mais fundamentais da Bíblia. Negar esta verdade é um a violação do prim eiro m andam ento.
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A BASE TEOLÓGICA PARA A UNIDADE DE DEUS Além do ensino enfático da Bíblia, há m uitos fortes argum entos teológicos a favor da unidade de Deus. Que há u m e só u m Deus pode ser derivado de outros atributos, co m o a pura realidade, a infinidade, a perfeição absoluta, e tam bém pode ser derivado da natureza do universo.
A Pura Realidade Insinua a Unidade Deus é Pura Realidade sem potencialidade seja de que tipo for, e não pode haver duas ou mais Puras Realidades, pois a potencialidade é o princípio da diferenciação. U m a coisa não pode diferir da outra (no ser) a menos que seja u m tipo diferente de ser, e dois seres de pura realidade não são tipos diferentes de ser (ver Volume 1, capítulo 2). Portanto, só pode haver u m Ser que é a Pura Realidade. O Puro Ato com o tal não difere do Puro Ato com o tal; o Ser com o tal não pode diferir do Ser com o tal. Muitas coisas podem ter o ser, mas só um a coisa pode ser o ser.
A Infinidade Insinua a Unidade A Bíblia afirma que Deus é infinito no seu Ser (ver capítulo 5), e não pode haver dois ou mais seres infinitos. Se houvesse, então haveria mais que u m infinito, o que é impossível. Não pode haver dois Todos ou Suprem os. Por conseguinte, só pode haver u m Deus infinito. Mais precisam ente, ser dois tem de haver diferença, e dois seres simples do m esm o tipo não podem diferir no seu ser.1
A Perfeição Absoluta Insinua a Unidade As Sagradas Escrituras afirmam que Deus é absolutamente perfeito (ver capítulo 14). Não pode haver dois seres que sejam absolutamente perfeitos, pois para serem dois eles têm de diferir. Caso contrário, eles seriam o mesmo. Para diferir, u m teria de possuir u m pouco de perfeição que o outro não tivesse. Todavia aquele que não tivesse u m pouco de perfeição não seria absolutamente perfeito. Portanto, só pode haver u m Ser que é absolutamente perfeito.
O UNIVERSO IMPLICA QUE HÁ SÓ UM DEUS O cosm o foi criado por Deus (ver parte 2), e o cosm o é u m universo e não u m multiverso. Tem unidade, ordem e desígnio em toda parte. O princípio antrópico (ver Barlow, ACP) afirma que desde o com eço o universo inteiro foi bem afinado para o aparecim ento da vida (ver Volume 1, capítul
Implicações da Unidade de Deus Pelo m enos três im plicações em ergem da unidade de Deus: ela se opõe ao politeísmo, triteísm o2 e idolatria. 1 Os seres finitos são complexos e não simples. Portanto, eles podem diferir, embora sejam do m esm o tipo básico, ou seja, finitos.
2N .d o E : “^Triteísmo: [Do gr. trika, três + theos, deus] Doutrina segundo a qual há em Deus não somente
três Pessoas, mas tam bém três essências, três substâncias e três deuses. Não confundir com a Trindade. Nesta, admitese a existência de três pessoas num a única divindade. No triteísmo, defende-se a realidade de três deuses distintos. Na Trindade, há unidade; no triteísmo, diversidade e até conflito (Dicionário Teológico, 1998, CPAD, p. 280).
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Unidade versus Politeísmo
Se havia mais de u m Deus, então o politeísm o seria verdade. Porém , co m o m ostrado acim a, há som en te u m Deus. O politeísm o é falso. A unidade de D eus, então, exclui todas as form as de politeísm o. Unidade versus Triteísmo
A unidade de Deus é oposta à heresia cham ada triteísm o, que alega que há três seres separados n a divindade. O m o n oteísm o afirm a que há só u m Ser que é Deus, não três seres. Por conseguinte, a unidade de D eus é co n tra o erro do triteísm o. Unidade versus Idolatria
Se u m e ún ico Ser no universo é Deus, então só este Ser é digno de adoração. Nada mais que o U ltim o é digno de u m com prom isso ú ltim o (que é a adoração). Só h á u m Deus, com o m ostrado acim a. P ortan to, só este Deus deve ser adorado e não qualquer o u tra coisa.
A BASE HISTÓRICA PARA A UNIDADE DE DEUS A base histórica para a unidade de Deus en tra nas próprias origens do cristianism o do N ovo Testam ento e re to rn a ao judaísm o do qual surgiu o cristianism o.
Os Primeiros Pais da Igreja Falaram sobre a Unidade de Deus A unidade absoluta de Deus nu n ca foi desafiada por qualquer Pai ortod oxo da Igreja. M esm o en tre os prim eiros Pais, há u m coro u n ân im e de louvor ao ú n ico D eus e à sua unidade. Justino M ártir (c. 100~c. 165)
O mais verdadeiro Deus é o Pai da justiça. [...] Nós o cultuamos e adoramos, o Filho (que veio dEle e nos ensinou estas coisas, junto com o exército dos outros anjos bons que o seguem e são feitos como Ele), e o Espírito profético, (em Bercot, DECB, p. 652) Irineu (c. 125-c. 202)
Declaramos o único Deus Pai, acima de todos, através de todos e em todos. O Pai realmente está acima de todos, e Ele é a Cabeça de Cristo. Mas o Verbo é através de todas as coisas e Ele mesmo é a Cabeça da Igreja. Enquanto o Espírito está em todos nós, e Ele é a água viva. (AH , 5.18.2, em Roberts and Donaldson, ANF, I) Clemente de Alexandria (150-c. 215)
“O Pai universal éu m .A Palavra universal é um. E o Espírito Santo é um" ( 1 , 1.6, em ibid., II). Tertuliano (c. 155-c. 225)
Eu testifico que o Pai, o Filho e o Espírito são inseparáveis uns dos outros. [...] A minha afirmação é que o Pai é um, o Filho é um e o Espírito é um —tf e que Eles são todos distintos uns dos outros. (AP, 2.7.9, em ibid., III)
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Hipólito (c. 170-c. 235) “Todavia se ele deseja saber co m o é m ostrado que ainda há u m Deus, que ele saiba que o seu poder é um . Portanto, até onde diz respeito ao poder, Deus é u m ” (A H O N , 8, em ibid., V). Orígenes (c. 185-c. 254) Todas as coisas que existem foram feitas por Deus e não havia nada que não foi feito — exceto para a natureza [singular] do Pai, do Filho e do Espírito Santo. [...] Pois só o Pai conhece o Filho. E só o Filho conhece o Pai. E só o Espírito Santo sonda até mesmo as coisas profundas de Deus. (DP, 4.1.35, em ibid., IV)
Os Pais da Igreja Medieval Falaram sobre a Unidade de Deus Os teólogos cristãos no tran scorrer dos séculos treinaram para explicar a pluralidade dentro da unidade de Deus; no entanto, n a base de tudo estava a forte convicção de que Deus era u m em n atu reza e atributos. Agostinho (354-430) Esta Trindade é um Deus. E, embora seja uma Trindade, é simples. Pois, não dizemos que a natureza deste bem é simples, porque só o Pai compartilha dela, ou só o Filho, ou só o Espírito Santo. Eles [os anjos] conhecem esta Palavra e o Pai e o Espírito Santo, entendendo que esta Trindade é indivisível e que cada uma das Pessoas é substancial, embora não haja três Deuses, mas somente um. (CG, 11.10,11.29) Repetindo: “Não se suponha que nesta Trindade haja separação em relação a tem po ou lugar, mas que estes três são iguais, co-eternos e absolutam ente de u m a n atu reza” (L, 169.2). Anselmo (1033-1109) “Primeiro, todos os três juntos são u m a essência suprem a (em bora cada um , perfeitam ente, seja a essência suprem a). E a única essência suprem a não pode existir sem si m esm a, fora de si m esm a, ou m aior ou m en or que si m esm a” (A C M W , p. 66, 67). Então, temos de ter fé no Pai, no Filho e no Espírito, igualmente em cada Pessoa e em todas as três juntas. Isto é porque cada indivíduo é a essência suprema, e todos os três juntos são uma e a mesma essência suprema. A essência suprema é a única coisa que todo o mundo deve crer. (ibid., p. 79) Tomás de Aquino (1225-1274) Se houvesse alguma desigualdade nas pessoas divinas, elas não teriam a mesma essência; e assim as três pessoas não seriam um Deus; o que é impossível. Temos de admitir igualdade entre as pessoas divinas. (ST, la.42.2) Considerando que um é um ser não-dividido, se qualquer coisa é supremamente um tem de ser supremamente ser e supremamente não-dividido. Agora estes dois
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pertencem a Deus. Porque Ele é ser supremamente, já que o seu ser não é dado por qualquer natureza para a qual Ele é acoplado; visto que Ele é o próprio ser, subsistente, absolutamente indeterminado. Mas Ele é supremamente não-dividido, já que Ele não é dividido realmente, nem potencialmente, por qualquer modo de divisão; visto que Ele é completamente simples, como foi mostrado acima. [Q.. 3, A. 7] Por conseguinte, está claro que Deus é um no grau supremo, (ibid., la.11.4) Deus é o mesmo como a sua essência ou natureza. Para entender isto, temos de observar isso nas coisas compostas da matéria e forma. [...] Considerando que Deus não é composto de matéria e forma, Ele tem de ser a sua própria divindade, a sua própria vida e tudo o mais é predicado dEle. (ibid., la.3.3) Em Deus, o intelecto, o objeto entendido, as espécies inteligíveis e o seu ato de entender são completamente um e os mesmos. Por conseguinte, quando dizemos que Deus é entendimento, nenhum tipo de multiplicidade, está ligado à sua substância, (ibid., la.14.4) Pois foi demonstrado acima [Q. 4, A. 2] que Deus compreende em si mesmo a perfeição inteira do ser. Se muitos deuses existissem, eles difeririam necessariamente uns dos outros. Algo pertenceria a um que não pertenceu a outro. E se esta fosse uma privação, um deles não seria absolutamente perfeito; mas se fosse uma perfeição, um deles não o seria. Portanto, é impossível existirem muitos deuses, (ibid., Ia. 11.3)
Os Pais da Reform a Falaram sobre a Unidade de Deus Os Reform adores foram cuidadosos em acentuar a unidade de Deus, não obstante cressem na Trindade. Eles deram continuidade à tradição e à confissão da igreja ortodoxa no transcurso dos séculos. Martinho Lutero (1483-1546) Tivemos de usar a palavra Pessoa da mesma maneira que os pais também a usaram, porque não temos termo melhor. Significa nada mais que hipóstase, um Ser ou Substância que existe de si mesmo, e é Deus. Há três Pessoas distintas, mas só um Deus ou uma única divindade. Cristo mostra vigorosamente que o Espírito Santo é [...] uma Pessoa separada e distinta por si mesmo, um que não é o Pai ou o Filho. Pois todas estas expressões obviamente se referem a uma Pessoa separada: o Consolador que virá; repetindo: “[...] tudo o que tiver ouvido [...] vos anunciará” (Jo 16.13). Se Ele tem de vir ou (como Ele disse acima) ser enviado ou proceder; repetindo, se Ele tem de ouvir e falar, Ele certamente tem de ser Alguém. Agora, é claro que Ele não é o Pai, porque o Pai nem vem nem é enviado; nem é Ele o Filho, que já veio e agora retorna ao Pai, de quem o Espírito Santo tem de pregar e quem Ele tem de glorificar. ( WLS, pp. 1381, 1382, 1384) João Calvino (1509-1564) Esta distinção está muito longe de interferir com a mais perfeita unidade de Deus, que o Filho seja assim provado que é um Deus com o Pai, já que Ele constitui um Espírito com Ele, e que o Espírito não é diferente do Pai e do Filho, já que Ele é o Espírito do Pai e do Filho. Em cada hipóstase, entende-se a natureza inteira, sendo a única diferença que cada um tem a sua própria subsistência peculiar.
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Quando professamos crer em um Deus, pelo nome Deus entendemos a única essência simples, compreendendo três pessoas ou hipóstases; e, conseqüentemente, sempre que o nome de Deus é indefinidamente usado, entende-se o Filho e o Espírito, não menos que o Pai. Mas quando o Filho é unido com o Pai, a relação entra em cena, e assim distinguimos entre as Pessoas, (ibid., 1.13.19, 20) Parece-me que nada pode ser mais admirável que as palavras [de Gregório Nazianzeno]: "Não posso pensar na unidade sem ser irradiado pelaTrindade: Não posso distinguir entre aTrindade sem ser levado até aunidade”. Portanto, tomemos cuidado para não imaginar que tal Trindade de pessoas nos distraia os pensamentos, em vez de nos levar de volta imediatamente à unidade. As palavras Pai, Filho e Espírito Santo indicam uma real distinção, não nos permitindo supor que sejam somente epítetos pelos quais Deus seja variadamente designado das suas obras. Portanto, eles só indicam apenas distinção e não divisão, (ibid., 1.13.17) Ulrico Zwínglio (1484-1531) “Só u m a coisa pode ser infinita, pois no m o m en to em que adm itim os que haja duas substâncias infinitas, im ediatam ente u m a está limitada pela o u tra” (em Brom ley, editor, ZB, p. 247).
Os Pais da Pós-Reforma Falaram sobre a Unidade de Deus A Trindade de Deus foi u m a preocupação continua dos pós-reform adores. Cada u m se esforçou para descrever o mistério de m od o claro e convincente aos seus contem porâneos. Ja có Arminio (1560-1609) As Pessoas divinas não são modos de ser ou de existir, ou modos da essência divina: Porque são coisas com o modo de ser ou existir. As Pessoas divinas são distintas por real distinção, não por grau e modo da coisa. Uma Pessoa é uma subsistência individual, não uma propriedade característica, nem é um princípio individual; embora não seja um indivíduo OU, nem uma pessoa sem uma propriedade característica ou sem um princípio individual. John Miley (1813-1895) Trinitarianismo não é triteísmo; nem são os trinitários menos pronunciados na unidade de Deus do que os unitários. O sentido desta unidade está englobado no termo designativo das distinções pessoais na divindade. Conclui-se que a unidade de Deus é a verdade basal na doutrina da Trindade. Mas como esta pergunta não está em questão como entre o trinitarianismo e o unitarismo, e, sobretudo, como o consideramos previamente em sua aplicação distintiva a Deus, não requer que a examinemos aqui. (ST, p. 223) William G. T. Shedd (1820-1894) Deus, como pessoal, é autoconsciente. Por conseguinte, Ele tem de se fazer o seu próprio objeto de contemplação. Aqui a doutrina da Trindade, o mistério profundo do cristianismo, esclarece muito o mistério da autoconsciência divina. A coluna de nuvem se tom a a coluna de fogo. As três distinções na única essência a personalizam. Deus é pessoal, porque Ele é três pessoas: Pai, Filho e Espírito.
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H á sociedade d en tro da essência, e co m p leta m en te ind ependente do un iverso criado; e a u to co n h ecim en to , a u to co m u n h ã o e b em -av en tu ran ça resu ltan te disso. Mas isto é im possível para u m a essência destituída destas distinções pessoais internas. N em a unidade singu lar dos deístas, m as a unidade p lu ral dos trinitários explica isto. (D T, pp. 183-185)
Stephen Charnock (1628-1680) T od a a m u ltid ã o c o m e ç a e é red uzid a à unidad e. C o m o acim a da m u ltip licid ad e há un idad e absoluta, assim , acim a das criatu ras m istu rad as h á sim plicid ade absoluta. Você n ã o pode co n ceb er n ú m e ro sem co n ceb er o c o m e ç o disso n o que n ão era n ú m e ro , a saber, u m a unidade. T u d o aqu ilo que co n sid eram o s em D eu s é in alteráv el; pois a sua essência e as suas propriedades são as m esm as, e, p o rta n to , o qu e n e cessariam en te p e rte n ce à essência de D eu s, ta m b ém p e rte n ce a to d a p erfeição da n a tu re z a de D eu s; n e n h u m deles pode re ceb er adição ou d im in u ição . ( EAG , 1.183, 1.318)
OBJEÇÕES À UNIDADE DE DEUS As objeções teológicas à unidade de Deus entram em duas categorias básicas. Primeiro, há os que negam que h aja só um D eus (ao invés de m u itos deuses). Segundo, outros afirm am que há m u itos seres ou partes em Deus. O ú ltim o é u m ataque à sim plicidade de Deus que já foi analisado (ver capítulo 2).
O bjeção Um: Baseada nas Referências Plurais a Deus A m aioria destas objeções se baseia em referências bíblicas a Deus n o plural. O próprio term o "D eu s” é plural. Deus às vezes fala na fo rm a plural ( “n ós”, “n o s” ou “nosso/a”; cf. G n 1.26), e até a palavra “u m ” em hebraico (echad) pode significar “m u ito s”.
Resposta à O bjeção Um Primeiro, é verdade que a própria palavra para referir-se a Deus no A ntigo Testam ento ( elohim ) é plural. De fato, pode ser traduzida até por “deuses” (ver SI 82.6). Todavia quando usada acerca de Deus, é plural gram aticam en te e não ontologicam ente. E plural em fo rm a literária, mas não em realidade. Os m u itos versículos (ver acim a) que usam esta fo rm a para referir-se a D eus (m as que declaram que Ele é absolutam ente u m ) são prova de que não é esta intencion al para indicar a pluralidade de deuses. Segundo, o uso de “n ós” ou “n o s” em referência a D eus é o u tra fo rm a literária conh ecid a co m o plural da realeza. É usado em alusão à realeza e a D eus nas cu ltu ras sem íticas. M esm o em u m m o n oteísm o rígido co m o o islã onde há só u m a pessoa n a divindade, há referências a D eus n o A lcorão usando “n ós” ou “n os” (ver Sura 6.55,76; 7.117,138, etc.). Terceiro, a palavra hebraica traduzida po r “u m ” (echad) usada para aludir a D eus pode e significa “m u itos em u m ”. Por exem plo, em Gênesis 2.24 se refere a m ach o e fêm ea co m o u m a ( echad) carne. Na m e lh o r das hipóteses, esta é u m a im plicação da Trindade, e não u m a afirm ação do politeísm o, pois a Bíblia é clara em cond enar o politeísm o. No entanto, m esm o não adm itindo que h a ja m u itos deuses (p oliteísm o) ou m u itos seres n a divindade (triteísm o), a Bíblia adm ite u m a pluralidade de pessoas dentro da unidade da essência através de term os co m o echad. P ortan to, m esm o não se opondo ao m onoteísm o, o term o echad favorece o trinitarianism o.
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Quarto e ú ltim o, a Bíblia insinua, pelo próprio m andam ento de não adorá-los, que há m uitos deuses (Ex 20.3): “Não terás outros deuses diante de m im ”. C ontudo, os “outros deuses” podem ser considerados deuses imaginários, isto é, deuses criados por nós, mas não Deus real. Ou, podem os entendê-los co m o demônios por trás destes deuses que não devem ser adorados (1 Co 10.20). Paulo resum iu m uito bem quando escreveu: Assim que, quanto ao comer das coisas sacrificadas aos ídolos, sabemos que o ídolo nada é no mundo e que não há outro Deus, senão um só. Porque, ainda que haja também alguns que se chamem deuses, quer no céu quer na terra (como há muitos deuses e muitos senhores), todavia, para nós há um só Deus, o Pai, de quem é tudo e para quem nós vivemos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós por ele. (1 Co 8.4-6) O b je çã o D o is: B asea d a n a T rin d a d e d e D eu s C laro que a principal objeção à unidade de Deus é a afirm ação de que h á um a pluralidade dentro dessa unidade — que há três Pessoas (o Pai, o Filho e o Espírito Santo) e, contudo, só u m Deus. Ao que parece é u m a contradição descarada afirmar que há só u m Deus e, ao m esm o tem po, que há três deuses. R e sp o sta à O b je çã o D ois A resposta cristã ortod oxa para este ataque é que Deus é três e u m em sentidos diferentes. Ele é três pessoas, m as Ele tem só u m a essência (n atu reza). Portanto, não é um a contradição, visto que não afirma que há três pessoas e, ao m esm o tem po, só u m a pessoa em Deus, ou que há três naturezas e, ao m esm o tem po, só u m a n atu reza nEle. C o m o pode haver três pessoas e, ao m esm o tem po, só u m a natureza é u m m istério, mas não u m a contradição, com o m ostrarem os mais adiante. A T R IN D A D E D E D E U S Deus não só é u m a unidade, Ele é u m a trindade, quer dizer, não há só u m Deus (m onoteísm o), mas há três pessoas nesse Deus. Este é o ensino orto d o xo da Trindade. O SIG N IFIC A D O D A PALA VRA TRIN D AD E Em prim eiro lugar, é im portan te destacar o que não se quer dizer pelo conceito cristão de Trindade. Não significa que haja três deuses (triteísm o), e não significa que Deus tem três m odos de u m e o m esm o ser (m odalism o). O triteísm o nega a simplicidade absoluta de Deus, e o m odalism o nega a pluralidade de pessoas em Deus. O prim eiro afirma que há três seres na divindade, e o últim o afirma que não h á três pessoas em Deus. O que, então, quer dizer a palavra trindade? Quer dizer que Deus é u m a triunidade: Ele é u m a pluralidade dentro da unidade. Deus tem u m a pluralidade de pessoas e u m a unidade de essência; Deus é três pessoas em u m a natureza. Há apenas u m “Q uê” (essência) em Deus, mas há três “Q uens” (pessoas) dentro desse u m Quê. Deus tem três “eus” nesse u m “ele” — há três Sujeitos em u m Objeto.
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A BASE BÍBLICA PARA A TRINDADE A doutrina da Trindade se baseia em dois ensinos bíblicos básicos: (1) Há u m e som ente u m Deus. (2) Há três Pessoas distintas que são Deus: O Pai, o Filho e o Espírito Santo.
Há som ente Um Deus Já apresentamos as evidências bíblicas, teológicas e históricas para a unidade absoluta de Deus (ver acim a). Não precisam os repetir aqui.
Três Pessoas Diferentes são Deus: o Pai, o Filho e o Espírito Santo Além de afirmar que Deus é u m em n atureza ou essência, as Escrituras afirmam que há três pessoas distintas que são Deus. Todos são cham ados Deus, e todos têm as características essenciais de u m a pessoa. Tradicionalm ente, entendem os que personalidade é alguém que tem intelecto, sentim entos e vontade. Na Bíblia, todas estas três características são atribuídas a todos os três m em bros da Trindade (ver mais adiante). Essencialmente, a personalidade se refere a u m “eu ”, um “q uem ” ou u m sujeito. Cada “eu ” n a Trindade possui (p or conta da sua n atu reza co m u m ) o poder de pensar, sentir e escolher. A Personalidade em si é o seu Estado de Eu ou Estado de Quem. 0 Pai É Deus Num erosos versículos falam de Deus co m o sendo Pai. Estes são alguns exemplos. Jesus disse: “Trabalhai não pela com ida que perece, mas pela com ida que perm anece para a vida eterna, a qual o Filho do H om em vos dará, porque a este o Pai, Deus, o selou” (Jo 6.27). Paulo acrescentou: “A todos os que estais em Rom a, amados de Deus, cham ados santos: G raça e paz de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus C risto” (R m 1.7). E: “Paulo, apóstolo (não da parte dos hom ens, n em p or h o m em algum , mas por Jesus Cristo e por Deus Pai, que o ressuscitou dos m o rto s)” (C l 1.1). 0 Filho É Deus Cristo é Deus, fato que é afirmado em muitas passagens e de muitas form as, direta e indiretam ente. Muitas estão resumidas aqui.
Jesus Afirmou Ser Jeová Jeová (YHW H) é o nom e especial dado por Deus para si mesm o no Antigo Testamento. É o nom e revelado a Moisés em Êxodo 3.14, quando Deus disse: “EU SOU O QUE SOU”. Outros títulos de Deus podem ser usados em referência aos hom ens (adonai [“senhor”] em Gênesis 18.12) ou falsos deuses (elohim [“deuses”] em D euteronôm io 6.14), mas só Jeová é usado para referir-se ao Deus verdadeiro. N enhum a outra pessoa ou coisa era para ser adorado ou servido (Êx 20.5), e o seu nom e e glória não seriam dados a ou trem .3 Isaías escreveu: “Assim diz o Senhor: [...] Eu sou o primeiro e eu sou o último, e fora de m im não há Deus” (Is 44.6), e: “Eu sou o Senhor; este é o m eu nom e; a m inha glória, pois, a outrem não darei, nem o m eu louvor, às imagens de escultura” (Is 42.8). 3Traduzir
S en h o r
(YHWH) por “Jeová” ajuda a enfatizar a deidade e a fazer distinções entre os membros da Trindade.
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Jesus orou: “E, agora, glorifica-me tu, ó Pai, junto de ti mesmo, com aquela glória que tinha contigo antes que o mundo existisse” 0 o 17.5; esta é um a declaração óbvia a favor da deidade de Cristo, pois Jeová, no Antigo Testamento, disse: “A minha glória, pois, a outrem não darei” [Is 42.8]). Jesus também declarou: “Não temas; eu sou o Primeiro e o Último” (Ap 1.17), exatamente as palavras usadas por Jeová em Isaías 44.6. Ele disse: “Eu sou o bom Pastor” 0 o 10.11), e o Antigo Testamento afirma: “Iahweh [Jeová] é m eu pastor” (SI 23.1, BJ). Além disso, Jesus afirmou ser o juiz de todos os homens 0 o 5.27ss.; M t 25.31ss.), e Joel cita Jeová que disse: Ali m e assentarei, para julgar todas as nações em redor” (Jl 3.12). Semelhantemente, Jesus referiu-se a si com o o “noivo” (Mt 25.1, ARA), ao mesmo tempo em que o Antigo Testamento identifica Jeová deste modo (Is 62.5; Os 2.16). Enquanto o salmista declara: “Iahweh [Jeová] é minha luz” (SI 27.1, BJ), Jesus diz: “Eu sou a luz do mundo” 0 o 8.12). Talvez a declaração mais forte que Jesus fez acerca de ser Jeová está em João 8.58, onde Ele diz:'“[...] antes que Abraão existisse, eu sou”. São dizeres que afirm am não só a existência antes de Abraão, mas tam bém a igualdade ao “EU SOU” de Êxodo 3.14. Os judeus que ouviram estas palavras entenderam claram ente o significado do enunciado e apanharam pedras para m atá-lo por ter, sob a ótica deles, blasfemado (cf. Jo 10.31-33). A m esm a afirmação tam bém é feita em M arcos 14.62 e João 18.5,6.
Jesus Afirmou Ser Igual a Deus Jesus professou a deidade de outras maneiras, u m a das quais foi reivindicar para si as prerrogativas de Deus. Ele disse ao paralítico: “Filho, perdoados estão os teus pecados” (M c 2.5ss.). Os escribas responderam adequadamente: “Q uem pode perdoar pecados, senão Deus?” Portanto, para provar que a sua declaração não era u m a ostentação vazia, Ele cu rou o h om em , oferecendo prova con creta de que o que ele dissera sobre perdoar pecados tam bém era verdade. O utra prerrogativa que Jesus afirmou, pertinente unicam ente a Deus, era o poder de ressuscitar e julgar os m ortos: “E m verdade, em verdade vos digo que vem a hora, e agora é, em que os m ortos ouvirão a voz do Filho de Deus, e os que a ouvirem viverão. E os que fizeram o bem sairão para a ressurreição da vida; e os que fizeram o m al, para a ressurreição da condenação” (Jo 5.25,29). Ele dirimiu toda dúvida sobre o que queria dizer, quando acrescentou: “Pois assim co m o o Pai ressuscita os m ortos e os vivifica, assim tam bém o Filho vivifica aqueles que quer” (Jo 5.21). O Antigo Testam ento ensina claram ente que só Deus é o D oador da vida (1 Sm 2.6; D t 32.39), o Ressuscitador dos m ortos (SI 2.7) e o único Juiz (Jl 3.12; D t 32.36). Jesus ousadam ente assumiu para si poderes que só Deus tem . Jesus tam b ém afirm ou que seria h o n rad o co m o D eus. Ele disse: “Para que todos h o n rem o Filho, c o m o h o n ra m o Pai. Q u em n ão h o n ra o Filho n ão h o n ra o Pai, que o en viou ” (Jo 5.23). Os judeus que ou v iram esta d eclaração sabiam que n in g u ém reivindicaria ser igual a D eus deste m o d o . Por isso, n o v am en te quiseram m a tá -lo (Jo 5.18).
Jesus Afirmou Ser o Deus-Messias Até o A lcorão recon h ece que Jesus era o Messias (Sura 5.17,75). O Antigo Testam ento ensina que o Messias seria o próprio Deus. Portanto, quando Jesus reivindicou ser Messias, Ele tam bém estava reivindicando ser Deus. Por exem plo, o profeta cham a o Messias de “Deus F o rte” (Is 9.6). Escrevendo acerca do Messias, o salmista disse: “O teu trono, ó
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Deus, é etern o e p erp étu o” (SI 45.6; cf. Hb 1.8). O Salm o 110.1 registra u m a conversa en tre o Pai e o Filho: “Disse o S en h o r ao m eu S en h o r [adonai]: A ssenta-te à m in h a m ão direita”. Em M ateus 22.43,44, Jesus aplicou esta passagem a si m esm o. Na grande profecia m essiânica de D aniel 7, o Filho do H om em é cham ado o “ancião de dias” (D n 7.22), term o usado duas vezes na m esm a passagem para aludir a D eus Pai (D n 7.9,13). Quando estava sendo julgado diante do sum o sacerdote, Jesus tam b ém disse que Ele era o Messias. Q uando lh e perguntaram : “Es tu o Cristo [cristos, a palavra grega para aludir ao “Messias”], Filho do D eus Bendito? E Jesus disse-lhe: Eu o sou, e vereis o Filho do H om em assentado à direita do Todo-poderoso e vindo sobre as nuvens do céu. E o sum o sacerdote, rasgando as suas vestes, disse: Para que necessitam os de mais testem unhas? Vós ouvistes a blasfêm ia” (M c 14.61-64). Não havia dúvida de que ao afirm ar ser o Messias (ver tam bém Lc 24.27; M t 26.56), Jesus tam bém estava afirm ando ser Deus.
Jesus Afirmou ser Deus quando A ceitou Adoração O A ntigo Testam ento proíbe adorar qualquer ser que n ão seja D eus (Ex 20.1-5; D t 5.6-9). O N ovo Testam ento concorda, m ostrand o que os h om ens recusaram adoração (A t 14.13-15), com o recusaram os anjos (Ap 22.8,9). Mas em num erosas ocasiões Jesus aceitou adoração, revelando que Ele reivindicou ser Deus. U m leproso o adorou antes de ser curado (M t 8.2), e u m chefe religioso ajo elh ou -se diante dEle para fazer u m pedido (M t 9.18). Depois de Jesus ter acalm ado a tem pestade, “aproxim aram -se os que estavam no barco e ad oraram -no, dizendo: Es verdadeiram ente o Filho de D eu s” (M t 14.33). A m u lh e r cananéia (M t 15.25), a m ãe de Tiago e João (M t 20.20) e o end em onin hado gadareno (M c 5.6) se cu rvaram diante de Jesus sem serem repreendidos pelo ato. U m cego disse: “Ele disse: Creio, Sen h or. E o ad orou” (Jo 9.38). T om é viu o Cristo ressurreto e exclam ou : “S en h or m eu, e Deus m e u !” (Jo 20.28). Isto só poderia ser evocado por um a pessoa que se considerasse ser Deus.
Jesus Afirmou ter Autoridade igual a Deus Jesus tam bém pôs as suas palavras no m esm o nível que Deus: “Ouvistes que foi dito aos antigos [...] Eu, porém , vos digo” (M t 5.21,22) é con stru ção repetida inúm eras vezes. “E -m e dado todo o poder n o céu e na terra. P ortanto, ide, ensinai todas as nações, batizando-as em n o m e do Pai, e do Filho, e do Espírito S a n to ” (M t 28.18,19). D eus dera os D ez M andam entos a M oisés, mas Jesus disse: “U m novo m an d am ento vos dou: Que vos ameis uns aos o u tro s” (Jo 13.34). Jesus p ro m eteu : “Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem , n em u m jo ta ou u m til se om itirá da lei sem que tudo seja cu m p rid o” (M t 5.18), e mais tarde Jesus disse acerca das suas palavras: “O céu e a te rra passarão, m as as m inhas palavras não hão de passar” (M t 24.35). Falando dos que o rejeitam , Jesus confirm ou : “[...] a palavra que ten h o pregado, essa o h á de ju lg ar no ú ltim o D ia” (Jo 12.48). Não há dúvida de que Jesus esperava que as suas palavras tivessem autoridade igual às declarações de Deus no A ntigo T estam ento.
Jesus Afirmou ser Deus quando D eterm inou que as Orações fossem feitas em seu Nome Jesus não só pediu que as pessoas cressem nEle e obedecessem aos seus m andam entos, mas tam bém lhes pediu que orassem em seu n om e: “E tu do quanto pedirdes em m eu
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nom e, eu o farei, para que o Pai seja glorificado no Filho. Se pedirdes algum a coisa em m eu n om e, eu o farei” (Jo 14.13,14). “Se vós estiverdes em m im , e as m inhas palavras estiverem em vós, pedireis tudo o que quiserdes, e vos será feito” (Jo 15.7). Jesus até asseverou: “Ninguém vem ao Pai senão p or m im ” (Jo 14.6). E m resposta a isto, os discípulos não só oraram em n om e de Jesus (1 Co 5.4), mas tam bém oraram a Cristo (A t 7.59). Está bem claro, p ortan to , que Jesus quis que o seu n om e tam bém fosse invocado co m o Deus em oração.
Jesus Afirmou ser Deus pelo Uso que Fez das Parábolas Na tese de doutorado de Cambridge sobre este tópico, Philip B. Payne observa que [...] das cinqüenta e duas parábolas de narrativas registradas de Jesus, vinte o descrevem na imagem que no [Antigo Testamento] se refere tipicamente a Deus. A freqüência com que isto ocorre indica que Jesus se descrevia regularmente em imagens que eram particularmente apropriadas para descrever Deus. (Payne, “JICDP”, em TJ, p. 17) Estas imagens são o Semeador, o D iretor da Colheita, a Rocha, o Pastor, o Noivo, o Pai, o D oador de Perdão, o D ono da Vinha, Deus e m uitas mais. Portanto, “Jesus se descreve nestas parábolas co m o o pastor [...] e, deste m odo, reivindica im plicitam ente que é Deus” (ibid., p. 11). Devido a estes muitos m odos claros nos quais Jesus reivindicou ser Deus, o observador imparcial deve reconhecer, quer aceite ou não, que Jesus de Nazaré reivindicou ser Deus nos Evangelhos.4 Quer dizer, Ele afirm ou ser idêntico ao Jeová do Antigo Testam ento.
Os Discípulos de Jesus Reconheceram a Afirmação que Jesus Fez de ser Deus Além das reivindicações de Jesus sobre si m esm o, os seus discípulos imediatos tam bém recon h eceram a reivindicação que Ele fazia à deidade. Isto que eles m anifestaram de muitas form as, algumas das quais esboçarem os brevem ente agora. (1) Os discípulos atribuíram os títulos da deidade a Jesus. De acordo co m o seu M estre, os apóstolos de Jesus o ch am aram “o Primeiro e o Ú ltim o” (Ap 1.17; 2.8; 22.13); “a luz verdadeira” (Jo 1.9); “a pedra” ou “a pedra principal” (1 Co 10.4; 1 Pe 2.6-8; cf. SI 18.2; 95.1); o “m arido” (E f 5.22-33; Ap 21.2); “o Sum o Pastor” (1 Pe 5.4); e o “grande Pastor” (Hb 13.20). O papel de “R edentor” apresentado no Antigo Testam ento (Os 13.14; SI 130.7) é dado a Jesus no Novo Testam ento (T t 2.13,14; Ap 5.9). Ele é visto com o o perdoador de pecados (A t 5.31; Cl 3.13; cf. Jr 31.34; SI 130.4) e “o Salvador do m u n d o” (Jo 4.42; cf. Is 43.3). Os apóstolos tam bém disseram que Ele é “Jesus Cristo, que há de julgar os vivos e os m o rto s” (2 T m 4.1). Todos estes títulos são exclusivos ao Jeová do Antigo Testam ento, m as são dados a Jesus no N ovo Testam ento. (2) Os discípulos consideraram Jesus o Deus-Messias. O Novo Testam ento co m eça co m u m a passagem que fala que Jesus é Em anuel ( “Deus con osco”); o que se refere à prédição messiânica de Isaías 7.14. O próprio título “C risto” 4 Claro que muitos críticos rejeitam a fidedignidade dos Evangelhos. Entretanto, a evidência avassaladora a favor do registro evangélico já foi com provada (Volume 1, capítulo 26).
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tran sm ite o m esm o significado que o títu lo hebraico “M essias” ( “U ngid o”). Em Zacarias 12.10, Jeová diz: “[...] e olharão para m im , a quem traspassaram ”. Os escritores do Novo T estam ento aplicam esta passagem duas vezes a Jesus (Jo 19.37; Ap 1.7) em alusão à sua crucificação. Paulo in terp reta a m ensagem de Isaías: “[...] porque eu sou Deus, e não há o u tro . [...] diante de m im se cu rvará todo jo elh o ; p o r m im ju ra rá língu a” (Is 45.22,23) em aplicação ao seu S en h or: “[...] ao n o m e de Jesus se dobre todo jo e lh o [...] e toda língua confesse que Jesus C risto é o Sen h or, para glória de D eus Pai” (Fp 2.10,11). As im plicações disto são fortes, porque Paulo diz que todos os seres criados cham arão Jesus de Messias (C risto ) e Jeová (Sen h o r). (3) Os discípulos atribuíram os poderes de Deus a Jesus. Há algum as coisas que só D eus pode fazer, m as os discípulos atribuem estas m esm as coisas a Jesus. Ele pode ressuscitar os m o rto s (Jo 5.21; 11.38-44) e perdoar pecados (A t 5.31; 13.38). A lém disso, está escrito que ele é o agente prim ário n a criação do universo (Jo 1.2,3; C l 1.16) e n o sustento da sua existência (C l 1.17). Lógico que só Deus é o Criador de todas as coisas, e os discípulos reivindicam este poder para Jesus. (4) Os discípulos associaram o nome de Jesus ao nome de Deus. O uso que os apóstolos fizeram do n om e de Jesus co m o o agente e recebedor das orações é notável (1 C o 5.4; A t 7.59). Nas orações ou bênçãos, é freqüente o n o m e de Jesus ser usado ao lado do n o m e de Deus, co m o em “graça e paz, da parte de D eus Pai e da de nosso S en h o r Jesus C risto” (G l 1.3; E f 1.2). O n o m e de Jesus aparece co m status igual ao de D eus nas assim cham adas fórm u las trinitárias: Por exem plo, a ordem para ir e batizar “em n o m e [singular] do Pai, e do Filho, e do Espírito S a n to ” (M t 28.19). Esta associação é feita novam ente ao térm in o de 2 C oríntios: “A graça do S e n h o r Jesus C risto, e o am or de Deus, e a co m u n h ão do Espírito San to sejam co m vós todos. A m ém !” (13.13). Se há só u m D eus, então estas três pessoas têm de ser igualadas por natureza. (5) Os discípulos chamavam Jesus de Deus. T om é viu as feridas em Jesus e bradou: “S e n h o r m eu , e D eus m e u !” (Jo 20.28). Paulo escreveu: “D os quais são os pais, e dos quais é C risto, segundo a carn e, o qual é sobre todos, D eus bend ito e tern a m e n te . A m é m !” (R m 9.5). Ele disse que Jesus é aquele em qu em “h abita co rp o ra lm e n te to d a a p len itu d e da divindade” (C l 2.9). E m T ito , Jesus é o “nosso grande D eus e Salvad or” (T t 2.13, A R A ), e o escrito r áos H ebreus falando sobre Ele, disse: “O D eus, o teu tro n o subsiste pelos sécu los dos sécu lo s” (H b 1.8). Paulo fala que antes que Jesus existisse na “fo rm a de serv o” (que é alusão clara a Ele ser verd ad eiram ente h u m a n o ), Ele existiu n a “fo rm a de D eu s” (Fp 2.5-8). A s frases paralelas sugerem que se Jesus era completamente humano, então Ele também era completamente Deus. U m term o sem elh an te, a “im agem do D eus invisível”, é usado em C olossenses 1.15 para significar a m anifestação do próp rio D eus. Esta d escrição é fo rta lecid a em H ebreus, onde diz: “Ele [o Filho], que é o resplen d or da g lória e a expressão exata do seu Ser, susten tan d o todas as coisas p ela palavra do seu p o d er” (H ebreus 1.3, A R A ). O p ró lo g o do evan gelho de João tam b ém n ão m ed e palavras, d eclarand o: “N o princípio, era o V erbo, e o Verbo estava co m D eus, e o Verbo [Jesus] era Deus” (Jo 1.1, grifos e acréscim os m eu s).
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(6) Os discípulos consideraram Jesus superior aos anjos. Os discípulos não apenas criam que Jesus era mais que u m h om em ; eles criam que era m aior do que qualquer ser criado, inclusive os anjos. Paulo disse que Jesus está “acim a de todo principado, e poder, e potestade, e dom ínio, e de todo n om e que se nomeia, não só neste século, mas tam bém no vindouro” (Ef 1.21). Os demônios se subm eteram às ordens de Jesus (M t 8.32), e até os anjos que recusaram adoração o adoraram (Ap 22.8,9). O au tor da carta aos Hebreus apresenta u m argum ento com pleto a favor da superioridade de Cristo em relação aos anjos, dizendo: “Porque a qual dos anjos disse jamais: Tu és m eu Filho, hoje te gerei? [...] E, quando o u tra vez introduz no m undo o Prim ogênito, diz: E todos os anjos de Deus o ad orem ” (Hb 1.5,6). Não há ensino mais claro que Cristo não era anjo, mas, antes, o Deus que os anjos adoravam. Em sum a, h á testem unho múltiplo do próprio Jesus, e dos que o con heceram m elhor, que Ele afirmou ser Deus e que os seus seguidores criam que as coisas eram assim. Eles im pu taram ao carpinteiro de Nazaré estes incomparáveis títulos, poderes, prerrogativas e atividades que só se aplicam a Deus. Não h á que duvidar que era isso em que eles criam e o que Jesus pensava acerca de si m esm o de acordo co m o Novo Testam ento. Quando se deu con ta da ousadia das reivindicações de Cristo, C. S. Lewis observou criteriosam ente que tem os três alternativas: Estou tentando prevenir que qualquer um diga coisas realmente tolas que as pessoas dizem sobre Ele: “Eu estou prònto a aceitar Jesus como um grande mestre moral, mas não aceito a sua afirmação de ser Deus”. Isso é uma coisa que não devemos dizer. Um homem que fosse mero homem e dissesse o tipo de coisas que Jesus disse não seria um grande mestre de elevados princípios morais. Ou ele seria um lunático — no mesmo nível de alguém, que diz que é um ovo escalfado — , ou então ele seria o diabo ou o próprio inferno em pessoa. (MG, pp. 55, 56) A terceira opção é que Jesus estava dizendo a verdade: Ele é Senhor. Tendo já estabelecido que o N ovo Testam ento é historicam ente fidedigno (ver Volume 1, capítulo 26), que a Bíblia é a Palavra de Deus (ver Volum e 1, capítulo 14), que os milagres são possíveis e confirm am a reivindicação dos que os fazem em nom e de Deus (Volum e 1, capítulo 3), concluím os que Jesus reivindicou ser e tam bém provou sobrenaturalm ente ser Deus em carne hum ana. 0 Espirito Santo é Deus. A deidade do Espírito Santo é indicada por: (1) (2) (3) (4)
O O O O
Espírito Espírito Espírito Espírito
Santo Santo Santo Santo
possui os nom es de Deus. tem os atributos de Deus. execu ta os atos de Deus. se associa co m Deus nas bênçãos e fórm ulas batismais.
O Espírito Santo Recèbe os Nomes da Deidade O Espírito Santo é cham ado Deus ou Senhor. “Ananias, por que encheu Satanás o teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo [...] Não m entiste aos hom ens, mas a Deus”
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(A t 5.3,4). “Não sabeis vós que sois o tem p lo de D eus e que o Espírito de D eus habita em vós?” (1 C o 3.16). “O u não sabeis que o nosso corpo é o tem p lo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós m esm os?” (1 Co 6.19). “Ora, há diversidade de dons, mas o Espírito é o m esm o. E há diversidade de m inistérios, m as o Sen h o r é o m esm o. E há diversidade de operações, mas é o m esm o Deus que opera tudo em tod os” (1 Co 12.4-6). “Ora, o S en h o r é Espírito; e onde está o Espírito do Sen h or, aí há liberdade” (2 C o 3.17). “Q uanto mais o sangue de Cristo, que, pelo Espírito etern o, se ofereceu a si m esm o im aculad o a D eus” (Hb 9.14). O E sp írito S a n to Possui os A trib u to s da D eid ad e A tributos de D eus co m o vida (R m 8.2), verdade (Jo 16.13), am o r (R m 15.30), santidade (E f 4.30), eternidade (Hb 9.14), onipresença (SI 139.7) e onisciência (1 C o 2.11) são designados ao Espírito. 0 E sp írito S a n to E x e c u ta A to s da D eid ad e Certos atos são associados som ente a Deus; D eus Pai e Deus Filho execu tam tais atos, e o m esm o faz o Espírito Santo. Os atos são, entre outros, o ato da criação (G n 1.2; Jó 33.4; SI 104.30); os atos da redenção (Is 63.10,11; E f 4.30; 1 C o 12.13); a realização de m ilagres pelo seu próprio poder (G1 3.2-5; Hb 2.4); e a concessão dos dons sobrenaturais (A t 2.4; 1 C o 12.4-11). O E sp írito S a n to É a sso cia d o c o m D eu s n as O ra ç õ e s e B ê n çã o s N um erosas vezes n a Bíblia o Espírito Santo é associado co m u m ou am bos os outros m em bros da Trindade: “As benignidades do S en h o r [Pai] m encionarei [...] Em toda a angústia deles foi ele angustiado, e o A n jo da sua presença [o Filho] os salvou; pelo seu am or e pela sua com paixão, ele os rem iu , e os to m o u , e os conduziu todos os dias da antiguidade. Mas eles foram rebeldes e contristaram o seu Espírito S a n to ” (Is 63.7, 9, 10). Na prim eira epístola do apóstolo Pedro 1.2 fala-se da “presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para a obediência e aspersão do sangue de Jesus C risto ”. Na epístola de Judas, o versículo 20, exo rta os leitores: “Mas vós, am ados, edificandovos a vós m esm os sobre a vossa santíssim a fé, orando no Espírito S a n to ”. A bênção de 2 C oríntios 13.13 con tém todos os três m em bros da divindade: “A graça do S en h o r Jesus Cristo, e o am o r de D eus [Pai], e a co m u n h ão do Espírito S an to sejam co m vós todos. A m ém !” E a fó rm u la batism al de M ateus 28.19 co n tém o Espírito Santo ju n to com os outros m em bros da Trindade sob u m “n o m e ” [essência]: “P ortan to, ide, ensinai todas as nações, batizando-as em n o m e do Pai, e do Filho, e do Espírito S a n to ”. T o d o s os T rês M em b ro s d a T rin d a d e sã o Pessoas Cada m em bro individual da Trindade é u m a pessoa, visto que cada u m a é citada com o u m a pessoa (Eu, Q uem ). Cada u m a tem todos os elem entos ou faculdades básicas da personalidade: m en te, vontade e sentim ento. 0 Pai E uma Pessoa
A lém de ser m encionad o co m o pessoa ( “ele”), os três elem en tos da personalidade são atribuídos a Deus Pai. Ele tem o poder do intelecto para saber: “D ecerto, vosso Pai
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celestial bem sabe que necessitais de todas essas coisas” (M t 6.32); a faculdade emocional para sentir: “Então, arrependeu-se o Senhor de haver feito o h o m em sobre a terra, e pesou-lhe em seu co ração ” (G n 6.6); e o poder da vontade para escolher: “Pai nosso, que estás nos céus [...] Seja feita a tua vontade, tan to n a terra co m o no cé u ” (M t 6.9,10). Além disso, características pessoais, co m o a capacidade de com unicar-se (M t 11.25) e ensinar (Jo 7.16,17), tam bém são atribuídas ao Pai. O Filho E uma Pessoa Além de ser m encionado co m o pessoa ( “ele”), o Filho pode com unicar-se e ensinar (Jo 7.17) com o só as pessoas podem fazer. Ademais, ele tam bém tem intelecto: “E não necessitava de que alguém testificasse dó h o m em , porque ele bem sabia o que havia no h o m em ” (Jo 2.25); sentim ento: “Jesus ch o ro u ” (Jo 11.35); e vontade: “Porque eu desci do céu não par á fazer a m inh a vontade, mas a vontade daquele que m e enviou”. O pronom e pessoal “ele” é constantem ente usado acerca do Filho. O Espírito Santo E uma Pessoa Na Bíblia, todos os elem entos da personalidade são atribuídos ao Espírito Santo. Ele tem m ente: “Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em m eu nom e, vos ensinará” (Jo 14.26). Ele tem vontade: “Mas u m só e o m esm o Espírito opera todas essas coisas, repartindo particularm ente a cada u m co m o quer” (1 Co 12.11); e tem sentim ento: “E não entristeçais o Espírito Santo de Deus, no qual estais selados para o Dia da redenção” (Ef 4.30). Além disso, os pronom es pessoais ( “ele” e “seu”) são atribuídos ao Espírito Santo: “Mas, quando vier aquele Espírito da verdade, ele vos guiará em toda a verdade, porque não falará de si m esm o, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará o que há de vir” (Jo 16.13, grifos m eus). Por fim, as atividades pertinentes a u m a pessoa são designadas ao Espírito Santo: Ele procura, sabe, fala, testem unha, revela, convence, ordena, esforça-se, m ove-se, ajuda, guia, cria, recria, santifica, inspira, intercede, dispõe os assuntos da Igreja e faz milagres (ver Strong, ST, p. 325). Há num erosos versículos bíblicos para apoiar estas atividades (ver Gn 6.3; Lc 12.12; Jo 3.8; 16.7,8; A t 8.29; R m 8.26; 1 Co 2.11; Ef 4.30; 2 Pe 1.21 etc.).
Outras Evidências Bíblicas a favor da Trindade em Deus Muitas vezes nas Escrituras u m m em bro da Trindade está falando co m o outro. Isto indica que Eles não são u m a e a m esm a pessoa. 0 Pai Falando com o Filho O Salmo 2.7 (citado em Hb 1.5) declara: “Recitarei o decreto: O Senhor m e disse: Tu és m eu Filho; eu hoje te gerei”. Tam bém : “Disse o Senhor [o Pai] ao m eu Senhor [o Filho]: Assenta-te à m inh a m ão direita, até que ponha os teus inimigos por escabelo dos teus pés’” (SI 110.1). Jesus usou esta m esm a passagem para m o strar a sua deidade (M t 22.41-46). Repetindo, o Pai diz: “O teu trono, ó Deus [Filho], é eterno e perpétuo; o cetro do teu reino é u m cetro de eqüidade. Tu amas a justiça e aborreces a impiedade; por isso, Deus [Pai], o teu Deus, te ungiu co m óleo de alegria, mais do que a teus com panheiros” (SI 45.6,7). Sem elhantem ente, o livro de Hebreus aplica esta passagem a Jesus (Hb 1.8,9).
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De fato, três vezes no Novo Testam ento o Pai falou do céu aprovando Jesus, o seu Filho (M t3 .1 7 ; 17.5; Jo 12.28). 0 Filho Falando com o Pat “Então, o an jo do S en h o r [o Filho] respondeu e disse: O S en h o r dos Exércitos [O Pai], até quando não terás com paixão de Jerusalém e das cidades de Judá, co n tra as quais estiveste irado estes setenta anos?” (Z c 1.12). O a n jo (m ensageiro) do S e n h o r é Deus, fato que está claro p or ser Ele que é cham ado o S en h o r (Jeová), term o reservado exclusivam ente para Deus. Ele tam bém é cham ado o “EU SO U ” em Êxodo 3.14 (cf. Ex 3.13,15), que se refere claram ente som ente à deidade (cf. Jo 8.58,59). Há tam bém um a referência em Provérbios 30.4 ao Pai e ao Filho: “Q u em subiu ao céu e desceu? Q uem encerrou os ventos nos seus punhos? Q uem am arrou as águas n a sua roupa? Q uem estabeleceu todas as extrem idades da terra? Qual é o seu n om e, e qual é o n om e de seu filho, se é que o sabes?” “Jesus falou essas coisas e, levantando os olhos ao céu, disse: Pai, é chegada a hora; glorifica a teu Filho, para que tam b ém o teu Filho te glorifique a ti” (Jo 17.1). R epetindo: “C lam ando Jesus [o Filho] com grande voz, disse: Pai, nas tuas m ãos entrego o m eu espírito” (Lc 23.46). Todas as Três Pessoas Juntas ao mesmo Tempo M uitas vezes todas as três Pessoas estão presentes e operando ao m esm o tem po. U m a vez em Isaías diz: “As benignidades do Sen h or m encionarei e os m u itos louvores do Sen h or, consoante tudo o que o S en h o r [o Pai] nos concedeu. [...] Assim ele foi seu Salvador. E m toda a angústia deles foi ele angustiado, e o A n jo da sua presença [o Filho] os salvou; pelo seu am or e pela sua com paixão, ele os rem iu. [...] Mas eles foram rebeldes e contristaram o seu Espírito Santo; pelo que se lhes to rn o u em inim igo e ele m esm o pelejou con tra eles” (Is 63.7-10; grifos m eus). No b a tism o de Jesu s (M t 3 .1 6 ,1 7 ), to d o s os três m e m b ro s da T rin d ad e estav am p re sen tes: “E, sen d o Jesus [o Filho] b a tiz a d o , saiu lo g o da água, e eis q ue se lh e a b riram os céu s, e viu o E sp írito de D eu s [o Espírito Santo] d escen d o c o m o p o m b a e vin d o sob re ele. E eis que u m a voz dos cé u s [o Pai] dizia: E ste é o m e u F ilh o am ad o, em q u em m e c o m p ra z o ” . Na fó rm u la b a tism a l (M t 28 .1 9 ) to d o s os três fic a m sob u m “n o m e ” (s in g u la r), d izen d o: “P o rta n to , ide, e n sin a i tod as as n a ç õ e s, b a tiz a n d o -a s e m n o m e do Pai, e do F ilh o , e do E sp írito S a n to ” . S e m e lh a n te m e n te , n a b ên çã o a p o stó lica (p o r e x e m p lo , 2 C o 13.13) to d o s os três n o m es estão ju n to s . P aulo o ro u : “A g ra ça do S e n h o r Jesus C risto [o Filho], e o a m o r de D eu s [o Pai], e a c o m u n h ã o do E sp írito S a n to [o Espírito Santo] se ja m c o m vós to d o s. A m é m !” Todas estas e m u ita s o u tra s passagens m o stra m que h á três Pessoas d iferen tes e d istin tas que e x iste m s im u ltâ n e a e e te r n a m e n te e que c o m p a rtilh a m u m a e a m e s m a essên cia ou n a tu re z a . E sta co m p ro v a ç ã o está e m n ítid o c o n tra s te c o m o m o d a lism o (sa b e lia n ism o ) que a firm a q u e h á só u m a p esso a em D eu s que ap arece e m te m p o s d ifere n te s n a fo rm a de pessoas d iferen tes.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
A Trindade Está implícita no Antigo Testamento A inda que a T rindade n ão esteja fo rm a l e e x p licita m e n te ap resen tad a no A n tigo T e sta m e n to , to d o s os ensinos do trin ita ria n ism o e n c o n tra m -s e ali. H á só u m D eus (E x 20.3; D t 6.4; Is 45 .1 8 ), c o n tu d o h á três Pessoas que são consideradas D eus. As vezes, dois estão falando e n tre si (SI 45.6,8; 110.1; Z c 1.12). De fato , c e rto te x to m e n cio n a tod os os três co n v ersan d o (Is 6 3 .7 -1 0 ). A té m esm o a p alav ra h eb raica que significa “u m ” ( echad) D eus (D t 6 .4) in d ica u m a p lu ralidad e n a unidad e, da m e sm a m a n e ira que m a c h o e fêm ea são con sid erad os “u m a ” (echad) c a rn e (G n 2 .2 4 ). H á ta m b é m u m lo u v o r em três p artes dado a D eus p elo co ro an g elical: “S an to , S an to , S an to é o S e n h o r dos E x é rc ito s ” (Is 6.3). A Trindade E Ensinada em o Novo Testamento C o m o m o s tra a análise acim a, o N ovo T e sta m e n to en sin a cla ra m e n te que h á só u m D eus e que há três Pessoas distintas que são D eus: Estas duas prem issas c o n s titu e m os elem en to s básicos do trin ita ria n ism o . O que c o lo c a a T rindade em fo co no N ovo T esta m e n to é a p resen ça da segu nd a pessoa da divindade (Jesus C risto ) em fo rm a c o rp ó re a , co n v ersan d o fre q ü e n te m e n te c o m o Pai (cf. Jo 17). De fato, c o m o vim os, no b atism o de Jesus to d o s os três m em b ro s da T rindade estão ao m e sm o tem p o p resen tes: O Pai fala dos céu s e o Espírito Santo desce dos céu s sobre o Filho que está nas águas (M t 3.1 6 ,1 7 ). Mais tard e, n o v a m e n te , to d o s os três n o m e s são designados c o m o a fó rm u la batism al (M t 28.19) e usados nas b ênçãos ap o stó licas (p o r e x e m p lo , 2 C o 13.13).
Há uma Ordem Funcional na Trindade Todos os m em bros da Trindade são iguais em essência, mas Eles não têm os m esm os papéis. E u m a heresia (cham ada subordinação) afirm ar que há subordinação ontológica de u m m em bro da Trindade a ou tro, visto que eles são idênticos em essência (exam ine o “argum ento ontológico para a existência de D eus” no Volume 1, capítulo 2). Todavia, está claro que há subordinação funcional, quer dizer, não só cada m em bro tem u m a função ou papel diferente, mas algumas funções tam bém são subordinadas a outras. A Função do Pai Pelo próprio título de “Pai” e pelo rótulo de “a prim eira pessoa da Trindade” já está manifesto que a sua função é superior à do Filho e à do Espírito Santo. Por exem plo, o Pai é apresentado co m o a Fonte, o R em etente e o Planejador da salvação. A Função do Filho Por ou tro lado, o Filho é o Meio, o Enviado e o Realizador da salvação. O Pai enviou e o Filho veio para nos salvar; o Pai planejou, mas o Filho realizou na cruz. E p o r isso que é u m a heresia (cham ada patripassianismo) afirm ar que o Pai sofreu na cruz — só o Filho sofreu e m orreu .
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A lém disso, o Filho é etern am en te “u n ig ên ito” ou “gerado”5 do Pai, mas n u n ca se fala que o Pai é “u n ig ên ito ” ou foi “gerado” de quem quer que seja. A Função do Espírito Santo D e acordo com a teologia ortod oxa, tan to oriental quanto ocidental, o Espírito Santo “proced e” do Pai, m as o Pai n u n ca procede do Espírito Santo (ver Apêndice 7); quer dizer, o Pai envia o Espírito, m as o Espírito n u n ca envia o Pai. Todavia, de acordo co m a teologia ortod oxa ocidental, o Espírito Santo procede tan to do Pai quanto do Filho (ver Jo 15.26). Esta é u m a questão sobre a qual as igrejas católicas rom anas ocidentais e as igrejas ortodoxas orientais acabaram se dividindo (c. 1054 d.C .), a saber, sobre a cláusula filioque ( “e do F ilh o”) que foi acrescentada à declaração “procissão da parte do Pai” nos credos ocidentais no Concilio de Toledo (em 589 d.C .), em relação à visão de A gostinho. Os m ediadores p rocu raram en con trar u m a área de concord ância no fato de que Jesus disse: “M as, quando vier o Consolador, que eu da parte do Pai vos hei de enviar, aquele Espírito da verdade, que procede do Pai, testificará de m im ” (Jo 15.26, grifos m eus). M uitos teólogos ortod oxos orientais estão propensos a dizer que o Espírito Santo foi enviado pelo Pai indiretam ente pelo Filho, mas eles negam que o Filho te n h a autoridade para enviar o Espírito Santo. Seja co m o for, todos concord am que há subordinação fu ncional do Espírito Santo ao Pai. Em sum a, o Pai é o Planejador, o Filho é o Aperfeiçoador e o Espírito Santo é o A plicador da salvação dos crentes. O Pai é a Fonte, o Filho é o M eio e o Espírito Santo é o E xecu tor da salvação, ou seja, é Ele que condena, convence e converte (ver Apêndice 7). U m a palavra final sobre a n atu reza e duração desta subordinação fu ncional na divindade. Não é som ente tem poral e econôm ica; é essencial e eterna. Por exem plo, o Filho é u m Filho etern o (ver Pv 30.4; Hb 1.3). Ele não se to rn o u o Filho de Deus; Ele sem pre se relacionou com Deus Pai co m o Filho e sem pre se relacionará. A sua submissão ao Pai não foi apenas por certo tem po, mas será por toda a eternidade. Paulo escreveu: D epois, v irá o fim , qu and o tiv er en tregad o o R e in o a D eu s, ao Pai, e qu and o h o u v er aniq uilad o to d o im p é rio e to d a po testad e e força. E, qu and o todas as coisas lh e estiverem su jeitas, en tã o , ta m b é m o m esm o F ilh o se su je ita rá àqu ele qu e todas as coisas lh e su jeito u , p ara qu e D eu s seja tu d o em tod os. (1 C o 15.24,28)
A B A SE T E O L Ó G IC A PA R A A T R IN D A D E D e certa posição privilegiada, duas coisas são necessárias para defender a dou trina da Trindade: primeiro, d em onstrar que D eus tem u m a e só u m a essência (n atu reza); segundo, m o strar que não é contrad itório ter Três pessoas em u m a essência. 5 Os term os “unigênito” e “gerei”, conform e são usados em sentido eterno e incriado do Filho, são ortodoxos, mas estas são expressões infelizes, visto que elas podem deixar a impressão de que o Filho era de um a substância diferente do Pai (heresia chamada subordinação) ou que o Filho era um a substância criada (não-eterna) (heresia chamada arianismo). A verdade é que o Filho é da mesma substância (homoousion), não um a substância semelhante (homoiousioti), com o o Pai, isto é, a substância eterna, incriada e idêntica. Ele difere em função, não em essência do Pai. C om o vimos acima, o term o bíblico “prim ogênito” (Cl 1.15) foi dado para m ostrar a sua prioridade acima da criação (Cl 1.17) e que Ele era o Criador de todas as coisas (C l 1.16), não que Ele foi a primeira criatura criada.
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Deus Pode Ter só uma Essência Por “essência” ou “n atu reza” se quer dizer aquilo que algo é, e essência é u m conjunto de características — propriedades necessárias da coisa que é descrita. Por exem plo, é necessário para a essência de u m triângulo que tem as seguintes características: (1) Tem de ter três lados. (2) Tem de ter três cantos ou ângulos. (3) A som a dos três ângulos tem de ser 180 graus. Um aessênciaé diferenciada de outras características pelo fato que as suas características são essenciais a ela, ao passo que as outras características (cham adas acidentes) não são. Por exem plo, é essencial à essência de u m ser hum ano que ele possua racionalidade, enquanto que a cor da pele (verm elha, am arela, preta, m o ren a ou branca) é acidental. Deus pode ter só u m a essência, o que já dem onstram os no tópico da simplicidade de Deus (ver capítulo 2). Portanto, as características ou propriedades essenciais de Deus têm de referir-se a u m a e a m esm a essência. E Possível ter mais de uma Pessoa em uma Essência Para com pletar o que entendem os por Trindade, resta m o strar que não há contradição ter três pessoas em u m a essência. D em onstram os isso ressaltando que a lei da nãocontradição determ ina que duas proposições são contraditórias quando elas afirm am e negam algo (1) da m esm a coisa; (2) ao m esm o tem po; e (3) no mesmo sentido (n a m esm a relação). Claro que este não é o caso em afirmar que (1) Deus é u m e só u m em relação à sua essência; (2) Deus é mais que u m (a saber, três) em relação às suas Pessoas. Estes são dois sentidos ou relações diferentes. Portanto, a Trindade não é contraditória. Lógico que esta resposta depende que as palavras pessoa e essência sejam definidas de m odo diferente. Por pessoa, querem os dizer quem é, e por natureza, o que é. A pessoa é u m sujeito, enquanto que a natureza é u m objeto. Pessoa é u m eu, e essência é u m isto. Portanto, a pessoa é o centro subjetivo de intencionalidade e volicionalidade, e a n atureza é o centro objetivo das propriedades essenciais. N en h u m teólogo orto d o xo nega que isto é u m m istério, mas não é u m a contradição. A Trindade pode ir além da razão, mas não vai co n tra a razão. Está além da capacidade finita com p reen d er co m o pode haver três pessoas em u m a n atu reza, mas não está além da capacidade finita apreender a n atu reza verdadeira (e n ão -co n trad itó ria) de ambas as premissas.
Ilustrações da Trindade Muitas ilustrações da Trindade têm sido oferecidas ao longo dos séculos. Algum as são boas e outras não são. As ilustrações inapropriadas quase sem pre insinuam certa heresia, com o o m odalism o ou o triteísmo.
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Ilustrações Inapropriadas da Trindade • Os Três Estados da Agua Uma ilustração freqüentemente usada diz respeito aos três estados da água (sólido, líquido e gasoso). O problema é que nenhuma gota de água está em todos os três estados ao mesmo tempo.6 Contudo, Deus é ao mesmo tempo três e um. Portanto, apesar das boas intenções, esta ilustração insinua a heresia do modalismo (que Deus tem uma essência, mas não é três pessoas distintas). • Os Três Elos em uma Corrente
Outro exemplo inapropriado é a comparação da Trindade com uma corrente de três elos. O problema aqui é que os elos são três coisas diferentes. Portanto, apesar das boas motivações, o que está sendo ilustrado é o triteísmo e não o trinitarianismo. Deus é só uma coisa (substância), e não três coisas diferentes unidas de algum modo. • O Corpo, a Alma e o Espírito Humano
Outra ilustração que falha ao apresentar a Trindade é a de que Deus semelha-se à tricotomia humana: corpo, alma e espírito e, ao mesmo tempo, é um. Mesmo deixando de lado a tricotomia implícita, o problema com esta imagem é que a alma e o corpo humano se separam na morte. Os membros da divindade são inseparáveis. Além disso, Deus não tem corpo — Ele é puro Espírito (Jo 4.24). • Um Ator que atua em Três Papéis
A maioria de nós já viu uma peça teatral ou um filme em que uma pessoa desempenha dois ou mais papéis. Todavia esta é de fato uma ilustração da heresia sabeliana e não da Trindade ortodoxa. Nesta última, há três Pessoas diferentes que existem e desempenham ao mesmo tempo, contudo, Eles compartilham só uma essência divina. Ilustrações Apropriadas da Trindade Não há ilustração que apresente adequadamente o mistério da Trindade. Todavia algumas são mais úteis que outras. As que são m elhores envolvem coisas em que três elem entos diferentes existem ao m esm o tem po em u m a unidade não-dividida. • Um Triângulo
Deus é como um triângulo, que é uma figura que tem três lados diferentes ao mesmo tempo — há simultaneamente um estado de três na unidade. Claro que nenhuma analogia é perfeita, visto que em toda analogia há uma semelhança e uma diferença. A diferença aqui é que os “ângulos” não são as pessoas. Contudo eles ilustram como pode haver ao mesmo tempo um “estado de três” e uma unidade. • Um à Terceira Potência
Outra ilustração interessante é que Deus é como um à terceira potência (1 x 1 x 1 = 1). Deus é três uns em Um; Ele não é 1 + 1 + 1 = 3. Esta última é a heresia do triteísmo, que afirma três deuses diferentes e não só um Deus. 6 Há o estado em que gotas diferentes de água estão ao m esm o tempo em vários estágios de sólido, líquido e gasoso. Mas isto não ilustraria o trinitarianismo, no qual um a e a m esm a gota estaria ao mesm o tem po em todos os três estados.
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• O Amor É Triplo “Deus é amor” (1 João 4.16, ARA), e o amor envolve três elementos: Um amante, um amado e um espírito de amor. Estes três são um. A vantagem deste exemplo é que tem uma dimensão pessoal, em que o amor é algo que só uma pessoa faz. • Mente, Idéias e Palavras Além disso, Deus é como a relação que há entre mente, idéias e palavras. Estas três são distintas, contudo elas estão unidas, pois as palavras não podem se separar das idéias, e a mente que está por trás delas.
Heresias relativas a Deus e Jesus O trinitarianism o e a cristologia orto d o xa têm de ser cuidadosamente diferenciados das heresias. Estas, em sua maioria, foram condenadas pelos concílios da igreja cristã: triteísm o, modalism o (sabelianismo), arianismo, docetism o, nestorianism o, monofisismo (eutiquianism o), patripassianismo, m onotelism o, apolinarismo, subordinação, m onarquianism o, adocionismo e binitarismo. Triteísmo O triteísm o é a crença em que há três deuses ou três seres separados n a divindade. Poucos ou ninguém defendeu este ponto de vista, em bora m uitos sem perceber caem nela verbalm ente pela linguagem descuidada sobre a divindade. Ao ressaltar corretam en te que as três pessoas são distintas, é fácil não perceber estar enunciando o triteísm o, que postula erroneam ente haver três seres separados. Modalismo O m odalism o tam bém é cham ado sabelianismo segundo o n om e do seu fundador, Sabélio (c. 217-c. 220). O m odalism o advoga que Deus é só u m a pessoa que aparece de m odos ou papéis diferentes, em tem pos diferentes, na econom ia divina, da qual obtém o título “Trindade E con ôm ica”, em oposição à Trindade O ntológica da teologia ortodoxa. Arianismo Ario (c. 250-336), fundador desta heresia, negou que Jesus seja com pletam ente Deus, dando-lhe u m estado criado abaixo de Deus. O arianismo foi com batido por Atanásio e condenado com o crença herética no Concilio de Nicéia (325 d.C.). Docetismo Derivada da palavra grega dokeo, “eu pareço”, o docetismo afirma a deidade de Jesus, mas lhe nega a humanidade, afirmando que era só um a humanidade aparente e não real. Elementos deste erro já tinham surgido nos dias do Novo Testamento (1 Jo 4.1-3; 2 João 7; Cl 2.8,9). Em certas formas, sustenta que Jesus escapou da infâmia da m orte por crucificação, quando Judas Iscariotes ou Simão cirineu trocaram de lugar co m Ele na cruz. Os m uçulm anos aceitam u m a form a deste erro (ver Sura 4.187). Entre os proponentes deste erro estavam Cerinto (c. 100 d.C.) e Serapião, bispo de Antioquia (190-203).
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N estonam sm o
E duvidoso que N estório (m . c. 451 d.C.) ten h a defendido a visão que leva seu nom e, em bora alguns dos seus seguidores recebam esse crédito. Esta perspectiva postulava não apenas duas naturezas em Jesus (que é ortod oxo), mas tam bém duas pessoas (que não é). Supostam ente, se há u m a pessoa hu m an a e u m a pessoa divina em Jesus, então foi só a pessoa hu m an a que m o rreu n a cruz; por conseguinte, o seu sacrifício pelos nossos pecados não teria eficácia divina. A verdade é que só se um a e a m esm a pessoa, que era D eus e h o m em , m o rre r pelos nossos pecados pode ser verdadeiram ente o m ediador en tre Deus e o h o m em (1 T m 2.5). É con tra o nestorianism o que os credos falam quando insistem em um a união hipostática das duas naturezas em um a pessoa. Enquanto que “hipóstase” significa, literalm ente, “substância”,7 tem tam bém o significado de “realidade individual”, e do século IV em diante veio a significar “pessoa” (ver Cross, O D C C , p. 685). M onojisismo
O m onofisism o tam bém é cham ado de eutiquianism o, segundo o n o m e de Eutíquio (c. 375-454), o seu suposto fundador. O m onofisism o confunde as duas naturezas de Jesus, de fo rm a que as naturezas divina e hu m an a se m isturam . A lém de ser u m a heresia, é u m a contradição, visto que defende que há um a m istu ra de infinito finito e u m criado incriado das duas naturezas de Jesus. Patripassianismo
Patripassianismo quer dizer, literalm ente, o “Pai sofreu”. Surgiu no princípio do sécu lo III na fo rm a de m onarquism o (ver mais adiante), e sustentava que D eus Pai sofreu na cruz com o tam bém Jesus. Logo, a natu reza divina possuída por Jesus não sofreu ou m o rreu : Deus é impassível (ver capítulo 5) e, por conseguinte, incapaz de ter sofrim ento. Só o Filho se encarnou em u m a n atu reza hu m ana. P ortanto, só o Filho, não o Pai ou o Espírito, sofreu na cruz. M onotelism o
D erivado de duas palavras gregas que sig n ificam “u m ” e “q u e re r”, esta visão n ã o o rto d o x a do sécu lo V II su sten tav a que Jesus te m apenas u m a vo n tad e, não u m a v o n tad e h u m a n a e u m a vontad e divina. Isto é co n trá rio às palavras que nosso S e n h o r disse no jard im do G e tsêm a n i: “M eu Pai, se é possível, passa de m im este cálice; todavia, n ão seja co m o eu quero, m as co m o tu qu eres” (M t 26.39, grifos m e u s). A lém disso, ao in sistir que Jesus te m só u m a v ontad e, o m o n o te lism o acaba co n fu n d in d o as duas n atu rezas de Jesus, pelas quais Ele (u m a pessoa) op erou . Esta d o u trin a foi co n d en ad a co m o h eresia p elo C o n cilio de L atrão, em 649, e p elo C o n cilio de C o n sta n tin o p la , em 680. 7 Este uso causou confusão, visto que Taciano, Orígenes e a excom unhão anexada ao Credo Niceno de 325 usou a palavra hipóstase com o significado de “substância”, semelhante à palavra grega ousia. Por conseguinte, quando os teólogos orientais usaram a palavra hipóstase em referência às três Pessoas na Trindade, eles caíram na suspeita de estarem defendendo o triteísmo. Entretanto, devido à influência dos Pais capadócios, o uso foi esclarecido, e do Concilio de Constantinopla (381) em diante, o uso padrão era falar de “três hipóstases em um a ousia [substância]” (Cross, ODCC, p. 685).
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Apolinarismo De acordo com o seu líder, Apolinário (c. 310-c. 390), esta seita diminuiu a hum anidade de Jesus. Q uer dizer, ainda que afirmassem a plena deidade, eles negavam a plena hum anidade, defendendo que Jesus não tinha espírito hum ano (só u m corpo e u m a alm a). Eles sustentavam que o Logos divino substituiu o espírito h um ano em Jesus. O apolinarismo foi condenado pelos Sínodos em R om a (374-380) e pelo Concilio de C onstantinopla (381). Subordinação Esta heresia foi defendida por Justino M ártir (c. 100-c. 165) e Orígenes (c. 185-c. 254) e condenada pelo Concilio de C onstantinopla (381). Afirm a que o Filho é subordinado em natureza ao Pai. Não confundam os subordinação co m a crença o rto d o xa de que o Filho (C risto) é funcionalmente subordinado (ou seja, sujeito) ao Pai, em bora seja essencialmente igual co m Ele. Monarquismo Esta heresia não-trinitária dos séculos II e III acentuava a unidade (m onarquia) de Deus à rejeição da deidade de Jesus. Supostam ente, Jesus era só u m poder ou influência de Deus. Havia dois grupos principais de monarquistas: os modalistas (ver acim a) e adocionistas (ver abaixo). Os modalistas foram representados por Noécio, Praxeas e Sabélio. Os principais adocionistas foram Teódoto e A rtem o m e, talvez, Paulo de Sam osata (ver Cross, ODCC, p. 929). Adocionismo O adocionism o (ou adocianism o) se fundam entou no m onarquism o do século II e III, m as se desenvolveu no século VIII. De acordo co m esta visão, Jesus era apenas u m h om em , mas p or causa dos seus poderes divinos Ele foi adotado por Deus. Dizem que isso o correu quando Deus declarou dos céus: “Este é o m eu Filho am ado” (M t 3.17). Binitarismo De acordo co m o binitarismo, só há duas pessoas na divindade. Ainda que poucos ou n en h u m dos prim eiros Pais postulasse o binitarismo explicitam ente, alguns, im plicitam ente, caíram nesse erro, sem perceber, ao negarem a deidade do Filho. Nos dias de hoje, alguns proponentes desta visão negam a personalidade do Espírito Santo, desta form a deixando só duas Pessoas na divindade. A Igreja de Jesus Cristo Reorganizada (gru p o-irm ã dos m ó rm o n s) e a antiga Igreja Mundial de Deus, orientada por Herbert W. A rm strong, adotaram este ponto de vista. Podemos resum ir as principais visões concernentes à relação entre a n atu reza e a Pessoa (ou Pessoas) da divindade do seguinte m odo:
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PESSOAS
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N A TU REZAS
T rin itarian ism o
Três
Um
T riteísm o
Três
Três
P oliteísm o
M u ito s
M u ito s
M o d alism o
Um
Um
B in itarism o
D ois
Um
Podem os tabular as principais visões ortodoxas e não-ortod oxas relativas a Jesus e às suas duas naturezas do seguinte m odo: D EID A D E
H U M A N ID A D E
RELA ÇÃ O
A firm ad a
A firm ad a
U n id a
N egada
A firm ad a
U n id a
N esto rian ism o
A firm ad a
A firm ad a
Separad a9
E u tiq u ian ism o (M o n o fisism o )
A firm ad a
A firm ad a
M esclada
D o cetism o
A firm ad a
N egada
U nid a
N egada
A firm ad a
A dotada
A p olin arism o
A firm ad a
D im in u íd a
U nid a
Su b o rd in a çã o
D im in u íd a
A firm ad a
U nid a
A firm ad a
A firm ad a
Separad a8
C red o A tan asian o (o rto d o x ia ) A rianism o
A d o cion ism o
M o d alism o (Sab elian ism o )
A B A S E H IS T Ó R IC A PA R A A T R IN D A D E D E D E U S N em toda d ou trina é revelada im ed iatam en te e co m p letam en te por Deus; a m aioria dos ensinos é revelada progressivam ente. É o que aconteceu com a dou trina da Trindade. Os P rim eiro s Pais da Ig re ja F a la ra m so b re a T rin d a d e Os prim eiros Pais da igreja falaram sobre a Trindade por d ou trin a e até por nom e. Isto com eça com u m discípulo de u m dos apóstolos de Jesus. Policarpo (c. 70-155)
Policarpo, bispo de Esm irna, foi discípulo do apóstolo João. Ele escreveu: “Q ue o Deus e Pai de nosso S en h o r Jesus C risto, e o próprio Jesus C risto, que é o Filho de D eus e o nosso perpétu o S u m o Sacerdote, te edifique na fé e n a verdade” ( EPE , capítulo X II). Inácio (110 d. C .)
“O nosso M édico é o ú n ico D eus verdadeiro, o não-gerado e inacessível, o Sen h or de todos, o Pai e Progenitor do ú n ico Filho unigênito. Tem os tam bém co m o M édico o 8 Os nestorianos têm três Pessoas na Trindade, mas os modalistas têm apenas um a. Os nestorianos têm duas pessoas separadas no Filho, um a em cada natureza, ao passo que os modalistas têm só um a pessoa em Deus, que está desempenhando os três papéis.
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Senhor nosso Deus, Jesus Cristo, o único unigênito Filho e palavra, antes que o tem po com eçasse, mas que depois tam bém se to rn o u h om em [...]” (ibid., capítulo VII). Justino Mártir (c. 100-c. 165) Justino M ártir, u m dos primeiros apologistas cristãos logo depois dos apóstolos, afirmou a Trindade: “O mais verdadeiro Deus é o Pai da justiça. [...] Nós o cultuam os e adoram os, o Filho (que veio dEle e nos ensinou estas coisas, junto co m o exército de anjos bons que o seguem ), e o Espírito profético” (em B ercot, DECB, p. 652). Irineu (c. 125-c. 202) Irineu foi discipulado por Policarpo, discípulo de João, e depois se to rn o u bispo de Lion. Ele afirm ou a doutrina da Trindade co m estas palavras: A igreja, embora dispersa por todo o mundo, até mesmo aos confins da terra, recebe dos apóstolos e dos discípulos destes a fé em um Deus, o Pai Todo-poderoso, Criador do céu, da terra e do mar, e de todas as coisas que neles estão; e em um Cristo Jesus, o Filho de Deus, que se encarnou para a nossa salvação; e no Espírito Santo. (AH, em Roberts and Donaldson, ANF, X, 1) Um Deus Pai é declarado, que está acima de tudo, por tudo e em tudo. O Pai está acima de tudo, e Ele é a Cabeça de Cristo. Mas o Verbo é por todas as coisas e é Ele mesmo a Cabeça da Igreja. Enquanto o Espírito está em todos nós, e Ele é a água viva. (em Bercot, DECB, p. 652) Clemente de Alexandria (150-c. 215) C lem ente de Alexandria afirm ou que “o Pai universal é um . O Verbo [a Palavra] universal é u m . E o Espírito Santo é u m ” (ibid., p. 652). Tertuliano (c. 155-c. 225) Tertuliano, apologista e teólogo africano, foi o prim eiro a usar o term o “trindade”, em bora a verdade da Trindade ten h a sido ensinada em o N ovo T estam ento e pelos Pais da igreja antes dele. Ele declarou: Definimos que há dois, o Pai e o Filho, e três com o Espírito Santo, e este número se faz pelo padrão da salvação, [...] [que] provoca unidade na Trindade, relacionando os três: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Eles são três, não em dignidade, mas em grau, não em substância, mas em forma, não em poder, mas em tipo. Elas são de uma substância e poder, porque há um Deus de quem estes graus, formas e tipos recaem no nome do Pai, Filho e Espírito Santo. (PAH, p. 23) E acrescentou: “Eu testem unho que o Pai, o Filho e o Espírito são inseparáveis uns dos outros. [...] A m inha afirmação é que o Pai é um , o Filho é u m e o Espírito é u m — e que Eles são todos distintos uns dos ou tros” (em B ercot, DECB, p. 653).
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Orígenes (c. 185-c. 2 5 4 )
O ríg e n e s e ra d e fe n s o r a le x a n d rin o do c ris tia n is m o . E le ta m b é m d e fe n d e u a T rin d a d e , e scre v e n d o : Se alg u ém disser que a Palavra de D eu s [Cristo] ou a Sabed oria de D eu s teve co m e ço , que te n h a cu id ado p ara n ão dirigir a sua irrev erên cia co n tra o Pai n ã o -u n ig è n ito , visto estar n egan d o que Ele sem p re é o Pai. [...] Não pode hav er títu lo m ais antigo do D eu s T od opo d ero so qu e o do Pai, e é p elo F ilh o qu e E le é o Pai. (DP, em R o b erts and D o n ald son , A N F , 1.2)
A lém disso, “o Espírito Santo n u nca teria sido considerado na unidade da Trindade, ou seja, ju n to com o im utável Pai e o seu Filho, a m enos que Ele sem pre tivesse sido o Espírito S a n to ” (ibid., 1.111.4). Orígenes falou do fato de que [...] a pessoa do E spírito S an to era de tal autoridad e e dignidade, que o batism o salvador n ã o estava co m p le to ex ce to pela au to rid ad e da Trind ade m ais e x ce len te de todas elas, ou seja, n o m e a n d o o Pai, F ilh o e Espírito S an to , e u n in d o -o s ao D eu s Pai in criad o e ao seu F ilh o u n ig ên ito , o n o m e ta m b ém do Espírito San to , (ibid., 1.2) A tenágoras (Século I I ) E m b o ra os p oetas, nas suas ficções, rep resen tem os deuses co m o não m e lh o re s que os h o m e n s, nosso m o d o de p en sar n ão é igual ao seu, c o n ce rn e n te ou D eus Pai ou Filho. M as o F ilh o de D eu s é o Logos do Pai, em idéia e em op eração ; pois segu nd o o seu padrão e p o r E le fo ra m todas as coisas feitas, o Pai e o F ilh o qu e são um . E, o Filh o que está n o Pai e o Pai n o F ilh o, em un idad e e pod er do esp írito, o en te n d im e n to e a razão. ( WA, 10, em R o b erts and D o n ald son , A N F , II) Q u e m , en tã o , n ão ficaria su rpreso ao ou vir h o m e n s ditos ateus falan d o de D eu s Pai, e de D eu s F ilh o e do Espírito S an to , e que d eclaram o seu p o d er de u n ião e a sua d istinção de ordem ? R e co n h e ce m o s u m D eu s, u m F ilh o (o seu Logos [“V erb o”, “Palavra”]) e u m Espírito San to. Estes estão unidos em essência — o Pai, o F ilh o e o E spírito. A gora, o F ilh o é a In teligência, R azão e Sabed oria do Pai. E a pessoa do E spírito é c o m o u m a em an ação , co m o a luz do fogo. (e m B e rco t, D EC B , p. 652) P o rta n to , n ã o som os ateus, visto qu e re c o n h e ce m o s u m D eus, in criad o, e te rn o , invisível, im passível, in co m p reen sív el, ilim itável, que é apreend id o pelo en te n d im e n to so m en te e a razão, qu e é cercad o de luz, beleza, espírito e p o d er inefável, p o r q u em o un iverso foi criado p elo seu Logos, foi p o sto em o rd em e é m an tid o em ser (em existên cia) — já d e m o n strei su ficien tem en te. (E u digo “o seu L ogos”, p o rqu e ta m b ém re c o n h e ce m o s u m F ilh o de D eus. Q u e n in g u é m pense que seja rid ícu lo que D eu s te n h a u m F ilh o ...). M as o F ilh o de D eu s é o Logos do Pai, em idéia e em op eração; pois segu nd o o padrão divino e p o r Ele fo ram todas as coisas feitas, o Pai e o F ilh o sendo u m . E, o F ilh o estando n o Pai e o Pai no F ilh o, em unidade e pod er de esp írito, o e n ten d im en to e razão do Pai é o F ilh o de D eu s. [...] Eu d eclararei b rev em en te que Ele é o p rim eiro p ro d u to do Pai, n ã o c o m o ten d o sido trazid o em existên cia (pois desde o prin cípio, D eus, qu e é a m e n te e tern a , teve o Logos em si m esm o , sendo desde a etern id ad e m ov id o c o m o L ogos...).
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Também acerca da pessoa do próprio Espírito Santo que opera nos profetas afirmamos que é uma efluência de Deus, fluindo dEle e voltando de novo como um raio do sol. Quem, então, não ficaria surpreendido em ouvir os homens falarem de Deus Pai, de Deus Filho e do Espírito Santo e que declaram o seu poder em união e a sua distinção em ordem, chamarem ateus? (op. cit.) Hipólito (c. 170-c. 235) Portanto, o homem [...] é compelido a reconhecer Deus Pai Todo-poderoso e Cristo Jesus, o Filho de Deus — que, sendo Deus, se tornou homem, a quem também o Pai sujeitou todas as coisas (exceto a Ele mesmo) — , e o Espírito Santo; e que estes são três [Pessoas]. Contudo se ele deseja saber como se mostra que ainda há um Deus, que ele saiba que o Seu poder é um. No que diz respeito ao poder, então, Deus é um. Mas no que diz respeito à Economia, há uma manifestação tripla de três distintas pessoas, (em Bercot, DECB, p. 655) Novaciano (c. 200-c. 258) Novaciano, bispo em R om a, escreveu u m livro intitulado De Trinitate De Reula Fidei, defendendo a deidade de Cristo e a Trindade. Ele declarou: A regra da verdade requer que, em primeiro lugar, creiamos em Deus Pai e Deus Todopoderoso. [...] A mesma regra da verdade nos ensina a crer, depois do Pai, também no Filho de Deus, Jesus Cristo, nosso Senhor Deus, mas o Filho de Deus. [...] Além disso, a ordem da razão e a autoridade da fé [...] nos admoestam, depois disto, a crer também no Espírito Santo, (em Roberts and Donaldson, ANF, 21) Gregário de Taumaturgo (c. 213-275) Gregório era discípulo de Orígenes e bispo de Neocesaréia. Ele desem penhou u m papel proem inente no Sínodo de Antioquia (269 d.C.). Ele confessou: Há um Deus, o Pai da Palavra viva. [...] Há um Senhor, um de um (só de só), Deus de Deus, o verdadeiro Filho do verdadeiro Pai, Invisível de Invisível, Imortal de Imortal e Eterno de Eterno. E há um Espírito Santo, [...] uma Trindade perfeita, não-dividida nem diferente em glória, eternidade e soberania. (DF, 7, em ibid., p. 25)
Os Primeiros Credos e Concílios Falaram sobre a Trindade C om o já m ostrado, os Pais dos primeiros dois séculos depois de Cristo seguiram os ensinos do Novo Testam ento afirmando a Trindade. Nos dois séculos seguintes, a Igreja Universal confirm ou que a doutrina da Trindade era n orm ativa para todos os crentes. 0 Credo Apostólico A Trindade está inclusa no Credo Apostólico que, em sua antiga form a rom ana, declara: “Creio em Deus Pai Todo-poderoso. E em Jesus Cristo o seu único Filho unigênito, nosso Senhor. [...] E no Espírito Santo” (em SchafF, CC, pp. 47,48). A Trindade está explícita nos concílios eclesiásticos posteriores, quando os proponentes do arianismo negaram o que era ensinado desde o tem po dos apóstolos.
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0 Concilio de Constantinopla (381 d. C .)
Este grande concilio ecu m ên ico declarou com o n o rm a para a ortodoxia: Creio em um Deus Pai Todo-poderoso: criador dos céus e da terra, e de todas as coisas visíveis e invisíveis. E em um Senhor Jesus Cristo, o único unigênito Filho de Deus, gerado do Pai antes de todos os mundos, Luz de Luz, o próprio Deus do próprio Deus, gerado, não feito, sendo de um a substância com o Pai. [...] E [creio] no Espírito Santo, o Deus e Doador da Vida. (ibid., pp. 58, 59) 0 Concilio de Calcedônia (451 d. C.)
Na
ép o ca
deste
segu nd o
grand e
co n cilio
e c u m ê n ic o ,
as
d ou trinas
an tico n v en cio n ais fo rça ra m u m a d eclaração ainda m ais ex p lícita sobre a Trindade. O co n cilio d eclaro u : Portanto, seguindo os Pais santos, todos unânimes, ensinamos os hom ens a confessar um e o m esm o Filho, o nosso Senhor Jesus Cristo, o m esm o perfeito em divindade e tam bém perfeito em humanidade; verdadeiramente Deus e verdadeiramente hom em , de alm a e corpo racional e sensível; consubstanciai com o Pai de acordo com a divindade, e consubstanciai conosco de acordo com a humanidade, [...] um e o m esm o Cristo, Filho, Senhor, único-unigênito a ser reconhecido em duas naturezas, inconfusam ente, im utavelm ente, indivisivelmente, inseparavelmente; a distinção de naturezas sendo de m odo nenh u m retirado pela união, mas antes a propriedade de cada natureza sendo preservada e concordando em um a Pessoa e um a Subsistência, não-separado ou dividido em duas pessoas, mas um e o m esm o Filho, e único-unigênito, Deus Palavra, o Senhor Jesus Cristo, (ibid., p. 62)
Os Pais da Ig re ja M edieval F a la ra m so b re a T rin d a d e Os Pais da Igreja na Idade M édia produziram alguns dos mais im portantes tratados sobre a dou trina da Trindade. Agostinho (354-430) Que não se suponha que nesta Trindade haja separação em relação a tem po ou lugar, mas que estes três são iguais e co-eternos, e absolutam ente de um a natureza: e que as criaturas foram feitas, não algumas pelo Pai, algumas pelo Filho e algumas pelo Espírito Santo, mas que cada um a e todas que foram ou agora são criadas subsistem na Trindade com o o seu Criador; e que ninguém é salvo pelo Pai sem o Filho e o Espírito Santo, ou pelo Filho sem o Pai e o Espírito Santo, ou pelo Espírito Santo sem o Pai e o Filho, mas pelo Pai, o Filho e o Espírito Santo, o único, verdadeiro e verdadeiramente im ortal (quer dizer, absolutam ente im utável) Deus. (L, 169.2) O Espírito é diferente do Pai e do Filho, porque Ele não é nem o Pai nem o Filho. Eu digo “diferente de”, porque, igualm ente com Eles, Ele é o Bem simples, inalterável e coeterno. Esta trindade é um Deus. E, em bora seja um a trindade é, no entanto, simples. Porque não dizemos que a natureza deste bem seja simples, porque só o Pai tom a parte nela, cu só o Filho, ou só o Espírito Santo. Nem dizemos com os hereges sabelianos que
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é senão uma trindade nominal sem Pessoas subsistentes. Nossa razão para dizer que isso é simples, é porque é o que tem — com a exceção das reais relações nas quais as Pessoas estão umas com as outras. Portanto, é porque somos homens, criados segundo a imagem de um Criador cuja eternidade é verdade, a sua verdade eterna, o seu amor eterno e verdadeiro, um Criador que é o eterno, verdadeiro, e a Trindade amável em quem não há nem confusão nem divisão que, para onde quer que nos voltemos entre as coisas que Ele criou e conservou tão maravilhosamente, descobrimos as suas pegadas, quer ligeiramente ou claramente estampadas. (CG, 11.10, 11.28) Anselmo (1033-1109) Primeiro, todos os três juntos são uma essência suprema (embora cada um, perfeitamente, seja a essência suprema). E a uma essência suprema não pode existir sem a si mesma, fora de si mesma ou maior ou menor que si mesma. E segundo, o Pai, como um todo completo, existe no Filho e no Espírito mútuo dEles, o Filho no Pai e no Espírito, e Espírito no Pai e no Filho. E assim porque a consciência da essência suprema está, como um todo completo, em seu entendimento e em seu amor, e seu entendimento em sua consciência e em seu amor, e seu amor em sua consciência e em seu entendimento. O espírito supremo entende e ama a sua consciência inteira. Está consciente e ama o seu entendimento. Está consciente e entende o seu amor. Por consciência entendemos o Pai, por entendimento, o Filho, e por amor, o Espírito dEles. Portanto, tal é a igualdade do abraço mútuo e da habitação mútua do Pai, Filho e Espírito. Isso demonstra que nenhum dEles é maior do que os outros ou pode existir sem os outros. (ACMW, p. 66, 67) Pai, Filho e Espírito existem em uns nos outros, e com tal igualdade que nenhum é maior que os outros. Que alegria é ver isto! A sua igualdade é primeiro demonstrável em termos da sua essência compartilhada, e, depois — e não menos — em termos de cada um individualmente. (SABW, p. 66, 67) Tomás áe Aquino (1225-1274) De certa forma, como em Deus as pessoas são multiplicadas e a essência não é multiplicada, falamos de uma essência de três pessoas e três pessoas de uma essência, contanto que estes genitivos sejam entendidos que designam a forma. (ST, la.39.2) Se havia alguma desigualdade nas pessoas divinas, elas não teriam a mesma essência; e assim as três pessoas não seriam um Deus; o que é impossível. Portanto, temos de admitir igualdade entre as pessoas divinas, (ibid., la.42.2) Só pode haver três pessoas em Deus. Pois como foi mostrado acima, as várias pessoas são as várias relações subsistentes realmente distintas umas das outras. Mas uma real distinção entre as relações divinas só pode vir de oposição relativa. Portanto, só três pessoas existem em Deus: o Pai, o Filho e o Espírito Santo, (ibid., la.30.2)
Os Mestres da Reforma Falaram sobre a Trindade A doutrina básica da Trindade — u m a n atureza e três pessoas — tem sido a m esm a desde que a controvérsia se instalou na Igreja Primitiva. Os Reform adores afirm aram o m esm o.
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Martinho Lutero (1483-1546)
Cristo mostra vigorosamente que o Espírito Santo é [...] uma Pessoa separada e distinta por si mesmo, um que não é o Pai ou o Filho. Pois todas estas expressões obviamente se referem a uma Pessoa separada: o Consolador que virá. Repetindo: “Tudo o que tiver ouvido [isso] vos anunciará” (Jo 16.13). Se Ele tem de vir ou (como Ele disse acima) ser enviado ou proceder; repetindo, se Ele tem de ouvir e falar, Ele certamente tem de ser Alguém. Agora, é claro que Ele não é o Pai, porque o Pai nem vem nem é enviado; nem é Ele o Filho, que já veio e agora retorna ao Pai, de quem o Espírito Santo tem de pregar e a quem Ele tem de glorificar. “Tudo o que tiver ouvido [isso] vos anunciará” (Jo 16.13). Pois aqui Ele fala de uma conversa que ocorre dentro da divindade, à parte de todas as criaturas, e coloca um púlpito com um Orador e um Ouvinte, tornando o Pai o Pregador, mas o Espírito Santo o Ouvinte. Claro que esta é uma questão sublime, e está acima da capacidade da razão humana determinar como ocorre. Mas porque não podemos compreender com palavras ou raciocínio humano, temos de crer. [...] Por conseguinte, ela [a Palavra] tem a verdadeira natureza divina do Pai. Contudo, não se desprende do Pai (como uma palavra corpórea e natural, falada pelo homem, é uma voz ou respiração que não fica nEle, mas vêm dEle e se afasta dEle), mas permanece para sempre nEle. Estas, então, são as duas Pessoas distintas: o Orador e a Palavra que são faladas, ou seja, o Pai e o Filho. E agora vem o terceiro: o Ouvinte do Orador e a Palavra falada; pois onde há um Orador e uma Palavra tem de haver um Ouvinte. Mas toda essa conversa, sendo falada e ouvida ocorre dentro da natureza divina e permanece dentro dela. Não há criatura que seja ou possa ser. Mas o Orador, a Palavra e o Ouvinte devem ser o próprio Deus, todos os três igualmente eternos na única Majestade indivisível. Pois no Ser divino não há mudança ou desigualdade e começo nem fim. Portanto, ninguém pode dizer que o Ouvinte é Alguém separadamente (ausser) de Deus ou cada Pessoa é tão inteiramente a divindade inteira (tota divinitas) como se não houvesse nenhum outro. E ainda é verdade que nenhuma Pessoa é a divindade tão exclusivamente que os outros também não sejam a divindade. Esta distinção de pessoas é tão grande que só a Pessoa do Filho assumiu a natureza humana. [...] Portanto, a ciência da metafísica está em erro e deve ser crucificada ousadamente quando estivermos à procura de Deus. ( M WS , p. 1384, 1385) Jo ã o Calvino (1509-1564)
Porque o Pai, embora distinguido pelas suas próprias propriedades peculiares, se expressou completamente no Filho, dizemos com razão perfeita ter rendido a sua pessoa manifesta nEle. E isto concorda habilmente com o que é imediatamente acrescentado, a saber, que Ele é “o resplendor da sua glória” [Hb 1.3], A conclusão justa das palavras do apóstolo é que há uma subsistência (hipóstase) do Pai, que brilha refulgente no Filho. Disto, repetindo, é fácil deduzir que há uma subsistência do Filbo que o distingue do Pai. O mesmo ocorre com o Espírito Santo; porque provaremos imediatamente que Ele é Deus e que Ele tem uma subsistência separada do Pai. Além disso, esta não é uma distinção de essência que [seria] ímpio multiplicar. O Pai está no Filho, e o Filho está no Pai, e no entanto, o Filho é uma Pessoa e o Pai é outra, como o próprio Filho também declara: “Eu estou no Pai e que o Pai está em m im ” (Jo 14.10); nem os escritores eclesiásticos admitem que um esteja separado do outro por qualquer diferença de essência.
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Os Mestres da Pós-Reforma Falaram sobre a Trindade John Miley (1813-1895) Trinitarianismo não é triteísmo; nem são trinitários menos pronunciados na unidade de Deus que os unitários. O sentido desta unidade está incorporado no termo designativo das distinções pessoais na divindade. Conclui-se que a unidade de Deus é a verdade basal na doutrina da Trindade. Mas como este assunto não está em questão como entre o trinitarianismo e unitarísmo, e sobretudo como consideramos previamente em sua aplicação distintiva a Deus, não requer mais análise adicional aqui. (ST, p. 223) “A doutrina da trindade afirma as distinções pessoais do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e a unidade essencial de cada u m dEles” (ibid., p. 224). O que é então esta doutrina? E que Deus é um ser em tal sentido modificado e estendido do idioma, quanto a incluir três pessoas em tal sentido modificado e restrito dos termos que Ele está qualificado, em sentido restrito correspondente. [...] Afirma que um Deus é três Deuses, ou que há mais Deuses que um? Não admite tal construção, pois expressamente afirma que há senão um Deus, e que as três Pessoas, como pessoas, não são três seres ou três Deuses, (ibid., p. 230) Jacô Arminio (1560-1609) “Pois o Filho e a Essência divina diferem em relação” ( W JA , 11.481). As pessoas divinas não são modos de ser ou de existir, ou modos da Essência divina. Porque elas são coisas com o modo de ser ou de existir. As Pessoas divinas são distintas por real distinção, não pelo grau e modo da coisa. Uma Pessoa é uma subsistência individual em si mesma, não uma propriedade característica, nem é um princípio individual. Embora não seja um indivíduo, nem uma pessoa sem uma propriedade característica ou sem um princípio individual (ibid., p. 481, 482).
OBJEÇÕES À DOUTRINA DA TRINDADE Muitas objeções foram levantadas co n tra a doutrina o rto d o xa da Trindade, tan to do p onto de vista bíblico quanto filosófico. Aqui analisaremos as mais im portantes.
Objeção Um: Baseada nas supostas Contra-Reivindicações à Deidade de Cristo Os críticos usam várias passagens para m ostrar que nem Jesus nem os discípulos reivindicaram deidade a Cristo. Fazem esta declaração oferecendo m uitos contra-textos anteriores às afirmações. Farem os u m exam e conciso destas passagens.
Resposta à Objeção Um Mateus 19.16-30 O jovem príncipe abordou Jesus, cham ando-o: “B om m estre”, e Jesus o reprovou, dizendo: “Por que m e cham as bom? Não há bom , senão u m só que é Deus” (grifos m eus).
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Se Jesus fosse realm ente Deus, então por que Ele nega o m esm o ao jo vem , chegando até a reprová-lo por insinuar tal coisa? Em resposta, tem os de observar que aqui Jesus não negou que Ele fosse Deus. Ele lhe pediu que exam inasse as im plicações do que estava dizendo. Jesus estava lhe dizendo: “Percebes o que estás dizendo quando m e cham as bom? Percebes que isto é algo que tu deves atribuir som ente a Deus? Tu estás dizendo que eu sou Deus?” O jo v em não percebeu as im plicações do que Ele estava dizendo. Portanto, Jesus fo rçou -o a u m dilem a m u ito incôm odo. O u Jesus era bom e era Deus, ou então Ele era ru im e era h om em . U m Deus bom ou u m h o m em ru im , mas não u m h o m em bom : Estas são as verdadeiras alternativas com respeito a Cristo, pois n en h u m h o m em bom afirm aria ser Deus se Ele não fosse. Jesus que era u m bom m estre m oral, mas não Deus, é um a invenção da im aginação hum ana. Mateus 24.36
A Bíblia ensina que Jesus é Deus (Jo 1.1) e que Ele con h ece todas as coisas (Jo 2.24; Cl 2.2,3). Por ou tro lado, Ele “crescia [...] em sabedoria” (Lc 2.52) e às vezes parecia não saber certas coisas (cf. Jo 11.34). De fato, Jesus negou con h ecer a hora da sua segunda vinda à Terra, dizendo em M arcos 13.32: “Mas, daquele Dia e hora, ninguém sabe, n em os anjos que estão no céu, nem o Filho, senão o Pai”. Em resposta, tem os de distinguir entre o que Jesus sabia como Deus (tu d o) e o que Ele sabia como homem (n em tu do). C om o Deus, Jesus era onisciente (T o d o-con heced or), mas com o h o m em Ele estava lim itado no seu con h ecim en to. A situação pode ser esquem atizada do seguinte m odo: JESU S C O M O D EU S De con h ecim en to ilim itado Sem au m en to de con h ecim en to Sabia a hora da sua vinda
JESU S C O M O H O M EM D e co n h ecim en to lim itado C o m au m en to de con h ecim en to Não sabia a hora da sua vinda
Portanto, corretam en te com preendida, esta passagem não é um a negação da deidade de Cristo. Mais exatam ente, está em h arm on ia co m a distinção entre as duas naturezas de Cristo, u m a divina e u m a hum ana. Jo ã o 1.1
Os arianos usam este texto para m o strar que Jesus era som en te “u m ” deus e não “o ” Deus, porque não há artigo definido ( “o ”) no texto grego deste versículo. Trata-se de um engano. Em grego, quando o artigo definido é usado, às vezes destaca o individual, mas, quando não está presente, refere-se à natureza da pessoa denotada. P ortan to, o versículo pode ser traduzido assim: “E o Verbo [a Palavraj era da natu reza de D eu s”. A lém disso, com o previam ente m encionado, o “Pai” é descrito com o Deus n o N ovo Testam ento sem o artigo definido, e até os críticos não consideram que isto seja um a retratação da deidade p len a para o Pai. A deidade plena de C risto é apoiada não só pelo uso geral da m esm a constru ção, mas tam bém por outras referências em João a Jesus ser Deus (cf. Jo 8.58; 10.30; 20.28) e no restante do Novo Testam ento (cf. Cl 1.15,16; 2.9; T t 2.13).
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Além disso, alguns textos do N ovo Testam ento usam o artigo definido e falam de Jesus com o “o Deus”. Portanto, não im porta se João usou ou não usou o artigo definido aqui — a Bíblia ensina claram ente que Jesus é Deus, não só um deus (cf. R m 9.5; T t 2.13; Hb 1.8). O Pai às vezes é cham ado Deus co m o artigo definido, mas ninguém considera que isto seja u m a negação da sua deidade (ver, por exem plo, 2 Co 1.3). Portanto, está claro que Jesus é Deus Jeová pelo fato de que o Novo Testam ento atribui a Ele as mesmas propriedades e poderes que no Antigo Testam ento só se aplicam a Jeová Deus (ver acim a). João 14.28 O utro suposto con tra-exem plo se acha aqui, onde Jesus disse: “O Pai é m aior do que eu ”. C om o o Pai pode ser m aior se Jesus é igual a Deus? Em resposta, há u m a diferença im portante. Como homem, o Pai era m aior do que Jesus, e Jesus era u m ser hum ano. Mas o Pai não era m aior do que Jesus como Deus, porque Jesus tam bém era Deus. O Pai é m aior que o Filho por oficio, m as não por natureza, visto que ambos são Deus (ver Jo 1.1; 8.58; 10.30). Da m esm a m aneira que u m pai terreno é igualm ente h um ano, m as tem ofício mais alto que o filho, assim o Pai e o Filho na Trindade são iguais em essência, mas diferentes em função. De certa form a, falamos que o presidente de u m país é u m h om em m aior, não em virtude do seu caráter, mas em virtude da sua posição. Portanto, jamais podem os dizer que Jesus se considerava algo m enos do que Deus por natureza. Colossenses 1.15-17 No versículo 15, Paulo diz que Cristo é “o prim ogênito”. Isto dá a entender que Jesus era só u m a criatura, quer dizer, o prim eiro nascido (ou criado) no universo. Todavia um exam e cuidadoso deste versículo em seu con texto revela que Paulo declara claram ente que Jesus é Deus nesta m esm a carta, dizendo que Ele criou todas as coisas (C l 1.16) e tem “toda a plenitude da divindade” (C l 2.9). A referência a “p rim ogênito” não significa que Ele seja o prim ogênito na criação, mas “o prim ogênito de [ou sobre] toda a criação” (C l 1.15, grifos m eus), visto que “ele é antes de todas as coisas” (C l 1.17). Neste contexto, “prim ogênito” não quer dizer o prim eiro a nascer, mas o Herdeiro de tudo, o Criador e Dono de todas as coisas. C om o Criador de “todas as coisas”, Ele não pode ter sido u m a coisa criada. Apocalipse 3.14 Este é ou tro versículo usado pelos que negam a deidade de Jesus. Aqui João se refere a Jesus com o “o princípio da criação de D eus”. Para o observador casual, estas palavras tam bém soam que Jesus Cristo é o prim eiro ser criado. C ontudo, “o princípio da criação de Deus” não pode significar que Jesus seja o princípio na criação de Deus. Isto está claro pelo fato de que a m esm a palavra principio é usada em referência a Deus Pai em Apocalipse 21.6,7: “E disse-me mais: Está cum prido; Eu sou o Alfa e o Omega, o Principio e o Fim. A quem quer que tiver sede, de graça lhe darei da fonte da água da vida. Q uem vencer herdará todas as coisas, e eu serei seu Deus, e ele será m eu filho” (grifos m eus). Por conseguinte, se “princípio” contesta que Jesus é Deus, então tam bém tem de contestar que o Pai é Deus, o que é u m absurdo.
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O b je çã o D ois: B asead a n a S im p licid ad e de D eu s Os teístas trinitários afirm am u m a m ultiplicidade em Deus de três Pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. P ortan to, parece que D eus não pode ser absolutam ente u m , ou então Ele tam b ém n ão pode ser três Pessoas, pois se as pessoas fossem verdadeiram ente diferentes, então Deus não pode ser absolutam ente o m esm o, e se elas não são realm ente distintas (m as só em nossas m entes), então chegam os ao m odalism o (sabelianism o) e não ao trinitarianism o. R e sp o sta à O b je çã o D ois A prim eira coisa a observar sobre esta objeção é que confunde a pessoa e a essência. A sim plicidade só se refere à essência de Deus. Claro que a visão ortod oxa da Trindade tem u m a pluralidade de Pessoas dentro da unidade de u m a essência. Os prim eiros credos tiveram m u ito cuidado em diferenciar as Pessoas na divindade sem dividir a sua essência (ver Schaff, CC, V olum e 1). C o m o n o to u Tom ás de A quino em referência à essência divina, cada pessoa é idêntica à essência. Mas co m relação a um as às outras, cada Pessoa é m u tu am en te distinta e não unida com as outras ( OPG , 3.7.1). Então, a Trindade e a sim plicidade não são contraditórias. Os teístas clássicos não negam que h aja relações em Deus, pois as relações realm ente existem nEle. M esm o assim, as distinções em D eus não são de acordo co m a essência, mas de acordo co m o que é relativo, a saber, a personalidade. Deus é essencialm ente um , m as relacionalm ente três. P ortan to, a relacionalidade em D eus não requer com posição (A quino, ST, la.28.3). O b je çã o T rês: B asead a n a Id e n tid a d e de Pessoas d a T rin d a d e Os críticos contestam que todas as coisas idênticas à m esm a coisa são idênticas um as às outras. Por exem plo, se A é idêntico a B, e C é idêntico a B, então A tem de ser idêntico a C. Todos os m em bros da divindade são idênticos à m esm a coisa (a saber, a essência de D eus). P ortanto, conclui-se que todos os m em bros da Trindade são idênticos uns aos outros. R e sp o sta à O b je ç ã o T rês Primeiro, não há trinitário que faça esta reivindicação, pois nega a pluralidade de
pessoas em Deus. De fato, trata-se da proposição feita pelos hereges sabelianos. Segundo, Tom ás de A quino respondeu a esta m esm a objeção no livro Suma Teológica. Citando A ristóteles, ele n otou que esta objeção só está dizendo onde há identidade entre o ob jeto e o significado. Mas tal não é o caso em Deus, pois enquanto que Paternidade e Filiação se refiram à m esm a coisa (essência), o significado insinua relacionam entos opostos. Terceiro, D eus pode ser u m e pode ter duas ou mais relações, no sentido de que há um a
e a m esm a estrada en tre duas cidades diferentes. A relação en tre Pai e Filho é a m esm a relação, contud o Pai e Filho não sejam os m esm os (ibid.). Eles são Pessoas diferentes dentro do m esm o Deus. S em elh an tem en te, u m e o m esm o triângu lo tem três ângulos. Esta constatação não destrói a unidade da natu reza de u m triângu lo, n e m esta unidade anu la os seus três ângulos. O m esm o é verdade acerca da Trindade.
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Objeção Quatro: Baseada na Definição Tradicional de Personalidade A definição tradicional de personalidade diz que abrange aquilo que tem m ente, sentim entos e vontade. Nesta definição, no entanto, não podem os distinguir as duas naturezas de Cristo, visto que cada n atureza tem u m a m ente própria. Por exem plo, a n atu reza divina de Jesus conhecia tudo, mas a m ente hum ana de Cristo era limitada (M t 24.36). Se “pessoa” inclui a m ente, então co m o podem os distinguir duas m entes (e vontades) diferentes em Cristo, u m a m ente sendo infinita e a o u tra finita?
Resposta à Objeção Quatro A definição “tradicional” de personalidade só diz respeito ao poder da pessoa em virtude da n atu reza na qual ela participa. O cerne da personalidade é u m “quem ” ou u m “eu ” — u m sujeito. Mas não há “pessoas p ura e sim plesm ente”; cada pessoa tem u m a natureza, e no caso exclusivo de Cristo, Ele tem duas naturezas. Portanto, “pessoa” é definida pelas faculdades que ela possui — m ente, em oção e vontade. Mas a pessoa em si não são tais faculdades; ela as tem. Além disso, h á diferença entre ter a.faculdade do intelecto e u m a natureza que con ten ha o conteúdo que determ inado intelecto tem . Em suma, u m a e a m esm a pessoa, no sentido de u m “eu ” ou “quem ”, pode ter duas naturezas diferentes pelas quais opera. Além disso, até u m a e a m esm a pessoa no sentido de ter as faculdades do intelecto, em oção e vontade pode ter duas naturezas diferentes pelas quais opera, visto que isto difere do conteúdo que estas naturezas possuem . Por exem plo, u m a M ente infinita tem mais conteúdo do que u m a m ente finita, em bora a m esm a “pessoa” (com preendido que tem a faculdade do intelecto) pode ter duas mentes diferentes, u m a de conteúdo finito e a o u tra de conteúdo infinito.
RESUMO E CONCLUSÃO A n atu reza de Deus é o fator mais fundam ental na teologia evangélica. Nela apóiamse todas as outras doutrinas teológicas, explícita ou im plicitam ente. De acordo co m o sadio raciocínio bíblico, teológico e histórico, o Deus da Bíblia é o Deus do m onoteísm o trinitário. Ele é tri-pessoal, infinito, indivisível, im utável, eterno, Todo-conhecedor, Todo-poderoso, Todo-am oroso e absolutam ente perfeito e justo. Divergência de quaisquer destes atributos resulta em u m ponto de vista n ão -o rto d o xo de Deus.
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CAPÍTULO
TREZE
A SANTIDADE E A JUSTIÇA DE DEUS
C
om o vimos, D eus tem atributos e características m orais e absolutas. Todos os atributos precedentes (apresentados nos capítulos 2 a 12) são de caráter absoluto. (T am bém são cham ados “atributos m etafísicos”, visto que descrevem a natu reza efetiva de D eus.) O prim eiro grupo destes tam bém se cham a “atributos incom u nicáveis”, visto que eles não podem ser com unicad os às criaturas. Só D eus é Pura Realidade, simples, auto-existente, necessário, im utável, etern o, impassível, infinito, im aterial, im enso, onipotente, onipresente, onisciente e inefável. Os outros atributos são com unicáveis, mas ainda são absolutos. São eles: a sabedoria, a luz, a m ajestade, a beleza, a vida e a im ortalidade. D eus tam bém tem atributos e características m orais. Estes são com unicáveis às criaturas, visto que não necessitam infinidade. São eles: a santidade, a ju stiça, o ciúm e ou zelo, a perfeição, a veracidade, a bondade (am or), a m isericórdia e a ira (em bora, repetindo, estes dois últim os possam ser atividades, e não atributos co m o tais, que fluem da bondade e ju stiça de Deus, respectivam ente). A SA N T ID A D E D E D E U S O atributo da santidade de D eus desafia categorização sim ples, pois com bina dim ensões m etafísicas e m orais. Em ú ltim o sentido, ajusta-se com os outros atributos m orais alistados e será exam inado aqui. A D EFIN IÇ Ã O D A SA N T ID A D E D E D E U S As palavras bíblicas referentes a santo no hebraico são godesh, que significa “afastam ento”, “d istanciam ento” ou “sacralidade”, e gadosh, que significa “sagrado” ou “santo”. A palavra grega hagios, significa “ín teg ro”, “c o rre to ”, “ju sto ”, “santo” ou “pio”. T eologicam ente, a santidade de D eus significa que Ele é to tal e inteiram ente separado de toda criação e do m al. A sua santidade está associada co m o seu ciúm e (Js 24.19), a sua exaltação (SI 99.9; Is 5.16), a sua ju stiça (Is 5.16; Lc 1.75), a sua onipotência (Ap 4.8), a sua singularidade absoluta (Ex 15.11), a sua pureza m o ral (2 C o 7.1) e o seu agravam ento pelo m al (SI 78.41, A RA ). C o m o tal, a sua santidade inspira u m sen tim ento profundo de te m o r (Is 29.23) e adoração perpétua (1 C r 16.29; Ap 4.8) nas suas criaturas. C o m o m encionad o acim a, a santidade de Deus é u m atribu to m etafísico e m oral. R efere-se à sua singularidade m o ral absoluta co m o tam bém à sua separação total de
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todas as criaturas. Em certo sentido, a santidade é u m atributo global de Deus que o distingue de tudo o mais que existe (ver Sproul, H C ).
A BASE BÍBLICA PARA A SANTIDADE DE DEUS Deus é santo p or sua própria natureza. Êxodo 15.11 declara: “O Senhor, quem é co m o tu entre os deuses? Q uem é co m o tu, glorificado em santidade, terrível em louvores, operando maravilhas?” Em Levítico 11.44, Deus afirma: “Porque eu sou o Senhor, vosso Deus; p ortan to, vós vos santificareis e sereis santos, porque eu sou santo; e não contam inareis a vossa alm a p or n en h u m réptil que se arrasta sobre a terra”. Levítico 11.45 acrescenta: “Porque eu sou o Senhor, que vos faço subir da terra do Egito, para que eu seja vosso Deus, e para que sejais santos; porque eu sou santo”. E m Levítico 19.2, Ele diz: “Fala a toda a congregação dos filhos de Israel e dize-lhes: Santos sereis, porque eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo”. E em Levítico 20.7, Ele ordena: “Portanto, santificai-vos e sede santos, pois eu sou o Senhor, vosso Deus”. U m a vez mais Deus diz: “Pois eu, o Senhor que vos santifica, sou santo” (Lv 21.8). Em Josué 24.19, Ele falou para o povo: “Não podereis servir ao Senhor, porquanto é Deus santo, é Deus zeloso, que não perdoará a vossa transgressão n em os vossos pecados”. Primeiro Samuel 2.2 afirma que “não há santo co m o é o Senhor; porque não há outro fora de ti [Deus]; e roch a n en h u m a há co m o o nosso D eus”. No livro de 1 Samuel 6.20 continua: “Q uem poderia estar em pé perante o Senhor, este Deus santo?” Ainda na obra de 1 Crônicas 16.29 ordena: “Dai ao Senhor a glória de seu nom e; trazei presentes e vinde perante ele; adorai ao Senhor n a beleza da sua santidade”. O Salm o 78.41 afirma que “to rn aram a ten tar a Deus, agravaram o Santo de Israel” (A RA). O salmista nos manda: “Exaltai ao Senhor, nosso Deus, e prostrai-vos diante do escabelo de seus pés, porque ele é santo” (SI 99.5). O Salmo 99.9 afirma: “Exaltai ao Senhor, nosso Deus, e adorai-o no seu santo m onte, porque o Senhor, nosso Deus, é santo”. O profeta disse: “Mas o Senhor dos Exércitos será exaltado em juízo, e Deus, o Santo, será santificado em justiça” (Is 5.16). N ovam ente, Isaías 29.23 diz: “Mas, quando vir a seus filhos a obra das m inhas m ãos, no m eio dele, santificarão o m eu n om e, e santificarão o Santo de Jacó, e tem erão ao Deus de Israel”. Num erosas passagens bíblicas se referem a Deus com o “o Santo” (SI 71.22; 78.41; Is 5.19; 29.23; 43.3; cf. Is 48.17; 54.5; 55.5; 60.9; Jr 51.5; Os 11.9,12; Hb 1.12; 3.3; M c 1.24; Lc 1.35; 4.34; Jo 6.69). Nas páginas do Novo Testam ento, o apóstolo Paulo escreveu em 2 Coríntios 7.1: “Ora, amados, pois que tem os tais promessas, purifiquemo-tios de toda imundíàa da carne e do espirito, aperfeiçoando a santificação no temor de Deus" (grifos m eus). Em Apocalipse 4.8, João nos inform a que “os quatro animais [ao redor do trono de Deus] tinham , cada u m , respectivamente, seis asas e, ao redor e p or dentro, estavam cheios de olhos; e não descansam n em de dia nem de noite, dizendo: Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus, o Todo-poderoso, que era, e que é, e que há de vir” (grifos m eus). Além das referências diretas a Deus co m o santo, a divindade tem um Espirito Santo (A t 2.33; 4.31; 5.32; 7.55; 10.38; 15.8; 20.28; R m 14.17; 15.13,16; 1 Co 6.19; 12.3; 2 Co 13.13; Ef 4.30; 1 Ts 4.8; Hb 2.4; 2 Pe 1.21). Deus tem um nome santo (Lv 22.2; 1 C r 16.35; SI 106.47). Deus torna a terra santa onde Ele está (E x 3.5). Ele tem caminhos santos (SI 77.13). Ele toma um juramento inalterável pela sua santidade (SI 89.35). Deus tem um braço santo (SI 98.1; Is 52.10). Deus se assenta em um trono santo (SI 47.8). O seu trono está em um monte santo (SI 48.1; Ez 28.14). Deus tem anjos santos (D t 33.2;
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Jó 15.15; A t 10.22). Deus ordenou um dia santo (o sábado) para Israel (G n 2.3; Êx 20.11; Ne 13.22). Ele também estabeleceu jejuns santos (J1 1.14). Deus tem profetas santos (A t 3.21). Deus tem um lugar santo
(o céu) onde ele mora (2 C r 30.27; SI 46.4; 68.5; M t 3.17). Ele tinha um lugar santíssimo no tabernáculo (1 C r 6.49; 1 Rs 6.16; SI 79.1). N o tabernáculo, Deus tinha coisas santas (m obília e utensílios) (Ex 25.23ss.; Lv 5.15; 1 Cr 23.13). Deus escolheu um povo santo (Israel) (D t 7.6; 14.2,21; 26.19; 28.9; Cl 1.2; 1 Pe 2.9). Deus também escolheu homens santos especiais (2 Rs 4.9). Ele elegeu uma igreja santa (1 Co I.2). Ele separou uma terra santa (Z c 2.12). Deus escolheu uma cidade santa na terra (Jeru salém ) (Ne II.1 ; Isaías 52.1). A cidade santa de Deus se situa em um monte santo (SI 15.1; 48.1; D n 9.20). Deus também tem uma cidade santa no céu (Ap 21.2,10). Deus ordenou sacerdotes santos (em Levítico). Deus até designou um local santo para servir de depósito de lixo (Jr 31.40), quer dizer, u m lugar especial
reservado para jogar coisas fora. Deus exige um dízimo santo do seu povo (Lv 27.30). Deus tinha comida santa (Lv 21.22). Ele espera que tenhamos uma vida santa (R m 12.1; 1 Ts 4.7).
A B A SE T E O L Ó G IC A PA R A A SA N T ID A D E D E D E U S A santidade de D eus se deriva de outros atributos. O aspecto m etafísico da santidade se deriva de m uitos dos seus atributos m etafísicos, e a dim ensão m o ral se deriva da sua perfeição absoluta. A S an tid ad e se S eg u e da T ra n s c e n d ê n c ia A transcendência de Deus sobre o m undo (ver capítulo 22) o co lo ca à parte de tudo o mais que há no m undo. O que está assim separado é santo, visto que santidade significa estar separado de tudo que há no m undo. P ortanto, a santidade de D eus se depreende da sua transcendência. A S an tid ad e se S eg u e da In finidad e Deus é u m Ser infinito (ver capítulo 5), e só pode haver u m Ser infinito, pois se houvesse dois Seres infinitos, então haveria mais que u m Ser infinito, o que é impossível. P ortanto, o Ser infinito é a classe de um , e o que está em u m a classe de u m é ún ico e separado de todos os outros seres — que é o que significa ser santo. A S an tid ad e se S eg u e da P e rfe içã o A b so lu ta A Bíblia Sagrada afirm a que Deus é absolutam ente perfeito (ver capítulo 14). Não pode haver dois seres que sejam absolutam ente perfeitos, pois para serem dois eles teriam de diferir; caso contrário eles seriam o m esm o. Para diferir, um teria de possuir u m pouco mais de perfeição que o ou tro. Mas o que não tivesse u m p ou co de perfeição não seria absolutam ente perfeito. P ortanto, só pode haver u m Ser que é absolutam ente perfeito — santo, no sentido m etafísico. A lém disso, se consideram os que perfeição é co m o perfeição m oral, então perfeição absoluta im plica em santidade. Deus é absolutam ente perfeito, e o que é absolutam ente perfeito está separado de tudo o mais. P ortan to, Deus é santo: Ele é perfeito em si m esm o e de si m esm o; tudo o mais é perfeito por participação na perfeição dEle. Im p lica çã o Im p o r ta n te d o s A trib u to s M orais de D eu s A dimensão m oral da santidade de Deus, diferente dos atributos metafísicos, pode ser imitada pelas criaturas. Este é o sentido no qual a Bíblia declara: “Para que [...] fiqueis
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participantes da natureza divina” (2 Pe 1.4). Portanto, Deus declara: “Porque eu sou o Senhor, que vos faço subir da terra do Egito, para que eu seja vosso Deus, e para que sejais santos; porque eu sou santo” (Lv 11.45; grifos meus). E: “Não nos cham ou Deus para a imundícia, mas para a santificação” (1 Ts 4.7). Portanto, Paulo exorta: “Ora, amados, pois que temos tais promessas, purifiquemo-nos de toda imundícia da carne e do espírito, aperfeiçoando a santificação no tem or de Deus” (2 Co 7.1). Por conseguinte, podemos ser com o Deus nos seus atributos morais, mas não podemos imitá-lo nos seus atributos metafísicos. E por isso que a Bíblia nunca diz: “Eu sou infinito; portanto, vós sereis infinitos”. Ou: “Eu sou um Ser necessário; então, cada u m de vós será u m Ser necessário”.
A BASE HISTÓRICA PARA A SANTIDADE DE DEUS Os teólogos mais antigos da Igreja recon h eceram a santidade co m o atributo m oral de Deus. Isto com eça com os primeiros Pais.
Os Primeiros Pais da Igreja Falaram sobre a Santidade de Deus Inácio (110 d. C.) Deus a Palavra, o único Filho unigênito, era da descendência de Davi de acordo com a carne, nascido da virgem Maria. Foi batizado por João para que se cumprisse toda a justiça por meio dEle. Ele viveu uma vida de santidade sem pecado, e verdadeiramente sob as ordens de Pôncio Pilatos e o tetrarca Herodes foi pregado [na cruz] por nós na sua carne. De quem derivamos também o nosso ser ou existência, da sua paixão divinamente santificada para que Ele estabelecesse um padrão para os séculos, pela sua ressurreição, para todos os [seguidores] santos e fiéis, quer entre os judeus ou entre os gentios, no corpo único da Igreja. (TE, 20, em Roberts and Donaldson, ANF, I) Justino Mártir (c. 100-c. 165) Novamente, em outra profecia, o Espírito de profecia, pelo mesmo Davi, intimou que Cristo, depois de ter sido crucificado, teria de reinar, e falou como segue: “Cantai ao Senhor em toda a terra; anunciai de dia em dia a sua salvação. Contai entre as nações a sua glória, entre todos os povos as suas maravilhas. Porque grande é o Senhor, e mui digno de ser louvado, e mais tremendo é do que todos os deuses. Porque todos os deuses das nações são vaidades; porém o Senhor fez os céus. Majestade e esplendor há diante dele, força e alegria, no seu lugar. Dai ao Senhor, ó famílias das nações, dai ao Senhor glória e força. Dai ao Senhor a glória de seu nome; trazei presentes e vinde perante ele; adorai ao Senhor na beleza da sua santidade. Trema perante ele, trema toda a terra; pois o mundo se firmará, para que se não abale. Alegrem-se os céus, e regozije-se a terra” [1 Cr 16.23-31], E depois, o que Davi disse: “O teu povo se apresentará voluntariamente no dia do teu poder, com santos ornamentos; como vindo do próprio seio da alva, será o orvalho da tua mocidade. Jurou o Senhor e não se arrependerá: Tu és um sacerdote eterno, segundo a ordem de Melquisedeque”. (FA, 1.41, em ibid., I) Clemente de Alexandria ( 150-c, 215) Este é o ajuste eterno da visão, que pode ver a luz eterna, visto que o semelhante gosta do semelhante. E aquilo que é santo, ama aquilo do qual a santidade procede, que foi adequadamente chamado luz.
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Guia-[nos], Pastor de ovelhas racionais. Guia os filhos desarmados, ó Rei santo, ó passos de Cristo, ó cam inho celeste, Palavra perene, Idade imensurável, Luz Eterna, Fonte de misericórdia, executor da virtude; nobre [é a] vida dos que honram a Deus, ó Cristo Jesus, leite celestial dos doces seios das graças da Noiva, sugado da tua sabedoria. (I, 1.6, 3.1, em ibid., II) Tertuliano (c. 155-c. 225) A lém disso, seria um curso mais indigno a Deus poupar os malfeitores que castigá-los, especialm ente no Deus m elhor e santo, que não é de outra form a com pletam ente bom com o é o inimigo do mal, e isso a tal medida quanto exibir o seu am or do bem pelo ódio do mal, e cum prir a sua defesa do prim eiro pela extirpaçâo do últim o. ( F B A M , 2.1.27, em ibid., III) Comodiano (período entre séculos I I I e V d. C.) Evitai a adoração de tem plos, os oráculos de demônios. Voltai-vos a Cristo, e sede sócios com Deus. Santo é a lei de Deus, que ensina os m ortos a viver. Só Deus nos ordenou que lhe oferecem os o hino de louvor. Todos vós evitais a lei do diabo absolutam ente. (IC, 35, em ibid., 4.1.26) Orígenes (c. 185-c. 254) Isaías falou de dois serafins som ente, os quais com duas asas cobriam o rosto, e com duas os pés e com duas voavam, clam ando alternadam ente uns aos outros e dizendo: “Santo, Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória” [Is 6.3]. Nos aventuramos a declarar que significa que nem os exércitos dos anjos santos, nem os “assentos santos”, nem os “dom ínios”, nem os “principados”, nem os “poderes” podem entender o com eço de todas as coisas e os limites do universo. (DP, 4.1.26, em ibid.)
Os Pais da Ig reja M edieval F a la ra m so b re a S an tid ad e de D eus As mais im portantes m entes teológicas da Idade Média falaram com reverência sobre a santidade intim idante de Deus. Agostinho (354-430)
A gostinho falou de “m eu Deus santo, que tu deste, quando o que tu ordenaste a ser feito foi feito ” (C, 13.10.31.45, em Schaff, NPNF, 1.1). “E em ou tro Salm o, lem os: ‘Grande é o S en h or e m u i digno de lou v or na cidade do nosso Deus, no seu m o n te san to’ [SI 48.1], aum entando a alegria da te rra ” (CG, 11.1, em ibid., 1.2). Repetindo, A gostinho escreveu sobre “a im agem de Deus que corresponde à santidade do Senhor, a porção mais lum inosa do rebanho de C risto” (O C D , 4.21.27, em ibid., 1.2). “Q uando louvam os Deus d iretam ente, fazem os con form e celebram os a sua Santidade que é sem pecado; mas quando nos acusam os, nós lh e damos glória, por quem nos levantam os nov am en te” (SSLG, 17.4 em ibid., VI). Fortalecei-m e para que eu seja capaz. Dai-m e o que tu ordenaste, e ordenai o que tu quiseres. Ele confessa ter recebido, e quando ele se gloria, se gloria no Senhor. O utro eu
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ouço pedindo que ele receba: “Tira de mim”, disse ele, “a ganância da barriga”; por isso parece, ó meu Deus santo, que tu deste quando o que tu ordenaste ser feito se fez. (C, 10.31.45, em ibid., 1.1) Anselmo (1033-1109) Santidade significa ser separado. Isto é verdade acerca de Deus, tanto m oral quanto metafisicam ente. Anselm o ressaltou o ú ltim o quando disse: De todas as coisas que podem ser ditas de algo, haveria algo apropriado à substância de tão maravilhosa natureza como esta? Esta é a pergunta a fazer tão cuidadosamente quanto possível neste momento. Eu ficaria surpreso se achássemos qualquer coisa entre os substantivos e verbos para aplicarmos às coisas criadas do nada que se dissesse meritoriamente acerca da substância que criou tudo. [...] Por conseguinte, o mero fato que a natureza suprema é maior que tudo que foi criado claramente não especifica a sua essência natural. (ACMW, p. 26) Por conseguinte, “n em nada, n em algo foi antes ou virá depois da essência suprem a; e que nada existiu antes ou existirá depois — isso será totalm en te verdade” (ibid., p. 33). Tomás de Aquino (1225-1274) Somos atraídos à bondade como por um fim. O que os nossos fins são, decidem se os nossos atos voluntários são certos ou errados. Considere como o amor que ama o bem supremo que é Deus, é tão excelente que é chamado santo — , quer isso signifique puro, como dizem os gregos, porque o amor de Deus é totalmente bondade completamente impoluta, ou firme, como dizem os latinos, pois o amor de Deus é bondade imutável. Portanto, falamos propriamente do Espírito que é o amor de Deus de si mesmo como o Espírito Santo. (Aquinas, CT, 47, em Gilby, PTTA, p. 89)
Os Teólogos da Reforma Falaram sobre a Santidade de Deus Os grandes Reform adores, co m o foco n a doutrina da graça de Deus, não deixaram de colocá-la no con texto da santidade divina. Martinho Lutero (1483-1546) Não devemos ser santos para ganhar ou evitar algo. Pois os que fazem isso são mercenários, servos e trabalhadores por dia. Eles não são crianças dispostas e herdeiros que são santos por causa da santidade, quer dizer, por causa de Deus somente, pois o próprio Deus é Justiça, Verdade, Bondade, Sabedoria e Santidade. E aquele que busca não mais que a própria santidade, busca e acha o próprio Deus. Mas aquele que busca recompensa e foge do castigo nunca acha Deus, mas torna a recompensa o seu deus. Pois o que move o homem fazer algo é o seu deus. (WLS, p. 655, 656) “Deus tem de adm inistrar justiça, porque Ele é cham ado Juiz ju sto” (WL, 4.33). João Calvino (1509-1564)
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“C o m que fundação m e lh o r podem os com eçar do que lem brar que devem os ser santos, porque Deus é santoV' (Levítico 19.2; 1 Pedro 1.16.)” ( ICR , 3.6.2). Seguramente, os atributos que são muito necessários sabermos são estes três: A Bondade, da qual depende a nossa segurança; o Julgamento, que é exercido diariamente sobre os ímpios e os espera em forma mais severa, até a destruição eterna; a Justiça, pela qual os crentes são preservados e mais benignamente estimados. O profeta declara que quando você entender estes, então você recebeu amplamente com o meio de se gloriar em Deus. Nem há aqui omissão da verdade, ou poder, ou santidade, ou bondade. Pois como pôde este conhecimento da sua bondade, julgamento e justiça existir, se não estivesse fundado na sua verdade inviolável? (ibid., 1.10.2)
Ulrico Zwinglio (1484-1531) Se eles não reterem Deus no seu conhecimento (Rm 1), ou nutrirem a alma faminta com a doce esperança em Deus, Deus o Juiz justo encherá os corações indubitavelmente com o medo agourento e a angústia do tormento eterno, de forma que não ter o desejo de entrar agora na vida eterna em expectativa silenciosa, eles começam a experimentar já aquela perdição eterna que no mundo por vir eles cumprirão eternamente. (Bromley, ZB, p. 63)
Os T e ó lo g o s da P ó s -R e fo rm a F a la ra m so b re a S an tid ad e de D eu s
Jonathan Edwards (1703-1758) A razão por que não é desonroso ser necessariamente muito santo, é porque a santidade em si mesma é uma coisa excelente e honrosa. Pela mesma razão, não é desonra ser necessariamente muito sábio, e, em todo caso, agir mais sabiamente, ou fazer a coisa que é a mais sábia de todas; pois a sabedoria também é em si mesma excelente e honrosa. (WJE, 1.71) Sendo assim infinito em entendimento e poder, Ele também deve ser perfeitamente santo, pois a não-santidade sempre argumenta algum defeito, alguma cegueira. Onde não há escuridão ou ilusão, não pode haver não-santidade. E impossível que a maldade esteja em harmonia com a luz infinita, (ibid., 2.108) P ortanto, “Deus é essencialm ente santo, e nada é mais im possível que Deus e rra r” (ibid., Seven Sermons [Sete Serm ões], 2).
Stephen Charnock (1628-1680) Nunca a santidade divina parece mais bela e adorável do que na ocasião em que o rosto de nosso Salvador estava mais desfigurado no meio dos seus gemidos de morte. Ele mesmo reconhece este ato no salmo profético [SI 22.1,2], quando Deus virara a face sorrindo e enfiou a faca afiada no coração de Jesus, forçando-o naquele grito terrível: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” Ele adora esta perfeição da sua santidade. [...] Nesta sua pureza brilhou, e as suas justiças irreversíveis manifestaram que os que cometem pecado são dignos de morte. Este foi o indício perfeito da sua “justiça” [Rm 3.25], quer dizer, da sua santidade e verdade. Então era aquele Deus que é santo que “foi santificado em justiça” [Is 5.16], (EAG, 2.135)
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Na realidade, “Deus sem pre age de acordo co m a n atu reza im utável da sua santidade, e não pode m u d ar o que sente pelo m al não mais do que pode [mudar] na sua essência” (ibid., 1.345). R. L. Dabney (1820-1898) [...] Mais freqüentemente parece expressar a idéia geral da sua pureza moral, como em Levítico 11, Salmo 114 e 1 Pedro 1.15,16. Às vezes parece expressar a idéia da sua majestade, não exclusiva das suas perfeições morais, mas também inclusivas do seu poder, conhecimento e sabedoria, como no Salmo 22.3, Isaías 6.3 e Apocalipse 4.8. Santidade, então, tem de ser considerada não como um atributo distinto, mas como o resultado de todos os atributos morais de Deus juntos. E como a sua justiça, bondade e verdade são predicadas a Ele como um Ser de intelecto e vontade, e seria completamente irrelevante a qualquer coisa ininteligente e involuntária, assim a sua santidade insinua referência aos mesmos atributos. Os seus atributos morais são a coroa especial. A sua inteligência e vontade são a fronte que a usa. A sua santidade é a glória coletiva e consumada da sua natureza como Espírito infinito, moralmente puro, ativo e inteligente. (LST, pp. 172, 173) m iliam G. T. Shedd (1820-1894) A Santidade de Deus é a justiça perfeita da sua vontade. A vontade divina está em harmonia absoluta com a natureza divina. “Santo, Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos” (Is 6.3; cf. 57.15; Êx 15.11; SI 89.35; 145.17; Am 4.2; Ap 4.8; 15.4). A Palavra de Deus é santa (Rm 1.2). A sua promessa é santa (SI 105.42). O seu sábado é santo (Is 58.13). O seu povo é santo (Is 62.12). A sua habitação é santa (Is 57.15). Os seus anjos são santos (Ap 14.10). A santidade em Deus não pode ser definida nos mesmos termos em que a santidade nos homens ou nos anjos é definida, isto é, em conformidade com a lei moral. A lei moral propõe um ser superior a cujo amor e serviço são obrigatórios os inferiores. [...] A santidade em Deus tem de, por conseguinte, ser definida em conformidade com a sua própria natureza perfeita. (DT, p. 362)
OBJEÇÕES À SANTIDADE DE DEUS As críticas con tra a doutrina da santidade de Deus têm vindo de m uitos lados. É m uito mais popular falar de u m Deus am oroso do que de u m Deus santo. Além disso, é difícil m uitos entenderem com o u m Ser absolutam ente simples pode ser mais de u m a coisa. Ademais, alguns atributos, co m o a santidade e o am or, parecem ser incompatíveis.
Objeção Um: Baseada no Amor de Deus H á quem conteste que Deus não pode ser am oroso e santo ao m esm o tem po, pois u m atributo levaria Deus a salvar todos, mas o ou tro a condenar todos. Estes parecem ser desejos contraditórios, e Deus não pode se contradizer. Por conseguinte, é impossível Deus ser santo se Ele for u m Deus de am or. Mas a Bíblia declara: “Deus é a m o r” (1 João 4.16, ARA).
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R e sp o sta à O b je çã o U m É verdade que Deus não pode ser ou fazer coisas contraditórias. Porém não há contradição aqui por duas razões. Primeiro, o am or de Deus pode ser expresso até pelos que o rejeitam . Por exem plo, dois copos colocados debaixo de u m a cachoeira ficariam cheios de água até derram ar, mas só o copo que está co m a boca para cim a é que pode ser cheio de água. Segundo, a ira de D eus que sobrevêm aos condenados no in fern o e o am o r de D eus que é derram ado sobre os santos no céu não estão sendo recebidos p o r u m e o m esm o grupo. Por conseguinte, não há contradição, visto que as m esm as pessoas não estão recebendo expressões opostas de Deus. Deus tem atributos diferentes, e cada u m é expresso em objetos diferentes, dependendo da condição destes. O b je çã o D ois: B asead a n a S im p licid ad e d e D eu s Deus é absolutam ente u m , sem m ultiplicidade ou divisibilidade n o seu Ser. O que é absolutam ente u m não pode ser m uitas coisas diferentes. P ortanto, se Deus é am or, então se conclui que Ele tam bém não pode ser santo (ou ter ou tro atribu to). R e sp o sta à O b je çã o dois Deus pode ser absolutam ente u m e pode ter m u itos atributos da m esm a fo rm a que os raios de u m círculo são u m no centro e m u itos na circunferência. A lém disso, com o já observam os, u m a e a m esm a pedra tem m u itos atributos ao m esm o tem po: E dura, redonda e sólida. P ortanto, u m e o m esm o D eus pode ter m u itos atributos. A insistência que Deus não pode ser u m em essência e m u itos em atributos é por não entender a analogia (ver V olum e 1, capítulo 9). Cada atribu to de Deus está sendo afirm ado de m odo análogo, não de m odo unívoco. Só o co rre contradição quando atributos diferentes de D eus são afirm ados exatam ente do m esm o m odo, pois então D eus seria coisas diferentes da m esm a m aneira, o que é impossível. A JU S T IÇ A D E D E U S A ju stiça de D eus é u m atribu to m o ral e, co m o tal, é intrínseco a D eus (e extrínseco às criaturas). Sendo u m Ser in finito e im utável, Deus é infinita e im utav elm ente ju sto. A D E FIN IÇ Ã O D A JU S T IÇ A D E D E U S A palavra justo (em grego dikaios) significa, literalm en te, “ser ju s to ”, “ser re to ”. Teologicam en te, diz respeito à característica intrínseca de Deus em que Ele é absolu tam ente ju sto ou reto e é o padrão ú ltim o de ju stiça e retidão. A BA SE B ÍB LIC A PA R A A JU S T IÇ A D E D E U S A base bíblica para a ju stiça de Deus se acha nas m uitas m aneiras em que a palavra é usada em relação a Deus. (1) A ju stiça diz respeito aos seus ju stos juízos: “O tem o r do S e n h o r é lim po e perm anece etern am en te; os juízos do S en h o r são verdadeiros e ju stos ju n ta m e n te ” (SI 19.9).
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(2) A justiçaé abase do seu trono: “Justiçaé juízo são abase do teu trono; misericórdia e verdade vão adiante do teu ro sto ” (SI 89.14). (3) A justiça é o cetro do seu Reino: “O Deus, o teu trono subsiste pelos séculos dos séculos, cetro de eqüidade é o cetro do teu reino” (Hb 1.8). (4) A justiça não com ete iniqüidade: “O Senhor é justo, no m eio dela; ele não com ete iniqüidade; cada m an h ã traz o seu juízo à luz; n unca falta” (Sf 3.5). (5) A justiça é perene: “Espalhou, deu aos pobres, a sua justiça perm anece para sem pre” (2 Co 9.9). (6) A justiça é o padrão últim o de julgam ento para o m undo: “Porquanto tem determ inado u m dia em que co m justiça há de julgar o m undo, p or m eio do varão que destinou” (A t 17.31). (7) A justiça retribui a todos de acordo co m as suas ações: “[Deus] recom pensará cada u m segundo as suas obras” (R m 2.6). (8) A justiça é a base para as recompensais dos crentes: “Desde agora, a co ro a da justiça m e está guardada, a qual o Senhor, justo juiz, m e dará naquele Dia; e não som ente a m im , mas tam bém a todos os que am arem a sua vinda” (2 T m 4.8). (9) A justiça é revelada na lei de Deus: “Ora, Moisés descreve a justiça que é pela lei” (R m 10.5). Sendo u m atributo m oral, as criaturas tam bém podem possuir a justiça: É u m a característica com unicável de Deus. Por conseguinte, é algo (1) em que devemos ser ensinados (2 T m 3.16,17); (2) que devemos buscar (M t 6.33); (3) que devemos p rocu rar (2 T m 2.22); (4) de que devemos ter sede (M t 5.6); (5) pela qual devemos sofrer (1 Pe 3.14; 2 T m 3.12); (6) a que devemos nos subm eter (R m 10.3); (7) de que devemos ser escravos (R m 6.18); (8) que devemos praticar (1 Jo 3.7).
A BASE TEOLÓGICA PARA A JUSTIÇA DE DEUS Teologicam ente, a justiça de Deus está fundam entada na sua m oralidade e imutabilidade. Deus é m etafisicam ente absoluto e m oralm en te perfeito. O raciocínio é este: (1) Deus é u m Ser imutável. (2) Deus tam bém é u m Ser m oral. (3) Por conseguinte, Deus tem de ser im utavelm ente m oral. (4) Mas ser justo é u m a característica de u m Ser m oral. (5) Portanto, Deus tem de ser im utavelm ente justo, quer dizer, Ele tem de ser absolutam ente justo em tu d o o que Ele é e faz.
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A m esm a lógica pode ser aplicada deste m odo: (1) D eus é um Ser m oral. (2) Deus é u m Ser perfeito. (3) Por conseguinte, D eus é u m Ser m o ralm en te perfeito. U m a característica de ser m o ral é ser ju sto. P ortan to, Deus é u m Ser perfeitam ente ju sto. A BA SE H IS T Ó R IC A PA R A A JU S T IÇ A D E D EU S Os P rim eiro s Pais da Ig re ja F a la m so b re a Ju stiça de D eu s Desde os tem pos mais antigos os Pais da Igreja falaram sobre a ju stiça de Deus. Esta prática continu a até a atualidade. Inácio (110 d. C .)
R epetindo: Deus a Palavra, o único Filho unigênito, era da descendência de Davi de acordo com a carne, nascido da virgem Maria; foi batizado por João para que se cumprisse toda a justiça por meio dEle; que Ele viveu uma vida de santidade sem pecado, e verdadeiramente sob as ordens de Pôncio Pilatos e do tetrarca Herodes foi pregado [na cruz] por nós na sua carne. De quem derivamos também o nosso ser ou existência, da sua paixão divinamente santificada para que Ele estabelecesse um padrão para os séculos, pela sua ressurreição, para todos os [seguidores] santos e fiéis, quer entre os judeus ou entre os gentios, no um corpo da sua Igreja. (ES, 1, em Roberts and Donaldson, ANF, I) Irineu (c. 125-c. 202)
Portanto também ele será condenado com justiça, porque, tendo sido criado um ser racional, ele perdeu a verdadeira racionalidade, e vivendo irracionalmente, contrário à justiça de Deus, entregando-se a todo espírito terreno e servindo a todas as luxúrias, como diz o profeta: “Todavia, o homem que está em honra não permanece; antes, é como os animais, que perecem” [SI 49.12], (A H , 4.4, em ibid., I) Já que, então, como em ambos os Testamentos há a mesma justiça de Deus [exibida] quando Deus toma vingança, em um caso tipicamente, temporariamente e mais moderadamente, mas em outro, duradouramente e mais rigidamente: pois o fogo é eterno e a ira de Deus que será revelado desde os céus vindo da face de nosso Deus. (ibid., 4.28.1) Justino M ártir (c. 100-c. 165)
Mas se não admitirmos isto, estaremos sujeitos a cair em opiniões tolas, como se não fosse o mesmo Deus que existiu nos dias de Enoque e em todo o resto, que nem foram circuncidados segundo a carne, nem observaram o sábado, nem qualquer outro rito, visto que Moisés ordenou tais observâncias; ou que Deus não desejou cada raça do gênero humano continuamente para executar as mesmas ações justas: admitir isso parece ridículo e absurdo. Portanto, temos de confessar que Ele, que sempre é o mesmo, ordenou estas e tais instituições semelhantes por causa dos pecadores, e temos de declarátlo s^r benevolente, presciente, não necessitando de nada, justo e bom. (DJ, 23, em ibid., I)
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Teójilo (m. 180) Sabedoria, eu falo da sua descendência; se eu o chamar Força, eu falo da sua influência; se eu o chamar Poder, eu estou mencionando a sua atividade; se Providência, eu somente menciono a sua bondade; se eu o chamo Reino, eu somente menciono a sua glória; se eu o chamar Senhor, eu menciono que Ele é juiz; se eu o chamar Juiz, eu falo dEle como sendo justo; se eu o chamar Pai, eu falo de todas as coisas como sendo dEle; se eu o chamar Fogo, eu somente menciono a sua ira. Você, então, me dirá: “Deus está irado?” Sim; Ele está irado com os que agem impiamente, mas Ele é bom, amável e misericordioso para os que o amam e o temem; porque Ele é disciplinador dos piedosos e pai dos justos; mas Ele é juiz e punidor dos ímpios. (TA, 1.3, em ibid., II) Pastor de H em as (c. início do Século II) Dai ouvidos, ó Filhos: Eu vos expus em muita simplicidade, inocência e castidade, por causa da misericórdia do Senhor que derramou a sua justiça sobre vós para que vós sejais feitos justos e santos de toda a vossa iniqüidade e depravação; mas vós não desejais descansar da vossa iniqüidade. Portanto, agora ouvi-me, estejais em paz uns com os outros, visitai-vos uns aos outros, levai os fardos uns dos outros e não participeis das criaturas de Deus somente, mas dai abundantemente deles para os necessitados. (PH, 3.9, em ibid.) Clemente de Alexandria ( 150-c. 215) Verdadeiramente, aquele que adora deuses que são visíveis, e a populaça promíscua das criaturas geradas e nascidas, e se prende a elas, é um objeto mais miserável que os próprios demônios. Porque de modo nenhum Deus é injusto, como são os demônios, mas no mais alto grau justo; e nada mais se assemelha a Deus que um de nós quando fica justo no grau mais alto possível. (EH, 10, em ibid.) Tertuliano (c. 155-c. 225) Era uma vez a lei; agora é “a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo” [Rm 3.22], O que significa esta distinção’ O seu deus era subserviente aos interesses da dispensação do Criador, dispondo tempo para si e para a sua lei? É o “Agora” nas mãos dEle a quem pertencia o “então”? Seguramente, a lei era dEle, de quem é agora a justiça de Deus. (FBAM, 2.5.11.13, em ibid., EI)
Os Pais da Igreja Medieval Falaram sobre a Justiça de Deus Seguindo os pais patrísticos, os teólogos medievais tiveram em alta consideração a justiça de Deus. Eles falaram freqüentem ente dela, acentuando a sua im portância entre os atributos m orais de Deus. Agostinho (354-430) A ti desejo, ó justiça e inocência, justo e gracioso a todos os olhos virtuosos, e de uma satisfação que nunca cansa! Contigo está o perfeito descanso e a vida imutável. Aquele que entra em ti entra na alegria do seu Deus, e não terá medo, e fará excelentemente no mais Excelente. Eu me afastei de ti, ó meu Deus, e eu também vaguei longe de ti, minha
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permanência, em minha mocidade, e tornou-se para mim uma terra estéril. (C, 2.10.18, em Schaff, NPNF, 1.1) Senhor, tem misericórdia de mim e ouvi o meu desejo. Porque eu penso que não é da terra, nem do ouro, prata e pedras preciosas, nem de vestuário deslumbrante, nem de honras e poderes, nem dos prazeres da carne, nem das coisas necessárias para o corpo e esta vida de nossa peregrinação, tudo isso que é acrescentado aos que buscam o teu Reino e a tua justiça, (ibid., 11.3.4) E quem é este, senão ti, nosso Senhor, a doçura e manancial de justiça que deste a “cada um segundo as suas obras” [Rm 2.6], e um coração contrito! (ibid., 4.3.4) Quanto mais amamos Deus ardentemente, mais certamente e mais calmamente nós o vemos, e nós vemos em Deus a forma imutável da justiça de acordo com a qual julgamos que o homem deve viver. (OTT, 8.9.13, em op. cit., 1.3) Anselmo (1033-1109) Como tu poupas os ímpios se tu és Todo-justo e supremamente justo? Pois como o Todo-justo e supremamente justo faz algo que é injusto? Ou que tipo de justiça é dar vida eterna a quem merece morte eterna? Como então, ó Deus bom, bom aos bons e aos maus, como tu salvas os maus se isto não é justo e tu não fazes nada que não sejas justo? Ou, visto que a tua bondade é além do entendimento, é isto escondido na luz inacessível na qual tu habitas? Verdadeiramente no lugar mais profundo e mais secreto da tua bondade está escondida a fonte de onde flui os teus fluxos de misericórdia. Pois embora tu sejas Todo-justo e supremamente justo — exatamente porque tu és Todojusto e supremamente justo — , tu também és beneficente até para com os maus. Na realidade, tu serias menos bom se tu não fosses beneficente ao homem mau. Porque aquele que é bom para os bons e maus é melhor do que aquele que só é bom para os bons. E aquele que é bom para os maus, castigando-os e poupando-os é melhor do que aquele que é bom para os maus só castigando-os. Tu és misericordioso, entãó, porque tu és Todo-bom e supremamente bom. (ACMW, p. 191) Tomás de Aquino (1225-1274) E impossível Deus querer qualquer coisa que não seja o que a sua sabedoria aprove. Isto é, por assim dizer, a sua lei da justiça conforme a qual a sua vontade é reta e justa. Por conseguinte, o que Ele faz de acordo com a sua vontade, o faz com justiça: como fazemos com justiça o que fazemos de acordo com a lei. Mas considerando que a lei nos vem a nós de um poder mais alto, Deus é uma lei para si mesmo. (ST, la.21.1) Deus é pura bondade, considerando que outras coisas são creditadas com o tipo de bondade apropriada para as naturezas. Por exemplo, a justiça é definida com referência a um tipo de atividade. O ser de Deus é idêntico à sua ação. Portanto, para Ele ser bom e ser justo é uma e a mesma coisa. Não tocamos esta simplicidade, nossa substância e nossa atividade são distintas, e a bondade que nos é atribuída porque existimos não é idêntica à bondade que nos é atribuída porque os nossos procedimentos são justos. A bondade é um termo geral sob a qual a justiça, e as outras virtudes, são títulos especiais. De Deus é a bondade em plena força, considerando que nem todo tipo de bondade é descoberta em outras coisas, pois o tipo varia de um para o outro. Embora todos sejam bons de algum modo, nem todos possuem o tipo de bondade chamado justiça. Alguns são justos, outros têm o seu tipo diferente, mas apropriado de bondade. Contudo, todos
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são bons, porque eles fluem da fonte da bondade. Deus seja louvado por todas as coisas. (.Expositionfrom Hebdomadibus [Exposição de Hebdomadibus], 5, em Gilby, TTA, p. 38, 39)
Os Teólogos da Reforma Falaram sobre a Justiça de Deus A doutrina da justiça de Deus entrou em foco lum inoso durante a Reform a, co m sua ênfase na justificação pela fé. C om o Paulo escreveu em Rom anos 3, a questão se tornou com o Deus poder ser justo e tam bém justificar os injustos. Martinho Lutero (1483-1546) “Deus está na sua congregação e julga os deuses; quer dizer, Ele os reprova. Porque Ele m an tém a m ão alta sobre eles e a direita para julgá-los” (WL, 4.295). E, [...] se o Senhor nosso Deus designa qualquer coisa para nós, quer seja bom ou mal, traga bênção ou aflição, seja vergonha ou honra, prosperidade ou adversidade, tenho de considerar bom e realmente sagrado, e tenho de dizer: Esta é uma bênção pura e preciosa. Não sou digno disso que isto me toque. Assim diz o profeta: “Justo é o Senhor em todos os seus caminhos e santo em todas as suas obras” (SI 145.17). Se dou louvores a Deus por tais questões e as considero boas, santas e excelentes, eu o santifico em meu coração. Mas os que consultam os livros da lei reclamam que está sendo feita uma injustiça a eles. Dizem que Deus está dormindo e não ajudará os justos e conterá os injustos — eles o desonram e nem o consideram justo nem santo. Mas quem é cristão deve atribuir justiça a Deus e injustiça a si, deve considerar Deus santo e ele profano e deve dizer que em todas as suas obras e ações Deus é santo e justo. E o que Ele requer. [...] Se cantamos Deogratias e Te Deum laudamus e dizemos: Deus seja louvado e bendito, quando o infortúnio nos colher, é o que Pedro e Isaías chamam uma verdadeira santificação ao Senhor. (M5, pp. 555, 556) João Calvino (1509-1564) O sistema bíblico do qual falamos aponta primariamente a dois objetos. O primeiro é que o amor da justiça ao qual de modo nenhum somos naturalmente inclinados, pode ser instilado e implantado em nossa mente. O último (ver capítulo 2) tem de prescrever uma regra que nos guardará de desviar enquanto estamos na busca da justiça. Tem numerosos métodos admiráveis de recomendar a justiça. Muitos já foram destacados em partes diferentes deste trabalho; mas também devemos brevemente aqui advertir a alguns deles. Com que melhor fundação podemos começar do que lembrar que devemos ser santos, porque “Deus é santo “? [Lv 19.1; 1 Pe 1.16] (ÍCR, 3.6.2) Leia novam ente: Seguramente, os atributos que são muito necessários sabermos são estes três: A Bondade, da qual depende a nossa segurança; o Julgamento, que é exercido diariamente sobre os ímpios e os espera em forma mais severa, até a destruição eterna; a Justiça, pela qual os crentes são preservados e mais benignamente estimados. O profeta declara que quando você entender estes, então você recebeu amplamente com o meio de se gloriar em Deus. Nem há aqui omissão da verdade, ou poder, ou santidade, ou bondade. Pois como pôde
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este conhecimento da sua bondade, julgamento e justiça existir, se não estivesse fundado na sua verdade inviolável? (ibid., 1.10.2) Mas ainda que em cada passagem onde o favor ou a ira de Deus é mencionado, o primeiro compreende a eternidade de vida e o último a destruição eterna, a lei, ao mesmo tempo, enumera um longo catálogo de bênçãos e maldições (Lv 16.4; Dt 28.1). As ameaças atestam a pureza imaculada de Deus que não pode suportar iniqüidade, enquanto as promessas atestarem o seu amor infinito da justiça imediatamente (o qual Ele não pode deixar sem recompensa), e a sua bondade maravilhosa. Sendo forçado a prestar-lhe homenagem com tudo aquilo que temos, Ele tem perfeitamente o direito de exigir tudo que Ele requer de nós como dívida; e como dívida, o pagamento é indigno da recompensa. Ele antecede o seu direito, quando exibe recompensa pelos serviços que não são oferecidos espontaneamente, como se eles não fossem devidos, (ibid., 1.8.4) J a c ó Armínio (1560-1609)
A Justiça de Deus, considerada universalmente, é uma virtude de Deus de acordo com a qual Ele administra todas as coisas corretamente e de modo satisfatório, de acordo com a qual a sua Sabedoria dita como lhe convém. Junto com a Sabedoria, ela preside sobre todos os seus atos, decretos e ações: E de acordo com ela, se diz que Deus é “justo e reto” [Dt 32.4], o seu caminho “direito” [Ez 18.25] e ele é “justo [...] em todos os seus caminhos” [SI 145.17], A Justiça particular de Deus é aquela pela qual Ele dá consistentemente a cada um o que lhe pertence: para o próprio Deus aquilo que lhe pertence e para a criatura aquilo que lhe pertence. Consideramos isto nas palavras de Deus e nas suas ações. Nisto, o método dos decretos não é diferente; porque seja o que for que Deus faça ou diga, Ele faz ou diz de acordo com o seu próprio decreto eterno. Semelhantemente, esta Justiça contém parcialmente um moderador do seu amor pelo bem da obediência, e parcialmente do seu amor pelas criaturas e da sua bondade. ( WJA, 11.48) Os M estres d a P ó s-R e fo rm a F a la ra m s o b re a Ju stiça de D eu s
Jonathan Edwards (1703-1758)
[Sobre a ressurreição], Deus desejando o evento foi a volição mais santa de Deus que jamais foi feita conhecida aos homens; e o ato de Deus em ordená-la foi um ato divino que, acima de todos os outros, manifesta a excelência moral do Ser divino. (WJE, 1.78) Stephen Chartiock (1628-1680)
C o m o v im o s: Nunca a santidade divina parece mais bela e adorável que na ocasião em que o rosto de nosso Salvador estava mais desfigurado no meio dos seus gemidos de morte. Ele mesmo reconhece este ato no salmo profético [SI 22.1,2], que forçou aquele grito terrível: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” Ele adora esta perfeição da sua santidade. [...] Nesta sua pureza brilhou, e as suas justiças irreversíveis manifestaram que os que cometem pecado são dignos de morte; este foi o indício perfeito da sua “justiça” [Rm 3.25], quer dizer, da sua santidade e verdade; então era aquele Deus que é santo que “foi santificado em justiça” [Is 5.16], (E A G , 2.135)
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John Miley (1813-1895) De toda forma e no sentido mais profundo Deus é justo. Abraão apreendeu esta verdade na pergunta profunda: “Não faria justiça o Juiz de toda a terra?” [Gn 18.25]. Havia um caso especial em questão; mas não há senso de limitação local ou temporária no significado das palavras. Há uma justiça universal e eterna da agência divina. “Ele é a Rocha cuja obra é perfeita, porque todos os seus caminhos juízo são; Deus é a verdade, e não há nele injustiça; justo e reto é” [Dt 32.4]. “A tua justiçaé uma justiça eterna, e a tua lei é a verdade” [SI 119.142]. Estes textos bíblicos expressam o mais profundo sentido de uma santidade sempre presente no governo moral divino. “A lei do Senhor é perfeita” [SI 19.7], perfeita como a expressão desta santidade divina; perfeita, então, como o padrão do reto; perfeita em suas exigências; perfeita em suas sanções. Tudo isso foi resumido em uma oração feita por Paulo: “Assim, a lei é santa; e o mandamento, santo, justo e bom” [Rm 7.12]. (ST, p. 200) William G. T. Shedd (1820-1894) Eis aqui e assim que podemos explicar a bem-aventurança de Deus com relação à sua onisciência e onipresença. Sabemos que o pecado e o castigo do pecado sempre estão diante dEle. O sentimento de ira contra a maldade dos homens e dos demônios está constantemente na essência divina. Contudo, Deus é suprema e constantemente bendito. Ele pode ser assim, só porque há uma harmonia justa e adequada entre a ira e o objeto no qual ela cai; só porque Ele odeia aquilo que é odioso, e condena o que é condenável. Por conseguinte, Ele é chamado “sobre todos [inferno como também céu], Deus bendito eternamente” [Rm 9.5]. A bem-aventurança divina não é destruída pelo pecado das suas criaturas, ou pelo seu próprio desgosto santo contra o pecado. E aqui, também, vemos a compatibilidade de algum pecado e miséria perpétuos com a perfeição divina. Se o sentimento de ira contra o mal moral for reto e racional, então não há impropriedade no seu exercício pelo ser Supremo, e o seu exercício por Ele é a substância do inferno. Se o sentimento for próprio para um único momento, então é para sempre. (DT, pp. 177, 178) J . I. Packer [A ira] é a reação justa e necessária à perversidade moral objetiva. Deus só se ira quando a situação o exige. Mesmo entre os seres humanos, há o que chamamos indignação justa, embora talvez seja raramente encontrada. Entretanto toda indignação de Deus é justa. Um Deus que tivesse tanto prazer no mal quanto no bem seria um Deus bom? Um Deus que não reagisse contra o mal em seu mundo seria moralmente perfeito? E claro que não. Pois é exatamente esta reação contra o mal, parte necessária da perfeição moral, que a Bíblia tem em vista quando fala da ira de Deus. (KG, p. 151) Deus é o juiz de toda a terra e agirá com justiça, vingando o inocente, se houver, mas punindo [...] os transgressores da lei. Deus não será fiel a si mesmo a menos que castigue o pecado. E a menos que alguém conheça e sinta a realidade deste fato — os malfeitores devem esperar da parte de Deus nada além de um julgamento justo — não poderá compartilhar a fé bíblica na graça divina, (ibid., p. 130,131) Deus resolveu ser o Juiz de todo indivíduo, recompensando cada um de acordo com suas obras. A retribuição é a inescapável lei moral da criação. Deus cuidará para que cada pessoa, cedo ou tarde, receba o que merece, aqui ou na vida futura. Este é um dos fatos
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básicos da vida. E tendo sido feitos à imagem de Deus, sabemos em nosso íntim o que isso é correta. E assim m esm o que deve ser. (ibid., p. 143, grifos no original)
O B JE Ç Õ E S À JU S T IÇ A D E D E U S
A o b je ç ã o p r im á r ia à ju s t i ç a de D e u s é a d o u t r in a d a g r a ç a . C o m o p o d e D e u s s a lv a r c o m ju s t i ç a os in ju s to s ? A o b je ç ã o é c o n t u n d e n t e , m a s a r e s p o s ta é p r o fu n d a .
O b je çã o U m : B asead a n a Ju stiça T ra n sfe rid a D e a c o r d o c o m a B íb lia , D e u s c a s tig o u o J u s t o (Je s u s ) n o lu g a r d o s i n ju s t o s (o s p e c a d o r e s ) e t r a n s fe r iu a ju s t i ç a d E le p a r a a n o s s a c o n t a . P a re c e u m p r o c e s s o i n ju s t o : P o r q u e o i n o c e n t e d e v e se r c a s tig a d o p e lo c u lp a d o , e p o r q u e d e v e o c u lp a d o r e c e b e r ju s t iç a e s t r a n h a d e O u tr o ?
R e sp o sta à O b je çã o U m E s te p r o b le m a é r e s p o n d id o e m m u ita s p a ss a g e n s d a B íb lia , a m a is s u c in t a d e la s é R o m a n o s 3 .2 1 -2 6 .
Mas, agora, se m anifestou, sem a lei, a justiça de Deus, tendo o testem unho da Lei e dos Profetas, isto é, a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo para todos e sobre todos os que crêem ; porque não há diferença. Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus, sendo justificados gratuitam ente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus, ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu sangue, para dem onstrar a sua justiça pela remissão dos pecados dantes com etidos, sob a paciência de Deus; para dem onstração da sua justiça neste tem po presente, para que Ele seja justo e justificador daquele que tem fé em Jesus. E m e s s ê n c ia , a r e s p o s ta é e sta : D e u s c a s tig o u o J u s t o (Je s u s ) p e lo s i n ju s t o s , d e f o r m a q u e a su a ju s t i ç a fo ss e s a tis fe ita ( p r o p ic ia d a ) e a su a m is e r ic ó r d ia lib e r ta s s e a to d o s q u e c r ê e m . A s s im , E le p o d e s e r ju s t o e ju s tif ic a d o r d o s in ju s t o s , p o r q u e a su a ju s t i ç a fo i s a tis fe ita , e a ss im a s u a g r a ç a p o d e se r e x e r c id a liv r e m e n t e e m to d o s q u e r e c e b e m o se u p r e s e n t e d e s a lv a ç ã o p e la fé ( v e r V o lu m e 3, c a p ít u lo 9). Os Seres Humanos são totalmente Injustos
Medidos pela justiça perfeita de Deus, os seres hum anos caídos são com pletam ente injustos. A nossa injustiça é universal: “Não há um justo, nem um sequer” (R m 3.10); a nossa injustiça é inadequada: “Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de m odo nenh um entrareis no Reino dos céus” (M t 5.20); a nossa injustiça é generalizada (R m 3.11-18); a nossa injustiça é desesperadora: “Pode o etíope mudar a sua pele ou o leopardo as suas manchas? Nesse caso tam bém vós podereis fazer o bem, sendo ensinados a fazer o m a l” (Jr 13.23); a nossa injustiça é inútil: “Mas todos nós somos com o o imundo, e todas as nossas justiças, com o trapo da imundícia; e todos nós caímos com o a folha, e as nossas culpas, com o um vento, nos arrebatam ” (Is 64.6); a nossa injustiça é impotente (cf. T t 3.5-7).
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A Justiça de Jesus É Perfeita Em contraste com a nossa total injustiça, a justiça de Jesus é totalm en te perfeita. Ele viveu u m a vida perfeita (2 C o 5.21; H b4.15; 1 Pe3.18; 1 Jo 3.3), e Ele cu m priu as exigências da lei. Jesus, quando foi batizado, disse: “Deixa por agora, porque assim nos convém cu m p rir toda a justiça” (M t 3.15). Mais tarde, Ele disse que veio para cu m p rir e não destruir as justas demandas da lei: “Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim ab-rogar, mas cu m p rir” (M t 5.17). A Justiça de Jesus E imputada aos Crentes Além de viver u m a vida perfeita e cu m p rir as justas demandas da lei, a justiça de Jesus é transferida para os crentes: Porquanto, o que era impossível à lei, visto como estava enferma pela carne, Deus, enviando o seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne, para que a justiça da lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito. (Rm 8.3,4) Paulo acrescentou: “Porquanto, não conhecendo a justiça de Deus e procurando estabelecer a sua própria justiça, não se sujeitaram à justiça de Deus. Porque o fim da lei é Cristo para justiça de todo aquele que crê ” (R m 10.3,4). Jesus satisfez as Justas Demandas de Deus em nosso Favor Só a justiça absoluta de C risto satisfaz (propicia) as dem andas de u m Deus absolutam ente justo. O te rm o grego hilasteerion ( “p rop iciação”) é usado só três vezes no N ovo T estam ento. João in form a que “Ele [Jesus] é a propiciação pelos nossos pecados e não som en te pelos nossos, m as tam bém pelos de todo o m u n d o ” (1 Jo 2.2). E acrescenta: “Nisto está a caridade: não em que nós ten h am o s am ado a Deus, mas em que Ele nos am ou e enviou seu Filho para propiciação pelos nossos p ecados” (1 Jo 4.10). P ortan to, “Deus propôs p ara propiciação pela fé no seu sangue, para d em on strar a sua justiça pela rem issão dos pecados dantes com etidos, sob a paciência de D eus” (R m 3.25). A Justiça de Jesus E imputada somente aos Crentes É digno de n ota da passagem procedente que a im putação da justiça de Deus aos seres hum anos injustos não é au tom ática; é som ente “de todo aquele que crê” (R m 10.4). C om o Paulo disse p ouco acima: Sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus, ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu sangue, para demonstrar a sua justiça pela remissão dos pecados dantes cometidos, sob a paciência de Deus; para demonstração da sua justiça neste tempo presente, para que ele seja justo e justificador daquele que tem fé em Jesus. Onde está, logo, a jactância? E excluída. Por qual lei? Das obras? Não! Mas pela lei da fé. (Rm 3.24-27)
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Jesus se tornou u m substituto perfeito para a nossa injustiça, porque “àquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de D eus” (2 Co 5.21). C om o diz Pedro: “Porque tam bém Cristo padeceu u m a vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus” (1 Pe 3.18). Portanto, “pela graça sois salvos, por m eio da fé; e isso não vem de vós; é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie” (Ef 2.8,9). Deus im putou a nossa injustiça a Jesus para que o presente da sua justiça pudesse ser im putado a nós pela fé. Porque, se, pela ofensa de um só [Adão], a m orte reinou por esse, m uito mais os que recebem a abundância da graça e do dom da justiça reinarão em vida por um só, Jesus Cristo. Pois assim com o por um a só ofensa veio o juízo sobre todos os hom ens para condenação, assim tam bém por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os hom ens para justificação de vida. (R m 5.17,18)
Portanto: Aquele que não pratica, p orém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é im putada co m o justiça. Assim tam bém Davi declara bem -aventurado o h om em a quem Deus im puta a justiça sem as obras. (R m 4.5,6) Falando de Abraão ser justificado pela fé, Paulo declarou: “Pelo que isso lhe foi tam bém im putado co m o justiça” (R m 4.22). Portanto, “Ora, não só por causa dele está escrito que lhe fosse tom ado em conta, mas tam bém por nós, a quem será tom ado em conta, os que crem os naquele que dos m ortos ressuscitou a Jesus, nosso Senhor” (R m 4.23). Assim, o crente é “achado nele [Cristo], não tendo a [nossa] justiça que vem da lei, mas a que vem pela fé em Cristo, a saber, a justiça que vem de Deus, pela fé” (Fp 3.9). O b je çã o D o is: B asead a n o C o n c e ito de Ju stiça C om o já verificamos, a definição tradicional de justiça é “a cada u m o que é seu, ou receber o que m erece”. Nesse caso, o pecador m erece a m o rte (R m 6.23) e o inferno (Ap 20.11-15). Os que crêem ficam isentos desta conseqüência. Por conseguinte, conclui-se que a justiça não foi satisfeita. R e sp o sta à O b je çã o D ois C om o ressaltamos na resposta anterior, a justiça foi satisfeita — não pelo próprio pecador, mas pelo seu substituto, Jesus Cristo. Portanto, m esm o que o justo castigo devido ao pecador não foi nEle executado, foi tom ado — com pletam ente — pelo Salvador inocente. E o que faz a graça brilhar tão radiantem ente. C om o disse Tomás de Aquino (1225-1274): Deus age misericordiosamente, não indo contra a sua justiça, mas fazendo algo mais que a justiça. Desta form a, o hom em que paga outras duzentas peças de dinheiro, embora devesse só cem, não age contra a justiça, mas age liberal ou misericordiosamente. O caso é o m esm o com alguém que perdoa a ofensa que lhe foi cometida, pois, cancelando-a, podemos dizer que ele está dando um presente. Por conseguinte, o apóstolo cham a a
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remissão de perdão: “Perdoando-vos uns aos outros, como também Deus vos perdoou em Cristo” [Ef 4.32], Por conseguinte, está claro que a misericórdia não destrói a justiça, mas de certo modo é o seu cumprimento. E assim está escrito: “A misericórdia triunfa sobre o juízo” [Tg 2.13]. (ST, 1.21.3) Além disso, ainda que seja injusto multar o u tra pessoa pelo m eu crim e, não é injusto que e h pague a m u lta voluntariam ente. Deus não acusou Jesus pelo nosso crim e — Jesus o pagou por nós, mas era nosso crim e, pelo qual Deus nos acusou. Por conseguinte, em vez de ser im oral, u m a expiação substitutiva voluntária é o ápice da moralidade. C om o disse Paulo: Porque apenas alguém morrerá por um justo; pois poderá ser que pelo bom alguém ouse morrer. Mas Deus prova o seu amor para conosco em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores. (Rm 5.7,8) Em sum a, a justiça de Deus dem anda que todos os pecados sejam castigados, mas não necessariam ente que todos os pecadores sejam castigados pelos seus pecados. Além disso, visto que Jesus era Deus (ver capítulo 12), no seu caso aquEle que exigiu a pena (Deus) foi aquEle que a pagou — o Juiz expiou a falta do acusado. C om o u m juiz terren o que se despe da toga, apanha a carteira e paga a m u lta pelo seu filho, o acusado, assim Deus fez por nós — a m o rte de Jesus substituiu a nossa pena de m orte. Assim, por com paração, a queixa de que é injusto pagar a pena pelo pecado de o u tra pessoa acaba (ver Volume 3, capítulo 10 para inteirar-se de análise adicional). CON CLUSÃO A santidade de Deus designa a sua separação total e absoluta de toda criação e m al. Santidade é u m atributo metafísico e u m atributo m oral. Diz respeito à sua singularidade m oral absoluta co m o tam bém a sua separação total de todas as criaturas. C om o estabelecido acim a, em certo sentido, santidade é u m atributo global de Deus que o distingue de tudo o mais que existe. A justiça de Deus se refere à justiça absoluta. Justiça é a característica intrínseca de Deus na qual Ele é o padrão últim o de ações justas e certas e, por conta disso, tem de castigar todos os atos injustos e maus. FO N T ES Anselm . Anselm o f Canterhury: The Major Works. _____________ . The Writings o f Anselm. Aquinas, Thom as. “C om pendium of Theology”, in: Thom as T. Gilby, ed., The Political Thought o f Thomas Aquinas. _____________ . Summa Theologica. [Edição brasileira: Tomás de Aquino. Suma Teológica: o Mistério da Encarnação (São Paulo: Loyola, 2001).] Arminius, Jacob. The Writings o f James Arminius. Augustine. The City o f God. [Edição brasileira: Agostinho. A Cidade de Deus (Petrópolis: Vozes, 2000).] _____________ . Confessions. [Edição brasileira: Agostinho. Confissões (São Paulo: Paulus, 1997).]
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CAPÍTULO
QUATORZE
O CIÚME E A PERFEIÇÃO DE DEUS
O
utros dois atributos m orais de Deus são o ciúm e e a perfeição. Reconhecem os que
o ciúm e é um atributo surpreendente, contudo é u m dos que a Bíblia declara que é o “n o m e” de Deus, u m título distintivo de um a das características essenciais de Deus. Na realidade, isto levanta o problem a singular (analisado mais adiante) quanto à razão do que é pecado para as criaturas ser u m atributo m oral de Deus. A D E FIN IÇ Ã O D O C IÚ M E D E D EU S Os significados da raiz da palavra hebraica básica do Antigo Testam ento para referirse a “ciu m en to” ( kannaw) são “ser desejoso de”, “ser cobiçoso de”, “ser zeloso de”, “ser excitado a enfurecer-se sobre” e “execu tar julgam ento por causa de”. A Bíblia fala do ciúm e ( “inveja zelosa”, “fúria irada”) do h om em em m uitos lugares. Fala de ter ciúmes do irm ão (G n 37.11); de ter ciúm e da esposa (N m 5.14); do ciúm e levar à ira (Pv 6.34); do ciúm e ser tão cruel quanto a m o rte (C t 8.6); do ciúm e e ambição egoísta (Tg 3.16); e do zelo cium ento de Paulo pela igreja (2 Co 11.2; ver mais adiante a seção “U m a Objeção ao Ciúm e de D eus”). C om o será m ostrado (nos textos citados mais adiante), o ciúm e é usado acerca de Deus em term os do seu zelo santo e da sua ira inflamada. Deus tem zelo santo para proteger a sua suprem acia, e Ele tem ira inflamada da idolatria e outros pecados. A BA SE B ÍB LIC A PA R A O C IÚ M E D E D E U S Podemos entender o ciúm e de Deus olhando a natureza, o sujeito e o objeto desse ciúm e ou zelo. A N a tu re z a d o C iú m e de D eu s O ciúm e de Deus tem a conotação de raiva, fúria e ira. Raiva: “O Senhor não lhe quererá perdoar; mas, então, fum egará a ira do Senhor e o seu zelo sobre o tal hom em , e toda maldição escrita neste livro jazerá sobre ele; e o Senhor apagará o seu nom e de debaixo do céu ” (D t 29.20). Fiíria: “Assim diz o Senhor dos Exércitos: Zelei por Sião com grande zelo e co m grande indignação zelei por ela” (Z c 8.2). Ira: “O Senhor, com o poderoso, sairá; com o h om em de guerra, despertará o zelo; clam ará, e fará grande ruído, e sujeitará os seus inim igos” (Is 42.13).
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O Sujeito do Ciúme de Deus O ciúm e de Deus é descarregado em imagens, ídolos, outros deuses e outros pecados. Imagens: “Pois lhe provocaram a ira co m os seus altos e despertaram -lhe o zelo co m as suas imagens de escultura” (SI 78.58). ídolos: “Que digo, pois? Que o sacrificado ao ídolo é algum a coisa? Ou que o próprio ídolo tem algum valor? Antes, digo que as coisas que eles sacrificam, é a demônios que as sacrificam e não a Deus. [...] Ou provocarem os zelos no Senhor?” (1 Co 10.19-22, ARA). Outros deuses: “C om deuses estranhos o provocaram a zelos; com abominações o irritaram ” (D t 32.16). Outros pecados: “E fez Judá o que era m au aos olhos do Senhor; e o provocaram a zelo, mais do que todos os seus pais fizeram com os seus pecados que co m e te ra m ” (1 Rs 14.22).
O Objeto do Ciúme de Deus O objeto do ciúm e de Deus é prim eiram ente a sua própria natureza, depois o seu nom e, o seu povo (Israel), a sua terra (a Terra Santa) e a sua cidade (Jerusalém ). A sua natureza: “Porque te não inclinarás diante de ou tro deus; pois o n om e do Senhor é Zeloso; Deus zeloso é ele” (E x 34.14). O seu nome: “Portanto, assim diz o Senhor Jeová: Agora, tornarei a trazer os cativos de Jacó. E m e com padecerei de toda a casa de Israel; terei zelo pelo m eu santo n o m e” (Ez 39.25). O seupovo: “Assim diz o Senhor dos Exércitos: Zelei por Sião com grande zelo e co m grande indignação zelei p or ela” (Z c 8.2). A sua terra: “Então, o Senhor terá zelo da sua terra e se com padecerá do seu povo” (J1 2.18). A sua cidade: “Clam a, dizendo: Assim diz o Senhor dos Exércitos: C om grande zelo, estou zelando por Jerusalém e p or Sião” (Z c 1.14).
A BASE TEOLÓGICA PARA O CIÚME DE DEUS U m a com binação de outros atributos form a abase para o ciúm e de Deus. E m prim eiro lugar, entre estes está a santidade de Deus. Deus é p articularm ente cium ento quanto a preservar a sua própria singularidade. Claro que todos os atributos de Deus são únicos e incluem o único Deus infinito, absolutam ente perfeito e suprem o. O argum ento teológico a favor do ciúm e de Deus pode ser form ulado assim: (1) Deus é único e suprem o (ver os atributos metafísicos nos capítulos 2 a 12). (2) Deus é santo, am oroso e m oralm en te perfeito (ver os atributos m orais nos capítulos 13 a 17). (3) Por conseguinte, Deus é exclusiva e suprem am ente santo, am oroso e m oralm en te perfeito. (4) Tudo que é suprem am ente santo, am oroso e perfeito tem de ser preservado co m zelo extrem o. (5) O ciúm e de Deus é o seu zelo em preservar a sua suprem acia santa. (6) Portanto, Ele está em inentem ente justificado no seu ciúm e. De fato, é essencial à sua natureza: O seu n om e é Ciúm e, ou Zeloso (Ex 34.14).
A BASE HISTÓRICA PARA O CIÚME DE DEUS Os Primeiros Pais da Igreja Falaram sobre o Ciúme de Deus Embora não seja um dos atributos de Deus mais notáveis, o ciúme não passou despercebido pelos primeiros Pais da Igreja. Há referências consideráveis ao ciúme de Deus.
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Justino Mártir (c. 100-c. 165) Eles sacrificaram a demônios que não conheciam ; novos deuses que surgiram recentem ente, aos quais os seus pais não conheceram . Tu abandonas o Deus que te gerou, e te esqueces do Deus que te criou. E o Senhor viu, teve ciúmes e foi provocado à ira por causa do desejo violento dos seus filhos e filhas. [...] Eles m e induzem a ciúmes com aquilo que não é Deus, eles m e provocam o furor com os seus ídolos; e Eu os induzirei a ciúmes com o que não é nação, Eu os provocarei o furor com um povo ridículo. Pois um fogo se acendeu da m inha ira, e queimará até ao Inferno. (D J, p. 119, em Roberts and Donaldson, A N F, I) Irineu (c. 125-c. 202) Portanto, é um e o m esm o Deus Pai que preparou coisas boas consigo m esm o para aqueles que desejam o seu com panheirism o, e que perm anecem em sujeição a ele; e que tem o fogo eterno por cabeça de m otim da apostasia, o diabo, e os que se revoltaram com ele, a cujo [fogo] o Senhor declarou esses hom ens serão enviados que foram se apartados por vontade própria à sua mão esquerda. E é o que foi falado pelo profeta: “Eu [...] sou Deus zeloso”, “eu faço a paz e crio o m al” [Ex 20.5; Is 45.7], Portanto, fazendo a paz e amizade com os que se arrependem e se voltam a Ele, e levando-[os] à unidade, mas preparando os im penitentes, os que se esquivam da luz, ao fogo eterno e trevas exteriores, que são realm ente males a essas pessoas que caem ali. (A H , 4.40.1, em ibid., I) Tertuliano (c. 155-c. 225) Então até m esm o a sua severidade é boa, porque [é] justa: quando o juiz é bom , ela é justa. Outras qualidades são igualm ente boas, por m eio das quais a boa obra de um a severidade boa esgota o seu curso, quer seja ira, ciúm e ou severidade. Pois todos estes são tão indispensáveis à severidade com o a severidade é à justiça. A falta de vergonha de um a era, que deveria ter sido reverente tinha de ser vingada. Conseqüentem ente, as qualidades que pertencem ao juiz, quando elas estão realm ente livres de culpa, com o o próprio juiz está, nunca poderá lhe ser culpado de erro. (FBA M , 2.216, em ibid., III) Cipriano (200-258) Então, não há base, m ui querido irm ão, para pensar que devemos ceder aos hereges tanto quanto a contem plar a traição deles ao batism o, que só é concedido a um a e única Igreja. E o dever de o bom soldado defender o acam pam ento do general contra os rebeldes e inim igos. E o dever de o líder ilustre m anter os padrões que lhe foram confiados. Está escrito: “Eu, o Senhor, teu Deus, sou Deus zeloso” [Ex 20.5]. (E C , 72.10, em ibid., 5.787, V)
Os Pais da Ig reja M edieval F a la ra m so b re o C iú m e de D eu s Agostinho (354-430) Por ele “o amigo do esposo” [Jo 3.29] suspira, tendo os primeiros frutos do Espírito colocados sobre ele, contudo ainda gemendo dentro de si m esm o, esperando pela adoção, a saber, a redenção do seu corpo; por ele suspira Ele, porque ele é m em bro da Noiva; por ele é Ele cium ento, porque ele é o amigo do Esposo; por ele é Ele cium ento, não por si;
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porque na voz das tuas “catadupas” [SI 42.7], não na sua própria voz, Ele chama aquele outro fundo, a quem tendo ciúmes ele teme, para que, assim como a serpente iludiu Eva pela sua sutileza, assim a sua mente não seja corrompida da simplicidade que está em nosso Esposo, o teu único Filho. (C, 13.13, em Schaff, NPNF, 1.1) Portanto, inefável é essa paciência, como é o seu ciúme, como a sua ira e tudo que for semelhante a estes. Pois se concebemos destes como eles são em nós, nele não há nada. Isto é, não cancelamos nenhuma destas sem causar molestamento: mas longe de nós esteja imaginar que a natureza impassível de Deus seja responsável por causar molestamento. Mas como Ele tem ciúmes sem turvação de espírito, ira-se sem perturbação, lamenta sem dor, arrepende-se sem haver incorreção nele para ser endireitada; assim é ele paciente sem um pingo de emoção. (OP, 1, em ibid., 1.111) Pelo fato de “o Senhor, nosso Deus, ser um Deus zeloso”, recusemos, sempre que virmos qualquer coisa dEle com um estranho, permitir-lhe considerá-la sua própria. Pois de verdade o próprio Deus ciumento reprova a mulher que comete fornicação contra Ele, como o tipo de pessoas que erram, e diz que ela deu aos amantes o que pertencia a Ele, e novamente recebeu deles o que não era deles, mas dEle. Nas mãos da mulher adúltera e dos amantes adúlteros, Deus na sua ira, como um Deus ciumento, reconhece as suas dádivas; e dizemos que o batismo, consagrado nas palavras do evangelho, pertence a hereges? (BAD, 3.19.25 em ibid., l.IV)
Os Líderes da Reform a Falaram sobre o Ciúme de Deus Martinho Lutero (1483-1546) “Para aquele que ou tro ra submergiu o m undo inteiro no dilúvio e afundou Sodom a com fogo, é coisa simples m atar ou vencer tantos m ilhares de camponeses. Ele é Deus Todo-poderoso e terrível” (WL, 4.226). Deus diz: “Eu, o Senhor, teu Deus, sou Deus zeloso” [Ex 20.5]. Deus tem ciúmes de dois modos. Em primeiro lugar, Deus está irado como aquele que tem ciúmes daqueles que se afastam dEle, e tornam-se falsos e traiçoeiros, que preferem a criatura antes do Criador; que se edifkam nos favores dos grandes; que dependem dos amigos, do poder que eles têm — as riquezas, arte, sabedoria, etc.; que abandonam a justiça da fé e a desprezam, e serão justificados e salvos por suas próprias boas obras. Deus também está veementemente irado com aqueles que ostentam e vangloriam-se do seu poder e força; como vemos em Senaqueribe, rei da Assíria, que ostentou o seu grande poder e pensou destruir Jerusalém totalmente. Em segundo lugar, Deus tem ciúmes daqueles que o amam e altamente estimam a sua Palavra; tal Deus os ama, defende e guarda como a menina dos seus olhos e resiste aos seus adversários, derrotando-os de modo a não poderem fazer o que eles pretendem. Portanto, a palavra ciumento compreende ódio e amor, vingança e proteção; por cuja causa requer medo e fé. Medo, para que não provoquemos Deus à ira, ou façamos o seu desgosto. Fé para que em nossas dificuldades creiamos que Ele nos ajudará, nutrirá e defenderá nesta vida, e perdoa e nos perdoará os nossos pecados, e por amor a Cristo nos preserva a vida eterna. (TT, p. 135,136) João Calvino (1509-1564) Mas ainda que em cada passagem onde o favor ou a ira de Deus é mencionado, o primeiro compreende a eternidade de vida e o último a destruição eterna, a lei, ao mesmo tempo,
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enumera um longo catálogo de bênçãos e maldições (Lv 16.4; Dt 28.1). As ameaças atestam a pureza imaculada de Deus que não pode suportar iniqüidade, enquanto as promessas atestarem o seu amor infinito da justiça imediatamente (o qual Ele não pode deixar sem recompensa), e a sua bondade maravilhosa. Sendo forçado a prestar-lhe homenagem com tudo aquilo que temos, Ele tem perfeitamente o direito de exigir tudo que requer de nós como dívida; e como dívida, o pagamento é indigno da recompensa. Ele antecede o seu direito, quando exibe recompensa pelos serviços que não são oferecidos espontaneamente, como se eles não fossem devidos. (ICR, 1.8.4) Ja có Arminio (1560-1609) O ódio é um afeto da separação em Deus; cujo objeto primário é a injustiça; e o objeto secundário, a miséria da criatura: O primeiro vem de “o amor da complacência”; o último, de “o amor de amizade”. Mas visto que Deus corretamente ama a si mesmo e o bem da justiça, e pelo mesmo impulso mantém a iniqüidade sob detestação; e visto que Ele ama a criatura e a sua bem-aventurança, e nesse impulso odeia a miséria da criatura, quer dizer, Ele deseja que isso seja levado para longe da criatura; assim que isso ocorre, Ele odeia a criatura que persevera em injustiça e ama a sua miséria. ( WJA, 11.44)
Os Teólogos da Pós-Reforma Falaram sobre o Ciúme de Deus Jonathan Edwards (1703-1758) Os que vão a Cristo não precisam ter medo da ira de Deus pelos seus pecados; pois a honra de Deus não sofrerá por eles escaparem o castigo e serem feito felizes. A alma ferida é sensível e afronta a majestade de Deus, e considera Deus como defensor da sua honra; como Deus ciumento que não permite ser escarnecido, um Deus infinitamente grande que não suporta ser enfrentado, que não tolera que a sua autoridade e majestade sejam espezinhadas, que não deixa que a sua bondade seja abusada. ( WJE, p. 376) Pois vemos que quando os homens ficam sob convicção, e para ficarem sensíveis que Deus não é como eles imaginaram antes, mas que Ele é tal Deus ciumento e que odeia o pecado, e cuja ira contra o pecado é tão terrível, eles são muito mais hábeis a ter exercícios sensatos de inimizade contra Ele do que antes, (ibid., p. 1021) William G. T. Shedd (1820-1894) Há um tipo de ira na alma humana que se assemelha à ira de Deus, e constitui o seu verdadeiro análogo. E a ira da consciência humana que é completamente diferente da ira do coração humano. Esse tipo de ira é ordenado na proibição de: “Irai-vos e não pequeis” (Ef 4.26). Fosse este tipo de complacência moral mais freqüentemente considerado e a ira divina ilustrada por isto, e haveria menos da oposição comum e irrefletida na doutrina da ira divina. (DT, p. 176) Stephen Charnock (1628-1680) Deus é um Deus ciumento, muito sensível de qualquer desgraça, e ficará muito inflamado contra a idolatria interior como contra a exterior: O mandamento que proibiu imagens corpóreas, não favorece a imaginações carnais; visto que a natureza de Deus é tão injuriada por imagens indignas, erguidas na fantasia, quanto por estátuas esculpidas de pedra ou metal. (EAG, 1.198)
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J . I. Packer O ciúme de Deus não consiste num conjunto de frustração, inveja e despeito, como geralmente é o ciúme humano; ao contrário, aparece como [literalmente] zelo, digno de louvor, para preservar alguma coisa muito preciosa. Existe outro tipo de ciúme: o zelo em proteger uma relação amorosa ou em vingá-la quando rompida [é um tipo bom de ciúme]. Este ciúme também opera na esfera do sexo. Nessa área, entretanto, não aparece como reação cega do orgulho ferido, mas como fruto da afeição matrimonial. Como escreveu o professor Taylor, as pessoas casadas “que não sentem ciúmes com a intrusão de um amante ou um adúltero em seu lar certamente têm falta de percepção moral, pois a exclusividade é a essência do casamento” [The Epistle o f James (A Epístola de Tiago), p. 106], Este tipo de ciúme é uma virtude positiva, pois mostra o entendimento do verdadeiro significado do relacionamento marido-mulher, aliado ao zelo por mantê-lo intacto. [...] As Escrituras coerentemente mostram o ciúme divino como deste último tipo, isto é, como um aspecto de sua aliança de amor por seu povo. O Antigo Testamento considera união a aliança divina com Israel, envolvendo a exigência de amor e lealdade ilimitados. [...] Por estas passagens podemos ver claramente o que Deus quis dizer a Moisés ao denominarse “zeloso”. Ele indicou a exigência de lealdade total a todos de quem amou e redimiu, e que vingaria suas exigências agindo violentamente contra quem traísse seu amor sendo infiel (KG, p. 170, 171).
UMA OBJEÇÃO AO CIÚME DE DEUS Objeção Um: Baseada na Suposta Inconsistência Esta objeção aponta u m a inconsistência aparente: Por que o ciúm e é certo para Deus, mas errado para nós? Temos de im itar todos os outros atributos m orais de Deus: Deus é am or, e devemos am ar (1 Jo 4.19); Deus é santo, e devemos ser santos (Lv 11.45). Por que, então, se Deus tem ciúmes, não devemos tam bém ter ciúmes?
Resposta à Objeção Um A resposta a esta objeção é simples: Não há inconsistência; o ciúm e às vezes é certo e às vezes é errado. O ciúm e errado para nós diz respeito a ter ciúm es pelo que não nos pertence. Deus jamais pode ter ciúm es do que não lhe pertence, visto que Ele possui tudo. O Salmo 24.1 declara: “Do Senhor é a terra e a sua plenitude, o m undo e aqueles que nele habitam ”. D euteronôm io 32.21 acrescenta: “A zelos m e provocaram co m aquilo que não é Deus; co m as suas vaidades m e provocaram à ira; p ortan to, eu os provocarei a zelos co m os que não são povo; co m nação lou ca os despertarei à ira”. Tudo p erten ce a Deus, até mesmo as coisas que Ele confiou aos cuidados dos outros. Por conseguinte, n ão é certo term o s ciúm es sobre o que não é nosso. O ciúm e, em si, não é errado; o que é errado é ter ciúm es sobre o que não é nosso. P o rtan to , não há inconsistência em ser certo p ara Deus ter ciúm es de nosso afeto (que p erten ce a Ele) e ser errado p ara nós. N ote, porém , que nem todo o ciúm e é errado para os seres h u m an os— o ciúme espiritual é certo. Por exem plo, o ciúm e de Paulo pela Igreja era recom endável. Ele escreveu: “Porque estou zeloso de vós com zelo de Deus; porque vos tenho preparado para vos apresentar com o u m a virgem p ura a u m m arido, a saber, a C risto” (2 Co 11.2). Sem elhantem ente,
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não há nada de errado co m o m arido que tem ciúm e apropriado da esposa (ou viceversa), visto que ela pertence a ele (cf. N m 5.14) e ele a ela.
A PERFEIÇÃO MORAL DE DEUS O utro atributo de Deus é a perfeição m oral absoluta. Deus é m oralm en te impecável. Ele não é apenas u m Ser infinito; Ele é u m Ser infinitamente perfeito.
A DEFINIÇÃO DA PERFEIÇÃO MORAL DE DEUS A palavra perfeito significa “sem defeito” ou “excelente”. Há várias palavras hebraicas para “perfeito”: tamim, que significa “co m p leto ”, “sadio”, “sem falta”, “perfeito”, “sem m arca”; shalem, que significa “co m p leto ”, “seguro”, “sem falta”; tam, que significa “co m p leto ”, “sem falta”, “perfeito”; omen, que significa “perfeito”, “fiel”; kalil, que significa “inteiro”, “integral”, “perfeito”; e taman, que é expresso por palavras co m o “co m p leto ”, “term inado” e “sem falta”. As palavras gregas para “perfeito” são: teleios, que significa “co m p leto ”, “perfeito”, “m ad u ro”; teleioo, que transm ite a idéia de “levar a u m fim”, “com p letar”, “aperfeiçoar”; teleiotes, u m conceito relacionado que pode ser traduzido por “inteireza”, “integralidade”,
“perfeição”; e katartizo, que significa “co m p letar”, “aperfeiçoar”, “preparar”.
A BASE BÍBLICA PARA A PERFEIÇÃO MORAL DE DEUS Deus é perfeito em todos os sentidos. “Ele é a R ocha cu ja obra é perfeita, porque todos os seus cam inhos juízo são; Deus é a verdade, e não há nele injustiça; justo e reto é” (D t 32.4). “O cam inho de Deus é perfeito” (2 Sm 22.31). “Deus é a m inh a fortaleza e a m inha força, e ele perfeitam ente desembaraça o m eu cam in h o” (2 Sm 22.33). “Tens tu notícia do equilíbrio das grossas nuvens e das maravilhas daquele que é perfeito nos conhecim entos?” (Jó 37.16). “O cam inho de Deus é perfeito; a palavra do Senhor é provada” (SI 18.30). “A lei do Senhor é perfeita e refrigera a alm a” (SI 19.7). “O Senhor aperfeiçoará o que m e concerne; a tua benignidade, ó Senhor, é para sempre; não desampares as obras das tuas m ãos” (SI 138.8). “O Senhor, tu és o m eu Deus; exaltar te-ei e louvarei o teu nom e, porque fizeste maravilhas; os teus conselhos antigos são verdade e firmeza” (Is 25.1). “Sede vós, pois, perfeitos, co m o é perfeito o vosso Pai, que está nos céus” (M t 5.48). “[...] Para que experim enteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de D eus” (R m 12.2). “Mas, quando vier o que é perfeito, então, o que o é em parte será aniquilado” (1 Co 13.10). “A quem anunciam os, adm oestando a todo hom em e ensinando a todo h om em em toda a sabedoria; para que apresentemos todo h om em perfeito em Jesus C risto” (C l 1.28). “Toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há m udança, nem som bra de variação” (Tg 1.17). “Aquele, p orém , que atenta bem para a lei perfeita da liberdade [...] este tal será bem -aventurado no seu feito” (Tg 1.25). “No am or não existe m edo; antes, o perfeito am or lança fora o m ed o” (1 Jo 4.18, ARA).
A BASE TEOLÓGICA PARA A PERFEIÇÃO MORAL DE DEUS Deus é m oralm en te perfeito, fato que pode ser derivado de várias premissas teológicas.
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O Conhecimento do Imperfeito insinua o Perfeito Sabemos o que é im perfeito; porém , não podem os saber o não-perfeito a menos que saibamos o que é perfeito. Por conseguinte, tem de haver u m (Deus) Perfeito. Não poderíamos saber que u m círculo é im perfeito a m enos que tivéssemos a idéia de u m círculo perfeito. Sem elhantem ente, não podem os detectar as imperfeições morais a m enos que possuamos algum a idéia de que é perfeição m oral.
Os Atributos Metafísicos de Deus demandam a sua Perfeição Moral R econhecem os que Deus é u m Ser m oral. Se Ele possui características m orais, então as tem de possuir perfeitam ente. O raciocínio é deste m odo: (1) A n atu reza de Deus é m oralm en te perfeita. (2) Deus é, por natureza, infinito, im utável e necessário. (3) Portanto, Deus é infinito, im utável, necessário e m oralm en te perfeito.
A Função de Deus como o Padrão Moral Último requer a Perfeição Moral C oncordam os que Deus é o padrão últim o para o que é m oralm en te certo . Ele é o Legislador M oral últim o. A fonte últim a de toda a perfeição m oral não pode ser menos do que a perfeita últim a; a medida últim a da m oralidade é por sua natureza m oralm ente perfeita. Deus não pode ser m enos perfeito que u m m etro pode ter m enos que mil m ilímetros.
A BASE HISTÓRICA PARA A PERFEIÇÃO MORAL DE DEUS O Deus cristão sem pre foi visto co m o absolutam ente perfeito, tanto m oral quanto metafisicam ente. Isto é evidente desde o com eço.
Os Primeiros Pais da Igreja Falaram sobre a Perfeição Moral de Deus Justinc Mártir (c. 100-c. 165) “Deus, o Pai do universo, [...] é inteligência perfeita” (FLWR, I, em Roberts and Donaldson, A N F, I). “Não há inexatidão co m Deus, n em qualquer coisa que não seja absolutam ente perfeita” ( OFLWJ, 6, em ibid., I). Clemente de Alexandria ( 150-c. 215) “Sede perfeitos com o o Pai celestial [é perfeito]” (S, XIII, p. 546). Teófilo (m. 180) Pois o sol é um tipo de Deus, e a lua, de homem. E como o sol ultrapassa de longe a lua em poder e glória, assim Deus ultrapassa de longe o homem. E como o sol permanece sempre cheio, nunca se tornando menos, assim sempre Deus permanece perfeito, estando cheio de todo o poder, entendimento, sabedoria, imortalidade e todo o bem. Mas a lua míngua mensalmente, e de certo modo morre, sendo um tipo do homem; depois, nasce de novo, e é crescente, para um padrão da ressurreição futura. (TA, 2.15, em op. dt., II)
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Atenágoras (Século II) Eu ignoro os que dilaceram com facas e açoites de ossos, e não tentam descrever todos os tipos de demônios; pois não é parte de um deus incitar as coisas contra a natureza. [...] Mas Deus, sendo perfeitamente bom, está eternamente fazendo o bem. (PC, 26, em ibid., II) Tertuliano (c. 155-c. 225) Que novo deus há, exceto um falso? Nem mesmo Saturno será comprovado ser deus por toda a sua fama antiga, pois era uma pretensão moderna que em certa época ou outra até o produziu, quando lhe deu primeiro a condição de um deus. Pelo contrário, a divindade viva e perfeita não tem origem na novidade ou na antiguidade, mas em sua própria verdadeira natureza. A eternidade não tem tempo. E ela mesma todo o tempo. Age; então não pode sofrer. Não pode nascer, então não tem idade. (FBAM, 2.1.8, em ibid., III)
Os Pais da Igreja Medieval Falaram sobre a Perfeição Moral de Deus Agostinho (354-430) “Pois certam ente ele não seria o trabalhador perfeito que é, a m enos que o seu conhecim ento fosse tão perfeito a ponto de não receber adição das suas obras acabadas” (CG, 11.21, em Schaff, NPNF, l.II). “Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai, que está nos céus” [Mt 5.48], [...] Além disso, a perfeição dessa misericórdia, com a qual a maioria de todas as almas que estão em angústia se preocupa, não pode ser ampliada além do amor de um inimigo; e, portanto, as palavras finais são: “Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai, que está nos céus.” Contudo, de tal modo que se entende que Deus é perfeito como Deus, e a alma é perfeita como alma (SM, 1.21.69, em ibid., l.VI) Anselmo (1033-1109) Anselm o arrazoou que considerando que sabemos coisas que são mais perfeitas, tem de haver um mais Perfeito pelo qual sabemos disso. De todas as coisas que existem, há um a natureza que é suprem a: Só ela é auto-suficiente em sua felicidade eterna, contudo por sua bondade todo-poderosa cria e dá a todas as outras coisas a existência e a bondade. De fato, é bastante certo e claro a todos que estão dispostos a ver, o seguinte: Tom em os algumas coisas que sejam (suponham os) X , e em relação a umas às outras dizemos que é m enos, mais ou igual a X . É por este X que dizemos que eles são assim, e entendem os que este X é a m esm a coisa nos vários casos e não algo diferente em cada caso. Necessariamente, p ortan to, tudo benéfico ou excelente é, se for verdadeiram ente bom , bom por aquela m esm a coisa pela qual todas as coisas boas são necessariamente boas, seja que coisa for. E quem duvidaria que aquilo pelo qual todas as coisas são boas é u m grande bem?
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Em conclusão: Porque, então, é que por aquilo que todas as coisas boas são boas, são boas por si mesmas. Conclui-se, então, que todas as outras coisas boas são boas por algo diferente do que elas mesmas são, enquanto só esta coisa é boa por si m esma. Mas nada que é bom por algo diferente do que si m esm a é igual ou m aior a esse bom que é bom por si m esm o. Portanto, a coisa que é boa por si m esm a é a coisa que é suprem am ente boa. ( ACMW , p. 11-13)
Tomás de Aquino (1225-1274) Tomás de Aquino tam bém argum entou a favor de u m Deus de perfeição absoluta obra fam osa “Five Ways” (Cinco M odos). O quarto “m o d o ” declara: Entre os seres, há uns poucos mais e uns poucos m enos que são bons, verdadeiros, nobres e iguais. Todavia mais e m enos são predicados de coisas diferentes de acordo com o que se assemelham em seus diferentes m odos a algo que é o m áxim o [ou seja, o mais Perfeito].
(ST, la.2.3) Depois, Aquino acrescentou: Por conseguinte, o princípio ativo prim eiro [Deus] tem necessariam ente ser m u ito real, e, portanto, mais perfeito. [Pois] a m atéria em si é m eram ente potencial [...] e, portanto, mais imperfeita. [...] Deus é o princípio ativo prim eiro, não m aterial, mas na ordem da causa eficiente, que tem de ser m uito perfeito. Por conseguinte, o princípio ativo primeiro [Deus] tem de necessariam ente ser m uito real, e, portanto, mais perfeito; pois um a coisa é perfeita em proporção ao seu estado de realidade, porque cham am os perfeito aquilo que não falta nada do m odo da sua perfeição, (ibid., 1.4.1)
Os Líderes da Reforma Falaram sobre a Perfeição Moral de Deus Martinho Lutero (1483-1546) Deus m e deu prescrições quanto a com o viver e com o servi-lo. Portanto, imagino que Ele também viva desse modo. Ele estabelece a lei aqui abaixo, mas não a aplica a si mesmo lá encima. Convém a ninguém senão Deus dar leis e direções sobre com o viver e ser piedoso; mas não tenho de estabelecer lei a Deus quanto a com o Ele pode reger o mundo ou os seres humanos. Portanto, pense em tudo que quiser, o que Deus faz é sempre certo. (WLS, p. 745)
João Calvino (1509-1564) “Sede vós, pois, perfeitos.” Esta perfeição não significa igualdade, mas diz respeito som ente à sem elhança. Por mais distantes que estejam os da perfeição de Deus, dizemos que som os perfeitos, com o Ele é perfeito, quando apontam os ao m esm o objeto que Ele apresenta para nós nEle m esm o. Julga-se preferível, podemos declarar assim. Não há com paração aqui feita entre Deus e nós: mas a perfeição de Deus significa, em prim eiro lugar, a bondade livre e pura da qual não é induzida pela expectativa de ganhar e, em segundo lugar, a bondade extraordinária que contenda com a m alícia e ingratidão dos hom ens. (CC, 16.308) Portanto, tem os de admitir que em cada um a das obras de Deus, e mais especialm ente no todo delas tom ado em con ju n to, as perfeições divinas são desenhadas com o em um
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quadro. Desse m odo, a raça hum ana é convidada e atraída a adquirir o conhecim ento de Deus, e, por causa deste conhecim ento, a verdadeira e com pleta felicidade. Além disso, enquanto as suas perfeições são assim mais vividamente exibidas, o único meio de averiguar a operação e tendência prática é descer em nós mesm os, e considerar com o é que o Senhor m anifesta a sua sabedoria, poder e energia com o Ele exibe a sua justiça, bondade e misericórdia. ( ICR , 1.5.10)
Os T e ó lo g o s da P ó s -R e fo rm a F a la ra m so b re a P e rfe içã o M o ral d e D eu s Stephen Charnock (1628-1680) Deus ébom , porque asuanatureza é infinitam ente perfeita. Ele tem todas as coisas necessárias para a com pletude de um Ser mais perfeito e soberano. Todo o bem se encontra na sua essência, assim com o toda água se encontra no oceano. Sob esta noção compreendemos todos os atributos de Deus que são necessários para tão ilustre Ser. ( EA G , 2.217) J . I. Packer Bondade, tanto em Deus com o no ser hum ano, significa o que e admirável, atraente e digno de louvor. Quando os escritores bíblicos cham am Deus bom, em geral estão pensando nas qualidades morais que levam seu povo a cham á-lo perfeito, e em particular na generosidade que os leva a cham á-lo misericordioso e gracioso e falar do seu amor.
Generosidade [...] quer dizer dar aos outros sem nenh um interesse m ercenário, sem lim itarse ao que o receptor m erece, mas indo sem pre m uito além. A generosidade expressa o simples desejo de que outros tenham o que necessitam para ser felizes. E, por assim dizer, o ponto focal da perfeição m oral divina, a qualidade que determ ina com o as outras excelências de Deus devem ser manifestadas. (KG, p. 161, 162) Espera-se do juiz bíblico que am e a justiça e a honestidade, que sinta repulsa por todo o mau tratam ento infligido às pessoas por seus sem elhantes. U m juiz injusto, que não tem interesse em ver o certo triunfar sobre a injustiça, é, de acordo com os padrões bíblicos, um a monstruosidade. A Bíblia não deixa nenh um a dúvida sobre o am or de Deus pela justiça e seu ódio pela iniqüidade, e que o ideal do juiz totalm ente identificado com o que é bom e justo enquadra-se perfeitam ente nele. (ibid., p. 141)
O B JE Ç Õ E S À P E R FE IÇ Ã O M O R A L D E D E U S Q uatro objeções im portantes à perfeição m o ral de Deus exigem respostas. A prim eira se baseia no problem a do m al, e a segunda em u m a suposta falácia. A terceira em an a da suposta incom patibilidade en tre os atributos do am or perfeito e da ju stiça perfeita, e a quarta se fu nd am enta na idéia de que há a necessidade de u m ser am oroso mudar. O b je çã o U m : B asead a n a In ju s tiç a n o M u n d o Os teístas e não-teístas (m en os os panteístas) concord am que o m al é real. A in ju stiça é real neste m undo. Mas u m Deus T odo-perfeito e Todo-poderoso não perm itiria a inju stiça. Por conseguinte, não pode haver esse D eus teísta. R e sp o sta à O b je çã o U m Primeiro, este argu m ento, na melhor das hipóteses, não contesta que Deus seja m o ralm en te perfeito, pois não tratou da possibilidade de D eus ser Todo-perfeito, mas não ser Todo-
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poderoso e, assim, não poder derrotar toda injustiça (É no que m uitos deístas finitos crêem .) Segundo, se Deus é de poder infinito, os neoteístas argum entam que Ele não conhece de antem ão o que as criaturas fariam co m a liberdade, e, p o r conseguinte, não previu toda essa injustiça. Considerando que os seres hum anos são livres, Deus não pode eliminar toda injustiça sem destruir todo livre-arbítrio. C ontudo, isto seria («justiça, visto que Ele os criou com livre-arbítrio.1 Terceiro, da posição teísta tradicional, esta objeção não procede por duas razões: Em prim eiro lugar, o mjusto (n ão-ju sto) insinua o Justo (ou seja, Deus): Não podem os saber que há u m a injustiça últim a no m undo, a m enos que Ele tivesse algum padrão últim o de justiça pela qual pudesse saber que era no final das contas injusto. Quarto, por ou tro lado, esta objeção negligencia u m fato im portante: Que a injustiça presente não significa que haverá injustiça última. Os teístas bíblicos n otam que a história ainda não term inou; u m dia de justiça últim a está chegando (A p 20). Se Deus é Todopoderoso, então Ele pode vencer toda injustiça, e se Ele é Todo-justo, Ele a vencerá. Se Ele é Todo-perfeito, Deus tem o desejo de vencer todo m al, e se Ele é Todo-poderoso, Ele pode fazê-lo. U m dia Ele fará isso.
Objeção Dois: Baseada na Suposta Incompatibilidade com o Amor De acordo com esta objeção, Deus não pode ser perfeitam ente santo e perfeitam ente am oroso, pois u m Deus perfeitam ente santo tem de julgar e condenar todos os pecadores, e u m Deus perfeitam ente am oroso quer salvar todos os pecadores. A ira flui da santidade de Deus, e as bênçãos fluem do seu am or. Isto não é incompatível? Deus não pode ser ao m esm o tem po as duas coisas, pois assim Ele estará violando a lei da não-contradição.
Resposta à Objeção Dois Deus pode ser com pletam ente justo e ao m esm o tem po perfeitam ente am oroso, contanto que não seja ao m esm o tem po co m a m esm a pessoa. A sua ira flui da santidade e sobrevêm em todos os pecadores im penitentes, e o seu am o r em todos os pecadores arrependidos. Isto não é contraditório, visto que se manifesta nas mesm as pessoas em tem pos diferentes (antes e depois do arrependim ento). Isto não significa que haja m udança em Deus, visto que Ele sem pre manifesta a ira em pecadores impenitentes, e sem pre manifesta o am or nos arrependidos. A única coisa que m u d a é que as pessoas (p or arrependim ento) saem da influência de u m atributo e passam para a influência de outro. Além disso, os atributos de Deus estão unidos em u m a essência: Deus é am or santo e santidade amorosa, cada atributo com plem entando o outro. Não há contradição em Deus desejar o bem daqueles que Ele tem de castigar co m justiça, pois é bom castigar o mal.
Objeção Três: Baseada na Suposta Impossibilidade de ter um Ser Perfeito M uitos teólogos contem porâneos rejeitam a perfeição absoluta de Deus por causa do que eles ch am am de “as dificuldades de u m a teologia ser perfeita” (Pinnock, OG, p. 132). Tradicionalm ente, o raciocínio é declarado assim: 1Para inteirar-se de u m a resposta teísta ao neoteísm o, ver N orm an Geisler, et. al., BG, capítulos 8 e 14.
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Se D eu s m udasse, segundo p ro p õ e o a rg u m en to , en tão Ele m u d aria para m e lh o r ou para p ior. M as D eu s não pode m u d ar p ara m e lh o r, visto qu e E le já é p erfeito. E E le n ão pode m u d ar p ara pior, pois isto significaria qu e já n ão é p erfeito. P o rtan to , D eu s n ão pode m u d ar, (ibid., p. 131)
C e rto s n e o te ísta s r e je ita m este a rg u m e n to , n ã o p o rq u e D eu s seja im p e rfe ito , m as p o rq u e eles d izem q u e “se apóia n a su p o sição de q u e to d a m u d a n ça é ou p ara m e lh o r ou p ara p ior, su p o sição q u e é falsa” (ibid ., p. 132). C o m o v im o s, eles o fe re c e m a ilu stra çã o do
“re ló g io im u tá v e l” c o m o
c o n tra -e x e m p lo . O re ló g io reg istra a m e s m a h o ra
d ia ria m en te . E m c o n tra p a rtid a , u m “re ló g io e x tr e m a m e n te p re c is o ” re g istra sem p re a h o ra c e rta , e m b o ra e s te ja c o n s ta n te m e n te m u d a n d o . Q u an d o m u d a, a m u d a n ça n ão é p a ra m e lh o r o u p ara p io r — p e rm a n e c e a m e s m a e m suas m u d an ças, o u seja, é u m re ló g io e x tr e m a m e n te p reciso .
R e sp o sta à O b je çã o T rês U m m o d o de re sp o n d e r a e sta o b je ç ã o é m o s tr a r que c o n té m u m e rro de c a te g o ria ao c o m p a ra r u m a coisa m u tá v e l c o m u m S e r im u tá v e l. S ó m o s tra c o m o u m a coisa m u tá v e l (o re ló g io ) n ã o é m e lh o r q u an d o m u d a p a ra o u tr a coisa m u tá v e l (o te m p o ); n ã o m o s tra q u e u m D eu s m u tá v e l é m e lh o r q u e u m D eu s im u táv e l. O u tro m o d o de d efin ir o e rro é n o ta r q u e este a rg u m e n to le v an ta a q u estão a fav o r de u m a visão n ã o -im u tá v e l de D eu s. A ilu stra çã o do re ló g io n ã o fu n c io n a se p re s u m irm o s q u e D eu s n ã o m u d a, pois nesse caso q u a lq u er coisa q u e o rep resen tasse m u d a n d o seria in e x a ta . A lé m disso, c o m o v im o s, até a o b je ç ã o in sin u a q u e D eu s r e a lm e n te n ã o m u d a, pois a firm a q u e q u a lq u er m u d a n ç a q u e h a ja e m D e u s é “c o n sis te n te e/o u n e ce ssária p a ra u m
estado constante de excelência” (ibid ., p. 133, grifos m e u s). O q u e é este “e stad o c o n s ta n te de e x c e lê n c ia ”, sen ão o e q u iv a le n te de u m a n a tu re z a im u táv el? P o rta n to , p ara d efen d er a sua visão, os n e o te ísta s r e c o r r e m à visão te ísta de u m a n a tu re z a im u tá v e l e m D eu s. P or fim , a o b je ç ã o p re ssu p õ e q u e D eu s te m de ser p e rfe ito , pois os n e o te ísta s fa la m da possibilidad e de u m D eu s im u tá v e l so fre r de “im p e rfe iç ã o ” (ibid., p. 132). C o m o p o d e a lg u é m saber q u e D eu s e ra im p e rfe ito a m e n o s q u e p re s su p o n h a u m p ad rão ab so lu to e im u tá v e l de p e rfe ição (q u e ele te ria de d izer q u e é D eu s; caso c o n trá rio , h av eria algo m ais ú ltim o q u e D eu s, que é o d u alism o p la tô n ic o , n ã o n e o te ísm o )?
O b je çã o Q u a tro : B asead a n a S u p o sta N ecessid ad e de u m S er A m o ro s o M u d ar Os
o p o n e n te s
da
p e rfe ição
im u tá v e l
de
D eu s
a rg u m e n ta m
que
um
D eu s
v e rd a d e ira m e n te a m o ro so m u d a. Eles c o n c o rd a m q u e D eu s é a m o r p e rfe ito : “A d ecla ra çã o Deus é amor é o m ais p e rto q u e a B íblia ch e g a p ara n o s dar u m a d efin ição da realid ad e d iv in a” (P in n o ck , OG, p. 18). N o v a m e n te , “o a m o r é a essên cia da realid ad e divina, a fo n te básica da qu al flu e m todos os a trib u to s de D e u s ” (ibid ., p. 21). O a rg u m e n to a fav o r da necessid ad e de m u d a n ç a e m u m D eu s de a m o r é assim : (1 )
D eu s é e sse n c ia lm e n te am o r.
(2)
O a m o r, in e v ita v e lm e n te , en v o lv e a possibilidad e de m u d a n ça .
(3)
P o rta n to , o a m o r de D eu s re q u e r a p ossibilidad e de m u d an ça.
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A segunda premissa crucial é apoiada m ostrando que o am or de Deus é u m a atividade dinâm ica e interativa, por m eio da qual Deus se ocupa de u m a atividade de intercâmbio com as suas criaturas. O am o r sofre co m o am ado (ibid., p. 46). Por conseguinte, Deus não pode ser impassível, co m o afirma o teísmo tradicional.
Resposta à Objeção Quatro Para com eçar, notam os algo estranho sobre esta objeção à imutabilidade de Deus — a prim eira premissa co m eça co m u m Deus que não pode m udar. Afirma que Deus é “essencialm ente” am or. Se Deus pela sua essência é am or e não pode ser de outro m odo, então Deus não pode m udar na sua natureza. De fato, os neoteístas adm item o m esm o quando afirm am que “a natureza essencial de Deus e o seu propósito últim o não m u d am ” (Pinnock, OG, p. 28). A premissa que “Deus não pode m u d ar em sua natureza essencial com o o am o r”, não é consistente co m a conclusão desta premissa que diz que Deus tem de poder m udar, porque Ele é am or. Tam bém , u m a vez mais, quem disse que Deus tem de am ar do m odo que amamos? C laro que o am or hum ano m uda, porque os seres hum anos são seres mutáveis. O teísmo afirma que Deus é u m Ser im utável (ver capítulo 4) e, p ortan to, Ele tem de am ar de m odo imutável. Deus pode fazer qualquer coisa boa que podem os fazer, mas Ele não faz do m esm o m odo que fazemos. Ele faz de u m m od o infinitamente m elh or do que nós — um m odo im utável. Todos os teístas insistem que Deus é infinito, ontologicam ente independente, incriado e transcendente. Até a simples admissão de que Deus é infinito já requer que Ele é e faz coisas diferentem ente da m aneira que os seres finitos fazem.
CONCLUSÃO Deus possui u m ciúm e santo e u m caráter m oralm en te perfeito. O prim eiro é o que dá a Deus o zelo para proteger e preservar a sua santidade; o últim o é a perfeição m oral absoluta que perm eia o caráter de Deus. Estes atributos estão fundam entados firm em ente n a Bíblia, no raciocínio teológico sadio e na História da Teologia cristã. Todas as objeções declaradas co n tra estes atributos fracassam; os atributos são interiorm ente consistentes.
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CAPÍTULO
QUINZE
A VERACIDADE E A BONDADE (AMOR) DE DEUS
D
eus não só é absolutam ente verdadeiro, mas é tam bém Todo-bom (onibenevolente). É impossível Ele m entir (Hb 6.18), e Ele é a m o r (1 Jo 4.16, ARA).
A DEFINIÇÃO DA VERACIDADE DE DEUS A palavrahebraicapara “verdade” (emeí/!)significa“firme”, “estável”, “fiel”, “confiável”, “seguro”, “c o rre to ”. A palavra grega para “verdade” (aletheia) significa “verdadeiro”, “fidedigno”, “ereto”, “vertical”, “real”. Em sum a, o term o “verdade”, conform e é usado na Bíblia, significa aquilo que corresponde à realidade (os fatos, o original), é seguro, fiel e estável. Usado acerca de palavras, verdade é falar o que é. As verdadeiras declarações são as que correspondem à realidade e, por conseguinte, são confiáveis. Em contrapartida, falsidade é falar o que não é (1 Jo 2.21) e, p ortan to, não é confiável. As falsas expressões não correspondem à realidade. O Diabo é o pai de todas as m entiras (Jo 8.44). A verdade é absoluta: Deus não pode m en tir (2 Co 1.18; T t 1.2; Hb 6.18), e a sua Palavra não pode passar (M c 13.31; cf. SI 117.2).
A BASE BÍBLICA PARA A VERACIDADE DE DEUS Muitas coisas estão envolvidas n a veracidade deDeus, todavia mais fundam entalm ente Deus é verdade por natureza. As criaturas têm a verdade, m as Deus é a verdade; e Ele é verdadeiro. Alguns textos bíblicos com p rovam essa proposição. “Ele é a R och a cuja obra é perfeita, porque todos os seus cam inhos juízo são\ Deus é a verdade, e não há nele injustiça; justo e reto é” (D t 32.4, grifos m eus). “Deus não é hom em , para que m inta; nem filho de h om em , para que se arrependa; porventura, diria ele e não o faria? Ou falaria e não o confirmaria?” (N m 23.19). “E tam bém aquele que é a Força de Israel não m ente nem se arrepende; porquanto não é u m hom em , para que se arrependa” (1 Sm 15.29). “Nas tuas mãos encom endo o m eu espírito; tu m e remiste, Senhor, Deus da verdade” (SI 31.5). “Porque a palavra do Senhor é reta, e todas as suas obras são fiéis” (SI 33.4). “Disse-lhe Jesus: Eu sou o cam inho, e a verdade, e a vida. Ninguém vem ao Pai senão por m im ” (Jo 14.6). “Mas, quando vier o Consolador, que eu da parte do Pai vos hei de enviar, aquele Espírito da verdade, que procede do Pai, testificará de m im ” (Jo 15.26). “Porque eles m esm os anunciam [...] co m o dos ídolos vos convertestes a Deus, para servir ao Deus vivo e verdadeiro” (1 Ts 1.9). “Para que por duas coisas imutáveis, nas quais é impossível que Deus m inta, tenham os a firme consolação,
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nós, os que pom os o nosso refúgio em reter a esperança proposta” (Hb 6.18). “Nisto conhecem os nós o espírito da verdade e o espírito do e rro ” (1 Jo 4.6). Deus é verdadeiro, por isso podem os confiar nas suas promessas (SI 89.35); ter certeza de nossa salvação (2 T m 2.13); ser guardados (SI 91.4); ser salvos (E f 1.13); ser santificados (2 Ts 2.13); ser libertos (Jo 8.32); ser estabelecidos para sem pre (SI 117.2); falar sem pre a verdade (Ef 4.25); andar na sua verdade (SI 86.11); servi-lo em verdade (1 Sm 12.24); estudar diligentemente a sua verdade (2 T m 2.15; Jo 17.17); adorá-lo em verdade (Jo 4.24); e orar para serm os levados em verdade (SI 25.4,5).
A BASE TEOLÓGICA PARA A VERACIDADE DE DEUS A veracidade absoluta de Deus se deriva de vários outros dos seus atributos. Se Deus é verdadeiro, então Ele tem de ser absolutam ente verdadeiro, porque só Ele pode ser moralmente o que a sua natureza lhe perm ite ser metafisicamente.
A Veracidade de Deus se Segue da sua Simplicidade Se Deus é verdadeiro, então Ele tem de ser verdadeiro conform e a sua natureza. Deus é simples (indivisível) p or natureza. Portanto, Deus não pode ser parcialm ente qualquer coisa, seja o que for que Ele seja Ele tem de ser total e com pletam ente. Por conseguinte, Deus tem de ser total e com pletam ente verdadeiro.
A Veracidade de Deus se Segue da sua Imutabilidade Se Deus é verdadeiro, então Ele tem de ser verdadeiro conform e a sua natureza. Deus é im utável por natureza; por conseguinte, Deus tem de ser im utavelm ente verdadeiro. De fato, a Bíblia declara que “se form os infiéis, ele p erm anece fiel; não pode negar-se a si m esm o ” (2 T m 2.13).
A Veracidade de Deus se Segue da sua Infinidade Deus tam bém é infinito (ver capítulo 5). Visto que Ele é verdadeiro, conclui-se, então, que Ele tem de ser infinitamente verdadeiro. Quem é infinitamente verdadeiro não é parcialm ente verdadeiro, mas total e com pletam ente verdadeiro.
A BASE HISTÓRICA DA VERACIDADE DE DEUS A veracidade absoluta de Deus é u m a m arca distintiva da sua n atu reza m oral. Isto foi reconhecido pelos teólogos cristãos ao longo dos séculos.
Os Primeiros Pais da Igreja Falaram sobre a Veracidade de Deus Os Pais patrísticos declararam e defenderam o atributo da veracidade em Deus. Policarpo, discípulo do apóstolo João (que falando sobre Jesus, disse que Ele é a Verdade, João 14.6), ecoou as reflexões do seu m entor. Policarpo (c. 70-155) Eu te agradeço, por me considerares digno deste dia e desta hora, para que eu tenha parte no número dos teus mártires, no cálice do teu Cristo, para a ressurreição da vida
A VERACIDADE E A BONDADE (AMOR) DE DEUS
eterna, alm a e corpo, através da incorrup ção [concedida] pelo Espírito Santo. Entre quem posso aceitar este dia diante de ti com o um sacrifício gordo e aceitável, se tu, o Deus sem pre verdadeiro, predeterm inou, revelou antecipadam ente a m im e agora cum priu. P ortanto, tam bém te louvo por todas as coisas, te bendigo, te glorifico, ju n to com o Jesus Cristo perpétuo e celeste, o teu Filho amado, com quem , para ti, e o Espírito Santo, seja glória agora e por todos os séculos por vir. A m ém . (EE, 14, em Roberts and D onaldson, ANF, I)
Matetes (c. 130) Com o eu disse, esta não era m era invenção terrena que foi entregue a eles, nem é m ero sistema hum ano de opinião que eles julguem certo preservar com tão cuidado, nem um a dispensação dos m eros mistérios hum anos lhes foi entregue, mas verdadeiramente o próprio Deus, que é Todo-poderoso, o Criador de todas as coisas, e invisível, enviou dos céus e colocou entre os hom ens [aquele que é] a verdade, e a Palavra santa e incom preensível, e o estabeleceu firm em ente nos seus corações. ( EMD, 7, em ibid., I)
Inácio (110 d. C.) Visto que não há senão um Ser não-gerado, Deus, até m esm o o Pai; e um unigênito o Filho, Deus, a Palavra e hom em ; e um Consolador, o Espírito da verdade; e tam bém um a pregação, e um a fé, e um batism o; e um a Igreja para a qual os apóstolos santos estabeleceram desde um canto da terra ao outro pelo sangue de Cristo, e pelo próprio suor e labuta; então, tam bém te convém com o “a nação santa, o povo adquirido” [1 Pe 2.9] para executar todas as coisas com harm onia em Cristo. ( EP, 5, em ibid., I)
Justino Mártir (c. 100-c. 165) A palavra da tua verdade e sabedoria é mais ardente e mais clara que os raios do sol, e cala nas profundezas do coração e da m ente. Por conseguinte, tam bém a Bíblia disse: “O seu nom e subirá acim a do sol”. (D], 12.2, em ibid.)
Irineu (c. 125-c. 202) Tam bém eles caíram em erro com respeito a Zoe, sustentando que ela foi produzida no sexto lugar, quando conveio a ela tom ar precedência de todo [o demais], visto que Deus é vida, incorrupção e verdade. E estes e tais atributos não são produzidos de acordo com um a escala gradual descendente, mas são nom es dessas perfeições que sem pre existem em Deus, contanto que seja possível e próprio os hom ens ouvirem e falarem de Deus. Pois com o nom e de Deus harm onizarão as seguintes palavras: inteligência, palavra, vida, incorrupção, verdade, sabedoria, bondade e outras sem elhantes. (A, 2.13.9, em ibid.)
Pastor de Hermas (c. início do Século II) N ovam ente ele m e disse: “A m a a verdade, e que nada mais que a verdade proceda da tua boca, que o espírito que Deus colocou na tua carne se ache verdadeiro diante de todos os hom ens; e o Senhor que habita em ti, será glorificado, porque o Senhor é verdadeiro em toda palavra e nele não há falsidade”. Aqueles que m entem negam o Senhor, e o roubam, não lhe devolvendo o depósito que eles receberam . Porque eles receberam dele um espírito livre de falsidade. (C, 2.3, em ibid., II)
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Clemente de Alexandria (150-c. 215) Do mesmo sentimento é Platão, que em algum lugar alude assim a Deus: “Em torno do Rei de todos estão todas as coisas, e ele é a causa de todas as coisas boas”. Quem, então, é o Rei de todos? Deus que é a medida da verdade de toda a existência. Assim, então, são contidas as coisas que serão medidas na medida, assim também o conhecimento de Deus mede e entende a verdade [...] continuando Ele mesmo; que mede todas as coisas, e as pesa por justiça como em uma balança, agarrando e sustentando a natureza universal em equilíbrio. (EH, 6, em ibid., II)
Os Pais da Igreja Medieval Falaram sobre a Veracidade de Deus Agostinho (35 4 -4 3 0 ) Eu disse: “É verdade, então, que nada, porque nem é difundido por espaço, finito, nem infinito?” E tu bradaste a mim de longe: “Sim, verdadeiramente: ‘EU SOU O QUE SOU’”. E eu ouvi isto, como são ouvidas as coisas no coração, nem havia lugar para dúvida; e eu duvidaria mais prontamente para que eu viva que a Verdade não é, que é “claramente vista, sendo compreendida pelas coisas que são feitas”. (C, 7.10) Portanto, é porque somos homens, criados segundo a imagem de um Criador cuja eternidade é verdade, a sua verdade eterna, o seu amor e verdade eterno, um Criador que é o eterno, verdade, e a trindade louvável em quem não ihá nem confusão nem divisão, que, onde quer que nos voltemos entre as coisas que Ele criou e conservou tão maravilhosamente, descobrimos as suas pegadas, quer ligeiramente ou claramente estampadas. Os anjos santos ganham conhecimento de Deus não pela palavra falada, mas pela presença na alma daquela Verdade imutável que é o unigênito Verbo de Deus. Eles conhecem este Verbo, o Pai e o Espírito Santo, entendendo que esta trindade é indivisível e que cada uma das Pessoas é significativa, embora não haja três Deuses, mas um. (CG, 11.28, 11.29) Anselmo (1033-1109) Tu és este bem, ó Deus Pai; esta é tua Palavra, quer dizer, o teu Filho. Pois não pode ser diferente do que tu és, ou outra coisa maior ou menor que tu, na Palavra pela qual tu te proferes. Porque a tua Palavra é tão verdadeira, quanto tu és verdadeiro e és então a mesma verdade que tu és e isso não é diferente de ti. (ACMW, p. 100) Tu achaste, ó minha alma, o que estavas buscando? Tu estavas procurando Deus, e tu descobriste ser algo que é o mais alto de tudo, aquilo que não se concebe ser melhor, e ser a própria vida, luz, sabedoria, bondade, bem-aventurança eterna e eternidade bendita, e existir em todos os lugares e para sempre. Se tu não achaste o teu Deus, como Ele é que tu achaste, e que tu entendeste com tal certa verdade e verdadeira certeza? Mas se tu achaste [a Ele], por que é que tu não experimentas o que achaste? Por que, ó Senhor Deus, a minha alma não te experimenta se o achaste? Ou não achaste aquilo que é a luz e a verdade? Entretanto, como entender isto salvo vendo a luz e a verdade? Tu poderias entender algo à tua volta salvo por “a tua luz e a tua verdade” [SI 43.3]? Se, então, a tua alma viu a luz e a verdade, ela te viu. Se ela não te viu, então ela não viu a luz ou a verdade, (ibid., p. 98)
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Tomás de Aquino (1225-1274) Com o dito [acima], a verdade se acha no intelecto conform e se entende que um a coisa é; e em coisas de acordo com o elas são conformáveis a um intelecto. Isto é ao m aior grau achado em Deus. Pois o seu Ser não só se conform a ao seu intelecto, mas é o m esm o ato do seu intelecto; e o seu ato de entender é a medida e a causa de todos os outros seres e de todos os outros intelectos. Ele m esm o é a sua própria existência e ato de entendim ento. De onde não só se conclui que a verdade está nEle, mas que Ele é essa verdade e o soberano e verdade prim eira. (ST, la .1 6 ,5)
Os Líderes da Reform a Falaram sobre a Veracidade de Deus Martinho Lutero (1483-1546) Verdadeiramente, neste caso, tem os de estar bem armados não só com a Palavra de Deus e versados nela, mas tam bém tem os de ter certeza da doutrina, ou não suportarem os o com bate. O hom em tem de poder afirmar que sabe com certeza, que o que Ele ensina é a única Palavra da alta M ajestade de Deus no céu, a sua conclusão final e a verdade perpétua e imutável, e tudo que concorda e não concorda com esta doutrina, é com pletam ente falso e dilatado pelo Diabo. Eu tenho diante de m im a Palavra de Deus que não pode falhar nem pode as portas do inferno prevalecer contra ela; por m eio dela eu perm aneço, em bora o m undo inteiro esteja contra m im . (ibid., p. 22)
João Calvino (1509-1564) Tem os de ir, digo, para a Palavra, onde o caráter de Deus, desenhado pelas suas obras, está descrito com precisão e para a vida. Estas obras que são calculadas, não por nosso julgam ento depravado, mas pelo padrão da verdade eterna. (ICR, 1.6.3) Portanto, lendo os autores profanos, a luz admirável da verdade exibida neles deveria nos lem brar que a m ente hum ana, por mais que esteja caída e pervertida da sua integridade original, ainda está adornada e investida com as aptidões admiráveis do seu Criador. Se refletirm os que o Espírito de Deus é a única fonte da verdade, terem os cuidado, com o evitaríamos insultar a Ele, para não rejeitar ou condenar a verdade onde quer que ela apareça. M enosprezando os dons, insultam os o Doador, (ibid., 2.2.15) Em prim eiro lugar, tem os de considerar o que é um ju ram ento. U m ju ram ento, então, é cham ar Deus para testem unhar o que dizemos que é a verdade. Execrações é insultar manifestadam ente a Deus, é indigno de ser classificado entre juram entos. Que um ju ram ento, quando propriam ente feito, é um a espécie de adoração divina, m ostra-se de muitas passagens da Bíblia. [...] Jurar pelo nom e do Senhor significa que eles farão um a profissão religiosa. De certa form a, falando sobre a extensão do Reino do Redentor, está escrito: “De sorte que aquele que se bendisser na terra será bendito no Deus da verdade; e aquele que ju rar na terra jurará pelo Deus da verdade; porque já estão esquecidas as angústias passadas e estão encobertas diante dos m eus olhos” [Is 65.16]. (ibid., 2.8.23)
Os Teólogos da Pós-Reform a Falaram sobre a Veracidade de Deus O conceito da verdade firm e de D eus não m u dou nos escritos dos teólogos pertencentes ao período da P ós-R eform a. Eles tam bém consideraram esse tem a com o a fortaleza do caráter de Deus.
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Ja có Arminio (1560-1609) A justiça em Palavras tam bém é tripla: (1) Verdade, pela qual Ele sempre enuncia ou declara exatam ente com o a coisa que é oposta à falsidade. (2) Sinceridade e simplicidade, pelas quais Ele sempre declara com o concebe interiorm ente, de acordo com o significado e propósito da sua m ente; às quais se opõem a hipocrisia e a duplicidade de coração. E (3) fidelidade, pela qual Ele é constante em m anter as promessas e com unicar os privilégios; pela qual se opõem a inconstância e a perfídia. ( WJA, p. 351)
Stephen Charnock (1628-1680) “Ele é tão im utável n a sua essência co m o na sua veracidade e fidelidade: elas perfeições que p ertencem à sua n atureza” (EAG , 1.187). Charles Hodge (1797-1878) A verdade, então, é: (1) Aquilo que é real, ao invés do que é fictício ou imaginário. Jeová é o verdadeiro Deus, porque Ele é realm ente Deus, enquanto que os deuses pagãos são vaidade e nada, meros seres imaginários, não tendo nem existência nem atributos. (2) O verdadeiro é aquilo que com pletam ente vem até à sua idéia, ou ao que significa ser. O verdadeiro hom em é o hom em em quem a idéia humanidade se realizada com pletam ente. (3) A verdade é aquilo no qual a realidade corresponde exatam ente à manifestação. Deus é verdade, porque Ele realm ente é o que Ele declara ser; porque Ele é o que Ele nos ordena que creiamos que Ele seja; e porque todas as suas declarações correspondem ao que realm ente é. (4) A verdade é aquilo em que podemos depender, que não falha, ou muda, ou desaponta. Tam bém neste sentido, Deus é verdade com o Ele é imutável e fiel. As suas promessas não podem falhar; a sua palavra jamais falha. A sua palavra perm anece para sempre. Quando nosso Senhor diz: “A tua palavra é a verdade” [Jo 17.17], ele diz que podemos confiar em tudo que Deus revelou com o correspondendo exatam ente ao que realm ente é ou tem de ser. A sua palavra nunca falha, ainda que o céu e a terra passem. Portanto, a verdade de Deus é o fundam ento da fé. E a base de nossa certeza do que Ele revelou de si m esm o e da sua vontade, nas suas obras e nas Escrituras, em que podemos confiar. Ele certam ente é, deseja e fará tudo o que nos fez conhecido assim. É não menos a fundação de todo o conhecim ento. Q ue os nossos sentidos não nos enganem ; essa consciência é digna de confiança no que ensina; que tudo é aquilo que se nos parece ser; que a nossa existência não é um sonho ilusório, não tem outra fundação senão a verdade de Deus. Neste sentido, todo o conhecim ento está fundam entado na fé, ou seja, na convicção de que Deus é a verdade. (ST, 1.436, 437)
William G. T. Shedd (1820-1894) Novam ente, Deus não pode fazer nada incom patível com a perfeição da natureza divina. Sob esta categoria estão os exem plos mencionados em Hebreus 6.18: “É impossível que Deus m inta”, 2 T im óteo 2.13: “[Deus] não pode negar-se a si m esm o”, e Tiago 1.13: “Deus não pode ser tentado”. Deus não pode pecar, (a) porque pecado é imperfeição, e é contraditório dizer que um Ser necessariam ente perfeito possa ser imperfeito. Deus não pode pecar, (b) porque Ele não pode ser tentado ao pecado, e pecar sem tentação ou m otivo para pecar é impossível. Deus não pode ser tentado, porque tentação insinua um desejo para algum bem que se supõe que é m aior do que o que já se possuí. Mas Deus
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n ã o pode v er nada m ais desejável que o qu e E le já te m ; e a sua co m p reen sã o é infalível, de fo rm a qu e Ele n ã o p o d e equ ivocar-se co m u m b em ap aren te p o r u m bem real. (D T, p. 360)
John M iley (1813-1895) A veracidade é a fo n te da veracidade em expressão, qu er seja n o uso de palavras, qu er seja de o u tro m o d o . E m ais p ro fu n d o que o m ero in te le c to ; p ro fu n d o c o m o a n atu rez a m o ra l. C o m tod a verdadeira n a tu re z a m o ra l, a veracidade é sentid a p ara ser u m a ob rig ação p ro fu nd a. A veracid ade é venerad a, en q u an to que a falsidade, o en g an o , a h ip o crisia são d etestad os. N o sen tid o m ais verdadeiro e m ais p ro fu n d o da veracidade h á se n tim e n to m o ra l p ro íu n d o . A veracid ade divina é m ais qu e veracidade de expressão de c o n h e c im e n to absolu to. E veracidade de se n tim e n to san to. C o m o D eu s so le n e m e n te o rd en a a veracid ade nos h o m e n s e sev eram en te rep reen d e sua v iolação , em qu alquer fo rm a de falsidade ou en gan o, assim as suas palavras e ca m in h o s sem p re c u m p re m as exigências da veracidade m ais absoluta. (ST, p. 210)
J . 1. Packer “Tod os os teu s m a n d am en to s são a verd ade” [SI 119.151]. Por que eles são d escritos dessa form a? P rim eiro, p o rqu e têm co n stân cia e co n tin u id ad e c o m o qu e m o stra n d o o que D eu s q u er v er nas pessoas em qu alqu er época; segu nd o, p o rq u e nos falam da verdade im u táv el sobre nossa n atu reza. Isto é p arte do p ro p ósito da lei de D eu s; ela nos fo rn e ce u m a d efinição p rá tica da verdadeira h u m an id ad e. M o stra -n o s a finalidade da vida e nos en sin a co m o ser v erd ad eiram en te h u m a n o s e n o s ad verte co n tra a a u to d estru ição m o ra l. (K G , p. 114) Ele n u n ca se to rn a m en o s verd adeiro, m isericord ioso, ju s to ou m e lh o r do que sem p re foi. O ca rá te r de D eu s é h o je , e sem p re será, ex a ta m en te c o m o era n os tem p o s bíblicos, (ibid., p. 78) P o r isso suas palavras p a ra n ó s são verd ad eiras e n ã o p o d e m ser n ad a sen ão a verdade. E les são o su m á rio da realid ad e: m o s tra m -n o s as coisas c o m o re a lm e n te são, e c o m o serão p ara n ó s n o fu tu ro de aco rd o c o m a a te n çã o qu e d erm o s ou n ã o à p alav ra de D eu s. (ibid ., p. 113)
OBJEÇÕES À VERACIDADE DE DEUS As o b je çõ e s m ais im p o rta n te s à veracid ad e a b so lu ta de D e u s p a rte m de e x e m p lo s b íb licos on d e D eu s s u p o s ta m e n te ap rov a ações q u e são m e n o s que c o m p le ta m e n te v erdad eiras.
O bjeção Um: Baseada na Suposta Verdade Parcial de Samuel S e D eu s é to ta lm e n te verd ad eiro , e n tã o p o r q u e E le disse q u e S a m u e l p ro ferisse u m a v erd ad e parcial? E le e n sin o u q u e S a m u e l dissesse só p a rte da verd ad e q u an d o m a n d o u d izer a S a u l q u e E le fo ra o fe re c e r u m sacrifício (1 S m 16.1-3). N a realid ad e, S a m u e l ta m b é m fo ra u n g ir D avi rei.
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Resposta à Objeção Um O que Deus m andou Samuel dizer era com pletam ente verdadeiro, não parcialm ente verdadeiro. Ele fo i m esm o oferecer u m sacrifício. Saul n unca lhe perguntou, e ele nunca respondeu a pergunta sobre se Samuel tinha ou tro propósito para a viagem. Deus não tolera verdades parciais que diretam ente insinuem u m a falsidade, fato que está claro quando Ele condenou Abraão p o r ter orientado a Sara para que ela dissesse que era sua “irm ã”. Ela era sua m eia-irm ã, mas responder a pergunta desta m aneira fez o rei do Egito acreditar que ela não era esposa de Abraão, o que na verdade era o que ele queria saber. Portanto, ao insinuar que ela não era esposa de Abraão, Sara m entiu.
Objeção Dois: Baseada em Deus ordenar que os Espíritos Mintam Em 1 Reis, Deus ordenou que espíritos (dem ônios) mentirosos m entissem ao rei Acabe (1 Rs 22.19-22). C om o o Deus da verdade absoluta pode tolerar a mentira? E contrário à sua natureza.
Resposta à Objeção Dois Deus não tolera e não pode tolerar a m entira, pois m entir é contrário à sua natureza, e Ele não tolera o que é contrário à sua natureza (Hb 6.18). Mas Deus não ordenou ou tolerou esta m entira; Ele a permitiu e a usou para cu m p rir a sua vontade soberana. Ele sabia que esse espírito m entiria, e sabia que isto cum priria o seu propósito soberano para u m bem, isto é, julgar o m au rei Acabe. C o m o José disse aos seus irm ãos que o tinham vendido em escravidão: “Vós bem intentastes m al con tra m im , p orém Deus o to rn o u em bem, para fazer co m o se vê neste dia, para conservar em vida a u m povo grande” (G n 50.20). Portanto, Deus usa o m al para cum prir os seus propósitos, mas Ele não promove o m al; Ele o permite para que produza u m bem maior.
Objeção Três: Baseada em Deus Tolerar a Mentira das Parteiras E m Êxodo 1.15-22, Faraó ordenou que as parteiras hebréias m atassem todos os bebês m asculinos. Elas não só se recusaram a obedecer, mas tam bém m en tiram ao rei quando ele as indagou (Ex 1.17,19). O versículo 20 diz: “Portanto, Deus fez bem às parteiras. E o povo se aum entou e se fortaleceu m u ito ”. Portanto, conclui-se que Deus tolerou a m entira delas.
Resposta à Objeção Três Os estudiosos diferem quanto à interpretação desta passagem. Alguns afirm am que Deus abençoou as parteiras por recusarem m atar as crianças, mas não p or m entirem . Eles afirm am que Deus as abençoou, co m o Raabe (Js 2), apesar, mas não por causa da m en tira delas. O utros estudiosos sustentam que Deus não tolera esta ou o u tra m entira, m esm o em u m a situação conflituosa. Mais exatam ente, tem os de fazer o m al m en or (de m en tir) e então confessar o nosso pecado a Deus. C ontudo é difícil entender este ponto de vista que diz que tem os a obrigação m oral de fazer o que não é m oral. A lém disso, Jesus enfrentou todos os tipos de situações ruins, contudo jamais pecou. Se o pecado é inevitável neste tipo de cenário, então Jesus pecou (enquanto que a Bíblia declara que Ele não pecou).
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Se E le n ã o e n fre n to u as situ açõ es e x tr e m a m e n te difíceis, e n tã o n ã o p o d e ser o no sso e x e m p lo m o r a l c o m p le to , v isto q u e n ã o te ría m o s o seu e x e m p lo p ara seguir. S eria m e lh o r a rg u m en ta r que e m co n flito s inevitáveis d ev em o s su sp end er a nossa obrigação de c u m p rir o m a n d a m e n to m e n o s im p o rta n te d ian te de n o ssa obrigação p rio ritária de c u m p rir o m ais im p o rta n te (v e r G eisler, CE, cap ítu lo 7). P o rta n to , n o caso das parteiras, m o s tra r m isericó rd ia e ra u m dever m a io r do q u e dizer a verdade. D e qu alqu er m o d o que v e rm o s esta situ ação, D eu s n u n c a to le ra a m e n tira e m si. E so m e n te qu an d o h á u m dever m ais alto que o u tro atrib u to de D eu s (c o m o a m isericó rd ia) que o no sso dever de falar a verdade é te m p o ra ria m e n te suspenso. E até n e ste caso, o co n flito n ã o está e m D eus (os seus atrib u to s são to d os h a rm o n io so s); está n este m u n d o caíd o e finito.
O bjeção Q uatro: Baseada na Revelação Progressiva D e a c o rd o c o m a d o u trin a da re v e la çã o p ro g ressiva, D e u s n ã o re v e la to d a a verd ad e de u m a vez só, m as apenas u m a p a rte de cad a vez, p ro g re ssiv a m e n te , d u ra n te c e rto te m p o (v e r G eisler, “R P ”, e m BECA ). P o r e x e m p lo , D eu s n ã o re v e lo u e x p lic ita m e n te d esde o c o m e ç o a d o u trin a da T rin d ad e: P rim e iro , E le re v e lo u q u e é u m (cf. D t 6.4) e, d epois, q u e h á três Pessoas n u m a ú n ic a D eid ad e n esse u m D e u s (cf. M t 28.18-20). O m e s m o é v erd ad e a c erca d o p la n o de salv ação de D eu s; fo i rev elad o só u m a p a rte de cada v ez desde o p rin cíp io (d e G ên esis 3.15 a Jo ã o 3.16).
Resposta à O bjeção Quatro R e v e la r só p a rte da verd ad e n ã o é n e c e ssa ria m e n te m e n tira . E m n e n h u m m o m e n to n e s ta re v e lação p ro g ressiv a D eu s a firm a o q u e e ra falso. T u d o q u e E le disse e ra v erdad e, m as E le n ã o disse tu d o desde o in ício . E le c o n to u to d a a v erd ad e so b re p a rte d o q u e quis rev elar, m as n u n c a re v e lo u de u m a v ez só o to d o d o q u e E le quis dizer.
O bjeção C inco: Baseada na Acom odação Divina D e a c o rd o c o m a d o u trin a da a c o m o d a ç ã o divina, D e u s se ad ap ta à fin itu d e h u m a n a p ara c o m u n ic a r-s e e fic a z m e n te c o n o sc o . P o r e x e m p lo , E le u sa m e tá fo ra s e figuras de lin g u a g e m q u e n ã o são lite r a lm e n te verdades p ara q u e o e n te n d a m o s m e lh o r. C o m o v im o s, re tra ta r D e u s c o m m ão s, o lh o s e b ra ço s é u m e x e m p lo . C la ro q u e D e u s n ã o te m estas p a rte s físicas, v isto q u e E le é p u ro E sp írito (Jo 4.24), m as D eu s se a c o m o d a a n ó s n estes te rm o s . C o n tu d o , se D eu s n ã o é r e a lm e n te d este m o d o , e n tã o c o m o a a c o m o d a ç ã o p o d e e v itar a idéia de ser m e n o s q u e c o m p le ta m e n te verdadeiro?
Resposta à O bjeção Cinco H á u m a d ife re n ça sig n ificativ a e n tre D eu s adaptar-se à n ossa fin itu d e e E le acomodar-se ao e rro ; E le faz o p rim e iro , m as n ã o o ú ltim o . P or e x e m p lo , h á u m a d ife re n ça g ran d e e n tre o pai o u m ã e (1 ) c o n ta r a “h is tó ria da c e g o n h a ” a u m filh in h o e (2 ) só re v e la r p a rte da v erd ad e q u an d o ele p e rg u n ta de on d e v ê m os bebês e a m ã e resp o n d e: “D a m in h a b a rrig a ”. E m u m tip o de re v e la çã o prog ressiva, a m ã e alg u n s an o s depois p o d e e x p lica r c o m o o bebê e n tra d e n tro dela, d izen d o : “Papai c o lo c o u u m a s e m e n te a q u i”, e assim p o r d ian te. C ad a re v e la çã o é só p a rte da v erd ad e to ta l, m as cad a u m a é c o m p le ta m e n te verd ad eira. Isto está e m c o n tra s te c o m a h is tó ria da c e g o n h a q u e é c o m p le ta m e n te falsa e m q u alq u er sen tid o lite ra l do te rm o .
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Além do mais, os antropom orfism os e figuras de linguagem são form as apropriadas de com unicação divina, porque transm item u m a verdade literal. Ainda que não sejam verdades literais, são literalm ente verdades. Por exem plo, quando Jesus disse: “Eu sou a videira” (Jo 15.1), Ele não era u m a videira literal. Todavia é literalm ente verdade que Ele é a fonte de nosso sustento e alim ento espiritual. Até m esm o “Deus é u m a ro ch a” (Is 26.4), ainda que não u m a verdade literal, é literalm ente verdade quando percebemos que Deus é a base firme, sólida e co m o u m a roch a para a nossa vida (ver Volume 1, capítulo 9 para inteirar-se da explicação de analogia). E m sum a, não há nada falso sobre a adaptação divina à finitude em m etáforas e figuras de linguagem. O que elas transm item é literalm ente verdade, em bora não devam ser tom adas co m o verdades literais, mas só figurativamente.
A ONIBENEVOLÊNCIA (TODO-AMOROSIDADE) DE DEUS U m dos atributos morais mais bem conhecidos de Deus é o am or. C ertos teólogos acentuam o am or de Deus não fazendo caso da santidade e justiça; outros dim inuem o am or lim itando-o a som ente algumas pessoas. O prim eiro p arecer tende ao universalismo, enquanto que o últim o o usa co m o base para o particularism o, ou seja, a expiação limitada. Os teólogos ortodoxos debatem se a bondade e o am or são a m esm a coisa ou se são diferentes. E, se forem diferentes, se o am o r é u m atributo de Deus ou u m a atividade de Deus. Outros defendem que a bondade é u m atributo de Deus e que o am or é u m ato da sua bondade. Mas 1 João 4.16 diz que Deus é am or (A RA), aplicando o term o à sua essência.
DEFINIÇÃO DA ONIBENEVOLÊNCIA DE DEUS Se “a m o r” for definido por “desejar o bem do seu objeto”, então para todos os propósitos práticos podem os tratar “a m o r” e “bondade” co m o sinônimos. A palavra onibenevolente significa, literalm ente, “to d o -b o m ”. Biblicamente, o term o hebraico básico para “a m o r” ( chesed) usado acerca de Deus significa “bondade”, “afeto”, “boa vontade”, “tern u ra” ou “bondade carinhosa”. A palavra grega ágape usada para referir-se ao a m o r de Deus significa “benevolência”, u m a m o r sacrifical, privado de egoísmo. Teologicam ente, a onibenevolência de Deus se refere à sua bondade infinita ou ilimitada.
A BASE BÍBLICA PARA A ONIBENEVOLÊNCIA DE DEUS A base bíblica para a onibenevolência de Deus é extensa: “Tão-som ente o Senhor tom ou prazer em teus pais para os amar; e a vós, semente deles, escolheu depois deles, de todos os povos, com o neste dia se vê” (D t 10.15). “Porque eu, o Senhor, am o o juízo, e aborreço a iniqüidade” (Is 61.8). “Em toda a angústia deles foi ele angustiado, e o Anjo da sua presença os salvou; pelo seu am or e pela sua compaixão, ele os rem iu” (Is 63.9). “Há m uito que o Senhor m e apareceu, dizendo: C om am or eterno te amei; tam bém com amável benignidade te atraf ’ (Jr 31.3). “E o Senhor m e disse: Vai ou tra vez, am a u m a m ulher, amada de seu amigo e adúltera, com o o Senhor am a os filhos de Israel, em bora eles olhem para outros deuses e am em os bolos de uvas” (Os 3.1). “Curarei a sua infidelidade, eu de m im m esm o os amarei, porque a m inha ira se apartou deles” (Os 11.4, ARA). “O Senhor, teu Deus, está no meio de ti, poderoso para te salvar; ele se deleitará em ti co m alegria; calar-se-á p or seu am or, regozijar-se-á em ti co m júbilo” (Sf 3.17).
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A VERACIDADE E A BONDADE (AMOR) DE DEUS
“A m a i, p o is , a v o s s o s i n im ig o s , e fa z e i o b e m , e e m p r e s t a i, s e m n a d a e s p e r a r d e s ” (L c 6 .3 5 ) . “P o r q u e D e u s a m o u o m u n d o d e t a l m a n e i r a q u e d e u o s e u F i lh o u n i g ê n i t o , p a r a q u e t o d o a q u e le q u e n e le c r ê n ã o p e r e ç a , m a s t e n h a a v id a e t e r n a ” ( J o 3 .1 6 ) . “ O a m o r d e D e u s e s t á d e r r a m a d o e m n o s s o c o r a ç ã o p e lo E s p ír ito S a n t o q u e n o s f o i d a d o ” ( R m 5 .5 ) . “M a s D e u s p r o v a o s e u a m o r p a r a c o n o s c o e m q u e C r is t o m o r r e u p o r n ó s , s e n d o n ó s a in d a p e c a d o r e s ” ( R m 5 .8 ) . “Q u e m n o s s e p a r a r á d o a m o r d e C r is to ? [...] P o r q u e e s t o u c e r t o d e q u e n e m a v id a [...] n e m a lg u m a o u t r a c r i a t u r a n o s p o d e r á s e p a r a r d o a m o r d e D e u s , q u e e s t á e m C r is t o Je s u s , n o s s o S e n h o r ! ” ( R m 8 .3 5 - 3 9 ). “P o r q u e o a m o r d e C r is t o n o s c o n s t r a n g e , ju l g a n d o n ó s a s s im : q u e , se u m m o r r e u p o r t o d o s , l o g o , t o d o s m o r r e r a m ” (2 C o 5 .1 4 ) . “M a s D e u s , [...] p e l o s e u m u i t o a m o r c o m q u e n o s a m o u , e s t a n d o n ó s a in d a m o r t o s e m n o s s a s o fe n s a s , n o s v iv ific o u ju n t a m e n t e c o m C r i s t o ” ( E f 2 .4 ,5 ) . P a u lo o r o u p e lo s e fé s io s p a r a q u e e le s c o n h e c e s s e m “o a m o r d e C r is t o , q u e e x c e d e t o d o e n t e n d i m e n t o , p a r a q u e s e ja is c h e io s d e t o d a a p l e n i t u d e d e D e u s ” ( E f 3 .1 9 ) . “E a n d a i e m a m o r , c o m o t a m b é m C r is t o v o s a m o u e se e n t r e g o u a si m e s m o p o r n ó s , e m o f e r t a e s a c r ifíc io a D e u s , e m c h e ir o s u a v e ” ( E f 5 .2 ) . “Q u a n d o , p o r é m , se m a n i f e s t o u a b e n i g n i d a d e d e D e u s , n o s s o S a lv a d o r , e o s e u a m o r p a r a c o m t o d o s , n ã o p o r o b r a s d e ju s t i ç a p r a t ic a d a s p o r n ó s , m a s s e g u n d o s u a m i s e r i c ó r d i a ” ( T t 3 .4 ,5 ) . “V e d e q u e g r a n d e a m o r n o s t e m c o n c e d id o o Pai, a p o n t o d e s e r m o s c h a m a d o s f ilh o s d e D e u s ; e , d e f a t o , s o m o s f ilh o s d e D e u s ” (1 Jo 3 .1 , A R A ) . “N is to c o n h e c e m o s o a m o r : q u e C r is t o d e u a s u a v id a p o r n ó s ; e d e v e m o s d a r n o s s a v id a p e lo s i r m ã o s ” (1 Jo 3 .1 6 , A R A ) . “A m a d o s , a m e m o - n o s u n s a o s o u t r o s , p o r q u e o a m o r p r o c e d e d e D e u s ” (1 Jo 4 .7 , A R A ) . “A q u e le q u e n ã o a m a n ã o c o n h e c e a D e u s , p o is D e u s é a m o r ” (1 J o ã o 4 .8 , A R A ) . “N is to se m a n i f e s t o u o a m o r d e D e u s e m n ó s : e m h a v e r D e u s e n v ia d o o s e u F i lh o u n i g ê n i t o a o m u n d o , p a r a v iv e r m o s p o r m e io d e le ” (1 Jo 4 .9 , A R A ) . “N is to c o n s is t e o a m o r : n ã o e m q u e n ó s t e n h a m o s a m a d o a D e u s , m a s e m q u e e le n o s a m o u e e n v io u o s e u F ilh o c o m o p r o p ic ia ç ã o p e lo s n o s s o s p e c a d o s ” (1 Jo 4 .1 0 , A R A ) . “E n ó s c o n h e c e m o s e c r e m o s n o a m o r q u e D e u s t e m p o r n ó s . D e u s é a m o r , e a q u e le q u e p e r m a n e c e n o a m o r p e r m a n e c e e m D e u s , e D e u s , n e l e ” (1 Jo 4 .1 6 , A R A ) . E c la r o q u e h á a m a i o r d e s c r iç ã o d e a m o r n a B íb lia : 1 C o r í n t i o s 13.
Ainda que eu falasse as línguas dos hom ens e dos anjos e não tivesse caridade [amor], seria com o o m etal que soa ou com o o sino que tine. E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de m aneira tal que transportasse os m ontes, e não tivesse caridade, nada seria. E ainda que distribuísse toda a m inha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o m eu corpo para ser queimado, e não tivesse caridade, nada disso m e aproveitaria. A caridade é sofredora, é benigna; a caridade não é invejosa; a caridade não trata com leviandade, não se ensoberbece, não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; não folga com a injustiça, mas folga com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. A caridade nunca falha [...]. Agora, pois, perm anecem a fé, a esperança e a caridade, estas três; mas a m aior destas é a caridade.
A BASE TEOLÓGICA PARA A ONIBENEVOLÊNCIA DE DEUS A
o n ib e n e v o lê n c ia
de
D eus
e s tá
lo g ic a m e n te
r e la c io n a d a
a v á r io s
a t r ib u to s
m e ta f ís ic o s . C o n s id e r a n d o q u e o a m o r é u m a c a r a c te r ís tic a d e D e u s , c o m o d e m o n s t r a m o s v e r s íc u lo s a n t e r io r e s , E le t e m d e s e r t o d o - a m o r o s o .
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
A Infinidade de Deus insinua a Onibenevolência Deus é infinito n a sua essência, e o am or é da essência de Deus. Portanto, Deus é am or infinito: O seu am or não pode ser mais limitado do que a sua n atureza, e a sua natureza é ilimitada.
A Simplicidade de Deus insinua a Onibenevolência Repetindo, o am or é da essência de Deus (1 Jo 4.16, ARA), e Deus é simples n a sua essência, quer dizer, Ele é indivisível, não tendo partes. Portanto, Deus não pode ser parcialm ente algo. Seja o que for que u m Ser simples seja, é total e com pletam ente. Por conseguinte, Deus tem de ser total e com pletam ente am or.
A Necessidade de Deus insinua a Onibenevolência A necessidade de Deus (ver capítulo 3) insinua que Ele é Todo-am oroso, pois u m Ser necessário é o que é necessariam ente. Deus é am or; p ortan to, Deus é necessariam ente am or — Ele não pode não am ar. Deus por natureza tem de am ar.
Implicações da Onibenevolência de Deus Várias implicações im portantes se concluem da onibenevolência de Deus; duas valem a pena destacar. U m a está relacionada co m a onipotência de Deus, e a o u tra co m a extensão da salvação. Implicações à Doutrina da Graça Irresistível Todos os calvinistas acreditam em algum a form a da graça irresistível: os ultracalvinistas acreditam que a graça é irresistível nos não-desejosos, e os calvinistas m oderados acreditam que é irresistível nos desejosos (ver Volume 3, capítulo 3). Mas devido à onibenevolência de Deus, conclui-se que a graça não pode ser irresistível nos não-desejosos, pois u m Deus de am or com pleto não pode forçar alguém a agir co n tra a sua vontade. O am or forçado é intrinsecam ente impossível. U m Deus am oroso pode trabalhar persuasivamente, m as não coercivam ente. Implicações ao Universalismo O utra im plicação da onibenevolência de Deus é que to rn a o universalismo insustentável, pois apesar do fato de u m Deus onipotente poder fazer tudo que é possível, u m Deus onibenevolente fará o que é m oral. E não é m oralm en te certo forçar os seres m orais con tra a vontade deles. Deus quer salvar a todos, mas não é m oralm en te possível salvar as pessoas con tra a vontade delas (p or graça irresistível nos não-desejosos). Por conseguinte, não há garantia de que todas as pessoas serão salvas. Deus só pode salvar os desejosos; a sua onibenevolência não lhe perm itirá fazer tudo que a sua onipotência queria fazer (ver Volume 3). Por outro lado, se o ultracalvinism o está co rreto e Deus pode forçar as pessoas por graça irresistível para serem salvas, então o único m odo que se pode evitar o universalismo é negar que Deus é onibenevolente. Se Deus pode salvar todo aquele que Ele quer salvar, independente do livre-arbítrio, e se Deus realm ente am a todos e quer salvar a todos, então todos serão salvos (universalismo). Portanto, o único verdadeiro m odo de evitar o
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u n iv e rsa lism o é in sistir q u e D eu s é T o d o -a m o ro so e, c o m o tal, n ã o p o d e co ag ir o liv re a rb ítrio , p o rq u e é c o n tra d itó rio fazer isso, e D e u s n ã o p o d e fazer o q u e é c o n tra d itó rio .
A BASE HISTÓRICA PARA A ONIBENEVOLÊNCIA DE DEUS A h istó ria da Ig re ja dá te s te m u n h o p le n o da o n ib e n e v o lê n c ia de D eu s. Isto é verdad e de to d o p e río d o , c o m e ç a n d o c o m os Pais p atrístico s.
Os Primeiros Pais da Igreja Falaram sobre a O nibenevolência de Deus M atetes (c. 130) Pois D eu s, o S e n h o r e C riad or de todas as coisas, que fez todas as coisas e lh es atribu iu as várias posições, p ro v ou -se n ão apenas am ig o da h u m an id ad e, m as ta m b ém lo n g â n im o [nos seus p ro ced im en to s co m eles]. Ele sem p re foi de tal caráter, ainda é, sem p re será g entil e b o m , e isen to de ira [injustificada], e verdadeiro e o ú n ico que é [absolutam en te] b o m ; e Ele fo rm o u n a sua m e n te u m a grande e indizível co n cep ção , qu e Ele co m u n ico u só ao seu F ilh o. (EM D , 8, em R o b erts and D o n ald son , A N F, I)
Justino M ártir (c. 100-c. 165) P o rta n to , tem o s de confessar qu e Ele, qu e sem p re é o m esm o , o rd en o u estas in stitu içõ es e ou tras iguais p o r cau sa dos h o m e n s pecad ores, e nós tem o s de d eclará-lo ser b en ev o len te, p rescien te, n ão precisand o de nada, ju s to e b o m . (D J, em ibid., 1.389)
Clemente de Alexandria ( 150-c. 215) “O p ró p rio D eu s é a m o r ” (ibid ., 2.1218). P o rta n to , agora nos é claro , do que foi d ito acim a, que a ben eficên cia de D eu s é e tern a, e que, desde u m p rin cip io sem co m e ço , a ju s tiça n a tu ra l a lcan ço u , ig u alm en te, a tod os, de aco rd o c o m o v a lo r de cada raça, n u n ca ten d o tido u m co m e ço . Pois D eu s n ão fez u m co m e ço de ser S e n h o r e B e m , sendo sem p re o qu e E le é. N em Ele jam ais d eixará de fazer o be m , e m b o ra Ele trag a todas as coisas a u m fim . E cada u m de nós é p articip an te da sua be n eficên cia, c o n ta n to que Ele o deseje. Pois a d iferen ça dos eleitos se faz pela in terv en ção de u m a esco lh a m e re ce d o ra da alm a e p o r exercício . (5, 5.14, em ibid., II)
Teójilo (m. 180) T u, e n tã o , m e dirás: “T u, que vês D eu s, m e expliques a ap arência de D eu s”? O uvi, ó h o m e m . A aparência de D eus é inefável e ind escritível, e não pode ser vista p elos olh os carnais. Pois em g lória Ele é in co m p reen sív el, em grandeza, insond ável, em altu ra, in co n ceb ível, em poder, in co m p aráv el, em sabedoria, sem rival, em bondade, in im itável, e m bondade, ind escritível. [...] Pois se eu digo qu e Ele é Luz, eu n o m e io apenas a sua obra; se eu o ch a m o Palavra, eu n o m e io so m en te a sua soberania; se eu o ch a m a r a M en te, eu falo apenas da sua sabedoria; se eu digo que E le é Espírito, eu falo da sua resp iração; se eu o ch a m a r Sabed oria, eu falo da sua descendência; se eu o ch a m a r Força, eu falo da sua in flu ên cia; se eu o ch a m a r Poder, eu estou m en cio n a n d o a sua atividade; se Providência, eu m e n cio n o so m en te a sua bondade; se eu o ch a m o R ein o , eu m en cio n o apenas a sua
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glória; se eu o chamar Senhor, eu menciono que Ele é juiz; se eu o chamar Juiz, eu falo que Ele é justo; se eu o chamar Pai, eu falo que todas as coisas vêm dEle; se eu o chamo Fogo, eu menciono apenas a sua ira,. (TA, 1.4, em ibid., HI) Tertuliano (c. 155-c. 225) “Em prim eiro lugar, conhecem os o próprio Deus pelo ensino da Natureza, cham ando-o Deus dos deuses, tom ando co m o certo que Ele é b o m ” (C, 1.4.6, em Ibid., III). “E com o Deus é bom , Ele assim am a as crianças quanto a ter abençoado as parteiras no Egito, quando elas protegeram as crianças hebréias que estavam em perigo pela ordem de Faraó” (FBAM , 4.23, em ibid.). Orígenes (c. 185-c. 254) “Este Deus justo e bom , o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que Ele m esm o deu a lei e os profetas, e os Evangelhos, sendo tam bém o Deus dos apóstolos e do N ovo e Antigo T estam ento” (DP, prefácio, 4.1, em ibid., IV). Temos de supor que essa Providência que nas Sagradas Escrituras auxiliou na edificação de todas as Igrejas de Cristo, não teve pensamento pelos comprados com preço, por quem Cristo morreu; que, embora seu Filho, Deus que é amor não poupou, mas o entregou por todos nós, para que através dEle, Deus nos desse livremente todas as coisas? (DP, 414, em ibid.)
Os Pais da Igreja Medieval Falaram sobre a Onibenevolência de Deus D urante a Idade Média, os pensadores cristãos uniram fortem ente o am or de Deus co m u m a estru tu ra metafísica forte. Eles o fundam entaram na necessidade, imutabilidade e infinidade de Deus. Agostinho (354-430) Há, conseqüentemente, um bem que só Ele é simples e que, portanto, só Ele é imutável — e este é Deus. Este bem criou todos os bens; mas estes não são simples e, portanto, são mutáveis. Eles foram criados, repito, quer dizer, eles foram feitos e não procriados. Pois, o que é procriado do bom simples é igualmente simples e é o que o Progenitor é. Estes dois chamamos o Pai e o Filho e, junto com o seu Espírito, é um Deus. (CG, 11.10) Do nada exceto de ti não havia de onde tu podias criar estas coisas, ó Deus, Uma Trindade e Unidade Trina; então, do nada tu criaste o céu e a terra — uma coisa grande e uma pequena — , porque tu és Todo-poderoso e Bom para fazer todas as coisas boas, até mesmo o grande céu e a terra pequena. Tu eras, e não havia nada além do que tu criaste céu e terra; duas tais coisas, uma próxima de ti, a outra perto do nada — uma a qual tu és superior, a outra à qual nada deveria ser inferior. (C, 12.7) Anselmo (1033-1109) Novam ente: O que tu és, Senhor Deus, tu de quem nada maior se pode pensar? Mas o que és tu exceto aquele Ser supremo, existindo por ti somente, que fez tudo o mais do nada? Pois
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o que é isto senão que isso do qual pode ser pensado, mas não pode ser pensado em ti. Que bondade, então, poderia faltar ao bem supremo, pelo qual existe todo o bem? Assim, tu és justo, verdadeiro, feliz e tudo que é melhor ser do que não ser — pois é melhor ser justo do que ser injusto, e feliz em vez de infeliz. Que há só um Deus e não vários estabelecemos facilmente, porque ou Deus não é o bem supremo, ou há vários bens supremos, ou há somente um Deus e não vários. E ninguém nega que Deus seja o bem supremo, visto que qualquer coisa ménos que algo não é de nenhuma maneira Deus, e qualquer coisa que não o bem supremo é menos que algo, visto que é menos que o bem supremo. O bem supremo seguramente não permite que haja duplicação de si mesmo, de forma que haja vários bens supremos. Pois se houver vários bens supremos, eles são iguais. Mas o bem supremo é o bem que ultrapassa os outros bens, de forma que não há um igual nem qualquer coisa que o ultrapasse. Portanto, há um e só um bem supremo. Então, há um e só um Deus e não vários deuses, da mesma maneira que há um e só um bem supremo, e há um e só uma substância suprema ou essência ou natureza (que o mesmo argumento como no caso do bem supremo prova que não podemos afirmar de qualquer forma de várias coisas). (ACMW, p. 89, 248) Tomás de Aquino (1225-1274) “E quando se diz: Nada é bom senão só Deus; tem os de entender que se trata da bondade essencial” (ST, la.6.2). Ele não é dirigido a qualquer outra coisa como a um fim, mas Ele mesmo é o fim último de todas as coisas. Por conseguinte, é claro que só Deus tem todo tipo de perfeição pela sua própria essência. Portanto, só Ele é essencialmente bom. (ibid., la.6.3) Deus ama todas as coisas existentes. Pois todas as coisas existentes, enquanto existirem, são boas; como a existência de uma coisa é um bem; e semelhantemente, qualquer perfeição que possua. Agora, mostramos acima [Q. 19, A. 4] que a vontade de Deus é a causa de todas as coisas. Então, temos de concluir que é uma coisa tem existência, ou qualquer tipo de bem, somente enquanto é desejada por Deus. A toda coisa existente, então, Deus deseja algum bem. Por conseguinte, visto que amar qualquer coisa é nada mais que desejar o bem a essa coisa, é claro que Deus ama tudo o que existe, (ibid., la.20.2) Porque o bem é atribuído a Deus já que todas as perfeições desejadas fluem dEle como da causa primeira. Entretanto, elas não fluem dEle como de um agente unívoco, [...] mas como de um agente que não concorda com os seus efeitos nas espécies ou gêneros. [...] Portanto, visto que o bem está primeiramente em Deus, tem de estar nEle de modo mais excelente; e então Ele é chamado o bem supremo, (ibid., la.6.2)
Os Líderes da Reform a Falaram sobre a O nibenevolência de Deus C om a forte ênfase n a provisão da graça de salvação de Deus, os Reform adores enfatizaram veem entem ente o am or de Deus. Isto é evidente no foco na eleição incondicional de Deus e no favor não-m erecido pelos pecadores.
M artinho Lutero (1483-1546) Portanto, Ele nos convida, na Oração do Senhor, a orar por nada mais que o nosso pão diário, de forma que possamos viver e agir em temor e saber que em nenhum momento
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temos certeza da vida ou propriedade, mas podemos esperar e receber tudo das suas mãos. E o que a verdadeira fé faz. De fato, vemos diariamente em muitas das obras de Deus que as coisas têm de acontecer assim, quer nos convenha ou não. (WL, p. 4.20) Deus realmente dá a alguns muitas coisas boas e ricamente as adorna, como Ele fez com Lúcifer no céu. Ele espalha os seus presentes extensivamente entre a multidão; mas Ele não os considera então. As suas coisas boas são presentes que duram não mais que uma estação; mas a sua graça e consideração são a herança que dura para sempre, (ibid., 3.159) E verdade que o Diabo malicioso enganou e seduziu Adão; mas consideremos que, em seguida à Queda, Adão recebeu a promessa da semente da mulher que esmagaria a cabeça da serpente, e abençoaria os povos da terra. Portanto, temos de reconhecer que a bondade e misericórdia do Pai, que enviou o seu Filho para ser o nosso Salvador, são imensuravelmente grandes para o mundo ingovernável e mau. Portanto, deixemos que o seu bem seja aceitável a ti, oh, homem, e não especula com as tuas questões diabólicas, os teus porquês e motivos, tocando as palavras e obras de Deus. Pois Deus, que é o criador de todas as criaturas e ordena todas as coisas de acordo com a sua vontade e sabedoria insondável, não se agrada com tais interrogatórios. ( TT, p. 33) J o ã o Calvino (1509 -1 5 6 4 ) Portanto, para que toda base de ofensa seja removida e Ele nos reconcilie completamente a si, Ele que, por meio da expiação exposta na morte de Cristo, abole todo o mal que está em nós, de forma que nós, outrora impuros e imundos, agora estejamos aos seus olhos justos e santos. Por conseguinte, Deus Pai, pelo seu amor, previne e antecipa a nossa reconciliação em Cristo. Não somente isso, mas é porque Ele nos ama primeiro, que nos reconcilia com Ele. Mas porque a iniqüidade que merece a indignação de Deus permanece em nós até que a morte de Cristo venha nos ajudar, e essa iniqüidade está na sua visão amaldiçoada e condenada, não somos admitidos à comunhão plena e segura com Deus, a menos na medida em que Cristo nos une. ( IC R , 2.16.3) O outro curso que tem relação mais próxima com a fé permanece a ser considerado, a saber, que enquanto observamos como Deus destina todas as coisas para o nosso bem e salvação, ao mesmo tempo sentimos o seu poder e graça, ambos em nós mesmos e nas grandes bênçãos que Ele nos deu, incitando-nos por meio disso a confiar nEle, para invocar, louvar e amar. (ibid., 1.14.22)
Os Teólogos da Pós-Reforma Falaram sobre a Onibenevolência de Deus Jacó Arminio (1560-1609)
A Bondade da Essência de Deus é aquilo de acordo com o qual é, essencialmente em si mesmo, o Supremo e próprio muito Bom; de uma participação na qual todas as outras coisas têm uma existência e são boas; e para qual todas as outras coisas se referirão ao seu fim supremo: Por isto se chama comunicável. ( WJA, 1.442) Amor é um afeto de união em Deus; cujos objetos não só são o próprio Deus e o bem da justiça, mas também a criatura, imitando ou relacionada com Deus de acordo com a semelhança, ou só de acordo com a impressão e a felicidade da criatura. [...] Deus se ama com complacência na perfeição da sua própria natureza, portanto ele se desfruta igualmente. Ele também se ama com o amor de complacência nos efeitos produzidos externamente; ambos em atos e obras que são espécimes e indicações evidentes e infalíveis dessa perfeição.
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A graça é um suplemento certo da Bondade e Amor, pelo que significa que Deus é influenciado a comunicar o seu bem e amar as criaturas, não por mérito ou dívida, não por qualquer causa que impele de fora; nem aquele algo pode ser acrescentado ao próprio Deus, mas que pode estar bem com Ele em quem o bem é dado e que é amado, que também pode receber o nome de “Liberalidade”. De acordo com isso, dizemos que Deus é “rico em Bondade, Misericórdia”, etc. (ibid., p. 456) Stephen Charnock (1628 -1 6 8 0 ) Toda criatura é capaz de uma morte em pecado. “Não há bom, senão um só que é Deus” [Mt 19.17], e não há ninguém naturalmente isento de mudança, exceto Deus, o que exclui toda criatura da mesma prerrogativa; e certamente, se um anjo pecasse, todos poderiam ter pecado, porque havia a mesma raiz de mutabilidade em um como também em outro. E tão impossível para a criatura ser o Criador, quanto para a criatura ter naturalmente uma propriedade incomunicável do Criador. Todas as coisas, quer anjos ou homens, são criaturas, são feitas do nada, e, então, capazes de apostasia; porque a criatura que é feita do nada, não pode ser boa ou essencialmente boa, senão por participação de outro. (EAG, 2.230) A bondade pura e perfeita é prerrogativa exclusiva real de Deus; a bondade é uma perfeição escolhida da natureza divina. Este é o verdadeiro e genuíno caráter de Deus; Ele é bom, Ele é bondade, bom em si mesmo, bom na sua essência, bom no grau mais alto. (ibid., 2.214) Deus é bom em si mesmo e para si mesmo, [...] por meio do que Ele ama a si mesmo e a sua própria excelência; mas no que diz respeito às suas criaturas, é aquela perfeição de Deus por meio da qual Ele se agrada nas suas obras e é beneficiado nelas. Deus é a bondade mais alta, porque Ele não age em proveito próprio, mas pelo bem-estar das suas criaturas, e a manifestação da sua própria bondade, (ibid., 2.219) Deus lhe deu uma lei, tirada das profundidades da sua natureza santa e adequada às faculdades originais do homem. As regras que Deus fixou no mundo não são as resoluções da pura vontade, mas o resultado particularmente da bondade da sua natureza; elas são nada mais que as cópias da sua abominação infinita ao pecado, como Ele é o governador imaculado do mundo, (ibid., 2.128) Só Deus é originalmente bom, bom em si mesmo. Toda bondade criada é um regato desta fonte, mas a bondade divina não tem fonte. Deus não depende de outro para a sua bondade. Ele próprio a tem em si mesmo e de si mesmo: o homem não tem bondade, Deus não tem bondade que não seja fora de si mesmo: a sua bondade não é derivada de outro mais do que o seu ser. Se fôssemos bons por qualquer coisa externa, essa coisa teria de ser antes dEle ou depois dEle. Se fosse antes dEle, Ele não seria desde a eternidade. Se fosse depois dEle, Ele não seria bom em si mesmo desde a eternidade, (ibid., 2.210-11) R. L. Dabney (18 20 -1 8 9 8 ) “A terra está cheia da bondade do Senhor” [SI 33.5]. Eu só objetivo classificar as evidências que Deus é benevolente. E [primeiro], em geral: visto que Deus é a Causa original de todas as coisas, toda a felicidade entre as suas obras é ora sua; e então prova a sua benevolência. [Segundo], mais definitivamente: a natureza de todas as ordens dos seres sensíveis, se não violada, é edificada, na maior parte, para garantir o seu bem-estar apropriado. Por exemplo, os insetos, os peixes, os pássaros, os bois, os homens. [Terceiro], muitas coisas
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acontecem na providência especial de Deus que mostram que é benevolente; como fornecer remédios, etc., para dor, einterposições especiais em tempos de perigo. [Quarto], Deus pode, compativelmente com a justiça, satisfazer-se em adaptar a natureza externa aos sentidos do homem quanto a fazê-la ministrar ao seu ser e inteligência, e, desta forma, garantir o verdadeiro fim da existência dela, sem, fazendo assim, torná-la agradável aos seus sentidos. Nossa comida e bebida nos alimentam, nossos sentidos da visão e audição nos informam, sem tornar para nós os alimentos doces, a luz bonita e os sons melodiosos. [...] Tal, em uma palavra, é a bondade de Deus que Ele vira para o lado para espalhar o prazer incidental. Quanto mais não-essenciais estes são ao seu fim principal, mais forte é o argumento. [Quinto], Deus fez todas as emoções beneficentes: o amor, a compaixão, a benevolência, o prazer nos seus exercícios; e todas as emoções malévolas, como o ressentimento, a inveja, a vingança, dolorosas aos seus sujeitos; ensinando-nos assim que Ele nos teria feito propagar a felicidade e diminuir a dor. [Sexto e] último: A consciência que é o imperativo de Deus nos ordena a benevolência como um dever, sempre que seja compatível com os outros. A benevolência é a vontade de Deus; e indubitavelmente aquele que deseja que sejamos assim, é Ele próprio benevolente. (LST, p. 52) Francis Turretin (1623-1687) A bondade de Deus é aquilo pelo qual concebemos que Ele é não só absolutamente e em si mesmo como supremamente bom e perfeito (por assim dizer) e o único bem (autoagathon, Marcos 10.18), porque Ele é assim originalmente, perfeitamente e imutavelmente; mas também relativamente e extrinsecamente beneficente para as criaturas (que se chama benignidade), porque é da razão do bem sei^ comunicativo Üe s^mesíno. I Embora a bondade de Deus se estenda a, todas as criaturas, ainda que não igualmente ( exibe a maior diversidade na comunicação dò bem. Ppr conseguinte, um é geral (pela qual Ele deriva todas as criaturas, SI 36.6,7); outía especial (que tem respeito a homens, At 14.17) e outro mais especial (relativo aos eleitos e referido no Salmo 73.1: “Verdadeiramente, bom é Deus para com Israel”). Se você buscar as causas desta diversidade, várias podem ser nomeadas além da vontade divina: (1) Era conforme o seu domínio supremo mostrar o poder mais livre espalhando os seus presentes (que nesta desigualdade é da maneira mais sublime). (2) A sabedoria de Deus exigiu que certa ordem existisse nas coisas (que vemos na conexão das coisas superiores e coisas inferiores). (3) Levou à beleza do universo (que as criaturas diferentes em forma, ações e qualidades tornam-se perfeitas). (4) Dispôs uma demonstração melhor da fonte inesgotável da bondade divina, visto que uma criatura não pode receber a comunicação plena do bem (assim lhe deve ser dada a mais). (IET, 1.241) William G. T. Shedd (1820-1894) A Bondade de Deus é a essência divina vista como a energizar benignamente e amavelmente a criatura. E um atributo emanante ou transitivo que flui da natureza divina, e aponta para promover o bem-estar e felicidade do universo. Não é pelo atributo que Deus é bom; mas pelo qual Ele faz o bem. Como bom em si mesmo, Deus é santo; como mostrando bondade aos outros, Ele é bom ou amável. (DT, p. 385) Em Lucas 18.19, a referência é à benevolência e não à santidade: “Ninguém há bom, senão um, que é Deus”, (ibid., p. 377)
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J . I. Packer [A] afirmação joanina de que Deus é amor [nos fala], em outras palavras, [que] o amor que Ele mostra às pessoas, o qual os cristãos conhecem e no qual se alegram, é a revelação de seu próprio ser interior. (KG, p. 119) Mede-se o amor calculando quanto ele oferece, e a medida do amor divino é a dádiva de seu único Filho para ser feito homem e morrer pelos pecados, e assim tornar-se o único mediador que nos pode levar a Deus. Os escritores do Novo Testamento apontam constantemente a cruz de Cristo como prova cabal da realidade do ilimitado amor divino, (ibid., p. 125) O amor de Deus é um exercício de sua bondade para com os pecadores. Desta forma, o amor encerra a natureza da graça e misericórdia. É emanação divina na forma de bondade, não apenas imerecida, como contrária a qualquer merecimento, pois os objetos do amor de Deus são criaturas racionais transgressoras da lei, cuja natureza é corrupta aos olhos dEle, e merecedoras apenas de condenação e expulsão final da sua presença (ibid., p. 123).
OBJEÇÕES À ONIBENEVOLÊNCIA DE DEUS O bjeção Um: Baseada na Idéia de que o Amor Necessário É C ontraditório O am or é u m ato livre, fluindo do livre-arbítrio do indivíduo. Não podem os ser forçados a am ar; o am or forçado é contraditório. Neste caso, o a m o r não pode fluir da essência de Deus, visto que a essência de Deus é necessária. Por conseguinte, o am or não pode ser da essência de Deus: Se fosse, então Deus seria forçado a am ar, o que é contraditório. Em outras palavras, Deus am a porque Ele quer am ar, não porque Ele tem de amar. Portanto, am or e necessidade são incompatíveis.
Resposta à O bjeção Um A m o r e necessidade não são contraditórios, m as a m o r e compulsão são. E da n atu reza de Deus am ar, e visto que a n atu reza de Deus é necessária, é necessário que Deus ame. A lém disso, visto que o a m o r é u m ato livre, é necessário que Deus am e livrem ente. P ortan to , não é con trad itório que o a m o r seja necessário e livre: Significa que Deus, p or n atu reza, tem de am ar. A sua vontade está de acord o co m a sua n atu reza; por conseguinte, o seu am o r livrem ente escolhido é con form e a sua n atu reza necessária e im utável. Por exem plo, visto que Deus é essencialm ente Deus, Ele não pode am ar o m al. Sem elh an tem en te, Ele não é livre para não ser am oroso. Deus só é livre dentro dos limites da sua n atu reza. C onsiderando que Deus é justo, Ele não pode am ar a injustiça ou am ar de m od o injusto. E da essência de Deus que Ele am e, mas tam bém é da sua essência que Ele am a livrem ente. Nada força Deus a ser am oroso; isso lhe vem n atu ralm en te.
O bjeção Dois: Baseada no Amor Exclusivo de Deus pelos Eleitos2 Os ultracalvinistas, que negam a expiação universal, reivindicam que Deus não am a todas as pessoas de m od o salvador, insistindo que Jesus só m o rreu pelos eleitos. Se é assim, então Deus não seria onibenevolente. Algum as das passagens que eles citam são as seguintes: “C om o tam bém nos elegeu nele antes da fundação do m u n d o ” (E f 1.4,
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grifos m eus); “Porque prim eiram ente vos entreguei o que tam bém recebi: que Cristo m o rreu por nossos pecados, segundo as Escrituras” (1 Co 15.3, grifos m eus); “E dou a m inha vida pelas [minhas] ovelhas” (Jo 10.15, inserção e grifos m eus); “Vós, maridos, amai vossa m ulher, como também Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela” (Ef 5.25, grifos m eus); “Nele, digo, em quem tam bém [nós, os crentes,] fom os feitos h erança” (E f 1.11, inserção e grifos m eus). A m o rte de Cristo é sem pre para os que alegadamente crêem ou crerão (cf. Jo 20.29) nEle (cf. G 1 1.3,4; T t 2.14; 1 Pe 3.18).
Resposta à Objeção Dois O fato que algumas passagens m encionam só os crentes co m o o objeto da m o rte de Cristo não prova que a expiação é limitada, por várias razões (ver Volume 3). Primeiro, quando a Bíblia usa term os co m o “nós”, “nosso” ou “nos” acerca da expiação, só está falando a respeito daqueles a quem foi aplicada, e não a todos a quem foi provida. Fazer isso não lim ita a expiação em sua possível aplicação para tod a a hum anidade; só fala de alguns co m quem j á foi aplicada. Segundo, o fato de Jesus am ar a sua Noiva e ter m orrido por ela (Ef 5.25) não significa que Deus não am a o m undo inteiro e deseja que todos façam parte da sua noiva, a Igreja. Realm ente, com o os versículos mais adiante m ostrarão, “Deus am ou o m undo de tal m aneira que deu o seu Filho unigênito” (Jo 3.16). Terceiro, este raciocínio despreza o fato de que há muitas passagens que declaram que Jesus m o rreu p or mais do que os eleitos (Jo 3.16; R m 5.6; 2 Co 5.19; Hb 2.9; 1 Jo 2.2). Quarto, em n en h u m a parte do Novo Testam ento diz que “Jesus m o rreu som ente pelos eleitos”, em bora todas estas palavras façam parte do vocabulário co m u m dos escritores do N ovo Testam ento. Quinto e últim o, num erosas vezes o N ovo Testam ento proclam a em tantas palavras que “Deus am ou o m u n d o ” (Jo 3.16); que “u m [Jesus] m o rreu p o r todos” (2 Co 5.14); que Jesus veio “para que [...] provasse a m o rte p o r todos” (Hb 2.9); que Deus “quer que todos os hom ens se salvem ” (1 T m 2.4); que Jesus Cristo “se deu a si m esm o em preço de redenção p or todos” (1 T m 2.6); que Jesus “é a propiciação pelos nossos pecados e não som ente pelos nossos, mas tam bém pelos de todo o m u n d o” (1 Jo 2.2); que “tam bém houve entre o povo falsos profetas, [...] que [...] negarão o Senhor que os resgatou” (2 Pe 2.1); que o Senhor “é longânim o para convosco, não querendo que alguns se percam , senão que todos venham a arrepender-se” (2 Pe 3.9).
Objeção Três: Baseada em Deus Amar Jacó e Aborrecer Esaú De acordo co m Rom anos 9, Deus am ou Jacó e aborreceu Esaú (v. 13). Ele tem misericórdia de alguns, mas não de outros (v. 15). Ele destina alguns para a perdição e outros não (v. 22). Ele endurece o coração de alguns na incredulidade, m as não de outros (v. 18). Disto se conclui obviamente que Deus não é onibenevolente quando se trata da salvação.
Resposta à Objeção Três E m resposta, ressaltemos que esta não é a interpretação co rreta destes textos, por várias razões. Primeiro, esta passagem não está falando sobre eleger indivíduos, mas nações. “Esaú” é a nação de Edom , que veio dele (cf. Ml 1.2,3), e “Jacó” é a nação de Israel, que veio dele (cf. R m 9.13).
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Segundo, a eleição da nação era tem poral, não eterna; quer dizer, Israel foi escolhido com o u m canal nacional pelo qual a bênção eterna da salvação por Cristo viria para todos os povos (cf. Gn 12.1-3; R m 9.4,5). N em todo indivíduo em Israel foi eleito para ser salvo (R m 9.6). Terceiro, “aborrecer” significa am ar m enos; não significa não am ar ou não desejar o bem da pessoa. Isto está claro em Gênesis 29.30. A frase: “A m ou tam bém a Raquel mais do que a Léia”, é usada co m o equivalente de “Léia era odiada” (cf. tam bém M t 10.37). Quarto, Faraó endureceu o próprio coração con tra Deus (cf. Êx 7.13,14; 8.15,19,32) antes que Deus o endurecesse (E x 9.12). O propósito das pragas do Egito era fazer com que Faraó se arrependesse. Considerando que ele recusou, o resultado foi que o seu coração foi endurecido. C om o vimos, o m esm o sol que derrete a cera endurece o barro. O problem a não está co m o sol, mas co m a receptividade do agente sobre o qual o sol está agindo. Quinto, os “vasos da ira” em Rom anos 9.22 não foram destinados para a perdição contra a vontade deles. Na verdade, eles eram tais vasos porque rejeitaram Deus enquanto Ele “suportou com m uita paciência” esperando que eles se arrependessem (cf. 2 Pe 3.9). Sexto e últim o, tirar esta passagem do con texto e usá-la para apoiar o am or limitado é ir con tra as num erosas afirmações claras do am or salvador universal de Deus por todos (ver Volume 3).
O bjeção Quatro: Baseada na N oção de que a O nibenevolência leva ao Universalismo Se Deus am a todas as pessoas e deseja que todas sejam salvas, então por que todas as pessoas não são salvas? Ele é onipotente, e u m Ser Todo-poderoso pode fazer tudo o que quiser fazer, não pode? Além disso, Deus é soberano e está no controle de todas as coisas (ver capítulo 23): a sua vontade não pode ser contrariada, e Ele tam bém realiza tudo que tem a intenção de fazer (Is 55.11). Mas se Ele pode realizar tudo o que deseja e se Ele deseja salvar todos, então não se conclui que todos serão salvos (universalismo)?
Resposta à O bjeção Quatro A vontade última de Deus sem pre é realizada, mas a sua vontade imediata não. Deus deseja algumas coisas condicionalm ente e outras incondicionalm ente. A salvação é um a dessas coisas que são desejadas na condição de nosso livre-arbítrio (Jo 1.12; M t 23.37). Deus não deseja que ninguém pereça, mas que todos se arrependam (2 Pe 3.9). Mas nem todos se arrependerão; por conseguinte, nem todos serão salvos. Jesus chorou: “Jerusalém, Jerusalém, que m atas os profetas e apedrejas os que te são enviados! Quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, com o a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e tu não quiseste!” (M t 23.37, grifos meus). Deus é Todo-poderoso, m as Ele não pode fazer toda e qualquer coisa: Ele não pode fazer o que é contraditório, e não pode ir co n tra a sua própria natureza. Por exem plo, “é impossível que Deus m inta” (Ffb 6.18), e Ele “não pode negar-se a si m esm o ” (2 T m 2.13). U m a vez mais, Deus não pode forçar alguém a am á-lo livrem ente. Portanto, ainda que Deus seja Todo-poderoso, Ele tem de exercer o seu poder se conform idade co m o seu am or, e o seu am or não pode forçar alguém a am á-lo.
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Objeção Cinco: Baseada em Deus Ter Poder que Ele não Usa Os ultracalvinistas objetam que Deus não tem de exercer a m o r para co m todos só porque Ele é Todo-am oroso, e não mais tem de exercer o seu poder para co m todos só porque Ele é onipotente. Quer dizer, Deus pode ter mais am or do que Ele usa, da m esm a m aneira que Ele tem mais poder do que Ele usa. Portanto, Deus não tem de am ar todos só porque Ele é Todo-am oroso.
Resposta à Objeção Cinco Em prim eiro lugar, a m o r é u m atributo moral de Deus, e poder é u m atributo absoluto. E u m erro de categoria confundi-los. Deus age con form e sua n atu reza e atributos; nos atributos m orais, p o r exem plo, Deus age em conform idade a agir de ce rto m od o porque eles são atributos m orais, ao passo que os atributos metafísicos não. Além disso, é inconsistente argu m en tar, co m o fazem os ultracalvinistas, que Deus sem pre tem de agir ju stam ente, porque Ele é T odo-ju sto, m as que Ele n em sem pre tem de agir am orosam en te, porque Ele é T odo-am oroso. Se este fosse o caso, então a justiça de Deus não o obrigaria a con den ar todo pecado — mas o obriga. P ortan to, o seu a m or o prende a am ar todos os pecadores tam bém . O am o r é tão igualm ente essencial a Deus quanto a justiça. Deus é u m Ser simples, necessário e infinito. Por conseguinte, todo atributo que Ele tenha, Ele tem de te r in teiram ente, necessariam ente e infinitam ente. P o rtan to , Deus não pode ser T odo-am oroso a m enos que Ele m o stre a m o r a todos, da m esm a fo rm a que Ele não pode ser T odo-ju sto a m enos que m o stre justiça a todos. Em sum a, se Deus for verdade absoluta, Ele tem de dizer a verdade a todos. Se Deus for to d o -ju sto , Ele tem de ser justo co m todos. E se Ele for tod oam oroso, Ele tem de ser am oroso co m todos.
Objeção Seis: Baseada no que os Pecadores Merecem E m virtude de serm os pecadores, recebem os o que m erecem os — justiça. Mas graça é receber o que não m erecem os. Por conseguinte, não há nada no pecador pelo qual ele m ereça a graça de Deus.
Resposta à Objeção Seis Som os salvos pela graça de Deus, m as a graça não é m erecida pelo pecador. A justiça dem anda que o pecado seja condenado. Não há nada nos pecadores que provoque Deus a salvar; a justiça tem de condená-los. Todavia há algo em Deus que o incita a salvar os pecadores, isto é, o seu am or. Considerando que Deus é por natureza T odo-am oroso, Ele tem de ten tar salvá-los. Portanto, Deus não tem de m ostrar am or, porque o m erecem os (pois, na verdade, não m erecem os), m as porque a sua natureza o exige. O am or não é u m atributo arbitrário de Deus; está arraigado n a sua natu reza necessária.
Objeção Sete: Baseada na Presença do Mal Esta objeção declara que se Deus fosse Todo-poderoso e Todo-am oroso, não haveria o m al. Mas o m al existe; p o r conseguinte, se Deus for Todo-poderoso, então Ele não pode ser Todo-am oroso. Deus é Todo-poderoso (ver capítulo 7); p ortan to, Deus não pode ser T odo-am oroso, pois u m Deus Todo-poderoso pode derrotar o m al e u m Deus Todo-
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am oroso derrotaria o mal. O m al não é derrotado. Conclui-se, então, que se Deus é Todopoderoso Ele não pode ser Todo-am oroso (ver Volume 3, capítulo 6).
Resposta à O bjeção Sete A conclusão acim a não procede, porque presum e erroneam ente que visto que o m al ainda não fo i derrotado nunca será derrotado. Afirm ar que o m al nunca será derrotado presum iria onisciência, que só Deus tem . De fato, visto que já foi m ostrado que a Bíblia é a Palavra de Deus (ver Volum e 1, parte 2), tem os a base para afirmar que o m al u m dia será derrotado (ver Ap 20— 22). Considerando que Deus é onisciente (ver capítulo 8) e onipotente, sabemos que o m al será derrotado, porque u m Deus Todo-conhecedor conhece o fim desde o princípio, e u m Deus T odo-bom garantirá que seja u m fim bom (n o qual o m al será derrotado), e u m Deus Todo-poderoso pode conseguir o que Ele sabe que sucederá. Portanto, o m al será derrotado u m dia, isto é, quando Deus pela sua presciência predeterm inada decidiu que será derrotado.
CONCLUSÃO Deus não só é com pletam ente verdadeiro, mas Ele é absolutam ente bom. Ele não só tem integridade perfeita, mas tem caridade (am o r) perfeita. Em sum a, Ele é Todoverdadeiro e T odo-am oroso. E impossível Ele m entir (Hb 6.18), e Ele é am or por sua própria n atureza (1 Jo 4.16). C om o tais, estes atributos fornecem confiança total nos pronunciam entos e promessas divinas. A sua obra não pode ser interrom pida ou extinguida (Jo 10.35; M t 5.17,18). Sem elhantem ente, podem os confiar que o seu am or nunca nos falhará (R m 8.35-39). Já que Deus possui verdade e am or em sentido absoluto, Ele pode com unicá-los a nós em grau limitado. Por conseguinte, estes atributos m orais são cham ados características comunicáveis de Deus.
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CAPÍTULO
DEZESSEIS
A MISERICÓRDIA E A IRA DE DEUS
O
u tro par de características morais de Deus é a misericórdia e a ira. Certos estudiosos crêem erroneam ente que estes atributos são incompatíveis, mas, na realidade, form am u m a unidade dentro do caráter de Deus. Todavia há u m a questão legítima levantada quanto à misericórdia e ira: Será que são atributos de Deus ou atividades que fluem de outros atributos? M esm o que sejam atos e não atributos, há atributos firm em ente arraigados (co m o a bondade e a justiça) dos quais estas ações procedem .
A MISERICÓRDIA DE DEUS Independente de a misericórdia ser u m atributo ou u m a atividade de Deus, ela está entranhavelm ente fundam entada na sua natureza im utável. C om o tal, revela algo extrem am en te im portante sobre o caráter de Deus.
A DEFINIÇÃO DE MISERICÓRDIA EM GERAL Há várias palavras hebraicas que são associadas co m a misericórdia de Deus. A palavra kapporeth (derivada de kopher) significa “resgate”, “propiciatório” ou “assento da misericórdia”, onde era oferecido o sangue da expiação a Deus. A palavra racham significa “am ar”, “ter com paixão” ou “m ostrar misericórdia”. A palavra chesed quer dizer “bondade”, “benignidade”, “m isericórdia”, “tern u ra” ou “bondade carinhosa”. Nas páginas do Novo Testamento, há palavras gregas associadas co m misericórdia. A palavra eleemon (derivada de eleeo) significa “m ostrar misericórdia”, “com padecer”, “ter com paixão” ou “ser misericordioso”. A palavra eleemon descreve um a atitude misericordiosa e simpatizante em referência aos seres hum anos (M t 5.7) com o tam bém a Jesus (Hb 2.17). A palavra eleos é empregada acerca de u m ser hum ano para co m o outro (M t 9.13; 12.7; Lc 10.37) com o tam bém de Deus em relação aos seres hum anos (Lc 1.50,58; G1 6.16; Rm 15.9; T t 3.5; Rm 9.23; 11.31; Jd 2). A palavra oiktirmos transm ite a idéia de “com paixão” ou “misericórdia”, quer referindo-se a Deus (T g 5.11) ou às pessoas (Lc 6.36). A palavra misericórdia é usada pelos seres hum anos em alusão a salvar u m a vida (Gn 19.19); prosperar u m a viagem (G n 24.27); libertar da prisão (G n 39.21); não destruir vidas (Jd 20); receber o favor do rei (Ed 7.28; 9.9); e em resposta à oração para receber o favor de outra pessoa (Ne 1.11). Claro que, co m o verem os, a misericórdia de Deus é tudo isto e m uito mais (cf. Jó 37.13; SI 4.1).
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A BASE BÍBLICA PARA A M ISERICÓRDIA D E DEUS Várias características estão associadas co m a misericórdia de Deus: E infalível, im utável, perpétua e manifesta-se em grande com paixão.
A Misericórdia de Deus Está arraigada na sua Bondade e Amor “C o m o teu am or conduzes o povo que resgataste” (E x 15.13, NVI). “[Deus] guarda a misericórdia em mil gerações, que perdoa a iniqüidade, a transgressão e o pecado, ainda que não inocenta o culpado” (Ex 34.7, ARA). “O Senhor é longânim o e grande em misericórdia, que perdoa a iniqüidade e a transgressão, ainda que não inocenta o culpado. [...] Perdoa, pois, a iniqüidade deste povo, segundo a grandeza da tua misericórdia e com o tam bém tens perdoado a este povo desde a terra do Egito até aqui” (N m 14.18,19, ARA). “Rendei graças ao Senhor, porque ele é bom ; porque a sua misericórdia dura para sem pre” (1 C r 16.34, ARA). “E quando levantaram eles a voz co m trom betas, címbalos e outros instrum entos músicos para louvarem o Senhor, porque ele é bom , porque a sua misericórdia dura para sem pre” (2 C r 5.13, ARA). “Todos os filhos de Israel, vendo descer o fogo e a glória do Senhor sobre a casa, se en curvaram co m o rosto em terra sobre o pavim ento, e adoraram , e louvaram o Senhor, porque é bom , porque a sua misericórdia dura para sem pre” (2 C r 7.3, ARA). “C antavam alternadam ente, louvando e rendendo graças ao Senhor, co m estas palavras: Ele é bom , porque a sua misericórdia dura para sem pre sobre Israel. E todo o povo jubilou co m altas vozes, louvando ao S enh or” (Ed 3.11, ARA).
A Misericórdia de Deus É Grande “Eis que, agora, o teu servo tem achado graça aos teus olhos, e engrandeceste a tua m isericórdia que a m im m e fizeste, p ara guardar a m in h a alm a em vida” (G n 19.19). “Segundo a grandeza da tu a benignidade e co m o tam bém perdoaste a este povo desde a te rra do Egito até aqui” (N m 14.19). “E disse Salom ão: De grande beneficência usaste tu co m teu servo Davi, m eu pai, co m o tam bém ele andou contigo em verdade, e em justiça, e em retidão de co ração , perante a tu a face” (1 Rs 3.6). “Tam bém nisto, Deus m eu , lem b ra-te de m im ; e p erd oa-m e segundo a abundância da tu a m isericórdia” (N e 13.22, A R A ). “E Salom ão disse a Deus: Tu usaste de grande beneficência com Davi, m eu pai, e a m im m e fizeste rei em seu lu gar” (2 C r 1.8). “Tam bém disse aos levitas que se purificassem e viessem guardar as portas, p ara santificar o sábado. (Nisso tam bém , Deus m eu , lem bra-te de m im ; e p erd oa-m e segundo a abundância da tua benignidade.)” (N e 13.22).
A Misericórdia de Deus É Perpétua Deus é fiel p ara sem pre na sua aliança e m isericórdia. “Saberás, pois, que o Senhor, teu Deus, é Deus, o Deus fiel, que guarda o co n certo e a m isericórdia até m il gerações aos que o am am e guardam os seus m an d am en to s” (D t 7.9). “Mas a m in h a m isericórdia se não ap artará dele, co m o a retirei de Saul, a quem tirei de diante de ti” (2 Sm 7.15, A R A ). “Ele é a to rre das salvações do seu rei e usa de benignidade co m o seu ungido, co m Davi e co m a sua sem ente, para sem p re” (2 Sm 22.51). “Rendei graças ao Senhor, porque ele é bom ; porque a sua m isericórdia d u ra p ara sem p re” (1 C r 16.34, A R A ). “E co m eles deixou a H em ã, a Jed u tu m e os mais escolhidos, que foram n om in alm ente
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designados para lou v arem o S en h o r, porqu e a sua m isericórdia dura para sem p re” (1 Cr 16.41, A R A ). “E quando lev an taram eles a voz [...] para lou v arem o S e n h o r, porque ele é b om , porqu e a sua m isericórdia dura para sem pre, en tão, suced eu que a casa, a saber, a Casa do S en h o r, se en ch eu de u m a n u v e m ” (2 C r 5.13, A R A ). “Os sacerdotes estavam nos seus devidos lugares, co m o tam b ém os levitas co m os in stru m en to s m úsicos do S en h o r, que o rei Davi tin h a feito para deles se u tilizar nas ações de graças ao Sen h or, porqu e a sua m isericórdia dura para sem p re” (2 C r 7.6, A R A ). “A co n selh ou -se com o povo e ord enou can tores para o S en h o r, que, vestidos de o rn a m en to s sagrados e m arch an d o à fre n te do exército, louvassem a D eus, dizendo: R endei graças ao S en h or, porqu e a sua m isericórdia dura para sem p re” (2 Cr 20.21, A R A ). “Q u em , ó D eus, é sem elh an te a ti, que perdoas a iniqüidade e te esqueces da transgressão do restante da tua herança? O S e n h o r não re té m a sua ira para sem pre, porque te m prazer na m isericórd ia” (M q 7.18, A RA ). A M ise ricó rd ia de D e u s E Fiel “Tu, co m a tu a beneficên cia, guiaste este povo, que salvaste; co m a tua fo rça o levaste à habitação da tua santidade” (Êx 15.13). “Saberás, p o rta n to , que o S e n h o r teu D eus é D eus, o D eus fiel, que guarda a aliança e a m isericórdia, até m il gerações aos que o am am e guardam os seus m a n d a m en to s” (D t 7.9, A EC ). “B en d ito seja o S en h or, o D eus do m eu sen h o r A braão, que n ão retirou sua bondade e sua fidelidade do m eu s e n h o r” (G n 24.27, N V I). “E contig o sejam m isericórdia e fidelidade” (2 S m 15.20, A R A ). “Será, pois, que, se, ouvindo estes juízos, os guardares e cu m p rires, o S en h or, teu D eus, te guardará a aliança e a m isericórdia p ro m etid a sob ju ra m e n to a teus pais” (D t 7.12, A R A ). “O S en h o r, D eus de Israel, não há D eus co m o tu , em cim a nos céus n e m em baixo na terra, co m o tu que guardas a aliança e a m isericórdia a teus servos que de todo o coração andam diante de ti” (1 Reis 8.23, A R A ). “Eu lh e serei p o r pai, e ele m e será p o r filho; a m in h a m isericórdia não apartarei dele, co m o a retirei daquele que foi antes de ti” (1 C r 17.13, A R A ). “E disse: ah! S en h o r, D eus dos céus, D eus grande e tem ível, que guardas a aliança e a m isericórdia para co m aqueles que te am am e guardam os teus m a n d a m e n to s!” (Ne 1.5, A R A ). “A gora, pois, ó D eus nosso, ó Deus grande, poderoso e tem ível, que guardas a aliança e a m isericórdia, não m enosprezes to d a a aflição que nos sobreveio” (Ne 9.32, A RA ). A M isericórd ia de D eu s F E ssen cial A m isericórdia de Deus é essencial, porque é etern a (2 Sm 22.51), infalível (Ex 15.13), incondicional (D t 7.9 ),1 flui da sua bondade im utável (D t 7.9; N m 14.18,19), não precisa ser provocada com o a ira (D t 9.7,8), mas vem n atu ralm en te (Jr 44.8), está associada com a sua fidelidade (G n 24.27; cf. 2 T m 2.13), é exercida em todos que a desej arem , não só em alguns (Jo 6.37) e, co m o os outros atributos m orais, está arraigada na natu reza im utável de Deus (por exem plo, a verdade [cf. Hb 6.18], a ju stiça e a perfeição). Estas propriedades são da natu reza divina, não de um a vontade arbitrária. De fato, disse o Sen h or: “Não fiz sem razão tudo quanto ten h o feito” (Ez 14.23). A M isericó rd ia de D eu s E In falível “Levaste em teu am or este povo que redim iste, e o guiaste co m poder para a m orada que consagraste!” (Ex 15.13, BJ).
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A Misericórdia de Deus É Longânima “O Senhor é longânim o e grande em beneficência, que perdoa a iniqüidade e a transgressão, que o culpado não tem por inocente e visita a iniqüidade dos pais sobre os filhos até à terceira e quarta geração” (N m 14.18).
A Misericórdia de Deus É Recebida pelos que se Arrependem “Segundo a tua grande fidelidade, perdoa a iniqüidade deste povo, co m o a este povo tens perdoado desde que saíram do Egito até agora” (N m 14.19, NVI). “Tam bém nada se pegará à tua m ão do anátem a, para que o Senhor se aparte do ardor da sua ira, e te faça misericórdia, e ten h a piedade de ti, e te multiplique, co m o jurou a teus pais” (D t 13.17).
A Misericórdia de Deus se manifestava no Propiciatório (Assento da Misericórdia) A m isericórdia de Deus se manifestava no propiciatório no Tem plo para o perdão de pecados (cf. Êx 25.1,18-22; 26.34; 30.6; 31.7; 35.12; 37.6-9; 39.35; 40.20; Lv 16.2,13-15; N m 7.89; 1 C r 28.11). A m o rte expiatória de Jesus liberou a m isericórdia para toda a hum anidade (1 Jo 2.2).
A BASE TEOLÓGICA PARA A MISERICÓRDIA DE DEUS A misericórdia flui do atributo da bondade (ou a m o r) de Deus conform e está fundam entado na sua infinidade e imutabilidade. Considerando que Deus é ilimitado e im utável, e visto que Ele é bom , Ele tem de ser infinitamente e im utavelm ente bom . Considerando que a misericórdia flui da bondade de Deus, e visto que Deus é infinito, conclui-se que Ele é infinitamente e im utavelm ente misericordioso. É da sua natureza m ostrar misericórdia; Ele não pode não ser misericordioso. Já que Deus é u m Ser necessário, Ele tem de ser necessariam ente misericordioso. Se Ele não fosse misericordioso, não seria essencialmente bom ou am oroso. Deus não é arbitrariamente misericordioso (ver mais adiante a Objeção U m ).
A BASE HISTÓRICA PARA A MISERICÓRDIA DE DEUS N a história da Igreja, os atributos gêmeos da misericórdia e ira en contraram um lugar variado, m as ininterrupto.
Os Primeiros Pais da Igreja Falaram sobre a Misericórdia de Deus Clemente de Roma “Sejamos amáveis uns aos outros segundo o padrão da tern a misericórdia e benignidade de nosso C riador” (ECC, 14, em Roberts and Donaldson, ANF, I). Portanto, rendamos obediência à sua excelente e gloriosa vontade; e implorando a sua misericórdia e bondade, enquanto abandonamos todos os labores infrutíferos, brigas e inveja que nos levem à morte. Afastemo-nos disso e voltemo-nos ao recurso das suas compaixões. (ECC, p. 9, em ibid.)
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Justino M ártir (c. 100-c. 165) Desde o p rin cípio n ão ou vim os, n e m nossos olh o s viram u m D eu s além de ti: e tuas obras, a m isericórd ia que tu m o stras aos que se arrep en d em . Ele e n co n tra rá os que fazem ju stiça , e eles se lem b rarão dos teus cam in h o s. (D J, p. 25, em ibid.)
Irineu (c. 125-c. 202) É re a lm e n te pró p rio a D eu s e adequado ao seu cará ter m o stra r m isericórd ia e co m p aixão , e tra z e r salvação às suas criatu ras, em b o ra elas esteja m sob o perigo da perdição. “E ele é ”, diz a Bíblia, “a p ro p iciação ” [1 Jo 2.2], (A H , 5.36.10, em ibid.)
Clemente de Alexandria (150-c. 215) Mas D eus sendo po r n atu reza rico em piedade, p o r causa da sua bondade, cuida de nós, em b o ra n ão [sejamos] porções dEle m esm o n em p o r n atu reza seus filhos. E esta é a m aior prova da bondade de Deus: que sendo esta a nossa relação co m Ele e, estando, p o r natu reza, co m p leta m en te afastado, m esm o assim Ele cuida de nós. Pois é n atu ral os anim ais sen tirem afeto pela sua progènie, e a am izade en tre pessoas de opiniões sem elhan tes é o resultado de intim idade. Mas a m isericórdia de D eus é rica para nós, que sob n e n h u m aspecto tem os relação co m Ele; e digo qu er em nossa essência ou natu reza, ou n a energia pecu liar de nossa essência, m as só em nosso ser o trabalh o da sua vontade. (5, 2.16, em ibid., II)
Tertuliano (c. 155-c. 225) A té aqui, a ju s tiça é a p ró p ria p len itu d e da p ró p ria deidade, m an ifestan d o D eu s c o m o u m pai p erfeito e u m m e stre p erfeito: u m pai n a sua m isericórd ia, u m m estre n a sua disciplina; u m pai n a m ansid ão do seu poder, u m m estre em sua severidade; u m pai que deve ser am ad o co m afeto obediente, u m m estre que deve ser tem id o ; ser am ado, p o rqu e E le p refere a m isericórd ia ao sacrifício; ser tem id o , p o rq u e Ele rep u g n a o pecad o; ser am ado, p o rqu e Ele p refere o a rrep en d im en to do p ecad or à sua m o rte ; ser tem id o, p o rqu e E le rep u g n a os pecad ores que n ão se arrep en d em . Por co n seg u in te, a lei divina im p õ e deveres em relação a estes dois atribu to s: “A m arás, pois, o S e n h o r, teu D eu s” [Dt 6.5], e: “Terás te m o r do teu D eu s” [Lv 19.14]. Propôs u m para os obedien tes, e o o u tro para os transgressores. (FBA M , 2.2.13, em ibid., III)
Os Pais d a Ig re ja M edieval F a la ra m so b re a M isericó rd ia de D eus O foco n a m isericórdia de D eus não esperou a R eform a. Houve “p ré-R eform ad ores”, com o A gostinho, que viram a m isericórdia divina co m o absolutam ente indispensável para a nossa salvação. Agostinho (354-430) E m b ora, n ão se ja m cidadãos da cidade e tern a, que nas E scritu ras Sagradas se ch a m a a cidade de D eus, são m ais úteis para a cidade terren a , qu and o eles p o ssu em até a virtu d e do que se não a tivessem . M as n ão pode haver nad a m ais afo rtu n a d o p ara os n egó cios h u m a n o s do que, pela m isericórd ia de D eus, eles que são dotados c o m verdadeira d evoção de vida, se tiverem a capacidade de g o v ern ar pessoas, ta m b ém tivessem o poder. (C G , 5.19, em Schaff, NPNF, l.II)
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Ainda que sejamos indignos, temos ousadia em esperar, pelos méritos de Cristo e pela misericórdia de Deus Pai. Portanto, oro para que a graça de Deus por nosso Senhor Jesus Cristo também nos conceda este favor, que ainda possamos ver a sua face. (LSA, 30, em ibid., 1.1) A minha esperança está em tua excedente e grande misericórdia. Dá o que tu ordenaste, e ordena o que tu quiseres. Tu impuseste contingência sobre nós. “Não obstante, quando percebi”, disse alguém, “que eu não poderia obtê-la de outro modo, salvo se Deus me desse, [...] que também era um ponto de sabedoria: conhecer de quem ela era presente.” Pois por contingência estamos presos e reunidos em um, de onde nos espalhamos no estrangeiro em muitos. (C, 10.29, em ibid.) Anselmo (1033-1109) O Deus, como é profunda a tua bondade! Está claro de onde a tua misericórdia vem, mesmo que não seja vista claramente. De onde o fluxo emana é óbvio, mesmo que a fonte de onde emana não seja vista diretamente. Por um lado, é da plenitude da bondade que tu és gentil com os que pecam contra ti; e por outro lado, a razão pela qual tu estás tão escondido nas profundidades da tua bondade. O misericórdia, de que doçura abundante e doce abundância tu fluis para nós! O bondade ilimitada de Deus, com qual sentimento tu tens de ser amado pelos pecadores! Pois tu salvas o justo cuja justiça recomenda, mas tu livras os pecadores cuja justiça condena. Mas como tu és ao mesmo tempo misericordioso e impassível? Pois se tu és impassível, tu não tens compaixão; e se tu não tens compaixão, o teu coração não está triste por compaixão dos tristes, que é o que é ser misericordioso. Mas se tu não és misericordioso, de onde vem tanta consolação para os tristes? Como, então, tu és misericordioso e nãomisericordioso, ó Deus, a menos que tu sejas misericordioso em relação a nós e não em relação a ti? Na realidade, tu és [misericordioso] de acordo com o nosso modo de ver as coisas e não de acordo com o teu modo. Pois quando tu olhas em nós, em nossa miséria, somos nós que sentimos o efeito da tua misericórdia, mas tu não experimentas o sentimento. Portanto, tu és misericordioso, porque tu salvas os tristes e perdoa os pecadores contra ti, e tu não és misericordioso, porque tu não experimentas o sentimento de compaixão pela miséria. (ACMW, p. 91, 92) Tomás de Aquino (1225-1274) A misericórdia é especialmente atribuída a Deus, como vista em seu efeito, mas não como um sentimento da paixão. Em prova da qual consideremos que dizemos que uma pessoa é misericordiosa, por assim dizer, profundamente triste; sendo acometida de tristeza pela miséria de outro como se] fosse a sua própria. Por conseguinte, conclui-se que essa pessoa empreende banir a miséri^i deste outro, como se fosse a dele; e este é o efeito da misericórdia. Entristecer-se pela miséria dos outros n^o pertence a Deus; mas pertence corretamente a Ele banir essa miséria, seja qual for a deficiência que chamemos por esse nome. Agora, as deficiências são retiradas, exceto pela perfeição de algum tipo de bondade; e a fonte primária da bondade é Deus, como mostrado acima. Entretanto, consideremos que conceder perfeições pertence à bondade divina e também à sua justiça, liberalidade e misericórdia; contudo, sob aspectos diferentes. A comunicação das perfeições, consideradas absolutamente, pertence à bondade, como mostrado acima. [...] Na medida em que Deus não as dá para uso próprio, mas só por causa da sua bondade,
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pertence a liberalidade; na medida em que perfeições dadas a coisas por Deus expelem defeitos, pertence à misericórdia. Deus age misericordiosamente, não indo contra a sua justiça, mas fazendo algo mais que a justiça. Desta forma, o homem que paga outras duzentas peças de dinheiro, embora devesse só cem, não age contra a justiça, mas age liberal ou misericordiosamente. O caso é o mesmo com alguém que perdoa a ofensa que lhe foi cometida, pois, cancelando-a, podemos dizer que ele está dando um presente. Por conseguinte, o apóstolo chama a remissão de perdão: “Perdoando-vos uns aos outros, como também Deus vos perdoou em Cristo” [Ef 4.32]. Por conseguinte, está claro que a misericórdia não destrói a justiça, mas de certo modo é o seu cumprimento. E assim está escrito: “A misericórdia triunfa sobre o juízo” [Tg 2.13], (ST, la.21.3, ad 2)
Os Líderes da Reform a Falaram sobre a Misericórdia de Deus A misericórdia de Deus não-m erecida em salvar os pecadores pobres e perdidos está no cerne da doutrina da graça da Reform a. Isto é óbvio pelos escritos de Lutero e Calvino. Martinho Lutero (1483-1546)
A própria obra de Deus é a beneficência, enquanto que estando irado se chama “a sua estranha obra” (Is 28.21). Claro que precisamos que Ele faça muito mais que castigar. [...] Quando Deus nos faz o bem por um ou dez anos, ninguém reconhece o fato, ninguém lhe agradece por isto. A nossa natureza suporta bem a beneficiação, mas está pouco inclinada a suportar o castigo e reclama a todo momento, embora mereça nada mais que ira. Entretanto, Deus não faz caso das reclamações e nos mostra mais bondade do que ira. (WLS, p. 544) Esta é a primeira obra de Deus: que Ele é misericordioso a todos que estão prontos a fazer sem a sua opinião, direito, sabedoria e todos os bens espirituais, e dispostos a ser pobres de espírito, (ibid., 3.176) Jo ã o Calvino (1509-1564)
Todos os apóstolos abundam em exortações, advertências e repreensões, com a finalidade de treinar o homem de Deus em toda boa obra, e isso sem qualquer menção de mérito. Não somente isso, mas as suas exortações principais estão fundamentadas no fato de serem sem mérito nosso, a nossa salvação depende completamente da misericórdia de Deus. Paulo em uma epístola inteira defendera que não havia esperança de vida para nós exceto na justiça de Cristo, quando vem a exortação, nos pede pela misericórdia que Deus nos deu. (IC R , 3.16.3) Concluindo, em uma palavra, tanto quanto chamamos Deus o Criador do céu e da terra, não nos esqueçamos de que a distribuição de todas as coisas que Ele criou está nas suas mãos e poder, mas que somos os seus filhos, a quem Ele empreendeu nutrir e expor em submissão a Ele, para que esperemos a substância de todo o bem somente dEle, e tenhamos plena esperança de que Ele nunca nos deixará em falta das coisas necessárias à salvação, de modo a nos deixar dependentes de outra fonte; que em todas as nossas necessidades podemos ir a Ele em oração, e que em todo benefício recebamos reconhecimento da sua mão e lhe agradeçamos; que assim fascinados pela sua grande bondade e beneficência, investiguemos de todo coração para amá-lo e servi-lo. (ibid., 1.14.22)
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Os Teólogos da Pós-Reforma Falaram sobre a Misericórdia de Deus Jonathan Edvuards (1703-1758) Deus se agrada de mostrar misericórdia aos seus inimigos, de acordo com o seu próprio prazer soberano. Embora Ele esteja infinitamente acima de tudo, e não tenha necessidade de nada das suas criaturas; Ele graciosamente se agrada de cuidar misericordiosamente dos vermes do pó. ( WJE, 2.110, 2.114) Francis Turretin (1623 -1 6 8 7 ) A misericórdia está ligada à graça de Deus. Pois como a graça exerce sobre os homens como pecadores (concedendo-lhes o perdão dos pecados), assim a misericórdia se exerce sobre os homens como miseráveis (aliviando-lhes as misérias). Atribuímos isso corretamente não a Deus como que a significar a dor que surge da miséria dos outros (como está nos homens), mas como a indicar uma vontade pronta e disposta de socorrer os miseráveis sem angústia ou perturbação de espírito. Não vem de causas externas que normalmente provocam este efeito nos homens (como a ligação de sangue, de amizade, a companhia da miséria, imbecilidade de idade, sexo, etc.). Só vem da sua bondade (como Ele ama comunicar-se com as criaturas e como Ele não se contém de socorrer os miseráveis). (IET, 1.243) Wüliam G. T. Shedd (1820-1894) A misericórdia é a segunda variedade da bondade divina. E a compaixão benevolente de Deus pelos homens como pecadores. Este atributo, embora logicamente insinuado na idéia de Deus como um ser possuído de todas as perfeições concebíveis, é isento e soberano em seu exercício. Por conseguinte, requer uma revelação especial estabelecer o fato que será exercido. (DT, p. 389) Charles Hodge (1797-1878) A bondade, no sentido bíblico do termo, inclui benevolência, amor, misericórdia e graça. Por benevolência significa a disposição de promover afelicidade; todas as criaturas sensíveis é o seu objeto. O amor inclui complacência, desejo e deleite, e tem os seres racionais por seu objeto. A misericórdia é a bondade exercida em prol dos miseráveis, e inclui piedade, compaixão, paciência e bondade que as Escrituras designam tão abundantemente a Deus. (ST, p. 471)
OBJEÇÕES À MISERICÓRDIA DE DEUS Algum as questões im portantes estão associadas à misericórdia de Deus. Talvez a mais essencial seja a que relaciona a misericórdia à natureza ou vontade arbitrária de Deus.
Objeção Um: Baseada no Livre-Arbítrio de Deus De acordo co m esta objeção, misericórdia não pode ser da essência de Deus, visto que flui da vontade dEle. Deus pode ser e é misericordioso apenas a quem Ele escolhe ser, mas não às outras pessoas. Êxodo 33.19 declara: “E terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia e m e com padecerei de quem m e com padecer”. Rom anos 9.18 acrescenta:
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“Logo, pois, com padece-se de quem quer e endurece a quem q u er”. Ao que parece, isto diz que a m isericórdia é questão da escolh a arbitrária de Deus, e não inevitavelm ente. Nesse caso, D eus não pode ser essencialm ente m isericordioso.
Resposta à O bjeção Um Primeiro, m e sm o que a m isericórd ia seja u m ato e n ão u m a trib u to de D eus. C o n tu d o é u m ato da sua vo n tad e, co n fo rm e a sua n a tu re z a im u tá v e l. N ão é u m ato arb itrário da vo n tad e. C o m o m o stra d o acim a, é u m a c a ra c te rístic a essen cial de
D eus. Segundo, nad a n a B íblia co n tra d iz isto; n e m seq u er as ilu stra çõ es usadas em R o m a n o s 9 p ro v am o c o n trá rio , pois D eus n ã o e n d u re ceu a F araó a rb itra ria m en te — O S e n h o r te n to u fazer co m que ele se arrepend esse. A lém disso, p rim eiro o sob eran o do E gito e n d u re ceu o p ró p rio co ra çã o (E x 7.14; 8.15,32). Q uand o depois D eus e n d u re ce u -lh e ta m b ém o co ra çã o , era p o rqu e F araó já havia decidido não
ob ed ecer ao S e n h o r. (R e p e tin d o , o m e sm o sol que d errete a ce ra e n d u re ce o b a rro ; a d iferen ça n ão está n o sol, m as n a receptiv id ad e dos agentes que re ce b e m seus raios.) S e m e lh a n te m e n te , até em R o m a n o s 9, D eus esp erou p a c ie n te m e n te que as suas criatu ras reagissem às suas p rop ostas de am o r (R m 9.22). P o rta n to , elas se to rn a ra m “vasos da ir a ” p o r te re m re je ita d o a m isericó rd ia divina, n ão p o rq u e Ele n ão quisesse que elas recebessem a m isericórd ia. Terceiro, quando a B íblia diz; “A m ei Jacó e a b o rre ci E saú ” (R m 9.13), p o r várias
razões n ão apóia a a rg u m e n ta çã o de que D eus é a rb itrá rio em seu am o r. E m p rim eiro lugar, Ele n ão está falan d o de indivíd uos, m as das n ações de Jacó (Isra e l) e Edom (q u e veio de E saú). E m segu nd o lugar, esta d eclaração acerca de E d o m n ão foi feita antes de ele n ascer, m as depois de estar vivendo e te r c o m e tid o ações te rriv e lm e n te
m ás c o n tra o povo e sco lh id o de D eu s. (A cita çã o é de M alaquias [1.2-3], e n ão de G ên esis.) S e m e lh a n te m e n te , R o m a n o s n ã o está falan d o da e sc o lh a e te rn a divina de indivíduos para a salvação, m as da sua e leiçã o te m p o ra l de n ações para aju sta r-se aos seus p ro p ó sito s. A lém disso, o v erb o h eb ra ico trad u zid o p o r “a b o rre ci” é u m a palavra id io m ática que sig n ifica “a m a r m e n o s ” (cf. G n 29.30,31). N ão significa que D eus n ão am o u Esaú e n ã o q u eria que ele se arrepend esse (cf. R m 9.22; 2 Pe 3.9). Sig n ifica que Ele te m m en o s afeto pelos que od eiam o seu povo e te n ta m co n tra ria r o seu p lan o. Quarto e ú ltim o , as im p lica çõ es p o r co n sid erar a m isericó rd ia u m ato a rb itrá rio de D eu s são in a cre d ita v e lm e n te significativas. Se a m isericó rd ia é u m ato a rb itrá rio de D eu s, en tão o v o lu n ta rism o está c o r re to (o u seja, algo está c e rto p o rq u e D eus deseja que seja assim e n ão p o rq u e D eus d eseja p o rq u e está c e rto ). Nesse caso, co n clu i-se a expiação lim itad a (o u seja, D eus só am a alg u m as pessoas, n ão to d a s). E sta é u m a n egação da o n ib en e v o lê n cia de D eu s. A B íb lia é cla ra em dizer que D eus am a o m u n d o in te iro (cf. Jo 3.16; R m 5.18,19; 1 T m 2.4-6; 1 Jo 2.2). A p resen to u m a análise m ais d etalh ad a sob re este p o n to m ais tarde (n o V olu m e 3).
O bjeção Dois: Baseada no Universalismo Há tam bém quem conteste que se a m isericórdia é essencial, então se conclui o universalism o, pois se C risto m o rreu por todos, então todos serão salvos. A Bíblia rejeita este ensino (ver M t 25.41; 2 T s 1.7-9; Ap 20.11-15).
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Resposta à Objeção Dois A misericórdia ilimitada de Deus só m o stra que Ele deseja salvar a todos (não que Ele tenha ou venha a salvar a todos). Deus não pode fazer o que é impossível, e é impossível forçar o livre-arbítrio (M t 23.37; cf. 2 Pe 3.9). A misericórdia salvadora de Deus tem de ser recebida livrem ente. Por conseguinte, só os que livrem ente recebem a misericórdia de Deus é que serão salvos.
Objeção Três: Baseada em Deuteronômio 7.9 Neste texto, Deus dá a impressão de ser seletivo co m aqueles a quem Ele m ostra misericórdia. Porém se Ele é Todo-misericordioso, então p or que não m ostra misericórdia co m todos? Moisés escreveu: “Saberás, pois, que o Senhor, teu Deus, é Deus, o Deus fiel, que guarda o con certo e a misericórdia até m il gerações aos que o amam e guardam os seus mandamentos” (grifos m eus).
Resposta à Objeção Três Deus am a a todos (Jo 3.16). Ele enviou o seu Filho para pagar os pecados de todos os hom ens (1 Jo 2.2). De fato, Ele deseja que todos se arrependam e recebam a sua m isericórdia (2 Pe 3.9). C ontudo cada pessoa tem de receber a misericórdia divina. Todo aquele que se arrepende será recep tor dela. Deus não reterá a misericórdia de todo aquele que a desejar, mas Ele tam bém não enfiará o seu am or goela abaixo dos que não o querem (M t 23.37).
Objeção Quatro: Baseada na Necessidade de orar por Misericórdia A Bíblia registra exem plos de pessoas que oram por misericórdia. Por exem plo, o pecador em Lucas 18.13 orou: “O Deus, tem misericórdia de m im , pecador!” Se Deus é essencialmente misericordioso, então p o r que tem os de im plorar a sua misericórdia?
Resposta à Objeção Quatro A oração não é u m a condição para Deus dar misericórdia, mais exatam ente, é a condição para recebermos a misericórdia que Ele deseja nos dar livrem ente. A oração nos m uda e nos coloca em posição n a qual a misericórdia essencial e im utável de Deus possa fluir em nós (p o r exem plo, a oração nos tira da influência da ira im utável de Deus e nos coloca sob o seu am or im utável). A oração não é u m meio de vencer a relutância de Deus, mas u m m eio pelo qual Deus se aproveita de nossa vontade em receber a sua misericórdia.
Objeção Cinco: Baseada em Mateus 20.15 E m certa parábola narrada por Jesus, Deus disse: “Não m e é lícito fazer o que quiser do que é m eu?” Disto se conclui que a sua misericórdia não precisa ser dada.
Resposta à Objeção Cinco A passagem trata de serviço, não de salvação. Os trabalhadores trabalharam por salário co m o qual eles tinham previam ente concordado, mas a salvação é grátis (R m 4.5; Ef 2.8,9). Além disso, Deus não tem de dar a m esm a quantidade de suas posses e dádivas
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a todos, m as a sua n atu reza essencialm ente todo-am orosa requer que Ele am e todos. E o que Ele faz, con form e disse Isaías: “O vós todos os que tendes sede, vinde às águas, e vós que não tendes dinheiro, vinde, com prai e com ei; sim, vinde e com prai, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite” (Is 55.1).
A IRA DE DEUS D eus não só é m isericordioso co m os que se arrependem , mas Ele tam bém é irado co m os que não se arrependem . Estas ações não são incom patíveis, visto que são exercidas em objetos diferentes.
A DEFINIÇÃO DA IRA DE DEUS Várias palavras hebraicas têm o significado de “ira”. A palavra charown(Êx 15.7) significa “raiva ard ente”, “fú ria”. O term o aph (Ex 22.24) “raiva”, “fu ro r”, “ira”. O vocábulo ebrah (N m 11.33) descreve explosões de cólera, ira ou raiva. A palavra chemah (SI 59.13) significa, literalm en te, “calo r”, e, figurativam ente, “raiva”, “ira”; enqu anto qetreph (2 Cr 19.2) fala de raiva. O verbete do N ovo T estam en to co m o significado de “ira” é orge. Transm ite o sentido de “desejo fo rte ”, “cólera v iolen ta”, “raiva” e “ira” (ver E f 2.3; Cl 3.6; 1 Ts 5.9; Ap 6.16). Aplicada a Deus, ira significa a raiva e ódio que Ele tem do pecado, a ju sta indignação com todo m al e a execução zelosa de ju lg ar a inju stiça. E n tretan to , a ira, ainda que esteja arraigada na natu reza essencial de Deus co m o justa, não é u m atributo, mas u m ato que flui da sua ju stiça im utável.
A BASE BÍBLICA PARA A IRA DE DEUS Entre as descrições bíblicas da ira de D eus tem os: “O teu fu ro r” (Ex 15.7); “a m in h a ira” (Êx 22.24); a “ira do C ord eiro” (Ap 6.16); o “dia da ira de D eus” (Jó 20.28, A RA ); a “ira do teu fu ro r” (Êx 32.12); “a ira do S e n h o r” (N m 11.33); o “fu ro r do Tod o-pod eroso” (Jó 21.20). A ira de Deus se acende (Êx 22.24); se inflam a (Jó 19.11; SI 2.12); tem fu ror (Êx 32.10); é fúria terrível (SI 58.9); consom e (Êx 32.10); é grande (2 Rs 22.13); pode chegar ao ponto de não haver mais n e n h u m rem édio (2 C r 36.16); tem ardor (Jó 20.23); devora (SI 21.9); pode nos reprovar (SI 38.1); pode ser derram ada sobre os h om ens m aus (Ez 21.31); pode se com p letar (D n 11.36); pode ser retida para sem pre (A m 1.11); e pode cair sobre os incrédulos até o fim (1 Ts 2.16). Está chegando u m grande dia da ira(A p 6.17); a Babilônia beberá do vinho da ira da sua fornicação (Ap 14.8); Deus terá “taças” de ira para derram ar sobre a Terra (Ap 16.1); a sua ira pode vir sobre as cidades (2 Cr 32.25). Além disso, Deus pode ser provocado à ira por levantar u m censo [contar o poder h u m an o em lugar de confiar em Deus] (1 C r 27.24); p o r rebelião (em H orebe e no deserto, D t 9.7,8,22); por causa de reclam ações sobre a sua provisão (N m 11.18-20,33,34); por aju d ar os ím pios (2 C r 19.2); por odiar o S en h o r (2 Cr 19.2); por transgredir co n tra o S en h or (2 C r 19.10); por grande culpa (2 C r 28.13); por ser de dura cerviz (2 C r 30.8); por não guardar a palavra do S en h o r (2 Cr 34.21); por queim ar incenso para outros deuses (2 C r 34.25); por zom bar dos seus m ensageiros (2 C r 36.16); co n tra os que abandonam Deus (Ed 8.22); por não fazer os m and am entos de D eus (Ed 7.23); por ter esposas gentias (Ed 10.14); por profanar o sábado (Ne 13.18); e por não obedecer a verdade (R m 2.8).
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A ira é provocada pela lei (R m 4.15), m as podem os ser salvos dela por Cristo (R m 5.9; 1 Ts 1.10). O fato de Deus ser despertado da ira (N m 11.33; Jó 32.5) está associado co m a sua fúria (D t 9.8; 29.23,28). Entretanto, Deus pode dissuadir-se (ou apiedar-se) disso (Ex 32.12) se a pessoa se hum ilhar (2 Cr 12.7,12); orar (co m o Davi, SI 103); alegrar-se co m a queda de nosso inimigo (Pv 24.17,18); e arrepender-se (Jn 3). Deus não pode se afastar da ira por riquezas (Pv 11.4); prata ou ouro (Sf 1.18). A ira pode ser am ontoada pelos hipócritas (Jó 36.13); arm azenada em vasos para os que não se arrependem (R m 9.22); e levada pela nossa suficiência (Jó 36.18). Deus às vezes fala n a sua ira (SI 2.5); pode pesar sobre nós (SI 88.7); pode ser terrível (SI 90.7); pode ser mediada (p o r exem plo, p o r Moisés, SI 106.23). A ira é a expectativa dos ímpios (Pv 11.23); a terra trem erá diante da ira de Deus (Jr 10.10). Ele tem u m a vara da sua ira (Lm 3.1). A ira perm anece em todos os incrédulos (Jo 3.36) que são objetos da ira (Ef 2.3). Os crentes não são destinados à ira (1 Ts 5.9). Deus jurou (fez ju ram ento) pela ira (Hb 3.11) co n tra a incredulidade. E m sua segunda vinda, Jesus pisará o lasar da ira de Deus (Ap 19.15).
A BASE TEOLÓGICA PARA A IRA DE DEUS A ira de Deus está baseada em vários dos seus atributos, incluindo a santidade, a justiça e o ciúme.
A Ira flui da Santidade de Deus Paulo escreveu: “Porque do céu se m anifesta a ira de Deus sobre toda impiedade e injustiça dos hom ens que detêm a verdade em injustiça” (R m 1.18). Deus é tão santo que Ele não pode olhar o pecado co m aprovação (H c 1.13). Portanto, Ele não pode negligenciar o pecado para sempre; em algum m o m en to no futuro, tem de ser castigado.
A Ira flui da Justiça de Deus U m a característica relacionada da qual a ira flui é a justiça de Deus. Paulo declara: “Mas, segundo a tua dureza e teu coração im penitente, entesouras ira para ti no dia da ira e da m anifestação do juízo de D eus” (R m 2.5).
A Ira flui do Ciúme de Deus U m dos nom es de Deus é “ciu m en to” (ver capítulo 14). Moisés escreveu: “Porque te não indinarás diante de ou tro deus; pois o n om e do Senhor é Zeloso [cium ento]; Deus zeloso é ele” ( E x 34.14). Ezequiel acrescentou: “Portanto, assim diz o Senhor Jeová: Agora, tornarei a trazer os cativos de Jacó. E m e com padecerei de toda a casa de Israel; terei zelo pelo m eu santo n o m e ” (Ez 39.25). E por causa do seu zelo ciumento em proteger a sua suprem acia que Deus execu ta a ira sobre o m al. D euteronôm io 29.20 declara: “O Senhor não lhe quererá perdoar; mas, então, fum egará a ira do Senhor e o seu zelo sobre o tal h o m em ”.
A BASE HISTÓRICA PARA A IRA DE DEUS Até os dias atuais, o consentim ento universal dos grandes mestres da Igreja ressaltou a justiça e o am or de Deus, co m o tam bém os atos correspondentes de misericórdia e ira que íluem destes atributos.
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Os Primeiros Pais da Igreja Falaram sobre a Ira de Deus Os Pais patrísticos não tiveram ilusão de um Deus desequilibradamente amoroso que não castigaria o pecado. Eles falaram consistentem ente de um a visão equilibrada que incluía a misericórdia aos arrependidos com o também a ira aos ímpios. Orígenes (c. 185-c. 254) Falamos da ira de Deus. Não sustentamos, entretanto, que indique alguma emoção da sua parte. Mais exatamente, é algo que é presumido a disciplinar por meios duros os pecadores que cometem muitos e dolorosos pecados. Pois aquilo que chamamos a ira de Deus e a sua raiva é, de fato, um meio de disciplina, (em Bercot, DECB, p. 21) Novaciano (c. 200-c. 258) Quando lemos sobre a ira divina e consideramos certas descrições da sua indignação, [...] não devemos entender que tenham de ser atribuídas a Ele no mesmo sentido no qual são aos seres humanos. Pois embora todas estas coisas possam corromper o homem, não podem corromper o poder divino. Todas essas raivas ou ódios de Deus, ou seja, o que haja desse tipo, são exibidos para a nossa cura. [...] Eles surgiram da sabedoria, não do vício, (ibid.) Lactâncio (c. 240-c. 320) E só o temor de Deus que guarda a sociedade mútua dos homens. Por meio disso, a vida é sustentada, protegida e governada. Tal temor é retirado se o homem for persuadido que Deus não tem ira. Pois não só a vantagem comum, mas também a razão e a verdade nos persuadem que Ele é movido e está indignado quando se fazem ações injustas. Há a ira justa e a ira injusta. [...] A ira injusta [...] tem de ser contida dentro do homem, para que Ele não se precipite em um mal ainda muito maior por meio da raiva. Este tipo de ira não pode existir em Deus, porque Ele não pode ser ofendido. [...] Há também a ira justa. Esta ira é necessária no homem para a correção da maldade. Está claro, então, que é também necessário em Deus que dá exemplo para o homem. Da mesma maneira que devemos conter os que estão sujeitos ao nosso poder, também Deus deve conter as ofensas de todos. Temos de entender que visto que Deus é eterno, a sua ira também permanece ao longo da eternidade. Por outro lado, visto que Ele é dotado com a maior excelência, Ele controla a sua ira. Ele não é governado por ela; mais exatamente, Ele a regula de acordo com a sua vontade. [...] Pois se a sua ira fosse completamente inextinguível, não haveria lugar para satisfação ou reconciliação depois do pecado, (ibid., p. 21,22)
Os Pais da Igreja Medieval Falaram sobre a Ira de Deus Não houve mudança na visão sobre a ira de Deus durante a Idade Média. Com o os seus antepassados teólogos, os Pais medievais também viram Deus com o consistente e eternam ente descontente com o pecado. Agostinho (354-430) Exorto que deis atenção, se são sábios, e observeis como, sem tal arte, a posição de pastor foi trocada pela dignidade do ofício real por Davi, sobre quem a Bíblia registrou
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fielmente as ações pecadoras e as ações meritórias, para que pudéssemos saber como evitar ofender Deus, e como, quando Ele for ofendido, satisfazer a sua ira. (LSA, 139, em Schaff, NPNF, 1.1) Por exemplo, levai em conta esta declaração do apóstolo: “Mas, segundo a tua dureza e teu coração impenitente, entesouras ira para ti no dia da ira e da manifestação do juízo de Deus, o qual recompensará cada um segundo as suas obras, a saber: a vida eterna aos que, com perseverança em fazer bem, procuram glória, e honra, e incorrupção; mas indignação e ira aos que são contenciosos e desobedientes à verdade e obedientes à iniqüidade; tribulação e angústia sobre toda alma do homem que faz o mal” [Rm 2.5-9]. (OCD, 3.11.17, em ibid., l.II) Portanto, “Deus prova o seu amor para conosco em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores. Logo, muito mais agora, sendo justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos da ira” [Rm 5.8,9]. Da ira certamente de Deus, que nada mais senão a justa retribuição. Pois a ira de Deus não é como a ira do homem, uma perturbação da mente; mas é a ira daquele de quem as Sagradas Escrituras dizem em outro lugar: “Mas tu, ó Senhor, dominando o teu poder, julgaste com tranqüilidade”. (A A , 13.6, em ibid., III) Tomás de Aquino (1225-1274) O pecado original é indicado em “e éramos por natureza filhos da ira” [Ef 2.3]. Este pecado dos primeiros pais não só foi passado para os gentios, mas também para os judeus: “Pelo que, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, por isso que todos pecaram” (Rm 5.12). [...] Portanto, ele diz que éramos por natureza, isso é, desde o começo da natureza — não da natureza como natureza, visto que isto é bom e é de Deus, mas da natureza como contaminada — filhos de uma ira vingadora, designada ao castigo e inferno, até quanto aos demais, ou seja, os gentios. (CE, p. 89)
Os Líderes da Reforma Falaram sobre a Ira de Deus A ira de Deus é o pano de fundo da ênfase da R eform a na graça de Deus m ediante a justificação pela fé. Porque Deus é justo, Ele tem de castigar o pecado. A sua graça pelo pagam ento de Cristo da penalidade p o r nosso pecado fica m uito mais evidente p o r causa desta necessidade. Martinho Lutero (1483-1546)
Deus é chamado “fogo”, porque Ele destrói totalmente os irreligiosos e não deixa vestígio deles; nem há algo que resista à sua ira. Ele é chamado “ciumento”, porque a sua disposição é tal que Ele não poupará. Quem, então, não temeria aquele de quem se sabe que não poupará e que Ele tem a capacidade implacável e incessantemente de se vingar? Moisés chama Deus “ciumento”, alguém que não deixa escapar nada, que tem de permanecer pela sua Palavra. Ambos estão unidos aqui, a vontade e o poder, a força e o poder, de forma que Ele pode e vai castigar. Se as pessoas levassem em conta que isto é verdade, elas não menosprezariam os mandamentos divinos tão vergonhosamente. Mas ninguém crê que as coisas são assim até que as experimentam. A ira de Deus é real, não fictícia, nem uma pilhéria. Se fosse falsa, então a misericórdia seria fictícia, pois no que tange à ira, assim é a misericórdia perdoadora. [...] E mais do
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que ce rto que Jesus levou sobre si a ira de D eus e a su p o rto u p o r nós. P o rta n to , Ele não a lev ou sobre si so m en te c o m o exem p lo , m as Ele é v erd ad eiram en te o p reço de co m p ra pago p o r nós. D eus castiga de m an eira dupla. E m p rim eiro lugar, castiga na graça, co m o u m pai b e n ev o len te; e o castigo é tem p o ra l. E m segu nd o lugar, Ele castiga na ira, c o m o u m ju iz rígido; e este castigo é e tern o . ( WLS, 1549, 53)
João Calvino (1 5 0 9 -1 5 6 4 ) Se n ã o estivesse em term o s claros, que a divina ira, a v ing an ça e a m o rte e te rn a vindo sobre nós, estaríam os m en o s cientes de nossa m iséria sem a m isericórd ia de D eu s, e m en o s dispostos a valorizar a bên ção da lib ertação . Por ex em p lo , se disserm os a alg u ém : Tivesse D eu s na época qu e tu eras p ecad or te odiado e te exp u lso c o m o m erecias, a d estru ição ho rrív el teria sido o te u d estino; m as esp o n tan eam en te e de livre in d u lg ên cia Ele o retev e n o seu favor, n ã o p erm itin d o que tu fosses afastado dEle. D este m o d o , Ele te salvou do perigo — a pessoa rea lm en te será afetada e sensibilizada em ce rto grau o q u an to ela deve à m isericórd ia de D eu s ( IC R , 2.16.2).
Os Teólogos da Pós-Reform a Falaram sobre a Ira de Deus Até tem pos recentes, os teólogos que surgiram depois da R eform a têm analisado a ira de Deus. O atributo só enfraqueceu com o surgim ento do unitarism o e liberalism o m oderno. Ja c ó Arm inio (1 5 6 0 -1 6 0 9 ) O ódio é u m se n tim en to da separação em D eu s, c u jo o b je to primário é a in ju stiça , e o secundário, a m iséria da criatu ra. [...] M as visto que D eus c o rre ta m e n te am a a si m esm o e o bem da j ustiça, e p elo m esm o im p u lso odeia a iniqüidade; e visto que Ele secu n d ariam en te am a a cria tu ra e a sua b e m -av en tu ran ça, e nesse im p u lso odeia a m iséria da criatu ra, qu er dizer, Ele deseja que seja levado lon g e da criatu ra; p o r co n seg u in te, su cede que Ele odeia a cria tu ra que p ersevera na in ju stiça , e am a a sua m iséria. P o rém o ódio n ão é co la tera l ao am or, m as necessariam en te flui dele, visto que o am o r não pode ten d er a todas essas coisas qu e se to rn a m ob jeto s à co m p reen são de D eus. P ertence en tão a Ele n o p rim eiro ato, e tem de ser co lo cad o diante dEle qu alqu er existên cia de u m a coisa digna de ódio; c u ja existên cia sendo co lo cad a, o ato de ódio surge disto po r necessidade n a tu ra l, n ão p o r liberdade da vontad e. ( W JA , 1.456) Jon ath an Edwards (1 7 0 3 -1 7 5 8 ) D eus fixa lim ites à m ald ade de tod o h o m e m ; E le p erm ite que os h o m e n s vivam e co m e ta m pecados até que se en ch am a m edida deles, e depois os co rta. C o nsid ere que tu não sabes que a ira D eus pode estar a p o n to de se e x e c u ta r nos h o m e n s m au s neste mundo. A ira pode, e m ce rto sentid o, vir sobre eles n e sta vida, até a ú ltim a gota, p elo qu e sabem os. ( F / E , 2.122, 2.124) Stephen Charnock (1 6 2 8 -1 6 8 0 ) Os m aio res interesses d iferentes são reconciliados, a ju stiça em castigar e a m isericórdia em perdoar. Pois o h o m e m qu ebrara a lei e se afun dara em u m g olfo de m iséria: a espada
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de vingança foi desembainhada pela justiça para o castigo dos criminosos. As entranhas da compaixão foram mexidas pela misericórdia para o salvamento dos miseráveis. A justiça vê o pecado severamente, e a misericórdia compassivamente refletida na miséria. Entram duas afirmações diferentes por meio desses atributos relacionados: a justiça vota pela perdição, e a misericórdia vota pela salvação. A justiça puxa a espada e a encharca no sangue dos ofensores; a misericórdia detém a espada e a afasta do peito dos pecadores. A justiça a afia, e a misericórdia a cega. Os argumentos são fortes de ambos os lados. ( EAG, 1.554) Charles Hodge (1797-1878) A ira de Deus flui da sua santidade. A verdade desta doutrina também pode ser deduzida da santidade de Deus. Se Ele é infinitamente puro, a sua natureza tem de ser contrária a todo o pecado; e como os seus atos são determinados pela sua natureza, a sua desaprovação do pecado tem de manifestar-se nos seus atos. Mas o desfavor de Deus, a manifestação da sua desaprovação, é a morte, como o seu favor é a vida. Não pode ser que esta oposição essencial entre a santidade e o pecado seja dependente da sua manifestação na mera [extra] consideração que o mal seria o resultado do pecado que é permitido sair impune. Também podemos dizer que não devemos sentir aversão à dor, senão cientes de que debilita a nossa constituição. Não aprovamos a santidade só porque tende a produzir felicidade; nem desaprovamos o pecado só porque tende a produzir miséria. Portanto, é inevitável que a perfeição do Senhor infinitamente santo se manifeste em oposição ao pecado, sem esperarjulgar as conseqüências da expressão desta repugnância divina. (ST, p. 422, grifos meus) William G. T. Shedd (1820-1894) Há um tipo de ira na alma humana que se assemelha à ira de Deus, e constitui o seu verdadeiro análogo. E a ira da consciência humana que é completamente diferente da ira do coração humano. Este tipo de ira é comandado na proibição “Irai-vos e não pequeis” (Ef 4.26). Fosse esta espécie de desprazer moral mais freqüentemente considerado e a ira divina ilustrada por meio disso, haveria menos da oposição comum e irrefletida contra a doutrina da ira divina. (DT, p. 176) f . I. Packer Em Romanos, a ira de Deus denota a ação resoluta na punição do pecado. E tanto a expressão de uma atitude pessoal e emocional do Jeová triúno quanto é do seu amor pelos pecadores: é a manifestação ativa de seu ódio à descrença e à perversidade moral. [...] A ira de Deus é sua reação ao nosso pecado e “a lei opera a ira” [Rm 4.15], porque ela incita o pecado latente em nós e multiplica a transgressão, comportamento que evoca a ira [5.20; 7.7-13], Como reação ao pecado, a ira de Deus é expressão da sua justiça. (KG, p. 154) O B JEÇ Õ ES À IR A D E D E U S
Objeções con tra a ira de Deus geralm ente procedem da suposta inconsistência com os outros atributos, co m o o am or ou a misericórdia, ou então da n atureza eterna da ira divina con tra os que não se arrependem.
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O b je çã o U m : B asead a n a S u p o sta In c o n s is tê n c ia c o m a M isericó rd ia C om o u m e o m esm o Deus pode exercer ira e m isericórdia para co m as criaturas? Ao que parece, são características incom patíveis, visto que u m a é a oposta da outra. Por conseguinte, conclui-se que Deus não pode ser ambas. R e sp o sta à O b je çã o U m A ira e am isericórdianão são incompatíveis, visto que são exercidas em objetos diferentes. A ira é exercida sobre os que não se arrependem, e a misericórdia é exercida sobre os que se arrependem. C om o previam ente estabelecido, Deus é consistente e im utavelm ente irado com o pecado, e consistente e im utavelm ente deleitado com a justiça. O b je çã o D ois: B asead a n a S u p o sta M a ta n ça E x a g e ra d a da Ira E te r n a Ira temporal é u m a coisa; ira eterna é outra. A Bíblia declara: “Q uando se m anifestar o Sen h or Jesus desde o céu, com os anjos do seu poder, com o labareda de fogo, tom ando vingança dos que não con h ecem a Deus e dos que não obedecem ao evangelho de nosso Sen h or Jesus Cristo; os quais, por castigo, padecerão etern a perdição, ante a face do Sen h or e a glória do seu poder” (2 Ts 1.7-9). A ira etern a pelo pecado tem poral é u m caso clássico de m atança exagerada.
R e sp o sta à O b je çã o D ois N otem os, em prim eiro lugar, que esta não é tanto u m a objeção contra a ira de Deus quanto é u m a objeção contra a doutrina do inferno, a qual mais tarde analisarem os em detalhes (ver V olum e 4, capítulo 10). A lém disso, todo protesto con tra a ira de Deus é igualm ente u m a objeção con tra a sua santidade e ju stiça das quais ela flui. Mas, com o já m ostram os, há forte base bíblica, teológica e histórica para todas estas (ver capítulos 13 e 14). Q uanto à ju stiça de exercer ira, devem os observar que não castigar o pecado é in ju sto. E, visto que Deus é eterno, não castigar o pecado etern am en te seria um a in ju stiça eterna. O pecado dos que não se arrependem é u m pecado con tra o Deus eterno, e u m pecado con tra o E terno é m ereced or do castigo eterno. O b je çã o T rês: B asead a n a S u p o sta In co n s is tê n c ia c o m a E x p ia çã o Certos críticos observam que Jesus recebeu a ira de Deus no lugar dos pecadores, sendo feito pecado por nós (2 Co 5.21). Ele foi a satisfação pelos nossos pecados (1 Jo 2.2). Neste caso, é desnecessário qualquer pessoa sofrer as conseqüências pelos seus pecados, visto que Jesus já o pagou (R m 5.15-19). R e sp o sta à O b je çã o T rês Esta objeção se baseia em u m engano do que Jesus fez na cruz. A salvação de todos não foi aplicada im ediatam ente; foi apenas comprada. Todas as pessoas foram feitas salváveis, mas n em todas foram salvas automaticamente. O presente se to rn ou possível pelo Salvador, mas tem de ser recebido pelo pecador (E f 2.8,9; cf. Jo 1.12). Em sum a, a salvação de todos os pecadores da ira etern a de Deus é possível, mas só os que aceitam o pagam ento de Cristo pelos pecados deles é que serão salvos.
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Dito de outro m odo, esta objeção pressupõe o universalismo (que todos serão salvos), para o qual não há boa base bíblica, teológica ou histórica.
CONCLUSÃO A misericórdia e a ira é u m par combinado das características morais de Deus. A prim eira é exercida nos que se arrependem , e a últim a nos que não se arrependem. Ainda que haja quem acredite que estas são incompatíveis, repetindo, elas form am u m a unidade no caráter de Deus. Elas são consistentes, visto que são exercidas em dois objetos diferentes. Quanto a se estas são atributos ou atividades de Deus que fluem de outros atributos, depende de com o as definirmos. E m todo caso, se pensarm os que a misericórdia e a ira são com o atos, então a base inalterável para elas está na bondade e justiça de Deus, respectivamente.
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A MJSERJCÓJUDIA I A IR A DF
DFT J.S
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T u rretin, Francis. Institutes o f E lenctic Theology.
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CAPÍTULO
DEZESSETE
UMA RESPOSTA AOS ATRIBUTOS DE DEUS
E
m bora não esteja no escopo desta obra fornecer u m a análise sistemática de Teologia Prática, alguns com entários são pertinentes. Não é o propósito de Deus que os seus atributos sejam estudados co m a ausência de u m a resposta por parte das suas criaturas. C ontem plar o Criador tem de m udar a criatura; m editar no M estre tem de fazer diferença na vida do servo. OS A T R IB U T O S D E D E U S E AS N O SSAS A Ç Õ ES EM G E R A L Num erosos versículos bíblicos contêm a exortação para responder em conexão direta com a apresentação do atributo. Moisés citou o Senhor, dizendo; “Eu sou o Senhor, que vos faço subir da terra do Egito, para que eu seja vosso Deus, e para que sejais santos; porque eu sou santo” (Lv 11.45). Jesus disse: “Sede vós, pois, perfeitos, co m o é perfeito o vosso Pai, que está nos céus” (M t 5.48). João escreveu: “E qualquer que nele tem esta esperança purifica-se a si m esm o, co m o tam bém ele [Deus] é p u ro ” (1 Jo 3.3). Há capítulos inteiros da Bíblia dedicados a u m ou mais atributos de Deus, seguidos por nossa resposta que se espera a ele (ou eles). O Salmo 139 é u m exem plo clássico, e pode ser esboçado assim. A R e v e la çã o d e D eu s de Si M esm o (vv. 1-16)
A Onisciência de Deus (vv. 1-6) Senhor, tu me sondaste e me conheces. Tu conheces o meu assentar e o meu levantar; de longe entendes o meu pensamento. Cercas o meu andar e o meu deitar; e conheces todos os meus caminhos. Sem que haja uma palavra na minha língua, eis que, ó Senhor, tudo conheces. Tu me cercaste em volta e puseste sobre mim a tua mão. Tal ciência é para mim maravilhosíssima; tão alta, que não a posso atingir. A Onipresença de Deus (vv. 7-12) Para onde me irei do teu Espírito ou para onde fugirei da tua face? Se subir ao céu, tu aí estás; se fizer no Seol a minha cama, eis que tu ali estás também; se tomar as asas da alva, se habitar nas extremidades do mar, até ali a tua mão me guiará e a tua destra me susterá. Se disser: decerto que as trevas me encobrirão; então, a noite será luz à roda de mim.
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Nem ainda as trevas me escondem de ti; mas a noite resplandece como o dia; as trevas e a luz são para ti a mesma coisa. A Onipotência de Deus (vv. 13-16) Pois possuíste o meu interior; entreteceste-me no ventre de minha mãe. Eu te louvarei, porque de um modo terrível e tão maravilhoso fui formado; maravilhosas são as tuas obras, e a minha alma o sabe muito bem. Os meus ossos não te foram encobertos, quando no oculto fui formado e entretecido como nas profundezas da terra. Os teus olhos viram o meu corpo ainda informe, e no teu livro todas estas coisas foram escritas, as quais iam sendo dia a dia formadas, quando nem ainda uma delas havia.
A nossa Resposta à Revelação de Deus de Si Mesmo (vv. 17-24) Os dois versículos finais da resposta de Davi são: “Sonda-m e, ó Deus, e conhece o m eu coração; p rova-m e e conhece os m eus pensam entos. E vê se há em m im algum cam inho m au e guia-m e pelo cam inho etern o” (w . 23,24). Está devidamente claro que para o salmista (ou qualquer outro escritor bíblico) a questão dos atributos de Deus não era algo puram en te acadêmico.
ATRIBUTOS ESPECÍFICOS E AÇÕES ESPECÍFICAS Meditar nos atributos e n atu reza de Deus em geral deve gerar em nós espírito de devoção; enquanto contem plar os atributos específicos deve nos levar a to m ar ações específicas.
Respondendo à Soberania de Deus Considerando que Deus é o Senhor soberano do universo, podem os viver co m a certeza de que Ele está no controle de tudo: “Não to mandei eu? Esforça-te e tem bom ânim o; não pasmes, nem te espantes, porque o Senhor, teu Deus, é contigo, por onde quer que andares” (Js 1.9). E podem os estar certos de que Ele pode tirar o bem do m al: “Vós bem intentastes m al con tra m im , porém Deus o to rn o u em bem, para fazer co m o se vê neste dia, para conservar em vida a u m povo grande” (Gn 50.20). Sem elhantem ente, devemos lhe agradecer por Ele desejar nos usar. C om o disse Paulo: “E dou graças ao que m e tem confortado, a Cristo Jesus, Senhor nosso, porque m e teve por fiel, pondo-m e no m inistério” (1 T m 1.12). Por fim, devemos ser-lhe gratos por sermos seus instrum entos. Paulo escreveu: “Temos, p orém , esse tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós” (2 Co 4.7).
Respondendo à Infinidade de Deus Levando em conta a natureza ilimitada de Deus, várias respostas são apropriadas. Primeiro, devemos ser humilhes co m o Salom ão foi quando ele disse: “Mas, na verdade, habitaria Deus na terra? Eis que os céus e até o céu dos céus te não poderiam conter, quanto m enos esta casa que eu tenho edificado” (1 Rs 8.27). Além disso, devemos ter o tem o r de Isaías, com o ele escreveu: “No ano em que m o rreu o rei Uzias, eu vi ao Senhor assentado sobre u m alto e sublime trono; e o seu
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séquito enchia o tem plo. [...] E [os serafins] clam avam uns para os outros, dizendo: Santo, Santo, Santo é o S en h or dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória. E os um brais das portas se m overam co m a voz do que clam ava, e a casa se encheu de fum aça. Então, disse eu: ai de m im , que vou perecendo! Porque eu sou um h om em de lábios im puros e habito no m eio de u m povo de im puros lábios; e os m eus olhos viram o rei, o S en h or dos Exércitos!” (Is 6.1-5). Por fim , devem os ter o louvor de Paulo, com o ele declarou: “O profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, com o da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus cam in h os!” (R m 11.33). R e sp o n d e n d o à Im a te ria lid a d e de D eus Deus é puro Espírito (Jo 4.24). C om o tal, Ele exige certa resposta. Em prim eiro lugar, tem os de evitar toda idolatria. Exodo declara: “Não terás outros deuses diante de m im . Não farás para ti im agem de escu ltura, n em algum a sem elhança do que há em cim a nos céus, n em em baixo n a terra, n em nas águas debaixo da terra” (20.3,4). Paulo disse aos atenienses que “o D eus que fez o m undo e tudo que nele há, sendo S en h o r do céu e da terra, não habita em tem plos feitos por m ãos de hom ens. N em tam p ouco é servido por m ãos de hom ens, co m o que necessitando de algum a coisa; pois ele m esm o é quem dá a todos a vida, a respiração e todas as coisas; e de u m só fez toda a geração dos hom ens para habitar sobre toda a face da terra, determ inando os tem pos já dantes ordenados e os lim ites da sua habitação, para que buscassem ao Senhor, se, porventura, tateando, o pudessem achar, ainda que não está longe de cada u m de nós; porque nele vivem os, e nos m ovem os, e existim os. [...] Pois som os tam bém sua geração. Sendo nós, pois, geração de Deus, não havem os de cuidar que a divindade seja sem elhante ao ouro, ou à prata, ou à pedra esculpida por artifício e im aginação dos hom ens (A t 17.24-29). Im plícito nas passagens acim a está o u tra im plicação de Deus ser pu ro Espírito, a saber, que Ele deve ser adorado de m odo espiritual. Jesus disse que os adoradores de Deus têm de adorá-lo “em espírito e em verdade” (Jo 4.24). Isto significa que a nossa adoração deve ser de nosso espírito (que é im aterial co m o Deus é) e de m aneira espiritual. Paulo falou para nos prevenir daqueles que têm “aparência de piedade, mas [negam] a eficácia dela” (2 T m 3.5). C laro que isto não quer dizer que som os proibidos de usar ritual na adoração a Deus. Até o serviço mais simples tem algum a form a, estru tu ra ou ritual. Mais exatam ente, significa que devem os evitar o ritual externo que não te n h a a realidade interna. R e sp o n d e n d o à T ra n s c e n d ê n c ia de D eus U m a característica relacionada de Deus é a sua transcendência sobre toda a sua criação. Isto deve nos dar u m senso de temor: “O Sen h or, S en h o r nosso, quão adm irável é o teu n o m e em toda a terra, pois puseste a tu a glória sobre os céus!” (SI 8.1). Sem elh an tem en te, a transcendência de Deus deve provocar em nós u m senso de insignificância: “Grande é o S en h o r e m ui digno de louvor na cidade do nosso Deus, no seu m o n te santo” (SI 48.1). A lém disso, devem os ser conduzidos a u m senso de pecaminosidade, co m o vim os que Isaías teve: “Eu vi ao S en h o r assentado sobre um alto e sublim e trono; e o seu séquito enchia o tem plo. [...] E [os serafins] clam avam uns para os outros, dizendo: Santo, Santo, Santo é o S en h or dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória. [...] Então, disse eu:
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ai de m im , que vou perecendo! Porque eu sou u m hom em de lábios im puros e habito no meio de u m povo de im puros lábios; e os m eus olhos viram o rei, o Senhor dos Exércitos!” (Is 6.1-5). Diante disso, u m senso de submissão é a resposta apropriada. C o m o disse Paulo: “Pelo que tam bém Deus o exaltou soberanam ente e lhe deu u m nom e que é sobre todo o nom e, para que ao n om e de Jesus se dobre todo joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai” (F12.9-11). Por fim, u m senso de reverência deve em ergir em nós por contem plarm os a exaltação de Deus: “Digno és, Senhor, de receber glória, e honra, e poder, porque tu criaste todas as coisas, e por tu a vontade são e foram criadas” (Ap 4.11).
Respondendo à Onipresença e Imanência de Deus A presença próxim a de Deus em toda criação deve evocar várias respostas de nós. Em prim eiro lugar, devemos ter u m a consciência da proximidade de Deus, visto que Ele está mais perto de nós do que qualquer ou tro ser ou coisa possa estar. Repetindo, com o disse Davi no Salmo 139.7-10: “Para onde m e irei do teu Espírito ou para onde fugirei da tua face? Se subir ao céu, tu aí estás; se fizer no Seol a m inha cam a, eis que tu ali estás tam bém ; se tom ar as asas da alva, se habitar nas extremidades do m ar, até ali a tua m ão m e guiará e a tua destra m e susterá” . Além disso, devemos ter u m senso de confiança absoluta, pois a nossa existência de m om en to a m om en to é dependente de Deus. Paulo escreveu: “Ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele” (C l 1.17). Dependemos dEle para a nossa realidade, pois “nele vivemos, e nos m ovem os, e existimos” (A t 17.27,28). Por fim, não podem os esconder nada de Deus. Hebreus declara: “E não h á criatura algum a encoberta diante dele; antes, todas as coisas estão nuas e patentes aos olhos daquele co m quem tem os de tra ta r” (Hb 4.13).
Respondendo à Majestade de Deus C om o Rei dos reis, Deus tem a majestade régia. A nossa resposta a este atributo é que Deus é altam ente louvado pela sua grandeza: “Grande é o Senhor e m ui digno de louvor n a cidade do nosso Deus, no seu m onte santo” (SI 48.1). Além disso, Deus deve ser repetidam ente bendito pela sua bem -aventurança: “Bendize, ó m inha alm a, ao Senhor! Senhor, Deus m eu, tu és magnificentíssimo; estás vestido de glória e de m ajestade” (SI 104.1). Ainda mais, Deus sem pre deve ser admirado pela sua qualidade de ser tem eroso: “O Senhor, Senhor nosso, quão admirável é o teu n om e em toda a terra, pois puseste a tua glória sobre os céus!” (SI 8.1). Por fim, ao Senhor deve ser dada a mais sublime h onra pela sua honorabilidade: “Digno és, Senhor, de receber glória, e honra, e poder, porque tu criaste todas as coisas, e por tua vontade são e foram criadas” (Ap 4.11).
Respondendo à Beleza de Deus A majestade de Deus nos dá u m senso do Suprem o. A sua beleza nos dá u m senso do Sublime. Ainda que a nossa resposta seja sem elhante, há certas dimensões da sua beleza que requerem com entário especial.
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Em prim eiro lugar, devemos desfrutar de toda beleza co m o um a dádiva de Deus: “Toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há m udança, nem som bra de variação” (Tg 1.17). Tudo que de algum a m aneira é bonito reflete o caráter divino. A lém disso, devem os antever a beleza incrível e ú ltim a de ver Deus face a face. N esta vida, o encanto inefável de Deus está ocu ltad o. C o m o disse Paulo: “Porque, agora, vem os p or espelho em enigm a; m as, então, verem os face a face; agora, con heço em parte, m as, então, con hecerei co m o tam bém sou co n h ecid o ” (1 Co 13.9-12). Até Moisés, o grande m ediador en tre Israel e Deus, não pôde ver o Senhor face a face (Ex 33.22,23), pois “Deus n un ca foi visto por algu ém ” (Jo 1.18), mas no céu “verão o seu rosto, e na sua testa estará o seu n o m e ” (Ap 22.4). Isto se ch am a a Visão Beatífica (bendita) (ver Volum e 4, capítulo 10). R e sp o n d e n d o à O n ip o tê n cia de D eu s Em resposta ao poder ilimitado de Deus, hoje os crentes podem ter a garantia de que Deus pode resolver os nossos problemas. Deus perguntou a Abraão: “Haveria coisa algum a difícil ao Senhor?” (Gn 18.14). Além disso, podem os estar certos de que Deus pode (e vai) cu m p rir as promessas que Ele nos fez. Ele cum prirá condicionalm ente as promessas condicionais (1 Jo 1.9), e cum prirá incondicionalm ente as promessas incondicionais, “porque ele disse: Não te deixarei, nem te desampararei” (Hb 13.5). Ainda mais, a onipotência de Deus nos garante que os crentes estão eternam ente seguros na salvação: “Porque estou certo de que nem a m orte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade, nem algum a ou tra criatura nos poderá separar do am or de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor!” (R m 8.38,39). Por fim, podem os ter certeza quanto ao futuro, pois Deus tem o poder de cum prir as profecias. Ele declarou: “[Eu] anuncio o fim desde o princípio e, desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam ; [...] porque assim o disse, e assim acontecerá; eu o determ inei e tam bém o farei” (Is 46.10,11). Deus tem a capacidade total de realizar os seus propósitos. Ele anunciou por Isaías: “Assim será a palavra que sair da m inha boca; ela não voltará para m im vazia; antes, fará o que m e apraz e prosperará naquilo para que a enviei” (Is 55.11). R e s p o n d e n d o à E te rn id a d e d e D eu s Em resposta à eternidade de Deus, devemos ter confiança de que o propósito de Deus perm anecerá: “[Eu] anuncio o fim desde o princípio e, desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam ; que digo: o m eu conselho será firme, e farei toda a m inha vontade” (Is 46.10). Além disso, tem os a garantia de que as promessas de Deus serão mantidas: “Mas tu és o m esm o, e os teus anos n unca terão fim. Os filhos dos teus servos continuarão, e a sua descendência ficará firmada perante ti” (SI 102.27,28). Ainda mais, a nossa esperança em Cristo está firmada: “Temos [a esperança] com o âncora da alm a segura e firme e que penetra até ao interior do véu, onde Jesus, nosso precursor, entrou por nós, feito eternam ente sum o sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque” (Hb 6.19,20).
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Por fim, tem os a promessa de que Jesus pode nos ajudar agora: “E, na verdade, aqueles foram feitos sacerdotes em grande núm ero, porque, pela m o rte, foram impedidos de perm anecer; mas este, porque perm anece eternam ente, tem u m sacerdócio perpétuo. Portanto, pode tam bém salvar perfeitam ente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sem pre para interceder por eles” (Hb 7.23-25).
Respondendo à Imutabilidade de Deus Considerando que Deus é im utável, podem os confiar na sua Palavra: “Deus não é h om em , para que m inta; nem filho de h om em , para que se arrependa; porventura, diria ele e não o faria? Ou falaria e não o confirmaria?” (N m 23.19). Tam bém podem os confiar inteiram ente nas promessas de Deus: “Desde a antiguidade fundaste a terra; e os céus são obra das tuas mãos. Eles perecerão, mas tu perm anecerás; todos eles, com o u m a veste, envelhecerão; co m o roupa os m udarás, e ficarão mudados. Mas tu és o m esm o, e os teus anos nunca terão fim ” (SI 102.25-27). Além disso, podem os estar certos de nossa salvação, porque “se form os infiéis, ele perm anece fiel; não pode negar-se a si m esm o ” (2 T m 2.13). Ainda mais, a imutabilidade de Deus fornece a âncora para a nossa alma: “Pelo que, querendo Deus m ostrar mais abundantem ente a imutabilidade do seu conselho aos herdeiros da promessa, se interpôs co m juram ento, para que por duas coisas imutáveis, nas quais é impossível que Deus m inta, tenham os a firme consolação, nós, os que pom os o nosso refúgio em reter a esperança proposta” (Hb 6.17,18). Por fim, tem os a firme fundação para o serviço. “Portanto, m eus amados irmãos, sede firmes e constantes, sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que o vosso trabalho não é vão no Senhor” (1 Co 15.58).
Respondendo à Impassibilidade de Deus Considerando que Deus não tem necessidade ou em oções variáveis, devemos responder em humildade, sabendo que nada podem os acrescentar a Ele: “N em tam pouco é servido por m ãos de hom ens, com o que necessitando de algum a coisa; pois ele m esm o é quem dá a todos a vida, a respiração e todas as coisas” (A t 17.25). Mais exatam ente, em ação de graças, devemos lem brar que Ele é o doador de “toda boa dádiva e todo dom perfeito” (T g 1.17). Podemos lhe dar som ente o que Ele nos deu. C om o disse Davi: “Porque quem sou eu, e quem é o m eu povo, que tivéssemos poder para tão voluntariam ente dar semelhantes coisas? Porque tudo vem de ti, e da tua m ão to dam os” (1 C r 29.14). Portanto, co m plena convicção sabemos que Ele n unca m uda o que sente por nós. Ele perm anece eterna e im utavelm ente consistente no seu am or e com paixão por nós (Jr 31.3).
Respondendo à Onisciência de Deus Deus é todo-conhecedor, e por isso podem os estar certos de que Ele apóia fortem ente as nossas boas ações: “Porque, quanto ao Senhor, seus olhos passam por toda a terra, para m ostrar-se forte para com aqueles cujo coração é perfeito para co m ele” (2 C r 16.9). A nim a-nos saber que tem os u m a fonte ilimitada de verdade que nos leva à obediência: “Maravilhosos são os teus testem unhos; p o r isso, a m inha alm a os guarda. A exposição das tuas palavras dá luz e dá entendim ento aos símplices” (SI 119.129,130).
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T am bém devem os estar cientes de que Deus con h ece até m esm o os nossos pecados secretos: “E não há criatura algum a encoberta diante dele; antes, todas as coisas estão nuas e patentes aos olhos daquele com quem tem os de tra ta r” (Hb 4.13). A onisciência de D eus nos garante que Ele recom p ensará até as nossas ações desconhecidas: “Mas, quando tu deres esm ola, não saiba a tua m ão esquerda o que faz a tua direita, para que a tua esm ola seja dada ocu ltam en te, e teu Pai, que vê em secreto, te recom p ensará pu blicam ente. [...] Mas tu, quando orares, entra no teu aposento e, fechando a tua porta, ora a teu Pai, que vê o que está o cu lto; e teu Pai, que vê o que está ocu lto, te recom p ensará” (M t 6.3-6). A lém disso, devem os ser hum ildes co m as nossas idéias: “Q uem é aquele, dizes tu, que sem con h ecim en to encobre o conselho? Por isso, falei do que não entendia; coisas que para m im eram m aravilhosíssimas, e que eu não com preendia. E scuta-m e, pois, e eu falarei; eu te perguntarei, e tu ensina-m e. C o m o ouvir dos m eus ouvidos ouvi, mas agora te vêem os m eus olhos. Por isso, m e abom ino e m e arrependo no pó e na cinza” (Jó 42.3-6). R e sp o n d e n d o a D eu s c o m o V ida Considerando que o Deus da Bíblia é o “Deus vivo” que criou todos os seres vivos (G n 1.28), devem os ser lhe grato pelo dom da vida. Repetindo, Tiago nos lem bra de que “toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há m udança, n em som bra de variação” (T g 1.17). C om o a Fonte da própria vida, Deus pode prover tudo de que precisam os para viver física e espiritualm ente (Jo 4.10; 6.51): “Abres a m ão e satisfazes os desejos de todos os viventes” (SI 145.16). Jesus disse à m u lh er ju n to ao poço: “Se tu conheceras o dom de Deus e quem é o que te diz: D á-m e de beber, tu lh e pedirias, e ele te daria água viva” (Jo 4.10). Pelo fato de Deus ter criado a vida da não-vida, Ele tam bém pode ressuscitar os m ortos. Por conseguinte, podem os estar seguros de que acabarem os vencendo a m o rte pelo poder da sua ressurreição, proclam ando: “Onde está, ó m o rte, o teu aguilhão? Onde está, ó inferno, a tua vitória?” (1 C o 15.55). R e sp o n d e n d o à Im o rta lid a d e de D eus Visto que só D eus tem im ortalidade intrínseca (1 T m 6.16) e a nossa im ortalidade é u m presente dEle (R m 2.7), devem os ter grande adm iração pela Fonte da vida im ortal. C o m o disse Jó: “O S en h o r o deu e o Sen h or o to m ou ; bendito seja o n om e do S e n h o r” ( Jó 1-21).
A lém disso, devem os recon h ecer a contingência da vida: “Nele vivem os, e nos m ovem os, e existim os” (A t 17.28); e “todas as coisas subsistem por ele” (C l 1.17). Por fim, por causa da im ortalidade de Deus e da sua prom essa de nos dar essa im ortalidade, podem os antegozar a nossa ressurreição gloriosa. C o m o disse Paulo, Cristo, “tran sform ará o nosso corpo abatido, para ser conform e o seu corpo glorioso, segundo o seu eficaz poder de sujeitar tam bém a si todas as coisas” (F1 3.21). P ortanto, “nós m esm os, que tem os as prim ícias do Espírito, tam bém gem em os em nós m esm os, esperando a adoção, a saber, a redenção do nosso co rp o ” (R m 8.23), quando “isto que é corruptível [se revestir] da incorruptibilidade e [...] isto que é m o rtal [se revestir] da im ortalidade” (1 Co 15.53).
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Respondendo à Onibenevolência de Deus Considerando que Deus é todo-am oroso, devemos m an ter em m ente que “nós o am am os porque ele nos am ou prim eiro” (1 Jo 4.19). Sem elhantem ente, “aquele a quem p ouco é perdoado pouco am a” (Lc 7.47). A lém disso, “o am or de Cristo nos constrange, julgando nós assim: que, se u m m o rreu p or todos, logo, todos m o rreram . E ele m o rreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si, mas para aquele que por eles m o rreu e ressuscitou” (2 Co 5.14,15). Por fim, com o vimos, o am or incondicional de Deus nos dá u m profundo senso de segurança, pois “se form os infiéis, ele perm anece fiel; não pode negar-se a si m esm o” (2 T m 2.13).
Respondendo a Deus como Luz C om o luz, Deus é a Fonte de toda ilum inação espiritual. Falando sobre Jesus, João disse que Ele era “a luz verdadeira, que alumia a todo h om em que vem ao m u n d o ” (Jo 1.9). Falando sobre si m esm o, Jesus disse: “Eu sou a luz do m undo; quem m e segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida” (Jo 8.12). Tam bém está escrito: “Tu, Senhor, és a m inh a candeia; e o Senhor clareia as m inhas trevas” (2 Sm 22.29). Deus não só é a própria luz, m as Ele tam bém dá luz. Por isso, Isaías exo rto u : “Vinde, ó casa de Jacó, e andemos na luz do Senhor” (Is 2.5). O salmista continuou: “Desvenda os m eus olhos, para que veja as maravilhas da tu a lei” (SI 119.18). Portanto: “O Senhor é a m inh a luz e a m inha salvação; a quem tem erei?” (SI 27.1).
Respondendo à Unidade de Deus Porque Deus é absolutam ente u m , tem os de evitar todas as form as de politeísmo, triteísm o e idolatria. Meditar na unidade de Deus traz unidade aos crentes. Paulo exortou: “Procurando guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz: há u m só corpo e um só Espírito, com o tam bém fostes cham ados em u m a só esperança da vossa vocação; u m só Senhor, u m a só fé, u m só batismo; u m só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos, e em todos” (Ef 4.3-6). Para ilustrar, quanto mais próxim os os raios de um a roda estão do centro, mais próxim os todos eles estão uns dos outros. Sem elhantem ente, concentrar na natureza de Deus traz unidade aos cristãos.
Respondendo à Sabedoria de Deus Deus é Todo-sábio. Por causa da sua onissapiência, devemos tem ê-lo. Para sermos sábios, tem os de respeitar a sabedoria, e Deus é a Sabedoria personificada. Portanto: “O tem or do Senhor é o princípio da ciência; os loucos desprezam a sabedoria e a in strução” (Pv 1.7). Portanto, quando nos falta sabedoria, tem os de pedi-la a Deus. Tiago escreveu: “E, se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente e não o lança em rosto; e ser-lhe-á dada” (Tg 1.5). Além disso, devemos buscar em Jesus a verdadeira sabedoria, pois “em [Cristo] estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência” (C l 2.3). E: “Mas vós sois dele, em Jesus Cristo, o qual para nós foi feito p o r Deus sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção” (1 Co 1.30).
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A verdade é que precisam os de sabedoria para con h ecer Deus. Por conseguinte, Paulo orou “para que o D eus de nosso S en h or Jesus Cristo, o Pai da glória, vos dê em seu con h ecim en to o espírito de sabedoria e de revelação” (E f 1.17). R e s p o n d e n d o a o C iú m e de D eu s C om o previam ente m encionado, o ciúm e parece ser um atributo estranho de Deus. C ontu do, assim que é com preendido, inspira u m a resposta em tem or reverente. O ciúm e de Deus indica o seu zelo santo em proteger a sua suprem acia que flui da sua ira sobre a idolatria e ou tros pecados. Devido a este atributo, três respostas são m u ito apropriadas. Em prim eiro lugar, devem os adorar Deus com o suprem o. No prim eiro m andam ento, Ele insiste: “Não terás outros deuses diante de m im ” (Ex 20.3). Em Isaías, Jeová acrescenta: “Eu sou o Sen h or, e não há ou tro. [...] E não há ou tro Deus senão eu; Deus ju sto e Salvador, não há fora de m im . [...] O lhai para m im e sereis salvos, vós, todos os term os da terra; porque eu sou Deus, e não há outro. [...] D iante de m im se dobrará todo jo elh o, e por m im ju rará toda língua” (Is 45.18-23). A lém disso, visto que Deus tem ciúm es, devem os nos libertar de todos os ídolos. Ele declara: “Não farás para ti im agem de escultura, n em algum a sem elhança do que há em cim a nos céus, n em em baixo n a terra, n e m nas águas debaixo da terra” (Êx 20.4). Por fim, devem os buscar o nosso bem ú ltim o no Bem U ltim o (D eus). Salom ão tentou tudo que havia “debaixo do sol” para obter satisfação e concluiu que “tudo era vaidade e aflição de espírito” (Ec 1— 3). Mas ainda que nada debaixo do sol traga felicidade perm anen te e com pleta, há A lguém acim a do sol, isto é, o Filho que disse: “Eu vim para que ten h am vida e a ten h a m com abundância” (Jo 10.10). D e fato, Davi disse a Deus: “Far-m e-ás ver a vereda da vida; na tua presença há abundância de alegrias; à tua m ão direita há delícias p erpetu am en te” (SI 16.11). R e sp o n d e n d o à P e rfe içã o M o ral de D eu s Deus não só é infinito, mas Ele é infinitam en te perfeito. P ortanto, Ele exige de nós: “Sede vós, pois, perfeitos, co m o é perfeito o vosso Pai, que está nos céus” (M t 5.48). Paulo acrescenta: “Q uanto ao mais, irm ãos, regozijai-vos, sede perfeitos” (2 C o 13.11). Se não objetivarm os ser perfeitos, provavelm ente é o que conseguirem os. Portanto, ainda que não possamos atingir a perfeição absoluta nesta vida, devemos nos esforçar em alcançá-la, com o disse Paulo: “Não que já a ten h a alcançado ou que seja perfeito; mas prossigo para alcançar aquilo para o que fui tam bém preso por C risto Jesus” (F1 3.12). Sem elh an tem en te, devem os orar por perfeição: “Porque nos regozijam os de estar fracos, quando vós estais fortes; e o que desejam os é a vossa perfeição” (2 Co 13.9). Quando objetivam os, buscam os e oram os por perfeição, podem os viver no plano perfeito de Deus: “E não vos conform eis com este m undo, mas transform ai-vos pela renovação do vosso entendim ento, para que experim enteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de D eu s” (R m 12.2). Claro que sabemos que não podem os atingir a perfeição absoluta nesta vida, por isso a esperam os avidam ente no céu: “Mas, quando vier o que é perfeito, então o que é im perfeito desaparecerá” (1 C o 13.10). C o m o disse João: “Mas sabemos que, quando ele se m anifestar, serem os sem elhantes a ele; porque assim com o é o verem os” (1 Jo 3.2).
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Respondendo à Veracidade de Deus Considerando que Deus é absolutam ente verdadeiro, podem os confiar nas suas promessas (SI 89.35), ter certeza de nossa salvação (2 T m 2.13) e estar protegido por sua verdade (SI 91.4). Tam bém somos salvos pela sua verdade (Ef 1.13) e santificados p or ela (2 Ts 2.13). Somos libertos pela sua verdade (Jo 8.32) e estabelecidos por ela para sempre (SI 117.2). Além disso, sempre devemos proferir a verdade (E f 4.25), falar a verdade em am or (Ef 4.15), andar na verdade (SI 86.11) e servi-lo em verdade (1 Sm 12.24). Devemos estudar a sua verdade diligentemente (2 T m 2.15; Jo 17.17), adorá-lo em verdade 0 o 4.24) e orar para serm os conduzidos na verdade (SI 25.5).
Respondendo à Justiça de Deus Deus é absolutam ente justo ou integro. Quando m editam os no que isso significa, a Bíblia nos guia em nossa resposta. Devemos ser ensinados n a justiça pela santa Palavra de Deus (2 T m 3.15-17), buscar a justiça avidamente (2 T m 2.22) e ter sede dela (M t 5.6). Tam bém devemos estar dispostos a sofrer por ela (lP e 3 .1 4 ;2 T m 3 .1 2 ), nos subm eter por ela (R m 10.3), ser escravos dela (R m 6.18) e praticá-la (1 Jo 3.7). Jesus disse: “Mas buscai prim eiro o Reino de Deus, e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas” (M t 6.33).
Respondendo à Santidade de Deus Por mais tem erosa que seja a santidade de Deus (ver Is 6), tem os de p rocu rar im itá-la. Primeiro, devemos ser santos com o Deus é santo. C om o previam ente citado, Deus disse: “Porque eu sou o Senhor, que vos faço subir da terra do Egito, para que eu seja vosso Deus, e para que sejais santos; porque eu sou santo” (Lv 11.45). Além disso, devemos ser puros co m o Deus é puro: “Não nos cham ou Deus para a imundícia, mas para a santificação” (1 Ts 4.7). Paulo acrescentou: “Ora, amados, pois que tem os tais promessas, purifiquemo-nos de toda imundícia da carne e do espírito, aperfeiçoando a santificação no tem o r de D eus” (2 Co 7.1). Ademais, devemos nos impressionar co m tem o r pela santidade de Deus. Isaías escreveu: “No m eio dele, santificarão o m eu nom e, e santificarão o Santo de Jacó, e tem erão ao Deus de Israel” (Is 29.23). Por fim, devemos buscar a santidade. Hebreus ensina: “Segui a paz co m todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o S enh or” (Hb 12.14). Poucos livros nos inspiram a fazer isso m elhor que À Procura de Deus e The Pursuit o f God (O C onhecim ento do Santo), de A. W. Tozer. Para u m a resposta geral sobre quem é Deus, o livro de J. I. Packer, Conhecimento de Deus, é extrem am en te útil.
CONCLUSÃO A resposta de hom ens e mulheres piedosos de antigam ente está em nítido contraste co m a resposta superficial do cristão típico de hoje. Eles ficavam “am edrontados” com o Deus de Israel (Is 29.23). Ezequiel caiu rosto em terra quando teve a visão da glória de Deus (Ez 1.28). Paulo ficou cego pela luz de Jesus (A t 9) e teve de receber u m espinho na carne para que perm anecesse humilde depois da exaltada visão que teve (2 Co 12). Depois de ver a onipotência de Jesus em ação, Pedro “prostrou-se aos pés de Jesus,
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dizendo: Senhor, ausenta-te de m im , por que sou u m h om em pecad or” (Lc 5.8). Isaías clam ou: “Então, disse eu: ai de m im , que vou perecendo! Porque eu sou u m h o m em de lábios im puros e habito no m eio de um povo de im puros lábios; e os m eus olhos viram o rei, o S en h o r dos Exércitos!” (Is 6.5). Deus é u m D eus tem eroso, e devem os lhe responder em tem or. Ele é o Rei do universo, e devem os nos chegar a Ele com m esura diante da sua realeza. Ele é o Soberano diante de quem “se dobre todo jo elh o dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da te rra” (F1 2.10). Ele é o grande Criador em volta de cu jo trono todos os anjos não-caídos e o povo redim ido se reú n em e cantam : “D igno és, Sen hor, de receber glória, e honra, e poder, porque tu criaste todas as coisas, e por tua vontade são e foram criadas” (Ap 4.11). E Ele é o R edentor am oroso diante de quem João ouviu “a toda criatura que está no céu, e n a terra, e debaixo da terra, e que está no m ar, e a todas as coisas que neles há, dizer: Ao que está assentado sobre o tro n o e ao Cordeiro sejam dadas ações de graças, e honra, e glória, e poder para todo o sem pre” (Ap 5.13). FO N T ES C h arnock, Stephen. The Existence and Attributes o f God. France, R. T. The Knowledge o f God. Packer, J. I. Knowing God. [Edição Brasileira: 0 Conhecimento de Deus (São Paulo: M undo Cristão, 2005).] Philips, J. B. Your God Is Too Small. Sproul, R. C. The Holiness o f God. Tozer, A. W. The Knowledge o f the Holy. _____________ . The Pursuit o f God. [Edição brasileira: A Procura de Deus (B elo H orizonte: Editora Betânia, 1985).]
PARTE
DOI S
A CRIAÇÃO
CAPÍTULO
DEZOITO
VISÕES ALTERNATIVAS SOBRE A CRIAÇÃO
cenário teológico para a d outrina cristada criação é teísta. Podem os entender m elh or o teísm o em contraste com as outras duas principais visões ( o panteísm o e o ateísm o; ver V olum e 1, capítulo 2). Cada um a postula u m ponto de vista fund am entalm ente diferente sobre a origem . Há três alternativas prim árias sobre a n atu reza da criação (ver Geisler, K T C , capítulo 4). Os m aterialistas (m uitos dos quais são ateus) crêem na criação a partir da m atéria (ex matéria), ao passo que os panteístas reivindicam que a criação sai de D eus (ex D eo), e os teístas afirm am que a criação foi feita por Deus do nada (ex nihilo).
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M A T ER IA LISM O : C R IA Ç Ã O A P A R T IR D A M A T ÉR IA A visão m aterialista da criação defende que a m atéria (ou energia física) é eterna. A m atéria sem pre é e sem pre será. C om o reivindicam os físicos: “A energia não pode ser criada n em destruída”. Isto é conhecid o co m o a prim eira lei da term o d in âm ica.1 Há duas subdivisões básicas n a visão da “criação a partir da m atéria”: A que envolve um D eus (por exem plo, o platonism o), e a que não o envolve (por exem plo, o ateísm o). P la to n ism o : D eu s C rio u a p a r tir da M atéria P re e x iste n te M uitos gregos antigos criam que Deus criou a partir de um “torrão de barro” previam ente existente e eterno. Q uer dizer, Deus e o “m aterial” do universo m aterial (o cosm o) sem pre existiram . A “criação” é o processo eterno pelo qual Deus m olda m atéria continu am ente, dando fo rm a ao conteú d o do universo. P latão (c. 427-347 a.C .) propôs esta visão da criação a p artir da m atéria ( T , p. 27ss.). Ele ch am o u a m atéria “o in fo rm e ” (o u “caos”), ao passo que D eus era o Form ad or (o u D em iu rgo). Usando u m m u nd o etern o de form as (idéias), D eus m o d elou ou organizou a massa in fo rm e de m ateriais cham ada m atéria. Em sum a, o Form ad or (D eus), p o r m eio das form as (idéias que fluíram da F orm a), fo rm o u o in fo rm e (a m atéria) em u m lo rm a to (o cosm o ). O u, usando as palavras gregas, o Demiurgos, por m eio do eidos (idéias) que fluiu do agathos (o B o m ), m o d elou o chaos (o in fo rm e) em u m kosmos (o universo m aterial). 1Na verdade, trata-se de declaração inexata da primeira lei, que mais corretam ente diz: “A quantidade de energia atual no universo [pouco importando com o chegou aqui] perm anece constante”.
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Darem os explicações sucintas de vários elem entos deste ponto de vista platônico da criação. A Matéria E Eterna O m aterial básico do universo físico sem pre existiu. N unca houve u m tem po em que todos os elem entos do cosm o não existissem. Tudo sem pre é. "Criação” significa Formação e não Origem De acordo com esta visão, “criação” não significa trazer à existência algo que previamente não existia. Mais exatam ente, significa form ação do que sem pre existiu. Deus não origina a m atéria; Ele organiza a m atéria que sempre existiu. 0 "Criador" E um Formador e não um Produtor Nesta visão platônica, a palavra Criador não quer dizer “Originador de tudo que existe”, mas o “C on stru to r”. Os blocos construtivos já existiam; Deus apenas os reuniu. Por conseguinte, Deus é o Arquiteto do universo m aterial e não a Fonte. Deus não E o Soberano sobre todas as Coisas U m a conseqüência da cosmovisão platônica é que Deus não está no controle últim o de todas as coisas, pois há algo eterno fora dEle: Há u m dado, algo co m o qual até Deus tem de tratar. A m atéria sem pre existiu, e Deus não pode fazer nada sobre isto. Ele pode m odelar a m atéria, mas isso lhe coloca certas limitações. Da m esm a m aneira que há limites sobre o que podem os fazer co m papel (é bom para fazer pipas, mas não para fazer naves espaciais), assim a própria natureza da m atéria é u m im pedim ento à capacidade do Criador. Em sum a, a existência e n atureza da m atéria im põem limites a Deus.
Ateísmo: A Matéria É Eterna U m a segunda cosmovisão no m aterialism o é geralm ente cham ada ateísmo, em bora m uitos agnósticos tam bém a defendam. Os ateus dizem que não há Deus; os agnósticos afirmam não saber se há Deus. C ontudo, nem u m dos dois acredita que seja necessário postular Deus para explicar o universo. A m atéria sem pre existiu em u m a form a ou ou tra. N a realidade, para os ateus, o universo é tudo que existe, sendo que até a m ente veio da m atéria. Os ateus que acreditam que os seres hum anos têm alm a tam bém insistem que a alm a é dependente do corpo assim com o a som bra depende da árvore (ver Volume 3, capítulo 2). Se interrogados sobre de “onde veio o universo”, os materialistas rígidos respondem com u m a pergunta: De onde Deus veio? Eles afirmam que não faz sentido indagar sobre quem fez o universo assim co m o é sem sentido perguntar quem fez Deus. Muitos pensadores ao longo dos séculos têm sustentado que a criação saiu da m atéria (ex matéria), pensam ento postulado desde os atomistas antigos (que reduziram todas as coisas a átom os) até aos materialistas m odernos, com o Karl M arx [1818-1883] (ver M ER, p. 298). U m porta-voz contem porâneo desta visão foi o fam oso astrônom o Carl Sagan (1934-1996), que acreditava que “o cosm o é tudo que é, ou sem pre foi, ou sem pre será”
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(C, p. 4). Os seres hu m anos são poeira estelar que refletem estrelas. Em vez de Deus criar as pessoas, as pessoas criaram Deus. C om o disse Karl M arx, a m ente não criou a m atéria; a m atéria criou a m en te (op. cit., p. 231). Supondo a existência eterna da m atéria e do m ovim en to (u m a suposição incrível), podem os explicar tudo pela evolução pu ram ente natu ral. M atéria mais tem po, acaso e leis naturais (co m o a seleção n atu ral) podem explicar tudo. Até as com plexidades da vida hu m ana podem ser racionalizadas pelas leis p u ram ente naturais do universo físico. C om o vim os, dando bastante tem po, m acacos com um a m áquina de escrever podem supostam ente produzir as obras de Shakespeare. Não é necessário haver u m Criador inteligente. R e su m o da C ria ç ã o E x M atéria Há aspectos im portantes nesta visão ateísta, os quais resum irem os brevem ente nestes quatro pontos apresentados a seguir. A M atéria E Eterna
R epetindo, a m atéria sem pre existiu — ou, pelo m enos, com o disse certo ateu: “Se a m atéria veio à existência, veio à existência do nada e por m eio do nada” (Kenny, FW , p. 147). O universo m aterial é auto-sustentável e autogerador. É provavelm ente eterno, mas se veio a ser (à existência), então veio a ser sozinho sem ajuda externa. C om o especulou Isaac Asimov, h á igualm ente boas chances de ou nada vir do nada ou algo sair do nada. Por pura sorte, algo em ergiu (BE, p. 148). Portanto, ou a m atéria é eterna, ou então ela veio do nada, espontaneam ente, sem causa. Os m aterialistas tradicionais (cham ados atom istas) acreditavam que havia bolas de realidade, pequenas, duras, inum eráveis e indestrutíveis, cham adas átom os. C o m a divisão do átom o e o surgim ento do e = m c 2 (energia = m assa x a velocidade da luz ao quadrado) de Einstein, h oje os m aterialistas falam da indestrutibilidade da energia. Eles apelam para a prim eira lei da term odinâm ica, afirm ando, co m o vim os, que “a energia não pode ser criada n em destruída”. A energia não deixa de existir; ela apenas assume novas form as. Até m esm o na m o rte, todos os elem entos de nosso ser são reabsorvidos pelo am biente e usados de novo por outras coisas. O processo continu a para sem pre. N ão E Necessário um Criador
O utra premissa do m aterialism o rígido é o ateísm o ou não-teísm o; quer dizer, ou não há Deus ou, no m ínim o, não há necessidade de u m Deus. O Manifesto Humanista I I diz: “C o m o não-teístas, com eçam os com seres hum anos e não Deus, a natu reza e não a deidade” (Kurtz, H M I I , p. 16). De acordo com a visão não-teísta da “criação a partir da m atéria”, não é necessária u m a causa para trazer a m atéria à existência ou form ar a m atéria já em existência. Não há n em Criador n em Fazedor (Form ad or) do m undo. O m u nd o se explica a si m esm o. Os Seres Humanos não São Imortais O u tra im plicação habitual desta perspectiva é que não há “alm a” im ortal ou aspecto espiritual dos seres hum anos. O Manifesto Humanista I observa: “O dualism o tradicional da m ente e corpo tem de ser rejeitad o”. Pois, os seus escritores crêem que “a ciência m oderna desacredita de conceitos históricos com o o ‘fantasm a da m áquin a’ e a ‘alm a
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separável’” (ibid., p. 8 ,1 6 ,1 7 ). Os materialistas rígidos não crêem no espírito ou na m ente: Não há m ente, só cérebro. O pensam ento é apenas u m a reação química do cérebro. Thom as Hobbes (1588-1679) definiu a m atéria da seguinte form a: O mundo (quero dizer apenas a terra, que denomina os seus amantes “os homens mundanos”, mas também o universo, isto é, toda a massa de todas as coisas que são) é corpóreo, isto é, corpo; e tem as dimensões de grandeza, a saber, comprimento, largura e profundidade. Também qualquer parte do corpo é igualmente corpo e tem as mesmas dimensões, e conseqüentemente qualquer parte do universo é corpo e aquilo que não é corpo não é parte do universo. E porque o universo é tudo, aquilo que é não parte dele, não é nada, e conseqüentemente está em lugar nenhum. (I, p. 269) Os materialistas m enos rígidos adm item a existência de u m a alm a, mas negam que ela exista independentemente da m atéria. Para eles, a alm a é para o corpo o que a im agem no espelho é para quem está olhando. Quando o corpo m o rre, a alm a m orre; quando a m atéria desintegra, a m ente tam bém acaba. Os Seres Humanas não São Únicos E n tre os que defendem a criação da matéria, há diferenças relativas à natureza dos seres hum anos. A maioria concorda em dar u m status especial aos seres hum anos co m o o ponto mais alto no processo evolutivo. Entretanto, praticam ente todos concordam que os seres hum anos não são qualitativamente diferentes dos animais. Os seres hum anos só diferem em grau, não em espécie das form as mais baixas de vida. Os seres hum anos são a form a animal mais alta e mais recente na escala evolutiva, mas eles não são exclusivam ente diferentes. Eles apenas têm habilidades mais altam ente desenvolvidas que os primatas. C ertam ente, dizem, os seres hum anos não são únicos acima do resto do reino animal, m esm o que estejam no ponto mais alto desse reino.
Panteísmo: Criação a partir de Deus Na ou tra ponta do espectro do m aterialism o está o panteísmo. Os materialistas afirmam que tudo é m atéria; os panteístas acreditam que tudo é m ente ou espírito. No assunto da criação, o m aterialism o acredita na criação a partir da m atéria (ex matéria), mas o panteísm o acredita na criação a partir de Deus (ex Deo). Há duas categorias básicas nas quais os panteístas se dividem: panteísmo absoluto e panteísmo não-absoluto.
Panteísmo Absoluto Os panteístas absolutos afirm am que só a m ente (ou espírito) existe e não a m atéria. O que cham am os m atéria não passa de u m a ilusão, co m o u m sonho ou miragem . Parece existir, mas realm ente não existe. Há dois representantes clássicos desta visão, Parmênides (nascido c. 515 a.C .) do Ocidente (u m grego) e Shankara (c. século VIII) do Oriente (u m hindu). Repetindo (ver Volume 1, capítulo 2), Parmênides argum entou que tudo é u m , porque presum ir que mais de u m a coisa existe é absurdo (P, em Kirk, PP, p. 266-283). Se houvesse duas ou mais coisas, elas teriam de diferir, mas os únicos modos de diferir são por algo (ser) ou por nada (não-ser). E ntretanto, é impossível não diferir p o r nada, visto que não diferir p or nada (ou não-ser) é apenas outro m odo de dizer não há diferença nenhum a.
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E duas coisas não podem diferir por ser (ou existir), porque o ser (ou existência) é a única coisa que eles têm em co m u m — é impossível diferir pelo m esm o aspecto no qual eles são os m esm os. Por conseguinte, Parmênides concluiu que é impossível ter duas ou mais coisas. Só pode haver u m ser: Tudo é u m e u m é tudo. P ortan to, tudo que parece ser realm ente não existe. Colocado no con texto da criação, isto significa que Deus existe e o m undo não. Há um Criador, mas realm ente n en h u m a criação. Ou, pelo m enos, o único sentido no qual podem os dizer que é um a criação é que vem de Deus do m odo em que o sonho vem da m ente. O universo é só o nada sobre o qual Deus pensa. Deus é a totalidade de toda a realidade, e o não-real sobre o qual Ele pensa e que nos aparece, com o o zero, não existe. E literalm ente nada. O fam oso filósofo hindu Shankara (em Prabhavananda, SH I, p. 55) descreve a relação do m undo com Deus, a ilusão à realidade, pela analogia do que parece que é um a cobra, mas, visto de perto, é um a corda. Q uando olham os para o m undo, o que existe não é a realidade (bram a); mais exatam ente, é som ente u m a ilusão ( mata). Sem elhantem ente, quando u m a pessoa olha para si m esm a, o que parece que existe (o corpo) é só u m a m anifestação ilusória do que realm ente é (a alm a). E quando a pessoa olha para a alm a, ela descobre que a profundidade da alm a (atm ã) é, na verdade, a profundidade do universo (bram a). O atm ã (h o m e m ) e o bram a (D eus). Pensar que não som os Deus faz parte da ilusão ou sonho do qual tem os de acordar. Cedo ou tarde tem os de descobrir que tudo vem de Deus, e tudo é Deus. E o que diz o argum ento dos panteístas absolutos. P an teísm o N ã o -A b s o lu to 2 O utros panteístas defendem u m a visão mais flexível e elástica da realidade. Ainda que acreditem que tudo é u m com Deus, eles não negam que haja certa m ultiplicidade que flui (ex D eó) da unidade de Deus. Eles acreditam que tudo está no u m assim com o todos os raios estão no centro do círculo, ou com o todas as gotas se fu nd em em um a lagoa infinita. Entre os representantes desta visão citam os o neoplatôn ico Plotino (205-270 d.C.), o filósofo m od ern o B aruch de Espinosa (1632-1677) e o pensador hindu contem p orâneo Radhakrishna. De acord o co m este p e n sa m e n to , há m u itas coisas no m u n d o , m as todas e m a n a m da essência do U m (D eu s). Os m u ito s estão no U m , m as o U m não está nos m u ito s, q u er dizer, todas as cria tu ra s fazem p a rte do C riad or. Elas vêm dEle da m esm a fo rm a que a flo r se desenvolve da sem en te ou as faíscas v êm do fo g o. R ep etin d o, as criatu ras são m u itas gotas que esp irram da lagoa in fin ita , m as acabam caindo de v o lta e m istu ran d o -se co m o Tod o. Todas as coisas vêm de D eus, fazem p a rte de D eus e fu n d em -se de v o lta em D eus. Falando te c n ic a m e n te , para os panteístas, não há C riação , m as só u m a e m a n a çã o de todas as coisas de D eus. O u n iv erso n ão foi feito do nad a (ex nihilo ), n e m de algo p reexisten te (ex m atéria), m as foi fe ito de D eus (ex D eo).
2 Os outros tipos de panteísmo são: (1) panteísmo de em anação (Plotino); (2) panteísmo de desenvolvimento (Hegel); (3) panteísmo de modalidade (Espinosa); (4) panteísmo de muitos níveis (Radhakrishna); e (5) panteísmo de permeação (zen budismo).
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Resumo da Visao Panteísta da Origem Esta visão panteísta da origem con tém elem entos significativos. Farem os u m esboço breve dividido em quatro pontos. Não há Distinção Absoluta entre o Criador e a Criação No final das contas, o Criador e a criação são um . Eles diferem em perspectiva, com o os dois lados de u m pires. Ou, eles diferem relacionalm ente, com o a Fonte ao seqüente, com o a Causa ao efeito. O criador e a criação podem não ser mais diferentes do que o reflexo no lago é para o cisne que nada nele. U m é a im agem invertida do outro que é a coisa real. M esmo para os que acreditam que o m undo é real, o Criador e a criação são dois lados da m esm a moeda. Não há real diferença entre eles. Há uma Relação Eterna entre o Criador e a Criação Os panteístas acreditam que Deus causou o m undo, mas eles insistem que Ele tem causado isto sempre. Da m esm a m aneira que os raios solares brilhariam para sempre de u m sol eterno, ou os raios sem pre em ergem do centro de u m círculo eterno, assim Deus tem criado para sempre: O universo é tão velho quanto Deus. Da m esm a m aneira que em u m m undo eterno u m a pedra estaria sobre o u tra para sempre, assim o m undo seria dependente de Deus para sempre. De acordo co m o panteísmo, a Causa tem criado desde a eternidade. 0 Mundo E do mesmo “M aterial” que Deus Os panteístas acreditam que Deus e o m undo são da m esm a substância. Ambos consistem de D eus-m aterial. A criação faz parte do Criador; é u m em n atureza co m Deus. Deus é água. Deus é as árvores. C om o disse Marilyn Ferguson, adepto do m ovim ento N ova Era, quando observamos o leite ser derram ado nos cereais, vem os Deus sendo derram ado em Deus! (A C ). No final das contas, há só u m a substância, u m “m aterial” no universo, e é divino. Todos nós somos feitos disso — todos nós som os Deus. Os Seres Humanos São Deus Se toda criação é a em anação de Deus, então assim é a hum anidade. A teóloga popular de panteísm o da N ova Era, Shirley MacLaine, acredita que “você pode usar Eu sou Deus, ou Eu sou Cristo, ou Eu sou o que eu sou, co m o Cristo u sou” (DL, p. 112). Na minissérie especial de televisão “O ut on a Limb” (janeiro de 1987), ela fez ondulações no m ar e proclam ou: “Eu sou Deus. Eu sou Deus!” O Senhor M aitreya, que m uitos crêem ser o “C risto” da Nova Era, declarou por interm édio de Benjam im C rem e, o seu agente de im prensa: “O m eu propósito é m ostrar para os hom ens que eles não precisam mais ter m edo, que toda Luz e Verdade está no seu coração, que quando este fato simples for conhecido os hom ens se tornarão Deus” (C rem e, M M C, p. 204).
TEÍSMO: CRIAÇÃO A PARTIR DO NADA Em contraste com o materialism o e o panteísm o, há a visão judaico-cristã da criação: do nada. De acordo co m esta posição, Deus está acim a e além do m undo, não m eram ente nele e certam ente não dele. O Criador está relacionado co m a criação mais
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sem elhantem ente a u m pintor que está relacionado co m sua pintura. O pintor não é a pintura; mais exatam ente, ele criou a pintura e está manifesto nela. Sem elhantem ente, Deus não é o m undo; ao invés disso, Ele criou o m undo e se manifesta nele (SI 19.1). Esta posição é representada pelo judaísmo ortodoxo, islamismo e cristianismo. Entre os seus proponentes estão grandes pensadores cristãos co m o Agostinho, Anselm o e Aquino, com o tam bém Reform adores co m o Lutero, Zwínglio e Calvino. Sem elhantem ente, um dos representantes do século X X mais bem conhecidos desta visão foi C. S. Lewis.
A C ontribuição de Agostinho para o Teísmo Agostinho (354-430), o m onge medieval, avançou co m m uita luta através das posições precedentes. Primeiro, ele foi pego nas garras do ceticismo, que afirmava a criação da m atéria sem u m Deus. Depois, aceitou u m a form a de dualismo maniqueísta, que acreditava que havia u m reino eterno m au oposto a Deus. Antes de converter-se ao cristianismo, Agostinho foi influenciado por Plotino que, com o já m encionado, cria na criação a partir de Deus (ex Deo ). Mas, conseqüentem ente, Agostinho aceitou a posição bíblica da criação do nada. Ele concluiu que a criação veio de Deus, mas não saiu de Deus. ‘“Vir dEle’ não significa o m esm o que ‘sair dEle’. [...] Pois dEle são os céus e a terra, porque Ele os fez; m as não saiu dEle, porque elas não são da substância dEle” ( O N G , p. 27). Só Cristo, o Filho de Deus, é da m esm a substância de Deus. Toda criação veio de Deus. Peter Kreeft observou que para os cristãos, “o m undo é não Deus e não u m a ilusão. Nas religiões orientais, o m undo é ou Deus ou u m a ilusão, ou parte da m ente ou corpo de Deus, ou maia, u m em buste” (B H H , p. 92). Só Deus E Eterno
Para Agostinho, “o Deus etern o ” criou o m undo tem poral (C G , 11.4). Só Deus é eterno, porque Ele não criou desde a eternidade. Agostinho rejeitou a visão dos que negavam “u m com eço ‘tem poral’, mas admitiam u m com eço ‘criacionista’, co m o se, de algum m odo dificilmente compreensível, o m undo foi feito, mas feito desde toda a eternidade” (ibid.). Quando alguém perguntava o que Deus estava fazendo antes de criar o m undo, Agostinho respondia: “Deus estava desocupado, pela razão simples de que não havia tal coisa com o tem po antes que o universo fosse feito” (ibid., 11.5), pois “se eles imaginassem períodos infinitos de tem po antes do m undo, no qual eles não vissem co m o Deus poderia ter tido nada que fazer, eles conceberiam âmbitos infinitos de espaço além do universo visível” (ibid.). Mas isto é absurdo, porque não há espaço além do cosm o finito. O Mundo Teve um Começo
Agostinho declarou: “As Escrituras Sagradas e infalíveis falam que no princípio Deus criou os céus e a terra em ordem . [...] Indubitavelmente, o m undo não foi feito no tem po, mas junto com o tem p o ”. Portanto, não havia tem po antes do tem po, só a eternidade. Deus não muda, mas o universo muda. O tem po é a medida dessa m udança, pois “a m arca distintiva entre tem po e eternidade é que o tem po não existe sem u m pouco de m ovim ento e m udança, ao passo que na eternidade não há n en h u m a m udança”. Obviamente, “não poderia ter havido tem po que não tivesse u m a criatura sido feita cujo m ovim ento efetuasse algum a m udança”. Mas “na eternidade [de Deus] não há m udança
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n en h u m a”. Por conseguinte, não podemos “dizer que Ele criou o m undo depois de u m espaço de tem p o” (ibid., 11.6). 0 Mundo Foi Criado do Nada (ex nihilo) “No princípio, criou Deus os céus e a terra” (Gn 1.1). Agostinho cria que “a menos que isso signifique que nada tivesse sido feito antes, teria sido declarado que tudo o mais que Deus fizera antes foi criado no princípio” (ibid.). E não só nada foi feito antes disto, mas o que foi feito foi criado do nada. A criação não pode ser da substância de Deus, porque Ele é eterno na sua essência e a criação é tem poral. Ele não tem com eço, ao passo que o m undo teve u m com eço. Além disso, a criação “não sai dEle, porque não é im utável, co m o Ele é”. Considerando que o universo “não foi feito de qualquer ou tra coisa; foi feito indubitavelmente do nada — mas p or Ele m esm o” (OSIO, 1.4). Até m esm o Adão — corpo e alm a — foi criado do nada, pois “em bora Deus formasse o h om em do pó da terra, a própria terra e todo m aterial terrestre foi criado absolutam ente do nada”. Até m esm o “a alm a do h o m em Deus tam bém criou do nada, e uniu ao corpo quando Ele fez o h o m e m ” (CG, 14.11). Em sum a, o m undo deve ter sido feito do nada, porque teve u m com eço; veio à existência. Nem sem pre existiu; Deus o fez. O m undo é finito, tem poral e m utável, ao passo que Deus não é nada disso. Por conseguinte, o m undo não pode ser feito da substância ou essência de Deus. Deve, então, ter entrado em existência do nada pelo poder de Deus. Agostinho resum iu sucintam ente as três perguntas básicas sobre a criação: “Q uem fez a criação? Com o? e Por quê? As respostas são: ‘Deus’; ‘pela Palavra’; e ‘porque é b om ”’ (ibid., 11.23). Portanto, “o que Deus criou foi feito som ente por causa da sua bondade, não por causa de necessidade nem de necessidade para usar a coisa para si m esm o” (ibid., 11.24). Pelo m otivo de cada indivíduo ser criado pela boa vontade de Deus, Ele deve recon h ecer a bondade de Deus. “Se ele não adora a Deus, ele é miserável, porque [ele está] privado de D eus.” Por outro lado, “se ele adora a Deus, ele não pode desejar ser adorado no lugar de D eus” (ibid., 10.3).
A Contribuição de Tomás de Aquino para a Visão Teísta da Criação Depois de Agostinho, o m aior pensador cristão da Idade Média foi Tomás de Aquino (1224-1274), o m onge dom inicano. As suas visões sistemáticas de Deus e da criação tornaram -se padrão para o pensam ento cristão ortodoxo desde os seus dias. Só Deus Pode Criar Aquino sustentou que “não só não é impossível que algo seja criado por Deus, mas é necessário dizer que todas as coisas foram criadas por Deus” (ST, la.45.2.), pois “criar só pode ser a ação própria de Deus” e “produzir o ser absolutamente, não m eramente com o este ou aquele ser, pertence à natureza da criação. Por conseguinte, é óbvio que a criação é o ato próprio exclusivamente de Deus”. Deus não pode usar causa secundária ou instrumental para criar, “porque a causa instrumental ou secundária não tom a parte na ação da causa superior”. Por exemplo, um a serra não produz por si só a form a de u m banco. Este é o efeito próprio exclusivamente da causa principal, o carpinteiro. “Assim é impossível que a criatura crie, ou por seu próprio poder ou instrumentalmente” (ibid., la.45.5).
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A Criação não Ê Eterna
C om o Agostinho antes dele, Aquino cria que “nada exceto Deus pode ser etern o ”. Entretanto, Aquino não defendeu que houvesse argum ento válido que provasse que o universo teve u m com eço, em bora ele o aceitasse com o ensino bíblico (ibid., la.46.1). Ele afirmou claram ente: “Que o m undo n em sem pre existiu sustentam os só pela fé; não pode ser provado dem onstrativam ente” (ibid., la.46.2). Porém se o m undo teve u m com eço, esta é forte indicação do seu Criador. “Pois o m undo leva mais evidentem ente para o conhecim ento do poder criador divino se nem sem pre não fosse, que se tivesse sido sempre. [...] Tudo que não era sempre tem manifestadamente u m a causa” (ibid, la.46.1). Deus trou xe o m undo à existência p o r u m ato livre da sua vontade: “O prim eiro agente é u m agente v o lu n tário ” . Ainda que Ele tivesse a vontade etern a para produzir algum efeito, Ele não produziu u m efeito etern o (ibid., la.46.1, ad 6), pois “de um a ação etern a de Deus não procede u m efeito etern o ; procede apenas tal efeito co m o Deus deseja, u m efeito, isto é, aquele que tem o ser segundo o n ão -ser” (ibid., la.46.2, ad 10). Aquino não cria que houvesse tem po antes do com eço do m undo. O não-ser veio “antes” do ser apenas em sentido lógico e não cronológico. O Criador é “antes de todo o tem p o” apenas por u m a prioridade da natureza e não do tem po. “Dizemos que as coisas foram criadas no princípio do tem po, não co m o se o co m eço do tem po fosse um a medida da criação, mas porque junto co m o tem po foram criados os céus e a terra” (ibid., la.46.3, ad 1). Portanto, o tem po com eça com a criação. Não foi u m a criação no tem po, mas u m a criação do tem po. A Criação E do N ada
Aquino a rg u m e n to u que a cria çã o te m de ser do n ada. Por d efin ição, “nada é igual a n ão-ser” . E n tre ta n to , “quando se diz que algo foi feito do n ada, a prep osição de n ão significa u m a cau sa m a te ria l, m as só u m a o rd e m ” (ibid., la .4 5 .2 ). S e m elh an tem en te , o m eio -d ia vem da m a n h ã , q u erend o dizer depois da m a n h ã e n ão literalm en te dela. Na verdade, criar do nada é u m conceito negativo: “O sentido é [...] foi feito de coisa n en h u m a. Da m esm a m aneira que tivéssemos de dizer: Ele fala de nada, porque ele não fala de coisa algu m a” (ibid., la.45.2, ad 3). O fam oso provérbio que “nada vem do nada” não deve ser entendido de form a absoluta. Significa que algo não pode ser causado p or nada, mas não que algo não possa vir depois do nada. Q uer dizer, algo pode ser criado do nada, mas não por nada.
Elem entos Im portantes da Visão Teísta da Criação A visão teísta de criação con tém muitas verdades significativas. Exam inarem os quatro delas brevemente. H á uma Diferença Absoluta entre o Criador e a Criação
O teísmo cristão defende que há u m a diferença fundam ental e real entre o Criador e a criação. Os contrastes apresentados a seguir focalizarão as diferenças.
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C R IA D O R
C R IA Ç A O
Incriado
Criado
Infinito Eterno
Finito Tem poral M utável
Deus e o m undo são radicalm ente diferentes. U m é o Fazedor e o outro é o feito. Deus é a Causa e o m undo é o efeito. Deus é Ilimitado e o m undo é limitado. O Criador é Auto-existente, mas a criação é com pletam ente dependente dEle para existir. Algum as ilustrações já conhecidas ajudam a esclarecer mais a real distinção entre o Criador e a criação. No panteísmo, Deus é para o m undo o que o m ar é para as gotas de água que estão nele, ou o que o fogo é para as faíscas que saem dele. Entretanto, no teísmo, Deus é para o m undo o que o pintor é para a pintura ou o dram aturgo é para a peça teatral. Quer dizer, enquanto o artista está em certo sentido manifesto na sua arte, ele tam bém está fora dela. O pintor não é a pintura. Ele está além , acim a e sobre ela. Sem elhantem ente, Deus é o Criador do m undo que o causa para existir e que é revelado nele. Deus não é o m undo. A Criação Teve um Começo O utro elem ento crucial da visão teísta da criação do nada é que o universo (tudo menos Deus) teve u m com eço. Jesus falou da sua glória co m o Pai “antes que o m undo existisse” (fo 17.5). O tem po não é eterno. O universo tem po-espacial foi trazido à existência. O m undo nem sem pre existiu. O m undo não co m eço u no tem po — o m undo foi o com eço do tem po. O tem po não existiu antes da criação e, depois, em algum m om en to no tem po, Deus criou o m undo. Repetindo, não foi u m a criação no tem po, mas u m a criação do tem po. Isto não significa que houve u m tem po em que o universo não era, pois não havia tem po antes que o tem po com eçasse. A única coisa “anterior” ao tem po era a eternidade; quer dizer, Deus sem pre existe, ao passo que o universo com eçou a existir. Por conseguinte, Deus é anterior ao m undo tem poral ontologicam ente (em realidade), mas não cronologicam ente (n o tem po). Dizer que a criação teve um co m eço é destacar que entrou em existência do nada. Primeiro não existiu, e depois existiu. Não era, e depois era. Claro que foi Deus a Causa da vinda do m undo à existência. 0 "Nada” do qual Deus Criou era o Nada Absoluto Quando o teísta declara que Deus criou “do nada”, ele não quer dizer que “nada” era algum tipo de algo invisível e im aterial que Deus usou para fazer o universo material. Nada significa absolutamente nada, quer dizer, só Deus existia e totalm ente nada mais. Deus criou o universo, e depois, e som ente depois, houve qualquer o u tra coisa que existia. Se “nada” fosse realm ente u m algo escondido ou secreto, então a criação seria de qualquer ou tra coisa (ex matéria). Mas os teístas dem onstram que a criação saiu do nada (ex nihilo). Em sum a, a criação do nada significa verdadeiramente que Deus não usou qualquer coisa quando Ele criou o universo. Ele o trouxe à existência pelo seu próprio poder.
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A Criação do Nada não É Criação pelo Nada O teísmo acredita que o universo veio a ser (existir) do nada, mas só por Alguém (Deus); não afirma que nada produziu algo. Na realidade, o teísta poderia cantar com Julie Andrews a canção The Sound o f Music: “N othing com es from nothing; nothing ever could” (Nada vem do nada; porque nada jamais poderia vir do nada). De fato, no cerne da crença teísta no poder causai de Deus está a rejeição da premissa de que nada pode criar algo. Só algo (ou alguém ) pode causar algo. Nada não causa nada. Assim, para o teísmo, a criação do nada não significa criação pelo nada. Significa, antes, que Deus criou o universo sem a ajuda de qualquer m atéria ou substância preexistente. Ele a fez pela sua própria onipotência infinita. Alguém que não usou absolutamente mais nada causou a criação inteira para entrar em existência (ser) “pela palavra do seu poder” (Hb 1.3; cf. Gn 1.3,6,9,11,14,20,24,26).
A FONTE, CONTEÚDO, MÉTODO, TEMPO E PROPÓSITO DA CRIAÇÃO Além de ser distinto por criação ex nihilo, a doutrina cristã da criação é caracterizada p or várias outras características. Entre elas se incluem a fonte, o conteúdo, o m étodo, o tem po e o propósito da criação. A Fonte da Criação A fonte da criação é u m Deus teísta. Só Ele pode criar algo do nada (A gostinho, CG, 11.23). Deus é a “Causa Prim eira” (Agostinho, LCG, p. 23). Ele é o “C o m eço ” além do qual não há com eço. Ele é eterno e não-causado. Ele é indivisível e im utável (Agostinho, CG, 11.10). Ele é infinitamente sábio e poderoso. Além disso, Deus criou voluntariam ente. C om o observou Aquino: “Não é necessário que Deus desejasse qualquer coisa exceto Ele m esm o” (ST, la.46.1). Visto que o Deus cristão é u m a Trindade de Pai, Filho e Espírito (ver capítulo 12), todas as três Pessoas estão envolvidas na criação. De acordo co m Agostinho: “Ao Pai é atribuído o poder que é especialmente m ostrado na criação. [...] Ao Filho é atribuído a sabedoria através da qual u m agente intelectual age. [...] Ao Espírito Santo é atribuído a bondade, à qual pertence o governo [...] e a doação de vida” (ibid. 1.46.6). A criação é designada a todos os três mem bros da divindade, porque em Deus a sua existência é “idêntica à sua essência e co m u m a todas as três pessoas, e é, então, u m a atividade de toda a Trindade, não peculiar a u m a Pessoa” (ibid.). Deus não apenas criou, mas só DeuspoJe criar. “Criar é, propriam ente dito, causar ou produzir o ser (existência) das coisas” (Aquino, ST, la.45.6). Só Deus pode causar algo para en trar em existência; os seres hum anos não podem criar. “O h om em individual não pode ser absolutamente a causa da natureza hum ana, porque ele seria então a causa de si m esm o” (ibid. la.45.5). Na realidade, “n en h u m ser criado pode produzir u m ser absolutam ente” (ibid.). Considerando que os anjos são seres criados, conclui-se que eles não podem criar. Isto é assim, porque só Deus é a causa prim ária e “n enh u m a causa secundária pode produzir qualquer coisa. [...] Por conseguinte, conclui-se que nada pode criar a não ser som ente Deus” (ibid., la.65.3). Causas secundárias não criam ; elas só reduplicam (ibid., la.45.6). U m a “causa instrum ental secundária não tom a parte na ação da causa superior. [...] Portanto, é impossível a criatura criar” (ibid. la.45.5).
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0 Conteúdo da Criação Deus criou tudo o que existe. Ele criou “os céus e a terra” e todos os seres viventes (Gn 1.1,20-27). Deus criou a existência da não-existência; Ele fez algo do nada. Para Agostinho, o fato que Deus criou todas as coisas “im plica que antes da criação dos céus e da terra Deus não tinha feito nada” (CG, 11.9). Mas se não havia nada antes de Deus criar, então no final das contas Ele criou tudo do nada: “Não poderia ter existido qualquer m atéria de qualquer coisa a menos que viesse de Deus, o A u tor e Criador de tudo que foi form ado ou será form ado” (Agostinho, LCG, p. 35). Todas as coisas são provenientes de Deus, elas não são de Deus (Agostinho, ONG, p. 27). A criação “não é dEle, porque não é im utável, com o Ele é”. Entretanto, co m o vimos, visto que a criação “não foi feita de qualquer o u tra coisa, foi indubitavelmente feita do nada — senão por Ele m esm o” (Agostinho, OSIO, 1.4). Repetindo, isto não significa que “nada” seja u m tipo de m aterial invisível do qual Deus fez o m undo. Por “do nada” o significado é “que não foi feito de algum a coisa” (Aquino, ST, la.46.2). C om o observou Aquino, a preposição “de” não con ota que veio proveniente de algo, mas que veio depois do nada (ibid., 1.45.1). Por conseguinte, a criação proveniente do nada é n a verdade a criação depois do nada, pois “nada é igual a não-ser” (ibid. la.45.1). Mas a criação proveniente do nada não é a criação pelo nada. Só o que existe pode causar, e só Deus pode causar existência. Deus é Pura Existência ( “EU SOU O QUE SOU”, Êx 3.14), e só Ele produz tudo o mais que existe.
O Método da Criação Deus é a fonte da criação, e sua Palavra é o m étodo. C o m o previam ente m encionado, não há causa instrum ental da criação, pois entre o nada (não-ser) e o algo (ser) não há m eio-term o. Seja o que for que venha do nada tem de vir im ediata e abruptam ente. Portanto, “Deus produz o ser no ato do nada [...] de acordo co m a grandeza do seu p oder” (Aquino, ST, la.61.1). Considerando que Deus tem poder infinito, Ele pode fazer qualquer coisa que seja possível. Não é impossível u m Criador infinito produzir um a criatu ra finita. Portanto, Deus que é Existência trouxe tudo o mais à existência. Tudo veio do nada, senão por Alguém . E necessário haver poder para produzir algo, e o que tem todo o poder pode produzir qualquer coisa. U m Ser infinito tem poder ilimitado (ver capítulo 5), e o poder ilimitado não está limitado na sua capacidade de criar poderes limitados (ver capítulo 7). Deus pode criar pela “sua palavra poderosa” (Hb 1.3). Deus criou pelo seu poder e tam bém pela sua vontade. Deus não está preso por qualquer obrigação quando Ele cria. Por conseguinte, “tem os de defender co m plena convicção que Deus traz as criaturas à existência pelo seu livre-arbítrio, e não com o preso por necessidade n atu ral” (Aquino, OPG, 3.15).
O Tempo da Criação Deus criou “no princípio” (G n 1.1). Deus é eterno, m as o m undo não. O universo veio a ser (à existência), m as Deus sem pre foi (de fato, é). Repetindo, de acordo com Aquino, “que o m undo n em sempre existiu sustentam os só pela fé; não pode ser provado dem onstrativam ente” (ST, la.46.2). Outros, co m o Boaventura (c. 1217-1274), sustentaram que pode ser provado pela razão que o universo teve u m com eço. Todavia todos os cristãos ortodoxos reconhecem que o universo teve u m ponto inicial — que é tem poral e não eterno.
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O tem po e o espaço foram criados co m o universo. Não havia tem po antes de o m undo com eçar, só a eternidade. Deus é antes do universo na ordem , mas não no tem po. “As coisas foram criadas no princípio do tem po, não co m o se o com eço do tem po fosse u m a medida da criação, mas porque junto co m o tem po foram criados os céus e a terra”. Sem elhantem ente, o espaço foi criado co m o m undo, pois “defendemos que não havia lugar ou espaço antes de o m undo existir” (ibid., la.46.3). Além disso, com o citado antes, Agostinho disse que “é tolice im aginar espaço infinito, visto que não há tal coisa com o espaço fora do co sm o ” (CG, 11.5). N em havia m ovim ento físico antes de haver u m universo físico: “O m ovim ento sem pre existiu no instante que seres móveis com eçaram a existir” (Aquino, ST, la.46.1). Deus não precisou de m ovim ento para criar o m ovim ento, nem precisou de tem po para criar o tem po. Agostinho perguntou: “O au to r do tem po precisou da ajuda do tem po?” (LCG, p. 195). O que Deus estava fazendo Deus antes de criar? Agostinho tinha duas respostas, u m a hum orista e ou tra séria. E m prim eiro lugar, ele zombava dizendo que Deus estava preparando o inferno para os que fazem essa pergunta! Em segundo lugar, ele observava que não havia tem po antes de Deus criar, pois falar em “fazer” e “antes” insinua tem po. Portanto, a pergunta é tão sem sentido quanto perguntar a u m Ser infinito: Que horas são? Não havia tem po antes de o tem po com eçar, só havia a eternidade. Portanto, é insensato perguntar co m o o Eterno ocupava o seu tem po antes de criar o tem po. Por esta m esm a razão, não faz sentido perguntar por que Deus não criou o universo antes de ter realm ente criado. “Antes” insinua que havia m om entos antes de os m om entos com eçarem . Isto é tão absurdo quanto perguntar por que Deus não criou o m undo lá em vez de aqui, visto que não havia aqui ou lá (espaço) antes de o espaço ser criado. C om o ressalta Agostinho: “Se eles imaginassem períodos infinitos de tem po antes do m undo, [...] conceberiam âmbitos infinitos de espaço além do universo visível” (CG, 11.5). Entretanto, visto que Deus criou o tem po e o espaço co m o universo, não há nem tem po nem espaço fora do universo. Deus não criou nem no tem po nem no espaço; mais exatam ente, Ele criou o universo co m ambos. Se Deus não criou no tem po, então Ele não criou desde a eternidade? E se Ele criou desde a eternidade, então o m undo não é eterno? Todos os Pais ortodoxos rejeitaram esta conclusão, mas por razões diferentes. Aquino acreditava que a criação eterna era teoricam ente possível, em bora não fosse realm ente assim (ST, la.46.2.). É porque, argum entou ele, visto “de acim a”, Deus é eterno, e u m efeito é sim ultâneo à sua causa de existência. B oaventura e outros argum entaram “de abaixo”, dizendo que u m universo eterno é impossível, porque u m a série infinita de m om entos é inatingível. Ambas as visões concordam que o universo não é eterno. O problem a, então, é este: C om o Deus pode ser u m a Causa eterna, quando o universo que Ele causou não é eterno? Em resposta, n otem os que o universo não tem de ser eterno porque Deus é eterno, da m esm a form a que tem de ser infinito, visto que Ele é infinito. N em tem de ser necessário, porque Deus é u m Ser necessário. A única coisa que u m Ser necessário tem de necessariam ente desejar é a necessidade do seu Ser. Não há necessidade im posta em Deus para desejar a existência dos seres contingentes. Sem elhantem ente, não há razão de u m Ser eterno ter de desejar seja o que for para ser eterno. Ainda que todas as coisas materiais fluam da vontade eterna de Deus, Ele deseja que todas estas coisas existam tem porariam ente. Tudo preexiste em Deus conform e a sua vontade. Mas Deus desejou eternam ente que todas as coisas criadas tivessem u m com eço. Portanto, em bora Ele as desejasse desde
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a eternidade, elas tiveram u m com eço tem poral. Por exem plo, o m édico estipula o início para o paciente tom ar determ inado rem édio mais tarde a intervalos diferentes que no com eço do tratam en to. Sem elhantem ente, Deus pode desejar que os acontecim entos desde toda a eternidade o co rreram em tem pos sucessivos mais tarde.
O Propósito da Criação Se Deus criou livrem ente, então podem os perguntar: Por que Ele criou em vez não criar? Repetindo, a resposta de Agostinho era “porque é b o m ” (CG, 11.23). Aquino concordou, dizendo: “Deus traz as coisas à existência para que a sua bondade seja com unicada e manifestada” (ST, la.47.1). Não que Deus tenha de com partilhar a sua bondade, mas porque Ele quer assim. Fazendo u m com entário sobre o fato de Deus ter declarado que a criação era “m uito boa” (Gn 1.31), Agostinho concluiu: “Seguram ente, isto só pode significar que não havia o u tra razão para criar o m undo a não ser que criaturas boas pudessem ser feitas por u m Deus b om ” (CG, 11.3). Deus é infinitam ente bom . C om o tal, Ele deseja com partilhar a sua bondade. As criaturas têm de recon h ecer a bondade que Deus derram ou sobre elas e agradecer-lhe por isso. Reconhecendo o valor de Deus, elas deveriam lhe atribuir valor. Portanto, a valoração (adoração) é o resultado n atural da criação: Toda criatu ra racional tem de adorar o Criador. O propósito para criar é para que a criatura adore a Deus: “Se ela não adorar Deus, ela é m iserável” (Agostinho, CG, 10.3). Em ou tro lugar, Agostinho confessou: “Tu nos form aste para ti m esm o, e o nosso coração fica inquieto até que encontre descanso em ti” (C, 1.1). Em sum a, visto que u m Deus racional criou as criaturas racionais, é nada mais que racional que elas o adorem , pois reconhecendo o seu bem co m o o mais alto bem, elas en contram o mais alto bem delas.
CONCLUSÃO A doutrina cristã da criação é mais com preendida quando a com param os co m as outras duas principais opções. A com paração apresentada a seguir resum e e focaliza as diferenças.
CATEGORIA
TEÍSMO
MATERIALISMO
PANTEÍSMO
Fonte da Criação
Criador fora da natureza
Sem Criador
Criador dentro da natureza
Método da Criação
Do nada (ex nihilo)
Do algo (ex matéria)
De Deus (ex Deo)
Duração da Criação
Temporal
Eterno
Eterno
Relação entre Criador e criação
Criador e criação (realmente diferentes)
Sem real Criador
Sem real Criador
Controle de Deus
Ilimitado
Limitado ou inexistente
Limitadov
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Falando apropriadam ente, o m aterialism o acredita na geração natural, o panteísmo acredita n a emanação eterna e só o teísmo acredita na criação sobrenatural. Estas são perspectivas fundam entalm ente diferentes. Todas as outras cosmovisões (ver Volume 1, capítulo 2) m antêm posições sobre a origem que se ajustam em u m a ou mais destas três categorias principais. O cristianismo defende que a criação foi do nada-. Deus trouxe o universo à existência (G n 1.1; Jo 1.2,3), e Ele o sustenta em existência (C l 1.16,17; Hb 1.3). Portanto, Ele está no controle soberano do universo. Deus é infinito, necessário e eterno; a criação é finita, contingente e tem poral. Por conseguinte, há u m a real e radical diferença entre o Criador incriado e a criação criada. Para os teístas, a criação de Deus é u m a contradição em term os, pois u m a criatura seria u m ser tem poral eterno, u m ser infinito finito e u m ser incriado criado. Portanto, a criação do nada to rn a tolice o ser hum ano dizer: “Eu sou D eus”. E impossível ter u m ser contingente que seja necessário, ou u m ser finito que seja infinito. Além disso, é no con texto da criação que entendem os m elh or o conceito cristão de serviço a Deus e adoração a Ele. Por natureza, com o criaturas, devem os tudo que somos e tem os às boas mãos de nosso Criador. Não recon h ecer isso é o extrem o da ingratidão. De fato, o epíteto divino sobre o m undo pagão diz: “Tendo conhecido a Deus, não o glorificaram com o Deus, nem lhe deram graças” (R m 1.21). Em contrapartida, os benditos ao redor do trono de Deus cantam louvores a Ele, que por sua vontade criou todas as coisas (Ap 4.11).
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_____________ . “On the N ature of the G ood”, in: Schaff, The N icene and Post-Nicene Fathers. _____________ . “On the Soul and Its Origin”, in: Schaff, The N icene and Post-Nicene Fathers. Crem e, Benjam in. M essagesfrom Maitreya the Christ. Ferguson, Marilyn. The Aquarian Cotispiracy. [Edição brasileira: A Conspiração Aquariana (Rio de Janeiro: Nova Era, 2003).] Geisler, N orm an. Knowing the Truth About Creation. Geisler, N orm an, and William Watkins. Worlds Apart. Hobbes, Thom as. Leviathan. [Edição brasileira: Leviatã ou M atéria: Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil (São Paulo: Nova Cultural, 2000).]
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MacLaine, Shirley. Dancing in the Light. [Edição brasileira: Dançando na Luz (Rio de Janeiro: R ecord, 1988).] M arx, Karl, and Frederick Engels. Marx and Engels on Religion. Parmenides. “Proem ”, in: G. S. Kirk, et al., The Presocratic Phüosophers. Plato. Timaeus. [Edição brasileira: Platão. Timeu (São Paulo: Hemus, 1991).] Sagan, Carl. Cosmos. [Edição brasileira: Cosmos (Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1989).] Swami Prabhavananda. The Spiritual Heritage o f índia.
CAPÍTULO
DEZENOVE
A ORIGEM DA CRIAÇÃO MATERIAL
A
criação é u m a doutrina im portante da Bíblia: É a prim eira coisa declarada (Gn 1.1) e u m a das últimas que foram ressaltadas (Ap 4.11; 10.6; 21.5; 22.13). Na Bíblia,
há centenas de referências à Criação e ao Criador, cobrindo a vasta m aioria dos livros de Gênesis ao Apocalipse (ver Apêndice 2). A criação física não só inclui os objetos inanimados, mas tam bém todos os seres vivos.
A BASE BÍBLICA PARA A CRIAÇÃO A palavra criar ( bara)' é usada co m relação a três grandes acontecim entos em Gênesis 1: A criação da m atéria (G n 1.1), os seres vivos (G n 1.21) e os seres hum anos (G n 1.27). Estes serão o foco de nossa discussão.
A CRIAÇÃO DA MATÉRIA (O UNIVERSO) “No princípio, criou Deus os céus e a terra” (Gn 1.1). C om estas palavras majestosas, as Escrituras co m eçam a descrever a origem de todas as coisas, e a criação é a fundação de tudo o mais que vem a seguir. Esta grande declaração do ato divino inicial é exclusivam ente m onoteísta. Esta é referência à criação do nada (ex mhilo) co m o é confirm ado por recentes descobertas feitas na antiga Ebla (Síria). As tabuinhas de argila encontradas em Ebla declaram : Senhor do céu e da terra: a terra não era, tu a criaste, a luz do dia não era, tu a criaste, a m an h ã não era, tu a criaste, a luz m atu tin a tu [ainda] não a tiveste feito existir. (Pettinato, AE, p. 259, em Merrill, BS)
A Origem da Matéria “Deus é Espírito” (Jo 4.24). C om o tal, Ele é o Deus “invisível” (1 T m 1.17). Na verdade, “Deus n unca foi visto por alguém ” (Jo 1.18). Deus é invisível e imaterial (1 T m 6.16), e, 1 A palavra hebraica bara nem sempre significa “fazer algo do nada” (ver Gn 2.3; SI 104.30; Is 41.20). Entretanto, usada no contexto dos eventos originais da criação, descritos em Gênesis 1, traz este significado (cf. Cl 1.16; 2 Co 4.6).
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co m o Espírito, Ele não tem “carne nem ossos” (Lc 24.39). Ele é incorpóreo e puram ente espiritual. Porém o universo que Deus criou é visível e m aterial (Hb 11.3; pode ser visto e controlado, sendo físico e tangível. Tem espaço (qualidade espacial) e tem po (qualidade tem poral); possui “aqui” e “agora”. Além disso, tem m atéria que está estendida por todo o espaço e o tem po. Tem “partes” ou partículas co m espaços entre elas. A ciência m od ern a descreve o “m aterial” ou a m atéria do universo em term os de átom os de energia física co m partículas e cargas constituintes. C onform e experim entam os seres hum anos, a m atéria é sensível, tangível e visível. E o dado duro e objetivo que inclui o nosso ambiente. Está lá; tem os de con torn á-la de m odo próprio ou então nos chocarem os co n tra ela. Os corpos são reais, e a terra é tangível, co m o são as estrelas e os planetas. Portanto, confirm a a revelação de Deus. Tudo isso foi criado por Deus “no princípio”. E “todas as coisas foram feitas por ele” (Jo 1.3). Deus criou “todas as coisas [...] visíveis e invisíveis” (Cl 1.16). Ele criou “os céus e a terra”. A criação que Ele fez inclui a “T erra”, os “M ares” (G n 1.10) e todas as plantas e animais (G n 1.6-26). Tam bém inclui o corpo hum ano que foi feito “do pó da te rra ” (Gn 2.7). Há u m real universo m aterial, e foi criado por Deus. A Matéria Foi criada do Nada Deus trouxe toda m atéria à existência do absolutam ente nada (ver capítulo 18). A Bíblia diz que Deus apenas falou (cf. Gênesis 1.1,3,6, etc.), e as coisas vieram à existência pelo seu poder e palavra (Hb 1.2; cf. 2 Co 4.6). “Pela palavra do Senhor foram feitos os céus. [...] Porque falou, e tudo se fez” (SI 33.6, 9). “Ele é antes de todas as coisas” e “nele foram criadas todas as coisas” (C l 1.16,17). Foi por Ele que “todas as coisas foram feitas” e “sem ele nada do que foi feito se fez” (Jo 1.3). O escritor aos Hebreus declarou que, “pela fé, entendem os que os m undos, pela palavra de Deus, foram criados; de m aneira que aquilo que se vê não foi feito do que é aparente” (Hb 11.3). O universo foi criado do nada. O apóstolo João proclam ou acerca de Deus: “Digno és, Senhor, de receber glória, e honra, e poder, porque tu criaste todas as coisas, e por tua vontade são e foram criadas” (Ap 4.11). E m sum a, todo o cosm o veio à existência pela vontade de Deus sob suas ordens. Quando Ele falou, apareceu do absolutam ente nada. A Matéria Foi criada por Deus e não de Deus O universo m aterial foi criado p o r Deus do nada (ex nihilo), mas não de Deus (ex Deo). O cosm o não é feito de material-D eus. E por isso que é pecado doloroso adorar e servir a “mais a criatura do que o C riador” (R m 1.25). E por isso que a idolatria é tão fortem ente condenada na Bíblia. Deus ordenou: “Não farás para ti im agem de escultura, n em algum a sem elhança do que há em cim a nos céus, nem em baixo n a terra, nem nas águas debaixo da terra” (E x 20.4). Se, por ou tro lado, o universo fosse o “co rp o ” de Deus ou parte da sua substância,2 não haveria razão para não ter de adorá-lo. C ontudo, a Bíblia deixa m uito claro que Deus não deve ser identificado co m o universo físico. O universo vem de Deus, mas não é feito de Deus. Deus é tão diferente do m undo co m o o oleiro é diferente do barro (R m 9.20,21), ou co m o o artesão é diferente do seu trabalho artesanal (SI 19.1). O universo m aterial não foi feito de Deus, mas é u m reflexo de Deus. O universo “d eclara” a glória divina, pois “as suas coisas invisíveis, desde a criação do m u ndo, 2 É o que panteístas afirmam (ver Volume 1, capítulo 2).
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tan to o seu eterno poder co m o a sua divindade, se entendem e claram en te se vêem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis” (R m 1.20). Q uer dizer, Deus está presente na criação co m o a Causa que a su sten ta (Hb 1.3; Cl 1.16,17) e co m o ela reflete os atributos divinos (R m 1.20). Da m esm a m an eira que vem os a energia de Shakespeare nas suas com posições literárias, assim o C riador se revela no seu trabalho m anual. Da m esm a m an eira que a m en te criativa de Picasso está retratad a nas suas pinturas, de certa fo rm a podem os ver o C riador do universo na sua grande obra-prim a. Deus é o C riador invisível do m u n do visível, o Fazedor im aterial de tod a m atéria e o P rod u tor in corp óreo de todas as coisas corpóreas (físicas) (ver capítulo 6). Mas co m o pode ser? C o m o Deus pode criar a m atéria quando Ele não é m aterial? C o m relação a esta pergunta, várias observações são pertinentes. Primeiro, certam en te não é u m m istério m aior p ara os teístas acred itarem que a
M ente produziu a m atéria do que é p ara os ateus acreditarem que a m atéria produziu a m en te. N a realidade, é mais fácil acreditar que a M ente infinita faça a m atéria do que acreditar que a m atéria finita produza u m a m en te que con tem p le o infinito. Segundo, n ão é mais difícil entender co m o u m Espírito (D eus) im aterial se m anifeste
nas coisas m ateriais do que é com p reen d er co m o a nossa m en te pode se revelar nas coisas m ateriais, co m o literatu ra, arte e tecnologia. Da m esm a fo rm a que a página escrita é u m a m anifestação m aterial dos pensam entos im ateriais do au tor, até o universo é u m a criação m aterial do C riador im aterial. Terceiro e ú ltim o, apesar da sem elhança co m o C riador (R m 1.19,20), a criação por
sua n atu reza tam bém tem de ser diferente do C riador. Deus é infinito e a criação é finita. Ele é necessário e a criação é contingente. Deus é incriado, m as o m u n do é criado. Não é estranho, pois, que Deus seja im aterial e o universo seja m aterial. Afinal de contas, u m a p in tu ra é visível, mas a m en te do artista que a criou não. C onsiderando que Deus não pode criar o u tro Espírito absoluto, e visto tu d o o que Ele cria tem de ter lim itações e potência, co m o a m atéria tem , é com preensível que Ele faça a m atéria. A Natureza da M atéria
Toda a criação, seja de corp os seja espíritos (an jo s), visível ou invisível, por n atu reza p articip a de certas características. C onsiderando que o universo m aterial é p arte da criação , ele tam b ém particip a dessas propriedades. A C riação M aterial E Contingente
O m u n d o criado, inclusive a m atéria, é co n tin g en te. Q uer dizer, em b o ra o m u n d o exista, p oderia não existir; é, m as poderia n ão ser. Deus está su sten tan d o -o em existência “pela palavra do seu p o d e r” (Hb 1.3), pois p o r Ele “e todas as coisas subsistem ” (C l 1.17). Sem a in in te rru p ta e su sten tad o ra causalidade de Deus, toda criação deixaria de ser (existir) — im ed iatam en te (v e r cap ítu lo 21). A con tin gên cia de to d a a criação é o u tro m o d o de expressar a verdade bíblica de que Deus não só é a causa originadora do u niverso, m as tam bém é a sua causa conservadora. Ele a cau sou p ara vir a ser (existir), e Ele tam b ém a causa p ara co n tin u ar
sendo (existin d o). O quadro a seguir expressa esta idéia mais co m p le ta m e n te (ver tam bém cap ítu lo 3):
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A CAUSALIDADE DE DEUS CAUSALIDADE ORIGINADORA
CAUSALIDADE CONSERVADORA
Causa do com eço C ausa de vir a ser (existir) Causa de tornar-se
Causa do sustento Causa de continuar sendo (existindo) Causa de ser
Causa de reunião Causa da origem
Causa de m an ter reunido Causa da operação
A criação é contingente em todos os tem p os— sem pre é dependente do Criador. U m a vez criatura, sem pre criatura; o criado n unca pode se to rn ar o Incriado. A dependência radical em Deus para a existência de m o m en to a m o m en to é u m a característica essencial de todas as coisas criadas, inclusive o universo m aterial co m o u m todo. A Criação Material E Finita (Limitada) O u tra propriedade essencial da criação é a finitude. Todas as coisas criadas são finitas ou limitadas; só Deus é infinito ou ilimitado. E impossível haver dois Seres infinitos, pois o infinito inclui tudo e não pode haver dois Tudos. C om o Paulo declarou: “Nele [no Deus infinito] vivemos, e nos m ovem os, e existimos” (A t 17.28). Deus é infinito, e tudo existe nEle. Quando Ele criou os seres finitos não havia mais Ser; havia simplesmente mais que o tinha. Por exem plo, quando u m a professora ensina u m a classe, não há mais conhecim ento; há mais que o possui. Só pode haver um Ser infinito (ver capítulo 5), e visto que há só u m Ser infinito (Deus), então todas as outras coisas — toda a criação — têm de ser finitas. Só Deus é ilimitado; tudo o mais é limitado. Deus é o Limitador ilimitado de todas as coisas limitadas; Ele é a Causa não-causada de tudo que é causado. O próprio fato que todas as coisas criadas são causadas para existir revela que elas têm de ser limitadas, pois se elas vieram a ser (existem ), então elas nem sem pre existiram. Por conseguinte, a sua existência não é ilimitada; teve u m com eço. Além disso, tudo que é criado sofre m udanças; só o Deus incriado é im utável. “Eu, o Senhor, não m u d o ” (Ml 3.6). A respeito dos céus, a Bíblia declara: “C om o u m a veste, se m udarão; mas tu [Deus] és o m esm o, e os teus anos não acabarão. E a qual dos anjos disse jamais: Assenta-te à m inh a destra, até que ponh a os teus inimigos p o r escabelo de teus pés?” (Hb 1.11,12). Qualquer m udança é limitada, pois se m uda, então não perm anece exatam ente o que era. Portanto, está limitada pelo que se torna; não pode ser precisam ente o que era antes, pois nesse caso não m udou. Assim, todas as coisas mutáveis estão limitadas. Além disso, o fato de as coisas criadas m u d arem revela que elas têm a potencialidade para essa m udança. O fato da m udança prova a possibilidade da m udança, e a realidade da m udança m ostra a potencialidade para a m udança. Portanto, todas as coisas criadas têm potencialidade. Entretanto, todas as coisas criadas tam bém têm realidade, visto que elas realm ente existem. Então, todas as coisas criadas têm realidade e potencialidade. Q uanto à potencialidade, a criatu ra tem o potencial para ser o que não é. Portanto, as criaturas estão limitadas pelos seus potenciais. Elas não podem fazer mais do que as suas capacidades lhes p erm item fazer. Da m esm a m aneira que u m a garrafa de u m litro só tem a capacidade de conter u m litro de líquido, assim todo ser finito está limitado pela sua capacidade criada. Por ou tro lado, Deus é Pura Realidade. Deus é o “EU SOU” (Êx
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3.14); não há “pode ser” n a essência de Deus, porque Ele é o que é. Não há nada que Ele possa ser que Ele sem pre ten h a sido e sem pre será. A Criação M aterial E Espacial e Temporal Além de ser contingente e limitada, a criação m aterial tam bém está restrita ao espaço e ao tem po. Tem po é u m a medida baseada em m udança; m ede de acordo co m o “antes” e o “depois” da m udança. Por ser u m Ser im utável, Deus não está sujeito a tais medidas. Considerando que Ele sem pre é o m esm o, Ele não pode ser o objeto de cálculos baseados no que Ele era antes. Por não ter m udado, Ele ainda é o que Ele sem pre era. Entretanto, em u m ser m utável, co m o são as coisas materiais, podem os to m a r medidas de acordo com o antes e o depois da m udança. O tem po é u m a dessas medidas. Tem po é u m a medida limitada; quer dizer, m ede certos segmentos limitados (A gostinho, C, capítulo 11). Considerando que os seres materiais estão no tem po (ou seja, são tem porais), eles estão limitados a u m “agora” em oposição a u m “o n tem ”. E p or isso que hoje não estam os vivendo no passado. Ontem vivemos o passado, mas hoje estam os vivendo o presente. Não podem os viver u m hoje e u m ontem sim ultaneam ente no m esm o sentido. Podemos viver o passado na m em ória, mas não na realidade. O tem po é u m a medida baseada em u m a lim itação real que tem os co m o seres materiais (físicos). Vivemos som ente no hoje; todo m o m en to futuro se to rn a u m “h oje” quando o experim entam os. Sem elhantem ente, o espaço é limitação. O tem po é u m a lim itação a u m agora, e o espaço é u m a lim itação a u m aqui. Portanto, co m o seres espaços-tem porais, estamos limitados ao aqui e agora. Assim estão todas as coisas materiais — as limitações de espaço im põem sobre nós os term os fronteiriços do “aqui” em lugar do “lá”. Não podem os estar aqui e lá ao m esm o tem po e no m esm o sentido. Podemos estar lá m entalm ente (lem brando ou sonhando), mas só podem os estar aqui fisicamente. Esta é a lim itação de espaço para todas as coisas materiais. C ontudo, Deus pode estar aqui, lá e em todos os lugares ao m esm o tem po, porque Ele não tem corpo que o limite a estar só aqui ao invés de lá. Deus não tem “aqui” que o limite a u m lugar por vez -r-r Ele não está no espaço. Deus é onipresente, quer dizer, está presente em todos os lugares no todo da criação ao m esm o tem po (ver capítulo 7). Repetindo, isto é possível, porque Ele é u m espírito infinito. Não tendo corpo que o limite, nem capacidade finita que o cerce, a presença de Deus não é barrada de lugar algum . C om o proclam ou o salmista: “Para onde m e irei do teu Espírito ou para onde fugirei da tu a face? Se subir ao céu, tu aí estás; se fizer no Seol a m inha cam a, eis que tu ali estás tam bém ” (SI 139.7,8). A Criação M aterial E Boa Ao térm ino de quase todos os dias da criação, lem os: “E viu Deus que era b o m ” (Gn 1.3,10,12,18,21). No fim do últim o dia, diz: “E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era m uito b om ” (Gn 1.31). De fato, Paulo declarou: “Tudo que Deus criou é b om ” (1 T m 4.4, ARA). Em ou tro lugar, Ele acrescentou: “Eu sei e estou certo, no Senhor Jesus, que n en h u m a coisa é de si m esm a im unda, a não ser para aquele que a tem p o r im unda; para esse é im unda” (R m 14.14, grifos m eus). C om o seu Criador, toda a criação era e ainda é boa. Este ensino judaico-cristão que as coisas materiais, físicas e corpóreas são boas é exclusivo, estando em contraste co m
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todas as outras religiões e filosofias. Os gnósticos (de ontem e de hoje) acreditam que a m atéria é m á, ao passo que Plotino (205-270 d.C .) sustentou que era quase m á, a menos boa de todas as coisas. Para Ele, a m atéria não era boa, tendo apenas a m era capacidade de ser b o a (E , 1.8.7). Platão (c. 427-347 a.C .) pensava que a m atéria era u m caos sem form a, e identificou o “b o m ” co m a “fo rm a ”. A cren ça oriental mais radical (p o r exem plo, o hinduísm o de Shankara) afirm a que a m atéria é u m a ilusão (maia). A Ciência C ristã3 tam bém acredita que a m atéria, co m o o m al, é u m equívoco da m en te m o rta l (Eddy, SHKS, pp. 480-584). Em contrapartida, o Antigo e o N ovo T estam ento ensinam que o m u n d o m aterial é bom . A própria conclusão de D eus, ao ver o p ro d u to do seu trabalho, foi que “era m u ito b o m ” (G n 1.31). O apóstolo Paulo afirm a o m esm o (1 T m 4.4; R m 14.14).
A CRIAÇÃO DOS SERES VIVOS Deus não só criou a m atéria (G n 1.1), m as tam bém criou “todas as espécies de seres vivos” (Gn 1.21, NTLH). Muitas destas espécies de vida estão citadas em Gênesis 1.21-25: Criou, pois, Deus os grandes animais m arinhos e todos os seres viventes que rastejam , os quais povoavam as águas, segundo as suas espécies; e todas as aves, segundo as suas espécies. E viu Deus que isso era bom . E Deus os abençoou, dizendo: Sede fecundos, m ultiplicaivos e enchei as águas dos mares; e, na terra, se m ultipliquem as aves. Houve tarde e m anhã, o quinto dia. Disse tam bém Deus: Produza a terra seres viventes, conform e a sua espécie: animais domésticos, répteis e animais selváticos, segundo a sua espécie. E assim se fez. E fez Deus os animais selváticos, segundo a sua espécie, e os animais domésticos, conform e a sua espécie, e todos os répteis da terra, conform e a sua espécie. E viu Deus que isso era bom.
A Origem da Vida Toda vida existe porque Deus quis que ela existisse, visto que “ele m esm o é quem dá a todos a vida, a respiração e todas as coisas” (A t 17.25). Deus criou “o h o m em e o animal, os répteis e as aves dos céus” (Gn 6.7, ARA). Moisés fala que “o Senhor Deus form ou da terra todos os animais selvagens e todas as aves” (G n 2.19, NTLH). E João acrescenta: “Sem ele nada do que foi feito se fez” (Jo 1.3). Literalmente, todos os seres vivos se originaram da m ão de Deus.
A Natureza da Vida A descrição bíblica da vida inclui a sua unidade, diversidade, fecundidade, estabilidade e dom ínio. Tem u m a fonte, muitas manifestações e reproduz-se continuam ente segundo a sua espécie.
3N d o E .: “Ciência Cristã: [Do lat. scientia, conhecimento] Conhecido também com o a Igreja de Cristo Cientista, este sistema filosófico-doutrinário foi fundado por Mary Baker Eddy em 1879. Baseando suas doutrinas na Ciência e Saúde com Base nas Escrituras, a Ciência Cristã nega as verdades básicas da Palavra de Deus. Afirma, por exemplo, não serem reais a m orte e o pecado. Todo o m al, portanto, encontra-se nas doenças físicas; evitando-as, pode-se viver em harm onia com o Universo (Dicionário Teológico, CPAD, 1998, p.81).
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A Unidade de toda Vida
Há muitas indicações na Bíblia sobre a unidade de todos os seres vivos. Primeiro, toda vida tem u m Criador. O seu selo está em todos os seres vivos. Segundo, toda vida é interdependente. As form as mais altas de vida receberam a ordem de co m er as form as mais baixas de vida (Gn 1.29; 9.3). Terceiro, os seres hum anos receberam a ordem de cuidar do m eio-am biente (Gn 1.28), cultivar a flora e tratar da fauna (G n 2.15). Cuidando dos seres vivos, os seres hum anos teriam a provisão de com ida e roupa para si (Gn 3.21). Quarto e últim o, a Bíblia se refere muitas vezes aos seres vivos co m o u m grupo ou um todo (Gn 1.21; 6.19; A t 17.24). Há, p ortan to, u m a unidade e interdependência de toda vida. Vem de u m Deus. Revela u m a m ão criativa e cada form a individual se ajusta a u m todo orgânico. A Diversidade de toda Vida
Deus am a a variedade; Ele criou todos os tipos de coisas. No linguajar bíblico, Deus criou a “erva verde, erva que dê sem ente, árvore frutífera que dê fruto segundo a sua espécie, cuja sem ente esteja nela” (Gn 1.11). Depois, Ele disse: “Povoem -se as águas de enxam es de seres viventes; e voem as aves sobre a terra” (G n 1.20). Deus tam bém “criou [...] os grandes animais m arinhos e todos os seres viventes que rastejam , os quais povoavam as águas, segundo as suas espécies; e todas as aves, segundo as suas espécies” (Gn 1.21). Acim a destes, Ele fez todos os seres vivos da terra: “Gado, e répteis, e bestasferas da terra conform e a sua espécie” (G n 1.24). E por fim, “criou Deus o h o m em à sua im agem ; [...] m ach o e fêmea os criou” (Gn 1.27). Esta grande diversidade de vida encheu a terra e literalm ente povoou o m ar. A paisagem fervilhou de animais, as águas enxam earam de peixes e pássaros voaram pelos céus. A vida foi criada em grande abundância e diversidade. A Feam didade de toda Vida
Deus ordenou que a vida se multiplicasse, e é o que acontece naturalm ente, pois “a terra produziu erva, erva dando sem ente conform e a sua espécie e árvore frutífera, cuja sem ente está nela conform e a sua espécie” (G n 1.12). Isto agradou a Deus, porque “viu Deus que era b om ” (Gn 1.12). Considerando que os seres hum anos têm livre-arbítrio, Deus lhes deu o forte desejo de m ultiplicar-se e a ordem , dizendo-lhes: “Frutificai, e multiplicai-vos, e enchei a terra” (G n 1.28). A Estabilidade de toda Vida
Deus proveu a subsistência para a continuação da vida que Ele criara. Cada u m tinha de produzir “segundo a sua espécie” (G n 1.11). Assim, as “ervas que davam sem ente” e as “árvores que davam fruto, cuja sem ente estava nele”, produziram “segundo a sua espécie” (Gn 1.12). O m esm o aconteceu em relação aos animais do m ar e da terra, cada u m se reproduzindo “conform e a sua espécie” (G n 1.21,25). Por fim, a hum anidade recebeu a ordem de reproduzir-se de acordo co m a sua espécie (Gn 1.28; cf. 5.3). Portanto, Deus proveu as condições para a continuação de cada espécie que Ele fizera. A vida é basicamente a m esm a de geração em geração, cada espécie reproduzindose segundo a sua espécie: peixes produzindo peixes, pássaros chocando pássaros, vacas
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parindo bezerros e seres hum anos dando à luz seres hum anos. Este foi o padrão desde o princípio e continua até hoje. A vida em todas as suas muitas espécies é contínua e estável. O Domínio da Humanidade sobre toda Vida Deus não só criou toda vida, m as Ele a coroou co m a vida h um ana e nos fez reis sobre toda a terra. Falando para Adão e Eva acerca da terra, Deus disse: “Sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do m ar, e sobre as aves dos céus, e sobre todo o anim al que se m ove sobre a te r ra ” (G n 1.28). O salmista acrescentou a respeito do h o m em : “Pouco m en o r o fizeste do que os anjos e de glória e de honra o coroaste” (SI 8.5). É im portante observar que 0 que foi dado foi domínio e não destruição. Deus possui o m undo (SI 124.8), e os seres hum anos têm de cuidá-lo para Ele (Gn 2).
A CRIAÇÃO DA HUMANIDADE A hum anidade é o pináculo da criação terren a de Deus. Em b ora os seres hum anos tivessem sido feitos “u m pouco m en o r do que os anjos” (Hb 2.9), eles são mais altos que os animais. Eles foram feitos m ach o e fêm ea e “à im agem de D eus” (Gn 1.27).
A Origem da Humanidade Nas palavras da Bíblia, “fo rm o u o Senhor Deus o h o m em do pó da te rra e soprou em seus narizes o fôlego da vida; e o h o m em foi feito alm a vivente” (G n 2.7). Depois, Deus “to m o u u m a das suas costelas [de Adão] e cerrou a carn e em seu lugar. E da costela que o Senhor Deus to m o u do h o m e m fo rm o u u m a m u lh er; e tro u xe-a a A d ão” (G n 2.21.22). O nosso Senhor m en cion ou este evento, declarando “que, no princípio, o C riador os fez m ach o e fêm ea” (M t 19.4). De fato, Jesus disse que a criação do h om em e da m u lh er foi a base para o casam ento vitalício en tre o m arido e a esposa (M t 19.5,6). A criação do h o m em e da m u lh e r é m encionada co m o a base para ou tros ensinos cristãos. Por exem plo, Paulo disse: “Não p erm ito, p o rém , que a m u lh er ensine, nem use de autoridade sobre o m arido. [...] Porque prim eiro foi form ad o Adão, depois Eva” (1 T m 2.12,13). Em o u tro lugar, ele p ro clam o u que “o h o m em [é] o cabeça da m u lh e r”, pois “o h o m em não foi feito da m u lh er, e sim a m u lh er, do h o m e m ” (1 Co 11.3,8, A R A ). P ortan to, a ord em de autoridade no lar e na Igreja está baseada no fato e ordem da criação con form e está registrada em Gênesis 1 e 2. Quando fala do pecado original, a Bíblia se refere a “A d ão” (R m 5.12,14) co m o u m a pessoa histórica, da m esm a m an eira que “M oisés” era (R m 5.14). E m 1 C oríntios 15, Paulo tam bém se refere ao prim eiro h o m em ao co m p arar “A dão” co m “C risto ” (1 Co 15.22). Lucas co lo ca Adão co m o o prim eiro n o m e n a ascendência literal de Jesus (Lc 3.38), e acrescen ta que Adão é descendente “de D eus”. O m esm o acon tece no registro histórico em 1 Crônicas, citando Adão co m o o prim eiro ser h um ano (1 C r 1.1). E m todos os lugares a Bíblia p resu m e ou d eclara que a o rigem da hum anidade é a criação de Adão e, depois, Eva, co n fo rm e os registros con stan tes em Gênesis 1 e 2. Deus os “crio u ” (G n 1.27), fo rm an d o “o h o m e m do pó da te r ra ” (G n 2.7) e m od elan d o a m u lh e r da co stela de Adão (G n 2.21,22). “D eus o crio u ; m a ch o e fêm ea os crio u ” (G n 1.27).
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A N atureza da Humanidade A n atu reza dos seres hum anos inclui a sua dignidade, unidade de alm a e corpo, e com unidade com o grupo de indivíduos. Todos vieram de u m a fonte co m u m , e todos possuem u m a natureza h um ana com u m . Paulo declarou: “De u m só [Deus] fez toda a geração dos h om en s” (A t 17.26). A Dignidade Humana A hum anidade é u m a criação especial de Deus. Repetindo, falando sobre o h om em , o salmista disse: “C ontudo, pouco m en or o fizeste do que os anjos e de glória e de honra o coroaste” (SI 8.5). Deus fez os seres hum anos exclusivam ente à “im agem ” e sem elhança de Deus (G n 1.27), detalhe não dito sobre n en h u m a o u tra criatura. Só os seres hum anos são feitos à im agem de Deus, e esta im agem inclui “m ach o e fêm ea”, estendendo-se aos filhos de Adão, pois “no dia em que Deus criou o h om em , à sem elhança de Deus o fez” (G n 5.1). M esm o depois da Queda, “Adão [...] gerou u m filho à sua semelhança, conform e a sua im agem ” (G n 5.3). A Santidade Humana A vida h u m an a é sagrada, porque é divina. Por conseguinte, h á a proibição de in ten cion alm ente tirar o u tra vida h u m an a in ocen te: “Q uem d erram ar o sangue do h om em , pelo h o m em o seu sangue será d erram ado; porque Deus fez o h o m em con form e a sua im agem ” (G n 9.6). A té am aldiçoar o u tro ser h u m an o é proibido, pois co m a língua “bendizemos a Deus e Pai, e co m ela am aldiçoam os os hom ens, feitos à sem elhança de D eus” (T g 3.9). A vida é sagrada e divina, e deve ser protegida antes e depois do nascim en to, desde o m o m e n to da concepção (SI 51.5; 139.13-16; Êx 21.22,23). Ao longo da Bíblia encontram os passagens que falam sobre a im agem de Deus. Entre elas citamos as seguintes: “E criou Deus o h om em à sua im agem ; à im agem de Deus o criou; m ach o e fêm ea os criou” (Gn 1.27). “No dia em que Deus criou o h om em , à sem elhança de Deus o fez” (G n 5.1). “C ontudo, p ouco m en or o fizeste do que os anjos e de glória e de honra o coroaste” (SI 8.5). “Deus fez ao h om em reto, m as ele buscou muitas invenções” (Ec 7.29). “O varão [...] é a im agem e glória de Deus” (1 Co 11.7). “E vos vestistes do novo, que se renova para o conhecim ento, segundo a im agem daquele que o criou ” (C l 3.10). “[Nós fomos] feitos à sem elhança de D eus” (Tg 3.9). Esta im agem de Deus inclui características morais e intelectuais. E num erarem os vários elem entos implícitos no conceito de “im agem e sem elhança”. Imagem inclui a semelhança intelectual a Deus. Deus é u m Ser inteligente. Ele é Todoconhecedor (SI 139.1-6). Em bora os seres hum anos sejam finitos, eles são com o Deus no que tange a ter inteligência (cf. Jó 35.11). Paulo fala do novo h o m em “que se renova para o conhecim ento, segundo a im agem daquele que o criou ” (C l 3.10). Judas declara que os seres hum anos estão acim a dos “animais irracionais” (Jd 10). Imagem inclui a semelhança moral a Deus. Deus é santo (Is 6.1-3), é am or (1 Jo 4.16, ARA) e tem m uitos outros atributos m orais (ver parte 1). Considerando que os seres hum anos foram criados à sem elhança de Deus, espera-se que eles tom em parte nestas características morais. Deus nos ordena: “Sede vós, pois, perfeitos, com o é perfeito o vosso Pai, que está nos céus” (M t 5.48). O Senhor disse para Israel: “Portanto, vós sereis santos, porque eu sou santo” (Lv 11.45, ARA).
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Há outros elementos implícitos na semelhança intelectual e m oral a Deus. Os seres hum anos se assemelham a Deus, e têm de reproduzir-se para Ele (Gn 1.28) e tam bém representá-lo. Os seres hum anos são os regentes de Deus na terra. Portanto, com o m encionam os, é errado m atá-los ou amaldiçoá-los (Gn 9.6; Tg 3.9), porque fazer isso é atacar Deus. Diferente dos anjos (cf. M t 22.30), os seres hum anos podem se reproduzir (Gn 1.28). Os seres hum anos têm de reinar para Deus. Ele disse para Adão e Eva: “Enchei a terra” (ibid.). Por fim, Deus criou os seres hum anos para serem m oralm en te responsáveis a Ele, pois “ordenou o Senhor Deus ao h om em , dizendo: De toda árvore do jardim com erás livrem ente, m as da árvore da ciência do bem e do m al, dela não com erás; porque, no dia em que dela com eres, certam ente m o rrerás” (G n 2.16,17). Todos estes aspectos fazem parte do que significa ser à im agem de Deus. Imagem inclui a semelhança volitiva a Deus. Responsabilidade m oral im plica em capacidade de responder, se não por si m esm o, ao m enos pela graça de Deus. A volição é essencial à moralidade. Sem elhante a Deus, os seres hum anos têm livre-arbítrio (ver Volume 3, capítulo 3). Deus deu a Adão u m a opção, quando disse: “Livrem ente” (G n 2.16), e depois o considerou responsável por esta liberdade. Sem elhantem ente, todos que desde Adão pecaram são considerados responsáveis pelos seus pecados (Ez 18.18-20; R m 14.12). Imagem inclui o corpo. E co m u m os teólogos cristãos lim itarem a im agem de Deus à alm a. C ontudo isto é contrário ao ensino bíblico: (1) A m ente e o corp o são u m a unidade (ver Volume 3, capítulo 2). (2) (3) (4) (5)
A m atéria é boa e reflete a glória de Deus (G n 1.31; SI 19.1; 1 T m 4.4). O m ach o e a fêm ea (que acarreta em corpos) são à im agem de Deus (Gn 1.27). M atar o corpo é errado, porque nele está incluso a im agem de Deus (G n 9.6). Jesus n a form a física encarnada se ch am a “a im agem de D eus” (2 Co 4.4; Cl 1.15; Hb 1.3; 1 Jo 1.1). (6) A ressurreição do corpo revela que ele faz parte da pessoa inteira feita à im agem de Deus.
Ao contrário das opiniões dos críticos, isto não quer dizer que Deus ten h a u m corpo (Jo 4.24), visto que não procede logicam ente que, porque som os semelhantes a Deus, Ele seja sob todos os aspectos semelhantes a nós. Os anjos são puros espíritos (Hb 1.14) e são semelhantes a Deus, m as Deus não é sem elhante a eles na totalidade. Por exem plo, eles são finitos e criados, mas Deus não. A Unidade Humana Cada ser hum ano é u m a unidade de alm a e corpo, tendo u m a dimensão espiritual e u m a dimensão física. Cada u m participa do im aterial co m o tam bém do m aterial, do angelical com o tam bém do animal. C om o tais, os seres hum anos são únicos: cada u m é u m a unidade psicossomática, u m a m istura de m ente e matéria. Esta unidade de corp o e alm a foi evidente desde o princípio, pois “form ou o Senhor Deus o h om em do pó da terra [corpo] e soprou em seus narizes o fôlego da vida [espírito]; e o h o m em foi feito alm a vivente” (Gn 2.7). Na m o rte, “o pó [volta] à terra, co m o o era, e o espírito [volta] a Deus, que o deu” (Ec 12.7). A alm a e o corpo estão tão estreitam ente unidos nos seres hum anos que essa união é usada com o figura do que é praticam ente indissolvível (Hb 4.12). Paulo fala que “espírito, e alm a, e co rp o ” form am u m indivíduo “plenam ente” (1 Ts 5.23), quer dizer, estes três aspectos constituem u m a pessoa.
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Porém dentro desta unidade básica há u m a tri-dimensionalidade, porque u m ser hum ano é consciente de si m esm o, consciente do m undo e consciente de Deus. Ele olha para dentro, para fora e para cima. Mas ele é uma pessoa, co m u m a natureza hum ana individual (Berkouwer, M IG, capítulo 7). A união não é indissolúvel. Na m o rte , “[deixamos] este corp o, para habitar com o S en h o r” (2 Co 5.8). “E ainda m u ito m e lh o r”, diz Paulo, “partir [do corpo] e estar co m C risto ” (Fp 1.23). De fato, é a declaração que lem os acerca dos bem -aventurados cujos corpos foram “m o rto s”, mas cujas “alm as” estão conscientes no céu (Ap 6.9). Jesus respondeu a u m dos ladrões que m o rreu n a cru z: “E m verdade te digo que hoje estarás com igo no Paraíso” (Lc 23.43). A separação desses elem entos é som ente tem porária. Eles serão reunidos na ressurreição, quando serão unidos novam ente para sem pre (1 Tessalonicenses 4.1317). O estado interm ediário entre a m o rte e a ressurreição é tem poral e incom pleto. Segundo a descrição de Paulo, este estado é ser despido (2 Co 5.1-4) para esperar a volta à união n atural do corpo e da alma. A Comunidade Humana "N en h u m h om em é u m a ilha.” Desde o princípio, Deus fez u m a com unidade de “m ach o e fêm ea” e lhes disse que m ultiplicassem a sua espécie em u m a com unidade m aior (G n 1.27,28). Antes de Eva ser feita, Adão descobriu que “não é bom que o h om em esteja só” (G n 2.18). Adão buscou u m a ajudante, m as não a achou en tre os animais (G n 2.20). Por isso, Deus fez u m a do “lado” de Adão para ficar ao seu lado. Deus fez a m u lh er da carn e do h o m em p ara que os dois fossem “u m a ca rn e ” (Gn 2.24). Deus criou a m u lh er do h o m e m p ara ser o seu igual — não da cabeça para m andar nele, ou dos pés para ser u m a escrava para ele, m as do lado p ara ser u m a com p an h eira para ele. A solidariedade de toda a hum anidade é u m fato da criação original e tam bém da sua existência continuada. Foi o que Paulo declarou, quando disse: “De u m só fez [Deus] tod a a geração dos hom ens p ara habitar sobre tod a a face da te rra ” (A t 17.26). Há m uitos grupos étnicos, mas há só u m a raça — a raça hum ana. Todos os seres hum anos foram u m na criação de Adão e tam bém foram u m na queda de Adão, pois “co m o p or u m h o m em en trou o pecado no m u ndo, [...] assim tam bém a m o rte passou a todos os h om ens, p o r isso que todos p ecaram [em Adão]” (R m 5.12). Q uer dizer, a raça h u m an a inteira estava presente em Adão quando ele p ecou e, p o rta n to , caiu co m ele. Todos os seres hum anos herdam este pecado original, de fo rm a que sem salvação som os “p or n atu reza filhos da ira [de D eus]” (E f 2.3). A unidade da raça h u m an a tam bém é evidente no m eio da sua propagação. A m ultiplicação só vem da união de m ach o e fêm ea (G n 1.28; 2.24), e desta união vêm filhos que são à “sem elhan ça” dos pais (G n 5.3). A raça inteira está geneticam ente conectada. De fato, não há m uitos tipos diferentes de seres h um anos — todos os seres h um anos são da m esm a espécie. Eles são essencialm ente os m esm os e só acidentalm ente diferentes.4Todos tem os u m pai e m ãe ancestrais (A dão e Eva) e, por conseguinte, todos fazem os p arte de u m a grande “fam ília” (E f 3.15). 4 “Essência” significa “natureza” ou “substância”, ou seja, o que algo é por natureza, o que é necessário ao tipo de coisa que é. “Essência” é o que algo é, ao passo que “acidente” é o que algo m eram ente tem, mas não possui por natureza.
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Por fim, não só é verdade que “n en h u m de nós vive para si”, mas tam bém que “n enh u m [de nós] m o rre para si” (R m 14.7). Quer vivamos ou m orram os, “som os do S enh or” (R m 14.8); ninguém é com pletam ente independente. A m u lh er foi criada do hom em , m as “o h om em nasce da m u lh er” (1 Co 11.12, NTLH). Não h á h om em feito p or si m esm o; todo h o m em tem u m a m ãe. A raça h um ana inteira é interdependente. Som os u m a com unidade de seres co m u m Criador co m u m , u m a conexão co m u m e u m a terra co m u m para glorificar e desfrutar Deus.
O MAL DO RACISMO U m aconseqüênciaim portante da discussão feitaacim asobreadignidade, com unidade e solidariedade da raça hum ana é que é u m argum ento forte co n tra o racism o. A idéia que há u m a raça superior, seja de qual for a cor, é contrária ao ensino mais fundam ental da Bíblia. C om o previam ente estabelecido, há som ente u m a raça — a raça hum ana — , e todos nós som os parte dela. Há m uitos grupos étnicos, mas u m a única raça — a raça adâm ica que inclui todos nós.
Os Argumentos Infundados a favor do Racismo M uitos argum entos propostos a favor do racism o servem-se im propriam ente da Bíblia para apoiá-los. Entre estes os apresentados a seguir requerem com entário. A Marca em Caim C ertos estudiosos propõem que a m arca em Caim foi o que o designou co m o raça, co m a qual as pessoas não deviam se casar (G n 4.15). Todavia não há tal razão dada em n en h u m a parte da Bíblia para isto. Na verdade, era u m a m arca de proteção para ele, pois o texto diz: “E pôs o Senhor u m sinal em Caim, para que não o ferisse qualquer que o achasse” (G n 4.15). Não tinha nada a ver co m cor ou grupos étnicos, os quais nem ainda tinh am se desenvolvido (cf. Gn 11). 0 Mandamento de não Casar-se com Membros de outras Nações Várias vezes no Antigo Testamento, Deus proibiu o casamento com pessoas de outra nacionalidade ou condenou o seu povo por casar co m membros de outras nações. Por exemplo, as esposas estrangeiras fizeram parte do fim de Salomão (1 Rs 11.1-3), e Esdras exigiu que os israelitas se divorciassem das m ulheres com quem eles tinham se casado dentre as nações gentias (Ed 10.10,11,17-19). Contudo, em cada caso a razão era m oral e não racial. Esdras cham ou as esposas estrangeiras de “gentias” (Ed 10.17,18, NKJV), e quando Salomão foi condenado por ter esposas estrangeiras, a razão foi declarada claramente: “Não entrareis a elas, e elas não entrarão a vós; de outra maneira, perverterão o vosso coração para seguirdes os seus deuses” (1 Rs 11.2). Por fim, está claro que Deus sancionou o casamento com pessoas de grupos étnicos diferentes. Constatamos este fato pela bênção que o Senhor deu a Raabe e Rute, colocando-as na linhagem do Messias por se casarem com judeus, e por ambas serem m ulheres de fé (cf. Js 2.9-11; R t 1.16,17; Hb 11.31). O Desejo de Deus E que as Nações sejam Separadas Há quem argum ente que Deus desejou que as nações fossem diferenciadas, pois Atos 17.26 declara que Deus “[determinou] os tem pos já dantes ordenados e os limites da sua habitação”. Se Deus determ inou a identidade das nações, então se supõe que cru zar essas
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fronteiras pelo casam ento seja errado. Entretanto, este tipo de argum ento é enganoso por certas razões. Primeiro, a declaração é descritiva e não prescritiva. Não é proibição co n tra a migração. Segundo, a declaração é geral e não específica, sendo sobre nações e não indivíduos. Se fosse sobre indivíduos, então teríam os de excluir R ute e Raabe, pois elas foram incluídas na linhagem do Messias (cf. M t 1). Terceiro, o próprio texto fala co n tra o racism o, declarando que “de u m só [Deus] fez toda a geração dos hom ens para habitar sobre toda a face da te rra ” (A t 17.26). Repetindo, não há m uitas raças, há apenas u m a — a raça hum ana. A Maldição sobre Canaã Talvez a passagem bíblica mais im propriam ente usada seja Gênesis 9, onde Deus denunciou os descendentes de Noé através de Canaã, o filho de Cão, dizendo: “Maldito seja Canaã; servo dos servos seja aos seus irm ãos” (Gn 9.25). C ontudo, este tipo de interpretação negligencia m uitos fatos im portantes, além dos listados a seguir, a favor de casam ento interétnico. Primeiro, não há nada neste texto sobre m aldição sobre a raça negra ou o povo africano. Segundo, a m aldição não tem nada a ver co m a co r da pele. Terceiro, os descendentes de Canaã foram os cananeus da T erra Prometida, os quais foram amaldiçoados por Deus e aniquilados pelos israelitas conform e registra o livro de Josué. Não tem nada a ver co m os que são da África ou vivem ali.
A Base para o Casam ento Interétnico Há m uitos argum entos fortes da Bíblia que m ostram que Deus aprova o casam ento interétnico. Primem, com o com entado acima, todos os grupos étnicos são da m esm a raça — a raça hum ana. Segundo, o Novo Testam ento repete especificamente que todos nós som os “de um sangue” (A t 17.26, NKJV). Terceiro, há casos biblicamente aprovados de casam ento entre etnias (co m o R ute e Raabe). Quarto, quando Moisés se casou co m u m a etíope e foi criticado por isso, Deus interveio e julgou os que desaprovaram (N m 12.1-15). Quinto e últim o, os m andam entos bíblicos aplicáveis ao casam ento são para casarm os “no S enh or” (1 Co 7.39), alguém co m quem não estejamos “em jugo desigual” (significando, não co m u m incrédulo; 2 Co 6.14).
O PROPÓSITO DA HUMANIDADE O propósito da criação é duplo: honrar o Criador e desfrutar da sua criação. Este desígnio é evidente desde o princípio da criação e da própria n atureza da criatura. Paulo exortou os crentes coríntios: “Glorificai, pois, a Deus no vosso co rp o ” (1 Co 6.20). E disse: “Q uer comais, quer bebais ou façais o u tra qualquer coisa, fazei tudo para a glória de Deus” (1 Co 10.31). Ele exortou os crentes colossenses: “E, tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, co m o ao Senhor e não aos h om en s” (C l 3.23).
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Na realidade, todas as criaturas, angelicais e hum anas, se unem no louvor eterno em volta do trono de Deus, cantando: “Digno és, Senhor, de receber glória, e honra, e poder, porque tu criaste todas as coisas, e por tua vontade são e foram criadas” (Ap 4.11). “E no seu tem plo cada u m diz: G lória!” (SI 29.9). Só “néscios” (SI 14.1) tro cam “a glória do Deus incorruptível em sem elhança da im agem de h o m em corruptível, e de aves, e de quadrúpedes, e de répteis” (R m 1.22,23). Eles “h onraram e serviram mais a criatura do que o Criador, que é bendito eternam ente” (R m 1.25).
Glorificar Deus, o Criador O prim eiro propósito da criatura é glorificar o Criador. Deus disse: “[Eu] criei para m in h a glória” (Is 43.7). Este propósito em an a da natu reza do Criador co m o tam bém da criatura. 0 Criador não Teve de nos Criar A criação não ocorreu p o r com pulsão. Deus não foi forçado a criar-nos. A Bíblia diz claram ente: “Por tua vontade [de Deus] são e foram criadas” (Ap 4.11). Deus não precisava criar — um Ser infinito e perfeito não precisa de nada. Deus não estava só, pois co m o u m a trindade de pessoas — Pai, Filho e Espírito Santo — , Deus tinha com panheirism o absolutamente perfeito em si m esm o. Ele não teve de buscar com panhia em outro lugar. Por que, então, Deus criou? Não porque Ele teve, mas porque Ele quis. De fato, todas as coisas foram feitas “segundo o seu beneplácito que propusera em C risto” (E f 1.9, ARA), que “faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade” (E f 1.11). Se Deus não tinha de criar-nos, então a nossa existência não é necessária. De fato, poderíamos não ter sido (existido), e só existimos porque Ele quer que sejamos (existam os). Portanto, devemos a nossa existência a Ele. A nossa n atu reza co m o seres livrem ente criados dem anda a nossa submissão ao Criador. A Nossa Vida E Dependente de Deus Viemos à existência por causa da vontade de Deus, e tam bém continuamos existindo por sua vontade. Ele literalm ente “[sustenta] todas as coisas pela palavra do seu p oder” (Hb 1.3), porque “todas as coisas subsistem por ele” (Cl 1.17). Se Deus decidisse que não existíssemos mais, cairíamos em esquecim ento neste exato m om ento. Deus sustenta todas as coisas em existência, inclusive a humanidade (ver capítulo 21). “Porque nele vivemos, e nos movemos, e existimos” (At 17.28). Deus deu plenas evidências de estar sustentando toda a criação; com o disse Paulo aos pagãos em Listra: “[Deus] não se deixou a si m esm o sem testemunho, beneficiando-vos lá do céu, dando-vos chuvas e tempos frutíferos, enchendo de mantimento e de alegria o vosso coração” (At 14.17). Tiago reconheceu: “Toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto” (Tg 1.17). Entramos nus no m undo e saímos nus dele (Jó 1.21), e se Deus não nos fornecesse roupas, também viveríamos nus (1 T m 6.7,8). Entretanto, Deus não só alimenta as aves do céu e veste os lírios, mas Ele também tom a providências acerca de todas as nossas necessidades (M t 6.28-34). Sem o ar e os alimentos que Ele nos dá, não viveríamos. Portanto, cabe a nós não cuspir no prato em que com em os. C om o criaturas gratas, confessemos co m o o salmista: “Exultarei nas obras das tuas m ãos” (SI 92.4). C om o criaturas gratas, glorifiquemos “o Criador, que é bendito eternam ente. A m ém !” (R m 1.25). Esta é a própria razão para a nossa existência.
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D esfrutar a Criação de Deus O segundo propósito da criatura é desfrutar a criação. Deus não é u m desmanchaprazeres cósm ico; Ele não é u m pão-duro divino.. Deus deseja que as criaturas sejam felizes. O salmista disse que o Senhor “farta de bens- a tua velhice, de sorte que a tua mocidade se renova co m o a da águia” (SI 103.5, ARA). C om o há p ouco com entado, Paulo falou para os incrédulos que Deus “[enche] de m antim ento e de alegria o vosso coração ” (A t M.17). N a realdád e, Paulo fala de “Deus, que abundantem ente nos dá todas as coisas para delas gozarm os” (1 T m 6..17).. "Não negará te m algum aos que andam na retidão” (SI 84.11). Esta é u m a promessa para esta vida.. E para a ou tra vida? O salmista disse m elhor: “Na tu a presença há abundância de alegrias; à tua m ão direita há delícias p erpetuam ente” (SI 16.11). Deus deseja que as suas criaturas sejam felizes e santas. Ele quer lhes proporcionar satisfação com o tam bém santificação. O seu propósito para nós é que desfrutem os de todos os bens que Ele graciosam ente dá, pois “nada há m elhor para o h om em do que com er, beber e fazer que a sua alm a goze o bem do seu trabalho. No entanto, vi tam bém que isto vem da m ão de Deus, pois, separado deste, quem pode co m er ou quem pode alegrar-se?” (Ec 2.24,25, ARA). Em sum a, Deus deseja que sejamos felizes agora e sempre. Ele deseja que (1) o exaltem os co m o Criador, e que (2) desfrutam os a sua criação.
RESUMO DA BASE BÍBLICA PARA A CRIAÇÃO A criação é o primeiríssimo dos ensinos mais básicos da Bíblia. Deus criou o universo m aterial (Gn 1.1), todos os seres vivos (G n 1.20-25) e os seres hum anos à sua im agem e sem elhança (G n 1.27). A criação original foi feita do nada (ex nihílo). A criação m aterial é por natureza contingente, finita, limitada no espaço e no tem po, e boa. Deus criou a vida em toda a sua diversidade e a deu em unidade duradoura e estabilidade para reproduzir segundo a sua espécie. Os seres hum anos são u m a criação distinta. A raça hum ana possui dignidade, unidade e com unidade. Deus tam bém criou espíritos cham ados anjos (ver capítulo 20), cujo propósito é servir Deus e os seus filhos. (Alguns anjos se rebelaram co n tra Deus e são conhecidos p o r demônios. O líder desta rebelião se cham a Diabo ou Satanás.) O propósito de todas as criaturas racionais é glorificar a Deus e desfrutar a sua criação.
A BASE HISTÓRICA DA CRIAÇÃO MATERIAL A doutrina da criação está firm em ente arraigada na teologia da igreja cristã histórica. Isto é verdade desde os tem pos bem antigos.
Os Primeiros Pais da Igreja Falaram sobre a Criação Justino Mártir (c. 100-c. 165) Homero também, tendo descoberto da história antiga e divina, que diz: “Porquanto és pó e em pó te tornarás” [Gn 3.19], diz que o corpo inanimado de Hector é puro barro. [...] E novamente, em outro lugar, ele apresenta Menelau, dirigindo-se aos que não estavam aceitando o desafio de Hector de terem combates em duplas com vivacidade conveniente: “Para a terra e água vós vos retornareis”, revolvendo-os na sua raiva violenta na formação original e primitiva que tiveram proveniente da terra. Estas coisas Homero e Platão, tendo aprendido no Egito das histórias antigas, escreveram com palavras próprias. (JHAG, p. 286)
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Irineu (c. 125-c. 202)
É próprio, portanto, que eu comece com o ser primeiro e mais importante, isto é, Deus Criador, que fez os céus, a terra e todas as coisas que neles há (a quem estes homens nomeiam blasfematoriamente o fruto de um defeito), e demonstre que não há nada acima dEle ou depois dEle, nem que, influenciado por quem quer que seja, senão por livre vontade, Ele criou todas as coisas, visto que Ele é o único Deus, o único Senhor, o único Criador, o único Pai, o único que contém todas as coisas e que Ele mesmo comanda todas as coisas à existência. (AH , 2.1.1, em Roberts and Donaldson, ANF, I) E acrescentou: Pois tem de ser ou que há um Ser, que contém todas as coisas e formou no seu próprio território todas as coisas que foram criadas, de acordo com a sua vontade; ou, repetindo, que há numerosos e ilimitados criadores e deuses, que começam uns dos outros e terminam uns nos outros de todos os lados. Será, então, necessário permitir que todos os demais sejam contidos de fora por alguém que seja maior. (AH , 2.1.5, em ibid., I) Além disso: Ele [Deus] criou e fez todas as coisas pela sua Palavra, ao mesmo tempo em que não exigiu que os anjos o ajudassem na produção dessas coisas que foram feitas, nem de outro poder muito inferior a Ele. [...] Mas Ele próprio em si mesmo, de um modo que não podemos descrever nem conceber, predestinando todas as coisas, formou-as como lhe agradou, dando harmonia em todas as coisas e designando-lhes o lugar apropriado e o começo da sua criação. (A H , 2.1.4, em ibid., I) Irineu continuou: Ele formou todas as coisas que foram feitas pela sua Palavra, que nunca se cansa. [Pois] a sua própria Palavra é adequada e suficiente para a formação de todas as coisas, mesmo como João, o discípulo do Senhor, declara em relação a Ele: “Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez” [Jo 1.3], Agora, entre esse “todas as coisas” o nosso mundo tem de estar incluído. (A H , 2.1.4-5, em ibid., I) E prosseguiu: Portanto, que afirmem que o mundo foi feito por qualquer outro. Pois assim que Deus formou uma concepção na mente, isso também foi o que Ele fez conforme concebera mentalmente. (AH , 2.3.2, em ibid.) Concluindo: Não é conveniente dizer dEle, que é Deus sobre todos, visto que Ele é livre e independente, que Ele era um escravo da necessidade, ou que qualquer coisa acontece com a sua permissão, contudo contra o seu desejo. Caso contrário, eles tornarão a necessidade maior e mais real que Deus, visto que aquEle que tem o poder maior é superior a todos os [outros]. (AH , 2.5.4, em ibid.)
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Tertuliano (c. 155-c. 225) Embora Hermógenes ache entre as suas pretensões plausíveis (pois não estava no seu poder descobrir isto nas Escrituras de Deus), basta para nós que é certo que todas as coisas foram feitas por Deus e que não há certeza que foram feitas pela matéria. E mesmo que a matéria previamente existisse, temos de acreditar que fora feita por Deus, visto que sustentamos (nada menos) quando afirmamos a regra da fé para ser, que nada exceto Deus foi incriado. Mesmo neste ponto não há lugar para controvérsia, até que a matéria seja levada à prova das Escrituras e fracasse em sua defesa. A conclusão de tudo isso é: Descubro que não havia nada feito, exceto do nada, porque aquilo que descubro foi da relva, dos frutos, do gado e da forma do próprio homem. Assim das águas foram produzidos os animais que nadam e voam. As estruturas originais das quais foram produzidas tais criaturas posso chamar que são seus materiais, mas então estes foram criados por Deus. (A H , 2.3.33, em ibid., III) Vós tendes, sem dúvida, entre os vossos filósofos homens que sustentam que este mundo é sem começo ou criador. Contudo, é muito mais verdade que quase todas as heresias permitem uma origem e um criador, e atribuem a sua criação ao nosso Deus. Entretanto, acreditam firmemente que Ele a produziu completamente do nada, e então vós achastes o conhecimento de Deus, crendo que Ele possui tal poder grandioso. (RF, 2.6.11, em ibid.)
Os Pais da Igreja Medieval Falaram sobre a Criação Prosseguindo ao longo da Idade Média, todos os m estres ortodoxos continuaram crendo no que o prim eiro Credo Apostólico declarou, isto é, que Deus é “o Criador dos céus e da terra”. M uitos en traram em m uitos detalhes sobre o que isto significava e com o aconteceu. Agostinho (354-430) A respeito da criação, co m o vimos, Agostinho disse que podem os fazer três perguntas: “Q uem fez a criação? Com o? e Por quê? As respostas são: ‘D eus’; 'pela Palavra’; e ‘porque é b om ’” (CG, 11.23). E desenvolveu a idéia da seguinte form a: Quem criou? Claro que Deus é a “Causa Primeira” (LCG, p. 23). Ele é o “C o m eço ”, fora do qual não há com eço. Ele é eterno e não-causado. Ele é indivisível e im utável (CG, 11.10). Ele é infinitamente sábio e poderoso. Além disso, Deus criou voluntariam ente. Deus criou “os céus e a terra” e todos os seres vivos (G n 1.1,21). Isto “insinua que antes da criação dos céus e da terra Deus não tinha feito nada” (ibid., 11.9). Portanto, “não pode ter existido m atéria de qualquer tipo a m enos que viesse de Deus, o A u tor e Criador de tudo que foi form ado ou será form ado” (LCG, p. 35). Todas as coisas são provenientes de Deus, elas não são feitas de Deus (ONG, p. 27). A criação “não é feita dEle, porque não é im utável, com o Ele é”. Mas visto que “não foi feita de ou tra coisa, foi feita indubitavelmente do n ad a— exceto por Ele m esm o” (OSIO, 1.4). Portanto, “é tolice im aginar espaço infinito, visto que não há tal coisa co m o espaço fora do co sm o ” (CG, 11.5). Como Deus Criou? Quanto ao tem po que criou Deus, Agostinho perguntou: “O autor do tem po precisava da ajuda do tem po?” (LCG, p. 195). Não há tem po antes de o tem po com eçar, só a eternidade, pois “se eles imaginassem períodos infinitos de tem po antes do
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m u ndo, [...] eles conceberiam âmbitos infinitos de espaço além do universo visível” (CG, 11.5). Não havia tem po antes de Deus criar. Ele criou o tem po da eternidade. O tem po teve u m com eço , mas o decreto de Deus para criar não; era eterno. Fazendo u m com entário sobre o com p rim en to dos “dias” de Gênesis 1, Agostinho escreveu: Vemos que os nossos dias comuns não têm noite, exceto pelo pôr-do-sol, e nem manhã, exceto pelo nascer do sol. Mas os primeiros três dias foram passados sem sol, visto que somos informados que o sol foi feito no quarto dia. De fato, em primeiro lugar a luz foi feita pela palavra de Deus, e Deus, lemos, a separou das trevas, e chamamos o Dia luz, e a Noite trevas. Mas que tipo de luz era e por qual movimento periódico fez noite e manhã são questões que estão além do alcance de nosso entendimento, (ibid., p. 208) Além disso: Quando se diz que Deus descansou no sétimo dia de todas as suas obras, e o consagrou, não devemos imaginar isso de forma infantil, como se o trabalho fosse uma labuta para Deus, que “falou, e tudo se fez” [SI 33.9], falou pela palavra espiritual e eterna, não pela palavra audível e transitória. Mas o descanso de Deus significa o descanso daqueles que descansam em Deus, como a alegria de uma casa significa a alegria daqueles na casa que se alegram, embora não a casa, mas alguma coisa a mais é que causa a alegria, (ibid., p. 209) Por que Deus criou? Se Deus criou livrem ente, então podem os perguntar por que Ele criou em vez de não criar. U m a vez mais, a resposta de Agostinho foi “porque é b om ” (ibid., 11.23). Fazendo u m com entário sobre o fato de Deus declarar que tudo que Ele criou era “m uito b om ” (G n 1.31), Agostinho concluiu: “Não há dúvida de que isto só pode significar que não havia o u tra razão para criar o m undo a não ser que criaturas boas fossem feitas por u m Deus b om ” (CG, 11.3). Anselmo (1033-1109) Quem criou? Em resposta a esta pergunta, Anselm o escreveu: Quem és tu, então, Senhor Deus, sobre quem nada maior pode ser concebido? Mas quem és tu, a não ser aquele que, como o mais alto de todos os seres, só existe por si mesmo e cria todas as coisas do nada? Pois, tudo que não for isso é menos do que uma coisa da qual podemos conceber. Mas isto não pode ser concebido de ti? (P, 5) Por conseguinte, vendo que tudo que é existe pelo Ser supremo, nem nada mais pode existir por este Ser, exceto por sua criação ou por sua existência como material, concluise, necessariamente, que nada além disso existe, exceto por sua criação. E, visto que nada mais é ou foi, exceto esse Ser supremo e os seres criados por Ele, não poderia criar nada por qualquer outro instrumento ou ajuda do que Ele próprio. (Aí, 7) Do que Deus criou? Anselm o respondeu: Tudo que foi criado foi criado indubitavelmente ou de algo, como da matéria, ou do nada. [...] Considerando que é muito evidente que a essência de todos os seres, exceto
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a Essência suprema, foi criada por essa Essência suprema, e não deriva a existência da matéria, indubitavelmente nada pode ser mais claro do que esta Essência suprema produziu do nada, só e por si mesma, o mundo das coisas materiais, tão numerosa multidão, formada em tal beleza, variada em tal ordem, tão adequadamente diversificada, (ibid.) Podemos entender, sem inconsistência, a declaração de que o Ser criativo criou todas as coisas do nada, ou que tudo foi criado por meio disso do nada; quer dizer, essas coisas que antes eram nada e agora é algo. Pois, realmente, da própria palavra que usamos, dizendo que as criou ou que elas foram cnadas, entendemos que quando este Ser as criou, criou algo, e que quando elas foram criadas, elas foram criadas só como de algo. (ibid., 8) Todavia: Está claro que os seres que foram criados não eram nada antes de serem criados, a esta medida, que eles não eram o que são agora, nem havia algo de onde eles seriam criados, contudo eles não eram nada, no que diz respeito ao pensamento do Criador, e de acordo com isso, eles foram criados, (ibid., 9) Da mesma maneira que um artesão primeiro concebe na mente o que depois ele executa conforme o seu conceito mental, contudo vejo que esta analogia é muito incompleta. Pois a Substância suprema não tomou absolutamente nada de qualquer outra fonte, de onde modelasse um modelo em si mesmo ou fizesse para as suas criaturas o que elas são. (ibid., 11) Considerando que não pode ser aquilo que essas coisas que foram criadas vivas por outro, e que pelo qual elas foram criadas vive por si mesma, necessariamente, da mesma maneira que nada foi criado exceto pelo Ser criativo e presente, assim nada vive exceto por sua presença preservadora. (ibid., 13) Por que Deus criou?
Portanto, é mais óbvio que a criatura racional foi criada para este propósito, que poderia amar o Ser supremo acima de todos os outros bens, como este Ser é por si mesmo o bem supremo. Não somente isso, mas também que não poderia amar nada exceto isso, a menos que por causa disto, visto que esse Ser é bom por si mesmo, e nada mais é bom exceto por Ele. Mas os seres racionais não podem amar este Ser, a menos que se dedicassem a lembrar-se e concebê-lo. Está claro, então, que a criatura racional deve dedicar sua total capacidade e vontade para lembrar-se, conceber e amar o bem supremo, por cujo fim reconhece que tem a própria existência, (ibid., p. 68) Tomás de Aquino (1225-1274)
C om o previam ente estabelecido, a visão de A quino sobre a criação pode ser declarada em term os das respostas que ele deu às perguntas básicas. Quem criou? Deus criou, m as Ele o fez livrem ente, pois, repetindo: “Não é necessário que Deus desejasse qualquer coisa exceto Ele m esm o ” (ST , la.46.1). Ao Pai é atribuído o poder que é especialmente mostrado na criação. [...] Ao Filho é atribuído a sabedoria através da qual um agente intelectual age. [...] Ao Espírito Santo é atribuído a bondade, à qual pertence o governo [...] e a doação de vida. (ibid., la.46.6)
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Não só Deus criou, mas só Deus pode criar, pois “criar é, propriam ente dito, causar ou produzir o ser (existência) das coisas” (ibid., la.45.6). Só Deus pode causar algo para vir a ser (à existência): “O h om em individual não pode ser absolutam ente a causa da natureza hum ana, porque Ele seria então a causa de si m esm o ” (ibid., la.45.5). Na realidade, “n enh u m ser criado pode produzir u m ser absolutam ente” (ibid.). Isto é assim, visto que só Deus é a causa prim ária, e “n en h u m a causa secundária pode produzir qualquer coisa. [...] Por conseguinte, conclui-se que nada pode criar a não ser som ente Deus” (ibid., la.65.3). As causas secundárias não criam ; elas só reduplicam (ibid., la.45.6). U m a “causa instrum ental secundária não to m a parte na ação da causa superior. [...] Portanto, é impossível a criatu ra criar” (ibid. la.45.5). Como Deus criou.'’ Pela sua Palavra. C om o já declarado, não há causa instrum ental da criação, porque entre o nada e o algo não há o m eio-term o. Portanto, “Deus produz o ser no ato do nada [...] de acordo co m a grandeza do seu p oder” (ibid., la.61.1). Por conseguinte, “tem os de defender co m plena convicção que Deus traz as criaturas à existência p or livre vontade, e não co m o preso por necessidade n atu ral” ( OPG, 3.15). Do que criou Deus? Aquino respondeu: Respondo que devemos dizer que todo ser de qualquer forma existente é de Deus. Porque o que quer que se ache em qualquer coisa por participação, deve ser causado nisto pelo qual pertence essencialmente, como o ferro se acende pelo fogo. Portanto, todos os seres à parte de Deus não são o próprio ser, mas são os seres por participação. Então, tem de ser que todas as coisas que são diversificadas pela participação diversa do ser, para serem mais ou menos perfeitas, são causadas por um Ser Primeiro, que possui o ser mais perfeitamente. (ST, la.44.1) Para resum ir de novo, Deus criou do nada, mas “nada” não é algum tipo de material invisível do qual Deus fez o m undo. Por “do nada” o significado é “aquilo que foi feito do nada” (ibid., la.46.2). A preposição “de” não insinua que veio de algo, mas que veio conforme o nada (ibid. la.45.1). Portanto, a criação do nada é realm ente a criação conform e o nada, pois “nada é igual a não ser” (ibid.). Quando Deus criou? C om o vimos repetidam ente, Deus criou “no princípio” . Deus é eterno, mas o m undo não. O universo veio a ser, mas Deus sem pre era (n a verdade, é). Repetindo, Aquino acreditava que a criação eterna era teoricam ente possível (ST, la.46.2), em bora não realm ente possível. E assim, argum entou ele, porque visto “de acim a”, Deus é eterno, e u m efeito é sim ultâneo à sua causa de existência. C om o m encionado antes, B oaventura e outros discutiram “de abaixo” que u m universo eterno é impossível, porque u m a série infinita de m om entos é inacessível (Bonaventure, S, 1.1.1.2.1-6). Ambas as visões concordam que o universo não é eterno. Não é necessário Deus desejar que o mundo sempre exista. Mas o mundo existe tanto mais que Deus o deseja que exista, visto que o ser (existência) do mundo depende da vontade de Deus, como em sua causa. Não é então necessário que o mundo sempre seja. E, por conseguinte, não pode ser provado por demonstração. (Aquino, ST, la.46.1)
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Além disso: As palavras de Gênesis: “No princípio, criou Deus os céus e a terra” [Gn 1.1], são expostas em um sentido triplo a fim de excluir três erros. Pois alguns dizem que o mundo sempre era, e que o tempo não teve começo. E para excluir este as palavras “no princípio” estão expostas, ou seja, “de tempo”. E alguns disseram que há dois princípios da criação, um das coisas boas e o outro das coisas ruins, contra o qual “no princípio” é exposto, saber, “no Filho”. Pois como o princípio eficiente é destinado ao Pai por causa do poder, assim o princípio exemplar é atribuído ao Filho por causa da sabedoria, para que, como está escrito: “Todas as coisas fizeste com sabedoria” (SI 104.24), pode ser entendido que Deus fez todas as coisas no princípio, ou seja, no Filho; de acordo com a palavra do apóstolo: “Nele” (Cl 1.16), ou seja, no Filho “foram criadas todas as coisas”. Mas outros disseram que as coisas corpóreas foram criadas por Deus por meio da criação espiritual. E excluir isto se expõe assim: “No princípio”, ou seja, antes de todas as coisas, “criou Deus os céus e a terra”. Pois [estas] coisas são declaradas terem sido criadas juntas, a saber, o céu empíreo, a matéria corpórea, pelo que se entende que é a terra, o tempo e a natureza angelical, (ibid., la.46.3) Por que Deus criou? “Deus traz as coisas à existência para que a sua bondade sej a comunicada e
manifestada” (ibid., 1.47.1). Não que Deus tenha de compartilhar a sua bondade, mas que Ele quer fazer assim. Portanto, Deus criou para manifestar a sua bondade e compartilhála com as suas criaturas. Por qual padrão Deus criou? Respondo que Deus é a causa primeira exemplar de todas as coisas. Em prova disso, temos de considerar que se para a produção de qualquer coisa um exemplar é necessário, é para que o efeito receba uma forma determinada. Pois um artífice produz uma forma determinada na matéria por causa do exemplar antes dele, quer seja o exemplar visto externamente, ou o exemplar concebido interiormente na mente, (ibid., la.44.3)
Os Líderes da Reform a Falaram sobre a Criação Martinho Lutero (1483-1546) No princípio, Deus fez Adão de um torrão de barro, e Eva, da costela de Adão: Ele os abençoou e disse: “Frutificai, e multiplicai-vos” [Gn 1.27], palavras que ficarão e permanecerão poderosas até ao fim do mundo. [...] Estas e outras coisas que Ele cria diariamente, o mundo cego descrente não vê, nem reconhece as maravilhas de Deus, mas pensa que tudo é feito por casualidade e por acaso, ao passo que, os religiosos, aonde quer que lancem os olhos, vendo o céu, a terra, o ar e a água vêem e reconhecem tudo pelas maravilhas de Deus; e, cheios de surpresa e encanto, louvam o Criador, sabendo que Deus se agrada muito com isso. (TT, p. 64) João Calvino (1509-1564) Deus se agrada que a história da criação exista — uma história na qual a fé da igrej a pode confiar sem buscar qualquer outro Deus do que aquele que Moisés apresenta como o Criador e Arquiteto do mundo. [...] Este conhecimento é do uso mais alto não só como
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antídoto para as fábulas monstruosas que antigamente predominavam no Egito e nas outras regiões do mundo, mas também como meio de dar uma manifestação mais clara da eternidade de Deus como contrastado com o nascimento da criação, e inspirando-nos assim com a mais alta admiração. (ICR, 1.14.1)
Os Teólogos da Pós-Reforma Falaram sobre a Criação Ja có Armínio (1560-1609) “Criação é u m ato externo de Deus pelo qual Ele produziu todas as coisas do nada, para si m esm o, pela sua Palavra e Espírito” ( W JA , 11.54). “A causa eficiente prim ária é Deus Pai, pela sua Palavra e Espírito. A causa m otivadora que indicamos na definição pela partícula ‘para’, é a bondade de D eus” (ibid.). A lém disso, “tem po e lugar não são criaturas separadas, m as são criadas co m as próprias coisas, ou, antes, que eles existem junto na criação das coisas” (ibid., p. 57). E: O homem é uma criatura de Deus. Consiste de um corpo e uma alma, racional, boa e criada segundo a imagem divina “de acordo com o seu corpo”, criado de matéria preexistente, que é, terra misturada e borrifada com umidade aquosa e etérea, [como também] "de acordo com a sua alma”, criado do nada, pela respiração da respiração nas suas narinas, (ibid., p. 62) Jonathan Edwards (1703-1758) A diferença principal entre as partes inteligentes e morais e o restante do mundo está nisto: que os primeiros podem conhecer o Criador e o fim para o que Ele os fez, podendo articular que obedecem ao seu desígnio na criação e promovê-lo, ao passo que as outras criaturas não podem promover o desígnio da sua criação, só passiva e eventualmente. ('WJE , 2.2.8) Charles Hodge (1797-1878) Charles Hodge, ex-reitor da Universidade de Princeton, foi grande defensor da fé ortodoxa, inclusive da doutrina da criação. No livro 0 que é Darwinismo?, ele responde sem rodeios: “Darwinismo é ateísm o”. Explica que nem Darwin nem todos os seus seguidores eram ateus, mas que a teoria darwinista é equivalente ao ateísmo, porque ao excluir o desígnio da n atu reza excluiu a necessidade de u m Designer. O Deus da Bíblia é um Deus extramundano, existindo fora e antes do mundo, absolutamente independente dele; seu criador, preservador e governador. Assim a doutrina da criação é uma conseqüência necessária do teísmo. Se negarmos que o mundo deve sua existência à vontade de Deus, então o ateísmo, o hilozoísmo ou o panteísmo seria a conseqüência lógica (ST, 1.561, 562). A parte da doutrina panteísta que faz o universo a forma da existência, ou, como chama Goethe [...] (a roupa viva) de Deus, as visões mais prevalecentes neste assunto são: Em primeiro lugar, as teorias que excluem a mente da origem causativa do mundo; em segundo lugar, as opiniões que admitem pela mente, mas só no que esteja relacionado à matéria; e em terceiro lugar, a doutrina bíblica que aceita a existência de uma mente extramundana infinita a cujo poder e vontade a existência de todas as coisas têm de ser atribuídas que vêm de Deus. (ibid., 1.550)
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Hodge Fala sobre a Criação ex nihilo A doutrina da igreja sempre tem sido que Deus criou o universo do nada pela palavra do seu poder, que a criação foi instantânea e imediata, ou seja, sem a intervenção de causas segundas. Contudo, aceita-se em geral que devemos entender isto em relação à chamada original da matéria à existência. Portanto, os teólogos distinguem entre um primeiro e um segundo, ou criação imediata e mediata. Uma foi instantânea, a outra gradual; uma impede a idéia de qualquer substância preexistente e de cooperação, a outra admite e insinua ambos. [...] Conclui-se, então, que formar de material preexistente vem da idéia bíblica da criação. Todos reconhecemos Deus como o autor de nosso ser, como nosso Criador, como também nosso Preservador. [...] E a Bíblia constantemente fala que Deus causa a relva crescer, e que Ele é o verdadeiro autor ou criador de tudo que a terra, o ar ou a água produz. Portanto, há, de acordo com as Escrituras, não só uma criação imediata e instantânea ex nihilo pela palavra simples de Deus, mas uma criação mediata e progressiva. O poder de Deus que trabalha em união com as causas segundas, (ibid., 1.556, 557) Karl Barth (1886-1968) A criação divina em si mesma e como tal não ocorreu e não ocorre por causa própria. A criação é a postulação livremente desejada e executada de uma realidade distinta de Deus. Surge a pergunta: Qual era e é a vontade de Deus para fazer isto? Respondemos que Ele não quer ficar sozinho na sua glória; que Ele deseja alguma outra coisa ao seu lado. (CD, 3.1.95) Não é por capricho nem por necessidade que Ele deseja e coloca a criatura, mas porque Ele a amou desde a eternidade, porque Ele deseja demonstrar o seu amor por ela, e porque Ele quer, não limitar a sua glória por sua existência e ser, mas revelar e manifestála na sua própria coexistência com ela. Como Criador, Ele quer existir para a sua criatura, (ibid.) A criatura não existe casualmente. Não existe meramente, existe significativamente. Em sua existência, ela realiza um propósito e ordem. Não entrou em ser (existência) por casualidade, mas por necessidade, portanto não como um acidente, mas como um sinal e testemunha desta necessidade, fá está implícito no fato de que é uma criatura e, portanto, a obra do Criador, de Deus. (ibid., 3.1.229)
A DISCUSSÃO SOBRE A CRIAÇÃO E A EVOLUÇÃO Desde o tem po de Charles Darwin (1809-1882), u m debate vem assolando dentro do cristianismo. Diz respeito se a evolução total é ou não com patível co m o ensino histórico bíblico e teológico das origens. Dois grupos básicos em ergiram : a evolução teísta e o criacionismo. Dentro da segunda facção (os criacionistas), há dois grupos principais: os criacionistas da terra velha e os criacionistas da terra jovem . (O prim eiro grupo se rotula de criacionistas progressivos, e o segundo, de criacionistas da ordem .) A tualm ente, nos Estados Unidos, os criacionistas da terra jovem são liderados pelo Institute for Creation Research (ICR, sigla em inglês para Instituto de Pesquisas sobre a C riação), baseado no trabalho de Henry M orris. O criacionism o progressivo (da terra antiga) é defendido por Hugh Ross e sua organização “Reasons for Believe” (Razões p ara C rer); ou tro proponente desta visão é Robert New m an do Seminário Bíblico em Hatfield, Pensilvânia.
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Criacionismo da Terra Jovem A diferença prim ária entre os criacionistas da terra jovem e os criacionistas da terra velha é a quantidade especulada de tem po entre os atos criativos de Deus (ver apêndice 4). Os criacionistas da terra jovem (os da ordem ) insistem que tudo foi realizado em cento e quarenta e quatro horas, ou seja, seis dias sucessivos de vinte e quatro horas, ao passo que os criacionistas da terra velha (os progressivos) adm item milhões (ou até bilhões) de anos. Em geral, eles chegam a esses núm eros da seguinte form a: (1) C olocando os longos períodos de tem po antes de Gênesis 1.1 (torn and o-o um a criação recente e local). (2) C olocando os longos períodos de tem po entre Gênesis 1.1 e 1.2 (conhecido por visões dos “intervalos”). (3) Tornando os “dias” de Gênesis 1 longos períodos de tem po. (4) Concedendo longos períodos de tem po entre os dias de vinte e quatro horas literais de Gênesis 1 (conhecido por visões das “eras dos dias alternados”). Ou: (5) Tornando os “dias” de Gênesis dias de revelação de Deus para o escritor e não dias da criação (conhecido por visões dos “dias revelatórios”). Há muitas variações dentro destas perspectivas, perfazendo u m total de mais de u m a dezena de visões diferentes defendidas pelos teólogos evangélicos sobre o assunto (ver apêndice 4). Criacionismo da Terra Velha Não confundam os os criacionistas da terra velha (os progressivos) co m
os
evolucionistas teístas. Os criacionistas da terra velha não aceitam a m acroevolução (ver mais adiante a terceira área de acordo) co m o u m m étodo pelo qual Deus produziu as espécies originalm ente criadas de Gênesis 1. O criacionismo da terra velha era forte entre criacionistas do século XIX, em bora a visão date de, pelo m enos, o século IV (em Agostinho). Repetindo, entre os defensores contem porâneos proem inentes estão Hugh Ross e Robert N ew m an (ver bibliografia).
Evolução Teísta Falando em term os gerais, a evolução teísta é a cre n ça de que Deus usou a evolução co m o m eio de produzir as form as de vida física neste planeta, inclusive a vida hum ana. Todos os evolucionistas teístas acred itam que Deus execu to u pelo m en os u m ato sob ren atu ral — o ato de criar o universo físico do nada. E n tretan to , podem os ro tu lar mais co rretam en te esta visão de evolução deísta, visto que não há m ilagre envolvido depois do prim eiro ato da criação (ver V olum e 1, capítulos 2 e 3). A m aioria dos evolucionistas teístas defende pelo m en os dois atos da criação: (1 ) A criação da m atéria do nada, e (2 ) a criação da p rim eira vida. Depois disso, su p ostam en te, todos os o u tro s seres vivos, inclusive os seres h u m an o s, su rgiram por processos n atu rais que Deus o rd en ara desde o princípio. C ertos evolucionistas teístas insistem que Deus criou a p rim eira alm a d iretam en te no p rim ata h á m u ito tem p o evoluído p ara to rn á -lo verd ad eiram en te h u m an o e segundo a im agem divina.
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O cato licism o ro m a n o ad o ta a evolu ção teísta. Pierre Teilhard de C hardin (18811955) é u m exem p lo n otável, em b o ra o seu co n ceito de Deus seja mais p anen teísta (v er Volum e 1, cap ítu lo 2 ). E n tre os cientistas evangélicos, H ow ard V an T il (v e r P C e FD ) é defensor da evolu ção teísta, co m o são m u itos m em bros da A m erican Scientific
A ssociation (A ssociação C ientífica A m erican a; ver J A S Á ) . H á u m m o v im e n to en tre alguns cientistas co n tem p o rân eo s p ara co m b in ar a evolu ção teísta c o m o princípio an tróp ico, p ostu lan d o que o C riad o r regu lou m in u cio sam en te to d o o universo desde o m o m e n to do Big B ang, de fo rm a que tu d o , inclusive todas as form as de vida, acab aram em ergindo p o r processos natu rais desde esse p onto (v er B arrow and Tipler, A P ).
Áreas de Acordo en tre os Criacionistas da Terra Velha e da Terra Jovem Os criacionistas da terra velha e os criacionistas da terra jovem têm m uito em com u m , pelo m enos entre os que são evangélicos. Há várias coisas básicas. A Criação Sobrenatural Direta de todas as Formas de Vida O s criacionistas da terra velha e os criacionistas da terra jovem acreditam que Deus
de m odo sobrenatural, direto e imediato produziu todos os tipos de animais e os seres hum anos com o form as de vida geneticam ente separadas e distintas (Ross, FG). Ambos sustentam que toda espécie produzida por Deus foi diretam ente criada de nova (novo em folha) e não ocorreu p o r Deus estar usando processos naturais durante u m longo período de tem po ou refazendo espécies prévias de vida para fazer form as de vida mais altas (evolução). A Oposição ao Naturalismo
Os dois grupos tam bém estão de acordo na oposição que fazem ao naturalism o, o qual eles vêem co m o a pressuposição filosófica da evolução. Eles observam corretam en te que sem u m a polarização naturalista, a evolução perde credibilidade. Rejeitar a possibilidade de intervenção sobrenatural no m undo já estabelece a questão a favor da evolução antes m esm o de com eçar. A Oposição à Macroevolução
Sem elhantem ente, ambos os grupos estão unidos na oposição que fazem à macroevolução quer teísta ou não-teísta, ou seja, eles rejeitam a teoria da ascendência co m u m . Os dois grupos negam que todas as form as de vida descendem por processos totalm ente naturais sem intervenção sobrenatural de fora. Eles negam que todos os seres vivos sejam co m o u m a árvore ligada a u m tronco e raiz co m u m . Mais exatam ente, eles afirm am a ascendência separada de todas as form as básicas de vida, u m quadro mais sem elhante a u m a floresta de árvores diferentes. A dm item a microevolução, na qual pequenas m udanças o co rrem nas espécies básicas dos seres criados, mas n en h u m a m acro (am pla) evolução ocorre entre as espécies diferentes. Por exem plo, os criacionistas da terra velha e os da terra jovem concordam que todos os cachorros estão relacionados co m u m casal canino original — fazem parte da m esm a árvore genealógica. E ntretanto, eles negam que
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cachorros, gatos, vacas e outras espécies criadas estejam relacionadas com o os ram os de u m a árvore genealógica original. A Historicida.de da Narrativa de Gênesis Os criacionistas da terra velha e os da terra jovem que são evangélicos defendem a historicidade da narrativa do Gênesis. Eles acreditam que Adão e Eva eram pessoas literais, os progenitores de toda a raça hum ana. Ainda que alguns defendam que aja form a poética e figura de linguagem na narrativa, todos concordam que ela transm ite a verdade histórica e literal sobre a origem da vida. Isto é confirm ado pelas referências literais neotestam entárias feitas a Adão, Eva, a criação e a Queda (cf. Lc 3.38; R m 5.12; 1 T m 2.13,14).
Áreas de Diferença entre os Criacionistas da Terra Velha e os Criacionistas da Terra Jovem Lógico que há diferenças entre as duas visões evangélicas básicas sobre a criação. As diferenças primárias são as seguintes. A Idade da Terra U m a discrepância crucial entre as duas visões é, n aturalm ente, a idade da terra (ver New m an and Eckelm ann, GOOE). Os criacionistas da terra jovem insistem que a Bíblia e a ciência apóiam u m universo que só tenha milhares de anos, ao passo que os criacionistas dá te rra velha adm item até bilhões de anos; ©s criacionistas da te íra jovem ligam sua visão^áúm a interpretação1literal-kfe Gênesis (e E x 20.T1), mas os criacionistas da terra velha reivindicamla mesmá%éritaêtóütida' básica,^ ttias-eles'erêem que os textos abranjam milhões e até bilhões de anos desde a criação. C itam tam bém evidências científicas a seu favor (ver apêndice 4). No m ínim o, seria sábio se ambos os lados concordassem co m os seguintes pontos: (1) A idade da terra não é u m teste para a ortodoxia. (2) N en h um a das visões é com provada co m finalidades científicas, visto que há pressuposições não-com provadas (se é que são com prováveis) associadas co m cada posição. (3) O fato da criação ( versus evolução) é mais im portante que o tempo da criação. (4) O inimigo com u m (a evolução naturalista) é u m foco mais significativo do que as diferenças intram uros. A Natureza do Dilúvio Os criacionistas da terra jovem , em sua maioria, tam bém são geólogos do dilúvio, quer dizer, eles acreditam que a idade aparente da terra representada nas form ações geológicas sedimentares não representa milhões de anos, mas só u m ano de atividade pelo dilúvio universal. E apropriado fazermos alguns com entários sobre este quesito: (1) Repetindo, não devemos usar a geologia do dilúvio co m o prova de ortodoxia, visto que há outras maneiras de explicar os dados que são consistentes co m a interpretação evangélica da Bíblia.
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(2) Não devemos explorar a geologia do dilúvio co m o teoria científica em seu próprio direito, co m o tam bém p or seu possível valor explicativo dos dados bíblicos. (3) Pode-se ser criacionista da terra jovem e ainda assim rejeitar a geologia do dilúvio, com o alguns fazem. Por conseguinte, os dois não estão inseparavelmente ligados. (4) Os que rejeitam o dilúvio universal (jun to co m a geologia do dilúvio) têm mais dificuldades para explicar todos os dados bíblicos. Se o dilúvio fo i apenas local, então: (a) Por que foram tom ados dois animais de cada espécie para a arca? (b) Por que a linguagem de Gênesis é tão específica e intensam ente universal (cf. Gn 7.19-23)? (c) Por que há depósitos diluvianos universais? (d) Por que há histórias universais sobre o dilúvio? (e) Por que Pedro diz que toda a terra ficou debaixo da água (2 Pe 3.5-7)? (f)
Por que a Bíblia diz que só oito pessoas foram salvas (2 Pe 2.5), se havia outras que tam bém escaparam? (g) Por que todas as m ontanhas foram cobertas pela água? (Gn 7.19). 0 Movimento do Desígnio Inteligente
U m terceiro grupo criacionista emergiu. Os seus partidários p ro cu ram evitar o debate interno entre os criacionistas de ordem e os criacionistas progressivos. O m ovim ento do desígnio inteligente foi fundado e prom ovido por Phillip Johnson, professor da Universidade de Berkeley (ver D T e R S ). O utros líderes im portantes são William Dembski, professor da Universidade de Baylor (ver MC), e Michael Behe, professor da Universidade de Lehigh (ver D B S ). C oncentrando-se no assunto do desígnio inteligente versus evolução puram ente naturalista (e em vez de focalizar questões co m o a idade da terra e a extensão do dilúvio), o m ovim ento do desígnio inteligente espera alcançar o seguinte: (1) Form ar u m a “cu n h a” unificada que quebre o baluarte da evolução naturalista em to rn o da com unidade acadêmica. (2) Tocar o calcanhar de Aquiles da evolução, expondo o com p rom etim en to filosófico naturalista e, assim, destruindo a sua plausibilidade e posição privilegiada na com unidade acadêmica. (3) Proporcionar u m a alternativa científica à m acroevolução naturalista que seja livre dos ornam entos da linguagem bíblica e religiosa. (4) Forn ecer u m abrigo no qual os criacionistas da terra velha e os criacionistas da terra jovem possam trabalhar unidos con tra a evolução naturalista.
CONCLUSÃO A doutrina da criação é um a pedra fundam ental da fé cristã. Os pontos essenciais deste ensino desfrutam de consentim ento universal entre os teólogos ortodoxos. Entre esses pontos citam os os seguintes:
(1) Há u m Deus teísta. (2) A criação do universo foi ex nihilo (do nada).
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(3) Todos os seres vivos foram criados por Deus. (4) Adão e Eva foram u m a criação direta e especial de Deus. (5) A narrativa da criação registrada em Gênesis é histórica e não m itológica. Ainda que haja enérgico debate sobre o tempo da criação, todos os evangélicos concordam com o fato da criação. Tam bém há acordo sobre a fonte da criação (u m Deus teísta) e o propósito da criação (glorificar a Deus). O m étodo exato da criação ainda é u m a questão discutível. Entretanto, cada vez mais, as evidências científicas apóiam a criação sobrenatural do universo, a criação direta da prim eira vida (v erT h axto n , MLÕ) e a criação especial de toda form a de vida básica. Por conseguinte, a m acroevolução, quer teísta ou naturalista, é bíblica e cientificamente infundada.
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C A P I T U L O
V I N T E
A CRIAÇAO DAS CRIATURAS ESPIRITUAIS (OS ANJOS)
lém do m u nd o físico e da hum anidade, Deus tam bém criou criaturas espirituais cham adas anjos. O universo é m aterial, ao passo que os anjos são im ateriais. Os seres hu m anos têm m atéria (co rp o) e espírito, ao passo que os anjos só têm espírito. A hierarquia dos seres varia de Deus à m atéria inanim ada, passando pelos anjos, os seres hum anos e os animais. Os anjos estão abaixo de Deus, e os seres hu m anos estão u m p ouco abaixo dos anjos (Hb 2.7), ao passo que todas as criaturas estão abaixo dos seres hu m anos (SI 8.4,5). A BA SE B ÍB LIC A PA R A A A N G ELO LO G IA O estudo dos an jos é u m a divisão teológica im p ortan te, mas m uitas vezes negligenciada. Os anjos desem penham u m papel preponderante no plano de redenção de Deus (Hb 1.14; M t 18.10). A sua origem , natureza, função e destino são tem as significativos na Bíblia. A O rig em d os A n jo s Enibora, tecnicam en te, anjos sejam apenas certo tipo de criaturas espirituais de Deus (isto é, “m ensageiros”), o term o “a n jo s” é co m u m en te usado para referir-se a todas as criaturas espirituais. Os anjos não são eternos; eles foram criados. O salm ista declarou: “Louvai-o, todos os seus anjos; louvai-o, todos os seus exércitos. Pois m andou [o Senhor], e logo foram criados” (SI 148.2,5). Paulo acrescentou: “Porque nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e n a terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dom inações, sejam principados, sejam potestades” (C l 1.16). Neemias disse: “Tu só és Sen hor, tu fizeste o céu, o céu dos céus e todo o seu exército ” (Ne 9.6). Gênesis conclui que “os céus, e a terra, e todo o seu exército foram acabados” (G n 2.1). P ortanto, os anjos foram provavelm ente criados quando a Bíblia diz: “No princípio, criou Deus os céus e a te rra ” (G n 1.1). É categoricam ente certo que eles foram criados antes da terra, porque eles cantavam quando as suas bases foram fundadas (Jó 38.6,7). Os N o m es d os A n jo s A Bíblia dá diferentes títulos às criaturas espirituais de Deus; algum as recebem nom es próprios. Os anjos são cham ados seres viventes (Ap 4.6); anjos ou m ensageiros (D n 4.13);
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anjos de Deus (Jo 1.51); anjos eleitos ( l T m 5.21); anjos santos (Ap 14.10); anjos poderosos (2 Ts 1.7); primeiros príncipes (D n 10.13); ministros (SI 104.4); filhos de Deus (Jó 1.6; 2.1); filhos dos poderosos (SI 89.6; cf. SI 29.1); poderosos (SI 26.9; 103.20); deuses (elohim, SI 8.5); santos (D n 8.13; Z c 14.5; Jó 15.15); estrelas (Jó 38.7; Ap 12.4); exércitos (dos céus: Gn 2.1; Ne 9.6; Lc 2.13); e carros (SI 68.17; Z c 6.1-5). M uitos estudiosos tam bém acreditam que os “anciãos” mencionados em Apocalipse 4.4 são seres angelicais. Repetindo, alguns anjos recebem nom es n a Bíblia. Há Miguel, cujo n om e significa “Q uem é co m o Deus?” Ele é cham ado “u m dos primeiros príncipes” (D n 10.13), “o arcan jo” (Jd 9) “que se levanta pelos filhos do teu povo [de Israel]” (D n 12.1; 10.21), o líder do exército celestial (Ap 12.7) e possivelmente de classe dos querubins (Dn 10.13; cf. Ez 10.1-13). Ele disputou co m Satanás (Jd 9) e com andará a vitória final sobre o Diabo depois do reinado de m il anos de Cristo (Ap 12.7). Há tam bém Gabriel, cujo n om e significa “Dedicado a Deus”. Ele “[assiste] diante de Deus” (Lc 1.19), faz anúncios especiais para Deus, co m o o anúncio feito a Zacarias (Lc 1.11-13), apareceu a M aria (Lc 1.26-33) e ele é u m revelador dos propósitos do Reino de Deus (Dn 9.21,22; 8.16). Por fim, há Lúcifer (Is 14.12), cham ado “filho da alva”, que caiu e se tornou o Diabo. Em seu estado caído, ele tem m uitos nomes. Os mais com uns estão listados em Apocalipse 12.9: “E foi precipitado o grande dragão, a antiga serpente, cham ada o diabo e Satanás, que engana todo o m u n d o ” (grifos m eus, ver Volume 3). Presum ivelm ente, todos os anjos têm nom es. Deus conhece todas as estrelas por n úm ero (Is 40.26), e estas são objetos m eram en te inanimados. Elas tam bém co m os anjos são chamadas o “exército” dos céus (G n 2.1; cf. Ne 9.6; SI 103.21). Portanto, é provável que Deus ten h a u m n om e para cada anjo. E certo que Ele conhece cada u m individualmente, visto que Ele é to d o-con h ecedor ou onisciente (ver capítulo 8).
A Natureza dos Anjos C om o Deus (ver capítulo 6), os anjos são imateriais, sendo puros espíritos. Portanto, eles têm u m a n atureza invisível, em bora alguns assum am form as físicas e apareçam aos seres hum anos (cf. Gn 18). Colossenses 1.16 declara: “Porque nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dom inações, sejam principados, sejam potestades; tudo foi criado por ele e para ele”. Hebreus 1.14 os ch am am “espíritos m inistradores”, e em Lucas 24.39, Jesus disse: “U m espírito não tem carne nem ossos, co m o vedes que eu ten h o ”. C om o tais, m uitos anjos podem estar presentes em u m lugar, co m o se deu co m o endem oninhado que tinha no corpo um a legião de espíritos malignos. Lucas 8.30 registra: “E perguntou-lhe Jesus, dizendo: Qual é o teu nome? E ele disse: Legião; porque tinh am entrado nele m uitos dem ônios”. Além disso, é só por milagre que os anjos podem ser vistos pelos seres m ortais. Em 2 Reis 6.17, “orou Eliseu e disse: Senhor, p eço-te que lhe abras os olhos, para que veja. E o Senhor abriu os olhos do m o ço , e viu; e eis que o m on te estava cheio de cavalos e carros de fogo, em redor de Eliseu”. Os Anjos não Têm Gênero Considerando que eles não têm gênero, ou seja, características sexuais, os anjos não se casam. Mateus escreveu: “N a ressurreição, nem casam, nem são dados em casam ento;
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mas serão co m o os anjos no céu ” (M t 22.30). Lucas acrescentou: “Os que fo rem havidos p or dignos de alcançar o m u nd o vindouro e a ressurreição dos m o rtos n e m hão de casar, n em ser dados, em casam ento; porque já não podem mais m o rrer, pois são iguais aos anjos e são filhos de Deus, sendo filhos da ressu rreição” (Lc 20.35,36).' Os Anjos nunca Morrem Considerando que eles n ão têm corpo, os anjos não estão sujeitos à d ecom posição e m o rte. São im ortais. C o m o já citado, Lucas escreveu: “Os que forem havidos por dignos de alcançar o m u nd o vindouro e a ressurreição dos m o rtos n em hão de casar, n em ser dados em casam ento; porque já não podem mais m orrer, pois são iguais aos anjos e são filhos de Deus, sendo filhos da ressu rreição” (Lc 20.35,36). Em M ateus 25.41, lem os as palavras de Jesus: “Então, dirá tam bém aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de m im , m alditos, para o fogo etern o, preparado para o diabo e seus an jo s”. Os Anjos Têm Livre-Arbítrio
Falando de Satanás, que escolh eu se rebelar con tra Deus, Paulo escreveu: “Não [coloqueis um] neófito [em u m a posição de liderança espiritual], para que, ensoberbecendo-se, não caia n a condenação do diabo” (1 T m 3.6). Judas acrescentou: “E aos anjos que não guardaram o seu principado, m as deixaram a sua própria habitação, reservou na escuridão e em prisões eternas até ao ju ízo daquele grande D ia” (Jd 6). Pedro observou que “Deus não perdoou aos anjos que pecaram , mas, havendo-os lançado no inferno, os entregou às cadeias da escuridão, ficando reservados para o Ju ízo” (2 Pe 2.4). Os Anjos Têm Grande Inteligência Segundo Sam u el 14.20 observa: “Porém sábio é m eu senhor, co n fo rm e a sabedoria de u m anjo de Deus, para enten der tudo o que há n a te rra ”. “O an jo [no sepulcro vazio de Jesus], respondendo, disse às m u lheres: Não tenhais m edo; pois eu sei que buscai a Jesus, que foi cru cificad o” (M t 28.5). Jesus insinuou que os anjos têm grande con h ecim en to, quando declarou: “Mas, daquele Dia e hora, ninguém sabe, n em os anjos que estão n o céu, n em o Filho, senão o Pai” (M c 13.32). O utros anjos biblicam ente exibem trem end o co n h ecim en to (cf. Lc 1.13; Ap 10.5,6; 17.1). Os Anjos Têm Grande Poder O s m ensageiros enviados a Sod om a executaram um m ilagre: “Porém , [os anjos]
estenderam a sua m ão, e fizeram en trar a Ló consigo na casa, e fecharam a porta; e feriram de cegueira os varões que estavam à p o rta da casa, desde o m e n o r até ao m aior, de m aneira que se cansaram para achar a p o rta ” (G n 19.10,11). Eles são cham ados 1 Certos estudiosos, baseando-se em Gênesis 6.1,2, argum entam que os anjos podem se casar. Esse texto diz que os “filhos de Deus” (que são anjos em Jó 1.6; 2.1; 38.7) se casaram com as filhas dos homens. O Antigo Testamento em grego (LX X ) traduz por “anjos”, e, pelo visto, o Novo Testamento também se refere a estes com o anjos (2 Pe 2.4; Jd 6,7). Contudo, há outras possíveis interpretações da passagem de Gênesis 6 (por exemplo, os “filhos de Deus” são os crentes ou os gigantes da terra). Além disso, m esm o que esta seja um a referência a anjos, pode estar indicando os anjos caídos que se apossam dos seres humanos, que, então, se casam entre si. Um a destas interpretações soa m elhor devido às declarações inequívocas constantes em Mateus 22.30 e Lucas 20.35,36, que afirmam que os anjos não se casam.
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“magníficos em poder” (SI 103.20) e “anjos poderosos” (2 Ts 1.7, NTLH). No sepulcro de Jesus, os anjos rolaram a pedra pesada para o lado (M t 28.2,3). No fim dos tem pos, Deus “enviará os seus anjos co m rijo clam o r de trom beta, os quais ajuntarão os seus escolhidos desde os quatro ventos, de u m a à o u tra extrem idade dos céus” (M t 24.31). Falando dos falsos mestres, Pedro disse: “Os anjos, sendo m aiores em força e poder, não pronunciam con tra eles juízo blasfemo diante do S enh or” (2 Pe 2.11). Os Anjos São Pessoas Tendo as três características essenciais da pessoa — in telecto, vontade e em oção — , os anjos são pessoas. C onsiderando que as duas prim eiras características já foram analisadas há p ou co, resta m o stra r que eles têm sentim entos. Isto é evidente na adoração, porque eles “clam avam uns para os outros, dizendo: Santo, Santo, Santo é o S enh or dos Exércitos; tod a a te rra está cheia da sua glória” (Is 6.3; cf. Ap 4.8,9). Além disso, eles sentem alegria, pois “h á alegria diante dos anjos de Deus p o r u m pecador que se arrepende” (Lc 15.10). Os Anjos São Bonitos C o m o reflexos da n atu reza e glória de Deus, os anjos são seres lindos. A visão que Isaías teve deles no tem plo é certa m e n te de beleza inefável. Ele disse: “N o ano em que m o rreu o rei Uzias, eu vi ao S enh or assentado sobre u m alto e sublime trono; e o seu séquito enchia o tem plo. Os serafins estavam acim a dele; cada u m tinh a seis asas: co m duas cobriam o rosto, e co m duas cobriam os pés, e co m duas v o av am ” (Is 6.1,2). Sem elh an tem en te, Ezequiel viu os “seres viventes” os quais eram de beleza incrível. Ele disse: “Vi os seres viventes; e eis que havia u m a roda na terra, ao lado de cada u m deles. O aspecto das rodas e a sua e stru tu ra eram brilhantes co m o o berilo; tinh am as quatro a m esm a aparência, cujo aspecto e e stru tu ra eram co m o se estivera u m a roda dentro da o u tra ” (Ez 1.15,16, ARA; cf. Ez 1.22,28). Quando se referiu ao príncipe de Tiro p or “querubim ”, Ezequiel disse: “Estavas no Éden, jardim de Deus; tod a pedra preciosa era a tu a cob ertu ra: a sardônia, o topázio, o diam ante, a turquesa, o ônix, o jaspe, a safira, o carb ú nculo, a esm eralda e o ou ro; a obra dos teus tam bores e dos teus pífaros estava em ti; no dia em que foste criado, foram preparados. Tu eras querubim ungido p ara proteger, e te estabeleci; no m on te santo de Deus estavas, no m eio das pedras afogueadas andavas” (Ez 28.13,14). Daniel teve u m a experiência estética sem elhante, quando u m anjo lhe apareceu (D n 10.5,6). M ateus disse acerca do anjo que estava no sepulcro vazio de Jesus: “O seu aspecto era co m o u m relâm pago, e a sua veste branca co m o a n eve” (M t 28.3). Até os anjos caídos retêm a sua beleza: “E não é m aravilha, porque o próprio Satanás se transfigura em anjo de lu z” (2 C o 11.14), qualidade que au m en ta a habilidade de eles en ganarem .
O Propósito dos Anjos C om o todas as criaturas racionais de Deus, os anjos foram criados para a glória dEle. Eles cantam (Jó 38.7; Ap 4.11); e louvam a Deus (SI 148.2). Na verdade, há certos anjos que cantam “santo, santo, santo” continuam ente na presença de Deus (Is 6.3). C om o as outras criaturas, os anjos foram criados “por ele [Jesus] epara ele” (C l 1.16, grifos meus).
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Glorificar Deus
Os anjos foram criados para glorificar Deus: “D igno és, Sen h or, de receber glória, e h on ra, e poder, porque tu criaste todas as coisas, e por tua vontade são e foram criadas” (Ap 4.11). “Louvai-o, todos os seus anjos; louvai-o, todos os seus exércitos” (SI 148.2). Servir Deus
“Porque nele foram criadas todas as coisas que h á nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dom inações, sejam principados, sejam potestades; tudo foi criado por ele e para e le” (C l 1.16). “E vindo u m dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o Sen h or, veio tam bém Satanás entre eles. E, vindo ou tro dia, em que os filhos de D eus vieram apresentar-se perante o Sen h or, veio tam bém Satanás entre eles apresentar-se perante o S e n h o r” (Jó 1.6; 2.1). Refletir os Atributos de Deus
Os anjos tam bém refletem os atributos gloriosos de D eus. Repetindo, Isaías 6.3 registra: “E clam avam uns para os outros, dizendo: Santo, Santo, Santo é o Sen h or dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória”. O profeta Ezequiel relatou: “D o m eio dessa nu vem saía a sem elh ança de quatro seres viventes, cu ja aparência era esta: tin ham a sem elhança de h om em . C o m o o aspecto do arco que aparece na nu vem em dia de chuva, assim era o resplendor em redor. Esta era a aparência da glória do Sen h or; vendo isto, caí co m o rosto em terra e ouvi a voz de quem falava” (Ez 1.5,28, A RA ). Aprender a Sabedoria e Graça de Deus
Efésios 3.10 declara que o m istério de C risto foi revelado “para que, pela igreja, a m u ltifo rm e sabedoria de D eus se to rn e conhecida, agora, dos principados e potestades nos lugares celestiais” (A R A ). Prim eira Pedro 1.12 acrescenta: “Aos quais foi revelado que, não para si m esm os, m as para nós, eles m inistravam estas coisas que, agora, vos foram anunciadas p o r aqueles que, pelo Espírito Santo enviado do céu, vos pregaram o evangelho, para as quais coisas os an jos desejam bem a ten ta r”. Ministrar aos Eleitos de Deus
O propósito geral dos m ensageiros espirituais de Deus está registrado em Hebreus 1.14: “Não são, p orventu ra, todos eles espíritos m inistradores, enviados para servir a favor daqueles que hão de herdar a salvação?” D este texto e daquele que se segue é de onde procede a idéia a respeito dos “anjos da guarda”. M ateus 18.10 diz: “Vede, não desprezeis algum destes pequeninos, porque eu vos digo que os seus an jos nos céus sem pre vêem a face de m eu Pai que está nos céus”. C o m o “filhos de D eu s”, os anjos vãos reg u larm ente apresentarem -se diante do Sen h o r (Jó 1.6; 2.1; cf. SI 91.11). Vemos ao longo da Bíblia os anjos serem con stan tem ente enviados em incum bências com u ns para Deus (G n 18.2ss.; D n lO.lss.; M t 1.20-24; Lc 1.1 lss.). C onseqüentem ente, eles escoltam os crentes na presença do Santo (Lc 16.22). Mas, mais fu nd am en talm ente, os anjos são os servos de Deus, e todos os serviços que prestam são para a glória divina. Alguns anjos são nom eados a lutar co m os anjos maus em um a guerra espiritual cósm ica (D n 10.13-21; 12.1; cf. E f 6.12).
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O Número dos Anjos Considerando que eles não procriam , há desde o princípio u m núm ero fixo de anjos: ‘‘Na ressurreição, n em casam, n em são dados em casam ento; mas serão co m o os anjos no céu ” (M t 22.30). O n ú m ero de anjos é vasto, sendo descrito em vários lugares co m o “Exércitos” (SI 46.7); “u m a multidão dos exércitos celestiais” (Lc 2.13); “m uitos anjos [...] e era o n úm ero deles milhões de milhões e milhares de m ilhares” (Ap 5.11; cf. Hb 12.22); e “miríades” (D t 33.2, ARA). Em sum a, para nós, eles são inumeráveis.
A Hierarquia dos Anjos C om o previam ente declarado, na hierarquia dos seres, os anjos se classificam abaixo de Deus e acim a dos seres hum anos: “O qual está à destra de Deus, tendo subido ao céu, havendo-se-lhe sujeitado os anjos, e as autoridades, e as potências” (1 Pe 3.22). “Que é o h om em m o rtal para que te lembres dele? E o filho do h om em , para que o visites? Contudo, pouco m en o r o fizeste do que os anjos e de glória e de honra o coroaste” (SI 8.4,5; cf. Hb 2.7).2 Arcanjo Há u m a hierarquia no grupo dos anjos bons e tam bém no dos anjos m aus (dem ônios). Entre os anjos bons, no topo está o arcanjo (M iguel): “E, naquele tem po, se levantará Miguel, o grande príncipe, que se levanta pelos filhos do teu povo, e haverá u m tem po de angústia, qual n unca houve, desde que houve nação até àquele tem po; mas, naquele tem po, livrar-se-á o teu povo, todo aquele que se achar escrito no livro” (D n 12.1). “O m esm o Senhor descerá do céu co m alarido, e co m voz de arcanjo, e co m a trom beta de Deus; e os que m o rreram em Cristo ressuscitarão prim eiro” (1 Ts 4.16). “O arcanjo Miguel, quando contendia co m o diabo e disputava a respeito do corpo de Moisés, não ousou pronunciar juízo de maldição co n tra ele; mas disse: O Senhor te repreenda” (Jd 9). “Houve batalha no céu: Miguel e os seus anjos batalhavam con tra o dragão; e batalhavam o dragão e os seus anjos” (Ap 12.7). “Eu tornarei a pelejar con tra o príncipe dos persas; e, saindo eu, eis que virá o príncipe da Grécia” (D n 10.20). Primeiros Príncipes Abaixo de Miguel há outros “dos primeiros príncipes”. Daniel escreveu: “Mas eu te declararei o que está escrito na escritura da verdade; e ninguém há que se esforce com igo co n tra aqueles, a não ser Miguel, vosso príncipe” (D n 10.21; cf. D n 10.13). Querubins Estas criaturas gloriosas são proclam adoras e protetoras da glória de Deus. Gênesis 3.24 diz: “Havendo [Deus] lançado fora o h om em , pôs querubins ao oriente do jardim do Eden e u m a espada inflamada que andava ao redor, para guardar o cam inho da árvore da vida”. O Salmo 80.1 registra: “O pastor de Israel, dá ouvidos; tu, que guias a José com o a u m rebanho, que te assentas entre os querubins, resplandece”. 2 O fato de os seres hum anos estarem mais abaixo que os anjos torn a m uito m ais surpreendente e im pressionante que Deus escolhesse os crentes para julgar os anjos (1 Co 6.3).
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“O S en h o r reina; trem a m as nações. Ele está entronizado entre os querubins; com ova-se a te rra” (SI 99.1). Ezequiel escreveu: “A glória do D eus de Israel se levantou do querubim sobre o qual estava, até à entrada da casa; e clam ou ao h o m em vestido de lin h o , que tin h a o tinteiro de escrivão à sua cin ta” (Ez 9.3). “Depois, olhei, e eis que no firm am en to, que estava p o r cim a da cabeça dos querubins, apareceu sobre eles com o u m a pedra de safira, co m o o aspecto da sem elhan ça de u m tro n o ” (Ez 10.1; cf. Ez 1.28). O escritor de Hebreus acrescenta: “Sobre a arca, os querubins da glória, que faziam som bra no propiciatório; das quais coisas não falarem os agora p articu larm en te” (Hb 9.5). Seres Viventes
Entre a com p anhia espiritual de D eus estão os seres espirituais cham ados “seres viventes” ( “anim ais”, A R C ), cujas funções são ao que parece adorar D eus e dirigir os seus ju lgam entos. Apocalipse 4.7,8 diz: O primeiro ser vivente é semelhante a leão, o segundo, semelhante a novilho, o terceiro tem o rosto como de homem, e o quarto ser vivente é semelhante à águia quando está voando. E os quatro seres viventes, tendo cada um deles, respectivamente, seis asas, estão cheios de olhos, ao redor e por dentro; não têm descanso, nem de dia nem de noite, proclamando: Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus, o Todo-Poderoso, aquele que era, que é e que há de vir. (ARA; cf. Ap 6, 7, 14, 19) Estes “seres” são sem elhantes aos querubins, exceto que eles têm seis asas, não quatro, e u m a face, em lugar de quatro, co m o con sta em Ezequiel 1.6. Serafins ( “Os Ardentes") O s serafins são proclam adores da santidade de Deus. C o m o já citado, Isaías 6.2,3
declara: “Os serafins estavam acim a dele; cada u m tin h a seis asas: co m duas cobriam o rosto, e com duas cobriam os pés, e com duas voavam . E clam avam uns para os outros, dizendo: Santo, Santo, Santo é o S en h o r dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória”. Anjos
A designação mais co m u m das criaturas espirituais de D eus é “a n jo ”, que significa “m ensageiro”. A palavra anjo o co rre um as 273 vezes na Bíblia. Estes seres são os enviados em missão à terra. E ntre eles estão os “espíritos m inistradores, enviados para servir a favor daqueles que hão de herdar a salvação” (Hb 1.14). Os anjos m aus (d em ônios) tam bém têm hierarquia. Satanás os encabeça (Ap 12.4), e abaixo dele estão os “reis” de vários países (D n 10.13), “príncipes”, “autoridades”,3 “poderes”, “d om ínios” e finalm en te “espíritos” ou anjos m aus conhecidos por dem ônios (ver R m 8.38; E f 1.21; 3.10; 6.12; Cl 1.16; 1 Pe 3.22; Jd 8,9).4
3 Príncipes e autoridades (ou “principados” e “potestades”) às vezes são citados em relação a autoridades humanas (ver Lc 12.11; 20.20; T t 3.1), abaixo dos quais estão os espíritos malignos. 4 Para inteirar-se de um a discussão sobre Satanás, os demônios e suas atividade, ver Volume 3, capítulo 6.
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O Domicílio dos Anjos A esfera geral dos anjos é o céu. Disse o profeta Micaías: “Ouve, pois, a palavra do Senhor: Vi o Senhor assentado sobre o seu trono, e todo o exército do céu estava junto a ele, à sua m ão direita e
à
sua esquerda” (1 Rs 22.19). “Vede, não desprezeis algum destes
pequeninos, porque eu vos digo que os seus anjos nos céus sem pre vêem a face de m eu Pai que está nos céus” (M t 18.10). “E, dirigindo-se ao segundo, falou-lhe de igual m odo; e, respondendo ele, disse: Eu vou, senhor; e não foi” (M t 22.30). “Assim vos digo que há alegria diante dos anjos de Deus por u m pecador que se arrepende” (Lc 15.10). “Mas, ainda que nós m esm os ou u m anjo do céu vos anuncie outro evangelho além do que já vos tenho anunciado, seja an átem a” (G 1 1.8). A esfera de atividade dos anjos está concentrada no segundo céu, em bora alguns estejam ativos no terceiro céu5 em volta do trono de Deus (2 Co 12.2,4). “Olhei, e eis que u m vento tem pestuoso vinha do N orte, e u m a grande nuvem , co m u m fogo a revolverse, e u m resplendor ao redor dela, e no m eio u m a coisa com o de co r de âmbar, que saía dentre o fogo” (Ez 1.4). “Havia diante do trono u m co m o m ar de vidro, sem elhante ao cristal, e, no m eio do trono e ao redor do trono, quatro animais cheios de olhos por diante e por detrás” (Ap 4.6). “Visto que tem os u m grande sum o sacerdote, Jesus, Filho de Deus, que penetrou nos céus [o prim eiro e o segundo céu], retenham os firm em ente a nossa confissão” (Hb 4.14). “Quando as estrelas da alva juntas alegrem ente cantavam , e todos os filhos de Deus rejubilavam?” (Jó 38.7). Os anjos m aus tam bém habitam o segundo céu. Daniel 10.13 diz: “Mas o príncipe do reino da Pérsia se pôs defronte de m im vinte e u m dias, e eis que Miguel, u m dos primeiros príncipes, veio para aj udar-m e, e eu fiquei ali co m os reis da Pérsia”. E m Efésios 2.2, Paulo lem bra os leitores: “E m que, n outro tem po, andastes, segundo o curso deste m undo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que, agora, opera nos filhos da desobediência”. Os anjos, bons e m aus, cu m p rem as ordens de Deus no céu. Os anjos bons estão ao redor do trono. Ezequiel escreveu: “E aconteceu, no trigésimo ano, no quarto mês, no dia quinto do mês, que, estando eu no m eio dos cativos, junto ao rio Quebar, se abriram os céus, e eu vi visões de D eus” (Ez 1.1). Nas suas visões, ele viu “seres viventes”, e: Debaixo das asas tinham mãos de homem, aos quatro lados; assim todos os quatro tinham rostos e asas. Estas se uniam uma à outra; não se viravam quando iam; cada qual andava para a sua frente. A forma de seus rostos era como o de homem; à direita, os quatro tinham rosto de leão; à esquerda, rosto de boi; e também rosto de águia, todos os quatro. (Ez 1.8-10, ARA) Sem elhantem ente, João registra em Apocalipse: E havia diante do trono um como mar de vidro, semelhante ao cristal, e, no meio do trono e ao redor do trono, quatro animais cheios de olhos por diante e por detrás. E o primeiro animal era semelhante a um leão; e o segundo animal, semelhante a um bezerro; e tinha o terceiro animal o rosto como de homem; e o quarto animal era semelhante a uma águia voando. (Ap 4.6,7) 5 O prim eiro céu abrange o céu e a atm osfera; o segundo céu é o cosm o; o terceiro céu é o trono de Deus.
A CRIAÇÃO DAS CRIATURAS ESPIRITUAIS (OS ANJOS)
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No capítulo seguinte, ele disse: “E vi u m an jo fo rte, bradando com grande voz: Q uem é digno de abrir o livro e de desatar os seus selos?” (Ap 5.2). Repetindo, ele escreveu: “E, havendo o Cordeiro aberto u m dos selos, olhei e ouvi u m dos quatro animais, que dizia, co m o em voz de trovão: Vem e vê!” (Ap 6.1). No evangelho de Lucas, lem os: “R espondendo o an jo, disse-lhe: Eu sou Gabriel, que assisto diante de Deus, e fui enviado a falar-te e d ar-te estas alegres novas” (Lc 1.19). R epetindo, até m esm o os anjos m aus são cham ados a com p arecer diante do tro n o de Deus. Jó 1.6 registra: “E, vindo ou tro dia, em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o Sen h or, veio tam b ém Satanás entre eles apresentar-se perante o S e n h o r” (cf. Jó 2.1). H ebreus 1.14 acrescenta: “Não são, porventu ra, todos eles espíritos m inistradores, enviados para servir a favor daqueles que hão de herdar a salvação?” As H ab ilid ades E sp eciais d o s A n jo s 6 Os anjos podem fazer coisas sobre-hum anas. Isto se deve por serem de n atu reza espiritual, p o r não terem lim ites de esp aço-tem p o e/ou por se m overem para dentro e para fora da dim ensão espaço-tem p o. Seja co m o for, eles têm as seguintes habilidades. Percorrer Grandes Distâncias em Pouco Tempo
D aniel registra co m o “naqueles dias, eu, D aniel, estive triste p o r três sem anas com pletas. Então, [o anjo] m e disse: Não tem as, D aniel, porque, desde o prim eiro dia, em que aplicaste o teu coração a com preend er e a h u m ilh a r-te perante o teu Deus, são ouvidas as tuas palavras; e eu vim por causa das tuas palavras” (D n 10.2,12). P ortanto, ele teria tido de p ercorrer o universo em m eros dias, depois de ter sido detido nele. Fazer Milagres
C o m o vim os, Gênesis 19.11 relata que os “dois a n jo s” (G n 19.1) que chegaram a Sodom a, “feriram de cegueira os varões que estavam à p o rta da casa, desde o m e n o r até ao m aior, de m aneira que se cansaram para achar a p o rta ” (cf. Ap 16.14). M aterializar-se (Assumir Forma Física) O s dois anjos em Sod om a tin h am fo rm a física. Eles até com eram a refeição que Ló
lhes oferecera, porque “porfiou com eles m u ito, e vieram com ele e en traram em sua casa; e fez-lhes banquete e cozeu bolos sem levedura, e co m eram ” (G n 19.3). No capítulo anterior, é o que tam bém oco rreu co m os m esm os anj os quando eles apareceram a Abraão (G n 18.2,8), porque Abraão “to m o u m anteiga e leite e a vitela que tin h a preparado e pôs tu do diante deles; e ele estava em pé ju n to a eles debaixo da árvore; e c o m era m ”. Pelo visto, só alguns, n e m todos os anjos têm esta habilidade. E o que deduzimos pelo fato de que só alguns anjos aparecem em visões (não m aterializações) e que alguns anjos m aus (d em ônios) p ro cu ram incorporar-se em outros seres físicos, não tendo, ao que parece, qualquer m eio de m aterializar-se.
6 É possível que os anjos realmente não se m ovam no espaço a altas velocidades, mas se m ovam ao espaço vindo de outra dimensão.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Comunicar-se Em bora com o espíritos eles ten h am corpos, os anjos podem com unicar-se co m Deus. Repetindo, Jó declarou: “E vindo u m dia em que os filhos de Deus vieram apresentarse perante o Senhor, veio tam bém Satanás entre eles. E, vindo outro dia, em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o Senhor, veio tam bém Satanás entre eles apresentar-se perante o S enh or” (Jó 1.6; 2.1). Os anjos tam bém podem com unicar-se uns co m os outros. Apocalipse 7.1-3 afirma: E, depois destas coisas, vi quatro anjos que estavam sobre os quatro cantos da terra, retendo os quatro ventos da terra, para que nenhum vento soprasse sobre a terra, nem sobre o mar, nem contra árvore alguma. E vi outro anjo subir da banda do sol nascente, e que tinha o selo do Deus vivo; e clamou com grande voz aos quatro anjos, a quem fora dado o poder de danificar a terra e o mar, dizendo: Não danifiqueis a terra, nem o mar, nem as árvores, até que hajamos assinalado na testa os servos do nosso Deus. Não Ocupar Espaço C om o espíritos, os anjos não ocupam espaço, em bora possam relacionar-se co m os seres no espaço. Isto é especialmente evidente nos anjos caídos (dem ônios), que às vezes possuem os seres hum anos. C om o já declarado, u m a pessoa de quem Jesus expulsou demônios tinha um a “legião” deles (Lc 8.27-34). Se em pregarm os o n úm ero de um a legião m ilitar rom ana daqueles dias, isto significa uns seis mil demônios, todos os quais habitavam n a m esm a criatura finita. Obviamente, ter m uitos em u m espaço não era problem a para eles. A B A SE T E O L Ó G IC A PA R A A A N G ELO LO G IA Resum indo o pensam ento do “doutor angelical”,7 é instrutivo com pararm os os anjos com Deus e com os seres hum anos. O quadro a seguir ilustra os contrastes: D EUS
OS AN JO S
OS H U M A N O S
M o d o de Ser (E xistên cia)
Incriado
Criados
Criados
Limites
Infinito
Finitos
Finitos
N atureza
Espírito
Espíritos
Espíritos-corpos
Simplicidade
Simplicidade absoluta
Simplicidade relativa
N en h um a simplicidade (acom plexos)
D uração
E terno (eternidade incriada)
Eviternos (eternidade criada)
Temporais (tem poralidade criada)
M udança
N enhum a
N enhum a na essência, som ente na vontade
Mutáveis na natureza e na
7 Tomás de Aquino — ver mais adiante.
vontade
A CRIAÇÃO DAS CRIATURAS ESPIRITUAIS (OS ANJOS)
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Relaçao à M udança
Nao pode ser unido a m udar
Não m udam , mas podem ser unidos a m udar
Podem ser unidos a m udar por n atu reza
M ensurabilidade
Apenas por sua absoluta simplicidade
Por graus de unidade e perfeição
Por pluralidade na m atéria (ou seja, no espaço e no tem po)
Tem po acim a do espaço e não pode estar no espaço
A cim a do espaço, mas podem estar no espaço
No espaço por
Realidade
Pura Realidade
Realidade com pletada
Realidade progressivam ente com pletada
Potencialidade
N enhum a
N enhum a incom pletad a
Potenciais incom pletadas
N atureza e Vontade
N enhu m a das duas pode m udar
Só a vontade pode m udar
As duas podem m udar
Classificação
(Espécie) além de todas as classes
Cada u m é u m a classe de um
Todos em u m a classe (u m a raça)
Redenção
Fonte de redenção
Irredim íveis
Redimíveis
Livre-Arbítrio
Im utável antes e depois da escolha
M utáveis antes, mas não depois da escolha
M utáveis antes e depois da escolha
Espaço
natu reza
M uitos pontos im portantes em ergem de tal com paração e tam bém do estudo sobre os anjos. Podem os resum i-los do seguinte m odo. Os A n jo s E stã o a cim a dos Seres H u m a n o s C om o previam ente estabelecido, os anjos são m ais baixos que Deus, mas mais altos que os seres hu m anos. Hebreus fala sobre o ser h u m an o, dizendo que ele "fora feito u m p ouco m en o r do que os a n jo s” (Hb 2.9). Os anjos são puros espíritos (Lc 24.37-39; Hb 1.14), ao passo que os seres h u m anos são u m a unidade de espírito e m atéria, alm a e corpo. Os anjos são m aiores em con h ecim en to (M t 24.36) e poder (G n 19.11) do que os seres hum anos. Os A n j os São P u ro s E sp írito s Sem elhantes a D eus e diferentes dos seres hu m anos, os anjos são puros espíritos (Lc 24.37-39; Hb 1.14); eles não têm m atéria no seu ser. De fato, eles não têm divisibilidade, sendo seres criados simples. Sendo seres de espírito puro, o ún ico m odo de eles serem vistos pelos seres hu m anos m ortais é por m ilagre em u m de dois m odos. Ou Deus faz u m m ilagre, de fo rm a que o h o m em m o rtal veja o m u nd o espiritual (co m o em 1 Rs 22.19-23), ou então Ele faz u m m ilagre, de fo rm a que u m ser essencialm ente espírito se m aterialize e seja visto pelos olhos m ortais (G n 18— 19).
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Os Anjos São Evitemos Os anjos não são seres tem porais, n em são essencialmente eternos co m o Deus. Mais exatam ente, eles são eviternos, ou seja, não estão por natureza no tem po, mas podem relacionar-se co m Ele. Por natureza, eles não são eternos co m o Deus, mas podem relacionar-se co m Ele. Eles são o que os seres hum anos serão quando estes forem beatificados (M t 18.10; Lc 20.35,36).
Os Anjos São Imortais Não tendo corpo ou partes, os anjos não podem m o rre r ou decom por-se. Claro que Deus os m an tém em existência co m o todas as outras criaturas (C l 1.16,17). C ontudo, com o espíritos simples, eles não estão sujeitos à m o rte, que é a separação do corpo e espírito (T g 2.26). Lucas 20.36 declara: “Porque já não podem mais m o rrer, pois são iguais aos anjos e são filhos de Deus, sendo filhos da ressurreição”.
Cada Anjo É uma Espécie (Tipo) Pelo visto, cada anjo é u m a espécie própria. Portanto, eles não podem se reproduzir dentro da espécie co m o fazem os seres hum anos. Eles são seres criados simples e não têm m od o de dividir-se e/ou m ultiplicar-se (M t 22.30). Cada anjo é único, em bora haja grupos ou classes deles, co m o os querubins e os serafins.
Os Anjos não Mudam de Natureza Pelo visto, os anjos tam bém têm u m a natureza fixa desde o m o m en to em que foram criados. Os anjos não m udam . Diferente dos seres hum anos, eles não crescem ou envelhecem . Eles não têm idade, nem sofrem qualquer ou tro tipo de m udança. Eles não têm acidentes (características não-essenciais a eles). Por conseguinte, eles não podem m u d ar acidentalm ente. A única m udança que eles podem sofrer é a criação ou a aniquilação p or Deus, visto que, co m o toda criatura, eles só existem porque Deus os m an tém em existência (Cl 1.17).
Os Anjos São Irredimíveis Considerando que os anjos não podem m udar, eles são fixos em sua natureza. Por conseguinte, assim que u m anjo peca, ele está condenado para sempre (2 Pe 2.4; Jd 6). A Bíblia diz explicitamente que Jesus não m orreu para resgatar os anjos, “porque, na verdade, ele não tom ou os anjos, mas tom ou a descendência de Abraão” (Hb 2.16). Os anjos que pecaram nunca são chamados ao arrependimento, nem podem . A cruz nunca lhes é apresentada com o meio de salvação, mas só de condenação, pois Jesus, “despojando os principados e potestades, os expôs publicamente e deles triunfou em si m esm o” (Cl 2.15). C om o todas as criaturas racionais e morais de Deus, os anjos tiveram u m a escolha. E, co m o os seres hum anos na m o rte (Hb 9.27), u m a vez feita a escolha final, é tarde demais para sempre. Considerando que eles não podem m udar p o r natureza, assim que os anjos to m am a decisão, é final, e eles sabem disso (M t 8.29).
A BASE HISTÓRICA PARA A ANGELOLOGIA Os grandes Pais da Igreja adm itiram co m o verdade absoluta a crença em anjos, tem a não raram ente m encionado. Entretanto, poucos deles deram tratam en to sistemático
A CRIAÇAO DAS CRIATURAS ESPIRITUAIS (OS ANJOS)
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destes seres espirituais até Tom ás de Aquino (1225-1274), o “d ou tor angelical”, assim cham ado por causa da sua angelologia altam ente sofisticada. Os P rim eiro s Pais da Ig re ja F a la ra m so b re os A n jo s Policarpo (c. 70-155)
Ó S en h o r Deus Todo-poderoso, o Pai de teu Filho Jesus C risto am ado e bendito, por quem recebem os o co n h ecim en to de ti, o Deus dos anjos e poderes, e de toda criatura. (E C M P , 14, em R oberts and D onaldson, A N F, I) Inneu (c. 125-c. 202) Além disso, os que dizem que o m undo foi form ado por anjos, ou por qualquer outro criador, contrário à vontade daquele que é o Pai Suprem o, erram em prim eiro lugar neste m esm o ponto que eles defendem que os anjos form aram tão poderosa criação, contrária à vontade do Deus Altíssimo. Isto insinuaria que os anjos seriam mais poderosos que Deus. (AH, 2.2.1, em ibid.) Com justiça, de acordo com um processo análogo de raciocínio, o Pai de todos será declarado o Form ador deste m undo, e não os anjos, nem qualquer outro [suposto] form ador do m undo, senão aquele que foi o seu Autor, e que outrora form ara a causa da preparação para um a criação deste tipo. (A H , 2.2.3, em ibid.) Todavia não é adequado dizer daquele que é Deus sobre todos, visto que Ele é livre e independente, que Ele foi escravo à necessidade, ou que qualquer coisa aconteça com a sua permissão, ainda que contra o seu desejo. Caso contrário, eles farão necessidade m aior e mais régia do que Deus, visto que aquilo que tem mais poder é superior a todos [os outros]. (A H , 2.5.4, em ibid.) Contudo, se [as coisas referidas fossem feitas] não contra a sua vontade, mas com o seu consentim ento e conhecim ento, com o alguns [destes homens] pensam, os anjos, ou o Form ador do m undo [seja Ele quem tenha sido], já não serão as causas dessa form ação, mas a vontade de Deus. Pois se Ele é o Form ador do m undo, Ele fez os anjos tam bém , ou pelo m enos foi a causa da sua criação; e Ele será considerado com o tendo feito o mundo que preparou as causas da sua form ação. (A H , 2.2.3, em ibid.)
“P ortanto, o Pai excederá em sabedoria toda a sabedoria h u m an a e angelical, porque Ele é Deus, Juiz, Justo e R egente sobre todas as coisas” (A H , 3.25.3, em ibid.). Mas Ele próprio em si m esm o, de certo m odo que não podemos descrever nem conceber, predestinando todas as coisas, form ou-as com o lhe aprazou, dando harm onia em todas as coisas, designando-lhes o seu próprio lugar e o com eço da sua criação. Deste m odo, Ele concedeu às coisas espirituais um a natureza espiritual e invisível. (AH, 2.2.4, em ibid.) Teófilo (m. 180) Quando Deus disse: “Façamos o hom em à nossa imagem , conform e a nossa sem elhança” [Gn 1.26], Ele primeiro intim a a dignidade do hom em . Pois Deus, tendo feito todas as coisas pela sua Palavra e tendo as considerado m eros assuntos secundários, reputa que a criação do hom em é a única obra m erecedora das suas mãos. (T A , 2.18, em ibid., II)
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Os Pais da Igreja Medieval Falam sobre os Anjos A doutrina dos anjos se desenvolveu consideravelmente durante a Idade Média, alcançando o ápice em Tomás de Aquino. Agostinho (354-430) Agostinho Fala sobre a Criação dos Anjos Aqui [no SI 148.5] está escrito que os anjos foram feitos expressamente e por autoridade divina, por Deus, pois acerca deles, entre as outras coisas celestiais, Ele ordenou e foram criados. Quem será suficientemente ousado para sugerir que os anjos foram feitos depois dos seis dias [da] criação? (CG, 11.9) “Os anjos existiram antes das estrelas; e as estrelas foram feitas no quarto dia” (ibid.). Quando Deus disse: “Haja luz. E houve luz [no Dia Um]” [Gn 1.3], se estamos justificados em entender nesta luz a criação dos anjos, então certamente eles foram criados participantes da luz eterna que é a Sabedoria imutável de Deus. (ibid.) Agostinho Fala sobre a Hierarquia dos Anjos Mas de tal conseqüência nas naturezas racionais é o peso, como quem diz, da vontade e do amor, que embora na ordem da natureza dos anjos se classifique antes dos homens, pela balança da justiça, os homens bons são de maior valor que os anjos maus. (ibid., 11.16) Agostinho Fala sobre a Queda dos Anjos Considerando que estas coisas são assim, esses espíritos que chamamos anjos nunca foram em qualquer época ou de qualquer forma trevas, mas, assim que foram feitos, foram feitos luz. Contudo, eles não foram criados assim para que existissem e vivessem seja de que forma fosse, mas foram iluminados para que vivessem sábia e abençoadamente. Alguns deles, tendo se afastado desta luz, não ganharam esta vida sábia e bendita, que é certamente eterna e acompanhada com a confiança firme da sua eternidade. Mas eles ainda têm a vida da razão, embora obscurecida com a loucura, e isto eles não podem perder mesmo que queiram, (ibid., 11) Se parece difícil acreditar que, quando os anjos foram criados, alguns foram criados ignorantes da perseverança ou da Queda, ao passo que outros foram certamente seguros da eternidade da felicidade. Se é difícil acreditar que todos eles estavam desde o princípio em um fundamento igual, até que estes que agora são maus caíram por conta própria longe da luz da bondade, certamente é muito mais difícil acreditar que os anjos santos são agora incertos da sua bem-aventurança eterna, e não sabem acerca deles mesmos tanto quanto pudermos juntar concernente a eles das Santas Escrituras, (ibid., 11.16) É impossível duvidar que as tendências contrárias nos anjos bons e nos anjos maus surgiram não da diferença na sua natureza e origem, visto que Deus, o bom Autor e Criador de todas as essências, os criou a ambos, mas da diferença na sua vontade e desejo. Enquanto que alguns permaneceram firmemente no que era o bem comum de todos, isto é, no próprio Deus, e na sua eternidade, verdade e amor; outros, sendo cativados pelo seu próprio poder, como se pudessem ser o seu próprio bem, desviaram-se deste
A CRIAÇÃO DAS CRIATURAS ESPIRITUAIS (OS ANJOS)
bem particular próprio deles, desse bem mais alto e beatífico que era com u m a todos, e, perm utando a alta dignidade da eternidade pela inflação do orgulho, a verdade mais segura pela astúcia da vaidade, unindo am or por partidarism o faccioso, eles ficaram orgulhosos, enganados, invejosos, (ibid., 12.1) Não há, então, causa eficiente natural ou, se m e perm item a expressão, nenhum a causa essencial, da vontade má, visto que é a origem do mal nos espíritos mutáveis, pelo qual o bem da sua natureza foi diminuído e corrom pido. E a vontade se torna m á por nada mais que deserção a Deus, deserção cuja causa tam bém é certam ente deficiente. Mas quanto à boa vontade, se dissermos que não há causa eficiente disto, tem os de nos precaver de dar aceitação à opinião de que a boa vontade dos anjos bons não foi criada, mas é co-eterna com Deus. Pois se eles próprios foram criados, com o dizer que a boa vontade deles foi eterna? Mas se foi criada, foi criada ju nto com eles, ou eles existiram por certo tem po sem ela? Se j unto com eles, fosse a boa vontade então indubitavelm ente criada por aquele que os criou, e, assim que foram criados, eles se prenderam àquele que os criou, com o am or que Ele criou neles. E eles estão separados da sociedade dos demais, porque eles continuaram na m esm a boa vontade, ao passo que os outros abandonaram por outra vontade, que é m á pelo m esm o fato de ser um abandono do bem. (ibid., 12.9) A gostinho F a la sobre a C om unicação M en te a M en te dos A n jos O que Ele diz é ouvido com precisão, não pelos ouvidos físicos, mas pelos ouvidos
mentais dos seus ministros e mensageiros, que são im ortalm ente benditos no prazer da sua verdade imutável. E as orientações que eles de algum m odo inefável recebem , eles executam sem dem ora ou dificuldade no m undo concreto e visível, (ibid., 10.15) Agostinho Fala sobre o Destino dos Anjos Portanto, em bora todas as coisas eternas não sejam abençoadas (pois o fogo do inferno é eterno), se nenhum a vida pode ser verdadeira e perfeitam ente abençoada exceto que seja eterna, a vida destes anjos não foi abençoada, pois foi sentenciada a term inar e, então, não é eterna, quer soubessem disso ou não. Em um caso, o medo, em outro, a ignorância, lhes impediu de serem abençoados. E m esm o que a sua ignorância não fosse tão grande quanto a gerar neles um a expectativa com pletam ente falsa, mas os deixou vacilantes na incerteza se o bem seria eterno ou se algum dia acabaria, esta m esm a dúvida concernente a tão im portante destino era incom patível com a plenitude da bem -aventurança que crem os que os anjos santos desfrutaram, (ibid.) P ortanto, a verdadeira causa da b em -av entu rança dos anjos bons enco n tra-se nisso: que eles se apegam àquele que su p rem am ente é. E se p erg u ntarm os a causa da m iséria dos anjos m aus, o co rre-n o s e não sem razão, que eles são m iseráveis porque abandonaram aquele que su p rem am ente é, e se v o ltaram a si m esm os que não têm tal essência. E isto vício, que mais se cham a senão orgulho? Pois o orgu lho é o com eço do pecado, (ibid., 12.6) Tomás de Aquino (1224-1274) Aquino Fala sobre a Criação dos Anjos As Escrituras Canônicas nos dizem que os anjos foram criados antes dos hom ens. A razão tam bém propõe que eles não foram mais recentes do que o universo físico, pois é
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inadequado que o mais perfeito se junte depois do menos perfeito. Isto é confirmado pela autoridade bíblica: “Quando as estrelas da alva juntas alegremente cantavam, e todos os filhos de Deus rejubilavam” [Jó 38.7], ( OSS, p. 16) Aquino Fala sobre a Natureza dos Anjos “Eles são naturezas intelectuais, no cu m e da criação” (SCG, p. 42). “E, ainda mais, a espécie do intelecto angelical, que é, por assim dizer, o tipo seminal das form as corpóreas, tem de referir-se a Deus co m o a causa prim eira” (ST, la.65.4). A mente é mais rica do que a matéria. Podemos pensar em objetos que não existem como coisas materiais; por exemplo, a matemática trata de termos que não podem existir fisicamente. Tomemos isto como sugestão, quando avaliamos que a natureza própria de ambos, que a substância íncorpórea, cuja realidade é intelectual, é mais profusa que a substância física, e que os anjos excedem em número aos corpos físicos. “Milhares de milhares o serviam, e milhões de milhões estavam diante dele” [Dn 7.10], (SCC, 2.92) Aquino Fala sobre a Hierarquia dos Anjos A substância pode existir sem o corpo. Encontramos no universo todas as espécies possíveis de ser, que, caso contrário, seria deficiente. Possível e real são o mesmo na duração perpétua. Portanto, a substância pode existir completa sem a matéria. Ela se classifica abaixo da substância primeira, que é Deus, e acima das almas humanas unidas a corpos. (SCC, 2.91) Aquino Fala sobre a Queda dos Anjos
Um anjo ou outra criatura racional, consideradas na sua natureza, pode pecar. [...] O pecado mortal ocorre de dois modos no ato do livre-arbítrio. Primeiro, quando algo mal é escolhido. [...] Do outro modo, o pecado entra do livre-arbítrio escolhendo algo bom em si mesmo, mas não de acordo com a própria medida ou regra [como os anjos fizeram], (ST, la.63.1) Agora, a natureza espiritual não pode ser afetada pelos prazeres pertencentes a corpos, mas só como se acha nos seres espirituais. [...] Mas não pode haver pecado quando alguém é incitado ao bem da ordem espiritual, a menos que em tal afeto não seja mantida a regra do superior. Esse é precisamente o pecado do orgulho — não estar sujeito ao superior em que se deve sujeição. Por conseguinte, o primeiro pecado dos anjos pode não ser diferente do orgulho, (ibid., la.63.2) Aquino Fala sobre o Propósito dos Anjos
“Anjos significa mensageiros e ministros. A sua função é executar o plano da providência divina, até m esm o nas coisas terrenas: ‘Faz dos ventos seus mensageiros, dos seus ministros, u m fogo abrasador’ [SI 104.4]” (ibid., 2.79). “Porque aos seus anjos dará ordem a teu respeito, para te guardarem em todos os teus caminhos” [SI 91.11], [Portanto], os anjos têm a incumbência de nos vigiar. A providência universal de Deus trabalha por meio das causas secundárias. Eles cuidam de todas as
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coisas, mas especialm ente dos seres racionais, porque eles, nascidos para possuir a bondade divina, trabalham do mal, um princípio mais alto que o instinto ou impulso inconsciente. O m undo dos puros espíritos se estende entre a natureza divina e o m undo dos seres hum anos; porque a sabedoria divina ordenou que os mais altos cuidassem dos mais baixos, os anjos executam o plano divino para a salvação hum ana: eles são os nossos guardiões que nos livram quando presos, e nos ajudam a voltar para casa. ( CSPL, 10.1.1) Aquino Fala sobre o Conhecimento dos Anjos Cham am os os anjos de intelectuais, por causa do insight imediato e com pleto que eles têm de todos os objetos dentro do seu campo natural. Cham am os as almas humanas de racionais, porque o conhecim ento que elas têm é adquirido pelo processo do raciocínio. Ao contrário dos anjos, elas não apreendem im ediatam ente a evidência plena de um objeto que lhes é apresentado. Elas são convencidas por argum ento form al e não por intuição. (ST, la.18.3) Chegamos à verdade pela lógica, acrescentando um predicado a um sujeito. Entretanto, um puro espírito vê im ediatam ente a verdade em um assunto, e por insight simples sabe ao que tem os de chegar por julgam entos afirmativos ou negativos. (OE, 6)
Os Líderes da Reform a Falaram sobre os A njos C o m o acontece com a m aioria das principais doutrinas, os R eform adores herdaram a visão m edieval p ertinente aos anjos. Preocupados com o estavam com assuntos teológicos mais urgentes, eles acrescentaram algo à dou trina da angelologia. Martinho Lutero (1483-1546)
Lutero disse: “U m a n jo é u m a criatura espiritual sem corpo criada por Deus, para o serviço da cristandade e da ig reja” (T T, p. 565). E acrescentou: O reconhecim ento dos anjos é necessário na igreja. Os pregadores religiosos deveriam ensinar esse tem a logicam ente. Em prim eiro lugar, eles deveriam m ostrar que os anjos são, isto é, criaturas espirituais sem corpos. Em segundo lugar, de que tipo de espíritos eles são, isto é, espíritos bons e não maus. Aqui os espíritos m aus tam bém devem ser considerados; eles não foram criados maus por Deus, mas ficaram assim pela rebelião que fizeram contra Deus e pela conseqüente queda. Este ódio com eçou no Paraíso, e continuará e perm anecerá contra Cristo e a igreja até ao fim do m undo. Em terceiro lugar, eles têm de falar no que tange à sua função, que, com o m ostra a epístola aos Hebreus (Hb 1.14), é apresentar um espelho de humildade aos cristãos piedosos. Essas criaturas puras e perfeitas com o os anjos m inistram a nós, pobres e miseráveis, sobre arranjos domésticos, política tem poral e religião. Eles são nossos servos verdadeiros e fiéis, fazendo ofícios e trabalhos que um m endicante miserável e pobre ficaria com vergonha de fazer para os outros. Deste jeito, ensinem os com cuidado, m étodo e atenção, tocando os doces e amorosos anjos, (ibid., p. 566)
A lém disso: Não nos é bom saber com o avidamente os anjos santos se esforçam a nosso favor contra o Diabo, ou quão duro um com bate é. Se pudéssemos ver para quantos anjos um dem ônio
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dá trabalho, ficaríamos desesperados. Portanto, as Sagradas Letras se referem a eles em poucas palavras: “Porque aos seus anjos dará ordem a teu respeito, para te guardarem em todos os teus caminhos” [SI 91.11]. Também, “o anjo do Senhor acampa-se ao redor dos que o temem, e os livra” [SI 34.8], etc. Agora, seja quem tu fores que temas ao Senhor, não te preocupas, nem tenhas cuidado, nem desanimeis, nem duvideis da vigilância e proteção dos anjos, pois com certeza eles estão sobre ti e te carregam nas mãos. Como ou de que maneira fazem isso, não tenhais cuidado. Deus diz, então é muito seguro e certo, (ibid., p. 568) João Calvino (1509-1564) João Calvino declarou: Sendo os anjos os ministros designados a cumprir os mandamentos de Deus, temos, claro, de admitir que são as suas criaturas, mas levantar questões relativas ao tempo ou ordem nos quais eles foram criados [...] indica mais perversão do que aplicação. (ICR, 1.14.4) E continuou: Na Bíblia, lemos uniformemente que os anjos são espíritos celestes cuja obediência e ministério Deus emprega para executar todos os propósitos que Ele decretou. E por isso que o nome deles é uma espécie de mensageiros intermediários para manifestar a vontade divina aos homens. Os nomes pelos quais vários eles são diferenciados têm referência à função que cumprem. Eles são chamados exércitos, porque eles cercam o Príncipe como uma coorte para eles — adornam e exibem a sua majestade; como soldados, sempre têm os olhos voltados ao padrão do líder divino, e estão tão prontos e a postos para cumprir as suas ordens divinas que no momento que Ele dá o aceno, eles se preparam ou, antes, já estão de fato em ação [Dn 7.10]. (ICR, 1.14,5) Quanto aos anjos da guarda, Calvino disse: Se cada crente tem ou não um único anjo designado para ele, a fim de guardá-lo, não ouso afirmar positivamente. Quando Daniel apresenta o anjo dos persas e o anjo dos gregos, ele indica indubitavelmente que certos anjos são designados como um tipo de presidentes sobre reinos e províncias. Repetindo, quando Jesus diz que os anjos de crianças sempre vêem a face do Pai, Ele dá a entender que há certos anjos a quem a segurança dessas crianças foi confiada. Mas não sei se com isso podemos deduzir que cada crente tem o seu anjo da guarda, (ibid., 1.14.7) E continuou: Há uma passagem que parece insinuar um pouco mais claramente que cada indivíduo tem um anjo exclusivo. Quando Pedro, depois de ter sido liberto da prisão, bateu à porta da casa onde os irmãos estavam reunidos, não pensando que pudesse ser ele, disseram que era o seu anjo. Esta idéia parece ter lhes sido sugerida pela crença comum de que todo crente tem um anjo único designado para ele. (ibid.)
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A lém disso: É certo que os espíritos não têm form a física, e, contudo, a Bíblia, em acom odação a nós, os descreve sob a form a de querubins e serafins alados. Não sem m otivo, para nos assegurar que quando a ocasião requer, eles chegam im ediatam ente para nos ajudar, eles vêem até nós voando com velocidade incrível, com a velocidade do raio. M uito mais que isto, em consideração à hierarquia e nú m ero dos anjos, os classifiquemos entre esses indivíduos misteriosos, a plena revelação da qual é adiada até ao ú ltim o dia, e adequadamente se abstém de indagar m uito curiosam ente, ou falar arrogantem ente, (ibid., 1.14.8) Calvino concluiu: “S eja o que for que se diga acerca do m inistério dos anjos, em preguem os co m a finalidade de rem ov er toda desconfiança e fo rtalecer a nossa confiança em D eu s” (ibid., 1.14.12). O s T e ó lo g o s da P ó s-R e fo rm a F a la ra m so b re os A n jo s A tradição longa do ensino sobre anjos foi continuada pelos grandes teólogos depois da R eform a. Não até o surgim ento do m aterialism o m od erno, que exclui as entidades espirituais, foi que houve u m ataque sério aos ensinos bíblicos sobre os anjos. Jacó Armínio (1560-1609)
O universo inteiro está, de acordo com as Escrituras, distribuído da melhor maneira possível em três classes de objetos: (1) Para as criaturas puramente espirituais e invisíveis; os anjos pertencem a esta classe; (2) para as criaturas meramente corpóreas; e (3) para as naturezas que são, em uma parte delas, corpóreas e visíveis, e em outra parte, espirituais e invisíveis; os homens pertencem a esta última classe. ( W JA , 11.56) Pensamos que esta foi a ordem observada na criação: As criaturas espirituais, ou seja, os anjos, foram criados primeiro. As criaturas corpóreas foram criadas logo em seguida, de acordo com a série de seis dias, não juntas e em um único momento. Por último, o homem foi criado, consistindo em corpo e espírito. Na verdade, o seu corpo foi formado primeiro e, depois, a alma foi inspirada pela criação e criada pela inspiração. Assim como Deus começou a criação em um espírito, assim Ele pôde terminá-la em um espírito, sendo Ele mesmo o Espírito imensurável e eterno, (ibid., p. 56, 57) O pensam ento m od erno e con tem p orâneo não acrescentou m u ito à angelologia. De fato, até a relativam ente recen te preocupação co m as supostas aparições angelicais nas “experiências próxim as da m o rte ”,8 houve u m a negligência geral ao assunto. R E S P O N D E N D O P E R G U N T A S S O B R E AN JO S
P e rg u n ta U m : R e la tiv a à Q u ed a d e L ú cifer A Bíblia declara que Deus fez todas as coisas perfeitas (G n 1.31; 1 T m 4.4). Isto inclui o an jo Lúcifer, que se to rn o u conh ecid o por Satanás. Em D eus e no céu não há pecado 8 Ver Ron Rhodes, Angels Among Us (Anjos entre Nós), e Richard Abanes, Joumey Into the Light: Exploring Near-Death Experiences (Jornada na Luz: Explorando Experiências Próximas da M orte).
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(Hb 1.13; Tg 1.13), contudo Lúcifer pecou e se rebelou con tra Deus (1 T m 3.6), levando consigo u m terço de todos os anjos (Ap 12.4). C om o u m a criatu ra perfeita, feita por u m Deus perfeito e colocado em u m ambiente perfeito (o céu ) com eteu pecado? O pecado não pôde surgir de Deus, n em do ambiente de Lúcifer, n em da sua natu reza perfeita. De onde, então, veio o pecado?
Resposta à Pergunta Um O pecado surgiu do livre-arbítrio de Lúcifer. Deus fez as criaturas perfeitas e lhes deu n atureza perfeita e liberdade perfeita. Mas co m a liberdade, em bora boa em si m esm a, vem a capacidade para pecar. Portanto, o pecado surgiu no peito de u m arcanjo na presença de Deus. A liberdade é boa, mas con tém a possibilidade do m al. Deus fez Lúcifer perfeitam ente bom ; Lúcifer fez o m au. Deus lhe deu o fato da liberdade (que é b om ); Lúcifer execu tou o ato da liberdade para rebelar-se co n tra Deus (que é m au ). Deus forneceu o poder bom do livre-arbítrio, m as Lúcifer execu tou a ação ru im do livre-arbítrio.
Pergunta Dois: Relativa à Irredimibilidade dos Anjos U m terço dos anjos pecou e se tornou demônios. Quando Adão pecou, ele e os seus descendentes receberam a oferta da salvação (G n 3.15). E quanto aos anjos? Eles podem ser salvos?
Resposta à Pergunta Dois A resposta bíblica sobre a redimibilidade dos anjos é claram ente negativa pelas seguintes razões. Primeiro, u m a vez mais, a Bíblia diz enfaticam ente: “Porque, na verdade, ele não tom ou os anjos, mas to m o u a descendência de Abraão” (Hb 2.16). Quer dizer, Cristo assumiu a n atureza hum ana (Hb 2.14), mas não a n atu reza angelical, para resgatar os seres hum anos e não os anjos. Segundo, a cruz de Cristo, que é declarada a fonte da salvação hum ana, é proclam ada por contraste a fonte da condenação dos demônios. Paulo escreveu: “Havendo riscado a cédula que era con tra nós nas suas ordenanças, a qual de algum a m aneira nos era contrária, e a tirou do m eio de nós, cravando-a na cruz. E, despojando os principados e potestades, os expôs publicam ente e deles triunfou em si m esm o” (C l 2.14,15). Terceiro, a Bíblia sem pre descreve o estado perdido dos demônios co m o final e eterno. Pedro escreveu: “Porque, se Deus não perdoou aos anjos que pecaram , m as, havendo-os lançado no inferno, os entregou às cadeias da escuridão, ficando reservados para o Juízo” (2 Pe 2.4; cf. Jd 6). Até os dem ônios recon h ecem a sua perdição eterna, pois co m o u m deles nos Evangelhos disse a Jesus: “Que tem os nós contigo, Jesus, Filho de Deus?” (M t 8.29). Em Apocalipse, tam bém está escrito que Satanás sabe “que já tem pouco tem po” (Ap 12.12). Quarto e ú ltim o, Aquino argum entou que, visto que os anjos são imutáveis no seu conhecim ento n atural e na sua natureza, não há m odo de eles serem redimidos (já que a redenção envolve m udança de m ente).
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Pergunta Três: Relativa à Justiça da Condenação Angelical Há quem considere in ju sto que os seres hu m anos, depois que caíram , recebam a oportunidade de redenção, ao passo que anjos não receberam . Por que D eus não ofereceu salvação tam bém para eles?
Resposta à Pergunta Três Em resposta a esta pergunta, certas coisas são dignas de nota. Primeiro, o s anjos, com o os seres hu m anos, esco lh em o seu destino. Eles escolh eram livrem ente rebelar-se co n tra Deus; eles não foram forçados a fazer essa escolha. Eles não foram condenados co n tra a vontade deles. Segundo, co m o os seres hu m anos, os an jos só fo ram condenados depois de terem tom ad o a escolh a final — a ún ica diferença é que a prim eira escolh a tam bém foi a escolha final. Os seres h u m anos tam bém têm u m prazo final, porque “aos hom en s está ordenado m o rre rem u m a vez, vindo, depois disso, o ju íz o ” (Hb 9.27). Terceiro, a própria n atu reza dos anjos to rn o u a prim eira escolha tam bém a últim a escolha, porque eles foram criados seres simples. Por conseguinte, assim que os anjos fazem a escolh a de servir ou rebelar-se con tra Deus, é p erm an en te (de u m a fo rm a ou de ou tra), da m esm a m an eira que assim que os seres hu m anos fazem a escolh a final (pela m o rte ), é para sem pre (de u m a fo rm a ou de ou tra). Quarto, diferente dos seres hu m anos (A t 17.30; 2 Pe 3.9), os an jos n u n ca são cham ados ao arrependim ento. Em sum a, o que é um a vida inteira para nós é u m m o m en to para os anjos. Assim que a m en te se decide (pelo livre-arbítrio), é p erm anente. Considerando que por natu reza os anjos não podem m udar, não há possibilidade de redenção para eles. Deus, sabendo disso, não precisou providenciar salvação para eles. Por conseguinte, a cruz lhes pronuncia a condenação, mas não lhes provê a salvação.
CONCLUSÃO A lém do universo físico e dos seres hu m anos, D eus tam bém criou os seres espirituais cham ados anjos. O universo físico é m aterial; os anjos são im ateriais, ao passo que os seres hu m anos são com postos de m atéria e espírito. A hierarquia dos seres se estende de Deus aos anjos, aos seres hu m anos, aos animais, à m atéria inanim ada. Os anjos estão abaixo de Deus; os h om en s estão u m p o u co abaixo dos anjos (Hb 2.7) e os seres hu m anos são a coroa de todas as criaturas abaixo deles (SI 8.4,5). A lém de glorificar Deus, o propósito dos anjos bons é m inistrar aos crentes (Hb 1.14). Os anjos m aus (cham ados dem ônios) seguiram Satanás na sua rebelião e estão condenados co m ele ao in fern o etern o (M t 25.41). E ju sto, visto que eles, co m o os seres hu m anos, esco lh eram livrem ente o próprio destino, e por natu reza a decisão é final.
FONTES Abanes, Richard. jouraey Into the Light: Exploring N ear-D eath Experiences. Aquinas, Thom as. Commentary on the Sentences o f Peter Lombard. _____________ . On Evil. _____________ . On Separated Substances.
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_____________ . Summa Contra Gentiles. _____________ . Summa Theologica. [Edição brasileira: Tomás de Aquino. Suma Teológica: o Mistério da Encarnação (São Paulo: Loyola, 2001).] Arm inius, Jacob. The Writmgs o f James Arminius. Augustine. The City o f God. [Edição brasileira: Agostinho. A Cidade de Deus (Petrópolis: Vozes, 2000).] Calvin, John. Institutes o f the Christian Religion. [Edição brasileira: João Calvino. A s Institutas da Religião Cristã (São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1995).] Collins, James. The Thomistic Philosophy o f Angels. Dickason, Fred. Angels: Elect and Evil. Graves, Robert. The Gospel According to Angels. Irenaeus. “Against Heresies”, in: Roberts and Donaldson, The Ante-Nicene Fathers. Luther, M artin. Table Talks. Polycarp. “Epistle C oncerning th e M artyrdom of Polycarp”, in: Roberts and Donaldson, The Ante-Nicene Fathers. Rhodes, Ron. Angels Among Us. Roberts, Alexander, and James Donaldson. The Ante-Nicene Fathers. Theophilus. “Theophilus to A utolycus”, in: Roberts and Donaldson, The Ante-Nicene Fathers. Unger, Merril. Demonology.
CAPÍTULO
VINTE
E UM
O SUSTENTO DA CRIAÇÃO
A
criação é totalm en te dependente de Deus. Esta dependência se aplica ao estado
presente da criação co m o tam bém ao co m eço passado da criação. O universo (e tudo que nele há) com eçou co m o a criação de Deus, e continua sendo a criação de Deus. Deus é a Causa originadora co m o tam bém a Causa sustentadora de tudo que existe. A Bíblia é explícita nesse ponto. E verdade que a Bíblia reserva a palavra criação para referir-se ao evento passado da origem do m undo. Todavia há mais na doutrina da criação do que revela o estudo das origens. Deus com pletou a obra da criação, não obstante, Ele não term inou a obra na criação. Q uer dizer, há u m a diferença entre a obra de Deus na origem do m undo e a obra divina na operação dela. Há apoio bíblico, teológico e histórico para Deus ser o Criador e Sustentador do universo.
A BASE BÍBLICA PARA DEUS COMO CRIADOR E SUSTENTADOR DA CRIAÇÃO Deus como a Causa Originadora da Criação Quando usado neste con texto, a palavra hebraica para referir-se à “criação” (bara) e o seu equivalente grego ( ktisis) são reservadas para os atos originais da criação no passado, quer dizer, são as palavras m aisco m u m en te empregadas para aludir à origem ou o com eço das coisas. Podemos ilustrar este fato exam inando certas passagens bíblicas fundamentais. 0 Uso Veterotestamentário da Palavra Hebraica Bara Gênesis 1.1 (cf. Gn 1.21-27) fala da criação co m o u m evento acabado: “No princípio, criou Deus os céus e a terra”. Obviamente, este texto não está se referindo ao funcionam ento presente do universo, mas, antes, à sua form ação passada. Gênesis 2.3 tam bém destaca os atos da criação pelos quais o m undo com eçou : “E abençoou Deus o dia sétimo e o santificou; porque nele descansou de toda a sua obra, que Deus criara e fizera”. O fato de Deus ter descansado e ainda estar nesse descanso (Hb 4.4,5) é prova de que a palavra criação é usada aqui referente aos eventos passados, singulares e não-repetidos da origem . Sem elhantem ente, o versículo seguinte (G n 2.4)
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H
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coloca o evento da criação no passado, quando declara: “Estas são as origens dos céus e da terra, quando foram criados”. Gênesis 5.1,2 delineia a criação de Adão e Eva co m o u m evento passado, “no dia em que Deus criou o h o m e m ”, dizendo: “M acho e fêm ea os criou, e os abençoou, e cham ou o seu n om e Adão, no dia em que foram criados”. Em Gênesis 6.7, Deus falou co m Noé, proclam ando: “Destruirei, de sobre a face da terra, o h o m em que criei”. Em bora esta referência seja à raça h um ana que vivia nos dias de Noé, a sua criação como raça através de Adão (R m 5.12) foi u m evento passado de origem. C laro que Deus é ativo n a propagação da raça deste local de origem (Gn 1.28; 4.1, 25). C ontudo, a criação de Adão foi u m evento passado do com eço, no passado, que não foi repetido desde então. Deuteronômio 4.32 deixa claro que a criação da hum anidade foi u m evento de origem único, realizado h á m uito tem po. Moisés disse: “Pergunta agora aos tem pos passados, que te precederam , desde o dia em que Deus criou o h o m em sobre a terra” . No Salmo 89.11,12, a palavra criação é usada em referência à criação original dos céus e da terra. O escritor declarou: “Teus são os céus e tua é a terra; o m undo e a sua plenitude, tu os fundaste. O N orte e o Sul, tu os criaste”. O Salmo 148.5se refere à criação dos anjos: “[O Senhor] m andou, e logo foram criados”. Jó fala que os anjos já existiam quando Deus “fundava a terra?” (Jó 38.4,7). P ortan to, as referências à criação nos levam de volta ao com eço das coisas. Isaías 40.26 diz que Deus “criou” as estrelas co m o tam bém as enum erou e nom eou. Em Isaías 42.5, ele tam bém declara que “Deus criou os céus e [...] tudo o que nela existe” (NTLH). Ele tam bém criou Jacó e “a todos os que são cham ados pelo m eu nom e [de Deus]” (Is 43.1,7). Os céus e a terra foram criados pelo Senhor (Is 45.8,12). Malaquias 2.10 tam bém fala sobre a criação da raça hum ana, dizendo: “Não nos criou u m m esm o Deus?” Repetindo, a raça tem se propagado desde Adão, contudo a Bíblia deixa claro que ela foi criada em Adão (G n 1.27; cf. R m 5 .1 2 ). Portanto, a criação da hum anidade é vista co m o u m evento de origem . Até Jesus se referiu à criação co m o u m evento que aconteceu “no princípio, [quando] o Criador os fez m ach o e fêm ea” (M t 19.4). 0 Uso Neotestamentário da Palavra Grega Ktisis C om o o Antigo Testam ento, o N ovo Testam ento usa constantem ente a palavra ktisis com o u m evento de origem ocorrido no passado e não co m o u m processo presente. Marcos 10.6 ensina: “Desde o princípio da criação, Deus os fez m ach o e fêm ea” . Não há dúvida de que Ele está se referindo à criação com o u m a singularidade passada e nãorepetida, e não com o u m processo regular observável no presente. Marcos 13.19 em prega a palavra criação da m esm a m aneira, dizendo: “Naqueles dias, haverá u m a aflição tal, qual n unca houve desde o princípio da criação, que Deus criou, até agora”. Esta é u m a referência inconfundível à criação co m o o ponto do com eço, e não u m processo de continuação. Em Romanos 1.20, Paulo declara: “Desde a criação do mundo, [...] o seu eterno poder [de Deus] com o a sua divindade, se entendem e claram ente se vêem pelas coisas que estão criadas” (grifos meus). As palavras grifadas revelam que o uso da palavra criação é referente à obra original de Deus de fazer o m undo, não aos seus atos contínuos de cuidar do m undo. Em 1 Coríntios 11.8,9, Paulo usa a “criação” dos atos pelos quais Deus fez (n o passado) a “m ulher, do h om em ” e “p o r causa do h o m e m ” (A RA). U m a vez mais, a criação original de Adão e Eva literais está em vista aqui.
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EJésios 3 .9 fala da criação com o um a ação com pletad a no passada, referindo-se ao Deus “que tudo crio u ”. Paulo acrescenta em Colossenses 1.16 que “tudo f o i criado por ele e para ele [Jesus]” (grifos m eus). P rim eira T im óteo 4 .3 d ecla ra : “D eu s crio u [tod os os a lim e n to s] p ara serem receb id o s, c o m ações de g ra ç a s” (A R A ; g rifos m e u s). P o rta n to , ainda que os a lim e n to s e ste ja m sen d o p ro d u zid o s n o p re se n te , a re fe rê n c ia aqui é à cria çã o o rig in a l dos a lim e n to s. Isto é e v id en te p e lo uso do te m p o a o risto , in d ica n d o ação
co m p le ta d a . A lé m disso, a frase “p a ra serem re c e b id o s” re ssa lta o p ro p ó sito o rig in a l da cria çã o dos a lim e n to s. A p o ca lip se se refere u n ifo rm e m e n te à criação co m o a ob ra de D eus feita no passado, pela qual as coisas com eça ra m . João n o to u a prim azia de C risto desde o “princípio da criação de D eu s” (Ap 3.14; cf. Cl 1.15,18). Os exércitos celestiais ao red or do tro n o de D eus o louvam , porqu e p o r Ele fo ram criadas “todas as coisas” (Ap 4.11). A lém disso, o a n jo ju ro u por aquele que “criou o céu e o que n ele há, e a te rra e o que n ela há, e o m ar e o que nele h á ” (Ap 10.6; cf. Ap 14.7). Na m aioria vasta destas referências, não há dúvida de que a palavra criação é reservada para a origem do universo (inclusive a vida e a hu m anid ad e), e não para a sua op eração in in terru p ta desde então. Nas poucas passagens em que possa estar im p lícito u m processo, não está em vista a criação do un iverso físico, m as, antes, a propagação da vida an im al ou da vida h u m an a. E em b o ra a palavra criação seja às vezes usada em ou tros co n tex to s que não a origem do universo e dos seres vivos (p o r exem p lo, Is 45.7), há u m a prep ond erância clara do uso salvo para os eventos de origem originais e n ão-rep etid os, pelos quais D eus tro u x e à existên cia a m atéria, os seres vivos e os seres hu m anos. A lém do uso raro da palavra criação em u m sentido co n tín u o (ver SI 104.30), lógico que há m u itas ou tras palavras usadas mais co m u m e n te acerca dos atos de Deus co n tin u am en te op erar e sustar o un iverso criado. D eu s c o m o a C a u sa O p e ra d o ra n a C ria ç ã o Assim que o m u nd o foi criado, D eus não deixou de relacionar-se com ele. Na realidade, Ele opera con tinu am en te n ele — Ele o sustenta em existência. D eus é o M ovedor im ovível (ver parte 1, capítulo 3), mas Ele não é u m M ovedor im óvel. Ele é im ovível, m as não im óvel. Ele não m uda, mas Ele é o M udador im utável do m undo m utável. Q uando um a pessoa se m ove sobre u m chão de cim en to, o chão não se m ove em relação a ela. Mais exatam ente, ela se m ove em relação ao chão. Deus, co m o na analogia do chão, serve de Fundação im utável sobre a qual todas as coisas se apóiam (e co n cern en te a qual todas as coisas se m ovem ). 0 Uso da Palavra C riação para a Obra Presente de Deus
R aram ente a Bíblia alude à obra de Deus no m o m en to da operação do m u nd o com o “criação”, mas há algum as exceções. O Salm o 104.30 declara: “Envias o teu Espírito, e são criados, e assim renovas a face da te rra ”. A palavra criados (ba ra) é usada, não para referir-se à g eração inicial da vida sobre a terra, m as da sua regeneração contínua. O contexto fala que Deus fez “crescer a erva para os animais e a verdura, para o serviço do h o m e m ” (SI 104.14). Ele é u m Deus que faz “rebentar nascentes que co rrem en tre os m o n tes”
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(SI 104.10) e que ordena “a escuridão, e faz-se n oite” (SI 104.20). Ele é u m Deus que continuam ente fornece alimentos para todos os seres vivos (SI 104.27). E m sum a, a ênfase repetida desta passagem está em Deus operar e preservar ininterruptam ente este m undo, e a palavra criação é usada para descrever esta atividade ininterrupta dentro da sua criação. Am ós 4.13 diz que Deus “cria o vento, e [...] faz da m an h ã trevas”. Aqui tam bém a palavra criação é usada em relação à obra de Deus na criação, e não simplesmente acerca da sua obra original da criação. E, de fato, a palavra faz, que é muitas vezes usada intercam biavelm ente com a palavra cria (cf. Gn 1.26,27; 2.18), é usada em muitas ocasiões para descrever a obra ininterrupta de Deus no m undo (cf. SI 104.3,4,10).
Deus como a Causa Sustentadora da Criação Há num erosas maneiras em que a Bíblia m ostra Deus em ação presente n a criação. Ele está “fazendo”, “produzindo”, “causando”, “sustentando” as operações da natureza de diferentes m odos. Ele a sustenta (Hb 1.3), a conserva (Cl 1.17), a causa para ter a existência (Ap 4.11) e produz vida nela (SI 104.14). Em sum a, Deus não só é o Originador, mas tam bém o Operador do m undo. Ele não é simplesmente a Causa original, mas tam bém a Causa contínua da sua existência. Ele é o Criador e o Preservador. Não haveria m undo, passado ou presente, se não fora p o r Deus. A obra dual de Deus criar e preservar o m undo é apresentada m uitas vezes na m esm a passagem, às vezes até no m esm o versículo. Os contrastes apresentados a seguir revelam estes dois aspectos da obra de Deus. Deus Criou no Passado e Deus Está Produzindo no Presente Gênesis 1.1 diz: “Criou Deus [...] a terra” (grifos m eus), e depois Ele está toda a terra para produzir vegetação (G n 1.11). A prim eira ação foi segunda foi u m ato de operação. Os dois atos são ações de Deus.
em ação por
u m ato deorigem ; a
Deus Descansou no Passado e Deus Está em Ação no Presente Gênesis 2.3 declara que Deus “descansou” da “sua obra, que tinha feito”, ou seja, do seu trabalho original de criação, mas Jesus afirmou que Deus “trabalha até agora” (Jo 5.17; grifos m eus). O prim eiro texto descreve o com eço da òbra da criação; o últim o descreve a continuação da obra na criação. Deus Pôs os Fundamentos da Terra e Deus Está tomando a Terra Produtiva O Salmo 104.5 declara que Deus “lançou o s fundam entos da terra”, m as poucos versículos depois, vem os Deus fazendo crescer os alimentos da terra (SI 104.14). O prim eiro ato é u m a obra de Deus em originar; o segundo é a sua obra de operar; Ele faz as duas obras. Deus Fez o Mundo e Deus o mantém em Ser Em Atos 17.24, as Escrituras ensinam que Deus “fez o m u n d o ” (grifos m eus). Mais adiante, diz: “Nele vivemos, e nos m ovem os, e existimos” (A t 17.28; grifos m eus). Deus é a causa passada deform ação do m undo e tam bém a causa presente da sua existência.
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Deus Criou o Mundo e o Mundo subsiste por Deus Colossenses 1.16 expressa a obra de D eus realizada no passado co m o u m a p ela qual “foram criadas todas as coisas” (grifos m eu s). O versícu lo im ed iatam en te a seguir explica: “Todas as coisas subsistem p o r e le ” (C l 1.17; grifos m eu s). O p rim eiro tex to fala sobre o ato de D eus de causar o m u n d o a vir a ser (existir); o ú ltim o texto é o ato de D eus de cau sá-lo para co n tin u a r sendo (existindo). Deus Fez e Deus Sustenta O Salm o 95.3-5 p ro clam a: “O S e n h o r é D eus grande e Rei grande acim a de todos os deuses. Nas suas m ãos estão as profundezas da terra, e as alturas dos m o n tes são suas. Seu é o m ar, pois ele o fez , e as suas m ãos fo rm a ra m a te rra seca” (grifos m eu s). S e m e lh a n tem e n te , H ebreus 1.2 declara: “Por quem [Jesus] fez [Deus Pai] tam b ém o m u n d o ” (grifos m eu s). C o n tu d o , o versícu lo im ed iatam en te segu inte revela que Jesus tam b ém está “sustentando todas as coisas pela palavra do seu p o d er” (Hb 1.3; grifos m eu s). Aqui n ov am en te, o p rim eiro te x to se refere à criação do m u n d o e o ou tro , ao seu su stento. 0 Cosmo Foi Criado por Deus e o Cosmo Tem o seu Ser através de Deus E m u m versículo, o apóstolo João co n trasta a obra de D eus em criar e sustentar. Ele escreveu: “Por causa da tu a vontade vieram a existir e foram criadas” (Ap 4.11, ARA; grifos m eu s). Todas as coisas receberam de D eus o ser (a existên cia) e tam b ém ainda estão tend o dEle o ser (a existência). Em sum a, a d o u trin a da criação n ão está lim itad a à discussão da sua origem passada. T am b ém inclu i o seu su sten to e op eração presentes. O C riador é necessário não apenas para fazer a criação, m as tam b ém para su sten tá-la — Ele é P rod u tor e o Su stentad or. Não há quadro da criação que esteja co m p le to sem o papel de D eus em ambas as áreas. A B A S E T E O L Ó G IC A P A R A D E U S C O M O O C R IA D O R E S U S T E N T A D O R D A C R IA Ç Ã O C o m o já vim os, a obra de D eus em relação à existência do m u n d o se divide em duas categorias gerais: a criação e a preservação. Em cada u m a destas, há três áreas de con traste: o A to r (D eu s), os seus atos e o resultad o das suas ações. C o m ecem o s co m os atos de D eus exam inan d o a base teo ló g ica para a criação e preservação divinas. Os A to s de D e u s: C r ia ç ã o e P re s e rv a ç ã o D e acordo co m as referências bíblicas citadas acim a, os atos de D eus são necessários para o m u n d o vir a ser (ex istir), co m o tam b ém para co n tin u a r sendo (existin d o). Ele o tro u xe do nada no passado, e Ele tam b ém o im pede de v o lta r ao nada n o presente. E m ou tras palavras, D eus é a Causa in icial e a C ausa conserv ad ora de tu d o o que existe. D eus foi ativo n a p rodu ção e rep rod u ção da vida. Ele foi op erativo n a geração do m u nd o, e desde en tão Ele te m sido operativo em governar o m u nd o.
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Podemos resum ir os atos de Deus no quadro seguinte:
OS ATOS DE DEUS Criar o Mundo Vir a ser (trazer do nada) C om eçar Produzir Gerar Fazer Originar
Preservar o Mundo Continuar sendo (m antendo do nada) Conservar Reproduzir G overnar Cuidar Operar
Deus como Ator: Causalidade Primária e Secundária Focalizar em Deus co m o A to r em lugar de enfatizair as suas ações revela duas das suas funções distintam ente diferentes em relação ;à criação. E m u m papel, Ele é o Originador da criação, e no o u tro , Ele é o seu 'principal Operador. Ele é a Fon te e o Sustentador do universo. Ele é o C riador e taliibém o C onservador de tudo que é. Deus é, ao m esm o tem po, o P ro d u to r e o Provedor de todos os seres vivos. Estes papéis descrevem o envolvim ento direto de Deus co m o m u n d o em todos os tem pos, do princípio ao fim. Deus tam bém tem alguns papéis indiretos na criação. Ele é a Causa primária d e todas as coisas; Ele tam bém trabalha através das causas secundárias. O que com u m en te nosieferitnos co m o os processos da natureza são, n a realidade, a obra indireta de Deus através -das causas naturais. Nesta capacidade, Deus é a Causa remota, ao passo que asiforças naturais são as causasproximais dos acontecim entos, quer dizer, Deus é a Causa liltuna. mas a natureza é a causa imediata da maioria dos acontecim entos. Deus é o C om andante1original,'mas Ele trabalha através de u m a cadeia de com ando quando age pelas leis naturais. iPodeuios sum ariar a relação entre os dois papéis de Deus: Originador e Operador, da seguinte form a:
Deus como: Operador
-Originador
1'oiite Criador
Sustentador Conservador Provedor
P rodutor
Deus Trabalhando na Criação: Trabalhando como:
Trabalhando por:
Causa prim ária Causa rem ota Causa últim a C om andante original
Causas secundárias Causas proximais Causas imediatas Cadeia de com andos
O SUSTENTO DA CRIAÇÃO
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R e s u lta d o s da A ç ã o de D eu s: In te r v e n ç ã o d ire ta
A ç ã o in d ire ta
Im ediata D escontínua A co ntecim ento único (singularidade)
M ediata C ontínua
Não-observada
Repetição de acontecim entos (regularidades) Observada
A Razão de Deus ser necessário para Sustentar o Universo A causalidade sustentadora de Deus se deriva da própria natu reza da criação. Assim que com preendam os a sua natu reza criada e contingente, entendem os a necessidade da atividade sustentadora in in terru p ta de Deus. A Criação E Contingente A criação é por natu reza contingente; só Deus é u m Ser necessário. C o m o vimos, u m ser contingente é dependente do Ser necessário para que exista. U m a vez u m ser contingente, sem pre u m ser contingente. N enhu m ser contingente pode se to rn ar um Ser necessário, pois u m Ser necessário, por natu reza, não pode vir a ser ou deixar de ser. Se u m Ser necessário existir, tem de necessariam ente existir. E ntretanto , se u m ser contingente sem pre for contingente, então para existir sem pre é dependente de u m Ser necessário. Em n e n h u m m o m en to , não pode mais não ser dependente para a sua existência, assim com o não pode mais deixar de ser u m ser contingente. Os seres dependentes não só são dependentes quando eles vêm a ser (existir); eles são dependentes sem pre que eles são (existem ). Por conseguinte, toda criação, sendo contingente (ou seja, algo que não pode não ser), é em todo tem po dependente para a sua existência. A Criação E um Efeito Ser criatu ra significa ser u m efeito. O Criador é a Causa, e a criatura é o efeito. U m efeito não pode m over-se livrem ente — precisa de u m a causa enqu anto fo r u m efeito, porque se deixasse de ser u m efeito, então seria não-causado. Só D eus Criador é nãocausado. Por conseguinte, a criação co m o efeito de Deus tem de estar em u m estado de ser efetuado em todo m o m en to da sua existência. Em sum a, a existência vem só em um m o m en to n o tem po. P ortanto, se for u m a criatura, então é dependente de u m a Causa em cada m o m en to do seu ser. O R e su lta d o das A çõ e s de D eu s n a C ria ç ã o Não só Deus contin u am en te age sustentando a existência de todas as coisas, m as Ele tam bém está ativo intervindo na criação. Ele é o Sustentad or da criação e o O perador na criação.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Deus age no m undo de dois m odos: por intervenção direta (co m o na criação), e por ação indireta (co m o n a preservação). O prim eiro é u m ato imediato de Deus, e o segundo é u m a ação mediata.' Os atos diretos de Deus são instantâneos; os atos indiretos de Deus envolvem u m processo. Além disso, os atos da criação de Deus foram descontínuos co m o que veio antes: Eles foram ex nihilo (do nada) ou eram de nova (novos em folha). Por exem plo, Ele produziu algo do nada, a vida da não-vida e o racional do não-racional. Estas são descontinuidades medidas por u m a ação direta de Deus. A lém disso, os atos da criação de Deus provocaram eventos de origem únicos, ao passo que os seus atos de preservação envolvem u m a repetição de eventos. U m produziu singularidades, e o o u tro produz regularidades. Os eventos da criação são não-observados hoje, mas a operação de Deus no m undo pode ser vista no presente. Podemos contrastar o resultado das ações de Deus da seguinte m aneira:
RESULTADO DAS AÇÕES DE DEUS Intervenção direta Imediato Instantâneo Descontínuo Evento único (singularidade) Não-observado
Ação indireta Mediato U m processo C ontínuo Repetição de eventos (regularidades) Observado
CIÊNCIA DE ORIGEM VERSUS CIÊNCIA DE OPERAÇÃO As raízes da ciência m od ern a estão firm em ente plantadas na visão cristã da criação. Alfred N orth Whitehead (1861-1947) observou: “A fé na possibilidade da ciência, gerada antecedentem ente para o desenvolvimento da teoria científica m oderna, é u m derivado inconsciente da teologia medieval” (SM W , p. 11). M. B. Foster, escrevendo sobre a origem da ciência m oderna, perguntou: “Qual é a fonte dos elem entos não-gregos que foram im portados para a filosofia pelos filósofos da pós-reform a? [...] [E] qual é a fonte desses elem entos não-gregos na teoria m o d ern a da natureza?” A resposta para a prim eira pergunta é a revelação cristã, e a resposta para a segunda é a doutrina cristã da criação ( “C D C ”, em M, p. 448). A maioria dos primeiros fundadores da ciência m od ern a postulava a criação. Francis Bacon (1561-1626) destacou o m andato da criação em Gênesis 1.28 co m o o ím peto que ele recebeu para a pesquisa científica (NO, 1.129 ad 119). De fato, Galileu (1564-1642), C opérnico (1473-1543), Kepler (1571-1630), Kelvin (1824-1907), N ew ton (1642-1727) e outros viram evidências n a natureza a favor da criação. Depois de estudar o universo cuidadosamente, Isaac New ton concluiu: Não devemos conceber que meras causas mecânicas pudessem dar à luz a tantos movimentos regulares, visto que os cometas percorrem todas as partes dos céus em órbitas muito excêntricas. [...] [Por conseguinte], este belíssimo sistema do sol, planetas e cometas só pode proceder da deliberação e domínio de um Ser inteligente e poderoso. ( “GS”, em MPNP, p. 369)
1 Claro que ocasionalm ente Deus tam bém age sobrenaturalm ente através dos milagres (ver Volum e 1, capítulo 3).
O SUSTENTO DA CRIAÇÃO
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Desde o com eço da ciência m oderna, tem havido a crença em u m Criador (Causa prim ária) que criou o universo e, depois, operou nele através das leis naturais (causas secundárias; ver Geisler e A nderson, OS, capítulo 2). O estudo destes m odos regulares que D eus opera no universo produziu resultados espantosos. Cada vez mais os cientistas estão podendo dar explicações naturais para coisas que antes se acreditava ser o resultado da intervenção sobrenatural direta (ibid., pp. 3, 4). Q uando N ew ton desgarrou-se deste curso, P ierre-Sim on Laplace (1749-1827) o corrigiu da falsa crença de que D eus interveio para corrigir as órbitas elípticas dos planetas. Laplace (e Im m an u el Kant antes dele) ofereceu u m a explicação naturalista para o desenvolvimento do sistem a solar. Jam es H u tton (1726-1797) e Charles Lyell (17971875) explicaram os processos geológicos através de causas naturais à parte da interferência sobrenatural. Mais tarde, Charles D arw in (1809-1882) ofereceu um a explicação natu ral ao surgimento das espécies ( 0 0 5 ) . Pouco a pouco, este sucesso am plam ente aceito para explicar a operação do m u nd o natu ral ofuscou a questão da sua origem últim a. A busca por causas secundárias obscureceu a necessidade de u m a causa prim ária (ver Geisler and A nderson, OS, capítulo 6). O teísm o se degenerou em deísmo e preparou o cam in ho para o ateísm o. Os prim eiros cientistas m odernos não previram que o Criador seria deixado de lado. Na visão deles, a Causa prim ária era necessária d iretam ente (para a origem do universo e dos seres vivos) e indiretam ente (para a operação do m u n d o) através das causas secundárias. Não era a intenção deles que as causas secundárias (naturais) fossem usadas para elim inar a necessidade de u m a Causa prim ária (o Criador), quer n o âm bito das origens, quer na operação do universo. Esqueceram a necessidade dupla de um a Causa prim ária (1) com o a Causa im ediata para a origem do universo e dos seres vivos, e (2) com o o Sustentad or das causas secundárias (m ediatas) da operação do universo. O fracasso em fazer a distinção entre a origem e a operação do universo levou a m uitos enganos no debate contínu o entre os criacionistas e os evolucionistas. Estes afirm am que a m acroevolução é u m fato científico bem estabelecido e que a criação não é científica. E n tretan to , isto confunde dois tipos de ciência: a ciência de origem e a ciência de operação. O ún ico sentido no qual a evolução pode ser cham ada u m “fa to ” é no sentido da mzcroevolução, que quer dizer, claro, m udanças pequenas (d entro de cada espécie) que pode ser observada n o presente. A m icroevolu ção é u m a parte da ciência de operação, porque é acerca de u m processo in in terru p to que pode ser observado no presente, quer dizer, há um padrão regularmente recorrente de eventos contra o qual as nossas opiniões podem ser testadas. Isto é crucial para a ciência de operação. A ciência de origem é diferente. D iferente da ciência de operação, quando trata dos eventos de origem , não há padrão de eventos recorren te regularm ente observável con tra o qual testar as nossas teorias. As origens não são regularidades presentes; elas são singularidades passadas. Por conseguinte, elas não são observáveis. D este m odo, a ciência de origem é mais com o u m a ciência forense que u m a ciência empírica, pois um cientista forense não viu, por exem plo, o assassinato que ele está investigando, n e m pode repeti-lo para observação. Ele usa as evidências restantes com o parte de u m a reconstrução especulativa de u m a singularidade passada não-observada. S in g u larid ad es e o M ilagro so O utra distinção im p ortan te surge da discussão precedente: U m evento de origem , com o a criação do universo, é o resultado de um a ação im ediata, abrupta e descontínua
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
de u m a Causa prim ária (Deus) — é u m a singularidade não-repetida. A criação da vida é u m a intrusão ou intervenção inteligente no m undo inanim ado que não está em continuidade co m o que era antes disto. U m a criação sobrenatural é direta e imediata (ver Volum e 1, capítulo 3): m ove do nada para algo, ou da não-vida para a vida, ou do não-inteligente para o inteligente. E um milagre. Até Darwin acreditou: “A natureza não faz saltos. Mas Deus faz” (citado por Gruber, DAÍ). Agora, este m esm o padrão para eventos milagrosos de origem se m anifesta nos eventos milagrosos desde o tem po das origens. Por exem plo, a encarnação de Cristo foi u m a intervenção direta, abrupta e descontínua de Deus na história hum ana. Pode ser conhecida da m esm a form a que os eventos sobrenaturais da origem são conhecidos, pois tam bém é u m a singularidade não-repetida, não-observada (p or nós) e passada. Sabemos disso exam inando o registro do passado (principalm ente o N ovo Testam ento), pelo qual podem os reconstruir a história do que aconteceu. Assim, a identificação dos eventos milagrosos desde o tem po das origens segue o m esm o procedim ento geral do usado n a ciência de origem (ver Geisler and Anderson, OS, capítulo 6).
Deus dos Intervalos e a Natureza dos Intervalos O m odo que Deus opera regularm ente no m undo é o objeto da ciência de operação, à qual pertence a cosmologia, a geologia, a biologia e a antropologia. As origens destas áreas são objetos da ciência de origem. C ham am -se cosm ogonia, geogenia, biogenia e antrogenia. C om estas distinções em m ente, estamos habilitados a evitar dois extrem os infelizes. De u m lado, certos estudiosos caíram no erro de explicar certas operações anômalas do universo co m o milagres. C om o previam ente aludido, sir Isaac Newton explicou a órbita elíptica regular dos planetas co m o u m a intervenção divina. Mais tarde, PierreSimon Laplace forneceu u m a explicação puram ente n atural para esses fenômenos (SW, 2.4.331). Muitos cristãos primitivos evocaram a intervenção divina para explicar os processos geológicos, mas, tem pos depois, James H u tton e Charles Lyell deram explicações naturais satisfatórias para esses fenôm enos. Antes do tem po de Darwin, m uitos criacionistas aceitavam que todas as espécies eram fixas p or u m ato divino sobrenatural direto. Sem elhantem ente, os terrem otos, m eteoros e vulcões eram explicados com o interrupções divinas da natureza. O engano em cada caso foi aceitar que o funcionam ento natu ralm ente inexplicado da natureza era naturalm ente inexplicável. Este erro foi cham ado o Deus dos Intervalos. C om o já m ostrado, o intervalo não estava realm ente na operação da natureza, mas no entendim ento hum ano disso. Há outro engano igualm ente prejudicial que cham am os o erro da N atureza dos Intervalos, não foi u m a estupidez dos sobrenaturalistas, mas dos naturalistas. Aqui a tendência é não inserir u m a causa sobrenatural nas regularidades do m undo (co m o no Deus dos Intervalos), mas aceitar que sem pre há u m a causa n atural para as singularidades no m undo. Entretanto, não é mais justificável presum ir que sem pre h á u m a causa natural para as regularidades inexplicadas na natureza do que é necessariam ente postular u m a causa sobrenatural direta para as singularidades inexplicadas. De fato, podem os presum ir que u m processo regular contínuo, por sua n atureza, tem u m a causa n atu ral — isto é assim m esm o que não saibamos o que é — e, p ortan to, a falácia do Deus dos Intervalos não tem lugar na ciência de operação. Por ou tro lado, se há u m a singularidade ou origem abrupta e descontínua, então é errado presum ir que tem de ter u m a causa natural. A presunção da Natureza dos Intervalos não tem lugar na ciência de origem.
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A BASE HISTÓRICA PARA DEUS COMO CRIA DOR E SUSTENTADOR DA CRIAÇÃO A doutrina da causalidade conservadora de Deus não se dissipou nos Pais da Igreja. Desde os prim eiros tem pos, eles viram e escreveram sobre a sua im portância.
Os Primeiros Pais da Igreja Falam sobre Deus com o Criador e Sustentador Clemente de Alexandria (150-c. 215) Os céus, revolvendo sob as ordens divinas, estão sujeitos a Ele em paz. Dia e noite percorrem o curso designado por Ele, de modo nenhum impedindo um ao outro. O sol e a lua, com os exércitos das estrelas, giram em harmonia de acordo com o comando divino, dentro dos limites prescritos e sem qualquer divergência. A terra frutífera, de acordo com a vontade divina, produz alimentos em abundância, nas estações próprias, para os homens, os animais e todos os seres vivos que nela há, nunca hesitando, nem mudando as ordenações fixadas por Ele. Os lugares insondáveis dos abismos e os arranjos indescritíveis do mundo inferior estão restritos pelas mesmas leis. [...] O oceano, [que se pensava ser] impassível para os homens e os mundos além, é regulado pelas mesmas representações do Senhor. As estações de primavera, verão, outono e inverno pacificamente dão lugar uns aos outros. Os ventos nas diversas regiões cumprem, no tempo próprio, o serviço sem obstáculo. As fontes sempre correntes, formadas para prazer e saúde, fornecem os peitos sem falta para a vida dos homens. Os menores seres vivos se reúnem em paz e acordo. ( ECC , 1.20, em Roberts e Donaldson, ANF, I) Teófilo (m. 180) De certa forma, como qualquer pessoa, quando vê um navio no mar equipado e em vela aportando, deduzirá indubitavelmente que há um piloto que está pilotando. Assim temos de perceber que Deus é o governador [o piloto] do universo inteiro, embora Ele não seja visível aos olhos carnais, visto que Ele é incompreensível. [...] Pois como a romã, com a casca que a contém, tem dentro de si muitas celas e compartimentos que estão separados por tecidos, e também tem muitas sementes que estão ali, assim a criação inteira está contida pelo Espírito de Deus, e o Espírito restritivo está junto com a criação contido pela mão de Deus. (TA, 1.5, em ibid., II) Irineu (c. 125-c. 202) O Deus que benignamente causa o sol levantar-se sobre todos e envia a chuva sobre j ustos e injustos, julgará os que, desfrutando a sua bondade igualmente distribuída, levou a vida não correspondente com a dignidade da generosidade divina; mas que passaram os dias em libertinagem e prazer, em oposição à benevolência divina, e, além disso, até blasfemaram daquele que concedeu tão grandes benefícios sobre eles. (A H , 3.25.4, em ibid., I) Repetindo, os apóstolos ensinaram os gentios a abandonar paus e pedras vãos que eles imaginaram ser deuses, e adorar o verdadeiro Deus que criara e fizera toda a família humana, e, por meio da sua criação, alimentou, aumentou, fortaleceu e lhes preserva o ser (existência); e que eles poderiam buscar o Filho Jesus Cristo. (AH , 3.53, em ibid., I)
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Os Pais da Igreja Medieval Falaram sobre Deus como Criador e Sustentador E evidente que pensadores cristãos da Idade Média não conceberam a relação de Deus co m o m undo em term os deístas. Mais exatam ente, eles viram Deus co m o o Sustentador ativo de todas as coisas. Agostinho (354-430) Pois ainda que a voz dos profetas estivesse muda, o próprio mundo, através de suas mudanças e movimentos bem regulados, e pelo aparecimento perfeito de todas as coisas visíveis, testemunha de si mesmo que foram criados e que também não teriam sido criados, salvo por Deus, cuja grandeza e beleza são indescritíveis e invisíveis. (CG, 11.4) Portanto, o que não achamos no que é o nosso melhor, não busquemos nEle que de longe é melhor do que aquele melhor nosso; que assim possamos entender Deus, se formos capazes e até tanto quanto formos capazes, tão bons sem qualidade, grandes sem quantidade, um criador embora não lhe falte nada, governando de nenhuma posição, sustentando todas as coisas sem “tê-las", na sua inteireza em todos os lugares, contudo sem lugar, eterno sem tempo, fazendo as coisas que são mutáveis, sem mudança de si mesmo e sem emoção. (OT, 1, p. 160, 161) Anselmo (1033-1109) Considerando que essas coisas que foram criadas vivas foram criadas por outro, e que pelo que elas foram criadas vivem, necessariamente, da mesma maneira que nada foi criado exceto pelo Ser criativo e presente, assim nada vive exceto pela sua presença preservadora. (M, XIII) Além disso: Deste modo, dizemos que Deus faz muitas coisas que Ele não faz, como quando dizemos que Ele nos conduz em tentação, quando Ele não evita a tentação que Ele podia ter evitado, e causa o que não existe, visto que Ele podia fazê-lo que existisse e não pôde. Mas se considerarmos as coisas que vêm a não-existência, veremos que não é Deus que as causa não a existir. Pois não só não há essência que Ele não faça, mas nada que Ele faz pode durar se Ele não o preservar, pois quando Ele deixar de preservar o que Ele fez, não é o caso que Ele torna um ser em não-ser, como se Ele causasse o não-ser, mas só que Ele deixa de causar que exista. E até quando irado, por assim dizer, Ele destrói algo tomando a sua existência, o não-ser não é dEle; quando a causalidade criativa e preservadora de Deus é afastada, a coisa reverte ao não-ser que teve de si mesmo antes que fosse criada e não tem de Deus. Se tu fosses pedir a alguém o manto que tu emprestaste quando ele estava nu, ele não recebe a sua nudez de ti, mas pelo fato de que tu tomas de volta o que é teu, ele reverte à condição que era dele antes que tu o tivesses vestido. (A CM W , p. 195) Tomás de Aquino (1225-1274) Portanto, como o tornar-se de uma coisa não pode continuar quando a ação do agente, que causa a tornar-se do efeito, cessa, assim também o ser de uma coisa não pode continuar depois que a ação do agente, que não só é a causa do efeito em tornar-se, mas também em ser, cessou.
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Resposta à Objeção 4. A conservação das coisas por Deus não é por uma ação nova, mas
pela continuação daquela ação por meio da qual Ele dá a existência, cuja ação é sem movimento ou tempo. Assim também a conservação da luz no ar é pela influência ininterrupta do sol. (ST, la.104.1)
Os Líderes da Reform a Falaram sobre Deus com o Criador e Sustentador Os grandes Reform adores firm am -se na metafísica dos teólogos medievais. Por conseguinte, eles não trataram esses atributos e atividades de Deus de form a extensa e filosófica. No entanto, é evidente que eles as aceitaram . Filipe Melanchton (1497-1560) As nossas igrejas, com consentimento comum, ensinam que o decreto do Concilio de Nicéia concernente à unidade da essência divina e concernente às três Pessoas, é verdade e tem de ser crido sem qualquer dúvida. Quer dizer, há uma essência divina que se chama e que é Deus: eterno, sem corpo, sem partes, de poder infinito, sabedoria e bondade, o Criador e Preservador de todas as coisas, visíveis e invisíveis. (AC, Artigo I) João Calvino (1509-1564) Seria frio e inanimado representar Deus como Criador momentâneo, que completou a sua obra uma vez para sempre e depois a deixou. Aqui, especialmente, temos de divergir dos profanos, e sustentar que a presença do poder divino é evidente, não menos na condição perpétua do mundo do que na sua primeira criação. [...] Para este efeito é a passagem do apóstolo já citada que pela fé entendemos que os mundos foram moldados pela Palavra de Deus (Hb 11.3), porque sem proceder à Providência, não podemos entender a força completa do que significa Deus ser o Criador, quanto seja o que for que podemos compreender isto com a mente e confessar com a língua. A mente carnal, assim que percebe o poder de Deus na criação, pára, e, ao mais distante, pensa e pondera em nada mais que a sabedoria, poder e bondade exibidos pelo Autor de tal obra (matéria que espontaneamente surge, e se força até na notificação dos relutantes), ou em alguma agência geral da qual depende o poder do movimento, exerceu em preservar e governá-la. Em suma, [a incredulidade] imagina que todas as coisas são suficientemente mantidas pela energia divinamente infundida no princípio. Mas a fé tem de penetrar mais profundamente. Depois de ficar sabendo que há um Criador, tem de deduzir em seguida que Ele é também Governador e Preservador, e que, não produzindo um tipo de movimento geral na máquina do globo como também em cada uma das suas partes, mas por providência especial sustentando, apreciando, superintendendo todas as coisas que Ele fez, até às mais insignificantes, até mesmo um pardal. Acerca disto nos reportamos às palavras de nosso Salvador, que Ele e o Pai sempre estiveram em ação desde o princípio (Jo 5.17); também as palavras de Paulo que disse: “Nele vivemos, e nos movemos, e existimos” (At 17.28); também as palavras do autor da epístola aos Hebreus, que, desejando provar a divindade de Cristo, diz que Ele sustenta “todas as coisas pela palavra do seu poder” [Hb 1.3]. (ICR, 1.16.1,4)
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Os Teólogos da Pós-Reforma Falaram sobre Deus como Criador e Sustentador En tre a descendência teológica dos Reform adores, a crença na causalidade atual de Deus do universo foi constantem ente reafirmada. Jonathan Edwards (1703-1758) [Deus] também deve ser de conhecimento infinito, pois se Ele fez todas as coisas, sustenta e governa todas as coisas continuamente, concluímos que Ele sabe e vê perfeitamente todas as coisas, grandes e pequenas, no céu e na terra, continuamente em uma visão; que não pode ser sem compreensão infinita. ( WJE , II, “Seven Sermons” (Sete Sermões), P. 107) Charles Hodge (1797-1878) A criação e preservação diferem. Em primeiro lugar, no que tange a criação ser chamada à existência do que antes não existia; e a preservação está continuando, ou causando a continuar o que já tem um ser. Em segundo lugar, na criação não há e não pode haver cooperação, mas na preservação há um concurso do primeiro, com as segundas causas. (ST, 1, p. 578) A idéia que Deus criaria este universo vasto abundante de vida em todas as suas formas, e não exerceria controle sobre ela, para livrá-la da destruição ou de elaborar nada senão o mal, é totalmente incompatível com a natureza de Deus. (ibid., p. 583) Ele sustenta enquanto cria todas as coisas, pela palavra do seu poder. Como Ele faz isto é inútil indagar. Contanto que não sabemos dizer como movemos os lábios, ou como a mente opera sobre a matéria, ou de que modo a alma está presente e operativa no corpo, requer pouca humildade suprimir a curiosidade ardente de saber como Deus sustenta o universo com todas as multidões de ser e atividade. Portanto, é melhor descansar satisfeito com a declaração simples de que a preservação é a energia onipotente de Deus pela qual todas as coisas criadas, animadas e inanimadas, são mantidas em existência, com todas as propriedades e poderes com que Ele as dotou, (ibid., p. 581) Karl Barth (1886-1968) Da mesma forma que Ele desejou e deu à criatura o tornar-se e o ser, assim Ele deseja e dá à criatura o ser vezes sem conta para continuar sendo. E como Ele a preserva. E Ele a preserva como é adequado que Ele, o Criador, deva perseverar, e que a criatura deva ser preservada por Ele. Ele preserva eternamente. Ele não permite que a sua criação pereça. Ele guarda a fé com a criatura. Mas Ele não a preserva ilimitavelmente, mas dentro dos limites que correspondem à existência pertencente à criatura. O fato que Ele preserva não é exclusivo, mas inclusivo. (CD, parte 3, p. 61) A suapreservação não é menos o ato livre de Deus, porque neste caso Ele age indiretamente e não diretamente. Por conseguinte, não é realmente a criatura que sustenta a criatura. Não é o contexto do todo que garante a continuação do indivíduo, nem é o indivíduo que garante a continuidade do todo. E não pode haver dúvida da criatura sendo capaz de até vicariamente fazer por força própria aquilo que Deus deseja que ela faça. E só Deus que faz tudo para o seu bom-prazer livre, (ibid., p. 65)
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RESUMO E CONCLUSÃO Vem os a atividade de Deus n a criação do m u nd o co m o tam bém na sua preservação. Ele é o Criador e o Sustentad or do universo. D eus não só causa o universo a vir a ser, Ele tam bém o causa a continuar sendo. Ele é Criador e o Sustentad or de todas as coisas. De fato, dois argum entos fam osos estão baseados respectivam ente nestes dois ensinos: O argu m ento cosm ológico “horizo n tal” ( kalam) se baseia n o fato de que o universo teve u m a Causa no princípio (ver Craig, K C Â ), e o argu m ento cosm ológico “v ertical” se baseia no fato de que o universo é contingente e precisa de u m a Causa agora para a sua existência (ver Geisler e C orduan, PR, capítulo 9). A lém disso, D eus é o O riginador e o O perador do universo. A lém de sustentar o universo, D eus está continu am en te ativo operando-o. Os atos de origem são sem pre atos im ediatos de D eus co m o a Causa prim ária. E ntretan to , acerca da operação do universo Deus ordenou que seja continuada pela instrum entalidade das causas secundárias. Estas, cham am os causas naturais ( indiretas), porque elas são regulares, observáveis e previsíveis. Elas são o m eio de D eus operar regularmente no m undo. O ato direto de u m a Causa prim ária é diferente — é o m odo que Deus intervém especialmente no m und o. Estes não são regulares, n e m são atos de D eus previsíveis. Por conseguinte, nós os cham am os sobrenaturais. Estes eventos têm as m esm as características, quer sejam eventos m ilagrosos da criação ou encarnação (ver Lewis, M ). As características distintivas dos eventos naturais são a continuidade, a regularidade e a previsibilidade. N en h u m a destas é verdadeira acerca de u m evento de origem milagrosa. P ortanto, é errado presum ir que Deus intervém diretam ente nos processos naturais contínu os do m u nd o (D eus dos Intervalos). S em elh an tem en te, é errado presum ir que u m evento descontínuo, singular e im previsível de origem ten h a de ter u m evento natu ral (N atureza dos Intervalos). D eus está diretamente envolvido no m undo co m o a Causa sobrenatural para as origens, e indiretamente através das causas secundárias em operação.
FONTES A nselm . Monologium. ______________ . Anselm o f Canterbury: The Major Works.
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C A P Í T U L O
V I N T E
E
DOIS
A TRANSCENDÊNCIA E AIMANÊNCIA DE DEUS NA CRIAÇÃO
A
trscendência e a im anência — duas características de D eus — são u m par natural. Deus é transcend ente acim a da criação e im an en te n a criação, quer dizer, Deus está além (ou fora) do m u nd o e no m u nd o. No prim eiro, o D eus teísta é diferente do panteísm o, e no ú ltim o, Ele é diferente do deísmo (ver V olum e 1, capítulo 2). O deísmo afirm a a transcendência de Deus, mas nega a sua im anência, ao passo que o panteísm o afirm a a im anência de Deus, m as nega a sua transcend ência.1 O teísm o afirm a que Deus é tran scend en te e im anente.
A TRANSCENDÊNCIA DE DEUS A transcendência de D eus acarreta as afirm ações de que Ele está acim a, além , exceto e mais do que o m undo. Esta característica está em contraste, mas não em contradição à sua im anência, pela qual Ele está no m undo. Literalm ente, transcendência significa “estar acim a” ou “além de”. T eologicam ente, refere-se ao fato de que D eus está acim a e além de toda a criação. Portanto, a transcend ência não é u m a característica inerente de Deus, mas é u m a característica relacionai. In eren tem en te, D eus é infin ito, mas em relação ao universo Ele é transcendente.
A BASE BÍBLICA PARA A TRANSCENDÊNCIA DE DEUS A fundam entação bíblica para a transcendência de Deus co m eça no prim eiro versículo e atravessa toda a Bíblia: “No princípio, criou Deus os céus e a terra” (G n 1.1). “Mas, na verdade, habitaria Deus n a terra? Eis que os céus e até o céu dos céus te não poderiam conter, quanto m enos esta casa que eu ten h o edificado” (1 Rs 8.27). “Pode sondar os lim ites do Todo-poderoso? São mais altos que os céus! O que você poderá fazer?” (Jó 11.7,8, N VI). “O Sen h or, S en h o r nosso, quão adm irável é o teu nom e em toda a terra, pois puseste a tua glória sobre os céus!” (SI 8.1). “Sê exaltado, ó Deus, sobre os céus; seja a tua glória sobre toda a te rra ” (SI 57.5). “Pois tu, Sen hor, és o Altíssim o em toda a terra; m u ito mais elevado que todos os deuses” (SI 97.9). “No ano em que m o rreu o rei 1 Há diferença entre o que os panteístas e os teístas querem dizer por “imanência”. Para os teístas, Deus está no m undo, mas não é do m undo. Para os panteístas, Deus é o mundo. O Deus teísta não é o m undo, e Ele não está “no” m undo no sentido de ser identificado com ele. Ele está presente para o m undo e lhe é a Causa sustentadora. C om o já mencionado, o Deus teísta é tão diferente do m undo quanto um artista é da pintura.
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Uzias, eu vi ao Senhor assentado sobre u m alto e sublime trono; e o seu séquito enchia o tem plo” (Is 6.1). “Q uem m ediu co m o seu punho as águas, e tom ou a medida dos céus aos palmos, e recolheu em u m a medida o pó da terra, e pesou os m ontes e os outeiros em balanças?” (Is 40.12). “Porque os m eus pensam entos não são os vossos pensam entos, n em os vossos cam inhos, os m eus cam inhos, diz o Senhor. Porque, assim co m o os céus são mais altos do que a terra, assim são os m eus cam inhos mais altos do que os vossos cam inhos, e os m eus pensam entos, mais altos do que os vossos pensam entos” (Is 55.8,9). “Porque assim diz o Alto e o Sublime, que habita n a eternidade e cujo n om e é Santo” (Is 57.15). “Assim diz o Senhor: O céu é o m eu trono, e a terra, o escabelo dos m eus pés. Que casa m e edificaríeis vós? E que lugar seria o do m eu descanso? Porque a m inh a m ão fez todas estas coisas, e todas estas coisas foram feitas” (Is 66.1,2). “[Há] u m só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos, e em todos” (Ef 4.6). “Ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele” (C l 1.17). E m sum a, Deus está antes, sobre, além e acim a de todas as coisas.
A BASE TEOLÓGICA PARA A TRANSCENDÊNCIA DE DEUS Além da base bíblica para a transcendência de Deus, há fortes bases teológicas. Estas estão ancoradas em três outros atributos ou características de Deus: A sua infinidade, soberania e majestade.
A Transcendência se Segue da Infinidade de Deus Já discutimos a infinidade de Deus (no capítulo 5). Se Deus é infinito e a criação é finita, então Deus tem de transcender toda a criação, pois o infinito está acim a e além do finito. Por conseguinte, Deus está acim a e além da sua criação.
A Transcendência se Segue da Soberania de Deus A transcendência de Deus tam bém pode ser deduzida da sua soberania. A Bíblia ensina que Deus está no controle soberano do universo (ver capítulo 23). O que está no controle de toda a criação tem de estar além (ou fora) de toda a criação, e o que está além de toda a criação é transcendente.
A Transcendência se Segue da Majestade de Deus A majestade de Deus tam bém é a base para a sua transcendência, pois o que tem m ajestade está exaltado além de todos os demais (ver capítulo 10), e o que está exaltado além de todos os demais é transcendente.
A BASE HISTÓRICA PARA A TRANSCENDÊNCIA DE DEUS Deus está acim a e além de todas as coisas, ensino da igreja cristã que desde o início que tem sido essencial.
Os Primeiros Pais da Igreja Falaram sobre a Transcendência de Deus Os primeiros Pais foram enfáticos sobre a transcendência de Deus. Seguindo os antecessores apostólicos, os m estres patrísticos colocaram Deus acim a e além do m undo criado.
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Irineu (c. 125-c. 202) A que distância acima de Deus vós ergueis a imaginação: O vós homens imprudentemente exaltados? Vós ouvis “quem [...] tomou a medida dos céus aos palmos”? [Is 40.12] Dizeime a medida, contai a multidão infinita de côvados, explicai-me a plenitude, a largura, o comprimento, a altura, o começo e o fim da medida, coisas que o coração do homem não entende, nem as compreende. Pois os tesouros divinos são verdadeiramente grandes: Deus não pode ser medido no coração, e Ele é incompreensível na mente. Aquele que sustenta a terra na concha da mão. (AH , 4.19.2, em Roberts e Donaldson, ANF, I) É próprio, portanto, que eu comece com o ser primeiro e mais importante, isto é, Deus Criador, que fez os céus, a terra e todas as coisas que neles há (a quem estes homens nomeiam blasfematoriamente o fruto de um defeito), e demonstre que não há nada acima dEle ou depois dEle, nem que, influenciado por quem quer que seja, senão por livre vontade, Ele criou todas as coisas, visto que Ele é o único Deus, o único Senhor, o único Criador, o único Pai, o único que contém todas as coisas e que Ele mesmo comanda todas as coisas à existência. (AH , 2.1.1, em ibid.) Eles também subvertem a fé de muitos, afastando-os, sob a pretensão de conhecimento [superior], daquele que fundou e adornou o universo; como se, certamente, eles tivessem algo mais excelente e sublime para revelar do que Deus que criou os céus e a terra, e todas as coisas que neles há. (A H , prefácio em ibid.) Não estaremos errados se também afirmamos a mesma coisa relativa à substância da matéria, que Deus a produziu. Porque aprendemos da Bíblia que Deus celebra a supremacia acima de todas as coisas. (A H , 2.28.7, em ibid.) Pápias (Século II) Ele tem de reinar até que ponha todos os inimigos debaixo dos seus pés. O último inimigo que será destruído é a morte. Pois nos tempos do Reino, os justos que estão na terra esquecerão de morrer. Mas quando Ele disse que todas as coisas são colocadas debaixo dEle, é claro que é excluído aquele que colocou todas as coisas debaixo dEle. E quando todas as coisas estiverem subjugadas a Ele, então também o próprio Filho se sujeitará àquele que pôs todas as coisas debaixo dEle, para que Deus seja tudo em todos. (FP, 5, em ibid.) Clemente de Alexandria (150-c. 215) Este discurso com respeito a Deus é muito difícil de lidar. Pois visto que o princípio primeiro de tudo é difícil de descobrir, o princípio absolutamente primeiro e mais antigo que é a causa de todas as outras coisas a ser e tendo sido é difícil exibir. Pois como ser expresso o que não é gênero, nem diferença, nem espécie, nem individual, nem número. Não somente isso, mas nem é evento, nem aquilo ao qual acontece um evento? Ninguém pode corretamente expressá-lo completamente. Pois por causa da sua grandeza Ele está classificado como o Tudo, e é o Pai do universo. (S, 5.12, em ibid., II) Tertuliano (c. 155-c. 225) Esta regra é requerida pela natureza do Deus único-um, que é único-um de nenhum outro modo do que como o Deus exclusivo. E de nenhum outro modo exclusivo, do que como tendo nada mais (co-existente) com Ele. Assim, também Ele será primeiro, porque
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todas as coisas o buscam; e todas as coisas o buscam, porque todas as coisas são por Ele; e todas as coisas são por Ele, porque elas são do nada. (AH , 17, em ibid., III)
Os Pais da Igreja Medieval Falaram sobre a Transcendência de Deus De co m u m acordo, os gigantes da Idade Média afirm aram a transcendência absoluta de Deus. E o fizeram de m uitas maneiras, acentuando a transcendência de Deus p o r Ele ser o Criador de todas as coisas. Agostinho (354-430) Tu dirás que estas coisas são falsas, que, com voz forte, a Verdade me diz em meus ouvidos internos, concernentes à mesma eternidade do Criador, que a sua substância de modo algum mudou com passar do tempo, nem que a sua vontade é separada da sua substância? Portanto, Ele não deseja uma coisa agora e outra depois, mas uma vez e para sempre Ele deseja todas as coisas que Ele deseja; não repetidas vezes, nem ora isto, ora aquilo; nem querendo depois algo que Ele não queria antes, nem não desejando aquilo que antes Ele desejou. Porque tal vontade é mutável, e nenhuma coisa mutável é eterna; mas o nosso Deus é eterno. [...] Além disso, todo o pensamento que varia assim é mutável, e nada mutável é eterno; mas o nosso Deus é eterno. Estas coisas eu resumo e reúno, e acho que o meu Deus, o Deus eterno, que não fez qualquer criatura por qualquer nova vontade, nem que o seu conhecimento sofreu qualquer coisa transitória. (C, 12.15) Anselmo (1033-1109) De todas as coisas que podem ser ditas de algo, poderia ser apropriado à substância de tão maravilhosa natureza como esta? Esta é a pergunta a fazer tão cuidadosamente quanto possível neste momento. Eu ficaria surpreso se achasse qualquer coisa de entre os substantivos e os verbos que aplicamos às coisas criadas do nada que se dissesse meritoriamente sobre a substância que criou tudo. No entanto, temos de ver onde a razão nos leva. [...] Portanto, algo dito da natureza suprema concernente à relação não significa a sua substância. Por conseguinte, o mero fato de que a natureza suprema é maior do que tudo que criou claramente não especifica a sua essência natural. A afirmação “nada era antes do ser supremo” tem de ser considerada da segunda maneira. Não tem de ser entendida com o significado de que houve um tempo quando o ser supremo não existia, e quando nada existia. Pelo contrário, significa que antes do ser supremo não era o caso que havia algo. E o mesmo significado duplo se aplica à afirmação de que nada existirá depois do ser supremo. (A CM W , p. 26, 33) Tomás de Aquino (1225-1274) “Deus está acim a de todas as coisas pela excelência da sua natureza” (ST, la.8.1, ad 1).
Os Líderes da Reforma Falaram sobre a Transcendência de Deus Não houve reform a sobre a n atureza de Deus. Os Reform adores visaram a eclesiologia (o estudo da igreja) e a soteriologia (o estudo da salvação), mas não a teologia propriam ente dita (o estudo de Deus m esm o).
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Martinho Lutero (1483-1546)
Deus não tem de ser excluído ou limitado a qualquer lugar. Ele está em todos os lugares e em nenhuma parte. Se perguntarem se Ele está em todos os lugares somente de acordo com o exercício do seu poder (potentialiter) ou de acordo com a sua essência ( suhstantialiter), eu respondo: Ele está em toda criatura de ambos os modos; pois enquanto a criatura age através do seu atributo (per qualitatem), Deus não age através do seu atributo, mas através da sua essência (essentialiter). (WLS, pp. 543, 544) Jo ã o Calvino (1509-1564)
Porque a nossa fraqueza não pode alcançar a sua altura, qualquer descrição que recebemos dEle tem de ser abaixada à nossa capacidade para que nos seja inteligível. E o modo de abaixar é representá-lo não como Ele realmente é, mas como nós o concebemos. Embora Ele seja incapaz de todo sentimento de perturbação, Ele declara que está irado com os ímpios. Portanto, como quando ouvimos que Deus está irado, não devemos imaginar que haja alguma emoção nEIe, mas considerar o modo de linguagem acomodado aos nossos sentidos. ( 1CR , 1.17.13) Fora, então, com todas as concepções grosseiras que façamos de Deus, pois a sua grandeza em muito excede todas as criaturas, de forma que os céus, a terra, o mar e tudo que eles contêm, por mais vasta que seja a extensão, em comparação a Ele não são nada. (C, sobre Is 40.12)
Os Teólogos da Pós-Reform a Falaram sobre a Transcendência de Deus Os filhos da Reforma mantiveram-se verdadeiros à visão dos seus Pais sobre Deus. Eles também ressaltaram a transcendência absoluta de Deus acima da criação. J a c ó Armímo (1560-1609)
Como devemos enunciar negativamente o modo pelo qual a essência de Deus é e não é preeminentemente espiritual acima da excelência de todas as essências, mesmo dos que são espirituais. Assim seja feito primeiro e imediatamente em uma frase simples: “Ele é [...] sem começo e sem causa externa ou interna” [...] Pois visto que não pode haver avanço no infinitum (pois se houvesse, não haveria essência, nem conhecimento), tem de haver uma essência, acima e antes da qual nenhum outro pode existir: Mas tal essência tem de ser a de Deus; pois, para o que quer que esta essência seja atribuída, será por esse mesmo ato de atribuição ser o próprio Deus. (W JA , 1.437) Francis Turretin (1623-1687)
Dizemos que Deus é infinito em essência de três modos: (1) Originalmente, porque Ele é absolutamente independente, que não tem nem pode ter qualquer coisa anterior ou superior a Ele; (2) formalmente, porque Ele tem uma essência absolutamente infinita (.apeiron); (3) virtualmente, porque a sua atividade não tem esfera finita, nem Ele precisa do concurso de qualquer causa em ação, mas faz todas as coisas como Ele quer. (IET, p. 195) Jonathan Edwards (1703-1758)
Notemos particularmente que, embora sejamos obrigados a conceber algo em Deus como conseqüente e dependente dos outros, e assim algumas coisas pertencentes à natureza e
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vontade divina como a fundação de outros, e assim antes de outros na ordem da natureza: como temos de conceber do conhecimento e santidade de Deus como anterior na ordem da natureza para a sua felicidade; a perfeição da sua compreensão, como a fundação dos seus propósitos e decretos sábios; a santidade da sua natureza, como a causa e razão das suas determinações santas. ( WJE , 1.70) Stephen Charnock (1 6 2 8 - 1 6 8 0 )
Os louvores de uma criatura de Deus são outro tanto abaixo da eminência transcendente de Deus, como a maldade do ser de uma criatura está abaixo da plenitude eterna do Criador. (EAG, 2.109) E tão impossível para a criatura ser o Criador, como para a criatura ter naturalmente a propriedade incomunicável do Criador. Todas as coisas, quer sejam anjos ou homens, foram feitas do nada, e, então, podem desertar; porque a criatura feita do nada não pode ser boa ou essencialmente boa, senão por participação de outro, (ibid., 2.230) Ele é o Senhor soberano, como Ele é o Criador todo-poderoso. A relação de um Criador inteiro induziu a relação de um Deus absoluto. Aquele que dá o ser, o movimento, que é a causa exclusiva do ser de uma coisa que antes não era nada, que não tem nada com que concordar com Ele, nada para ajudá-lo, senão pelo comando do seu poder exclusivo para permanecer em existência, é o Senhor inquestionável e proprietário daquela coisa que não tem dependência senão a Ele; e por este ato da criação, que se estendeu a todas as coisas Ele se tornou o Soberano universal acima de todas as coisas: e os que renunciam à excelência da sua natureza como a fundação do seu governo, facilmente reconhecem a suficiência disto na sua criação atual. O seu domínio de jurisdição é o resultado da criação, (ibid., 2.368) William G. T. Shedd (1820-1894) O ser divino é de uma essência cuja espiritualidade transcende a de todos os outros espíritos, humanos, angelicais ou arcangélicos; até mesmo como a sua imortalidade transcende a dos homens ou anjos. [...] Vemos a natureza transcendente da espiritualidade divina no fato de Ele ser sem forma e sem corpo. “Deus nunca foi visto por alguém” (Jo 1.18). “Porém [...] não vistes semelhança nenhuma” (Dt 4.12). O Espírito infinito não pode ser incluído assim em uma forma quanto a não existir fora dela. O espírito finito pode estar, e em todos os seus graus está encarnado e limitado pelo corpo. (DT, p. 152)
OBJEÇÕES À TRANSCENDÊNCIA DE DEUS Surgem de vários cantos alguns problemas co m o atributo da transcendência de Deus. D eclararem os sucintam ente cada u m co m a devida resposta.
Objeção Um: A Transcendência Torna Deus Incognoscível O prim eiro protesto é sério para os evangélicos, porque, caso seja verdade, então ficamos no ceticismo sobre Deus. Podemos declarar a obj eção assim: U m Deus transcendente é u m Deus com pletam ente outro. Se Ele não fosse com pletam ente outro, então Ele não seria transcendente. Todavia se Deus for com pletam ente ou tro, então não podem os conhecê-lo, pois “com pletam ente ou tro ” significa que Deus não é co m o nós, e não ser co m o a criação é to rn ar tudo que
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falamos dEle u m equívoco (ver Volume 1, capítulo 9). Falar de Deus equivocamente é totalm en te diferente do m od o que Deus é. Portanto, a transcendência to rn a Deus totalm ente incognoscível.
Resposta à O bjeção Um Deus pode ser e é transcen d en te sem ser “c o m p letam en te o u tro ”. H á realm ente u m a diferença infinita en tre o Deus infinito e as criaturas finitas, mas não há falta total de semelhança. Há u m a terceira altern ativa en tre “c o m p letam en te o u tro ” (equívoco) e “com p letam en te o m e sm o ” (u n ív o co ), isto é, há u m a sem elhança (analogia). C om o já foi d em onstrado (n o Volum e 1, capítulo 9), Deus tem de ser sem elhante às criaturas, porque Ele causou a existência delas. U m efeito tem de ser sem elhante à sua causa eficiente, visto que u m a causa não pode dar o que não te m e não pode produzir o que não possui. Deus é Ser, e Ele deu o ser; Ele é Existência, e Ele deu a existência às criaturas; Ele é Pura Realidade, e Ele fez a criação real. C laro que há u m a diferença: As criaturas têm potencialidade, e Deus não. Sem u m a diferença não haveria transcendência.
O bjeção Dois: A Transcendência C oloca Deus Fora de C ontato Conosco U m Deus que esteja bem distante e além do m undo, com o requer a transcendência, está fora de con tato co m a nossa realidade. Ele está tão rem o to quanto a não ser relacionado e descrito. Ele está tão distante quanto a não poder estar próxim o. Ele está tão distante quanto a não poder chegar perto de nós.
Resposta à O bjeção Dois Seja qual for a validade que este argum ento ten h a para outras form as de teísmo, com o o islamísmo ou até o deísmo, não tem para a visão cristã da transcendência de Deus. Há duas razões para isto: (1) a im anência de Deus e (2) a encarnação. Primeiro, Deus não é apenas transcendente; Ele tam bém é im anente (ver mais adiante). E não está só lá em cim a; Ele está aqui embaixo tam bém . Ele não está apenas além de nós, mas Ele está tam bém conosco. Segundo, seja qual for o distanciam ento que se sugira do Deus cristão, ela acaba co m a encarnação, pois em Cristo, Deus se tornou h om em e habitou entre nós. De fato, Ele assumiu a hum anidade e é u m de nós. Ele não está apenas lá em cim a — Ele veio aqui em baixo. Por conseguinte, a objeção de que o Deus do cristianismo está fora de contato com a realidade está, por si só, fora de contato co m a realidade: “Porque não tem os u m sum o sacerdote que não possa com padecer-se das nossas fraquezas; p orém u m que, com o nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado” (Hb 4.15).
O bjeção Três: A Transcendência É C ontraditória à Im anência Ao que parece, a solução para as objeções anteriores cria outra. Admitido que a im anência de Deus com pensa os problemas da sua transcendência, então podem os contestar: C om o Deus pode possuir características contraditórias? C om o Ele pode estar tanto lá em cim a quanto aqui embaixo, tan to além do m undo quanto no m undo ao m esm o tempo? Estes conceitos parecem ser m u tu am en te exclusivos.
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Resposta à Objeção Três E m prim eiro lugar, co m o anteriorm ente detalhado, transcendência e im anência não são atributos intrínsecos de Deus. Mais exatam ente, m o stram a sua relação co m a criação. Por exem plo, Deus é intrinsecam ente infinito (quer haja u m a criação ou não), mas Deus só pode ser transcendente se houver u m a criação sobre a qual ser transcendente. A transcendência e a im anência não são contraditórias. A lei da n ão-contradição estipula que algo só é contraditório quando soa coisas opostas ao m esm o tem po e no m esm o sentido ou relação. Deus é im anente em u m sentido diferente do que Ele é transcendente — a sua transcendência não é a m esm a relação co m o a sua im anência. N a realidade, elas são duas relações diferentes que Deus tem co m o m undo. Além disso, a transcendência e a im anência não são opostos lógicos. Seria u m a contradição se Deus estivesse no universo e não no universo ao m esm o tem po e no m esm o sentido. Não é contraditório dizer que u m a pessoa está na água (co m parte do corp o) e tam bém fora da água (co m o restante do corp o). M elhor ainda, visto que Deus não tem partes, não é contraditório afirm ar que enquanto a m inh a m ente está em m eu cérebro, tam bém está além (fora) dela no sentido de estar vagando pelo universo sem nunca deixar a m inha cabeça. Assim, ainda que haja u m mistério em co m o Deus pode estar além (fora) e dentro do m undo, não h á contradição.
UMA RESPOSTA APROPRIADA À TRANSCENDÊNCIA DE DEUS A transcendência de Deus deve evocar u m senso de temor nas suas criaturas. O Salmo 8.1 diz: “O Senhor, Senhor nosso, quão admirável é o teu nom e em toda a terra, pois puseste a tu a glória sobre os céus!” Tam bém deve provocar u m senso de nossa própria insignificância. O Salmo 48.1 declara: “Grande é o Senhor e m ui digno de louvor na cidade do nosso Deus, no seu m onte santo”. Sem elhantem ente,
derivemos
um
senso de pecaminosidade p o r m editarm os
na
transcendência de Deus. Isaías 6.1-5 proclam ou: “Eu vi ao Senhor assentado sobre u m alto e sublime trono; e o seu séquito enchia o tem plo. [...] E [os serafins] clam avam uns para os outros, dizendo: Santo, Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória. [...] Então, disse eu: ai de m im , que vou perecendo! Porque eu sou u m h om em de lábios im puros e habito no meio de u m povo de im puros lábios; e os m eus olhos viram o rei, o Senhor dos Exércitos!” Além disso, u m senso de submissão deve emergir ao pensarm os sobre a transcendência de Deus. Filipenses 2.9-11 afirma: “Pelo que tam bém Deus o exaltou soberanam ente e lhe deu u m n om e que é sobre todo o n om e, para que ao n om e de Jesus se dobre todo joelho dos que estão nos céus, e n a terra, e debaixo da terra, e tod a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai”. Por fim, u m senso de reverência é aconseqüêncianatural de contem plarm os a transcendência de Deus. Apocalipse 4.11 afirma: “Digno és, Senhor, de receber glória, e honra, e poder, porque tu criaste todas as coisas, e por tua vontade são e foram criadas”.
A IMANÊNCIA DE DEUS A im anência de Deus é o verso da sua transcendência. Na sua relação co m a criação, Deus não só está acim a dela, mas tam bém está nela. Ele está perto e longe. C om o infinito,
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Deus tem de estar além da criação, contudo co m o sua Causa sustentadora Ele tem de estar dentro dela.
A DEFINIÇÃO DA IMANÊNCIA DE DEUS Osignificadoliteraldeim anênciaé “estar dentro” ou “estarpróxim o”.Teologicam ente, a im anência de Deus significa que Ele está dentro ou presente no universo inteiro. A im anência está proxim am ente associada co m a onipresença de Deus (ver capítulo 7), em bora haja u m a distinção entre elas. Pela sua onipresença, Deus estí presente em a toda a criação, m as pela sua im anência, Ele está dentro dela. Entretanto, Deus não está dentro do universo no sentido de fazer parte dela, porque Ele é o Criador e é a sua criação. Ele está dentro do universo co m o a sua Causa sustentadora, mas não no sentido de o universo fazer parte da natureza divina.
A BASE BÍBLICA PARA A IMANÊNCIA DE DEUS A Bíblia fornece abundantes evidências a favor da im anência de Deus. Repetindo: “Para onde m e irei do teu Espírito ou para onde fugirei da tua face? Se subir ao céu, tu aí estás; se fizer no Seol a m inha cam a, eis que tu ali estás tam bém ; se to m ar as asas da alva, se habitar nas extremidades do m ar, até ali a tua m ão m e guiará e a tua destra m e susterá” (SI 139.7-10). “Sou eu apenas Deus de perto, diz o Senhor, e não tam bém Deus de longe? Esconder-se-ia alguém em esconderijos, de m odo que eu não o veja? -— diz o Senhor. Porventura, não encho eu os céus e a terra? — diz o Senhor” (Jr 23.23,24). “Para que buscassem ao Senhor, se, porventura, tateando, o pudessem achar, ainda que não está longe de cada u m de nós porque nele vivemos, e nos m ovem os, e existimos, co m o tam bém alguns dos vossos poetas disseram: Pois somos tam bém sua geração” (A t 17.27,28). “Porquanto o que de Deus se pode con hecer neles se manifesta, porque Deus lho m anifestou” (R m 1.19). “E ele [Jesus] é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele” (C l 1.17). “E não há criatura algum a encoberta diante dele; antes, todas as coisas estão nuas e patentes aos olhos daquele co m quem tem os de tra ta r” (Hb 4.13). “Por causa da tua vontade [de Deus] vieram a existir e foram criadas” (Ap 4.11).
A BASE TEOLÓGICA PARA A IMANÊNCIA DE DEUS A im anência de Deus se deriva de outras verdades teológicas. Duas destas são a sua causalidade sustentadora do universo e a sua infinidade.
A Im anência se Segue da Causalidade de Deus A Bíblia afirma que Deus não só é a Causa originadora, mas também é a Causa sustentadora do universo: “Pelo Filho [...] sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder” (Hb 1.1,3), “e todas as coisas subsistem por ele” (Cl 1.17). C om o vimos, o fato é que todas as criaturas são constantemente dependentes para a sua existência continuada. A dependência ininterrupta exige um a Causa ininterrupta, e a Causa da existência está no cerne de tudo que existe. Portanto, neste sentido Deus está no cerne de tudo que é (existe).
A Im anência se Segue da Infinidade de Deus O que é infinito tem de incluir, de algum m odo, tudo o mais que existe, pois, caso contrário, não seria infinito ou todo-incluído. Dito de ou tro m odo, se Deus não estivesse
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até na m inúscula seção do universo, então haveria u m lugar em que o Ser infinito não estaria. En tretanto, p o r natureza, u m Infinito não pode estar ausente de n enh u m lugar. Por conseguinte, Deus tem de estar no universo todo. Mais adequadamente declarado, não só Deus está dentro do universo, mas o universo está dentro de Deus: “Nele vivemos, e nos m ovem os, e existimos” (A t 17.28). C o m o a Causa últim a eficiente de todas as coisas, Ele não participa no efeito, mas o efeito participa na Causa. Sendo assim, é talvez mais apropriado dizer que o universo está dentro de Deus do que dizer que Deus está dentro do universo, em bora a últim a frase tam bém seja verdadeira.
A BASE HISTÓRICA PARA A IMANÊNCIA DE DEUS Além da base bíblica e teológica para a im anência de Deus, há am plo testem unho na história da igreja primitiva que apóia esta atividade de Deus.
Os Primeiros Pais da Igreja Falaram sobre a Imanência de Deus Desde o com eço do período pós-apostólico, há num erosas referências à im anência de Deus. Assim, a sua transcendência é equilibrada pela sua presença im anente no m undo. Inácio (110 d. C.) Deus está em ação dentro dos crentes. O cristão não tem poder sobre si, mas sempre tem de estar pronto para o serviço de Deus. Agora, este trabalho é de Deus e vosso, quando vós o completardes para a sua glória. Porque eu confio que, pela graça, vós estais preparados para toda boa obra pertinente a Deus. Portanto, conhecendo o vosso amor enérgico da verdade, eu vos exorto por esta breve epístola. (E li, 7, em Roberts e Donaldson, ANF, I) Irineu (c. 125-c. 202) “Agora, que este Deus é o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, tam bém o apóstolo Paulo declarou, [dizendo]: ‘[Há] u m só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e p o r todos, e em todos’ [Ef 4.6]” (AH, 2.3.5, em ibid.). Isto também está claro pelas palavras do Senhor, que verdadeiramente revelou o Filho de Deus aos da circuncisão: “Aquele que os profetas predisseram como Cristo, quer dizer, Ele mesmo se apresentou, que restabelecera a liberdade aos homens, e concedera neles a herança para a incorrupção. E repetindo, os apóstolos ensinaram aos gentios que estes deveriam abandonar paus e pedras vãos que eles imaginaram ser deuses, e adorar o verdadeiro Deus que criara e fizera toda a família humana, e, por meio da sua criação, alimentou, aumentou, fortaleceu e lhes preserva o ser (existência); e que eles poderiam buscar o Filho Jesus Cristo”. (AH, 3.5.3, em ibid.) Atenágoras (Século II) Primeiro, quanto ao nosso não sacrificar: o Formador e Pai deste universo não precisa de sangue, nem do cheiro dos holocaustos, nem da fragrância de flores e incensos, tendo em vista que Ele é a fragrância perfeita, precisando de nada ou de dentro ou de fora.
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[...] Quando sustentamos que Deus é este Formador de todas as coisas, que as preserva a existência e as superintende todas por conhecimento e habilidade administrativa, nós estamos “levantando mãos santas” para Ele. (WA, 13, em ibid., II)
Os Pais da Igreja Medieval Falaram sobre a Im anência de Deus Agostinho (354-430)
A verdade é que todas estas ações e energias pertencem ao único Deus verdadeiro, que é realmente um Deus, que está completamente presente em todos os lugares, não está limitado por fronteira e limite por nenhum obstáculo, é indivisível e imutável, e, pela sua natureza não tem necessidade do céu ou da terra, Ele os enche da sua presença e do seu poder. (CG, 7.30) O que é mais maravilhoso do que o que acontece com relação ao som de nossas vozes e nossas palavras, uma coisa, não seria que passa em um momento? Pois quando falamos, não há lugar para a próxima sílaba senão depois que a precedente deixa de soar; não obstante, se o ouvinte está presente, Ele ouve o todo do que dizemos, e se dois ouvintes estão presentes, ambos ouvem o mesmo, e a cada um deles é o todo; e se uma multidão ouve em silêncio, eles não separam os sons como fatias de pães para serem distribuídos individualmente entre eles, mas tudo que é proferido é dado a todos e para cada um em sua totalidade. Considere isto e diga se não é mais incrível que a permanente Palavra de Deus não deveria realizar no universo o que a transitória palavra do homem realiza no ouvido dos ouvintes, isto é, que como a palavra do homem está presente em sua totalidade para cada um e todos os ouvintes, assim a Palavra de Deus deve estar presente na totalidade do seu ser em todos os lugares e no mesmo momento. (L, 137.2) Anselmo (1033-1109)
A preservação de Deus de todas as coisas manifesta a sua imanência pessoal nelas. Deste modo, dizemos que Deus faz muitas coisas que Ele não faz, como quando dizemos que Ele nos conduz à tentação, quando Ele não evita a tentação que pode evitar, e causar o que não é, visto que Ele pode trazer a ser e não faz. Mas se vós considerais as coisas que passam em não-ser, vós vereis que não é Deus que as causa a não ser. Pois não somente não há essência que Ele não faça, mas nada que Ele faz pode durar se Ele não o preservar, pois quando Ele deixa de preservar o que Ele fez, não é o caso que Ele volte ao que era o ser em não-ser, como se Ele causasse o não-ser, mas só que Ele deixa de causá-lo para ser. E mesmo quando irado, por assim dizer, Ele destrói algo tomando a sua existência, o nãoser não é dEle. Mais exatamente, quando a causalidade criativa e preservadora de Deus é afastada, a coisa reverte ao não-ser que teve de si mesmo antes que fosse criado e não tivesse vindo de Deus. Se vós fósseis pedir para alguém o manto que emprestastes quando Ele estava nu, Ele não recebe a nudez de vós, mas pelo fato de vós tomardes de volta o que é vosso, Ele reverte à condição que era dEle antes que vós o vestísseis. ( A CM W , p. 195) Tomás de Aquino (1225-1274)
Dizemos que Deus está em todas as coisas pela essência, não realmente pela essência das próprias coisas, como se Ele fosse da essência delas; mas pela própria essência dEle; porque a substância dEle está presente em todas as coisas como a causa do ser delas. (ST, la.8.3, ad 1)
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Considerando que Deus é por sua própria essência, os seres criados têm de ser o próprio efeito dEle. Deus causa este efeito nas coisas não só quando elas começam a ser, mas enquanto elas estejam sendo preservadas em ser. Portanto, enquanto uma coisa tenha o ser, Deus deve estar presente nisso, de acordo com o seu modo de ser. Por conseguinte, tem de ser que Deus está em todas as coisas e no mais secreto recôndito, (ibid., la.8.1) Não há ação de um agente, por mais poderoso que seja, que aja à distância, exceto por um meio. Mas pertence ao grande poder de Deus que Ele aja imediatamente em todas as coisas. Por conseguinte, nada está distante dEle, como se pudesse estar em si mesmo e sem Deus. (ibid., la.8.1, ad 3)
Os Pais da Reform a Falaram sobre a Im anência de Deus João Calvino (1509-1564) Fosse frio e inanimado representar Deus como Criador momentâneo que completou o seu trabalho uma vez para sempre e, depois, o deixou. Especialmente, temos aqui que divergir dos profanos, e defender que a presença do poder divino é evidente, não menos na condição perpétua do mundo que em sua primeira criação. (/CR, 1.16.1) Martinho Lute.ro (1483-1546) A palavra “poderoso” não denota poder inativo, como dizemos de um rei temporal que ele é poderoso, embora ele esteja sentado e não esteja fazendo nada. Mas denota um poder enérgico, uma atividade contínua que trabalha e opera sem cessar. Porque Deus não descansa, mas trabalha sem cessar, como Jesus diz em João 5.17: “Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também”. (WL, 3.163, 164)
Os Teólogos da Pós-Reform a Falaram sobre a Im anência de Deus Jonathan Edwards (1703-1758) E muito evidente pelas obras de Deus que o seu entendimento e poder são infinitos, pois aquele que fez todas as coisas do nada, e sustenta, governa e administra todas as coisas a cada instante, em todas as eras, sem ficar cansado, tem de ser de poder infinito. (WJE, 2.107) Nas ordenações divinas, as pessoas têm relacionamento imediato com Deus, quer referindose a Ele, como na oração e cântico de louvores, quer recebendo dEle. (ibid., 2.186) Stephen Charnock (1628-1680) Este poder é ordinariamente dividido em absoluto e ordenado. Poder absoluto é o poder por meio do qual Deus pode fazer o que Ele quer fazer, mas é possível de ser feito. Poder ordenado é o poder por meio do que Deus faz o que Ele decretou fazer, quer dizer, o que Ele ordenou ou designou que fosse feito; que não são poderes distintos, mas um e o mesmo poder. O seu poder ordenado é uma parte do seu poder absoluto, pois se Ele não tivesse um poder para fazer toda coisa que Ele pode fazer, Ele poderia não ter o poder para fazer tudo que Ele quer fazer. O objeto do seu poder absoluto é que todas as coisas são possíveis. Tais coisas que não insinuam contradição, tais que por natureza não são repugnantes de serem feitas, e como não são contrárias à natureza e perfeição de Deus que sejam feitas. (EAG, 2.12)
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R. L. Dabney (1820-1898) Mais uma vez, devemos conceber o poder de Deus como principalmente imediato, ou seja, a sua volição simples é a sua efetuação; e nenhum meio se interpõe entre a vontade e o efeito. A nossa vontade opera no mundo externo por nossos membros; e estes, por implementos, ainda mais externos. Mas Deus não tem membros, de forma que temos de conceber que a sua vontade produz os efeitos nos objetos tão imediatamente quanto a nossa vontade produz em nossos membros físicos. Além disso, o primeiro esforço do poder de Deus tem de ter sido imediato, pois no princípio nada existia que servisse de meio. A imutabilidade de Deus nos garante que o poder de tão ação não lhe é perdido. A atribuição de tal poder imediato a Deus não nega que Ele também aja por “causas segundas”. ( LST , p. 47) William G. T. Shedd (1820-1894) Ainda que haja esta transcendência na espiritualidade de Deus, também há uma semelhança entre o Infinito e o espírito finito. A mente invisível, imortal e inteligente do homem é de tipo semelhante à natureza divina, embora infinitamente abaixo no grau de excelência. (DT, p. 155) Charles Hodge (1797-1878) A infinidade de Deus, no que diz respeito ao espaço, inclui a sua imensidão e a sua onipresença. Estes não são atributos diferentes, mas um e o mesmo atributo, visto sob aspectos diferentes. A sua imensidão é a infinidade do seu ser, vista como pertencente à sua natureza desde a eternidade. Ele enche a imensidão com a sua presença. A sua onipresença é a infinidade do seu ser, vista em relação às suas criaturas. Ele está igualmente presente com todas as criaturas, a toda hora e em todos os lugares. Ele não está longe de nenhum de nós. Podemos dizer: “O Senhor está neste lugar”, com verdade e confiança igual, em todos os lugares. (ST, pp. 383, 384) J . I. Packer O salmista medita na natureza infinita e ilimitada da presença, conhecimento, poder de Deus em relação às pessoas. Nós sempre estamos na presença de Deus, diz ele. Você pode se separar dos seres humanos, mas não pode ficar longe do Criador. (KG, p. 85)
OBJEÇÕES À IMANÊNCIA DE DEUS Duas objeções primárias se apresentam aqui. Primeiro, co m o pode Deus estar dentro e fora do universo? Segundo, co m o pode Deus estar no universo sem ser limitado?
O bjeção Um: Baseada na Suposta Identidade de Deus com o Universo Esta objeção alega que Deus não pode estar no universo sem ser limitado, pois tudo que está dentro de algo está limitado por ele. “D entro” denota estar cercado por certos limites, e tudo que está limitado assim é finito. Não obstante, Deus não é finito. Por conseguinte, Ele não pode estar dentro do universo.
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Resposta à Objeção Um Deus está no universo, mas não é dele. Considerando que Deus é indivisível (ver capítulo 2), não m enos do que Deus tem de estar em todos os lugares que Ele está. Tudo de Deus está em todos os lugares, m as n en h u m a parte de Deus está em qualquer lugar (visto que Ele não tem partes). Portanto, seja em qual for o sentido que Deus esteja “n o ” universo, Ele está com o seu Ser inteiro, que é infinito. Além disso, o sentido no qual Deus está “n o ” universo não é ontológico, m as relacionai. Ele está no universo co m o a sua Causa sustentadora e infinita, e não co m o fazendo parte do efeito. Portanto, Deus está presente no universo inteiro, e a sua presença é infinita, não finita. Ele está presente com o a sua Causa infinita e sustentadora, mas não co m o parte de u m efeito finito. E, com o já observamos, o universo está realm ente em Deus, visto que é finito e Deus é a sua Causa infinita (cf. A t 17.28).
Objeção Dois: Baseada na Limitação O universo é limitado, co m o é todo espaço nele. Portanto, se Deus estiver no universo, então Ele tem de ser limitado, pois o único m odo de algo estar em u m lugar limitado é de m od o limitado.
Resposta à Objeção Dois O universo é limitado, mas Deus não é. Deus está “n o ” universo do único m odo que u m Ser ilimitado pode estar: Ele não está co m o fazendo parte do efeito, mas co m o sendo a sua Causa. A Causa é ilimitada, e o universo é limitado. A Causa está causando o efeito, m as o transcende, em vez de fazer parte do efeito. E mais útil falar que o universo está em Deus, co m o fala a Bíblia: “Nele vivemos, e nos m ovem os, e existimos” (A t 17.28). O universo está em Deus do m od o em que u m a causa está no seu efeito, e u m a causa transcende o seu efeito. E porque Deus transcende o universo em que Ele está que Ele pode ser infinito, ao passo que no que Ele está é só finito. Considerando que Deus é u m Ser simples, Ele não pode estar em parte em algum lugar — tudo dEle tem de estar em todos os lugares. Portanto, tudo de Deus está em tudo do universo: 0 Deus infinito está presente em cada espaço finito. Isto não lim ita Deus, porquanto Ele está presente no universo, Ele não faz parte dele. C om o a m ente que está presente em toda parte do cérebro sem fazer parte do cérebro, assim tam bém Deus está no universo sem fazer parte dele.
RESUMO A transcendência e a im anência de Deus são características com plem entares, cada um a manifestando u m a relação diferente co m a criação. Deus é transcendente sobre a criação e im anente na criação. Na prim eira característica, Ele é distinto do panteísmo, e na últim a, Ele é diferente do deísmo. Ambos os atributos estão firm em ente baseados na Bíblia, no raciocínio sadio e na história da teologia cristã.
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FO N T ES Anselm . Anselm o f Canterhury: The Major Works. Aquinas, Thom as. Summa Theologica. [Edição brasileira: Tomás de Aquino. Suma Teológica: o Mistério da Encarnação (São Paulo: Loyola, 2001).] Arminius, Jacob. The Writings o f James Arminius. Athenagoras. “Writings o f A thenagoras”, in: Roberts and Donaldson, The Ante-Nicene Fathers. Augustine. The City o f God. [Edição brasileira: Agostinho. A Cidade de Deus (Petrópolis: Vozes, 2000).] ______________ . Confessions. [Edição brasileira: Agostinho. Confissões (São Paulo: Paulus,
1997).] _____________ . “Letters”, in: Schaff, The Nicene and Post-Nicene Fathers. Calvin, John. Calvins New Testament Commentaries. ______________ . Institutes o f the Christian Religion. [Edição brasileira: João Calvino. A s Institutas
da Religião Cristã (São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1995).] C harnock, Stephen. The Existence and Attributes o f God. C lem ent of Alexandria. “Stromata (Miscellanies)”, in: Roberts and Donaldson, The AnteNicene Fathers. Dabney, Robert L. Lectures in Systematic Theology. Edwards, Jonathan. The Works o f Jonathan Edwards. Hodge, Charles. Systematic Theology. [Edição brasileira: Teologia Sistemática (São Paulo: Hagnos, 2001).] Ignatius. “Epistle o f Ignatius to Polycarp”, in: Roberts and Donaldson, The Ante-Nicene Fathers. Irenaeus. “Against Heresies”, in: Roberts and Donaldson, The Ante-Nicene Fathers. Luther, M artin. What Luther Says. ______________ . The Works o f Luther. Packer, J. I. Knowing God. [Edição Brasileira: O Conhecimento de Deus (São Paulo: M undo Cristão, 2005).] Papias. “Fragm ents o f Papias”, in: Roberts and Donaldson, The Ante-Nicene Fathers. Roberts, Alexander, and James Donaldson. The Ante-Nicene Fathers. Shedd, William G. T. Dogmatic Theology. Tertullian. “Against H erm ogenes”, in: Roberts and Donaldson, The Ante-Nicene Fathers. Turretin, Francis. Institutes ofElenctic Theology.
CAPITULO
VINTE
E TRES
A SOBERANIA DE DEUS NA CRIAÇÃO
T
ecnicam ente, soberania não é u m atributo de Deus, mas u m a atividade de Deus em
relação ao universo. Soberania é o controle de Deus sobre a criação, tratando do seu governo sobre ela. Soberania é a regência de Deus sobre toda a realidade. Devemos distinguir a soberania das outras atividades correlatas de Deus. Criação e preservação são as condições do controle de Deus sobre todas as coisas. Pela obra da criação,
a criação veio à existência, e pela obra da preservação, ela continua existindo. Sem estas, não haveria criação sobre a qual Deus ser soberano. Mais tecnicam ente, domínio é o controle de Deus sobre todas as coisas; providência (veja capítulo 24) é o meio pelo qual Deus está no controle de tudo; e soberania é o direito de Deus de con trolar todas as coisas.
O SIGNIFICADO DA SOBERANIA (GOVERNO) DE DEUS Neste capítulo, porém , apresentarem os a soberania não simplesmente com o o direito de Deus de controlar tudo, mas tam bém co m o o seu dom ínio soberano vigente sobre todas as coisas. Em geral, soberania (governo) significa “estar no controle de” ou “estar encarregado de”. Teologicam ente, soberania se refere ao controle com pleto de Deus de todas as coisas. A Confissão de Fé de W estm inster declara; “Deus, desde toda a eternidade, pelo mais sábio e santo conselho da sua própria vontade, livre e im utavelm ente, ordenou seja o que for que sucedesse” (capítulo III).
A BASE BÍBLICA PARA A SOBERANIA DE DEUS A soberania de Deus se baseia em outros dos seus atributos, sobretudo a onipotência, a onibenevolência, a onisciência e a onissapiência. Considerando que Deus é Todopoderoso, Todo-bom , T odo-conhecedor e Todo-sábio, Ele sabe a m elhor coisa a fazer e tem o poder para fazer. Além disso, visto que Deus é antes de todas as coisas, criou todas as coisas, sustenta todas as coisas, está acim a de todas as coisas, e possui todas as coisas, Ele é o soberano legítimo de todas as coisas.
Deus E antes de todas as Coisas Deus “é antes de todas as coisas” (C l 1.17). “No princípio [...] D eus” (Gn 1.1). Antes que houvesse qualquer coisa, Deus existia. Moisés escreveu: “De eternidade a eternidade, tu és Deus” (SI 90.2). Ele é cham ado “o Prim eiro” (Ap 22.13); “o Princípio” (Ap 21.6); e “o
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Alfa” (Ap 1.8). Repetidam ente, a Bíblia fala que Deus é “antes da criação do m u n d o” (Jo 17.24; cf. M t 13.35; 25.34; Ap 13.8; 17.8). Deus não só era antes de todas as coisas, mas Ele estava lá “antes dos tem pos eternos” (2 T m 1.9). Na realidade, Deus trou xe o tem po à existência quando “fez o universo” (literalm ente, “as eras” — Hb 1.2). Deus é “o único que é im o rtal” (1 T m 6.16, NTLH); recebem os a im ortalidade co m o u m presente (R m 2.7; 1 Co 15.53; 2 T m 1.10).
Deus Produz todas as Coisas Deus não só é antes de todas as coisas, mas Ele tam bém produziu todas as coisas. “No princípio, criou Deus os céus e a terra” (G n 1.1). “Todas as coisas foram feitas p o r ele [Jesus], e sem ele nada do que foi feito se fez” (Jo 1.3). “Porque nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dom inações, sejam principados, sejam potestades; tudo foi criado por ele e para ele” (C l 1.16).
Deus Sustenta todas as Coisas A lém disso, Deus tam bém sustenta todas as coisas. Hebreus declara que Deus está sustentando todas as coisas “pela palavra do seu poder” (Hb 1.3). Paulo acrescenta: “Ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele” (Cl 1.17). João inform a que Deus não só trou xe todas as coisas à existência, mas que Ele tam bém as m an tém em existência: “Tu criaste todas as coisas, e por tua vontade são e foram criadas” (Ap 4.11). Paulo diz que há “u m só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós p o r ele” (1 Co 8.6; cf. R m 11.36). Hebreus afirma que “convinha que aquele, para quem são todas as coisas e mediante quem tudo existe, trazendo m uitos filhos à glória, consagrasse, pelas aflições, o Príncipe da salvação deles” (Hb 2.10).
Deus Transcende todas as Coisas O Deus que é antes de todas as coisas que Ele criou, e que está sustentando todas as coisas, tam bém está acim a de todas as coisas, Ele é transcendente. O apóstolo afirmou que há “u m só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos, e em todos” (Ef 4.6). O salmista declarou: “O Senhor, Senhor nosso, quão admirável é o teu n om e em toda a terra, pois puseste a tu a glória sobre os céus!” (SI 8.1). “Sê exaltado, ó Deus, sobre os céus; seja a tua glória sobre toda a terra” (SI 57.5). “Pois tu, Senhor, és o Altíssimo em toda a terra; m uito mais elevado que todos os deuses” (SI 97.9; cf. SI 108.5).
Deus Sabe todas as Coisas Além do mais, o Deus da Bíblia é onisciente (veja capítulo 8). Numerosas passagens bíblicas deixam claro que Deus é Todo-conhecedor. O salmista declarou: “Grande é o nosso Senhor e de grande poder; o seu entendimento é infinito” (SI 147.5, grifos meus). Deus conhece “o fim desde o princípio” (Is 46.10). Ele conhece os próprios segredos do nosso coração. O salmista confessou: “Sem que haja um a palavra n a minha língua, eis que, ó Senhor, tudo conheces. Tal ciência é para m im maravilhosíssima; tão alta, que não a posso atingir” (SI 139.4,6). De fato, “não há criatura alguma encoberta diante dele; antes, todas as coisas estão nuas e patentes aos olhos daquele co m quem temos de tratar” (Hb 4.13). O apóstolo exclamou: “O profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, com o da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos!” (R m 11.33).
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Até os eleitos foram conhecidos por Deus (1 Pe 1.2) desde antes da fundação do m undo (Ef 1.4). Pelo seu conhecim ento ilimitado, Ele pode predizer o curso exato da história h um ana (D n 2 e 7), e conhece o n om e das pessoas gerações antes de elas nascerem (cf. Is 45.1). Temos o registro de quase duzentas profecias dadas por Deus acerca do Messias, e n en h u m a delas falhou. Deus conhece todas as coisas — passado, presente e futuro.
Deus Pode Fazer todas as Coisas A lém disso, Deus é Todo-poderoso. Ele não só conhece todas as coisas eterna e im utavelm ente, mas Ele tam bém pode fazer todas as coisas. Antes de fazer u m grande milagre, Ele disse a Abraão: “Haveria coisa algum a difícil ao Senhor?” (G n 18.14). De fato, “a Deus tudo é possível” (M t 19.26). Deus é literalm ente onipotente. Ele é infinito (não-lim itado) no seu conhecim ento, e tam bém infinito no seu poder. Ele declarou: “Acaso, seria qualquer coisa maravilhosa demais para m im ?” (Jr 32.27). Que o poder de Deus é sobrenatural, é um a verdade evidenciada pelos milagres que Ele execu ta que afetam profundam ente as forças da natureza. Jesus, co m o Filho de Deus, andou sobre as águas (Jo 6.19), acalm ou a tem pestade (M t 8.23-27), e até ressuscitou os m ortos (Jo 11.38-45). Além disso, o poder onipotente de Deus se manifesta no fato de Ele ter criado o m undo do nada. Ele falou e as coisas vieram à existência (G n 1.3,6,9,11). Paulo o descreveu co m o o “Deus, que disse que das trevas resplandecesse a luz” (2 Co 4.6). È claro que, com o vimos, Deus não pode fazer o que é realm ente impossível de fazer. Considerando que é impossível para Deus fazer coisas contrárias à sua n atureza im utável, é com preensível que Ele não possa fazer algum a coisa contraditória. A Bíblia diz: “Deus [...] não pode m en tir” (T t 1.2), pois “é impossível que Deus m inta” (FIb 6.18). “Aquele que é a Força de Israel não m ente nem se arrepende; porquanto não é u m h om em , para que se arrependa” (1 Sm 15.29). Por exem plo, Deus não pode criar ou tro Deus igual a Ele. E literalm ente impossível criar ou tro ser que seja não criado. Só há u m Criador incriado (D t 6.4; Is 45.18); tudo o mais é criatura. Portanto, Deus pode fazer tudo que é possível fazer. Não há limites para o seu poder, exceto no que é consistente co m a sua natureza ilimitada. Ele pode fazer qualquer coisa que não envolva um a contradição. Em num erosas passagens bíblicas, lemos que Ele é o “Todo-poderoso” (p or exem plo, Gn 17.1; E x 6.3; N m 24.4; Jó 5.17). Ele tem toda a forç-a ou poder que há para ter.
Deus Possui todas as Coisas Considerando que Deus criou este universo, Ele é o seu dono legítimo. Davi afirmou: “Do Senhor é a terra e a sua plenitude, o m undo e aqueles que nele habitam ” (SI 24.1). Deus declarou: “M eu é todo animal da selva e as alimárias sobre milhares de m ontanhas” (SI 50.10). Salom ão acrescentou: “Porque quem sou eu, e quem é o m eu povo, que tivéssemos poder para tão voluntariam ente dar semelhantes coisas? Porque tudo vem de ti, e da tua m ão to dam os” (1 C r 29.14). O apóstolo Paulo afirmou: “Não sois de vós m esm os” (1 Co 6.19). Tiago acrescentou: “Toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não h á m udança, nem som bra de variação” (T g 1.17). E levando em conta que Deus dá vida, Ele tem o direito de tom á-la: “Vede, agora, que eu, eu o sou, e mais nenh u m deus com igo; eu m ato e eu faço viver; eu firo e eu saro” (D t 32.39).
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Deus Rege sobre todas as Coisas É porque Deus é o Criador Todo-poderoso e Todo-sábio de todas as coisas que Ele pode reger sobre tudo. De muitas formas, a Bíblia afirma a soberania de Deus. Da m esm a m aneira que todo soberano con trola o seu dom ínio, assim o Regente do universo governa a sua criação. A visão que Isaías teve de Deus foi de u m Rei celestial, cujo séquito enchia o Templo (Is 6.1). Jeová é cham ado “o grande Rei” (SI 48.2), o seu reinado é eterno, porque “o Senhor se assenta com o Rei perpetuam ente” (Sl 29.10). Ele é o rei sobre toda a terra, porque “o Senhor é Rei eterno; da sua terra serão desarraigados os gentios” (Sl 10.16). Ele tam bém é o Rei Todo-poderoso: “Q uem é este Rei da Glória? O Senhor forte e poderoso, o Senhor poderoso na gu erra” (Sl 24.8). C o m o tal, Deus rege sobre todas as coisas: “Tua é, Senhor, a magnificência, e o poder, e a honra, e a vitória, e a majestade; porque teu é tudo quanto há nos céus e na terra; teu é, Senhor, o reino, e tu te exaltaste sobre todos com o chefe. E riquezas e glória vêm de diante de ti, e tu dominas sobre tu d o ” (1 C r 29.11,12).
Deus Está no Controle de todas as Coisas Deus não só to m a conta de todas as coisas, mas Ele tam bém está no controle de todas as coisas — nada acontece sem a vontade de Deus. Jó confessou a Deus: “Bem sei eu que tudo podes, e n en h u m dos teus pensam entos pode ser impedido” (Jó 42.2). O salmista acrescentou: “Mas o nosso Deus está nos céus e faz tudo o que lhe apraz” (Sl 115.3). Repetindo, “tudo o que o Senhor quis, Ele o fez, nos céus e n a terra, nos m ares e em todos os abismos” (Sl 135.6). Os Reis Terrenos Estão sob o Controle de Deus O grande rei Salom ão reconheceu: “C o m o ribeiros de águas, assim é o coração do rei na m ão do Senhor; a tudo quanto quer o inclina” (Pv 21.1). Deus é o Soberano sobre todos os soberanos. É o “REI DOS REIS E SENHOR DOS SENHORES” (Ap 19.16). Não há nada que o poder humano faça que não seja feito sob o poder de Deus. Os Acontecimentos Humanos Estão sob o Controle de Deus Deus não só con trola o coração dos reis, Ele ordena o curso da história antes m esm o de acontecer, co m o Ele predisse por Daniel os grandes reinos mundiais da Babilônia, Medo-Pérsia, G récia e R om a (D n 2 e 7). De fato, o poderoso N abucodonosor aprendeu da pior m aneira que “o Altíssimo tem dom ínio sobre os reinos dos hom ens; e os dá a quem quer e até ao mais baixo dos hom ens constitui sobre eles” (D n 4.17). “O Senhor dos Exércitos jurou, dizendo: C om o pensei, assim sucederá; e, co m o determ inei, assim se efetuará. Porque o Senhor dos Exércitos o determ inou; quem pois o invalidará? E a sua m ão estendida está; quem , pois, a fará voltar atrás?” (Is 14.24,27). Repetindo, “assim será a palavra que sair da m inh a boca; ela não voltará para m im vazia; antes, fará o que m e apraz e prosperará naquilo para que a enviei” (Is 55.11). Os Anjos Bons Estão sob o Controle de Deus
Deus não só rege no âm bito visível, com o tam bém no âm bito invisível. Ele “é superior a todas as coisas criadas” (NTLH), inclusive “visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dom inações, sejam principados, sejam potestades” (C l 1.15,16). Os
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an jos c o m p a r e c e m d ian te do tr o n o de D eu s p a ra re ce b e r o rd e n s e o b e d e ce r (1 Rs 2 2 .19-23; Jó 1.6; 2 .1 ) e c o n s ta n te m e n te a d o ra m a D eu s (N e 9 .6 ). D e fa to , eles são p o sicio n ad o s d ian te do tr o n o , e “n ã o d e sca n sa m n e m de dia n e m de n o ite, dizen d o: S an to , S a n to , S a n to é o S e n h o r D eu s, o T o d o -p o d e ro so , q u e era, e que é, e q u e h á de v ir” (A p 4 .8 ). Os Anjos M aus Estão sob o Controle de Deus O d o m ín io so b e ra n o de D eu s ab ran g e n ã o só os an jo s b ons, m a s ta m b é m as livres esco lh as dos an jo s m a u s (E f 1.21). U m dia, eles ta m b é m se c u rv a rã o d ian te do tr o n o de D eu s e m su jeição to ta l a E le, pois “ao n o m e de Jesus se d o b re to d o jo e lh o dos q ue estã o n os céu s, e n a te rra , e d ebaixo da t e r r a [os espíritos m alig n o s], e to d a lín g u a con fesse que Jesus C risto é o S e n h o r, p a ra g ló ria de D eu s Pai” (Fp 2 .1 0 ,1 1 ). R e a lm e n te , os espíritos m a lig n o s fo ra m en viad os do p ró p rio tr o n o de D eu s p a ra e n g a n a r o rei A cab e: Vi o S e n h o r assentado sobre o seu tro n o , e tod o o ex ército do céu estava ju n to a ele, à sua m ão d ireita e à sua esquerda. E disse o S e n h o r: Q u e m in d u zirá Acabe, a que su ba e caia em R a m o te-G ile a d eí E u m dizia desta m an eira, e o u tro , de o u tra. E n tão, saiu u m esp írito, e se a p resen tou d iante do S e n h o r, e disse: E u o ind uzirei. E o S e n h o r lh e disse: C o m quê? E disse ele: E u sairei e serei u m esp írito da m e n tira n a b o ca de tod os os seus profetas. E ele disse: T u o induzirás e ainda prevalecerás; sai e faze assim (1 Rs 22.19-22).
Satanás Está sob o Controle de Deus
A té S atan ás veio e n tre os an jo s bons d ian te do tr o n o de D eu s, c o n fo rm e v e m o s n o livro de Jó (Jó 1.6; 2 .1 ). O seu desejo e ra acab ar c o m Jó, m a s D eu s n ão o p e rm itiu . S atan ás re c la m o u , d izen d o: “P o rv e n tu ra , n ã o o ce rc a ste tu de bens a ele, e a sua casa, e a tu d o q u an to tem ? A o b ra de suas m ã o s a b en ço aste, e o seu g ad o está a u m e n ta d o n a te r r a ” (Jó 1.10). D eu s te m p o d e r p a ra p re n d e r S atan ás a h o r a que Ele quiser, e Ele o fará, p re n d e n d o -o d u ra n te m il an os (A p 20 .2 ). Os d em ô n io s do Diabo, que ca íra m c o m ele (A p 12.9; Judas 6), sabem que eles serão fin alm en te co n d en ad o s. Eles g rita ra m c o m Jesus: “Q u e te m o s nós co n tig o , ó Filho de D eus! Vieste aqui a to rm e n ta r-n o s antes de te m p o ?” (M t 8.29, A R A ). N o C alvário, Jesus d e rro to u Satanás: “E, despojando os p rincipados e potestad es, os expôs p u b licam e n te e deles triu n fo u e m si m e s m o ” (C l 2.15). O p ró p rio Diabo “[sabe] que já te m p o u c o te m p o ” (A p 12.12), e, e m b o ra ele esteja so lto e vagan do p ela te r ra ag o ra (1 Pe 5.8), ele está firm e m e n te re strito pela m ã o so b eran a de D eus. C risto veio “p a ra q ue, p ela m o r te , aniquilasse o que tin h a o im p é rio da m o r te , isto é, o d iab o” (H b 2 .1 4 ). Jo ã o disse q u e “p a ra isto o Filh o de D eu s se m a n ife sto u : p a ra desfazer as ob ras do d iab o” (1 Jo 3 .8 ). Jo ão ta m b é m p red iz q u e “o diabo, que os en g an av a, foi la n ça d o n o lago de fo g o e e n x o fre , o n d e está a b esta e o falso p ro feta; e de dia e de n o ite serão a to rm e n ta d o s p a ra to d o o s e m p re ” (A p 20.1 0 ). A s Decisões Humanas Estão sob o Controle de Deus
A Bíblia a firm a q u e D eus e stá n o c o n tro le so b e ra n o de tu d o q u e e s co lh e m o s, até m e s m o a salv ação : “N ele, digo, e m q u e m ta m b é m fo m o s feitos h e ra n ça ,
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h av en d o sido p red estin ad o s c o n fo rm e o p ro p ó sito d aq u ele q u e faz to d as as coisas, seg u n d o o c o n s e lh o d a su a v o n ta d e ” (E f 1.11). “P o rq u e os q ue dantes c o n h e c e u , ta m b é m os p re d e stin o u p a ra s e re m c o n fo rm e s à im a g e m d e seu Filh o , a fim d e q u e ele seja o p rim o g ê n ito e n tre m u ito s irm ã o s. E aos q u e p re d e stin o u , a esses ta m b é m c h a m o u ; e aos q u e c h a m o u , a esses ta m b é m ju stifico u ; e aos q u e ju stifico u , a esses ta m b é m g lo rific o u ” (R m 8 .2 9 ,3 0 ). D e a c o rd o c o m Paulo, D eu s “n os eleg eu n ele an tes d a fu n d a çã o d o m u n d o ” (E f 1.4). F a la n d o de Jesus, P ed ro disse aos ju d eu s: “A este q ue vo s foi e n tre g u e p e lo d e te rm in a d o co n se lh o e p resciên cia de D eu s, to m a n d o -o vós, o cru cificastes e m a ta ste s pelas m ã o s de in ju s to s ” (A t 2 .2 3 ). O u tro s v e rsícu lo s c o n f ir m a m as a çõ e s de D eu s e n v o lv e n d o a v o n ta d e h u m a n a , a té n o q u e diz re sp e ito à s a lv a çã o . Jo ã o d e c la ro u q u e s o m o s “filhos d e D e u s ”, os quais “n ã o n a s c e r a m d o s a n g u e , n e m d a v o n ta d e d a c a r n e , n e m d a v o n ta d e d o v a rã o , m a s de D e u s ” (Jo 1 .1 2 ,1 3 ). S e m e lh a n te m e n te , P au lo a firm o u : “A ssim , p ois, isto n ã o d e p e n d e d o q u e q u e r, n e m d o q u e c o r r e , m a s de D eu s, q ue se c o m p a d e c e ” ( R m 9 .1 6 ). E a c r e s c e n to u , u sa n d o te r m o s m a is fo rte s: “L o g o , p ois, c o m p a d e c e -s e de q u e m q u e r e e n d u re c e a q u e m q u e r ” ( R m 9 .1 8 ). A so b e ra n ia de D eu s n as d ecisõ es h u m a n a s a b ra n g e as d ecisõ es q u e são a fa v o r d E le e c o n tr a E le . P e d ro e s c re v e u a c e rc a de C ris to : E le é “u m a p e d ra de tr o p e ç o e r o c h a de e s c â n d a lo , p a r a aq u eles q u e tr o p e ç a m n a p a la v ra , sen d o d eso b ed ien tes; p a r a o q u e ta m b é m f o r a m d e stin a d o s ” (1 Pe 2 .8 ). S e m e lh a n te m e n te , D eu s d e stin o u os “v aso s da ir a ” q u e e s ta v a m “p re p a ra d o s p a ra p e rd iç ã o ” ( R m 9 .2 2 ), c o m o ta m b é m os “v aso s d e m is e ric ó rd ia ” ( R m 9 .2 3 ). N in g u é m vai ao Pai e x c e to a q u e le q u e é a tra íd o p o r D eu s (Jo 6 .4 4 ). A té as a çõ e s q u e a B íblia d e c la ra q u e são liv r e m e n te e sco lh id a s p elo s seres h u m a n o s fo r a m d e te rm in a d a s c o m a n te c e d ê n c ia p o r D e u s. P o r e x e m p lo , Jesus disse: “[Eu] d o u a m in h a v id a p a r a t o r n a r a to m á -la . N in g u é m m a tir a d e m im , m a s e u d e m im m e s m o a d o u ” (Jo 1 0 .1 7 ,1 8 ). E n tr e t a n t o , A to s 2 .2 3 diz q u e a c r u z foi o re s u lta d o d o “d e te rm in a d o c o n s e lh o e p re s c iê n c ia d e D e u s ” ; ta m b é m p o d e se r tra d u z id o p o r “p ro p ó s ito d e te rm in a d o e p r é -c o n h e c im e n to de D e u s ” (N V I). E m s u m a , D eu s d e te rm in o u o seu p la n o d esd e to d a a e te rn id a d e , e, n ã o o b sta n te , C ris to o c u m p r iu v o lu n ta r ia m e n te . Jesu s p r o c la m o u : “E, n a v e rd a d e , o F ilh o d o H o m e m v ai s e g u n d o o q u e e s tá d e te r m in a d o ; m a s ai d a q u e le h o m e m p o r q u e m é t r a íd o !” (L c 2 2 .2 2 ). E m o u tr a s p a la v ra s , D e u s d e te r m in o u o q u e ti n h a de a c o n te c e r , m a s , q u a n d o a c o n te c e u , a c o n te c e u e m c o n s e q ü ê n c ia d e u m a to liv re e re s p o n s á v e l de Ju d as. As vezes, no m esm o texto , a determ in ação de Deus e o livre-arbítrio h u m an o são afirmados. Repetindo, Pedro disse: “A este [Jesus] que vos foi entregue pelo determinado conselho e presciência de Deus, to m an d o -o vos, o crucificastes e matastes pelas m ãos de inju stos” (A t 2.23, grifos m eu s). Deus d eterm inou as ações desde tod a a eternidade, não obstante, os responsáveis p or crucificar Jesus eram livres para execu tar estas ações — e eles foram m o ralm en te responsáveis p o r elas (veja V olum e 3, capítulo 3). Em sum a, a Bíblia declara que Deus está no con trole com p leto de tudo o que acon tece no cu rso inteiro da história. Isto inclui até as livres escolhas, boas e más.
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A BASE TEOLÓGICA PARA A SOBERANIA DE DEUS C om o já m encionad o, a soberania de Deus está fundam entada em alguns dos seus atributos, especialm ente na sua onisciência, onipotência e onissapiência.
A O nisciência É Necessária para a Soberania Com pleta Considerando que há criaturas livres (co m o poder de escolh er o contrário), a onisciência de D eus é u m a condição necessária para a soberania com pleta, pois, se D eus não sabe com certeza de antem ão tu do o que acontecerá, então Ele não pode ter certeza de co m o as criaturas livres usarão o livre-arbítrio. De m odo oposto, se D eus tem presciência infalível do que todas as criaturas livres escolherão, então Ele pode d eterm inar sem erro de antem ão co m o tu do acontecerá. Ter este tipo de certeza antecipada é estar no con trole com p leto dos resultados. Por conseguinte, a onisciência de D eus to rn a a sua soberania m ínim a possível.
A O nipotência E Necessária para a Soberania Com pleta U m D eus com p letam en te soberano não só deve saber o que irá acontecer, mas tam bém deve ser capaz de fazer com que aconteça. A onipotência to rn a isto possível. P ortanto, u m Deus que é T od o-con h eced o r e Todo-poderoso pode estar no con trole soberano com p leto de todas as coisas. E ntretanto , co m o já estabelecido, a onipotência não inclui o poder de fazer o que não é possível fazer. E é im possível forçar um a criatura livre a fazer o que ela não escolhe fazer
livrem ente, visto que liberdade forçada é u m a contradição de term os. M esm o u m Deus com p letam en te soberano n ão pode garantir que todos serão salvos (universalism o). P ortanto, a onipotência não garante que u m Deus com p letam en te soberano possa salvar todos (v eja V olum e 3).
A Onissapiência É Necessária para a Soberania Com pleta A lém disso, a soberania não só é a capacidade de fazer tudo que D eus deseja, mas tam b ém de fazer do m elh o r m odo possível. Por conseguinte, a onissapiência (que é todo-sábio) é necessária para a própria soberania (v eja capítulo 9). Considerando que D eus não só é Tod o-conh ecedor, mas tam bém Todo-sábio, Ele não só tem soberania com pleta, m as tem soberania apropriada. U m Ser Todo-sábio não só sabe todos os fins, m as tam bém sabe os m elh ores m eios para os m elh ores fins. Em sum a, dados estes atribu tos (D eu s sendo T o d o -co n h eced o r, T od o-pod eroso e Tod o-sábio), Ele pode co n tro la r co m p le ta m e n te todo a co n tecim en to fu tu ro , inclu ind o os livres, sabendo c o m certeza que tu do o co rre rá para o m e lh o r. P ortan to, n ão há surpresas para Ele, e o m od o co m o as coisas o co rre rã o n o m u nd o é exatam en te o m o d o que Ele esco lh eu e soube co m o o co rre ria m desde toda a eternid ad e (v eja cap ítu lo 8).
A Relação entre Soberania e Livre Escolha A n atu reza da livre e sco lh a h u m an a, p a rticu la rm en te desde a Q ueda da hu m anidad e, é u m debate in tram u ros e n tre os que defendem a visão clássica de Deus. A m aioria dos teístas defende a visão libertária do poder da escolh a co n trá ria (v eja
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im ediatam en te abaixo). E n tretan to , outros, seguindo o A gostinho p osterior, Lutero, Calvino e Jo n ath an Edwards, afirm am que desde a Q ueda os seres h um anos não têm livre escolh a co m respeito à salvação. D iscutirem os este p onto mais tarde (n o Volum e 3, capítulos 5 e 14). Enquanto isso, é im p o rtan te m o stra r que p raticam en te todos cristãos teístas acreditam que Lúcifer e Adão eram livres antes da Queda. E m uitos acred itam que os seres h um anos são livres para agir de o u tra fo rm a pela g raça de Deus até m esm o depois da Queda. Este p onto de vista libertário do livre-arbítrio, o qual exige o p oder da escolha con trária, não é incom patível co m a soberania com p leta de Deus sobre a liberdade h um ana, pois a M ente Onisciente con h ece co m certeza de an tem ão o que toda escolha livre será (veja mais adiante, “Respondendo às Objeções à Soberania de D eus”).
A BASE HISTÓRICA PARA A SOBERANIA DE DEUS Além dos fortes argum entos bíblicos e teológicos a favor da soberania com p leta de Deus, há u m a tradição contínua desde os prim eiros tem pos em favor desta doutrina.
Os Pais Patrísticos Falaram sobre a Soberania de Deus O Didaquê (c. 80-140) declara: “Aceitai co m o bênção todas as coisas labuta, pois nada acontece à parte de D eus” (7.378). O Martírio de Policarpo “Todos os martírios foram benditos e nobres, e eles aconteceram de vontade de Deus. Pois cabe a nós, que professamos m aior devoção do designar a Deus a autoridade sobre todas as coisas” (MP, 1.39).
que acarretam (c. 135) afirma: acordo co m a que os outros,
Irineu (c. 125-c. 202)
Irineu declarou: “O Criador do universo é o Pai, porque Ele exerce providência sobre todas as coisas e organiza os assuntos de nosso m un do” ( A H , 3.25.1, em Roberts and Donaldson, A N F , I). Além disso, “Deus tam bém rege sobre os hom ens e Satanás. Na realidade, sem a vontade de nosso Pai que está no céu, nem u m passarinho cai ao chão” (A H , 5 .2 2 .2 , em ibid.). “Portanto, o Pai excederá em sabedoria, toda sabedoria hum ana e angelical, porque Ele é Senhor, Juiz, Justo e Regente sobre todas as coisas. Porque Ele é bom , misericordioso e paciente: n em a bondade o abandona no exercício da justiça, n em a sabedoria é m inorada; porque Ele salva aqueles que Ele deve salvar, e julga os m erecedores de ju lgam en to” (A H , 3.25.3, em ibid.). Clemente de Alexandria (150-c. 215)
“Nada acontece sem a vontade do Senhor do universo. [...] Ele governa para sempre os crimes dos seus inim igos” (S, 4.12, em ibid., II). Além disso: A soberania e o livre-arbítrio são compatíveis, pois muitas coisas na vida surgem no exercício da razão humana, tendo recebido a faísca incandescente de Deus. [...] Agora, todas estas coisas têm verdadeiramente origem e existência por causa da providência divina — contudo, não sem a cooperação humana também (5, 6.17, em ibid.).
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Tertuliano (c. 155-c. 225) T e rtu lia n o ressa lto u que “D eu s e n d u re c e u o c o ra ç ã o de fa ra ó . C o n tu d o , ele serviu p a ra ser in flu en ciad o p a ra a p e rd içã o , p o rq u e ele já n e g a ra D e u s” ( F B A M , 2.14, e m ibid., III). D e fa to , algumas coisas aparentam indicar a vontade de Deus, vendo que lhes são permitidas por Ele. Entretanto, não se conclui necessariamente que tudo o que seja permitido proceda da vontade inapta e absoluta daquele que a permite ( OEC, 3, em ibid., IV). Orígenes (c. 185-c. 254) O rígen es a firm o u : “E n tre esses e v e n to s q ue a c o n te c e m aos h o m e n s , n ad a a c o n te c e p o r acaso . [...] [Pois] este g o v e rn o p ro v id en cial se esten d e a té m e s m o ao cu id ad o d a v e n d a de dois pard ais p o r u m d e n á rio ” (D P, 2 .1 1 .5 , e m ibid.). C o n tu d o , o c o n tro le de D eu s é de a c o rd o c o m a livre e sco lh a : Alguns dizem que somos movidos externamente, e põem a culpa não em nós mesmos, declarando que somos como pedras e paus. Dizem que somos arrastados por essas forças que agem sobre nós externamente. Contudo, isto não é verdade nem está de acordo com a razão. Mais exatamente, é a declaração de alguém que deseja destruir a concepção do livre-arbítrio (ibid., 3.1.5). P o u co im p o r ta n d o o q u e a c o n te ç a ao cristã o , Em relação a todas estas ocorrências, todo crente deve dizer: “Nenhuma autoridade terias sobre mim, se de cima não te fosse dada”. Notemos, pois, que a casa de Jó caiu sobre os seus filhos somente depois que o Diabo recebeu poder contra eles (ibid., 3.2.6). Cipriano (200-258) “E m nossas te n ta ç õ e s, n a d a é p e rm itid o q u e n o s faça m a l, a m e n o s que receb a p o d e r d E le” (T C , 4.25, e m ibid.). “Isto in clu i p rag as e pestes q u e p a re c e m h o rríveis e m o rta is , e so n d a a ju stiça de ca d a u m ” (T C , 4.25, e m ibid., V ). Lactâncio (c. 240-c. 320) O Pai Altíssimo organizou desde o princípio e ordenou todas as coisas que foram
realizadas. [...] Todos os eventos que eram necessários para executar o plano de salvação foram orquestrados por Deus desde o começo — do primeiro Adão ao último Adão, todas as coisas foram ordenadas por Deus (Dl, 4.26, em ibid., VII).
Os Pais da Igreja Medieval Falaram sobre a Soberania de Deus Embora tenham falado geralmente disso com o o governo ou regência de Deus, os grandes teólogos da Idade Média não negligenciaram o estudo da sua soberania. De fato, os Reformadores se fundamentaram nesse ensino medieval.
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Agostinho (354-430) Agostinho questionou, em vista do cuidado de Deus por cada detalhe da criação: “A lguém pode crer que foi a vontade de Deus isentar das leis da sua providência a elevação e queda das sociedades políticas?” (CG, 5.10). “Deus não perm ite que nada perm an eça desordenado e [...] conhece todas as coisas antes que venham a suceder” (ibid., 5.8). Nem ficamos desanimados pela dificuldade de que aquilo que escolhemos fazer livremente seja feito por necessidade, porque aquele cuja presciência não pode ser ludibriada previu o que escolheríamos fazer. [...] E claro que não negamos uma ordem de causas em que a vontade de Deus é todo-poderosa. Por outro lado, não damos a esta ordem o nome de destino (ibid., 5.8, 9). E n tre ta n to : O nosso ponto principal é que, a partir do fato de que para Deus a ordem de todas as causas é certa, não há [uma] dedução lógica de que não haja poder na escolha de nossa vontade. [O fato é que] as nossas escolhas caem na ordem das causas que são com certeza conhecidas por Deus e estão contidas na sua presciência, pois as escolhas humanas são as causas dos atos humanos. [...] [Portanto], absolutamente todos os corpos estão sujeitos à vontade de Deus, como realmente estão todas as vontades, visto que elas não têm “poder salvo o que Ele lhes deu” e Ele sabe exatamente o que eles farão com isso. [...] A nossa conclusão é que as nossas vontades têm o poder de fazer tudo aquilo que Deus queria que elas fizessem e que previu que elas poderiam fazer. O seu poder, tal como é, é um poder verdadeiro (ibid.).
Quanto às más escolhas: Aquele cuja presciência não pode ser ludibriada previu, não o destino ou a sorte do homem, mas que o próprio homem seria responsável pelo seu próprio pecado. Nenhum homem peca a menos que seja a sua escolha pecar; e a sua escolha para não pecar, isso também Deus previu (ibid., 5.10).
“Ele é a C ausa de todas as causas, em b o ra não de todas as e sco lh a s” (ibid., 5.8). Anselmo (1033-1109) Anselm o afirmou que Deus pode con trolar o universo inteiro, incluindo as ações livres, por causa da sua presciência infalível: “Deus, que conhece toda a verdade e só a verdade, vê todas as coisas exatam ente co m o elas são — quer sejam livres ou necessárias; e, de m od o inverso, co m o Ele as vê assim elas são” (T IR , p. 159). Portanto, o futuro é certo, porque “o que é previsto deve acontecer no futuro, e o que pode não acontecer no fu tu ro não pode ser previsto” (TFE, p. 185). É claro que isto não significa que os seres hum anos não são livres, “pois Deus, que prevê o que tu vais fazer voluntariam ente, prevê que tu não és com pelido ou obstado por qualquer o u tra coisa. Por conseguinte, esta atividade da vontade é livre” (T IR , p. 154).
O controle de Deus de todos os eventos é certo.
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Tomás de Aquino (1225-1274) Para Tom ás de Aquino, u m Soberano é algu ém que g o v ern a —- D eus, co m o 0 Soberano su p rem o , g o v ern a o universo in teiro. No “T ratad o sobre o G overn o D ivino”, na Suma Teológica, Aquino a rg u m en to u co n tra “ce rto s filósofos [que] n egaram o govern o do m u n d o , dizendo que todas as coisas a co n te ce ra m p o r acaso” (ibid., 1.103.1). A lém disso, “D eus possui, em sua p róp ria essência, o go v ern o de todas as coisas, até das m e n o re s” (ibid., 1.103.6). C o m a e x ce çã o da sua causalidade su sten tad ora de todas as coisas, Deus não g o v ern a todas as coisas d iretam en te, pois “Deus assim go v ern a as coisas que Ele faz, algum as delas p ara serem a cau sa de o u tras coisas no gov ern o; co m o no caso da professora que n ão só dá co n h e cim e n to aos alunos, mas tam b ém faz co m que alguns deles sejam professores de o u tro s a lu n o s” (ibid.). A lém do m ais, nada “a co n tece fora da ord em do go v ern o divino”, pois ainda que “seja possível u m efeito a co n te ce r fo ra da o rd em de alg u m a cau sa p articu lar, n ão [é] possível fora da o rd em da causa u n iversal” (ibid., 1.1 03 .7 ).1 C onsiderando que Deus é a C ausa universal de to d o ser, “é im possível alg u m a coisa a co n te ce r fo ra da ord em do govern o divino” (ibid.) Quanto a com o Deus con trola o fu tu ro e, ao m esm o tem po, os seres hum anos são livres, a resposta de Aquino é dupla. Primeiro, “as coisas conhecidas p o r Deus são con tin gen tes, p o r causa das suas causas im ediatas, ao passo que o c o n h e cim e n to de D eus, que é a cau sa p rim eira, é necessária” (ibid., la .1 .4 ). Segundo, Quando uma coisa
é
corretamente disposta para receber o movimento do primeiro
movedor, segue-se uma ação perfeita de acordo com a intenção do primeiro movedor, mas se uma coisa não é corretamente disposta e adequada para receber o movimento do primeiro movedor, segue-se uma ação imperfeita. [Por conseguinte], esta é a razão para sustentarmos que a ação pertinente para pecar é proveniente de Deus, mas o pecado não é de Deus (OE, p. 110). “Sem elhantem ente, quando algo se m ove [em u m ato de livre-arbítrio], não é impedido que ele seja m ovido por ou tro de que tem esta m esm a habilidade para a qual se m ove” (ibid., p. 111). Quer dizer, Deus nos dá o poder do livre-arbítrio, mas som os responsáveis por exercê-lo. U m a vez mais, Ele deu o fato da liberdade, mas somos responsáveis pelos atos da liberdade. Por fim, de acordo co m Aquino, nada “pode resistir à ordem do governo divino” (ST, 1.103.8) em geral, pois “toda inclinação de qualquer coisa, quer natural ou voluntária, é nada mais que u m tipo de impressão do prim eiro m ovedor. Da m esm a m aneira que a inclinação da seta em direção a u m ponto fixo é nada mais que u m impulso recebido do arqueiro”. Portanto, todo agente, quer natural ou voluntário, atinge a seu alvo 1 Em outras palavras, um a causa final particular pode não acontecer, mas o propósito final último de Deus não será frustrado. E o que vemos no livro de Jonas, onde um a causa particular, por exemplo, a ida de Jonas a Nínive, inicialmente não acontece. No entanto, a causa final última, por exemplo, a pregação de Jonas em Nínive, não deixa de acontecer. E, se Jonas não tivesse ido, Deus teria usado outra pessoa.
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divinamente apontado, co m o que por seu próprio acordo — por isso, se diz que Deus “ordena todas as coisas docem en te” (ibid.). Quanto à predestinação, escreveu Aquino: Portanto, visto que os homens são ordenados para a vida eterna pela providência de Deus, é igualmente parte dessa providência permitir que alguns se desviem desse fim; isto se chama reprovação. Portanto, visto que a predestinação é parte da providência, com respeito aos ordenados para a salvação eterna, assim a reprovação é parte da providência com respeito aos que se desviam desse fim. Por conseguinte, a reprovação não só insinua presciência, mas também algo mais, como faz a providência, como dissemos acima (Pergunta 22, Resposta 1). Portanto, visto que a predestinação inclui a vontade para conferir graça e glória, assim também a reprovação inclui a vontade de permitir a pessoa cair em pecado, e de impor o castigo da danação por causa desse pecado (ibid., la.23.3).
Os Líderes da Reforma Falaram sobre a Soberania de Deus A soberania de Deus foi um a m arca característica da teologia da Reform a. Deus está em com pleto e soberano controle não só do universo, mas tam bém do processo de salvação. Martinho Lutero (1483-1546)
M artinho Lutero observou que Deus tem nas m ãos o coração de todos os seres hum anos. Portanto, em Jó 38.11, “Deus disse: ‘Até aqui virás, e não mais adiante, e aqui se quebrarão as tuas ondas em poladas’ [...] Assim tam bém os corações dos hom ens são inflamados por ím peto de raiva terrível. Mas Deus fixou limites para essa fúria — limites que eles não têm permissão de passar” (WLS, p. 879). Lutero tam bém escreveu: “A declaração de Agostinho, sendo racionalm ente entendida, ajusta-se a este pensam ento. Ele observa que Deus con trola as coisas que Ele criou de tal m odo a perm itir que tom em o seu próprio curso n atu ral” (ibid., 1453). João Calvino (1509-1564)
Considerando que o arranjo de todas as coisas está na mão de Deus, visto que a Ele pertence a disposição de vida e morte, Ele organiza todas as coisas pelo seu conselho soberano, de tal modo que os indivíduos nascem desde o ventre condenados para certa morte e para glorificá-lo por essa perdição ( IC R , 3.23.6). A lém disso, “tem os de considerar que o que cada indivíduo possui não lhe caiu p or acaso, mas pela distribuição do soberano S enh or de to d o s” (ibid., 2.8). P ortan to, o risco divino não foi u m a opção p ara Calvino, porque ele declarou que “as condições dos hom ens não o co rrem p o r acaso. Deus dirige de m od o o cu lto tudo que aco n tece” (CC, 23.6). A lém do mais, em bora Deus soberanam ente ordene todas as coisas, o m al não lhe é atribuível, porque “nós tam bém tem os de defender que a ação de Deus é distinta da do h om em , de form a que a providência é livre de toda iniqüidade e os seus decretos não têm afinidade co m o errar do h o m em ” (ibid.).
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Além disso, Deus é considerado onipotente, não porque Ele possa agir embora Ele possa cessar ou ficar inativo, ou porque por instinto geral Ele continua a ordem da natureza previamente designada. Mas porque, governando os céus e a terra pela sua providência, Ele assim governa todas as coisas para que nada aconteça sem a sua deliberação. Pois quando o salmista diz: “[Ele] faz tudo o que lhe apraz” (SI 115.3), a coisa significada é o seu propósito seguro e deliberado. Seria insípido interpretar as palavras do salmista em forma filosófica, querendo dizer que Deus é o agente primário. [...] Este é a consolação dos crentes em suas adversidades, que todas as coisas que eles suportam são pela ordenação e mandamento de Deus, que elas estão sob sua mão (ÍCR, 1.16.3). Por conseguinte, “não há poder, ou agência, ou m ovim ento fortuito nas criaturas, que são assim governadas pela deliberação secreta de Deus, de m aneira que nada acontece senão o que Ele tem consciente e voluntariam ente d ecretado” (ibid., 1.16.1-9).
Os Teólogos da Pós-Reform a Falaram sobre a Soberania de Deus Jacob Armimus (1560-1609) [A providência de Deus] preserva, regula, governa e dirige todas as coisas, e nada no mundo acontece fortuitamente ou por acaso. [...] [Ao lado disto], coloco em sujeição à providência divina o livre-arbítrio e até as ações da criatura racional, de forma que nada mesmo possa ser feito sem a vontade de Deus, nem mesmo as coisas que são feitas em oposição a ela ( W JA , 1.251).
Além disso, Pela criação, domínio sobre todas as coisas que foram criadas por Ele pertence ao Criador. Portanto, é primário, não sendo dependente de nenhum outro domínio ou de nenhuma outra pessoa. E, por causa disso, chefe, porque não há nenhum maior. [...] [E] é absoluto, porque está acima da criatura, de acordo com o todo e de acordo com todas e cada uma das suas partes, e para todas as relações que subsistem entre o Criador e a criatura. E, por conseguinte, perpétuo, quer dizer, contanto que apropria criatura existe (ibid., 2.66). Não é agradável a este direito de Deus, ou que Ele entregue a criatura a outro que pode dominar sobre tal criatura, ao seu prazer arbitrário, de forma que ele não seja compelido a prestar contas a Deus do exercício da sua soberania, e seja capaz, sem demérito por parte da criatura, de infligir todo mal em uma criatura capaz de dano, ou, pelo menos, não para o bem desta criatura; ou que Ele [Deus] comande um ato a ser feito pela criatura, para o desempenho do qual Ele nem tem, nem pode ter, poderes suficientes e necessários; ou que Ele empregue a criatura para introduzir o pecado no mundo para que Ele possa, castigando-a ou perdoando-a, promover a sua própria glória; ou, por último, fazer em relação à criatura tudo que Ele é capaz, de acordo com o seu poder absoluto, de fazer em relação a ela, que é eternamente castigá-la ou afligi-la, sem [que ela tivesse cometido] pecado (ibid., 2.66-67).
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Francis Turretin (1623-1687)
Francis Turretin declarou que a soberania de Deus está fundada preem inência e beneficência divinas: Primeiro, é a eminência do poder sobre outros, pois é conforme a natureza das coisas que o superior e mais excelente deva ter domínio acima do inferior e mais ignóbil. [...] Segundo, é a beneficência por que o homem adquire um direito acima dos outros. Ele é, então, o Senhor, porque Ele é amável. Considerando, então, que Deus é estabelecido na mais alta preeminência, e que Ele concedeu às criaturas como a sua obra bênçãos inumeráveis, é mais do que justo que Ele seja chamado o Senhor de todos ( IET , p. 250).
Além disso, Turretin escreveu: O primeiro [o domínio natural] está fundamentado no decreto da providência, pelo qual Ele [Deus] predeterminou todas as coisas e eventos. [...] A propriedade principal do domínio de Deus é que ele não só é universal, mas também absoluto e ilimitado. [...] Como Deus é um ser independente e verdadeiramente auto-poderoso, assim Ele evidentemente não está sujeito a nenhuma censura ou julgamento (Jó 9.12; Dn 4.25), o qual pode fazer com os seus o que Ele quiser (Mt 20.15), e com quem ninguém pode contender ou dizerlhe: “Por que tu fizeste isto?”, embora a razão das suas obras e julgamentos possa nos estar oculta [Jó 33.13] (ibid., p. 251). Stephen Chamock (1628-1680) [Deus] tem direito absoluto sobre todas as coisas dentro do circuito dos céus e da terra. Embora o seu trono esteja no céu, como o lugar onde a sua glória é mais eminente e visível, e sua autoridade mais exatamente obedecida, o seu Reino se estende às mais baixas partes da terra. [...] [Pois] Ele não se esconde e se enfurna no céu, ou limita a sua soberania àquele lugar; o seu poder real se estende a todas as coisas visíveis, como também invisíveis: Ele é o proprietário e possuidor de tudo (Dt 10.14). [...] Ele tem o direito de dispor de tudo como lhe agrada(EAG, 2.362). [Deus] não é determinado pelas suas criaturas em quaisquer dos seus movimentos, mas determina as criaturas em tudo. As suas ações não são reguladas por qualquer lei sem Ele, mas por uma lei dentro dEle, a lei da sua própria natureza. [...] [Portanto], é impossível que Ele possa ter qualquer regra sem Ele, porque não há nada superior a Ele, nem Ele depende de ninguém no exercício do seu governo. Ele não precisa de servos nisto, quando Ele usa as criaturas: não é por necessidade da ajuda delas, mas para a manifestação da sua sabedoria e poder. O que Ele faz por meio dos seus súditos, Ele pode fazer sozinho (ibid., p. 373). Ele é o Senhor soberano, como Ele é o Criador todo-poderoso. A relação de um Criador inteiro induziu a relação de um Deus absoluto. Aquele que dá o movimento do ser, que é a causa exclusiva do ser dessa coisa, que anteriormente não era nada, que não tinha nada para contribuir com Ele, nada para ajudá-lo, exceto pelo seu poder exclusivo ordena que isto venha a ser, é o inquestionável Senhor e proprietário dessa coisa que não depende senão dEle; e por este ato da criação, que se estendeu a todas as coisas, Ele se tornou o Soberano universal sobre todas as coisas. E aqueles que cedem à excelência da natureza divina como a fundação do governo divino, facilmente reconhecem a suficiência dessa
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fundação na criação que Ele atualmente faz. O seu domínio de jurisdição é resultado da criação (ibid., p. 368). Jonathan Edwards (1703-1758) Jo n a th a n Edw ards d ec la ro u q u e D eu s é o S o b e ra n o a b so lu to , e que C risto , v isto que E le é D eu s, é a b s o lu ta m e n te so b e ra n o , pois
é muito evidente pelas obras de Deus que o seu entendimento e poder são infinitos, porque aquele que fez todas as coisas do nada, e sustenta, governa e administra todas as coisas a todo momento, em todos séculos, sem ficar cansado, tem de ser de poder infinito (W JE, 2.107). Napessoa de Cristo, estão combinadas a soberania absoluta e a resignação perfeita. Esta é outra conjunção sem paralelo. Jesus, visto que ele é Deus, é o soberano absoluto do mundo; o árbitro soberano de todos os eventos. [...] [Portanto], os decretos de Deus são todos os seus decretos soberanos. A obra da criação e todas as obras da providência de Deus são as suas obras soberanas. E Ele quem opera todas as coisas de acordo com o conselho da sua vontade. “Tudo foi criado por ele e para ele. [...] E todas as coisas subsistem por ele” (Cl 1.16,17). “Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também” (Jo 5.17). “Quero; sê limpo” (Mt 8.3) (ibid., 1.682). A soberania de Deus é a sua habilidade e autoridade de fazer tudo o que lhe agrada: por meio disso, Ele faz de acordo com a sua vontade nos exércitos do céu e entre os habitantes da terra, e ninguém pode deter a sua mão, ou dizer a Ele: Que fazes? As coisas a seguir pertencem à soberania de Deus: (1) Poder supremo, universal e infinito, por meio do qual Ele pode fazer o que lhe agrada. [...] (2) Que Ele tem autoridade suprema e direito absoluto e mais do que perfeito para fazer o que Ele quiser, sem sujeição a qualquer autoridade superior ou qualquer derivação de autoridade de qualquer outro, ou limitação por qualquer autoridade independente e distinta, quer superior, igual ou inferior. [...] (3) Que a sua vontade é suprema, não-derivada e independente de qualquer coisa fora dEle mesmo; estando em todas as coisas determinado pelo seu próprio conselho, não tendo outra regra, senão a sua própria sabedoria; a sua vontade não estando sujeita a ou contida pela vontade de qualquer outro, e as outras vontades estando sujeitas à sua. (4) Que a sua sabedoria, que determina que a sua vontade é suprema, perfeita, não-derivada, autosuficiente e independente [...] E a glória e grandeza da soberania divina que a sua vontade seja determinada pela sua própria sabedoria infinita e auto-suficiente em todas as coisas; e que de forma nenhuma seja dirigida por sabedoria inferior ou por nenhuma sabedoria, por meio da qual se tornaria arbitrariedade insensata, determinando e agindo sem razão, desígnio ou fim (ibid., 1.71). Charles Hodge (1797-1878)
A mesma doutrina está envolvida na dependência absoluta de todas as coisas a Deus, e na sua soberania absoluta sobre elas. “Tu só és Senhor, tu fizeste o céu, o céu dos céus e todo o seu exército, a terra e tudo quanto nela há, os mares e tudo quanto neles há; e tu os guardas em vida a todos, e o exército dos céus te adora” (Ne 9.6). “Nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, vísíveís e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades; tudo foi criado por ele e para ele. E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele” (Cl 1.16,17). “Digno és,
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Senhor, de receber glória, e honra, e poder, porque tu criaste todas as coisas, e por tua vontade são e foram criadas” (Ap 4.11). Todas as coisas mencionadas nestas passagens colocam tudo proveniente de Deus. Portanto, não pode haver matéria preexistente, existindo independentemente da vontade divina. De tudo que é proveniente de Deus se diz que deve a existência à vontade divina (ST, L.X.3). Basta sabermos que Deus governa todas as criaturas e todas as suas ações, e que o seu governo porquanto absolutamente eficaz é infinitamente sábio e bom, orientado a garantir os fins mais altos, e perfeitamente consistente com as suas próprias perfeições e com a natureza das criaturas. As Escrituras estão repletas desta doutrina. Deus usa as nações com o controle absoluto com que um homem usa uma vara ou um cajado. Elas estão nas suas mãos, e Ele as emprega para realizar os seus propósitos. Ele as quebra em pedaços como o vaso do oleiro, ou Ele as exalta à grandeza de acordo com o seu bom prazer. As Escrituras não menos claramente ensinam que Deus exerce um poder controlador sobre os atos livres dos homens, como também sobre as suas circunstâncias externas. Isto é verdade acerca de todos os seus atos, quer bons quer maus. Afirma-se em termos gerais que o seu domínio se estende sobre a vida interior das criaturas, e especialmente sobre os atos bons delas. Com respeito aos atos pecadores dos homens, as Escrituras ensinam que eles estão sob o controle de Deus, que só podem ocorrer pela sua permissão. Karl Barth (1886-1968) Deus Pai como o Criador governante não é obviamente um opressor. E Cristo como criatura sujeita não é obviamente oprimido. Não há nada aqui que tenha de amedrontálo. Não há nada aqui que lhe faça fugir ou rebelar-se. Estar completamente e sem reservas sob o domínio universal de Deus, ser completamente e sem reservas súdito humano, de forma alguma é um constrangimento, um infortúnio, uma afronta ou uma humilhação para o homem que, como cristão, pode ver realizado em Jesus Cristo tanto o domínio de Deus quanto a subordinação da criatura (CD, parte 3, p. 241). J . I. Packer Como nosso Criador, Ele é nosso dono e proprietário, Ele tem o direito de dispor de nós. Ele tem, portanto, o direito de criar leis para suas criaturas e recompensá-las de acordo com sua vontade, por cumprirem ou não essas leis. Na maior parte dos Estados modernos, os Poderes Legislativo e Judiciário são separados, de modo que o juiz não cria as leis que aplica, mas no mundo antigo não era assim, e também não é assim com Deus. Ele é tanto o Legislador quanto o Juiz (KG, p. 141). O tema básico do Êxodo, como sempre vemos nas Escrituras, é tornar o nome de Deus conhecido, sua natureza e seu caráter. No capítulo 3, Deus declarou o seu nome como “Eu Sou O Q u e Sou” o u “Eu Sou” simplesmente, e no capítulo 6, como
“J e o v á ” . Estes
nomes se
referem a Ele como auto-existente, autodeterminado e soberano (ibid., p. 168). R E S P O N D E N D O ÀS O B JE Ç Õ E S À S O B E R A N IA D E D EU S M u itas ob jeções tê m sido lev an tad as c o n tr a a so b eran ia de D eu s. N a su a m a io r p a rte , v ê m de fo ra do te ísm o , m a s, re c e n te m e n te , os n e o te ísta s tê m lev a n ta d o o b jeçõ es de c e r ta p e rsp e ctiv a teísta am p la. Já tr a ta m o s dos p o n to s de v ista n ã o -
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teístas (v e ja V o lu m e 1, c a p ítu lo 2 ). P o r isso, g ra n d e p a rte de n o sso fo c o de a te n ç ã o aqui e sta rá so b re os p ro te s to s teístas c o n tr a a visão d a so b eran ia e liv re -a rb ítrio .
O bjeção Um: Baseada na Oração para que a Vontade de Deus seja feita O n e o te ísta Jo h n S an d ers escre v e u : Por fim, naquela mais conhecida das orações, a Oração do Senhor, Jesus ensina que oremos para que a vontade do Pai seja feita na terra como é feita no céu (Mt 6.10). Pedir que a vontade de Deus seja feita é reconhecer que a soberania de Deus ainda não foi realizada. [...] Há um elemento escatológico no projeto divino, pois nem tudo acontece na terra como o Pai deseja. Temos de trabalhar e orar para que a vontade de Deus seja feita agora em nossa vida e na era vindoura. Mas ainda não é uma realidade completa em nosso mundo. Jesus sabia muito bem disso (GW R, pp. 114, 115).
Resposta à O bjeção Um D e fato, o uso qualificado que Sanders faz de “ainda n ã o ” responde à própria objeção que ele faz. Claro que a vontade soberana de Deus ainda não foi com p letam en te feita n a terra; Ele só desejou que fosse assim n o fim. P ortanto, não há nada nesta ou em qualquer passagem bíblica que indique que no fim a vontade com p leta e soberana de D eus falhará. As m u ita s passagens citadas a c im a a firm a m o c o n trá rio . P o r e x e m p lo : “M as o n osso D eu s está n os céu s e faz tu d o o q u e lh e a p ra z ” (SI 115.3). R e p e tin d o : “ Tudo o que o S e n h o r quis, ele o fe z , nos céus e na terra, n o s m a re s e e m to d o s os ab ism o s” (SI 135.6, grifos m e u s).
O bjeção Dois: Baseada no Dom ínio da Humanidade Usando Gênesis 1.28, ou tro neoteísta, C lark Pinnock, argum enta: Em um mundo que reflete uma comunidade trina, Deus não monopoliza o poder. Fosse Ele fazer assim, não haveria ordem criada, certamente não uma ordem dinâmica com agentes livres, e não uma ordem produzindo amor e comunhão. [...] [Por conseguinte], para alcançar esse tipo de criação, Deus precisa desdobrar o seu poder de modo mais sutil. Embora não haja poder contra Ele, Deus deseja a existência das criaturas com o poder da autodeterminação. Isto significa que Deus é um poder superior que não se aferra ao seu direito de dominar e controlar, mas que voluntariamente dálugar para as criaturas se desenvolverem. [...] [Portanto], convidando-as a ter domínio sobre o mundo (por exemplo), Deus voluntariamente entrega poder e torna possível uma sociedade com a criatura (OG, p. 113).
Resposta à O bjeção Dois Um problem a aqui é a falha em ver que um Deus com presciência infalível pode soberanam ente desejar fazer coisas através do livre-arbítrio que Ele dá às criaturas. Só o fato de Deus infalivelm ente conh ecer de antem ão o que cada criatura fará com a liberdade que ela tem já é suficiente para garantir que Ele tem controle soberano e com pleto sobre todo evento e o resultado final (veja capítulo 2). Caso contrário, Ele não teria querido criar tal m undo. Sem falar do poder que Deus tem de persuadir e até anular as livres escolhas, algo que até os neoteístas adm item que Deus faz ocasionalm ente (veja Boyd, GP, p. 34).
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O utro m od o de destacar a dificuldade é observar que a objeção neoteísta aparenta estar baseada na idéia de que Deus não pode dar poder às criaturas livres sem entregar o poder. Esta é um a negação do poder infinito, pois quando u m Ser infinitam ente poderoso exerce poder, Ele não só tem certa quantia finita de poder restante; Ele ainda tem poder infinito. Deus não deixa de ser u m poder infinito dando-nos poder mais do que Ele deixa de ser u m Criador fazendo um a criatura. Sem elhantem ente, Ele não é transform ado em m enos do que com pletam ente soberano dando às criaturas o poder da livre escolha. Em sum a, Deus dá poder às criaturas sem entregá-lo, porque Ele é a Causa prim ária, e a livre escolha é só u m a causa secundária. Todos os efeitos preexistem na causa prim ária;2 p or conseguinte, podem os ver que Deus está no controle últim o e com pleto do universo inteiro através das causas que Ele produziu, incluindo as causas livres. Repetindo, com o disse Aquino: Quando algo se move [em um ato de livre-arbítrio], não é impedido que ele seja movido por outro de que tem esta mesma habilidade para a qual se move. E, portanto, não é contrário à liberdade o fato de que Deus é a causa do ato do livre-arbítrio
(0£,p. 11).
Objeção Três: Baseada na Suposta Presciência Limitada Os neoteístas afirm am que Deus não tem presciência infalível de atos livres futuros. Considerando que este ponto já foi analisado (n o capítulo 2), aqui ele só será resumido em poucas palavras. No cerne da visão neoteísta da onisciência limitada, está este raciocínio: (1) Deus infalivelmente conhece tudo que é possível conhecer. (2) Não é possível con hecer infalivelmente os atos livres futuros. (3) Portanto, Deus não conhece infalivelmente os atos livres futuros.
Resposta à Objeção Três Os teístas clássicos não têm dificuldade co m a form a lógica deste argum ento básico sobre a onisciência de Deus. E claro que Deus não pode con h ecer o impossível. A discordância está com o teor da segunda premissa, isto é, que não é possível con hecer infalivelmente qualquer ato livre futuro. Os teístas clássicos sustentam que a defesa dada para esta premissa é seriam ente falha. U m exam e de cada u m dos argum entos do neoteísm o a favor da n atureza da escolha livre revelará por quê.
Objeção Quatro: Baseada na Natureza da Livre Escolha A base da objeção neoteísta à soberania (con trole) com pleta de Deus é que as pessoas são livres em u m sentido libertário de ter a habilidade de escolher ou tra coisa. Entretanto, m uitos ultracalvinistas (veja Volume 3, capítulo 3) não aceitam esta definição de livrearbítrio, e m esm o que a aceitem , os neoteístas não dem onstram que ela é incompatível co m a soberania com p leta de Deus. 2 A m ente de Deus é a Causa exemplar segundo a qual todas as coisas criadas são moldadas, e Ele é a Causa eficiente da vinda ao ser dessas coisas, assim elas preexistiram no seu poder na medida em que Ele teve o poder para trazê-las à existência. Ver Volume 1, capítulo 10, para inteirar-se de um a explicação detalhada sobre as causas.
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D e a c o r d o c o m e s t e r a c io c ín io :
(1) Os atos livres (n o sentido libertário) são aqueles que poderiam ter sido outros. (2) O conhecim ento infalível de Deus dos eventos significa que eles não podem ser outros (pois, se fossem, então Deus teria sido enganado e não seria infalível no seu conhecim ento). (3) Por conseguinte, é impossível o conhecim ento infalível de atos livres.
Resposta à O bjeção Quatro Em resposta, esta conclusão pode ser refutada de pelo m enos dois m odos. Primeiro, assume u m a visão particular do livre-arbítrio cham ada libertarianismo, a qual n em todos os teístas aceitam . M uitos, p articularm ente na forte tradição calvinista, argum entam que atos livres significam “fazer o que se deseja”. Deus é capaz de dar aos agentes livres os desejos que Ele decreta. Por conseguinte, os futuros atos livres neste sentido podem ser livres e, contudo, determ inados, e, p ortan to, conhecidos de antem ão infalivelmente. Segundo, o s teístas clássicos, na tradição dos Pais medievais — o prim eiro Agostinho, Anselm o e Aquino — , ressaltam que não há contradição envolvida em afirmar que (1) um ato livre fu tu ro é determ inado a partir da relação da presciência infalível de Deus, e ainda assim (2) tam bém livre, quando visto a partir da relação de nossa livre escolha (n o sentido do poder para fazer o contrário). Portanto, a presciência infalível e o livrearbítrio não são contraditórios, pois a lei da não-contradição exige que para que haja contradição duas proposições têm de afirm ar e negar a m esm a coisa ao m esm o tem po e na mesma relação. Neste caso, u m e o m esm o evento é determ inado em u m a relação, mas não determ inado em uma relação diferente -— u m em relação à presciência de Deus, e o outro em relação à livre escolha. A Resposta de Agostinho Quanto à relação entre a presciência absoluta e im utável de Deus e o livre-arbítrio do h om em , Agostinho defendeu que a “presciência [de Deus] não pode ser enganada” (CG, 5.10), pois Deus infalivelmente prevê exatam ente co m o vam os usar a nossa livre escolha. Portanto, “a conclusão é que de m od o n enh u m estam os sob a com pulsão de abandonar a livre escolha a favor da presciência divina, nem precisam os negar — Deus nos livre! — que Deus conhece o futuro co m o condição para defender a livre escolha” (ibid.). Por conseguinte: O homem não peca porque Deus previu que ele pecaria. Não somente isso, mas não há que duvidar que é o próprio homem que peca quando peca, porque aquele, cuja presciência é infalível, previu [...] que o homem pecaria, que se ele não quiser, não peca. Mas se ele não quiser pecar, até isso Deus previu (ibid.). A Resposta de Anselmo Anselm o argum entou que a onisciência de Deus inclui a presciência infalível de tudo, incluindo os atos livres: “Ele prevê todo evento futuro. Mas o que Deus prevê necessariam ente acontecerá da m esm a m aneira co m o previu que acontecesse” ( T IR , p. 153). “Deus, que prevê o que tu vais voluntariam ente fazer, prevê que a tua vontade não
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será com pelida ou restringida por qualquer o u tra coisa. Por conseguinte, esta atividade da vontade é livre” (ibid., p. 154). Anselm o se apressou para m o strar que a presciência necessária de Deus não to rn a o evento necessário: “Em bora Ele preveja todos os eventos futuros, Ele não prevê todos os eventos futuros com o acontecendo p or necessidade, [pois] Ele prevê que algumas coisas vão acontecer pelo livre-arbítrio das criaturas racionais” (ibid., p. 158). Além disso, “Ele vê o que é verdadeiro — quer seja o resultado da necessidade ou da liberdade” (ibid., p. 161). Por conseguinte, “Deus, que con hece toda a verdade e só a verdade, vê todas as coisas exatam ente com o elas são — quer sejam livres ou necessárias; e, reciprocam ente, com o Ele as vê, assim elas são” (ibid., p. 159). Portanto, o conhecim ento de Deus de todas as coisas, inclusive dos atos livres futuros, é “necessário”, “inalterável”, “etern o ” e “im utável” (ibid., pp. 162, 163). A Resposta de Tomás de Aquino Deus é a Causa eficiente de todas as coisas, e todos os efeitos preexistem em sua causa eficiente. P ortan to, tudo que existe tem de preexistir em Deus. Ele conhece a si m esm o perfeitam ente, e con hecer a si m esm o perfeitam ente acarreta em con hecer todos os vários tipos de perfeição nEle m esm o, co m o tam bém aqueles que podem participar n a sua sem elhança. Portanto, conclui-se que Deus sabe tudo quanto existe ou existirá perfeitam ente na medida em que tudo preexiste nEle (ST, la.14.5). Deus conhece tudo em u m eterno Agora, inclusive o passado, o presente e o futuro. Ele conhece o futuro antes de acontecer no tem po. Portanto, quando o tem po muda, o conhecim ento de Deus não m uda, visto que Ele conhecia co m antecedência que m udaria. Em outras palavras, Deus sabe o que sabemos, mas não o modo co m o o sabemos, quer dizer, em quadros seqüenciais de tem po. Deus conhece o todo do tem po desde a (n a) eternidade, mas Ele conhece o antes e o depois no m o m en to presente (agora) da história h um ana (ibid., Ia. 14.15). Ele sabe a série inteira de m om entos tem porais no seu eterno Agora. Deus não conhece as coisas seqüencialmente, visto que Ele é infinito e conhece todas as coisas eternam ente ao m esm o tem po. N em Deus pode con hecer as coisas p o r dedução, porque Ele é simples e conhece todas as coisas pela unidade de si m esm o (ibid., la.14.7). Portanto, Deus não tem de esperar que as coisas aconteçam para conhecê-las. Ele as con hece eternam ente em si m esm o co m o a Causa prim ária de todas as coisas, inclusive o poder da livre escolha. Em sum a, Deus conhece os efeitos criados nEle m esm o, mas não por outras coisas de m odo discursivo (ibid., la.14.7, ad 2). Ele as conhece deste m odo, porque, repetindo, todos os efeitos preexistem n a Causa primeira. Além disso, o conhecim ento de Deus não é apenas do presente; Ele tam bém conhece o potencial. Ele conhece o que é e o que pode ser, pois Deus pode conhecer tudo que é real de qualquer form a que possa ser conhecido. Agora, o presente e o potencial são reais — só o impossível não tem realidade (ibid., la.14.9). Portanto, Deus não pode conhecer o que é impossível conhecer, visto que as contradições não são compreendidas pela onisciência de Deus. Entretanto, Deus pode conhecer os contingentes futuros, quer dizer, as coisas que são dependentes da livre escolha. O futuro é u m potencial que preexiste em Deus, e Ele sabe tudo que existe nEle com o a Causa dessas coisas (ibid., la.14.13). P o rtan to , co m o o Ser onisciente, Deus co n h e ce n ecessariam ente os verdadeiros con tin gen tes fu tu ro s. Ele pode fazer isto porque Ele co n h e ce n ecessariam ente que
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o que será tem de ser, quer dizer, se será e Deus sabe, en tão o que D eus sabe sobre o que será te m de a co n tecer. A M ente onisciente não pode estar erra d a sobre o que sabe; en tão, a d eclaração de que “tu d o co n h ecid o p o r Deus te m de necessariam ente ser” é verdadeira, caso se refira à d eclaração da verdade do co n h e cim e n to de Deus, m as é falsa, caso se refira à necessidade dos eventos con tin gen tes (ibid., 1a. 14.4). Em sum a, Deus tem co n h e cim e n to infalível desde to d a a eternidad e de tudo que já o co rre u , incluindo todas as ações livres. Este co n h e cim e n to infalível não dim inui a liberdade das criatu ras, visto que D eus co n h e ce u com certeza (o u seja, d eterm in o u ) o que elas fariam livremente (o u seja, p o r atos livres). Por conseguinte, n ão h á con trad ição envolvida co m o co n tro le co m p le to de D eus do m u n d o co m an teced ên cia. Ele te m ce rteza absoluta de co m o tu d o aco n te ce rá , incluindo as nossas livres escolhas.
O b jeçã o C in co: Baseada na Presença do Mal Por fim, u m a objeção do teísm o e x te rn o : Se Deus é soberano e pode fazer tu d o que lhe agrada, en tão p o r que há o m al no m undo? É claro que u m Deus T odo-pod eroso poderia elim in ar o m al, e que u m D eus T o d o -b o m quereria fazê-lo. C o n tu d o , o m al não está erradicado — está vivo e passando bem no p lan eta te rra . Por conseguinte, con clu i-se que n ão existe tal D eus soberano.
R esposta à O b jeçã o C inco E m r e s p o s t a , o s t e ís t a s t r a d i c i o n a i s f a z e m a l g u m a s o b s e r v a ç õ e s . Primeiro, a lógica deste arg u m en to é falha, p orq ue o fato de D eus ainda não ter ainda d erro tad o o m al não significa que Ele n u n ca o fará. De aco rd o co m a Bíblia, Deus d erro tará o m al ev en tu alm en te (veja Ap 21— 22). Segundo, a soberania de Deus não significa que Ele possa fazer tu d o que Ele quer fazer. Ele é u m S oberano b om , e n ão u m tirân ico . Deus deve agir co n fo rm e a sua n atu reza im u tavelm en te boa, e Ele deve agir co n fo rm e a sua sabedoria infinita. E n tre ta n to , u m Ser in finitam en te b om e sábio está em posição m u ito m e lh o r do que os seres finitos e m aus p ara saber qual é o m e lh o r m od o de ob ter o m e lh o r m u n do. Terceiro, visto que Deus n a sua bondade e sabedoria infinitas con cedeu aos seres h u m an os o p oder da livre escolh a, Ele n ão pode violar isso sem co n trad ição . C o m o vim os, liberdade fo rçad a n ão é liberdade. Por conseguinte, até u m Deus T odo-
poderoso n ão pode fazer o que é co n trad itó rio , e é co n trad itó rio fo rçar u m a cria tu ra a agir livrem en te. Em su m a, Deus é soberano, m as n a sua soberania Ele deseja que sejam os livres. Assim, jesus lam en to u : “Jerusalém , Jerusalém , que m atas os profetas e apedrejas os que te são enviados! Q uantas vezes quis eu aju n tar os teus filhos, co m o a galinha aju n ta os seus pintos debaixo das asas, e tu não quisesteV ’ (M t 23.37, grifos m eu s). S em elh an tem en te, Jesus disse aos judeus: “E não quereis vir a m im p ara terdes vida” (Jo 5.40, grifos m eu s). Q uanto à razão de Deus p erm itir ta n ta quantidade de m al e p o r tan to tem p o , Pedro escreveu : “O S en h o r n ão retard a a sua p rom essa, ainda que alguns a têm p o r tardia; m as é lo n g ân im o p ara co n vosco, n ão q uerendo que alguns se p ercam , senão que tod os v e n h a m a arrep en d er-se” (2 Pe 3 .9 ). E m resu m o , Deus é paciente e deseja que todos se arrep en d am , mas no fim Deus derrotará o m al (1 Co 15.24-28; Ap 21.4). N a realidade, a sua n a tu reza, sendo Ele T od o-b om e T odo-
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p oderoso, g aran te isso, porque u m Deus T o d o -b o m derrotará o m al, e u m D eus T odopoderoso pode d e rro ta r o m al.
CONCLUSÃO A fundam entação bíblica, teológica e histórica do controle com pleto e soberano de Deus sobre todos os eventos hum anos do passado, presente e fu tu ro p erm anece firme. As objeções provenientes de dentro e de fora são facilmente contestadas. M esm o sem o exercício da influência persuasiva divina nas criaturas livres, Deus pode controlar o destino de todas as coisas simplesmente pela sua presciência infalível de co m o cada criatura livre escolherá exercer a liberdade.
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C A P Í T U L O
V I N T E
E
Q U A T R O
A PROVIDENCIA DE DEUS NA CRIAÇÃO
A
providência está relacionada com outras atividades de Deus, mas devem os distinguila delas. A soberania ou governo de D eus (v eja capítulo 23) d en ota o fato do seu con trole de todas as coisas, mas a sua providência é o meio pelo qual Ele con trola tudo. Deus não só é o Prod utor da criação, mas Ele tam bém é o seu Preservador (veja capítulo 22). A lém disso, Ele não só a produziu e a preserva, mas tam bém provê a subsistência dela. Podem os esboçar o contraste da seguinte form a: (1) A Criação explica a existência do m u nd o (sua vinda à existência); (2) A Preservação explica a continuação do m u nd o (sua continuação a existir); (3) A Providência explica o con trole do m u nd o (sua direção da existência).
A DEFINIÇÃO DA PROVIDÊNCIA DE DEUS A palavra providência vem do latim pro e video, que significa “previsão”, e por isso “um arran jo cuidadoso preparado de antem ão para a realização de fins predeterm inados” (A. A. Hodge, OT, p. 258). Em bora a providência às vezes seja usada para incluir o sustento e a preservação que Deus faz do universo, aqui é usada acerca de com o Ele o governa. Como disse Archibald Alexander Hodge (1823-1886), a providência é o meio pelo qual Ele continuamente controla e dirige as ações de todas as criaturas assim preservadas, de forma que Ele nunca viola a lei da natureza das criaturas, contudo Ele infalivelmente causa todas as ações e eventos singulares e universais a acontecer de acordo com o eterno e imutável plano adotado no seu decreto (ibid., p. 262). A. H. Stro ng afirm ou: “Providência é a agência con tínu a de D eus pela qual Ele faz todos os eventos do universo físico e m oral cu m p rirem o desígnio original com o qual Ele o criou ” ( S T , p. 419). A providência de D eus se relaciona ao m eio pelo qual Ele con trola a sua criação para realizar a sua vontade soberana para ela. Tam bém fala do seu cuidado pelas suas criaturas em ocasionar os seus propósitos. Este cuidado é geral e particular, m anifestado co m o u m todo no universo e em cada parte do universo especificam ente. Estende-se n a terra desde a partícu la mais m in ú scu la da m atéria até ao pináculo da criação de D eus — os seres hum anos.
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Pela sabedoria infinita de Deus, Ele estabeleceu um a m eta definida e usará os m elhores meios para alcançá-la. Por causa da sua bondade infinita, Ele se certifica de que fará o m elhor pelas suas criaturas, e a justiça infinita torn a certo que tudo seja governado com justiça, punindo o m al e recom pensando o bem. A providência é o m eio pelo qual isto é executado no universo. A providência está entre dois extrem os: o fatalismo e o indeterminismo. O prim eiro m antém a certeza, m as nega a liberdade, ao passo que o últim o m an tém a espontaneidade, mas nega a certeza. C ontudo, a providência divina m an tém a certeza e a liberdade.
AS CARACTERÍSTICAS DA PROVIDÊNCIA DE DEUS D entro do contexto da cosmovisão teísta cristã,1 a providência assume sete características. E: (1) (2) (3) (4) (5)
pessoal, pensativa, cuidadosa, universal, particular,
(6) eficaz, e (7) sobrenatural. Ela é assim porque é exercida p o r u m Deus pessoal, pensativo, cuidadoso e poderoso, que está interessado na criação co m o u m todo e em cada parte específica dela. A providência é pessoal porque Deus é u m Ser pessoal que se preocupa com as pessoas e as coisas que Ele fez. A providência épensativa porque Deus é u m a Pessoa inteligente que pensa profundam ente no cuidado da criação. A providência é cuidadosa porque Deus é u m a Pessoa am orosa que cuida das suas criaturas. A providência é universal porque Deus é Todo-conhecedor e Todo-am oroso e, por conseguinte, Ele conhece e cuida de tudo que Ele fez. A providência é particular porque n a onisciência de Deus nada escapa do seu cuidado onibenevo lente. A providência é eficaz porque Deus é onipotente, e nada impede a realização da sua vontade. A providência é sobrenatural porque o Deus Todo-poderoso existe além (fora) do m undo n atural e pode intervir nele (veja Volume 1, capítulo 3).
A PROVIDÊNCIA CONTRASTADA COM OUTRAS COSMOVISÕES A providência é diferentemente definida p or cada cosmovisão (vej aVolum e 1, capítulo 2). U m Deus que não tem personalidade ou inteligência (co m o em m uitas form as de panteísm o) não tem cuidado providencial pessoal pelo universo. Sem elhantem ente, u m Deus que não faz milagres não exerce cuidado providencial sobrenatural pela ! Formas não-cristãs de teísmo diferem em certos aspectos e na medida em que elas depreciam ou negam certos atributos de Deus, especialmente a onibenevolência.
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criação. U m Deus finito está lim itado pelo tipo de cuidado providencial que Ele exerce pela criação. E m sum a, só u m Deus teísta tem providência geral, especial, m ilagrosa e to talm en te eficaz por toda a criação. Em term os gerais, podem os declarar as diferenças da seguinte form a.
O Teísmo e a Providência Repetindo, no con tex to de u m a cosm ovisão teísta cristã, a providência assume várias características: E pessoal, pensativa, cuidadosa, universal, particular, sobrenatural e co m p letam en te eficaz. Isto é assim porque é exercido por u m Deus caracterizado por estes atributos que está profundam ente interessado na criação.
O N eoteísm o e a Providência O neoteísm o (ou “teologia aberta”) é u m a divergência significativa da visão teísta clássica da providência, visto que insiste que D eus não tem presciência infalível dos eventos fu turos livres. Sendo assim, a sua capacidade para eventos planejados, antecipada e providencialm ente, em favor do cuidado da sua criação seria lim itada de m odo im p ortante, visto que Deus tam b ém seria surpreendido por eventos que acon tecem em conseqüência das escolhas hum anas (veja capítulo 8).
O Deísmo e a Providência Os deístas mais tradicionais afirm am todas as características da providência que os teístas afirm am , exceto o sustento em existência e o cuidado sobrenatural, visto que o deísmo tradicional nega que oco rram milagres. E por isso que u m deísta com o B enj am im Franklin (1706-1790) poderia pedir oração no Prim eiro Congresso C ontinen tal. T am bém é por isso que T hom as Jefferson (1743-1826) poderia falar da providência de Deus na D eclaração da Independência am ericana, dizendo: “Para o apoio desta D eclaração, com a firm e confiança na proteção da providência divina, nós em penham os m u tu am en te uns aos outros a nossa vida, a nossa riqueza e a nossa h on ra sagrada”. Ponderando sobre o desígnio incrível na natureza, Jefferson escreveu: “E im possível, digo, para a m ente h u m an a não crer que haja em tu do isso desígnio, causa e efeito até a um a causa últim a, u m Criador de todas as coisas a partir da m atéria e do m o vim en to, o seu Preservador e R egulador”.2
O Deísmo Finito e a Providência C o m o o deísmo é u m a form a truncada de teísm o, o deísmo finito m od erno é um a fo rm a tru ncad a de deísmo. Em geral, os deístas finitos defendem o deísm o m enos a onipotência de Deus, em bora alguns tam bém questionem a onibenevolência com pleta. Jo h n Stu art M ill (1806-1873) falou de Deus com o “u m Ser de grande poder, mas lim itado, co m o ou por qual lim ite n em m esm o podem os con jetu rar; de grande, e talvez ilimitada, inteligência, m as talvez tam bém mais estreitam ente lim itado do que o seu poder”. Este D eus que “deseja e dá certa consideração à felicidade das suas criaturas, mas que aparenta ter outros m otivos de ação pelo qual Ele se im p orta mais, e quase não se concebe que te n h a criado o universo só para esse propósito” (T E R , p. 194). “Se o criador do m undo 2 Veja Henry Wilder Foote, Thomas Jefferson: Champion o f Religious Freedom, Advocate o f Christians Morais [Thomas Jefferson: Campeão da Liberdade Religiosa, Defensor da Moralidade Cristã] (Boston: The Beacon Press, 1947), p. 10.
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pode [fazer] tudo que quiser, Ele quer miséria e não há co m o fugir dessa conclusão” (ibid., p. 37).
O Ateísmo e a Providência A rigor, o ateísmo nega toda atividade providencial, visto que não acredita que haja u m Deus de qualquer tipo que exerce cuidado pelo m undo. O que os teístas ch am am providência, os ateus ch am am sorte, acaso, coincidência, ou destino. Eles ressaltam o fato de que os eventos altam ente improváveis acontecem — a improbabilidade de dar seis vezes o n úm ero seis no prim eiro lance de seis dados não significa que n unca aconteça. O m esm o é supostam ente verdadeiro pouco im portando a probabilidade; os ateus afirmam que resultados incom uns tam bém podem ser obtidos no prim eiro “lance” do universo.
O Politeísmo e a Providência Os politeístas se dividem em duas categorias gerais: os que estão ligados ao panteísmo (veja mais adiante) e os que não estão. Considerando que este grupo nega u m bem últim o ou força últim a pessoal no universo, eles ficam co m certa form a de destino. Isto era p articularm ente evidente nas tragédias gregas, onde deuses, co m o Zeus, encontravam u m destino fora deles m esm os. O destino, assim concebido, é u m destino determ inado fora do controle do indivíduo, quer u m hum ano m o rtal ou u m deus im ortal.
O Panteísmo e a Providência Há m uitas form as de panteísm o (vejaV olum e 1, capítulo 2), e o que os teístas ch am am “providência” é diferentem ente com preendido pelos tipos diferentes de panteísmo. Para o panteísm o absoluto, representado pelo filósofo grego Parmênides e a Escola de Hinduísmo AdvaintaVedanta, tudo é absolutam ente u m e tudo o mais é ilusão. Para o panteísmo emanacional, conform e é representado pelo filósofo Plotino, do século III, tudo flui de Deus, co m o a flor desabrocha da sem ente. A “providência” pode significar não mais que o fluxo absolutam ente predeterm inado de todas as coisas de Deus e para Deus. No panteísm o desenvolvente de G. W. F. Hegel (1770-1831), os eventos da história são as inevitáveis manifestações reveladoras do Espírito Absoluto. De acordo co m o panteísm o modal do racionalista B ento Spinoza (1632-1677), todos os eventos finitos são m eram en te m odos ou m om entos no pensam ento de u m Ser infinito, cujo determ inado im pulso produz todas as coisas. O panteísm o multinivel, conform e expressado pela form a de hinduísmo de Radhakrishnan, vê m últiplos níveis, ou as manifestações determ inadas de Deus, nos ciclos da reencarnação. O panteísm o penetrante, tal co m o a força impessoal do taoísm o, penetra todas as coisas. O zen-budismo e os filmes de Guerras nas Estrelas, de George Lucas, exemplificam esta visão, co m o tam bém o livro e o filme A Profecia Celestina, de James Redfield, que substitui as providências pessoais co m o sincronismo. Aqueles sem elhantes a Plotino, Spinoza, Ciência Cristã e outros que vêem u m a M ente presente no universo, têm u m a form a de providência imanente. Q uer dizer, ao contrário do teísmo, que afirma u m Deus transcendente que exerce cuidado providencial sobre o universo, estas form as de panteísmo têm u m a M ente funcionando no universo. Por conseguinte, diferente dos ateus, n em tudo é conseqüência do acaso, mas da operação da
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Inteligência dentro do processo mundial. Elegei disse que isto se manifesta no trabalho desenvolvente do Espírito Absoluto na história. Entretanto, n en h u m a form a de panteísmo aceita a providência sobrenatural, visto que no panteísmo não há poder sobrenatural fora do m undo que possa intervir nele. Além disso, a onibenevolência e a onipotência não são atributos de Deus na m aioria das form as de panteísmo. Portanto, o cuidado eficaz e am oroso não é característica da “providência” com o eles a entendem . Até alguns panteístas que não atribuem M ente a Deus falam de u m “sincronismo cósm ico” na vida. O assim cham ado “Primeiro Insight”, de James Redfield, afirma que “u m novo despertamento espiritual está acontecendo n a cultura hum ana —
um
despertamento ocasionado por um a multidão crítica de indivíduos que experim enta a vida com o u m desdobramento espiritual, um a viagem na qual somos guiados por coincidências misteriosas”. No “Sétimo Insight”, ele acrescenta: “C onhecer nossa missão pessoal aum enta o fluxo de coincidências misteriosas à medida que somos guiados ao nosso destino” (CP). O problem a surge quando tentam os com preender term os co m o u m a viagem “guiada” ao nosso “destino”, quando não há Deus inteligente e pessoal que con heça de antem ão o futuro para to rn ar possível explicar todas estas “coincidências” sincrônicas n a vida. Ao que parece, isto só pode acontecer se u m Deus teísta existir. O P a n e n te ísm o e a P ro v id ê n cia U m a cosmovisão final se posiciona entre o panteísm o e o teísmo, a qual se cham a panenteísm o (literalm ente, “Deus em tu d o ”). Em algumas formas, o panenteísmo propõe mais prom essa com o base para o conceito da providência, mas só dentro dos limites de u m Deus finito e m oralm en te progressivo. Esta visão se originou co m Alfred N orth W hitehead (1861-1947), foi continuada por Charles Elartshorne (1897-2000), e se acha nos trabalhos de Schubert Ogden, John Cobb, e Lewis Ford. Tam bém se cham a “teologia do processo” e “teísmo bipolar”. De acordo com esta perspectiva, Deus tem dois pólos, um real e o outro potencial. U m pólo é a Mente de Deus, e o outro é o seu Corpo (o universo inteiro). E claro que Deus é realmente finito. Por conseguinte, Ele não é onipotente nem onibenevolente. Entretanto, Ele é superinteligente e m oralm ente progressivo. Portanto, conform e Ele se revela na sua própria autocriação, Deus está fazendo o m elhor para maximizar o bem no universo. U m a expressão da “providência” dentro deste cam po a explica em term os de “ressonância” (Korsm eyer, “R M R ”, em PS, p. 195). U m ato providencial de Deus não é supostam ente caracterizado pela intervenção sobrenatural de fora, nem por qualquer evento especialmente planejado de antem ão que use a presciência infalível e a regulação de tem po especial dos eventos. Mais exatam ente, é o resultado de u m elevado grau de ressonância entre o alvo de Deus e os alvos hum anos (ibid., pp. 195, 196).3 A B A SE B ÍB LIC A PA R A A PR O V ID Ê N C IA D E D EU S A b a s e b íb lic a d a p r o v id ê n c ia d e D e u s é d ir e t a e in d ir e ta . O a p o io in d ir e t o v e m d a p r ó p r ia n a t u r e z a d e u m D e u s te ís ta . E n t r e e ssa s p r o p r ie d a d e s , p a r a as 3 Para inteirar-se de um a avaliação desta visão, veja N orm an L. Geisler, “Process Theology and Inerrancy” (Teologia do Processo e Inerrância), in: Challenges to Inerrancy (Desafios à Inerrância), Gordon Lewis and Bruce Demarest, eds. (Chicago: Moody, 1984).
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quais já fornecem os apoio bíblico (veja parte 1), se incluem principalm ente os seguintes três atributos de Deus: a onisciência (com onissapiência), a onipotência e a onibenevolência.
A Extensão da Providência de Deus Alguns afirm am que Deus só tem providência geral sobre o m undo, mas não sobre cada um em particular. Entretanto, a providência de Deus tem de ser geral e particular (veja im ediatam ente mais adiante). A providência geral se refere à superintendência de Deus no fluxo geral dos acontecim entos, e a providência particular (ou especial) se relaciona à sua superintendência em cada coisa. Estas duas estão relacionadas e são inseparáveis. O fato de que a providência de Deus para a criação é particular, e não apenas geral, é enfatizado pelo seguinte: (1) Deus não pode con trolar o geral sem con trolar o particular. (2) O am or de Deus pelo geral provoca interesse pelo m en o r detalhe que afete o geral. (3) A Bíblia confirm a a providência particular: Jó 23.10; 2 Coríntios 2.14; Efésios 3.1. Uma providência geral e uma especial não podem ser dois modos diferentes de operação divina. [...] Uma Providência Geral é especial, porque garante resultados gerais pelo controle de todo acontecimento, grande e pequeno, levando a esse resultado. Uma providência especial é geral, porque controla especialmente todos os seres e ações individuais no universo (A. A. Hodge, OT, p. 266). Considerando que Deus é de conhecim ento, sabedoria e poder infinitos (veja parte 1), conclui-se que a sua providência tem de ser particular co m o tam bém geral. Ele não só conhece todas as coisas geral e p articularm ente, mas n a sua onissapiência (veja capítulo 9) Ele conhece o m elhor m od o de utilizá-las no cu m p rim ento do seu propósito global.
As Esferas da Providência de Deus O apoio direto a favor da providência de Deus se m anifesta em numerosas passagens da Bíblia. Estas se classificam em diversas categorias, revelando a providência com pleta e m eticulosa de Deus em cada m inúscula parte da criação. Duas Grandes Passagens sobre a Providência
Primeiro, tem os o Salm o 104.1-23: Bendize, ó minha alma, ao Senhor! Senhor, Deus meu, tu és magnificentíssimo; estás vestido de glória e de majestade. Ele cobre-se de luz como de uma veste, estende os céus como uma cortina. Põe nas águas os vigamentos das suas câmaras, faz das nuvens o seu carro e anda sobre as asas do vento. Faz dos ventos seus mensageiros, dos seus ministros, um fogo abrasador. Lançou os fundamentos da terra, para que não vacile em tempo algum. Tu a cobriste com o abismo, como com uma veste; as águas estavam sobre os
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m o n tes; à tu a rep reen são , fu g iram ; à voz do teu trov ão , se apressaram . Su b iram aos m o n tes, d esceram aos vales, até ao lugar qu e p ara elas fun daste. L im ite lh es traçaste, que não ultrapassarão, para que n ão to rn e m m ais a co b rir a terra. T u, qu e nos vales fazes re b e n ta r n ascen tes qu e c o rre m e n tre os m o n tes. D ão de beber a tod os os anim ais do ca m p o ; os ju m e n to s m o n teses m a ta m co m elas a sua sede. Ju n to delas h ab itam as aves do céu , ca n tan d o e n tre os ram os. Ele rega os m o n tes desde as suas câm aras; a terra farta-se do fru to das suas obras. Ele faz cre scer a erva p ara os anim ais e a verd u ra, p ara o serviço do h o m e m , para que tire da terra o alim en to e o v in h o que alegra o seu co ração ; ele faz relu zir o seu ro sto c o m o azeite e o pão, qu e fo rta le ce o seu co ração . Satisfazem se as árvores do S e n h o r, os cedros do Líbano qu e ele p lan to u , onde as aves se an in h a m ; q u anto à ceg o n h a, a sua casa é nas faias. Os altos m o n tes são u m refúgio p ara as cabras m on teses, e as ro chas, para os co elh o s. D esig n ou a lua p ara as estações; o sol c o n h e ce o seu ocaso. O rd enas a escurid ão, e faz-se n o ite, n a qual saem tod os os anim ais da selva. Os leô ezin h o s b ra m a m p ela presa e de D eu s b u scam o seu su sten to . N asce o sol e logo se re c o lh e m e se d eitam nos seus covis. E n tão, sai o h o m e m para a sua lida e p ara o seu tra b a lh o , até à tarde.
U m a le itu r a a te n c io s a d esta p a ssa g em re v e la q u e a p ro v id ê n c ia de D e u s se esten d e : (1) Ao p ré-arranjo do universo para o desenvolvimento da vida (vv. 1-9); (2) A operação dos processos naturais para a perpetuação da vida (vv. 10-23). Isto abrange: (a) as fontes de água para saciar a sede dos animais (vv. 10,11); (b) as árvores para os pássaros fazerem ninhos (v. 12); (c) a chuva e a neve nas m ontanhas para irrigar a terra (v. 13); (d) o alim ento para os animais e as pessoas (vv. 14,16,17); (e) o fruto da videira e os grãos para a existência e felicidade da humanidade (v. 15); (f) as m ontanhas para o refúgio dos animais (v. 18); (g) o sol e a lua para as estações (v. 19); (h ) a noite para os animais n otu rn os (vv. 20,21); ( i) o dia de form a que as pessoas possam ver para trabalhar (v. 23). Tudo isto é parte da providência geral de Deus para todas as criaturas. Segundo, tem os M ateus 6.25-33. Esta passagem fala da providência para a criação subum ana e a hum anidade, mas especialmente para a hum anidade. Por isso, vos digo: n ão andeis cuidadosos q u anto à vossa vida, p elo que haveis de c o m e r ou p elo qu e haveis de beber; n e m q u an to ao v o s s o co rp o , p elo que haveis de vestir. N ão é a vida m ais do que o m a n tim e n to , e o co rp o , m ais do que a vestim enta? O lh ai p ara as aves do céu , qu e n ão sem eiam , n e m segam , n e m a ju n ta m em celeiros; e vosso Pai celestial as alim en ta. Não tend es vós m u ito m ais v alo r do que elas? E qual de vós poderá, co m tod os os seus cuidados, a cre scen tar u m côvado à sua estatura? E, q u an to ao vestu ário, p orqu e andais solícitos? O lh ai para os lírios do cam p o, c o m o eles cre scem ; n ão trab alh am , n e m fiam . E eu vos digo que n e m m esm o S alo m ão , em tod a a sua glória, se vestiu co m o qu alqu er deles. Pois, se D eu s assim veste a erva do cam p o, qu e h o je existe e a m a n h ã é
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lançada no forno, não vos vestirá muito mais a vós, homens de pequena fé? Não andeis, pois, inquietos, dizendo: Que comeremos ou que beberemos ou com que nos vestiremos? (Porque todas essas coisas os gentios procuram.) Decerto, vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas essas coisas; Mas buscai primeiro o Reino de Deus, e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas. Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal. Por este texto, está claro que Deus se preocupa co m a nossa necessidade de água, com ida, roupa e abrigo (v. 25); o seu cuidado pelos pássaros é usado co m o exem plo (v. 26). Sem elhantem ente, não precisam os nos preocu par sobre a nossa necessidade de roupa (v. 28), pois Deus veste os lírios esplendorosam ente (vv. 28,29), e, assim, devemos ter fé que Ele atenderá a nossa necessidade de roupa e abrigo (v. 30).4 Além disso, Deus providencialm ente supre a necessidade dos seres hum anos de com ida e bebida (w . 31,32), porque “vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas essas coisas”. P ortanto, devemos buscar a Deus e a sua justiça, sabendo que todas estas coisas nos serão acrescentadas. Numerosas outras Passagens Falam sobre a Providência
Deus é providente sobre cada aspecto da criação. Isto inclui o reino natural, anim al e hum ano, com o tam bém cada detalhe dentro destes domínios. A extensão da providência se m anifesta em todas as seguintes áreas. A Providência no Mundo Natural
“Ele é o que transporta as m ontanhas, sem que o sintam, e o que, no seu furor, as transtorna; o que rem ove a terra do seu lugar, e as suas colunas estrem ecem ” (Jó 9 .5 ,6 ). Porque à neve diz: Cai na terra; como também ao aguaceiro e à sua forte chuva. Ele sela as mãos de todo homem, para que conheçam todos os homens a sua obra. E as alimárias entram nos seus esconderijos e ficam nas suas cavernas. Das recâmaras do sul sai o pé de vento e, do norte, o frio. Pelo assopro de Deus, se dá a geada, e as largas águas se endurecem. Também com a umidade carrega as grossas nuvens e esparge a nuvem da sua luz. Então, ela, segundo o seu prudente conselho, se espalha em roda, para que faça tudo quanto lhe ordena sobre a superfície do mundo habitável; seja para correção, ou para a sua terra, ou para beneficência, que a faça vir (Jó 37.6-13). “O Senhor tem estabelecido o seu trono nos céus, e o seu reino dom ina sobre tu d o ” (SI 103.19). “Pois tu, Senhor, és o Altíssimo em toda a terra” (SI 97.9). “Tudo o que o Senhor quis, ele o fez, nos céus e n a terra, nos m ares e em todos os abismos. Faz subir os vapores das extremidades da terra; faz os relâmpagos p ara a chuva; tira os ventos dos seus tesouros” (SI 135.6,7). “Ele é que cobre o céu de nuvens, que prepara a chuva para a terra e que faz produzir erva sobre os m ontes. [...] M anda a sua palavra e os faz derreter; faz soprar o vento, e correm as águas” (SI 147.8-18). “Porque [Deus] faz que o seu sol se 4 Na cu ltu ra daqueles dias, a roupa de cim a tam bém era usada para abrigo básico, visto que a pessoa podia se envolver para proteger-se das condições atmosféricas básicas.
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levante sobre m aus e bons e a chuva desça sobre justos e injustos” (M t 5.45). “Pois, se Deus assim veste a erva do cam po, que hoje existe e am anhã é lançada no forno [...]” (M t 6.30). “C ontudo, [Deus] não se deixou a si m esm o sem testem unho, beneficiando-vos lá do céu, dando-vos chuvas e tem pos frutíferos, enchendo de m antim ento e de alegria o vosso co ração ” (A t 14.17). Deus “faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade” (E f 1.11). A Providência no Mundo Animal “A s su a s c a sa s t ê m p a z , s e m t e m o r ; e a v a r a d e D e u s n ã o e s t á s o b r e e le s . O s e u t o u r o g e r a e n ã o f a lh a ; p a r e a s u a v a c a e n ã o a b o r t a . F a z e m s a ir as su a s c r ia n ç a s c o m o a u m r e b a n h o , e s e u s filh o s a n d a m s a lt a n d o ” ( J ó 2 1 .9 -1 1 ) . “O s l e õ e z i n h o s b r a m a m p e l a p r e s a e d e D e u s b u s c a m o s e u s u s t e n t o ” ( S I 1 0 4 .2 1 ). “T o d o s e s p e r a m d e ti q u e lh e s d ês o s e u s u s t e n t o e m t e m p o o p o r t u n o . D a n d o - l h o t u , e le s o r e c o l h e m ; a b re s a t u a m ã o , e e n c h e m - s e d e b e n s ” ( S I 1 0 4 .2 7 ,2 8 ). D e u s “d á ao s a n im a is o s e u s u s t e n t o e a o s filh o s d o s c o r v o s , q u a n d o c l a m a m ” ( S I 1 4 7 .9 ). “O lh a i p a r a as av es d o c é u , q u e n ã o s e m e ia m , n e m s e g a m , n e m a ju n t a m e m c e le ir o s ; e v o s s o P ai c e le s tia l as a l i m e n t a ” ( M t 6 .2 6 ).
A Providência nos Assuntos Humanos em Geral “Alegrem -se os céus, e regozije-se a terra; e diga-se entre as nações: O Senhor reina” (1 C r 16.31). “E todos os m oradores da terra são reputados em nada; e, segundo a sua vontade, ele opera co m o exército do céu e os m oradores da terra; não há quem possa estorvar a sua m ão e lhe diga: Que fazes?” (D n 4.35). “Deus é o Rei de toda a terra” (SI 47.7; cf. Is 10.12-15; Dn 2.21; 4.25). A Providência nos Assuntos das Nações “Multiplica os povos e os faz perecer; dispersa as nações e de novo as reconduz” (Jó 12.23). “Porque o reino é do Senhor, e ele dom ina entre as nações” (SI 22.28). Deus “dom ina eternam ente pelo seu poder; os seus olhos estão sobre as nações; não se exaltem os rebeldes” (SI 66.7). “C om o ribeiros de águas, assim é o coração do rei na m ão do Senhor; a tudo quanto quer o inclina” (Pv 21.1). “De u m só fez toda a geração dos hom ens para habitar sobre toda a face da terra, determ inando os tem pos já dantes ordenados e os limites da sua habitação” (A t 17.26). A Providência no Destino de Vida da Humanidade “O Senhor é o que tira a vida e a dá; faz descer à sepultura e faz to rn ar a subir dela” (1 Sm 2.6). “Então, disse o Senhor a Samuel: Até quando terás dó de Saul, havendo-o eu rejeitado, para que não reine sobre Israel? Enche o teu vaso de azeite e vem ; enviar-teei a Jessé, o belemita; porque dentre os seus filhos m e tenho provido de u m rei” (1 Sm 16.1). “O cam inho de Deus é perfeito; a palavra do Senhor é provada; é u m escudo para todos os que nele confiam ” (SI 18.30). “Porque nem do Oriente, nem do Ocidente, nem do deserto vem a exaltação. Mas Deus é o juiz; a u m abate e a ou tro exalta” (SI 75.6,7). “Os teus olhos viram o m eu corp o ainda inform e, e no teu livro todas estas coisas foram escritas, as quais iam sendo dia a dia formadas, quando n em ainda u m a delas havia” (SI 139.16). “O coração do h om em considera o seu cam inho, mas o Senhor lhe dirige os
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passos” (Pv 16.9). “Eu sou o Senhor, e não há outro; fora de m im , não há deus; eu te cingirei, ainda que tu m e não conheças” (Is 45.5). Deus “depôs dos tronos os poderosos e elevou os hum ildes” (Lc 1.52). Deus “encheu de bens os famintos, despediu vazios os ricos” (Lc 1.53). “Mas, quando aprouve a Deus, que desde o ventre de m inh a m ãe m e separou e m e ch am ou pela sua graça, revelar seu Filho em m im , para que o pregasse entre os gentios, não consultei carne n em sangue” (G 1 1.15,16). “Digo-vos que não sabeis o que acontecerá am anhã. Porque que é a vossa vida? E u m vapor que aparece p o r u m pouco e depois se desvanece. Em lugar do que devíeis dizer: Se o Senhor quiser, e se viverm os, faremos isto ou aquilo” (T g 4.14,15). A Providência nos Acontecimentos aparentemente Fortuitos Nada acontece por acaso no universo de Deus. Os fatos que se nos apresentam “por casualidade” foram previam ente planejados por Ele. Êxodo 21.13 afirma que Deus até planeja as m ortes “acidentais”: “Se lhe não arm ou ciladas, mas Deus o fez encontrar nas suas m ãos, ordenar-te-ei u m lugar para onde ele fugirá”. Provérbios 16.33 inform a que “a sorte se lança no regaço, mas do Senhor procede toda a sua disposição”. E m Mateus 10.30, Jesus disse: “Até m esm o os cabelos da vossa cabeça estão todos contados”. Os acontecim entos ruins são permitidos na providência de Deus para u m bem maior. José disse aos seus irmãos, que o tinham abandonado para m o rrer: “Vós bem intentastes m al con tra m im , p orém Deus o tornou em bem, para fazer com o se vê neste dia, para conservar em vida a u m povo grande” (G n 50.20). N en h um detalhe é pequeno demais para a preocupação de Deus. A Providência nos Atos Livres da Humanidade A providência de Deus abrange as ações livres das criaturas (E x 12.36; 1 Sm 24.9-15; Sl 33.14,15; Pv 21.1; 19.21; 20.24; 21.1; Jr 10.23; Fp 2.13). Abrange os atos bons (que Ele provoca: Fp 2.13; 4.13; 2 C o 12.9,10; Ef 2.10; G1 5.22-25), e abrange os atos m aus (que Ele perm ite, m as não produz: 2 Sm 16.10; 24.1; Sl 136.10; R m 11.32; At 2.23; 3.18; 4.27,28; 1 Sm 6.6; Ex 7.13; 14.17; Is 66.4; 2 Ts 2.11). Deus tam bém restringe e con trola os atos m aus (Sl 66.10-12; Gn 50.20; Is 10.5,15), anulando-os para o nosso bem (G n 50.20; At 3.13-15). Nada está fora do conhecim ento e controle últim o de Deus (veja capítulos 7 e 8). A Providência na Proteção dos Justos A providência de Deus tam bém se manifesta na preservação dos santos. O salmista disse: “Em paz tam bém m e deitarei e dormirei, porque só tu, Senhor, m e fazes habitar em segurança” (Sl 4.8). Davi acrescentou: “A m inh a alm a te segue de p erto; a tua destra m e sustenta. Mas aqueles que p ro cu ram a m inha vida para a destruírem irão para as profundezas da terra” (Sl 63.8,9). Além disso: “Não deixará vacilar o teu pé; aquele que te guarda não tosquenejará” (Sl 121.3). A Providência em Atender as Necessidades do Povo Davi escreveu: “Fui m o ço e agora sou velho; mas n unca vi desamparado o justo, nem a sua descendência a m endigar o pão” (Sl 37.25). Paulo assegurou aos crentes filipenses: “O m eu Deus, segundo as suas riquezas, suprirá todas as vossas necessidades em glória, por Cristo Jesus” (Fp 4.19). O salmista confessou a Deus: “Abres a m ão e satisfazes os desejos de todos os viventes” (Sl 145.16).
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A Providência em Responder às Orações A providência de Deus é o seu m odo habitual de responder às nossas orações. Isto se manifesta freqüentem ente na regulação prévia do tem po dos acontecim entos para provocar ocorrências incom uns em resposta aos nossos pedidos que Ele deseja honrar. Deus disse para Isaías: “E será que, antes que clam em , eu responderei; estando eles ainda falando, eu os ouvirei” (Is 65.24). Jesus nos lem brou: “Não vos assemelheis, pois, a eles [os incrédulos], porque vosso Pai sabe o que vos é necessário antes de vós lho pedirdes” (M t 6.8; cf. M t 6.32). C om o Isaías confessou: “Desde a antiguidade não se ouviu, n em co m ouvidos se percebeu, nem co m os olhos se viu u m Deus além de ti, que trabalhe para aquele que nele espera” (Is 64.4). A Providência em Expor e Punir os Maus A providência de Deus tam bém se evidencia quando Ele castiga os ímpios. “Se o hom em se não converter, Deus afiará a sua espada; já tem arm ado o seu arco e está aparelhado; e já para ele preparou armas m ortais; e porá em ação as suas setas inflamadas co n tra os perseguidores” (Sl 7.12,13). Além disso, “sobre os ímpios fará chover laços, fogo, enxofre e vento tem pestuoso; eis a porção do seu cop o” (Sl 11.6). E claro que às vezes os maus prosperaram , ao m enos por certo tem po (H c 2.1,2). C ontudo, a providência de Deus não conclui todas as tarefas divinas dentro do tem po; algumas esperam a eternidade, quando todos os ímpios receberão o que m erecem (Ap 20.11-14). A P ro v id ên cia E sp ecial de D eu s As vezes, a providência especial é confundida co m milagres (veja Volume 1, capítulo 3). Ambos são atos de Deus incom uns para preservar a criação e perpetuar o seu plano, mas os atos especiais da providência não envolvem intervenção sobrenatural direta. N enhum a lei natural é suspensa para realizá-los. Em geral, eles são apenas questão de regulação prévia do tem po dos acontecim entos naturais para que produzam u m efeito in com u m . U m exem plo de providência especial pode ser o fato de Deus fazer os ventos fortes soprarem nas águas do m ar Vermelho para que Israel pudesse atravessar (Ex 14.21,22). Ou, consideremos o vento trazendo codornizes no deserto para os israelitas famintos (N m 11.31,32), ou os discípulos de Jesus terem u m a grande pesca de peixes (Lc 5.6). Tam bém sabemos que avalanches têm sido ocasionadas por chuvas de prim avera e form am u m a represa natural e tem porária no rio Jordão, as quais Deus pode ter predeterm inado de form a que Israel pudesse atravessar o rio a pé (veja Js 3.15-17). C om freqüência, as respostas às orações petitórias se ajustam a esta categoria. Presentes inesperados depois de orar por necessidades financeiras raram ente ou jamais são criados ex nihilo. Em geral, saem da conta bancária de alguém. Até recuperações físicas rápidas ou incomuns são atos de providência especial por que Deus usa um a atitude m ental saudável e os processos regenerativos naturais do corpo. O lançamento de sortes depois de orar para determ inar a vontade de Deus sobre qual hom em deveria substituir o apóstolo Judas tam bém pode ser u m exemplo de providência especial (At 1.23-26; cf. Pv 16.33). E n tre ta n to , se Deus trabalha in d iretam en te através das leis natu rais ou d iretam en te in tervém em u m ato so b ren atu ral (c o m o o n ascim en to virginal ou a ressu rreição de C risto ), é Ele quem no final das contas é responsável e quem m erece a glória p or isto.
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A Providência Milagrosa de Deus Há tem pos em que Deus julga necessário transcender a lei da n atureza (veja Volume 1, capítulo 3) para exercer cuidado providencial pelas suas criaturas. A tacar os hom ens m aus de Sodom a para preservar a vida dos servos de Deus é u m exem plo (G n 19.129). A ressurreição de Jesus é u m grande exem plo, visto que era necessária para a nossa salvação (R m 4.25; 1 Co 15.12,13). As pragas p o r m eio das quais o povo escolhido pôde chegar à Terra Prom etida e originar o Messias prom etido con têm num erosos milagres. Até os mágicos que em ularam os milagres p or meio de artifícios adm itiram , certa vez: “Isto é o dedo de Deus” (E x 8.19). Sem a intervenção milagrosa em m uitos pontos da história, Deus não poderia ter realizado o seu plano de preservar o povo escolhido e prover a salvação para o m undo (cf. Gn 12.1-3; G 14.4).
Algumas Qualificações sobre a Providência de Deus Façam os im portante distinção para entender devidamente a providência de Deus. Por u m lado, Ele p rom ete proteção para os justos, não para os arrogantes. Por outro, Ele atende às necessidades das criaturas, mas nem todos na verdade recebem estas providências. Proteção, não Arrogância As Escrituras deixam claro que a proteção de Deus não se estende a todos os atos arrogantes que com etem os. O salmista escreveu: “Porque aos seus anjos dará ordem a teu respeito, para te guardarem em todos os teus cam inhos. Eles te sustentarão nas suas m ãos, para que não tropeces co m o teu pé em pedra” (Sl 91.11,12). Quando o Diabo citou este texto para Jesus, alegando que seria sua garantia de proteção caso pulasse do Templo, Jesus reprovou esta interpretação errônea co m estas palavras: “Tam bém está escrito: Não tentarás o Senhor, teu D eus” (M t 4.7). A lição é esta: Podemos confiar na providência de Deus para cuidar de nós se viverm os u m a vida racional de acordo co m as leis divinas, mas não devemos con tar co m a providência de Deus para proteger-nos se to m arm os riscos desnecessários. Provisão, não Satisfação C om o é dolorosam ente evidente a todo sabedor das condições do m undo, n em todas as pessoas na terra têm com ida, bebida, roupa e abrigo adequados. Isto é prova con tra a providência geral de Deus? A resposta é obviamente negativa. Deus forneceu bastante água, m aterial para confeccionar roupa e construir abrigo para todos. Entretanto, isto por si só não garante que todos obterão essas coisas. E fato que até a maioria dos países onde há núm ero elevado de pessoas famintas produz mais alimentos do que o necessário para as exigências mínimas de todas essas pessoas. A visão que tem os viajando de avião é u m a perspectiva útil. Vemos vastas porções de água azul, m uito mais do que o necessário para o con sum o e higiene dos seres hum anos. Há tam bém vastas porções de vegetações verdes, a m aioria com estível e em franco crescim ento. A verdade é que há m uito mais água e com ida do que o necessário para a subsistência de cada pessoa na terra. Qual é, então, o problema? E m alguns casos, é a falta de os próprios seres hum anos cultivarem e conservarem a terra. Solo estéril pode ser o resultado de tratam en to im próprio ou uso exagerado.
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Não obstante, apesar do uso inadequado da terra e da água que deu Deus, ainda há alim entos no m undo mais do que suficientes para alim entar todos os que têm fom e. A questão é de distribuição. Quais são as condições que im pedem que todos sejam saciados? A corrupção. A depravação hu m ana, evidenciada n a ganância e n a busca de poder, im pede que as pessoas recebam o que Deus abund antem ente fo rn eceu para todos ficarem satisfeitos. P ortan to, a necessidade hu m an a não é por causa da falha na provisão providencial de Deus, mas por causa da nossa pecam inosidade.5 A BA SE T E O L Ó G IC A PA R A A PR O V ID Ê N C IA D E D E U S D evem os entender a base teológica para a providência de Deus dentro de um a cosm ovisão teísta. Farem os u m a revisão de cada paradigm a (veja acim a) para entender m elh o r a providência. A lg u n s A rg u m e n to s T e o ló g ico s a fav o r da P ro v id ê n cia A providência de D eus pode ser derivada de um a com binação de outros atributos, quais sejam , a onisciência (e onissapiência), a onipotência e a onibenevolência. E claro que a soberania de Deus, que tam bém flui destes atributos, está relacionada co m a providência. A Soberania de D eus como B ase p ara a sua Providência
Considerando que a fu nd am entação para a soberania de Deus já foi estabelecida (veja capítulo 23), procederem os aqui a fazer a conclusão lógica. Podem os declarar o argu m ento em favor da providência a partir da soberania de D eus da seguinte form a: (1) A soberania de Deus significa que Ele con trola todas as coisas. (2) Aquele que controla todas as coisas tam b ém pode prover todas as coisas. (3) Por conseguinte, a soberania garante a possibilidade do cuidado providencial de Deus para todas as coisas. U m Deus que pode con trolar tudo tam bém pode prover todas as coisas, visto que Ele tem , em virtude do seu con trole com p leto , os recursos necessários para providencialm ente prover todas as coisas. A O nisciência de D eus como B ase para a sua Providência
O utro atribu to necessário para a providência com p leta de Deus é a onisciência. O raciocínio é este: (1) U m Deus que sabe todas as coisas sabe de que cuidado a criação necessita. (2) U m Deus onisciente co n h ece todas as coisas (v eja capítulo 8). (3) LTm Deus onissapiente (Todo-sábio) sabe o m elh o r m eio de cuidar de todas as coisas (veja capítulo 9). (4) Portanto, u m D eus onisciente e onissapiente pode exercer providência sobre todas as coisas do m e lh o r m odo possível. 5 Para inteirar-se de análise excelente sobre este tópico, veja Cal Beisner, Where Garden Meets Wildemess (Onde o Jardim encontra o Deserto) (Eerdmans, 1997).
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A Onipotência de Deus como Base para a sua Providência
Achamos outra condição para a providência de Deus na sua onipotência (veja capítulo 7). Podemos declarar a lógica deste modo: (1) Um Deus que tem todo poder tem a capacidade de satisfazer todas as necessidades. (2) Deus tem tódq^oder (ou seja, Ele é onipotente). (3) Portanto, Deus tem a capacidade de satisfazer as necessidades de todas as coisas. Uma coisa é sâber de uma necessidade, e totalmente outra é poder satisfazê-la. Um Deus que é onisciente e onipotente, como é o Deus da Bíblia, pode fazer ambas as coisas. A Ombenevolência de Deus como Base para a sua Providência
A onisciência e a onipotência são as condições necessárias para a providência completa, mas elas não são a condição suficiente. Providência significa cuidado, e providência completa significa cuidado completo. Portanto,1para que Deus seja completamente providente, Ele deve cuidar completamente. Por causa disto, é necessário que Deus seja onibenevolente (completamente cuidadoso) para que haja providência completa. Podemos resumir o processo de pensamento por trás disso da seguinte maneira: (1) Um Deus que é Todo-bom tem o desejo de satisfazer as necessidades de todas as suas criaturas. (2) Providência completa acarreta um Deus; que deseja satisfazer as necessidades de todas as suas criaturas. (3) Portanto, Deufc tem o desejo de prover a providência completa.
O Argumento Combiaado a favor da Providência Completa de Deus O raciocínio acima; proporciona a condição necessária e suficiente para o cuidado providencial completo de Deus sobre toda a criação. Assim, combinado, fica assim: (1) Um Deus onibenevolente deseja1prover cuidado providencial completo para todas as suas criaturas. (2) Um Deus onisciente conhece todo o cuidado providencial que é necessário para todas as suas criaturas. (3) Um Deus onissapiente sabe o melhor modo de prover este cuidado. (4) Um Deus onipotente tem a capacidade de executar todos os seus desejos. (5) Por conseguinte, esse Deus proverá cuidado todo providencial para todas as suas criaturas do melhor modo possível. Para resumir, toda negação da providência plena e completa de Deus é, em princípio, uma negação de um ou mais destes atributos de Deus, pois, se Deus é Todo-conhecedor, Todo-sábio, Todo-poderoso e Todo-amoroso, então Ele deve ser, por natureza, Todocuidadoso.
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A lé m da n a tu re z a de D e u s, o u tro s a rg u m e n to s a fav o r da p ro v id ê n cia são a n a tu re z a das coisas criad as, a o rd e m n o m u n d o , a p re d içã o d iv in a (q u e só é p ossív el se E le estiv er n o c o n tro le ), a b ê n çã o de D eu s sob re os b o n s e o ju lg a m e n to de D eu s sob re os m a u s, e a c o n sc iê n cia h u m a n a (q u e se baseia n a lei m o r a l d ada p o r D e u s q u e n o s in fo r m a q u e d ev em o s b u sc a r o b e m e e v itar o m a l).
A BASE HISTÓRICA PARA A PROVIDÊNCIA DE DEUS A d o u trin a da p ro v id ê n cia c o m p le ta d iv ina e stá firm e m e n te arraig ad a n o s en sin o s dos gran d es Pais da ig re ja , c o m e ç a n d o desde os te m p o s m ais antigos.
Os Primeiros Pais da Igreja Falaram sobre a Providência de Deus Policarpo (c. 70-155) O Senhor Deus Todo-poderoso, Pai de teu Filho amado e bendito Jesus Cristo, por quem recebemos o conhecimento de ti, o Deus dos anjos e potestades, e de toda criatura, e da raça inteira dos justos que vivem diante de ti, eu te agradeço, porque tu me contaste merecedor deste dia e desta hora, que eu tenha parte no número dos teus mártires, no cálice do teu Cristo, para a ressurreição da vida eterna, tanto da alma quanto do corpo, através da incorrupção [concedida] pelo Espírito Santo. Entre quem possa eu ser aceito este dia diante de ti como um sacrifício gordo e aceitável, conforme tu, o Deus sempre verdadeiro, predeterminou, me revelou de antemão, e agora se cumpriu (EECS, 14, em Roberts and Donaldson, ANF, I). Irineu (c. 125-c. 202) “P o r ta n to , o Pai e x c e d e r á e m s a b e d o ria to d a s a b e d o ria h u m a n a e a n g e lic a l, p o r q u e E le é S e n h o r , Ju iz, Ju s to e R e g e n te s o b r e to d a s as c o isa s” (A H , 3.25.3, e m ib id .).
O Deus que benignamente causa o sol a levantar-se sobre todos, e envia a chuva sobre justos e injustos, julgará os que, desfrutando a sua bondade igualmente distribuída, levaram a vida não correspondendo com a dignidade da generosidade divina; mas que passaram os dias em libertinagem e prazer, em oposição à benevolência divina, e, além disso, até blasfemaram daquele que concedeu tão grandes benefícios sobre eles (ibid.). Nem uma única coisa que foi feita ou que será feita foge do conhecimento de Deus. Até aqui, pela sua providência, toda coisa obteve sua natureza, hierarquia, número e quantidade especial. Nada foi produzido (ou é produzido) em vão ou por acaso. Pelo contrário, tudo foi feito com adequação precisa e pelos exercícios do conhecimento transcendente (ibid., 2.26.3). Lactâncio (c. 240-c. 320) “N ão h á n in g u é m , q u e p ossu a in te lig ê n cia e use a reflexão , q u e n ã o e n te n d a q u e E le é o S e r q u e c rio u to d as as coisas e as g o v e rn a c o m a m e s m a e n e rg ia p e la qu al E le as c r io u ”
(D l, 1.3, e m ibid., V II). “A p a rte da p ro v id ên cia e p o d e r divinos, a n a tu re z a n ã o é a b s o lu ta m e n te n a d a !” (1.91).
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Clemente de Alexandria (150-c. 215) Nada acontece sem a vontade do Senhor do universo. Resta dizer que tais coisas acontecem sem a prevenção de Deus. Pois só isto salva a providência e a bondade de Deus. [...] Mais exatamente, devemos ser persuadidos de que Ele não previne esses seres que as causam. Contudo, Ele governa para sempre os crimes dos seus inimigos (5,4.12, em ibid., II). Origenes (c. 185-c. 254) Depois da ressurreição, a pessoa também ficará sabendo do julgamento da providência divina e em cada coisa individual. Ela aprenderá que entre esses eventos que acontecem aos homens, nada acontece por acaso, mas conforme um plano tão cuidadosamente considerado e tão estupendo [sic] que não negligencia sequer o número de cabelos da cabeça. [...] Eu não só falo dos santos, mas talvez de todos os seres humanos. Um filho ficará sabendo que o plano deste governo providencial se estende até mesmo ao cuidado da venda de dois pardais por um denário (DP, 2.11.5, em ibid.). Novaáano (c. 200-c. 258) Não pensemos que tal providência inesgotável de Deus não alcance sequer a menor das coisas. Pois o Senhor diz: “E nenhum deles [dois passarinhos] cairá em terra sem a vontade de vosso Pai. E até mesmo os cabelos da vossa cabeça estão todos contados”. [...] [Assim], o seu cuidado e providência não permitiram que as roupas dos israelitas “se envelhecessem”. [...] Considerando que Ele abrange todas as coisas e contém todas as coisas [...] o seu cuidado se estende, por conseguinte, a todas as coisas ( TCT, 8, em ibid.).
Os Pais da Igreja Medieval Falam sobre a Providência de Deus Agostinho (354-430) Ele não deixou parte desta criação sem sua paz apropriada, pois neste último e menor de todos os seus seres vivos as entranhas estão maravilhosamente ordenadas — sem mencionar a beleza das asas dos pássaros, das flores dos campos e das folhas das árvores. Alguém pode crer que foi a vontade de Deus isentar das leis da sua providência a elevação e queda das sociedades políticas? (CG, 5.10). Tomás de Aquino (1225-1274)
Nada “acontece fora da ordem do governo divino”, pois enquanto “é possível um efeito acontecer fora da ordem de alguma causa particular, não [é] possível fora da ordem da causa universal” (ST, la.103.7).6 Nem sequer o mal escapa do controle soberano de Deus. Querido Jesus! Sei muito bem que todo dom perfeito, e acima de todos os outros que da castidade, depende da ajuda mais poderosa da tua providência, e que sem 6 Em outras palavras, com o já foi demonstrado, um a causa particular pode falhar em ocorrer, mas o propósito últim o de Deus não será frustrado.
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ti a c r ia tu r a n ã o p o d e fa z er n ad a. P e ç o -te , e n ta o , q u e d efen d as, c o m a tu a g raça, ca stid a d e e p u re z a e m m in h a a lm a , c o m o ta m b é m e m m e u c o rp o ( “PP”). É n e ce ssá rio a trib u ir p ro v id ê n cia a D eu s. Pois to d o b e m qu e e stá nas coisas criad as fo i cria d o p o r D eu s, c o m o m o s tra d o a cim a (P e rg u n ta 6, R e sp o s ta 4). E n c o n tra m o s o b e m n as coisas criad as n ã o só n o q u e diz re s p e ito à su a su b stâ n cia , m a s ta m b é m n o q u e diz re sp e ito à sua o rd e m p ara u m fim e, e sp e c ia lm e n te , o seu fim ú ltim o , qu e, c o m o fo i d ito a cim a , é a bo n d ad e d iv in a (P e rg u n ta 21, R e sp o sta 4). E ste b e m da o rd e m q u e e x iste n as coisas criad as fo i criad o p o r D eu s. C o n s id e ra n d o , p o ré m , q u e D e u s é a ca u sa das coisas p e lo seu in te le c to , e assim c o n v é m q u e o tip o de to d o e fe ito deva p re e x istir n E le , c o m o está cla ro a p a r tir d o q u e v eio an tes (P e rg u n ta 19, R e sp o s ta 4 ), é n e ce ssá rio q u e o tip o de o rd e m das coisas p a ra o seu fim p re e x ista n a m e n te d iv in a: e o tip o de coisas o rd e n a d o p a ra u m fim é, fa la n d o c o r r e ta m e n te , a p ro v id ê n cia (S T , la .2 2 .1 ). N o p ró p rio D e u s, n ã o p o d e h a v er n ad a o rd e n a d o p ara u m fim , v isto q u e E le é o fim ú ltim o . E ste tip o de o rd e m nas coisas p a ra u m fim é e m D eu s ch a m a d o p ro v id ên cia . D e o n d e B o é c io diz (D e Consol., iv, 6) q u e a “p ro v id ê n cia é o p ró p rio tip o d ivin o, assen ta d o n o R e g e n te su p re m o ; qu e dispôs tod as as co is a s” : essa d isp o sição se re fe re , ou ao tip o da o rd e m das coisas p ara u m fim , ou ao tip o da o r d e m das p a rte s n o to d o [P erg u n ta 21, R e sp o s ta 4] (ib id .). D uas coisas p e rte n ce m
à providência, quais sejam ,
o tip o da ord em
de coisas
p red eterm in ad as para u m fim , e a ex ecu ção desta ord em , que se ch a m a g o v ern o . N o que diz resp eito à p rim eira destas coisas, D eu s te m p rovid ên cia im ed iata em tu d o , p o rqu e Ele te m n o in te le cto os tipos de tod os, até m esm o os m en o res. E sejam quais causas Ele atribu a a certo s efeitos, E le lh es dá o p o d er de p ro d u zir esses efeitos. D e onde deve ser que E le te m o tipo desses efeitos a n te rio rm e n te n a m e n te . Q u an to à segu nd a coisa, há certo s in term ed iá rio s da providência de D eu s, p o rq u e Ele g o v ern a as coisas in feriores pelas su periores, n ão p o r causa de falh a n o seu p o d er, m as p o r cau sa da abu nd ância da sua bondade; de fo rm a que a dignidade da causalidade é dada até m esm o às criatu ras [R e sp o sta 3] (ibid.).
"A pro vid ên cia divina im p õ e a necessidade em algum as coisas; n ão em todas, co m o alguns an tig am e n te a cre d ita v a m ” [R esposta 4] (ibid .). C o m o está claro p elo que foi d eclarado acim a (ibid., la.22, ad 3), a p rovidên cia divina pro d u z efeitos p o r m eio das causas m ediatas. P od em os co n sid erar a o rd en ação dos efeitos de dois m od os. P rim eiram en te, co m o estan d o n o p ró p rio D eu s. A ssim , a o rd en ação dos efeitos se ch a m a providência. M as se nós co n sid eram os esta o rd en ação co m o estando nas causas m ediatas ordenadas p o r D eu s p ara a p ro d u ção de certo s efeitos, assim tem a n a tu re z a de destino.
Os Mestres da Reform a e da Pós-Reform a Falaram sobre a Providência de Deus J o ã o Calvino (1 5 0 9 -1 5 6 4 ) P rim eiro, E le p õ e o so frim en to , depois as glórias que se hão de seguir. E stá claro que esta ord em n e m pode ser m u d ad a n e m pode ser invertid a. [...] C o nsid eran d o qu e o pró p rio D eu s o rd en ou esta co n ju n çã o , n ão cabe a nós rasgar u m a p arte da o u tra. [...]
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Por conseguinte, também sabemos que não sofremos por casualidade, mas pela sólida providência de Deus (CG, 23.4). O salmista vem agora a outro louvor da providência de Deus conforme se manifesta no arranjo bonito pelo qual o curso do sol e da lua sucede um ao outro alternadamente, pois a diversidade nessas mudanças mútuas está tão longe de gerar confusão, que todos temos de facilmente perceber a impossibilidade de achar outro método melhor de marcar tempo (ibid., sobre Salmos 104.19). A verdadeira doutrina da providência não só foi obscurecida, mas quase enterrada. Se caímos nas mãos de ladrões, ou animais vorazes; se uma súbita rajada de vento no mar causa naufrágio; se somos atingidos pela queda de uma casa ou árvore; se perdidos pelos caminhos do deserto, encontramos libertação; ou, depois sermos acossados pelas ondas, chegamos ao porto e temos um escape estreito e maravilhoso da morte — todas estas ocorrências, prósperas como também adversas, o sentido carnal atribuirá à sorte. Mas [aquele que] aprendeu dos lábios de Cristo que todos os cabelos da nossa cabeça estão numerados (Mt 10.30) procurará ir mais longe em busca da causa, e sustentará que todos os eventos são governados pelo secreto conselho de Deus. Com respeito aos objetos inanimados, temos de sustentar mais uma vez que, embora cada um possua propriedades peculiares, todos eles só mostram força na medida em que são orientados pela mão imediata de Deus (ICR, 1.16.2). Primeiro, que o leitor não se esqueça de que a providência que queremos dizer não é pela qual a Deidade, sentada à toa no céu, olha o que está acontecendo no mundo, mas uma providência pela qual Ele, por assim dizer, controla a situação e domina todos os eventos. Por conseguinte, a sua providência se estende não menos às mãos do que aos olhos. Em suma, Agostinho ensina em todos os lugares que se qualquer coisa for deixada à sorte, o mundo se move ao acaso. E embora ele declare em outro lugar (Qmestionum, lib. 83) que todas as coisas são continuadas em parte pelo livre-arbítrio do homem, e em parte pela providência de Deus, logo após ele claramente mostrar que o significado era que os homens também são regidos pela providência, quando ele assume como princípio que não pode haver um maior absurdo do que defender que as coisas são feitas sem a ordenação de Deus, porque aconteceria ao acaso. Por essa razão, ele também exclui a contingência que depende da vontade humana, sustentando, um pouco mais adiante, em termos mais claros, que não devemos procurar nenhuma causa, senão a vontade de Deus (ibid., 1.16.8). Os que atribuem o devido louvor à onipotência de Deus derivam, por meio disso, um benefício duplo. Aquele a quem pertencem os céus e a terra, e a cujo aceno todas as criaturas têm de obedecer, pode perfeitamente recompensar a homenagem que lhe prestam, e elas podem ficar tranqüilas na proteção daquele a cujo controle tudo que pode causar-lhes dano está sujeito, por cuja autoridade Satanás, com toda a fúria e maquinação, é restrito como que com rédeas, e de cuja vontade tudo adverso à nossa segurança depende. Deste modo e de nenhum outro, os medos imoderados e supersticiosos, excitados pelos perigos aos quais estamos expostos, são acalmados ou subjugados (ICR, 1.16.3). Na Lei e nos Profetas, Ele declara repetidamente que tão freqüentemente quanto Ele rega a terra com orvalho e chuva, Ele manifesta o seu favor, que, pelo seu comando, o céu se torna duro como ferro, as colheitas são destruídas por mofo e outras pragas, que tempestades e granizos, devastando os campos, são sinais de vingança certa e especial. Tendo admitido isto, é certo que nem uma gota de chuva cai sem a ordem expressa de
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Deus. Davi realmente (Sl 147.9) exalta a providência geral de Deus em prover comida para os filhotes de corvos que choram a ele, mas quando o próprio Deus ameaça as criaturas vivas com escassez de alimentos, não está Ele declarando claramente que eles são alimentados por Ele, em um tempo com insuficiência, em outro com a mais ampla medida? É infantil, como eu já disse, limitar isto aos atos particulares, quando Jesus diz, sem reservas, que nem um passarinho cai ao chão sem a vontade do Pai (Mt 10.29). Com certeza, se o vôo dos pássaros é regido pela deliberação de Deus, temos de reconhecer com o profeta que, enquanto Ele “habita nas alturas”, Ele “se curva para ver o que está nos céus e na terra” [Sl 113.5,6] (ibid., Livro I). Ulnco Zwínglio (1484-1531) Portanto, ao jovem é ensinado que todas as coisas são pela providência de Deus: pois de dois passarinhos vendidos por u m centavo, nem u m dos dois cai ao chão exceto pela decisão da providência divina (que tam bém enum erou os fios de cabelo de nossa cabeça), nada sendo m uito insignificante para o seu cuidado (Zwínglio, “C CW G ”, em Bromley, editor, ZB, p. 104). Jacob Arminius (1560-1609) “Declaro que [a providência de Deus] conserva, regula, governa e dirige todas as coisas, e que nada no m undo acontece fortuitam ente ou por acaso” (W JA , 1.210). Considero que a providência divina é a inspeção e a supervisão solícitas, continuadas e universalmente presentes de Deus, de acordo com as quais Ele exerce um cuidado geral sobre o mundo, mas evidencia uma preocupação particular por todas as suas criaturas [inteligentes] sem exceção, com o desígnio de preservá-las e governá-las na sua própria essência, qualidades, ações e emoções, de maneira que isso seja ao mesmo tempo digno dEle e satisfatório a elas, para o louvor do seu nome e a salvação dos crentes. [...] Eu coloco em sujeição à providência divina o livre-arbítrio e até as ações da criatura racional, de forma que nada seja feito sem a vontade de Deus, nem mesmo essas coisas que são feitas em oposição a ela; só temos de observar uma distinção entre ações boas e ações más, dizendo que “Deus deseja e executa atos bons”, mas que “Ele só permite livremente os que são maus”. Ainda mais que isso, eu muito prontamente concedo que todas as ações de todo tipo, relativas ao mal, que sejam possivelmente inventadas ou imaginadas, podem ser atribuídas à providência divina. Empregando uma precaução somente, de não concluir a partir desta concessão que Deus é a causa do pecado (ibid., 1.251). A providência divina não determina um livre-arbítrio a uma parte de contradição ou inconsistência, quer dizer, por uma determinação que preceda a própria volição. Sob outras circunstâncias, o consentimento da volição com a vontade é a causa concomitante, e assim determina a vontade com a própria volição, por um ato que não é anterior, mas simultâneo, como os escolásticos se expressam (ibid., 11.489). Deus, pela sua providência, permitiu que alguns anjos, deliberada e irrecuperavelmente, caíssem em pecado e danação, limitando e ordenando isso, e todos os seus pecados, para a própria glória dEle; e estabeleceu os demais anjos em santidade e felicidade; empregandoos todos para o seu prazer, nas administrações do seu poder, misericórdia e justiça.
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A Confissão Belga
A Confissão Belga, no Artigo 13, sobre a “Doutrina da Providência de Deus”, declara: Cremos que este Deus bom, depois de ter criado todas as coisas, não as abandonou ao acaso ou sorte, mas as lidera e as governa de acordo com a sua santa vontade, de tal modo que nada acontece neste mundo sem o seu arranjo ordeiro. Contudo, Deus não é o autor, nem pode ser acusado do pecado que acontece. Pois o seu poder e bondade são tão grandes e incompreensíveis que Ele organiza e faz a sua obra muito bem e com justiça mesmo quando os demônios e os homens maus agem injustamente. Esta doutrina nos dá conforto indizível, visto que ensina que nada acontece por acaso, mas só pelo arranjo de nosso Pai celestial e gracioso. Ele cuida de nós com cuidado paternal, mantendo todas as criaturas sob o seu controle, de forma que nem um fio dos cabelos de nossa cabeça (porque todos eles estão contados) nem um passarinho podem cair ao chão sem a vontade de nosso Pai. Neste pensamento, descansamos, sabendo que Ele mantém sob controle os demônios e todos os nossos inimigos, que não podem nos ferir sem a permissão e a vontade dEle. Por isso, rejeitamos o erro condenável dos epicureus, que dizem que Deus não se envolve em nada e deixa tudo ao acaso (Mt 10.29,30). O A rtig o 12, so b re “A C ria ç ã o de T odas as C o isas” , d eclara: Cremos que o Pai criou do nada o céu, a terra e todas as outras criaturas, quando lhe pareceu bom, pela sua Palavra, quer dizer, pelo seu Filho. Ele deu a todas as criaturas a existência, a forma e a aparência, e as suas várias funções para servirem ao Criador. Mesmo agora, Ele também sustenta e governa todas as coisas de acordo com a sua providência eterna, e pelo seu poder infinito, para que elas possam servir ao homem, a fim de que o homem possa servir a Deus. Ele também criou os anjos bons para que fossem os seus mensageiros e servissem aos eleitos. Alguns deles caíram da excelência em que Deus os criara para a perdição eterna; e os outros persistiram e permaneceram no estado original, pela graça de Deus.
0 Artigo 14 declara: “Pois não há entendimento nem vontade de acordo com o entendimento e a vontade de Deus à parte do envolvimento de Cristo, como Ele ensina quando diz: ‘Sem mim nada podereis fazer’ [Jo 15.5]. A providência é a obra de Cristo: 1 Coríntios 8.6; João 5.17.” Frands Turretin (1623-1687)
Turretin disse que a providência é “a primeira eminência de poder sobre os outros, pois está de acordo com a natureza das coisas que os superiores e mais excelentes tenham domínio sobre os inferiores e mais ignóbeis” ( IET , p. 250). E acrescentou: “O primeiro [o domínio natural] está fundamentado no decreto da providência, pelo qual Ele [Deus] predeterminou todas as coisas e eventos. [...] A propriedade principal do domínio de Deus é que ele não só é universal, mas também absoluto e ilimitado” (ibid., p. 251). Além disso, a providência não é incompatível com a liberdade humana: Portanto, visto que a providência não concorda com a vontade humana, nem pela via da coação, forçando uma vontade relutante, nem pela via de um determinismo físico,
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co m o se fosse u m a coisa b ru ta e cega, d estituíd a de to d o ju lg a m e n to , m as d obrand o ra cio n a lm e n te a v o ntad e até ce rto p o n to co n g ru e n te consig o m esm a p ara qu e possa se d eterm in a r, co n clu i-se qu e a causa p ró x im a da ação de cada h o m e m , estan d o n o ju lg a m e n to do seu e n ten d im en to e eleição esp on tân ea da sua vontad e, n ão m o stra fo rça co n stra n g en d o a nossa liberdade, m as, antes, a su sten ta (ibid., 50.6). C harles H odge (1 7 9 7 -1 8 7 8 ) As obras da providência de D eu s são as m ais santas, sábias e poderosas, p reservan do e g ov ern an d o todas as suas criatu ras e todas as suas ações. P o rtan to , a p rovid ên cia inclu i a preservação e o g overn o . P or p reservação, q u erem o s dizer que todas as coisas de D eus d evem a co n tin u a ção da sua existência, co m todas as suas propriedades e poderes, à vontade de D eus. A providência n ão só inclui a preservação, m as o governo. O ú ltim o inclu i as idéias de desígnio e co n trole. Su põe u m fim a ser atingido, e a disposição e direção dos m eios para a realização. Se D eu s g overn a o universo, Ele tem u m grande fim , inclusive u m n ú m ero indefinido de fins subordinados, para os quais é dirigido, e Ele deve co n tro lar a seqüência de todos os eventos, para to rn a r certa a realização de todos seus propósitos (ST, l.X I.1-2). A d o u trin a da providência exclu i a necessidade e o acaso do u n iv erso , su bstitu in d o po r eles o c o n tro le in te lig en te e u n iversal de u m D eu s in fin ito e on ipresente. As E scritu ras en sin am que a p rovidên cia de D eu s em relação aos pecad os dos h o m en s é tal qu e a pecam inosid ad e p ro ced en te disso é só da criatu ra, e n ão de D eu s, qu e n e m é n e m pode ser o a u to r ou aprovador do pecado. O fato d esta p rov id ên cia un iversal de D eu s é tu d o qu e a Bíblia en sina. N ão te n ta in fo rm a r e m n e n h u m a p arte co m o é qu e D eu s g o v ern a todas as coisas, ou co m o o seu co n tro le eficaz se reco n cilia c o m a eficiên cia das causas segundas. Todas as tentativas dos filósofos e teó lo g o s de exp licar esse p o n to fo ra m u m fracasso, e p ior qu e fracasso, p o rq u e n ão só su scitaram m ais dificuldades do qu e reso lv eram , m as em quase tod os os exem p los eles in clu e m princípios ou co n d u zem a co n clu sões in co m p atív eis co m os ensinos claros da Palavra de D eus. Estas teorias são todas fun d am en tad as em alg u m princípio a n te rio rm e n te aceito c o m o hip ó tese que é p resu m id o em n e n h u m a au to rid ad e m ais alta que a razão h u m a n a (ibid.). C o m o a estabilidade do u n iv erso , o b e m -esta r e m esm o a existên cia das criatu ras organizadas d epend em da u n ifo rm id ad e das leis da n atu reza, D eu s n u n c a os desconsidera, c o m e xce çã o para a realização de alg u m p ro p ósito su blim e. Ele, nas op eraçõ es ordinárias da providência, op era co m e pelas leis qu e Ele ord en o u . E le g o v ern a o m u n d o m aterial, c o m o ta m b é m o m u n d o m o ra l, através da lei. E óbvio que a d o u trin a bíblica da providência não é in co m p atív el co m o “R ein ad o da Lei” e m qu alqu er sen tid o p ró p rio das palavras. As E scritu ras re c o n h e c e m o fato de qu e as leis da n a tu re z a são im u táveis; que elas são as o rd en ações de D eu s; que elas são u n ifo rm es nas suas op eraçõ es; e que elas n ão p o d em ser desconsideradas co m im p u n id ad e. Mas c o m o o h o m e m n a sua esfera pode usar estas leis p ara realizar os p ro p ósito s m ais diversificados, assim D eu s n a sua esfera ilim itad a sem p re e em tod os os lugares os tem sob o seu c o n tro le absolu to, de fo rm a que, sem su spendê-las ou violá-las, elas são sem pre servis à sua vontade. Tais são os princípios gerais envolvidos n esta d o u trin a dificílim a da p ro vid ên cia divina. D ev em o s estar ig u alm en te e m guarda co n tra o e x tre m o que fu n d e tod a eficiên cia em D eu s, e que, n egan d o todas as causas seg u n d a j^ d estró i a liberdade e responsabilidade
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humanas, e não só faz Deus o autor do pecado, mas em realidade o único Ser no universo; e o oposto extremo que bane Deus do mundo que Ele fez, e que, negando que Ele governa todas as suas criaturas e todas as suas ações, destrói o fundamento de toda religião e seca as fontes da devoção (ibid., 1.XI.4). O universo inteiro, na medida em que está sujeito à nossa observação, dá amostras de inteligência onipresente e controle de Deus. A mente está ativa em todos os lugares. Está manifesta em todos os lugares a adaptação inteligente dos meios para os fins; também na organização do animálculo, que exige o microscópio para que seja revelado, como na ordem dos corpos celestes. Esta mente não está na matéria. Não é um vis naturae cego. E, e deve ser, a inteligência de um Ser infinito e onipresente. Está, da mesma maneira, muito além do poder da criatura formar um inseto quanto é criar o universo. E é tão irracional presumir que as formas organizadas dos mundos vegetal e animal sejam devido às leis da natureza como seria presumir que uma máquina de impressão pudesse ser construída para compor um poema (ibid., 1.XI.2).
“Assim, é revelado claramente nas Escrituras o fato de que Deus governa todas as criaturas e todas as ações destas” (ibid., 1.XI.609). E, “seriamos órfãos desamparados não fosse por esta supervisão e proteção constante de nosso Pai celestial” (ibid., 1.XI.509). B. B. Warfield (1851-1921) Uma fé firme na providência universal de Deus é a solução de todas as dificuldades terrenas. É quase igualmente verdadeiro que uma apreensão clara e plena da providência universal de Deus é a solução da maioria dos problemas teológicos. A maioria das dificuldades religiosas com que os homens perturbam suas mentes jaz na intrusão sutil em nosso pensamento do que podemos chamar postulados deístas, e desapareceria se pudesse, mas o significado pleno da providência universal de Deus entra e condiciona todo nosso pensamento. E porque esquecemos desta grande verdade que nos atormentamos e nos confundimos com dificuldades que parecem insolúveis, mas que cessam de ser dificuldades tão logo nos lembramos de que a providência de Deus se estende sobre todas as coisas. [...] O verdadeiro contraste não é entre o divino e o humano na Bíblia; mas entre os fatores inspirativos e os fatores providenciais que entraram na composição divina da Bíblia. Os seus propósitos de misericórdia jamais falharão por causa da nossa infidelidade, pois a sua providência está acima de tudo. E não há nenhum de nós, nem o mais necessitado, nem o pior, nem o mais distante, que possa ser privado da providência de Deus. [...] Assim podemos entender melhor o que Ele quer dizer quando declara que todo poder e autoridade foram dados a Cristo, e que Ele foi feito a cabeça sobre todas as coisas para a igreja. Jesus Cristo, o Redentor dos homens, é agora o Deus da providência, e toda a providência é administrada agora em prol dos interesses da sua obra salvífica. Portanto, essa obra não pode falhar em um único particular por falta de cooperação providencial (SSWBBW, 1.114-115). Karl Barth (1886-1968) Que a criatura é, pressupõe este ato final em todos os desenvolvimentos, extensões e relações temporais deste ser, em todas as formas individuais do mundo pertencentes à criatura e em todas as manifestações e modificações históricas da sua existência. Também pressupõe uma ação adicional de Deus, isto é, a sua atividade na providência. Mas não pressupõe atos adicionais da criação. Como distinta da criação, a providência é
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o conhecimento, a vontade e a ação de Deus, na sua relação com a criatura já feita por Ele, e não a ser feita novamente. A providência garante e confirma a obra da criação. E nenhuma criatura poderia existir se não agradasse a Deus continuamente confirmá-la e garanti-la e, assim, mantê-la. Entretanto, isto não significa que Ele cria continuamente mais uma vez. É pressuposto que a obra da criação foi inteiramente feita e terminada e, portanto, concluída (CD, parte 3, 6). O reconhecimento de que da sua bondade livre e imerecida, e então com o grau mais alto de certeza, Deus e Deus somente garante a existência da criatura, o seu ser e natureza e a expressão inteira da sua vida realmente pertencem ao próprio começo da doutrina da providência divina (ibid., p. 60). Criação e providência não são idênticas. Na criação, é questão do estabelecimento, o começo incomparável da relação entre o Criador e a criatura. Na providência, da sua continuação e história em uma série de momentos diferentes, mas comparáveis. Na criação, vemos particularmente a diferença da natureza, posição e função do Criador, por um lado, e da criatura, por outro. Na providência, a relação recíproca entre eles, o tratamento do Criador para a existência da criatura, por um lado, e a participação da criatura na existência do Criador, por outro. O ato da criação ocorre em um primeiro tempo específico. O tempo da providência é todo o tempo restante até o fim. A criação não tem base externa à parte do livre-arbítrio e resolução de Deus, nem base interna à parte do mistério da eleição da graça no próprio ser divino. A providência não só tem a sua base na liberdade e decisão incondicionais de Deus e no mistério da eleição da graça, mas também externamente no ser pressuposto da criatura e interiormente em sua necessidade em relação ao Criador (ibid., 8). Millard Erickson
Por providência, queremos dizer a ação continuada de Deus pela qual Ele conserva em existência a criação que Ele trouxe à existência, e a guia aos propósitos planejados para ela. [...] As características principais do governo de Deus são: a atividade governamental de Deus é universal. [...] A providência de Deus não se estende meramente ao seu povo. [...] Deus é bom no seu governo. [...] Deus está pessoalmente preocupado com os que a Ele pertencem. [...] A nossa atividade e a atividade divina não são mutuamente exclusivas. [...] Deus é soberano no seu governo. Precisamos ter cuidado quanto ao que identificamos por providência de Deus (CT, pp. 387-404).
OBJEÇÕES À PROVIDÊNCIA DE DEUS E m v irtu d e das a firm a çõ e s bíblicas e te o ló g ic a s a fav o r da p ro v id ê n cia divina, algu ns p ro b le m a s e m e rg e m . A m a io ria gira e m to r n o , o u da a p a re n te d iste le o lo g ia (fa lta de d esíg n io ) n o m u n d o , o u do p ro b le m a do m a l.
O bjeção Um: Baseada na Suposta Aleatoriedade no M undo Natural A n a tu re z a te m p ro ce sso s a p a re n te m e n te fo rtu ito s . P o r e x e m p lo , n ã o h á o rd e m n a m is tu ra de m o lé c u la s n o ar q u e e x a la m o s — elas se e sp a lh a m f o r tu ita m e n te m is tu ra n d o se n a a tm o sfe ra . O m e s m o é verd ad eiro a c erca das sem e n te s esp alh adas p e lo v e n to ou da areia n a p raia.
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Resposta à Objeção Um Esta objeção negligencia o fato de que h á ordem e propósito nesta aparente aleatoriedade. Por exem plo, quando exalam os gás carbônico, se as m oléculas não se misturassem fortuitam ente no ar, estaríamos inalando o m esm o gás venenoso que acabamos de exalar, em vez do oxigênio de que precisam os. Por conseguinte, há u m propósito providencial para a aleatoriedade. O m esm o é verdadeiro acerca de outros processos aparentem ente fortuitos da natureza. Os dentistas inform am que até a explosão aparentem ente fortuita do universo foi tão perfeitam ente ajustada desde o início que, sem este ajuste m eticuloso, a vida n a terra não teria sido possível. Isto se cham a o princípio antrópico. Alan Sandage, famoso astrônom o, observou: O mundo é complicado demais em todas as suas partes para existir só por acaso. Estou convencido de que a existência da vida com toda a sua ordem em cada um dos seus organismos é simplesmente muito bem formada. Cada parte de um ser vivo depende de todas as suas outras partes para funcionar. Como é que cada parte sabe? Como é que cada parte é especificada na concepção? Quanto mais aprendemos sobre bioquímica, mais incrível se torna, a menos que haja um tipo de princípio organizacional — um arquiteto, para os crentes (“SRRB”, em T, p. 54).
E todas as condições para isto foram estabelecidas desde o m om en to da origem do universo. Albert Einstein (1879-1955) disse que “a harm onia da lei natural [...] revela u m a inteligência de tal superioridade que, comparado com ela, todo pensam ento sistem ático e ação dos seres hum anos é um reflexo totalm ente insignificante” (1 0 , p. 40). Até Robert Jastrow, astrônom o agnóstico, reconheceu: O princípio antrópico é o desenvolvimento mais interessante próximo da prova da criação, e é ainda mais interessante porque dá a entender que a ciência provou, como fato concreto, que este universo foi feito, foi projetado, para o homem viver nele. E um verdadeiro resultado teísta ( “SCBTF”, em CT, p. 17).
Objeção Dois: Baseada na Indeterminação no Mundo Subatômico H áquem tom e o “princípio daincerteza” ou “princípio daindeterm inação”, defendido por W erner Heisenberg, co m o apoio para rejeitar a providência m eticulosa de Deus sobre cada detalhe da criação. Este é u m princípio da m ecânica quântica que declara que “aposição e a velocidade de u m a partícula não podem ser conhecidas sim ultaneam ente com plena certeza. Se u m a é conhecida co m m uita certeza, a o u tra fica m uito incerta” (Lightm an, 0 , p. 560). Por exem plo, de acordo co m esta teoria, “é possível predizer co m precisão que fração dos [átom os de urânio] se desintegrarão radioativam ente durante a próxim a hora, m as é impossível predizer quais átom os se desintegrarão” (ibid.).
Resposta à Objeção Dois Este princípio da incerteza não apóia a visão de que os acontecim entos surgem sem causa ou de que as ações hum anas são não-causadas. Isto está claro por muitas razões.
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Primeiro, o princípio da incerteza de Heisenberg não diz que não há causa ou propósito para os acontecim entos, mas que não podem os predizer o curso de determ inada partícula. Por conseguinte, não devem os entendê-lo com o o princípio da não-causalidade,
mas com o o princípio da imprevisihilidade. Segundo, o princípio da indeterm inação n em m esm o nega a previsibilidade em geral. T ão-so m en te declara que os “sistemas físicos devem ser descritos em term os de probabilidades” (Lightm an, O, p. 553). Q uer dizer, podem os predizer com precisão que fração de partículas reagirá de certo m odo, m as não quais átom os reagirão (ibid.). A lém disso, em bora não possam os predizer a posição de u m a p artícu la específica, podem os predizer o padrão global que indica u m a conexão causai. N em este axiom a nega que até determ inadas partículas são previsíveis, m as só que os cientistas, com os seus instrumentos limitados e habilidades observacionais, não podem (no m o m en to ) predizer o curso das partículas subatôm icas individuais. O princípio não significa que o curso de determ inadas partículas subatôm icas é absolutam ente imprevisível. Se u m a M ente infinita existe, Ele pode predizer ambos. Terceiro, o princípio de Heisenberg descreve o reino subatôm ico, que não é conhecido sem a interferência do investigador. Os m icroscópios de elétrons, pelos quais observam os o reino subatôm ico, bom bardeiam as partículas subatôm icas para “vê-las”. M o rtim er Adler com entou : A o m e sm o te m p o em que os princípios da in certez a de H eisenberg fo ra m estabelecidos, a física qu ân tica re c o n h e c e u que as m edidas exp erim en tais intru sas qu e fo rn e ce ra m os dados usados nas fo rm u la çõ es m atem áticas da teo ria qu ântica o u to rg a ra m n o s ob jeto s e a co n te cim en to s su b atô m ico s caráter in terd ete rm in ad o . [...] P o rta n to , co n clu i-se que a in d e te rm in a çã o n ão pode ser in trín seca à realidade su b atô m ica ( TR, pp. 96-100).
Por conseguinte, o co m p o rtam en to im previsível pode ser conseqüência, em parte, do bom bardeio na própria tentativa de observá-los. Quarto, n em todos os físicos dos dias de h o je aceitam a física quântica e a teoria da incerteza. U m dos m aiores físicos do século X X a rejeita. A esse respeito, A lbert Einstein afirm ou que “Deus não joga dados com o un iverso”.
O bjeção Três: Baseada no Problema do Mal C om o Deus pode estar no controle do m u nd o quando há tantos m ales no mundo? Se Ele estivesse no con trole to tal de tudo, então não haveria o m al. De m od o inverso, se há tantos m ales no m und o, conclui-se que Deus não está no con trole do m undo.
Resposta à O bjeção Três Em resposta, a providência de D eus em relação ao m al é preventiva (G n 20.6; 31.24; Sl 19.13; Os 2.6); permissiva (2 C r 32.31; D t 8.2; Sl 17.13,14; 81.12,13; Is 53.4,10; Os 4.17; A t 14.16; R m 1.24,25; 3.25; Sl 29.3; 2 Sm 24.1; 1 C r 22.1); providencial (G n 50.20; Sl 76.10; Is 10.5,6; Jo 13.27; A t 4.27,28); e produtiva (Jó 1.12; Sl 124.2; 1 Co 10.13; 2 Ts 2.7; Ap 20.2,3). Ainda que Deus p erm ita o m al por ora, Ele vigia o processo providencialm ente, e, no final das contas, produz u m bem m aior com isso.
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Objeção Quatro: Baseada na Distribuição Desproporcional de Felicidade O utro problem a com a providência é a distribuição aparentem ente in ju sta de felicidade no m undo. Está claro para todo observador que n em todas as pessoas no m undo estão igualm ente contentes. A boa sorte não foi com partilhada igualitariam ente entre os habitantes deste planeta.
Resposta à Objeção Quatro Em resposta, alguns com entários são adequados. Primeiro, com o seres hum anos caídos, pouco im portando qual seja a nossa sorte, tem os mais coisas boas da m ão de Deus do que m erecem os. Segundo, m esm o que todos m ereçam os ser felizes, não há obrigação sobre Deus para tornar todos igualm ente felizes. Terceiro, e últim o, esta vida é apenas um a preparação para a próxima, onde todas as injustiças daqui serão corrigidas.
CONCLUSÃO A fundam entação bíblica, históricae teológicado controle com pleto e soberano de Deus sobre todo evento hum ano — passado, presente e futuro — perm anece firme. Os ataques, tanto de dentro quanto de fora, são refutáveis. M esm o sem o exercício da influência persuasiva de Deus sobre as criaturas livres, Deus pode controlar o destino de todas as coisas sim plesm ente pela sua presciência infalível de com o cada criatura livre escolherá exercer a liberdade. Sem elhantem ente, Deus exerce controle providencial geral e particular sobre cada criatura. Até o m al é permitido para o fim últim o e bom . Nada em toda a criação escapa do olhar cuidadoso e preocupação am orosa de Deus.
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A P Ê N D I C E
UM
CRISTOLOGIA
A
n a lisa m o s a cristologia e m três o u tro s lu g ares destes v o lu m e s. T ra ta m o s da o b ra de C risto n a c ru z n a seção soteriologia, n o V o lu m e 3, ca p ítu lo s 8 e 9; d iscu tim o s a n a tu re z a
de C risto c o m o m e m b ro da T rin d ad e n e s te v o lu m e , ca p ítu lo 12; e e x a m in a m o s o fu tu r o rein ad o de C risto n o V o lu m e 4, n a seção escatologia ( “ú ltim a s coisas”). E sb o ça re m o s o u tro s e le m e n to s da cristo lo g ia aqu i n e s te ap ênd ice.
O ESTADO PRÉ-ENCARNADO DE CRISTO O A n tig o e o N ov o T e s ta m e n to a p re se n ta m c la ra m e n te q u e C risto é o, F ilh o E te r n o de D eu s. C o m o F ilh o , E le é e te r n a m e n te su b m isso ao Pai, fa to ev id en ciad o n a e te rn id a d e passada p e la su a b o a v o n ta d e e m s u b m e te r-s e à v o n ta d e do Pai p ara ser o R e d e n to r da h u m a n id a d e . Jesus p ro c la m o u :
Então, disse: Eis aqui venho (no princípio do livro está escrito de mim), para fazer, ó Deus, a tua vontade. Como acima diz: Sacrifício, e oferta, e holocaustos, e oblações pelo pecado não quiseste, nem te agradaram. [...] Então, disse: Eis aqui venho, para fazer, ó Deus, a tua vontade. Tira o primeiro, para estabelecer o segundo. Na qual vontade temos sido santificados pela oblação do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez. (Hb 10.7-10) E n q u a n to estev e n a te rra , C risto se m p re o b e d e c e u à v o n ta d e do Pai (Jo 15.10):
[Jesus], sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus. Mas aniquilouse a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte e morte de cruz. (Fp 2.6-8) N a e te rn id a d e v in d o u ra, C risto aind a se s u b m e te rá ao Pai. P au lo escre v e u :
Depois, virá o fim, quando tiver entregado o Reino a Deus, ao Pai, e quando houver aniquilado todo império e toda potestade e força. Porque convém que reine até que haja posto a todos os inimigos debaixo de seus pés. Ora, o último inimigo que há de ser aniquilado é a morte. E, quando todas as coisas lhe estiverem sujeitas, então, também o
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mesmo Filho se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos .(1 Co 15.24-26,28)
A Filiação Eterna de Cristo segundo o Novo Testamento Como a segunda Pessoa da Santa Trindade (ver capítulo 12), Cristo não teve começo. João escreveu: “No princípio, era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus” (Jo 1.1). Na realidade, “todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez” (Jo 1.3). Paulo acrescentou: “Nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades; tudo foi criado por ele e para ele. E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele” (Cl 1.16,17). Jesus orou: “E, agora, glorifica-me tu, ó Pai, junto de ti mesmo, com aquela glória que tinha contigo antes que o mundo existisse” (Jo 17.5). “Em verdade, em verdade vos digo que, antes que Abraão existisse, eu sou” (Jo 8.58). Cristo é o Filho eterno do Pai eterno. Quando Ele disse: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10.30), “os judeus [...] pegaram em pedras” (Jo 10.31), reivindicando o direito de matá-lo “pela blasfêmia, porque, sendo tu homem, te fazes Deus a ti mesmo” (Jo 10.33).
A Filiação Eterna de Cristo segundo o Antigo Testamento Até o Antigo Testamento fala do Filho eterno. O salmista escreveu: Eu, porém, ungi o meu Rei sobre o meu santo monte Sião. Recitarei o decreto: O Senhor me disse: Tu és meu Filho; eu hoje te gerei. Pede-me, e eu te darei as nações por herança e os confins da terra por tua possessão. Beijai o Filho, para que se não ire, e pereçais no caminho, quando em breve se inflamar a sua ira. Bem-aventurados todos aqueles que nele confiam. (Sl 2.6-8,12)
Provérbios acrescenta: Quem subiu ao céu e desceu? Quem encerrou os ventos nos seus punhos? Quem amarrou as águas na sua roupa? Quem estabeleceu todas as extremidades da terra? Qual é o seu nome, e qual é o nome de seu filho, se é que o sabes? (Pv 30.4)
Falando sobre a concepção virginal de Cristo, o profeta escreveu: “Portanto, o mesmo Senhor vos dará um sinal: eis que uma virgem conceberá, e dará à luz um filho, e será o seu nome Emanuel [ou seja, Deus conosco]” (Is 7.14). O mesmo profeta também declarou: “Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; e o principado está sobre os seus ombros; e o seu nome será Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz” (Is 9.6).
Cristo como o Mensageiro de Jeová no Antigo Testamento Uma das extraordinárias provas da filiação e deidade pré-encarnada de Cristo no Antigo Testamento é a sua aparição como “o Anjo [o Mensageiro] do Senhor”. Consideremos o seguinte.
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O Mensageiro de Jeová É Jeová
No Antigo Testam ento, o term o “Jeová” (Senhor) é exclusivam ente usado em alusão a Deus. Na realidade, o próprio Deus proclam ou: Porque assim diz o Senhor que tem criado os céus, o Deus que formou a terra e a fez; ele a estabeleceu, não a criou vazia, mas a formou para que fosse habitada: Eu sou o Senhor [Jeová] e não há outro. (Is 45.18) Deus diz que este título é o seu “N o m e”, dizendo: "Eu sou o Senhor [Jeová], E eu apareci a Abraão, e a Isaque, e a Jacó, com o o Deus Todo-poderoso; mas pelo m eu nom e, o Senhor, não lhes fui perfeitam ente conhecido” (Ex 6.2,3). 0 Mensageiro do Senhor E Jeová Este ponto está claro quando Ele apareceu a Moisés, pois “apareceu-lhe o Anjo do Senhor em um a cham a de fogo, no meio de um a sarça” (Ex 3.2). No versículo 7, ele é chamado “o Senhor [Jeová]”, e no versículo 14, Ele dá o seu Nome com o “EU SOU O QUE SOU”. Em outros lugares do Antigo Testam ento, o Mensageiro do Senhor é cham ado Deus. Em Gênesis 18.1, u m dos mensageiros (anjos) que apareceu a Abraão se cham ava Jeová ( “o Senhor”). Quando os outros dois anjos partiram p araS odom a, lemos: “Abraão ficou ainda em pé diante da face do Senhor [Jeová]” (G n 18.22). Sem elhantem ente, "o Anjo do S enh or” que apareceu à esposa de M anoá (Jz 13.3) aceitou e respondeu a oração de M anoá, que ele “orou instantem ente ao Senhor [Jeová] e disse: Ah! Senhor m eu, rogote que o h om em de Deus, que enviaste, ainda venha para nós o u tra vez e nos ensine o que devemos fazer ao m enino que há de nascer” (Jz 13.8). Na realidade, quando lhe foi perguntado, Ele disse que o seu nom e era “m aravilhoso” (Jz 13.18; cf. Is 9.6). 0 Anjo do Senhor E uma Pessoa Diferente do Senhor No Antigo Testamento, vez ou outra o Anj o do Senhor, que é o Senhor, falou com outra pessoa que é cham ada “o Senhor” (Jeová). Por exemplo, Zacarias registrou: “Então, o anjo do Senhor respondeu e disse: 0 Senhor dos Exércitos, até quando não terás compaixão de Jerusalém e das cidades de Judá, contra as quais estiveste irado estes setenta anos? Respondeu o Senhor [Jeová], ao anjo” (Zc 1.12,13). O m esm o tipo de conversa aconteceu entre o Pai e o Filho no Salmo 110.1, onde Davi escreveu: “Disse o Senhor [Jeová] ao m eu Senhor [Adonai]: Assenta-te à m inha m ão direita, até que ponha os teus inimigos por escabelo dos teus pés” (Em Mateus 22.42,45, Jesus confirmou esta interpretação do texto.) No Salmo 45, o Pai fala com o Filho, dizendo: “O teu trono, ó Deus, é eterno e perpétuo; o cetro do teu reino é um cetro de eqüidade” (Sl 45.6; cf. Hb 1.8). O Anjo do Senhor E Cristo O Anjo do Senhor é a segunda Pessoa da Trindade, verdade derivada de duas linhas de evidência im portantes. Primeiro, o Anjo do Senhor no Antigo Testam ento desem penha o m esm o papel que Cristo desem penha no Novo Testam ento. O Pai é quem planeja e envia o Redentor, o Filho é quem é o Redentor, e o Espírito Santo é quem convence e aplica a redenção àqueles que são redimidos. Na realidade, encontram os todos os Três m em bros da divindade em u m a passagem no Antigo Testam ento. Isaías escreveu:
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S
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As benignidades do Senhor [o Pai] mencionarei e os muitos louvores do Senhor, consoante tudo o que o Senhor nos concedeu, e a grande bondade para com a casa de Israel, que usou com eles segundo as suas misericórdias e segundo a multidão das suas benignidades. Porque o Senhor dizia: Certamente, eles são meu povo, filhos que não mentirão. Assim ele foi seu Salvador. Em toda a angústia deles foi ele angustiado, e o Anjo da sua presença [o Filho] os salvou; pelo seu amor e pela sua compaixão, ele os remiu, e os tomou, e os conduziu todos os dias da antiguidade. Mas eles foram rebeldes e contristaram o seu Espírito Santo [o Espírito]. (Is 63.7-10) Segundo, assim que o Filho (C risto ) entro u em p erm an en te fo rm a encarnada (Jo 1.1,14; 1 Jo 4.2), n u n ca mais o A n jo do S en h o r aparece, em bora um anjo apareça de vez em quando (cf. A t 12.7ss.). Nenhum anjo que ordena ou aceita adoração ou ajirma ser Deus jamais aparece novamente. O utras referências ao A n jo do Sen h or, em bora às vezes co m nom es diferentes, con firm a as m esm as conclusões. Por exem plo, o A n jo do S en h o r (C risto ) apareceu a Josué para confirm ar que Ele era o verdadeiro líder de Israel:
E sucedeu que, estando Josué ao pé de Jericó, levantou os seus olhos, e olhou; e eis que se pôs em pé diante dele um homem que tinha na mão uma espada nua; e chegou-se Josué a ele e disse-lhe: És tu dos nossos ou dos nossos inimigos? E disse ele: Não, mas venho agora como príncipe do exército do Senhor. Então, Josué se prostrou sobre o seu rosto na terra, e o adorou, e disse-lhe: Que diz meu Senhor ao seu servo? (Js 5.13,14)
A CONCEPÇÃO VIRGINAL DE CRISTO A evidência a favor da concepção m ilagrosa de Cristo no ú tero de M aria co m eça no Antigo T estam ento.
Previsões Veterotestam entárias da Concepção Virginal de Cristo A mais antiga predição m essiânica n a Bíblia (cham ada p rotoevangelho) descreve a concepção virginal de Jesus. Gênesis 3.15 Falando com o tentad or (serpente), Deus disse: “E porei inim izade entre ti e a m u lh er e entre a tua sem ente e a sua sem ente; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcan h ar”. O fu tu ro R ed entor tin h a de ser a “sem en te” (o u “descendência”) da m u lh er, fato im p ortan te em u m a cu ltu ra patriarcal. N orm alm en te, os descendentes eram rastreados pela lin h a p atern a (cf. G n 5; 11.10,11). Até a genealogia oficial do Messias (em M t 1) é rastreada pelo pai legal de Jesus (José). Na “sem ente da m u lh e r”, há a indicação de que o Messias não teria u m pai natu ral, ou seja, Ele nasceria de u m a virgem. Jeremias 22.30 (cf. 2 Sm 7.11ss.) O utra possível indicação da concepção virginal de Jesus no A ntigo Testam ento se acha na m aldição colocad a em Jeconias, que diz: “Escrevei que este h o m em está privado de seus filhos e é h o m em que não prosperará nos seus dias; n em prosperará algum da sua geração, para se assentar no tro n o de Davi e reinar mais em Judá” (Jr 22.30). O problem a
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potencial com esta predição é que Jesus era o descendente do tro n o de Davi por Jeconias (cf. M t 1.12). Todavia, visto que José era só o pai legal de Jesus (em virtude de estar noivo de M aria quando ela ficou grávida), ele não herdou a m aldição dos descendentes reais de Jeconias. Considerando que Jesus era o filho real de Davi por M aria, de acordo co m a genealogia m atriarcal de Lucas (cf. Lc 3), Ele cu m priu as condições de vir “dos lom bos de D avi” (2 Sm 7.11,12) sem perder os direitos legais ao tro n o de Davi caindo na m aldição de Jeconias. P ortanto, a concepção virginal de Jesus está im p lícito n a interpretação consistente destas passagens do A ntigo T estam ento. Isaías 7.14 A con cep ção virginal de Jesus não só está im p lícito n o A ntigo T e sta m en to , mas tam b ém está pred ito em Isaías 7.14: “P o rtan to , o m esm o S e n h o r vos dará u m sinal: eis que u m a virgem con ceberá, e dará à luz u m filho, e será o seu n o m e E m a n u el”. Seguindo a in terp reta çã o de m u ito s estudiosos da Bíblia, os críticos usam Isaías 7.16 para co lo car o n ascim en to da crian ça profetizad a antes da invasão dos exércitos assírios e da queda de Sam aria (e m 722 a.C .). A lém disso, eles arg u m en tam que Isaías 8.3 é o cu m p rim e n to desta p ro fecia n o n a scim en to n a tu ra l de M aer-Salal-H ás-B az. N este caso, não podem os usar Isaías 7.14 co m o predição da con cep ção virginal de Jesus. Porém , co m respeito a isto, m u itos estudiosos da Bíblia defendem os seguintes pontos. Primeiro, d evem os tra d u z ir a palavra alm ah n e ste te x to p o r “v irg e m ”, visto que não h á e x e m p lo n o A n tigo T e sta m e n to ond e te n h a o u tro significad o que n ã o u m a m o ça so lteira. E, visto que ela ia co n c eb er e dar à luz u m filh o c o m o virg em , n ão pode se refe rir a u m a jo v e m que co n ceb eu de m o d o n a tu ra l. Segundo, a palavra hebraica bethulah n ão foi usada este te x to , porqu e n e m sem pre significa u m a m o ça so lteira e jo v em . Pode até se referir a u m a pessoa casada (J1 1.8). Terceiro, o A n tigo T e sta m e n to grego (L X X ) trad u ziu almah p ela palavra não am bígua parthenos, que só te m o significad o de “v irg e m ”. Por co n seg u in te, os tra d u to re s do A n tig o T e sta m e n to h eb ra ico a cred ita ra m que esta era u m a p red ição do n a scim en to virginal do M essias. Quarto, o insp irad o N ovo T e sta m e n to sa n cio n o u a tra d u çã o fe ita p ela L X X de palavra h eb raica almah co m o “v irg e m ”, quando cito u a versão da L X X de Isaías 7.14. Este te x to usa a palavra parthenos p ara m o stra r que esta p ro fecia se cu m p riu no n a scim en to virg inal de Jesus (M t 1.23). Quinto, visto que a palavra h eb raica alm ah sem p re sign ifica m o ç a que ainda não se casou , co n clu i-se que n eg ar que seja alusão a u m a virg em req u er que ela se case antes de a crian ça n ascer. N ão o b sta n te, se ela estiv er casada, en tão n ã o é m ais u m a virg em que está co n ceb en d o , m as u m a m u lh e r casada. E sta in te rp re ta ç ã o é co n trá ria a Isaías 7.14, que diz c la ra m e n te que “u m a v irgem co n ceb erá , e dará à lu z u m filh o ”. Q u e r dizer, a co n cep çã o e o n a scim en to fo ra m feitos p o r u m a v irgem — isto n ão seria verdade acerca de u m n a scim en to n a tu ra l. Sexto, há d im ensões d esta p ro fecia que só p o d em se refe rir a C risto . Por exem p lo , o nascido de u m a v irgem será ch a m a d o “E m a n u e l” ( “D eu s c o n o s c o ”), usado aqui e no N ovo T e sta m e n to , que cita co m o re fe rê n cia à deidade de Jesus (cf. M t 1.23). Sétimo, é óbvio que a predição vai além do rei Acaz, visto que é dada para toda a “casa de Davi” (Is 7.13). P ortanto, essa predição não pode ser lim itada ao parto natu ral que a
profetiza teve nos dias de Isaías.
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Oitavo, considerando que a ênfase é a algum “sinal” m aravilhoso e inaud ito (Is 7.11-14), é mais bem explicado pelo nascim en to sobrenatural de C risto, e n ão só pelo nascim en to n atu ral de M aer-Salal-H ás-Baz. Por que deveríam os entender que u m nascim en to co m u m seria dado com o u m sinal extraordinário? Nono, o con texto geral de Isaías capítulos 7 a 11 (cf. M q 5.2ss.) fo rm a u m a cadeia irrom pível de profecias m essiânicas (cf. Is 7.14; 8.8; 9.6; 11.1-5). Décima, o Novo Testam ento in terp reta Isaías 7.14 co m o profético. Isto é indicado pelos seguintes quesitos: (1) A frase: “para que se cum prisse” (M t 1.22). (2) A frase intensificadora usada com ela, isto é, “tu do isso aconteceu para que se cum prisse”. (3) A m aneira n a qual a passagem é usada para m o strar a sobrenaturalidade do nascim en to e deidade de C risto (M t 1.23). Décimo primeiro e ú ltim o, u m e o m esm o versículo não podem se referir ao nascim ento de M aer-Salal-H ás-Baz nos dias de Isaías. Caso contrário, ou ele nasceu de u m a virgem, ou Jesus não nasceu de u m a virgem . O m esm o versículo não pode significar duas coisas (antagônicas) diferentes. Se a LX X e o N ovo T estam ento inspirado afirm am que se refere a alguém que era virgem , então não se aplica ao nascim en to de M aer-Salal-H ás-Baz. P ortanto, é m e lh o r entenderm os que o texto se refere a Jesus.1
A Base Neotestamentária para a Concepção Virginal de Jesus A lgum as das referências do A ntigo Testam ento são som en te im plícitas, ao passo que as referências do N ovo T estam ento são explícitas sobre a concepção virginal de Cristo. Mateus 1.18-23 O Novo Testam ento afirma claram ente que Jesus nasceu de um a virgem. Mateus escreveu: Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: Estando Maria, sua mãe, desposada com José, antes de se ajuntarem, achou-se ter concebido do Espírito Santo. Então, José, seu marido, como era justo e a não queria infamar, intentou deixá-la secretamente. E, projetando ele isso, eis que, em sonho, lhe apareceu um anjo do Senhor, dizendo: José, filho de Davi, não temas receber a Maria, tua mulher, porque o que nela está gerado é do Espírito Santo. E ela dará à luz um filho, e lhe porás o nome de JESUS, porque ele salvará o seu povo dos seus pecados. Tudo isso aconteceu para que se cumprisse o quefoi dito da parte do Senhor pelo profeta, que diz: Eis que a virgem conceberá e dará à luz umfilho, e ele será chamado pelo nome de EMANUEL. (EMANUEL traduzido é: Deus conosco). (Mt 1.18-23, grifos meus) Os trechos grifados apon tam quatro fatores que d em on stram que Jesus nasceu de um a virgem. Primeiro, M aria concebeu “antes de se ajuntarem”, revelando que a concepção de Jesus não foi natu ral. Segundo, a reação inicial de José revela que ele não tivera relações sexuais co m Maria, já que quando ele descobriu que ela estava grávida “intentou deixá-la secretamente”.
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Tercem, a frase “o que nela está gerado é do Espírito Santo” revela a natu reza sobrenatural do evento. Quarto e ú ltim o, a citação do profeta sobre um a “virgem” que “dará à luz” u m filho indica que ela não tivera relações sexuais com n inguém . Ela não era sim plesm ente u m a virgem antes do bebê ser concebido, mas tam bém durante e depois que Ele foi concebido, perm anecend o ela virgem até quando Ele nasceu. Lucas 1.26-35 M arcos não diz nada sobre a ascendência, n ascim ento ou infância de Jesus. Ele com eça a narrativa im ed iatam ente com o m inistério de Jesus, o que está de acordo com a sua ênfase em Cristo com o Servo (cf. M c 10.45). C ontu do, o d ou tor Lucas dá grande atenção a todos estes detalhes. Ele com eça a narrativa com o anúncio do nascim en to virginal de Jesus: E, no sexto mês, foi o anjo Gabriel enviado por Deus a uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um varão cujo nome era José, da casa de Davi; e o nome da virgem era Maria. E, entrando o anjo onde ela estava, disse: Salve, agraciada; o Senhor é contigo; bendita és tu entre as mulheres. E, vendo-o ela, turbou-se muito com aquelas palavras e considerava que saudação seria esta. Disse-lhe, então, o anjo: Maria, não temas, porque achaste graça diante de Deus, e eis que em teu ventre conceberás, e darás à luz um filho, e pôr-lhe-ás o nome de Jesus. [...] Descerá sobre ti o Espírito Santo, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra; pelo que também o Santo, que de ti há de nascer, será chamado Filho de Deus. (Lc 1.26-31,35, grifos meus) Aqui novam ente, o texto grifado d em onstra que a concepção de Jesus foi sobrenatural. Primeiro, M aria era “virgem” (parthenos) quando deu à luz, palavra grega que sem pre significa a m u lh e r que não teve relações sexuais co m u m h om em . Segundo, a reação de M aria ( “turbou-se muito” e “temas") revela que ela sabia que era virgem. Terceiro, o an jo disse que a concepção seria da “virtude do Altíssimo”. Lucas 2.1-19 Lucas registra: [José foi a Belém] a fim de alistar-se com Maria, sua mulher, que estava grávida. Ora, havia, naquela mesma comarca, pastores que estavam no campo e guardavam durante as vigílias da noite o seu rebanho. E eis que um anjo do Senhor veio sobre eles, e a glória do Senhor os cercou de resplendor, e tiveram grande temor. E o anjo lhes disse: Não temais, porque eis aqui vos trago novas de grande alegria, que será para todo o povo, pois, na cidade de Davi, vos nasceu hoje o Salvador, que é Cristo, o Senhor. E, no mesmo instante, apareceu com o anjo uma multidão dos exércitos celestiais, louvando a Deus e dizendo: Glória a Deus nas alturas, paz na terra, boa vontade para com os homens! Mas Maria guardava todas essas coisas, conferindo-as em seu coração. (Lc 2.5,8-11,13,14,19, grifos meus) Q uando Lucas registra o nascim ento real de Cristo, há m ais indicações de que foi um nascim en to virginal.
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Primeiro, ele acentua que M aria “tinha casam ento con tratado” co m José ( “sua mulher ver NTLH) e não era casada, situação que naqueles dias significava que ela ainda não tivera relações sexuais co m José. Segundo, o aparecim ento sobrenatural do anjo e do coral celestial aponta que algo extraordinário e surpreendente acontecera. Terceiro, a reação de M aria e a sua m editação no m istério dos acontecim entos m ostra que ela sabia que era sobrenatural. João 2.1-5 Há tam bém fortes indicações no Evangelho de João de que Jesus nasceu de um a virgem. Quando Jesus fez o prim eiro milagre em Caná, a sua m ãe revelou ter consciência da origem sobrenatural do filho pela confiança que ela tinha de que Ele pudesse fazer o sobrenatural. João escreveu: E, ao terceiro dia, fizeram-se umas bodas em Caná da Galiléia; e estava ali a mãe de Jesus. E foram também convidados Jesus e os seus discípulos para as bodas. E, faltando o vinho, a mãe de Jesus lhe disse: Não têm vinho. Disse-lhe Jesus: Mulher, que tenho eu contigo? Ainda não é chegada a minha hora. Sua mãe disse aos empregados: Fazei tudo quanto ele vos disser. (Jo 2.1-5, grifos meus) O texto grifado revela que M aria não só cria que Jesus poderia fazer u m milagre, mas que tam bém estava pedindo um , ainda que ela n unca o tivesse visto fazer u m milagre, já que co m este Jesus “principiou” os seus milagres (Jo 2.11). Esta é forte indicação de que ela sabia da origem sobrenatural de Jesus por via da concepção virginal dEle. João 8.41 Mais adiante, em João, até o insulto dos inimigos de Jesus proporciona u m cu m p rim ento indireto (que Ele nasceu de u m a virgem ). Jesus lhes disse: “Vós fazeis as obras de vosso pai”. “Disseram-lhe, pois: Nós não som os nascidos de prostituição” (Jo 8.41). Esta resposta dá a entender que eles estavam cientes da reivindicação de que Jesus nascera de u m a virgem. Não aceitando essa idéia, eles o acusaram de ter nascido de prostituição. Claro que até José pensou isto até que u m anjo o convenceu sobrenaturalm ente (M t 1.20). O problem a com esta acusação é: co m o alguém nascido em pecado vive u m a vida sem pecado e milagrosa] Respondendo, Jesus atacou ousadam ente: “Q uem dentre vós m e convence de pecado?” (Jo 8.46). Gálatas 4.4 As epístolas do Novo Testam ento estão repletas de referências à impecabilidade de Jesus, as quais, novam ente, dão a entender a sua concepção virginal (2 Co 5.21; Hb 4.15; 1 Jo 3.3). M esm o assim, a referência de Paulo a Jesus ter “nascido de m u lh er” é ainda mais explícita: “Vindo a plenitude dos tem pos, Deus enviou seu Filho, nascido de m ulher, nascido sob a lei” (G 14.4). Este é u m eco de Gênesis 3.15 (ver acim a). Na cu ltu ra patriarcal judaica, a pessoa é nascida de h o m em (o pai), e ch am ar a atenção a Cristo ter “nascido de m u lh er” é m o strar que algo in com u m está acontecendo — no caso de Jesus, o nascim ento virginal.
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O MINISTÉRIO E MILAGRES D E CRISTO Em u m universo teísta, os m ilagres são um a possibilidade e tam bém um a realidade (ver V olum e 1, capítulo 3). C o m o Deus encarnado, Jesus fez m ilagres para dem onstrar a sua deidade e confirm ar a sua m ensagem .
LISTA DOS MILAGRES REG ISTRAD OS DE JESUS D escrição
M ateus
M arcos
Lucas
Jo ã o
Transform ando água em vinho
2.1-11
C urando o filho do nobre
4.46-50
Escapando da m u ltid ão hostil
4.30
Fazendo u m a pesca de peixes
5.6 1.23
Expulsando u m espírito im und o
4.33
C urando a sogra de Pedro
8.14
1.30-32
4 .3 8 ,3 9
C urando m uitas pessoas doentes
8.16
1.32
4.40
Lim pando u m leproso
8.2,3
1.40-42
5.12,13
C urando u m paralítico
9 .2 -8
2 .3 -1 2
5 .1 8 -2 6 5.1-9
C urando u m en ferm o em Betesda C urando a m ão ressecada de um
12.9-13
3 .1 -5
C urando m uitas pessoas
12.15
3.10
Curando o servo de um centurião
8 .5 -1 3
7 .1 -1 0
6 .6 -1 0
h om em
Ressuscitando o filho da viúva em Naim
7.11-17
Expulsando o dem ônio de u m cego e m udo
12.22
A calm ando a tem pestade no
8 .2 3 -2 7
4 .35-41
8 .2 2 -2 5
Expulsando os dem ônios, perm itindo-lhes entrar na m anada de porcos
8 .2 8 -3 2
5 .1 -1 3
8.2 6 -3 3
Ressuscitando a filha de u m adm inistrador
9 .1 8 -2 6
5.2 2 24 ,3 5 43
8.4 0 4 2 ,4 9 56
C urando a m u lh er com fluxo de sangue
9 .2 0 -2 2
5 .2 5 -3 4
8 .4 3 -4 8
m ar da Galiléia
O u tr o s
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C urando dois cegos
9.27-31
Expulsando o dem ônio de u m surdo-m udo
9 .3 2 -3 4
Multiplicando pães e peixes
14.13-21
6.35-44
14.22-
6.4 5 -5 2
Cam inhando sobre o m ar
9.12-17
6.5-13 6.16-21
33 Curando m uitos em Genesaré
14.3436
6.5 3 -5 6
C urando a filha de u m a gentia
15.2128
7.2 4 -3 0
C urando u m surdo-m udo Multiplicando pães e peixes ou tra vez C urando u m paralítico cego em Betsaida Sendo transfigurado
7.31-37 15.3239
8 .1 -1 0 8.22-26
17.1-9
9 .2 -1 0
9 .2 8 -3 6
C urando u m m enino epiléptico
17.1418
9.1 5 -2 7
9.3 8 -4 3
R e c u p e ra n d o o im p o s to do
17.2427
T e m p lo d a b o c a de u m p eixe C urando u m cego de nascença
9.1-41
C urando u m endem onínhado, cego e m udo
11.14-23
C urando u m a m u lh er enferm a
13.10-17
C urando u m h om em com hidropisia
14.1-6
Ressuscitando Lázaro
11
Limpando dez leprosos
17.11-19
C u ra n d o dois cegos
2 0 .2 9 34
10.4652
S ecan d o a figu eira
21 .1 8 22
11.1214
Restabelecendo a orelha de um
18.3543
22.49-51
criado Sendo ressuscitado
28
16.1-8
24
20
CRISTOLOGIA #
U m an jo gira a pedra do sepulcro e fala com as m u lheres
28.1-8
Aparição angelical às pessoas que estavam ju n to ao sepulcro
28.2-7
16.4-7
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24.4-9
20.11-14
A njos aparecem à Maria M adalena A parecendo à M aria M adalena A parecendo às m u lheres
20.11-18
16.9 28.8-10 16.12,13
A parecendo a dois seguidores na
24.13-35
estrada de Emaús 20.19-23
A parecendo a dez apóstolos A parecendo a onze apóstolos
16.14-18
24.36-48
20.26-31
A parecendo a sete apóstolos
21.1-25
Produzindo um a pesca m ilagrosa de peixes
21.5,6
A parecendo a todos os apóstolos
28.16-20
16.14-18
A parecendo a todos os apóstolos o u tra vez
24.44-53
Atos 1.3-8
A parecendo a Pedro e aos apóstolos
1 Coríntios 15.5
A parecendo a mais de q uinhentas pessoas
1 C oríntios 15.6
A parecendo a Tiago
1 Coríntios 15.7
Ascendendo aos céus
Atos 1.9-11
O P ro p ó sito dos M ilagres d e Jesus O propósito dos m ilagres de Jesus pode ser derivado de três palavras básicas gregas pertinentes a m ilagres usadas no Novo T estam ento. M ilagre como Semeion
A palavra grega semeion ( “sinal”) é usada seten ta e sete vezes (quaren ta e oito vezes nos Evangelhos). “Sinal” é usado acerca do m ilagre mais significativo do N ovo T estam ento: a ressurreição de Jesus Cristo. Jesus disse à sua geração de incrédulos: “Não se lhe dará
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ou tro sinal, senão o do profeta Jonas. [...] O Filho do H om em [estará] três dias e três noites no seio da terra” (M t 12.39,40). Jesus repetiu esta predição da ressurreição quando, em Mateus 16.1,4, lhe pediram que fizesse u m sinal. Não só a ressurreição foi u m milagre, m as tam bém o foi o fato de Jesus o ter predito (Jo 2.19; M t 12.39,40; 16.21; 20.19). Milagre como Teras A palavra grega teras ( “m aravilha”) é usada dezesseis vezes no Novo Testam ento e quase sem pre se refere a u m milagre. Aliás, em todas as ocorrências a palavra teras é usada em com binação co m a palavra semeion. A palavra teras é usada para referir-se aos eventos sobrenaturais antes da Segunda Vinda de Cristo (M t 24.24; M c 13.22; A t 2.19,20), aos milagres de Jesus (Jo 4.48; A t 2.22), aos milagres dos apóstolos (A t 2.43; cf. A t 4.30; 5.12; Hb 2.3,4), aos milagres de Estêvão (A t 6.8), aos milagres de Moisés no Egito (A t 7.36) e aos milagres de Paulo (A t 14.3; 15.12; R m 15.19). Teras quer dizer u m “sinal milagroso, prodígio, p orten to, presságio, m aravilha” (Brow n, MCM, 2:633), denotando co m isto a idéia de “aquilo que é espantoso ou surpreendente” (ibid., pp. 623-625). Milagre como Dunamis A palavra dunamis ( “p oder”) é usada em num erosas ocasiões no Novo Testam ento, de vez em quando acerca do poder hum ano (2 Co 1.8) ou habilidades hum anas (M t 25.15), e às vezes acerca de poderes espirituais (satânicos) (Lc 10.19; R m 8.38). C om o o seu equivalente do Antigo Testam ento, o term o “poder” do Novo Testam ento é muitas vezes traduzido p or “m ilagres”. A palavra dunamis é usada em com binação co m “sinais” e "m aravilhas” (Hb 2.4), acerca dos milagres de Cristo (M t 13.58), do poder de ressuscitar os m ortos (Fp 3.10), do nascim ento virginal de Jesus (Lc 1.35), dos dons especiais de milagres (1 Co 12.10), do d erram am ento do Espírito Santo no Pentecostes (A t 1.8) e do “p oder” de o evangelho salvar os pecadores (R m 1.16). A ênfase da palavra está no aspecto energizador divino de u m evento milagroso. Em sum a, u m m ilagre é u m evento in com u m (teras, “m aravilha”) que tem a fonte em Deus (dunamis, “poder”) e a significação em que é u m a confirm ação da m ensagem de Deus (semeion, “sinal”). Portanto, o propósito dos milagres no Novo Testam ento segue o do Antigo Testam ento: Eles são a confirm ação divina de u m profeta ou p orta-voz de Deus. A Moisés foi dito que u m milagre era feito “para que creiam que te apareceu o Senhor, o Deus de seus pais” (Ex 4.1-5). Quando Israel hesitou entre Baal e Jeová, Deus confirm ou Elias acim a dos profetas de Baal, enviando fogo do céu para consum ir os sacrifícios: “Manifeste-se hoje que tu és Deus em Israel, e que eu sou teu servo” (1 Rs 18.36). Os milagres no Novo Testam ento têm u m propósito confirm atório. João disse: “Jesus principiou assim os seus sinais em C aná da Galiléia e manifestou a sua glória, e os seus discípulos creram nele” (Jo 2.11). Ele tam bém escreveu: “Jesus, pois, operou tam bém [...] m uitos outros sinais. [...] Estes, porém , foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus” (Jo 20.30,31). Portanto, a razão para os “sinais” milagrosos é a confirm ação divina de u m profeta de Deus. Falando sobre Jesus, Nicodem os disse: “Rabi, bem sabemos que és m estre vindo de Deus, porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não for co m ele” (Jo 3.2). De fato, muitas pessoas o seguiam, porque viram os sinais que Ele fazia nos que estavam doentes (Jo 6.2). Quando alguns rejeitaram Jesus, em bora Ele tivesse curado u m
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cego, outros disseram: “C om o pode u m h o m em pecador fazer tais sinais?” (Jo 9.16). Os apóstolos eram confiantes em proclam ar: “A Jesus N azareno, varão aprovado por Deus entre vós co m m aravilhas, prodígios e sinais, que Deus por ele fez no m eio de vós, com o vós m esm os bem sabeis” (A t 2.22). Talvez a passagem mais conclusiva sobre m ilagres no Novo Testam ento seja esta: C o m o escap arem os nós, se n ão aten ta rm o s para u m a tão gran de salvação, a qual, co m e ça n d o a ser an u n ciad a p elo S e n h o r, foi-n os, depois, co n firm ad a p elos que a ou viram ; testificand o ta m b é m D eu s c o m eles, p o r sinais, e m ilagres, e várias m aravilh as, e dons do Espírito S an to , distribuídos p o r sua vontade? (H b 2.3,4)
Em resum o, os m ilagres são o m odo de Deus abonar os seus porta-vozes. Há um m ilagre para confirm ar que a m ensagem é verdadeira, u m sinal para com provar o serm ão, u m ato de Deus para ratificar a Palavra de Deus. Claro que n em todos crêem , m esm o que vejam u m m ilagre. Neste caso, diz o Novo T estam ento, o m ilagre é um a testem u n h a contra eles. João angustiou-se que, “ainda que [Jesus] tivesse feito tantos sinais diante deles, não criam n ele” (Jo 12.37). O próprio Jesus disse acerca de alguns: “T am p ou co acreditarão, ainda que algum dos m o rto s ressuscite” (Lc 16.31). P ortanto, neste sentido o resultado (não o propósito) de descrer nos milagres é a condenação dos incrédulos (cf. Jo 12.31,37).
A MORTE VICÁRIA DE CRISTO Jesus não foi só u m Profeta para o seu povo, mas tam bém foi u m sacerdote para eles e um dia será o Rei sobre eles.
C risto com o Profeta Deus, através de Moisés, disse sobre Jesus: “Eis que lhes suscitarei u m profeta do m eio de seus irm ãos, com o tu , e porei as m inhas palavras na sua boca, e ele lhes falará tudo o que eu lhe ord enar” (D t 18.18). O N ovo Testam ento con firm a que Moisés falou aqui sobre C risto (A t 7.37). Os ensinos de Jesus registrados nos Evangelhos eram parte do seu m inistério profético.
Cristo com o Sacerdote Jesus não veio apenas falar com o seu povo, mas tam bém ser u m sacrifício para eles. Ele disse: “Porque o Filho do H om em tam bém não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de m u ito s” (M c 10.45). Em João, Jesus p ro m eteu : “O ladrão não vem senão a roubar, a m atar e a destruir; eu vim para que ten h am vida e a ten h am com abundância. [...] E dou a m in h a vida pelas ovelhas” (Jo 10.10,15). A m o rte expiatória de C risto não foi m ero exem plar, mas tam bém sacrificatória. Ele m o rreu em nosso lugar com o substituto pelos nossos pecados (Is 53.4-7; 2 Co 5.21; Hb 7— 10; 1 Pe 2.24; 3.18). Este assunto é discorrido com mais profundidade n o V olum e 3, capítulos 8 e 9.
Cristo com o Rei U m dia Jesus será literalm en te o Rei sobre o seu povo. Ele afirm ou: “Em verdade vos digo que vós, que m e seguistes, quando, na regeneração, o Filho do H om em se assentar
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no trono da sua glória, tam bém vos assentareis sobre doze tronos, para julgar as doze tribos de Israel” (M t 19.28). João acrescentou: E vi tronos; e assentaram-se sobre eles aqueles a quem foi dado o poder de julgar. E vi as almas daqueles que foram degolados pelo testem unho de Jesus e pela palavra de Deus, e que não adoraram a besta n em a sua im agem , e não receberam o sinal na testa nem na m ão; e viveram e reinaram co m Cristo durante mil anos. Mas os outros m ortos não reviveram , até que os mil anos se acabaram. Esta é a prim eira ressurreição. B em aventurado e santo aquele que tem parte na prim eira ressurreição; sobre estes não tem poder a segunda m o rte, mas serão sacerdotes de Deus e de Cristo e reinarão co m ele mil anos. (Ap 20.4-6) Cristo é cham ado “REI DOS REIS E SENHOR DOS SENHORES” (Ap 19.16). Para inteirar-se de u m exam e mais detalhado sobre este tem a, ver Volume 4.
A RESSURREIÇÃO DE CRISTO O m ilagre culm inante da vida de Jesus foi a ressurreição, predita no Antigo Testam ento e reafirm ada no Novo Testam ento.
Predições Veterotestamentárias da Ressurreição de Cristo O N ovo Testam ento cita duas passagens do Antigo T estam ento co m o predições da ressurreição de Cristo. O Salmo 2.7 diz: “Recitarei o decreto: O Senhor m e disse: Tu és m eu Filho; eu hoje te gerei”. Isto está repetido em Hebreus 1.5, e é especificamente aplicado à ressurreição em Atos 13.32-34, onde diz: [...] A promessa que foi feita aos pais, Deus a cumpriu a nós, seus filhos, ressuscitando a Jesus, como também está escrito no Salmo segundo: Meu filho és tu; hoje te gerei. E que o ressuscitaria dos mortos, para nunca mais tornar à corrupção, disse-o assim: As santas e fiéis bênçãos de Davi vos darei. A ressurreição de Cristo tam bém está predita no Salmo 16.10, que afirma: “Não deixarás a m inh a alm a no inferno, nem permitirás que o teu Santo veja co rru p ção ”. Em Atos 2.29-32, Pedro argum enta explicitam ente que isto não pode se referir a Davi, mas tem de ser alusão a Cristo, declarando: Varões irmãos, seja-me lícito dizer-vos livremente acerca do patriarca Davi que ele morreu e foi sepultado, e entre nós está até hoje a sua sepultura. Sendo, pois, ele profeta e sabendo que Deus lhe havia prometido com juramento que do fruto de seus lombos, segundo a carne, levantaria o Cristo, para o assentar sobre o seu trono. O u tra referência explícita do Antigo Testam ento à ressurreição consta em Jó 19.25,26, onde Jó pronunciou triunfalm ente: “Eu sei que o m eu Redentor vive, e que por fim se levantará sobre a terra. E depois de consum ida a m inh a pele, ainda em m inh a carne verei a Deus”. Isto tam bém enfatiza a natureza física da ressurreição da “carn e”, com o fez Pedro em Atos 2.
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Predições de Jesus da sua própria Ressurreição A predição da sua ressurreição com eço u logo no início do m inistério de Cristo e continu ou até ao fim. Primeira Predição da Ressurreição
Logo após Jesus fazer o prim eiro m ilagre, Ele predisse a ressurreição, declarando: “Derribai este tem p lo, e em três dias o levantarei. [...] Mas ele falava do tem p lo do seu corpo. Q uando, pois, ressuscitou dos m o rtos, os seus discípulos lem braram -se de que lhes dissera isso; e creram n a E scritura e n a palavra que Jesus tin h a d ito” (Jo 2.19-22). Outra Predição da Ressurreição
Ao longo do seu m inistério, Jesus repetia a reivindicação: “Ele lhes respondeu e disse: U m a geração m á e adúltera pede u m sinal, p o rém não se lhe dará ou tro sinal, senão o do profeta Jonas, pois, com o Jonas esteve três dias e três noites n o ventre da baleia, assim estará o Filho do H om em três dias e três noites no seio da te rra ” (M t 12.39,40). Predições Finais da Ressurreição
A m edida que Ele se aproxim ava da cruz, as predições fo ram ficando mais freqüentes e específicas: “Ora, achando-se eles n a Galiléia, disse-lhes Jesus: O Filho do H om em será entregue nas mãos dos hom ens, e m atá-lo -ão, e, ao terceiro dia, ressuscitará. E eles se entristeceram m u ito ” (M t 17.22,23). Jesus acrescentou: “N inguém m a tira [m inha vida] de m im , mas eu de m im m esm o a dou; ten h o poder para a dar e poder para to rn a r a tom á-la. Esse m and am ento recebi de m eu Pai” (Jo 10.18).
A MORTE FÍSICA DE CRISTO A evidência da m o rte física de Jesus é im pressionante e se acha dentro e fora da Bíblia. Primeiro, o Antigo Testam ento predisse (ver “PPB”, em Geisler, B E C A ) que o Messias m o rreria (Is 53.5-10; Sl 22.16; D n 9.26; Z c 12.10), e que Jesus cu m priu as profecias do Antigo Testam ento sobre o Messias (cf. M t 4.14-16; 5.17,18; 8.17; Jo 4.25,26; 5.39). Segundo, a historicidade dos registros dos Evangelhos tem sido confirm ada pelos num erosos m anuscritos de testem unhas oculares contem porâneas (ver V olum e 1, capítulo 26). Terceiro, Jesus anunciou m uitas vezes durante o seu m inistério que Ele ia m o rre r e ressuscitar (Jo 2.19-21; 10.10,11; M t 12.40; 17.22,23; M c 8.31). Quarto, todas as predições da ressurreição, tanto no Antigo Testam ento (cf. Sl 16.10; ver tam bém Is 26.19; D n 12.2) quanto no N ovo Testam ento (cf. Jo 2.19-21; M t 12.40; 17.22,23), estão baseadas no fato de que Ele m orreria. Só u m corpo m o rto pode ser ressuscitado. Quinto, a natu reza e extensão das contusões que Jesus recebeu indicam que Ele tem de ter m orrido. Ele não d orm ira a noite anterior à crucificação, Ele foi surrado várias vezes e chicoteado, e a cam inh o da execução caiu sem forças enquanto carregava a cruz. Estas coisas por si só, sem m encionar a crucificação que oco rreu em seguida, eram to talm en te exaustivas e extenuantes. Sexto, a natu reza da crucificação garante a m o rte. Jesus ficou na cruz das nove horas da m an h ã até pouco antes do pôr-d o-sol (M c 15.25,33). As m ãos e os pés furados, e as feridas dos espinhos que lhe perfu raram a cabeça (além das costas dilaceradas) escorriam
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sangue continuam ente. Deve ter havido u m a trem enda perda de sangue em mais de seis horas. Mais ainda, a crucificação exige que o condenado constantem ente se levante para respirar, causando dor excruciante p or causa dos cravos. Fazer esta ação o dia todo quase que acaba m atando o indivíduo que fosse crucificado em boas condições de saúde. Sétimo, a perfuração no lado de Jesus co m a lança, da qual “saiu sangue e água” (Jo 19.34), é prova de que Ele m o rre ra fisicamente antes de ser perfurado. Quando isto aconteceu, é fato m édico de que a pessoa já expirou (ver o ponto “D écim o segundo” mais adiante). Este detalhe tam bém pode ser considerado co m o validação à afirmação de que estam os lendo u m depoim ento de testem u nh a ocular. Oitavo, quando Jesus estava n a cru z Ele disse que estava no ato de m o rrer, clam ando: “Pai, nas tuas m ãos entrego o m eu espírito” (Lc 23.46). “E, havendo dito isso, expirou.” João representa assim: “[Jesus] entregou o espírito” (Jo 19.30). O seu brado de m o rte foi ouvido pelos que estavam ali (Lc 23.47-49). Nono, os soldados rom anos, acostum ados co m crucificação e m orte, pronunciaram Jesus m o rto . Em bora fosse prática co m u m quebrar as pernas da vítim a para apressar a m o rte (para que o indivíduo não se erguesse para respirar), eles não quebraram as pernas de Jesus (Jo 19.33; cf. Sl 34.20). Décimo, antes de entregar o cadáver a José de Arim atéia para que o enterrasse, Pilatos verificou duas vezes para certificar-se de que Jesus estava m esm o m o rto : “E Pilatos se adm irou de que já estivesse m o rto . E, cham ando o centurião, perguntou-lhe se já havia m uito que tinha m orrido. E, tendo-se certificado pelo centurião, deu o corpo a José” (M c 15.44,45). Décimo primeiro, Jesus foi envolto em aproxim adam ente trinta e quatro quilos de pano e especiarias, e ficou por três dias em u m sepulcro lacrado (Jo 19.39,40; M t 27.63). Se Ele já não estivesse m o rto (o que claram ente Ele estava), Ele teria m orrido p o r falta de comida, água e tratam en to médico. Décimo segundo, as autoridades médicas que exam inaram as circunstâncias e n atureza da m o rte de Cristo concluíram que Ele m o rreu na cruz. U m artigo do Journal o f the American Medicai Society (Jornal da Sociedade Médica A m ericana) concluiu: É claro que o peso das evidências históricas e médicas indica que Jesus estava morto antes da ferida que recebeu do seu lado e apóia a visão tradicional de que a lança, fincada entre as costelas direitas, provavelmente perfurou não só o pulmão direito, mas também o pericárdio e o coração, desta forma garantindo a morte. Conseqüentemente, as interpretações baseadas na suposição de que Jesus não morreu na cruz estão em conflito com o conhecimento médico atual. (JAMA [21 de março de 1986]: 1463) A lém disso, muitas outras autoridades médicas chegaram à m esm a conclusão, com eçando co m o doutor Stroud (On the Physiological Cause o f Christs Death [Sobre a Causa Fisiológica da M orte de Cristo], 1871); Pierre Barbet (A Doctor at Calvary [U m Médico no Calvário], 1953); C. Tru m an Davis ( “The Crucifixion of Jesus: The Passion o f Christ From a Medicai Point of View” [A Crucificação de Jesus: A Paixão de Cristo do Ponto de Vista Médico], em : Arizona Medicine [Março de 1965]); Robert Bucklin ( “T he Legal and Medicai Aspects o f the Trial and D eath of C hrist” [Os Aspectos Legais e Médicos do Julgam ento e M orte de Cristo], in: Medicine, Science and Law [Janeiro de 1970]); e Robert Wassenar ( “A Physician Looks at the Suffering o f C hrist” [Um Médico exam ina o Sofrim ento de Cristo], in: Moody Monthly [Março de 1979]).
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Décimo terceiro, historiad ores e escritores n ão-cristãos dos séculos I e II registraram a m o rte de C risto. Flávio Josefo (c. 37-100), historiad or ju d eu do tem p o de C risto, acreditava que Jesus m o rre u n a cru z: “Pilatos, pela sugestão dos h o m en s mais im p o rtan tes en tre nós, o condenou à cruz” ( A J , 18.3, p. 379, grifos m eu s). S e m e lh a n tem e n te , o h istoriad or ro m an o C o rn é lio T ácito (c. 55-117) escreveu: “U m sábio ch am ad o Jesus.
[...] Pilatos o condenou à morte” (ibid., grifos m eu s). Ele tam b ém c o m e n to u que os discípulos de Jesus “rela taram que Ele lhes aparecera três dias depois da cru cificação e que Ele estava vivo” (A , 15.44). De acordo co m Jú lio A fricano (c. 211 d .C .), T alos, h istoriad or sam aritano do sécu lo I (c. 52 d .C .), “ao d iscu tir a escuridão que caiu sobre a te rra durante a crucificação de Cristo”, falou que foi u m eclipse (F. F. B ru ce, The New Testament Documents: A re They Reliable?, p. 113, grifos m eu s). Luciano, escrito r grego do sécu lo II, referindo-se a C risto, disse que Ele era “o homem que f o i crucificado na Palestina, po rqu e Ele in trod u ziu u m novo c u lto n o m u n d o ” . Ele o ch a m a “sofista cru cifica d o ” (H aberm as, Ancient Evidence on the Life o f fesu s [Evidências Antigas sobre a Vida de Jesus], cap ítu lo 4). A “C arta de M ara B a r-S era p io n ” (c. 73 d .C .), alojad a n o M u seu B ritâ n ico , m en cio n a a m o rte de C risto, p ergu n tand o: “Q ue van tagem os ju d eu s g an h aram co m a execução do seu Rei sábioV’ (ibid., op. cit., p. 114, grifos m eu s). A té o T alm u d e diz: “N a véspera da Páscoa, eles penduraram Yeshu (de N azaré). [...] Q ue to d o aquele que sabe de algo em sua defesa, vá e o defenda. Mas n ão ach aram nada em sua defesa e o penduraram na véspera da Páscoa” (T alm u d e B abilônico, San h ed rin 43a, grifos m eus). Por fim , houve o e scrito r ro m an o Flegonte que se referiu à m o rte e ressu rreição de C risto nas Crônicas que ele escreveu, co m en tan d o : “Jesus, en q u an to vivo, não foi de n e n h u m a aju d a para si, m as que Ele ressurgiu da morte , exibiu as marcas do castigo e mostrou como as mãos tinham sido perfuradas pelos cravos” (C , citad o p o r O rígenes, Contra Celsus, 2.23, grifos m eu s). Flegonte tam b ém m en cion ou “o eclipse nos dias de T ibério César, em c u jo reinado Jesus foi cru cificad o, e os grandes te rre m o to s que en tão a co n tece ra m ” (ibid., p. 445). Décimo quarto e ú ltim o, os prim eiros escritores cristãos depois dos dias de Cristo confirm aram a sua m o rte na cruz por crucificação. Policarpo (Sécu lo II), discípulo do apóstolo João, repetidam ente afirm ou a m o rte de Jesus, falando, por exem plo, de “nosso Sen h o r Jesus Cristo, que por nossos pecados sofreu até a m o rte ” (Epístola de Policarpo aos Füipenses, capítulo 1, 33). Inácio (110 d.C .), am igo de Policarpo, claram ente confirm ou o sofrim ento e m o rte de C risto, dizendo: “E le realmente sofreu, morreu e ressuscitou” (grifos m eus). Caso contrário, acrescenta ele, todos os apóstolos que tiveram esta convicção, m o rreram em vão. “Mas (n a verdade), n e n h u m destes sofrim entos foi em vão; pois o Senhor realmente fo i crucificado pelos descrentes” (ibid., p. 107, grifos m eus). E m Diálogo com Trifo, Justino M ártir (c. 100-165) co m en to u que os judeus dos seus dias acreditaram que “Jesus [era] u m enganador galileu, a quem nós cru cificam os” (D T , p. 253). Estes testem unhos in interru p tos do Antigo T estam en to até aos prim eiros Pais da Igreja, inclusive de crentes e descrentes, judeus e gentios, são provas avassaladoras de que Jesus realm ente sofreu e m o rreu na cruz. A m o rte física de Cristo por crucificação é u m fato histórico acim a de toda dúvida razoável.
A RESSURREIÇÃO FÍSICA DE C RISTO Considerando que Jesus verdadeiram ente m o rreu na cruz, a evidência que Ele ressurgiu, de fato, dos m o rto s consiste n o sepulcro vazio e nas num erosas aparições.
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Evidências Diretas à Ressurreição Física de Cristo Repetindo, a evidência direta para a ressurreição de Cristo é o sepulcro vazio e as aparições físicas no m esm o corpo, agora ressurreto, no qual Ele m o rreu . O Sepulcro Vazio Ainda que o sepulcro vazio não seja em si e de si m esm o prova da ressurreição, é condição prévia indispensável para as evidências (as aparições físicas de C risto). Até as próprias aparições físicas não seriam prova convincente que Jesus ressuscitou se o seu corp o estivesse apodrecendo em algum a sepultura. Só as aparições, em ou tro corpo ou form a física, não é prova de que o corpo que m o rreu realm ente foi o que ressuscitou, co m o Jesus disse que seria (Jo 2.19). Cada Evangelho fornece u m a cena do sepulcro vazio (M t 28.1-8; M c 16.1-8; Lc 24.112; Jo 20.1-8). Em cada caso, eles vêem u m sepulcro desocupado, e em cada caso houve a aparição de anjos para confirm ar que “ele não está aqui, porque já ressuscitou” (cf. M t 28.6; M c 16.6; Lc 24.6; Jo 20.12). João m enciona a m o rtalh a vazia co m o lenço dobrado em u m lugar à parte, evidência suficiente para convencer João de que Jesus ressuscitara (Jo 20.6-8). A Aparição de Jesus a Maria Madalena (Jo 20.10-18) E m arca inconfundível de autenticidade do registro do Evangelho que n a cu ltu ra judaica dom inada p or hom ens, Jesus ten h a aparecido prim eiro para u m a m ulher. Por exem plo, no século I, o testem unho de u m a m u lh er era inválido nos tribunais. Lógico que alguém que estivesse falsificando o registro teria feito co m que Jesus aparecesse prim eiro a u m discípulo mais proem inente, co m o Pedro, Tiago ou João. D urante esta aparição, houve várias provas da visibilidade, materialidade e identidade do corpo da ressurreição. Primeiro, M aria viu Cristo co m os próprios olhos naturais. O texto diz: “[Ela] voltou-se para trás e viu Jesus em pé” (Jo 20.14). A palavra grega theoreo ( “viu”) é o term o norm al para referir-se a ver a olho nu; é usado muitas vezes acerca de ver os seres hum anos nos corpos físicos (M c 3.11; 5.15; A t 3.16) e até de ver Jesus no corpo da pré-ressurreição (M t 27.55; Jo 6.19). Segundo, Maria ouviu Jesus: “M ulher, por que choras? Q uem buscas?” (Jo 20.15). Então, de novo, ela ouviu Jesus dizer: “M aria!”, e ela reconheceu a voz (Jo 20.16). Claro que só ouvir não é evidência suficiente de materialidade. Deus é im aterial, contudo sua voz foi ouvida em João 12.28. Não obstante, a audição física ligada co m a visão física é evidência apoiadora significativa da n atureza física do que foi visto e ouvido. A familiaridade de Maria co m a voz de Jesus tam bém é evidência da identidade do Cristo ressuscitado. Terceiro, M aria tocou o corpo ressuscitado de Cristo. Jesus respondeu: “Não m e segure, pois ainda não voltei para o Pai” (Jo 20.17, NVI). O verbo grego aptomai ( “segure”; “detenhas”, ARC) é u m term o para referir-se ao toque físico de u m corpo m aterial. É tam bém usado em alusão ao toque físico de outros corpos hum anos (M t 8.3; 9.29) e do corpo da pré-ressurreição de Cristo (M c 6.56; Lc 6.19). O con texto indica que Maria estava agarrando-se a Ele co m a intenção de não soltá-lo. E m u m a experiência paralela, as m ulheres “abraçaram os seus pés” (M t 28.9). Quarto, Maria tam bém “foi ao sepulcro de m adrugada, sendo ainda escuro, e viu a pedra tirada do sepulcro”. Depois, ela correu para anunciar a Pedro que o corpo fora
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levado (Jo 20.1,2). Esta descrição dá a entender que ela viu o sepulcro vazio. A narrativa paralela em M ateus in form a que os anjos disseram a ela: “Vinde e vede o lugar onde o S en h o r jazia” (M t 28.6). Em seguida, Pedro e João tam bém entraram n o sepulcro; João, “abaixando-se, viu no chão os lençóis”, e Pedro “entrou no sepulcro, e viu no chão os lençóis e [...] o lenço que tinha estado sobre a sua cabeça [de Jesus]” (Jo 20.5-7). Ver o m esm o corpo físico que estivera no sepulcro é prova da identidade n u m érica do m esm o corpo da pré e pós-ressurreição. Considerando apenas este relato, Jesus foi visto, ouvido e tocado. A lém disso, M aria testem u n h o u o sepulcro vazio e a m o rta lh a de Jesus. Todas as evidências de um a identidade inconfundível do m esm o corpo visível e físico que foi ressuscitado im ortal estão presentes nesta prim eira aparição. A Aparição de Jesus a M an a M adalena e as Outras Mulheres (M t 28.1-10)
Jesus não só apareceu a M aria M adalena, mas tam bém a outras m u lheres que estavam com ela, inclusive Maria, m ãe de Tiago, e Salom é (M c 16.1). D uran te esta aparição houve quatro evidências de que Jesus ressurgiu no m esm o corpo tangível e físico no qual Ele fora crucificado. Primeiro, as m u lheres viram Jesus. O an jo lhes disse n o sepulcro vazio: “[Ele] já ressuscitou dos m o rtos. E eis que ele vai adiante de vós para a Galiléia; ali o vereis” (M t 28.7). E, quando saíram corren do do sepulcro, “eis que Jesus lhes sai ao encontro, dizendo: Eu vos saúdo” (M t 28.9). P ortanto, elas receberam confirm ação visual da ressurreição física. Segundo, quando as m u lh eres viram Jesus, “chegando, abraçaram os seus pés” (M t 28.9). Q uer dizer, elas não só viram o corpo físico, mas tam bém o sentiram. Considerando que podem os sentir entidades espirituais co m os cinco sentidos, o fato de as m u lheres terem tocado o corpo físico de Jesus é prova convincente da natu reza tangível e física do corpo ressuscitado. Terceiro, as m u lh eres ouviram Jesus falar. Depois de saudá-las (M t 28.9), Jesus lhes disse: “Não tem ais; ide dizer a m eus irm ãos que vão a Galiléia e lá m e verão” (M t 28.10). Em seguida, as m u lheres viram , to caram e ouviram Jesus co m os sentidos físicos, em um a confirm ação tripla da natu reza física do corpo da ressurreição. Quarto, além de tudo isso, as m u lheres viram o sepulcro vazio, onde fora colocado esse m esm o corpo ressuscitado. O an jo disse a elas no sepulcro: “Ele não está aqui, porque já ressuscitou, co m o tin h a dito. Vinde e vede o lugar onde o S en h o r jazia” (M t 28.6). O m esm o “E le” que estivera m o rto está vivo, dem onstrado pelo fato de que o m esm o corpo que estivera ali agora está vivo para sem pre. P ortanto, nos dois casos de Maria M adalena e das outras m u lheres, todas as quatro evidências da ressurreição visível e m aterial do corpo n u m ericam en te idêntico estavam presentes. Elas viram o sepulcro vazio, onde o corpo físico de Jesus fora colocado, e viram, ouviram e tocaram o mesmo corpo depois que saiu do sepulcro. A Aparição de Jesus a Pedro (1 Co 15.5; cf. J o 20.3-9)
Prim eira Coríntios 15.5 declara que Jesus “foi visto por Cefas [Pedro]”. Não há narrativa deste evento, mas o texto diz que Ele foi visto ( ophthe) e dá a entender que Ele tam bém foi ouvido. O bviam ente, Pedro não era m udo. E certo que Jesus falou co m Pedro em o u tra aparição, quando Ele lhe pediu que lhe apascentasse as ovelhas (Jo 21.15-17). M arcos confirm a que Pedro (e os discípulos) o veriam “com o ele vos disse” (M c 16.7).
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Lógico que Pedro viu o sepulcro vazio e a mortalha p ouco antes desta aparição (Jo 20.6,7). Por conseguinte, Pedro experim entou quatro das evidências da ressurreição física: ele viu e ouviu Jesus, e ele observou o sepulcro vazio e a mortalha. Estas são provas term inantes de que o corpo que ressuscitou é o m esm o corp o visível e m aterial que Ele teve antes da ressurreição. A Aparição de Jesus a Dois Discípulos na Estrada de Emaús (Lc 24.13-35; M c 16.12,13) D urante esta aparição o co rreram três evidências da ressurreição. Esses discípulos não só viram e ouviram Jesus, m as tam bém co m eram co m Ele. Em conjunto, estas são provas indubitáveis da n atu reza tangível e m aterial do corp o da ressurreição. Primeiro, houve dois discípulos, u m dos quais se cham ava Cleopas (Lc 24.18). Enquanto eles estavam cam inhando para Emaús, “o m esm o Jesus se aproxim ou e ia co m eles” (Lc 24.15). Em bora no princípio não reconhecessem que era Ele, eles o viam claram ente. Quando se deram con ta de quem era, o texto diz: “Ele desapareceu-lhes” (Lc 24.31). Portanto, quando presente, o corpo da ressurreição de Jesus era tão visível quanto qualquer ou tro objeto m aterial. Segundo, eles ouviram Jesus co m os ouvidos físicos (Lc 24.17,19,25,26). Jesus m anteve u m a conversa prolongada co m eles: “E, com eçando por Moisés e por todos os profetas, explicava-lhes o que dele se achava em todas as Escrituras” (Lc 24.27). Claro que eles não foram os únicos que Jesus ensinou depois da ressurreição. E m ou tro livro, Lucas inform a: “[Ele] se apresentou vivo [aos apóstolos], [...] sendo visto por eles p o r espaço de quarenta dias e falando do que respeita ao Reino de Deus” (A t 1.3). D urante este período de tem po, Ele “se apresentou vivo, co m m uitas e infalíveis provas”. Terceiro, ou tra evidência da ressurreição física de Jesus foi que Ele com eu co m os dois discípulos. Lucas diz: “E aconteceu que, estando co m eles à m esa, tom ando o pão, o abençoou e partiu-o e lho deu” (Lc 24.30). Em bora o texto não diga especificamente que Jesus tam bém ten h a com ido, está implícito por estar “co m eles à m esa”. Mais adiante no capítulo consta a declaração explícita de que Ele com eu co m os dez apóstolos (Lc 24.43). E, em dois outros lugares, Lucas declara que Jesus com eu co m os discípulos (A t 1.4; 10.41). Portanto, nesta aparição, as testem unhas oculares o viram, o ouviram e comeram co m Ele. E difícil im aginar o que mais Jesus poderia ter feito para dem onstrar a n atu reza física genuína do corpo da ressurreição. A Aparição de Jesus aos Dez Discípulos (Lc 24.36-49; J o 20.19-23) Depois, quando Jesus apareceu aos dez apóstolos (Tom é estava ausente), Ele foi visto, ouvido, tocado e eles o viram co m er peixe. Portanto, as quatro principais evidências da n atureza visível e m aterial do corpo da ressurreição estavam presentes nesta ocasião. Primeiro, “falando ele dessas coisas, o m esm o Jesus se apresentou no m eio deles e disselhes: Paz seja convosco” (Lc 24.36). Na realidade, Jesus entabulou u m a conversa co m eles tam bém sobre com o “convinha que se cumprisse tu d o ” (Lc 24.44). Portanto, é óbvio que Jesus foi ouvido pelos discípulos. Segundo, os discípulos tam bém viram Jesus nesta ocasião. Na realidade, eles pensaram no princípio que Ele era u m espírito (Lc 24.37). Entretanto, Jesus “m ostrou-lhes as mãos e os pés” (Lc 24.40). Portanto, eles claram ente o viram co m o tam bém o ouviram. Na narrativa paralela, João registra que “os discípulos se alegraram , vendo o S enh or” (Jo 20.20; cf. Jo 20.25).
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Terceiro, podem os deduzir do fato de que os discípulos não estavam n o princípio convencidos da m aterialidade tangível de Jesus quando Ele lhes apresentou as feridas, que eles tam bém o tocaram. Na realidade, Jesus lhe disse claram ente: “Tocai-m e e vede,
pois u m espírito não tem carne n em ossos, co m o vedes que eu te n h o ” (Lc 24.39). O uso de “e u ” e “m e ” co m relação à ressurreição física do corpo indica que Ele está dizendo que é n u m ericam en te idêntico ao seu corpo da pré-ressurreição. Jesus tam b ém “m o strou lhes as m ãos e os pés” (Lc 24.40), confirm and o aos discípulos que o corpo da ressurreição era o m esm o corpo ferido pelos cravos de carne e ossos que fora crucificado. Quarto, nesta ocasião, Jesus comeu com ida física. Para convencer os discípulos de que Ele ressuscitara em u m corpo literal e físico, Jesus pediu: “Tendes aqui algum a coisa que com er?” Em resposta, “eles apresentaram -lhe parte de um peixe assado e u m favo de m el, o que ele to m o u e com eu diante deles” (Lc 24.41-43). O que to rn a esta passagem prova extrem am en te forte é que Jesus ofereceu a capacidade de co m er com ida física com o d em onstração da natu reza m aterial do seu corpo de carne e ossos. Jesus literalm ente exauriu os m odos pelos quais Ele poderia provar a natu reza corpórea e m aterial do corpo da ressurreição. P ortanto, se o corpo da ressurreição de Jesus não fosse realm en te o m esm o corpo m aterial de carne e ossos nos quais Ele m o rreu , então Ele não poderia sair da posição de enganador. A Aparição de Jesus a Onze Discípulos (Jo 20.24-31)
N ovam ente, Tom é não estava presente quando Jesus apareceu a dez apóstolos (Jo 20.24). M esm o depois de in form arem quem eles tin h a m visto, T om é se recusou a crer a m enos que Ele m esm o pudesse ver e to car Cristo. U m a sem ana depois, fo i-lh e concedido o desejo (Jo 20.26). Quando Jesus apareceu a T om é, ele conseguiu ver, ouvir e tocar no Deus ressuscitado. Primeiro, Tom é viu o Sen h or: “O ito dias depois, estavam o u tra vez os seus discípulos dentro, e, com eles, Tom é. C hegou Jesus, estando as portas fechadas, e apresentou-se n o m eio, e disse: Paz seja convosco!” (Jo 20.26). Jesus foi nitid am ente visível a Tom é, dizendo-lhe: “[Tu] m e viste” (Jo 20.29). Segundo, Tom é tam bém ouviu o Senhor. De fato, Ele ouviu Jesus dizer: “Põe aqui o teu dedo e vê as m inhas m ãos; chega a tua m ão e p õ e-n a n o m eu lado; não sejas incrédulo, mas cren te” (Jo 20.27). D iante desta inquestionável exibição de evidência física, T om é respondeu: “S en h o r m eu , e Deus m e u !” (Jo 20.28). Terceiro, podem os deduzir que Tom é tam bém tocou o Sen h or. C o m certeza é o que T om é disse que queria fazer (Jo 20.25), e é exatam ente o que Jesus lhe disse que fizesse (Jo 20.27). E m bora o texto diga apenas que T om é viu e creu (Jo 20.29), é natu ral supor que ele tam bém to cou em Jesus. Jesus foi tocado em pelo m enos duas outras ocasiões: João 20.27. Seja com o for, T om é encon trou u m corpo da ressurreição visível e físico com os sentidos naturais. Quarto, se ou não T om é to cou Cristo, ele viu as fen d a s da crucificação (Jo 20.27-29). E o fato de que Jesus ainda tin h a estas feridas físicas da crucificação é prova inconfundível de que Ele ressuscitou no m esm o corpo m aterial no qual fora crucificado. Esta foi a segunda vez que Jesus “m o strou -lh es as m ãos e os pés” (Lc 24.40). Repetindo, é difícil pensar em um a prova m aior oferecida em prol do corpo da ressurreição ser o m esm o corpo de carne que foi crucificado e agora está glorificado.
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A Aparição de Jesus a Sete Discípulos (João 21) João registra a aparição dé Jesus a sete discípulos que foram pescar na Galiléia. Nesta ocasião, os discípulos o viram, ouviram e comeram o desjejum co m Jesus, manifestando n ovam ente a natureza tangível e física do corpo da ressurreição, com o tam bém a real atividade no espaço e no tem po. Primeiro, eles viram Jesus, porque a Bíblia diz que “manifestou-se Jesus o u tra vez aos discípulos, junto ao m ar de Tiberíades” (Jo 21.1). De m an h ã cedo, eles o viram n a praia (Jo 21.4). Depois que falou e com eu co m eles, o texto diz que esta “já era a terceira vez que Jesus se manifestava aos seus discípulos depois de ter ressuscitado dos m o rto s” (Jo 21.14). Segundo, os discípulos ouviram Jesus falar nesta ocasião (Jo 21.5,6,10,12). Em extensa conversa co m Pedro, Jesus lhe perguntou três vezes se ele o amava (Jo 21.15-17). Considerando que Pedro negara Jesus três vezes, não só Pedro ouviu Jesus falar, m as as palavras de Jesus tocaram indubitavelmente os seus ouvidos. Jesus tam bém falou para Pedro com o o apóstolo m orreria (Jo 21.18,19). Terceiro, ao que parece Jesus tam bém comeu co m os discípulos desta vez. Ele lhes perguntou: “Filhos, tendes algum a coisa de com er?” (Jo 21.5). Depois de lhes dizer com o apanhar peixes (Jo 21.6), Jesus lhes pediu que trouxessem “dos peixes que agora apanhastes” (Jo 21.10). Então, disse: “Vinde, jantai” Qo 21.12). Enquanto com iam , “chegou, pois, Jesus, e tom o u o pão, e deu-lho, e, sem elhantem ente, o peixe” (Jo 21.13). Em bora o texto não declare explicitam ente, Jesus com eu . Seja co m o for, co m o anfitrião teria sido estranho Ele não ter participado da refeição co m eles. Portanto, além de ver e ouvir Jesus, Ele com provou a natureza m aterial da ressurreição comendo alimentos materiais. A Aparição de Jesus a todos os Apóstolos na “Grande Comissão” (Mt 28.16-20; M c 16.14-18) A próxim a aparição de Cristo foi na ocasião em que Ele deu a Grande Comissão. Enquanto Jesus os ordenava que fizessem discípulos de todas as nações (M t 28.19, ARA), Ele foi visto e claram ente ouvido p o r todos os apóstolos. Primeiro, o texto diz que os discípulos foram para a Galiléia, onde Jesus lhes dissera que fossem (M t 28.16). “E, quando o viram , o adoraram ; m as alguns duvidaram ” (M t 28.17). M arcos acrescenta: “Apareceu Jesus aos onze, quando estavam à m esa” (M c 16.14, ARA). Contudo, não foi o que viram , mas o que ouviram que causou impressão perm anente nesta últim a aparição de Jesus a eles. Segundo, os apóstolos ouviram Jesus, visto que nesta ocasião Ele se apresentou “falando do que respeita ao Reino de D eus” (A t 1.3). D urante esta aparição específica, Jesus “determ inou-lhes que não se ausentassem de Jerusalém, mas que esperassem a promessa do Pai, que (disse ele) de m im ouvistes” (A t 1.4). Portanto, não foi só u m a voz familiar, mas u m ensino familiar que confirm ou aos apóstolos que era o m esm o Jesus que falava com eles depois da ressurreição co m o falou antes. Terceiro, Lucas tam bém diz nesta passagem que Jesus comeu co m os discípulos. Esta últim a aparição a eles antes da ascensão foi na ocasião em que Ele estava “com endo com eles” (A t 1.4, ARA). Este é o quarto exem plo que registra Jesus com endo depois da ressurreição. Pelo visto, era algo que Ele fez muitas vezes, pois até no resum o do ministerial em Atos 10 Pedro declara que “nós [os apóstolos] [...] com em os e bebemos juntam ente com ele, depois que ressuscitou dos m o rto s” (A t 10.41). C om certeza, a amizade próxim a e a capacidade física para co m er com ida eram provas mais do que
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suficientes de que Jesus apareceu a eles no m esm o corpo tangível e físico que Ele possuía antes da ressurreição. A A parição de Jesus a Paulo depois da Ascensão (1 Co 15.8; A t 9.1-9)
Jesus tam bém apareceu a Paulo. Na verdade, esta foi a “ú ltim a ” aparição de Jesus (1 C o 15.8). E im p ortan te observar que esta aparição não foi m era visão, quer dizer, algo que aconteceu na m en te de Paulo. Mais exatam ente, foi u m acon tecim en to objetivo, extern o e observável a todos que estavam dentro do cam po visual de Paulo. Alguns fatos deixam isso claro. Por u m lado, Paulo disse que Jesus “apareceu” ( ophthe; 1 C o 15.8), a m esm a palavra usada para aludir às aparições literais de C risto aos outros apóstolos (1 C o 15.5-7: “foi visto”; cf. 1 C o 15.5-8, A RA ). Paulo cham a o evento de “derradeiro”. Por ou tro, ver o Cristo ressuscitado era u m a condição para ser apóstolo (A t 1.22). Paulo reivindicou ser apóstolo, quando disse: “Não sou eu apóstolo? [...] Não vi eu a Jesus C risto, S en h o r nosso?” (1 Co 9.1). T am bém , m eras visões não têm m anifestações físicas relacionadas a elas, com o luz e voz. A lém disso, as experiências da ressurreição, inclusive a de Paulo, nu n ca são cham adas “visões” ( optasia) nos Evangelhos ou nas Epístolas. Tratam -se de aparições reais e físicas. D urante a aparição a Paulo, Jesus foi visto e ouvido, que sem pre é indicação de verdadeira aparição física em lugar de m era visão. Os Evangelhos falam de u m a “visão de a n jo s” (Lc 24.23), e Atos m en cion a a “visão celestial” de Paulo (A t 26.19), que podem ser referência às visões que Ele e Ananias tiveram depois (A t 9.11,12; cf. A t 22.6-11). De fato, falando de visões, o Dicionário Teológico Kittel do Novo Testamento declara que o N ovo Testam ento “as diferencia [...] da experiência de D am asco” (vol. 5, p. 357). M esm o que pudesse ser m ostrado que esta era um a referência à experiência de Paulo na estrada de D am asco, só provaria que a palavra visão teve u m uso sobreposto co m o tipo de aparição física e literal que C risto fez a Paulo. Q uanto à aparição a Paulo, C risto foi visto e ouvido com os sentidos físicos das pessoas presentes. Primeiro, a m anifestação física do Jesus ressurreto a Paulo foi ouvida e vista pelo apóstolo. Em 1 C oríntios 15, Paulo disse que Jesus “m e apareceu tam bém a m im ” (1 C o 15.8). Em Atos 26, na narrativa detalhada deste episódio, Paulo disse: “Vi u m a luz no c é u ” (A t 26.13, A RA ). Paulo está se referindo a um a luz física, pois era tão lum inosa que cegou-lhe
os olhos físicos. Paulo não só viu a luz, mas tam bém viu Jesus (1 Co 9.1). Segundo, Paulo tam bém ouviu a voz de Jesus falando distintam ente co m ele “em língua hebraica” (A t 26.14). Foi a voz física que Paulo ouviu perguntando: “Saulo, Saulo, por que m e persegues?” (A t 9.4). Paulo m anteve u m a conversa co m Jesus (A t 9.5,6) e foi obediente à ordem de entrar na cidade de D am asco (A t 9.8). A conversão m ilagrosa de Paulo, os esforços incansáveis em prol de Jesus e a fo rte ênfase na ressurreição literal (R m 4.25; 10.9; 1 Co 15) m o stram que a aparição lhe deixou um a im pressão indelével. Não foi só Paulo que viu a luz e ouviu a voz. Os que estavam co m ele tam bém tiveram essa experiência. Este fato m o stra que a experiência não foi particular, não foi pu ram ente subjetiva, pois teve u m referente objetivo. A conteceu participativam ente no m u nd o real e físico, não apenas no m undo da experiência espiritual exclusiva. Q ualquer pessoa que estivesse ali tam bém teria visto e ouvido a m anifestação física.
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A som a total das evidências diretas à ressurreição física de Cristo é volum osa. Com parado com as evidências de outros eventos do m undo antigo, esta é avassaladora (ver quadro). D urante estas doze aparições biblicamente registradas, Jesus foi visto por mais de quinhentas pessoas em u m período de quarenta dias (A t 1.3; cf. 1 Co 15.6). Em todas as doze ocasiões Jesus foi visto e provavelm ente ouvido. Q uatro vezes Ele se ofereceu para que o tocassem. (E mais do que certo que Ele foi tocado duas vezes.) Jesus revelou as cicatrizes da crucificação em duas ocasiões. O sepulcro vazio foi visto quatro vezes, e a m ortalh a, duas. E m outras quatro ocorrências Jesus com eu comida.
AS DOZE APARIÇ:ÕES DE CRISTO Pessoas
Viram
Ouviram
Tocaram
Outras Evidências
Maria
•
•
Maria e as mulheres
•
•
• •
Sepulcro vazio Sepulcro vazio
Pedro
Sepulcro vazio, m ortalha
(J°ã°) Dois discípulos
(Sepulcro vazio, mortalha) •
•
Dez apóstolos
•
Onze apóstolos
•
•
Sete apóstolos
•
•
Todos os apóstolos
•
•
Quinhentos irmãos
•
•*
Tiago
•
Todos os apóstolos de novo
•
•
Paulo
•
•
Comeu comida •+
Feridas da crucificação, comeu comida
•+
Feridas da crucificação Comeu comida
Comeu comida
* Im plícito + Ofereceu-se para ser tocado
A som a total destas evidências é trem enda confirm ação de que Jesus ressuscitou e vive no m esm o corpo visível e m aterial que Ele possuía antes da ressurreição.
Evidências Indiretas à Ressurreição Física de Cristo Além de todas as evidências diretas à ressurreição física de Cristo, há m uitas linhas de evidência confirmatórias. São a transform ação im ediata dos discípulos, a reação dos que rejeitaram Cristo, a existência da Igreja Primitiva, e, entre outras coisas, a expansão incrivelm ente rápida do cristianismo. A Transformação Imediata dos Discípulos Depois da m o rte de Jesus, os discípulos ficaram assustados, espalharam -se e ficaram céticos. Só u m apóstolo (João) estava presente na crucificação (Jo 19.26,27); os demais fugiram para salvar a vida (M t 26.56). Maria, a prim eira pessoa a quem Jesus apareceu,
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duvidou, pensando que ela era o jardineiro (Jo 20.15). Os apóstolos duvidaram das m ulheres que foram as primeiras a ver o sepulcro vazio (Lc 24.11) e o Cristo ressurreto. Alguns duvidaram até m esm o quando estavam vendo Cristo em pessoa (Jo 20.25). U m não acreditou m esm o que todos os outros apóstolos lhe falassem que Cristo aparecera a eles. Dois discípulos na estrada de Em aús duvidaram enquanto estavam conversando com Jesus, pensando que Ele era u m estranho (Lc 24.16-18). Mas em poucas semanas estes m esm os discípulos céticos, que anteriorm ente se esconderam secretam ente por m edo de perder a vida (Jo 20.19), estavam destemida e abertam ente proclam ando a ressurreição de Cristo em face da m o rte (A t 4— 5). A m elhor explicação para esta m udança abrupta e milagrosa é que eles ficaram totalm ente convencidos de que eles tinham encontrado o Cristo corporalm ente ressuscitado. O Tema Predominante da Pregação Apostólica De todas as coisas maravilhosas que Jesus ensinou aos discípulos sobre o am or (M t 22.36,37), a não-vingança (M t 5) e o Reino de Deus (cf. M t 13), não foi n enh u m destes o tem a prevalecente da pregação apostólica: Foi a ressurreição de Cristo. Este foi o assunto do prim eiro serm ão de Pedro no Pentecostes (A t 2.22ss.) e do serm ão seguinte no Templo (A t 3.15,26). Foi tam bém o conteúdo da sua m ensagem no Sinédrio (A t 4.10). De fato, indo a todos os lugares, “os apóstolos davam, co m grande poder, testem unho da ressurreição do Senhor Jesus” (A t 4.33; cf. At 4.2). Repetindo, ser “testem unha da [...] ressurreição” era requisito para ser apóstolo (A t 1.21,22; cf. 1 Co 9.1). A m elh or explicação do m otivo deste tem a, entre todos os ensinos de Jesus, foi que, depois da m o rte, co m o os Evangelhos contam , eles o encontraram vivo repetidam ente alguns dias depois da crucificação e ressurreição. A Reação dos que Rejeitaram Cristo A reação das autoridades judaicas tam bém é testem unho do fato da ressurreição de Cristo. Primeiro, eles não a refutaram; mais exatam ente, eles a resistiram (cf. A t 4.2ss.). Claro que se eles pudessem ter achado o corpo m o rto de Jesus eles o teriam apresentado e acabado u m a vez p or todas co m a afirmação dos discípulos. Mas não encontraram . Em vez de encontrar o corpo m o rto , eles combateram os discípulos que testem u nh aram que tinham visto o corpo vivo. O próprio fato de eles perseguirem as testem unhas da ressurreição, em vez de contestá-las, é prova de que era verdadeiro o que os discípulos testem unharam . Segundo, as autoridades ten taram desacreditar a ressurreição subornando os soldados que vigiaram o sepulcro (M t 28.1 lss.). A declaração de que o corpo de Jesus foi roubado m ostra o esforço desesperado em resistir à realidade da ressurreição. A Existência da Igreja Primitiva O utra prova indireta da ressurreição é a própria existência da Igreja Primitiva. Havia boas razões para a Igreja não ter surgido. Primeiro, a Igreja original consistia em grande parte em judeus que criam que havia só um Deus (D t 6.4). M esmo assim, eles proclam aram que Jesus era Deus (ver “C D ”, em Geisler, BECA ). Eles oraram a Jesus (A t 7.59), batizaram no n om e dEle (A t 2.38), afirm aram que Ele foi exaltado à m ão direita de Deus (A t 2.33; 7.55) e o cham aram Senhor e Cristo (A t 2.34-36), o m esm o título que, no julgam ento, fez Jesus ser acusação de blasfêmia pelo sum o sacerdote judeu (M t 26.63-65).
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Segundo, eles foram perseguidos, surrados, ameaçados de morte e até martirizados (At 7.57-60). Mesmo assim, eles não só mantiveram a crença, mas logo aumentaram de número. Se o que eles testemunharam não fosse real, eles teriam toda razão e oportunidade para largar mão disso. Mas não largaram. Só um verdadeiro encontro com o Cristo ressuscitado explica devidamente a existência como seita judaica que, depois, os seus partidários se tornaram conhecidos por “cristãos” (At 11.26). O Crescimento Incrivelmente Rápido e Imediato do Cristianismo
Em contraste com outras religiões, que a princípio cresceram lentamente, o cristianismo teve um crescimento imediato e rápido. Três mil pessoas foram salvas já no primeiro dia (At 2.41), enquanto que muitas outras eram acrescentadas diariamente à Igreja (At 2.47), e em questão de dias cinco mil pessoas mais se tornaram crentes (At 4.4). O “número dos discípulos” estava aumentando tão rapidamente, que diáconos tiveram de ser nomeados para servir as viúvas (At 6.1). E tudo isso ocorreu na mesma cidade (Jerusalém) em que Jesus fora crucificado e de onde os discípulos tinham fugido. Nada, senão a ressurreição de Cristo e o poder prometido do Espírito Santo (At 1.8) explica suficientemente este crescimento surpreendente. Quando consideradas em conjunto, as evidências à ressurreição de Cristo são volumosas e avassaladoras. Não há nada igual a qualquer outro evento histórico do mundo antigo. Há mais documentos, mais testemunhas oculares e mais provas comprobatórias do que qualquer coisa da história antiga. Além disso, as evidências secundárias e adicionais são por si mesmas convincentes. Quando combinadas com as evidências diretas, apresentam forte defesa à ressurreição física de Cristo, colocando-a — copiando a terminologia legal — “acima de toda dúvida razoável”. A s Primeiras Conversões de Sacerdotes Judeus
O grupo mais improvável de ser convertido ao cristianismo primitivo é o sacerdócio judaico. Os sacerdotes eram os guardiões do judaísmo do século I com o qual Jesus e os seus seguidores se acharam em conflito constante. Todavia lemos que pouco depois da ressurreição de Jesus muitos sacerdotes judeus, que tiveram melhor acesso às evidências e o motivo mais forte para não se converterem, tornaram-se crentes. Atos 6.7 registra que “crescia a palavra de Deus, e em Jerusalém se multiplicava muito o número dos discípulos, e grande parte dos sacerdotes obedecia à fé”. A Conversão do Apóstolo Paulo
Talvez a pessoa menos provável de converter-se ao cristianismo foi Saulo de Tarso, estudante do grande rabino judeu Gamaliel. Ele participou no primeiro martírio de um cristão, Estêvão (At 7.58; 8.1). Ele perseguiu os cristãos (At 9.1) e foi um dos anticristãos mais devotos e zelosos dos seus dias (Fp 3.4-6). Nada menos que a aparição do Cristo ressuscitado pode explicar a conversão súbita e milagrosa de Paulo (At 9). De fato, mais tarde ele se alista junto com Pedro e Tiago como um dos que tinham visto “a Jesus Cristo, Senhor nosso” (1 Co 9.1), depois da ressurreição.
Objeções à Ressurreição Física de Cristo Lógico que há muitas objeções levantadas contra a ressurreição física de Jesus. Uns afirmam que a ressurreição classifica-se como milagre e que milagres não são
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acreditáveis — já refutam os esta declaração (ver Volume 1, capítulo 3). Outros alegam que os docum entos e testem unhas do Novo Testam ento que registram estes eventos não eram confiáveis — este ponto tam bém já contestam os (ver Volume 1, capítulo 26). Ainda outros inventam teorias alternativas opondo-se à ressurreição, co m o a “teoria do desmaio” ou a “hipótese do corpo roubado”, ou que as supostas aparições eram casos de identidade enganada. Mas todas estas propostas contrariam frontalm ente as evidências da m o rte de Cristo e as evidências da sua ressurreição que acabamos de apresentar. Os fatos são que Jesus de Nazaré realm ente m o rreu e ressurgiu dos m ortos no terceiro dia com o m esm o corpo físico.
A ASCENSÃO FÍSICA DE C RISTO AOS CÉUS Muitos textos do Novo Testam ento afirm am claram ente que Jesus ressuscitou no m esm o corpo no qual m orreu . Este corpo físico se fez im ortal na ressurreição (1 Co 15.20; cf. 1 Co 15.53), e foi glorificado (Jo 17.1,5; 1 T m 3.16; 1 Pe 1.11) na ascensão — o mesmo corpo físico no qual Ele viveu e morreu (cf. Jo 2.19; Lc 24.39).
Lucas 9.51 “E aconteceu que, com pletando-se os dias para a sua assunção, manifestou o firme propósito de ir a Jerusalém .” Nesta passagem, Jesus está antecipando ansiosamente Jerusalém , onde Ele será crucificado, e à ascensão final aos céus depois da ressurreição.
Lucas 24.49-51 “E eis que sobre vós envio a promessa de m eu Pai; ficai, porém , na cidade de Jerusalém, até que do alto sejais revestidos de poder. E levou-os fora, até Betânia; e, levantando as m ãos, os abençoou. E aconteceu que, abençoando-os ele, se apartou deles e foi elevado ao céu .”
João 6.62 “Que seria, pois, se vísseis subir o Filho do H om em para onde prim eiro estava?” Nesta passagem, Jesus alude à ascensão, observando que Ele voltará ao Pai de quem Ele veio — desta vez, claro, voltará em form a física.
João 14.2,3 “Na casa de m eu Pai há muitas m oradas; se não fosse assim, eu vo-lo teria dito, pois vou preparar-vos lugar. E, se eu for e vos preparar lugar, virei o u tra vez e vos levarei para m im m esm o, para que, onde eu estiver, estejais vós tam bém .” A ascensão de Cristo era necessária para com pletar a obra de salvação preparando u m lugar para a noiva. Paulo disse: “Vós, maridos, amai vossa m ulher, co m o tam bém Cristo am ou a igreja e a si m esm o se entregou por ela, para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela palavra, para a apresentar a si m esm o igreja gloriosa, sem m ácula, n em ruga, nem coisa sem elhante, mas santa e irrepreensível” (E f 5.25-27).
João 14.12,28 “Na verdade, na verdade vos digo que aquele que crê em m im tam bém fará as obras que eu faço e as fará maiores do que estas, porque eu vou para m eu Pai. Ouvistes o que
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eu vos disse: vou e venho para vós. Se me amásseis, certamente, exultaríeis por ter dito: vou para o Pai, porque o Pai é maior do que eu.” Sem a ascensão de Cristo, o Espírito Santo não teria descido para habitar e dar poder aos discípulos.
João 16.10,28 “[...] Vou para meu Pai, e não me vereis mais. Saí do Pai e vim ao mundo; outra vez, deixo o mundo e vou para o Pai.” A linguagem é inequívoca. Jesus veio do Pai e voltou para Ele; Ele desceu e depois ascendeu.
João 20.17 “Disse-lhe Jesus [a Maria Madalena]: Não me detenhas, porque ainda não subi para meu Pai, mas vai para meus irmãos e dize-lhes que eu subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus.” Aqui, o Cristo ressuscitado predisse a ascensão e disse a Maria que deixasse de agarrálo, visto que Ele não completara a obra ascendendo ao Pai e recebendo a aceitação do Pai pela obra completada de salvação.
Efésios 4.9,10 “Ora, isto — ele subiu — que é, senão que também, antes, tinha descido às partes mais baixas da terra? Aquele que desceu é também o mesmo que subiu acima de todos os céus, para cumprir todas as coisas.” Da mesma maneira que Jesus na sua humilhação desceu à terra, assim na sua exaltação Ele ascendeu ao céu.
Filipenses 2.8-11 E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte e morte de cruz. Pelo que também Deus o exaltou soberanamente e lhe deu um nome que é sobre todo o nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai. A ascensão está implícita na exaltação de Cristo.
Atos 1.9-11 E, quando dizia isto, vendo-o eles, foi elevado às alturas, e uma nuvem o recebeu, ocultando-o a seus olhos. E, estando com os olhos fitos no céu, enquanto ele subia, eis que junto deles se puseram dois varões vestidos de branco, os quais lhes disseram: Varões galileus, por que estais olhando para o céu? Esse Jesus, que dentre vós foi recebido em cima no céu, há de vir assim como para o céu o vistes ir.
Este é o texto principal sobre a ascensão física de Cristo ao céu. Afirma que foi uma ascensão literal e visível no corpo da ressurreição de Jesus. O seu corpo não foi, como
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alguns supõem , transform ado em u m ser invisível. O corpo físico sim plesmente saiu da visão dos discípulos indo para trás de “u m a nuvem [a qual] o recebeu, ocultando-o a seus olhos”. Isto tam bém levanta a questão de onde o corpo de Jesus está hoje. Os estudiosos evangélicos oferecem duas opiniões. U m a é que o corpo de Jesus passou literal e fisicamente para o u tra dimensão. Segundo eles, isto é com provado pela imediação aparente co m que Jesus aparecia e desaparecia depois da ressurreição (cf. Lc 24.31). A física m oderna, co m as suas m uitas dimensões, parece to rn ar algo possível sem elhante a isso. Tam bém seria um a resposta ao problem a de Jesus ser físico e, p ortan to, visivelmente presente em algum lugar no cosm o físico onde, digamos, u m telescópio de alto poder poderia vê-lo. Todavia, n en h u m a destas são dificuldades insuperáveis, visto que Jesus pode se esconder atrás de u m a nuvem da glória do shekiná em algum lugar rem o to do universo que não podem os penetrar. A ou tra opinião é que Jesus ainda está presente nesta dimensão de espaço-tem po. 0 fato de o texto indicar que Ele não desapareceu im ediatam ente, mas que ascendeu gradualm ente até que foi escondido por um a nuvem , apóia a visão de que o seu corpo ainda está presente, m as escondido no universo espaço-tem po. Em qualquer das duas opiniões, Cristo ainda existe no m esm o corpo num ericam ente físico, agora glorificado, no qual Ele m o rreu , ressuscitou e ascendeu. A ATUAL SESSÃO DE CRISTO Além da m o rte física de Cristo, da ressurreição literal física e da ascensão física, hoje Ele tem no céu u m a im portante sessão sacerdotal para os crentes.
1 João 2.1-2 Meus filhinhos, estas coisas vos escrevo para que não pequeis; e, se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o Justo. E ele é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo. Satanás é o acusador do povo de Deus (cf. Ap 12.8-10; Jó 1— 2). João testem unhou: E ouvi uma grande voz no céu, que dizia: Agora chegada está a salvação, e a força, e o reino do nosso Deus, e o poder do seu Cristo; porque já o acusador de nossos irmãos é derribado, o qual diante do nosso Deus os acusava de dia e de noite (Ap 12.10). Por causa disso, Cristo — o nosso Advogado -Lj- reage baseado na eficácia do seu sangue derram ado por nossos pecados.
Hebreus 7.17-26 Porque dele assim se testifica: Tu és sacerdote eternamente, segundo a ordem de Melquisedeque. [...] De tanto melhor concerto Jesus foi feito fiador. E, na verdade, aqueles foram feitos sacerdotes em grande número, porque, pela morte, foram impedidos de permanecer; mas este, porque permanece eternamente, tem um sacerdócio perpétuo.
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Portanto, pode também salvar perfeitamente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles. Porque nos convinha tal sumo sacerdote, santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores e feito mais sublime do que os céus.
Pelo fato de Cristo ter a humanidade como também a deidade, Ele pode se compadecer das nossas fraquezas humanas: Visto que temos um grande sumo sacerdote, Jesus, Filho de Deus, que penetrou nos céus, retenhamos firmemente a nossa confissão. Porque não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado (Hb 4.14,15).
Considerando que Ele foi tentado em todos os pontos que nós somos, Ele pode, nesta atual sessão, vencer estas tentações: “Não veio sobre vós tentação, senão humana; mas fiel é Deus, que vos não deixará tentar acima do que podeis; antes, com a tentação dará também o escape, para que apossais suportar” (1 Co 10.13). Este “escape” é proporcionado pela atual intercessão de Cristo por nós; é o seu ministério sacerdotal em nosso favor hoje.
O RETORNO E REINADO DE CRISTO Como comentado acima, Cristo virá novamente de forma física e literal para cumprir o seu papel como Rei sobre o seu povo. Fiz uma análise completa da Segunda Vinda de Cristo e do subseqüente reinado na seção escatologia (“últimas coisas”) no Volume 4, capítulos 15 e 16.
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A P Ê N D I C E
DOIS
REFERÊNCIAS BÍBLICAS À CRIAÇÃO
H
á um as trezentas referências bíblicas à criação, tornan d o-a u m dos principais ensinos da Bíblia. Estas citações vão do Gênesis ao Apocalipse, co m grandes concentrações em Gênesis, Jó, Salmos e Isaías. Os livros de Jeremias e Provérbios tam bém têm muitas alusões à criação. No Novo Testam ento, os livros de Hebreus, Apocalipse, M arcos e R om anos são os que mais apresentam textos relacionados à criação. R E FE R Ê N C IA S V E T E R O T E S T A M E N T Á R IA S À C R IA Ç Ã O • Gênesis — 1.1-27; 2.1-23; 3.1,19,23; 5.1,2; 6.6,7; 7.4; 9.6. •Êxodo — 4.11; 20.11; 31.17. • D euteronôm io — 4.32; 32.6,15,18. •2 Reis — 19.15,25. • 1 C rôn icas— 1.1; 16.26. • 2 Crônicas — 2.12. • Neemias — 9.6. • Jó — 4.17; 9.8,9; 10.8-12; 26.7,13; 31.15; 32.22; 33.4,6,7; 34.15; 35.10; 36.3; 38.4-6; 40.15,19. • Salm os— 8.3-8; 19.1-4; 33.6; 86.9; 89.11,12,47; 90.2,3; 94.9; 95.5,6; 96.5; 100.3; 102.18,25; 104.2-5,19,24,25,30; 115.15; 119.73; 121.2; 124.8; 134.3; 135.7; 136.5,9; 139.14,15; 146.6; 148.1-5; 149.2. • Provérbios — 8.23-29; 14.31; 16.4; 17.5; 20.12; 22.2; 26.10. • Eclesiastes — 3.11; 7.29; 11.5; 12.1,7. • Isaías — 17.7; 22.11; 27.11; 29.16; 37.16,26; 40.21,26,28; 41.20; 42.5; 43.1,7,10,15,21; 44.2,21,24; 45.7-9,11,12,18; 48.7,13; 49.5; 51.13; 54.5,16; 57.16; 66.2,22. • Jeremias — 1.5; 10.11-13,16; 27.5; 31.35; 32.17; 33.2; 51.15,16. •Ezequiel — 21.30; 28.13,15. • Oséias — 8.14. • Am ós — 4.13; 5.8; 9.6. • Jonas — 1.9. • Flabacuque — 1.14. • Zacarias — 12.1. • Malaquias — 2.10,15.
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REFERÊNCIAS NEOTESTAMENTÁRIAS À CRIAÇÃO
Mateus — 13.35; 19.4,8; 24.21; 25.34. Marcos — 2.27; 10.6; 13.19. Lucas — 3.38; 11.50. João — 1.2,3,10; 8.44; 9.32; 17.5. Atos — 4.24; 7.50; 14.15; 17.24,26. Romanos — 1.19,20,25; 5.12-14; 8.19-23,39; 9.20. 1 Coríntios— 11.8,9,12; 15.22,38,45-47. 2 Coríntios — 4.6. Efésios — 1.4; 3.9. Colossenses— 1.16,17,23; 3.10. 1 Timóteo — 2.13; 4.3,4. Hebreus — 1.2,3,10; 3.4; 4.3,4,10,13; 9.11,26; 11.10; 12.27. Tiago — 3.9. 1 Pedro — 1.20; 4.19. 2 Pedro — 3.4-7. Apocalipse — 3.14; 4.11; 10.6; 13.8; 14.7; 17.8; 21.1,5; 22.13.
A P E N D I C E
T R E S
VISOES SOBRE AS ORIGENS
H
á quatro visões básicas sobre as origens (veja Geisler e Anderson, Origin Science [Ciência de Origem], p. 165ss.); duas são naturalistas e duas são sobrenaturalistas. As visões naturalistas são denominadas criação naturalista e evolução naturalista. As visões sobrenaturalistas são denominadas criação teísta e evolução teísta. Podemos diagramá-las da seguinte form a.
Causa primária
Teísmo
Naturalismo
Causa Secundária
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Evolução Naturalista A evolução naturalista postula que não há Deus envolvido na criação — as coisas em ergiram p or processos puram en te naturais. Carl Sagan (1934-1996) e Isaac Asimov (1920-1992) são exemplos de partidários desta visão.
Criação Naturalista A criação naturalista acredita que não há Criador teísta fora do m undo — só há um a M ente criativa dentro do universo que cria. Esta visão é representada po r sir Fred Hoyle (1915-2001) e Nalin C handra W ickram asinghe (n. 1939).
Evolução Teísta A evolução teísta sustenta que há um Deus teísta fora do m undo que o criou, mas que desse ponto em diante todos os seres vivos1 emergiram sob o controle divino através de processos am plam ente naturais. Esta posição foi defendida por Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955) e tem sido sustentada por muitos estudiosos cristãos, com o Howard Van Till.
Criação Teísta A criação teísta afirma que Deus criou diretam ente o universo, os seres vivos e os seres hum anos. Os proponentes deste cam po diferem entre si em quantas coisas foram criadas e quanto tem po levou para Deus criá-las. O ponto concordante é que Deus estava diretam ente envolvido na criação do m undo, da vida e da hum anidade. A maioria, com o eu, acredita que Deus criou diferentes form as de planta e vida animal, das quais em ergiram toda variedade de seres vivos. A evolução teísta e a criação teísta acreditam em u m a Causa prim ária sobrenatural do universo. Eles discordam se Deus usou as causas secundárias (e se as usou, foi em que medida) para produzir os seres vivos (e especialmente os seres hum anos). A evolução naturalista e a criação naturalista afirm am que não há Causa sobrenatural fora do universo. Discordam, porém , se há u m a Causa prim ária inteligente (M ente) no universo que explica o seu desígnio e complexidade. O com entário de C. S. Lewis sobre esta visão é profundo: Para ser com pleto, m encionarei a visão interm ediária cham ada filosofia da força-vida, ou evolução criativa, ou evolução em ergente. [...] U m a razão por que muitas pessoas acham a evolução criativa tão atraente é que dá m uito conforto em ocional acreditar em Deus e em n en h u m a das conseqüências m enos agradáveis. Quando você está em boas condições de saúde e o sol está brilhando e você não quer acreditar que o universo é m era dança m ecânica de átom os, é agradável poder pensar nesta grande força misteriosa vindo em u m a onda ao longo dos séculos e levando você na crista. Por ou tro lado, se você quer fazer algo bastante prosaico, a força-vida, sendo apenas u m a força cega, sem m oral e m ente, n unca interferirá co m você co m o esse Deus problem ático sobre o qual aprendem os quando éram os crianças. A força-vida é u m tipo de Deus adestrado. Você pode ligá-lo quando quiser sem que ele o aborreça. Toda a em polgação da religião a custo nenh u m . Esta força-vida não é a m aior aquisição do pensam ento tendencioso que o m undo já viu? (Mere Christianity, p. 35, nota). 1Muitos cristãos isentam deste processo a alma das pessoas, afirmando que ela foi criação direta de Deus.
A P Ê N D I C E
Q U A T R O
VISÕES SOBRE OS “DIAS” DE GÊNESIS
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á duas visões principais acerca do tem po envolvido na criação: a visão da terra velha e a visão da terra jovem . O últim o crê que o universo não tem mais que uns 15.000 anos, ao passo que o prim eiro afirma que tem provavelm ente uns 15.000.000 anos. Os proponentes da terra jovem entendem que os “dias” da criação são seis dias sucessivos, literais e solares de vinte e quatro horas cada, totalizando cento e quarenta e quatro horas de criação. Eles tam bém rejeitam todo intervalo de tem po significativo entre as narrativas em Gênesis 1 ou dentro das genealogias em Gênesis 5 e l l . 1
A VISÃO DE SEIS DIAS DE VINTE E QUATRO HORAS DA CRIAÇÃO Nem todos os estudiosos que entendem que os dias de Gênesis são dias de vinte e quatro horas são proponentes da terra j ovem (alguns advogam um a teoria de intervalos). Todavia todos que sustentam u m a terra jovem tam bém sustentam a visão de dias de vinte e quatro horas.
Argum entos Oferecidos para a Visão de Dias de Vinte e Quatro Horas Há m uitos argum entos bíblicos apresentados a favor da posição de dias de vinte e quatro horas. Entre eles se incluem os seguintes. 0 Significado Normal da Palavra Hebraica Yom ( “D ia”) A rgum enta-se que o significado habitual da palavra hebraica yom ( “dia”) é vinte e quatro horas, a m enos que o con texto indique o contrário. E m Gênesis 1, o con texto não indica nada mais que u m dia de vinte e quatro horas. Por conseguinte, os dias devem ser considerados com o dias solares. O Uso da Série Numerada Além disso, é digno de nota que quando se usa números em série (1 ,2 ,3 , etc.) em relação à palavra hebraicajiom ( “dia”) no Antigo Testamento, sempre se refere a dias de vinte e quatro horas. A ausência de exceção para esta condição no Antigo Testamento é determinada com o evidência do fato de que Gênesis 1 está se referindo a dias de vinte e quatro horas. 1Veja artigo em “Genealogies, Open or Closed” (Genealogias, Abertas ou Fechadas) em Geisler, BECA.
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O Uso de "Tarde e M anha’ O utra linha de evidência é o uso da frase “tarde e m an h ã” co m relação a cada dia em Gênesis 1 (A RA ). Considerando que o dia literal de vinte e quatro horas no calendário judaico com eçava à “tarde” (pelo pôr-do-sol) e term inava na “m an h ã” (antes do pôr-d osol) do dia seguinte, conclui-se que estes são dias de vinte e quatro horas literais. A Comparação com a Semana de Trabalho de Seis Dias De acordo co m a lei de Moisés (Ex 20.11), a sem ana de trabalho judaica (dom ingo a sexta-feira) tinha de ser seguido por u m dia de descanso no sábado, da m esm a m aneira que Deus fizera na “sem ana de seis dias” da criação. A sem ana de trabalho judaica se refere a seis dias sucessivos de vinte e quatro horas. Neste caso, a sem ana da criação, com o a sem ana de trabalho, tinha som ente cento e quarenta e quatro horas. A Vida não pode Existir por Milhares de Anos sem Luz Os proponentes da terra jovem afirm am que, de acordo co m Gênesis 1, a luz foi feita som ente no quarto dia (G n 1.14), mas havia vida no terceiro dia (G n 1.11-13). Contudo a vida na terra não pode existir por milhares (ou até m esm o m ilhões) de anos sem luz. Portanto, os “dias” não devem ter sido longos períodos de tem po. As Plantas não Podem viver sem os Animais As plantas foram criadas no terceiro dia (G n 1.11-13), e os animais foram criados mais tarde (G n 1.20-23). Há u m a relação simbiótica entre plantas e animais, u m dependendo do ou tro para viver. Por exem plo, as plantas em item oxigênio e to m am gás carbônico, e os animais fazem o contrário. Portanto, plantas e animais devem ter sido criados proxim am ente juntos e não separados por longos períodos de tem po.2 A Visão da Terra Velha Implica Morte antes de Adão De acordo co m a posição dos proponentes da terra velha, houve m o rte antes de Adão. Não obstante, a Bíblia declara que a m o rte só veio depois de Adão, em conseqüência do seu pecado: “Pelo que, co m o por u m h om em entrou o pecado no m undo, e pelo pecado, a m orte, assim tam bém a m o rte passou a todos os hom ens, por isso que todos p ecaram ” (R m 5.12; cf. Rm 8.20-22). A Visão da Terra Velha E uma Acomodação à Evolução Sabemos m uito bem que a teoria da evolução (ou ascendência co m u m ) depende de períodos de tem po m uito longos para a vida desenvolver-se de u m animal unicelular até chegar a seres hum anos. Sem estes longos períodos de tem po, a evolução não seria possível. Portanto, os proponentes da terra jovem argum entam que conceder longos períodos de tem po é um a acom odação à evolução. Marcos 10.6 Afirma que Adão e Eva Foram Criados no Princípio De acordo co m este te x to : “Desde o princípio da criação, Deus os fez m ach o e fêm ea”, se Deus criou a hum anidade no princípio da criação, então eles não foram 2Veja Robert C. Newman and Herman Eckelmann Jr., Genesis One and the Oriflin o f the Earth, p. 128, 129.
VISÕES SOBRE OS “DIAS” DE GÊNESIS #
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criados ao térm in o de m ilhões de anos, co m o defendem os proponentes da visão da te rra velha.
Uma Resposta aos Argum entos Oferecidos à Visão de Dias de V inte e Quatro Horas Apesar de m uitos considerarem que estes argum entos são provas convincentes de seis dias da criação consecutivos de vinte e quatro horas, o assunto, por certas razões, está longe de ser resolvido. Os que rejeitam a visão de seis dias solares sucessivos respondem do seguinte m odo. O Significado Normal da Palavra Hebraica Yom ( “D ia”) É verdade que a palavra hebraica yom ( “dia”) significa “vinte e quatro horas”. Contudo, isto não é definitivo para o significado em Gênesis 1 p or estas razões. Primeiro, o significado de u m term o não é determ inado por voto da maioria, mas pelo con texto no qual é usado. Não é im portante quantas vezes yom é usado em outros lugares, mas com o é usado aqui. Segundo, até na história da criação em Gênesis 1 e 2, a palavra hebraica yom ( “dia”) é usada para referir-se a mais que u m período de vinte e quatro horas. Falando sobre os seis “dias” inteiros da criação, Gênesis 2.4 diz que é o “dia” (yom) em que todas as coisas foram criadas. Terceiro e últim o, yom é usado em outros lugares acerca de longos períodos de tem po, co m o no Salmo 90.4 que é citado em 2 Pedro 3.8: “U m dia para o Senhor é co m o mil anos”. O Uso da Série Numerada Os críticos da visão de dias de vinte e quatro horas destacam que na língua hebraica não há regra que exige que todos os dias num erados em série se refiram a dias de vinte e quatro horas. Além disso, m esm o que não houvesse exceção no Antigo Testam ento, não significaria que “dia” em Gênesis 1 não se refira a mais do que u m período de tem po de vinte e quatro horas. Gênesis 1 pode ser exceção! Por fim, contrário à visão do dia solar, há outro exem plo no Antigo Testam ento de u m a série num erada de dias que não são dias de vinte e quatro horas. Oséias 6.1,2 diz: “Vinde, e tornem os para o Senhor, porque ele despedaçou e nos sarará, fez a ferida e a ligará. Depois de dois dias, nos dará a vida; ao terceiro dia, nos ressuscitará, e viverem os diante dele”. Está claro que o profeta não está falando de “dias” de vinte e quatro horas, mas de períodos mais longos de tem po no futuro. M esm o assim, ele usa dias num erados em u m a série. O Uso de "Tarde e Manhã” Primeiro, o fato de a frase “tarde e m an h ã” ser freqüentemente usada com relação a dias de vinte e quatro horas não significa que sempre deva ser usada deste m odo. Segundo, se tiverm os de to m ar tudo de m odo estritam ente literal em Gênesis 1, então a frase “tarde e m an h ã” não abrange u m dia inteiro de vinte e quatro horas, mas apenas o fim da tarde de u m dia e o co m eço da m an h ã do outro. Isto é consideravelmente menos de vinte e quatro horas.
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Terceiro, tecnicam ente, o texto não diz que o “dia” era com posto de “tarde e m an h ã” (desta form a, form ando supostam ente u m dia judaico de vinte e quatro horas). Mais exatam ente, diz apenas: “E foi a tarde e a m anhã: o dia prim eiro” (G n 1.5). A lém disso, a frase pode ser u m a figura de linguagem que indica co m eço e fim de u m período definido de tem po, da m esm a m aneira que tem os em frases co m o “o am an h ecer da história m undial” ou os “anos declinantes da vida de fulano”. Quarto, se todo dia nesta série de sete tiver de ser considerado com o vinte e quatro horas, por que a frase “tarde e m an h ã” não é usada co m u m dos dias (o sétimo)? Na realidade, co m o verem os mais adiante, o sétimo dia não é de vinte e quatro horas. Portanto, não há necessidade de considerarm os que os outros dias sejam de vinte e quatro horas, visto que todos eles usam igualm ente a m esm a palavra (yom) e têm u m a série de núm eros com eles. Quinto e últim o, em Daniel 8.14 “tardes e m an h ãs” se referem a u m período de 2.300 dias. A verdade é que freqüentem ente no Antigo Testam ento a frase é usada co m o figura de linguagem com o significado de “con tinuam ente” (cf. E x 18.13; 27.21; Lv 24.3; Jó 4.20). A Comparação com a Semana de Trabalho de Seis Dias É verdade que a sem ana da criação é com parada co m u m a sem ana de trabalho (Êx 20.11). Entretanto, não é in com u m no Antigo Testam ento fazer com parações unidade a unidade em lugar de m inu to a m inuto. Por exem plo, Deus designou quarenta anos de peregrinação pelos quarenta dias de desobediência (N m 14.34). E, em Daniel 9, os quatrocentos e noventa dias são iguais a quatrocentos e noventa anos (cf. D n 9.24-27). Além disso, sabemos que o sétim o dia é mais do que vinte e quatro horas, visto que de acordo com Hebreus 4 o sétimo dia ainda está ocorrendo. Gênesis diz que “descansou [Deus] no sétim o dia” (G n 2.2), mas Hebreus inform a que Deus ainda está nesse descanso sabático no qual Ele entrou depois que Ele criou: “Portanto, resta ainda um repouso para o povo de Deus. Porque aquele que entrou no seu repouso, ele próprio repousou de suas obras, com o Deus das suas” (Hb 4.9,10). A Vida não Pode Existir por Milhares de Anos sem Luz A luz não foi criada no quarto dia, co m o argu m en tam os defensores do dia solar. Mais exatam ente, foi feita no prim eiro dia, quando Deus disse: “Haja luz” (G n 1.3). Quanto à razão de haver luz no prim eiro dia quando o sol apareceu som ente no quarto dia, há várias possibilidades. Certos estudiosos observam u m paralelismo entre os três primeiros dias (luz, água e terra — todos vazios) e o segundo três dias (luz, água e terra — todos cheios de corpos). Isto pode indicar u m paralelismo no qual o prim eiro e o quarto dias abrangem o m esm o período, em cujo caso o sol existiu desde o princípio. Outros ressaltam que ainda que o sol fosse criado no prim eiro dia, ele apareceu som ente no quarto dia. Talvez isto se deva a u m a nuvem de vapor que perm itia a profusão da luz, mas não a form a distinta dos corpos celestes dos quais a luz emanava. As Plantas não Podem Viver sem os Animais Certas plantas e animais são interdependentes, mas não todos. Gênesis não m enciona todas as plantas e animais, mas só alguns. Se os “dias” forem seis períodos sucessivos, então essas form as de planta e vida animal que precisam um as das outras poderiam ter
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sido criadas juntas. Na realidade, a ordem básica dos eventos é a ordem da dependência. Por exem plo, muitas plantas e animais podem existir sem os seres hum anos (e foram criados prim eiro), mas os seres hum anos (que foram criados no sexto dia) não podem existir sem certas plantas e animais. Além disso, se os “dias” forem paralelos, então o problem a não existe, visto que plantas e animais existiriam ao m esm o tem po. E m todo caso, o argum ento da relação simbiótica de plantas e animais não prova que os seis “dias” de Gênesis 1 têm de ter apenas cento e quarenta e quatro horas de duração. A Visão da Terra Velha Im plica M orte antes de A dão
Há vários problem as co m este arg u m en to . Primeiro, R o m an o s 5.12 não diz que todos os animais m o rre m p o r causa do pecado de Adão, m as só que “todos os h o m e n s” m o rre m co m o conseqüência. Segundo, R om an os 8 n ão diz que a m o rte anim al é o resu ltad o do p ecado de Adão,
m as só que “a criação ficou sujeita à vaidade” em conseqüência do p ecado (R m
8.20). Terceiro, se Adão com esse algo — e ele tin h a de co m e r p ara viver — , en tão pelo
m en os as plantas tiveram de m o rre r antes de ele pecar. Quarto e ú ltim o , as evidências fósseis indicam h aver m o rte anim al antes da m o rte h u m an a, visto que só se ach am pessoas nos estrato s mais altos (m ais recen tes), ao passo que os animais são achados nos estratos mais baixos (m ais antigos). A Visão da Terra Velha E uma A com odação à Evolução
C o m respeito a esta objeção, devem os observar que p erm itir longos períodos de tem p o p ara o d esenvolvim ento da vida surgiu m u ito tem p o antes da idéia da evolu ção. A gostin ho (354-430), para citar u m , su sten tou longos períodos de tem po para o desenvolvim ento da vida (CG, 11.6). T am b ém , nos tem pos atuais, os cientistas têm chegado à con clu são de que longos períodos de tem p o estavam envolvidos antes que D arw in escrevesse em 1859. A lém disso, longos períodos de tem p o n ão ajudam a evolu ção, visto que sem in terven ção inteligente, mais tem p o não p ro d u z a com p lexidad e especificada envolvida na vida. As leis n atu rais esco lh em a esm o, não especificam . Por exem p lo, espalhar confetes verm elh o s, brancos e azuis de u m avião voan do a m il pés de a ltu ra n u n ca p rod u z u m a bandeira am erican a no solo. D ar mais tem p o p ara os confetes caírem , d erru b and o-os a dez m il pés, p o r exem p lo , os espalham ainda mais. M arcos 1 0.6 A firm a que A dão e Eva Foram Criados no Principio Primeiro, Adão n ão foi criado no principio, m as ao término do período da criação (n o sexto dia), p o u co im p o rtan d o a exten são dos dias. Segundo, a palavra grega ktisis ( “c ria r”) pode e às vezes significa “in stitu ição ” ou
“o rd en ação ” (cf. 1 Pe 2.13). C onsiderando que em M arcos 10.6 Jesus está falando sobre a in stitu ição do casam en to , pode significar “desde o princípio da in stitu ição do casam en to ”. Terceiro e ú ltim o , m esm o que M arcos 10.6 esteja falando dos eventos originais da criação, não significa que n ão pode te r havido u m lon go período de tem p o envolvido nesses eventos criativos.
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OS “DIAS” DE GÊNESIS PODEM ENVOLVER LONGOS PERÍODOS DE TEMPO Outros cristãos ortodoxos acreditam que os “dias” de Gênesis 1 podem envolver períodos significativos de tempo. Eles oferecem duas linhas de evidência em defesa desta visão: bíblica e científica.
As Evidências Bíblicas para os Dias Longos em Gênesis Há muitas indicações no texto bíblico que apóiam a crença de que os “dias” da criação eram mais longos que vinte e quatro horas. Os pontos a seguir são os mais freqüentemente dados em defesa desta posição. A Palavra Hebraica Yom ("D ia”) Freqüentemente significa um Longo Período de Tempo
O fato é que a mesma palavra que significa vinte e quatro horas também significa um período mais longo de tempo. Em primeiro lugar, “dia” às vezes significa um dia profético, quer dizer, um período de tempo futuro de comprimentos discrepantes, como em “dia do Senhor” (J1 2.31; cf. 2 Pe 3.10). Além disso, como vimos, 2 Pedro 3.8 ( “Um dia para o Senhor é como mil anos”) está baseado no Salmo 90.4: “Mil anos são aos teus olhos como o dia de ontem que passou”. Como com qualquer outra palavra, o significado da palavra dia tem de ser determinado pelo contexto no qual é usada. Em muitos contextos, “dia” significa muito mais que vinte e quatro horas. Pode significar milhares de horas ou até mais. A Palavra Dia E mais que Vinte e Quatro Horas mesmo em Gênesis 1 e 2
Até na passagem da criação, a palavra hebraica yom é usada acerca de um período de tempo mais longo que vinte e quatro horas. Resumindo os seis “dias” inteiros, o texto declara: “Estas são as origens dos céus e da terra, quando foram criados; no dia [yom] em que o Senhor Deus fez a terra e os céus” (Gn 2.4, grifos meus). “O dia” aqui significa seis “dias”, o que indica um significado amplo da palavra dia na Bíblia, da mesma maneira que temos em nosso idioma. O Sétimo “Dia” tem Milhares de Anos de Comprimento Todos concordam que tem havido pelo menos milhares de anos desde o tempo da criação. Contudo, a Bíblia declara que Deus descansou no sétimo dia depois dos seis dias da criação (Gn 2.2,3). De acordo com o livro de Hebreus, Deus ainda está no descanso sabático da criação (Gn 4.3-5). Por conseguinte, o sétimo dia teve pelo menos seis mil anos de duração, mesmo na mais curta de todas as cronologias da humanidade. 0 Terceiro “Dia" E mais Longo que Vinte e Quatro Horas No terceiro “dia”, Deus criou não só a vegetação, mas ela amadureceu. O texto diz que no terceiro dia “a terra produziu erva, erva dando semente conforme a sua espécie e árvore frutífera, cuja semente está nela conforme a sua espécie. E viu Deus que era bom” (Gn 1.12, grifos meus). Crescer de sementes até chegar à planta madura e produzir mais sementes é um processo que leva mais tempo que um dia, uma semana ou um mês para a maioria das plantas. Não há indicação no texto de que o crescimento foi algo não natural; foi a sua origem que foi sobrenatural.
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0 Sexto “D ia” É mais Longo que Vinte e Quatro Horas Pelo visto, o sexto “dia” da criação tam bém foi consideravelm ente mais longo que u m dia solar. Considerem os tudo que acon teceu nesse “dia”. Primeiro, Deus criou todas as m uitas centenas (ou m ilhares) de animais da terra (Gênesis 1.24,25). Segundo, Deus “fo rm o u ” o h o m em do pó da terra (G n 2.7). Esta palavra hebraica yatsar significa “m o ld a r” ou “fo rm a r”, o que indica tem po. A palavra)>atsar é usada para referir-se ao trabalho do oleiro (cf. Jr 18.2,3). Terceiro, Deus disse: “Far-lhe-ei u m a ad ju tora que esteja co m o diante dele” (G n 2.18, grifos m eu s). Isto indica u m tem po subseqüente ao tem po do anúncio. Quarto, Adão observou e deu n o m e a esta m u ltid ão de anim ais (G n 2.19). C o m o co m e n to u R ob ert N ew m an: “Se cada u m a das ap ro xim ad am en te quinze m il espécies vivas de tais anim ais (sem m en cio n ar os a tu alm en te ex tin to s) fosse levada a Adão p ara receb er u m n o m e, teria levado dez horas se ele gastasse apenas dois segundos co m cada u m a ”.3 N ão é tem p o suficiente para Adão estu d ar cada anim al e d eterm in ar u m n o m e apropriado p ara cada u m . Supondo u m m ín im o de dois m in u to s para cada espécie, o processo teria levado seiscentas horas (o u vinte e cinco dias). Quinto, Adão p ro cu ro u u m a com p an h eira p ara ele, ap aren tem en te en tre todas as criaturas que Deus fizera. “Mas para o h o m em não se achava ad ju tora que estivesse co m o diante dele” (d en otan do u m tem po de busca) (G n 2.20, grifos m eus). Sexto, Deus fez Adão d orm ir e o operou, tirando u m a das costelas e cu ran do a carne (G n 2.21). Este proced im en to tam bém envolveu mais tem po. Sétimo, Eva foi levada a Adão que a observou, aceitou -a e se uniu a ela (Gênesis 2.22-25). Em conclusão, é altam en te im provável que todos estes eventos, sobretudo o quarto, foram com prim idos em u m período de vinte e quatro horas ou, mais precisam ente, em cerca de doze horas de luz que cada dia proporciona.
As Evidências Científicas para os Dias Longos em Gênesis Além das evidências bíblicas para os longos períodos de tem po, há argum entos científicos que o m undo existiu por bilhões de anos. A idade do universo se baseia: (1) Na velocidade da luz e na distância das estrelas. (2) Na taxa de expansão do universo. (3) No fato de que as pedras antigas foram radioativam ente datadas em term os de bilhões de anos. (4) Na taxa de sal que se escoa ao m ar e na quantidade de sal depositada ali, o que indica m ultim ilhões de anos. Todos estes argum entos têm certas pressuposições improváveis. Todavia podem ser verdadeiros e, p o r conseguinte, indicam u m universo que tem bilhões em vez de m ilhares de anos (ver Ross, C T).
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O UTRAS VISÕES DOS “DIAS” DE GÊNESIS Se, claro, os “dias” de Gênesis são longos períodos de tem po, então não há conflito co m a ciência m oderna quanto à idade da terra. Não obstante, m esm o que os “dias” de Gênesis sejam de vinte e quatro horas, ainda há m uitos m odos de reconciliar os longos períodos de tem po co m Gênesis 1 e 2.
A Visão de Dias de Revelação C ertos estudiosos conservadores propõem que os “dias” de Gênesis sejam dias de vinte e quatro horas de revelação e não dias de criação (ver W iseman, CRSD, tudo). Quer dizer, eles sugerem que Deus levou u m a sem ana solar literal (de cento e quarenta e quatro horas) para revelar a Adão (ou Moisés) o que Ele fizera nas longas eras anteriores à criação dos seres hum anos. Até m esm o n a passagem de Êxodo 20.11, que fala que o Senhor “fez” (asah) os céus e a terra em seis dias, a palavra hebraica pode significar “revelou”. Da m esm a m aneira que u m profeta pode obter revelação de Deus olhando antecipadam ente u m a série fu tu ra de acontecim entos (cf. Dn 2, 7 e 9; Ap 6 a 19), assim Deus pode revelar a u m dos seus servos u m a série passada de acontecim entos. De fato, Moisés ficou no m on te Sinai p o r quarenta dias (Ex 24.18), e Deus poderia ter passado seis destes dias para revelar-lhe os acontecim entos da criação passada. Ou, depois que Deus criou Adão, Ele pode ter levado seis dias literais p ara revelar-lhe o que Ele fizera antes que Adão fosse criado. C ertos estudiosos acreditam que este m aterial pode ter sido m em orizado e passado adiante co m o a prim eira “história das origens dos céus e da terra” (G n 2.4, NVI), exatam ente co m o as outras “histórias” (ou “genealogias”, ou “gerações”) foram possivelmente registradas e passadas adiante (cf. Gn 5.1; 6.9; 10.1; etc.).
A Visão da Era dos Dias Alternados Outros estudiosos evangélicos propõem que os “dias” de Gênesis sejam períodos de tem po de vinte e quatro horas no qual Deus criou as coisas mencionadas, mas que elas estão separadas entre si por longos períodos de tempo. Isto explicaria as indicações em Gênesis 1 de que estes são dias de vinte e quatro horas (com o dias numerados e “tarde e m anhã”), ao m esm o tem po deixando espaço para as eras geológicas exigidas pela ciência moderna.
Teorias do Intervalo C. I. Scofield (1843-1921) tornou popular a visão que poderia haver u m grande intervalo de tem po entre os primeiros dois versículos da Bíblia, no qual se ajustam todas as eras geológicas. Deste m odo, os “dias” poderiam ser de vinte e quatro horas cada, e o m undo poderia ter m uitos milhões de anos ou mais. Outros acreditam que pode ter havido u m “intervalo” ou, m elhor, u m lapso de tem po antes do início dos seis dias de vinte e quatro horas de Gênesis. Neste caso, o prim eiro versículo não indicaria necessariam ente Deus criando ex nihilo, mas Deus agindo mais recentem ente para form ar u m m undo que Ele anteriorm ente criou (ver Waltke, CAG, tudo).
A Visão do Tempo Ideal Há tam bém a posição variegadamente conhecida por procronism o, visão da idade aparente ou do tem po ideal. De acordo co m esta perspectiva, a terra e todos os seres
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vivos foram criados co m a aparência de idade (ver Gosse, 0 , capítulos 6 e 7), ou seja, eles foram criados já desenvolvidos ou adultos. Por exem plo, Adão pode ter tido a aparência de vinte e u m anos de idade u m m inuto depois de ter sido criado, mas na verdade ele só tinha u m m inu to de idade. Sem elhantem ente, argum enta-se que Adão pode ter tido u m umbigo, com o todos seus descendentes têm , em bora ele nunca tivesse sido ligado por u m cordão umbilical a um a m ãe. Tam bém teorizam que as primeiras árvores podem ter sido criadas com anéis em vez de as terem recebendo pelo crescim ento anual. Se for assim, então o m undo pode ser realm ente jovem e só aparentem ente velho.4
A Visão dos Quadros Literários Outros estudiosos, co m o H erm an Ridderbos (n. 1900), propõem que o uso de “dias” e “tarde e m an h ã” são meros dispositivos literários antigos para enquadrar certos períodos de tem po, a fim de encapsulá-los em form a literária sem elhante ao uso que fazemos de “capítulos” para o m esm o fim. A rgum entam que visto que tarde e m an h ã eram modos naturais de indicar u m período de tem po co m u m com eço e u m fim, este foi um m odo apropriado para Deus revelar a Adão (ou Moisés) o que Ele tinha feito em certos períodos de tem po antes que os seres hum anos entrassem em cena. Em sum a, há num erosos modos de explicar os longos períodos de tem po e, ao m esm o tem po, aceitar u m a interpretação literal de Gênesis 1 e 2. Quer dizer, não tem os de abandonar o m odo histórico-gram atical norm al de interpretar a Bíblia para adotar estas visões. C ontudo, não há conflito necessário entre Gênesis e a crença de que 0 universo tem milhões ou até bilhões de anos. Na verdade, entre todos os m odos de interpretar Gênesis 1 e 2, só a visão “religiosa apenas” ou “m ítica” é categoricam ente incompatível com u m a interpretação evangélica da Bíblia, visto que rejeita que Gênesis 1 esteja fornecendo inform ação literal sobre a origem do universo espaço-tem po e de todos os seres vivos.
FONTES Augustine. The City o f GodL [Edição brasileira: Agostinho. A Cidade de Deus (Petrópolis: Vozes, 2000).] Geisler, N orm an L. Knowing the Truth Ahout Creation. Geisler, N orm an L. “Genealogies, Open or Closed”, in: Baker Encydopedia o f Christian Apologetics. [Edição brasileira: Enciclopédia de Apologética: Respostas aos Críticos da Fé Cristã (São Paulo: Vida, 2002).] Gosse, Philip Henry. Omphalos: An Attempt to Untie the Geological Knot. Morris, Henry. Biblical Cosmology and Modem Science. . The Genesis Record. Newman, Robert C., and H erm an Eckelm ann, Jr. Genesis One and the Origin o f the Earth. R am m , Bernard. The Christian View o f Science and Scripture. Ridderbos, H erm an. Is There a Conflict Between Genesis 1 and Natural Science? Ross, Hugh. Creation and Time. Stoner, Don. A New Look at an Old Earth. 4 Pelo visto, esta visão acusa Deus de enganador, visto que alega que Ele faz o m undo parecer velho, quando na realidade não é. Além disso, é contrária ao bom senso e aos argumentos científicos a favor de um universo velho.
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Waltke, Bruce. “The Creation Account in Genesis 1:1-3; Part I: Introduction to Biblical Cosmogony”, in: Bibliotheca Sacra. ____________ . “The Creation Account in Genesis 1:1-3; Part II: The RestitutionTheory”, in: Bibliotheca Sacra. ____________ . “The Creation Account in Genesis 1:1-3; Part III: The Initial Chaos Theory and the Precreation Chaos Theory”, in: Bibliotheca Sacra. ____________ . “The Creation Account in Genesis 1:1-3; Part IV: The Theology of Genesis 1 ”, in: Bibliotheca Sacra. ____________ . “The Creation Account in Genesis 1:1-3; Part V: The Theology of Genesis 1 Continued”, in: Bibliotheca Sacra. Wiseman, Donald. Creation Revealed in Six Days. Young, Davis. Christianity and the Age o f the Earth. Young, Edward). Studies in Genesis One.
APÊNDICE
CINCO
A IDADE DA TERRA
elo visto, não há m odo de provar qual é a verdadeira idade do universo, quer pela ciência ou pela Bíblia, pois há intervalos conhecidos e possíveis nas genealogias bíblicas (ver mais adiante). Além do mais, há pressuposições impossíveis de provar na maioria, se não em todos os argum entos científicos a favor de u m a terra velha (ver mais adiante), quer dizer, u m a terra de milhões ou bilhões de anos é biblicamente possível, m as não absolutam ente provável.
P
Intervalos no Registro Bíblico O bispo James Usher (1581-1656), cuja cronologia foi usada na Bíblia Scojield, argum entou que Adão foi criado em 4.004 a.C. Todavia os cálculos estão baseados na suposição de que não há intervalos nas tábuas genealógicas de Gênesis 5 e 11, enquanto que sabemos que há. Por exem plo, a Bíblia diz: “Arfaxade [...] gerou a Salá” (Gn 11.12), mas na genealogia de Jesus registrada em Lucas 3.35,36, consta “Cainã” entre Arfaxade e Salá. Se há u m intervalo, pode haver mais — e na verdade sabemos que há. Por exem plo, Mateus 1.8diz: “Jo rão gero u aU zias”,m asalistag em p aralelaem 1 C rônicas3.11-14(A RA) m ostra gerações ausentes entre Jorão (Jeorão) e Uzias (Azarias), isto é, Acazias, Joás e Amazias. Não sabemos quantos intervalos há nas genealogias bíblicas e quanto tem po eles representam . Seja co m o for, há brechas e, p o r conseguinte, não dá para fazermos cronologias completas-, são dadas som ente genealogias pontuais (linhas de descendência).
Pressuposições nos Argumentos Científicos Há m uitos argum entos científicos a favor de u m universo velho, alguns dos quais são persuasivos. C ontudo, nenh u m destes é infalível, e todos podem estar errados. Alguns exemplos ilustrarão o que quero dizer sobre a razão de não serm os dogm áticos de um a form a ou de outra. A Velocidade da Luz não E Confiável Apesar dos fatos que Albert Einstein (1879-1955) considerou serem absolutos e que a ciência m od ern a tem reputado serem imutáveis, ainda não se provou que a velocidade de luz n unca ten h a m udado. A velocidade da luz (aproxim adam ente trezentos mil quilôm etros por segundo) é um a das premissas aos m uitos argum entos que favorecem u m a terra velha. C ontudo se a velocidade de luz é constante e se Deus tam bém não criou
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os raios de luz quando Ele criou as estrelas, então se conclui que o universo tem bilhões de anos, pois levou milhões de anos para essa luz chegar até nós. Não obstante, estes são grandes “ses” que não foram provados, e pelo visto são impossíveis de provar. Portanto, ainda que os argum entos da velocidade da luz em prol de u m universo velho possam ser plausíveis, eles não chegam a ser u m a prova dem onstrável. A Datação Radioativa Sabemos que os elem entos IJ235 e U238 em item isótopos de chum bo a um a conhecida taxa por ano. Medindo a quantidade do seu depósito, podem os calcular quando a decom posição com eçou . Muitas pedras antigas n a crosta da terra foram datadas em bilhões de anos por este m étodo. Mas p o r mais plausível que seja, não é u m fato provado, pois tem os de presum ir pelo m enos duas coisas que não podem ser provadas para chegarm os à conclusão de que o m undo tem bilhões de anos. Primeiro, tem os de presum ir que não havia depósitos de chum bo no princípio. Segundo, tem os de presum ir que a taxa de decom posição têm perm anecido inalterada ao longo da história. Isto não foi provado. Por conseguinte, a datação radioativa não prova acim a de toda dúvida que o m undo ten h a bilhões de anos. A Quantidade de Sal no Mar O m esm o é verdadeiro acerca de todos os argum entos a favor de u m a terra velha. Por exem plo, os oceanos têm certa quantidade conhecida de sal e minerais, e estes elem entos entram no oceano a determ inada taxa por ano. Por m atem ática simples, podem os determ inar quantos anos isto tem acontecido. C ontudo, aqui tam bém tem os de presum ir (1) que no co m eço não havia sal e minerais no oceano, e (2) que a taxa não m udou ao longo dos anos. U m dilúvio universal, co m o a Bíblia descreve, teria mudado a taxa de depósitos durante esse período. Tudo isto não quer dizer que o universo não ten h a bilhões de anos — pode ter. C ontudo, isto não foi provado sem som bra de dúvida, e os argum entos apresentados a favor possuem pressuposições que não foram ou não podem ser provadas, no entanto, dada a base da física m oderna, é plausível que o universo te n h a bilhões de anos. E, com o dem onstrado acim a, não há nada n a Bíblia que contradiga isto. Diante disso, as conclusões a seguir são apropriadas: (1) Não há conflito com provado entre Gênesis 1 e 2 e os fatos científicos. (2) O conflito real não está entre a revelação de Deus exarada na Bíblia e os fatos científicos; está entre a interpretação que alguns cristãos fazem da Bíblia e as teorias de m uitos cientistas sobre ã idade do m undo. (3) A ciência não provou que é impossível a visão de seis dias sucessivos de vinte e quatro horas. (4) U m a interpretação literal de Gênesis é consistente co m u m universo que tenha bilhões de anos. (5) Considerando que a Bíblia não diz exatam ente qual é a idade do universo, a idade da terra não deve ser u m teste de ortodoxia. Na realidade, m uitos estudiosos ortodoxos defendem que o universo tenha milhões de anos ou mais (co m o Agostinho, B. B. Warfield, C. I. Scofield, John Walvoord, Francis Schaeffer, Gleason Archer, H ugh Ross e a maioria dos líderes do m ovim ento que produziu
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afam osa “Declaração de C hicago” [1978] sobre ainerrância da Bíblia [ver Volume 1, capítulos 14 e 27]). FO N T ES Augustine. The City o f God. [Edição brasileira: Agostinho. A Cidade de Deus (Petrópolis: Vozes, 2000).] Geisler, N orm an L. Knowing the Truth Ahout Creation. Geisler, N orm an L. “Genealogies, Open o r Closed”, in: Baker Encyclopedia o f Christian Apologetics. [Edição brasileira: Enciclopédia de Apologética: Respostas aos Críticos da Fé Cristã (São Paulo: Vida, 2002).] Gosse, Philip Henry. Omphalos: An Attempt to Untie the Geological Knot. Morris, Henry. Bihlical Cosmology and Modem Science. _____________ . The Genesis Record. New m an, Robert C., and H erm an Eckelm ann, Jr. Genesis One and the Origin o f the Earth. R am m , Bernard. The Christian View o f Science and Scripture. Ridderbos, H erm an. Is There a Conflict Between Genesis 1 and Natural Science? Ross, Hugh. Creation and Time. Stoner, Don. A New Look at an Old Earth. Waltke, Bruce. “The Creation A ccou n t in Genesis 1:1-3; Part I: Introduction to Biblical C osm ogony”, in: Bibliotheca Sacra. _____________ . “The C reation A ccou n t in Genesis 1:1-3; Part II: The Restitution T heory”, in: Bibliotheca Sacra. _____________ . “The Creation A ccou n t in Genesis 1:1-3; Part III: The Initial Chaos Theory and the Precreation Chaos T h eory”, in: Bibliotheca Sacra. _____________ . “The C reation A ccou n t in Genesis 1:1-3; Part IV: The Theology o f Genesis 1”, in: Bibliotheca Sacra. _____________ . “The Creation A ccou n t in Genesis 1:1-3; Part V: The Theology o f Genesis 1 C ontinued”, in: Bibliotheca Sacra. Wiseman, Donald. Creation Revealed in Six Days. Young, Davis. Christianity and the Age o f the Earth. Young, Edward J. Studies in Genesis One.
APÊNDICE
SEIS
A EVIDÊNCIA CIENTÍFICA PARA A CRIAÇÃO
A
evidência científica a favor da criação se encontra em três áreas diferentes. Primeiro, há evidência científica para a criação do universo físico.
Segundo, há evidência científica para a criação da prim eira vida. Terceiro, há evidência científica para a criação de todas as form as de vida básica,
inclusive os seres hum anos.
CIÊNCIA DE OPERAÇÃO (EMPÍRICA) VERSUS CIÊNCIA DE ORIGEM (FORENSE) Antes de exam inarm os esta evidência, é necessário distinguir duas categorias básicas de ciência, um a que lida co m o m undo presente e a outra que lida com o m undo passado. A prim eira se ch am a ciência de operação, e a outra, ciência de origem (veja Geisler and Anderson, OS, capítulos 6 e 7). A ciência de operação é um a ciência empírica; a ciência de origem é mais sem elhante a u m a ciência forense. A ciência de operação trata das regularidades presentes, ao passo que a ciência de origem trata das singularidades passadas. A ciência de origem lida com a origem do universo e da vida, e a ciência de operação lida co m o funcionamento do universo e da vida. A diferença crucial entre a ciência de origem e a ciência de operação é que na ciência de operação há u m padrão recorrente de eventos contra os quais podem os testar um a teoria. Na ciência de origem , não há tal padrão recorren te no presente, visto que se trata de um a singularidade passada. Por conseguinte, não há m odo direto de testar u m a teoria ou m odelo de ciência de origem . Tem de ser julgada tão plausível ou improvável pela m aneira em que reconstrói consistente e com preensivelm ente o passado não-observado com base nas evidências disponíveis no presente. Os princípios básicos destes dois tipos de ciência tam bém são diferentes. A ciência de operação se baseia na observação e repetição. Encontram os, por exem plo, as leis da física e da química na observação de alguns padrões recorrentes de eventos. Podemos fazer tais observações a olho nu ou com a ajuda de instrum entos, co m o o telescópio e o microscópio. A observação é crucial para a ciência de operação — tem de haver u m a repetição ou padrão recorren te para ser observada. Não podem os fazer análise científica empírica com base em um evento singular, pois a ciência de operação não só envolve regularidades presentes, mas tam bém regularidades futuras que possam ser projetadas a partir de um padrão presente. Repetindo, não podem os estabelecer um a tendência ou fazer um a
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predição científica a partir de u m evento singular. É necessário u m a série ou padrão de eventos antes que u m a lei científica válida seja postulada ou u m a projeção possa ser feita. A ciência de origem , ao contrário, não se baseia nem na observação n em na repetição dos eventos de origem , visto que não os observamos, n em estão sendo repetidos no presente. Portanto, a ciência de origem trata das singularidades passadas não-observadas, com o a origem do universo e a origem da vida. Considerando que n en h u m ser hum ano esteve presente para observar a origem da vida, este não é o assunto da ciência de operação. Por exem plo, a operação do cosm o é a ciência da cosmologia, mas a origem do cosm o é a ciência da cosmogonia. A prim eira lida co m a sua operação presente; a últim a lida co m a gênese do m undo. A ciência operacional da biologia não trata do começo da vida, m as do seu funcionamento ininterrupto desde aquele ponto de origem . C o m o a vida com eçou é a biogenia; co m o ela continua é a biologia. Basicamente, então, há dois tipos de ciência.
C iê n cia d e O rig em Singularidades passadas C om eço do universo Ciência forense
C iê n cia de O p e ra çã o Regularidades presentes Funcionam ento do universo Ciência empírica
A C a u sa d a O rig em versus as Leis d a O p e ra çã o É im portante observar que as leis pelas quais algo opera não são as mesm as que as causas pelas quais esse algo com eçou . Por exem plo, as leis necessárias para mover u m m oinh o de vento não são suficientes para produzir u m . O m oinh o de vento funciona puram ente pelas leis naturais da física (pressão, m ovim ento, inércia, etc.). Entretanto, estas leis naturais não criam m oinhos de vento; elas só operam por eles. A razão para isto é que as leis naturais tratam da continuação das coisas, mas não são suficientes para explicar o começo dessas coisas. E só porque as coisas operam de m od o regular no presente que é possível fazermos observações e predições baseadas nisso. Portanto, a observação e a repetição são necessárias para a ciência n atu ral (operacional). A origem dos eventos passados, quer do universo ou da vida, não foi observada e não é repetida. Portanto, não se classifica no domínio da ciência n atu ral (ciência de operação). Considerando que u m evento de origem é, por natureza, não-repetido, en tra em u m a classe própria — é u m a singularidade nãoobservada, e não aconteceu de novo. Por conseguinte, tem de ser abordado de m od o diferente do que se faz na ciência empírica (ciência natural, observacional). De fato, co m o vimos, a ciência de origem é mais sem elhante a u m a ciência forense, que é onde não houve observação do evento e não pode ser repetido. Por exem plo, consideremos o caso de u m a m o rte não-observada p o r u m a causa desconhecida. Levando em conta que ninguém viu o fato, não podem os invocar o princípio da observação usado n a ciência de operação, e visto que a pessoa está m o rta, não pode ser repetido. Sem elhantem ente, o princípio da repetição não está presente. Portanto, n en h u m a das duas bases da ciência de operação está presente n a ciência de origem. A ausência dos princípios da ciência empírica não frustra totalm en te a análise científica de u m assassinato, p o r exem plo; podem os evocar os princípios da ciência forense. Usando as evidências rem anescentes (co m o arm as, contusões, impressões digitais, DNA,
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etc.), o cientista forense pode fazer u m a recon strução plausível do evento original. De m odo sem elhante, o cientista de origem tenta reconstruir as singularidades passadas não-observadas, com o a origem do universo e a origem da vida.
OS PRINCÍPIOS DA CIÊNCIA DE ORIGEM Toda disciplina tem seus próprios princípios. A ciência de operação se baseia na observação e repetição. Sem u m padrão recorren te de eventos para m edir as teorias, não há ciência operacional válida. Considerando que a ciência de origem carece de observação e repetição dos eventos de origem , tem de depender de outros princípios. Além dos dois óbvios ( consistência e compreensão) que toda teoria ou m odelo deve em pregar, os princípios mais cruciais da ciência de origem são a causalidade e a uniformidade (analogia).1 Este contraste pode ser diagramado da seguinte form a:
Princípios da Ciência de Origem
Princípios da Ciência de Operaçao
Causalidade Uniformidade (analogia)
Observação Repetição
O Princípio da Causalidade C om o o cientista forense, o cientista de origem acredita que todo evento tem uma causa adequada, que é verdade acerca dos eventos não-observados co m o tam bém dos observados. Este princípio tem u m a história venerável na ciência e quase que não precisa de justificação. E suficiente com en tar que Aristóteles (384-322 a.C .) afirm ou que “o sábio busca causas”, ao passo que Francis Bacon (1561-1626) acreditava que o verdadeiro conhecim ento é “o conhecim ento através das causas” (NO, 2.2.121). Até o cético David H um e (1711-1776) disse: “Eu nunca afirmei tão absurda proposição quanto a qualquer coisa possa surgir sem causa” ( LDH, 1.187). E patente aos seres racionais, incorruptos pela especulação filosófica, que tudo o que vem à existência tem uma causa-. Nada não produz algo. Se algo veio à existência, então algo o causou. De fato, sem o princípio da causalidade, não haveria ciência de operação ou origens. E im portante observar que o princípio da causalidade não afirma que tudo tem um a causa. O princípio da causalidade não se aplica a tudo, mas só • a tudo que começa; • a tudo que é finito; • a tudo que é contingente; • a tudo que é dependente.
Quer dizer, todo evento precisa de u m a causa, mas toda coisa não. Se há algum a coisa (ser) que seja eterna e independente (quer seja o universo ou Deus), então não precisa de u m a causa. A causalidade se aplica a coisas que vêm a ser (vem à existência), não ao que simplesmente é. Tudo que simplesmente é, não precisa de causa; é não-causado. 1 Não confundamos uniformidade com uniformitarianismo, que faz a suposição injustificável de que todos os eventos têm de ter causas naturais.
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A pergunta a ser respondida é se o cosm o (o universo de espaço-tem po) veio a ser (co m o sustentam os criacionistas) ou se sem pre era (co m o acreditam m uitos nãocriacionistas).
O Princípio da Uniformidade (Analogia) Há outro princípio da ciência de origem conhecido por princípio da uniformidade (ou analogia). G eralm ente declarado, afirma que “o presente é a chave do passado”. Aplicado mais especificamente à questão das causas passadas não-observadas, o princípio da uniformidade (analogia) assevera que o tipo de causa que regularm ente produz certo tipo de evento no presente é o tipo de causa que produziu u m efeito igual no passado. Ou, mais concisam ente, os eventos passados têm causas semelhantes às causas dos eventos presentes
iguais. O princípio da uniform idade deriva o n om e da experiência uniforme n a qual está baseada, quer dizer, as observações repetidas revelam que certos tipos de causas produzem regularm ente certos tipos de eventos. Por exem plo, a água correndo em volta das pedras tem o efeito de arredondá-las. Sem elhantem ente, o vento soprando na areia (ou na água) produz ondas, e a chuva forte em solo lam acento produz erosão, e assim por diante. Todas estas causas são naturais (ou seja, secundárias), o que quer dizer que os efeitos são produzidos por forças naturais cujos processos são parte observável da operação contínua do universo físico. Há outro tipo de causa conhecido por prim ário. A inteligência é um a causa primária, e o princípio da uniformidade (baseado na conjunção constante) inform a que certos tipos de efeitos só vêm de causas inteligentes. A linguagem hum ana, cerâm ica, retratos e sinfonias têm causas inteligentes. Estam os tão convencidos por experiências repetidas prévias que só a inteligência produz estes tipos de efeitos que quando vem os u m único evento que se assemelhe a u m destes tipos de efeitos, invariavelmente postulam os u m a causa inteligível para isto. Por exem plo, quando vem os u m a frase escrita no céu, n unca presum im os que é o resultado de um a causa secundária (co m o o vento e as nuvens). De maneira sem elhante, quando vem os os rostos dos quatro presidentes no m onte R u sh m ore,2 sem pre concluím os que u m a inteligência os causou, e quando encontram os os dizeres “John am a M ary” escritos na praia, nunca supom os que foram as ondas os escreveram . A razão de firm em ente postularm os causas inteligentes para estes tipos de coisas é que observamos repetidam ente que esses tipos semelhantes de efeitos são produzidos por causas inteligentes. Agora, a questão é se a origem do prim eiro organismo vivo (o qual não observamos) foi por causa secundária (n atu ral) ou por causa prim ária (inteligente). O único m odo científico de determ inar isto é por analogia co m a nossa experiência de que tipo de causa regularm ente produz esse tipo de efeito no presente. O utra coisa a observar sobre o princípio da uniformidade é que é u m argum ento proveniente da analogia. E um a tentativa de chegar ao desconhecido (passado) através do conhecido (presente). Considerando que não tem os acesso direto ao passado, podem os “con h ecê-lo” apenas indiretam ente por analogia co m o presente. É assim que a história h um ana é reconstruída, e é tam bém o m od o em que a história da terra e a história 2 N. do T.: O m onte Rushm ore, de 2.034 m etros de altura, situa-se em Dakota do Sul, Estados Unidos, e contém escultura do rosto de quatro presidentes americanos: George Washington, Thomas Jefferson, Theodore Roosevelt e Abraham Lincoln.
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da vida são recriadas. A geologia histórica é u m bom exem plo, ou seja, com o ciência é totalm en te dependente do princípio da uniformidade. A m enos que possamos observar atualm ente na natureza ou no laboratório certos tipos de causas produzindo certos tipos de eventos, não podem os validam ente reconstruir a história geológica. C ontudo, visto que podem os observar as causas naturais produzindo estes tipos de efeitos hoje, podem os postular que causas naturais semelhantes produziram efeitos semelhantes no registro geológico do passado. Podemos fazer a m esm a observação sobre a história hum ana, em que causas inteligentes primárias estejam envolvidas. A arqueologia co m o ciência só é possível, porque presum im os o princípio da uniformidade. Portanto, quando encontram os certos tipos de ferram entas, arte ou escrita, postulam os que seres inteligentes os produziram . Encontrando pontas de flecha nos leva à conclusão de que os seres inteligentes as produziram , e não forças naturais co m o o vento e a água. Quando destroços do passado contêm escrita, arte, poesia ou música, não tem os problem a em insistir em causas primárias inteligentes para eles. Portanto, quer evoquem os um a causa secundária ou prim ária, a base é o princípio da uniformidade, pois a m enos que tenham os um a conjunção constante de certo tipo de causa co m certo tipo de efeito no presente, não tem os base na qual aplicar este princípio de analogia aos eventos passados só conhecidos pelos seus destroços. O program a SETI (Busca por Inteligência E xtraterrestre) tam bém está baseado no princípio da analogia. Carl Sagan (1934-1996) afirmou que “o recebim ento de um a simples m ensagem do espaço m ostraria que é possível viver por tal adolescência tecnológica” (BB, p. 275). A razão que isto pode ser feito é que as seqüências de letras em um idiom a hum ano são reconhecidam ente diferentes do resultado das leis naturais. Isto foi cientificamente estabelecido nos estudos sobre teoria de inform ação feitos por Claude E. Shannon nos laboratórios da com panhia Bell.
A PRÁTICA DA CIÊNCIA DE ORIGEM A gora que entendem os os princípios básicos da ciência de origem , vam os aplicá-los às três principais áreas da origem : o com eço do universo (cosm ogonia), o surgim ento da prim eira vida (biogenia) e o surgim ento dos seres hum anos (racionais) (antrogenia).
Universo Vida Hum anos
CIÊNCIA DE ORIGEM
CIÊNCIA OPERACIONAL
Cosm ogonia Biogenia Antrogenia
Cosm ologia Biologia Antropologia
Em cada um a das áreas de origem — o cosm o, a prim eira vida e os seres hum anos — , tentarem os determ inar se as evidências científicas favorecem postular a ação direta de u m a causa prim ária ou só u m a causa secundária para estes eventos. Os dois principais princípios habituais para determ inar isto serão o princípio da causalidade e o princípio da uniformidade (analogia). A questão é: A causa do evento de origem foi (p or analogia co m o presente) u m a causa n atural ou u m a causa inteligente?
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A Origem do Universo (Cosmogonia) A doutrina cristã da criação declara que houve u m com eço do universo (ver capítulos 2 e 3). O universo não é eterno; veio à existência do nada. A questão aqui é se há evidência científica para apoiar esta crença. A Evidência da Segunda Lei da Termodinâmica Há várias linhas de evidência que convencem até os cientistas agnósticos de que o universo veio à existência do nada. U m a das mais im portantes é a segunda lei da term odinâm ica que declara que a quantidade de energia utilizável no universo está diminuindo. A fissão nuclear está ocorrendo nas estrelas, e, p ortan to, o universo está ficando sem combustível utilizável para m anter-se em operação — a energia está sendo transform ada em calor inutilizável. O utro m odo de dizer a m esm a coisa é que no universo co m o u m todo as coisas estão se m ovendo geralm ente da ordem para a desordem, pois em um sistema fechado e isolado como é o universo físico, as coisas deixadas por si mesmas tendem a ficar mais aleatórias e desordenadas. Esta desordem n em sem pre é verdadeira nas áreas m enores do universo, porque estas áreas m enores são sistemas abertos que recebem energia de fora. Por exem plo, u m organism o vivo recebe energia de fora (do sol) que o impede de en trar em desordem e gastar energia. Não obstante, visto que o universo como um todo é u m sistema fechado, não há por definição fonte externa de energia física para ajudá-lo a superar os efeitos degenerativos da segunda lei. O universo co m o u m todo está se esgotando, e se está se esgotando, não é eterno. Se o universo fosse infinito, não estaria se esgotando, pois algo não pode se esgotar de certa quantidade infinita de energia. E m sum a, tudo que está se extinguindo deve ter tido u m com eço , pois não leva para sem pre exaurir certa quantidade limitada de energia. Portanto, a segunda lei da term odinâm ica indica u m começo do universo. Olhando por esta evidência, Robert jastrow, astrofísico agnóstico, concluiu que “três linhas de evidência — os m ovim entos das galáxias, as leis da term odinâm ica e a história de vida das estrelas — apontam u m a conclusão; tudo indica que o Universo teve u m co m eço ” ( G A , p. 111). Neste caso, este é o apoio científico para a doutrina cristã da criação do universo, pois é u m a inferência racional baseada na evidência científica de que o universo físico não é eterno. Veio à existência, e tudo que vem à existência precisa de u m a causa. Portanto, é racional postular u m Criador disto. A Evidência da Expansão do Universo A maioria dos astrônom os contem porâneos acredita que o universo está se expandindo; medidas m ostram que as estrelas estão se afastando. A analogia freqüentem ente dada é de pontos e u m balão que está aum entando de tam an h o de form a que os pontos (estrelas) estão ficando mais distantes uns dos outros. U m dos estudos mais im portantes feitos a esse respeito foi de Allan Sandage. “Ele com pilou inform ação sobre 42 galáxias, adentrando no espaço tão longe quanto seis bilhões de anos luz”. As medidas indicam “que o universo esteve se expandindo mais rapidam ente no passado do que hoje. Este resultado em presta apoio adicional à crença de que o universo explodiu vindo à existência” (jastrow, ibid., p. 95). Se estas observações e conclusões estiverem corretas, então é o u tra confirm ação de que o cosm o teve u m ponto de início, pois se reverterm os a “câm era” do tem po, o
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universo fica cada vez m en or até ser invisível. Se isto for executado para trás m atem ática e logicam ente, chegarem os a u m ponto em que não há espaço, tem po e m atéria. U m ponto em que não há literalm ente nada. Portanto, não havia nada, e então, de repente, houve algo do nada. Desnecessário dizer que, neste caso, co m o estão afirmando m uitos cientistas^ hoje, esta é um a confirm ação científica da cren ça na criaçãoexm M o. Até m esm o m uitos astrônom os e cientistas não-teístas estão falando da “criação do nada”. Alguns que querem evitar Deus estão afirmando que “o universo veio à existência do nada e por nada” (ver Kenny, FW, p. 147). Esta, porém , é um a negação do princípio da causalidade e é oposta à própria natureza da ciência, que é achar u m a causa adequada para os eventos. M esm o assim, m ostra que a evidência para o universo vir à existência do nada lhes é tão persuasiva, que eles tiveram de parar para postular u m universo eterno e, p ortan to, não-causado. Assim, eles não puderam evitar u m Criador. A Evidência do Eco de Radiação U m a terceira linha de evidência convenceu m uitos cientistas de que o universo teve u m com eço. Dois cientistas, A rno Allan Penzias (n. 1933) e Robert W oodrow Wilson (b. 1936), receberam o prêm io Nobel pela descoberta do globo de fogo de radiação (ver Jastrow, GA, p. 5). O universo está emitindo u m brilho de radiação, cujo com prim ento de onda é o exatam ente produzido por u m a explosão gigantesca. Penzias e Wilson postularam que este pode ter sido o “big bang” produzido quando o universo explodiu entrando em cena há alguns bilhões de anos astronôm icos. Considerando que a evidência para a expansão do universo m ostra que o universo se expandiu mais rapidamente no passado, isto se ajusta ao conceito de u m a explosão, que tam bém gera m aior velocidade no princípio, mas depois reduz a velocidade e acaba diminuindo. E a diminuição se ajusta aos dados da segunda lei, o que indica que o universo está se extinguindo. Assim, estas três linhas de evidência convergem para m ostrar que o cosm o teve um começo, exatam ente o ponto do ensino bíblico sobre a criação. Robert Jastrow declarou: “A ciência provou que o universo explodiu vindo à existência em certo m o m e n to ”. E concluiu ele: “A busca que os cientistas fazem do passado term ina no m om ento da criação” (GÂ, pp. 114, 115). Se o universo foi criado, então é razoável postular um Criador para ele. Além disso, a teoria geral da relatividade de Einstein e a grande massa de energia descoberta pelo telescópio espacial Hubble (u m a massa predita pela teoria do Big Bang) confirm a a visão de que o universo teve u m com eço. Claro que esta evidência científica não é prova absoluta de que o universo físico teve u m com eço por, pelo m enos, duas razões. Primeiro, a evidência científica, p o r natureza, não produz prova plena das coisas. Segundo, podem os encontrar outras explicações mais satisfatórias para a expansão do universo e a radiação. Alguns chegam a propor que a segunda lei não se aplica ao universo todo, mas só a sistemas isolados e fechados dentro dele. E freqüente proporem um a teoria do rebote. O universo voltará para trás n a sua expansão e recom eçará o u tra vez, e assim p or diante infinitamente. Em bora esta visão careça de evidências convincentes, m ostra que tem os de tem perar dogm atism o co m argum entos científicos. Talvez baste dizer que a visão prevalecente na com unidade científica apresenta evidências que apóiam
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fortem ente o que os cristãos sem pre acreditaram em bases bíblicas (e alguns até m esm o em bases filosóficas), isto é, que o universo teve u m começo. Agora, se a evidência apóia a visão de que o cosm o en trou em existência do nada, então é razoável postular um a Causa para ele. A lém disso, visto que o cosm o é o universo n atu ral, então, por sua própria natureza, co m o Causa além (fora) do m undo natural, esta Causa prim eira seria u m a Causa sobrenatural. E claro que é o que os teístas cristãos senipre afirm aram : “No princípio, criou Deus os céus e a terra” (G n 1.1). A Evidência da Grande Massa de Energia E am p lam ente aceito na com unidade científica que quando u m a teoria prediz u m resultado que depois é obtido pela observação, isto co n ta co m o con firm ação da teoria. Foi p recisam ente o que acon teceu quando, em 1992, in fo rm aram que o telescópio espacial Hubble descobriu u m a grande m assa de energia no espaço exterio r que foi predito pela teoria do Big Bang. Depois de ver a evidência do Hubble, u m cientista, G eorge S m oot, exclam ou : “Se você for religioso, é co m o olh ar p ara D eus!” ( “Science, God and M an ” [Ciência, Deus e o H om em ], in: Time, 28 de dezem bro de 1992). A Evidência da Relatividade Geral A lém destas quatro linhas de evidência, h á a teoria geral da relatividade de Einstein. De acord o co m esta visão, o universo deve te r tido u m co m eço . De Sitter estudou as equações de Einstein e descobriu que elas tinham um a solução de expansão do universo. [A rthur Eddington] a aclam ou com o “um a revolução do pensam ento”, e pôs-se a trabalhar para organizar a expedição de eclipse que provou a validade das idéias de Einstein em 1919. A expedição m ediu a curvatura da luz pela gravidade — um efeito predito pela relatividade, (citado por Jastrow, GA, p. 36)
Esta verificação d ram ática da teoria da Einstein confirm ou que o universo teve u m co m eço . Einstein, p orém , não chegou a esta conclusão, introduzindo u m “fator de co rre ç ã o ” na fórm ula. Depois de ser contestado e desm entido, ele o ch am o u o m aior erro da sua carreira (ibid., pp. 25-27). A relatividade geral exige u m co m e ço do universo, p rop orcion an do u m a quinta linha de evidência científica a favor do Criador. Conclusão da Evidência Astronômica Devido à forte evidência científica, R ob ert Jastrow concluiu: “Que h á o que eu ou qualquer u m cham aria forças sobrenaturais em ação é, agora, penso, u m fato cientificam ente p rovad o” (ibid., p. 18). E tam bém observou: “Hoje, os astrônom os descobriram que eles se en cu rralaram , porque eles p rovaram , p or m étodos próprios, que o m undo co m eço u abru ptam en te em u m ato da criação. [...] E descobriram que tu d o acon teceu co m o p ro d u to de forças que eles não p odem esperar descobrir” (ibid., p. 15). P ortan to, ele enfatiza que “a busca dos cientistas do passado term in a no m o m en to da criação”, e “este é u m desdobram ento extrem am en te estranh o e inesperado p o r todos, m enos pelos teólogos. Eles sem pre aceitaram a palavra da Bíblia: ‘No princípio, criou Deus os céus e a te rra ’ [Gn 1.1]”’ ( “SC B T F”, em CT, p. 115).
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A Origem da Vida (Biogenia)3 A Bíblia declara: “Criou, pois, Deus [...] todos os seres viventes” (G n 1.21, ARA). Em contrapartida, a teoria prevalecente entre os cientistas é que a vida com eçou por geração espontânea de substâncias químicas não-vivas. Na verdade só há duas visões possíveis: Ou a vida foi originada por u m Criador inteligente, ou então foi o resultado de processos p uram ente naturais de m atéria não-viva. Robert Jastrow disse: “Ou a vida foi criada na terra pela vontade de u m ser fora da perspicácia da com preensão científica, ou evoluiu espontaneam ente em nosso planeta por reações químicas que o co rrem n a m atéria nãoviva que se encontra na superfície do planeta” (USD, p. 62). Qual visão da origem da vida é mais cientificamente plausível? Antes de responder, tem os de ressaltar que na ciência de origem não há m odo direto de com parar a nossa teoria com o evento de origem (do surgimento da primeira vida) pela observação. N enhum cientista observou a origem da primeira vida, e não está sendo repetida inúmeras vezes. A partir das experiências de Francesco Redi (1626-1697) e Louis Pasteur (1822-1895), a teoria da geração espontânea (não-sobrenatural) da vida foi desacreditada. Apesar disto, muitos cientistas n utrem a esperança de que a vida no passado surgiu contrária à evidência no presente. Lógico que esta é um a violação dos princípios da uniformidade e causalidade, pelos quais são testadas as teorias de origem. Considerando que o segundo princípio diz apenas que deve ter havido u m a causa adequada, focalizaremos a atenção no primeiro princípio, que lida co m que tipo de causa é adequado para explicar a origem da vida. Distinguindo Diferentes Tipos de Efeitos O princípio da uniform idade (analogia) declara que os tipos de causas que produzem certos tipos de efeitos no presente devem ser postulados para estes tipos de efeitos no passado. Sendo assim, a pergunta é: Que tipo de efeito to m a a ação direta de u m a causa inteligente, e que tipo tem apenas o efeito de u m a causa natural? Primeiro, consideremos um a série de ilustrações que se explicam intuitivam ente. Sabemos observando a conjunção constante no presente que as causas naturais podem e produzem dunas de areia, mas que tem de haver causas inteligentes para produzir castelos de areia. Sem elhantem ente, as causas naturais fazem cristais, mas só as causas inteligentes criam lustres. Os contrastes apresentados a seguir aum entarão esta distinção.
CAUSAS NATURAIS PRODUZEM
CAUSAS INTELIGENTES PRODUZEM
Dunas Cristais Cachoeiras Pedras redondas M onte McKinley4
Castelos de areia Lustres Usinas hidroelétricas Pontas de flecha M onte R u sh m ore5 Dizeres no céu feitos pela fum aça de avião A disposição do alfabeto em um a enciclopédia
Nuvens A disposição das letras em u m a sopa de letrinhas
3 Esta seção segue o excelente livro de Charles Thaxton, et. al., chamado The Mystery o f Life's Origin (O Mistério da Origem da Vida)
4 N. do T.: O m onte McKinley, também conhecido por Denali, localiza-se no Alasca, Estados Unidos, e é
a m ontanha mais alta da América do Norte, com seus 6.194 m etros de atitude.
5 N . do T .: O m onte Rushm ore, de
2.034 m etros de altura, situa-se em Dakota do Sul, Estados Unidos, e contém escultura do rosto de quatro presidentes americanos: George Washington, Thom as Jefferson, Theodore Roosevelt e Abraham Lincoln.
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Ao olhar estas duas listas, sabemos que causas naturais p or si só n unca produzem os tipos de efeitos na coluna da direita. Por quê? A resposta é o princípio da uniform idade — a nossa experiência uniform e, baseada na conjunção constante de causas inteligentes co m estes tipos de efeitos, leva-nos a crer que outros efeitos semelhantes tam bém terão u m a causa inteligente. Sendo este o caso, só precisam os perguntar: U m a célula viva é mais sem elhante a u m a enciclopédia ou a u m prato de sopa de letrinhas? O m ovim ento do Desígnio Inteligente está baseado nesta distinção. Phillip Johnson (ver DT) e William Dembski (ver I D) o usam para dem onstrar que a complexidade irredutível e a complexidade, especificada, co m o se acham nas células vivas, são mais bem explicadas postulando um Designer inteligente. A Complexidade Especificada Distingue ãV ida Definições da vida biológica são difíceis de fazer. Entretanto, algumas características distintivas são claras. O famoso biólogo Leslie Orgel observou as diferenças im portantes, quando disse: “Os organismos vivos são distintos pela sua com plexidade especificada. Os cristais [...] não se qualificam co m o seres vivos, porque eles não têm complexidade; as m isturas aleatórias de polím eros não se qualificam co m o seres vivos, porque elas não têm especificidade” (OL, p. 189). Quer dizer: (1) Os cristais são especificados, mas não são com plexos. (2) Os polím eros aleatórios são complexos, mas não são especificados. (3) A vida é especificada e complexa. Em sum a, a vida no nível genético é caracterizada por complexidade especificada. Podemos entender o que isto significa através do conceito de condições de limite. Michael Polanyi explica: Quando um a panela lim ita um a sopa que estamos cozinhando [contendo-a], estamos interessados na sopa. Sem elhantem ente, quando observarmos um a reação em um tubo de ensaio, estamos estudando a reação, não o tubo de ensaio. O contrário é verdadeiro quanto ao jogo de xadrez. A estratégia do jogador im põe limites nos diversos m ovim entos que seguem as leis do xadrez, mas o nosso interesse está no lim ite, ou seja, na estratégia, não nos m ovim entos conform e a exemplificação das leis. E de m odo sem elhante, quando um escultor talha um a pedra ou um p intor com põe um a pintura, o nosso interesse está nos limites impostos em um m aterial e não no próprio material. ( “LTPC”, em CEN)
Estas condições de limite: (1) transcendem as leis da física e da química; (2) resultam em seqüências de letras que são m atem aticam ente idênticas às da linguagem hum ana; e (3) assemelham -se às feitas por u m escultor inteligente que im põe limites na pedra. Portanto, a vida é feita de u m alfabeto genético (de quatro letras) que manifesta as características de condições de limite inteligentemente impostos, com o o piloto do avião
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impõe n a fumaça, o oleiro no barro, ou o autor nas letras. Na realidade, estudos feitos por Hubert Yockey sobre a aplicação da teoria de informação (desenvolvida para a linguagem hum ana) revelam que a seqüência padrão no código genético e a seqüência padrão na linguagem hum ana são “m atem aticam ente idênticas”. Yockey conclui: “A hipótese da seqüência se aplica diretamente à proteína e ao texto genético com o tam bém à linguagem escrita, e, portanto, o tratam ento é m atem aticam ente idêntico” (JTB , p. 16).
Condições de Limite Agora tem os u m a resposta no nível genético para a nossa pergunta: A vida é mais com o u m prato de sopa de letrinhas ou co m o u m a enciclopédia? Éprecisamente como uma enciclopédia. A inform ação genética que u m animal unicelular tem , caso fosse escrita letra a letra em nosso idioma, é igual a milhares de volum es da Enciclopédia Britânica. Apesar de confesso agnóstico, Carl Sagan proporcionou forte prova para u m Criador inteligente da vida, quando argum entou que “u m a simples m ensagem ” (BB, p. 275) do espaço exterior provaria a ele que há inteligência supranorm al por trás disso. Se um a m ensagem cu rta requer inteligência sobre-hum ana, então quanto mais um volum e de u m a enciclopédia? Allan Sandage, fam oso astrônom o am ericano contem porâneo, disse m uito bem: O m undo é m uito com plicado em todas as suas partes e interconexões para acontecer só por acaso. Estou convencido de que a existência da vida com toda essa ordem em cada um dos organismos está sim plesm ente m uito bem com binada demais. Cada parte de um ser vivo depende de todas as outras partes para funcionar. Com o é que cada parte sabe? C om o é que cada parte é especificada na concepção? Quanto mais aprendemos de bioquímica mais incrível se torna, a m enos que haja algum tipo de princípio organizador. ( “S R R B ”, em T, p. 20)
A evidência da inteligência p o r trás dos seres vivos não está limitada ao nível genético cósm ico ou m icroscópico. Pode ser observado a olho nu. O renom ado biólogo de Harvard, Louis Aggasiz, observou: [Darwin] perdeu de vista a mais extraordinária das características, aquela que penetra o todo, isto é, que ao longo da natureza percorre a inconfundível evidência de pensamento, correspondendo às operações mentais da nossa m ente. É, portanto, inteligível a nós com o seres pensantes, e inexplicável em qualquer outra base senão que eles devem a existência ao funcionam ento da inteligência. Toda teoria que negligencia este elem ento não pode ser verdadeira à natureza. (AJS, p. 1.860)
A Complexidade Irredutível E Evidência de Desígnio As descobertas na microbiologia tam bém confirm am que a vida foi projetada. O revolucionário livro de Michael Behe, A Caixa Preta de Darwin, apresenta claram ente o argum ento a favor do desígnio inteligente da vida. Behe observa que Darwin admitiu: “Se puder ser dem onstrado que um órgão com plexo existiu, o qual não pode ter sido form ado por modificações num erosas, sucessivas e leves, então a m inha teoria se esfacelará de tod o ” (de Darwin, OOS, sexta edição, p. 154). O evolucionista Richard Dawkins concorda:
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A evolução m uito possivelm ente n em sempre é, de fato, gradual. Mas tem de ser gradual quando está sendo usada para explicar a vinda à existência de objetos complicados, aparentem ente projetados, com o os olhos. Pois se não for gradual nestes casos, deixa de ter poder explicativo. Sem progressão gradual nestes casos, estamos de volta aos milagres, que é sinônim o de ausência total de explicação [naturalista]. ( ROE, p. 83)
Todavia, observa Behe, é precisam ente o que acontece co m o que era a “caixa p reta” nos dias de Darwin, isto é, a célula hum ana. Hoje, os microbiologistas perscru tam a célula hum ana e descobrem u m organism o irredutivelm ente com plexo que não pode ser explicado em etapas progressivas, passo a passo: Ninguém da Universidade de Harvard, ninguém dos Institutos Nacionais de Saúde, nenh u m m em bro da Academia Nacional de Ciências, nenh u m ganhador do prêm io Nobel — ninguém pode fazer um relato detalhado de com o o cílio, ou a visão, ou a coagulação de sangue, ou outro processo bioquím ico com plexo pode ter se desenvolvido segundo o m étodo darwiniano. Mas nós estamos aqui. Todas estas coisas chegaram aqui de algum a m aneira; se não foi segundo o m étodo darwiniano, então com o foi? (DBS, p. 187)
Behe conclui que “outros exemplos de complexidade irredutível abundam, inclusive aspectos da reduplicação do DNA, transporte de elétrons, síntese dos telôm eros, fotossíntese, regulam ento da transcrição e mais” (ibid., p. 160). Por conseguinte, “a vida na terra em seu nível mais fundam ental, em seus com ponentes mais críticos, é o produto de atividade inteligente” (ibid., p. 193). Segue-se, então, que “a conclusão do desígnio inteligente flui natu ralm ente dos próprios dados — não de livros sagrados ou crenças sectárias. Inferindo que os sistemas bioquímicos foram projetados por u m agente inteligente é u m processo insípido que não requer novo princípio de lógica ou ciência” (ibid.). Assim, [...] o resultado destes esforços cum ulativos para investigar a célula — investigar a vida em nível m olecular — é um brado alto, claro e penetrante de “desígnio!” O resultado é tão inequívoco e tão significativo que tem de ser classificado com o um a das maiores realizações na história da ciência. A descoberta rivaliza as de Newton e Einstein. (ibid., p. 232, 233)
Antes m esm o de Behe, já se observou que a natureza manifesta desígnios surpreendentes que são sem elhantes a coisas conhecidas por ter causas inteligentes. Os olhos hum anos são u m a m áquina fotográfica incrível que os inventores hum anos ainda não igualaram . As asas dos pássaros são incrivelm ente adaptadas para voar e teriam de estar totalm ente com pletas antes que o vôo fosse possível. Além disso, o design antecipatório da natureza indica prem editação inteligente. As glândulas físicas antecipam perigo e segregam substâncias químicas apropriadas no sangue para capacitar o indivíduo a reagir. Muitos animais botam ovos, co m antecedência, onde haja a possibilidade de haver com ida e sobrevivência para a prole. Todos estes fatos se assemelham ao plano de u m a M ente fora das criaturas que lhes program ou antecipadam ente o “instinto” para a continuação da vida. Nem sequer o observador casual pode evitar ver as semelhanças entre os tipos de efeitos conhecidos para serem produzidos p or causas inteligentes e os presentes nos seres vivos.
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Claro que há quem proponha que isto pode ter acontecido p o r processos puram ente naturais à parte da intervenção inteligente. Sugerem que a seleção natural é co m o um m ecanism o tão potente que to rn a isso possível. C ontudo, esta resposta não basta quando se trata da origem da primeira vida, pois não havia seleção n atural no nível pré-biótico. A seleção natural é u m processo que só opera depois que a vida com eçou . O evolucionista Theodore Dobzhansky declarou: “A seleção n atural pré-biótica é u m a contradição de term os” ( OPSTMM, p. 311). C ertos naturalistas especulam que o prim eiro organism o vivo pode ter sido mais simples que os organismos unicelulares vivos de hoje. Não obstante, esta resposta é insuficiente para negar o argum ento em prol de u m a Causa inteligente da prim eira vida por, pelo m enos, duas razões. Primeiro, é p uram ente especulativa, sem qualquer base na realidade. Segundo, m esm o que a prim eira vida fosse mais simples, ainda teria complexidade especificada, que se sabe requerer u m a Causa inteligente. Por exem plo, m esm o que o prim eiro ser vivo não tivesse tan ta inform ação quanto u m a enciclopédia, mas só tanto quanto u m a redação, ainda assim precisaria de u m a Causa inteligente. Só seres inteligentes escrevem artigos, ou até m esm o parágrafos. Se u m agnóstico co m o Carl Sagan aceitaria “u m a simples m ensagem ” co m o prova de inteligência, então por que não a m ensagem altam ente com plexa que sabemos que há em u m a célula viva? 0 Princípio Antrópico O u tra evidência em prol de u m Criador inteligente de vida é o princípio antrópico. De acordo com ele, o universo desde o com eço foi incrivelm ente bem afinado para o surgim ento da vida hum ana. Desde o princípio do cosm o, à form ação da terra, ao surgim ento dos seres vivos, todas as condições foram inacreditavelm ente adaptadas para o surgim ento eventual da vida hum ana. Repetindo, fazendo u m com entário sobre estes fenôm enos, certo cientista agnóstico confessou: O princípio antrópico é o desenvolvimento mais interessante em com paração à prova da criação, e é até mais interessante, porque diz que a ciência a provou com o fato concreto que este universo foi feito, foi projetado para o hom em viver nele. É um resultado m uito teísta. (Jastrow, “SC BTF”, em CT, p. 17)
Stephen Hawking, físico e astrônom o altam ente respeitado, descreveu com o o valor de m uitos núm eros fundamentais nas leis da natureza “parecem ter sido m uito finamente ajustados para to rn ar possível o desenvolvimento da vida” e co m o Deus parece ter “escolhido m uito cuidadosam ente a configuração inicial do universo” (citado por Heeren, SMG, p. 67). Albert Einstein disse: “A harm onia da lei natu ral [...] revela um a inteligência de tal superioridade que, com parada co m ela, todo o pensam ento e ação sistemática dos seres hum anos é u m reflexo totalm ente insignificante” (10, p. 40). Hugh Ross (ver FG, pp. 119-138) fez um a lista de exemplos da boa afinação do universo. U m a am ostra seleta inclui os seguintes itens: (1) Os 21 por cento de oxigênio n a atm osfera é exatam ente o certo. C om 25 por cento, haveria incêndios espontâneos, e com 15 por cento, os seres hum anos sufocariam.
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(2) Se a força gravitacional fosse alterada por apenas 1 parte em 10 à quadragésima potência, o sol não existiria, e a lua se chocaria co m a terra. (3) Se a força centrífuga do m ovim ento planetário não equilibrasse precisam ente as forças gravitacionais, nada poderia ser segurado em órbita ao redor do sol. (4) Se o universo estivesse se expandindo a u m a taxa u m milionésimo mais lentam ente, a tem p eratu ra da terra seria de 10.000°. (5) Se a distância co m u m entre as estrelas (de quarentae oito trilhões de quilôm etros) fosse alterada apenas ligeiramente, haveria variações extrem as de tem peratu ra n a terra. (6) M esmo u m a leve variação n a velocidade de luz alteraria os outros fatores constantes e tornaria a vida na terra impossível. (7) Se Júpiter não estivesse n a órbita em que está, seriamos bombardeados por m aterial espacial. (8) Se a espessura da crosta da terra fosse alterada, a atividade vulcânica e tectônica tornaria a vida na terra impossível. (9) Se a rotação da terra levasse mais tem po que vinte e quatro horas, as variações de tem p eratu ra seriam m uito grandes entre a noite e o dia. Se fosse m enos de vinte e quatro horas, as velocidades do vento atm osférico seriam m uito grandes. (10) Se a inclinação axial da terra fosse alterada ligeiramente, a tem peratu ra da superfície seria m uito elevada para ter vida na terra. (11) Se a taxa de relâmpagos fosse m aior, haveria m uito incêndio e destruição. Se m en or, haveria m uito p ouco nitrogênio (fertilizante) n a terra. (12) Se houvesse mais atividade sísmica, muitas vidas se perderiam . Se m enos, os nutrientes no leito do oceano não seriam reciclados aos continentes pelo levantam ento tectônico, etc. Em suma, sem planejam ento antecipado inteligente de todos os fatores do universo, a vida hum ana jamais teria surgido e nem seria sustentada. Steven Weinberg, ganhador do prêm io Nobel e ateísta agnóstico, foi tão longe quando a dizer: A m im m e parece que se a palavra “D eus” for de algum a serventia, deve ser considerada com o significado de um Deus interessado, um criador e legislador que não só estabeleceu as leis da natureza e do universo, mas tam bém os padrões do bem e m al, um a personalidade que se interessa por nossas ações, algo m enos que isso é apropriado para adorarmos. (DPT, p. 244, grifos m eus)
A Origem dos Seres Humanos (Antropogênese) A terceira área de origem é a dos seres hum anos, que, desde o tem po de Darwin, tem sido calorosam ente debatida. Por u m lado, os macroevolucionistas afirm am u m a ascendência co m u m de todos os seres vivos; por ou tro lado, os criacionistas insistem em ascendência separada de todas as form as básicas de vida, inclusive a vida hum ana. O prim eiro vê todos os seres vivos co m o u m a árvore, e o últim o, com o u m a floresta. A pergunta, então, é: O que a evidência científica indica — há evidência de u m a origem distinta de vida hum ana separada e acim a do nível dos animais?
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A Evidência Racional
U m a lei de pensam ento fundam ental negada pela m acroevolução é que “o efeito não pode ser m aior que a causa”. Em linguagem popular, “a água não sobe mais do que a fonte”. Filosoficam ente dito, o efeito não pode ter mais do que aquilo que a causa colocou nele. E n tretanto, de acordo co m a evolução naturalista, não só nada produz algo e o nãovivo produz o vivo, mas com respeito aos seres hum anos, o não-racion al produziu o racional. Sabem os, porém , que o racional não surge do não-racion al não mais que o ser é causado pelo não-ser. A Evidência Lingüística
A linguagem hu m ana é ou tra evidência distintiva da criação hu m ana feita por um Criador racional. A linguagem hu m ana é inigualável — n en h u m anim al fala ou pode aprender a linguagem hu m ana. Há m uitas coisas específicas à fala. Clifford W ilson e D onald M cK eon fizeram u m a lista no excelente livro The Language Gap (A A bertura da Linguagem H um ana): (1)
D escontinuidade de som /form a.
(2)
N atureza sim bólica das unidades.
(3 )
Sistem a regido p or regras.
(4 )
Com posicional.
(5 )
Com plexa.
(6)
Deslocada.
(V
De extensão irrestrita (ilim itada).
(8)
Independente de controle estim ular.
(9 )
Adequada para com u nicação contextualizada.
(10)
ndependente de satisfação de necessidade.
01) (12)
E spontaneam ente adquirida. C u ltu ralm en te transm itida ( LG , pp. 147-153).
Repare nas palavras de u m cientista que, sem êxito, tentou ensinar um chim panzé a falar u m idiom a hu m ano: Apesar das frustrações do Projeto Nim, eu sabia que não poderia haver substituto para esse punhado inteligente de divertimento e travessura, a criatura mais hum ana que qualquer outro não-hum ano que conheço. Uma das razões para esta divisão ser tão dolorosa era que não havia modo de falar com ele sobre isto. Nim e eu podíamos nos com unicar por sinais sobre ocorrências simples no mundo dele e meu. Mas com o explicar por que eu e os outros membros do projeto que vieram para O klahom a de repente o abandonamos? Com o explicar que era necessário deixá-lo para sempre em um ambiente totalm ente novo, com um grupo totalm ente novo de primatas humanos e não-humanos? (ibid., p. 153)
O utro cientista que ou trora acreditava que os chim panzés poderiam aprender a falar o idiom a hu m ano, acabou abandonando essa cren ça em face das evidências experim entais:
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Os chimpanzés não têm qualquer grau significativo da linguagem hum ana e quando, em dois a cinco anos, este fato for devidamente divulgado, será interessante perguntar: Por que fom os tão facilmente iludidos em acreditar que eles têm? (ibid., p. 154) A Evidência Antropológica Apesar da alta especulação sobre os “elos perdidos” entre prim atas e hum anos, jamais foi encontrado u m exem plo incontestável (Gish, EFSN, capítulo 6). Alguns exemplos se m ostraram ser fraudes, co m o o H om em de Piltdown. A evidência p ara o H om em de Nebraska era nada mais que o dente de u m porco extinto! O H om em de Neandertal era tão ereto e hum ano quanto nós; a sua postura curvada era conseqüência de artrite. A evidência do H om em de Pequim desapareceu m isteriosam ente. Mas visto que ele m o rreu de golpes na cabeça produzidos por u m in strum ento pontiagudo, está claro que ele não era o antepassado dos prim atas que confeccionavam ferram entas. M uitos cientistas acreditam que o australopitecino é u m orangotango. A medida que as evidências atuais e indisputáveis avançam, há grande diferença, por exem plo, entre os hum anos que produzem cerâm ica, cu ltu ra e práticas religiosas e os prim atas que não produzem nada disso. Além disso, a sem elhança estrutural entre hum anos e prim atas não é prova de ascendência co m u m . Pode m uito bem ser indicação de desígnio co m u m . Da m esm a m aneira que os designers hum anos utilizam m uitos dos m esm os padrões básicos repetidas vezes nas criações, não é in com u m que o Criador do universo faça muitas estruturas semelhantes. Considere a sem elhança dos seguintes utensílios de cozinha. Será que a sem elhança prova que a chaleira de m etal evoluiu de u m a colher de chá?
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A Evidência Genética Os genes hum anos são inigualáveis. Os hum anos não se cruzam co m animais; eles se reproduzem só segundo a sua espécie. Em bora os hum anos com partilhem elevado um p or cento de sem elhança crom ossôm ica co m alguns prim atas, esta sem elhança não é prova de ascendência co m u m , do m esm o m odo que o m odelo de autom óvel deste ano é prova de que evoluiu natu ralm ente do m odelo do ano passado sem a intervenção de criação inteligente. De fato, a assim cham ada “evolução” do carro não é evolução coisa n enhum a. Mais exatam ente, é u m m odelo m elhor na criação seqüencial. Cada nova criação é o resultado da intervenção inteligente direta do Criador, e não da ascendência co m u m através de processos naturais. A verdade é que há um a descontinuidade en orm e entre os seres hum anos e os seus antecessores animais. A vida hum ana apareceu abrupta e com pletam ente, cujas características indicam a intervenção direta de u m Criador. As causas puram ente naturais são contínuas e graduais, e não produzem o racional do não-racional. Este intervalo é transposto apenas por u m Criador inteligente. U m forte argum ento a favor da criação dos seres hum anos vem da inform ação genética no cérebro hum ano. Carl Sagan que, co m o citado antes, acreditava que “um a simples m ensagem ” do espaço provaria u m a causa altam ente inteligente, observou: O conteúdo de informação do cérebro humano expressado em bits é comparável ao número total de conexões entre os neurônios — aproximadamente cem trilhões, 10Hde bits. Se fosse escrito em inglês, por exemplo, essa informação encheria uns vinte milhões de livros, tantos quantos na maior biblioteca no mundo. O equivalente de vinte milhões de livros está dentro da cabeça de cada um de nós. O cérebro é um lugar muito grande em um espaço muito pequeno. [...] A neuroquímica do cérebro é incrivelmente ativa; é o sistema de um circuito elétrico da máquina mais maravilhosa do que qualquer uma inventada pelos seres humanos. (C, p. 278, grifos meus) Se u m a simples m ensagem do espaço requer u m Criador inteligente, que tal vinte milhões de livros cheios de inform ação? Se máquinas com uns precisam de u m a causa inteligente, que tal u m a m áquina que é mais maravilhosa do que qualquer um ainventada pelos seres humanos? Claro que, repetindo, os não-criacionistas indicam a seleção natural co m o m eio pelo qual a inform ação simples (a vida) evolui em inform ação mais com plexa (form as de vida). Esta, porém , é alternativa altam ente duvidosa para a intervenção de u m Criador inteligente por, pelo m enos, duas razões. Primeiro, a seleção n atural não produz novas (mais altas) formas de vida; apenas m an tém as velhas. A seleção n atural é u m princípio de sobrevivência — a sobrevivência do mais adequado. Não cria novas formas, mas só ajuda a m an ter as velhas (Geisler and Anderson, OS, p. 149). Trata-se de u m princípio de sobrevivência, e não de u m princípio de obtenção. Segundo, a com paração entre a seleção artificial, na qual a m acroevolução se baseia, e a seleção natural é errônea. Os evolucionistas argum entam que se a seleção artificial produz m udanças significativas em cu rto período de tem po, então a seleção natural produz m udanças m uito maiores em longos períodos de tem po. Isto dá a entender que há sem elhança significativa entre a seleção artificial e a seleção natural. Pelo contrário, há diferença significativa entre elas em cada ponto principal (M atthews, “In troduction”
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a 0 0 S de Darwin, p. xi). Por exem plo, a seleção artificial tem u m alvo em m ira, mas a seleção n atu ral não. Além disso, a seleção artificial é u m processo inteligentem ente orientado, m as a seleção n atural não. Na seleção artificial há escolhas inteligentes de espécies, que são protegidas con tra processos destrutivos, ao passo que isso não o corre na seleção n atural. A seleção artificial m an tém caprichos desejados, ao passo que a seleção n atural elimina quase todos os caprichos. Por fim, a seleção artificial continuam ente interrom pe o processo para atingir a m eta, mas a seleção n atural não. Portanto, a seleção artificial tem sobrevivência preferencial, ao contrário da seleção n atural. Assim, em vez de serem semelhantes, a seleção artificial e a seleção n atural são exatam ente opostas nos aspectos mais cruciais. E m form a de quadro, tem os:
A S D IFEREN ÇAS C R U C IA IS Seleção A rtificial Meta
Alvo (fim) em vista
Processo
Processo inteligentemente orientado Escolha inteligente de espécies Espécies protegidas contra processos destrutivos
Escolhas Proteção
Seleção N atural Nenhum alvo (fim) em vista Processo cego Sem escolha inteligente de espécies Espécies não protegidas contra processos destrutivos
Caprichos
Mantém os caprichos desejados
Elimina a maioria dos caprichos
Interrupções
Interrupções contínuas para atingir a meta desejada
Sem interrupções contínuas para atingir qualquer meta
Sobrevivência
Sobrevivência preferencial
Sobrevivência não preferencial
A seleção n atural e a seleção artificial são radicalm ente discrepantes. Por conseguinte, a com paração é falha, e, co m isso, o m ecanism o crucial para a evolução darwiniana. A seleção n atural é falha porque, sendo processo puram ente natural, não tem inteligência para fazer o que pode ser feito pela seleção artificial (o u seja, inteligente). A única m aneira de a seleção n atural funcionar é dotá-la de poderes inteligentes, que é o que os evolucionistas com u m en te fazem. Por exem plo, os evolucionistas dizem coisas co m o as seguintes sobre a seleção natural: “Designada” para a nossa sobrevivência (Sagan, BB, p. 11). “Organizada” para a continuação da vida (Sagan, C, p. xiii). Afirmar que a seleção natural pode “designar” ou “organizar” é dizer que tem a faculdade da inteligência. A verdade é que os evolucionistas
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dotam a seleção natu ral não só com o poder da inteligência, mas tam bém com o poder da divindade. O próprio Charles D arw in se referiu a isso co m o “a m in h a deidade seleção n atu ral” ( I I , 20 de ou tu bro de 1859). Alfred Wallace (1823-1913), co-inv entor da seleção natu ral com Charles Darw in, disse que a seleção natu ral é “u m a M ente adequada para dirigir e regular todas as forças em ação nos organism os vivos, e tam bém nas forças mais fundam entais do universo m aterial in teiro” (W L [1910], com o citado em Edwards, editor, EP, 8.276).
Em sum a, para evitar o Criador inteligente da vida hu m ana, a evolução naturalista postula a seleção natu ral co m o u m a “deidade” inteligente e “suprem a” que “o rienta” o processo da evolução para a “m e ta ” de gerar vida. No esforço de evitar u m a Causa inteligente, eles a substituem por u m a deles. A Evidência G eológica
É freq ü entem ente esquecido que a ú n ica evidência real a favor ou con tra a evolução está no registro fóssil do passado. Todos os outros argum entos para a evolução são apenas o que poderia ter sido. S om ente o registro fóssil con tém o que de fa to aconteceu. D arw in tam bém recon h eceu este problem a, e ele escreveu em A Origem das E spécies: Por que toda form ação geológica e todo estrato não estão cheios de tais elos intermediários? E certo que a geologia não revela tal cadeia orgânica finam ente graduada, e esta, talvez, é a objeção mais óbvia e mais séria que pode ser levantada contra a m inha teoria, (p. 280)
Nos quase cento e cinqü en ta anos desde que D arw in escreveu, a situação só ficou pior para a teoria. Stephen Jay G ould (1941-2002), notável p aleontólogo de Harvard, escreveu: A raridade extrem a de form as transitivas no registro fóssil persiste com o o segredo da paleontologia fechado a sete chaves. As árvores evolutivas que adornam os livros de ensino contêm dados apenas sobre as pontas e nódulos dos ramos. O resto é inferência, ainda que racional, sem a evidência dos fósseis. ( “EEP”, 14, em N H )
Niles Eldredge e Ian Tattersall concordam , dizendo: A expectativa contam inou a percepção a tal ponto que o fato simples mais óbvio sobre a evolução biológica , a “não-m udança”, raram ente, se algum a vez, foi incorporada em qualquer um a
das noções científicas de com o a vida evolui. Se alguma vez houve um m ito, é que a evolução é um processo de m udança constante. (M H E, p. 8)
O que o registro fóssil apresenta? Evolucionistas com o Stephen Jay G ould chegaram a concordar com o que criacionistas com o Louis Agassiz e D uane Gish desde o princípio têm dito, a saber: A história da maioria das espécies fósseis inclui duas características particularm ente incompatíveis com o gradualismo: (1) A estase. As espécies, em sua maioria, não m ostram mudança direcional durante o tem po em que estão na terra. Elas aparecem nos registros fósseis com aspecto m uito sem elhante de quando desapareceram. A m udança m orfológica é norm alm ente
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lim itada e sem direção. (2) 0 surgimento súbito. Em qualquer área local, um a espécie não surge gradualm ente pela transform ação fixa dos seus antepassados. Surge tudo de um a vez só e “com pletam ente form ada” (Gould, “EEP”, em NH, p. 13, 14).
A evidência fóssil dá u m quadro bastante claro de criaturas adultas e totalm en te funcionais surgindo de repente e ficando exatam ente no m esm o. Não há verdadeira indicação de que um a form a de vida se transform a em um a form a de vida com pletam ente diferente. Certos evolucionistas, co m o Gould, ten taram lidar co m a evidência fóssil introduzindo a idéia do equilíbrio pontuado. Estes cientistas dizem que os saltos nos registros fósseis refletem catástrofes reais que ocasionaram grandes mudanças nas espécies existentes. Portanto, segundo esta visão, a evolução não é gradual, mas pontuada p or saltos súbitos de u m a fase para a seguinte. A teoria tem recebido críticas, porque os seus partidários não conseguem produzir n en h u m a evidência a favor de u m m ecanism o de causas secundárias que to rn e estes avanços súbitos possível. Pelo visto, este o ponto de vista está fundam entado som ente na ausência de fósseis transitivos. Entretanto, Darwin entendia que tal subtaneidade era evidência de criação. O equilíbrio pontuado não é um a explicação, mas u m a descrição — u m a descrição da evidência que é mais bem explicada pela criação e não pela evolução.
RESUMO Os cristãos crêem na criação do universo, da vida e dos seres hum anos. A ciência (co m o ordinariam ente concebida) não lida co m a origem das coisas, mas simplesmente com a operação delas. Não obstante, em bora o estudo das origens não possa ser feito de m odo empírico, pode ser abordado co m o ciência forense, quer dizer, os cientistas podem ten tar reconstruir o passado em base de semelhanças no presente. Isto é term inado por via dos princípios da causalidade e uniformidade (analogia). Quando o princípio da causalidade é aplicado à evidência científica de que o universo teve u m com eço, concluise que houve u m a causa da vinda do universo à existência. Além disso, quando por analogia co m o presente se pergunta que tipo de causa m elhor explica a quantidade vasta de inform ação inteligente (com plexidade especificada) até em u m animal unicelular, a resposta é: u m a Causa inteligente. Sem elhantem ente, quando analisamos o grande intervalo entre animais e seres hum anos, cujo cérebro con tém uns vinte milhões de livros de inform ação genética, é razoável postular um a Causa inteligente para o prim eiro ser hum ano. Portanto, de m uitos m odos cruciais, a evidência científica atual apóia a realidade da criação conform e está apresentada na Bíblia. Considerando que a ciência é limitada e progressiva, não devemos esperar acordo com pleto em cada detalhe co m a apresentação bíblica. C ontudo, a quantidade de acordo atualm ente é surpreendente, e apóia fortem ente o ensino bíblico de que Deus criou o universo (Gn 1.1), todos os seres vivos (G n 1.21) e os seres hum anos (à sua im agem , Gn 1.27).
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APÊNDICE
SETE
PNEUMATOLOGIA
E
ncon tram os a pessoa e a obra da terceira Pessoa Santa da Trindade ao longo da Bíblia e
em lugares diferentes neste trabalho. Farem os u m esboço cu rto reunind o as diversas partes para verm os m elh o r a Pessoa e m inistério do Espírito Santo.
A DEIDADE DO ESPÍRITO SANTO O Espírito Santo é Deus, igual em poder, atributos e glória com o Pai e o Filho. Isto está claro através de m u itos versículos da Bíblia (ver capítulo 12). A deidade do Espírito Santo é indicada por Ele (1) possuir os nom es de Deus, (2) ter os atributos de Deus, (3) execu tar os atos de D eus e (4) estar associado com D eus nas bênçãos e fórm ulas batismais.
O Espírito Santo recebe os Nomes da Deidade O Espírito Santo é cham ad o “D eus” ou “S e n h o r” (A t 5.3,4), “Espírito de D eus” (1 Co 3.16), “S e n h o r” (1 C o 12.4-6) e “Espírito e tern o ” (Hb 9.14).
O Espírito Santo Possui os A tributos da Deidade O Espírito Santo tem os atributos de Deus co m o vida (R m 8.2), verdade (Jo 16.13), am or (R m 15.30), santidade (E f 4.30), eternidade (Hb 9.14), onipresença (SI 139.7) e onisciência (1 Co 2.11).
O Espírito Santo Executa Atos da Deidade Entre as obras divinas do Espírito S anto estão o ato da criação (G n 1.2; Jó 33.4; SI 104.30), os atos da redenção (Is 63.10,11; E f 4.30; 1 Co 12.13), o desem penho dos m ilagres (G 1 3.2-5; Hb 2.4) e o favor dos dons sobrenaturais (A t 2.4; 1 Co 12.11).
O Espírito Santo Está Associado com Deus nas Orações e Bênçãos Judas 20 exorta os leitores: “Vós, amados, edificando-vos a vós mesmos sobre a vossa santíssima fé, orando no Espírito Santo”. A bênção de 2 Coríntios 13.13 contém os três membros da divindade: “A graça do SenhorJesus Cristo, e o amor de Deus [Pai], e a com unhão do Espírito Santo sejam com vós todos” (grifos meus). A fórm ula batismal de Mateus 28.19 tam bém contém o Espírito Santo, junto com os outros Membros da Trindade, todos sob um “nom e” (essência).
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
A PERSONALIDADE DO ESPÍRITO SANTO Na Bíblia, todos os elem entos da personalidade são atribuídos ao Espírito Santo: Ele tem u m a m ente (Jo 14.26; 1 Co 2.11), Ele tem vontade (1 Co 12.11) e Ele tem sentim ento (E f 4.30). Pronomes pessoais masculinos ( “ele” e “seu” ou “dele”) tam bém são atribuídos ao Espírito Santo: “Mas, quando vier aquele Espírito da verdade, ele vos guiará em toda a verdade, porque não falará de si m esm o, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará o que há de vir” (Jo 16.13, grifos m eus; cf. Jo 14.26). O Espírito Santo tam bém faz coisas que só u m a pessoa pode fazer, com o ensinar, comandar (A t 16.6), saber e perscrutar a m ente (1 Co 2.10,11, ARA) e orar (R m 8.26).
A PROCEDÊNCIA DO ESPÍRITO SANTO Há u m a ordem na Trindade, e cada m em bro tem u m papel específico a desempenhar. C om respeito à salvação, o Pai planeja e envia, o Filho é enviado e realiza, e o Espírito Santo convence os incrédulos e aplica a salvação aos crentes.
Procedência do Pai O Espírito Santo foi enviado pelo Pai. Jesus disse: “E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará ou tro Consolador, para que fique convosco para sem pre”. E acrescentou: “Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em m eu nom e, vos ensinará todas as coisas e vos fará lem brar de tudo quanto vos tenho dito” (Jo 14.16,26).
Procedência do Filho Em bora as igrejas orientais e ocidentais ten h am se dividido há m uito tem po sobre este assunto, a Bíblia indica que o Espírito Santo tam bém procede funcionalm ente do Filho. Jesus disse claram ente: “Mas, quando vier o Consolador, que eu da parte do Pai vm hei de enviar, aquele Espírito da verdade, que procede do Pai, testificará de m im ” (João 15.26, grifos m eus). Portanto, o Espírito Santo é enviado “do Pai” co m o tam bém do Filho.
A OBRA DO ESPÍRITO SANTO A obra do Espírito Santo pode ser classificada em duas categorias gerais: A sua obra na criação e a sua obra na redenção.
A Obra do Espírito Santo na Criação C om o o Filho (Jo 1.3; Cl 1.16), o Espírito Santo estava ativo na criação do m undo. Nos primeiros versículos da Bíblia, “o Espírito de Deus se m ovia sobre a face das águas” (Gn 1.2). Sem elhantem ente, Jó declarou: “O Espírito de Deus rae fez; e a inspiração do Todo-Poderoso m e deu vida” (Jó 33.4). O salmista acrescentou: “Envias o teu Espírito, e são criados, e assim renovas a face da te rra ” (SI 104.30).
A Obra do Espírito Santo na Redenção O Espírito Santo tem u m papel ativo na redenção (ver Volum e 3, capítulo 9). Ele convence os incrédulos do pecado (G n 6.3; Jo 16.8); Ele regenera os que estão m ortos em
PNEUMATOLOGIA
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delitos e pecados (E f 2.1); Ele sela os crentes até ao dia da redenção (E f 4.30); Ele batiza todos os crentes no C orpo Espiritual de C risto no m o m en to da salvação (1 C o 12.13), garantindo-nos a salvação (R m 8.16); Ele/ez milagres para confirm ar a verdade do cristianism o (C l 3.2-5; Hb 2.4); Ele concedeu dons espirituais aos crentes (A t 2.4; 1 C o 12.11; ver V olum e 4, capítulo 6). Ele revela (1 C o 2.10) e ensina (Lc 12.12). Ele inspirou as Escrituras (2 T m 3.16; 2 Pe 1.20,21), e Ele tam bém está iluminando os crentes à verdade de D eus (E f 1.17,18) e testemunhando da Palavra de D eus (1 Jo 5.9,10). Ele unge os crentes para o serviço (1 Jo 2.20) e enche os que se entregam a Ele (E f 5.18). C laro que o Espírito Santo habita em todos os crentes para sem pre (Jo 14.16,17). M uitos outros atos são atribuídos ao Espírito Santo. Eleperscruta (1 C o 2.10, A RA ), sabe (1 Co 2.11), fala (2 Pe 1.20), convida à salvação (Ap 22.17), revela (A t 20.23), ordena (A t 16.6), chama para as missões (A t 13.2), move-se (G n 1.2), ajuda (Jo 14.26), renova (SI 104.30), santifica (Hb 9.14), intercede (R m 8.26), unifica (E f 4.3), glorifica C risto (Jo 16.14), organiza o s assuntos da Igreja (1 Co 14.32,33); e orienta (A t 8.29). Em geral, o Espírito Santo aplica a salvação que o Pai proveu e o Filho obteve (ver Volum e 3, capítulo 9).
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O Dr. Norman Geisler, nesta coleção, trata dos temas mais impor tantes da teologia sistemática. A Teologia propriamente dita, a Bíblia, a criação, a doutrina de Deus, a Salvação, o Senhor Jesus Cristo, as Últi mas Coisas serão tratados de forma clara e muito bem pesquisada, de modo que o leitor tenha em suas mãos, para pesquisa, o fruto de uma vida dedicada à teologia e a defesa da fé cristã.
O D R.
N O R M A N
L.
G E I S L E R , ex-reitor do Southern Baptist
T h e o lo g ic a l Seminary, e m Charlotte, Carolina do Norte, é autor e co-autor de
mais de sessenta livros e de centenas de artigos. É orador e participa de debates a nível nacional e internacional. O Dr. Geisler possui bacharelado em Ciências Hum anas (B.A.) e mestrado em Ciências Humanas (M.A.) pela W heaton College, bacharelado em Teologia (Th.B.) pela W illiam Tyndale College e douto rado em Filosofia (Ph.D.) pela Loyola Universitv de Chicago. Teo logia Sistemática IS B N 978-85-263-0980-7
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